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DIAGNÓSTICO
Vera Iaconelli
por nos levar a refletir sobre intervenção, diagnóstico e prognóstico neste contexto.
O caso
Uma jovem, que havia tido bebê há 10 dias e não conseguia dormir desde então, me
procura por indicação do obstetra, uma vez que seu diagnóstico não apontava fatores
orgânicos1. O casal chega com seu bebê para a primeira consulta no mesmo dia em que
haviam me telefonado. A jovem mãe não dormia desde o parto deste primeiro filho de
partir do seu relato dos sintomas, pensar hipóteses ligadas a alguns temas trazidos por
ela e que são recorrentes nesta clínica, como por exemplo: a dificuldade que algumas
mães têm de perder a vigilância sobre o bebê, pois temem que ele morra, baseada num
modelo uterino de cuidados associado aos cuidados interruptos que o bebê recebe em
útero e, também, pelo medo de ver revelada sua própria ambivalência; medo de segurar
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O atendimento se deu no mesmo dia do telefonema, ao final das consultas regulares, sem hora estipulada para
acabar, devido ao estado lastimável em que se encontrava a moça.
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o bebê e deixá-lo cair, o que nos remete a cena do parto muito associado a uma queda; o
parto cirúrgico, freqüentemente desnecessário, como uma cena disrruptiva que leva
Enquanto isso, o bebê ia sendo cuidado por pai um confiante e vinculado, que lhe
impedisse a tarefa de atender às necessidade do bebê que nunca podem ser postergadas.
No encontro marcado para o dia seguinte, ela fala do pai, que faleceu sozinho e
esquecido, pois estava brigado com a família toda. Rezou para que ele os protegesse a
No terceiro encontro, pediu que sua mãe ficasse com o bebê esperando fora e que o
marido entrasse, pois queria nos contar algo. Disse que ao sair da sessão da véspera teve
uma lembrança que precisava compartilhar com o marido, mas na minha presença para
contava ao marido que havia uma trágica história de morte em sua família. Seu irmão
teria morrido na queda de uma cachoeira e não gostavam de comentar isso por respeito
à mãe. Não havia fotos do rapaz pela casa, nem tampouco qualquer familiar fazia alusão
a este irmão, o que o marido entendia como um tabu familiar decorrente do luto. Mas,
numa cachoeira que fazia com que a história parecesse verdadeira. O que ela “lembrou”,
ao sair da sessão da véspera, foi que um vizinho é que morrera e que ela nunca tivera tal
irmão. Retomando: o vizinho morreu, houve uma comoção na família dela, pois eram
vizinhos próximos. Ela cresceu, os familiares perderam contato com esta vizinhança e a
namorados que havia uma “morte na família”. Costumava usar esta explicação, quando
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lhe perguntavam porque estava triste, por exemplo. Desde então, ao longo de uma
década, ela foi “esquecendo” que era o vizinho e não o irmão que havia morrido e, no
o marido, que entrou em pânico, dizendo que uma cena fantasiada podia voltar nestes
As associações ligadas a este terrível segredo puderam ser reveladas nas duas sessões
seguintes e não foram menos surpreendentes. Por de trás do falso irmão morto, revelou-
se a história de um aborto de primeiro filho feito pela mãe da paciente contra sua
vontade, a mando do pai dela, pois não eram ainda casados. Em seguida eles se casaram
e tiveram a ela, numa gestação que pode ser assumida, pois estava dentro do casamento.
pai, à revelia da mãe, num ato de violência que vem cobrar suas conseqüências no
nascimento do neto. Ela reza ao pai no parto para que proteja o filho, mas não pode
dormir, pois ela mesma teme morrer. Ao longo da quarta e quinta sessão a paciente
começa a relatar que tem dormido um pouco à noite e, por vezes, o faz na própria
que impediu que o bebê fosse usado para tamponar a brecha psíquica da mãe
(AULAGNIER, 1990, p. 17). Era visível que ele aguardava tempos psíquicos melhores
final seu sono se normalizou e a jovem só voltou a falar comigo por telefone. Indiquei
que trabalhássemos os temas surgidos, mas me resignei a receber informações por ela e
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pelo marido de que as coisas iam bem. Com a remissão do sintoma o bebê passa reagir,
pois pressente a disponibilidade adquirida da mãe para cuidar dele o que o faz tornar-se
Hoje o menino está com 4 anos e tenho notícias que o casal se encontra bem, sem novos
conteúdos, que fora do puerpério talvez nunca chegassem a emergir. Temos neste caso a
demanda psíquica próprio da perinatalidade retorna. Piera Aulagnier (1990) nos fala da
Mas se, por um lado, a gestação provome este estado excepcional, passível de produzir
lado, acaba tornando-os mais manejáveis, porque mais acessíveis. Ela cria condições
excepcionais para lidar com aquilo que ela mesma gera: o desequilíbrio da organização
psíquica.
André Green (1988) nos aponta o potencial traumático de um aborto não elaborado de
Podemos imaginar, retrospectivamente, com que olhar a mãe da paciente recebeu esta
segunda filha, depois de fazer um aborto à revelia de seu desejo. Como a relação entre
forma de lidar com tão conteúdo nos revela um psiquismo cindido, de recursos
corpo da mãe e o casamento da mãe com este pai algoz com o intuito de apagar a
implica sempre num mais além da clínica convencional psicanalítica, pois visa garantir
a partir da recuperação dos laços sociais da qual ele faz parte. Na recuperação da rede
disponibilidade do profissional como poucas vezes se vê. Marcar uma sessão para o dia
seguinte da demanda pode ser tarde; marcar sessões de 50 minutos pode ser inócuo.
Dependendo da situação, temos que reconhecer que estamos longe da clínica das
que sessões diárias de mais de uma hora podem ser recorrentes devido ao caráter agudo
Mas se temos tanta pressa em atender, o mesmo não se pode dizer em relação à emissão
do diagnóstico e do prognóstico.
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Faz parte do manejo garantir a devida atenção para o bebê, cujos cuidados psíquicos são
sempre urgentes, pois não dizem respeito aos aspectos materiais, mas a atender uma
demanda que instaure a pulsão e produza sujeito. No caso, estes cuidados foram
garantidos pelo grupo familiar amoroso e atento, ajuda com o qual nem sempre
podemos contar. Essa tarefa implica avaliar o quanto antes se as demandas psíquicas do
bebê estão sendo atendidas para que possamos instituir a função materna, enquanto a
psicoperinatalidade, que nos obriga a suspender julgamentos apressados. Como nos diz
A clínica do puerpério pode nos trazer em algumas sessões, com a ajuda de um sintoma
agudo, material que levaria anos numa análise convencional e, que talvez nunca
O paradoxo psicoperinatal
incapacitante, temos que nos perguntar se esta patologia implica no mesmo desenrolar
Estamos diante de uma situação onde diagnóstico e prognóstico nos colocam desafios e
(idem), temos uma mulher necessariamente envolvida numa tarefa que lhe “tira do
sério”.
biológico que o subjaz e que é tanto mais profundo, quanto desejável caso se outorgue
material relativo ao Édipo passa a ser reelaborado por estar mais acessível e porque o
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A ausência de preocupação materna primária ou de sua correlata função materna não nos indica por si
só patologia. Uma vez que os métodos contraceptivos disponíveis não são tão disponíveis, nem tão
eficientes, que existe uma ampla expectativa social quanto à mulher exercer o papel de mãe ainda hoje e
que o aborto, mesmo quanto permitido, é fortemente combatido no âmbito social, fica difícil acreditar que
toda mulher que leva a gestação a frente o faz por desejo de ser mãe e que possa verdadeiramente
identificar-se com este papel. Em muitos casos, a mulher pode dispor de seu bebê para adoção, preferir a
contracepção ou o aborto – que no Brasil não em permitido, mas amplamente realizado, sem que com isso
estejamos falando de problemas psíquicos.
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Insistimos que tudo que será apontado como concernente à gravidez, diz respeito à gravidez identificada,
aquela na qual ao evento biológico da concepção vem se somar modificações psíquicas correspondentes,
e não ao simples fato da mulher ter concebido ou mesmo parido, eventos que por si só não justificam tais
interpretações, mesmo que mais freqüentemente seja o que ocorre.
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com nossa mãe, pois somos ambas meninas, mas nem tampouco com nosso pai, porque
é proibido, mas teremos com outro homem, quando crescermos. Agora que crescemos
esta promessa poderá ser cumprida com todos os temores da revelação da cena
projeções maciças sobre figuras que se prestem a representar essa avó traída e
enciumada, que poderá ser personificada pela sogra, pela própria mãe, babá, o marido, o
analista... Outro aspecto do bebê imaginário diz respeito ao bebê que fomos e com o
qual nos identificamos para melhor vinculação com o bebê real ainda de contornos
A regressão se mostra pelas formas pouco elaboradas de lidar com afetos que tendem a
ser extravasado por choros e demandas orais, numa clara infantilização, o que pode ser
propensa a confundir os objetos com aquilo que simbolizam. São inúmeros relatos da
intensamente para a gestação são também elementos que modificam o jogo de forças
No caso relatado, estamos diante de uma somatização que revela um funcionamento até
então cindido. A questão que se coloca é que, ao contrário de uma psicose detonada
pelo puerpério, temos uma somatização que revela uma estrutura psicótica que por sua,
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Mesmo com o atual investimento na visualização do bebê em útero, ainda assim sobra amplo espaço
para a projeção de conteúdos internos da gestante, sendo a revelação do gênero do bebê a primeira afronta
à onipotência materna.
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vez insurge como possibilidade de melhora. Como nos aponta Casetto (2000), citando
Neste artigo Casetto apresenta a discussão atual sobre a situação de aparente exclusão entre a
psicose e as somatizações: “Mas a idéia de uma ‘psicose atual’ é instigante: seria como
dizer que se uma somatização tivesse sido evitada pela tramitação psíquica, teria se
Dois fatores foram determinantes para a preservação do bebê diante da cisão da mãe: a
presença de um pai atuante, que impediu que sobre o bebê fossem jogados os conteúdos
de uma grave somatização – insônia - e não para o corpo da criança, o que impediu que
religado na história da paciente, que pode prescindir da fantasia encobridora, da qual fez
uso até então, para ligar a representação traumática a sua cena de origem. Temos que
perguntar se a presença do pai, marido dela, tenha lhe permitido o uso da via somática,
A situação puerperal funciona como uma aula de anatomia psíquica uma vez que nos
revela elementos que poderiam nunca vir à tona. É desta forma que numa mãe que nos
procura com um sintoma psicossomático agudo, que nos revela uma cisão psíquica
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alarmante, exige um atendimento intensivo, porém pontual, que por sua vez desemboca
Isso nos remete à necessidade de apontar distorções que tendem a acontecer pelo não
medicalização o diagnóstico apressado tem feito seus estragos em todo o ciclo perinatal,
vem com a “suspeita” de depressão pós-parto, mesmo que não se revele nenhum sinal
ultrapassando-lhe.
Referências Bibliográficas
11-33.