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20/03/2020 As artistas esquecidas pela história - ARTE!

Brasileiros

As artistas esquecidas pela história


Ana Paula Simioni, pesquisadora da USP, reconstitui a trajetória de pintoras e
escultoras brasileiras do século XIX para enfatizar suas lutas em defesa da
profissionalização e reconhecimento
Por Redação - 27 de fevereiro de 2018

"Sessão do Conselho de Estado" (1922), de Georgina de Albuquerque, primeira mulher premiada por uma pintura
histórica

E
m 1922, a famosa Semana de Arte Moderna rompeu com as tradições, imortalizando artistas
como Anita Malfatti e Mário de Andrade. Nesse mesmo ano, outro acontecimento, muito
menos celebrado pela historiografia, também constituiu um marco importante na arte
brasileira: pela primeira vez, uma mulher era premiada por uma pintura histórica, gênero artístico mais
prestigiado na época.

A paulista Georgina de Albuquerque recebeu o prêmio, concedido pela Escola Nacional de Belas Artes,
pela pintura Sessão do Conselho de Estado. A partir do tema da independência do Brasil, a artista
questionava as representações do poder, colocando uma mulher no centro de um acontecimento histórico.
Ao invés de retratar um evento triunfal, como a famosa tela de Pedro Américo, a obra representava um
episódio diplomático no qual a princesa Leopoldina ouvia as opiniões dos membros do conselho de
Estado sobre a independência.

O fato de a pintura ter sido produzida por uma mulher já representava uma transgressão por si só. Na
concepção da época, as artistas eram mais aptas a produzir obras delicadas, como as de natureza-morta ou
reproduções, e não temas complexos, como os eventos históricos, que exigiam grande habilidade técnica.
Além disso, ao representar um acontecimento político, a artista discutia um assunto da vida pública,
esfera vetada às mulheres da época.

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Assim como Albuquerque, muitas outras mulheres produziram trabalhos relevantes na virada do século
XIX para o XX. No entanto, suas obras ainda são pouco conhecidas, mesmo pela crítica especializada.
Esse ocultamento de personagens históricas tão relevantes foi o que motivou a professora do Instituto de
Estudos Brasileiros da USP Ana Paula Simioni a pesquisar a trajetória dessas pintoras e escultoras.

“Existe uma névoa que acoberta a lembrança de outras artistas anteriores a Tarsila e Anita Malfatti, como
se antes das modernistas simplesmente não tivessem existido artistas do então denominado ‘sexo frágil’.
Existiriam artistas mulheres no século XIX? Se sim, quem foram elas? E por que sabemos tão pouco
sobre elas?”, afirma Simioni na introdução da sua tese de doutorado.

A obra ‘Estendendo a Roupa’, de Abigail de Andrade. Coleção de Sérgio e Hecilda Fadel

Em entrevista à Brasileiros, a pesquisadora pontua que as artistas do período precisaram enfrentar


inúmeros obstáculos para conseguir produzir. Um dos principais era a própria profissionalização. Até
1889, as mulheres eram proibidas de se inscrever na maior parte dos cursos superiores. Apenas após a
proclamação da República, o acesso foi liberado e, mesmo assim, ainda havia uma forte oposição da
sociedade.

Na concepção da época, as mulheres deviam se restringir ao ambiente doméstico, sendo a maternidade a


sua função primordial. Qualquer ação que pudesse desviá-las era um sinal de ameaça, como evidencia
uma crônica da época publicada na revista Kosmos, em 1904: “Enquanto o homem, entregue à vida
pública, desenvolve a ciência, a arte e a indústria, a mulher no lar o prepara para essa mesma vida. Ela

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não produz as grandes obras, mas forma os grandes homens; toda a sua glória está na dos homens que
educa”.

No universo das artes, a principal instituição responsável pela formação era a Escola Nacional de Belas
Artes, no Rio de Janeiro. Como não havia um mercado artístico paralelo, a escola monopolizava as
poucas chances de carreira e projeção, organizando exposições e concedendo bolsas para o exterior aos
alunos que se destacassem.

Desde 1889, as mulheres eram aceitas dentro da instituição. Porém, havia inúmeras dificuldades, desde
salas e ateliês separados ou restrições ao acesso às aulas de modelo vivo. O estudo do nu era considerado
uma das etapas essenciais na formação dos artistas. No entanto, para a moral da época, era um escândalo
que as mulheres se juntassem a um grupo, formado majoritariamente por homens, para contemplar
modelos despidos.

Mesmo assim, em 1897, a jovem paraense Julieta de França se matriculou na aula de modelo vivo da
Escolas de Belas Artes, sendo a única mulher do curso. França é uma das personalidades estudadas por
Simioni, que reconstitui a trajetória da artista. Interessada pela escultura, a paraense se destacou no curso
da Escola de Belas Artes, tendo sido a primeira mulher a obter o prêmio de viagem ao exterior. Na
França, ela aperfeiçoou suas habilidades com o mestre da escultura Auguste Rodin, já tido como uma
grande referência.

De volta ao Brasil, em 1908, a artista se candidatou ao concurso que escolheria o monumento


comemorativo à proclamação da República. Porém, sua maquete foi desclassificada pela comissão
julgadora. Inconformada, a artista retornou à Europa coletando avaliações positivas de artistas e
professores renomados, inclusive do próprio Rodin. Com esse documento em mãos, França exigiu que a
comissão revisse o seu veredito.

A atitude foi considerada um escândalo na época, já que se tratava de um questionamento dos critérios da
própria academia. A paraense assim tomava uma postura de confronto, rompendo com o “esperado recato
feminino”, como aponta Simioni. A decisão da comissão não foi revista, mas a polêmica prejudicou a
carreira da escultora, que já era malvista por ser mãe solteira, sustentando a sua filha sozinha. Para a
pesquisadora, todos esses fatores fizeram com que a trajetória de França fosse apagada, tendo a academia
se recusado a celebrar a sua produção.

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Abigail de Andrade, ‘Sem título’. Coleção de Sérgio e Hecilda Fadel

Amadoras

Em sua luta por reconhecimento, essas artistas também tiveram que se contrapor à categoria de amadoras
que lhes era atribuída. A prática artística era considerada uma profissão masculina. Simioni comenta que,
mesmo com a inserção do público feminino na área, o rótulo continuou sendo empregado: “Se na época,
a condição de amador para os homens era uma situação transitória – uma vez aceitos na Academia,
podiam se tornar profissionais –, para as mulheres o amadorismo se tornou um rótulo taxativo, quase
inescapável, uma ‘condição’ permanente. Isso porque o termo também comportava toda uma carga de
estereótipos negativos sobre as aptidões profissionais e intelectuais femininas”.

As artistas do período adotaram diversas estratégias para contornar esse estereótipo, afirmando-se como
profissionais. Na França, por exemplo, a pintora Rosa Bonheur se vestia com roupas masculinas para
poder caminhar e observar livremente os animais que depois retratava em suas telas. Não há nenhum caso
conhecido no Brasil de uma mulher que tivesse adotado uma postura similar à de Bonheur. No entanto,
um dos principais meios de escapar dos obstáculos impostos era o autorretrato.

A pintora carioca Abigail de Andrade foi uma das que produziram autorretratos relevantes, que
construíam sua imagem como a de uma artista confiante, organizada e metódica no trabalho. Uma das
obras mais famosas de Andrade, que foi a primeira mulher premiada com a medalha de ouro em uma
exposição geral, é a tela Um Canto do meu Ateliê (que ilustra a abertura da matéria). Na pintura, ela
retrata a si mesma produzindo uma nova tela. O ambiente é repleto de indícios do ofício da artista, com
pinturas e esculturas por toda parte, além de estudos do corpo humano. A arte como profissão era assim

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reforçada pela carioca, que, ao longo da sua trajetória, sofreu diversas pressões familiares devido a sua
opção pelo fazer artístico.

“Por muito tempo, os artistas do século


XIX foram desvalorizados no Brasil, em
virtude da supremacia do olhar modernista
em nossa historiografia”.
Obras como os autorretratos de Andrade ou as esculturas de França ainda são pouco conhecidas, mesmo
pelo público especializado. Simioni aponta os possíveis motivos: “Por muito tempo, os artistas do século
XIX foram desvalorizados no Brasil, em virtude da supremacia do olhar modernista em nossa
historiografia. Dos anos 1980 para cá, isso mudou bastante. No entanto, é bom lembrar, há ainda muito
por fazer. Esse desconhecimento sobre o século XIX atinge homens e mulheres, mas no caso delas talvez
isso seja mais dramático justamente porque, na época, elas foram julgadas amadoras”.

Alguns trabalhos dessas artistas fazem parte do acervo de instituições como a Pinacoteca do Estado de
São Paulo e o Museu Nacional de Bela Artes. Porém, outras obras, como as de Abigail de Andrade, ainda
pertencem a coleções privadas, estando inacessíveis ao público. Simioni acredita que, conforme mais
pesquisas mostrarem a importância dessas artistas, os museus tenderão a adquirir seus trabalhos.

Indagada sobre as transformações no universo das artes e a posição ocupada pelas mulheres hoje, Simioni
afirma: “Ao longo da história da arte do século XX, temos vários exemplos de mulheres que alcançaram
fama e notoriedade, como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Lygia Clark e Adriana Varejão, entre tantas
outras. Ainda assim, os seus exemplos podem ser vistos como casos ‘singulares’ e ‘excepcionais’, que
acobertam uma realidade mais ampla de diversas carreiras femininas obliteradas, pouco conhecidas em
períodos diversos, desde o modernismo até os dias de hoje”.

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