Vous êtes sur la page 1sur 12

FAMÍLIAS E GERAÇÕES: MITOS, CRENÇAS E OUTRAS

RAS HISTÓRIAS

REIS, LÍLIAN PERDIGÃO


PERDIGÃ CAIXÊTA (1) MACHADO, APARECIDA DE
D PAULA (2)
RODRIGUES, EDUARDA DAD COSTA (3) COSTA, PALOMA APARECIDA
APAREC DE
ALMEIDA (4)

1. Professora adjunta da Universidade Federal de Viçosa - MG, Departamento


amento de Economia
Doméstica. Av. Peter Henry Rolfs s/n - Campus Universitário - CEP: 36570 000 - Viçosa - MG.
lilian.perdigao@ufv.br

2. Estudantes de graduação. Departamento de Economia Doméstica - UFV. Av. Peter Henry Rolfs s/n
- Campus Universitário - CEP: 36570 000 - Viçosa - MG.
aparecida.machado@ufv.br;

3. Estudantes de graduação. Departamento de Economia Doméstica - UFV. Av. Peter Henry Rolfs s/n
- Campus Universitário - CEP: 36570 000 - Viçosa - MG.
eduarda.rodrigues@ufv.br;

4. Estudantes de graduação. Departamento de Economia Doméstica - UFV. Av. Peter Henry Rolfs s/n
- Campus Universitário - CEP: 36570 000 - Viçosa - MG.
paloma.costa@ufv.br.

RESUMO:
Priorizou-se
se neste trabalho a discussão acerca das relações intergeracionais na família. O estudo
qualitativo desenvolveu-se
se na disciplina "Famílias e gerações", oferecida para alunos dos cursos
curso de
Economia Doméstica e Educação Infantil. Na coleta de dados utilizou- utilizou-se o genograma, com
exercícios e atividades para levantar os mitos e crenças que tiveram relevância nas famílias dos
alunos ao longo de três gerações. Na análise observou-se
observou que mitos e crenças aparentemente
insignificantes, são cruciais para definir o posicionamento de uma família no enfrentamento de um
problema ou diante da adaptação às mudanças. A ideia da virgindade antes do casamento, ou o
entendimento de que o casamento permanece mesmo com a morte do cônjuge, são alguns dos
exemplos encontrados. A firmeza do posicionamento de um membro mais velho pode levar as
gerações mais novas a criarem estratégias para driblar regras familiares. Histórias, referências de
filmes ou desenhos, potencializados
tencializados em relatos carregados de afeto, apareceram como recursos
simbólicos acessados pelos membros das famílias para viabilizar a elaboração de conteúdos de
sofrimento e dor. Evidenciou-se
Evidenciou se a importância de abordar estas temáticas no ambiente acadêmico,
acadêmi
como recursos para a elaboração de iniciativas e intervenções a serem desenvolvidas com famílias
assistidas em programas e projetos sociais.
Palavras-chave: Famílias. Relações intergeracionais.
in Mitos. Crenças.

II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades


Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
INTRODUÇÃO

A proposta de aprofundarmos a compreensão acerca das relações entre as gerações no


contexto familiar contemporâneo, através de estudo autobiográfico, tornou-se um desafio
enriquecedor. Descobrimos tratar-se de tarefa complexa, que envolve desvelar o fio da
meada atrás de dados que provocam inquietações, e geram sempre novas perguntas.
Diante da diversidade de aspectos levantados no estudo, optamos neste artigo por priorizar
a discussão acerca da influência de mitos e crenças nas relações familiares.

TRANSMISSÃO INTERGERACIONAL NA FAMÍLIA

Nosso ponto de partida foi o levantamento bibliográfico sobre o conceito de gerações, e de


estudos nos quais pudéssemos ampliar a compreensão acerca da transmissão
intergeracional de mitos e crenças na família.

Britto da Motta (2004) chama a atenção para o caráter evasivo da ideia de geração,
inclusive devido à apropriação do conceito de gerações, utilizado no cotidiano sem muita
precisão, e às vezes, de forma ambígua:

podemos afirmar, em primeiro lugar, que incertezas, carências e


ambigüidades se mantêm, por duas razões principais: a) a longa
continuidade de uma tradição de escasso trabalho teórico sobre o tema, que
só muito recentemente começa a ser superada - principalmente no que se
refere às relações entre as gerações; b) a polissemia e a polivalência,
evidentes e ainda inescapáveis do termo o que, evidentemente, contribui
para a sua imprecisão conceitual, porque, entre a idéia matriz de gerar e as
referências atuais a fases ou hierarquias de produção de objetos
tecnológicos, alinha-se um extenso rol de significados do termo
”geração”,perigosamente matizados pelo uso livre no cotidiano (Britto da
Motta, 2004,p.349-350).

Do ponto de vista científico, segundo Britto da Motta (2004), o termo gerações pode ser
aplicado a partir de três perspectivas: considerando-se a questão demográfica que abarca o
grupo de pessoas nascidas na mesma época; priorizando-se os grupos etários, num olhar
antropológico; ou designando geração como coletivo de indivíduos que vivem em uma
mesma época, no sentido sociológico.

Após apresentar contribuições de autores da área da sociologia como Mannheim, Eisenstadt


e Attias-Donfut, ela faz então, uma síntese do conceito de gerações: “Um coletivo de
indivíduos que vivem em determinada época ou tempo social, têm aproximadamente a
mesma idade e compartilham alguma forma de experiência ou vivência” (Britto da Motta,
2004, p. 350).

Tais questões são relevantes, quando se pensa na situação das famílias, devido à
necessidade de respondermos aos problemas pertinentes ao aumento da expectativa de
vida, que contribui para a coexistência de pessoas de várias gerações numa família,
inclusive pela convivência destas no mesmo espaço físico por um longo período de tempo
(Britto da Motta, 2004).

Passamos a considerar, a partir daí, como o conceito de gerações nos orienta no


entendimento dos aspectos que são mais relevantes nas trocas vivenciadas no âmbito da
família.

Mannheim (1928) destaca que “a unidade de gerações é constituída essencialmente por


uma semelhança de posição de vários indivíduos dentro de um todo social” (p.134).

Como nosso foco é na família, poderíamos pensar então nas expectativas sociais que
existem em relação à posição que os pais devem ocupar em relação aos filhos, ou dos avós
em relação aos netos.

Eisenstadt (1956) aborda a questão das gerações focalizando as idades e diferenças


etárias, e acrescenta que as competências (“potencialidades e obrigações humanas‟)
esperadas para cada etapa da vida é que definem a posição do indivíduo na sociedade.
Sendo assim, os papéis que o indivíduo desempenha e a interação deste com outros serão
importantes para garantir o sistema social. Para ele:

...a primeira e mais básica relação da qual participa um indivíduo é do


primeiro tipo,i.e., etariamente heterogênea, qualitativa, particularista e
difusa. Estes critérios caracterizam as relações familiares em todas as
sociedades e estes grupos e relações são os primeiros e mais básicos
agentes socializantes em qualquer sociedade. [...] Na família, o indivíduo
aprende os vários tipos de atividades que exigem dele, na qualidade de
membro pleno da sociedade e as várias maneiras de superar as tensões e
frustrações inerentes à vida social disciplinada.(Eisenstadt, 1956, p.
17).

As trocas na família são recíprocas, os membros de uma geração se descobrem enquanto


tal nas trocas vivenciadas com os membros de outra geração. Tal processo não é simples,
pois implica numa adaptação contínua de um aos apelos sugeridos pelo outro, e que nada
mais são do que exigências impostas pelo sistema social, que pede a ambos que se
adaptem aos novos tempos.
Situações de impasse entre pessoas de diferentes gerações, como pais e filhos, podem
levar a conflitos familiares, que segundo Forachi (1972) também serão cruciais e
significativos para favorecer as relações intergeracionais. Isto porque, quando os filhos
questionam os pais, confrontando-os, podem provocar nestes a demanda para repensarem
seus valores e suas crenças, e em certas circunstâncias, é a partir daí que os pais
conseguem averiguar se há necessidade ou não de adotarem novos posicionamentos em
suas vidas.

Donati (2008) identifica as dificuldades devido à falta de comunicação e de referências


comuns, antes presentes nas tradições culturais, que sustentavam certo diálogo entre as
gerações, assim como a incerteza quanto às expectativas recíprocas, como fatores que
produzem vazios e desequilíbrios nas relações familiares e parentais.

No entanto, ele insiste que estas crises não chegam a destruir a família como relação de
plena reciprocidade entre os sexos e as gerações. O entrelaçamento entre as gerações gera
conflitos, mas também através do enfrentamento dos desafios impostos pela convivência
cotidiana, desenvolve-se a capacidade de superá-los, o que fortalece as redes de
solidariedade traçando novas perspectivas para o futuro das gerações.

Mas a simples co-existência de gerações diferentes no contexto familiar não é suficiente


para afirmar que foram estabelecidas redes de solidariedade, a qualidade das relações será
sim um fator de diferenciação. Os laços entre as gerações, que se constroem nas trocas
diárias, na convivência, na preocupação pelo bem do outro, na atenção pelas necessidades
de todos os membros do grupo através da interação entre projetos de vida pessoais e
familiares, é que serão decisivos.

Cerveny (2011) aponta que as famílias tendem a repetir padrões de comunicação, afetivos,
mitos, crenças e compromissos de lealdade através de um processo complexo de
transmissão intergeracional. Alguns dos conteúdos transmitidos terão valor para manter a
estabilidade da família. Outros, porém, podem contribuir para perpetuar modelos rígidos de
comportamento ou de crenças, nem sempre saudáveis.

Por este motivo, se a família se conscientiza de que alguns dos padrões repetidos causam
processos de adoecimento psíquico, será importante promover a mudança com o intuito de
lidar com o impacto dessas repetições. Assim, Cerveny (2011) indica o valor do
posicionamento das gerações mais novas:
As gerações subsequentes, pela conquista de maiores informações, por
meio do acesso à comunicação, pelo desenvolvimento sociocultural, com
mudanças significativas na família, podem dispor de outros recursos que
possibilitam lidar com as situações de maneira diferente de como lidaram
seus antepassados. Isso resulta tanto em uma maior percepção das
repetições dos padrões interacionais, como uma melhor maneira de lidar
com as mesmas (Cerveny, 2011, p. 41-42).

Fica evidente, que nas trocas intergeracionais não é apenas a geração mais velha que
transmite valores aos mais novos, mas todos os membros da família tendem a participar
desse processo. Portanto, a promoção da integração entre as gerações é proveitosa, e
propicia ganhos para todos.

Na sequência, buscamos aprofundar o foco na discussão sobre os mitos e crenças, por


compreendermos a relevância destes como elementos que configuram os padrões de
transmissão familiar.

MITOS E CRENÇAS

Há consenso entre estudiosos sobre a importância de conhecermos os mitos familiares, pois


estes abarcam o sistema de crenças utilizado pelo grupo familiar para se organizar e
estabelecer regras de convivência (Donatelli, s/d; Grandesso, 2006; Cerveny, 2012).

Krom (2000) ressalta que os mitos familiares surgem de construções culturais, que são
espelhados pela família como referência. Segundo ela, a própria noção de família, ou a ideia
de união familiar, são concepções da cultura coletiva apropriados como mitos.

Nesse sentido, a ideia da “sagrada família”, inspirada em uma tradição religiosa, ou o ideal
de amor eterno entre os cônjuges, ou do amor filial, seriam exemplos de mitos que são
adotados por certas famílias como orientação para a vida de seus membros.

Outro aspecto destacado por Krom (2000) é o fato de que numa mesma família podem
aparecer vários mitos orientadores, ou figuras míticas, nas quais as pessoas se inspiram,
utilizadas como exemplos nas histórias transmitidas de uma geração para outra, as quais
representam legados, profecias, promessas e lealdades preservadas e sugeridas aos
herdeiros. Há casos em que um mito se destaca como estruturador da dinâmica de
funcionamento de uma família.

Segundo Castilho (2003) os modelos de relações multigeracionais podem ser facilmente


reconhecíveis. Interiorizando regras não expressas, mas presentes no sistema e
obedecendo totalmente a elas, desenvolvemos lealdades invisíveis que são transmitidas às
outras gerações. As lealdades são horizontais, trigeracionais, e também estão presentes nas
relações de casal e entre irmãos. É o cruzamento entre elas que vai possibilitar ou não o
acesso aos porões da narrativa familiar.

Castilho (2003) ressalta ainda, que a relação entre gerações se dá na estrutura mítica de
cada família. As gerações primam pela diferença, e quanto mais permeáveis e definidas
forem as fronteiras geracionais, mais fácil será o relacionamento. O processo de
crescimento é rico e criativo e a intimidade só é possível quando os conflitos podem ser
enfrentados.

Segundo Donatelli (s/d), somos influenciados de várias maneiras pelas gerações que nos
antecederam. Essas influências atuam em nossas vidas de maneira poderosa, embora
muitas vezes não tenhamos consciência disso. Comumente atribuímos nossas decisões,
modo de agir, jeito de ser, como características próprias. A interação das influências que
todos nós estamos sujeitos, através da nossa família, dos nossos antepassados, o meio
social em que vivemos é o que nos constitui enquanto seres humanos.

As histórias familiares passam a cada geração, segundo Grandesso (2006, p. 13)


“nascemos, crescemos e vivemos num mundo historiado”. As famílias são todas diferentes
entre si quando se refere aos vínculos, números de membros, idade, sexo, profissão,
religião, escolaridade, mitos, regras, papéis desempenhados pelos membros.
Para Grandesso (2006) através das conversações familiares, criam-se as narrativas
organizadoras da experiência familiar:

histórias construídas entre os membros da família através de


palavras, gestos, atitudes e mesmo no que se diz pelo
silêncio, constroem uma rede de crenças compartilhadas
sobre a família de cada um, mantida e ressignificada em
diferentes contextos de vida (Grandesso, 2006, p. 16).

Grandesso (2006) descreve também que de uma forma ou de outra as pessoas vivem a vida
a partir das histórias e que estas histórias não só organizam e dão sentindo à experiência
vivida, mas tem efeitos reais sobre a vida, determinando o significado atribuído à
experiência.

Outro aspecto destacado por Grandesso (2006) é que as crenças são ecos das narrativas
sociais, estão vinculadas a um contexto histórico, são produzidas no mundo da vida, e
envolvem sempre uma dimensão social em sua construção.
Percebe-se a força de um mito nas narrativas familiares, ou seu peso enquanto padrão de
repetição, justamente quando este destoa de um processo coletivo de construção social,
pois encontramos mitos que já sofreram modificações em sua conotação na nossa cultura,
mas mesmo assim permanecem fortes e arraigados na tradição popular, como a ideia da
indissolubilidade do casamento.

A seguir apresentaremos a discussão acerca dos mitos e crenças que emergiram no nosso
estudo.

HISTÓRIAS FAMILIARES: E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE...

Inspiradas nos trabalhos de Cerveny (2011) e Rabinovich (2013) ficamos motivadas a


conduzir um estudo qualitativo de cunho autobiográfico sobre as relações intergeracionais
na família. O estudo desenvolveu-se na disciplina "Famílias e gerações", oferecida para
quatorze alunos (as) dos cursos de Economia Doméstica e Educação Infantil. Na coleta de
dados utilizamos o genograma1 para levantar os mitos e crenças que tiveram relevância em
suas famílias ao longo de três gerações. Cada aluno (a) elaborou uma síntese de seu
genograma, na qual identificaram os temas mais significativos que mereceram destaque em
suas histórias pessoais. Complementamos os dados do genograma com exercícios sobre
mitos, discussão de filmes e leituras sobre as temáticas que emergiram.

Apresentaremos aqui uma síntese dos aspectos que emergiram nesse estudo. Para isso,
organizamos os dados priorizando o foco nos diferentes grupos intergeracionais presentes
na família, classificando-os em quatro categorias: o casal, pais e filhos, irmãos, avós e
netos. Ao mesmo tempo, identificaremos os mitos e crenças que se destacaram nas
histórias familiares para cada um desses grupos.

- Relação conjugal – na discussão sobre conjugalidade o primeiro tema que mereceu


atenção foi a questão da cobrança quanto à virgindade da mulher, como sinal de sua
pureza, durante a preparação para o casamento. Numa sociedade aparentemente liberal, na
qual a mídia reforça diariamente a liberdade sexual, gerou surpresa constatar ser essa uma
das cobranças que ainda se fazem em algumas famílias. Observamos que em famílias da
área rural, nas quais prevalece uma forte tradição religiosa, a crença da pureza vinculada à
sexualidade permanece, gerando conflito para as gerações mais novas, por não assimilarem

1
O genograma é uma representação gráfica multigeracional da família, e tem se difundido como instrumento
utilizado por profissionais de diferentes áreas (Cerveny, 2011).
mais este valor como essencial em suas vidas.

A crença de que um casamento duradouro representa a felicidade do casal, também foi


“desmistificada” pelo grupo. Nem sempre os casais que permanecem unidos são
necessariamente os mais felizes. Não é inválida a possibilidade de existir uma relação
estável, na qual exista a fidelidade conjugal. Mas em alguns casos denotou-se a força das
crenças no sentido de aprisionarem os casais em relações conturbadas e sofridas, sem que
assumam ou aceitem o rompimento.

Aliada a esta questão do vínculo duradouro, marcado pela ideia do “felizes para sempre...”,
nos surpreendemos com uma família na qual existe a crença de que o vínculo matrimonial é
indissolúvel, mesmo após a morte do cônjuge.

Em todos os casos nos quais a questão do casamento enquanto vínculo duradouro


sobressaiu constatamos a correlação entre crenças familiares e religião. Obviamente,
identificamos aspectos positivos relacionados à religião, por exemplo, a promoção da
integração da família através da perpetuação de valores como respeito, solidariedade e
gratidão. Por meio destes são transmitidas às novas gerações modalidades de como se
relacionar, que papéis e funções deverão assumir na família, e perante a sociedade. Há
equívocos, por outro lado, quando essas mesmas crenças mostram-se restritivas em função
da rigidez imposta no cumprimento de certas referências religiosas.

Relação entre pais e filhos - nesta dimensão encontramos mudanças gritantes em


relação ao posicionamento dos pais no relacionamento com os filhos na sociedade atual.
Maior abertura para o diálogo, a expressão de afetos, a divisão das tarefas pelo casal
quanto à responsabilidade para com os filhos, a partilha em atividades conjuntas
apareceram entre os aspectos positivos elencados pelos participantes do estudo.

Por outro lado, descobrimos o peso de alguns mitos, por exemplo, as expectativas quanto
ao amor materno; a visão negativa da figura do padrasto, idealizado como sendo uma
pessoa pior do que o pai; ou a percepção do pai como incompetente para criar os filhos sem
a ajuda de uma mulher. Exemplos de casos nos quais esses mitos ou crenças foram
suplantados evidenciam a emergência de novas formas de ser família nos dias atuais.
Dinâmicas estas bem sucedidas, ainda que discrepantes dos modelos tradicionais.

Em outros casos as trocas entre pais e filhos ficaram marcadas pelas mudanças nas
cobranças relativas à posição dos filhos ou à sua condição de filho único. Nem todo filho
único é dependente; nem sempre o filho mais novo é o irresponsável; filhos mais novos
podem ser escolhidos para ocupar o papel do primogênito.

Relação entre irmãos – no senso comum é tema recorrente a ênfase na discórdia entre
irmãos, inclusive pelo mito de Caim e Abel. Mas, gostaríamos de reforçar o aspecto positivo
dos vínculos fraternos, pois estes demonstram um potencial de riqueza para famílias nas
quais houve rompimento dos pais, ou mesmo, naquelas onde vivências de sofrimento
marcaram as trajetórias de vida das pessoas. A importância do suporte emocional vindo do
apoio fraterno foi um dado unânime no presente estudo, indiferente da faixa etária das
pessoas.

Mesmo em famílias nas quais o rompimento entre irmãos era incisivo, observou-se a
superação dos conflitos nos momentos de dor e sofrimento. Talvez, o resgate das memórias
de partilha infantis tenham se sobreposto aos conflitos vivenciados em outras etapas da
vida.

De qualquer forma, cabe ressaltar como dado negativo nas situações de rompimento dos
irmãos a falta de diálogo. Um comportamento recorrente foi citado nos casos de conflitos
entre irmãos, o “ficar de mal”, ou seja, irmãos que não se falam. Em geral, nesses casos, os
motivos que geraram desentendimentos vieram de pequenas desavenças.

Chama a atenção o fato da utilização desse mecanismo de defesa, o não falar com o outro,
aparentemente uma reação infantil e imatura, marcar exatamente a quebra dos vínculos
entre irmãos.

Houve casos nos quais o conflito entre irmãos se agravou após a morte dos pais, devido a
brigas por disputas financeiras ou pela definição do lugar de autoridade na família. O mito do
progenitor prega que o irmão mais velho é quem tem por direito a preferência pelo lugar de
autoridade na ausência dos pais, no entanto, desde sempre na história da humanidade, nem
sempre há consenso sobre esta questão.

Relação entre avós e netos – devido ao aumento da expectativa de vida encontramos


famílias nas quais os netos tiveram a oportunidade de conviver com os avós paternos e
maternos. Porém, quando se trata da aproximação com os netos, as avós maternas foram
citadas com maior frequência, sendo figuras míticas para algumas famílias.
As avós maternas destacam-se como responsáveis pela manutenção de crenças familiares,
sendo seguidas como figuras de autoridade por todos os membros da família. O fato das
avós assumirem os cuidados dos netos (as) na ausência dos pais parece ser o principal
elemento que explica o forte vínculo afetivo entre estes. A prática da criação compartilhada
na qual as avós assumem os netos enquanto estão pequenos, devolvendo-os aos pais
quando já estão mais velhos, é recorrente na cultura brasileira (Barros, 1987; Reis,
Rabinovich, 2012), sendo confirmada também nesse estudo.

Talvez esse seja o ponto crucial para explicar a relevância da figura das avós na função de
transmissão de saberes cotidianos. No presente estudo, no qual prevaleceram famílias
oriundas de contextos rurais, a avós foram identificadas como responsáveis por ensinar aos
netos (as) os ofícios básicos, dentre eles as artes de cozinhar, tecer, cantar e rezar. Além
destes, coube às avós a função de perpetuarem através da contação de histórias, as
mensagens de valores familiares e religiosos.

De fato, a crença do respeito aos mais velhos, pode ser efetiva para favorecer e preparar os
membros mais novos do grupo familiar ajudando-os em sua adaptação social, pois oferecem
a estes exemplos de vida, orientações sobre valores, suporte emocional e até mesmo o
aprendizado de práticas da tradição familiar e cultural, capacitando-os para o enfrentamento
de obstáculos que possam enfrentar no futuro.

Conflitos na relação entre netos (as) e avós tornaram-se mais gritantes nos casos em que
estes optaram por escolhas para suas vidas que se contrapunham aos imperativos
religiosos de suas famílias.

Constatamos que a firmeza do posicionamento de um membro mais velho pode levar as


gerações mais novas a criarem estratégias para driblar regras familiares, com o intuito de
minimizar o conflito, sem explicitá-lo. Omissões quanto às crenças religiosas, concepções
sobre virgindade ou vida sexual, são alguns destes exemplos.

De qualquer forma, existem crenças que são mantidas como tabus por certas famílias. E, a
força de sua imposição confirma que padrões familiares podem se sustentar mesmo em
contraposição aos ditames sociais e culturais. Na análise observou-se que mitos e crenças
aparentemente insignificantes, são cruciais para definir o posicionamento de uma família no
enfrentamento de um problema ou diante da adaptação às mudanças.

Outro dado significativo, descoberto durante a execução das tarefas sobre mitos e crenças,
foi a identificação de histórias, referências de filmes ou desenhos, potencializados em
relatos carregados de afeto, que apareceram como recursos simbólicos acessados pelos
membros das famílias para viabilizar a elaboração de conteúdos afetivos, ou de sofrimento e
dor.

Nesse caso, ver determinado filme várias vezes ou um desenho animado para estar com o
pai, porque a temática deste retrata o vínculo afetivo entre os dois, assistir aos jogos do
campeonato brasileiro com o avô, sendo fiel ao time dele, seguir todas as novelas do horário
nobre na companhia da avó, são ocasiões propícias nos tempos modernos para a
convivência entre as gerações.

A organização ou participação em festas e atividades religiosas, o rezar o terço juntos, fazer


promessas, ter devoção por determinado santo, são motivos através dos quais se cria uma
linguagem comum, que consolida uma troca de “forças protetoras” também tomadas pelos
mais novos como referências simbólicas de um pertencimento à família.

Entendemos que os recursos simbólicos ganham notoriedade nas relações intergeracionais


quando são apropriados reciprocamente por duas ou mais pessoas da família, tornando-se
uma ferramenta através da qual criam oportunidades de expressão de afetos, partilham uma
representação de significados, ou simplesmente permitem ocasiões para estar juntos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise desse estudo não esgotamos todas as possibilidades de discussão dos dados
encontrados, porém, consideramos que a diversidade e riqueza das informações coletadas
foram contundentes no sentido de ampliar nossa compreensão acerca das relações
intergeracionais na família.

Os participantes desse estudo foram jovens universitários, e isso no nosso entender


circunscreve os tipos de questões priorizadas nos debates, o que poderia ser interpretado
como um limite, mas por outro lado, enriquece nossas descobertas quanto aos temas que
ainda são polêmicos nas trocas entre as gerações na perspectiva dos mais novos.

Ainda assim, evidenciou-se a importância de abordar estas temáticas no ambiente


acadêmico, e a necessidade de priorizar o foco interdisciplinar dos aspectos relacionados à
transmissão intergeracional, com o intuito de capacitar os alunos, oferecendo-lhes recursos
para a elaboração de iniciativas e intervenções a serem desenvolvidas com famílias
assistidas em programas e projetos sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Miriam L. Autoridade e afeto: avós, filhos e netos na família brasileira. Rio de
Janeiro: Zahar., 1987.

BOWEN, Murray. Family therapy in clinical practice. Nova York, NY, Jason Aronson, 1978.

BRITTO DA MOTTA, Alda. Gênero, idades e gerações. Cadernos do CRH, 17, pp. 349- 355,
2004.

CASTILHO, Tai. Família e Relacionamento de gerações. Anais do Congresso Internacional


Co-Educação de Gerações. SESC, São Paulo. 2003.

CERVENY, Ceneide M. O. A família como modelo – desconstruindo a patologia. 2ª edição


revista e atualizada. São Paulo, SP: Livro Pleno, 2011.

DONATELLI, Ronaldo. Famílias e influencias – mitos e crenças. (sem data) Disponível


em: http://www.psicologiasorocaba.com.br/novo/texto.php?id=1341402672. Acesso em 20
de julho, 2013.

DONATI, Pierpaolo. A Abordagem Relacional da Família. São Paulo: Paulinas, 2008.

EISENSTADT, S. Grupos Etários e estrutura social. In: _____ De Geração a Geração. São
Paulo: Perspectiva, p. 1-35, 1956.

FORACCHI, M. O conflito de gerações. In: ____. A juventude na sociedade moderna. São


Paulo: Pioneira, p. 19-32., 1972.

GRANDESSO, Marilena A. Famílias e narrativas: histórias, histórias e mais histórias. In:


Cerveny, C. M. O. (Og.) Família e.... São Paulo: Casa do psicólogo, p. 13-29, 2006.

KROM, Marilene. Família e mitos - prevenção e terapia: resgatando histórias. São Paulo:
Summus editorial, 2000.

MANNHEIM, Karl. O problema das gerações. In: ____ Sociologia do conhecimento., 1928.
Porto, Portugal: Res Editora, p. 115-176.
OLIVEIRA, Adriana L. Família e irmãos. In: Família e... Org. CERVENY, C. São Paulo: Casa
do Psicólogo, p. 63-81, 2006.

RABINOVICH, Elaine P. Apresentação. Em: Rabinovich, E.P., Leal, T. C. M., Reina V. S.,
Reis, L.P.C. Família e Poéticas da Infância - relatos autobiográficos. Curitiba: Juruá, 2013.

REIS, Lilian. P. C. & RABINOVICH, Elaine P. Educação compartilhada entre mães e avós.
Em: Carvalho, A. M. A. & Moreira, L. V. C. Família e educação - olhares da psicologia. 3ª
edição. São Paulo: Paulinas, 2012.

Vous aimerez peut-être aussi