Vous êtes sur la page 1sur 13

Montando Redes e captando a Luz:

experiência estética audiovisual na escuta política da Luz

Jonathas Beck

Thomaz Pedro

Resumo: ​O presente artigo busca estabelecer uma relação entre as experiências da


disciplina “O Lugar das Redes”, do núcleo Diversitas da USP, com as experimentações e
registros audiovisuais realizadas pelos autores durante essa disciplina, tendo como pano de fundo
uma bibliografia que aponta para possibilidade de expansão do conhecimento acadêmico a partir
de uma perspectiva crítica (BARBERO, 2014; MONTOYA, 2014) e considerando a ​produção
partilhada do conhecimento (​ BAIRON, LAZANEO, BATISTELLA, RAMOS, 2015).

Tecendo redes na Luz


A disciplina “O Lugar das Redes - Preservadas, descartadas, compartilhadas e
expandidas”, ministradas pelos professores Luis Galeão, Zilda Iokoi e Sérgio Bairon, ligado ao
núcleo interdisciplinar DIVERSITAS da FFLHC-USP, que ocorreu no primeiro semestre de
2018, se propôs a desenvolver um olhar - e principalmente uma escuta - à região da Luz da
cidade de São Paulo. A partir da proposta da criação de redes1 sociais e culturais, buscou-se
estabelecer relações com coletivos, instituições e ONGs que atuam na região junto a população
em situação de vulnerabilidade que habita esse território, também conhecido como
“cracolândia”. Para estabelecer essas pontes optou-se pela realização dos encontros na própria
região, dentro do Teatro Pessoal do Faroeste, localizado na rua do Triunfo. Dessa forma, além
dos alunos regulares da disciplina puderam participar dos encontros diversos outros parceiros
que circulam e atuam na região da Luz, como representantes de ONGs e de instituições públicas,

1
A categoria ​rede ​proposta pela disciplina adquire um significado amplo, e encontra sua definição mais próxima da
de Guimarães Rosa que diz que, da perspectiva de um peixe, rede é: “uma porção de buracos, amarrados com
barbante…” (ROSA, 1968) - conforme nos apontou Marília Librandi durante sua participação na disciplina -, do que
outras definições ligadas a comunicação digital, apesar de englobá-las.
agentes de assistência social, integrantes da companhias de teatro, moradores dos hotéis sociais e
moradores de rua. Dessa forma é possível afirmar que as experiências durante esse semestre
foram distintas do que se espera tradicionalmente de uma disciplina de pós-graduação, no sentido
institucional do termo.
Um dos primeiros aspectos a se destacar é a proposta de realizar as aulas fora do espaço
universitário. Para além da razão da proximidade física do espaço a ser escutado, optou-se pelo
desenvolvimento dos encontros no próprio território da Luz pois compreende-se que espaço
físico da universidade representa, tanto de forma simbólica quanto literal, uma exclusão de parte
da população a esse conhecimento acadêmico. No sentido literal o campus da USP é marcado
por restrições e dificuldade de acesso, o que impossibilitaria a participação dos parceiros que
atuam na região. No sentido simbólico esse distanciamento está marcado pela hermeticidade do
conhecimento sisudo da instituição acadêmica, que a maior parte da população não tem acesso.
Compreender e adentrar o complexo sistema de rituais e normas que esse campo pressupõe é
uma tarefa que só é realizada por indivíduos já iniciados nesse universo. Assim a escolha por
desenvolver a disciplina no próprio território foi um aspecto central na busca para desencastelar
o conhecimento da universidade, saindo do lugar de conforto e de controle para propor
experimentações e buscar criar um conhecimento partilhado e espontâneo e aproximações
maiores com a região e os parceiros que nela atuam.
A escolha por aulas no Teatro Pessoal do Faroeste também apontou para interesses no
próprio espaço do teatro e as potencialidade estéticas que isso implica. Buscou-se assim uma
forma de organização heterárquica durantes as aulas, realizadas em grandes rodas que
possibilitam abertura para fala e escuta de todos os participantes, assim como para possíveis
experiências performáticas e artísticas. Essa organização horizontal era reforçada pela forma com
que Zilda, Bairon e Galeão se propuseram conduzir os encontros, buscando não se colocar de
forma centralizadora, como detentores do conhecimento, mas sim criando espaços para a fala e
escuta dos vários participantes que frequentavam as aulas. A proposta sugere assim uma
ressignificação do lugar de controle do sujeito do discurso, para possibilitar a voz do coletivo.
A relação com a região da Luz, assim como as parcerias com esses atores, foi
estabelecida através da pesquisa de Marcelo Carnevale, em desenvolvimento pelo Programa
Diversitas (Pós-graduação em Humanidades, direitos e outras Legitimidades) FFLCH- USP, que
parte da categoria de vizinhança e avizinhar-se para pensar o centro da cidade. Dessa forma,
além dos dos alunos regulares da disciplina, ligados à USP e dos vários alunos ouvintes, outros
parceiros que atuam na região da Luz estiveram presente nos encontros. Um deles é Lucas Beda,
integrante da Companhia de Teatro Mungunzá, que ocupou estrategicamente e de forma
performática uma área entre o centro de acolhimento Redenção e a Base da Polícia
Metropolitana (R. dos Gusmões, 43) em 2016 e, desde então, buscam estabelecem contato com a
população, que muitas vezes dorme na porta do espaço quando não conseguem vaga no centro de
acolhimento. Essas trocas com os moradores da região vão desde a criação de postos de trabalho
dentro da companhia, até a acesso à cultura e arte à população, com apresentações e realizações
de oficinas teatrais, exposições e performances. Outro participante ativo na região é foi Paulo
Farias, diretor do Teatro Companhia do Pessoal do Faroeste, que existe desde 1998 e atua na
região de diversas formas. Além disso Paulo mora no teatro, então a sua relação com o entorno é
intensa, conhecendo os funcionamentos e as políticas que envolvem as ruas da região. Uma outra
instituição parceira foi a CAE Florescer, um Centro de Acolhida Especial para Mulheres
Transexuais e Travestis. Algumas pessoas ligadas ao Memorial da Resistência, que ocupa o
antigo prédio do DOPs e também busca interlocução com a população a sua volta. Também
participaram pessoas ligados a projetos de assistência social, como o De Braços Abertos, projeto
de redução de danos que atualmente sofre um desmonte, frente a um aumento de uma política
combativa de internação compulsória.
Ao longo do semestre, portanto no decorrer da disciplina, pudemos estabelecer laços
com diversas pessoas que atuam na área região conhecida como cracolândia e que buscam, de
diferentes maneiras, possibilitar situações melhores para a população em situação de rua, que faz
uso de drogas e que está, consequentemente, em uma situação de fragilidade física e social e
sofrendo diversos tipos de exclusão, marginalização e violência. As diversas vivências e
aprendizados em relação à região da Luz nos levaram conhecer alguns aspectos ligados mais
especificamente à essa população que vive no território. Além das derivas com o grupo pela
região, a visita ao centro de acolhimento Redenção e a conversa com moradores da região,
contamos durante todo o período da disciplina com a participação de um usuário de crack e
morador de um hotel social do projeto De Braços Abertos. Sua presença nas aulas fazia mais do
que trazer uma perspectiva local, de quem tem um conhecimento vivido na região. Suas
narrativas traziam relatos sobre as dinâmicas e regimes políticos articulados entre os usuários de
crack e seguiam com reflexões complexas para as aulas. Esse mesmo colega impulsionava a
operar uma torção em relação ao olhar para o “outro”, que possibilita constantes
questionamentos sobre o nosso papel e atuação e com frequência desestabilizava o lugar
estabelecido pela academia sobre a noção de sujeito e objeto do conhecimento. A relação com
esse usuário também apontou para o desmascaramento de preconceitos que estão fortemente
arraigados em relação às pessoas que usam o crack. Desmistificou-se a noção de um corpo
distante, que se pressupõe fora de controle ao qual se tem aversão e medo.

Luz refletida e o ofuscamento genocida

Além das experiências em redes criadas durante as aulas, propomo-nos a dialogar com
uma determinada bibliografia que estabelece diferentes tipos de aproximações para buscar
compreender a complexidade de problemas inerentes à região, para pensar formas de atuação (e
sobretudo atuar) na região da Luz do centro de São Paulo. Partimos do princípio de que a
discriminação social, econômica e política que as partes desfavorecidas do Brasil sofrem,
incluindo aqui as populações daquele território, são resultado de uma discriminação cultural
(BAIRON, 2018 em trecho de aula), portanto, reconhecer, reafirmar e criar redes que
possibilitem o acolhimento, o fortalecimento e o reconhecimento dessas diferentes culturais,
faz-se como principal estratégia de inclusão ao longo dos encontros.
Uma abordagem teórica, mas que articula relações próximas às que desenvolvemos na
disciplina e ajudam a praticar a torção necessária para lidarmos com a região é a pesquisa de
Taniele Rui (2012). Em sua tese de Doutorado a pesquisadora parte do contato com usuários de
crack, buscando compreender a relação deles com essa substância, e acaba por empreendeu uma
etnografia delicada a partir da figura do ​noia. ​A autora busca contrapor as visões
homogeneizadoras e totalizantes, comum em veículos midiáticos e presentes em discursos
reacionários, que veem sempre a relação dos usuários com a droga como extrema e radical,
produtora de corpos abjetos (Rui, 2012). São diversas as reportagens que trazem histórias de
pessoas supostamente “normais” que acabaram se “perdendo” com o uso do crack, supondo um
corpo único, do qual se deve ter aversão e que “​justifica todo o aparato repressivo, assistencial,
religioso, midiático e sanitário”​ (Rui, 2012:9). Dessa perspectiva, justifica-se que sob esse corpo
possam se inscrever portanto uma série de mecanismos de poder e dominação social. Entretanto
é “​o corpo imaginado do nóia que radicaliza a alteridade, na medida em que constitui, de
diversos modos, um tipo social fundado a partir da exclusão”​ (Ibid) e esse corpo imaginado não
é o que se verifica em campo. Ao caminhar e descrever seus percursos e aproximações do campo
da redução de danos e da região da cracolândia a autora revela a heterogeneidade e a
complexidade das pessoas que são usuárias de crack. É importante perceber que, se algumas
dessas pessoas podem estar próximas de situações de degradação social, muitas outras
conseguem estabilidade emocional, social e financeira por meio de políticas e mecanismos de
redução de danos.
Appadurai (2009) é um dos autores que nos ajuda a compreender os processos de
exclusão e de violência contra populações marginalizadas, como às do território da cracolândia.
Se o autor tem um olhar global para discutir essas questões, voltando-se para o conceito de
minorias e suas formas de exclusão, certamente é possível aplicar algumas interpretações para as
realidades locais da região da Luz. O autor busca analisar as formas de violência coletiva como
algo não sendo exclusivo aos estados totalitários. Parte-se de um questionamento em relação ao
aparente paradoxo: como que, em um período de “alta globalização” no capitalismo, em que se
supunha um aumento das liberdades, estejamos vendo uma crescente violência em grande escala,
contra populações específicas? Se essa globalização pressupõe projetos utópicos que estão
ligados a mercados abertos, livre fluxo de capital financeiro, expansão dos direitos humanos e de
democracias, a livre circulação de pessoas, mercadorias, bens - e que portanto pressupunha um
“aumento da liberdade” - como foi possível que tenha acabado por gerar uma série de casos de
limpezas étnicas e formas de políticas extremamente violentas em relação às populações civis? A
resposta a essa pergunta tem raízes exatamente nessa dimensão cultural da globalização e de
algumas características que ela proporciona. A começar pela intensificação do que o autor chama
de um ​ethos nacional, ​que é a estigmatização e exclusão das minorias, que são marcadas por
diferenças em relação a um suposto todo nacional. A busca por demarcar identidades comuns
designadas por raças, nacionalidade, pertencimento e uniformidade são algumas características
desse conceito. Essa idéia não é natural, mas tem sido produzida com grande custo por meio de
uma retórica de guerra e de sacrifício. A passagem dessa idéia de ethos nacional para uma noção
de pureza e limpeza étnica é relativamente direta. Ou seja existe uma tendência etnicista em
qualquer forma de nacionalismo e a passagem de nacionalismo ao etnocídio está ligada para
Appadurai (2009) a incerteza social. A globalização e a velocidade de circulação e migrações em
larga escala são alguns dos aspectos que podem dar corpo a incertezas sociais. Assim como os
agrupamentos e organizações de pessoas marginalizadas, em situação de rua, relacionadas a um
intenso uso de drogas, também cria diferentes níveis de incerteza social. A incerteza a respeito
do que seriam “nós” e “eles” são construídas de diversas formas e a mídia tem um papel
importante nisso. O desvio para o étnico-nacionalismo tem muito a ver com as categorias
“maioria” e “minoria”.
Maiorias numéricas podem se tornar predatórias e etnocidas em relação aos pequenos números
precisamente quando algumas minorias (e seus pequenos números) lembram àquela maiorias a
pequena brecha que existe entre sua condição de maioria e o horizonte de um todo nacional
imaculado, um ethos puro e limpo. Essa sensação de incompletude pode levar maiorias a
paroxismos de violência contra minorias. (Appadurai, 2009:17)

O caso das populações que vivem na região da Luz passa por características semelhantes
as levantadas por Appadurai (2009). Vemos a construção do discurso de ódio acerca de usuários
de crack e das populações em situação de rua no território da Luz de formas muito marcadas na
sociedade brasileira, que servem de pano de fundo para a criação e o apoio a políticas públicas de
higienização e “limpeza” do território. Na prática essas políticas se refletem em confrontos dessa
populações com forças do estado, que articulam tentativas (frustradas) de expulsão daquele
território. Na busca pela marcação de “maioria” e “minoria” se articulam uma série de
estereótipos que reforçam a idéia de inimigo indesejado. A referência a idéia de que as pessoas
que vivem e fazem uso do crack naquela região como sendo “zumbis” não é pouco comum, o
que os rebaixa a uma categoria sub-humana e portanto mais passível ainda de ser morta. De uma
perspectiva do Estado, então, acreditamos ser possível afirmar que essa população se encaixa no
que se considera passíveis de serem “mataveis” no sentido biológico do termo. Esses seriam,
certamente para Agambem (2014) os ​homo sacer ​de nosso tempo. Ou seja, pessoas para quem as
fronteiras de decisão do Estado sobre a vida não têm limites claros e que, dessa forma, podem ser
descartáveis do ponto de vista do poder soberano, que exerce o seu poder biopolítico sobre o
corpo dessas populações2.
Conhecer e ouvir o território da Luz aponta para uma noção muito distinta do “centro” da
cidade de São Paulo, quando essa noção é contraposta a categoria de “periferia”. A concepção
estanque do centro como sendo uma região marcada pela organização, condições dignas de
moradia e vida em contraste com a noção de periferias como uma região geográfica, afastada do
centro, unicamente caracterizada pela exclusão social e pela pobreza se faz pouco útil para
compreender algumas dinâmicas sociais que ocorrem nesses espaços. Ao se voltar para a região
da Luz e a partir de pesquisas anteriores de manifestações culturais periféricas (PEDRO, 2018)
acreditamos ser difícil reconhecer essas características como sendo estanques e rígidas. Uma
“coincidência” de uma categoria nativa, articulada tanto pelos moradores da região da Luz
quanto por praticantes de festas de rua na periferias da cidade apontam para esses cruzamentos.
Os ​fluxos são, nas as festas em que jovens das periferias de São Paulo organizam nas ruas da
cidade para dançar e ouvir funk. O mesmo nome, ​fluxo, é dado para um evento distinto, que
ocorre na região central que é a reunião de usuários de crack em uma região que pode se mover.
Os ​fluxos - vale frisar, práticas sociais muito distintas, mas com algumas proximidades -
evidenciam as dobras e os aspectos relacionais que se estabelecem entre as periferias e os centros
da cidade. Dessa perspectiva, torna-se cada vez mais turva uma fronteira entre “centro” e
“periferia”, e se evidencia o caráter heterogêneo dessas regiões. Vera Telles (2010) busca
compreender as periferias de forma relacional e não a partir da dicotomia marcada pela exclusão
ou segregação em relação à cidade, apontando para como os trajetos e as conexões entre esses
espaços da cidade são frequentes. A pobreza e a desigualdade são elementos que fazem parte
dessa trama complexa, que dificulta a distinção do que é legal, ilícito e ilegal dentro dessa
perspectiva. Feltran e Cunha (2013) apontam da mesma forma para a necessidade de
compreender a periferia para além de limites geográficos, já que esse entendimento implica de
forma relacional temas como consumo, trabalho, religião, política, violência, economia e cultura,

2
​Nesse sentido encontramos diversas semelhanças com uma pesquisa realizada anteriormente (PEDRO, 2017) onde
foi possível verificar um forte aparato de repressão estatal a festas de ruas (também chamadas de fluxos) que
ocorrem nas periferias de São Paulo, ligadas ao universo do funk​.
o que integra essa noção ao amplo sistema social e não a toma apenas como espaços isoladas das
cidades. Considerando as redes sociais das populações pobres, Marques (2007) chama a atenção
para a heterogeneidade das periferias nas quais grupos distintos estão sujeitos a condições muito
diferentes, não a limitando a uma massa homogênea de uma classe social bem delineada.

Ação, Luz, Câmera: a experiência estética audiovisual como estratégia de


empoderamento do “sujeito-outro-objeto”

Durante o semestre um dos objetivo a serem realizados era a produção de conteúdo


audiovisual, buscando amplificar as vozes e as inquietações daquela região. Coube aos três
autores, juntamente com Marcelo Carnevale, o planejamento e o desenvolvimento do que seriam
essas peças audiovisuais.
Dentro da rede estratégica de expansão e extensão da produção de conhecimento para
além dos muros acadêmicos da universidade, está a busca por linguagens e técnicas que
desarticulam o lugar central do texto escrito como forma de relação mediadora. Neste sentido, as
produções audiovisuais ao longo da disciplina foram de fundamental importância. Os registros
das aulas ministradas, somados às derivas de conhecimento local e a pequenas entrevistas dos
participantes em diálogo, compuseram o conteúdo de pequenos vídeos curtos, com cerca de
cinco minutos cada, sintetizando os diálogos entre as partes engajadas nos encontros.
As montagens seguiram objetivos distintos: inicialmente criar peças de curta duração
sinto-sintéticas para divulgação e propagação espontânea do evento nas redes sociais como
forma de prospecção de outros parceiros e membros interessados em comparecer nos encontros,
expandindo assim o alcance e o potencial agregador da rede de ação3. Ainda pelas redes sociais,
os vídeos levaram conteúdos e diálogos promovidos no interior dos encontros, destacando e
privilegiando o protagonismo do coletivo, com a missão de revelar o caráter ético e estético
heterárquico da disciplina, ou seja, o diálogo horizontal.

3
Alguns exemplos estão disponível nos seguintes links:
<​https://www.youtube.com/watch?v=HF4NOWEJg54&t=208s​>;
<​https://www.youtube.com/watch?v=TnpvHae7mrg​>;
<​https://www.youtube.com/watch?v=sVxzJHkcqRc&t=86s​>;
<​https://www.youtube.com/watch?v=VkhXtRIQUfI​>
A segundo sequência de peças tiveram como finalidade propagar os conteúdos
expositivos elaborados pelos professores, compartilhando suas pesquisas e conhecimentos,
sobretudo projetos de pesquisa focados no diálogo entre universidade e comunidade4. A
segunda bateria de montagens, buscaram dar mais tempo de voz aos conteúdos teóricos expostos
e foram compartilhados nas redes sociais almejando a propagação e transmissão dos conteúdos
expostos, conteúdos que por sua vez puderam e ainda podem serem acolhidos por interessados
nas questões abordadas nos encontros.
Um dos vídeos que foi lançado5 é o da leitura do poema de Fábio Rodrigues dos Santos,
intitulado Contra Golpe. O autor que havia frequentado a disciplina no semestre anterior tem
uma história de vida marcada, como ele mesmo afirma, “pelas maiores mazelas do homem: o
crack e cárcere”, tendo vivido por um período nas ruas da região, posteriormente nos hotéis
sociais. Durante o período que cursou a disciplina se aproximou do Teatro do Faroeste, onde
morou e trabalhou durante uma temporada, sendo esse um fato que resultou das redes que a
presença do curso naquele espaço ajudou a fortalecer. No poema, em que todas as palavras
começam com a letra “c”, Fábio articula questões que são centrais para as discussões em aula, a
partir de sua perspectiva e experiências. No trecho “​candidato corrupto comanda caboclos /
cúmplices chupins chefiam cartéis / chacal comandada combate​” aponta para as várias formas e
níveis de opressão, que vão se afunilando a cada verso, desde as ordens comandada pela política
institucional, passando pelas redes transnacionais de varejo de drogas, até culminar com nos
combates organizados pelos agentes de segurança, que atuam na região e entram em confronto
com os usuários do ​fluxo.​ Em outros momentos o autor faz um resumo esclarecedor sobre os
diversos atores que atuam na região da cracolândia na seguinte sequência: ​cachaça, cocaína
crack / compulsões cruéis confinado consumidores ​/ colossal contrabando continuo, cultivando
crime / ciceroneado caridade e cobrando cuidado.​ Ainda em mais outra sequência: ca​rrascos! /
coma cultural / comprometem características criativas / calando candomblé, criando cotas /
​ ábio aponta para as formas de
capitaneando coxias caretas / carola cristã crucifixa F

4
Exemplos disponíveis nos seguinte links:
<​https://www.youtube.com/watch?v=x16L0sOQOvo​>
<​https://www.youtube.com/watch?v=qbTS3rZgc2U​>
5
Disponível em: <​https://www.youtube.com/watch?v=UBZv-CYRbco​>
cerceamento da sociedade em relação às pessoas que vivem em condição de rua e fazem uso do
crack, como discutido anteriormente.
Fábio nos relatou que, ao assistir ao vídeo que foi veiculado na internet, em páginas de
facebook de algumas pessoas que participaram do curso, teve uma reação emotiva muito forte,
reagindo com uma crise de choro e tremedeira. “Afeto”, no sentido político com o qual trabalha
Safatle (2015), é um conceito foi muito caro durante as aulas e Fábio foi afetado, conforme
relatou, por se ver falando para o público da aula, perceber como estava magro (estava passando
por um período de problemas saúde relacionada à recaídas com o abuso do crack) e mesmo
assim perceber que tinha se tornado, ali na durante a sua performance no Teatro do Faroeste, um
poeta. Agora Fábio está interessado em seguir com outras poesias e fazer um fanzine com seus
escritos, e foi convidado para fazer uma ocupação com seus trabalhos no Memorial da
Resistência.
Podemos analisar de diferentes perspectivas a estratégia de produção de conteúdos
audiovisuais dentro da dinâmica proposta na disciplina. Dentre as possibilidades, talvez o
aspecto mais relevante seja a abrangência oferecida pelo conteúdo em vídeo, permitindo não
somente o alcance global do evento, que em si representa um ato político em diversos níveis,
tanto institucionais, quanto não oficiais. Em outras palavras, a propagação das peças audiovisuais
multiplicavam o poder político propositado nos encontros a cada compartilhamento, a cada
visualização fora daquele momento presente dos encontros, como ecos de imagens e vozes,
levavam para fora do Teatro do Pessoal do Faroeste um testemunho de ações propositivas em
busca de justiça social para com as minorias oprimidas e violentadas das mais variadas formas na
região da Luz. Ações positivas contempladas, entre outras formas, na democratização das formas
de produção de conhecimento científico, sobretudo expondo a própria noção de conhecimento e
promovendo o diálogo aberto entre pesquisadores, ONGs, actantes da região do centro, ativistas,
agentes sociais e usuários desabrigados, todos refletindo e praticando uma ação/noção de rede,
sobretudo na formação de uma rede atuante em prol de ações afirmativas, acolhedoras, inclusivas
e transformadoras.
Outro aspecto de suma importância no que diz respeito ao recurso audiovisual utilizado
na ação em rede, está na possibilidade da valorização da oralidade, questão crucial para
descentralizar o protagonismo acadêmico, dando lugar ao conhecimento construído de forma
horizontal, em um diálogo emreticular onde não se pode afirmar linearmente onde estão os
​ rodução Partilhada
emissores e os receptores, diálogo fundamental para a proposta baseada na P
do Conhecimento,​ proposição que visa ressignificar o lugar das partes envolvidas em pesquisas
científicas, retirando do lugar ​sujeitos-objetos e​ recolocando enquanto ​sujeitos- autores ​inseridos
ativamente no processo de produção de conhecimento.
Jesus Martín Barbero, um dos pensadores mais importantes da comunicação
contemporânea na América Latina, em seu livro “A comunicação na Educação”, aponta para
caminhos metodológicos pelos quais concordamos quando fala das oportunidades que a
linguagem digital abre para o campo da ciência, permitindo uma linguagem comum de dados,
textos, sons, dualismo que até agora “opunha o inteligível ao sensível e ao emocional, a razão à
imaginação, a ciência à arte, e também a cultura à técnica, o livro aos meios audiovisuais...”
(BARBERO, 2014).
Cortar o arame farpado dos territórios e disciplinas, dos tempos e discursos, é a condição
para compartilhar, e fecundar mutuamente, todos os saberes, da informação, do
conhecimento e da experiência das pessoas; e também as culturas com todas as suas
linguagens, orais, visuais, sonoras e escritas, analógicas e digitais. (ibid.​ p. 120)

Como um âmbito mais amplo de mudança cultural, que conecta novas condições do saber
com as novas formas de sentir, da sensibilidade, e ambas com os novos modos de estar ​juntos.​ O
autor critica o papel central que o livro ocupa na sociedade ocidental, onde não se faz uma
reflexão sobre outros modos de saber e outras práticas de produção e transmissão de
conhecimento que está para além da palavra escrita.

Com relatos dos movimentos que a crise do livro catalisa, talvez não seja inoportuno
começar a recordar que existiram, e continuam existindo, civilizações na Ásia, e na África,
civilizações – e não só culturas – em que o livro não teve nunca a centralidade que tem o
puro etnocentrismo dos letrados ocidentais, para quem o livro aparece como único caminho
da reflexão e do saber na humanidade, necessita de um mínimo de perspectiva histórica e de
cosmopolitismo que os tire da miopia que faz com que confundam seu umbigo com o
mundo. (​ibid,​ p. 58)
O modelo de produção de conhecimento das instituições brasileiras foi transplantado
baseado em modelos tradicionalmente constituídos na Europa há mais de dois séculos. Aqui
somos uma nação híbrida, miscigenada, portanto qualquer instituição que não considera esta
questão relevante está reforçando uma segregação social em muitos níveis, privilegiando uma
parcela da sociedade em detrimento de outra.
Fazemos aqui uma analogia à distinção que Darcy Ribeiro faz com o que ele chama de
Povo Novo, no caso o brasileiro, miscigenado, mestiço; Povos transplantados e Povos
testemunhas. Pensamos que uma Universidade ideal deveria seguir as características de um Povo
Novo, ou seja, valorizar toda a amplitude diversa que há na cultura brasileira.
É preciso abrir possibilidades “que ultrapassem as muralhas da Universidade ​gueto-
refúgio q​ ue a ciência vive em nome de uma neutralidade-objetividade-distância entre
investigadores e seus ​objetos d​ e estudo.” (MONTOYA, 2014). Pelas palavras do antropólogo
peruano Rodrigo Montaya Rojas ​“la relación existente entre los científicos sociales y las
sociedades-pueblos que estudiamos no puede confundirse con el vínculo que existe entre
biólogos y hormigas, por ejemplo.” (​ibid,​ 2014).

BIBLIOGRAFIA

APPADURAI, A. ​O medo ao pequeno número.​ São Paulo: Iluminuras, 2009.


AGAMBEN, Giorgio. ​Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua​ I. São Paulo: Humanitas,2014.
BAIRON, Sergio; RIBEIRO, José da Silva; (Org.). Antropologia Visual e Hipermídia.
Lisboa: Edições Afrontamento, 2007.
BAIRON, Sergio; LAZANEO, C. S. . Produção Partilhada do Conhecimento: Do filme à
Hipermídia. In: Maria Cristina Castilho Costa. (Org.). Comunicação, Mídias e Liberdade de
Expressão. 1ed.São Paulo: 2013, v. , p. 57-80.
BAIRON, Sérgio; LAZANEO, Caio. S. BATISTELLA, Roberta. Fundamentos da Produção
Partilhada do Conhecimento e o saber do Mestre Griô. Revista Diversitas, v. 3, p. 246-265, 2015.
FELTRAN, Gabriel & CUNHA, Neiva Vieira (orgs). Sobre Periferias: Novos conflitos no Brasil
Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lamparina, 2013
MARTÍN-BARBERO, Jesús. A Comunicação na Educação. São Paulo: Contexto, 2014.
MONTOYA, Rodrigo. História, memoria y olvido en los andes quechuas. Revista Tempo
Brasileiro, n. 135, Rio de Janeiro, 1998.
PEDRO, Thomaz Marcondes Garcia. ​“É o fluxo”: baile de favela e funk em São Paulo. Proa -
Revista de Antropologia e Arte - UNICAMP N.7 V.2 - JUL - DEZ. Campinas, 2017.
RIBEIRO, Darcy (1995) O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
ROSA, Guimarães. Tutaméia: terceiras histórias. Rio de Janeiro: Ed José Olympio, 1968
RUI, Taniele. Corpos Abjetos: etnografia em cenários de uso e comércio de crack. Tese de
Doutorado apresentada ao IFCH da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2012
SAFATLE, Vladimir. Circuito dos Afetos: Corpos políticos, Desamparo, Fim do Indivíduo. São
Paulo: Cosac Naify, 2015.
TELLES, Vera da Silva. A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte: Argvmentvm
Ed., 2010.

Vous aimerez peut-être aussi