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JAMES BURKE
ROBERT ORNSTEIN
O PRESENTE
.
DO FAZEDOR DE
MACHADOS
Os dois gumes da história
da cultura humana
Ilustrações
Ted Dewan
Tradução
Pedro Jorgensen Júnior
BERTRAND BRASIL
Copyright ® 1995, James Burke e Robert Ornstein
Publicado mediante contrato com G. P. PutnanVs Sons of The Putnam
Berkley Group, Inc.
1999
Impresso no Brasil
Printed in Brazil CS
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B973p Burke, James
O presente do fazedor de machados: os dois gumes da história da cul-
tura humana / James Burke, Robert Ornstein; ilustrações Ted Dewan;
tradução Pedro Jorgensen Jr. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
350p.
Tradução de: The axemaker's gift
Inclui bibliografia
ISBN 85-286-0686-4
1. Tecnologia — Aspectos sociais. 2. Tecnologia — História. 3. Cultu-
ra. I. Ornstein, Robert. II. Título.
CDD - 303.483
98-1738 CDU-3:608.1
PRÓLOGO 13
I. UM Fio DE VANTAGEM 19
.1. Um fio de vantagem 21
2. Uma contribuição simbólica 53
3. O abe da lógica 79
O resultado desse processo pode ser visto hoje em uma rua apinha-
da de qualquer cidade do Terceiro Mundo. Se há 12 mil anos éramos
cinco milhões, hoje esta mesma quantidade de gente nasce a cada duas
semanas. No ano 2100, o impacto desse crescimento sobre o corpo do
planeta poderá causar a perda irreversível de metade das espécies exis-
tentes na Terra.
Por que isso aconteceu? Porque os fazedores de machados eram
bons demais para serem reais. Seus presentes deram aos nossos líderes e
instituições, e a todos que buscavam o poder, oportunidades tão seduto-
ras de auto-realização, auto-engrandecimento, auto-indulgência, auto-
satisfação e auto-enriquecimento, que eles ignoraram seus efeitos
potenciais.
Hoje temos o triste resultado dessa negligência. Enquanto alguns
comemoram umas poucas melhorias ambientais, milhões passam fome
e as nações desenvolvidas seguem usando suas imensas capacidades
científicas e tecnológicas para pavimentar quase metade das terras cul-
tiváveis existentes. Ainda que se possa apontar, aqui e ali, alguns exem-
plos de reflorestamento, um terço das florestas da Terra já desapareceu;
a população está explodindo, os oceanos se exaurindo a ponto de a pes-
ca ter sido proibida em muitas áreas e a atmosfera permanecer severa-
mente poluída. O conhecimento do fazedor de machados e a destruição
do meio ambiente estão indissoluvelmente ligados.
Quando, num passado remoto, saímos da África e começamos a
abrir nosso caminho através do planeta, guiados por chefes tribais cujos
instrumentos de fazer machados lhes conferiam poderes de corte-e-con-
trole sobre o mundo, não percebíamos (ou não cuidávamos) o quão pró-
ximos já estávamos do fim da jornada. Por dezenas de milhares de anos,
continuou sendo a prática geral usar os presentes dos fazedores de
machados para tirar do mundo tudo o que queríamos sem dar nada em
troca. Um nível de vida sempre mais elevado era tudo o que importava.
O resultado é que somos hoje, nos países industrializados, mais
saudáveis, mais ricos, mais bem alimentados, mais informados e mais
móveis do que qualquer ser humano jamais foi. E o fato de o progresso
ter trazido em seu rastro um certo grau de devastação não nos deve sur-
preender, porque à medida que progredíamos, destruíamos. Raramente,
se é que alguma vez olhamos para trás, examinamos o efeito de nossa
passagem sobre o mundo, porque o progresso sempre nos levava adian-
te, em direção a um horizonte que esperávamos jamais atingir. Graças
ao machado, o passado estava morto e o futuro por ser construído.
PRÓLOGO 17
UM FIO DE
VANTAEEM
Foi assim que aconteceu. Há uns treze milhões de anos, séculos e sécu-
los de estiagem causaram a rarefação das florestas da África Oriental.
Esta variação climática pôs em marcha uma série de acontecimentos
que colocariam todo o ecossistema sob o poder de uma única espécie, a
qual logo iria usar esse poder para cortar seus vínculos com a natureza e
ao final conduzir o planeta à beira da ruína.
O clima mais seco forçou a saída de muitos primatas arborícolas
das florestas onde viviam e colocou-os face à necessidade de se adapta-
rem a novos nichos ecológicos nas savanas em expansão. Os primatas
que permaneceram na floresta evoluíram como chipanzés, gorilas e uma
outra espécie intermediária recém-descoberta. Os que se mudaram
viriam a ser nós. Alguns iriam se tornar fazedores de machados.
É difícil estabelecer com exatidão de onde e do que viemos. Não é
fácil encontrar provas de coisas que aconteceram há milhões de anos.
Por isso, a compreensão científica desses problemas ancestrais está sem-
pre mudando. Certo dia do ano de 1993, por exemplo, uma nova e dra-
mática descoberta obrigou todo o mundo a repensar o calendário dos
acontecimentos humanos: foi quando o antropólogo Gen Suwa topou
com a arcada de um fóssil no centro-norte da Etiópia. Descobriu-se que
ela pertencia ao mais antigo ancestral conhecido do homem, batizado
de Ramidus pela equipe de Suwa.
Quem quer que tenha sido, Ramidus viveu há uns quatro e meio
milhões de anos, tinha cerca de l,20m de altura e características tanto
UM Fio DE V A N T A G E M 27
pulação. Os dedos das mãos foram se tornando cada vez mais ágeis, mais
capazes de produzir manipulações difíceis, cortes precisos inclusive.
Com esses desenvolvimentos vieram os membros assimétricos.
Por motivos óbvios, estes não representam vantagem para quadrúpedes,
pássaros ou mamíferos aquáticos, dado que membros mais fortes de um
lado acabariam por produzir movimentos circulares e o animal não iria
a parte alguma. Com pés hominídeos responsáveis pelo movimento, e
não os membros dianteiros, estes estavam agora livres para se desenvol-
verem independentemente, e assim veio a capacidade de exercer forças
e destrezas diferentes à esquerda e à direita.
Tal capacidade seria comportamentalmente vital no repertório
desses primeiros hominídeos, porque a assimetria das mãos foi acompa-
nhada da assimetria do cérebro. Há cerca de três milhões de anos, o lado
esquerdo do cérebro do pequeno Austmlopithecus diferia do lado direi-
to, cabendo a esse lado esquerdo ligeiramente maior as capacidades
manipulativas produtoras de ferramentas.
As mãos eram agora mais precisas, capazes de movimentos com-
plexos. Os olhos podiam ver à distância e também coordenar os movi-
mentos das mãos, o que conduziu a um aumento da capacidade infor-
macional do cérebro. Cérebros ocupados são cérebros grandes, e assim,
há cerca de dois e meio milhões de anos, o cérebro hominídeo já dobra-
ra de tamanho. A ambidestria, combinada à capacidade acrescida de
processar informações no cérebro, trouxe os hominídeos ao estágio
seguinte da evolução. O novo tipo é chamado de Homo habilis, o ator
principal da história.
Habilis mudou o curso da história, porque foi capaz de dar às
pedras formas instrumentais, e esses instrumentos puderam rápida e
vantajosamente ajudá-los a manipular o seu meio ambiente. Esta capa-
cidade dos primeiros fazedores de machados iria quebrar o ciclo que nos
ligava à natureza e, nos dois milhões de anos seguintes, colocar em peri-
go toda a vida no planeta.
Os primeiros instrumentos primitivos, simples lascas de pedra fei-
tas de fraturas e usadas há 2,6 milhões de anos para cortar e raspar,
foram descobertas onde é hoje a Etiópia. Os machados de pedra deram
então a habilis o fio de vantagem, com instrumentos que não apenas
iriam causar mudanças no meio ambiente mas também liberar para
sempre os seus usuários do lento desenvolvimento dos processos natu-
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augeiramento dos ossos do crânio teve como efeito abrir espaço para a
expansão do cérebro, e deve ter sido por isso que a fala pôde se desen-
volver. A língua também se tornou mais flexível, o que, junto às demais
características físicas, reforçou a capacidade de produzir sons vocais
mais sutilmente controláveis.
Isto produziu um efeito sobre a anatomia, porque acima e além
das mudanças na laringe e na língua, a vocalização exigia maior contra-
te do diafragma e das costelas o que, por seu turno, contribuiu para a for-
mação dos canais nervosos mais dilatados que aparecem na espinha dor-
sal dos humanos modernos. Com todas essas mudanças, então, o cére-
bro dos primeiros hominídeos foi capaz de gerar, pela primeira vez, pen-
samentos complicados e sons simples.
A medida que os fazedores de machados mudavam o mundo e nos
mudavam com seus instrumentos, alteravam também radicalmente nos-
í percepção desse mesmo mundo. Os instrumentos mudaram a forma
finca do cérebro humano. O processo de evolução selecionou, ao longo
áe milhões de anos, a estrutura básica deste cérebro que o homem pos-
sm há alguns milhares de anos, treinado para a detecção das partes do
mundo mais úteis à sobrevivência e à reprodução, ao menos no tipo de
meio ambiente que existia durante a sua evolução. Por esta razão, nota-
mos algumas partes do meio ambiente e não outras: por exemplo, vemos
a radiação eletromagnética com comprimento de onda entre 400 e 680
aanômetros (chamamo-la "curta"), mas não o imenso espectro de outros
comprimentos de onda, como as "radio" ou "microondas".
O cérebro que evoluiu para manejar o mundo em toda a sua formi-
el complexidade era um sistema capaz de integrar a percepção da
realidade por meio de todos os sentidos simultaneamente. A aproxima-
ção de um urso, por exemplo, exige reação imediata. Esta, no entanto,
poderia ser disparada pela visão de um urso inteiro ou de uma parte do
animal, o som de sua corrida, o rosnado, o farfalhar ou o cheiro. Todos
sinais ou qualquer um deles provocaria o tipo de fuga rápida mais
conveniente para a saúde.
Nesse remoto mundo de reações instantâneas, os acontecimentos
eram interpretados de maneira simples e natural: uma tempestade gera-
va a necessidade de achar abrigo e o fogo representava perigo de vida.
Na maior parte do tempo, no entanto, pouca mudança havia nas cir-
stâncias de vida de nossos ancestrais, de modo que o sistema nervo-
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aguçada quanto a nossa, uma vez que não vêem pessoas e animais se
afastando para longe. Quando fora da floresta, eles "vêem" um búfalo à
distância como se fosse um inseto muito próximo. Embora este seja um
oemplo extremo, todas as pessoas se desenvolvem de um modo que lhes
permite perceber aquilo que é necessário para elas, não para os outros.
A ideia geral que se faz dos instrumentos pré-históricos que produ-
rsram em nós e em nosso comportamento mudanças tão radicais é, qua-
ic sempre, a de que foram feitos de instrumentos de pedra, mas a maior
parte deles, no entanto, era feita, muito provavelmente, de materiais
•aturais que não sobreviveram, como ossos, chifres, tendões, peles e
•adeiras. Dois dos mais importantes desses instrumentos orgânicos
devem ter sido as sacolas e os cordões. As sacolas quase que certamente
com usadas para carregar pedras desde o lugar de origem, e carne des-
ir : .usar do abate, e talvez fossem feitas de peles de animais ou folhas
adas. O próprio desenvolvimento dos instrumentos de pedra, espe-
Jmente em áreas pantanosas onde não havia paus nem pedras, deve
.:gido algum tipo de sacola. Uma tecnologia muitas vezes demanda
i desenvolvimento de outra em seu caminho — por exemplo, o motor a
explosão, que iria estimular novas técnicas de pavimentação de estradas,
coiós problemas de escoamento, por seu turno, iriam exigir melhores
•stemas de drenagem. Sem falar de airbags e dispositivos para remover
a poluição dos edifícios.
Quase todas as sociedades coletoras remanescentes na era moder-
na nutrem uma forte afeição pela cestaria e cordoaria. Fabricam redes e
laços, jogam cama-de-gato e disputam cabos-de-guerra. Cordões e bar-
bantes podiam ser feitos de couro animal, folhas de parreira ou cortiça e
asados para fabricar armadilhas, atar anteparos contra o vento, fazer
sedes para o transporte de cabaças de água e para pescar.
Mas quaisquer que fossem os instrumentos, a mais poderosa e dura-
ioura mudança que trouxeram foi, talvez, aquela que afetou o comporta-
mento das comunidades que os utilizavam. A magia de fabricar estes arte-
fatos conferiu poder aos fazedores de machados e, por conseguinte, àque-
les que podiam utilizar os instrumentos para fazer coisas novas. Divisão
fundamental que iria durar até os tempos modernos, o presente do
machado favoreceu os que na comunidade eram bons no manejo do novo
instrumento e da mudança que ele podia trazer. Os vencedores viriam a
ser aqueles que tinham facilidade de usar suas mentes da maneira como
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do sol. Pouca luz solar significa que irão predominar plantas com folhas
l grandes.
Existem dentro de cada um de nós, como no caso dos filhotes de
gato antes mencionados, diferentes talentos que se desenvolvem em
relação ao mundo em que vivemos. Por exemplo, as pessoas diferem em
atura, mas, mantidas as demais condições, embora um indivíduo porta-
dor de genes de grande estatura deva ser realmente mais alto do que
outro que não os possua, o mundo que ambos habitam influenciará o
quão altos eles serão. Por isso, durante sucessivas gerações os norte-ame-
ricanos eram, no conjunto, mais altos que seus pais.
As mentes diferem de maneira similar. Por ter a humanidade evo-
hiido de outros animais, mais recentemente dos macacos superiores
antes deles, dos símios do mundo primevo e, antes destes, dos mamífe-
ros), diferentes centros de talento se desenvolveram em tempos diferen-
tes em diferentes partes do cérebro humano. É por isso que alguns indi-
víduos parecem ser muito bons em ver a si mesmos no espaço e se mover
dentro dele (talentos que são bons para o movimento através das regiões
incultas). Outros se destacam pela habilidade de ouvir sons e logo imitá-
ios com pequenos movimentos em um instrumento musical. Outros são
bons no manejo de pessoas, palavras ou números. Ao mesmo tempo que
a herança individual é, evidentemente, muitíssimo diversa, cada um de
DÓS nasce com uma certa variedade de talentos, muitos dos quais nunca
usamos porque o mundo não nos dá oportunidade. Os leitores deste
fivro, por exemplo, ou sua maioria nunca saberão se seriam bons em poe-
sia suaili, em navegação interestelar ou em construção de igrejas.
Os diferentes centros do cérebro estão abarrotados de talentos,
dentre eles a capacidade de sentir o mundo, de conhecer as próprias
emoções e as alheias, de mover-se com graça, de localizar e identificar
objetos no mundo em mutação, ou a aptidão para o cálculo, a conversa,
a literatura, a música, a organização da personalidade. E muitas outras
mais.
O crescimento e desenvolvimento de qualquer pessoa é, como o
próprio curso da evolução, uma luta. A evolução biológica é uma luta
entre diferentes plantas e animais, enquanto a evolução do indivíduo
humano é uma luta entre vários talentos. Assim como os filhotes podem
perder a capacidade de ver linhas verticais, nós podemos perder muitos
de nossos talentos à medida que nos desenvolvemos.
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1
Peça de vestuário da Sibéria e do Alasca, espécie de agasalho com capuz (N. do T.)
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Cada sinal entalhado no bastão era feito com um golpe de uma fer-
ramenta de tipo especial. Alguns são simples linhas retas, outros são
linhas curvas, outros se parecem com pontilhados. As marcas aparecem
também em conjuntos, dispostos horizontalmente formando uma linha.
Em alguns casos, o entalhador virava o bastão e continuava a série na
parte de trás, para ter lugar para todas as marcas. Isto bastaria para indi-
car que o trabalho não tinha a mera intenção de arte. Com toda proba-
bilidade, as gravações representam a primeira forma de notação infor-
macional. Sua mera existência é prova do estágio altamente desenvolvi-
do da inteligência de seus autores. As faculdades cognitivas necessárias
para produzir os bastões requeriam um cérebro capaz de operar séries
complexas de conceitos visuais e temporais, exigindo tanto memória
como reconhecimento. São exatamente estas as capacidades mentais
envolvidas na moderna leitura e escrita. Esses artefatos revelam a pre-
sença, já há aproximadamente 20 mil anos, de cérebros totalmente
desenvolvidos, totalmente modernos. Mas a maneira como esses cére-
bros pensavam o mundo era ainda muito diferente da nossa.
Os bastões evocam uma existência repleta de símbolos mágicos
como as estatuetas de Vénus e os rituais associados à arte das cavernas e
à vida além-túmulo. As notações nos bastões se ajustam ao contexto de
um repertório cultural sofisticado que incluía instrumentos decorados,
amuletos pintados com ocre vermelho, decoração pessoal, objetos e ima-
gens rituais, inclusive fúnebres, que envolviam elementos cuidadosa-
mente dispostos com arranjos florais e representações antropomórficas,
como o homem-cervo "Feiticeiro" antes mencionado. Os membros des-
sas comunidades estavam muito distantes dos trôpegos e simiescos
homens das cavernas imaginados pelos arqueólogos modernos até umas
poucas décadas atrás.
A primeira pista da finalidade específica dos bastões vem do fato
de terem sido todos eles encontrados em latitudes meridionais, em tor-
no do Mediterrâneo, principalmente na França, Itália e Espanha. É aqui
que, tendo o gelo finalmente começado a recuar, a melhoria do clima se
teria feito acompanhar do aumento da vegetação, de uma variedade
crescente de animais de caça e da oportunidade de os humanos se bene-
ficiarem de ambos. A segunda pista é que a regularidade e a repetição de
conjuntos padronizados de entalhes nos bastões indicam um senso de
periodicidade.
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cunstância. Olhar para eles ou mesmo tocá-los quantas vezes fosse não
tomaria claro o seu significado sem o código especial que só o xamã e
seus acólitos conheciam. Os símbolos eram a prova visível da existência
de um tipo de conhecimento artificial do mundo que conferia poder
àqueles que sabiam como usá-lo. Era o tipo de conhecimento que iria
provir, cada vez mais, dos fazedores de machados, e que iria alargar o
fosso entre os que produziam mudanças e os que somente as aceitavam.
Os bastões talvez tenham causado um último efeito, que penetrou
fundo nas mentes dos membros da primitiva raça humana. A língua que
falavam quando deixaram a África era compartilhada e devia ser sufi-
cientemente desenvolvida para descrever os instrumentos que prolifera-
vam e seus diversos usos, bem como para organizar a complexidade
social resultante. Mas, à medida que o sucesso dos próprios instrumen-
tos ajudava os viajantes a irem cada vez mais longe mundo afora, os gru-
tos se dividiam e redividiam, tomando diferentes caminhos, por dife-
rentes vales, diferentes rios e diferentes montanhas, sobrevivendo mais
facilmente separados do que juntos.
Com o passar do tempo, tendo a raça humana se dividido vezes
sem conta, aqueles primeiros momentos de separação talvez se tenham
tornado, em algum lugar do Oriente Próximo, uma lembrança semi-
esquecida, apenas lembrada em mitos e rituais. Assim foi também com
a língua que um dia todos compartilhamos. À medida que os instrumen-
tos se tornaram mais específicos de cada meio ambiente, e que os ruídos
usados para descrevê-los (e tudo que eles tornaram possível) se tornaram
mais ligados à localidade, perdemos nossa identidade única original em
uma babel de novos dialetos que com o tempo se transformaram em lín-
guas diferentes operando em cérebros diferentemente organizados. Os
presentes dos fazedores de machados nos haviam dado distintas manei-
:e expressar distintas realidades e distintas visões do mundo basea-
das em distintos sistemas de valores gerados em conformidade com o
meio ambiente.
Há cerca de 12 mil anos, as tribos agora física e culturalmente
diversas estavam dispersas em todos os continentes, com exceção da
Antártida, incompreensíveis umas às outras, com suas ancestrais origens
africanas esquecidas e sua existência firmemente enraizada nas terras
para as quais seus instrumentos as haviam trazido. Elas já não podiam
retomar. Podiam apenas parar e se estabelecer.
Capítulo 2
UMA CONTRIBUIÇÃO
SIMBÓLICA
-
No início estava a linha de base: números, não palavras. Em primeiro
lugar, a existência de um excedente significa que havia mais alimentos
do que a comunidade precisava. Tal excedente podia ser poupado para
consumo posterior ou ser usado como forma de pagamento de serviços
por pessoas não alocadas prioritariamente na produção de alimentos.
Podia também ser usado como presente ou como oferenda nos rituais
religiosos. Em qualquer caso, sua existência exigia inventariamento e
este por sua vez exigia medição.
O salto intelectual expresso no desenvolvimento da contagem,
que aparece neste período, é semelhante ao salto da capacidade cogniti-
va de uma criança na sua primeira fase de desenvolvimento. Muito cedo
em suas vidas as crianças contam em "uns", "dois" e "muitos". Esta capa-
cidade é, provavelmente, o entendimento humano fundamental da
quantidade, dado que pode ser encontrada em crianças de todas as
sociedades primitivas e antigas. Um membro da tribo veda do Sri Lanka
contando cocos assinalará uma barra para cada coco, mantendo um
registro correlativo: um coco, uma barra. Pergunte-se-lhe quantos cocos
contou e ele provavelmente apontará para as barras e dirá qualquer coi-
sa como: "aqueles".
O mesmo se verifica em todas as sociedades que conhecemos.
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t, alguém parece ter-se dado conta de que era ainda mais simples eli-
ras moedas dentro do envelope e usar apenas a impressão externa.
0 tempo, o próprio envelope, agora vazio, assumiu a forma de uma
^ o o s símbolos d a s peças.
Com o aumento da quantidade de pessoas e mercadorias, e uma
que marcas já vinham sendo aceitas no lugar de objetos sólidos, a
•a técnica estimulou o surgimento de outras maneiras de representar
formação. Outro avanço significativo ocorrido nesta mesma época
Q aparecimento dos primeiros símbolos aritméticos, na forma de sig-
ide quantidade. Onde antes três ovelhas eram representadas por três
individuais portando uma cruz entalhada (a correspondência de
i paia um já descrita), os sumerianos agora produziam uma abstração
lente destinada a representar quantidades, um número.
Tendo sido usados de início para representar medidas de cereais, a
ária básica, os símbolos numéricos logo foram compreendidos
i o mundo. Mais tarde, há cerca de cinco mil anos, um salto qua-
• se operou. Os contabilistas de Uruk, uma das primeiras cidades
apotâmia, foram capazes de abstrair do conceito de "duas olivei-
, "duas ovelhas" e "dois fardos" o conceito de "dois", independente
t objetos referidos. Esses contabilistas imaginaram signos gémeos:
lis, que eram números propriamente ditos, e pictogramas, que
avam as mercadorias. Eles eram produzidos de maneiras diferen-
kos numerais impressos na argila úmida e os pictogramas talhados na
1 dura. Uma placa de Uruk mostra uma dessas representações, cin-
as descritas por meio do pictograma "ovelha" combinado com
i cunhas impressas.
Este sistema foi mais tarde aperfeiçoado. Um linha ("pequena")
significava "l" e um círculo ("grande") valia "10". E podiam ser
lados. Um círculo e duas linhas representava "12". No início, os
los eram aplicados ao pagamento de cereais, depois ao pagamento
: trabalhadores e, finalmente, como números propriamente ditos,
usados para representar qualquer tipo de quantidade. Usadas
meio de administração e contabilização dos artigos e animais,
marcas simbólicas são prova de avanços importantes no controle
e da comunidade. Número e mercadoria estavam separados
sempre e, como resultado, os números podiam agora ser aplicados
i quantificar qualquer coisa no mundo. Tornáramo-nos capazes de
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pensar o mundo como algo que podia, tanto quanto o grão e as ovelhas,
ser inventariado, controlado e redistribuído.
A esta altura, novos presentes dos fazedores de machados facilita-
vam a organização e manutenção dos centros, que cresciam em tama-
nho e população. O arado puxado a boi impulsionava a produção de
grãos, a roda e o barco os transportavam, o torno de oleiro fabricava cân-
taros para acondicioná-los, e a roda d'água transformava-os em alimento
para pessoas que agora viviam em casas feitas de tijolos secos a fogo em
comunidades protegidas por armas metálicas. Animais de tração fertili-
zavam o solo, o arado aumentava a área de terra trabalhável e a agricul-
tura "de pousio curto" (plantio e colheita frequentes) produzia safras em
sequências mais rápidas. As coisas estavam mudando mais depressa.
A generalização da agricultura marca o ponto em que os presentes
dos fazedores de machados nos haviam dado a capacidade de mudar
nosso ambiente no espaço de uma única estação e de reduzir a quanti-
dade de tempo que uma comunidade necessitava para superar uma má
colheita. Alguns milhares de anos passados desde a invenção da irriga-
ção no Oriente Médio, os mesopotâmios já faziam florescer o deserto e
mudavam o caráter da terra como nunca fora feito antes.
Com suas redes de canais de irrigação distribuindo a água dos rios
para as terras cultiváveis dos arredores, a civilização "hidráulica" surgida
há cerca de sete mil anos trouxe pela primeira vez a percepção de que os
humanos podiam promover alterações de larga escala na conformação
natural do mundo. Esta nova capacidade foi celebrada no tema domi-
nante de toda a mitologia mesopotâmica: o caos da natureza podia ser
transformado em uma ordem humano-divina. A sociedade e seu
ambiente eram agora ambos controláveis.
A passagem para uma sociedade agrícola, sedentária, mudou tam-
bém radicalmente o papel da mulher. Antes, as habilidades das mulhe-
res incluíam provavelmente o conhecimento da ecologia para coleta de
alimentos, a guarda do fogo, a fabricação de recipientes de madeira e
argila, a preparação dos alimentos e o uso das partes animais para propó-
sitos utilitários. Deviam conhecer as ervas medicinais e saber transfor-
mar plantas em tinturas e fios para convertê-los em vestuário. Suas habi-
lidades eram, portanto, iguais, senão superiores, às dos homens. Mas
quando a agricultura gerou propriedade excedente, o poder de distribui-
la foi outorgado aos seus possuidores, quase que exclusivamente
UMA C O N T R I B U I Ç Ã O S I M B Ó L I C A 65
O ABC DA
LÚEICA
letras assim e menos tempo ainda que elas são lidas da esquerda para a
direita.
Os seres humanos vêm registrando informações de muitas formas
diferentes: signos, marcas, números e taquigrafia. Os signos podem se
apresentar em escrita cursiva, de cima para baixo ou de baixo para cima.
A direção da leitura pode alternar, primeiro à esquerda, depois à direita,
ou primeiro acima, depois abaixo. A escrita pode ser expressa em picto-
gramas lidos para cima e para baixo, da direita para a esquerda, em espi-
ral, ou em formato de tijolos, e de muitas outras formas.
Um desses formatos, o nosso alfabeto de vinte e seis letras escrito
da esquerda para a direita, adquiriu sua forma moderna há dois mil e
quinhentos anos, na Grécia. Junto com o bastão do xamã, o tipo móvel
de Gutenberg e o computador eletrônico, ele é um dos pilares do pensa-
mento moderno.
A aparição seguinte do alfabeto, depois das ocorrências em Serabit
el Khadem, se deu na Fenícia, o atual Líbano. O primeiro texto comple-
to consiste em umas poucas palavras escritas com um sistema de vinte e
duas consoantes, no ano 1000 a.C., no sarcófago do rei fenício Ahiram,
de Byblos. O novo alfabeto deve ter aparecido aos fenícios como irresis-
tível porque, como já foi dito, a base fonética das letras facilitava a
comunicação em qualquer língua. Os fenícios, os maiores viajantes do
Mediterrâneo antigo, estavam em constante contato com outras comu-
nidades.
Eles aparecem em Homero: "famosos como navegadores e trapa-
ceiros, trazendo milhares de bugigangas em seus barcos negros".
Carregados de mercadorias, os fenícios levavam seu comércio a todos os
recantos do mundo conhecido. A Fenícia exportava pinho e cedro do
Líbano, rendas finas de Byblos e Tiro, metal e vidro, sal e peixe.
Importavam metais e pedras preciosas, papiro, ovos de avestruz, mar-
fim, seda, especiarias e cavalos. Descobriram uma tintura extraída de
um molusco raro, tão cara que ficou conhecida como "púrpura real". Os
mercadores fenícios iam longe, levando com eles o novo alfabeto: suas
inscrições foram encontradas em lugares distantes como Chipre,
Marselha, Espanha, Sardenha e Malta.
Mais tarde, em algum momento do século IX a.C., os fenícios se
depararam com as primeiras colónias gregas, na costa da Ásia Menor
(Turquia), na ilha de Rhodes e talvez também em Creta e Chipre. Esse
O ABC DA L Ó G I C A 83
um modo que uma pessoa não instruída nunca poderá fazer. O material
escrito é necessariamente "datado" e fixado, enquanto a tradição oral é
"viva" e fluida. Nesse sentido, Heródoto foi menos o Pai da História do
que um filho do alfabeto.
Ao contrário da escritura primitiva da Mesopotâmia e do Egito, o
antigo alfabeto grego não foi usado originalmente na administração e na
contabilidade. Isto é surpreendente por ter a transferência do alfabeto
ocorrido em um assentamento comercial. A utilização mais remota que
se conhece (por volta do ano 800 a.C., em Creta) é a gravação, na pare-
de de um templo, de proclamações públicas de leis gregas e não-gregas.
O novo alfabeto também aparece em artigos pessoais de luxo, como
vasos, nos quais se incluía com frequência o nome do proprietário. Na
ilha italiana de Ischia, em 720 a.C., um vaso conhecido como "A Taça de
Nestor" continha uma mensagem alfabética onde se lia: "A taça de
Nestor é boa para nela se beber. Mas quem dela beber será tomado pelo
desejo de Afrodite."
O alfabeto causou uma revolução imediata na estrutura da socie-
dade porque, sendo muito fácil de aprender, permitia que muitas pes-
soas agora pudessem ler. Diversas culturas se arranjaram bem com os
pictogramas e outros sistemas de escrita, mas a moderna expansão da
instrução e da democracia se devem, basicamente, à simplicidade do
alfabeto grego. Devido à complexidade de seu sistema de escrita, uma
cultura como a japonesa, ainda que tenha adotado muitos elementos da
vida ocidental, ainda hoje requer uma educação muito mais longa (e que
pressiona muito mais os estudantes) do que a ocidental. Mas voltemos à
Grécia.
1. nada existe e
2. se realmente existe, o homem não pode conhecer, mas que
3. se alguém de fato conhecesse, não poderia comunicá-lo.
Mas não foi a considerável e variada produção dos filófosos gregos que
veio a ter, ao final, o maior peso na formação de nosso pensamento, e
sim o trabalho de um discípulo de Platão. Aristóteles, filho do médico de
Felipe da Macedônia, ingressou na Academia Ateniense com a idade de
17 ou 18 anos, onde se tornou um ardente platonista. Com a morte de
Platão, vinte anos mais tarde, ele deixou a Academia, em parte devido
ao sentimento antimacedônio, em parte por desagrado com o tipo de
platonismo que se ensinava ali, tendente a reduzir a filosofia à matemá-
tica. Ao mudar-se para a costa da Ásia Menor, Aristóteles começou a
considerar o problema que Platão deixou sem resolver: o modo como a
mente (que é distinta e superior ao mundo) adquire o entendimento da
matéria.
Tendo deixado a Grécia, afastou-se de Platão, especialmente no
que se refere às ideias deste sobre a observação da natureza. Aristóteles
concentrou-se especialmente na biologia, mencionando em suas várias
obras (História dos animais, Sobre as partes dos animais etc.) umas qui-
nhentas espécies de animais. Acredita-se que tenha dissecado pelo
menos cinquenta deles, esforço pioneiro em sua época.
As técnicas de Aristóteles moldaram o modo de se organizar o pen-
O ABC DA L Ó G I C A 97
t A FÉ A/O
;
PODER
C-^/uando Roma surgiu como poder imperial, os fazedores de macha-
dos já haviam fornecido meios suficientes para que uma pequena elite
lesse viver com relativo conforto e ordem e para que a maioria dos
indivíduos estivesse ocupada em uma miríade de diferentes atividades.
o século V, quando Roma caiu, o fim na civilização parecia próximo
tra os seus cidadãos.
Mas os fazedores de machados vieram para o resgate, uma vez
mais. Sob a forma do conhecimento clássico — preservado quase intac-
> durante toda a Idade Média —, os presentes deles depositariam em
•aos de uma única autoridade central ainda mais poder sobre mais pes-
«oas, as quais teriam de se conformar com as regras de comportamento
mais amplas e restritivas que jamais haviam existido. Depois de terem os
jpotâmios definido a estrutura social e os gregos moldado o pensa-
ito, as restrições surgidas na alta Idade Média iriam estreitar ainda
as opções individuais. Nos séculos que se seguiram ao fim de Roma
- cujo modelo de administiação foi seguido pelo regime que juntou os
•eacos após a queda do Império —, os presentes dos fazedores de macha-
ÍDS dariam aos líderes o poder de controlar as crenças pessoais mais fun-
damentais de seus seguidores.
Com a ajuda do conhecimento grego alexandrino, os romanos
•aviam sido os primeiros a governar um império altamente centraliza-
o qual se apoiava no uso extensivo de tecnologia e se estendia por
incias continentais. Em seu ápice, Roma governou tudo o que exis-
desde a Escócia até o Sudão e de Portugal até o Ira. E o maior impé-
que o mundo jamais havia visto existiu para um único propósito: pro-
e sustentar a autoridade central. Os romanos usaram a ciência e a
rnologia de seus talentosos súditos gregos para construir e manter
imensa burocracia, cujo poder & influência não encontra paralelo,
nem mesmo no moderno Serviço do Imposto de Renda.
110 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
tou obter uma cópia dos Profetas escrita em letras grandes e sem abre-
viações, por causa de sua visão deficiente.
A capacidade de ler, escrever e se comunicar à distância elevou os
hierarcas cristãos a uma posição extremamente poderosa sobre os reis e
príncipes iletrados, que dependiam totalmente do clero para ajudá-los a
administrar seus territórios. Foi então que novos termos foram introdu-
zidos na linguagem, tais como fazer "auditorias" e dar "audiências", nas
quais eram apresentadas provas orais porque a maioria dos envolvidos,
mesmo os de mais alta posição na sociedade laica, eram analfabetos e só
podiam entender a língua falada. Mas quando um cardeal corrigiu o
latim do imperador Sigismundo, ele respondeu: Ego sum rex Romanus
et super grammatica ("Eu sou o imperador romano e estou acima da gra-
mática").
Era fácil para a Igreja controlar um mundo iletrado, principalmen-
te por meio de suas comunidades monásticas e bispos. Na Alta Idade
Média, o ensino estatal romano tinha desaparecido e nada o havia subs-
tituído que pudesse competir com o sistema educacional controlado
pela Igreja. O conhecimento estava agora nas mãos de uma fração ínfi-
ma da população, era exclusivamente religioso em seus propósitos e
dava à Igreja o monopólio do controle sobre todos os aspectos da vida
social que exigiam instrução e aprendizado.
O papa Gregório fez da arte um instrumento de propaganda. Ele
disse:
Na Baixa Idade Média, a arte seria usada de várias maneiras para propa-
gandear a autoridade papal sobre os governantes seculares. Imperadores
e antipapas são repetidamente mostrados esmagados sob os pés de um
A FÉ NO P O D E R 115
i de seu bispo, o que era uma ameaça direta ao poder real de desig-
• o episcopado. O papa podia também fazer estabelecer regras escri-
i abrangendo toda a Igreja e convocar um Concílio Geral.
O crescimento do poder papal se evidenciava aos poucos em todo
ridente. Desde o século VII, tornou-se obrigatório que todo arcebis-
i recém-eleito visitasse Roma para ser investido com um pálio, uma
: de lã que devia vestir, durante o ofício, como sinal de que estava
L comunhão com a Sé Romana.
Paralelamente, o papado começara a assumir a antiga função
rial no Ocidente, especialmente do século VIII em diante, graças à
:
icacão da Doação de Constantino. De acordo com este documento
somente se descobriu ser uma fraude no século XV) o imperador
istantino dera a cidade de Roma ao papa (e, por extensão, o contro-
: todo o Ocidente) no século V, quando transferiu a sede do Império
i Constantinopla. A "doação" autorizava o papa a portar o diadema e
sígnia papal e conferia status senatorial ao clero romano. Na época
; Pascal II, mais exatamente em 1099, os papas passaram a ser coroa-
e depois de Gregório VII sua "entronização" na basílica de São João
ao era acompanhada da entrega do manto imperial vermelho, cuja
: conferia legitimidade no caso de rivalidade entre papas. As autori-
imperiais, por sua vez, podiam usar a Doação para "provar" que o
jado exercia o comando através de seu beneplácito.
O papado não apenas tentou remover a Igreja de sua subserviên-
i para com a autoridade secular como também proclamou-se superior
srarquia secular. Em resposta, os reis e imperadores europeus come-
am a se investir de um caráter religioso, no mínimo sagrado, quando
sacerdotal. Começaram por se fazer ungir nas coroações, as quais
liram a forma de cerimónias religiosas que os declaravam possuí-
da "unção do Senhor". A verdadeira unção, é claro, era dada tão
^úentemente quanto possível pelo próprio papa. Roma tentou calçar
ier real desse modo, dotando os reis e imperadores de um caráter
ido e tornando obrigatório que todos os súditos se lhes submetes-
com fé e cega obediência, porque (fazendo eco à Mesopotâmia)
jele que resiste a este poder resiste à ordem desejada por Deus". Mas
jbmissão dos fiéis era uma espada de dois fios que podia ser brandida
i poder real contra o papado.
O concílio da Igreja convocado em Paris no ano de 829 definiu os
118 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
deveres dos reis em termos que foram desenvolvidos dois anos mais tar-
de por Jonas, bispo de Orléans, em seu De institutione regis, que perma-
neceu como modelo de instrução real por toda a Idade Média. No con-
cílio, os bispos anunciaram:
"O ministério real consiste, de modo especial, em governar e diri-
gir o povo de Deus com equidade e justiça e em cuidar da provisão da
paz e da concórdia. Acima de tudo, o rei deve ser o defensor das igrejas,
dos servos de Deus, das viúvas, órfãos e de outras pessoas pobres e
necessitadas."
O controle eclesiástico, baseado nos poderes da instrução, inseriu
o clero em todos os aspectos da vida secular. Bispos e abades recebiam
concessões de terras dos reis e nobres, embora as nomeações reais fre-
quentemente os colocassem em posição inferior frente ao monarca.
Mas reforçavam de fato seu poder político e económico em todos os rei-
nos do Ocidente, dando-lhes poder senhorial sobre milhares de campo-
neses. Durante todo este período, bispos e abades tinham assento em
conselhos reais, influenciavam a redação de códigos legais seculares, e
eram figuras importantes nas decisões de Estado. Durante os séculos IX
e X, os eclesiásticos se viram frequentemente envolvidos em questões
de organização militar, uma vez que a partir do século IX passaram a ser
vinculadas à concessão de terras certas condições, como a obrigação de
que os beneficiários eclesiásticos reunissem, quando requisitadas, uma
quantidade especificada de tropas para o serviço de seus benfeitores.
No século XI, o controle da Igreja sobre a sociedade ocidental era
firme, ainda que não incontestado. Igrejas haviam sido criadas em todas
as principais áreas de assentamento por toda a Europa do Norte, o que
possibilitou o crescimento de um sistema de paróquias. Todas os habi-
tantes de uma cidade ou aldeia da Europa Ocidental tinham uma igreja
local.
A Igreja passou então a controlar outros níveis, adquirindo um
domínio sem precedentes sobre os pensamentos e sentimentos de todos
os indivíduos por meio de um dos mais eficazes sistemas de disciplina
social jamais concebido: a confissão. No século XII, todo pecado ou
ofensa cometida contra a doutrina da Igreja tinha de ser comunicado
em privado a um sacerdote; não fazê-lo podia levar à punição, até mes-
mo à sanção final de excomunhão da comunidade cristã, privando o cul-
pado de todas as formas de proteção da lei civil e canónica. A confissão
A FÉ NO P O D E R 119
1
luz da razão e a teologia o fazia à luz da revelação. Embora a razão fosse
ada na teologia, a revelação não penetrava no reino da filosofia, e esta
podia contradizer a teologia porque a verdade não podia contradi-
verdade. A razão humana podia demonstrar algumas verdades da
elação e mostrar que outras verdades eram supra e não anti-racionais,
; a fé era um reino no qual a razão não podia governar. Para Aquino,
1
e o conhecimento, por conseguinte, não eram mutuamente exclu-
ites. Ele dizia que a fé assumia o comando ali onde terminava o co-
ecimento. O objetivo tanto da razão quanto da teologia era o "Ser", e
ibora a razão não pudesse, em última instância, apreender o "Ser",
: tornar plausível a fé. Dessa forma, ele demonstrou que fé e conhe-
nento não eram antitéticos. Aquino assim resumiu seu ponto de vista:
r é pensar com aquiescência."
Aquino expôs a falta de tolerância para com os adversários, que se
ia esperar de um defensor da ordem estabelecida justificando a exco-
lão e a execução, alegando que uma vez que seus pecados afeta-
i a alma, eles deviam ser mais rápida e severamente punidos do que
falsificadores e os ladrões. Mas a Igreja devia advertir duas vezes,
srando seu retorno, antes de excomungá-los e de conduzi-los aos
ieres seculares para a execução.
Com esta Suma, Aquino deixou todo o poder do presente do racio-
smo em mãos seculares. Ele se curvou ao poder da geometria admi-
que Deus não podia fazer os ângulos internos de um triângulo
r mais do que dois ângulos retos. No futuro, haveria dois tipos de
lecimento: o que se relacionava com a revelação (território da teolo-
e o que iria lidar com o mundo natural (a ser tratado pela razão e
filosofia).
Com esta decisão, a Igreja deu uma oportunidade a mais para que
; fazedores de machados fossem adiante e se multiplicassem. O resul-
i iria um dia se tornar conhecido como "ciência". Mas a libertação do
cionalismo por essa via era mera aparência. Nenhuma "ciência" seria
do controle eclesiástico durante séculos. Na verdade, em todo o
ipo decorrido até o advento do mundo moderno, a maioria dos cien-
as seria de gente da Igreja e, até Darwin, a ciência seguiria trabalhan-
i pela sustentação da religião estabelecida.
Uma das primeiras manifestações de uma visão nova, mais secular,
i obra de um clérigo britânico chamado Roger Bacon, no final do sécu-
132 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
TALHADO PARA
A IMPRESSÃO
'esde os tempos do primeiro machado, o conhecimento trouxe
•oder para os que se encontravam em posição de usá-lo. Com os presen-
s dos fazedores de machados, fossem os primeiros efeitos mentais
"Seqúencializantes" da linguagem e da fabricação de instrumentos ou os
•astões preditivos do xamã, fosse o potencial burocrático da escrita
tnneiforme da Mesopotâmia, a força analítica liberada pelo alfabético
r_.T:e da lógica cortadora-de-mundo ou ainda a coerção mental propicia-
«2 pelo confessionário, essas instituições e indivíduos estabelecidos no
poder estavam armados de um conhecimento cada vez mais eficaz, que
podiam usar para cortar e controlar o mundo natural e a sociedade
humana.
O presente seguinte iria modificar radicalmente o modo de regis-
n e disseminação do conhecimento. Ele mudaria a própria natureza do
conhecimento, o modo como poderia ser usado e quantas pessoas pode-
iram acessá-lo. E dado que todo progresso nas comunicações torna as
Bolsas mais complicadas, o presente iria quebrar a estrutura social
•onolítica da cristandade e disseminar o controle em direção aos cen-
tos periféricos de poder. Isto foi possível porque, de uma só tacada, o
IDVO presente fez crescer também a quantidade de fazedores de mu-
•Hiças.
Em 1439, na cidade alemã de Mainz, um ourives chamado Johann
Gutenberg descobriu que havia se enganado sobre a data de uma feira
e peregrinos nas proximidades de Aachen. Esperava-se que muitos
concidadãos se dirigissem à feira, de modo que Gutenberg tratou com
•na dupla de investidores a produção de pequenos espelhos para ven-
ieraos peregrinos. Quando se deu conta de que a feira só iria acontecer
•m ano depois, Gutenberg revelou aos seus sócios uma oportunidade de
•vestimento alternativa que vinha imaginando havia algum tempo:
138 | O P R E S E N T E D OF A Z E D O R D EM A C H A D O S
to. A razão desta ação desesperada era devida a que as fronteiras do les-
te francês confinavam com estados e cidades protestantes, que produ-
ziam, cada uma, uma imensa quantidade de livros facilmente contra-
bandeados para a França. O banimento visava assegurar que nenhum
livro fosse impresso na França, de modo que todo livro descoberto no
país seria, por definição, ilegal.
Na comunidade protestante, o impulso para a instrução que leva-
ria a palavra de Deus a todos os leitores introduziu formas mais íntimas
de controle. Era mais fácil mudar o comportamento em um lar instruí-
do por meio de livros do que jamais o fora desde o púlpito, pelo simples
fato de que existiam mais livros do que párocos. Os puritanos o reconhe-
ceriam mais tarde e introduziriam um conjunto estrito de padrões e
regras impressas para os costumes domésticos. Volumes selecionados de
"conselhos" domésticos aplicaram este ponto de vista em guias como o
"For the Ordering of Puritan Families According to the Direction of the
God'sWord", de 1598.
No início da década de 1660, as regras de conduta da Igreja purita-
na foram especificadas em injunções oficiais impressas, distribuídas até
para os leigos com a finalidade de identificar e reportar comportamen-
tos eclesiásticos desviantes dentro da congregação e do clero.
As autoridades foram também capazes de fomentar entre seus
súditos um sentido coletivo de cultura e identidade nacional, graças
também à maneira como a imprensa gerou um novo senso de história.
Este foi inicialmente provocado pela publicação, no início do século
XVI, dos clássicos da Grécia e Roma antigas, que haviam aturdido e
excitado um crescente núnero de leitores desde o Renascimento.
Os reis (e os fazedores de machados que trabalhavam para eles]
começavam a olhar agora para a sua própria história em busca de provas
de respeitabilidade dinástica. No século XVI, o inglês William Camden
escreveu uma história chamada Remaines Concerníng Britaine, compi-
lada, segundo ele, por "amor ao país" e que continha a vida dos reis, des-
crições do país e seus habitantes, línguas, nomes, armas, moedas, vestuá-
rio, estradas, vilas e cidades, cenários e recursos naturais. No mesmo
espírito, um grupo de historiadores ingleses fundou em 1572 a So-
ciedade Elisabetana de Antiguidades para estudar e preservar velhos
manuscritos ingleses, enquanto em 1577 William Harrison publicava A
Historical Description ofthe Land of Britaine.
TALHADO PARA A IMPRESSÃO 147
NOVOS
MUNOOS
E n 22 de julho de 1502, o administrador italiano do ramo hispânico
toma agência de navegação florentina desembarcou em Lisboa no
U de uma viagem ao Brasil. Era a sua terceira travessia transatlântica,
• qual ficou famoso, uma vez que em 1507 uma versão de seu nome
impressa numa pequena inserção em um mapa desenhado pelo car-
fo francês Martin Waldseemúller, mostrando onde o navegador,
co Vespúcio, havia estado.
O mapa de Waldseemúller causou uma tempestade na Europa
mostrou o mundo como Vespúcio o havia visto, com um conti-
extra no meio do Atlântico e um outro oceano além, separando-o
. Colombo nunca havia expressado este ponto de vista e, em
;er caso, pouco ou nada se ouvira falar sobre ele desde 1497.
Em 1505, Vespúcio registrou suas viagens em uma carta que intitu-
) Novo Mundo", a qual em 1527 já havia sido publicada em vinte e
edições latinas e trinta e sete versões vernáculas em todas as princi-
Imguas da Europa. Na época, o continente ainda era referido pelo no-
Waldseemúller havia cunhado a partir do primeiro nome de Ves-
'América". E a descoberta da América iria causar um furor total.
Desde os tempos do primeiro instrumento de pedra, os presentes
fazedores de machados haviam dado às instituições de liderança os
de remodelar o mundo. Sempre que o fizeram, estruturas e siste-
inteiramente novos apareceram na forma dos escudos de madeira
caçadores-coletores, do controle das cidades da Mesopotâmia, da
grega para reforçar a conformidade da investigação dos processos
is, do estratagema medieval da "reprodução do fenómeno" e as
profissões regulamentadas pela impressão. Mas agora, ao tornar-
que o mundo não era absolutamente o que parecia ser, um tipo
ente novo de conhecimento iria surgir.
160 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
Atlântico. Poucos anos mais tarde, quando da criação dos arquivos esp
cializados em Sevilha, a estrutura de administração e ordenamento i
dados americanos já estava estabelecida.
Mais e mais viajantes retorYiavam do novo continente trazei
questões que solapavam todos os tipos de autoridade. Como podi
esses ameríndios nus e selvagens ser descendentes de Adão e Eva?!
Ptolomeu, a autoridade clássica inquestionada em assuntos de geog
e em cujos mapas toda a cartografia contemporânea estava baseada,:
sabia da existência da América, que dizer da precisão do restante de:
dados? Se o supremo Aristóteles se enganara sobre o número de
nentes (ele havia dito que eram três), podia-se confiar no seu método í
classificação da natureza, alicerce da vida intelectual do Ocidente?
Mas o pior ainda estava por vir. Ao mesmo tempo que eram lev
tadas dúvidas sobre a natureza do mundo, outras tantas questões er
colocadas sobre a natureza do cosmos. O pensamento cosmológico i
ciai da época seguia a descrição aristotélica da Igreja, de um univí
formado por uma série de esferas giratórias invisíveis, feitas de al|
material não terreno, em que viajavam o Sol, a Lua, os planetas e!
estrelas. No centro de tudo, a Terra, imóvel.
Este sistema cósmico constituiu, durante séculos, a base da ac
nistração social porque provia o calendário dos dias litúrgicos sagra
que os fiéis tinham obrigação de observar: deixar de fazê-lo podia <
prometer as chances de salvação. Desafortunadamente, o cálculo as
nômico permanecera virtualmente inalterado desde o primeiro séc
quando Ptolomeu alterou o modelo de Aristóteles com a introduç
conceito de planetas que giravam sobre esferas menores ligadas à <
principal, conceito que pretendia dar conta da maneira como certos t
pôs, como Marte, pareciam às vezes andar para trás. No século XV]
sistema foi modificado com a inclusão de não menos de noventa de
"epiciclos" e era inapelavelmente impreciso. O cáculo exato da Pásc
partir da posição relativa do Sol e da Lua era agora impossível. O
ma de Ptolomeu havia deixado escapar a festa máxima da Igreja.
Mas era teologicamente vital reencontrar a Pácoa, e por isso Ri
pediu a um de seus astrónomos, um canónico polonês cham
Kopernik, para resolver o problema. Assim fez Copérnico (nome Ia
pelo qual é mais comumente conhecido), não tendo outra alterna
Novos M U N D O S 163
cos e das grandes instituições, uma das quais era agora a Real
:edade. Alegava-se que todos os que resistiam à filosofia experimen-
tal como praticada pela Real Sociedade, resistiam também por defi-
à religião estabelecida. Ainda os ecos da Mesopotâmia.
Muito mais ainda seria negado às pessoas não-conformes porque,
ida que surgiam novos instrumentos de observação, um tipo com-
mente novo de conhecimento começava a aparecer sob a forma de
menos "instrumentais", aqueles que somente podiam ser observa-
com a ajuda de instrumentos como telescópios e microscópios.
m e Descartes tinham capacitado os fazedores de machados a criar
próprios "novos mundos", conhecidos somente por pessoas que dis-
m de equipamentos para observá-los e que fossem qualificadas
trabalhar com eles.
A proliferação da investigação instrumental começou também a
novas disciplinas. Em 1673, a Sociedade tinha diversos comités, ca-
dos quais lidava com diferentes materiais e observações trazidos
Io o mundo. Estes incluíam agora temas de farmácia, agricultura,
idades, cronologia, história, matemática, construção naval, via-
mecânica, gramática, química, navegação, arquitetura, hidráulica,
Tologia, estatística, longevidade, geografia e monstruosidades.
Apesar do aspecto aparentemente livre dessa prolífica investiga-
e produção de novos conhecimentos, a Sociedade mantinha firme-
te apertados seus grilhões sobre o que podia e o que não podia ser
feito. O caso do vácuo bem o demonstra. Antes de sua descober-
posterior confirmação pela observação, experimentação e testemu-
coletivo, o vácuo não existira. Na verdade, sugeri-lo teria sido heré-
uma vez que a Igreja aceitava o ponto de vista aristotélico de que
impossível por ser o movimento dos corpos desacelerado pela
ia do ar. No vácuo, o movimento seria instantâneo, coisa que
fora vista.
Em todo caso, Aristóteles havia dito que o espaço fora criado por
i (que ele chamava "Força Primordial") como um receptáculo a ser
pado por corpos sólidos, e que se acontecesse de qualquer parte sua
nanecer desocupada, como parecia ser o caso do vácuo, Deus oni-
cnte a encheria de luz. O espaço nunca era vazio, por isso o vácuo
existia. A Igreja, tanto quanto a natureza, parecia abominar o
-
174 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
RAIZ E
RAMO
E .m 1760, uma tulipa chamada "Georgie" foi roubada de Samuel
icklemore, em Ipswich, Inglaterra. Ela resultara de tanta pesquisa que
i Sociedade dos Floristas local ofereceu por ela urna recompensa equi-
ente, em dinheiro moderno, a 150 dólares.
Nessa mesma época, Capability Brown, o maior especialista em
sagismo e autopromoção do país, jactava-se do que realizara no ter-
que circundava uma grande casa, descrevendo-o como uma com-
;ição literária com a natureza, "uma vírgula aqui, um ponto final ali",
noeta e satirista Alexander Pope, seu contemporâneo, igualou o tra-
io à arte: "todo paisagismo é pintura de paisagem — pode-se distan-
as coisas escurecendo-as e reduzindo-as perto do fim, da mesma
íeira como se faz na pintura".
Em um única geração desde a Revolução Científica que culmina-
i com Newton, a ciência e a tecnologia já nos davam uma visão radical-
ite nova da natureza, sugerindo que ela podia ser "aperfeiçoada". À
lida que a força integral da revolução científica começava a fazer
sito, o gume das inovações tornava-se mais afiado do que nunca. Os
vos presentes de fazedores de machados desenvolvidos nos laborató-
da Real Sociedade disseminavam-se, dando aos governos e institui-
o poder de modificar o mundo com uma velocidade inesperada e
L nível de detalhe sem precedente.
No século XVIII, a tecnologia já era capaz de passar da criação de
Dmenos artificiais nos instrumentos da Real Sociedade à geração de
jelos artificiais da natureza no campo e no jardim. Mais tarde, ela iria
ivar a própria natureza para criar um tipo de poder inteiramente
novo que acarretaria mudanças radicais na comunidade, primeiramente
e de modo mais impactante na Inglaterra, que por essa época era mais
188 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
R ram
am cos proprietários ingleses. As inovações holandesas eram novas for-
^^^ieiras (sanfoin, trevos, alfafa) para manter o gado alimentado durante o
10 inteiro. Plantadas nas terras de pousio, elas repunham o nitrogénio do
(embora ninguém soubesse disso naquele momento), além do que o
.-o era especialmente bom para gerar boas safras (razão pela qual a
•ressão "to be in clover" [Viver na abundância] entrou na linguagem cor-
). Outro produto-chave vindo da Holanda foi o nabo, que controlava
a daninha, crescia em solo ruim e, no inverno, alimentava os animais.
A mais popular das novas técnicas de rotação ficou conhecida
o sistema "Norfolk", nome do condado inglês onde foi usada pela
eira vez. Quatro semeaduras sucessivas eram feitas anualmente na
a terra: trigo, nabo, cevada e trevo. O efeito da rotação e das novas
:s era reduzir a quantidade de terras de pousio e aumentar a oferta
forragem animal, o que significava que mais gado podia ser criado
iccendo, por sua vez, mais estrume. Em consequência, a produção
:entou, bem como os lucros. Tendo se espalhado rapidamente a par-
1650, cem anos mais tarde este sistema já era de uso geral. Ele iria,
ai, provocar um massivo crescimento populacional e logo alimen-
população acrescida, a maior parte da qual já há muito havia sido
ulsa da terra, não mais produtora dos alimentos de que necessitava
sobreviver.
As novas técnicas agrícolas tornaram possível cultivar terras antes
rteis e não-econômicas; elas agora podiam se tornar lucrativas o bas-
:e para ser divididas, desmaiadas e cercadas ("enclosed") paia o uso. A
total das novas enclosures inglesas cresceu de 40 por cento da terra
em 1500 para 75 por cento em 1700. A enclosure era um modo mais
iente de usar a terra do que o antigo campo aberto porque propicia-
uma consolidação mais racional da propriedade. A mistura infernal
leis de herança fazia com que muitos agricultores possuíssem faixas
terra espalhadas pelos campos, razão pela qual os novos agricultores
pravam faixas de terra de diferentes proprietários e acrescentavam
s de enclosure recente, formando grandes propriedades, unificadas e
utivas.
190 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
iltado foi um animal que crescia com muita rapidez e tinha alta pro-
so de carne para engorda, sendo portanto muito lucrativo: era ven-
»a dinheiro bom e de retorno rápido porque a nova linhagem atingia
te em duas estações em vez de quatro.
Como decorrência dessas técnicas, o peso médio dos animais que
avam ao mercado subiu, naquele século, de 28 para 80 libras,
ies proprietários como Coke deram início às tosquias anuais de
is e exposições agropecuárias, onde as pessoas podiam mostrar
. linhagens e trocar ideias sobre novas técnicas de plantio. O novo
siness especializado de larga escala foi fatal para os pequenos pro-
rios que, em sua maioria, tornaram-se trabalhadores ou passaram
íiras dos pobres desempregados. Sem terras comuns de pastagem,
t não podiam mais alimentar as vacas e galinhas cujo leite e ovos os
iham vivos. A pior situação era a dos trabalhadores temporários,
• antes viviam da caça de coelhos, da queima de carvão vegetal, de
;nos furtos e invasões e cuja fonte de alimentos estava agora cerca-
^ guardada.
O comentarista social William Cobbett, que viajou pela Inglaterra
ócio do século XIX, descreveu o alcance da mudança. Ele relatou que
i fazendeiro do norte de Hampshire, proprietário de uns 8.000 acres,
1.400 acres de trigo e 2.000 acres de cevada. Ocupa o que antes
[ 40 fazendas. É de surpreender que a pobreza esteja crescendo?"
A legislação previdenciária, que sempre fora severa para com os
i e destituídos, era ainda mais agora, quando maior era a separação
;os com-terra e os sem-terra. Juizes de paz, que eram na maioria dos
; os proprietários locais, tinham poderes sumários de prisão, castigo,
eramento e envio para as colónias. A punição para a invasão era
jlarmente dura. Uma pessoa podia ser acusada de invasão e enfor-
i se apanhada com o rosto pintado de negro, que indicava a prepara-
de uma incursão noturna. Em 1689, cinquenta crimes capitais
L sido registrados; em 1800 foram duzentos.
Cobbett atribuía a causa do problema às relações sociais no cam-
, à morte da "família residente nativa, ligada à terra, cujos membros
conhecidos de todo fazendeiro e trabalhador desde a infância, e
frequentemente misturavam-se com eles naquelas atividades em
: todas as distinções artificiais se perdem", e à chegada de novos pro-
ios "que só esporadicamente residem na terra e não sentem qual-
192 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
te) os altos-fornos das fábricas iluminavam o céu com uma fúria produ-
tiva insaciável.
As máquinas trabalhavam sem parar, infalíveis,incansáveis. O úni-
co presente que agora se exigia dos fazedores de machados era aquele
que fora descrito por Wordsworth — um que transformasse os homens
em máquinas.
Capítulo 8
ATO DE
CLASSE
HINO VITORIANO
A o longo da história, os misteriosos conhecimentos dos fazedores
t machados reforçaram sempre a conformidade social, ao mesmo tempo
•e aumentavam a distância entre os produtores de mudanças e seus
lores institucionais e o público cujas vidas controlavam. A escala e a
tidade dos novos sistemas de controle gerados pelos tecnólogos e
resários do final do século XVIII alargaram esse fosso e impuseram a
formidade com uma rigidez nunca vista. O ritmo da inovação indus-
foi tão forte que provocou mudanças súbitas e fundamentais na so-
ide, que não estava política e administrativamente pronta para lidar
elas. Essas mudanças iriam, por sua vez, dar à luz novas maneiras de
ipular o proletariado que, graças às fábricas, ali estava para ser mani-
do. O novo presente era um instrumento de controle ideológico.
No início do século XIX, as pessoas começaram a perceber a rapi-
com que as coisas estavam mudando e a se questionar o que isto sig-
va em suas vidas. Em 1828, uma revista publicada por trabalhado-
de uma fábrica inglesa resumiu a crescente percepção das massas
a situação de falta de poder a que haviam sido reduzidas pelos pre-
ites dos fazedores de machados. Elas pouco compreendiam da mági-
científica e tecnológica que parecia transformar o mundo diariamen-
"Nascemos ignorantes, crescemos ignorantes, vivemos ignorantes e
•emos ignorantes. Somos homens tateando na negra escuridão."
A Revolução Industrial sugou milhões de homens do campo para
novas cidades industriais num ritmo rápido demais para que as auto-
ides urbanas pudessem controlá-los efetivamente. O resultado do
ero crescente de trabalhadores fabris e dos novos "desempregados",
condições inenarráveis em que eles eram obrigados a trabalhar e
T e, acima de tudo, do inflexível regime de trabalho que não lhes pro-
ionava nenhuma liberdade, nenhuma educação e nenhum poder
212 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
f
Os textos que memorizavam continham mensagens de conformi-
e obediência.
\
Vinte pence são um [xe/zm]-e-oito-pence
Lavar o rosto e se pentear
Trinta pence são dois-e-seis-pence
Todo dia da escola cuidar.
216 | O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
Os filhos dos operários fabris, pobres a não mais poder, eram ensi-
js que as riquezas dificultavam a salvação:
l cos e os kung africanos havia sofrido uma mudança radical. Esses eram
agora todos "selvagens" ou, de acordo com a palavra de ordem da nova
antropologia, "primitivos".
A ciência ocidental era vista como um instrumento eficaz para
, enfraquecer a adesão dos nativos às suas próprias crenças, e os missioná-
f rios utilizaram a ferrovia e o telégrafo para exaltar o Deus cristão como
o: u
único poder divino verdadeiro. Um administrador colonial escreveu
1853 que os europeus podiam "derrubar toda a ideologia dos hindus
l com
con a previsão de um eclipse". O atraso material era cada vez mais as-
sim
similado ao paganismo, e por isso os núcleos missionários começaram a
ensinar técnicas agrícolas ocidentais e os hospitais a disseminar os con-
ceitos ocidentais "superiores" de limpeza e higiene.
Em 1890, escritores políticos franceses como Arthur Girault recla-
•am para os europeus o direito de apropriação dos recursos nativos,
ic pertenciam a pessoas a quem se dizia faltar energia, iniciativa e sen-
so de propósito. A não colonização e desenvolvimento desses países era
imoral e contrário às "obras da ordem natural". Em 1849, o novelista fran-
cês Victor Hugo escreveu: "A França recorre à guerra (...) apenas na
medida em que ela é necessária à civilização. O que se afirma aqui é que
<fa deve ter em suas mãos a luz e a liberdade. Ela sabe que, para um povo
Ivagem, ser ocupado pela França significa ser livre, e para uma cidade
bárbaros, ser queimada pela França é começar a ser iluminada".
Em 1878, o conde inglês Carnaervon fez um discurso em que dizia:
"Enormes populações como as da índia, sentadas como crianças na som-
bra da dúvida, da pobreza e do sofrimento olham para nós em busca de
orientação e ajuda. Para eles é nossa obrigação dar leis sábias, bom gover-
no e uma finança bem estruturada. (...) Cabe a nós supri-los de um siste-
ma em que o mais humilde possa desfrutar da liberdade contra a opressão.
|_) Em que a luz da religião e da moral possa penetrar na mais escura das
-r : :dências. (...) Esta é a verdadeira força e o significado do imperialismo."
Por trás de toda essa retórica estavam os verdadeiros objetivos,
imo expressos por Cecil Rhodes (de Rodésia): "Eu anexaria os planetas
pudesse." Os europeus precisavam de espaço onde assentar sua força
de trabalho agora excedente, gerada pelo crescimento populacional pro-
vocado pela Revolução Industrial. O assentamento e a colonização
resolveriam o problema do desemprego europeu e criariam trabalho
para os degenerados do resíduo urbano (que, ao ir para as colónias, eli-
minariam a si mesmos e suas doenças da sociedade decente).
230 O P R E S E N T E DO FAZEDOR DE M A C H A D O S
ORDEM
MÉDICA
THOMAS SZASZ
o. s presentes dos fazedores de machados nos cativaram com suas
remessas durante toda a história. Com seus bastões entalhados e o
ihecimento das estações, os mágicos paleolíticos sabiam indicar a
:a mais propícia para a caça. Com seus esquemas escritos da irriga-
io e do inventário dos celeiros, os governantes da Mesopotâmia e do
ito podiam prometer o abastecimento regular de alimentos. Os nave-
gantes gregos, munidos da leitura das estrelas, podiam assegurar aos
seus senhores que os navios retornariam ao porto com seus carregamen-
E A Igreja medieval prometia a salvação das penas do inferno e os
lustriais da Revolução Industrial ofereciam um salário regular.
Mas a proposição talvez mais sedutora veio da medicina do século
L, quando pela primeira vez, em troca de conformidade e obediência,
fazedores de mudanças ofereceram a vida. Em resposta às epidemias
ic dizimavam a população crescente que eles próprios ajudaram a
'rar, os fazedores de machados desenvolveram técnicas médicas que
;s dariam a capacidade de usar a faca reducionista no corpo humano.
A capacidade de reduzir pessoas a números e gráficos acabaria por per-
mitir aos especialistas prever o destino dos indivíduos e comunidades
•l: precisamente quanto seus predecessores previam a produção das
fabricas e o movimento dos planetas.
As primeiras tentativas ocidentais de aplicar as técnicas de corte-e-
controle à doença foram lentas e ineptas, porque não existiam ferramen-
tas para reduzir e examinar a condição física e, de todo modo, ninguém
sabia em 1800 de que doença realmente se tratava. A taxionomia o havia
tentado mas fracassara porque o método cartesiano de reduzir fenóme-
nos a listas de características (no caso das doenças, os sintomas), embora
valioso como meio de identificar a presença de diferentes condições,
dizia pouco ou nada sobre a própria doença. O valor terapêutico das téc-
236 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
O FIM DA
JORNADA
EM FRENTE, RUMO
AO PASSADO
NOAM CHOMSKY
l
r omo este livro tentou documentar, o futuro se nos defronta com
sias dificuldades herdadas desde o passado distante.
Milénios atrás, antes do aparecimento do machado, a existência
atidiana do indivíduo se estendia a duas dezenas de quilómetros talvez,
í j a distâncias continentais. Para a maioria de nós, este ainda é o caso.
[a trinta mil anos, as pessoas do Paleolítico Superior conheciam, na
•elhor das hipóteses, de cinquenta a duzentos indivíduos. Este ainda é
• caso.
Até trinta mil anos atrás, os processos mentais humanos haviam
aluído para lidar basicamente com problemas imediatos: decidir que
is comer, como sobreviver ao inverno, como evitar animais perigo-
e quando buscar abrigo. Eram os mecanismos com que a evolução
havia preparado para manipular o mundo. Nossas predisposições
ntais, como as de todos os outros animais, eram circunscritas ao hori-
ite imediato e aos problemas de curto prazo. Isto era em todos os sen-
"natural", porque poucos motivos haveria para um indivíduo se
cupar com o longo prazo se ameaças como os tigres e o inverno não
sem debeladas.
Nossos ancestrais também nunca tiveram de lidar com a humanida-
: inteira como um fator, porque na maior parte da história eles só toma-
conhecimento de um número muito pequeno de indivíduos envol-
35 em suas atividades particulares, em um mundo também muito
queno. Podiam cortar e queimar uma floresta, ou extinguir várias
écies, e depois ir embora, porque havia muita terra e éramos poucos,
iça havia necessidade de considerar o planeta inteiro por ser ele gran-
1
demais para que nossa presença tivesse um impacto significativo.
Mas hoje a humanidade não é mais constituída de uns poucos ban-
insignifior-ites dispersos pelo planeta. A humanidade é agora um
286 ' O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
logia — da qual fluía todo o conhecimento; mas desde a época dos gre-
gos o conhecimento tem se desenvolvido em grupos de disciplinas eso-
téricas cada vez mais isoladas umas das outras. Depois do aparecimento
do reducionismo no século XVII, cada uma das novas grandes discipli-
nas cedo ou tarde fragmentou-se em dezenas, às vezes centenas, de sub-
disciplinas especializadas. A botânica, por exemplo, subdividiu-se e
ligou-se a outras disciplinas para tornar-se biologia, química orgânica,
histologia, embriologia, biologia evolucionária, fisiologia, citologia, pato-
logia, bacteriologia, urologia, ecologia, genética populacional e zoologia.
Este processo se repetiu em muitos outros campos, e o último balanço
indica que existem hoje mais de 20 mil matérias tecnológicas e científi-
cas distintas. Especialistas sabem cada vez mais sobre cada vez menos,
não especialistas sabem cada vez menos sobre cada vez mais.
É cada vez mais difícil lidar com o conhecimento especializado
porque ele prolifera sem parar, tornando-se mais e mais inacessível à
medida que cada novo grupo de especialistas desenvolve seu próprio
vocabulário arcano no interesse da maior precisão. Basta um breve olhar
sobre qualquer um dos mais de 195 mil periódicos que hoje se publicam
todo ano.
O problema é que devido à natureza esotérica desse tipo de conhe-
cimento, quando liberado para a comunidade, ele é sempre apresentado
como um fait accompli frente ao qual a comunidade tem de reagir como
pode. Naturalmente que a capacidade da comunidade lidar com a situa-
ção é em geral limitada pelos sistemas disponíveis no momento, razão
pela qual em muitos casos o resultado da surpresa é outra surpresa. O
efeito "detonador" tem sido em geral da maior significação.
Por exemplo, a maquinaria têxtil que ajudou os donos de fábricas
a levar a Inglaterra à liderança industrial no século XVIII também con-
duziu, graças à velocidade com que crescia a população das novas cida-
des industriais, a condições de vida que trariam o país ao limiar de situa-
ções pré-revolucionárias jamais desejadas por qualquer industrial. Os
sistemas político, educacional e de saúde pública eram desatualizados
pela velocidade em que mudavam as circunstâncias.
A descoberta da América, no século XV, por gente que buscava
um caminho rápido para as especiarias, tornou incerta a maior parte do
conhecimento ocidental e desequilibrou totalmente a ordem social por-
294 , O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
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. "What Artificial Experts Can and Cannot Do." AI and Society (1992).
Drucker, Peter. Postcapitalist Society. Oxford: Butterworth Heinemann, 1993.
Edwards, Mark. "It's the Thought that Counts. Have Computers Usurped Our
Ability to Think?" The Sunday Times. Londres, l? de agosto de 1993.
Ehrlich, Paul e Anne Ehrlich. The Population Bomb. Londres: Hutchinson,
1990.
342 O P R E S E N T E DO F A Z E D O R DE M A C H A D O S
"Este livro é um triunfo. Não creio que possa ser igualado em sua
combinação de erudição e agudeza de pensamento prospectivo, ambos
da mais alta qualidade."
Robrrt Cidldini
BERTRAND BRASIL
ISBN 8 5 - 2 8 6 - 0 6 8 6 - 4
9 "788528"606867"
iste é um livro sobre as pessoas que nos
deram o mundo em troca de nossas mentes.
No encerramento deste século de criatividade
e descobertas, humanistas e cientistas se
perguntam: como é possível que, com todo
o seu talento, os seres humanos - esses
"fazedores de machados", dotados do génio
de inventar, comandar, inspirar e projetar -
tenham levado o mundo à beira da destruição?
As respostas podem ser encontradas em
O Presente do Fazedor de Machados,
uma história imaginativa e brilhantemente
informada a respeito dos dois gumes da
cultura humana James Burke, expert da
interação tecnologia-sociedade, e Robert
Ornstein, pioneiro no estudo da evolução da
consciência, mostram como o mundo e,
mais importante, o nosso próprio modo de
pensar são continuamente remodelados pela
interação entre as inovações e o cérebro
humano.
Fazendo da totalidade da história humana
e da cultura ocidental a sua tela este livro
magnífico retraía como, em cada grande
etapa de inovação, do primeiro machado
de pedra aos supercomputadores do mundo
moderno, uma minoria dotada da capacidade
de análise sequencial (os fazedores de
machados) gerou tecnologias que lhe deram
poder de controlar e moldar o restante da
comunidade. Outras formas de tecnologia,
mais antigas, nascidas da intuição e dos
múltiplos talentos não-verbais do cérebro,
foram desvalonzadas. acabando por permanecer
amplamente ignoradas. Hoje, dizem os
autores, os efeitos cumulativos da tecnologia
fazedora-de-machados nos trouxeram até
um ponto em que é; possível e absolutamente
necessário, para a nossa sobrevivência, nos
reapropriarmos dessas antigas formas do
conhecimento, que^ ainda sobrevivem nas
culturas não-fazedoras-de-machados do
mundo moderno.
De tempos em tempos aparece um livro
que muda nosso modo de pensar sobre nós
mesmos, nossa cultura, nosso futuro.
Brilhante, radical e extraordinariamente
abrangente, O Presente do Fazedor de
Machados faz as perguntas certas e
começa a achar as respostas certas, num
momento crítico. E indica um caminho
sofisticado e original para recuperarmos a
esperança no futuro.