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anais da imprensa
O TRANSATLÂNTICO E A LANCHA
Como o New York Times e a New Yorker revelaram os crimes sexuais do produtor Harvey Weinstein
BRANCA VIANNA
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O labirinto do assédio: jornalistas revelaram um sistema que, na mídia e na indústria do entretenimento, protegia homens e
punia mulheres CRÉDITO: SEILTÄNZER, 1923_PAUL KLEE (1879–1940) _© 2020_DIGITAL IMAGE,_THE MUSEUM
OF MODERN ART, NEW YORK_SCALA, FLORENCE
C
omo se faz uma reportagem investigativa sobre assédio e abuso
sexual? Em geral as vítimas não querem vir a público, os acusados
quase sempre negam o ocorrido e raramente há testemunhas ou
provas documentais. Como se isso não bastasse, todos os envolvidos têm
tudo a perder, inclusive os repórteres. Dois livros lançados recentemente
no Brasil, Ela Disse, de Jodi Kantor e Megan Twohey, e Operação Abafa,
de Ronan Farrow, ajudam a responder a essa pergunta. Os autores, todos
eles jornalistas, receberam o Prêmio Pulitzer em 2018 por suas
reportagens sobre os abusos sexuais cometidos durante décadas por
Harvey Weinstein, fundador da Miramax, uma importante produtora de
cinema: a de Kantor e Twohey foi publicada pelo New York Times; a de
Farrow, pela revista New Yorker, ambas em outubro de 2017. Nos livros,
que só vieram à luz no ano passado, os autores contam em detalhes os
bastidores da difícil investigação jornalística que fizeram ao longo de
vários meses.
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que disseram aos repórteres. Mesmo que a fonte seja a atriz Gwyneth
Paltrow, personagem importante em Ela Disse, o jornalista vai
compartilhar o contato telefônico, e o checador deverá confirmar as
aspas. Uma vez que o repórter, antes de iniciar uma entrevista, avisa ao
entrevistado que os checadores vão procurá-lo, como é praxe na melhor
imprensa norte-americana, ninguém se espanta com isso. Depois de
passar pela checagem, a reportagem é então encaminhada ao
departamento jurídico, que avalia o risco de ela ser contestada nos
tribunais. Isso não só dá segurança aos repórteres como permite que os
advogados, munidos das provas obtidas na apuração – notas, gravações e
documentos –, se preparem para uma eventual ação judicial.
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A
realização de uma matéria investigativa sobre assédio sexual exige
dos repórteres sensibilidade, experiência, determinação, talento e
um pouco de sorte. Das publicações, requer coragem e paciência,
um orçamento robusto, um excelente departamento jurídico, editores e
checadores rigorosos e confiança em seus jornalistas. Em Ela Disse, as
autoras descrevem como é trabalhar em uma instituição assim.
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U
ma dessas provas foi uma gravação feita com autorização da polícia
de Nova York. Em março de 2015, uma modelo italiana chamada
Ambra Gutierrez havia tido uma reunião de trabalho com
Weinstein, durante a qual ele lhe apalpou os seios e tentou meter a mão
debaixo de sua saia. A moça foi diretamente à polícia para denunciar o
produtor de cinema e, no dia seguinte, voltou com um gravador
escondido. O áudio é duro de ouvir. Na gravação feita no hotel Roxy
Hotel Tribeca, Weinstein diz que ela não deveria se preocupar com o que
aconteceu na reunião da véspera, pois ele não fez nada de mais: passar a
mão no peito das mulheres era coisa corriqueira na vida dele, algo que
ele costumava fazer. O produtor de cinema sobe com Gutierrez pelo
elevador privativo até a sua suíte. Pede que ela entre e o aguarde,
enquanto ele toma banho. A modelo parece muito assustada, nega-se a
atender o pedido, quer voltar para o térreo e conversar no bar. Weinstein
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se exalta, faz ameaças, diz que é um homem muito importante, que ela o
está fazendo passar vergonha no hotel, e fala: “Não estrague nossa
amizade por causa de cinco minutos.”
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lido o perfil, pediu ao repórter uma entrevista para sua matéria na NBC e
também lhe mostrou o que havia conseguido até então. Desconfiado que
a NBC não veicularia a história, Auletta resolveu ajudá-lo. Deu a Farrow
acesso a todo o seu arquivo sobre o perfil publicado em 2002:
documentos, cadernos e mais cadernos de notas, gravações, transcrições,
tudo.
Mais tarde, ele viria a descobrir que a NBC estava sentada em sua própria
montanha de indenizações e acordos extrajudiciais com funcionárias,
vítimas de assédio e abuso por parte de executivos, produtores e
jornalistas, inclusive o principal âncora da emissora, Matt Lauer,
apresentador do programa em que Farrow trabalhava.
E
la Disse é uma aula de jornalismo e é recomendável que passe a
constar da bibliografia de todas as faculdades de comunicação do
mundo. Operação Abafa também, mas parece escrito de olho num
futuro roteiro. O leitor consegue imaginar Farrow, representado por
Chris Hemsworth, andando pelas ruas de Nova York, afobado e estiloso,
seguido por detetives russos de aspecto sombrio, num filme dirigido por
Steven Soderbergh. Além de talentoso, Farrow parece vaidoso. No livro,
ele descreve os bastidores da reportagem e também fala bastante de si
mesmo, de sua carreira, seus fantasmas, seu namorado e sua família. Em
um momento quase cômico, deposita todo o material da apuração num
cofre de banco como aqueles usados pelo Jason Bourne para guardar seus
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passaportes secretos, pois estava cada vez mais paranoico e com medo
que “lhe acontecesse alguma coisa”. Essa é uma das diferenças entre
Operação Abafa e Ela Disse, em que as repórteres quase nada dizem
sobre suas vidas.
A New Yorker e o New York Times, assim como outros jornais e revistas
noticiosas, publicam matérias sobre segurança nacional, terrorismo,
corrupção, tráfico de influência, de drogas e de pessoas, e têm repórteres
especiais dedicados exclusivamente a reportagens sobre a Al Qaeda e o
Estado Islâmico. Não seria a primeira vez que seus advogados se veriam
pressionados a abafar uma investigação da revista.
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Depois do furo sobre Bill O’Reilly, o âncora da Fox que acabou demitido,
o New York Times designou uma equipe só para investigar casos de
assédio e abuso sexual em outros setores da economia, como nas
empresas do Vale do Silício. Na reportagem feita por Katie Benner, mais
de vinte mulheres fazem denúncias contra investidores da área de
tecnologia. Dez delas citam os assediadores pelo nome e entregam e-
mails e mensagens de texto que corroboram seus relatos. Há casos de
homens que exigem sexo em troca de financiamento ou emprego, há
episódios em que elas são agarradas e bolinadas durante reuniões e
conferências, há beijos forçados. São comuns comentários como: “Claro
que você recebeu financiamento, gostosa do jeito que é” e “Por que você
não casa com um sujeito rico para financiar sua empresa?”
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E
nquanto corria a investigação do New York Times, Farrow ia
ficando cada vez mais paranoico em relação à dele. Julgava estar
sendo seguido e foi aconselhado por uma fonte a comprar uma
arma. Mudou-se de seu apartamento, que achava muito vulnerável, para
o de uma amiga rica, onde havia um esquema de segurança digno da
Casa da Moeda.
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A última esperança das repórteres era a atriz Ashley Judd, que dera
sinais positivos de que poderia contar sua história. Elas escrevem:
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assim que deu a permissão, foi acampar sozinha num local remoto, onde
não havia conexão de celular ou internet.
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antiassédio criada pela ativista Tarana Burke. E, antes dela, muitas outras
mulheres, dentro e fora do movimento feminista, lutaram contra o
assédio sexual, inclusive no Brasil. A explosão do #MeToo, que não pode
ser chamado de movimento, é o resultado do acúmulo de todo esse
trabalho.
O
s dois livros deixam claro como é difícil fazer uma investigação
desse tipo, tanto mais no Brasil.
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