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2a edição | Nead - UPE 2010

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Martins, Ívison dos Passos


M379l Letras: Literatura Latina/Ívison dos Passos Martins. - Recife: UPE/NEAD,
2009.
56 p.

ISBN 978-85-7856-049-2

1. História da Literatura Latina 2. História – Civilização Ocidental 3. Origem


do Povo Romano 4. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco,
Núcleo de Educação à Distância II. Título

CDD 850.9
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Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010
Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664
5

e Origem
Desenvolvimento da
Literatura Latina
Prof. Ívison dos Passos Martins
Carga Horária | 60 horas

Ementa
Formação do povo romano, costumes, família, educação, religião politeísta. His-
tória da Literatura Latina. Sentenças latinas, período pré-literário, provérbios e
fábulas. Influência helênica na literatura latina. Homero/Ilíada e a Odisseia. Pe-
ríodo de Ouro da Literatura Latina, a Eneida. Período Imperial, Período Cristão.

Objetivo Geral
Conhecer a importância histórica da Literatura Latina bem como a estética e a
ideologia de seus escritores como base para análise de autores de outras literatu-
ras.

Apresentação
Seja bem-vindo à disciplina de Literatura Latina!

Os romanos foram geniais, não apenas no Direito e na administração mas tam-


bém no campo da literatura, no qual se desenvolveram bastante. Sendo um povo
rude a princípio, com característica prática, aplicou-se à legislação e ao registro
enaltecedor da história de seu povo em seus anais. Posteriormente, com o conta-
to com os gregos, desenvolveram o gosto pelas artes, o que mudou para sempre
suas tendências literárias, adaptando, adotando e criando novos gêneros.

A civilização grega exerceu fascínio sobre os romanos. É de Horácio a seguinte


frase: “Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio” - A
Grécia, subjugada, subjugou o seu feroz vencedor e introduziu as artes no agreste
Lácio.

O Império Grego já estava em decadência, embora se mantivesse viva a influên-


cia de seu pensamento e de suas artes.

Conquanto, no início, imitasse o modelo estrangeiro, não se pode afirmar que


a literatura latina era uma mera cópia da helênica. Ao contrário, os romanos
deram continuidade a esta última, sendo impossível referir-se a uma sem fazer alusão à outra. Um estudo
da própria herança literária grega revelará ao interessado a influência de civilizações anteriores, às quais a
literatura grega se adaptou e nelas se baseou até alcançar o clímax.

Alcançando sua maturidade com autores como Cícero ou Virgílio, tornou-se eterna. Passou de influen-
ciada a influenciadora da literatura mundial. Roma ditava os modelos a serem seguidos, mantendo um
caráter unitário em todo o Império. Grandes escritores na Europa e, séculos mais tarde, no Brasil foram
influenciados pelos modelos latinos. Portanto, nossa própria literatura se tornaria inexplicável em alguns
aspectos bem como muito do que nossa sociedade hoje cultua, se desconhecêssemos esse legado maravi-
lhoso de Roma.

O objetivo deste capítulo é o de proporcionar novas reflexões sobre a literatura latina. Convidamos você
a conhecer esse mundo fantástico que compreende séculos de produção literária, ampliando seus conhe-
cimentos na área.

Um abraço,
Professor Ívison dos Passos Martins
Capítulo 1
Capítulo 1 7

Formação do
Povo Romano
Prof. Ívison dos Passos Martins
Carga Horária | 15 horas

Este capítulo inicia com a origem dos romanos e sua incipiente manifestação lite-
rária nos primeiros séculos. Analisamos suas produções autóctones, até o contato
com a literatura grega. O encontro com esta última direciona os romanos a novos
conceitos, estilos e objetivo ou objetivos.

1. Formação do Povo Romano

1.1 Origem do Povo Romano

A civilização romana desenvolveu-se no Lácio, no centro da península Itálica,


tendo como capital a cidade de Alba Longa. Localizada no Mediterrâneo entre as
penínsulas Ibérica e Balcânica, a Itália faz fronteira com a França, Suíça e Áustria
ao norte. É banhada pelo mar Adriático a leste e pelo mar Tirreno a oeste.

Desprovido de defesas naturais, cobiçado por suas terras férteis, o local sofreu di-
versas invasões de povos vizinhos ao longo dos séculos. Foram construídas diver-
sas cidadelas para sua defesa, entre as quais Roma. Em 753 a.C, ano tradicional
de sua fundação, famílias oriundas de Alba Longa se estabeleceram no monte
Palatino. Em seguida, estabeleceram-se nos outros montes. Com a conquista da
localidade pelos etruscos, povo de origem incerta, a capital do Lácio foi subjulga-
da, e as cidadelas foram unificadas em uma única cidade, Roma.

Os romanos, portanto, descendem dos etruscos e de diversos povos que foram


chegando ao Lácio, provenientes da Europa central por volta do segundo milê-
nio a.C. Este último grupo é representado pelos latinos, oscos, umbros, équos,
samnitas e sabinos entre outros, denominados de forma genérica italiotas. Os
gregos, por volta do século VIII a.C, formaram a Magna Grécia durante a Segun-
da Diáspora Grega. Esta se tornou uma importante colônia ao sul da Península.
Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_J8oQe5UqeFI/SLR5vl-

Dominando boa parte da


vQDCI/AAAAAAAAG8E/ce_WJ-0HTYs/s400/sarcopha-

Itália e estendendo-se des-


de o Lácio, seguindo para
a região norte, os etruscos
muito contribuíram para o
florescimento da civilização
romana. Impuseram sua
cultura, contribuindo, ao
lado dos gregos, para a for-
mação da identidade roma-
na. Seu principal legado en-
contra-se na sofisticação de
gue.jpg)

Casal etrusco
sua arquitetura e na religião
8 Capítulo 1

– acreditavam na vida após a morte e construíam mado, pulou o traçado desenhado no chão, provo-
sepulcros elaborados para seus mortos. Apesar de cando a ira de seu irmão, que, entendendo o ato
dominarem as técnicas da grafia, não se sabe muito como um presságio de que Roma seria invadida, o
sobre o seu alfabeto, dificultando um estudo mais matou friamente.
aprofundado desse povo.
Rômulo torna-se o primeiro rei de Roma. Tempos
mais tarde, desaparece numa tempestade e passa a
ser adorado como um deus.
SAIBA MAIS
nar-
etasedna.com.ar/mo
http://www.portalplan
quia_roma.htm SAIBA MAIS
Remo
/wiki/R%C3%B4mulo_e_
http://pt.wikipedia.org
1.2 Origem Mitológica de Roma

Na Eneida, o poeta Virgílio (70 a.C.), baseado em


pesquisas de mitos antigos, conta a lendária ori- 2. Religião Romana
gem da cidade.
2.1. Religião Politeísta
Após a investida grega contra Troia, o príncipe
herói Eneias parte rumo à Itália, enfrentando pe- O culto doméstico
rigos e sob a proteção de Vênus. Eneias segue em
companhia de seu pai e de seu filho Ascânio. Este De caráter frio e abs-
ergue a cidade de Alba Longa. trato, em seus pri-
mórdios, a religião
A história de Roma se inicia quando Amúlio usur- romana cultuava os
pa o trono de seu irmão Númitor, avô de Rômulo manes, espíritos dos
e Remo e rei de Alba Longa. Os gêmeos são tirados antepassados, os lares,
de sua mãe Rea Silvia, que é obrigada a se tornar ou deuses protetores
sacerdotisa vestal, e lançados às margens do Rio da família e os penates

Fonte: http://www.hestia.info/sites/Hestia1.jpg
Tibre. Alimentados por uma loba, foram depois protetores das proprie-
encontrados por camponeses que os criaram. dades e alimentos. O
Quando se tornaram adultos, destronaram Amú- culto familiar era fei-
lio e restabeleceram o trono a seu avô. to em casa, à beira do
fogo sagrado da lareira
e presidido pelo pater
SQM6VOE6e3I/AAAAAAAAEy4/iQlxlR1je0U/s400/Romu-

familias. O pai passava


os cânticos e as rezas
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_4nUK2JSKPL0/

de geração a geração.
Havia também outros Hestia
deuses nativos, que re-
presentavam as forças
da natureza, entre eles Pomona (deusa dos frutos),
Faunus (deus dos rebanhos) e Flora (deusa das flo-
res). Outro elemento etrusco de importância foi a
lus_and_Remus.jpg

tríade composta por Júpiter, Juno e Minerva, que


se juntou aos já cultuados Marte e Quirino (Rô-
“Loba capitolina” mulo).

O primitivo culto romano só depois do contato


Com a missão de fundar Roma, a nova Troia, eles com a religião grega adquire complexidade e gra-
partiram para o monte Palatino. Enquanto Rômu- ciosidade, pois os romanos não possuíam criativi-
lo traçava os limites da nova cidade, Remo, enciu- dade imaginativa para atribuir-lhes a complexida-
Capítulo 1 9

de como fizeram os gregos. Os deuses presentes Gregas Romanas


na literatura romana são o reflexo dos deuses da
Grécia. Segundo Jeanroy e Aimé s.d, p.3, os deu- Zeus Júpiter
ses romanos representados na literatura eram mais Hera Juno
gregos que romanos.
Atena Minerva
2.2 O Culto Público Héstia Vesta

Esse culto era mais elaborado e contava com os sa- Deméter Ceres
cerdotes, em que o Pontifex Maximus (Sumo Pon- Afrodite Vênus
tífice), título depois adotado no Cristianismo pelo
Papa, era o chefe da religião. Contava, ainda, com Ares Marte
os flamines (sacerdotes), as vestais (sacerdotisas de Hermes Mercúrio
Vesta), os sálios (dedicados ao culto de Marte, en-
toavam hinos em louvor ao deus da guerra), fecia- Hades Plutão
les (sacerdotes criadores do direito internacional, Hefaístos Vulcano
encarregados dos tratados de paz e da declaração
de guerra), áugures e aurúspices, sendo estes dois Apolo Apolo
últimos uma forte herança dos etruscos. Poseidon Netuno

Como você verá mais adiante, os cânticos dos sá-


lios e outros, como os cânticos dos irmãos arvais, A influência da mitologia ainda se reflete hoje, por
todos de caráter religioso e servirão de base para exemplo, nos dias da semana, em algumas línguas
a formação da poesia romana. (Pedroza 1947). As neolatinas. Compare:
manifestações poéticas das civilizações indoeuro-
peias estão atadas, em sua origem, aos cânticos
(Cardoso 2003).
Latim Espanhol Francês Italiano Catalão
Vesta, deusa do lar, tinha um destaque especial, Dies solis/ domingo dimanche domenica diumenge
Dominis
havendo, inclusive, um colégio de sacerdotisas
Dies Lunae lunes lundi lunedì dilluns
dedicadas ao seu culto. Chamadas sacerdotisas
vestais, escolhidas pelo Sumo Pontífice, eram Dies Martis martes mardi martedì dimarts
indicadas entre as meninas de grandes famílias
Dies
para servirem por trinta anos, permanecendo miércoles mercredi mercoledì dimecres
Mercurii
virgens e mantendo sempre aceso o fogo sagra-
Dies Jovi jueves jeudi giovedì dijous
do do altar da deusa.
Dies
viernes vendredi venerdì divendres
Veneris
Havia, entre as festas religiosas de caráter pú- Dies
blico, constando no calendário anual, as sa- Saturni/ sábado samedi sabbatto dissabte
turnálias (homenagem a saturno), matroná- Sabbatum
lias (em homenagem às mães) e as lamúrias
(homenagem(ando) a(os) mortos). * Dies Dominis e Sabbatum são de influência cristã.

Do contato com os gregos, os romanos adotaram


as divindades helênicas com algumas adaptações,
como você poderá ver a seguir:
10 Capítulo 1

3. Vida Privada dos Romanos era responsável pelos escravos e pela casa. Com o
tempo, as mulheres também puderam administrar
seus bens.
3.1 Família
Diferentemente do que ocorria na sociedade grega,
O casamento era, na maioria das vezes, arranjado
elas tomavam suas refeições com seus maridos. Os
pelos pais. Ao se casar, a mulher deixava custódia
homens usavam a toga viril, as mulheres, a stola
do pai pela do esposo. Havia o divórcio, embora,
(vestido largo abotoado com broches), e as casadas,
nos primeiros tempos, fossem mais raros.
a stola matronalis.
O pai, pater famílias, sendo cidadão romano, pos-
suía total poder de vida e de morte sobre os mem-
bros de sua família. Quando nascia um filho, o pai
tinha pleno direito de aceitar ou rejeitá-lo. No caso SAIBA MAIS
de rejeição, a criança seria deixada para padecer de .jhtm
m.br/historia/ult1704u65
frio ou fome, ou mutilada para ser usada por pes- http://educacao.uol.co
soas de má fé que as utilizavam para receber auxílio
do Estado. Sendo aceito, aos nove dias de nascido,
o bebê recebia a bulla que era colocada em seu pes-
coço, para afastar o mau olhado, e recebia também
o nome. A menina usava sua bulla até o casamen-
to, menino até a idade viril. 3.2 Educação

O nome consistia em três partes: praenomen, no- Durante os primeiros anos da república, a educa-
men e cognomen. Vejamos como exemplo o do ção era confiada à mãe até que a criança chegasse
grande orador romano Marcus Tulius Cicero. aos sete anos de idade. Os meninos (pueri), então,
aprendiam com o pai os costumes de seus ances-
trais, ler, escrever, fazer contas, sobre a agricultura,
Fonte: http://www.vroma.org/images/mc-

defender seus direitos e a ser parcimonioso e rígi-


do consigo mesmo. As meninas (puellae), por sua
manus_images/bulla_replica.jpg

vez, aprendiam com suas mães a trabalhar no tear


como também as tarefas domésticas.

Posteriormente, os gregos introduziram um ou-


tro sistema que dividia a educação em três graus:
Ludus (ensino primário); a Grammatica (o aluno
Bulla recebia estudos de teoria gramatical, leitura dos
clássicos greco-latinos, através dos quais recebia,
também, lições de geografia, tradições mitológicas,
I. Marcus “praenomen” (nome de batismo, esco- métrica...). Mais adiante, no ensino superior, rece-
lhido entre os mais usados em Roma) biam aulas de retórica, discursos para desenvolver
a eloquência, bastante explorada nos períodos se-
II. Tulius “nomen” (nome de família ou “gens”) guintes, especialmente no Período de Ouro.

III. Cicero “cognomen” (último nome). O pequeno romano frequentava a pérgula (esco-
la de instalações simples, geralmente funcionava
Uma das mais importantes instituições romanas é num tipo de alpendre de algum prédio público)
a família, na qual os laços familiares eram manti- desde a mais tenra idade, nesta época. Um escravo
dos fortemente, para que os bens permanecessem pedagogus (do grego “aquele que conduz a crian-
na mesma família por gerações. ça”) o levava para a escola, carregando o material
escolar que consistia em uma cerae (tabuinha ence-
A mulher romana gozava de melhor posição na so- rada para se escrever) e o stilus (um ponteiro) que
ciedade do que as gregas. A matrona, dona de casa, servia para grafar as palavras na cerae.
Capítulo 1 11

Ao atingir a idade de 17 anos, o rapaz vivenciava 4.2 Inscrições


uma cerimônia especial, na qual trocava a toga pre-
texta por uma toga totalmente branca, chamada Fibula Praenestina (fivela ou broche que traz a inscrição
toga viril. Seu nome era, então, escrito na lista de em latim arcaico MANIOS MED FAKHED NUMA SIOI
cidadãos de Roma; eram oferecidos sacrifícios aos – EM LATIM CLÁSSICO: MANIUS ME FECIT NUMA-
deuses e encerravam o dia com um banquete. Só SIO significando “Manio me fez para Numásio”, indican-
do a posse desse objeto).
então, o rapaz era considerado um cidadão roma-
no. O Lápis Niger (Pedra de mármore negro encontrada em
um templo próximo ao Foro Romano, contendo as formas
A literatura latina mais primitivas da língua latina de que se tem notícia).

Didaticamente, a literatura latina costuma ser divi- São de igual importância, também as inscrições tumulares
dida em 6 períodos: que, em forma de versos, registravam os feitos de homens
ilustres. “As mais interessantes eram as da tumba dos Cipi-
1. Período arcaico ou pré-literário; ões, nas quais são enumeradas as virtudes e as conquistas
2. Período helenístico; de L. Cornélius Scipio Barbatus
3. Período clássico (Ciceroniano e de Augusto);
(consul em 298) [...]. (Jeanroy e Peuch, 1902, p.11)
4. Período pós-clássico;

wp-content/uploads/2009/08/fibula-
5. Período de decadência
6.

Fonte: http://lnx.rete3.net/blog/
Período da literatura latino-cristã.

4. Período Arcaico ou Pré-literário

prenestina1.jpg
4.1 As Inscrições – Epigrafia
Fíbula Praenestina

Esta fase primitiva “[...] estende-se desde o apare-


cimento das primeiras inscrições (século VII a.C.) Documento jurídico, a Lex Duodecim Tabularum
até a produção dos primeiros textos propriamen- (Lei das Doze tábuas, organização dos costumes an-
te literários escritos em latim (imediações de 240 tigos dos romanos, até então conhecidos apenas na
a.C.)”. (CARDOSO 2003 p. XIII) forma oral), foi escrito em tábuas de madeira, daí
o seu nome. Nelas se encontra a base da origem do
O caráter prático dos romanos influenciou também sua direito romano. Infelizmente as tábuas originais
literatura primitiva. Produziram documentos privados e não foram preservadas e conhecemos pouco sobre
públicos, cânticos religiosos e leis, obras que registravam seu conteúdo. Outros documentos de cunho jurí-
sua história. Os romanos não eram um povo inclinado
dico são a Tabulae eugubinae e a Tabula bantina.
à cultura das letras e das artes; não possuíam a versatili-
dade do pensamento nem o poder de imaginação tão
própria dos antigos gregos. A virtude deles consistia es- 4.3 Os Cânticos - Literatura Oral
pecialmente na moderação viril, na energia prática, na
constância, as quais os tornaram capazes de se fazerem Embora não se possa considerar essa manifestação
grandes, como estadistas, legisladores e como guerreiros. musical inicial como arte literária propriamente
A arte e as letras não exerceram, nos romanos, atrativo dita, por não gozar de status de material escrito,
algum, até que o contacto definitivo com os gregos des- divisamos, aqui, o começo da arte literária dos
pertou neles o espírito de emulação, excitando o desejo
romanos. Seu conteúdo varia entre o religioso e
artístico. A mesma religião era por natureza simples e pri-
o profano. São a origem da poesia romana. “A
mitiva, incapaz de encher a imaginação de lindos mitos e
de lendas, que, ao invés, eram a vida e o fundamento da poesia latina está representada em hinos festivos,
poesia grega. Na verdade, não tiveram os romanos mitolo- cânticos rituais que se entoavam nos banquetes,
gia enquanto não adotaram a dos gregos. nas festas triunfais, nas colheitas e nas cerimônias
funerais etc.” (PEDROZA, 1947 p.16). Apesar de
(Masera apud Alencar, Menton de 1955, pág. 149). não contarmos com os originais, conhecemos esses
cânticos através de citações de autores de épocas
posteriores.
12 Capítulo 1

Acrescentamos aos já citados a épica (expressada * Segundo o historiador do período de Augusto,


oralmente, nesta fase, cantando os feitos heroicos Tito Lívio (Pádua 59 - 17 a.C.), os cânticos fesce-
de seu povo) presente nas mais diversas culturas, ninos foram trazidos a Roma por um grupo de
a exemplo disso, temos, na cultura escandinava, o dançarinos da Etrúria que havia sido chamado
Beowulf, que permaneceu sem registro escrito por para apresentar suas danças cheias de teatralida-
séculos; as Nênias, Atelanas e os Cânticos Fesceni- de numa cerimônia ritual purificatória, a fim de
nos, conhecidos hoje graças a inscrições lapidares conter uma doença que se alastrava pela capital
ou a citações feitas por autores antigos. Emprega- em 364 a.C., pois os romanos, supersticiosos que
ram –se, na confecção das épicas, os versos satúr- eram, acreditavam que com a instituição dos jo-
nios, (o nome deriva do termo saturnia tellus = gos cênicos, em homenagem aos deuses, obteriam
terra do deus Saturno), base da poesia popular que sua graça, aplacando a peste. Constitui-se, então,
forma a métrica latina inicial, posteriormente uti- num espetáculo cerimonial a primeira represen-
lizada por Lívio Andrônico ao traduzir a Ilíada e tação em Roma.
a Odisseia para o latim. É interessante notar que
“[...] o verso satúrnio foi utilizado, em Roma, nos Os gestos dos dançarinos foram logo copiados pela
mais antigos cânticos de que se tem notícia”. (Car- juventude romana, mas ainda demorou um pouco
doso, 2003, p. 4). para que o teatro se desenvolvesse, como afirma
Cardoso, comentando sobre o episódio:

SAIBA MAIS Após o espetáculo, os jovens romanos passaram a imitar


9.html os dançarinos, mesclando cantos e brincadeiras satíricas a
http://www.iportais.com/pontoliterario1
danças gestuais [...] Para que se chegasse, porém, à produ-
ção dramática literária que caracterizou a segunda metade
do século III a.C. e a primeira metade do século II, foi
necessário que Roma entrasse em contato com as farsas
Cânticos tarentinas – paródias obscenas representadas por atores
Em louvor ao deus da guerra Marte. mascarados, das quais a pintura em vaso nos dá uma ideia
sálicos
-, com a comédia siciliana, o mimo e finalmente, os textos
Entoados em louvor à deusa da ter-
Cânticos trágicos da antiga Grécia e a chamada comédia nova (Car-
ra, implorando bênçãos sobre as co-
arvais doso, 2003, pp.24 e 25).
lheitas.
Provavelmente de origem etrusca,
Cânticos
de acordo com Virgílio, em suas Ge- Diferentemente do que se poderia pensar, apesar
Fesceninos* da influência grega que estudaremos a seguir, a li-
órgicas, 1. II versos 380-387, esses
cânticos executados por campone- teratura latina tem como base suas primeiras mani-
ses mascarados, enquanto bebiam festações literárias autóctones.
vinho. De caráter sensual e satírico,
recitados em algumas festas religio-
sas com a finalidade de espantar o
mau olhado, são provavelmente o
SAIBA MAIS
so,
poesia latina, Cardo
embrião do teatro romano. O capítulo Origem da
03);
Cânticos profanos em honra dos he- Zélia de Almeida, (20
Cânticos róis lendários ou contemporâneos Doze_Tábuas.htm
/wiki/ Lit. Latina/Lei_das_
Convivais ilustres, acompanhados de instru- http: //pt. wikipedia.org
mentos em banquetes.
Cânticos elegíacos, de caráter pro-
Nênias fano, que eram entoados durante as
cerimônias fúnebres.
4.4 Anais

Satura Tipo de dança com recitação de ver- O primeiro escritor a se destacar neste gênero lite-
sos e ao som de música.
rário que narra a história é Quinto Fábio Pictor,
Tipo de comédia ou farsa, improvi- que foi comandante durante a segunda guerra pú-
Atelanas sadas pelos atores, base da comédia nica. Escreve a história de Roma, reportando-se à
latina. Seu nome deriva da cidade de
Atella.
chegada de Eneias à Itália, narrando também a se-
gunda guerra púnica da qual participou ativamen-
Hinos
triunfais
Em honra aos heróis nacionais. te, garantindo-lhe maior crédito. Escrito em gre-
go, pois “escrever em grego era dirigir-se a todo o
Capítulo 1 13

mundo civil daquela época” (Leoni 1967, pág.21), romana, adotando as formas gregas e o enriqueci-
o texto possuía, ainda, uma tradução latina que, mento do latim.
infelizmente, não chegou até nossos dias.
Interesses não mais provinciais, mas universais aumentam
A conquista de todo o território italiano pelos ro- extraordinariamente a potência política de Roma. Tam-
manos durou cerca de 230 anos. A língua latina bém a literatura, portanto, sai do anônimo e do popular
para tomar forma nas individualidades artísticas. Estava
se sobrepôs sobre os demais falares na Península
constituída, deste modo, a tradição literária romana que
Itálica, imposta pelos vencedores, embora ainda
devia prosperar sem interrupção por muitos séculos.
mantivesse sua forma arcaica. Até então, a métrica usada em Roma era a dos versos sa-
turninos, que se baseava no acento tônico das palavras, ao
contrário do que acontece a partir do século III, em que é
5. Período Helenístico incorporada a métrica quantitativa, baseada na quantidade
das sílabas, de influência grega (Leoni, 1967, p. 21).
XqdKwZDMMo9Vz9tO52BzyHT5VY9axsdFY6tI8l-k2d/Gre-
hswh8Pt4w5TaXFDr46AVPVRdM2blgsTMkQpKtnHKzm*B

Principais autores desse período:


Fonte: http://api.ning.com/files/gVL4Vac2AG-

5.1 Lívio Andrônico


ek_statue_discus_thrower_2_century_aC.jpg

Embora de origem grega, nascido por volta de 280


a.C., Andrônico era originário de Tarento. Levado
cativo entre outros, a Roma, foi escravo de Marco
Lívio Salinator. Devido à sua instrução, recebeu a
liberdade, sendo incumbido, por seu antigo dono,
de quem adotou o nome de família, da educação
de seus filhos. Foi mestre dos rapazes da aristocra-
Escultura grega
cia romana.

Denominamos helenístico o período em que a li- Andrônico utilizava textos gregos para suas au-
teratura latina sofre influência da literatura grega. las. Sob os auspícios de Lívio Salinator, traduziu
Até então, tem-se registro, apenas, de textos epigrá- a Odisseia de Homero para o latim, recebendo o
ficos, cânticos, leis, anais e sentenças em versos. título de Odusia, utilizando versos saturninos. Ao
ser traduzida para uma língua que ainda não esta-
Conquistada a Magna Grécia (272 a.C.), Roma se va preparada para abrigar uma obra literária como
expõe diretamente à cultura helênica. O Império aquela, é obvio que seu empreendedor encontrou
foi se estendendo, até que, em 265 a.C, a Penínsu- grandes desafios, e o resultado final não refletia a
la Itálica estava completamente sob seu domínio. riqueza da obra original. Posteriormente, seu tra-
Jovens levados como cativos para Roma eram em- balho foi bastante criticado por Cícero e Horácio.
pregados para a educação das crianças. Os libertos “Refazimento bárbaro, que Cícero compara às an-
abriam escolas públicas para ensinar aos filhos. tiquíssimas estátuas de Dédalo, sem articulações,
com as pernas juntas e os braços rígidos” (Vitelli e
Eram utilizados textos de clássicos gregos para en- Mazzoni, 1928, p. 7).
sinar gramática, retórica, etc.
Comentário injusto, pois, sem dúvida, se tratava
A língua latina havia sofrido influência do contato de um trabalho árduo. Faltava vocabulário e, até
com os etruscos e outros povos que iam sendo sub- mesmo, a métrica grega, que era desconhecida en-
jugados. Foi-se impondo sobre os diversos falares tre os romanos. Essa tradução sobreviveu através
da região, dos quais restam algumas poucas inscri- de citações e referências feitas a ela por autores
ções, até serem extintos. posteriores.

A vitória sobre a cidade de Cartago (guerras púni- Traduziu, também, um texto, que não foi conser-
cas), entreposto comercial ao norte da África, que vado, para ser representado durante Jogos come-
ameaçava os interesses comerciais romanos, foi de- morativos, segundo Cardoso, 2003, p.25.
cisiva para o progresso e a expansão da literatura
14 Capítulo 1

A obra literária de Lívio Andrônico compõe-se de Atela. Apresentava personagens estereotipados.


de traduções ou autoria de comédias e tragédias Embora de caráter burlesco e popular, de acordo
(de tragos, palavra grega que quer dizer canto do com Cardoso 2003, p.38, atelana passa por uma
bode). Inicialmente, as tragédias tinham um cará- modificação em que se intelectualiza, por volta do
ter religioso em honra a Dionísio, deus do vinho. 1º século de nossa era, “assumindo dimensões li-
Evoluiu, então, para um drama que fala sobre o terárias”. Quanto ao mimo, tendo sua origem na
destino do homem, com grande dose de horror. Grécia, era mais variado, porém possuía um cará-
ter mais grosseiro que a atelana, exibindo cenas de
Dele não restam muitas obras, apenas fragmentos nudez e linguagem libertina. Ambos os gêneros
da Odisseia em latim e títulos de outras obras. Pro- deram lugar à pantomima, de caráter gestual, em
pagador e propulsor da literatura grega em Roma, que os atores utilizavam máscaras buscando temas
despertou o gosto pela literatura dos vencidos, na mitologia ou na realidade. A temática podia va-
combinando as duas culturas. Segundo Pedrosa, riar entre o cômico e o trágico. Escreveu e traduziu
que o cita como “poeta oficial do estado”: também tragédias.

Sem modelo, sem léxico, sem o recurso ainda das formas Névio era avesso aos patrícios romanos. Com suas
de uma língua plástica, com os recursos apenas da língua comédias satíricas, conseguiu atingir e enfurecer
rude do povo romano, traduziu, em versos saturninos, a seus inimigos aristocratas, entre eles os Metelos.
famosa epopeia grega que se tornou o livro de classe da
Isso lhe rendeu um tempo na prisão e o exílio em
mocidade de Roma. (Pedrosa, 1947, p.24)
Útica, no qual faleceu em 200 a.C. Segundo Car-
doso, 2003, p. 26, restam-nos, apenas, fragmentos
5.2 Névio das tragédias e os títulos das comédias. Dotado de
uma grande autoestima, imortalizada em seu epitá-
Cneu Névio (c. 264 – 201 a.C.) era natural de uma fio, Pedrosa transcreve:
cidade latina de Campânia. Participou da Primei-
ra Guerra Púnica, tornando-se muito popular em Mortales immortales si foret fas flere,
Roma por seus atos de patriotismo. Tentou criar Flerent Divae Camenae Naevium poetam.
uma poesia nacional. Itaque postquamst Orcino traditus thesauro
Obliti sunt Romae loquier latina lingua.
É considerado o primeiro autor latino a produzir
uma obra de qualidade. Como todos os antigos po- “Pudessem pelos mortais os imortais chorar,
etas latinos, Névio também cultivou vários gêneros chorariam por Névio as Divinas Camenas. Deixou-
se de falar latim em Roma, apenas o poeta foi de
literários ao mesmo tempo. Escrevendo uma peça
Orco, os antros habitar.” (Pedrosa, 1947, p.25).
na qual retratava a infância de Rômulo, procurou
nacionalizar a tragédia, sendo considerado o cria- Entre as suas comédias, podemos citar: Alimonia,
dor da tragédia romana. Em seus últimos anos, es- Damae, Romulus e Hector. O poema De Bello
creveu, também, um poema épico: De Bello Púni- Punico, no qual narra a ida de Eneias a Cartago.
co, uma narrativa sobre guerra púnica e as origens
de Roma.
5.3 Ênio
Infelizmente, pouca coisa de sua autoria foi pre-
Quinto Ênio era natural da Calábria, nascido em
servada até nossos dias. Nacionalizou, também, as
Rúdias, na Magna Grécia. Sua língua materna era,
comédias, que eram um meio de criticar a política
portanto, a grega. Lutando no exército romano,
e os costumes da época sempre com um final feliz,
após a segunda guerra púnica, o questor romano
introduzindo a togata e a pretexta, ambas referen-
Cipião o levou para Roma, onde conquistou sim-
tes às vestes dos romanos, que traziam um contexto
patia, disseminando a cultura grega, ainda que sob
romano, em oposição à palliata, nome dado em
os protestos de Catão. “Tornou-se o escritor oficial
referência às vestes gregas, de temática grega.
do Estado, mas sua obra, vasta e multiforme, o re-
vela um educador do espírito romano [...]” (Leoni
Posteriormente, outros gêneros de origem popular
1967, pág.27.) Foi também professor de grego.
substituíram a togata. Eram o Mimo e a Atelana,
preferidos do público romano. Esta última, prova-
Cultivou a épica, havendo registro de partes de um
velmente, de origem osca, proveniente da cidade
poema seu intitulado Annales, em que contava a
Capítulo 1 15

origem mitológica de Roma, a tragédia, conside- Inicialmente influenciado por Névio, com o tem-
rada criação latina, e a comédia. Foi seguido por po alcançou tamanha originalidade, tornando-se
muitos poetas antigos. Como aconteceu com Né- um dos maiores autores latinos ao lado de Terên-
vio, não restou muita coisa de sua obra. Compôs cio. Entre as suas obras, podemos citar: Asinária,
a comédia Caupuncula, (O pequeno albergue) e Anfitrião, O Mercador, A Corda, os Mecmenos e
Pancratiastes (o atleta). Como Andrônico e Névio, a Marmita (Aulularia - contra os avarentos), esta
utilizou versos gregos, como o hexâmetro. última tendo sido inspiração para Ariano Suassu-
na em o Santo e a Porca.
Sua poesia foi admirada por Cícero e Virgílio, e
sua grandeza só foi superada por Virgílio, com A 5.5 Terêncio
Eneida. Escreveu, ainda, as tragédias Andrômaca,
Hecuba, Ifigênia, as epopeias História sagrada de Nascido em Cartago e levado para Roma por Te-
Evênero e os Annales, composto por 18 livros. rêncio Lucano, Públio Terêncio Afer difere muito
de Plauto. Enquanto em Plauto, encontramos a
Como lembra Fidelino de Figueiredo, (apud Pe- energia do latim vulgar, em Terêncio, alguém que
drosa 1947 p. 26) Ênio utilizou as lendas tradicio- se preocupa mais com a estrutura da obra.
nais de Roma, fato que o tornou popular e amado
entre os romanos. Recebeu educação e foi libertado. Terêncio alcan-
çou a perfeição de estilo, linguagem refinada, des-
Atividade | Pesquise sobre a influência da tacando a elevação de sentimento de seus persona-
epopeia latina em Luiz de Camões (Os Lusía- gens, evitando as vulgaridades presentes nas farsas
das), no Quinhentismo, e em Santa Rita Du- de Plauto.
rão (Caramuru) e Basílio da Gama (Uruguai),
no Arcadismo e traga suas conclusões para o Leoni (1967) lembra que seus contemporâneos,
fórum. devido à complexidade de suas obras, preferiam
as obras de Plauto que continham trechos mes-
quinhos e vulgares. Fato que levou Terêncio, final-
5.4 Plauto mente, ao afastamento do teatro. Falando sobre si
mesmo, ele diz: “Homo sum, humani nihil a me
Tito Macio Plauto (250 a.C? – 184 a.C?), romano alienum puto”, ou seja, Sou homem, nada do que
proveniente da Sársina, cidade da Úmbria, devido é de interesse humano me é estranho.
a perdas no comércio, a que se dedicou, acabou
Todo o temperamento de Terêncio o inclinava à reflexão
como escravo de um dono de moinhos, após ter
moralista, quase à meditação filosófica, e a linguagem ge-
sido rico. Escreveu obras teatrais, cerca de 130 co-
ralmente dedicada das suas personagens não era a mais
médias, imitando os autores gregos, sendo que sua apropriada para prender a atenção do público dos teatros
autoria só foi comprovada em cerca de noventa. romanos. (SILVA, Agostinho da. s/d., pág. 237)
Chegaram até nós, apenas, 27 delas. Embora sua
obra, admirada até à época de Augusto, recebesse
images /Orange%20Roman%20Amphithe-

elogios de Cícero, Horácio fez críticas acirradas.


Fonte: http://www.simplygroups.co.uk/

Entretanto, foi notadamente original em sua obra,


chegando a influenciar autores, como Shakespeare
e Molière durante a Renascença. Obtendo tama-
nho sucesso com as comédias, às vezes contendo
vulgaridades para entreter o público, dedicou-se
completamente a esse gênero.
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[...] embora se aproxime dos gracejos dos “fascennini”, é Anfiteatro romano


rico de originalidade nas subtilezas e no enredo das cenas.
[...] o autor não visa ao desenvolvimento completo e orgâ-
nico da ação dramática, mas sim ao efeito de cada cena, em Entretanto, fora apreciado por Varrão e Cícero e
que se manifestam os dotes extraordinários de sua poesia e ainda muitos séculos depois, durante a Idade Mé-
os tesouros da sua verdadeira originalidade. (Leoni, 1967, dia e a Renascença, em que serve de inspiração
p.26) para Cervantes, entre outros.
16 Capítulo 1

Entre suas obras, podemos citar: Os Adelfos, An- go os seus Annales, sua obra fora escrita em um
dria, O Eunuco e Fórmio. latim que ainda apresentava traços arcaicos. Catão
procurava manter aceso o amor exagerado pelas
5.6 Catão antigas tradições romanas, agora modificadas pela
influência helênica. Tratou de temas como a me-
Marco Pórcio Catão (234 – 149 a.C.) era natural dicina, moral e costumes como em Carmen de
de Túsculo, na Sabínia. Numa época em que o moribus (Cântico sobre os costumes) redigido em
helenismo estava em voga, apoiado por um parti- versos satúrnios.
do liderado pela família dos Cipiões, o espírito de
Catão manteve-se firme aos antigos costumes de Os romanos se tornaram amantes das artes devido
sua terra, sendo chefe do partido dos romanos que à influência helênica. Roma respira uma atmosfera
rejeitava a ideia de que o desenvolvimento tivesse, culta e luxuosa. A literatura latina, neste ponto,
necessariamente, que se basear em fontes de co- aberta a influências exteriores, já modificada, está
nhecimento estrangeiro. preparada para sua exaltação. Atingirá a grandio-
sidade no próximo período que terá como o seu
Grande parte de sua obra é de cunho científico maior expoente Marco Túlio Cícero.
ou informativo, o que, como nos lembra Cardoso
(2003), não pode ser considerado como arte literá-
ria genuína. Vários autores romanos, a exemplo de
M. T. Cícero, que veremos no próximo capítulo,
também escreveram diversas obras puramente lite- GLOSSÁRIO
rárias e obras de caráter científico. “A poligrafia foi
uma característica do romano desde cedo” (Cardo- Augures - sacerdotes que supostamente interpretavam as
so, 2003, 187). vontades dos deuses por meio da observação da natureza,
especialmente o canto dos pássaros e o apetite dos frangos
Utilizou linguagem simples e cheia de arcaísmos sagrados de Juno.
em sua prosa. Em suas obras, dedica-se às dificul-
dades enfrentadas por Roma, como o êxodo rural Aurúspices - intérpretes das vontades dos deuses por meio
na época de Augusto, a solução dos problemas do estudo das entranhas de animais.
econômicos através da agricultura, com dicas e de-
veres sobre a arte do cultivo, em De agricultura, Autóctones – algo ou alguém originário de determinada
região.
única obra de Catão e de toda a prosa antiga que
chegou até hoje integralmente.
Beowulf - poema épico, de origem escandinava, com
3.182 linhas. Foi escrito na Inglaterra, no dialeto anglo-
Libri ad filium constitui-se em uma enciclopédia saxão.
na qual busca deixar para o filho princípios bási-
cos da educação romana. Trata de retórica, direito Bulla - amuleto recebido pelas crianças romanas ao nascer
romano, medicina e de militarismo, no intuito de para afastar mau olhado.
preservar seu filho Marco da influência grega. Em
um de seus 150 discursos, com seu espírito prático Epigrafia - estudo, decifração e interpretação de inscrições
e austero, critica o luxo das mulheres romanas, de- antigas.
fendendo a lei Ápia.
Horácio - Quinto Horácio Flacco. Poeta latino pertencente
à Fase Imperial da Literatura Latina.
Escreveu, ainda, Origenes (tratado sobre a origem
de Roma até sua época) e foi também historiador. Incipiente - elementar, simples, rudimentar.

[...] Catão não só narrava as origens e a história de Roma Orco - nome romano para a divindade que, provavel-
mas também das demais cidades itálicas e concebia, pri- mente, mais tarde foi identificada como Plutão, rei das
meiramente, a história de Roma como a história de toda a regiões inferiores. Equivale a Tanatos (mitologia grega), a
Itália. (Leoni, 1967, p.33) personificação da morte.

Como era de se esperar, diferentemente de outros Poligafia - o ato de escrever obras de gêneros diversos:
autores romanos da época que escreveram em gre- poesia, ensaios, contos, peças teatrais.
Capítulo 1 17

Toga - vestuário dos antigos romanos, que consistia em um


manto de lã amplo e comprido.

Vestais - sacerdotisas dedicadas à deusa Vesta. Respon-


sáveis por manter aceso o fogo sagrado de roma. Deve-
riam permanecer virgens até o fim de sua tarefa, a qual
cumpriam por trinta anos, desde sua infância. Se acaso
falhassem, eram enterradas vivas.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Menton de. O latim clássico e do


ginásio. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Aze-
vedo LTDA, 1955.

CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura la-


tina. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

JEANROY Alfred & PUECH Aimé - Histoire de la


Littérature Latine. Paris, Mellottée, s/d.

LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo:


Livraria Nobel, 1967.

PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de


história da literatura latina. Recife: Imprensa
Oficial, 1947.

SILVA, Agostinho da. A comédia latina: Plauto e


Terêncio. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

VITELLI, Girolamo & MAZZONI, Guido Manu-


ale della letteratura latina. Firenze: G. Barbèra
Editore, 1915.
2
Capítulo 2 19

Período Clássico
da Literatura
Latina
Prof. Ívison dos Passos Martins
Carga Horária | 15 horas

Objetivos Específicos
• Distinguir as características fundamentais do Período Clássico;

• Conhecer os principais autores e suas obras bem como a influência da vitória


completa do helenismo e da política romana no campo literário.

Este capítulo se inicia com a chamada Época Áurea da Literatura Latina. É o


período que vai de César a Augusto, primeiro imperador romano. A fase que
compreende o governo de César recebe o nome de seu maior expoente: Marco
Túlio Cícero.

1. Período Clássico
O inevitável acontece em Roma: a apreciação pela arte grega atestava o triunfo
do helenismo sobre a sociedade romana. Os apelos de Catão pela conservação
dos antigos costumes romanos já haviam sido esquecidos. Atenas era o centro
das artes. Os modelos gregos eram livremente seguidos, e muitos partiam para a
Hélade, a fim de se aprofundarem em suas artes.

Como já vimos, este período pode ser didaticamente dividido em dois momentos
especiais, de acordo com suas particularidades: Período Ciceroniano e Período de
Augusto.

Que fatores influenciariam no desenvolvimento da literatura latina


neste ponto ou o que faz com que a incipiente literatura latina,
de imitadora dos modelos gregos, atinja seu ápice?

1.1 Período Ciceroniano (81 a.C. A 43 a. C)


O clima político que se seguia com
Fonte: http://iusvirtualis.files.wordpress.

a expansão de Roma, a despeito de


algumas dificuldades e contrastes,
com/2009/07/maccari-cicero.jpg

juntamente com a necessidade de


preservar e perpetuar seu patrimônio
cultural e a defesa de ideologias in-
centivaram o cultivo da eloquência e
da história que, neste período, serão
de grande importância para os pro-
Senado romano
pósitos políticos em Roma.
20 Capítulo 2

A ascensão de César (100 a. C a 44 a.C) ao po- 1.2 Cícero


der favorece bastante a expansão das artes entre
os romanos. Ao contrário de seus antecessores, Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino, a 3 de ja-
Caio Júlio César era, além de político, historiador neiro de 106 a.C. Foi o maior orador romano de
e exímio orador. Favoreceu o cultivo das letras em que se tem notícia. Como outros autores, antes e
Roma, onde foi uma espécie de protetor e incenti- depois dele, Cícero também praticou a poligrafia.
vador da arte literária, ou seja, “um Mecenas ante- Cultivou gêneros diversos, como a oratória, poe-
cipado” (Pedroza, 1947, p. 42). Assim, a literatura sia, epistolografia e historiografia. Além disso, foi
latina dá seus primeiros passos ao esplendor que político, questor, advogado e jurista.
alcança seu ponto alto na era de Augusto.
Há poucas informações sobre seu pai, um rico
Após a conquista de Alexandre Magno sobre a equestre de saúde frágil. Sua mãe Hélvia era des-
Grécia, Atenas perde seu posto para outras cidades cendente de família bem situada em Roma, sen-
do Mediterrâneo, com destaque para Alexandria, do considerada uma típica matrona romana, que
que passa a ser o centro de cultura daquela época. numa das cartas de seu filho caçula, Quinto, foi
Alexandre procurou promover, em todo o territó- considerada uma dona de casa frugal.
rio de suas conquistas, a cultura grega. Esse fato
concorre ainda mais para a difusão da civilização O cognome de Cícero tem um significado jocoso
helênica. em latim, pois quer dizer “grão-de-bico”, atribuído
a um de seus antepassados, porque este possuía, no
Influenciados pelos moldes de Alexandria, sur- nariz, uma protuberância que lembrava aquela le-
gem, em Roma, os poetas novos, ou “poetae novi” guminosa. Ao ser sugerido que mudasse de nome,
em latim. O termo se refere à nova escola que imi- Cícero respondeu que o tornaria mais glorioso do
tava agora os modelos alexandrinos e não, os mo- que o de Escauro e o de Catulo, que não eram me-
delos provenientes de Atenas, como acontecia no nos curiosos, significando, respectivamente, “aque-
período anterior. Foram assim denominados por le que tem o calcanhar saliente” e “Cachorrinho”.
Cícero, pois este não gostava do estilo adotado por Foi discípulo de Fílon e de Quinto Múcio Cévola,
esses poetas novos. Preferia o tradicional estilo de com quem estudou Direito. Continua sua educa-
Ênio, ou seja, dos poetas antigos ou “poetae ve- ção na Grécia, dedicando-se profundamente a seus
teres” e, para fazer uma diferença entre estes e a estudos, mantendo contato com sábios gregos con-
nova geração, “chama-los-á até ‘cantores Euphorio- temporâneos.
nis’, isto é, imitadores daquele poeta grego, que era
considerado o mais incompreensível e o mais enfa- Aos vinte e cinco anos, em 81 a.C, data em que
donho da escola alexandrina.” (Leoni 1967, p. 42) tradicionalmente se inicia o Período Ciceroniano,
pronuncia seu primeiro discurso em público. A
O estilo praticado pelos poetas novos, amantes oração em defesa de Quíncio, num processo de es-
de pequenos poemas, em oposição às longas epo- poliação, é intitulada PRO QUINTICIO.
peias, independentemente da opinião de Cícero,
abriu caminho para a nova poeticidade romana. A estreia de Cícero se deu quando o jovem advogado de
vinte e cinco anos [...] se defrontou com o expoente Hor-
São considerados poetas novos, embora não ti- têncio, defendendo Quíncio (Quintus horrtensius Horta-
vessem rompido totalmente com as velhas ideias, lus -114-50 a.C.) num processo de espoliação. Era Hortên-
cio um advogado famoso em Roma, veemente, inflamado,
nomes como: C. Valério Catulo, considerado o
dono de um estilo vivo e rápido e de um fraseado elegante
maior deles, Marco Fúrio Bibáculo, Públio Terên- e polido. Medindo-se com tal figura, Cícero compôs um
cio Varrão e Valério Edítuo. discurso que, embora ostentasse maneirismos de lingua-
gem e sobrecarga de elementos ornamentais, revelava já
aquelas características, que para ele, são essenciais à arte
oratória: era escrito com inteligência e sensibilidade, ex-
SAIBA MAIS plorava o poder da palavra e tinha o objetivo de persuadir.
ura de Roma. São
LEONI, G. D. A literat [...] A preocupação de Cícero, ao compor tal obra, foi, evi-
l, 1967.
Paulo: Livraria Nobe dentemente, a de convencer o público e os juízes. Cícero
empregou todos os meios para esse fim. (Cardoso, 2003,
p.152)
Capítulo 2 21

Através da eloquência, Cícero defendeu seus clien- ano 43 a.C. Conta-se que a esposa de Antônio, a
tes e sua própria ideologia, sendo considerado um título de vingança, chegou a cravar na língua de
defensor da pureza de caráter, da honestidade e Cícero cerca de cem alfinetes.
dos bons costumes, embora, em alguns casos, apre-
sentasse certa ambiguidade, como veremos mais
adiante. Plutarco, considerado seu melhor biógra- SAIBA MAIS
fo, afirma que: /wiki/Cícero
http://pt.wikipedia.org
u-
“De todos os oradores, foi este o que melhor fez sentir aos Pilar de Ferro. São Pa
CALDWELL, Taylor Um
08.
romanos o encanto que a eloquência imprime às coisas lo: Editora Record, 20
honestas e o poder de que a justiça se reveste quando é iou-
ca. Rio de Janeiro: Ed
sustentada pelo poder da palavra”. (Alencar, Menton de CÍCERO. Da Repúbli
1955, pág. 149). ro, s/d.

gspot.com/_DNJx_Za-
Aos 27 anos, casa-se com Terência, moça de família
abastada, irmã de Fábia, sacerdotisa vestal. De seu

AAAAAAAww/
casamento, que durou cerca de 30 anos, Cícero

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teve dois filhos: Túlia, sua primogênita, e Marco,

_PIL
onze anos mais novo. Após o divórcio, casou-se

pg
I/AA
/UM
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Fonte: http://4.bp.blo
novamente com Publília, jovem de família rica, o

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320
que, acredita-se, tenha sido justificado por dificul-

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dades financeiras. Mas, o casamento não durou

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osc JOYlA1
muito tempo. A maior perda, entretanto, sofrida
por Cícero, foi a morte de sua filha, em 45 a.C.
Declarou: “Perdi a única coisa que me prendia à
vida.” (Haskell, H.J, 1964 p. 249). Fortemente de-
cepcionado com a indiferença de Publília, diante
da morte de Túlia, Cícero divorcia-se dela.

Fonte: http://www.filosofix.com.br/blogra-
Possuía amigos em toda a Itália, inclusive na Sicí-
lia, onde foi questor, mas também obteve vários
inimigos devido à causa de sua linguagem mordaz miro/imagens/cicero.jpg

e irônica.

Durante seu consulado, Cícero obteve vitória, no


tribunal, contra Catilina – o inimigo da Repúbli-
ca, sendo aclamado como o pai da pátria. Cícero

Apesar de amigo de Bruto, Cícero não participa da A obra de Marco Túlio Cícero, exemplo para a li-
conspiração que levou ao assassinato do ditador. teratura mundial, pode ser organizada em: discur-
Após a morte de César, o escritor se opôs à cam- sos, cartas, obras filosóficas e históricas, retórica e
panha de Antônio, na disputa deste pelo poder, poesia.
escrevendo suas terríveis Filípicas.
Discursos: cheios de habilidade em que busca anga-
As orações de Cícero, que se posicionou ao lado riar a simpatia de seus ouvintes, Cícero procurava
de Otávio na sucessão de César contra Marco An- persuadi-los pelo poder da palavra. (Cardoso 2003)
tônio e sua mulher, também alvo das críticas do apresenta os discursos de Cícero, dividindo-os em
grande orador, atraíram o ódio do casal contra Cí- judiciários e políticos. Entre eles, podemos citar:
cero. Sem contar com a benignidade de Otávio, Pro Quíncio, Pro Roscio Amerino, Pro Murena,
com quem Marco Antônio acaba se reconciliando, In Catilinam (as Catilinárias), pro Archias (em
é perseguido e assassinado por exigência deste úl- favor de Árquias) Pro Ligário, Philipicae (as Filí-
timo, em sua liteira, pelo centurião Herênio e por picas), Pro Cluentius (em favor de Cluêncio), que
Popílio, tendo a cabeça decepada em Fórmia, no figuram entre seus discursos mais famosos.
22 Capítulo 2

De conduta ilibada, Cícero defende os casos de • As Acadêmicas (Academica);


Cluêncio e de Murena, acusados de apropriação
indevida de bens públicos. O fato torna-se curioso, • A Amizade (De Amicitia) – analisa a amizade
pois, em outra ocasião, enquanto esteve na Sicília, e seu significado para a vida.
agiu de outra forma, num caso similar. Em suas
Verrinas, ele se posiciona contra Verres, perseguin- • Sobre a Velhice (De Senctute), entre outros.
do-o veementemente, a pedido dos moradores da
ilha. Segundo Cardoso (2003), a posição de Cícero Cícero foi mencionado nas obras de Santo Agosti-
foi bastante discutível devido a sua ambiguidade. nho, como, por exemplo, em suas Confissões, sen-
do considerado um pagão justo pelo catolicismo,
Cartas: Cícero deixou-nos inúmeras epístolas, que digno de ser citado. “Suas obras abordam, predo-
podem ser qualificadas, entre outras, como: minantemente, os problemas de ordem política,
moral e religiosa” (Cardoso, 2003, p. 171). Inte-
a) ad familiares (aos familiares); ressado na religião judaica, acredita na existência
b) ad Aticum (para Ático); de um Ser Supremo, “Crê que Deus existe, que
c) ad Quintum (para Quinto); Ele se revela no espetáculo da natureza [...]”(Pedro-
d) ad Brutum (para Bruto). za, 1947 p.24), revelando estar de acordo com o
pensamento de Paulo, anos mais tarde (cf. epístola
Com um estilo puro, dotado de elegância e alti- aos Romanos 1:20). Entretanto, Cícero defende a
vez, o maior orador romano se despe em sua cor- imortalidade da alma, divergindo, aqui, do ensina-
respondência, mostrando seus conflitos pessoais mento judeu, expresso no livro do profeta Ezequiel
e familiares além de brindar a humanidade com (cf. Ezequiel 18: 4 e 20). Cícero dedica um capítulo
relatos acurados da sociedade de seu tempo. inteiro ao assunto em Sobre a Amizade.

O mérito literário das cartas de Cícero, diz Augusto Mag- Obras históricas
ne, não é inferior ao dos discursos, e, é, para os modernos,
muito mais fácil de perceber. Nelas manifestam-se naturali- Em suas obras Sobre o Consulado (De Consulatu
dade, graça, espírito, tanto mais que são escritas com mais
meo) e Sobre os Tempos (De Temporibus), Cícero
abandono. As impressões do momento vêm aí consignadas
relata a trajetória de sua vida durante seu consu-
com vivacidade encantadora e espontânea (Pedroza, 1947,
p. 63).
lado e seu exílio por questões políticas, respecti-
vamente, em 58 a.C. Foi bastante aclamado em
Obras filosóficas seu retorno, especialmente por sua querida filha.
“Em cada cidade, ele foi recebido por delegações,
Embora não fizesse parte da alma romana, a fi- congratulando-o” (Haskell, H.J, 1964 p. 204 tradu-
losofia foi cultivada por eles, influenciados pelos ção nossa).
grandes filósofos gregos. Cícero não possuía origi-
nalidade nesta área, entretanto entregou a Roma Retórica
e à humanidade esta ciência com a máxima fideli-
dade que lhe foi possível. Traduziu vários filósofos Cícero procura revelar a forma idealizada da eloqu-
gregos para o latim e “[...] seus tratados são a fonte ência. Nessas obras, preocupa-se em mostrar como
principal que hoje possuímos sobre alguns filóso- atingir o requinte da oratória, discutindo sobre o
fos gregos que escreveram depois de Aristóteles e gênero e as técnicas de argumentação retórica.
cujos trabalhos se perderam” (Alencar 1955, p.
157). Entre suas principais obras filosóficas, pode- Com sua morte, a eloquência tão cultivada por
mos citar: Cícero como o exercício dos talentos da palavra,
“[...] vai reduzir-se a discursos inexpressivos – per-
• Da República (De Republica) e Sobre as Leis didos, em sua grande maioria – e em peças solenes
(De Legibus) – ambas de cunho político; e economiásticas, os panegíricos” (Cardoso, 2003,
p.158).
• Sobre a Natureza dos deuses (De natura Deo-
rum) – de caráter religioso, expõe suas ideias • Da invenção (De Inventione),
de livre arbítrio;
• Orador (De Oratore),
Capítulo 2 23

• Do Gênero Ótimo de Oradores (De Optimo sico dos escritores, oradores e poetas, baseada no
Genere oratorum), latim culto, e o familiar que o próprio Cícero uti-
lizava em casa “(conversando com esposa e filhos)
• Sobre o Orador (De Oratore) uma língua muito mais simples” (Cretella Júnior,
1961, p. 17), mas sem as “imperfeições” do latim
• (Partitiones oratoriae), vulgar.

• Tópicos (Tópica); apresenta o teor de uma O latim vulgar dos colonos e o latim castrense dos
obra homônima de Aristóteles soldados romanos, levados às mais longínquas
partes do Império, transformaram-se, durante os
Obras poéticas séculos, nas modernas línguas neolatinas. A varie-
dade clássica, entretanto, permaneceu, sem modi-
Embora não tenha sido considerado um grande ficações, através dos séculos. Foi utilizada na Ida-
poeta, desenvolveu, nesta área, poemas de bom de Média e, no século XVII, a obra Philosophiae
gosto como os que seguem: Naturalis Principia Mathematica, contendo a pri-
meira e a segunda lei de Newton, publicada pelo
• Prognósticos (Prognostica). cientista, foi escrita em latim. O Próprio Erasmo
de Rotterdam publicou, em latim, sua obra Elogio
• Fenômenos (Phenomena). à loucura (Stultitiae laus). Além disso, é a língua
oficial do Vaticano bem como fonte de termos
• Poema a César (Poema ad Caesarem). científicos, inclusive em línguas não latinas, como
o alemão e o inglês.
• Mário (Marius) poema heroico, do qual sobre-
viveram apenas 15 linhas. 1.3 Lucrécio

Titus Lucretius Carus nasceu provavelmente em


Roma, no ano de 99 a.C, tendo falecido por volta
SAIBA MAIS: de 55 ou 54 a.C. Embora alguns autores sugiram
ssicos.hpg.ig.com.br/ litlati-
http://www.estudoscla que tenha cometido suicídio, Vitelli e Mazzoni,
na.htm#Ciacutecero (cf. Vitelli e Mazzoni, 1928, p. 130) acreditam que
isso deva ser descartado por falta de comprovação.
1.2.1 Latim Clássico
Não existem muitos dados sobre ele. Sabe-se que
era epicurista e que escreveu Sobre a natureza (De
O latim, não possuindo ainda o refinamento es-
rerum natura), obra publicada postumamente por
tilístico da grega, teve de se estruturar para poder
Cícero, que, embora fosse contra essa corrente fi-
abrigar as obras de grande vulto que se produzi-
losófica, soube reconhecer os méritos de Lucrécio.
riam através dos séculos.
Este é o único trabalho de sua autoria que chegou
até nós.
A língua latina estudada nas universidades, de in-
teresse para os alunos de literatura latina, é o latim
Cogita-se, de acordo com São Jerônimo, que o po-
clássico. Essa modalidade nasceu com a elaboração
eta enlouqueceu por causa de um filtro que lhe foi
e o aperfeiçoamento pelos escritores clássicos, na
dado por uma mulher. Escrevia seus versos duran-
busca em desenvolver uma língua perfeita, tarefa
te os momentos de lucidez.
empreendida por nomes, como Ovídio, Horácio
Sobre ele, escreve Virgílio em sua Geórgicas:
e Cícero, entre outros. O próprio Cícero é consi-
derado o inventor dessa variedade, “o verdadeiro
“Felix qui potuit rerum cognoscere causas Atque metus
criador de uma língua clássica em Roma” (Cardo- omnes et inexorabile fatum Subjecit pedibus strepitum-
so, 2003, p.XIII). que acherontis avari. (Pedroza 1947, p. 44)

Os romanos conheceram diversas modalidades de Feliz aquele que pode conhecer as causas das coisas e colo-
latim. Características de uma língua viva, entre elas cou, sob seus pés, todos os temores, o destino inexorável e
figuram o latim vulgar, o latim culto, o latim clás- o estrépito do avaro Aqueronte (tradução nossa).
24 Capítulo 2

Em De rerum natura, composta por seis livros Seus escritos


em versos hexâmetros, expõe as ideias de Epicu-
ro. Os dois primeiros livros tratam do surgimento Como historiador, escreveu Comentários sobre a
de todas as coisas, nos quais se pressagia o sistema Guerra Gálica (Commentarii de Bello Gallico).
epicureu, sugerindo algo bem próximo do evolu- Composto por sete livros, o trabalho descreve
cionismo moderno, “isto é, a teoria dos átomos, campanhas empreendidas por ele que contribuí-
por cujo movimento mecânico nascem todas as ram para o alargamento das fronteiras do Império,
coisas.” (Leoni 1967, p. 46.) Divulga o epicurismo, constituindo-se um trabalho de grande importân-
já existente em Roma, embora só após a publica- cia. Seu general, Hírcio, acrescentou um oitavo
ção de seu poema é que essa corrente filosófica livro que mantém a narração da guerra até o ano
ganha maior difusão. Traz ideias de que a liberta- 50 a.C.
ção dos temores, inclusive de Deus, seria a chave
para o prazer. Para ele, Deus e a punição divina De igual forma, Comentários sobre a Guerra Civil
deveriam ser extirpados da alma humana. Ainda (Commentarii de Bello Civili) narra a guerra civil
segundo Lucrécio, a vida não tem sentido, ou seja, entre César e Pompeu. Ao invadir a Itália, na dis-
trata-se meramente de uma ilusão. Contrariando puta pelo poder com seu opositor, atravessa o rio
os conceitos de Cícero, cria que a alma era mortal, Rubicão e pronuncia sua famosa frase: “Alea jacta
além de excluir qualquer tipo de intervenção da est”, - que significa “A sorte está lançada”, queren-
Divindade na vida dos homens. do dizer que não voltaria atrás. Pompeu fugiu para
a Grécia com alguns membros do senado, e César
1.4 César foi proclamado ditador. Em 44 a.C, temerosos de
que César restaurasse a monarquia, defensores da
Caio, ou Gaio Júlio César, nasceu em Roma, no República, sob a direção de Cássio e Bruto, trama-
ano 100 a.C e morreu vítima de conspiração po- ram sua morte. Tendo sido chamando ao Senado,
lítica, liderada por Cássio e Bruto, em 44 a.C. ele foi morto a punhaladas, por alguns senadores.
Era descendente da família Júlia (gens Iulia), sen-
do descendente de Mário e do próprio lendário As duas obras foram concebidas numa linguagem
Eneias através de seu filho Julo (Iulo) de onde de- não rebuscada, despretensiosa e impecável, condi-
rivava o nomen de sua gens. zentes com seu conteúdo.

Das obras a seguir, restam, apenas, fragmentos:


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Gaius_Julius_Caesar.jpg

• Cartas;
• Discursos;
• Livros de analogia;
• Poemas
• Apothegmas
Júlio César • Anticatão – obra, na qual César responde a
um elogio feito por Cícero ao escritor romano
Teve uma forte educação no campo da filosofia e Catão.
da retórica, havendo estudado com o gaulês An-
tonio Gnifone, profundo conhecedor da erudição
greco-latina. Posteriormente, foi aluno de Mólon,
em Rodes.
SAIBA MAIS
Foi Pontífice Máximo, pretor, pró-consul na Gália /wiki/ Guerras_da_Gália
http://pt.wikipedia.org
e participou do triunvirato juntamente com Pom-
s.pt/julio_cesar.htm
peu e Crasso. Além disso, foi grande orador, poeta http://www.vidaslusofona
e historiador.
A) : 2004 direção:
Filme: Spartacus, (EU
Robert Dornhelm.
Amante das letras e das coisas do espírito, Júlio
César, como já foi mencionado, era um grande in-
centivador da literatura.
Capítulo 2 25

1.5 Catulo 116 versos de temas variados, intitulada Carmina


(do latim carmen: cânticos), Catulo vai da licen-
Caio Valério Catulo nasceu em Verona, provavel- ciosidade dos amores frívolos e frescor ao intenso
mente em 87 a.C e morreu por volta do ano 54, amor à pátria ou à profundidade e emoção dos
com cerca de 33 anos, vítima de tuberculose. É versos dedicados a seu irmão querido, morto na
considerado o maior dos “poetas novos”. Visitou Ásia Menor. Contudo, o amor impetuoso que es-
outros lugares para aprofundar seus conhecimen- gota sua vida por inteiro é o principal tema. “Daí
tos de literatura, entretanto passou a maior parte provém uma variedade de sentimentos humanos
de sua vida em Roma. Não tomou parte na política expressos com espontaneidade e maestria artística
de seu tempo, apenas escreveu alguns epigramas [...]”. (Leoni, 1967, p. 44)
contra Pompeu ou César. Tendo sido por um tem-
po inimigo deste último, reconciliou-se posterior-
mente. 2. Período de Augusto
Dedicou-se fortemente à literatura grega, seguin-

wikiFicheiro:Augustus_Bevilacqua_Glyptothek_
do os moldes alexandrinos. Sua linguagem era
simples, espontânea e bastante original, o que se
torna, além de sua paixão e amor aos prazeres e ao
luxo, uma de suas principais características:

Fonte: http://pt.wikipedia.org/
Vivamus mea Lesbia, atque amemus,
rumoresque

Munich_317.jpg
senum severiorum
omnes unius aestimemus assis!

Augustus
Catullus V 1-6.

Tradução nossa: César recebera títulos de Ditador Perpétuo, Cen-


sor Vitalício, concedidos pelo Senado, mas, quan-
Vivamos, minha Lésbia, e nos amemos, do houve rumores de que pretendia tornar-se rei,
e que todos os rumores desistiu diante dos protestos dos defensores da Re-
dos velhos carrancudos não nos importem! pública, que temiam a restauração do sistema po-
lítico anterior. Em 44 a.C, uma conspiração, lide-
Durante sua breve juventude, o poeta vive intensa- rada por Cássio e Bruto, resulta no assassinato de
mente os prazeres da vida, tendo-se tornado mes- César no Senado. Posteriormente, Otávio, depois
tre da poesia lírica. Frequentou a alta sociedade de lutar pelo poder, assume, em 27 a.C, o título de
romana, tendo conhecido, por influência do dis- Augusto, nome, até então, restrito às divindades,
soluto pretor Mêmio, Clódia, mulher apaixonante iniciando o culto ao imperador. Começa a era dos
e deslumbrante, esposa de um cônsul. Escreveu-lhe Imperadores.
poemas apaixonados o quais a chamava de Lésbia
(Haskell, H.J 1964 p 17). Os versos retrocitados, a Augusto concedeu ao povo a relativa Pax Romana
título de exemplo, são dedicados a ela, embora não (Paz Romana) após vários conflitos e conquistas.
seja a única presença feminina em seus trabalhos.
Quanto ao Período Ciceroniano, apesar de surgi-
Após sua viagem à Bitínia, Ásia Menor, em com- rem grandes autores como Cícero, Catulo, entre
panhia de Mêmio, o jovem autor passa por uma outros, as obras refletiam os conflitos internos
transformação em sua vida, que o afasta da paixão existentes durante o governo de César:
amorosa e de seus gastos que quase acabaram com
o módico patrimônio da família que tenta recupe- A produção literária da idade de César, embora manifes-
rar durante sua ida à Bitínia. Era profundamente tando a forte personalidade dos escritores, tem algo rude,
nacionalista, escrevendo um poema sobre sua terra discordante: as obras mostram a violência dos sentimentos
natal, já próximo de sua morte. que não podem ser disciplinados na harmonia entre a re-
alidade da vida e as necessidades artísticas (Leoni, 1967,
Entre suas poesias, contidas numa coletânea de p.65).
26 Capítulo 2

O Imperador tinha consciência de que a literatura era um campestre, como sendo o ideal. Outro poema As
excelente meio de propaganda da ideologia romana. As- Geórgicas é uma obra didática, na qual trata de
sim, ele incentiva as manifestações artísticas e literárias a assuntos relativos à vida campestre, como o cultivo
fim de divulgar a paz, além da ostentação de poder. Co-
do campo, a criação de animais e, finalmente, da
menta Leoni: “Todas essas ideias – paz, força, grandeza,
potência, missão civil de Roma – constituíam as principais
criação de abelhas. Este poema, dividido em qua-
fontes inspiradoras da literatura do período de Augusto” tro partes, foi escrito a pedido de Mecenas.
(Leoni, 1967, p. 66).

A literatura romana, agora, adquire um caráter SAIBA MAIS


mais universal expandindo-se por todo o território didática – CARDO-
O capítulo A Poesia
do Império, finalmente conhecendo o seu ápice. A literatura latina.
SO, Zélia de Almeida.
Fo nte s, 2003.
São Paulo: Martins
Atividade | Reflita sobre o poder e o papel
da literatura, não só como entretenimento
mas como formadora de opinião. Pense, por Além das obras citadas anteriormente, Virgílio es-
exemplo, na poética de resistência de Ferreira creveu, entre outras:
Gullar, no Brasil, durante a Ditadura. Traga
suas conclusões para o fórum. a) Culex - poema sobre um mosquito que, ao sal-
var a vida de um pastor, posteriormente em
sonho, pede a este que lhe dê uma sepultura
2.1 Virgílio digna;

b) Moretum - relato da vida laboriosa de um
Públio Virgílio Marão é bastante conhecido por
cam- ponês;
sua obra A Eneida, um dos grandes poemas da li-

teratura latina e universal. Nasceu em Andes, na
c) Ciris - metamorfose da princesa Mégara;
região italiana de Mântua, no ano 70 a.C e morreu

aos 51 anos, em 19.
d) Copa - elegia dedicada a uma estalajadeira.
Virgílio era filho de camponeses que se preocupa-
Podemos, ainda, citar Etna, Driae, Priapeia e Ca-
ram em proporcionar ao menino, desde cedo, uma
talecta. Esta última reúne poemas, sendo a maior
educação esmerada. Estudou com mestres de gran-
parte deles de sua própria autoria.
de reputação em Cremona, Milão e, finalmente,
em Roma.
2.1.2 A Eneida
O poeta não se destaca na eloquência, mas, sim,
em gêneros, como a filosofia e a poesia. Finaliza- A obra de maior importância do poeta mantua-
dos seus estudos, Virgílio retorna à sua terra natal. no é, sem dúvida, a Eneida. Percebendo a força
Seu regresso à propriedade de seus pais é devido à da literatura na propagação da política e do poder
tentativa de confisco pelos triunviros que distribu- romano, Augusto o encarrega de escrever um poe-
íam terras entre os veteranos de Augusto. Embo- ma que fosse um tributo ao recém-nascido Impé-
ra não haja muitos detalhes do caso, sabe-se que rio. Surge então a grandiosa epopeia de Virgílio:
Virgílio perdeu as terras, mas sob a proteção de a Eneida.
Mecenas e de outros amigos influentes, recupera
os bens da família. Exaltou a pátria, cantando as glórias de seu povo e,
não obstante utilizasse moldes gregos, seria injusto
De saúde fragilizada e amante de uma vida tranqui- afirmar que ele meramente copiou de outros escri-
la e de existência simples, nunca se casou. Desde tores. Manteve caráter próprio, tendo influenciado
cedo já conhecido por seu talento, escreveu as Bu- escritores, como Dante Alighieri na Itália e Luiz de
cólicas, poemas pastoris, nos quais exalta o estilo Camões em Portugal. “Virgílio consegue mostrar
de vida e os amores do campo num tom bastante sua criatividade e seu poder de inovar.” (Cardoso,
patriótico. O tema das Bucólicas ressurge nova- 2003, p.16). Sua composição, de doze livros ou
mente nos poetas árcades, em sua exaltação à vida cânticos, levou dez anos para ser completada, de
29 a 19 a.C. Contudo, o poeta não viveu o bas-
Capítulo 2 27

tante para conferir-lhe os retoques finais. Durante


uma viagem à Grécia, a fim de obter mais dados SAIBA MAIS
para seu último trabalho, foi acometido de insola-
et/zelia2.htm
ção. Seu estado de saúde agravou-se bastante, até http://www.paideuma.n

que o poeta faleceu ao chegar a Brindisi, Itália. http://pt.wikipedia.org


/wiki/Virgílio
Finalmente, “seus restos foram levados a Nápoles,
que ele tinha amado tanto.” (Jeanroy/Puech -.s.d.
p. 148). Pressentindo que estava próximo de sua 2.2 Horácio
morte, Virgílio pede que o poema seja destruído.
Entretanto, Augusto solicitou que a obra fosse pre- Quinto Horácio Flaco nasceu em Venusa, Itália,
servada. A Eneida, embora não estivesse ainda a em 8 de dezembro de 65 a.C e morreu pouco de-
gosto do poeta, não se tratava de um trabalho in- pois do falecimento de seu protetor Mecenas, em
concluso. O poema máximo da literatura universal Roma, em 8 a.C, em sua casa, onde recebia os ami-
necessitava, apenas, de alguns ajustes. gos. Para um filho de escravo liberto e humilde co-
brador de impostos, Horácio recebeu aprimorada
A história inicia com a tragédia sofrida por Eneias, educação. Estudou em Roma, onde foi aluno de
com a destruição de sua cidade Troia. O herói par- Orbílio Pupilo, um dos mestres mais famosos da
te, então, acompanhado de seu pai Anquises e seu cidade, a quem os alunos chamavam de Orbilus
filho. Perseguido pelo ódio de Juno e protegido Plagosus (Orbílio, o espancador), fama que advi-
por Vênus, Eneias vagueia pelos mares até apor- nha de sua severidade. Finalmente, seguiu para
tar em Cartago, na costa africana. Ao conhecer a Atenas, onde concluiu seus estudos, familiarizan-
troiana Dido, apaixona-se por ela, e os dois vivem do-se com os filósofos gregos.
um breve romance até que chega a hora de Eneias
partir. Vendo que este a deixava para trás, movida Alistou-se no exército de Bruto, a favor da causa re-
pelo ódio que sentiu ao ser abandonada , Dido co- publicana, tendo sido comandante de uma legião.
mete suicídio. Para sua decepção, sofreram uma terrível derrota
em Filipos (42 a.C) contra os triunviros, tendo seus
É interessante notar, especialmente, o livro VI que bens confiscados. Posteriormente, com a anistia,
relata a chegada de Eneias a Cuma. Lá, ele vai ao pode regressar, com outros adversários do governo,
encontro da Sibila, sacerdotisa de Apolo, e toma a Roma. Não conseguindo reaver seu patrimônio,
conhecimento dos perigos e acontecimentos futu- Horácio teve que procurar alguma maneira de so-
ros. Após alguns outros incidentes, a ele é permiti- breviver. Hospedado em casa de amigos, conhece
do visitar as regiões inferiores, onde estão as almas Virgílio que o coloca em contato com Mecenas, o
dos Mortos. Ali, encontra as sombras de Dido, que que automaticamente o coloca numa posição favo-
foge ao vê-lo, e as de Diófobo, cruelmente assassi- rável quanto a Otávio.
nado durante a destruição de Troia.
Recebe de Mecenas uma propriedade rural e, en-
Eneias, então, é levado pelo poeta Museu à mora- tão, dedica-se a publicar seus trabalhos. Horácio
da de Plutão, encontrando-se com a alma de seu era epicurista e amava o campo devido à sereni-
falecido pai. Em seguida, contempla as almas dos dade que este lhe
Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Statua_di_Ora-

grandes heróis romanos que ainda irão nascer, p ro p o rc i o n av a .


passando desde Númitor a Rômulo e, inclusive, Seu lema era: Car-
o próprio Augusto. Virgílio faz, também, alusão à pe Diem (Aprovei-
ascendência divina dos imperadores. te o dia). Segundo
o escritor Suetô-
Como ilustração clara da ideologia romana conti- nio, “Horácio era
da no épico, vejamos um fragmento do poema: brevis et obesus,
de temperamento
“Quanto a ti, ó romano, lembra-te de governar os outros jovial, zangadiço,
povos com teu poder. Esta será a tua arte: impor as condi- egoísta e sensual”
ções de paz, poupar os vencidos e destruir os soberbos.” (Pedroza, 1947,
(Virgílio Eneida VI, 847-853 grifo acrescentado). p.114).
zio.jpg

estátua de Horácio
28 Capítulo 2

A obra de Horácio, grandiosa por sua qualidade e 2.3 Tito Lívio


não, por sua quantidade, divide-se em:
Tito Lívio nasceu em Pádua (Patavium), no ano
a) Épodos e sátiras: suas primeiras obras. Nesses 59 a.C e morreu na mesma cidade no ano 17 d.C.
poemas satíricos, escritos em hexâmetros, Ho- Viveu parte de sua vida entre Roma e Nápoles, da
rácio “prefere a ironia à paixão violenta.” (Jean qual pouco sabemos. Porém, aparentemente, deve
roy/Puech - s.d. p. 148), em que critica os cos- ter tido uma vida bastante calma e sem muitos
tumes e valores de sua época. acontecimentos extraordinários.

b) Odes: consta de 4 livros que o transformam no A despeito de defensor da República, Lívio obteve
mestre do lirismo. a amizade de Augusto, sem, contudo, aproveitar-se
desta para conseguir favor algum.
c) Epístolas: cartas contendo discussões de
cunho filosófico e moral. Assim como, no Dedicou-se à filosofia e à crítica, porém se desta-
caso de Cícero, as epístolas são a melhor fonte cou mais como historiador, em que tal como Júlio
de conhecimento sobre Horácio, pois é nelas César, tornou-se notável neste gênero. Na verdade,
que ele mostra a si mesmo em sua intimidade foi o maior historiador da época de Augusto. Em
e o conhecimento de mundo. seu trabalho História de Roma (Ab Urbe condita
libri), em 142 livros, procurou enaltecer a história
d) Ars poetica, ou A Epístola aos Pisões: obra em de Roma, abrangendo desde sua fundação até os
que se preocupa com a doutrina da estética da dias de Augusto, seguindo o exemplo dos autores
literatura clássica. antigos.

e) Cantos seculares (Carmen Sæculare): obra Sua escrita é impecável, sem bajulações, com uma
realizada a pedido do imperador Augusto em linguagem equilibrada e sóbria. A oratória está pre-
honra a Apolo e Diana. sente em seu estilo. “Tito tem todas as qualidades
morais de um historiador: sinceridade, imparciali-
Horácio, utilizando o latim, língua pouco flexível, dade. Suas opiniões são moderadas, e ele também
e colocando, nas mãos dos romanos, o que havia tem pouca simpatia pelos demagogos violentos
de melhor nas produções literárias gregas, é consi- quanto pelos patrícios intransigentes”. (Jeanroy/
derado o maior poeta lírico da literatura romana Puech - s.d. p. 198 tradução nossa). Ainda sobre
assim como Cícero foi considerado o maior ora- o caráter de sua obra, ao trabalhar as personagens,
dor. Quanto a ser um poeta lírico, ele afirmava: é interessante notar que “A dramaticidade dá vida
aos fatos vividos por figuras históricas, que à fei-
Si me lyricis vatibus inseres ção das personagens ficcionais, são tratadas com
Sublimi feriam sidera vértice. grande cuidado.” (Cardoso, 2003, p.141). É do seu
“Se me confundires com poetas líricos, tocarei as estrelas
modo de escrever, também, que recebemos o ter-
com a cabeça erguida.” (Alencar, Menton de, 1955, pág.
mo patavina. Originalmente a palavra identificava
159).
a fala dos habitantes de Pádua, (Patavium em la-
tim), ou seja, o modo de falar de seus habitantes,
O poeta imita, a princípio, os escritores gregos,
de certo modo, ininteligível para os romanos. Daí
mas não pode ser considerado apenas um imita-
a expressão: “não entender patavina”.
dor. Trouxe, à poesia latina, contribuições helêni-
cas, tais como Alceu, Asclepíades e Safo, a poetisa
Sua obra reflete suas ideias sobre a vida romana:
da ilha de Lesbos. Entretanto, conferiu um toque
conservação dos costumes de seus ancestrais, pa-
de originalidade ao que fazia. Nas palavras de Pi-
triotismo, defesa de seus direitos, parcimônia, ri-
chon: Le talent d’Horace est dans l’union de ces
gidez, piedade e lealdade. Exaltou os que serviram
deux qualités, ou, si l’on veut, de l’esprit romain
à pátria.
et du génie grec. “O Talento de Horácio reside na
união dessas duas qualidades, ou, se quisermos, do
De seus escritos, sobreviveram até nossos dias,
espírito romano e do gênio grego”. (Alencar, Men-
além de fragmentos de uma obra perdida, os se-
ton de, 1955, pág. 160, tradução nossa).
guintes escritos:
Capítulo 2 29

a) História de Roma – obra já citada, escrita em A morte inesperada de seu irmão aos vinte anos foi
142 livros divididos em grupos de dez, dos um golpe muito duro para ele. Por algum tempo,
quais, apenas 35 foram preservados. A obra decide entrar na carreira pública, desempenhando
cobre um longo período histórico desde a nela vários cargos, porém sem abandonar as letras.
fundação de Roma, abrangendo as guerras e Foi amigo de Horácio e Virgílio, inclusive de Au-
conquistas de territórios até o século IX da gusto. Mas a amizade com este último só durou até
era cristã. Enalteceu a pátria, atribuindo aos que o imperador odiasse o poeta por sua licencio-
deuses a vitória dos romanos. Sua linguagem sidade.
é poética e no que escreve “sente-se o eco da
poesia de Virgílio.” Procura ser fiel nos fatos Sua vida pessoal foi um tanto conturbada por fatos
históricos, baseando-se, enquanto possível, em inusitados. Como exemplo, citamos a ocasião em
fontes documentais. Pode, nesse aspecto, ser que assistiu à intimidade sexual entre Júlia, neta
comparado a Fernão Lopes na literatura por- de Augusto, e seu amante Silano. Oito anos atrás,
tuguesa, que, ao relatar a história portuguesa, a mãe da jovem e filha do imperador havia sido ex-
em suas crônicas, rompe com o passado que patriada por causa de seus atos libidinosos devido
mesclava a lenda à realidade. Note-se, todavia, à política de Augusto contra a imoralidade.
que esse tipo de trabalho, mesmo sendo de ca-
ráter científico, o que é de se estranhar no es- Porém, no ano 10 d.C, por razões ainda não total-
tudo literário, sua importância se justifica pelo mente elucidadas, Augusto o condena a se exilar
fato de que a linguagem poética está presente. em Ponto Euxino, enquanto sua esposa permane-
ce na Itália, sem poder se ausentar, temendo que
b) Epístola - carta na qual trata sobre a educação seus bens fossem confiscados. O navio onde se
dos jovens. encontrava naufragou devido a uma tempestade.
Salvo, chegou à cidade de Tomos, no Ponto Euxi-
c) Obras filosóficas - dessas obras, uma parte foi no, onde permaneceu por sete anos até sua morte,
escrita em forma de diálogos, a exemplo do li- em 17 d.C.
vro De Amicitia (Cícero) e outra, escrita de
forma didática. Dotado de um estilo refinado, fluente e erudito,
é também, ao mesmo tempo, sensual e cheio de
2.4 Ovídio erotismo. Isso o fez favorito entre a gente culta, frí-
vola e elegante de seu tempo. Inspirado em outros
De família de cavaleiros nobres, Públio Ovídio poetas, desde cedo apresentou estilo e característi-
Naso nasceu em Sulmo (moderna Sulmona), cas próprias. Desenvolveu uma linguagem rica em
Abruzzos, Itália. Seu nome em latim significa “na- figuras de linguagem, atingindo uma sofisticação
riz”, que, como no caso de Cícero, ele recebe esse que não se encontra em nenhum outro poeta la-
nome por causa de um antepassado seu, que pos- tino. A despeito do caráter libertino apresentado
suía o nariz grande. Seu nascimento foi por volta por Ovídio, sua pureza linguística e “o uso mode-
de 43 a.C, e sua morte ocorreu no ano de 17 d.C. rado das licenças poéticas fizeram dele o imortal
padrão em que toda a posteridade se pauta.” (Oví-
Estudou em Roma, ao lado de seu irmão mais ve- dio, 2003, p.132).
lho, com renomados mestres, entre eles Aurélio
Fusco e Pórcio Latro, recebendo aulas de retórica. A obra de Ovídio é ampla e podemos citar entre
Depois, seguiram para Atenas, onde passaram cer- elas:
ca de um ano. Ovídio e seu irmão tiveram, desde
cedo, educação esmerada. Era desejo de seu pai a) Amores - obra composta em cinco livros, na
que ele se tornasse advogado como Cícero, com qual Ovídio deixa aparecer toda a sua erudi-
uma carreira brilhante no fórum. ção;

Ovídio, porém, não se sentia atraído pelo ambien- b) Ars Amatória (A arte de amar) – obra original,
te forense e, sim, pelas letras, tendo-se dedicado à Ovídio produz aqui um manual de conquista
poesia, chegando a dizer sobre si mesmo: “Et quod das mulheres. Sua obra é considerada “profun-
temptabam dicere veros erat” Tudo o que digo me damente obscena” (Pedroza, 1947, p. 123), de-
sai em verso (Ovídio, 2003, p.124). vido à sua falta de decoro. Tornou-se o único
30 Capítulo 2

poeta romano, considerado imoral; 2.5 Sêneca, o Pai



c) Remedium amoris (Remédios do amor) – nes- Marco Lúcio Aneu Sêneca, natural de Córdoba,
te trabalho, tratando dos meios para acalmar Espanha (60 a.C a 39 d.C). É também conhecido
as paixões, compõe uma palinódia que não como Sêneca, o Velho, para diferenciá-lo de seu
contentou a ninguém. O poeta procura redi- filho, Sêneca, o Filósofo. Foi um nome digno de
mir-se, retratando do que dissera em sua obra alusão, após Cícero, no campo da retórica, que lhe
anterior – ambas são poemas didáticos; rendeu o nome de Sêneca, o Retor.

d) Medicamina faciei – dicas sobre o asseio femi- Sêneca passou boa parte de sua vida na capital do
nino; Império, onde frequentou escolas de renome. Ha-
via, em Roma, inúmeras escolas de retórica, que
e) Heroides: 21 cartas em versos elegíacos, escri- formavam oradores para que melhor exercessem
tas nos apreciados versos alexandrinos, nos suas atividades.
quais suas personagens mitológicas ou não,
escrevem cartas aos objetos de seus respectivos Casou-se com Hélvia e tiveram três filhos. O se-
amores; gundo deles foi Lúcio Aneu Sêneca, que veremos
no próximo assunto.
f) Fasti – obra composta de 6 livros, na qual ele
apresenta a antiga vida romana sob vários as- Sua obra
pectos, como suas festas, vida e usos e costu-
mes; Em uma de suas Consolações, cartas escritas com
a finalidade de consolar, dar alento a alguém, es-
g) Metamorfoses: compondo-se de 15 livros, critas por Lúcio à sua mãe, Sêneca, o Filósofo, des-
cole ção de mitologia na qual acontecem me- creve o pai como “um homem de rigor antigo” (cf.
tamorfoses fantásticas com seus personagens. Vitelli e Mazzoni 1928, p. 436). Esse rigor pode ser
No livro XV, ele conta como César, arrebata- sentido em seus escritos.
do em sua morte por Vênus, se transforma em
um cometa. As suasórias e as controvérsias são temas presentes
em sua obra que consta de exercícios de retórica.
As seguintes obras são da época de seu exílio: O primeiro termo se refere aos discursos fictícios
que o autor atribuía a personagens históricos (cf.
a) Tristia – elegias, gênero no qual se destacou Cícero Sobre a amizade) nos quais, através deles,
como nenhum outro poeta latino; aconselhava sobre diversos temas (exercícios de
oratória). O segundo tratava sobre as causas de
b) Ex ponto – elegias em que protesta sua inocên- direito civil (imaginárias), seu preferido. Escreveu
cia; também um livro sobre a história romana, mas
este, infelizmente, perdeu-se com o tempo.
c) Helieutica – a arte da pesca, poema didático;
Já bastante idoso, preparou uma compilação de
d) Medea – tragédia que chegou até nós, incom- memória, uma coletânea de diferentes temas de
pleta; exercício de retórica, a pedido de seus filhos. Com-
posta de dez livros, apenas a metade foi preservada,
e) Íbis – panfleto contra um romano de origem juntamente com alguns outros fragmentos. Chega-
africana que o ofendera. ram até nós, porém, resumos dos últimos cinco, re-
digidos cerca de três ou quatro séculos mais tarde.
Um fato que não se deve deixar de mencionar é
SAIBA MAIS que, após Cícero, a tendência a surgirem discursos
/wiki/Ovídio vazios fez com que originasse uma retórica extrava-
http://pt.wikipedia.org
gante para suprir a superficialidade do conteúdo.
es. São Paulo:
OVÍDIO. Metamorfos Os livros possuíam um prefácio introdutório, no
Martin Claret, 2003 qual, entusiasticamente, se discutiam as caracte-
rísticas dos retóricos. “Interessam-nos, sobretudo,
Capítulo 2 31

nos livros de Sêneca, o Pai, os prefácios. Neles, o Mário - Caio Mário, antecessor do ditador Sila. Foi político
escritor faz considerações sobre a retórica, revelan- e general da República Romana.
do-nos, muitas vezes, sua posição crítica em relação
Mólon - Apolônio Mólon, professor de retórica, da cida-
ao assunto” (Cardoso, 2003, p.165). de de Rhodes, na Grécia. Foi mestre de Cícero e de Júlio
César.

SAIBA MAIS Catilinárias - grupo de quatro discursos célebres, pronun-


ciados quando era cônsul romano, no ano 63 a.C., no
a
/wiki/Marco_Aneu_Sênec
http://pt.wikipedia.org qual Cícero repreende Catilina, seu rival, por ter sido acu-
sado de tramar seu assassinato e tencionar por fogo em
Roma.

Por volta de 35 d.C, surge Marco Fábio Quintilia- Epicurismo – sistema filosófico, defendido pelo filósofo gre-
no, também nativo da Espanha. Graças a esse es- go Epicuro (séc. VI a.C) no qual o prazer deveria substituir
critor, que morreu com cerca de 60 anos, a retórica a dor.
retoma sua função primária em Roma.
Epigrama – composição poética satírica e breve, de origem
O próximo período que consideraremos é chama- grega.
do de Pós-Clássico ou a Idade de Prata, no qual
Mecenas - Caio Cilnio Mecenas, que, ao lado de Augusto,
veremos autores, como Fedro, Petrônio, entre ou- é um dos grandes protetores das letras. Era amigo íntimo
tros, de igual importância. de Horácio e de Virgílio.

Hexâmetro - verso métrico de origem greco-latina, formado


por seis dáctilos (pés de verso, composto por uma breve e
GLOSSÁRIO duas sílabas longas) por verso.

Helenismo - divulgação da cultura grega levada a cabo por


Alexandre Magno.
REFERÊNCIAS
Epistolografia - gênero literário que diz respeito à escrita
de cartas. ALENCAR, Menton de. O latim clássico e do gi-
násio. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo
Questor - cargo na Roma antiga, cujo encarregado toma- LTDA, 1955.
va conta das finanças.

Escauro - Marco Emílio Escauro, político romano (163 a.


CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura lati-
C. - 89 a. C.) na. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Quinto Múcio Cévola - mestre que ensinou a Cícero sobre CRETELLA, Júnior José. Latim para o ginásio.
as leis. São Paulo Companhia Editora Nacional, 1961.

Plutarco - filósofo e prosador grego do período greco- HASKELL, H.J. This was Cicero. New York: Fa-
romano (45 – 120 d.C). wcet World Library, 1964
Filípicas - orações ou discursos nos quais Cícero ataca fe-
JEANROY Alfred & PUECH Aimé - Histoire de la
rozmente Marco Antônio, denunciando problemas tanto de
sua vida privada quanto da pública.
Littérature Latine. Paris, Mellottée, s/d.

Árquias - poeta de origem grega, defendido por Cícero, ao LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo:
ser acusado de usurpação do direito à cidadania romana. Livraria Nobel, 1967.

Ático - Tito Pompônio Ático (109 a.C-32 a.C), intelectual, OVIDIO. Metamorfoses. São Paulo: Editora
negociante e amigo de Cícero. Cidadão romano, recebeu Martin Claret, 2003.
o apelido de Ático (de Ática, região grega onde está situa-
da Atenas) por ter vivido 20 anos na Grécia. PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de histó-
32 Capítulo 2

ria da literatura latina. Recife: Imprensa Oficial,


1947.

VITELLI, Girolamo & MAZZONI, Guido Manu-


ale della letteratura latina. Firenze: G. Barbèra
Editore, 1915.
3
Capítulo 3 33

Período
Pós-Clássico da
Literatura Latina
Prof. Ívison dos Passos Martins
Carga Horária | 15 horas

Objetivos Específicos
• Obter uma compreensão geral do Pós-clássico bem como distinguir alguns de seus
principais autores;

• Conhecer as principais obras deste período e suas características fundamentais.

Este capítulo apresenta a fase que compreende desde a morte de Augusto à de Adria-
no, na qual apesar de ainda manter seu viço, a literatura latina começa a dar sinais de
declínio.

1. Período pós-clássico

Ainda se produzem grandes


obras, embora a literatura se

Fonte: http://www.laeditorialvirtual.com.ar/Pages/Mar-
afaste cada vez mais do mode-
lo clássico, perdendo-se nos

tosDenes/LosDeicidas/Images/Roma001.jpg
detalhes e no pedantismo.
Somente no final do século
II d.C., a literatura pagã co-
meça a entrar em declínio.

Da metade do II século d.C.,


pode-se verdadeiramente fa-
lar de decadência: a poesia
perde-se em complicações Roma no período Imperial
técnicas; a eloquência esteri-
liza-se; em lugar da história e
da filosofia, fica apenas a erudição, sobretudo em forma de compilação e extratos de
antigos escritores (LEONI, 1967, p.96).

Seguindo a divisão didática de Leoni, podemos subdividir essa época em:

a) Idade de prata, que inclui escritores, como: Fedro; Sêneca; Lucano; Petrônio; Plí-
nio, o velho; Juvenal e Suetônio.

b) Idade de decadência: Apuleio (Leoni 118).

c) literatura romano-cristã.
34 Capítulo 3

Veremos, aqui, apenas a Idade de Prata, também Vulpes ad personam tragicam


chamada de Período de Transição. A Idade de Pra-
ta vai da morte de Augusto até a de Adriano (14- Personam tragicam forte vulpes viderat:
138 d.C). Embora cada vez mais se distancie da “O quanta spécies”, inquit, “cerebrum non habet!” Hoc
illis dictum est quibus honrem et gloriam fortuna tribuit,
qualidade dos escritores do período anterior, a lite-
sensum communem abstulit. (VALENTE, 1952, p.113).
ratura latina produz ainda grandes obras. Surgem
as fábulas com Fedro, a poesia épica de Lucano, Pe- A raposa e a máscara
trônio com Satiricon, ousado não só por sua temá-
tica mas também por ser o embrião do romance de A raposa viu, por acaso, a máscara:
costumes e Sêneca, destacando-se, principalmente, – Oh, quanta formosura! Exclamou. Mas não tem cérebro!
na filosofia. Apesar de destacarmos apenas alguns Isso foi dito a quem a Fortuna concedeu honra e glória,
dos principais autores, citaremos outros nomes, mas tirou o bom senso. (Tradução nossa)
ainda que só de passagem.
A máscara, persona em latim, era a representação
1.2 Fedro - Fábulas da fisionomia nobre abatida pela dor, no caso das
representações das tragédias. Note que, com o
Sabe-se muito pouco sobre a vida particular de passar do tempo, a palavra em questão veio a de-
Caius Iulius Phaedrus ou Caio Júlio Fedro. Natu- signar também o personagem e, depois, passou a
ral da Trácia, era filho de escravos. Ainda jovem, significar um indivíduo qualquer, uma pessoa. Fe-
foi levado a Roma, onde foi alforriado por seu se- dro satiriza Sejano, ao descrevê-lo como belo, mas
nhor Augusto. desprovido de bom senso, afirmando que, como a
máscara usada nos teatros, ele também era vazio
Seguiu de perto o modelo de Esopo, entretanto por dentro.
manteve sua originalidade, escrevendo em versos
jâmbicos, quando Esopo o fazia em forma de pro- O estilo de Fedro, além de seu tom de moralidade,
sa. Sendo o primeiro a escrever fábulas em latim, é satírico. Através das fábulas, podia escarnecer do
embora estrangeiro, tornou-se então o introdutor modo de vida excêntrico e da depravação moral
desse gênero literário na literatura latina. Nelas, da sociedade de seu tempo. Transcrevemos, aqui,
procura ensinar preceitos morais, através de alego- outra fábula que critica os desdenhosos, ou seja,
rias, como no caso das fábulas gregas. Com elas, ele aqueles que desprezam, com palavras, aquilo que
procurava “narrar uma pequena história alegórica, não podem obter:
cujas personagens são animais simbólicos, e com
com/2009/03/raposa_uvas1.jpg?w=460&h=575

ela ilustrar um pensamento ou máxima moral”


(Cardoso, 2003, p. 119). Seus escritos compõem
cinco livros, num total de 123 fábulas. Fedro só al-
Fonte: http://ziario.files.wordpress.

cançou o devido reconhecimento a partir da Idade


Média. Escritores como La Fontaine, inspiraram-se
nas fábulas de Esopo e de Fedro.

Sejano, seu contemporâneo, ocupando o cargo de


Prefeito do pretório, foi alvo de Fedro em alguns
de seus trabalhos, por causa de seus atos de cruel-
dade. Suas alusões a esse homem, renderam-lhe o
exílio. Apenas pôde regressar a Roma, após a mor-
te de Sejano. De Vulpe et uva

As fábulas O lobo e o cordeiro e A raposa e a más- Fame coacta vulpes alta in vinea
cara ilustram essas referências a Sejano. Transcre- Uvam appetebat summis saliens viribus;
Quam tangere ut non potuit, discendens ait: “Nondum
vemos aqui, esta última, por sua brevidade, a título
matura est; nolo acerbam sumere”.
de exemplo: Qui facere quae non possunt verbis elevant,
Adscribere hoc debebunt exemplum sibi.
Capítulo 3 35

Sobre a raposa e a uva Quintilano disse que Lucano possuía mais de orador do
que de poeta. Este é um julgamento muito estreito; mas
Coagida pela fome, uma raposa, não é menos verdadeiro do que os discursos dos quais ele
saltando com todas as forças, cobiçava um cacho de uvas encheu sua obra, a exemplo dos historiadores, que são tal-
numa vinha alta, a qual não pode atingir, disse ao retirar- vez as porções em que seu gênio se revela o melhor (Jean-
se: Ainda não está madura. Não quero colher a amarga. roy/Puech - s.d. p. 242 tradução nossa).
Deverão aplicar a si este exemplo (esta fábula) os que rebai-
xam com as palavras o que não podem fazer (VALENTE, Para melhor exemplificar o que temos dito, cita-
1952, p.137). mos um pequeno trecho de sua principal obra:

Observe o tom moralista no final do texto: Qui fa- No tempo do estio, o Rubicão, de águas averme-
cere quae non possunt verbis elevant, Adscribere lhadas, é um simples regato: serpeia no fundo
hoc debebunt exemplum sibi: Deverão aplicar a si dos vales, servindo de limite entre os campos da
este exemplo (esta fábula) os que rebaixam com as Gália e da Itália. Agora o inverno lhe dava forças,
palavras o que não podem fazer. e lhe avolumavam as águas três meses de chuvas
e as neves alpinas desfeitas pelo tépido sopro do
Entre as muitas fábulas de Fedro, mundialmente Euro. A cavalaria avançava obliquamente ao curso
conhecidas, traduzidas e por vezes adaptadas nas do rio, como para quebrar o ímpeto da corrente;
mais variadas culturas, figuram as seguintes: segue-se a infantaria, que desta maneira acha mais
praticável o vau. Vencida a passagem, César chega
O lobo e o cordeiro (Lupus et Agnus); A rã que à margem oposta do rio, para nessa vedada terra
explodiu e o boi (Rana rupta et bos); A raposa e o itálica; e brada: “Deixo aqui a paz: Não quero mais
corvo (Vulpes et corvus); A vaca, a cabra, a ovelha as leis e os tratados. Ó Fortuna, somente a ti acom-
e o leão (Vacca, capella, ovis et leo); Um gralho panho: entrego-me aos fados e à sorte das armas”.
inchado de vã soberba (Graculus tumens inani su- (“Bellum civile”, I. 183, Apud Leoni 1967, p. 254).
perbia); e O lobo e o grou (Lupus et gruis).
Infelizmente, Lucano não pôde contribuir mais
1.3 Lucano com seu estilo inovador, pois foi forçado a cometer
suicídio aos 26 anos, como pena por ter se posicio-
A poesia épica conta com um grande nome: M. nado contra o imperador. Além de Bellum civile
Aneu Lucano. Nascido em 39 d.C., na cidade de (A Guerra Civil), Lucano escreveu cartas, discursos
Córdoba, era sobrinho de Sêneca, o filósofo. Sua e outros escritos de menor importância.
principal obra, Pharsalia, é um poema épico em 10
livros, dos quais, apenas os três primeiros foram
publicados em vida. SAIBA MAIS
s.pt/lucano.htm
http://www.vidaslusofona
Trata-se de uma obra original, sendo Lucano um
poeta e declamador genial, a ponto, de, por inveja,
Nero chegar a proibi-lo de se apresentar em públi-
co. A Pharsalia ficou conhecida a Bellum civile 1.4 Petrônio
(A guerra civil), por causa do episódio culminan-
te que leva esse nome. É uma obra inovadora, na Gaio ou Tito Petrônio, chamado de “arbiter ele-
qual Lucano, mesmo escrevendo um poema épico, gantiarum” (arbitro da elegância), por sua fineza e
tenha-se em mente a Eneida, difere deste, deixan- genialidade, é natural de Marselha. Era o preferido
do de lado a intervenção das divindades e dos seres de Nero, frequentador de sua corte. Tal como Lu-
fantásticos, mencionando-os, apenas, em algumas cano, Petrônio, também, foi sentenciado a suici-
lendas geográficas ou mitológicas. Trata de ser o dar-se por ordem do imperador.
mais fiel possível à historicidade dos fatos. O livre
arbítrio do ser humano é quem age na tomada de Sua obra principal e única a chegar até nossos dias
suas decisões. Trata sobre a guerra entre César e é “Satiricon”, apesar de o título latino oferecer dú-
Pompeu, numa linguagem poética e com patrio- vidas, pois há quem sugira outros, como: Satyricon
tismo e amor à liberdade, além de deixar clara a libri ou Saturae. Quanto a sua autoria, embora
filosofia estoica. não haja plena certeza de ser este Petrônio o autor,
36 Capítulo 3

(houve vários outros escritores romanos chamados gue, perguntando a uma velhinha vendedora de
Petrônio), seguiremos a tradição, considerando legumes, serve para ilustrar um pouco da lascívia e
esse como seu autor. comicidade da obra, que não deixa de ter seu valor
histórico:
Satiricon retrata a sensualidade e licenciosidade
da sociedade romana de seu tempo. Entre outros – Por favor, disse-lhe, minha velhinha, não saberíeis dizer
aspectos, é de grande importância, por ser consi- onde fica o meu albergue?
derada o primeiro romance da literatura latina. A minha tola pergunta a pôs de bom humor:
– Pois não haveria de saber? Respondeu.
Temas delicados, como o homossexualismo e o
E, levantando-se, tomou o caminho, indo à minha frente.
amor livre, podem ser vistos na obra, como, por
Já a julgava uma adivinha; mas, pouco depois, chegados a
exemplo, na história de três rapazes pervertidos: uma pequena estrada erma, a gentil velhinha levantou a
Enclópio, Ascilto e Gitão. Os jovens vivem situa- cortina de uma porta e disse-me:
ções inusitadas, como o episódio em que são ata- – É aqui que deves morar.
cados num bordel, ou quando Gitão, choroso, diz Admirado, dizia que não conhecia aquela casa quando,
a seu amante, Enclópio, que fora assediado por entre dois letreiros, vi, na semiobscuridade, homens que,
Ascilto. Em outro episódio, intitulado O Menino no interior da casa, davam voltas em companhia de pros-
de Pérgamo, de conteúdo bastante forte, em que o titutas nuas. Percebi, então, mas muito tarde, que havia
garoto, assediado por vários dias, cede aos desejos sido conduzido a um prostíbulo. (SATIRICON, I, p.21-22)
de seu sedutor após receber vários presentes.

Satiricon (livro de assuntos satíricos) recebe a alcu-


SAIBA MAIS
nha de O Banquete de Petrônio, por causa da ceia
a.org/wiki/Petrônio
retratada no livro, oferecida por Trimalquião, ho- http://www. pt.wikipedi
mem que enriquecera há pouco tempo. Citamos,
aqui, uma apreciação da obra feita pelo professor
Giulio Davide Leoni, em sua introdução à obra, Outra obra que segue o mesmo gênero literário de
que muito nos esclarece sobre o assunto: Satiricon é O Asno de Ouro ou Metamorfoses.
Embora, por questão de espaço, vejamos, apenas,
Como um verdadeiro romance de aventuras, não pode ser alguns dos principais autores da Literatura Latina,
resumido: é uma série de aventuras vividas por Enclópio, julgando oportuna a sua menção a título de com-
moço irrequieto em busca de distrações e sensações extraor- paração.
dinárias. Este aventureiro, rico de experiência mas também
de uma certa cultura, é perseguido pelo deus Príapo assim Escrito por Apuleio, pertencente ao Período da De-
como Ulisses o foi pelo deus Posídon; mas as aventuras cadência e nascido na cidade de Madaura, África
de Enclópio e de seus companheiros (moços pervertidos,
em 125 d.C. Conta a história de Lúcio, um rapaz
mulheres corruptas, ricas damas e criadas astuciosas, um
que é transformado em burro, por erro. Vive, en-
bizarro velho que gosta de poesia) são muito mais variados
do que os “errores” do herói homérico. O episódio central
tão, aventuras inusitadas, até que com a ajuda da
é a famosa ceia do riquíssimo Trimalquião: “novo rico”, deusa Ísis, consegue recobrar sua forma humana:
ele quer deslumbrar os seus hóspedes com a ostentação
de suas riquezas e de seus costumes esquisitos, mas acaba Fótis entra no quarto com grande afobação e pega um fras-
provocando simplesmente uma hilaridade. (PETRÔNIO, co que estava colocado no armário. Eu, depois de ter beija-
- s.d. p. 13). do o frasco e tê-lo apertado sobre o meu coração, pedindo-
lhe que me concedesse um feliz voo, tiro depressa todas as
roupas, pego uma boa quantidade de unguento e untando
A obra chegou fragmentada até nós, tendo alguns
o corpo todo, começo a friccionar. E já levantava os braços
de seus livros se perdido, com o tempo. Seu valor
com repetidos esforços, desejando transformar-me em pás-
é atribuído a vários fatores, entre eles, o histórico, saro, quando não vejo aparecer nem plumas nem penas,
o estudo do latim, e, principalmente, em ser inova- mas os pelos aumentam como crinas, a pele delicada se
dora, quanto ao gênero novelesco. endurece como couro; na extremidade das mãos, os dedos
perdem o seu número e se reúnem numa unha só; e, na
Segundo o professor Leoni, Satiricon “atesta a parte extrema do espinhaço, cresce uma enorme cauda. Eis
origem itálica, e assim antiga, do romance de cos- um enorme focinho, a boca comprida, as narinas fendidas,
tumes.” (Leoni, 1967, p.106). O episódio em que os lábios pendentes; e as orelhas que crescem enormemen-
Enclópio, perdido, procura encontrar seu alber- te, cheias de pelos (...) (Metamorfoseon III, 24-25, Apud
Leoni, 1967, p. 281).
Capítulo 3 37

É um romance cômico. O comentário a seguir duas “estão concentradas as ideias de Sêneca, que
mostra um importante ponto a ser destacado: sempre se esforçou em mostrar o aperfeiçoamento
moral, baseando-se não em teorias áridas, mas nos
(...) “a obra de Apuleio foi considerada por alguns como fatos cotidianos da vida”. (LEONI, 1967, p. 102).
uma representação alegórica do mito platônico de Fedro:
a alma deve morrer para chegar à concepção do divino e Vimos o Mimo no primeiro capítulo. Esse gêne-
sofrer duras provas para elevar-se até deus.” (CARDOSO,
ro acabou por suplantar as tragédias, uma vez que
2003, p.130).
possuía um caráter sensual e agradava às massas
com seus espetáculos de nudez. O drama começa a
1.5 Sêneca, o Filósofo entrar em decadência. Depois de Sêneca, não sur-
giram mais autores dramáticos que fizessem nome
com esse gênero.
Fonte: http://ferreira.leticia.blog.uol.
com.br/images/Seneca.JPG

SAIBA MAIS
/wiki/Séneca
http://pt.wikipedia.org

Sêneca
Suas Obras

A Espanha produziu grandes expoentes para a Obras filosóficas


Literatura Latina, entre eles, Sêneca. Lúcio Aneu
Sêneca nasceu na cidade de Córdoba. Era filho do Sêneca foi verdadeiramente o único filósofo auten-
reitor Sêneca, também o pai, e de Hélvia. Levado ticamente latino. Lembre-se de que Cícero foi mais
a Roma, recebeu educação esmerada em oratória e um transmissor da filosofia grega em Roma do que
estudou filosofia com mestres estóicos, sendo esta propriamente um filósofo. Seus escritos filosóficos
última, sua predileta. Foi advogado e, posterior- foram prolíficos, especialmente quando estava pró-
mente, membro do senado, chegando a ser ques- ximo de sua morte, mas não há uma datação preci-
tor. sa para o surgimento de seus trabalhos filosóficos.

Sêneca, que havia sido exilado pelo imperador Podemos assinalar alguns de seus tratados filosó-
Cláudio, tendo sido falsamente acusado por este, ficos: Sobre a ira (De ira); Sobre a brevidade da
foi chamado por Agripina, para assumir a educa- vida (De brevitate vitae); Sobre a clemência (De
ção de Nero, tornando-se seu principal conselhei- Clementia); Sobre a providência (De providentia);
ro, quando Nero se tornou imperador. Sêneca Sobre o ócio (De otio); Sobre a vida feliz (De vita
posicionou-se do lado do imperador monstro, ao beata); Da constância do sábio (De constantia sa-
defender, no Senado, o assassinato de Agripina. pientis) e as Consolações. Seus tratados sobre a ira,
Anos mais tarde, tomando partido contra Nero, a brevidade e a felicidade da vida e a consolação
Sêneca acaba por ser condenado ao suicídio. fizeram-no, além de um pensador profundo, um
grande moralista (...). (PEDROSA, 1947, p. 149).
Suas contribuições literárias vão desde obras filo-
sóficas à sátira e à tragédia. Nos tratados destacados, vemos os mais diversos
temas filosóficos abordados por Sêneca:
Conhecido como o filósofo, Sêneca foi quem fez
ressurgir, em Roma, a filosofia após Cícero, um de
Sobre a ira Dirigido a seu irmão, Novato, este
seus principais introdutores. Dedicou-se, também, tratado discorre sobre a ira e as
à oratória, à poesia, produzindo belas tragédias e formas em que esta se apresenta.
estudos filosóficos. Sentimento desnecessário para o
homem, Sêneca propõe a autodis-
ciplina para combatê-lo. Há quem
Roma, a despeito de a Grécia ser a pátria dos fi- diga que, por causa da incipiência
lósofos, produziu grandes nomes, entre eles o de da obra, tenha sido esta uma de
Sêneca. Quanto à filosofia e à experiência, nas suas primeiras produções.
38 Capítulo 3

Fonte: http://www.homolaicus.com/arte/cese-
Sobre a O assunto aqui abordado é a falta

na/storia/Musei/Morte_Seneca_small.jpg
brevidade de tempo, devido aos cuidados e
da vida obrigações da vida, para que se
volte para a introspecção. Conde-
na os cuidados excessivos, o des-
perdício do tempo que nos é dado
em ocupações inúteis, em detri-
mento das coisas da alma.

Sobre a Este tratado é dirigido a Nero an-


clemência tes de sua ascensão ao poder. Sua suicídio de Sêneca
finalidade é a de propor uma po-
lítica de regime absoluto, em que
o governante se pautaria em uma
À parte de suas convicções religiosas, nota-se que
das virtudes: a clemência. Sêneca o prazer e a felicidade, segundo o escritor latino,
deixa clara a intenção didática da estavam estreitamente ligados à virtude.
obra. Excerto de De Brevitate Vitae:

Sobre a A providência divina, que trata A maior parte dos homens, ó Paulino, queixa-se da parci-
providência sobre o relacionamento entre os
mônia da natureza, porque somos criados para uma vida
seres humanos e a divindade.
tão curta; estes espaços de tempo que nos são dados pas-
sam tão rápidos, que, excetuados uns poucos, a vida aban-
Sobre O ócio, para Sêneca é o ato da
contemplação, atividade concer- dona os demais no meio dos pápidos, que, excetuados uns
o ócio
nente aos estudos da Filosofia. poucos, a vida abandona os demais no meio dos preparati-
Nesta obra, ele aponta o ócio vos mesmos da vida. E, como dizem, não é apenas a turba
como o meio necessário para se e o imprudente vulgo que deplora este flagelo público: este
contemplar a verdade. sentimento provocou queixas até de homens ilustres(...)
(De brevitate vitae, 1 Apud Leoni, 1967, p.252).
Sobre a Sêneca, defensor do estoicismo,
vida feliz neste tratado polêmico, sugere
que uma vida feliz e aprazível é
Quanto às consolações, Sêneca deixou-nos Conso-
alcançada através da virtude*. lação a Hélvia (Ad Helviam matrem), Consolação
a Márcia (Ad Martiam consolatio) e Consolação a
Da Trata sobre a constância do espí- Políbio (Ad Polybium).
constância rito do sábio, com seu espírito im-
do sábio perturbável, livre do domínio da
Fortuna.
Em Consolação a Hélvia, escrita para sua própria
mãe, Sêneca, durante o desterro, além de descrever
o lugar onde se encontrava, procura dar consolo a
esta. Referindo-se à dor do exílio, escreve:

Sem dar importância, portanto, ao critério da maioria, que


SAIBA MAIS se deixa transportar pela superficialidade e pela opinião
corrente, vamos ver o que é o exílio. É, na substância, uma
humanities/h_
http://pt.shvoong.com/ mudança de lugar. Para que não pareça que eu esteja ate-
7 vita-beata-
-
philosophy/18996 nuando sua aridez e tirando o que tem de pior, direi ainda
s%C3%AAneca/
os aborrecimentos que derivam dessa mudança: pobreza,
desonra, desprezo. Com esses combaterei mais tarde: por
enquanto quero limitar-me a examinar qual é a dor prove-
niente da pura e simples mudança de lugar. (“Ad Helviam
Matrem de Consolatione, Apud Leoni, 1967, p.245).
* Segundo Pedrosa, a filosofia epicurista era um
grande entrave para a divulgação do cristianismo: Já em Consolação a Márcia, escreve a uma senho-
ra romana (Márcia) que havia perdido um filho,
E assim com um suicídio triste, praticado a cálculo frio, ter-
oferecendo-lhe palavras de consolo. Esta foi sua
minou a sua carreira o único filósofo que possuiu Roma,
pagando justo tributo a sua perigosa doutrina, segundo a
primeira consolação. Em Consolação a Políbio,
qual a esperança cristã é um Mal, e o prazer, um comple- dirige-se a Políbio, ex-escravo de Cláudio que havia
mento da virtude (PEDROSA, 1947, p. 149). perdido um irmão. Sobre o conteúdo dessa obra,
é interessante notar: “Tem-se nítida impressão de
Capítulo 3 39

que Sêneca, no desespero do exílio, tentou chegar gédias próprias para a representação teatral, mas,
até Cláudio através de Políbio, que desfrutava de sim, para serem lidas. Legou-nos nove tragédias,
grande prestígio no palácio imperial” (CARDO- nas quais trabalha a análise psicológica.
SO, 2003, p. 176).
São elas: A loucura de Hércules, Hércules no
A sátira: Eta, Édipo, Fedra, Medeia, Tiestes, As troianas,
Agamenon e As fenícias. Esta última chegou in-
Sêneca deixou-nos uma única sátira, intitulada completa até nós. Ainda não se sabe se por ter se
Apocolocintose (Apocolocynthosis). Sátira meni- perdido no tempo ou se o próprio escritor não a
peia, neste trabalho Sêneca ataca com força a me- terminara por alguma razão ignorada.
mória do falecido imperador Cláudio por causas
pessoais. Exilado pelo imperador, pai adotivo de Hércules é o personagem central
A loucura
Nero, o escritor vai para Córsega, onde permane- das duas obras. Na primeira, ao
de Hércules
ce até que Agripina pede que ele regresse a Roma ser enlouquecido por Juno, mata
e Hércules
seus filhos e sua esposa. A segun-
e seja encarregado da educação de Nero, como no Eta
da traz o episódio de sua morte
já vimos anteriormente. Com o falecimento de no monte Eta.
Cláudio, em 54 d.C., Sêneca escreve um elogio ao
Sêneca baseia-se na obra de Só-
morto. Como de costume, os imperadores após a Édipo
focles Édipo-Rei, mantendo as
morte, desde César, eram deificados. Em suas Me- características básicas dos perso-
tamorfoses, Ovídio cita o momento em que Júlio nagens. A tragédia traz a agonia
César é transformado em um cometa. É interes- que se abate sobre o rei de Tebas,
sante notar, que mesmo passados alguns anos, Sê- ao descobrir os males que prati-
cou em sua inocência.
neca ainda se ressentia por haver sido desterrado e
escreve, em tom de zombaria e insolência, sobre os Em Fedra, a rainha de Creta, que
Fedra dá nome ao livro, é acometida de
funerais de Cláudio que, após a morte, ao invés de violenta paixão por seu enteado,
se tornar um deus, vai para as profundezas. Hipólito, acarretando a morte
dele.
Num tom mordaz, de galhofa e grotesco, Sêneca Conta a trágica história da feiti-
recria o momento da morte e dos funerais do im- Medeia
ceira Medeia que, ao ser abando-
perador, retratando-o de uma forma desrespeitosa nada por seu amante, que se casa
e, com certeza, vingativa. O imperador é retratado com Creusa, filha de Créon, rei de
Corinto, procurando uma manei-
como um palerma que só depois de algum tempo, ra de se vingar, mata os próprios
cai na real e se dá conta de que havia morrido. filhos.
O mundo romano, afinal, estava liberto do mau
Possui um desfecho similar ao da
governo de Cláudio: Tiestes
história de Progne, Tereu e Filo-
mela, (cf. Metamorfoses, Ovídio,
Enquanto desciam pela via sacra, Mercúrio pergunta o X). Atreu é traído por sua esposa e
porquê da aglomeração de gente: seria o enterro de Cláu- seu irmão Tiestes. Como vingan-
dio? Era o mais esplêndido enterro de todos os séculos ça, Atreu, simulando uma recon-
(...) Todo o mundo estava alegre, em festa: o povo romano ciliação, dá um banquete horren-
passeava, sentindo-se livre. Agatão e alguns rábulas se quei- do a Tiestes, no qual lhe oferece
xavam de todo coração! E os juízes, pelo contrário, deixa- as carnes dos filhos deste, como
iguaria.
vam os seus abrigos, pálidos, quase que no momento de
entregar os pontos: gente que recomeçava naquele instante “Em As troianas, acompanhamos
As troianas
a viver! Um destes juízes, vendo os rábulas chorarem a pró- a série de infortúnios enfrentados
e Agamenon
pria sorte, aproximou-se e disse: “Quantas vezes eu falei: pelas sobreviventes de Troia, ao
não é sempre carnaval!” Como viu o seu enterro, Cláudio terminar a guerra; em Agame-
compreendeu que estava morto... (Apocolocynthosis, XII, non, defrontamo-nos com a his-
tória do rei de Micenas, que, ao
1-2 Apud Leoni, 1967, p. 253).
retornar ao lar, encontra a morte,
planejada pela própria esposa”.
As tragédias: (CARDOSO, 2003, p. 42).
Outra vez retoma a lenda de Édi-
Tomando como exemplo as peças de Eurípides, As fenícias
po, com os dramas vividos por ele
Sêneca escreveu elegantes tragédias. Não são tra- e por Jocasta.
40 Capítulo 3

Fragmento de Medéia: Sua principal obra e que chegou até nossos dias,
na íntegra, é a História natural (Historia naturalis)
Medéia enfurecida dedicada a Tito, escrita em 77 d.C. Esse trabalho
rendeu-lhe a alcunha de o Naturalista.
Ó minha louca dor, vê se podes falar com maior juízo! Se
for possível, Jasão deve viver, deve ser meu, como foi até Trata-se de uma espécie de enciclopédia de ciên-
agora; se não for possível, viva igualmente, lembre-se de
cias naturais, abordando temas, como a agricul-
mim e conserve tudo o que os meus benefícios lhe deram.
tura, medicina, zoologia, cosmografia, história,
A culpa inteira é de Créon: servindo-se da autoridade de
seu cetro, ele corta o nosso conúbio, tira dos seus filhos a
artes... Plínio foi um grande pesquisador, tendo-se
mãe, quebra uma fé ligada por estreitos liames. Ele só deve baseado em obras de autores gregos e latinos para
ser punido conforme a justiça! Eu quero transformar a sua escrever seu compêndio.
casa num amontoado de cinzas! O promontório Meléia,
que afasta os navios num mais longo rumo, poderá ver, Apesar de certa imprecisão em seus dados, que, por
embora distante, um negro vórtice de chamas subir ao céu. vezes, provinham das próprias obras em que havia
(Medea, II cena I Apud Leoni, 1967, p.253). pesquisado, trata-se de um dos melhores trabalhos
da antiguidade clássica, com uma enorme rique-
za de detalhes. Sua obra, embora densa, registra a
SAIBA MAIS visão científica de sua época e o deslumbramento
do homem diante do universo. Plínio foi bastante
ras de Sêneca.
SÊNECA. Medeia, ob honesto e ousado em seu empreendimento:
iou ro, s/d.
Rio de Janeiro: Ed
Minucioso e cuidadoso, Plínio desce a pormenores e co-
menta seu próprio trabalho. Na descrição dos astros e dos
fenômenos meteorológicos, não se atém à mera enumera-
1.6 Plínio, o velho ção: refere-se, também, a crenças e crendices, aflorando
no terreno filosófico religioso (...) No estudo do homem,
analisa não só as pessoas “diferentes” das demais por seu
O administrador
comportamento e suas atribuições (feiticeiros, antropó-
e escritor latino fagos, andróginos, magos) como também aqueles que se
Gaius Plinius Se- destacam dos outros por peculiaridades ou deficiências
cundus, ou sim- físicas (gigantes, pigmeus, albinos, aleijados). A análise da
Fonte: http://pt.wikiquote.org/wiki/

plesmente Plínio, gestação humana e a descrição de partos especiais ocupam


o velho, para grande parte do espaço destinado ao homem: Plínio aí se
diferenciar-se de refere às numerosas superstições que se relacionam com
Ficheiro:Plinyelder.jpg

seu sobrinho, Plí- fatos, muitas das quais pertinentes até nossos dias (CAR-
nio, o novo. Nas- DOSO, 2003, p. 194).
ceu ao norte da
Itália, em Como, E assim, prossegue, com o mesmo esmero, nos
Plínio, o velho
no ano de 23 a.C. estudos dos vegetais, dos animais, incluindo, até
Foi educado em mesmo, uma história da arte, na seção de estudo
Roma, com 23 anos, exerceu cargo militar na Ger- dos minerais. Neste trecho a seguir, vemos a curio-
mânia, desempenhou o cargo de governador da sa descrição da mitológica Fênix, que ele havia es-
Espanha, foi amigo de Vespasiano e de Tito, tendo tudado da obra de outros autores, e que ele mesmo
assumido diversos outros cargos públicos, o que, não havia visto a ave:
apesar de uma vida cheia de compromissos, não
Na Etiópia e na Índia, há aves de várias cores e misteriosas;
o impediu de se consagrar aos estudos científicos,
entre as muitas deste tipo, na Arábia, existe a Fênix que –
dedicando-se à ciência antiga.
não sei se é fábula – parece única no mundo e dificilmente
visível. Narra-se que é grande como uma águia: ao redor
De sua vivência na Germânia, pôde escrever sobre do pescoço, é áurea, no resto é purpurina; a cauda, azul
a guerra contra os germanos. Escreveu também claro, tem penas cor de rosa. Na parte superior da cabeça,
uma biografia de Pompônio Segundo e outras há uma crista (Naturalis historia, X, 2 Apud Leoni, 1967,
obras que, igualmente, não chegaram completas p.258).
até nós.
Pesquisador nato, Plínio residia a poucos quilô-
Capítulo 3 41

metros de Pompeia. Morreu em 79 d.C, sufocado via sido escrito no passado e as complicações, que,
pelos gases emitidos pelo Vesúvio, enquanto pes- no próximo período, seriam uma das principais
quisava aquele fenômeno in loco. O que sabemos causas do declínio: “uma tentativa feliz de renovar
sobre o escritor, deve-se muito a seu sobrinho, Plí- as imitações retóricas de que está cheia a literatura
nio o Jovem, que, em uma de suas cartas a Táci- latina do primeiro século e do início do segundo
to, relata que seu tio empenhou-se no resgate de século depois de Cristo”. (LEONI, 1967, 112).
vítimas da erupção do Vesúvio, em Pompeia, onde
pereceu. Juvenal é um rigoroso crítico de sua época e, con-
fessando-se enfadado de ouvir os poetas (os maus
Mencionamos, aqui, trechos da carta de Plínio, o literatos) que afligiam o público com seus épicos,
jovem, a Tácito, quanto à curiosidade do tio refe- comédias, tragédias, elegias..., declara:
rente à manifestação do Vesúvio e sua morte:
Devo eu ser sempre apenas um ouvinte? Tantas vezes im-
“Meu tio ficou atônito e julgou digno de ser observado de portunado pela “Teseida” de um rouco Cordo, não lhe re-
perto. – Depressa uma galera! – exclama ele – e me convida tribuirei? Ter-me-ão, pois, recitado impunemente comédias
a que o siga; eu preferi continuar no meu estudo, e ele saiu e elegias? E impunemente ter-me-á consumido o dia um
só e se embarcou (...)” “Meu tio quis aproximar-se da praia, imenso “Télefo” ou um “Orestes” escrito até nas margens
apesar do mar ainda estar muito agitado. – encaminhou-se e no verso do grande volume e ainda não terminado? (...)
para ela, bebeu água e fez estender um pano sobre o qual se (Satirae I, 1, Apud Leoni 1967, p. 266).
deitou; de repente, vêem-se brilhar umas chamas ardentes,
precedidas dum cheiro a enxofre que obriga todos a fugir. 1.8 Suetônio
Meu tio, sustentado por dois escravos, procura libertar-se,
mas, de repente, cai sufocado pelo vapor: - e Plínio é mor-
O escritor nasceu por volta de 70 d.C, e, até hoje,
to! (Apud Pedrosa, 1947, p.160).
não se sabe ao certo qual o seu lugar de origem.

Tendo sido secretário do imperador, foi também


SAIBA MAIS historiador e, escrevendo De vita caesarum (A vida
/wiki/Naturalis_Historia
dos doze imperadores), da qual não se sabe o títu-
http://pt.wikipedia.org
lo original, destacou-se como biógrafo. “O escritor
mais importante da época de Adriano é Suetônio
(Gaius Suetônius Tranquillus) [...]” (Vitelli e Ma-
1.7 Juvenal zzoni, 1928, p. 600), sua obra nos proporciona um
quadro dos costumes e vícios praticados nas cortes
Décimo Júnio Juvenal nasceu por volta de 55 d.C, dos imperadores. Na Historiografia, Suetônio não
na região do Lácio. Foi reitor, advogado. Artista teve a grandiosidade de Públio Cornélio Tácito.
genial, criticou, sem rival, os costumes, os vícios e a Este analisava o passado a fim de obter o caminho
degradação moral de seu tempo através das sátiras. a ser seguido no futuro, embora sem apresentar
Tomando exemplos do passado, ataca, de forma acontecimentos gloriosos, provia a chave para o
mordaz e, às vezes, até de um jeito pacato, em tom entendimento das causas morais dos fatos. Outra
moralista, a devassidão de sua época. característica de Tácito era a de preocupar-se com
o psicológico dos personagens históricos. Procu-
Realista, os assuntos presentes em seu livro As sá- rou isentar-se de qualquer tipo de bajulação e da
tiras são variados e atemporais, por apresentar as- interferência de seus sentimentos pessoais em sua
suntos bem humanos, tratando da hipocrisia, dos obra. Suetônio, por sua vez, se diferencia de Táci-
maus literatos, do luxo, dos prazeres desregrados, to e do próprio Juvenal, dedicando-se à História
da degeneração do sexo masculino, da devassidão como simples sequência de fatos ocorridos, sem se
do sexo feminino e das vantagens da carreira mi- aprofundar em lições a serem tiradas, ou o estudo
litar. As dezesseis sátiras estão divididas em cinco dos motivos do homem, “já que Suetônio encara
livros. o fato histórico com os olhos indiferentes do cole-
cionador e do arquivista, que não tem preensões
Sua obra, também, possui algo de inovador, já que literárias”. (LEONI, 1967, p. 116).
apresenta uma vontade de entregar à literatura
algo novo, que não a mera reprodução do que ha- A obra de Suetônio tem servido de fonte para pes-
42 Capítulo 3

quisas sobre a História romana. O trecho a seguir, Menipeia – estilo em que se escreve alternando verso e pro-
retirado de De vita caesarum, nos dá um exemplo sa. O nome deriva de Menipo de Gádara, filósofo grego
do IV século a.C., em quem Varrão se inspira para compor
de seu trabalho:
sua obra Sátiras menipeias. Desta obra, restaram apenas
fragmentos.
(...) “Estou me portando de maneira vergonhosa, ignóbil;
isto é indigno de Nero, é indigno; é preciso ter coragem
Rubicão - rio localizado ao norte da Itália.
nessas ocasiões, vamos, levanta-te”. Mas já se aproximavam
os cavaleiros, aos quais fora ordenado que o conduzissem
Agatão – escritor trágico natural de Atenas, Grécia. Segun-
vivo para Roma. Quando o percebeu, disse tremendo um
do Aristóteles, Agatão teria escrito uma tragédia intitulada
verso de Homero: “O galope dos cavalos de pés rápido fere
Aquiles.
os meus ouvidos”. E, ajudado por Epafrodito, o encar-
regado dos requerimentos, enterrou o ferro no pescoço.
Rábula – advogado inexperiente.
Estava ainda agonizante quando um centurião entrou pre-
cipitadamente e fingindo que vinha em seu socorro, com-
Vespasiano – Tito Flávio Sabino Vespasiano. Imperador ro-
primiu a ferida com a mão. Nero apenas respondeu; “É
mano (9-79 d.C) de origem sabina. Era pai do general Tito.
tarde” e “este é fiel”. A essas palavras, expirou. Seus olhos
salientes e fixos incutiam nos presentes espanto e medo.
Tito – general romano que comandou o cerco de Jerusa-
O que primeiro e principalmente pedira aos companhei-
lém em 70 d.C., no qual foi destruído o Templo; sucedeu
ros fora que ninguém se apossasse de sua cabeça, mas, de
seu pai no ano 79 de nossa era.
qualquer maneira, o cadáver fosse inteiramente queimado.
Isto foi permitido por Icelo, liberto de Galba, não muito
Vesúvio – vulcão localizado na baía de Nápoles, Itália, que
antes libertado da prisão em que fora lançado no começo
causou a destruição das cidades de Pompeia e Herculano,
do levante.
no ano de 79 d.C.

Os funerais de Nero custaram duzentos mil sestércios. Foi


In loco – expressão latina que quer dizer: no lugar.
envolvido em lençóis brancos bordados a ouro, dos quais
se utilizavam nas calendas de janeiro. Suas amas Églobe e
Alexandria, ajudadas por Acte, sua concubina, encerraram
seus restos mortais no túmulo da família dos Domícios,
que se avista do campo de Marte sobre a colina dos jardins.
Há nesse monumento um sarcófago de pórfiro encimado REFERÊNCIAS
por um altar em mármore de Luna e cercado por uma ba-
laustrada em pedra de Tassos. (Apud Leoni, 1967, p. 279).
CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura lati-
Estamos nos aproximando da idade da decadência na. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
da literatura latina. O período que se segue conhe-
cerá o fim da literatura pagã e dará lugar à flores- JEANROY Alfred & PUECH Aimé - Histoire de la
cente literatura latino-cristã, que surge a partir da Littérature Latine. Paris, Mellottée, s/d.
ascensão do Cristianismo e sua adoção como reli-
gião oficial do Império. LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo:
Livraria Nobel, 1967.
Os motivos e os temas serão distintos, mas a lite-
ratura em língua latina ainda continuará existindo PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de histó-
por vários séculos. ria da literatura latina. Recife: Imprensa Oficial,
1947.

PETRÔNIO. Satiricon. Rio de Janeiro: Ediouro,


s/d.
GLOSSÁRIO VALENTE, Milton. Ludus Primus. Porto Alegre:
Editora Livraria Selbach, 1952.
Esopo – escritor natural da Grécia cujas fábulas inspiraram
Fedro. VITELLI, Girolamo & MAZZONI, Guido Manu-
ale della letteratura latina. Firenze: G. Barbèra
La Fontaine – escritor francês do século XVII, considerado o
pai da fábula moderna; inspirou-se no modelo de Esopo.
Editore, 1915.
4
Capítulo 4 43

da Período
Decadência e o
Surgimento da
Literatura
Latino-cristã
Prof. Ívison dos Passos Martins
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Objetivos Específicos
• Reconhecer as causas que levaram à Decadência e os fatores fundamentais que con-
duziram ao surgimento de uma literatura cristã no mundo romano;

• Conhecer alguns dos autores expoentes da literatura latino-cristã desde seu floresci-
mento até a Idade Média bem como suas principais obras.

Este capítulo se inicia com a época da Decadência e, em seguida, apresenta o nascimen-


to da Literatura Latino-cristã e alguns de seus principais autores que se destacaram ao
longo dos séculos, uma vez que seria impossível estudarmos todos eles em tão pouco
espaço e tempo.

1. Decadência
Durante o governo dos imperadores antoninos, a literatura latino-pagã começa a decli-
nar, perdendo seu brilho para, finalmente, deixar de ser produzida no século V.

É necessário, portanto, conhecermos alguns dos fatores que provocaram esse declínio
na literatura pagã.

Em linhas gerais, podemos citar, sem nos aprofundarmos em sua complexidade, os se-
guintes fatores:

A decadência surge de problemas políticos internos e externos, pois a literatura que fun-
cionava, de certa forma, como propagadora da ideologia e glória do Império, começava
a perder essa função, paulatinamente, à medida que a importância política de Roma vai,
também, decaindo. Por volta do século III d.C., os bárbaros já eram uma séria ameaça
ao Império, invadido em 406. Roma, por fim, viu-se forçada a abandonar suas antigas
colônias para cuidar de suas próprias fronteiras. Outra causa, e uma das principais, se
dá pela escassez de escritores expressivos.

A imposição da cultura helênica era cada vez mais significativa, a ponto de alguns es-
44 Capítulo 4

critores, nessa época, utilizarem o latim e o grego 2. A Literatura Latino-cristã


indiscriminadamente, o que também contribuiu
para essa decadência. As obras produzidas nessa A literatura cristã, antes de se tornar latina, já vi-
época já não apresentavam nada de novo, apenas nha sendo produzida, desde o século I, como con-
procuravam copiar o que havia sido produzido an- tinuação dos escritos sagrados do judaísmo. Esse
teriormente, numa mesmice que ia conferindo às material inicialmente foi escrito em grego coiné,
obras literárias um caráter afetado e uma demasia- ou seja, a língua franca, utilizada como meio de
da complexidade. comunicação por vários povos de distintas et-
nias de então. Baseado em vários dialetos gregos,
A poesia perde-se em composições técnicas, que nada têm
de vivo: exaurem-se as fontes criadoras, impera a imitação,
como, por exemplo, o ático, e enriquecido de he-
especialmente dos “poetae novi” e consequentemente da braísmos, foi o idioma escolhido pelos escritores
poesia alexandrina. Essa imitação era quase insinuada pelo neotestamentários. Sendo assim, o latim veio a ser,
próprio imperador Adriano, que escreveu muito em verso apenas posteriormente, a língua utilizada na litera-
e em prosa, em latim e grego. (LEONI, 1967, p.118). tura cristã, suplantando o grego, no cristianismo
ocidental.
Entre os autores dessa época, aparecem historiado-
res, gramáticos, mas sem expressão: Leoni (1967) Como surgiu uma literatura cristã
menciona os poetas Ánio Floro, Álfio Avito, Ania- no mundo romano?
no e o próprio imperador Adriano, entre outros,
também sem expressão, cujas obras carecem de A perseguição contra os cristãos na Palestina fez
originalidade, em que sobejam as imitações dos com que eles se espalhassem pelo mundo conheci-
“poetae novi”. do de então e que chegassem à capital do Império,
ainda no século I de nossa era, pregando a adora-
No último capítulo, você tomou conhecimento ção a um único Deus, rejeitando as prerrogativas
de Apuleio, ao compararmos a obra de Petrônio divinas que os imperadores atribuíam a si mesmos,
à sua, no que diz respeito ao formato adotado: o proclamando a igualdade de todos os seres huma-
romance. Apuleio, cuja obra já conhecemos ante- nos perante o Criador; em breve, atraíram a aten-
riormente, pertence à fase da Decadência, sendo, ção dos romanos, conquistando novos adeptos ou
praticamente, o único autor digno de menção du- atraindo o ódio das autoridades e de pessoas que
rante esse período. se sentiam ameaçadas, de alguma forma, pela dou-
trina cristã.
Após Suetônio, não surgem mais historiadores
grandiosos. O único que se sobressai é Amiano Mesmo com os cristãos se escondendo em cata-
Marcelino, oriundo de Antioquia, na Síria. Procu- cumbas para poder cultuar a Deus com certa li-
rou fazer um trabalho com um caráter mais ori- berdade, a nova fé crescia espantosamente cada
ginal. Escreveu uma obra intitulada Rerum gesta- vez mais. Eram perseguidos impiedosamente pelo
rum libri XXXI, um trabalho extraordinário, que governo, sofrendo martírio, acusados, falsamente,
fez dele o último historiador romano expressivo. de praticarem crimes hediondos:
Reproduzimos aqui uma passagem de sua obra:
Fonte: http://www.pime.org.br/imagens/mmabr2005-f27a.

A clandestinidade acabou
Quando Juliano, esperado e invocado, chegou a Viena por gerar lendas e mal-en-
[França meridional], todos, de qualquer idade e condição, tendidos. Por realizarem
correram a acolhê-lo, com grandes honras, à sua entrada; seus ritos em sigilo e em
e, tendo-o visto de longe, toda a plebe daquela cidade e dos lugares estranhos, como
lugares vizinhos o precedia, chamando-o de chefe clemen- as catacumbas, os cristãos
te e ditoso, festejando-o com unânimes aclamações (...) E foram julgados malfeito-
uma velhinha cega que perguntara quem havia entrado, res, capazes dos atos mais
ouvindo dizer que era César Juliano, exclamou: Ele porá abjetos. Por se considera-
de novo em pé os templos dos deuses. (Rerum gestarum rem todos irmãos, foi-lhes
libri XXXI, XV, 8, 21-22. Apud Leoni, 1967, p.286-287). imputado o crime de in-
cesto;(...). (Cardoso 2003,
A literatura pagã vai perdendo seu viço, enquanto p. 179).
surge, no cenário, a literatura cristã. Catacumba de
São Calixto
jpg
Capítulo 4 45

Posteriormente, o cenário começa a se transfor- timável valor literário e histórico, uma vez que
mar. No IV século, o cristianismo, até então vio- nos dão uma visão do surgimento da identida-
lentamente combatido pelo Império Romano, de cristã e de seu desenvolvimento nessa épo-
como, por exemplo, sob Diocleciano, começa a ca. A literatura latina não religiosa com gramá-
sair da marginalização para o prestígio. O Impe- ticos e juristas segue seu rumo com escritores
rador Constantino em 313 concede liberdade de de menor vulto.
culto aos cristãos através do Édito de Milão.
3. III século – surgem também escritores, como
Finalmente, du- São Cipriano (dogmático e epistológrafo), Ar-

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rome-Capito-
rante o governo nóbio (apologista) e Lactâncio.
de Teodósio I
(391 d.C.), a re- 4. IV século – este período, em que o cristia-
ligião cristã pas- nismo se torna a religião oficial, nos deixou
sa a ser a única nomes como o de Santo Ambrósio e São Jerô-
religião do Es- nimo, tendo como maior escritor Agostinho,
tado. O paga- Bispo de Hipona. “Santo Agostinho é o últi-
nismo, agora le-StatueConstantin.jpg
mo dos grandes pensadores que ainda pode,
marginalizado, de alguma forma, ser considerado como repre-
continua a ser sentante da cultura romana.” (Cardoso, 2003,
praticado, mas, p.185-186) – Aqui se encerra o período dos
dessa vez passa Pais da Igreja ou Patrística.
de perseguidor Constantino
a perseguido. 5. V século em diante – A Idade Média, com a
Escolástica, até o século XIV, nos legou gran-
Já no século II, surgem escritores, como Tertuliano des nomes, como São Beda e São Tomás de
e Minúcio Félix, que pertencem a essa época de Aquino, entre outros.
fixação da doutrina cristã. Suas obras são fruto da
necessidade de se divulgar as doutrinas de Cristo, Quanto à literatura latina, agora denominada lati-
de refutar heresias, de escrever tratados sobre a fé no-cristã, com outros propósitos e distinta ideolo-
cristã, contida nos escritos sagrados, mais especial- gia, segue seu curso. Observe o quadro abaixo para
mente, o Novo Testamento. exemplificar alguns dos temas explorados a título
de ilustração. A segunda coluna é uma reação à
A língua latina começa, então, a ser utilizada para situação apresentada na primeira:
a defesa da doutrina do Evangelho, no idioma que
todos poderiam entender. Embora Irineu refutasse
as heresias em grego, os sermões que pregava eram Inserção de ritos e A apologia, a defesa da fé,
em latim. Os escritores latino-cristãos provinham ideologias pagãs os dogmas contra as here-
de distintas pátrias, todos ligados pelo idioma e no cristianismo. sias.
pela nova fé. A temática dos autores cristãos varia-
va de acordo com as necessidades. A imoralidade, a A ênfase na moral cristã.
defesa do Condenação das práticas
Enquanto isso, escritores latinos, como Plínio, homossexualismo, homossexuais, que gera-
o jovem e, de origem grega, como Luciano (200 praticado na ram um grande conflito
Grécia e trazido a entre as duas religiões.
d.C.), o Voltaire da literatura grega, atacaram o Roma.
cristianismo, ridicularizando-o.
Os sofistas Através da homilia, os
Quadro sinótico da literatura latino-cristã buscavam escritores cristãos busca-
envilecer a nova vam alcançar os corações.
1. I século da Era Cristã – Epigrafia, primeiros religião Pela exegese, a Palavra de
documentos proto-cristãos. Deus era esclarecida.

2. II século – escritores apologistas: Tertuliano e
Minúcio Félix. Seus escritos possuem um ines-
46 Capítulo 4

Além de apologias, homilias, defesas de dogmas e


trabalhos exegéticos, também surgiram outros gê- SAIBA MAIS
neros diversos, como a poesia, a historiografia, a oemissao/c ultura-
www.pime.org.br/mund
filosofia e as ciências. Provindos de diversas nacio-
culcristaos.htm
nalidades, os escritores cristãos procuraram exaltar
sua fé, a nova temática da literatura.
3. A Literatura Latino-cristã do II
I Século
Século até a Idade Média
Embora não sejam consideradas plenamente tex-
tos literários, as inscrições e símbolos deixados pe- 3.1 Tertuliano
los cristãos primitivos, nos dão um vislumbre de
sua fé: Quinto Sétimo Florente Tertuliano (c. 160), natu-
ral de Cartago, veio de família pagã, até que se con-
• Símbolos: O peixe , ainda hoje, verteu ao cristianismo, já em idade adulta. A partir
é utilizado nos meios cristãos. Juntando-se as de sua conversão à religião cristã, tornou-se um de-
primeiras letras da expressão grega ’30F@LH fensor apaixonado de sua nova fé, numa época em
OD4FJ@H 1g@La4@H GTJZD. (Jesus Cristo que o cristianismo ainda era alvo das perseguições
Filho de Deus Salvador), temos: 3O1KG, em dos imperadores. Sua conversão, até certo ponto,
minúsculas [P2LH = peixe em grego. se parece com a do apóstolo Paulo, relatada em
suas cartas. Tertuliano passa de pagão defensor de
O monograma formado pelas duas pri- suas ideias e zombador da fé dos cristãos a um fer-
meiras letras da palavra OC3EI?E: Cristo, em renho advogado do cristianismo. Como o apóstolo
grego. Tertuliano, abraça a doutrina que antes desprezara
e perseguira.
O alfa e o ômega: !/S, respectivamente a
primeira e a última letra do alfabeto grego, re- Por essa razão, dedicou sua obra à defesa da fé cris-
presentando Cristo como o Princípio e o Fim, tã. Foi erudito, escrevendo tanto sobre o profano
certamente numa referência a Apocalipse 1:8. quanto o sagrado. Alcançando um altíssimo grau
Outros símbolos, como a pomba, significando de erudição, tornou-se um dos maiores polemistas
a paz e a âncora significando a esperança. de sua era. Zélia de Almeida Cardoso (2003 p. 181)
menciona Ad nationis (Às nações), uma de suas
• Inscrições tumulares contendo expressões, obras na qual Tertuliano censura impetuosamente
como: In Deo (em Deus) ou In Pax (em Paz): o paganismo. Em outra obra, intitulada Apologéti-
“Valeria dormit in pace” (Scott, 1995, p.77) ca, levada a cabo posteriormente, o escritor cristão
= Valéria dorme em paz. Atestando a crença nos lega uma apologia do cristianismo:
original cristã, da morte como um sono. (cf. 1
Coríntios 15:6 e 1 Tessalonicenses 4:14 e 15). O ágape cristão

As catacumbas, além de túmulos, eram também A fundação de nossa ceia é já indicada pelo seu nome:
o local de culto para os cristãos, onde realizavam de fato, é chamada com um termo que entre os gregos,
significa “amor” [ágape]... Não nos sentamos antes de ha-
seus cultos, expressando suas crenças por meio de
ver prelibado uma prece a Deus; comemos o quanto come
ilustrações: quem está com fome, bebemos o quanto é útil a pessoas só-
brias. Assim nos saciamos com pessoas que se lembram de
Ignorantes como eram, não sabendo ler nem escrever, e que devem adorar a Deus também à noite e falamos como
perseguidos por causa da sua fé em Cristo, era necessário pessoas que sabem que Deus as escuta... Depois nos sepa-
que procurassem algum símbolo que os habilitasse a ex- ramos, não para ajudar bandos de salteadores ou grupos de
primir sua crença e que fosse, ao mesmo tempo, ininteli- vagabundos nem para nos abandonarmos à lascívia, mas
gível para os seus perseguidores. Daí nasceu o uso de dois para prosseguirmos com a modéstia e pudor, como pessoas
símbolos: um chamado “o Peixe” e outro o “Monograma”, que não se alimentaram tanto de comidas quanto de senso
compostos de mais de uma letra. Crê-se agora que o símbo- moral. (Apologética, 39 Apud Leoni 1967, p.288).
lo do Peixe entrou primeiro em uso, e que o Monograma
foi adotado depois do imperador Constantino. (SCOTT,
1995, p.101)
O texto de Tertuliano nos remete ao modo de ce-
Capítulo 4 47

lebrar a Ceia do Senhor, como encontrado em 1 delito e deva eu ser morto? E que tu concordes em te senti-
Coríntios 11: 17-34. res satisfeito com meu sangue, quando eu jamais te ofendi,
jamais lesei, consciente ou inconscientemente, a tua divi-
na majestade, sendo eu, como tu bem sabes, um animal
Tendo escrito numerosas obras, foi um escritor
mudo, dotado de instintos elementares, sem a distração de
polêmico. “Tertuliano compôs obras bastante vi- um caráter variável e multiforme? ... Talvez porque sou ani-
rulentas, nas quais se notam o tom inflamado, mal vil, sem razão, sem sentimento, como dizem aqueles
a lógica tenaz e grande capacidade imaginativa” que se chamam homens mas que, em crueldade superam
(CARDOSO, 2003, p. 181). todas as feras?” (Adversus nationes, VII, 9. Apud Leoni,
1967, p. 289-290).
Sobre a pureza dos cristãos, em contraste com a
vileza dos pagãos, escreve: Entretanto, sua obra, mesmo sendo uma apologia
aos cristãos, denunciando as falsas acusações con-
Entretanto, se transborda o Tigre, se o Nilo não transbor- tra estes, possui alguns equívocos doutrinários ao
da, se falta a água, se sobrevém a carestia, se a terra treme, longo da obra, provenientes de sua falta de amadu-
vós outros gritais: “Os cristãos às feras”. E enquanto os
recimento na fé.
pagãos pretendem aplacar a cólera dos deuses frequen-
tando as tabernas e outros lugares de infâmia, nós nos
cobrimos de saco e cinza, fazemos penitência, jejuamos Outro nome, importante por ser o último escritor
para implorar a divina misericórdia... (Apologética, Apud do período de formação, é Lúcio Cecílio Firmia-
Xavier, 1947, p.201). no Latâncio (Lucius Caecilius Firmianus Lactan-
tius). Discípulo de Arnóbio e cultor da retórica,
Seu linguajar é erudito, mesmo quando utiliza ter- o escritor converteu-se à religião cristã, compon-
mos de cunho popular. Figuram entre suas obras do vasta obra literária. Considerado o Cícero do
de maior importância: Apologética, Adversus cristianismo, seu estilo é puro e fluente. Escreveu
Marcionem e De Carne Christi. Divinarum instituitionum libri VII (Instituições
divinas). Nesta obra dogmática, Lactâncio discorre
Tertuliano, convertido aos 35 anos à fé cristã, pos- sobre a falsa religião, a vida feliz, o verdadeiro cul-
teriormente abandonou suas crenças, para se unir to, a unidade de Deus...
à seita montanista. Algumas das obras produzidas
nesse último período de sua vida foram: Escreveu De morte persecutorum (Sobre a morte
dos perseguidores), em que registra as perseguições
• De pallio (Sobre o Pálio); sofridas pelos cristãos:
• De Pudicícia (Sobre a Pudicícia);
• De Jejunio (Sobre o Jejum); O imperador Diocleciano se enfurecia não só contra os fa-
• De Corona (Sobre a coroa); miliares mas contra todos. E entre todos, obrigou primeiro
a filha Valéria e a mulher Prisca a manchar-se com a culpa
• De spectaculis (Sobre os espetáculos)...
do sacrifício. Eunucos, que haviam sido potentíssimos, de
cujo serviço ele mesmo e sua corte antes se serviam, foram
III século mortos; sacerdotes e ministros, detidos e condenados sem
nenhuma prova ou confissão, eram conduzidos ao suplício
Arnóbio (Arnobius), originário da Numídia, era com todos os familiares. Pessoas de todas as idades e de am-
filho de pais que professavam o paganismo como bos os sexos eram arrastadas à fogueira: não um a um, pois
sua religião. Ao se converter à religião cristã, o dis- era grandíssimo o seu número, mas, como rebanhos, eram
tinto escritor retórico escreve Adversus nationes queimados por todos os lados pelo fogo aceso em redor
(Contra as nações) a fim de deixar clara sua con- deles; os escravos eram tirados ao mar com mós de moi-
nho atadas ao pescoço. Perseguição não menos violenta se
versão:
abateu sobre o resto do povo. (De morte persecutorum, 15.
Apud Leoni, 1967, p. 291).
Contra o sacrifício de animais

Se, de repente, um novilho ou qualquer destes animais,


Século IV
enquanto é arrastado para o sacrifício, a fim de mitigar a
cólera dos numes, adquirisse voz humana, assim falaria: 3.2 Jerônimo
“Mas então, ó Júpiter ou qualquer outro deus que tu sejas,
parece-te coisa humana e correta, coisa, que de qualquer Sofrônio Eusébio Jerônimo (342-420), também
modo se possa julgar justa, que outro tenha cometido um São Jerônimo, é proveniente da Dalmácia. Foi edu-
48 Capítulo 4

cado em Roma. Seus escritos abrangem traduções


e obras de sua própria autoria. É interessante notar EVANGELIUM SECUNDUM LUCAM 1: 5-13.
que foi uma tradução, a da Bíblia para a linguagem
do povo, que o tornou famoso. 5 Fuit in diebus Herodis regis Iudaeae sacer-
dos quidam nomine Zacharias de vice Abiae,
S. Jerônimo foi reputado como grande tradutor: et uxor illi de filiabus Aaron, et nomen eius Eli-
sabeth.

Ele possuía, em grau excelente, a capacidade de adaptar-se 6 Erant autem iusti ambo ante Deum, inceden-
ao pensamento e ao espírito dos outros, penetrando-lhes a tes in omnibus mandatis et iustificationibus
intenção, fazendo seu o que os outros diziam e escreviam. Domini, irreprehensibiles.
(Bardenhewer, Apud Xavier, 1947, p. 244).
7 Et non erat illis filius, eo quod esset Elisabeth
sterilis, et ambo processissent in diebus suis.
De suas traduções, podemos citar, entre muitas, as
seguintes: 8 Factum est autem, cum sacerdotio fungeretur
in ordine vicis suae ante Deum,
• Crônicas de Eusébio;
9 secundum consuetudinem sacerdotii sorte
• Cartas de S. Epifânio; exiit, ut incensum poneret ingressus in tem-
• Homelias de Orígenes; plum Domini;
• A Vulgata Latina: O Velho e o Novo Testa-
mento traduzidos para o latim, língua vernácu- 10 et omnis multitudo erat populi orans foris
la, a pedido do Papa Damasco, em 383 d.C., hora incensi.
para que fosse revisada a Bíblia Latina.” 11 Apparuit autem illi angelus Domini stans a
dextris altaris incensi;
A tradução de S. Jerônimo, embora seja a mais co-
nhecida, não foi a primeira a ser levada a cabo em 12 et Zacharias turbatus est videns, et timor
irruit super eum.
latim. Já no século II d.C., circulavam traduções
anônimas. A tradução de S. Jerônimo é sua mais 13 Ait autem ad illum angelus: “ Ne timeas,
importante obra: Zacharia, quoniam exaudita est deprecatio
tua, et uxor tua Elisabeth pariet tibi filium, et
Duas são as versões latinas que se distinguem: a Antiga vocabis nomen eius Ioannem.
Latina, que engloba todas as traduções feitas até o século
(Evangelho de Lucas cap. 1 versos 5-13).
IV, e a vulgata Latina, preparada por Jerônimo entre 386 e Fonte: http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vulga-
405. As evidências indicam que as primeiras traduções lati- ta/documents/nova vulgata_nt_evang-lucam_lt.html#1
nas começaram a surgir no norte da África, provavelmente
em Cartago, um dos centros da cultura romana, e, pelos
indícios dos textos latinos que há nos escritos de Tertulia-
no, essas traduções remontam ao último quartel do século
II. (PAROSCHI, 1993, p.62).
SAIBA MAIS
São contemporâneos dessas primitivas traduções ta Latina:
Texto integral da Vulga /nova_vul-
(séc. II) os primeiros autores cristãos, de que se tem atican.va/archive/bible
http://www.v
notícia: Vítor e Apolônio. Embora nada tenha res- vulgata_index_lt.html
gata/documents/nova-
tado de suas obras, Zélia de A. Cardoso (2003 p.
180) comenta que o primeiro escreveu um estudo
sobre a Páscoa. O segundo, um discurso apologéti-
co, registrado nas atas do senado.
Considerado o maior escritor da antiguidade lati-
Essas traduções foram, também, um dos meios de na, deixou-nos um valioso testemunho histórico
incorporação de termos religiosos adotados do gre- sobre os tempos mais remotos da fé cristã, como
go no latim. em De viris illustratbus christianis: “(...) a exem-
plo de Suetônio e quase completando a obra do
A título de ilustração, reproduzimos, abaixo, um escritor latino, recolhe dados biográficos dos pri-
trecho da Vulgata, do Evangelho de S. Lucas: meiros escritores cristãos”. (LEONI, 1967, p. 123).
Capítulo 4 49

Entre as obras de sua autoria, podemos citar: na qual o escritor africano procura tirar ensina-
mentos através de suas experiências:
• Comentarii in Psalmos (Comentários sobre
os salmos); Quero recordar as minhas torpezas passadas e as deprava-
• Vita Pauli, Malchi, Hilarionis (A vida de Pau- ções carnais da minha alma, não porque as ame, mas para
lo, de Malaquias e de Hilário); Vos amar, ó meu Deus. É por amor do Vosso amor que,
amargamente, chamo à memória os caminhos viciosos
• Homilias (homilias);
para que me dulcifiqueis, ó Doçura que não engana, doçu-
• De Viris illustribus etc (A vida de homens ilus
ra feliz e firme. Concentro-me, livre da dispersão em que
tres)... me dissipei e me reduzi ao nada, afastando-me de Vossa
unidade para inúmeras bagatelas.
O seguinte trecho proporciona uma amostra de
uma das obras de sua autoria: Quantas vezes, na adolescência, ardi em desejos de me sa-
tisfazer em prazeres infernais, ousando até entregar-me a
Depois de muitos escritores gregos, vem agora finalmente vários e tenebrosos amores! A minha beleza definhou-se e
o sacerdote Tertuliano, primeiro dos latinos depois de Ví- apodreci a vossos olhos, por buscar a complacência própria
tor e Apolônio, originário da província da África, da cida- e desejar ser agradável aos olhos dos homens. (AGOSTI-
de de Cartago, filho de um centurião peninsular. Homem NHO, 1981, p. 53.)
de agudo e impetuoso talento, viveu a maior parte da vida
sob os imperadores Severo e Antonino Carcala e escreveu Zélia de A. Cardoso (2003, p.185) nos lembra que
muitas obras, que, por serem de todos conhecidas, omiti-
Santo Agostinho é bastante original em seus escri-
mos. Eu conheci um velho, um certo Paulo, nascido em
tos, pois, ao tratar de sua infância, apresenta uma
Concórdia (uma cidade da Itália), que dizia ter encontrado
em Roma, quando era ainda muito jovem, o secretário do
intensa análise psicológica, fazendo uma análise
bem-aventurado Cipriano, então velhíssimo, e aquele lhe aprofundada de sua alma ao abordar assuntos de
contou como Cipriano costumava não deixar passar um só cunho metafísico e moral.
dia sem ler Tertuliano; e, muitas vezes, lhe dizia: “Dá-me o
mestre!” e indicava Tertuliano. Este, ainda até a meia ida- Exprimindo fielmente a doutrina tradicional do
de, foi padre da Igreja; depois, devido à inveja e às injúrias catolicismo, suas obras têm sido fonte de pesquisa
do clero da Igreja romana, caiu na heresia montanista: da de teólogos da Igreja ao longo dos tempos. Quanto
nova profecia, ele fez muitos livros. Escreveu contra a Igre- às duas obras, é importante notar:
ja particularmente estas obras: “A Pudicícia”, “A Persegui-
ção”, “Os Jejuns”, “A Monogamia”, “O Êxtase” – em seis
As “Confissões” são a Teologia vivida numa alma e a histó-
livros, com um sétimo que dirigiu contra Apolônio. Diz-se
ria da acção de Deus nos indivíduos. A “Cidade de Deus”
que viveu até idade decrépita e publicou muitas pequenas
é a teologia viva no quadro histórico da humanidade, se-
obras, hoje perdidas. (De viris illustratibus christianis, 53.
gundo a opinião de Portalié (Dictionnaire de Théologie
Apud Leoni, 1967, p. 292).
Catholique I coluna 2291, Apud Agostinho, 1981, p.14).

3.3 Santo Agostinho Entre as inúmeras obras, que compreendem desde


escritos filosóficos a obras apologético-dogmáticas,
Santo Agostinho de Hipona, considerado o maior do prolífico escritor, podemos citar, ademais, as se-
escritor de sua época, inclusive um dos maiores guintes: Sermões, cartas, os escritos De doctrina
doutores que a Igreja possuiu nos seus dias. Vi- christiana (Sobre a doutrina cristã); De sermone
vendo no final do século IV, foi Bispo de Hipona. domini in monte (O Sermão do Senhor no mon-
Foi epistológrafo, compondo inúmeras cartas, cujo te); De fide rerum quae non videntur (Fé nas coi-
conteúdo é de grande valor filosófico. sas que não vemos) e De mendacio (sobre a men-
tira).
Duas de suas obras mais aclamadas são: A cidade
de Deus (De civitate Dei) e Confissões (Confessio- Um fato que não podemos esquecer, já comentado
nes), respectivamente classificadas como: apologé- no capítulo 2, é que Agostinho admirava Cícero e
tico-dogmática e escrito filosófico. citava suas obras, procurando harmonizar as ideias
pagãs que pudessem ser incorporadas à fé cristã.
Mundialmente conhecida, as Confissões, escritas
em treze livros, por volta de 397, trazem a experi-
ência de encontro com Deus, o arrependimento de
seus delitos. É uma obra, até certo ponto, didática
50 Capítulo 4

Suas exegeses são feitas sobre os testos vetero-testa-


mentários, como se pode notar, a partir dos pró-
SAIBA MAIS prios títulos: De paradiso (Sobre o paraíso), Hexe-
losofos.com.b r/
http://www.mundodosfi meron (Sobre a história da criação, escrita em seis
agostinho.htm livros), De Cain et Abel (sobre Cain e Abel), De
Joseph (Sobre José), De Jacob et vita beata (Jacó e
a vida feliz)...
3.4 Ambrósio

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:AmbroseStatue.
Hexaemeron, título em grego, que significa 6 dias,
Santo Ambrósio (337-397) em referência aos seis dias da criação de Gênesis
era natural da Gália. Foi capítulo I, é um trabalho exegético em torno do
bispo de Milão, escreveu primeiro livro da Bíblia, abrangendo temas, como
cartas, comentários bíbli- a Criação, o nome de Deus, os grandes animais
cos, hinos, orações, trata- marinhos, do sétimo dia, sábado como dia de des-
dos de doutrina, como o canso (capítulo II, verso iii)...
Hexaemeron (sobre os seis
dias da criação) e De oficiis Grande defensor dos bons costumes e da virginda-
ministrorum - manual ecle- de e da pureza, escreveu:
siástico, um tratado moral,
baseado na obra ciceronia- Santo
Livre de lascivos sentimentos, contigo sonhe o íntimo do
Ambrósio
na De officis.
png

coração, para que o temor das ciladas do invejoso inimigo


não perturbe aqueles que repousam.
Durante seu bispado, combateu veementemente
o arianismo e a interferência de governos civis no A Cristo e ao Pai invoquemos, e ao Espírito de Cristo e do
campo eclesiástico. Prolífico escritor, Ambrósio Pai: Deus Onipotente e Único, Ó Trindade, protege-nos.
deixou-nos um grande número de obras, divididas (Hino vesperal. Apud Leoni, 1967, p.291).
conforme quadro abaixo:
A Mariologia, presente em sua obra De Spiritu
temas obras Sancto, tem um dos seguintes conceitos:

Hinos: Himno vesperal, Jam sur- Cristo não é dividido, mas único. Se o adoramos como o
git hora tertia, Aeterne re- Filho de Deus, não negamos seu nascimento de uma vir-
rum conditor... gem... Mas ninguém deve estender isso a Maria. Maria foi
o templo de Deus, mas não Deus no templo. Portanto ape-
Exegeses: Hexemeron, De paradiso, nas aquele que estava no templo pode ser adorado. (Am-
De Cain et Abel, De Jose- brósio de Milão, De Spiritu Sancto, III, 11,79-80. Apud
ph, De Jacob et vita bea- http://www.ccel.org/ccel/schaff/npnf210.iv.ii.iv.xi.html?hig
ta... hlight=mary,was,the,temple,of,god,but,not,in#highlight –
Tradução nossa).
Dogmáticas: De Spíritu Sancto, De Mys-
teribus, De Sacramentis,
De Poenitentia
De Sacramento regenera- SAIBA MAIS
tionis vel de Philosophia, rg/ wik i/A mb ró-
De Incarnationis Domini- htt p:/ /pt .wi kip ed ia.o
sio_de _M ilão
cae Sacramento, De peni-
tentia libri quinque...

Morais: De S. Mariae virginitate


perpetua, De oficiis, Exhor- V Século
tatio virginitatis...
3.5 Prudêncio
Disciplinares: Contra Auxencium, De obi-
to Valeriani
Aurélio Prudêncio Clemente (348 - ?413) nasceu
Cartas: Ad Valerianum, LI ad The- em Saragosa, norte da Espanha. Foi político, sen-
odosium… do governador da província romana Tarraconen-
Capítulo 4 51

sis, atual Tarragona, magistrado e advogado durante o reinado do imperador Teodósio.

Descendendo de nobre família tradicionalmente cristã, somente em idade avançada, retirando-se da vida
pública, volta-se para a vida eclesiástica, tornando-se asceta. Jejuava durante o dia e se abstinha de alimento
de origem animal.

Sua obra poética é dividida em cinco livros, publicada em 405, com forte influência de S. Ambrósio. Suas
poesias, datadas do século V, rivalizam com os poetas pagãos em qualidade, chegando a ponto de ser con-
siderado o Virgílio ou mesmo o Horácio da cristandade.

No trecho a seguir, de sua obra Cathemerion, podemos ver o testemunho de seu abandono da vida secular
para a vida consagrada a Deus:

PRAEFATIO PREFÁCIO

Atqui fine sub ultimo Na verdade, antes que eu faça minha passagem,
peccatrix anima stultitiam exuat: minha alma pecadora despir-se-á de sua insensatez
saltem voce Deum concelebret, si E louvará meu Senhor, se não por seus atos, pelo
meritis nequit: menos com lábios humildes.
hymnis continuet dies, Que cada dia se una com hinos de gratidão
nec nox ulla vacet, quin Dominum E cada noite ressoe os cantos de Deus:
canat: Sim, seja minha porção combater todas as heresias,
pugnet contra hereses, catholicam revelar os significados da fé Católica,
discutiat fidem, Calcar os ritos gentios; Teus deuses, O Roma,
conculcet sacra gentium, Destronar, Os mártires louvar, os apóstolos cantar.
labem, Roma, tuis inferat idolis, Oh, enquanto empregarem tais temas minha pena e
carmen martyribus devoveat, laudet língua, Que a morte possa extirpar esses grilhões da
apostolos. carne, E me carregar para onde meu último suspiro
Haec dum scribo vel eloquor, se erga.
vinclis o utinam corporis emicem Tradução baseada no inglês, por R. Martin Pope.
liber, quo tulerit lingua sono mobilis Fonte:http://www.ihaystack.com/authors/p/aurelius _clemens_
ultimo. (Xavier, 1947, p.73). prudentius/00014959_the_hymns_of_prudentius /00014959_la-
tin_and_english_ascii_p001.htm

Os cinco livros compostos por S. Prudêncio, em 4) Hamartigenia - (A origem do pecado): Mar-


405. Os títulos foram dados em língua grega: cião e seu dualismo Gnóstico é duramente
atacado nesse livro.
1) Liber Cathemerinon - (Livro de acordo com
as horas) incluindo 12 poemas sobre várias ho- 5) Psychomachia - (Batalha das almas) a batalha
ras do dia e sobre celebrações eclesiásticas; da fé contra a idolatria e os vícios.

2) Apotheosis - (Apoteose ou Deificação) neste li- 6) Libri contra Symmachum - (Livros contra
vro ataca os que negam a Santíssima Trindade Symmachus) obra escrita contra o senador
e a divindade de Jesus. Em 381, no Concílio pagão Symmachus, que requeria que o altar à
ecumênico de Constantinopla, o arianismo Vitória fosse restaurado no Senado.
havia sido derrotado. Entretanto seus seguido-
res permaneceram divulgando suas ideias. 7) Dittochæon - (O Duplo Testamento) com-
posto em unidades de versos de quatro linhas
3) Liber Peristephanon - (Livro das Coroas do cada, destinados a serem utilizados como títu-
Martírio) composto de 14 poemas sobre márti- los para os murais da basílica de Roma.
res Romanos e espanhóis.
52 Capítulo 4

Compôs ainda hinos de natal como Divinum Mys- maior estudioso de sua geração. Beda era grande
terium (O Divino Mistério), contido em Catheme- conhecedor da literatura latina secular e cristã. Pro-
rinon, ainda em uso. Alguns dos hinos compostos duziu estudos exegéticos de qualidade sobre a Bíblia
por S. Prudêncio são: Sagrada. Destacou-se especialmente por sua Histo-
ria ecclesiastica gentis Anglorum (História eclesi-
a) Ades Pater Supreme; (Sê presente, Santo Pai); ástica dos anglos ou História eclesiástica do povo
da Inglaterra).
b) Ales diei nuntius (O alado arauto do Dia); Composta em

Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo: Beda_


cinco volumes,
c) Beata martyr, prospera (Prospera, Bem-aventu- ou livros, a
rada Mártir); obra, em suas
400 páginas,
d) Corde natus ex parentis (Nascido do coração conta a história
do Pai). da Inglaterra,
abrangendo
3.6 São Beda tanto o lado

Venerabilis.jpg
político quanto
São Beda, ou o venerável Beda, (674-735). Mon- o religioso do
ge beneditino, saxão natural da Nortúmbria, foi o país: São Beda

2 2

Verum eadem Brittania Romanis A Bretanha nunca havia sido visitada antes
usque ad Gaium Iulium Caesarem pelos romanos e era, de fato, completamente
inaccessa atque incognita fuit; qui desconhecida por eles antes da época de Caio
anno ab Urbe condita DCXCIII, ante Júlio César, que, no ano 639 da construção de
vero incarnationis dominicae tempus Roma, mas o sexagésimo antes da encarnação
anno LXmo, functus gradu consulatus de nosso Senhor, era cônsul com Lúcio Bibulo,
cum Lucio Bibulo, dum contra e posteriormente, enquanto ele guerreava com
Germanorum Gallorumque gentes, os germanos e os gauleses, que estavam
qui Hreno tantum flumine separados apenas pelo rio Reno, chegou à
dirimebantur, bellum gereret, venit ad província de Morini, a mais passagem próxima
Morianos, unde in Brittaniam e mais curta para a Bretanha. Aqui, tendo
proximus et brevissimus transitus est; providenciado cerca de oitenta navios de carga
et navibus (h)onerariis atque actuariis e embarcações com remos, ele navegou até a
circiter octoginta praeparatis, in Bretanha; onde, sendo primeiramente tratado
Brittaniam transvehitur, ubi acerba asperamente em uma batalha e, então,
primum pugna fatigatus, deinde enfrentando uma severa tempestade, perdeu
adversa tempestate correptus, uma considerável parte de sua frota, um não
plurimam classis partem, et non pequeno número de soldados e quase todos os
parvum numerum militum, equitum seus cavalos.
vero pene omnem disperdidit.

Historia Ecclesiastica gentis


Anglorum Livro 1, II.
Fonte: http://la.wikisource.org/wiki/Historia_Ec-
clesiastica_gentis_Anglorum_-_Liber_Primus

Beda foi um exímio historiador, sendo considera-


do o pai da história e da ciência da Inglaterra. Ou-
tra empresa de sua parte foi a tradução de partes
da Bíblia para o Inglês Antigo (Old English) que, SAIBA MAIS
infelizmente, não se conservaram até nossos dias. /wiki/Beda
Diz-se que ao terminar de escrever sua Historia http://pt.wikipedia.org

ecclesiastica gentis Anglorum, teria exclamado:


“Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancti.” Glória
ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.
Capítulo 4 53

Outro expoente, entre os muitos que surgiram durante a Idade Média, é São Tomás de Aquino (c.1227
- 1274). Um dos mais brilhantes períodos da Idade Média, o século XIII, é não mais uma época de apolo-
gias, mas de filosofia.

Filósofo e escritor, oriundo da região de Nápoles, foi mestre em Paris, Anagni e Roma. Foi um dos maiores
incentivadores da Escolástica, sendo por isso denominado o divino filósofo, o anjo das escolas e o prote-
tor das ciências.

Entre suas principais obras, citamos:

Summa Theologica – obra de cunho filosófico-teológico. Considerada como um manual da fé.

Summa contra gentiles – obra contra os gentios ou pagãos, também de cunho filosófico-teológico.

Pange lingua gloriosi e Lauda, Sion, Salvatorem – hinos compostos a mando do Papa Urbano VI.

Comentários bíblicos:

• In Vetus Testamentum (Sobre o Velho Testamento);


• In Novum Testamentum (Sobre o Novo Testamento);
• In Epistolas S. Pauli (Epístolas de São Paulo).

E vários sermões.
Citamos, aqui, um de seus hinos mais conhecidos, em que exibe sua genialidade poética:

Pange lingua gloriosi Canta minha língua este mistério


do corpo glorioso
Pange lingua gloriosi
Corporis mysterium Canta minha língua
Sanguinisque pretiosi este mistério do corpo glorioso
Quem in mundi pretium E do sangue precioso
Fructus ventris generosi Que, do fruto de um ventre generoso
Rex effudit gentium O Rei das nações derramou
Como preço da redenção do mundo
Nobis datus nobis natus
Ex intacta Virgine Dado a nós, por nós nascido
Et in mundo conversatus De uma intacta virgem
Sparso verbi semine E no mundo vivendo
Sui moras incolatus Espalhando a semente da palavra
Miro clausit ordine O tempo certo da sua permanência
Encerrou no rito admirável
In supremæ nocte cœnæ
Recumbens cum fratribus Na ceia da última noite
Observata lege plenæ Reclinando-se com seus irmãos
Cibis in legalibus Tendo observado plenamente
Cibum turbæ duodenæ A lei da festa prescrita
Sedat suis manibus Deu a si mesmo com as suas mãos
Como alimento ao grupo de doze
Verbum caro panem verum
Verbo carnem efficit O Verbo encarnado, o pão real
Fitque sanguis Christi merum Com sua palavra muda em carne
Et si sensus deficit O vinho torna-se o sangue de Cristo
Ad firmandum cor sincerum E como os sentidos falham
Sola fides sufficit Para firmar um coração sincero
Apenas a fé é eficaz
Fonte: http://www.audicoelum.mus.
br/textos_e_traduções_4.htm
54 Capítulo 4

Camões, no século XVI, bem como outros escrito-


res escreveram suas obras em suas próprias línguas
SAIBA MAIS nativas, ajudando ainda mais a consolidar e firmar
_Aquino. o uso de seu idioma materno.
/wiki/Tom%C3%A1s_de
http://pt.wikipedia.org

Depois de longo tempo, finalmente o latim cede


lugar às suas rivais. A literatura de cada país co-
Embora não fosse possível empreendermos um meça a ser produzida unicamente em suas línguas
estudo aprofundado da literatura latino-cristã – o nacionais.
espaço não nos permite – contemplamos alguns de
seus principais autores e suas obras mais conheci-
das.

Ao passo que a literatura latina, em sua forma SAIBA MAIS


/latim.htm
pagã, sucumbe no século V, a literatura cristã con- othic.com.br/literatura
http://www.spectrumg
tinua seu percurso.

Apesar da queda do Império Romano (c.476 d.C.)


e, posteriormente, a nacionalização das literatu-
ras, utilizando-se as línguas vernáculas para tal, a
produção de obras em latim continua até o século
XVIII. GLOSSÁRIO

No séc. XVI, reaparecem escritores apologéticos, Proto-cristãos – termo referente à época dos cristãos pri-
exegéticos ou filósofos, como Francisco Suarez mitivos.
(1548), autor de Defensio catholicae fidei (Defe-
Antoninos – imperadores da dinastia dos Antoninos (96-
sa da fé católica); o jesuíta Luiz de Molina, espa- 192 d.C.), sucessores dos Césares.
nhol de Cuenca, autor de De Poenitentia (Sobre
a penitência) ou S. Afonso Ligório (Século XVIII) Apologética – justificação ou defesa de determinados pon-
com sua Theologia Moralis (Teologia da moral). tos de vista.
Escritos em latim, esses trabalhos, agora tinham a
função de refutar aquilo que a Igreja denominava Montanista - seguidor/a de seita de Montanus, indivíduo
de heresias protestantes. que acreditava que o Espírito Santo habitava em sua pes-
soa.
Também obras científicas, filosóficas e romances
Pais da Igreja ou Patrística – ensinamentos dos Santos Pa-
foram produzidos em latim até o século XVIII,
dres da Igreja. Doutrina sob profunda influência da filosofia
pois publicar algo em latim, nessa época, era pu- grega, a qual era utilizada para aclarar e defender o novo
blicar para o mundo. A língua ocupava o lugar do conteúdo da fé.
inglês, atualmente: “Em época tão avançada, como
o fim do século XVII, percebia-se que uma obra Escolástica - trata-se da filosofia baseada nas obras de
corria grave risco de não produzir seu devido efei- Aristóteles e São Tomás de Aquino.
to, a menos que fosse publicada em latim.” (Bai-
ley, 1956, p.540 tradução nossa). Trabalhos como Hebraísmo – termos adotados da língua hebraica, utilizados
Philosophiae Naturalis Principia Mathematica em outro idioma.
de Isaac Newton e Utopia de Thomas Morus, são
Diocleciano – imperador romano (284-305 d.C.) que
exemplos dessa realidade.
empreendeu a mais violenta de todas as perseguições aos
cristãos.
É claro que, durante a Idade Média, o latim riva-
lizava com as línguas vernáculas, como no caso Arianismo – doutrina religiosa defendida por Ário, que
dos trovadores da região da Galiza (Espanha) e negava tanto a divindade de Cristo quanto a Santíssima
de Portugal, que utilizaram o seu dialeto galaico- Trindade.
português. Na Inglaterra, produziram-se as obras
escritas em Inglês Antigo (Old English). E Luiz de Dalmácia – antiga Iugoslávia.
Capítulo 4 55

Língua vernácula – língua própria de determinada região


ou Estado.

Quartel – quarta parte de um século.

Saxão – indivíduo natural da Saxônia


(Alemanha),pertencente a uma das tribos germânicas que
invadiram a Inglaterra no século V d.C.

Anglos – indivíduo pertencente aos Anglos, uma das tribos


germânicas que invadiram a Inglaterra no século V d.C.
Posteriormente, deram nome ao território por eles ocupa-
do: Inglaterra, ou seja, terra dos Anglos.

Asceta – pessoa que se dedica à contemplação ou misti-


cismo.

Mariologia – estudos relativos à Virgem Maria.

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO. Confissões. Porto: Livraria Apos-


tolado da Imprensa, 1981, 10. ed.

BAILEY, Cyril. El legado de Roma. Madrid: Edi-


ciones Pegaso, 1957, 3. ed.

CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura lati-


na. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LEONI, G. D. A literatura de Roma. São Paulo:


Livraria Nobel, 1967.

PAROSCHI, Wilson. Crítica textual do novo tes-


tamento. São Paulo: Vida Nova, 1993.

PEDROZA, Alfredo Xavier. Compêndio de histó-


ria da literatura latina. Recife: Imprensa Oficial,
1947.

SCOTT, Benjamin. As catacumbas de Roma. Rio


de Janeiro: CPAD, 1995.

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