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Fundamentos Constitucionais do Estado:

Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

LÍVIO SILVA

Fundamentos Constitucionais do Estado:


O Brasil de Direito e o de Fato.

1ª Edição

Recife
Livio Paulino Francisco da Silva
2019

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Direitos Autorais Reservados


Livio Paulino Francisco da Silva

Copyright © 2019 By Lívio Silva


1ª Edição © 2019

www.advogadoliviosilva.wordpress.com

www.escrevologoreflito.blogspot.com

liviosilva.adv@gmail.com

ADVERTÊNCIA

O autor da presente obra, único detentor de seus direitos morais e


patrimoniais, autoriza apenas o uso pessoal e privado, vedados o uso
comercial, a reprodução não autorizada e a distribuição sob qualquer aspecto,
ressalvadas as hipóteses de limitação aos direitos autorais previstas no Art. 46
da Lei 9.610/98, sem prejuízo dos demais dispositivos legais de proteção aos
direitos autorais.

________________________________________________________
S586f

Silva, Lívio.
Fundamentos constitucionais do estado: o Brasil de direito e o de
fato. / Lívio Silva. - 1. ed. Recife: Livio Paulino Francisco da Silva,
2019.

ISBN 978-85-916666-1-4

1. Direito constitucional brasileiro 2. Constitucionalismo 3. Teoria


geral do Estado
I. Título.
CDD 342.0281

Índices para catálogo sistemático:


1. Direito constitucional brasileiro 2. Constitucionalismo
3. Teoria geral do Estado
CDD 342.0281

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

SUMÁRIO

Apresentação 06
Capítulo I - O Brasil e o Constitucionalismo 08

1. O Constitucionalismo 08

2. Evolução Histórica do Constitucionalismo 13

3. O Brasil, uma Herança Oligárquica e a República 20

Capítulo II - A Constituição Federal de 1988 36

1. O Brasil e a retomada da Democracia 36

2. Origem política do golpe civil-militar de 1964: classes dominantes


contra a Democracia 38

3. A Constituição de 1988, seus fundamentos políticos e seus


princípios fundamentais 49

Capítulo III - A Soberania 56

Capítulo IV - A Cidadania 75

Capítulo V - A Dignidade da Pessoa Humana 98

Capítulo VI - Os Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa 108

Capítulo VII - O Pluralismo Político 116

Considerações Finais 123

Referências Bibliográficas 124

O Autor 133

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Este meu segundo livro na área jurídica é


dedicado aos brasileiros utopistas como eu, que
sonham com um país diferente, que proporcione na
prática, ou seja, de fato, aquilo que está posto no
Direito...

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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APRESENTAÇÃO

Fruto de um longo processo histórico em contínua reconstrução, além de constituir-se em um


imenso caldeirão multicultural, nosso país declara-se no art. 1º de sua Constituição Federal como
Estado Democrático de Direito, tendo como seus fundamentos a Soberania, a Cidadania, a Dignidade
da Pessoa Humana, os Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa e o Pluralismo Político.
A presente obra visa investigar os fundamentos constitucionais do Estado democrático de
Direito brasileiro, insculpidos no art. 1º, de nossa Carta Magna, reservando-se um capítulo para o
estudo de cada fundamento, onde serão analisados os aspectos jurídicos, além dos aspectos de
ordem fática, ou seja, as questões históricas, políticas e sociais que dizem respeito aos fundamentos
de nosso Estado de Direito.
Este livro começou a ser pensado no ano de 2014, iniciados os trabalhos de escrita no mesmo
ano e interrompidos em 2016, quando decidi me dedicar a um longo projeto profissional de natureza
pragmática, que me afastou parcialmente de um dos grandes prazeres que tenho em vida: escrever
textos cada vez melhores. Os acontecimentos vinculados à eleição de 2018 instigaram-me a
retomar o escrever e terminar este texto, pois o risco que nossa Democracia corre hoje em dia é
iminente e a presente obra merece ser escrita e divulgada. Pelos meus pais, pelos meus amigos de
verdade, pela minha esposa e pelos filhos que terei. Principalmente pelo futuro de nossa sociedade
atual, que corre perigo iminente de ter severamente violados todos os bons valores democráticos
construídos ao longo desses trinta anos em que se encontra em vigor nossa Constituição atual. Desde
o ano de 2013 instaurou-se em nosso país um programa intenso de retrocesso que temo não ter
chegado ainda ao seu ápice, podendo haver capítulos ainda piores no livro da vida real.
Considero uma missão das mais importantes terminar a confecção dessa obra enquanto ainda
há tempo, pois as transformações anunciadas pelo grupo político do candidato que ganhou a eleição
de 2018, caso realmente concretizadas, têm o condão de promover o maior retrocesso que nosso país
teve em toda a sua história. Antes que não se possa mais publicar nenhum texto crítico, antes
que as perseguições ideológicas comecem a ocorrer com o uso da máquina estatal, antes que nossa
Constituição seja reescrita, antes que entremos em um período de trevas, as futuras gerações
merecem ter este registro escrito do que um dia foram os fundamentos do nosso Estado Democrático
de Direito.
Sobre a minha interpretação de tudo que aconteceu desde 2013 até o ano de 2018,
manifestarei minha humilde opinião por meio de alguns ensaios aos quais me dedicarei logo após
terminar de escrever este livro.

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Desde já procuro chamar a atenção para o fato de que as singelas linhas que vou escrever
aqui talvez não agradem aos puristas, aos tecnicistas extremos, pois acima de tudo, este não é um
livro exclusivamente de doutrina jurídica, extendendo seu alcance a áreas do conhecimento como a
Sociologia, a Filosofia e a Ciência Política, entre outras. Por outro lado, sabedores que somos da
complexidade e do grande alcance que tem o Direito em nossos tempos, logo perceberemos que a
multidisciplinariedade não é de todo estranha às Ciências Jurídicas, pois diante de uma Constituição
tão abrangente como a nossa, é difícil encontrar algum ramo do saber que não esteja relacionado
direta ou indiretamente com os objetos de seu interesse.
Claro, não tenho a menor pretensão de elaborar uma última perspectiva sobre o
tema, uma visão definitiva. Se tem algo em que eu acredito é que não existem detentores de
conhecimento e sim construtores de saberes. Sendo o ser humano um processo inacabado, um eterno
devir, construindo-se e reconstruindo-se continuamente através de sua relação com o mundo e com
os outros seres humanos, é na construção dialógica do conhecimento, na dialética dos saberes que
aperfeiçoamos a convivência humana, exercendo nossa maior vocação: o “Ser Social”.

Uma ótima leitura a todos e todas,

Lívio Silva

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I
O BRASIL E O CONSTITUCIONALISMO

1. O Constitucionalismo

As mudanças provocadas no mundo ocidental pela Revolução Francesa levaram os países a


rumar de forma progressiva à adoção do Constitucionalismo e da Democracia como formas ideais de
doutrina política. Nas palavras de Nelson Oscar de Souza:

“Fundamentalmente, duas idéias centralizavam aquele pensamento do


Constitucionalismo: o da necessidade de coactar-se o poder centralizado
e detido apenas por uma pessoa ou por um pequeno grupo. Visava-se
distribuir as funções governamentais por vários órgãos, portanto entre
inúmeras pessoas, bem como a garantir o exercício dos direitos
individuais frente ao poder estatal.” 1

Ou como prefere Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “[...]constitucionalismo. Esse visa a


estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em
seus poderes, submetidos a Constituições escritas.”2
Não custa mencionarmos a concepção de Luis Roberto Barroso, que alerta para o uso
relativamente recente (pouco mais de duzentos anos) da palavra Constitucionalismo para o Direito e a
Política, onde, essencialmente, significa: “limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito,
rule of the law, Rechtsstaat).” 3
Contudo, um caminho necessário para seencontrar uma definição para o Constitucionalismo,
seguindo as palavras de Rogério Salgado Martins4, em seu brilhante artigo, seria de procurar-se o
significado do que se entende por “Constituição”. Assim, destarte as diversas concepções ou sentidos
da doutrina jurídica acerca do termo “Constituição” (como por exemplo o político, o sociológico, o
material, entre outros), trazemos a lição final de José Afonso da Silva sobre as concepções da
Constituição, vejamos:

“A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas


(escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada
pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas, etc.); como fim, a
1 SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 27.
2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 07.
3 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 05.
4 MARTINS, Rogério Salgado. Constitucionalismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 3. n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/85>. Acesso em: 05
mar. 2014.

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realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e,


finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do
povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não se tiver em
mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é
tudo aquilo que integra um conjunto de valores. Isso não impede que o
estudioso dê preferência a dada perspectiva. Pode estudá-la sob o ângulo
predominante formal, ou do lado do conteúdo, ou dos valores
assegurados, ou da interferência o poder.” 5

Do exposto, inferimos que o “conjunto de valores” que integram essa estrutura definidora da
Constituição deve necessariamente referir-se a alguns elementos mínimos para sua perfeita definição,
como a existência de uma comunidade humana dotada de valores essenciais que os unem,
mediatizados pelas relações sociais existentes entre os seus componentes, em razão das quais
manifesta-se a necessidade da criação de regras básicas de convivência que se unem para formarem
um complexo que se convenciona chamar Constituição. Nesse sentido, importante destacar a lição de
Pedro Lenza, onde na qual o mesmo assevera ser fundamental em uma Constituição a existência dos
elementos que formam o Estado, vejamos:

“Assim, depois de todo o exposto, o mais importante a apreender, por


mais que existam diversos critérios classificatórios, é que a Constituição
deve trazer em si os elementos integrantes (componentes ou
constitutivos) do Estado, quais sejam: soberania, finalidade, povo e
território.” 6

Portanto, face ao exposto, torna-se clara a relação íntima entre a Constituição e os elementos
que compõem o Estado contemporâneo, ou seja, o Estado como entendemos hodiernamente, fazendo
da história da evolução deste parte integrante da história das Constituições, ou nas palavras de Nelson
Oscar de Souza, que vem delinear tal aspecto diante de sua conceituação preliminar do termo “Direito
Constitucional”, onde o mesmo nos traz que: “Historicamente, o Estado precede as Constituições,
como as entendemos hoje. O Direito Constitucional é fruto de uma elaboração teórica e científica
baseada no estudo das contituições de cada Estado.” 7
Nesse sentido, inferimos que não existiria Direito Constitucional se os Estados modernos não
houvessem adotado o conceito de Constituição como lei fundamental do Estado, bem como os
Estados modernos não teriam elaborado constituições, conforme as entendemos hoje em dia, se em
determinado período de suas histórias não tivesse surgido a necessidade de se reformular as suas
configurações, no sentido de se limitar os poderes dos governantes e de se definir e garantir direitos

5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 39-40.
6 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 57-58
7 SOUZA, op. cit., 2006, p. 14.

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individuais.
Nessa esteira, torna-se importante destacar o conceito de Constitucionalismo formulado por
Canotilho, onde segundo este: “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do
governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade.”8 Assim, segundo o autor, o Constitucionalismo seria um juízo de
valor, no fundo uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do
liberalismo e constitui uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.
Dessa forma, estamos autorizados a entender que o Constitucionalismo detém,
intrinsicamente, um princípio limitador do poder estatal e garantidor de direitos individuais,
encontrando-se profundamente ligado ao surgimento do Liberalismo, chegando este até mesmo a se
confundir com o Constitucionalismo no plano político, segundo Manoel Gonçalves9, exigindo, de acordo
com o autor, para prevenir eventuais abusos do poder estatal, a separação dos poderes
(Montesquieu), sendo esta o “suporte teórico do Liberalismo”, agindo em conjunto com um
“instrumento de legitimação e vinculação jurídica”, que seria a disposição dos princípios norteadores
da nova ordem social em um documento que se convencionou chamar de Constituição. Nesse sentido,
Paulo Bonavides assevera:

“A filosofia política do liberalismo, preconizada por Locke, Montesquieu e


Kant, cuidava que, decompondo a soberania na pluralidade dos poderes,
salvaria a liberdade. Fazia-se mister contrapor à onipotência do rei um
sistema infalível de garantias.”10

Dessa forma, sendo o Constitucionalismo profundamente ligado ao Liberalismo, temos que


aquele também tem como suporte teórico a separação dos poderes, conforme ensina Manoel
Gonçalves: “[...]para o liberalismo, Constituição é um documento escrito e solene que organiza o
Estado, adotando necessariamente a separação dos poderes e visando a garantir os direitos do
homem.”11 Portanto, até o presente momento inferimos que o Constitucionalismo imprescinde de dois
elementos para sua caracterização, que são a limitação do poder estatal e a garantia de direitos
individuais, ambos com sua eficácia viabilizada por um terceiro elemento: o princípio da separação dos
poderes. Nesse sentido, importante destacar que a “Independência” dos três poderes da União
constitui um dos princípios fundamentais de nosso Estado Democrático de Direito, expressamente
determinada no Título I, art. 2º, de nossa Constituição. Assim, os poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário são independentes e harmônicos entre si, conforme reza o artigo supra.
8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 51.
9 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, op. cit., p. 07.
10 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 45.
11 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, op. cit., p. 07.

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A ideologia por trás de nosso Estado de Direito tem profunda inspiração nos ideais iluministas
antecessores da Revolução Francesa, com destaque para o princípio da separação dos poderes, e
este, apesar de encontrar em Aristóteles12 um dos precursores mais antigos da teoria das funções
estatais (como conhecemos hoje a separação dos poderes), foi consagrado pelo pensador francês
Montesquieu13, reponsável por explicar, sistematizar e ampliar a divisão dos poderes pensada pelos
seus antecessores, publicando sua teoria na obra o Espírito das Leis, na qual traçou os parâmetros
fundamentais da organização política liberal.
Quando procuramos entender os fenômenos sociais, inclusive os políticos, torna-se inevitável
que percorramos o desenvolvimento histórico das sociedades, com o intuito de determinarmos a
sequência lógica que desencadeou os fatos geradores das mudanças sociais. Assim, buscando a
origem do princípio da separação dos poderes e sua vinculação com o Estado de Direito e,
consequentemente, com o Constitucionalismo, é necessário que nos reportemos ao início da Idade
Moderna, cuja burguesia comercial em ascensão, buscando eliminar a influência da igreja católica na
política, prejudicial aos seus objetivos de expansão comercial, forneceu apoio militar, político e
financeiro aos reis14, a fim de que fosse criado um sistema administrativo unificado, para padronizar as
políticas fiscais e monetárias, através da figura de um "Rei Soberano", surgindo assim o Absolutismo.
Entretanto, ao longo da Idade Moderna, as gerações de monarcas absolutistas que se seguiam
tornavam-se cada vez mais tiranos, levando o regime político absolutista a uma direção totalmente
contrária do fim para o qual havia sido criado, de forma a ensejar uma mudança urgente. Nesse
sentido, trazemos as palavras de Paulo Bonavides, vejamos:

"O poder soberano do monarca se extraviara dos fins requeridos pelas


necessidades sociais, políticas e econômicas correntes, com os quais perdera toda
a identificação legitimativa.
[...]Como tal, vai esse poder pesar sobre os súditos. Invalidado historicamente,
serve tão somente aos abusos pessoais da autoridade monolítica do rei."15

Mais adiante o autor complementa, conforme a seguir:

"Todos os pressupostos estavam formados pois na ordem social, política e


econômica a fim de mudar o eixo do Estado moderno, da concepção
doravante retrógrada de um rei que se confundia com o Estado no
exercício do poder absoluto, para a postulação de um ordenamento
político impessoal, concebido segundo as doutrinas da limitação do poder,
mediante as formas liberais de contenção de autoridade e as garantias

12 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 147.
13 BONAVIDES, Paulo. ibid, 2011, p. 148.
14 ABSOLUTISMO. Sua pesquisa. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/absolutismo> Acesso em: 17/03/2014.
15 BONAVIDES, Paulo. Op. cit, 2011, p. 145.

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jurídicas da iniciativa econômica."16

Portanto, diante dessa necessidade de mudança, é nesse momento que os pensadores daquela
época começam a idealizar um Estado menos centralizado, com destaque para Montesquieu na obra
"O Espírito das Leis", mostrando-se a divisão das funções do Estado como uma alternativa viável para
minimizar o poder real extremamente centralizado, de forma que a pessoa que fosse aplicar a Lei não
fosse a mesma que legislasse, nem tampouco a mesma que julgaria os conflitos oriundos da aplicação
da mesma.17
Tais teorias sobre um novo tipo de Estado resultaram na concepção de uma divisão clássica de
poderes estatais, diante da qual o mesmo seria dividido em Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder
Judiciário, a fim de evitar que o poder ficasse nas mãos de uma só pessoa, evitando a tirania. Esse
entendimento do Estado ideal era predominante nos momentos que antecederam a Revolução
Francesa, influenciando definitivamente as Constituições dos Estados modernos que passariam a se
formar em seguida. Tal divisão clássica encontra-se consolidada no artigo 16, da Declaração Francesa
dos Direitos do homem e do Cidadão (1789), onde se lê: "A sociedade em que não esteja assegurada
a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição"18. Assim,
retiramos do texto dois pressupostos essenciais aos modernos Estados de Direito, em regra
democráticos: a garantia dos direitos individuais e a separação dos poderes.
Nosso Estado Democrático de Direito não fugiu a essa tendência dos chamados Estados
modernos e adotou a separação dos poderes como um dos princípios fundamentais em nossa Carta
Magna. Entretanto, não existe uma separação absoluta, pois enquanto a Constituição trata-os como
independentes, ao mesmo tempo chama-os de harmônicos entre si, trazendo-nos o entendimento de
que, mesmo independentes, ou seja, um não imprescinde do outro para tratar de suas competências
e atividades fim, deve haver limites máximos e mínimos de atuação recíproca entre os Poderes
Estatais, a fim de evitar a sopreposição de um poder sobre o outro, mantendo a harmonia entre os
mesmos.
Diante do que já foi exposto, propõe-se aqui que o Constitucionalismo, como teoria jurídico-
política, até mesmo ideológica, consiste no sistema de legitimação do poder que se destina a garantir
a separação dos poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário), a fim de evitar a concentração
de todo o poder em uma só pessoa (instituição ou entidade), manifestando-se através da adoção de
um documento formal, chamado de Constituição (escrita ou não), no qual se encontram todos os
16 BONAVIDES, Paulo. ibid, 2011, p. 145-146.
17 CURVINA, Rodrigo Mendonça. Reflexão sobre a teoria da tripartição dos poderes estatais. Sua consonância com o atual regime democrático de direito.
Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/35675> Acesso em: 06 mai. 2012.
18 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Declaração de direitos do homem e do cidadão - 1789. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-
1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html> Acesso em: 17 mar. 2014.

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princípios norteadores de um determinado Estado, a fim de que este garanta aos seus habitantes a
limitação da interferência absoluta do controle estatal na esfera privada, consubstanciada através do
efetivo respeito aos direitos e garantias individuais.

2. Evolução Histórica do Constitucionalismo

Delineados os elementos básicos do Constitucionalismo, a sua evolução histórica reveste-se de


semelhante importância, pois, a fim de se entenderem as diferentes faces que o mesmo apresenta na
atualidade, considerando o contexto de diversidade cultural existente no mundo de hoje, existe um
conjunto de princípios que são comuns a todos os Estados de Direito e que podem ser identificados
ao longo do processo histórico dentro do qual o Constitucionalismo se desenvolveu.
Segundo Pedro Lenza, a história da Europa (consequentemente do mundo ocidental) pode ser
dividida em quatro grandes eras, quais sejam:

“Idade Antiga (até o Séc V – tomada do Império Romano do Ocidente


pelos povos bárbaros – 476 d.C.); Idade Média (Séc. V até o fim do
Império Romano do Oriente, com a queda de Constantinopla, no Séc. XV
– 1453 d.C.); Idade Moderna (1453-1789 – Revolução Francesa); Idade
Contenporânea (1789 até os dias atuais)”19

Historicamente, dadas as devidas proporções, a Grécia antiga é o berço do ideal


constitucionalista e democrático. Contudo, segundo Luis Roberto Barroso, mesmo tendo sido
compartilhado por Roma, esse “ideal constitucionalista de limitação do poder” desapareceu da
sociedade ocidental com a queda da República romana, assim ficando por mais de mil anos.20
É com o surgimento do Estado moderno, no início do Século XVI, ao final da Idade Média 21,
que começa a se formar o ambiente político que incentivará o ressurgimento no mundo ocidental
daquele ideal constitucionalista e democrático perdido desde o fim da República romana, que
começou a evoluir historicamente, atingindo seu apogeu com a adoção de uma “Constituição” como
norma superior definidora e reguladora do Estado. Entretanto, compreendendo-se a história do
Constitucionalismo como um processo evolutivo, ainda que seus pilares sejam as experiências norte-
americana e francesa22, há de se destacar o surgimento, na Idade Média, dos documentos jurídicos
considerados antecessores de uma “Constituição Jurídica” no sentido moderno, como a entendemos

19 LENZA, Pedro, op. cit., 2007, p. 39.


20 BARROSO, Luis Roberto, op. cit, p. 08.
21 BARROSO, Luis Roberto, ibid, p.09.
22 SCARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 36.

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hodiernamente23.
Nesse sentido, agora nas palavras de Pedro Lenza, destacam-se os documentos voltados para
a aproteção dos direitos individuais, a exemplo da Magna Carta de 1215, redigida durante a Idade
Média, do Petition Of Rights, de 1628, e do Bill Of Rights, de 1689, ambos na Inglaterra da Idade
Moderna, além da Declaration of Rights do Estado de Virgínia, em 1776, além de outros.24
No entanto, o mesmo autor, destacando o que Canotilho chama de Constitucionalismo
moderno, estabelece os dois marcos históricos e formais do mesmo, que são: “as Constituições norte-
americana de 1787 e a francesa de 1791 (que teve como preâmbulo a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789)[...].”25
Rogério Salgado Martins traz também uma divisão do Constitucionalismo em dois grandes
períodos, mas, por outro lado, o período que o autor convencionou chamar de moderno tem início
apenas com o advento da Constituição de Weimar, em 1919, que traz como destaque a incorporação
ao corpo constitucional dos direitos sociais.26
Nelson Oscar de Souza, com relação à evolução histórica do Constitucionalismo, traz uma
organização interessante, abordando a evolução da sociedade política e o Constitucionalismo,
passando por Estado-aldeia, que consistia em comunidades agrárias antiquissimas e politicamente
organizadas, onde o povo exercia seu governo diretamente, passando pelo Estado-cidade (Grécia e
Roma), inclusive, pelo Estado-império, com sua estrutura aristocrática e seu caráter inerente de
centralização política e pelo Estado-nação (Estado moderno ou absolutista).
Em seguida, o autor destaca a principal característica do Estado-liberal, sucessor do anterior,
que consiste na substitição dos antigos personagens centrais dos sistemas políticos anteriores (Deus e
o Rei), respectivamente Feudalismo e Absolutismo, pela figura do povo como detentor do poder
(soberania popular). Por fim, discorre o autor sobre o Estado-social, ou “Estado do Bem Estar Social”,
que em função das mudanças proporcionadas pela revolução industrial e suas consequências
históricas, entre estas aquelas derivadas das guerras mundiais, provocou mudanças significativas nas
constituições vigentes à época, inaugurando a formatação do Constitucionalismo que conhecemos
atualmente.27
Entretanto, tal formatação, mesmo estando em pleno vigor, segundo alguns autores, encontra-
se em processo de mutação, como é o exempo de Pedro Lenza, pois segundo o mesmo, o
Constitucionalismo do futuro terá de consolidar os direitos humanos de terceira dimensão,
incorporando os valores de fraternidade e solidariedade, na busca do equilíbrio entre o
23 SCARLET, Ingo Wolfgang; ibid, p.36.
24 LENZA, Pedro, op. cit, 2007, p. 39-41.
25 LENZA, Pedro, ibid, 2007, p. 41.
26 MARTINS, op. Cit, 1998.
27 SOUZA, op. Cit., 2006, p. 21-25.

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Constitucionalismo moderno e os excessos do contemporâneo.28, conforme procuraremos delinear


mais adiante, neste mesmo capítulo.

Mesmo diante de experiências precursoras do Constitucionalismo atual, como define Luis


Roberto Barroso29, somente a partir da "Revolução Francesa" e das teorias que a fundamentaram é
que o Constitucionalismo, da maneira que o conhecemos hoje, começa a tomar forma, com todas as
características que lhe são inerentes. Nesse sentido, relevante destacar a importância dos principais
pensadores que ajudaram a construir os ideais iluministas, fonte maior dos princípios que regulam e
fundamentam os modernos Estados de Direito, em especial o Estado brasileiro.
Assim, ainda que se pareça contraditório, torna-se importante começarmos por Thomas
Hobbes, trazendo à discussão a teoria contratualista sobre o Estado formulada por ele, já que tiveram
relevância na concepção dos ideais iluministas (liberais por execelência), pois é a reação ao "Leviatã
Hobbesiano", que dá início às teorias que terminariam por fundamentar os ideais iluministas da
Revolução Francesa. Nesse sentido, para HOBBES, o ser humano é naturalmente inclinado ao
egoísmo, à luxúria e ao domínio das paixões, vendo sempre no outro um inimigo em potencial, numa
permanente "guerra de todos contra todos" e para evitar a destruição da sociedade por si própria
seria necessária a celebração de um contrato, representando a transferência mútua de direitos e
deveres. Segundo Hobbes, a preservação do contrato depende da existência de um poder que
mantenha a aderência de todos ao mesmo: "Um grande e robusto homem artificial, construído pelo
homem natural para sua proteção e defesa"30. Segundo Dalali, da teoria Hobbesiana (que traria uma
clara sugestão ao absolutismo) extrai-se o conceito de Estado como "uma pessoa de cujos atos se
constitui em autora uma grande multidão, mediante pactos recíprocos de seus membros, com o fim
de que essa pessoa possa empregar a força e os meios de todos, como julgar conveniente, para
assegurar a paz e a defesa comuns"31. Portanto, seria denominado de "Soberano", o titular dessa
pessoa, de forma que se tem poder soberano, cada um dos que o rodeiam é seu súdito. Não é erro
dizer que os Estados absolutistas que surgiriam na Idade Moderna, em especial o inglês e o francês,
apropriariam-se das ideias de Hobbes, construindo regimes arbitrários, que mais tarde incentivariam
os pensadores a buscar outras formas de poder e governo mais "humanizadas"32.
Nessa busca pelos filósofos que influenciaram o pensamento moderno, chegamos ao inglês
John Locke, um dos filósofos de grande importância para nossa sociedade atual, que a exemplo de
28 LENZA, Pedro, op. cit, p. 43.
29 BARROSO, Luis Roberto, op. cit., p. 10.
30 DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2. ed. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.
31 DALARI, Dalmo de Abreu. Ibid.
32 Ainda que esse termo seja contemporâneo, a essência dos ideais que se opuseram a arbitrariedade do Absolutismo e fomentaram a Revolução Francesa baseia-se
no Humanismo surgido do fim da Idade Média para o início da Idade Moderna. É a ótica do ser humano como portador natural de dignidade que fundamenta todo o
pensamento iluminista.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Hobbes também defendia uma teoria contratualista do Estado, mas, ao contrário deste, em Locke o
estado de natureza não é essencialmente bélico, sendo caracterizado pelos direitos naturais
(liberdade, trabalho, propriedade privada), além de não defender a soberania absoluta de uma única
pessoa, propondo o fim da concentração de poder nas mãos do rei. Assim, dentro do nosso estudo,
que objetiva a evolução do Constitucionalismo, temos que Locke deu "um importante passo no que
diz respeito à separação dos poderes executivo e legislativo"33, além é claro de seu pensamento já
fundamentar uma necessidadede de menor intervenção do Estado na esfera privada a fim de "garantir
os direitos naturais do homem"34. Nesse sentido, importante também destacar outro avanço de Locke
no que tange à necessidadede uma lei regulando a sociedade35, pois o mesmo afirmou: "onde não há
lei, não há liberdade"36.
Contudo, se Locke deu o primeiro passo para a separação dos poderes, foi Montesquieu que a
tratou de forma mais detalhada, afirmando que em qualquer Estado devem existir três tipos de poder:
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, independentes entre si e articulados de várias maneiras, a fim
de se limitarem mutuamente, formando um equilíbrio37. É o que afirma Paulo Bonavides: "O celébre
livro de Locke, Tratado sobre o governo civil, ficou longe de alcançar os efeitos do Espírito das Leis
em matéria de contenção do poder"38. Em "De L´Esprit des Lois", de 1748, Montesquieu afirma
existirem funções inconfundíveis e que deveria haver um órgão próprio para cada função, de forma
que seria indispensável ao Estado organizar-se sob três poderes, pois: "Tudo estaria perdido se o
mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres,ou do povo, exercesse esses três
poderes"39. Estava portanto lançada a teoria que passaria a ser a essência do Constitucionalismo, e
que geraria a configuração que apareceria na maior parte das Constituições.
Finalmente chegamos ao filósofo que escreveu o livro que é considerado a "bíblia" da
Revolução Francesa, Jean Jacques Rousseau, que escreveu o Contrato Social, em 1762. Como não é
difícil perceber pelo título de seu livro, Rousseau desenvolveu uma teoria contratualista que
fundamenta o povo como soberno do poder do Estado, pois segundo seu pensamento, a partir do
momento que as pessoas associam-se, cedendo parte de sua liberdade para o bem comum, as
parcelas das vontades de cada indivíduo unem-se para formar um corpo político que detém o
conjunto dos interesses dos associados, chamado de "Vontade Geral". Segundo Cláudio de Cicco,
"para ser verdadeira , a vontade geral deveria ser, nos seus fins, como na sua essência e deveria

33 DE CICCO, Cláudio. Teoria geral do Estado e ciência política. 2. ed. re., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 219.
34 BILLIER, Jean-Cassien; MARYOLI, Aglaé. História da filosofia do direito, p. 146. Apud DE CICCO, Cláudio. Op. cit., p. 219.
35 a Constituição, em sentido amplo, não deixa de cumprir esse papel, pois é a "Lei Maior" de um Estado.
36 HEYWOOD, Andrew. Ideologias políticas [v.1]: do liberalismo ao facismo. Tradução: Janaína Marcoantonio; Mariane Janikian. 1. ed. 1. impr. São Paulo: Ática, 2010,
p. 49.
37 DE CICCO, Cláudio. Op. Cit., p. 222.
38 BONAVIDES, Paulo. Op. cit, 2011, p. 47.
39 DALARI, Dalmo de Abreu. Op. cit.

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partir de todos para ser aplicada a todos, caso contrário, tenderia a uma vontade inicial que não seria
regida pelo princípio da equidade"40. Portanto, se o Constitucionalismo tem como essência a limitação
do poder político, com o intuito de se evitar a tirania, assegurando garantias fundamentais aos
membros da comunidade, o pensamento de Rousseau reveste-se de grande importância para a
evolução do mesmo, pois é a partir do conceito do governo de todos, por todos, para todos, que se
vislumbra a necessidade de organizar tal comunidade através de um sistema político que represente a
"Vontade Geral", manifestado através de um documento solene, que todos possam conhecer.
Assim, não é difícil perceber que as ideias que constituem a base do pensamento de Rousseau
são consideradas atualmente fundamentos da Democracia. É o que pode se perceber diante da
predominância da vontade popular, bem como da vontade da maioria como critério para vincular o
todo, o que se justifica pelo acolhimento do princípio de que todos os homens são iguais41.
Por outro lado, não existiriam Constitucionalismo, tampouco Estados Democráticos, se as treze
colônias inglesas da América do Norte, impulsionadas pela vontade de se libertar das amarras do
império britânico, não houvessem proclamado sua independência em 1776, para que nove anos
depois, em 1787, quando os representantes de praticamente todos os Estados confederados, reunidos
na Filadélfia, viessem a criar o Estado federal42, por ocasião da promulgação da primeira constituição
escrita43, a consituição americana, que continua em vigor até hoje. O processo que levou os
americanos a fundarem um novo modelo de Democracia no mundo é longo e por vezes contraditório,
mas inspirou inúmeras nações a seguirem o mesmo caminho, de se libertar do Colonialismo através
da conquista de sua independência e reformularem seu Estado, migrando cada vez mais para modelos
mais democráticos. A exemplo de outras colônias que buscaram a independência, inicialmente não
parecia ser interesse dos americanos a separação do império britânico44, é o que se pode depreender
do preâmbulo da Declaração da Virgínia (1776), onde se lê: "Quando, no curso dos acontecimentos
humanos, torna-se necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligam a outro[...]"45.
Contudo, quando o comércio colonial começou a concorrer com o comércio da metrópole,
surgiram dissidências que viriam a desencadear a emancipação das treze colônias. Importante
destacar que durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), entre Inglaterra e França, os colonos, ao
contrário do que esperava a coroa britânica, não colaboraram com material e homens, pelo contrário,
lucraram com a guerra, comerciando com os franceses no Canadá e nas Antilhas. Assim, teve início a
política repressiva dos ingleses, que passaram a fazer cumprir à risca as Leis de Navegação, além de

40 DE CICCO, Cláudio. Op. Cit., p. 226.


41 DALARI, Dalmo de Abreu. Op. cit.
42 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 11-12.
43 HEYWOOD, Andrew. Op. cit., p. 51.
44 HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos. tradução: Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 116.
45 DRIVER, Stephanie Schwartz. A declaração da independência dos Estados Unidos. Tradução: Mariluce Pessoa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p. 44.

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criar novos impostos entre os anos de 1764 e 1766, que os colonos passaram a chamar de Leis
Intoleráveis46. Foi em 1773, com a Lei do Chá (Tea Act), que dava o monopólio desse comércio à
Companhia das Índias Orientais, onde vários políticos ingleses tinham interesses, que a crise entre
colônia e metrópole explodiu. O chá seria transportado pela Companhia diretamente, sem
intermediários, das Índias para a América. Tementes que este prejuízo seria apenas o início, haja vista
a possibilidade da medida ser repetida os intermediários esboçaram uma reação, que ficou conhecida
como "A Festa do Chá de Boston" (The Boston Tea Party), quando comerciantes no porto de Boston,
disfarçados de índios, destruíram trezentas caixas de chá tiradas dos barcos.47
Ainda assim, em 12 de setembro de 1774, na Filadélfia, doze das treze colônias reuniram-se no
Primeiro Congresso Continental, que não tinham caráter separatista, limitando-se apenas a pleitear
uma maior autonomia da colônia junto à metrópole e também representação junto ao Parlamento,
que resultou em uma Petição ao rei Jorge III, sem obter sucesso48. Com o aumento da pressão
britânica e da resistência dos até então colonos, a situação ficou insustentável, até que em 1775 foi
deflagrado o conflito armado entre colônia e metrópole, de forma que o 2º Congresso Continental
Continental de Filadélfia, assumindo as tarefas de um governo central, criou o chamado Exército
Continental para opor-se ao poderio britânico.49 A Declaração da Independência surgiu em plena
guerra contra a Inglaterra (4 de julho de 1776), quando delegados de todos os territórios, reunidos na
Filadélfia, promulgaram o documento. Finalmente, após o fim da guerra, foi reconhecida a
independência dos Estados Unidos da América, mediante o Tratado de Versalhes, em 1783, com
fronteiras nos Grandes Lagos e no Mississipi50.
Somente em 1787, nove anos após terem se declarado independentes do império britânico, os
norte-americanos promulgaram a sua Constituição, que é a primeira escrita do mundo. Mesmo tendo
sido formada uma Confederação dos Estados durante a guerra, devido o desejo das elites de
preservar a completa autonomia dos Estados, seus poderes eram bastante limitados. Segundo
Gilberto Bercovici, " a Confederação, em suma, não passava de uma soma dos componentes políticos
das antigas colônias inglesas, gerando um governo extremamente instável devido aos constantes
impasses políticos51. Isso fica de certa forma evidente se analisarmos o fato de que as decisões
apenas poderiam ser tomadas diante da unanimidade dos treze Estados autônomos, dificultando a
chegada de um consenso. Foram as dificuldades econômicas oriundas do pós-guerra que ensejaram a

46 MONTEIRO, Thiago; BALADO, Estevão e PEREIRA, Rodrigo. As questões acerca da Independência dos Estados Unidos da América e da ratificação da
primeira Constituição Nacional Norte-Americana. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/ThiagoEstevaoRodrigoEUA.pdf>. Acesso em: 29
jun. 2014.
47 INDEPENDÊNCIA dos Estados Unidos da América. Portal cultura brasileira. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/indepeua.htm> Acesso em: 29 jun. 2014.
48 DRIVER, Stephanie Schwartz. Op. cit., p. 17-18.
49 MONTEIRO, Thiago; BALADO, Estevão e PEREIRA, Rodrigo. Op. cit.
50 INDEPENDÊNCIA dos Estados Unidos da América. Op. cit.
51 BERCOVICI, Gilberto. Op. cit., p. 12.

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formação de uma unidade política mais sólida52. Assim, mesmo diante da divisão entre aqueles que
defendiam o estado federalista (poder concentrado) e aqueles que se opunham ao mesmo, pois
temiam o retorno da opressão, aqueles conseguiram convencer estes a adotarem o modelo federalista
de Estado. Dessa forma, em 1787, na Filadélfia, representantes de praticamente todos os Estados
(apenas Rhode Island não esteve presente), promulgaram a Constituição dos Estados Unidos da
América, instituindo assim o novo modelo de Estado, o "Estado Federal", que reconheceu a identidade
e a autonomia dos treze Estados, garantindo a unidade norte-americana53. Ainda assim, o texto
aprovado necessitava ser ratificado, já que o art. VII exigia a ratificação de nove Estados para que
passasse a entrar em vigor, o que somente ocorreu em 1788, quando New Hampshire, foi o nono
Estado a ratificar54.
A principal característica do Constitucionalismo americano é a técnica da separação dos
poderes, consubstanciada no mecanismo de Freios e Contrapesos (Checks and Balances), que é a
referência para o Controle de Constitucionalidade no Brasil. O novo Estado criado em 1787 já nasce
presidencialista, na forma de república (portanto democrático) e federalista, como descreve
Magalhães: "O constitucionalismo estadunidense criou o sistema de governo presidencial, o
federalismo, o controle difuso de constitucionalidade, mecanismo sofisticados de freios e contrapesos
e uma Suprema Corte que protege a Constituição[...]"55. E ainda mais, pois segundo Barroso: "Nos
Estados unidos, desde a primeira hora, a Constituição teve o caráter de documento jurídico,
normativo, passível de aplicação direita e imediata pelo Judiciário"56. Inegavelmente, é o modelo de
Constitucionalismo no qual todos os países que adotaram essa ideologia político-jurídica se inspiraram,
inclusive o nosso país, o Brasil, que o adotou de forma peculiar.
Com o advento da Primeira Guerra Mundial, período de mudança nas ideologias políticas ao
redor do mundo, começa a surgir um novo Constitucionalismo, que ao contrário do
"Constitucionalismo Liberal", volta seu foco mais para o social, mitigando um pouco o caráter
estritamente liberal das primeiras constituições. Assim, de sintéticas as Constituições passam a
analíticas, além de consagrarem os chamados direitos econômicos e sociais em seus textos. O Estado
passa a intervir na ordem econômica e social, fazendo com que a democracia liberal-econômica ceda
espaço à democracia social, como por exemplo, conforme ocorreu nas constiuições do México, em
1917; na de Weimar, em 1919 e na Constituição de 1934, aqui no Brasil 57. Após a Segunda Guerra
52 MONTEIRO, Thiago; BALADO, Estevão e PEREIRA, Rodrigo. Op. cit.
53 BERCOVICI, Gilberto. Op. cit., p. 12.
54 CONSTITUIÇÃO americana e a importância da ratificação. Disponível em: <http://direito.folha.uol.com.br/blog/constituio-americana-e-a-importncia-da-ratificao>.
Acesso em: 29 jun. 2014.
55 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O constitucionalismo norte-americano e sua contribuição para a compreensão contemporânea da Constituição. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 452, 2 out. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5769>. Acesso em: 29 jun. 2014.
56 BARROSO, Luis Roberto. Op. cit., p. 77.
57 CONSTITUCIONALISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?
title=Constitucionalismo&oldid=39212641>. Acesso em: 30 jun. 2014.

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Mundial, as constituições mantêm a mesma linha das anteriores, acrescentando-se contudo uma nova
geração de Direitos Humanos (Terceira Geração) que surgem a fim de tutelar os direitos à paz, ao
meio ambiente e ao patrimônio comum da Humanidade, os chamados direitos de fraternidade, ou de
solidariedade.
Entretanto, segundo Bernardes, tem surgido recentemente a necessidade cada vez maior da
existência de um Constitucionalismo que consiga unificar mundialmente e consagrar juridicamente os
ideais humanos, através do fortalecimento do sistema jurídico-político internacional e de uma maior
valoração da dignidade da pessoa humana. Ou seja, "uma nova modalidade de constitucionalismo
supranacional a contrapartida viável para elidir a impotência dos Estados nacionais frente às relações
assimétricas de poder e aos demais efeitos nocivos da globalização”58.
Embora tenha vigorado por pouco mais de dois séculos, com poucas alterações, parece que a
perspectiva para o futuro do Constitucionalismo é de ocorra uma síntese dialética entre o
Constitucionalismo Moderno (Social) e o Contemporâneo. Segundo alguns autores, a problemática do
Constitucionalismo contemporâneo reside no fato de que ele tem sido marcado por um "totalitarismo
constitucional", já que os textos constitucionais seriam muito amplos, extensos e analíticos,
encarcerando matérias pertinentes à legislação ordinária. A grande quantidade de normas contendo
promessas e programas a serem cumpridas pelos Poderes Constitucionais cria falsas expectativas
diante do não cumprimento das mesmas, terminando por acarretar o desprestígio e a desvalorização
da própria Constituição59, ensejando a busca pelo equilíbrio entre o Constitucionalismo moderno e os
excessos do contemporâneo, conforme afirma o jurista argentino José Roberto Dromi, que escreve
sobre o "Constitucionalismo do Futuro", ficando o alerta: "[...]se a lei é posta é porque deve ser
comprida, se existem lei programáticas, essas devem atender as necessidades dos indivíduos e não
permanecerem estáticas e cristalizadas como meras declarações utópicas"60.

3. O Brasil, uma Herança Oligárquica e a República

Como sabemos, mesmo tendo sido formado a partir de uma colônia, a exemplo dos outros
países latino-americanos, nosso país tem uma história por demais peculiar, pois o que seria uma
estratégia política de se transferir a sede da corte portuguesa para o Brasil, terminou por desencadear
os acontecimentos que culminaram na independência do mesmo, em 1822. Transformado em uma
monarquia constitucionalista, mais acontecimentos políticos terminaram por formar, em 1889, uma
república federativa através de um processo de descentralização, de cessão de autonomia às
58 BERNARDES, Juliano Taveira. Constitucionalismo, Direito Constitucional e Constituição. Disponível em:
<http://atualidadesdodireito.com.br/julianobernardes/2012/03/12/constitucionalismo-direito-constitucional-e-constituicao>. Acesso em: 30 jun. 2014.
59 CONSTITUCIONALISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Op. cit.
60 CONSTITUCIONALISMO do futuro. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7760> Acesso em: 30 jun. 2014.

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províncias, que passariam a ser Estados-membros da nova federação. Diferente do que ocorreu com
os Estados Unidos, inspiradores dos países que passariam a adotar o Constitucionalismo, onde
ocorreu o contrário, Estados autônomos, até então confederados, cederam sua soberania para se
unirem em um federação.
O ano era 1807, a ameaça napoleônica assola a Europa e Portugal, aliado da Inglaterra,
encontra-se em perigo, temendo a invasão das tropas francesas. Assim, Dom João VI, príncipe
regente do reino lusitano decide transferir a corte para o Brasil, até então mais uma das colônias de
Portugal, partindo em 29 de novembro de 1807, junto com a família real e toda a corte, totalizando
15.000 pessoas, passando primeiro em Salvador, onde assinou a carta régia de abertura dos portos,
terminando sua viagem em 07 de março de 1808, na cidade do Rio de Janeiro, agora a sede do
império lusitano61. Este é o evento que mudou completamente o rumo que a então colônia de Portugal
poderia tomar, pois junto com a corte chegaram os avanços sociais, urbanísticos e científicos, por mais
que o caráter absolutista do governo se fizesse presente, a vinda da família real mudou
definitivamente o Brasil62. De certa forma, é também o que afirma Clovis Corrêa da Costa em seu
excelente livro, quando fala sobre as mudanças oriundas da abertura dos portos, vejamos:

"A economia prosperou com o aumento e demanda por produtos e


serviços para abastecera corte e os brasileiros que, maravilhados com o
luxo e a ostentação dos recém-chegados, passaram a comprar mais e
melhores bens de consumo. Cresceu o uso de roupas e objetos de
decoração para as casas até então austeras, quase sem móveis nem
comodidades."63

Os habitantes da antiga colônia gostaram do novo estilo de vida trazido ao Brasil com a
chegada da corte e a recíproca era verdadeira, pois mesmo depois de acabadas as guerras
napoleônicas os soberanos e parte de seus súditos não se mostravam inclinados de jeito algum ao
regresso a Lisboa.64 Essa resistência de retorno à Portugal pela corte acabou apenas quando devido a
ausência do rei e dos órgãos do governo instalou-se em Portugal uma profunda crise política, tendo
seu ápice na ocorrência da Revolução Liberal em agosto de 1820, fato que gerou cobranças
recorrentes de volta do rei à Portugal, tendo inclusive gerado repercussões aqui do outro lado do
Atlântico mas que finalmente, em 1821, fizeram Dom João VI retornar a Portugal, deixando em seu
lugar o filho Pedro, como príncipe regente.65 Ainda assim, Lisboa queria a volta do príncipe regente

61PEIXOTO, Afrânio. História do Brasil. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/peixoto.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2014, p. 194-195.

62FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995, p. 125-129.

63 COSTA, Clovis Corrêa da. História do futuro do Brasil. (1140-2040). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 90.
64 COSTA, Clovis Corrêa da. Ibid, p. 92.
65FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 129-131.

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para Portugal, a fim de completar a restauração de Lisboa como sede única e fazer o Brasil voltar à
condição anterior de colônia.
No entanto, as lideranças regionais, em especial as das províncias do Rio de Janeiro, Minas e
São Paulo, tementes por uma certa instabilidade social que o retorno do Brasil à condição de colônia
poderia trazer, passaram a apoiar a permanência do príncipe regente no Brasil e a independência do
mesmo de Portugal. A decisão do príncipe em permanecer no Brasil gerou retaliações da metrópole
que após "muita confusão" terminou por incorrer na proclamação da independência do Brasil, em 07
de setembro de 1822, conforme sabemos. É aqui que começa, pelo menos no aspecto constitucional,
a história de nosso Estado.
Dia 25 de março de 1824, outorgada pelo Imperador, entra em vigor a primeira Constituição
do Brasil, chamado de "Império do Brasil"66. Isso mesmo, a primeira Constituição foi outorgada, tendo
como principais características a instituição de uma monarquia parlamentar, uma grande concentração
de poderes na figura do Imperador, voto censitário limitado a homens livres, Estado confessional
sendo a religião oficial a católica, entre outras67. É Paulo Bonavides que descreve com assombro essa
peculiariedade do nosso país, quando afirma: "Fomos, em nossas nascentes, um constitucionalismo
sem povo, sem poder constituinte, sem tradição revolucionária, sem origem numa unidade de
pensamento e ação. Poder que já emergiu tolhido, preso à vontade suprema e inarredável de um
príncipe.68"
Antes mesmo da independência já se previa a eleição de uma Assembleia Consituinte, que
começou a se reunir logo após o 7 de Setembro, em maio de 1823, no Rio de Janeiro. Logo surgiram
divergências entre os membros da Constituinte e o Imperador, pois liberais que eram, defendiam uma
monarquia constitucional que garantisse os direitos individuais e estabelecesse limites ao poder do
monarca69, o que culminou na dissolução da Constituinte por Dom Pedro e na outorga da primeira
Constituição do Brasil em 1824. Curiosamente, foi a Constituição brasileira que teve mais longa
vigência, tendo sido revogada apenas com a proclamação da república, em 1889, durando 65 anos. A
atual Constituição (1988) tem 26 anos de vigência.
Como sabemos, a influência dos ideias iluministas foi o grande incentivador do surgimento o
Constitucionalismo e esses ideias não passaram despercebidos de Portugal e do Brasil, pelo contrário
a elite intelectual brasileira do fim do período colonial estudara na Europa, especialmente em Coimbra,
onde foram sendo influenciados pelas novas teorias políticas que então surgiam. Por outro lado,
crescia cada vez mais o sentimento de nacionalidade, já que haviam mais brasileiros do que
66 BERCOVICI, Gilberto. Op. cit., p. 23.
67 MACIEL, José Fábio Rodrigues e AGUIAR, Renan. História do Direito. coleção roteiros jurídicos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 139.
68 BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 3. ed. São
Paulo: Malheiros, 2004, p. 26.
69 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 147-148.

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portugueses vivendo aqui, bem como havia toda uma sociedade estuturada, com economia própria e
interesses cada vez mais distantes da Coroa70. Ou seja, como tudo na vida, a independência do Brasil
não surgiu do nada, houve todo um processo político-social que levou a esse desfecho e o "Grito do
Ipiranga" não passou de uma formalização da nova ordem social que já estava se estabelecendo aos
poucos. Foi por tudo isso que surgiram divergências entre os membros da Constituinte e o Imperador,
pois muitos daqueles fizeram parte das Cortes convocadas em 1820, por ocasião da Revolução Liberal
ocorrida em Portugal, absorvendo o pensamento liberal, que tem como referência as Revoluções
Francesa e Americana, sendo portando contrários aos interesses centralizadores de Dom Pedro I, que
terminou por dissolver a Constituinte71. E foi com um golpe de estado apoiado pelos militares (fato
que se tornaria recorrente no futuro do país) que Dom Pedro I pôs fim a celeuma, dissolvendo a
Constituinte e prendendo vários deputados, deportando os Andradas para a França72, para depois
reunir um grupo de dez pessoas de sua confiança, pertencentes ao Partido Português, para redigirem,
a portas fechadas, a primeira Constituição.
A Carta Outorgada de 1824 tinha influência das Constituições francesa de 1791 e espanhola de
181273, sendo liberal em muitos pontos, mas trazendo em seu bojo uma grande centralização de
poderes na figura do Imperador. Podemos classificá-la como uma Constituição escrita, semi-rígida,
codificada, outorgada, dogmática e analítica; guardando os princípios do liberalismo, desvirtuados
pelo excessivo centralismo do Imperador.74 Talvez o ponto mais interessante sobre a primeira
Constituição brasileira, é a criação pelo Imperador de um quarto poder, o Poder Moderador, que tem
inspiração nas ideias de Benjamim Constant, que em rigor, era o "Poder dos Poderes", o eixo principal
de toda a centralização de governo imperial, criando uma situação sui generis, pois mantinha o
princípio absolutista disfarçado nas instituições constitucionais75. É o que se depreende do art. 98 da
Constituição de 1824, onde dispõe in verbis: "O Poder moderador é a chave de toda a organisação
Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro
Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independencia, equilibrio, e
harmonia dos mais Poderes Políticos.76" Do exposto, é evidente a dimensão política do Poder
Moderador, que pode ser ainda mehor verificada no teor do art. 99, onde podemos observar o
resquício do absolutismo no texto constitucional, vejamos: "A Pessoa do Imperador é inviolável, e

70 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 85


71 MACIEL, José Fábio Rodrigues e AGUIAR, Renan. Op. cit., p. 138.
72 PEIXOTO, Afrânio. Op. cit., p. 208.
73 CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1824. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1824>. Acesso em: 26 jul. 2014.
74 CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1824. Ibidem.
75 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 364.
76 BRASIL. Constituição de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm> Acesso em: 26 jul. 2014.

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Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.77" Nesse sentido, é o conteúdo do art. 101,
que encerra a constatação da dimensão absolutista do Poder Moderador, conforme a seguir:

"O Imperador exerce o Poder Moderador


I. Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43.
II. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos
das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio.
III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para
que tenham força de Lei: Art. 62.
IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos
Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87.
V. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara
dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado;
convocando immediatamente outra, que a substitua.
VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado.
VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.
VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos
condemnados por Sentença.
IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a
humanidade, e bem do Estado.78"

Outro exemplo do poder investido nas mãos do Imperador pela Constituição de 1824 é o art.
137, que trata da nomeação do Conselho de Estado, vejamos; "Haverá um Conselho de Estado,
composto de Conselheiros vitalicios, nomeados pelo Imperador"79. O referido Conselho possuia
poderes amplos sobre vários assuntos, conforme se pode constatar nos conteúdos dos arts. 141 e
142, a seguir:

"Art. 141. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão


juramento nas mãos do Imperador de - manter a Religião Catholica
Apostolica Romana; observar a Constituição, e às Leis; ser fieis ao
Imperador; aconselhal-o segundo suas consciencias, attendendo
sómente ao bem da Nação.
Art. 142. Os Conselheiros serão ouvidos em todos os negocios
graves, e medidas geraes da publica Administração; principalmente
sobre a declaração da Guerra, ajustes de paz, nogociações com as Nações
Estrangeiras, assim como em todas as occasiões, em que o
Imperador se proponha exercer qualquer das attribuições
proprias do Poder Moderador, indicadas no Art. 101, á excepção da
VI." (grifo nosso)

De todo o exposto, ainda que, além de monárquico hereditário, o art. 3º elegesse o governo
do Império do Brasil também como "constitucional" e "representativo" e o art. 11 consolidasse como
representantes da nação brasileira o Imperador e a Assembleia Geral, é evidente a contradição entre

77 Ibidem.
78 Ibidem.
79 Ibidem.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

esses dispositivos constitucionais e aqueles que tratam do Poder Moderador, pois estes tornam sem
efeitos o caráter constitucional e representativo do novo país que surgia, impondo a manutenção de
uma tradição absolutista no Estado. Não é a toa que várias Províncias, em especial Pernambuco,
passaram a reforçar o sentimento autonomista, surgindo assim o movimento separatista conhecido
como Confederação Equador, onde, com o intuito de formar uma república federativa, uniram-se as
Províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.80 A reação do império foi rápida e
extrema, controlando a revolução em 05 meses e condenando os principais líderes à morte, mesmo
sob pedido de clemência pelos próprios adversários políticos de alguns condenados81.
O Imperador passara a ser visto como despótico e absolutista perdendo cada vez mais
prestígio e cada vez mais crises entre o mesmo e a Câmara dos Deputados ocorriam 82. Um exemplo
do tipo de danos ao novo país que a política despótica de Dom Pedro I pode ter trazido é o tratado de
reconhecimento da independência brasileira, por Inglaterra e Portugal, que o mesmo assinou sem
consultar o Ministério. Por mais 15 anos os ingleses garantiram as vantagens arrancadas de Dom João
VI em 1980, como o imposto de importação de 15% para os ingleses (era de 24% sobre os
portugueses) além das indenizações pagas ao rei de Portugal e o compromisso do pagamento de um
empréstimo feito pelos portugueses para financiar a guerra contra a independência brasileira83. Saíram
também felizes com o tratado o próprio Dom Pedro, que garantiu seu direito como herdeiro do trono
português e o negociador do mesmo, o Marquês de Barbacena, com uma comissão de 2% sobre o
valor do referido empréstimo que também teria uma parte entregue a Dom Pedro. Ou seja, na prática
a independência do Brasil foi comprada. Permitam um parênteses: já podemos ver desde o início do
Brasil a presença dos lobistas nacionais e a aptidão dos políticos para venderem o país ao
estrangeiro...
Dessa forma, entre março de 1826 até 1831 cresce o confronto entre a Câmara dos Deputados
e o Imperador, até o ponto em que sua imagem pública estava tão desgastada (atacado
constantemente pela imprensa), que o mesmo foi forçado a abdicar deixando seu filho como sucessor
do trono, não antes de haver uma imensa revolta popular84. Iniciava-se o Segundo Império, período
importante e conturbado da história do país, que em seus primeiros anos teve o país governado por
Regentes, já que o novo Imperador era menor, assumindo o trono apenas por ocasião de sua
maioridade antecipada, em 184085. Na Regência, o governo foi exercido pelos liberais, passando
portanto às mãos das elites regionais pela primeira vez na história do país, tendo maior destaque o
80 BERCOVICI, Gilberto. Op. cit., p. 24.
81 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 154.
82 BERCOVICI, Gilberto. Op. cit., p. 24.
83 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 101.
84LINHARES, Maria Yedda (Organizadora) et all. História geral do Brasil. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2000, p 137.

85 FAUSTO, Boris. op. cit., p. 161.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Regente Feijó. Seu programa de governo incluiu um saneamento das finanças do Estado,
acompanhado da descentralização da administração e da extinção definitiva do tráfico de escravos86.
Dentro desse plano de governo estava inclusa a dissolução de parte do exército e a criação da
Guarda Nacional, que é um fato que trará consequências definitivas ao reinado no Brasil, conforme
veremos adiante. Como já foi visto anteriormente, o maior destaque da Constituição de 1824 é o
centralismo político exagerado, focado na figura do Imperador, ponto de discórdia entre ele e os
liberais. Assim, em 1834 foi publicado o "Ato Adicional", ou seja, a primeira emenda contitucional
brasileira, onde se reduziu em parte o centralismo político, havendo a criação e assembleias
provinciais e eleições diretas de juízes e chefes de polícia.
Uma grande característica do período do reinado é que o mesmo foi marcado pelas chamadas
"Revoltas Provinciais", que já vinham ocorrido antes, mas que nesse período tomaram proporcões
diferentes, principalmente depois do Ato Adicional. Ocorram no Pará a Cabanagem (1835-1840), na
Bahia a Sabinada (1837-1838), no Maranhão a Balaiada (1838-1849) e a Farroupilha, no Rio Grande
do Sul (1836-1845). Segundo Boris Fausto, mesmo parecendo estranho o aparecimento dessas
revoltas contra a centralização política em um período onde buscou-se limitar os poderes da Coroa, há
uma explicação plusível para tal, vejamos:

"Afinal de contas, a Regência procurou dar alguma autonomia às


Assembleias Provinciais e organizar a distribuição de rendas entre o
governo central e as províncias. Ocorre porém que, agindo nesse sentido,
os regentes acabaram incentivando as disputas entre elites regionais pelo
controle das províncias cuja importância crescia. Além disso, o governo
perdera a aura de legitimidade que, bem ou mal, tivera enquanto um
imperador esteve no trono. Algumas indicações equivocadas para
presidente de províncias fizeram o resto.87"

Dessa forma, sangrentas revoltas nas províncias, pertubaram a regência de Feijó, quando seus
próprios correligionários liberais radicalizavam seu federalismo e tornavam-se separatistas e
republicanos88, ou seja, um ambiente disputas políticas constantes e dois pólos principais em
constante choque: conservadores e liberais.
No entanto, um parêntese deve ser aqui aberto: a principal atividade econômica do Brasil na
colônia e no reinado foi sem dúvida o tráfico de escravos, pois dava suporte à produção agrícola de
exportação, que movimentava um volume grande de dinheiro, além de serem responsáveis pela
produção dos principais bens de consumo e serviço, que era realizada nas fazendas e nas residências
dos homens livres de posse, através dos chamados "negros de ganho", que consistiam em escravos
86 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 104-105.
87 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 169.
88 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 106.

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com determinada aptidão especializada cuja produção era vendida a terceiros, gerando lucro para os
proprietários, que não trabalhavam e se sustentavam por meio do trabalho escravo89. Isso sem falar
nos traficantes de escravos que ganhavam a vida com o comércio dos mesmos. Ou seja, toda uma
economia que dependia quase que exclusivamente do trabalho escravo para se manter em atividade.
Após a Renúncia do Regente Feijó, consequência de insatisfações políticas com o tratamento
das revoltas provinciais, começaram a ser implantadas as medidas de regressão: "O Regresso",
conjunto de medidas políticas operadas por conservadores que buscavam a volta da centralização
política e o reforço a figura do Imperador. Assim, inaugurou-se um grande período de domínio
conservador onde procurou-se intensificar a autoridade monárquica em todo o país, perdida com as
revoltas provinciais, e forma que tal objetivo consolidou-se definitivamente com a reforma da Guarda
Nacional, que agora teria competência local, sendo devolvido ao Exército o controle das fronteiras e a
manutenção da estabilidade geral do país90, estando consolidada portanto a autoridade monárquica
em todo o território nacional.
Restabelecidos a aliança com o Imperador e o domínio conservador na política brasileira, abre-
se um ambiente favorável às relações oligárquicas de poder, ocorrendo assim a ascensão da economia
cafeeira, pois os maiores fazendeiros "se confundiram com a aristocracia da Corte"91, enquanto a
economia açucareira e algodoeira (de origem nordestina) entravam em decadência. Podemos
constatar esse ganho de espaço do sudeste cafeeiro através de um gráfico interessante, que Noya
Pinto, citado por Maria Yedda Linhares e outros92 apresenta, vejamos:

Brasil: Produtos Exportados (em %) 1821-1860

Produtos 1821-1830 1831-1840 1841-1850 1851-1860

Açúcar 30,1 24,0 26,7 21,2


Algodão 20,6 10,8 7,5 6,2
Café 18,4 43,8 41,5 48,8
Couros e Peles 13,6 7,9 8,5 7,2

Do exposto, inegável a ascensão do café como produto de exportação do Brasil, a partir


justamente do período no qual foi implantado o "Regresso" da política conservadora no país, pois
diante disso e da proximidade do novo eixo econômico com a capital do Império, combinados com o
fim dos privilégios alfandegários da Inglaterra, possibilitando o comércio direto da produção interna

89 COSTA, Clovis Corrêa da. Ibid, p. 84.


90 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 176.
91 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 110.
92NOYA PINTO, Virgílio. In: LINHARES, Maria Yedda (Organizadora) et all. Op. cit., p. 140.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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com outros países, trazendo maiores dividendos para o Tesouro Nacional. Essa "segunda
independência" representava também o efeito da modernidade que a própria Revolução Industrial
iniciou, que teve como consequência a chegada de uma terceira revolução importante para a a
humanidade: a Revolução Científico-tecnológica, que trouxe consigo a evolução e multiplicação de
processos produtivos, como produção de energia elétrica, de petróleo, indústria química, medicina,
bioquímica, entre outros. Tornando impossível a qualquer país deixar de fazer parte desse processo, o
que no Brasil refletiu-se em diversas medidas que tinham a finalidade de preparar o país par integrar
esse novo mundo que surgia com o avanço tecnológico tendo entre elas o final do tráfico de escravos,
conforme Boris Fausto nos trás em sua brilhante observação:

"1850 não assinalou no Brasil apenas a metade do século. Foi o ano de


várias medidas que tentavam mudar a fisionomia do país,
encaminhando-o para o que então se considerava a
modernidade. Extinguiu-se o tráfico de escravos, promulgou-se a
Lei de Terras, centralizou-se a Guarda Nacional e foi aprovado o
primeiro Código Comercial. Este trazia inovações e ao mesmo tempo
integrava os textos dispersos que vinham do período colonial. Entre
outros pontos, definiu os tipos de companhias que poderiam ser
organizadas no país e regulou suas operações. Assim como ocorreu com a
Lei de Terras, tinha como ponto de referência a extinção do tráfico. A
liberação de capitais resultante do fim da importação de
escravos deu origem a uma intensa atividade de negócios e
especulação. Surgiram bancos, indústrias, empresas de
navegação a vapor, etc.
[...]
Esboçavam-se assim, nas áreas mais dinâmicas do país, mudanças no
sentido de uma modernização capitalista, ou seja, nasciam as primeiras
tentativas para se criar um mercado de trabalho, da terra e dos recursos
disponíveis.93" (grifo nosso)

Criou-se portanto um ambiente propício para a chegada da "modernidade", mesmo diante do


medo que existia na sociedade quando se especulava sobre o fim da escravatura e do prejuízo que
isso poderia trazer para a economia. Clovis Corrêa de Castro descreve a maneira encontrada pelas
forças dominantes para suprir essea lacuna que apareceria por ocasião do fim do tráfico, vejamos:

"Estava aberto o caminho para a expansão das grandes fazendas de café,


por meio da invasão de terras que estavam nas mãos de agricultores
analfabetos e de índios e das restrições do acesso à terra por imigrantes e
agricultores pobres. Finalmete, foi feita uma lei de colonização que previa
subsídios públicos para viabilizar a imigração de colonos. O objetivo era
atrair europeus para trabalhar nas grandes fazendas de café, em
substituição à mão-de-obra escrava. Em 1850, o governo
aprovou no Parlamento, rapidamente, todos os instrumentos
descritos acima, juntamente com a proibição definitiva do
93 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 197.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

tráfico. O código comercial criava as condições institucionais mínimas


para o país funcionar nas novas circunstâncias, ao mesmo tempo em que
garantia controle da burocracia governamental sobre os agentes
econômicos. A lei de terras e as políticas em relação à imigração
comprensavam os grandes fazendeiros pelo fim do tráfico, dabdo-lhes
acesso privilegiado a novas terras e mecanismos para atrair a mão-de-
obra européia nas condições desejadas por eles.94" (grifo nosso)

Dessa forma, esperava-se que tudo corresse bem, pois com o as finanças equilibradas e o
controle sobre a economia, dadas as providências tomadas para a adaptação à nova época que
surgia, uma nova crise surgiria no período do reinado selando definitivamente a transformação do
mesmo em uma república. Lembram da dissolução de parte do exército e da criação da Guarda
Nacional, fatos que ocorreram na regência de Feijó? Pois bem, o ressentimento que havia
permanecido do referido episódio e do tratamento posterior que os militares receberam aumentou
ainda mais com novas ameaças de enfraquecimento do Exército. Os militares começaram a ser
influenciados pela doutrina positivista de Augusto Comte, que segundo Boris Fausto pregava a
"Ditadura Republicana" para o momento no qual o mundo se encontrava, de caráter extremamente
intervencionista, ou seja, não liberal em sua essência, conforme podemos extrair do seguinte trecho,
vejamos:

"A ditadura republicana concebida por Comte não correspondia ao


despotismo, mas implicava a ideia de um governo de salvação no
interesse do povo. Teoricamente, o ditador republicano deveria ser
representativo, mas poderia afastar-se do povo em nome do bem da
República.
[...]
A ditadura republicana assumiu a forma da defesa de um Executivo forte
e intervencionista, capaz de modernizar o país, ou simplesmente a da
ditadura militar.95"

Paralelo a insatisfação dos militares crecia o ideal republicano, defendido principalmente por
profissionais liberais e jornalistas, além de influenciar também a classe política, os militares e até
mesmo alguns produtores de café (da região sudeste), que mesmo vinculados à elite imperial,
começavam a se sentir prejudicados pelo centralismo político e pela distribuição dos impostos, que
beneficiavam regiões mais pobres do país (ainda hoje existe, de forma velada - às vezes manifesta-,
esse pensamento de que o sul e o sudeste sustentam o resto do país), de forma que uma república
federativa atenderia seus interesses, conforme destaca Clovis Corrêa da Costa, in verbis: "Os
cafeicultores paulistas faziam parte da elite imperial, mas apoiaram a República para fazer valer os

94 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 113.


95 FAUSTO, Boris, op. cit., p. 232.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

seus interesses.96" Conforme assevera Boris Fausto: "O republicanismo paulista se diferenciava do
existente no Rio de Janeiro pela maior ênfase dada à ideia de federação[...] São Paulo estava sub-
representado no Parlamento e nos órgãos da Monarquia.97"
Nesse sentido, Clovis Corrêa da Costa elenca os operadores da República, vejamos: " A
República foi proclamada por uma aliança de três grupos muito diferentes entre si: cafeicultores
paulistas, militares positivistas e políticos republicanos.[...] Queriam se livrar do centralismo da
monarquia e pregavam o federalismo.98"
Em suma, os avanços da sociedade mundial, cada vez mais globalizada pelas Revoluções
Industrial e Tecno-científica, impuseram ao país a sua entrada na modernidade, que não era
compatível com o regime da monarquia, ainda que essa tenha resistido por muito tempo, chegando
ao ponto inevitável no qual mesmo os seus antigos defensores se viram obrigados a olhar para outro
lado, a fim de não afundarem junto à mesma.
Como os ideais republicanos são também incompatíveis com a escravidão, a proclamação da
abolição da mesma vem trazer o desfecho final ao Império, pois apesar de haver produtores que
ainda insistiam na manutenção da mão-de-obra escrava, em muitos lugares esta deixava de ser
essencial à produção, sendo substituída por trabalhadores livres muito pobres e por imigrantes.
Assim, Clovis Corrêa da Costa nos dá a sentença final do Império, conforme a seguir:

"Era tarde demais para salvar o Império. Após as festividades, percebeu-


se que o governo não tinha um plano para o país viver sem a
escravatura. A apatia do governo abriu espaço para republicanos e
militares, que começaram a conspirar contra o regime. Em 15 de
novembro de 1889 o Império caiu, sem luta.
[...]
A República venceu porque o Império não foi capaz de dar
direções ao país nos novos tempos[...]" (grifo nosso)

Surgia então a República dos Estados Unidos do Brasil.

Acredito que algum leitor intrigado deva estar se perguntando: o livro não é sobre os
"Fundamentos do Estado", que engloba Direito Constitucional e Ciência Política, por que então falar
tanto sobre história? Pois bem, fundamentos são as bases de algo, portanto fundamentos do Estado
são as bases do mesmo, assim, os valores que se encontram refletidos nos mesmos são reproduções
ou consequência de tudo que foi construído na história desse país. Recorrendo um pouco ao
"Materialismo Histórico" (Dialética Marxista), se a história da humanidade é a história da luta
96 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p.128.
97 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 228.
98 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p.128-129.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

constante de classes, a história de um determinado país estará recheada do produto das disputas
políticas que construíram o mesmo. Não é diferente no Brasil. Claro que este trabalho não se propõe a
servir de fonte no estudo da história, mas é importante que estejam expostos alguns fatos relevantes
ao propósito de compreender o conjunto de valores que direcionaram e mantiveram o país na forma
republicana de governo, ainda que de forma resumida. Sendo assim, continuemos nosso estudo.

Diante disso, proclamada a República, sobe ao poder o governo provisório, tendo como
Presidente o Marechal Deodoro da Fonseca, fato que levaria os defensores da República liberal a
apressar a convocação de uma Assembleia Constituinte, temendo o surgimento de uma ditadura, já
que os militares positivistas eram influenciados pela ideia da "Ditadura Republicana". Assim, fazia-se
necessário dar uma forma constitucional ao país, a fim de se obter o reconhecimento da República e
de se afastar a desconfiança com a qual o novo regime era visto na Europa.99 Em resposta a essa
necessidade foi convocada a Constituinte que iria elaborar a primeira Carta Jurídico-política da
República brasileira, sendo convocada uma comissão de cinco juristas para a elaboração do
anteprojeto da Constituição, que foi entregue ao governo provisório e passou pelo crivo do então
ministro da fazenda, o ilustre jurista Rui Barbosa, que efetuou alterações significativas no anteprojeto,
que foi redigido, discutido e finalmente promulgado em 24 de fevereiro de 1891.100
Estava promulgada portanto, a primeira Constituição republicana do Brasil, que refletia,
segundo Clovis Corrêa de Castro, as tendências contraditórias dos grupos que haviam chegado ao
poder: o centralismo positivista dos militares e as ideias liberais das elites regionais, concedendo, ao
mesmo tempo, poder excessivo ao governo central e grande autonomia aos Estados.101
Acredito que não precisava dizer a essa altura, mas não custa reforçar. A primeira Constituição
da República brasileira foi largamente inspirada no modelo norte-americano, consagrando assim uma
República federativa e liberal.102 Amaro Cavalcanti, citado por José Afonso da Silva trás uma
observação importante sobre essa inspiração, vejamos: "o texto da Constituição norte-americana
completado com algumas disposições das Constituições suíça e argentina"103. Em seguida o próprio
José Afonso tece uma primeira crítica à mesma: "Faltara-lhe, porém, vinculação com a realidade do
país. Por isso, não teve eficácia social, não regeu os fatos que previra, não fora cumprida. 104" Nesse
sentido, já podemos dizer que uma das principais características de nosso país, a ausência de eficácia
de muitas normas constituicionais, já nasceu com a própria República, que representou muito mais

99 FAUSTO, Boris. Op. cit., p.249.


100 MACIEL, José Fábio Rodrigues e AGUIAR, Renan. Op. cit., p.152-153.
101 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 135.
102 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 249.
103 CAVALCANTI, Amaro. Anais da Constituinte, v. I/160. In: SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 79.
104 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 79.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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uma síntese pragmática das forças políticas que dominavam o país à época, do que propriamente o
surgimento de um Estado realmente democrático, servindo o texto constitucional muito mais para
legitimar a existência da República do que implantá-la de forma eficiente.
A exemplo dos Estados Unidos, é assegurada a autonomia dos Estados, conferindo-se-lhes a
chamada competência remanescente. O regime escolhido é o representativo, sendo o
presidencialismo o sistema de governo. Além disso, o Estado deixa de ser confessional, sendo
separado da igreja católica, não havendo mais religião oficial do país. O grande destaque é o fim do
"Poder Moderador", voltando-se ao modelo de separação entre os poderes de Montesquieu. O Habeas
Corpus, ignorado pela Constituição imperial, foi instituído, além de outras garantias e direitos
individuais, como por exemplo o mais amplo direito de defesa. Segundo Vicente Paulo e Marcelo
Alexandrino, a Constituição adotou a forma rígida, somente podendo ser alterada mediante
procedimento especial, mais trabalhoso do que aquele exigido para a criação e a modificação do
direito ordinário.105 Entretanto, nem tudo era avanço, pois o voto continuava censitário (eleitor
definido pela renda), ficando excluídos do voto os analfabetos, as mulheres, os praças-de-pré
(militares de baixa graduação - soldados e cabos), os religiosos eclesiásticos e os mendigos.106 Ou
seja, a Cidadania na sua concepção formal (poder de votar e ser votado), era reservada a
pouquíssimos habitantes.
Falando-se em influência dos Estados Unidos em nossa constituição, faz-se importante abrir-se
um parênteses para Rui Barbosa neste momento. Isso porque a inspiração americana em nosso
Direito Constitucional tem a mão do célebre jurista baiano, haja vista o mesmo ter sido um profundo
estudioso do sistema político-jurídico daquele país. Não é por acaso que Rui Barbosa teve participação
ativa no processo de elaboração da Carta de 1891, como por exemplo a sua posição de destaque na
corrente chamada de "unionista", que defendia o predomínio da União na gestão do Poder da
República107, o que permanece até hoje.
Um outro ponto a ser destacado sobre a ordem constitucional em vigor a partir de 1891 é que
a chamada "República Velha" teve um efetivo domínio da política oligárquica, característica que
acompanha o processo histórico do país, gerando uma verdadeira "Herança Oligárquica", sendo
inerente ao mesmo, extendendo suas raízes até os dias de hoje, como no caso dos lobistas que
exercem influência no poder político atual (alguém gritou grandes empresários?). Assim, a exemplo do
final do período monárquico, os fazendeiros dominavam a política no país, fato que contribuiu para a
queda do primeiro Presidente, o Marechal Deodoro, já que este suscitou retomar um Estado com forte

105 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 27.
106 CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1891. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 1 ago. 2014.
107 SCARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., 227.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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centralização, aos moldes do Império, contrariando os interesses dos "Fazendeiros", que priorizavam
uma República liberal e descentralizada108. É na República Velha que cresce o "Coronelismo", forma de
domínio político local exercido pelos grandes fazendeiros, que na época do Império recebiam essa
patente e mesmo depois de extinta essa prática, dada a criação de academias militares, a tradição
dessa espécie de clientelismo manteve-se viva na sociedade. Suas raízes são o Patriarcalismo da
época colonial, onde os grandes latifundiários detinham um contigente grande de agregados, que
viam no "Dono da Terra" a figura de chefe de família. Segundo Boris Fausto, essa relação sociopolítica
resultava da grande desigualdade social, da impossibilidade de efetivação de seus direitos de seus
direitos pelos cidadãos e da inexistência, tanto de serviços assistenciais do Estado, como de uma
carreira no serviço público109. Como os "Coronéis" tinham controle sobre os votantes em sua área de
influência, havia uma troca de votos por favores variados, desde um bem de uso comum até uma
vaga de emprego em um hospital, por exemplo. Tal tradição foi muito comum no Nordeste, conforme
demonstra o conhecimento popular. Honestamente, isso acontecia há mais de cem anos atrás, será
que não acontece também em nosso época? Talvez a figura do "Cabo Eleitoral", bem como as diversas
relações de tráfico de influência praticadas na sociedade atual forneçam a resposta.
Embora também houvesse um grande apelo para a modernidade na República Velha, a
semelhança do Império, parece que o país insistia em continuar agrário e patriarcalista, já que as
oportunidades proporcionadas pelo capitalismo industrial não foram devidamente aproveitadas,
criando um afastamento entre a economia do país e as desenvolvidas. Clovis Corrêa da Costa destaca
esse ponto, sobre o desenvolvimento da indústria na República recém criada:

"Teve alcance limitado, prisioneira de uma escala reduzida e de


desencentivos provocados pelas políticas de sustentação da cafeicultura.
Não havia proteção para a indústria nascente[...] Além disso, a defesa do
café criava pressão para a desvalorização da moeda, o que trazia ganhos
para os cafeicultores e custos maiores para a indústria.110"

Portanto, essa foi a ordem social sob a qual foi fundada a República, um Estado de Direito,
pois mantém uma subordinação a regras jurídicas (sendo a Lei Maior a Constituição), limitando a sua
atuação contra os indivíduos, assegurados pela garantia de direitos fundamentais, além de regular e
limitar a intervenção das funções estatais umas nas outras (separação dos poderes), mantendo a
harmonia entre elas. Contudo, há de se destacar que o Estado brasileiro da República Velha detinha
um governo caracterizado pela tensão entre militares desejosos por um governo de grande
centralização de poder e elites regionais liberais, defendendo a manutenção da descentralização,
108 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 254.
109 FAUSTO, Boris. Ibid, p. 263.
110 COSTA, Clovis Corrêa da. Op. cit., p. 133.

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através do federalismo. Essas elites regionais contavam com uma forte representação política na
Câmara e no Senado, além de outras instâncias, formando uma sociedade oligárquica, com economia
quase que exclusivamente agrária e baixo investimento na indústria, contando com a maioria
esmagadora da população desprovida de educação e de acesso a direitos básicos. Ou seja, uma "Ilha
Colonial" nos mares do Capitalismo Industrial em constante ascensão.

Assim, tem início a história da República do nosso país, contando com seis Constituições
republicanas, que foram editadas à medida que o Estado passava por mudanças significativas na
Política e na Economia. Segundo Helena Daltro Pontual, na história das Constituições brasileiras,
houve uma alternância entre regimes fechados e outros mais democráticos, com as Cartas, ora
impostas, ora aprovadas por assembleias constituintes.111
A Constituição de 1934, de caráter social, inspirada nas Constituições Mexicana e Alemã
(Weimar), traz as seguintes mudanças: é dado um maior poder ao governo federal; o voto passa a ser
obrigatório e secreto e a partir dos 18 anos, além de ser dado o direito de voto às mulheres; são
criadas a Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho; há também a edição de leis trabalhistas, com a
criação de normas jurídicas de proteção ao trabalhador, como a proibição do trabalho infantil, a
instituinção da jornada de trabalho de oito horas diárias, a indenização para trabalhadores demitidos
sem justa causa, o repouso semanal e as férias remuneradas. Além disso, são criados o Mandado de
Segurança e a Ação Popular.112
Contudo, em 1937, entramos na ditadura do "Estado Novo", quando Getúlio Vargas revogou a
Constituição de 1934, dissolveu o Congresso e, sem qualquer consulta prévia, outorgou ao país a
Carta Constitucional do Estado Novo, de larga inspiração fascista e com a supressão dos partidos
políticos, além de uma forte concentração de poder nas mãos do chefe supremo do Executivo.
Destacam-se entre as medidas adotadas: a supressão da liberdade partidária e da liberdade de
imprensa; a anulação da independência dos Poderes Legislativo e Judiciário; a restrição das
prerrogativas do Congresso Nacional; prisão e exílio de opositores do governo; e eleição indireta para
presidente da República, com mandato de seis anos, entre outras.113 Segundo Boris Fausto, o Estado
Novo pode ser sintetizado como a aliança entre a burocracia civil e militar e a burguesia industrial,
onde a burocracia civil perseguia a industrialização como caminho pra verdadeira independência; os
militares acreditavam que fortalecida a economia com a indústria, esta ajudaria a segurança nacional;
e os industriais estavam convencidos de que a intervenção estatal era a melhor maneira para se
111 PONTUAL, Helena Daltro. Constituições brasileiras. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-o-assunto/constituicoes-brasileiras>. Acesso em:
31 jul. 2014.
112 CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1934. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Constituição_brasileira_de_1934>. Acesso em: 1 ago. 2014.
113 PONTUAL, Helena Daltro. Op. cit.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

incentivar a indústria.114 Contudo, esse avanço industrial do país teve consequências graves para a
democracia do mesmo, a industrialização custou muito caro à nação, pois o Estado extremamente
intervencionista criado em 1937 gerou ideologias malígnas que iriam evoluir a ponto de implantar os
21 anos de ditadura militar pelos quais passamos.
Chegamos à Consituição de 1946, que ao invés da anterior, foi promulgada pelo Congresso
eleito, agindo este como Constituinte, retomando assim a linha democrática de 1934. Como medidas
em destaque temos o restabelecimento dos direitos individuais, o fim da censura e da pena de morte,
a volta da separação dos poderes, além da instituição de eleição direta para presidente da República,
entre outras.
Apesar de tirar o país do regime autoritário implantado pela Carta anterior, não podemos
deixar de de lado a crítica abalizada de José Afonso da Silva, que considera a Constituição de 1946 um
retrocesso, que ao invés de pensar o futuro do país, tratou de olhar pro passado, vejamos:

"[...]Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 18.9.46,


que, ao contrário das outras, não foi elaborada com base em um
projeto preordenado, que se oferecesse à discussão da
Assembleia Constituinte. Serviu-se, para sua formação, das
Constituições de 1891 e 1934. Voltou-se assim às fontes formais do
passado, que nem sempre estiveram conformes com a história real, o
que constituiu o maior erro daquela Carta Magna, que nasceu de
costas para o futuro, fitando saudosamente os regimes antigos, que
provaram mal. Talvez isso explique o fato de não ter conseguido
realizar-se plenamente." (grifo nosso)

Do exposto, temos que esse retrocesso das fontes do poder, aliado às já mencionadas
"ideologias malignas" desenvolvidas a partir de 1937 e à interferência estrangeira em nossa economia,
terminaram por criar um ambiente de insegurança jurídico-política que culminou no Golpe Civil-
militar de 1964, inaugurando vinte e um anos de ditadura militar no Brasil. Nessa época, o contexto
predominante era o autoritarismo e a política da chamada segurança nacional, que visava combater
supostos inimigos internos ao regime, que recebiam o rótulo de subversivos. Entra em cena, após o
Golpe de Estado, a Constituição de 1967, que manteve a Federação, mas com expansão da União e
adoção de eleição indireta para presidente da República, bem como acompanhadas de mudanças no
Judiciário, além da suspensão das garantias dos magistrados.
Inauguravam-se os "Anos de Chumbo", 21 anos de terror, violência e corrupção, instaurados e
mantidos pelos militares, até a redemocratização do Brasil em 1985, para que em 05 de outubro de
1988 fosse promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil.

114 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 367.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

II
A CONSTITUIÇÃO DE 1988

1. O Brasil e a retomada da Democracia

Era o ano de 1988, após ter passado por um período negro de sua história, negador de
liberdades e repleto de tirania, o país começava uma era de redemocratização, livrando-se
definitivamente das amarras que o prendiam ao "Regime Brutal e Desumano"115 que se instarou por
21 anos. Assim, em 05 de outubro de 1988, surge, com a chegada da primavera, a esperança de um
novo Brasil. É portanto promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, quando então às
15:50h, o Deputado Ulisses Guimarães, Presidente da Assembleia Constituinte fez a declaração
libertadora: "Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça
social, do Brasil. Que Deus nos ajude. Que isto se cumpra.116"
Tinha início um novo arcabouço jurídico-institucional no país, equipado com a ampliação das
liberdades civis e os direitos e garantias individuais, bem como a concessão de voto aos analfabetos e
aos jovens de 16 a 17 anos. Estabeleceram-se também novos direitos trabalhistas, como redução da
jornada semanal de 48 para 44 horas, seguro-desemprego e férias remuneradas acrescidas de um
terço do salário. Foram também criados o "Mandado de Injunção", o "Mandado de Segurança
Coletivo" e o "Habeas Data”; além do restabelecimento do "Habeas Corpus". Destacaram-se
também as seguintes medidas, como a instituição de política agrícola e fundiária e regras para o
sistema financeiro nacional; as normas de proteção ao meio ambiente; o fim da censura em rádios,
TVs, teatros, jornais e demais meios de comunicação; e alterações na legislação sobre seguridade e
assistência social, entre outras.117
Talvez as novas gerações, que não viveram na época da ditadura, não consigam fazer ideia de
quão brutal era a reação da mesma àqueles que “ousavam” exercer o direito de expressão da forma
mais básica que fosse. No auge da ditadura, ir simplesmente às ruas protestar contra o Governo,
como ocorreu diversas vezes em 2013, 2014 e 2015, onde milhares de pessoas do país manifestaram
sua insatisfação com o governo da Presidente Dilma Roussef e com a corrupção no país, era motivo
pra ser “olhado mais de perto” pelos militares e quem fosse “preso” criticando o governo, ou seja,
exercendo a sua Cidadania, era torturado, APANHAVA do Governo! Contestar o regime era assinar a
própria pena de morte... Não é brincadeira, era assim mesmo! Por isso fico muito assustado quando

115 Acredito que os adjetivos brutal e desumano são as mínimas qualidades negativas que se pode atribuir a tudo que ocorreu em nosso país de 1964 a 1985.
116 PROMULGAÇÃO da Constituição - Jornal Nacional -1988. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=sOxmc_uw19U>. Acesso em: 01 ago. 2014.
117 PONTUAL, Helena Daltro. Op. cit.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

assisto o trecho de um pequeno vídeo do youtube no qual um jovem de pouco mais de dezoito anos
afirma que a saída para o país é a “intervenção militar”, como se ele pudesse fazer ideia de quão
cruéis foram os anos de chumbo...
Por isso, nos últimos anos da ditadura, quando havia uma espécie de transição da ditadura
para a Democracia e o regime estava mais brando, começou o movimento de redemocratização, ou
seja, a sociedade aproveitava aquele momento para recriar o país, de forma que diversos seguimentos
da mesma passaram a desaguar a liberdade reprimida há vinte anos. Surgiam periódicos que
satirizavam a política, foram lançados filmes e documentários de destaque, como “Cabra Marcado para
Morrer”, de Eduardo Coutinho e “Jango”, de Silvio Tendler, além de uma intensificação da discussão
política e filosófica no setor artístico. Tudo isso como pano de fundo para a campanha maciça pelo
retorno das eleições diretas: Diretas Já!
Assim era a sociedade brasileira no início dos anos 80, como alguém que fica um tempo sem
respirar e recupera o fôlego. Como alguém que acabou de sair de uma depressão e consegue ver o
mundo com outros olhos: um mundo cheio de cor e beleza que não deseja perder outra vez. Como
uma represa que arrebenta, libertando a força das águas que por anos ficaram aprisionadas...
Quem não lembra dos comícios das Diretas Já, que desnudavam o grito reprimido do povo que
não escolhia seu Presidente há vinte anos? Felizmente, mesmo diante da derrota da Emenda Dante de
Oliveira, adiando o sonho das eleições diretas para Presidente, em 1985, a eleição de Tancredo Neves
e José Sarney, mesmo ainda realizada de forma indireta, constitui o evento político que representou o
primeiro passo para o surgimento de um novo país, longe do passado funesto, como bem sintetiza
Boris Fausto: “Por caminhos complicados e utilizando-se do sistema eleitoral imposto pelo regime
autoritário, a oposição chegava ao poder”118.
Assim, conforme mencionado anteriormente, os valores que se encontram refletidos em um
determinado Estado, são reproduções ou consequência de tudo que foi construído na história do
mesmo. A exemplo das outras Constituições brasileiras, a Constituição Cidadã de 1988 reflete
necessariamente o sentimento que imperava nos corações dos brasileiros naquele momento histórico:
afastar definitivamente o fantasma da ditadura militar. Portanto, é no exame desse episódio funesto
da história de nosso país que encontraremos, ainda que a contrario sensu, os fundamentos políticos,
econômicos e sociais de nosso Estado de Direito, pois nossa atual Constituição nasceu da aversão e
da repugnância a tudo que foi perpretado nos anos de chumbo. Dessa forma, qualquer tentativa de
entender a nossa Constituição deve passar necessariamente pelo estudo da ditadura militar que
resultou do Golpe de Estado Civil-militar que ocorreu em 1964.

118 FAUSTO, Boris. Op.cit., p. 512.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

2. Origem política do golpe civil-militar de 1964: classes dominantes contra a


Democracia.

Dessa forma, vamos começar do começo. Após o “Estado Novo” iniciou-se outro período de
abertura democrática, mas no último governo Vargas, caracterizado pelo ”Populismo”, a liberação dos
movimentos sindicais une-se ao crescente clima de guerra fria para criar uma tensão política entre o
governo e setores conservadores da sociedade. A ameaça de golpe militar já era latente naqueles
anos, pois havia duas tendências políticas bem definidas na área militar: uma autodenominada
"nacionalista" (e acusada de ser esquerdista pelos adversários) e outra "democrática" (acusada de ser
"entreguista" pelo lado contrário). Dissidências constantes entre estes grupos marcaram esse período,
onde prevaleceu no meio da caserna a tendência antigovernista, como pode ser comprovado diante
da vitória, por 65% dos votos, da “Cruzada Democrática” nas eleições para o Clube Militar.119 A tensão
entre os militares e o Getúlio atinge seu auge diante do atentado contra Carlos Lacerda, no qual
morreu o major da Aeronáutica Rubens Vaz, pois os indícios de participação de sua guarda pessoal
levou os militares a se manifestarem pela renúncia de Vargas. Após a perda de apoio efetivo das
Forças Armadas Vargas suicidou-se. Surgem revoltas populares, que juntamente com a “República do
Galeão” (assim chamado pela imprensa), um Inquérito Policial Militar aberto na Base do Galeão para
apurar o atentado, acirra ainda mais os ânimos. Porém, mesmo com a pressão foram mantidas as
eleições para presidente por Café Filho, que assumiu após o atentado, conforme narra Clovis Correa
da Costa: “Mesmo morto, Vargas derrotou seus adversários, que desejavam um golpe militar para
chegar ao poder: Juscelino foi eleito, derrotando o general Juarez Távora, candidato dos udenistas.120”
"50 anos em 5", era o lema de Juscelino, e ele aproximou-se disso, pois segundo Boris Fausto:
“[...]os anos JK podem ser considerados de estabilidade política. Mais do que isso, foram anos de
otimismo, embalados por altos índices de crescimento econômico[...] Os cinquenta anos em cinco da
propaganda oficial repercutiram em amplas camadas da população.”121 Como a principal característica
dos militares brasileiros sempre foi o positivismo exarcebado, o início do governo de Juscelino, focado
em desenvolvimento e ordem, acalmou um pouco os ânimos da cúpula militar. Na prática, Juscelino
equilibrou divergências, agradando a “Gregos e Troianos”, mas nem tudo era perfeito e o crescimento
teve um preço, pois deixou para o seu sucessor, Jânio Quadros, desequilíbrio na economia e nas
contas públicas, além de inflação elevada.122 O Presidente Jânio até começou suas medidas para
119 CASTRO, Celso. E ele voltou... o segundo governo Vargas. Os militares e o segundo governo Vargas
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/Militares>. Acesso em: 02 ago. 2014.
120 COSTA, Clovis Correa da. Op. Cit., p. 156.
121 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 422.
122 COSTA, Clovis Correa da. Op. Cit., p. 160.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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solucionar os problemas do país, mas em 25 de agosto de 1961 Jânio renunciou à presidência da


República, sem qualquer explicação maior, referindo-se apenas a “forças terríveis”, que segundo a tese
mais aceita, era uma tentativa mal sucedida de repetir uma jogada política que o mesmo havia feito
anteriormente ao renunciar a candidatura, obtendo o pedido de reconsideração do ato pelos partidos
que o apoiaram.123 Assumiria seu vice, João Goulart (Jango), que havia sido nomeado Ministro do
Trabalho no governo Vargas, sofrendo críticas dos grupos dominantes à época, pelo aumento de
100% do salário mínimo. Sofreu resistência dos militares, que enxergavam nele uma ameaça ao
país124, havendo inclusive a tentativa de veto da posse de Goulart pelos mesmos, impasse que
somente foi resolvido com a mudança do regime de governo, de presidencialismo para
parlamentarismo, permitindo que Jango assumisse, porém com poder reduzido.
Importante destacar caro leitor, que alguns pensadores costumam identificar a época entre os
anos de 1945 a 1964 como o período mais democrático da República brasileira antes da ocorrência do
golpe civil-militar, em 1964.125 O governo de Getúlio, ainda que politicamente conturbado, garantiu
vários direitos trabalhistas; o de Juscelino trouxe progresso econômico, mesmo que diante de um
endividamento das finanças públicas; e quando Jango estava no poder (mesmo enquanto dividia o
governo com o Congresso), o país passava por uma maior mobilização de classes excluídas lutando
por mudanças sociais, a exemplo do surgimento das "Ligas Camponesas", que deram importante
passo para o início da luta por Reforma Agrária. O que estava ocorrendo era um empoderamento
crescente do povo brasileiro, que por ocasião dos regimes que antecederam 1945 ficava
completamente à mercê das elites dominantes. Assim, César Mangolin de Barros traz um panorama
daquele momento, a seguir, in verbis:

"Os movimentos sociais avançam em organização e atuação nas


diversas frentes, criando várias novas entidades ou reforçando as já
existentes. No campo e na cidade, entre os intelectuais, operários,
soldados, marinheiros, estudantes e também em frentes amplas, que
congregavam várias entidades ao mesmo tempo, como a Frente de
Mobilização Popular . FMP . criada em 1962, a articulação e a pressão
exigindo reformas profundas ganhava corpo e também as ruas.126" (grifo
nosso)

No documentário Jango, produzido em 1984, dirigido por Silvio Tendler, as declarações dos
entrevistados dão testemunho desse sentimento democrático que dominava grande parte dos

123 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 443.


124 JOÃO GOULART. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/João_Goulart>. Acesso em: 2
ago. 2014.
125 BARROS, Cesar Mangolin de. A ditadura no Brasil: processo, sentido e desdobramentos. Disponível em: <http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/cesar-
mangolin-de-barros-a-ditadura-militar-no-brasil-2011.pdf> Acesso em: 31 jul. 2014.
126 Ibidem.

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brasileiros naquele período. O militante político do Partido Comunista Brasileiro, Gregório Bezerra,
relata que na época do governo João Goulart atuava no campo na organização das ligas camponesas
e de outras organizações que agiam em defesa dos trabalhadores do campo e declara o seguinte: "No
governo dele nós tivemos mais liberdade, porque aprofundamos essas organizações, principalmente
no setor sindical. Foi realizado o I Congresso Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, de todas as
categorias dos camponeses pobres, em Belo Horizonte.127"
Assim, não fica difícil de constatar que o ambiente era favorável ao pluralismo político, que o
país tornava-se cada vez mais democrático. Como asseveram Maria Paula Araujo, Izabel Pimentel da
Silva e Desirree dos Reis Santos, a seguir:

"O período do governo de Jango foi um período de intensa


politização da sociedade. O clima de radicalização política, de
confrontos e debates propiciou uma ampla participação da sociedade na
discussão pública de propostas de mudanças e reformas. Foi um período
de intensa atividade política e de uma ampla discussão em torno dos
diferentes projetos para o país."128 (grifo nosso)

Contudo, essa percepção chegou de forma distorcida aos olhos das elites dominantes do país,
que diante do medo crescente de uma "comunização” do Brasil começaram a se mobilizar contra o
governo de João Goulart, sobretudo após o discurso do Presidente em 13 de março de 1964, onde o
mesmo discutiu, entre outros temas, "a necessidade de mudanças estruturais para o desenvolvimento
e a diminuição das desigualdades socioeconômicas no país"129 (grifo nosso), sendo o ponto
central do debate a implantação urgente da Reforma Agrária. Foi a gota d'água. Em prol de uma
suposta "proteção do Estado", formou-se um apoio substancial de pessoas e entidades da sociedade
civil, órgãos do poder econômico, ala conservadora da igreja católica e órgãos de comunicação em
massa, ou seja, as elites tradicionais reagiram à suposta "ameaça comunista"130. Segundo Maria Paula
Araujo, Izabel Pimentel da Silva e Desirree dos Reis Santos:"O apoio desses setores da sociedade civil
fez com que vários historiadores e demais pesquisadores caracterizassem o golpe de 1964 como
"civil-militar" e não somente militar, como já se convencionou denominar" 131. Ainda segundo as
autoras, durante a chamada "Revolta dos Marinheiros", na qual o Presidente Goulart anistiou
marinheiros revoltosos que reivindicavam pelo reconhecimento de sua associação, pela reformulação

127JANGO. Direção: Silvio Tendler. Direção de Produção: Cássia Araújo. Direção de Fotografia: Lúcio Kodato. Rio de Janeiro: Caliban Produções Cinematográficas
LTDA, 1984. 117 min. Son. Color. 35mm.
128 ARAUJO, Maria Paula; SILVA, Izabel Pimentel da; e SANTOS, Desirree dos Reis. Ditadura militar e democracia no Brasil: história, imagem e testemunho. 1. ed.
Rio de Janeiro : Ponteio, 2013, p. 12.
129 Ibidem, p. 15.
130DALLARI, Dalmo A. A ditadura brasileira de 1964. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/dalmodallari/dallari_ditadura_brasileira_de_1964.pdf>
Acesso em: 02/08/2014.
131ARAUJO, Maria Paula; SILVA, Izabel Pimentel da; e SANTOS, Desirree dos Reis. Op. cit., p. 16.

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do regulamento disciplinar da Marinha e pela melhoria dos soldos, além de apoiar as reformas de
base, o alto escalão dos oficias militares acusou o governo de "incentivar a indisciplina e a quebra da
hierarquia nas Forças Armadas"132.
Entre outros fatores que fizeram as elites tradicionais brasileiras construírem esse medo
estremecedor de que os avanços sociais no país seriam um indício da chegada de um regime
comunista, destaca-se a articulação e o apoio da ditadura no Brasil pelos Estados Unidos da América,
dado seu combate ao avanço comunista e seu interesse pelas grandes reservas de ferro existentes no
Brasil.133 O apoio do governo americano ao golpe pode ser constatado no documentário revelador de
Camilo Tavares, O Dia que Durou 21 Anos, para o qual foi realizada uma extensa pesquisa durante
cinco anos, reunindo vários documentos que demonstram a influência do embaixador dos Estados
Unidos, Lincoln Gordon, no apoio norte-americano ao golpe civil-militar de 1964. Um dos destaques
do documentário é o diálogo entre Gordon e o presidente Kennedy, em 1962, onde os dois debatem o
perigo que Goulart representava aos interesses norte-americanos, como testemunha um áudio da
reunião em Washington. Outro documento interessante é um comunicado assinado pelo Embaixador
que traz o seguinte aviso: "O governo de Goulart representa uma ameaça ao mundo livre. Minha
conclusão é que as recentes ações de Goulart e de Brizola, para promovera reforma agrária, levarão o
Brasil a um governo comunista, como Fidel Castro fez em Cuba"134. No documentário há declarações
de especialistas americanos e brasileiros sobre as estratégias políticas dos Estados Unidos para
impedir o avanço do comunismo na América Latina, com destaque para a "Aliança para o Progresso",
um programa intervencionista norte-americano que buscava impedir a influência da Revolução Cubana
no continente.
A esta altura algum leitor pode estar se perguntando por que esse interesse norte-americano
na América Latina, o que nos obriga a advertir que os planos estado-unidenses de expansão e
domínio político-econômico vêm de muito antes, desde a concepção da teoria do "Destino Manifesto",
que pregava a crença de que o povo dos Estados Unidos teria sido eleito por Deus para comandar o
mundo. Tal doutrina foi perpetuada nos Estados Unidos no final do Século XIX, com a finalidade de
justificar o expansionismo geopolítico norte-americano.135 Paralela a essa doutrina, surgiria a "Doutrina
Monroe" (América para os Americanos), que teve origem no discurso proferido pelo presidente James
Monroe, em 02 de dezembro de 1823, no Congresso norte-americano, pregando a ilegitimidade da
interferência europeia em assuntos internos das ex-colônias europeias do continente americano, agora
independentes do colonialismo europeu. Apesar da contribuição que a Doutrina Monroe deu à
132 Ibidem.
133DALLARI, Dalmo A. Op. cit.
134 Cf. O DIA que durou 21 anos. Direção: Camilo Tavares. Produção: Karla Ladeia. Fotografia: Márcio Menezes, André Macedo, Cleumo Segond e Luiz Miyasaka. São
Paulo: Pequi Filmes, 2012. 77 min. Son. Color.
135 DESTINO Manifesto. Portal Infoescola. Disponível em: <http://www.infoescola.com/filosofia/destino-manifesto> Acesso em: 17 ago. 2014.

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independência de todo o continente americano, havia também a intenção de preservação dos


interesses norte-americanos na região, pois impedindo a intervenção europeia, os norte-americanos
estariam selando a sua hegemonia na região, chamada por alguns estudiosos de Pan-americanismo.136
A extensão da conspiração do governo norte-americano para manipular o cenário político no
Brasil pré-golpe foi tão séria que incluiu apoio financeiro aos opositores políticos de João Goulart,
patrocinando uma propaganda política massiva que incluia, entre outras estratégias a exibição de
filmes "anticomunistas" em praças públicas de cidades do interior e em salas de cinema, até a criação
de institutos de fachada (IPES, IBAD, etc...), a fim de influenciar a opinião pública para apoiar o golpe
de Estado que ocultamente estava sendo planejado. Nos dias de hoje já é de conhecimento da
maioria das pessoas que grandes veículos de comunicação do país fizeram parte de toda essa
estratégia de derrubada do poder de João Goulart.
Assim, em 31 de março de 1964, apoiados pelos setores influentes da sociedade civil brasileira
e pelo governo dos Estados Unidos, foi dado o Golpe Civil-militar que trouxe 21 anos de escuridão à
Democracia brasileira. Nesse sentido, segundo Maria Paula Araujo, Izabel Pimentel da Silva e Desirree
dos Reis Santos, a deflagração do golpe foi comemorada por importantes setores civis da sociedade
brasileira, como grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, além de alguns
governadores de Estado. Afirmam as autoras ainda que esses atores e intituições sociais acima
mencionados, além de amplos setores da classe média, "pediram e estimularam a intervenção militar,
como modo de por fim à suposta ameaça de esquerdização do governo e de se controlar a crise
econômica"137. Dessa forma, implantada a ditadura, o governo militar, a exemplo de vários ditaduras
que existiram, passou a perseguir de forma violenta tudo aquilo que tinha potencial de ameaçar a
estabilidade do regime, montando-se uma estrutura de vigilância e repressão contra os supostos
subversivos.138
Por mais incrível que se possa parecer, os militares deflagaram o golpe de Estado sob a
insígnia de "Revolução", o que já se contradiz por si só, pois o termo revolução sugere algo mais
amplo, que imprescinde de uma mudança da sociedade por completo, onde surge uma nova ideologia
que dá suporte ao regime que inicia. Paulo Bonavides, que dispensa apresentações, é quem nos dá a
correta diferenciação entre golpe de Estado e revolução, vejamos:"O golpe de Estado de modo
usual é contra um governante e seu modo de governar, ao passo que a revolução se faz contra
um sistema de governo ou feixe de instituições; contra a classe dominante e sua liderança; contra um
princípio de organização política e social e não contra um homem apenas.139" (grifo nosso) O que de

136 DOUTRINA Monroe. Portal Infoescola. Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/doutrina-monroe>. Acesso em: 17 ago. 2014.
137ARAUJO, Maria Paula; SILVA, Izabel Pimentel da; e SANTOS, Desirree dos Reis. Op. cit., p. 16.
138 Ibidem,. p. 17.
139 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. Op. cit., p. 458.

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fato ocorreu no Brasil em 1964 foi um golpe de Estado, pois o alvo principal da mobilização foi a
destituição do poder do Presidente da República democraticamente eleito, João Goulart.
Bonavides ainda traz mais diferenças sobre os dois, in verbis:

"As revoluções quase sempre se propagam por toda a nação e presentam


um levante de vastíssimas proporções; já o golpe se circunscreve
geograficamente, atingindo apenas os pontos urbanos vitais,
quando não se concentra unicamente nas capitais, no coração político do
país, onde o governo tem a sede de todos os órgãos essenciais da
administração do poder.140" (grifo nossso)

De fato, no desdobramento dos fatos do golpe, em 31 de março de 1964 os tanques do


Exército dirigiram-se ao Rio de Janeiro, onde se encontrava João Goulart, agindo de forma cirúrgica,
mobilizando apenas o suficiente para retirar o inimigo político do poder, sem mexer consideravelmete
na estrutura do Estado.
Assim, Paulo Bonavides complementa:

"O golpe é a prevalência do interesse egoísta de um grupo ou a satisfação


de uma sede pessoal de poder; a revolução, o atendimento dos anseios
coletivos, movendo-se de conformidade com novos princípios e ideias; a
revolução é a legitimidade, o golpe é a usurpação e como todas
as usurpações concomitantemente ilegal e ilegítima"141. (grifo
nosso)

E foi exatamente o que ocorreu naquele 01 de abril de 1964, uma usurpação do poder do
Presidente democraticamente eleito, carecendo de legalidade e de legitimidade. Conforme se sabe, a
legalidade do Poder Político consiste num poder em harmonia com as normas e princípios jurídicos
que fundamentam o Estado, enquanto que a legitimidade do Poder Político ocorre quando esse poder
é exercido em conformidade com os valores da sociedade, com os anseios da mesma.
Portanto, a experiência da ditadura militar fundamentou-se em um golpe de Estado, dessa
forma, assim como seu fundamento, foi ilegítima e ilegal. Além disso, o Golpe Civil-militar no Brasil
surgiu para limitar a atuação política do cidadão, para conter as práticas democráticas em prol de uma
minoria dominante, justamente em um Estado constitucionalmente democrático (Constituição de
1946), sendo também por isso, tanto ilegal quanto ilegítima, pois retirou arbitrariamente do poder um
representante eleito pelo povo em uma República. Nesse sentido, a Constituição de 1988 surgiu com a
missão principal de retomar o regime democrático, expurgando de vez tudo que dizia respeito ao
"Antigo Regime". Disso tudo, infere-se que, ao lado de institutos e instrumentos jurídicos clássicos,

140 Ibidem, p. 459.


141 Ibidem.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

que já haviam na ordem constitucional que a ditadura de 1964 derrubou, encontramos outros que
surgiram como prevenção contra o retorno de outra ditadura. Nossa Constituição é um documento
político-jurídico de conteúdo manifestamente contrário ao surgimento de regimes de exceção.
Além de constituir-se a partir de um golpe de Estado, o que já é suficiente para reconhecer a
ilegitimidade do regime político que prevaleceu por 21 anos em nosso país, o que contribuiu de
maneira mais decisiva para que os brasileiros buscassem a redemocratização do país foi a dimensão
da violência com a qual o poder foi exercido durante os chamados "anos de chumbo". Para se ter uma
ideia da barbaridade do regime, temos como exemplo o tratamento que foi dado a Gregório Bezerra,
conhecido militante político do PCB, preso imediatamente após o golpe civil-militar de 1964 nas
proximidades do município de Cortês/PE. Sendo transferido logo após a prisão para o Recife, foi
torturado e arrastado por praça pública, no bairro de Casa Forte, com uma corda no pescoço, em um
espetáculo de horror exibido pelas televisões locais à época, tendo também seus pés imersos em
solução de bateria de carro, até ficarem em carne viva.142 Algum leitor lembrou do violento suplício
público de Damiens, que dá início ao livro Vigiar e Punir, de Michel Foucault? Isso dá a ideia do nível
de brutalidade do regime, uma volta à época dos castigos públicos, uma volta ao "Antigo Regime",
aquele que vigorava no mundo antes da "Revolução do Direito Penal" que acompanhou o processo de
formação dos Estados de Direito. E é justamente isso que pontua a dinâmica do regime que se
instaurou após o golpe, um Estado de Exceção, exatamente o inverso de um Estado de Direito.
O mais curioso é que, até mesmo alguns setores da sociedade que apoiaram o golpe, no
momento que perceberam a brutalidade dantesca com a qual o governo militar tratava seus
dissidentes trataram de retirar o seu apoio, o que foi em vão, pois o terror já estava implantado na
estrutura do poder. Foi justamente essa a intenção da decretação do famigerado Ato Institucional nº
5, em 13/12/1968, de frear definitivamente a insatisfação de parte das elites que apoiaram o golpe,
mas que estavam revendo seus posicionamentos diante da face brutal da ditadura.
São vários os exemplos de cidadãos brutalmente torturados pelo regime, sem falar daqueles
que perderam suas vidas, com destaque para os desaparecidos, que nem mesmo o corpo as famílias
tiveram para fazer um enterro digno. Um desses exemplos é a história de Alexandre Vanucchi Leme,
morto por agentes do DOI/CODI-SP aos 22 anos de idade143, tendo sido preso no dia 16 de março de
1973 e torturado, vindo a falecer no dia seguinte, 17 de março de 1973. Como era um estudante de
Geologia engajado e preocupado com a questão dos recursos naturais, chegando a fazer exposições e
palestras em várias faculdades, provavelmente deva ser essa a razão de sua prisão: um estudante

142 GREGÓRIO LOURENÇO BEZERRA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2013. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Gregório_Lourenço_Bezerra>. Acesso em: 17 ago. 2014.
143 ARAÚJO, Maria do Amparo Almeida et al. Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/dados/dossiers/dh/br/dossie64/br/dossmdp.pdf >Acesso em: 15 abr. 2015. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1995, p 137.

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crítico que pesquisava sobre os recursos minerais e seu uso não sustentável144. Os órgãos de
segurança divulgaram a sua morte com a notícia de que quando tentava fugir da prisão teria sido
atropelado, aliás uma prática muito recorrente do regime, que costumava atribuir as mortes de presos
políticos a tentativas de fuga ou a suicídios. Os pais de Alexandre souberam de sua prisão através de
um telefonema anônimo que dizia estar ele preso no DOPS/SP. Procuraram lá e em outros locais sem
sucesso e somente dias depois de sua morte foram informados no IML/SP que seu corpo estava no
cemitério de Perus, enterrado como indigente. Apenas 10 (dez) anos depois tiveram condições de
resgatar os restos mortais de seu filho.
Fingir estar agindo de forma legal era a principal característica das atividades repressoras da
ditadura militar, pois os órgãos de segurança criados naquela época mostravam uma grande
preocupação com a legalidade formal. Segundo Mariana Joffily, a Operação Bandeirantes, órgão
repressivo criado para identificar, localizar e capturar integrantes de grupos subversivos no estado de
São Paulo, foi solenemente fundada em 1969, mas não foi institucionalizado formal e juridicamente,
agindo através de medidas administrativas internas, sob uma permanente dicotomia de
legalidade/ilegalidade, ancorado nas estruturas do Exército e das Polícias para disfarçar as práticas de
tortura, invasão de domicílios e assassinato, dando-lhes um ar aparente de legalidade operacional.145
Durante o período mais violento da ditadura, em todo o país, as Forças Armadas operavam em
conjunto com as Forças Policiais e todo esse aparato de repressão chegou, em algumas ocasiões, a
produzir mais mortes do que se podia encobrí-las, começando a estratégia do desaparecimento dos
corpos. No documentário Chumbo Quente, 50 anos de Golpe, exibido pela TV Brasil, podemos ver o
depoimento do ex Delegado do DOPS capixaba, Cláudio Guerra, que trabalhou com um dos grandes
torturadores militares, onde o mesmo descreve como surgiu a ideia de incinerar corpos em usinas,
conforme a transcrição de trecho da entrevista in verbis:

“[...]existia uma preocupação já que tava havendo a abertura de ser feita


uma coisa que não ficasse vestígio. Como os órgãos de informações
né? Tavam se excedendo, qual que era o mecanismo que ele
usava né? [...]Era cortar pessoas em pedaços jogar né? Enterrar
em cova, cova rasa. E isso aí tava trazendo transtorno. Aí foi dada
a ideia, eu sugeri incinerar corpos. Ali na usina que eu sei foram doze,
com mais o tenente odilon que eu executei no local”146. (grifo nosso)

Do exposto, temos a exata medida da brutalidade e da desumanidade do regime político, no

144 É de conhecimento amplo que um dos motivos pelos quais o governo dos Estados Unidos apoiou o golpe de 1964 era de obter domínio sobre as grandes jazidas de
ferro existentes no Brasil.
145 JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo. Tese apresentada para a obtenção do título de
doutorado em história social no departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/dados/teses/a_pdf/tese_mariana_joffily.pdf> Acesso em: 15 abr. 2015. São Paulo, 2008, p. 33-35.
146 Cf. CHUMBO Quente, cinquenta anos de golpe. [Documentário] Direção e Edição Executiva: Emília Ferraz. Produção: Laine Fabricio. São Paulo: TV Brasil, 2014.

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qual o Estado fazia uso de artifícios criminosos, eliminando seus “arquivos mortos”, para não
existirem provas de sua crueldade.
Não podemos negar que existiram de fato articulações e movimentações esquerdistas de
caráter guerrilheiro, revolucionário, que levaram à luta armada, mas a história está aí para demonstrar
que isso foi logo sufocado pela reação da ditadura147, fazendo desaparecerem praticamente todos os
grupos armados até o início dos anos setenta, sobrando apenas a Guerrilha do Araguaia, que resistiu
até 1970, enquanto a propaganda do “Governo” tratava de esconder a sua existência do grande
público, dando ênfase ao “Milagre Econômico” que o Brasil representava. O fato é que, mesmo depois
de conseguir conter os grupos armados e seus simpatizantes, a máquina repressora não parou,
continuou atuando a toda força. Como alguém que estando dentro de uma loja, entra em surto
psicótico, mata todos os presentes e sai pelas ruas, atirando no primeiro que aparece... Uma maneira
fácil de comprovar isso, é percorrendo o Dossiê Mortos e Desaparecidos148, onde se pode constatar na
relação das mortes oficiais que a maior parte das mortes ocorreram no período de 1971 a 1973, justo
quando estavam chegando ao fim os grupos armados atuantes.
As operações de perseguição e captura149 de perseguidos políticos consituiam-se em
verdadeiros espetáculos de horror, desnecessários, pois considerando hipoteticamente que esses
perseguidos fossem criminosos perigosos à sociedade, caberia no máximo que fossem presos
preventivamente e legalmente julgados, mas ao contrário, eram perseguidos, capturados, torturados
sistematicamente e assassinados. Nesse sentido, para se ter uma ideia da brutalidade da reação dos
órgãos de repressão, trazemos a prisão e morte de Joaquim Alencar de Seixas, militante sindical e
político, morto em 1971, vejamos:

“Seixas foi preso junto com seu filho Ivan, na Rua Vergueiro, altura do n°
9000, no dia 16 de abril de 1971.
[...]
De lá foram levados para o DOI/CODI, que a esta época ainda se
chamava Operação Bandeirantes-OBAN. No pátio de manobras da
OBAN, pai e filho foram espancados de forma tão violenta, que a
algema que prendia o pulso de um ao outro rompeu-se.
Dessa sessão de espancamento, ambos foram levados para a
sala de interrogatórios, onde passaram a ser torturados um
defronte ao outro. Nesse mesmo dia, sua casa foi saqueada e
toda sua família presa.
No dia seguinte, 17 de abril de 1971, os jornais paulistas
publicavam uma nota oficial dos órgãos de segurança, que dava
conta da morte de Joaquim Alencar de Seixas em tiroteio. Em
realidade, Seixas estava morto só oficialmente, pois nesta mesma hora se
desenrolavam torturas horríveis, o que pôde ser testemunhado por seu
147 FAUSTO, Boris, op. cit., p. 483-484.
148 ARAÚJO, Maria do Amparo Almeida et al, op. cit, p. 10-12 e 74-204.
149 Por pior que pareça a expressão, parece ser a mais adequada à situação, já que eram perseguidos como animais.

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fllho Ivan, sua esposa Fanny, e suas duas filhas, Ieda e Iara, presas na
noite anterior.
Por volta das 19 horas deste dia, Seixas foi finalmente morto. Sua esposa,
Fanny, ouvindo que seu marido acabara de morrer, pôs-se nas pontas dos
pés e viu os policiais estacionarem uma perua C-14 no pátio de
manobras, forrar seu porta-malas com jornais, e colocarem um corpo que
reconheceu ser o de seu marido. Não bastasse o seu reconhecimento,
ouviu um policial perguntar a outro: “De quem é este presunto?” e como
resposta, a afirmação: “Este era o Roque” (nome usado por Seixas).”
150(grifo nosso)

Assim, percebemos a brutalidade do regime, que não se contentava em prender e julgar os


supostos “Inimigos do Estado”, ainda buscavam humilhar, torturar e assassiná-los sem piedade. Um
ponto acima demonstra muito claramente isso, pois sua morte oficial foi anunciada durante o dia 17
de abril, enquanto ele estava sendo torturado, ou seja, o regime já sabia que o objetivo era matá-lo,
vê-lo eliminado, forjando uma versão distorcida de sua morte para encobrir a atrocidadede dos atos
do Estado, contra um nacional.
Impressionante é o depoimento sádico de um oficial das Forças Armadas, sobre seu método de
tortura, dado à revista Veja e citado por Elio Gaspari, no livro A Ditadura Escancarada, vejamos um
trecho:

“A primeira coisa era jogar o sujeito no meio de uma sala, tirar a roupa
dele e começar a gritar para ele entregar o ponto (lugar marcado para
encontros), os militantes do grupo. Era o primeiro estágio. Se ele
resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos dizer assim, mais
porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do estômago. Um
terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava, tinha
dois caminhos. Dependia muito de quem aplicava a tortura. Eu
gostava muito de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o
sujeito falar. Eu era muito bom na palmatória. [...] Você manda o sujeito
abrir a mão.
O pior é que, de tão desmoralizado, ele abre. Aí se aplicam dez,
quinze bolos na mão dele com força. A mão fica roxa. Ele fala. A
etapa seguinte era o famoso telefone das Forças Armadas. [...] É
uma corrente de baixa amperagem e alta voltagem. [...] Não tem perigo
de fazer mal. Eu gostava muito de ligar nas duas pontas dos
dedos. Pode ligar numa mão e na orelha, mas sempre do mesmo
lado do corpo. O sujeito fica arrasado. O que não se pode fazer é
deixar a corrente passar pelo coração. Aí mata. [...] O último
estágio em que cheguei foi o pau-de-arara com choque. Isso era para o
queixo-duro, o cara que não abria nas etapas anteriores. Mas pau-de-
arara é um negócio meio complicado. [...]
O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro, porque deixa marca. Depois,
porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é
necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal.”151
(grifo nosso)
150 ARAÚJO, Maria do Amparo Almeida et al, op. cit, p. 92.
151 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 185.

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Do exposto, não é difícil perceber o caráter sádico dos operadores da tortura praticada nos
porões da ditadura, onde o nome do Estado era usado como desculpa para manifestar a psiquê
distorcida dos agentes da repressão, tudo abalizado com o aval das autoridades públicas.
Por fim, para mostrar o quão desrespeitosa às Garantias Individuais era a ditadura, trazemos
trechos do documentário Advogados Contra a Ditadura, de Sílvio Tendler, que traz uma narrativa
honesta de Advogados que atuaram nos anos de chumbo, trazendo histórias de total desrespeito aos
Direitos Humanos. O depoimento que inicia o documentário é do Dr. Modesto da Silveira, Advogado
carioca, que relata o seguinte:

“Fomos pro DOI-CODI, onde fui recebido por um oficial. Eu vi bem pelo
tipo e pelas botas. Ele me recebeu com um 'V' (alusão à forma dos pés
postos em cima da mesa), com as botas em 'V' na minha cara, e logo
dizendo: 'aqui não tem doutor, doutor somos nós. Aqui não tem
Advogado, num tem Justiça, não tem Lei. Advogado, Justiça e Lei
somos nós.” 152(grifo nosso)

Temos portanto um pouco da visão daqueles que “orquestraram” os espetáculos sangrentos da


tortura na época da ditadura, misturando Justiça e Lei, ou seja, Judiciário e Legislativo em uma única
pessoa, fato que ocorreu nos tempos anteriores ao surgimento dos Estados constitucionais de Direito,
anteriores à queda da bastilha, mais precisamente na época do Absolutismo, onde o Monarca era a
medida de todas as coisas. Também merece destaque a expressão “Aqui não tem Advogado”, que
podemos entender como: “Aqui não tem Garantias Individuais, nem Ampla Defesa, tampouco
Contraditório, menos ainda Direitos Humanos”.
Exemplo disso é o relato do Dr. Boris Trindade, Advogado pernambucano, no mesmo
documentário, onde o Causídico traz a tônica da constante violação às prerrogativas dos Advogados
que ocorria naquela época, dentro de um episódio no qual o mesmo compareceu ao quartel para
entrevistar seus clientes, vejamos:

“Você não vai falar porque aqui o expediente é até três horas, já são três
e meia. Eu disse, mas Coronel, para o Advogado não há horário pra eu
falar[...] Mas você não vai falar, você é Advogado, cadê sua carteira? Aí
eu: vou buscar. Tava no carro, na entrada. Trouxe. É mas o Sr. Não vai
falar porque[...] Ele olhou e disse olhe, quer saber de uma coisa, o Sr.
Não vai falar com ele porque eu não quero[...] Mas uma das coisas
que molestava a gente era essa coisa dos obstáculos pra falar
com o cliente, que é a coisa mais sagrada numa Democracia. A
coisa mais importante pra um preso político é falar com seu

152Cf. ADVOGADOS contra a ditadura. [Documentário] Direção: Sílvio Tendler. Produção: Maycon Almeida. Direção de Fotografia: Lúcio Kodato. São Paulo: TV Brasil,
2014. 02 h. 10 min. Son. Color.

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Advogado. Esse direito do cliente, do preso falar com seu


Advogado era obstruído sistematicamente, sem motivo.” (grifo
nosso)

Do exposto, podemos perceber uma prática que era recorrente nos famosos anos de chumbo,
proibir a comunicação do Advogado com o seu cliente, quando este se encontrava preso. Não é à toa
que na nova Ordem Constitucional, inaugurada em 1988, o Advogado passou a ser essencial à
Administração da Justiça e que o Estatuto da Advocacia fornece as suas prerrogativas, dentre elas o
Direito de entrevista com seu cliente preso.
Vários seriam os exemplos de torturados, de desaparecidos, de exilados e de práticas
desrespeitosas aos Direitos Humanos que teríamos para relatar, mas se passarmos muito tempo nisso,
fugiríamos do objetivo dessa obra, que é analisar os Fundamentos Constitucionais de nosso Estado de
Direito. Mas fica a sugestão para quem quiser se apronfundar consultar os livros e os documentários
que serviram de fonte de pesquisa para este livro.
De tudo que foi explanado sobre as práticas cruéis da ditadura é importante que o leitor tenha
em mente que nossa Constituição, principalmente nos Direitos e Garantias Fundamentais, é acima de
tudo um “Documento político-jurídico” de prevenção contra regimes autoritários e totalitários,
buscando, entre outros, o respeito à dignidade humana, à pluralidade política e de consciência e ao
bem estar social dos cidadãos e cidadãs.

3. A Constituição de 1988, seus fundamentos políticos e seus princípios fundamentais.

Assim, conforme acima exposto, a ditadura militar que governou o país por 21 anos
fundamentou-se em um golpe de Estado e teve como objetivo, ainda que disfarçado, impedir o
avanço da Democracia no país, criando um poderoso Estado de Exceção. Caro leitor, lembra de
quando falei sobre a implantação da República no Brasil? Que as academias militares brasileiras
desenvolveram-se sobre a doutrina positivista e era muito comum entre eles o conceito de "Ditadura
Republicana"? Pois bem, foi esse "princípio" que foi posto em prática no golpe de 1964, pois ele
sempre esteve latente nas mentes dos setores militares mais conservadores. Portanto, foi da falsa
ameaça de uma "comunização do Brasil" que os militares, apoiados por importantes setores civis e
pelos EUA, aproveitaram-se para dar o “Golpe”, implantando uma ditadura de 21 anos. E é da
completa aversão e repugnância aos males que dela provêm que foi inspirada nossa Constituição, a
“Carta Libertadora”, que surgiu para afastar definitivamente esse fantasma da ditadura sanguinária e
opressora do nosso Estado Democrático de Direito. É esse conceito que deve ser guardado quando
pensarmos em nossa Constituição: ela surgiu como aversão à ditadura militar, com o intuito de afastar

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definitivamente os regimes autoritários e antidemocráticos de nosso país. Por isso a importância de


falar sobre os Fundamentos do Estado neste singelo livro, os alicerces do nosso país, uma matéria tão
brevemente discutida na doutrina em geral, carecendo cada vez mais de um enfoque crítico, de uma
análise problematizadora da questão.
Nesse sentido, antes de adentrarmos ao exame dos Fundamentos do Estado, não podemos
fazê-lo sem antes mencionar brevemente os Princípios Fundamentais do Estado, mas não sem antes
tecermos alguns comentários sobre o Preâmbulo de nossa Constituição. Isso mesmo, aquele pequeno
texto que antecede cada lei, e que de acordo com a Lei Complementar 95/98 (lei que regula a
elaboração das leis em geral), deve indicar o órgão ou instituição competente para a prática do ato e
sua base legal. Mas, que no caso da nossa Constituição, traz em seu bojo valores que nortearam a
criação do Estado Democrático previsto na Constituição, vejamos o seu texto.

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (CF/88)” (grifo nosso)

Do exposto, percebe-se que a Assembleia Nacional Constituinte, para fins de estabelecer o


espírito que animou a elaboração da Constituição do nosso Estado Democrático, invocou valores como
o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como supremos. E qual seria a finalidade destes valores? Nos
termos acima destacados, este novo Estado Democrático é resultado de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos.
Embora seja grande a celeuma entre aqueles que atribuem força normativa ao preâmbulo e
aqueles que não atribuem, é importante destacar que a jurisprudência do Supremo, apesar de não
atribuir valor normativo ao mesmo, entende que seu texto deve ser considerado como um importante
vetor de interpretação para as normas constitucionais153. Nelson Oscar de Souza, também entende
dessa forma: “O Preâmbulo situa-se como um ponto nodal: sinaliza o rumo e a principiologia de
que o constituinte pretende revestir o texto. […] Se não vale como norma cogente, aponta,
contudo, o sentido da Carta e as suas pretensões sociais e políticas.” 154 (grifo nosso) Pedro Lenza
assevera: “Assim, e concluindo, o preâmbulo não tem relevância jurídica, não tem força normativa,
153 STF, MS 24.645, Rel. Min. Celso de mello, DJ 27.11.2003
154 SOUZA, Nelson Oscar de. Op, cit., p. 48.

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não cria direitos ou obrigações, não tem força obrigatória, servindo, apenas, como norte
interpretativo das normas constitucionais.” 155 (grifo nosso) Por fim, José Miguel Garcia Medina
sacramenta: “O preâmbulo das consituições revelam a aspiração política daqueles que a conceberam.
[…] Afinal, é claro que uma Constituição que consagra princípios democráticos, liberais,
não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos.” 156(grifo nosso)
Conforme já mencionado anteriormente, que nossa Constituição foi elaborada com o intuito de
afastar definitivamente os regimes autoritários e antidemocráticos de nosso país, analisando o tema
sob uma perspectiva política (Carta Política), podemos dizer que a base de nosso Estado, ou seja,
aquilo que define o que o Brasil é, encontra-se disposto no inteiro teor do artigo 1º da Constituição
Federal. Nesse sentido, podemos encontrar na redação do referido artigo duas espécies de institutos
constitucionais, os Princípios Fundamentais do Estado e os Fundamentos do Estado. Conforme nos
ensinam Paulo e Alexandrino, os princípios fundamentais de nosso Estado de Direito encontram-se
dispostos nos arts. 1º ao 4º de nossa Constituição157, mas o art. 1º vem nos trazer as características
essencias do Estado brasileiro.
Assim, da redação do art. 1º, caput, CF/88, podemos extrair alguns princípios, chamados pela
doutrina de fundamentais e entre eles está o Princípio Republicano, que é um dos princípios
constitucionais sensíveis (art. 34, VII, "a"), diante de que, a sua desobediência por determinada
unidade federativa enseja a intervenção federal. Flávia Bahia Martins vem nos lembrar que ao se
manifestar no plebiscito de 21 de abril de 1993 a favor da República, segundo alguns autores, o povo
brasileiro terminou por torná-la em limitação material implícita ao Poder Reformador 158, ou seja uma
Cláusula Pétrea. Portanto, a forma republicana é nossa forma de governo, adotada desde 15 de
Novembro de 1889, ou seja, a forma como se dá a instituição do Poder na nossa sociedade é através
da res publicae (coisa pública), na qual a relação entre governantes e governados estabelece-se de
forma horizontal e não vertical, a exemplo da Monarquia, pois os governantes representam o povo
para o fim de tratar dos assuntos pertinentes ao Estado, que é do povo e para o povo. Justamente por
isso a República tem como características a Temporariedade do mandato dos governantes (funções
políticas), a sua Eletividade como “instrumento de convocação” e a Responsabilidade Política do chefe
do Governo159. Nosso país, ainda que tenha se inspirado na Constituição americana para adotar o
Constitucionalismo, o fez sob a forma da Monarquia, que foi alguns anos modificada para a República,
conforme já pudemos constatar nas páginas que antecedem. Nesse sentido, as características

155 LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 112-113.


156 MEDINA, José Miguel Garcia. Constituição Federal comentada. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 29.
157 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo, op.cit, p. 91.
158 MARTINS, Flávia Bahia. Direito Constitucional. 3. ed. Niterói: Impetus, 2013, p. 305 .
159 SOUZA, Nelson Oscar de. Op. Cit, p. 54-55.

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republicanas ajudam a entender a opção da troca da forma de governo, uma vez que na Monarquia o
poder é hereditário e vitalício, inexistindo alternância de poder, senão pela morte do soberano e sua
sucessão pelo príncipe, além de não haver a responsabilidade política do governante pois a relação do
soberano com o Estado é de posse e não de pertencimento. Roque Antônio Carazza, citado por
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, nos traz a real dimensão da forma republicana de governo, pois
segundo ele “a república é a forma de governo fundada na igualdade jurídica das pessoas, em que os
detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo, transitório e com
responsabilidade”160. Por isso, muitos autores entendem que a forma republicana de governo
encontra-se diretamente associada com o regime político democrático.
Ainda no caput do art. 1º, de nossa Constituição, temos a previsão do Princípio Federativo, que
traduz a forma de Estado, ou seja, a maneira como o poder é distribuído internamente, que no caso
do Brasil se manifesta através de uma Federação. Nesse sentido, federação é um modelo de Estado
composto (mais de um governo político), no qual vários entes estatais (poderes regionais e locais)
têm certo poder interno reconhecido na medida do grau de autonomia dado a cada um pelo Poder
Central, formando o Estado federativo, um ente só, constituído pela união dos estado-membros,
dotado de soberania perante os vários Estados no mundo. Na perspectiva da Ciência Política,
podemos chamar de federação um território habitado por um povo soberano, politicamente dividido
em entes estatais autônomos, mas que juntos constituem um único ente, o Estado soberano,
internacionalmente reconhecido com tal e dotado de autodeterminação.
Semelhante aos modelos federalistas ao redor do mundo, o federalismo brasileiro tem
inspiração no norte-americano, mas, ao contrário deste, não surgiu por Agregação e sim por
Desagregação, pois adveio da descentralização política de um Estado antes unitário, como era o Brasil
Imperial, que se transformou em uma República Federativa, a partir de 1889. Entre as principais
características das federações encontra-se a inexistência do direito à secessão, que não é diferente no
Brasil, pois o caput do art. 1º não deixa dúvida que a República Federativa do Brasil (nome oficial do
nosso Estado), é formada pela união indissolúvel de seus entes federados. Contudo, nossa federação
tem uma estrutura peculiar, pois enquanto as demais federações possuem um modelo dual,
constituídas de dois entes federativos, União e Estados-membros, nosso país tem ainda um terceiro
ente, o Município, que teve a sua autonomia ampliada pela Constituição de 1988, outorgando-lhe
competências não vislumbradas nas Constituições anteriores. Segundo Flávia Bahia Martins, não há
registro de nenhuma outra federação que eleve o município (cidade, vila) ao status de ente
federativo.161 Nas palavras do mais do que renomado jurista José Afonso da Silva, a Constituição não

160 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo, op.cit, p. 93.


161 MARTINS, Flávia Bahia. Op. cit., p. 329.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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traz explicitamente os municípios como unidades federadas, uma vez que das onze ocorrências da
expressão unidade federada e unidade da Federação (no singular e no plural) no texto constitucional,
este refere-se apenas aos Estados e ao Distrito Federal.162 Contudo, o texto do caput do art. 1º da
Constituição não deixa dúvidas, pois dispõe claramente que a República Federativa do Brasil é
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Vicente Paulo e
Marcelo Alexandrino fazem uma observação importantíssima, a de que, no Brasil, a forma federativa
de Estado é cláusula pétrea, não podendo ser objeto de deliberação qualquer proposta de emenda
constitucional tendente a abolí-la (CF/88, art. 60, §4º, I).163
Importante destacar que a história do país é composta de episódios nos quais se observou
uma tendência de extrema centralização política, a exemplo dos 21 anos de ditadura, de forma que
em tais períodos a autonomia municipal foi severamente limitada. Assim, entendemos que a
ampliação da autonomia municipal realizada pela Constituição de 1988 representa muito mais do que
um restabelecimento de competência política, administrativa e financeira, significa uma verdadeira
proteção à referida tendência centralizadora que se fez presente na história do país, criando um
Estado com maiores opções de diversidade política, evitando a ocorrência de desprezo e descaso com
os interesses locais de milhares de municípios ao redor do Brasil. Assim, por serem os municípios
detentores de comunidades com características e necessidades específicas, desprezar a singularidade
de um Município é desprezar a principal característica do povo brasileiro, que é a sua complexa
diversidade étnico-cultural.
Sobre o caput do art. 1º, da Constituição, não podemos deixar de mencionar o conceito de
Estado Democrático de Direito, que segundo Flávia Bahia Martins164, reúne dois princípios, o do Estado
de Direito e o do Estado Democrático. Segundo Paulo e Alexandrino, o conceito de Estado de Direito
está ligado à ideia de limitação do poder estatal e sujeição do governo à leis gerais e abstratas,
enquanto a noção de Estado Democrático, traduz a necessidade de que seja assegurada a
participação popular no exercício do poder.165 Do exposto, nosso entendimento é no sentido de que a
expressão deve ser lida como “Estado Democrático, de Direito”, pois parece muito claro que a vontade
do legislador é de que em primeira mão o nosso Estado deva ser considerado Democrático, sendo
considerado de Direito exatamente porque consitui um Estado Democrático no qual há limitação do
poder estatal na esfera individual e a sujeição do governo à Constituição e às Leis, que representam a
vontade do povo, além da existência da separação dos poderes (funções) estatais. Pode-se chegar
facilmente a este entendimento fazendo-se uso do Princípio Democrático (todo o poder emana do

162 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 640.


163 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Op. Cit., p. 92.
164 MARTINS, Flávia Bahia. Op. cit., p. 305.
165 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Op. Cit., p. 93.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

povo - art. 1º, parágrafo único, CF/88) como vetor de interpretação da referida expressão contida no
caput do referido artigo. O que se encontra em perfeita conformidade com a Lei Complementar 95/98,
que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis e estabelece em seu
art. 11, III, “c”, que para a obtenção de ordem lógica a lei deve expressar por meio dos parágrafos os
aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo […]. Enfim, para não restar qualquer
dúvida, faremos uso do Preâmbulo constitucional para nortear nossa análise: “Nós, representantes
do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático. (CF/88)” (grifo nosso) Ou seja, se não fosse intenção do constituinte dar
ênfase ao caráter democrático do Estado, antes de qualquer princípio, não estaria estampado no
preâmbulo que a Assembleia Constituinte foi reunida para instituir um Estado Democrático.
Por fim, partimos para o conteúdo do parágrafo único do art. 1º, onde encontramos o
chamado Princípio Democrático, o qual declara a fonte do poder, que é o povo. Não resta dúvida de
que o dispositivo refere-se ao poder político, mas, ao contrário do poder político no qual os
governantes impõem discricionariamente a sua vontade aos governados, característica dos regimes
políticos autoritários, esse poder político é extraído da vontade dos governados, do povo, por isso o
regime político é democrático. É o que nos ensina o respeitado professor Godoffredo Telles Júnior, em
seu livro muito interessante, chamado “O Povo e o Poder”, vejamos:

“O que, em verdade, o axioma prenuncia é que o poder dos Governos,


quando não emanado do povo, não é poder: é força, força armada; e,
neste caso, o regime não tem o caráter de uma Democracia verdadeira.
De acordo com o célebre princípio, o Governo, em regime
democrático, só é legítimo, quando seu poder emana do povo.”166
(grifo nosso)

Conforme podemos constatar, tal princípio é baseado no conceito de soberania popular,


presente na maioria dos governos democráticos, diante do qual é o consentimento dos governados
que dá legitimidade ao governo. Paulo Bonavides, citando Rousseau, destaca que a soberania popular
“é tão-somente a soma das distintas frações de soberania, que pertencem como atributo a cada
indivíduo, o qual, membro da comunidade estatal e detentor dessa parcela do poder soberano
fragmentado, participa ativamente na escolha dos governantes.” 167(grifo nosso)
José Afonso da Silva nos traz algo mais sobre a Democracia, vejamos então:

“A democracia, em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais


ou primários, que lhe dão a essência conceitual: (a) o da soberania
166 TELLES JÚNIOR, Godoffredo. O povo e o poder: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. 2. ed. rev. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006,
p. 52.
167 BONAVIDES, Paulo. Op. cit, 2011, p. 166.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder, que se exprime


pela regra de que todo poder emana do povo; (b) a participação, direta
ou indireta, do povo no poder, para que seja efetiva expressão da
vontade popular; nos casos em que a participação é indireta, surge
um princípio derivado, ou secundário: o da representação.”
168(grifo nosso)

Assim, pegando um gancho nas palavras de José Afonso da Silva, chegamos ao íntimo de
nossa Democracia no Brasil, à sua essência, pois embora o poder emane do povo, é exercido através
de seus representantes eleitos, ou diretamente, apenas em casos excepcionais, previstos na própria
Constituição, que são o caso do plesbicito, da iniciativa legislativa popular e do referendo. Do texto
Constitucional, concluimos que nossa Democracia é semidireta, ou participativa, na qual o povo não
exerce o seu poder diretamente, mas através de seus representantes, o que atualmente é alvo de
várias discussões, uma vez que há uma evidente crise de representatividade em nosso país, o que
será melhor abordado mais adiante, no capítulo que tratará da Cidadania, um dos fundamentos de
nosso Estado Democrático de Direito.

168 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 131.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

III
A SOBERANIA

1. A Soberania como Fundamento Constitucional.

No art. 1º, caput, da Constituição Federal, o inciso I estabelece a Soberania como primeiro
fundamento de nosso Estado Democrático de Direito, ou seja, da República Federativa do Brasil, que é
o nome de nosso Estado soberano. Soberania é o poder político que anima a formação de um Estado,
caracterizado pela sua independência em relação a outros estados, ao passo que também constitui o
poder supremo na ordem política interna. Assim, segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, in
verbis:

“A soberania significa que o poder do Estado brasileiro, na ordem


interna, é superior a todas as demais manifestações de poder,
não é superado por nenhuma outra forma de poder, ao passo que, em
âmbito internacional, encontra-se em igualdade com os demais
Estados independentes.” (grifo nosso)

Como se vê, existem duas espécies de soberania, a Interna e a Externa. Aquela refere-se à
relação entre o poder soberano e outras fontes de poder internas, a exemplo de nosso Estado, no
qual a soberania pertence à República Federativa do Brasil (nome do Estado brasileiro) e não à União,
que constitui somente mais um dos entes federativos, pois a soberania é do Estado como um todo e
não de suas partes, que têm certa autonomia política, determinada pela repartição de competências,
mas não soberania, pois esta é una e indivisível. Já a espécie de soberania chamada de Externa,
refere-se a não submissão do Estado soberano à vontade política de outros estados independentes,
pois se é soberano, tem autonomia absoluta sobre as suas decisões políticas, podendo estabelecer
suas leis, defender seu território e auto organizar-se política e administrativamente, dentre outras
competências.
Nas palavras de José Afonso da Silva soberania significa poder político supremo e
independente, e conforme observa Marcello Caetano, citado pelo mesmo:

“[...]supremo, porque não está limitado a nenhum putro poder na ordem


interna, independente porque, na ordem internacional, não tem que
acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em
pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos.”169
(grifo nosso)

169 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 106.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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Guilherme Peña de Moraes traz um conceito interessante, de que a soberania é na verdade um


atributo do poder político170, o que não prejudica o conceito amplamente divulgado pela doutrina, pois
sendo supremo o poder político, isso indica que o mesmo é dotado do atributo da soberania, sendo
portanto um poder político soberano, não limitado por outros poderes políticos internos. Na Teoria
Geral do Estado, matéria que estuda a história e a composição da instituição social que chamamos de
Estado, três são os elementos que constituem o mesmo, a saber: povo, território e governo. Segundo
Dallari, é certo que a maioria dos autores indica três elementos, mesmo divergindo sobre quais sejam,
já que dois sempre aparecem na classificação: o território e o povo, sendo estes os elementos
materiais, ocorrendo a divergência sobre o terceiro elemento, que a doutrina chama de elemento
formal, de forma que por vezes é identificado como como autoridade, poder político, governo ou
soberania.171 Nesse sentido, Caio Nelson V. de Azevedo traz a classificação dos elementos como povo,
território e poder político, sendo que este, segundo o autor, é o poder de organizar e governar o
Estado, manifestando-se de duas maneiras: participação dos cidadãos (povo) e exercício do poder
(governo, órgãos estatais).172 Entendemos ser essa divisão a mais acertada, pois com a expressão
poder político consegue-se abranger as diversas espécies de regimes políticos e de formas de
governo, já que o que faz com que um povo que habita um determinado território ser chamado de
Estado é justamente a existência de um poder político que submeta esse determinado povo a um
comando unificador. Esse também parece ser o entendimento de Paulo Bonavides, quando cita o
conceito de Estado em Jellinek como o mais adequado, vejamos:

“Gostaríamos pois de substituí-lo por um outro, que se nos afigura tão


completo quanto aquele em enumerar também os elementos constitutivos
do Estado. Formulou-o Jellinek quando disse que o Estado 'é a
corporação de um povo, assentada num determinado território e
dotada de um poder originário de mando'. Conceito este
irrepreensível, digno sem dúvida de fazer jus ao prêmio sugerido por
Bastiat.” 173(grifo nosso)

A título de curiosidade, sob as várias perspectivas, a soberania pode ter abrangência muito
maior do que se pode imaginar, influenciando diversos aspectos da sociedade. Como no exemplo a
seguir, constante de interessante jurisprudência do STF, vejamos:

“A imprescindibilidade do uso do idioma nacional nos atos

170 MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 332
171 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998.
172 AZEVEDO, Caio Nelson Vono de. Teoria do Estado, parte geral do direito constitucional. Leme/SP: Habermann Editora, 2009, p. 84.
173 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, op. cit., p. 79.

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processuais, além de corresponder a uma exigência que decorre


de razões vinculadas à própria soberania nacional, constitui
projeção concretizadora da norma inscrita no art. 13, caput, da Carta
Federal, que proclama ser a língua portuguesa ‘o idioma oficial da
República Federativa do Brasil’. (STF - HC 72.391-QO, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 8-3-1995, Plenário, DJE de 17-3-1995)”174 (grifo
nosso)

Nas palavras de Caio Nelson V. de Azevedo, a expressão soberania foi criada por Jean Bodin
em 1576, por ocasião da publicação de sua obra De La Republique, que objetivava a formulação de
justificativas teóricas sobre o absoutismo na França, tratando especificamente da soberania interna,
pois as guerras de religião que assolavam aquele período histórico na França traziam o medo da
anarquia, fazendo com que se buscasse uma legitimidade ao poder do rei, de forma que a soberania
foi definida como “o poder absoluto que o chefe de Estado tem de fazer as leis para todo o Estado,
sem estar, entretanto, sujeito a elas nem a seus predessessores, por que não se pode dar ordens a si
mesmo.”175 Assim, embora no decorrer da história não existisse uma expressão específica para a
soberania, pois essa somente apareceria na França pré absolutista, entre os povos antigos já existia,
ainda que de forma embrionária, a noção da auto suficiência e de poder de coerção, a exemplo do
conceito de autarquia da qual era revestida a superioridade da cidade-Estado na Grécia Antiga,
legitimidade do poder do "chefe de Estado", bem como os termos majestas, imperium e potestas,
usados em Roma nas suas diversas fases históricas. Contudo, Dalmo de Abreu Dallari assevera que
nenhuma dessas expressões conseguiam ser consideradas semelhantes ou análogas à soberania, no
sentido de indicar o poder supremo do Estado em relação a outros poderes.176 Assim, o mesmo autor,
citando Jellinek, nos traz a razão pela qual o mundo antigo não conhecia o conceito de soberania em
sua plenitude que é a oposição entre o poder do Estado e outros poderes, já que "as atribuições
muito específicas do Estado, quase que limitadas exclusivamente aos assuntos ligados à segurança,
não lhe davam condições para limitar os poderes privados." 177 Tais atribuições limitavam-se tão
somente a garantir segurança e arrecadar tributos, não havendo ainda a necessidade da estrita
hierarquização dos poderes sociais.
Segundo Walber de Moura Agra, na Idade Média, vários entes reivindicavam a titularidade do
poder estatal, a exemplo da igreja, dos reis, as cidades livres, as corporações de artes e ofícios,
etc[...], de forma que a necessidade de eliminar as limitações ao desenvolvimento econômico que a
nobreza feudal exercia, fez surgir da aliança entre a burguesia em ascensão e o rei a concepção da

174 BRASIL. 1988. Constituição Federal anotada pelo STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/constituicao.PDF>
Acesso em: 20 set. 2015.
175 BODIN, Jean. In: AZEVEDO, Caio Nelson Vono de. Op. cit., p. 85.
176 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit..
177 JELLINEK. In: DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit..

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

possibilidade da constituição de uma única esfera de poder, para fins de simbolizar as atribuições
estatais.178 Isso nos leva a concluir que a noção de soberania surgiu exatamente para dar legitimidade
ao poder do rei, o "soberano", que se encontrava constantemente ameaçado pelo crescimento do
número das fontes de poder na Idade Média, aliando-se àquela que parecia representar o avanço
econômico que moldaria a sociedade dali por diante, o Mercantilismo, que mais tarde se transformaria
no Capitalismo, já que a terra estava deixando de ser a única fonte de riqueza, pois o comércio crescia
cada vez mais, influenciando a economia e trazendo transformações socias que minaram a essência
do modo de produção feudal, fazendo-o entrar em crise e decair aos poucos. Portanto, é da
necessidade de se concentrar o poder nas mãos de um só, para que se tenha maior controle, que
surge o conceito de soberania, nascido primeiramente sob o enfoque interno, de poder supremo,
incontestável no âmbito do Estado ao qual pertence o soberano.
Não é demais afirmarmos que tal conceito parece um pouco arcaico, até porque foi a primeira
formulação do mesmo, de forma que o conceito de soberania tem mudado ao longo dos séculos,
justamente pelo fato de que o próprio conceito de Estado tem sofrido alterações significativas no
decorrer de sua evolução histórica e tais conceitos sempre estão intrinsicamente ligados.
Nesse sentido, entendendo que o próprio conceito de soberania vai se moldando às variações
do conceito de Estado, surgem várias teorias que visam explicar a fonte do poder soberano. É o que
assevera o professor Luiz Andrade Oliveira, em seu rico material didático, vejamos:

“Para as teorias carismáticas do direito divino (sobrenatural ou


providencial) dos reis, o poder vem de Deus e se concentra na pessoa
sagrada do soberano. Para as correntes de fundo democrático, a
soberania provém da vontade do povo (teoria da soberania
popular) ou da nação propriamente dita (teoria da soberania
nacional). Para as escolas alemãs e vienense, a soberania provém do
Estado, como entidade jurídica dotada de vontade própria (teoria da
soberania estatal). Desdobram-se estes troncos doutrinários em várias
ramificações, formando uma variedade imensa de escolas e doutrinas.”179
(grifo nosso)

Assim, destacada a origem do termo soberania e constatado que a mesma vem


acompanhando o conceito de Estado à medida que o mesmo se altera, partimos para o conceito de
soberania que influenciou o texto disposto em nossa Constituição, que nos termos acima descritos
seguramente provém das correntes de fundo democrático, pois o caput do art. 1º estabelece que a
República Federativa do Brasil, [...]constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos[...]. Portanto, sendo a soberania constante do inc. I, art. 1º da Constituição um

178 AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 119-120.
179OLIVEIRA, Luiz Andrade Oliveira. Teoria do Estado: soberania. Disponível em: <http://www.loveira.adv.br/material/tge7.htm>. Acesso em: 28 set. 2015.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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fundamento do Estado Democrático, não se pode esperar outra coisa senão o conteúdo democrático
de sua concepção, pois, se assim não fosse, os conteúdos do caput do art. 1º e do seu parágrafo
único perderiam o seu sentido.
Falta-nos contudo saber se a soberania fundamento do Estado brasileiro (art. 1º, inc. I, CF/88)
seria baseada na teoria da soberania popular ou da soberania nacional. Nesse sentido, invocamos
Paulo Bonavides, que traz o ponto de distinção entre as duas teorias, vejamos:

"A distinção sensível e capital entre as duas doutrinas


democráticas da soberania se faz sentir sobretudo quanto aos
efeitos da faculdade de participação política do eleitorado, que
aqui se limita, circunscrito àqueles que a Nação investir na função de
escolha dos governantes e ali, na doutrina da soberania popular, se
universaliza a todos os cidadãos com o direito que lhes cabe por
ser cada indivíduo portador ou titular de uma parcela da
soberania." 180(grifo nosso)

Do exposto, não resta dúvida que nossa Constituição contempla a teoria da soberania popular,
haja vista o caráter democrático do Estado, aliado à previsão constitucional do povo como titular do
poder, por ocasião do Princípio Democrático, no art. 1º, parágrafo único, que embora seja exercido
indiretamente, por representantes eleitos, é do povo brasileiro o poder de escolha de seus
governantes. Não é à toa que no período de abertura política do país, no final da ditadura militar,
houve a campanha maciça por diretas já, pois se a intenção da sociedade brasileira era a de criar um
Estado Democrático, manter eleições indiretas seria completamente contraditório com o regime
político almejado, no qual o poder político pertence ao povo, cada um dentro da parcela de soberania
da qual é titular.
Ademais, satisfeito o critério teleológico, não custa eliminar a interpretação literal, apenas por
segurança, visto que há somente três momentos nos quais o constituinte utilizou o termo soberania
nacional, mas ao que parece queria o mesmo se referir ao âmbito externo da soberania, vejamos:

"Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de


partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime
democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
humana e observados os seguintes preceitos:
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de
entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;
[...]
Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente
da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional

180 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. op. cit., p. 167-168.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

e a defesa do Estado democrático, e dele participam como membros


natos:
[...]
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I - soberania nacional;" (grifo nosso)

Do exposto, nota-se claramente que em todos esses usos da expressão soberania nacional o
constituinte buscou destacar a independência do Estado, a exemplo do art. 17, no qual o termo
soberania nacional aparece como um alerta a não interferência externa na criação de partidos
políticos, tanto que é defeso o recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo
estrangeiros, tampouco subordinação a eles.
No art. 91, que se encontra insculpido no capítulo sobre o Poder Executivo e que trata do
Conselho de Defesa Nacional, está ainda mais claro o uso do referido termo como manifestação da
soberania externa, posto que o seu §1º dispõe das suas competências, a saber:

§ 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional:


I - opinar nas hipóteses de declaração de guerra e de celebração
da paz, nos termos desta Constituição;
II - opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e
da intervenção federal;
III - propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à
segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso,
especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação
e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo;
IV - estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento de iniciativas
necessárias a garantir a independência nacional e a defesa do
Estado democrático." (grifo nosso)

Do exposto, inegável a referência à espécie externa de soberania no art. 91, caput, de nossa
Constituição.
Por fim, o art. 170 não deixa dúvidas ao elencar a soberania nacional como princípio da ordem
econômica, pois fazendo assim visa evitar a influência de outros mercados no mercado interno. É o
que lecionam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: "Ao enunciar a soberania nacional como princípio
geral da ordem econômica, o constituinte não está sendo redundante. Deve-se extrair daí a noção
de não subordinação, de independência perante os Estados estrangeiros economicamente
mais fortes."181 (grifo nosso)

181 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Op. cit., p. 1015.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Por outro lado, poderia surgir a pergunta: estabelecendo-se a soberania do art. 1º, I, CF/88,
como oriunda das correntes de fundo democrático (soberania popular) não se estaria limitando-a
apenas ao âmbito interno, desprezando o entendimento de soberania externa como fundamento do
Estado? Pelo contrário, pois conforme já destacado acima, o que difere uma teoria da outra é o grau
de participação do cidadão (indivíduo nacional) na escolha dos governantes, o que não exclui a face
externa da soberania, que em ambas teorias concebe cada Estado como independente e não
subordinado à vontade política-jurídico-econômica de outros Estados independentes.
No nosso entendimento, considerando tudo que foi exposto, quando nos momentos supra o
constituinte nomeou o âmbito externo da soberania de soberania nacional, na verdade quis reforçar a
auto determinação de nosso Estado Democrático, a identificação da vontade soberana do povo com o
sentimento de comunidade, de nação, sem qualquer intenção de remeter à teoria francesa da
soberania nacional. É por esse motivo que mesmo respeitando o extraordinário saber constitucional
do Professor José Afonso da Silva, nos arriscamos a discordar do mesmo, apenas no ponto que ele
menciona ser desnecessária a menção à soberania como fundamento do Estado 182, uma vez que no
momento político da elaboração de nossa Constituição a sociedade buscava afastar o fantasma dos
regimes autoritários e da interferência internacional, de forma que reforçar a soberania como
fundamento do Estado, ainda que pareça redundante, foi uma estratégia para alertar a todos da
espécie humana que a República Federativa do Brasil é um país soberano, que tem governo próprio,
organização política e administrativa, poder judiciário, elabora suas próprias leis e não se submete à
vontade político-jurídica-econômica de outros Estados.
A maior prova dessa intenção é que o constituinte de 1988 cuidou de expor em seu art. 1º os
Fundamentos do Estado Democrático de Direito, para não restar dúvidas sobre a natureza de nosso
Estado, dispositivo este que nunca esteve presente nas Constituições anteriores, demonstrando o
interesse inequívoco de se estabelecer uma nova ordem constitucional. Esse é um dos traços que
difere a Constituição de 1988 das anteriores, senão o principal, pois o constituinte tratou em primeiro
lugar de estabelecer os fundamentos, as bases, os alicerces do Estado Democrático, para somente a
partir deles constituir a sua estrutura, de forma que toda essa estrutura chamada Brasil deve se
basear na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa e no pluralismo político.
Conforme já mencionado anteriormente, a teoria da soberania popular foi consagrada em
nossa Constituição, por ocasião do Princípio Democrático, no art. 1º, parágrafo único, pois embora o
poder seja exercido indiretamente, por representantes eleitos, é do povo brasileiro o poder de escolha
de seus governantes. Nesse sentido, não custa fazermos referência à maior manifestação da
182 SILVA, José Afonso da. Op. cit., 37. ed., p. 106.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

soberania de um povo, o Poder Constituinte Originário.


Característico dos Estados que adotam Constituição escrita e rígida, esse é o poder supremo e
originário encarregado de elaborar a Constituição do Estado. Assim, algumas linhas acima foi
comentado que o primeiro conceito de soberania foi cunhado justamente para dar legitimidade ao
poder do rei, que junto com a burguesia em ascenção buscava concentrar o poder em um única
pessoa, devido o medo da anarquia presente naquela época, em virtude da existência de várias fontes
concorrentes de poder na Idade Média.
Concorda a Doutrina Constitucional que a Teoria do Poder Constituinte surgiu na França, pouco
antes da Revolução Francesa, pensada pelo Abade Emmanuel Joseph de Sieyes, a partir de uma obra
panfletária, publicada no início de 1789 e nomeada “Qu’est-ce que le Tiers État" (O que é o Terceiro
Estado), que teve rápida repercussão em toda a França, influenciando sobremaneira as ideias
iluministas que fomentaram a Revolução Francesa.
Na década de 1780, a grave crise econômica pela qual a França passava levava à necessidade
de uma reforma política, de forma que em maio de 1789183, levaram o Rei Luis XVI a convocar a
chamada Assembleia dos Estados Gerais, uma espécie de Assembléia Nacional, um órgão político de
carácter consultivo e deliberativo, constituído por representantes das três ordens sociais denominadas
Estados: o clero, a nobreza e os comuns (o povo), estes últimos conhecidos como o Terceiro Estado,
levando as três ordens a formular questões que discutiam os problemas da sociedade francesa. Assim,
diante de um quadro político efervescente, surgiram várias propostas de reforma, consubstanciadas
em pequenas obras, os chamados panfletos e libelos pré-revolucionários.
Dentre esses, destaca-se o o famoso Qu’est-ce que le Tiers État (O que é o Terceiro Estado),
do abade Emmanuel Joseph Sieyès, que teve abrangência nacional, sendo distribuídos trinta mil
exemplares em janeiro de 1789, ocupando um papel de grande importância nos fatos que
antecederam a Revolução Francesa, pois questionou sobretudo a estrutura do Estado absolutista
francês, que enchia de privilégios os nobres e o clero, que detinham total controle sobre as decisões
polítcas, ao passo que ao "Terceiro Estado", o "povo", restava apenas seguir o que era determinado
pela classe política.
Em sua obra, o abade Sieyès vem reafirmar a doutrina da soberania nacional, mediante a qual
ele declara:

"Em toda Nação livre – e toda Nação deve ser livre – só há uma forma de
acabar com as diferenças que se produzem com respeito à Constituição.
Não é aos notáveis que se deve recorrer, é à própria Nação. Se
precisamos de uma Constituição, devemos fazê-la. Só a nação
183 SOUSA, Rainer Gonçalves. "Revolução Francesa - Os Estados Gerais"; Brasil Escola. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/historiag/revolucao-francesa-
os-estados-gerais.htm>. Acesso em: 21 de fev. 2016 .

63
Fundamentos Constitucionais do Estado:
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tem direito de fazê-la”184(grifo nosso).

Escreveu ainda mais, demonstrando a importância e utilidade da burguesia e a inutilidade da


nobreza parasita e que o povo (Terceiro Estado) deveria ter verdadeiros representantes seus nos
Estados Gerais, ou seja, deputados oriundos de sua ordem, que defendessem efetivamente seus
interesses.185 Por isso sua obra teve importância lapidar na formação da Teoria do Poder Constituinte
Originário, pois instaurou o processo de resgate da legitimidade política e a despersonalização do
poder, que constitui fundamento do Estado constitucional moderno. Cumpre destacar que quando se
fala de Teoria do Poder Constituinte, não se pode confudir com Poder Constituinte, pois este sempre
existiu, já que em todas as formas de Estado criadas ao longo da história, sempre houve uma força
política que animou a sua criação186.
Assim, em palavras simples, Poder Constituinte é o poder de se criar uma nova Constituição,
bem como de modificá-la, qualquer que seja o regime político, mas que no nosso caso, sendo
democrático nosso regime, esse poder é do povo, através de seus representantes. Portanto, sendo o
poder de criar suas próprias leis um atributo da soberania de um Estado, é no Poder Constituinte que
reside uma de suas maiores manifestações. Destarte a importância dos conceitos derivados da obra
de Sieyès, temos que ele fez uso da doutrina política da Soberania Nacional, na qual a escolha dos
governantes é indireta, ao contrário da Soberania Popular, conforme leciona Paulo Bonavides,
anteriormente citado. Contudo, como já vimos, nosso Estado de Direito contempla em sua
Constituição a Teoria da Soberania Popular, preconizada por Rousseau. Assim, segundo Vicente Paulo
e Marcelo Alexandrino, a Teoria do Poder Constituinte, inspirada na obra de Sieyès, teria sido
aperfeiçoada mais à frente pelo constitucionalistas franceses, com destaque para Carré de Malberg,
que incorporou a tal teoria a ideia de Soberania Popular de inspiração "rousseauniana"187. E no que
consistiria essa tal Soberania Popular?
Como já mencionado algumas linhas acima, para Rousseau, citado por Paulo Bonavides, a
Soberania Popular constitui a soma das distintas frações de soberania, atributo de cada indivíduo,
detentor portanto de cada parcela do poder soberano fragmentado, mediante a qual cada um
participa ativamente da escolha dos governantes. Ou seja, se é a soberania o poder político supremo
e independente, e o regime político é democrático, mesmo que representativo, é este poder político
supremo que deve atuar na escolha dos representantes, sob pena de se não for o poder soberano
quem o faz, não existir um Estado na sua concepção e sim um "principado oligárquico", um Estado
184 EMMANUEL Joseph Sieyès. Considerações Preliminares sobre o que é o Terceiro Estado? Disponível em: <http://www.olibat.com.br/documentos/O QUE E O
TERCEIRO ESTADO Sieyes.pdf
185 GARCIA, Marcos Leite. As origens do Poder Constituinte na Revolução Francesa: dos Estados Gerais ao estabelecimente da Assembléia Nacional Constituinte
em 1789. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3159> Acesso em: 10 fev.2016.
186 MARTINS, Flávia Bahia. Op. cit., p. 9.
187 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Op. Cit., p. 79

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

sem soberania, mas com governo, e com o poder político concentrado nas mãos de um grupo de
supostos representantes.
Dessa forma, se o regime é democrático e representativo, os representantes devem ser
escolhidos por aqueles que detêm o poder soberano, que no caso de um Estado democrático é o
povo. A essa capacidade de se escolher os governantes, ou seja, ao modo como o eleitorado dá
legitimidade aos seus representantes, dá-se o nome de sufrágio, que no nosso país é exercido na
forma de Sufrágio Universal, contemplado em seu art. 14, a saber:

"Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio


universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos
termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular." (grifo nosso)

Do acima exposto, temos que talvez fosse desnecessário dizer que a Soberania Popular será
exercida pelo voto direto, uma vez que se a doutrina contemplada é a da Soberania Popular,
necessariamente a escolha dos governantes é direta. Mas, como já mencionado em outro trecho
acima, o legislador constitucional foi, em alguns trechos essenciais, redundante de propósito,
justamente para afirmar expressamente a nova condição de Estado Democrático de Direito do nosso
país, que tanto sofreu com o autoritarismo no passado. Contudo, neste momento o que interessa ficar
registrado é que nosso regime político é democrático e a soberania no Brasil pertence ao povo, e é
por meio do sufrágio universal, através do voto direto e secreto que o mesmo a exerce. Nas palavras
de José Afonso da Silva:"O regime político condiciona as formas de sufrágio ou, por outras palavras,
as formas de sufrágio denunciam, em princípio o regime. Se este é democrático, o sufrágio será
universal." (grifo nosso) Assim, sendo nosso regime político democrático, é pelo sufrágio na forma
universal que se dá legitimidade aos representantes do povo, de forma que, mesmo sendo nossa
democracia semi direta, é a soberania popular que está insculpida em nossa Carta Política. É a soma
das distintas frações de soberania, atributo de cada indivíduo, que faz com que cada cidadão participe
ativamente da escolha dos governantes.
A doutrina da Soberania Popular, embora tenha sofrido adaptações, foi preconizada pelo
filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau, em seu livro "Do Contrato Social". Por suas obras de
grande valor e importância para a sociedade ocidental é considerado um dos maiores filósofos
iluministas, senão o maior, em virtude da sua valorização à liberdade do ser humano. Nasceu em
Genebra, no ano de 1712 e faleceu em Ermenonville, França, no ano de 1778. Logo ao nascer ficou
órfão de mãe, tendo sido educado por um pastor protestante, ficando órfão de pai aos 10 anos. Em

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

sua adolescência e juventude leva uma vida errante, morando em vários lugares, tendo sido
relojoeiro, pastor e gravador, além de demonstrar grande interesse pela leitura e pela música. Por
volta dos 30 anos de idade passa a viver em Paris, fazendo amizade com os filósofos iluministas,
chegando a colaborar na "Enciclopédia" de Diderot, onde escreveu diversos verbetes.
Rousseau, tal como Thomas Hobbes e John Locke, produziu uma teoria contratualista, que tem
por objetivo explicar e fundamentar a legitimidade dos governos, além de estabelecer a relação deste
com os governados. Em sua maior obra, o livro Do Contrato Social, estabelece que o homem já nasce
livre, tendo sido escravizado pela força e questiona a razão pela qual vive em sociedade e se priva de
sua liberdade. Analisa também que os homens, para se conservarem, se agregam e formam um
conjunto de forças, adotando um pacto social. O "Contrato Social" descreve o Estado como objeto de
um contrato no qual os indivíduos conservam seus direitos naturais (liberdade), entrando em acordo
para a proteção deles, onde o Estado consiste na unidade que representa a vontade geral, o desejo
mútuo da maioria, um agregado de vontades.
É portanto a partir do conceito de vontade geral que se forma a doutrina da Soberania Popular,
pois Rousseau estabelece:
"[...]só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado segundo
o fim de sua instituição, o bem comum, pois, se a discordância dos
interesses particulares tornou necessária a fundação das sociedades, a
harmonia desses interesses a possibilitou. [...]Digo portanto, que, não
sendo a soberania mais que o exercício da vontade geral, não
pode nunca alienar-se[..]" 188 (grifo nosso)

Do acima exposto, podemos inferir que, ainda que exista um governante escolhido pelo povo
exercendo a soberania estatal, somente a vontade geral pode fundamentar seus atos, uma vez que o
Estado foi criado justamente com o objetivo de preservar o bem comum, de forma que, afastando-se
os atos estatais da vontade geral, o Estado perde a sua finalidade.
O que Rousseau chama de Corpo Político, ou seja, o povo soberano, traz a importante noção
do sentimento de pertença do indivíduo a um grupo, que só se mantém pelo engajamento de cada
um, de forma que a dimensão da coletividade ocupa lugar de destaque, sem que esta anule o
indivíduo, uma vez que cada individualidade tende a ser forte e mais digna enquanto parte de um
todo, pois não existem senhores, já que ao se submeter ao corpo coletivo cada um submete-se a si
mesmo. Assim, a Soberania Popular permite a construção de uma consciência coletiva orientada para
o bem da coletividade, beneficiando cada indivíduo enquanto parte da mesma.189
Portanto, podemos inferir que a teoria de Rousseau traz em seu bojo uma concepção de
Democracia, na qual toda a lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula. Nesse sentido, não há um
188 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 39.
189 ANTUNES, Vanderlei Lemos. O conceito de Soberania em Jean-Jacques Rousseau. Revista Controvérsia. – v.2, n.1, p. 70-77 (jan-jun 2006)

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

superior (príncipe soberano), pois os depositários do poder não são senhores do povo, pelo contrário,
reprentam o povo, podendo ser eleitos ou destituídos de acordo com a sua conveniência. Segundo a
teoria rousseauniana do contrato social, a soberania política pertence ao conjunto dos membros da
sociedade e o fundamento dessa soberania é a vontade geral que não resulta apenas da soma da
vontade de cada um, mas de uma consciência coletiva do que é melhor para a maioria.190
Esse aspecto de revogabilidade do poder concedido ao governante pelos governados leva a
profundas reflexões sobre a cena política atual, que desperta uma crise de representatividade no
corpo político nacional. Nas próximas linhas, entre outras coisas, a soberania será abordada dentro
desta perspectiva.

2. A Soberania de Fato.

Conforme se demonstrou um pouco mais acima, o conceito de Soberania que conhecemos


hoje foi moldado durante o surgimento dos Estados modernos, ocorrido diante da necessidade de
aliança entre a burguesia em ascensão e o rei, para que se constituisse uma única esfera de poder, já
que na Idade Média era comum a disputa entre várias fontes de poder pelo controle do poder político
supremo de território, a soberania. Contudo, o poder soberano centralizado que foi dado ao rei
terminou por estimular o surgimento de monarcas cada vez mais tiranos, ensejando a criação de um
novo formato de Estado, no qual as funções estatais não ficassem concentradas todas em uma única
mão, o que fez surgir a Teoria da Separação de Poderes Estatais, que dentre outros institutos deu
suporte teórico ao Constitucionalismo, e este terminou por moldar a nova forma como os Estados
seriam constituídos daí por diante, tirando a soberania estatal das mãos de um só, depositando-a no
ente despersonalizado chamado de Estado, que passaria a ter três poderes, ou funções, como alguns
preferem, o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
No Estado Constitucional, desde sua criação, a soberania tem sido uma de suas bases, de seus
sustentáculos, uma vez que se um Estado é composto por um povo, que habita um território, detendo
o controle político sobre ele, a soberania torna-se crucial para a eficácia do controle exercido por esse
poder político, uma vez que não basta este poder ser absoluto apenas internamente, ele tem que
proporcionar independência política e autonomia diante dos outros Estados soberanos, não podendo
estes sofrerem influência de outros Estados na ordem internacional, devendo serem livres para tomar
suas próprias decisões. Assim, a soberania é atributo essencial do Estado, que tem sua unidade
jurídico-política determinada pela Constituição, mas que tem como elemento originário a nação, ou

190 MORENA, Marcio. Rousseau e a soberania popular. Disponível em: <http://marciomorena.jusbrasil.com.br/artigos/121944031/rousseau-e-a-soberania-popular>.


Acesso em: 23 fev. 2016.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

seja a comunidade humana na qual os indivíduos são unidos por laços étnico-culturais, construindo
costumes e valores comuns, regrados por normas de convivência, que a partir do momento no qual se
organizam política e juridicamente passam a formar um Estado. Dessa forma, os Estados modernos
são primeiramente nacionais (nações autônomas), para depois serem constitucionais, ou seja, nações
autônomas organizadas na forma de Estados Constitucionais. Portanto, é a nação a unidade básica do
Estado moderno, que salvo algumas exceções, é sempre um Estado-nação, de forma que o conceito
de nacionalidade é de suma importância para o entendimento do mesmo.
Contudo, a soberania externa como a conhecemos tem sofrido um longo processo de
abradamento, diante do qual a sua dimensão econômica tem sido influenciada pela economia
internacional, em constante expansão devido ao fenômeno da Globalização econômica, que destrói
fronteiras antes demarcadas pela soberania estatal. Não é de hoje que o mundo tem pensado em
estabelecer laços econômicos entre nações. Na famosa rota da seda já havia a circulação de
mercadorias entre o Oriente e o Ocidente, o que mais tarde influenciou o surgimento das grandes
navegações e mais tarde acabou por impulsionar o Capitalismo Comercial. Tudo isso faz parte de um
processo natural, pois à medida que surgiam novas tecnologias e a produção ia aumentando, surgia a
necessidade de escoar o excesso para outros mercados, os quais as grandes navegações e outros
processos de expansão territorial fez surgir naturalmente.
Assim, da maneira que se fala sobre a Globalização, dá-se a entender que seria um fenômeno
recente, que surgiu de uns trinta anos pra cá. Contudo, um olhar mais amplo poderá revelar que na
verdade existem "Globalizações", ou seja, assim como o Capitalismo tem a sua fase comercial e
industrial, a Globalização também teria suas fases, chamadas de "Ondas de Globalização", que são
influenciadas pelas mudanças dos modos de produção e do quadro político internacional.
Contudo, é bem verdade que o processo de globalização da economia retomou o folêgo,
aumentando seu ritmo após o esfacelamento dos regimes socialistas, com ponto final entre 1989 e
1991, o que corresponde à "Terceira Onda de Globalização", que segundo os especialistas é o
momento no qual nos encontramos e tem sido incentivada pelo desenvolvimento dos meios de
comunicação e transporte, com destaque para a invenção e a expansão da Internet, sem nos
esquecermos do processo que passou a ocorrer em diferentes países de redução de tarifas e de
abertura ao comércio e aos investimentos internacionais. Não é à toa que é nesse período que
surgiram os grandes blocos econômicos, alguns que já haviam sido iniciados algumas décadas antes,
mas que somente no pós guerra fria encontraram o momento político oportuno.
Diante disso, não podemos deixar de falar sobre a União Europeia, uma vez que o surgimento
da mesma traz um mudança importante na Soberania dos Estados-membros, principalmente pela
unificação da moeda, pois a soberania estatal influencia vários aspectos dos Estados, entre eles a

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

moeda própria, pois se um Estado é soberano, ele produz sua própria moeda e domina a sua
economia. Tal fato inspirou Canotilho a formular o conceito de Soberania Dual, que consiste na
soberania dos Estados-membros convivendo com a soberania da união Europeia. Alberto Antônio
Zvirblis, nos traz um observação interessante:"Não há que se falar em perda de soberania externa,
mas não se pode negar que há certa limitação, pois os países membros transferem a administração
de seu nível micro e macroeconômico para o Banco Central Europeu."191 (grifo nosso). Tomando por
exemplo o caso da União Europeia e de outros blocos, no qual vários Estados-nação abrem mão de
determinados aspectos ligados à soberania estatal em prol de um fortalecimento, sobretudo
econômico, vários autores falam em mudança no Direito Constitucional, criando-se uma nova
categoria a ser estudada, o Direito Constitucional Supranacional (chamado por alguns de
Transnacional), que traria à tona a existência de uma suposta nova forma de Poder Constituinte, o
Poder Constituinte Supranacional. Nesse sentido, segundo Kildare Gonçalves Carvalho, citado por
Pedro Lenza: "O poder constituinte supranacional busca a sua fonte de validade na cidadania
universal, no pluralismo de ordenamentos jurídicos, na vontade de integração e em um conceito
remodelado de soberania."192 (grifo nosso) De fato, o ponto mais sensível nessa nova forma de
organização jurídica internacional é a soberania dos Estados, já que esta estabelece a individualidade
e a independência política-jurídica-econômica dos mesmos no plano internacional, dando-lhes
autonomia para estabelecer suas próprias regras de comércio, de exportação e importação, sobretudo
a sua tributação.
Embora saibamos que a influência da globalização econômica interfira diretamente na
soberania externa e indiretamente na soberania interna dos Estados, mas não de forma absoluta, há
autores que enxergam algo mais sério, que culmina para uma desintegração do Estado moderno, visto
que este não estaria conseguindo encontrar soluções para as demandas que a nova modernidade
impõe. É o exemplo de André-Noël Roth, que classifica a crise do Estado moderno de "Rupturas", as
quais: a Crise da Garantia Estatal de Segurança aos Cidadãos e Integridade Territorial, a
Mundicialização da Economia, a Internacionalização do Estado, o Desenvolvimento do Direito
Internacional, e assevera:

"Todas essas rupturas têm por consequência uma perda da


soberania e da autonomia dos Estados Nacionais na formulação
de políticas internas. No plano externo, o Estado Social já não pode
pretender regular a sociedade civil nacioal de maneira soberana. E, no
plano interno, sua ação não permite resolver a crise e aparece como
impotente. A distância entre sua vontade e a realidade, entre a lei
e sua aplicação, vai crescendo. Diminuídos o seu poder de
191 ZVIRBLIS, Alberto Antonio. Democracia participativa e opinião pública: cidadania e desobediência civil. São Paulo: RCS Editora, 2006, p. 39.
192 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2014, p. 229

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

coação, o Estado tem que compartilhá-lo com outras forças que


transcendem o nível nacional e que, segundo sua posição na
hierarquia mundial, o determinam. Incapaz de impor sua regulação
social, e aprisionado entre um nível internacional mais coativo e um nível
infranacional que procura liberar-se de sua tutela, o Estado se encontra
em uma crise de legitimidade." 193(grifo nosso)

Contudo, embora não se possa negar a influência que grandes corporações multinacionais e
Estados com economia muito forte pode exercer nas decisões internas de um país soberano, este
autor filia-se à tese daqueles que não acreditam que a soberania interna dos Estados encontra-se
severamente prejudicada pela expansão contínua da globalização econômica e da nova realidade
estatal que a mesma impõe. Podemos encontrar um exemplo disso nas palavras de Alberto Antonio
Zvrblis, ao analisar a influencia das limitações da soberania externa dos Estados na soberania interna,
por ocasião de sua adesão à União Europeia, destacando que a soberania interna se mantém, uma
vez que o povo manifesta a sua vontade por meio do Estado, vejamos:

"Essa manifestação popular não deixa de ser notada entre os


países membros da União Europeia, cuja integração, em suas
sucessivas adesões, dependeram sempre, de referendo popular
para a adesão do Estado à Comunidade Econômica Europeia. O
exemplo clássico de rejeição popular do ingresso de um país na
Comunidade Econômica Europeia é o da Noruega, reduzindo o projeto
inicial de 16 membros para 15."194 (grifo nosso)

Outro exemplo real de conservação da soberania interna que pode ser citado é o caso da
Indonésia, face ao triste episódio da execução do brasileiro Marcos Acher e de outros condenados à
pena de morte por tráfico de drogas, que é um crime punido com pena de morte naquele país.
A Indonésia é membro fundador do ASEAN (Association of Southeast Asian Nations), com sede
na própria Indonésia, na cidade de Jacarta, que constitui um bloco econômico na forma de área de
livre comércio, criado com o objetivo de acelerar o crescimento econômico, fomentar a paz e a
estabilidade regional. O que isso quer dizer? Que em determinado momento a Indonésia abriu mão de
parte de sua soberania externa em prol da adesão ao referido bloco econômico, mas não de sua
soberania interna. O lamentável exemplo da morte do brasileiro Marcos Acher, por fuzilamento, ainda
que do ponto de vista deste autor constitua uma monstruosidade, um recurso medieval, uma
completa desumanidade, mostrou a soberania interna, o poder político interno absoluto daquele país
agindo plenamente. O Brasil, por meio do Itamaraty, tentou reverter a situação, havendo inclusive
pedido oficial de clemência pela Presidente do Brasil, Dilma Rousseff ao Presidente da Indonésia, que

193 ROTH, André-Noël. O direito em crise: fim do Estado moderno. In: FARIA, José Eduardo (Organizador). Direito e globalização econômica: implicações e
perspectivas. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 19.
194 ZVIRBLIS, Alberto Antonio. Op. cit, p. 44.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

foi negado. Mas, tanto a pena de execução aplicada, como a negativa do Presidente, constituiram atos
soberanos do referido Estado, tanto que a comunidade internacional não pôde tentar interferir de
outra forma que não fosse através da negociação e da diplomacia.
Do exposto, inferimos que embora haja a influência na soberania externa, a expansão contínua
da globalização econômica e a nova realidade estatal imposta, não interferem direta e severamente na
soberania interna dos Estados-nação, de forma que os Chefes de Estado e os demais poderes
constitucionais, representantes da soberania popular, quando aderem à determinadas políticas e
tratados internacionais, o fazem dentro de suas esferas de competência, tornando o ato legal.
Claro, o campo do Direito Internacional é por demais complexo, haja vista existirem muitas
variáveis envolvidas, sejam elas sociais, culturais, políticas, econômicas, etc., definidoras de seus
rumos, de forma que o que se postulou acima é sobretudo um quadro mediano. Assim, há exemplos
contundentes de completo desrespeito à soberania estatal que podem ser colacionados na história
mundial recente, sobretudo quando existem grandes interesses econômicos envolvidos que são
disfarçados através de atos supostamente legítimos de defesa política estatal.
Todos sabemos que a guerra e os conflitos militares, serviram quase sempre de pano de fundo
para uma estratégia de dominação político-econômica do mais forte contra o mais fraco, atropelando-
se a soberania deste em todos os seus sentidos. Tomamos como exemplo conhecido de todos a
prática intervencionista norte-americana, que em grande parte dos casos promove
intervenções/ataques militares à suspostas ameaças à paz mundial sem a sanção da Organização das
Nações Unidas, a exemplo da intervenção no Panamá, em 1989, das operações da OTAN (liderada
pelos EUA) na Iugoslávia, em 1995 e em 1999, e da mais polêmica de todas, a invasão ao Iraque em
2003, na qual foram forjadas provas da produção de armas químicas pelo referido país195. Isso sem
falar na já famosa prática americana de espionar e de influenciar política e economicamente os
governos ao redor do mundo em prol de seus interesses.
Nesse sentido, não podemos deixar de falar do apoio americano às ditaduras militares latino-
americanas, em especial a que ocorreu em nosso país e tirou 21 anos de nossa Democracia, na qual
destaca-se a articulação e o apoio pelos Estados Unidos, dado seu combate ao avanço comunista e
seu interesse pelas grandes reservas de ferro existentes no Brasil, conforme já foi destacado
anteriormente nesta singela obra. Tal fato pode ser constatado no documentário revelador de Camilo
Tavares, O Dia que Durou 21 Anos, o qual reuniu vários documentos que demonstraram a influência
do embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, no apoio norte-americano ao golpe civil-militar de
1964196. Isso mesmo caro leitor, nossa Soberania já foi severamente vilipendiada por interesses
195 INTERVENÇÕES militares dos EUA nos últimos 30 anos. Disponível em: <http://www.jcabrasil.org/2013/09/intervencoes-militares-dos-eua-nos.html>. Acesso em: 16
mar. 2016.
196 Cf. O DIA que durou 21 anos. Direção: Camilo Tavares. Produção: Karla Ladeia. Fotografia: Márcio Menezes, André Macedo, Cleumo Segond e Luiz Miyasaka. São

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americanos que se aliaram às elites civis brasileiras e aos militares, ocasionando a ocorrência de um
golpe de Estado civil-militar, violador da nossa Democracia, que culminou em uma ditadura de 21
anos.
Outro exemplo atual, que esconde interesses de dominação político-econômica é a revelação
pelo ex-agente da CIA e da NSA, Edward Snowden, que tornou públicos detalhes de programas
constituintes do sistema de "Vigilânica Global" americana, no qual a referida agência americana
espionava ligações telefônicas e mensagens eletrônicas de empresas, governos, de cidadãos e de
personalidades políticas de vários países ao redor do mundo.
E como é de conhecimento público, nosso país não ficou de fora dessa grave violação à
Soberania Externa de um Estado-nação, mais precisamente de desrespeito contra um chefe de Estado
brasileiro, a Presidente Dilma Rousseff, no acima mencionado episódio da espionagem eletrônica
protagonizada pela NSA e revelado por Snowden em 2013. Tal episódio, além de ter proporcionado
uma rápida crise diplomática entre os governos brasileiro e americano, acende o alerta vermelho para
a possibilidade de uma nova intervenção americana no governo brasileiro, uma vez que ninguém usa
um Chefe de Estado como alvo de uma operação espionagem à toa. Ecoaram vozes no sentido de que
os recursos naturais de nosso país novamente seriam alvos da investida americana...

Há um fato curioso que não pode ser negado, existe uma Convenção das Nações Unidas sobre
os Direitos do Mar e a Lei 8.617/93, em acordo com aquela, dispõe sobre o mar territorial, a zona
contígua, a Zona Econômica Exclusiva e a plataforma continental brasileiros, determina em seu art.
6º, que a Zona Econômica Exclusiva brasileira estende-se das doze às duzentas milhas marítimas a
partir das linhas de base do mar territorial197, sendo de 188 milhas a ZEE brasileira, ou seja, a área de
oceano que o país pode explorar economicamente com exclusividade.
Ocorre que a referida Convenção já foi ratificada pela maioria dos países, inclusive o Brasil
(Decreto 1.530/95), mas os Estados Unidos não é signatário, não reconhecendo portanto esse direito
de forma internacional e sabemos que desde a II Guerra Mundial, os mais controversos conflitos
internacionais e a maioria deles foram motivados pelo petróleo e que as fontes dos EUA tendem a se
esgotar em um tempo próximo198”. Chamo a atenção para o fato de que, em 2010, na Conferência de
Segurança Internacional do Forte de Copacabana, os Estado Unidos chegaram até mesmo a realizar
uma proposta de "soberania compartilhada", quando sinalizaram no sentido de se unificar atlântico
Norte e Atlântico Sul199. A chamada camada “Pré-sal”, um marco na indústria petrolífera mundial,
Paulo: Pequi Filmes, 2012. 77 min. Son. Color.
197 BRASIL. Lei 8.617/93. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8617.htm> Acesso em: 17 mar. 2016.
198 BRASIL DE FATO. Para EUA, pré-sal está em águas internacionais. <http://www.brasildefato.com.br/node/26178> Acesso em: 17 mar. 2016.
199 BBC Brasil. Por Júlia Dias Carneiro. Jobim critica proposta americana de unificar Atlântico Norte e Sul. Disponível em:
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/11/101104_jobim_entrevista_jc.shtml> Acesso em: 17 mar. 2016.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

consubstancia-se em uma faixa de 800 quilômetros mar à dentro, entre os Estados do Espírito Santo e
Santa Catarina, abaixo do leito do mar, contemplando três bacias sedimentares: Espírito Santo,
Campos e Santos, tendo sido inclusive objeto, em 2004, de uma proposta apresentada pelo Governo
Brasileiro à ONU para a extensão sobre sua área marítima além das 200 milhas de plataforma
continental, de forma que o controle sobre o “Pré-Sal” tem o potencial de colocar o Brasil em uma
posição de destaque na economia mundial200. Ou seja, há todo um cenário que aponta na
possibilidade de que o desenvolvimento econômico do Brasil na área do petróleo entre em conflito
com os interesses norte-americanos e todos sabemos o que isso pode fazer.

Deixando as especulações de lado, o fato é que o episódio do grapeamento da Presidente


Dilma, por si só, constitui um grave desrespeito à Soberania nacional, uma vez que o Brasil orienta-se
nas suas relações internacionais pelos princípios da Não-intervenção, da Igualdade entre os Estados,
Defesa da Paz, e da Solução Pacífica dos Conflitos201, entre outros, de forma que nosso país não
constitui ameaça política e econômica para nenhuma nação no Planeta, fato que torna completamente
ilegítima a decisão da referida agência de inteligência do governo americano de espionar nossa Chefe
de Estado.
Assim, não se pode negar que a constante evolução e o crescimento da globalização
econômica, agora na velocidade da internet e dos negócios internacionais, que envolvem interesses
de multinacionais e de países poderosos, termina por influenciar cada vez mais na gradual mudança
do conceito clássico de Soberania. Contudo, analisando a questão a fundo, sobretudo com os
exemplos acima, inferimos que apesar de haver gradual abrandamento do conceito de soberania
externa não há uma interferência direta na soberania dos Estados-nação. Porém, isso não quer dizer
que não interfere, pois o faz indiretamente, uma vez que interferindo-se de forma contínua e vigorosa
na política, na economia e nas relações internacionais de um determinado país, raramente não
haverão reflexos em sua soberania interna, pois a partir do momento que grupos de interesse
nacionais aliam-se a grupos de interesse internacionais, há o risco de que um determinado projeto de
poder, seja legítimo ou ilegítimo, termine por deturpar as instituições internas, fazendo com que o
poder político vigente não represente o interesse dos donos do poder, o povo, causando um
deslocamento no eixo do poder para servir aos interesses político-econômicos de outras fontes de
poder que não o povo, através de seus representantes democraticamente eleitos. É o que ocorreu na
época da ditadura militar aqui no Brasil, conforme é historicamente comprovado.
O fato é que, em nosso país ainda podemos considerar que detemos intacta a nossa soberania
200 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Pré-sal, soberania e jurisdição marítima. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9040> Acesso em: 17 mar. 2016.
201 BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 4º. Op. cit.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

externa, e a interna, apesar do passado negro de nossa Democracia, mas a evolução do quadro
internacional vem trazer um alerta para que passemos a considerar se nosso modelo de Democracia
deve ser repensado e isso inclui também o pensar sobre a Soberania, que constitui um Fundamento
de nosso Estado Democrático, e tem sofrido mudanças ao longo deste século, conforme já
destacamos.
Talvez a saída para uma blindagem de nossa soberania interna seja uma ampliação no
conceito de Cidadania, permitindo ao povo uma maior participação na vida política do país, ao invés
do patamar atual, no qual para ser cidadão, juridicamente falando, é preciso apenas ser nacional,
alistado eleitoralmente e ir às urnas. No próximo capítulo examinaremos a Cidadania, sua origem e
evolução, seu conceito, com base no que dispõe o art. 1º, inc. II, de nossa Constituição, tanto na
visão da Doutrina como da Jurisprudência, para em seguida tecermos comentários pertinentes ao
quadro atual e a necessidade de mudança.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

IV
A CIDADANIA
1. A Cidadania como Fundamento Constitucional

No art. 1º da Constituição Federal, o inciso II estabelece a Cidadania como terceiro


fundamento de nosso Estado Democrático de Direito. Claro, o sentido que se dá à Cidadania, a
exemplo da Soberania, também tem evoluído ao longo do tempo e das transformações sociais.
Para os gregos, a Cidadania estava vinculada à cidade, sendo que para Aristóteles Cidadania
significava status privilegiado dos que dirigem a cidade (polis), daqueles que possuiam participação
legal na autoridade deliberativa e na autoridade judiciária. Ao passo que em Roma, a Cidadania
(civitas) abrangia a cidade e o Estado e pertencia aos patrícios, uma oligarquia de proprietários rurais
que mantinham o monopólio dos cargos públicos e religiosos.202
Não é segredo pra ninguém que a Revolução Francesa, com os ideais iluministas, é
responsável por um avanço gritante no conceito antigo de Cidadania, principalmente em virtude da
concepção do conceito de Soberania Popular, ficando estampado na Declaração Universal dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, na qual dispunha: “A lei é a expressão da vontade geral. Todos os
cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua
formação[...]”203.
Contudo, segundo Dalmo Dallari, a própria França, através dos líderes da Revolução Francesa,
no ato de sua reunião em Assembleia para aprovação da Constituição, em 1791, começou a deformar
a ideia de Cidadania, recuperando a antiga diferenciação romana entre cidadania e cidadania ativa,
contrariando assim a igualdade de todos, estabelecendo que somente os cidadãos ativos poderiam ser
eleitos para a Assembléia Nacional, ficando também um privilégio dos cidadãos ativos o direito de
votar para escolher os membros da Assembleia. E quem era o cidadão ativo? O francês, do sexo
masculino, proprietário de bens imóveis e com renda mínima anual elevada. Ou seja, ficaram
excluídos as mulheres, os trabalhadores e as camadas mais pobres da sociedade, iniciando uma nova
luta pelos os direitos da cidadania, renderam até agora, mais de duzentos anos de lutas, com algumas
vitórias, mas com um caminho ainda longo a ser trilhado.204
Segundo Valerio de Oliveira Mazzuoli, é somente com o advento da Declaração Universal dos

202 ZVIRBLIS, Alberto Antonio. Op. cit, p. 166.


203 DECLARAÇÃO de Direitos do Homem e do Cidadão. França, 1789. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Table/Documentos-anteriores-
à-criação-da-Sociedade-das-Nações-até-1919> Acesso em: 13 fev. 2016.
204 DALLARI, Dalmo. A cidadania e sua história. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/textos/historia.htm> Acesso em: 18 mar. 2016.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Direitos Humanos, em 1948, que se tem início uma gradativa modificação desse conceito censitário e
limitador de Cidadão, passando-se a considerar como cidadãos não só os que são detentodres de
direitos civis e políticos, mas todos aqueles que habitam um Estado soberano e recebem deste uma
carga de direitos e deveres dos mais variados, sejam civis, políticos, sociais, econômicos e culturais.205
Dessa forma, não se pode deixar de destacar que Cidadania não engloba apenas direitos a
serem exercidos, mas também obrigações prestadas para com o Estado, para com a coletividade da
qual se faz parte, incluindo os deveres mais básicos, como por exemplo apanhar um papel do chão e
colocá-lo no lixo, ou como exigir dos órgãos públicos que respeitem a Lei e sirvam adequadamente a
população, sendo este último um direito-dever. Portanto, uma vez que existem direitos inerentes à
Cidadania, estes devem andar em paralelo com deveres também inerentes à mesma. Conforme afirma
Bobbio:

"A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica


sempre a existência de um sistema normativo, onde por "existência" deve
entender-se tanto o mero fato exterior de um direito histórico ou vigente
quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da
própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da
obrigação. Assim como não existe pai sem filho e vice-versa,
também não existe direito sem obrigação e vice-versa."206 (grifo
nosso)

Destaque também para as palavras do Prof. Jaime Pinsky, da Unicamp, autor de um livro sobre
a História da Cidadania, pois segundo ele, Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito
histórico, e exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais207, ou seja, há três
dimensões da Cidadania.
Nesse sentido, dirigindo-se ao nosso país, na Constituição Federal a Cidadania é um dos
fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Em seu sentido estritamente formal a cidadania
corresponde à capacidade política, tanto na condição de eleitor, como de elegível, sob o prisma dos
direitos políticos strictu sensu, tanto ativos (direito de votar) como passivos (direito de ser votado), o
que pode trazer alguma dificuldade na aplicação do termo, uma vez que o inconsciente coletivo já
assimilou o conceito moderno de Cidadania, que é exercer os direitos e os deveres em sua plenitude,
tanto na esfera jurídica, como na política, como na social.
A doutrina segue em grande parte esse conceito jurídico restrito, a exemplo do seu conceito
mais clássico, concebido por José Afonso da Silva, vejamos:

205 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 623.
206 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 74.
207 PINSKY, Jaime. História da cidadania. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/023/23res_pinsky.htm> Acesso em: 18 mar. 2016.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

"Cidadania, já vimos, qualifica os participantes da vida do Estado, é


atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político
decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela
representação política. Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo
que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e
suas consequências."208 (grifo nosso)

É também o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que divide a Cidadania em ativa
e passiva, mas mantém como principal requisito para que um brasileiro seja considerado cidadão o
fato de estar no gozo de seus direitos políticos, vejamos:

"Nas democracias como a brasileira, a participação no governo se dá por


dois modos diversos: por poder contribuir para a escolha dos governantes
ou por poder ser escolhido governante. Distinguem-se, por isso, duas
faces na cidadania: a ativa e a passiva.
[...]
Todo brasileiro pode ascender à condição de cidadão ativo, isto
é, de eleitor. Para isto, é necessário que não esteja como conscrito
realizando o serviço militar obrigatório, não esteja privado, temporária ou
definitivamente, dos direitos políticos e tenha, no mínimo, dezesseis anos
de idade. Preenchendo ele tais requisitos, pode-se inscrever como
eleitor."209 (grifo nosso)

Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino estendem-se menos na definição mas rumam na mesma
definição, in verbis:

"Cidadão é conceito restrito, para designar os nacionais (natos ou


naturalizados) no gozo dos direitos políticos e participantes da vida do
Estado."210

Pedro Lenza, segue o mesmo entendimento, vejamos:

"Cidadania: tem por pressuposto a nacionalidade (que é mais ampla que


a cidadania), caracterizando-se como a titularidade de direitos políticos
de votar e ser votado. O cidadão, portanto, nada mais é que o
nacional (brasileiro nato ou naturalizado) que goza de direitos
políticos."211

Mas então, se parte considerável da doutrina considera como cidadão o nacional que pode
votar e ser votado, ou seja, apenas o seu sentido formal, por que se fala tanto em exercício da
cidadania no enfoque material? Porque existem realmente dois sentidos, o formal, que trata

208 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 345-346.


209 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38. ed. rev. e atual. (Versão Eletrônica) São Paulo: Saraiva, 2012.
210 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Op. cit., p. 260.
211 LENZA, Pedro. Op. cit., p. 651-652.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

exclusivamente dos direitos políticos, e o material, que é mais amplo, abrangendo além dos direitos
políticos, outros direitos e deveres dos nacionais, que não parecem estar positivados na Carta Magna,
mas que na verdade encontram-se espalhados ao longo do texto constitucional, de forma expressa,
ou por meio da interpretação dos princípios constitucionais. E é sobre esse conceito mais amplo de
Cidadania a que se refere o texto do art. 1º, II, da Constituição.
Cumpre destacar, nosso Estado de Direito é duas vezes democrático, já que o Constituinte
tratou de assim nomeá-lo no caput do art. 1º, chamando-o de Estado Democrático de Direito, além de
estabelecer que é democrático o regime político, mediante o conteúdo do parágrafo único do mesmo
diploma legal. Nesse sentido, a participação material na vida política do Estado é condição inerente ao
mesmo, pois é democrático, constitucionalmente positivado, de forma que podemos e devemos cobrar
soluções de nossos governantes para os problemas do Estado, não fazendo sentido olhar para a
Cidadania apenas sob o enfoque formal, devendo ser entendida também como instrumento de
participação política, como caminho para a obtenção da garantia plena dos direitos fundamentais dos
indivíduos que vivem sobre o manto de proteção constitucional. Tal visão da Cidadania coaduna com o
entendimento de vários autores que escrevem sobre o tema, dentre os quais, Flávia Bahia Martins,
que afirma, in verbis: "Mas como fundamento do Estado brasileiro, o conceito de cidadania, apesar de
englobar os direitos políticos, avança na proteção à cidadania real, material.212"
O jurista Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, estabelece uma interpretação interessante, à qual
este autor se filia, vejamos:

"Cidadãos, em sentido amplo, são aqueles que vivem sob a


proteção constitucional brasileira, ainda que residam fora do
território brasileiro ou sejam estrangeiros. A cidadania nesse
primeiro conceito, significa igualdade de todos perante a Constituição. Um
estrangeiro que esteja aqui de passagem pode impetrar habeas corpus,
pois está sob a proteção da Constituição. Em sentido restrito, o cidadão
se confunde com eleitor. São aqueles capazes de exercer direitos políticos
no país. Quando a Constituição fala na cidadania como um dos
fundamentos da nossa República, fala em cidadania em sentido
amplo. Quando diz que 'qualquer cidadão é parte legítima para propor
ação popular', fala em sentido restrito."213 (grifo nosso)

Uma prova de que o legislador constituinte não vincula necessariamente a Cidadania aos
Direitos Políticos pode ser obtida diante de uma breve análise das vedações materiais à edição de
medida provisória pelo Presidente da República, presentes no §1º, do art. 62, de nossa Constituição,
vejamos:

212 MARTINS, Flávia Bahia. Op. cit., p. 307.


213 GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Direito eleitoral: coleção concursos jurídicos. v. 18. São Paulo: Atlas, 2010, p. 12-13.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

"Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República


poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-
las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e
direito eleitoral;[...]"214 (grifo nosso)

Do exposto, temos que o Constituinte quis deixar claro que a Cidadania presente no texto
constitucional é ampla, abarcando os Direitos Políticos, ao invés de ser seu sinônimo, tanto que na
redação do dispositivo supra eles aparecem separadas por vírgula, independentes. Na verdade, o
legislador limitou a Cidadania em poucos trecho da Constituição, a exemplo do momento que trata
exclusivamente de Direitos Políticos (Art. 14, CF/88) e do momento que fala sobre a Ação Popular
(Art. 5º, inc. LXXIII, CF/88), de forma que em outros trechos da mesma refere-se à Cidadania em seu
conceito amplo. Assim, destacamos um outro exemplo bastante oportuno, da Cidadania em seu
conceito amplo, encontrado no teor do art. 205, CF/88, que abre a matéria constitucional sobre
educação, onde dispõe: "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." 215 (grifo
nosso) Ou seja, de acordo com a Constituição, é tarefa da educação preparar o indivíduo para o
exercício da Cidadania, a fimde que o mesmo possa exigir do Estado a garantia das condições
mínimas de existência e desenvolvimento como Ser Humano.
Portanto, a Cidadania a que se refere o art. 1º, II, da Constituição Federal, listada como
Fundamento de nosso Estado Democrático, é a Cidadania em seu sentido material, seu sentido
amplo, que abarca os direitos e deveres políticos, mas também trata de outros direitos e deveres
inerentes aos indivíduos que vivem sobre a proteção da Constituição Federal do Brasil, mostrando
relação íntima com a garantia da efetividade dos Direitos Humanos.
Segundo o Advogado Getúlio Costa Melo, a forma de se entender a Cidadania, teve grande
mudança após as duas grandes guerras, de forma que a mesma passou a ter mais proximidade com
os Direitos Humanos, conforme a seguir:

"As duas guerras mundiais foram decisivas para a mudança de ideologia


sobre a cidadania e o medo advindo das atrocidades praticadas e
alicerçadas pela legalidade fez com que órgãos internacionais e a
própria sociedade civil passassem a entender cidadania como
algo indissociável dos direitos humanos."216 (grifo nosso)
214 BRASIL. Constituição Federal (1988). Op. cit.
215 BRASIL. Constituição Federal (1988). Op. cit.
216 MELO, Getúlio Costa. Evolução história do conceito de cidadania e a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Disponível
em:<http://getulio.jusbrasil.com.br/artigos/112810657/evolucao-historica-do-conceito-de-cidadania-e-a-declaracao-universal-dos-direitos-do-homem> Acesso em: 27

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Assim, Cidadania deixou de ser vinculada apenas à participação política, direitos políticos ativos
e passivos, passando a constituir também um Dever do Estado em ofertar condições mínimas para o
exercício desse direito, dentre às quais a proteção ao direito à vida, à educação, à informação, à
participação nas decisões públicas, representando um mínimo existencial.
O mesmo autor vem reforçar a visão já acima delineada da Cidadania como Fundamento do
Estado, constante do art. 1º, II, da CF/88, vejamos:

"Colocada ao patamar de fundamento da República Federativa do Brasil,


a cidadania ganhou no ordenamento constitucional brasileiro
uma conotação ampla, tendo por característica a universalidade
e a indivisibilidade. Isto pode ser facilmente percebido quando nos
referimos às crianças. Elas não são cidadãos no sentido restrito da
palavra, isto é, não votam. No entanto, a elas são garantidos os direitos
inerentes à cidadania. O direito a ter um registro de nascimento, o direito
a ter saúde, educação, moradia. O direito de ser respeitada em sua
individualidade." 217(grifo nosso)

Um outro autor, Rodrigo César Rebello Pinho, traz um conceito ainda mais garantista sobre o
conteúdo da Cidadania do art. 1º, II, CF/88, vejamos:

"Cidadania. O termo “cidadania” foi empregado em sentido amplo,


abrangendo não só a titularidade de direitos políticos, mas também civis.
Alcança tanto o exercício do direito de votar e ser votado como o efetivo
exercício dos diversos direitos previstos na Constituição, tais como
educação, saúde e trabalho. Cidadania, no conceito expresso por
Hannah Arendt, o direito a ter direitos."218 (grifo nosso)

Assim, esse entendimento vem revelar uma maior amplitude da Cidadania, mostrando que
nossa Constituição elege a mesma como Direito Fundamental, ou seja, um direito que tem por função
assegurar as condições mínimas de existência e desenvolvimento humano com dignidade. Portanto, a
garantia de seu exercício pleno dá ao indivíduo nacional a proteção e a capacidade de defesa contra
as ingerências e as arbitrariedades do Estado no plano individual.
Do até aqui exposto, ficou constatado que a Cidadania como fundamento do nosso Estado de
Direito, além de ultrapassar o conceito simplório de Cidadão apenas como detentor de direitos
políticos, atingindo outras garantias constitucionais, dispõe de uma relação de indissociabilidade com
os Direitos Humanos, pois se o Estado não tem condições de garantir aos seus nacionais o mínimo
existencial, passa a negar-lhes as condições básicas para o exercício da Cidadania Plena, tratando
mar. 2016.
217 MELO, Getúlio Costa. Ibid.
218 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da Constituição e direitos fundamentias. 11. ed. (coleção sinopses jurídicas, v. 17). São Paulo: Saraiva, 2011, p. 90

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

seus Cidadãos como mera massa de manobra, mero gado em um curral eleitoral, que serve apenas
para fazer número no sufrágio, a fim de eleger os seus supostos representantes.
Nesse sentido, vem à mente um conceito formulado por ninguém menos do que Noberto
Bobbio, de que a Democracia só pode ter efetividade se for garantido aos Cidadãos os seus direitos
individuais, senão vejamos:

"A democracia moderna repousa na soberania não do povo, mas dos


cidadãos.
[...]
Se a concepção individualista da sociedade for eliminada, não será mais
possível justificar a democracia como uma boa forma de governo.
[...]
Ao contrário, não há nenhuma constituição democrática que não
pressuponha a existência de direitos individuais, ou seja, que não parta
da ideia de que primeiro vem a liberdade dos cidadãos singularmente
considerados, e só depois o poder do governo, que os cidadãos
constituem e controlam através de suas liberdades."219

Do exposto, segundo Bobbio, a Democracia Moderna e os Direitos Individuais passam a ter


uma condição de existência quase que biunívoca, não existindo um sem o outro, de forma que para
um Estado ser considerado democrático e seus cidadãos poderem participar efetivamente do mesmo,
seja direta ou indiretamente, é necessária a garantia plena das liberdades básicas, pois se não
houvesse essa condição seria como se todos os cidadãos estivessem sendo coagidos a concordarem
com a forma de condução do Estado, ou seja, seria um regime totalitário. João Paulo D. de Sousa e
Flávio Martins da Silva trazem um conceito simples de Cidadania, mas que abrange o que foi acima
dissertado: "Só se pode falar em cidadania quando existem pessoas vivendo em comunidade na qual
podem exercer direitos e cumprir deveres sob um regime político que permita esse exercício e com
regras definidas em uma constituição."220

Nesse sentido, a Cidadania como fundamento de nosso Estado, sendo ele um Estado
Democrático, de direito, pressupõe a existência do respeito absoluto aos direitos e garantias
individuais, o que não condiz com o conceito formal da mesma, necessitando portanto a interpretação
de que é a Cidadania em seu sentido material que se encontra disposta no art. 1º, II, da Constituição
Federal.
Dessa forma, a Cidadania prevista no diploma legal supra abarca todas as espécies da mesma,
uma vez que, em outros trechos, a Lei Maior trata de formas diversas de Cidadania. Por isso somos

219 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Op. cit., p. 100-110.


220 SOUSA, João Paulo D. de; SILVA, Flávio Martins da. O que é cidadania? Disponível em: <http://conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.36077> Acesso em: 04 abr.
2016.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

autorizados a falar sobre Dimensões da Cidadania, de forma que haveriam vários sentidos da
Cidadania dispostos no texto constitucional, sendo cada um aplicado de acordo com o caso concreto,
guardada a sua dimensão máxima, que é aquela prevista na norma jurídica acima mencionada.
Nesse sentido, foi Thomas H. Marshall, em 1950, quem demarcou, com a publicação de sua
obra "Citizenship and Social Class", as bases para o reconhecimento das dimensões da Cidadania, e
segundo o referido autor, citado por Wladimir R. Dias, a mesma divide-se em três dimensões: a civil,
a política e a social, e complementa:

"Os primeiros absorvem a perspectiva da liberdade individual e da


igualdade formal. Os políticos se referem à possibilidade de participação
nos negócios do governo, direta ou indiretamente. E com os direitos
sociais, ancorados em uma concepção alargada de justiça, cuida-se de
oferecer a todos, indistintamente, um padrão de bem-estar razoável,
segundo o ponto de vista prevalecente na sociedade "221

Contudo, fazendo uma analogia com a noção de era dos direitos, com seu maior expoente em
Norberto Bobbio, na qual o desenvolvimento dos direitos do homem havia passado por três fases:
direitos da liberdade, políticos e sociais, é exatamente o referido autor quem alerta para a
possibilidade do surgimento de novos direitos, impulsionado pelas novas demandas que o
desenvolvimento da sociedade nos traz:

"Não é preciso muita imaginação para prever que o desenvolvimento da


técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação
dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão
produzir tais mudanças na organização da vida humana e das relações
sociais que se criem ocasiões favoráveis para o nascimentos de novos
crescimentos e, portanto, para novas demandas de liberdade e de
poderes.
[...]
A Declaração Universal representa a consciência histórica que a
humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade
do Século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro:
mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre."222

Ou seja, os direitos conquistados pela humanidade não se esgotam em si, não podem
constituir formas exaustivas, estanques, sendo necessário, além do reconhecimento, da positivação e
da multiplicação dos direitos, que seja exercida a vigilância dos mesmos, tanto no sentido se se
manterem os já consquistados, como de ficar alerta ao surgimento de outros, pois à medida que a

221 DIAS, Wladimir Rodrigues. Sobre o conceito de cidadania e sua aplicação ao caso brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2446. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/14512>. Acesso em: 6 abr. 2016.

222 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Op. cit., p. 33.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

humanidade vai se tornando mais complexa, as necessidades humanas acompanham esse


desenvolvimento, originando novos direitos e deveres para os indivíduos. Se assim não fosse, nem
mesmo teríamos chegado ao reconhecimento dos Direitos Humanos, ficando estagnados nos períodos
da barbárie e da escravidão instituicionalizada.
Da mesma forma, a Cidadania, como Direito Fundamental, não se esgota em apenas três
dimensões, devendo servir de instrumento constante para o exercício de todos os direitos e deveres
que por ventura venham surgir no decorrer da evolução da sociedade humana, devendo ser entendida
em sua forma mais ampla, o direitos a ter direitos.
Portanto, é exatamente por isso que o exercício da Cidadania plena tem enfrentado várias
dificuldades nos dias atuais, pois em nossa época tudo acontece na velocidade da internet, num
segundo o mundo inteiro se reestrutura e o exercício da Cidadania fica seriamente prejudicado,
muitas vezes limitado pela ausência de legislação aplicável ao caso concreto, ou quando existe, por
sua inefetividade, o que impede que os indíviduos se desenvolvam como seres humanos em sua
plenitude.
Nosso Estado Democrático de Direito tem a Cidadania como um de seus fundamentos,
positivada em sua forma mais ampla, mas, mesmo assim, quem disse que a positivação na
Constituição é sinônimo de garantia de exercício pleno da mesma? Gilberto Dimenstein já nos alertou
há muito tempo atrás: "Nota-se a ausência de cidadania quando uma sociedade gera um menino de
rua."223 Realmente, a miséria na qual vivem vários Cidadãos brasileiros é o maior indicador de que o
Estado não consegue fornecer o mínimo essecial para os seus, demonstrando uma realidade social
excludente, que não deixa de existir, e mesmo com os avanços conquistados pelo país na seara social,
a fome e a pobreza ainda estão lá, é só olhar com um pouco mais de atenção.

2. A Cidadania de Fato

Conforme acima exposto, a Cidadania, como Fundamento do Estado brasileiro, disposta no art.
1º, II, da CF/88, refere-se ao seu sentido amplo, que engloba não só os direitos políticos, mas
também todos os direitos e deveres inerentes àqueles que vivem sobre a proteção da Constituição
Federal e relaciona-se de forma indissociável com a garantia dos Direitos Humanos. Dessa forma, a
garantia pelo Estado dos direitos básicos ao Cidadão, do mínimo existencial, é atributo do exercício
pleno da Cidadania.
Porém, na prática, o panorama é outro, totalmente diferente. Como no exemplo acima
delineado, de que no momento em que surge um menino de rua a Cidadania deixar de existir, o que
223 DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os Direitos Humanos no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2002, p. 18.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

leva à constatação da existência de um círculo vicioso, pois se os pais são pobres, não conseguirão
garantir boa educação aos filhos, que continuarão pobres pois não conseguirão arrumar bons
empregos e, consequentemente, os filhos dos filhos não irão progredir socialmente.224
É uma característica de um Estado no qual se verifica a existência em massa de exclusão
social, pois denota uma despreocupação em formar cidadãos conscientes, com estudo e qualificação
profissional, passando a gerar mão-de-obra barata em larga escala, desprestigiando o trabalhador em
favor do mercado. Não há Cidadania sem educação. Não há Democracia sem exercício pleno da
Cidadania. E, considerando que nosso Estado é "Democrático", segundo a Constituição, a ausência de
Cidadania demonstra a grave distorção da natureza do Estado, uma grande contradição do que ele é
legamente para o que o é na prática, pois apesar de se encontrar estampado na nossa Constituição o
regime democrático, na prática nosso Estado é oligárquico e aristocrático.
É o que também descreve Marco Mondaini em um interessante ensaio sobre o tema, vejamos:

"Ora, a grande contradição que nos assola, desde o ano de 1988,


encontra-se justamente relacionada ao fato de termos uma legalidade
constitucional que traz em si a exigência de um Estado atuante, de um
lado, e uma realidade político-econômica que se fundamenta na
necessidade oposta da retirada do Estado, de outro lado. Será
exatamente dessa grave contradiçõ entre 'uma legalidade
constitucional progressista' e 'uma realidade político-econômica
conservadora' que advirá tanto a atual crise social, como grande
parte dos nossos conflitos sociais. Os resultados não poderiam
deixar de ser outros senão uma Cidadania aviltada." 225(grifo
nosso)

O caro leitor pode questionar: "como você pode dizer que não há Democracia nem Cidadania
em nosso Estado, se o povo elege seus representantes democraticamente, por meio do sufrágio
universal, conforme a própria Constituição prevê?" É justamente na pergunta que encontramos a
resposta, pois a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto, paralela à disposição de que a
soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, prevista no caput do art. 14, CF/88, quando
melhor examinados, sugerem que o indivíduo nacional somente exerce a sua Cidadania por meio do
voto, ou seja, se for eleitor e participar do sufrágio universal. O que não é verdade, conforme
exaustivamente demonstrado nas linhas um pouco mais acima.
Na verdade, o arranjo feito em nossa Constituição, dá ao povo a soberania estatal, mas o
torna refém do sistema eleitoral, pois se não votar ficará sujeito a uma série de restrições em sua vida
civil, tornando obrigatório algo que deveria ser feito de forma espontânea, pois o Cidadão deveria
sentir orgulho de manifestar a sua vontade política e não ser obrigado a votar. É comum no discurso
224 DIMENSTEIN, Gilberto. Ibdem.
225 MONDAINI, Marco. Democracia e direitos humanos sob o fogo cruzado. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2013, p. 22-23.

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de quem defende a manutenção da obrigatoriedade do voto o argumento de que nosso povo não tem
uma consciência política e que se não fosse obrigatório o voto, as pessoas não teriam razão de
reclamar da gestão pública, pois quem não cumpre com a obrigação do voto não pode cobrar das
autoridades. O Procurador Federal Andrei Lapa de Barros Correia, traz entendimento semelhante em
um artigo publicado no blog Acerto de Contas, vejamos:

"O mais hediondo baseia-se na premissa de que seríamos uma sociedade


atrasada, imatura demais para manejar a democracia em forma plena.
Mas, quem dirá o momento em que a tal maturidade política chegou,
serão os próprios beneficiários da reserva de mercado de votos? "226

O que se revela uma armadilha conceitual, uma vez que é justamente a obrigatoriedade, ao
lado das consequências de sua desobediência que demonstram a fragilidade camulflada de nossa
Democracia, pois se o "Cidadão" é obrigado a votar, sob pena de ter sua vida civil limitada, este não o
faz de forma espontânea, o que não corresponde ao Estado de Direito declarado no art. 1º, caput, de
nossa Constituição, que se diz democrático. Talvez seja um exagero, mas é como se o nacional fosse
coagido de forma legal a votar, sob pena de não ter determinados direitos civis.
O mesmo autor, acima mencionado, nos traz uma visão interessante: "Voto obrigatório é
reserva de mercado para a classe política"227, o que de certa forma não é mentira, pois se o poder é
do povo, por que é de poucos o privilégio de tomar as decisões políticas que afetam a todos, restando
aos Cidadãos apenas as figuras do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, como alternativas
de Democracia direta?
A discussão torna-se ainda mais complexa se considerarmos que uma das condições para que
o indivíduo nacional concorra às eleições (elegibilidade) é a filiação a um partido político e que o
número de partidos, consequentemente de ideologias (agendas políticas), é limitado, fazendo com
que as alternativas disponíveis ao eleitorado sejam também limitadas, já que os políticos devem
obediência às determinações de seus respectivos partidos. Ou seja, o Cidadão, obrigado a votar, além
de não gerir o Estado diretamente (considerando que estamos em um Estado Democrático), dispondo
de apenas três alternativas de Democracia participativa, somente pode escolher como representante
quem estiver filiado a um partido político, que tem seus interesses próprios, definidos pelo estatuto e
pela condução das lideranças partidárias.
Norberto Bobbio trás uma reflexão muito interessante sobre o assunto, pois segundo ele, o
modelo de sociedade rousseauniano, com o centro de poder localizado na "Vontade Geral", ou seja,

226 CORREIA, Andrei Lapa de Barros. Democracia e voto obrigatório. Disponível em: <http://acertodecontas.blog.br/sala-de-justica/democracia-e-voto-obrigatorio>.
Acesso em: 07 abr. 2016.
227 CORREIA, Andrei Lapa de Barros. Ibdem.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

na Soberania Popular, há muito não é posto em prática, uma vez que a sociedade tem se tornado
cada vez mais centrífuga, com muitos centros de poder todos agindo em torno de seus interesses,
vejamos:

"Partindo da hipótese do indivíduo soberano que, entrando em acordo


com outros indivíduos igualmente soberanos, cria a sociedade política, a
doutrina democrática tinha imaginado um Estado sem corpos
intermediários, característicos da sociedade corporativa das
cidades medievais e do Estado de estamentos[...] O que
aconteceu nos Estados democráticos foi exatamente o oposto:
sujeitos politicamente relevantes tornaram-se sempre mais os
grupos, grandes organizações, associações da mais diversa
natureza, sindicatos das mais diversas profissões, paridos das
mais diversas ideologias, e sempre menos os indivíduos. Os
grupos e não os indivíduos são protagonistas da vida política numa
sociedade democrática, na qual não existe mais um soberano, o povo ou
a nação, composto por indivíduos que adquiriram o direitos de participar
direta ou indiretamente do governo, na qual não existe mais o povo como
unidade ideal (ou mística), mas apenas o povo dividido de fato em grupos
contrapostos e concorrentes, com sua relativa autonomia diante do
governo central (autonomia que os indivíduos singulares perderam ou só
tiveram num modelo ideal de governo democrático sempre desmentido
pelos fatos)."228 (grifo nosso)

Assim, em nosso país, profundamente marcado pela corrupção, o quadro acima descrito é
ainda pior, pois empresários, partidos políticos e entidades civis diversas, alinham os seus interesses
em sentido contrário aos interesses da classes mais vulneráveis economicamente (a maioria, que
segundo a Constituição deveria ter o poder - o poder emana do povo), provocando um quadro sui
generis, no qual não existe nem a sociedade imaginada pelos iluministas, onde é a "Vontade Geral"
quem impera, nem o quadro acima descrito, com fontes de poder diversas, pois no Brasil há a falsa
sensação de pluralidade, quando na verdade os grupos de maior poder economico alinham-se e
atraem outros grupos de interesse para uma ideologia única, a da exclusão social em massa e
privilégio para poucos indivíduos. Não é nem um coisa nem outra, é algo muito pior: uma sociedade
oligárquica disfarçada de democrática.
Nesse sentido, torna-se legítimo o argumento de que a obrigatoriedade do voto torna o
Cidadão refém da classe política, pois só tem determinados direitos civis se votar em um político
filiado a alguma das poucas opções de agenda política disponíveis (votando nulo ou em branco você
termina por legitimar indiretamente o candidato que irá ganhar as eleições), ao mesmo tempo que
não dispõe de uma Democracia mais participativa, que lhe permita gerir o Estado de forma mais
direta, dependendo exclusivamente das decisões dos representantes eleitos. Tal fato nos faz inferir

228 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 200, p.35-36.

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que nem mesmo a Cidadania em sua dimensão política o indivíduo nacional exercita em sua plenitude.
Querem um exemplo ainda mais contundente dessa limitação ao exercício da Cidadania,
revelador da ausência de instrumentos de participação direta do Cidadão mais efetivos em nosso
ordenamento constitucional? É o caso da Ação Popular, que só pode ser manejada pelo Cidadão, aqui
considerado quem está alistado eleitoralmente, e que visa a defesa do patrimônio público, a
moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, de forma bem aberta,
ou seja, tendo por objetivo servir de instrumento de Cidadania na defesa da coisa pública.229 A
primeira dificuldade é que por ser uma Ação, necessita de Advogado para a sua postulação,
inviabilizando àqueles de menor potencial aquisitivo, que mesmo diante da existência das Defensorias
Públicas, a deficiência da disponibilização destas, consubstanciada pelas grandes filas, pelos poucos
defensores disponíveis, pela grande procura da população, etc..., fazem com que haja desestímulo ao
Cidadão. Isso sem falar na falta de informação que é a razão mais comum para que as pessoas não
exercerçam seus direitos de Cidadão. A segunda dificuldade é que somente o eleitor detém a
legitimidade ativa para o seu ajuizamento, de forma que aqueles que não se alistaram, pois estão na
condição de não obrigatoriedade de alistamento (Art. 14, § 1º, II, CF/88), os conscritos (Art. 14, parte
final do § 2º, da CF/88), estariam excluídos da possibilidade do manejo do referido Remédio
Constitucional.
Assim, infere-se que este conceito formal de Cidadania, vinculado ao alistamento eleitoral,
pode trazer limitações à atuação do nacional que procura exercer a sua Cidadania por meio desse
instrumento eficaz na defesa do patrimônio público, que consiste a Ação Popular. Por exemplo, um
adolescente com quinze anos de idade, que tivesse conhecimento de ato lesivo ao patrimônio público
e quisesse manejar a referida Ação, não iria conseguir. Não por que ele é menor, pois a representação
por seus pais/responsáveis supriria essa condição, mas por não poder se alistar eleitoralmente, não
sendo Cidadão em seu sentido formal, não lhe sendo permitido portanto ajuizar o competente
remédio. Contudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 3º, estabelece que "A criança
e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana" (grifo
nosso), de forma que no exemplo acima um adolescente entre doze e quinze anos estaria excluído da
possibilidade de ajuizar Ação Popular, caso soubesse de ato lesivo ao patrimônio público e à
moralidade administrativa, necessitando de uma solução do nosso ordenamento jurídico para que o
mesmo possa exercer plenamente a sua Cidadania.
A nossa sorte para essas exceções gritantes, é a existência do Direito de Petição, presente no
art. 5º, inc. XXXIV, "a", da Constituição Federal: "são a todos assegurados, independentemente do
pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direito ou contra
229 MARTINS, Flávia Bahia. Op. cit., p. 297.

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ilegalidade ou abuso de poder", que dispensa a participação de advogado e é isento da cobrança de


taxas.230 Assim, quando o legislador diz que são a todos assegurados, não faz ressalva alguma à
condição do peticionante, estando disponível a qualquer interessado, independentemente de ser
eleitoralmente alistado, constituindo verdadeiro instrumento de exercício da Cidadania plena, ainda
mais pelo fato de poder ser endereçada a qualquer autoridade pública, pois o texto constitucional fala
em "Poderes Públicos", não limitando somente à Administração Pública. Segundo Pedro Lenza, o
objetivo do Direito à Petição, in verbis:

"Assim, o objetivo do direito de petição nada mais é que, em nítido


exercício das prerrogativas democráticas, levar ao conhecimento do Poder
Público a informação ou notícia de um ato ou fato ilegal, abusivo ou
contra direitos, para que este tome as medidas necessárias.
Diferentemente do direito de ação, não tem o peticionário de demonstrar
lesão ou ameaça de lesão a interesse, pessoal ou particular. Trata-se de
nítida participação política por intermédio de um processo." (grifo
nosso)

Dessa forma, presenciado o ato violador do direito, o Cidadão (no sentido amplo) exerceria o
Direito de Petição e contra a decisão da autoridade sobre o pedido é cabível a interposição de Recurso
Administrativo, que tramitará no máximo por três instâncias administrativas. Sobre o prazo de
resposta dos Poderes Públicos ao Direito de Petição, temos que não há previsão, mas, por analogia ao
disposto na Lei 9.051/95, que disciplina o direito à certidões e informações (art. 5º, inc. XXXIV, "b",
CF/88), aplica-se o prazo de quinze dias, previsto na referida norma legal.
Contudo, havendo omissão do Poder Público suscitado pelo requerimento, o Cidadão ignorado
em seu direito constitucional líquido e certo de obter respostas da Administração Pública pode
manejar um Mandado de Segurança, que depende de Advogado, mas dada a sua prioridade de
tramitação o impetrante não teria maiores dificuldades em fazê-lo por meio da Defensoria Pública.
E como provocar a Justiça se o Poder Público apresentar resposta que não garanta o direito
alegado nem cesse a ilegalidade ou o abuso de poder que forem noticiados pelo Cidadão em sua
Petição ao respectivo Poder Público? Simples, pleitear junto ao Ministério Público ou Defensoria
Pública a proposição da competente Ação Civil Pública (Art. 5º, I e II, da Lei da Ação Civil Pública),
fornecendo-lhe todas as informações sobre o ato ilegal ou abusivo a ser impugnado.
Assim, percebe-se que o Cidadão (em sentido amplo) não se encontra completamente excluído
do exercício pleno da Cidadania, conforme os institutos acima descritos, contudo, todo o
procedimento é trabalhoso e leva certo tempo, da mesma forma que o Cidadão não exerce a sua
Cidadania diretamente, o que pode ser prejudicial no caso de uma questão que necessita de uma

230 MARTINS, Flávia Bahia, Ibdem, p. 165.

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medida urgente. Por isso, além de outras, esta é uma razão pela qual nosso Estado Democrático
necessita urgentemente da implementação de instrumentos de participação direta do povo na gestão
do Estado, em todos os âmbitos, e que garantam ao Cidadão o exercício da Cidadania em sua forma
plena, a mais ampla possível, pois a mesma é um Fundamento de nosso Estado Democrático de
Direito, sob pena de continuarmos com uma Democracia cada vez mais frágil, dada a crise de
representação política pela qual tem passado nosso país.
Nesse sentido, surge a pergunta: como se poderia criar mais instrumentos de participação
direta do povo em nossa Democracia? Os que se encontram dispostos na Constituição não são
suficientes?
A resposta à primeira pergunta é simples, pois já tem sido explanada nas linhas pouco mais
acima, que é a busca para se por em prática um conceito mais abrangente de Cidadania, ampliando a
atuação daqueles instrumentos que só admitem participação do Cidadão em seu sentido formal, ou
seja o eleitor.
Para a segunda pergunta a resposta é não. Os instrumentos de participação direta dispostos
na Constituição, não são suficientes. Exatamente porque a decisão dos representantes eleitos sempre
se contrapõe ao que é deliberado pelos que são chamados a participar diretamente, não vinculando a
ação dos representantes eleitos ao determinado pelas instâncias populares, exceto por algumas
exceções, terminando por ser uma participação direta quase que de fachada, somente pró forma ,
apenas pra constar. De forma que, seriam necessários instrumentos de participação direta que tragam
em seu bojo a obrigatoriedade de vinculação dos representantes eleitos ao que foi decidido pela
população, representando verdadeiramente a vontade do povo.
Tomemos o exemplo do Plebiscito e do Referendo, ambos regulamentados pela Lei 9.709/98,
assim como a Iniciativa Popular de Lei. Segundo, Marco Antonio Q. Moreira, há dois defeitos implícitos
na regulamentação dos referidos intitutos, posto que a Lei regulamentadora excluiu do povo a
possibilidade de convocação do Plebiscito e do Referendo, além de não definir o que é Questão de
Relevância Nacional, dando brecha à inércia dos mandatários políticos, visto que não estando claro,
bem como não havendo obrigação para os mesmos, cria-se um ambiente favorável à omissão. Assim,
em detrimento da Soberania Popular, ficou reservado a uma minoria dominante (representantes
eleitos) a decisão sobre e como exercer a Democracia Participativa no âmbito nacional.231 Não seria
mais adequado que a Lei regulamentadora pudesse definir o que é Questão de Relevância Nacional,
além de estabelecer a forma como o povo poderia provocar a realização de Plebiscito e de Referendo,
sobretudo de Plebiscito, haja vista este ser anterior ao ato legislativo/administrativo? Excluindo o
povo, suposto "detentor do Poder", da convocação do Plebiscito e do Referendo o constituinte
231 MOREIRA, Marco Antonio Queiroz. Democracia participativa no município. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, p. 21-22.

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terminou por limitar ainda mais a participação popular na gerência pública, que passa a não ter o
controle pleno de dois institutos de participação direta, restando somente a iniciativa popular
Segundo Alberto Antonio Zvirblis, outras vozes já clamaram por mudanças semelhantes na
Constituição, a exemplo do Movimento criado pela OAB e coordenado pelo jurista Fábio Konder
Comparato, em 2004, objetivando uma revisão ampla da Constituição, no sentido de se submeter
qualquer Emenda Constitucional a um referendo e de afastar a competência exclusiva do Congresso
Nacional para convocar o Plebiscito e o Referendo, conforme a seguir:

"Proposta de instração de uma CAMPANHA NACIONAL EM DEFESA DA


REPÚBLICA E DA DEMOCRACIA
Objetivos
1. Defesa da república: Impedir a subordinação do bem comum do povo
ao interesse particular, bem como a subserviência da nação ao interesse
estrangeiro.
2. Defesa da democracia: Instituir uma soberania popular efetiva e não
meramente simbólica.
[...]
Quanto ao objetivo democrático
A - Defender uma ampla revisão constitucional, objetivando:
1. Submeter toda e qualquer emenda constitucional ao referendo popular.
2. Suprimir da competência exclusiva do Congresso Nacional o poder de
autorizar referendo e convocar plebiscito (art. 49 - XV da Constituição
Federal)
[...]
Justificativa.
Já na primeira metade do século XVII, Frei Vicente do Salvador pôde
testemunhar o pouco caso que os colonizadores aqui demonstravam pelo
bem comum do povo e a prosperidade do país.
[...]
Daí sua inferência: 'Donde nasce também que nem um homem nesta
terra é repúblico nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do
bem particular'.
[...]
Quanto aos serviços públicos, o seu funcionamento em proveito da
coletividade sempre foi a última das preocupações dos nossos
governantes, de ontem e de hoje (“O que é fontes, pontes, caminhos e
outras coisas públicas”, denunciou o mesmo Frei Vicente do Salvador, “é
uma piedade”).
[...]
Quanto à prática democrática, é bem conhecido o juízo
desconsolado que dela fez Sérgio Buarque de Hollanda:
'A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-
entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de
acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os
mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da
burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à
situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração
externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a
época e eram exaltados nos livros e discursos”'(Raízes do Brasil,
capítulo VI).

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Quando essas linhas foram escritas, na década de 30 do século XX, o país


ainda não havia conhecido a substituição completa da “aristocracia rural e
semifeudal” pela burguesia industrial como classe dominante. Depois
disso, o empresariado industrial e o grupo ascendente dos
banqueiros mostraram sobejamente que a soberania popular, a
independência nacional e a proteção dos direitos humanos,
mormente os de natureza econômica e social, representam, para
as chamadas elites, meras figuras de retórica constitucional, a
serem prontamente afastadas, quando põem em risco a
realidade do governo oligárquico." (grifo nosso)232

Assim, conforme acima destacado na justificativa do referido projeto, a Soberania Popular


nunca passou de uma figura decorativa na nossa Constituição, a qual, ante qualquer ameaça ao poder
oligárquico efetivo que controla o país, é sumariamente ignorada em prol dos interesses das classes
dominantes, como podemos constatar dos vários exemplos de épocas históricas e de práticas anti
democráticas em nosso Estado "Democrático".
Um exemplo muito contundente da resistência reacionária ao avanço da Efetiva Democracia
em nosso país é um episódio ocorrido no início do segundo mandato da Presidenta Dilma Roussef, em
2014, no qual, após a mesma ter editado um Decreto 8.243/14, que instituiu a Política Nacional de
Participação Social, visando consolidar a participação social efetiva como método de governo,
estabelecendo formas de participação popular nos órgãos governamentais, inclusive as agências de
serviços públicos. A oposição na Câmara do Deputados, formada por partidos tradicionalmente
conservadores ofereceu pesada resistência ao Decreto, chegando até mesmo a editar Projeto de Lei
para anular os efeitos do mesmo, que não fez nada além de ampliar a participação popular no órgãos
públicos, sem mexer na representação política do povo, prevista na Constituição (art. 1º, parágrafo
único), o que, segundo, Regina Lucena, Doutora em Políticia Social pela UnB consistiu em uma
demonstração travamento ao avanço de uma maior participação popular na política:

"Os argumentos de que a Política é inconstitucional ou autoritária


(bolivariana, disseram alguns!) denotam a existência e capacidade
organizativa de forças conservadoras que rechaçam qualquer sinal de
ampliação da participação da sociedade na gestão das políticas
públicas."233

Sobre a Iniciativa Popular, que consiste na apresentação à Câmara dos Deputados de projeto
de lei, subscrito no mínimo pela parcela de um por cento do eleitorado nacional, distribuída ao menos
por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles, pode-se

232 ZVIRBLIS, Alberto Antonio. Op. cit., p. 93-94.


233 LUCENA, Regina. Nem 'decreto bolivariano', nem 'conselhos populares da Dilma'. Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/159767/Nem-decreto-
bolivariano-nem-conselhos-populares-da-Dilma.htm> Acesso em: 27 abr. 2016.

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destacar que mesmo consistindo em um processo de difícil execução por um indivíduo ou pequeno
grupo de pessoas (só uma associação, sindicato, ou entidade, ou pessoa com poder aquisitivo poderia
fazê-lo em cinco Estados), a principal dificuldade reside no fato de que não há previsão legal para a
confirmação popular após a votação do projeto no Congresso. O respeitável leitor pode perguntar:
por quê? Ora, por uma questão de coerência, se quando o projeto de lei é iniciado por um
deputado/senador ou comissão, em uma das casas do Congresso, e ao final votado (confirmado) pelo
grande grupo, o projeto iniciado pelo povo também deveria ser ao final confirmado pelo povo, ou
seja, através da realização de Referendo.
Mas alguém ainda pode perguntar: será que não existem outras formas de participação
popular na Constituição? Sim, além dos anteriormente mencionados, Ação Popular e Direito de
Petição, há outros instrumentos esparsos no texto constitucional, a exemplo do §3º, do art. 31, que
determina a colocação das contas do município, anualmente, por sessenta dias, à disposição dos
contribuintes para apreciação e questionamento destes e do previsto no §2º, do art. 74, o qual dispõe
que qualquer cidadão, partido político, associação e sindicato, na forma da lei, é parte legítima para
denunciar irregularidades que por ventura tenham conhecimento ao Tribunal de Contas da União,
além de outros institutos.
Outro exemplo importantíssimo de previsão da participação popular direta, permitindo o
exercício da Cidadania plena ao povo, é o que se encontra respaldado no art. 182, da Constituição,
que versa sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, a ser executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, sendo determinado pela Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade),
na qual é prevista a Gestão Democrática da Cidade, a saber:

"Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno


desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
mediante as seguintes diretrizes gerais:
[...]
II – gestão democrática por meio da participação da população e
de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano;" (grifo nosso)

Ou seja, o planejamento e a execução da política urbana constituem direito público subjetivo


da população local e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, mas que
não precisar ser jurista pra saber, que diante da inegável influência das grandes empresas empreiteras
na Administração Pública tal direito da população urbana é jogado ao esquecimento.
Importante é o alerta dado por Pádua Fernandes, em excelente artigo sobre o tema, no qual
ele assevera:

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"No tocante à moradia, têm prevalecido os interesses


corporativistas (dos corretores imobiliários, das construtoras) ou
da população em geral? A difícil efetividade do direito
urbanístico parece apontar para aqueles interesses.
[...]
Em São Paulo, pode-se apontar um atual e “intenso processo dirigido de
elitização, glamorização e limpeza patrocinado pelos poderes públicos
municipal, com apoio do poder público estadual e de decisões
importantes do poder judiciário” (TEIXEIRA, COMARU; CYMBALISTA;
SUTTI, p. 18, 2005). Desde 2005, espaços públicos no centro da cidade
têm sido gradeados e fechados, a represssão ao comércio ambulante tem
sido intensificada.
[...]
Ademais, o Poder Judiciário vem concedendo liminares em ações
possessórias em prédios particulares, antes vazios, e ocupados pelos
movimentos sociais, removendo os ocupantes em evidente desacordo
com o artigo 1210, § 2º do Código Civil: “Não obsta à manutenção ou
reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito
sobre a coisa.”
[...]
Exemplo preocupante de violação pelo Judiciário ao princípio da função
social da propriedade é o processo 03.018530-0, que tramita na 25ª Vara
Cível de São Paulo, da Axel Empreendimentos Imobiliários contra o
Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC). Trata-se de ação de
reintegração de posse sobre o imóvel da Avenida Prestes Maia,
n. 911 que, depois de vazio por doze anos, foi ocupado pelo
MSTC e serve de abrigo a mais de quatrocentas famílias. Apesar
disso, o juiz Rodrigo Nogueira concedeu liminar favorável a Axel,
que nunca registrou o imóvel, arrematado em leilão, e também
não pagava o IPTU. É de notar que o Ministéiro Público do Estado
de São Paulo, que atuou pela Promotora de Justiça Mabel
Schiavo Tucunduva Prieto de Souza, manifestou-se
favoravelmente à reintegração, afirmando que o risco daquelas
famílias era continuar no prédio – e não ficar na rua. Do lado do
Executivo, o Diretor-Presidente da Companhia Metropolitana de Habitação
de São Paulo, Edsom Ortega Marques, decidiu paralisar o processo de
desapropriação do prédio que havia começado na gestão municipal
anterior." 234(grifo nosso)

Mesmo depois das palavras acima, algum leitor poderá questionar ao autor: mas se existem
tantas previsões de participação direta da população na gestão pública, como você pode falar que
precisamos de ainda mais instrumentos de Democracia Participativa? Ora, porque apesar de estar
previsto na Constituição e nas Leis, é pouco cumprido, ou quando é cumprido, o é de maneira
acanhada, apenas para constar, pró forma, necessitando de instrumentos mais eficazes de
participação direta da população nas políticas públicas do Estado.
Um exemplo muito claro disso é o caso do Cais José Estelita, aqui em Recife, mediante o

234 FERNANDES, Pádua. A eficácia da gestão democrática das cidades e os instrumentos jurídicos de ação coletiva. Disponível em:
<http://www.ibdu.org.br/imagens/Aeficaciadagest%C3%A3odemocraticadascidadeseosinstrumentos.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.

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projeto Novo Recife, no qual seriam construídos doze prédios residenciais ocupando uma área imensa,
prejudicando a paisagem histórica da cidade e descumprindo a legislação de parcelamento do solo
urbano, sendo que, se os movimentos sociais não houvessem feito uma campanha maciça de defesa
(#OcupeEstelita), sensibilizando várias instâncias da sociedade civil, a intervenção urbana desastrosa
seria aprovada na sua forma original, na calada da noite e seria difícil reverter a situação.
Embora a anulação judicial da compra do terreno tenha sido revertida no TRF5, a mobilização
popular foi importante para dar visibilidade e inibir um pouco as pretensões do consórcio de
empreiteiras, de forma que o Ministério Público Estadual e os movimentos sociais ainda mantém sua
luta, principalmente contra as reuniões do CDU, que a gestão municipal tem insistido em limitar a
participação popular, descumprindo o Estatuto da Cidade235.
Tudo isso revela uma violação constante ao exercício da Cidadania plena em nosso país, que
continua constando apenas no papel, com pouca efetividade. Assim, sendo o exercício da Cidadania
um Direito Fundamental, importante destacarmos a sua relação inequívoca com os Direitos Humanos,
uma vez que numa sociedade na qual estes são constantemente violados, não se pode falar que o
direito à Cidadania está sendo respeitado. Nesse sentido, segundo Lindgren Alves: "Desde que o
absolutismo foi superado nos Estados modernos, os conceitos de soberania e cidadania são
vinculados à ideia de direitos humanos"236.
Dessa forma, considerando que o reconhecimento dos Direitos Humanos tem sua origem na
aversão à tirania absolutista e que os direitos políticos são parte importante dos mesmos, foi
inevitável que os Estados modernos rumassem em direção a governos cada vez mais democráticos,
onde o exercício da Cidadania desempenha função indispensável à manutenção do Estado. Portanto,
se a queda do absolutismo ocorreu com o surgimento do Estado Liberal, que é caracterizado pelo
amplo respeito às liberdades individuais (Direitos do Homem), estando os direitos políticos entre
estas, é inegável que a perpetuação destas garantias ao longo dos séculos necessitou que a
participação dos indivíduos no governo fosse gradativamente aumentada, surgindo a necessidade da
formação de Estados Democráticos, demonstrando a relação intrínseca entre Estado Liberal, Direitos
Humanos e Estado Democrático, pois o primeiro fez com que os segundos fossem reconhecidos e o
terceiro é necessário à manutenção do segundo. É o que também extraímos da poderosa lição de
Norberto Bobbio:

“Disto segue que o Estado Liberal é o pressuposto não só


histórico, mas jurídico do Estado Democrático. [...]Em outras
palavras: é pouco provável que um Estado não-liberal possa

235 MPPE pede anulação de reuniões que aprovsram projeto Novo Recife. Disponível em:<http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2016/01/mppe-pede-anulacao-de-
reunioes-que-aprovaram-projeto-novo-recife.html>. Acesso em: 28 abr. 2016.
236 ALVES, J. A. Lindgren. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 44.

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assegurar um correto funcionamento da Democracia, e de outra


parte é pouco provável que um Estado não-democrático seja
capaz de garantir as liberdades fundamentais.” (grifo nosso)

Nesse sentido, a garantia do exercício da Cidadania ocupa posição privilegiada na manutenção


do regime democrático, consequentemente na preservação dos Direitos Humanos, que aparentemente
parecem coisas distintas, mas que há na verdade um fio-condutor que as liga. Ou seja, não podemos
negar a relação necessária entre Direitos Humanos, Democracia e Cidadania, pois se não fossem
reconhecidos os primeiros, os Estados modernos não adotariam o regime democrático como regra e
não sendo democráticos os governos não existe o exercício da Cidadania como a conhecemos hoje em
dia, da forma que está disposta no art. 1º, II de nossa Constituição Federal.
Assim, face à essa relação necessária que há entre Cidadania e Direitos Humanos em um
Estado Democrático, assegurando-se a observância e o respeito aos mesmos, visto serem mais
amplos e abrangentes, naturalmente o exercícico daquela será promovido, pois, havendo Direitos
Humanos reconhecidos e protegidos, cria-se o ambiente para que os indivíduos livres reconheçam e
respeitem o outro como portador de dignidade humana e detentor do direito ao mínimo essencial.
Mas como falar em Direitos Humanos, em um país no qual grande parte das pessoas acha que
estes só servem para livrar a cara dos bandidos? Como dialogar como uma sociedade cada vez mais
repleta de discursos de ódio e de discriminação? Este autor ainda acredita que a construção de uma
cultura de reconhecimento e de respeito aos Direito Humanos é o caminho para se chegar a um início
de diálogo. Tal medida se faz necessária pois é primordial ensinar a sociedade a olhar o outro com
respeito e como sujeito de direitos, além de merecedor de dignidade. Se os seres humanos não
tiverem a capacidade de, no mínimo, tentarem entender e respeitar uns aos outros, ainda que não
concordem com suas respectivas convicções, viveremos uma eterna mentira, pois toda a ideia de
sociedade, na qual todos colaboram entre si para o bem comum cai por água abaixo, restando uma
visão excludente, proliferando-se individualismo e egoísmo.
Essa missão se torna ainda mais difícil em um mundo globalizado, no qual impera a lógica de
mercado forte (Estado mínimo), tornando-se cada vez mais atraente para parcelas consideráveis da
sociedade, criando-se um ambiente desfavorável ao reconhecimento e proteção dos Direitos
Humanos, pois reconhecer e proteger tais direitos não é do interesse daqueles que controlam o
mercado, já que potenciais empregados e/ou consumidores com mais direitos representam mais
despesas e menos lucros. Por isso a Educação em Direitos Humanos tem se mostrado cada vez mais
como uma alternativa eficaz, embora demorada, para se alcançar esse objetivo por enquanto utópico
de um mundo repleto de pessoas que pratiquem uma cultura permanente de reconhecimento e
respeito aos Direitos Humanos.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Mas, como praticar uma Educação em Direitos Humanos que cumpra efetivamente essa
missão? Dando consciência do poder da Cidadania e de seu exercício, como elemento fortalecedor da
Democracia e promotor do respeito aos Direitos Humanos?
Caros leitoras e leitores, o direito à Educação, além de ser um Fundamental, é também um
Direito Público Subjetivo, e apesar de estar apenas citado como direito social no caput do art. 4º, de
nossa Constituição, é no art. 205 da mesma que a Educação tem seu objetivo ampliado, vejamos:

"A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho." (grifo nosso)

Vemos que o presente diploma legal, o qual se encontra disposto em nossa Carta Magna, fala
tanto da Educação Formal (Estado), como da Não Formal (família), externando um conceito amplo de
Educação, que também deve ser voltada, além de outras coisas, para preparar o indivíduo a exercer a
Cidadania. Dessa forma, deve ser objetivo da Educação o preparo para o exercício da Cidadania, de
forma que uma Educação em Direitos Humanos cumpriria esse objetivo de forma ampla e irrestrita,
uma vez que formar uma cultura de respeito aos Direitos Humanos, estar-se-ia certamente
preparando o indivíduo para exercer a sua Cidadania. É o que também afirma em suas palavras
Aldemir Berwig: "[...]verificamos, que para um indivíduo ser considerado um cidadão, além de ser um
'sujeito de direitos' - que é o status da cidadania, ele deve ter conhecimento de seus direitos"237
(grifo nosso). O que consiste em uma conclusão lógica, pois, como se pode defender seus direitos, ou
seja, exercer a sua Cidadania, se o indivíduo não tem conhecimento dos mesmos? Portanto, por
argumentos simples fica mais do que comprovada a necessidade de uma efetiva Educação em Direitos
Humanos na nossa sociedade.
Ciente dessa necessidade a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura) formulou o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, que tem como
objetivo o objetivo de promover a aplicação de programas de educação em direitos humanos em
todos os setores da sociedade mundial. Inspirado no programa mundial, o Estado brasileiro, em
articulação com organismos internacionais, instituições de educação superior e com a sociedade civil
organizada, formulou o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que busca por meio da
conscientização de todos os setores da sociedade brasileira, sobretudo, de setores mais sensíveis,
portanto estratégicos, difundir a cultura de direitos humanos no país inteiro. Cumpre destacarmos um
trecho do referido plano (versão 2007), que enfatiza a relação e a importância da Educação em

237 BERWIG, Aldemir. Educação em direitos humanos: enfoques teórico-metodológicos. Educar em direitos humanos! In: CONSTRUINDO a cidadania: desafios para
o século XXI. Capacitação em rede. Coordenação geral: Aida Monteiro Recife: Comunigraf Editora, 2001, p. 102.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Direitos Humanos e a construção da Cidadania, vejamos:

"O processo de construção da concepção de uma cidadania


planetária e do exercício da cidadania ativa requer,
necessariamente, a formação de cidadãos(ãs) conscientes de
seus direitos e deveres, protagonistas da materialidade das
normas e pactos que os(as) protegem, reconhecendo o princípio
normativo da dignidade humana, englobando a solidariedade
internacional e o compromisso com outros povos e nações. Além disso,
propõe a formação de cada cidadão(ã) como sujeito de direitos,
capaz de exercitar o controle democrático das ações do Estado. A
democracia, entendida como regime alicerçado na soberania popular, na
justiça social e no respeito integral aos direitos humanos, é fundamental
para o reconhecimento, a ampliação e a concretização dos direitos. Para
o exercício da cidadania democrática, a educação, como direito
de todos e dever do Estado e da família, requer a formação
dos(as) cidadãos(ãs)" 238(grifo nosso)

Do exposto, para que os indivíduos tenham condições de exercer a sua Cidadania, não resta
dúvidas da importância da conscientização dos mesmos da existência de direitos que têm pelo simples
fato de serem humanos, direitos necessários à garantia de um mínimo existencial para viver em
sociedade.
Por fim, a Cidadania constante do art. 1º, II, de nossa Constituição, como Fundamento do
Estado, ainda não tem sido respeitada de forma plena, mas o enganjamento cada vez maior dos
movimentos sociais e das instituições que defendem o Cidadão tem mostrado que a luta ainda não
acabou, de forma que o reconhecimento da sua relação intrínseca com os Direitos Humanos talvez
seja um caminho interessante a ser percorrido na busca pela sua efetividade. Nesse sentido,
passaremos a falar sobre o terceiro Fundamento do Estado, a Dignidade da Pessoa Humana, que
talvez, após o princípio democrático, seja o princípio mais importante de nossa Constituição.

238 BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: 2007. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, 2007, p. 23-24.

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V
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1. A Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento Constitucional

No art. 1º da Constituição Federal, o inciso III estabelece a Dignidade da Pessoa Humana


como Fundamento de nosso Estado Democrático de Direito.
Fernando Ferreira dos Santos, citado por Eliane Ferreira de Sousa, vem trazer a Dignidade do
Ser Humano como garantidora não apenas da liberdade, mais algo além, vejamos:

"Segundo Santos, a instituição do princípio da dignidade da pessoa


humana como fundamento do Estado Democrático de Direito importa não
apenas o reconhecimento formal da liberdade, mas a garantia de
condições mínimas de existência, em que uma existência digna
se imponha como fim da ordem econômica, não se tolerando
profundas desigualdades entre os membros de uma sociedade."239 (grifo
nosso)

Do exposto, temos a principal dimensão e objetivo do princípio da Dignidade da Pessoa


Humana, qual seja de impor à ordem político-econômica a obrigação de fornecer uma existência digna
de todos os cidadãos, a fim de se garantir as condições mínimas de existência, o mínimo existencial,
da mesma forma que busca evitar que o tratamento degradante do indivíduo humano, quando o
mesmo passa a ser tratado como coisa, perdendo seu status de sujeito para ser considerado como
objeto.
Não podemos esquecer o papel de tal princípio em nossa ordem jurídico-social, uma vez que
alçado à categoria de fundamento do Estado, nada, exatamente nada, pode ser legislado, executado
ou decidido, sem que se respeite a dignidade humana, pois ela constitui fundamento de nosso Estado,
razão de existência do mesmo. Uma conclusão óbvia, pois se o elemento finalístico de todo Estado é o
bem comum, não pode existir um Estado se este não considerar cada um de seus indivíduos como
portador de uma dignidade natural e inviolável.
A origem do conceito de dignidade humana remonta séculos de nossa história, podendo ser
localizada inclusive em escritos bíblicos, mas atingindo uma certa maturidade com a chegada do
humanismo renascentista, que elege o homem como a medida de todas as coisas, o que certamente
nos leva ao imperativo kantiano do homem como um fim em si mesmo.
Por essa razão, parte considerável da doutrina e da jurisprudência considera o princípio da

239 SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para desenvolvimento do país. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

Dignidade da Pessoa Humana como dotado de um valor pré-constituinte e de hierarquia


supraconstitucional. Não é o caso do professor Luis Roberto Barroso, que não retira sua importância,
mas considera o princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um princípio jurídico dotado de
status constitucional240.
Pequenas divergências à parte, não à toa, sua força orientadora pode ser identificada como
origem de vários Direitos Fundamentais, a exemplo do direito à vida, à igualdade, à integridade física,
à integridade moral ou psíquica, à proteção contra exploração no trabalho, à proteção contra o
racismo e contra a discriminação, à personalidade, ao nome, dentre outros. Por isso mesmo Canotilho
e Vital Moreira, citados por José Afonso da Silva, ao falarem sobre o referido princípio, afirmam ser o
mesmo “concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais”241.
Embora o conceito seja antigo, é fato que os horrores praticados contra os judeus pelo
nazismo na Segunda Guerra Mundial sensibilizaram o mundo de tal forma, a ponto de se criar uma
comunidade internacional de nações para se discutir a humanidade do futuro, o que terminou na
criação da Organização das Nações Unidas e na consequente redação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948. É nesse documento histórico que pela primeira vez encontramos a
dignidade mencionada como condição natural, pois além de nascerem livres e iguais em direitos, os
seres humanos também nascem iguais em dignidade, de acordo com o Artigo I da Declaração.
Como sabemos, o alicerce central da existência dos Direitos Humanos é um fundamento
jusnaturalista, uma vez que esses constituem direitos inerentes aos seres humanos exatamente por
existirem no mundo, próprios de sua natureza, pois que qualquer humano, independente de qual seja
sua corrente de pensamento, tem direito à vida e à liberdade, entre outros. Contudo, a doutrina
jurídica que orientava o mundo no qual ocorrerram as duas grandes guerras era o Positivismo Jurídico,
que diante dos horrores instrumentalizados pelos regimes totalitários, mostrou-se insuficiente para
combatê-los, uma vez que tais regimes perpetravam seus horrores ao arrepio do direito posto, ou
seja, do direito positivado.
Por essa razão, mostrou-se necessário um diálogo entre o direito positivo e o direito
natural, a fim de que fossem estabelecidos fundamentos supralegais, a serem usados como
princípios orientadores das normas jurídicas. Nesse sentido, a Dignidade da Pessoa Humana passa a
representar um valor supremo, que deve atrair todos os outros valores para si, orientando a
formulação de todos os diplomas legais, direcionando todo o ordenamento jurídico, independente de
se encontrar positivado ou não, pois se a existência digna do indivíduo humano é o maior valor a ser
buscado, não pode a sociedade se organizar de forma a violentar a dignidade humana, sob pena de
240 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 273.
241 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 105.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

estar se auto fragelando, sabotando a si própria.


Uadi Lammêgo Bulos esclerece um pouco mais sobre a importância, in verbis:

“Quando o Texto maior proclama a dignidade da pessoa humana, está


consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional
supremo.
[…] A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores
civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem.
[…] Sua observação é pois obrigatória para a exegese de
qualquer norma constitucional, devido à força centrípeta que
possui.” 242(grifo nosso)

Do exposto, essa força centrípeta da Dignidade da Pessoa Humana atrai todo e qualquer valor
constitucional para si. Tamanha a grandeza desse princípio que mesmo sem determinação expressa
em alguma norma jurídica, ele produz seus efeitos. Aliás, muitas vezes nem precisamos positivar um
valor expressamente no texto legal para que o mesmo produza efeitos. Em vários casos, a simples
defesa de um direito em determinado contexto social, quando positivada, já traz consigo toda uma
carga axiológica que direciona e condiciona o texto legal.
Os valores atrelados à dignidade da pessoa humana dão testemunho disso, a exemplo da
Constituição Mexicana de 1917, a primeira no mundo que estabeleceu a desmercantilização do
trabalho243, deslegitimando a exploração cruel da mão-de-obra humana. Dessa forma, ao desconstituir
a mera utilização do ser humano como meio para um fim pretendido apenas pelos empregadores
exploradores, a referida Constituição aplicou claramente os valores inerentes ao princípio da dignidade
humana, sem ter ao menos escrito uma única vez a palavra dignidade.
Em nosso singelo entendimento, a dignidade humana deve ser tanto origem como finalidade
de todas as sociedades. Ora, se os assentamentos humanos se organizam em prol do bem comum de
todos, construindo valores, criando instituições e se organizando politicamente para atingir o mesmo,
temos que garantir o mínimo de dignidade a cada membro da comunidade, a fim de que todos
iniciem essa busca em uma condição de igualdade mínima, representada pela garantia de uma
dignidade humana inviolável a todos. Por essa razão, no caminho de busca pelo bem comum, do bem-
estar para todos os membros da comunidade, não faz sentido chegar a este objetivo sem que o
mesmo não garanta a inviolabilidade da dignidade humana, uma vez que é o sentimento de ser digno,
de ser respeitado e valorizado pela sociedade que faz com que o indivíduo tenha vontade de continuar
membro de uma comunidade. Nesse sentido, o ser humano deve ser tratado com dignidade
justamente por ser humano, a partir de que, ao buscar consolidar todos os seus interesses, a

242 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 509.
243 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 193.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

sociedade deve operar de forma que ao alcançar seus objetivos, estes não terminem por violar a
dignidade da pessoa humana.
Assim, embora experimentemos o paradigma da igualdade material, que trata de forma igual
os iguais e de forma diferente os desiguais, chegamos na condição de afirmar que a igualdade tem
um conteúdo mínimo a ser observado: o respeito à dignidade da pessoa humana, uma vez
que tratar com igualdade sem respeito à dignidade humana é o mesmo que alimentar alguém ao
mesmo tempo que lhe tira o teto sobre a sua cabeça, deixando-o ao relento. O mesmo raciocínio é
aplicado a todas as normas, institutos e princípios de nosso ordenamento, que nunca poderão
contrariar a dignidade da pessoa humana.
A exemplo de várias constituições nacionais redigidas no pós-guerra, nosso legislador
constitucional deu destaque ao referido princípio, mais com um diferencial, alçou a Dignidade da
Pessoa Humana ao status de FUNDAMENTO DO ESTADO, constiuindo-se tal princípio como o fiel
balizador de todos os outros princípios constitucionais, de forma que nada em nosso ordenamento
pode ser legislado, executado ou decidido sem a sua devida observância, sendo a dignidade humana
o postulado máximo de nosso país.
Tamanha a força do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que o status de fundamento
estatal dado pelo nosso legislador terminou por lhe fornecer um papel central na formação do Estado,
orientando todos os valores presentes em nossa Constituição, que passam a ter tal princípio como
parâmetro, como referência maior, definindo seu campo de atuação, que não pode chegar a pontos
que retirem o vigor pugente desse super princípio constitucional.
Assim, nosso Estado tem seus fundamentos muito bem apontados no início de nossa
Constituição, sendo portanto soberano, tendo sua identidade própria, sem depender da vontade de
outros Estados. O indivíduo nacional dispõe do atributo da Cidadania, que lhe permite ser o
protagonista da vida de seu próprio Estado. Os valores do trabalho e da livre iniciativa unem-se no
mesmo fundamento estatal, para evitar que esta subordine o trabalho humano. A pluralidade política
é protegida, a fim de que não haja sobreposição de uma determinada visão política sobre outras.
Contudo, nenhum desses fundamentos opera em sua plenitude sem que se respeite a
dignidade da pessoa humana, sendo esta a coluna mestra, o alicerce de nossa Constituição, de forma
que no momento que o referido princípio passar a ser sistematicamente vilipendiado, nosso Estado
não será mais o mesmo que se encontra positivado em nossa Carta Magna.
A exemplo de vários países no mundo, sobretudo aqueles que enfrentaram governos ditatoriais
na América Latina, nosso atual Estado Democrático foi cunhado por uma Constituição que traz consigo
valores destinados a tentar prevenir que o passado negro retorne. A base ideológica presente na
Constituição de 1988 faz com que a mesma seja, acima de tudo, um “Documento político-jurídico” de

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

prevenção e proteção contra regimes autoritários e totalitários, como já dissemos em linhas


anteriores, de forma que nossa Constituição não faz nada mais do refletir o sentimento que imperava
nos corações dos brasileiros no momento de sua promulgação: afastar definitivamente o
fantasma da ditadura militar.
O exame detalhado do momento funesto que representa a ditadura militar em nosso país,
marcada por episódios de extremo desrespeito à dignidade da pessoa humana, proporciona a todos
um entendimento muito claro de que a maior parte dos fundamentos políticos, econômicos e sociais
da criação do atual Estado de Direito do qual fazemos parte, foram motivados pela mais completa
aversão e repugnância a tudo que foi perpretado naqueles anos de chumbo.
Dessa forma, quando falamos de dignidade humana em nosso ordenamento jurídico, ao
tentarmos entender a sua posição de importância em nossa Constituição, inevitavelmente teremos
que revisitar toda a realidade cruel e desumana que instrumentalizou a ditadura militar em nosso país.
Trazemos novamente o exemplo do episódio ocorrido com Gregório Bezerra, conhecido
militante político do PCB, que foi preso imediatamente após o golpe civil-militar de 1964 nas
proximidades do município de Cortês/PE. Em seguida, foi transferido para o Recife, sendo brutalmente
torturado e arrastado por praça pública, no bairro de Casa Forte, com uma corda no pescoço,
constituindo-se um verdadeiro espetáculo de horror, exibido inclusive pelas televisões locais à época,
além de ter seus pés imersos em solução de bateria de carro, até ficarem completamente em carne
viva.244
Em todo o país, no período mais violento da ditadura, Forças Armadas e Forças Policiais
operavam em conjunto nas atividades da intensa máquina de repressão que funcionaou por ocasião
do regime militar, a exemplo do que ocorreu em São Paulo, com o aparelhamento da Operação
Bandeirantes, que foi um órgão repressivo criado exclusivamente para identificar, localizar e capturar
integrantes de grupos subversivos no no referido Estado, que fazia uso das estruturas do Exército e
das Polícias para disfarçar as práticas de tortura, invasão de domicílios e assassinato, de forma a dar-
lhes uma aparência de legalidade operacional.245
Como já mencionamos anteriormente, a matança produzida por todo esse aparato de
repressão crescia de maneira tão vertiginosa que em várias ocasiões chegou a produzir mais mortes
do que se podia encobri-las. Quando a situação chegava a esse ponto é que começava a estratégia do
desaparecimento dos corpos. No depoimento do ex Delegado do DOPS capixaba, Cláudio Guerra, que
trabalhou com um dos grandes torturadores militares, exibido no documentário Chumbo Quente, 50

244 GREGÓRIO LOURENÇO BEZERRA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2013. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Gregório_Lourenço_Bezerra>. Acesso em: 17 ago. 2014.
245 JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo. Tese apresentada para a obtenção do título de
doutorado em história social no departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/dados/teses/a_pdf/tese_mariana_joffily.pdf> Acesso em: 15 abr. 2015. São Paulo, 2008, p. 33-35.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

anos de Golpe, o mesmo descreve como surgiu a ideia de incinerar corpos em usinas, pois segundo
ele, os órgãos de informações tavam se excedendo e o mecanismo antes usado de cortar pessoas em
pedaços, enterrando em cova rasa estava trazendo transtorno, surgindo daí a ideia de se incinerar os
corpos para destruir as evidências246.
Daí podemos ter a devida noção da imensa brutalidade praticada pelo regime autoritário que
fazia uso do próprio Estado para perseguir seus opositores de forma cruel, desumanizando-
os, fazendo o que não se faz nem com um animal, pois o animal de corte a gente abate com o
mínimo de sofrimento e somente para servir de alimento.
Frente a tudo isso que foi explanado, podemos entender que a Constituição Federal privilegiou
o princípio da dignidade da pessoa humana com status de fundamento do Estado não somente com a
função de nortear as normas e os princípios constantes da mesma, a fim de garantir o mínimo
existencial para que o cidadão nacional viva com a dignidade que lhe deve ser inerente. Percebe-se
que ele também serve de alerta, para mostrar que formas de pensamento autoritárias e totalitárias
não têm espaço em nosso Estado Democrático, que desautoriza com toda energia qualquer prática
que afronte a dignidade da pessoa humana, valor máximo de nosso Estado, valor máximo de
referência do Estado de Direito.

2. A Dignidade da Pessoa Humana de Fato

Nas linhas acima tomamos contato com o conteúdo, a dimensão e o objetivo do princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, que é justamente de impor à nossa ordem político-econômico-social a
garantia das condições mínimas de existência, do mínimo existencial ao cidadão de nosso país, além
de evitar toda forma de tratamento degradante do indivíduo humano, não permitindo que seja tratado
como coisa, como meio para um fim qualquer.
Assim, uma vez alçado à categoria de FUNDAMENTO DO ESTADO, nada, exatamente nada,
pode ser legislado, executado ou decidido sem que se respeite à dignidade humana, levando-nos à
uma conclusão óbvia, pois constituindo-se o bem comum em elemento finalístico de todo Estado, não
há como existir um Estado que não considerar cada um de seus indivíduos como portador de uma
dignidade natural e inviolável.
Não é à toa que parte considerável da doutrina e da jurisprudência considera o princípio da
Dignidade da Pessoa Humana como dotado de um valor pré-constituinte e de hierarquia
supraconstitucional. Contudo, por razões que apontaremos em seguida, nosso país não parece
respeitar tal princípio, que na prática ainda está longe de ser como a Constituição o prevê.
246 Cf. CHUMBO Quente, cinquenta anos de golpe. [Documentário] Direção e Edição Executiva: Emília Ferraz. Produção: Laine Fabricio. São Paulo: TV Brasil, 2014.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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Prezado leitor, conforme afirmamos em algumas poucas linhas acima escritas, no momento em
que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana passar a ser sistematicamente vilipendiado, nosso
Estado não será mais o mesmo que se encontra positivado em nossa Constituição, o que, pra nossa
infelicidade, há muito tempo tem ocorrido.
Não é preciso procurar muito pra encontrar violações à dignidade humana, pois se o estimado
leitor for até algum hospital público de médio ou grande porte de alguma capital brasileira,
seguramente vai encontrar pessoas sendo atendidas em leitos improvisados, muitas vezes em macas
dispostas no chão e em alguns casos nem macas, nem cadeiras, nem nada. Em alguns casos as
pessoas ficam no chão mesmo, em um claro descaso aos direitos mais fundamentais da pessoa
humana.
Outra forma muito prática de se observar como há muito tempo a dignidade da pessoa
humana é vilipendiada, é visitar uma escola pública de um bairro pobre ou em um distrito rural de
algum município e observar que em muitos casos as próprias condições de estrutura física das escolas
são completamentes desfavoráveis, dispondo de salas de aula claustrofóbicas, com bancas
deterioradas, sem ventiladores, ou quando muito com um ventilador velho quebrado que ninguém
vem consertar. Diga-me caro cidadão, há condições de uma criança aprender o básico dentro de um
ambiente insalubre como o de muitas escolas que conhecemos? Há dignidade humana na criança
que é obrigada a “tentar aprender” em um ambiente insalubre?
E isso tem se perpeutado por muitos anos em várias cidades. Entra governo, sai governo,
independente da bandeira do partido, a dignidade da pessoa humana tem sido violada de forma
sistemática pela sociedade. Falo em sociedade pois a partir do momento que tal princípio encontra-se
positivado em nossa Constituição, não somente o Estado, figura de direito público, é responsável pelo
atendimento aos fundamentos constitucionais do mesmo. Todos nós somos o Estado e temos
responsabilidade pelo que está positivado em nossa Constituição, pois quando esta elege a dignidade
da pessoa humana como FUNDAMENTO DO ESTADO, todos nós sem exceção devemos trabalhar para
que ela seja respeitada.
Pode parecer exagero, mas um simples tratamento mal humorado realizado contra um
funcionário de uma loja pode representar um descaso à dignidade humana. Todos sabemos que nosso
povo tem dentro do inconsciente coletivo uma espécie de ranso aristocrático, que algum chamam
popularmente de “síndrome de rei do camarote”. Dessa forma, é comum observarmos pessoas que
mesmo sendo de classes menos privilegiadas financeiramente humilham outras sem necessidade na
hora que estão sendo atendidas por um vendedor. É nas condutas simples do dia-a-dia que podemos
observar a potencialidade danosa de determinados comportamento sociais, que se não são
desestimulados podem incorrer em condutas muito mais graves.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

É fato notório que nas últimas décadas nossa sociedade tem demonstrado um comportamento
muito mais individualista, nos qual o indivíduos buscam muito mais por satisfação imediata de suas
necessidades pessoais, sem de qual natureza elas sejam, implicando muitas vezes em pessoas que
não conseguem conviver adequadamente com a frustração. Criando uma sociedades de pessoas cada
vez mais egoístas e imediatistas com total incapacidade de empatia, não conseguindo se colocar no
lugar do próximo. E isso interfere diretamente na percepção da existência de uma dignidade inerente
a cada ser, de forma que pessoas com tais comportamentos nunca entederão que a dignidade é de
todos e se em algum momento usam a palavra dignidade é somente quando se referem a si, nunca
pensando que outros têm dignidade.
Ainda que tenhamos passado por um período recente de maior dedicação estatal às políticas
sociais, é fato que mesmo nessas condições a dignidade humana não foi totalmente garantida em
nosso país, que continua sofrendo com o descaso dos governantes e das elites quanto a real situação
das pessoas humanas que formam a população. Tal fato nos leva ao outro extremo da situação, pois
mesmo que a intensa maioria dos indivíduos de nossa população demonstrassem entender que a
dignidade da pessoa humana é valor que pertence a todos, sem distinção, estaríamos com uma
sociedade repleta de boa intenção, mas inserida em um sistema econômico que tem passado a ser
cada vez mais agressivo com o indivíduo humano, portador de dignidade inerente.
O capitalismo atual, caminha cada vez mais para um quadro de retrocesso que nos levará a
um sistema econômico brutalmente injusto, onde imperará o livre comércio sem restrições, o sonho
dos liberais mais conservadores, uma verdadeira volta ao capitalismo imediatamente pós revolução
industrial, ao liberalismo na sua mais pura versão. Há muito tempo o mestre Bauman tem apontado
sinais disso em suas obras que têm como eixo orientador a crescente flexibilização da natureza do
indivíduo humano causada pelas transformações do mundo pós-modernos. Os tempos de uma
modernidade líquida, nos quais não há forma definida, apenas substância e volume. Tempos de uma
globalização agressiva e generalizadora.
No que diz respeito à (des)valorização da dignidade da pessoa humana, nosso país não é
alheio a essa modernidade toda, uma vez que as mudanças provocadas pelo mercado internacional
nunca foram tão rapidamente cooptadas pela economia brasileira, trazendo consequências no mundo
jurídico. Quer ambiente melhor do que o mercado de consumo para avaliarmos tal afirmação?
Pois bem, estamos há quase trinta anos da edição do nosso Código de Defesa do
Consumidor, e, apesar de suas normas manterem-se atualizadas, dado o caráter além do seu tempo
do Código, os violadores dos direitos básicos do Consumidor nunca estiveram tão livres para
perpetuar suas maldades. Mesmo diante da ampla proteção dada pelo reconhecimento da
necessidade de proteção do consumidor, de todo um sistema criado para tal, das várias agências

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

reguladoras criadas, o consumidor, de uma forma geral, ainda se encontra extremamente vulnerável,
uma vez que os violadores terminaram por se especializar cada vez mais na litigância,
fazendo muito mais sentido e ser menos dispendioso não respeitarem as regras, apostando na inércia
do consumidor diante do desrespeito e, caso o mesmo termine por acionar o Judiciário, ao
conhecerem plenamente o sistema judicial de litigância, sabem que os processo demoram muito para
serem julgados e a sua especialização na atividade termina por dar recursos para protelarem a sua
responsabilização até o último momento, muitas vezes terminando por se livrarem de condenações,
dada a morosidade do Judiciário.
É uma lógica de mercado desprovida de interesse no respeito à dignidade humana, um
mercado cada vez mais voltado ao lucro máximo, sem qualquer intenção de responsabilidade social,
tampouco de respeito ao consumidor. Eles fazem o que querem e o Estado não faz nada. Permite que
as grandes corporações usem e abusem do material humano sem qualquer consequência para elas.
Talvez encontremos uma das respostas pra tal situação, justamente na concepção de nosso
ordenamento jurídico, que embora seja amplamente dotado de valores e princípios intimamente
ligados à dignidade da pessoa humana, instrumentalmente, ou seja, na prática, favorece a uma
minoria privilegiada, uma vez que o efetivo acesso ao Poder Judiciário é dado a poucos. Mas apenas a
ineficácia do Judiciário não é suficiente para demonstrar a injustiça instaurada em nosso ordenamento
jurídico, posto que na grande maioria das vezes o mesmo é instrumentalizado somente na ocorrência
do litígio, do conflito instaurado.
Na verdade, somos uma sociedade pouco acostumada a incentivar o indivíduo a
reconhecer o direito do outro. Fomos incentivados a reconhecer o nosso direito, a lutar por ele,
somente. Não somos incentivados a reconhecer que o outro tem direito. Ou seja, os vários
instrumentos de formação social apontam sempre para que os indivíduos tomem consciência do seu
direito, não se importando se os cidadãos entenderão que o outro também tem direito. Na prática, o
Estado limita-se apenas a reconhecer o direito de todos, positivando-o tanto na Constituição, como na
legislação infraconstitucional, não tratando da garantia de sua efetiva aplicação, deixando para o
Judiciário a tarefa de equacionar os cálculos no final. Diante de uma violação de direitos, quem tem
acesso ao Judiciário e paciência para enfrentar anos de litigância, tem chance de ter seu direito
respeitado, do contrário, nada. Em criar direitos somos muito bons, mas em garantí-los nosso Estado
peca de forma absurda.
Vou propor aqui uma nova forma de entendermos nosso país: somos um Estado
legiferante e legalista, mas de pouquíssima aplicação prática do que é legislado. Um Estado
de aparências, onde a lei tem uma beleza romântica, supostamente protegida por um sistema judicial,
mas que na realidade não tem aplicação efetiva, favorecendo sempre a uma parcela que se apropriou

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

da burocracia estatal em seu favor. Dignidade humana apenas no papel!


Exemplo prático desse descaso com os valores da dignidade humana, envolvendo também
desrespeito à cidadania como valor humano, é a forma com a qual o Estado, por meio do Judiciário,
tratou o alcance da Lei da Anistia (Lei 6.683/79), que concedeu a chamada anistia ampla e irrestrita.
Ocorre que ao anistiar também agentes públicos que atuaram na época, a lei terminou por dar
um perdão aos militares e aos policiais que se utilizaram do aparato estatal para perseguir, torturar e
matar aqueles que faziam oposição ao regime autoritário em vigor.
Atenta a isso a OAB interpôs uma ADPF, em , que o STF, vejamos o acórdão:

“” (grifo nosso)

Do exposto, ainda que o tenham realizado no pleno exercício de sua função típica, na prática o
STF terminou por legitimar as atrocidades realizadas nos porões da ditadura, que violaram de forma
grotesa o princípio da dignidade da pessoa humana. Embora

Ainda que posteriormente a Corte Interamericana de Direitos Humanos, tenha entendido ser a
lei brasileira de anistia incompatível com as obrigações assumidas pelo país perante a Convenção
americana sobre direitos Humanos, tal decisão não é vinculante, fazendo com que, juridicamente, o
princípio da dignidade da pessoas human tenha sido severamente vilipendiado pelo próprio intérprete
da Constituição.

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VI
OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO
E DA LIVRE INICIATIVA

1. Os Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa como Fundamento Constitucional

Continuando firme em nosso propósito de perceorrer os fundamentos de nosso Estado,


chegamos ao art. 1º da Constituição Federal, onde o inciso IV estabelece os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa como quarto fundamento de nosso Estado Democrático de Direito.
A intenção do constituinte foi clara ao fundir trabalho e livre iniciativa ao mesmo tempo como
um dos fundamentos do Estado, uma vez que ao fazer isso fica estabelecido que nosso país
reconhece que o trabalho humano é fonte de dignidade do indivíduo, sem contudo esquecer que
nossa economia rege-se pelo sistema capitalista. Com uma redação clara e objetiva o legislador
constitucional situa nosso país como Estado do Bem-estar Social, que é aquele que surgiu em
oposição ao Estado Liberal puro, no qual o mercado regula tudo de forma absoluta.
Por essa razão é que nossa Constituição determina que o objetivo de nossa Ordem Econômica
é assegurar a TODOS uma existência digna, por meio dos ditames da justiça social, sob a égide de
dois pilares, quais sejam a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa247.
Assim, ao dotar a livre iniciativa com valor social, a Constituição procurou igualar trabalhador e
empregador na condição de cidadãos, portanto integrantes da mesma sociedade, trazendo para os
fundamentos do Estado a noção de solidariedade social, no sentido de que embora cada um contribua
com o país nos limites de sua profissão, todos fazem parte da mesma sociedade.
Uadi Lammêgo Bulos trás uma informação importante sobre o referido fundamento do Estado,
vejamos:

“Priorizou, pois, a intervenção do Estado na economia, para dar


significação aos valores sociais do trabalho. Ao elevar a livre iniciativa
ao posto de valor social, o constituinte procurou satisfazer as
correntes menos progressistas, incluindo no léxico da
Constituição o binômio trabalho e capital.” 248(grifo nosso)

Dessa forma, nosso país é capitalista, mas o Estado não dá suporte a desumanização do
trabalhador, buscando intervir na economia sempre para evitar que o trabalhador seja tratado como
um meio para que o empregador atinja um fim.
247LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 1399.

248 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 511.

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Portanto, precisamos falar um pouco sobre a evolução da sociedade capitalista na qual


vivemos, buscando entender por que o legislador constitucional fez questão de alçar o trabalho e o
capital a fundamento de nosso Estado, fundindo-os em um só princípio constitucional, com nítido
propósito de fazer com os dois equilibrem-se entre si.
De uma forma bem resumida, o Capitalismo constitui um modelo de economia que começou a
surgir quando a burguesia medieval passou a expandir o comércio ao redor do mundo, surgindo assim
o Mercantilismo, também chamado de Capitalismo Mercantil, que continuou a crescer cada vez mais,
aperfeiçoando-se com o surgimento da Revolução Industrial, proporcionada pelo renascimento cultural
e científico, a partir da qual o modo de produção dos produtos passou a ser industrial, feito por
máquinas, aumentando ainda mais a produção e a economia no mundo.
Por outro lado, apesar do avanço da economia, ainda existiam amarras que limitavam os
ganhos da burguesia, pois os governos absolutistas ficavam com grande parte da produção e dos
lucros. É a partir da busca pela individualidade e liberdade humana que começam a surgir os dieais
iluministas, ocasionando a Indepência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, dois marcos
históricos da sociedade ocidental.
E por que devemos ouvir sobre Mercantilismo, Revolução Industrial, Revoluções Burguesas e
Capitalismo para falarmos do trabalho e da livre iniciativa em nossa Constituição? Exatamente pelo
fato de que é por causa de todo o arcabouço ideológico que influenciou esse movimentos que surgiu
uma nova forma de Estado: o Estado Liberal, junto com sua ideologia: o Liberalismo.
É com o surgimento do Estado Liberal, que o Capitalismo ganha sua força máxima,
fazendo com que o Estado, ou seja, uma comunidade de pessoas, ocupando um território,
mediante um governo soberano, seja completamente regulado pela mercado.
O paradigma do homem racional, que nasceu livre e em igualdade aos demais, só funciona
para aqueles que já tinham posses e em um mercado sem nenhuma intervenção estatal (Laissez
Faire), acumulavam ainda mais riquezas, produzindo cada vez mais bens de consumo, necessitando
cada vez mais de mão-de-obra, fazendo com que os mais pobres trabalhassem muito duro e em
condições extremamente insalubres. É nesse momento que se asseveram as principais características
do Capitalismo, a propriedade privada e o trabalho assalariado.
Dessa forma, orientado pelo mercado, o Liberalismo, no auge da produção das décadas iniciais
do Capitalismo Industrial, passa a explorar os trabalhadores de forma indiscriminada, fazendo com
que o ser humano seja mero objeto de trabalho daqueles que querem lucrar com o mercado.
Paralelo a tudo isso, as pessoas começam a pensar o quão injusto era o modelo econômico,
em vigor, que sob a desculpe da liberdade, fazia com que as pessoas pobres trabalhassem
exaustivamente, por mais de dez horas diárias e em ambientes insalubres, recebendo salários

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

miseráveis e sem nenhuma perspectiva de ascenção social. Em algumas partes da Europa começam a
aparecer medidas de redução de jornada de trabalho. Já começam a surgir as primneiras associações
de operários (origem dos sindicatos). Em 1848 Marx e Engels publicam o Manifesto Comunista,
convocando os trabalhadores a se unirem. Em 1891 a própria Igreja Católica publica a Enciclica
Rerum Novarum, que pregava a dignidade do trabalho, dos salários justos e também a caridade. Em
1917, como já mencionamos, a Constituição Mexicana foi pioneira em reconhecer os direitos
trabalhistas. Com o Tratado de Versailles, em 1919, nasce a Organização Internacional do Trabalho.
Ou seja, se o Liberalismo Econômico trouxe a ideia de um Estado no qual o mercado
econômico deveria ditar as regras, no século XIX e início do século XX, começou a surgir na
comunidade internacional uma certa consciência da necessidade de uma forma de Estado que
passasse a intervir mais na economia, eliminando os exageros do Capitalismo e promovendo mais o
social, surgindo o que conhecemos como Estado do Bem-estar Social, ou Estado Social.
Junte-se a isso o medo que surgia no mundo com a chegada dos regimes de ideologia
comunista, pós Revolução Russa, passando a ser muito mais interessante abrandar o Estado Liberal
puro do que deixar a porta aberta para tais regimes.
Ainda que com os percalços dos regimes fascistas e com pesadelo da II Guerra Mundial, o
Estado do Bem-estar Social (Welfare State) foi aquele que melhor se adequou ao Capitalismo, sem
trazer consequências sociais maléficas, pelo menos na teoria. Mas disso falaremos mais adiante.
Sobre o Brasil, é apenas em 1934 que nosso país começa a experimentar a Social-democracia,
com a implementação neste ano, na nova Constituição de institutos do Estado Social, instituindo-se a
Justiça do Trabalho, o salário mínimo, a limitação de lucros, a limitação da propriedade ao
atendimento do interesse social, entre outros.
Um ponto interessante, é que na Constiuição de 1934 há um título chamado: “Da Ordem
Econômica e Social”, amarrando a economia com a perspectiva social. Vejamos o que dizia o art. 115,
que abre o referido título, in verbis:

“Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios


da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a
todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a
liberdade econômica. ” (grifo nosso)

Do exposto, vemos a clara intervenção estatal na perspectiva de permitir a liberdade


econômica somente de estiver assegurada a existência digna de todos, em um claro conceito
pertinente ao Estado do Bem-estar Social.
Embora em 1937, com o Estado Novo, a Constituição tenha instaurado uma ditadura, é nesse

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

período que surge a CLT, em 1943. Em 1946, a nova Constituição restaura a Social-democracia com
mais alguns avanços, a exemplo do direito de greve.
Contudo, a partir de 1967, passamos por outro período ditatorial, que só tem seus efeitos
funestos abrandados com o advento da Constituição de 1988, nosso objeto de estudo.
Por tanto caro leitor, foi necessário percorrermos todo esse caminho para que fosse possível
entender de onde vem essa intenção do legislador constitucional de fundir trabalho e livre iniciativa,
vinculando as duas em uma só ordem a econômica. Ao estudarmos o surgimento do Estado Liberal,
sua necessidade de abrandamento e o surgimento do Welfare State, percebemos a necessidade de se
fazer com que a economia tenha em seu bojo o trabalho e a livre iniciativa, atuando juntos,
equilibrando-se. Foi a solução encontrada pelo constituinte de 1934 e também em 1988, tanto que no
art. 170, podemos verificar isso, vejamos:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus
processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração
no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (grifo nosso)

Do exposto, observem que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho e na


livre iniciativa, devendo assegurar existência digna a todos. Merece destaque também a limitação
da propriedade privada, que mesmo sendo protegida, deve atender a sua função social. Dessa forma,
temos as duas principais características do Capitalismo: propriedade privada e trabalho assalariado,
devidamente controlados pelo Estado, demonstrando seu caráter intervencionista, sem deixar de ser
captalista. É isso que demonstra a essência do nosso Estado de Direito: de economia capitalista, mas
dotado de fortes institutos de justiça social.
Assim, ao constarem como fundamento do Estado, os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa fazem com que a ordem econômica lhes deva respeito e observância. Tanto o trabalhador

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assalariado como o pequeno empreendedor recebem proteção do Estado, pois a ordem econômica
deve, por meio da justiça social, proporcionar uma existência digna a todos.

2. Os Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa de Fato

Conforme debatemos acima, o legislador constitucional elevou o trabalho e a livre iniciativa ao


patamar de fundamento do Estado, com a clara intenção de reconhecer que o trabalho humano é
fonte de dignidade do indivíduo, mas sem esquecer que nossa economia rege-se pelo sistema
capitalista, valorizando também a livre iniciativa como forma de trabalho.
Entretanto, o panorama parece ser outro na prática, onde cada vez mais o cidadão nacional
tem seus direitos trabalhistas negligenciados, sem haver uma atitude firme do Estado em protegê-los,
pelo contrário, no ano passado ocorreu a reforma trabalhista, instrumentalizada pela promulgação da
Lei 13.467/17, que desprestigiou o empregado na relação trabalhista, da mesma forma que estamos
próximos de uma reforma previdenciária, que trará ainda mais perda de direitos aos trabalhadores.
O que nos faz questionar: de que adianta o trabalho receber o status de fundamento do
Estado, se na prática estamos diante de um processo cada vez mais rápido de desconstrução dos
direitos trabalhistas em favor dos empregadores, exterminando completamente a intenção da
promoção de igualdade material na relação empregado X empregador, que o constituinte teve ao
fundir o trabalho e a livre iniciativa como um só fundamento constitucional do nosso Estado?
Para se ter uma ideia, antes da reforma trabalhista, o trabalhador era de certa forma mais
protegido pela legislação. Quando um trabalhador entrava na justiça para garantir seus direitos
trabalhistas, processualmente, ele era igual ao empregador, o que seguramente leva a uma situação
de desigualdade material, posto que o empregador tem muito mais tempo e dinheiro para procrastinar
processualmente o pagamento da dívida trabalhista. E o que fornecia a igualdade material necessária
ao trabalhador? Justamente o direito material, dotado de normas e princípios mais favoráveis ao
trabalhador do que ao empregador. O que aconteceu com a reforma trabalhista? A legislação foi
alterada de tal forma que a proteção ao trabalhador foi comprometidade de maneira considerável.
A título de exemplo, antes da reforma, apesar dos acordos e convenções coletivos fazerem
obrigatoriamente parte integrante dos contratos de trabalho, nos termos da Súmula 277/TST, não
havia previsão legal de que os mesmos tinham prevalência sobre a lei.
Com a reforma trabalhista, em determinadas matérias, a exemplo de jornada de trabalho e
intervalo intrajornada (almoço), os acordos e convenções coletivas passam a ter prevalência sobre a
lei, o que enfraquece também, indiretamente, a força das Súmulas e outros Enunciados de
jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho,

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visto que a reforma também mudou o art. 8º, da CLT, determinando que as mesmas não poderão
restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. O que
quer dizer que mesmo se a Súmula ou Enunciado contrariar a convenção ou o acordo, não
prevalecerá sobre o mesmo, pois não pode restringir o direito legalmente previsto da empresa
negociar diretamente com o empregado.
Tal mudança pode parecer querer dar mais pugência aos acordos e convenções, mas esconde
na verdade uma armadilha, pois enfraquecendo Súmulas e Enunciados dos TRTs e do TST,
quando o conteúdo do acordo ou da convenção for mais favorável ao empregador, não
haverá muita esperança para um empregado lesado reverter isso judicialmente.
NEGOCIAÇÃO DIRETA DO EMPREGADO COM O EMPREGADOR
Seguindo nosso raciocínio, antes da reforma, era permitido por lei aos representantes dos
trabalhadores e das empresas negociarem as condições de trabalho de determinada categoria.
Com a mudança, foi criado um rol de direitos trabalhistas sobre os quais a empresa poderá
negociar diretamente com os trabalhadores, ficando tal negociação sujeita a uma intervenção estatal
mínima, devido à prevalência do acordo sobre o legislado abordada logo acima. Assim, matérias
como jornada de trabalho e intervalo intrajornada (almoço), remuneração por produtividade, gorjetas,
troca do dia de feriado, grau de insalubridade, entre outras, poderão ser regulamentadas mediante
“acordo”, realizado entre empresa e empregador.
Não precisamos dizer que é mais uma mudança que favorece os empregadores e enfraquece
direitos do s trabalhadoresNa condição de empregador, os condomínios são favorecidos pela reforma,
posto que terão maior poder de negociação com os empregados, principalmente em assuntos como
jornada de trabalho e intervalos intrajornada, pontos sensíveis dessa relação de emprego.
Um outro ponto interessante que foi alvo de mudança da reforma foi o tempo do trabalhador à
disposição da empresa, que na redação anterior do art. 4º, da CLT, estabelecia o período no qual o
empregado permanecia na empresa, à disposição do empregador era considerado tempo de serviço
efetivo, mas não discriminava exceções à regra, de forma que muitas situações podiam ser
consideradas como efetivo serviço. O art. 58, §2º, também previa que o tempo utilizado pelo
empregado para deslocamento entre sua residência e o trabalho com transporte fornecido pela
empresa deveria ser computado na jornada de trabalho.
Com a reforma, a redação do caput do art. 4º foi mantida, mas foi adicionado o § 2º, que
contém um rol de situações que não podem ser consideradas como tempo à disposição do
empregador, de forma que descanso, lazer, alimentação, higiene pessoal, dentre outras, têm
previsão expressa de não serem tempo de serviço efetivo. Já no que diz respeito ao
deslocamento ao trabalho com condução fornecida pelo empregador a nova redação deixou de

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computar como jornada de trabalho.


E o que aconteceu com o conhecido intervalo intrajornada? Ele foi alvo de uma das mudanças
mais impactantes da reforma trabalhista, que antes da mesma era de no mínimo uma hora para a
jornada que exceda seis horas diárias.
Na nova redação, as partes podem convencionar em acordo ou convenção o período mínimo
de meia hora para o referido intervalo, contudo, a maior mudança não está na diminuição do tempo e
sim na indenização no caso da não concessão parcial, que se ocorrer o empregado será indenizado
apenas pelo período não concedido, com o acréscimo de 50% sobre o valor da hora normal.
Outro ponto importante da relação de emprego que foi alvo da mudança foi a rescisão do
contrato de trabalho, do qual podemos destacar duas mudanças, sendo a primeira delas relativa à
obrigatoriedade da participação sindical na rescisão de empregado com mais de um ano de trabalho,
que após a reforma deixa de ser obrigatória.
A segunda mudança é referente ao fato de que antes da reforma havia apenas quatro
modalidades de demissão, a demissão a pedido, sem justa causa, com justa causa e a rescisão
indireta, de forma que não existia a possibilidade de se encerrar o contrato de trabalho por acordo
entre empregado e empregador.
Com a reforma, passou a existir essa possibilidade, na qual o empregado recebe metade do
aviso prévio e do saldo do FGTS, além de poder movimentar a conta do FGTS, mas sem direito ao
seguro desemprego.
A magnitude da reestruturação que está sendo provocada nos direitos trabalhistas após a
reforma é de tamanha proporção que podemos afirmar que o princípio da livre iniciativa terminou por
se afastar dos valores sociais do trabalho, não sofrendo mais a limitação imposta pelo mesmo, ou pelo
menos ocorrendo uma mitigação da mesma.
Tal efeito se deve ao fato de que a reforma terminou por minar de forma estratégica, pontos
não contemplados pelas normas trabalhistas dispostas no capítulo constitucional dos direitos soiciais,
mas que ao serem reformados, terminaram por colocar o trabalhador em desvatagem na relação de
emprego, enfraquecendo na prática o binômio valores sociais do trabalho e livre iniciativa, de forma
que esta passou a não sofrer mais limitação daqueles. Foi tudo muito cirúrgico, planejado justamente
para esvaziar na prática toda a efetividade dos princípios constitucionais que protegem os direitos
trabalhistas. Arriscamo-nos a dizer que o plano mesmo era emendar a Constituição, mas a dificuldade
que o governo Temer enfrentaria no Congresso terminou por fazer eles correrem pelos cantos, até
mesmo porque tais direitos fundamentais são Cláusula Pétrea.
Um outro tema que nos permite demonstrar que o fundamento do Estado chamado de valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa encontra-se em processo de negligenciamento contínuo, é a

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

busca antiga dos empregadores pela adoção da terceirização de todas as atividades, inclusive as
atividades fim, cujo embate teve um fim este ano, pelas mãos do próprio STF, o “Guardião” de nossa
Constituição Federal.
Críticos da terceirização irrestrita sempre alertaram sobre a possibilidade da precarização das
relações de emprego que virão como consequência da mesma, uma vez que ao vender a força de
trabalho alheia, para obterem lucro, as empresas de terceirização seguramente deixam de pagar
direitos trabalhistas, ou pagam a menos. Dessa forma, ao se liberar a terceirização irrestrita, termina-
se por criar um ambiente atrativo às empresas em geral, que irão preferir contratar cada vez mais
terceirizadas para suas atividade fim, na tentativa de fugir das responsabilidades oriundas da
contratação direta, provocando uma precarização dos direitos trabalhista em massa.
Infelizmente foi isso que aconteceu este ano, no final de agosto, quando o Supremo Tribunal
Federal (STF) decidiu, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324
e o Recurso Extraordinário (RE) 958252, ser lícita a terceirização em todas as etapas do
processo produtivo, seja meio ou fim, de forma que daqui a alguns anos começaremos a sentir
na prática os efeitos desse entendimento, que os decanos parecem ter assumido sem pensar nos
prejuízos aos direitos trabalhistas que já se encontram em curso desde o ano passado, por ocasião da
reforma trabalhista. Daí fica a pergunta: os ministros consideraram em sua decisão o fundamento do
Estado Democrático de Direito, disposto no art. 1º, IV (valores sociais do trabalho e da livre iniciativa),
de nossa Constituição? Na humilde opinião deste autor, não, uma vez que o enfrentamento entre uma
terceirização desenfreada e o referido fundamento do Estado, certamente teria levado os ministros a
sopesar a decisão, pois ao decidir de forma favorável à terceirização irrestrita, terminam por
desconsiderar o efeito limitador dos valores sociais do trabalho, que devem operar em conjunto com o
princípio da dignidade humana, freando os impulsos da livre iniciativa.

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VII
O PLURALISMO POLÍTICO

1. O Pluralismo Político como Fundamento Constitucional

Este é o último Fundamento do Estado expressamente disposto como tal em nossa


Constituição, constante do inciso V, do art. 1º da Constituição Federal, onde se estabelece o
pluralismo político como fundamento de nosso Estado Democrático de Direito.
Walber de Moura Agra elucida tal fundamento, vejamos:

“É prerrequisito básico para a formação de um regime democrático. Ele


garante a possibilidade de os cidadãos professarem as mais
antagônicas correntes políticas sem sofrerem nenhum tipo de
sanção. Seu alicerce parte da ideia da diferença que existe entre os
diversos componentes do regime democrático, expressando o respeito
pelo posicionamento contrário.”249 “ (grifo nosso)

Essencialmente, tal fundamento do Estado traz consigo o estabelecimento de uma sociedade


plural, na qual se exercita o respeito à consciência política de cada indivíduo, que não pode ser tolhida
por ninguém, consagrando nosso Estado como uma república na qual a liberdade de pensamento
político constitui um dos fundamentos da mesma, não podendo ocorrer qualquer espécie de
discriminação contra o pensamento político alheio.
É pois a participação plural na sociedade a característica de tal princípio, que não se limita ao
aspecto político em si próprio, estendendo-se a outros setores da sociedade, de acordo com as
palavras de Uadi Lammêgo Bulos, conforme abaixo:

“[...] pluralismo político significa participação plural na sociedade.


Essa participação é vasta, envolvendo partidos políticos,
sindicatos, associações, entidades de classe, igrejas,
universidades, escolas, empresas, organizações em geral.
[…] Admitir uma sociedade pluralista significa aceitar a diversidade de
opiniões, muitas vezes conflitivas e tensas entre si.
[…] ao enunciar o pluralismo político como um dos fundamentos
da República Brasileira, o constituinte abriu caminho para a
implantação de uma democracia pluralista. Esta, por sua vez,
abriga, além do pluralismo político (art. 1º), os pluralismos:
partidário (art. 17), econômico (art. 170), ideológico e
educacional (art. 206, III) e de informação (art. 220, caput e
§9º)” 250 (grifo nosso)

249 AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 126.
250 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 512.

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Do exposto, estamos diante de outro princípio abrangente, semelhante ao princípio da


dignidade da pessoa humana, posto que o pluralismo político não se restringe apenas na seara da
garantia de diversidade de pensamento político em nossa sociedade, irradiando seus efeitos para
outras instâncias político-jurídico-filosóficas.
Nesse sentido, vamos retomar novamente o argumento de que nossa Constituição é um
documento político-jurídico de conteúdo manifestamente contrário ao surgimento de
regimes de exceção, uma vez que sua criação suscedeu ao período de regime autoritário que mais
tempo durou em nosso país, que tomos sabemos ter a carcacterística de alternar períodos autoritários
com período mais democráticos.
Ora, partindo do princípio de que nosso Estado se intitula Democrático de Direito, é
completamente razoável que o pluralismo político seja alçado à categoria de fundamento do mesmo e
não apenas de forma estrita, mas de forma ampla, permeando o máximo possível de institutos
jurídicos, de forma que não faria sentido haver o tratamento dos partidos políticos na Constituição
sem levar em consideração o pluralismo político. Por essa razão, em conjunto com a soberania
nacional e o regime democrático, é resguardado o pluripartidarismo no art. 17 de nossa Carta
Magna.
Resgatando novamente o último período autoritário enfrentado por nosso país, lembraremos
que uma das providências do regime foi de dissolver todos os partidos políticos, mediante o AI-2, para
logo em seguida, por meio de ato complementar, determinar a existência de apenas dois partidos, a
ARENA e o MDB, o partido dos militares e sua oposição de faz-de-conta, controlada no cabresto. Isso
sem falar que as eleições para governadores, a partir do AI-3, também seriam indiretas, a exemplo
das eleições para presidente, que o primeiro ato institucional transformou em indiretas.
Os ataques à Democracia perpetrados pelo regime de exceção dos militares atingiram seu
auge com a edição do AI-5, em 1968, que deu poderes extremamente arbitrários ao Presidente da
República, a exemplo do poder de suspender direitos políticos de qualquer pessoa e do poder absurdo
de decretar recesso do Congresso e assumir suas funções legislativas, como se o país estivesse em
um Estado de Guerra. Não podemos esquecer, que foi por esse ato institucional que foi suspenso o
Habeas Corpus, essencial em regimes democráticos, consolidando o regime de exceção.
É após este ato institucional que se inicia a censura aos meios de comunicação, de forma que
jornais oposicionistas ao regime foram duramente censurados. Os livros e quaisquer obras que fossem
rotuladas como "subversivas" foram retiradas de circulação e vários artistas e intelectuais passaram a
se exilar no estrangeiro. Mas tudo isso ocorreu nos anos Costa e Silva, de forma que as atrocidades
dos regime viriam em seu furor máximo com os anos Médici, que estavam por chegar.

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
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Por isso, prezado leitor, nossa Constituição elevou o pluralismo político ao nível de fundamento
de nosso Estado, uma vez que o histórico de períodos autoritários do Brasil exigiu que tal instituto
jurídico fosse incorporado como tal, a fim de dar proteção máxima ao direito dos cidadãos de
exercerem plenamente as suas convicções políticas, ou sua ausência delas, independente de quem
esteja no poder, posto que tal procedimento é parte fundamental de qualquer regime democrático.

2. O Pluralismo Político de Fato

Pois bem, ao estabelecer o pluralismo político como fundamento de nosso Estado Democrático,
é possível que o constituinte não tenha imaginado que o povo brasileiro, pelo menos no que diz
respeito a grande parcela da população, nunca foi preparado para conviver com uma pluralidade de
ideologias e formas de pensamento. Tampouco deve ter o constituinte ponderado que nossa
sociedade sofre uma forte influência midiática, pois a grande imprensa, aquela que instrumentaliza o
discurso das elites, utiliza justamente esse perfil do povo brasileiro para influenciá-lo em direção aos
interesses das elites.
E qual a razão de se levantar essa questão em relação ao pluralismo político? Ora, se temos
um povo que discute política sempre impulsionado pelas notícias dos jornais e a imprensa em sua
maioria é tendenciosa para o lado das elites, é evidente que essa é um maneira muito eficiente de se
nivelar o pensamento das pessoas, sobretudo em uma sociedade na qual os meios de comunicação
são monopolizados pela grande imprensa, pelos grandes grupos de comunicação.
O leitor deve estar pensando: esse autor é maluco, pensa que todo mundo no Brasil pensa do
mesmo jeito, ele não percebeu que estamos em um país multicultural, onde a diversidade de
pensamentos é evidente?
Claro que não penso diferente, sei que o Brasil é multicultural porque várias etnias e pessoas
de várias nacionalidades ajudaram a construir o mesmo. Contudo, no campo do pluralismo político,
onde as pessoas exercitam a liberdade de ideologias, nós brasileiros parecemos ter um grande
resquício de conservadorismo enraizado no inconsciente coletivo.
Vou usar como exemplo fatos que todos conhecemos, que tiveram seu início nas
manifestações de 2013, que ocorreram por todo o Brasil, das quais assistimos a uma imprensa
perplexa com o que acontecia, mas que não perdeu a oportunidade de criminalizar os
movimentos sociais e os atos de revolta da população, chamando-os de “baderneiros”. Tal
imprensa, que já havia conseguido influenciar a opinião pública na construção de uma percepção de
uma suposta “ameaça comunista” que o governo de esquerda que governava o país estaria

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Fundamentos Constitucionais do Estado:
Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

promovendo, acelerou o ritmo de sua campanha de manipulação da opinião pública, até o ponto no
qual, no final de 2014, em ano de eleição presidencial, o país encontrava-se dividido, dicotomizado
entre duas visões políticas antagônicas: os contra-petistas e o resto do Brasil.
Pois bem, entendendo que fazemos parte de um Estado Democrático, a informação deve ser
para todos, da mesma forma que na veiculação da informação, deve haver diversidade de conteúdos
informativos e pensar dessa forma é exercer o pluralismo político, que também consiste em pluralismo
de informações. O que não acontece no Brasil, onde o patrimonialismo existente nas concessões dos
meios de comunicação faz com que a opinião pública seja frequentemente distorcida em favor dos
interesses das elites.
Segundo Marco Mondaini:

“Numa situação de liberdade irrestrita de mercado, a programação das


emissoras de rádio e televisão guiar-se-á pelas exigências da maior
lucratividade possível, e, para que esse objetivo seja alcançado, a arte,
cultura e informação devem ser esvaziadas de qualquer senso crítico
voltado à formação educacional. Ao invés de cidadãos conscientes
dos seus direitos, o que se almeja construir é uma massa de
consumidores desejosos de comprar loucamente, ainda que
muitos não o possam fazer. Para tanto, arte, cultura e informação são
transformadas em puro entretenimento, um passa-tempo que não
desemboque em nenhuma espécie de esforço reflexivo.” 251(grifo nosso)

Do exposto, tenho certeza de que o leitor vai identificar essa característica alienante da mídia
brasileira como um todo, que não apresenta um conteúdo diversificado, potencializador da construção
de uma mentalidade crítica na população.
Voltando um pouco para as manifestação de 2013, as “Jornadas de Junho”, especificamente
nas primeiras semanas das manifestações a mídia ainda tentou mudar seu discurso, mas não com
interesse em proteger o governo Dilma e sim aquilo que interessa às elites, vejamos:

“O novo discurso da emissora produziu certa desorientação, mas não


demorou para que ficassem claras suas intenções: a emissora procurava
por lideranças que garantissem a 'ordem' e a 'disciplina' dos protestos,
que mantivessem afastados os partidos políticos de esquerda e sobretudo
que colaborassem em sua estratégia de converter as manifestações
populares em uma grande festa.
[…]
Em nova tomada, dois minutos depois, verificava-se que o espelho d
´água estava completamente tomado, mas para que a mitologia da
'liderança bem comportada' não se destruísse, o que aparecia nas
imagens não era mencionado pelos comentaristas.
[…]
As manifestações que ocorreram em cidades que sediavam jogos

251 MONDAINI, Marco. Democracia e direitos humanos sob o fogo cruzado. Op. Cit., p. 90.

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da copa das confederações enfrentaram uma repressão policial


especialmente dura, mas justamente nestes casos desaparecia
qualquer 'simpatia' ou 'apoio' aos manifestantes. Para a emissora,
tratava-se de defender o 'avanço modernizador' que representaria a
construção de inúmeras 'arenas' futebolísticas. A preocupação com a
copa do mundo e seus milionários negócios parece ter sido
decisiva para a opção por não contribuir para qualquer situação
de instabilidade, preferindo-se portanto preservar o governo
Dilma de críticas mais veementes. Para a Globo, não interessa
criticar o governo petista, mas sim convencer de que os
protestos não tem nada a ver com a copa do mundo.” 252(grifo
nosso)

É essa manipulação da opinião pública, realizada pelos meios de comunicação e a falta de


controle estatal sobre eles que contribui de forma considerável para que o pluralismo político seja
enfraquecido no seio da população. A notícia boa é que o uso das redes sociais na internet terminou
por gerar a veiculação de uma variedade de ideias para a sociedade, que dispõe dessa novidade para
se informar sobre vários assuntos sem se encontrar sobre o monopólio das grandes emissoras.
Um exemplo disso é que na época das jornadas de junho, em 2013 e mais à frente, em outros
episódios conhecidos de nossa sociedade até hoje, vários sites, canais de youtube, páginas de
facebook, etc., dedicaram-se a desmentir as versões apresentadas pela mídia tradicional, a mídia das
elites brasileiras. Citamos o exemplo de um episódio ocorrido nas ruas próximas ao Maracanã, no qual
a polícia militar reprime duramente, sem qualquer tentativa de diálogo, uma manifestação, atacando
primeiro. Um canal de youtube chamado V de Verdade demonstra a manipulação da cobertura da
Globo, que em sua narrativa os manifestantes teriam atacado a polícia primeiro, mas o vídeo
apresentado pelo canal, gravado no mesmo momento que o da Globo, sem cortes e edições, mostra
que a emissora inverteu os momentos, colocando os atos de defesa dos manifestantes antes dos
ataques da polícia253.
Interessante a observação feita por Jessé Souza, em seu livro, A Elite do Atraso: da escravidão
à lava-jato, quando comenta a observação feita por Emílio Odebrecht, em sua delação à operação
lava-jato, na qual o mesmo se refere ao fato de que a imprensa sabia de todo esse esquema de
corrupção e somente agora se manifestava, deixando constar nas entrelinhas que a omissão da
imprensa desde o início e sua manifestação em momento oportuno poderia revelar que a mesma
também tinha culpa no cartório.254
Destacamos o trecho da delação do patrono da Odebrecht, a seguir:

252 CALIL, Gilberto. Embates e disputas em torno das jornadas de junho. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, São Paulo, n.
47, Ago 2013, p. 377-403. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/17155/14571> Acesso em 10 dez. 2018.
253 DESMASCARANDO a Manipulação da Globo sobre as Manifestações. Canal V de Verdade. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=F4AtM6btX4k>Acesso em 10 dez. 2018.
254 SOUZA Jessé. A elite do atraso: da escravidão à lava-jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

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“Agora, volto. Inclusive o que eu digo, aí a própria imprensa. A imprensa


toda sabia de que o que efetivamente acontecia era isso. Por que
agora tão fazendo tudo isso? Por que não fizeram isso há 10,
15,20 anos atrás?
[…]
Essa imprensa sabia disso tudo e fica agora com essa demagogia.”255(grifo
nosso)

Segundo Jessé Souza, a grande mídia, capitaneada pela Globo, mantém um monopólio de
desinformação proposital, que manipula a opinião pública fornecendo a simbologia necessária à
cooptação da classe média e induzi-la a rerpoduzir uma ideologia conservadora que serve de base
para a imbecilização da população e sua consequente submissão aos interesses das elites, de forma
que a população não perceba que está sendo manipulada. Em seu antigo plano de ação, a imprensa,
sobretudo a Globo, especializou-se em esconder a realidade de exploração do trabalho e do capital
financeiro pelas elites, distorcendo-a de forma a iludir a população, desviando seu foco da realidade
brutal para direcioná-lo ao mundo de fachada criado pela emissora. Vejam o papel da mídia e da
imprensa nacionais, que é criar a ideologia pela qual a população tira a atenção dos problemas sociais
para depositá-la em uma realidade distorcida, favorecendo assim a estratégia das elites de surrupiar a
mão-de-obra disponível e todo o capital financeiro existente.256
Então pergunto ao leitor, que deve ter consciência de que os fatos narrados acima não são os
únicos exemplos da manipulação que a imprensa tradicional promove com os cidadãos: há respeito
em nosso país ao pluralismo político por parte da mídia tradicional?
Como discorremos um pouco acima, o pluralismo político proporciona a existência de uma
sociedade pluralista, com pluralidade de ideias em todos os setores, a exemplo da necessária
existência e livre funcionamento dos sindicatos, para a garantia de defesa dos direitos de cada
categoria profissional. Historicamente, os sindicatos surgem justamente do enfrentamento causado
pela polarização entre a classe de trabalhadores e a classe empregadora, provocado pela Revolução
Industrial, que terminou por consolidar o sistema capitalista.
No Brasil, que passou para a era industrial no início do século XX, o movimento sindicalista foi
surgindo aos poucos, uma vez que após a abolição da escravatura foram trazidois imigrantes para
substituir a mão-de-obra escrava e a partir desse momento que surgem as primeiras organizações de
defesa dos direitos dos trabalhadores, pois os imigrantes que chegavam já possuíam
experiência de trabalho assalariado, tendo conhecimento dos direitos trabalhistas
conquistados em seus países de origem. antigo país. Assim, rapidamente essas pessoas

255 O VÍDEO em que Emílio Odebrecht diz que esquema tem 30 anos e culpa a imprensa e os Poderes. Diponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/14/politica/1492192630_931956.html> Acesso em: 10 dez. 2018.
256 SOUZA Jessé. A elite do atraso: da escravidão à lava-jato. Op. Cit.

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começaram a formar organizações.


Mais de oitenta anos após a sistematização da força sindical e da criação do Ministério do
Trabalho, ocorridos na primeira Era Vargas, finalmente as elites nacionais conseguem a edição da Lei
13.467/17, que modificou vários pontos importantes da legislação trabalhista, causando uma grande
reestruturação dos direitos trabalhistas sem mexer propriamente em matéria constitucional, mas
colocando o trabalhador brasileiro em evidente desvantagem em relação ao empregador.257
O golpe de misericórdia nos sindicatos ocorreu pelo fim da contribuição sindical obrigatória,
por meio das modificações instrumentalizadas pelo referida lei, e, rapidamente, o STF tratou de
chancelar a injustiça, declarando a constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória.258
Nesse sentido, a referida mudança, trouxe consigo uma violação radical ao princípio do
pluralismo político, pois tem o claro objetivo de enfraquecer de forma substancial os sindicatos,
limitando o exercício por parte do cidadão do seu direito ao pluralismo político, pois se com
os sindicatos fortalecidos, o cidadão trabalhador já observava uma redução progressiva de seus
direitos trabalhistas, com o enfraquecimento dos mesmos, o trabalhador perde a instituição que
estaria vigilante na manutenção de seus direitos, lutando contra qualquer ameaça de vilipêndio aos
mesmos.

257 BRASIL. Lei 13.467/17. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm> Acesso em: 10 dez. 2016.

258 STF declara constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?
idConteudo=382819> Acesso em: 10 dez. 2018.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após ter percorrido todo esse processo de análise, discorrendo sobre os fundamentos
constitucionais de nosso Estado Democrático de Direito, constantes do art. 1º, de nossa Carta Magna,
comparando o texto presente no papel com o panorama na prática, este autor chega às suas
considerações finais, sem a mínima pretensão de emitir um parecer definitivo sobre o tema,
intentando apenas desenvolvê-lo, pois carecedor de maiores análises na doutrina constitucionalista,
fato que trouxe certa dificuldade em sua pesquisa, mas que a sua vontade firme de produzir uma obra
única em conjunto com o esforço necessário para escrevê-la, permitiram que fosse cumprido o seu
objetivo de maneira satisfatória.
Inicialmente foi abordado o Constitucionalismo, sua origem, bases ideológicas e seu
desenvolvimento histórico, para em seguida estudarmos o seu desenvolvimento no Brasil e sua
relação com a sociedade do final do século XIX, sobretudo o caráter oligárquico de nossa sociedade
na quele período.
Em seguida, ao se procurar estabelecer o histórico, os fundamentos políticos e os princípios
fundamentais da Constituição de 1988, buscou-se analisar um pouco da própria história do país, seus
períodos autoritários, entendendo a origem política do golpe de 1964 e a retomada da democracia.
Feito isso, passou-se ao estudo de cada um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de
Direito, insculpidos no art. 1º, de nossa Constituição, consultando o que a doutrina fala sobre os
mesmos, lançando-se também especulações pontuais do autor, em contrapartida à análise de sua real
efetividade no plano da relidade fática, do caso concreto, que possibilitou chegarmos a uma conclusão
sobre o tema abordado.
De todo o exposto, o que prevalece no final é a constatação de que nosso Estado, segundo
pensado em sua Constituição, é fundamentado em valores sólidos, destinados a evitar o surgimento
de outra versão autoritária de Estado, como aquelas que já existiram anteriormente.
Contudo, dada a complexidade para a qual a sociedade brasileira tem evoluido de forma
progressiva, parece que de certa forma o país não conseguiu aplicar na sociedade de forma plena os
referidos fundamentos do Estado, constantes do art. 1º de nossa Constituição, pois embora eles
devessem servir de guia, de balizadores das outras normas e princípios constitucionais, a sua má
interpretação pelo Estado como um todo, em todas as suas instâncias (Legislativo, Judiciáreio e
Executivo), inclusive a sociedade civil, têm provocado na prática a sua inefetividade, necessitando
haver um resgate urgente dos mesmos, nos moldes em que foram legislados inicialmente para que
tais valores continuem servindo de base ao nosso Estado Democrático de Direito.

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Lívio Silva O Brasil de Direito e o de Fato.

O AUTOR

Nascido no ano de 1973, LIVIO PAULINO FRANCISCO DA SILVA, ou Lívio Silva, como
prefere ser chamado, é natural de Recife, Pernambuco e tem desenvolvido interesse nas áreas de
Ciências Jurídicas, Filosofia, Sociologia, Ciência Política, Psicologia, História, Música e Literatura, entre
outras.
É Advogado, Pós-graduado em Direito Imobiliário e tem um livro eletrônico, publicado em
2013, onde analisa o conteúdo do livro Dos Delitos e das Penas, de Cesare Beccaria, em comparação
com o ordenamento jurídico brasileiro, delimitando a influência da obra de Beccaria em nosso sistema
jurídico penal, além de artigos sobre Direito em Revistas eletrônicas especializadas, tendo também um
livro de ficção científica publicado e desenvolvido atividades na área de composição musical.

Lívio Silva na Internet:

www.advogadoliviosilva.wordpress.com
Blog Profissional

www.escrevologoreflito.blogspot.com
Blog Autoral

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