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O espaço virtual como uma
reprodução do espaço construído.
Julho | 2010
Resumo
Palavras Chave
Indústria Cultural
Mercado Imobiliário
Redes Sociais
Introdução
Essa pré determinação e racionalização do espaço ainda pode ser vista nas
moradias do século XXI. Com o notável crescimento da indústria da construção
civil e a valorização do metro quadrado na maioria das cidades brasileira, o que
se vê por aí são estojos cada vez menores que escondem a vida privada. O
espaço se reduz e os compartimentos aumentam junto com a necessidade de
consumo de bens específicos e adequados para cada “casulo”. Em uma
sociedade que se organiza prioritariamente pelo espaço, os desdobramentos
dessa realidade são bem importantes, já que a arquitetura determina
ambientes de ação, delimita e sustenta relações que os indivíduos
1 Filósofo Alemão
2 Kapp, Silke. Síndrome do Estojo. Ar8go para a MDC -‐ Revista de Arquitetura e Urbanismo
estabelecem entre si, influencia seus hábitos e movimentos de seus corpos,
forma a percepção do espaço e expressa significados da cultura.”3
3 Kapp, Silke. Por que Teoria Crí8ca da Arquitetura? Uma Explicação e uma Aporia. In: Maria Lúcia
Malard. (Org.). Cinco Textos Sobre Arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, v. , p. 115-167.
4 Dialé8ca do Esclarecimento (1985)
espaço gourmet e fitness center. Devem se sentar em uma chaise longue no
jardim. Afinal de contas, tudo foi feito sob medida para sua felicidade e seu
estilo de vida.
A indústria cultural compromete-se em oferecer continuamente o novo. No
entanto, o que oferece é uma representação, sob formas diferentes, de algo
sempre igual. Fica difícil expressar a criatividade dentro de um espaço tão
compartimentado. Os apartamentos lembram show room de lojas de
decoração. Tudo na medida para não sair do padrão e não fugir do conceito.
Estamos acostumados com a pré determinação e até esperamos por ela.
Existe certa preguiça em criar, já que nos acostumamos com tudo pronto, como
criticou Andy Wharol no séc XX, tudo é enlatado. O próprio consumidor
contribui para o sucesso da indústria cultural. Sente que se estiver agindo de
acordo com a proposta sugerida pelo meio, estará sendo aceito pelo mesmo. É
uma relação de mão dupla que sustenta essa realidade. Ao mesmo tempo em
que são forçados a escolher o que é proposto “Ninguém deve sentir fome;
quem sentir vai para o campo de concentração” 5 querem escolher o que é
proposto para não sentirem-se excluídos da sociedade. Concordam com o fato
de que de um lado estão os produtores e do outro os receptores da
informação. É o que Adorno e Horkheimer (1985) denominam como estado de
bem-estar social em grande escala, onde para afirmar sua própria posição, as
pessoas conservam em movimento a economia na qual, graças às técnicas
extremamente desenvolvidas, as massas já são, em princípio, supérfluas
enquanto produtoras. (p.124)
Com espaços diminuídos e cada vez mais compartimentados, os indivíduos
têm pouca oportunidade e pouco estímulo para se expressar. A vida já vem
pronta. O espaço é esse. A única medida que é preciso tomar é a adequação.
É preciso se adequar à realidade existente, às transformações do espaço e às
possibilidades dadas para continuar jogando .
A passagem do século XX para o século XXI foi marcada por uma mudança
essencial: passamos de uma sociedade de consumo para uma sociedade de
comunicação. Para Flusser (2005), só há uma época comparável com a que
vivemos atualmente: aquela que ocorreu na antiguidade, quando o homem
passou de um estágio pré-histórico e mítico, para uma fase histórica, lógica e
baseada na escrita alfanumérica. No atual estágio, chamado pelo autor de pós
histórico, a escrita é construída por máquinas e consiste essencialmente em
uma articulação de imagens. Sendo assim, a comunicação é elemento
norteador das relações da sociedade contemporânea.
O rápido desenvolvimento dos sistemas fez com que surgisse uma nova
concepção de espaço onde se potencializam as capacidades de comunicação
e armazenamento da informação: o ciberespaço. Para Lévy (1998), assim
como o arquiteto urbanista contribui para produzir o ambiente material dos
grupos humanos, designers e engenheiros do ciberespaço contribuem para
produzir ambientes de pensamento, percepção, ação e comunicação que em
grande parte vão estruturar as evoluções sociais e culturais. Autores como
Gibson (2003), interpretam o ciberespaço como uma analogia ao espaço
urbano, espaços virtuais adotam a metáfora da cidade como forma de
representação e estruturação.
Vemos então quase que uma releitura da cidade real para a cidade virtual,
onde algumas características, como barreiras de acesso ou limites físicos, não
existem, mas a essência das relações continua a mesma. O que se vê é uma
repetição das formas estruturais e de comportamento da sociedade “real”. Fica
inevitável voltar ao conceito de indústria cultural. As barreiras sociais
continuam. É preciso ser aceito em determinada comunidade, ou grupo de
discussão. As notícias atualizadas minuto à minuto em sites do mundo todo
são tão parciais quanto a dos veículos impressos. Quem domina a realidade
“real” também domina a realidade “virtual”. Se Benjamin falava da moradia
estojo do século XX, e o conceito serviu também para a moradia do século XXI,
será que pouco evoluímos a ponto de podermos falar da “realidade virtual
estojo”? Sites de notícias relatam o acontecimento em cada vez menos
palavras. Enquanto isso, nos satisfazemos apenas com as “manchetes”, não
damos nem um click para saber a notícia inteira. Da mesma maneira com que
uma construtora oferece cinco modelos de planta para um apartamento
tentando mostrar a possibilidade de escolha e autonomia do consumidor, sites
interativos oferecem a personalização de produtos na própria rede. Podemos
criar um tênis, uma estampa, um carro. E isso nos faz pensar que não somos
dominados. O espaço, mesmo que virtual, continua sendo um produto social
que determina o comportamento humano.
Bourdieu (1983) afirma que para viver em sociedade o indivíduo precisa fazer
parte de um campo social. O que vai influenciar a seleção do mesmo para
determinado campo é o capital social (rede de relações que o indivíduo
dispõe), o capital cultural (acesso aos bens e às informações da cultura e
capital simbólico (títulos, honrarias). Sendo assim, a posição dominante fica
com os indivíduos que tiverem mais “capital” válido em determinado campo.
Essa forma de adquirir poder também se repete na realidade virtual. Por
exemplo, em um site de relacionamento como facebook, quem tem mais
“amigos” ou recebe mais “visitas” é visto como mais influente. Da mesma
maneira, quem tem acesso aos conteúdos privativos de determinado site,
adquire mais conhecimento.
Assim como a indústria cultural propõe certo estilo de vida no mundo real, nos
apresenta uma incrível potência das tecnologias no mundo virtual, promovendo
uma irresistível realidade, onde quem está por trás são os donos do
telecapitalismo. Para Baudrillar (1997), o mundo inteiro estaria à mercê de um
feudalismo tecnológico, onde restaria para os indivíduos desaparecer, já que
estariam, dentro dessa perspectiva, riscados do mapa como território. Assim,
da rua de endereço tal passamos para o WWW, mantendo a mesma estrutura
de relação com o espaço.
7 h]p://www.cipedya.com/doc/102010 -‐ acesso em 20/07/2010 -‐ Ar8go realizado por Tim O´Reilly
Presidente e CEO da O´Reilly Media. Re8rado do original publicado em h]p://www.oreilly.com e
traduzido por Miriam Medeiros em Novembro de 2006.
aconteceu na noite anterior, milhões de vídeos já foram postados no “you tube”
com imagens de primeira mão daquele incidente. Milhares de pessoas já
comentaram e conversam sobre a situação nas redes sociais. A informação
circula de forma muito mais dinâmica na medida em que as relações são mais
próximas e acessíveis. O efeito contrário também acontece. Ao mesmo tempo
em que a web possibilita ao usuário criar conteúdos e realidades, “emburrece”
a população entregando as informações já prontas. A partir do momento que a
informação está pronta, a maioria dos usuários se acomoda e aceita o que é
dado. – “ Está correto sim, eu vi no google”. Voltemos então, pela terceira vez,
à lógica do estojo: as coisas já vem, enlatadas, basta usar. Assim como no
espaço construído o valor de troca é maior do que o valor de uso, no
ciberespaço isso também ocorre. A preocupação, na maioria das vezes, não é
satisfazer as necessidades dos usuários, mas lucrar em cima da informação.
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O espaço é um produto social, seja ele virtual ou construído. Após uma análise
da realidade dos imóveis fabricados em série pela indústria da construção civil
e do surgimento e disseminação das redes sociais no ciberespaço, pode-se
fazer um paralelo entre as duas perspectivas. Avaliando essa realidade do
ponto de vista da possibilidade de criação e de transformação do espaço, as
opções de escolha são pequenas. A conquista do espaço é cada vez mais
difícil e a propriedade de uso cada vez menor. O twitter é uma ferramenta
usada para disseminar uma idéia, um pensamento. A oportunidade do usuário
criar seu conteúdo. No entanto, só é permitido fazer isso com o número
máximo de 140 caracteres por tweet. Ou seja, há um limite máximo de
palavras. As idéias devem ser reduzidas, absorvidas, dissecadas para que
possam ser enquadradas naquele retangulozinho vendido como se fosse “a
boca do mundo”. No espaço construído nos deparamos com as inúmeras
ofertas de imóveis cubículos onde a pré-determinação é a mesma. A chance
de se expressar se existingue, tudo já está formatado “ao gosto do freguês”. Os
espaços vão se apertando, as palavras, sumindo. E as pessoas vão se
acostumando com os cubículos, com os retângulos, sem perceber. O pensar e
o refletir ficam cada vez mais escassos. O que está em jogo não é o bem estar,
o interior, mas o que é percebido de fora. Como os meus “seguidores” irão me
perceber se eu escrever tais palavras?
BORDIEU, Pierre. “Alta costura e alta cultura”. In: Questões de Sociologia. Rio
de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 154-161
KAPP, Silke. Por que Teoria Crítica da Arquitetura? Uma Explicação e uma
Aporia. In: Maria Lúcia Malard. (Org.). Cinco Textos Sobre Arquitetura. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2005, v. , p. 115-167.