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Brasileiros
"Sessão do Conselho de Estado" (1922), de Georgina de Albuquerque, primeira mulher premiada por uma pintura
histórica
E
m 1922, a famosa Semana de Arte Moderna rompeu com as tradições, imortalizando artistas
como Anita Malfatti e Mário de Andrade. Nesse mesmo ano, outro acontecimento, muito
menos celebrado pela historiografia, também constituiu um marco importante na arte
brasileira: pela primeira vez, uma mulher era premiada por uma pintura histórica, gênero artístico mais
prestigiado na época.
A paulista Georgina de Albuquerque recebeu o prêmio, concedido pela Escola Nacional de Belas Artes,
pela pintura Sessão do Conselho de Estado. A partir do tema da independência do Brasil, a artista
questionava as representações do poder, colocando uma mulher no centro de um acontecimento histórico.
Ao invés de retratar um evento triunfal, como a famosa tela de Pedro Américo, a obra representava um
episódio diplomático no qual a princesa Leopoldina ouvia as opiniões dos membros do conselho de
Estado sobre a independência.
O fato de a pintura ter sido produzida por uma mulher já representava uma transgressão por si só. Na
concepção da época, as artistas eram mais aptas a produzir obras delicadas, como as de natureza-morta ou
reproduções, e não temas complexos, como os eventos históricos, que exigiam grande habilidade técnica.
Além disso, ao representar um acontecimento político, a artista discutia um assunto da vida pública,
esfera vetada às mulheres da época.
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20/03/2020 As artistas esquecidas pela história - ARTE!Brasileiros
Assim como Albuquerque, muitas outras mulheres produziram trabalhos relevantes na virada do século
XIX para o XX. No entanto, suas obras ainda são pouco conhecidas, mesmo pela crítica especializada.
Esse ocultamento de personagens históricas tão relevantes foi o que motivou a professora do Instituto de
Estudos Brasileiros da USP Ana Paula Simioni a pesquisar a trajetória dessas pintoras e escultoras.
“Existe uma névoa que acoberta a lembrança de outras artistas anteriores a Tarsila e Anita Malfatti, como
se antes das modernistas simplesmente não tivessem existido artistas do então denominado ‘sexo frágil’.
Existiriam artistas mulheres no século XIX? Se sim, quem foram elas? E por que sabemos tão pouco
sobre elas?”, afirma Simioni na introdução da sua tese de doutorado.
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não produz as grandes obras, mas forma os grandes homens; toda a sua glória está na dos homens que
educa”.
No universo das artes, a principal instituição responsável pela formação era a Escola Nacional de Belas
Artes, no Rio de Janeiro. Como não havia um mercado artístico paralelo, a escola monopolizava as
poucas chances de carreira e projeção, organizando exposições e concedendo bolsas para o exterior aos
alunos que se destacassem.
Desde 1889, as mulheres eram aceitas dentro da instituição. Porém, havia inúmeras dificuldades, desde
salas e ateliês separados ou restrições ao acesso às aulas de modelo vivo. O estudo do nu era considerado
uma das etapas essenciais na formação dos artistas. No entanto, para a moral da época, era um escândalo
que as mulheres se juntassem a um grupo, formado majoritariamente por homens, para contemplar
modelos despidos.
Mesmo assim, em 1897, a jovem paraense Julieta de França se matriculou na aula de modelo vivo da
Escolas de Belas Artes, sendo a única mulher do curso. França é uma das personalidades estudadas por
Simioni, que reconstitui a trajetória da artista. Interessada pela escultura, a paraense se destacou no curso
da Escola de Belas Artes, tendo sido a primeira mulher a obter o prêmio de viagem ao exterior. Na
França, ela aperfeiçoou suas habilidades com o mestre da escultura Auguste Rodin, já tido como uma
grande referência.
A atitude foi considerada um escândalo na época, já que se tratava de um questionamento dos critérios da
própria academia. A paraense assim tomava uma postura de confronto, rompendo com o “esperado recato
feminino”, como aponta Simioni. A decisão da comissão não foi revista, mas a polêmica prejudicou a
carreira da escultora, que já era malvista por ser mãe solteira, sustentando a sua filha sozinha. Para a
pesquisadora, todos esses fatores fizeram com que a trajetória de França fosse apagada, tendo a academia
se recusado a celebrar a sua produção.
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Amadoras
Em sua luta por reconhecimento, essas artistas também tiveram que se contrapor à categoria de amadoras
que lhes era atribuída. A prática artística era considerada uma profissão masculina. Simioni comenta que,
mesmo com a inserção do público feminino na área, o rótulo continuou sendo empregado: “Se na época,
a condição de amador para os homens era uma situação transitória – uma vez aceitos na Academia,
podiam se tornar profissionais –, para as mulheres o amadorismo se tornou um rótulo taxativo, quase
inescapável, uma ‘condição’ permanente. Isso porque o termo também comportava toda uma carga de
estereótipos negativos sobre as aptidões profissionais e intelectuais femininas”.
As artistas do período adotaram diversas estratégias para contornar esse estereótipo, afirmando-se como
profissionais. Na França, por exemplo, a pintora Rosa Bonheur se vestia com roupas masculinas para
poder caminhar e observar livremente os animais que depois retratava em suas telas. Não há nenhum caso
conhecido no Brasil de uma mulher que tivesse adotado uma postura similar à de Bonheur. No entanto,
um dos principais meios de escapar dos obstáculos impostos era o autorretrato.
A pintora carioca Abigail de Andrade foi uma das que produziram autorretratos relevantes, que
construíam sua imagem como a de uma artista confiante, organizada e metódica no trabalho. Uma das
obras mais famosas de Andrade, que foi a primeira mulher premiada com a medalha de ouro em uma
exposição geral, é a tela Um Canto do meu Ateliê (que ilustra a abertura da matéria). Na pintura, ela
retrata a si mesma produzindo uma nova tela. O ambiente é repleto de indícios do ofício da artista, com
pinturas e esculturas por toda parte, além de estudos do corpo humano. A arte como profissão era assim
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reforçada pela carioca, que, ao longo da sua trajetória, sofreu diversas pressões familiares devido a sua
opção pelo fazer artístico.
Alguns trabalhos dessas artistas fazem parte do acervo de instituições como a Pinacoteca do Estado de
São Paulo e o Museu Nacional de Bela Artes. Porém, outras obras, como as de Abigail de Andrade, ainda
pertencem a coleções privadas, estando inacessíveis ao público. Simioni acredita que, conforme mais
pesquisas mostrarem a importância dessas artistas, os museus tenderão a adquirir seus trabalhos.
Indagada sobre as transformações no universo das artes e a posição ocupada pelas mulheres hoje, Simioni
afirma: “Ao longo da história da arte do século XX, temos vários exemplos de mulheres que alcançaram
fama e notoriedade, como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Lygia Clark e Adriana Varejão, entre tantas
outras. Ainda assim, os seus exemplos podem ser vistos como casos ‘singulares’ e ‘excepcionais’, que
acobertam uma realidade mais ampla de diversas carreiras femininas obliteradas, pouco conhecidas em
períodos diversos, desde o modernismo até os dias de hoje”.
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