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Revista Baiana REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA

de Saúde Pública Órgão Oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

EXPEDIENTE

Jacques Wagner – Governador do Estado da Bahia


Jorge José Santos Pereira Sola – Secretário da Saúde
Isabela Cardoso de Matos Pinto – Superintendente da SHRS
Gesilda Meira Lessa – Diretora da Escola Estadual de Saúde Pública
ENDEREÇO Rua Conselheiro Pedro Luiz, 171 - Rio Vermelho
Caixa Postal 631 CEP 41950-610 Salvador - Bahia - Brasil
Tels: 71 3116-5313 - Fax: 71 3334-1888
E-mail: rbsp@saude.ba.gov.br
Disponível no site: www.saude.ba.gov/rbsp/
EDITORA GERAL Lorene Louise Silva Pinto – SESAB / UFBA
EDITORES ASSOCIADOS Álvaro Cruz – UFBA
Carmen Fontes Teixeira – UFBA
Joana Oliveira Molesini – SESAB/UCSAL
José Carlos Barboza Filho – SESAB/UCSAL
Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza – UFBA
Marco Antônio Vasconcelos Rego – UFBA
CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Fernandes Pitta –USP
Cristina Maria Meira de Melo – UFBA
Eliane Elisa de Souza Azevedo – UEFS-BA
Eliane Santos Souza – UFBA
Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho – UFPE
Fernando Martins Carvalho – UFBA
Heraldo Peixoto da Silva – UFBA
Jacy Amaral Freire de Andrade – UFBA
Jaime Breilh – CEAS – EQUADOR
Jiuseppe Benitivoglio Greco – EBMSP – BA
José Tavares Neto – UFBA
Luis Roberto Santos Moraes – UFBA
Maria do Carmo Soares Freitas – UFBA
Maria do Carmo Guimarães – UFBA
Maria Conceição Oliveira Costa – UEFS
Maria Isabel Pereira Viana – UFBA
Marina Peduzzi – UNICAMP-SP
Mitermayer Galvão dos Reis – FIOCRUZ-BA/ UFBA
Paulo Augusto Moreira Camargos – UFMG
Paulo Gilvane Lopes Pena – UFBA
Rafael Stelmach – HC – SP
Raimundo Paraná – UFBA
Reinaldo Martinelli – UFBA
Ricardo Carlos Cordeiro – UNESP
Ronaldo Ribeiro Jacobina – UFBA
Rosa Garcia – UFBA
Sérgio Koifman – ENSP/FIOCRUZ
Vera Lúcia Almeida Formigli – UFBA
SECRETÁRIA EXECUTIVA Lucitânia Rocha de Aleluia
ASSISTENTE Bárbara Dias
BIBLIOTECÁRIA Ivone Brito da S. Figuerêdo
PROJETO GRÁFICO Pamdesign
REVISÃO E NORMALIZAÇÃO DE ORIGINAIS Maria José Bacelar Guimarães
REVISÃO DE PROVAS Maria José Bacelar Guimarães
TRADUÇÃO/REVISÃO INGLÊS Nadja Ferreira Pinheiro
EDITORAÇÃO Jean Beligardi
IMPRESSÃO
Periodicidade - Semestral
Tiragem - 1.500 exemplares
Distribuição gratuita

1
ISSN: 0100-0233

Governo do Estado da Bahia


Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

INDEXAÇÃO
Periódica: Índice de Revistas Latinoamericanas en Ciências (México)
Sumário Actual da Revista, Madrid
LILACS - SP - Literatura Latinoamericana en Ciências de La Salud - Salud Pública, São Paulo

Capa: detalhe do portal da antiga Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Solar do séculoXVIII).

Fotos: Paulo Carvalho e Rodrigo Andrade (detalhes do portal e azulejos).

Revista Baiana de Saúde Pública é associada à


Associação Brasielira de Editores Científicos

R454 Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde


do Estado da Bahia. - v.31, n.1, jan./jun., 2007 -
Salvador: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, 1974 –

Semestral.
ISSN 0100-0233

1. Saúde Pública – Bahia – Periódico. I. Título

CDU 614 (813.8) (05)

2
Revista Baiana S U M Á R I O
de Saúde Pública

EDITORIAL ................................................................................................................................................................................ 5
ARTIGOS ORIGINAIS
CONHECIMENTO DOS PAIS DE CRIANÇAS SURDAS SOBRE A REABILITAÇÃO AUDITIVA:
UMA EXPERIÊNCIA EM SALVADOR ........................................................................................................................................ 7
Verusca Vianna Curvelo da Silva, Carla Affonso Padovani, Fernanda Reis Bomfim

SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA ................................................................................................................................... 19


Teresa Neuma Modesto, Darci Neves Santos

4 ........................
ESTUDO DA SATISFAÇÃO DO USUÁRIO DE PLANOS DE SAÚDE ODONTOLÓGICOS EM SALVADOR NO ANO DE 2004 25
José Luís Santos Cartaxo, Maria Lígia Rangel Santos

ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO E O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA DA CHAPADA, MUNICÍPIO DE APORÁ (BA) ..................... 38
Tâmara Oliveira de Souza, Tânia Christiane Bispo

ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES


COM DIABETES MELITO TIPO 1 NA CIDADE DE SALVADOR ...................................................................................................... 52
Crésio Alves, Thaisa Souza, Sâmia Veiga, Maria Betânia P. Toralles, Francine Mendonça Ribeiro

AVALIAÇÃO E REFLEXOS DA COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS


NA REGIÃO DO SUBMÉDIO DO VALE DO SÃO FRANCISCO .................................................................................................... 68
Cheila Nataly Galindo Bedor, Lara Oliveira Ramos, Marco Antônio Vasconcelos Rego,
Antonio Carlos Pavão, Lia Giraldo da Silva Augusto

CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM SOBRE PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE ÚLCERAS DE PRESSÃO ..................... 77
Lucimeire Santos de Carvalho, Suiane Costa Ferreira, Cátia Andrade Silva, Ana Carla Petersen de Oliveira Santos,
Célia Maria Costa Regebe

AVALIAÇÃO DO TRATAMENTO E CONTROLE DA HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA


EM PACIENTES DA REDE PÚBLICA EM SÃO LUIS (MA) ................................................................................................................ 90
Elba Gomide Mochel, Camila Freitas de Andrade, Daniela Serra de Almeida, Alexandro Ferraz Tobias,
Renata Cabral, Rachel Dino Cossetti

CASOS DE LEISHMANIOSES EM PACIENTES ATENDIDOS NOS CENTROS DE SAÚDE


E HOSPITAIS DE JACOBINA-BA NO PERÍODO DE 2000 A 2004 ................................................................................................... 102
Maria L Vieira, Ronaldo R Jacobina, Neci M Soares

A DOR E A DELÍCIA DE APRENDER COM O SUS: INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO


NA PERCEPÇÃO DOS INTERNOS EM MEDICINA SOCIAL .......................................................................................................... 115
Lorene Louise Silva Pinto, Vera Lúcia Almeida Formigli, Rita de Cássia Franco Rego

PREVALÊNCIA DE SINTOMAS DEPRESSIVOS EM IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS NA CIDADE DO SALVADOR ................................ 134


Amanda de Jesus Santana, José Carlos Barboza Filho

POSSIBILIDADES E LIMITES DO CUIDADO DIRIGIDO AO DOENTE MENTAL NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA ........................ 147
Rozemere Cardoso de Souza, Maria Cecília Morais Scatena

EVOLUÇÃO DAS TRANSFERÊNCIAS FINANCEIRAS NO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO


DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA NO SUS ...................................................................................................................................... 161
Jorge José Santos Pereira Solla, Ediná Alves Costa

ARTIGO DE REVISÃO
UMA REVISÃO SOBRE EFEITOS ADVERSOS OCASIONADOS NA SAÚDE DE TRABALHADORES EXPOSTOS À VIBRAÇÃO ................... 178
Barbara Aparecida Sebastião, Maria Helena Palucci Marziale, Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

RESUMO DE DISSERTAÇÃO
CAPACITAÇÃO E FORMAÇÃODE TRABALHADORES DO SUS-BAHIA .......................................................................................... 187
Maria Claudina Gomes de Miranda

3
4
Revista Baiana E D I T O R I A L
de Saúde Pública

UMA REVISTA DO SUS PARA O SUS

A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação institucional da Secretaria da


Saúde do Estado da Bahia (SESAB), ao longo de seus 33 anos de existência, foi aperfeiçoando sua
apresentação gráfica, estrutura e regimento e, principalmente, sua política editorial. O
entendimento do Conselho Editorial, de que a produção das equipes técnicas dos serviços de saúde
possui uma função especial, principalmente se integrada com a área acadêmica, sem que isto seja
pressuposto para sua relevância, mas pelas possibilidades de trocas e reflexões por ambas, fez com
que a revista pudesse circular em muitos espaços, sem preconceitos. Percebemos, nesse tempo,
que sua divulgação nos serviços e conselhos do Sistema Único de Saúde (SUS), além das
bibliotecas dos cursos de saúde do país e de outros da América Latina, estar disponível no site da
SESAB e na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) gerou estímulos e também promoveu um espaço de
possibilidades e intercâmbio entre os autores e outras revistas.
Para nós tem sido muito gratificante receber artigos, teses e dissertações tratando de
temas importantes para a atenção à saúde das pessoas, nas várias dimensões que interferem na
saúde humana, produzidos por profissionais que literalmente expõem suas atuações sem
possuírem o status de grandes cientistas. Isto não desmerece nossa publicação, ao contrário, a
fortalece como uma publicação técnico-científica que acolhe a todos os que buscam o
fortalecimento do SUS com seriedade e compromisso. Quando os servidores municipais de saúde
nos informam que um artigo da RBSP foi muito útil para as discussões no seminário da equipe, ou
no concurso da universidade aparecem trechos de artigo publicado, ou alunos de cursos de
graduação disputam a publicação pelo artigo de revisão sobre o tema de interesse do grupo e
dizem que foi “um achado”, ou ainda técnicos dos serviços se esforçam para que seus trabalhos
finais dos cursos de especialização, que tratam de seus objetos e processos de trabalho, possam ser
publicados, isto tem muita importância para nós.
O lidar com o preparo de uma publicação é árduo e às vezes desgastante, mas a
expectativa do grupo que vem trabalhando na RBSP — editores, revisores, pareceristas — é de cada
vez mais fortalecer e qualificar este perfil, pois entendemos que uma revista do SUS não pode ser
diferente disto.

5
Acreditamos muito no compromisso da nova gestão da saúde no nosso estado e,
sem dúvida, nos explícitos compromissos com a educação permanente, com a integração ensino-
serviços e com o SUS como espaço de formação; conseqüentemente, a Revista Baiana de Saúde
Pública estará fortalecida. Isto é o queremos: uma revista do SUS para o SUS.

Lorene Pinto
Editora Geral

6
Revista Baiana ARTIGO ORIGINAL
de Saúde Pública

CONHECIMENTO DOS PAIS DE CRIANÇAS SURDAS SOBRE A REABILITAÇÃO


AUDITIVA: UMA EXPERIÊNCIA EM SALVADOR*

Verusca Vianna Curvelo da Silvaa


Carla Affonso Padovanib
Fernanda Reis Bomfimc

Resumo
Este trabalho investigou o nível do conhecimento de 29 familiares de crianças surdas
de uma escola especial sobre a reabilitação auditiva. O instrumento elaborado para esta pesquisa
permitiu conhecer a realidade socioeconômica, a história audiológica e o nível de informação dos
familiares sobre o tema. Os resultados, respectivamente, apontaram que: 82,8% possuem renda de
1 a 2 salários mínimos; 72% dos pais apresentaram o 1ª grau completo; 79,3% diagnóstico entre 0
a 2 anos; 41,9% etiologias desconhecidas; 70% perdas severas e profundas; 100% estudam em
uma escola especial; 55,17% desconhecem as habilidades auditivas; 48,28% não sabem a
importância do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI), conhecem apenas rubéola,
meningite e drogas abortivas como etiologias; 58,62% apontaram apenas os problemas
comportamentais e 100% não sabem sobre o processo da reabilitação. Os dados corroboraram a
necessidade de se efetivarem as políticas públicas de saúde auditiva que também incentivem
programas de reabilitação oral. Dessa forma, o deficiente auditivo terá mais um recurso para a
promoção de seu desenvolvimento global, podendo dispor da linguagem oral ou LIBRAS.

Palavras-chave: Surdez. Reabilitação auditiva. Família.

* Trabalho vinculado a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - Departamento de Ciências da Vida.


a
Fonoaudióloga Clínica do CAS Produtos Médicos – Aparelhos auditivos Phonak e Siemens. Especialista em Neonatologia pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
b
Fonoaudióloga Clínica. Mestre em Educação Especial pela UFSCar; Doutora em Lingüística pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Docente Adjunto da Universidade do Estado da Bahia e da União Metropolitana de Educação e Cultura.
c
Fonoaudióloga Clínica. Especialista em Neonatologia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Docente da Faculdade
Nobre (FAN).
Endereço para correspondência: Verusca Vianna Curvelo da Silva. Rua Amazonas, n. 80, Ed. Green Village, apto. 501, Pituba,
Salvador, Bahia. CEP – 41830-130. Telefone: 3113-1289. Fax: 3113-1291. E-mail: veruscavianna@hotmail.com

v.31, n.1, p.7-18 7


jan./jun. 2007
KNOWLEDGE OF PARENTS OF DEAF CHILDREN CONCERNING HEARING
REHABILITATION: AN EXPERIENCE IN THE CITY OF SALVADOR

Abstract
This study investigated the knowledge level of 29 family members of deaf children
in a special education school regarding hearing rehabilitation. The instrument elaborated for this
research allowed to recognize the socioeconomic reality, hearing history, and the level of
information of the family members about this subject. The results illustrated that 82.8% of the
family members had an income of 1 to 2 minimum salaries; 72% of the parents had completed an
elementary education; 79.3% were diagnosed between 0 and 2 years of age; 41.9% had unknown
etiologies; 70% had profound and severe hearing loss; 100% study in a special education school;
55.17% are unaware of the hearing abilities; 48.28% do not know the importance of the
Individual Sonora Hearing Aids (AASI), only familiar with rubella, meningitis, and abortive drugs
as etiologies; 58.62% only recognized the behavior problems, and 100% were unaware of the
rehabilitation process. The data corroborated for the necessity to implement public health hearing
policies that also encourage oral rehabilitation programs. In this manner, the hearing disabled will
have more resources for the promotion of their global development, being able to take advantage
of oral languages or LIBRAS.
Key words: Deafness. Hearing rehabilitation. Family.

INTRODUÇÃO
A participação familiar é muito requerida durante o processo terapêutico
fonoaudiológico. Na deficiência auditiva, a ação e compreensão dos pais sobre a patologia
possibilitam condições de desenvolvimento mais adequado e, conseqüentemente, melhor
prognóstico para o processo de reabilitação auditiva.
Tem-se observado que a maioria dos pais desconhece ou apresenta conhecimentos
vagos a respeito dos aspectos audiológicos de seus filhos, a exemplo de dados de etiologia,
diagnóstico da surdez, conhecimento sobre os aparelhos auditivos e o prognóstico. Constata-se
ainda que a assimilação dessas informações independe do nível socioeconômico, com ressalvas ao
processo de protetização, que é beneficiado pelo poder aquisitivo.1
Estudos vêm indicando a importância das intervenções educacionais junto às
famílias dos surdos.2-7
Assim, este estudo teve por objetivo investigar o conhecimento dos pais de crianças
surdas sobre a reabilitação e como apreenderam as orientações dadas ao longo dos atendimentos,
visando mostrar a necessidade de se promover programas de orientação às famílias dos surdos.

8
Revista Baiana MÉTODO
de Saúde Pública
O presente estudo foi realizado na Associação dos Pais e Amigos do Deficiente
Auditivo (APADA) do Estado da Bahia, que atende, majoritariamente, uma clientela de classe
baixa. A população desta pesquisa foi composta de uma amostra aleatória de 29 sujeitos — mães
e responsáveis — e alunos surdos da escola especial Marizanda Dantas, que funciona na referida
instituição.
A coleta de dados foi realizada após o parecer do comitê de ética da Universidade
do Estado da Bahia, sob o protocolo n. 0603040147868, e da assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido pelos participantes.
Para avaliar a população alvo, utilizou-se um instrumento previamente elaborado
para esta pesquisa e estabeleceram-se categorias de análise. Os itens analisados, de modo a
atender aos objetivos da pesquisa, foram: a) nível socioeconômico (renda familiar e nível de
instrução); b) história audiológica do aluno surdo (idade do diagnóstico, etiologia, grau da perda
e filosofia educacional); c) nível de conhecimento (funções auditivas, importância do aparelho
auditivo, etiologias da surdez, implicações da perda auditiva e os processos de reabilitação).
(Anexo A).
As respostas referentes ao nível socioeconômico e ao perfil audiológico foram
imediatamente assinaladas no protocolo. Na categoria nível de conhecimento, as falas dos sujeitos
foram gravadas em fitas cassetes e, posteriormente, transcritas. As alternativas correspondentes
foram marcadas pelo pesquisador.
Para a consecução do estudo proposto foi necessária a análise de alguns critérios
considerados no processo de avaliação dos resultados:

a) a variável hipótese etiológica foi considerada desconhecida, quando se


apresentaram sem um laudo médico específico;

b) na variante grau da perda auditiva, foram consideradas, de acordo com os


informantes, as perdas dos tipos: leve, moderada, severa e profunda. Foi
priorizada, segundo os critérios utilizados no Programa de Saúde
Auditiva, a orelha melhor;8

c) para assinalar a questão referente ao uso da linguagem oral , a criança


deveria ser capaz de estabelecer diálogo sem necessitar do uso da Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou qualquer tipo de sinalização para se
comunicar;

d) o nível de linguagem considerado, ignorando-se qualquer teoria, baseou-


se na resposta da mãe: poucas palavras, palavras isoladas, poucas frases e
mantém diálogo.

v.31, n.1, p.7-18 9


jan./jun. 2007
Para a análise dos dados coletados, foi elaborado um banco de dados, utilizando-se
o programa estatístico SPSS 9.0 for Windows, responsável pela análise estatística descritiva. Levou-
se em consideração a natureza das distribuições das variáveis estudadas, de acordo com sua
ocorrência.

RESULTADOS
Os resultados referem-se aos principais achados do estudo que puderam embasar a
discussão e responder à problemática inicial da pesquisa.
Com relação ao nível socioeconômico da família, pôde-se observar que a população
pesquisada, em sua grande maioria, possui uma renda familiar, muito baixa — 82 (76%) possuem
renda de 1 e 1 a 2 salários mínimos — e os pais têm baixo grau de instrução — 51 (72%) não
concluíram o 1o. grau.
A história audiológica evidenciou:

a) a idade do diagnóstico ocorreu em sua maioria (79,3%) na faixa etária


entre 0 a 2 anos;

b) com relação às etiologias da surdez: em 44,8% dos casos os pais as


desconheciam; 29% referiram apenas rubéola; 19,4% apenas meningite; e
3,2% anóxia;

c) os tipos de perdas foram severa a profunda em 38,7%; profunda em 32,3%;


e 16,1% dos pais não souberam informar o grau da perda de seu filho;

d) com relação ao nível de linguagem 68,97%, os deficientes auditivos


utilizavam poucas palavras; 10,34%, palavras isoladas; 10,34%, poucas
frases; e 10,34% mantêm diálogo;

e) 100% são alunos de escola especial.

Na seqüência, apresentam-se as análises descritivas dos resultados mais relevantes,


obtidos na categoria nível de conhecimento sobre a reabilitação auditiva.

a) 55,17 % dos sujeitos indicaram a importância da audição apenas para


habilidade de ouvir, sem mencionar outros aspectos, como o
desenvolvimento da linguagem;

b) 48,28% responderam que a finalidade do uso do aparelho auditivo era


somente ouvir;

10
Revista Baiana c) 51% atribuíram a deficiência auditiva apenas à rubéola ou meningite; 29,1%
de Saúde Pública a causas supersticiosas; e 20,7% não souberam referir nenhum tipo de causa;

d) 58,62% da amostra referiram simplesmente os problemas comportamentais


(social e emocional) como decorrentes da deficiência auditiva;

e) 100% sujeitos não souberam informar os tipos de reabilitação existentes.

DISCUSSÃO
O perfil socioeconômico familiar esboçado é um agravante à saúde auditiva da
criança surda, tendo em vista que as condições atuais de acesso da população baiana aos
programas de saúde auditiva são restritas e os custos dos procedimentos de reabilitação elevados.
O acesso da população carente também é dificultado pela concentração dos programas de
assistência auditiva, em sua maioria, na região sul e sudeste do país.
A detecção precoce da surdez é considerada fator crítico para os melhores resultados
da reabilitação9, em qualquer das modalidades de educação escolhidas pelos pais, para as crinças
surdas. Essa detecção, antes dos seis meses de vida, é fundamental para que os efeitos da perda
auditiva sejam minimizados, permitindo à criança o contato com o mundo sonoro e o
aprendizado de diferentes formas comunicativas como a linguagem oral, a LIBRAS ou a leitura oro-
facial.
Na Tabela 1, pode observar-se que a idade de 0 a 2 anos da identificação da surdez,
dessa amostragem não foi suficiente para garantir o desenvolvimento das habilidades auditivas e da
linguagem oral. Esse achado sugere a ausência de intervenções imediatas e contínuas nesta
população. Assim, faz-se necessária a inserção das crianças surdas em programas de reabilitação
que incluam a protetização e a terapia fonoaudiológica10 e se necessário o encaminhamento ao
implante colear. Desse modo, ótimas possibilidades existem para aproveitar a capacidade auditiva,
estimular o desenvolvimento de linguagem adequada e diminuir ao mínimo a incapacitação,
contribuindo para a inclusão escolar.
Apesar de a LIBRAS ser reconhecida legalmente como um instrumento de
comunicação e expressão na escola regular, direito assegurado pelo decreto no 5.626 de dezembro
de 2005, novas propostas de reabilitação buscam aproximar, cada vez mais, o desenvolvimento de
uma criança surda ao de outra sem privação sensorial auditiva. Assim, a aquisição da linguagem
oral não é fator indispensável para a escolarização, mas potencializador para a aprendizagem e o
desenvolvimento global do indivíduo.

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jan./jun. 2007
Tabela 1. Distribuição percentual e correlação entre a idade do diagnóstico da deficiência
auditiva e o nível de linguagem dos alunos surdos da escola especial Marizanta
Dantas em Salvador

A relação observada na Tabela 2 entre as hipóteses etiológicas desconhecidas, a


baixa renda familiar e a escolaridade dos pais corroboram os estudos de Mondelli e Bevilacqua.8
Segundo esse estudo, os pacientes de classe baixa apresentaram maiores dificuldades em esclarecer
o fator etiológico, o que sugere a falta de informação dos pais ou responsáveis em relação à
patologia de seu filho surdo.
Os familiares em questão desconheciam as habilidades auditivas (detecção,
discriminação, reconhecimento, localização, compreensão dos sons da fala) e a importância do
ouvir para o desenvolvimento global da criança, em especial da fala e da linguagem.9 Conheciam
unicamente a finalidade primária do uso da prótese — para amplificação dos sons —,
desconsiderando-a como um instrumento necessário para facilitar a educação e o desenvolvimento
psicossocial e intelectual do deficiente auditivo.11, 12
Os sujeitos da amostragem também apresentaram conhecimentos restritos quanto às
possíveis etiologias da perda auditiva. Mencionaram como causas apenas aquelas relacionadas às
suas próprias etiologias, sendo a rubéola ou meningite a de maior incidência, de acordo com o
Gráfico 1
1.

12
Revista Baiana Tabela 2. Distribuição percentual e correlação entre a renda familiar (salário mínimo) dos
de Saúde Pública pais ou responsáveis dos alunos surdos e o conhecimento da hipótese etiológica
da surdez de seu filho

Gráfico 1. Demonstra o nível de conhecimento dos pais ou responsáveis pelas crianças surdas
com relação às Causas da deficiência auditiva

Para os pais avaliados nessa amostra, a defasagem ocasionada pela surdez de seus
filhos diz respeito somente aos distúrbios emocionais. Os aspectos educacionais e de
desenvolvimento13 foram apresentados em menores proporções, como evidencia o Gráfico 2
2. Esses

v.31, n.1, p.7-18 13


jan./jun. 2007
dados demonstram a baixa expectativa destes familiares de surdos institucionalizados em relação
ao desenvolvimento de seus filhos e seu despreparo para lidar com suas necessidades.

* outros= Problemas de Comunicação, dificuldade para


memorizar, não entende os outros, preconceitos.

Gráfico 2. Demonstra o nível de conhecimento dos pais ou responsáveis pelas crianças surdas
com relação aos problemas que a criança com deficiência auditiva pode apresentar?

Esse despreparo tornou-se ainda mais evidente, ao se constatar que os pais


desconhecem os tipos de reabilitação existentes. Diante disso, pressupõe-se que a opção
educacional aqui apresentada não partiu da escolha consciente dos pais, e sim da oportunidade
oferecida pela instituição.

CONCLUSÃO
Mesmo não sendo o objetivo principal qualificar o nível de conhecimento, mas
descrevê-lo, ao término desta discussão pôde-se observar, de forma geral, que o conhecimento
demonstrado pelos sujeitos foi limitado e, muitas vezes, restrito à história audiológica apresentada
por suas crianças. Esses dados corroboram a necessidade de se efetivar e garantir políticas públicas
de saúde auditiva, no Estado da Bahia, visando não apenas o cuidado com o deficiente auditivo,
mas também a orientação e o acompanhamento sistemático e efetivo às famílias de deficientes
auditivos. Portanto, os pais de cada criança passam ser autores conscientes na história da
reabilitação de seus filhos. Ressalta-se que esta pesquisa configurou-se como um estudo piloto,
não estando, portanto, concluída. A temática aqui abordada, relacionada ao conhecimento dos
pais de crianças surdas, por si só é influenciada por questões econômicas, sociais e familiares.

14
Revista Baiana
Consequentemente, faz-se necessária a continuidade desta investigação, ampliando-a a outras
de Saúde Pública
populações, a fim de se estudar a inter-relação entre as variáveis acima apresentadas e o nível de
conhecimento sobre a reabilitação auditiva.

AGRADECIMENTOS
A Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo (APADA) do estado da
Bahia, pela parceria; e à professora Dra. Carla Cardoso, pela contribuição metodológica.

REFERÊNCIAS

1. Bevilacqua MC. Compreensão de mães das orientações ministradas em


um programa de audiologia voltado para educação de crianças
[Dissertação]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; 1985.

2. Santos TMM. Esclerose múltipla e meningite bacteriana: conseqüências


auditivas e audiológicas. In: Lichtig I, Carvalho RMM. Audição:
abordagens atuais. São Paulo: Pró- Fono; 1997. p. 239-67.

3. Luterman D. Deafness in the family. Boston: College-Hill; 1987.

4. Dias TRS, Mantelatto SAC, Del Prette A, Pedroso CCA. A surdez na


dinâmica familiar: estudo de uma população específica. Espaço
1999;(11):29-36.

5. Lima RP, Maia R, Distler SD. Reflexão sobre um trabalho com famílias.
Espaço 1999;(11):37-39.

6. Hoffmeister R. Famílias, crianças surdas, o mundo dos surdos e os


profissionais de audiologia. In: Skliar C, organizador. Atualidades da
educação bilíngüe para surdos. Porto Alegre: Mediação; 1999. p.113-130.

7. Goldfeld M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva


sócio-interacionista. São Paulo: Plexus; 1997.

8. Cárnio MS. O surdo é o contexto educacional. In: Linchting I, Carvalho


RMM. Audição: abordagens atuais. Carapicuíba, SP: Pro-Fono; 1997. p.
290-330.

9. Mondelli MFCG, Bevilacqua MC. Estudo da deficiência auditiva das


crianças do HRAC-USP, Bauru-SP: subsídios para uma política de
intervenção. Sinopse de pediatria out. 2002;8(3):51-62.

v.31, n.1, p.7-18 15


jan./jun. 2007
10. Maia JRF, Guerrero SMA, Munari DS, Valente HMR. O atendimento de
crianças deficientes auditivas: da suspeita a reabilitação, um problema
ser refletido. Fonoaudiologia Brasil dez 2002;2(2):11-7.

11. Okubo VLL, Rodrigues OMPR, Palamin MEG, Motti TFG. O


envolvimento da família e da criança na adaptação e uso diário do
aparelho de amplificação sonora individual (AASI). Pediatria Moderna
mar. 2003;39(3):46-52.

12. Iório MCM, Menegotto IH. Aparelhos auditivos. In: Lopes Filho OC,
organizador. Tratado de fonoaudiologia. 5ª ed. São Paulo: Rocca; 1997.
p. 207-309.

13. Santos TMM. Esclerose múltipla e meningite bacteriana: conseqüências


auditivas e audiológicas. In: Lichtig I, Carvalho RMM. Audição:
abordagens atuais. São Paulo: Pró-Fono; 1997. p. 239-67.

Recebido em 25.07.2006 e aprovado em 20.01.2007.

16
Revista Baiana ANEXO A
de Saúde Pública
NÍVEL DE CONHECIMENTO SOBRE A DEFICIÊNCIA AUDITIVA
(SILVA; BOMFIM; PADOVANI, 2004)

Protocolo: _____

I. Perfil sócio-econômico

1) Informante: ( ) mãe ( ) pai ( ) outro: _____________________


2) Escolaridade da mãe: ____________ 5) Escolaridade do pai: _________

3) Renda familiar: ( ) 1 salário; ( ) 1a 2 salários; ( ) 3 a 4 salários;


( ) 5 a 10 salários; ( ) Mais de 10 salários; ( ) não soube informar

II. História Audiológica

1) Qual a idade do diagnóstico?

( ) antes de 1 ano; ( ) entre 1 e 2 anos; ( ) entre 3 a 4 anos


( ) entre 4 e 5 anos; ( ) mais de 5 anos

2) Hipótese etiológica: _________________________

3) Qual o tipo de perda? [ ] leve; [ ] leve a moderada;


( ) moderada a severa; ( ) severa;
( ) severa a profunda; ( ) profunda;
( ) não soube informar.

4) Estuda: ( ) escola regular; ( ) escola regular; ( ) não estuda.

5) Usa linguagem oral: ( ) sim; ( ) não

6) Nível da linguagem:
( ) poucas palavras; ( ) palavras isoladas;
( ) poucas frase; ( ) mantém diálogo.

v.31, n.1, p.7-18 17


jan./jun. 2007
III. Nível de informação:

1. A audição é importante para:


( ) aprender a fala; ( ) se comunicar;
( ) o desenvolvimento da criança como um todo; ( ) ouvir uma música;
( ) proteção; ( ) outra.

2. O que você acredita que causa perda auditiva?


( ) hereditariedade; ( ) drogas ou medicamentos; ( ) anóxia; ( ) baixo peso;
( ) doenças maternas (TORCH); ( ) estresse; ( ) exposição a radiação; ( ) álcool e fumo
( ) desnutrição; ( ) consangüinidade; ( ) doenças infectocontagiosas;
( ) supertição (rub, cax, síf adq e meningite); ( ) não soube informar.

3. Qual a importância do uso do aparelho auditivo?


( ) para amplificar o som; ( ) para ouvir;
( ) para aprender a falar; ( ) para aproveitar o resto da audição; outra:________________

4. Quais os problemas que a criança com deficiência auditiva pode apresentar?


( ) problemas de fala; ( ) problemas de linguagem;
( ) problemas na voz; ( ) problemas escolares
( ) problemas emocionais; ( ) problemas comportamentais;
( ) problemas de limite; ( ) outros:_____________

5. A reabilitação da criança pode ser feita através:


( ) do oralismo; ( ) língua de sinais;
( ) comunicação total; ( ) bilingüismo;
( ) não soube responder; ( ) todas as opções;

18
Revista Baiana ARTIGO ORIGINAL
de Saúde Pública

SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICAa

Teresa Neuma Modestob


Darci Neves Santosc

Resumo
A escassez de informações no contexto brasileiro sobre ações de Saúde Mental na
Atenção Básica tem sido apontada. Este estudo teve como objetivo identificar o perfil diagnóstico
e sócio-demográfico de pacientes assistidos em Saúde Mental no Programa de Saúde da Família em
Cachoeira, Bahia. Realizou-se um estudo de corte transversal, examinando 100 (cem) prontuários
com diagnósticos psiquiátricos atendidos em ambulatório. Encontrou-se que 54% dos
atendimentos foram do sexo masculino, sendo 67% adultos jovens, 49% de procedência urbana e
63% sem ocupação. Dos diagnósticos encontrados 37% foram de esquizofrenia, transtornos
esquizotípicos e delirantes e 18% de transtornos afetivos. Os achados sugerem a inclusão das
ações de Saúde Mental na Atenção Básica, considerando o elevado percentual de transtornos
mentais severos e a precária inserção sócio-econômica desses indivíduos no território onde vivem.

Palavras-chave: Saúde mental. Epidemiologia. Atenção básica. Reforma psiquiátrica.

MENTAL HEALTH IN BASIC HEALTH CARE

Abstract
The scarcity of information on mental health in basic health care, within the
Brazilian context, has been revealed. The objective of this study was to identify the socio-
demographic and diagnostic profile of patients treated for mental health in the Family Health
Program in Cachoeira, Bahia. A cross-sectional study was carried out assessing 100 case records
with psychiatric diagnoses treated as outpatients. The results illustrated that 54% of the patients
treated were male, 67% young adults, 49% living in the urban area, and 63% unemployed. From
the diagnoses found, 37% related to schizophrenia, schizotypic and delirious disorders, and 18%

a
Trabalho desenvolvido a partir do Curso de Especialização em Saúde Mental/UFBA/MS/SESAB.
b
Auditora do SUS/SESAB.
Endereço para correspondência: Praça Dois de Julho, 184, apto. 1801, Campo Grande, CEP 40.080-121, Salvador, Bahia.
Telefones: (71) 3336-9883; (71) 8816-7875. Email: teresamodesto@hotmail.com
c
Instituto de Saúde Coletiva (ISC), Universidade Federal da Bahia (UFBA).

v.31, n.1, p.19-24 19


jan./jun. 2007
related to emotional disorders. The findings suggest the need to include mental health procedures
in basic health care, considering the high percentage of severe mental disorders and the precarious
socioeconomic insertion of these individuals in the place where they live.
Key words: Mental health. Epidemiology. Basic health care. Psychiatric reform.

INTRODUÇÃO
O processo de descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) exige que se
empregue a lógica da integralidade, permitindo assim o entrelaçamento de diversos programas, no
reconhecimento dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais relativos à saúde da população.
Nessa perspectiva, este trabalho pretende discutir aspectos da saúde mental na Atenção Básica,
focalizando essa integralidade.
Sem a inserção de uma equipe mínima de Saúde Mental na Atenção Básica, o que
se propõe fica dissociado. Nenhum sistema sanitário estará completo se não atender às
necessidades de Saúde Mental da população.1
A reforma psiquiátrica brasileira trabalha com a lógica da desospitalização, focada
na família e na comunidade, desenvolvendo ações de promoção, prevenção, tratamento e
reabilitação. Esses são os mesmos princípios e diretrizes propostos na Atenção Básica2, portanto,
um eixo estratégico para a inserção das ações de Saúde Mental e um campo fértil para essa nova
forma de pensar saúde, envolvendo uma rede de atores com saberes e fazeres diferenciados,
reforçando-se assim mais um dos princípios norteadores do Sistema Único de Saúde, a
intersetorialidade.
Sendo a Atenção Básica a porta de entrada do sistema de saúde3, a inserção das
ações de Saúde Mental permite que os sintomas psíquicos sejam detectados e tratados
precocemente, evitando-se internações desnecessárias.
Considerando a precariedade das informações sobre ações de Saúde Mental na
Atenção Básica, pretende-se com este trabalho apresentar dados relativos ao perfil clínico/
epidemiológico de pacientes psiquiátricos atendidos na Atenção Básica no município de
Cachoeira (BA), visando uma contribuição para a implementação das ações em Saúde Mental na
Atenção Básica no Sistema Único de Saúde.

MATERIAL E MÉTODOS
Realizou-se um estudo de corte transversal da demanda de pacientes psiquiátricos
assistidos no Programa de Saúde da Família, em Cachoeira (BA), no ano de 2001, examinando-se
100 prontuários médicos de indivíduos maiores de 18 anos, atendidos no segundo trimestre de 2001.
Obteve-se informações sobre: idade, sexo, ocupação, encaminhamento e diagnóstico pela CID10.

20
Revista Baiana RESULTADOS
de Saúde Pública
Dos 100 prontuários examinados, 54% foram de pacientes do sexo masculino,
sendo 67% de adultos jovens entre 20 e 49 anos, 49% de procedência urbana e 63% sem
Tabela 1).
ocupação (Tabela 1 Observa-se que 38% dos encaminhamentos para o atendimento em Saúde
Mental foram realizados pelos agentes comunitários de saúde (ACS), 23% pelos médicos do
Programa de Saúde da Família e 24% por demanda espontânea (Tabela 2 Os transtornos
Tabela 2).
psicóticos graves apresentaram o maior percentual (37%) de esquizofrenia, transtornos
esquizotípicos e delirantes, seguidos de 18% para transtornos afetivos, 12% de epilepsias, 10% de
retardo mental, 8% de transtornos neuróticos, 10% de uso abusivo de álcool e 5% sem diagnóstico
preciso (Tabela 3 Chama atenção a predominância dos transtornos psicóticos graves e das
Tabela 3).
epilepsias.

Tabela 1. Características sócio-demográficas dos pacientes atendidos

v.31, n.1, p.19-24 21


jan./jun. 2007
Tabela 2. Distribuição dos pacientes segundo fontes de encaminhamento ao psiquiatra

Tabela 3. Distribuição dos pacientes por diagnóstico psiquiátrico segundo o CID 10

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde
Coletiva, tendo sido protocolado sob o número 045-05/CEP-ISC.

DISCUSSÃO
A importância de dados referentes às características sociodemográficas em trabalhos
com portadores de transtornos mentais torna-se imprescindível, levando-se em conta os
pressupostos teórico-práticos da reforma psiquiátrica, que recomenda o tratamento bio-psico-
social.4 Diante da amostra de 63% dos pacientes sem inserção produtiva/formal no mercado de
trabalho, deduz-se o baixo grau de autonomia e dependência social, sugerindo uma decorrência da

22
Revista Baiana
enfermidade psíquica. No entanto os pacientes psiquiátricos foram há décadas segregados da
de Saúde Pública
sociedade, internados por longos períodos de tempo em hospitais psiquiátricos, favorecendo
também a desabilitação que dificulta a reinserção social/produtiva.
Observa-se uma maior percentagem de portadores de transtornos mentais dentro da
faixa etária de 20 a 49 anos, o que parece estar relacionado com o período médio de instalação
dos transtornos mentais, ocasião em que os efeitos dessas doenças são mais severos.5
Chama atenção a percentagem de psicoses severas que procuram os serviços da
Atenção Básica. Se esses casos fossem tratados e acompanhados por especialistas nesses espaços,
seria desnecessário um internamento em hospital psiquiátrico. Um achado surpreendente foi o
número de pacientes com diagnóstico de epilepsia. Nos países em desenvolvimento, pela carência
de serviços de Neurologia, os portadores dessa enfermidade são assistidos por psiquiatras6, mas
acredita-se que cuidados especializados devam ser oferecidos, com solicitação de exames e
medicações especializadas entre outros.
Constatou-se a importância da atuação dos agentes comunitários de saúde (ACS),
detectando precocemente os casos e encaminhando-os para a psiquiatra.
Há muito caminho a ser percorrido na inserção das ações de Saúde Mental na
Atenção Básica. O pensamento sobre esta questão deve superar os conceitos organicistas e a lógica
da exclusão, exigindo tempo para mudança dos atuais conceitos e práticas. Por outro lado, os
especialistas (psiquiatras) por muito tempo estiveram afastados da Atenção Básica e da Saúde
Pública, criando-se assim um hiato, que não é o que se pretende. Nossos achados permitem uma
caracterização inicial das ações de Saúde Mental na Atenção Básica, reforçando a necessidade de
outros estudos em nosso meio para orientar a organização do cuidado especializado na Atenção
Básica.

REFERÊNCIAS

1. OMS-Organização Mundial da Saúde. A introdução de um componente


de Saúde Mental na Atenção Primária. Genebra; 1990.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Oficina de Trabalho para discussão do Plano


Nacional de Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica.
Brasília; 2001.

3. Starfield B. Atenção primária. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.

4. Amarante P. Loucos pela vida – A trajetória da reforma psiquiátrica no


Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Osvaldo Cruz; 1995.

v.31, n.1, p.19-24 23


jan./jun. 2007
5. Talbott J, Hales TI, Yudofsky S. Tratado de Psiquiatria. Porto Alegre:
Artes Médicas; 1992.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política


nacional para os distúrbios neurológicos. Brasília; 2005.

Recebido em 10.10.2006 e aprovado em 14.02.2007.

24
Revista Baiana ARTIGO ORIGINAL
de Saúde Pública

ESTUDO DA SATISFAÇÃO DO USUÁRIO DE PLANOS DE SAÚDE ODONTOLÓGICOS


EM SALVADOR NO ANO DE 2004

José Luís Santos Cartaxoa


Maria Lígia Rangel Santosb

Resumo
Este estudo discute a satisfação e a adesão aos planos de saúde odontológicos entre
indivíduos de diferentes classes sociais. Preliminarmente, são apresentados alguns elementos
conceituais necessários à compreensão do contexto em que se insere o mercado odontológico
supletivo no Brasil e em Salvador. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, para a qual foram
entrevistados trinta e seis informantes, que contrataram serviços de operadoras de saúde
suplementar odontológico em Salvador no ano de 2004. Mediante um roteiro de entrevistas semi-
estruturadas foram coletados dados sobre as representações dos planos odontológicos presentes nos
discursos dos entrevistados, objetivando compreender a lógica subjacente às escolhas, em relação à
contratação de um plano de saúde odontológico. Para a análise, foram selecionadas três dimensões
abordadas em estudos de satisfação de serviços de saúde — a acessibilidade, a efetividade e a
humanização —, além de categorias teóricas relacionadas com a forma de adesão (voluntária ou
compulsória) e com a classe social dos entrevistados (proletariado ou burguesia). Algumas
categorias empíricas que apareceram nos relatos também foram valorizadas na análise. Os
resultados encontrados mostram um alto grau de satisfação em todas as categorias pesquisadas, o
que pode ser explicado pela deficiência na prestação dos serviços públicos municipais em saúde
bucal e pelo alto custo do tratamento odontológico pelo sistema de desembolso direto.

Palavras-chave: Planos de saúde. Satisfação do usuário. Atenção odontológica.

a
Mestre em Saúde Coletiva. Instituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Endereço para correspondência: Avenida Sete de Setembro, 3043, apto. 202, Ed. Baía do Sol, Ladeira da Barra, Salvador,
Bahia - CEP: 40130 000. E-mail: luisctx@hotmail.com
b
Doutora em Saúde Coletiva. Instituto de Saúde Coletiva. UFBA.

v.31, n.1, p.25-37 25


jan./jun. 2007
STUDY ABOUT CUSTOMER SATISFACTION REGARDING
DENTAL HEALTH PLANS IN THE CITY OF SALVADOR IN 2004

Abstract
This study discusses the satisfaction and adherence to dental health plans among
individuals of different social classes. Preliminarily, the study illustrates conceptual elements
necessary to understand the context in which the supplementary dental market exists in Salvador
and Brazil. This is a qualitative study, with 36 participants who contracted supplementary dental
health services in Salvador in 2004. Using the semi-structured interview, data were collected
regarding the representations of the dental plans mentioned by the interviewees. The objective was
to understand the underlying logic for the choices relating contracting a dental health plan. For the
data analysis, three dimensions approached in studies regarding customer satisfaction of health
services were selected: accessibility, effectiveness, and humanization. Theoretical categories related
to the manner of adherence (voluntary or compulsory), and participants’ social class (proletariat or
upper class) were also used. Empirical categories that appear in the interviews were also respected
in the analysis. The results show a high degree of satisfaction in all studied categories. This can be
explained by the deficiency in public dental health services and by the high costs of private
odontologic treatment.
Key words: Private insurance plans. Costumer satisfaction. Dental care.

INTRODUÇÃO
O sistema de saúde do Brasil pode ser caracterizado como segmentado, uma vez
que apresenta três subsistemas na sua formação: um público, que é o Sistema Único de Saúde
(SUS); e os outros dois privados — o Sistema de Desembolso Direto (SDD) e o Sistema de
Atenção Médica Supletiva (SAMS).1
O Sistema Único de Saúde caracteriza-se por ser um segmento estruturado por uma
rede de ações e serviços, prestados por órgãos das três esferas governamentais. O SUS tem como
princípios básicos a universalidade do acesso, a integralidade e a equidade no atendimento e,
segundo a Constituição brasileira de 1988, deve ofertar gratuitamente os serviços públicos de
assistência à saúde. Vale salientar que a iniciativa privada participa do SUS por meio dos
prestadores privados de serviços de saúde, sejam hospitais, clínicas, laboratórios ou profissionais
autônomos.
Já o Sistema de Desembolso Direto caracteriza-se pela prática liberal dos
profissionais que atendem diretamente aos seus pacientes. Os honorários e o plano de tratamento
são definidos pelo profissional, sem qualquer tipo de interferência.

26
Revista Baiana Quanto ao SAMS, distingue-se pela intermediação da assistência entre prestador e
de Saúde Pública
usuário, com a mediação de operadoras de planos de saúde.
A relação de causalidade entre as dificuldades de acesso, continuidade e cobertura
do sistema público de saúde e o crescimento da adesão ao subsistema de saúde suplementar tem
sido analisada como uma proposição coerente. Percebe-se, no entanto, uma carência de
investigações que expliquem os mecanismos pelos quais essa situação se processa. Para ultrapassar
o senso comum, faz-se necessário, antes de tudo, identificar o perfil dos usuários que utilizam os
serviços das operadoras de planos de saúde suplementar e, com base nessas informações, descrever
as diferentes tendências que levam os sujeitos para essa modalidade de assistência à saúde.2
Pode-se constatar que os dentistas afirmam a importância de se associar a convênios,
pois estes os ajudam na aquisição de um mercado consumidor mais amplo, já que o paciente
pode se sentir atraído por condições mais viáveis, do ponto de vista econômico, oferecidas pelos
planos de saúde.3 É fácil perceber que a produtividade ganha ênfase nesse contexto, restando
apenas saber se essa característica está ou não articulada com a qualidade dos serviços prestados.
A precariedade no atendimento à saúde bucal no setor público e os altos custos do
tratamento particular permitiram o aparecimento de empresas interessadas em comercializar planos
de saúde odontológicos. Nesse contexto, não é de se surpreender o ativo crescimento da fatia de
mercado correspondente às clínicas e empresas que oferecem planos e seguros de saúde bucal.
Sem qualquer expressão, até meados dos anos de 1980, esse segmento, segundo dados do
Sindicato Nacional de Odontologia de Grupo (SINOG), chega ao final do século XX com cerca de
300 empresas e aproximadamente 7 milhões de clientes. Embora planos individuais sejam aceitos,
contratos coletivos, envolvendo o conjunto dos trabalhadores e funcionários de uma empresa, são
os mais procurados pelas operadoras de planos de saúde.
Dados do SINOG permitem estimar que cerca de 80 mil dentistas e clínicas
odontológicas são credenciadas ao sistema supletivo odontológico em todo o Brasil, representando
45% do total de profissionais do país.
Cabe refletir sobre a adequação desse tipo de oferta de serviços odontológicos,
diante das necessidades de saúde bucal da população brasileira.
Na Bahia, essas características apresentam-se em conformidade com o quadro
nacional. Todavia não existem dados suficientes para estimar o contingente de dentistas e de
usuários que se associam às operadoras de planos de saúde (OPS) odontológicos. Isso porque, é de
conhecimento, tanto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) quanto do Conselho
Regional de Odontologia (CRO-BA), a existência de operadoras que atuam de maneira ilegal, o
que impossibilita a exatidão desses números. Assim, resta à ANS divulgar essas informações com
base apenas nas operadoras registradas, as quais se encontram discriminadas no Quadro 1
1.

v.31, n.1, p.25-37 27


jan./jun. 2007
Fonte: ANS – Cadastro Beneficiários, agosto/2002.

Quadro 1. Número de planos e de beneficiários na Bahia e no Brasil

Frente a essas características, a assistência à saúde privatizada tem acumulado uma


série de distorções ao longo do tempo, nos lugares em que foi aplicada. Isto especialmente devido
aos abusos praticados pelas operadoras de planos de saúde em relação aos constantes reajustes
praticados, à exclusão indiscriminada de algumas patologias da totalidade de procedimentos
cobertos e às dificuldades de exercer um controle adequado sobre os serviços prestados4. Tal fato
motivou a criação da ANS, que fiscaliza e regulamenta o setor, a qual, segundo o Sindicato
Nacional de Odontologia de Grupo (SINOG), reconhece as seguintes modalidades de assistência
odontológica supletiva com os seus respectivos conceitos:

• Odontologia de Grupo — entidades que operam exclusivamente planos


odontológicos. Caracterizam-se pela intermediação do serviço odontológico e
pela prestação de serviços direta ao paciente, investindo capital na promoção do
negócio, com o objetivo de oferecer atendimento odontológico a uma parcela da
população e, como resultado, auferir lucro. Ex: Associl, Odontoprev,
Odontosystem.
• Autogestão — são as empresas que, por meio do seu departamento de recursos
humanos, se responsabilizam pelo plano de assistência odontológica aos seus
funcionários, aposentados e dependentes. Devem possuir gestão própria e não
têm fins lucrativos. Ex: Cassi, Petrobras.
• Cooperativas — são classificadas na modalidade de cooperativa odontológica as
sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas conforme o disposto na
lei 5.764 / 71, que operam exclusivamente planos odontológicos. Nesse sistema,
os profissionais se unem, subscrevendo quotas, e montam uma rede para prestar
serviços aos pacientes por eles próprios captados. Ex: Uniodonto, Coopodonto.

28
Revista Baiana
• Seguradoras — são empresas que recolhem prêmios (mensalidades) de acordo
de Saúde Pública
com cálculos atuariais de probabilidade de ocorrência de sinistro (necessidade de
usar o plano). Geralmente trabalham apenas com reembolso, conforme tabela
própria. São raras as empresas que atuam nesse segmento, contemplando a
assistência odontológica. Ex: Bradesco Saúde.

Diante da problemática da assistência odontológica no Brasil, destaca-se a questão


da satisfação do usuário dos serviços prestados pelas operadoras de planos odontológicos, como
tema central deste estudo, cujo objetivo é contribuir para a compreensão desse campo, bem como
para o debate sobre as alternativas de reorganização desses serviços de saúde, que têm se instalado
no país sem informações suficientes sobre o seu desenvolvimento. Assim, o estudo busca
identificar as razões pelas quais os usuários optam pelo atendimento do sistema de odontologia
supletiva e analisar o padrão de satisfação dos usuários da assistência odontológica supletiva em
relação à efetividade, acessibilidade e humanização do atendimento. Cabe investigar se essa
assistência supletiva, que se processa na perspectiva de um modelo hegemônico curativo/
restaurador e baseia-se em uma lógica lucrativa, vem sendo realizada de modo satisfatório para os
usuários.

MATERIAL E MÉTODOS
Neste estudo, a segmentação interna da clientela dos planos e seguros de saúde foi
considerada mediante dois recortes. O primeiro refere-se à forma de adesão e distingue duas
maneiras pelas quais os indivíduos se vinculam aos planos e seguros de saúde. As modalidades de
adesão foram classificadas em “compulsória”, referindo-se às situações em que o vínculo
empregatício do indivíduo aparece como um fator de indução à adesão, e “voluntária”, aquelas
decorrentes da iniciativa própria e da ação particular dos sujeitos.2
O segundo recorte utilizado para caracterizar a segmentação da clientela do sistema
de saúde odontológica suplementar baseou-se na segmentação de classe social do conjunto dos
seus clientes. Assim, seis categorias seriam processadas com base no estudo sobre classes sociais
desenvolvido por Solla.5 No entanto, no decorrer das entrevistas, pôde-se constatar que o corpus
não trazia uma diversidade de discursos dos informantes que justificasse a utilização de seis
categorias de análise para a classe social. Desta forma, optou-se por considerar apenas duas
categorias relacionadas com esse recorte: burguesia, que abrange, além dela mesma, a nova
burguesia e a pequena nova burguesia; e proletariado, que engloba também o sub-proletariado e os
excluídos da população economicamente ativa (PEA).

v.31, n.1, p.25-37 29


jan./jun. 2007
Com relação às dimensões selecionadas para a análise, nenhuma referência foi
encontrada para a realização da avaliação da satisfação do usuário em odontologia. Portanto
optou-se pelos três indicadores mais utilizados na área de avaliação da satisfação do usuário em
saúde, quais sejam: a acessibilidade, a efetividade e a humanização. As características desses
indicadores são apresentadas na seqüência.6
A acessibilidade refere-se ao grau de facilidade ou dificuldade com que os
indivíduos se deparam no momento em que buscam obter a atenção ofertada pelos serviços de
saúde. Tais dificuldades ou facilidades podem ser provenientes de vários fatores, tais como: a
localização dos serviços, o grau de adequação qualitativa entre oferta e demanda, os
procedimentos e requisitos necessários à admissão do paciente, o tempo de espera que antecede o
atendimento, entre outros. Como se vê, as condições de acesso não se limitam à relação
quantitativa entre a oferta e a demanda, embora esse seja um dos seus aspectos centrais. Fatores
geográficos, organizacionais, financeiros e culturais compõem o mosaico que permitirá a sua
compreensão.7
A efetividade é uma dimensão de análise que se relaciona com o efeito das ações e
práticas de saúde e será capaz de identificar as percepções dos usuários em relação à continuidade,
ao resultado e às conseqüências do tratamento produzidas pela adesão ao plano de saúde.
A humanização nos serviços de saúde não se deve confundir com iniciativas isoladas
e esporádicas. Ela supõe uma política administrativa integrada e permanente, centrada no
atendimento personalizado do enfermo e um perfeito entendimento das expectativas e
necessidades dos pacientes que, para tanto, devem ser consultados por meio de um sistema eficaz
de comunicação.8
Neste estudo, optou-se pela abordagem qualitativa da pesquisa, que permite explorar
as diferentes representações sobre o tema focalizado, identificando e, sobretudo, fundamentando
os diversos pontos de vista. Além disto, garante que as visões, crenças, modos de vida e
concepções sobre o processo saúde/doença do entrevistado sejam contemplados.9
A técnica de coleta de dados definida foi a entrevista individual em profundidade. A
escolha dos participantes foi feita por estratificação, de modo a incluir a diversidade de usuários.
Estes foram selecionados nos arquivos das duas maiores operadoras de planos odontológicos de
Salvador, que, juntas, detêm 60% dos usuários desse mercado na região metropolitana de
Salvador.3
Foram realizadas trinta e seis entrevistas semi-estruturadas.
Utilizou-se um roteiro fundamentado nas dimensões teóricas, abrindo-se as
entrevistas ao surgimento de dimensões empíricas. Assim, foram considerados como indicadores

30
Revista Baiana
de Acessibilidade: a) processo de marcação — opções de horário (alternativos / tradicionais); b)
de Saúde Pública
proximidade do trabalho ou da residência; c) fator motivador da escolha (indicação, referência da
operadora); d) tempo de espera. Como indicadores de Efetividade foram definidos: a) retorno; b)
resolução do problema; c) finalização do tratamento; d) integralidade do tratamento. Como
indicadores de Humanização, considerou-se: a) relação equipe odontológica/paciente —
acolhimento; b) grau de confiança na equipe odontológica; c) duração da consulta; d)
informações, recomendações e prescrições; e) privacidade.
As entrevistas foram gravadas e transcritas, gerando um corpus que foi submetido à
análise de conteúdo, na qual foram consideradas as dimensões teórica e empírica.
Vale ressaltar que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do Instituto de Saúde
Coletiva da UFBA e que todos os participantes da pesquisa assinaram um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS
Foi encontrado um alto grau de satisfação em todas as categorias analisadas. Esse
resultado parece estar relacionado ao componente financeiro e à possibilidade da inclusão de
dependentes na lista de usuários dos planos, o que também contribui para uma significativa
redução nos custos com a saúde bucal. Além disso, a certeza da realização do tratamento, que
reflete uma percepção de segurança, e a forma integral que esse tratamento é disponibilizado pelos
planos de saúde odontológicos, também são fatores que contribuem para um grau de satisfação
elevado.
Quando se trata da acessibilidade, pode-se perceber que a satisfação atinge um alto
grau tanto na categoria classificada como burguesia, quanto na categoria proletariado. Em relação a
essa dimensão de análise vários pontos foram destacados pelos entrevistados como positivos, a
exemplo da proximidade das clínicas credenciadas e da flexibilidade de horários por elas
oferecidos. O tempo para a marcação da primeira consulta variou entre dois a sete dias e o tempo
de espera para realização do atendimento sofreu uma variação de 15 a 60 minutos. Contudo
nenhum entrevistado apontou esses dados de maneira negativa.
A necessidade de se realizar a perícia mostrou-se como um elemento empírico em
torno do qual houve discordância. Alguns entrevistados a consideram como uma garantia da
qualidade do tratamento executado, enquanto outros julgaram-na desnecessária, demorada e
burocrática. Estes baseiam essa opinião no fato do atendimento propriamente dito ser prestado por
um profissional associado ao plano, que só por isso já mereceria total confiança por parte da
operadora.

v.31, n.1, p.25-37 31


jan./jun. 2007
Dentre os entrevistados classificados na categoria proletariado, ocorreu um consenso
das informações em relação às diferenças entre as condições de acesso nas unidades de saúde
municipais e na assistência supletiva. As longas filas, onde os usuários tinham que dormir na noite
anterior ao atendimento, e principalmente a incerteza sobre a realização do atendimento são
situações descritas pelos componentes da categoria em análise. Isto contrasta com o atendimento
supletivo sem filas, sem grandes esperas e com a certeza do atendimento, em um ambiente mais
confortável.
As entrevistas demonstraram ainda que alguns usuários optaram pelo sistema
supletivo porque o profissional que os atendia antes, em serviço particular, atende-os também pelo
plano de saúde. O que demonstra a expansão da assistência supletiva como forma de captação de
clientela por parte dos prestadores de serviços.
Com relação à efetividade, independente da categoria analisada, a grande maioria
dos pesquisados relata que teve os seus tratamentos concluídos e os seus problemas resolvidos, o
que influenciou positivamente para que o grau de satisfação fosse tido como elevado.
A pesquisa demonstrou que na categoria proletariado a adesão voluntária aos planos
se processa não apenas pela insatisfação ou insegurança em relação ao sistema público, mas
também quando a saúde bucal ganha importância na ordem de prioridades dentro de um contexto
familiar de escassos recursos financeiros. Essa prioridade é geralmente desencadeada pela
descoberta de alguma doença bucal. Contudo o material da pesquisa revela que, independente da
classe social a que pertencem, alguns usuários voluntários não renovam os contratos com as
operadoras de planos odontológicos assim que finalizam o tratamento. Esta atitude demonstra uma
percepção diferenciada em relação aos planos médicos, que são mantidos pelos usuários
voluntários, mesmo que momentaneamente não exista a necessidade médica aparente.
Identificou-se que alguns tratamentos não eram cobertos pelo plano e exigia-se uma
cobrança além das mensalidades, para que esses serviços fossem executados. Alguns usuários
realizavam pelo próprio sistema do plano, outros entravam em acordo diretamente com o
prestador.
Dentre as dimensões pesquisadas, a questão da humanização foi a que demonstrou
maior divergência de opiniões. Os entrevistados da categoria proletariado admitem que nessa
dimensão o atendimento prestado pela assistência supletiva é superior ao atendimento do SUS. Já
os entrevistados da categoria burguesia não percebem tanto essa diferença, pois realizavam os seus
tratamentos odontológicos em clínicas que prestam serviços às operadoras de planos odontológicos
ou oferecem o atendimento pelo sistema de desembolso direto. De uma maneira geral, a despeito
de se encontrar algumas discordâncias de opiniões na dimensão de análise humanização, também
se pode considerar que o grau de satisfação foi elevado nas diferentes categorias analisadas.

32
Revista Baiana
Pôde-se perceber em algumas falas que muitos entrevistados comparavam o sistema
de Saúde Pública
supletivo odontológico com o sistema médico e admitiam que o atendimento odontológico pelo
sistema de desembolso direto estava findando, como aconteceu com o modelo médico.

“[...] não vejo diferença nenhuma em ser paciente de convênio. Aliás, com os médicos
é assim também, né? [...] hoje os médicos só atendem convênios, não existe mais
atendimento particular;”

Alguns entrevistados da categoria “burguesia”, entretanto, relataram insatisfação em


relação ao atendimento oferecido pelas clínicas odontológicas credenciadas às operadoras. As
principais queixas diziam respeito à rapidez durante as consultas, sendo, inclusive, percebido que
os dentistas que os atendiam estavam insatisfeitos em ter se associado ao plano odontológico.

“O dentista fazia tudo muito rápido, era inseguro e ele mesmo reclamava do plano [...]
Dizia que recebia muito pouco pelo serviço [...] se o dentista não tá satisfeito, atende
correndo, nem fala com você direito, é claro que a gente fica com uma pulga atrás da
orelha. Dito e certo, 3 meses depois começou a cair tudo;”

O conteúdo das entrevistas mostrou que muitas informações relacionadas à


cobertura dos planos contratados eram prestadas aos usuários pelos dentistas e não pelo
representante da operadora. Este fato causou descontentamento em alguns usuários, como o
responsável pelo discurso seguinte:

“Sim, faltam esclarecimentos sobre as coberturas; pensei que meu plano cobrisse tudo
e não é bem assim, até o dentista falou nisso, que na hora de vender eles prometem
mundos e fundos e acaba sendo o dentista que explica o que pode ou não fazer pelo
plano;”

A comparação com o atendimento prestado nas unidades de saúde pública não


mostrou em nenhum momento uma referência ao profissional dentista. Ou seja, na percepção do
entrevistado, o dentista que atua no serviço público não tem condições para desempenhar o seu
ofício da mesma maneira que o faz em uma clínica particular. Portanto as maiores críticas não
recaem sobre o profissional, mas sim sobre a falta de condições estruturais e financeiras a que ele é
submetido. A grande demanda de pacientes é tida como uma das causas para a falta de um
atendimento mais humanizado na rede pública.

v.31, n.1, p.25-37 33


jan./jun. 2007
“Pôxa... não é que o do posto seja ruim [referindo-se ao dentista], é que tem muita
gente pra atender, é mais rápido. Lá eles têm que atender rápido e acho que só chega
gente com muita dor, doido pra ficar livre do dente, aí só resta arrancar, não sei se
pode fazer outras coisas;”

DISCUSSÃO
O estudo da satisfação dos usuários da assistência odontológica supletiva permite
identificar alguns elementos importantes para explicar o deslocamento destes indivíduos, que antes
buscavam o atendimento odontológico pelo SUS ou pelo sistema de desembolso direto.
Neste estudo, alguns entrevistados da categoria proletária, por exemplo, admitiram
que tinha sido a primeira vez que concluíram um tratamento odontológico e que, anteriormente,
só tinham acesso a extrações; como usuários de plano, passaram a ter um atendimento integral.
Entrevistados da categoria voluntária, porém, assumiram que, assim que concluíssem o tratamento,
não iriam renovar o contrato com o plano. Tal situação mostra que os usuários levam em
consideração, para manifestar satisfação, o fato de conseguirem finalizar o tratamento. Entretanto,
assim que esse é concluído, a adesão ao plano deixa de assumir um papel prioritário na ordem de
despesas do indivíduo. Depreende-se, então, que não há adesão devido à priorização da prevenção
em saúde bucal. Isto pode refletir que a visão hegemônica de saúde bucal ainda é fundamentada
em uma perspectiva curativista, enquanto o paradigma da prevenção, só mais recente e
vagarosamente sai do espaço da academia para alcançar a comunidade, transformando-se em uma
necessidade e passando a fazer parte das suas expectativas.
O mesmo pode ser observado em relação à adesão voluntária, quando se tem como
motivação a descoberta da doença bucal, por parte do indivíduo. Vários informantes admitiram
que somente quando descobriram que estavam com alguma patologia bucal é que optaram por se
associar a uma operadora de planos odontológicos.
O fato de um indivíduo já ter sido beneficiário de um plano de forma compulsória é
um elemento importante na adesão voluntária, quando este mesmo indivíduo, por demissão ou
aposentadoria, perde o direito ao plano pela empresa.
No que se refere à sistemática do plano, a autorização dos procedimentos apenas
uma vez por semana foi um ponto negativo apontado pelos entrevistados. A falha do representante
do plano em relação às informações, principalmente sobre a cobertura do plano, também foi
diagnosticada como deficiente, tendo em alguns casos o próprio dentista assumido a
responsabilidade de prestar a informação sobre a cobertura. Apesar de aparecer em vários
depoimentos, tal fato não gerou maiores conflitos com as operadoras, ao contrário do que
acontece com os planos médicos.

34
Revista Baiana A obrigatoriedade da realização da Perícia é um ponto de divergência de opiniões
de Saúde Pública
entre os entrevistados. Enquanto uns a consideram como um elemento de segurança, em relação à
qualidade do serviço executado, outros a consideram como desnecessária.
A maioria dos entrevistados considerou que o atendimento na sede das operadoras
era de qualidade inferior, em todas as categorias de análise pesquisadas, quando comparado ao
atendimento prestado por clínicas particulares credenciadas aos planos. Essa situação mostra que
os dentistas, enquanto donos dos seus consultórios, têm condições de se dedicar muito mais aos
seus pacientes usuários de planos, quando comparado com o atendimento prestado na própria
sede da operadora. Pode-se concluir que o atendimento nas sedes das operadoras merece uma
investigação mais aprofundada.
Com base nesta pesquisa, considera-se necessário ampliar a quantidade de
dimensões de análise, incluindo a dimensão segurança, pois a questão da certeza do atendimento
foi mencionada em várias oportunidades por diferentes informantes, sendo avaliada como decisiva
para a adesão ao sistema de odontologia supletiva.
No que tange à dimensão acessibilidade, pode-se afirmar que, embora as condições
de acesso não expliquem por si só o deslocamento de clientela do sistema público para os planos
de saúde, trata-se de uma situação real, que influencia as escolhas e preferência em relação ao
setor privado.
Os resultados deste estudo sugerem que a deficiência no atendimento público
odontológico em Salvador, em relação à continuidade e integralidade da assistência, está
diretamente relacionada ao alto grau de satisfação dos usuários de planos odontológicos, uma vez
que, em várias entrevistas, há manifestações de queixas em relação a esses dois aspectos. Ademais,
a procura por uma unidade odontológica pública somente é mencionada em casos de extrema
necessidade e não se encontrou em nenhuma das entrevistas que essa procura se deu visando um
atendimento integral.
No conteúdo das entrevistas da categoria proletariado, por exemplo, foi percebida
uma preferência pela assistência supletiva odontológica, em relação à assistência oferecida pelo
SUS, em todas as dimensões pesquisadas, o que pode ser explicado pela deficiência na assistência
odontológica pública em Salvador, tanto no acesso, quanto na continuidade e integralidade do
atendimento dentário.
Apesar de atribuírem uma baixa qualidade ao SUS, os entrevistados não
responsabilizam os dentistas da rede pública. A elevada demanda, que reflete um número
insuficiente de unidades de saúde capazes de oferecer um atendimento odontológico e a falta de
estrutura desses mesmos postos de atendimento público são argumentos utilizados pelos
informantes como justificativa para descrever condições de trabalho inadequadas.

v.31, n.1, p.25-37 35


jan./jun. 2007
Um outro aspecto relevante evidenciado neste estudo é que, pacientes atendidos
dentro do sistema de reembolso direto migraram para o sistema supletivo motivados pela questão
econômica e não por admitirem que teriam acesso a uma odontologia de melhor qualidade.
Assim, deste estudo, pode-se supor que a assistência odontológica oferecida pelo sistema de
desembolso direto tende a se esgotar, e que o sistema supletivo vem assumindo uma condição de
prioridade para a realização do tratamento odontológico. Esta nova realidade parece ser encarada
de maneira natural tanto pelo usuário, já habituado ao sistema dos planos médicos, quanto pelo
profissional dentista, que está se adaptando a essa modalidade de assistência.
A despeito do alto grau de satisfação encontrado, é fácil perceber que o
deslocamento dos usuários da rede pública para a rede privada se processa também pela
deficiência das unidades odontológicas públicas municipais, seguindo a lógica de não
funcionamento do SUS, que abre espaço para o crescimento do setor supletivo na saúde. Esse fato
vem ocorrendo desde o governo Collor, quando foram barrados os projetos políticos para a
operacionalização da implantação do SUS. O estudo, enfim, explicita uma possível conseqüência
da histórica omissão do Estado brasileiro em relação à saúde bucal da população e das deficiências
quantitativas e qualitativas dos serviços públicos municipais de atenção odontológica, dando lugar
para o fortalecimento do processo de mercantilização da saúde e de responsabilização do
indivíduo para o provimento das condições básicas de assistência para si e para a sua família, a
despeito do que determina a Constituição. Por outro lado, verifica-se também a adesão das
camadas médias aos planos de saúde odontológicos, tendo em vista a impossibilidade crescente
de manter a opção pelo sistema de desembolso direto.

REFERÊNCIAS

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2001. Tomo 1.

2. Farias LO. Estratégias individuais de proteção à saúde: um estudo da


adesão ao sistema suplementar de saúde. Revista Ciência e Saúde
Coletiva 2001;6(2):405-16

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planos de saúde. Jornal do CROBA 2002;(45):6-7.

4. Bahia L. O espaço da regulamentação dos planos e seguros de saúde no


Brasil: notas sobre a ação de instituições governamentais e da sociedade
civil. Revista Saúde em Debate 2001;26(60):71-81.

36
Revista Baiana 5. Sola JJSP. Problemas e limites da utilização do conceito de classe social
de Saúde Pública em investigações epidemiológicas: uma revisão crítica da literatura.
Cadernos de Saúde Pública 1996;12(2):207-16.

6. Esperidião MA. Avaliação da satisfação do usuário: considerações


teórico-conceituais e metodológicas; uma pesquisa de síntese
[Dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2004.

7. Donabedian A. Explorations in qualiti assessment and monitoring. The


definition of quality and approaches to is assessment. Health
Administration Press 1980;1:1-31.

8. Merhy E. A humanização do hospital. 2a ed. São Paulo: Santos; 1992. p


245-88.

9. Trad L. Estudo etnográfico da satisfação do usuário do PSF na Bahia.


Revista Ciência e Saúde Coletiva 2002;7(3):581-89.

Recebido em 05.09.2006 e aprovado em 05.03.2007.

v.31, n.1, p.25-37 37


jan./jun. 2007
ARTIGO ORIGINAL

ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO E O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA DA


CHAPADA, MUNICÍPIO DE APORÁ (BA)

Tâmara Oliveira de Souza1


Tânia Christiane Bispo2

Resumo
A presente pesquisa, de caráter qualitativo, teve como objetivo principal verificar as
variáveis que interferem na prática da amamentação das puérperas e nutrizes que tenham crianças
de 0 a 12 meses atendidas no Programa Saúde da Família (PSF) da Chapada, município de Aporá
(BA). Para a viabilização desta pesquisa, utilizou-se como técnica de coleta de dados a entrevista
semi-estruturada, realizada durante as consultas de enfermagem e em visitas domiciliares. Buscou-
se definir o diagnóstico da situação do aleitamento materno nesta população, a fim de estabelecer
metas e elaborar estratégias de intervenção para o incentivo à prática do aleitamento materno. O
trabalho de campo foi realizado na área de abrangência do PSF da Chapada, município de Aporá
(BA). A análise dos dados foi realizada mediante o método de Análise de Conteúdo. Os
resultados evidenciaram que a maioria das puérperas e nutrizes deixou de amamentar
exclusivamente seus filhos antes dos seis meses de vida, devido aos mitos e tabus ainda existentes.
Como sugestões para o incentivo à prática do aleitamento materno exclusivo foram citadas
reuniões, orientações, conversas e palestras.

Palavras-chave: Aleitamento materno. Programa Saúde da Família. Nutrizes e puérperas.

EXCLUSIVE MATERNAL BREASTFEEDING AND THE FAMILY HEALTH PROGRAM OF


THE CHAPADA REGION, DISTRICT OF APORÁ, BA

Abstract
The main objective of this qualitative study, was to verify the variables that interfere
in the practice of breastfeeding puerperal women with children from 0 to 12 months, treated in
the Family Health Program (PSF) in the Chapada region, district of Aporá, Bahia. For the feasibility

a
Estudante do Curso de Especialização em Neonatologia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Endereço para correspondência: Rua Piracicaba, Cond. Parque Lagoa Grande, Qd. C, Bloco 28, apto 01, Bairro Caseb – Feira
de Santana – CEP: 44040130. E-mail: tamara_enfermagem@hotmail.com.
b
Orientadora e Coordenadora do Curso de Especialização em Neonatologia da UNEB.

38
Revista Baiana of this research, the semi-structured interview was utilized as data-gathering technique, performed
de Saúde Pública
during nursing consultations and home visits. The aim was to define the diagnosis of the
breastfeeding situation in this population in order to establish goals and elaborate intervention
strategies to encourage the practice of maternal breastfeeding. The fieldwork was performed in the
area of coverage of the PSF of the Chapada region, district of Aporá, Bahia. The data analysis was
realized using Content Analysis methodology. The results illustrated that the majority of the
puerperal women stopped breastfeeding their children exclusively before they reached sixth months
of age due to the myths and taboos still existent. The recommendations to encourage the practice
of exclusive maternal breastfeeding included meetings, orientations, chats, and seminars.
Key words: Maternal breastfeeding. Family Health Program. Puerperal women.

INTRODUÇÃO
O leite humano é o alimento ideal para o lactente, em particular nos seis primeiros
meses de vida. Seus benefícios para o organismo, em termos nutricionais e imunobiológicos
associados ao efeito psicossocial positivo da amamentação sobre o binômio mãe-filho, torna-o
superior aos demais leites.
De acordo com as recomendações da União Internacional das Ciências Nutricionais
para o Ano Internacional da Criança, publicado pela UNICEF:

Nada mais do que o leite humano é necessário para manter o


crescimento e a boa nutrição durante os primeiros seis meses de vida e,
deve-se salientar que a alimentação infantil não pode ser considerada
somente em relação ao fornecimento dietético de nutrientes, mas
também num contexto social mais amplo.1

A amamentação, quando praticada exclusivamente até os seis meses e


complementada até os dois anos ou mais, proporciona um adequado crescimento e
desenvolvimento e previne doenças prevalentes na infância, como a desnutrição infantil, e na fase
adulta. O leite materno é reconhecido como o alimento adequado para a criança nos primeiros
meses de vida não só por sua disponibilidade em energia, macro e micronutrientes, mas também
pela proteção que confere contra as doenças.2 Mesmo sendo conhecidas, apontadas e valorizadas
as inúmeras vantagens do leite humano, especialmente quando este é reconhecido e indicado
como o alimento ideal para os lactentes, o desmame, ou seja, sua substituição por outros leites ou
fórmulas infantis artificiais, é uma prática comum em nosso meio.
São várias as conseqüências negativas do desmame precoce sobre a saúde infantil,
especialmente nos países do terceiro mundo. A ausência ou a curta duração do aleitamento

v.31, n.1, p.38-51 39


jan./jun. 2007
materno contribui para o declínio dos níveis de hemoglobina no primeiro ano de vida e, portanto,
para a anemia, o que pode levar a patologias mais sérias.3
As concepções e valores assimilados no processo de socialização interferem na
prática da amamentação; cada sociedade cria percepções e construções culturais sobre o
aleitamento materno, traduzindo-se em saberes próprios.4
A ação básica — Aleitamento Materno e Orientação Alimentar para o desmame —
tem como finalidade principal a redução da morbimortalidade infantil, principalmente numa
realidade como a brasileira, em que a desnutrição se constitui em importante causa básica ou
associada de óbitos.5
A abordagem sobre o tema Aleitamento Materno pode ser realizada por meio do
Programa Saúde da Família (PSF) nas ações de pré-natal, acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento (ACD), teste do pezinho, imunização e também no planejamento familiar.
Durante as visitas domiciliares também são proporcionadas às famílias, principalmente às mães,
orientações sobre o aleitamento materno, o que pode ser verificado como uma das
responsabilidades da Equipe de Saúde da Família.
O Programa de Saúde da Família tem como objetivo reorganizar a prática de atenção
à saúde em novas bases, substituindo o modelo tradicional, levando a saúde para mais perto da
família, priorizando as ações de proteção, promoção e recuperação da saúde dos indivíduos e da
família de forma integral e humanizada.6
É importante considerar que os serviços de saúde, ainda que involuntariamente,
contribuem para a redução da prevalência e duração da amamentação. Tal realidade pode ser
observada quando são introduzidos procedimentos e rotinas que interferem no processo do
aleitamento materno sem, contudo, definir-se uma política interna de incentivo à prática do
amamentar.4 Embora as campanhas, ultimamente, tenham caráter informativo, os serviços de
saúde, em sua maioria, não estão oferecendo apoio às mulheres, especialmente no que diz respeito
à discussão e resolução das dificuldades que possam enfrentar na amamentação.7, 8
A prática do aleitamento materno pode ser amplamente favorecida, quando a
população encontra-se próxima ou de alguma forma assistida por serviços de saúde que ofereçam,
de maneira efetiva, os processos de incentivo ao aleitamento, podendo estar vinculados a projetos
acadêmicos ou motivados pelo interesse e esforço pessoal dos profissionais envolvidos.9-11
A prática do Aleitamento Materno, principalmente exclusivo até os seis meses de
idade, ainda é uma realidade distante entre as famílias atendidas no PSF da Chapada. Diante de tal
situação, percebeu-se a necessidade de se desenvolver uma pesquisa nessa comunidade, onde
poderão ser desenvolvidas atividades de incentivo ao aleitamento materno, visando à redução do
desmame precoce e melhora dos indicadores de saúde local.

40
Revista Baiana
A pesquisa teve como objetivo geral verificar a interferência de variáveis na prática
de Saúde Pública
de Aleitamento Materno Exclusivo às crianças até seis meses atendidas no Programa Saúde da
Família (PSF) da Chapada município de Aporá (BA). Teve como objetivos específicos identificar as
variáveis que interferem no processo de Aleitamento Materno Exclusivo e elaborar estratégias de
intervenção para o incentivo à prática do Aleitamento Materno Exclusivo.

MATERIAL E MÉTODOS
Tipo de estudo
Trata-se de uma pesquisa do tipo qualitativa exploratória, visto que trabalha com o
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis e tem como objetivo proporcionar visão geral, do tipo
aproximativo, acerca de determinado fato.12

Campo de estudo
O trabalho de campo foi realizado na área de abrangência do Programa Saúde da
Família (PSF) da Chapada, no município de Aporá (BA), que possui um total de 13.500
habitantes. O PSF referido contempla 539 famílias. A Equipe Saúde da Família é composta por
uma enfermeira, um médico generalista, uma auxiliar de enfermagem e cinco Agentes
Comunitárias de Saúde.
A área de abrangência da Unidade Básica de Saúde Chapada compreende algumas
localidades: Chapada, Papagaio, Vaca Velha, Laginha, Crioulo, Boca do Mato, Suriano, Candeal,
Olhos D’água e Ribeiro dos Tapuios.

Sujeitos da pesquisa
Os atores sociais escolhidos como sujeitos desta pesquisa foram puérperas e nutrizes
que tinham crianças na faixa etária de 0 a 12 meses e foram acompanhadas pela equipe de saúde
da família durante as consultas puerperais, de acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento da criança, do planejamento familiar e também freqüentavam os serviços de
imunização e teste do pezinho. O número de participantes na pesquisa não foi estabelecido, pois
a amostragem apresentou-se por sensibilidade ou por conveniência, visto que “[...] é destituída de
qualquer rigor estatístico, na qual o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso,
admitindo que estes possam, de alguma forma, representar o universo”.13

v.31, n.1, p.38-51 41


jan./jun. 2007
Coleta de dados
Para a coleta de dados, a técnica adotada foi a entrevista semi-estruturada, que “[...]
valoriza a presença do investigador e oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante
alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo assim a investigação”.14
A entrevista foi elaborada pelas investigadoras com base em uma ordem pré-
estabelecida de questionamentos subjetivos, nos quais o entrevistado possuía certa liberdade de
responder em seus próprios termos ou fazer questionamentos.
Como instrumento das entrevistas foi utilizado um roteiro norteador com questões
relacionadas ao objeto de investigação. As entrevistas foram registradas em um gravador, mediante
permissão do investigado; em seguida, foram transcritas em sua integralidade. Sua finalização
ocorreu no momento em que as respostas dos sujeitos tornaram-se semelhantes.
Precedendo a coleta de dados propriamente dita foi realizado um pré-teste do roteiro
da entrevista no Programa Saúde da Família de Itamira, no município em questão, com a
finalidade de avaliar o instrumento quanto a sua clareza e respostas aos objetivos do estudo.

Análise de dados
Foram utilizados os seguintes passos metodológicos da Análise de Conteúdo: I –
ordenação dos dados, privilegiando a transcrição das entrevistas gravadas; II – classificação dos
dados, visando detectar os temas convergentes e divergentes do material empírico; III – análise
final dos dados, articulando o referencial teórico com a síntese das entrevistas e dos
posicionamentos das pesquisadoras.12

Aspectos éticos
Esta pesquisa teve início após o parecer do comitê de ética da Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS) e a assinatura do termo de consentimento pelos sujeitos.
Para a realização das entrevistas foi obedecida a Resolução 196/96 de outubro de
1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), por se tratar de uma pesquisa que envolve seres
humanos.15

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Importância do aleitamento materno
A importância do aleitamento materno para a preservação da saúde da criança não é
uma descoberta nova. O leite materno, além de ser ideal por seu valor nutricional e
imunobiológico para o recém-nascido, traz benefícios psicológicos para o binômio mãe-filho.

42
Revista Baiana Durante o desenvolvimento da pesquisa foi possível observar que todas as puérperas
de Saúde Pública
e nutrizes entrevistadas reconheciam a importância do aleitamento materno exclusivo, entretanto
não sabiam explicitar as razões dessa importância.
Algumas consideraram o aleitamento materno importante na prevenção de doenças,
como ilustram as falas transcritas a seguir:

“Eu acho que é importante porque evita doenças [...]” (Entrev. 1).
“Eu acho que é importante por que evita a criança de muitas doenças, né...” (Entrev. 4).
“Sim, é importante porque protege de várias doenças [...]” (Entrev. 6).

Outras relataram o desenvolvimento como uma das vantagens da amamentação,


porém consideraram a gordura como sinal de saúde.

“Acho que é uma alimentação muito boa e a criança cresce mais rápido e engorda um
pouquinho mais. É só isso.” (Entrev. 3).
“É importante, porque me ensinaram que é um método que ajuda a criança a
desenvolver mais rápido [...]” (Entrev. 5).
“Sim, é importante para o desenvolvimento da criança, ele é muito rico.” (Entrev. 8).

Complementando as falas, duas entrevistadas referiram que o aleitamento materno é


importante na formação dos dentes:

“[...] e ajuda na formação de dentes e etc. e muitas coisas.” (Entrev. 1).


“[...] é bom pros dentes.” (Entrev. 6).

As condições socioeconômicas precárias e a falta de infra-estrutura continuam sendo


fatores decisivos para a sensibilização da importância da prática do aleitamento materno nas
populações carentes. Apesar de muitas evidências científicas da superioridade do leite materno
sobre outros tipos de leite, ainda é baixo o número de mulheres que amamentam seus filhos de
acordo com as recomendações.

Tempo de amamentação
A recomendação atual é de que os neonatos e crianças sejam amamentados
exclusivamente até os seis primeiros meses de vida, continuando com o aleitamento até dois anos
ou mais. De acordo com as entrevistas, somente duas mães amamentaram seus filhos até os seis
meses completos e outras duas encontram-se ainda nesta fase.

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jan./jun. 2007
Quatro das entrevistadas afirmaram ter oferecido somente o leite materno até antes
de a criança completar um mês de idade; outras relataram ter amamentado até um mês pós-
parto. A maioria deixou de amamentar exclusivamente antes das crianças completarem seis
meses de vida.
Apesar das ações de incentivo à amamentação, tal prática se desenvolve de forma
lenta. Muitas mulheres continuam não amamentando ou amamentando por pouco tempo,
desconsiderando as orientações técnicas do aleitamento materno.5

Mitos e tabus que influenciam o desmame precoce


Os dados coletados permitiram detectar alguns mitos e tabus que levavam as
puérperas ou nutrizes entrevistadas a deixarem de oferecer somente o leite materno até os seis
meses de vida das crianças. Muitas mulheres ainda enfrentam a falta de informações sobre o
aleitamento materno.
Em algumas entrevistas foi relatado que só o leite materno não era suficiente para o
bebê, pois não o sustentava da maneira adequada, como pode ser observado nas seguintes falas:

“O leite materno não tava sustentando ele, ele tava chorando muito [...]” (Entrev. 3).
“Eu achava que o leite não tava sustentando, porque ele mamava e depois ele não se
conformava e começava a chorar. Eu dava mingau e ele dormia.” (Entrev. 4).
“[...] acho meu leite pouco e fraco.” (Entrev. 6).
“Eu achava que o leite não tava sustentando a criança.” (Entrev. 10).

É evidente a crença de que o leite humano não sustenta a criança, que é preciso “um
mingau” para fortalecer. Assim, torna-se necessário criar meios estratégicos para sensibilizar as
mães sobre a importância do aleitamento materno exclusivo, pois as orientações oferecidas nas
consultas muitas vezes não são atendidas.
Geralmente, as puérperas e nutrizes associam o choro da criança à fome. Se mesmo
após a mamada a criança continuar chorando, certamente a mãe encontrará uma outra maneira, ou
seja, um outro alimento para solucionar o problema. Tal realidade pode ser constatada nas falas:

“Ela chorava muito, não dormia a noite nem eu, nem ela. Depois que eu comecei a
dar outro leite ela dormia bem.” (Entrev. 11).
“Eu achava que ele chorava porque queria outro alimento.” (Entrev. 13).
“[...] ele mamava e depois ele não se conformava e começava a chorar [...]” (Entrev.4).

44
Revista Baiana
Importante considerar também a vaidade, um outro mito evidente em populações
de Saúde Pública
carentes. Algumas entrevistadas referiram que um dos motivos que podem levar à interrupção do
aleitamento materno é a preocupação com o corpo, mais especificamente a estrutura do seio:

“[...] às vezes vaidade, para o seio não ficar caído [...]” (Entrev. 1).
“[...] às vezes não quer dar mama para a mama não cair [...]” (Entrev. 2).

Assim, é preciso reconhecer que a amamentação adquiriu um perfil social próprio,


refletido na criação de mitos e tabus que ainda persistem, principalmente nas populações mais
carentes. Logo, para uma mudança de hábitos sociais tornam-se necessários tempo e persistência.

Orientação sobre aleitamento materno


Quando foi questionada a orientação sobre o aleitamento materno de todas as
puérperas e nutrizes entrevistadas somente duas relataram que não foram orientadas.
Diante de tal fato, vale considerar que as instruções não estão sendo passadas de
forma adequada, pois ainda existem falhas no processo de amamentação. Certamente, as medidas
tomadas precisariam ser reavaliadas, para se obter o resultado esperado. Torna-se preciso atentar
para o processo de comunicação acerca dos benefícios e requisitos da amamentação bem
sucedida.
Para a realização dessa tarefa são necessários conhecimentos e habilidades no
manejo das diversas fases de lactação. Aconselhamento no pré-natal, orientação e ajuda no
período de estabelecimento da amamentação e avaliação criteriosa da técnica adequada, quando
surgem os problemas relacionados com o aleitamento, são algumas tarefas que a equipe de saúde
da família deve dominar.

Fatores que levam ao desmame precoce


Muitos são os motivos que podem levar à interrupção do aleitamento materno.
Dentre estes, foram referidos: problemas de saúde, necessidade de trabalhar, preguiça, falta de
paciência.
Foi possível perceber nos relatos que, mesmo com as facilidades concedidas às
mulheres que se encontram em fase de amamentação e necessitam trabalhar, nem sempre esse
direito foi desfrutado por todas. Estudos apontam o trabalho como causa determinante ou
associada à decisão da mãe em oferecer outro alimento ao filho. Tal fato pode ser verificado nos
depoimentos:

v.31, n.1, p.38-51 45


jan./jun. 2007
“[...] às vezes não pode por causa do trabalho, tem que voltar logo para o serviço.”
(Entrev. 2).
“[...] muitas têm que trabalhar [...]” (Entrev. 4).
“Quando a mãe tá trabalhando não pode ficar com a criança 24h como precisa.”
(Entrev. 5).
“[...] a gente da roça tem que trabalhar e só pra ficar dando leite, tem que dar toda
hora.” (Entrev 6).

O aleitamento materno é uma das ações mais valorizadas para promover a saúde da
criança, porém o trabalho das mulheres fora de casa tem sido apontado como uma das razões para a
não amamentação ou o desmame precoce. No entanto alguns estudos mostram que não é o trabalho
que determina a diminuição da amamentação, mas sim as condições concretas em que ocorre.

A sociedade oferece pouco suporte à mulher no seu desempenho de


papel como mãe, o que pode ser percebido por ausência de creches e,
quando existem são colocados em locais distantes do lar ou do
trabalho, bem como, muitas vezes, pela inexistência de um local
apropriado para coleta e armazenamento do leite materno.16

A vaidade, a preguiça, a falta de paciência e de tempo foram também considerados


como obstáculos à amamentação. Determinadas falas são ilustrativas:

“A falta de paciência; a mãe quer ver logo o filho com a barriga cheia pra calar a boca.
Às vezes não quer dar mama para a mama não cair [...]” (Entrev. 2).
“[...] acho que também é preguiça de tá dando no peito, porque quando dá mingau a
criança fica quieta e no peito toda hora chora.” (Entrev. 7).
“A mãe que não agüenta ver seu filho chorando a noite toda [...]” (Entrev. 8).
“Deve ser porque não tem paciência de dar só o peito; a falta de tempo.” (Entrev. 1).
“Eu acho que é preguiça da mãe [...]” (Entrev. 15).

Rachaduras ou ausência de protusão mamilar favorecem o desmame precoce. A


presença de rachaduras na pele, desconforto que continua durante a amamentação, que não
melhora ao final da primeira semana de lactação, não se configuram como situações de
normalidade no processo de amamentação. A rachadura em mamilos está normalmente
relacionada à técnica inapropriada de amamentação que não somente causa dor, mas pode ter um
impacto negativo na qualidade das mamadas.17

46
Revista Baiana “Meu seio feriu e aí doía muito na hora que eu ia dar o peito. Ele chorava muito e
de Saúde Pública
quando dei a mamadeira ele não queria mais pegar o peito.” (Entrev. 14).
“Eu tirava com a bombinha, mas era pouco e aí tive que dar mingau.” (Entrev. 9).

A influência do parceiro e de outras pessoas, principalmente os mais velhos,


interferiu na prática da amamentação, contribuindo para o desmame precoce.

“Pra falar a verdade, meu marido não deixou eu amamentar por causa da ignorância...
Quando eu tava dando de mamar, ele me xingava, falava que não era pra dar, por que
tinha nojo de mulher que dava de mamar.” (Entrev. 1).
“[...] tem mãe que vai pela cabeça dos outros pra dar mingau que o menino tá com
fome.” (Entrev. 8).

Considerando o conjunto de influências que interferem nas decisões relativas à


amamentação, evidencia-se que, para se conseguir efetivamente produzir atitudes e práticas
positivas, é necessário focalizar a sociedade, não apenas as mulheres, visando estabelecer o
aleitamento materno como um valor social.18

Equipe Saúde da Família versus incentivo ao aleitamento materno


A visão de saúde da família firma-se como aspecto fundamental no estabelecimento
de vínculos que possibilitam a criação de laços de compromisso e co-responsabilidade entre os
serviços de saúde e os cidadãos. Dentre as ações desenvolvidas pelas equipes de saúde da família
destaca-se a assistência materno-infantil, que envolve a promoção e o manejo do aleitamento
materno.
Diante as dificuldades encontradas, algumas sugestões foram oferecidas pelos
sujeitos da pesquisa, para que a Equipe de Saúde da Família possa estimular o aleitamento
materno, principalmente o aleitamento materno exclusivo. A maioria referiu que orientação/
explicação, aconselhamento e conversa são meios de estímulo para a amamentação:

“Dar explicação pra as mães que elas podem dar mama, que é muito bom o leite [...]
conversando com elas [...]” (Entrev. 3).
“Aconselhar. Ir na casa das mães, conversando com elas, orientando, porque muitas
vezes não alimenta seu filho direito por falta de uma orientação, com certeza [...]”
(Entrev. 5).
“Orientar; juntar a equipe e fazer as orientações com as mães.” (Entrev. 9).
“Dar conselho, orientar, porque não é toda mãe que é orientada [...]” (Entrev. 15).

v.31, n.1, p.38-51 47


jan./jun. 2007
Reuniões e palestras também foram consideradas importantes no incentivo ao
aleitamento materno:

“[...] fazer palestras, falar e tentar mostrar o quanto é prejudicial o não aleitamento.”
(Entrev. 1).
“[...] chamar no posto para reunião, palestras.” (Entrev. 4).
“[...] fazer reunião, falar que é saudável, que evita doenças, infecção.” (Entrev, 14).

Apenas duas não souberam opinar sobre o que poderia ser feito para melhorar o
incentivo à amamentação.
Delimitando a promoção da saúde integral da criança, em busca de melhores
indicadores de saúde, faz-se necessário garantir o primeiro atendimento na unidade básica de
saúde, a fim de reduzir a mortalidade infantil. As equipes de atenção básica, portanto, devem estar
capacitadas para acolher precocemente a gestante no programa de pré-natal e as puérperas nas
consultas pós-parto, garantindo-lhes orientações apropriadas quanto aos benefícios da
amamentação para a mãe, a criança, a família e a sociedade, além de organizar reuniões, palestras
e rotinas que apóiem e promovam o aleitamento materno.19

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de aleitamento materno, principalmente aleitamento materno exclusivo,
ainda é uma realidade distante de muitas famílias.
Foi possível identificar neste trabalho a forte influência dos mitos e tabus gerados ao
longo do tempo no desmame precoce, prejudicando o processo de aleitamento materno. É
importante considerar que sua promoção pode reduzir substancialmente a mortalidade infantil.
As equipes de saúde da família têm um importante papel de suporte no incentivo à
prática da amamentação, uma vez que acolhem a gestante precocemente na assistência ao pré-
natal, podendo desde esse momento iniciar a orientação quanto aos benefícios da amamentação
para a criança, a família e a sociedade, além de atuar como uma equipe prestadora de serviços
domiciliares, tendo mais oportunidade de divulgar e promover o aleitamento, apoiando as mães
que aleitam seus filhos, melhorando a saúde e a qualidade de vida da dupla mãe/filho.20 Antes de
promover e incentivar o aleitamento materno, porém, deve-se avaliar a perspectiva da sociedade
em relação a ele, pois este fator vai influenciar a ocorrência do aleitamento materno em cada
comunidade.
Promover e facilitar o aleitamento materno não é responsabilidade somente dos
serviços de saúde nem de nenhum outro programa de saúde ou categoria profissional, mas deve ser

48
Revista Baiana
uma tarefa considerada prioritária entre outras importantes políticas de saúde e nutrição,
de Saúde Pública
merecendo o estímulo de todos os membros da família e da sociedade.

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Recebido em 02.02.2007 e aprovado em 05.03.2007.

50
Revista Baiana APÊNDICE A
de Saúde Pública

ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO E O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA DA


CHAPADA, MUNICÍPIO DE APORÁ/BA

Autora: Tâmara Oliveira de Souza


Orientadora: Profª Msc. Tânia Christiane Ferreira Bispo

ROTEIRO DE ENTREVISTA

DADOS PESSOAIS:
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Número de filhos:

QUESTÕES NORTEADORAS
NORTEADORAS:
1. Você acha importante o aleitamento materno? Porque?
2. Amamenta ou amamentou seu filho (s) até quanto tempo?
3. O que fez você deixar de amamentar?
4. Recebeu ou recebe alguma orientação sobre o aleitamento materno?
5. Em sua opinião, quais os motivos que podem levar a interrupção do aleitamento
materno?
6. Em sua opinião, o que a equipe de saúde da família pode fazer para estimular o
aleitamento materno?

v.31, n.1, p.38-51 51


jan./jun. 2007
ARTIGO ORIGINAL

ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM


DIABETES MELITO TIPO 1 NA CIDADE DE SALVADOR

Crésio Alvesa
Thaisa Souzab, Sâmia Veigab
Maria Betânia P. Torallesc
Francine Mendonça Ribeirod

Resumo
Conhecer o perfil do acompanhamento ambulatorial de indivíduos com
enfermidades crônicas como o diabetes melito tipo 1 (DM1) é importante para avaliar a qualidade
do atendimento, identificar falhas e propor ações que visem a melhorar os serviços médicos
prestados a essa população. Para isso, realizou-se estudo de corte transversal, aplicando um
questionário a uma amostra de 71 crianças e adolescentes com DM1, acompanhadas em três
ambulatórios de Endocrinologia Pediátrica na cidade de Salvador (BA), entre agosto a outubro de
2004. Os resultados demonstram dificuldades quanto ao satisfatório acompanhamento
ambulatorial devido ao elevado custo financeiro do tratamento, escassez de equipes
multidisciplinares, pouco conhecimento sobre aspectos importantes no cuidado da doença e
inexistência de um laboratório central onde todos os exames possam ser realizados gratuitamente.
Ao retratar as dificuldades encontradas no acompanhamento ambulatorial de crianças e
adolescentes com DM1, este trabalho contribui para o planejamento de ações e desenvolvimento
de estratégias com o objetivo de reduzir a morbi-mortalidade associada ao diabetes. Além disso, é
essencial que as comunidades médica e leiga exijam políticas públicas de apoio e gratuidade para
tratamento desta doença.

Palavras-chave: Diabetes melito tipo 1. Crianças. Adolescentes. Saúde pública.

a
Professor de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenador da Residência em
Endocrinologia Pediátrica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos.
Endereço para correspondência
correspondência: Rua Plínio Moscoso, 222, Apto. 601. CEP: 40157-190. Salvador – Bahia. Telefone: (71)
9975-8220. E-mail: cresio.alves@uol.com.br
b
Acadêmica de Medicina, Universidade Federal da Bahia – UFBA.
c
Professora de Genética, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Diretora do Laboratório de Genética
do Hospital Universitário Professor Edgard Santos.
d
Endocrinologista Pediátrica, Centro de Endocrinologia e Diabetes do Estado da Bahia.

52
Revista Baiana OUTPATIENT FOLLOW-UP FOR CHILDREN AND ADOLESCENTS
de Saúde Pública WITH DIABETES MELLITUS TYPE I IN THE CITY OF SALVADOR

Abstract
It is important to know the outpatient follow-up profile of individuals with chronic
illnesses such as diabetes mellitus type I (DM1), to evaluate the quality of care, identify mistakes,
and propose measures to improve the medical services offered to this population. To achieve these
objectives, a cross-sectional study was performed using a survey with a sample of 71 children and
teenagers with DM1, treated in three Pediatric Endocrinology clinics in Salvador, BA, from August
to October 2004. The results demonstrate difficulties in achieving an optimal level of outpatient
health care due to the high costs of treatment, shortage of multidisciplinary teams, poor knowledge
regarding important aspects of treating the disease, and absence of a central laboratory where all
the necessary exams could be performed free. The recognition of these factors will help to develop
plans and strategies to reduce the morbidity and mortality rates of this disease. In addition, it is
essential that the medical and social communities demand public policies to support and offer
medical follow-ups at no costs to these patients.
Key words: Mellitus Type 1 diabetes. Children. Teenagers. Public health care.

INTRODUÇÃO
O diabetes melito tipo 1 (DM1) é causado pela destruição auto-imune das células
beta pancreáticas produtoras de insulina.1,2 A natureza auto-imune é evidenciada pela presença de
infiltração linfocitária nas células de Langerhans e detecção de anticorpos contra estruturas das
ilhotas.3-5 O componente genético mais documentado é a associação com os antígenos de
histocompatibilidade (HLA).6 Fatores ambientais como exposição precoce a proteínas do leite da
vaca (albumina sérica bovina) e infecções virais (caxumba, Coxsackie vírus) têm sido apontadas
como fatores desencadeadores.5,7,8
No Brasil, aproximadamente 400 mil a 800 mil pessoas são portadoras dessa
9
enfermidade. Não parece haver predominância de gênero. Maior número de casos é diagnosticado
nos meses de outono e inverno.10
Após a fase inicial de resolução do descontrole metabólico agudo, tem início o
acompanhamento ambulatorial, objetivando aquisição e manutenção de normoglicemia,
prevenção de complicações, educação médica continuada, crescimento e desenvolvimento
normais e promoção de bem-estar psicossocial.11 O tratamento ambulatorial requer o uso de
insulina, seguimento de um plano alimentar saudável, atividade física regular e monitoração da
glicemia10. Para isso é necessária a participação de um sistema de saúde bem preparado, com

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jan./jun. 2007
equipe multiprofissional (médicos, enfermeiras, nutricionistas, dentistas, psicólogos e assistentes
sociais), unidades de internamento e centros de apoio diagnóstico.10-12
Este trabalho tem por objetivo traçar o perfil do acompanhamento ambulatorial de
crianças e adolescentes com DM1 acompanhadas em três instituições de saúde na cidade de
Salvador, visando a obter informações que permitam corrigir suas possíveis falhas e contribuir para
melhorar a qualidade dos serviços médicos prestados a essa população.

MATERIAL E MÉTODOS
Estudo de corte transversal, realizado entre agosto e outubro de 2004, em três
Serviços de Endocrinologia Pediátrica na cidade de Salvador (BA): Hospital Geral Roberto Santos
(HGRS), Hospital São Rafael (HSR) e Centro de Endocrinologia e Diabetes do Estado da Bahia
(CEDEBA). O HGRS e o CEDEBA pertencem a Secretaria Estadual de Saúde do Estado da Bahia
(SESAB) e atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). O HSR é um hospital particular
que atende predominantemente pacientes com plano de saúde ou convênio médico. Essas
instituições foram selecionadas por serem três dos cinco serviços que prestam atendimento pelo
SUS a pacientes com DM1 na cidade de Salvador, sendo responsáveis pela maioria dos
atendimentos a pacientes provenientes de Salvador e de sua região metropolitana.
A amostra de 71 participantes foi obtida de um universo de 150 indivíduos
referentes a dois de dez ambulatórios do CEDEBA, três de cinco ambulatórios do HSR e um de três
ambulatórios do HGRS. Utilizando um formulário semi-estruturado (questionário com questões
fechadas) foram coletadas informações sobre a história social, diagnóstico, tratamento e
complicações da doença. Os dados foram coletados em uma ficha padrão e analisados no
programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 12.0. A análise descritiva
dos resultados usou média e desvio-padrão para variáveis contínuas e proporções para variáveis
qualitativas. O projeto de pesquisa foi apresentado e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa
das instituições participantes.

RESULTADOS
O HSR e o CEDEBA dispunham de equipe multidisciplinar para o atendimento do
portador de diabetes e o HGRS não. Do total de participantes, 33 (46,5%) eram acompanhados no
HGRS, 20 (28,2%) no HSR e 18 (25,3%) no CEDEBA.

Aspectos epidemiológicos
Trinta e sete (54,1%) pacientes eram do sexo masculino. A idade média ao
diagnóstico foi 7,7 ± 4,3 anos (0,9-20,8 anos). O diagnóstico antes dos 5 anos de idade foi

54
Revista Baiana
realizado em 32,4%. Em relação à variação sazonal, foram observadas as seguintes freqüências:
de Saúde Pública
outono (27,9%), inverno (26,5%), verão (23,5%) e primavera (22,1%). Quarenta e quatro
pacientes (62%) não sabiam referir fatores precipitantes para o DM1. A duração do diabetes variou
de 0,6-12 anos, com média de 5,9±3,8 anos. Entre os 27 pacientes (38%) que consideravam um
fator desencadeante, trauma emocional foi referido por 62% e infecções virais por 29,6%.
Cinqüenta e cinco pacientes (77%) residiam na cidade de Salvador e 16 (22,5%) em cidades do
interior do estado da Bahia. A distribuição racial (autodeclaração) foi: 25,4% brancos; 57,7%
pardos; 14,1% negros; 0% amarelos; 1,4% indígenas e 1,4% não classificados.

Aspectos demográficos
Quatro por cento das famílias recebiam menos de 1 salário mínimo (SM); 47,1%, 1-
3 SM; 22,5%, 3-6 SM; 14,1%, 6-12 salários e 11,3% mais de 12 SM. A maioria (56,3%) dependia
exclusivamente do SUS; 25,4% possuíam convênio particular; 12,7%, seguro empresa e 5,6%,
seguro do estado/município.
Os serviços públicos de saúde forneciam gratuitamente apenas a insulina NPH
humana. Estavam fora da gratuidade: seringas descartáveis, canetas para aplicação de insulina, fitas
para glicemia capilar, glicosímetros, lancetas, lancetadores, insulina Regular e os novos análogos
de insulina.
Sessenta e seis pacientes (93%) estavam em idade escolar; 96% deles informaram
que, na escola, seus colegas e/ou professores tinham conhecimento de seu DM1. Dezessete
pacientes (25,8%) repetiram pelo menos um ano letivo. Em 11 deles (64,7%), a perda do ano
ocorreu após o diagnóstico de DM1, e destes, em 52,9%, a perda foi relacionada a complicações
agudas do diabetes.
Apenas três pacientes (4,2%) relataram história familiar de DM1: um irmão não
gemelar (1,4%), um pai (1,4%) e um tio paterno (1,4%).

Aspectos laboratoriais
Anticorpos contra componentes das células beta eram disponíveis em 75% dos
pacientes atendidos no HSR e em 9,8% dos participantes acompanhados na rede pública de saúde.
Os níveis de hemoglobina glicada disponíveis em 50 (70,4%) participantes variou de 6,8 a 17%,
com média de 11,5%. Nenhum dos pacientes atendidos em serviço público realizava triagem
sorológica para doença celíaca e insuficiência adrenal. Seguimento para nefropatia era realizado
anualmente por microalbuminúria ou proteinúria de 24 horas. Os exames laboratoriais eram
realizados em diferentes laboratórios.

v.31, n.1, p.52-67 55


jan./jun. 2007
Monitoração domiciliar
A maioria (94,4%) realizava alguma forma de monitoração; 83,6% checavam
glicemia capilar; 4,5%, glicosúria e 11,9%, ambos. Dos que testavam glicemia capilar, 50% o
faziam diariamente (2,1±0,9 vezes ao dia), sendo todos eles acompanhados no HSR; 18,8%,
alguns dias na semana (2,0±0,8 vezes por semana) e 31,2%, apenas quando achavam necessário.
Nenhum participante checava a cetonúria. O diário do diabetes (DD) era realizado por 40
pacientes (56,3%). Destes, 36 (90%) sempre o levavam para a consulta médica.

Insulinoterapia
O esquema de aplicação mais utilizado foi o de insulina NPH em duas doses
associada à insulina de ação rápida ou ultra-rápida se necessário (67,6%). A insulina NPH era
utilizada por 91,5% dos pacientes e a Glargina por 8,5%. Dos seis pacientes que usavam Glargina,
apenas um era da rede pública de saúde. Para o tratamento de episódios de hiperglicemia, 89,4%
usavam insulina Regular, 9,1%, Lispro e 1,5%, Aspart. Apenas 2,8% utilizavam insulina pré-
misturada. 90% dos pacientes sabiam diferenciar NPH e Regular por seu aspecto e duração de
ação; 100% dos pacientes faziam uso de insulina humana e a armazenavam na geladeira. A
insulina Detemir não era disponível no Brasil quando da realização deste estudo.
A maioria (78,9%) utilizava apenas seringas como método de aplicação de insulina,
9,9% usavam canetas e seringas e 11,3% faziam uso exclusivo de canetas. Dos que faziam uso
exclusivo de seringas, 87,3% a utilizavam mais de uma vez; 69,8% duas ou três vezes e 30,2% mais
de três vezes. Os poucos usuários da caneta como método de aplicação de insulina eram portadores
de seguros ou planos de saúde. Nenhum paciente fazia uso da bomba de infusão de insulina.
As regiões anatômicas mais usadas para aplicar a insulina foram: braços (90,1%);
coxas (83,1%); abdome (62%) e nádegas (56,3%). Vinte pacientes (28,2%) usavam as quatro áreas
em sistema de rodízio; 28 (39,4%) aplicavam em três áreas; 20 (28,2%) usavam duas áreas e 3
pacientes (4,2%) utilizavam apenas uma.
Lipodistrofia hipertrófica foi relatada por 19 pacientes (26,8%). Os locais mais
acometidos foram: abdome (36,8%), braços (26,3%), pernas (21,1%). Múltiplas áreas de
lipodistrofia foram observadas em 3 dos 19 pacientes (15,8%). Nenhum paciente fazia uso de
insulina animal ou mista quando desenvolveu a lipodistrofia. As lipodistrofias foram associadas à
não realização do rodízio, com aplicação persistente de insulina nas áreas afetadas.

Práticas alimentares
O número de refeições diárias predominante foi seis refeições/dia (66,2%). A
distribuição mais citada foi três refeições intercaladas por três lanches (70,6%). Em relação à

56
Revista Baiana
contagem de carboidratos, 66,2% não a utilizava, 16,9% nunca tinham ouvido falar, 2,8%
de Saúde Pública
achavam difícil colocar em prática e 14,1% faziam o uso deste método. Apenas 40,8% eram
acompanhados regularmente por nutricionista, entretanto, 81,7% tinham feito pelo menos uma
consulta com o serviço de Nutrição. A maioria (98,6%) referiu ter recebido alguma forma de
orientação alimentar por médico ou nutricionista, mas apenas 56,3% relataram seguir a dieta.

Atividade física
Dos sessenta e seis pacientes (93%) com idade suficiente para realizar atividade
física, 38 (53,5%) se exercitavam regularmente. As atividades físicas mais freqüentes foram futebol
(39,4%), ciclismo (27,3%), corrida/caminhada (24,2%), natação (9,1%) e vôlei (4,2%).
Aproximadamente metade (45,1%) dos pacientes desconhecia a recomendação de não fazer
exercício físico se a glicemia estivesse maior que 300 mg/dL. A maioria (70,4%) não levava reserva
de açúcar ao exercitar-se; 30 pacientes (42,3%) não haviam informado a seu técnico de atividade
física sobre o fato de serem diabéticos e 15 pacientes (21,1%) relataram episódios de hipoglicemia
durante o exercício.

Uso de identificação
Cinqüenta e nove pacientes (83,1%) usavam algum tipo de identificação
informando ser portador do diabetes. Apenas 42 (59,2%) portavam-na no dia da entrevista. As
identificações mais usadas foram: cartão (91,5%), colar (5,1%) e pulseira (3,4%).

Hipoglicemia
Aproximadamente metade dos pacientes (58,1%) sabia informar múltiplas causas de
hipoglicemia. As causas mais referidas foram: omissão de refeições (27,4%), atividade física
excessiva (8,1%) e dose elevada de insulina (6,5%). Os sintomas adrenérgicos mais citados foram
tremores e sudorese, enquanto os neuroglicopênicos foram tontura e sonolência. Para tratar a
hipoglicemia, o alimento mais usado foi suco de frutas (47,1%), mel (33,7%) e tabletes/sachês de
açúcar (11,4%). Apenas 46,5% portavam reserva de açúcar na consulta. Os horários mais freqüentes
de hipoglicemia foram antes do almoço (28,2%) e do café da manhã (25,4%). Nenhum dos
pacientes tinha Glucagon em casa. A maioria (73%) confirmava a hipoglicemia com fita reagente.

Hiperglicemia
Trinta participantes (45,5%) só sabiam relatar uma causa de hiperglicemia, oito
(11,3%) diziam desconhecer causas dessa complicação e 33 (43,2%) conheciam mais de uma

v.31, n.1, p.52-67 57


jan./jun. 2007
causa. A causa mais citada foi ingestão de alimentos não recomendados (80,3%). Os sinais e
sintomas mais comuns foram: poliúria (84,3%) e polidipsia (75,7%). A hiperglicemia era
confirmada com glicosímetro por 56 pacientes (78,9%). Em relação ao tratamento, 84,5% usavam
insulina Regular; 7%, Lispro e 1,4%, Aspart. Internamentos causados por cetoacidose diabética
não foram avaliados pela dificuldade de obtenção de informações.

Hipotireoidismo
Cinco pacientes (10,2%) tiveram diagnóstico de hipotireoidismo causado pela
tireoidite de Hashimoto; três deles eram do sexo feminino. A idade média ao diagnóstico foi de
11,7 anos. O volume glandular era discretamente aumentado em todos os pacientes com exceção
de um que apresentava hipotireoidismo clínico, no qual o bócio era mais volumoso.

Dislipidemia
Dezesseis pacientes (32,6%) apresentavam alguma forma de dislipidemia. Destes,
13 (81,2%) possuíam elevação isolada do colesterol total às custas do aumento do LDL. Em 3
(18,7%) havia dislipidemia mista com elevação do colesterol total e dos triglicérides.

Outras complicações
Não foi possível avaliar a prevalência de nefropatia e retinopatia diabética, embora
todos relatassem avaliação oftalmológica e renal anual, devido a não padronização dos exames
clínicos e laboratoriais. Neuropatia e artropatia diabéticas não fizeram parte da investigação deste
trabalho. Em relação a infecções superficiais de pele e mucosas, terçol estava presente em um
paciente (1,4%), furúnculo em dois (1,4%), pé-de-atleta em dois (2,8%) e dermatite na virilha em
três pacientes (4,2%). Dos 37 meninos, um (2,7%) apresentava balanopostite e das 34 meninas,
três (8,8%) apresentavam vulvovaginite no momento da consulta. Nenhum dos pacientes era
portador de vitiligo e apenas um (1,4%) tinha alopecia parcial em couro cabeludo.

DISCUSSÃO
Aspectos epidemiológicos
Os achados epidemiológicos dessa casuística são semelhantes ao de outras
populações descritas na literatura: ausência de predileção por gênero, idade ao diagnóstico ao
redor de 7 anos, maior incidência do desenvolvimento da doença durante os meses do outono ou
inverno e trauma emocional10,13 e infecções virais14, sendo citadas como possíveis fatores
precipitantes.2,5,15

58
Revista Baiana O padrão de distribuição racial foi similar ao da população de Salvador, na qual o
de Saúde Pública
censo do IBGE de 2002 mostrou: 23% brancos; 54% pardos; 20,4% negros; 0,3% amarelos;
0,76% indígenas e 0,68% não classificados.16

Aspectos demográficos
Em relação ao custo financeiro, a situação dos portadores de DM1 acompanhados
em ambulatórios de serviços públicos de saúde é difícil. Por exemplo: criança de 10 anos, 30 kg,
usando 0,5U/Kg/dia de insulina NPH e 1 a 2 bolus de Regular ao dia, terá um gasto médio de 100
seringas/mês (60 para NPH e 40 para Regular) o que, a um custo de R$ 1,00/seringa, equivale a R$
100,00/mês. Acrescentando três testes de glicemia capilar/dia, haveria um custo adicional de R$
225,00/mês (R$ 2,50/fita). Somando ainda R$ 15,00/mês para lancetas, tabletes de açúcar,
algodão com álcool, esse paciente gastaria R$ 340,00/mês somente com seu tratamento, um valor
excessivo para a maioria das famílias que recebe menos de 3 SM ao mês (1 SM = R$ 300,00).
É possível que, em alguns casos, o fato de ser portador de DM1 venha a prejudicar o
rendimento escolar de crianças e adolescentes.16-18 Em nossa casuística, 15,5% dos pacientes
repetiram o ano letivo após o diagnóstico do DM1 e metade deles atribuiu tal fato a complicações
do diabetes.
A baixa freqüência de casos familiares de DM1 na população estudada está de acordo
com dados da literatura que enfatizam a importância de fatores não exclusivamente genéticos no
desencadeamento do processo de destruição das células beta pancreáticas produtoras de insulina.3

Aspectos laboratoriais
A grande maioria dos pacientes atendidos na rede pública de saúde (90,2%) não
possuía dosagens de auto-anticorpos para DM1, pelo fato desses exames não serem realizados pelo
SUS. A hemoglobina glicada, padrão-ouro para aferir o controle metabólico, estava em níveis
muito superiores ao recomendado pela American Diabetes Association em 2005: 7,5-8,5% para
crianças < 6 anos, < 8% para crianças entre 6-12 anos e < 7,5% para adolescentes entre 13-19
anos.11,19 Infelizmente, esse exame foi realizado por técnicas e laboratórios diferentes, impedindo a
comparação de valores. A mesma limitação foi encontrada para avaliação da nefropatia diabética.
A triagem para doença celíaca não era realizada nos serviços públicos pela não disponibilidade de
exames específicos.20

Monitoração domiciliar
Como os governos não fornecem gratuitamente as fitas para mensuração da glicemia
capilar, a maioria dos pacientes não checava a glicemia ou só o fazia quando necessário. Como

v.31, n.1, p.52-67 59


jan./jun. 2007
método alternativo, alguns ainda usavam o ultrapassado teste da glicosúria. A não realização da
cetonúria dificulta a detecção precoce de cetoacidose diabética e atrasa a instituição das medidas
necessárias para evitá-la. Pouco mais da metade dos pacientes fazia o diário do DD, o qual,
quando adequadamente preenchido, é de extrema importância para ajustes no controle
metabólico, uma vez que fornece maior número de informações do que a anotação isolada das
glicemias. É importante correlacioná-lo com resultados da hemoglobina glicada para verificar a
veracidade das informações e desconfiar de “maquiagem” dos resultados quando o DD mostrar
valores muito uniformes e próximos à normalidade, em contraste a valores discrepantes e elevados
da hemoglobina glicada.21-23

Insulinoterapia
Como a maioria dos serviços públicos só disponibiliza a insulina humana NPH e,
algumas vezes, a insulina Regular, é esperado que a maior parte dos pacientes faça uso delas, já
que a amostra estudada era predominantemente oriunda de famílias com baixo nível sócio-
econômico. A baixa utilização dos novos análogos de insulinas — Lispro, Aspart e Glargina —
decorreu de seu alto custo e ausência de gratuidade.24-27
A utilização de seringas descartáveis foi o principal método de aplicação de
insulina. O uso repetido da mesma seringa evidencia a dificuldade financeira de obtê-la,
predispondo a riscos de contaminação e desconforto.28,29 Em situações especiais, temos seguido a
orientação de reutilizar a seringa, usando técnica asséptica para aqueles indivíduos cujas famílias
não podem descartá-las após a primeira injeção30. Apenas 11,3% dos pacientes, todos portadores
de seguro saúde, usavam a caneta que traz várias vantagens em relação ao uso de seringas:
diminuição da complexidade da aplicação, menor duração do processo, menor desconforto, maior
acurácia na dose, menor risco de infecção, proporcionando melhor qualidade de vida.31,32
O uso de bombas de infusão de insulina tem aumentado rapidamente na população
pediátrica dos países desenvolvidos, porém seu alto custo faz com que ela seja raramente usada
em nossa população.33
As lipodistrofias ocorreram pelo uso repetido de insulina numa mesma parte do
corpo, sem o adequado rodízio das áreas de aplicação. A forma atrófica da lipodistrofia teve
incidência diminuída devido à melhor qualidade das insulinas fabricadas e maior incentivo ao uso
daquelas de origem humana.34,35 Entretanto, a lipodistrofia hipertrófica continua a ocorrer mesmo
com a utilização da insulina humana, provavelmente como resultado de propensão individual a
desenvolver hipertrofia de gordura nos locais de aplicação, independente da origem da insulina.34,35
O uso continuado desses locais pode levar ao aumento da área afetada, causando absorção errática
da insulina e problemas estéticos, como conseqüência da extensão da lesão.

60
Revista Baiana Práticas alimentares
de Saúde Pública
Menos da metade dos pacientes eram acompanhados regularmente por nutricionista
e pouco mais de 10% faziam uso da contagem de carboidratos. É necessário ampliar o
acompanhamento nutricional, para enfatizar a importância de se seguir um padrão alimentar e,
principalmente, instituir a contagem de carboidratos. A melhora do padrão alimentar contribui
para a aquisição do controle metabólico, diminuindo o risco de complicações relacionadas ao
diabetes.36-38

Atividade física
A amostra estudada não seguia as orientações para realização de atividade física
regular e segura e, portanto, estava sob risco de complicações tanto imediatas (e.g., hipoglicemia,
acentuação da hiperglicemia), como tardias (e.g., doença coronariana).39-44

Uso de identificação
Como recomendado pela ADA, a maioria dos pacientes dizia usar algum tipo de
identificação, embora muitos não estivessem com ela no dia da entrevista.11 O cartão, tipo de
identificação mais usada pelos pacientes entrevistados, deve ser plastificado para garantir maior
durabilidade, e feito em várias cópias a serem colocadas em diferentes acessórios como mochilas,
bolsas e carteiras, evitando, assim, o não uso ou o esquecimento.45,46

Hipoglicemia
O desconhecimento sobre as causas de hipoglicemia, a não identificação de todos
principais sinais e sintomas, o ato de não portar reserva de açúcar, o desconhecimento do
Glucagon e a alta freqüência desses episódios no último mês indicam necessidade de reforçar
noções sobre prevenção e tratamento da hipoglicemia nessa população.47-50

Hiperglicemia
Apesar de ser uma complicação freqüente, grande parte dos pacientes não foi capaz
de citar pelo menos três causas de hiperglicemia. A maioria confirmava a sintomatologia medindo
a glicemia e sabia tratá-la usando insulina de ação rápida. Uma minoria usava análogos da
insulina de ação ultra-rápida. Nenhum paciente checava a cetonúria.51-54

Hipotireoidismo
A prevalência de hipotireoidismo em nossa série (10,8%) foi menor do que os 17-
40% relatados pela literatura.55,34 Como o hipotireoismo é a endocrinopatia mais comum em

v.31, n.1, p.52-67 61


jan./jun. 2007
pacientes com DM1, recomenda-se a avaliação anual da função tireoidiana, bem como da
pesquisa de anticorpos antitireoidianos.56 Pacientes com relato de aumento não explicado de peso,
redução da velocidade de crescimento, atraso puberal, bócio e dislipidemias exigem a
determinação imediata da função tireoidiana.34

Dislipidemia
A prevalência de dislipidemia encontrada em nossa série é semelhante ao de outros
trabalhos, que mostram uma freqüência entre 30-40%. Recomenda-se a avaliação anual do perfil
lipídico de todos os pacientes com DM1 com idade superior a dois anos. Aqueles com suspeita ou
com diagnóstico de hipotireoidismo, história familiar de dislipidemia, doença arterial coronariana
precoce, acidente vascular cerebral e obesidade deverão ser avaliados mais amiúde.36,57

Outras complicações
A avaliação da prevalência de nefropatia58,59 e retinopatia diabética60, foi prejudicada
pela não padronização dos exames. A avaliação da neuropatia34 e artropatia diabética34 não fez
parte do questionário desta pesquisa. Foi observada baixa prevalência de infecções superficiais da
pele e mucosas. Como quase 10% das meninas tinham vulvovaginite, é importante, além do
questionamento, o exame rotineiro da genitália externa em todas as consultas ambulatoriais, uma
vez que, por constrangimento, elas podem negar a presença dessa infecção. A presença de vitiligo
e alopecia foi incomum.

CONCLUSÃO
O desenho de estudo (questionário com questões fechadas) adotado levou em
consideração seu baixo custo, alto potencial descritivo, simplicidade analítica e utilidade para
descrever um “instantâneo” da situação de saúde de uma população. As limitações encontradas
foram aquelas inerentes a esse tipo de estudo epidemiológico: sistemas de informação
desorganizados e vieses de informação.
Os resultados deste estudo mostram a qualidade insatisfatória do acompanhamento
ambulatorial de crianças e adolescentes com diabetes na cidade de Salvador. As principais razões
para tal limitação foram: (1) alto custo financeiro do tratamento, levando à reutilização excessiva
das seringas, uso praticamente nulo das canetas de aplicação, monitoração precária (não realização
de glicemias capilares como recomendado), impossibilidade de se beneficiar dos novos análogos
de insulina e das bombas de infusão, acompanhamento laboratorial deficiente; (2) escassez de
equipes multidisciplinares evidenciada pela dificuldade de acesso dos pacientes a profissionais

62
Revista Baiana
com experiência no cuidado de diabetes, a exemplo de oftalmologistas e nutricionistas; (3) pouco
de Saúde Pública
conhecimento sobre aspectos importantes do cuidado da doença, como: hipoglicemia e
hiperglicemia, contagem de carboidratos, atividade física e uso de reserva de açúcar; e (4)
inexistência de um laboratório central, onde todos os exames pudessem ser realizados
gratuitamente.
Tais limitações prejudicam o esforço da equipe médica em prover atendimento de
qualidade e predispõem os pacientes a uma maior morbi-mortalidade relacionada ao aumento do
risco de desenvolver complicações crônicas do diabetes.
Embora o pequeno número da amostra não permita uma análise conclusiva, os
pacientes acompanhados no HSR (25% do total) diferiram daqueles acompanhados na rede
pública em relação aos seguintes aspectos: maior freqüência de realização de glicemia capilar, uso
de canetas injetoras de insulina e melhor acesso a instrumentos diagnósticos e de
acompanhamento. Não foi possível medir o impacto dessas diferenças no controle glicêmico
devido a não padronização desse exame nos pacientes acompanhados na rede pública.
É fundamental que a comunidade médica e leiga, principalmente pais, familiares e
amigos de pessoas com diabetes, exijam políticas públicas de apoio e gratuidade para tratamento
dos portadores de DM1, criando serviços descentralizados, com equipes multidisciplinares e
fornecimento gratuito do material necessário ao bom controle do diabetes.
Ao retratar as dificuldades encontradas no acompanhamento ambulatorial de uma
amostra de crianças e adolescentes com DM1 na cidade de Salvador, este trabalho oferece
subsídios para o planejamento de ações que objetivem o melhor controle dessa doença.

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Recebido em 30.10.2007 e aprovado em 05.03.2007.

v.31, n.1, p.52-67 67


jan./jun. 2007
ARTIGO ORIGINAL

AVALIAÇÃO E REFLEXOS DA COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE


AGROTÓXICOS NA REGIÃO DO SUBMÉDIO DO VALE DO SÃO FRANCISCO

Cheila Nataly Galindo Bedora


Lara Oliveira Ramos b
Marco Antônio Vasconcelos Regoc
Antonio Carlos Pavãod
Lia Giraldo da Silva Augusto e

Resumo
A utilização de agrotóxicos em alta quantidade e variedade contribui para a
ocorrência de danos à saúde humana e ambiental. A região submédia do Vale do São Francisco é
uma das principais áreas de exploração da hortifruticultura irrigada do Brasil, possuindo mais da
metade de sua população economicamente ativa empregada na agricultura. Como em lugares
irrigados há um aumento na quantidade de agrotóxicos empregados na plantação, a utilização sem
adequado controle oferece real situação de contaminação ambiental e de exposição humana a
essas substâncias. Este estudo teve como objetivo identificar e classificar os principais agrotóxicos
comercializados nas cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Foram levantados 108 agrotóxicos,
classificados em 71 grupos ativos e 44 grupos químicos. Evidencia-se na região o despreparo dos
vendedores na indicação dos produtos e a falta de fiscalização na sua comercialização. Dentre os
agrotóxicos, 56% são da classe inseticida, 44% são classificados como muito perigosos para o
ambiente e 18% como extremamente tóxicos para a população. Esta situação exige maior
fiscalização na utilização desses insumos químicos, para proteção da população local e do meio
ambiente, além de reflexões para a organização de serviços locais integrados de saúde do
trabalhador para a vigilância e assistência sanitária.

Palavras-chave: Agrotóxicos. Classificação química e toxológica. Vale do São Francisco.

a
Professora Assistente do Colegiado de Medicina da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
b
Aluna do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
c
Professor Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia.
d
Professor Adjunto do Departamento de Química Fundamental da Universidade Federal de Pernambuco.
e
Pesquisadora Adjunta do Núcleo de Saúde Pública do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães – FIOCRUZ.
Endereço para correspondência: Cheila Nataly Galindo Bedor - Universidade Federal do Vale do São Francisco – Colegiado
de Medicina, Avenida Tancredo Neves 100, CEP 56.306-410, Petrolina, PE. Email: cheila.bedor@univasf.edu.br

68
Revista Baiana EVALUATION AND REFLEXES ON THE COMMERCIALIZATION AND USE OF
de Saúde Pública AGROTOXICS IN THE SÃO FRANCISCO VALLEY REGION

Abstract
The use of agrotoxics in high quantities and varieties, contributes to the occurrence
of damage to human and environmental health. The São Francisco Valley region is one of the main
areas for the utilization of irrigated hortifloriculture in Brazil. More than half of its population
economically active is employed in agriculture. Due to the increase in the quantity of agrotoxics
used for planting in irrigated locations, the utilization without proper control represents a real
situation for environmental contamination and human exposure to these substances. The purpose
of this study is to identify and classify the main agrotoxics commercialized in the cities of
Petrolina, PE and Juazeiro, BA. 108 agrotoxics were found, classified in 71 active groups and 44
chemical groups. In this region, the sales agents’ lack of preparation, in regards to the products,
and the lack of regulation in their commercialization are evident. Within the group of agrotoxics,
56% are classified as pesticides, 44% are classified as extremely dangerous to the environment,
and 18% as extremely dangerous to the population. This situation demands for greater regulation
in the utilization of these chemical products for the protection of the local population and the
environment, as well as for reflections in the organization of local worker integrated health services
for sanitary surveillance and assistance.
Key words: Agrotoxics. Chemical and toxicological classification. São Francisco Valley.

INTRODUÇÃO
Os agrotóxicos são produtos químicos ou biológicos utilizados, entre outras
finalidades, para exterminar pragas ou patógenos que ataquem as culturas agrícolas. Estima-se que
na atualidade cerca de 2,5 a 3 milhões de toneladas de agrotóxicos sejam utilizados anualmente
na agricultura em todo o mundo1, envolvendo cerca de 600 princípios ativos e 50 mil formulações
comerciais.2 No Brasil, esses insumos químicos foram utilizados mais intensivamente na
agricultura a partir de 1960. Segundo apontado por Araújo3, o país abriu as portas para o mercado
de agrotóxicos na década de 1970, com base em um discurso desenvolvimentista na época do
governo militar. Hoje, o Brasil é o quarto país que mais utiliza pesticidas no mundo.4
Não obstante a lei brasileira de agrotóxicos (Lei Federal nº 7.802 de 11/07/1989) ser
relativamente adequada, quando comparada às leis de países industrializados, observam-se alguns
aspectos que tornam possível que pesticidas proibidos em diversos países – ou submetidos a
severas restrições –, sejam livremente utilizados em território nacional. Segundo Augusto5, há um
descontrole sanitário no uso de agrotóxicos no país, que ocorre principalmente pela ausência de

v.31, n.1, p.68-76 69


jan./jun. 2007
um efetivo sistema de vigilância, agravado pela política de financiamento rural e as permissíveis
campanhas publicitárias das indústrias químicas. O Brasil é classificado pela Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) como um dos países que mais aplica
agrotóxicos de forma excessiva. Hoje, já são comercializados mais de 2.000 tipos de agrotóxicos
que apresentam cerca de 300 princípios ativos classificados em dois principais grupos: os
organofosforados e os organoclorados.
A agricultura irrigada obriga o uso de uma série de práticas agronômicas vitais para o
aumento e a manutenção da produção, como a adubação orgânica e química e o combate a pragas
e doenças.6 Esta técnica, quando realizada em contexto do semi-árido, é ainda mais insustentável
devido à deterioração do solo e à dificuldade de recuperação.
O Vale do São Francisco possui uma área com potencial irrigado, estimada em um
milhão de hectares.7 O Vale divide-se em quatro regiões fisiográficas: Alto, Médio, Submédio e
Baixo São Francisco. A região do submédio possui cerca de 120 mil hectares irrigados e é uma das
principais áreas de exploração da hortifruticultura irrigada do país, tendo mais de 51% da sua
população economicamente ativa empregada na agricultura. Levando em conta as empresas de
produção local e principalmente as de exportação, o uso de agrotóxicos é tido como essencial para
um prolongamento no ciclo de vida de seus produtos. A agroindústria, em razão do uso abusivo e
desordenado de pesticidas, é considerada como o segundo maior poluidor dos recursos hídricos.8
Para a região do submédio do São Francisco existem poucos registros oficiais quanto
à quantidade e variedade dos agrotóxicos utilizados na agricultura. Observa-se, porém, sua
cotidiana aplicação em grandes quantidades, principalmente nas áreas irrigadas, especialmente
dedicadas à produção de hortifruticultura para exportação. Nessa perspectiva, o presente estudo
tem por objetivo conhecer os principais agrotóxicos comercializados no submédio do Vale do São
Francisco, para uma primeira aproximação da avaliação de risco na região.

MATERIAL E MÉTODOS
Primeiramente foram levantadas junto às Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDL) de
Petrolina, Estado de Pernambuco, e Juazeiro, Estado da Bahia, e à Lista telefônica (LISTEL), as lojas de
agrotóxicos em atividade no período de setembro de 2005 a fevereiro de 2006. Em cada
estabelecimento visitado foi realizada entrevista para o levantamento dos agrotóxicos mais
comercializados, os mais vendidos por cultura indicada pelos vendedores e a utilização de receituário
agronômico. Ao todo foram encontradas 26 lojas das quais 23 foram pesquisadas (88%).
Os agrotóxicos foram classificados, segundo classe, ingrediente ativo, grupo
químico, classificação toxicológica, classificação ambiental e cultura indicada pelo Ministério da

70
Revista Baiana
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Essas informações foram obtidas mediante
de Saúde Pública
consulta ao Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (AGROFIT) do Ministério da Agricultura e o
Sistema de Informação sobre Agrotóxicos (SIA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA).

RESULTADOS
O levantamento encontrou 108 nomes de agrotóxicos comercializados na região,
classificados em 71 grupos ativos e sete misturas. Na Tabela 1 estão representados os principais
agrotóxicos citados. Dos 108 nomes levantados, 41 foram citados apenas em uma das lojas
entrevistadas e 20 em 2 lojas.
Quanto ao grupo químico, os principais encontrados foram os organofosforados
(25%), os piretróide (9%), os benzimidazol e triazol com (6%) e os neocotinóides (5%).
Devido ao tipo de produção predominante (fruticultura), a principal classe de
agrotóxicos utilizada na região é a inseticida (56%), depois os fungicidas (30%), os herbicidas
(7%), os reguladores de crescimento (4%), os ascaricidas (2%) e os formicidas (1%).
Quanto à classificação toxicológica e ambiental, 18% (19/108) dos agrotóxicos
levantados são classificados como extremamente tóxicos e apenas 19% aparecem como pouco
tóxicos ao homem (Figura 1 Além disso, 44% são classificados como muito perigosos para o
Figura 1).
meio ambiente (Figura 2).
As principais culturas que apareceram por indicações dos agrotóxicos pelas lojas
podem ser vistas na Tabela 2. Das 23 lojas pesquisadas 18 (78%) disseram utilizar o receituário
agronômico. Em duas dessas lojas foi relatado que a própria loja emite o receituário, quando o
agricultor não o possui.
A indicação dos agrotóxicos por cultura pelos vendedores, quando comparada à do
MAPA, difere em 21%, enquanto 22% têm sua indicação correta e 54% não são especificadas.
Entre os agrotóxicos mais vendidos estão: o Folisuper, um organofosforado de classe
acaricida-inseticida, de classificação toxicológica extremamente tóxico e muito perigoso para o
ambiente, indicado por algumas lojas para utilização nas plantações de cebola, manga e tomate. Porém
a indicação do Ministério da Agricultura é para culturas de algodão, feijão, milho, soja e trigo.
O Actara, o segundo agrotóxico mais citado, é um inseticida, neonicotinóide pouco
tóxico, contudo perigoso para o ambiente. O Karate e o Polytrin foram os terceiros mais citados.
O Karate é um piretróide, da classe inseticida, altamente tóxico e perigoso para o ambiente. O
Polytrin é uma mistura de piretróide e organofosforado, classificado como medianamente tóxico e
ambientalmente muito perigoso.

v.31, n.1, p.68-76 71


jan./jun. 2007
Tabela 1. Principais agrotóxicos citados pelas lojas como os mais vendidos Juazeiro/BA e
Petrolina/PE. Setembro/2005 a Fevereiro/2006

72
Revista Baiana
de Saúde Pública

Figura 1
1. Classificação dos agrotóxicos segundo toxicidade humana

Figura 2
2. Classificação dos agrotóxicos segundo dano ambiental

Tabela 2. Quantidade de produtos agrotóxicos indicados para as principais culturas aos


clientes pelas lojas de produtos agrícolas. Juazeiro/BA e Petrolina/PE. Setembro/
2005 a Fevereiro/2006

v.31, n.1, p.68-76 73


jan./jun. 2007
DISCUSSÃO
A larga utilização de agrotóxicos, que na maioria das vezes são aplicados
indiscriminadamente, acaba desenvolvendo resistências das pragas aos princípios ativos,
principalmente depois de serem expostas repetidas vezes ao mesmo pesticida ou a dosagens
inadequadas. A conseqüência dessa resistência é a necessidade do uso de maior variedade e de
maior quantidade dos produtos. O aumento do consumo leva a uma expansão dos riscos a ele
inerentes, fazendo com que populações não diretamente vinculadas com a cadeia produtiva dessas
substâncias também se exponham em função da contaminação ambiental e dos alimentos,
tornando a problemática do agrotóxico uma questão ainda mais grave de saúde pública.
O Ministério da Saúde estima que, no Brasil, anualmente, existam mais de 400 mil
pessoas contaminadas por agrotóxicos, com cerca de 4 mil mortes por ano.4 Segundo Araújo3,
existem evidências de uso abusivo e conseqüentemente de intoxicações por praguicidas em
diferentes regiões rurais do Estado de Pernambuco, porém não existem registros dessas ocorrências.
A presente pesquisa mostra que a variedade de agrotóxicos utilizada na região
submédia do Vale do São Francisco é um dado preocupante, uma vez que muitos desses insumos
(mais de 40%) são altamente ou extremamente tóxicos para o homem e/ou muito perigoso para o
ambiente. A classificação toxicológica mostra que, comparado com a DL50, a dosagem d” 5 mg/
kg (1 pitada - algumas gotas) é capaz de matar uma pessoa adulta.9 De acordo com Garcia10,
classificar um agrotóxico segundo sua periculosidade deveria servir como parâmetro para a
definição de medidas de controle e de gerenciamento de riscos, porém, no Brasil, essa
classificação é meramente figurativa, uma vez que não há diferença em um produto ser da Classe I
— extremamente tóxico para o homem — ou da Classe IV — pouco tóxico para os seres humanos
—, se eles podem ser recomendados, comercializados e utilizados da mesma forma e por qualquer
usuário.
Os agrotóxicos mais citados são organofosforados, substâncias que são absorvidas
pela pele, por ingestão ou por inalação, e têm sua ação associada à inibição especialmente da
acetilcolinesterase, o que leva a um acúmulo de acetilcolina nas sinapses nervosas, desencadeando
uma série de efeitos parassimpaticomiméticos. Esse grupo químico é responsável pelo maior
número de intoxicações agudas e mortes no Brasil.9 A exposição crônica a este tipo de produto
está relacionada, entre outros, ao câncer, efeitos teratogênicos, neuropatias periféricas tardias e
toxicidade reprodutiva.11
Também a classe de agrotóxicos mais utilizada na região, a Inseticida, por conta da
fruticultura, é a que oferece o maior potencial para agravos agudos à saúde, o que difere de outras
regiões brasileiras e até mundial, que citam os herbicidas como os agrotóxicos mais utilizados na
agricultura.8, 12

74
Revista Baiana
Apesar da obrigatoriedade do receituário próprio, prescrito por profissionais
de Saúde Pública
legalmente habilitados, prevista no artigo 13 da lei Brasileira de agrotóxicos (Lei Federal nº 7.802
de 11/07/1989), regulamentada pelo decreto 98.816), ainda há um número significativo (12%) de
lojas na região sem cumpri-la. Além disso, os vendedores falham na indicação dos agrotóxicos, o
que pode facilitar a utilização incorreta por dosagem e por cultura, favorecendo a resistência das
pragas.
Diante desses resultados, faz-se necessária uma capacitação profissional dos
vendedores de lojas de produtos agrícolas e maior fiscalização dos órgãos responsáveis pelo uso de
agrotóxicos junto aos produtores rurais. Além disso, é recomendável a elaboração e
implementação de propostas que evitem seu uso indiscriminado, visando reduzir um grande
problema, tanto agropecuário como de saúde pública, no submédio do Vale do São Francisco.
Também é urgente a organização de serviços locais integrados de saúde do
trabalhador para a vigilância e assistência sanitária, articulando os aspectos ambientais,
epidemiológicos, clínico e de educação na promoção e proteção da saúde e do meio ambiente. É
inaceitável que um pólo exportador de frutas para centros consumidores ricos, como os europeus,
admita apenas parâmetros sanitários restritos ao produto final, sem considerar toda a cadeia
produtiva e as implicações para a saúde humana, o meio ambiente e a qualidade de vida das
populações nela envolvidas, especialmente no contexto do Nordeste brasileiro, com uma
população historicamente vulnerável em diversos aspectos sociais e de direitos humanos.

AGRADECIMENTOS
Aos alunos do curso de enfermagem da UNIVASF: Cláudio Claudino, Chalana
Duarte, Thiala Cardial, que participaram da coleta de dados.

REFERÊNCIAS

1. Meyer A, Chrisman J, Moreira JC, Koifman S. Cancer mortality among


agricultural workers from Serrana Region, State of Rio de Janeiro, Brazil.
Environ Res 2003;93(3):264-71.

2. Texeira CF. Exposição ocupacional aos insetos e seus efeitos na audição:


a situação dos agentes de saúde pública que atuam em programas de
controle de endemias vetoriais em Pernambuco. (Dissertação]. Recife
(PE): Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães; 2000.

3. Araújo ACP, Nogueira DP, Augusto LGS. The pesticide impact on helth:
a study of tomato cultivation. Rev. Saúde Pública 2000; 34:309-13.

v.31, n.1, p.68-76 75


jan./jun. 2007
4. Moreira JC, Jacob SC, Peres F, Jaime SL, Meyer A, Oliveira-Silva JJ, et al.
Avaliação integrada do impacto do uso de agrotóxicos sobre a saúde
humana em uma comunidade agrícola de Nova Friburgo, RJ. Ciênc.
Saúde Coletiva 2002; 7(2):299-311.

5. Augusto LGS, Gurgel IGD, Florêncio L, Araujo ACP. Exposição


ocupacional aos agrotóxicos e riscos sócio-ambientais: subsídio para
ações integradas no estado de Pernambuco. In: Augusto L.G.S.,
Florencio, L, Carneiro RM, organizadores. Pesquisa (ação) em saúde
ambiental – contexto, complexidade, compromisso social. Recife:
Universitária; 2001. p. 57-69.

6. CODEVASF - Companhia de desenvolvimento do Vales do São Francisco


e Parnaíba. Os Vales: Vale do São Francisco, Impactos ambientais.
Extraído de [http://www.codevasf.gov.br/menu/os_vales/estados], acesso
em [15 de agosto de 2006].

7. FUNDAJ - Fundação Joaquim Nabuco. Vontade política é a verdadeira


seca do nordeste. Extraído de [http://www.fundaj.gov.br/docs/tropico/
desat/joao1305.html], acesso em [15 de agosto de 2006].

8. Caires SM, Castro JGD. Levantamento dos agrotóxicos usados por


produtores rurais do município de alta Floresta – Mato Grosso. Rev
Biologia Ciências da Terra 2002;2(1).

9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Manual de


vigilância da saúde de populações expostas a agrotóxicos. Brasília:
Organização Pan-Americana da Saúde; 1997.

10. Garcia EG, Bussacos MA, Fischer FM. Impact of legislation on


registration of acutely toxic pesticides in Brazil. Rev. Saúde Pública oct
2005;39(5):832-9.

11. Caldas ED, de Souza LC. Assessment of the chronic risk for ingestion of
pesticide residues in the Brazilian diet. Rev Saúde Pública
2000;34(5):529-37.

12. Younes M, Galal-Gorchev H. Pesticides in Drinking Water. Food Chem


Toxicol 2000;38(1suppl):S87-90.

Recebido em 25.09.2007 e aprovado em 28.03.2007

76
Revista Baiana ARTIGO ORIGINAL
de Saúde Pública

CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM SOBRE PREVENÇÃO


E TRATAMENTO DE ÚLCERAS DE PRESSÃO

Lucimeire Santos de Carvalhoa


Suiane Costa Ferreirab
Cátia Andrade Silvac
Ana Carla Petersen de Oliveira Santosd
Célia Maria Costa Regebee

Resumo
O acadêmico de enfermagem é co-responsável pela implementação de medidas
profiláticas e de tratamento das úlceras de pressão. Para isso, no entanto, precisa de conhecimento
prévio sobre o processo de formação e desenvolvimento das úlceras de pressão (UP). Com base
nessas afirmações, o presente artigo tem como objetivos apreender e delinear as práticas de
prevenção e tratamento das UP sob a perspectiva dos acadêmicos do último semestre do curso de
enfermagem de uma universidade pública situada em Salvador/Ba e comparar os achados com a
literatura científica referente à temática. Trata-se de um estudo tipo survey, realizado no período
compreendido entre maio e junho de 2006. Os resultados revelaram que os acadêmicos possuem
conhecimentos a cerca das UP em consonância com a literatura científica.

Palavras-chave: Estudantes de Enfermagem. Cuidados de Enfermagem. Cicatrização de feridas.

a
Doutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Mestre em Enfermagem na área de
concentração O Cuidar em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Especialista em
Enfermagem Médico-Cirúrgica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Docente da Universidade Estadual da Bahia
(UNEB); Enfermeira do Hospital Universitário da Universidade Federal da Bahia (HUPES).
b
Enfermeira Graduada pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Pós-graduanda do curso de Residência Multiprofissional
em Saúde do Núcleo de UTI.
c
Mestre em Enfermagem na área de concentração O Cuidar em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal
da Bahia (UFBA); Especialista em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva pela Faculdade de Enfermagem Luíza de
Marillac; Especialista em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem, pela Escola Nacional de Saúde Pública;
Docente da Faculdade de Tecnologias e Ciências, SSA/Ba; Docente da Faculdade São Tomaz de Aquino, SSA/Ba; Enfermeira
da Prefeitura Municipal de Salvador/Ba (SMS); Enfermeira da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB).
c
Mestranda em Enfermagem na área de concentração O Cuidar em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade
Federal da Bahia (UFBA); Especialista em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem, pela Escola Nacional de Saúde
Pública; Docente da Faculdade São Tomaz de Aquino, SSA/Ba; Enfermeira do Hospital Universitário da Universidade Federal
da Bahia (HUPES); Enfermeira do Hospital Santa Isabel, SSA/Ba.
d
Especialista em Metodologia da Assistência de Enfermagem. Docente da Universidade Estadual da Bahia (UNEB).

v.31, n.1, p.77-89 77


jan./jun. 2007
CONCEPTIONS OF NURSING ACADEMICS ON THE PREVENTION
AND TREATMENT OF PRESSURE ULCERS

Abstract
The nursing academic is co-responsible for the implementation of prophylactic
measures, and for the treatment of pressure ulcers. For this, however, previous knowledge about
the process of formation and development of the pressure ulcers (UP) is needed. Based on these
affirmations, the objectives of the present article are to understand and delineate the procedures of
prevention and the treatment of the UP, from the perspective of academics in the last semester of
the nursing program at a public university in the city of Salvador, Ba; and to compare the findings
with scientific literature references on the subject. This is a survey-type study, carried out between
May and June 2006. The results revealed that the academics possess knowledge about UP in
accord with scientific literature.
Key words: Nursing Students. Nursing Care. Wound healing.

INTRODUÇÃO
A presença de úlcera de pressão (UP) tem sido considerada um indicador de
qualidade da assistência de enfermagem nos serviços de saúde, subjazendo esforços para
estabelecer-se diretrizes e protocolos que norteiem a prática, buscando a redução desse problema
tanto nos hospitais brasileiros quanto no restante do mundo.
Nesse ínterim, as UP têm sido uma preocupação da enfermagem, principalmente
quando se trata de usuários hospitalizados com dificuldades de locomoção ou restrições de
movimento, em que o risco de UP é acentuado.
O modelo vigente de assistência à saúde tem atribuído culpa e responsabilidade da
ocorrência dessas lesões ao enfermeiro, justificando que a presença ininterrupta da enfermagem no
cenário hospitalar remete-a a maior responsabilidade sobre o cuidado e com os resultados do
processo assistencial.
Nesse contexto, Oliveira1 considera o aparecimento das UP como iatrogenias
secundárias a falhas no processo de cuidar, em razão de existir, na atualidade, inúmeras medidas
preventivas para o problema, bem como uma variedade de inovações tecnológicas terapêuticas às UP.
Com a evolução da ciência conseguiu-se comprovar que a UP não é de
responsabilidade exclusiva dos enfermeiros, devido à natureza multifatorial da sua ocorrência2.
Entretanto Figueiredo, Machado e Porto3 reiteram que a prevenção da UP é uma ação fundamental
dos profissionais de enfermagem que necessita de ancoragem e apoio de ações multidisciplinares.

78
Revista Baiana
Nesse sentido, optamos pela realização de uma pesquisa com o objetivo de
de Saúde Pública
apreender e delinear as concepções dos acadêmicos de enfermagem sobre a profilaxia e o
tratamento das UP.

REVISÃO DE LITERATURA
Utilizam-se inadequadamente diversos termos para nomear as UP, a citar: úlceras de
decúbito, úlceras de acamado, úlceras isquêmicas e escaras. Entretanto tais terminologias não são
condizentes com a fisiopatologia da úlcera de pressão, conceituada como lesão cutânea ou de
partes moles, superficiais ou profundas, de origem isquêmica, decorrente de uma elevação de
pressão externa, localizada geralmente sobre proeminências ósseas4.
As UP podem ser descritas como áreas localizadas de necrose celular que tendem a
desenvolver-se quando os tecidos moles são comprimidos entre uma proeminência óssea e uma
superfície rígida, geralmente por um período de tempo prolongado.2
A pressão contínua desenvolvida nos tecidos provoca a falta de suprimento
sanguíneo imprescindível para a manutenção dos níveis de oxigênio e nutrientes necessários à
manutenção da vida celular e, conseqüentemente, da integridade cutânea e dos tecidos
subjacentes.3
No que diz respeito à etiologia da UP, a interação entre a intensidade e a duração da
pressão à qual o tecido é submetido parece ser um fator crucial para sua formação. Contudo outros
fatores intrínsecos e extrínsecos ao organismo humano, considerados secundários, contribuem para
o seu desenvolvimento. Dentre os fatores extrínsecos que podem levar ao aparecimento destas
lesões, destacam-se: pressão, cisalhamento, fricção e umidade.5
O principal fator etiológico das UP é a pressão; a implicação patológica no tecido
pode ser atribuída à intensidade e duração da pressão exercida e à tolerância tecidual. Dentre os
fatores tidos como intrínsecos, destacam-se: idade, estado nutricional, perfusão dos tecidos, uso de
medicamentos e doenças crônicas, anemia, imobilidade, infecção, sensibilidade cutânea,
distúrbios vasculares, diminuição ou perda da tonicidade muscular, distúrbios neurológicos,
incontinências, dentre outros.6,7
Faz-se importante ressaltar que a idade é distinguida, pela maioria dos estudiosos,
como um dos mais importantes fatores associados à fisiopatogênese das UP, principalmente
quando agregada a outros fatores como desnutrição, mobilidade e umidade. Independente da
atuação desses fatores, entretanto, as áreas mais vulneráveis para o aparecimento das UP são as
regiões sacra, ísquia, trocanteanas, dos calcâneos, dos joelhos, escapular e dos cotovelos, ou seja,
onde existem proeminências ósseas.

v.31, n.1, p.77-89 79


jan./jun. 2007
Os fatores extrínsecos são aqueles que atuam diretamente nos tecidos, a citar:
umidade, higiene deficiente, uso de instrumentos ortopédicos, repouso em superfícies duras,
colocação inadequada e prolongada de dispositivos para aparar eliminações fecais e urinárias,
injeções repetidas sem rotatividade de local de administração, posicionamento incorreto do
paciente, deficiência na mudança de decúbito, sondas para drenagem fechadas de forma incorreta,
uso inadequado de agentes químicos e físicos, dentre outros.7
Rabeh8 salienta que desde o período de atuação de Florence Nightingale a ocorrência
das UP possui conotação negativa, figurando-se como falhas no processo de cuidar ou como
assistência prestada de forma inadequada.
Nightingale apud Rabeh8 afirmava que se o enfermo apresentava úlceras de
decúbito, geralmente não era devido a doenças, mas à enfermagem. Já os estudiosos Harmer e
Henderson apud Rangel, Prado e Machry9 foram além de Florence, pontuando que a prevenção das
UP é de total responsabilidade das enfermeiras, e que estas, antes de serem designadas para cuidar,
deveriam ser treinadas, primeiramente, para prevenir a formação das úlceras de pressão.
Figueiredo, Machado e Porto3 ressaltam que a prevenção da UP é uma ação
fundamental dos profissionais de enfermagem. Todavia a evolução e o aprofundamento das
pesquisas em saúde evidenciaram que as UP têm natureza de formação multifatorial e, portanto, a
responsabilidade pela sua formação, desenvolvimento e tratamento não é exclusiva dos
enfermeiros, mas de todos os profissionais que participam do processo de cuidar do paciente.6
Acreditamos que a presença ininterrupta da equipe de enfermagem na assistência
direta ao paciente foi fator contributivo para que os pesquisadores projetassem a responsabilidade
das UP apenas nesses profissionais e esquecessem de balizar os demais fatores desencadeadores do
processo.
A incidência das úlceras de pressão é apontada por estudos internacionais como
variando entre 0 a 14% em pacientes hospitalizados, atingindo índices bem mais altos (55 a 66%),
quando se trata de pacientes oriundos de clínicas especializadas como as ortopédicas e de
reabilitação.10
Algumas pesquisas sinalizam que pressões entre 60 e 580 mmHg no período de
uma a aproximadamente seis horas pode originar uma úlcera. Entretanto, além da pressão, as
forças de cisalhamento e fricção podem operar sinergicamente no desenvolvimento de uma lesão
em indivíduos desnutridos, incontinentes, acamados ou com distúrbios mentais.4
O diagnóstico das úlceras de pressão é realizado por meio de métodos visuais que as
classificam em estágios; esses são importantes no planejamento e implementação de estratégias
terapêuticas.11 As UP podem ser classificadas em estágios, de acordo com a American National

80
Revista Baiana
Pressure Ulcer Advisory Panel, pelo grau de danos observados nos tecidos: estágio I caracteriza-se
de Saúde Pública
por eritema da pele que não embranquece após a remoção da pressão; estágio II distingue-se pelas
perdas parciais da pele que envolve a epiderme, derme ou ambas, é superficial e apresenta-se
como uma abrasão, bolha ou cratera rosa; estágio III diferencia-se pela perda da pele na sua
espessura total, envolvendo danos ou necrose do tecido subcutâneo que pode se aprofundar; e
estágio IV particulariza-se pela perda da pele na sua total espessura com extensa destruição ou
necrose dos músculos, ossos ou estruturas de suporte como tendões ou cápsulas das articulações.2
As UP podem desenvolver-se em 24 horas ou levar até aproximadamente cinco dias
para a sua manifestação. Assim, em vista dessa circunstância, todos os profissionais de saúde,
tidos como responsáveis pelo acompanhamento do paciente, devem estar familiarizados com os
principais fatores de risco para a sua formação. Neste contexto, a observação das condutas
profiláticas para eliminar forças de pressão contínua, cisalhamento ou fricção são de vital
importância para evitar a formação de úlceras.4
As UP são consideradas problema de grandes repercussões, tanto para o enfermo
quanto para os seus familiares e instituições prestadoras de cuidados. É imprescindível que os
profissionais da área de saúde atuem para prevenir essas feridas, adotando medidas profiláticas
fundamentadas em conhecimentos científicos, pois é sabido que um bom trabalho de prevenção
pressupõe o conhecimento da etiologia e também da realidade institucional em que o paciente
encontra-se inserido.
O impacto econômico do tratamento das UP é assustador. Estudos revelam que as
estimativas de custo médio hospitalar para tratamento, tanto clínico quanto cirúrgico, aproximam-
se de 21,675 dólares. Além disso, quando um paciente/cliente com fratura de colo de fêmur
desenvolve uma úlcera de pressão, os custos hospitalares elevam-se em média 10,986 dólares por
paciente.12
Essa realidade aponta para a necessidade precípua da sensibilização de todos os
profissionais de saúde, para a adoção das medidas profiláticas das UP, desde a internação do
paciente até a finalização do seu preparo para a alta hospitalar.

MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de pesquisa descritiva, exploratória, uma vez que esse método se
compromete a identificar quais situações, eventos, atitudes ou opiniões estão manifestas numa
população.13
Para atender aos aspectos éticos da pesquisa, enviamos o projeto à Comissão de
Ética do Departamento da Universidade pública que serviu de campo de investigação. Após a

v.31, n.1, p.77-89 81


jan./jun. 2007
aprovação, convidamos os acadêmicos do 9º semestre do curso de enfermagem de uma instituição
pública de ensino superior localizada na cidade de Salvador a participarem da pesquisa.
O estudo iniciou com a perspectiva de englobar como população a totalidade dos
acadêmicos do 9º semestre do curso de enfermagem da referida instituição. Todavia, dada a
impossibilidade de reunir todos, devido às diversas atividades desenvolvidas fora da universidade
no último semestre da graduação, trabalhamos com amostra acidental, composta por aqueles que
estiveram presentes no momento da coleta de dados. Após serem informados, os acadêmicos
concordaram em participar espontaneamente.
A pesquisa realizou-se numa instituição pública de ensino superior localizada na
cidade de Salvador/Ba, tendo como amostra 10 graduandos, escolhidos aleatoriamente, no último
semestre do curso de Bacharelado em Enfermagem. Essa amostra correspondeu a 45,5% da
população total de formandos do curso de enfermagem da instituição que serviu como campo de
coleta de dados. Estes foram colhidos no período compreendido entre maio e junho de 2006, após
consentimento dos acadêmicos em participar da pesquisa, conforme Resolução 196 do Conselho
Nacional de Saúde.
Com o propósito de garantir a confidencialidade e o anonimato dos participantes
não solicitamos qualquer identificação no instrumento de coleta de dados, o qual constou de um
questionário com questões abertas e fechadas, contendo dados sobre disciplinas que abordaram o
tema, medidas preventivas e terapêuticas para UP e espaço destinado a comentários. Buscávamos
obter o conhecimento do aluno acerca da prevenção e do tratamento das UP.
Analisamos os dados de maneira a obter a freqüência absoluta e relativa de cada
resposta. Estas foram, posteriormente, comparadas com o preconizado pela literatura científica
referente à temática em questão.

RESULTADO E DISCUSSÃO
Inicialmente, solicitamos a definição de UP e observamos que os pesquisados
conseguiram indicá-la em consonância com as definições encontradas na literatura científica da
área de saúde.

“Úlcera de pressão é a lesão do tecido devido a pressões contínuas.” (A1).


“É a perda do tecido devido a pressão das estruturas ósseas sobre o tecido.” (A2).
“É a lesão tecidual causada por período prolongado no leito.” (A3).

Todos declararam já ter prestado assistência ao paciente portador de UP por


intermédio das práticas intradisciplinares pertencentes à grade curricular do curso de enfermagem.

82
Revista Baiana
Os alunos foram questionados sobre quais disciplinas do curso de enfermagem
de Saúde Pública
abordaram conteúdos necessários para o cuidado de feridas/úlceras de pressão; as que obtiveram
maiores freqüências absolutas foram: Processo de cuidar, Enfermagem em atenção à saúde do
adulto I e II, Estágio curricular supervisionado II, Patologia, Farmacologia, Enfermagem em atenção
à 3ª idade e Nutrição (ver Tabela 1)
1).

Tabela 1. Disciplinas referidas pelos alunos que possuem conteúdos necessários para o
cuidado a UP. Salvador, 2006

Notamos que os alunos tiveram múltiplas oportunidades de entrar em contato com


conhecimentos científicos sobre prevenção, tratamento e assistência a pacientes portadores de UP.
Aliado a esse processo de oportunização do aprendizado emerge a necessidade paralela do aluno
em buscar a interface das disciplinas mencionadas, a fim de perceber que cada uma delas
contribui com um conjunto de conhecimentos próprios que, somados, vão nortear todas as
condutas a serem implementadas com o portador da UP.
Os acadêmicos de enfermagem, unanimemente, conseguiram diferenciar de forma
correta os estágios de desenvolvimento da UP, citando as características inerentes a cada um deles.
Esse conhecimento é de suma importância, já que se faz necessário para a construção do plano
assistencial do paciente.

v.31, n.1, p.77-89 83


jan./jun. 2007
Foram citadas pelos pesquisados algumas medidas preventivas para as UP,
sinalizadas por eles como intervenções de enfermagem a serem implementadas no plano de
cuidados do paciente portador do agravo: mudança de decúbito (23,2%), massagem de conforto
(16,3%), uso de colchão especial (16,3%), uso de coxins (16,3%), hidratação (11,6%), higiene
corporal (9,3%), suporte nutricional (4,7%) e uso de lençóis limpos e sem encilhamentos (2,3%)
(ver Tabela 2)
2).

Tabela 2. Medidas preventivas para UP citadas pelos alunos. Salvador, 2006

De modo semelhante a outros estudos, encontramos a mudança de decúbito como


uma das medidas preventivas das UP mais citadas (24,3%), validando que o recurso da mudança
de decúbito é o mais conhecido para alívio das áreas de pressão nos tecidos e melhora da
circulação local.2,9
Giaretta apud Souza e Barbosa14, ao estudar o tempo médio de aparecimento de
sinais e sintomas de lesões de pele em pessoas idosas, sadias e com índices de massa corporal
diferentes, verificou que não suportaram ficar duas horas na posição supina, referindo desconforto,
dor e até mesmo apresentavam sinais de UP em menos de trinta minutos; em oito minutos foram
constatados sinais de isquemia e eritema em alguns deles.
Esse estudo suscita novos questionamentos sobre a prática pré-estabelecida das
prescrições de enfermagem para mudança de decúbito a cada duas horas e ajuda a reafirmar a

84
Revista Baiana
necessidade de individualização da assistência, com base no exame físico detalhado do paciente.
de Saúde Pública
O exame físico, parte imprescindível da avaliação de enfermagem, permite a aquisição de
informações importantes sobre o paciente, com a finalidade de orientar e planejar a assistência.
Baseando-se nessa afirmação, a literatura preconiza a avaliação tanto do paciente quanto da UP no
momento da admissão e reavaliações semanais da UP para monitorização do seu progresso.
Os indivíduos em risco de desenvolver UP devem ter uma inspeção sistemática da
pele pelo menos uma vez por dia, priorizando as regiões de proeminências ósseas. Como
instrumento de avaliação, ressaltamos o uso das escalas de risco de UP.15 Dealey6 afirma que as
escalas de risco são úteis, trazendo benefícios na avaliação sistemática do paciente, devendo a
equipe de enfermagem ter o cuidado de utilizar as medidas preventivas cabíveis, quando o
paciente é considerado de risco. Ainda segundo o autor, essa avaliação deve ser regular e não
limitada apenas à admissão do paciente.
A escala de Braden, bastante utilizada nos Estados Unidos, é a que está mais bem
definida operacionalmente, embora necessite se adequar à nossa realidade, acrescentando alguns
itens como idade do paciente, condições da pele e peso corporal.16 Entretanto nenhum dos
pesquisados mencionou a aplicação de escalas como medida de prevenção da UP.
Já as medidas preventivas como massagem de conforto, uso de colchão especial e
de coxins, tiveram o mesmo percentual de citação pelos alunos (16,2%). A massagem de
conforto, porém, utilizada para ativar a circulação local, é contra-indicada sobre as
proeminências ósseas, porque a literatura sugere que pode causar danos tissulares, aumentando o
risco de desenvolver as UP.15
Foi indicado pelos acadêmicos de enfermagem, como necessários à prevenção das
UP, o uso de colchões especiais (16,2%), como colchão de espuma do tipo caixa de ovo e
colchão d’água. Não podemos negar que esses tipos de colchões apóiam o corpo do indivíduo
uniformemente, sem causar pressão excessiva nas áreas mais vulneráveis, mas é preciso salientar
que é errônea a idéia de que somente o uso exclusivo desses colchões garantirá a manutenção da
integridade cutânea. Para alguns pacientes, um colchão comum, em bom estado e em condições
de suportar o peso corporal do indivíduo, sem abaulamento ou deformações, é capaz de
proporcionar um ambiente que evita o aumento da pressão nos tecidos.
Rabeh e Caliri2 recomendam o uso de coxins para reduzir a pressão nas
proeminências ósseas. Foram listados pelos alunos o uso de travesseiros, almofadas e luvas com
água. Contudo, os autores destacam que não é comprovada a eficácia da luva com água na região
dos calcâneos. O recomendado é a elevação dos pés com travesseiros, coxins ou espumas inteiras,
de 10 cm de altura, na região da panturrilha, deixando os calcâneos livres.

v.31, n.1, p.77-89 85


jan./jun. 2007
Uma adequada hidratação do paciente é uma outra medida preventiva recomendada
pela literatura.15,16 Os alunos pesquisados citaram a hidratação oral e intravenosa e também o uso
de cremes hidratantes e umectantes para a pele. Silva16 afirma que a pele seca e com elasticidade
diminuída possui tolerância à fricção e à pressão baixa, tornando-se susceptível às rupturas.
Todavia uma pele excessivamente úmida também não é desejável, pois a exposição prolongada da
pele à umidade pode levar à maceração, tornando-a frágil, o que representa um risco para a
formação de UP.
Fernandes17 declara que, na presença de umidade, o crescimento de bactérias é
maior, expondo as áreas do tecido não só ao desenvolvimento de UP como de infecções. A
umidade pode ser decorrente do próprio suor do indivíduo, de eliminações vesicais ou intestinais,
drenagem de feridas ou restos alimentares.
A manutenção da higiene corporal, citada por 8,2% dos alunos, é imprescindível
para preservar a integridade cutânea, seja com o uso de fraldas absorventes descartáveis, banhos
regulares ou troca dos forros de cama, citada por somente 2,7% dos alunos. Campedelli e
Gaidzinski18 recomendam que os lençóis estejam esticados na cama, para evitar dobraduras que
gerem pontos de pressão e favoreçam a formação e desenvolvimento de UP.
Com relação às outras medidas citadas pelos acadêmicos, 5,4% referiu um
adequado aporte nutricional. E Dealey6 afirma que a desnutrição tem sido associada ao surgimento
de UP. Além disso, a nutrição adequada é um dos mais importantes passos para o sucesso do
processo de cicatrização, pois a dinâmica da regeneração tecidual exige um bom estado nutricional
do paciente, já que consome boa parte das suas reservas corporais.19
Concordamos que nas instituições hospitalares existe o profissional nutricionista
responsável pelo tipo de dieta dispensada aos pacientes. Muitos enfermeiros que trabalham em
programas educativos junto às comunidades precisam desse conhecimento para orientar os
pacientes e os seus familiares ou cuidadores, para que dêem continuidade ao tratamento no
domicílio.
Os alunos citaram 26 produtos que conheciam para o tratamento das UP; os que
obtiveram maiores freqüências absolutas foram: Dersani (19,2%), carvão ativado (15,3%) e
hidrocolóides (15,3%). O tratamento das UP, entretanto, não se restringe apenas ao uso de
medicamentos ou inovadores curativos, e Rangel9 reforça essa afirmação, declarando que o
cuidado da UP, inicialmente, envolve: desbridamento, limpeza da ferida, aplicação do curativo e
possivelmente uma terapia adjunta; em alguns casos, faz-se necessária a cirurgia reparadora.
Observamos a citação de diversos produtos com finalidades diferentes, como
desbridamento autolítico, ação bactericida ou bacteriostática, remoção de exsudato e estimulação

86
Revista Baiana
da mitose celular, todavia quase não foi citado o uso de uma medida simples e de baixo custo:
de Saúde Pública
soro fisiológico com curativo úmido (7,7%). A agência americana AHCPR afirma que o soro
fisiológico é o agente de limpeza ideal em todo tipo de UP20. As gazes embebidas no soro
fisiológico ou mesmo na solução de Ringer Simples mantêm o leito da ferida úmido, favorecendo
o processo de autólise do tecido desvitalizado e a formação do tecido de granulação. Isso nos
chama a atenção para a tendência de se hipervalorizar os produtos de alta complexidade, em
detrimento dos métodos mais simples como o uso de soro fisiológico.
Também foi citado por 3,9% dos alunos o uso de antibióticos tópicos para o tratamento
de UP, mas o uso dessas medicações vem sendo contra-indicado, já que sua utilização indiscriminada
e por longo período de tempo vem promovendo a resistência bacteriana, dermatites ou ocasionando
extensas reações locais.15 O tratamento com antibióticos deve ser restrito apenas às feridas com infecção
e após identificação dos microorganismos presentes, por meio de cultura do local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento das UP não é simples e requer comprometimento do profissional com
a ética e a busca constante de capacitação pessoal associada a adoção de novas tecnologias a
serem implementadas na realização dos curativos.1
Oliveira1 afirma que não existe um único curativo apropriado para todas as úlceras,
sendo importante que se conheça a característica tanto das úlceras como dos distintos curativos,
para eleger corretamente o mais apropriado. Também é necessária a avaliação individual de cada
paciente portador da úlcera, para que sejam adotadas as medidas profiláticas compatíveis com os
fatores extrínsecos e intrínsecos atuantes.
O estudo demonstrou que os alunos que participaram da pesquisa possuem um bom
conhecimento acerca da prevenção e tratamento das UP, o que respaldará a sua atuação
profissional voltada para a prestação do cuidado com qualidade. Percebemos, assim, que é de vital
importância que sejam oportunizadas aos alunos não somente a realização dos cuidados
preventivos e de tratamento das UP, mas a discussão desse conteúdo nas diversas disciplinas da
graduação, de modo a abordar todos os aspectos envolvidos no processo e estimular a criação de
projetos pactuados com outros saberes além da enfermagem.

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UTI: estudo de caso. 2001. Extraído de [http//www.uff.br//nepae/
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António, S.A. Porto. Acta Med Port 2006;19: 29-38.

Recebido em 12.09.2006 e aprovado em 28.03.2007.

v.31, n.1, p.77-89 89


jan./jun. 2007
ARTIGO ORIGINAL

AVALIAÇÃO DO TRATAMENTO E CONTROLE DA HIPERTENSÃO ARTERIAL


SISTÊMICA EM PACIENTES DA REDE PÚBLICA EM SÃO LUIS (MA)

Elba Gomide Mochel a


Camila Freitas de Andradeb
Daniela Serra de Almeida c
Alexandro Ferraz Tobias d
Renata Cabrald
Rachel Dino Cossettid

Resumo
Considerando a escassez de dados sobre o tratamento realizado pelos hipertensos
nas unidades de saúde de São Luís (MA), este estudo procura identificar as drogas mais utilizadas
por esta população, as associações entre as drogas, em que estágio pressórico estão estes pacientes,
bem como estimar a adesão ao tratamento realizado. Trata-se de um estudo transversal, com uma
amostra de 462 pacientes cadastrados no Programa de Hipertensão em Unidades de Saúde de São
Luís, com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS) há mais de 6 meses, maiores de 18
anos de idade e com capacidade mental para participar da pesquisa. As variáveis utilizadas
incluíam tempo de hipertensão, adesão ao tratamento, drogas mais utilizadas e suas associações.
Além disso, realizou-se exame físico que constava em: aferição da freqüência cardíaca e da pressão
arterial, mensuração do quadril e da cintura para realização de seu índice, verificação de peso e
altura. A taxa de adesão encontrada foi de 75%, um valor provavelmente superestimado.
Observou-se que o esquema mais utilizado era a monoterapia, sendo o captopril a droga mais
prescrita neste esquema (65%). Em contrapartida, obteve-se o melhor controle pressórico com a
utilização da hidroclorotiazida.

Palavras-chave: Hipertensão arterial. Tratamento farmacológico. Controle pressórico.

a
Doutora em Enfermagem. Professora Associada da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Endereço para correspondência: Rua dos Angelins, quadra 07, n. 31 – São Francisco, São Luís (MA). CEP: 65076-030. E-
mails: elba @ufma.br; elbagmochel@hotmail.com
b
Estudante de Medicina. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
c
Mestre em Ciências da Saúde. Médica Cardiologista do Hospital Universitário (HU/UFMA).
d
Estudantes de Medicina da UFMA.

90
Revista Baiana EVALUATION OF THE TREATMENT AND CONTROL OF
de Saúde Pública SYSTEMATIC ARTERIAL HYPERTENSION IN PATIENTS OF THE PUBLIC
HEALTH SYSTEM IN THE CITY OF SÃO LUIS, MA

Abstract
Considering the scarcity of data regarding hypertension treatment at hospitals and
clinics in São Luís, Maranhão, this study aims to identify the drugs most frequently used by this
population, the associations among these medicines, the hypertension stage of the patients, and to
estimate patients’ rates of compliance to treatment. This is a cross-sectional study with a sample of
462 patients registered in the Hypertension Program in Health Centers in the city of Sao Luis, with
diagnoses of systematic arterial hypertension (HAS) for over six months, over 18 years of age, and
mentally capable of participating in the study. The variables utilized included duration of
hypertension, compliance to treatment, drugs most frequently used, and their associations. A
physical exam was also employed to check cardiac frequency and arterial pressure, measure the
hips and waist, and establish weight and height. The rate of adherence was 75%, a value probably
overestimated. Monotherapy was the strategy most frequently used, and in this strategy, Captopril
was the most prescribed drug, 65%. On the other hand, the best pressure control was obtained
with the use of hidroclorotiazida.
Key words: Hypertension. Pharmacological treatment. Control of hypertension.

INTRODUÇÃO
O tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS), assim como o de todas as
doenças, visa à melhora dos sintomas e à diminuição dos eventos clínicos. Como a hipertensão
cursa de forma assintomática na grande parte das vezes, fica evidente, nessa situação, a
importância negativa dos efeitos adversos e dos custos das medicações para os pacientes.1 Assim, o
benefício do tratamento só pode ser aferido por redução da incidência de infarto do miocárdio,
acidente vascular cerebral e outros eventos cardiovasculares. A redução da pressão arterial é
certamente o principal mecanismo pelo qual se promove a prevenção da doença cardiovascular,
mas ensaios clínicos têm demonstrado que, nem todos os fármacos capazes de reduzir a pressão
têm efeito similar na redução de eventos primordiais. Portanto a redução da pressão arterial tem de
ser encarada como um desfecho dos objetivos terapêuticos.1 O tratamento adequado desta
condição pode permitir sobrevida prolongada, bem como melhorar sobremaneira a condição de
vida dos hipertensos, reduzindo a morbidade e a mortalidade pelas doenças cardiovasculares. O
objetivo do tratamento da HAS é manter os níveis da pressão sistólica abaixo de 140 mmHg e da
diastólica abaixo de 90 mmHg. O tratamento da hipertensão arterial compreende intervenções
não-farmacológicas e a terapia medicamentosa.2

v.31, n.1, p.90-101 91


jan./jun. 2007
Os princípios gerais que essa terapia sugere é que o medicamento deva ser eficaz
por via oral, bem tolerado e permita a administração do menor número possível de tomadas
diárias. Deve-se dar preferência àqueles com posologia de dose única diária, devendo ser iniciado
com as menores doses efetivas preconizadas para cada situação clínica, podendo ser aumentadas
gradativamente, pois quanto maior a dose, maiores serão as probabilidades de efeitos adversos.
Além disso, não pode ser obtido por meio de manipulação, pela inexistência de informações
adequadas de controle de qualidade, bioequivalência e/ou de interação química dos compostos. A
associação destas medicações é considerada para pacientes com hipertensão em estágios 2 e 3, que
não respondem à monoterapia.3
Existem muitos ensaios clínicos que comprovam redução das pressões arteriais com
diversas classes de drogas, entre elas os diuréticos tipo tiazídicos, os inibidores de conversão da
angiotensina (IECA), os antagonistas dos receptores de angiotensina (ARA), os beta bloqueadores
(BB) e os bloqueadores dos canais de cálcio.2 Os diuréticos tiazídicos são os fármacos de primeira
escolha no tratamento da HAS; possuem benefícios cardiovasculares comprovados e baixo custo.
Além disso, podem contribuir no tratamento de osteoporose. Os betabloqueadores são
particularmente indicados nos pacientes com insuficiência cardíaca, taquiarritmias, migrânea e
tremor essencial. Os antagonistas dos canais de cálcio reduziram a incidência de acidentes
vasculares cerebrais. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina mostraram eficácia
semelhante aos diuréticos e são capazes de reduzir a mortalidade cardiovascular, com vantagens
para diabéticos e nefropatas. Os antagonistas da angiotensina II são os que apresentam menores
efeitos adversos e podem ser usados com segurança para idosos. Diante de todas estas opções, o
tratamento deve ser individualizado para cada paciente, atentando-se para particularidades de cada
droga.4 Apesar de ser importante fator de risco para doenças cardiovasculares, o controle da HAS
ainda não é suficientemente estudado em nosso meio. Como parte de um estudo mais amplo
sobre fatores associados ao não controle da hipertensão arterial sistêmica e com o objetivo de
conhecer o tratamento utilizado pelas pessoas com hipertensão arterial acompanhadas em
Unidades Públicas de Saúde de São Luís-MA, foi realizado este estudo.

MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal do tipo analítico, realizado no período de julho a
dezembro de 2005. A população deste estudo é constituída por pacientes cadastrados, há no
mínimo seis meses, no Programa de Hipertensão, maiores de 18 anos e de ambos os sexos, com
diagnóstico prévio de hipertensão arterial sistêmica dado por um médico. O cálculo da amostra foi
realizado de acordo com a seguinte fórmula: considerando que n é o tamanho da amostra, p é a

92
Revista Baiana
taxa de prevalência máxima esperada, q = 100-p e E margem de erro esperado. Então, por esta
de Saúde Pública
fórmula, o tamanho da amostra seria de 369 pessoas no mínimo. Foram pesquisados 462
hipertensos.
Para a coleta de dados, foram observados os preceitos da Resolução 196/96 do
Ministério da Saúde. Foram utilizados como instrumentos de pesquisa um questionário,
esfigmomanômetro, balança antropométrica e fita métrica. Os dados foram colhidos por
estudantes de Medicina que participaram do Projeto desde a sua concepção. O questionário foi
elaborado pelos pesquisadores com base na literatura especializada e pré-testado em população
com características semelhantes às da amostra. O parecer consubstanciado foi concedido pelo
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário da Universidade Federal do
Maranhão, recebendo o número 33104-998-2005.

RESULTADOS
Participaram do estudo 462 indivíduos, distribuídos pelas Unidades de Saúde de São
Luís (MA), sendo 70,8% do sexo feminino. A média de idade para o total da amostra foi de 59 ±
12 anos, com uma proporção de 38,5% para pacientes com idade maior ou igual a 65 anos. A
média das pressões arteriais de todos os pacientes, incluindo mulheres e homens, foi de 148/90
mmHg. Constata-se que, na população estudada, 56 pacientes (12,1%) diziam ter hipertensão
diagnosticada entre 6 meses e 11 meses; 186 (40,3%) tinham seu diagnóstico entre 1 e 4 anos; 77
(16,7%) foram diagnosticados entre 5 e 9 anos e 143 (31%) já tinham o diagnóstico há mais de 10
Tabela 1
anos (Tabela 1).
Quanto ao estágio em que suas pressões se encontravam no momento da entrevista,
de acordo com o VII Joint National Committee, 103 hipertensos (22,3%) estavam com pressão
controlada, ou seja, < 140/90 mmHg; 152 (32,9%) estavam com a pressão arterial no estágio 1; e
Tabela 1).
207 pacientes (44,8%) estavam com a pressão no estágio 2 (Tabela 1 Dentre os pacientes com
pressão arterial controlada, 23% eram do sexo masculino e 76% do sexo feminino.
Quanto à pergunta “Você costuma tomar o remédio conforme foi prescrito?”, 335
pacientes (75%) afirmaram que tomavam a medicação conforme fora prescrito pelo médico e 111
pacientes (25%) diziam que não tomavam a medicação de acordo com o que havia sido prescrito
(Tabela 1 Apenas 16 pacientes (3,5%) não utilizavam qualquer anti-hipertensivo.
Tabela 1).
Quando a pergunta em questão era a participação em atividades educativas sobre
hipertensão arterial, como, por exemplo, palestras para a comunidade hipertensa em seus
respectivos postos de saúde, 255 pacientes (55,2%) afirmavam nunca ter participado de palestras
Tabela 1
ou discussões sobre hipertensão. Destes, 186 (73%) eram mulheres (Tabela 1).

v.31, n.1, p.90-101 93


jan./jun. 2007
Tabela 1. Tratamento realizado pelos hipertensos. São Luís (MA), 2005

Quando indagados se tomavam algum tipo de remédio caseiro para o controle da


pressão arterial, 272 hipertensos (58,9%) afirmavam tomar medicação caseira e destes, 203
pacientes (74,5%) faziam uso de chás de ervas diversas; 52 pacientes (19%) usavam alho sob a
forma crua, de chá ou de suco; e 17 pacientes (6,5%) utilizavam outras formas de medicação
caseira, como sucos e frutas frescas.
Dentre os pacientes que não tomavam a medicação conforme fora prescrito (total de
111 pacientes), 53 (47,7%) diziam esquecer de tomar a medicação durante o dia ou de acordo
com o horário prescrito; 35 pacientes (31,5%) mencionaram que era desnecessário o uso da
medicação; 11 pacientes (9,9%) referiam que a medicação fazia mal a seu organismo (efeitos
colaterais); 11 hipertensos (9,9%) diziam que faltava remédio no posto; e 4 pacientes (1%)
informaram que o remédio era caro. A Tabela 2 expõe as causas referidas pelos pacientes para o
não uso da medicação anti-hipertensiva conforme prescrito.
As medicações anti-hipertensivas dadas aos pacientes pelo Ministério da Saúde do
Brasil nos postos de saúde eram o captopril de 25 mg, um inibidor da enzima conversora de
angiotensina; o propranolol de 40mg, um betabloqueador não cardio-seletivo; e a
hidroclorotiazida de 25 mg, um diurético tiazídico. Para análise dos dados referentes às

94
Revista Baiana
medicações, utilizaram-se somente as drogas supracitadas. Em relação à quantidade de medicações
de Saúde Pública
anti-hipertensivas que os hipertensos relatavam usar, observa-se que 309 pacientes (66%) relatavam
usar apenas um medicamento (monoterapia) e, destes, 201 (65%) usavam o captopril como
medicação única; 38 pacientes (12,3%) relatavam uso somente da hidroclorotiazida; 34 (11%)
usavam propranolol; e 36 (11,7%) usavam outras medicações que não estavam disponíveis nos
postos de saúde. Em relação à associação medicamentosa, 137 (34%) pacientes usavam mais de
uma medicação anti-hipertensiva. A associação mais comum foi aquela que relacionava o
captopril com a hidroclorotiazida, perfazendo um total de 72 (52,5% dos que usavam as
associações) pacientes. Já a associação da hidroclorotiazida com o propranolol foi prescrita para 30
pacientes (29,1% dos que usavam associações).

Tabela 2. Causas do não uso da medicação anti-hipertensiva conforme prescrito. São Luís
(MA), 2005

Quando se relacionou o estágio de suas pressões arteriais com as medicações em


monoterapia, obteve-se que, dos pacientes que usavam o captopril, 41 (20,4%) estavam com a
pressão arterial controlada; 68 (33,8%) estavam com pressão em estágio 1; 92 pacientes (45,8%)
estavam com a pressão arterial no estágio 2. Dos pacientes que usavam a hidroclorotiazida como
medicação única, 11 pacientes (28,9%) estavam com pressão controlada; 18 (47,3%) estavam no
estágio 1; e 9 (23,8%) estavam no estágio 2. Com o uso do propranolol como monoterapia, 5
(14%) estavam controlados; 9 (26%) estavam no estágio 1; e 20 (60%) estavam no estágio 2, de
acordo com o VII Joint National Committee. Da correlação entre os níveis pressóricos com as
associações medicamentosas, observou-se que, daqueles que relatavam uso do captopril com a
hidroclorotiazida (total de 72 pacientes), 15 pacientes (21%) estavam com a PA controlada; 17
(23%) estavam com pressão arterial no estágio 1; e 40 pacientes (56%) estavam no estágio 2.
Entretanto, daqueles que relatavam uso da associação entre hidroclorotiazida e propranolol (total
de 30 pacientes), 11 (36%) estavam com pressão arterial controlada; 10 (33%) estavam no estágio
1; e 9 (31%) estavam no estágio 2 de hipertensão arterial. Nenhuma destas associações

v.31, n.1, p.90-101 95


jan./jun. 2007
medicamentosas esteve significantemente associada ao não controle da pressão arterial (p = 0,18).
A Tabela 3 associa os medicamentos utilizados pelos pacientes, com o estágio pressórico que se
encontravam no momento da entrevista.

Tabela 3. Estágios de hipertensão segundo drogas utilizadas. São Luís (MA), 2005

DISCUSSÃO
Kannel, em 1978, em um estudo mundialmente conhecido (Framingham Study),
concluiu que a pressão sistólica é o mais importante parâmetro para predizer o risco de eventos
cardiovasculares dentre os pacientes hipertensos, particularmente após os 60 anos de idade. Isto é
um dado valioso, visto que a média da pressão arterial dos indivíduos participantes do presente
estudo foi de 148/90 mmHg, demonstrando que a pressão sistólica está um pouco mais elevada
do que a diastólica, em relação à linha de base preconizada (< 140/90mmHg), o que poderia
predizer que os hipertensos avaliados têm chances de sofrer eventos cardiovasculares se não
tratados adequadamente.5 O controle da pressão arterial, abaixo de valores de 140/90mmHg,
como recomenda o VII JNC e os principais consensos nacionais, mostrou-se abaixo das
expectativas. Apenas 22,3% dos hipertensos analisados mostravam-se com níveis tensionais dentro
da normalidade.
Dados internacionais também mostram um pobre controle da hipertensão arterial,
como, por exemplo, o estudo 3 C (Three City Study) realizado na França, em 2006, que
demonstrou uma taxa de controle da pressão arterial de 38%, representando um número ainda
baixo, porém mais elevado do que muitos estudos em outros países. Esse pequeno incremento nas
taxas de controle foi atribuído à forma de organização do sistema de saúde francês, onde todos os
pacientes têm direito a ir ao especialista sem antes passar pelo generalista; além disso, parte do

96
Revista Baiana
dinheiro gasto em medicamentos é reembolsado pela assistência pública de saúde.6 Todavia alguns
de Saúde Pública
dados brasileiros mostram índices de controle maior que o encontrado no presente estudo. Fuchs7
encontrou 35,5% dos hipertensos controlados num estudo realizado no Rio Grande do Sul. Não
obstante às dificuldades de se comparar dados dessa natureza, entre os diversos trabalhos, a
dificuldade de se controlar a pressão arterial é nítida. Vários fatores podem contribuir para esse
pobre controle, incluindo desde a adesão do paciente ao tratamento proposto, até a eficácia do
próprio tratamento. Alguns estudos têm sugerido que as variações genéticas têm parcela
significativa de influência sobre a variabilidade na resposta a medicamentos; mais estudos na área
da farmacogenética poderão esclarecer essas dúvidas.8
O estudo HOT demonstra que, para pacientes com níveis tensionais médios de
161/98 mmHg, houve a necessidade de associações medicamentosas em 63% deles, a fim de
reduzir a pressão arterial para 144/85 mmHg. Ainda nesse estudo, para se controlar a pressão
sistólica para 140 mmHg, a porcentagem de pacientes em associação foi de 74%.9 Chama-se
atenção à quantidade de medicamentos prescritos à população estudada. A maioria dos pacientes
(66%) tomava apenas um medicamento; e 58% dos pacientes encontravam-se no estágio 2. Assim,
os dados obtidos sugerem que as associações medicamentosas têm sido pouco utilizadas, visto
que 58% dos pacientes encontravam-se com pressões > 160/90 mmHg.
De acordo com VII JNC, diuréticos do tipo tiazídico têm sido a base da terapia anti-
hipertensiva na maioria dos estudos clínicos. Nestes, os diuréticos melhoraram a eficácia do
regime de multidrogas, foram úteis no controle da pressão arterial e foram mais acessíveis
financeiramente que outros anti-hipertensivos, concluindo que os tiazídicos devem ser utilizados
como terapia inicial para a maior parte dos pacientes com hipertensão.2 Mion Jr., Pierin e
Guimarães10 realizaram inquérito com médicos brasileiros sobre caracterização das drogas
prescritas em ordem de preferência e obtiveram que as drogas mais utilizadas foram os diuréticos
(53%) e inibidor da ECA (24%). As associações de drogas mais freqüentemente utilizadas foram:
inibidor da ECA + diurético (46%); betabloqueador + diurético (34%); e droga de ação central +
diurético (17%), revelando que estes dados estão em acordo com as recomendações do VII JNC.
Diferentemente dos estudos supracitados, os dados desta pesquisa, entretanto,
apontam que a droga mais utilizada fora, disparadamente, o captopril, prescrito para 65% dos
pacientes, seguido da hidroclorotiazida (12,3%) e do propranolol (11%), mostrando que parte dos
médicos que atendiam nestas unidades de saúde poderiam estar desatualizados, não conhecendo
as tendências que são internacionalmente aceitas e não se preocupando com o custo da
medicação, visto que os tiazídicos são as drogas anti-hipertensivas mais baratas. Além disso, os
dados deste estudo mostram que, dos pacientes em monoterapia, os que apresentaram os menores

v.31, n.1, p.90-101 97


jan./jun. 2007
percentuais de hipertensos em estágio 2 foram aqueles que utilizavam o diurético como terapia
única, corroborando ainda mais a teoria de que os pacientes não estão sendo adequadamente
medicados pelos médicos das unidades de saúde.
Estudo multicêntrico brasileiro realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP mostrou que a associação de captopril + hidroclorotiazida ao longo de 4
semanas conseguiu reduzir os níveis pressóricos sistólicos de 156 mmHg para 134 mmHg, uma
diferença que foi estatisticamente significante; da mesma forma, a pressão diastólica passou de
103 mmHg para 86 mmHg, demonstrando que, independentemente do critério utilizado para
análise, esta associação medicamentosa apresenta boa eficácia e tolerabilidade.11 Entretanto, dentre
os pacientes que faziam uso desta associação na presente pesquisa, 52% estavam com hipertensão
no estágio 2 e apenas 21% estavam com a pressão controlada, mostrando que, talvez, os pacientes
não estejam tomando a medicação adequadamente, ou que a medicação não esteja produzindo
efeito satisfatório.
Luna et al.12, em 1998, realizaram estudo multicêntrico, associando um beta
bloqueador a um diurético, no caso, bisoprolol e hidroclorotiazida, respectivamente. Estes
pacientes foram acompanhados durante dois meses, com uma consulta ao final de cada mês.
Obteve como resultado que a queda tensional fora o achado mais importante, já a partir da 4ª
semana. As pressões iniciais eram de 157/98 mmHg e caíram para 137 e 87 mmHg,
respectivamente, confirmando que a associação entre este betabloqueador e o diurético tiazídico é
efetiva, bem tolerada e que pode ser usada como tratamento inicial para aqueles com pressões em
estágios moderados. Os resultados da presente pesquisa mostram que, com a associação do
propranolol, outro beta bloqueador, à hidroclorotiazida, apenas 36% dos pacientes estavam com
pressão em níveis controlados, com taxas percentuais de 33 e 31%, para aqueles no estágio I e II,
respectivamente, portanto sem significância estatística.
Reis, Figueiredo Neto e Silva13 realizaram estudo sobre adesão ao tratamento
farmacológico anti-hipertensivo em São Luís (MA), usando como medida o somatório do número
de comprimidos consumidos nos cinco dias anteriores à entrevista, e classificou como aderente o
usuário cujo percentual de consumo totalizou 80% ou mais do que fora prescrito, encontrando
taxa de adesão de 67,3%. As razões de interrupção do tratamento foram: falta de medicamento na
rede pública (46%); esquecimento (30%); dificuldade de cumprir horários (10,7%); efeitos
colaterais (9%); e o medo da dependência (3%). No presente estudo, a freqüência de adesão foi de
75%, número diferente da realidade dos outros trabalhos desenvolvidos. Isto se deve
principalmente à forma como a adesão foi medida, ou seja, pelo relatório do próprio paciente, o
que tende a superestimar o número de comprimidos tomados.14

98
Revista Baiana De acordo com Podell, citado por Peres, Magna e Viana15, em 2003, apenas um
de Saúde Pública
terço dos pacientes sempre tomava a medicação conforme foi prescrito; outro terço, às vezes; e um
terço raramente ou nunca. Tais dados podem ser atribuídos ao cansaço do paciente em viver na
condição de “doente”, situação que o uso da medicação de algum modo salienta. Ou seja, tomar
o remédio o faz lembrar de sua condição crônica de saúde, podendo gerar ansiedade, medo e
tristeza, levando-o a evitar esta situação.
De acordo com Laplantine16, o uso de práticas populares no cuidado com a saúde
significa a percepção da doença de um modo mais abrangente, promovendo a totalização homem-
natureza-cultura. As medicinas populares são capazes de oferecer uma resposta integral ao
paciente, levando em consideração não apenas os aspectos somáticos, mas psicológicos, sociais,
espirituais e existenciais. Para alguns médicos, a doença é acima de tudo um fenômeno físico;
entretanto sabe-se que a doença se expressa não só no corpo, mas o ultrapassa indiscutivelmente.
Peres, Magna e Viana15 apontam que o ato de recorrer às práticas populares pode
indicar uma resistência cultural e um apelo às formas terapêuticas que fazem mais sentido em
função da proximidade sociocultural, já que o conhecimento sobre ervas é difundido pela cultura
popular, pelas práticas populares e pelo aconselhamento de pessoas, curandeiros e religiosos.
Dentre as políticas públicas para o controle da doença hipertensiva, a educação em
saúde tem sido apontada como uma das formas de estímulo à adesão ao tratamento. Para que o
processo educativo seja eficaz, é necessário conhecer a atitude do indivíduo a respeito da doença
da qual é portador. É necessário ainda que o paciente participe integralmente de seu tratamento,
pois, na maioria das vezes, tem capacidade de compreender e colaborar, interagindo com os
profissionais de saúde na condução do processo saúde-doença. Muitas vezes, o costume sobre as
práticas de saúde, os valores, as percepções do paciente em relação à doença e ao tratamento são
diferentes daqueles pensados pelos profissionais de saúde, já que são dois grupos socioculturais,
lingüísticos e psicológicos distintos. Torna-se então necessário conhecer e considerar as práticas
populares de saúde, para maior efetividade do atendimento.15
Observou-se que o esquema terapêutico anti-hipertensivo mais citado foi o de
monoterapia, sendo a droga mais utilizada o captopril, seguido da hidroclorotiazida e do
propranolol. Considerando a terapia combinada, a hidroclorotiazida foi mais associada ao
captopril., seguido da hidroclorotiazida combinada ao propranolol. A taxa de adesão encontrada
foi de 75%, valor provavelmente superestimado devido ao método utilizado para esta aferição:
hidroclorotiazida, como terapia única, seguindo-se o captopril e o propranolol. Se forem
consideradas as associações, a pressão esteve melhor controlada com a hidroclorotiazida
combinada ao propranolol. A maioria das pessoas referiu consumo de medicação caseira como
forma de tratamento para hipertensão, associado às mediações farmacológicas.

v.31, n.1, p.90-101 99


jan./jun. 2007
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Recebido em 28.02.2007 e aprovado em 17.04.2007.

v.31, n.1, p.90-101 101


jan./jun. 2007
ARTIGO ORIGINAL

CASOS DE LEISHMANIOSES EM PACIENTES ATENDIDOS NOS CENTROS DE SAÚDE E


HOSPITAIS DE JACOBINA-BA NO PERÍODO DE 2000 A 2004

Maria L Vieiraa
Ronaldo R Jacobina b
Neci M Soaresc

Resumo
As leishmanioses são doenças registradas nos continentes asiático, europeu, africano
e nas Américas. Originalmente centrada no ambiente silvestre ou em pequenas localidades rurais,
passou a ser identificada em centros urbanos, em parte devido à migração do mosquito transmissor
(Phlebotominae). No Brasil, constitui-se um grave problema de saúde pública, ocorrendo na
maioria dos Estados da federação, principalmente no Nordeste, sendo o município de Jacobina um
dos principais focos da doença na Bahia. Com base nos dados da Secretaria Municipal da Saúde,
foi realizado um estudo dos casos das leishmanioses nos pacientes atendidos nos Centros de Saúde
e hospitais de Jacobina (BA), nos anos de 2000 a 2004. Foi encontrado o registro de 60 casos de
leishmaniose tegumentar americana, com maior predisposição para o sexo masculino na faixa
etária produtiva, e 45 casos de leishmaniose visceral americana, acometendo principalmente
crianças menores de cinco anos. Durante o estudo foi constatada a ocorrência de pacientes
atendidos em consultórios particulares, que ainda não tinham sido notificados ao Sistema de
Vigilância Epidemiológica.

Palavras-chave: Leishmaniose tegumentar americana. Leishmaniose visceral. Jacobina. Brasil.

CASES OF LEISHMANIASIS IN PATIENTS TREATED IN HEALTH CENTERS AND


HOSPITALS IN JACOBINA, BAHIA, BRAZIL, FROM 2000 TO 2004

Abstract
Leishmaniasis is a disease registered in the continents of Asia, Europe, Africa and
America. Originally found in tropical environments or in small rural areas, it has been increasingly

a
Laboratório Regional do Estado – 16ª DIRES, Jacobina (BA).
b
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA).
c
Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA).
Endereço para correspondência: Neci Matos Soares, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Farmácia, Rua Barão de
Geremoabo, s/n – Ondina. 40170-115 Salvador, Bahia, Brasil - E-mail: neci@ufba.br . Telefone: (71) 3237-2255.

102
Revista Baiana
found in urban centers, in part due to the migration of the transmitting sand fly (Phlebotominae).
de Saúde Pública
In Brazil, this disease constitutes a grave public health problem, occurring in most of the States of
the federation, especially in the Northeast. The city of Jacobina represents one of the main focal
points of the disease in Bahia. Based on the data from the Municipal Department of Health, a
study was conducted with the cases of leishmaniasis in patients treated in health centers and
hospitals in the city of Jacobina (BA) from 2000 to 2004. A record of 60 cases of American
leishmaniasis tegumentaria were found with a greater predisposition in males in their productive
age range, and 45 cases of American visceral leishmaniasis, mainly in children under five years of
age. During the study, the occurrence of patients treated in private clinics, which had not yet been
registered with the Epidemiologic Surveillance System, was verified.
Key words: American Leishmaniasis Tegumentaria. Visceral Leishmaniasis. Jacobina. Brazil.

INTRODUÇÃO
As leishmanioses, doenças causadas pelo gênero Leishmania, são transmitidas pela
picada do mosquito do gênero Lutzomyia e apresentam diferentes formas clínicas: desde uma
úlcera cutânea, em que o paciente pode curar-se espontaneamente, até a forma mais grave das
leishmanioses, a forma visceral, que pode levar o paciente à morte quando não tratado.1 As várias
formas da doença são registradas nos continentes asiático, europeu, africano e nas Américas.
Devido a sua freqüência e letalidade, principalmente em indivíduos não tratados, atualmente,
encontra-se entre as seis endemias consideradas prioritárias no mundo.1-3 O Brasil está entre os
cinco países com maior número de casos desta endemia, que representa um grave problema de
saúde pública, com destaque para a região Norte, Centro-Oeste e Nordeste.4 Nos últimos anos,
tem-se constatado o crescimento dessas parasitoses em áreas domiciliares e/ou peridomiciliares,
especialmente na região Nordeste, onde os determinantes sócio-econômicos — como condições
de habitação, a pobreza e a fome, o processo migratório e a falta de saneamento básico —
favorecem a expansão da doença.2,4,5
A doença, originariamente centrada no ambiente silvestre ou em pequenas
localidades rurais, passa a ser identificada em centros urbanos, devido à migração do mosquito
transmissor, em função do desmatamento e da expansão das áreas urbanas, e da presença dos
reservatórios, principalmente do cão doméstico.2,4,6 A interação do homem com o meio ambiente
é muitas vezes determinante na rede de causalidade múltipla dessa doença.
Em relação ao agente etiológico, são conhecidas em torno de vinte espécies de
Leishmania capazes de infectar o homem e causar quadros distintos da doença7, dependendo das
características de virulência da espécie, da resposta imune do hospedeiro, de fatores genéticos e da
associação com outras doenças.8-10 Na leishmaniose tegumentar americana (LTA), os pacientes

v.31, n.1, p.102-114 103


jan./jun. 2007
podem apresentar a forma cutânea, que é caracterizada por lesões localizadas na pele, que pode
curar-se espontaneamente ou evoluir para lesões crônicas, com cicatrizes desfigurantes. A
mucocutânea manifesta-se com lesões ulcerativas e destrutivas das mucosas e a cutânea difusa
caracteriza-se por lesões nodulares não ulcerativas e disseminadas.2,11 A leishmaniose visceral (LV)
é uma doença crônica e progressiva que afeta vários órgãos internos, principalmente o baço, o
fígado e a medula óssea.3,12 Os seus principais sintomas geralmente são febre, anemia,
hepatoesplenomegalia e progressiva perda de peso. Com a evolução, os pacientes podem
apresentar manifestações hemorrágicas, infecções secundárias da pele e das vias aéreas superiores.9
De acordo com os dados do Ministério da Saúde13, as leishmanioses se encontram
em franco processo de crescimento e estão distribuídas em quase todos os estados brasileiros. A
leishmaniose visceral é encontrada em quatro das cinco regiões, sendo o Nordeste a mais atingida,
com aproximadamente 70% dos casos. Em 25 anos de notificação (1980-2005), os casos de LV
somaram 60.969. Os estados do Nordeste com maior número de casos são a Bahia (com 32,5 %)
seguido pelo Maranhão (16,9%), Ceará (14,1%) e Piauí (14%). Nestes estados, o coeficiente de
incidência da doença tem atingido 20,4 casos /100.000 habitantes. Com relação à LTA, a análise
do mesmo período (1980-2005) registrou 610.256 casos em todo o território brasileiro, tendo a
Bahia 29,9% dos casos da região Nordeste. O coeficiente de detecção neste período oscilou entre
3,8 a 22,9 por 100.000 habitantes, com maior elevação nos anos de 1994/1995, com registros de
22,83 e 22,94 por 100.000 habitantes, respectivamente13. A partir de 2001 foram registrados casos
autóctones em todos os estados e, em 2002, houve uma expansão da doença para diversos
municípios, principalmente os das regiões Nordeste e Norte, com o maior número de casos
registrados no período (cerca de 40% e 36,2%, respectivamente)13. No estado da Bahia, as
leishmanioses são endêmicas em diversas localidades. Nas regiões sul e sudoeste do estado
predominam a LTA4, levando a Secretaria Estadual de Saúde a criar um centro de referência no
município de Jequié. A endemicidade da LV é mais predominante no nordeste do estado, sendo os
municípios de Cipó, Juazeiro e do Conde com maior registro de casos (Oliveira, Teixeira, Moura e
Silva, 2006, dados não publicados). No entanto, em algumas regiões como o extremo-norte da
Chapada Diamantina a incidência é bastante elevada14-16 e as estratégias de controle são pouco
efetivas4, voltadas principalmente para as ações curativas, o que acontece geralmente em uma fase
mais avançada da doença, pelas dificuldades de se realizar um diagnóstico precoce.4,17
A despeito da possibilidade de suspeita das leishmanioses, com base em sinais
clínicos, faz-se necessária a confirmação pelo encontro do parasito ou a análise dos parâmetros
laboratoriais para auxiliar no diagnóstico. No entanto, o diagnóstico laboratorial das leishmanioses
demanda infra-estrutura e pessoal treinado. Na LV, o método mais utilizado para o diagnóstico
parasitológico baseia-se na observação das formas amastigotas, pela histopatologia e/ou citologia,
utilizando esfregaços com aspirado de medula óssea. Na LTA, a pesquisa de parasitos é feita,

104
Revista Baiana principalmente, utilizando material das bordas das úlceras. Apesar de parecer simples, nem sempre
de Saúde Pública
é possível confirmar o diagnóstico pelo exame direto, necessitando muitas vezes de semeadura do
material em meio de cultivo e/ou inoculação em animais experimentais. Principalmente nos casos
de LTA, em que os parasitos se tornam bastantes escassos nas ulcerações, à medida que a doença
progride.18 Assim, a imuno-histoquímica tem sido um método utilizado para confirmar o
diagnóstico da forma tegumentar, com poucos parasitos nas lesões. Também a PCR (reação de
polimerase em cadeia) e os métodos de pesquisa de anticorpos anti-Leishmania, a resposta imune
celular específica, tanto in vivo como in vitro, podem confirmar e/ou auxiliar no diagnóstico das
várias formas da doença.2,3,18,19
Nos últimos dez anos, observou-se uma expansão geográfica das leishmanioses no
Brasil, além da elevação da densidade de casos por área, em algumas regiões, inclusive na Bahia.13
Provavelmente, as estratégicas de prevenção não têm sido suficientes para o controle desta
endemia, uma vez que as diferentes formas das leishmanioses e as constantes mudanças dos seus
padrões epidemiológicos dificultam as ações de controle.2,4 Este estudo teve como objetivo analisar
os casos das leishmanioses em pacientes atendidos nas unidades de saúde e hospitais da cidade de
Jacobina, no período de 2000 a 2004.

MATERIAL E MÉTODOS
Área e População
O estudo foi realizado na cidade de Jacobina, município brasileiro, com uma área
de 2.328,92 km2, localizada no semi-árido do oeste do estado da Bahia. A sua população está
estimada em 76.429 habitantes e tem como principal economia a agro-pecuária e a mineração
aurífera. A cidade é rodeada por serras, lagoas, grutas, rios, fontes, morros e fica a 330 km de
Salvador, localizada no extremo-norte da Chapada Diamantina, altitude de 463 metros, latitude
11º10’50 Sul e longitude 40º31’06" Oeste. Apresenta clima tropical, com escassez de chuva.

Fonte de Dados
Os dados foram obtidos dos registros dos prontuários de 105 pacientes com
leishmaniose, atendidos nas Unidades de Saúde de Jacobina, sede da 16ª Diretoria Regional de
Saúde, no período de 2000 a 2004. Destes pacientes, 94 foram atendidos nas Unidades do Sistema
Público (54 com LTA e 40 com LV) e 11 em consultórios ou em clínicas particulares (6 com LTA
e 5 com LV). Estes últimos foram identificados no Serviço de Assistência Farmacêutica do
município, no momento da retirada do medicamento e não constavam no Sistema de Informação
de Agravos de Notificação (SINAN). O endereço destes pacientes atendidos na Farmácia Básica
permitiu a realização da busca ativa e o encaminhamento, com a máxima brevidade, para uma

v.31, n.1, p.102-114 105


jan./jun. 2007
reavaliação clínica e realização de exames laboratoriais no Serviço Público. Após a confirmação do
diagnóstico, os casos foram notificados ao SINAN e foram analisados com base na
sintomatologia, na resposta ao tratamento e, numa parcela deles, na sorologia para leishmaniose.

Diagnóstico
Os pacientes com leishmaniose tegumentar (n=65) e leishmaniose visceral (n=45)
foram diagnosticados com base nos aspectos clínicos e respostas ao tratamento. Apenas 11 dos
pacientes com LTA e 10 com LV realizaram exames sorológicos para a pesquisa de anticorpos anti-
Leishmania , por meio da ELISA (Ensaio Imunoenzimático) e da RIFI (Reação de
Imonufluorescência Indireta). Em 5 pacientes com LVA foi realizada a punção de medula óssea.
As coletas de sangue e as punções foram realizadas no Hospital Regional Vicentina Goulart; os
soros foram enviados ao Laboratório Central do Estado (LACEN), para realização dos exames
sorológicos, e as lâminas com esfregaços corados pelo Giemesa, para pesquisa de Leishmania, para
o Laboratório de Parasitologia da Faculdade de Farmácia, UFBA.

RESULTADOS
Durante o período 2000 a 2004 foram diagnosticados 105 pacientes com
leishmaniose, 60 com LTA e 45 com LV, atendidos nas unidades de saúde de Jacobina (BA)
Tabela 1).
(Tabela 1 Os casos de LTA, na sua maioria, 96,7% (n=58), são de pacientes residentes em
Jacobina. Dos pacientes com LV, 82% (n=37) são residentes em Jacobina e os 12% (n=8) restantes
são de outros municípios vizinhos.

Tabela 1. Casos de leishmaniose tegumentar Americana (LTA) e de leishmaniose visceral


(LV) de pacientes atendidos nas unidades de saúde e hospitais de Jacobina – BA
de 2000 a 2004

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde – Jacobina – Ba.

106
Revista Baiana
Todos os casos apresentavam quadro clínico bastante sugestivo da doença. Na LTA,
de Saúde Pública
Tabela 2).
a maioria dos pacientes apresenta a forma cutânea com única ulceração (Tabela

Tabela 2. Formas clínicas das LTA e sinais e sintomas da LV de pacientes atendidos nas
unidades de saúde e hospitais de Jacobina – BA de 2000 a 2004

Fonte: Secretaria municipal de Saúde – Jacobina - BA

No diagnóstico laboratorial para pesquisa de anticorpos anti-Leishmania, dos 10


pacientes com LV, 6 tiveram resultados positivos tanto no ELISA quanto na RIFI. Dos 11 pacientes
com LTA 7 foram reagentes em ambos os testes. Os resultados da RIFI tiveram títulos iguais ou
superiores a 1:160. Dos 5 pacientes com LV que realizaram a pesquisa de Leishmania no aspirado
de medula, apenas em 3 foi confirmada a presença do parasito.
A Tabela 3 mostra que a maior concentração de casos de LTA ocorre nas faixas
etárias mais produtivas (dos 60 casos, 33 foram na faixa de 30 a 60 anos e 18 na faixa de 15 a 29,
que juntas perfazem 85% dos casos) e do sexo masculino (37 casos: 61,7%), enquanto a LVA
atinge principalmente crianças na faixa etária de 1 a 4 anos (19 dos 45 casos de LV, ou seja,
42,2%), porém não há relevância na distribuição da doença quanto ao sexo.
Com relação à distribuição dos casos por área geográfica foi evidenciada uma maior
concentração da LTA na zona urbana, com 39 dos 60 casos encontrados (65%) e uma
Tabela 4).
predominância da LV na zona rural, com 26 (57,78%) dos 45 detectados (Tabela
As áreas de maior prevalência da leishmaniose em Jacobina são os bairros do Leader
(15 casos de LTA e 5 de LV), Bananeira (8 casos de LTA e 6 de LV), Caixa D’água (7 casos de LTA

v.31, n.1, p.102-114 107


jan./jun. 2007
e 3 de LV) e Grotinha (5 casos de LTA e 4 de LV). São localizados em áreas de pé de serra, cujas
residências construídas ao longo das encostas e matas propiciam abrigo para o mosquito vetor
Figura 1).
(Figura

Tabela 3. Distribuição de casos de leishmaniose tegumentar americana (LTA) e de


leishmaniose visceral (LV) por faixa etária e sexo de pacientes atendidos nas
unidades de saúde e hospitais de Jacobina – BA de 2000 a 2004

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde – Jacobina – Ba.

Tabela 4. Distribuição de casos de leishmaniose tegumentar Americana (LTA) e de


leishmaniose visceral (LV) por área geográfica de pacientes atendidos nas unidades
de saúde e hospitais de Jacobina– BA de 2000 a 2004

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde 16ª DIRES

Os casos de leishmaniose identificados neste estudo, com base na busca ativa dos
pacientes atendidos no Serviço de Assistência Farmacêutica, representam 10,5 % do total. Vale

108
Revista Baiana
ressaltar que um deles era um caso de gestante adolescente, apresentando quadro clínico bastante
de Saúde Pública
característico de LV, morando em condições extremas de pobreza, com a presença de 14 cães no
domicílio (Vieira, Soares, Jacobina, 2007, dados não publicados).

Figura 1. Mapa da área urbana de Jacobina (BA) - 2004

Os pacientes com acompanhamento ambulatorial foram tratados com o antimonial


pentavalente (Sb+5), Glucantime, 20 mg/kg por via intramuscular, uma vez por dia, durante 20
dias. Os pacientes hospitalizados receberam esta mesma dose, por via venosa, conforme protocolo
do Ministério da Saúde.2.3 Na primeira etapa de avaliação, a maioria dos pacientes respondeu à
terapêutica, sem a presença de efeitos colaterais ao medicamento. Apenas três pacientes que

v.31, n.1, p.102-114 109


jan./jun. 2007
apresentaram prurido intenso, exantemas, descamação epitelial voltaram à unidade hospitalar,
onde foram reavaliados e medicados.
Dos 60 casos de LTA, 54 foram reavaliados e encerrados por cura clínica, 5
mudaram de domicílio e um foi a óbito por problemas cardiovasculares. Dos 45 pacientes de LV,
20 casos foram reavaliados e encerrados por cura clínica, 12 não foram localizados, 13 estavam
em acompanhamento médico, na época da realização do trabalho.

DISCUSSÃO
Os casos de leishmanioses no Brasil têm se destacado pelo crescimento e expansão
geográfica nos últimos anos. No entanto, o número de casos registrados provavelmente está aquém
da sua real incidência. Mesmo assim, os dados não apontam para uma redução da doença nos
últimos sete anos.2-4,13,15 O Estado da Bahia acompanha a tendência de crescimento do Brasil,
porém com um número de casos notificados muito mais elevados. Entre 1985 e 1988 foram
registrados 8.360 casos novos de LTA com maior concentração nos municípios da Região Sul e
Chapada Diamantina.20 Uma elevação progressiva dos números de casos da doença no Estado foi
sendo registrada até um pico máximo em 1994, com o coeficiente de detecção de 38,8/100 mil
habitantes, mantendo-se superior à média nacional nos últimos anos.20
A LV na Bahia apresenta o mesmo padrão cíclico dos demais estados. No entanto,
em 25 anos de notificação (1980-2005) é o estado com maior número de casos de LV (com
32,5%), seguido pelo Maranhão (16,9%), Ceará (14,1%) e Piauí (14%).13 Em 1996 foi registrado
coeficiente de detecção de 13,1 casos por 100.000 habitantes, sendo o risco de adoecer seis vezes
maior que o do país e duas vezes maior que o da Região Nordeste.20
A cidade de Jacobina, situada no oeste da Chapada de Diamantina, é um dos
principais focos da doença no estado, com registros de casos desde 1934.12 Vários estudos foram
realizados na região, envolvendo diversos aspectos da doença. Sherlock21 ressalta os aspectos
clínicos e epidemiológicos, destacando a importância do cão como principal reservatório.22 Badaró
e cols.15 demonstraram que a incidência de LV em crianças moradoras de alguns bairros da
periferia de Jacobina foi de 4,3/1.000, no período de 1980 a 1984. Dezenove anos depois, os
dados disponíveis neste trabalho confirmam a permanência das leishmanioses na Chapada
Diamantina, identificando 105 pacientes com leishmanioses (60 com LTA e 45 com LV),
Tabela 1
atendidos nas unidades de saúde de Jacobina (BA), durante o período 2000 a 2004 (Tabela 1). A
maioria dos pacientes com leishmaniose tegumentar americana e com leishmaniose visceral,
atendidos em Jacobina no período estudado, é residente do próprio município: 96,75% (n=58)
com LTA e 82,3% (n=37) com LV. O pequeno fluxo de pacientes com LTA (n=2) e com LV (n=8)

110
Revista Baiana
de outros municípios vizinhos pode ser explicado pela presença do Programas de Saúde da Família
de Saúde Pública
implantado no interior do Estado.
A maior concentração de casos de LTA na faixa etária mais produtiva (15-60) e no
sexo masculino está relacionada ao caráter ocupacional desta endo-epidemia, pois, com a
exploração do trabalhador rural, em particular nas fases de uso do trabalho intensivo para
desflorestamento, capina e colheita. Este processo tanto incentiva o ‘trabalho volante’ em áreas de
desmatamento, quanto empurra o trabalhador e a sua família para as periferias das cidades de
maior porte da região, como é o caso de Jacobina. Como se pode observar pelos dados obtidos do
período estudado, a maioria dos casos de LTA está concentrada na região urbana, confirmando a
tendência da urbanização da doença, que provavelmente vem ocorrendo pela migração do
mosquito transmissor em processos de urbanização não programada.23,24 O processo de expulsão
dos trabalhadores rurais, referido acima, leva os migrantes a se concentrarem nas áreas de pé-de-
serra, que são desvalorizadas, construindo residências precárias nas encostas e junto à mata,
possibilitando uma maior interação do homem com o cão doméstico e com o mosquito
transmissor.4 Este fato pode ser observado neste trabalho, pela maior concentração de LTA em
alguns bairros de Jacobina, tradicionalmente com características favoráveis a expansão da LV.
Figura 1
(Figura 1).
A LV era considerada uma zoonose rural e peri-urbana, com poucos casos
encontrados na zona urbana, mas nas duas últimas décadas vem atingindo as áreas urbanas.4 Esta
expansão poderia ser explicada pelos mesmos fatores que levaram à urbanização da LTA,
discutidos no parágrafo anterior. A despeito desta tendência, com 42,22% dos casos na zona
urbana, ainda existe uma predominância dos pacientes com LV, atendidos em Jacobina, na zona
rural (57,78% dos casos).
A falta de acompanhamento clínico e laboratorial dos pacientes eleva o número de
casos não conclusivos, influenciando na subnotificação. Pacientes que são atendidos em clínicas
ou consultórios particulares muitas vezes não são notificados no SINAN, tornando vulnerável o
sistema de informação epidemiológica. Neste trabalho, a busca ativa dos pacientes atendidos na
Farmácia Básica do Município permitiu notificar 11 casos de leishmanioses, o que representa
10,5% do total dos pacientes estudados, confirmando a importância da implementação das ações
mais efetivas de vigilância à saúde.
Apesar de vários trabalhos sobre leishmaniose terem sido desenvolvido em Jacobina,
não é possível avaliar se houve uma queda do número de casos da doença, devido aos diferentes
tipos de estratégias desenvolvidas. Badaró e cols.15 avaliaram a incidência da LV em crianças, por
áreas geográficas, enquanto no presente estudo foi possível avaliar o número de casos do

v.31, n.1, p.102-114 111


jan./jun. 2007
município de Jacobina e atendidos em Jacobina no período de 2000 a 2004. Assim, o registro de
37 casos de LV no município nos últimos quatro anos representa uma média de 9,25 casos.
Mesmo que, em 2003, não tivesse sido registrado nenhum caso de LV, o município de Jacobina
está incluído na classificação de transmissão intensa, representada por número de casos maior ou
igual a 4,4.3
Segundo dados de 2005 da 16ª Diretoria Regional de Saúde, Jacobina (BA), em
1997, foram registrados 5 casos de LV. Destes apenas um foi confirmado e os demais ignorados;
em 1998, foram registrados 9 casos suspeitos de LTA, com apenas uma confirmação, ficando
evidente, mais uma vez, a falta de registro e acompanhamento dos casos, além da descontinuidade
dos trabalhos desenvolvidos.
A 16ª Diretoria Regional de Saúde, com sede em Jacobina, registrou 127 casos de
LV no período de 2000 a 2004, representando 2,4% dos casos na Bahia (Oliveira, Teixeira, Moura
e Silva, 2006, dados não publicados); assim, os 45 casos atendidos em Jacobina representam
35,4% e os de Jacobina 29,1% dos casos.
Dos pacientes incluídos no estudo, 32 eram menores de 10 anos (71,1%), sendo 21
casos (46,7%) em menores de 5 anos, confirmando dados da literatura2,4,15, embora com valores
um pouco mais elevados que os do país (a faixa etária mais predisposta a desenvolver a LV no
Brasil, a dos menores de 10 anos, respondem por 54,4%, sendo 41% dos casos registrados em
menores de 5 anos2,4). A explicação dada para esta maior susceptibilidade das crianças tem sido o
estado de relativa imaturidade célula imunológica deste grupo etário.9 Outro fator relevante, que
potencializa o anterior, é a desnutrição infantil, em geral grave nesta região, além de maior
exposição das crianças ao vetor no peri-domicílio.
Dos 105 pacientes diagnosticados clinicamente com leishmaniose, apenas 21
realizaram exames sorológicos, para pesquisa de anticorpos (ELISA e RIFI) e apenas em 5 dos
pacientes com leishmaniose visceral foi realizada a punção de medula óssea, para a pesquisa do
parasito. Esses dados permitem constatar a falta de suporte laboratorial, o que levou a maioria dos
casos a serem encerrados apenas com o acompanhamento clínico baseado na resposta ao
tratamento. Além do mais, outros fatores, como condições de moradia, presença de cães
domésticos, mudanças ambientais, condições climáticas favoráveis ao inseto transmissor refletem
a permanência da doença.
A escassez de investimentos em saúde pública no Brasil, principalmente nas ações
preventivas, agravadas pela sua localização geográfica de país tropical, com clima favorável ao
desenvolvimento de diversas endemias, faz com que as leishmanioses continuem sendo grave
problema de saúde pública. Em Jacobina, medidas de reestruturação da rede para estabelecer um

112
Revista Baiana
fluxo de informações eficiente, de apoio diagnóstico, além do avanço na construção da rede
de Saúde Pública
integrada de saúde, terão que ser priorizadas com a máxima urgência, para o controle desta
endemia.

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Recebido em 14.02.2007 e aprovado em 25.04.2007.

114
Revista Baiana ARTIGO ORIGINAL
de Saúde Pública

A DOR E A DELÍCIA DE APRENDER COM O SUS: INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO


NA PERCEPÇÃO DOS INTERNOS EM MEDICINA SOCIAL

Lorene Louise Silva Pintoa


Vera Lúcia Almeida Formiglib
Rita de Cássia Franco Rêgoc

Resumo
O Internato em Medicina Social da Faculdade de Medicina (FAMEB/UFBA)
desenvolve as suas práticas em unidades de Programa Saúde da Família (PSF), mediante convênios
com prefeituras municipais. Este estudo objetiva analisar esta experiência de articulação ensino/
serviços, na percepção dos estudantes. Trata-se de estudo exploratório, utilizando como fonte de
dados os relatórios dos alunos. Dados referentes às três primeiras turmas apontaram que houve boa
receptividade e bom entrosamento do interno com as respectivas equipes do PSF. A experiência
multiprofissional foi um dos destaques. Atividades de acompanhamento de mulheres, hipertensos
e diabéticos, das atividades do médico em geral, visitas domiciliares, educação em saúde e
imunização estiveram entre as mais freqüentemente realizadas. Parte dos alunos referiu a
necessidade de maior clareza do papel do interno e dos objetivos do internato para todos os
envolvidos, bem como problemas em relação ao apoio material e de supervisão, questões que
foram contempladas em turmas subseqüentes. Críticas pertinentes em relação ao funcionamento
de algumas equipes do PSF foram encaminhadas às Secretarias Municipais de Saúde (SMS). As
autoras concluem que o desafio de ensinar num sistema de atenção à saúde em construção, com
as suas distorções e imperfeições, tem sido enfrentado com sucesso, utilizando instrumentos
adequados de articulação e acompanhamento.

Palavras-chave: Educação médica. Integração docente-assistencial. Internato. Residência.

a
Médica, Mestre em Saúde Comunitária/UFBA. Doutoranda em Medicina e Saúde/UFBA. Profa. Assistente do Departamento
de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFBA. lorene@ufba.br
b
Médica, Mestre em Saúde Comunitária/UFBA. Profa. Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de
Medicina da UFBA. formigli@ufba.br
c
Médica, Doutora em Saúde Pública. Profa. Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da
UFBA. ritarego@ufba.br
Endereço para correspondência: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
da Bahia. Avenida Reitor Miguel Calmon, sn, Vale do Canela. Salvador. Bahia. CEP 40420-060.

v.31, n.1, p.115-133 115


jan./jun. 2007
DELIGHT AND PAIN IN LEARNING WITH SUS: SOCIAL MEDICINE TRAINEES’
PERCEPTION ON THE INTEGRATION OF IN-SERVICE TRAINING AND TEACHING

Abstract
Social medicine in-service training at FAMEB/UFBA provides for its medical practice
in PSF unities, by means of formal agreements with municipal government. The objective of this
study is to analyze this experience of teaching/in-service training through students’ perceptions, by
means of an exploratory study using students’ reports as database. Results of the first three class
groups pointed out good receptivity and interaction between trainees and PSF staff.
Multiprofessional experience was one of the outstanding points. The most frequently conducted
services were woman, hypertension and diabetes care, general clinic activities, home care, health
education and immunization. Part of the students interviewed referred the need for more
straightforward information on the role of trainees and the objectives of internship, as well as
reported problems concerning material support and supervision, all of which were questions cited
by subsequent classes. Pertinent criticism with reference to some PSF staffs’ operation was reported
to the SMS. The authors conclude that the challenge of teaching within a developing healthcare
system setting, in spite of its distortions and inadequacies, has been successfully faced, with the
help of appropriate articulation and follow-up instruments.
Key words: Medical Education. Teaching-Healthcare Training Integration. Internship and Residency
Programs.

INTRODUÇÃO
A discussão sobre a articulação ensino-serviços de saúde no processo de formação
do médico é antiga, tendo sido objeto de muitas propostas, experimentações, sucessos, insucessos,
avanços e retrocessos ao longo das últimas décadas no Brasil. No momento atual, a necessidade de
inserção e vivência dos alunos na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo
enfatizada como uma das principais estratégias para a formação de um profissional médico mais
adequado às necessidades de saúde do país, independentemente das diferentes conformações
curriculares das escolas médicas do Brasil.
Campos1, estudando 14 faculdades públicas de medicina do Brasil, em 1995,
encontrou que 86% dos estágios práticos, incluindo a fase do internato, ocorriam em serviços
pertencentes aos hospitais universitários. O autor discute a inadequação desses hospitais para o
ensino da graduação de médicos com capacidade e responsabilidade clínica integral e propõe o
deslocamento dos espaços de ensino para centros de saúde, hospitais-dia, domicílios,
comunidade, escolas, entre outros, o que implicaria na articulação das escolas com o SUS.
Rodriguez Neto2 também chama a atenção para a falta de organicidade que existe entre a escola

116
Revista Baiana
médica e o projeto da reforma sanitária e do SUS, apontando, entre outras estratégias para maior
de Saúde Pública
inserção da universidade no processo de construção do SUS, a necessidade de ampliação dos
campos de aprendizagem dos futuros médicos para o conjunto dos serviços de saúde.
As novas diretrizes curriculares nacionais do Ministério da Educação para o Curso de
Graduação em Medicina, aprovadas em outubro de 2001, também sinalizam essa necessidade.
Elas estabelecem que a estrutura do Curso de Graduação em Medicina deve

[...] ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de


saúde dos indivíduos e das populações referidas pelo usuário e
identificadas pelo setor saúde e [...] vincular, por meio da integração
ensino-serviço, a formação médico-acadêmica às necessidades sociais
de saúde, com ênfase no SUS.3:38

As diretrizes definem também como uma das competências do futuro profissional


médico “[...] atuar nos diferentes níveis de atendimento à saúde, com ênfase nos atendimentos
primário e secundário”3:38 e instituem o estágio curricular obrigatório, em regime de internato, na
área da Saúde Coletiva, além das áreas pré-existentes — Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia-
Obstetrícia e Pediatria.3
Algumas iniciativas institucionais foram desenvolvidas nos últimos anos com
objetivos de estimular e apoiar o processo de articulação do ensino com os serviços de saúde e
promover mudanças nos cursos de graduação da área de saúde. Uma das primeiras iniciativas, o
Projeto UNI e depois REDE UNIDA, promovia articulação entre instituições e pessoas interessadas
em mudanças na formação e no desenvolvimento dos profissionais de saúde, discutindo e
divulgando experiências de articulação ensino-serviços-comunidade.4
O Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina
(PROMED) está ainda em execução em algumas escolas médicas no Brasil. Os Ministérios da Saúde
e da Educação apóiam as instituições comprometidas e com propostas efetivas de adequação da
formação profissional às necessidades do SUS, enfatizando o fortalecimento da atenção básica à
saúde.5 A partir de 2004, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da
Educação na Saúde (SGTES), instituiu a estratégia dos Pólos de Educação Permanente em Saúde como
instâncias colegiadas de integração de instituições gestoras, formadoras e usuários do SUS, tendo
como linha prioritária as mudanças na formação dos profissionais já inseridos nos serviços e também
os que ainda estão nos cursos de graduação, além da integração ensino-serviços.6 A possibilidade de
explicitar a responsabilidade do SUS na formação dos profissionais de saúde se complementa com a
estratégia do Aprender-SUS, que se propôs a apoiar iniciativas de aproximação dos cursos de saúde

v.31, n.1, p.115-133 117


jan./jun. 2007
da rede de serviços do SUS, tendo a integralidade da atenção à saúde como eixo de mudanças na
formação da graduação.7 Em 2005 estes ministérios lançaram o Programa de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), visando incentivar e apoiar financeiramente
transformações na formação, geração de conhecimentos e prestação de serviços à comunidade, para
abordagem integral do processo saúde-doença.8
O Programa Saúde da Família (PSF), que vem sendo implantado progressivamente
nos municípios brasileiros desde 1994, é considerado pelo Ministério da Saúde como uma
estratégia de reorientação da atenção básica no país. Pressupõe a responsabilidade de atenção
integral sobre uma população e território definidos, por meio de uma atuação inter e
multidisciplinar.9 O Programa constitui-se num espaço adequado para exercitar a formação de
profissionais de saúde com enfoque de atenção integral — promoção, prevenção e recuperação —,
que ultrapassa o nível de atenção hospitalar e incorpora a intervenção sobre fatores de risco e
determinantes do processo saúde/doença.
O curso da Faculdade de Medicina (FAMEB) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA) iniciou o programa de Internato em Medicina Social sob a forma de estágio curricular
obrigatório na área de Saúde Coletiva em 2002, sob a coordenação do Departamento de Medicina
Preventiva (DMP).10
O objetivo geral para o ensino da saúde coletiva no curso médico foi definido em
Oficina de Trabalho realizada pelo DMP, em 2002, como o de “[...] habilitar o futuro médico a
pensar e incorporar à sua prática a prevenção de doenças e promoção da saúde da população,
tendo com referência a redução da exclusão social”.11:1-2 Nessa perspectiva, o Internato em
Medicina Social foi concebido como o espaço de resgate dos conteúdos das disciplinas da área da
Saúde Coletiva, cursadas anteriormente e de aplicação dos conhecimentos em trabalho de campo,
especialmente constituído por práticas de atenção básica à saúde, envolvendo promoção,
prevenção e recuperação da saúde, com ênfase nos dois primeiros níveis.11
O programa de estágio curricular obrigatório na área de Saúde Coletiva é
desenvolvido por alunos do 5º ano do curso de medicina, que após o oitavo semestre realizam
treinamento em serviços, sob a forma de rodízio, nas áreas de clínica médica, cirurgia,
ginecologia, obstetrícia, pediatria e medicina social.
O Internato em Medicina Social desenvolve-se de modo inteiramente articulado
com os serviços. As atividades são realizadas em sistemas municipais de saúde, mediante
convênios entre a FAMEB/UFBA e prefeituras, as quais assumiram os custos de transporte,
alimentação e hospedagem para os alunos. No período inicial, tinha duração de seis semanas,
sendo uma preparatória e cinco em campo, atuando junto às equipes do Programa de Saúde da

118
Revista Baiana
Família dos municípios. Atualmente, o estágio tem duração de dez semanas, sendo um período
de Saúde Pública
preparatório de uma semana e nove semanas em campo.
Os principais objetivos estabelecidos para o programa são compreender os
determinantes sociais do processo saúde-doença e da organização dos serviços de saúde e realizar
práticas de promoção, prevenção e de proteção da saúde, de modo interdisciplinar e
multiprofissional, com ênfase na atenção básica.
O programa estabelece as seguintes atividades a serem desenvolvidas pelo interno:
imunização em situação de rotina e campanha; investigação epidemiológica; identificação de
situações e/ou fatores de risco para a saúde da população; práticas de educação em saúde em
comunidade e/ou unidade de saúde; ações básicas voltadas a pacientes portadores de doenças
crônicas; busca de faltosos de programas e visitas domiciliares; acompanhamento de gestantes,
crianças e idosos; participação em atividades de atualização e/ou treinamento das equipes de PSF;
atividades coletivas de promoção à saúde bucal; participação em reuniões de conselhos locais/
municipais de saúde; encaminhamentos e orientações na rede de serviços, identificando as
relações entre os níveis de atenção à saúde e as suas competências.
O internato já se desenvolveu em cinco municípios do interior e da região
metropolitana do estado da Bahia, que demonstraram interesse pelo programa — Vitória da
Conquista, Alagoinhas, Catu, Lauro de Freitas e Camaçari. As turmas são divididas entre os
municípios por escolha voluntária dos alunos ou por sorteio, correspondendo a uma média de 8
alunos por município, simultaneamente, em cada uma das turmas.
Os alunos são supervisionados pelas equipes do PSF, por um membro da equipe
técnica de cada secretaria municipal de saúde, que também possui contrato temporário de
professor do Departamento de Medicina Preventiva, sob coordenação geral de docente do DMP.
No retorno das atividades de campo é realizado um seminário de socialização e discussão das
diferentes experiências. A avaliação final é feita com participação da equipe local e consta de
relatório individual, avaliação teórico-prática, observação da freqüência e compromisso do interno
com o desenvolvimento das atividades.
Após três anos de evolução do programa, torna-se necessário conhecer, na
perspectiva dos estudantes que vivenciaram a experiência, quais os resultados obtidos até agora, no
que diz respeito ao processo de articulação do ensino com os serviços, identificando os seus
elementos propulsores e obstacularizadores. Espera-se que os resultados possam contribuir para o
aperfeiçoamento do programa do internato, para o processo mais geral de transformação curricular
atualmente em curso na FAMEB, assim como para a promoção de melhorias nos serviços de saúde.

v.31, n.1, p.115-133 119


jan./jun. 2007
OBJETIVO
Analisar a experiência de articulação ensino/serviços de saúde do SUS no programa
de Estágio Curricular Obrigatório — Internato em Medicina Social — da FAMEB/UFBA, na
percepção dos estudantes.

METODOLOGIA
Foi realizado um estudo exploratório com uma amostra das três primeiras turmas de
estudantes que realizaram Internato em Medicina Social no período de 2002-2004. Essas turmas
correspondiam a 250 alunos matriculados no curso médico nos semestres 98.1, 98.2 e 99.1,
distribuídos em 12 grupos nos 5 municípios, ao longo do período.
Foram utilizados como fonte de dados os relatórios circunstanciados dos alunos,
instrumentos obrigatórios integrantes do processo de avaliação do estágio. Existe um roteiro prévio
para elaboração desse relatório, que tem se constituído num produto rico de informações, do
ponto de vista descritivo e analítico.
Houve uma perda por extravio de 64 relatórios, passando o universo a um total de
186 internos. Destes, foram sorteados 50% dos alunos de cada turma, o que resultou numa
amostra de 93 relatórios, preservando-se a representatividade de cada um dos municípios-sede dos
estágios.
Foram selecionados os seguintes aspectos da percepção do interno como variáveis a
serem investigadas:

1. atividades desenvolvidas;
2. receptividade da equipe do PSF à presença do interno;
3. entrosamento do interno com a equipe do PSF;
4. entrosamento entre os membros da equipe;
5. supervisão pelo docente local;
6. suporte logístico (transporte, alimentação, hospedagem);
7. aprendizado relacionado a: a) experiência multiprofissional e
interdisciplinar — trabalho com médico, enfermeiro, odontólogo,
auxiliar de enfermagem, agente comunitário de saúde; ao SUS, à
percepção sobre um novo modelo de atenção, à atenção básica e ao PSF;
à realidade de saúde local e aos determinantes sociais do processo saúde/
doença; b) ao crescimento pessoal e à importância do estágio para a
formação médica;

120
Revista Baiana
8. críticas e dificuldades;
de Saúde Pública
9. sugestões.

O processo de análise dos dados buscou aproximação com a técnica de Análise de


Conteúdo, tal como definida por Bardin, ou seja:

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,


por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo
das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis indefinidas) destas mensagens. 12:42

Buscava-se, então, maior objetividade na interpretação do material coletado,


considerando-se inclusive o envolvimento docente das autoras com o programa do internato.
Utilizou-se basicamente a técnica da análise temática, que consiste em “[...]
descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência
signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”.13:209 Procedeu-se às etapas de
classificação e agregação dos conteúdos dos relatórios referentes às variáveis selecionadas,
registrando-se a regularidade de aparecimento, intensidade e coerência interna das colocações dos
alunos em relação a cada um dos temas considerados.
Não houve preocupação em quantificar ou fazer inferência estatística dos achados,
embora em alguns momentos tenha sido importante registrar o surgimento de determinado aspecto
com maior ou menor freqüência. Do mesmo modo, certos pontos de vista citados uma única vez
foram considerados, pela força e relevância que apresentavam em relação ao objetivo do trabalho.

RESULTADOS
As práticas realizadas com maior freqüência pelos alunos das três turmas foram, em
ordem decrescente de citação: atendimento/acompanhamento de mulheres; acompanhamento dos
atendimentos do médico; visitas domiciliares, acompanhando médico, enfermeira, mas,
principalmente, agentes comunitários de saúde; práticas de educação em saúde (palestras, reuniões
em grupos); imunização; atendimento/acompanhamento de hipertensos e diabéticos e de crianças;
acompanhamento de consultas de enfermagem; visitas a serviços especializados; atividades de
promoção de saúde bucal; participação em reuniões de conselhos locais/municipais e/ou
conferências de saúde; reuniões com a equipe; acompanhamento das atividades do auxiliar de
enfermagem; atendimento/acompanhamento de idosos.

v.31, n.1, p.115-133 121


jan./jun. 2007
A receptividade da equipe do PSF e o entrosamento do interno com a mesma foram,
de modo geral, referidos como bons, com raríssimas exceções. No município de Camaçari, o
desconhecimento do papel do interno foi citado pelos estudantes como dificultador do seu
entrosamento com a equipe. O entrosamento entre os membros da equipe foi também, em geral,
bem avaliado pelos internos, com apenas uma exceção citada. Do mesmo modo, a relação da
equipe com a comunidade foi percebida como boa, na maioria das vezes. A exemplo da citação
no relatório de um interno: “[...] é muito bom ver o médico reconhecendo e conhecendo seus
pacientes.” (Catu, turma 98.1).
A supervisão pelo docente local foi avaliada diferentemente, segundo cada
município. Em Vitória da Conquista foi bem avaliada por todas as turmas; foram referidos
problemas nos municípios de Catu e Alagoinhas. Os municípios de Camaçari e Lauro de Freitas
não contavam com docentes do Departamento de Medicina Preventiva no local no período
analisado.
O apoio de transporte, alimentação e hospedagem foi bem avaliado pelos internos
que realizaram o internato em Vitória da Conquista. Houve referências negativas à alimentação
nos demais municípios e a problemas de transporte para deslocamento ao local do estágio e dentro
do município em Catu, Camaçari e Lauro de Freitas. Em uma das turmas de Alagoinhas houve
queixas dos internos quanto à qualidade do alojamento.
Quanto aos principais aprendizados referidos pelos alunos, destacou-se a
oportunidade de vivenciar uma experiência multiprofissional e interdisciplinar, trabalhando com
todos os membros da equipe do PSF, como destacou outro relatório: “[...] salutar o convívio com
outros profissionais onde há democratização do conhecimento e das condutas, visando à saúde da
população” (Catu, turma 99.1). Alguns questionamentos foram levantados sobre a “superposição”
de papéis entre médico e enfermeiro, sendo citadas como exemplos as atividades do programa de
Atenção Integral às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI). A maioria dos alunos destacou o
trabalho dos agentes comunitários, considerados “a mola mestra” do sistema, a “peça-chave” no
sucesso do programa.
O aprendizado em relação ao SUS e à percepção de um novo modelo de atenção
também foi evidenciado no material analisado. Os relatórios de parte dos alunos denotam a
percepção da importância de vivenciar os diferentes estágios do processo de implantação de um
novo sistema de saúde em cada município, ressaltando, inclusive, que em alguns locais a
comunidade já está percebendo o sentido das mudanças; “Aprendi a olhar o SUS com outros
olhos” (Catu, turma 98.1). Os alunos também perceberam a construção de um novo modelo
assistencial em contraposição ao modelo curativo, individual e hospitalocêntrico com o qual

122
Revista Baiana
estavam habituados, ao reconhecerem a presença de práticas integradas de prevenção, promoção e
de Saúde Pública
recuperação da saúde, e a ênfase na atenção básica como eixo desse novo modelo.
A atenção básica e o PSF foram considerados pelos alunos, em geral, como
estratégias adequadas e resolutivas para o atendimento da população. Os aspectos mais
destacados, especialmente nos municípios onde o PSF já está implantado há mais tempo, foram o
reconhecimento de que o programa pode ser capaz de modificar positivamente as condições de
vida da população; a presença de equipes comprometidas e responsáveis, com conhecimento
epidemiológico das respectivas áreas de abrangência e do paciente no seu contexto social; a
possibilidade de acolher bem as pessoas e poder organizar a demanda e a oferta; a disponibilidade
de tempo para o atendimento; o estabelecimento de vínculos com a população atendida; a
ampliação do acesso à atenção básica e a possibilidade de obter atendimento nos demais níveis do
sistema de saúde; e a realização de ações de educação e promoção de saúde.
Foram também destacados como aspectos problemáticos do PSF: questões
funcionais (vínculos diferenciados, outros empregos), salariais, insuficiência ou inadequação da
formação dos membros das equipes, levando à rotatividade e comprometendo o vínculo com a
população; sobrecarga de trabalho da enfermeira; inadequação do espaço físico, insuficiência de
equipamentos, insumos básicos e medicamentos, comprometendo a resolutividade do
atendimento; baixo nível socioeconômico da população, falta de saneamento, habitação,
educação, e ausência de ações intersetoriais que interfiram nos fatores de risco; alta demanda e
baixa cobertura do programa; enfoque no atendimento da demanda espontânea em algumas
equipes, com pouco investimento em educação e vigilância em saúde; poucas reuniões da equipe
do PSF, para discutir a organização do trabalho, fazer ajustes e pactuação; população com visão
ainda centrada no médico e na medicina curativa; insuficiência de oferta de serviços
especializados e problemas no sistema de referência e contra-referência de pacientes,
comprometendo o acesso dos pacientes que deles necessitam; falta de supervisão às equipes do
PSF, entre outros menos citados.
Os alunos fizeram sugestões pertinentes, que foram encaminhadas às secretarias
municipais de saúde por meio dos respectivos preceptores. Estes, que são também membros das
gestões municipais, participavam ainda dos seminários ao final do estágio de cada turma, quando
as sugestões eram apresentadas e discutidas. Em alguns municípios foi possível a discussão
diretamente com as equipes do PSF e das secretarias municipais de saúde.
Muitos alunos conseguiram, com a vivência do internato, compreender a
interferência do baixo nível social, econômico e educacional da população sobre o processo saúde/
doença e sobre a efetividade das ações de saúde: “Estive face a face com a miséria e as carências

v.31, n.1, p.115-133 123


jan./jun. 2007
de uma parte da população e percebi como a realidade enfrentada é dolorosa e como o simples,
considerado muitas vezes dispensável, faz a diferença.” (Relatório de interno de V. Conquista,
turma 98.2); “Está mais evidente para mim que fatores como educação, cultura, saneamento
básico e condições de moradia, que não são diretamente ligados a profissionais de saúde,
influenciam na qualidade de vida das pessoas” (Relatório de interno de Alagoinhas, turma 98.2);
“Apesar de ter nascido e vivido em Alagoinhas por muito tempo, saber e ter presenciado por várias
vezes a pobreza da população, faltava este contato mais próximo, íntimo com eles. A visão tão
próxima da miséria humana me chocou. Porém foi bom observar como as nossas intervenções, por
menores que sejam, podem ajudar e modificar a vida dessas pessoas.” (Relatório de interno de
Alagoinhas, turma 98.2).
Em relação ao crescimento pessoal e à importância do estágio para a formação
médica, vale a pena reproduzir algumas citações de alunos que referiram a vivência dos problemas
sanitários como passo importante para a formação humanizada e integral do médico e fizeram
críticas ao modelo atual de formação médica: “Trouxe experiências até então desconhecidas,
aprendizados para nossas vidas” (Relatório de interno de Catu, turma 98.2); “Me senti como
poucas vezes no curso, muito útil à comunidade” (Relatório de interno de Catu, turma 98.2); “A
resistência inicial com este internato mudou completamente.” (Relatório de interno de Catu,
truma 98.2); “Experiência acadêmica e humana sem precedentes.” (Relatório de interno de V.
Conquista, turma 98.1); “Experiência inesquecível no curso médico.” (Relatório de interno de V.
da Conquista, turma 98.1); “A vivência em um PSF foi uma experiência bastante proveitosa para
mim. Desfiz preconceitos quanto ao trabalho no interior do estado e zonas rurais e percebi que é
possível fazer a famosa medicina para todos, inclusive para pobres, sem que seja esta uma
medicina pobre.” (Relatório de interno de Alagoinhas, turma 98.1); “Louvável a possibilidade
fornecida pela UFBA de inserir o aluno dentro de um contexto onde a sua capacidade de avaliação
crítica e formadora de opinião é estimulada.” (Relatório de interno de Catu, turma 98.1); “Já
conseguimos enxergar a necessidade de readequação do ensino médico para formar profissionais
qualificados do ponto de vista científico, ético, humano e comprometidos socialmente com a
saúde do seu povo.” (Relatório de interno de Camaçari, turma 98.2).
Algumas críticas e dificuldades relacionadas à infra-estrutura, organização e
planejamento do estágio foram também registradas pelos alunos, tais como insuficiência de
clareza por parte deles e das equipes quanto ao papel que deveriam desempenhar, falta de um
calendário e de melhor explicitação das atividades pela preceptoria, bem como a falta de um
acompanhamento mais efetivo ou mesmo ausência de preceptoria em alguns casos: “No meu
ponto de vista, deveriam ser apresentadas a nós tarefas que poderiam ser realizadas por nós para

124
Revista Baiana
que não ficássemos perdidos. Gostaria de deixar bem claro que essa é uma sugestão minha, já que
de Saúde Pública
a maioria dos colegas não sentiu essa dificuldade. Mas por eu ser uma pessoa mais tímida, no
início me senti meio solto, sem saber qual era o meu papel lá dentro, e só depois, com a ajuda de
uma colega, foi que consegui realizar tarefas junto à equipe. No final, consegui realizar todas as
atividades que poderiam ser feitas na comunidade e atingi os objetivos do internato.” (Relatório de
interno de Catu, turma 99.1); “[...] apesar de reconhecer que fomos os primeiros nessa nova
experiência e que o município ainda não estava preparado devido à nossa repentina chegada, quero
deixar claro que não houve um acompanhamento e supervisão adequados, e que todas as
atividades que realizamos no município deveram-se exclusivamente à boa vontade e receptividade
das equipes de saúde da família e, principalmente, a nós estudantes, que procuramos aproveitar ao
máximo essa nova experiência, programando nossas próprias atividades e atuando como legítimos
autodidatas.” (Relatório de interno de Catu, turma 98.1). Alguns alunos queixaram-se do período
em campo, considerando-o excessivo. Mencionaram que o tempo longo de estágio levaria à
repetição de certas atividades, enquanto outras não são realizadas. Em algumas situações, referiram
que as tarefas foram resumidas a acompanhamento de exames médicos, o que poderia ser feito
sem necessidade do deslocamento da capital do estado, que causa transtornos pessoais aos alunos:
“No quinto ano de curso, os estudantes de um modo geral possuem importantes compromissos
acadêmicos extra-curriculares e mesmo pessoais que os impossibilitam de deixar a sua vida
cotidiana por um período de um mês, em uma data definida por sorteio. Não deve o estudante se
sentir obrigado a participar de estágio que o faça abdicar de importantes objetivos, pois se assim
acontecer, irá com um sentimento de frustração para a equipe do PSF, não tirando proveito da
oportunidade de conviver bem e aprender com esta equipe.” (Relatório de interno de Alagoinhas,
turma 98.2). Aos já citados problemas de alimentação, hospedagem e transporte dos internos em
alguns dos municípios foram acrescentados o pouco tempo de implantação do PSF e o desfalque
em algumas equipes, assim como dificuldades para realizar atividades que dependiam de
transporte e para os encaminhamentos de pacientes para outros procedimentos.
Diante dessas questões, os internos elencaram sugestões para o aperfeiçoamento do
estágio:

– esclarecimento de todos os envolvidos sobre os objetivos do internato;


– programação definida, com atividades pré-determinadas;
– realização de reuniões para organizar as atividades;
– presença maior de preceptores e realização de discussões sobre temas de
interesse;

v.31, n.1, p.115-133 125


jan./jun. 2007
– maior informação sobre a infra-estrutura nos municípios e melhoria da infra-
estrutura nos municípios onde houve problemas;
– inclusão no estágio de reuniões de gestão e organização do sistema de
saúde;
– maior interferência e menos observação dos internos em alguns serviços;
– aumento do tempo de discussão no retorno do campo, com a presença de
representantes das equipes do PSF;
– ampliação do acesso de estudantes à zona rural, cuja realidade é diferente,
como registra um interno: “[...] pude observar e vivenciar algumas
experiências que na área urbana não experimentaria, como atender à
comunidade local dentro do quarto de um morador sentado em sua cama,
ou no altar de uma igrejinha, ou ainda dentro de uma escolinha primária
ou, melhor ainda, na cozinha de um acampamento do MST, observando de
perto as suas rotinas, carências e necessidades.” (V. Conquista, 98.2);
– antecipação do contato com a atenção básica no curso médico;
– permanência maior no município, com diminuição do tempo de preparo
em Salvador;
– e, com freqüência reduzida, proposta de redução do tempo do Internato ou
de realização do estágio em Salvador.

DISCUSSÃO
Garcia 13 , discutindo o processo de ensino-aprendizagem com base na
problematização do cotidiano, ressalta que este processo em serviços apresenta aspectos muito
diferenciados daqueles efetuados em salas de aulas. Essa diferenciação ocorre tanto no plano das
relações, que passam a envolver, além da relação docente-discente, aquelas com os usuários e as
equipes de trabalho, quanto no plano dos conteúdos, onde se integram aos de caráter técnico-
informativos as questões éticas, morais, psicológicas, ligadas às relações sociais estabelecidas.
Ainda segundo a autora, a aproximação ao cotidiano pode permitir tornar a
educação significativa, na medida em que, pela vivência de situações, objetiva-se conjugar o
processo indutivo de conhecimento ao processo dedutivo, mediado por conceitos sistematizados
em sistemas explicativos globais, organizados numa lógica socialmente construída e reconhecida
como legítima. Procura-se também, pelo cotidiano, possibilitar o questionamento das práticas
sociais e a instrumentalização para o conhecer e o agir.13

126
Revista Baiana
No processo de educação no trabalho em saúde ocorre o encontro do projeto
de Saúde Pública
institucional (do serviço), o educativo (da escola), o do professor e o do próprio aluno. A educação
nesse processo diferencia-se da educação formal, não se restringindo à transmissão de saberes, mas
colocando-se como mediação de projetos contraditórios em construção.13
No caso da experiência do Internato em Medicina Social, que apresenta uma
perspectiva transformadora, tanto no que diz respeito ao modelo de formação médica, quanto ao
modelo de atenção à saúde, os resultados evidenciados neste estudo apontam para o acerto na
opção da estratégia de inserção dos alunos num espaço como o PSF. Esta oportunidade parece ter
possibilitado a compreensão por parte dos alunos das diferenças entre um modelo de atenção à
saúde curativo, individual e hospitalocêntrico, com o qual já estavam familiarizados no decorrer
do curso, e uma outra perspectiva de assistência integral, onde os objetos, meios e processos de
trabalho se ampliam e se redefinem em relação ao modelo anterior. Pelos depoimentos analisados,
percebe-se que os estudantes captaram importantes elementos constitutivos desse novo modelo,
especialmente no que diz respeito ao trabalho multidisciplinar e multiprofissional e à relação
profissionais de saúde/população, além de terem comprovado, não sem certo grau de surpresa, a
resolutividade dessa forma de atenção à saúde.
Antes de comentar os principais aspectos evidenciados nos relatos dos estudantes,
cabe chamar a atenção para os limites inerentes a esse tipo de análise, que se propõe a captar os
sentidos das comunicações feitas por determinados informantes, sentidos esses influenciados por
muitos fatores relativos aos próprios informantes e aos pesquisadores, os quais podem interferir na
interpretação dos achados. No caso deste estudo, há ainda que considerar o fato de que o material
analisado não foi produzido para a finalidade de uma investigação, mas sim como produto
acadêmico integrante do processo de avaliação dos estudantes. Tal aspecto poderia, ao mesmo
tempo, favorecer uma apreciação mais positiva da experiência do internato por parte dos alunos,
ou tender a realçar os aspectos negativos para justificar algum desempenho desfavorável.
Os possíveis efeitos desses fatores na interpretação dos achados puderam ser, de
certo modo, minimizados, por um lado, pela oportunidade que tinham as autoras de avaliar a sua
consistência pelo conhecimento do contexto em que as informações eram produzidas, pelo acesso
a outras fontes e outros espaços de produção de informações sobre os estágios, bem como, por
outro lado, pelos cuidados tomados na organização e tratamento dos dados, já referidos na
metodologia do estudo.
Foi possível propiciar aos estudantes a percepção, o aprendizado e o exercício de
novos saberes, competências, habilidades e atitudes, tais como: atuação multiprofissional e
interdisciplinar, práticas de planejamento e organização do trabalho, promoção, educação e

v.31, n.1, p.115-133 127


jan./jun. 2007
comunicação em saúde, humanização e personalização do atendimento, práticas coletivas e
preventivas, vínculo com a clientela, concepção ampliada de saúde e compreensão dos
determinantes do processo saúde/doença, responsabilidade pelo resultado do cuidado, além de
novas relações entre profissionais de saúde e entre estes e a população. Pelos relatos dos
estudantes, esses e outros elementos, ainda que percebidos muitas vezes de forma fragmentada,
foram identificados como componentes importantes de um novo modelo de atenção à saúde em
construção nos seus respectivos locais de estágio, diferenciado do modelo predominante.
Tensões entre os diferentes modelos de atenção e de formação parecem ter sido
também vivenciadas pelos alunos. No caso do modelo assistencial, observou-se que, em algumas
situações, predominou a realização de acompanhamentos médicos em relação a outras práticas de
promoção e prevenção da saúde, refletindo tanto a preponderância dessas atividades em muitas
equipes do PSF, como a experiência anterior dos próprios estudantes, que se sentiam mais
confortáveis reproduzindo tarefas com as quais já estavam habituados. A redefinição de papéis
num trabalho de equipe, com atribuições comuns complementares e compartilhadas, suscitou
também em alguns internos certo grau de tensão, especialmente no que diz respeito ao que
consideraram superposição dos trabalhos do médico e enfermeiro.
As insuficiências e dificuldades de execução do novo modelo assistencial,
relacionadas principalmente a infra-estrutura e funcionamento do PSF, especialmente nos
municípios onde a implantação era ainda incipiente, foram também percebidas pelos alunos, que
fizeram sugestões pertinentes, demonstrando clara compreensão da proposta e dos obstáculos para
a sua plena implementação.
No que diz respeito ao modelo de formação, as dificuldades dos alunos em assumir
um maior grau de autonomia no processo de aprendizagem ficaram claras nas cobranças de uma
programação detalhada das atividades no campo e da presença permanente da preceptoria. Maior
autonomia implicaria na organização do próprio tempo e na busca ativa de oportunidades para
aprender, em contraposição ao modelo de formação atual, no qual ele é muito mais passivo no
processo de aprendizagem.
Todas essas contradições têm propiciado reflexões críticas e discussões permanentes
entre docentes, discentes e profissionais de saúde envolvidos no programa de Internato em
Medicina Social.
Na perspectiva dessa experiência de aprendizado em serviço, concordamos com
Garcia14 que há uma quebra da linearidade do esquema

[...] quem - ensina - o quê - para quem – onde [...] no ‘quem’ e no


‘para quem’, entrariam não só os docentes,como também os

128
Revista Baiana funcionários, os demais profissionais, os alunos e as pessoas em
de Saúde Pública
cuidado. No ‘o que’, se ensina se incluiriam os conhecimentos
técnicos-informativos, mas também e principalmente as habilidades
técnicas, a interdisciplinaridade, o participar, o ser cidadão, o ser
sujeito, ou seja, conteúdos técnicos, políticos e éticos.14: 97

Noronha Filho, Resende, Lemme, Júnior, Frossard15, alertando para o fato de que o
método de ensino predominante na formação médica privilegia apenas a memorização, defendem
a tese de que, para haver evocação, é necessário que haja envolvimento tanto prático, como
emocional pelos alunos, e que, para um estudante de medicina vir a desempenhar o papel de
médico, ele necessita ampliar o seu treinamento técnico com atividades que possibilitem o
exercício ativo de observação, reflexão, crítica e pensamento, instrumentos que o médico irá usar
como ferramentas no seu trabalho. Os depoimentos dos alunos, especialmente em relação ao
crescimento pessoal e profissional obtidos no estágio, atestam o potencial de ampliação do
universo de aprendizado desse tipo de vivência em relação a muitas práticas predominantes na
formação médica atual.
Vários autores analisaram as dificuldades comuns no processo de ensino em
serviços do SUS, tais como a resistência dos docentes e alunos ao deslocamento para fora dos
espaços tradicionais de práticas, o encanto com as tecnologias sofisticadas, o problema da
aceitação dos estudantes pelos profissionais de saúde, pelo fato do ensino não fazer parte das suas
atividades obrigatórias, entre outras.1,15
Nesta experiência, a receptividade das equipes e dos estudantes ao programa, de
modo geral, foi um aspecto positivo, indicando que este não deve ser um fator desestimulante.
Ficou, entretanto, evidenciada nas críticas e sugestões dos alunos, a necessidade de investir mais
no esclarecimento de todos os envolvidos sobre os objetivos do programa e o papel dos internos,
para a obtenção de melhores resultados. As resistências por parte de alguns estudantes, expressas,
por exemplo, nas sugestões de redução do período do estágio e da sua realização em Salvador,
podem ser explicadas, por um lado, pelo envolvimento dos alunos, nessa fase do curso, com
outras atividades extra-curriculares na capital, e pela já referida falta de clareza de alguns sobre o
seu efetivo papel no estágio, entendendo-o algumas vezes apenas como o de um observador. Além
disso, pode-se creditar esses focos de resistência à também já comentada dificuldade dos alunos
em assumir maior protagonismo no seu processo de aprendizagem, determinada pela quase
inexistência no curso do exercício de aprender a tomar iniciativas e solucionar problemas, aprender
de fato fazendo, e não somente realizando atividades previamente estruturadas. Em relação a este
aspecto, cabe assinalar o registro diferenciado de pelo menos um dos estudantes: “Foi de extrema

v.31, n.1, p.115-133 129


jan./jun. 2007
relevância a liberdade que nos foi dada para nos integrarmos na unidade, assim pude construir
minha agenda semanal de acordo com minhas necessidades e fui me adequando às atividades
diárias de médico, enfermeira, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários.” (Relatório de
interno de Catu, turma 99.1).
Sendo objeto deste estudo apenas as três primeiras turmas do Internato em Medicina
Social, e também considerando as especificidades de cada município-campo de treinamento,
verificaram-se algumas deficiências de articulação e organização do estágio — preceptoria,
alimentação e transporte dos internos, planejamento de atividades, esclarecimento das equipes —,
que se acresceram aos fatores anteriores na determinação de certa resistência por parte de alguns
alunos, em locais onde esses problemas ocorreram com maior intensidade. Muitas dessas
dificuldades já foram contornadas nas turmas subseqüentes, que não fazem parte deste estudo.
O papel do preceptor merece um registro à parte, uma vez que nesse tipo de
experiência de ensino-aprendizagem, o docente local se constitui num gestor estratégico de todo
esse processo que envolve vários sujeitos — alunos, equipes do PSF, secretarias municipais de
saúde e universidade —, com diferentes projetos e objetivos. É dele a responsabilidade pela
condução desse processo complexo, a qual irá possibilitar ou não a realização de todo o seu
potencial. Por isso, as falhas na compreensão do seu papel, ou mesmo a ausência da preceptoria,
podem ser determinantes dos resultados, e isso ficou evidente ao compararmos as experiências
entre municípios com diferentes práticas de supervisão e acompanhamento dos internos pelo
preceptor local. É importante ressaltar também, num programa com essas características, a
importância da existência de uma coordenação geral, exercida por um docente do Departamento
de Medicina Preventiva, com a incumbência de articular as várias instituições e sujeitos
envolvidos.
Muito ainda falta para obter uma articulação mais orgânica da escola médica ao
SUS, que contribua para a transformação dos serviços de saúde e a melhoria da qualidade de vida e
saúde da população. É necessário o estabelecimento de mecanismos formais e eficientes de
articulação com as instituições prestadoras; maior participação da universidade na formulação e
implementação da política de saúde; o compromisso da escola médica com a educação
continuada dos profissionais de saúde, além de outros estímulos para as equipes de saúde; a
ampliação e antecipação da inserção dos alunos nos serviços de saúde e na comunidade e a
manutenção desse vínculo durante todo o curso; a redefinição dos conteúdos e práticas do curso
médico; a transformação do processo pedagógico para um modelo centrado no aluno e tendo o
professor como facilitador da aprendizagem, entre muitos outros aspectos repetidos à exaustão
pelos autores que debatem esse tema.

130
Revista Baiana Este é um percurso progressivo, onde cada passo representa um acúmulo para
de Saúde Pública
alcançar a transformação dos modelos de assistência à saúde e de formação médica no Brasil.
Experiências como a desse Internato em Medicina Social pode, nessa perspectiva, representar um
passo para a ampliação do grau de adesão dos futuros médicos ao projeto do SUS, tal qual
formulado pelo projeto da reforma sanitária brasileira, possibilitando a reconstrução de uma
aliança solidária entre profissionais de saúde e usuários, que pressupõe humanização,
acolhimento, responsabilidade, solidariedade, ética, qualidade da assistência, refletindo
verdadeiramente a compreensão de saúde como função pública, da qual nos fala Rodriguez Neto.2
Na mesma direção, Paim17 chama a atenção para que a ampliação de campos de prática e a
experimentação de espaços criativos e dialógicos de aprendizagem para a formação médica tendem
a sustentar as críticas ao modelo médico hegemônico e aos modelos de SUS vigentes,
contribuindo para avançar na construção do SUS democrático.
Este estudo possibilita a conclusão de que a estratégia de execução do estágio do
Internato em Medicina Social da FAMEB/UFBA, envolvendo profissionais de serviços, docentes e
discentes, reproduziu o ambiente necessário a um novo formato de preparação do médico, mais
adequado e comprometido com as necessidades de saúde da população. Ao mesmo tempo, foi
possível demonstrar a possibilidade de inserção real na rede de serviços do SUS, ao enfrentar o
desafio de ensinar num sistema de atenção à saúde em construção, com todas as suas distorções e
imperfeições. A continuidade e o aprofundamento das reflexões teórica e metodológica sobre esse
objeto, acompanhadas da difusão das experiências, emergem como necessidade fundamental para
o aperfeiçoamento do próprio processo de integração ensino-serviços efetuado nesse programa de
internato e para o desenvolvimento da investigação neste campo.

AGRADECIMENTOS
As autoras agradecem aos internos das três primeiras turmas do Internato em
Medicina Social, que assumiram o desafio, enfrentando as dificuldades iniciais de implantação; às
professoras Ita de Cacia A. Cunha, Ma Aparecida Rodrigues e Rosângela Silva Luz, que realizaram a
supervisão local dos internos; às Prefeituras, Secretarias Municipais de Saúde e equipes de Saúde da
Família dos municípios de Vitória da Conquista, Alagoinhas, Catu, Camaçari e Lauro de Freitas,
que participaram do esforço de viabilizar uma verdadeira parceria; à colega Mônica Angelim pelas
valiosas sugestões ao texto.

REFERÊNCIAS

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12 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1979.

13 Minayo MC de S. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em


saúde. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, Salvador; 1994.

14 Garcia MAA. Saber, agir e educar: o ensino-aprendizagem em serviços de


saúde. Interface-Comunicação, Saúde, Educação 2001;8:89-99.

15 Noronha Filho G, Resende JB, Lemme AC, Júnior GN, Frossard A.


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Revista Baiana 16 Gonçalves e Silva GE. A educação médica e o sistema de saúde. Revista
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Saúde para Debate 1996;14:59-65.

Recebido em 05.03.2007 e aprovado em 04.05.2007.

v.31, n.1, p.115-133 133


jan./jun. 2007
ARTIGO ORIGINAL

PREVALÊNCIA DE SINTOMAS DEPRESSIVOS EM IDOSOS


INSTITUCIONALIZADOS NA CIDADE DO SALVADOR

Amanda de Jesus Santanaa


José Carlos Barboza Filho b

Resumo
A depressão no idoso é considerada um problema de saúde pública devido a sua alta
prevalência e, como tal, merece atenção especial por parte dos órgãos competentes. Este trabalho
tem como objetivo estimar a prevalência de sintomas depressivos em idosos institucionalizados e
as variáveis associadas a este evento. Realizou-se um estudo de corte transversal. Participaram do
presente estudo 151 idosos, com idade maior ou igual a 60 anos e de ambos os sexos nas duas
unidades asilares na cidade do Salvador. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário semi-
estruturado, abordando as variáveis demográficas, socioeconômicas e comportamentais, o Mini-
Exame do Estado Mental (MEEM) e a Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15). A prevalência de
sintomas depressivos na população investigada foi de 21,1%, sendo 24,7% no sexo feminino,
29,7% nos idosos viúvos, 27,5% nos idosos brancos e 26,3% naqueles que não desenvolviam
nenhuma atividade na instituição. Embora os dados do presente estudo não tenham sido
estatisticamente significantes, os resultados apontam para a importância de se dedicar à saúde
mental desses idosos, objetivando o diagnóstico precoce e tratamento adequado da depressão,
condição tão freqüente na terceira idade.
Palavras-chave: Sintomas depressivos. Idosos. Prevalência. Asilos. Escala de Depressão em
Geriatria.

PREVALENCE OF DEPRESSIVE SYMPTONS IN THE HOSPITALIZED


ELDERLY IN THE CITY OF SALVADOR

Abstract
Depression in the elderly is considered a public health problem due to its high
prevalence, and because of this, it deserves especial attention from the proper public agencies. The

a
Bacharel em Fisioterapia pela UCSAL. Especialista em Fisioterapia Geral em UTI adulto pela Faculdade Bahiana para
Desenvolvimento das Ciências (FBDC).
b
Médico Psiquiatra, Professor da Universidade Católica do Salvador (UCSAL) e Mestre em Saúde Comunitária (ISC/UFBa).
Endereço para correspondência
correspondência: Amanda Santana. Rua Francisco Rosa, 334/18, Rio Vermelho. Cep: 41940210, Salvador,
Bahia, Brasil. Tel: (71) 332-6974/88074255. E-mail: amandajsantana@hotmail.com.

134
Revista Baiana
objective of this study is to estimate the prevalence of depressive symptoms in the hospitalized
de Saúde Pública
elderly and the variables associated to this event. This is a cross-sectional study with 151 elderly
patients 60 years of age or older, male and female, from both elderly institutions in the city of
Salvador. For the data gathering, a semi-structured questionnaire was utilized treating demographic,
socioeconomic, and behavioral variables. A Mini-Exam of Mental Health (MEEM) and the Geriatric
Depression Scale (GDS-15) were also utilized. The prevalence of depressive symptoms in the
population studied was 21.1%, being 24.7% female, 29.7% widowed, 27.5% White, and 26.3%
in those that did not take part in any activity in the institutions. Even though the data gathered in
the study does not represent significant statistics, the results illustrate the importance of more
dedication to the mental health of the elderly, aiming for an early diagnose and adequate treatment
for depression, a condition very frequent in this population.
Key words: Depressive Symptoms. Elderly. Prevalence. Asylums. Geriatric Depression Scale.

INTRODUÇÃO
A população idosa está aumentando no mundo todo, inclusive nos países em
desenvolvimento, como é o caso do Brasil.1 Este é um fato que traz à tona a discussão a respeito
dos diversos transtornos que afetam os idosos, entre eles as síndromes depressivas que, juntamente
com as síndromes demenciais, representam os distúrbios psiquiátricos mais prevalentes em
indivíduos da terceira idade.2,3
A depressão é um distúrbio da área afetiva ou do humor, de natureza multifatorial e
com forte impacto funcional em qualquer faixa etária.4 No idoso, a depressão vem acompanhada
de vários problemas clínicos e sociais que dificultam o diagnóstico e o tratamento.5 Em estudos
epidemiológicos, encontrou-se prevalência de depressão maior de 8,9% em idosos hospitalizados6
e 7,5% em octogenários vivendo na comunidade.7 Em estudo desenvolvido por Ribeiro, Pietrobon,
Rockembach, Ratzke e Costa8 encontrou-se 20,9% de depressão de grau severo em idosos vivendo
em cinco instituições, o que demonstra maior prevalência em idosos institucionalizados.
A institucionalização asilar é uma situação estressante e desencadeadora de
depressão.2 Segundo Vieira9, as instituições asilares assumem um caráter asilar quando tutelam um
indivíduo, retirando-o do meio social em que vive, para colocá-lo em um lugar isento das leis
gerais, sob representação social da instituição. Neste ambiente, o ancião se vê isolado de seu
convívio social e adota estilo de vida diferente do seu, tendo que se adaptar a uma rotina de
horários, dividir seu ambiente com desconhecidos e à distância da família.10 Este isolamento
social leva-o à perda da identidade, de liberdade, de auto-estima, solidão e, muitas vezes, à recusa
da própria vida, o que pode justificar a alta prevalência de depressão em asilos.2

v.31, n.1, p.134-146 135


jan./jun. 2007
O conhecimento da sintomatologia depressiva em idosos é de fundamental
relevância, no que diz respeito ao diagnóstico precoce e correto e ao tratamento adequado da
depressão. No diagnóstico da depressão, é importante que se observem alguns sintomas, tais como
humor deprimido (sensação de tristeza, autodesvalorização e sentimentos de culpa), perda de
interesse e prazer em atividades previamente agradáveis, fadiga ou sensação de perda de energia,
problemas cognitivos como a dificuldade de se concentrar, queixas de falta de memória, raciocínio
lentificado, indecisão e percepção da falta de competência e controle, e os sintomas somáticos
que incluem alterações do sono, do apetite e da função psicomotora.11,12 Alguns sintomas da
depressão, como apatia, capacidade diminuída de se concentrar e queixas de memória, podem ser
erroneamente interpretados como sintomas de demência.12 Esta, por sua vez, refere-se a uma
alteração cognitiva global, com ou sem prejuízo do estado de consciência, o qual pode ser estável
ou progressivo.13 Este erro é bastante comum e recebe o nome de pseudodemência, ou síndrome
de depressão da demência. Há diversos instrumentos disponíveis para medir a depressão em
pessoas com altos níveis de deficit cognitivo12, porém não é este o objetivo do presente estudo.
Tendo em vista que a depressão é causa importante de morbidade, sofrimento e
incapacidade e que afeta sensivelmente a qualidade de vida dos indivíduos que sofrem deste
transtorno, torna-se necessário o desenvolvimento de um estudo que busque conhecer a realidade
da saúde mental dos idosos institucionalizados, com a finalidade de diagnosticar precocemente e
tratar de maneira adequada a depressão.
Logo, este estudo teve como objetivos estimar a prevalência de sintomas depressivos
em idosos institucionalizados e investigar os fatores socioeconômicos, demográficos e
comportamentais associados à sintomatologia depressiva.

MÉTODOS
Foi realizado um estudo epidemiológico de corte transversal em duas instituições
asilares na Cidade do Salvador (BA), sendo uma pública e outra filantrópica, ambas contando com
equipe multidisciplinar formada por médico, nutricionista, fisioterapeuta, assistente social,
enfermeiro e auxiliar de enfermagem. Essas instituições foram caracterizadas como A e B, com a
finalidade de manter seu sigilo e de seus residentes, no caso, os idosos. A instituição A é pública e
conta com 145 idosos, sendo 94 mulheres e 51 homens; já a B é filantrópica e funciona com 110
idosos, desses, 97 são mulheres e 13 são homens. A seleção das instituições foi feita por
conveniência dos autores, por se tratar de instituições de fácil localização, média distância e da
disponibilidade de tempo para a realização da pesquisa. A escolha de duas instituições teve por
finalidade buscar uma amostra representativa, visto ser uma população marcada por perda elevada

136
Revista Baiana
de seus participantes, seja devido a recusas ou óbitos, seja pela presença de deficits sensorial ou
de Saúde Pública
cognitivo graves, dificultando ou impossibilitando a aplicação dos questionários. Deixa-se claro
que a prevalência da sintomatologia depressiva encontrada no presente estudo não representa a
prevalência global das instituições situadas na cidade de Salvador (BA), mas apenas a das duas
instituições estudadas.
Participaram do presente estudo 255 idosos, correspondente ao total de idosos
residentes nas duas instituições. Para a seleção dos idosos, foram utilizados os seguintes critérios:
idade maior ou igual a 60 anos e aceitabilidade em responder aos questionários após minucioso
esclarecimento sobre o objetivo do estudo. Indivíduos com comprometimento sensorial ou
cognitivo graves, afasia, ou escore no Mini-exame do estado mental (MEEM) menor que 24,
segundo a escolaridade14, foram excluídos do estudo.
Os dados para a avaliação dos idosos foram obtidos por meio de fonte primária e
secundária. A primeira constituiu-se de um questionário semi-estruturado, elaborado pelos autores,
do Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) e da Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15); já a
segunda foi composta pelos prontuários dos pacientes, disponibilizados pelas instituições.
Após esclarecimentos sobre o objetivo do estudo e aceitabilidade em participar da
pesquisa, foi aplicado o questionário semi-estruturado, em forma de entrevista com cada idoso
individualmente. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, estado civil, cor/raça, religião e
prática religiosa, grau de escolaridade, renda mensal, hábito de fumar e uso de antidepressivos
(prontuários).
A coleta de dados foi realizada no período de 5 de setembro a 16 de outubro de
2004, pelos autores do estudo e duas estudantes do sexto semestre de Fisioterapia da UCSAL,
previamente treinadas para maior confiabilidade dos resultados, por meio de entrevistas face a face
com cada idoso, nas dependências das instituições.
Para a avaliação da variável idade, os idosos foram divididos em dois grupos, sendo
o primeiro formado por aqueles entre 60 e 80 anos, “idosos jovens”, e o segundo constituído por
aqueles entre 81 e 100 anos, “idosos mais velhos”.7 Referente à variável grau de escolaridade,
considerou-se com baixa escolaridade os idosos que referiram 0 a 4 anos de estudo, média
escolaridade 5 a 9 anos de estudo e alta escolaridade 10 ou mais anos de estudo.
Após aplicação do questionário, foi aplicado o Mini-Exame do Estado Mental
(MEEM) de M.Folstein, S. Folstein e Mchugh15, uma das escalas cognitivas mais utilizadas para
investigação de possíveis deficits cognitivos em idosos. Foram adotados pontos de corte
diferenciados de acordo com a escolaridade, sendo 14 para baixa escolaridade; 18 para média
escolaridade; e 24 para alta escolaridade, segundo Bertolucci16, a fim de se avaliar o estado mental

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de cada indivíduo. O MEEM envolve respostas verbais e não verbais. Os subtestes verbais medem,
em particular, a orientação espaço-temporal, a memória imediata, a evocação e memória de
procedimento, a atenção e a linguagem. Os subtestes não verbais medem a coordenação
perceptivo-motora e a compreensão de instruções.
Por fim, foi aplicado a GDS-15 (Escala de Depressão Geriátrica), um dos
instrumentos mais utilizados no rastreio de depressão em idosos.17 Esta escala consiste de um
questionário com 15 questões dicotômicas (Sim x Não), referentes a mudanças no humor e a
alguns sentimentos específicos como sensação de desamparo, inutilidade, desinteresse,
aborrecimento, felicidade, entre outros. O ponto de corte para identificação de sintoma depressivo
é o escore acima de 5 pontos. Questões respondidas positivamente indicam sintoma depressivo: 2,
3, 4, 6, 8, 9, 10, 12, 14, 15. Questões respondidas negativamente indicam sintoma depressivo: 1,
5, 11, 13.
Os dados coletados foram codificados, sendo realizado exame de consistência dos
mesmos. Posteriormente, procedeu-se sua digitação no programa Microsoft Excel. Os dados foram
analisados no pacote estatístico Epi Info (Version 3.3). Realizou-se análise descritiva das variáveis
em estudo. A prevalência foi a medida epidemiológica utilizada e empregou-se a razão de
prevalência (RP) como medida de associação.18 A inferência estatística baseou-se em intervalos de
confiança (IC), estimados pelo método de Mantel-Haenzel, para um alfa de 0,05.19
Foi enviada uma carta de autorização aos diretores das instituições, contendo o tema
e os objetivos do estudo, afim de que se permitisse a realização da pesquisa. A autorização foi
concedida e a coleta de dados teve início após consentimento livre e esclarecido dos participantes,
baseado na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre pesquisa
realizada com seres humanos20, sendo respeitados todos os aspectos éticos e legais.

RESULTADOS
Neste estudo participaram 151 (59,0%) dos 255 idosos avaliados; destes, 18 (7,0%)
foram excluídos por apresentarem escore < 24 no Mini-exame do estado mental (MEEM). As perdas
e recusas representaram 22,0% (55) da população total e 19,0% (49) dos idosos estudados foram
excluídos por apresentarem deficit cognitivo e/ou sensorial graves. A maioria dos idosos estudada
era de “idosos jovens” (82), com idade entre 60 e 80 anos. Observou-se que a prevalência de
sintomas depressivos foi 1,8 vezes maior na faixa etária de 81 a 100 anos (29,4%), quando
comparada à faixa etária de “idosos jovens” (15,8%), não apresentando significância estatística,
com razão de prevalência (RP) de 1,8 e IC 95% de 0,9 a 3,5. Da população estudada, 67% (89)
era do sexo feminino, 54,9% (73) solteiro, 45,9% (61) de cor parda e 63,1% (84) de baixa

138
Revista Baiana
escolaridade. Observou-se que a prevalência de sintomas depressivos foi 1,8 vezes maior entre as
de Saúde Pública
mulheres (24,7%), quando comparada aos homens (13,6%), 1,8 (IC 95% de 0,8 a 4,1). Referente
ao estado civil, a prevalência de sintomas depressivos foi 2,3 vezes maior entre os solteiros
(17,8%), [2,3 (IC95% 0,3 a 16,2)] e 3,9 vezes maior entre os viúvos (29,7%), [3,9 (IC95% 0,6 a
26,8)], quando comparada aos casados (7,6%). Não foi evidenciada significância estatística na
associação entre sintomas depressivos e as variáveis sexo e estado civil. A prevalência de sintomas
depressivos foi 1,7 vezes maior entre os idosos de cor parda (21,3%), [1,7 (IC95% 0,6 a 4,8)] e 2,2
vezes maior entre os idosos da cor branca (27,5%), [2,2 (IC95% 0,8 a 6,2), quando comparada aos
da cor negra (12,5%); esta associação também não apresentou significância estatística. Com
relação à escolaridade, a prevalência de sintomas depressivos foi 1,5 vezes maior entre os idosos
que referiram ter média escolaridade e 1,3 vezes maior naqueles que referiram ter baixa
escolaridade, quando comparada àqueles de alta escolaridade. Esta associação foi positiva, porém
Tabela 1
sem significância estatística, com 1,5 (0,4 a 5,0) e 1,3 (0,4 a 4,1) respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1. Fatores demográficos associados à sintomatologia depressiva. Salvador, 2004

* RP = razão de prevalência ** IC = intervalo de confiança

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Ao avaliar a prevalência de sintomas depressivos de acordo com as variáveis sócio-
econômicas e comportamentais, observou-se que 86,5% dos idosos eram católicos; destes, 22,6%
apresentaram sintomas depressivos, sendo esta uma associação negativa e sem significância
estatística 0,5 (IC95% 0,1 a 1,9). Os idosos que não referiram prática religiosa apresentaram
menor prevalência de sintomas depressivos (17,5%), quando comparados àqueles que praticavam
Tabela 2
sua religião (22,5%), não havendo diferença estatisticamente significante (Tabela 2).

Tabela 2. Fatores socioeconômicos e comportamentais associados à sintomatologia


depressiva. Salvador, 2004

Quanto à questão referente à renda mensal, foi observado que 33,3% dos
entrevistados que apresentavam sintomas depressivos, ganhavam acima de 3 (três) salários
mínimos; já os idosos que recebiam um valor inferior a este, tinham uma menor prevalência dos
sintomas depressivos (19,1%). A associação entre sintomatologia depressiva e a renda mensal dos
idosos institucionalizados foi negativa e sem significância estatística 0,5 (IC 95% 0,2 a 1,2).
Quando questionados sobre a ocupação na instituição, 42,9% (57) dos idosos
relataram desenvolver alguma atividade, seja atividade em grupo, oficinas, jogos ou até mesmo

140
Revista Baiana
trabalho doméstico, ajudando os idosos mais dependentes e 57,1% (76) não faziam quaisquer
de Saúde Pública
atividades. Constatou-se maior prevalência de sintomas depressivos (26,3%) naqueles que não
tinham nenhuma ocupação, comparados aos que realizavam atividade ocupacional (14,0%).
Observando o tabagismo atual e o uso de antidepressivo, detectou-se que a
prevalência de sintomas depressivos entre aqueles que não fumavam (22,2%) e os que faziam uso
de antidepressivos (33,3%) foi maior quando comparando aos que fumavam (12,5%) e os que não
usavam antidepressivos (20,5%). A associação de ambos os fatores com a sintomatologia
Tabela 2
depressiva foi negativa e não apresentou significância estatística (Tabela 2).

DISCUSSÃO
A prevalência de sintomas depressivos em idosos residentes nas duas instituições
asilares em questão foi de 21,1%, o que foi bastante semelhante à observada em estudo anterior na
cidade de São Paulo8, no qual 20,9% dos idosos residentes em instituições em período integral
apresentavam depressão de grau severo. Prevalência mais elevada de sintomatologia depressiva foi
observada no estudo de Porcu et al.10, no qual 60% dos idosos institucionalizados apresentavam
sintomas depressivos.
A prevalência de sintomas depressivos no presente estudo foi maior em idosos com
idade acima de 80 anos (29,4%), quando comparada àqueles com idade entre 60 e 80 anos
(15,8%), não sendo evidenciada diferença estatística 1,8 (IC 95% 0,9 a 3,5). Xavier, Ferraz,
Bertollucci, Poyares e Moriguchi7, em estudo sobre prevalência de episódio depressivo maior
(EDM) em octogenários, observaram prevalência de 7,5% em idosos com idade acima de 80 anos,
maior do que a encontrada em estudos prévios realizados com sujeitos sexagenários, o que se
confirmou no estudo atual. É possível supor que sujeitos com 80 anos tenham um pior estado de
saúde que os sexagenários, e que este estado de saúde mais precário leve a um maior risco de
desenvolver sintomas depressivos entre os “idosos-idosos” do que entre os “idosos jovens”. Esta
associação entre um pior estado de saúde física dos idosos e um maior risco para sintomatologia
depressiva está explicitada em alguns estudos.21,22
Quanto à prevalência de sintomas depressivos por sexo, o alto índice encontrado no
sexo feminino está de acordo com alguns estudos 8,10,23-25, não observando associação
estatisticamente significante entre sintomas depressivos e esta variável. Embora a prevalência de
depressão seja consistentemente maior nas mulheres, prevalências equivalentes entre os sexos
foram encontradas em estudos como o de Warner e Enrique.26
No presente estudo, não houve associação estatisticamente significante entre
sintomatologia depressiva e os demais fatores demográficos e socioeconômicos como estado civil,

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cor/raça, escolaridade, religião, prática religiosa e renda mensal. Porém Gazalle, Lima, Tavares e
Hallal22, avaliando características demográficas, socioeconômicas e comportamentais associadas
aos sintomas depressivos em idosos, observaram escores de sintomas depressivos estatisticamente
maiores nas mulheres, nos idosos com idade mais avançada, naqueles com baixa escolaridade e
nos fumantes atuais.
Embora alguns estudos como o de Lagrue et al., citado por Gazalle, Lima, Tavares e
Hallal22, afirmem que a associação entre a dependência do tabaco e diversas formas de transtornos
de ansiedade e depressivo é bem estabelecida, o tabagismo, no estudo atual, não se mostrou
associado aos sintomas depressivos. O mesmo ocorre com o uso de antidepressivo; não foi
demonstrada nenhuma relação direta entre a baixa prevalência de depressão e a utilização de
medicação antidepressiva, sendo o uso de antidepressivo, no presente estudo, de apenas 4,5%. Isto
talvez se deva às características e intervenções terapêuticas existentes na instituição ou mesmo o
não reconhecimento do quadro depressivo desses idosos institucionalizados por parte da equipe
multidisciplinar.
Um fator que se deve chamar atenção com relação ao idoso é a religião, sendo esta
um referencial pessoal para o indivíduo da terceira idade. O tema religiosidade é muito
controverso, uma vez que pode ser tanto benéfico, devido ao suporte social e amparo, quanto
maléfico, em conseqüência do fanatismo2. Assim, por exemplo, algumas pessoas preferem se
acomodar, não se predispondo a encarar as coisas de outra forma, achando que devem passar por
isso, porque “Deus quis assim”. A alta prevalência de sintomas depressivos entre os idosos
religiosos do presente estudo pode ser justificada pela acomodação e aceitação de sua realidade
como algo determinado por Deus. No que se refere à prática religiosa, os idosos que praticam sua
religião teriam menor sobrecarga do que os que não praticam, devido ao convívio e contato com
outras pessoas, às trocas de experiências com as novas amizades e também pelo fato de terem uma
ocupação, fatores de proteção ao surgimento dos sintomas depressivos.
Os idosos que afirmaram receber mais de três salários mínimos apresentaram maior
prevalência de sintomas depressivos (33,3%); isto pode ser explicado pelas frustrações e/ou
decepções dessas pessoas frente às expectativas e aspirações não realizadas. Não foi possível
confrontar esse dado com a literatura, pois não se encontrou estudo que abordasse essa questão,
sendo necessário, então, o desenvolvimento de outros trabalhos que possam explicar resultados
como este.
Verificou-se, no estudo atual, maior prevalência de sintomas depressivos nos idosos
que relataram não participar de nenhuma atividade na instituição. Silberman25 observou em seu
estudo que idosos que participavam de alguma atividade e se relacionavam com outras pessoas

142
Revista Baiana tinham menor risco de institucionalização e/ou mortalidade. No caso deste estudo, o ideal era o
de Saúde Pública
incentivo à prática de atividades em grupo, com a finalidade de tirar os idosos do isolamento
social, que, por sua vez, leva-os à perda de auto-estima, da liberdade, à solidão e, muitas vezes, à
recusa da própria vida.2
Segundo Cunha, Scoralick e Silva27, a depressão pode apresentar-se com deficits
cognitivos que podem simular, nos casos graves, um quadro demencial, caracterizando a chamada
pseudodemência. Os mesmos autores ainda afirmam que pacientes dementes costumam
apresentar quadros depressivos em diferentes fases da doença. Para que se evitassem resultados
falso-positivos, o presente estudo aplicou o MEEM com pontos de corte diferenciados, de acordo
com o grau de escolaridade, que é a escala de avaliação cognitiva mais amplamente utilizada na
investigação de possíveis deficits cognitivos em indivíduos de risco.14 Procurou-se utilizar a GDS
simplificada, para que se evitasse fadiga e poupasse o tempo dos indivíduos estudados.
O atual estudo apresenta como vantagens um baixo custo, um alto poder descritivo,
o pouco tempo necessário para sua realização e o fato de ainda serem poucos os estudos sobre
depressão em idosos institucionalizados. Este é o primeiro artigo científico que estuda os sintomas
depressivos e seus fatores associados em idosos asilados na Cidade do Salvador. Apresenta como
desvantagens um baixo poder analítico e a dificuldade para inferência causal. Tem como
limitações, uma pequena amostra, com alto percentual de perdas e recusas (22,0%), um alto
índice de idosos com problemas decorrentes da idade, que os impediram de responder aos
questionários (19,0%), e um viés de memória por tratar-se de indivíduos idosos.

CONCLUSÃO
A prevalência de sintomas depressivos do presente estudo, verificada pela Escala de
Depressão Geriátrica (GDS) com idosos institucionalizados foi de 21,1% como à encontrada por
outros trabalhos. Embora os dados do atual estudo não tenham sido estatisticamente significantes, os
resultados apontam para a importância de se dedicar à saúde mental desses idosos, objetivando o
diagnóstico precoce e tratamento adequado da depressão, uma condição tão freqüente na terceira
idade. O não reconhecimento dessa enfermidade e a conseqüente ausência de tratamento podem
contribuir com o aumento da morbidade e, provavelmente, da incidência de óbitos nessa faixa etária.
Faz-se ainda necessário o desenvolvimento de outras pesquisas estratégicas para
subsidiar o planejamento de ações voltadas para a assistência ao idoso.

AGRADECIMENTOS
A Luciara, que participou ativamente na revisão crítica da pesquisa, ao esforço das
nossas colaboradoras, Luciana e Ana Lúcia, na coleta de dados, a Luciana, Núbia e Gleice, que

v.31, n.1, p.134-146 143


jan./jun. 2007
prestaram assessoria científica, às Fisioterapeutas Marinúbia e Liziane, que nos ajudaram na etapa
final deste artigo. Agradeçemos também às instituições Abrigo D. Pedro II e Lar Franciscano Santa
Isabel, que gentilmente autorizaram a realização da pesquisa. A todos vocês, muito obrigado.

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Recebido em 07.05.2007 e aprovado em 21.05.2007.

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Revista Baiana ARTIGO ORIGINAL
de Saúde Pública

POSSIBILIDADES E LIMITES DO CUIDADO DIRIGIDO AO DOENTE


MENTAL NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

Rozemere Cardoso de Souzaa


Maria Cecília Morais Scatenab

Resumo
Este estudo analisou necessidades do doente mental, limites e possibilidades do
cuidado a ele dirigido, na perspectiva dos profissionais que atuam no Programa de Saúde da
Família. A coleta de dados ocorreu no período de maio a novembro de 2003. Realizaram-se quatro
grupos focais com médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, do município de Ilhéus/
Bahia/Brasil. A abordagem teórico-metodológica seguiu pressupostos do construcionismo social e
da pesquisa qualitativa. Os grupos foram realizados em sessão única, sendo respeitados os
princípios éticos de participação voluntária, esclarecida e consentida. A análise propiciou reflexões
acerca de três temas: o doente mental e a necessidade de atenção pelo PSF; as “faltas” e o não
saber que inviabilizam as equipes de produzirem o cuidado dirigido às pessoas com problemas
mentais; e possibilidades de cuidar da Saúde Mental no contexto do Programa. Concluiu-se que o
Programa vem atendendo a um conjunto de pessoas do qual o doente mental está quase
totalmente excluído. As faltas produzidas como impedimentos para realização desse cuidado
devem ser vistas como condições necessárias ou como projetos de “vir a ser”, para que, então, se
efetive a incorporação da família e pessoa que convive com o sofrimento mental no contexto do
Programa.

Palavras-chave: Saúde da família. Saúde mental. Cuidado.

POSSIBILITIES AND LIMITATIONS IN THE CARE TO MENTAL


PATIENTS WITHIN THE FAMILY HEALTH PROGRAM

Abstract
This study investigated the necessities of mental patients, the limitations and
possibilities concerning their care, from the perspective of the professionals who work in the

a
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Departamento de Ciências da Saúde.
Endereço para correspondência
correspondência: Rodovia Ilhéus/ Itabuna, Km.16, BR 415, Ilhéus, Bahia, Brasil. CEP: 45.620-000. E-mail:
rozemeresouza@ig.com.br
b
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências
Humanas.

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Family Health Program (PSF). The data collection was carried out in the period of May to
November 2003. Four focus groups were created with physicians, nurses, and community health
agents from Ilhéus county in Bahia, Brazil. The theoretical and methodological approach followed
principals of social constructionism and of qualitative research. The groups were formed in a single
session, taking into consideration ethical principles of voluntary participation, informed consent.
The analysis enabled the reflection of three themes: the mental health patient and the need for
treatment by the PSF; the flaws and not knowing what prevents teams from producing proper care
for people with mental problems; and, the possibilities of mental health care within the context of
the program. It was concluded that this Program has been treating a group of people in which, the
mental patient is almost totally excluded. The flaws produced as impediments to the
administration of proper care, must be seen as necessary circumstances or as pending projects. In
this manner, the family and person who live with mental suffering will be included in the context
of the program.
Key words: Family health. Mental health. Community health care.

INTRODUÇÃO
No contexto da reforma da atenção psiquiátrica brasileira, a inserção de ações de
saúde mental no Programa de Saúde da Família (PSF) vem ocorrendo ainda de modo muito
incipiente, o que torna imprescindível o desenvolvimento de estudos, estratégias e relatos de
experiências que contribuam para ampliação e fortalecimento desse processo.
Numa obra bibliográfica são descritas experiências colhidas em diferentes regiões do
país, sobre a integração entre a saúde mental e a saúde da família. Resguardadas as peculiaridades
de cada uma delas, nos diferentes contextos dos estados de São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais
e Ceará, entre os protagonistas que atuavam na reorganização da atenção à saúde mental junto ao
PSF, observou-se grande comprometimento com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS),
com a sociedade e também com a Reforma da Atenção Psiquiátrica.1 Além disso, a vontade de
fazer diferente era o “gás” que impulsionava as ações dos atores sociais, que agiam norteados pela
idéia de que “é possível, no âmbito social, estruturar relações de convivência mais saudáveis com
as diferenças”.2:137 E a concretização dessas relações decorreu dos trabalhos desenvolvidos por eles.
Observam-se outras propostas de promoção da saúde mental dentro da assistência
primária no PSF, tendo em vista a promoção de cuidado integral e em liberdade de pessoas com
transtornos mentais e sua família.3-6.
Todas essas experiências apontam para a importância de um suporte técnico para as
equipes de saúde da família e conseqüente efetivação da Reforma da Atenção Psiquiátrica. Embora

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Revista Baiana
ocorram problemas envolvendo o processo saúde-doença mental no contexto de atuação do
de Saúde Pública
Programa, nem sempre os profissionais contam com algum tipo de apoio, fato que dificulta ou
impossibilita a realização do cuidado nessa direção. Em contextos como estes, de escassez de
suporte/apoio, é que se produziu este trabalho, com as seguintes questões norteadoras: (i) como
lidam os profissionais de saúde da família com questões relativas à saúde-doença mental? (ii)
quais as possibilidades e os limites do cuidado em saúde mental dentro do Programa?
Espera-se que a construção aqui desenvolvida concorra, dentre outros aspectos, para
a identificação de pessoas que almejam mudanças na atenção psiquiátrica e até mesmo para o
conhecimento de suas experiências, que podem dar visibilidade a uma nova relação com pessoas
portadoras de transtorno mental na comunidade.
Dessa maneira, este estudo teve por objetivo analisar necessidades do doente
mental, limites e possibilidades do cuidado a ele dirigido na área de abrangência do Programa de
Saúde da Família, sob a perspectiva dos profissionais que atuam nesse Programa.

MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo qualitativo, que optou pela perspectiva construcionista social
como referencial teórico, tendo como pressupostos básicos a construção de sentidos (pontos de
vistas, idéias, conceitos, posicionamentos, sentimentos etc.) na perspectiva da esfera relacional,
coexistente nas diversas práticas discursivas, em tempo e espaços específicos.
No construcionismo social, o foco central de análise são as práticas discursivas.
Quando se fala como algo se chama não se está simplesmente nomeando-o ou falando sobre isso;
é, num sentido real, convocá-lo a ser como foi nomeado.7 As práticas discursivas e a produção de
sentidos ocorrem simultaneamente e nelas está inserida a polissemia, ou seja, o
multiperspectivismo das diferentes abordagens.
A pesquisa construcionista atenta para essa diversidade de explicações sobre
determinado objeto de estudo — também socialmente construído — e para as formas de vida que
são sustentadas e suprimidas por elas.8
Participaram do estudo, médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde do
município de Ilhéus/ Bahia/ Brasil, que atuavam no Programa há mais de um ano. A coleta de
dados ocorreu no período de maio a novembro de 2003 e foi iniciada após aprovação do projeto
no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), estado de São
Paulo, conforme parecer de número 143/2002. Foram realizados quatro grupos focais de sessão
única, sendo respeitados os aspectos éticos de participação voluntária, esclarecida e consentida.
Os nomes fictícios utilizados neste trabalho visaram garantir o anonimato dos participantes.

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A análise dos dados ocorreu mediante o entrelaçamento de quatro aspectos: uso dos
repertórios interpretativos nos grupos; a literatura investigada durante a pesquisa; o referencial
teórico-metodológico; e a interpretação das pesquisadoras.
Os repertórios são definidos como o “[...] conjunto de termos, descrições, lugares-
comuns e figuras de linguagem que demarcam o rol de possibilidades de construções discursivas,
tendo por parâmetros o contexto em que essas práticas são produzidas e os estilos gramaticais
específicos”.9:47
Assim, esta pesquisa produziu práticas discursivas e sentidos em torno dos seguintes
temas: o doente mental e a necessidade de atenção pelo PSF; as “faltas” e o não saber que
inviabilizam as equipes de tecerem o cuidado dirigido às pessoas com problemas mentais;
possibilidades de cuidar da Saúde Mental no PSF.

RESULTADOS
O doente mental e a necessidade de atenção pelo PSF
Dentro deste tema, foram inseridos repertórios interpretativos, cujo sentido de uso
explicam necessidades e demandas do doente mental, que vive em área de abrangência do PSF:

“Eu vejo a impotência da ação, a gente não tem muito que fazer por eles... A gente
sempre encaminha para alguma outra [Unidade].” (Roberta – Grupo 1).

“E deixa sempre à responsabilidade da família...” (Maria – Grupo 1).

Aqui é pontuada a necessidade que o doente mental tem de acompanhamento, para


o qual a participante refere “impotência”, justificando que seus próprios recursos e os de seus
colegas são insuficientes para esse fim. É interessante notar, nesse contexto, que a necessidade do
doente mental de apoio familiar é acentuada, manifestando relação de total dependência.
A família foi um ator social presentificado em todas as conversas. No entanto, para
o cumprimento de sua responsabilidade de cuidar do doente, também foi descrita a necessidade
de assistência dispensada pelo PSF:

“Pela proposta e até mesmo pelo nome Programa Saúde da Família, de certa forma,
nós nos enquadramos nessa questão do doente mental, porém ele não é citado como
uma das atribuições do programa... Nossos próprios governantes não tratam o doente
mental como um problema a ser resolvido na sociedade.” (Pedro – Grupo 1).

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Revista Baiana “Um problema de saúde [...] [com relação a isto] somos testemunhas da preocupação
de Saúde Pública
da secretaria em adotar esse serviço... É ventilada no Conselho de Saúde essa
preocupação... O PSF é a saúde da família e o doente mental é um doente da família.”
(Cláudio – Grupo 1).

Nesse trecho, a reflexão se dá pelo entendimento de que o doente mental e sua


família carecem de assistência pelo Programa que, até então, não vem atendendo a essa
necessidade. Esta situação conduz os participantes à crítica acerca do descaso dos governantes e à
informação de que esse interesse vem sendo “ventilado” pela Secretaria e Conselho Municipal de
Saúde, o que, na visão deles, tornará possíveis ações no PSF para tal finalidade.
Outras necessidades dos doentes mentais como a de serem ouvidos e acolhidos e a
de convivência foram qualificadas em algumas conversas como necessidades de saúde. Veja-se:

“Eles têm necessidade de serem ouvidos, porque, quando a pessoa pára e vai
conversar com um doente mental, eles conversam... Só que as pessoas estigmatizam
ele de “doido”, de “louco”... Uma pessoa que tem que estar distante de todos, porque
não é uma pessoa normal; mas se você sentar pra conversar com aquela pessoa você
vai ver que tem uma história...” (Milena – Grupo 4).

Nessa fala, destaca-se ainda a escuta, descrita como necessidade e recurso


terapêutico, possível de ser utilizado no Programa dirigido a essas pessoas.

As “faltas” e o não saber que inviabilizam as equipes de tecerem o cuidado dirigido


às pessoas com problemas mentais
Os trechos a seguir falam dos limites, ações ou não, dirigidas ao doente mental,
pelos participantes, e de seus sentimentos, no contexto do PSF:

“A gente sempre procura fazer o melhor, mas, infelizmente, nessa área, a gente fica
impotente. Lidar, dar assistência diretamente a eles a gente não dá... O que a gente
faz? O máximo é encaminhar para ver se o especialista, o psiquiatra acompanha... A
gente faz a visita domiciliar... Ver se tomou o remédio direito, fica cuidando de alguma
coisa clínica, tipo, se fez algum exame... Mas, quando chega na área específica
mesmo, a gente não tem o que fazer. A gente fica muito limitado.” (Paula - Grupo 3).

“Às vezes, você fica repetindo a receita do colega e depois de algum tempo, digo: —
Agora você tem que ir lá de novo...” (Marcela – Grupo 3).

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“Eu me limito até o momento em visitas. Conversar... Porque nós não temos respaldo,
apoio... Então, isso limita muito nosso trabalho. Às vezes, a gente vê que ali tem que
ser feito algum trabalho, mas você olha para um lado, olha para outro e diz assim: —
Como eu vou fazer?” (Cláudio – Grupo 1).

“O que vou fazer?” (Roberta – Grupo 1).

No trecho de conversa do grupo 3, a ação de procurar “fazer o melhor” é


manifestada como algo compartilhado pelos membros dessa equipe, expressão que fica
inviabilizada, quando se trata do doente mental, pois o que acontece é que as ações a ele dirigidas
são limitadas, os sentimentos de impotência evidentes e os encaminhamentos inevitáveis. Ao lado
dessas explicitações, aqui também aparece o entendimento de que não há o que fazer... Mas
“pequenas” ações são expressas — a visita domiciliar, os cuidados clínicos, as observações acerca
do uso de medicações, a repetição da receita — esta última, realizada pelo médico do Programa,
pode significar um esforço para “poupar” tempo e recursos do doente, ação que também é vista
como limitada, exigindo a ida ao especialista, “por algum tempo”.
No trecho transcrito da conversa ocorrida no grupo 1, as ações também são descritas
como limitadas às visitas, acrescentadas das conversas e informações acerca do acesso à
medicação. Para eles, há “certo constrangimento”, provocado pela observação de que o outro
precisa de ajuda, e vontade própria de ajudar, inviabilizada pela falta de apoio e de conhecimento
acerca de como “fazê-lo”.
As expressões — o que fazer? como fazer? fazer o que? encaminhar para onde?
encaminhar para quem? — apresentaram-se como indagações freqüentes dos participantes em
quase todas as conversas. Foi questionado por um deles se era para o PSF ver tudo; em seguida, a
conversa avançou para discussões sobre o que lhes faltava e o que poderiam viabilizar sobre o
cuidado nessa área no Programa.
Destaca-se que a falta de apoio e referência também são barreiras citadas que
impedem os participantes de fazer algo pelos doentes mentais no Programa. Em outros grupos, são
também citadas as inexistências de conhecimento, contra-referência, apoio de um especialista e de
recursos financeiros, capacitação, medicações, espaço na Unidade do Programa e visão integrada
da assistência.
Tais reflexões eram também carregadas pela expressão de sentimentos, que variaram
entre participantes de diferentes grupos e de uma mesma conversa grupal.

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Revista Baiana Possibilidades de cuidar da saúde Mental no PSF
de Saúde Pública
Sobre as possibilidades do cuidado, foram pontuadas diversas ações, das quais
descreve-se: integrar os doentes mentais em programas já existentes, conforme a área de interesse;
desenvolver campanha de “casa em casa”, para orientar famílias e comunidade como lidar com o
doente mental; cuidar dos casos possíveis de tratamento no contexto local; realizar oficinas que
visibilizem os potenciais existentes no doente; desenvolver um programa que direcione esse
cuidado; integrar a visão no atendimento, para sua inclusão; oferecimento de um Manual pelo
Ministério da Saúde. Uma dessas idéias é exemplificada nas falas a seguir:

“Se capacitasse o PSF para isso, então desenvolveríamos um tipo de oficina para
trabalhar com esse grupo.” (Rodrigo – Grupo 4).

“Quando tivesse uma demanda (organizada), a gente poderia promover oficinas para
mostrar e até para diminuir o preconceito da comunidade... Mostrar que eles são
capazes, que eles são pessoas normais... Interagem, apesar de terem limitações...
(Paulo – Grupo 4).

A necessidade de capacitação foi consenso em todas as conversas, em resposta à


questão final, feita pela pesquisadora, sobre o que diriam se alguém da coordenação dissesse que,
de agora em diante, eles teriam que acompanhar o doente mental. Isso é justificado por seus
desconhecimentos sobre como lidar, a importância em ajudar essas pessoas e pela forma como já
vêm sendo implantadas as ações programáticas no PSF:

“Para todos os programas, no caso o hipertenso, o diabético... A gente tomou um


treinamento... Eu também acho que para trabalhar com pessoas com distúrbio mental, a
gente também tinha que passar primeiro por esse tipo de Programa.” (José – Grupo 2).

“É, um curso...” (Marcela – Grupo 2).

Ao lado da sugestão de capacitação, os participantes também relataram alguns


problemas acerca do Programa, que os impedem de levar a cabo determinados cuidados, mesmo
estando capacitados para tal. São eles: a sobrecarga de trabalho; a imposição do cuidado, sem
recursos materiais e sem o apoio de outras instâncias e, especificamente, à Saúde Mental. Foram
acrescentadas as inseguranças com relação àqueles que vivem sozinhos e a incerteza quanto à
vontade de desenvolver ou não este trabalho:

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“[...] se a gente prioriza isso, a gente cai na outra questão: recentemente, a gente foi
capacitado para saúde do adolescente; temos noventa dias para montar um grupo,
funcionando com dados, nós não conseguimos ainda... por falta de perna, a gente
não tem perna, não tem tempo...” (Paulo – Grupo 4).

“Está difícil.” (Fábia – Grupo 4).

“Eu prefiro ter poucos programas funcionando bem, do que ter vários funcionando
pela metade. Agora também, no PSF, tem essa coisa de ver o indivíduo como um
todo, do foco ser a família, do foco ser o outro...” (Paulo – Grupo 4).

“De trabalhar com a comunidade.” (Fábia – Grupo 4).

“[...] de querer trabalhar com a comunidade. É isso, e você já percebe que a equipe
tem vontade de ver as coisas funcionando...” (Paulo – Grupo 4).

Ainda é possível considerar, nesses fragmentos de conversas, que a incerteza, ora


apresentada, em cuidar do doente mental no PSF não se trata de ausência de vontade, mas deve-se
ao ativismo do Programa, às condições de tempo e de suporte e à garantia de continuidade. Sem
pensar sobre tais questões, a idéia desse cuidado pode significar um “risco”, porque gera
expectativas na comunidade, sem ter como atendê-las. Dessa maneira, os temores são
apresentados, trazendo dúvidas para esses participantes, ao lado da certeza de que a equipe,
incluindo a si próprio, deseja “ver as coisas funcionando”.
Usando o termo “perigoso”, o entendimento de risco em inserir o cuidado ao doente
mental no PSF, sem o devido suporte, também foi evidenciado no Grupo 2, que se negou a
desenvolver qualquer ação nesse sentido, sem que haja esta garantia.

DISCUSSÃO
A análise dos fragmentos de conversas destacados permitiu visualizar que o PSF, a
despeito de ter como diretriz a atenção integral ao adulto, vem oferecendo um conjunto de
assistência “básica” — controle de hipertensão e diabetes, imunização, consultas médicas — do
qual o doente mental está quase totalmente excluído. Isso demonstra também que o Programa,
quando deveria trabalhar com um planejamento local, atende exclusivamente ao “direcionamento”
do Ministério da Saúde que, semelhantemente, não vem “priorizando” a atenção a essa pessoa
nesse contexto. Como conseqüência, o Ministério da Saúde, governantes e autoridades locais
foram apontados nas conversas como atores sociais responsáveis pela ausência ou pelo possível

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Revista Baiana incentivo ao cuidado dirigido ao doente mental e sua família no Programa, tanto que o interesse
de Saúde Pública
“ventilado no Conselho de Saúde Municipal”, informado por um dos participantes, dá um sentido
de possibilitar ao Programa o desenvolvimento desse cuidado.
Trata-se de esperar por um incentivo externo que os direcione e oriente a fazer algo
por elas. Porém, no cotidiano profissional de nossos participantes, as falas mostram os embates
com situações que exigem deles algum tipo de resposta ou que os façam observar as necessidades
que essas pessoas têm de atenção, de maneira que é quase impossível para eles não assumirem a
posição de serem também responsáveis pela construção deste cuidado.
Partindo dessa compreensão, as falas passam a assumir discursos de atores de
mudanças, sendo explicativas as dificuldades e sentimentos cotidianos, decorrentes das situações
experimentadas. As dificuldades são descritas pelas “faltas”, cujas definições e usos feitos pelos
participantes possibilitam maior entendimento do que elas implicam:

• Referência e contra-referência, princípio do Sistema Único de Saúde (SUS)


— alude ao fato de que o PSF “[...] não é uma peça isolada do sistema de
saúde, mas um componente articulado com todos os níveis”, 10:316
possibilitando-lhes, dessa forma, melhor conhecimento dos usuários,
acompanhamento dos casos, ordenação dos encaminhamentos e a
racionalização de recursos tecnológicos do Sistema.
A garantia de referência nos encaminhamentos do Programa amplia o acesso
de todos aos benefícios existentes no Sistema de Saúde e está em consonância
com outros princípios do SUS: universalidade, eqüidade e integralidade
das ações. Nos discursos dos participantes, essa falta compromete o
desempenho de suas ações, especialmente no que diz respeito à Saúde
Mental, gerando o sentido de impotência.
• Suporte/apoio — “[...] representa um conjunto de ações que podem ser
realizadas por diferentes pessoas [...]”11:.98 Faz-se suporte, por exemplo,
quando se fornece informação, quando se dá apoio emocional ou quando
se fornece recurso técnico para o desenvolvimento de habilidades pessoais
ou materiais para o cuidado da saúde – suporte instrumental —, sendo este
último o mais requerido pelos participantes.
• Capacitação/treinamento — implica na oportunidade de adquirir
conhecimentos, desenvolver habilidades e pensar o cotidiano, possibilitando
sua (re)orientação. De fato, os participantes destacaram, nas expressões “o
que fazer” e “como fazer”, que falta o “conhecimento necessário” para

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assistirem ao doente mental. Entende-se esse discurso como decorrente pelo
menos de dois processos sociais. O primeiro deles diz respeito ao
conhecimento construído nas diversas instituições de formação, que
produzem e reproduzem idéias “manicomiais”, naturalizando-as,
promovendo a ilusão do normal, reificando o outro, aprisionando a diferença
e, dessa forma, “[...] instituem ações de violência consentida, veiculam
discursos que retiram dos sujeitos o saber e o poder sobre si mesmos”.12:136
Para além desses espaços, pouco se sabe como cuidar do doente mental. E
os participantes referem que, para uma nova prática, é preciso uma nova
formação.
O PSF inclui práticas inovadoras em saúde e requer um novo perfil de
profissionais. Tal necessidade conduziu o Ministério da Saúde a instituir os
Pólos de Capacitação, Formação e Educação Permanente para Saúde da
Família, e esse é o outro processo social do qual considera-se resultar as
falas dos participantes. Cabe aos Pólos, dentre outras atividades, ofertarem
treinamentos, objetivando a permanente melhoria da resolutividade da
equipe, acompanhar e supervisionar seu trabalho na Unidade de Saúde da
Família (USF).13
Em uma das conversas grupais, os Pólos foram referidos como estando
distantes dos profissionais, os quais, tendo consciência de suas implicações,
requerem o direito de “treinamento”, com o fim de subsidiá-los no saber/
fazer em Saúde Mental, “como acontece” com as demais ações dirigidas
pelo Programa.
• Espaço físico — a USF tem estrutura semelhante a um Posto ou Centro de
Saúde. 14 A inexistência de espaço físico, referido por alguns participantes
como “impedimento” de efetuarem ações dirigidas ao doente mental, traz
consigo a idéia de um espaço específico na Unidade para realização de
“oficinas”, como dança, bordado e outras, com essas pessoas. Para nós, tal
idéia compartilha da visão “manicomial”, sendo reducionista da atenção
possível de ser oferecida ao doente mental pelo Programa, e do uso de
espaços comunitários para este fim.
• “ A gente não tem perna, não tem tempo...” — esta fala traz o sentido de
sobrecarga de trabalho, envolvendo diversos assuntos tratados nas conversas,
como o fato de o PSF abraçar todos os programas, assemelhando-se ao

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Revista Baiana
“antigo” modelo assistencial oferecido pelo “Posto de Saúde”, e a idéia,
de Saúde Pública
defendida pelos governantes, de que a solução dos problemas de saúde
encontra-se neste Programa. Essas questões fragmentam o processo de
trabalho e produzem objetificação dos profissionais de saúde que estão aí
inseridos, e lembra o entendimento de que “[...] não basta injetar mais
recursos no sistema; e, sim, modificar o modo de gerir os serviços e de se
trabalhar em saúde.”15:118
• Integralidade das ações — implica em que a saúde e as pessoas devam ser
vistas como um todo, com base em ações de promoção, prevenção e
recuperação16 e também na articulação da atenção básica com os demais
componentes do sistema de Saúde.17 Tal princípio do SUS organizou-se
com base na percepção da fragmentação da assistência no Setor.18 É
interessante notar que nas falas que fazem referência a esse aspecto, tal
preocupação também surgiu dessa referência, de maneira que a integralidade
das ações foi construída como possibilidade de inserção da Saúde Mental
no Programa.
Com todos os discursos referentes a essas carências, é possível entender que as ações
dirigidas ao doente mental pelos participantes estejam limitadas ao suprimento de necessidades
clínicas e à escassez de escuta e de diálogo. Da mesma forma, entende-se porque a instituição
desse cuidado, sem tais garantias, é construída como um “risco” ou algo “perigoso” por estes
atores sociais.
Nos dizeres de autores construcionistas19:48 “[...] novos futuros resultam do
desenvolvimento de narrativas que conferem novos sentidos e entendimentos à vida de uma pessoa
e lhe possibilitam novos meios de ação”. Nesse sentido, e tendo por base os usos de alguns
participantes na descrição das carências acima pontuadas, entende-se que elas devam ser
visualizadas como “ideais” das condições do cuidado ao doente mental ou, alternativamente,
como projetos de “vir a ser”, tal qual estudiosos da Saúde Coletiva20 referem que deva ser
qualificado o conjunto de necessidades sociais em saúde, no processo de ensino/aprendizagem da
Saúde Coletiva.
Com relação às possibilidades de atenção em Saúde Mental foram visualizadas
aberturas nos discursos dos participantes, por meio das idéias do que fazer nesse sentido, e da
vontade em querer fazer, que é um dos desafios cruciais para que as coisas aconteçam.21
Ressalta-se que a produção de cuidado em Saúde Mental no contexto da Estratégia
de Saúde da Família, atende aos postulados de acessibilidade, sugerido por Benedetto Saraceno, na

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construção desse cuidado na comunidade, ou seja, em um território definido, com seus problemas
e possibilidades, como arena, onde as “crises” devem ser enfrentadas.22
É preciso, pois, avançar em oferecer suporte aos profissionais de saúde da família,
alavancando práticas de atenção em Saúde Mental nos contextos do Programa, cenário valoroso
para o cuidado em liberdade das pessoas e famílias que sofrem com transtornos mentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise propiciou refletir sobre os limites e possibilidades do cuidado ao doente
mental no PSF. Compreende-se que a condição mais necessária para a produção desse cuidado
envolve a forma de pensar e gerir o serviço no Programa, de maneira que se otimize a prática,
valorizando os recursos da comunidade e as pessoas como recursos, incluindo eles mesmos,
pacientes, familiares e cidadãos da comunidade onde atuam. A respeito das pessoas como recurso
pouco se falou; no entanto, quando se trata de cuidar do doente mental na comunidade, são esses
recursos de que mais se precisa.
Sendo assim, as faltas e as possibilidades descritas nas conversas devem ser vistas
como projetos do que possa “vir a ser”, de diferentes atores sociais, comprometidos com a
construção do novo nesse campo de atenção.
Considera-se que este estudo serviu para sensibilizar os profissionais de saúde da
família que até então não haviam ainda refletido sobre o cuidado do doente mental no Programa.
Para outros, valorizou o interesse em construir tal cuidado. E para alguns, pareceu ser indiferente.
Estes impactos puderam ser visualizados nas permanências e rupturas dos discursos construídos.
Ressalta-se ainda que as rupturas possibilitam reescrever histórias que abram
possibilidades para a vida do doente mental e de sua família na comunidade. Para tanto, outros
momentos de reflexão como estes precisam ser construídos, possibilitando, ainda mais, novos
discursos e, porque não dizer, novas práticas.
Nesse sentido, destaca-se a afirmação de uma pesquisadora construcionista social,
quando diz: “[...] as histórias nunca são acabadas, estando abertas para serem reescritas.”23:31 Este
trabalho corrobora, pois, a necessidade de se pensar o futuro do país, avançando na construção de
ações de saúde mental na comunidade, via estratégia de saúde da família.

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Recebido em 16.04.2007 e aprovado em 21.05.2007.

160
Revista Baiana ARTIGO ORIGINAL
de Saúde Pública

EVOLUÇÃO DAS TRANSFERÊNCIAS FINANCEIRAS NO PROCESSO DE


DESCENTRALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA NO SUS

Jorge José Santos Pereira Sollaa


Ediná Alves Costab

Resumo
A descentralização do Sistema Único de Saúde vem sendo construída de forma
gradativa, regulada pelas Normas Operacionais editadas pelo Ministério da Saúde desde 1991. No
entanto, o processo de descentralização da vigilância sanitária — ação específica do setor saúde e
competência exclusiva do Estado — não tem acompanhado o mesmo vigor do processo de
descentralização da atenção à saúde. Houve limitada indução financeira para municipalização da
vigilância sanitária após a Norma Operacional 01/96. As outras normas, mesmo as relacionadas
com a atenção básica, não conseguiram articular-se efetivamente com a vigilância sanitária. Este
artigo apresenta a evolução das transferências de recursos financeiros no processo de
descentralização, no período entre 1998 e 2005 e discute especificamente o financiamento da
vigilância sanitária.

Palavras-chave: Descentralização. Vigilância Sanitária. Sistema de Saúde.

Abstract
The decentralization of the Unified Health System has being gradually constructed,
regulated through Operational Norms edited by the Brazilian Ministry of Health since 1991.
However, the process of decentralization of the Sanitary Surveillance - specific action of the health
sector and exclusive capacity of the State - has not followed the same strength of the process of
decentralization of the health care. There was limited financial induction for decentralization of
the sanitary monitoring for the municipal districts after the Operacional Norm of 1996. The other
norms, even the related ones with primary health care, had not articulated themselves effectively
with Sanitary Surveillance. This article presents the evolution of the transferences of financial

a
Instituto de Saúde Coletiva – Universidade Federal da Bahia (UFBa).
Endereço para correspondência
correspondência: Rua Marechal Floriano, 41, Apt. 101 - Canela – Salvador – Bahia. CEP: 40.110-010. E-mail:
solla.jorge@gmail.co
b
Instituto de Saúde Coletiva – Universidade Federal da Bahia (UFBa).

v.31, n.1, p.161-177 161


jan./jun. 2007
means in the process of decentralization, in the period between 1998 and 2005 and specifically
argues the evolution and trends of the financing of the Sanitary Surveillance.
Key word: Decentralization. Sanitary Surveillance. Health System.

INTRODUÇÃO
A descentralização no Sistema Único de Saúde (SUS) tem transferido
responsabilidades, prerrogativas e recursos para os governos municipais, criando possibilidades de
maior autonomia do nível local no uso dos recursos e na definição e implementação de políticas,
maior acesso e controle pela população e impacto positivo na gestão e na atenção.1
O Brasil é um país continental e complexo, marcado por profundas desigualdades
econômicas, sociais, demográficas, culturais e sanitárias. Tal quadro ressalta a importância da
descentralização das políticas públicas, inclusive na área de saúde. Além disso, trata-se de um
sistema federativo muito particular, no qual os municípios são entes federados, dotados
formalmente de autonomia política, administrativa e financeira e protagonistas da gestão da
saúde.2 São 5.563 municípios, além do Distrito Federal e de Fernando de Noronha, totalizando
5.565 entes federativos locais. A maioria absoluta (71,3%) tem menos de 20.000 habitantes e
apenas 255 municípios, aqueles com mais de 100.000 habitantes, concentram 53,43% da
população brasileira.
A Constituição3 definiu, no Capítulo I, Artigo 198, entre os princípios da gestão do
SUS, a descentralização, com direção única em cada esfera de governo e também atribuiu ao
município, entre outras competências, prestar serviços de atendimento à saúde da população, com
a cooperação técnica e financeira da União e do Estado. De acordo com o mandamento
constitucional, a Lei Orgânica da Saúde definiu a descentralização político-administrativa, com
direção única em cada esfera de governo, com ênfase na descentralização dos serviços para os
municípios.
Ao redesenhar o papel de estados e municípios perante a União, a Constituição
também redefiniu o pacto federativo, que, especialmente no setor saúde, “[...] passa a ter como
eixo a descentralização das definições políticas, recursos financeiros e fundamentalmente serviços
nas instâncias descentralizadas em Estados e municípios”.4:418
Na Constituição, o conceito de saúde foi assumido de forma ampliada, enquanto
qualidade de vida. A saúde passou a ser defendida como direito social universal, um direito de
cidadania, e as ações e serviços de saúde foram caracterizados como de relevância pública. O
direito à saúde deve ser assegurado pelo Estado mediante políticas públicas e ações consoantes
com os objetivos e metas fixados na Constituição.5 A saúde se insere num conjunto de direitos

162
Revista Baiana
sociais, cuja garantia necessita da atuação do Estado; a realização desses direitos, ou seja, a
de Saúde Pública
passagem da declaração jurídica a sua proteção efetiva requer a ampliação dos poderes do Estado.6
A descentralização no setor saúde apresenta potencialmente diversas vantagens nos
âmbitos administrativo, político e econômico, entre elas: possibilidade de organizar de forma mais
racional o sistema de saúde com base em áreas administrativas locais, particularmente para
atenção básica à saúde; contribui para facilitar a coordenação intersetorial; permite soluções locais
para problemas relacionados a grandes distâncias, comunicação inadequada e áreas de difícil
acesso; pode permitir maiores oportunidades para inovações e aumentar o universo de experiências
positivas de gestão; promove um contato mais próximo entre governo e população, melhores
condições para formulação de políticas, planos e programas mais realistas e adequados à realidade
local; permite melhores condições para incrementar a provisão de atenção à saúde em regiões com
baixa cobertura; aquisição local de determinados tipos de insumos estimula a economia na região;
facilita a participação da comunidade, permitindo melhorar o controle sobre os recursos aplicados,
a aceitabilidade, cooperação e sustentabilidade da política de saúde; possibilita às representações
de vários grupos sociais, étnicos, religiosos e políticos em diferentes regiões do país participar mais
diretamente das tomadas de decisão sobre as políticas de saúde; e permite que as políticas
nacionais penetrem em áreas distantes, onde o suporte para programas nacionais é geralmente mais
frágil.7
A descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) não é automática; vem sendo
construída de forma gradativa, processual, com a progressiva ampliação do número de municípios
a assumirem a função de dirigentes plenos das ações e serviços de saúde executados em seu
território.5
Desde a nova Constituição da República, diversas iniciativas institucionais e
legislativas objetivaram criar as condições de viabilização plena do direito à saúde; destacam-se,
no âmbito jurídico-institucional, a chamada Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/908 e a Lei 8.142/
909) e as Normas Operacionais Básicas (NOB). A Lei Orgânica regulamentou o Sistema Único de
Saúde, agregando todos os serviços públicos — federal, estadual e municipal — e os serviços
privados contratados/conveniados. As Normas Operacionais Básicas têm sido instrumentos
regulamentadores que, progressivamente, têm aprofundado o processo de descentralização da
gestão do sistema de saúde e definido as relações entre as três esferas de governo. A NOB 01/9110,
ainda editada pela Presidência do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS), estabeleceu a transferência de recursos para estados e municípios por meio de
convênios, considerando estes entes federativos como prestadores de serviços. A NOB/SUS 01/9311
criou três alternativas de gestão, expressando graus crescentes de descentralização: incipiente e

v.31, n.1, p.161-177 163


jan./jun. 2007
parcial, em que continuavam apenas como prestadores de serviços ao SUS, e a gestão semi-plena,
quando pela primeira vez alguns municípios passaram efetivamente a assumir a gestão do sistema
de saúde. Esta NOB estabeleceu o funcionamento de instâncias colegiadas de gestão do SUS, as
Comissões Intergestores Tripartite (nacional) e Bipartites (estaduais).
Este artigo aborda a descentralização das ações e serviços de saúde a partir das
Normas Operacionais Básicas e tem o objetivo de apresentar e discutir a evolução das
transferências de recursos financeiros no processo de descentralização e construção do Sistema
Único de Saúde, no período de 1998 a 2005, identificando-se especificamente a evolução da
descentralização e tendências do financiamento da vigilância sanitária. Os dados foram obtidos do
Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS) na homepage do
DATASUS / Ministério da Saúde (www.datasus.gov.br) e tabulados empregando as ferramentas
TABNET e TABWIN, com acessos realizados em março de 2006.

DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE NO SUS


O processo de municipalização das ações e serviços de saúde teve um marco
importante em 1994, quando os primeiros municípios assumiram a denominada “gestão semi-
plena” nos parâmetros da NOB-93. Em 1994, o Decreto nº 1.23212, de 30 de agosto de 1994,
autorizou o repasse financeiro direto do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Municipais de
Saúde, viabilizando o mecanismo necessário para operacionalizar a gestão semi-plena, iniciada em
24 municípios que haviam assumido este compromisso; progressivamente, foi alcançada mais de
uma centena de municípios que vieram a demonstrar a viabilidade da construção do SUS.13
Ao final de 1996, dois anos depois, já existiam 137 municípios em gestão semi-
plena de um total de 3.078 habilitados pela NOB-93. Com a NOB-9614 houve um grande
incremento da descentralização, de forma que em junho de 2000, dois anos após a implantação
desta norma operacional (só efetivada em 1998), já eram 5.426 municípios habilitados, dos quais
520 em gestão plena do sistema municipal de saúde (GPSM).
Em setembro de 2004, apenas 15 municípios ainda não tinham sido habilitados,
pelo menos em Gestão Plena da Atenção Básica, e mediante decisão da Comissão Intergestores
Tripartite (CIT) todos os municípios passaram a ter a responsabilidade definida da gestão da
Atenção Básica. Desde outubro de 2004 todos os estados se encontram em gestão plena, mas em
janeiro de 2003 eram apenas 13. Em outubro/05 cabia a todos os municípios pelo menos a gestão
da atenção básica; 657 municípios estavam em gestão plena do sistema municipal de saúde
(GPSM): 429 pela NOB 01/9614 e 228 conforme a Norma Operacional da Assistência à Saúde – a
NOAS 01/0215.

164
Revista Baiana
Desde o ano de 2003 tem sido observado um grande aumento dos repasses
de Saúde Pública
federais para estados e municípios para financiamento do SUS (mais de 32% até julho de
2005). Isto representa um incremento superior a 5,3 bilhões de reais em 2 anos e meio,
saindo de R$ 1.361.679.173,67 mensais em dezembro de 2002 para R$ 1.802.915.868,07 em
julho de 2005, com R$ 1.063.452.196,22 para média e alta complexidade ambulatorial e
hospitalar, R$ 550.540.455,41 para atenção básica e R$ 188.923.216,44 para o Fundo de Ações
Estratégicas (FAEC). Esta indução financeira viabilizou, entre outros resultados, a entrada de todos
os estados em gestão plena. A partir de agosto/03, com a entrada de São Paulo, Estado e Capital,
em gestão plena, houve grande incremento das transferências diretas para fundos estaduais e
municipais. Em outubro/04, com a entrada dos últimos estados em gestão plena, cessou o
pagamento direto pelo Ministério da Saúde a prestadores de serviços de saúde, transferindo-se
Gráfico 1
todos os recursos federais para fundos estaduais e municipais (Gráfico 1).

Fonte: DATASUS / Ministério da Saúde.

Gráfico 1. Recursos Federais do SUS de acordo com grupo de despesa, Brasil, dezembro/
1996 a dezembro/2005

Este aumento foi efetivado de forma especial na atenção básica. Comparando o total
de recursos federais para atenção básica com os repassados para atenção especializada ambulatorial
e hospitalar, isto é, média e alta complexidade (MAC) — sem incluir o Fundo de Ações
Estratégicas (FAEC) — evoluiu de 36% em 2002 para 47% em 2005. Os recursos para atenção

v.31, n.1, p.161-177 165


jan./jun. 2007
básica representavam 19% do total do MAC em 1998 — ano de implantação do PAB —
aumentando para 27% em 1999, ficando entre 33% e 36% no período de 2000 a 2002. Em 2003
cresceu para 39%, em 2004 para 44% e em 2005 foi igual a 47%.
Incluindo os recursos do FAEC nos da MAC, o percentual dos recursos para atenção
básica em relação a este total ficou entre 33% e 34% de 2000 a 2002, aumentando em 2003 para
35%, em 2004 para 38%, alcançando 40% em 2005.
Cabe destacar que, de acordo com dados do Sistema de Informações sobre
Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), apresentados pelo representante do Conselho Nacional
de Secretários de Saúde (CONASS) no 2º Encontro Nacional do Ministério Público em Defesa da
Saúde, realizado em setembro de 2005, a evolução dos gastos públicos federais com a saúde, no
Brasil, caiu entre 1997 e 2002 de US$ 89 para US$ 48 dólares per capita. A partir de 2003, houve
uma mudança importante, passando a aumentar anualmente para US$ 50 neste ano, US$ 62 em
2004 e com previsão orçamentária de aplicação de US$ 63 em 2005.16

EVOLUÇÃO DA DESCENTRALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO DA VIGILÂNCIA


SANITÁRIA
A vigilância sanitária, enquanto ação específica do setor saúde, é explicitada no
texto constitucional de 1988 e regulamentada pela Lei Orgânica da Saúde, na qual é estabelecida
como “[...] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de
intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens
e da prestação de serviços de interesse da saúde”.8:2
A descentralização das ações de vigilância sanitária guarda algumas peculiaridades
em relação ao processo geral de descentralização do SUS, especialmente no que diz respeito ao
“[...] fato de ser atribuição de governo, ou seja, de ser atividade restrita ao setor público”17:299 e de
requerer a manutenção de determinadas competências em um órgão central, tais como o registro
de produtos e parte das ações em áreas de fronteira, portos e aeroportos, devido à natureza de seus
objetos de cuidado que circulam em todo o território nacional e internacional.18 As ações de
vigilância sanitária, por sua natureza regulatória dirigida à proteção da saúde, constituem tanto
uma ação de saúde quanto um instrumento da organização econômica da sociedade. A função
protetora abarca não apenas cidadãos e consumidores, mas também os produtores, que atuarão em
ambiente de credibilidade, menos exposto à concorrência desleal e à fraude.19
Os rumos do processo de descentralização no SUS vêm sendo regulados pelas
Normas Operacionais editadas pelo Ministério da Saúde a partir de 1991, e a partir da NOB
publicada em 1993 refletem o estágio do processo de negociação entre os gestores das três esferas
de governo pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT).

166
Revista Baiana As primeiras normas operacionais — mesmo a NOB/93, que teve impacto
de Saúde Pública
fundamental ao criar os mecanismos para repasses do fundo nacional de saúde aos fundos
estaduais e municipais e efetivar a habilitação de municípios na denominada gestão semi-plena —
não contribuíram para fazer avançar a descentralização das ações de vigilância sanitária que ficou
ao sabor das iniciativas de estados e municípios.
A NOB/96 conferiu maiores responsabilidades ao âmbito municipal, pautou a
necessidade de reorientar o modelo de atenção à saúde, impulsionou amplamente o processo de
descentralização com duas formas diferenciadas — Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB) e
Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde (GPSM) —, criou o Piso de Atenção Básica (PAB),
ampliando o financiamento para as ações básicas de saúde, estabeleceu o Piso Básico de
Vigilância Sanitária (PBVS) e definiu as atribuições de cada esfera de governo no que diz respeito à
vigilância sanitária.14, 17

Contudo, ao não diferenciar o conjunto de atividades e procedimentos


de Vigilância Sanitária correspondentes às ações de baixa, média e de
alta complexidade, a NOB SUS 01/96 não viabiliza a operacionalização
imediata das responsabilidades específicas detalhadas para cada tipo de
gestão [...] Na prática encontra-se [sic] VISAs municipais em GPSM sem
condições mínimas para o desempenho de suas ações, e, em menor
número, VISAs em GPAB plenamente estruturadas para desenvolverem
adequadamente suas ações. Mas, certamente, espera-se que as
Secretarias Municipais de Saúde em GPSM, avaliadas como possuidoras
de efetivo Sistema Local de Saúde, tenham melhores condições para
estruturar seus órgãos de Vigilância Sanitária.17:4;5

É importante destacar que a NOB 01/96 estabeleceu entre as responsabilidades dos


municípios em GPSM a prestação de serviços por meio de ações básicas, de média e alta
complexidade em vigilância sanitária e, entre as prerrogativas destes municípios, a transferência de
recursos para remuneração de serviços de vigilância sanitária de média e alta complexidade e para
execução do Programa Desconcentrado de Ações de Vigilância Sanitária, que consiste na prestação
de serviços que seriam originalmente de competência do gestor federal.14,20 Infelizmente, estes
repasses financeiros não foram operacionalizados efetivamente para os municípios em GPSM nos
marcos desta norma operacional.
Na NOAS SUS 01/02, a vigilância sanitária aparece apenas entre os requisitos para
habilitação dos municípios às condições de gestão estabelecidas, os quais passam a ter que
comprovar as condições para desenvolver as ações de VISA definidas.15,17,21

v.31, n.1, p.161-177 167


jan./jun. 2007
Tanto no âmbito da NOB SUS 01/96 quanto da NOAS SUS 01/02,

[...] cabe ao Estado a execução de ações de VISA de baixa, média e/ou


alta complexidade, apenas quando o município não está habilitado a
executá-las, de acordo com as condições de gestão previstas [...] Na
prática, executar ações de vigilância sanitária de alta complexidade
requer capacidade técnica e recursos humanos especializados, exigência
que muitos municípios de médio e pequeno porte, não têm condições
de manter, pelo menos por enquanto, ficando o Estado como o
principal executor dessas ações.17:5

Com a estruturação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a área


experimentou significativas mudanças, devido às novas bases de atuação político-institucional,
com destaque para os mecanismos de financiamento das ações de vigilância sanitária, mediante o
repasse de recursos financeiros da esfera federal para os Estados. Compromissos firmados no
Contrato de Gestão — novo instrumento incorporado ao modelo de agência — passaram a exigir,
como requisito para seu cumprimento, atuação compartilhada com os serviços estaduais,
estabelecendo-se a estratégia de pactuação — mediante o chamado Termo de Ajuste e Metas — e
a repartição dos valores arrecadados com as taxas de fiscalização entre o órgão federal e os
estados.19
No entanto, este esforço da ANVISA para fortalecer o processo de descentralização
ficou quase que restrito à cooperação com as Secretarias Estaduais de Saúde. Apenas em 2004 foi
efetivamente iniciado o repasse de recursos do governo federal para municípios em gestão plena
para financiamento de ações de média e alta complexidade em vigilância sanitária e de valores de
taxas de fiscalização recolhidas para a ANVISA.
Nos marcos atuais do processo de descentralização das ações e serviços de saúde
espera-se que todos os municípios estruturem minimamente seus serviços de vigilância sanitária e
desenvolvam ações de baixa complexidade ou ações básicas de vigilância sanitária. Contudo,
apesar da existência de um conjunto importante de municípios que experimentaram grandes
avanços na gestão do SUS e na conformação de um sistema municipal de saúde que envolve,
inclusive, a Vigilância Sanitária,alguns estudos22-26 têm evidenciado a baixa oferta de ações e a
precariedade da gestão municipal em vigilância sanitária.
Investigação desenvolvida no Estado do Rio de Janeiro16 mostrou que a Secretaria
Estadual de Saúde é ainda o executor preferencial das ações de VISA neste estado; não foi
encontrada correspondência entre estar em GPSM e uma melhor estruturação da VISA e a não
priorização da vigilância sanitária no contexto da descentralização do SUS no Estado, evidenciada

168
Revista Baiana
pela falta de estruturação dos órgãos locais de VISA. Em outros estados verifica-se a entrega da
de Saúde Pública
responsabilidade sobre as ações básicas de VISA para todos os municípios, com
desresponsabilização da gestão estadual sobre tal âmbito de intervenção do SUS.
Cabe destacar, no que diz respeito ao financiamento, que até o momento os estados
não repassam recursos para os municípios com o objetivo de apoiar as ações em VISA, que conta
apenas com recursos federais e municipais para sua realização. Os recursos federais têm estado
praticamente estacionários desde a implantação do Piso Básico de Vigilância Sanitária, em 1998.
Apesar do aumento registrado a partir de 2003 nos repasses federais para estados e municípios com
vistas ao financiamento das ações e serviços de saúde, os recursos repassados para custeio de ações
básicas de vigilância sanitária não apresentaram tal evolução, variando de R$ 43.045.655,61 em
Tabela 1
2002 para R$ 44.095.283,01 em 2005 (Tabela 1).

Tabela 1. Recursos federais repassados para ações básicas de Vigilância Sanitária e proporção
em relação ao total de repasses para atenção básica, Brasil, 1998 a 2005

Fonte: DATASUS / Ministério da Saúde.

A proporção dos recursos transferidos para financiar ações em vigilância sanitária


básica em relação ao total de repasses para atenção básica apresentou redução proporcional e
Tabela 1
progressiva entre 1998 e 2005: 1,8% em 1998, 1,0% em 2002 e 0,7% em 2005 (Tabela 1).
O número de unidades de vigilância sanitária registradas no SIA/SUS aumentou
progressivamente entre novembro/99, quando eram 944, e janeiro/2002, quando já somavam
2.128, sendo 1.180 em janeiro de 2000 e 1.798 em janeiro de 2001. Em janeiro de 2003 houve
redução para 2.048 unidades, voltando a aumentar em julho de 2003 para 2.126.

v.31, n.1, p.161-177 169


jan./jun. 2007
Os dados atuais do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)27
apontam a existência de 2.312 unidades de vigilância à saúde, 5.646 unidades com cadastro de
especialidade em vigilância sanitária e um conjunto de 6.958 agentes e 1.165 técnicos de
vigilância sanitária em atividade.
Esses dados mostram-se significativamente subestimados quando comparados com
os obtidos no Censo Nacional dos Trabalhadores de Vigilância Sanitária, realizado em 2004. O
censo abrangeu todos os Estados, o Distrito Federal e 4.814 municípios que informaram ter
serviços de vigilância sanitária e revelou a existência de 32.135 trabalhadores, dos quais 60%
(19.221) encontram-se em municípios. Quando se examina o tempo em que esses trabalhadores
estão nos serviços de vigilância sanitária, pode-se constatar que 67% tem até 5 anos. Nos
pequenos municípios, de até 20 mil habitantes e que detêm 19,3% do total de trabalhadores, esse
percentual se eleva para 78%, indicando um processo de implantação de serviços de vigilância
sanitária a despeito da pequena disponibilidade de recursos financeiros.28
O repasse de recursos federais para ações de média e alta complexidade (MAC) em
vigilância sanitária foi iniciado em agosto de 2000, exclusivamente para os estados, num total
mensal de R$ 1.787.359, que aumentou no mês subseqüente para R$ 2.013.921, em fevereiro/
2001 para R$ 2.246.962 e em outubro/2001 para R$ 2.312.454. Em agosto de 2004, já incluindo
repasses também para municípios, este montante alcançou o valor mensal de R$ 2.341.439 e entre
fevereiro e dezembro de 2005 ficou mensalmente em R$ 2.370.193,81, sendo R$ 1.667.626,76
para os estados e R$ 702.567,05 para os municípios.
Os recursos referentes a taxas de fiscalização arrecadadas pela ANVISA tiveram
repasses esporádicos nos meses de outubro a dezembro nos anos de 2001 a 2003 para os estados.
A partir de agosto de 2004 começaram a ser repassados mensalmente para estados e municípios.
Entre janeiro e dezembro de 2005 foram repassados mensalmente R$ 2.759.838,90, sendo R$
2.144.380,13 para os estados e R$ 615.458,77 para os municípios.
Em dezembro de 2005, o quadro dos repasses para as capitais, de recursos federais
destinados às ações de média e alta complexidade em vigilância sanitária, referentes às taxas de
fiscalização arrecadadas pela ANVISA, evidenciava que na região Norte apenas Belém estava
incluída e, no Nordeste, ainda faltavam 4 (quatro) capitais — Teresina, Fortaleza, João Pessoa e
Salvador; esta última ainda não estava habilitada em GPSM. Por outro lado, Florianópolis, que
também não se encontrava em GPSM, vinha recebendo regularmente estes repasses para MAC na
área de vigilância sanitária, evidenciando o descompasso existente entre as responsabilidades de
gestão na área assistencial e na vigilância sanitária.

170
Revista Baiana
O número de municípios que registraram procedimentos de vigilância sanitária
de Saúde Pública
(VISA) em qualquer quantidade (pelo menos um procedimento), no mínimo em um dos meses do
ano aumentou até 2003: 1.609 em 2000, 1.926 em 2001, 2.253 em 2002 e 2.616 em 2003,
correspondendo, respectivamente, a 29%, 35%, 40% e 47% do total de municípios, caindo em
2004 para 2.503 (45%) e em 2005, para 2.165 (39% do total) municípios.
O número de procedimentos realizados mostrou tendência semelhante, aumentando
até 2003, caindo em 2004 e retomando o aumento em 2005; desta vez apenas no grupo de
municípios em GPSM, não sendo observado nos demais, coincidindo com o início dos repasses
para financiar ações de média e alta complexidade em VISA em 2004. Em dezembro de 2005
foram registrados 1.810.162 procedimentos de VISA realizados sob gestão municipal; destes
1.315.579 (72,7%) foram realizados por municípios em GPSM e 494.583 (27,3%) nos demais
municípios (Gráfico 2 A tendência observada na evolução da oferta de ações em VISA no
Gráfico 2).
período analisado apresentou comportamento semelhante em todas as regiões do país.

Fonte: DATASUS / Ministério da Saúde.

Gráfico 2. Procedimentos básicos em Vigilância Sanitária registrados no SIA/SUS por situação


de gestão, Brasil, nov/99 a dez/05

Algumas capitais e grandes municípios ainda registram baixíssima oferta de ações


em VISA. Na Tabela 2,
2 apresentam-se as séries históricas de registro de procedimentos de VISA no
SUS para as capitais. Em três delas (Belém, Macapá e Cuiabá) não houve registro destes

v.31, n.1, p.161-177 171


jan./jun. 2007
procedimentos durante todo o ano de 2005. Chama atenção a ausência de registro de
procedimentos de VISA em Goiânia entre 2000 e 2004, a situação do Rio de Janeiro, onde foi
registrado apenas um procedimento em 2004 e a significativa redução do registro de ações de VISA
em Porto Alegre, a partir de 2004.

Tabela 2. Procedimentos de Vigilância Sanitária realizados em Capitais, Brasil, 2000 a 2005

Fonte: DATASUS / Ministério da Saúde.

172
Revista Baiana
Na Tabela 3 observa-se o número de procedimentos de VISA registrados anualmente
de Saúde Pública
por 1.000 habitantes para as capitais. Os melhores desempenhos registrados em 2005 foram em
Palmas (532,66 procedimentos por 1.000 habitantes), Recife (313,02), Teresina (197,25), Maceió
(136,76) e Natal (120,44). Com exceção de Salvador e Fortaleza, as capitais nordestinas tiveram
um desempenho superior ao das demais regiões.

Tabela 3. Procedimentos de Vigilância Sanitária por 1.000 habitantes realizados emCapitais,


Brasil, 2000 a 2005

Fonte: DATASUS / Ministério da Saúde.

v.31, n.1, p.161-177 173


jan./jun. 2007
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que a descentralização da assistência, da vigilância sanitária e da
vigilância epidemiológica e controle de doenças se deram em tempos e formatos diferentes.
Verifica-se limitada indução financeira para municipalização da VISA após a NOB 01/96; a NOAS
e movimentos normativos posteriores, mesmo os relacionados com a atenção básica, não
conseguiram articular-se efetivamente com a VISA.
Com base nos dados analisados, mesmo considerando a existência de sub-registro
das ações de vigilância sanitária no SIA/SUS, e frente à baixa oferta de ações e capacidade de
gestão em VISA, inclusive em grandes municípios e capitais, e a importância que parecem ter tido
os repasses para financiamento de ações de média e alta complexidade em VISA como indutor
para a ampliação das ações nos municípios em GPSM, questiona-se a possibilidade de estar em
curso certa tendência à “estagnação” da VISA nos municípios, com comportamento diferenciado
naqueles em gestão plena, onde parece indicar um aumento dos procedimentos de VISA
registrados em 2005. Ao se refletir sobre as questões do financiamento em contraposição ao
dinamismo evidenciado na incorporação de trabalhadores de vigilância sanitária também se
questiona o elenco e a qualidade das ações e serviços que poderão permanecer no modelo
tradicional, com escassa efetividade, devido aos limites do financiamento.
A gestão em vigilância sanitária é tema recente na agenda da saúde. Em face do
debate em torno da necessidade de um novo modelo de atuação na perspectiva da construção de
um Sistema Nacional de Vigilância Sanitária integrado no SUS e de acordo com seus princípios
doutrinários e organizativos, torna-se imperioso discutir sobre como financiá-lo e como qualificar
sua capacidade de gestão de modo a que cumpra sua função de proteger e promover a saúde da
população.

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[www.datasus.gov.br], acesso em [13 de março de 2006].

176
Revista Baiana 28. Brasil. Ministério da Saúde. Homepage da Agência Nacional de
de Saúde Pública Vigilância Sanitária (ANVISA). Extraído de [www.anvisa.gov.br], acesso
em [19 de maio de 2006].

Recebido em 09.04.2007 e aprovado em 30.05.2007.

v.31, n.1, p.161-177 177


jan./jun. 2007
ARTIGO DE REVISÃO

UMA REVISÃO SOBRE EFEITOS ADVERSOS OCASIONADOS NA


SAÚDE DE TRABALHADORES EXPOSTOS À VIBRAÇÃO

Barbara Aparecida Sebastiãoa


Maria Helena Palucci Marzialea
Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzia

Resumo
A vibração pode ser um fator etiológico para algumas doenças relacionadas ao
trabalho. Ela pode incidir no corpo inteiro ou nas mãos, causando danos à saúde. O presente
estudo tem como objetivo identificar na literatura nacional e internacional quais trabalhadores
estão expostos à vibração e quais problemas de saúde têm sido mais referidos. A pesquisa
bibliográfica sistematizada foi realizada por meio de indexadores nacionais e internacionais no
período entre 1995 e 2005. Constatou-se que os trabalhadores expostos a esse tipo de agente físico
exercem atividades em setores variados, principalmente industriais e de transporte, e as
conseqüências para sua saúde são insidiosas e às vezes irreversíveis; as lesões no sistema músculo-
esquelético, vascular e nervoso periférico são as de maior relevância.

Palavras-chave: Vibração. Efeitos adversos. Exposição ocupacional. Doença ocupacional.

A REVISION ABOUT THE ADVERSE EFFECTS ON WORKERS’


HEALTH CAUSED BY VIBRATION

Abstract
Vibration can be an etiological factor for some work-related diseases. It can occur in
the entire body or through the hands, causing health damage. This study aims to identify, in
national and international literature, which workers are exposed to vibration, and which health
problems are most commonly sited. This systematized bibliographic study was performed through
national and international databases between 1995 and 2005. The study illustrated that workers
exposed to that type of physical agent, practice activities in various sectors, mainly industrial and
transportation, and the consequences to their health are insidious and sometimes irreversible. The

a
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil.
Endereço para correspondência: B. A. Sebastião, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Avenida Bandeirantes, 3900 -
Campus da USP - 14040-902 Ribeirão Preto, SP – Brasil. E-mail: basfisio@yahoo.com.br

178
Revista Baiana
most relevant injuries occur in the musculoskeletal, vascular, and peripheral nervous system.
de Saúde Pública
Key words: Vibration. Adverse effects. Occupational exposure. Occupational disease.

INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil (Portaria
nº 1339, de 1999) consideram as vibrações como agentes de risco de natureza ocupacional e esse
último não determina limites de tolerância para vibrações ocupacionais, mas vale ressaltar que a
exposição a baixas freqüências — 5 a 20 Hz — é potencialmente mais perigosa do que a de alta
freqüência — 6,3 a 1250 Hz.1- 4
A vibração relacionada ao trabalho constitui-se em um importante fator de risco à
saúde e pode levar a sérias conseqüências ao organismo. Ela resulta de uma fonte emissora de
vibração mecânica que incide no organismo1,5,6 no corpo inteiro e nas mãos. No primeiro caso, há
uma superfície que vibra, suportando o corpo humano em pé, sentado ou deitado; esta forma de
exposição ocorre em todas as opções de meios de transporte2,3. No segundo caso, a exposição
ocorre ao manusear equipamentos vibratórios, o que se vê em trabalhadores industriais,
agricultores, mineradores, profissionais odontólogos e trabalhadores da construção dentre outros
profissionais.2,7, 8
No que tange à questão da vibração em corpo inteiro, estudos com motoristas de
ônibus e de caminhão e com corredores de rally relatam que esses trabalham sob níveis de
vibração fora das normas (entre quatro e oito Hz) e potencialmente danosos à saúde,
principalmente devido à inadequação dos assentos, o que traz seqüelas diretas à coluna vertebral.1-4
Com relação à exposição em membros superiores, o Instituto Nacional de Saúde e
Segurança Ocupacional (NIOSH)9, em seu documento Occupational Exposure to Hand - Arm
Vibration: Criteria for a Recommended Standard, demonstra que os modelos de determinados
equipamentos, bem como dos fatores ergonômicos envolvidos em sua manipulação, exercem forte
influência na transmissão da vibração, pois segurar um equipamento pesado ou desconfortável
requer maior força de preensão, o que pode desencadear desconforto em extremidades, membro
superior e ombro e provável lesão músculo-esquelética em tais estruturas dos trabalhadores.
Os efeitos da vibração no organismo humano dependem de diversos fatores, em
particular da intensidade das vibrações, dos limites de freqüência, direção, ponto de penetração,
tempo e forma de aplicação diária, bem como do tempo em que o profissional vem se
submetendo à exposição. Estudos indicam que há maior freqüência de trabalhadores que
manipulam instrumentos que emitem esse tipo de energia e, conseqüentemente, submetem-se a
uma exposição maior em extremidades superiores.1,2

v.31, n.1, p.178-186 179


jan./jun. 2007
Os primeiros estudos a respeito da exposição à vibração em extremidades superiores
consideraram principalmente os efeitos vasculares e osteoarticulares, no entanto, a ocorrência de
outras desordens foi explicitada como decréscimo da força máxima de preensão palmar,
formigamento e diminuição da sensibilidade tátil.10,11
A dose de vibração recebida por pessoas que lidam, ocupacionalmente, com
instrumentos vibratórios pode ser irreversível e a desordem é geralmente progressiva com o
aumento da exposição à vibração. Essa exposição pode trazer conseqüências em mãos e braços de
trabalhadores durante sua vida, tais como diminuição da perfusão, intolerância ao frio, parestesia,
enfermidade e inabilidade para manusear objetos pequenos, rigidez nos dedos, redução da força de
preensão palmar, dor e fadiga.5,12 -15
Considerando que diversas atividades laborais utilizam como ferramenta de trabalho
um equipamento que emite energia vibratória mecânica, este estudo tem por finalidade verificar
quais são essas ocupações e quais danos físicos são encontrados nesses trabalhadores ao longo dos
anos de trabalho.
Dessa forma, tem-se como objetivo, neste estudo, identificar na literatura nacional e
internacional quais são as ocupações mais expostas e os problemas mais associados à exposição à
vibração.

MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de uma revisão realizada por meio de levantamento retrospectivo de artigos
científicos publicados nos últimos dez anos (1995 a 2005).
A busca bibliográfica foi realizada em estudos indexados nas bases de dados
internacionais Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), National
Library of Medicine (MEDLINE) e na coleção Scientific Electronic Library Online (SCIELO) após
consulta às terminologias em saúde a serem utilizadas na base de descritores da Biblioteca Virtual
em Saúde (BVS) da Bireme (Decs) e Pubmed (Mesh).
Os descritores utilizados foram: vibration, workers, adverse effects, occupational
exposure, injuries, vibração, efeitos adversos, exposição ocupacional, incapacidade e doença
ocupacional.
Os artigos selecionados foram nacionais e internacionais publicados nos idiomas
português e inglês no período anteriormente mencionado referentes aos trabalhadores expostos à
vibração nas diversas funções, disponíveis no Brasil ou na Internet em bibliotecas nacionais.

180
Revista Baiana Critérios de inclusão
de Saúde Pública
• artigos publicados na íntegra no período entre 1995 e 2005 nos idiomas
Português e Inglês;

• artigos que continham alguns descritores selecionados;

• artigos disponíveis no Brasil.

Critérios de exclusão

• resumos de artigos;

• artigos não disponíveis no Brasil;

• artigos em outros idiomas que não Português ou Inglês.

Os artigos foram analisados e categorizados com vista à classificação e o


delineamento dos estudos16, observando-se: ano de publicação, fonte, formação e origem do autor/
pesquisador, objeto de estudo, população estudada, tempo de exposição, instrumento de avaliação
ou de coleta de dados, sinais e sintomas referidos e lesões e doenças diagnosticadas.
Para a descrição dos dados, foram utilizadas medidas de distribuição (freqüência),
apresentadas em tabelas e gráficos.
Como se trata de um artigo de revisão, não houve necessidade de submissão do
presente estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram encontrados 33 artigos, sendo 29 (87,8%) internacionais e 4 (12,12)
nacionais. Destes foram selecionados 20 artigos, sendo 17 (85%) internacionais e 3 (15%)
nacionais, segundo os critérios de inclusão e exclusão.
Constatou-se que 15 (quinze) estudos analisados eram de corte transversal, 1 (um)
longitudinal ou de coorte e 4 (quatro) revisões da literatura.
A Tabela 1 mostra que a população de trabalhadores industriais é a mais acometida
por seqüelas osteomusculares nervosas e vasculares em função da exposição à vibração. Dessa
forma, investigações minuciosas deveriam ser realizadas para avaliar o nível de acometimento de
outros profissionais menos investigados como os odontólogos14-17, pois estes são expostos a níveis
de vibração de alta freqüência que não são consideradas lesivas.

v.31, n.1, p.178-186 181


jan./jun. 2007
Tabela 1. Sujeitos estudados e número de vezes em que foram objeto de estudo.

*Motoristas de caminhão, ônibus urbano e corredores de rally;


** Operadores de moto-niveladoras, motorroçadeiras, pá-carregadeiras, retro-
escavadeiras e rolo-compressores;
*** Construção civil e naval.

Em publicação a respeito das Diretivas sobre a exposição à vibração por cirurgiões


dentistas18 é mostrado que a emissão danosa da freqüência de vibração por equipamentos dentários
é muito baixa; dessa forma, não houve interesse em estender os critérios das diretivas para o
trabalho odontológico, mas é observado que a exposição a longos períodos (mais de 17 anos) pode
levar ao desenvolvimento dos mesmos sintomas daqueles expostos a baixas freqüências19, como no
caso de operadores de máquinas, serralheiros, mecânicos, dentre outros.
Dentre os que relataram o tempo de exposição ao agente emissor de vibração, os
estudos selecionados apresentaram populações expostas, variando de 1 a 48,3 anos, com tempo
médio de exposição à vibração de 13.8 anos.
Conforme mostra o Gráfico 1
1, os efeitos adversos mais relatados foram: parestesia,
queixas vertebrais, sensação de formigamento, dor não especificada, esbranquiçamento digital e
alterações motoras e sensitivas das mãos. É evidenciado que cinco dos efeitos apresentados
(parestesia, sensação de formigamento, esbranquiçamento digital e alterações motoras e sensitivas

182
Revista Baiana
das mãos) têm maior ocorrência nos membros superiores. Um estudo20 relata que o corpo humano
de Saúde Pública
reage às vibrações de maneiras diversas, pois a sensibilidade às vibrações longitudinais (ao longo
do eixo Z, da coluna vertebral) é diferente e menos prejudicial com relação à sensibilidade
transversal (eixo x ou y, ao longo dos membros superiores ou do tórax).

Gráfico 1. Efeitos adversos diagnosticados em trabalhadores expostos à vibração

Uma polêmica ainda envolve a questão da exposição quanto ao nível de aceleração,


tempo de exposição ao longo do dia e da função, intervalos previstos para descanso, mas estudos
mostram que equipamentos de baixa freqüência (5 a 20 Hz) são potencialmente mais perigosos do
que os que emitem alta freqüência1-3, o que não exclui a possibilidade daqueles que lidam com
equipamentos dentários desenvolverem seqüelas ao longo de anos de exposição, como os
cirurgiões dentistas.14,17

v.31, n.1, p.178-186 183


jan./jun. 2007
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revisão bibliográfica efetuada indicou que é vasta a variabilidade de profissionais
expostos à vibração de alguma forma, ou diretamente, ou que manuseiam instrumentos e
maquinários.
Uma investigação minuciosa poderia ser realizada para se verificar a que nível de
vibração os trabalhadores estão sendo expostos e se as indústrias produtoras dos equipamentos que
emitem esse tipo de energia mecânica estão atuando dentro dos limites aceitos pelas Normas
Regulamentadoras (NR) relativas à Segurança e Medicina do Trabalho.
Considerando que a vibração é um agente de risco que atua em concomitância com
outros2,9,13,18,19, é importante que haja uma regularidade na fiscalização, no que tange às normas de
uso de tais equipamentos, pois respeitar os limites de uso diário, estabelecer períodos de pausa,
bem como das condições de adequação para uso do equipamento (tempo de vida útil, freqüência)
são medidas imprescindíveis para minimizar o aparecimento de lesões geradas em função da
exposição à vibração. Medidas paliativas, como exercícios de relaxamento, podem promover um
descanso daqueles grupos musculares mais requisitados durante a função e um bem-estar ao
trabalhador, embora não sejam medidas prioritárias no que tange a prevenção de efeitos adversos.21
Na busca pela promoção da saúde de quem trabalha, percebe-se que a atuação
multidisciplinar é primordial na qualidade de vida e prevenção de adoecimento dos trabalhadores
e que políticas públicas devem ser adotadas como forma inicial para que sejam identificadas as
funções e formas de trabalho que expõem os trabalhadores a esse tipo de fator de risco, a vibração.
Com tais informações, o Ministério da Saúde, juntamente com órgãos de fomento à pesquisa,
poderão realizar novos estudos.
O Ministério da Saúde, em anexo I - Motosserras da NR-12, torna obrigatória a
apresentação de catálogo e manual de instrução nos equipamentos (motosserras), que explicitem os
níveis de vibração e ruído daquele equipamento e as medidas de aferição disponíveis para os mesmos.
Tal medida deveria ser revista e estendida a outros tipos de equipamentos que emitem o mesmo tipo de
energia, já que trabalhadores de várias funções encontram-se expostos a esse agente de risco.
Os resultados desta pesquisa poderão contribuir para o planejamento de programas
preventivos e para a identificação de fatores de risco em diferentes atividades laborais, tornando-se
fonte de informação para a equipe multidisciplinar que atua na área de saúde do trabalhador.

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Recebido em 26.12.2006 e aprovado em 28.03.2007.

186
Revista Baiana RESUMO DE DISSERTAÇÃO
de Saúde Pública

CAPACITAÇÃO E FORMAÇÃODE TRABALHADORES DO SUS-BAHIAa

Maria Claudina Gomes de Miranda

Resumo
O objetivo deste estudo é analisar a atual política de desenvolvimento de Recursos
Humanos em Saúde (RHS) do Sistema Único de Saúde (SUS), Bahia. Trata-se de um estudo de
caso sobre ações de formação/capacitação de trabalhadores de nível universitário, realizadas pela
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB) no ano de 2003. A temática da formação e
capacitação de Trabalhadores de Saúde assume grande relevância no Brasil quando se trata do
processo de implantação e implementação do SUS. A formação de RHS no País é fortemente
influenciada pela organização dos serviços, em que predomina a instrumentalização clínica de
base flexneriana e o componente tecnicista, enquanto a formação deve voltar-se para a qualificação
social com vistas à formação do cidadão capaz de compreender a realidade do seu trabalho.
Adota-se como estratégia metodológica a análise documental de programas de formação/
capacitação e relatórios de gestão, além de entrevistas com atores institucionais envolvidos com
duas capacitações e três cursos de especialização, criteriosamente selecionados. A análise de
conteúdo dos documentos e das entrevistas tratou das seguintes categorias operacionais:
planejamento/programação; objetivos; público-alvo; metodologia; conteúdos; avaliação das
capacitações e cursos estudados. Algumas categorias teóricas dão suporte à análise: processo de
trabalho em saúde; educação como prática social; instituições públicas, poder e políticas públicas;
estratégia de educação permanente em saúde. Os resultados deste estudo apontam para a
inexistência de planejamento sistemático, cuja programação é centralizada; predominam objetivos
dos processos educativos voltados para o desenvolvimento de ações de assistência, embora
contemplem timidamente ações de gestão de serviços; a metodologia varia de problematizadora a
tradicional; o público-alvo caracteriza-se principalmente por médicos e enfermeiros; os conteúdos
enfatizam aspectos relacionados à clínica, embora haja iniciativas voltadas para aspectos éticos,
psicológicos e sociais; e o processo de avaliação dessas ações mostra-se incipiente e inconsistente.
A realidade apresentada sugere a necessidade de redirecionamento da política de desenvolvimento

a
Dissertação apresentada ao Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Orientadora: Profª Drª Maria
Ligia Rangel Santos. Defendida e aprovada em 01 de fevereiro de 2005.
Local para consulta: Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Rua Padre Feijó, 29, 4º andar, Salvador,
Bahia, Brasil – CEP 40110-170. E-mail: mclaudinagm@yahoo.com.br

v.31, n.1, p.187-188 187


jan./jun. 2007
de RHS da SESAB, em relação à formação/capacitação dos trabalhadores do SUS, de forma que
esta contribua para a mudança efetiva do modelo de atenção.

Palavras-chave: Recursos humanos em saúde. Educação permanente em saúde. Formação e


capacitação em saúde.

TRAINING AND FORMATION OF SUS-BAHIA WORKERS

Abstract
The objective of this study is to analyze the current policy on Health Human
Resources (RHS) development in the National Health System (SUS) in Bahia. This is a case study
on the training/formation procedures for university-level workers, implemented by the State of
Bahia Department of Health (SESAB) in 2003. The subject of training and formation of health
workers assumes great relevance in Brazil, when referring to the SUS introduction and
implementation process. The formation of RHS in the country is strongly influenced by the
organization of the services, in which clinical instrumentalization based on a flexnerian model and
a technical component predominate. In terms of the formation, it is necessary to return to social
qualification, seeking to educate citizens able to comprehend the reality of their work. The
methodological strategy for this study is the data analysis of training/formation programs and
management reports, as well as interviews with institutional actors involved in two training
programs and three specialization courses, meticulously chosen. The content analysis of the data
and the interviews comprised the following categories: planning/programming; objectives, target
audience; methodology; content; and evaluation of trainings and courses taken. Other theoretical
categories support the analysis: health work process; education and social practice; public
institutions, power and public policies; and permanent health education strategies. The results of
this study illustrate: the lack of systematic planning whose programming is centralized; the
objectives of the educational process aimed toward the development of assistance procedures
predominate, even though these timidly contemplate service management procedures; the
methodology varies from problematical to traditional; the target audience is mainly characterized
by doctors and nurses; the content emphasize aspects related to the clinic, even though there are
initiatives aimed at ethical, psychological, and social aspects; the evaluation process of these
procedures seems incipient and inconsistent. The reality illustrated suggests the necessity to
redirect the development policies of SESABs RHS, in relation to the training/formation of the SUS
workers, in a manner, which contributes to the effective change of the attention model.
Key words: Health human resources. Permanent health education. Health training and formation.

Recebido em 19.07.2006 e aprovado em 13.12.2007.

188
Revista Baiana NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
de Saúde Pública

A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde


do Estado da Bahia (SESAB), de periodicidade semestral, dedica-se a publicar contribuições sobre
aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e
sistemas de saúde e áreas correlatas. Serão aceitas para publicação as contribuições escritas
preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP publicadas, obedecendo a
ordem de aprovação pelos editores.

CATEGORIAS ACEITAS:
1. Artigos originais

1.1 Pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas


(10 a 15 laudas).

1.2 Ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8


laudas).

1.3 Revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico,
solicitados pelos editores (8 a 10 laudas).

2. Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios


técnicos (5 a 8 laudas).

3. Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e de teses de


doutorado/livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras
(máximo 2 laudas). Os resumos devem ser encaminhados com o título
oficial da tese, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível
para consulta.

4. Resenha de livros: resenhas de livros publicados sobre temas de interesse,


solicitados pelos editores (1 a 4 laudas).

5. Relato de experiências: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 laudas).

6. Carta ao editor: carta contendo comentários sobre material publicado (2


laudas).

7. Editorial: de responsabilidade do editor, podendo ser redigido por convidado


por solicitação deste.

8. Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 laudas).

189
ORIENTAÇÕES AOS AUTORES

INSTRUÇÕES GERAIS PARA ENVIO


Os trabalhos a serem apreciados pelos editores e revisores seguirão a ordem de
recebimento e deverão obedecer aos seguintes critérios de apresentação.

Devem ser encaminhadas à secretaria executiva da revista três cópias impressas. As


páginas devem ser formatas em espaço duplo com margem de 3cm à esquerda, fonte
Times New Roman, tamanho 12, página padrão A4, numeradas no canto superior
direito (não numerar as páginas contendo tabela, gráfico,desenho ou figura).

Podem também ser enviados para o e-mail da revista, desde que não contenham
desenhos ou fotografias digitalizadas.

Uma cópia em disquete deverá ser entregue com a versão final aceita para
publicação.

ARTIGOS

Folha de rosto: deve constar, o título (com versão em inglês), nome(s) do(s)
autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, orgão(s) financiador(es) e
endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência.

Segunda folha: iniciar com o título do trabalho sem referência à autoria e acrescentar
abstract). Trabalhos
um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (abstract).
em espanhol ou inglês devem também ter acrescido o resumo em português.
Palavras-chave (3 a 8) extraídas do vocabulário DECS (Descritores em Ciências da
Saúde/ www.decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical
Subject Headings / www.nlm.nih.gov/mesh) para os resumos em inglês.

Terceira folha: Título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com
parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a
seqüência: introdução
introdução, incluindo justificativas, citando os objetivos no último
parágrafo; material e métodos; resultados; discussão; e referências
referências. Digitar em
página independente os agradecimentos, quando necessário.

190
Revista Baiana TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS
de Saúde Pública
Obrigatoriamente, os arquivos das tabelas, gráficos e figuras devem ser digitados em
arquivos independentes e impressos em folhas separadas. Estes arquivos devem ser
compatíveis com processador de texto “Word for Windows” (formatos: PICT, TIFF,
GIF, BMP). O número de tabelas, gráficos e, especialmente, ilustrações deve ser o
menor possível. As ilustrações, figuras e gráficos coloridos somente serão publicados
se a fonte de financiamento for especificada pelo autor. No texto do item resultados,
as tabelas, gráficos e figuras devem ser numeradas por ordem de aparecimento no
texto, com algarismos arábicos e citadas em negrito (e.g. “... na Tabela 2 as medidas
...) Tabela (não utilizar linhas verticais), Quadro (fechar com linhas verticais as
laterais). O título deve ser objetivo e situar o leitor sobre o conteúdo, digitado após
o número da Tabela, Gráfico, etc., e.g.: Gráfico 2. Número de casos de AIDS no
Brasil de 1986 a 1997, distribuído conforme a região geográfica
geográfica.

Figuras reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição na


legenda.

ÉTICA EM PESQUISA
Trabalho que tenha implicado em pesquisa envolvendo seres humanos ou outros
animais deve vir acompanhado de cópia de documento que atesta sua aprovação
prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência em material e
métodos.

REFERÊNCIAS
Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão),
deverá ter até 30 referências.

As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito,


consecutivamente, na ordem em que forem mencionadas a primeira vez no texto.

As notas explicativas e/ou de rodapé são permitidas e devem ser ordenadas por letras
minúsculas em sobrescrito.

As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação,


seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas
Médicas, disponíveis em: http://www.icmje.org ou www.abec-editores.com.br
(Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/
Vancouver).

191
Exemplos:

a) LIVRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a
los animales. 2ª. ed. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.

b) CAPÍTULO DE LIVRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In:
Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM,
editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid:
Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTIGO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD,
et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Human Biology
1982;54: 329-41.

d) TESE E DISSERTAÇÃO
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no Estado da Bahia [Dissertação]. Salvador
(BA): Univ. Federal da Bahia; 1997.

e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO


Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não
apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-a (FNT-a) e
interleucina-1b (IL-1b). In: Anais do 30o. Congresso da Sociedade Brasileira de
Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p.272.

f) DOCUMENTO EXTRAÍDO DE ENDEREÇO DA INTERNET


[autores ou sigla e/ou nome da instituição principal]. [Título do documento ou
artigo] Extraído de [endereço eletrônico], acesso em [data]. Exemplo:

COREME, Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor


Edgard Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Regimento
Interno da COREME. Extraído de [http://www.hupes.ufba.br/coreme], acesso em [20
de setembro de 2001].

Não incluir nas “Referências” material não-publicado ou informação pessoal. Nestes


casos, assinalar no texto: (i) FF Antunes Filho, Costa SD: dados não-publicados; ou

192
Revista Baiana (ii) JA Silva: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito
de Saúde Pública
para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação
necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da
expressão latina In press e o ano.

Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de


investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de
trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e
carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com
informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão
objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, gráficos, tabelas e
figuras.

As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos editores e


revisores se atenderem às normas da revista.

Endereço para remessa de trabalho


Revista Baiana de Saúde Pública
Escola da Saúde Pública Prof° Francisco Peixoto
de Magalhães Netto
Rua Conselheiro Pedro Luiz nº 171
Rio Vermelho – Salvador – Bahia
CEP 41950-610
TEL/FAX 0XX71 3116-5313/3334-1888
rbsp@saude.ba.gov.br

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Revista Baiana
de Saúde Pública

195

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