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SUMÁRIO RÁPIDO

Ética e Sociedade
2ª edição revisada, ampliada e atualizada.

APRESENTAÇÃO 7
Graduação
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE
11

ÉTICA, MORAL E CULTURA 24

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICAS


48

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
74

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


90

REFERÊNCIAS 126
Ética e Sociedade

Claudio Luiz Orço – Organizador

Ancelmo Pereira de Oliveira


Ardinete Rover
Carlos Weinman
Diego Beal
Elizandra Iop
Evandro Ricardo Guindani
Idovino Baldissera
Marcio Trevisol
Rejane Ramborger

Joaçaba 2015
© 2015 Editora Unoesc – Direitos desta edição reservados à Editora Unoesc
Rua Getúlio Vargas, 2125, Bairro Flor da Serra, CEP 89600-000 – Joaçaba, SC, Brasil
Fone: (49) 3551-2065 – Fax: (49) 3551-2000 – E-mail: editora@unoesc.edu.br

É proibida a reprodução desta obra, no todo ou em parte, sob quaisquer meios, sem a permissão expressa da Editora Unoesc.

E84
Ética e sociedade / Claudio Luiz Orço... [et al.]. – 2.
ed.rev.; ampl. e atual. – Joaçaba: Ed. Unoesc, 2015.
131 p. ; 30 cm. -- (Série Unoesc Virtual)

Bibliografia: 126-131 p.

ISBN

1. Ética social. 2. Filosofia. I. Orço, Claudio Luiz.

CDD 177

Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc

Reitor
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Campus de São Miguel do Oeste
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Campus de Xanxerê
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Pró-reitor de Graduação Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação


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Coordenação Geral da Unoesc Virtual Coordenação Editora Unoesc


Lucivani Gazzóla Débora Diersmann Silva Pereira

Coordenação Pedagógica Revisão Linguística e Metodológica


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Daniela Medeiros dos Santos Stedile
Campus de Xanxerê
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Secretaria Executiva e Logística


Elisabete Cristina Gelati

Designer Instrucional
Greici Fernandes da Silva
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................................................... 7

PLANO DE ENSINO-APRENDIZAGEM.................................................................................................8

UNIDADE 1 A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE.........................................................11


SEÇÃO 1 A importância do outro...................................................................................................... 12
SEÇÃO 2 A ética e a vida social........................................................................................................... 17
SEÇÃO 3 Ética e sociedade na universidade................................................................................. 20

UNIDADE 2 ÉTICA, MORAL E CULTURA..........................................................................................24


SEÇÃO 1 As culturas brasileiras......................................................................................................... 25
SEÇÃO 2 A cultura, a moral e a violência ....................................................................................... 37
SEÇÃO 3 Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferentea .................. 43
SEÇÃO 4 Os valores morais e a liberdade de consciência........................................................ 45

UNIDADE 3 O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA...............................................................49


SEÇÃO 1 A filosofia e a ética................................................................................................................. 50
SEÇÃO 2 Um percurso entre as correntes filosóficas: dos gregos até a atualidade..... 53
SEÇÃO 3 Reflexão sobre a construção da moral.......................................................................... 67

UNIDADE 4 A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA.......................................................................................74


SEÇÃO 1 “Querer é poder”: as consequências éticas desse modelo de sociedade.........75
SEÇÃO 2 O fenômeno da globalização..............................................................................................78
SEÇÃO 3 O fundamentalismo da globalização econômica.......................................................81
SEÇÃO 4 O avanço tecnológico e a ética...........................................................................................83

UNIDADE 5 OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL..................................................90


SEÇÃO 1 Grandes questões éticas de contemporaneidade..................................................... 91
SEÇÃO 2 Ética e Meio Ambiente......................................................................................................... 97
SEÇÃO 3 Ética e Direitos Humanos................................................................................................106
SEÇÃO 4 A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil...............118
SEÇÃO 5 Esperança ética....................................................................................................................122

REFERÊNCIAS..........................................................................................................................................126
Veja como aproveitar a sua apostila

Este espaço permite


que você faça suas
anotações!

Para refletir Saiba mais Exclamação Pergunta Continua na próxima página


7

APRESENTAÇÃO

SEJA BEM-VINDO AO COMPONENTE CURRICULAR ÉTICA E SOCIEDADE!

Apresentamos a você, aluno da Unoesc na modalidade a distância, o Guia de Estudo


do componente curricular Ética e Sociedade. Ele foi elaborado visando a uma apren-
dizagem autônoma; os conteúdos foram cuidadosamente selecionados e a linguagem
utilizada facilitará seus estudos a distância.

O componente Ética e Sociedade tem fundamental importância para a reflexão acerca


do significado de nossa ação no mundo. Na perspectiva de construir nosso “ser ético”,
precisamos refletir teoricamente sobre os valores que norteiam nossas ações. Nes-
te componente curricular, procuramos lançar um olhar acadêmico sobre o tema da
ética, revelando sua real importância para o desenvolvimento das atividades cotidia-
nas em sociedade e, também, no desempenho das atividades profissionais. Com isso,
buscamos reconhecer, nas contradições sociais, a carência de uma discussão sobre a
ética em suas instâncias normativas e prescritivas do agir humano.

Desejamos que você tenha muito sucesso neste componente curricular e em todo o curso.

Bons estudos!

Equipe Unoesc Virtual.


8 Ética e Sociedade

PLANO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM
Conceituação (ética x moral). Fundamentos históricos e filosóficos.
EMENTA

Doutrinas éticas. Conflitos éticos da sociedade atual. Ética e cidadania


no Brasil. Ética da diferença (diversidade cultural). Arqueologia da
ética brasileira. Ética e direitos humanos. Meio ambiente e ética.

OBJETIVO GERAL
PLANO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

COMPREENDER e ANALISAR a ética dentro do contexto sócio-histórico, conside-


rando suas diferentes concepções.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

PERCEBER as implicações da reflexão ética no conjunto das ações sociais do homem.

CONHECER o processo de construção histórico-social da moral.

COMPREENDER a complexidade das questões éticas na sociedade.

METODOLOGIA
O componente curricular será desenvolvido por meio do Portal de Ensino Unoesc,
que é a sala de aula virtual. As aulas serão acompanhadas por um grupo de profes-
sores que presta assistência metodológica e pedagógica para o desenvolvimento da
aprendizagem. Além disso, o Guia de Estudo serve para orientar o aprendizado por
meio de um diálogo, facilitando a compreensão dos conteúdos que serão trabalhados.
Ética e Sociedade 9

FORMAS E MOMENTO DE AVALIAÇÃO


Na avaliação de aprendizagem do componente curricular são atribuídas notas de
zero a dez pontos, considerando-se as atividades avaliativas a distância. Serão no mí-
nimo duas avaliações por componente curricular, denominadas de AD e uma prova
escrita individual, abrangente e presencial, denominada de AP, das quais resultará a
nota da média semestral, denominada A1, com os seguintes pesos:

PLANO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
• As atividades avaliativas a distância denominadas AD terão peso 4,0;

• A atividade avaliativa denominada AP terá peso 6,0.

É fundamental que você leia as unidades de estudo deste componente curricular


para realizar as atividades avaliativas!

CRONOGRAMA

EVENTO ATIVIDADE DATA


Aula presencial _______/______
Início do componente
Leitura do programa de aprendizagem e orien-
curricular
tações iniciais
Leitura da Unidade _______/______
Unidade 1 Realização das atividades de autoavaliação _______/______
Realização das atividades avaliativas a distância _______/______
Leitura da Unidade _______/______
Unidade 2
Realização das atividades de autoavaliação
Leitura da Unidade _______/______
Unidade 3
Realização das atividades de autoavaliação _______/______
Leitura da Unidade _______/______
Unidade 4
Realização das atividades de autoavaliação
Leitura da unidade _______/______
Unidade 5
Realização das atividades de autoavaliação _______/______
Avaliação presencial (AP)
Avaliação presencial (AP) – 2ª chamada
Avaliação presencial (A2) - Exame
Ética e Sociedade 10

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de
Janeiro: Sextante, 2009.

SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. 6. ed. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 2012.

PLANO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
VALLS, Álvaro Luiz Monteiro. O que é ética. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 17.
ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

RIGOTTO, Germano. Ética e desenvolvimento: caminhos para um novo brasil. Porto


Alegre: Fundação Ulisses Guimarães, 2006.

PINSKY, Jaime; ELUF, Luiza Nagib. Brasileiro(a) é assim mesmo: cidadania e pre-
conceito. São Paulo: Contexto, 1993.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Correntes fundamentais da ética contemporânea.


4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
UNIDADE 1
A IMPORTÂNCIA DA
ÉTICA NA SOCIEDADE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta unidade, você terá condições de:

• COMPREENDER a importância da ética na sociedade;


• IDENTIFICAR os elementos que unificam as categorias éticas, o outro e a sociedade;
• REFLETIR sobre as implicações éticas na vida cotidiana.

ROTEIRO DE ESTUDO

Com o objetivo de alcançar o que está proposto a esta unidade, o conteúdo está
dividido nas seguintes seções:

SEÇÃO 1 SEÇÃO 2 SEÇÃO 3


A importância do A ética e a vida Ética e sociedade na
outro social universidade
12 Ética e Sociedade

PARA INICIAR NOSSOS ESTUDOS

Uma das capacidades mais requeridas pela sociedade atual é a de conviver com as diferenças,
sejam elas de ideias, comportamentos, atitudes, raças ou culturas.

A vida em sociedade exige que reconheçamos a importância do outro e sejamos compreensi-


vos, tolerantes e sensíveis aos desafios que nos rodeiam!

Como nossa cultura ainda é muito individualista, precisamos de um longo caminho para nos
tornar mais éticos. É esse caminho que o convidamos a trilhar no componente curricular Ética
e Sociedade.
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE

Então, vamos iniciar nossos estudos de Ética e Sociedade? Para isso, precisamos entender por
que se estuda a ética e em que momento surge a preocupação ética na sociedade. Inicialmen-
te, vamos falar daquilo que é o eixo central da ética: o reconhecimento do outro.

SEÇÃO 1 A importância do outro

Com a correria do dia a dia, somos levados a nos preocupar


bastante com nós mesmos. Nesta seção, vamos pensar sobre o
papel que o outro ocupa em nossa vida.

Quais os motivos de sua alegria ou tristeza? Procure fazer


uma retrospectiva em sua memória emocional e destaque
seus principais motivos de alegria e tristeza no dia a dia.

Reflita sobre sua família, amigos, universidade. O que, em sua


família, afeta os seus sentimentos? Se as condições financeiras
são as melhores possíveis, você já se sente plenamente feliz?
Vivemos grande parte da vida em função de nossas necessida-
des e desejos, mas por que será que existe o ditado popular de
que “dinheiro não traz felicidade”?

Vamos auxiliar essas reflexões com uma dinâmica? Escolha,


para cada item, o que for solicitado.

Um bem material muito importante para você:


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_______________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
Ética e Sociedade 13

Um sonho que almeja:

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_______________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________

Um local para onde gostaria de viajar:

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_______________________________________________________________________________________________

A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE


_______________________________________________________________________________________________

Uma pessoa ou grupo de pessoas muito importantes na sua vida:

_______________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________

Se você precisar se desfazer de uma dessas coisas, qual será?


Elimine uma de suas escolhas.

E se você precisar abrir mão de mais duas coisas? Elimine ou-


tras duas respostas.

Enfim, o que restou?

Essa dinâmica nos ajuda a perceber o papel que o outro ocupa


na nossa vida. Praticamente ninguém se desfaz das pessoas,
nesse exercício. Geralmente, os grandes responsáveis pelos nos-
sos sentimentos de alegria ou tristeza provêm das relações que
temos com as pessoas.

Quantas vezes perdemos o sono ou não acordamos bem por


ter algum problema de relacionamento interpessoal? Você já se
sentiu assim?

Você imaginaria a sua vida isolada dos outros?

Enfim, o outro é a causa de nossa alegria e de nossa tristeza,


contribui e prejudica em nossa busca pelo sentido da vida. É im-
portante percebermos que nossa condição humana é marcada
14 Ética e Sociedade

pela incompletude e inacabamento; a todo o momento buscamos o outro, ou para


partilhar, ou para nos completar como indivíduos.

Quantas vezes você está desanimado, chateado, e ao conversar com outra pessoa
parece ficar mais leve e tranquilo?

Isso tudo nos ajuda a entender que o outro nos completa em nossos pensamentos e
ações.

Mas, quem é o outro?


A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE

O outro pode ser a pessoa que está à sua frente, um familiar,


um amigo, ou qualquer ser humano de qualquer raça e cultura,
uma criança, um trabalhador, um portador de HIV. Podemos,
também, compreender o outro como os animais e a nature-
za; as ideias de outras culturas, de outras religiões, de outros
partidos políticos; o mundo exterior que se apresenta a nós
a todo momento. O outro também pode ser a nossa própria
capacidade de reflexão, quando se volta sobre si mesma, anali-
sa a consciência, capta os apelos que nela se manifestam (ódio,
compaixão, solidariedade, vontade de dominação ou de coope-
ração, sentido de responsabilidade) e percebe os seus atos e as
consequências que deles derivam; quando analisamos nossas
próprias ideias (BOFF, 2003a).

Em relação ao reconhecimento do “outro”, Boff (2003a) tam-


bém se refere ao meio ambiente, ao planeta Terra, a tudo o
que sai da nossa esfera individual. Reconhecer o outro-animal,
o outro-natureza, na sua dignidade, é reorganizar toda uma
forma de ver o mundo, é, como sugere o autor, produzir uma
nova ótica: “A tese de base desta ótica afirma que a lei suprema
do universo é a da interdependência de todos com todos. Tudo
está relacionado com tudo em todos os pontos e em todos mo-
mentos. Ninguém vive fora da relação.” (BOFF, 2003a).

Percebemos, assim, que o outro faz parte de nossa vida.

A necessidade que temos de nos comunicar também evidencia


a importância do outro. Observe, atualmente, os sites de rela-
cionamento e os programas de comunicação instantânea. Por
que as pessoas buscam, de forma obsessiva, outros colegas,
outras comunidades? Será que isso não revela uma constante
Ética e Sociedade 15

busca pelo outro, às vezes ofuscada pela ideologia do individualismo competitivo


da nossa sociedade?

Por que precisamos tanto falar da importância do


outro para falarmos de ética?

A base de toda a construção ética fundamenta-se nesta pressuposição: a ética sur-


ge quando o outro emerge diante de nós.

Boff (2003a) leva-nos a perceber que sempre temos uma postura diante do outro:

A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE


ou nos distanciamos, ou nos aproximamos, ou ignoramos. É nessa relação que so-
mos considerados éticos ou não.

A ética surge a partir do modo como se estabelece


a relação com esses diferentes tipos de outro. Pode
fechar-se ou abrir-se ao outro, pode querer do-
minar o outro, pode entrar numa aliança com ele,
pode negar o outro como alteridade, não respeitan-
do-o, mas incorporando-o, submetendo-o ou, sim-
plesmente, destruindo-o. (BOFF, 2003a).

A todo momento estamos em relação com o outro, e isso nos ca-


racteriza como seres morais – moralmente bons ou ruins – não
há como negar essa condição humana; temos nossa dimensão
moral.

O que é essa dimensão moral?

É nossa dimensão relacional, o nosso ser social. Somos seres


morais à medida que vivemos em sociedade, que buscamos
adaptar nossas ações ao meio em que vivemos, aos outros que
nos circundam.

Cada cultura, cada código moral vai determinando um tipo


de relação com o outro. Na antiga Palestina, os leprosos eram
considerados impuros, por isso as pessoas deveriam ignorá-los
e romper relações com eles. Isso fazia parte de uma regra moral
aceita por todos.
16 Ética e Sociedade

Na caça às bruxas, durante a Idade Média, as mulheres eram consideradas demoní-


acas, portanto, podiam ser destruídas, mortas.

As tribos maias, incas e astecas, na América, também foram praticamente extingui-


das pelos espanhóis porque eram consideradas pagãs e inferiores.

No início da colonização brasileira, negros e índios podiam ser escravizados, eram


considerados inferiores aos brancos. A relação do branco (proprietário) com o ne-
gro e o índio era de dominação e submissão.

Observe como a cultura e a moral de cada tempo determinam a forma como nos
relacionamos com os outros.
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE

Como é a sua relação com o outro? Com o outro


diferente de você, com o outro de outras raças,
culturas, classes sociais? Como a sua cultura familiar o
educou a se relacionar com o outro?

Boff (2003a) nos alerta: “O outro é determinante. Sem passar


pelo outro (que posso ser eu mesmo), toda ética é anti-ética.”

As considerações de Boff (2003a) nos levam a perceber que não


podemos falar de ética sem antes resgatar o reconhecimento
do outro em nossa vida pessoal.

Hoje, isso se torna muito necessário; nossa sociedade está mar-


cada por um modelo de relações predatórias, no qual o outro é
importante até o momento em que tem utilidade. Boff (2003a)
afirma que nossa sociedade “[...] magnifica o indivíduo que
constrói sozinho sua vida.” O que isso quer dizer? Que se costu-
ma admirar, magnificar as pessoas que têm sucesso individual-
mente, por intermédio da fama e da riqueza, mesmo que, para
isso, acreditem que não precisam ser éticas, que há sempre um
jeito para tudo, que podem usar a sua influência para conseguir
o que querem e que devem ser egoístas!

Se você quiser aprofundar suas percepções sobre a


importância do outro na vida de cada um, assista ao
filme Shyrlei Valentine. O filme narra a história de uma
mulher que durante, praticamente, toda a sua vida
cuidou da casa e dos filhos, passa o dia só e tem uma
relação muito diferente e peculiar com as paredes de
sua casa.
Ética e Sociedade 17

Antes de tentar entender o que seja a ética, devemos


estar conscientes de que ela surge no momento
em que aparece o outro, no momento em que
reconhecemos nossa dimensão de vida social.
Precisamos discutir a ética num âmbito social; do
contrário, acreditaremos que cada um deve ter sua
ética e não haverá sociedade, mas um conjunto de
indivíduos lutando por interesses particulares. É o que
veremos na próxima seção.

A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE


SEÇÃO 2 A ética e a vida social

Consigo compreender que minha vida pessoal está


vinculada à sociedade? Tenho consciência de que
minhas ações individuais têm consequências sobre o
meio que habito? Por que nosso componente curricular
se chama Ética e Sociedade, e não apenas Ética?

Precisamos discutir a ética dentro da sociedade em que vive-


mos, na qual buscamos concretizar nossas aspirações individu-
ais. Sociedade e indivíduo formam um todo inseparável; não há
como negarmos essa relação entre ações individuais e socieda-
de. Esta possui uma lógica de funcionamento que acaba deter-
minando grande parte de nossas ações individuais.

Mas, o que isso tem a ver com a ética?

Basicamente, a relação que a sociedade tem com a ética é que


o meio social (econômico, político, cultural, educacional) de-
termina e condiciona em grande parte o comportamento das
pessoas. Para analisarmos eticamente o comportamento dos
indivíduos, precisamos, antes de tudo, analisar a relação entre
as atitudes individuais e o meio onde estão inseridos.
18 Ética e Sociedade

Como percebemos isso concretamente?

Procure analisar a nossa sociedade capitalista: as ideias presentes no mundo publi-


citário, no cinema, na televisão estão centradas na busca pelo sucesso.

Você lembra do desenho do Pica-pau? Que ideias esse personagem transmite? Que
devemos obter sucesso a qualquer custo. E o Tio Patinhas? Para ele, ganhar dinhei-
ro é o mais importante.
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE

Figura 1 – Tio Patinhas

Fonte: Um Mundo Mágico (2005).

A lógica da sociedade capitalista assenta-se sobre a busca


ilimitada pelo dinheiro e pelo sucesso. Se você tem uma casa,
vai querer melhorá-la, ampliá-la; depois vai querer comprar
EXEMPLO
mais uma. Você acha que em nossa sociedade alguém diria que
já tem dinheiro suficiente para viver? Dificilmente. As pessoas
sempre se consideram insatisfeitas e canalizam seus desejos
para acumular e consumir, independentemente de a sociedade
estar com altos índices de miséria e de pobreza.

A sociedade constrói modelos de relações entre as pessoas, es-


tabelece normas de convivência. Nas grandes capitais, é comum
tropeçar em alguém dormindo nas calçadas, faz parte do coti-
diano da cidade haver crianças pedindo dinheiro nas ruas; essa
indiferença começa a fazer parte do costume, da vida cotidiana.
Ética e Sociedade 19

Figura 2 – Criança de rua

A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE


Fonte: Rulli (2005).

Por esses e outros motivos, não podemos discutir ética sem


antes entender a lógica de funcionamento da sociedade em
que vivemos.

Estudamos ética e sociedade, justamente, porque a sociedade


determina valores, princípios, normas e regras de sobrevivên-
cia e convivência.

Uma reflexão ética precisa entender as concepções de homem


e de sociedade; em cada período histórico, há uma ideologia
vigente que norteia o comportamento dos indivíduos, por isso a
ética se fundamenta em uma análise filosófica e sociológica.

Na sociedade medieval, o comportamento das pessoas estava


pautado em bases religiosas. O medo e a concepção de peca-
do eram fundamentados na ideia de que Deus estava sempre
vigiando as atitudes humanas. As pessoas temiam ir além dos
limites impostos pelas regras sociais. O bem e o mal, Deus e o
demônio estavam sempre presentes no imaginário das pessoas.

Outra importante característica da sociedade medieval era a


ligação entre poder terreno e divino. As pessoas acreditavam
que o Rei ou Imperador possuía ligação direta com Deus, por
isso o respeito e a obediência aos governantes eram algo incon-
testável.

Você percebeu que o limite e a obediência foram fatores que


marcaram a sociedade medieval? Isso acabava determinando
comportamentos e atitudes das pessoas.
20 Ética e Sociedade

E a sociedade moderna, que tipo de transformação ela traz?

A primeira grande transformação é que a religião perde espaço e o homem passa,


lentamente, a assumir o lugar de Deus. No período medieval, as pessoas acredita-
vam que o Paraíso, a plenitude da felicidade, viria após a morte, e que nesta vida
deveriam suportar as privações e o sacrifício. O advento da modernidade faz com
que a razão humana passe a ocupar o lugar da fé e da crença em Deus. Outra gran-
de transformação da sociedade moderna é a perda do limite e a busca pelo infinito,
tanto do conhecimento quanto do lucro. A Igreja, que no período medieval atuava
como inibidora de atitudes, vai perdendo espaço na sociedade moderna.
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE

Enfim, como percebemos, a sociedade está em constante trans-


formação, alterando seus valores, crenças, concepções de certo
e errado e, consequentemente, a moral e a ética.

A universidade busca formar pessoas e está inserida em uma


sociedade, por isso surge o desafio: que modelos de ser humano
e de profissional estão presentes em nossa sociedade? Quais
os valores morais e éticos de nossa sociedade? Quais atitudes
são fundamentais em um profissional que atua na sociedade do
século XXI?

Essa é uma das muitas razões, como você percebeu, de estudar-


mos ética e sociedade na universidade.

SEÇÃO 3 Ética e sociedade na universidade

Na seção anterior, procuramos esclarecer que não é possível


estudar a ética desvinculada da sociedade.

Por que estudar ética e sociedade na universidade? O que


isso tem a ver com minha profissão?

Muitos cientistas do século XIX acreditavam que a ciência deve-


ria aprimorar seus inventos e descobertas, debruçar-se apenas
sobre seu campo específico do saber para evoluir a partir de
suas próprias pesquisas.

Sabe qual foi o resultado disso?


Ética e Sociedade 21

O lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, a morte de milhares de


judeus em campos de concentração, a dizimação de tribos africanas e indígenas,
a degradação ambiental quase irreversível, a desigualdade de renda, a exclusão
social.

O conhecimento científico que não leva a ética para dentro de sua área específica
corre o risco de desenvolver sérios prejuízos à sociedade e a todo o planeta Terra.
Os acontecimentos citados tiveram como causa principal a crença de que a ciência
possui poderes absolutos e é sempre fonte de verdade e de certeza.

A produção do conhecimento, em qualquer área, precisa discutir e refletir sobre

A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE


a relação do conhecimento com a realidade, com a sociedade. O profissional, pro-
fessor ou aluno, deve sempre levantar questões sobre a sua área de conhecimento:
para quem se destina esse conhecimento? Qual a sua finalidade?
Quem pode ser beneficiado ou prejudicado com a sua aplicação?
Por que estamos realizando pesquisas e descobertas nessa área?

Essas questões são necessárias, pois discutem a finalidade do


conhecimento e sua relação com a sociedade, com as pessoas,
com o presente e o futuro da sociedade.

O conhecimento pode ser utilizado tanto para o benefício


quanto para o malefício da sociedade. De acordo com a forma
com que empregarmos o conhecimento aprendido na univer-
sidade, poderemos ser ótimos ou péssimos profissionais. O
que nos conferirá excelência profissional na nossa área, além
dos conhecimentos técnicos, é o modo como utilizaremos
esses conhecimentos.

A universidade precisa buscar respostas para os desafios do


século XXI, tão complexos que um campo do conhecimento não
pode alcançá-los sozinho, por isso da necessidade de abertura
e diálogo, de rever posturas profissionais e acadêmicas que no
século XX eram tidas como verdadeiras.

Mas, quais são os desafios?

A fome, a miséria, novas doenças...

Esses desafios globais que afetam nossa realidade local não


podem ser enfrentados e resolvidos por uma única ciência,
possuem grande dimensão socioeconômica, ambiental, políti-
ca. Portanto, o profissional do século XXI precisa dialogar com
22 Ética e Sociedade

outras áreas do conhecimento. Precisa, assim, reconhecer a importância do outro,


do outro-profissional, do outro-ciência.

Os desafios do terceiro milênio possuem alto grau de complexidade, de inter-


-relações e interdependências. O profissional da Economia não consegue resolver
sozinho o problema da fome; o profissional da Educação não consegue educar
sozinho; o profissional da Saúde não consegue, sozinho, garantir saúde a todos; o
profissional do Direito não consegue, somente por meio da lei, criar uma sociedade
justa e organizada; o profissional de Engenharia precisa discutir as finalidades de
sua técnica numa perspectiva humana e social. Nenhum desses profissionais conse-
gue resolver sozinho todos esses problemas.
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE

Em razão de um período acentuado de especialização, a ciência


acabou se fechando no seu objeto de conhecimento e perden-
do um pouco a relação com a sociedade e com outras áreas do
saber. É muito comum encontrarmos algumas ciências conside-
rando-se superiores a outras, ou profissionais que se fecham ao
diálogo com outros profissionais por considerá-los inferiores
ou pouco relevantes.

Assim, a ética nos convida a reconhecer a importância do diá-


logo e da consciência do inacabamento, porque nunca estamos
prontos, sempre precisamos aprender com o outro diferente.

Autoavaliação 1

1 Qual é a importância da ética no meio em que você vive? Como a


ética pode contribuir para a melhoria desse lugar, desse ambiente?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

2 A ética surge no momento em que aparece o outro. Por que o outro


é o centro da ética? Assinale V para as alternativas verdadeiras e F
para as falsas:

( ) Porque o outro é aquele que nos julga se agimos corretamente ou não.


( ) Porque é somente quando estamos diante do outro que podemos ser
ou não considerados éticos.
( ) Porque o outro sempre é nossa referência de certo ou errado.
( ) Porque diante do outro sempre precisamos tomar uma atitude, po-
demos nos fechar a ele, abrir-nos ou negá-lo, ou seja, essa relação é que
será ou não ética.
Ética e Sociedade 23

Nesta Unidade, refletimos sobre a dimensão social de


nossa vida. Em uma sociedade marcada pelo individua-
lismo, antes de definir o que é ética e moral, precisamos
reconhecer a importância e a presença do outro na nos-
sa vida, precisamos reconhecer nossa interdependência,
na qual vamos construindo e definindo nosso ser moral,
nossa forma de nos relacionar com o outro. De acordo
com nossas preferências, vamos incluindo e excluindo
pessoas de nosso convívio. Definimos nosso círculo de
amigos e pessoas indesejáveis a partir de nossos crité-
rios do que seja uma pessoa boa e ruim, assim deter-
minamos nossos valores morais. Cada sociedade define
e determina alguns valores e crenças, e isso influencia

A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE


muito a forma como as pessoas vivem em sociedade.
Na universidade, precisamos incluir a ética na produ-
ção e na construção do conhecimento. Um conhecimen-
to sem ética pode se tornar prejudicial à sociedade, bem
como um profissional sem ética pode não ser conside-
rado bom, por mais conhecimento técnico que possua.
A próxima Unidade nos ajudará a compreender melhor
a relação entre a ética e a sociedade e como ocorre a
construção dos valores morais.
UNIDADE 2
ÉTICA, MORAL
E CULTURA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta unidade, você terá condições de:

• COMPREENDER o que é ética e cidadania no contexto atual, percebendo diferentes implicações éticas e
morais nas condutas sociais;
• IDENTIFICAR a cultura e suas implicações no convívio social;
• PROPICIAR uma reflexão sobre as questões atuais que envolvem preconceitos, discriminação, violência
e valores.

ROTEIRO DE ESTUDO

Com o objetivo de alcançar o que está proposto a esta unidade, o conteúdo está dividido nas se-
guintes seções:

SEÇÃO 1 SEÇÃO 2
Ética e Cidadania A cultura, a moral
e a violência

SEÇÃO 3 SEÇÃO 4
Preconceito e discri- Os valores morais
minação: violência e a liberdade de
contra o outro dife- consciência
rente
Ética e Sociedade 25

PARA INICIAR NOSSOS ESTUDOS


Nesta Unidade, você vai saber como a nossa educação cultural contribui ou não
para sermos mais éticos, como viver como cidadãos e como somos educados na
relação com o outro, principalmente com o outro de cultura diferente.

Para compreender a importância do outro e o modo como a cultura determina essa


relação, vamos fazer uma reflexão sobre a ética e a cidadania, a conduta moral,
a forma pela qual os indivíduos concebem o certo e o errado numa determinada
cultura e num determinado tempo e como se estabelecem relações com diferentes
usos e costumes na sociedade atual.

Vamos lá?!

SEÇÃO 1 Ética e Cidadania

ÉTICA, MORAL E CULTURA


Na atualidade, há questionamentos em torno do que é essencial e do
que é secundário para um convívio social harmônico, o que leva a so-
ciedade, por diversas vezes, a uma inversão de valores e sentimentos.

Embora esses questionamentos pareçam mais latentes na atuali-


dade, segundo Boudoux (2014, p. 1), “Na verdade eles nasceram
no momento em que o homem passou a viver em sociedade e, para
tanto, começou a perceber a necessidade de regras que regula-
mentassem esse convívio.” Diante da necessidade de regular o con-
vívio, aos poucos vão surgindo normas e regras, a fim de se obter
o bom relacionamento social. Desse contexto emerge a ética, que
será objeto de nosso estudo, quanto à prática da cidadania.

A ética vem sendo estudada, desde os tempos da Grécia antiga


até o presente, com o mesmo interesse, porque é um fenômeno
humano e, como tal, é mutante, uma vez que a evolução humana
é uma constante.

A ética questiona valores a partir do modo de ser de determinado


grupo ou sociedade, que produz determinada cultura com intuito
de viver bem e buscar a felicidade. Ela busca indicar, por meio de
comparações, mudanças que podem ocorrer no comportamento
das pessoas e nas próprias regras de convivência. Isso explica a
dinâmica do desenvolvimento ético.

A ética considera o interesse da sociedade como um todo, en-


quanto a moral se preocupa com o que é bom ou ruim para
determinado grupo. A ética indica o que é mais justo ou menos
26 Ética e Sociedade

injusto perante as escolhas que temos que fazer, as quais podem afetar ou não as
situações cotidianas.

A ética já fazia parte do estudo da filosofia, especialmente a de ascendência grega, e, du-


rante toda a história, muitos pensadores se ocuparam em entendê-la, esclarecê-la e até
conceituá-la, sempre visando à melhoria nas relações sociais. As normas éticas revelam
a melhor forma de o homem agir e relacionar-se com a sociedade e consigo mesmo.

Segundo Boudoux (2014, p. 1), “Sócrates, considerado o pai da filosofia antropológi-


ca, relaciona o agir moral com a sabedoria, afirmando que só quem tem conhecimen-
to pode ver com clareza o melhor modo de agir em cada situação.” Podemos, então,
deduzir que a preocupação com o modo de viver em sociedade é constante, e, assim
como a teoria socrática, muitas outras foram formuladas ao longo da história de
alguma forma para a melhoria do agir humano e, consequentemente, para o exercício
da cidadania e para o bom convívio social. Lembre-se de que na Grécia, a escravidão
ÉTICA, MORAL E CULTURA

era prática comum e indiscutível; hoje, abominável. No entanto,


podemos perceber que outras formas de escravidão surgiram e
que, do ponto de vista ético, também não são aceitáveis, e, embo-
ra as formas e as compreensões tenham evoluído, o que contraria
a dignidade humana será sempre motivo de rejeição.

Diante do atual cenário político-social-cultural no qual nos in-


serimos, percebe-se a necessidade de um estudo e aplicação de
normas éticas, para que se possa recuperar formas dignas de con-
vivência, haja vista tanta violência contra a pessoa e o patrimônio
público ou privado.

Então, perceba que sem uma retomada dos princípios


fundamentais basilares, ou seja, dos valores perenes de
justiça, responsabilidade, honestidade, legitimidade,
liberdade, entre outros – tendo sempre como pano de
fundo a vida como o valor primordial, em todas as suas
manifestações – não se vislumbram melhores condições
de qualidade de vida, e sem um reposicionamento
favorável ao desenvolvimento da vida plena, não há
como fazer acontecer o desenvolvimento de um povo,
de uma nação, de um país.

Situando a ética

Ética é a parte da filosofia que se ocupa com o estudo do com-


portamento humano, no que se refere à prática dos valores que
norteiam o destino humano e investiga o sentido que o homem
atribui às suas ações na busca da verdadeira felicidade, para
alcançar o “bem viver”, no sentido grego.
Ética e Sociedade 27

Veja o que alguns autores dizem sobre isso:

Para Vasconcelos (2011, p. 199), “A ética, também vista como julgamento do ca-
ráter moral de uma pessoa, é aplicada em diversos setores da sociedade, entre os
quais, economia e política, assim como nas situações do dia a dia.” Assim, a ética,
desde os tempos remotos até hoje, é uma necessidade premente e está sempre
presente no cotidiano, pois em todas as nossas relações e atos, em algum grau,
utilizamos nossos valores de vivência ética. Assim, eles nos auxiliam e facilitam os
relacionamentos, porque os valores praticados para o bem nos fazem ver e sentir
que estamos avançando, progredindo em direção a um mundo melhor.

Conforme Vázquez, as doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em


diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos apresenta-
dos pelas relações entre os homens e, em particular, pelo seu
comportamento moral efetivo. Pode-se constatar que uma moral
primitiva surgiu com o próprio homem, na qual a sobrevivên-

ÉTICA, MORAL E CULTURA


cia básica se constituía na norma ética fundamental. A “Moral
Tribal” se resumia em trabalhar para comer, matar para não
morrer. Dessa forma, podemos compreender que cada tempo e
cada lugar gera seus próprios costumes, modos de vida e jeito de
viver.

Em um sentido amplo, a ética engloba um conjunto de valores


que se traduzem em regras e preceitos de ordem valorativa, que
estão ligados à prática do bem e a evitar a prática do mal, apro-
vando ou desaprovando a ação dos homens de um grupo social
ou de uma sociedade inteira.

A palavra ética, derivada do grego ethos, significa “comporta-


mento”, que, segundo Boff (2000), pode ser também traduzida
por “[...] morada – moradia não como algo acabado, mas aberto
a ser feito.” Heidegger atribui ao termo ethos o significado de
“morada do ser”. Para Aristóteles, o centro do ethos (moradia) é
a felicidade, para Platão, o bem. De qualquer forma, a ética se si-
tua no convívio humano como a forma de conduta, não qualquer
conduta, mas aquela que conduz o homem à prática dos bons
costumes, que edificam o humano, distanciando-se da barbárie,
da brutalidade e do confinamento egoísta da vida.

Você compreendeu esses conceitos?


28 Ética e Sociedade

Em caso negativo, é melhor voltar e retomar a leitura, ou solicite ajuda ao professor


tutor. Perceba que a ética pode ser interpretada e traduzida em atos de duas for-
mas: ética normativa e metaética. A primeira propõe e estabelece os princípios da
conduta correta, enquanto a segunda investiga o uso de conceitos como bem e mal,
certo e errado, virtude e vício, etc.

Em razão dos valores estabelecidos pela consciência do ser humano, a ética pode
ser entendida como objetiva e subjetiva. A primeira pressupõe que os valores são
constituídos individualmente, impossibilitando formas de colocar valores para os
outros, enquanto na segunda, os valores são válidos para todos os seres humanos,
tornando todos seus defensores.

O estudo da ética quer demonstrar que a consciência moral


nos inclina para o caminho da virtude, que seria uma qualidade
própria da natureza humana, de praticar o bem e evitar o mal.
ÉTICA, MORAL E CULTURA

Portanto, um homem somente será ético se, necessariamente,


for virtuoso, ou seja, praticar o bem usando a liberdade com
responsabilidade constantemente. Lembrando que a liberdade
tem a mesma extensão da responsabilidade. Não há como se ter
liberdade sem responsabilidade; portanto, não podemos con-
fundir liberdade com libertinagem (praticar atos sem a devida
responsabilidade).

Podemos dizer que:

Dessa forma, percebe-se que “o agir” depende do ser. A caneta


deve escrever, é de sua natureza escrever; a água deve ume-
decer, hidratar, pois é de sua natureza fazê-lo, e ela deve agir
dessa forma, não se pode esperar outra ação se não esta. Logo, a
única obrigação do homem é ser virtuoso, é de sua natureza ser
virtuoso e agir como homem, ser humano. Infelizmente, o mal
que nos tem assolado é o de homens que não agem como tal
(desumanizados).

Ainda, segundo Boudoux ([20--]), “Os preceitos éticos de um


grupo ou de uma sociedade são baseados em seus valores,
princípios, ideais e regras, que se consolidam durante a for-
mação do caráter do ser humano em seu convívio social [...]”
Concordando com o autor, pode-se acrescentar que, de acordo
com o conjunto de valores praticados pelo grupo, certamente
fomentar-se-á a cultura do grupo e de cada membro individual
que pertence a esse grupo, podendo-se esperar comportamento
similar de todos os seus membros. Então, para mudar ou criar
valores, não basta um indivíduo do grupo querer, mas que
Ética e Sociedade 29

haja um “contágio” que atinja a maioria. Deduz-se, dessa forma, que a formação de
valores passa pela formação cultural, que na maioria das vezes se baseia no senso
comum de um grupo.

Percebeu, então, que a formação de conceitos se baseia no senso comum da socie-


dade, pois é sentido por toda uma comunidade, um povo ou uma nação, inferindo-
-se que cada indivíduo, embora seja influenciado pelo grupo com o qual convive,
pode e deve, também, influenciar o grupo, fazendo a simbiose na construção da
sociedade do futuro. Agora, pergunta-se: para qual sociedade do futuro estão sendo
voltadas as ações humanas?

As práticas humanizadas certamente conduzirão a um futuro de boas possibilida-


des (prática de valores bons – virtudes) ou então, diferente disso, sem destino e
sem rumo.
Quando se trata de ética como algo presente no convívio huma-
no, não se quer dizer que já se nasça assim, com a consciência

ÉTICA, MORAL E CULTURA


plena do que é bom ou mau. Essa consciência existe, mas se
desenvolve somente mediante o relacionamento, o convívio com
o meio social, introjetando a cultura e autodescobrindo-se como
membro desse grupo.

Nas palavras do intelectual baiano Divaldo Franco (apud BOU-


DOUX, 2014), “A consciência ética é a conquista da iluminação,
da lucidez intelecto-moral, do dever solidário e humano.”

Podemos afirmar, sem sombras de dúvidas, que a ética é funda-


mental para termos uma vida plena, uma vez que se situar na
vida cotidiana é basilar, porém, somente quando há coragem
para se decifrar como um ser confiante na própria vida, no amor
– como a maior manifestação do ser humano no grupo social
–, com respeito por si e pelo outro e, principalmente, aliado à
verdade, estando acima de quaisquer interpretações, ideias ou
opiniões.

Situando a moral

Segundo Boudoux (2014) e Boff (2000), o termo moral deriva


do latim – mos-mores – e significa costumes, valores de determi-
nada cultura. Portanto, a moral é a “ferramenta” de trabalho da
ética. Assim, desempenha o papel primordial de gerar juízos de
valor para o grupo que a pratica, pois, sem juízos de valor aplica-
dos pela moral, seria impossível determinar se a ação do homem
é boa ou má, uma vez que quem percebe, faz ou sofre a ação é
sempre alguém intrinsecamente ligado a um grupo humano.
30 Ética e Sociedade

A moral é o conjunto de normas, livres e conscientes, adotadas, que visam orga-


nizar as relações humanas, tendo como base o bem e o mal, com vistas aos costu-
mes sociais praticados em determinado local e por determinado tempo, podendo
estender-se de forma mais duradoura e também abrangendo maiores espaços,
dependendo da aceitação ou da rejeição de acordo com costumes e/ou hábitos
praticados.

Lembre-se de que apesar de serem semelhantes, e por


várias vezes se confundirem, ética e moral são termos
aplicados diferentemente. Enquanto o primeiro trata o
comportamento humano como objeto de estudo e norma-
tização geral e ampla, o segundo se ocupa de atribuir um
valor à ação local e imediata, e diz respeito aos costumes
e hábitos praticados por grupos mais restritos. Como
exemplo, pode-se citar o aborto, tomado em sentido geral,
que é tratado como antiético, pois atenta contra a vida
e, portanto, fere um valor fundamental. Por outro lado,
tratando-se de situações particulares (fecundação resul-
ÉTICA, MORAL E CULTURA

tante de um estupro, ou uma má-formação congênita), o


aborto pode ser moralmente aceito. Há países que adotam
a prática de aborto como ato de controle de natalidade,
portanto, naquele país abortar é moral.

Note que o valor moral tem como referências as normas e


os conceitos do que vem a ser o bem e o mal, baseado em
um senso comum de determinado grupo. Isso significa que a
moral possui um caráter subjetivo, que faz com que ela seja
influenciada por vários fatores (sociais, históricos, geográficos,
etc.), o que altera os conceitos morais de um grupo para outro.
Observa-se, então, que a moral é dinâmica, quer dizer que ela
pode mudar seus juízos de valor de acordo com o contexto em
que esteja inserida.

Aristóteles, em seu livro A Política, descreve que “Os pais sem-


pre parecerão antiquados para os seus filhos.” Essa afirmação
demonstra que, na passagem de uma geração familiar para
outra, os valores morais mudam radicalmente. Outro exemplo
é o de que quando está em veraneio na praia, um casal de na-
morados pode passear tranquilamente, ela vestida apenas com
biquíni e ele com uma sunga, que ninguém irá estranhar ou
molestá-los por causa disso. Porém, se esse mesmo casal for
para a faculdade com esses trajes, certamente será censurado
por isso. Essa mudança de comportamento e juízo de valor é
provocada, simplesmente, pelo meio geográfico.

Conforme nos ensina Boudoux (2014, p. 3):


Ética e Sociedade 31

O ato moral tem em sua estrutura dois importantes aspectos: o normativo


e o factual. O normativo são as normas e imperativos que enunciam o “de-
ver ser”. Ex.: cumpra suas obrigações, não minta, não roube, etc. Os factuais
são os atos humanos que se realizam efetivamente, ou seja, é a aplicação da
norma no dia a dia no convívio social.

O ato moral tem consequências à medida que afeta não somente a pessoa que pra-
tica, mas também aqueles que a cercam e a própria sociedade. Então, para que um
ato seja considerado moral, ou seja, julgado como bom, deve ser livre, consciente,
intencional e solidário.

Podemos afirmar que do ato moral decorre a responsabi-


lidade, exigindo da pessoa que assuma as consequências
por todos os seus atos, livre e conscientemente, para que
seja considerado bom, salutar, construtivo.

ÉTICA, MORAL E CULTURA


Por todos os aspectos aqui abordados, pode-se concluir que os
valores do que vem a ser bom ou justo e, aliando-se à diversi-
ficação de informações culturais que o mundo contemporâneo
globalizado nos revela em uma velocidade espantosa, a ética e
a moral tornam-se cada vez mais importantes, exigindo que sua
aplicabilidade se torne cada vez mais adequada ao contexto em
que está inserida.

Fique atento! Isso pode ajudá-lo. Leia o que Boudox (2014)


sintetiza:

Alguns diferenciam ética e moral de vários modos:

• Ética é princípio, moral são aspectos de condutas específicas;

• Ética é permanente, moral é temporal;

• Ética é universal, moral é cultural;

• Ética é regra, moral é conduta da regra;

• Ética é teoria, moral é prática.


32 Ética e Sociedade

Situando a cidadania

O termo cidadão tem origem em cidade, habitante da cidade, parafraseando a Gré-


cia antiga que tinha na pólis (cidade) a vida comunitária regrada, cujo habitante era
o político, (vivia dentro da pólis – cidades gregas cercadas de muros).

Logo, cidadão é aquele que vive e participa da vida da cidade. Cabem, aqui, refle-
xões e análises sobre como viver na cidade, ter vida cidadã. Pode-se viver na cidade
como morador apenas, sem estar comprometido com ela, ocupando espaço apenas
para usufruir do que a cidade proporciona; ou então ser ativo, fiscalizar, tomar par-
te dos projetos, das decisões, enfim, da vida da cidade.

Cidadão no sentido ético significa aquele que participa da vida


da cidade, não apenas como morador, mas como sujeito ati-
vo, que influencia nos rumos dela e toma como sua função ser
ÉTICA, MORAL E CULTURA

atuante. Logo, a conduta do cidadão deve pautar-se em alguns


princípios (ética) traduzidos em atos (moral), que a maioria
aceita e pratica. O cidadão questiona os atos, as atitudes e os fa-
tos oriundos do exercício diário da convivência grupal e procura
as soluções mais adequadas. Assim, todos os conviventes de
um grupo social têm em comum práticas que devem conduzir
ao bom convívio e atender aos objetivos sociais presentes. Nas
sociedades democráticas atuais, propõe-se que há deveres e
direitos oriundos das práticas sociais, e que cada indivíduo está
ao mesmo tempo sujeito às regras morais (locais) e aos valores
éticos gerais. Quando não há consciência dos deveres e direitos
do cidadão, por ignorância do próprio cidadão ou por subter-
fúgios que prestigiam uns e penalizam outros, percebe-se de
forma mais nítida que a necessidade da ética é premente.

Não há como exercer cidadania sem a consciência de deveres e


direitos, os quais afloram quando o acesso ao conhecimento é
disponibilizado e facilitado a cada um dos convivas de determi-
nado grupo ou sociedade. Então, cidadania amplia-se à medi-
da que é franqueada a participação na construção do próprio
conhecimento e no desenvolvimento cultural coletivo.
Ética e Sociedade 33

A cidadania plena pode ser utopia, mas sua constante


evolução certamente conduz a melhores condições de
convivência e de vida digna. Cidadania plena implica
assumir papéis sociais com vistas ao coletivo, por
meio de ações individuais. Cada um precisa contribuir
manifestando suas ideias, seus conhecimentos
e, principalmente, praticando ações que elevem
a dignidade humana, ou seja, ações que gerem a
melhoria da qualidade de vida, não apenas da sua,
mas da coletividade.

ÉTICA E CIDADANIA NO COTIDIANO

O Brasil ainda caminha a passos lentos no que diz respeito à éti-


ca e à cidadania, principalmente no cenário político e social, que
se revela a cada dia. Porém, é inegável o fato de que realmente a
moralidade tem avançado, mas ainda muito aquém do desejado

ÉTICA, MORAL E CULTURA


(BOUDOUX, 2014).

Vários fatores contribuíram para a formação desse quadro caó-


tico. Entre eles, os principais são os golpes de Estados – Golpe
de 1930 e Golpe de 1964 – e até mesmo as políticas públicas
adotadas pelos governos em tempos de democracia. Durante o
período em que o país viveu uma ditadura militar e a democra-
cia foi colocada de lado, o cidadão teve seus direitos suspensos,
a liberdade de expressão foi calada e o medo tornou-se constan-
te, tirando o ímpeto de repudiar, de protestar e até de expressar-
-se livremente. Tivemos a suspensão do ensino de filosofia e,
consequentemente, de ética nas escolas e universidades. Como
consequência dessa série de medidas arbitrárias e autoritárias,
nossos valores morais e sociais foram se perdendo, levando a
sociedade a uma “apatia” social, sendo estabelecidos os valores
que o Estado queria impor ao povo, ou seja, a vontade de poucos
prevaleceu sobre a vontade da maioria.

Na atualidade, estamos presenciando ensaios de liberdade cida-


dã no que diz respeito à aplicabilidade das leis e da ética no po-
der: os crimes de corrupção e de desvio de dinheiro estão sendo
mais investigados e punidos, mesmo que com a lentidão típica
da justiça brasileira, a própria polícia tem trabalhado com mais
liberdade de atuação e tem se policiado em prol da moralidade
e do interesse público, o que tem levado os agentes públicos a
refletir mais sobre seus atos antes de cometê-los.
34 Ética e Sociedade

Essa democracia, implantada como democracia brasileira, foi especialmente efe-


tivada após a promulgação da Constituição de 1988. Etimologicamente, o termo
democracia vem do grego demokratía, em que demo significa governo e kratía,
povo. Logo, a definição de democracia é “governo do povo”. Se isso fosse levado a
sério, por si só já garantiria, de certa forma, o uso da ética nas relações de poder,
governo e governado. Então, teríamos a democracia conferindo ao povo o poder
de influenciar na administração do Estado por meio do voto, porque é o povo que
determina quem vai ocupar os cargos de direção do Estado. Decorre, então, que se
insere, nesse contexto, a responsabilidade tanto do povo, que escolhe seus diri-
gentes, quanto dos escolhidos, que deverão prestar contas de seus atos no poder
(BOUDOUX, 2014).

Aqui, segundo relata Boudoux (2014, p. 4):


ÉTICA, MORAL E CULTURA

A ética tem papel fundamental em todo esse pro-


cesso, regulamentando e exigindo dos governantes
o comportamento adequado à função pública que
lhe foi confiada por meio do voto, e conferindo
ao povo as noções e os valores necessários para o
exercício de seus deveres e cobrança dos seus di-
reitos. E por meio dos valores éticos e morais – de-
terminados pela sociedade – que podemos perce-
ber se os atos cometidos pelos ocupantes de cargos
públicos estão visando ao bem comum ou ao inte-
resse público.

Como podemos inferir, o cidadão tem influências determinantes


nos rumos dos destinos da sociedade a que pertence somente se
exercer de forma consciente seu poder tanto na escolha quanto
na fiscalização dos atos de seus eleitos.

Então, na atual democracia brasileira há ainda muito por fazer,


tanto por parte dos cidadãos quanto por parte dos governantes.
Porém, o futuro será da forma como decidirmos, nesse ínterim.
Se for de acordo com a ética, certamente, vislumbram-se melho-
res dias, caso contrário, as dificuldades tenderão a aumentar.

EXERCÍCIO DA CIDADANIA

Segundo Boudoux (2014):

Todo cidadão tem direito a exercer a cidadania, direito esse


garantido constitucionalmente nos princípios fundamentais de
cada um. O exercício dos direitos de cidadão está vinculado a
exercer também os seus deveres de cidadão. Por exemplo, quem
Ética e Sociedade 35

deixa de votar não terá nenhuma autoridade em cobrar nada do governante que
está no poder, afinal, esse sujeito se omitiu do dever de participar do processo de
escolha de seu governante e, assim, com essa atitude, abriu mão também dos seus
direitos.

Deveres e direitos andam juntos no que diz respeito à cidadania. Não se pode que-
rer exigir um direito sem que antes tenha executado o dever a ser cumprido. É uma
via de mão dupla: seus direitos aumentam na mesma proporção de seus deveres
perante a sociedade.

Constitucionalmente, os direitos estão garantidos, tanto individuais quanto coleti-


vos, sociais ou políticos, porém, são precedidos de responsabilidades que o cidadão
deve ter diante da sociedade. Assim como a Constituição garante o direito à pro-
priedade privada, exige que o proprietário pague os tributos que o exercício desse
direito gera, e o pagamento dos impostos devidos, consequentemente, será reverti-
do em seu benefício.

ÉTICA, MORAL E CULTURA


Exercer a cidadania tem por consequência ser responsável e agir com ética, assumin-
do as consequências de seus deveres enquanto cidadão inserido no convívio social.

Portanto, o caminho que leva a ética passar da teoria à prática é


fazer com que cada um sinta que tem crédito e que suas opiniões
não são apenas ouvidas, mas também valorizadas, e suas ideias
aceitas, entendidas e levadas a sério. Assim, a confiança gerada
engloba todos os envolvidos na ação, sejam governantes ou go-
vernados, sejam subalternos ou superiores.

Boudoux (2014, p. 3) enfatiza e sintetiza que a conduta ética


gera uma perspectiva que provoca um natural desejo de se
antecipar, de ter iniciativas para atender às necessidades da
sociedade e das pessoas que nela convivem, como fruto de sua
sensibilidade ética e, assim, provoca atitudes proativas em vista
do bem comum. A sociedade é constituída de seres humanos que
buscam o bem comum como ideal, como fim, nascendo disso o
respeito à dignidade de cada pessoa, e o meio para alcançar esse
fim é a prática das virtudes. Virtudes são qualidades que capa-
citam as pessoas a encontrar motivos para agir de acordo com
o bem. Sem obrigatoriedade, apenas exercitando sua liberdade,
a pessoa virtuosa sempre procura escolher o que é bom, certo e
correto. São as virtudes e os vícios que caracterizam as pessoas.
Dessa forma, os valores, se não traduzidos em ações, perdem seu
sentido. As virtudes são valores transformados em ações.
36 Ética e Sociedade

O modo de agir é uma consequência do modo de ser. A pessoa que se exercita na


prática de virtudes tem uma conduta de vida e deixa transparecer em sua atuação,
quer como profissional quer como cidadão, os valores que cultiva em sua vida pes-
soal. Assim, as virtudes são essencialmente hábitos bons que, para florescer, devem
ser praticados. As organizações e, especialmente, as instituições de educação têm a
responsabilidade de promover, incentivar e encorajar o comportamento ético.

Ética, moral e cidadania não são partes de um todo, mas


um todo inseparável de compreensões, atos e atitudes que
devem nortear a convivência dos grupos humanos, nas suas
relações pessoais, interpessoais, subjetivas e objetivas, para
que haja uma evolução constante da humanização do am-
biente vital humano

Não há como mudar os rumos da sociedade sem mudanças de


ÉTICA, MORAL E CULTURA

atitudes, com o comprometimento individual e grupal numa


direção comum, cujo ápice seja a elevação da dignidade da es-
pécie humana.

Considerando a diversidade humana em suas manifestações


socioculturais, somente o elo comum da espécie pode servir de
parâmetro para orientar as ações e atitudes no dia a dia: o uso
da racionalidade, cuja prática deve estar pautada na reflexão a
priori e a posteriori, ou seja, refletir antes de tomar decisões e,
depois, sobre os efeitos delas. Assim, pode-se evitar os efeitos
dos atos impensados, dos atos tomados sob o ímpeto do mo-
mento, ou até mesmo daqueles realizados sob efeito de fortes
impulsos emocionais ou de motivos involuntários.

A condição humana real é de agir de acordo com a racionalida-


de (uso da razão), porém, a racionalidade sofre influências do
meio e constitui-se a partir dos valores ali praticados. Dessa
forma, não basta uma ação cidadã local, mas é preciso ampliar a
todas as esferas da sociedade. Para tanto, é necessário que cada
um atue a partir de onde se encontra de forma direta ou indire-
ta como cidadão consciente de seus deveres e direitos.

Para ser cidadão não basta votar e eleger um candidato a um


cargo público. É preciso conhecer a história de comprometi-
mento com a coisa pública desse candidato, é preciso ter acesso
a ele enquanto atuar, seja na criação, aplicação ou execução das
leis que afetam a cada um de nós no cotidiano. O servidor pú-
blico precisa cumprir seu papel de servir ao público na função
para que fora investido, e o cidadão comum, cumprir com suas
Ética e Sociedade 37

obrigações de contribuir com os impostos, mas também exigir os serviços públi-


cos eficientes que o poder público tem obrigação de devolver ao contribuinte com
seriedade ao gerir os recursos.

SEÇÃO 2 A cultura, a moral e a violência

Você deve estar se perguntando: qual a relação


entre a cultura e a vivência da ética?

Há duas razões fundamentais para essa argumentação:

• a cultura é um produto da história coletiva dos diferentes

ÉTICA, MORAL E CULTURA


grupos sociais;

• a cultura contém componentes simbólicos que contemplam


formas de agir, pensar, sentir e reagir em determinado espaço,
onde cada um desses elementos traz em si um apelo especial
pela realidade ética.

A cultura é o espaço em que se formam nossas concepções de


certo e errado, ou seja, nossos valores morais. Se observarmos
a história da humanidade, desde que o homem teve de viver em
conjunto com outros homens, as normas de comportamento
moral têm sido necessárias para o bem-estar do grupo. Perce-
bemos que cultura e moral são inseparáveis.

Um dos objetivos de falarmos sobre cultura é porque ela con-


serva e legitima padrões de comportamento que são questiona-
dos e estudados pela ética.

Será que determinadas culturas e costumes não


contribuem para que os seres humanos sejam
violentados? Por que algumas pessoas aceitam
ser inferiorizadas, exploradas e outras acreditam
que isso é normal? Que reflexões éticas podemos
fazer sobre a aceitação da violência?
38 Ética e Sociedade

Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do constran-


gimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e
ao seu ser. Então, nos perguntamos: que relação existe entre cultura e violência?
Costumes e violência?

O termo violência nos remete a algo que foge à normalidade, ao eventual, a um


acidente, enfim, a algo que não estamos acostumados a ver. Esta seção convida você
a perceber com mais atenção o cotidiano. Como a palavra moral também signifi-
ca costume, muitas vezes, estamos tão acostumados com essa realidade que nem
mais percebemos se há algo de errado com ela. Você já deve ter ouvido a expressão
“Águas calmas não representam ausência de perigo.” Com o cotidiano é a mesma
coisa; superficialmente, tudo parece estar dentro da normalidade, mas se analisa-
mos com mais profundidade, percebemos que existem turbu-
lências profundas.
ÉTICA, MORAL E CULTURA

A ética surge na história com a preocupação de conter a


violência entre as pessoas; cabe a nós, ao falarmos em ética,
aprofundar o conceito de violência e percebê-la no cotidiano
dos nossos costumes e da nossa cultura.

Há situações nas quais não existe violência física, mas outro


tipo de violência, de natureza psicológica. Quando, mesmo sem
usar o chicote ou a palmatória, o pai ou o professor exigem o
comportamento desejado, doutrinando as crianças, impondo
valores e dobrando-as para a obediência cega e a aceitação
passiva da autoridade, existe violência simbólica, já que a força
que exercem é de natureza psicológica e atua sobre a consciên-
cia, exigindo a adesão irrefletida que apenas aparentemente é
voluntária (ARANHA, 1992, p. 171-172).

Como seres sociais, vivenciamos e buscamos a felicidade em


grupo. Para atingir determinados objetivos, agrupamo-nos
em instituições. Para sobreviver e buscar proteção, vivemos
em um grupo, a família. Preparando-nos para a vida adulta,
entramos na escola, participamos de um grupo religioso, uma
Igreja. Como vivemos em uma sociedade organizada com um
Estado de direito, pagamos impostos para usufruir de serviços
públicos, de saúde, por exemplo. Quem de nós nunca precisou
ou precisará de um hospital? Quando nos profissionalizamos,
entramos no mundo do trabalho, que também ocorre, na maior
parte das vezes, de forma institucionalizada. A empresa, uma
organização, as leis trabalhistas e a relação patrão-empregado-
-economia constituem o cotidiano do trabalho.
Ética e Sociedade 39

Como essas diferentes organizações que


compõem nosso cotidiano se tornam antiéticas?
Como as diferentes instituições transformam o
ser humano de sujeito em objeto? Que tipo de
violação pode acontecer contra o ser humano
nessas instituições?

A ética faz parte do nosso cotidiano, nossa vida familiar, educacional, profissional,
etc. Vamos refletir sobre a presença da violência na nossa sociedade, em alguns
espaços do nosso cotidiano: família, educação, trabalho e saúde pública.

Família
Análise da Organização
Se você já precisou sair de casa, está estudando fora ou moran-
do distante da família, deve sentir muita saudade e falta de um
aconchego; a família é vista como um lugar e espaço do bem.

ÉTICA, MORAL E CULTURA


Porém, não precisamos ir muito longe para nos defrontar com
problemas de violência familiar: pais que espancam filhos e,
ainda mais grave, cometem abusos sexuais contra eles, proble-
mas de alcoolismo, drogas, desemprego, todos esses fatores
desencadeiam processos de violência. A reflexão sobre a vio-
lência traz consigo a necessidade de discutirmos as relações de
poder. Há abuso de poder quando uma pessoa reduz a outra à
condição de objeto – assim se concretiza a violência.

Além dessas formas de violência explícita, procure refletir sobre


a violência velada, como as relações de poder entre os membros
da família que, aparentemente consideramos dentro da normali-
dade, próprias do cotidiano, entretanto, são formas de violência.

Uma mulher, dona de casa, acorda cedo, limpa a casa, leva os


filhos à escola, lava a roupa de todos (filhos, marido), prepara
o almoço. À tarde, costura, lava e passa. À noite, o esposo chega
em casa, tira o sapato, deita no sofá, solicita o jantar e ainda
reclama do atraso e do barulho. Os filhos chegam da rua, jogam
a roupa e os calçados pelo chão, sujam a cozinha. A mulher pre-
para o jantar, lava a louça, ajuda o filho a fazer a lição de casa,
leva roupa e toalha de banho ao marido que, depois, descan-
sado, prepara-se para deitar. Quando ele deita, a mulher ainda
prepara os alimentos para o almoço do outro dia, sem ter senta-
do um minuto sequer. Contudo, se perguntassem aos filhos e
ao marido se ela trabalha, eles certamente poderiam dizer que
não, entendendo que o trabalho de casa não pode ser conside-
rado como tal.
40 Ética e Sociedade

Quais questionamentos éticos poderíamos fazer


sobre essa família? Quem é tratado como objeto?
Quem exerce poder sobre o outro? Como a
violência faz parte do cotidiano, da normalidade e
do costume?

Você lembra que iniciamos nossos estudos falando sobre a reflexão ética? Pois
bem, ela surge para questionarmos a moral e os costumes, mas estes estão no
nosso dia a dia, e o que é considerado normal pela tradição e pela cultura pode ser
fonte de violência contra as pessoas, ações antiéticas presentes na moral familiar.
A família, no mundo ocidental, é essencialmente patriarcal e, por conseguinte,
essa estrutura tem grande possibilidade de se tornar machista. Os papéis sociais,
Patriarcal:
definidos desde cedo, contribuem para que algumas pessoas se Na cultura
ocidental
tornem submissas às outras na estrutura familiar, como acontece patriarcal, o
ÉTICA, MORAL E CULTURA

pai é o chefe
com a menina que faz os serviços domésticos em relação ao me- de família.
nino que tem mais liberdade para buscar uma profissão; assim,
as relações de poder têm continuidade.

Vamos, agora, a outro cotidiano, no qual passamos grande


parte de nossa vida: a escola, a universidade.

Educação

No Brasil, no início do século XX, era considerado normal pro-


fessores baterem em alunos, aplicarem castigos, enfim, a vio-
lência na escola era explícita; uma ação que também refletia
a moral familiar da época. Para as provas, o aluno precisava
decorar todo o conteúdo e responder de forma idêntica ao pro-
fessor. Essa metodologia expressava que o mais importante era
o conteúdo. Se o aluno interpretasse, traduzisse o conteúdo com
suas palavras, a resposta era considerada errada. O aluno não
podia fazer perguntas, era um meio de passagem entre a lousa e
a folha da prova, era um objeto.

Precisamos, portanto, entender as formas de violência na trans-


missão do conhecimento. Quantas vezes o conhecimento cientí-
fico e a figura do professor são colocados pela escola como algo
superior ao aluno?

Outra forma de violência existente na escola é a reprodução da


exclusão. Filhos de famílias ricas têm maiores chances de pros-
perar na vida acadêmica do que os de classe menos favorecida.
Ética e Sociedade 41

Muitas crianças, para ajudar a sustentar a casa, acabam deixando a escola, en-
quanto muitas outras, além de frequentar a escola regular, têm condições de fazer
cursos paralelos.

Essa forma de violência, sofrida no âmbito educacional, muitas vezes é obscurecida


pelo simples argumento de que alguns aproveitaram as oportunidades e outros não;
uma lógica de pensamento que busca naturalizar o processo de exclusão social.

Para enriquecer essa discussão, assista ao filme


Sociedade dos Poetas Mortos. O filme aborda o
conflito entre a postura do professor e a escola.
Um carismático professor de literatura chega a
um colégio muito conservador, onde revoluciona
os métodos de ensino ao propor que seus alunos
aprendam a pensar por si mesmos.

ÉTICA, MORAL E CULTURA


Fique atento, estamos construindo nossas reflexões dentro
de uma relação entre a violência e o cotidiano.

Outro espaço de convivência é o local onde exercemos nossa


profissão, em que as relações interpessoais se tornam mais in-
tensas e competitivas.

Trabalho

Vamos analisar como as relações de poder se transformam em


relações de violência no trabalho. É necessário situar o trabalho
dentro de uma sociedade e de determinado tempo, por isso nos
deteremos à sociedade capitalista do século XX. Já que esta-
mos falando do cotidiano, vamos partir de expressões do senso
comum que expressam de que maneira o ser humano é tratado
como objeto no mundo do trabalho.

Já ouvimos que “algumas pessoas nasceram para mandar, e


outras, para obedecer.” Essa afirmação é muito reproduzida; foi
feita, inicialmente, pelo filósofo Aristóteles. Segundo ele, “[...]
uns homens são livres e outros, escravos por natureza, e que
esta distinção é justa por natureza.” (VASQUEZ, 1990, p. 31). Na
época de Aristóteles, ninguém julgava antiético uma pessoa es-
cravizar a outra; hoje, esse pensamento não é diferente. Se uma
pessoa precisa se submeter a horas de trabalho sem um salário
42 Ética e Sociedade

digno, muitos poderiam afirmar que foi predestinada e que é uma realidade social
à qual precisa se submeter.

Outra realidade do mundo do trabalho é a “ditadura do desemprego”; muitas vezes,


quando um colaborador procura por melhorias salariais, tem como resposta que
precisa aceitar essa realidade, pois há uma fila de pessoas esperando por sua vaga.
À medida que vamos considerando isso algo normal, aceitamos uma forma de vio-
lência contra o ser humano. Muitos direitos trabalhistas são cortados em razão de
uma realidade maior e global, que se impõe sobre as pessoas.

Outra forma de violação à liberdade do ser humano é a escolha da profissão: mui-


tos submetem o seu desejo, sua empatia por alguma área à realidade do mercado
de trabalho e, assim, tornam-se objetos de um sistema maior.

Também é muito comum o conflito entre colegas de trabalho na


ÉTICA, MORAL E CULTURA

busca pela promoção profissional, no qual os interesses particu-


lares se chocam com o outro.

É impossível responsabilizar uma única pessoa por essa reali-


dade, nosso objetivo é evidenciar as formas de violência, muitas
vezes, tidas como algo normal do cotidiano.

Vamos, agora, a outro cotidiano, o da instituição que cuida de


nossa saúde.

Saúde Pública

Quem já esteve doente sabe que é um momento em que nos


sentimos fragilizados e carentes de atenção e cuidado. Por ou-
tro lado, é uma situação em que, com muita frequência, somos
tratados como objetos. A falência do sistema público, aliada às
relações de poder, provoca um descaso contra o ser humano. As
pessoas se acostumam a essa realidade e não percebem mais
como são violentadas nessas instituições.

Há algum tempo, uma reportagem comprovou o fato de que


as pessoas não percebem mais determinadas ações como uma
forma de violência: após permanecer das 4h às 9h da manhã
em uma fila para ser atendido em um hospital, um indivíduo,
não tendo conseguido a sua vaga, declarou que estava acostu-
mado com isso e que voltaria no dia seguinte. Esses fatos vão se
cristalizando como uma cultura do descaso público, tornam-se
costume e não são mais questionados. Aqui reside o papel da
Ética e Sociedade 43

ética: identificar e perceber a violência velada nos costumes e na moral das insti-
tuições, nesse caso, a saúde pública.

Todas as instituições exercem, de uma forma ou de outra, violência contra o indiví-


duo; cabe a você considerar e perceber a importância dessas reflexões em qualquer
projeto profissional.

Você percebeu que estamos trabalhando com vários


conceitos? Se você não conseguiu compreender a relação
entre ética, moral, cultura e cidadania, retome seus estu-
dos nas seções anteriores ou procure seu professor tutor.

ÉTICA, MORAL E CULTURA


SEÇÃO 3 Preconceito e discriminação: violência
contra o outro diferentea

Nossa formação cultural acontece a partir de modelos, de


princípios certos e errados, comportamentos morais e imorais.
Vamos nos deter, especificamente, ao fato de considerarmos o
outro errado, imoral, por ser diferente, por fugir aos nossos
padrões culturais. Isso está relacionado à ética por dois moti-
vos: primeiro, por não considerarmos o outro diferente em sua
especificidade; segundo, como consequência, por não refletir-
mos sobre o que pensamos a respeito do outro.

A ética é uma reflexão crítica sobre nossas formas de perceber o ou-


tro e agir sobre ele. Assim, fechamo-nos à ética quando nos fechamos
à autocrítica sobre o que e como pensamos a respeito do outro.

Para Aranha (1992, p. 181), preconceito (pré-conceito) sig-


nifica conceito (ou opinião) formado antecipadamente, sem
adequado conhecimento dos fatos. O perigo do preconceito está
na recusa em reexaminarmos as convicções quando se tornam
dogmáticas. Nesse ponto, o preconceito é fonte de intolerância
e, portanto, de violência. O preconceito leva à discriminação,
Dogmáti- quando o diferente é considerado inferior, excluído dos privilé-
ca: que se
apresenta gios de que os “melhores” desfrutam.
com caráter
de certeza
absoluta
44 Ética e Sociedade

Os antropólogos nos alertam que, ao analisarmos os costumes de outros povos,


convém não os avaliar a partir de nossos valores culturais, o que significaria uma
atitude etnocêntrica. Quando isso acontece, corremos o risco de procurar neles o
que lhes falta e esquecer de ver com clareza o que são de fato.
Etnocêntri-
Da mesma forma, dentro de cada cultura há preconceitos que levam à discrimina- ca: que tem
a tendência
ção dos pobres, negros, homossexuais, mulheres, idosos e tantos outros. de considerar
a cultura de
seu próprio
Um exemplo de preconceito cultural é o dos colonizadores eu- povo a medi-
da para todas
ropeus, que consideravam os povos tribais inferiores, não como as demais.
uma cultura diferente, mas de menor importância. Aqui, surge
a legitimidade de muitos atos violentos contra povos indefesos.
Sabemos que a população indígena brasileira foi praticamente
exterminada pelos brancos.
ÉTICA, MORAL E CULTURA

Conforme Aranha (1992, p. 182), a origem da discriminação, de


raça ou de sexo, geralmente, é consequência da desigualdade
social. Desde a antiguidade grega, em toda a história do mundo
ocidental, o poder é branco, masculino e adulto.

O Brasil tem uma longa tradição histórica de rígidas hierarquias


sociais – uma sociedade marcada pelo poder de elites (senhores
de engenho, barões do café, coronéis-fazendeiros). Apesar de
a sociedade brasileira apresentar grandes desigualdades so-
ciais, há uma camuflagem do preconceito por meio do mito da
democracia racial; uma ideia de que todos são iguais e que no
Brasil as pessoas sabem conviver entre negros e brancos e entre
ricos e pobres. Quando aprofundamos o assunto, percebemos
que isso não é verdade, que existe preconceito e discriminação,
principalmente com negros, índios e migrantes.

O índio, o negro e o migrante

Quando os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil, o processo


de cristianização dos índios por aqueles empreendido facilitou
a política de dominação de Portugal. Mesmo não sendo essa a
intenção dos religiosos, imbuídos de ardor religioso, eles es-
tavam convencidos da superioridade de sua cultura e religião.
Ao “docilizarem” os índios, adequando-os a padrões estranhos,
deram início à desintegração da cultura indígena.

Tal como a inferiorização do índio, a origem do preconceito


contra o negro encontra-se na tradição da escravidão. Os senho-
res acalmaram a consciência com a convicção de que o negro
Ética e Sociedade 45

era semianimal, bruto e rebelde e exigia pulso forte por parte do dominador. Por resistir
ao trabalho escravo, o negro passa a ser avaliado por meio de estereótipos: é indolente,
malandro, cachaceiro. A dominação é justificada por considerar o negro inferior.
Estereó-
tipos: que
são vistos
todos de um Sabemos que o racismo é muito presente em nossa cultu-
mesmo modo ra. A reflexão ética nos convida a analisar como o racismo
de ser. está fundamentado na ignorância e na falta de racionali-
dade crítica.

O preconceito e a discriminação não atingem apenas o índio e o negro, vítimas do


estigma da escravidão. Em um país como o Brasil, com irregular desenvolvimento
nas diversas regiões, o Sul e o Sudeste constituem o espaço do progresso e da ri-
queza, onde se instalam as indústrias. Por motivos histórico-so-
ciais, amplas regiões permanecem empobrecidas, além de serem
assoladas pela seca. Essa situação obriga as pessoas a migrarem;

ÉTICA, MORAL E CULTURA


com a esperança de dias melhores, vêm para os grandes centros,
ocupam funções subalternas, enfrentam o desemprego e outras
dificuldades, sofrendo preconceitos. As regiões mais ricas aca-
bam aproveitando a mão de obra barata e discriminando essas
pessoas.

Ainda é vigente no Brasil a mentalidade de que existem


estados e culturas mais importantes que outras. Esse
pensamento é mais uma forma de exercer violência sobre
o outro; confunde o diferente com o errado ou inferior.

Na próxima seção, vamos compreender como a cultura e a mo-


ral nos impedem de ser éticos.

SEÇÃO 4 Os valores morais e a liberdade de


consciência

Estamos falando de cultura; sabemos que os valores morais


são construídos e legitimados nela, na relação que temos com a
nossa família e com a comunidade desde que nascemos.

Por que falarmos em liberdade? Porque a liberdade de cons-


ciência é elemento fundamental para o agir ético; somente
quando tomamos consciência de nossas ações é que podemos
refletir sobre elas.
46 Ética e Sociedade

Ainda podemos nos perguntar: o que têm a ver os


valores morais com a liberdade?

Acreditamos que os valores (concepções de certo e errado) que aprendemos em


casa são as melhores coisas que trazemos conosco, são os pilares de nossa condu-
ta e de nossas ações. Chauí (2003, p. 311) afirma que nossos sentimentos, nossas
condutas, nossas ações e comportamentos são modelados pelas condições em que
vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, circunstâncias
políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos edu-
cam para respeitar e reproduzir os valores propostos por ela como bons e, portan-
to, com obrigações e deveres. Desse modo, valores e maneiras
parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais
e atemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos
ÉTICA, MORAL E CULTURA

desde o nosso nascimento: somos recompensados quando os


seguimos, punidos quando os transgredimos.

Sócrates, filósofo grego de Atenas, levava os jovens a questio-


nar aquilo em que acreditavam e que repetiam, a questionar os
próprios valores. Foi um dos primeiros filósofos a estimular o
questionamento ético, porque provocava uma reflexão profun-
da sobre os valores. A grande contribuição do pensamento e da
ação socrática foi no sentido de demonstrar que o que enten-
demos como valores (certo, errado, bonito, feio) é construído
dentro de um contexto cultural, geográfico e em determinado
tempo. Sócrates fazia as pessoas indagarem sobre a origem e a
essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam prati-
car ao seguir os seus costumes.

Portanto, não podemos afirmar que nossos valores sejam váli-


dos para todos. Quando você não consegue perceber a particu-
laridade dos seus valores, não conseguirá pensar além da sua
cultura e da sua moral. Assim, seus valores morais limitam a
sua liberdade de pensamento e reflexão. Muitas vezes, ouvimos
a expressão: “A minha opinião é esta e não abro mão porque é
a verdade!”; uma afirmação como essa demonstra que o sujeito
não consegue refletir além de seus princípios morais, tirando-
-lhe a liberdade de reflexão. É o chamado fundamentalismo ou
fanatismo: o indivíduo fica preso aos seus referenciais culturais
de mundo.
Ética e Sociedade 47

Em nossa vida, quando seguimos o que é dito como correto pela cultura da socieda-
de em que vivemos, achamos que estamos no caminho certo. Sócrates nos pergun-
taria:

Você está seguindo esses valores conscientemente


ou apenas para atender a um costume, para não
sair da moda?
Por que e como a moral e os costumes podem
exercer algum tipo de violência contra o ser
humano?

Como vimos, a moral e os costumes exercem algum tipo de


violência quando surge o racismo e o preconceito, mas também
quando impedem e dificultam o indivíduo de refletir racional-
mente, ou seja, de ser de fato livre nos seus pensamentos.

De acordo com Aranha (1992, p. 113), desde que nascemos

ÉTICA, MORAL E CULTURA


enfrentamos o problema do determinismo cultural: ao nascer, o
homem já se encontra em um mundo constituído, recebe como
herança a moral, a religião, a organização social e política, a lín-
gua, enfim, os costumes que não escolheu e que, de certa forma,
determinam sua maneira de sentir e pensar.

Quando não conseguimos perceber que muitos de nossos valores


são válidos somente para nossa cultura e para nossa profissão,
não estamos fazendo uso adequado de nossa liberdade.

Autoavaliação 2

1 A partir de seu cotidiano cultural e social, cite outros exemplos


de práticas silenciosas de violência praticadas e obscurecidas pelo
costume e pela tradição.
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

2 Como a cultura pode dificultar o processo de liberdade de pensa-


mento, ou seja, como ela pode permitir o surgimento de um pensa-
mento fundamentalista?
__________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
48 Ética e Sociedade

Nesta Unidade, percebemos a importância de assumir


uma postura cidadã por meio de condutas morais e éti-
cas, bem como nossos valores e visões de mundo são
construídos no ambiente familiar e social e como o
costume e a tradição podem abrigar formas de violência
contra o indivíduo. A reflexão ética exige um constante
processo de autocrítica, de revisão de concepções e dos
valores morais. Essa reflexão torna-se fundamental para
o crescimento ético; do contrário, caímos no fundamenta-
lismo, escravizamos nossa capacidade de pensar livre-
mente, nossas ideias ficam enquadradas em sistemas de
pensamento construídos em uma cultura.
Para a ética, é essencial um olhar crítico sobre a realida-
de. Por isso, na próxima Unidade, buscaremos compreen-
der a relação entre a filosofia e a ética, já que a filosofia
tem como princípio a dúvida e a reflexão.
ÉTICA, MORAL E CULTURA
UNIDADE 3
O PENSAMENTO
FILOSÓFICO E A ÉTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta unidade, você terá condições de:

• IDENTIFICAR os principais fundamentos teóricos da ética;


• COMPREENDER a ética como um ramo da filosofia;
• PERCEBER a ética inserida na história da sociedade e do conhecimento.

ROTEIRO DE ESTUDO

Com o objetivo de alcançar o que está proposto a esta unidade, o conteúdo está dividido nas se-
guintes seções:

SEÇÃO 1 SEÇÃO 2 SEÇÃO 3


A filosofia e a ética Um percurso entre Reflexão sobre a
as correntes filo- construção
sóficas: dos gregos da moral
até a atualidade
50 Ética e Sociedade

PARA INICIAR NOSSOS ESTUDOS


Nas Unidades anteriores, percebemos a necessidade de refletir sobre nossas ações,
pois nascemos em uma sociedade, estamos no mundo com outras pessoas, nossas
ações ou omissões interferem no contexto social em que vivemos. Sempre que fala-
mos: “Estive refletindo sobre...”, “Pensei muito sobre...”, “Frequentemente me per-
gunto se é correto...”, as pessoas ao nosso redor nos dizem: “Já está filosofando...”.
Precisamos, então, quando falamos em ética, andar pelo caminho da filosofia ou da
reflexão do homem sobre seus atos, seu contexto, seu mundo e seus iguais. É por
isso que, nesta Unidade, falaremos da importância de compreender a ética a partir
da filosofia.

SEÇÃO 1 A filosofia e a ética

O que vem à sua mente quando você ouve a palavra filosofia?


Por que falarmos de filosofia? Muitas vezes, o professor de filo-
sofia é aquela pessoa que sempre faz reflexões profundas sobre
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

um tema aparentemente simples. Por essa razão, numa socie-


dade marcada pelo utilitarismo e pela praticidade, a primeira
acusação sobre a filosofia é de que ela é inútil. Entretanto, vere-
mos adiante que, para compreendermos a ética, é fundamental
refletirmos sobre a filosofia.

Mas, por quê?

A filosofia nasce na história trazendo a dúvida para o centro das


discussões sobre a vida. A ética nada mais é do que a sistema-
tização de grandes questionamentos sobre o agir humano e a
relação entre os indivíduos.

É correto fazer isso? Por que devo agir assim?


Que lugar o outro ocupa nas minhas escolhas
e decisões? Existe uma consciência ética que
nasce conosco? Sabemos agir de forma ética
naturalmente ou precisamos aprender?
Ética e Sociedade 51

As questões éticas são, acima de tudo, questões filosóficas. Por isso, para construir-
mos uma reflexão ética, precisamos, antes de tudo, resgatar o papel e o conceito de
filosofia.

Chauí (2003, p. 23) discute a ideia de filosofia como a “[...] fundamentação teórica e
crítica dos conhecimentos e das práticas.”

Com isso, percebemos que a filosofia busca problematizar as práticas e os conhe-


cimentos já estabelecidos. Em nossa educação, o conhecimento é transmitido por
intermédio dos costumes, e, por isso, não buscamos levantar dúvidas sobre ele, até
porque todos pensam da mesma forma, então, acabamos nos acostumando com
certas ideias e práticas. Para progredirmos eticamente, contudo, precisamos colo-
car em dúvida e em questão os nossos próprios costumes .

Tendo como premissa a ideia da filosofia como base racional de


análise do real, a definição de Chauí (2003) leva-nos a um caminho
parecido com o que sugeriu Marx, ao afirmar que a filosofia ficou
muito tempo refletindo e que deveria agir. Portanto, ela deve nos

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


conduzir a uma ação que tenha reflexos imediatos na sociedade,
interferindo diretamente nas ações dos seres humanos e nas suas
relações com o mundo, com os outros e consigo mesmos.

Assim, precisamos compreender que o conhecimento filosófico


deve proporcionar uma reflexão sobre a vida concreta que nos
leve a transformá-la para melhor. Essa foi a busca de muitos
filósofos. Marx pode ser exemplo desse papel da filosofia na
história. Ele questionava filosoficamente a desigualdade de
classes, a dominação de umas pessoas por outras: é natural que
existam ricos e pobres? Como superar o abismo existente entre
patrões e empregados? Perceba, aqui, que a filosofia surge
como um pensamento que provoca questionamento e proble-
matização para uma transformação social.

Dessa maneira, a importância do conhecimento filosófico é


evidente para comprovar que a filosofia não é somente abstra-
ta, como afirmam algumas teorias, mas possui interferência
prática. Alguns teóricos ajudam a reforçar a ideia de que o
conhecimento filosófico não é mera abstração. Platão concebia
a filosofia como um saber a ser usado em benefício do homem;
Descartes via na filosofia a possibilidade de se conhecer, con-
servar e inovar, quer nas artes, quer no mundo das técnicas.

Para saber mais sobre o assunto e ampliar seu


conhecimento, faça a leitura de “A República”, de Platão.
52 Ética e Sociedade

A filosofia assume, na história, uma função


investigativa, crítica e problematizadora.

Mas que relação isso tem com a ética?

Como já vimos, nem sempre costumamos refletir e buscar os porquês de nossas


escolhas, comportamentos, valores; agimos por força do hábito, dos costumes e da
tradição, tendendo a naturalizar nossa realidade social, política, econômica e cultural.

É muito comum ouvirmos as expressões: “As coisas não mudam, sempre foi assim
e sempre será”, “Eu sou assim mesmo, é de minha natureza agir dessa forma.” Essas
expressões refletem a naturalização da realidade humana e social, que acarreta
uma considerável perda da capacidade de autorreflexão e de
problematização da sociedade e de nossos próprios pensamen-
tos; perdemos nossa capacidade crítica diante da realidade.
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

Você percebe como isso é muito grave?

Em outras palavras, não costumamos fazer ética porque não


fazemos crítica, nem buscamos compreender e problematizar a
nossa realidade moral. Com isso, podemos compreender a ínti-
ma relação entre o descaso pela filosofia e, como consequência,
o abandono da ética. Não é possível ser ético sem, antes de
tudo, ser reflexivo e crítico.

Temos uma experiência ética quando


conseguimos perceber a diferença entre aquilo
que é e o que poderia ser melhor.

Isso quer dizer que, quando percebemos que as coisas podem


mudar, estamos vivendo uma experiência ética.

Essa capacidade de questionar é a característica principal do


pensamento filosófico. A filosofia, historicamente, fez forte opo-
sição ao pensamento mítico e ao senso comum.

Mas, em que se baseia o pensamento mítico?


Ética e Sociedade 53

Nas crenças, na aceitação da realidade como algo definitivo e acabado. O senso


comum também se caracteriza por essa adaptação do pensamento à realidade e a
uma ideia comum. Podemos perceber que a vida em grupo e em comunidade in-
fluencia as ações, as atitudes e o pensamento das pessoas; a maioria dos indivíduos
pensa e age de forma semelhante, e até mecânica. Nesse agir e pensar é que se ma-
nifesta o senso comum, dificultando o pensamento crítico e investigativo. Em nossa
cultura, de forte descendência europeia, o racismo é muito comum, presente no
cotidiano das pessoas, nas piadas, brincadeiras, de forma tão mecânica e consensu-
ada (em que todos concordam) que dificilmente abre espaço para um “por quê?”.

O que você pensa a respeito desse assunto?


Você questiona sobre “por que”, “para que” e
“como” tem determinadas atitudes, falas ou
pensamentos? Quando conseguimos fazer
isso, estamos refletindo sobre nossas ações e,
consequentemente, preparando-nos para mudar
nosso modo de agir.

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


Dessa forma, percebemos que, para fazer uma reflexão ética,
precisamos exercitar o pensamento filosófico, que é simples-
mente, o pensamento crítico diante das ideias e costumes
aceitos em nossa cultura. Na próxima seção, vamos compreen-
der como acontece a relação entre ética e filosofia.

SEÇÃO 2 Um percurso entre as correntes filosóficas: dos


gregos até a atualidade

Na Grécia antiga, a discussão sobre a ética volta-se para a


questão da felicidade. Todavia, as questões pautadas pelos
gregos levam ao conceito de felicidade como uma forma de re-
alização da condição humana, que não é percebida como uma
formação da individualidade, da autossatisfação, do individu-
alismo. Ao pensar a ética, os Gregos partiam do pressuposto
de que o ser humano deve ser pensado na sua relação social e
com o cosmos (natureza).

Para a maioria dos filósofos gregos, a felicidade ou realização


humana era uma discussão que permeava o universo da ética
e da política. Dessa forma, o ser humano deveria ser pensado
54 Ética e Sociedade

na sua atuação na pólis (cidade). Para os gregos não era possível separar a discus-
são entre ética e política.

Outro elemento importante a ser considerado nas discussões sobre a ética entre
os gregos é o conceito de virtude, visto que ele é entendido como uma excelência
humana, um superlativo sobre alguma atividade. Desse modo, a virtude (areté)
designa qualidades morais, espirituais e até intelectuais dos indivíduos (JAEGER,
2003).

Em todos os momentos da história antiga grega o conceito de virtude apresenta


mudanças que acompanham as transformações sociais. Podemos citar, como exem-

plo, as concepções de ética e de virtude do período homérico, no


século VII a.C.; a virtude, o máximo de excelência que era pensa-
da sobre o ser humano, estava relacionada às qualidades morais
e espirituais dos guerreiros.

A forma narrativa dos mitos revela a visão do certo e do erra-


do, do que é virtude ou não dos guerreiros. O mito orientava o
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

lugar, o papel dos indivíduos na sociedade, cumprindo um ideal


a ser almejado. Entre as atitudes consideradas nobres, estava o
feito em morrer na batalha por uma causa nobre. Essa ação era
uma forma de o ser humano ser igualado aos deuses, visto que
as ações o levariam a ser lembrado em outras gerações, o que o
aproximaria da condição da eternidade dos deuses.

O surgimento da democracia implicou a transformação da per-


cepção de ética dos gregos. Essa mudança está intimamente li-
gada à questão política. Ser cidadão passa a ser a condição mais
nobre dentro da cidade. Embora o universo do Ethos (ética) fos-
se pensado em termos de caráter e na vida da casa do cidadão, a
política passa a ser percebida como a condição da realização da
ética. Assim, não seria possível perceber a desvinculação entre
ética e cidadania. A partir de então, as qualidades morais espe-
radas são as do cidadão como ser ativo, que está em condição de
igualdade e de liberdade para tomar as decisões pertinentes à
cidade.

a) A Filosofia Ética dos Sofistas

Os filósofos sofistas fazem parte do universo da democracia Gre-


ga do século V a.C., eles se apresentam como mestres da virtude.
Para os filósofos sofistas não há conceito único de virtude; os
Ética e Sociedade 55

valores, as regras sociais são construções humanas. Isso podemos perceber na afir-
mação do filósofo Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas”. Essa citação
indica que os sofistas apresentavam um relativismo ético, ou seja, não percebiam
valores éticos como eternos e absolutos.

Os filósofos sofistas estão voltados à formação do homem grego e à realização da


ideia de felicidade. Contudo, esta não é pensada em termos de universalização de
um conceito, mas como uma construção social. O ser humano encontra sua reali-
zação, o máximo de excelência, na atuação política. Para tanto, faz-se necessário
desenvolver determinadas habilidades. Entre elas, a capacidade de argumentar,
de falar em público. Assim, o desenvolvimento da virtude está ligado ao ensino da
oratória, pois ela é vista como um dos instrumentos necessários na vida pública.

b) A Ética Socrática

Sócrates diverge dos seus contemporâneos sofistas. Entre as


divergências, encontramos a afirmação de que não é possível
ensinar a virtude. Sobre isso, Spinelli (2006, p. 75) afirma que,

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


para Sócrates, a virtude, a ética não constitui um saber a ser
transmitido, não há um mestre, não é uma dádiva da natureza.
A virtude depende da busca interior, ou seja, aparece como um
princípio interno. Assim, o filósofo apresenta algo novo, no con-
texto grego, o mundo interior. “A areté de que ele nos fala é um
valor espiritual.” (JAEGER, 2003, p. 529).

A eudemonia, ou felicidade, pode ser alcançada por meio da


harmonia entre o mundo racional e o passional, mediante o
domínio e o conhecimento do homem sobre si próprio, o que
é possível somente com o exame da interioridade, da alma, do
autodomínio. Desse modo, o conhecimento torna-se a fonte que
possibilita a ética e a justiça, enfim, a virtude. Assim, os valores
supremos humanos estão ligados a experiência e à busca inte-
rior (JAEGER, 2003, p. 529).

c) A Ética em Platão

Platão foi discípulo de Sócrates e parte do princípio de que o


conhecimento é a condição que pode levar à justiça. Para tanto,
faz-se necessária a autodeterminação sobre a base do conheci-
mento da ideia de bem. Esta é apenas alcançada racionalmente,
no mundo das ideias, que detém conceitos universais e perfei-
tos. Todavia, o ser humano não é apenas um ser racional, tam-
bém é um ser no mundo da experiência, que deve ser percebida
56 Ética e Sociedade

com um certo cuidado, visto que as nossas experiências podem nos enganar, passar
uma visão errada do certo e do errado.

A concepção de ética de Platão está ligada ao conceito de natureza humana, per-


cebida por intermédio de uma capacidade racional (que possibilita conhecimento
das ideias), de uma capacidade irascível (ligada aos sentimentos) e uma capacidade
concupiscente (ligada ao desejo e aos apetites sexuais). A felicidade, a ética, a virtu-
de e a justiça dependem do domínio racional sobre outras capacidades humanas.

A razão constitui a capacidade que possibilita o conhecimento imutável. Quando


a razão domina outras capacidades temos justiça, do contrário, injustiça. Assim, a
ética é alçada por meio do domínio racional, do conhecimento do bem.

d) A Ética Aristotélica

O conceito de ética de Aristóteles parte da questão sobre o fim


de todas as coisas. No caso do ser humano, a indagação é sobre
a finalidade das ações. A resposta que se torna universal é que a
felicidade constitui a finalidade de todos. Todavia, ela pode ser
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

entendida de forma distinta.

Para pensar o que constitui a felicidade humana, Aristóteles


parte da noção de que o ser humano, por se constituir um ser ra-
cional, deve ir além da mera satisfação dos prazeres e da busca
de bens materiais, visto que, pelo fato de o ser humano possuir
racionalidade, deve buscar a sua realização na virtude. Esta se
constitui em um modo de vida, relacionada a paixões e ações e
com a possibilidade de o ser humano escolher, ter liberdade.

A virtude, ou areté, constitui um modo de vida. Não basta uma


ação para qualificar um ser humano como ético ou virtuoso. Como
diz o filósofo Aristóteles (2002, p. 27) “[...] uma andorinha não faz
verão, nem um dia tampouco; e da mesma forma um só dia, ou
curto espaço de tempo, não faz um homem feliz e venturoso.”

O ser humano não deve ser visto apenas como um ser racional,
pois é determinado por impulsos, desejos, apetites. No entanto,
faz-se necessário um critério, um termo médio ou meio termo
para uma vida saudável e feliz. Assim, a virtude, por estar rela-
cionada a paixões e ações, deve considerar o meio termo entre
dois extremos. Para isso, faz-se necessária a capacidade de ava-
liar o que é bom por si mesmo, independente das condições que
privilegiam a satisfação dos prazeres.
Ética e Sociedade 57

e) A Ética Helenista

Nos séculos III e II a.C., a Grécia antiga passou para o domínio do imperador ro-
mano Alexandre Magno. As discussões inseparáveis entre ética e política passam
aos poucos a privilegiar mais as questões morais. A filosofia desse período passa
a destacar a vida interior do ser humano, as questões estão voltadas à questão do
bem viver, à vida privada. Nesse contexto, duas correntes ou doutrinas obtiveram
destaque: estoicismo e o epicurismo.

O epicurismo foi fundado pelo filósofo Epicuro de Samos no final do Século IV a.C.
Para o epicurismo, a ética deve buscar a finalidade da existência humana, ou seja,
a felicidade, que é consequente da satisfação do prazer. Todavia, não se trata de
um prazer esporádico e intenso, mas de obter o máximo de prazer e evitar a dor,
visto que a ausência de dor em relação a sensações que pertur-
bam a alma humana (ataraxia) e, também, em relação ao corpo
constituem uma forma de prazer, ou sumo prazer. Diante disso,
a razão pode possibilitar ao homem a sabedoria prática para
escolher entre os prazeres que não tragam perturbações para a

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


alma e dor para o corpo. Somente uma vida regrada pela razão,
capaz de discernir o que é importante para a vida humana é
que tem a possibilidade de alcançar uma vida feliz e justa (SPI-
NELLI, 2009).

O estoicismo foi fundado por Zenão de Cício (320 a.C. – 250


a.C.). A concepção ética estoica defende que o ser humano deve
buscar a felicidade, mas esta é decorrente da adequação do
homem com sua natureza racional. Assim, o bem maior a ser
buscado é uma vida virtuosa, indicada pela capacidade racional.
Para tanto, o ser humano não deveria ter a preocupação com as
questões ligadas à morte, à vida material. O único valor coeren-
te e indispensável é a busca de uma vida ligada ao pensamento,
à busca pela sabedoria, o que demonstra a indiferença com as
formas de prazer e de sofrimento (ARANHA, 2000).

f) As Concepções Éticas Medievais

A Idade Média foi marcada pela influência da Igreja Católica,


que aparece como uma forma de agregação e referência. Nes-
se universo, a educação e a vida são voltadas à fé e à busca do
homem pela salvação. A visão teocêntrica é uma das principais
marcas do período medieval. Assim, o pensamento sobre a ética
está ligado intimamente com à questão da fé, aos critérios de
bem e mal e a vida após a morte.
58 Ética e Sociedade

g) A Ética na Modernidade e o Iluminismo

A modernidade é caracterizada pela centralidade do indivíduo. O ser humano passa


a ser percebido como um ser capaz não apenas de conhecer, mas também de domi-
nar a natureza com seu conhecimento. Nesse universo, aparecem alguns modelos
éticos que questionam principalmente o modelo de ética cristão. Entre esses mode-
los encontramos alguns de ética iluminista.

No século XVIII, os filósofos iluministas levantavam como lema “Sabere aude, tenha
coragem de fazer uso do próprio entendimento.” (KANT, 1995a, p. 481-482). Qual o
significado dessa expressão? Para entendermos devemos considerar o anseio mo-

derno de valorizar o conceito de razão como fonte de conhecimen-


to, de orientação da conduta humana, em detrimento aos pressu-
postos medievais que firmavam a superioridade do valor da fé.

h) O Conceito de moralidade Kantiano


O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

O conceito de moralidade em Kant (1724-1804) tem uma desig-


nação distinta em relação à moral tradicional, que se encontrava
fundamentada “[...] numa fé transcendental e, à base desta fé,
numa subordinação da vontade a uma autoridade.” A filosofia
moral kantiana coloca no indivíduo a autoridade e ao mesmo
tempo a responsabilidade sobre as designações morais, uma vez
que o homem, por ser dotado de razão, pode determinar as leis
que servem como critério para as suas ações.

Para distinguir as diferentes justificações morais,


Tugendhat considera os motivos do querer, sendo que
a justificação tradicionalista da moral é aquela em que
o querer tem por base uma fé transcendental, e na base
desta fé, uma subordinação da vontade a uma autorida-
de (por exemplo: Deus). Além da moral tradicionalista,
temos aquelas que se fundamentam em motivos natu-
rais. Entre estas, encontramos as motivações altruístas,
que são consideradas insuficientes para um sistema
de obrigações, e também, aquelas que tem por base o
interesse egoísta de cada um, o que leva a um sistema
de obrigações mútuas, característica própria do sistema
contratualista (TUGENDHAT, 1999, p. 5).

Os seres humanos são caracterizados como capazes de vontade,


pois suas ações não são determinadas meramente pelo instin-
to; pelo contrário, são planejadas e obedecem princípios que
antecedem qualquer efeito da ação. Assim, a moral é percebida
Ética e Sociedade 59

dentro de um universo de seres que não são apenas guiados pelas leis da Natureza.
É justamente essa independência que os caracteriza como seres de vontade. Toda-
via, não temos ainda os elementos que determinam e servem de referência a uma
vontade moral.

No início da primeira seção da Fundamentação dos Costumes, Kant (1980, p.


109) afirma que “[...] neste mundo, e também fora dele, nada é possível pensar que
possa ser considerado sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade.”
Agora, a problemática está em determinar o que a caracteriza. Nesse conceito está
o ponto básico do uso prático de nossa razão, no qual a preocupação não está na
“[...] determinação dos objetos do conhecimento, mas exclusivamente com os prin-
cípios de determinação da vontade.” (HAMM, 1998, p. 58). A vontade é considerada
a capacidade do indivíduo de agir segundo a representação de
leis, pois a razão enquanto faculdade prática é capaz de deter-
minar a priori princípios; assim, a “[...] vontade não é outra coisa
que razão prática.” (KANT, 1980, p. 123).

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


O homem como ser racional é capaz de agir de acordo com prin-
cípios “[...] que podem ser objetivos, quando válidos para todo
ser racional ou, subjetivos, assumidos por um agente como váli-
do para ele mesmo.” (BECKENKAMP, 1998, p. 25). Segundo Kant
(1980, p. 129), “[...] a máxima é o princípio subjetivo da ação”,
enquanto a lei prática, ou regra, “é o princípio objetivo.” As
máximas são consideradas como necessárias para determinada
condição, com validade apenas para uma vontade particular e
não constitui uma determinação objetiva, mas uma regra consi-
derada válida apenas para o indivíduo. “A máxima é uma forma
racional de o homem exercer pelo livre arbítrio sua atividade no
mundo sensível.” (RODHEN, 1998, p. 317).

Quanto aos princípios práticos, Kant (1995b, p. 29) define-os


na Crítica da Razão Prática “[...] como aqueles que servem para
determinar uma vontade em geral.” A nossa razão determina a
nossa conduta mediante leis. Todavia, a nossa vontade não é de-
terminada unicamente por ela, mas também pela sensibilidade,
pelas inclinações e pela busca da felicidade. Tais determinações
são válidas apenas como condições subjetivas individuais. A
máxima não deve ser vista como um elemento irracional. Deve-
mos colocar a questão da sua racionalidade “[...] em termos de
sua validade para todo o ser racional, em termos de objetividade
prática.” (RODHEN, 1998, p. 317). Dessa forma, no sentido “[...]
da validade para o sujeito todos os princípios devem ser sub-
60 Ética e Sociedade

jetivos, assumidos por ele como plenamente válidos no seu agir.” (BECKENKAMP,
1998, p. 27). Essa é a condição para sua validade prática.

Os princípios práticos indicam, segundo Kant (1980), o que é bom fazer ou deixar
de fazer. Nesse caso, o conceito bom pode se referir a um efeito esperado ou a algo
que é bom em si mesmo. Dessa forma, o princípio objetivo pode indicar a regra
necessária para uma ação ser bem sucedida em relação a determinado efeito, ou,
ainda, pode determinar uma possível ação como boa em si mesma. Não obstan-
te, a nossa vontade nem sempre considera o que a razão determina por meio de
representações; por vezes, é determinada por outras motivações, fazendo com que
o princípio objetivo passe a ser percebido na forma de obrigação. No entanto, “[...]
a representação de um princípio objetivo, enquanto obrigante para uma vontade,
chama-se mandamento (da razão), e a fórmula do mandamento
chama-se imperativo.” (KANT, 1980, p. 124).

Os imperativos podem ordenar hipoteticamente ou categori-


camente conforme a consideração da determinação. Quando
o imperativo está voltado para o efeito a ser alcançado, ele é
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

hipotético; se, do contrário, considera unicamente a lei prática


da razão, o imperativo então é categórico. Os imperativos hipo-
téticos podem ser técnicos quando determinam os meios neces-
sários para alcançar determinado fim. Geralmente, estão ligados
aos projetos humanos (como, por exemplo, o médico que utiliza
determinados meios para curar um paciente). Também podem
ser pragmáticos, quando se referem à busca da felicidade, cujo
objetivo todo ser racional persegue naturalmente. Os impe-
rativos categóricos consideram unicamente a forma e trazem Em relação aos
imperativos
consigo uma necessidade incondicionada. Eles consideram técnicos Höffe
(1986, p. 172)
unicamente a lei moral. afirma que
em seu: “[...]
Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant busca primeiro grau,
os imperativos
determinar a forma do imperativo categórico. Inicialmente, ele técnicos dos
projetos huma-
demonstra a fórmula a qual serve de cânone para julgarmos nos, impõem
os meios ne-
moralmente. Ela consiste no seguinte: “[...] age apenas segundo cessários para
uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se um fim.”

torne lei universal.” (KANT, 1980, p. 131). Ora, com a apresen-


tação dessa fórmula, já é possível perceber o que é e o que não
é moral. Ademais, quando uma máxima se demonstra inconce-
bível para a validade universal, deve, então, ser rejeitada. Com
o uso da forma, qualquer ser, desde que seja dotado de razão, é
capaz de examinar se sua máxima está em conformidade com
a moralidade. No entanto, é difícil determinar casos isolados
61 Ética e Sociedade

como procedentes de uma motivação moral ou não, pois a moral trata do princípio
do querer.

Segundo Kant (1980), podemos demonstrar várias ações que são conformes à ideia
do dever, mas não estão subjetivamente motivadas por ele, mas por outros móbi-
les subjetivos. No exemplo do dever moral de não mentir, podemos encontrar na
conformidade da ação a motivação do indivíduo simplesmente pelo o que ordena a
lei ou por medo, ou ainda, em vista de uma vantagem pessoal. O ato moral é aque-
le que considera unicamente o que ordena a lei; do contrário, agimos segundo as
nossas inclinações. A fim de que uma ação seja considerada moral, não basta que
ela seja conforme a moralidade, mas que contemple um único princípio: a própria
lei moral.
A forma do imperativo categórico que tem em si o conceito de
universalidade é comparada, por analogia, com o conceito for-
mal da natureza, podendo ser enunciado da seguinte maneira:
“[...] age como se a máxima de tua ação se devesse tornar, pela
tua máxima em lei universal da natureza.” (KANT, 1980, p. 130).
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

Por meio dessa formulação, o imperativo considera unicamen-


te a necessidade segundo a qual os indivíduos possam querer
que suas máximas sejam universalizáveis. A partir de então é
possível perceber que algumas máximas podem ser pensadas
sem contradição, como uma lei da Natureza; porém, o critério
leva, em última instância, à necessidade de poder querer que a
máxima se torne lei universal.

Com a fórmula do imperativo categórico, consideramos o


seu conteúdo que somente pode ser a forma, que é a própria
conformidade com a lei moral, a qual expressa, por sua vez, a
necessidade de adequar as máximas de modo que possam ser
consideradas universalmente. Já os imperativos hipotéticos,
pelo contrário, não possibilitam perceber antecipadamente
o seu conteúdo, pois eles tomam como base as intenções dos
indivíduos e demonstram as regras necessárias para alcançar
determinados objetivos. As duas espécies de imperativos ser-
vem como princípio da vontade, e o “[...] que serve a vontade
de princípio de sua autodeterminação é o fim.” (KANT, 1980, p.
134). Portanto, a razão se reporta a nossa vontade a partir de
duas espécies de fins, como disse Beckenkamp (1998, p. 29):

[...] ou ela toma como base um objeto do apetite e


apresenta os meios necessários para chegar a ele,
propondo assim um fim com base neste objeto, ou
ela propõe no fim da vontade também o próprio
62 Ética e Sociedade

objeto a ser desejado. O fim da vontade deve ser distinguido do objeto do


desejo ou apetite, apesar de fim e objeto da vontade serem uma e mesma
coisa.

Os seres racionais humanos possuem uma motivação subjetiva, que denominamos


móbil, ao passo que o princípio objetivo do querer é o motivo. Desse modo, a nossa
vontade pode ter por móbil um princípio hipotético ou um princípio categórico.
O último é totalmente formal, pois abstrai de todos os fins subjetivos, contendo
unicamente em sua base a forma da lei moral. Os primeiros, ao contrário, são mate-
riais e se restringem aos fins subjetivos.

O imperativo categórico é percebido pela sua fórmula, segundo a universalidade


que lhe é conveniente. Além da forma, o imperativo está relacionado a todas as
máximas, por uma matéria que se refere a um fim puro da razão,
ou seja, a um fim com valor absoluto, percebido no homem e
em todo o ser racional como um fim em si mesmo, e não apenas
como meio “arbitrário desta ou daquela vontade”. O imperativo
categórico deve ter seu fundamento no princípio de que “[...]
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

toda a natureza racional existe como um fim em si mesma.”


(KANT, 1980, p. 135). Nesse caso, o imperativo se expressa do
seguinte modo: “[...] age de tal maneira que uses a humanidade,
tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sem-
pre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio.” (KANT, 1980, p. 135).

Uma vontade absolutamente boa não deve se reportar a fins re-


lativos. Seu fim deve ser independente, pois todo o ser racional
deve ser percebido como um fim em si. A partir desse elemento,
Kant nos leva a um terceiro modo da apresentação do princípio
da moralidade, que contém uma determinação completa e exige
o reconhecimento de todo o ser racional como legislador univer-
sal. Dele se segue a necessidade de as máximas se adequarem a
uma possível legislação universal da vontade, e, ao mesmo tem-
po, que o ser racional passe a ser reconhecido como autor da lei
moral à qual está submetido, pois é justamente essa autolegisla-
ção que caracteriza a autonomia de sua vontade.

O princípio da autonomia da vontade exige que as máximas pos-


sam ser incluídas “[...] no querer mesmo, uma lei universal.” Des-
se modo, o homem deve ser considerado como membro de um
reino dos fins, correspondente a uma “[...] ligação sistemática de
seres racionais por meio de leis comuns.” (KANT, 1980, p. 144).
Essa ligação é um ideal da razão e não corresponde a um reino
Ética e Sociedade 63

de fato, mas a uma ligação possível de seres racionais que, dada a sua natureza
racional, são um fim em si mesmos. Por ela, a moralidade passa a ser considerada
sob o conceito da autonomia da vontade, pela qual temos a exigência de considerar
o ser racional um legislador universal, estando ele submetido às suas próprias leis.

i) A Questão Moral na filosofia de Nietzsche

A filosofia de Nietzsche (1844-1900) apresenta um questionamento sobre a busca


da fundamentação da moralidade dos gregos até a modernidade. Trata-se de uma
crítica que coloca em questão os conceitos de verdade e de valores apresentados
pela tradição filosófica, religiosa e científica.

Nietzsche questiona profundamente a moral cristã, que tem


seu fundamento alicerçado na fé e na crença sem uma avaliação
crítica, característica de uma “moral do rebanho”, pois os indi-
víduos seguem determinado valor, seguindo a maioria. Além
disso, a moral cristã tem como característica o ressentimento, o

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


sentimento da culpa, do pecado, reprimindo os desejos, impul-
sos e submetendo-se à autoridade da religião.

Por outro lado, a fundamentação da moralidade em princípios


racionais é questionada por Nietzsche. Assim, o filósofo remete
a uma crítica o conceito de racionalidade desenvolvido entre os
gregos, principalmente a partir da filosofia de Sócrates, que teve
seu apogeu com os iluministas. Segundo Nietzsche, não há como
buscar um conceito, um princípio universal para a moralidade,
dado que os termos bem e mal derivam dos sentimentos e dos
instintos humanos entrelaçados no universo social, histórico e
cultural de cada povo (MACHADO, 1984).

A crítica feita por Nietzsche para a filosofia e a tradição do pen-


samento e da busca da fundamentação da moral está na sepa-
ração entre o pensamento e a vida. Para esboçar essa crítica, o
filósofo faz uso de dois personagens presentes na filosofia grega.
Esses personagens são o dionisíaco e o apolíneo. O primeiro
corresponde a um personagem da mitologia grega considera-
do o Deus do Vinho e da embriaguez. Na filosofia de Nietzsche,
Dionísio assume a forma humana da força instintiva e da saúde,
da paixão, da sensação, considerado símbolo da humanidade.
Por sua vez, Apolo corresponde ao Deus da razão, da harmonia.
Segundo Nietzsche, no período pré-socrático temos a concilia-
ção entre o dionisíaco e o apolíneo. Contudo, com a filosofia de
Sócrates, a humanidade passou a valorizar mais a razão e buscar
64 Ética e Sociedade

por princípios racionais, constituindo-se uma forma de negação do humano. A par-


tir disso, passamos a ter uma separação entre a vida, a arte e o conhecimento.

A fundamentação dos modelos de moralidade ocidentais passaram a considerar


um mundo superior, o que pode ser esboçado na crença da existência de um Deus.
Porém, com o desenvolvimento das ciências, o ser humano deixa-a para o segundo
plano, ou melhor, temos a morte de Deus, pois os valores e as concepções de bem e
mal são modificados com a criação da ciência moderna. Todavia, a morte de Deus
liberta o homem de determinadas cadeias que ele mesmo criou, mas não deixa
outros pontos de referência. A consequência disso é o niilismo, pois não há mais
valores absolutos, não há nada que possa orientar, nenhum mundo transcendente,
nem um Deus. A única coisa que existe é a necessidade do ser humano de ter que
inventar a si mesmo.
j) Heidegger: A Questão da Autenticidade do Ser

A filosofia do alemão Heidegger torna-se um marco para pen-


sar a ética e a sociedade contemporânea. Segundo Heidegger
(2006), para definirmos o ser humano, devemos partir do fato
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

de este estar no mundo. Não podemos definir os valores e o


ser humano sem uma reflexão sobre o sentido do ser, ou seja,
do “ser aí” apresentado na expressão alemã dasein, como uma
forma que se apresenta a consciência. Todavia, a questão do
ser, do desein, que deve ser pensada como o desvendamento
do ser, deve considerar algumas condições que levam a pensar
a existência humana. Para entendermos a condição humana,
devemos considerar dois conceitos de Heidegger: a existência
humana autêntica e a inautêntica (MARÍAS, 2004).

A vida inautêntica pode ser percebida por meio de três elemen-


tos fundamentais: a facticidade, a existencialidade e a ruína.
A facticidade é condição pela qual o ser humano se encontra
no mundo, determinado pelas condições sociais, geográficas,
históricas e econômicas. A situação em que o ser humano é co-
locado não depende da sua escolha, simplesmente é lançado no
mundo. A existencialidade ou transcendência consiste no fato
de que o ser humano busca ir além das determinações postas
a ela, ou seja, o ser humano é um ser que se projeta para além
das suas condições. A ruína corresponde às circunstâncias que
levam os indivíduos a se afastarem dos seus projetos essências.
Isso ocorre em razão das preocupações cotidianas, as quais
fazem com que o ser e o eu se distanciem (HEIDEGGER, 2006).

Diante dessa situação, a única forma de superar a vida inautên-


tica é o sentimento de angústia, que decorre da tensão entre o
Ética e Sociedade 65

que o indivíduo é e o que poderá ser. Assim, a angústia promove o encontro do ser
humano com si mesmo, ou seja, a sua vida autêntica.

Segundo Heidegger (2006), a existência humana implica um constante “lançar-se”,


isto é, o ser se lança para uma infinidade de possibilidades. Todavia, a presença dos
demais se faz presente nesse “lançar-se”. Assim, o ser humano deve ser visto nas
suas relações com os outros semelhantes.

No entanto, o ser humano, na sua constituição como ser e como ser de relações,
detém muitas possibilidades. Entre elas, encontramos a aniquilação de todas as
demais possibilidades e projetos, ou seja, temos a consciência que o ser humano
é um ser para a morte. Essa consciência ou angústia é capaz de fazer com que o
ser humano venha superar as mesquinharias do cotidiano e se elevar ao autoco-
nhecimento. Assim, diante da morte somos levados a pensar e
a refletir sobre o que é realmente importante para a nosso ser
(MARÍAS, 2004).

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


l. O Existencialismo de Sartre

O existencialismo é uma das correntes filosóficas do nosso tem-


po. A principal característica dessa corrente é buscar entender o
ser humano não por conceitos ou ideias, mas a partir do concei-
to de existência. O filósofo Jean Paul Sartre (1905-1980) é um
dos representantes dessa corrente.

Segundo Sartre (1980, p. 2) não tem sentido buscar pelas essên-


cias ou ideias dos seres humanos e muito menos buscar valores
e princípios éticos universais e ideais. Desse modo, “A existência
precede a essência. Em outras palavras o ser humano primeiro
existe e depois se define.”

Sobre as questões éticas e morais, não existem conceitos pron-


tos sobre o certo ou errado. Não há uma ética universal, nenhum
ser Divino que diga o que se deve ou não fazer. O ser humano
detém plena liberdade de decidir sobre esses princípios. Essa
liberdade aparece como necessidade, uma espécie de condena-
ção. Visto que o ser humano tem a necessidade de agir no mun-
do, não escolhe as possibilidades e tem que escolher. Ademais,
é responsável por suas ações. Como diz Sartre (1980, p. 9): “[...]
o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se
criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado
no mundo, é responsável por tudo o que fizer.”
66 Ética e Sociedade

A liberdade se define como atividade de escolha. O ser humano escolhe ao agir sobre
as circunstâncias sociais e históricas em que está inserido. Essa escolha é feita por
meio das ações, que revelam os nossos projetos individuais que estão implicados em
toda a humanidade. Visto que quando um indivíduo faz uma escolha individual, está
implicada nesta, a humanidade, ou seja, “[...] ao criar o homem que desejamos ser
criamos a imagem do homem como julgamos que deve ser.” (SARTRE, 1980, p. 6).

m. A Ética Contemporânea e a Linguagem

Entre os modelos de ética contemporâneos encontramos a ética do discurso do Filó-


sofo alemão Habermas (1929). A ética discursiva recorre à razão comunicativa para
sua fundamentação. Segundo Habermas (2006), a atividade argumentativa é uma
atividade humana e comunicativa, realizada na relação entre os
sujeitos.

O filósofo acredita que se fossem estabelecidas condições ideais


e pragmáticas, seria possível chegar a um consenso racional.
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

Essa seria a condição para estabelecer o entendimento entre os


indivíduos. Essa situação possibilitaria aos sujeitos envolvidos
no agir comunicativo a mesma capacidade de convencimento.
Se estes estivessem em uma situação de igualdade, ou ideal de
entendimento, seriam levados à situação em que as normas,
tanto morais quanto jurídicas, seriam percebidas como univer-
salizáveis. Para Habermas (2006), somente dessa forma seria
possível um consenso baseado na sociabilidade, na solidarieda-
de e na cooperação entre os sujeitos (TUGENDHAT, 1996).

Para tanto, Habermas prevê a necessidade de estabelecer o


que ele denomina discurso autêntico, regras ou condições. As
condições são “consideradas triviais e não triviais”. Entre as
condições triviais está o fato de que todos os participantes têm
as mesmas possibilidades para participar e criticar durante o
diálogo entre os sujeitos (TUGENDHAT, 1996, p. 164).

Nas condições denominadas não triviais são destacadas as


condições para expressar atitudes e sentimentos. Além disso, é
importante que os agentes tenham a mesma possibilidade para
dar ordens e se opor, omitir e proibir. Se num diálogo houver
uma relação de poder, como a relação de empregadores e em-
pregados, não há possibilidade para a construção de agir co-
municativo igualitário. Além disso, é importante que os agentes
tenham a mesma possibilidade para ordenar e se opor, omitir e
proibir (TUGENDHAT, 1996).
Ética e Sociedade 67

SEÇÃO 3 Reflexão sobre a construção da moral

A ética é uma reflexão sobre a moral, por isso precisamos entender a construção da
moral na história. Todos os filósofos que adentraram no campo da ética começaram
suas discussões e reflexões indagando sobre o ser humano, sobre a origem do agir
humano e, ainda mais, sobre a relação desse agir com a sociedade. Os teóricos da
ética fundamentaram suas reflexões sobre a natureza social do homem.

A moral acontece quando o homem supera sua nature-


za puramente natural, instintiva, e passa a possuir uma
natureza social, que surge quando o homem passa a ser
membro de uma coletividade.

Para entender essa relação social entre os homens, você tam-


bém precisa entender a relação do homem com a natureza, ou
seja, com a realidade material.

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


Na sociedade primitiva, a luta pela sobrevivência exigia a cons-
trução de uma coletividade. Assim, surge uma série de normas
que beneficiam a comunidade. A moral nasceu com a finalidade
de assegurar a concordância do comportamento de cada um
com os interesses coletivos. O que é bom ou ruim é definido
em razão da comunidade, ou seja, tudo o que venha a reforçar
os interesses da coletividade passa a ser bom, enquanto tudo o
que ameaça a coletividade passa a ser ruim; surgem alguns de-
veres de todos os membros de uma tribo (todos são obrigados a
lutar contra os inimigos da tribo, por exemplo).

Essa moral coletivista, característica das sociedades primitivas


que não conhecem a propriedade privada nem a divisão de
classes, é uma moral única e válida para todos os membros da
comunidade.

Isso parece constituir um modelo de sociedade


ética, mas qual é o problema?
68 Ética e Sociedade

Essa moral única para todos os membros da tribo é limitada pelo próprio âmbito
da coletividade: além dos limites da tribo, seus princípios e suas normas perdiam
sua validade; as outras tribos eram consideradas inimigas e, por isso, não lhes eram
aplicadas as normas e os princípios válidos no interior da comunidade. Na socieda-
de primitiva, há uma absorção do individual pelo coletivo, não havendo espaço para
uma autêntica decisão pessoal e, por conseguinte, uma responsabilidade pessoal.
A coletividade apresenta-se como um limite da moral, por isso uma moral pouco
desenvolvida, cujas normas e princípios são aceitos, sobretudo, pela força do costu-
me e da tradição. Observe que uma moral coletivista não contribui para o desenvol-
vimento da consciência ética; as pessoas cumpriam as regras porque as recebiam
da tradição, não porque tinham consciência desses valores e normas. O ser humano
somente tem valor se pertence à tribo; os membros de outras
tribos podiam ser mortos e escravizados, eram considerados
inferiores.

Perceba que uma comunidade aparentemente sem problemas


de violência nem sempre pode ser considerada eticamente
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

avançada.

Veremos que houve mudanças no decorrer da história...

Com o aumento da produção (decorrente, em grande parte, da


transformação dos prisioneiros de tribos inimigas em escravos),
surge o excedente e a desigualdade de bens. A decomposição
do regime comunal (tribal) e o aparecimento da propriedade
privada acentuam a divisão entre os homens livres e os escra-
vos. O trabalho físico passa a ser indigno para homens livres; os
escravos tornam-se coisas, podem ser vendidos como objetos e
mortos, quando não servem mais ao trabalho.

Essa divisão provocou a separação da sociedade em duas mo-


rais: uma dominante, dos homens livres – a única considerada
verdadeira – e a dos escravos. A moral dos homens livres era
legitimada nos escritos da época e por muitos filósofos.

Perceba que houve uma significativa mudança na forma de as


pessoas se relacionarem: já não há mais separação entre o bem
e o mal a partir de quem pertence ou não à tribo, mas, sim, entre
quem é escravo ou livre.

Com o desaparecimento do mundo antigo, assentado sobre a


escravidão, nasce a sociedade feudal, dividida em duas clas-
Ética e Sociedade 69

ses: senhores feudais e camponeses servos. Os homens livres da cidade (artesãos,


pequenos comerciantes) estavam sujeitos à autoridade do senhor feudal que, por
sua vez, estava sempre em situação de dependência a outro senhor feudal, mais
poderoso. Nesse sistema hierárquico, o Rei ou Imperador, por meio da força de seu
exército, garantia seu domínio e exploração econômica. Com o papel preponderan-
te da Igreja, a moral estava impregnada de conteúdo religioso. A religião assegura-
va certa unidade moral à sociedade, pois ditava as normas, baseada em um sistema
de obediência a Deus, cujas exigências e determinações eram interpretadas pelo
clero da época, considerado representante e tradutor de Deus no mundo. Na divi-
são da sociedade, havia também diversos códigos morais: dos nobres ou cavaleiros
e dos monges. Somente os servos não tinham uma formulação dos seus princípios
morais. A moral cavalheiresca e aristocrática partia da premissa
de que o nobre, por motivos de sangue, possuía uma série de
qualidades morais que o distinguia dos servos e plebeus. Estes
aceitavam sua condição social inferior, com a promessa de uma
vida melhor após a morte, já que no mundo terreno sua felicida-
de era negada pelo fato de nascerem servos.

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


Observe que na sociedade feudal há certa continuidade da
separação entre os homens livres e os escravos, mas surge o
papel fundamental da Igreja na legitimação da desigualdade e
da hierarquia.

No interior da velha sociedade feudal, ocorreu a gestação de


uma nova classe social, a burguesia, que possuía o poder da pro-
dução e comprava a mão de obra dos assalariados.

Nesse novo sistema econômico, que alcançou sua expressão


maior em meados do século XIX, na Inglaterra, vigora, como
fundamental, a lei do lucro. O operário é considerado, exclusi-
vamente, um homem econômico – é um meio e instrumento de
produção. O trabalho, para ele, é algo totalmente sem significa-
do, a não ser como fonte de renda. A economia é regida pela lei
do máximo lucro e esta possui uma moral própria.

Com efeito, o culto ao dinheiro e a tendência de obter mais


lucro constitui o terreno propício para que, nas relações
entre os indivíduos, floresçam o espírito de posse, a ganân-
cia e o egoísmo.
70 Ética e Sociedade

Cada um confia nas suas próprias forças, desconfia dos demais, busca seu próprio
bem-estar, ainda que precise passar por cima dos outros. A sociedade converte-se
em um campo de batalha, em uma guerra de todos contra todos, tal é a moral indi-
vidualista e egoísta que corresponde às relações sociais burguesas.

Atualmente, a exploração do homem pelo homem não se faz mais por meio de
métodos brutais, mas o trabalho mecânico, repetitivo, submete milhões de pessoas
em razão da sobrevivência. O trabalho na sociedade capitalista é privado de criati-
vidade e de consciência; prolifera a ideia de pertencimento do operário à empresa,
sem incentivo à cooperação e à colaboração. O operário é um colaborador, e não
um trabalhador; a exploração, longe de aparecer, nada faz senão adotar formas
mais astuciosas para se manter como fonte de lucro. A moral construída no sistema
capitalista de produção ajuda a justificar e a reforçar os interes-
ses do sistema regido pela lei da produção. A moral burguesa
busca, então, regular as relações entre os indivíduos em uma
sociedade baseada na exploração do homem pelo homem. As
relações interpessoais são pautadas por valores econômicos;
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

o ser humano passa a ser visto unicamente na sua dimensão


econômica, e não humana.

Como percebemos, a moral vivida na sociedade muda his-


toricamente de acordo com as reviravoltas fundamentais
verificadas no desenvolvimento social.

Observamos as mudanças decisivas que ocorreram na moral,


com a passagem da sociedade escravista à feudal e desta à so-
ciedade burguesa. Notamos que, em uma sociedade baseada na
exploração de uns homens pelos outros ou de uns países por ou-
tros, a moral se diversifica de acordo com os interesses antagôni-
cos fundamentais, em que um grupo quer explorar e o outro não
quer ser explorado. A superação desse desvio social e, portanto,
a abolição da exploração do homem pelo homem e da submis-
são econômica e política de alguns países a outros constituem a
condição necessária para construir uma nova sociedade, na qual
vigore uma moral verdadeiramente humana, universal, válida
para todos os seus membros (VASQUEZ, 1990, p. 40-53).
Ética e Sociedade 71

Você acredita ser possível uma reestruturação social para


que não ocorra a exploração do homem pelo homem?
Como isso ocorreria? O que você estaria disposto a fazer
por essa sociedade? Você está construindo a sua profissão,
na universidade, pensando nessa universalidade ou
tentando levar vantagem nos trabalhos em grupos,
colocando o nome de algum colega nos trabalhos sem que
ele participe, passando cola, etc.?

Com essa análise histórica da moral, percebemos a complexida-


de de uma reflexão ética, quando esta busca estudar e compre-
ender os princípios morais. No decorrer da nossa vida, nem sem-
pre percebemos que aquilo que consideramos bom ou ruim para
nós, certo ou errado no comportamento humano, foi construído
historicamente. Estudar os fundamentos teóricos e sociais da
moral ajuda-nos a compreender melhor as ações humanas e o

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


comportamento dos indivíduos.

Uma análise ética convida-nos sempre a contextualizar a ação


individual. A historicidade da moral ajuda-nos a refletir sobre
nossa forma de pensar os valores vigentes na sociedade em que
vivemos.

Às vezes, achamos normal que determinado indivíduo não


tenha boas condições financeiras ou passe fome. Por que
achamos isso normal?

Porque, em nossa sociedade, vigora uma moral individualista,


que culpa o indivíduo pela situação em que vive. Porque o sis-
tema de mercado se assenta sobre a máxima: “querer é poder”.
Então, ao analisar a situação de um miserável, na moral do mer-
cado globalizado, diríamos: “Se ele quiser sair da situação, ele
pode.” A moral vigente (ideologia) não nos permite olhar além e
perceber que milhões de pessoas passam fome no mundo, e isso
não é um problema apenas pessoal, não se resolve somente com
empenho individual.

O estudo da contextualização da moral ajuda-nos a perceber que


a nossa forma de ver o outro e nos relacionar com ele é pautada
e fundamentada em valores morais, construídos na sociedade
72 Ética e Sociedade

em que vivemos, por intermédio das instituições (família, escola, universidade,


mídia).

Se você absorver todos os valores morais da sociedade capitalista de mercado, po-


derá ficar tranquilo, acreditando que cada um é responsável pelo sucesso ou insu-
cesso, buscando sua riqueza pessoal e erguendo muros ao redor de sua residência,
poderá legitimar sua ação com a ideia de que, simplesmente, a vida resume-se em
obter sucesso individual, e que sucesso é sinônimo de ficar rico. Quando estamos
absortos por essa ideologia, ficamos cegos à complexidade social, política e econô-
mica do mundo.

A atitude e o agir humano são objetos da ética, considerada a arte da reta condu-
ção da vida, que se ocupa com a garantia de temas universais, ou seja, com o que
todos desejam possuir: vida, liberdade, autonomia, consciência,
etc. Cabe a cada um se encaminhar para esse viver ético, inde-
pendente das ações dos outros – posso observar as ações do
outro, mas são as minhas ações que devo modificar; não posso
reprovar uma ação alheia, mas posso observar e não agir da
O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA

mesma forma. Lembre-se de que somos autônomos, porém, não


sozinhos, estamos no mundo com outros seres e uma ação pode
modificar o contexto, mas não cabe a nós esperar o agir ético
dos demais, fazemos parte da construção do mundo. Como você
está participando dessa construção? Você costuma refletir, pen-
sar sobre suas atitudes? Pondera suas decisões?

Autoavaliação 3

1 Faça uma reflexão socrática (de acordo com Sócrates) sobre a so-
ciedade atual. Que indagações você faria sobre a sociedade atual?
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__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

2 Compare o modelo de ética dos sofistas e de Sócrates. Defenda um


dos modelos.
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__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________

3 Qual o significado da afirmação de Sartre “O homem é o resultado


das suas escolhas”? Explique.
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__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Ética e Sociedade 73

Autoavaliação 3

4 O que seria a vida autêntica e inautêntica para Heidegger? Explique


e apresente exemplos.
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____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________
5 Quais as diferenças entre imperativos categóricos e hipotéticos
para Kant? Qual dos imperativos pode ser considerado moral? Por
quê?
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____________________________________________________________________________________
6 Segundo Habermas, qual o papel da comunicação nas sociedades
contemporâneas? Como ela pode servir para fundamentar um mo-
delo de ética?
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____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________

O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA


7 Quais as críticas de Nietsche ao modelo de moralidade kantiana?
Explique.
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____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________

Nesta Unidade, você estudou sobre os fundamentos da


moral e percebeu que, em cada período histórico, a moral
assume diferentes características. O pensamento de al-
guns teóricos e a organização econômica e social ajudam a
estruturar e a legitimar modelos de relacionamento entre
as pessoas. Também, você percebeu que a ética se funda-
menta em uma atitude investigativa sobre a moral, por
isso, a ética emerge da filosofia, que tem como eixo norte-
ador a dúvida.
Na próxima Unidade, faremos uma reflexão ética sobre o
fenômeno da globalização.
UNIDADE 4
A GLOBALIZAÇÃO E A
ÉTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta unidade, você terá condições de:

• COMPREENDER a relação entre política, economia e o avanço tecnológico no processo de globalização;


• IDENTIFICAR as consequências éticas do capitalismo global;
• REFLETIR sobre o modo de ser e de pensar das pessoas diante da hegemonia da globalização.

ROTEIRO DE ESTUDO

Com o objetivo de alcançar o que está proposto a esta unidade, o conteúdo está dividido nas se-
guintes seções:

SEÇÃO 1 SEÇÃO 2
“Querer é poder”: O fenômeno da
as consequências globalização
éticas desse modelo
de sociedade

SEÇÃO 3 SEÇÃO 4
O fundamentalis- O avanço tecnológico
mo da globalização e a ética
econômica
Ética e Sociedade 75

PARA INICIAR NOSSOS ESTUDOS


Fazendo uma reflexão filosófica sobre a ética e os valores morais, vamos perceben-
do que eles mudam com o decorrer do tempo.

Um conceito que marca a nossa realidade é a globalização. Esse fenômeno está mo-
dificando a configuração cultural e a relação do homem com o outro e com o meio
em que vive. Esse será o tema de discussão desta Unidade.

SEÇÃO 1 “Querer é poder”: as consequências éticas desse


modelo de sociedade

A sociedade em que vivemos, chamada globalizada, é resul-


tante da hegemonia capitalista no mundo. Como já vimos, essa
sociedade construiu e legitimou uma moral, uma forma de
relação entre as pessoas pautada na máxima: “querer é poder”.
O progresso científico e econômico dos séculos XIX e XX esteve
ancorado nos paradigmas da conquista e da dominação. A glo-
balização é um processo econômico e cultural que inicia ainda
no século XV, porém, é no final do século XX que ganha maior
expressividade, modificando intensamente as relações sociais

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
entre grupos e grupos e indivíduos e grupos.

Na história do progresso econômico da humanidade, o homem


buscou gerar riquezas mediante conquista e domínio da na-
tureza e de outros homens. Segundo Boff (2003c), conquistar
povos e “dilatar a fé e o império” foi o sonho dos colonizadores.
Conquistar os espaços extraterrestres e chegar às estrelas é a
utopia dos modernos; conquistar o segredo da vida e manipu-
lar os genes; conquistar mercados e altas taxas de crescimento,
conquistar mais e mais clientes e consumidores; conquistar o
poder de Estado e outros poderes, religioso, profético, político;
conquistar e controlar os anjos e os demônios que nos habi-
tam. Enfim, a máxima “querer é poder” torna-se ao longo da
história um paradigma (estrutura de pensamento, modo de ver
o mundo). Até mesmo o sonho e a felicidade são vistos como
conquistas; insaciável é a vontade de conquista do ser humano.
Esse desejo desenfreado da humanidade tem colocado em risco
não somente espécies e sistemas vegetal, animal e mineral, mas
a própria espécie humana sofre com consequências da ação
desenfreada do homem pelo poder absoluto sobre o Planeta
Terra. Poder este que acarreta o enriquecimento de poucas
76 Ética e Sociedade

nações e o empobrecimento de centenas de outras, que veem a desigualdade social


se acentuando e seu povo passando pelas mais variadas formas de miserabilidade
no campo da saúde, habitação, emprego, educação e alimentação.

Mas, enfim, quais as consequências éticas desse


paradigma?

Boff (2003c) afirma que, depois de milênios, o paradigma-conquista entrou, em


nossos dias, em grave crise. Já conquistamos 83% da Terra, e nesse afã a devasta-
mos de tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capacidade de suporte e regene-
ração. A população mundial saiu da casa dos cinco bilhões de pessoas na década de
1990 para alcançar a casa dos 7,2 bilhões de pessoas nos anos 2000, informa-nos Dados dis-
ponível em:
a Organização das Nações Unidas (ONU). A população mundial <http://in-
tende a chegar a 8,1 bilhões de pessoas em 2025 e 9,6 bilhões ternacional.
estadao.com.
em 2050. Isso representa que a capacidade que o Planeta Terra br/noticias/
geral,onu-
tem de produzir será insuficiente para a população mundial. -populacao-
-mundial-e-
-de-7-2-bilho-
Sofremos, hoje, as consequências desse paradigma da con- es-de-pesso-
quista. A conquista de novos espaços, de novos mercados, as,1042156>.
Acesso em: 16
de sonhos de consumo, de grandes taxas de lucro, do avanço dez. 2014.

tecnológico que alcançamos é responsável pelos grandes de-


safios éticos que enfrentamos. Na sociedade atual globalizada
A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

sofremos as duras consequências de um poder sem limites de


conquista, de um consumismo exagerado que gerou grandes
problemas ambientais e que também afeta a relação entre indi-
víduos e indivíduos e grupos e grupos.

A busca desenfreada pelo lucro e pela expansão dos mercados


gerou, também, um alto índice de exclusão social. Pochmann e
Amorin (2003) apontam que a exclusão social no Brasil cres-
ceu 11% entre 1980 e 2000, revertendo a tendência verificada
entre os anos 1960 e 1980, quando houve queda de 13,6%. No
início dos anos 1960, o país tinha 49,3% de excluídos. A taxa
caiu para 42,6% em 1980, mas retornou para 47,3% em 2000.
Dez anos depois de Pochmnn e Amorin (2014) publicarem da-
dos sobre a exclusão social no Brasil na década anterior, agora
publicam novamente sobre o índice de exclusão social e fazem
um balanço do como estava a exclusão social e de como está
atualmente. Os dados apontam que:

Norte e Nordeste apresentam um padrão homo-


gêneo de exclusão social, com proporção irrisória
Ética e Sociedade 77

de municípios de elevado IES, alguns marcados em situação mediana e pre-


dominância de municípios com grave situação de exclusão social. A Região
Centro-Oeste registra situação intermediária, com razoável número de mu-
nicípios com alto IES (representando 11,4% do total e 48,9% da população),
expressiva maioria com IES médio e poucos no espectro mais agudo da ex-
clusão social. Já Sul e Sudeste revelam grande homogeneidade, com pratica-
mente metade de seus municípios com IES alto (42,7% e 45,5%, respectiva-
mente) e proporcionalmente poucos em situações mais graves. As manchas
extremas de exclusão social, concentradas fortemente no Norte e Nordeste,
indicam áreas em que a pobreza dos cidadãos é elevada e as oportunidades
de emprego formal, escolaridade e alfabetização são baixas, entre outros fa-
tores. A análise mostra grande desigualdade social nas metrópoles e elevado
grau de exclusão social nos municípios menores, em sua maioria marcados
pela pouca oferta de bens e serviços. (OLIVEIRA, 2014).

O índice da exclusão social atual continua apontando preocu-


pante concentração regional da exclusão social entre as regiões
brasileiras, com maior preocupação para a região Norte e Nor-
deste, carentes de infraestrutura e maior participação efetiva do
Estado.

Muitos acreditam que a razão da miséria é o aumento popula-


cional, mas o problema está no consumo excessivo, na busca
desenfreada por maior poder de conquista.

Segundo os pesquisadores, entre 1960 e 1980, os excluídos

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
no Brasil eram, em sua maioria, imigrantes da zona rural, com
grandes famílias, pessoas de baixa escolaridade, baixa renda,
mulheres e negros. Entre 1980 e 2010, os excluídos são aqueles
nascidos nos grandes centros urbanos, excluídos do mundo do
trabalho e da cidadania. Após os anos 1980, a exclusão passa a
atingir, também, setores da antiga classe média brasileira.

Esses dados nos fazem compreender que a sociedade em que


vivemos foi estruturada a partir de uma dimensão individualista
de conquistas e de posses. Alguns autores apontam como cau-
sa fundamental da crise ética o individualismo, argumentando
que a preocupação desenvolvida pelas pessoas em cuidar de
seus interesses permite o descuido com o outro e com as regras
determinadas pela sociedade que garantem um relacionamento
saudável e um comportamento ético.

Podemos apontar como causas do individualismo o enfraque-


cimento de valores morais fortalecidos pela tradição. O enfra-
quecimento dos valores inicia uma crise social, em que os indi-
víduos não têm mais bases morais sólidas que cumprem com
um papel de fortalecimento das relações sociais, pelo contrário,
78 Ética e Sociedade

como diria Bauman (2003) na atual sociedade tudo é muito fluído, muito efêmero,
tudo passa muito rápido, os processos sociais não são mais pensados para durarem
uma vida toda, pelo contrário. No campo econômico, os bens são produzidos com
tempo de vida curta, para serem substituídos por novos produtos. Não há mais
heróis para que a humanidade tenha referência, o que temos são celebridades no
campo artístico produzidas pela mídia com interesses de consumo. De acordo com
esse autor, esse momento chama-se modernidade líquida, tudo flui como água, seja
no campo dos relacionamentos e afetivo seja no campo econômico, o qual já está
resultando em um alto custo à humanidade.

O individualismo associado ao corporativismo tem constituído uma barreira limita-


dora do desenvolvimento ético dentro da sociedade. As pessoas buscam conquistar
melhor qualidade de vida para si ou para seu grupo; surge, com
grande evidência, o problema da corrupção. A cada momento,
deparamo-nos com escândalos envolvendo pessoas cuja tarefa
deveria ser a de garantir a ordem ética, em razão da posição que
ocupam.

As principais consequências éticas do “querer é poder” recaem


sobre a exclusão social e a degradação ambiental. A busca pela
conquista acontece e em uma perspectiva infinita que não co-
nhece limites quando se trata de ganhar dinheiro ou consumir. E,
quando se torna um processo global, como isso se agrava? É o que
A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

vamos estudar na próxima seção: o fenômeno da globalização.

SEÇÃO 2 O fenômeno da globalização

Quando falamos em globalização, logo nos vem à mente apenas


a questão econômica. Porém, a globalização é um processo no
qual surgem questões políticas, sociais e culturais. Nesse pro-
cesso de interação global, encontramos a mudança de valores
éticos e morais da sociedade.

Vamos, inicialmente, entender como e onde se percebe essa re-


alidade da globalização. De acordo com Ramos (2004), precisa-
mos compreender que existem quatro importantes fatores que
têm contribuído de forma diversa para configurar o processo de
globalização nos últimos 20 anos: a globalização nas comunica-
ções, a econômica, a política e a dos valores presentes no conví-
vio em todos os níveis: pessoal, social, nacional e mundial.
Ética e Sociedade 79

Mas, há alguma relação entre esses fatores?

A ligação entre esses quatro fatores demonstra que a revolução nas comunicações
favorece e permite a integração econômica; o fator econômico, por sua vez, tem
implicações no cenário e no relacionamento político; e o elemento político, em
última instância, está presidido por valores e princípios. A presença ou ausência de
valores éticos e princípios morais nas pessoas que comandam a política, a cultura,
a economia e as comunicações é fundamental para compreender a evolução da
humanidade e o processo de globalização em curso.
É importante perceber que o processo de globalização aparece
como uma continuidade das grandes conquistas realizadas pelas
principais potências mundiais. A aliança entre poder político,
econômico e meios de comunicação possibilitou, com maior
facilidade, a formação de monopólios. Isso tudo facilita o surgi-
mento de um único modelo de sociedade, de grupos financeiros
e de mídia.

A globalização, segundo Branco (2003), contribuiu para deter-

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
minar um modelo de sociedade que atende aos interesses do
individualismo e do consumismo, portanto, não se trata apenas
de globalização econômica, mas de um processo social.

Branco (2003) afirma que a globalização vem sendo empregada


em diversas ocasiões, mas nem sempre com o mesmo significa-
do. Poderíamos conceituar esse termo, de forma básica, como o
conjunto de transformações na ordem política e econômica mun-
dial que vêm acontecendo nas últimas décadas, em que o ponto
central da mudança é a integração dos mercados em uma “aldeia-
-global”, explorada pelas grandes corporações internacionais.

Economicamente, estamos vendo crescer uma política que visa à


saída parcial do Estado da economia, deixando o mercado livre, por
isso é que vemos a grande onda de privatizações existente hoje.

Mas, o que significa essa saída parcial do Estado da


economia?
80 Ética e Sociedade

Significa que o privado começa a ganhar superioridade em relação ao público, que


o interesse financeiro se sobrepõe ao interesse social. Essa lógica do privado sobre
o público se intensifica com o processo de globalização, em que os grandes inves-
tidores procuram países e economias que paguem os melhores juros para o maior
rendimento do dinheiro. O direito à saúde, à educação, ao transporte, à habitação
e à alimentação acaba ficando em segundo plano na ação política dos governantes,
que buscam proteger esse capital financeiro com altos juros para que permaneçam
no país. Você lembra do período das eleições, no qual os candidatos não podiam
falar nada que afetasse a lógica de mercado, que prejudicasse a lógica do capital
financeiro?

A globalização também ultrapassa os limites da economia e


da política, começa a provocar certa homogeneização cultural,
por meio da crescente popularização dos canais de televisão
por assinatura e da internet. Isso se percebe na forte influência
da cultura americana em todo o mundo, podendo ser melhor
visualizado pela Indústria Cultural americana, que distribui seus
produtos cinematográficos para todo Planeta, disseminando
um modelo de comportamento social e determinada visão de
mundo, que implica o fortalecimento de um modelo cultural, o
americano, em detrimento de outros comportamentos culturais
A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

e valores morais, que correm o risco de serem extintos pela ten-


dência do processo homogeneizador da cultura americana, ou
da cultura dos países desenvolvidos.

O que precisamos compreender nessa relação entre ética


e globalização é que todo esse processo de interligação e
interdependência entre os países – que é positivo – ocorreu a
partir de uma lógica capitalista, que provocou o aumento da
concentração de renda e da exclusão social. Além dessa ques-
tão, alguns autores apontam que a globalização impôs certo
fundamentalismo; aprofundaremos isso na seção seguinte.
Ética e Sociedade 81

SEÇÃO 3 O fundamentalismo da globalização econômica

A globalização econômica é uma faca de dois gumes: de um lado, descortina novos


horizontes para a economia mundial; de outro, entretanto, pode abrir o fosso que
separa pessoas e países, aumentando o abismo entre os beneficiados com o proces-
so e os desfavorecidos da fortuna. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento
Humano (1999), publicado pelas Nações Unidas, 20% dos países mais ricos detêm
86% do PIB mundial, enquanto os 20% mais pobres participam apenas com 1% da
produção mundial. O ano 2013 fechou que 0,7% dos países do mundo concentram
43% da riqueza mundial, e os outros 99,3% dos países dividem entre si 47% dessa
riqueza. Tamanha disparidade resulta na exclusão e na marginalidade de popula-
ções inteiras com uma maior desigualdade para países da Amé-
rica Latina, caribenhos, africanos e parte dos países orientais,
como a Índia e demais países da região (CALIXTO, 2013).

Gráfico 1 – Projeção de cada país se o PIB fosse dividido pela população

Fonte: Davies, Luberas e Shorrocks (2013 apud CALIXTO, 2013). A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

Gráfico 2 – Pirâmide da riqueza

Fonte: Davies, Luberas e Shorrocks (2013 apud CALIXTO, 2013).


82 Ética e Sociedade

Há um claro divisor de águas entre aqueles que defendem os aspectos positivos da inte-
gração econômica e aqueles que somente veem as mazelas do processo, que são conse-
quências, mesmo que por vezes involuntárias, da integração econômica mundial.

Lembre-se de que a reflexão ética é essencialmente


investigativa: quais os benefícios da globalização, para
quem e como são buscados?

Para as empresas, a globalização facilitou o acesso às novas tecnologias, ao finan-


ciamento, ao trabalho e à difusão dos produtos e serviços; ao mesmo tempo, ace-
lerou o processo de fusão e incorporação de empresas. Além
disso, observamos uma concentração do capital e uma expansão
das empresas multinacionais e transnacionais; novas marcas
mundiais, com know-how (conhecimento) e tecnologia própria,
avançam na maioria dos países.

A abertura econômica promovida pela globalização aumentou a


competição entre as empresas, mas também valorizou o merca-
do de trabalho, o fator educacional, as habilidades técnicas dos
trabalhadores e a experiência profissional, ou seja, o fator capital
humano adquiriu maior importância com a globalização. Porém,
A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

por outro lado, percebe-se uma grave crise em diversos setores


sociais, incluindo o produtivo. Em razão desse diagnóstico, a
combinação entre abertura econômica e uma força de trabalho
bem treinada e educada produz, em especial, bons resultados
para a redução da pobreza e o bem-estar humano. Portanto, um
bom sistema educacional, que providencie oportunidades para
todos, é decisivo para o sucesso nesse mundo globalizado.

Mas, como se caracteriza o fundamentalismo na


globalização?

É preciso entender o fundamentalismo como uma forma de


ver o mundo, agir e pensar em torno de um único fundamento.
Boff (2003c) afirma que a globalização provoca uma primeira
manifestação de fundamentalismo: da ideologia política do ne-
oliberalismo, do modo de produção capitalista e de sua melhor
expressão, o mercado mundialmente integrado, apresentando-
-se como a solução única para todos os países e para todas as
carências da humanidade (todos precisam de um necessário
Ética e Sociedade 83

choque de capitalismo, dizem fundamentalisticamente). A lógica interna desse


sistema, entretanto, é ser acumulador de bens e serviços, por isso, criador de gran-
des desigualdades (injustiças), explorador ou dispensador da força de trabalho e
predador da natureza.

Surge aqui, segundo o autor, a construção de uma cultura capitalista, uma cosmo-
visão materialista, individualista e sem qualquer freio ético. Tal cultura provoca
certa homogeneização da sociedade: apenas um pensamento, apenas um modo
de produção (capitalista), apenas um tipo de mercado, apenas um tipo de religião
(cristianismo), apenas um tipo de música (rock), apenas um tipo de comida (fast
food), apenas um tipo de executivo, apenas um tipo de educação, apenas um tipo de
língua (inglês), etc. Boff (2003a) apresenta um questionamento ético para a globa-
lização, quando esta se torna uniforme e quando há a imposição
de um único modelo de vida para o Planeta.

Com a negação da heterogeneidade, da diferença, a sociedade-


-mundo atual se coloca em contradição com a ética. Essa atitude
perversa tem como consequência a má qualidade de vida atual
em todos os âmbitos sociais, culturais e ambientais.

Nesse processo de globalização, o desenvolvimento tecnológi-


co assume grande importância, influenciando o modo de ser e

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
de pensar das pessoas, provocando o surgimento de grandes
questões éticas.

SEÇÃO 4 O avanço tecnológico e a ética

Podemos dizer que o mundo tecnológico contempla dois ho-


rizontes contrapostos. De um lado, a internet e todas as ma-
ravilhas trazidas pelo mundo computadorizado que deram
ao homem uma capacidade criativa nunca vista; no campo da
informação, os recursos tecnológicos asseguraram ao homem
uma mobilização sintonizada com tudo o que ocorre em nosso
Planeta. De outro lado, percebemos que a mesma ação que co-
loca todas as pessoas em sintonia escraviza e cria fundamentos
ideológicos também de natureza global; com isso, homogeneíza,
limita a capacidade criativa e desenvolve uma lógica cega que
tem como norte conduzir as pessoas a uma forma de consu-
mo irracional. Pode-se perceber que o uso das tecnologias de
comunicação tem colocado em risco o contato social e tende
a individualizar relações sociais. Percebe-se que por meio da
tecnologia parte da humanidade pode viver sem ter o contato
84 Ética e Sociedade

direto com outras pessoas, é como se a tecnologia fosse um “segundo ser”, por meio
dela é possível trabalhar, divertir-se, conversar e estabelecer relações afetivas. O
uso desenfreado da tecnologia está reconfigurando relações sociais e colocando em
desuso antigos hábitos e valores de uma humanidade inteira de milhões de anos.

Na análise ética da sociedade atual, vemos entrar em cena o conhecimento cien-


tífico e tecnológico, que assume vital importância na vida de cada pessoa e passa
a ser um diferencial de grande relevância no embate competitivo provocado pelo
mercado. A capacidade científica do homem, associada ao desenvolvimento tecno-
lógico, garantiu à humanidade o desenvolvimento de grandes projetos sociais. Foi
com base no conhecimento científico que as distintas sociedades em nosso Planeta
passaram a estruturar o trabalho de forma a facilitar o desenvolvimento. A tecno-

logia, desde que foi incorporada no processo produtivo, tem


descartado mão de obra, porém, no atual momento, percebe-
-se que esse descarte continua, mas não são apenas mãos de
obra desqualificadas, mas altamente qualificadas que não mais
conseguem participar do processo produtivo. Isso caracteriza a
crise no mundo do trabalho, e é uma crise generalizada.

As mudanças protagonizadas pelo mundo tecnológico passam a:

[...] exercer profundas influências no modo de ser e


A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

de pensar de cada um de nós, assim como na forma


de organização econômica, política e cultural das
sociedades contemporâneas. As máquinas, os ro-
bôs, a redução do tempo de execução do trabalho, o
aumento do tempo de lazer, já não são mais temas
de ficção científica, mas fatos que hoje permitem à
humanidade sonhar em libertar-se definitivamente
do trabalho monótono e em construir uma civiliza-
ção baseada no ócio criativo. (CORDI, 2000, p. 228).

Nas últimas décadas, a integração econômica mundial foi Ócio criativo:


significa liber-
impulsionada pela revolução das comunicações que, por tar-se da ideia
sua vez, foi favorecida pelos avanços na tecnologia. tradicional do
trabalho como
obrigação e
ser capaz de
A revolução nas comunicações tem demonstrado que a tecno- apostar numa
atividade em
logia busca a cada dia encurtar distâncias e apressar a trans- que o trabalho
missão de informações que determina a importância dos meios se confundirá
com o tem-
de comunicação para o processo de integração social, política e po livre e o
estudo, isto
cultural. é, quando
trabalhamos,
aprendemos e
O avanço das comunicações na década de 1990 foi surpreenden- nos divertimos
ao mesmo
te, como mostram os indicadores de comunicação global divul- tempo.
Ética e Sociedade 85

gados pela International Telecommunication Unit (ITU). De 1990 a 2000, a receita


do mercado de telecomunicações mais do que duplicou. E os dados nos dizem que
o avanço das comunicações cresceu significativamente na última década de 2000.
Mais de 1/3 da população mundial está conectada à internet, de acordo com a
União Internacional de Telecomunicações (UIT) em 2011. “O desenvolvimento dos
serviços de banda larga produziu um aumento de 11% do número de internautas
no mundo em 2011”, afirmou a UIT. No início de 2012, havia 2 bilhões 300 milhões
de internautas no mundo, o que representa mais de um terço da população mun-
dial. O relatório revela também que cada vez mais pessoas em todo o mundo têm
acesso à internet a partir de casa. Entre 2010 e 2011, a percentagem de famílias
com acesso à internet aumentou 14%. No final de 2011, 1/3 (600 milhões) dos
1 bilhão 800 milhões de domicílios do Planeta tinha acesso
ao mundo da internet. A China responde por 23% de todos os
internautas do mundo, enquanto a participação dos países em
desenvolvimento no total de usuários subiu de 44% em 2006
para 62% em 2011. A UIT prevê que até 2015 cerca de 40% dos
lares nos países em desenvolvimento vão ter acesso à internet e
explica que o surgimento dos smartphones e tablets será funda-
mental para que o número de usuários aumente significativa-
mente (MAIS..., 2012).

Esse crescimento vertiginoso das comunicações, entretanto, não está

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
ocorrendo de modo simétrico no mundo. O mercado da indústria de
tecnologia está concentrado nos países industrializados. De acordo
com o European Information Technology Observatory (1998), a Eu-
ropa (30%), os Estados Unidos (35%) e o Japão (14%) concentram
79% do mercado mundial das tecnologias de comunicação e infor-
mação, restando aos outros países apenas 21% do mercado.

O Relatório do Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelo


Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgou
dados mostrando que os países que se encontram no topo da pirâ-
mide da riqueza mundial – os 20% mais ricos – concentram 93,3%
dos usuários da internet. De acordo com o mesmo relatório:

[...] nos últimos anos da década de 90, o quinto da


população mundial que vive nos países de renda
mais elevada tinha [...] 74% das linhas telefônicas
mundiais, meios básicos de comunicação atuais,
enquanto que o quinto de menor renda possuía
apenas 1,5% das linhas. Alguns observadores pre-
viram uma tendência convergente. No entanto, a
década passada mostrou uma crescente concen-
tração de renda, recursos e riqueza entre pessoas,
86 Ética e Sociedade

empresas e países. (RELATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, 1999,


p. 5).
Temos testemunhado uma corrida eufórica em busca do saber tecnológico aplicado
ao mundo do mercado. Procuramos freneticamente pelo conhecimento da última
técnica, do mais novo produto, elaborado com a mais sofisticada tecnologia, porém,
essa é uma realidade que não se universaliza, pelo contrário, passa a ser privilégio
de alguns.

O geógrafo Santos (2001, p. 22) apresenta-nos uma reflexão sobre a tecnologia: “A


desigual difusão da tecnologia provocou diferenças consideráveis, algumas vezes
extremas, nos preços dos produtos industrializados de diferentes países.”

Uma das grandes questões éticas levantadas em torno do avan-


ço tecnológico diz respeito à questão teleológica. Uma reflexão
Teleologia é
ética sobre o avanço tecnológico reside, portanto, nas questões: a discussão e
o estudo das
para quem se destina essa invenção tecnológica? Que tipo de re- finalidades,
lação humana essa invenção vai proporcionar? Enfim, que mo- dos objetivos
de determina-
delo de sociedade o progresso tecnológico buscará construir? da ação

Que relações afetivas serão produzidas com o uso da tecnologia?


Serão produzidas relações sólidas? Questões a serem pensadas.
São questões que colocam o progresso científico sob o crivo da
ética. No decorrer da história, percebemos diversos aconteci-
A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

mentos que tiveram fundamentação científica e tecnológica,


porém, acarretaram drásticas consequências para a humanida-
de, como foi o caso do holocausto na Alemanha (morte de mais
de seis milhões de judeus, ainda homossexuais, negros e pesso-
as com deficiência), da bomba atômica no Japão e da guerra no
Vietnã. A que ponto a conduta humana chegou? Até que ponto
o homem chegará em busca do poder? Talvez mais do que em
outros tempos há uma emergência pela discussão da ética na
atual sociedade e uma mudança de comportamento social vol-
tada para a paz mundial e para a integração do homem com a
natureza.

A reflexão ética nos faz perceber que o progresso tecnológi-


co pode não significar um avanço para a sociedade, porque a
evolução da ciência nem sempre contribui para a solução dos
grandes desafios sociais, como a exclusão social e a degradação
ambiental. Aqui fica a pergunta: A humanidade tem avançado
nas questões humanas ou retrocedido?
Ética e Sociedade 87

Autoavaliação 4

Estudo de caso
Leia com atenção o texto Promessa é dívida, de Denys Monteiro, e res-
ponda às questões.

Aspirações individuais e as organizações: realidades incompatíveis?

Em épocas difíceis, nas empresas, é comum, infelizmente, que os geren-


tes, para não perder seus funcionários, façam promessas de dias melhores:
“Não se preocupe, assim que aumentarmos as vendas, iremos promover
você”, ou, então: “Se conseguirmos atingir as metas, distribuiremos um
percentual maior de lucro este ano”. E lá se vai o gestor desferindo golpes
certeiros no bolso e no ego de sua equipe.
Nesse momento, a reação na empresa é vigorosa. Todos se dão as mãos e
vibram como se fossem a seleção brasileira entrando no Maracanã após a
palestra do treinador, todos confiantes de que o título já está “no papo”. Soa
o apito e o jogo começa, com tudo dando certo: as áreas se falam mais e
resolvem suas diferenças em benefício do cliente, e não mais baseadas nas
rixas entre elas; um novo serviço é implementado, com redução de custos
para a empresa; os memorandos param de circular vagarosamente pela
empresa e as decisões são tomadas on-line; as equipes de venda convertem
mais vendas. Algumas faltas cometidas, pequenos erros e retrabalhos...
Mas tudo bem, faz parte da tensão e ansiedade pelo resultado positivo.
Ao apito final, não há mais nada a fazer. O ano acabou, as entregas foram
feitas. Vendas, só no próximo ano. Todos com o sentimento de dever cum-
prido: ganharam market share, reduziram gastos em publicidade, contra-
tos de longo prazo foram estabelecidos com clientes estratégicos. Só o que
se vê pela empresa são pessoas cansadas, mas felizes por terem corrido
sem parar durante os 90 minutos do jogo.
Eis que as reuniões de avaliação de desempenho começam. Todos na ex-

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
pectativa de ganhar a recompensa pelo bom desempenho. Uma grande
reunião é convocada e os números da “partida” são apresentados. O dis-
curso começa com um agradecimento pelo desempenho de todos e com-
prometimento de cada um nos últimos meses. Em seguida, iniciam-se as
surpresas: “Como vocês podem ver neste gráfico, apesar de as vendas na
região Sul estarem maiores, em compensação, as da região Norte ficaram
abaixo da expectativa e, com isso, houve uma pequena queda no resultado
global da companhia em relação ao esperado.” Surgem os primeiros olha-
res, incrédulos, e o “zumzumzum” percorre a sala. E o discurso continua:
“Graças às reduções de despesas que conseguimos, as margens por pro-
duto aumentaram num primeiro momento, mas, como grande parte dos
componentes são importados, a oscilação do dólar fez com que a margem
operacional diminuísse em aproximadamente 30%.” Alguns já começam a
entender o recado de que o juiz não viu a mesma partida de futebol que os
atletas jogaram.
Mais meia hora de gráficos, tabelas, justificativas, recomendações e surge
um novo desafio para o próximo semestre. Se atingido, pode recuperar os
resultados desse período e aí tudo volta à normalidade, com o crescimento
da empresa e da economia. Mas como essa foi apenas a “coletiva para a im-
prensa”, os funcionários aguardam ansiosos as suas avaliações individuais.
Afinal, todos tinham metas bem definidas e a confiança reina nos craques.
Os feedbacks começam. Aqueles que tiveram desempenho ruim recebem
pouco mais do que uma cobrança mais rígida e uma avaliação não muito
animadora para o próximo ano. Chega a hora dos confiantes e... e... Lá vem
o discurso de novo: “Pedro, você foi um líder durante todo o processo, sem
você não teríamos conseguido nem este resultado, as pessoas confiam em
você e no seu potencial. Na sua região, você superou os objetivos, inclusive.
Agora, com relação à promoção que eu havia lhe prometido... Não vou po-
88 Ética e Sociedade

Autoavaliação 4

der fazer ainda. Veja bem, não fique preocupado, é só até as coisas melhora-
rem. Eu não tenho como justificar para a matriz uma promoção e aumento
com este resultado ruim.”
Ainda há uma tentativa de argumentação, um início de discussão, que não
leva a nada, além de outras promessas ainda mais audaciosas: “Veja bem,
estou te preparando para o meu lugar, é preciso maturidade nesta hora.” E
dá-lhe blábláblá...
A frustração é imensa. Quantas horas de sono perdidas, viagens constantes,
o tempo que você não ficou com os seus amigos e filhos. Não existe coisa
pior no mundo corporativo do que prometer em vão. O tiro sai pela culatra,
o time perde a confiança em tudo o que vem pela frente. É preciso que os
gestores – e o papel do RH é fundamental na orientação de sua postura –
joguem limpo, conhecendo e esclarecendo a situação e as possibilidades da
empresa. Mencionar só ao final fatores dos quais ninguém tinha conheci-
mento (como a variação do dólar) é imperdoável.
Duas são as opções dos funcionários nessa hora: fazer uma nova aposta
para a próxima temporada ou colocar o currículo no mercado e sair em bus-
ca de novas oportunidades. Se a experiência ajuda a refletir, tenho visto a
segunda opção com mais frequência do que a primeira. Uma vez abalada, a
confiança, premissa indispensável entre funcionário e empregador, jamais
será a mesma.
Portanto, pense bem na importância de debater esse assunto com a cúpula
da empresa e com os responsáveis por equipes. Ajude sua empresa a evitar
surpresas desagradáveis, como a perda dos seus melhores talentos para a
concorrência.

Questões sobre o texto:

1 Qual o problema ético percebível na empresa?


_____________________________________________________________________________________
A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA

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2 Como a vida dos funcionários teve relação com o fenômeno da globalização?


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Ética e Sociedade 89

Você percebeu que uma sociedade que foi construída e


ancorada no modelo “querer é poder” produz sérias con-
sequências éticas? Ter sucesso, hoje, é ter dinheiro e, tal-
vez, conhecimento. Os caminhos para obter esse sucesso,
até agora, foram muito centralizados no indivíduo; uma
sociedade que busca sempre acumular dinheiro e conhe-
cimento, de forma ilimitada e individualizada, conduz as
pessoas a olharem sempre para si mesmas, deixando de
reconhecer a importância e a dignidade do outro. Isso re-
presenta uma grave consequência ética.
Nesta Unidade, refletimos sobre as consequências éti-
cas de um modelo econômico; capitalismo, globalização
e progresso tecnológico são faces da mesma moeda que
compõe a estrutura de nossa sociedade. Percebemos que
a busca pela conquista de novas terras, de novos espaços
de mercado, de maiores taxas de lucro foi um eixo nortea-
dor da organização da nossa sociedade, que perpassou os
vários séculos de nossa história. A reflexão ética sobre a
globalização ajuda-nos a compreender melhor e de forma
interligada as ações no campo da política, da economia e
da ciência; faz-nos entender que as ações estão inseridas
em um processo global que possui uma lógica de funcio-
namento.
Na próxima Unidade, você observará quais são os grandes
desafios éticos da modernidade.

A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA
UNIDADE 5
OS CONFLITOS ÉTICOS
DA SOCIEDADE ATUAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta unidade, você terá condições de:

• CARACTERIZAR os desafios éticos da sociedade atual;


• COMPREENDER a relatividade e a limitação da moral na explicação do comportamento humano;
• ENTENDER a relação entre direitos humanos e fundamentação ética;
• ANALISAR eticamente as consequências do progresso para o meio ambiente;
• DESENVOLVER uma consciência ética em torno do meio ambiente que interligue em uma visão holísti-
ca homem/natureza;
• COMPREENDER a construção da moral brasileira.

ROTEIRO DE ESTUDO

Com o objetivo de alcançar o que está proposto a esta unidade, o conteúdo está dividido nas se-
guintes seções:

SEÇÃO 1 SEÇÃO 2 SEÇÃO 3


Grandes questões Ética e Meio Ética e Direitos
éticas de contempo- Ambiente Humanos
raneidade

SEÇÃO 4 SEÇÃO 5
A legitimação da Esperança ética
concentração de
renda e da corrup-
ção no Brasil
Ética e Sociedade 91

PARA INICIAR NOSSOS ESTUDOS


O processo de globalização trouxe grandes transformações para a sociedade em
que vivemos. Nesta Unidade, vamos refletir sobre o impacto das mudanças globais
no campo da ética.

Diante desse avanço tecnológico, da queda e do descrédito das grandes instituições


– família, Igreja e Estado –, surgem algumas consequências para o campo da ética,
surgem novas formas de se compreender o certo e o errado, novos valores morais,
tanto na vida pessoal quanto social, econômica e política. Para isso, faremos uma
reconstrução de dois temas centrais na soceidade atual, a saber, Meio Ambiente e
os Direitos Humanos. Esse cenário será o tema de construção da Unidade 5.

SEÇÃO 1 Grandes questões éticas de


contemporaneidade

Você já observou como vivemos em um tempo de mudanças?


Que o progresso tecnológico avança quase sem podermos
acompanhá-lo? O que é certo ou errado fazer? Cada um deve
fazer o que é melhor para si? E como fica a sociedade? A euta-
násia, o aborto, a engenharia genética podem ser aprovados
legalmente?

Unir-se a uma pessoa do mesmo sexo é certo ou errado? Por


que é certo ou errado? Onde vamos buscar fundamento para
condenar ou aprovar o casamento entre homossexuais? Nos Li-
vros Sagrados? Mas é verdade o que está escrito neles? E como

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


fica o respeito à liberdade de escolha de cada um?

Os Direitos Humanos são fundamendais para a sociedade? Ou


apenas são uma forma de proteger bandido? Existem certos
direitos que devem ser preservados para todos os seres huma-
nos? Devo assumir os Direitos Humanos como forma de guiar
meu agir?

As questões ambientais devem travar o progresso? Qual a


relação entre ética e meio ambiente? Qual é o papel do cidadão
frente aos desafios colocados pelo desenvolvimento? Quais são
as responsabilidades da ética frente à poluição?

Você percebe como surgem grandes questionamentos éticos na


atualidade? Há algum tempo esses questionamentos não eram
92 Ética e Sociedade

tão intensos, em razão da autoridade que era conferida a grandes instituições,


como a Igreja, a família, a escola. À medida que o pensamento científico substituiu
as crenças nas instituições e as pessoas passaram a perceber a autoridade como
algo não sagrado, evidenciam-se a racionalidade individual, o questionamento e a
crítica. Assim, sem a crença em uma autoridade que define o que é certo ou errado,
as pessoas começam a se perguntar: mas é certo ou errado? Depende de cada um?
Enfim, surgem dilemas éticos que antes não existiam porque as pessoas seguiam
fielmente os códigos morais que estavam nos Livros Sagrados, na tradição na famí-
lia, na cultura, etc.

Iniciaremos a reflexão sobre os grandes desafios éticos da contemporaneidade


refletindo sobre como podemos compreender o período em que vivemos. Uma das
características principais da nossa era é a falta de perspectivas.

A falta de perspectiva

A sociedade atual, marcada por um acelerado processo de


empobrecimento, de diminuição das oportunidades, de desem-
prego, acaba contribuindo para a construção de um espírito de
pessimismo diante do futuro. Surgem, assim, muitos questiona-
mentos que evidenciam esse espírito.

Vale a pena estudar? Vou fazer um investimento, mas qual será o


retorno?

Vivemos na sociedade do conhecimento, então, é imprescindí-


vel a busca pela formação acadêmica; mas como o indivíduo vai
conciliar essa formação com uma vaga no mercado de trabalho?

Você concorda que esses são grandes motivos da falta de


OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

perspectivas que toma conta de muitas pessoas? Que outras


coisas você acredita que também contribuem para que as
pessoas não possuam perspectivas?

__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
______________________________________________________________

A diminuição de oportunidades de emprego e o consequente


empobrecimento da população, a desigualdade de renda...
Ética e Sociedade 93

Em nenhum momento de sua existência, a humanidade contou com tamanha ri-


queza. Essa riqueza, como evidenciamos, é produzida pelo avanço tecnológico, que
surgiu com a finalidade de proporcionar ao homem maior comodidade. No entanto,
o monopólio que se estabeleceu sobre as tecnologias serviu para ampliar riquezas
e, consequentemente, a distância entre quem possui ou não acesso às tecnologias e
às estruturas que asseguram o ordenamento material da vida de cada pessoa, indi-
cando que houve uma real limitação na participação de todos os indivíduos dentro
dos mais variados benefícios produzidos pelos avanços tecnológicos.

A crise de perspectivas é mais evidente na súbita retirada


dos meios materiais de subsistência da população despro-
vida de um capital cultural e econômico que lhe permita
acompanhar o desenvolvimento do mundo tecnológico.

Isso provoca frustração e desinteresse ante à necessidade de


uma sociedade de convivência solidária.

A falta de perspectivas também contribui para a relativização


do valor da vida, para o avanço da criminalidade e o uso de dro-
gas. Cada um busca resolver as coisas da maneira que conside-
rar conveniente, surgindo, assim, o problema da intolerância.

A intolerância

A intolerância tem sido a grande responsável pelo estado de


violência que acompanha o cotidiano da humanidade. Os avan-
ços tecnológicos e a aproximação das pessoas, motivados pela
globalização, não foram suficientes para reduzir o índice de
violência; pelo contrário, parecem ter acentuado as diferenças. OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

Convivemos com diferentes formas de violência: a violência no


campo, em razão do problema agrário que vivem os países ditos
“periféricos”; também nos grandes centros urbanos, provocada
pelo estado de miséria vivido por um considerável contingente
populacional, por questões de fundo religioso ou desentendi-
mentos políticos, etc. Ainda, há outra forma de violência, ins-
titucionalizada: a repressão. A América Latina viveu por um
longo tempo essa realidade; com a instalação dos regimes mili-
tarizados, o povo foi vítima de um franco processo de violência,
cujas consequências até hoje se fazem sentir.
94 Ética e Sociedade

Entre os perigos da intolerância, podemos ressaltar o seu


poder de obstruir o desenvolvimento democrático de uma
sociedade, tornando inviável a convivência, resultando,
assim, uma constante quebra da alteridade.

Evidências da intolerância se percebem no fundamentalismo religioso e também


no fundamentalismo étnico e cultural. Os Estados Unidos, por exemplo, conside-
rando-se os defensores da liberdade e da democracia, criam políticas intolerantes
contra os árabes, iraquianos, mexicanos. A intolerância contra o diferente torna-se
um agravante também no que se refere à sexualidade humana; é o caso da homos-
sexualidade.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo

O casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido muito


discutido no mundo contemporâneo. Essa questão surgiu na
Europa, nos países de tradição democrática, intimamente ligada
ao respeito à individualidade humana. No entanto, é de uma
realidade polêmica, pois vai de encontro aos pressupostos de
ordem moral que imperam na cultura ocidental. De forma obje-
tiva, vai contra a moral religiosa, que compõe um dos substratos
da visão de mundo do homem ocidental.

Há, também, a questão da igualdade jurídica, comparada às


relações heterossexuais. É uma questão importante, para a qual
muitos países deram encaminhamento distinto, ou seja, a ins-
tância jurídica foi superior aos ordenamentos de ordem moral,
assegurando que as pessoas pudessem constituir uma união
estável, sendo ambas do mesmo sexo.
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

Muitos argumentos contrários fundamentam-se ou na questão


da natureza humana ou nos Livros Sagrados, mas por que surge
um dilema ético? Por que um Livro Sagrado deve ser superior
à liberdade humana? Será que a natureza humana é estática,
ela não evolui, não muda? Por que o casamento deve ser entre
homem e mulher?

Este torna-se um grande dilema ético que os códigos morais,


as leis, não dão conta de responder, e a pessoa que se apega a
um único código moral pode acabar sendo fundamentalista,
apegando-se a uma única fonte de verdade.
Ética e Sociedade 95

A pena de morte

Por muitos anos, alguns países ou estados vêm adotando a pena de morte como
alternativa para a solução dos problemas sociais. Da forca até a cadeira elétrica,
vários instrumentos foram criados para eliminar as pessoas. No Brasil, muito se
discute sobre a adoção da pena de morte. As pessoas que refletem o senso comum
levantam essa bandeira, defendida por alguns parlamentares, como uma medida
redentora da situação caótica que vivemos em razão da violência urbana.

Ao trazer essa reflexão para o campo da ética, devemos formular uma nova ar-
gumentação, acompanhada de muitas perguntas: assumir a pena de morte como
forma de coibir a violação das normas elementares de uma
convivência social representa a solução para o problema? Em
que proporção ela não representaria a instituição da própria
violência? Tirar a vida do assassino não contraria a própria lei
que condena o assassinato como crime? A pena de morte inibiria
outros assassinatos? O assassino teria medo de ser morto? Quem
tem o direito de tirar a vida de alguém?

Enfim, essas e outras questões contribuem para que a pena de


morte se transforme em um dilema ético.

E a eutanásia? É uma “pena de morte” justificada pela


doença?

A eutanásia e a morte assistida

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


Quando o problema da eutanásia aparece na sociedade, é sempre
polêmico. Por diversas vezes em que a eutanásia foi autorizada
pela justiça americana, imediatamente a polêmica instalou-se
dentro e fora do país. Isso demostra que as pessoas estão dividi-
das sobre o direito que temos de interferir no curso da vida do
outro.

Nesse campo, surgem algumas questões referentes à eutanásia e


à morte assistida: podemos decidir por outra pessoa a hora que
deve morrer? Como fica o caso das pessoas dadas como mortas
clinicamente que voltaram à vida após uma década de coma?
Esses argumentos são suficientes para deliberarmos por uma
atitude extrema ante à vida de quem não pode decidir nada?
96 Ética e Sociedade

A eutanásia, ao ser liberada, abre um caminho para a discussão sobre a morte


assistida. Muitas pessoas, no afã de abreviar o sofrimento, poderão desejar acabar
com a vida. Como a sociedade deve reagir a essa situação? O que justifica, de fato,
a opção pelo fim da existência de uma pessoa? Podemos decidir sobre a vida e a
morte de alguém?

A engenharia genética

Nossas reflexões sobre a engenharia genética podem ser vistas no plano da bioéti-
ca, que “[...] estuda a moralidade da conduta humana na área das ciências da vida.”
(NALINI, 1999, p. 120).

Como ramo do saber, associada à filosofia e à biologia, a


bioética procura argumentar em torno dos elementos que
configuram a biomedicina, que, no mundo pós-moderno,
avançou de forma espetacular, protagonizando coisas so-
mente cogitadas na ficção.

As nações, por intermédio de seus representantes científicos,


vivem um grande dilema no sentido de precisar qual deve ser o
limite nas buscas humanas para desvendar o universo da gené-
tica, deixando em alerta os pensadores das ciências humanas e,
também, alguns intelectuais das ciências jurídicas.

Não há como negarmos que a engenharia genética tem apre-


sentado grandes resultados que apontam para a solução de
sérios problemas no campo da saúde humana. Há uma grande
euforia por parte dos cientistas que defendem, de forma ir-
restrita, a manipulação da genética; cumpre a nós o papel de
inquiridores.

Quem serão os grandes beneficiados com essas pesquisas?


OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

Elas representarão, de forma efetiva, um momento de inclusão


das pessoas carentes na área da saúde? Em que proporção e de
que modo a clonagem representa ou não a violação da moral e
da ética? Devemos impor limites a quem tem se dedicado a es-
sas pesquisas? Ao condenar as ações dos cientistas que atuam
na área, não estaríamos reprimindo o processo de evolução da
ciência?

Observe que a reflexão ética parte de uma visão mais ampla


sobre a questão; não podemos apenas analisar o tema na ótica
da ciência ou da moral religiosa, precisamos analisar se as deci-
sões podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.
Ética e Sociedade 97

SEÇÃO 2 Ética e Meio Ambiente

Concepções de homem e de natureza na história

A relação que o homem vem estabelecendo com a natureza ao longo do desenvol-


vimento humano não é imutável. Pelo contrário, de acordo com o desenvolvimento
social, o homem e a natureza vão assumindo concepções diferentes em períodos
históricos distintos. A seguir, veremos a relação do homem com a natureza ao longo
da história humana.

A noção de natureza surge na sociedade grega, quando os


indivíduos generalizam seus fenômenos físicos e universalizam
tanto o homem quanto a natureza, fazendo com que o homem
adquirisse a consciência da necessidade da natureza. Para que
essa noção se tornasse viável, era preciso que o homem tomas-
se noção de seu papel especial na natureza. Assim, o homem
descobre que integra o meio natural, mas o integra de forma
diferente dos outros seres (ROLLA, 2010). Quanto a essa dife-
rença, Antunes (2002, p. 9) escreve: “O homem é o único dos
seres vivos dotado de capacidade de alterar conscientemente
o status quo do mundo natural.” Assim, o homem passa a agir
na natureza e transformá-la de acordo com suas necessidades;
dessa forma, o homem não é mais refém do destino.

O conceito de natureza surge quando o homem consegue se


diferenciar dela (ANTUNES 2002); reconhecendo-se como
diferente, reconhece o outro como diferente e reconhece a
natureza ao pensar a sociedade.
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL
A natureza deixa de ser apenas um conjunto de leis, elementos
físicos, flora e fauna e passa a ser vista como “[...] análise das
leis que universalmente podiam ser extraídas da observação do
mundo natural e a aplicação ao mundo político, à pólis.” (ANTU-
NES, 2002, p. 26).

Com Platão e Aristóteles, o homem ganha destaque sobre a


natureza, construindo-se a ideia de que o homem é superior à
natureza. Para Aristóteles (384 – 322 a.C.), “[...] o homem está
no vértice de uma pirâmide natural, em que os minerais (na
base) servem aos vegetais, os vegetais servem aos animais que,
98 Ética e Sociedade

por sua vez, e em conjunto com os demais seres, servem ao homem.” (MILARÉ;
COIMBRA, 2004, p. 11).

A Idade Média é o período conhecido por idade das trevas (mil anos de escuridão),
em que a luz (razão) estava impedida pela autoridade religiosa de ser cultivada.
Esse período se estende do século V ao XV. A Igreja exercia grande poder e domínio
sobre a organização social, ela utilizava as filosofias de Platão e Aristóteles (filóso-
fos gregos) para convertê-la ao cristianismo e como forma de manter seu domínio
sobre a sociedade por meio da submissão da razão para o fortalecimento da fé. De
acordo com Costa (2003, p. 7), “A Igreja Católica usava a razão (inicialmente pelos
ensinamentos de Platão, depois com os conhecimentos de Aristóteles) como forma
de manter seu poder e divulgar a fé.”

Assim, a religião passou a ser utilizada pelo autoclero para


condicionar o comportamento humano e a sociedade, explican-
do tanto os fenômenos sociais quanto os naturais. Em razão do
poder vigente, o saber passa a ser segregado, aos mais pobres,
somente o saber religioso, desprovido de dúvidas e questiona-
mentos, e aos mais abastados, um conhecimento mais elaborado
de teologia, filosofia cristã, astronomia e geometria, porém, esse
saber estava restrito aos muros dos mosteiros.

No período clássico da Idade Média, a concepção de homem e


de natureza era divina, o homem e a natureza eram criações de
Deus. Predominava a ideia de que o homem era parte da nature-
za, nem superior e nem inferior a ela, estando sujeito às intem-
péries dela. Quando o homem sofria com as ações da natureza,
entendia-se como castigo de Deus ao comportamento pecador
do homem na Terra.

A natureza era utilizada como meio para produzir a existência


OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

humana, ocorrendo uma embrionária transformação do am-


biente natural em prol das necessidades de sobrevivência do
homem. A força utilizada para a realização das atividades de
subsistência era a humana e a força animal.

O século XV marca o início do Renascimento, que se estende


até o século XVI, movimento que marcou o início de um novo
estágio do desenvolvimento histórico da humanidade. Seus con-
temporâneos acreditavam que a antiguidade clássica havia sido
a época mais próspera da humanidade. Portanto, como o pró-
prio nome diz, o Renascimento significa renascer. Renascer o sa-
ber antigo, a arte, de um momento em que se cultivavam ideias e
concepções que para os renascentistas eram os modelos ideais a
Ética e Sociedade 99

serem seguidos. Portanto, esse período rompe com o saber religioso e provoca uma
ruptura na concepção de um modelo de mundo Teocêntrico para Antropocêntrico,
que vai predominar na modernidade.

A ênfase não é mais sobre Deus, mas sobre o homem. Inicia-se o declive do poder
divino sobre o homem e a natureza e prospera o poder do homem sobre estes.
Com o Renascimento, inicia-se a ideia de que o homem é o senhor absoluto do
universo, estando em suas mãos a possibilidade de investigar as leis que organizam
o mundo, desvinculados do saber religioso. Tira-se Deus do centro e coloca-se o
homem.

Porém, o homem renascentista não se torna descrente de Deus, apenas muda sua
forma de pensar sobre o mundo e a natureza. A partir desse momento, o homem
adquire maior confiança na sua própria capacidade, que passa a
ser vista como ilimitada, vindo a criar novas formas de compre-
ensão sobre si e a natureza. Esse processo todo marca o Movi-
mento Racionalista, que enfatiza a razão para a produção do
conhecimento (RECCO; CATARIN; BANDOUK, 2000).

Com o Renascimento ocorre a ruptura da concepção de mundo


vigente na Idade Média e provida pelo modelo geocêntrico de
mundo que perdurava desde a antiguidade clássica por Ptolo-
Modelo astro- meu e pela Bíblia Sagrada. Nesse modelo, o mundo era conside-
nômico que rado um todo ordenado e perfeito, sem dinâmica, e regido pela
presumia que
a Terra era ação divina. Essa totalidade fechada e sem vontade própria era
o centro do
universo e to- considerada por Albuquerque Junior (2005) “[...] uma criatura
dos os demais
planetas giram divina, e todo o seu movimento era comandado por seres exter-
em torno dela.
Modelo este nos – os anjos ou os enviados do criador.”
descoberto
pelo grego Assim, ao romper com o modelo anterior, o homem
Ptolomeu.

[...] passou a perceber que a Terra não é um local OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL
de passagem e sim o único mundo real existente.
Assim, além de encarar esse mundo como um lo-
cal prazeroso, houve também a necessidade de
conhecê-lo, através da natureza e dos fenômenos
naturais. Tal necessidade não tinha como objetivo
apenas saciar a curiosidade humana, ultrapassava
essa barreira e chegava ao âmbito instintivo da pre-
servação. Começava, então, a perceber a necessida-
de de compreender o mundo que o cercava e aon-
de estava inserido, para poder se preservar como
espécie e como indivíduo dentro dele. (GODINHO,
2012, p. 5).

O século XVII marcou o início das ciências modernas, responsá-


vel por profundas e importantes transformações que ocorrerão
na investigação e produção do conhecimento sobre a natureza,
100 Ética e Sociedade

o que marca uma ruptura entre o saber anterior com o saber produzido a partir
das ciências modernas. Três traços fundamentais são percebidos nesse momento,
o primeiro é a substituição do modelo geocêntrico pelo heliocêntrico. Outro traço
é que a experiência passou a ocupar papel fundamental na investigação das leis da
natureza, e, por último, a matematização do espaço, em que é possível ter certeza Modelo astro-
e rigor no processo de investigação científica. A partir desse momento, em razão nômico que
presumia que
da descoberta das ciências física, química e biológica, uma nova ideia sobre o ho- o Sol era o cen-
tro do universo
mem e a natureza é produzida. O homem dotado de razão tem poder de dominar e de que todos
os planetas
a natureza. Dessa forma, a natureza passa a ser vista como produto submetido aos giravam em
interesses humanos, ou seja, o homem acredita que tem poder sobre a natureza, torno dele. O
responsável
podendo dominá-la e transformá-la. Assim, vai se desenvolvendo a ideia de que o pelo heliocên-
trismo é Nico-
homem não é parte integrante da natureza e nem está em um lau Copérnico.
mesmo nível que a natureza, pelo contrário, o homem é superior
a ela. Esse pensamento ficou vigente desde esse momento até
metade do século XX, quando um novo conhecimento sobre a
natureza é produzido.

O século XVIII é conhecido como o século das luzes, movimento


do período Moderno, século em que o Movimento Iluminista
alcançou seu auge. Esse movimento consagrou a razão humana
como sendo o instrumento que libertaria o homem das trevas e
prisões, ou seja, “[...] durante este século, segundo se acreditava
na época, a razão teria atingido um tal estágio de desenvolvi-
mento que tornava possível reduzir ou até mesmo eliminar de
vez toda a ignorância humana.” (NASCIMENTO; NASCIMENTO,
2002, p. 5). Portanto, a razão significava luz, e as trevas, ignorân-
cia. O Iluminismo considerou o período anterior de período das
trevas, dizendo que foram mil anos de escuridão. Entende-se,
então, que o Iluminismo quis dizer que durante a Idade Média
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

não perdurou liberdade, e a razão estava submetida à autori-


dade divina. Porém, se a nova era Moderna se desenvolvia pelo
uso da razão, esta teve seu germe na Idade das Trevas; assim,
é um pouco contraditório que o Iluminismo enfatize que foram
mil anos de escuridão.

A ênfase na razão humana proporcionou ao homem acreditar


que havia alcançado a liberdade plena, já que na Antiguidade
Clássica o homem estava preso ao poder dos mitos e na Idade
Média preso ao poder da religião. Dessa forma, na Idade Moder-
na o homem estaria livre e conduziria seu destino por meio de
sua vontade. O lema do Iluminismo era tornar o homem senhor
de si mesmo (HORKHEIMER (1991).
Ética e Sociedade 101

Na Idade Moderna, e de acordo com os filósofos iluministas, o homem está livre


para conduzir sua vida, conforme sua vontade e necessidade. Dessa forma, enfati-
za-se o desenvolvimento de um novo tipo de conhecimento, o científico, sendo por
meio dele que a humanidade encontraria respostas exatas sobre os fenômenos que
lhe intrigavam. Nesse período inicia-se a crença de que o homem domina a nature-
za, de que os recursos naturais são ilimitados.

Predominou a ideia de que o homem não é parte da natureza,


mas está fora dela, podendo subjugá-la ao seu mando. Por
isso a ideia de que o homem domina a natureza. Não se tinha
noção de que a ação humana sobre a natureza causaria danos
irreversíveis a ela.

Para Horkheimer (1980), a superioridade do homem reside no


saber científico convertido em algo prático, e é neste que se en-
contra o jugo do homem sobre o próprio homem e deste sobre a
natureza. Ainda para o autor, “Hoje, não passa de simples opi-
nião a nossa, a de que dominamos a natureza; estamos subme-
tidos a seu jugo. Porém, se nos deixássemos guiar por ela na
invenção, nós a teríamos, na práxis, a nosso mando.” (HORKHEI-
MER, 1980, p. 89).

Do conhecimento científico se origina a tecnologia utilizada no


processo produtivo e para acúmulo de capital. Desse processo,
o homem atua sobre os recursos naturais de forma desenfrea-
da, gerando, assim, a exploração destes a tal ponto de colocar
em risco a si e aos próprios recursos, comprometendo o equilí-
brio do universo.

A técnica que se origina do saber científico proporciona a misti-


ficação da verdade sobre a natureza das coisas e sobre a própria

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


realidade. No processo do desenvolvimento da humanidade,
esta é mais uma das formas de subjugar o homem e sua con-
dição humana, determinada por aqueles que desenvolveram a
técnica e a converteram em técnica racionalizada com a inten-
ção de reificar o homem e dominar a natureza. Poder e saber,
como diz Horkheimer (1980), são sinônimos, e a técnica é a
essência desse saber, que tem no método a eficácia da explora-
ção do trabalho para o desenvolvimento e progresso do capital e
da própria técnica.

É na técnica que os homens veem a possibilidade de explorar e


dominar a natureza e o próprio homem.
102 Ética e Sociedade

Portanto, o Iluminismo concebe a destruição da razão teocêntrica e origina a razão


racionalizada, instrumentalizada que advém do saber e progresso das ciências, pro-
porcionando, com isso, o desenfeitiçamento do mundo animista e mitológico.

A centralização do homem pelo Iluminismo originou o antropocentrismo, fase que


acredita que somente o homem é um ser moral e dotado de direitos, em que na vida
social prevalece os seus interesses, os quais são demonstrados pela forma como o
homem se relaciona com a sociedade e com a natureza.

A ação moral com relação à natureza considera o interesse do próprio ser


humano, visto que por ter características próprias, razão e o poder de li-
berdade de vontade, exclusivas à espécie humana, sua vontade não pode
ser comparada a uma suposta vontade da natureza, já que somente ele tem
a capacidade de reconhecer valores morais nos comportamentos alheios
e adequar a própria conduta a um determinado tipo de racionalidade.
(ROLLA, 2010, p. 8).

Todos os que não são racionais são vistos pelo homem como
seres sem vontade e sem liberdade, sendo concedido à natureza
um valor instrumental de servir ao homem em suas necessida-
des, à medida que o homem sentir vontade e necessidade de
agir sobre ela e manipulá-la para garantir sua existência.

Daí a crença de que o homem domina a natureza, pois este se


concede o direito de explorá-la e subjugá-la à deriva de seus
interesses.

O poder de exploração é colocado em prática com a criação de


tecnologias de ponta, que realizam o processo de investigação
sobre o funcionamento da natureza e suas potencialidades para
garantir a predominância do modo de produção capitalista;
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

sua vigência ocorre pela produção e consumo de bens, e isso


é possível somente pela exploração desenfreada dos recursos
naturais e sua transformação, garantindo, assim, a acumulação
de capital. Portanto, até meados dos anos 1970 preponderava a
crença de que o homem era senhor da natureza, detendo total
domínio sobre ela. A ação humana não era vista como algo que
pudesse colocar em risco o próprio bem-estar da natureza, pois
predominava a ideia de que o homem era parte da natureza e
não parte integrante do Ethos natural.
Ética e Sociedade 103

Crise ambiental

A crença no progresso econômico e científico, o individualismo, a noção antropo-


cêntrica de mundo e a noção de natureza instrumental resultaram em graves efei-
tos à sociedade como um todo, também sentida na própria natureza, como: escas-
sez dos recursos naturais, aquecimento global, extinção de espécies da fauna e flora
e desequilíbrio das estações climáticas.

[...] as interações do homem moderno com seu meio, munido pelo manan-
cial da ciência e da técnica, foram de tal forma incríveis que acabaram ge-
rando um potencial destrutivo de risco em larga escala em relação ao meio
ambiente natural. (MARQUES, 2004, p. 175).

Essa crise é o resultado da visão antropocêntrica que predo-


minou no Ocidente e que concedeu ao homem o papel de do-
minador da natureza, podendo utilizar seus recursos de forma
ilimitada, pois esse paradigma, conhecido como Desenvolvimen-
tista, de base racionalista, coloca o homem acima da natureza e
à parte dela. “Enquanto o humanismo supervalorizou a posição
do homem no universo, o mecanicismo coisificou e instrumenta-
lizou a natureza não-humana.” (SOFFIATI NETO, 2005, p. 204). O
modelo mecanicista nos coloca uma visão fragmentada sobre a
realidade e a natureza, no qual as partes não estabelecem rela-
ção com o todo, ou seja, a ação humana sobre a natureza não im-
plica reação. Isso fez com que originasse a ideia de que o homem
poderia intervir sobre a natureza e a sociedade sem que estas
se manifestassem. De acordo com essa concepção, é conferida
à natureza a condição de objeto sendo natureza reificada pelo

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


homem. Daqui derivam as formas de dominação, como a crença
de que o homem domina a natureza. Assim, a crise ambiental
também pode ser entendida como uma crise de valores.

A crise ambiental impõe à sociedade uma nova forma de rela-


cionamento entre homem e natureza, uma nova postura ética
da sociedade sobre a sociedade. Essa nova postura ética implica
uma mudança de concepção de natureza e de homem, visto que
o homem passa a fazer parte do Ethos natural, com lugar garan-
tido nele, desde que o respeite, no sentido de que há elementos
naturais que não foram criados para serem utilizados para inte-
resses imediatistas do homem, que possuem outras finalidades
que escapam a nossa compreensão e sensibilidade.
104 Ética e Sociedade

Ética e meio ambiente

Uma postura ética da sociedade implica uma nova concepção


de natureza e de homem. O homem nesse novo paradigma
passa a ser entendido como um ser que não mais está acima de
outros seres ou em uma posição apartada deles. Pelo contrário,
faz parte de um emaranhado de sistemas que estabelecem
relações de interdependência.

A natureza passa a ser entendida como o meio ambiente Ethos, onde existe uma di-
versidade de sistemas ou ecossistemas que interagem interdependente entre si. Os
ecossistemas são conhecidos por animal, vegetal, mineral, microrganismos e, nessa
concepção, podemos incluir ecossistema humano.
Entende-se por ecossistema:

O ecossistema é constituído pelo biótipo, que é o


meio geofísico, e pela biocenose, que são as inte-
rações entre todos os seres vivos que ocupam o
espaço chamado biótopo. Constituem assim uma
unidade complexa com caráter organizador, ou
simplesmente um sistema. [...] um agrupamento
de seres vivos que correspondem, por sua com-
posição, quantidade de espécies e de indivíduos,
a determinadas condições médias encontradas no
meio, grupamento de seres ligados em função de
dependência recíproca e que se mantêm, reprodu-
zindo em certo lugar, permanentemente. (ANTU-
NES, 2002, p. 15, grifo do autor).

Essa visão de meio ambiente está amparada no paradigma


Sistêmico Funcionalista, que entende que o universo é um todo
organizado em partes e que cada parte cumpre uma função vital
para a existência do todo, em que todas as partes necessitam
uma das outras e interagem entre si por laços de interdepen-
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

dência. Nessa concepção científica, a espécie humana é apenas


uma das partes do sistema, tendo que se integrar a ele para
sobreviver, já que esta não produz nada que contribua com o
desenvolvimento saudável do todo – universo.

Por essa lógica, o ambiente se constitui e os diversos sujeitos in-


teragem nele. Nesse ambiente, o homem “[...] encontra o outro e
com ele se relaciona, interage e interdepende. Encontra o outro
no ambiente e encontra o ambiente.” (ROLLA, 2010, p. 16).

O outro são todos os elementos orgânicos, ou não, com quem o


homem necessita se relacionar no ambiente. Nesse sentido, o
homem não está em posição superior aos demais organismos,
Ética e Sociedade 105

sua existência depende da existência do outro. Assim, as relações que o homem


estabelece com o meio ambiente é de complementariedade, as quais

[...] unem todas as espécies num único sistema de sustentabilidade do mun-


do, onde a reponsabilidade de todos e de cada um está na satisfação de ne-
cessidades atuais sem fraudar as perspectivas das gerações futuras, pois
é nela que reside a compreensão da nossa geração, e é desde ela que nos
atormenta a angústia da incompletude em preservá-las. (BOFF, 1999, p. 89).

O não respeito ao outro é entendido aqui como uma ação que vem a comprometer
sua existência. Para tanto, há a emergência de uma sociedade mais humana, para a
qual, há a necessidade de uma consciência ecológica voltada à sustentabilidade.

A prática da sustentabilidade faz emergir uma nova ideia de


natureza, fazendo emergir uma nova ética, a ética ao meio
ambiente.

A ética ao meio ambiente implica ao homem agir com responsa-


bilidade e consciência de conservação para com a natureza, para
garantir equilíbrio entre as partes que a compõem. Assim, é atribu-
ída à natureza uma importância moral, pois o homem, precisando
dela, necessita de um comportamento moral em seu benefício,
pois é ele quem tem interesse em uma natureza equilibrada e, para
tanto, sucumbe ações éticas, voltadas à prática da sustentabilidade
para manter o equilíbrio entre natureza e homem.

Falar de ética ao meio ambiente é assumir um novo comporta-


mento em relação a ele,

[...] tal ética somente poderá surgir a partir da su-


peração da visão de mundo que venha reduzir to- OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL
dos os seres à condição de objetos cujo reside no
lucro que podem produzir. Essa ética [...] implica
em uma mudança radical em nossa maneira de
compreender nossa identidade enquanto huma-
nos e nosso lugar no Cosmos, o nosso lugar entre
outros seres. (UNGER, 2004, p. 36, grifo do autor).

Uma nova forma de pensar o homem na natureza, uma nova


forma de conceber homem e natureza se faz emergente para
superar a crise ambiental.
106 Ética e Sociedade

E isso somente é possível com uma mudança de paradigmas, que implica uma nova
concepção de homem e de natureza a nível mundial, pois o paradigma antropocên-
trico fundou uma guerra entre homem e natureza, com a necessidade da destruição
de um destes, a pergunta que se faz é: Dessa guerra quem será dizimado, homem
ou natureza?

A função da ética do meio ambiente reside na consciência do ser humano em


saber que proteger a natureza é se proteger.

Para que o homem seja superior ao restante da natureza é necessário que o homem
assuma um comportamento de proteção para com a natureza e todos os que nela
residem, inclusive o próprio homem Rolla (2010). É preciso que o homem desen-
volva práticas de gestão da natureza, de transformação desta, de
forma que haja sempre a preocupação com as gerações que es-
tão por vir, que necessitam dos recursos naturais para a sobrevi-
vência, assim, ele estará cuidando e protegendo tanto a natureza
quanto a si próprio.

SEÇÃO 3 Ética e Direitos Humanos

Discutir e escrever sobre a relação entre ética e direitos huma-


nos não é tarefa fácil. Uma das questões reside na dificuldade de
precisar pontos comuns entre ética e direitos humanos. A res-
posta a essa questão somente será possível com um olhar mais
apurado que permite perceber pontos comuns que nos ajudam
a entender a relação entre os direitos humanos e a ética. Como
ponto comum, destacamos a universalidade e a historicidade.

Tanto a ética quanto os direitos humanos primam pelo


OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

reconhecimento universal de suas determinações inde-


pendentemente das questões sociais, políticas, étnicas,
culturais ou de soberania dos Estados.

A ética prima pelo reconhecimento do outro como fundamento


intersubjetivo para a construção de valores que sejam univer-
salmente válidos para todos os indivíduos e que levem ao bem
comum. Os direitos humanos primam pela universalidade de
certos direitos que devem ser assegurados internacionalmente
independentemente da soberania dos Estados. Em outras pa-
lavras, o esforço dos direitos humanos é a garantia de certos
direitos inalienáveis que devem ser respeitados por todos os
seres humanos.
Ética e Sociedade 107

O segundo ponto comum reside no reconhecimento da historicidade da ética e dos


diretos humanos. Ambos possuem seu tempo e seu espaço em que os sentidos e
significados são construídos e reconstruídos pelas relações humanas, operando
uma dialética constante de reconhecimento de novas demandas e novos desafios
que precisam ser enfrentados. Como exemplo, a questão ética do progresso biotec-
nológico ou o reconhecimento dos direitos das mulheres. O caráter de historicidade
deixa claro que tanto a ética quanto os direitos humanos estão em constante evolu-
ção. Como define Bobbio (2004, p. 18):

Os direitos humanos constituem uma classe variá-


vel, como a história dos últimos séculos demonstra
suficientemente. O elenco dos direitos humanos se
modificou, e continua a se modificar, com a mu-
dança das condições históricas, ou seja, dos careci-
mentos e dos interesses, das classes no poder, dos
meios disponíveis, para a realização dos mesmos,
das transformações técnicas, etc.

Nessa citação de Bobbio, podemos perceber a historicidade dos


direitos humanos e de como se transformam ao longo do per-
curso histórico. Por esse fato, os direitos humanos, bem como a
ética, fundam-se em um processo constante de crítica e reflexão,
capaz de atender às novas necessidades nascidas das condições
sócio- históricas.

Nem a ética nem os direitos humanos surgem de uma única vez.


Nascem no momento que a dignidade do outro está ameaçada.

Por isso, segundo Bobbio (2004, p. 35), “[...] os direitos hu-


manos não nascem todos de uma vez, eles são históricos e se
formulam quando e como as circunstâncias sócio-histórico-polí- OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

ticas são propícias ou se referem à inexorabilidade do reconhe-


cimento de novos conteúdos, podendo-se falar em gerações de
diretos [...]” É importante perceber que todas as conquistas dos
direitos humanos são o resultado do processo histórico, nasci-
das de mobilizações e lutas desencadeadas pelos cidadãos, visto
que, na base dos direitos humanos estão as lutas por igualdade,
liberdade e justiça, que abrem a possibilidade de reconheci-
mento formal e jurídico de certos direitos. Contudo, mais que
apenas o reconhecimento de fato, a garantia de certos direitos
universais possibilitou a reivindicação contra atitudes de des-
respeito ou violação do conjunto de direitos humanos.
108 Ética e Sociedade

Feitas as devidas colocações das semelhanças entre ética e direitos humanos, agora
nos lançamos na difícil tarefa de conceituar e situar os direitos humanos em uma
análise crítica de sua efetivação. Podemos definir os direitos que pertencem ou de-
veriam pertencer a todos os seres humanos e dos quais nenhum indivíduo pode ser
despojado. Para começar, é bom lembrar que em 10 de dezembro de 2008 a Decla-
ração dos Direitos Humanos completou 60 anos. Mas, embora passado seis décadas
e mais de 30 artigos publicados, os direitos humanos ainda parecem um ideal utó-
pico a ser alcançado. Basta uma breve observação do cotidiano para verificarmos
que os direitos humanos são negados, desrespeitados por grande parte da popula-
ção, a começar pelo primeiro artigo da Declaração: “Todas as pessoas nascem livres
e iguais em dignidade e direito”, no entanto, a todo instante vemos o desrespeito e
a violação de tais direitos.

No Brasil, a exclusão social simbolizada na miséria e na de-


sigualdade social impossibilita que uma grande parcela da
população acesse certos direitos, como educação e saúde
de qualidade.

Essa é apenas uma questão que exemplifica a dificuldade do


exercício dos direitos humanos na práxis social. Dessa forma,
constamos que ainda temos um grande caminho de lutas e
conquistas para atingir a igualdade e a liberdade como direitos
no Brasil.

Além de os direitos humanos sofrerem com a sua aplicação


prática, ainda convivem com a desconfiança da população que,
por um lado, veem-nos levianamente como proteção de bandi-
do ou do crime e, por outro lado, veem-nos com uma invenção
da democracia ocidental para expandir ideais liberais e econô-
micos para os demais países de forma arbitrária e controlado-
ra, acabando por reprimir a diversidade cultural.
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

Concentrar a discussão dos direitos humanos sobre esses as-


pectos é empobrecê-la e negligenciar o esforço da humanidade
para traçar princípios universais de respeito ao ser humano.
Não é possível negar as conquistas que a humanidade conse-
guiu nestes últimos 60 anos e, especialmente, no Brasil, nas
últimas três décadas. Os direitos humanos iluminam a maneira
que pretendemos conduzir a humanidade sobre a égide da
liberdade, da igualdade e da dignidade. Segundo Kant (2003),
filósofo que expressou de forma mais clara a defesa da digni-
dade humana como princípio para pensar a formalidade das
constituições:
Ética e Sociedade 109

Todo o ser humano tem um direito legítimo ao respeito de seus semelhantes


e está, por sua vez, obrigado a respeitar todos os demais. A humanidade ela
mesma é uma dignidade, pois o ser humano não pode ser usado meramente
como um meio por qualquer ser humano (que por outro, quer, inclusive, por
si mesmo), mas deve sempre ser usado ao mesmo tempo como um fim. [...]
Mas exatamente porque ele não poder ceder a si mesmo por preço algum (o
que estaria em conflito com seu dever de autoestima), tampouco pode agir
em oposição à igualmente necessária autoestima de outros, como seres hu-
manos, isto é, ele se encontra na obrigação de reconhecer, de um modo prá-
tico, a dignidade da humanidade em todo o outro ser. [...] Contudo, não posso
negar todo o respeito sequer a um homem corrupto como um ser humano,
não posso suprimir ao menos o respeito que lhe cabe em sua qualidade como
ser humano, ainda que através de seus atos se torne indigno desse respeito.
(KANT, 2003, p. 306-307).

Esses ideais de dignidade podem ser vistos na Revolução Fran-


cesa e na Independência dos Estados Unidos. Em ambas, o
esforço foi de assegurar certos direitos inalienáveis, com base na
liberdade, na dignidade e na igualdade. A igualdade, na liberda-
de e na dignidade, é a base da Declaração Universal dos Direitos
Humanos elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU)
em 1948.

Como descreve Bobbio (2004, p. 484):

A Declaração Universal dos Direitos do Homem co-


meça com as seguintes palavras: “Todos os Homens
nascem livres e iguais em dignidade e direito”. Es-
sas palavras não são novas. Podemos lê-las muitas
outras vezes. Basta recordar o artigo primeiro da
declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, que começa assim: “Os homens nascem livres
e permanecem livres e iguais nos direitos”, onde as

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


diferenças são insignificantes. E retornando um
pouco mais no tempo, encontramo-nos diante da
declaração de independência dos estados america-
nos de 1776, que se expressa desse modo: “Consi-
deramos incontestáveis e evidentes em si mesmas
as seguintes verdades: que todos os homens foram
criados iguais, que eles foram dotados pelo criador
de certos direitos inalienáveis, que entre esses di-
reitos estão, em primeiro lugar, a vida, a liberdade e
a busca pela felicidade.

Embora a discussão sobre os direitos humanos seja histórica, é


com a Declaração de 1948 que ela ganha legitimidade universal.
Essa importância aos direitos humanos está ligada ao horror da
Segunda Guerra Mundial, por isso, a declaração universal pre-
tendia fundamentar certos direitos que assegurassem a paz e
110 Ética e Sociedade

afastassem a violência e as atrocidades desumanas cometidas durante o período da


Segunda Guerra. De acordo com essa concepção universalista, os direitos humanos
estão acima de qualquer poder existente, seja do Estado ou dos governos. A decla-
ração teve por base os direitos vinculados à vida, à liberdade e ao reconhecimento
das diferenças para combater as ações discriminatórias.

Pela Declaração Universal de 1948 podemos perceber a liberdade e a igualdade como


direitos inalienáveis. Muitos autores, com diferentes interpretações, buscaram de-
fender esses dois direitos ao longo da história. Locke e os jusnaturalistas foram os
primeiros a desenhar a legalidade dos direitos humanos sobre a forma da lei:
Jusnatura-
lismo. Do
O seu progenitor mais autorizado foi John Locke, o qual, no segundo capí- latim Jus, Juris,
“Direito”, de
tulo do Segundo tratado sobre o governo civil, introduziu o discurso sobre onde vem o
o estado de natureza, escreveu: “Para bem compreender o poder político e direito natural.
deduzi-lo de sua origem, deve se considerar em qual estado se encontram Significa dizer
naturalmente todos os homens, e esse é um estado de perfeita liberdade de que existem
regular as próprias ações e de dispor das próprias posses e da própria pes- certos direi-
tos que são
soa, como se acredita seja o melhor, dentro dos limites da lei da natureza, inalienáveis e
sem a permissão ou depender da vontade de nenhum outro. Também é um intransferíveis.
estado de igualdade, no qual cada poder e cada jurisdição são recíprocos São direitos
(...), já que não há nada mais evidente do que isto, que criatura da mesma es- naturais, já
pécie e do mesmo grau, nascidas sem distinção, com as mesmas vantagens nascem com
os indivíduos
da natureza e com o uso das mesmas faculdades, devem ser também iguais e não podem
entre si, em subordinação e submissão. (BOBBIO, 2004, p. 485). ser retirados
ou violados.
Os direitos
naturais são a
igualdade e a
Fica claro que não há nada de novo nas colocações da Decla- liberdade.

ração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a construção


dos filósofos jusnaturalistas. Para Locke e os jusnaturalistas, a
afirmação dos direitos naturais era apenas uma teoria ideal que
poderia se tornar real quando uma constituição lhe acolhesse
e transformasse em uma série de prescrições jurídicas. A novi-
dade reside no aspecto legal e formal. Quando esses direitos de
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

igualdade e liberdade são assumidos pela Declaração Univer-


sal dos Direitos Humanos, deixam de ser ideais e passam a ser
prescrições jurídicas reconhecidas e protegidas contra eventu-
ais violações por parte de indivíduos, do poder econômico ou do
poder político. Isso tem uma importância ímpar para a história
da humanidade. O reconhecimento dos direitos humanos em es-
cala universal nos garante duas conquistas: que existem direitos
humanos protegidos fora do âmbito do Estado e que o reco-
nhecimento dos direitos humanos se torna um mecanismo de
proteção do cidadão contra as violações cometidas pelo próprio
Ética e Sociedade 111

Estado, isto é, funciona como uma proteção do cidadão quando o Estado falha em
suas obrigações.
Os Direitos humanos são valores universais e inegociáveis, que visam o
respeito mútuo em detrimento dos privilégios restritos a determinados
grupos, por isso não devem ser pensados como benefícios particulares ou
privilégios de grupos elitizados. (SILVA, 2013, p. 179).

É verdade que o simples reconhecimento legal de um direito


não o faz que seja necessariamente colocado em prática,
porém, abre espaço para a sua reivindicação.

A busca pelo reconhecimento dos diretos humanos ocorre pelo


viés da política, ou seja, todo o cidadão pode requerer o respeito
de seus direitos todas as vezes que estes forem negados ou mes-
mo violados. A injustiça e a desigualdade passam a ser intolerá-
veis pelos direitos humanos.

As três dimensões dos direitos humanos

O universalismo dos direitos humanos foi uma longa e lenta


história de conquistas da humanidade. Por isso, podemos con-
siderar três grandes fases da conquista dos direitos humanos.
A primeira fase deve ser buscada nas obras dos filósofos jusna-
turalistas que defendem a liberdade e a igualdade como direi-
tos naturais inalienáveis pertencentes a todos os homens. São
chamados direitos naturais. Os direitos de primeira geração,
também conhecidos como direitos civis, dizem respeito à liber-

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


Referimos-nos
dade religiosa e de pensamento, ao direito de ir e vir, ao direito
aos direitos à propriedade, à liberdade contratual, à escolha de trabalho e
naturais as
garantias que à justiça como fonte de salvaguardar todos os demais direitos.
são nascidas
com o indiví- Esses direitos se originam da Declaração de Virgínia (1776) e
duo e que não
dependem de da Revolução Francesa (1789). Segundo Bobbio (2004, p. 29),
uma lei escrita. “A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato,
Trata-se de di-
reitos univer- mas um ideal a perseguir; não é uma exigência, mas um valor.”
sais e válidos
para todos os No pensamento do autor, fica claro que os direitos de primeira
humanos. Por
isso, são ad- geração são idealizados a partir de teorias filosóficas, mas que
mitidas como
anteriores à passam a ser perseguidos pelas novas constituições. A garantia
ética e ao direi- desses direitos estava ligada à propriedade da terra.
to positivo. O
direito positivo
é uma cria- Os direitos de segunda geração se caracterizam pela sua natu-
ção humana
e constituído reza política, por isso, são chamados de direitos políticos. Esses
pelo costume
moral ou pela
norma escrita.
112 Ética e Sociedade

direitos são todos aqueles relacionados à formação dos Estados Democráticos.


Nesse momento o Estado passa a garantir e a proteger em seu interior os direitos
do cidadão.

Os direitos são doravante protegidos (ou seja, são autênticos direitos posi-
tivos), mas valem somente no âmbito do Estado que os reconhece. Embora
se mantenha, nas fórmulas solenes, a distinção entre os direitos do homem
e direitos de cidadão, não são mais direitos do homem e sim apenas do cida-
dão, ou, pelo menos, são direitos do homem somente enquanto são direitos
do cidadão deste ou daquele Estado particular. (BOBBIO, 2004, p. 29).

O autor nos fornece duas contribuições importantes para entender os direitos hu-
manos: a formalização dos direitos humanos por meio da lei e, consequentemente,
a proteção desses direitos pelo Estado e a passagem do conceito
de homem para cidadão. Os direitos de segunda geração, ao con-
siderarem o conceito de cidadão, afirmam que todos os indivídu-
os pertencentes a um Estado são portadores de direitos. Vejamos
que ao afirmar os direitos de segunda geração não significa o
abandono dos diretos civis, ao contrário, significa uma evolução
e garantias de novos direitos. Segundo Bobbio (2004), a segunda
geração de direitos humanos ocorreu com a passagem do reco-
nhecimento dos direitos apenas civis para o reconhecimento dos
direitos políticos, até a concessão do sufrágio universal masculi-
no e feminino, a passagem que representou a transformação do
Estado Liberal em Estado democrático.

Por isso, podemos considerar os direitos políticos como: a pos-


sibilidade dos cidadãos escolherem seus governantes, a liber-
dade de candidatar-se a cargo público, e o direito de participar
no poder, de organizar-se por meio de sindicatos, associações,
partidos políticos e de protestar. A conquista dos direitos polí-
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

ticos está ligada às lutas sociais e movimentos populares desen-


volvidos entre o final do século XIX e início do século XX. Como
exemplo, destacamos o movimento feminista na conquista do
direito de voto das mulheres.

A terceira geração caracteriza-se pelos direitos sociais. Essa é


uma discussão que se inicia no século no XX e que não chegou a
seu final, permanecendo em aberto as definições e debates sobre
os direitos sociais que devem ser assegurados universalmente.
Um componente inovador é o caráter de universalidade, isto é,
os direitos deixam de serem legais apenas no interior dos Esta-
dos e passam a valer internacionalmente. A discussão dos dire-
Ética e Sociedade 113

tos sociais foi motivada pelas atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Logo após o
conflito que vitimou milhares de pessoas, especialmente judeus, de forma bárbara,
os Estados membros da ONU assinaram a Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos (1948) que se tornou um marco na luta pela efetivação dos direitos humanos.

A partir de 1948, a proteção dos direitos humanos deixou de ser apenas dos Esta-
dos e passou a ser de interesse internacional. A comunidade internacional passou a
observar e acompanhar os Estados, a fim de garantir que eles não violem os diretos
humanos definidos internacionalmente. É sabido que muitos governos autoritários
podem se converter em grandes violadores dos direitos de seus próprios cidadãos.

Nesse âmbito, desenvolve-se um direito internacional que assegura que os desti-


natários dos princípios nele contido não são mais apenas deste ou daquele Estado,
mas todos os seres humanos em todo o Planeta. Todo o Estado
que não garantir os Direitos Humanos, ou violá-los, deverá ser
responsabilizado pelo Direito Internacional. Para Bobbio (2004,
p. 483), “[...] os direitos sociais são mais difíceis de proteger do
que os direitos de liberdade; a proteção internacional é mais
difícil do que a proteção no interior dos próprios Estados.” São
inúmeros os exemplos que evidenciam o antagonismo entre as
idealizações dos direitos humanos e sua efetivação prática, a ele-
gância e a grandeza das discussões e a miséria das realizações,
principalmente dos países periféricos. A negação dos direitos
sociais é visível na negação da educação básica, na negligência
da saúde, nos programas habitacionais, no transporte coletivo,
no sistema prisional, no lazer, no acesso ao sistema jurídico, etc.

Mesmo enfrentando todos os problemas de sua efetivação,


devemos considerar a iniciativa dos direitos humanos como
uma evolução moral da humanidade
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

É visto que evoluímos muito na ciência e na tecnologia, mas


pouco moralmente. Então, os ideais da Declaração Universal
dos Direitos Humanos são uma tentativa de possibilitar um
progresso moral. Sabemos que leis e acordos formais não
alteram costumes ou preconceitos, mas abrem uma importante
porta para as mudanças, mesmo que lentas.
114 Ética e Sociedade

Hoje podemos falar de uma quarta geração de direitos


conhecida como “Direitos Coletivos”. Essa geração de direitos
caracteriza-se pela incorporação de novas realidades, como
pesquisas genéticas, ao meio ambiente, o monopólio bélico
e destruidor dos armamentos, direitos dos idosos, adoles-
centes, crianças, consumidores, mulheres, minorias étnicas,
homossexuais, etc.

Como explica Soares (2004, p. 61):

Referem-se a esses [direitos coletivos] a defesa


ecológica, a paz, ao desenvolvimento, a autodeter-
minação dos povos, a partilha do patrimônio cien-
tífico, cultural e tecnológico. Direitos sem fron-
teiras, ditos de “solidariedade planetária”. Assim
sendo, testes nucleares, devastação florestal, polui-
ção industrial e contaminação de fontes e de água
potável, além do controle exclusivo sobre patentes
de remédios e das ameaças das nações ricas aos
povos que se movimentam em fluxos migratórios
(por motivos políticos e econômicos), por exemplo,
independentemente de onde ocorram, constituem
ameaças aos direitos atuais e das gerações futuras.

É importante notar, a partir das palavras da autora, que os


direitos coletivos consideram uma perspectiva de consciência
solidária expressa na garantia da vida em sua totalidade, in-
clusive pensando nos diretos dos animais. Os direitos coletivos
englobam todas as discussões recentes, em especial, o direito
das próximas gerações. Aqui ficam expressas a dialética e a his-
toricidade dos direitos humanos que estão plenamente abertos
para novas lutas, discussões e problematização, a fim de assegu-
rar uma evolução moral da humanidade e sanar as necessidade
e carências atuais.
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

Por isso, a partir da Declaração Universal dos Direitos humanos


(1948), podemos apontar, segundo Aranha (2014), algumas
inovações expressas nos conceitos de universalização, indivisi-
bilidade e participação.

Os direitos humanos são universalizáveis, não em sentido de


eternidade ou de imutabilidade, mas ao contrário, são entendi-
dos como históricos. Trata-se de uma contribuição humana que
está em constante construção e reconstrução na tentativa de
atender aos desafios que se apresentam à humanidade. Os di-
reitos humanos são universais porque são fruto de um consen-
so entre os países pertencentes à ONU, porém, são válidos por
Ética e Sociedade 115

determinada época. Isso não nega o caráter de abertura para o novo e a conquista
de novos direitos.

Ou seja, os Direitos humanos são universais e, cada vez mais se projetam


no sentido de seu alargamento objetivo e subjetivo, mantendo seu caráter
de temporalidade. São históricos, não definitivos, exigindo a todo o ins-
tante não apenas o reconhecimento de situações novas, como também a
moldagem de novos instrumentos de resguardo e efetivação. (STRECK;
MORAIS, 2010, p. 146).

A segunda novidade é a indivisibilidade dos direitos humanos. Os direitos políti-


cos, civis e sociais não podem ser separados, isto é, a garantia de um é a garantia
de todos os demais direitos. Por serem indivisíveis, os direitos
humanos se fortalecem e se acumulam.

Por fim, a participação garante ao indivíduo a possibilidade de


requerer intervenção internacional quando o Estado não garan-
tir ou violar o conjunto de direitos humanos. Portanto, a obri-
gação de garantir os direitos humanos é do Estado, mas quando
este não conseguir assegurar o respeito aos direitos consagra-
dos, o cidadão poderá recorrer a organismos internacionais para
se defender do próprio Estado que habita.

Cidadania e direitos humanos no Brasil

É importante assinalar que a cidadania está ligada à garantia dos di-


reitos civis, políticos e sociais que asseguram uma vida digna e ple-
na. Um Estado, ao assegurar os diretos humanos, abre espaço para a
efetivação prática da cidadania. Mas notemos que é um caminho de
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL
via dupla, por um lado, o Estado deve garantir os direitos humanos,
mas por outro, a efetivação prática dos direitos humanos somente
é possível a partir de uma luta política, isto é, torna-se fundamental
que os indivíduos lutem e busquem seus direitos.

É preciso que os direitos humanos deixem de ser somente


“formais” presentes nos tratados, nas leis e nos acordos e
passem a ser de fato, exercidos na prática cotidiana.
116 Ética e Sociedade

Na maioria das vezes, a falta de conhecimento sobre os direitos humanos levam o


cidadão a emitir opiniões distorcidas sobre a extensão, funcionalidade e importân-
cia que desempenham para a efetivação de uma sociedade justa. Os que já gozam
dos direitos conquistados talvez desconheçam as dificuldades enfrentadas e as
lutas travadas em longos séculos para a libertação da dominação e da opressão.

Para entender a presença prática dos direitos humanos no cotidiano basta realizar
uma breve reflexão. Percebemos a presença dos direitos humanos na liberdade de
expressar publicamente sua opinião em um blog ou jornal contrário ao governo,
quando uma pessoa ingressa uma ação no judiciário e exige da prefeitura os medi-
camentos necessários ao tratamento de certa doença, quando participa de manifes-
tações políticas, ou quando participa de movimentos sociais. Em todos esses casos
e em muitos outros o indivíduo está usufruindo dos direitos
humanos. Segundo Aranha (2013, p. 235):

Agora podemos emitir nossa opinião política para


apoiar ou divergir. Tivemos o sufrágio universal, à
emancipação feminina, à garantia dos direitos das
minorias (negros, indígenas, homossexuais, porta-
dores de deficiências). A criminalização da tortura
e da violência contra a mulher também tem sido al-
cançada com muito esforço. São exemplos do longo
percurso de construção da justiça social.

Embora nestas últimas décadas tenhamos conquistado muitos


direitos, ainda temos um longo caminho para efetivar a justiça
social. No Brasil, a conquista da cidadania acaba encontrando
no elitismo, no autoritarismo social e na desigualdade social
obstáculos que impedem a efetivação de uma sociedade plena
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

em direitos. Isso é perceptível na distribuição de renda, quando


20% da população mais rica detêm uma renda 32 vezes maior
que os 20% mais pobres.

Outro exemplo é a desigualdade de gênero. Segundo o Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo as mulheres
tendo a mesma formação dos homens e, em muitos casos, mais
anos de estudo, chegando um maior número ao ensino superior,
são discriminadas no trabalho e na política. Na hora de definir os
salários, as diferenças podem chegar a 30% ou 40% (IBGE, 2010).

Uma segunda questão refere-se à discriminação racial no Brasil


provocada por cor de pele ou por etnia. Ainda sofremos com a
Ética e Sociedade 117

exclusão social promovida por questões relacionadas à cor de pele. Embora o IBGE
(2010) tenha constatado que somando os indivíduos que se declaram negros e par-
dos sejam 50% da população, ainda sofrem com as dificuldades para acessar aos
direitos sociais. A situação fica pior quando pensamos nos indígenas que, na maio-
ria das vezes, ficam marginalizados dos processos sociais, não participam assidua-
mente da política e têm dificuldades de acessar o sistema de ensino. Infelizmente, a
educação no Brasil é ainda tratada como privilégio e não como direito.

Uma terceira questão refere-se à fome. A Constituição de 1988, por exemplo, define
“[...] o acesso à alimentação como um direito humano.” São belas as palavras con-
tidas na Constituição, pena que ainda não se fazem valer plenamente na sociedade
brasileira. Estima-se que 14 milhões de brasileiros vivam em situação de insegu-
rança alimentar, isto é, não têm nenhuma garantia de que farão
três refeições diárias em qualidade e quantidade suficientes
(BOMENY, 2013).

Esses três exemplos tratados (gênero, etnia e a fome) expres-


sam não somente as questões do elitismo, do autoritarismo
social e da desigualdade, mas a dificuldade de fazer valer na
prática social os direitos humanos. É claro que nas últimas déca-
das conquistamos muitos direitos, porém, precisamos ter cons-
ciência que o caminho é longo e as lutas são necessárias para a
conquista da cidadania.

Portanto, a universidade torna-se fértil e privilegiada para


discutir questões dessa natureza. Somente quando efetivarmos
um debate aberto sobre os antagonismos presentes na socieda-
de brasileira será possível perceber a importância dos direitos
humanos para a promoção da justiça e da dignidade.

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


Direitos humanos são direitos fundamentais de todas as
pessoas, mulheres, homens, negros, índios, homossexuais,
idosos, portadores de necessidades especiais, estrangeiros,
imigrantes, refugiados, crianças e adolescentes. Todos devem
ser respeitados em sua integridade física, psíquica e social.
118 Ética e Sociedade

SEÇÃO 4 A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil

“O sucesso não é para todos”, “Se fulano é rico, foi por seu próprio mérito”; essas
expressões indicam-nos que a desigualdade de renda e a concentração de riqueza
são vistas como algo natural no Brasil.

Segundo Pochmann (2004 apud FUTEMA, 2004), o Brasil é um dos países mais
desiguais do mundo, o número de ricos no país dobrou de 1980 a 2000. Em 2000,
existia 1.162 milhão de famílias ricas no país, o correspondente a 2,4% da popu-
lação brasileira, 20 anos antes, havia 507 mil famílias ricas, 1,8% da população na

época. Esse 1.162 milhão de famílias ricas é dono de 75% do


PIB do país. Desse total, 5.000 famílias detêm 45% do PIB. Além
disso, a participação dos ricos sobre a renda nacional subiu de
20 para 33% nesse período.

Mesmo com esses dados alarmantes, ainda vigora entre os


brasileiros a ideia de que a riqueza ou a pobreza é um problema
pessoal. Essa ideia não é apenas brasileira, mas essa concepção
não contribui para uma reflexão ética mais aprofundada sobre
a geração de riqueza na sociedade brasileira. Essa superficiali-
dade e a falta de profundidade reflexiva também colabora para
certa tolerância à corrupção e ao famoso “jeitinho brasileiro” –
que, na maioria das vezes, corresponde a uma habilidade para
trapacear e tirar vantagens. Essa realidade toma conta da esfera
pública e privada, passando por caixa dois, desvio de dinheiro,
propina e compra de votos.

Toda essa realidade de desigualdade social, corrupção e analfa-


OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

betismo político acaba esquecida e tolerada sob o argumento de


que vivemos em um país maravilhoso e de que “Deus é brasi-
leiro”. A beleza das mulheres, a riqueza natural, o carnaval e o
futebol parecem desempenhar um papel de viseira ética diante
de uma realidade violenta e injusta.

Rega (2004) afirma que “O jeito, ou o jeitinho brasileiro, é a im-


posição do conveniente sobre o certo”. É a “filosofia” do: “Se dá
certo, é certo”; desde, é claro, que “dar certo” signifique “resol-
ver meu problema”, ainda que não definitivamente. Assim é o
brasileiro: dá jeito em tudo. Sua versatilidade abrange um sem-
-número de situações: é o para-lama do carro amarrado, em vez
de soldar; são os juros embutidos no valor da prestação “fixa”; é
Ética e Sociedade 119

matar a avó pela quinta vez para justificar a ausência a uma prova na escola, mas o
jeitinho é, também, pedir a um médico amigo para atender uma pessoa carente ou
para fazer uma cirurgia pela Previdência; é o revezamento dos vizinhos para socor-
rer uma pessoa doente; é conseguir um emprego para um pai desempregado.

Você viu que o brasileiro foi criando uma cultura própria


para lidar com os seus problemas?

Aí surgem alguns dilemas diante do jeitinho, apresentados por


Rega (2004): o que dizer, então, do jeitinho? Podemos fazer uso
dele para resolver as questões do dia a dia? Será que todo jeito é
desmoralizante, ilegal, burlador, inconveniente? Ou será que ele
também pode ser criativo, solidário, benevolente?

Segundo o autor, a mídia tornou o “jeitinho” algo negativo, mas


ele revela o desejo do ser humano de não se prender às normas,
mas de superá-las, subjugá-las. Suspende-se temporariamente
a lei, cria-se a exceção e depois tudo volta ao normal; primeiro
dá-se um jeitinho na situação, resolvendo o problema, e depois
se vê como fica.

Se o jeitinho busca suspender a lei, a regra oficial, o brasileiro


seria, então, um anarquista, um fora da lei? Para Rega (2004),
“O brasileiro não nega a existência da lei, o que ele nega é a sua
aplicação naquele momento.” Justifica-se: se podemos pagar
menos imposto de renda a um governo que não retribui ade-
quadamente em benefícios sociais para seus contribuintes, por
que não fazê-lo? Por que pagar uma multa de trânsito – altíssi-
ma – se podemos dar um jeito de cancelá-la? OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

Você percebe que a cultura do jeitinho vai se fundamentando na


ideia de que o país não cuida de seu povo? E podemos perceber
que, historicamente, de fato, foi isso que aconteceu. As pessoas
eram um meio de gerar riquezas, tanto para Portugal quanto às
elites nacionais, e sabemos que isso se repete até hoje. Então o
jeitinho busca uma ação que faça protesto a isso.

Mas será que isso não contribui para alimentar a cultura


da corrupção?
120 Ética e Sociedade

De acordo com Rega (2004), a corrupção, tema diariamente discutido na mídia


escrita e falada, está presente naquele jeito de conseguir uma concorrência, ou no
jeito de “ajudar” o fiscal a esquecer determinada lei, ou mesmo no jeito de apres-
sar um processo em uma repartição pública. “O jeito não se contenta apenas em
transgredir a norma. Às vezes, pela própria transgressão da norma, é preciso dar
um jeito para não haver punição. Nesse caso, há a união incestuosa entre o jeito e a
corrupção.” (REGA, 2004).

Claro que não podemos condenar essa cultura do jeitinho, pois nem todo jeito é
negativo. Para o autor, a inventividade e a criatividade são algumas das facetas mais
relevantes do lado positivo do jeito. Inventar e criar são habilidades do brasileiro
na sua capacidade de adaptação a situações inesperadas, como a falta de dinheiro.
O jeitinho busca encontrar uma solução possível para uma situ-
ação que a princípio seria impossível. Rega (2004) cita o caso do
operário que “cobre” o outro em seu turno enquanto aquele par-
ticipa de um curso no supletivo para ganhar o tempo perdido.

Diante disso, voltamos à especificidade da ética que – como par-


te da filosofia – busca sempre fazer uma análise mais global do
assunto. Devemos condenar o jeitinho brasileiro como uma ação
antiética? O desemprego não é uma situação individual, então al-
gumas ações encontradas para superar essa problemática social
precisam ser analisadas de forma global e profunda.

Observe a situação dos vendedores ambulantes; muitos estão


em situação ilegal, deram um jeitinho para sobreviver. O operá-
rio que faz curso supletivo e conta com a ajuda do colega para
isso também faz parte de uma situação que deve ser analisada
dentro de uma ótica global.

Segundo Rega (2004), enquanto o lado negativo do jeito gera


OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

situações delicadas e comprometedoras da conduta ética, o lado


positivo, muitas vezes, alivia o brasileiro da vida oprimida que
precisa vencer, e, então, se estabelecem os dilemas éticos do jeito.

O dilema ético surge quando analisamos essa realidade do


jeitinho em uma perspectiva social, política e econômica. Rega
(2004) afirma que a inconsistência da ação governamental em
áreas como a segurança pública, a fiscalização e o planejamento
da política tributária e financeira conduz o cidadão a uma situa-
ção tal que sua única saída no momento é o “jeito”, a “escapada”,
sob pena de perder o emprego ou inviabilizar sua empresa.
Ética e Sociedade 121

Em suma, o descaso generalizado das autoridades públicas quanto às reais neces-


sidades do povo gera o “salve-se quem puder” que, por sua vez, alimenta o jeito
e incentiva a transgressão das normas. Disso à corrupção é apenas um passo; tão
logo se estabeleça, a corrupção generalizada acolhe a impunidade e, assim, fecha-se
o círculo.

Veja o exemplo a seguir:

Em uma ocasião, um adolescente entregou-me sua agenda para que lesse alguns
poemas que ele havia feito. Li-os, cuidadosamente; tratavam da realidade de nosso
país. Ao final de um deles, havia uma frase, cuja autoria o adolescente ignorava:

Em Roma, ela se chama bustarela; em Moscou,


vzyatha; em Berlim, tink gel; e, em Brasília, pode
ser “jeitinho”, mas em qualquer lugar do mundo e
a qualquer época será sempre corrupção, uma prá-
tica tão antiga quanto à existência do homem. Sua
arma predileta é a dissimulação, e seu instrumento
mais eficaz, o suborno, desde o mais célebre da His-
tória, o de Judas Escariotes, ao do empreiteiro que
paga comissão ao homem público.

A frase produziu bons efeitos; foi capaz de sensibilizar aquele


adolescente, mostrando que em todos os espaços da vida social
impera a preocupação com procedimentos que fluam isentos de
mazelas humanas, como a corrupção.

De acordo com Rega (2004), percebemos que o jeitinho brasi-


leiro possui contexto dentro de um círculo vicioso que envolve o
cidadão brasileiro. Torna-se negativo quando usa de justificati-
vas para o ato corrupto, para a negligência.
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

O jeitinho é também o hábito de simplificar a realidade


com afirmações reducionistas, como: “Ah! Todo mundo
faz, então, farei também.”

Essas expressões são as responsáveis pela corrupção crônica


que assola o país e o impede de encontrar saídas sustentáveis. O
jeitinho brasileiro aliado à lógica do capitalismo individualista
dificulta a construção de uma sociedade mais justa e ética.
122 Ética e Sociedade

SEÇÃO 5 Esperança ética

A reflexão ética na universidade não tem outra função senão a de provocar em nós a
necessidade de construção de um novo projeto de vida. O século XXI exige que mu-
demos as concepções de felicidade e realização pessoal, até então assentadas em um
plano individual, para um plano social e comunitário. Em nossa sociedade, não cabe
mais o desejo de escolher uma profissão para ficarmos ricos e desfrutarmos indivi-
dualmente de todos os prazeres oferecidos pelo progresso econômico e tecnológico.

Os desafios éticos deste século exigem de nós o despertar de uma nova inteligência,
a inteligência social. A modernidade, como já vimos, legou-nos uma racionalidade
egocêntrica, centrada na ideologia em que “querer é poder”.
Precisamos, urgentemente, substituir essa racionalidade pela
lógica da sensibilidade, da alteridade e da solidariedade. A
sociedade em que vivemos precisa fazer parte de nossas vidas e
não mais ser somente o lugar no qual buscamos realizar nossos
sonhos individuais. O outro precisa ocupar maior espaço nas
nossas decisões e nas nossas escolhas.

No entanto, isso precisa acontecer depois de nos


formarmos, quando estivermos no mercado de trabalho?

Não! Precisa começar agora, na nossa vida acadêmica. Preci-


samos compreender que o conhecimento que buscamos na
universidade deve contribuir para a resolução dos problemas
sociais e para a melhoria da qualidade de vida no lugar onde
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

vivemos.

Essa inteligência ética pressupõe, necessariamente, uma mu-


dança de crenças e de concepções, um olhar mais profundo
sobre a realidade em que vivemos, que não se limite ao senso
comum, legitimado pelas instituições, pela cultura e pela gran-
de mídia. Por isso, a inteligência ética é um saber que ultra-
passa o conhecimento específico que adquirimos em nossos
cursos. Além de sermos bons em nossa função, em nossa área,
precisamos ser sábios.

O que é ser sábio? A palavra sabedoria origina-se do grego,


sophos, que significa totalidade. Uma pessoa sábia é, portanto,
Ética e Sociedade 123

alguém que olha o mundo na sua totalidade, além de sua realidade individual, ou
poderíamos dizer além de seu “próprio umbigo”.

A esperança ética na sociedade atual concretiza-se à me-


dida que mudamos nossas concepções e atitudes sobre a
realidade em que vivemos.

Mas, como fazer isso?

Teremos um progresso ético à medida que nos abrirmos a novas


ideias, a novas áreas do conhecimento, a novas pessoas dispostas
a vivenciar experiências diferentes. Portanto, para sermos mais
éticos, antes de mais nada, precisamos abandonar a autossufi-
ciência e a intolerância. Uma sociedade ética precisa partir do
pressuposto de que nenhuma área do conhecimento, nenhuma
ideologia consegue, sozinha, resolver problema algum. Assim,
você estará buscando construir uma inteligência ética, aberta ao
novo, ao diferente, ao diálogo.

Uma sociedade mais ética não é uma utopia, mas uma


construção humana e social, necessária e viável!

Autoavaliação 5

1 A partir dos casos apresentados, procure escrever sua opinião, fun-


damentada em uma reflexão ética.

OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL


Eutanásia/Morte assistida
Uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas por-
que seu corpo está ligado a máquinas que o conservam. Suas dores são
intoleráveis. Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que
descansasse em paz? Não seria preferível deixá-la morrer? Podemos
desligar os aparelhos, ou não temos o direito de fazê-lo? Que fazer?
Qual a ação correta?
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124 Ética e Sociedade

Autoavaliação 5

Aborto
Uma jovem descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu
espírito ainda não estão preparados para a gravidez. Sabe que seu
parceiro, mesmo que deseje apoiá-la, é tão jovem e despreparado
quanto ela e que ambos não terão como se responsabilizar plena-
mente pela gestação, pelo parto e pela criação de um filho. Estão de-
sorientados e não sabem se poderão contar com o auxílio de suas
famílias (se as tiverem).
Se ela for apenas estudante, terá de deixar a escola para trabalhar,
a fim de pagar o parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida
e seu futuro mudarão para sempre. Se trabalha, sabe que perderá
o emprego, porque vive em uma sociedade em que os patrões dis-
criminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras. Receia não
contar com os amigos. Ao mesmo tempo, deseja a criança, sonha com
ela, mas teme lhe dar uma vida de miséria e ser injusta com quem
não pediu para nascer. Pode fazer um aborto? Deve fazê-lo?
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2 Ao longo do Guia de Estudo, você estudou alguns conceitos sobre


a relação entre ética e meio ambiente. Diante das relações confli-
tuosas entre desenvolvimento e sustentabilidade, destaque pontos
fundamentais que justifiquem a necessidade de uma discussão ética
sobre o desenvolvimento ligado ao meio ambiente.
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3 Desenvolvimento e sustentabilidade são conceitos centrais para


entender as questões relacionadas à preservação do meio ambiente.
Quais as consequências éticas decorrentes da seguinte concepção:
“Todos os que não são racionais são vistos pelo homem como seres
sem vontade e sem liberdade, sendo concedido à natureza um valor
instrumental, de servir ao homem em suas necessidades, à medida
que o homem sentir vontade e necessidade de agir sobre ela e mani-
pulá-la para garantir sua existência.” Escreva um texto composto por
dois parágrafos que reflitam a questão apontada.
OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL

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4 Leia o texto e responda:


“A crise ambiental impõe à sociedade uma nova forma de relaciona-
mento entre homem e natureza, uma nova postura ética da socieda-
de sobre a sociedade. Esta nova postura ética implica uma mudança
de concepção de natureza e de homem.” Aponte cinco argumentos
que justifiquem a necessidade de pensar uma nova concepção de ho-
mem e de natureza a partir da crise ambiental.
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Ética e Sociedade 125

Autoavaliação 5

5 Entre os povos da Antiguidade oriental, a justiça baseava-se na “Lei


de Talião”, cujos princípios eram resumidos pela expressão “olho
por olho, dente por dente”, ou seja, o culpado por um crime deveria
ser condenado por uma pena que lhe provocasse um mal equivalen-
te ao dano causado por seu crime. Esse procedimento seria justifi-
cado hoje? Em que medida os atos violentos praticados (refere-se
ao ato de “fazer justiça com as próprias mãos”) no Brasil são uma
afronta aos Direitos Humanos?
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6 Os direitos humanos não são universais, mas universalizáveis. Ex-


plique a diferença conceitual para o fortalecimento dos direitos hu-
manos.
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7 Aponte e explique três dos principais motivos que dificultam a


efetivação dos Direitos Humanos no Brasil. Exponha exemplos que
retratem essa situação de negação dos Direitos Humanos em nosso
país.
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Nesta unidade, refletimos sobre grandes questões éticas


da nossa atualidade, que perpassam todas as profissões e
áreas do conhecimento. Na sociedade brasileira, algumas OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL
questões éticas assumem maior evidência; são exemplos
disso a corrupção e a concentração de renda.
Como a ética é uma reflexão sobre o costume e a cultura,
percebemos que esses grandes desafios éticos de nosso
país precisam de uma mudança cultural, que implica ati-
tudes e posturas profissionais comprometidas com o bem
comum.
AUTOAVALIAÇÃO 4
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1 Qual é o meio de transporte mais utilizado no Brasil? Por quê?

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