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ARTIGO

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$)RGANIZAÇOES:
VINCULO E IMAGEM
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"Vem me seduzir,
que eu estou pronto prá ir"
Ivan Lins-Vítor Martins

• Fernando C. Prestes MoUs * PALAVRAS-CHAVE: Organização, inconsciente,


Professor Titular do Departamento de Administração imagem.

* ABSTRACT: The first point in the psychoanalytical


Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV.

study of organizations seems to be the question of the linking


*naliticamente
RESUMO: A questão inicial, quando se estudam psica-
as organizações, parece ser a dos laços que
pins that tie people and organization. These linking pins
cannot be seen just as material, moral, ideologycal or socio-
unem os indivíduos à organização, laços estes que não podem economical ones. Above all, they have a psychological na-
ser vistos apenas como materiais ou morais, ideológicos ou ture. The organization shapes the individual impulses and
sócio-econômicos, mas, sobretudo, de natureza psicológica. defense systems which, in turn, root in its body.
A organização modela os impulsos e os sistemas de defesa in-
dividuais, que, por seu turno, nela criam raízes. * KEY WORDS: Organization, unconscions, image.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 31 (3): 5-11 Jul./Set. 1991 5


ORGANIZAÇÕES: VÍNCULO E IMAGEM RAE

O
homem é um ser que deseja e que, na diferença significativa entre psicologia indivi-
relação social, desde cedo aprende a dual e psicologia social. Desde sempre "o outro
manifestar-se de forma diversa da pura intervém com muita regularidade como modelo, ob-
expressão de seu desejo. Existe uma instância jeto, apoio e aduersdrio.": "O que mantém unidos
que faz com que o desejo seja reprimido, ou todos os indivíduos de um grupo, de uma mul-
que seja canalizado para um outro objeto; tidão ou de organizações estáveis como a Igreja ou
trata-se de um poder, trata-se do exercício de o Exército são laços de natureza libidinal, redutíveis
uma dominação. Na concepção de Freud esse finalmente a uma sexualidade eublimada'",
poder associa-se a determinadas fontes. Na Essas organizações mais ou menos estáveis
sociedade primitiva, simbolizava-se pelos só podem ser, portanto, entendidas através de
"totens", que exerciam sobre os indivíduos certos mecanismos que estão presentes nas re-
gm poder restritivo, impondo-lhes seus tabus. lações interpessoais, e que a psicanálise, em
E bastante possível, que estas sejam as for- todas as suas vertentes tem explorado bastante
mas mais arcaicas de proibição e de regu- desde os escritos de Freud. Assim, categorias
lamentação dos comportamentos individuais. como projeção, introjeção, identificação, ima-
De uma forma ou de outra, tais regulamen- ginário e recalcamento são essenciais para tor-
tações estão presentes em todas as sociedades, nar inteligível a cena organizacional. Da
o que leva Freud a afirmar que "a liberdade do mesma forma, tratando-se de seres humanos,
indivíduo não constitui um dom da cioiiização", a categoria do imaginário vem fornecer um
No tempo e no espaço, diferentes formas indiscutível apoio à tarefa de desvendar o
de dominação podem ser reconhecidas. Há mistério encerrado pelas instituições, em busca
1. FREUD, Sigmund. O Mal- formas em que as instituições religiosas de- da construção de um mundo mais livre e hu-
estar na Civilização. São sempenham o papel de fonte central do poder, manamente produtivo.
Paulo, E.S.B., vol. XXI, como nas teocracias egípcia, inca, ou bi- A análise psicanalítica das organizações tem
IMAGO, 1974, p. 45.
zantina; há outras onde a força física, repre- se beneficiado de várias fontes. Entre elas, os
2. Vide MARCUSE, Herbert. sentada pelo pelourinho e pelos grilhões, estudos de Max Pages e de Eugene Enriquez
One Dimensional Man. Stud- exerce-se soberana, como nos regimes escra- têm tido uma divulgação considerável nos
ies in the Ideology of Ad- vagistas da América colonial. A organização meios brasileiros ligados à administração. Em
vanced Industrial society.
Boston, Beacon Press, 1966; moderna é uma outra forma de dominação e larga medida, eles nos auxiliarão no decorrer
e MARCUSE, Herbert. O Fim de seu exercício. Como coloca Marcuse, todo deste artigo, na medida em que nos fornecem
da Utopia. Rio de Janeiro, Paz o mundo aparece como material de uma ad- subsídios importantes para o tratamento de
e Terra, 1969, pp. 13-23.
ministração total. Assim, não se trata de im- questões como a dominação do inconsciente,
3. ENRIQUEZ, Eugêne. Da putar uma "natureza" repressiva à técnica; o papel do imaginário, a instabilidade do Ego
Horda ao Estado Psicanálise trata-se é de constatar que se insiste em con- único e o papel do recalcamento. Na parte fi-
do Vínculo Social. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, servar formas de trabalho que não são mais nal do artigo, a visão que Pagês e seu grupo
1990, p. 34. socialmente necessárias, formas em que se exibem em L'Emprise de l'organisation estará
recalca o desejo em benefício da produção, bastante presente. Ali, eles introduzem a di-
4. FREUD, Sigmund. "Psy- criando-se necessidades artificiais com os ferença entre a empresa hipermoderna, padrão
chologie des foules et analyse
du moi". In: Essais de Psy- mesmos objetivos". organizativo das multinacionais contem-
chanalyse. Paris, Petite Bibli- A empresa insere-se, do ponto de vista psi- porâneas, e as demais empresas",
otêque Payot, nova tradução, canalítico, no mesmo movimento que cria o Nas organizações hipermodernas, a organi-
p.123. Vide também ENRI-
QUEZ, Eugêne. Op. cit, p.51. Estado e todas as instituições. "Passamos então zação é o grande símbolo do poder, que não
do tempo primordial (o grande tempo regido pela se personaliza em donos ou chefes. A separa-
5. MEZAN, Renato. Freud repetição infinita dos mesmos atos e pensamen- ção é benvinda, já que uma diferença sutil,
Pensador da Cultura. São mas fundamental, existe, no que se refere ao
Paulo, Editora Brasiliense,
tos), da horda, conduzida por um tirano onipo-
1986, p.451. tente, caracterizado pela recusa do amor e pelo objeto da ação do Ego individual. Quando
manejo da força, ao tempo da história tornada existe a personalização, predomina a "castra-
6. Vide PAGES,Max; GAULE- possível por esta primeira infração da ordem, que ção" pelo pai, no sentido freudiano. Quando
JAC, Vincent de.; BONETTI,
Michael & DESCENDRE, foi a decisão unânime do crime. Passamos de um não, trata-se de uma identificação de tipo ma-
Daniel. L'Emprise de /'organi- mundo de relações de força a um mundo de re- terno, o que certamente implica em conse-
sation. Paris, Presses Univer- lações de alianças e de solidariedade (mesmo se qüências diversas. Para se ter uma noção da
sitaires de France, 1979. Vide
ENRIQUEZ, Eugêne. "Ima- estas permanecem frágeis), de um estado de diferença, convém pensar na frase de Anna
ginário Social, recalcamento e natureza a um Estado de direito, onde a lei é en- Freud: "Um certo menino costumava ter acessos
repressão nas organizações". carnada por aquele que apresentava em vida o ar- de entusiasmo militar sempre que havia ocasião
Tempo Brasileiro, Rio de bítrio total. Esta criação do social é acompanhada para manifestação de ansiedade de castração: en-
Janeiro nºs 36/37, jan-junho,
1974. (precedida/seguida) pela expressão de sentimentos vergava um uniforme e equipava-se com uma es-
complexos: amor, veneração, amizade, culpa. O pada de brinquedo e outras armas. Depois de o
7. FREUD,Anna. O Ego e os nascimento do grupo é inconcebível sem o surgi- observar em várias ocasiões, deduzi que transferia
Mecanismo de Defesa. Rio de
Janeiro, Editora Civilização mento correlativo de sentimentos">. a ansiedade para o seu oposto, isto é, para a agres-
Brasileira, 1978, p.34. É isto que faz com que de fato não haja sividade ... "7.

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ORGANIZAÇÕES: VÍNCULO E IMAGEM
RAE

De fato, essa separação já havia sido ante- cionano deverá então realizar suas tarefas
riormente apontada por Freud, quando colo- seguindo normas e métodos previamente de-
cou, " ...teremos de nos interessar, acima de tudo, finidos, tanto quanto o militante que repetirá
pela distinção existente entre os grupos que pos- de forma quase mecânica os dogmas do par-
suem um líder e os grupos sem líder. Teremos de tido político, que lhe foram inculcados nos
considerar se os grupos com líderes talvez não seminários de formação, tudo se passando
sejam os mais primitivos e completos, se nos outros como se essa fosse "a ordem das coisas" ...,
uma idéia, uma abstração, não podem tomar o lu- que não convém questionar ...
gar do líder (estado de coisas para o qual os grupos Todavia, implícita na teia do poder está a
religiosos, com seu chefe invisível, constituem uma malha fina da luta pelo reconhecimento, já que
etapa transitória". Freud ainda se questiona "se a consciência de-si nasce basicamente do de-
uma tendência comum, um desejo, em que certo sejo, e, mais especificamente, do desejo de ser
número de pessoas tenha uma parte, não poderá, desejado, isto é, do desejo de reconhecimento.
da mesma maneira, servir de sucedãneo'", E sendo reconhecido pelos outros que existi-
A questão inicial, quando se estudam psi- mos. Como a organização não reproduz a si-
canaliticamente as organizações, parece ser a tuação extremada do senhor e do escravo, é
dos laços que unem os indivíduos à organi- possível a cada um encontrar no interior da
zação, laços estes que não podem ser vistos distribuição de papéis, os elementos para o
apenas como materiais ou morais, ideológi- seu reasseguramento. Trata-se de uma batalha
cos ou sócio-econômicos, mas, sobretudo, de limitada, onde se coloca numa posição cen-
natureza psicológica. A organização modela tral a questão do "Ego imaginário". De fato, o
os impulsos e os sistemas de defesa indivi- Ego é constituído a partir de uma imagem
duais, que, por seu turno, nela criam raízes. espelhada. Só podemos ver-nos porque outros
Assim ocorrendo, a organização é perpetuada olhos nos vêem e falam de e para nós. No
pelo indivíduo, tanto por motivos racionais, início, o Ego constitui-se como "instância
quanto por motivos de ordem mais profunda, imaginária" .
que passam despercebidos no nível da cons- Enquanto "instância imaginária", o Ego
ciência. A tendência da organização é tomar- remete diretamente à globalidade dos mode-
se fonte de angústia e prazer. E este um dos los imaginários do sujeito. Porém, sendo o Ego
aspectos mais notáveis de seu poder, s~a ca- também o objeto de investimento dos outros,
pacidade de influenciar o inconsciente. E essa toma-se, ao mesmo tempo, sujeito de unidade
face da dominação organízatíva que se ten- e de despedaçamento. A fala dos outros cons-
tará melhor explorar a seguir. E uma forma titui assim, a um só tempo, o objeto como
de olhar uma "outra cena", onde a arena da unidade e como divisão. O primeiro momento
dominação é o próprio subconsciente. da visão é de um mundo sem unidade, onde
Para tanto, é necessário entender que a vida o indivíduo se crê dono de sua ação, na me-
social se revela aos indivíduos, de forma se- dida em que acredita no que vê. Entretanto,
melhante ao que se passa num palco, o que as imagens que vê encobrem sua divisão, e é
para o analista organizacional significa o palco assim que cai numa armadilha. Decorre daí
da realidade. Trata-se, portanto, de cada um também a importância da própria voz, visto
perceber os mecanismos que estão em ope- que falar é constituir os outros na própria
ração e os papéis a assumir, para poder, ou visão, não os escutando naquilo que remete à
achar o seu lugar no sistema social, ou achar divisão. A fantasia do Ego único é pois a res-
a lei que rege o funcionamento do conjunto. posta à realidade da divisão do sujeito pro-
Na organização, os fatos se passam como se a posta por outros, tanto quanto ,à fantasia da
vida fosse apreendida e controlada de modo desintegração a ela associada. E essa fixação
semelhante ao que ocorre no mundo da na- do Ego enquanto instância imaginária, que irá
tureza. favorecer a formação do Ego ideal.
Naturalizando-se assim as relações sociais, Para entender como se dá a formação desse
o indivíduo, em qualquer organização, seja ela Ego ideal, é preciso voltar à problemática da
prestadora de serviços ou produtora de bens, procura da identidade, o que em princípio cor-
seja ainda uma entidade filantrópica, prende- responde à afirmação de uma unidade com-
se à teia de controle, que, via docilização, lhe pacta e do temor da desintegração. E nessa
diminui o potencial contestador e político, ca- problemática que as organizações parecem
8. FREUD, Sigmund. "Psy-
nalizando sua energia para a produção, isto lançar os indivíduos. De fato, toda organização chologie des foules et Analyse
é, para suas metas finais. Tal teia pauta-se se apresenta como o locus, onde cada qual irá du moi". Op cit., pp.161-62
nesse processo por mecanismos repetitivos tentar a realização de seus projetos e desejos.
9. Vide FOUCAULT, Michel.
que se expressam, mormente, na organização De modo especial, a organização, nas so- Vigiar e Punir, Nascimento da
do espaço, na distribuição do tempo e nos ciedades contemporâneas, irá se colocar como Prisão. São Paulo, Vozes,
processos de avaliação", O operário ou fun- o único lugar onde essa tentativa pode ocor- 1977, pp. 227-48.

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ORGANIZAÇÕES: VÍNCULO E IMAGEM RAE

rer. É assim que os indivíduos tendem a ver em harmonia com os outros, sendo, assim,
como impossível sua vida psicológica e social inconsciente e cultura duas faces de uma
sem a inserção nas organizações. E tal inserção mesma moeda, formas oculta e manifesta do
ocorrerá sempre em termos de um papel e de processo de repressão e recalcamento que
um status razoavelmente formalizado que lhe acompanha o desenvolvimento da socialização
serão atribuídos. Isso ocorrerá na empresa, no humana",
exército, na universidade, na administração Face à ameaça, o indivíduo procurará de-
pública tanto ou mais ainda do que ocorreu senvolver uma auto-imagem onipotente, ins-
na família. Desde muito cedo, o indivíduo luta taurando essa onipotência na realidade. Ins-
pela identidade e pelo reconhecimento nas taura-se um cenário de tentativa de criação
instituições, como se cumprisse uma espécie de uma relação dual, onde o outro aparece
de destino ... não como portador de desejos, mas como ins-
A organização, no seu cotidiano, está trumento da satisfação do sujeito. Cada um
sempre a chamar para a luta, a luta que signi- irá procurar provocar formas de identificação
fica provar a própria existência, instaurando, nos demais, de maneira que podemos olhar
dessa forma, as regras da luta pela sobre- cada um dos demais, como outros e nós
vivência. Assim, tudo será definido de modo mesmos; é o imaginário enquanto logro que
a permitir, e mesmo favorecer, a expressão do triunfa, é o primado quase absoluto da relação
Ego ideal e para dar a impressão fantasiosa "eu-isto" a que se refere Martin Buber", à
do Ego sólido e uno. As regras do jogo serão espera da descolonização necessária do
dadas pelas estruturas de trabalho, com suas mundo da vida, dominado pelo sistema, no
funções definidas, estabelecendo procedimen- quadro da teoria da ação comunicativa de
tos que definirão a forma pela qual será lícito, Jürgen Habermas".
para cada um, jogar. Sabe-se, assim, o que é O imaginário cega aqueles que se deixam
ser responsável, o que é ter consciência profis- apanhar pela armadilha. E o poder que se
sional, o que é senso de dever, o que é ser apega à própria imagem. De tanto haver de-
sério e trabalhador. São imagens que per- sejado evitar a divisão, o indivíduo cria um
mitem a coerência das condutas coletivas, le- mundo hostil e incompreensível, voa para
vando, de forma secundária, os indivíduos a além ou aquém da realidade. Todavia, o
se comportarem de maneira uniforme e pre- choque só pode ocorrer em momentos críti-
visível e livre das interrogações próprias e dos cos. De modo geral, as pessoas revelam-se in-
demais. . capazes de se libertar e de questionar aqueles
Configura-se de forma mais geral uma si- que incorporam à sua própria imagem. "Não
tuação de duplo aprisionamento. Os in- sentimos inclinação por algo porque consideramos
divíduos, membros das organizações, acham- que é bom; ao contrário, consideramos algo bom,
se prisioneiros das estruturas organizativas do porque sentimos inclinação por ele"",
trabalho e, também, de sua própria conduta. Entretanto, não se deve crer que aqueles
Não há alternativa para o dever de mostrarem que se submetem não tiram partido de sua
saber o que dizem, fazerem o que devem e entrega incondicional. Seu amor à organização
serem perseverantes em suas ações. Nunca ou às pessoas-chave conduz reciprocamente
devem e nunca podem perder a "pose"; de- ao delas com relação a si-próprias. Sua cas-
vem dar provas da coerência e persistência tração é o pagamento pela proteção contra
de seus pensamentos. E esse comportamento perigos eminentes que a cercam. E claro, sua
10. Vide THOMPSON, Victor. mascarado, cheio de símbolos, que Victor
Moderna Organização. Rio de
castração permite ainda que castrem ou que
Janeiro, USAID, 1967. Thompson chama de "dramaturgia'?', e que, manifestem seu poder. Seu Ego imaginário
na realidade, orienta-se para a preservação da busca e encontra satisfação para seus desejos.
11. Vide MORGAN, Gareth. identidade social e para o bom funcionamento No entanto, essa identificação é impossível
Imagens of Organiza(ion.
Londres, Sage, 1989. das organizações, bom funcionamento en- para todos. E preciso que o poder na sua for-
tendido como produtivo e econômico. A ma mais transparente, isto é, nua e crua, se
12. Vide BUBER, Martin. Eu dramaturgia visa a ocultar o grande medo da exerça sobre alguns e, destes, poder-se-á tirar
e Tu. São Paulo, Cortez e desintegração e as fantasias destrutivas que
Moraes, 1979. até mesmo sua condição de homens, como no
podem ocorrer. caso da escravidão ou dos campos de ex-
13. Vide HABERMAS,JÜrgen. Num sentido mais profundo, o nosso cons- termínio nazistas, a relação "eu-isto" transfor-
The Theory of Communicative ciente nos aprisiona com muita facilidade. O mando-se ou traduzindo-se na forma de ex-
Action. 11 Vols., Londres,
Heineman, 1984. que nos parece racional, muitas vezes, não é ploração por excelência.
mais do que uma forma assumida pelo in- Todavia, as organizações não são blocos
14. SPINOZA, Benedictus de. consciente. O que fazemos, o que dizemos, monolíticos. Qualquer organização se constrói
"Etica", 111. In: DELEUZE,
Gilles. Spinoza: Filosofia Prac-
podem dar conta da estrutura mais profunda como combinação de grupos sociais distintos,
tica, Barcelona, Tusquets Edi- de nossa psique. Todos nós aprendemos a mo- cujos rumos poderão ser semelhantes ou con-
tores, 1981 (capa). derar e controlar nossos impulsos para viver traditórios. Na organização, nem todos recal-

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RAE ORGANIZAÇÕES: VÍNCULO E IMAGEM

cam seu desejo. Os que instauram a relação falar em seu próprio nome, não têm o domínio
"eu-isto", ou seja, a relação de submissão, irão do seu próprio destino, não são incluídos no
institucionalizá-la. Assim, o Superego da orga- processo de decisão, mas são falados pelos
nização, isto é, seu conjunto de valores e in- outros e vivem sob o reino da heteronomia.'
terdições, tomar-se-á, também, o Superego de É, sobretudo, nos fenômenos de divisão e se-
seus agentes sociais. A organização tomar-se- paração que operam em três níveis, que po-
á, a um só tempo, ideal do Ego, ou seja, ob- demos observar a alienação. São os seguintes
jeto de amor, e Superego, instância punitiva. esses níveis:
Os agentes a colocarãono lugar de seu próprio
ideal do Ego, na tentativa de realizar seu Ego a) A distinção dirigente-dirigido
ideal. Assim, ela exercerá uma ação de recal- Como se acredita que seja impossível que
camento e ocultamento, na medida em que: todos decidam sobre tudo, a referida distinção
é quase sempre definida como uma con-
1) recusa considerar as pulsões, salvo, de seqüência de um dado de uma natureza hu-
alguns de seus agentes, colaborando na cons- mana, organizacional ou social. Geralmente se
trução de um logro imaginário, instituindo e diz que ela exprime diferenças de saber, com-
generalizando o discurso do outro como petência e habilidade, justificando-se pelo ser-
referência; viço ao bom funcionamento da organização.
2) institui uma linguagem, cuja função é ca- Dirigem os que sabem que podem pensar; os
nalizar desejos individuais para o trabalho efi- outros, não sabendo pensar, devem conten-
caz e eficiente, num investimento produtivo tar-se em executar, e em executar bem. De fato,
profissional; essa distinção permite a institucionalização da
3) define a divisão dos agentes no espaço e relação de submissão, mascarada de autori-
no tempo, reduzindo os indivíduos a intérpre- dade legítima e necessária. Por outra, ela visa
tes de papéis previamente definidos, cujo de- a ocultar a luta pelo reconhecimento que se
sempenho lhes é designado; passa na organização, bem como seu resul-
4) e introduz no sistema pré-consciente-cons- tado, ou seja, a vitória daqueles que de fato
ciente, as representações que irão tomar o lu- possuem a organização, mediante sua trans-
gar das representações recalcadas, isto é, chefe, formação em objeto ideal, e que canalizam os
empresa, divisão, organograma e filosofia da investimentos individuais no trabalho, pro-
organização, tomando o lugar de desejo. movendo um imaginário mistificador.

Enquanto instituinte, o recalcamento cria, b) A divisão de trabalho


com o imaginário e a estrutura dos ideais e Toda e qualquer organização acaba por es-
das relações, uma situação de alienação so- tabelecer uma divisão técnica do trabalho, que
cial, que se expressa em mecanismos de é vista como responsável pela sua sobre-
divisão e separação. A alienação exprime a si- vivência, crescimento e bom funcionamento.
tuação em que os atores sociais não podem As várias divisões existentes, as separações

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ORGANIZAÇÕES: ViNCULO E IMAGEM RAE

e as combinações entre homens e meios de cria a possibilidade de relações imaginárias


produção, entre os agentes e os produtos de estabilizadas de acordo com determinado
seu trabalho, entre cada agente e sua função código jurídico ,comportamental, do qual nin-
- isto é, a única maneira certa taylorista de guém escapa. E esse processo que se dá na
se realizar o trabalho - inauguram um uni- gênese da alienação social, e na medida em
verso no qual o trabalho desemboca na pro- que toda organização age como instância re-
dução de bens e relações que não remetem a calcante, toda organização, em certo grau ao
um processo de criação, mas, ao contrário, menos, implica em alienação social. Porém, a
submetem o agente e o definem tão somente partir do momento em que convivemos na or-
como homem da organização, em um ver- ganização, um certo tipo de alienação identi-
dadeiro estrangulamento de seus desejos, que ficante se instituiu, pois alienação também
ele nem mesmo chega a formular. Para que significa reconhecimento do outro ou dos
fosse possível um processo criativo, o trabalho outros, aceitação do ser falado pelo ou pelos
teria que ser a expressão contraditória do outros, evitando a queda na loucura de oni-
sujeito dividido e de sua dinâmica interior. potência. Assim, a vida organizacional,
Seria preciso haver uma incógnita, um oceano trazendo um certo grau de alienação, também
a navegar, um território a descobrir ou a des- permite ao indivíduo, de alguma forma, rea-
bravar. Todavia, a organização não apenas lizar-se. O recalcamento funda uma mentira
exige que se faça o que já está previsto, nas que sempre tem o efeito de mascarar, sem que
condições de tempo e trabalho permitidas, essa máscara não possa ser um dia retirada e
como exige ainda que ninguém possa fazer a verdadeira face redescoberta. E exatamente
ou vir a fazer qualquer outra coisa. nisso que o recalcamento difere da repressão.
Com o recalcamento, fica preservada a pos-
c) A palavra sibilidade do erro, uma vez que é possível per-
Na organização, as palavras fluem em li- ceber as falhas da linguagem, o quase dito, o
berdade vigiada. O discurso é fragmentado. implícito. E possível perceber a mentira da lin-
Temos o direito de nos pronunciar apenas guagem, os deslocamentos dos significantes e
sobre os assuntos definidos como da nossa de sua significação. A linguagem cria um
competência. É necessário tratar de problemas desvio estrutural entre o que é dito e o,que é
precisos e circunscritos, de modo que feito, um fosso entre discurso e prática. E dian-
apareçam divididos pelo contexto em que se te desse gap que o desejo instituinte pode falar,
colocam. A palavra livre, criadora, é objeto de desde que ele se evidencie, o que é sempre
desconfiança. Nos últimos vinte anos, princi- uma possibilidade virtual. Assim, para-
palmente, talvez na esteira dos acontecimen- doxalmente, o recalcamento é o que impede e
tos de 1968, começou-se a perceber que a su- o que favorece a tomada de consciência. A re-
pressão de toda e qualquer palavra espontânea pressão pode ocorrer, e freqüentemente ocorre,
leva à inércia, à acomodação, nos compor- quando a organização se vê realmente
tamentos e nas estruturas que já não se adap- ameaçada. Talvez, por essa razão, não se possa
tam ao mundo exterior, aos "ambientes tur- efetivamente transformar a organização buro-
bulentos" da teoria dos sistemas abertos. crática, mas seja necessário de fato superá-la,
Cinética, brain-storming etc... são algumas ten- através da criação de formatos organizativos
tativas de recuperar a palavra espontânea, que emerjam das relações sociais instituintes".
mantendo, contudo, a vigilância, pois a pa- Quando a organização aparece como muito
lavra realmente livre emerge da fantasia, in- grande e poderosa, como é o caso da maior
troduzindo a surpresa e o questionamento parte das multinacionais, ela assume o caráter
onde todos viviam de certeza. tanto de fornecedora de satisfação quanto de
Essas três divisões, ao mesmo tempo, ex- sanção. Dinheiro, trabalho e status vêm da or-
pressam e mascaram a presença do imaginário ganização. Essas organizações geralmente le-
como logro. Enquanto a distinção dirigente- vam a cabo uma política de recursos huma-
dirigido expressa a autoridade, ocultando o nos baseada na individualização dos proble-
poder, a divisão de trabalho expressa a neces- mas, de modo a impedir as reações coletivas.
sidade de uma estrutura de relações estáveis, Frente a essa política, o indivíduo apresenta-
mascarando a alienação e a reificação na or- se isolado.
ganização; a palavra, em liberdade vigiada, Numa situação como essa, é bastante
expressa a capacidade de tratar os problemas provável que o agente sinta a organização
numa determinada rede de comunicações, como extremamente ameaçadora. Ele se vê
mascarando o bloqueio da palavra livre, fraco e tende a experimentar fortes angústias
15. Vide ENRIQUEZ, Eugene. criadora. Em síntese, pode-se afirmar que o de destruição, bem como fortes impulsos
"Imaginário social, recal-
camento e repressão nas or- recalcamento nas organizações cria a ordem e agressivos contra a organização ameaçadora.
ganizações". Qp.cit. a lei, através de um sistema de proibições. Ele Vive, então, uma relação de dependência de

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ORGANIZAÇÕES: VÍNCULO E IMAGEM
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cunho infantil que faz lembrar aquela experi- Da organização convencional para a organi-
mentada pela criança em relação a seus pais zação hipermoderna, há uma mudança no que
e, especialmente, em relação à sua mãe. Pages se refere ao objeto de investimento amoroso e
e seus colaboradores sugeriram que as relações à própria natureza da relação amorosa. A
inconscientes do indivíduo com a grande or- razão da conformidade não é mais a obe-
ganização, que chamaram de hipermoderma, diência nem o medo da castração, mas o amor,
são do tipo arcaico e de ordem mais materna a perseguição do sucesso para obtenção do
que paterna. Entretanto, o poder da organi- amor organizacional maternal e o medo an-
zação em relação a seus membros é bem maior gustiado da perda desse amor, via marginali-
que o dos pais e, sobretudo, o indivíduo se zação, perda de espaço, papéis, ser "colocado
encontra bem menos capaz de influenciar a na geladeira" ...
organização, do que a criança, de influenciar A origem do prazer e da angústia é apenas
seus pais. uma, e está no poder que tem a organização
O desejo agressivo de onipotência que mui- de levar os indivíduos a identificarem-se com
tas pessoas desenvolvem é, com freqüência, ela, unindo assim uma máquina de prazer a
uma defesa contra a angústia e a agres- uma máquina de angústia. O sistema é confli-
sividade. Normalmente, na grande empresa, tante: baseia-se na oposição contínua entre a
esse desejo é projetado na organização, com a procura do prazer, agressivo e na angústia de
qual o indivíduo se identifica. Como resultado, morte reprimida. E um sistema fechado, onde
a pessoa desenvolve a imagem de um Ego um termo leva ao outro. é inacessível o objeto
grandioso. E o seu ideal do Ego, que oculta a de prazer e sua procura é carregada de
imagem do Ego pequeno e fraco. Em termos angústia. Assim, quanto mais se julga alcança-
de transferência, trata-se de uma operação de lo, subindo hierarquicamente, por exemplo,
fusão com a mãe agressiva, de uma identifi- mais se reforça a angústia, pois os objetivos
cação com o agressor. Constrói-se dessa forma atingidos não satisfazem. De modo inverso, a
uma organização imaginária que soma às ca- angústia leva ao prazer agressivo, que lhe
racterísticas da organização real, aquelas pro- serve de defesa. Dessa forma, a pessoa que se
jetadas. sente ameaçada, apenas buscará uma nova
A relação assim desenvolvida é profunda- promoção. E nesse sentido que muitos mem-
mente ambígua. A organização é amada e o- bros das chamadas organizações hipermoder-
diada a um só tempo. Ela é objeto de identifi- nas estão condenados a vencer".
cação e amor, fonte de prazer e de energia. O De modo muito conciso e esclarecedor,
indivíduo torna-se dependente. Ele precisa da Habermas coloca que, enquanto a pressão da
organização, não apenas em termos de sobre- realidade apresentar-se esmagadora, a organi-
vivência material, mas também em termos de zação do Ego é fraca, de modo que a renúncia
sua identidade. Prazer e angústia, ou melhor, pulsional só pode ser promovida pelas forças
prazer vivido antecipadamente e angústia de- do afeto. A espécie humana encontra soluções
finem as relações entre indivíduo e organi- coletivas para o problema da defesa, seme-
zação. Trata-se, de qualquer forma, de um lhantes às soluções neuróticas do indivíduo.'
prazer agressivo, do prazer que se sente ao se As mesmas configurações que impelem o in-
identificar com o poder da organização, e que divíduo à neurose, são responsáveis pela
se expressa no domínio do outro, do próprio criação de instituições pela sociedade. O que
trabalho e numa incessante auto-superação; caracteriza as instituições é sua semelhança
um prazer dotado de intenso componente sa- com as formas patológicas. Da mesma forma
domasoquista. que a compulsão institucional externa leva a
O prazer também tem lugar na fusão amo- uma reprodução relativamente rígida de um 16. Vide BONETII, Michel &
rosa experimentada. O objeto do amor é a or- comportamento uniforme, que fica isento de GAULEJAC, Vincent de. "Con-
damnés à Réussir", Soctolo-
ganização em si. E como se uma identidade crítica". gie du Travai/, Paris, Dunod,
autônoma e muito poderosa, com sua filosofia, Nos casos em que o chefe tem pouca im- (4), Especial, "Les Cadres:
seus princípios suas políticas, suas normas, re- portância, e é posto de lado se não se integra places et destins", Vingt-
como um participante comum, a organização quatriême annêe, out/nov/dez,
gras e símbolos fosse incorporada no in- 1982. Vide também PAGES,
divíduo. A organização torna-se mais estável torna-se o objeto pulsional por excelência. A Max et alii. Op. cit.
na sua reprodução, menos sujeita aos azares organização é tudo, ela pode tudo, ela ho-
das relações interpessoais, mantendo um con- mogeiniza e uniformiza. Surge assim como 17. Vide HABERMAS, Jür-
gen. Know/edgement and
trole cada vez maior sobre seus membros. uma deusa-mãe a ser adorada, algo como uma Human tntetests. Londres,
Como a organização é uma abstração, é uma nova Medéia que devora aqueles que não se Heinemann, 1972, p. 276,
categoria de membros que amplia cada vez rendem à sua vontade absoluta. Do ponto de
18. Vide ANZIEU, Didier. Le
mais o seu controle sobre os demais, que de vista do participante, ela surge assim, ao Groupe et l'lnconscient.
resto, aspiram pertencer um dia a essa cate- mesmo tempo, como aquela que nutre e L '/maginaire groupa/. Paris,
goria. devora ...18 O Dunod, 1984, p.97,

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