Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
AROLDO RODRIGUES**
"A psicologia social dos anos 50 e 60 era caracterizada por uma di-
versidade de enfoques. Algumas pesquisas eram apresentadas numa
linguagem de estímulo-resposta, outras nas tradições da teoria de
campo e da Gestalt e o restante era conceitualizado em termos cogni-
1. Introdução
6 A.B.P. 2/84
o tema atribuição de causalidade tem sido tratado por psicólogos sociais brasi-
leiros. Como já afirmamos anteriormente em diversas ocasiões (Rodrigues,
1980a; 1980b; 1982), consideramos de suma importância a verificação da apli-
cabilidade a uma cultura de princípios teóricos e dados empíricos obtidos em
outra. A tentativa de verificação da validade de princípios teóricos e a replicação
dos achados obtidos em pesquisas empíricas por eles norteadas constitui proce-
dimento padrão e rotineiro nas ciências naturais; nas ciências sociais, todavia,
negligencia-se tal procedimento essencial ao progresso científico. Sendo a cultu-
ra uma variável importante no estudo do processo de interação humana, é fun-
damental que se verifique a universalidade ou não das teorias e dos achados
empíricos oriundos de culturas diferentes da nossa. Vejamos, a seguir, como os
princípios teóricos e os dados empíricos que integram o conhecimento acerca do
fenômeno de atribuição de causalidade, e que são oriundos de outras culturas,
inspiraram trabalhos empíricos na cultura brasileira. Os estudos a serem apre-
sentados a seguir foram agrupados em cinco itens: atribuição de causalidade a
eventos frustradores; atribuição de causalidade a situações de sucesso e fracasso;
atribuição de causalidade por atores e observadores; atribuição de causalidade e
acidentes vitimadores; locus de controle. Para cada um destes tópicos apresenta-
remos uma breve introdução teórica e, em seguida, os estudos conduzidos no
Brasil inspirados pelo conhecimento existente. Algumas reflexões sobre o mate-
rial reportado concluem este trabalho.
Atribuição de causalidade 7
Fritz Heider (1946; 1958): o princípio do equilíbrio. Heider, a quem devemos
as idéias centrais e pioneiras sobre o fenômeno de atribuição de causalidade, disse
certa vez que as noções de equilíbrio e de atribuição são muito chegadas e que
dificilmente podem ser separadas. Diz ele que isto é assim porque "atribuição,
afinal de contas, consiste em estabelecer a conexão ou a relação entre um evento
e uma fonte - uma relação positiva. E equilíbrio diz respeito à adequação ou
não adequação de relações" (Heider, 1976). No caso de uma frustração causada
por uma pessoa amiga, a atribuição de intencionalidade (causalidade pessoal)
ao autor da frustração levaria a desequilíbrio, seria uma relação não harmoniosa.
Como bem salienta Jordan (1966), "é difícil organizar uma unidade causal quan-
do o autor que é benquisto pelo percebedor é responsável ou causa uma ação
que desagrada ao percebedor; o percebedor se sente em desequilíbrio em tal caso,
um desequilíbrio que funciona como uma força lewiniana contra a organização
unitária". Tudo isto constitui o pano de fundo teórico para os trabalhos empí-
ricos que se seguem.
8 A.B.P. 2/84
de bloqueio de um objetivo; esta foi mantida e uma outra, envolvendo uma si-
tuação de ameaça ao eu, foi acrescentada. Serviram como sujeitos 63 estudantes
do sexo feminino de uma universidade particular da cidade do Rio de Janeiro.
As hipóteses sobre atribuição de causalidade testadas no estudo anterior
foram também testadas na pesquisa de Rodrigues & Reis. O procedimento utili-
zado em ambos os experimentos foi idêntico. A hipótese sobre atribuição düe-
rencial de causalidade a amigos e inimigos frente a situações interpessoais frus-
trantes foi confirmada, bem como a maior agressividade dirigida ao agente da
frustração quando se lhe atribuía causalidade pessoal. Além disso, foi verificado
que a situação frustradora de ameaça ao eu gera mais agressividade que a de
bloqueio de um objetivo.
Atribuição de causalidade 9
que relacionam as atribuições aos quatro elementos causais básicos da teoria com
emoções específicas daí decorrentes, permitem que se entenda melhor a compro-
vada afirmação da teoria motivacional de Atkinson (1957) de que as pessoas
com alta motivação à realização se engajam com facilidade em tarefas onde o
desempenho é a característica saliente, selecionam tarefas de dificuldade inter-
mediária, trabalham mais e persistem mais diante do fracasso que pessoas com
baixa motivação à realização. Elas assim procedem em virtude de sua tendência
a atribuir seus êxitos a fatores internos (capacidade, esforço), o que lhes suscita
a reação afetiva de orgulho e satisfação; como o eventual fracasso é atribuído à
falta de esforço, elas insistem na tarefa e trabalham mais, pois o esforço depende
da vontade; procuram tarefas de grau intermediário de dificuldade, porque as
tarefas muito fáceis não lhes dão a sensação de orgulho experimentada em tare-
fas difíceis; evitam as tarefas de extrema dificuldade, pois estas não lhes permi-
tem o controle de seu sucesso.
10 A.B.P. 2/84
o resultado, maior a recompensa atribuída" (Barroso, Mello & Faria, 1978, p.
67). Dizem ainda as autoras que a recompensa dirigida ao aluno pouco capaz
e esforçado "não será tão grande quanto a atribuída àquele que combine alta
capacidade e muito esforço, o que reforça os comentários já feitos quando dis-
cutimos o efeito principal da capacidade. Assim é que a combinação de pouco
esforço e baixa capacidade é mais punida do que a de pouco esforço e alta capa-
cidade, como a sugerir que pouco esforço seria mais tolerável em pessoas mais
capazes. Ocorre exatamente o inverso no citado estudo de Weiner & Kukla
(1970), no qual a maior dose de punição cabe aos muito capazes que não se
esforçam. Essa diferença seria talvez explicada pelo fato de os sujeitos america-
nos serem mais intensamente adeptos da ideologia do esforço" (p. 68).
Dois estudos conduzidos por Rodrigues (1980a; 1980b) replicaram o tra-
balho pioneiro de Weiner & Kukla (1970) e encontraram resultados semelhantes
aos de Barroso, Mello & Faria (1978). Os resultados dos estudos de Rodrigues,
conduzidos com amostras na cidade do Rio de Janeiro, foram em parte semelhan-
tes aos obtidos por Weiner & Kukla, porém deles diferiram no seguinte:
Estes resultados se assemelham mais aos obtidos por Barroso, Mello &
Faria, como vimos anteriormente. Nesta mesma direção foram os resultados obti-
dos por Rodrigues & Marques (1981) com amostras de professores no Rio
Grande do Sul e, recentemente, por Dias & Maluf (1983) em São Paulo.
A constância dos resultados obtidos por vários investigadores em três esta-
dos da Federação parecem indicar, com suficiente vigor, que estamos diante de
uma característica dominante em nossa cultura, característica esta que consiste
em não valorizar tanto o esforço do aluno como outras culturas o fazem, quando
se trata de alocar recompensas e punições face à atribuição dos fatores respon-
sáveis pelo desempenho. Como dissemos em outra ocasião, "a conscientização
desta realidade pode ter conseqüências práticas importantes. Se tendemos a não
recompensar especialmente o aluno que se esforça para superar suas dificuldades
inatas, poderemos contribuir para sua acomodação às suas limitações. Como bem
salienta Weiner (1980), a atribuição de um fracasso a uma causa estável, :nterna
e incontrolável como a falta de aptidão, tem o efeito nefasto de levar o aluno
à desesperança, à resignação e ao desalento; a valorização do esforço, ao con-
trário, o instiga a atribuir seus fracassos à sua falta de esforço (uma causa ins-
tável, interna e controlável), capaz de incentivá-lo a uma maior dedicação e pro-
vável superação de suas limitações. E, pois, educacionalmente desejável que se
valorize o esforço do aluno e que se impeça que ele faça atribuições de fracasso
a causas internas, estáveis e incontroláveis. A conclusão final das réplicas con-
duzidas é que devemos alertar os professores para os perigos de não valorizar
o esforço de forma especial em seu relacionamento com seus alunos" (Rodrigues,
1983) .
Outro estudo inspirado no modelo atribuicional de Weiner foi conduzido
por Araújo (1983). Em sua dissertação de mestrado apresentada à Universidade
Gama Filho, Araújo testou, entre outras, a seguinte hipótese: "os alunos tendem
a atribuir o seu sucesso nas realizações acadêmicas mais a fatores internos (ca-
pacidade, esforço), enquanto o fracasso é atribuído mais freqüentemente a fato-
Atribuição de causalidade 11
res externos (dificuldade da tarefa, acaso)" (p. 46). No que tange à atribuição
de sucesso, os dados confirmam a hipótese (83% dos alunos atribuíram seu su-
cesso a causas internas e 17% a causas externas - z = 6,00, P < 0,001). Con-
trariamente ao que se verificou em estudos realizados em outras culturas (por
exemplo, Snyder, Stephan e Rosenfield) não houve diferença na atribuição do
fracasso a causas internas e externas. Resultados semelhantes, neste particular,
foram encontrados em Uberlândia por Dela Coleta & Godoy (1983). Um aspec-
to importante e encorajador foi notado por Araújo (1983). Das 31 atribuições
de fracasso a causas internas, 29 se referiram à falta de esforço e apenas duas
à falta de capacidade. Sendo a falta de esforço uma causa instável e controlável,
é de esperar-se que o aluno mantenha a expectativa de melhorar seu desempe-
nho no futuro, o que não ocorre quando a atribuição de fracasso é feita a uma
causa estável e incontrolável.
Finalmente, o modelo de Weiner combinado com os trabalhos de Deaux
(1976) e Deaux & Emswiller (1974) serviram de base para estudos sobre este-
reótipo sexual e preconceito racial conduzidos por Rodrigues. Deaux (1976) uti-
liza em suas pesquisas a atribuição de causalidade como variável dependente. De
acordo com as expectativas decorrentes da existência de estereótipo sexual ou
preconceito racial, diferentes atribuições causais são feitas de forma a ratificar
estas expectativas. Assim, se uma pessoa acha que as mulheres são inferiores aos
homens, ela, provavelmente, atribuirá o sucesso das mulheres a fatores externos
(sorte, facilidade da tarefa) ou, no máximo, a seu esforço, mas raramente à sua
capacidade. O mesmo ocorrerá se uma pessoa tem preconceito racial e é solici-
tada a atribuir o sucesso de uma pessoa da raça negra a um dos quatro elementos
causais mencionados por Weiner. Replicando um estudo feito originalmente por
Yarkin, Town e Wallston (1982), o autor obteve dados de 96 estudantes de uma
univerSidade particular da cidade do Rio de Janeiro. Todos os sujeitos eram
brancos, metade do sexo masculino e metade do sexo feminino, igualmente dis-
tribuídos pelas quatro condições experimentais. A tarefa dos sujeitos era a de ler
uma carta em que um funcionário de um banco solicitava promoção e justificava
seu pedido com base em seu excelente desempenho profissional. Além da carta,
era ainda apresentado aos sujeitos o curriculum vitae do funcionário. O teor da
carta e o curriculum vitae eram idênticos nas quatro condições, variando-se ape-
nas o sexo e a cor da pessoa-estímulo, no caso o funcionário do banco, de forma
a que se constituíssem as seguintes condições experimentais: homem branco, ho-
mem preto, mulher branca, mulher preta. Em seguida, os sujeitos respondiam a
um questionário, onde a variável principal era a atribuição que faziam para o
sucesso do funcionário: se à sua capacidade, ao seu esforço, à natureza da tarefa
ou à sorte.
No estudo original conduzido nos EUA, foi evidenciada a existência de es":
tereótipo sexual contra as mulheres e de preconceito racial contra os pretos. Isto
foi revelado pela maior atribuição do sucesso da pessoa-estímulo à sua capaci-
dade quando ela era do sexo masculino ou branca; no caso de ela ser do sexo
feminino ou preta, a atribuição era feita a seu esforço.
Os resultados com a amostra brasileira não indicaram qualquer sinal de es-
tereótipo sexual ou preconceito racial. O mesmo estudo foi repetido numa uni-
versidade do estado de Minas Gerais. Com esta amostra, também não se verifi-
cou qualquer indicação de estereótipo sexual contra as mulheres, porém uma
leve indicação de preconceito racial foi constatada. O homem preto é visto como
o que faz mais esforço para conseguir sucesso e a percentagem de pessoas que
atribui seu sucesso à sua capacidade é significantemente menor que a percenta-
12 A.B.P. 2/84
gem de pessoas que atribui o sucesso à capacidade da pessoa-estímulo nas demais
condições. Finalmente, enquanto uma percentagem menor de pessoas acha que
os pretos (homens e mulheres) conseguirão a promoção pleiteada, uma percen-
tagem maior acha que os brancos (homens e mulheres) a obterão.
No presente momento, o autor e seus colaboradores do Setor de Psicologia
Social do Centro Brasileiro de Pesquisas Psicossociais do ISOP estão repetindo
este estudo com uma amostra maior e mais abrangente, incluindo pessoas de dife-
rentes idades e profissões, ao invés de limitar-se a amostras de universitários.
Jones & Nisbett (1972), baseados também no trabalho seminal de Heider (1958),
sustentam que atores e observadores são influenciados, em suas atribuições, por
um viés ou tendenciosidade divergente. Enquanto que os atores, ao considerarem
seu comportamento, tendem a responsabilizar mais os fatores situacionais ou ex-
ternos, os observadores tendem a atribuir o comportamento observado a fatores
disposicionais ou internos, próprios do ator da ação.
Para J ones & Nisbett (1972) tal tendenciosidade divergente em atores e
observadores decorre da diferença de informação que possui o ator sobre seus
atos em relação ao observador. O ator, por ter maior conhecimento de seu pas-
sado, mais facilmente detectará instâncias em que, em condições semelhantes,
seu comportamento variou. A baixa distintividade e a baixa consistência, para
usarmos a terminologia de Kelley (1967), fazem com que o ator tenda a colocar
mais ênfase nos fatores externos; a falta de tal conhecimento por parte do obser-
vador faz com que suas atribuições sejam mais influenciadas por características
disposicionais, estáveis, da pessoa cujo comportamento é observado. Além disso,
é mais fácil para os atores considerarem fatores situacionais, enquanto para o
observador o comportamento da pessoa é a característica mais saliente. Como já
afirmou Heider (1958) "o comportamento domina o ambiente", fazendo com que
ele assuma o papel mais saliente no contexto.
Nos EUA inúmeros estudos têm confirmado a hipótese de Jones & Nisbett
(por exemplo, Storms, 1973; Arkin & Duval, 1975). Para os que pensam que
o fenômeno só ocorre nos EUA, informo que Kuanyshbek Muzdybaev, do Insti-
tuto para Problemas Sócio-Econômicos da Academia de Ciência de Leningrado,
também confirmou a hipótese de Jones & Nisbett na União Soviética, ao verificar
que as auto-atribuições de responsabilidade feitas por trabalhadores são menores
que as imputações de responsabilidade a eles feitas por seus supervisores (Muz-
dybaev, 1982).
Vejamos os estudos brasileiros sobre a hipótese de Jones & Nisbett.
Dela Coleta (1980b) entrevistou 118 sujeitos (atores) dos quais 43 eram pre-
sos, 40 amputados e 35 cegos e outros tantos sujeitos (observadores), que foram
~mparelhados aos atores vitimados em sexo, idade, nível sócio-econômico e esco-
laridade. Os atores descreviam na entrevista o que, em sua opinião, os levou à
Atribuição de cáusalidade 13
presente situação de infortúnio; os observadores ouviam uma descrição do que
ocorrera aos sujeitos vitimados e eram solicitados a fazer suas atribuições para
o ocorrido. Confirmou-se claramente a hipótese de Jones & Nisbett: "os atores
tendem a indicar as causas externas (outros, meio, situação, destino) como expli-
cadoras de suas perdas; os sujeitos observadores apontam com maior freqüência
as características ou comportamentos do ator como responsáveis pelos eventos"
(Dela Coleta, 1982, p. 134).
Num contexto educacional, Araújo (1983) na dissertação de mestrado an-
teriormente referida, também testou a hipótese de Jones & Nisbett. A hipótese tes-
tada foi a de que, no que se refere à sua realização acadêmica, os alunos (atores)
tendem a fazer mais atribuições externas (dificuldade da tarefa, acaso) do que
internas (capacidade, esforço), enquanto seus professores (observadores) apre-
sentam tendência oposta. Embora atores e observadores tenham feito mais atri-
buições internas (disposicionais) para seu rendimento acadêmico, 93 % das atri-
buições dos observadores foram disposicionais ou internas enquanto entre os
atores apenas 70% o foram. A maior associação entre atribuição interna e obser-
vadores e atribuição externa e atores foi confirmada estatisticamente (X2 = 15,4;
P < 0,05). Note-se que, no estudo de Araújo, a atribuição de rendimento aca-
dêmico inclui atribuição para êxito e para fracasso. Como, de acordo com os
resultados empíricos a que já nos referimos, há uma tendência no sentido de
nós nos defendermos fazendo atribuições externas aos nossos fracassos e internas
aos nossos sucessos e como, segundo a autora, alunos que, objetivamente, pelo
critério adotado, deveriam perceber-se como não tendo êxito, perceberam-se co-
mo bem-sucedidos, os dados obtidos, embora não tão claros como os de Dela
Coleta, tendem também a confirmar a hipótese de Jones & Nisbett em nossa
cultura. Dela Coleta & Peters (1983), em estudo recente, também confirmaram
a hipótese de J ones & Nisbett obtendo resultados semelhantes aos obtidos na
União Soviética por Muzdybaev (1982).
Como bem assevera Dela Coleta (1980a), as pessoas tendem de imediato a per-
guntar, quando se deparam com eventos acidentais vitimadores: "Quem é o cul-
pado?" "Quem foi o responsável por isto?" Vários autores têm apresentado uma
explicação teórica para este comportamento, baseando-se de uma forma ou de
outra, em princípios relativos à atribuição de causalidade.
Walster (1966) afirma que, frente a acontecimentos acidentais, as pessoas
tendem a atribuí-los ao acaso. Quando, porém, o acidente é grave, a atribui.;ão
é feita à pessoa vitimada e não ao acaso. Para Walster, isto se dá em virtude da
tendência que temos a controlar o ambiente que nos rodeia. A atribuição de aci-
dentes graves a fatores internos e não ao acaso permite que a pessoa raciocine
assim: "Isto ocorre com ele (ou ela) que é imprudente; comigo, todavia, isto
jamais acontecerá, pois eu não faço imprudências." Embora não relacionada es-
pecificamente à situação de acidentes, a posição teórica de Kelley (1967; 1972)
sobre atribuição de causalidade é, também, baseada na busca de controle. Se-
gundo ele, a principal motivação em nosso comportamento de entender o mundo
que nos cerca é a motivação ao controle.
14 A.B.P. 2/84
Outro psicólogo, Shaver (1970), vê a reação atribuicional a eventos viti-
madores como uma reação defensiva. Para ela, as pessoas fazem atribuições de-
fensivas frente ao infortúnio, no sentido de proteger sua auto-estima, evitar culpa
e prevenir seu envolvimento em acontecimentos vitimadores no futuro. Final-
mente, Lemer (1970), com sua hipótese acerca da percepção de um mundo
justo, propõe outra fundamentação teórica para explicar a. reação das pessoas
frente a eventos vitimadores. De acordo com Lemer, as pessoas tendem a ver
o mundo como um lugar em que elas pagam por seus erros e são recompensadas
por seus méritos. Um acidente seria, então, visto como uma punição merecida
por alguma falta cometida, desde que não haja elementos objetivos capazes de
explicar a ocorrência.
Vejamos, na continuação, os estudos conduzidos no Brasil acerca da atri-
buição de causalidade a eventos vitimadores.
6. Locus de controle
Pode parecer estranho a muitos que seja incluído um item sobre [oeus de con-
trole num trabalho sobre atribuição de causalidade. Aos que assim reagirem,
apresso-me em dizer-lhes que não confundo atribuição de causalidade com a
Atribuição de causalidade 15
diferenciação entre internos e externos de que nos fala Rotter (1966). Atribuição
de causalidade refere-se ao processo cognitivo de alocação de causa aos eventos
percebidos; a tipologia de Rotter traduz uma disposição pessoal resultante do
desenvolvimento de uma expectativa generalizada das pessoas em sua capacidade
de controlar as contingências de reforço de suas ações; as que pensam que podem
exercer razoável controle sobre estas contingências são denominadas internas; as
que julgam que são' incapazes de tal controle são chamadas externas.
Há, todavia, uma clara ligação entre as duas contribuições teóricas. Embo-
ra, como Weiner e colaboradores (1972) afirmam, nem sempre internos fazem
atribuições internas (por exemplo: na atribuição a fatores responsáveis pelo fra-
casso), o que justifica a necessidade dos estudos sobre o fenômeno mais comple-
xo de atribuição de causalidade, o conceito de locus de controle é um conceito
influente na psicologia contemporânea e, por associação, optamos por inclUÍ-lo
no final deste trabalho.
De uma maneira geral, os estudos sobre locus de controle e rendimento es-
colar mostram uma associação entre internalidade e melhor rendimento acadê-
mico. Embora nos EUA nem sempre esta associação se verifique (ver Lefcourt,
1976), na Venezuela, Romero-García (1980; 1981) a tem consistentemente com-
provado, o mesmo acontecendo no Brasil como veremos mais adiante.
A variável locus de controle tem sido estudada também no que concerne à
sua associação a estados de ansiedade (ver Phares). A maioria dos estudos indica
uma associação entre externalidade e ansiedade. Vejamos, a seguir, os resultados
de pesquisas conduzidas no Brasil sobre estes tópicos.
16 A.B.P. 2/84
constituídas com os alunos cujas médias no vestibular haviam sido iguais ou
superiores a sete e duas com aqueles cujas médias haviam sido inferiores a sete.
As duas turmas em que predominavam os internos eram, exatamente, aquelas
constituídas pelos alunos de médias iguais ou superiores a sete.
A constância destes resultados nos leva a confiar na existência da associação
entre internalidade e rendimento acadêmico superior, em nossa cultura. Este
achado é importante, pois justifica que se empreendam no Brasil programas de
desenvolvimento da internalidade dos estudantes, visando a um aumento de seu·
rendimento, tal como já foi feito nos EUA por DeCharms (1972) e na Vene-
zuela por Romero-García (1981), ambos com resultados positivos.
No que concerne à associação entre [oeus de controle e ansiedade, Biaggio
(1983) além de hipotetizar a conhecida associação entre externalidade e ansie-
dade, acrescentou uma engenhosa contribuição ao assunto. Utilizando a distinção
de Spielberger (1966; 1972) entre ansiedade-traço e ansiedade-estado, Biaggio
submeteu a teste empírico duas hipóteses: "H) há uma correlação entre ansie-
dade-traço e externalidade de loeus de controle; 211-) sujeitos predominantemente
internos em [oeus de controle deverão exibir mais ansiedade-estado em situações
que dependem de sorte, enquanto sujeitos externos deverão revelar mais ansieda-
de-estado em situações que dependem de sua capacidade" (Biaggio, 1983, p. 3) .
. A primeira hipótese foi confirmada com estudantes universitários mas não com
crianças de 49, 59 e 69 graus; a segunda não o foi, embora um leve efeito da
manipulação experimental tenha sido notado sem, todavia, alcançar significância
estatística.
Outro dado importante do estudo de Biaggio (1983) é que se confirmou
a relação entre idade e [oeus de controle verificado em Israel por Milgram (1971),
no sentido de que a internalidade aumenta com a idade. Embora instrumentos
distintos tenham sido utilizados por Biaggio na mensuração de [oeus de controle
em seus experimentos com crianças e com adultos, os resultados indicam que
"as relações entre as variáveis envolvidas {ansiedade-traço e estado e loeus de
controle~ parecem ser diferentes em crianças e adultos" (p. 8).
Um interessante estudo englobando os conceitos de [oeus de controle, com J
paração social e desempenho foi conduzido por Lima Féres (1981) em sua tese
de doutorado apresentada ao Centro de Pós-Graduação e Pesquisa do ISOP da
Fundação Getulio Vargas. A autora verificou, entre outras coisas, que a "expe-
riência continuada de sucesso poderia levar à modificação do loeus de sujeitos
externos"; constatou ainda que o processo de comparação social influi diferente-
mente em internos e externos em suas reações frente ao sucesso e ao fracasso
(Lima Féres, 1981).
7. Comentário final
Atribuição de causalidade 17
o periódico Spanish Speaking Psychology, encontrei menos da metade do número
de estudos aqui referenciados (Rodrigues, 1981).
Não há dúvida de que estamos diante de uma área de investigação muito
rica e de importantes conseqüências práticas. O grande poeta romano Virgílio
disse certa vez: Felix qui potuit rerum cognoscere causas (Feliz aquele que pode
conhecer as causas das coisas). No estudo de atribuição de causalidade o psicó-
logo social procura sistematizar o conhecimento em tomo desta característica hu-
mana tão difundida - a busca das causas das coisas. Esperamos que os trabalhos
aqui mencionados sejam continuados por outros, a fim de que se possa conhecer
mais sobre a realidade psicossocial de nossa gente, o que por certo iluminará o
caminho a ser percorrido por aqueles que se dedicam às aplicações das descober-
tas da psicologia social.
Abstract
The author points out the c1ear dominance in contemporary social psychology of
the cognitive approach. He then singles out the topic of attribution of causality
for examination of the studies carried out in Brazil on this subject. Five topics
are considered: attribution of causality and frustrating interpersonal events, attri-
bution of causality and situations of success and failure, attribution of causality
and vitimizing accidents, attribution of causality by actors and by observers and,
at last, locus of control due to the c1ear connection between this construct and
the phenomenon of causal attribution. For each one of these topics the author
presents a brief theoretical introduction and the studies carried out in Brazil under
the guidance of the existing theories. The conc1usion highlights the interest shown
recently in Brazil about attribution of causality which is evidenced by he signifi-
cant increase in the number of studies about such topic in recent years.
Referências bibliográficas
18 A.B.P. 2/84
---o Atribuição de causalidade em presos, amputados e cegos. Tese de doutorado. Rio
de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1980b.
---o Atribuição de causalidade; teoria e pesquisa. Rio de Janeiro, Fundação Getulio
Vargas, 1982.
- - - & Godoy, S. A. Atribuição de causalidade, reações emocionais e realização de urna
tarefa. Trabalho apresentado à XIII Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão
Preto. Ribeirão Preto, out. 1983.
- - - & Ribeiro, D. G. Atribuição de causalidade em pacientes com enfarte. Trabalho
apresentado à XIII Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Ribeirão
Preto, out. 1983.
- - - & Peters, L. R. Atribuição de causalidade a acidentes de trabalho: instrumento de
medida e suas variações entre chefes e subordinados, acidentados e não acidentados. Tra-
balho apresentado à XIII Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto.
Ribeirão Preto, out. 1983.
- - - & Marília S. Adaptação da escala de Levenson. Universidade Federal de Uber-
lândia, 1983. Trabalho não publicado.
Dias, C. B. dos S. & Maluf, R. Que valor o professor atribui à capacidade, esforço e resul-
tado obtido pelos alunos em contextos de realização escolar? Trabalho não publicado.
Dollard, J.; Doob, L.; Miller, N.; Mowerer, O. & Sears, R. Frustration and aggression.
New Haven, Yale University Press, 1939. .
Guerguen Neto, F. Atribuição de causalidade, ansiedade e rendimento acadêmico. Disserta-
ção de mestrado. Faculdade de Educação, UFRS, 1982.
Heider, F. Attitudes and cognitive organization. J. of Psychology, 21:107-12, 1946.
- - o The psychology of interpersonal relations. New York, Wyley, 1958.
---o A conversation with Fritz Heider. In: Harvey, J. H.; Ickes, W. J. & Kidd, R. F.,
ed. New directions in attribution research. Hillsdale, N. J., Lawrence Erlbaum, 1976. v.1.
Jablonski, B. Locus de controle e o comportamento de jogar (e o de estudar). Trabalho não
publicado.
Jones, E. E. & Nisbett, R. E. The actor and the observer: divergent perception of the
causes of behavior. In: Jones, E. E. et alii, ed. Attribution: perceiving the causes of
behavior. Morristown, N. J., General Learning Press, 1972.
Jordan, N. The cognitive psychology of Fritz Heider. Institute for Defense Analysis, 1966.
Trabalho não publicado.
Kelley, H. H. Attribution theory in social psychology. Nebraska Symposium on Motivation.
Lincoln, Nebraska, University of Nebraska Press, 1967.
---o Causal schemata and the attribution processo In: Jones, E. E. et alii, ed. Attribu-
tion: perceiving the causes of behavior. Morristown, N. J., General Learning Press, 1972.
- - - & Michela, J. L. Attribution theory and research. Annual Rev. of Psychology,
31 :457-501, 1980.
Kukla, A. The cognitive determinants of achieving behavior. Tese de doutorado. University
of California, 1970.
Lefcourt, H. M. Locus of control; current trends in theory and research. Hillsdale. N. J.
Lawrence Erlbaum, 1976.
Lerner, M. J. The desire for justice and reactions to victims. In: Mecauly, J. & Berkowitz,
L., ed. Altruism and helping behavior. New York, Academic, 1970.
Levenson, H. Distinctions within the concept of internaI-externaI control: development
of a new scale. 80th. Annual Convention of the American Psychological Association. Ho-
nolulu, USA, 1972.
Lima Féres, N. Locus de controle e comparação social na atribuição de causalidade por
crianças. Tese de doutorado. Centro de Pós-Graduação e Pesquisa do ISOP da Fundação
Getulio Vargas, 1981.
Markus, H. & Zajonc, R. B. The cognitive perspective in social psychology. In: Lindezey,
G. & Aroson, E., ed. The handbook of social psychology. 1984.
Milgram, N. A. Locus of control in Negro and white children at four age leveIs. Psychol.
Reports, 29:458-65, 1971.
- - - & Milgram, R. M. Dimension of locus de control in children. Psychol. Reports,
37:523-38, 1975.
Montmollin, G. Psychologie sociale behavioriste et psychologie sociale cognitiviste. Traba-
lho apresentado ao Encontro do Comitê executivo da União Internacional de Psicologia
Científica e Federação de Psicólogos de Venezuela. Avepso Boletin, V:1-7, 1982.
Muzdybaev, K .. Attribution of responsibility and organizational behavior. Pers. and Soe.
Psychol. Bulletin, 8:43-8, 1982.
Atribuição de causalidade 19
Phares, E. J. Locus of contrai in personality New Jersey, General Learning Press, 1976.
Rodrigues, A. Atribuição de causalidade e alocação de recompensas e punições em amos-
tras brasileiras. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 32:141-7, 1980a.
---o Causal ascription and the evaluation of achievement-related oucomes: a cross-cul-
tural study. Intern. ,. of Intercultural Rei., 4:379-89, 1980b.
---o Latin American social psychology: a review. Spanish Speaking Psychology, 1:39-60,
1981.
---o Réplica: um tipo de pesquisa negligenciado em psicologia social. Arquivos Brasi-
leiros de Psicologia, 34:3-20, 1982.
---o Atribuição de causalidade e locus de controle: alguns resultados obtidos no Brasil.
Trabalho apresentado ao XIX Congresso da SIP. Quito, Equador, 1983.
- - - & Jouval, M. V. Phenomenal causality and response to frustrating interpersonal
events. Interamerican ,. of Psychol., 3:193-204, 1969 (Trad.: Rodrigues, A. Estudos em
psicologia social. Petrópolis, Vozes, 1979.)
- - - & Marques, J. C. Atribuição de causalidade e avaliação do rendimento - como o
professor valoriza aptidão e esforço. Educação e Realidade, 6:7-28, 1981.
- - - & Reis, C. Atribuição de causalidade: um estudo psicossocial. Cadernos da PUC.
Rio de Janeiro, 1969.
Romero García, O. Locus de control, inteligencia, estatus socio-economico y rendimiento
academico. Publicação n.O 10, Laboratório de Psicologia. Mérida, Venezuela, 1980.
---o Internalidad y rendimiento academico: efectos de un programa de intervención.
Trabalho apresentado ao XVIII Congresos da SIP. Santo Domingo, República Dominicana,
1981.
Rotter, J. B. Generalized expectancies for internaI versus externaI control of reinforcement.
Psychological Monographs, 609, 1966.
Seligman, M. E. Desamparo. São Paulo, Hucitec/Edusp, 1977.
Shaver, K. G. Defensive attribution: effects of severity and relevance on the responsibility
assigned for an accident. ,. of Pers. and Soe. Psychol., 14: 101-3, 1970.
Spielberger, C. D. Theory and research on anxiety. In: - - - , ed. Anxiety and behavior_
New York, Academic, 1966.
---o Anxiety as an emotional state. In: - - - , ed. Anxiety: current trends in theory
and research. New York, Academic, 1972.
Storms, M. D. Videotape and the attribution process: reversing actors and observers points
of view. ,. of Pers. and Soe. Psychology, 27:165-75, 1973.
Walster, E. Assignement of responsibility for an accident. ,. of Pers. and Soe. Psychol.,
3:73-9, 1966.
Weiner, B. The role of affect in rational (attributional) approaches to human motivation.
Educational Researcher, 9:4-11, 1980.
- - - & Kukla, A. An attributional analysis of achievement motivation. J. of Pers. and
Soe. Psychol., 15: 1-20, 1970.
- - - & Pote;>an, P. Personality characteristics and affective reactions toward exams of
superior and failing college students. f. of Educ. Psychol., 61:144-51, 1970.
- - - ; Frieze, 1.; Kukla, A.; Reed, L.; Rest, S. & Rosenbaum, R. Perceiving the causes
of success and failure. In: Jones, E. E. et alii. Attribution: perceiving the causes Df behavior.
Morristown, N. J.; General Learning Press, 1972.
- - - ; Russel, D. & Lerman, D. Affective conseqUences of causal ascriptions. In: Jones,
E. E. et alii, ed. New directions in attribution research. HilIsdale, N. T. Lawrence Erlbaum,
1978. v.2.
Yarkin, K. L.; Town, J. P. & Wallston, B. S. Blacks and women must try harder: stimulus
person's race and sex attributions of causality. Pers. and Soe. Psychol. Bull., 8:21-4. 1982.
20 A.B.P. 2/84