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Resumo
Este artigo trata da cidade e do urbano, como formas sociais, a partir do pensamento do filósofo Henri
Léfèbvre. O objetivo ao elaborá-lo foi apresentar parte de sua compreensão sobre estas formas sociais
e, portanto, de suas trajetórias ao longo da história ocidental, destacando a fase crítica porque passam
atualmente. Com efeito, novos métodos de apreensão da cidade e do urbano são propostos. Para
Léfèbvre, o urbano encerra um potencial revolucionário, no entanto, não perceptível pelas ciências ainda
por conta do “campo cego”. Concluímos conclamando a um aprofundamento da discussão sobre a cidade
e o urbano na Geografia.
Abstract
This article deals with the city and the urban, as social forms, according to the knowledge of the
philosopher Henri Lefebvre. The aim was to present part of his comprehension about these social forms
and, therefore, their trajectories along western history and the critical phase in the present time. As a
result new methods of research about the city and the urban are proposed. To Lefebvre, the urban has
a revolutionary potential, however, still do not perceived by sciences because of the “blind field”. We
conclude asking for a discussion about city and urban in the Geography.
tornaram-se classe hegemônica2. Desde então, O valor de troca, já presente nas mercadorias,
a praça (como expressão da centralidade) é a do ainda não dominou a prática social, pautada no
mercado. valor de uso e nos costumes, o que permite com
A superação da cidade política pela que a festa, a reunião, a apropriação da rua ou da
comercial aconteceu porque um efetivo espaço praça aconteçam de acordo com as possibilidades
de catástrofe3 se implantou por sobre o espaço de emprego de tempo, e segundo éticas e estéticas
da cidade política. As condições de estabilidade próprias aos grupos sociais.
da cidade política entraram em colapso com a Doravante, com a consolidação dos
consolidação da atividade comercial e, com efeito, comerciantes enquanto classe hegemônica, isto é,
a morfologia arquitetural da cidade é explodida como burguesia comercial, tem-se um crescente
para dar lugar ao encontro de pessoas destinadas acúmulo de riquezas e a preparação para um novo
a estabelecer a troca. A igreja e a prefeitura processo social conhecido como industrialização.
agora em diante estão situadas na mesma praça Sem qualquer dúvida, este processo provocou
onde ocorre a troca. O que estas metamorfoses profundas metamorfoses sobre a prática social e
estão indicando? Ora, a cidade para Léfèbvre é a cidade. A indústria negou a cidade e também
uma transição entre a ordem próxima e a ordem a estrutura social presente nela. Isto equivale a
distante, ou seja, entre o campo que a circunda dizer que uma profunda descontinuidade histórica
e a sociedade em seu conjunto, logo, se a se instalou sobre a cidade comercial. Neste
catástrofe se implanta na cidade, significa que ela aspecto, Léfèbvre considera mesmo que uma “crise
também se manifesta no campo e na sociedade gigantesca,” fruto de uma “mudança radical,” tem
como um todo, mas em intensidades e ritmos lugar na cidade (1972, p. 7).
diferentes. Por quê? Porque o processo social A indústria, de início, prescindiu da cidade
inicia uma inflexão da prática social – os senhores porque seu foco estava nas fontes de energia e/
de terra são, progressivamente, suplantados por ou de matérias-primas localizadas, geralmente,
monarquias nacionais (condição sine qua non para fora da cidade. Progressivamente, a indústria se
a estabilização do comércio), na outra ponta, os aproximou das cidades por conta da abundância
camponeses passam a produzir para a cidade. de mão de obra, capitais e do próprio mercado.
As representações da relação cidade-campo, Este simples movimento da indústria em direção
dessa época, indicam isso - o campo passa a ser à cidade produziu profundas transformações em
o mundo das forças incontroladas e tenebrosas, sua morfologia. Primeiramente, a industrialização
enquanto a cidade torna-se o lugar da liberdade. negou a centralidade na cidade, fenômeno que
Tal é o quadro geral do Ocidente europeu durante Léfèbvre identifica como “implosão”, pois, o
os séculos XVI-XVII. conteúdo político e comercial perde sua potência
A cidade comercial, sim esta nova realidade social. Depois, ocorre a “explosão” da cidade ou
implantada por sobre o que restou da cidade projeção de fragmentos da malha urbana disjuntos
política, intensifica a troca. Circuitos comerciais por uma vasta região (as periferias). Deste duplo
entre cidades são estabelecidos porque a riqueza, processo (implosão-explosão) uma anticidade foi
aos poucos, vai deixando de ser só imobiliária produzida, negando com extrema potência a cidade
(terras) para ser também mobiliária (dinheiro). política-comercial. Essa anticidade tem como
Nesse ritmo as estradas e rotas marítimas se fundamento a generalização das relações pautadas
consolidam. O comércio conduz ao acúmulo de no valor de troca, sobrepujando-se ao valor de
dinheiro e, nesse processo crescente, são criados uso e, consequentemente, a substituição da obra
também os primeiros bancos. Só que a cidade pelo produto. Tal fundamento esvaziou a qualidade
comercial ainda é uma obra no sentido mesmo dos costumes e das relações espaço-tempo,
de uma obra de arte. Por quê? Como? Sendo aplainando-as a uma condição quantitativa cuja
um objeto concreto a cidade contém os sentidos melhor expressão está contida no cotidiano. Por
da prática social de diferentes grupos que lutam exemplo, as festas outrora ricas de significações
entre si, mas que pertencem e amam sua cidade. se tornaram uma repetição de signos destinados
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ao consumo. É como se a cidade fosse compelida urbana, suplantará a sociedade industrial4. Seu
a se transformar em uma gigantesca empresa. encadeamento de raciocínio a respeito dessa
Aquele ciclo de inversão agrária em direção fase crítica é mais o menos o seguinte: com a
ao urbano, iniciado com o comércio se consolida industrialização, a história entrou em uma fase de
agora com a indústria na cidade. O campo não é mundialização na qual sua principal característica é
mais que uma heterotopia para os citadinos, o disseminação das relações de produção e da lógica
lugar do atraso, mas a cidade não é mais o lugar produtivista capitalista (crescimento econômico);
da liberdade como outrora. Muito pelo contrário, a destroem-se as particularidades locais em favor de
cidade industrial é uma “prisão do espaço-tempo”. uma homogeneização que viabiliza a constituição
A metáfora, neste caso, é para destacar o controle de um mercado em nível global. Por outro lado,
do tempo social na cidade industrial, por exemplo, Léfèbvre identifica resistências ao processo de
o tempo do deslocamento diário casa-trabalho- homogeneização (as chamadas originalidades
casa impõe ao trabalhador uma dura jornada de irredutíveis), tais resistências apontam (isto é uma
horas em transportes coletivos. Além das precárias hipótese) para a instauração da diferença como
condições dos meios de transporte, o que se pode característica fundante da sociedade urbana em
fazer durante as extenuantes horas entre a ida um período nomeado de trans-histórico (1971). No
ao trabalho e o retorno para casa? Muito pouco, entanto, na fase crítica atual vivenciamos uma luta
talvez cochilar, ler, bater papo com os “colegas de intensa travada entre as forças homogeneizantes
viagem”, porém, isso não altera a qualidade do e as diferenciais pelo devir, mas a inversão deste
espaço-tempo, muito pelo contrário, só reafirma mundo invertido porque centrado no capital, como
a condição de uma “prisão”. um projeto marxiniano, alcança em Léfèvbre uma
Desse quadro no qual emerge a cidade dimensão extraordinariamente radical e simples
industrial sobre as predecessoras, como se porque “afirma o primado durável do habitar”
manifesta o urbano? Esta questão só pode ser (2004, p. 87).
esclarecida pelo método dialético. Pensada pela Para o filósofo, o ato de habitar é uma
lógica formal a urbanização é apenas um produto condição revolucionária porque é capaz de se opor
da industrialização; dialeticamente, aquela supera dialeticamente ao movimento de homogeneização
esta porque também é um fenômeno indutor de do capital, mas habitar não se resume apenas a ter
transformações qualitativas na sociedade, ela é uma moradia, afinal, trata-se do direito à cidade no
o “sentido da industrialização”. Na cidade, esta sentido político mais profundo possível. Sobre este
dimensão qualitativa do urbano está presente direito, sabemos e realizamos muito pouco. Nossas
nas crises - da habitação, da segregação de toda lutas pontuais na cidade por transporte, creche,
ordem, do centro e das periferias, da violência... água e moradia, só para ficarmos nesses casos
Onde há contradições na/da cidade irrompe o mais freqüentes, não significam necessariamente
urbano pleno de sentido porque é o negativo da o direito à cidade. Na realidade, podem conduzir
dispersão e da segregação! O pensamento formal justamente ao oposto, isto é, incitar a prevalência
presente, sobretudo, no planejamento de cidades, da forma mercadoria, através das relações
nega a crise e tenta minimizá-la a uma condição pautadas no valor de troca sobre o uso. Isto
marginal. A cidade industrial, fruto da potência da acontece porque a cidade, inicialmente na Europa
industrialização, vive sua crise como um sintoma Ocidental, deixou de ser apropriada enquanto obra.
que anuncia transformações.
Antes de continuarmos com o raciocínio é
bom que se diga que para Léfèbvre (2004) estamos Um pouco do método lefebvriano
vivendo em uma fase crítica da sociedade com um
todo, o que inclui a cidade. Tal fase guarda o mesmo Como as ciências parcelares tratam o
sentido daquela primeira que promoveu a inflexão processo dialético de superação da cidade industrial
do agrário para o industrial através do comércio, só pela sociedade urbana? Simplesmente não tratam
que nesta segunda inversão o urbano, ou sociedade ainda. Por quê? Porque, segundo Léfèbvre, a
Sobre a cidade e o urbano em Henry Lèfébvre pp. 133 - 142. 137
racionalidade científica não vê o que se anuncia estrutura; vivido, concebido e percebido; agrário,
como virtualidade (o urbano), para ele as ciências industrial e urbano etc6. A própria problemática
estão em um “campo cego” (2001). Os problemas que estamos tratando aqui é, na realidade, uma
urbanos (espaços malsãos) são revolvidos pela discussão também trinitária, porque a cidade, já
solução urbanística, quantos duvidarão disto? dito anteriormente, é uma mediação espaço-tempo
Bem poucos...então estamos diante do fato que entre um nível superior e outro inferior.
as ciências parcelares têm suas “lentes” focadas O nível superior age em uma escala
ainda no “campo industrial”. Elas veem a cidade espacial muito ampla e tem o Estado e o poder
como uma expressão da industrialização e o caos econômico com agentes privilegiados. Ele se instala
urbano como algo que deve ser posto em ordem na morfologia prático-sensível da cidade através
sob o olhar vigilante do Estado! O campo cego de diversas formas – órgãos federais, sede de
aponta para um “continente” no qual não impera empresas e bancos etc, sua lógica se expressa
mais a lógica da produção e do trabalho, mas sim como uma ordem em consonância com as classes
da reprodução e fruição. É uma nova “camada” dominantes (apesar de haver conflitos isto não
sociológica que se sobrepõe às antecessoras é a regra geral) e põe em ação estratégias que
(agrária e industrial). instauram controle e coações na cidade. Essas
A Profa. Ana Fani A. Carlos, ao interpretar estratégias ganham a forma de subsistemas
o campo cego no qual as ciências parcelares se urbanos (circulação, vigilância, informação, etc.)
encontram, exprimiu com muita ênfase que na os quais, em conjunto, parecem indicar a busca
academia “vivemos dramaticamente o confronto de um sistema total.
entre a razão formal e a razão dialética”5. Afinal O nível ecológico ou privado, onde o habitar
aquela razão “dissimula” a contradição porque corresponde à ação principal, constitui o ponto de
pensa a realidade a partir do princípio fundamental partida de informações e de chegada de ordens.
da lógica formal, quer seja, o da identidade A=A. Este nível é o que modula a cotidianidade atual,
Este princípio, quando somado à condição de pautada no consumo em massa. Apesar de não
estabilidade sensível que a forma comporta, opera, ser o objeto da nossa discussão, é importante
na análise, o rompimento da forma com aquilo sublinhar o detalhado estudo sobre a vida cotidiana
a transforma - o seu conteúdo em processo. As e sua correspondência com a modernidade, através
ciências parcelares tornaram-se reféns dessa daquilo que Léfèbvre denomina de Sociedade
razão, por isso, a dificuldade de restituir o lugar Burocrática de Consumo Dirigido (SBCD)7.
do pensamento crítico a esta sociedade e, logo, a Ainda sobre a forma trinitária podemos
resistência de se teorizar as contradições desse pensar e apreender os níveis acima, em escalas
mundo. Não que se descarte a razão formal em crescentes, da seguinte maneira: o arquitetônico
favor da razão dialética, mas aquela tem que ser ou do habitar (microssociológico), o urbanístico ou
entendida como um momento desta. Somente o da cidade (macrossociológico) e, finalmente, o
quando o outro (o negativo) é alçado à condição de nível territorial ou global (Estado-país/mundo). Há
equivalente contraditório, de qualquer processo, é aqui uma lei ou princípio entre os níveis: eles se
que atingimos à condição de pensar dialeticamente interpenetram e se superpõem sem, no entanto,
a realidade. Por isso, a razão dialética conduz-nos se anularem.
a uma inteligibilidade capaz de apreender (teórica Já o fenômeno urbano, enquanto outra
e pela prática) a multiplicidade de contradições da relação espaço-tempo, diferente da agrária ou
realidade urbana, mas para isso, também se faz da industrial, requer que estabeleçamos suas
necessário pensar em mediações. dimensões, as quais revelam as propriedades ou
Léfèbvre pensa a realidade em suas qualidades topológicas. Léfèbvre compreende que
contradições e conflitos pela lógica dialética o urbano é uma mensagem a ser decodificada, para
e expõem seu pensamento através da forma tanto, ele propõe um procedimento metodológico
trinitária. Tal forma pressupõe três elementos em composto de três dimensões: a simbólica, a
interação e negação, por exemplo, forma, função e paradigmática e a sintagmática.
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autor, mas para ilustrar, citemos a que se segue como contraponto das necessidades mediadas
abaixo, na qual Léfèbvre analisa a Comuna de pelo código contratual de compra e venda.
Paris, Isso é o negativo. Diante disso, não podemos
esperar ou conceber que esta fase crítica não vá
A Comuna de Paris fornece o mais intensificar os conflitos, pelo contrário, tudo na
belo exemplo de ideologização cidade aponta para caos. Talvez fosse o momento
duma história e da história. Uma de recuperarmos alguns ensinamentos contidos
imagem mítica, uma interpretação nas tragédias gregas que tratam da catástrofe da
partidária (na acepção precisa deste cidade política.
termo) entrou na cultura e impôs- Do caos implantado sobre a cidade
se esmagando as outras versões. industrial, o urbano poderá restituir, como
Oficialmente, pode-se dizer que a possibilidade, a reapropriação da unidade tempo
Comuna de Paris foi uma revolução e espaço. Para tanto, o urbano precisará superar
proletária, a primeira (...) Donde dialeticamente a prática atual de compra e venda
veio o seu fracasso? Duma ausência; do tempo e espaço. Tal possibilidade, se realizada,
faltava aos participantes da Comuna será a riqueza suprema dos seres humanos. Por
um partido político capaz de dirigir a outro lado, isto não significa que o urbano superaria
acção revolucionária. todas as contradições anteriores. Na realidade,
Sobre esta imagem ideológica, ele as absorveria e as transformaria de maneira
quantas reservas a formular! O diferente em cada lugar.
movimento popular, no fim do assédio Pela compreensão de Léfèbvre, este
de Paris, não reunia apenas operários, momento de transição, de fase crítica, não indica
então pouco numerosos e difíceis de um fim da histórica, mas a passagem para outro
definir como tais. Os seus objetivos? período nomeado de trans-histórico. A diferença
Tão vastos como confusos. (...) Na básica entre este período e o anterior, o histórico-
luta estava em jogo a Cidade e o industrial, reside, em resumo, na diversificação
seu Centro. A Comuna de Paris não e multiplicação do uso do tempo. Para Léfèbvre,
era apenas um meio político, um no período trans-histórico começa o “reino da
instrumento, mas mais e melhor: o diferença” (1971, p. 270) no qual há a restituição
sentido da luta. (1971, p. 288-9). do desejo. Contudo, do ponto de vista da teoria,
seria necessário recuperar a noção marxista de
Ou seja, Léfèbvre buscou demonstrar que apropriação porque assim se poderia compreender
a revolução não está apenas nas mãos da classe como ocorreria a desalienação, condição sine qua
operária, mas e, principalmente, nas mãos do non para a restituição do desejo e a consolidação
movimento popular. Portanto, sua compreensão da diferença.
sobre a classe operária possui um senso muito mais Pensar a diferença como a qualidade que
amplo do que aquele cunhado por Marx e Engels, marca a prática social do urbano requer uma
pois, se aos periféricos a condição de exploração capacidade de ir além, muito além, dos conceitos
é inquestionável, então estes seriam, na sua e representações de que dispomos atualmente.
interpretação, a “classe” que fomenta a revolução. Significa pensar o impossível (a revolução total)
E como o urbano intervém nessa fase para se atingir o possível; pensar o trajeto e o
crítica? O urbano de induzido (pela industrialização) projeto, isto é, um objetivo e uma finalidade
torna-se indutor, mas não de quantidades e sim inseparáveis; pensar o discurso e o percurso, ou
de qualidades. Essas qualidades (seu conteúdo) o mental e o social; por fim, significa pensar a
estão relacionadas com aquilo que Marx e Lênin diferença como expressão do desejo religado à
já discerniam como desenvolvimento e Léfèbvre, apropriação do tempo e do espaço. Como afirma
depois, como diferença. Na realidade, o cerne o filósofo, o direito à diferença diz respeito uma
está na tese de que o urbano restituirá o desejo pessoa que “não quer nem de longe imitar qualquer
Sobre a cidade e o urbano em Henry Lèfébvre pp. 133 - 142. 141
grande modelo, nem se identifica com ele, esta Esta seja talvez a maior aprendizagem que
pessoa não tem outra saída senão de querer-se tenhamos obtido com base nas obras aqui
outra. Ela já é diferente” (1970, p. 51). Difícil arroladas. No entanto, não basta pensá-las apenas
pensar com esses conceitos? À primeira vista sim, como produto, porque assim, tanto negligenciamos
mas basta que olhemos com cuidado este mundo seus conteúdos quanto a maneira de apreendê-
para que percebamos quantos sintomas e indícios los, isto é, dialeticamente. O exercício de uma
de transformações da prática social acontecem lógica dialética pressupõe, como já dissemos, a
agora e o que devir aponta. Para Léfèbvre é preciso lógica formal, mas apenas como um momento. A
ter especial atenção “com a guerrilha urbana e as lógica dialética se elabora, em Léfèbvre, através
vastas reuniões de jovens ‘não violentos’, ávidos das tríades porque ele pensa o conflito forma-
de contatos, de amor, de erotismo, de fruição (...) conteúdo se realizando por mediações. À medida
(1971, p. 281). que percebemos isto, também entendemos que
o movimento de compreensão também se realiza
para além do próprio filósofo, isto é, faz-se
O que considerar finalmente? absolutamente necessário ir às fontes da lógica
dialética, ou seja, Marx e Hegel.
Tentamos, ao longo dessas poucas Em relação à Geografia, este artigo procurou
páginas, resgatar parte da riqueza do pensamento incitar uma discussão mais de fundo a respeito
lefebvriano a respeito da cidade e do urbano. da noção de forma social. Pragmaticamente, na
Sabemos que muitas discussões não foram aqui Geografia, tem-se pensado as formas apenas como
contempladas, pois, este artigo reflete também materialidade, isto é, formas-objeto ou formas-
os nossos limites de apreensão e compreensão. conteúdo, no entanto, em Léfèbvre, as formas
Entendemos que atingir um nível razoável de são expressões das estruturas, logo, há formas
compreensão da obra de Henri Léfèbvre requer materiais (prático-sensíveis) como a cidade, mas
um esforço considerável. É preciso perceber seu também formas não-materiais, porém concretas,
método de encadeamento de ideias, conceitos, como as formas lógicas presentes nas relações
enfim, entender não só o que ele pensa, mas, contratuais. Infelizmente, a elaboração de uma
sobretudo, como ele pensa. teoria das formas em Léfèbvre ficou inacabada,
Também precisamos superar os limites mas suas indicações são preciosas e merecem ser
da nossa formação acadêmica, extremamente desenvolvidas.
pautada na lógica formal, para começar a refletir Enfim, é necessário ainda superar o
dialeticamente este mundo e suas contradições. preconceito enraizado na academia contra a crítica
Neste sentido, devemos destacar a contribuição do como instrumento de produção de conhecimento.
curso sobre a cidade e o urbano, ministrado pela Sem crítica à sociedade, o que inclui as ciências
Profa. Ana Fani A. Carlos, porque nos conduziu parcelares, nada de conhecimento. Neste aspecto,
a um primeiro movimento e/ou momento de a Geografia tem um longo percurso ainda por
superação da lógica formal. Sinceramente não foi realizar, no entanto, há sem dúvida uma importante
fácil, mas sem dúvida, necessário! contribuição a ser ofertada por esta ciência à teoria
A cidade e o urbano são formas sociais. social.
Notas.
1. As reflexões que este artigo expressa são fruto comercial das cidades européias se estabeleceu,
das leituras e discussões empreendidas no curso “A aproximadamente, no século XIV.
cidade e o urbano na obra de Henri Léfèbvre”, do
Programa de Pós-graduação em Geografia Humana 3. Este conceito, espaço de catástrofe, procura
da FFLCH/USP no segundo semestre de 2006. representar a superação de uma espacialidade
por outra, através das descontinuidades em sua
2. Segundo Léfèbvre (2004, p. 23), a função morfologia. O elemento causativo de um espaço
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Bibliografia