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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

5. 

“O Reino de Deus está perto!” 

A MENSAGEM DE JESUS 

 
É  fundamental  tentarmos  perceber  qual  é  o  núcleo  da  sua  mensagem  de  Jesus:  o  que  ele  nos 
quer dizer é revelador do significado da sua pessoa, da concepção de Deus e da vida humana. A causa a 
que dedica a sua vida, a grande preocupação que o move na sua actividade pública é o anúncio. Jesus 
apresenta‐se  como  aquele  que  vem  proclamar  uma  Boa  Nova  (Lc  4,16‐21).  O  que  anuncia  Jesus? 
Anuncia  algo  de  novo?  Tentaremos  identificar  os  aspectos  centrais  da  mensagem  de  Jesus  Cristo, 
procurando o conteúdo daquilo que ensina, o significado dos seus gestos e a sua forma de vida. 
 
1. Da mensagem do Baptista à de Jesus 
 
Para  captarmos  o  núcleo  da  mensagem  de  Jesus  pode  ser  útil  vermos  a  sua  relação  com  João 
Baptista e confrontarmos as duas pregações. A admiração de Jesus por João Baptista é testemunhada 
pelos  Evangelhos:  Jesus  considerava‐o  mais  do  que  um  simples  profeta,  era  “o  maior  de  entre  os 
nascidos  de  mulher”.  João  pertencia  a  uma  família  sacerdotal,  mas  rompeu  com  o  templo  e  com  o 
sistema religioso que ele representava, e foi para o deserto pregar a sua mensagem. 
João Baptista deu‐se conta da crise que o seu povo vivia, mas o seu olhar profético identificava a 
raiz  de  toda  essa  crise:  o  pecado  e  a  rebeldia  de  Israel.  O  seu  diagnóstico  concluía  que  a  história  do 
povo eleito tinha chegado ao seu fracasso total, frustando assim o projecto de Deus a seu respeito. Era 
a  Aliança  que  estava  quebrada.  O  povo  tinha,  por  isso,  que  enfrentar  o  juízo  de  Deus.  Já  não  era 
possível  escapar  à  ira  iminente  de  Deus,  recorrendo  aos  meios  tradicionais.  De  nada  serviam  os 
sacrifícios de expiação, pois o próprio templo estava corrompido. 
João  exigia  uma  conversão  radical,  uma  purificação  total  para  restabelecer  a  Aliança.  Era 
necessário  um  novo  rito  de  purificação  radical,  que  não  estivesse  ligado  ao  culto  do  templo.  Na  sua 
pregação  João  punha  Deus  no  centro  e  no  horizonte  de  toda  a  procura  de  salvação.  Tudo  ficava 
relativizado: o templo, os sacrifícios, a interpretação da lei, a própria pertença ao povo eleito. A única 
coisa decisiva e urgente era converter‐se a Deus e aceitar o seu perdão. 
João estaria convicto de que ia acontecer um grande juízo de Deus, purificador, que daria início a 
um tempo novo, restabelecendo a justiça e eliminando a maldade. Usava imagens violentas para dizer 
que Deus ia proceder a uma limpeza total. O grande juízo purificador iria dar origem a uma situação 
nova de paz e de vida plena, resultado da força transformadora de Deus. 

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Jesus  foi  baptizado  por  João.  Isto  significa  que  partilhava  em  parte  da  sua  pregação  e  da  sua 
mensagem. Jesus partilhava, concretamente, os seguintes aspectos: 
•  A  visão  sobre  a  situação  desesperada  de  Israel,  de  que  o  povo  tinha  necessidade  de  uma 
conversão radical. 
•  A  esperança  de  que  Deus  vinha  ao  encontro  do  seu  povo,  todos  poderiam  experimentar  a 
proximidade de Deus. 
• A centralidade de Deus que levava a relativizar todas as estruturas. 
 
No entanto, a acção e a mensagem de Jesus separam‐se da do Baptista, em vários aspectos. 
Aquilo  que  João  antevia  para  o  futuro,  Jesus  anunciava‐o  já  presente.  Começava  “agora”  a 
irrupção  definitiva  de  Deus.  Deus  iria  agir  nesta  situação  desesperada  de  maneira  nunca  imaginada. 
Chegava a salvação de Deus. 
Não  era  só  uma  mudança  de  focagem  temporal  o  que  Jesus  perspectivava.  Com  Jesus,  tudo  se 
centrava na misericórdia de Deus. O que começava agora para este povo, não era o juízo de Deus, mas 
o grande dom da salvação. Nesta situação desesperada, o povo iria conhecer não a ira destruidora de 
Deus, mas a sua infinita compaixão. O reino de Deus estava próximo. Já não era possível esperar mais; 
o importante era acolhê‐lo. Era preciso proclamar essa "Boa Notícia". O povo iria converter‐se, mas a 
conversão  não  consistiria  em  preparar‐se  para  um  juízo,  como  João  pensava,  mas  em  "entrar"  no 
"Reino de Deus" e em acolher o seu perdão salvador. 
  Jesus  oferecia‐o  a  todos.  Não  somente  aos  baptizados.  Sem  desaparecer  em  Jesus  a  ideia  do 
juízo, transformava totalmente a sua perspectiva. Deus chegava para todos como salvador e não como 
juiz.  Deus,  porém,  não  obrigava  ninguém;  convidava  somente.  O  seu  convite  podia  ser  acolhido  ou 
rejeitado. Era cada um que decidia o seu destino. 
  Jesus  deixou  o  deserto  que  tinha  sido  o  cenário  da  preparação  e  deslocou‐se  para  a  terra 
habitada por Israel a proclamar e a "encenar" a salvação que era oferecida já a todos com a chegada de 
Deus.  As  pessoas  não  teriam  que  se  deslocar  ao  deserto,  como  no  tempo  de  João.  Seria  ele  próprio, 
acompanhado  dos  seus  discípulos,  que  percorreria  a  terra  prometida.  A  sua  vida  itinerante  pelas 
povoações da Galileia e seus arredores seria o melhor símbolo da chegada de Deus, o qual vinha como 
Pai a oferecer uma vida mais digna a todos os seus filhos. 
  Jesus afastou‐se também do perfil e da estratégia profética de João. A vida austera do deserto 
foi substituída por um estilo de vida mais festivo. Pôs de lado a maneira de vestir do Baptista. O jejum 
deixava de ter sentido. Tinha chegado o momento de fazer banquetes abertos a todos, para acolher e 
celebrar  a  vida  nova  que  Deus  queria  instaurar  entre  o  seu  povo.  Jesus  transformou  o  banquete 
partilhado por todos no símbolo mais expressivo de um povo que acolhia a plenitude de vida mais do 
agrado de Deus". 
Para proclamar a sua misericórdia de uma maneira mais sensível e concreta dedicar‐se‐ia a fazer 
aquilo  que  João  nunca  tinha  feito:  curar  os  doentes  que  ninguém  curava;  aliviar  a  dor  dos 

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abandonados: tocar os leprosos que ninguém queria tocar; abençoar e abraçar as crianças e os mais 
simples.  Toda  a  gente  devia  sentir  a  proximidade  salvadora  de  Deus,  mesmo  os  mais  esquecidos  e 
desprezados como os cobradores de impostos, as prostitutas, os endemoninhados e os samaritanos. 
  João  tinha  sido  apelidado  de  “baptista”,  porque  a  sua  vida  girava  em  torno  do  baptismo  no 
Jordão.  A  Jesus  apelidaram‐no  de  “comilão”  e  "amigo  dos  pecadores”,  pois  costumava  celebrar  o 
acolhimento de Deus sentando‐se à mesa com os marginalizados. 
  Jesus abandonou de igual forma a linguagem dura do deserto. O povo devia escutar agora uma 
Boa Notícia. A sua palavra fazia‐se poesia. Convidava as pessoas a olhar para a vida de uma maneira 
nova. Começava a contar parábolas. Tudo lhe falava da proximidade de Deus: a semente que se lança à 
terra, o pão que se coze, as avezinhas do céu e as searas dos campos, as bodas em família e as refeições 
à volta de Jesus. 
  Já  nem  o  baptismo  fazia  sentido  como  rito  de  uma  nova  entrada  na  terra  prometida.  Jesus 
substituiu‐o por outros sinais de perdão e de cura que exprimiam e tornavam realidade a libertação 
que  Deus  desejava  para  o  seu  povo.  Para  se  receber  o  perdão,  não  era  preciso  subir  ao  templo  de 
Jerusalém a oferecer sacrifícios de expiação. Também não era já necessário ser submergido nas águas 
do Jordão. Jesus oferecia tudo isso de uma forma gratuita àqueles que acolhessem o reino de Deus. 
Com  Jesus  tudo  começava  a  ser  diferente.  O  temor  e  o  juízo  davam  lugar  à  alegria  do 
acolhimento de Deus, amigo da vida. Já ninguém falava da sua "ira" iminente. Jesus convidava a uma 
confiança total em Deus Pai.  
 
 
2. O Reino de Deus 
 
O centro da pregação de Jesus (o mesmo é dizer: o centro do Evangelho) é o Reino de Deus, ou 
Reino dos Céus. Reino de Deus e Reino dos Céus, como lhe chama o Evangelho de Mateus, são a mesma 
coisa, já que os judeus nunca pronunciavam o nome de Deus – nem sequer o mencionam – e utilizam 
substitutivos para se referirem a Ele. Quando S. Marcos narra que "Jesus veio para a Galileia pregar a 
Boa  Nova  de  Deus,  dizendo:  completou‐se  o  tempo  e  o  Reino  de  Deus  está  perto;  convertei‐vos  e 
acreditai na Boa Nova" (1,14‐15), resume em poucas palavras a mensagem de Jesus: o centro desta é a 
vinda do Reino de Deus 
 
2.1. O que é o Reino ? 

 
Jesus anuncia que o Reino está a chegar. E diz mesmo que o Reino já chegou. O que é o Reino?  
O  Reino  de  Deus  não  é  um  território,  nem  se  confina  a  um  tempo  ou  a  um  espaço.  Não  tem 
fronteiras. O Reino de Deus é Deus. O “Reino de Deus” é o próprio Deus; o próprio Deus, dum ponto de 
vista concreto: o da Sua actuação neste mundo e na nossa história. É o reinado de Deus. 

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No tempo de Jesus havia muita expectativa em relação à vinda do Reino de Deus, que era uma 
das promessas do Antigo Testamento a realizar com a vinda do Messias. Jesus não assume nenhuma 
das interpretações existentes mas ultrapassa‐as e está aberto a todas. 
 
Jesus nunca descreve o Reino de Deus. Não diz o que é nem o que significa essa actuação de Deus 
no  mundo.  Por  uma  razão  simples:  tudo  isso  está  descrito  com  suficiente  clareza  no  Antigo 
Testamento.  Algo  que  com  frequência  se  ouve  dizer,  até  na  pregação  –  que  o  Deus  do  Antigo 
Testamento é um Deus do castigo, do temor e da Lei e que o Deus do Novo Testamento é um Deus do 
amor  e  do  perdão  –  é,  em  grande  medida,  falso.  O  primeiro  que  o  defendeu,  Marcião,  é  talvez  o 
primeiro hereje de importância na história da Igreja. O Deus do Antigo Testamento é o mesmo Deus do 
perdão e do amor do Novo Testamento. O que Jesus prega não é que, face a um Deus do castigo, haja 
um Deus do perdão e do amor, mas que este Deus do perdão e do amor do Antigo Testamento começa 
actuar “desde já”. Que esse Deus está perto. 
 
2.2. Características do Reino 

 
O Reino de Deus tem características concretas. Apresentamos as três principais. 
A primeira é que o Reino de Deus está vinculado à Pessoa de Jesus. Daqui vai surgir um ponto de 
conflito na vida de Jesus. A pertença ao Reino de Deus, isto é, o deixar que Deus actue sobre alguém, 
liga‐se à aceitação desta pregação que Jesus faz. Reparemos que com frequência aparece no Evangelho 
a seguinte pergunta dos judeus a Jesus: “Com que autoridade fazes Tu isso?” (Mt 21, 23‐27). Recolhe‐
se aqui uma realidade histórica sofrida por Jesus, já que está atestada em todos os escritos: a atitude 
dos judeus que pedem a Jesus uma prova que legitime a Sua mensagem como procedente de Deus. 
A segunda característica é que o Reino de Deus vem para todos e vem gratuitamente. Deus ama‐
nos, independentemente do que seja o nosso actuar. É o que significa que Deus é nosso Pai, que é amor 
incondicionado. Daqui não se pode deduzir que seja indiferente a forma como vivemos. Pelo contrário: 
precisamente  porque  Deus  nos  quer  sem  condições,  é  que  nos  sentimos  obrigados  a  corresponder, 
com todas as nossas forças, ao amor incondicionado de Deus. 
A terceira característica, consequência da anterior, é que os primeiros destinatários do Reino de 
Deus, segundo Jesus, são os pobres. Por que é que são os primeiros? Porque, na concepção do Antigo 
Testamento,  a  riqueza  é  uma  bênção.  Se  a  riqueza  é  bênção  de  Deus  quem  é  pobre  não  possui  essa 
bênção. Jesus, contrariamente à concepção dominante, afirma que a bênção de Deus, o Seu Reino, essa 
actuação de Deus que já está a chegar, vem preferencialmente para todos aqueles que parecem estar 
por ele esquecidos.  
Pobres são, também, os doentes, que na concepção judaica não têm a bênção de Deus. Pobres são 
os marginalizados pela sociedade, termo correlativo ao conceito de cumprimento da Lei. Tenha‐se em 
conta que, com muita frequência, o pobre está realmente impedido de ser um bom cumpridor da Lei, 
mesmo  que  apenas  pela  impossibilidade,  por  motivos  económicos,  de  conseguir  tudo  o  que  é 

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necessário  para  oferecer  os  sacrifícios  prescritos  na  Lei.  O  homem  que  cumpre  a  Lei  é  o  homem 
integrado na sociedade judaica; portanto, o que não cumpre a Lei é o desintegrado, o marginalizado. 
Pobre  é  o  órfão  menor  de  doze  anos,  a  viúva  sem  filhos;  ambos  estão  privados  de  “personalidade 
jurídica”, não podem ir a tribunal reclamar uma terra como sua. Pobres são as prostitutas. Estas, por 
definição,  não  cumprem  a  Lei,  são  mulheres  sem  maridos  nem  filhos  que  as  representam;  são  o 
exemplo típico da marginalização. Pobres são os publicanos. Publicano é o que está no “telónio”. 
Pobres são, portanto, "aqueles que não têm nada a esperar do mundo mas unicamente de Deus". 
Àqueles que aos olhos do mundo não têm futuro, Jesus anuncia o futuro do Reino. Aqueles que não têm 
bens nem felicidade no mundo, Jesus proclama‐os felizes no Reino de Deus. 
As palavras são confirmadas pelo comportamento de Jesus. Ele dirige‐se àqueles que as classes 
religiosas  desprezam  (publicanos  e  prostitutas)  e  solidariza‐se  com  os  pobres  e  humildes.  Promete‐
lhes a alegria do perdão e a experiência da misericórdia de Deus. 
 
 
2.3. O Reino de Deus: oferta de salvação 

 
O Reino de Deus é oferta de salvação. 
Também aqui colhemos um aspecto característico do anúncio de Jesus. O Reino de Deus não é 
castigo e juízo, mas Boa Nova de misericórdia e salvação. 
Na  sequência  dos  profetas,  Jesus  anuncia  o  Reino  como  final  do  sofrimento  e  das  angústias  e 
como realização de todas as esperanças dos atribulados: os cegos veêm, os coxos andam, aos pobres 
anunciada  a  Boa  Nova  (Lc.  7,22  ss).  Esta  experiência  do  perdão  e  da  misericórdia  de  Deus  deve 
provocar nas pessoas uma atitude idêntica de misericórdia para com os outros. Aqueles a quem Deus 
perdoa devem perdoar‐se mutuamente (Mt. 18, 23‐25). Assim o amor e a aceitação de Deus provoca a 
aceitação  mútua  dos  homens  e  destrói  as  barreiras  que  separam.  Cada  um  pode  ter  a  certeza  que  é 
amado e aceite por Deus, apesar do seu pecado, e sentir‐se livre para aceitar e entrar em comunhão 
com os outros. 
Mas o homem está fechado no seu egoísmo e limitado pelas potências do mal. Daí que o anúncio 
do Reino seja também luta contra estas potências ("os demónios"). Veremos isto mais adiante. 
 
2.4. A vinda do Reino: presente e escondido 

 
Jesus prega que a vinda do Reino de Deus está iminente. Isto quer dizer que a esperada actuação 
de Deus neste mundo começa já, que já se nota a sua presença. 
O  Reino  de  Deus  é  promessa  para  o  futuro,  mas  concretiza‐se  já  no  presente.  Ao  apresentar  o 
Reino  de  Deus  como  próximo  e  já  presente  Jesus  distingue‐se  também  das  concepções  judaicas.  Na 
verdade,  os  Judeus  esperavam  o  Reino  para  o  futuro:  “o  Deus  dos  céus  fará  aparecer  um  reino  que 
jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo" (Dan 2,44). 

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Esta esperança judaica num Reino de Deus escatológico era fruto da sua experiência histórica: 
eles haviam dado conta em muitas circunstâncias do poder protector de Deus. Podiam confiar em Javé, 
que  era  amigo  deles  e  Senhor  do  mundo  inteiro  e  da  história.  Mas  nalgumas  épocas  históricas  Deus 
parecia  ausente  e  alheio  às  tribulações  do  povo.  Será  que  as  suas  maravilhas  eram  apenas  factos  do 
passado?  Nestas  alturas  os  profetas  consolam  o  povo  judeu  afirmando  que  no  futuro  Deus  realizará 
novo  Êxodo,  nova  Aliança  e  maravilhas  ainda  maiores  que  no  passado.  Nos  últimos  dias  (tempos 
escatológicos) Deus mostrar‐se‐á o Senhor absoluto do mundo inteiro. 
Aqui se mostra a originalidade de Jesus: Ele anuncia o Reino não apenas para o futuro mas para 
agora: “completou‐se o tempo e o reino de Deus está perto" (Mc 1,15). O Reino de Deus chega pois com 
a pessoa de Jesus. Ele é a realização da promessa do Reino. A sua realização perfeita só acontecerá no 
futuro e por isso devemos esperá‐lo e pedi‐lo "venha a nós o vosso Reino". 
Por  outro  lado,  exige  a  nossa  decisão  e  o  nosso  empenho  no  presente:  “o  futuro  de  Deus  é  o 
apelo  que  Deus  dirige  ao  presente  e  o  presente  é  o  momento  da  decisão  luz  do  futuro  de  Deus" 
(Bornkamm). Jesus fala do Reino em termos de presente e de futuro. 
 
2.5. Um Reino de justiça 

 
O Reino de Deus esperado era a afirmação da justiça divina no mundo, a realização plena da paz 
(shalom).  Por  isso  S.  Paulo  e  S.  João,  escrevando  para  ouvintes  para  quem  a  expressão  de  Reino  de 
Deus não era familiar, utilizam as palavras 'justiça" e "vida” para significar o mesmo. Assim, podemos 
hoje falar do Reino de Deus como possibilidade de realizar as expectativas profundas dos homens em 
relação  à  paz,  fraternidade,  vida  e  liberdade.  Por  isso,  também  se  pode  apresentar  o  Reino  de  Deus 
como resposta às grandes perguntas dos homens e como realização da "utopia humana". 
Mas não poderá o homem com as suas possibilidades realizar no mundo estes valores? Segundo 
a concepção da Bíblia o homem encontra‐se limitado e impedido pelas potências do mal e só o Senhor 
do  mundo  e  da  história  pode  oferecer  este  estado  de  coisas.  É  isso  o  Reino  de  Deus:  a  possibilidade 
oferecida  por  Deus  aos  homens  de  realizar  as  suas  expectativas  profundamente  humanas  como  a 
justiça,  a  paz  e  a  fraternidade.  O  Reino  de  Deus  não  é  apenas  espiritual  mas  engloba  uma  dimensão 
profundamente humana, ao libertar o homem das potências do mal que o limitam e dividem. 
 
2.6. Um Reino de amor 

 
Reino de Deus é a proximidade de Deus no amor. O Antigo Testamento falava do Reino de Deus 
como  do  "dia  do  Senhor",  dia  em  que  Javé  manifestaria  plenamente  a  sua  glória.  Falar  do  Reino  de 
Deus era, assim, anunciar a proximidade de Deus em relação às pessoas. Deus está perto, aceita, acolhe 
e cuida dos homens. O mundo inteiro está nas mãos de Deus que cuida de erva dos campos (Mt 6,30), 
dos pássaros do céu e com muito mais carinho ainda dos homens (Mt 10,29‐31). 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

Notamos que Jesus não fala de Deus de uma maneira abstrata e filosófica mas do Deus vivo que 
ama e se compromete com os homens. O domínio de Deus no seu Reino é em conclusão o domínio do 
amor. 
 
A mensagem de Jesus é novidade. Está toda ela centrada num tema de fundo – o Reino de Deus – 
mas apresentado de uma maneira nova em relação à expectativa dos seus contemporâneos. 
 
 
 
3. Sinais do Reino de Deus 
 
O Reino de Deus não é um tema acerca do qual Jesus tenha feito grandes discursos teológicos. É 
simplesmente  anunciado.  “Completou‐se  o  tempo  e  o  Reino  de  Deus  está  próximo:  arrependei‐vos  e 
acreditai  no  Evangelho”  (Mc  1,14).  Jesus  anuncia  o  Reino  de  Deus,  fazendo  posteriormente 
especificações  e  correcções  da  forma  como  era  entendido.  O  anúncio  do  Reino  é  mais  um  grito  de 
vitória do que um discurso catequético. 
Por isso, o Reino de Deus é, antes de mais, para ser mostrado. Na pessoa de Jesus faz‐se presente 
e mostra‐se o Reino de Deus. A sua vida mostra a soberania de Deus, a implantação da justiça divina 
sob a forma de bondade, de misericórdia, de amor. 
O  segundo  aspecto  a  sublinhar  é  que  esta  presença  do  Reino  se  concretiza  em  gestos  de 
reparação, de restauração, de libertação. Parte de uma situação de fragilidade da humanidade (surdez, 
cegueira, paralisia, doença, morte, exclusão...) para mostrar que Deus a quer recompor. 
Jesus mostra, mediante alguns gestos, onde está presente, em que consiste e como actua o Reino 
de Deus. Podemos dizer que tudo, na vida de Jesus, é sinal da presença do Reino de Deus, pois a sua 
pessoa  é  incarnação  desse  Reino.  No  entanto,  há  alguns  gestos  particularmente  significativos, 
enquanto  reveladores  dessa  presença  operativa  de  Deus,  que  exprimem  a  realidade  do  seu  Reino:  o 
lugar  privilegiado  dos  pobres,  os  milagres,  as  refeições,  o  perdão  dos  pecados,  o  acolhimentos  de 
todos. 
 
3.1. O lugar privilegiado dos pobres 

 
Já falámos do lugar privilegiado dos pobres no ministério de Jesus. Eles, tal como todos os que 
não  tinham  direitos  na  sociedade,  são  os  destinatários  privilegiados  do  Evangelho  de  Jesus,  da  Boa 
Nova  que  Jesus  anuncia.  Os  outros  reinos  nunca  foram  uma  boa  notícia  para  os  pobres,  porque  é 
precisamente a sua condição de pobres que os exclui. 
A situação preferencial dos pobres no Reino de Deus diz muito sobre a natureza desse Reino. O 
Reino de Deus é oferta gratuita. Não é resposta a qualquer mérito, moral ou de outro tipo, nem é um 
direito  adquirido  por  ninguém.  Por  isso,  os  destinatários  privilegiados  são  as  pessoas  consideradas 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

sem méritos nem direitos. Anunciar gratuitamente a Boa Nova aos pobres é uma prova de que o Reino 
de Deus é absolutamente gratuito. 
A simples existência dos pobres manifesta a ausência da justiça e do direito. O lugar preferencial 
que  eles  têm  na  acção  de  Jesus,  revela  que  o  Reino  de  Deus  consiste  sobretudo  na  instauração  da 
justiça divina. A justiça de Deus transcende em muito a justiça meramente legal, pois não dá a cada um 
o  que  é  estipulado  por  lei,  mas  o  que  cada  um  precisa  para  viver  com  dignidade,  como  ser  humano, 
filho de Deus. 
 

3.2. Os milagres de Jesus 

 
A.) Milagres e mensagem de Jesus  

 
Se  para  conhecer  Jesus  é  muito  importante  ter  em  conta  o  conteúdo  da  sua  pregação,  não  são 
menos importantes as suas obras. Na verdade, se as suas palavras impressionam as pessoas pela sua 
novidade e profundidade, as obras que realizou não impressionam menos. 
Mas  as  obras  impressionantes  que  Jesus  realizou  –  os  milagres  –  tornam‐se  hoje  muito 
problemáticas  para  a  nossa  mentalidade  científica.  Hoje  dificilmente  aceitamos  milagres  como  obras 
extraordinárias  que  contradizem  as  leis  da  natureza.  Terá  Jesus  violado  as  leis  da  natureza  para 
mostrar  o  seu  poder?  Ou  os  milagres  serão  apenas  interpretação  e  composição  teológica  dos 
evangelistas?  Antigamente  via‐se  milagres  em  tudo.  Ainda  hoje  o  povo  simples  corre  aos  milagres. 
Porém as pessoas cultas explicam os mesmos acontecimentos por causas naturais. Poderão explicar‐se 
assim os milagres do Evangelho? 
Os milagres de Jesus tornaram‐se hoje embaraçosos. Mas não podemos calá‐los. Eles fazem parte 
das tradições mais antigas do Evangelho. S. Marcos faz do seu evangelho quase uma narração de factos 
miraculosos. O próprio Jesus apela para as suas obras como motivo de credibilidade (cf. Jo 10,38). O 
Jesus  que  faz  milagres  aparece  tão  nítido  no  N.T.  como  o  Jesus  que  anuncia  o  reino  de  Deus.  Não 
podemos pois eliminar simplesmente este tema. Além disso os milagres de Jesus estão profundamente 
relacionados com a sua mensagem. Ajudam a compreendê‐la e tornam‐na concreta para a mentalidade 
do povo. 
 
B.) Os milagres à luz da investigação histórica  

 
Se compararmos os evangelhos por ordem cronológica, notamos uma tendência a amplificar os 
milagres.  Esta  tendência,  verificada  em  muitos  outros  acontecimentos,  faz‐nos  questionar  a 
correspondência histórica de cada um dos relatos evangélicos. Os evangelistas utilizaram estes relatos 
para  exaltar  a  figura  de  Jesus,  e  portanto  nem  todos  os  milagres  narrados  terão  acontecido 
historicamente naquela forma. Uma outra conclusão da investigação histórica que algumas narrações 
miraculosas  parecem  projecções  retrospectivas  na  vida  histórica  de  Jesus  da  experiência  de  fé  pós‐
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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

pascal. Já vimos que esta maneira de narrar era legítima. Os evangelhos não são na verdade, crónicas 
históricas mas anúncio de fé. 
Não  podemos  colocar  no  mesmo  plano  todos  os  milagres.  Seria  falso  concluir  que  não  tenha 
havido  milagres.  Não  há  nenhum  crítico  sério  que  não  admita  um  núcleo  histórico  na  narração  dos 
milagres de Jesus. Não seria possível uma tradição evangélica de milagres que não tivesse fundamento 
na  vida  real  de  Jesus.  Não  pode  haver  dúvida  que  Jesus  realizou  obras  extraordinárias,  que 
impressionaram e deixaram estupefactos os seus contemporâneos. 
Os  investigadores  estão  de  acordo  quanto  à  veracidade  histórica  de  muitas  narrações 
miraculosas, nomeadamente nos seguintes aspectos. 
•  Devem‐se  ter  verificado  muitas  curas  de  doentes  de  vários  géneros,  inexplicáveis 
humanamente, pelo menos naquele tempo. 
•  Deverão  ter  acontecido  diversas  curas  de  possessos  do  demónio.  As  doenças  eram  vistas 
naquele  tempo  como  consequência  do  pecado  e  relacionadas  com  o  demónio.  Sobretudo  as  doenças 
psíquicas seriam abundantes e vistas como possessões diabólicas. Estas curas são vistas como sinal do 
Reino de Deus que chega e põe fim ao reino do demónio. 
•  Outras  narrações  de  milagres  terão  tido  fundamento  em  acontecimentos  mais  simples  que 
depois foram ampliados e compostos na pregação primitiva. 
• As narrações do evangelho são sóbrias e Jesus não recorre a milagres espectaculares, nem em 
proveito próprio, mas unicamente em função de libertar os que sofrem. Recusa fazer milagres como 
prova do seu poder (Lc 11,29). 
•  Outro  aspecto  a  não  esquecer,  e  já  referido,  é  que  os  evangelhos  foram  escritos  à  luz  da 
ressurreição e da glorificação do Senhor. O mistério de Cristo ressuscitado aparece como a verdadeira 
fonte e força de onde derivam os milagres. Assim, alguns milagres serão representações antecipadas 
do Senhor ressuscitado e não acontecimentos reais da história de Jesus. 
 
C.) Sentido de milagre  

 
O  que  é  o  milagre?  Estamos  habituados  a  um  conceito  apologético  de  milagre;  como  acções 
extraordinárias que contradizem as leis naturais e que se apresentam assim como prova insofismável 
do poder de Deus. Na concepção apologética o milagre era visto como uma violação das leis naturais. 
Mas  conheceremos  nós  todas  as  leis  da  natureza?  Seria,  pois,  difícil  provar  científicamente  que  os 
milagres são excepções ou contradizem as leis naturais. Além disso, custa a admitir que Deus substitua 
as causas naturais. Parece antes que opera através delas. 
Devemos, por isso, passar de um conceito apologético a um conceito bíblico de milagre. A Bíblia 
fala de milagres como sinais e manifestações do poder de Deus e não como acções espectaculares para 
dar  nas  vistas.  Deus  é  Senhor  da  história  e  da  natureza  e  na  sua  providência  age  através  delas  para 
manifestar  a  sua  protecção.  Ao  lermos  os  milagres  do  evangelho  não  notamos  preocupação  em 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

mostrar excepções às leis naturais (não havia então pensamento científico), mas sinais da grandeza de 
Deus.  
Verificamos no evangelho que os milagres são ambíguos, isto é, podem ter outra explicação que 
não o poder de Deus: os fariseus, por exemplo, explicam os milagres de Jesus por magia diabólica (Mc. 
3,22‐30).  Hoje  tenta‐se  explicar  alguns  milagres  por  influência  psicológica,  ou  seja  pelo  fascínio  que 
emanava da pessoa de Jesus e provocava a fé nas pessoas. Podemos aceitar esta explicação? 
 Quanto  à  natureza  dos  milagres,  podemos  concluir  que  são  acções  extraordinárias,  que 
impressionam.  Mas  não  são  provas  absolutas:  são  ambíguos  e  admitem  outras  explicações.  São 
indicações  da  força  de  Deus,  sinais  para  a  fé,  pois  vão  além  das  capacidades  normais,  mas  deixam 
liberdade em acreditar. 
 
D.) Significado dos milagres de Jesus  

 
Jesus faz milagres. Na actualidade, toda a crítica, incluindo a crítica não cristã, está de acordo em 
que Jesus realizou, na sua vida, acções entendidas pelos seus contemporâneos como miraculosas. Jesus 
fez  sinais  maravilhosos,  em  concreto,  a  expulsão  de  demónios  ou  a  cura  de  doenças,  que  a  crítica 
histórica entende como tendo realmente acontecido. 
Esses sinais eram algo relativamente frequente no seu contexto histórico, e eram especialmente 
realizados pelos homens religiosos. O milagre era algo sociologicamente frequente. A maior parte de 
nós não está consciente de ter visto um milagre em toda a sua vida. No nosso mundo explicamos as 
coisas  de  outra  maneira,  de  modo  que  os  milagres  não  existem;  isto  é,  não  existem  porque  não  os 
vemos, porque não os interpretamos como tais. Plínio, um naturalista romano, escreveu uma história 
natural na qual falava de uma planta que só se dava em Israel e que não floria aos sábados. Isto afirma‐
o um naturalista. Ou seja, a concepção da ciência e a percepção das coisas são muitíssimo diferentes no 
mundo antigo e no nosso. 
Qual, então, o significado dos milagres de Jesus? 
A  interpretação  dos  milagres  não  pode  ser  feita  apologeticamente.  Não  se  trata  de  Jesus  se 
querer  manifestar  como  Filho  de  Deus  e  de  o  demonstrar  com  acções  que  são  contra  as  leis  da 
natureza.  É  preciso  relacionar  os  milagres  de  Jesus  com  a  sua  mensagem,  para  compreender  o  seu 
significado. Os milagres não têm um significado científico ou histórico, mas um significado religioso. 
 Os milagres só se compreendem a partir da pessoa de Jesus e no contexto da sua mensagem. É a 
fé em Jesus e não nos milagres que nos é pedida. Uma fragilidade da concepção apologética era separar 
os milagres da mensagem e da pessoa de Jesus, como se os milagres justificassem a fé. Mas Ele próprio 
se  recusou  a  apresentar  provas  (Mc  8,11ss)  e  proclama  felizes  os  que  acreditam  sem  terem  visto 
provas  (Jo  20,29).  As  narrações  dos  milagres  em  S. João  apontam  claramente  esta  perspectiva  de 
passar  dos  milagres  à  fé  na  pessoa  de  Jesus  (por  exemplo,  a  cura  do  cego  é  oportunidade  para 
despertar a fé em Jesus como luz do mundo). 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

Os  milagres  estão  relacionados  com  a  fé  em  Cristo.  Na  verdade  são  fruto  da  fé  (“a  tua  fé  te 
salvou)”,  e  resposta  à  oração.  Na  sua  terra  natal,  Jesus  não  realiza  milagres  por  causa  da  falta  de  fé 
daquele  gente  (Mc  6,5‐6).  Por  outro  lado,  os  milagres  devem  abrir  o  homem  à  fé  e  dispôr  ao 
seguimento  de  Cristo  (Jo  9,35‐38).  Os  milagres  de  Jesus  mostram  que  através  d'Ele  Deus  entrou  em 
acção e realizou a salvação do homem e do mundo. A nossa resposta aos milagres será pois a aceitação 
e a colaboração na acção de Deus. 
Os milagres são sinais do Reino que chega. Jesus apresenta os milagres como sinais do Reino (Mt 
11,2‐6)  e  revelação  de  Si  mesmo  (Jo.  10,37‐38).  Os  milagres  podem  ser  vistos  como  uma  mostra  da 
presença operativa do Reino. Aos discípulos de João, Jesus apresenta os seus milagres como sinais do 
Reino que Ele anuncia: "os cegos vêm, os coxos andam, os leprosos ficam limpos...". Jesus, em última 
análise,  não  faz  milagres;  o  que  faz  é  “sinais”.  Mais:  A  palavra  “milagre”  não  é  frequente  no  Novo 
Testamento e algumas das vezes em que aparece é em tom crítico. Em Jo 4, 48, Jesus recrimina os que 
O escutam, dizendo: “se não virdes sinais e milagres não acreditais.” 
Os  milagres  são  uma  prova  de  que  o  Reino  de  Deus  não  é  apenas  objecto  de  promessa  e 
esperança;  é  também  objecto  de  fé  e  de  acção  presente.  Estas  actuações  maravilhosas  de  Jesus  são 
simplesmente sinais de que o Reino de Deus está a chegar, de que a actuação de Deus é iminente. O 
Reino de Deus está já presente e actua para refazer a história humana. 
Os milagres são também sinais escatológicos. O Reino de Deus é também futuro. Neste sentido, 
os milagres são sinais e antecipação de um mundo novo, diferente, um mundo que nós esperamos e 
preparamos. Falam‐nos da esperança que a humanidade há‐de ser liberta da escravidão da corrupção 
(Rm 8,21) e que o sofrimento e a alienação serão superados (Ap 21,45). Apontam assim para o mundo 
reconciliado. 
 
E.) Os vários tipos de milagres  

 
Não é por acaso que geralmente os milagres vão ao encontro dos mais necessitados. As cura e 
exorcismos são sinais da chegada do Reino de Deus aos sectores mais afundados no sofrimento e na 
alienação. 
A condição de taumaturgo parece ser um traço histórico indiscutível de Jesus. São abundantes os 
relatos pormenorizados de curas. A historicidade concreta de cada milagre deve ser submetida a um 
estudo  crítico,  mas,  de  um  modo  geral,  os  investigadores  estão  de  acordo  em  que  a  actividade 
taumatúrgica de Jesus constitui um núcleo histórico com fundamento. 
Quando Jesus cura os cegos ou os paralíticos, o que faz é mostrar o que significa o Reino de Deus: 
que a salvação chegou aos doentes e aos pobres. 
Jesus  expulsa  os  demónios,  pois  a  vinda  do  Reino  de  Deus  implica  a  destruição  do  reino  de 
Satanás.  O  reino  do  mal  diminui  o  homem  na  sua  humanidade  e  torna‐o  estranho  a  si  mesmo,  aos 
outros  e  a  Deus.  Assim,  as  doenças,  sobretudo  as  psíquicas,  eram  vistas  como  acção  do  demónio.  A 
expulsão dos espíritos põe o dedo na verdadeira ferida do ser humano. É no espírito que está a raiz do 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

mal,  mas  também  da  cura,  da  salvação,  da  libertação.  Quando  o  espírito  está  doente,  ou  quando  a 
pessoa está possuída por espíritos imundos, começa a sequência de todos os males. 
Não admira, por isso, que os evangelhos apresentem com frequência dois tipos de milagres na 
mesma cena: a expulção do espírito imundo e a recuperação da saúde ou do bem‐estar, a sanação do 
espírito e a cura do corpo. A expulsão do espírito impuro é acompanhada da recuperação do sentidos 
(o ouvido, a fala, a vista). Além disso, a cura integral implica também a reintegração na comunidade. É 
na comunhão que se encontra a plenitude da saúde, a plenitude da vida, a presença eficaz do Reino. 
Daqui  concluímos  que  não  é  legítima  nenhuma  interpretação  espiritualista  ou  meramente  social  do 
Reino de Deus. 
Outros milagres são sempre sinal do Reino. Ao multiplicar os pães, Jesus diz que o Reino é como 
esse banquete onde há para todos e ainda sobra, onde se partilha e se vive a fraternidade. 
Com a sua acção, Jesus vê Satanás cair do céu como um raio (Lc 10,18). Com a vinda do Reino de 
Deus, a humanidade recupera o seu equilíbrio. O Reino é assim restauração da criação e da condição 
humana já no presente. É libertação total do homem, na sua existência espiritual e física e não apenas 
libertação do pecado. 
 
 
3.3. As refeições de Jesus  

 
Um elemento importante na vida e na pregação de Jesus foram as suas refeições. Os evangelhos 
abundam em referências a esta prática de Jesus que talvez seja a mais característica da presença do 
Reino de Deus: a prática do convívio, a presença frequente em banquetes, a reunião à mesa. 
Jesus surpreendia a todos por se sentar à mesa com qualquer um. Ninguém era excluído da sua 
mesa,  nem  ele  se  excluía  da  mesa  de  ninguém.  Não  era  preciso  ser‐se  puro,  nem  praticar  rituais  de 
purificação. 
As  refeições  de  Jesus  com  os  marginalizados  são  também  sinal  do  Reino  dos  Céus.  Podemos 
dizer  que  estas  refeições  de  Jesus  são  uma  parábola  em  acto,  uma  parábola  viva,  em  lugar  de  uma 
parábola  narrada.  As  refeições  são  sinal  da  presença  do  Reino,  são  expressão  da  comunidade  e  da 
comunhão. 
As  refeições  de  Jesus  são  a  imagem  do  banquete  celestial  e,  portanto,  anúncio  da  chegada 
iminente do Reino de Deus. No Reino de Deus tudo haveria de ser diferente: a misericórdia substituía a 
santidade. Não haveria mesas separadas. O Reino de Deus era uma mesa aberta, onde podiam sentar‐
se, para comer, todos os pecadores. Era isto que Jesus queria transmitir, quando falava de refeições e 
participava em refeições. 
Jesus não só estava a anunciar esta boa nova, mas estava já a viver isto. Por isso, participava com 
gosto e alegria nas refeições, sobretudo com aqueles que ninguém convidava; estes são os primeiros a 
ter lugar à mesa de Deus! 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

  De  algumas  dessas  refeições  conservou‐se  uma  recordação  maravilhosa  de  fraternidade  e  de 
abundância.  Entre  estas  refeições  do  Senhor  houve  uma  –  sem  dúvida  a  mais  importante  –  a  última 
refeição  de  Jesus,  em  que  Ele,  face  à  Sua  morte  iminente,  prevista  e  assumida,  se  despediu  dos  que 
acreditavam no seu anúncio e O seguiam, dizendo: “Já não beberei mais do fruto da videira até que o 
beba no Reino do meu Pai”. Com isso, Jesus oferecia a Sua vida em serviço ao Reino por Ele anunciado. 
  A Eucaristia é para os cristãos a reiteração dessa última refeição de Jesus. É o seu memorial, 
precisamente  porque  nesse  banquete  temos  a  essência  do  que  foi  a  sua  mensagem  e  a  sua  vida.  O 
essencial  da  sua  mensagem  ficou  plasmado  na  Eucaristia,  porque  com  as  suas  refeições,  das  quais 
ninguém  era  excluído  Jesus  mostrava  como  é  Deus  que  acolhe  a  todos  no  seu  amor  e  também  aos 
pecadores.  
 
3.4. O perdão dos pecados  

 
O perdão dos pecados é uma obra escatológica de Deus, é uma prerrogativa divina. 
Uma das situações mais significativas é aquela em que a mesma pessoa é perdoada dos pecados 
e curada de uma paralisia física (Mc 2,1‐12). O pecado e a culpa são, muitas vezes, a fonte das piores 
paralisias. Por isso, o perdão dos pecados é a libertação mais profunda das paralisias que nos impedem 
de viver libertos. A paralisia física é a atrofia de um membro físico; o pecado é a atrofia do ânimo, da 
alma, da vida. A cura da paralisia é sinal e consequência da libertação espiritual. 
Uma  vez  que  o  pecado  é  um  obstáculo  à  intervenção  gratuita  de  Deus,  perdoar  os  pecados 
equivale  a  tornar  o  Reino  de  Deus  presente,  introduz  a  gratuidade  na  história.  A  importância  da 
actividade  perdoadora  de  Jesus  vem  do  facto  de  ser  testemunho  da  presença  operativa  do  Reino  de 
Deus como graça. O perdão dos pecados é pura graça. Não corresponde a méritos adquiridos. 
Ver  o  Reino  de  Deus  no  perdão  dos  pecados  não  é  espiritualizá‐lo.  Significa  ir  à  raiz  de  toda  a 
acção. É admitir que não vivemos num mundo inocente, mas pecador. Para que o perdão dos pecados 
não seja uma mera espiritualização do reino de Deus, tem de se concretizar em práticas históricas. Daí 
a importância dos gestos de acolhimento dos pecadores. 
 
3.5. O acolhimento de todos  

 
O  acolhimento  de  Jesus  aos  publicanos  e  pecadores  fazem  parte  do  núcleo  histórico  dos 
Evangelhos. Em muitas dessas cenas há algo mais do que perdão: há aceitação e acolhimento autêntico 
dos pecadores, dos excluídos. Acolher o pecador e compartilhar a mesa com ele é muito mais do que 
um  simples  gesto  ocasional  de  perdão,  é  aceitá‐lo  no  seu  círculo  de  amizade.  Há  mesmo  uma 
convivência  com  esta  gente.  O  perdão  só  alcança  todas  as  dimensões  quando  consegue  reatar  as 
relações  cortadas,  quando  integra  o  pecador  na  comunidade,  quando  é  ponto  de  partida  para  uma 
convivência nova e renovada. 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

Estes  gestos  de  acolhimento  dos  pecadores,  de  aceitação  e  partilha  da  mesma  mesa,  de  os 
reincorporar  na  comunidade,  de  restaurar  as  relações  desfeitas  confirmam  que  o  Reino  não  é  uma 
coisa meramente espiritual. 
 
3.6. Os sinais do Reino 

 
Todos estes gestos da vida de Jesus mostram que o Reino de Deus está presente na pessoa e na 
acção  de  Jesus.  Todos  eles  apontam  numa  mesma  direcção:  o  Reino  consiste  na  abundância  de  vida 
para  todos;  a  vida  consiste  essencialmente  na  comunhão.  Aderindo  ao  projecto  de  Jesus  pode‐se  ir 
experimentando isto mesmo. Mas também é certo que estes sinais do Reino só fazem pleno sentido se 
aceites na fé. 
 
 
4. A pregação do Reino de Deus 
 
Ainda  que  Jesus  não  tenha  feito  discursos  teológicos  sobre  o  Reino  de  Deus,  o  tema  também 
esteve presente na sua pregação. As acções de Jesus, que tornam presente o Reino de Deus, esclarecem 
o  significado  da  sua  pregação,  mas,  ao  mesmo  tempo,  são  esclarecidas  por  ela.  Dois  núcleos  da 
pregação de Jesus são especialmente significativos: as parábolas e as bem‐aventuranças. 
 
4.1. As parábolas 

 
 A  narração  de  parábolas  era  a  maneira  mais  característica  de  Jesus  explicar  a  natureza  e  as 
implicações do Reino de Deus. A maior parte delas começa precisamente assim: “O Reino dos Céus é 
semelhante a ...” Isto é, “Deus, quando actua com os homens é semelhante a ...” 
As parábolas não inserem Deus nas narrativas. Falam de coisas muito terrenas: a sementeira, o 
pão amassado, o caminhante ferido, os trabalhos na vida, as moedas que se perdem. 
Algumas parábolas partem de realidades da vida e dos homens, para com elas ilustrar a actuação 
de Deus (o fermento e o grão de mostarda); outras são histórias inventadas por Jesus, verosímeis no 
seu contexto histórico e sócio‐cultural, com as quais também nos ensina o que acontece com o Reino 
que chega (a dos trabalhadores mandados para a vinha, a dos convidados para o banquete); noutras 
parábolas Jesus procura ensinar‐nos maneiras de actuar que nos tocam a nós, em resposta ao anúncio 
da chegada do Reino (a parábola das dez virgens, ou do administrador astuto). 
As parábolas do Reino viram as coisas do avesso, obrigam‐nos a ver o mundo e a vida a partir de 
uma  outra  perspectiva,  induzem‐nos  a  romper  com  o  passado  e  com  os  valores  habituais.  Não 
apontam  para  outro  mundo,  mas  para  novas  possibilidades  neste  mundo.  As  parábolas  abrem  um 
futuro de possibilidades à nossa vida, abrem‐nos a uma conversão. Uma parábola não pode deixar de 

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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo 

provocar reacção, positiva ou negativa, porque se move no âmbito do paradoxal, do surpreendente, do 
não convencional, do chocante, do insensato. Quem escuta uma parábola tem de tomar uma decisão 
As parábolas, partindo de realidades da vida, falam do Reino de Deus. Referem‐se ao modo de 
Deus actuar. O Deus das parábolas não costuma concordar com os nossos padrões de comportamento. 
Deus actua de um modo surpreendente e chocante. Vejamos algumas características deste Reino. 
– O  Reino  de  Deus  tem  origens  muito  modestas  e  simples,  pouco  ou  nada  perceptíveis.  Não 
irrompe triunfalmente, mas de um modo modesto e humilde, apenas devido à acção de Deus, 
não  a  empreendimentos  humanos  espectaculares.  Por  isso,  a  primeira  resposta  é  a  fé  e  a 
confiança na acção de Deus. 
– O Reino de Deus irrompe gratuitamente, é pura graça. Não é resposta a méritos prévios. As 
únicas vias de acesso à salvação são a fé, a confiança, a abertura humilde à acção de Deus, o 
reconhecimento do prórpio pecado, o acolhimento agradecido do Reino de Deus. 
– Mesmo sendo gratuito, este Reino também é exigente. Algumas parábolas insistem também 
nas exigências e nos compromissos do Reino de Deus. O Deus do Reino actua com bondade e 
compaixão, mas não deseja a irresponsabilidade nem é conivente com qualquer opção. 
 
4.2. As bem­aventuranças 

 
As bem‐aventuranças, ou macarismos, são exclamações nas quais certas pessoas são declaradas 
felizes,  ou  bem‐aventuradas.  Por  vezes,  estas  exclamações  de  bem‐aventurança  contrapõem‐se  a 
exclamações  de  mal‐aventurança.  Há  exclamações  deste  tipo  dispersas  por  todos  os  evangelhos.  No 
entanto, há dois textos que são apresentados como resumos das bem‐aventuranças de Jesus: Mt 5,1‐12 
e Lc 6,20‐23. É opinião comum que estes textos constituem um núcleo histórico da pregação de Jesus. 
As bem‐aventuranças são importantes para entender o Reino de Deus. 
Quanto  aos  destinatários  preferidos  do  Reino  de  Deus,  as  bem‐aventuranças  confirmam,  tal 
como as parábolas, que são os pobres, todos aqueles que estão sujeitos a qualquer tipo de desgraça, de 
tal forma que só podem procurar apoio em Deus e pôr n’Ele a sua confiança. Pobres são os que já não 
esperam nada da história humana e só lhes resta esperar pela justiça e pela misericórdia de Deus. 
Quanto à natureza do Reino, as bem‐aventuranças confirmam alguns dados das parábolas: 
– o carácter gratuito do Reino,  
– a presença inicial do Reino na pessoa de Jesus. 
Mas sublinham outros aspectos: 
– O carácter escatológico da realização plena do Reino de Deus. São formuladas no futuro, como 
um  anúncio  profético,  a  indicar  que  a  soberania  de  Deus  estabelecerá  na  história  humana  a 
misericórdia, a justiça, a paz. 
 
 
 

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5. Conclusão 
 
Num  tempo  em  que  as  sociedades  puseram  de  lado  todas  as  grandes  ideologias  e  as  pessoas 
deixaram de acreditar em utopias, faz sentido ainda propor esta ideia do “Reino de Deus”? 
Justamente, a expressão “Reino de Deus” designa a utopia mais ambiciosa da tradição judaico‐
cristã: 
• abarca as esperanças últimas da humanidade 
• designa o projecto mais ambicioso de Deus para a criação e para a humanidade 
• indica a realização plena e a consumação da história. 
Neste sentido, o Reino de Deus é uma utopia à espera de realização. Mas é uma utopia em que 
acreditamos e esperamos: os crentes têm a certeza de que ela se realizará. 
Uma  verdadeira  utopia  não  é  apenas  objecto  de  esperança:  é  algo  que  se  deseja  e  que  se  vai 
construindo  progressivamente.  Os  crentes  esperam  a  plena  realização  do  Reino  de  Deus  no  futuro 
porque vão contemplando as suas realizações parciais no presente. 
A proposta do Reino de Deus só continuará a ser merecedora de confiança na medida em que os 
cristãos mostrarem sinais da sua presença. Caso contrário, o Reino será apenas um sonho e uma ilusão 
dos crentes. 
A paixão de Jesus Cristo foi viver para anunciar e mostrar o Reino de Deus. A paixão dos cristãos 
não pode ser outra – anunciar o Reino e concretizá‐lo na vida e na história humana. 
 

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