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UNIP – Universidade Paulista

Campus: Livramento de Nossa Senhora


Curso: Letras

Plurilinguismo e expressionismo no romance


“Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa

Maurizio Morelli
RA 1428353

Livramento de Nossa Senhora, Bahia,


2016

1
Maurizio Morelli

Plurilinguismo e expressionismo no romance


“Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa

Trabalho Monográfico – Curso em graduação em


Letras – Língua Portuguesa, apresentado a comissão
julgadora da Universidade Paulista UNIP - Pólo
Livramento de Nossa Senhora – BA – sob orientação
do prof. Marcelo Ribeiro

Livramento de Nossa Senhora, Bahia,


2016

2
Banca Examinadora:

__________________________________

__________________________________

__________________________________

3
I Bu
Andé a di acsè mi bu ch’i vaga véa,
che quèl chi à fat i à fatt,
che adèss u s’èra préima se tratour.
E’ pianz e’ còr ma tòtt, ènca mu mè,
avdai ch’i à lavurè dal mièri d’ann
e adèss i à d’andè véa a tèsta basa
dri ma la còrda lònga de’ mazèll.

Tonino Guerra, I bu. Poesie romagnole,1972

4
SUMÁRIO:

Resumo/Abstract:...........................................................................................p.6

Introdução:…..................................................................................................p.7

Capitulo I: Plurilinguismo e expressionismo literário:.....................................p.8

1.1 A crítica literária de Gianfranco Contini .........................................p.8

1.2 Plurilinguismo e monolinguismo.....................................................p.12

1.3 O Expressionismo literário.............................................................p.15

1.4 Un Faust Brasiliano........................................................................p.18

Capitulo II: Plurilinguismo e expressionismo em Guimarães Rosa …..........p.22

2.1 ”Função Dante” em Guimarães Rosa..........................................p.22

2.2 O plurilinguismo em Grande Sertão: Veredas..............................p.27

2.3 O Grande Sertão:Veredas como romance expressionista............p.34

5
Considerações finais..................................................................................p.38

Referências bibliográficas..........................................................................p.48

RESUMO:
Esse texto pretende verificar se, e de qual forma, a escrita de João Guimarães Rosa pode
ser considerada “plurilinguista” e “expressionista”. A análise pretende investir trechos do
romance Grande Sertão:Veredas, e consta de um estudo “estilístico” da linguagem de
Guimarães Rosa, com o objetivo de identificar as diferentes variantes e registros usados
pelo escritor mineiro, através de uma análise do tecido linguístico do romance, avaliando
a sua estrutura lexical, sintática, fonética, etc.. Atravessando a obra roseana, poderemos
comparar as tensões linguísticas que agiram na formação das literaturas italiana (de
onde os conceitos de “plurilinguismo” e “expressionismo” foram extraídos) e portuguesa.
PALAVRAS CHAVES: Guimarães Rosa; Gianfranco Contini; expressionismo;
plurilinguismo;

ABSTRACT
This text aims to analyze Jõao Guimaraes Rosa's works, having as a starting point the
notions of ”plurilingualism” and “expressionism”. Our analysis focuses on the romance
Grande Sertão: Veredas. This text is a stylistic study about Guimarães Rosa's language, to
verify his mechanisms of creation of word using different kinds of linguistic variations. We will
pay attention to the lexical, syntactical and phonetic structure of Grande Sertão's language.
Starting from Guimarães Rosa's works, we will compare some linguistic conficts that took part
in italian literature (where the notions of ”plurilingualism” and “expressionism” grews ) and
brazilian literature.
KEY WORDS: Guimarães Rosa; Gianfranco Contini; expressionism; plurilingualism;

6
INTRODUÇÃO

A proposta desse trabalho é aplicar à leitura do romance “Grande Sertão: Veredas” de


João Guimarães Rosa alguns conceitos chaves de análise literária do filólogo italiano
Gianfranco Contini. A partir de uma profunda análise das variantes linguísticas e
estilísticas que acompanham a história da literatura italiana, o filólogo identifica algumas
“linhas” ou “categorias” cuja aplicabilidade, no estudo de autores estrangeiros, é já
sugerida pelo próprio Contini.
Nesse trabalho verificaremos a legitimidade do uso das categorias de “plurilinguismo” e
“expressionismo” na construção da obra prima de João Guimarães Rosa.
Na escolha consciente e programática de uma linguagem personalizada, aparece um
laço firme que liga os autores “plurilinguistas” e “expressionistas” que pertencem a
contextos históricos e geográficos diferentes. Esse laço firma-se:
a) na necessidade de re-construir as formas de representação adequadas a uma visão de
mundo fortemente subjetivada. (“ Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas
duas vidas, um léxico só não é suficiente” 1). Existe uma tensão do sujeito para
compreensão do que “já vivi antes” que se realiza através da escolha estilística
apropriada.
b) chamando o leitor para um esforço interpretativo constante. O leitor encontra obras
fortemente originais e que demandam o entendimento das novas regras do labirinto
literário. A liberdade criativa não é somente benefício do autor, mas também do leitor,
estimulado e encorajado, pelo formado das obras, a re-inventar e re-interpretar as
histórias narradas.
Esse trabalho encontra a sua justificativa no interesse que o próprio Contini mostrou

1
Entrevista de Günter Lorenz a Guimarães Rosa, em janeiro de 1965, disponível em
http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/GuimaraesRosa-1965.htm.

7
por Guimarães Rosa, abordado em textos críticos que tratam dos conceitos de
“plurilinguismo” e “expressionismo” na história da literatura ou em autores específicos
como Gadda, e em um ensaio dedicado ao Grande Sertão Veredas (“Um Faust
brasiliano”, incluído na colectânea “Altri Esercizi”), no qual Contini reconhece um lugar de
primeira importância do escritor brasileiro, ao lado de Joyce, Gadda e Céline, como
culminância de uma linha macarrônica, expressionista e pluirilinguista que partiu de
Folengo e Rabelais.
Por Contini, como releva Andrea Lombardi 2, os autores expressionistas não são
simplesmente autores dialetais ou periféricos: eles, como o próprio Guimarães Rosa, são
“artistas da palavra”, onde o texto, a palavra, tem muito mais importância do que o
referencial. A escolha de uma variante linguística não corresponde à um realismo
mimético, mas à vontade de representar, através de uma nova linguagem, uma ideia de
mundo novo e originalmente autoral.
Essa é uma análise comparativa que quer identificar a existência da mesma tensão
em contextos literários diferentes, sugerindo sintonias e unidades de intenções,
reconhecendo um caráter universal aos conceitos de plurilinguismo e expressionismo,
como o próprio Contini chegou a sugerir, ao transpor essas definições, identificadas no
estudo da literatura italiana, na análise de autores estrangeiros.
Uma análise comparativa de “artistas da palavras” que se desacostam da língua
“oficial” ou “padrão” (monolinguismo), preferindo o uso “macarrônico” do neologismo, do
dialeto, do socioleto e/ou de um próprio ideoleto, nos permite ir além do conceito de
“literatura nacional”, estabelecendo conexões universais entre autores que apostam em
uma escrita criativa e original.

2
Entrevista a Andrea Lombardi,em “Evento na Biblioteca Nacional discute o conceito de expressionismo e
suas implicações na tradução”,disponível em https://bookcenterbrazil.wordpress.com/2015/06/02/ Evento-na-
biblioteca-nacional-discute-o-conceito-de-expressionismo-e-suas-implicacoes-na-traducao/

8
CAPITULO I : PLURILINGUISMO E EXPRESSIONISMO LITERÁRIO

1.1 A crítica literária de Gianfranco Contini

Gianfranco Contini (1912-1990) é relevante, ao mesmo tempo, como expoente da crítica


“estilística”3, como filólogo e como histórico da literatura, principalmente italiana. Essa
versatilidade permite que Contini crie um método de pesquisa rigoroso que representará
por varias décadas a principal referência e autoridade nos estudos de italianística.
Esse método caracteriza-se pela re-apropriação dos princípios fundadores da crítica
“estilística”, ou seja as ideias de que os escritores sejam o resultado das escolhas
“estilísticas” entre todas as possibilidades que a língua oferece e que os fenômenos
literários deveriam ser analisados pelas próprias características intrínsecas. A estilística
nasce como resposta às metodologias críticas (como positivismo, historicismo,
marxismo, etc..) que subordinam a compreensão do fenômeno literário a critérios
externos – históricos, políticos, sociológicos, etc. - e defende a centralidade dos textos
na análise literária. Leo Spitzer , o fundador da “estilística” , propõe uma atenta leitura
dos textos (exemplares de parole) para encontrar os “desvios” (“écarts”) do uso
linguístico médio da época (langue). Os “desvios” representam o “espírito” do escritor, e
essa abordagem permite estabelecer relações entre o detalhe de cada “desvio” e o todo,
representado tanto pela obra quanto pela vida do autor. Essa análise tem o limite de
prestar-se a interpretações “psico-patológicas” de desvio de um norma “média” que, de
fato, representa uma abstração: para Contini (1943) a langue é, somente, uma
“hipótese”, pois ela não existe e não é palpável, somente existem expressões individuais
(parole)4.
3
Por Guido Lucchini,Leo Spitzer fu per Contini uma referência nunca abandonada, apesar da abertura ao
estruturalismo:Lucchini, Guido em http://www.edizioniets.com/scheda.asp?n=9788846737595
4
Contini,Gianfranco. L'analisi linguistica di Giacomo Devoto,[publicado em Lettere d'oggi, V, 1943, pp. 77-
91, acessível em Contini, Gianfranco, Varianti e altra linguistica. Una raccolta di saggi, Torino, Einaudi,
1970

9
A partir dessa consideração, a crítica estilística de Contini enriquece-se com a análise
filológica das variantes autorais (que representam diferentes “paroles” do mesmo autor).
Através da crítica das variante autorais, a estilística torna-se “diacrônica” (pois as
variantes seguem-se no tempo) e “estrutural”.
As importantes críticas das variantes autorais em Ludovico Ariosto, Giacomo Leopardi e
Francesco Petrarca (Contini:1937;1947;1951) 5 permitem redefinir as relações entre autor
e obra; essa última não representa um resultado definitivo mas relativo, um resultado
temporário, in fieri, de uma tensão dialética permanente. As contribuições do
estruturalismo de Saussure permitem que Contini reconheça que cada nível de variante
represente um “sistema”, e que cada mudança provoque reações em cadeia. Assim a
análise “estilística” do texto nos leva do particular para o todo, através de movimentos
instáveis.

Daqui a necessidade de considerar cada correção como momento sincrônico dentro


de uma mais vasta sincronia, a reconstruir desvelando impulsos e contra-impulsos,
movimentos de estabilização do texto, com outros de inovação e desvio (spitzeriano)
em relação à tradição e à poética do autor, que define-se em relação à sua história
interna e ao cruzamento dinâmico com a tradição” (Italia,Paola:2013, tradução nossa)6

A metodologia de Contini, de acordo com a estilística, é baseada sobre o estudo do


“estilo” da obra proposta; mas a aplicação das análises filológicas das variantes autorais
implica na saída do texto para o autor, o contexto, a tradição; para a exploração das
“estruturas”, das inter-relações através das quais são produzidos os significados dentro de
um sistema cultural7.
Esses movimentos do particular para o todo e vice-versa, são verificáveis também na
elaboração, por Gianfranco Contini, dos dois conceitos de “plurilinguismo” e
“expressionismo”, que serão utilizados nesse trabalho durante a leitura da obra de
5
Contini, Gianfranco. Come lavorava l`Ariosto , publicado em “Meridiano di Roma”, 18 de julho de 1937;
Contini, Gianfranco. Implicazioni leopardiane, publicado em “Letteratura”, IX, n. 2 (1947), março
1947;Contini, Gianfranco. Preliminari sulla lingua del Petrarca, publicado em “Paragone”, II (1951), 16.
6
“Da qui la necessità di considerare le singole correzioni come momenti sincronici in una complessiva
diacronia, da ricostruire rilevandone spinte e controspinte, movimenti di stabilizzazione del testo, con altri
di innovazione e scarto (spitzeriano) rispetto alla tradizione e alla poetica stessa dell’autore, che si
definisce così in rapporto alla sua storia interna e al suo attraversamento dinamico della tradizione”, em
Italia,Paola: Gianfranco Contini, em Dizionario Biografico degli Italiani, Istituto dell'Enciclopedia Italiana,
Firenze, 2013. Disponível em: http://www.treccani.it/enciclopedia/gianfranco-contini_(Dizionario-
Biografico)/ Acesso em 20/09/2016
7
Essa abordagem encontra a sua expressão mais apropriada na “monografia”, que em Contini
representa o ensaio específico, de pequeno corte. Contini, com pouca exceções, prefere o uso da
“monografia”, do pequeno ensaio (“elzeviro”).

10
Guimarães Rosa. A ideia de plurilinguismo nasce do estudo do Dante Alighieri; a partir de
várias monografias, através do constante confronto com os dados, o autor consegue
identificar uma “linha plurilinguista” presente em toda a literatura italiana. Do estudo do
particular, é elaborada uma categoria “geral”, cuja aplicabilidade somente será
comprovada através de novas análises estilísticas e filológicas.
As antologias sobre a literatura italiana nos apresentam o trabalho de Contini como
historiador da literatura8; a escolha dos textos e dos autores representa a tentativa de
fundar um “cânone“ a partir da oposição entre a linha monolinguista e a linha
plurilínguista, oposição que torna-se o critério com o qual percorrer o desenvolvimento da
literatura italiana.
Na fundação desse “cânone” não colaboram somente as investigações cronológicas, a
partir dos autores mais antigos da tradição literária, mas é o olhar sobre os autores
contemporâneos que direciona o olhar sobre o passado. Contini parece apropriar-se da
ideia de Nietzche9 da utilidade da história pela vida, como modelo para refletir sobre o
presente:

Cada história é história contemporânea, ressoa um famoso teorema de Benedetto


Croce. Se essa é a colocação correta, não cairá necessariamente no anacronismo
qualquer tentativa de olhar a atualidade para iluminar eventos e culturas
desaparecidas ou remotas. […] Marcel Proust [...] serve como metáfora para um
discurso não elementar sobre Dante (Contini:1988,p.335, traduçao nossa) 10.

Por isso, a fundação de um “cânone” da história da literatura italiana relaciona-se com a


11
atividade de Contini como crítico contemporâneo e militante e com as relações de
“longa fidelidade” com alguns autores contemporâneos ”exemplares”, acompanhados
desde os exórdios até os últimos êxitos literários, como Eugenio Montale, Giuseppe

8
Contini, Gianfranco, Letteratura italiana delle origini, Firenze, Sansoni, 1988; Gianfranco Contini,
Letteratura italiana del Quattrocento, Firenze, Sansoni, 1995, Gianfranco Contini , Letteratura dell'Italia
unita 1861-1968, Firenze, Sansoni, 1997.
9
Nietzche, Friedrich, Segunda consideração intempestiva, Relume-Dumará, Rio de Janeiro, 2003
10
“Ogni storia è storia contemporanea, suona un famoso teorema crociano. Se questa impostazione e
corretta, non cadrà necessariamente nell’anacronismo ogni tentativo di richiamarsi all’attualità per
illuminare eventi di culture sopite o remo-te. [...]Marcel Proust, voglio dire, serve di metafora per un
discorso non del tutto elementare su Dante” originlmente em Contini, Gianfranco: Dante come
personaggio nella Commedia, originalmente em “Approdo letterario”, janeiro 1958. Disponível em
Contini, Gianfranco: Varianti e altra linguistica (1938-68), Torino, Einaudi, 1970, p.335.
11
“Será licito [….]chamar reacionária uma cultura que, chegando a tomar consciência, recuse converter-
se em ação” (Tradução nossa de “Sarà lecito senza peccato di demagogico vocabolario chiamare
reazionaria una cultura che, giunta alla sua presa di coscienza, si rifiuti di convertirsi in azione“ em
Contini,Gianfranco , Dove va la cultura europea?, Macerata, Quodlibet, 2012)

11
Ungaretti ou Umberto Saba na poesia e Emílio Gadda, Antonio Pizzuto na prosa, Pier
Paolo Pasolini como poeta dialetal e romancista (essas relações, em alguns casos,
fortaleceram-se através de espistolários, como aquele com Gadda, Montale e Pizzuto).
E será a presença do Gadda que favorecerá o surgimento de outro termo analítico e
descritivo: o expressionismo. Contini usa a categoria de expressionismo desviando a sua
relação com a a vaguarda histórica que se desenvolveu na Alemanha e no norte da
Europa na primeira metade do século xx, para torná-la quase uma categoria universal,
cuja aplicabilidade será averiguada tanto na história da literatura italiana (com a
identificação de uma linha Gadda que parte do Dante cómico passando por Folengo, mais
recentemente, pela “scapigliatura” de Carlo Dossi e Giovanni Faldella) quanto na literatura
mundial, sugerindo interessantes paralelos além dos limites espaciais e temporais das
línguas e literaturas nacionais, entre Emilio Gadda, James Joyce, Ferdinand Celine e
Guimarães Rosa.
Podemos concluir afirmando que no modelo metodológico de Contini é possível
encontrar a convergência dos interesses do estilista, do linguista estruturalista, do crítico e
histórico da literatura, que realiza-se a partir do estudo do texto (ponto de começo de
qualquer análise literária) como microcosmo, cujo regras de funcionamento serão
desveladas pela capacidade do analista em relacionar o detalhe com o todo, as micro-
estruturas com a macro-estrutura.

1.2 Plurilinguismo e monolinguismo

No ensaio “Preliminari sulla lingua del Petrarca” , de 1951, Gianfranco Contini define
duas linhas que atravessam toda a história da literatura italiana: a linha monolinguista e
linha plurilinguista.
A elaboração do conceito de “monolinguismo” é um dos melhores resultados do método
de análise do Contini: a característica “monolinguista” da escrita de Francesco Petrarca é
identificada a partir da análise das variantes autorais do Canzoniere (Rerum vulgarium
fragmenta ), coletânea dos poemas, em italiano “vulgar”, organizada pelo próprio autor e
da qual existem diferentes testemunhos manuscritos (os principais são quatros, idiógrafos

12
e autógrafos12), a testemunhar a busca constante de uma versão definitiva. Tanto esses
manuscritos quanto as primeiras edições do Canzoniere nos permitem entender a
dinâmica do trabalho de Petrarca, acompanhando quase quarenta anos de pequenas e
minuciosas revisões estilísticas e novas redações.
Uma característica do Petrarca é a preocupação em melhorar e aperfeiçoar, sem
excessivas transformações, os mesmos poemas. Observando as correções (“limatio”)
parece evidente a tentativa do Petrarca em elevar a língua vulgar à “língua “literária” ,
perto do nível de perfeição do latim13: perdendo as características mais “populares”, a
nova língua “vulgar” adquirirá o estado de língua, e ganhará “classicismo” pela escolha de
uma tonalidade e de um léxico “médios”14.
O monolinguismo de Petrarca é essa aspiração a um modelo linguístico classicamente
perfeito, por isso fora do tempo (esse italiano “vulgar” não têm mais nenhuma relação com
a fala popular) e do espaço (Petrarca cria uma nova nova linguagem de base “toscana”
sem nunca ter morado na Toscana). Linguagem artificial, clássica e classicista, que exclui
as formas que não são consideradas “nobres”: a poesia do Petrarca caracteriza-se por
escolhas unívocas no léxico (depurado de tratos vernaculares, realistas ou exóticos), pela
reprodução dos modelos clássicos da literatura latina que o humanismo ia re-descobrindo,
por um trabalho paciente de pequenas correções, limagens, polimentos.
Para Contini, entre as mais visíveis atribuições que pertencem a Dante, a primeira é o
“plurilinguismo”. Contini escreve sobre Dante Alighieri em décadas diferentes, dedicando
15
“monografie” a quase todos os textos dantescos : apesar de uma aparente
descontinuidade temporal, as monografias apresentam um caminho “nítido”, “não
contraditório16, pois o olhar sobre uma ou outra obra é direcionado pela mesma
perspectiva, a perspectiva “plurilinguista” que encontrará na Divina Comédia a máxima
expressão.
Dante é o único, entre os “sumos” autores não contemporâneos abordados por Contini,
que não oferece variantes autorais; mas o seu impacto metodológico não varia, pois a
critica textual de diferentes obras de Dante permite, dinamicamente, encontrar e

12
Por “autógrafos” entendem-se textos escritos pelo próprio autor, por “idiógrafos” textos escritos por
outras pessoas mas sob o controle direito do autor.
13
Não é por acaso que a maioria da produção desse autor é em latim, cuja variante clássica
(principalmente Cícero e Virgilio) é considerada modelo de perfeição absoluta.
14
O léxico do Petrarca è intencionalmente restrito (as concordâncias registram apenas 3275 lemas).
15
Os textos de G.Contini dedicados a Dante Alighieri foram recolhidos no livro: Contini, Gianfranco, Una
idea di Dante, Torino, Enauidi,1978
16
Giunta, Claudio, Sui saggi danteschi di Contini, 2015, disponivel em
http://www.claudiogiunta.it/2015/11/sui-saggi-danteschi-di-contini/

13
acompanhar o caminho até a Comedia praticando aquela mesma exploração das
“estruturas”, através do vai e vem do micro para o macro. Assim, tanto o Dante lírico
como o Dante teorético17 desvelam um autor fortemente experimental, sempre em busca
de novas soluções estilísticas; um escritor cuja inaudita riqueza e heterogeneidade das
percepções poéticas acompanham-se “não somente com uma vivíssima inteligência geral,
mas também com um verdadeiro logos capaz de inventar conceitos e estruturar
pensamentos” (Contini:2007, tradução nossa)18.
O “plurilinguismo” de Dante é, por Contini, tanto o uso de diferentes registros e variantes
linguísticas, quanto a “poliglottia” dos estilos e dos géneros literários.
O uso da língua, por Dante, é a construção de uma nova língua, pois não é
testemunhado nenhum antecedente na nascente língua italiana tão ambicioso e ousado
como a Divina Comédia19. Assim Dante, na nova linguagem da Comédia, misturará a
linguagem “falada” em Florência nos séculos XIII e XIV com outras formas linguísticas,
aprendidas literariamente (a cultura linguística de Dante incluía tanto o latim quanto
quase todas as nascentes línguas românicas da Itália e da França) ou diretamente,
durante o exílio no norte da Itália. Encontramos na Divina Comédia variantes em quase
todas as quatorze novas línguas “vulgares” identificadas, na península itálica, pelo próprio
Dante no De Vulgari Eloquência, além de palavras de ascendência latina, grega e
francesa.
Significativa é a conotação sociolinguística, na direção do fiorentino arcaico (com
personagem como o Cacciaguida (1091-1148)) ou popular, principalmente nos
personagens do inferno. Contini (2007), analisando os neologismos de Dante, identifica
várias tipologias20.

Tra le gambe pendevan le minugia;


la corata pareva e ’l tristo sacco
17
O plurilinguismo e o experimentalismo dantescos são incomprensivés sem considerar “a reflexão
técnica ao lado da poesia” (Contini:1970). Essa reflexão é dominante no tratado, não concluído, “De
Vulgari Eloquentia”, e encontra-se também em trechos do obra poética de Dante.
18
Contini,Gianfranco, Petrarca e le arti figurative, em Breschi, Giorgio (org.), Frammenti di filologia
romanza, Galluzzo, Firenze 2007, vol I, p. 519-34.
19
A precedente literatura italiana realiza-se principalmente na poesia religiosa do Francisco de Assis, na
imitação da épica cavalheiresca francesa e no adaptação da lírica da Provença pelos poetas da Sicilia e
da Toscana.
20
Formações de-verbais, denominais (alleluiare; alelujar), verbos parassintéticos e derivações por
prefixos (indiarsi = em + deus + ar-se, aproximar-se de Deus); por adjetivos possessivos, numerais,
advérbios, sufixos. Contini, Gianfranco, Varianti e altra linguistica. Una raccolta di saggi , Torino, Einaudi,
1970, p.169-72.

14
che merda fa di quel che si trangugia21.

[Entre as pernas pendiam as tripas;


aparecia o coração e o triste saco
que transforma em merda o que se ingere] (tradução
nossa).

Esse trecho ( apresentação de “Maomé” em um dos últimos cantos do Inferno) nos


apresenta os usos mais “vulgares” e” populares” da língua de Dante; mas o estilo
“Cômico” do inferno se completa com o estilo “trágico” do purgatório e o estilo ”lírico” do
paraíso, realizando aquela “poliglotia” dos estilos indicada por Contini como característica
fundamental do “plurilinguismo”. Essa poliglotia dos estilos configura-se primeiramente
como mistura de gêneros, mas dentro de uma obra fortemente unitária.
É clara em Dante a vontade de incluir (em quanto o monolinguismo de Petrarca era
baseado no “excluir”); encontramos sim na Comédia uma obra enciclopédica, síntese
cultural da idade média e de toda a sabedoria ocidental da época, mas esse
relacionamento com os autores antigos é sempre mediado pela forte personalidade do
autor, cujo objetivo ético e moral não é a “imitatio” (“imitação” como no classicismo de
Petrarca) mas a re-apropriação do ensino dos mestres para poder se arriscar, ir mais
longe, experimentando, re-mesclando, criando.

1.3 O Expressionismo literário

O conceito de “plurilinguismo” está estritamente relacionado ao de “expressionismo”.


Em Contini, o conceito de expressionismo define algo de “transbordante”, um ir além, um
experimentar, um galgar na criatividade, na originalidade, de maneira radical.
Contini tentará sistematizar o conceito de “expressionismo” em um dos ensaios mais
maduros22, depois de usá-lo com muita frequência em precedentes escritos. O ponto de
21
Divina Commedia, Inferno, canto XXVIII, versos 25-7. Em Alighieri,Dante, Divina Commedia-Inferno,
Milano, Rizzoli, 1996.
22
Contini, Gianfranco, L'Espressionismo letterário, em Enciclópedia del Novecento, Treccani, Milano,
1977. Disponível em http://www.treccani.it/enciclopedia/espressionismo_(Enciclopedia-del-Novecento).
O escrito está também em Contini, Gianfranco: Ultimi esercizi e elzeviri (1968-1987), Torino, Einaudi,
1988.

15
partida do ensaio crítico “L`Espressionismo letterario” é a definição do expressionismo
dentro dos limites geográficos e históricos da vanguarda histórica alemã: essa literatura
pode ser definida de “grito” e “destruição” e encontra formas expressivas originais e
violentas (grande influência teve, nas inovações linguísticas dos expressionistas alemães,
o Manifesto Futurista do Filippo Marinetti de 1909), marcadas pelo predomínios das
formas verbais sobre as adjetivais, simplificação e escarnificação linguística, e pela
recusa da retórica e da linguagem poética tradicional. Assim, a partir de definições de
“expressionismo” de teóricos alemães (que já tentaram transferir esse conceito para
outras literaturas, como a francesa), é possível encontrar uma definição de
“expressionismo” que vai além dos limites geográficos e históricos da vanguarda
(Contini:1977)23.
Para Elise Rchter24 o expressionismo é o “precário fruto de uma força descontrolada,
uma momentânea deformação solicitada por um movimento”, ou, em outras palavras,
seria “expressionista” qualquer meio de comunicação que manifeste uma tomada de
consciência do eu enfrentando um processo ou uma situação. Essas definições de
expressionismo dilatam os limites históricos e geográficos dessa categoria, podendo ser
nela incluídas todas as obras que testemunham uma relação conflituosa entre o “eu” e um
mundo evanescente; a percepção de um mundo em movimento não pode acontecer
através das palavras estáticas da gramática convencional, mas pela criação de uma
linguagem subjetiva, que persiste em movimento pela criação de novas dimensões
fonéticas, sintáticas e morfológicas; a própria mensagem não poderá ser interpretada
univocamente e estaticamente pelo leitor, pois é exigida por ele uma constante
participação interpretativa de um novo código e que determina uma reformulação das
tradicionais coordenadas de percepção

Il solo fatto che noi seguitiamo a proclamare...io, tu...con le nostre bocche


screanzate...con la nostra avarizia di stitici destinati alla putrescenza...io,tu...questo
solo fatto...io,tu...denuncia la bassezza della comune dialettica...e ne certifica nella
nostra inpotenza a predicare nulla di nulla...dacché ignoriamo...il soggetto di ogni
proposizione possibile...25

23
“Somente depois do fim da transformação do expressionismo histórico […] foi possível e legitimo usar o
vocábulo em forma generalizante” ,tradução nossa. Contini:1977, disponível em
http://www.treccani.it/enciclopedia/espressionismo_(Enciclopedia-del-Novecento).
24
Richter, E., Impressionismus, Expressionismus und Grammatik, in ‟Zeitschrift für romanische
Philologie", 1927, XLVII, pp. 349-371. Citado em Contini,Gianfranco:1977.
25
Gadda, Carlo Emilio, La cognizione del dolore, Milano, Garzanti, 2000, p.74.

16
[O simples fato que nos continuamos proclamando... eu, você...com as nossas bocas
impudentes...com a nossa avareza de constipados predestinados à putrefação...eu,
você...o simples fato...eu, você...denuncia a baixeza da comum dilética...demonstra
a nossa incapacidade de pregar nada de nada...pois ignoramos...o sujeito de
qualquer possível proposição....](tradução nossa)

Entre os escritores “expressionistas” analisados por Contini, merece um particular


destaque a figura de Emilio Gadda: Gadda é um autor ao qual é comparado, na
monografia “Un Faust Brasiliano” , Guimarães Rosa; além disso, Gadda e Guimarães
Rosa são grande adeptos do romance do século XX, sobre o qual aplicarão inovações e
experimentações. Dentro da tentativa de sistematização conceitual representado pelo
texto “L` Espressionismo Letterario” (1977), a presença de um parágrafo totalmente
dedicado a Emilio Gadda é obrigatória, pois a sua produção literária é acompanhada
26
desde os exórdios . A “fidelidade” do Contini para Gadda é verificável nos inúmeros
textos críticos produzidos (recensões, monografias, introduções) 27 e pelas epístolas
trocadas entre estudioso e escritor entre 1934 e 1963 28.
A identificação precoce de uma “função Gadda”, plurilinguista e expressionista, torna-se
logo um instrumento com o qual propor uma ideia precisa de literatura, que será
encontrada naqueles escritores sobre os quais Gadda pode exercitar a função de
29
“reagente” . A existência dessa função será verificada por Contini, tanto em autores
distantes no tempo, dentro da linha “plurilinguista” da literatura italiana (identificando uma
trilha na qual destacam-se o, como propriamente expressionistas, o “Opus macaronicum”
de Folengo, o teatro dialetal do Ruzante, a lírica milanesa de Carlo Porta, as
experimentações da “scapigliatura”), quanto em autores mais próximos cronologicamente
mas mais distantes geograficamente, como o francês Luis Ferdinand Celíne e o inglês
James Joyce.
Como frisa Lorenzo Mecozzi, a “função Gadda” têm um valor “tipológico” ou “metafórico”:
ajuda a reconhecer afinidades eletivas entre escritores diferentes, distantes no tempo e no

26
Uma primeira recensão de Contini da obra gaddiana “ Il Castello Di Udine” è publicada na revista
“Solaria” em 1934.
27
Os escritos sobre Gadda, frutos de mais de quarenta ano de “amizade” encontram-se em Contini,
Gianfranco: Quarant`anni di amicizia: scritti su Emilio Gadda, Torino, Enaudi, 1989
28
As cartas estão disponíveis em Contini,Gianfranco; Gadda,Emilio, Carteggio 1934-1963, Milano,
Garzanti, 2009.
29
Contini, Gianfranco (org), Racconti della Scapigliatura piemontese, Einaudi, Torino, 1992. p.12. Primeira
edição: Contini, Gianfranco (org), Racconti della Scapigliatura piemontese, Bompiani, 1953.

17
espaço; expressa a necessidade de dividir, dentro da história da literatura, duas grandes
“linhas” estilísticas: “em um lado os “pasticheurs” com o seu “plurilinguismo” e
“expressionismo”, no outro lado os escritores monolinguistas, impressionistas, portadores
de experiências verbais sem violência, sem grito.
”Tenho tendência a uma brutal deformação dos temas que o destino acreditava que
30
poderia propor como coisas formadas e objetivas”: essa declaração poética do próprio
Gadda, na prefácio do livro “Il Castello di Udine”, nos apresenta um autor claramente
“expressionista” e “plurilinguista”, no qual a deformação representa a irrealizável tentativa
de pacificar uma visão de mundo em contínua crise e transformação.
O “pastiche” de Gadda não é uma simples imitação e re-combinação de elementos
alheios, mas têm que ser entendido como descarto da norma, como uso de material
heterogêneo tanto no plano diacrônico quanto no plano sincrônico, com o objetivo de
produzir uma evasão da norma comunicativa.
Contini (1963)31 nos oferece um elenco detalhado das deformações linguísticas na obra
de Gadda; pelo próprio Contini, o material de Gadda é tão irregular e eclético que é mais
fácil separar o “normal” do “deformado” do que o contrário. Aqui indicaremos apenas
alguns aspectos da linguagem do romance “La Cognizione del Dolore” :
- usos de formas gramaticais irregulares ou alternativas às oficialmente aceitas ( como por
exemplo o uso do artigo “li” em relação ao regular “il”)
- uso de variantes dialetais setentrionais que se opõem a variantes “literárias” e “rústicas”
da Toscana32 (pelo filólogo Dante Isella esse romance pertenceria à “linha lombarda”,
oposta à linha oficialmente italiana).
- uso da língua espanhola, que cria um bilinguismo paródico tanto com o italiano quanto
com o próprio dialeto lombardo, tornando-se, grotescamente, uma tentativa de exotizar o
vernáculo, ou seja a língua mais nativa e natural (La Cognizione del Dolore é ambientada
em um hipotético Maradagal, uma “Brianza33” camuflada de Sul América”).
- deformação da língua padrão pela língua “burocrática” ou pela língua técnica- cientista,
em expressões como “peptonizzare” (neologismo formado por derivação sufixal, com o
acréscimo do radical “peptoide” com o sufixo verbal “–are”= “peptoidizar”).
30
Podemos lembrar as palavras de Guimarães Rosa na entrevista com Gunter Lorenz (cit.nota
1):“Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente”
31
Inicialmente em Contini, Gianfranco, Introduzione alla cognizione del dolore, em Gadda,Emilio, La
cognizione del dolore, Einaudi, Torino, 1963. Hoje em Contini,Gianfranco: Quarant`anni di amicizia:
scritti su Emilio Gadda, Torino, Enaudi, 1989.
32
Dentro da linguagem “toscana”, Gadda usa formas já reconhecidas como “oficiais” e outras já
percebidas como “arcaicas”
33
Território da região “Lombardía” que inclui os municípios de Milão, Como e Lecco,

18
- sintaticamente, é observável a predominância de formas ipotáticas e a adulteração da
ordem regular Sujeito - Verbo – Objeto, mas o escritor pode impor ao texto mudanças
rítmicas.
Essas deformações linguísticas relacionam-se com as desfigurações do gênero
romance e com aquela relação conflituosa eu/mundo que será abordada por Contini
(1963), em chave psicanalista, na “Introduzione alla Cognizione del Dolore”. Assim
descobrimos em Gonzalo Pitiburro (alter ego ou máscara literária do próprio autor) um
sujeito fortemente “neurótico”; Por Contini, trata-se de uma neurose que pré-existe e
persiste no romance; mas as motivações e justificativas dessa “neurose” seriam tão
insuficientes, fúteis, que tornam as ações (e até o presunto homicídio da mãe) grotescas e
desproporcionais. Uma vez derrubadas as motivações das ações, é o próprio tecido
narrativo que perde a própria justificativa, o próprio sentido: o resultado é a incompletude
de La Cognizione del Dolore (típico “anti-romance” do século XX) ao qual é negada uma
conclusão, o fechamento de um ciclo que ficará inevitavelmente aberto 34.Essa
incompletude deixa em aberto inúmeras questões sobre o significado daquelas imagens
de morte e de culpa.

1.4 Un Faust Brasiliano

“ Se a inovação expressionista, em strictu senso, realiza-se em idiomas que se


prestam a experimentação, é legitimo perguntar-se como, na mesma época,
reagem os idiomas “menores”, cuja dobrável elasticidade às violências
solicitantes é menos conhecida. Somente um colegiado de especialistas poderia
responder adequadamente a essa pergunta e delinear estavelmente uma
“internacional” do expressionismo.” (Contini:1977, tradução nossa)35

Contini defende a legitimidade de uma pesquisa sobre a ação do expressionismo em


34
A obra termina, de repente, com a notícia da morte da mãe :”consta-se que não se trata de uma obra
interiormente completa, estática, a tutto tondo, mas […] de uma serie […] de admiráveis fragmentos, ou
torsos narrativos” (Contini:1963) ‛torsi' narrativi.
35
Disponível em http://www.treccani.it/enciclopedia/espressionismo_(Enciclopedia-del-Novecento):”Se
l'innovazione espressionistica, in senso stretto o dilatato, si realizza in lingue rotte alla sperimentazione,
è legittimo chiedersi come, in quegli stessi anni, reagiscano lingue ‛minori' di cui è meno nota la
pieghevole elasticità alla violenza sollecitatrice. Solo un collegio di specialisti potrebbe rispondere
adeguatamente a questa domanda e delineare stabilmente un'‛internazionale' dell'espressionismo”.

19
outras literaturas, conduzida por “especialistas”. No ensaio “L`espressionismo letterario” o
crítico aborda escritores que pertencem a outras literaturas. Esses parágrafos parecem
propostas de pesquisa, sugestões fundamentadas de caminhos para a aplicação da
categoria de expressionismo.
O pequeno escrito “Un Faust Brasiliano”, publicado no jornal Corriere della Sera em
197036, pode também ser lido como uma hipótese interpretava: trata-se de uma
recensione (recensão) de dimensões resumidas nas quais são contidas algumas
observações sobre os aspectos mais evidentes da obra de Guimarães Rosa, a partir das
quais será aprofundada a nossa análise.
As obras de Guimarães Rosa consideradas são Corpo de Baile e Grande Sertão
Veredas, na tradução italiana de Emilio Bizzarri. Sobre a traduzibilidade de Guimarães
Rosa, Contini afirma que as dificuldades, numerosas, são “meramente idiomáticas, como
em Gadda, e não mais vastamente exegéticas” , como no James Joyce do Finnegans
Wake. Por Contini (1970), Guimarães Rosa pertence de direito à categoria dos grandes
escritores (o único de tão grande força que, até aquele momento, tinha nascido e
concluído a carreira dentro do século XX), pois o grande artista é medido pela “força da
chicotada que a sua inventiva dá a vitalidade, e a persistência e a duração com a qual e à
qual reage” (Contini:1970,p.318, tradução nossa). Essa definição parece uma paráfrase
da definição da Richter (pela qual seria expressionista qualquer meio de comunicação
que manifesta um posicionamento do “eu” em frente a um processo ou uma situação
(Contini:1977)) e nos permite identificar claramente Guimarães Rosa como escritor
expressionista.
A linguagem de Guimarães Rosa é por Contini relacionada à portada simbólica do
“Sertão”. A linguagem de Guimarães Rosa, rica de variantes regionais não é pitoresca,
exótica, pois esse regionalismo representaria uma reconstrução linguística do próprio
sertão através de uma língua íntima, vernacular. E a excepcional abundância com a qual
proliferam nomes de flora, fauna e ecologia, em um discurso predominado pela parataxe,
corresponde, simbolicamente, ao processo de dilatação representado pelo Sertão.
Por Contini, típica de Guimarães Rosa é essa “double face” da natureza e dos eventos.
Assim, a natureza do Sertão “é sujeita a um processo de dilatação e penetração, até
nomenclatório”: “grande sertão é o sertão na sua máxima extensão, é o sertão mais
sertão que se possa ter” (Contini:1970,p.319, tradução nossa). Contini verifica a sua

36
A recensão encontra-se hoje em: Contini, Gianfranco, Ultimi esercizi e elzeviri (1968-1987), Torino,
Einaudi, 1988, p.318-322.

20
hipótese de um “processo de dilatação e penetração nomenclatório” em trechos do
Grande Sertão como os seguintes:
“O sertão aceita todos os nomes: aqui é o Gerais, lá é o Chapadão, lá
acolá é a caatinga37“

“ Sei o grande sertão? Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota,
esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com
pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas...38”

Ou no “calembour” (jogo de palavra):


“eu ia denunciar o nome, dar a cita: … Satanás! Sujo! e dele disse
somentes – S… sertão… sertão”39.

Essa “dilatação” é o reflexo da aporia teológica (a existência do demo) que motiva a


fabulação, com a qual entrelaça-se a ambiguidade sentimental entre o protagonista e
Diadorim. A grande novidade de Guimarães Rosa, conclui Contini, consistiria na
capacidade de traduzir essas sutilezas psicológicas “ em um sistema de metáforas e
abordagens encravadas no léxico e, principalmente, na sintaxe da fala brasileira, com
suas elipses, redundâncias e alterações sufixais prontas para dilatar-se pela deformação
pessoal” (Contini:1970, tradução nossa).

37
Rosa, João Guimarães Grande Sertão Veredas, Rio de Janeiro, Nova Aguillar, 1994 p.701
38
Rosa, João Guimarães (1994) p.825
39
Rosa, João Guimarães (1994) p.851

21
CAPITULO II – PLURILINGUISMO E EXPRESSIONISMO EM GUIMARÃES ROSA

2.1 ”Função Dante” em Guimarães Rosa


Nesse momento da pesquisa tentaremos verificar, no romance “Grande Sertão
Veredas”, a aplicabilidade do conceito de “plurilinguismo” que, para Contini, indica tanto o
uso de diferentes registros e variantes linguísticas, quanto a “poliglottia” dos estilos e dos
gêneros literários. Trata-se de uma “linha” identificada durante o estudo de Dante Alighieri,
a partir da qual o crítico tenta fundar um “cânone” para organizar a história literária
italiana até as experiências “plurilinguistas” (e “expressionistas”) modernas de Gadda,
Pizzuto, Pasolini40.
Como ponto de partida, podemos identificar e estudar as relações existentes entre
Guimarães Rosa e Dante Alighieri. A crítica roseana já identificou na Divina Comédia uma
das obras com a qual o Guimarães Rosa se nutriu quando criou o Grande Sertão. A
abordagem crítica de Gibson Monteiro da Rocha 41(2007) propõe a “leitura do diálogo”
entre Grande Sertão e Divina Comédia, explorando o caminho das inter-relações entre as
obras. Pelo autor, podemos falar de três esferas de relações: a primeira, é a transposição
de elementos de uma obra (DC) para outra (GSV); a segunda “ quando entre um e outro,
em virtude do desenvolvimento de uma percepção poética semelhante do mundo,
defrontamos com composições literárias muito aproximadas” (Rocha, 2007). Já a terceira
poderia ser definida “de retorno” (pois a leitura prévia de GSV permite que o leitor põe
seus olhos sobre a DC descortinando percepções que , antes, eram veladas ou
imperceptíveis”).
A transposição de elementos da Divina Comédia é evidente em vários trechos da obra
40
Por Contini, em Pier Paolo Pasolini, o expressionismo encontra-se nos romances “romanos” Ragazzi di
vita e Una vita violenta.
41
Rocha, Gibson Monteiro O que há entre uma grande escritura e uma escritura divina? em Anais do
Evento PG Letras 30 Anos Vol. I (1), 2007, p.287-297, disponivel em http://www.pgletras.com.br/Anais-
30-Anos/Docs/Artigos/3.%20Pesq%20em%20andamento%20Literatura/3.3_Gibson_Monteiro.pdf

22
do Guimarães Rosa. Do Grande Sertão Veredas, por exemplo, Rocha (2008) lista
expressões como “Tão território que não foi feito para isso, por lá esperança não
acompanha”42, transformação quase literal do “Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate” 43.
Mas é principalmente na descrição do Liso do Sussurão que as relações intertextuais
entre as duas obras evidenciam-se:

Razão dita, de boa-cara se aceitou, quando conforme Medeiro Vaz com as


poucas palavras: que íamos cruzar o Liso do Sussuarão, e cutucar de guerrear
nos fundões da Bahia! Até, o tanto, houve, prezando, um rebuliço de festejo. O
que ninguém ainda não tinha feito, a gente se sentia no poder de fazer. (ROSA,
1994, p. 54)

Nessa descrição, por Rocha (2008), é clara a derivação do Canto XXVI do Inferno:

"O frati", dissi, "che per cento milia


perigli siete giunti a l'occidente,
a questa tanto picciola vigília
d'i nostri sensi ch'è del rimanente
non vogliate negar l'esperïenza,
di retro al sol, del mondo sanza gente.
(Inf. XXVI, 112- 117)

[“Oh irmãos”, lhes disse, “que vencendo mil


perigos chegaste ao ponente,
a esse pequeno desejo que
sobrou nos nossos sentidos,
não recusem a experiência,
seguindo o curso do sol,
de explorar o mundo sem gente. (Tradução nossa)]

Li miei compagni fec' io sì aguti,


con questa orazion picciola, al cammino,
che a pena poscia li avrei ritenuti; (Inf. XXVI, 121-123)

[Consegui, com esse pequeno discurso,


42
Rosa, João Guimarães (1994) p.528
43
Divina Commedia, Inferno, canto III, v.9. Em Alighieri,Dante, Divina Commedia-Inferno, Milano, Rizzoli,
1996.

23
que os meus companheiros ficassem
tão desejosos de viajar que não conseguiria mais freiá-los (Tradução nossa)]

Rocha identifica a relação Dante/Riobaldo (que conseguiram concluir a viagem até


o fim) com a relação Ulisses/Madeiro Vaz (que não concluíram). Na tese de mestrado “O
homo viator na Divina Comédia e no Grande Sertão: Veredas”, Rocha compara as duas
obras a partir do conceito de “homo viator”, concentrando-se sobre a percepção do
“viajante” que é protagonista nas duas obras. O Dante da Comédia é ao mesmo tempo
autor, narrador e protagonista 44; Dante, enquanto recorda aquilo que narra, se satisfaz e
sofre: este Dante é o “Homo viator“:

A nossa ideia é que o conceito de Homo viator pode ser compreendido


também como o ser humano, que diante da consciência da incompreensão da
existência, ou de elementos que lhe são partícipes, tenta, a partir de um
processo de fusão cultural, dar conta da existência – uma vez que nenhuma
das perspectivas legadas pela nossa herança cultural lhe permite racionalizar a
existência de modo a entendê-la em sua completude (Rocha, 2011, p.24):

A necessidade de dar conta da própria existência, trazendo sim como bagagem os


valores e os modelos da própria cultura, mas necessitando criar novos formatos, nos
demostra a espessura dessa “fusão cultural” nos dois autores; assim, nesses jogos
intertextuais, o confronto com outras propostas poéticas e gnoseológicas torna-se o
caminho preparatório para a elaboração das próprias. É essa “fusão cultural” que permite
a construção “plurilinguista” da Divina Comédia e de Grande Sertão: Veredas : a
construção de novos códigos será possível somente depois da ingestão macarrônica de
vários estímulos culturais45
Para entender a escritura de Guimarães Rosa a partir de fontes diferentes (obras
literárias, fontes orais, experiências diretas, etc.), que inspiraram o autor de forma mais ou
menos explícita, podemos usar com proveito alguma sugestões metodológicas da filologia
textual e da crítica genética, a partir do material do Arquivo João Guimarães Rosa, que se

44
A ambivalência de Dante autor, narrador e personagem é também central no estudo de Contini Dante
come personaggio-poeta della Commedia, ( em Contini,1970) no qual Contini evidência o caminho para
Comédia como percurso, ao mesmo tempo, autobiográfico e intelectual).
45
Essa “construção”, no nosso ponto de vista, será pacífica e vitoriosa em Dante (“ Cada etapa e pausa
na sua viagem extraterrena é uma modalidade do “eu” antigo vitoriosamente atravessada”(Contini:1970,
tradução nossa ) mas não em Rosa, escritor expressionista, onde o conflito do “eu”, como veremos, está
somente e aparentemente resolvido no plano formal.

24
encontra no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) na Universidade de São Paulo (USP).
Esse material representa uma riquíssima biografia intelectual (em parte organizada pelo
próprio autor), de onde emergem as mais variadas correspondências: desenhos,
entrevistas, depoimentos, cadernos e cadernetas de registros, além de documentos de
natureza privada, cartas, postais, etc.
A crítica genética revela o lado inconcluso e incompleto da obra, possibilitando
visualizar os processos criativos dos autores a partir da rasura e do rascunho. Camargo
(2013)46 foca a sua analise sobre o material do Arquivo João Guimarães Rosa agrupado
sob a designação de Estudos para Obra47, nos quais visualiza três grandes usos e
funções: o registro das experiências quotidianas (na forma de diários e apontamentos
avulsos); o arquivamento de notas de leitura, pesquisas temáticas e estudos linguísticos;
a experimentação literária, “por meio de numerosas listas de elaborações textuais
fragmentárias e planos poéticos, ficcionais e ensaísticos” (Camargo,2013) . Gama (2014)
propões a visualização do material segundo três aspectos: “a acumulação enquanto
método, a listagem como forma e a citação enquanto desejo de apropriação do outro” 48
As pastas, cadernos, cadernetas da série Estudos para Obra contém, de acordo com
Cécilia De Lara (1987)49, vários tipos de estudos sobre os assuntos mais diversificados
(animais, armas à heráldica, navegação, tarô...). Há listas de diferentes comprimentos
(formadas por palavras, frases, provérbios, expressões) assim como estudos lexicais a
partir de vários dicionários, inclusive de dialetos e de línguas estrangeiras. Nos Estudos o
criado convive com o que foi lido ou ouvido. Assim, a citação literária ou o estudo
específico e criativo de uma obra50 acompanha o registro da linguagem oral.
A leitura dos Estudos para Obra nos demostra o caráter enciclopédico da “fusão
cultural” de Guimarães Rosa, pois a sua cultura atingia territórios mais vastos do que o
“grande sertão”, convivendo nela a tradição oral com tradição literária, escritores e
46
Camargo, Federico Antonio Camillo, Da montanha de minério ao metal raro: os Estudos para Obra de
João Guimarães Rosa, dissertação, USP, disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8151/tde-01072013-085851/pt-br.php, acesso 10/10/2016
47
“Nele vamos encontrar a extensa coleta de informações, o estabelecimento de relações entre os dados
obtidos e os propósitos literários, o exercício repetitivo das técnicas, os esboços fragmentários em que
se vislumbram as obras futuras, e a experimentação contínua dirigida para o aperfeiçoamento do
trabalho de escrita. Nesse sentido, ainda que ímpar, o termo “estudo” termina por se revelar
extremamente apropriado. (Camargo, 2013, p.19)
48
Gama, Mónica, O breviário criativo de Guimarães Rosa, em “Manuscrítica n. 26”, 2014, p.11
49
Lara de, Cécilia, Arquivo João Guimarães Rosa do I.E.B., disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/travessia/article/view/17407 , acesso:10/10/2016
50
Entre os de autores estudados em folhas avulsas dos Estudos para Obra, de acordo com o levantamento
de Camargo (2011), encontramos Omero (35 páginas, o mais estudado), Dante (20 páginas), Plotino,
LaFontaine, Émile Mochel, Camões, Victor Tissot, Euclídes da Cunha, Garcia Lorca, Bergson, Montesquie,
Eçaa de Queroiz, Auguste Comte, Lão Tse, Ortega Y Gasset, Nietzche,

25
linguagens de épocas e idiomas diferentes, a experiência pessoal de viajante ao redor do
mundo e no interior brasileiro: Rosa, como Dante, é “homo viator”, cujas viagens se dão
na vida privada e no percurso estético-literário que sintetiza as fontes mais distantes em
uma proposta poética original.
Os Estudos para Obra contém, nos volumes nos quais estão catalogadas as “Folhas
avulsa”, uma cartolina de 62 páginas com a inscrição autógrafa “Dante-Homero //
LaFonteine”; as divisórias internas classificam como “Dante” as páginas de 42 a 62.
Nessas páginas é investigada a Divina Comédia de Dante (do canto I ao XIII do Inferno),
através de transcrições e intervenções de Rosa, que consistiam em traduções, estudos da
língua italiana, exercícios poéticos. Acompanhando essas páginas é possível decifrar
quais aspectos da Divina Comédia interessavam a Guimarães Rosa.
Para Camargo (2011) a leitura de Dante por Guimarães Rosa foi muito rica e
aprofundada, pois o escritor tentou compreender aspectos históricos, linguísticos
(principalmente fonéticos e morfológicos) e exegéticos do poema. Assim, a leitura do
texto “Dante: introduction a l'étude de la Divine Comédie” do crítico francês Henri
Hauvette, permite que Guimarães Rosa se aproprie da noção de Dante de “sovrasenso”.
Essa noção de “sovrasenso” refere-se à leitura “anagógica”, sugerida por Dante (no
Convivio e na Epistola a Cangrande della Scala) como a quarta forma de leitura de texto
literário, depois da interpretação literária, alegórica e moral. Na idade média, a
interpretação “anagógica” do texto era aquela que desvelava interpretações escatológicas
sobre o futuro e o destino do homem, além do significado literal.
É interessante frisar que esse “sovrasenso” indica algo além da grafia, uma persistência
51
no futuro da palavra carregada de valores simbólicos, metafóricos, bíblicos . As
interpretações textuais sugeridas por Dante podem ter influenciado a percepção, em
Rosa, do caráter polissemântico e poliédrico da palavra:

A palavra perdeu a sua característica de termo, entidade de contorno


unívoco, para converter-se em plurissigno, realidade multi-significativa. De
objeto de uma só camada semântica, transformou-se em núcleo irradiador de
policonotações. A língua roseana deixou de ser unidimensional. Converte-se
em idioma no qual os objetos flutuam, numa atmosfera em que o significado
de cada coisa está em contínua mutação (Oliveira, 1983)52
51
Como vimos, umas das características da escritura “expressionista” é a criação de uma linguagem
subjetiva que persiste em movimento
52
Oliveira, Franklin de. (1983). Revolução Roseana. In: Coutinho, Eduardo F. (Org.). Guimarães Rosa:
Coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, p. 179-201.

26
Além do interesse e do aproveitamento do conceito de interpretação alegórica e
anagógica (“sovrasenso”53), Camargo (2011) nos apresenta Guimarães Rosa estudando,
em Dante, o constante uso de figura de linguagem e a sonoridade. As figuras de
linguagem que Guimarães Rosa registra com maior frequência, são a perífrase e a
antonomásia. Frequentemente, é possível encontrar propostas autógrafas de tradução
dessas figuras para o português, como por exemplo:

“...là dove 'l sol tace”


(a selva, onde o sol se cala)

A sonoridade da Divina Comédia é também estudada por Guimarães Rosa, copiando


trecho que propõem aliterações e construções paronomásticas:

\\ e caddi como corpo morto cade


[caí como corpo morto cai (Tradução nossa)]

Os textos dos Estudos para Obra nos atestam o processo de apropriação e de


assimilação de elementos estilísticos de Dante por Guimarães Rosa: trechos da obras,
escolhidos durante a leitura, saem do livro (que era lido em edição comentada, em
54
italiano, ”com as fartas notas de pé de pagina” ) e são copiados nos cadernos; alguns
são traduzidos e tornam-se objetos de estudo (principalmente os que receberam, no
caderno, o marco “m%” pela mão do próprio autor), outros são reformulados e
reutilizados, de forma mais ou menos explícita 55.

2.2 O plurilinguismo em Grande Sertão: Veredas

53
Camargo, 2011, p. 241.
54
“Tenho estudado Dante, no italiano; com as fartas notas de pé de página, não é difícil, experimente; e vale
a pena, se vale!, ali tenho descoberto ou re-descoberto muita coisas” carta a Alvaro Lins de 1949, em
Camargo (2011, p.239)
55
Camargo (2011, p.243) analisa as correspondências direitas entre a novela “Dão-Lalalão”, de Corpo de
Baile e as notas sobre Dante nos cadernos, citando também uma carta para Edoardo Bizzarri, tradutor
italiano da novela, onde são listadas diversas passagens do “Dão-Lalalão” construídas sobre versos de
Dante

27
Por Contini, o plurilinguismo de Dante é caraterizado pela “pluralidade de camadas
lexicais” (que é também “pluralidade de tons” 56): o autor escolhe uma base linguística viva
e falada (o fiorentino entre século XIII e XIV com sua instabilidade fonomorfológica e
morfosintática) com abertura para variantes regionais ou dialetais (aprendidas diretamente
pela literatura) e para outros idiomas literários (latim, grego, francês antigo).
Eu incluo em minha dicção certas particularidades dialéticas da minha
região, que são linguagens literárias e ainda têm sua marca original, que
não estão desgastadas e quase sempre são de uma grande sabedoria
linguística. Além disso, como autor do século XX, devo me ocupar do idioma
formado sob a influência das ciências modernas e que representa uma
espécie de dialeto. E também está à minha disposição esse magnífico
idioma já quase esquecido: o português dos sábios e dos poetas daquela
época dos escolásticos da Idade Média, tal como se falava, por exemplo em
Coimbra.(...). (Rosa, 1963)57

Percebemos (através dessa carta para o tradutor italiano Edoardo Bizzarri) que em
Rosa, como em Dante e em outros escritores propriamente “plurilinguistas”, o uso do
dialeto não corresponde à intenções pitorescas: ele é idioma vivo, não somente como
variante “oral” mas “literária”. Podemos citar outras observações de Rosa, na entrevista
com Gunther Lorenz:

Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o idioma


português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou
escrevendo, eu traduzo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam
meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que
não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros.

De acordo com Coutinho (1983, p. 208)58, Rosa não limitou-se a reprodução de uma
linguagem falada no sertão do Brasil, mas acrescentou “à síntese já existente” com a “sua
própria síntese”, criando uma estrutura sintática peculiar, e um léxico riquíssimo, que inclui
neologismos, estrangeirismos59, “revitalização do antigo português”, variantes indígenas e
56
Contini, 1970, p.341
57
Rosa, João Guimarães Rosa, Carta a Emílio Bizzarri, 1963, em Arquivo João Guimarães Rosa, USP
58
Coutinho, Eduardo F. (Org.). Guimarães Rosa: Coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira;
Brasília
59
Clarice Nadir von Borstel, conclui que “poucos foram os empréstimos linguísticos utilizados no

28
crioulas. A linguagem aparentemente “sertaneja” do Grande Sertão sintetiza a
“pluralidade de camadas lexicais” existentes no texto, que são desveladas tanto pelas
declarações poéticas de Rosa quanto pelos exercícios e traduções de outros autores nos
cadernos do arquivo.
Por Contini os autores “plurilinguistas” são, como Dante, escritores “neologistas”; o
neologismo é uma das características mais evidentes do estilo de Guimarães Rosa e já
existem vários estudos críticos sobre essa prática na sua obra. Para Mendes (1991:8), a
neologia "se define pela possibilidade de criação de novas unidades lexicais, novas
formas de significante e significado, em virtude da existência de um mecanismo de
produção incluído no sistema lexical”.
A linguística geralmente separa os neologismos em três famílias: os neologismos
fonológicos (aqueles em que a nova palavra surge de uma combinação inédita de
fonemas), semânticos ( atribuição de um novo significado a uma palavra já existente) e
“sintáticos”. Nessa última família encontramos novas palavras formadas pela combinação
de signos preexistentes no léxico da língua; por Mendes (1991) 60, elas criam “signos
relacionados, ou seja, relativamente motivados quanto à relação significante/significado”
através de processos morfosintáticos (derivação), sintagmáticos (aglutinação), mistos61 ou
estilísticos62.
Mendes (1991) identifica, na formação de novas unidades linguisticas do Grande
Sertão, o predomínio de neológismos a partir de signos preexistente. Mais de 80%, das
942 ocorrências neológicas em Grande Sertão: Veredas, são constituídas por processos
morfosintáticos, ou seja “por derivação; prefixação, semiprefixação, sufixação,
parassíntese, derivação regressiva e por composição”. A metade desse neologismos
morfosintáticos são criados por “processos roseanos”: processos sui generis, ou seja,
não-previstos pelas regras de formação lexical 63. Mendes identifica dezesseis tipologias
desses “processos roseanos”64.

romance Grande Sertão:Veredas.” Borstel, Clarice Nadir von, “Os empréstimos linguísticos em Grande
Sertão: Veredas” , 2009, disponível em https://pendientedemigracion.ucm.es
/info/especulo/numero42/veredas.html, acesso 10/10/2016.
60
Mendes, Eliana Amarante de Mendonça. A Tradução dos Neologismos de Grande Sertão:Veredas ,
1991. Tese (Doutorado em Filologia e LinguÌstica Romanicas) , USP, 1991 .
61
“Formação de vocábulo impressivo, expansão de sigla lexicalizada, expansão de redução, expansão de
empréstimo” (Mendes, 1991)
62
“Criação gráfica, redobro, aglutinação estilística, criação forjada de expressões sintagmáticas coesas,
cruzamento de palavra, redução” (Mendes, 1991)
63
Mendes (1991, p.24)
64
PR1- O uso de afixos improdutivos, ou arcaicos, como, por exemplo, o sufixo formador de aumentativo
-az, em malvaz.PR2 - O esvaziamento semântico de afixos, utilizados para conferir à lexia um
significante 18 fonologicamente mais rico, (por exemplo, o prefixo de-, em deamar, e o sufixo -al, em

29
Em Grande Sertao:Veredas estão presentes não somente neologismos cujo processo
de criação envolve significante e significado, mas também neologismos que agem
somente a nível de significado: trata-se dos neologismos semânticos, pontualmente
identificados por Leonel (1997)65, que estuda as relações entre verbo, objeto e sujeito.
Um exemplo de neologismo semântico na ”relação verbo-objeto” (SV + SN) é em:
Será que fosse para o urucuiano Salustio no primeiro descuido meu me
amortizar ?(Rosa,1994 p.489)

Nesse enunciado, o traço de significação /não-animado/ de amortizar (que, no dicionário


significa “extinguir ou abater uma dívida”), é substituído pelo seu contrário /animado/
(presente no objeto direto “me” que carrega essa significação).
A para ver como é, que será vai ser.. O que será vai ser ou vai não ser... -
alastrei, no mau falar, no gaguejável (Rosa, 1994, p.495)
Nesse caso, podemos observar um neologismo semântico criado modificando as
relações entre verbo e sujeito, pois o verbo “alastrar” normalmente significa “propagar”,
“difundir”, “estender” e o sujeito pertence ao mundo da natureza (incêndio, vento,
vegetação); no nosso exemplo o sujeito é humano (eu)66.
Outra característica do plurilinguismo dantesco, por Contini, é a conotação
sociolinguística dos personagens. Em Grande Sertão, essa conotação é determinada
pelas relações de poder, militar ou econômico. Podemos observar a caracterização
linguística dos diferentes níveis sociais; observe-se a linguagem do “falador” dos
“catrumanos” do Pubo:

“Ossenhor uturje, mestre, a gente vinhemos, no graminhá... Ossenhor


uturje...”(Rosa, 1994, p.548).
buracal.PR3 - A modificação do sentido dos afixos, como, por exemplo, o prefixo des- em desenormes,
com valor intensivo. PR4- A substituição de afixos (des- por in-, em desfeliz, e -ice por -ura, em
docice).PR5- A recuperação de bases presas (por exemplo, na formação de deciso, a partir de indeciso).
PR6- A aplicação de regras de afixação a bases indevidas, como, por exemplo, na formação de
amormente e de desmim. PR7- O uso de elementos tomados ao latim, como, por exemplo, a desinência
-em, de acusativo singular, em uso sufixai, como em felém. PR8- O uso pleonástico de afixos, (por
exemplo, em depoismente: o sufixo -mente, formador de advérbios, é aplicado à base “depois” que já é
advérbio. PR9- A vernacularização de lexias de formação erudita.PRIO- A criação de afixos, (por
exemplo, em homenzém e zumbiz). PRll- A criação com base em analogia com um único modelo lexical,
como, por exemplo, a formação de mortalma, a partir de vivalma.PR12- A expansão de compostos por
derivação (beija-florou). PR13- A modificação de compostos, (bem-me-quis), a partir de bem-me-quer.
PR14- A criação de palavras gramaticais (por exemplo, a formação do advérbio trastanto). PR15- O uso
de elementos inusitados (zé-zombavam). PR16- O uso simultâneo de dois prefixos a- e -re- = arre-,
intensivos. Resumido de Mendes, 1991, p.78-79
65
Leonel, Maria Célia de Moraes, Grande Sertão Veredas: alguns neologismos semánticos, 1997,
disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4013, acesso em 10/10/2015
66
Leonel, 1997, p.84-85.

30
Zé Bebelo é interessado em aperfeiçoar o “falar muito nacional” (que causa o encontro
com Riobaldo, “moço professor”), pela ambição em se tornar político, “deputado”; a
linguagem é meio de ascensão social e de exercício de poder. O poder da fala é
confirmado em vários passos do livro, como no seguinte diálogo entre Riobaldo/Urutú-
Branco e os “urucuianos” sobre Zé Bebelo:

- “Ele prometeu vantagens?”


- “Não se diz... Chamou. Falou misturado... A gente viemos.”
- “E o que é que falou?”
- “Agora, a gente não sabe mais. Falou muito razoável... Falou muito
razoável... Agora, com perdão vosso, a gente esquecemos, a gente gastou o
entendido... Mas muito razoável falou...” (Rosa,1994, p.715)

Assim, o falar “razoável” e “misturado” é forma de garantir a fidelidade e o respeito dos


jagunços. É interessante acompanhar a transformação do Riobaldo em Urutú-Branco. A
linguagem através da qual o chefe se comunica com os jagunços carateriza-se pela
função conotativa: é uma linguagem usada para passar ordem o para obter aprovação.
Assim que é nomeado como novo chefe, Riobaldo experimentará o poder pelo uso da
palavra:

À fé, quando eu mandasse uma coisa, ah, então tinha de se cumprir, de qualquer
jeito. - “Tenho resoluto que!” – e montei, com a vontade muito confiada. Dali a
gente tinha logo de sair, segundo ã regra exata. Estradeei. Nem olhei para trás. Os
outros me viessem? Cantava o trinca-ferro. Uma arara chiou cheio; levou bala,
quase. Atrás de mim, os cabras deram vivas. Eles vinham, em vinham. Eu contava,
prazido, o tôo dos cascos.
(Rosa,1994,p. 628)

Antes de tornar-se chefe, Riobaldo/Tatarana compartilha o universo linguístico e


comunicativo dos jagunços; tanto a habilidade militar em atirar quanto a capacidade
comunicativa67, permitem que Riobaldo se destaque e suba as poucas hierarquias
existentes. Assim, o vilão, traiçoeiro Hermógenes “tinha voz que não era fanhosa nem
rouca, mas assim desgovernada desigual, voz que se safava” (Rosa, p.118 livro)
67
Momento decisivo é a sua fala em defesa de Zé Bebelo durante o julgamento:”Robaldo, tu disse bem.
Tu é homem de toda valêntia”, comenta Diadorim.

31
O contraste entre a fala grandiloqüente dos poderosos e a fala dos humildes representa,
por Willi Bollé68, o programa do romance, que é “ uma montagem em choque de dois
universos linguísticos e sociais conflitantes”. (Bollé, 2002) O protagonista/narrador ,
enquanto jagunço literato, é o ponto de encontro entre essas duas esferas, pois conhece,
pertence e atravessa, ao longo do romance, esses universos linguísticos e os campos de
tensão existentes entre eles.
Outra característica do plurilinguismo dantesco identificado por Contini, que pode ser
constatada no Grande Sertão:Veredas éa “poliglotia dos estilos”. Dante é preocupado
com a elaboração de uma teoria de literatura na qual encontramos, de acordo com
tradição retórica antiga e medieval, a separação dos estilos em “trágico” (“superiorem
stilum”) , “cômico” (“inferiorem”) e “elegíaco” (“stilus miserorum”); essa divisão é superada
por Dante (e essa é uma revolução teórica na literatura ocidental) com a proposta de
intercomunicabilidade entre todos os estilos através do estilo “cômico” , no qual podem
elevar-se o estilo mais humilde e abaixar-se o mais alto e sublime. Essa ideia de
“Comedia” como presença de vários níveis estilísticos, autoriza o uso e a mistura de
todos os gêneros literários (tragédia, sátira, comédia, comédia elegíaca,etc.) da época 69.
A coexistência de vários estilos é um recurso que permite que Dante, que é autor,
narrador e protagonista/espectador, possa alternar momentos descritivos e realistas
(denotativos) com intervenções líricas e emocionais (dos sofredores ou beatos
personagens encontrados ou/e do autor/personagem condolente); o diálogo privilegiado
com Virgílio e, depois, com Beatrice, possibilita a racionalização das emoções,
esclarecendo dúvidas e afinando a compreensão racional e filosófica; sincretizando as
principais teorias filosóficas e teológicas da idade média, a especulação filosófica,
racional (guiada por Virgílio) permite a purificação da alma de Dante, que, no Paraíso,
será alcançada pelo influxo divino, entendido como irradiação de luz, pela mediação da
teologia (Beatrice).
No Grande Sertão:Veredas encontramos uma estrutura muito parecida, determinada
principalmente pela função do “homem-viator” como narrador e protagonista, que a partir
da mesma descrição autobiográfica dos acontecimentos tenta alcançar uma verdade mais
profunda. Assim a descrição realista das guerras acompanha o desenvolvimento

68
Bolle, William, Representação do povo e invenção de linguagem em Grande Sertão:Veredas,2002,
disponivel
em://www.ich.pucminas.br/cespuc/Revistas_Scripta/Scripta10/Conteudo/N10_Parte01_art28 .pdf,
acesso 10/10/2016
69
Russo, Vittorio, La Commedia, em Borsellino, Nino (org.), Storia generale della lettura italiana, vol II,
Milano, Motta, 2004, p.110-123.

32
psicológico e sentimental do autor , cuja confissão é apresentada usando o monólogo
interior; como na Comédia, no Grande Sertão: Veredas é necessária a intervenção de um
interlocutor privilegiado, com o qual o narrador cria uma relação dialética e especulativa,
para entender a existência do bem e do mal.
Os interlocutores privilegiados de Riobaldo são pessoas que caraterizam-se pela
“fineza de atenção”, ou por “nunca falar vazio” e que por isso terão o privilégio de penetrar
nos segredos mais profundos que o autor desvela através do monólogo interior. São
compadre Quelemem e o hipotético leitor, as únicas pessoas as quais o autor expõe a
sua intimidade, pedindo ajuda para compreender verdades mais profundas e
indecifráveis:

Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa


importância[...].Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto.
O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais
perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe. (Rosa,
1994, p.98)
Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero
contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba
(Rosa,1994,p. 319)

Existe uma diferença notável entre os resultados alcançados nessa busca da verdade.
Enquanto Dante, ajudado por Virgilio e Beatrice, realiza positivamente a sua viagem,
alcançando os níveis mais altos do paraíso e a purificação, Riobaldo não consegue,
dentro do romance, as respostas que está buscando, deixando em aberto as questões
filosóficas e teológicas que motivam a narração, pedindo a intervenção e a ajuda do leitor:

Sendo isto. Ao doido, doideiras digo. Mas o senhor é homem sobrevindo,


sensato, fiel como papel, o senhor me ouve, pensa e repensa, e rediz, então
me ajuda. Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado
não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas
raríssimas pessoas – e só essas poucas veredas, veredazinhas. O que muito
lhe agradeço é a sua fineza de atenção. (Rosa, 1994,p.100).

A aporia teológica (a existência do demo) que motiva a fabulação não é plenamente


resolvida dentro do romance, pois ainda torna-se necessária a intervenção de um

33
interlocutor externo, para costurar essa laceração fora do livro. A impossibilidade de
alcançar uma solução dentro do tempo narrativo, pela relação conflituosa entre o “eu” e
um mundo evanescente, carateriza a escritura “plurilinguista” de Guimarães Rosa como
“expressionista”.

2.3 O Grande Sertão:Veredas como romance expressionista

Seja no nível da existência (a do homem Riobaldo), seja no da ideologia (a que


se pode deduzir do livro), não encontramos nada em Grande sertão que não
seja duplo, antagônico, que não tenha a marca da divisão, da ambiguidade,
talvez da dilaceração. (BRUYAS, 1983, p. 470)70

Como identificamos no precedente capítulo, o conceito de “expressionismo”, por


Contini, foi entendido de forma ampla, além da vanguarda histórica, como resultado de
uma tensão entre um “eu” e o mundo, que determina a criação de uma linguagem
subjetiva, persistente em movimento pela criação de novas dimensões fonéticas,
sintáticas e morfológicas. A motivação da escritura expressionista encontra-se num
contexto de crise generalizado, no qual a crise linguística é o contraponto de uma crise
“gnoseológica e moral” (Contini,1977).
Diferentemente do que acontece em Dante - onde cada etapa, na viagem extra-terrena
que terminará na cerca mais alta do Paraíso, “é uma modalidade do eu antigo
vitoriosamente atravessada” (Contini,1970) – a escritura expressionista não consegue
resolver definitivamente essa crise inicial. Trata-se de uma “crise linguística e, ao mesmo
tempo, de uma crise gnoseológica-moral”, que reflete-se tanto nas escolhas linguísticas
quanto na originalidade em transformar e adaptar o gênero “romance”.
O crítico francês Jean Paul Bruyas problematiza a inserção do Grande Sertão:
Veredas dentro do gênero romance “num momento em que o gênero romanesco, em sua
forma tradicional, tinha morrido”. Assim o Grande Sertão: Veredas pode ser lido como
romance “sui generis” pois, pelo crítico, são utilizados elementos do romance tradicional,
mas de forma não pacífica. Para Bruyas, Guimarães Rosa constrói a sua obra a partir de
uma dialética sem síntese que ao mesmo tempo afirma e nega a estrutura do romance
tradicional.
70
Bruyas, Jean Paul, Tecnicas, estrutura e visão em Grande Sertao:Veredas, em Coutinho, Eduardo F.
(Org.). Guimarães Rosa: Coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: 1983, p. 79-97.

34
Entre as características do romance tradicional, transgredidas por Rosa, Bruyas
evidência o tratamento do enredo: temos uma ação que acontece em um momento e um
lugar definidos, mas a reconstrução pelo narrador é rica de interrupções digressivas e
cronológicas71, pois o narrador ainda participa da desordem que tenta organizar (uma
última organização é deixada para o leitor/ interlocutor da confissão).
Os elementos épicos (como os da cavalaria) utilizados por Rosa, são esvaziados de
significado e de sentido, pois as lutas são acompanhadas para uma impressão de
inutilidade. Assim, a batalha final, no Paredão, representa a “própria ilustração do
absurdo”: nessa batalha Riobaldo percebe a inutilidade, o não sentido de seus esforços:
“o rosto odioso do mal e o rosto luminoso do bem e do amor são apagados ao mesmo
tempo. Nada mais há que o silêncio nas ruínas – esperando os urubus – e o vazio.”
(Bruyas,1983).
Em La Cognizione del dolore de Gadda, Contini tinha identificado a mesma perda e
esvaziamento de sentido nas ações que regem o enredo. No romance de Gadda as
motivações da “neurose” são insuficientes, fúteis, pois acontecem em um universo
humano grotesco, caracterizado pela estupidez e insensatez, de mesma forma que a
“aporia teológica” de Riobaldo é averiguada em um universo humano violento, sem
sentido, sem redenção: “ Existe é o homem humano. Travessia.”(Rosa, 1994, p.608).
O próprio Gadda declara a possibilidade de reconhecer, na Cognizione

“a leitura [...] da estupidez do mundo ou da asinina vacuidade da chamada


“história”, que melhor poderia ser chamada de farsa de comediantes nascidos
cretinos e diplomados burros. A historiografia, que seria o espelho, o retrato ou a
recuperação mental desta “história”, colabora com a ajuda de dois prezáveis
instrumentos: o gaguejar da reticência e a franca sintaxe da mentira (Gadda,
2000, p.199)”

Como informa o próprio Gadda,72 serão os abalos da Segunda Guerra a determinar a


incompletude de La Cognizione del Dolore, cuja escrita foi interrompida em 1941.
Quando foi publicada em 1963, Gadda justificou o seu inacabamento com as calamidades
bélicas, que provocaram uma aceleração no esvaziamento dos recursos criativos do
71
Giancarlo Mazzacurati identifica na “Vida e opiniões de Tristam Shandy”, de Laurence Sterne, a matriz
remota dos jogos disgressivos e cronológicos que serão recuperados pelos romancistas do século XX.
( G.Mazzacurati, Effetto Sterne, Pisa, Nistri-Lischi,1990).
72
Essas reflexões sobre a génese da Congnizione del Dolore encontram-se na seção conclusiva do livro,
a partir da edição impressa em 1963, intitulada “L'editore chiede venia del recupero chiamando in causa
l'Autore “

35
autor, perturbado e desacreditado 73. Para Gadda, a guerra é o resultado das aspirações,
mesquinhas e insignificantes, da pequena burguesia da Itália fascista, grotescamente e
cruelmente representada (mas camuflada em um improvável estado sul-americano 74 de
“Maradagal”) no romance. Depois da conclusão histórica e natural, por auto-implosão
através da guerra, desse universo ideológico cultural, o autor não consegue encontrar
uma conclusão apenas formal para o romance.
Bruyas (1983) relaciona a concepção da violência no Grande Sertão: Veredas com a
experiência pessoal do autor na Alemanha durante a Segunda Guerra, onde “ como
diplomata, observou, de modo bastante direto, o espetáculo de uma guerra terrível e de
uma sociedade dominada pela violência”. As observações sobre a guerra contidas no
75
chamado “Diário Alemão” têm correspondências com a descrição da violência em
Grande Sertão. No próprio Bruyas essa derivação não é exclusiva, pois, como para todos
os elementos roseanos, as relações são múltiplas e variadas: assim na concepção do
Grande Sertão teria concorrido também a meditação sobre o fato histórico do cangaço.
Não faltam textos críticos que tentam contextualizar o Grande Sertão:Veredas na
história do Brasil, propondo contraposições entre o mundo da lei e o mundo “sem” lei do
jagunços, entre cultura arcaica e moderna, ou tentando encontrar em alguns personagens
a símbolos de elementos contrastantes da República Velha, como em Zé Bebelo ( que no
discurso e na promoção da sua auto-imagem representa os anseios de modernidade da
Velha República) ou nas preocupações lucrativas do Seu Habão. A própria re-inclusão
social de Riobaldo acontece através da transformação do chefe dos jagunços em
latifundiário76.
Quaisquer que sejam o mundo ou os mundos que estimularam as ambientações do
Grande Sertão e da Cognizione, os dois autores compartilham uma percepção
contraditória do mundo, não-linear, e recusam o mito mentiroso de uma “monolíngua”,
manifestação de uma mono-cultura e de uma identidade unívoca.

a língua usada pela pequena burguesia, pontual, miseramente apodíctica,

73
Gadda, 2000, p.197.
74
Interessante relevar que Gadda, como engenheiro civil, trabalhou em Argentina na década de 1920.
75
O original desse “Diário” não se conhece; a cópia mais conhecida encontra-se no Arquivo Henriqueta
Lisboa do Acervo de Escritores Mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais. O diário cobre o período
em que Guimarães Rosa viveu em Hamburgo, entre 1938 e 1942.
76
“A pesar da falta de datas explícitas na narrativa, há discretos subsídios que permitem situar os
episódios narrados no contexto da República Velha.” Maia, Joao Robero, Sobre a crítica de João
Gumarães Rosa, disponivel em https://pendientedemigracion.ucm.es
/info/especulo/numero37/guimaro .html, acesso 11/10/2016

36
descolorida, tosca, repetitiva, como um pequeno avental de cozinha para arrumar
a louça é, posso afirmá-lo, também uma língua: uma “modalidade” do ser. Mas ela

não pode tornar-se a lei, a única lei. (Gadda, 1942, tradução nossa)77.

O que mais impressiona é como, a partir dessas crises, vividas em contextos históricos,
ao mesmo tempo, distantes e próximos, os dois autores optam por soluções poéticas e
estilísticas muito parecidas, propondo uma ideia de literatura alimentada pelo contraste,
a contradição, o indecifrável.
Como verificamos, os dois são escritores plurilinguistas, macarrônicos, que criam
novas linguagens literárias a partir do contraste expressionista (linguístico e sociológico)
entre uma variante regional e sociolinguística dominante (a variante mineira dos jagunços,
em Rosa, e o lombardo, in Gadda) e outras variantes: outras línguas vernaculares,
linguagens técnicas, variantes cultas e literárias, latinismos, idiomas estrangeiros e
estrangeirismos, socioletos e idioletos.
Nos dois autores, a mistura macarrônica é acompanhada pela criação de neologismos,
semânticos e morfosintáticos. Tanto Gadda quanto Rosa experimentaram e transgrediram
o gênero romance, criando formatos de obras não conclusas, não solucionadas,
representação desse caos universal onde o enredo e as suas ações perdem seus
significados, esvaziam-se.
Essas escolhas são, corajosamente, a favor da liberdade, da pluralidade e dos
indivíduos:
Pode acontecer que essa mania de ordem force alguns em podar das plantas
todos os galhos rebeldes da liberdade e do luxo. Declaro, ademais, que não
pertenço a nenhuma confraria de podadores. A minha caneta está a serviço da
minha alma, e não é serva ou doméstica da senhora Cesira ou do senhor
Zebedia, que querem extrair dos seus breviários “a língua em uso”, a partir do
uso que eles mesmos, pintas-unhas ou alfaiates de suspensórios, fazem
(Gadda, 1942) .

O posicionamento a favor da liberdade defende o periférico, a descentralização, as


forças centrífugas; essa literatura nunca será meio de conexão com o poder, pois torna-se
meio subversivo. Trata-se, portanto, de escritores extremamente atuais nos dias de hoje,

77
Gadda, Carlo Emilio, Lingua letterária e língua d`uso, 1942, disponivel em
http://www.gadda.ed.ac.uk/Pages/resources/essays/lingualetterariauso.phpa

37
onde as transformações políticas, econômicas e sócio-culturais globais estão em uma
fase de aceleração que parece irreversível, ameaçando tanto a liberdade e a criatividade
do indivíduo quanto a sobrevivência de culturas riquíssimas liquidadas como “arcaicas” e
“superadas”. As soluções poéticas encontradas por Guimarães Rosa e Emilio Gadda,
escritores plurilinguistas e expressionistas, podem nos ajudar a desmascarar as fraudes e os
enganos, nas formas de pensar e de falar, dessas tendências uniformizantes e globalizantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:

“Cada língua guarda em si uma verdade que não pode ser traduzida.”
(Rosa, Entrevista de Günter Lorenz a Guimarães Rosa,196578)

Entre o estilo de Rosa e de Gadda encontramos várias semelhanças, principalmente nos


aspectos reconhecidos por Contini como propriamente “expressionistas”: esses aspectos
indicam uma deformação e “exasperação” autoral da língua e dos gêneros, a partir de
uma profunda crise gnoseológica-moral. Ao fazer um paralelo entre os dois autores, foi
acolhida a sugestão de Gianfranco Contini, que propunha uma aplicação do conceito de
“expressionismo” para os “idiomas menores”, “cuja dobrável elasticidade às violências
79
solicitantes é menos conhecida.”
Para concluir essa dissertação, seguindo algumas perspectivas abertas pelo
reconhecimento de Grande Sertão: Veredas como romance expressionista, tentaremos
identificar uma “função Rosa” dentro da literatura brasileira, que será possivelmente
encontrada naqueles escritores sobre os quais Rosa pode exercer a função de
“reagente”. Trata-se de uma transferência, comparativa, da identificação, por Contini, de
uma “função Gadda” na história das letras italianas. Estudando as características do solo,
do terreno no qual surgiu o estilo e a escritura de Rosa, analisaremos algumas
características, na evolução da literatura brasileira, que poderiam favorecer ou pelo
menos justificar o surgimento da obra roseana.

Uma “função Gadda” na literatura italiana foi facilmente percebível por Contini,
observando as tensões linguísticas existentes na península italiana e os seus reflexos na
história literária. É como se na literatura italiana Gadda fosse alcançado depois de um

78
Entrevista de Günter Lorenz a Guimarães Rosa, em janeiro de 1965, disponível em
http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/GuimaraesRosa-1965.htm.
79
Contini,Gianfranco, 1977, Disponível em http://www.treccani.it/enciclopedia/ espressionismo_
(Enciclopedia-del-Novecento):

38
percurso por degraus. O plurilinguismo e o expressionismo de Gadda encontrou um
terreno fértil na península itálica, onde verificamos, desde as primeiras experiências
literárias, a existência de uma constante tensão conflitante entre tendências clássicas e
anti-clássicas, entre “mono” e “pluri” linguismo. Sobre as tentativas centralizadoras agem
forças centrífugas, que subvertem os gêneros literários tradicionais e propõem a criação
de uma linguagem alternativa, podendo contar com uma riquíssima variedade linguística,
principalmente dialetal.

[...]a interpretação de Gadda realizada por Contini permite reler toda a tradição
literária com uma perspectiva descontínua, que curiosamente aproxima Dante a
Gadda, numa ponte que passa por Giambattista Basile, o mestre do expressionismo
barroco e, também, pelo macarrônico Teofilo Folengo, autor do monumental Baldus e
por Ruzante, cultor da língua veneta e muitos outros autores de uma tradição
revisitada e subvertida. (Lombardi, 2015, p.6)80

Trata-se de uma perspectiva anti-clássica, “descontínua”, e sempre minoritária, que


apresenta mais intensidade em resposta a propostas de uniformização linguística pela
imposição de um estilo ou de uma língua padrão.
Assim, Teofilo Folengo (1491-1544), criando uma mistura macarrônica entre o latim e o
dialeto de Mantova, parodia Virgilio e o culto pelo latim do humanismo. Também claro é o
posicionamento de Ruzante (1502-542), que cria a própria linguagem a partir das
camadas mais populares do dialeto “veneto” de Padova81 em polêmica com Pietro
Bembo, que, embora tivesse nascido no Veneto, no livro Prose della volgar lingua (1525),
propus como modelo a língua da Toscana, de Florença, do século XIV, escrevendo uma
gramática dessa língua literária baseada no uso de autores já considerados clássicos,
como Boccaccio na prosa e Petrarca na poesia, excluindo Dante por causa da sua
“barbaridade”.
No século XIX, a poesia dialetal e “expressionista”, em milanese, de Carlo Porta (1775-
1821) nasce como resposta alternativa dentro da polêmica entre os “puristas” (que
80
Lombardi, Andrea, O pai dos contos. Lo cunto de li cunti. O trattenimiente de li peccerille (Pentamerone)
de Giambattista Basile, 2015, disponível em http://dx.doi.org/10.5007/2175-7917.2015v20nesp1p51,
acesso em 1/11/2016.
81
Ruzante analisou as reações psicológicas e sociais dos camponeses, ao relacionar-se com o mundo
“histórico”; no “Prólogo” da comédia dialetal “La Betìa”, que paródia o amor platônico dos diálogos do
“Gli Asolani” di Bembo, afirma: “ Mi, co' a' ve dighe, a' son bon pavan, né a' no cambiarae la me lengua
com dosento fiorentinesche”[Eu, queria dizer, sou de Padova, e não trocaria a minha língua com
duzentos línguas de Florença (tradução nossa)],Ruzante, Angelo Beolco, Teatro, a c. di Ludovico Zorzi,
Torino, Einaudi, 1967.

39
propunham uma língua “literária” clássica como modelo) e os “românticos” (que eram
favoráveis a usar uma “koiné” inter-regional, mais próxima da língua em uso entre as
classes cultas, depurada dos traços mais dialetais). Nesse escritor, como em Ruzante, o
dialeto é língua escolhida para apresentar o contraste, não somente lingüístico mas
principalmente social e cultural, entre o submundo dos “humilhados e ofendidos” e as
classes dominantes. Exemplar é o poema “Desgrazzi de Giovanni Bongee” , confissão de
Giovanni, um pobre atendente de drogaria, que será interrogado e condenado,
injustamente, pela ronda militar depois de ter descoberto um soldado francês seduzindo a
sua esposa.
A “questione della língua” perpassa a história da península italiana desde o surgimento
das primeiras manifestações literárias, nascidas em um território politicamente
fragmentado (até 1870), entre os limites das cidades/estados da Baixa Idade Média e do
Renascimento, ambiciosos centros políticos e culturais. Nesse contexto, é logo verificável
o surgimento de literaturas regionais: como afirma com propriedade Contini (1984, p.611)
a literatura italiana é “a única grande literatura nacional cuja produção dialetal é
visceralmente, inseparavelmente incorporada com o restante do patrimônio”
82
As classes cultas e letradas cresceram e se alternaram em um contexto, no mínimo,
de bilinguismo, entre o dialeto local (verdadeiro idioma, língua do dia dia mas também
literária, com todas as suas variantes sociais 83 e culturais) e a variante “literária” italiana,
modelada mais ou menos rigorosamente sobre o prestigioso “toscano” de Florença (as
vezes preferindo o classicismo de Petrarca e Boccaccio, as vezes incluindo a linha mais
“vulgar” de Dante e Macchiavelli).
Em 1925, em um ensaio de importância revolucionária na história da crítica literária
italiana, intitulado “La Letteratura dialettale riflessa”, Benedetto Croce diferenciava a
literatura dialetal reflexa e literatura dialetal espontânea84. A literatura dialetal reflexa
“supõe, como antecedente e ponto de partida, a literatura nacional” 85: não se trata de uma
língua “mimética”, “realista”, mas construída em tensão e em diálogo, mais ou menos
polêmico, com a língua oficial. Os escritores não são ingênuos representantes de uma

82
Pelo menos até o final do século XX, quando o numero dos italianos bilinguas (italiano e dialeto) é
superado pelo numero dos “unilinguistas” italianos.
83
Os dialectos, como toda as outras línguas, apresentam variações sociolínguisticas entre a variante
“camponese” e aquela das elites economicas e culturais.
84
A literatura dialectal espontânea, cuja literatura é principalmente oral ou popular (cantos, fabulas), e
precede o desenvolvimento de uma literatura nacional, é a linguagem do dia dia, de quem não percebe
a própria língua como “dialecto” pois não têm acesso a variante nacional.
85
Croce, Benedetto, La Letteratura Dialettale Riflessa em Filosofia, Poesia, Storia, p.256-265, Ricciardi,
Napoli, 1951.

40
língua “natural”, mas constroem e propõem uma nova linguagem, funcional para contestar
uma visão de mundo unitária e pacífica. 86
No contexto, aqui brevemente resumido, de tensão linguística, perene na literatura
italiana, entre língua “nacional” e literatura dialetal reflexa, não são tão surpreendentes as
originais escolhas linguísticas de Gadda (ou do quase contemporâneo Pasolini, que
compartilha com Gadda a mesma vocação “expressionista” ).
Seguindo o modelo de Contini, a tentativa de identificar uma “função Rosa” na literatura
brasileira leva a reflexão para as tensões linguísticas existentes no Brasil, e sobre o
possível reflexo exercitado por essas tensões, sensivelmente ou imperceptivelmente, na
literatura nacional antes de Guimarães Rosa.
Bem mais revolucionárias parecem as escolhas linguísticas de Guimarães Rosa dentro
de uma tradição literária que não contava, como a italiana, com um consolidado corpus
em dialeto reflexo. Em Rosa é visível a construção de uma linguagem através da criação
de uma própria síntese a partir do idioma sertanejo; o semi-literato Riobaldo é o anel que
junta o universo linguístico dos humildes jagunços e o dos poderosos através de “uma
montagem em choque de dois universos linguísticos e sociais conflitantes” 87. Na invenção
de uma linguagem que possa ser entendida por um hipotético leitor/interlocutor, Riobaldo
é colocado em uma posição demiúrgica, pelos conhecimentos literários e gramaticais
aprendido na escola no Curralinho (e não em uma grande cidade), onde Mestre Lucas
ofereceu-lhe as ferramentas que permitem a literalização e a criação dessa novo idioleto
“mestiço”, rico em neologismos e soluções originais :

Sou só um sertanejo, nessas altas idéias navego mal. Sou muito pobre coitado.
Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.
Não é que eu esteja analfabeto. Soletrei, anos e meio, meante cartilha, memória e
palmatória. Tive mestre, Mestre Lucas, no Curralinho, decorei gramática, as
operações, regra-de-três, até geografia e estudo pátrio. Em folhas grandes de papel,
com capricho tracei bonitos mapas. Ah, não é por falar: mas, desde o começo, me

86
Giacchino Belli (1791-1863) parece bem consciente do caráter “reflexo” da sua escritura: “ No meu
trabalho eu não apresento a escrita do povo. O povo não têm escrita; e eu não a procuro no povo […]. A
escrita é minha, e com ela tento imitar a palavra do povo. Por isso, eu uso o valor de signos conhecidos
para expressar sons desconhecidos”, tradução nossa de: ”Nel mio lavoro io non presento la scrittura de'
popolani. Questa lor manca;ec né in essi la cerco [...] La scrittura è mia, e com essa tento de imitare la
loro parola. Perció del valore de' segni cogniti io mi valgo ad esprimere incogniti suoni. “. Belli,
Gioacchino, Sonetti Romaneschi, Einaudi, Torino, 1966, p.11
87
Bolle, William, Representação do povo e invenção de linguagem em Grande Sertão: Veredas,2002,
disponivel em://www.ich.pucminas.br/cespuc/Revistas_Scripta/Scripta10/
Conteudo/N10_Parte01_art28 .pdf, acesso 10/10/2016

41
achavam sofismado de ladino. E que eu merecia de ir para cursar latim, em Aula
Régia – que também diziam. Tempo saudoso! Inda hoje, apreceio um bom livro,
despaçado (Rosa, 1994, p.14).

E essa linguagem aponta a uma tensão linguistica, onde os termos de oposição não
são somente a colônia e Portugal, mas as próprias “línguas brasileiras”, cuja
potencialidades literárias reflexas são finalmente e inovadoramente exploradas.
Tratam-se de tensões linguísticas radicadas na nova terra. O contraste linguístico que
tenciona o Brasil é a resultante do contraste étnico, entre as matrizes lusa, tupi e africana.
Nesse contraste étnico se insere uma tensão interna à língua portuguesa, idioma do
grupo sócio-cultural dominante. Esse grupo dominante chegará no Brasil em variados
momentos, ocupando diferentes funções e posições dentro do sistema sócio-econômico
colonial; assim podemos identificar o surgimento de idiomas funcionais às necessidades
desse sistema.
O idioma oficial é a língua da lei e da literatura, da elite política e cultural e sua difusão é
principalmente urbana, nos centros que mantinham uma ligação política, econômica e
cultural com Portugal. A língua geral foi um idioma artificial, criado e impulsionado pelos
jesuítas, para transmitir os valores da religião cristã aos índios levados para as missões.
José Arial Castro (2007)88 identifica, alem da língua dos jesuítas e a da elite cultural
principalmente urbana e costeira, uma outra língua dos colonizadores, diferente, mas
“sem a menor solidariedade com o povo da terra na qual nasceram” .
Trata-se da língua dos aventureiros como João Ramalho e Diógo Alvares Correia, o
Caramuru, cujo descendentes caboclos, conhecidos como mamelucos, tornam-se
grandes povoadores do interior brasileiros. João Ramalho e Caramuru são o ponto de
partida para formação étnica social brasileira, que se realizará, por Darcy Ribeiro, através
da des-indianização dos índios e da indianização dos portugueses, pelo surgimento de
figuras mestiças como o caipira e o sertanejo.
O processo de formação desses novos povos, por Castro (2004), é acompanhado pala
formação de duas novas grandes variedades linguísticas brasileiras, os dialetos caipira
(paulista) e sertanejo (baiano). Trata-se de idiomas com funções práticas, que respondiam
aos interesses individuais de quem lucrava com a exploração dos recursos encontrados
no interior do brasil; por isso nunca tiveram ambições literárias. Trata-se de línguas com

88
Castro, José Ariel, Formação e desenvolvimento da língua nacional brasileira, em Coutinho, Afránio, A
literatura no Brasil, Global Editora, São Paolo, 2004,p.270.

42
antecedentes lusos que precedem a formação da língua portuguesa em Portugal 89. Isso
explica a resistência, dentro desses dialetos, de formas “arcaicas”, nas quais, por Rosa,
ecoa “o português dos sábios e dos poetas daquela época dos escolásticos da Idade
Média”.
Aparece claro que Rosa se inseriu dentro desse contraste linguístico (entre “língua “
portuguesa e “língua” sertaneja) com uma proposta radical, que não encontra precedentes
na literatura brasileira, pois é o primeiro, ao nosso conhecimento, a dar estrutura “literária”
a essa linguagem sertaneja, transformando-a em uma literatura dialetal reflexa, construída
em tensão e em diálogo, mais ou menos polêmico, com a língua oficial. Ele escolhe
posicionar-se integralmente em uma linha “marginal” e “periférica” ao retrair o sertão que,
como afirma Ribeiro (2013):
Conformou, também, um tipo particular de população com uma sub-cultura própria,
a sertaneja, marcada por sua especialização ao pastoreio, por sua dispersão espacial
e por traços característicos identificáveis no modo de vida, na organização da família,
na estruturação do poder, na vestimenta típica, nos folguedos estacionais, na dieta,
na culinária, na visão de mundo e numa religiosidade propensa ao messianismo90.
O sertanejo retratado no Grande Sertão poderá adquirir uma língua literária pela
invenção da figura de Riobaldo, jagunço “semi-literato”. O sertanejo, já protagonista dos
Sertões de Euclide da Cunha, não é mais objeto de uma análise externa, são a sua voz e
o seu universo a desvelar-se através de Riobaldo, personagem que além de participar da
marginalidade histórica do sertanejo no processo de desenvolvimento do país, ocupa uma
posição instável dentro do romance, começando como professor 91, atravessando tanto o
universo dos jagunços quanto aquile da chefia, para tornar-se latifundiário; e cada
posição é assumida como momentânea e provisória, pois a energia do personagem é
caracterizada por momento de insatisfação e de inadequação em cada etapa.
Essa instabilidade e essa liberdade de movimentos do protagonista entre esses inter-
mundos, traduz-se na criação de um próprio idioleto, deformação “expressionista” da
linguagem, para representar uma nova percepção de mundo não pacífica, contraditória.
Partindo da um contexto de marginalidade sócio-cultural representado pelo sertão e
pela cultura sertaneja, Rosa escolhe o caminho centrífugo, o que mais se adentra nessa
89
“E o que era essa língua lusitana do século XV? Não era língua, era linguagem, como homônimo de
vulgar e antônimo de latim. Nem recebido tinha ainda o nome de língua portuguesa”, Castro (2003),
p.270
90
Ribeiro, Darcy, O Povo Brasileiro, Companhia de Bolso, São Paolo, 2013,p.207.
91
Mas o próprio Riobaldo reconhece o seu processo de educação literária como não concluído: “ Inveja
minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração [...]E que eu merecia de ir
para cursar latim, em Aula Régia – que também diziam” Rosa, 1994, p.17

43
linha de margem, em direção de uma subjetividade sempre menos compartilhada. Do
tecido linguístico marginal do grupo social ao qual pertencia, é criada uma linguagem
subjetiva, a única que por Guimarães Rosa possa ser considerada uma verdadeira
linguagem.

Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o
espelho de sua personalidade não vive: e como a vida é uma corrente contínua, a
linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que, como escritor,
devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo
necessário para ela ser novamente vida92.

A linguagem de Guimarães Rosa é com recorrência associada as questões e propostas


do modernismo sobre a língua nacional “brasileira”. A reflexão linguística da primeira fase
do modernismo enfatiza a tensão linguística mais produtiva dentro da literatura brasileira,
ou seja aquela entre português e português brasileiro, entre literatura nacional e colonial.
A nacionalidade brasileira já tinha sido questionada em outros momentos,
particularmente no Romantismo; nessa época José de Alencar e Gonçalves Dias
posicionam-se a favor de uma língua que era portuguesa mas “com um estilo brasileiro” 93.
Os escritores românticos, por Castro (2004), contribuíram para o processo de formação
do português brasileiro no “plano semântico da expressão linguística e não ainda no plano
da estrutura”94.
Essa oposição romântica é principalmente uma oposição entre a cultura dominante do
Brasil e suas heranças portuguesas; nesse contraste, as sub-culturas recém formadas no
interior (as culturas mestiças representadas, linguisticamente, pela língua geral, e pelas
línguas caipiras ou sertanejas) não chegam a formar uma nova opção literária, periférica.
Elementos de outras línguas ou variantes verdadeiramente brasileiras serão, desde as
origens, incluídas no português brasileiro, justamente para mostrar essa “brasilidade”,
mas sem chegar a rivalizar com o idioma culturalmente dominante. Podemos encontrar
essas variantes “brasileiras” ao longo de toda a literatura nacional, já a partir dos
personagem satirizados por Gregório de Matos e na rica obra de Machado de Assis (onde
a variante regional é usada com intenções miméticas / realistas, para a colorida

92
Entrevista de Günter Lorenz a Guimarães Rosa, em janeiro de 1965, disponível em
http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/GuimaraesRosa-1965.htm.
93
Castro (2004), p.347
94
Castro (2004), p.347

44
representação sócio-linguística dos personagens: “Me acuda, meu sinhô moço!” 95), mas
esses traços regionais são aproveitados dentro das estruturas linguísticas padronizadas
do português ou português brasileiro.
O processo de formação de uma língua literária “brasileira” será impulsionado pela
poética modernista. O modernismo, embora condene um certo exagero de exotismo
presente na literatura brasileira (pois representaria a parte mais arcaica e menos
“progressista” do país), é um movimento de inclusão das variantes regionais e sociais, no qual
encontram voz as novas grandes massas urbanas. Nesse contexto moderno, o sertanejo
entra em jogo para perder as suas características peculiares e arcaicas, anti-modernas, para
contribuir na criação de um brasileiro moderno que funde dentro de si, antropofagicamente,
essas heranças genéticas em uma nova conformação de homem nacional:

As eras das desintegrações lingüísticas passaram. Hoje, ao contrário, tudo favorece


as integrações. [...] O que nós devemos é enriquecer essa maravilhosa algaravia
com os dengos, a graça e essa esculhambação brasileira amulatada e cabrocha 96.

Essa posição de Manuel Bandeira é compartilhada pelos principais autores


modernistas, por Mario de Andrade, Oswald de Andrade e pelo histórico Sérgio Buarque
de Hollanda.
A língua modernista atende as expectativas de um novo conceito de nacionalismo que
realmente responde às dinâmicas daquele momento histórico. O que diferencia o
nacionalismo modernista de outros modelos nacionalistas, é que ele, nessa vontade de
universalizar a cultura brasileira, olha para as características mais particulares e
peculiares da nossa cultura:

“O Brasil pra ser civilizado artisticamente, entrar no concerto da nações que hoje em
dia dirigem a Civilização da Terra, tem de concorrer para esse concerto com a sua
parte pessoal, com o que o singulariza e o individualiza, parte essa única que poderá
enriquecer e alargar a Civilização.”

Essa proposta de integração nacional é fruto do momento de grandes transformações


históricas, que se manifestam nas estruturas econômicas e sociais do país, criando uma
95
Machado de Assis, O caso da vara, disponivel em http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/bv000219.pdf, acesso em 1/11/2016
96
Bandeira, Manuel, Carta a Mário de Andrade, 16 de março de 1925, em Rodrigues, Garcia Leandro, A
língua brasileira de Mário de Andrade: nacionalismo, literatura e epistolografia, 2013, disponível em
http://www.todasasmusas.org/08Leandro_Garcia.pdf, acesso 3/11/2016

45
nova figura nacional de brasileiro que perpassa, nessa nova metamorfose, os elementos
percebidos como mais arcaicos e antigos. O desejo principal dos autores modernistas foi
o de serem atuais, expressarem a vida diária, dar estado de literatura aos fatos da
civilização moderna. Linguisticamente, a proposta incentiva a criação de uma koiné
literária que pretende unificar e “legitimar” as diferenças e as variantes, que serão aceitas
97
somente se reativas e propositivas ao projeto progressista nacional . As intenções
unificadoras e centralizadoras desse projeto aparecem claramente na resposta,
indignada, de Mario Andrade a Manuel Bandeira, que o acusava de escrever “paulista”.

Você diz por exemplo que eu em vez de escrever brasileiro estou escrevendo
paulista. Injustiça grave. Me tenho preocupado muito com não escrever paulista[...]
Não estou escrevendo paulista, não. Ao contrário. Tanto que fundo na minha
linguagem brasileira de agora termos do Norte e do Sul. [...]98

A fala regional, “caipira”, é recusada também nessa carta:

Se conseguir que se escreva brasileiro sem por isso ser caipira, mas sistematizando
erros diários de conversação, idiotismos brasileiros e sobretudo psicologia brasileira, já
cumpri o meu destino99.

A proposta de Guimarães Rosa se opõe ao projeto linguístico modernista, propondo


um caminho na direção contrária. No modernismo, verificamos que o particular, o regional
nacionalmente aceitável é elevado e integrado à nova língua literária nacional, enquanto
em Rosa o universo marginal do sertão é uma ponte para criação de um idioleto subjetivo
e anti-nacional.
Guimarães Rosa, como vimos, não participa tanto das ilusões modernistas quanto do
sonho da Velha República, preferindo denunciar a violência e as contradições desse
modelo de progresso, destinado a trazer a uniformização das tipologias nacionais e o
desaparecimento de figuras, como aquela do sertanejo, que serão excluídos por essas
mudanças.
Nenhum autor chega a contestar a existência e a exigência de um idioma único,
comum e nacional, quanto Guimarães Rosa (“Há em seu país um professor que afirmou

97
Andrade escreveu uma gramática na qual tenta regulamentar e, ao mesmo tempo, institucionalizar, o
uso dessas expressões mais regionais.
98
Andrade, Mario, Carta a Manuel Bandeira, janeiro de 1925, em Rodrigues, Garcia Leandro, 2013.
99
Andrade, Mario, Carta a Manuel Bandeira, 10 de outubro de 1924 em Rodrigues, Garcia Leandro, 2013.

46
ter sua linguagem chegado a tal ponto, que a futura história da literatura terá de citá-la
como literatura de um único homem [...] “)100.
E esse idioleto “expressionista” é extremamente e radicalmente anárquico, anti-social,
pois não somente contradiz o momento histórico nacional do qual Rosa percebe as
contradições, mas as possibilidades lógicas e univocamente interpretativas de qualquer
tipo de história escrita e de discurso. Esse idioleto é uma denúncia a inconsistência e
falácia da linguagem humana:

“O sério pontual é isto, o senhor escute, me escute mais do que eu estou dizendo;
e escute desarmado. O sério é isto, da estória toda – por isto foi que a estória eu lhe
contei : eu não sentia nada. Só uma transformação, pesável. Muita coisa
importante falta nome.” (ROSA, 1994, p.147).

100
Entrevista de Günter Lorenz a Guimarães Rosa, em janeiro de 1965, disponível em
http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/GuimaraesRosa-1965.htm.

47
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