Vous êtes sur la page 1sur 3
Amores que matam: a casa e a cidade Por Luis Fernindez-Galiano Tradugao de Josely Vianna Baptista 114 amores que matam, e nossa devogdo pela casa é um deles. Cada nimero [da revista Arquitectura Viva] dedicado A casa nos compele a desfiar um rosério de desculpas. Sim, sabemos que o habitat disperso gerado pela moradia ‘unifamiliar ¢ pelo automével que a faz acessivel é um absurdo ecolégico, uma afronta paisagistica e um empobrecimento social: o esbanjamento de recursos materiais e energéticos necessirios para construi-la e manté-la é uma agressdo ao planeta; a extensdo indiscriminada desse tapete de baixa densidade degrada o territ6rio de forma inreversivel, e a fragmentacao da vida coletiva destr6i a densa rede de contatos que € a principal riqueza das cidades, © suporte de sua prosperidade e a base de seu atrativo. Também sabemos, é claro, que nas atuais circunstancias de nossa civilizagéo, assolada pela mudanca climética, pelo esgotamento dos combustiveis fasseis e pelo desgoverno econdmico, a tinica coisa que se pode preconizar de maneira responsivel é a densidade urbana, que é, no fundo, incompativel com a casa. ‘Mas a casa nos fascina e nos seduz, quer em sua versdo antropolégica de abrigo elementar ¢ habitacdo essencial, quer em sua variante tecnolégica de vitrine da vida privada e cofre do conforto familiar, e acabamos por sucumbir ao sortilégio de seus encantos. De modo que a desculpa ¢ a dimensio fenomenolégica explorada por Gaston Bachelard, com a casa como refiagio dos sonhos do sétio e dos pesadelos do pordo, numa linha de pesquisa do inconsciente que se estende de Freud ou Lacan até Zizek, passando por Hitchcock; ou ela é, ainda, a alegre exaltagdo do consumo moderno, com as Case ‘Study californianas de John Entenza, tendo a dupla Eames ou Pierre Koenig como seu momento mais euférico e a collagedo recentemente falecido Richard Hamilton — Just what is it that make s today’s home so different, so appealing? — como seu anincio ¢ apoteose pop. Presos nessa arapuca, em seu modelo atemporal ou em sua encamagio contempordinea, continuamos construindo casas e falando delas. i ec Casa das Cancas, projetnda por Oscar Niemeyer. Foto de Frank ven Leer Pois, apesar de tudo, a casa continua sendo um formidével laboratério de pesquisa e inovacdo que permite sondar os limites da indtistria e a natureza em seus limites, como 0 evidenciam tanto os estudos pioneiros de edificacao residencial — dos quais publicamos seis exemplos da histéria recente — quanto as experiéncias extremas de construgdo de casas ou refiigios em geografias remotas — documentadas com uma diizia de obras recentes em quatro continentes ~, e esta apresentacéio simultanea talvez ilustre a fertilidade contumaz e permanentemente renovada da casa como experimento, Gehry Kesidence projetada par Frank Gehry. Foro de IK's We Assim, defenderemos os beneficios da cidade densa como a moldura mais adequada para a vida humana num mundo finito, e seguiremos criticando a insensata suburbanizacdo do planeta promovida pelo automével e pela casa; mas vamos continuar a consumi-la em pequenas doses, como uma experiéneia arriscada ou prazerosa: uma droga sintética, uma vacina em fase de testes ou um veneno que, tomara, ndo seja fatal. Luis Femandez-Galiano ¢ arquiteto, professor de projeto na Escola de Arquitetura da Universidade Politécnica de Madri e diretor da revista Arguitectura Viva.

Vous aimerez peut-être aussi