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Este documento contém os três primeiros capítulos do livro

Territórios: O Cinturão de Fogo. Espero que vocês, queridos


leitores, curtam esta leitura inicial tanto quanto eu curti
escrever. Espero em breve lançar o livro oficial.

Obrigado,

André L. I. de Lima
Meu nome é Alfonso de Tornelia, mas todos na escola
me chamam de Alf. Não sou o que se pode chamar de garoto
popular. Afinal, que garota acharia um menino de quinze anos,
com um metro e setenta, cabelos ruivos, olhos de cor vinho e
um nariz gigantesco, bonito? Sem mencionar que com a
puberdade vieram também as espinhas e o que faltava no meu
rosto era espaço para encaixar mais uma delas. Quem conhecer
essa garota, então, por favor, me apresente a ela.

Eu nasci em um reino chamado Reino Leonida, também


conhecido como Reino da Aurora. Existem muitas lendas que
povoam o folclore do nosso reino, mas a mais importante delas
é de como surgiu o nosso reino.

Nos tempos antigos, o continente era povoado por


humanos que viviam em relativa harmonia. Não existia ainda o
Reino Leonida, apenas porções de terra denominados
Territórios. Cada Território tinha seu governante: uma pessoa
intitulada Marquês. Existiam ao todo cinco pessoas com esse
título e cada uma delas representava um dos cinco elementos
mais comuns do continente. Os elementos eram: água, fogo,
vento, lua, terra.

Esses soberanos mantinham relações estreitas de


amizade e ajuda entre si e casamentos entre pessoas de
diferentes Territórios era freqüente. Existia também uma
complexa estrutura hierárquica entre os Marqueses que
mantinha o equilíbrio entre eles evitando guerras. Contudo, um
dia, um Marquês poderoso e cruel começou a marchar com
tropas e armas que nenhum outro Marquês, ser humano, ou até
mesmo ser vivo daquele continente tinham algum dia visto.

Era uma força formada por homens e seres horrendos.


Alguns tão grandes que em uma pegada deles podiam caber até
dez homens, outros tão fortes que moviam pedras mais pesadas
que elefantes. Mulheres que mais pareciam serpentes lançavam
chuvas de flechas sobre vilas. Monstros peludos que uivavam
para a Lua amedrontando as pessoas que os ouvissem.

Um a um, os Marqueses foram perdendo a guerra e o


Marquês soberano foi sobrepujando a força dos seus iguais. Em
poucos anos, o Território do Vento e em seguida o Território
da Terra foram conquistados em duas batalhas épicos que
ficaram conhecidas como A Batalha da Cortina e a Batalha do
Canyon, respectivamente.
O continente estava vivendo uma época de crise. A
fome, a insegurança e o medo assolavam o espírito de todos os
seres vivos que habitavam nosso mundo. Foi então que de uma
pequena vila, um garoto que mais tarde se tornaria o unificador
do continente, surgiu.

O Marquês da Lua estendeu suas garras para o


Território do Fogo destruindo muitas vilas construídas na
periferia do Território. O Marquês do Fogo enviou seus
soldados de elite que mais tarde ficaram conhecidos como
Cavaleiros da Aurora. Esses soldados conseguiram conter o
avanço das tropas do Marquês da Lua numa pequena vila de
onde viria o salvador de todo o continente.

Um garoto órfão chamou a atenção dos soldados. Esse


garoto chamava-se Leônidas e sua habilidade com a espada
superava a habilidade de muitos dos soldados que protegiam a
vila. O líder dos Cavaleiros da Aurora resolveu então treinar o
garoto para que ele se tornasse um soldado também. Já na
primeira batalha, Leônidas matou vários inimigos e a partir daí
ele não parou mais. Leônidas marchou junto com os lendários
Cavaleiros da Aurora contra as tropas do Marquês soberano
vencendo muitas batalhas e empurrando as tropas do inimigo
de volta para fora da fronteira. Logo Leônidas ficou conhecido
por todo o continente por sua habilidade e pelas vitórias no
campo de batalha.

A partir daí a esperança voltou a correr nas veias das


pessoas. Com um contingente humilde, Leônidas conseguiu
libertar o Território da Terra do domínio do Marquês da Lua e
em seguida iniciaram uma campanha para libertar o Território
do Vento.

Vendo seu império começar a desmoronar, o Marquês


da Lua usou sua carta na manga. Ele lançou seus quatro
Generais para combater Leônidas e os Cavaleiros da Aurora.
Muitas batalhas sangrentas explodiram nos vários cantos do
continente. Vilas foram destruídas até não sobrar nada em pé.
Famílias foram separadas. Contudo, Leônidas e os Cavaleiros
da Aurora continuavam vencendo as batalhas e o exército do
Marquês da Lua recuava continuamente.

Por fim, Leônidas derrotou os quatro Generais do


Marquês da Lua e percebendo sua derrota iminente, ele fugiu
pelo mar desaparecendo no horizonte escuro.

A notícia da vitória de Leônidas e dos Cavaleiros da


Aurora logo percorreu os quatro cantos do continente. A vida
voltou a irradiar e as pessoas comemoravam cada segundo com
a certeza de que dias de paz viriam. Aproveitando sua
reputação, Leônidas unificou os cinco Territórios e tornou-se o
primeiro rei do reino recém-formado Aurora, nome que deu em
homenagem aos cavaleiros que lutaram bravamente ao seu
lado.

Mas esta é apenas uma lenda. O que será contado nestas


páginas é a minha história.
Chovia muito naquele dia. Era como se todas as estrelas
resolvessem chorar simultaneamente.

Na noite anterior, os jornais já alertavam sobre a grande


tempestade que vinha na direção do continente. Eles diziam
que nunca registraram uma formação como aquela. Uma
grande quantidade de nuvens escuras com grandes chances de
precipitação aproximava-se numa velocidade alarmante.
Cidades do Leste já enviavam notícias mostrando os estragos
que a tempestade já causara na sua longa passagem e
continuava causando.

- Que loucura. – minha mãe falou antes de puxar alguns


noticiários da minha mão e me mandar dormir porque teria aula
no dia seguinte.

- Mas olha aqui. – retruquei mostrando uma imagem


que podia muito bem ser confundida com a Torre da Visão:
monumento de dez metros que foi construída no período da
unificação no antigo Território da Lua. A imagem mostrava
apenas a parte de cima de um círculo trespassado por uma
espada. – Não vão dar aula com um tempo assim.

Minha mãe me fitou irritada.

- Vai logo dormir, moleque. – uma voz mais grossa veio


do sofá. A voz era do meu pai. Um homem gordo e
insuportável que sentia uma satisfação irritante em me
perturbar.

- Alf, - minha mãe falou com a voz calma. – por favor.

Olhei para minha mãe e não conseguia negar algo a ela.


Assenti contrariado.

- Tá bem. – falei.

- Esse moleque. Você pega muito leve com ele. – ainda


pude ouvir meu pai enquanto eu subia a escada para o meu
quarto.

- Ora, Arnaldo. Pare com isso. – os dois provavelmente


começariam a discutir, mas não ouvi mais nada porque tranquei
a porta do meu quarto e fui deitar na minha cama. Antes
mesmo de amanhecer, já era possível ouvir o barulho de trovão
e dos pingos de chuva caindo no telhado.
- Alf. Já está na hora de você ir para escola. – minha
mãe me acordou me descobrindo do lençol.

Abri os olhos e minha visão estava turva.

- Mas ainda é noite. – reclamei voltando a me enrolar


no lençol depois de ver um céu escuro através da janela.

- Não é noite. Já é dia. Só que essa chuva... – um trovão


cortou as palavras da minha mãe. Em compensação, ele me
despertou.

Levantei contra a minha vontade e minha mãe desceu


para a cozinha. Ela tremeu quando mais um trovão chacoalhou
as paredes de casa. Sorri dela. Desde que me lembro ela tinha
pavor de tempestades, mas o que a assustava de verdade eram
os trovões.

Troquei de roupa e desci para o café da manhã. Apenas


minha mãe estava lá. Meu pai ainda devia estar dormindo
porque era apenas isso que ele sabia fazer. Já minha irmã quase
nunca estava em casa. Ela preferia muito mais estar na casa das
suas amigas. Minha mãe colocou desastradamente um bule
com café na mesa e senti pena dela ao notar suas mãos
tremendo.
- Calma mãe. – falei carinhosamente embora ela nem
tenha escutado.

Tomei o café da manhã e corri para a escola. A escola


que eu estudava se chamava Bela Aurora. Eu não entendia o
motivo de chamar nossa escola de bela, já que de bela ela não
tinha nada. A escola era freqüentada, em sua maioria, por
garotos e garotas de comportamento fora do padrão da
sociedade. Os garotos problemáticos adoravam quebrar
paredes, enfiar a cabeça de garotos mais fracos nas privadas
imundas da escola, entre tantas outras coisas. Antigamente ela
era muito melhor, mas depois que a outra escola fechou, Bela
Aurora teve uma queda de qualidade porque passou a ser a
única escola da cidade. No caminho, a chuva deu um descanso
então consegui chegar pouco molhado na escola. Atravessei o
corredor até a sala onde eu tinha aula. Hoje era dia de aula de
História e senti um desânimo enorme ao girar a maçaneta e dar
de cara com o Sr. Jairo me fitando desdenhosamente.

- Chegou cedo hoje, Sr. Alf.

De todos os professores que eu detestava, o Sr. Jairo era


o campeão. Ele era muito magro e baixo. Sua calvície permitia
que ele cultivasse apenas um pequeno tufo de cabelos grisalhos
atrás da orelha. Ele usava óculos fundo-de-garrafa que
aumentavam seus olhos a uma proporção bizarra. Adorava
realizar testes surpresa e eu frequentemente ia muito mal nos
testes.

Observei a sala de aula vazia. Menos de vinte pessoas


estavam presentes. Juliana, Tom, Bia, Thaís e Paula eram umas
dessas pessoas. Caminhei entre duas fileiras de cadeiras até
chegar neles. Cumprimentei cada um deles e sentei na cadeira
atrás de Bia e ao lado de Tom ficando próximo a janela.

A tempestade continuava assolando a cidade. Alguns


loucos já começavam a gritar que era o fim do mundo, que
logo Finnyes, nome da cidade onde nasci e cresci, estaria
mergulhada na água. Outros até gritavam ofensas as cidades do
Norte, antigas vilas do Território da Água, acusando-as de
serem as responsáveis pela tempestade. Eu até me divertia um
pouco observando aqueles loucos gritando embaixo daquela
tempestade assustadora.

- Pst...

- Pst... – olhei para o lado e vi Paula tentando chamar a


atenção de Juliana. – Jú... – sussurrou nervosa. Juliana virou
para trás discretamente. Paula sorriu para a amiga.

- Que foi Paula? – Juliana perguntou irritada.


Paula suspirou decepcionada. – Só queria conversar.

- A gente tá em aula. – Juliana retrucou virando-se para


frente. Sr. Jairo pareceu nem notar a conversa recente das duas
e continuava explicando sobre alguma guerra importante no
seu ponto de vista. Virei-me de novo para a janela observando
um fio de água escorrendo através da janela. Então notei que a
chuva estava diminuindo, embora o vento forte e os trovões
continuassem. Suspirei entediado.

- Minha aula não está boa para você, senhor Alf? – ouvi
novamente a voz irritante do professor se referindo a mim.
Olhei para ele tentando parecer o mais educado que pude, mas
talvez não tenha sido o suficiente pela careta dele quando o
fitei.

- Está. – respondi secamente mantendo meus olhos


fixos nos dele.

Ele caminhou até minha mesa. Seu sapato tinha a sola


de madeira o que causava certo desconforto aos nossos ouvidos
quando ele andava. O professor apoiou suas duas mãos na
minha mesa ficando de frente para mim.

- Que bom que você está gostando, senhor Alf. – falou


com desdém arrumando seus óculos no seu nariz. – Então,
talvez, eu possa passar um teste surpresa e acredito que você se
sairá muito bem.

Olhei fundo nos seus olhos. Eu realmente o detestava. –


Por mim... – respondi dando de ombros.

- Então está decidido. – exclamou maldosamente


afastando-se da minha mesa e indo na direção da sua. Ele abriu
sua pasta e puxou um plástico com um punhado de folhas
brancas dentro. Ele as retirou do plástico contando
meticulosamente o número de alunos presentes. Ao apontar seu
dedo para mim, ele sorriu. – Dezessete alunos? – exclamou. –
Até que não estamos mal para um dia de tempestade. – Sr.
Jairo avançou através das mesas entregando uma folha para
cada aluno e quando todos os alunos já estavam com uma
folha, o professor voltou para sua mesa e sentou-se
incomodamente animado.

Puxei o teste para mais perto lendo as questões sem


muita empolgação. “Mais uma nota baixa para meu currículo.”
– pensei. Olhei para o lado e Tom já estava respondendo as
perguntas do teste. Bia também, assim como Juliana e Paula.
Thaís olhava confusa para o teste. Ela viu que eu a observava e
fez uma careta de confusa que me fez dar risada.
- Tsk! – olhei na direção do Sr. Jairo e sua atenção
estava voltada em mim. Ele apontou para os olhos dele e em
seguida para mim. Voltei minha atenção para o teste, mas
estava difícil ler o que estava escrito na folha. Minha visão foi
se tornando turva até escurecer completamente.
- Conde Alfonso. – ouvi uma voz na minha cabeça me
chamando.

- Me deixa dormir. – reclamei ainda com os olhos fechados.

- Mas senhor, os emissários do Marquês Fausto estão a tua


espera no hall.

Abri os olhos subitamente e levou um tempo até minha


visão voltar ao normal. Aos poucos, consegui distinguir uma
sombra que estava na minha frente suplicando. Um homem de
longos cabelos brancos cacheados olhava para mim suplicante.

- Quem é você? – perguntei.

- Como assim, Conde? Essa é mais uma das suas brincadeiras?

Então notei que eu não estava mais na sala de aula. Eu


estava sentado numa cama confortável num quarto imenso.
- Onde eu vim parar? – exclamei assustado me levantando de
supetão da cama.

- Conde Alfonso, por favor, já é hora de parar com


brincadeiras. Não podemos deixá-los esperando.

“Deixar quem esperando...” – pensei.

...

Precisei me beliscar várias vezes para acreditar que eu


não estava sonhando. Fechei mais uma vez os olhos mesmo
sobre os protestos insistentes do homem do cabelo branco.
Tentei dormir para ver se assim acordaria na sala de aula com o
professor Jairo apoiado na minha mesa e sorrindo satisfeito por
dar mais uma nota baixa para mim.

Ouvi alguém falando. Queria que fosse a voz do


professor Jairo, mas era a mesma voz que me acordou
momentos antes. Tentei com todas as forças pensar na sala de
aula. Quais eram mesmo as perguntas do teste? Precisava me
lembrar de alguma coisa! Tentava, mas nada. Eu continuava
ouvindo as súplicas intermináveis do homem do cabelo branco.
Comecei a me sentir confuso e assustado. Minutos antes
eu estava sentado na sala de aula fazendo um teste de História.
No momento seguinte, estava sentado numa cama confortável
num imenso quarto com um velho suplicando que eu fosse
encontrar os emissários. Eu não conhecia nenhum emissário. E
como ele sabia meu nome? E por que ele me chamava de
Conde? Comecei a enxergar as palavras rodopiando na minha
cabeça num turbilhão furioso e quando fiquei tonto resolvi
abrir os olhos.

- Ah, senhor. Finalmente. Os emissários estão esperando e a


paciência daqueles homens não vai da ponta de um cadarço ao
outro. – o homem resmungou.

- Emissários? Que emissários? – perguntei acalmando os


pensamentos para tentar encontrar algum sentido em tudo
aquilo.

- Ora. Os emissários do Marquês Fausto, senhor. – continuou,


embora agora sua voz começasse a soar preocupada.

Olhei ao redor dando um tempo para minha cabeça


assimilar os recentes acontecimentos. O quarto era imenso,
podia ver no fundo uma porta e um armário de vidro. Dentro
dele estavam algumas espadas, escudos, peças de vestuário,
entre outros adereços de guerra pendurados como se estivessem
à mostra numa exposição. Uma janela grande na parede ao lado
da minha cama era responsável por boa parte da iluminação do
quarto. Duas cortinas, uma de cada lado, estavam penduradas
num suporte acima da janela. Elas eram vermelhas e no pé de
cada uma consegui identificar algumas grafias estranhas. Na
minha frente, o homem dos cabelos brancos continuava
olhando para mim me deixando um pouco incomodado.

- Aonde eu vim parar? – era a pergunta mais óbvia a se fazer


perante a confusão que ainda estava instaurada na minha
cabeça.

- Como assim, senhor? Tu estás no teu quarto. – o homem


respondeu cada vez mais preocupado.

- Eu quis dizer, - fiz uma breve pausa para limpar minha


garganta. - ONDE EU ESTOU?! – levantei a voz e o homem
caiu assustado de bunda no chão. Fiquei com um pingo de
remorso.

- Conde, tu estás bem? Talvez o treino de ontem tenha sido


pesado demais. – concluiu enquanto levantava-se.
Treino de ontem? Como assim?! Ontem eu estava em
casa assistindo ao noticiário de uma grande tempestade que iria
assolar todo o continente.

- Do que você tá falando? – perguntei.

- Senhor, acho melhor adiar o encontro com os emissários. É


óbvio o teu cansaço. Inventarei uma desculpa e pedirei para
algum criado guiá-los para um cômodo do castelo e nos
reuniremos amanhã.

Aquele homem falava extremamente educado. Não


deixava escapar nenhuma sílaba e me tratava por tu, uma
denominação pouquíssima utilizada. Apenas os acadêmicos e
pessoas mais antigas a utilizavam. Achei estranho. Estava
acostumado a linguagem que usava com meus colegas. A
linguagem do engula-quantas-sílabas-puder-e-deixe-o-outro-
tentar-adivinhar-o-que-você-quer-dizer. Eu sei que o nome é
longo e complicado, mas acredite, é a maneira mais simples de
conversar quando você está numa roda de adolescentes.

Olhei ao redor e continuava tentando entender como eu


saí da sala de aula no meio de um teste de História da minha
escola e fui parar naquele quarto.

- Desculpa perguntar, mas qual seu nome?


O homem do cabelo branco pareceu ser apunhalado
pelas costas. Ele me observou por um momento, então
respondeu:

- Bael, senhor. Meu nome é Bael.

- Que lugar é esse, Bael? – tentei mais uma vez. Eu devia estar
branco, porque o homem parecia cada vez mais preocupado.

- Por favor, senhor. Descanse um pouco. Falarei com os


emissários sobre a tua indisponibilidade e pedirei também a
algum criado que traga tua refeição e que um médico venha
atender-te. – aquele homem parecia se preocupar muito
comigo. Fiquei imaginando o que ele seria meu. Nunca o
conheci, pelo menos meus pais nunca falaram de nenhum
parente distante que parecesse com esse homem. E falando
essas palavras, o homem do cabelo branco despediu-se e saiu
pela porta, trancando-a em seguida.

Deitei na cama olhando para o teto. Tentei encaixar as peças do


quebra-cabeça, mas elas não faziam sentido nenhum. A última
coisa que lembrava era do professor Jairo me lançando um
olhar desaprovador e então minha visão ficou turva e adormeci.
Quando acordei estava deitado nessa cama com o homem do
cabelo branco me observando. Ele se referia a mim como
Conde, mas eu nunca fui um conde. Na verdade, não existia
mais essa coisa de Conde, Duque, Marquês ou qualquer um
desses títulos. Eu devia ter entrado em alguma peça teatral
sobre a Era Antiga ou dos Territórios, nome a qual os
historiadores davam aos anos quando o continente ainda era
dividido em Territórios.

Toc-Toc...

Ouvi batidas na porta e após alguns segundos, barulhos


parecidos com os de chave. Quando a porta abriu, uma senhora
entrou. Era uma senhora já de idade. Devia beirar os cinquenta
anos, talvez até mais. Era um pouco gorda e seu cabelo, bem,
não pude ver como eram seus cabelos já que ela usava um
lenço amarrado na cabeça que encobria todo seu cabelo. Sua
pele era clara e seus olhos vinhos como os meus.

- Olá, Conde Alfonso. Trouxe teu jantar. – a mulher me


cumprimentou aproximando-se com um carrinho de rodas
repleto de comidas de aparência apetitosa. Era uma verdadeira
refeição de Marquês.

- Ah...obrigado. – agradeci surpreso.


A voz daquela mulher parecia um eco em uma caverna. Soava
forte e aposto que se levantasse a voz faria com que as paredes
tremessem até ruir.

- Logo o médico chegará para examinar o senhorio. O


conselheiro Bael me contou que vossa graça está passando mal.
Foi algo que comeste ontem? – a mulher enrolava-se com as
palavras parecendo bastante apreensiva.

- Não sei, mas acho que a comida não teve culpa alguma. –
respondi tentando tranquiliza-la.

- Bom. – ela sorriu constrangida, apesar de aliviada. - É melhor


vossa graça descansar para se recuperar. Bom apetite. – a
mulher virou-se me cumprimentando antes de sair.

- Obrigado. – agradeci, mas ela já tinha saído do quarto.

Agora eu estava novamente sozinho naquele quarto


gigantesco. Por mais que pensasse, não chegava à conclusão
nenhuma. Então resolvi levantar e procurar descobrir onde eu
estava sozinho.

Caminhei na ponta dos pés até a porta tentando fazer o


menor número de ruídos. Não foi difícil. Apesar do quarto ser
grande, não havia muitas coisas lá que pudessem transformar-
se num obstáculo acidental.

Abri a porta lentamente e ela rangeu. Parei atrás da


porta esperando ouvir passos do lado de fora. Como não ouvi
nada, abri a porta num solavanco e dessa vez ela não rangeu.
Olhei para fora e vi um corredor imenso. Era tão grande que
não consegui ver o final dele. Pensei aonde ele daria. Saí e
resolvi seguir pelo lado esquerdo, que ao contrário do que as
línguas populares dizem, o lado esquerdo é o meu lado da
sorte.

Caminhei lentamente ficando atento a qualquer barulho


que denunciasse a aproximação de alguém. O corredor era
escuro, então seria fácil me esconder caso ouvisse passos.
Apenas as chamas de tochas iluminavam o local. O corredor
não possuía janela e um cheiro de mofo empesteava o local.

Comecei então a ouvir barulho de passos e vozes.


Procurei um local para me esconder, mas onde eu me
esconderia se no corredor não havia nada?! Agora eu percebia
que apenas a escuridão não era suficiente para esconder uma
pessoa de um metro e setenta no meio do nada. Resolvi então
me encostar no canto mais escuro da parede, exatamente no
meio de duas tochas. Fiquei parado segurando a respiração. Os
passos aumentaram paulatinamente. Parecia ferro batendo em
pedra. Três soldados passaram por mim numa conversa
animada sobre uma taberna que era frequentado pelas
melhores mulheres do Território. Agucei o ouvido tentando ter
certeza da menção dos soldados sobre o Território. Ainda
assim, não consegui ter certeza se realmente eles falaram sobre
o Território do Fogo, mas o importante era que não me
notaram. Os dois continuaram caminhando normalmente
enquanto conversavam alegremente. Pensei que eles
provavelmente não deviam estar fazendo alguma ronda, pois se
estivessem, eram péssimos nas suas tarefas. Dando a volta no
corredor pude ver uma luz que não era causada pelas tochas e
sim pela luz do dia.

- Uma janela! – sussurrei empolgado porque ainda podia ouvir


as vozes e os passos dos soldados.

Caminhei apressado, mas cuidadosamente até ela


animado com o achado. Ao me aproximar da janela, precisei
semicerrar os olhos, já que eles estavam acostumados com a
penumbra do corredor e a repentina claridade os incomodava.
Quando eles começaram a acostumar-se com a claridade,
comecei a abri-los e pude ver um grande jardim estendendo-se
até o fim da vista. Ele era cheio de árvores e muitas pareciam
ter frutos que pintavam a copa das árvores com cores que
migravam do rosa, passando para o vermelho e indo até o
amarelo. Vi algumas pessoas caminhando calmamente por lá.
Outras mexendo nas plantas. Ao longe, antes do fim do jardim,
um imenso vale mesclava-se com uma pequena floresta. E atrás
dele uma cordilheira que mesmo tão longe, pareciam tocar o
céu. Seu pico estava coberto por nuvens e seu sopé estava
camuflado pelo azul e branco pintado no chão pelos raios do
Sol. A paisagem era realmente muito bonita e reconfortante.

- É lindo, não é? – uma voz veio do meu lado.

Tomei um susto quase caindo para o outro lado.


Alguém aparecera do nada no corredor e nem ao menos escutei
seus passos se aproximando. Olhei e uma garota com cabelo
loiro amarrado num rabo-de-cavalo e olhos claros estava
apoiada na janela observando a paisagem. Um arco estava
preso às suas costas, mas não vi sinal de flechas. Fiquei
imaginando a razão dela andar com um arco, mas sem qualquer
flecha.

- Um gato comeu tua língua? – a garota perguntou me


encarando.
Não soube o que responder. Ela parecia me conhecer,
mas eu não sabia quem ela era.

- Ahn.

- É. Acho que Bael tinha razão. Tu já estás ficando maluco com


estes treinamentos. – ela concluiu com um suspiro.

A garota então me deu as costas e seguiu pelo corredor


para o lado do qual eu viera. Permaneci admirando a paisagem
mais alguns minutos. Tempo suficiente para Bael me encontrar.

- Oh Senhor! Estava a tua procura. Deste um susto tremendo


nesta pobre alma. – falou.

- Ora. Nosso Conde realmente cresceu bastante desde a última


vez que o vi. – uma voz diferente entrou na conversa e então
reparei que Bael não estava sozinho.

A voz era de um homem trajando roupa branca. Aquele


devia ser o médico que Bael falou antes de sair do quarto. O
médico era um homem extremamente magro e com óculos
fundo de garrafa muito parecido com os do Sr. Jairo. Seu
cabelo liso escorria pela testa. Ele não me passava muita
confiança. Era muito pálido. Provavelmente, devia passar
décadas sem ver a luz do Sol. Sua mão tremia constantemente e
até ele parecia ficar incomodado com isso. – Essa tremedeira
que não me deixa. – resmungava. Contudo, o que mais
chamava a atenção nele era sua altura. Devia ter quase dois
metros.

- Vossa Graça cresceu bastante. Creio que não se lembre de


mim. – o médico falou educadamente.

Finalmente alguém que eu poderia não conhecer sem ser


taxado de maluco. – pensei. Com certeza, isso me deixou mais
aliviado.

- Tenho uma vaga lembrança do senhor. – menti para não


desapontá-lo.

- Ora, Vossa Graça. Por favor, não mereço a honra de ser


chamado de senhor pelo Senhor.

Achei graça do médico e ele pareceu perceber a


confusão que estava fazendo. Deu um leve sorriso e pegou sua
mala. Quando ele a jogou no chão e abriu não pude acreditar.
Ela, por si só, já parecia bem pesada. Era feita de couro, mas
não sei bem de que animal foi tirado o couro porque nunca vira
nada igual aquilo. Era vermelho com algumas partes branca e
preta. Vendo todos aqueles acessórios de médico que ele
carregava me fez imaginar que a mala devia pesar pelo menos
uns quarenta quilos. Olhei mais uma vez para ele. Algum tipo
de força interna muito poderosa devia estar oculto nele, porque
sua estatura física não lhe devia conferir força para carregar
uma mala daquelas.

- Muito bem, Vossa Graça. Poderia abrir a boca? – ele pediu


enquanto segurava um palito.

Abri a boca ainda espantado com a força daquele


médico.

- Hum.

- Hun-hun. – O médico fazia sons estranhos como se estivesse


confirmando o que ele achava que estava acontecendo.

- Certo. Vossa Graça parece estar sofrendo de exaustão. Por


isso, recomendo que descanse um pouco. Agora devo pedir
licença para cuidar de uma garotinha no condado que está com
sintomas de gripe. E todos nós sabemos o quanto a gripe tem
matado nossas crianças. É realmente uma pena. – o médico
guardou suas quinquilharias rapidamente na mala lamentando-
se pelas pessoas que morriam por causa da gripe. Pensei que
ele era um bom homem. Então ele se despediu e desceu pelo
corredor carregando sua mala de quarenta quilos para mais uma
consulta.
- Bom, senhor. Tu ouviste o que Linfucius receitou. É melhor
descansares um pouco, pois amanhã ainda terás uma reunião
importante com os emissários do Marquês Fausto. Eu te
acompanharei até teu aposento.

Até o quarto, eu e o Sr. Bael não pronunciamos


qualquer palavra. Ao deitar na cama, finalmente tive coragem
de perguntar aquilo que me estava afligindo.

- Er...senhor Bael. – o chamei.

- Por favor, senhor. Não me chame por senhor. – ele pediu


educadamente.

- Certo. Bael. – todos que eu encontrei no castelo pareciam me


respeitar bastante, com exceção da garota da janela.

Pude ver que ele sorriu. Era até um sorriso reconfortante.

- Onde exatamente eu estou? – perguntei apreensivo esperando


que ele inventaria alguma desculpa e sairia pela porta.

Bael olhou para mim e suspirou.

- Senhor. – e mais uma pausa para outro suspiro. - Tu estás nas


tuas terras: O Condado de Tornelius. Tu és o Conde Alfonso de
Tornelia. – falou e sua voz adquiriu um tom de orgulho
enchendo-se de júbilo.

Falando isso, Bael sorriu, mas agora parecia um sorriso


mais de preocupação. Talvez estivesse preocupado comigo.
Com a minha sanidade. Ele levantou-se e saiu trancando a
porta. Voltei a deitar na cama e bocejei antes dos meus olhos
fecharem-se involuntariamente.

Livro escrito por André L. I. de Lima

Livro oficial será lançado em breve. =P

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