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Cappelletti
SUMÁRIO:
Introdução
3. A evolução do fenômeno: para uma nova realidade, uma nova forma de compreensão.
4. Conclusões.
Introdução
O presente estudo aborda a evolução do conceito teórico do acesso à justiça, tendo como base
e comparativo a análise feita por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, elaborada em 1988.
Assim sendo, entende-se que acesso à justiça é determinante para definir algumas finalidades
do ordenamento jurídico, tais como o meio pelo qual as pessoas podem reivindicar direitos ou resolver
litígios através do Estado, acessível a todos, aliado a resultados justos.[1]
Nelson Nery Jr é enfático ao colocar que “todos têm acesso à justiça para postular tutela
jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito”.[2]
Esse estudo pretende, com base em alguns referenciais teóricos, entender e questionar o
contexto em que foi concebido e a evolução do conceito do acesso à justiça, a fim de compreender suas
principais características e finalidades.
O sistema jurídico brasileiro e suas antigas leis necessitam ser debatidas considerando
diferentes aspectos, inserindo-se em todos os contextos, visto que a Justiça é direito de todos. Dos
escritórios de advocacia, passando pelas empresas privadas de serviços judiciais até aos órgãos
públicos, tais quais Ministério Público, Justiça Federal e Defensoria Pública, até os Núcleos jurídicos
nas universidades e sindicatos, onde geralmente os serviços são bem estruturados, qualificados e
contam com excelentes profissionais.
Nelson Nery Júnior leciona que “pelo princípio constitucional do direito de ação, todos têm o
direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela
jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria vazio de sentido o
princípio”.[3]
O que se vê, de forma geral, mas que não se está discutindo no presente estudo, são as
consequências oriundas da desconfiança crescente de boa parte da população brasileira diante do Poder
Judiciário, seus “privilégios” e o histórico de ineficiência e uso pelas elites.
Ainda que haja uma constituição “cidadã”, a população carente ainda se sente insegura frente
aos serviços públicos prestados e tem, frequentemente, seu direito ao acesso à justiça dificultado,
abreviado ou retardado.
Muitas vezes, quando a resposta do Estado vem, ela já não é mais adequada, sobretudo em
casos em que a prestação jurisdicional, se fosse instantânea, seria adequada a suas propostas.
Cappelletti é enfático nesse sentido, pois entende que é preciso acrescentar a energia e o zelo
particulares à máquina burocrática, a qual, muito amiúde, torna-se lenta, inflexível e passiva na
execução de suas tarefas.[4]
O debate jurídico surge como elo de efetivação de direitos, garantias e segurança nas
instituições. Desponta o sentimento de que, com a obrigatoriedade de recorrer ao Judiciário, a garantia
do acesso à justiça seja imediata.
No Estado Democrático de Direito o caminho para a justiça é o processo. Logo, dizer acesso à
justiça é se referir ao acesso do indivíduo ao processo, instrumento que lhe permitirá esclarecer se há
direito material alegado e permitir às partes a satisfação de um direito outrora violado.
As ondas de reforma do acesso à justiça, concebidas como soluções práticas para o problema
do acesso à justiça, segundo Cappelletti, estruturam-se em dois sentidos complementares, sendo que a
primeira onda refere-se à assistência judiciária para os pobres; ao passo que a segunda onda diz
respeito à representação dos interesses difusos e a terceira onda esta consubstanciada no acesso à
representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça, apresentando um novo
enfoque de acesso à justiça.
Nos séculos XVIII e XIX, ainda que o acesso à justiça possuísse natureza de “direito natural”,
esses não necessitavam de proteção originada de ações do Estado[7]. Nessa época, havia um Estado
passivo, inerte com relação à aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los na
prática. Já na sociedade do laissez-faire, conhecida pelo liberalismo econômico, o acesso à justiça era
limitado para as pessoas que detinham condições financeiras, ou seja, um judiciário distante e alheio às
preocupações da maioria da população.[8]
O modelo de sociedade welfare state (bem estar social) introduz direitos subjetivos para
consumidores, locatários, empregados e cidadãos (Código Austríaco de 1895 – reconhece o explícito
dever do Estado de assegurar o acesso à justiça) (direitos fundamentais de ação e defesa). A
efetividade está vinculada a uma paridade de armas utópica[9].
A representação dos interesses difusos foi o segundo grande movimento para efetivação do
acesso à justiça. Nessa “segunda onda”, buscou-se refletir acerca das noções tradicionais do processo
civil e das funções dos tribunais, mediante análise das ações governamentais e criação do advogado
particular do interesse público.[10]
A terceira onda diz respeito ao acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla
de acesso à justiça. Um novo enfoque de acesso à justiça. Ela centra sua atenção no conjunto geral de
instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir
disputas nas sociedades modernas.[11]
De forma geral, parte-se da premissa de que o mínimo que o cidadão pode esperar, num
Estado de Direito, é o respeito à confiança gerada pelos atos e decisões do Poder Público[12].
Para Cappelletti, se o litígio tiver de ser decidido por processos judiciais formais, os custos
podem exceder o montante da controvérsia, ou, se isso não acontecer, podem consumir o conteúdo do
pedido a ponto de tornar-se a demanda uma futilidade[14].
A principal barreira ao acesso à justiça, se analisadas do ponto de vista do Judiciário
brasileiro, é, sem dúvida, o tempo da demanda, tendo em vista o princípio da razoável duração do
processo. A Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo “razoável” é, para muitos, uma
Justiça inacessível e, no mínimo, dispensável. [15]
Ainda, segundo o autor, a possibilidade das partes, no que concerne a vantagens estratégicas
que não são compartilhadas, na maioria dos casos, pelos litigantes dos dois lados da demanda não
deve, de acordo com a Constituição Federal de 1988, influenciar na efetivação dos direitos
fundamentais. Naturalmente que quem detém recursos financeiros pode suportar as delongas do litígio.
De outro lado, para Horácio Rodrigues, o efetivo acesso à justiça consiste em um direito
material legítimo e voltado à realização da justiça social, administração estatal preocupada com a
solução dos problemas sociais e com a plena realização do Direito, bem como constituída de
instrumentos processuais que permitam a efetividade do direito material, o pleno exercício da ação e
da defesa e a plenitude da concretização da atividade jurisdicional. Além disso, é necessário que haja
um Poder Judiciário axiologicamente em sintonia com a sociedade na qual está inserido e
adequadamente estruturado para atender às demandas que lhe apresentam.[16]
Contudo, nada adiantará que, em teoria, o direito de ação esteja assegurado e os processos se
desenvolvam até mesmo com rapidez, se isso não significar a possibilidade de acesso à justiça para
todos. Sob esse ângulo, evidencia-se o problema da participação de técnicos na condução do processo.
Considerando que não está ao alcance de leigos conduzi-lo, forçoso é admitir que a assistência desses
especialistas – os advogados – não pode ser um privilégio de poucos: há de estar à disposição de todos
quantos deles necessitem. [17]
Assim, pode se compreender que acesso à justiça não se restringe ao acesso ao processo,
acesso à pessoa com capacidade postulatória e conhecimento jurídico, apto a desembaraçar qualquer
emaranhado de problemas. Mais do que isso, o acesso à justiça só atinge seu fim quando há prestação
jurisdicional de qualidade e que cumpra com sua função originária: dissolver satisfatoriamente as
contendas que lhe são submetidas.
O ideal, por óbvio, é que a justiça seja sempre e inteiramente gratuita, que os profissionais do
Direito sejam dotados de notório saber jurídico e, principalmente, seja todo o procedimento célere e
efetivo. Tudo isso aliado à celeridade. Uma utopia? Não. Uma realidade distante, porém alcançável.
4. Conclusão
Tentou-se costurar os pensamentos, procurar nos códigos e leis que regem todas as esferas de
vida de todos nós. Buscou-se demonstrar os desafios a serem enfrentados e as perspectivas de
melhoramento, não se esquecendo das conquistas já alcançadas; além do que, como dito, o tema
ultrapassa as bordas do Poder Judiciário e atinge todos os segmentos da sociedade.
Como observado, existem barreiras que impedem o acesso do cidadão à justiça; no aspecto
social, o distanciamento dos operadores do direito com os cidadãos comuns aumentam aquela
litigiosidade contida; no campo político, o despreparo do legislador e sua má vontade em editar leis
claras e objetivas atrapalham o reconhecimento de diretos e privilegia injustiças através de brechas na
legislação; no plano educacional, as escolas legalistas e dogmáticas perpetuam o sistema jurídico
burocrático e extremamente formalista.
Mauro Cappelletti apresenta possíveis soluções para as dificuldades no acesso à justiça, entre
elas estão a assistência judiciária gratuita para os pobres, mediante disposição de serviços gratuitos,
como a consulta gratuita a advogados privados e defensores públicos, bem como demais serviços de
aconselhamento e assistência judiciária, principalmente nas universidades, através dos núcleos de
práticas jurídicas.
Diz-se que não basta serem todos iguais perante a lei, é primordial que a lei seja igual perante
todos. A figura da justiça com os olhos vendados nos faz questionar se a sociedade conta com um
Sistema Jurídico historicamente atuante e determinante no rumo da sociedade.
Frente ao exposto, tem-se que o amplo e efetivo acesso à Justiça representa um enorme
desafio a ser encarado por toda a sociedade, não só pelo Poder Judiciário e seus operadores, a fim de
que seja possível concretizar os direitos fundamentais proclamados na Constituição Federal do Brasil
de 1988.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Egas Dirceu Monis de. O estado de Direito e o direito de ação (a extensão de
seu exercício). Rev. Bras. de Dir. processual, Rio de Janeiro, Forense, IV(16):69-91, a. tim. 1978 (?)
BARBOSA, Júlio César Tadeu. O que é justiça. São Paulo, SP: Abril Cultural, Brasiliense,
1984.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre, RS: Sergio
Antonio Fabris, 1988.
CUNHA, Paulo Ferreira da. Res publica: ensaios constitucionais. Coimbra: Almedina,
1998.
JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. – 8ed. Ver.,
ampl. e atual. com as novas súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. –
São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico
Tullio Liebman; v. 21.
LIMA, Fernão Dias de; ARAÚJO, José Renato de Campos; CUNHA, Luciana Gross
Siqueira; DESASSO, Alcir. Acesso à justiça. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2001.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Acesso à justiça e ao ministério público. 2. ed., rev., ampl. e
atual. Porto Alegre, RS: AMP, 1993.
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