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RESUMO
Este artigo apresenta a interatividade entre a pedagogia da infância e a pedagogia da
formação de professores de educação infantil, focando-se nas perspetivas participativas
para formar adultos e educar crianças. Comparam-se os papéis da mediação pedagógica
ao nível da formação inicial e da formação em contexto ouvindo os atores centrais
– formandos e formadores. Apresenta-se toda a formação como uma pedagogia da
relação no âmbito de uma teoria do desenvolvimento humano.
Palavras-chave: Formação inicial. Formação em contexto. Mediação pedagógica.
Pedagogia da relação.
ABSTRACT
TEACHER EDUCATION AS A RELATIONAL PEDAGOGY
This article presents the interactivity between childhood pedagogy and the pedagogy
of teacher education, focusing on participatory perspectives as a means to professional
development and children’ learning. The roles of pedagogical mediation are compared
at the level of initial training and context based professional education through listening
to the central actors – trainees and trainers. All the process is presented as a relational
pedagogy in the scope of a theory of human development.
Keywords: Initial teacher education. Context based teacher education. Pedagogic
mediation. Relational pedagogy.
RESUMEN
LA FORMACIÓN COMO PEDAGOGÍA DE LA RELACIÓN
Este artículo presenta la interactividad entre la pedagogía de la infancia y la pedagogía
de la formación de profesores de educación infantil, enfocándose en las perspectivas
participativas para formar adultos y educar a niños. Se comparan los papeles de la
mediación pedagógica a nivel de la formación inicial y de la formación en contexto
oyendo a los actores centrales – formandos y formadores. Se presenta toda la formación
como una pedagogía de la relación en el ámbito de una teoría del desarrollo humano.
Palabras clave: Formación inicial del docente. Educación del profesorado basada en
el contexto. Mediación pedagógica. Pedagogía relacional.
∗
Doutora em Estudos da Criança pela Universidade do Minho. Professora Convidada da Universidade Católica Portuguesa.
E-mail: jffformosinho@gmail.com
∗∗
Doutor em Administração Educacional pelo Instituto de Educação da Universidade de Londres. Professor Convidado da
Universidade Católica Portuguesa. E-mail: joaomanuelformosinho@gmail.com
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A formação como pedagogia da relação
1 A humanização da condição humana Construir uma escola que quer educar para a
como fim último do ensino compreensão requer uma reforma de mentalidade
que valoriza a antropoética, uma ética do gênero
No âmbito do quadro teórico da Associação humano, sem a qual talvez não possamos sobre-
Criança (OLIVEIRA-FORMOSINHO; FORMO- viver como espécie, como nos diz Morin (2000,
SINHO, 2001), a visão do mundo informa toda a 2005).
pedagogia da formação das crianças e dos adultos, Não queremos valorizar excessivamente o papel
sejam estes adultos formandos (estagiários, pro- da escola, pois sabemos que ela convive nesse pro-
fessores iniciantes ou professores experientes) ou cesso de humanização da humanidade com outras
formadores (supervisores, mediadores ou formado- instituições igualmente importantes – a família, a
res em contexto). O alfa e o ômega dos processos comunidade local, as igrejas, os centros de saúde,
formativos é a pessoa – a pessoa-criança, a pessoa- os clubes desportivos, as associações culturais e
-formando, a pessoa-formador. recreativas etc. Sabendo que o tempo é um grande
Do ponto de vista ontológico, criança e adulto escultor de experiência, de saberes e ética, basta
partilham essa condição de ser pessoa e detêm igual pensarmos no tempo que a criança passa na esco-
direito ao respeito e à participação. O isomorfismo la para compreender o desafio de Morin (2000):
ontológico conduz a uma homologia de direitos nas tornar o ensino um lugar de compreensão humana
situações de aprendizagem-ensino. intersubjetiva.
A realidade da condição humana, para ser Este artigo tem seu foco numa instância muito
vivida na sua plenitude, exige da escola a cons- relevante para tal desiderato – a formação prática
cientização da condição humana como objeto dos futuros professores dessa criança, a formação
essencial de todo o ensino (MORIN, 2000). prática dos supervisores desses professores (em es-
Entretanto não o tem sido. Tornar esta conscien- tágio) e ainda a formação praxeológica em contexto
tização realidade significará pôr a escola ao ser- de professores experientes em exercício.
viço da humanização da humanidade através da Formar profissionais de desenvolvimento hu-
humanização de cada pessoa, o que começa nos mano (FORMOSINHO, 2009) implica cuidar do
contextos vivenciais da infância – casa, escola, contexto relacional em que são formados, enten-
bairro, comunidade. dendo esse contexto formativo como portador de
No que se refere à escola, o desafio implicado um currículo de processos tão impactante na cons-
tem a ver com o conhecimento sobre a pessoa do trução da identidade profissional como o currículo
formando (criança ou adulto), o que exige que de conteúdos.
examinemos como esse conhecimento foi constru-
ído. Começar com a pessoa significa saber qual a 2 A formação dos professores
imagem de pessoa de que partimos – a imagem de estagiários como prática testemunhal
criança, a imagem de adulto, a imagem de relação.
A criança abstrata descontextualizada? A criança A formação prática dos professores (o practi-
real, inserida em contextos vivenciais concretos cum) é um processo longo, complexo, de ciclo de
que conosco irá partilhar uma jornada experiencial vida. Abrange o desempenho do ofício de aluno,
de progresso no conhecimento como entrada na a prática docente dos formadores e a componente
cultura e processo de humanização? de Prática Pedagógica, e aplica-se quer à formação
O conhecimento pertinente sobre a pessoa inicial, quer à formação em contexto de trabalho
que reconhece o vínculo entre o todo e as partes, (FORMOSINHO, 2001, 2002).
entre o todo e o seu contexto, não deixa de ser Nas sociedades contemporâneas, dado o
rigoroso. Pode haver mais rigor na proximidade prolongado tempo de escolarização, as pessoas
do que na distância quando assumimos a neces- começam cedo e acabam tarde no “ofício de
sidade de compreender a condição humana como aluno”. Prolonga-se assim a vivência do papel,
objeto primeiro de todo o ensino (FORMOSI- funções e interações de aluno. Alarga-se, com
NHO, 2016). essa vivência, a aprendizagem do desempenho
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Esses ciclos interativos de aprendizagem expe- a formação contínua, chegando-se mesmo a conce-
riencial vão instituindo progressivamente a trans- tualizar a formação de professores em duas etapas
formação do ambiente educativo, dando origem a completamente separadas – o antes e o depois do
um cotidiano experiencial em que a criança ganha parto. Estávamos ainda no coração de uma visão
espaço e protagonismo. Aprender na formação positivista que separa as realidades para as poder
uma pedagogia participativa constitui a pedagogia investigar de forma compartimentada.
no centro interativo da formação profissional e da A nossa concepção de formação situou-se sem-
educação das crianças. Cria interatividade entre o pre no paradigma da complexidade que estuda a
aprender da criança e o aprender do adulto. Traz a realidade de forma conectada para respeitar a sua
aprendizagem da criança para o âmago da apren- natureza holística e contextual. A formação integra
dizagem do adulto. tempos e conteúdos formativos; integra contextos,
A desconstrução da forma tradicional de pensar processos e realizações; integra os diversos atores.
a educação é um requisito para o pensar e fazer A pedagogia da formação assim concebida situa-se
formação em contexto, pois que o peso históri- na linha da teoria do desenvolvimento humano.
co da pedagogia tradicional precisa ser refletido A experiência formativa em cada momento tem
criticamente para que se possa fazer a conscienti- a montante as experiências formativas anteriores
zação (FREIRE, 1970) do que ela envolve em si que a reflexão recupera e a jusante a ambição de
mesma, do que envolve junto dos formandos e do uma projetação mais reflexiva e crítica. O tempo
que envolve no pensamento sobre a formação dos formativo desenvolve aprendizagem experiencial
profissionais de educação. que vai construindo um contínuo educativo que
flui, interage, se desconstrói e reconstrói e, assim,
4 A formação dos profissionais se recria.
de desenvolvimento humano – um Do ponto de vista ontológico, os professores
projeto de ciclo de vida estagiários e os professores experientes partilham
da mesma condição de ser pessoa, detendo o di-
No último quartel do séculoXX, muitos fizeram reito ao respeito e à participação quer no tempo
um corte epistemológico entre a formação inicial e da formação inicial quer no tempo da formação
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continuada. Como consequência, do ponto de vista Essa criança, aluna durante quase 20 anos, vai
epistemológico, uns e outros têm uma homologia agora ser professora – para repetir o que vivenciou?
de direitos (e de deveres), sendo o direito fundante Para lhe dar continuidade? Ou recusar o que viveu
o de ser co-construtor da sua aprendizagem pro- fazendo uma ruptura, qual herói solitário? A esco-
fissional. Isto representa um desafio pedagógico la democrática que garante a todas as crianças o
para os respectivos formadores – os professores direito de ser pessoa, de ser incluída e respeitada,
cooperantes, na formação inicial, os mediadores não se faz só com um punhado de profissionais
pedagógicos (formadores em contexto) no âmbito vencedores que resistem a tudo.
da formação em contexto. Como criar perspectivas participativas de for-
Esses formadores precisam reconstruir a sua mação que sejam sustentáveis no cotidiano?
práxis formativa como espaço de escuta ativa dos
respectivos formandos, o que implica reconhecer- 5 Os desafios do presente estudo
-lhes agência nos processos formativos e inclusão
dos seus propósitos no fluir da ação cotidiana. O presente estudo tem um contexto mesossistê-
Escutar e documentar a escuta implica responder mico muito específico – o da Associação Criança,3
incluindo, implica negociar os cotidianos forma- uma associação pedagógica (OLIVEIRA-FORMO-
tivos sustentando-se em encontros de pensamento SINHO; FORMOSINHO, 2001) na sua relação
e ação pedagógica. A qualidade das interações e com projetos formativos vinculados à universidade4
relações torna-se central. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 1998). Nestes dois
Estamos perante o desafio de criação de uma contextos formativos desenvolveram-se pesquisas
prática testemunhal que busca coerência entre a muito relevantes para a formação inicial e para a
concepção de pessoa de que se parte, o espaço epis- formação em contexto que merecem uma revisita-
temológico que se lhe procura na coconstrução do ção para a recolha das lições apreendidas.
conhecimento e a práxis de respeito e participação Não sendo este o espaço para fazer essa
que se desenvolve como testemunho. revisitação,5 é importante detalhar os contextos de
Estamos diante de níveis integrados de isomor- formação e pesquisa de que se parte e fazer uma de-
fismo – o isomorfismo ontológico conecta-se com claração de interesses dos autores, simultaneamente,
o isomorfismo epistemológico na busca de uma tanto como autores deste artigo, quanto como atores
homologia formativa, isto é, na busca de uma pe- sociais nos contextos. A natureza da relação que
dagogia da formação que no cotidiano pedagógico temos com as pessoas e as suas produções, com os
espelha os seus pontos de partida. contextos e suas realizações, permite-nos, quer recu-
Estamos perante a necessidade de perceber a perar dados empíricos produzidos nestes contextos
continuidade e o progresso no âmbito do desen- para os reanalisar (como no caso da supervisão da
volvimento humano situado no desenvolvimento formação inicial prática), quer uma revisitação de
profissional. Somos desafiados a pensamento alguns desses processos e realizações, ouvindo agora
reflexivo e crítico sobre as questões da continui- alguns desses atores num olhar reflexivo e crítico
dade e progresso típicas do território da teoria do ajudado pela distância que o tempo permite.
desenvolvimento humano.
3 A Associação Criança é uma associação pedagógica que promove
Se nos remetermos à aprendizagem da docência pedagogias participativas, designadamente a Pedagogia-em-
através discência, desde as primeiras experiências -Participação, e desenvolve a formação participativa em contexto
de trabalho em centros de educação infantil.
de ser aluno; se reconhecermos o impacto do modo
4 Projetos de formação vinculados primeiramente à Universidade
de estar na escola (transmissivo versus participati- do Minho e depois à Universidade Católica Portuguesa.
vo); se aceitarmos que a escola convencional treina 5 Essa revisitação providencia lições sobre a formação inicial de
professores de educação infantil, formação de auxiliares de ação
para a passividade, sentando os alunos para ouvir e educativa em centros de educação infantil, de formação de pro-
a devolver o ouvido, durante os milhares de horas fessores cooperantes da prática; sobre a formação em contexto
nela vividos, então compreendemos melhor a ques- de trabalho, quer de professores de educação infantil, quer de
auxiliares de ação educativa, sobre a aprendizagem das crianças;
tão da continuidade experiencial da passividade a sobre o papel da Pedagogia na formação de profissionais e na
que as crianças são sujeitas. educação da criança.
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A formação como pedagogia da relação
O nosso interesse principal neste artigo reside 1998), que na Universidade do Minho decidiu
em saber o papel da Pedagogia da Infância na reconcetualizar a formação prática de educadores
formação de professores de educação infantil de infância (FORMOSINHO, 2001; OLIVEIRA-
como forma de transformar a qualidade da educa- -FORMOSINHO, 2001b), enraizando-a na apren-
ção das crianças. Selecionamos um grupo de dez dizagem experiencial da pedagogia da infância.
professoras de educação infantil (educadoras de Esta reconceitualização da formação prática exigiu
infância, na terminologia portuguesa) que eram a conscientização de que dispomos de uma herança
então estagiárias e são agora professoras experien- pedagógica muito rica que sustenta o fazer peda-
tes apoiadas desde então no seu desenvolvimento gógico sem o enclausurar, porque o abre a outros
profissional através de formação em contexto. Estas diálogos; sem o colonizar porque afirma os sabe-
profissionais fizeram a sua iniciação profissional res pedagógicos como um campo com identidade
e desenvolvem a sua prática atual em contextos que recusa os vários aplicacionismos – filosófico,
que perfilham uma pedagogia participativa: a psicológico, sociológico, econômico, didático ou
Pedagogia-em-Participação (OLIVEIRA-FOR- outro (FORMOSINHO, 2011, 2016; OLIVEIRA-
MOSINHO; FORMOSINHO, 2013). -FORMOSINHO, 2001a, 2001b).
Dentro desse interesse, recuperamos várias per- A primeira exigência que nos trouxe essa
guntas que guiam a revisitação dessas educadoras, decisão foi a de juntar num mesmo processo
quer nas entrevistas que conduzimos então, quer formativo as estagiárias da formação inicial, as
nas realizadas agora para este estudo e ainda nas cooperantes de terreno e as supervisoras por parte
notas de campo recolhidas em situação de apoio ao da universidade7 (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
seu desenvolvimento profissional. 1998, 2005), criando saberes e posicionamentos
• Qual a importância das diferentes di- éticos que reconstruíam colaborativamente a
mensões da pedagogia 6 nos processos práxis pedagógica das salas das cooperantes de
formativos? terreno e a práxis formativa das supervisoras
• Qual a dimensão pedagógica mais impor- institucionais em direção a uma pedagogia de di-
tante para a práxis em contexto de sala na reitos da criança. Assim, garantindo o direito dos
educação infantil? estagiários a uma prática que os inicia à profissão
• Qual a importância das interações nos pro- em contextos pedagógicos em que a imagem de
cessos formativos? criança com competência, agência e direitos é
• Qual a importância das interações na prática uma prática testemunhal cotidiana. Os processos
pedagógica cotidiana em sala? transformativos vividos nas salas das cooperantes
De todas essas informantes dispomos de ex- afastaram-se dos meros discursos retóricos de as-
tensos dados empíricos anteriores, recolhidos no serção dos direitos e paulatinamente construíram
decorrer da sua ação como formadoras ou como uma vivência de direitos das crianças.
formandas e dos seus portfólios de desenvolvi- Esse processo foi investigado entre 1992 e 2006,
mento profissional. ouvindo as vozes das estagiárias e das cooperantes
em notas de campo, entrevistas, fotografias e vídeos
6 Ouvindo atores da formação inicial com o objetivo de acompanhar o cotidiano pedagó-
– reanalisando dados empíricos gico e criar colaborativamente a sua transformação
produzidos no contexto da supervisão (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 1998, 2001b).
da formação prática Transcrevemos aqui notas de campo recolhidas na
fase final desse período sobre o processo formativo.
O primeiro contexto deste estudo reside no
Projeto Infância (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
7 As futuras professoras em formação prática são designadas de
6 A Pedagogia, enquanto práxis pedagógica, tem várias dimensões – estagiárias; as professoras de terreno em cujas salas estas esta-
a organização do espaço e dos materiais, a organização do tempo, giárias se iniciam na prática são designadas de cooperantes; os
a organização dos grupos de aprendizagem, as dimensões do ciclo professores da instituição de formação que acompanham este pro-
da ação pedagógica (observação, planificação, desenvolvimento, cesso são designados de supervisores institucionais. Chamamos
monitorização e avaliação), a documentação, as interações. díades formativas ao par composto por estagiária e cooperante.
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profissional, já ouvida enquanto estagiária, mantém alguns receios) compreendi que tinha de começar
a ideia então exposta da importância das interações. também pelos cuidados com as relações e intera-
A Filomena, agora professora experiente (igual- ções com as educadoras [experientes]. (HELENA,
mente com 8 anos de experiência), com apoio ao formadora em contexto).
seu desenvolvimento profissional, que já ouvimos As interações estão no coração da mediação pedagó-
como estagiária, igualmente confirma a importân- gica, seja eu formadora em contexto ou educadora
cia das interações: em sala com crianças. As interações sensíveis, desa-
fiadoras e promotoras de autonomia são igualmente
Desde a minha formação inicial no estágio percebi
relevantes quer para a construção de relações de
como me podia sustentar na procura da qualidade
mútua confiança e de colaboração com educadoras
das interações. Primeiro estava muito preocupada
em formação, quer para a construção de relações de
com as minhas interações com as crianças. [Embora]
mesma natureza com as crianças.
continue a achar que isso é muito importante, mas
agora compreendo que a verdadeira qualidade vem É no desenvolvimento de uma interação que sabe
de todas as interações. […] Tive de aprender a traba- escutar, que sabe deter-se para dar espaço e tempo
lhar com as auxiliares a importância das interações ao outro (seja adulto, seja criança) que eu vou
nossas com as crianças para as próprias crianças e descobrir e conhecer este outro, que eu vou saber
para os pais e a importância das nossas interações construir a minha companhia [para] colaborarmos
com os pais para eles e para as crianças. Não tenho na definição e na realização dos caminhos de trans-
dúvida nenhuma que as interações são o coração da formação e aprendizagem. (JULIANA, formadora
pedagogia. (FILOMENA, professora experiente e em contexto).
formanda em contexto).
Ouçamos agora três professoras de educação 8 Reflexões finais
infantil sobre a sua experiência enquanto forma-
doras em contexto: Para Edgar Morin (2000), a condição humana
deve ser o objeto essencial de todo o ensino. Esta
A minha experiência enquanto educadora numa sala
asserção leva-nos a pensar que a pessoa humana
de creche conduz instantaneamente à reflexão em
torno das interações, na medida em que se revelaram
se constitui em princípio, meio e fim de toda a
desde o primeiro dia a raiz da vivência quotidiana. formação – a das crianças e a dos adultos.
Tendo sido sempre a minha primeira preocupação Cada pessoa como centro dos processos forma-
[enquanto educadora e enquanto formadora] a tivos, assumida nas suas semelhanças e diferenças
construção de um ambiente de bem-estar para as com o outro, entendida como situada em contextos
crianças e adultos da sala, este partiu das interações pessoais e interpessoais, em contextos educacio-
sensíveis, estimulantes e autonomizantes que eu nais e cívicos, cresce, aprende e desenvolve-se
e as auxiliares aprendemos a desenvolver com as em conectividade, em relação. A pluralidade, a
crianças. Caminhei em companhia na compreensão contextualidade, a situacionalidade da identidade
da importância de observar e escutar os sinais que a em construção de cada pessoa que participa no
criança evidencia, de organizar um ambiente físico
processo formativo contribui para a compreensão
desafiante e um ambiente social de afeto e confian-
ça onde as interações florescessem em harmonia e
humana intersubjetiva se a condição humana for
sintonia. Esta aprendizagem profissional apoiou-se de fato a substância essencial do ensino.
também na descoberta quotidiana da competência e Precisamos desafiar os formadores a serem pro-
agência da criança ao darmos espaço e tempo para ela fissionais de desenvolvimento humano, sejam eles
ser e aprender. (INGRID, formadora em contexto). educadores de crianças pequenas ou de adultos. Em
consequência, a formação de formadores torna-se
Para mim sempre valorizei todas as dimensões da
Pedagogia, mas pus sempre as interações no centro, uma prioridade.
pois é isso que toca mais as crianças. É isto que torna Aprender na formação profissional de profes-
os pais inseguros ou seguros nos primeiros tempos sores, desde o início, as pedagogias participativas
(depois começam a preocupar-se com outras coisas). torna a pedagogia em centro da formação profis-
Quando estive a fazer formação em contexto (e tinha sional e, simultaneamente, em centro da educação
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