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ISSN 2448-2072

ANAIS DO

CASA LEIRIA
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Anais do
I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate

28 a 30 de Abril de 2016

V.1

Amanda Motta Castro


Rita de Cássia Fraga Machado
organização

CASA LEIRIA
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS


José Melo de Oliveira | Governador
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
Cleinaldo de Almeida Costa | Reitor
Mário Augusto Bessa de Figueiredo | Vice-Reitor
Editora Casa Leiria
Conselho Editorial
Luciana Paulo Gomes | Gisele Palma | Rosangela Fritsch
Anai Zubik Camargo de Souza | Isabel Arendt | Haide Hupffer

Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:


Educação Popular em Debate (1: 2016: Manaus, AM)
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da
Região Norte: Educação Popular em Debate, organização
de Amanda Motta Castro, Rita de Cássia Fraga Machado,
Universidade do Estado do Amazonas. – São Leopoldo:
Casa Leiria, 2016. v.1.
1 CD ROM.
Evento realizado na UEA, em Manaus, 28 a 30 de abril de 2016.
ISSN 2448-2072
Anual
1. Educação Popular. 2. Educação Popular – Estudos. 3. Paulo
Freire – Educação Popular. 4. Educação Popular – Paulo
Freire – Aspectos sociais. 5. Educação Popular – Brasil –
Região Norte. I. Castro, Amanda Motta (Org.). II. Machado,
Rita de Cássia Fraga (Org.). III. Universidade do Estado do
Amazonas. IV. Título
CDU 37.014.2

Catalogação na Publicação
Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973
Esta edição foi revisada conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa. Todos os Direitos Reservados © Universidade do Estado do
Amazonas. Permitida a reprodução parcial desde que citada a fonte.
Casa Leiria
Rua do Parque, 470 | São Leopoldo – RS – Brasil
CEP 93020-270 | (51) 3589-5151
casaleiria@casaleiria.com.br
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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Anais do
I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate

28 a 30 de Abril de 2016

V.1

Amanda Motta Castro


Rita de Cássia Fraga Machado
organização

Manaus
2016
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

COORDENAÇÃO GERAL

Dra. Rita de Cássia Fraga Machado


Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Dra. Amanda Motta Castro
Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

EQUIPE ORGANIZADORA

Dra. Edilza Laray


Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Dra. Lucinete Gadelha da Costa
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Comitê Científico
Dr. Afonso C. Caldeira Scocuglia
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Dra. Amanda Motta Castro
Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Dra. Edilza Laray
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Dra. Elí Bartra
Universidade Autónoma Metropolitana (UAM)
Dr. Ezequiel de Souza
Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
Dr. Guilherme G. de Figueiredo
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Dra. Kathlen Luana de Oliveira
Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS)
Dra. Lucinete Gadelha da Costa
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

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Dra. Márcia Alves da Silva


Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Dra. Maria Tereza G. Tavares
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Dr. Thiago Ingrassia Pereira
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
Dra. Rita de Cássia Machado
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Dr. Roberto S. Mubarac Sobrinho
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

ORGANIZAÇÃO DOS ANAIS

Dra. Amanda Motta Castro


Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Dra. Rita de Cássia Machado
Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

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Educação Popular em Debate
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................. 9
EIXOS TEMÁTICOS ........................................................................... 13
Paulo Freire e Educação do Campo, das Águas e da Floresta .......... 19
Paulo Freire e Cultura e Arte Popular ............................................... 239
Paulo Freire e Educação Popular ....................................................... 343
Paulo Freire e Movimentos Sociais ................................................... 725
Paulo Freire e Feminismos ................................................................. 979
Paulo Freire e Educação de Jovens e Adultos (EJA) ...................... 1185
Paulo Freire e Teologia da Libertação ............................................. 1565
Paulo Freire e Universidade Popular .............................................. 1613
Paulo Freire e Educação na Amazônia ........................................... 1729

8
APRESENTAÇÃO

“A alegria não chega apenas no encontro do


achado, mas faz parte do processo da busca.
E ensinar e aprender não pode dar-se fora
da procura, fora da boniteza e da alegria”.
Paulo Freire

O I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire é um


evento que dá continuidade ao trabalho de várias instituições
de ensino superior no Brasil inteiro, fundamentalmente no
norte do país. A obra do autor Paulo Freire é fonte inspirado-
ra para desenvolver uma educação de qualidade e socialmente
comprometida com a transformação social na nossa visão.
Desde a sua criação, em 1999, após a morte de Paulo
Freire, os fóruns buscam articular os saberes acadêmicos com
os saberes oriundos de diferentes práticas sociais. Para tanto,
tem-se aperfeiçoado os pontos de contato do diálogo entre as
experiências de Educação Popular em diferentes contextos.
Para além das instituições universitárias, o Fórum Paulo Freire
se articula com as escolas, os movimentos sociais, as ONGs,
associações populares e entidades que, de alguma forma, co-

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Educação Popular em Debate
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mungam com a utopia de uma sociedade mais justa para todos


e digna de se viver.
A organização do I Fórum da Região Norte se fun-
damenta no tema Educação Popular em Debate. Para tanto,
orientamo-nos pelo princípio geral de que aprender com a pe-
dagogia de Paulo Freire é um dos saberes da Educação Popular
e busca operacionalizar os seguintes conceitos: conhecimento,
diálogo, esperança e educação libertadora.
Entendemos que é fundamental criar espaços que
promovam o debate e a continuidade dos estudos sobre ques-
tões que envolvem a pedagogia freireana na relação com a es-
pecificidade sociocultural da região norte. O objetivo princi-
pal é aprofundar as temáticas centrais já debatidas em fóruns
realizados em alguns estados do Brasil e fortalecer os vínculos
entre as pessoas e as organizações que desenvolvem trabalhos,
estudos, pesquisas e mobilizações na perspectiva freireana na
região.
O evento pretende oportunizar um espaço privilegia-
do de socialização de conhecimentos e saberes, de interação
e interlocução entre professores da educação básica, pesqui-
sadores, pesquisadoras, acadêmicos, acadêmicas e integran-
tes de movimentos sociais, na perspectiva de uma práxis mais
qualificada do trabalho educativo na dimensão popular. Des-
se modo, será possível socializar experiências, manifestações
artístico-culturais, estudos e pesquisas elaborados a partir da
análise de experiências reconhecidas como potencializadoras
de aprendizagens e de conhecimento no campo da Educação
Popular. O evento, em sua primeira edição na região e na cida-
de de Manaus, terá valor de inscrição diferenciado para docen-
tes da educação básica, para membros de movimentos sociais
e estudantes.
O I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire está
sendo organizado e programado como uma oportunidade de
reflexão e discussão sobre temáticas relevantes no campo da
Educação Popular freireana, bem como para oferecer diferen-

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Educação Popular em Debate
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tes espaços de socialização de produções intelectuais, de tra-


balhos de pesquisas, de relatos de experiências, de vivências,
rodas de conversas, vídeos, danças, poesias, performance, tea-
tro, etc.

Amanda Motta Castro


Rita de Cássia Fraga Machado
Coordenação Geral do Evento

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EIXOS TEMÁTICOS

Os eixos temáticos visam o diálogo entre os partici-


pantes do fórum no sentido de ampliar as reflexões e leituras de
Paulo Freire. Os eixos interligam-se ao conceito de tema gera-
dor. O tema gerador é uma ideia metodológica de Paulo Freire,
iniciada na década de 1950, quando iniciada a sua teoria do
conhecimento, que é enriquecida a partir de sua prática. De
forma interdisciplinar, os saberes se entrelaçam em busca de
uma leitura crítica da realidade.

1. PAULO FREIRE E EDUCAÇÃO DO CAMPO,


DAS ÁGUAS E DA FLORESTA
Coordenação: Edilza Laray (UEA-AM)

A partir do olhar freireano, pretende-se elucidar ações


significativas de práticas, mobilização e articulação por uma
educação básica e superior no campo, na floresta e nas águas e
que considere as pessoas que vivem e trabalham nestes espaços
enquanto sujeitos de direitos no Estado democrático brasileiro.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Estão convidados a compartilhar suas ações e reflexões repre-


sentantes de movimentos sociais, professores, pesquisadores,
entidades representativas de distintos grupos sociais, etnias e
movimentos de educação de todo o Brasil. O foco de discussão
é a luta pela educação que ocorre em áreas rurais, de florestas
e entre os povos das águas face às muitas ameaças enfrentadas
e impostas pela expansão das monoculturas agropecuárias e
florestais, das mineradoras, dos grandes projetos hidrelétricos
e de grilagem de terras públicas, que servem ao grande capital.

2. PAULO FREIRE
E CULTURA E ARTE POPULAR
Coordenação: Guilherme Figueiredo (UEA-AM)

Este eixo está voltado a trabalhos que facilitam a


práxis ligada à produção dialógica da cultura, da arte e da co-
municação popular; que pensam as relações entre a arte, a co-
municação e a transformação social; estudos e relatos de ex-
periência de intervenções artísticas no teatro, artes visuais,
dança, música, literatura, festas, cinema, fotografia, arte digital,
tecnoxamanismo, performances, instalações, etc.; rádios e TVs
comunitárias e livres, rádio arte, cinema popular ou cinema
etnográfico, bem como experimentos dialógicos na telefonia,
jornal, zines, internet, editoras, museus e a invenção de novas
tecnologias configuradas para a dialogicidade tais como soft-
ware livre, rádio e TV digital, pirate box, etc.

3. PAULO FREIRE E EDUCAÇÃO POPULAR


Coordenação: Lucinete Gadelha (UEA-AM)

Refletindo sobre o entendimento dos conceitos e


significados da Educação Popular e sua relação com os movi-

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mentos sociais e o ensino público. Com ênfase nos estudos de


Paulo Freire sobre o currículo escolar, este eixo pretende ser
um espaço para refletir a formação continuada de educadores
numa perspectiva da Educação Popular, buscando pensar, sis-
tematicamente, os problemas que perpassam os conteúdos ne-
cessários para a construção dos saberes que estruturam a nossa
prática pedagógica enquanto educadores e educadoras.

4. PAULO FREIRE
E MOVIMENTOS SOCIAIS
Coordenação: Rita de Cássia Machado (UEA-AM)
e Vanessa Gil (UFRGS-RS)

Este eixo do Fórum Paulo Freire busca dialogar com


os movimentos sociais e populares bem como os estudos de
classe social, trabalho e emancipação humana. Pretende-se tra-
zer as questões atuais discutidas e vivenciadas pelos diversos
movimentos, num movimento de anúncio e denúncia visando
dialogar com as diversas especificidades da região.

5. PAULO FREIRE E FEMINISMOS


Coordenação: Amanda Motta Castro (FURG-RS)
e Nivia Ivette Núñez de la Paz (EST)

Este eixo busca dialogar com os movimentos de mu-


lheres, bem como com os estudos feministas. Abordaremos
aqui questões sobre a educação formal e não formal, trabalho,
arte, violência e saúde articulando a Educação Popular e os Es-
tudos Feministas, visando assim, estabelecer um diálogo entre
eles bem como incentivar processos emancipatórios das mu-
lheres.

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6. PAULO FREIRE
E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)
Coordenação: Leni Rodrigues Coelho (UEA-AM)

O eixo temático EJA e Paulo Freire envolve proble-


matizações acerca da história e da memória da EJA no Brasil;
as práticas pedagógicas na EJA; as propostas de alfabetização e
letramento para os jovens e adultos; o currículo na EJA; a for-
mação de educadores da EJA; as políticas públicas para a EJA
e o legado de Paulo Freire para a educação de jovens e adultos.

7. PAULO FREIRE
E TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Coordenação: Mario Bueno (Uninorte-AM) e Ezequiel de
Souza (IFAM- AM)

O pensamento de Paulo Freire e a Teologia da Liber-


tação possuem muitos pontos em comum, dentre os quais a
importância da formação popular para o empoderamento e a
emancipação daquelas pessoas em situações de vulnerabilida-
de social. Através dos estudos bíblicos e das comunidades ecle-
siais de base, a Teologia da Libertação promoveu a formação de
lideranças populares e comunitárias em todo o Brasil. Este eixo
do Fórum Paulo Freire pretende ser um espaço para a reflexão
e partilha de experiências libertadoras no âmbito das comuni-
dades eclesiais e da sociedade em geral e a relação com a Edu-
cação Popular em espaços formais e informais de formação.

8. PAULO FREIRE
E UNIVERSIDADE POPULAR
Coordenação: Dr. Thiago Ingrassia Pereira (UFFS-RS)

O eixo Paulo Freire e a universidade pretende deba-


ter a Universidade Popular, proposta elaborada pela equipe do

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Serviço de Extensão Cultural (SEC), da Universidade do Recife


(hoje, UFPE) nos anos 1960 que se apresenta como parte do
Sistema Paulo Freire de Educação. Em seu livro mais autobio-
gráfico, Cartas a Cristina, Freire reflete sobre sua passagem do
Movimento de Cultura Popular (MCP) ao SEC, apresentando
os dois principais momentos do ciclo gnosiológico nos quais a
universidade deve investir: a docência, em que se ensina o que
se conhece; e a pesquisa, em que se produzem novos conhe-
cimentos. Retomar essa concepção fundante de universidade
popular na perspectiva freiriana permite reinventar Freire nos
atuais processos formativos de nossas universidades e apre-
sentar o debate freiriano na educação superior, promovendo
discussões teóricas, análises de experiências empíricas e diag-
nósticos que aproximam a Educação Popular da universidade,
acenando para o “inédito-viável” da Universidade Popular.

9. PAULO FREIRE
E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA
Coordenação: Dr. Roberto Sanches Mubarac Sobrinho
(UEA-AM)

A proposta deste eixo temático é integrar estudos e


pesquisa que visem articular os marcos teóricos freireanos à
educação na Amazônia como elemento propulsor para a disse-
minação e ampliação das ideias e práticas do autor no contexto
da educação regional. Paulo Freire propõe uma pedagogia da
autonomia na medida em que sua proposta está “fundada na
ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do edu-
cando” (FREIRE, 2000a, p. 11). Embora a autonomia seja um
atributo humano essencial, na medida em que está vinculada
à ideia de dignidade, defendemos que ninguém é espontanea-
mente autônomo, ela é uma conquista que deve ser realizada
num constante processo de lutas sociais em que a educação se
torna essencial para sua efetividade. Pensar a autonomia no

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contexto amazônico é compreender as múltiplas facetas étni-


cas e culturais que caracterizam a região e seus sujeitos, numa
relação dialógica amplamente marcada por questões de poder
e dominação, em que a educação, por muito tempo, foi instru-
mento de segregação e expropriação dos saberes tradicionais
da região. Nossos desafios são pensar os espaços educativos
como fundamentais para compreendermos o papel da educa-
ção como prática de mudança, de transformação e como via
de constituição de sujeitos que se forjam na contramão dos
discursos hegemônicos e das práticas de subserviência. Neste
sentido, conquistar a própria autonomia implica, para Freire,
em libertação das estruturas opressoras. “A libertação a que
não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo
conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por
ela” (FREIRE, 1983, p. 32). Não há libertação que se faça com
homens e mulheres passivos, é necessária conscientização e in-
tervenção sobre e na Amazônia.

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EIXO TEMÁTICO 1
PAULO FREIRE E EDUCAÇÃO DO CAMPO,
DAS ÁGUAS E DA FLORESTA
Coordenação: Edilza Laray (UEA/AM)
A partir do olhar freireano, pretende-se elucidar ações
significativas de práticas, mobilização e articulação por uma
educação básica e superior no campo, na floresta e nas águas e
que considere as pessoas que vivem e trabalham nestes espaços
enquanto sujeitos de direitos no Estado democrático brasileiro.
Estão convidados a compartilhar suas ações e reflexões repre-
sentantes de movimentos sociais, professores, pesquisadores,
entidades representativas de distintos grupos sociais, etnias e
movimentos de educação de todo o Brasil. O foco de discussão
é a luta pela educação que ocorre em áreas rurais, de florestas
e entre os povos das águas face às muitas ameaças enfrentadas
e impostas pela expansão das monoculturas agropecuárias e
florestais, das mineradoras, dos grandes projetos hidrelétricos
e de grilagem de terras públicas, que servem ao grande capital

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SUMÁRIO

AJURI NAS FLORESTAS: UMA PRÁTICA REAL


Indramara Lôbo de Araújo Vieira Meriguete
Maria Isabel de Araújo
Silas Garcia Aquino de Sousa ................................................... 23
AS PRÁTICAS DO ENSINO DE HISTÓRIA NO 5º ANO
DO ENSINO FUNDAMENTAL, EM UMA ESCOLA DE
MANAUS
Elisiane Sousa de Andrade ........................................................ 39
GRUMASCOPE: MODOS DE VIDA, TRABALHO E
PARTICIPAÇÃO DE AGRICULTORAS DA VILA DO
ENGENHO- ITACOATIARA -AM
Socorro de Fátima Moraes Nina
Edilza Laray de Jesus .................................................................. 57
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA MUNICIPAL
MINISTRO MARCOS FREIRE INSERIDA EM UM
PROJETO DE ASSENTAMENTO
Carolina de Araújo Macedo ...................................................... 81
AS BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO
ELEMENTOS ARTICULADORES NA CONSTRUÇÃO
DA AUTONOMIA DA CRIANÇA EM UMA ESCOLA DA
ZONA RURAL NO MUNICÍPIO DE PARINTINS-AM
Ana Beatriz Portilho
Carla Adriana Yoshii ................................................................ 103
EDUCAÇÃO EM CONTEXTO RURAL NO AMAZONAS:
LEITURAS A PARTIR DE PAULO FREIRE
Edilza Laray de Jesus
Socorro de Fátima Moraes Nina
Jara Lourenço da Fontoura ..................................................... 119

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OFICINAS E MUTIRÕES: PROPOSTA DE


CAPACITAÇÃO EM TECNOLOGIA AGROECOLÓGICA
NO AMAZONAS
Jussara Góes da Fonseca
Márcio Arthur Oliveira de Menezes
Katell Uguen ............................................................................. 143
NUCLEAÇÃO ESCOLAR: INSTRUMENTO
DE EFETIVAÇÃO DAS GARANTIAS SÓCIO-
EDUCACIONAIS NAS ZONAS RURAIS DO AMAZONAS?
Cinthya Martins Jardim
José Aldemir de Oliveira ......................................................... 149
EDUCAÇÃO DO CAMPO: VALORIZAÇÃO DOS
SABERES DA TERRA, DAS ÁGUAS E DA FLORESTA
Maria Macilene Magalhães Evangelista
Deuzuite Moreira Pimentel
Paulo Sérgio Almeida Corrêa ................................................. 169
A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO COMO BASE
EPISTEMOLÓGICA NA ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA
DAS ESCOLAS DO CAMPO EM MANAUS
Waldileia do Socorro Cardoso Pereira .................................. 187
FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE ATUAM EM
CONTEXTOS RURAIS DA AMAZÔNIA PARAENSE
Eliana Campos Pojo ................................................................. 197
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E CURRÍCULO
INTERDISCIPLINAR DO PROJOVEM CAMPO SABERES
DA TERRA: UMA EXPERIÊNCIA NAS ILHAS E
ESTRADAS DE ABAETETUBA
Maria do Parto Ferreira Nogueira
Maria Barbara da Costa Cardoso
Maria Rosilda Cardoso Valente .............................................. 217

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AJURI NAS FLORESTAS: UMA PRÁTICA REAL


MERIGUETE, Indramara Lôbo de Araújo Vieira 1
ARAÚJO, Maria Isabel de 2
SOUSA, Silas Garcia Aquino de 3

Introdução
Nas comunidades rurais amazônicas percebe-se o as-
pecto mobilizador de engajamento dos vários coletivos quanto
às práticas de manejo dos recursos da biodiversidade amazôni-
ca. Suas ações e mobilizações locais comprovam os valores e os
resultados da ação conjunta na comunidade, aliada às práticas
tradicionais, regras culturais, experiências e na utilização e im-
portância do manejo dos recursos naturais.
Neste espaço amazônico, revelam-se práxis interdis-
ciplinares e multiculturais4 expressas nas manifestações so-
cioeconômicas e culturais, revelados no que hoje se designa de
etnoconhecimento, revelados nas concepções de inter e multi-
culturalidade, construído por valores que fazem parte da cons-
1 MSc. em Economia e Desenvolvimento Regional. EMBRAPA. in-
dramara.araujo@embrapa.br
2 MBA em Meio Ambiente e Organizações Empresariais Sociais.
IFAM. miar@terra.com.
3 Dr. em Engenharia Florestal/Conservação da Natureza. EMBRAPA.
silas.garcia@embrapa.br
4 (HALL, 2003: 52) “Multiculturalismo (ou pluralismo cultural) é um
termo que descreve a existência de muitas culturas numa localidade,
cidade ou país, sem que uma delas predomine, conseguindo con-
viver harmonicamente umas com as outras. O multiculturalismo
refere-se a estratégias e políticas adotadas para governar ou admi-
nistrar problemas de diversidade e multiculturalidade gerados pelas
sociedades multiculturais. É normalmente utilizado no singular sig-
nificando a filosofia específica ou a doutrina que sustenta estratégias
multiculturais”.

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tituição social dos povos, guardiões dos rios e da floresta ama-


zônica, representados nos espaços da casa, nas práticas sociais,
na feitura dos roçados, colheita e nas formações coletivas que
se fazem presentes em todo o processo de produção agrícola,
que denominam de ajuri.
A prática do ajuri é costumeira nas comunidades de
populações tradicionais, consistem em uma técnica/método
de trabalho coletivo, que visa auxílio mútuo entre as famílias
no roçado, plantio, colheita e outras atividades onde se fazem
necessárias a participação de várias pessoas, constituindo um
espaço de solidariedade, sociabilidade e responsabilidade, en-
tre os comunitários, provendo sua vivência com meio ambien-
te rural e interação social econômica, política e espiritual.
Partindo do suporte teórico e da pesquisa de campo
não se pode pensar em cultura amazônica como um produto
pré-estabelecido, mas sim como patrimônio construído pelas
relações de interdependência humanas e socioambientais. Vis-
to que, a formação social, política e econômica dos povos da
Amazônia e do Brasil, resulta da miscigenação de várias etnias,
raças e culturas, portanto, um país com uma identidade cultu-
ral muito variada.
Este trabalho propõe analisar as relações do trabalho
coletivo, denominado de “ajuri”, praticado pelos agricultores
familiares em comunidades rurais da Amazônia. Um espaço
propício de ação, reflexão e crítica a partir de diálogos entre
diferentes culturas, oportunizando um processo de educação
libertadora, em busca da soberania e segurança alimentar, dos
agricultores familiares de comunidades rurais amazônica, que
pode ser analisado na perspectiva freireana.
A proposta da investigação foi de natureza qualitati-
va, no método pesquisa-ação, onde foi utilizado a entrevista
com depoimentos pessoais, pois neste ambiente amazônico, os
saberes e as práticas são construídos a partir das experiências
integrativas entre os indivíduos, portanto, seus relatos se cons-
tituem de importância singular, vindo ao encontro do que afir-

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ma Thiollent (2011, p. 22) sobre o inter-relacionamento entre


as intervenções práticas pessoais e a produção do conhecimen-
to.
A escolha da entrevista como processo de diagnóstico
justifica-se, segundo Bowditch & Buono (1992), por levar a
uma visão mais profunda do significado real de dados subjeti-
vos, pois a situação face a face oferece mais flexibilidade do que
o questionário. Foi desenvolvida a partir da pesquisa bibliográ-
fica e das observações de campo, junto às comunidades rurais
do entorno do município de Manaus, no ano de 2015.
Desenvolvimento
Nas comunidades amazônicas o conhecimento his-
tórico é também instituído na prática social do homem que
trabalha a terra modelando o ecossistema de acordo com suas
necessidades integradas nas variáveis sociais, econômicas, cul-
turais e ambientais construídas ao longo de gerações, enfren-
tando as condições que lhes foram impostas pelo ambiente e
tentando compatibilizar a exploração dos recursos locais com
sua conservação.
Contudo, não é de fácil conceituação, nem de fácil
apreensão em seu sentido histórico-social. Porém, no caso em
questão, podemos contextualizar que o espaço das comunida-
des rurais, ocupado por diferentes grupos sociais, movidos por
necessidades econômicas e valores culturais, transforma-o em
espaço de aprendizagem (troca de saberes) e de manejo dos
recursos naturais e ambientais.
Segundo Pierre Bourdieu (1983, p. 11), a prática so-
cial do agricultor é uma relação dialética entre a situação con-
creta e o Habitus, este entendido como um conjunto de pré-
-disposições historicamente estruturadas a partir da trajetória
particular de cada agente.
Na comunidade Iberê, do Projeto de Assentamento
Água Branca, que é objeto de estudo nesta pesquisa, muitos
são os agentes e diferentes são as localidades de onde eles veem

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para ocupar este lugar, buscando, a partir de suas diferenças,


compor uma unidade que favoreça o coletivo, como relata à
senhora Francisca Morais da Silva que morava no Pará, e reside
agora na Comunidade Iberê:
[...] eu sou do Pará... lá o tratamento da nossa região,
nós fazíamos era o Puxirum. Nos reuníamos com
todo pessoal vizinho, para fazermos a roçagem, a der-
ribada, e o plantio da mandioca, né? Quando chegava
a época da farinhada também, um ajudava o outro lá,
cada um fazia o Puxirum. Aqui em Manaus é diferen-
te, já é o Ajuri, já é o mutirão que a gente faz, mas é
bom também, porque um ajuda o outro e torna as coi-
sas mais fáceis para a gente. Na minha comunidade,
aqui do Iberê, participam umas 20 pessoas. Nós faze-
mos nosso puxi (.) nosso mutirão (Figura 1). Em cada
mutirão cada um faz a sua parte, né? Uns dão comida,
o almoço é reforçado quando tem mutirão... enquan-
to uns trabalham, outros se reúnem para preparar
o almoço de quem está trabalhando, é o mutirão da
comida. Só na minha propriedade que gosto de ofere-
cer o almoço sozinha, assim, sobra mais gente para o
trabalho. Eu gosto muito desses mutirões... Por causa
deles já conseguimos muitos benefícios, eles nos tor-
nam mais unidos e nessa união as pessoas vão vendo
o que a gente precisa, e os benefícios vão chegando: o
projeto PAIS, a caixa de água, os materiais para criar
galinha, as mangueiras, veio a bomba de puxar água.
O mutirão é muito importante (SILVA, 2016).

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Figura 1: Ajuri ou mutirão agrícola na comunidade Iberê.


Fonte: Acervo de ARAÚJO, M. I.; SOUSA, S. G. A. de. 2015.

O atual Presidente da Associação dos Agricultores e Agricul-


toras da Comunidade Iberê, no mesmo Assentamento, senhor
José Rodrigues, por entrevista, também conta:
[...] eu sou de uma região do Alto Solimões e lá a gen-
te trabalhava em sistema de Ajuri. Quando eu chego
aqui nessa Comunidade do Iberê, as pessoas chamam
esta prática de Mutirão, mas eu reconheci logo que é
a mesma coisa. A gente se reúne uma vez por mês e
elege as ações que serão prioritárias, as que são mais
urgentes. Hoje por exemplo é um mutirão de trabalho
para colocar areia na estrada para conservá-la, a gente
precisa de uma boa estrada por onde se possa escoar a
produção e ir e vir à hora que precisar sem problemas
e do jeito que ela foi deixada aqui, não pode ficar... e
assim como a gente faz o Ajuri para a conservação da
estrada, a gente faz também para furar o poço, para
desencalhar e consertar o barco, para erguer o pos-
te de energia da Comunidade (Figura 2)... e assim, a
gente vai fazendo os trabalhos eleitos como prioritá-
rios no momento (RODRIGUES, 2016).

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Em todas as entrevistas foi possível observar que a


prática do Ajuri é realizada em muitas localidades, embora
com nomes diferentes, dada a multiculturalidade observada, é
reconhecida pelos comunitários como sendo a mesma prática,
onde todos buscam a reunião, a junção de forças, o trabalho em
favor do bem comum, para benefício de toda a coletividade.

Figura 2: Ajuri ou mutirão de trabalho em prol da comunidade Iberê.


Fonte: Acervo de ARAÚJO, M. I. 2015.

Desse modo, o espaço não é somente físico, é social-


mente constituído pelos vários elementos e práticas, entre-
laçando e absorvendo os saberes que chegam para agregar e
contribuir com o tão almejado desenvolvimento comunitário.
Neste ínterim, o Ajuri/Mutirão as rodadas de conversa, as visi-
tas técnicas, as trocas de experiências entre os agricultores, pes-
quisadores e técnicos, ajudam a formar uma base apoiada pela
educação ambiental, que agrega todos esses valores, como pro-
põe Paulo Freire (1982) ressaltando que a base para transferir
conhecimentos, é acolher. Acolher as pessoas da forma como
cheguem, da forma como falem, como habitem, se “igualar”

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ao interlocutor até que ele entenda que o conhecimento que


possui e as práticas que realiza são tão ou mais interessantes
que qualquer uma, mas para obterem resultados positivos, há
que se fazer esforço para ajustar ações e adotar uma direção
metodológica, mas tudo dentro de uma abordagem respeitosa.
Na abordagem freireana, o trabalho de construção do
saber coletivo deve prever abertura de ambas as partes, mas
sempre pautada na verdade e na positividade, construindo
confiança entre os membros, essa confiança mútua criará bases
para a adoção de tecnologias até então desconhecidas para o
grupo.
Assim, o agricultor não somente age e decide em fun-
ção das variáveis ecossistêmicas, valorizando o conhecimento
sócio histórico, o saber fazer do cotidiano, movido por suas
necessidades econômicas, sociais e seus valores culturais den-
tro das possibilidades do modo de produção particular de cada
uma delas, bem como seu modo de vida.
Segundo Araújo e Sousa (2015):
A agricultura familiar amazônica evoluiu com a troca
de saberes dos povos que migraram para a região, e
que na trajetória da evolução da estrutura produtiva
da agricultura familiar amazônica, existem condicio-
nantes interculturais que marcaram indelevelmente a
história socioeconômica da Região até os dias atuais
permitindo adaptação multicultural dos diversos sis-
temas de produção “agrícola. “ (ARAÚJO e SOUSA
2015, p. 5):

Corroborando com Paulo Freire (1980, p. 21), que


analisa e denuncia a situação de imposição e sujeição vivida
por pessoas que perderam sua condição de sujeitos ativos da
própria história, tornando-se objetos passivos de uma “ordem”
social que as exclui do chamado a conhecer, a saber, a ques-
tionar, a decidir, a transformar, que leva a pensar acerca desse
curso que reflete o fortalecimento da agricultura familiar. O
chamado para conhecer, saber, questionar aponta para inclu-
são do “sujeito” no ambiente que o cerca.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Além da sistematização do conhecimento nas ativi-


dades práticas, o autor identifica uma fonte fundamental para
os planos educativos em desenvolvimento: o conhecimento
popular, o conhecimento do agente. Ele afirma que, “ao lado
da reorganização da produção, isto é, enfatize-se, um dos as-
pectos centrais a ser criticamente compreendido e trabalhado
por uma sociedade revolucionária: o da valoração, e não idea-
lização da sabedoria popular que envolve a atividade criadora
do povo e revela os níveis de seu conhecimento em torno da
realidade” (FREIRE, 1980, p. 29).
Segundo Freire (1993), para que haja o processo de
libertação é necessária a unidade na diversidade embasada no
multiculturalismo, para que assim os grupos oprimidos pos-
sam tornar-se mais efetivos em sua luta coletiva contra todas
as formas de opressão, que não se caracteriza pela justaposição
de culturas nem pelo poder exacerbado de uma sobre as ou-
tras, mas se fundamenta: na liberdade conquistada, no direito
assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma da outra,
correndo livremente o risco de ser diferente, sem medo de ser
diferente, de ser cada uma “para si”, somente como se faz pos-
sível crescerem juntas (FREIRE, 1993, p.156).
Fazendo frente a esta afirmativa, o depoimento do
senhor José Pereira, que veio do Piauí e é morador da Comu-
nidade objeto deste estudo, diz que no princípio não gostava
da ideia de mutirão, era acostumado a trabalhar sozinho, mas
aprendeu que a falta de apoio do Estado precisava ser supri-
da de alguma forma, encontrando nos outros comunitários o
apoio necessário para continuar sua lida, afirma categórico que
“o mutirão é importante. Sem ele não se pode fazer praticamente
nada por aqui, as dificuldades, são grandes, precisamos de mui-
tas coisas, falta estrutura física e estrutura técnica. As vezes mes-
mo fazendo o mutirão falta a assistência técnica”. (PEREIRA, J.
2016).
Neste diálogo, pode-se refletir que, apesar dos saberes
apropriados pelos agricultores, oriundos de diferentes lugares

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do Brasil, a prática de agricultura sustentável na Região Ama-


zônica carece de outros saberes, formulados em bases científi-
cas e tecnológicas e de experiências referendadas pela pesquisa
agropecuária.
Neste contexto, o ambiente do “ajuri” é um espaço
favorável ao dialogo multicultural. Pois, a multiculturalidade
não é algo espontâneo, implica na convivência de um mesmo
espaço com diferentes culturas. “É uma criação histórica que
implica decisão, vontade política, mobilização, organização de
cada grupo cultural com vistas a fins comuns” (FREIRE, 1993,
p.157).
Não podemos deixar de perceber que, os princípios
básicos da proposta pedagógica de Freire estão presentes, os
saberes vão acumulando-se à medida que os diálogos vão sen-
do apropriados pelos sujeitos ativos desse processo, que na
dialética freireana é denominada de “educação bancária”, isto
é, a transmissão do conhecimento em “depósitos”. Em suporte
a este pressuposto, Ausubel (1963), dentro da Psicologia Edu-
cacional, afirma que, o que mais influencia o aprendizado do
aprendiz é o que ele já sabe, conhece e pratica. Sem levar em
consideração o que a pessoa já sabe, é um esforço vão, pois, o
conhecimento não tem onde se ancorar, seres humanos apren-
dem por experiência e comparações.
Neste contexto, o educador ou o profissional de ATER
pode utilizar a técnica mais aprimorada, a aula mais bem ela-
borada, a capacitação mais divertida, se for repassada de forma
mecânica sem interação, sem criar laços com o conhecimento
do outro, todo o esforço de transmitir conhecimentos pode ser
em vão; ao final, quem determina se houve ou não compreen-
são do que foi transmitido é o aprendiz. Isso tem definitiva-
mente, determinado que tecnologia de campo tenha sido ado-
tada ou não, ao longo do tempo pelos agricultores e produtores
rurais.
Os esforços de uma educação libertadora ou de so-
berania alimentar necessitam ir ao encontro do agricultor, no

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sentido de assegurar que ele conheça diversas técnicas e opte


pela que lhe trará os melhores benefícios, não apenas monetá-
rios, mas para sua família, sua saúde, seus clientes, enfim, para
todos os elementos que compõem seu círculo de atuações.
Ainda em suporte aos estudos de Freire, invoca-se Au-
subel (1963, p.58) com seus postulados sobre a aprendizagem
significativa que é o processo por meio do qual uma informa-
ção nova (um conhecimento novo) é introduzida de maneira
não arbitrária e substantiva (não literal) à estrutura racional do
aprendiz. Para este autor, a aprendizagem significativa é o me-
canismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar as
vastas quantidades de ideias e informações representadas em
quaisquer campos de conhecimentos, que favorecerá e influen-
ciará suas escolhas futuras.
Interessante verificar que essas preocupações peda-
gógicas e educativas, formam a síntese escola-produção, como
manifestação prática da ligação educação-trabalho, dá a tônica
fundamental do discurso de Freire:
“A questão que se coloca, pois, a uma sociedade re-
volucionária, não é a de apenas “treinar” a classe tra-
balhadora no uso de destrezas consideradas como
necessárias ao aumento da produção, destrezas que,
na sociedade capitalista, são cada vez mais limitadas,
mas de aprofundar e ampliar o horizonte da com-
preensão dos trabalhadores (trabalhadoras) com re-
lação ao processo produtivo. “ (FREIRE, 1980, p. 29).

Neste postulado de Paulo Freire reside a questão da


soberania dos agricultores familiares, que se contrapõe a tese
atual do processo de difusão e transferência de tecnologia nor-
malmente utilizada pelas instituições de pesquisa agropecuá-
ria.
Assim, o modelo atual de transferência de tecnolo-
gia, como se fala modernamente do repasse de conhecimentos
acerca de práticas, processos, produtos, metodologias e equi-
pamentos, para os produtores rurais, são apoiados no processo

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que passa por três situações preferencialmente recomendadas:


possibilitar que o agricultor “conheça” a tecnologia, que ele “de-
seje ou queira” adquiri-la ou adotá-la e, por fim, que ele “possa
ou tenha condições de obter a tecnologia”, ou seja, o produtor
deve “conhecer, querer e poder” adotar tecnologias. Diante da
falta de qualquer um desses elementos do tripé de Transferên-
cia, ocorre um descompasso enorme no processo, e na maio-
ria das vezes a responsabilidade de mostrar a tecnologia recai
sobre as instituições que as desenvolvem, com vistas a serem
desejadas pelo usuário final, a fim de melhorar ou ajustar seus
processos em campo. No modelo usual, para “poder” adotar a
tecnologia, a responsabilidade de fazê-lo é dos governos cons-
tituídos, por meio do fomento de políticas públicas voltadas ao
setor primário.
Porém, a responsabilidade capaz de despertar o inte-
resse do público-alvo, onde perpassa o processo educativo, é o
processo de apresentar a tecnologia a esse público, e a forma
como isso será realizado determinará sua adoção ou não. Por
isso, a importância da educação voltada para o campo, aonde
qualquer pessoa que vá ao campo levar conhecimentos, é po-
tencialmente, um comunicador comunitário, um comunicador
rural e enverga as responsabilidades do educador, mesmo sem
querer, devendo neste ambiente se inserir nas práticas das co-
munidades e buscar absorvê-las, sendo uma delas o Ajuri.
O conceito de “ajuri” vem do vernáculo amazônico.
Sintetizando, “ajuri” significa “eu vim ajudar”.
AJURI – Ajuda mútua, mutirão, ajuri, putirum, pu-
tirão, puxirum, etc. Embora a palavra mutirão tenha
sido consagrada pela preferencia popular, há quase
uma centena de sinônimos, considerando as varias re-
giões brasileiras. Ajuntamento, reunião. tim.: Do tupi
A, eu, e iúri <uiúri>, vem, vir. (MELLO, 1983, p. 22).

Nesta síntese, o termo ‘ajuri’ na cultura amazônica ex-


pressa um conceito bem definido, marcado por uma relação
de mútua integração homem natureza, vivenciado em função

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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das atividades agrícolas, do extrativismo vegetal e animal. Des-


sa maneira, nenhum dos conceitos descritos é autônomo, pois
ambas as conceituações são dependentes umas das outras, dada
a influência do multiculturismo na cultura regional, presentes
nas relações de trabalho que priorizam os saberes e práticas
oriundas dos conhecimentos praticados no roçado, na feitura
das casas, nas festas entre outras atividades no campo.
Para Fraxe (2004, p. 73), ajuri é uma prática habitual e
faz parte da tradição da comunidade rural e marca a oposição
entre o ontem, quando esse tipo de organização, de ajuda mú-
tua no trabalho do roçado era mais frequente, e o hoje, caracte-
rizado pela diminuição dessa prática.
Uma das explicações para diminuição dos Ajuris é que
na concepção capitalista, as práticas de produção camponesa
(agricultura familiar) são consideradas atrasadas e de baixo ní-
vel tecnológico, pois não levam em conta a mais-valia e a geração
de lucros, portanto, devem ser removidas para que o progresso
e o desenvolvimento possam chegar àquela comunidade rural.
Por outro lado, o rompimento dessas tradições camponesas e a
entrada da lógica capitalista no sistema de produção familiar,
levará consequentemente o agricultor a alta dependência das
agroindústrias de sementes, insumos e implementos agrícolas,
demanda de capital rotativo e do mercado consumidor.
Do ponto de vista do postulado Freireano, baseado na
educação crítica e libertadora, o tradicional trabalho e apren-
dizado coletivo, pela prática do Ajuri, pode permitir um amplo
campo de reflexão, entre os diferentes agentes do setor primá-
rio, no processo interativo de intercâmbio e construção de co-
nhecimentos e tecnologias apropriadas, para mundo rural da
agricultura familiar, em busca de caminhos para o desenvolvi-
mento rural sustentável.
Neste aspecto, o Ajuri como prática social, é um espa-
ço apropriado para o exercício dialógico e participativo, no pro-
cesso de inclusão e intercâmbio de conhecimentos, cenário que
permite a comunicação entre os diferentes agentes: agricultores

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x agricultores x técnicos x pesquisadores x consumidores en-


tre outros. Nesta interação de diálogos, surgem as proposições
para soluções dos problemas encontrados principalmente no
sistema de produção dos agricultores familiares.
Nas comunidades rurais do entorno de Manaus, o
Ajuri consiste em uma prática de trabalho coletivo, que visa
auxílio mútuo entre as famílias das comunidades, que se reú-
nem para ações que visam o preparo do roçado, plantio, colhei-
ta e outras atividades não agrícolas, constituindo um espaço de
solidariedade, sociabilidade e responsabilidade, junto à comu-
nidade, provendo sua vivencia na área rural.
De acordo com as observações realizadas nestas co-
munidades, existem diferentes modalidades de Ajuri, visando
sanar os mais diversos problemas que afetam as comunidades
coletivamente. Assim, conseguiu-se registrar pelo menos cinco
categorias de Ajuris: Ajuri Agrícola, Ajuri de Trabalho e Ajuri
de Comida, Ajuri Social e Ajuri Comunitário.
O importante nesta observação de campo foi eviden-
ciar o conceito e a ideia organizacional dos Ajuris, praticados
nestas comunidades, que se materializam na organização do
trabalho coletivo, na produção de bens e serviços, alterando as
interações do indivíduo com a sociedade, a ciência, a tecnolo-
gia e o trabalho.
Em todas as categorias de Ajuris observadas, tanto
mulheres quanto homens trabalham em igualdade de ações, os
principais Ajuris identificados foram:
1) Ajuri Agrícola, é realizado quando se necessita incre-
mentar os roçados, fazer a destoca, capina, desmanche
de roça, adubação, etc.;

2) Ajuri de Trabalho, é promovido quando alguma ação


é elencada pela comunidade como prioritária e necessita
do esforço conjunto. Geralmente, é algo que ainda não
havia na comunidade e deve ser implantado, como colo-
cação de postes, abertura e recuperação de estradas, etc.;

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3) Ajuri de Comida, onde as pessoas se reúnem para


cozinhar e alimentar as pessoas que vão trabalhar nos
outros Ajuris em andamento;

4) Ajuri Social: ocorre o trabalho coletivo para arreca-


dar recursos financeiros, geralmente em determinados
festejos na comunidade ou fora dela para a aquisição de
algum bem necessário para a coletividade, como bomba
de água, caixa de água, fiação de energia, etc.;

5) Ajuri Comunitário: é realizado quando já existe o


bem na comunidade e é necessário que seja realizado
algum reparo ou mesmo reconstrução, como consertos
de telhado, troca da madeira das paredes da associação,
conservação das estradas, etc. Em todas essas modali-
dades de Ajuris, descritas acima, são estimuladas pelas
lideranças locais e exercitadas continuamente para que
sejam compreendidas e permaneçam no futuro, como
uma prática tradicional e essencial para o desenvolvi-
mento dessa comunidade.
Conclusões
O trabalho coletivo, denominado de Ajuri, em suas di-
ferentes modalidades, que reúne pessoas de diversas culturas e
saberes, é um espaço propício ao processo de educação crítica e
continuada, com base na perspectiva freireana. O ambiente do
Ajuri é favorável para promover um diálogo entre os parceiros
de diferentes dimensões, para traçar estratégias de transferên-
cia e absorção de tecnologia, intercâmbio e construção coletiva
de conhecimento, para agricultura familiar, em busca de de-
senvolvimento rural sustentável.
Referências
ARAÚJO, M. I. de; SOUSA, S. G. A. de. Aspectos sócio
históricos da estrutura produtiva da agricultura familiar

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

amazônica. In: Seminário de Experiências Agroecológicas no


Contexto Amazônico, 2., 2015, Manaus. Resumos. NUSEC/
UFAM, 2015. 1 CD-ROM.
AUSUBEL, D.P. The psychology of meaningful verbal
learning. New York, Grune and Stratton. 1963.
BOURDIEU, Pierre. Trabalho e projetos; Esboço de uma
teoria da prática; O campo científico. In: ORTIZ, Renato
(org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. (Grandes
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BOWDITCH, J. L. & Buono, A. F. Elementos de
comportamento organizacional. São Paulo: Pioneira. 1992
FRAXE, T. de J. P. Cultura Cabocla-ribeirinha: mitos, lendas
e transculturalidade. São Paulo: Annablume, 2004
FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: Paz e
Terra. 1980.
________, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro
com a Pedagogia do oprimido. 2e. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1993.
________, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HALL, Stuart. Da Diáspora. Identidades e Mediações
Culturais. Belo Horizonte/ Brasília: Ed. UFMG/ UNESCO,
2003.
MELLO, Anísio Thaumaturgo Soriano de. Vocabulário
etimológico tupi do folclore amazônico. Manaus,
SUFRAMA, 1983.
PEREIRA, José. José Pereira: depoimento [07.03.2016].
Entrevistadores: MERIGUETE, I. L. de A. V; ARAÚJO, M. I.
de; SOUSA, S. G. A de. Manaus: EMBRAPA/IFAM-AM, 2016.
3 celular sonoro. Entrevista concedida ao Artigo cientifico:
Ajuri nas Florestas: Uma prática real. EMBRAPA/IFAM-AM.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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RODRIGUES, José. José Rodrigues: depoimento


[07.03.2016]. Entrevistadores: MERIGUETE, I. L. de A. V;
ARAÚJO, M. I. de; SOUSA, S. G. A de. Manaus: EMBRAPA/
IFAM-AM, 2016. 2 celular sonoro. Entrevista concedida
ao Artigo cientifico: Ajuri nas Florestas: Uma prática real.
EMBRAPA/IFAM-AM.
SILVA, Francisca Morais da. Francisca Morais da Silva:
depoimento [07.03.2016]. Entrevistadores: MERIGUETE, I.
L. de A. V; ARAÚJO, M. I. de; SOUSA, S. G. A de. Manaus:
EMBRAPA/IFAM-AM, 2016. 1 celular sonoro. Entrevista
concedida ao Artigo cientifico: Ajuri nas Florestas: Uma
prática real. EMBRAPA/IFAM-AM.
THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 18. ed.

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AS PRÁTICAS DO ENSINO DE HISTÓRIA NO


5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL, EM
UMA ESCOLA DE MANAUS
ANDRADE, Elisiane Sousa de1
Introdução

O presente trabalho aborda sobre o ensino de História


no 5º ano do Ensino Fundamental em uma escola municipal de
Manaus, com o objetivo de analisar o caráter emancipatório,
humanístico e democrático do ensino de História como com-
ponente obrigatório do Currículo educacional. Considerando
que o componente curricular como parte das ciências sociais é
de suma importância para que o aluno compreenda o mundo
ao seu redor, as relações culturais e a forma de como a socie-
dade se organiza.
É necessário enquanto profissional da educação apri-
morar o conhecimento sobre a relevância do componente cur-
ricular na formação dos educandos, analisar e refletir sobre a
forma de como esta é aplicada no contexto escolar, sobretudo,
em relação ao seu papel emancipador, onde o aluno receba um
ensino que dê a ele condições de ampliar sua visão de mun-
do, construir a autonomia pra dá continuidade nos estudos de
forma sistematizada, não só pela obrigatoriedade, mas como
um direito ao acesso a uma educação de qualidade. Por isto,
é fundamental que os educandos sejam motivados a gostar de
estudar.
1 Formação Pedagogia, MBA em Comunicação Eleitoral e Marketing
Político, Especialização em Gestão do Currículo e Desenvolvimen-
to de Práticas Pedagógicas, Atuação. Professora Instituição SEMED.
E-mail: elisianedeandrade76@hotmail.com

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Com base nessa visão investigativa, reflexiva e analíti-


ca o presente trabalho está composto pela apresentação da pes-
quisa realizada a partir do projeto de pesquisa e seus elementos
como dados, apresentação dos mesmos, discussão e por fim,
as considerações finais enfatizando a relevância do desenvolvi-
mento deste estudo.
Contudo, ressalta-se que para a realização deste tra-
balho, fez-se a pesquisa de campo, onde a coleta de dados es-
sências deu-se através de entrevistas, análise do livro didático
e de documentos como, a proposta pedagógica, planejamento,
além da observação em sala de aula. Os sujeitos participantes
da pesquisa foram professores, gestora, pedagoga e alunos. O
estudo foi realizado no período de agosto a dezembro de 2015.
Portanto, a investigação foi de grande valor, no sentido de pro-
porcionar um olhar minucioso, crítico e reflexivo sobre o ensi-
no de História por ser um componente essencial na formação
de pessoas, enquanto seres participantes de uma sociedade
plural e complexa.
Desenvolvimento
As práticas do ensino de História no 5º ano do Ensino
Fundamental é o tema do presente trabalho, desenvolvido em
uma escola municipal de Manaus.
A escola possui o Projeto Político Pedagógico do ano
de 1999, poucas vezes reformulado. O corpo docente é compos-
to por uma gestora, professores, secretária, tendo coordenado-
ra pedagógica e apoio pedagógicos em cada turno, auxiliares
administrativos e auxiliares de serviços gerais e bibliotecária. A
mesma funciona nos três turnos, ou seja, matutino, vespertino
e noturno. Dispõe de todas as verbas federais. Há alguns anos
vem passando por sérios problemas na estrutura física.
A clientela atendida em sua maioria é de família de baixa
renda, dos quais 20% são cadastrados no Programa Bolsa Famí-
lia. Os alunos matriculados na escola são do próprio bairro onde
a escola está localizada e 185 moradores das adjacências.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Justificativa
O presente estudo discorreu sobre o ensino de His-
tória, sua importância na formação dos alunos, sendo com-
ponente obrigatório também para os anos iniciais do Ensino
Fundamental estabelecido nas leis que regem a educação. Nes-
se sentido percebeu-se que a História tem grande influência no
foco social e remete aos professores a enorme responsabilidade
de ir além das ações que perpassa pela sala de aula.
Realizou-se a pesquisa em uma escola municipal de
Manaus devido à necessidade de analisar a consonância da
proposta curricular com o contexto, realidade e livros didáti-
cos adotados pelos alunos. Torna-se importante analisar se essa
área de ensino é abordada de forma emancipadora que garanta
o que conta a Constituição e LDB, sobre o pleno desenvolvi-
mento do aluno. Portanto, fez-se necessário a busca de respos-
tas no sentido de compreender, se a carga horária estabelecida
supre de fato a função que se espera da disciplina, na perspec-
tiva de desenvolver nos alunos a criticidade, compreensão do
meio e a percepção deste, como ser político, econômico, social
e cultural, para que possa intervir positivamente na sociedade
como cidadão conhecedor dos seus direitos e deveres.
Outro ponto importante a ser analisado são os con-
teúdos propostos no currículo, se estes tem de fato a intenção
formar sujeitos pensantes, ou simplesmente a aplicabilidade
do cumprimento da proposta sem o compromisso com a edu-
cação emancipadora. De acordo com Libâneo (2014, p 83), “a
organização curricular, especialmente a seleção de conteúdos,
é uma questão a ser enfrentada pelos educadores”. Desta forma,
os conteúdos devem está articulado também com a vivência
dos educandos, formulados e abordados de forma que propor-
cione a abertura para novos saberes.
Deste modo, espera-se que a partir das leituras de teo-
rias emancipadoras, que elencam uma educação no sentido de
libertar o indivíduo, onde ele possa seguir o próprio caminho,
tomar decisões a partir de suas próprias concepções, tornando-

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o um ser formador de opinião que intervenha positivamente na


sociedade em que vive e da pesquisa in loco, tenha-se elemen-
tos capazes de contribuir com a melhoria da prática do ensino
de História que atenda a função social e a formação de alunos
críticos, emancipados, livres como frisa as colocações acima.
Portanto, este estudo foi de grande relevância para a
reflexão sobre a prática pedagógica, para o aprimoramento so-
bre a o ensino de História e principalmente que este, permita
o enriquecimento nos debates na escola e na elaboração pla-
nos que visem um novo olhar sobre a disciplina em nível local,
atentando para a flexibilidade e a demanda.

Objetivo geral

• Analisar o caráter emancipatório, humanístico e


democrático do ensino de História no 5º ano do
Ensino Fundamental em uma escola municipal de
Manaus, como componente obrigatório do Currí-
culo educacional.

Objetivos específicos

• Examinar a proposta curricular e sua consonância


com o livro didático adotado pelos alunos da esco-
la;
• Estudar a adequação da carga horária estabelecida
em lei e a relação com o desenvolvimento crítico
dos alunos;
• Analisar o caráter emancipatório do currículo pro-
posto e a relação com o contexto da comunidade
escolar;
• Estudar as propostas de ensino de história emanci-
patórias e suas possibilidades de aplicação no refe-
rido contexto escolar.

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Problemática
No ambiente escolar buscou-se analisar se de fato o
componente curricular de História está sendo trabalhada de
acordo como deve ser no seu caráter social de contribuir para
que os educandos desenvolvam a capacidade sistemática de for-
mular suas próprias opiniões perante a realidade em que vive
e como se organiza e se reorganiza as sociedades partindo de
cada contexto. Como afirma Freire (2001, p.27), “quanto mais
criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se
constrói e desenvolve o que venho chamando ‘curiosidade epis-
temológica`, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal
do objeto”.
Partido deste pensamento o estudo norteou-se sobre a
problemática onde averiguou-se, qual a eficácia do ensino de
História no que diz respeito ao seu caráter emancipatório, con-
siderando o contexto e sua função como componente social?
Metodologia
A pesquisa desenvolveu-se através do método dialéti-
co por fornecer bases que possibilitam a interação dos fenôme-
nos envolvidos, assim como o favorecimento da contraposição
do diálogo e dos fatores em questão, com o objetivo de com-
preender os indivíduos em sua própria realidade, considerando
a relação da criança com o professor, pais e/ou responsáveis. Fe-
z-se a abordagem qualitativa buscando a interpretação e com-
preensão da realidade que permeia o ensino de História, sua
eficácia no processo de aprendizagem. Nesse sentindo, buscou-
-se conhecer de forma mais aprofundada a relação do currículo
com a realidade política, cultural e social da comunidade na
qual a escola está inserida e dos discentes que nela adentram.
A pesquisa qualitativa é importante pelo fato de o estu-
do exigir descrições detalhadas e a relação direta com o objeto
de estudo. Além dos dados relevantes para a sistematização do
trabalho final e considerações mais embasadas, não só teorica-
mente mais também das observações in loco.

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Educação Popular em Debate
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No primeiro momento fez-se o levantamento teórico,


priorizando autores que abordam a importância do ensino de
História de forma crítica e reflexiva. Em seguida a análise do
PCN e das Diretrizes Curriculares.
Em outro momento realizou-se a pesquisa de campo,
onde primeiramente observou-se o espaço escolar; análise dos
documentos pertinentes à pesquisa como: planejamento e Pro-
posta Pedagógica da Semed; observação da prática na sala de
aula; entrevistas com gestora, professores do 5º ano, pedagoga
e alunos.
Fez-se também registro fotográfico da escola e de al-
guns momentos do desenvolvimento das aulas para enriquecer
a coleta de dados. Para as entrevistas, utilizou-se gravador e
questionários com perguntas abertas e fechadas.
Revisão da Literatura
O ensino de História em todas as suas dimensões, é
essencialmente formativa, quando ensina os sujeitos. Assim a
prática, as experiências didáticas fundamentais para a cons-
trução da democracia e da cidadania. Pois através do ensino
de História como fonte educadora é possível compreender
as experiências, as tradições, os valores, as ideias e as repre-
sentações reproduzidas pelas pessoas em diversos tempos e
lugares. Nesse sentido, professores e alunos se tornam forma-
dores de opinião. É por isso que a educação escolar deve ter
a função de proporcionar a produção de novos saberes, uma
nova maneira de vê o mundo, de compreender, fazer, viver e
intervir na sociedade. Como afirma Selva Guimarães (2013,
p.131):
Dimensões do ensino de História no Brasil. A univer-
salização do direito à educação escolar no mundo e
a ampliação do acesso à escola pública no Brasil nos
últimos anos, provocaram a passagem de um sistema
antigo de elite, para uma escola de massas, acentuan-
do as desigualdades de desempenho escolar segundo
a origem social. Esse fenômeno conhecido por nós

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como fracasso escolar generalizado, provocado a par-


tir dos anos 60, sobretudo na Inglaterra, uma série de
pesquisas e questionamentos acerca das relações entre
escola, cultura e classes sociais.

Percebe-se a grande importância da história na função


de um ensino emancipador que seja capaz de fazer o aluno pen-
sar na sua realidade e libertar-se das amarras de uma sociedade
desigual, possibilitando a esse o aprendizado integral no senti-
do de minimizar as diferenças de classes tornando-o sujeito das
ações positivas, tendo oportunidade de vencer as barreiras so-
ciais, como afirma FREIRE (2000) “é importante salientar que o
novo momento na compreensão da vida não é exclusivo de uma
pessoa. A experiência que possibilita o discurso novo é social”.
Neste sentido, é fundamental que o ensino seja capaz de fazer
com que o aluno se perceba como ser social.
Diante disto, a aprendizagem deve ser de fato um di-
reito atendido em todas as dimensões, sem privilégios. Uma vez
que a própria Constituição Federal garante no art. 5ᵒ que, “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ga-
rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à se-
gurança e à propriedade”. Porém, ainda precisa-se avançar muito
para alcançar essa igualdade de tratamento, o ensino de História
é uma das portas de saída para o rompimento dos privilégios nas
mãos de poucos, a educação escolar torna-se grande responsável
por essa mudança. Selva Guimarães (2013, p. 71):
É na instituição escolar que as relações e os saberes
docentes, os saberes dos alunos defrontam-se com
as demandas da sociedade em relação à reprodução,
a transmissão de saberes valores, e histórias culturais.
Nesse sentido as políticas escolares exigem dos profes-
sores de História muito mais que conhecimento espe-
cífico da disciplina adquirida na formação universitá-
ria. O que o professor ensina ou deixa de ensinar na
sala de aula vai além da sua especialidade, dimensões
éticas e politicas.

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Há então, a necessidade de a escola enquanto instituição


valer–se de sua autonomia, atentar para a realidade da comuni-
dade na qual está inserida e adequar o currículo, considerando
que o aluno vem com seus saberes, costumes, crenças e valores
que não podem de forma alguma ser ignorado. O professor de
História deve ir além, observando o contexto, cultural, político
e econômico do seu alunado e propiciar a garantia do direi-
to de aprendizagem como frisa a Resolução Nº 7, Art. 5º.“O
direito à educação, entendido como um direito inalienável do
ser humano, constitui o fundamento maior destas Diretrizes.
A educação, ao proporcionar o desenvolvimento do potencial
humano”. Logo, o ensino de História deve ser voltado para
atender a pluralidade que adentra na escola, reconhecendo o
potencial de cada aluno e explorar os saberes por eles trazidos.
Ao professor cabe a missão de contribuir para que os alunos
despertem para novos saberes.
No art. 6º da Resolução Nº 07/10 -inciso I, “enfatiza os
princípios éticos de justiça, solidariedade, liberdade e autono-
mia; de respeito à dignidade da pessoa humana e de compro-
misso com a promoção do bem de todos”. Portanto, a relação
docente e discente deve ser baseada na troca de saberes, deve
permitir a compreensão do componente curricular e sua im-
portância para perceber as mudanças que marcam a vida dos
indivíduos na sociedade e os fatores que contribuem para essas
mudanças. Para isso, é preciso ir além, atentar para as diferen-
ças de raça, sexo, crença e valores, propiciando o enxergar que
estes fazem parte da formação, histórico- social de cada um e
precisa ser respeitado.
Observa-se um avanço no Currículo, a partir dos mea-
dos século XX. Estudar História torna-se significativo e interes-
sante, quando este sai das leituras sobre reis, heróis e heroínas,
passando a ser contextualizado com o cotidiano das pessoas
e fazer a relação do passado, futuro e presente, enfocando as
dúvidas e problemas que permeiam até hoje. E também, com a
LDB no art. 22, quando estabelece que a educação básica tem

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por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a for-


mação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores. Como afirma Monteiro (2007, p.111) “se o traba-
lho for realizado com a abertura para ouvir o outro e desen-
volvendo a razão crítica, estaremos contribuindo para auxiliar
nossos alunos a compreender a historicidade da vida social,
com os seus riscos e suas possibilidades”.
Contudo, a necessidade de repensar o Currículo e o en-
sino de História para fazer uma educação emancipatória era e
continua sendo fundamental, é preciso tornar o ensino volta-
do para as transformações sociais, permitindo que o aluno se
torne sujeito das suas ações desenvolvendo a criticidade. Um
ensino que seja capaz de contribuir para a diminuição das de-
sigualdades sociais. De acordo com Vasconcelos (2005, p.117)
“a compreensão desse processo histórico nos aponta para a ne-
cessidade de alterar a situação até hoje existente, no sentido de
colocar-se a serviço dos interesses das camadas e de um projeto
de transformação social”.
Nesse processo, deve-se lembrar da realidade social,
política, econômica e cultural em que vivemos e da realidade
encontrada em cada escola e, consequentemente, em cada sala
de aula. A escola onde a pesquisa foi realizada, como qualquer
outra instituição de ensino tem suas especificidades, de acordo
com FREIRE(2000), “a alfabetização, por exemplo, numa área
de miséria só ganha dimensão humana se com ela se realiza
uma espécie de psico-análise histórico-politico-social de vá
resultando a extrojeção da culpa indevida”. Logo, e educação
em uma escola rural ou periférica deve-se atentar para essas
questões, ou seja, é preciso um olhar de fato formador e trans-
formador.
Desta Forma, é importante salientar que cada aula é
única que na realidade da sala de aula, têm-se alunos reais,
concretos, afetados pelas influências históricas, sociais, políti-
cas, econômicas, culturais, etc., e estas influências atuam sobre

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seu modo de ser, ver, compreender e atuar no mundo. Como


ressalta Selbach (2010, p.38):
Aprender História é importante para que se valorize
o patrimônio sociocultural e o direito de cidadania
como condição de fortalecimento da liberdade de
expressão e da democracia, único sistema capaz de
manter o respeito às diferenças e a luta contra as de-
sigualdades.

Portanto, as teorias pesquisadas foram de fundamen-


tal importância e serviram de base para análise e interpretação
dos dados coletados a partir da investigação em relação ao en-
sino de História e os fatores que influenciam na aplicabilidade
no cotidiano escolar, na construção da cidadania, da liberdade,
da compreensão social especificamente com alunos do 5º ano
do Ensino Fundamental.
Conclusões
Tomando como base os objetivos que nortearam
este trabalho, em relação ao ensino de História, ao investi-
gar in loco a prática no cotidiano escolar, observou-se que
apesar dos esforços e compreensão de alguns professores so-
bre a importância da disciplina para a formação dos alunos
de forma a promover a inserção destes a informação siste-
matizada. Porém, não trabalham como parte do curricular
prioritária.
Esta realidade se dá segundo os relatos, devido à di-
ficuldade apresentada pelos alunos no domínio cognitivo nos
componentes de Língua Portuguesa e Matemática, por exem-
plo, o que leva os professores a priorizarem mais essas áreas.
Ressalta-se também, a dificuldade apresentada por alguns do-
centes de trabalhar na proposta interdisciplinar, uma vez que
é necessário e as áreas curriculares não são desconectadas, ou
seja, não há um estanque de saberes. Neste sentido torna-se
importante que os professores percebam a interdisciplinarida-
de como eixo integrador e extremante necessário para um en-

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sino emancipador, completo, cumpridor da sua função, como


consta no PCN:
(...) É importante enfatizar que a interdisciplinaridade
supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de
conhecimento, um projeto de investigação, um plano
de intervenção. Nesse sentido ela deve partir da ne-
cessidade sentida pelas escolas, professores e alunos
de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo
que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção
de mais de um olhar, talvez vários. Explicação, com-
preensão, intervenção são processos que requerem
um conhecimento que vai além da descrição da reali-
dade mobiliza competências cognitivas para deduzir,
tirar inferências ou fazer previsões a partir do fato ob-
servado (Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino
Médio. Brasília: MEC, 2002, p. 88 e 89).

Percebe-se nos depoimentos a angústia dos professores


diante das dificuldades que enfrentam para vencer a tendên-
cia padronizadora dominante nas escolas, desde o número de
alunos na sala de aula até a falta de estrutura, de recursos e
de acompanhamento qualificado para lidar com uma realida-
de complexa e diferenciada. A falta de tempo para preparar as
aulas é um fator que dificulta organizar o trabalho pedagógico
para que este seja mais eficaz na aplicação não só em História,
mas nos demais componentes.
O planejamento é realizado mensalmente, não há mo-
mento de socialização das práticas em sala de aula, tão pouco
análise comparativa do livro didático e propostas pedagógica.
Os professores planejam utilizando como referência o livro di-
dático, a proposta pedagógica e incluem outros conteúdos se
houver necessidade.
A gestora e a pedagoga relataram que a escola atenta
para a flexibilidade dos conteúdos, atentando para a realidade
dos alunos, mas acompanhando algumas reuniões, e na en-
trevista com professores notou-se que há uma forte cobrança
da Semed para que seja cumprido o Currículo mínimo, que é

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monitorado pela Gestão Integrada da Escola/ GIDE, o que de


certa forma tira a autonomia da escola e dos educadores.
Quanto ao livro didático, à escola adota a coleção “Por-
ta Aberta”, nota-se certo avanço em relação à forma de orga-
nização dos conteúdos. Denota preocupação com o ensino
critico e emancipador, mesmo de forma ainda tímida. Isto é
visível por no livro constar uma base de leis, temas abordados
de outra forma como, “A chegada dos portugueses no Brasil”,
por exemplo, antes era “O descobrimento do Brasil”. A forma
de como vem abordando a formação de sociedade, do trabalho
escravo, percebe-se, intensões de fazer o aluno refletir sobre o
mundo a seu redor, desenvolver a criticidade e formular novas
ideias. Porém, ainda falta constar assuntos mais regionaliza-
dos, que aproxime mais da realidade local.
Segundo o que consta na Proposta Pedagógica (P.8), se-
gue o que está estabelecido nas Leis e Resoluções, contemplan-
do os componentes Curriculares da Educação Básica, tanto
para o Bloco Pedagógico, quanto para as séries complementa-
res 4º e 5º anos e valoriza os temas diversificados, denomina-
dos Temas Sociais Contemporâneos. Porém, há uma distância
significativa entre a proposta e o livro didático Outro ponto
que não está explicito na proposta é a adaptação de acordo com
o local, mesmo que o seu conteúdo siga as Leis, é importante
constar de forma clara, afinal trata-se de um documento oficial
da Semed.
Sabe-se que, de acordo com o art. 26 da LBD, as histórias e
culturas indígena e afro-brasileira são obrigatórias, sobretudo,
em História, porém se tratando do contexto local é importante
atentar para as especificidades e ampliar os conteúdos de acor-
do com as reais necessidades, conforme a Resolução Nº 07/10,
art. 10:
[...] a articulação entre a base nacional comum e a
parte diversificada do currículo do Ensino Funda-
menta possibilita a sintonia dos interesses mais am-
plos de formação básica do cidadão com a realidade
local, as necessidades dos alunos, as características

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regionais da sociedade, da cultura e da economia e


perpassa todo o currículo.

Neste sentido, o professor deve fazer as adequações a


fim, de atender de forma eficaz os alunos, garantindo a eles o
direito de aprendizagem.
Os conteúdos estão organizados em quatro eixos temá-
ticos divididos por bimestres, nos quais compõe as capacida-
des a serem desenvolvidas, conteúdos e orientações didáticas.
De acordo com as orientações didáticas do componente de
História, a prática da interdisciplinaridade deve ser uma cons-
tante, pois amplia a capacidade do aluno em compreender as
relações políticas, econômicas, sociais e culturais que são es-
tabelecidas nos diferentes contextos. Desta forma, observa-se
que a amplitude do ensino de História vai além dos conteúdos
da própria área em questão, mas perpassa por todas as demais
e vice-versa.
A carga horária de acordo com o estabelecido na Matriz
Curricular do Ensino Fundamental de nove anos, nos 5ᵒ anos é
de 1(uma) aula por semana, totalizando 40 anual (extraído da
Proposta Pedagógica da Semed). Perante a relevância da dis-
ciplina para a formação dos alunos, percebe-se que dispõe de
um currículo reduzido, por se tratar de um componente fun-
damental para o crescimento social, intelectual e autonomia do
indivíduo, logo, dificilmente alcançará na integra os objetivos
propostos e a eficácia da aplicabilidade da matéria.
Na opinião dos alunos estudar Historia é importante
para conhecer a cidade, o Brasil, e principalmente suas pró-
prias histórias de vida e de suas famílias. Eles relataram o dese-
jo de assistir mais filmes, fazer passeios para compreenderem
melhor os assuntos abordados na escola. Nota-se o quanto o
ensino de História pode contribuir para os educandos irem
além de suas realidades e formular novos saberes a partir dos
conhecimentos prévios e aportar de forma sistemática em ou-
tras realidades, compreendendo e respeitando a diversidade
existente além da sala de aula.

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De acordo com a observação e relatos, os recursos dis-


poníveis como, Data Show, biblioteca, laboratório de informá-
tica, revistas, livros complementares, não são suficientes devi-
do ao tamanho da escola e a quantidade de alunos atendidos.
No entanto, com todas as dificuldades, resistências e escassez,
percebeu-se que alguns professores buscam trabalhar a disci-
plina de forma diferenciada e motivadora, dando importância
para tal.
No decorrer da pesquisa foi possível observar o tra-
balho desenvolvido por uma professora que levou os alunos
a uma aula passeio, no qual eles visitaram o teatro Amazonas
e adjacências. A finalidade era conhecer a história, o contexto
no qual ele foi construído, a beleza, o turismo, enfim. Segundo
a docente a metodologia foi desenvolvida de forma interdisci-
plinar, envolvendo História, Geografia e Arte, assim promo-
ve-se o fazer pedagógico aproximando o aluno da realidade e
possibilita a aprendizagem prazerosa e significativa, relatou a
professora.
A História como ciência social, é fundamental na for-
mação dos indivíduos, por esta ser feita por homens e mulhe-
res, independentemente de raça, religião, idade, opção sexual,
situação econômica, social e política, todos são construtores
da sua própria história e da sociedade em seus diferentes con-
textos.
As mudanças constantes nas sociedades só são possí-
veis pela intervenção humana e sua interação com o mundo. A
partir dessas intervenções as pessoas vão criando necessidades,
mudando seus hábitos e adquirindo novas culturas. As mudan-
ças causadas pelos avanços tecnológicos, por exemplo, são fa-
tores explícitos na sociedade de hoje. Por isso, a necessidade de
a escola promover as possibilidades para que a aluno aprimore
e sistematize novos saberes, a partir do seu conhecimento de
mundo.
A pesquisa realizada na escola foi de grande valor para
analisar a forma de como está sendo aplicada esta área de co-

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nhecimento, compreender se há consciência por parte dos edu-


cadores sobre a relevância e o verdadeiro o objetivo do ensino
de História, na perspectiva de uma educação emancipadora e
cidadã.
Contudo, cabe ao professor criar condições na sala de
aula para que os discentes desenvolvam a autonomia e desper-
tem o interesse pelo ensino de história, partindo do entendi-
mento da relevância da mesma para o a compreensão e inser-
ção de maneira ativa na sociedade. FREIRE (1983, p.46)
Por isto é que a tarefa do educador não é a de quem
se põe como sujeito cognoscente diante de um obje-
to cognoscível para, depois de conhecê-lo, falar dele
discursivamente a seus educandos, cujo papel seria o
de arquivadores de seus comunicados. A educação é
comunicação, é diálogo, na medida em que não é a
transferência de saber, mas um encontro de sujeitos
interlocutores que buscam a significação dos signifi-
cados.

Logo, o professor deve se despir de seus paradigmas e


colocar-se como aprendiz no processo que permeia pela sala
de aula e vai além dela.
Porém, também observou- se que uma aula semanal es-
tabelecida em Lei não contempla as reais necessidades de uma
formação emancipadora. Todavia, essa carga horária estabele-
cida, além de não suprir as necessidades de abrir o leque dos
indivíduos que adentram na escola, no sentido de compreen-
derem a realidade e tornarem-se capazes de formular suas pró-
prias opiniões, os professores também não aplicam a contento,
utilizando o pouco tempo estabelecido. Estes por sua vez, dão
prioridades a outras áreas, como Língua portuguesa e Mate-
mática.
Outro ponto relevante para e precariedade do ensino
de História, é a falta de formação na área. Todos os professores
entrevistados são formados em Pedagogia. No entanto, mesmo
a Secretaria oferecendo a formação continuada, com a finalida-
de de os docentes que atuam nos anos iniciais aprimorarem os

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conhecimentos e melhorarem a prática na sala de aula, muitos


não gosta das formações, uns até participam, mas reclamam
que poucas vezes esses momentos atendem suas expectativas,
principalmente, pelo fato de não dá retorno financeiro.
Por fim, nota-se que houve alguns avanços quanto à
organização do livro didático, mas este ainda precisa ser mais
regionalizado para aproximar os conteúdos da realidade dos
alunos, a proposta também precisa ser revista e adaptada ao
contexto histórico e geográfico. Logo, a escola precisa valer-se
mais da autonomia e melhorar a ação pedagógica fazendo a
adequação dos conteúdos visando à eficácia no entendimento
da demanda local, priorizando os conteúdos mais relevantes
para a formação dos alunos na sociedade atual, principalmente
respeitando o aspecto regional na qual a escola está inserida.
Desta forma, é possível avançar na perspectiva de a escola e
professores fazerem seu papel social, com a consciência de que
o ensino deve contemplar o aluno além dos muros do espaço
escolar.
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GRUMASCOPE: MODOS DE VIDA, TRABA-


LHO E PARTICIPAÇÃO DE AGRICULTORAS
DA VILA DO ENGENHO- ITACOATIARA -AM

NINA,Socorro de Fátima Moraes Nina1


JESUS, Edilza Laray de 2

Introdução

Não tínhamos o saber, mas tínhamos o querer. O que


é importante de tudo isso, é o querer. Quem não pen-
sa no nós, saiu. O difícil é ser Ascope ou Grumasco-
pe, porque nas flores tem espinhos. Toda história tem
seus espinhos (Flordavila).

A presença de mulheres em ambientes antes só ocu-


pados por homens se nota também na Vila do Engenho, con-
firmando a constatação do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), segundo o qual as cooperativas e
associações se tornaram ambientes da presença da mulher, in-
dicando que esta presença contribui para harmonizar as dife-
renças, atenuar as tensões e realçar os interesses comuns (BRA-
SIL, 2012).
O universo de mulheres, que firmam presença em lu-
gares de associações, ainda é tímido por conta de se vincular
o papel da mulher aos espaços domésticos, viés tradicional da
1 Psicóloga. Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia(
UFAM). Professora adjunta da Universidade do Estado do Amazo-
nas (UEA). Núcleo de Pesquisa Saúde Ambiente/PIRACEMA-Uni-
versidade do Estado do Amazonas. socorromoraesnina@gmail.com
2 Geógrafa, Doutora em Educação (UFRGS, RS). Professora Adjun-
to da Universidade do Estado do Amazonas (UEA ). edilzalaray@
gmail.com

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manutenção e naturalização da mulher no lugar “casa”, ainda


socialmente compartilhado e aceito. Porém, constata-se que
a atuação da mulher vem adquirindo maior relevo na redis-
tribuição de tarefas e espaços de trabalho, emergindo trans-
formações no cotidiano de mulheres trabalhadoras na Vila do
Engenho.
O cotidiano da mulher na Vila não é fragmentado,
mas integrado, sistêmico e revela condições e situações de vul-
nerabilidade e superações, constituindo-se como uma extensa
rede de inter-relações em movimento.
Entrelaçada a histórias da comunidade, pensamento e
cultura, fez-se a criação de um grupo de mulheres da Coope-
rativa dos Produtores do Sagrado Coração do Paraná da Eva-
Ascope; alinhando-se lembranças, constatam-se trilhas de or-
ganização, participação e autonomia.
Sua origem faz interseção com a própria história da
cooperativa dos produtores, movimento de lavradores em
ação, produtores rurais, que possuem uma trajetória política,
de organização, solidariedade e cooperação. Nele criaram no
cotidiano do campo, alternativas que os levaram a competir
no mundo do trabalho com uma responsabilidade da partilha,
sem perder sua base histórica no movimento de trabalhadores
rurais, tendo em comum o ato de luta e solidariedade.
Com base nos preceitos da Ascope, suas lideranças,
quando participavam de encontros regionais e nacionais, co-
meçaram a ser cobrados por organizações, tanto no nível local
como nacional, sobre a não participação das mulheres nas re-
uniões e nos encontros de agricultores e agricultoras. Assim,
ressoava a cada encontro o questionamento sobre a participa-
ção das mulheres ou da não participação destas nos movimen-
tos sociais. Esta constatação não se articulava com as premissas
da trajetória de luta da cooperativa.
Desse modo, para responder à demanda externa, a
Ascope criou um grupo de mulheres ligado à cooperativa, mo-
bilizando o grupo de esposas dos sócios, para se organizarem

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em torno do beneficiamento da produção da cooperativa. Na


fala da liderança, essas mudanças são expressões que marcam
diferentes caminhos, entre obrigação, superação e reconheci-
mento:
No início não sei se elas tinham essa idéia, mas foi
criado (Homben).

Hoje, o grupo tem capacidade hoje, a partir dos cur-


sos, de trabalhar a questão de artes, doces. Hoje qual-
quer programação o grupo faz ornamentação: festa,
casamento, formatura. Na arte culinária podem orga-
nizar e coordenar qualquer evento. No artesanato da
casca do cupuaçu fazem muitas coisas. Ultimamente
o IPAAM deu um curso sobre reaproveitamento de
garrafas pet no mês de março houve atendimento es-
pecifico para o Grumascope (Homed).

A trajetória histórica do Grumascope, enquanto lugar


de participação das mulheres, se constituiu a partir da necessi-
dade de dar visibilidade à mulher na cooperativa. Pois, até en-
tão, sua participação nas atividades da cooperativa se restrin-
gia à esfera privada, como ajudantes no trabalho, no âmbito
da casa, no trabalho doméstico e das rotinas de trabalho, quais
sejam: preparação do alimento para os trabalhadores diaristas
da propriedade de sua família, participando nas discussões so-
bre o plantio e na agricultura familiar, semeando e colhendo.
Trabalho invisível, frente ao processo de organização do traba-
lho dentro da cooperativa. O trabalho da mulher se restringia
à casa, no lar enquanto mãe, e como ajudante do trabalho no
plantio, na esfera doméstica, fora do círculo político de forta-
lecimento da organização, enquanto coparticipe do processo.
Arendt em sua obra, A condição humana, escreve:
Traz na história o fato de que a manutenção indivi-
dual devesse ser a tarefa do homem e a sobrevivência
da espécie a tarefa da mulher era tido como óbvio, e
ambas as funções naturais, o trabalho do homem para
fornecer o sustento e o trabalho da mulher no parto,
eram sujeito à mesma premência da vida. Portanto,

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a comunidade natural do lar nascia da necessidade,


e a necessidade governava todas as atividades nela
(ARENDT, 2010, p.36).

Arendt (2010, p.36 - 39) traçou a dessimetria quando


mostra que há muito, ao homem, era reservado o lugar da polis
e à mulher, o lar. A Pólis diferencia-se do lar pelo fato de somen-
te conhecer “iguais”, ao passo que o lar é o centro da mais seve-
ra desigualdade. Dentro desse domínio a autora revela que “a
liberdade não existia, pois o chefe do lar, seu governante, só era
considerado livre na medida em que tinha o poder de deixar o
lar e ingressar no domínio político, no qual todos eram iguais”.
No espaço da liberdade os sócios da Ascope eram os
homens e em qualquer reunião eles representavam a associa-
ção, as mulheres e toda a comunidade; estas até participavam,
no entanto, de maneira restrita: dentro da comunidade. Das
reuniões do movimento dos lavradores participavam indire-
tamente, através das conversas em casa passando suas ideias,
enquanto companheiras, na esfera doméstica. As idéias eram
incorporadas ao discurso do marido, que recebia o mérito de
sua autoria.
Em uma nítida oposição, as compreensões moderna e
antiga de política, o domínio político e social no mun-
do moderno diferem muito menos entre si [...]. Essa
funcionalização torna impossível perceber qualquer
abismo relevante entre as duas esferas; e não se trata
de uma questão de teoria ou de ideologia , pois, “com
a ascendência da sociedade, isto é, do lar (oikia) ou
das atividades econômicas ao domínio público, a ad-
ministração doméstica e todas as antes pertinentes à
esfera privada da família transforma-se em preocupa-
ções ‘coletivas’. No mundo moderno, os dois domínios
constantemente recobrem um ao outro, como ondas
no perene fluir do processo da vida (ARENDT, 2010,
p.40-41).

O processo coletivo traz a reflexão acerca das conquis-


tas no cotidiano da Vila do Engenho, das mulheres em ação,

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corroborado pelo processo constante de transformações. De-


monstra, além de narrativas de um lugar, um espaço em que
a participação das mulheres foi revelada e o de trabalhadoras,
conquistado.
A necessidade da participação da mulher frente à coo-
perativa se deu pela influência de outras mulheres organizadas
que já participam dos movimentos de associações e cooperati-
vas. A fala de outras mulheres mobilizou cobranças à direção
da Ascope, como: onde estava a mulher na cooperativa? Sendo
que estas já estavam presentes na imagem, e nas histórias no
lugar. Então como se explicava a não participação destas, tão
presentes no dia a dia da localidade?
Como resposta, compartilhou-se a idéia de um grupo
de mulheres que viabilizassem algo permanente e politicamen-
te necessário, para além de participar da ASCOPE; a possibi-
lidade de sustentação do trabalho de mulheres em associação.
Esse foi o norte de tantas outras lutas na comunidade onde a
mulher já transitava, em sua aparente invisibilidade, desarticu-
lada das grandes decisões, atuando apenas como coadjuvante
na casa; passa agora a protagonizar histórias de organização no
trabalho do grupo articulado, mobilizado, trazendo visibilida-
de à sua trajetória.
Grumascope: O grupo de mulheres em associação
Esse grupo, organizado com mulheres dos coopera-
dos, foi chamado de Grupo de Mulheres da Ascope- Grumas-
cope, criado em 01/05/2006, reunindo trabalhadoras rurais. A
primeira estratégia foi chamar outras mulheres para participa-
rem de cursos e atividades voltadas para as necessidades do
lugar; reunir mulheres que quisessem trabalhar em associação.
Foi uma oportunidade para qualificação, para aprendizagem
e geração de renda, que possibilitou às mulheres entrarem em
um espaço na comunidade antes delimitado para homens: o
lado de fora da comunidade, o espaço público.
A história da sociedade e a história de mulheres na

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comunidade oferecem possibilidades de descrever uma nítida


oposição, uma profunda diferença entre espaços do homem e
da mulher no interior da Amazônia.
Já fui dois anos coordenadora do grupo e eu tenho
liberdade de aprender e dar conta do grupo; porque,
muitas vezes, eu só saía se o marido fosse comigo; e
hoje saio sem ele se não puder ir. Muitas coisas eu só
decidia se ele dissesse. Eu aprendi a decidir as coisas.
O papel da mulher é de companheirismo do marido, e
sempre tínhamos que consultar se deveríamos fazer al-
guma coisa. Ficamos acostumadas não em ser submis-
sa, mas em estar em segundo lugar. Aqui nas reuniões
estamos sós, pra decidir, sem os maridos (Flornaz).

Na Vila se vê mudanças e permanências de paradigmas


de dominação e emancipação, produzidas pelas transformações
do lugar e pela sistemática organização e participação das mu-
lheres em diferentes espaços da comunidade. Ao exercerem o
papel de representar a Ascope nas atividades da produção de
serviços, as mulheres, transpuseram o prescrito pelos coope-
rativados, para além da rigidez do mando, criaram oportuni-
dades. Ainda existe o controle por parte dos homens, quanto
à participação efetiva da mulher na cooperativa, pois apenas
um membro da família tem direito a voto, e este é definido pelo
“cabeça do casal” como expressam a representação dada para o
homem.
A família toda participa da cooperativa, mas a cabeça
é o homem (Florelia).

No meu pensamento, a gente só fazia o serviço de casa,


poucas iam para o roçado. Vamos então nos reunir, de-
senvolver o grupo pra nós ter alguma coisa pra traba-
lhar, pra não ficar só naquela rotina do dia-a-dia de
limpar a casa e fazer comida e cuidar de menino. Foi
quando nós começamos pensar dessa forma. Tanto é
que surgiu o Grumascope, a necessidade de sair da-
quela rotina de casa (Flornaz).

Então, eu acho... A nossa boa vontade de organizar,

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juntar, nós mulheres, de mostrar o nosso trabalho, de


dizer para sociedade que a mulher, hoje... Mandamos
no Brasil! Nossa presidência é uma mulher! A gente
colocou essa regra pra, justamente, fortalecer (Flor-
maris).\

Mesmo existindo uma relação de dependência, visua-


liza-se também, formas criativas de transpor ordens e, mesmo
na cobrança pactuada pela participação da mulher na repre-
sentação da cooperativa, esta reelabora sua fala, muitas vezes, a
fala em casa é o voto do marido na cooperativa.
Com a experiência do Grumascope, a parceria com a
cooperativa se estabeleceu em diferentes desejos e estratégias;
os caminhos foram trilhados em diferentes práticas e modos
de fazer, trazendo a discussão, a valorização e a possibilidade,
agora, da voz da mulher na cooperativa.
Nas reuniões da Ascope ainda está faltando a mulher,
porque mesmo sendo grupo informal, poderiam par-
ticipar sem direito a voto e somente a voz (Homben).

Observa-se também que mudanças são possíveis e


que formas e modo de fazer podem ser modificados, como se
observa na reflexão dos cooperados. Novas estratégias de par-
ticipação abrem campos de diálogos e possíveis mudanças, ain-
da que só com voz.
Numa parte do estatuto diz assim, ou homem ou a
mulher; e ai foi o homem. Mas é algo que pode ser
diferente porque, em outra parte do estatuto, ele am-
para, mas inicialmente, ela não pode votar por causa
da inscrição, tá o Homed, então Florna não pode vo-
tar; ela, na inscrição tá escrita, isso, agora nas outras
partes elas são iguais. Ficou assim, podia ser ela, podia
ser eu, mas no entendimento ficou assim... como nos
exercemos agricultura. Foi uma coisa que veio lá da
igreja, tinha clube de mães, clube de jovens e comissão
dos homens, então muitos grupos que se organizavam
nessa época, saíram com esse entendimento que é in-
teressante, mas não e comum, tem muitas comuni-
dades, cooperativas que lá, estão como presidente a

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mulher. E a Ascope, ainda que bom tempo, não vai ter


presidente mulher, a não ser que mude o estatuto, ai
sim, pode ser, por enquanto ainda não (Homed).

Neste espaço vivido, de produção do trabalho, enquan-


to definições dos papéis do homem e da mulher são elaboradas
pela cultura, concebida pelo viver grupal ou pela reprodução
conceitual construída pela comunidade. Implica na concepção
de um espaço masculino e de um espaço feminino no interior
do grupo, ou seja, a existência de um mundo de fora e de um
mundo de dentro da casa respectivamente, interrogando, entre
si, onde homens e mulheres dominam e interagem.
Quando surgiu pra ser o grupo de lavradores, aí se-
guiu essa orientação, pra cá com as mulheres, quando
o grupo foi formado deram só 6 meses. Ascope quan-
do foi formado também só deram 6 meses, vai fazer
23 anos. Só permaneceram isso aí porque todos se in-
teressaram (Flormar).

Todo esse processo foi mediado por ações que se de-


senrolam no ambiente e que se expressam no cotidiano. O co-
tidiano é aqui tratado como o conjunto de atividades, produto
e obras, sendo o locus da produção do viver num contínuo vir a
ser. Lefebvre (1991b), quanto à investigação sobre o cotidiano
propõe uma atitude crítica. Para o autor, é impossível apreen-
der o cotidiano como tal, aceitando-o e vivendo-o passivamen-
te, sem tomar distância crítica, comparar e contestar.
O cotidiano reflete nas falas das lideranças o movi-
mento, conquistas, reflexão sobre os papeis de participação da
mulher, fora da casa, a partir de seu trabalho em associação.
Assim como, dar resposta a possíveis transformações do que
está estabelecido e de possíveis vir a ser.
A organização do trabalho
O Grumascope trabalha com o beneficiamento da
produção da agricultura da família, ganha com a venda de
doces, de derivados do cupuaçu e do abacaxi. As mulheres se

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firmam e vinculam sua história e seu trabalho com a história


dos homens, enquanto trabalhadoras rurais que vivem do que
cultivam e do que produzem na agricultura familiar.
O grupo de mulheres buscou se organizar com ativi-
dades específicas para geração de renda, com objetivos de pres-
tação de serviços para a comunidade, possibilitando um ganho
financeiro para a mulher; igualmente, sustentabilidade para a
organização - Grumascope. Para tal fim estabeleceram padrões
de trabalho, rotinas e critérios de inserção das novas associa-
das. Para darem conta do que primeiramente foi demandado
pela ASCOPE, sistematizaram rotinas e regras:
Durante 5 anos abrimos 3 vezes para novas sócias.
Elas entraram com 5,00 como as primeiras e geral-
mente quem quer participar do grupo tem um conhe-
cimento com artesanato, culinária e tem interesse em
aprender mais. Quando estávamos com 30 e poucas
mulheres a gente dividia em grupos de trabalho para
crochê, bordado e outros; as outras que não sabem
vão para artesanato de flores. Uma venda certa no dia
de finados com flores, grinaldas vendidas nesse dia.
No dia de fazer doce é só pra isso, com trabalhos divi-
didos pra essa finalidade. Cada uma vai pro trabalho
que sabe. Na massa de biscuit uns fazem a massa, vão
tingir, confeccionar peças. Umas têm facilidade de
aprender e outras não (Florauri).

É regra que tudo que conversarmos fica lá, pra evi-


tar falacão, fofocas e isso é regra, faz a gente viver até
hoje. Algumas quiseram se esquentar mas passou.
Colocamos a regra pra gente crescer e se fortalecer
(Flormaris).

Mendes ressalta que (2011, p.32) para trabalhar, as re-


gras precisam ser internalizadas e fazer parte da vida psíquica
da trabalhadora, para que, com essas internalização e as condi-
ções oferecidas pelo grupo, enquanto organização, oportunize
gratificações
Nada nasceu só de nós, eu convidei o Homed, Homo-

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nil, e fizemos as regras. Tudo tem que ter uma regra.


É o caso da Florelia e da tia Florbe, a Florerle, a Flo-
rjandi, todas faltam, mas sabemos que estão fazendo
outras atividades, mas vão voltar para o grupo. Ela
está liberada para trabalhar na comunidade e depois
ela retorna. A liderança é assumida pelo desempenho
e participação do grupo. Não temos formação de lide-
rança (Flornaz)

Ao sistematizar regras, passou a existir no grupo, um


plano de trabalho que deveria ser cumprido e executado, para
tanto foram pactuadas por todas, as prioridades e a direção do
trabalho, foram, realizações de eventos, fabricações de doces
e artesanatos, sendo que o arrecadado ficava no grupo, como
patrimônio. Tal rotina culminou com o registro de conquistas,
como relata a associada:
O Grumascope possui hoje dois terrenos que ficam na
Vila, próximo ao campo de futebol e da arena, na bei-
ra da estrada com 30x20 ou 40x20 comprado por R$
3.000,00, os dois, pra fazer a sede social, para o grupo
se autossustentar, com a renda (Flormaris).

Além do ganho material há o aprendizado, a superação


quanto às críticas externas, resultante da condição feminina,
reflexo da cultura local. E a fala expressa a conquista:
As atuais membros do grupo, que totalizam 22, apren-
deram a ouvir as críticas, a escutar opiniões contrárias
e respeitar as ideias divergentes. A gente sabe respeitar
o lado de cada uma (Florauri).

Quando eram 30 mulheres havia opinião de todos os


tipos. Saíram 8 e as que ficaram aprenderam ouvir e
nem sempre concordando, mas aceitando o que cada
uma tem a dizer (Florauri).

As mulheres fizeram do mando, a ação de possíveis


lugares de trabalho, escreveram com todas as outras, a necessi-
dade de continuação de novos caminhos e oportunidades. Na
fala do grupo, a história de tantas mulheres, na Vila do Enge-

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nho, que transpuseram de submissão, visibilidades e mobiliza-


ções, de novos caminhos na história.
Mobilização da subjetividade no trabalho de ser
Grumascope
Entre a subjetividade e o sujeito do trabalho, a dife-
rença consiste nas singularidades do engajamento de cada cor-
po, enquanto totalidade, no lidar com diferentes esferas de tra-
balho e de mando, dentro e fora da esfera doméstica.
Lancman (2008, p.33) reflete acerca do conteúdo sim-
bólico do trabalho, com seus aspectos invisíveis, com as rela-
ções subjetivas; aqui, da trabalhadora rural, com suas novas
formas de lidar com o sofrimento gerado pelo trabalho novo
ou por outro trabalho na associação, podendo gerar efeitos so-
bre a saúde física e mental.
A autora diz que:
Apreender e compreender as relações de trabalho
exige mais do que a simples observação, e sobretudo,
exige uma escuta voltada para quem executa o traba-
lho. Para apreender o trabalho em sua complexida-
de, é necessário entendê-lo e explicá-lo para além do
que pode ser visível e mensurável: é necessário que
se considere a qualidade das relações que ele propicia
(LANCMAN, 2008, p.35)

O núcleo do sentido na fala da associada, quando


diz: é muito dolorido sair e deixar os filhos (Florsi), reflete que
o Grumascope passou a ter como rotina, um dia de trabalho
para a associação. E quando se faz necessário mais que um dia,
para obtenção de recursos financeiros, gera então sofrimento
na condição dessa mulher em optar pelo trabalho no Grumas-
cope em detrimento ao do lar. Isso quando se fala em 1 dia
especificamente, uma tarde, nesse contexto, o sofrimento é de
não cumprir ao final do dia com as tarefas dentro e fora de casa.
A alternância e gestão casa e Grumascope, focaliza mu-
lheres donas de casa que introjetaram a responsabilidade cui-

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dando de filhos, do marido, da produção da família, no que


concerne ao preparo dos alimentos para casa e para os traba-
lhadores do plantio da família.
No início passávamos o dia todo no Grumascope e
abandonávamos a casa e o marido pra ficarmos jun-
tas. Foi muito difícil conciliar as coisas e por isso mui-
tas desistiram. Elas diziam que não conseguiam fazer
o trabalho da casa e participar do grupo(Florauri).

Esta fala concretiza o que é deixar a casa para partici-


par do Grumascope ou de trabalhar em outra atividade fora de
casa. Ressaltam que o dia a dia é cansativo e são exigidas pela
representação social do cuidado pela casa e família.
Aqui as mulheres do Sagrado são diferentes de outras
porque tem participação no desenvolvimento. Ao en-
trar numa casa aqui na comunidade dá pra sentir a
diferença de outra região, por exemplo, do Rio Madei-
ra. Se todas vão pra roça a casa nem sempre fica lim-
pa, encerada. Aqui a grande porcentagem não vai pra
roça, mas a casa, as crianças são mais bem cuidadas, a
alimentação é mais bem feita (Florben).

As daqui são guerreiras, porque contribuem com a


parte do crescimento financeiro da família, o esposo
e trabalhadores que estão no roçado, elas tem o tem-
po do investimento pra outras coisas como roupa pra
ajudar no orçamento da casa. Elas agregam uma ou-
tra fonte de renda na família. São mulheres guerreiras
(Homben).

Mesmo que no olhar do outro, o ficar em casa é ter tem-


po, não se dando conta das inúmeras atividades da mulher no
âmbito da casa e da família, reconhecer que o trabalho fora de
casa, contribui no orçamento da família.
Diante da diversidade de tarefas e cobranças, as asso-
ciadas no Grumascope, comprometeram-se, como representa-
do na fala, em não abandonar o barco, aqui a associação (Flor-
maris).
O que se constata é que a saída de casa para outra ati-

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vidade, causa sofrimento, vivenciado por outras mulheres da


associação, provenientes de dois fatores, uma das expectativas
que os homens compartilham sobre o que é ser guerreira, e ou-
tra que da sobrecarga que se acumula para responder às expec-
tativas. Acumuladas as obrigações domésticas com o trabalho
no Grumascope, tinha a situação da mulher frente à família,
e do dar conta da produção estipulada de artesanato, além da
dura realidade, que nem sempre se lucraria:
No próximo instante que mulher foi pra lá e tinha que
doar seu serviço e solidarizar com o grupo, muitas
saíram porque só foram com interesse de situação fi-
nanceira. Não queriam o grupo pra nós, queriam pro
eu ( Flornaz).

Mendes (2011, p. 88) ressalta que narrar o trabalho é


condição para desvelar o sofrimento vivenciado, é possibilida-
de de resgate da capacidade de pensar e partilhar o sentir.
Falar de seu cotidiano de trabalho dentro e fora da
associação é constatar, para si e para o outro, que este ocupa
grande parte do tempo e da história dessa mulher, que enfrenta
rotinas complexas na articulação de diferentes papéis.
É muito difícil fazer um trabalho junto, porque as
mulheres trabalham. As mulheres são todas agricul-
toras e somente duas são funcionárias públicas. Duas
fazem faculdade em Manaus e continuam ligadas par-
ticipando, principalmente nas férias. Elas pretendem
voltar, Florelia faz agronomia e a Florerle faz turismo
( Flornaz).

Esse processo tem que ser enfrentado não apenas com


recursos psicológicos, mas reelaborando a visão de grupo, en-
quanto espaço de mobilização e conquistas a partir de um en-
tendimento de totalidade sócio-histórica e cultural.
Mobilização de coletivos
De porto em porto, como uma imagem que se faz: o
Grumascope, o barco encadeado em rotinas, traz e leva notí-

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cias, possibilita o de fora chegar devagar, na mansidão do lugar,


o apito avisa sua chegada na beira do rio. Trocas, notícias, ne-
gociações se fazem, a dinamicidade dialética de ir e vir, às vezes
só é possível por barcos de linha, que trazem de fora mudanças
em sequenciadas movimentações: a Vila como o porto, o lugar
de trocas; o Grumascope é o lugar que alinha esperanças, mu-
danças e solidariedade; e em cada parada há possibilidades de
refazer um novo. O Grumascope ao ser criado, respondeu tam-
bém ao desejo das mulheres de sair de uma rotina que adoeces-
se, de um trabalho solitário, articulado nas falas como estresse,
à um trabalho solidário, criativo, que promovesse prazer, ale-
gria de compartilhar vivências e superações.
Fazíamos o serviço de casa e pra sair dos trabalhos
de casa, as mulheres estavam estressados em casa. No
primeiro dia estabelecemos o dia de reunirmos no sa-
lão da igreja porque não tínhamos sala(Floreli).

Elas diziam: eu rezo pra chegar a quinta-feira porque


eu saio do estresse de casa e aqui a gente conversa, se
diverte. Algumas saíram por causa de religião e saí-
ram, o pastor não deixou ficar. Outras porque viam
apenas o dinheiro. Outras porque faltavam muito.
Quando iniciamos contribuímos com 5,00 e hoje te-
mos muitas coisas (Flormaris).

Dejours (2012a, p.178) afirma que “o milagre da pa-


lavra, ao final, pode se produzir quando, entre aquele que as-
sume o risco de falar e aquele que escuta, existe uma relação
de equidade”. O espaço da fala transforma sentidos comuns de
vivências, o espaço da palavra interpreta e produz, movimenta
a ação de coletivos produzindo cooperação e mobiliza ações.
Embora vivenciassem o sofrimento e o medo de não
darem conta da associação e das suas obrigações, tarefas e res-
ponsabilidade, predefinidas pelo costume e pela tradição do
papel da mulher no lugar. O Grumascope, enquanto coletivo
de trabalhadoras se mobilizou, o que de muito facilitou a ga-
rantia de continuidade das atividades no grupo.

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Depois da nossa vinda da UEA duas semanas as mu-


lheres voltam a ter medo de dar um passo a frente,
tem medo da mudança. Temos medo da mudança de
dar um passa a frente e quebrar a cara. Será que vamos
dar conta, vai dar certo? A responsabilidade em assu-
mir as coisas novas atrapalha (Flormari).

Nas narrativas de medos e superações, o coletivo se


transforma, são processos de conquistas, como verbalizado.
Quanto a vinda à universidade, as mulheres foram em grupo, a
procura de cursos de planejamento e encontrara formas de or-
ganização mais elaborada, para fortalecer a trajetória do Gru-
mascope, porém, quando voltam ao cotidiano das obrigações
e rotinas, o real contradiz a vontade. E é nesse sentido que a
experiência do vivido se revela na praxis, e transpõem medos.
O movimento articulado é também produtor de saúde da mu-
lher, uma vez que é mediador de realização de si mesma e de
construção da identidade, de trabalhadora rural e associada.
A necessidade era sair da rotina doméstica. A coo-
perativa começou com os Lavradores em Ação e as
mulheres ficavam em casa cuidando dos filhos e da
casa (Florelia).

A partir do momento que aceitamos o desafio as pes-


soas foram nos orientando, eu ia com a Florna, o pa-
pai, e assim íamos ajudando umas as outras a partir
do momento que nós aceitamos desafios; todo mundo
chegou ali no mesmo patamar, e a partir, daí foram
vindos novos cursos, uma ajudando. E assim a gente
ia ajudando umas a outra todo tempo, mas também
tem essa parte de formação que acrescentam a nos o
desafio (Florerl).

Constata-se na história do Grumascope que a criação


de um grupo passivo seguindo mandos, por muito, se desvela
em ação, fortalecido, no dia-a-dia de partilhas, de mulheres em
organização.
Quantas mulheres a partir do Grumascope começa-
ram a ter essa visão assim: a Flornaz tá como contra-

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tada da Ascope, Florel fazendo faculdade de agrono-


mia, a própria Florma, administra a questão daqueles
tanques de peixe, de certa forma ela tá administrando
também. Tem outras mulheres que estão na frente
de trabalho junto com seus maridos ou bem mais na
frente, assim contribuindo, de uma forma mais inde-
pendente pra dar condição, melhoria da família (Flo-
raur)

Estudos revelam que a ação coletiva das mulheres


agricultoras foi, sem dúvida, uma das grandes novidades do
cenário político da época. Em vários locais do País, no início
dos anos de 1980, assim como aconteceu na Vila do Engenho,
pequenos grupos de mulheres passaram a se reunir para con-
versar sobre as suas vidas e o trabalho (CORDEIRO e SCOTT,
2007, p. 421).
A ideia era formalizar e desestressar (Floreli)

Processo de criação, que ao pensar se fez o agir, sobre


os desafios da natureza e sobre os desafios sociais, onde esta
mulher está situada. Como tal, o processo é dinâmico e contra-
ditório. Registrou-se na organização do trabalho das mulheres,
alternância de gestão e aprendizado, as mulheres saem do re-
bojo e seguem o caminho como na imagem dos barcos de linha
na Amazônia, as mulheres desatracaram as cordas para seguir
seu caminho. Vê-se que já há caminhos percorridos por outras
mulheres:
As lutas que alcançaram uma maior visibilidade po-
lítica ocorreram em torno de quatro eixos: reconhe-
cimento do trabalho na agricultura e nos sistemas
agroextrativistas; lutas pelo direito à terra e pela refor-
ma agrária; acesso aos benefícios da Previdência So-
cial; participação das mulheres na estrutura sindical,
seja como associadas a sindicatos, seja como diretoras
de sindicatos e federações (CORDEIRO e SCOTT,
2006, p.421).

O Grumascope foi o lugar de referência das mulheres

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para o encontro, para as decisões; não só do grupo, enquanto


organização, mas o lugar do reconhecimento conferido pelo
outro.
O Grumascope está presente na vida da Comunidade.
São muitas coisas. Também nas datas como finados...
A gente pode contar com esse serviço tanto na ca-
pacidade de fazer, quando de se aperfeiçoar. O Gru-
mascope é prestação de serviços para a Comunidade
(Homben).

Para Dejours (2008c, p.343), por trás desta expectativa


de levar uma contribuição singular para o campo do trabalho,
há, de forma irredutível, uma busca de identidade.
As mulheres têm ocupações fora de casa para se sentir
útil, precisa se sentir reconhecida e na quinta é uma
oportunidade de sair da rotina (Floraur).

Eu sou presidente e em casa eu administro junto com


o Homil no peixe eu cuido do peixe fazendo bio-
metria, quantia de ração etc. eu ajudo ele quando o
técnico vem fazer biometria que ele não está, passo
as coordenadas pro técnico e jogo ração pros peixes
(Flormaris).

Ao sair de casa, assumem demandas de trabalho dis-


tanciadas de sua rotina pretérita, as mulheres se identificaram
com o trabalho, com a identidade de ser Grumascope, e do
reconhecimento pela ASCOPE, pela capacidade organizativa
do grupo.
Quem não participa fica mangando, porque mulher
junta, é só pra fofocar. Mas estão vendo agora, que
não é bem assim (Florni).

Quando estamos tristes é aqui que conversamos... os


maridos dizem lá vão ficar conversando, mas não, é
mais que isso, é aqui que olhamos o que cada uma
esta passando e precisa, além do que, ganhamos um
dinheirinho (Florsi).

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É conferido no olhar do outro, o espaço da partilha,


lugar de referência para as associadas, que ali encontram para
além da fala, o que é comum, tristezas, riso e solidariedade.
O que mobiliza o sujeito em sua relação com as tarefas, é o
desejo subjetivo fundamental de obter em retribuição de seu
engajamento e de sua contribuição um benefício em termo de
sentido para si. Atrás da mobilização subjetiva, há a busca da
identidade (DEJOURS, 2008c, p. 343).
Em relação aos maridos eles colaboram porque veem
o resultado do grupo e que não é só pra fofocar. Quan-
do tem curso de uma semana eles não reclamam [...]
tem que, não aceitar as críticas ou, saber lidar com
elas (Flornaz).

No lidar com situações adversas ao cotidiano da mu-


lher da Vila, houve um aprendizado no fazer a articulação, nos
cotidianos do trabalho, da organização, no reconhecimento,
dentro e fora da casa. Se produziram associação, se produziram
coletivo, formas de superação, no exercício mesmo, do traba-
lhar no Grumascope.
Grumascope: espaço e participação no coletivo de trabalho
É ingênuo acreditar que se tratou de uma prática sim-
plesmente metodológica, politicamente neutra, pois a mulheres
associadas participaram de todo o processo gerador de novos
espaços públicos e políticos, nos quais se recriou o imaginário
democrático dos quais se construíram e se constroem novas
opções para promover mudanças.
Os outros conseguem ver sim, depois da criação do
grupo, foi chegando também a escola foi se unifican-
do fundamental, ensino médio, curso EJA3. Então,
através do nosso grupo algumas foram perdendo a
3 A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é voltada para jovens e adul-
tos que não puderam concluir seus estudos na idade própria, pro-
porciona ao aluno a oportunidade de elevar sua escolaridade por
meio de novos conhecimentos, que podem ser utilizados nas dife-
rentes relações cotidianas.

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vergonha, começaram a estudar. Eu por exemplo fiz


ensino fundamental, na época eu parei na quarta serie
primária, fiz o fundamental, fiz o ensino médio. Quase
todas as mulheres hoje do grupo tem o ensino médio,
as que não têm, tão a caminho porque estão fazendo
ensino fundamental e outras meninas que já saíram do
grupo e foram fazer faculdade em Manaus, já tudo atra-
vés que iniciou o grupo(Flornaz).

Nesse cotidiano, O Grumascope, se fortaleceu pela par-


ticipação da mulher, que teve papel relevante como gerador de
novos processos sociopolíticos, e, assim, quando são implemen-
tadas atividades tem o enfoque participativo, que elas dizem: do
nós e não apenas de uma.
Por causa da faculdade dela, não ia poder participar do
grupo, mas nós reunimos, todo mundo junto, decidi-
mos que ela não ia sair do grupo. Ela estava se afastan-
do do grupo porque ia fazer a faculdade, fazer os cursos
dela pra depois voltar e ajudar nós mesmo (Floraur).

Fico feliz porque todas tem que subir degraus através


do conhecimento e não apenas umas (Flornaz).

A participação, para além da difusão de vivências indi-


vidualizadas, implicou cooperação, mudanças por parte das li-
deranças da Vila. A construção do papel mulher que diz: ainda
requer um processo permanente de aprendizado (Floreli).
Conclusões
A capacidade de mobilização social, foi articulada como
processo que, através da conscientização e capacitação, possibi-
litou melhor estrutura organizacional, neste caso, visualizou-se
a participação das mulheres, com suas especificidades, diante da
realidade rural, pôde permitir o exercício de atividades autoges-
tionadas, e assim, fortalecer sua cidadania.
Florjan é gerente do consumo, mas é do Grumascope.
Todas as vezes que as mulheres foram pra organização
melhorou muito mais do que só o homem. Mas isso é

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trabalho (Florelia).

A viabilidade deste processo surgiu de ações nascidas do


outro, e possibilitou na experiência concreta, o reconhecimento
de suas capacidades e potencialidades, que pode ser observada
através das participações destas, tanto no cotidiano dentro de
casa como nas ações exercidas na comunidade nas diversas for-
mas de participação, foi o desvelar de suas práticas em casa e na
comunidade, que possibilitou o reconhecimento de seu valor, e,
consequentemente, possibilitou o crescimento pessoal e coletivo
que se dá através do aprender – aprendendo, do fazer – fazendo.
A princípio quando a gente começou eram mulheres
bem tímidas, chegou lá com a maioria com a cabeça
assim... uma sementinha, mas era muito pequena, do
que era organização, do que é o trabalho social, e do
que era desenvolvimento, a partir do trabalhos que fo-
ram sendo feito de cursos, que foram levados para lá, as
mulheres que se destacaram, como a Florma e Florelia,
na feira no Rio de Janeiro (Flornaz).

A elaboração de um constitutivo da mulher, no enga-


jamento do coletivo, viabilizando mudanças, um processo so-
cial que expressa a busca pela cidadania, é uma realidade que
na Amazônia ainda vem sendo conquistada. As desigualdades
representam a necessidade de uma consciência política acerca
do papel e da importância da mulher na sociedade e na Vila do
Engenho; a visibilidade consciente de sua capacidade, expressa
em seu discurso:
Hoje a mulher já chega em casa, muitas, a maioria já
conversa com seu marido: olha, marido, vejo que as
coisas são assim lá na cooperativa. Por exemplo: da
uma opinião disso, assim é melhor. Já chega, já tem sua
participação, não fica tão calada só aceitando o que tão
impondo, mas ela já chega e coloca o lado dela. Tendo
uma voz pelo marido na assembleia (Flornaz).

A mulher se refere à transposição de receios, na consta-


tação da capacidade da realização de seu trabalho. A interven-

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ção junto à comunidade se deu a partir do conhecimento e das


necessidades das próprias mulheres, como sujeitos de processo
de desenvolvimento e de mudanças.
Para Dejours (2012a, p. 95), os seres humanos tecem li-
gações para junto trabalharem, o fazer junto, “as ligações entre
os indivíduos são fundadas na experiência dividida do real do
trabalho, porque é desta experiência que nasce a sensibilidade
comum que permite posteriormente a formação de uma habi-
lidade coletiva”.
Manifesta-se a inteligência de transformar um espaço
de trabalho, como ação de reconhecimento coletivo, de estra-
tégias criativas, compartilhadas no coletivo do trabalho, no co-
tidiano, e na produção do espaço, chamado do Grumascope.
Aprendemos trabalho artesanal, fazer comidas, do-
ces. Fomos ao Rio de Janeiro participar numa feira de
produtos regionais e levamos doces, compotas, licor
e bombons. A compra desses produtos e o elogio das
pessoas e a qualidade dizendo vocês são do Amazo-
nas, motiva o trabalho (Florerl).

Neste sentido fala-se aqui de um espaço material como


conjunto de lugares exteriores à pessoa, a seu corpo, nos quais
se desenvolvem atividades e as maneiras de ser; esse é também
representado como espaço imaginário, em que exprime uma
realidade interior. Enquanto espaço social é o conjunto dos
comportamentos e das relações que se desenvolvem num dado
território e que caracterizam as diversas modalidades de ações
no interior de uma organização definida.
Destaca-se a práxis, na qual o ser humano se pro-
duz na sua relação com a natureza, ao transformar a natureza
com seu trabalho, transforma a si mesmo. Reprodução, tanto
dos instrumentos técnicos e materiais necessários à produção
como de relações sociais, compreendendo que estas se man-
tém não por inércia ou passividade mas que esse movimento é
complexo e passa pela necessidade da sociedade de viver a sua
cotidianidade.

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Não são todas que pensam assim, mas a gente tem que
continuar firme, não é por isso que vamos desistir. No
exercício já fui dois anos coordenadora do grupo e eu
tenho liberdade de aprender e dar conta do grupo por-
que muitas vezes eu só saía se o marido fosse comigo e
hoje saio sem ele se não puder ir. Muitas coisas eu só
decidia se ele dissesse. Eu aprendi a decidir as coisas.
O papel da mulher é de companheirismo do marido e
sempre temos que consultar se deveríamos fazer algu-
ma coisa. Ficamos acostumadas não em ser submissa,
mas em estar em segundo lugar. Nas reuniões estamos
só pra decidir sem os maridos (Floraurile).

O trabalho no Grumascope apresentara dimensões que


vão além do acesso aos benefícios materiais e do alcance de
objetivos imediatos. A abordagem não dicotômica entre meios
e fins e a ênfase na participação comunitária em todas as fa-
ses do ciclo de determinado projeto, pôde direcioná-las para
a consecução de objetivos cada vez mais amplos e mais com-
plexos. O Grumascope nasceu em um contexto historicamente
dado. Encontraram em tal contexto, o conjunto de relações e
instituições, que as fizeram ocupar posições que independem
a tomada de decisões próprias, assumem determinado sistema
de pensar e agir de um grupo.
O nosso maior desafio é o nosso aprendizado aqui-
lo que a gente vai ganhar, benefícios que vai ficar pra
gente como mulher, crescimento, de evolução mesmo,
chegar no canto e saber conversar se expressar, saber
colocar suas ideias. A mulher se sente mais valoriza-
da, ela se senti mais feliz quando é valorizada, tudo
que vier de benefícios para o Grumascope só vai aju-
dar a nossa auto estima, bem estar, felizes, mais inte-
grada com a sociedade, não são mais aquela mulher
tímida lá do começo(Flornaz).

E nele, as mulheres respondem as demandas da coo-


perativa mas querem em suas falas o reconhecimento de seu
papel de protagonizar histórias. Na organização das mulheres,
superaram as críticas sobre a condição feminina,

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O Grumascope foi elogiado em sua história, na pes-


soa das coordenadoras que viajam e isso ninguém vai
tirar da gente. (Floraurile).

O reconhecimento, criou no funcionamento do grupo


de trabalho, o sentido de uma comunidade de pertencimento.
As mulheres construíram regras e as compartilharam na gestão
de capacidades coletivas de constantes aprendizados. O pro-
cesso de participar, ousar, acreditar, foi mediado pelo enfrenta-
mento de dadas situações, expressas na vida social, na realiza-
ção da própria mulher em seus diversos papéis e trabalho.
Meu sonho é a gente permanecer esse grupo cada vez
crescendo, cada ano que se passa. A gente permane-
cer lutando pelo grupo, se depender da minha pessoa
estou disposta ajudar. A gente quer que cada uma se
desenvolva recebendo esse cargo como coordenadora
que aí a pessoa si empenha e si dar valor, “rodízio de
coordenação” de “liderança”, porque a gente fazendo
isso a gente vai formar liderança dentro do grupo
(Florleia).

O que se constata nas falas é o visível tecido por pala-


vras, resultando em formas de autonomia na realidade da Vila
do Engenho. O Grupo de Mulheres da Ascope – Grumascope,
foi tecendo ponto a ponto, escrevendo suas histórias de vida e
de trabalho.
Nos contextos amazônicos, os contornos de uma Vila
propiciam reflexões das formas diferenciadas de participação
de homens e mulheres refletidas no cotidiano de trabalho e de
organização, que pode referendar a mobilização de cada cole-
tivo, aqui, a história:
Presidentas do Grumascope
1ª Eliane da Silva Oliveira - 2 meses (2006)
2ª Nazira da Silva de Mendonça - 2 anos (2006-2008)
3ª Auriléia Vieira de Oliveira – 2 anos (2008-2010)
4ª Marisa de Oliveira Pessoa - 2 anos (2010-2012)
5a Síntia 2012 - 2 anos (2012 -2014)

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Em seus sonhos: continuando histórias de Edilenes na


adolescência e de Belas, na maturidade, conta o tem-
po de lutas e conquistas na Vila do Engenho.

O sentimento de pertencer ao lugar significa, que é


nesse cotidiano de vivências, que as mulheres se identificam,
produzem e reproduzem subjetividades nos diferentes espaços
em que vivem. As cotidianidades dessas mulheres são, ao mes-
mo tempo, o agora e o futuro, que ao mesmo tempo se relacio-
nam com o lugar e aos modos de viver.
Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. ed. Rio de
janeiro: Forense Universitária, 2010.
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Abastecimento. Gênero, cooperativismo e associativismo:
coopergênero, integrando a família. Brasília: Mapa/ACS,
2012.
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DEJOURS, Christophe. Trabalho Vivo. Trabalho e
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Laerte Idal (Orgs.). Christophe Dejours: da psicopatología
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LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno.
São Paulo: Ática.1991b.
MENDES, Ana Magnólia; ARAUJO, Luciane Kozicz Reis.
Clínica psicodinâmica do trabalho: práticas brasileiras.
Brasília- DF: Ex Libris, 2011.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA


MUNICIPAL MINISTRO MARCOS
FREIRE INSERIDA EM UM PROJETO DE
ASSENTAMENTO
MACEDO, Carolina de Araújo1

Introdução
A pesquisa nasce da necessidade de que as instituições
educacionais do campo não devem ser apenas as responsáveis
por repassarem e produzirem conhecimentos e muitas vezes
valores urbanos perpetuando paradigmas de que o urbano é
melhor. Mas que precisam atuar junto com a comunidade in-
tra e extraescolar, promover desejos de transformação em seus
alunos para atuarem de forma consciente e autônoma em sua
realidade, além de fortalecer lutas por melhores condições e
qualidade de vida.
A necessidade de a escola do e para o campo se fazer mais
atuante como fomentadora de novas perspectivas de vida é
contribuir para que a escola e seus conteúdos pré-estabelecidos
tenham significado positivo para a vida dos assentados e não
apenas preocupada em reproduzir conhecimentos e atuando
de forma alheia aos problemas vivenciados por seus educandos
e comunidade na qual está inserida.
Neste sentido o objetivo desta pesquisa é compreender
a necessidade de contextualizar os conteúdos curriculares pa-
drões com a realidade de agricultura familiar a partir da Edu-
cação Ambiental com os estudantes da Escola Ministro Marcos
1 Mestranda em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazô-
nia - UFAM. Professora no município de Presidente Figueiredo/Am.
E-mail: caroljmacedo@gmail.com

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Freire, além de identificar qual o tipo de relação entre o ho-


mem e a natureza que vem se perpetuando ao longo da história
da comunidade, e entrevistar para identificação do significado
atribuído a Educação Ambiental por parte de educandos, edu-
cadores e comunitários.
A pesquisa cientifica vem definir um pensamento e
baseá-lo de acordo com marco teóricos e sua relação com a
realidade, ou seja, é a ligação estreita entre o conhecimento
cientifico e o conhecimento empírico. Na construção desta
pesquisa de abordagem qualitativa e de tipo descritivo-bi-
bliográfica usamos a corrente de pensamento Dialética, pois
centra-se na relação em que o homem interage socialmente
em decorrência do tempo/espaço em que o mesmo esteja si-
tuado e as alterações no seu modo de vida que acompanhe os
aspectos socioeconômico, político e cultural de seu tempo,
como Gonzaga nos diz:
O pesquisador conhece, conceitua e pesquisa o mun-
do e o individuo a partir de como ele age socialmente
com e contra seus semelhantes. Sendo assim, homens
e mulheres, no tempo e na natureza, constroem rela-
ções sociais de produção (2005, p.83)

Como instrumento para coleta de dados utilizamos a


entrevista estruturada, com três professores, três agricultores/
comunitários e três alunos. Utilizamos também a observação
participante sendo aquela em que o pesquisador vivencia a rea-
lidade e também é parte do universo estudado.
Diante disso, pesquisar o tema Educação Ambiental em
um ambiente de Projeto de Assentamento de Reforma Agrária
é conhecer e se aprofundar nas relações que envolvam desen-
volvimento e transformação da ação do homem na natureza
do que já foi antes, do que se é no presente e, como poderá ser
construído o futuro a partir das relações sociais do homem do
campo.

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A Educação Ambiental: Aspectos históricos e conceituais


na abordagem da Educação do Campo.

Educação Ambiental: Conquistas e espaços de construção.


O conceito de Educação Ambiental vem evoluin-
do associada ao de meio ambiente, seja na visão pre-
servacionista, conservacionista ou associada a pessoas
e natureza. Segundo Reigota (2001) sobre o meio am-
biente são indissociáveis aspectos tantos os biológicos,
os físicos dos de áreas de ciências sociais, pois o ser hu-
mano se constrói em todos os seus aspectos de vida na
maneira como este se relaciona com o meio ambiente.
Dessa forma, para dar corpo ao tema educação am-
biental e a relação do homem e o meio em que vive
transforma e é transformado teremos como base con-
ceitual o que define Reigota:
Defino meio ambiente como: um lugar determinado
e/ou percebido onde estão em relações dinâmicas e
em constante interação os aspectos naturais e sociais.
Essas relações acarretam processos de criação cul-
tural e tecnológica e processos históricos e políticos
de transformação da natureza e da sociedade (2001,
p.21)

Nesse sentido indicamos o ambiente de nossa pesquisa a


um contexto de projeto de assentamento do INCRA, onde pela
política de Reforma Agrária foram desapropriadas terras con-
sideradas improdutivas ou ociosas e entregues após um traba-
lho de infraestrutura básica (sede, escola, posto médico, ruas e
etc.) a famílias para que desenvolvessem a agricultura familiar.
Nesse ambiente especifico ocorrem interações que envolvem a
biosfera(natureza em sua diversidade), a sociosfera (relações
sociais em todos os seus aspectos econômicos, políticos, cultu-
rais) e a tecnosfera (tecnologias utilizadas pelo homem), onde
o homem se constrói e se transforma na medida com que inte-
rage e transforma a natureza.

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Historicamente podem-se citar situações importantes


que envolvam a evolução e a discussão de assuntos relacio-
nados ao meio ambiente e mais tarde a Educação Ambiental,
tema tão discutido em várias conferencias e debates de nível
mundial, nacional, estadual e municipal afinal o que uma “sim-
ples ação” predatória feita em um espaço qualquer no planeta
pode ocasionar consequências sofridas por toda a sociedade.
Portanto ao lado da chamada globalização econômi-
ca, assiste-se à globalização dos problemas ambien-
tais, o que obriga os países a negociar, a legislar de
forma a que os direitos e os interesses de cada nação
possam ser minimamente limitados em função do in-
teresse maior da humanidade (PCN, p. 23)

Em 1866 surge o termo Ecologia proposto por Haeckel


para estudo de toda comunidade cientifica e somente em 1970
o termo e por isso seu estudo veio a ser conhecido por uma
quantidade maior de pessoas, significando um grande passo
para o estudo de “ecossistemas” e o processo de interdepen-
dência dos seres abióticos e bióticos. Em 1968 com o cresci-
mento da população mundial e o aumento do uso dos recur-
sos naturais não renováveis acontece o que veio a ser chamado
de “Clube de Roma” organizado pela Organização das Nações
Unidas- ONU, os problemas ambientais passaram a ser enca-
rados como um estado de alerta e de crise civilizatória. Con-
forme Reigota:
Um dos méritos dos debates e das conclusões do Clu-
be de Roma foi colocar o problema ambiental em nível
planetário, e como consequência disso, a Organização
das nações Unidas realizou em 1972, em Estocolmo,
na Suécia, a Primeira Conferencia Mundial de Meio
Ambiente Humano (2001, p. 14)

Com a necessidade de educar o cidadão para a solução de


problemas ambientais é realizada em 1972, a Conferencia de
Estocolmo que trouxe a discussão e recomendações relevan-
tes, o que se deu em resposta a Declaração sobre o ambiente

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humano ou Declaração de Estocolmo e abriu portas para que


instituições se organizassem na criação de iniciativas como a
da ONU ao criar o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), a Universidade Federal do Rio Grande
do Sul ao criar o primeiro curso de pós-graduação em Ecologia
do país. Em 1975 a UNESCO promove um Encontro Interna-
cional em Educação Ambiental sendo ali criado o Programa
Internacional de Educação Ambiental (PIEA) que trouxe prin-
cípios norteadores como a Educação Ambiental continuada,
multidisciplinar, integrada e contextualizada e, ainda nessa dé-
cada de importantes decisões e iniciativas há ainda o destaque
da Organização do Seminário Internacional de Educação Am-
biental tendo como documento conclusivo a Carta de Belgrado
que afirma a incisividade por parte dos cidadãos em exigir um
sistema de produção econômica que pense nas condições de
vida e de qualidade do meio ambiente e que nenhuma nação
cresça a custa de outra nação.
Em continuação ao Seminário de Belgrado ocorre no
ano de 1977 em Tbilisi na Geórgia a Conferencia Intergover-
namental de Educação Ambiental onde foram apresentados os
primeiros tratos não meramente do ponto de vista ecológico
(biosfera), mas o da ação do homem (sociosfera) e suas tec-
nologias (tecnosfera), que definiu alguns princípios a serem
desenvolvidos nas escolas sendo este documento marco refe-
rencial de todas as outras organizações e eventos, que visa à
conscientização e a sensibilização para com o meio ambiente.
Dez anos mais tarde em 1987 no 2º Congresso de Educa-
ção Ambiental realizada em Moscou, traz à tona a conclusão de
que nada que outrora havia se definido em Tbilisi foi mudado
e inalterado, porém para infelicidade de muitos com opinião
contrária ao que propunha a mesma, o congresso realizado em
Moscou percebeu que as decisões tomadas precisavam ir além
de simples sensibilização, precisavam repensar a educação e o
currículo e práticas docentes como metodologia e formação de
docentes em serviço ou ainda em processo de formação acadê-

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mica onde a Educação Ambiental não deve ser pensada de ma-


neira isolada, como uma área do conhecimento ou disciplina,
mas que deve ser o eixo central de todas as outras.
A Constituição da República Federativa do Brasil, pro-
mulgada em 1988 sendo considerada como uma das mais
avançadas na proposta ambiental. E em 1999 com a Lei nº.
9.795 de 27 de abril do referido ano passa ser o único país da
América Latina a ter uma política nacional específica para a
Educação Ambiental. Em 1992 o Relatório de Brundtland jun-
ção de várias reuniões realizadas pela Educação Ambiental
fornece enfim subsídios para o evento mundial realizado no
Rio de Janeiro que foi a Conferencia das Nações Unidas, Meio
Ambiente e Desenvolvimento sustentável ou a Rio-92, onde a
Agenda 21 que é um plano de ações a serem cumpridas e con-
textualizadas foi aprovada.
Muitas outras conquistas foram alcançadas em relação
à Educação Ambiental estar incorporada ao currículo não
como disciplina específica, mas como tema transversal, porém
na prática seus efeitos acontecem em eventos aleatórios, em
momentos como datas comemorativas e projetos de tempos
determinados. Independente do espaço seja urbano ou rural,
a Educação Ambiental é tema prioritário na nossa realidade
mundial, nos espaços de projeto de assentamento como o da
escola centro de nossa pesquisa é de extrema relevância, pois
contribui no sentido de olhar para quem se ensina e estar com
quem se ensina em um processo dialético de trocas e despertar
da curiosidade ingênua em assunção para a curiosidade crítica
que nos aborda Paulo Freire (1996) sobre a autonomia e sobre
a dependência discente e docente em que se aprende ao ensinar
e se ensina ao aprender.
A abordagem de Educação Ambiental na vertente so-
cioambiental é o marco inicial que nos remete na atualidade a
pesquisa a nível que envolva a comunidade onde a escola está
inserida partindo do todo para as partes, pois desta forma con-
sidera e incorpora os aspectos positivos da vertente ecológica/

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preservacionista, fazendo relação entre natureza e sociedade e


seus aspectos sócio econômicos.
A escola de projeto de assentamento vivenciando a Educação
Ambiental como eixo central de sua ação pedagógica
Através de um sentimento contra hegemônico em que
levantamos a bandeira de trazer à tona a criticidade de nosso
educando muitas vezes esquecida ou até mesmo desencora-
jada, tendo nós a consciência de que esse mesmo educando,
indivíduo e por isso agrupado conforme a sociedade da qual
faz parte e lutador por causas locais e por isso globais, de rea-
valiarmos nossa prática pedagógica, partindo do pressuposto
de O QUE? PARA QUE? E PARA QUEM estamos ensinando.
Caldart nos diz que:
[...] na dimensão da reflexão pedagógica significa
discutir a arte de educar, e os processos de formação
humana, a partir dos parâmetros de um ser huma-
no concreto e historicamente situado. Nesse sentido
construindo junto com o aluno formas de emancipa-
ção de um estado passivo a um estado de lutas por
seus direitos e cumpridores de seus deveres como ver-
dadeiros cidadãos. (2004, p. 23 )

Uma instituição escolar inserida em um projeto de as-


sentamento que vivencia através do contato com os educandos
os problemas socioambientais que acarretam a vida dos comu-
nitários tendo como alunos agricultores e filhos de agricultores
em sua maior parcela não podem e nem deve continuar a en-
sinar assuntos descontextualizados e nem evitar se comprome-
ter com as questões políticas econômicas da comunidade ou
então, nos recusaríamos a afirmar que todo o projeto político
pedagógico é político. Ou se quer através do que pode fazer
estar a favor da comunidade ou contra ela.
E a escola o que tem a fazer? Interpretar esses proces-
sos educativos que acontecem fora, fazer uma síntese,
organizar esses processos educativos em um projeto

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pedagógico, organizar o conhecimento, socializar o


saber e a cultura historicamente produzidas, dar ins-
trumentos científicos-técnicos para interpretar e in-
tervir na realidade, na produção e na sociedade (AR-
ROYO, 2002, p. 27)

É neste sentido que se faz importante a Educação Am-


biental nesta sociedade com características influenciadas pelo
campo. Até por que as disciplinas são na verdade em seu origi-
nal conteudistas e que de modo nenhum trabalhadas de forma
isolada trazem significação ao educando. De acordo com Díaz:
Em relação aos conteúdos, e em um nível mais específico, con-
vém levar em conta que a problemática ambiental pode esten-
der-se, mais ou menos diretamente, a muitos campos sociais,
culturais e tecnológicos. (2002, p. 145) Neste caso trabalhar a
Educação Ambiental como eixo principal de uma escola de
projeto de assentamento implica em se fazer desta o tema co-
mum nas outras disciplinas tradicionais.
É trabalhar todos os aspectos da vida do homem situa-
do, sua historicidade, modos de produção, geografia da região,
fauna, flora, matemática, economia, biologia, ciências, portu-
guês, artes, física, química e tantas outras disciplinas, enfocan-
do a luta, a assunção, pois os mesmos comunitários que inte-
gram esta singularidade de ambiente de reforma agrária nem
se dão conta de que fazem parte de uma conquista histórica e
de que o fruto de seu trabalho é algo extremamente importante
para todos, valorizando a agricultura familiar, seu modos de
produção e fortalecendo processos comuns de vivencia em co-
munidade e produção.
Os conteúdos curriculares trabalhados nos assenta-
mentos devem buscar coerência entre a prática e a
teoria, construindo ferramentas necessárias para uma
visão de mundo, permitindo aos educandos construir
um ideário que os oriente para a vida (COSTA, 2007,
p. 130)

Prática, procedimentos e teoria precisam estar atrelados


de forma que possibilite enfim resultados e, não apenas exis-

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tam no mundo das ideias. Devendo ser levadas em considera-


ção a experiência dos próprios alunos, vivenciando na escola a
verdadeira educação ambiental e não meramente discursando-
-a. Criar oportunidades que não perpassem apenas momentos
aleatórios na escola, mas que seja feito um projeto cotidiano
que a identifique de um modo particular do ensino das escolas
do e para o campo envolvendo todas as disciplinas de forma
horizontal.
Essa proposta de trabalho, se bem administrada no
interior da escola e da sala de aula, pode dar um novo
significado ao conhecimento da linguagem, da mate-
mática, da História, da Geografia, da física, da arte, do
movimento, enfim, de todas as disciplinas que neces-
sitam se adequar a realidade social. (BARBOSA, 2002,
p.10)

Dessa forma a escola precisa se questionar sobre o que


está contribuindo para a comunidade, que tipo de pessoas está
ajudando a formar, se sua dinâmica de trabalho docente coin-
cide com a dinâmica de vida de seus alunos. Incentivando a
crítica da realidade vivenciada e de busca de alternativa para
melhoria de vida principiando então a busca pelo conhecimen-
to, o desenvolvimento da prática e a busca por novos saberes e
novas construções.
A educação neste sentido vem preparar as gerações de
forma que as mesmas analisem por si próprias a maneira his-
tórico-econômica de cada época, de cada sociedade e os resul-
tados que as mesmas causam em seu meio ambiente e do que
as mesmas podem fazer em prol da realização de um tipo de
desenvolvimento sustentável contextual em sua comunidade,
conhecendo o antes, o depois e o que poderá ser.
O professor e seu compromisso com a escola do campo
trabalhando a Educação Ambiental
A importância da escola com essa proposta de vivencia
da Educação Ambiental como eixo central e transversal em se

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tratando de uma escola compromissada com seu público alvo e


com seu contexto comunitário rural e de assentamento, só al-
cançaria sucesso se conquistasse seu espaço e reconhecimento
por parte das lideranças comunitárias, famílias e outros gru-
pos organizacionais existentes no entorno de sua realidade e
alcance geográfico além de ser levada em conta a participação
ativa do professor, professor estes que juntos vistam a camisa
e que se proponham a perceber que seu trabalho docente não
deva ser apenas teórico, mas também prático no sentido de que
a ação vale mais que mil palavras. Como FREIRE afirma: “A
prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o
movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre
o fazer (1996, p. 43) “. Tendo esse pensar certo, a procedência
do sair do aspecto memorizador ao aspecto da vivencia, da so-
cialização e da atuação desse conhecimento na prática, valo-
rizando a leitura de mundo que procede a leitura da palavra
e que traz significação e fortalece o ideário de autonomia e de
atuação do conhecimento a realidade do discente.
Assumir uma postura de envolvimento é assumir com-
promisso com um grupo social. Ensinar/educar é muito mais
do que levar o aluno a aprender e apreender conteúdos de dis-
ciplinas e leva-los a realmente exercerem seu papel na socieda-
de como cidadão, com direitos e deveres. Já que concordamos
que “ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as pos-
sibilidades para a sua produção ou a sua construção”. (FREIRE,
1996b, p.25).
O corpo docente tem como intelectuais orgânicos que
são compromisso com um futuro melhor e se o mesmo con-
quistado, ou mesmo, renovado ao primeiro amor de sua ação
social no mundo pode e deve contribuir neste processo de ma-
neira expressiva. Como? O professor já não tem tantas preo-
cupações, tantos afazeres, tantas cobranças e ainda tem que
conhecer técnicas de agroecologia ou de plantio? Não, não é
isso que queremos do professor nessa perspectiva de Educação
Ambiental na escola de projeto de assentamento, o que quere-

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mos do professor é que o mesmo ministre sua disciplina tendo


como eixo central o contexto ambiental em que a escola está
inserido, que através de sua disciplina trabalhe as problemá-
ticas socioambientais do assentamento e que seja assim um
fomentador, um mediador entre o conhecimento conteudistas
com a associação na vida prática do aluno tão atrelada ao uso e
desuso dos recursos naturais.
Quando o corpo docente se percebe atuante através de
seu trabalho, saindo do status quo percebe quão grande é a sua
responsabilidade para a formação intelectual e humana dos
discentes, uma formação não somente presa a conceitos e li-
vros, mas contextualizada e capaz de instigar nos educandos a
curiosidade de entender sua realidade e de, portanto intervir
nela.
É importante que o mesmo se reconheça como parte des-
se contexto, devendo ser papel do educador e das instituições
educacionais trabalhar sistematicamente deste as series iniciais
a historicidade do aluno, partindo de questionamentos tais
como: onde o aluno vive e em que condições, quem são seus
amigos. Sempre partindo do regional para o global.
Nossas características regionais devem ser vista por to-
dos os habitantes da mesma com orgulho e cabe a nós edu-
cadores sermos exemplos de sentimentos de valorização dos
aspectos culturais existentes para que possamos no presente
desconstruir conceitos de hierarquias étnicas e/ou regionais,
valorizando a subjetividade e maneiras organizações próprias
de cada grupo social. Então qual a educação que propomos?
Na abordagem socioambiental, percebemos uma identificação
com o tipo de Educação Ambiental que precisamos trabalhar
na escola do campo, visando assim questionar, despertar curio-
sidade crítica, instigar a pesquisa e proporcionar junto com os
discentes a descoberta e a procura por técnicas e experiências
para com o uso do meio ambiente.

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Contextualizando a pesquisa
A pesquisa é realizada na Comunidade Marcos Freire,
inserida no Projeto de Assentamento Uatumã no município de
Presidente Figueiredo. O município de Presidente Figueiredo,
criado em 1981, é resultado das iniciativas fracassadas tomadas
na década de 60 e 70 com a necessidade de desenvolver o Es-
tado do Amazonas entre eles a Zona Franca de Manaus, que a
partir de 1970 atrai grande número de imigrantes para a zona
urbana de Manaus cujo demanda de emprego não acompanha
a oferta realmente necessária ocasionando assim a dispersão
dessa massa de migrantes para outras áreas agrícolas para ten-
tarem uma vida melhor ocorrendo assim o desmembramento
de municípios mais antigos e a criação de novos e é nesse con-
texto que surgem os primeiros assentamentos populacionais
na área do que atualmente equivale ao município de Presidente
Figueiredo (desmembrando do Município de Novo Airão), a
partir da abertura da estrada BR-174, da mina do Pitinga e da
construção da Hidrelétrica de Balbina. As primeiras fazendas
deram origem à sede do município, de onde surgem as primei-
ras ruas, as primeiras residências e os primeiros comércios.
No município foram implantados projetos de assenta-
mento de reforma agrária resultado da desapropriação de oito
lotes de propriedade do Governo do Estado considerados im-
produtivos, o que veio a originar o Projeto de Assentamento
Uatumã, situado a distância de 130 km da capital localizado
na estrada que dá acesso a Hidrelétrica de Balbina (AM 240).
Dentre as famílias a que foram entregues os referido lotes deu-
-se prioridade a famílias oriundas da área de inundação da hi-
drelétrica.
Neste Projeto de Assentamento- PA, encontra-se entre
outras a Comunidade Marcos Freire localizada na Am-240
criada no dia 24 de abril de 1988 juntamente com o projeto de
assentamento Uatumã, alcançando um total de aproximada-
mente 160 famílias no início, tendo como objetivo incentivar o
homem do campo a cultivar a terra. No tocante às transforma-

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ções houve desmatamento para abertura de ruas, construções


de casas, igrejas, escola, viveiro, campo de futebol, posto médi-
co e tabernas. A organização social da associação comunitária
resulta de um processo histórico com múltiplas relações sociais
econômicas, políticas, e religiosas que aglutinaram e organi-
zam uma população.
Junto com a criação da comunidade e com o assentamen-
to de famílias, foi criada a escola com o intuito de oferecer edu-
cação básica para as crianças sem que as mesmas precisassem
se deslocar para a sede do município. A escola toda de alvena-
ria era composta por duas salas de aula, uma cozinha e uma
secretaria, com o passar dos anos ela foi se adaptando a novas
demandas e públicos de alunos, hoje a escola possui dez (10)
salas, biblioteca e outras divisões administrativas (cozinha, se-
cretarias e etc.), sendo ofertado ensino deste o maternal até as
séries finais, além de oferecer Ensino Médio através de parce-
ria com a Secretaria de Educação do Estado- SEDUC e Ensino
para Jovens e Adultos- EJA.
Segundo o projeto politico e pedagógico da escola a mes-
ma tem como objetivo contribuir para o exercício da cidadania
onde o aluno deve construir seu próprio conhecimento através
da contextualização e interdisciplinaridade do ensino. A escola
quer formar alunos capazes de discernir os múltiplos aspectos
do homem como ser social, cidadão crítico, autônomo, inde-
pendente. Entre os objetivos que a escola possui percebe-
-se uma laguna ao que se refere à emancipação da criticidade
e autonomia de acordo com a realidade de seus educandos.
É destas contestações e das análises dos dados coletados
é que surge a relevância desta pesquisa, tendo em vista que o
projeto de assentamento que em sua gênese criado para que as
famílias assentadas pudessem construir sua qualidade de vida
a partir da sua relação com a terra tem se perdido em meios a
problemáticas advindas de ligar teoria a prática nos conflitos
das politicas públicas existentes, mas que não saem do papel,
ocasionando êxodo rural e apropriação do urbano ao rural.

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Ocorreu em um período de duas décadas deste a criação


do assentamento, mas propriamente na comunidade estuda-
da mudanças drásticas, antes o agricultor/comunitário tinha
seu lote, sua produção, apoio técnico, participava de feiras se-
manais entre outros processos, hoje em dia, a agricultura é vi-
venciada por poucos, são contadas as famílias que vivem de
renda voltada para esta atividade. Em sua maioria os mesmos
possuem sua renda familiar voltado para venda de sua força de
trabalho para grandes empresários do ramo turístico e comple-
mentados com ações governamentais assistencialistas, as terras
continuam ociosas e sem produtividade, sendo que a maioria
dos comunitários/assentados recorrem ao centro urbano de
seu município para compra de produtos agrícolas e de horti-
cultura, isso quando podem comprar.
E isso nem sempre foi assim. Nesse período perderam
assistência técnica constante, fizeram financiamentos e não
souberam utilizar da melhor forma, venderam seus lotes
mesmo que ilegalmente para pagar dívidas, muitos se deslo-
caram pra Manaus e cidades vizinhas, os poucos resilientes
que trabalham a agricultura encontram dificuldades de es-
coamento de seus produtos e de valorização de seu trabalho.
Segundo Salazar:
Como não mais detinham o controle sobre seus esto-
ques, perderam a autonomia de produzi-los e, portan-
to, de possuí-los e se subordinavam a classe dominan-
te. [...] alugando aos novos possuidores de estoques
seu potencial de trabalho (2006, p. 31).

Diante dessa realidade, no que a escola tem contribuído


para essa realidade? Ministrado aulas descontextualizadas, es-
tando à parte da realidade de seus discentes, tendo como mis-
são emancipadora e cidadã apenas em documentos no seu pro-
jeto político pedagógico? São por essas questões que trazemos
a Educação Ambiental de forma horizontal para a escola, não
que a mesma possa vir a resolver os problemas da comunidade,
mas trazer questionamentos, indagações, problematizações da

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realidade para o discente e que este por sua vez construa seu
conhecimento.
REFLETINDO SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA
ESCOLA MARCOS FREIRE
Através da técnicas de entrevistas estruturadas e obser-
vação participante, pudemos nos centrar para obtenção de su-
cesso de o que procurávamos e o que precisávamos para con-
clusão desta pesquisa que na verdade é processual e dinâmica e
longe de ser inacabada por tratar-se da percepção do todo para
as partes e por envolver aspectos sociais que em sua essência
complexa e variável, pretende entender de forma até que su-
perficial em um primeiro momento, como a escola e sua ação
acontece como apoio de vida para seus educandos envolven-
do a Educação Ambiental que neste sentido busca entender as
relações de trabalho do homem do campo e sua interferência
no ambiente, envolvendo os processos econômicos, culturais e
políticos dos comunitários, alunos e corpo docente.
Diante disso centramo-nos em três questões principais:
O que é Educação Ambiental? E como a escola contribui e
pode contribuir para melhoria de vida das pessoas que vivem
e moram no campo? Relação homem/natureza através de seu
trabalho com o cultivo da terra?
Conceito de Educação Ambiental
De certa forma, o conceito de educação ambiental de-
pende de quem se é dado o direito de resposta, como afirma
Reigota(2001), um psicólogo, um professor, um geógrafo, um
ambientalista de certeza variariam em suas respostas, mas pre-
tensiosamente nos propusemos a identificar o conceito de edu-
cação ambiental por parte de comunitários, professores e alu-
nos e tentamos encontrar um fator comum entre eles. Segun-
das tais respostas, obtivemos as que abaixo serão apresentadas.
Professor A: É um conjunto de fatores que envolvem tan-
to a comunidade, quanto a sociedade num todo, caso não seja

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orientado, nossos adolescentes e jovens, por não conhecerem,


afundam-se num enorme abismo, haja vista que educação am-
biental perpassa deste a orientação sexual, até o convívio com as
pessoas onde estão inseridas.
Professor B: É a prática vivenciada em torno do meio am-
biente e nossas ações individuais vista de forma responsável com
a sociedade.
Comunitário/agricultor A: É toda ação que as pessoas fa-
zem a favor da conservação do meio ambiente.
Comunitário/agricultor B: É o cuidado com a natureza.
Aluna: Preservar o meio ambiente, não desmatar a floresta
é plantar, se você cortar uma árvore tem que plantar.
Selecionamos essas respostas tendo em vista que aos ou-
tros entrevistados os mesmos não souberam enunciar nenhum
tipo de resposta, sendo que para nós pesquisadores até o si-
lêncio e expressões nos remetem a um dado, no caso, a de não
acharem conexão entre a sua realidade e a Educação Ambien-
tal, vista como algo externo, proibitório e de nenhuma forma
estimulador ou possibilitante de atitudes concretas.
A maioria das respostas centra-se na concepção de Edu-
cação socioambiental, não é questão de proibir, impor, mas de
sensibilizar, educar, conscientizar, incentivar, utilizar o meio
ambiente de forma sustentável favorecendo a própria qualida-
de de vida e das próximas gerações vindouras.
Na fala do agricultor/comunitário A vemos o termo con-
servação e o que nos remete pensar agora é lembrar dos rostos
de comunitários em conversas informais que os mesmos não
se interessam muito pela palavra Educação Ambiental, sabem
que é preciso, mas ao invés de ama-la, os mesmos a rejeitam
pois o que lhes foi direcionado foi uma educação de proibição
e não educação.
Na fala da professora já podemos perceber a concepção
integradora que vê a Educação Ambiental como educação para
a vida em sociedade, principio de valores morais e éticas, além
dos de solidariedade.

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O que nos remete também ao discurso elaborado e re-


petido tanto na esfera da educação formal como na esfera da
educação informal, porém os frutos não acontecem por acaba-
rem se tornando alheios ou algo inatingível e sem resultados
práticos, ou seja, a Educação Ambiental acaba sendo algo mo-
mentâneo, de debates, mas não de vivencia.
Contribuições da escola do campo para a comunidade
A segunda e a terceira pergunta segue respectivamente a
mesma ordem dos entrevistados, quando se pergunta sobre a
contribuição da escola para o projeto, com exceção da ausência
da resposta da última entrevistada:
Permitindo aos alunos o conhecimento concernente aos
cursos voltados para as áreas especificas que estudam a terra, ou
seja, mostra-los o quanto é gratificante que o filho do agricultor,
estude e tenha amor pelo cultivo da terra tornando-se um profis-
sional qualificado para esse fim.
Proporcionar momentos em que os mesmos aprendam
como acontecem os problemas ambientais, como evita-los e como
podem soluciona-los.
A escola em parceria com a prefeitura e técnicos do muni-
cípio poderia fazer visitas nos sítios de pais de alunos para saber
as principais dificuldades de se fazer a agricultura no local.
Conscientizando seus alunos a preservar a comunidade
não jogando lixo em lugares impróprios e preservando a natu-
reza do local.
A concepção socioambiental mesmo que timidamente
mostrada já é consenso quase que unânime por parte dos entre-
vistados, que percebem que precisa acontecer uma socialização
de saberes e vivencias, valorizando experiências e culturas locais.
Precisamos não escolher a agricultura por que nossos pais a viven-
ciam, mas por que gostamos, E mais ainda que a saída do campo
não seja por falta de opção e nem de exclusão, mas uma escolha.
Trazer a escola como parceira é se apropriar da escola do
campo como: vinculada ao mundo do trabalho, da cultura, ao

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mundo da produção, vinculada a luta pela terra, ao projeto po-


pular de desenvolvimento do campo. (ARROYO, 2002b, p,26)
Relação homem/natureza
Sabe-se que o homem modifica o meio em que vive atra-
vés da forma em que como o mesmo se utiliza do trabalho, nes-
te sentido, a agricultura e atividades extrativistas, são praticas
comuns na comunidade, mesmo que atualmente serem mais
raras a vivencia da atividade de culturas de plantas e hortaliças,
e até mesmo atividades extrativistas, tudo isto pelo fato de um
consumo mal planejado e desordenado.
A maioria dos pais dos alunos praticam a agricultura, po-
rem essa prática ainda é desvalorizada, devido a falta de apoio,
contudo seus filhos os ajudam nesse cultivo. Percebe-se também
a falta de interesse dos alunos em continuarem essa pratica por
motivos acima citados.
Por falta de apoio técnico os mesmos não cultivam, cheguei
a pouco tempo e não percebo a prática de agricultura como eco-
nomia na comunidade e nem mesmo para própria subsistência,
há casos isolados.
Cultivos além de cupuaçu, banana, também plantações de
maracujá, açaí, macaxeira. A mistura de várias plantas numa
mesma área, mas em ordem de alinhamento.
Na plantação de banana, usamos adubos químicos e orgâ-
nicos, além de cuidar da plantação, não deixando o mato crescer
em volta e deixando no máximo três filhos de banana, o proble-
ma é não ter como vender e não ter uma cooperativa na própria
comunidade.
São realmente poucos os casos de cultivo a terra, e a sis-
temas agropastoris que em suma identificam o campo, o que
estamos presenciando é o urbano se apropriando do campo,
como se este fosse apenas um tempo para ser alcançado em vis-
tas a cidade, os valores e orgulho de ser do campo e por isso vi-
ver com as características do campo sendo deturpados pela he-
gemonia do “urbano melhor”. Ora, o campo é lugar rico, onde
se tecem as tramas do núcleo familiar e do trabalho decente

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e inclusivo, no sentido de que a força de trabalho é originada


do seu fazer autônomo e produtivo e não alienado e exposto a
jornadas de trabalho extensas e sem a valorização necessária.
Conclusões
A Educação Ambiental vista com o olhar de busca de
solução para melhoria de vida, geração de renda, ação do ho-
mem na tentativa de harmonia com a riqueza da biodiversida-
de existente e busca pela inclusão do homem do campo como
construtor de sua própria realidade e na sua relação com a ter-
ra é o que dá a importância desta pesquisa.
Durante a realização da mesma e na síntese dos dados
percebe-se que esta entre tantas outras é um ponto de partida
para reflexão de que como através da educação sócio ambiental
podemos nós como sujeitos do campo nos emancipar e sermos
sujeitos de nossa própria história.
Fomentar a Educação Ambiental em vista a sustentabili-
dade, incluindo e incentivando a agricultura sustentável é um
processo a longo, médio e curto espaço e que envolve e promo-
ve união, assim fortalecendo laços comunitários e a criação de
associações, cooperativas e criação de novos projetos para o
desenvolvimento do campo, através não só de atividades agrí-
colas, mas de serviços derivados do ambiente rural, ou seja,
trabalhando a pluriatividade como artesanato, agroindústria,
turismo e etc.
Não que a escola seja a responsável por tais mudanças,
mas que ela através de sua função social medie processos de
busca por conhecimento a prática dos mesmos, não subordi-
nada a função de reprodução, mas na construção de saberes e
na oportunidade de assunção na sociedade através da criação
de oportunidades de debates e vivencias sociais, tendo como
centro o ambiente como lugar rico e estratégico para absorver
e se apropriar de qualidade de vida para geração atual e para as
vindouras a partir da relação entre Educação Ambiental e sua
prática na realidade.

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Referências e obras consultadas


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movimento social do campo. In: ARROYO, Miguel
Gonzáles; FERNANDES, Bernardo Mançano. A educação
básica e o movimento social do campo: Por uma educação
básica do campo. 4º Ed. Brasília – DF, 2002
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curriculares nacionais: o papel da escola no século XXI.
Curitiba: Bella Escola, 2002.
CALDART, Roseli Salete. Elementos para a construção do
projeto político e pedagógico da educação do campo. In:
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Brasília, DF. Articulação nacional por uma educação do
campo, 2004.
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BORGES, Heloisa da Silva (Orgs.). Educação do Campo: a
epistemologia de um horizonte de formação. Manaus: UEA-
Edições, 2007
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Edição- Porto Alegre. Artmed,2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes
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MEC. Parâmetros curriculares nacionais-Meio ambiente e
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REIGOTA, Marcos. O que é Educação Ambiental. São Paulo:
Brasiliense, 2001(Coleção Primeiros Passos)
SALAZAR, Admilton Pinheiro. Amazônia: Globalização e
sustentabilidade. 2º Edição. Manaus: Editora Valer, 2006

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SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável,


sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

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AS BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL


COMO ELEMENTOS ARTICULADORES NA
CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DA CRIAN-
ÇA EM UMA ESCOLA DA ZONA RURAL NO
MUNICÍPIO DE PARINTINS-AM

PORTILHO, Ana Beatriz1


YOSHII, Carla Adriana2
Introdução
A Educação Infantil no Brasil é denominada como a
primeira etapa da Educação Básica, regulamenta na Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei n 9.394- 96),
dentre outros elementos legislativos que sustentam essa etapa
que determina que crianças de zero a seis anos fossem aten-
didas educacionalmente. Em 2013 essa Lei foi reformulada, o
atendimento passou a ser obrigatório e faixa etária passou a
ser de 0 a 5 anos. Nista-Piccolo (2012) afirma que segundo a
Constituição, é obrigação do Estado oferecer a todas as crian-
ças uma educação na fase da infância. Enquanto isso, a LDB
estimulou certa autonomia ás instituições para elaboração das
atividades curriculares a serem aplicadas nessa faixa etária. Po-
rém o Estado outorga ao município a responsabilidade de ofe-
recer atendimento a Educação Infantil.
Essas atividades curriculares devem ser voltadas para
o desenvolvimento integral da criança, visando articular o prin-
cipal tripé da educação infantil: educar, cuidar e brincar. Pois a
1 Acadêmica do 9° Período de Pedagogia da Universidade do Estado
do Amazonas. bia_pantoja29@hotmai.com
2 Acadêmica do 9° Período de Pedagogia da Universidade do Estado
do Amazonas. carlayoshii@outlook.com

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finalidade principal da primeira etapa da educação infantil de


acordo Nista Piccolo (2012) é proporcionar o desenvolvimento
integral da criança em todos os seus aspectos, físico, intelec-
tual, linguístico, afetivo e social, visando complementar a edu-
cação recebida na família e em toda a comunidade em que a
criança vive, conforme determina o artigo 29 da Lei n 9394/96.
Para que haja o primeiro contato da criança com a ins-
tituição, é preciso que os docentes procurem realizar atividades
que promovam a interação de todos os alunos, e essa interação
se dá principalmente pela brincadeira, por meio dela é possí-
vel desenvolver a comunicação que envolve a linguagem e a
expressão corporal. Dentro da brincadeira é possível trabalhar
todo um convivo social, o respeito com o outro, as regras que
devem ser seguidas, o compartilhamento de opiniões, a cria-
tividade e outras potencialidades que a criança desenvolve ao
longo de seu desenvolvimento. Para Vigotski (2007), a criança
ao nascer já está imersa em um contexto social, e a brincadei-
ra se torna importante para ela justamente na apropriação do
mundo, na internalização dos conceitos desse ambiente exter-
no a ela.
O contexto social é de grande relevância para o brin-
car infantil, é um momento de construção de conhecimento
nas diferentes dimensões. Segundo Brougère (2002) o brincar
não pode ser separado das influencias do mundo, pois não é
uma atividade interna do indivíduo, mas é dotado de signifi-
cação social. A criança é um ser que aprende brincando. As
brincadeiras são formas de divertimento que estão constante-
mente presente e tem grande importância na vida das crianças,
proporcionando a interação e o relacionamento com outras
crianças, podendo obedecer ou não ordens a qual são impostas
em determinadas brincadeiras.
Por meio da brincadeira as crianças desenvolvem au-
tonomias e constrói suas personalidades, estabelecem vínculos
de afetividade, com capacidade de criar e transformar as brin-
cadeiras lúdicas para sua melhor diversão. Segundo Brougère

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(2010), p. 83, “[...] a brincadeira aparece por meio de escapar


da vida limitada da criança, de se projetar num universo alter-
nativo excitante, onde a iniciativa é possível, onde a ação escapa
das obrigações do cotidiano”. É por meio das brincadeiras que
as crianças se sentem livres de “regras” impostas pelos adultos,
tendo total liberdade de criar á sua própria maneira de brincar.
Portanto, esta pesquisa se deu como proposito de uti-
lizar a brincadeira, para o desenvolvimento integral das crian-
ças percebendo suas expressões, falas e encantamentos no 1o.
período da referida escola municipal da Gleba Vila Amazônia
que é uma comunidade rural do município de Parintins - AM,
voltada para a principal temática da área do conhecimento das
Ciências Naturais, que estão inseridas na proposta curricular
da Educação Infantil, os animais, e suas características.
A importância das brincadeiras para a criança na Educação
infantil
As brincadeiras para a criança na Educação Infantil é
de suma importância no processo de desenvolvimento integral
desta. Onde precisamos compreender que o brincar diz respei-
to à ação lúdica, seja brincadeira ou jogo, com ou sem o uso de
brinquedos ou outros materiais e objetos. Brinca-se também
usando o corpo, a música a arte, as palavras etc. sendo possível
articular a todas as áreas do conhecimento na Educação Infan-
til. Ao longo do trabalho vamos perceber onde a criança está
inserida, o espaço que vem sendo proporcionada a viver sua
infância, quais as brincadeiras que fazem parte do seu mundo.
A brincadeira refere-se basicamente à ação de brincar,
ao comportamento espontâneo que resulta de uma atividade
não estruturada. As brincadeiras lúdicas fazem parte de um
círculo global e da vida de cada criança, são formas e maneiras
que elas encontram de expressar suas reais emoções, buscam
com as brincadeiras a interação social, aprendem a respeitar
sem diferença e compartilham suas experiências, segundo
Carvalho (2010 p.7) “educar a criança por meio do lúdico é

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coloca-la diante de situações que possam guiá-las em seus im-


pulsos instintivos”.
Através da brincadeira é possível ensinar a Matemá-
tica, a Linguística, Ciências Sociais e Naturais que compõe a
proposta Curricular Pedagógica, com base nas Diretrizes da
Educação Infantil.
O trabalho com determinadas brincadeiras que reali-
zemos, se deu a partir da temática dos animais com o intuito de
que as crianças possam reconhecer os aspectos característicos,
identificar o habitat dos animais, como também dialogando
com as demais áreas de conhecimento em questão é por meio
da brincadeira que as crianças criam autonomias e constrói
suas personalidades, estabelecem vínculos de afetividade, com
capacidade de criar e transformar as brincadeiras lúdicas para
sua melhor diversão. Segundo Gilles (apud BROUGERE, 2010,
p. 83), “[...] a brincadeira aparece por meio de escapar da vida
limitada da criança, de se projetar num universo alternativo
excitante, onde a iniciativa é possível, onde a ação escapa das
obrigações do cotidiano”. Portanto, é por meio das brincadei-
ras que as crianças se sentem livres de “regras” impostas pelos
adultos, tendo total liberdade de criar, recriar e reinventar á sua
própria maneira de brincar.
Educação Infantil: As crianças e o contexto do campo
Falar de crianças ribeirinhas primeiramente procurou-
-se saber o que significa ribeirinho, que segundo Silva (2012,
p.63) diz que: ‘‘São povos com características tradicionais que
moram próximo aos rios. Suas principais atividades são o ex-
trativismo vegetal, principalmente a borracha, a pesca artesanal
e o cultivo de pequenos roçados para a própria subsistência’’.
Existe no ambiente escolar do campo uma diversida-
de da fauna e flora, os recursos hídricos, estes que podem ser
explorados como forma de se trabalhar o ensino de ciências
e outros conteúdos didáticos de ensino. Os ribeirinhos que
moram distante das comunidades algumas ocasiões vão a ci-

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dade vender seus produtos e se interage nessa sociedade glo-


balizada que estabelece o desejo de consumo. Como diz Silva
(2012, p.77), com isso a criança das áreas rurais está submetida
às medições materiais e simbólicas que também incidem so-
bre as crianças das cidades, assim como delas se diferenciam,
particularmente [...]. Nesse contexto sabemos que a infância é
cultural e perpassa por nossa vida de uma maneira subjetiva,
particular, dinâmica e está vinculada ao contexto social a qual
pertencemos, sendo assim Oliveira (2010 p.6-7) ressalta que
um dos objetivos da educação infantil é,
“Que a criança possa: Estabelecer e ampliar cada vez
mais as relações sociais, aprendendo aos poucos a arti-
cular seus interesses e pontos de vistas com os demais,
respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de
ajuda e colaboração” (OLIVEIRA (2010 p. 6-7)).

A criança necessita de uma área de lazer, na qual pos-


sa socializar com seus colegas tendo o professor como media-
dor dessa construção de conhecimento, que segundo Oliveira,
A brincadeira infantil beneficia-se de suportes ex-
terno para sua realização: rituais interativos, objetos
e brinquedos, organizados ou não em cenários (casa
de bonecas, hospital, etc.), que contem não só temas,
mas também regras. Em virtude disso, o professor
pode organizar áreas para os desenvolvimentos de
atividades diversificadas que possibilitem às crianças
estruturar certos jogos de papeis em atividades espe-
cificas. (OLIVEIRA, p, 231)

Vinculando o contexto ao tempo e espaço para viver a


infância na pré-escola, evidencia-se que a criança necessita de
espaço para que possa viver sua infância, através das brincadei-
ras, e de tempo para construir relações, situar-se no contexto
social em que vive, a pré-escola perpetua mecanismos pura-
mente significativos para a criança viver sua infância, porém
nem todas as escolas oferecem esse tempo-espaço, o que preca-
riza o ensino e furta a infância de muitas crianças. Portanto as

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crianças independentes de condição financeira ou grupo social


buscam a diversão e serem felizes por meio das brincadeiras,
dos brinquedos, sendo eles modernos ou não, eles interagem
com a outra e se inserem no mundo cultural da sociedade em
que vive.
Comunidade de Vila Amazônia
A Comunidade de Vila Amazônia é uma comunidade
rural pertencente ao Município de Parintins-Am. Tendo como
principais rios, o Rio Amazonas e o Paraná do Ramos, e en-
contram-se a leste da cidade de Parintins. Para chegar até sua
localidade é necessário pegar uma balsa que faz o transporte
de cargas, encomendas e passageiros, ou até mesmo barcos de
pequeno porte com distancias de 20 minutos nesses transpor-
tes, fazendo com isso assim também o transporte de produtos
agrícolas produzidos na própria comunidade e em localidades
adjacentes à mesma.
A história de Vila Isabel, hoje conhecida como Vila
Amazônia encontra-se vinculada com a imigração japonesa
em meados a décadas de 20 que vieram a convite do governa-
do do Estado do Amazonas na época, que buscava alternativas
econômica para o Estado devido o declínio da borracha. Com
os imigrantes viveram o cultivo da juta, e acabou por se tronar
um dos maiores produtores da região na época, pois suas fibras
eram usadas como sacos no transporte de café, entre outros
benéficos construídos pela matéria prima.
Como todo e qualquer começo não é fácil, o mesmo
ocorreu com a Comunidade de Vila Amazônia por não ter
energia elétrica, água encanada e a maioria das casas serem de
palha, não possuía infraestrutura adequada para seus morado-
res da época, com isso seus habitantes sofriam com doenças
como a malária entre outras doenças tropicais.
Na atualidade a Comunidade de Vila Amazônia não
produz mais juta. Sua economia encontra-se na produção de
produtos como farinha, a pesca, e no cultivo de frutas entre ou-

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tros que são trazidos até o Município de Parintins para serem


comercializados. Hoje em sua infraestrutura possui saneamen-
to básico, posto de saúde, água encanada, comércio local, luz
elétrica e principalmente escolas.

Fonte: Souza, 2015. À esquerda. Frente da Comunidade de


Vila Amazônia. Fonte: Souza, 2016. À direita. Porto secundário da Comu-
nidade de Vila Amazônia

Procedimentos metodológicos
Sabemos que a busca de conhecimento nos instiga a
descoberta do novo, e a pesquisa nos aproxima dessa busca,
pois nos coloca frente ao desafio dessa construção. Para ini-
ciarmos esse processo de construção é fundamental nos apro-
ximarmos dos sujeitos e do contexto investigado a fim de nos
apropriamos dos conhecimentos por eles elaborados.
Iniciamos as atividades na turma do 1º período do tur-
no matutino, no Centro Educacional Infantil “Claudir Carva-
lho” na comunidade da Gleba de Vila Amazônia sendo uma
agrovila pertencente ao Município de Parintins, contendo seis
alunos, cinco meninos e uma menina.
As atividades foram voltadas as brincadeiras que en-
volviam animais com objetivo de levar a criança reconhecê-
-los e posteriormente enfatizar suas características. Primeira-
mente houve um diálogo para que pudéssemos ganhar a con-
fiança das crianças, nos apresentamos e posteriormente eles se
apresentaram, cada um falou seu nome completo. Em seguida
fizemos uma roda e cantamos a eles a musica infantil “Essa
é a história da Serpente que desceu o morro para procurar
o pedaço do seu rabo, você também, você também faz parte

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desse rabão”. Apontávamos para a criança e ela passava por


debaixo das pernas da professora para assim compor o rabo da
serpente, foi uma atividade nova para os alunos que ficaram
radiantes no primeiro momento. Todos sentaram e de imediato
apresentamos uma caixa surpresa todos ficaram entusiasmado
e curioso para saber o que tinha dentro, chamamos um de cada
vez por seus nomes para colocar uma de suas mãos dentro da
caixa e retirar um objeto.
A partir da proposta Curricular Pedagógica da Edu-
cação Infantil, percebemos elementos essenciais sobre as áreas
do conhecimento, onde escolhemos no campo das Ciências
Naturais o trabalho com os animais, visando a priori as suas
características como: a voz, tamanho, cor onde podemos ar-
ticular as formas e cores primarias, contagem oral, expressão
oral através da corrida do saco no qual propomos no decorrer
do trabalho no Centro Infantil “Claudir Carvalho’’ na comuni-
dade rural Vila Amazônia que estão inseridos no maternal, 1º
e 2º períodos”.

Fonte: Souza, 2015. Centro Educacional Infantil “Claudir Carvalho”

O trabalho com determinadas brincadeiras que rea-


lizamos, se deu a partir da temática dos animais com o intui-

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to de que as crianças pudessem reconhecer aos aspectos ca-


racterísticos, identificar o habitat dos animais, como também
dialogando com as demais áreas de conhecimento em questão,
para essa pesquisa desenvolvemos um projeto pedagógico rela-
cionado às brincadeiras, onde pudéssemos ter a oportunidade
de observar a criança no processo do brincar proposto. Com-
preendo que segundo diz Friedman, (2014). “São as brincadei-
ras que trabalham a agilidade, rapidez, e grande desempenho
físico, que requerem amplos espaço e liberdade de movimento”.
Ou seja, as brincadeiras articulam diversas possibilidades no
desenvolvimento integral da criança, por isso o brincar na edu-
cação Infantil se faz necessário. Nosso instrumento de pesquisa
se deu nas características da pesquisa ação, pois estamos junto
com as crianças construindo, participando de toda a interven-
ção em contato direto com as crianças.
Utilizamos 4 tipos de brincadeiras para interagir
com as seis crianças presentes. Sendo que no 1º Momento
ocorreu a apresentação dos acadêmicos para a turma do 1ª
Período da educação Infantil. 2º Momento foi registrado por
um breve diálogo com a turma sobre os animais utilizando
a caixa surpresa, perguntando a elas sobre que tipo de ani-
mais gostava e como eram, onde esses animais moram. No
3º momento, realizamos as brincadeiras: história da serpente
(Música, gestos e movimentos); posteriormente a brincadeira
do gato e o rato, em forma de roda: em seguida utilizando os
bambolês realizaremos a brincadeira tatu fora da toca; e por
fim a brincadeira corrida dos animais através dos sacos ca-
racterizados, onde os pequenos tinham que alcançar pulando
e andando a linha de chegada, onde foi muito divertido para
todos os participantes. No 4º Momento fizemos o relaxamen-
to, descanso, pois tudo foi intenso, aqui perguntamos o que
as crianças sentiram, se gostaram ou não das brincadeiras,
onde as seis crianças presentes interagiram conosco, dai se
deu o encerramento nos despedindo com uma canção “Adeus
coleguinha para casa irei”.

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ANALISES E DISCUSSÃO: A voz da criança, a partir das


brincadeiras propostas no projeto de intervenção
O uso da música em escolas como auxiliar no desen-
volvimento infantil tem revelado sua importância singular,
pois através das canções vive, explora, o meio circundante e
cresce do ponto de vista emocional, afetivo e cognitivo [...]
(BEBER, 2009 p.4). E a música faz com que a criança se so-
cialize e se expresse por meio dos gestos que na maioria das
músicas infantis ocorrem. Todos sentaram e de imediato apre-
sentamos uma caixa surpresa todos ficaram entusiasmado e
curioso para saber o que tinha dentro, chamamos um de cada
vez por seus nomes para colocar uma de suas mãos dentro da
caixa e retirar um objeto.
Para a surpresa das crianças o que tinha dentro da caixa
eram fantoches de animais, a primeira criança retirou um gato
e começou a imitar o som sem que tivéssemos pedido, chama-
mos a segunda criança e retirou um jacaré, sendo este o que
mais chamou atenção de todos com sua boca grande e por fim,
a terceira criança retirou um coelho, em seguida a quarta reti-
rou um elefante, a quinta retirou um cachorro e por fim a sexta
criança retirou uma girafa. As crianças brincavam entre si, um
imitava o som do seu animal. A partir dessa atividade pedimos
que cada um colocasse um nome em seu animal, para nomear-
mos assim a fala da criança ao longo do trabalho realizado.

Fonte: Souza, 2015. Caixa surpresa dos animais.

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Esses foram os seguintes nomes dados aos animais pe-


las crianças: Gato- Malu, Jacaré- Tito, Coelho- Branquinho
Elefante- Quinzé, Cachorro- Bidu e Girafa- Gigi. Em seguida
explicamos as características de cada um desses animais para
as crianças. Gigi um menino muito esperto levanta e fala:
“professora, mas a girafa não mora aqui por perto, só vejo
ela na televisão”, Quinzé também se expõe “nem o elefante,
ele existe fora do país”. Percebemos que a criança da zona
rural também vem para escola com seu conhecimento prévio,
basta que o docente saiba aproveitar esses momentos dialo-
gando e fazendo-os compreenderem todo um contexto social
e ambiental. Koch (2002) acredita que o conhecimento não
consiste apenas em uma coleção estática de conteúdo, expe-
riências, mas também em habilidades para operar tais conteú-
dos e utiliza-los na interação social. Dessa forma a brincadeira
foi utilizada para verificar as habilidades da criança e conhe-
cimento que ela carrega consigo diante do que estar sendo ex-
posto. Freire (1996) enfatiza que estamos sempre construindo
e se construirmos aprendermos está vivendo buscando algo
que possam no levar a vivermos enquanto tenhamos vida.
Assim, explicamos sobre os dois animais para as crian-
ças, levando a perceberem que em nosso País em algumas ci-
dades existem zoológicos que exponham esses animais para
que assim nós possamos vê-lo sem ter que viajar para fora,
pois são animais que não são naturais de nosso ambiente.
Branquinho diz “o coelho aparece também na televisão, mas
lá em casa tem, a mamãe comprou dois pra mim, um preto e
um meio malhado, mas sabe que um morreu, por que não cui-
dei bem dele. Tito” O papai pegou um Jacaré bem grande, ele
também ficou lá em casa, eu abri a boca dele. Perguntamos
ao Tito como ele tinha feito isso e ele responde sorridente “Ele
estava morto professora”.
Nesse momento de diálogo todos queriam falar sobre
seus animais, Malu falou “Eu tenho uma gatinha bem peluda
que teve e monte de gatinhos e eles choram, a mamãe já deu

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pra vizinhos dois pretinhos [...]”. As crianças reconheceram


os animais expostos por fantoches, os que fazem parte do seu
ambiente e também os que não fazem parte. No entanto, re-
conheceram, pois a televisão mostra por meio dos desenhos
animados todos os animais e suas características, e a criança
internaliza todo esse conhecimento.
Posteriormente a caixa de surpresa apresentada a crian-
ça, realizamos a brincadeira coelhinho fora da toca, era uma
brincadeira que os mesmos não conheciam, colocamos cin-
co bambolês no chão em forma de circulo e colocamos cinco
crianças na frente do bambolê e sexta criança ficou no centro.
Iniciamos a brincadeira dizendo coelhinho dentro da toca, e as
cincos crianças entraram, coelhinho fora da toca e as crianças
saíram de dentro, coelhinho muda de toca, sendo que na mu-
dança de toca o que estava no centro tentava juntos com as
outras entrar na toca, assim um permanecia fora.
Ao longo da realização desta atividade Bidu um me-
nino tímido que no início não falou nada, se sentiu à vonta-
de queria sempre ser o coelhinho do centro “Cuidado eu vou
entrar na toca de primeira”. Essas atividades estimularam a
socialização e diálogo entre todos da sala. Malu “Professora
pode ser outro animal, por exemplo, gatinho fora da toca”?
As indagações também fizeram parte desse palco de brincadei-
ras, foi uma atividade espetacular.
A terceira brincadeira foi à corrida do saco. Aonde pro-
curamos trabalhar as cores, os números e alguns animais, o
saco de número 1 (um) era de cor amarelo tinha o desenho
do pintinho, o saco de número 2 (dois) era de cor azul e tinha
o desenho de uma arara, o saco de número 3 (três) era de cor
verde com desenho de um sapo e o saco de número 5 era de cor
vermelha com a imagem da formiga.

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Fonte: Souza, 2015. Corrida do saco dos animais

Nessa atividade todos queriam participar e, principal-


mente, ganhar. O mais interessante foi que na hora que pedi-
mos para reconhecerem quais os animais nos sacos, a arara
azul não foi reconhecida. Quinzé “é um gavião professora”
Tito “ Verdade, é um gavião aqui onde a gente mora tem, eu já
vi várias vezes”. Malu “eu também já vi muito dessas profes-
soras”. Bidu “Meu pai diz que ele é muito brabo que come as
crianças” Branquinho “todos nós aqui já vimos eles voando
[...]”. A partir das falas das crianças, explicamos a ela que
não era um gavião e sim uma arara. Quinze “mas parece um
gavião sim”. Posteriormente começamos a brincadeira corri-
da de saco de dois em dois, as crianças escolhiam os animais
que queriam, competiam com muito entusiasmo com direito a
torcida e quando a criança escolhia o saco azul todos gritavam
“gavião, gavião, gavião [...]”. Assim, ao longo da brincadeira
o saco azul foi representado então pelo gavião.
Por fim depois das realizações das brincadeiras, as
crianças voltaram aos seus lugares e juntos cantaram a cantiga
da galinha pintadinha para relaxarmos e encerramos esse mo-
mento de grande conhecimento onde presenciamos as crianças

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um dialogando, Malu “foi muito legal”, Branquinho “Quan-


do vocês vêm de novo pra gente brincar professora?”. Bidu
“eu gostei muito de brincar da toca”. Aproveitamos esse mo-
mento para pedir autorização dos mesmos para utilizar suas
falas e todos aceitaram a participar e assinaram o documento
junto com os pais que foram para pega-los na escola.
CONSIDERAÇÃO FINAL
Observar a infância contemporânea é um desafio que
requer se despir de antigos paradigmas como a visão autocên-
trico, onde nos interessou investigar os aspectos culturais e so-
ciais da criança, onde está expressa através das brincadeiras o
seu relacionamento com o mundo.
A criança nos diz o que pensa, brincando, desenhan-
do, sendo ela mesma, nos diferentes contextos, o desafio é real-
mente observar e respeitar a fala, a expressão infantil, pois a
criança é um sujeito que também aprende brincando.
As brincadeiras são formas de divertimento que estão
constantemente presente na realidade do contexto das crian-
ças, proporcionando a interação e o relacionamento de modo
social. A criança tem a capacidade de significar o que perce-
bem do cotidiano. Diante da realidade na qual nos propomos
pesquisar através do contato direto com as crianças, nos foi
possível perceber que esses pequenos são seres que tem com-
preensão do mundo em vive. Onde nos mostraram por suas
próprias expressões, o que podemos aprender a ensinar a estas
no processo de ensino aprendizagem.
Quando significamos o tempo e o espaço vivido pela
criança, o conhecimento científico que na escola lhe é atribuí-
do dentre outros espaços na qual contribuem a formação e o
desenvolvimento da criança como ser integral, os instrumen-
tos usados para mediar essa construção se torna mais papável,
dinâmico e prazeroso.
A criança precisa de liberdade para se expressar na fa-
mília na escola e em outros espaços vividos, pois esta precisa des-
vendar um mundo de desafios e possibilidades. O que nos acres-

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centou nessa pesquisa com os nossos colaboradores as crianças da


Gleba de Vila Amazônia pertencente ao Município de Parintins
foi a sua liberdade que estas tem de dizer, de perguntar, de parti-
cipar da intervenção de maneira particular, nos trazendo infor-
mações de acordo com o lugar que moram, onde desmitificou o
nosso “olhar” de criança padrão, fixa, sem movimentos.
A criança é um construtor de cultura, o que precisa
em nós enquanto educadores é acreditar na vivencia e signifi-
cação que a criança dar a sua própria realidade e melhor apli-
car essa reflexão em nossa rotina escolar. Os saberes não são
engessados, por esse motivo não podemos reproduzir o que
existe de pronto e acabado, esse processo de como olhar o ou-
tro com alteridade, pode garantir possíveis práticas inovadoras
que revelam os diversos conhecimentos compreendendo que
estes são articulados. Sendo possível, desprezar a visão adulta
Centrica, onde o menino não sabe nada, e eu enquanto adulto
sei tudo, o processo de ensino realmente pode contribuir na
aprendizagem do educando.
Contudo em um ambiente onde há troca de conheci-
mento, na qual foi o que resultou em nosso trabalho na Educa-
ção Infantil em um ambiente rural que é rico em possibilidades
de instrumentos de ensino, podemos perceber que a infância
é singular. Os autores de sua cultura os educandos do Centro
educacional infantil muito nos ensinaram, sobre os animais e
suas vivencias dentre outros aspectos que envolveram esta in-
tervenção pedagógica para mediar o desenvolvimento infantil
através das brincadeiras. Por tanto é por meio das brincadei-
ras que as crianças se sentem livres de “regras” impostas pelos
adultos, tendo total liberdade de criar á sua própria maneira o
que sabem do mundo.
Referências
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura: revisão temática e
versão brasileira adaptada por Gisele Wajskop.8 ed. São Paulo:
Cortez, 2010. (Coleção questões de nossa época; vol. 20).

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BEBER, M. C. A Música como fator de sensibilização na


educação infantil. Revista eletrônica Catavento. Rio Grande
do Sul, n. 1, 2012. Disponível em: http://www.unicrus.com.br.
Acesso em 20 nov. 2013.
KROCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São
Paulo Cortez 2002.
NISTA-PICCOLO, Vilma Leni. Corpo em movimento na
Educação Infantil. – 1. Ed. São Paulo: Telos, 2012. – (Coleção
educação física escolar)
OLIVEIRA, Zilma. Educação Infantil: Fundamentos e
Métodos – São Paulo: Cortez, 2002- (coleção docência em
formação)
SILVA, Ana Paula Soares da. Educação Infantil do campo;(
Coleção Docência em formação : Educação Infantil/
coordenação Selma Garrido Pimenta). São Paulo: Cortez
2012.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Amaz%C3%B4nia.
Acessado em 20 janeiros 2016.

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EDUCAÇÃO EM CONTEXTO RURAL NO AMA-


ZONAS: LEITURAS A PARTIR DE PAULO FREI-
RE

JESUS, Edilza Laray de1


NINA, Socorro de Fátima Moraes2
FONTOURA, Jara Lourenço da3

Introdução
Na luta histórica da humanidade pelo direito à vida,
a terra e à cidadania, está a luta pelo direito à educação, base
fundamental para o crescimento e o fortalecimento da nação.
Esta luta deveria já ser considerada vencida, uma vez que a
Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama em seu
1 Doutora em Educação (UFRGS, RS), Mestra em Educação Ambien-
tal (FURG, RS), Especialista em Ciências da Educação (Università
Ca’Foscari Venezia/Unisul 2009), Licenciada em Geografia (UFAM,
AM). Professor Adjunto “B” da Universidade do Estado do Amazo-
nas (UEA). Líder o Grupo de Pesquisa “Núcleo de Estudos Interdis-
ciplinares em Cultura Amazônica - NEICAM”. Professora do Plano
Nacional de Formação de Professores do Parfor (CAPES); Professo-
ra permanente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em
Ciências Humanas (UEA). Professora Colaboradora do Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências Ambientais e Susten-
tabilidade na Amazônia - PPGCASA (UFAM). E-mail: edilzalaray@
gmail.com
2 Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM). Psicó-
loga. Professora adjunta da Universidade do Estado do Amazonas
(UEA). Núcleo de Pesquisa Saúde Ambiente/PIRACEMA-Universi-
dade do Estado do Amazonas. socorromoraesnina@gmail.com
3 Doutora em Educação Ambiental (FURG, RS), Mestra em Educa-
ção Ambiental (FURG, RS), Licenciada em Pedagogia (FURG, RS);
Professora Adjunta do Instituto de Educação da Universidade Fede-
ral do Rio Grande (FURG, RS), Coordenadora do Projeto Vozes do
Campo, E-mail: jarafonta@gmail.com

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Artigo XXVI: “Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução


será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamen-
tais. A instrução elementar será obrigatória [...]”. A educação
é tratada, desde a ONU (Organização das Nações Unidas) no
âmbito do direito. Um direito social e universalmente estabele-
cido, independentemente do local e dos sujeitos que ela atinge.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 em seu ar-
tigo 6º identifica os Direitos Sociais como “[...] a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdên-
cia social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição”. E, conforme
o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei 8069, de
13/07/1990, “[...] compete ao Poder Público recensear os edu-
candos no Ensino Fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
junto aos pais ou responsável, pela frequência à escola” (art. 54,
VII, § 3º).
A despeito do reconhecimento da educação como um
direito social garantido dos organismos internacionais e da
Carta Magna de nosso país, existem milhares de pessoas sem
acesso à escola. Em 1990 a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) divulgou o
perfil das crianças no mundo que hoje não têm acesso à escola
“[...] em geral, as crianças que não se encontram na escola ten-
dem a ser do sexo feminino, a ser pobres e a viver em tugúrios
em bairros urbanos ou periurbanos em zonas rurais apartadas”.
De acordo com o Censo Demográfico realizado
em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), 96,7% das crianças e adolescentes de 6 a 14 anos de
idade frequentavam a escola naquele ano. Faltavam ainda 3,3%
das crianças e dos adolescentes dessa faixa etária, o equivalente
a 966 mil meninos e meninas terem garantido o seu direito de
aprender.
Revendo a história da educação de massas - enten-
dida como alfabetização e escolarização - constata-se que o Es-
tado burocrático criado pela ditadura militar nos anos de 1960,

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caracterizado por políticas autoritárias, tentou desmobilizar as


organizações populares em detrimento de uma nova organi-
zação política, comprometida com interesses externos aos de
nosso país. Foi nessa década que os programas de alfabetização
e educação dos adultos, foram interpretados como um perigo
para a estabilidade do regime capitalista. Os detentores do po-
der entendiam que se as ideias fossem difundidas e ampliadas,
o processo político tornar-se-ia incontrolável.
Mesmo assim, movimentos populares, muitos sob
a influência das ideias e do método de Paulo Freire, tentaram
mudar esse cenário como, por exemplo, a alfabetização de
adultos utilizando o método desenvolvido por ele, no Nordeste
nos anos de 1950, antes do governo militar. O Projeto Memória
2005 (2008) falam da prática pedagógica transformadora:
O envolvimento de Paulo Freire nos movimentos po-
pulares do Nordeste, à época anterior ao golpe militar,
reforçam sua opção pelas camadas menos privilegia-
das da população, os chamados oprimidos. Na essên-
cia, expressam o desejo de Freire de viver em um país
com menos desigualdades, com justiça social, liber-
dade e democracia. Foi nesse ambiente que ele pôde
experimentar seu método na prática e observou ser
possível alfabetizar homens e mulheres a partir da sua
concepção pedagógica transformadora. A partir da
experiência de Angicos/RN, Paulo Freire avança com
sua pedagogia pelo Brasil até ser preso após o Golpe
Militar.

Com a instituição do regime militar, grande número


de programas desapareceu paralisando, por anos, as tentativas
brasileiras de eliminação do analfabetismo e de educação da
população adulta e infantil ligada às camadas populares. O Mi-
nistério da Educação (MEC) retomou a questão somente em
1966, pressionado pela UNESCO, para que os compromissos
internacionais assumidos na área educativa fossem cumpridos.
A educação era considerada como questão fundamental para o
desenvolvimento cultural dos povos.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Em que pesem os esforços estatais no sentido de uni-


versalizar a educação brasileira, existem ainda muitos desafios
a serem enfrentados. Um deles é o acesso à escola educação no
meio rural para crianças e adolescentes.
Jesus (2009) observa que a escola rural é, contradi-
toriamente, o lugar da possibilidade de (re)ssifignificar o ser
humano em suas relações com os outros e também com o tra-
balho. Mas é, também uma das mais importantes, mas não a
única agência formadora do e para o capital. Na tentativa de
aprofundar algumas destas questões elucidadas, as autoras
buscaram a contribuição de Paulo Freire acatando desafio que
faz Balduíno Andreola, um dos maiores estudiosos de Freire
da atualidade. Balduíno entende que a obra daquele educador
contém muito mais referência ao campo do que a cidade. Sua
hipótese se assenta nos trabalhos e escritos de Freire, como ele
mesmo fala:

Na perspectiva desta busca, como estudioso apaixo-


nado da obra de Freire, estou cultivando, há bastante
tempo, a hipótese de que sua obra contém muito mais
referências ao campo do que a cidade. Parece-me que
a cultura camponesa, a experiência e os saberes dos
camponeses perpassam muito mais seus livros do que
a cultura, as experiências e os saberes do mundo ur-
bano (ANDREOLA, 2002, p. 58).

Além de Andreola, Roger Garaudy afirmou categori-


camente que Freire foi o maior educador do século XX. Sua
teoria mesclava-se e alimentava-se da prática, ao que ele deno-
minou de práxis, grande parte dos trabalhos foi desenvolvida
longe dos centros urbanos, com trabalhadores, camponeses
operários e grupos populares organizados; pessoas margina-
lizadas do processo social, fazendo parte dele apenas como
mão-de-obra barata e desqualificada. Daí sua importância em
trazer as concepções de educação de Freire para a leitura da
educação no meio rural no Amazonas.

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ISSN 2448-2072

A pesquisa foi teórico-prática e articula a ela co-


nhecimentos adquiridos o percurso formativo das autoras.
Quanto à metodologia escolhida optou-se pela pesquisa biblio-
gráfica, pois o estudo foi exploratório com resultados descriti-
vos e abordagem predominantemente qualitativa. A técnica foi
pesquisa, fichamento e resenha de livros.
O objetivo geral deste trabalho consistiu em reler
obras de Paulo Freire na perspectiva do meio rural a fim de
evidenciar contribuições para construir/repensar a educação
na Vila do Engenho, área rural do Estado do Amazonas, no
município de Itacoatiara-AM. O problema da pesquisa articula
à crise agrícola-ecológica no sistema capitalista e seu caráter
predatório, perverso e excludente. Na comunidade existe ape-
nas uma escola, trabalhando, por um lado os conteúdos e me-
todologias sob os parâmetros urbanos.
Tomando como referencial pedagógico as concepções
freireanas de educação, quais as interações possíveis de iden-
tificação estão presentes nos aprendizados e conflitos que se
estabelecem no processo de transmissão/construção de conhe-
cimentos e saberes entre estudantes e agricultores familiares
moradores da Comunidade do Sagrado Coração de Jesus?
Para tal intento se fez necessário estipular e desenvol-
ver os seguintes objetivos específicos:
A compreensão acerca da dinâmica que move essa rela-
ção pedagógica entre professores, estudantes e agricultores teve
como parâmetro de análise a proposta pedagógica de Paulo Frei-
re (1979), concebendo a educação como um processo interme-
diado por meio do diálogo de saberes, sendo a práxis o lugar da
coerência do discurso. Ela traduz em vivência o conhecimento,
tornando possível a mudança do mundo não como objeto inde-
pendente e desconectado das inter-relações, pois a possibilidade
da mudança da sociedade, da economia, da educação e do mun-
do está nas pessoas, nas suas relações entre si e como o mundo,
num espaço concreto onde as relações acontecem, como nos
movimentos provocados pelos banzeiros nos rios amazônicos.

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ISSN 2448-2072

2.3 O ENRAIZAMENTO E A PRÁXIS EDUCATIVA NO


MEIO RURAL
A epistemologia de Paulo Freire foi forjada na práxis
e na relação desta com a teoria, a partir da realidade por ele vi-
venciada. Em 1962 o Nordeste era a região mais pobre do Bra-
sil. Dos 25 milhões de habitantes, 15 milhões eram analfabetos.
Nascido na década de 1920 e no contexto do nacional desen-
volvimentismo, Freire pode perceber a cultura e a educação
enquanto produto de intelectuais, artistas e lideranças políticas
populistas. “Nos anos de 1960 a “Aliança para o Progresso”, fa-
zia da miséria do Nordeste seu “leitmotiv” no Brasil” (FREIRE,
1979). Nas escolas, a postura dos professores era carregada de
autoritarismo, desconsiderando os sujeitos históricos, os cam-
poneses – trabalhadores e trabalhadoras do campo.
A primeira Campanha de Alfabetização a nível na-
cional, objetivava alcançar primeiro as zonas urbanas,
para estender-se imediatamente aos setores rurais. O
plano de ação de 1964 previa a instalação de 20.000
círculos de cultura, capazes de formar, no mesmo ano,
por volta de 2 milhões de alunos. (Cada círculo edu-
cava, em dois meses, 30 alunos.). (FREIRE, 1979, p.
10).

Andreola, grande estudioso de Paulo Freire na atuali-


dade foi amigo particular de Freire quando estava exilado. As-
sim observa Andreola: “[...] o interesse dele pelos problemas
do mundo rural, o diálogo dele com os camponeses e a soli-
dariedade com suas lutas foram constantes, ao longo de toda a
sua trajetória” (2002, p. 59).
Em Educação como Prática de Liberdade,
Ele (Paulo Freire) revela um conhecimento socioló-
gico abalizado dos problemas agrários brasileiros. A
problemática do latifúndio e as relações profunda-
mente autoritárias e opressoras que, a partir do lati-
fúndio, marcaram toda a nossa história, são ampla-
mente analisadas como quadro de fundo que recla-

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mava uma educação libertadora enquanto exigência


para um processo de transformação e democratiza-
ção. (ANDREOLA, 2002, p. 59).

O livro mais conhecido de Freire é Pedagogia do Opri-


mido, escrito após cinco anos de exílio e experiências acumu-
ladas no Chile. Ao tratar da situação concreta de opressão e
oprimidos Freire aborda a dualidade existencial dos oprimi-
dos “hospedeiros” do opressor e a inexistência da consciência
do opressor introjetado e nem da condição de opressão a que
estão submetidos. Fala dos camponeses e da consciência opri-
mida que possuíam, quase sempre naturalizando sua situação
concreta, atribuindo ao destino, ao fado ou a Deus. Numa en-
trevista com um camponês chileno, disciplinado para obedecer
ao patrão o oprimido pergunta a Paulo Freire: “Que posso fa-
zer, se sou um camponês? “ (2002, p. 27).
Ao falar da autodesvalia enquanto resultado da visão
que os opressores têm dos oprimidos, “de que não são capazes,
que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos,
indolentes, que não produzem em virtude de tudo isso, termi-
nam de se convencer de sua ‘incapacidade’”, porque o critério
de saber que lhes foram impostos são condicionados, chegan-
do a sentir inferior ao patrão.
Referindo-se aos oprimidos, dizia ele, “não podemos
entregar-lhes conhecimentos” (idem, p. 48). Daí a criação dos
temas geradores, para ser criado pelo e com os oprimidos e
fazer referência à temática, à cultura e aos saberes dos campo-
neses. Os camponeses se interessavam pela discussão quando a
codificação dizia respeito, diretamente, a aspectos concretos de
suas necessidades sentidas.
Não é de se estranhar o interesse pelo rural vindo de Pau-
lo Freire haja vista, sua origem, no livro “Conscientização” (1979,
p.10) o educador comenta suas origens “lui-même en revenant a
ses origines rurales” - de volta para as próprias origens rurais.
O livro Extensão ou Comunicação? resultou do tra-
balho pedagógico-político no Chile, no contexto da reforma

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agrária. Para Andreola (2002), é o mais importante nesta re-


lação de Freire com os problemas e as lutas do mundo rural,
tendo surgido de seu trabalho pedagógico-político no contexto
da reforma agrária no Chile.
O livro é construído em torno da relação entre o téc-
nico (agrônomo) e os agricultores, nos projetos da
Reforma Agrária. Toda a Concepção pedagógica de
Freire é recriada a partir da ideia de que numa Re-
forma Agrária orientada para uma transformação das
estruturas de dominação, ao agrônomo não cabe uma
tarefa de técnico frio, conforme os ditames de um ex-
tensionismo assistencialista, tradicional e autoritário.
O agrônomo é visto por Freire como um educador,
dentro de uma concepção dialógica, problematiza-
dora, conscientizadora e libertadora. A educação e
a produção são vistas como indissociáveis dentro de
um projeto histórico de transformação social. Mas o
alcance do livro não pode restringir-se ao âmbito da
“extensão (comunicação) rural”. Eu diria que ele con-
tém uma proposta (não receita) ampla de comunica-
ção a ser construída “no” campo para ser realmente
“do” campo. [...]

Deixemos agora que o próprio Paulo Freire fale:


Em última análise, a Reforma Agrária, como um pro-
cesso global, não pode limitar-se à ação unilateral no
domínio das técnicas de produção, de comercializa-
ção, mas, pelo contrário, deve unir este esforço, in-
dispensável a outro igualmente imprescindível: o da
transformação cultural, intencional, sistematizada,
programada.

Neste sentido, o asentamiento, na reforma agrária chi-


lena, precisamente porque é uma unidade de produ-
ção (não há produção fora da relação homem-mundo,
repitamos), deve ser também, todo ele, uma unidade
pedagógica, na acepção ampla do termo.

Unidade pedagógica na qual são educadores, não so-


mente os professores que porventura atuam num cen-
tro de educação básica, mas também os agrônomos,

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os administradores, os planificadores, os pesquisado-


res, todos os que, finalmente, estejam ligados ao pro-
cesso. (FREIRE, 1983, p. 39)

Sobre este livro Extensão ou Comunicação? o fazer


pedagógico de Freire por meio da educação está visceralmen-
te relacionada com a produção, a cultura e a economia. Freire
(1983) discute o trabalho do agrônomo sob o prisma pedagó-
gico, ou seja, reais sujeitos de toda ação educativa, homens que
trabalham para sua própria realização humana, se a ação de
extensão ocorrer no domínio do humano e não do natural, o
que equivale dizer que a extensão de seus conhecimentos e de
suas técnicas se faz aos homens para que possam transformar
melhor o mundo em que estão, o conceito de extensão tam-
bém não tem sentido do ponto de vista humanista, e não de
um humanismo abstrato, mas concreto, científico. Segundo
esse autor, o conceito de extensão, analisado do ponto de vista
semântico e do ponto de vista de seu equívoco gnosiológico,
não corresponde ao trabalho indispensável, cada vez mais in-
dispensável, de ordem técnica e humanista, que cabe ao agrô-
nomo desenvolver.
Em “Ação Cultural para a libertação”, ressalta Freire:
No Chile, em algumas áreas em que se fazia reforma
agrária, os camponeses que participavam de progra-
mas de alfabetização costumavam escrever palavras
com seus próprios instrumentos, no chão dos cami-
nhos que os conduziam ao trabalho. “Estes homens
são semeadores de palavras”, disse, certa vez, Maria
Edi Ferreira, socióloga que fazia parte da equipe, em
Santiago, do Instituto de Capacitación e Investigación
em Reforma Agrária. Naturalmente, não apenas “se-
meavam” palavras, mas também, discutindo ideias,
ancoradas na sua prática real, percebiam cada vez
mais claramente seu novo papel no “asentamiento”
(FREIRE, 1981, p.50).

Embora Freire se considerasse apenas um educador


e não um agrônomo, quando de sua estada no Chile analisou

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o problema da comunicação entre o técnico e o camponês, no


processo de desenvolvimento da nova sociedade agrária. Cri-
tica veementemente o modo como o agrônomo equivocada-
mente chamado “extensionista” levava seu conhecimento para
depositar sobre os camponeses sem considerar os saberes indi-
viduais e coletivos. Por outro lado, Paulo Freire mostra como
a ação educadora do agrônomo, bem como a de qualquer edu-
cador, deve ser a de comunicação, se quiser chegar ao homem,
não ao ser abstrato, mas ao ser concreto inserido em uma rea-
lidade histórica.
Ao conceito de “extensão” está incorporada a de
transformação do camponês em “coisa”, objeto de planos de
desenvolvimento que o negam como ser da transformação do
mundo. Desse modo, o técnico que também é um educador
por excelência estaria legitimando a superioridade do homem
moderno, o urbano, o que sabe e a quem o camponês renderia
obediência. Por isso mesmo, ao invés de extensão, o que os téc-
nicos faziam no Chile é considerado como “invasão cultural”,
como a atitude contrária ao diálogo que é a base de uma autên-
tica educação (FREIRE, 1982, Prólogo).
A fase chilena do exílio de Freire foi muito fecunda
em práticas de alfabetização e educação no meio rural. Com
a participação de Paulo Freire, o Chile, recebe uma distinção
da UNESCO, por ser um dos países que mais contribuíram à
época, para a superação do analfabetismo.
Em Genebra, no ano de 1975, Freire escreveu o livro
Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos e faz referência
a experiências vividas em áreas rurais no Chile. O educador
dedica duas partes da obra para os camponeses. Das páginas
24-30, o texto intitulado Os camponeses e seus textos de leitura,
expõe a metodologia de trabalho com as palavras geradoras e a
redação dos textos de leitura no contexto da “cultura do silên-
cio”, que antecedeu a reforma agrária. “Mecanicismo, tecnicis-
mo, economicismo são dimensões de uma mesma percepção
acrítica do processo da reforma agrária. Implicam todas elas na

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minimização dos camponeses, como puros objetos da trans-


formação”. (FREIRE, 1982, P. 31).
Andreola (2002) traz outro texto, escrito nos Estados
Unidos em fins de 1969 sob o título Ação Cultural para a liber-
tação (p. 42-64) e cita um parágrafo altamente poético sobre a
descoberta e conquista da palavra por parte dos camponeses:
No Chile, em algumas áreas em que se fazia reforma
agrária, os camponeses que participavam de progra-
mas de alfabetização costumavam escrever palavras
com seus próprios instrumentos, no chão dos cami-
nhos que os conduziam ao trabalho. “Estes homens
são semeadores de palavras”, disse, certa vez, Maria
Edi Ferreira, socióloga que fazia parte da equipe, em
Santiago, do Instituto de Capacitación e Investigación
em Reforma Agrária. Naturalmente, não apenas “se-
meavam” palavras, mas também, discutindo ideias,
ancoradas na sua prática real, percebiam cada vez
mais claramente seu novo papel no “asentamiento”.

O trabalho educativo de Freire juntamente com a po-


pulação de Guiné-Bissau também destaca a relação entre edu-
cação e produção, evidenciando mais uma vez o caráter rural
da práxis de Paulo Freire. Em Cartas a Guiné-Bissau (1978).
Mais que 90% da população daquele país, segundo Mário Ca-
bral (FREIRE, 1978, p. 46) era de camponeses. Desta maneira a
proposta de educação surgida dos encontros entre a equipe do
IDAC e as lideranças e educadores da Guiné-Bissau era condi-
zente com os problemas e a temática do campo.
Neste livro está o relato de Senegal, uma comunidade
rural que participava do projeto de alfabetização coordenado
por Paulo Freire. Os alfabetizandos esqueciam rapidamente o
que aprendiam. Na aula seguinte voltava-se à estaca zero. A
certa altura a equipe pedagógica se deu conta que aquela po-
pulação queria plantar, produzir, e não estava nada motivada a
alfabetizar-se.
Em Guiné-Bissau é óbvia a unidade permanente e
fecunda entre a educação e a produção, entre a escola e a vida,

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entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Em 1975 Pau-


lo Freire viveu em Bissau o projeto “Escola ao campo”, em áreas
rurais, local onde havia a troca de saberes entre os educandos
e camponeses.
A escola ao campo, projeto que consistia em deslo-
car, temporariamente, as escolas urbanas, com seus
professores e seus estudantes, a áreas rurais, em que,
vivendo em acampamentos, participariam da ativida-
de produtiva, aprendendo com os camponeses e a eles
algo ensinando, sem que se suprimissem as demais
atividades escolares, era um desses caminhos de que
nos falava o Comissário Mário Cabral.

Assim é que, já no ano letivo de 1975 tinham sido ini-


ciadas experiências a prolongar-se, como de fato se
deu, no de 1976, de integração do trabalho produtivo
às atividades escolares normais, no intuito de combi-
nar trabalho e estudo, de tal maneira que aquele fosse,
tanto quanto possível, constituindo-se como fonte do
último, em unidade com ele.

Na medida em que essas experiências se forem siste-


matizando e aprofundando é possível fazer derivar da
atividade produtiva, cada vez mais, os conteúdos pro-
gramáticos de “n” disciplinas que, no sistema tradicio-
nal, são “transferidos”, quando são, verbalistamente.
(FREIRE, 1978, p. 20).

Existem ainda outras referências ao processo educati-


vo no meio rural em outras obras de Freire. Em A Importância
do ato de ler (1986), artigo intitulado O povo diz a sua pala-
vra ou a alfabetização em São Tomé e Príncipe (42-95), Freire
transcreve textos muito ilustrativos dos temas desenvolvidos
nos Cadernos de Educação Popular e no Caderno de Exercícios,
produzidos na República Democrática de São Tomé e Príncipe,
demonstrando a síntese entre o trabalho manual e o intelec-
tual, entre o estudo e o processo produtivo, que a educação no
meio rural não poderia descuidar.
Na sua fala aos Sem Terra em Conquista da Fronteira,
publicada pelo ITERRA no caderno Paulo Freire um educador

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do povo (2001), ele salienta, de maneira linda, esta unidade


necessária. Segundo ele (Idem, p. 25), um assentamento “[...]
tem que ser e a cada dia virar mais um centro de formação de
cultura, um centro de produção do saber, não apenas produção
econômica (palmas)”.
No seu último livro concluído Pedagogia da Autono-
mia (1997, p. 35) Freire se refere ao seu diálogo com os campo-
neses para esclarecer a diferença, mas ao mesmo tempo, unida-
de essencial entre o saber do senso comum e o saber científico
ou filosófico (34-35):
Na verdade, a curiosidade ingênua que, “desarmada”,
está associada ao saber do senso comum, é a mesma
curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de
forma cada vez mais metodicamente rigorosa do ob-
jeto cognoscível, se torna curiosidade epistemológica.
Muda de qualidade, mas não de essência. A curiosi-
dade de camponeses com quem tenho dialogado ao
longo de minha experiência político-pedagógica, fa-
talistas ou já rebeldes diante da violência das injusti-
ças, é a mesma curiosidade, enquanto abertura mais
ou menos espantada diante de “não-eus” com que
cientistas ou filósofos acadêmicos “admiram” o mun-
do. Os cientistas e os filósofos superam, porém, a in-
genuidade da curiosidade do camponês e se tornam
epistemologicamente curiosos.

Como se percebe, a práxis de Paulo Freire está enrai-


zada no mundo rural. Em diferentes momentos históricos e so-
cioculturais ele trabalhou com sujeitos populares, os campone-
ses. Daí a importância histórica do MST, situando-o numa luta
que vem de longe, desde os quilombos e as Ligas Camponesas.
Empolgado com a marcha do MST em 1997, assim concluiu ele
sua Segunda Carta Pedagógica (FREIRE, 2000, p.61):
A eles e elas, sem-terra, a seu inconformismo, à sua
determinação de ajudar a democratização deste país,
devemos mais do que às vezes podemos pensar. E que
bom seria para ampliação e consolidação da nossa de-
mocracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras

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marchas se seguissem à sua. A marcha dos desempre-


gados, dos injustiçados, dos que protestam contra a
impunidade, dos que clamam contra a violência, con-
tra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marcha
dos sem-teto, dos sem-escola, dos sem-hospital, dos
renegados. A marcha esperançosa dos que sabem que
mudar é possível.

A importância e a necessidade de uma educação como


prática da liberdade justificam a luta dos seres humanos pelo
direito à educação, na radicalização com a ideologia dominan-
te presentes nos livros didáticos e na educação bancária que só
pode ser mudada pela transformação dos sujeitos que a prati-
cam.

Para compreender o Amazonas e a educação

O Estado do Amazonas há muito está na pauta das


discussões locais, nacionais e internacionais sob diferentes en-
foques, interesses e estratégias. Os desafios, tensões e propostas
são tão díspares que muitas vezes não se sabe se é necessário
pensar em desenvolvimento, desenvolvimento sustentável ou al-
ternativas de desenvolvimento para esse Estado com a maior
extensão territorial do país. Pensar o Amazonas implica arti-
cular a teia de relações biológicas, químicas, físicas específicas,
culturais e sociais presentes na região amazônica e as inúmeras
contradições engendradas pelo capital. E, devido a esta com-
plexidade, torna-se indispensável a contextualização do Estado
do Amazonas na Amazônia.
A região é conhecida mundialmente por possuir a
maior massa florestal contínua, o maior estoque de biodiversi-
dade e as mais importantes bacias de água doce do mundo. Na
atualidade, já se convive com estágios avançados de exploração
e ameaças de esgotamento e desequilíbrio até então conside-
rados reversíveis, dependendo da intensidade das ações sobre
o meio ambiente. Becker (2005) considera a Amazônia um
exemplo vivo de uma geopolítica que tem como característica

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a presença de pressões de todo tipo, intervenções no cenário


internacional desde as mais brandas até guerras e conquistas
de territórios.
Esta geopolítica atua, principalmente, por meio do
poder de influir na tomada de decisão dos Estados sobre o
uso do território. Em vista disso, a região constitui um grande
desafio para o presente. Para esta terra voltam-se olhares, in-
vestimentos e ações segundo o paradigma econômico vigente,
essencialmente predador e explorador de pessoas e suas cultu-
ras, seus saberes e ainda todos os recursos naturais possíveis
de serem transformados em dinheiro e a conversão deste em
lucro. Vejamos porque:
A Amazônia, o Brasil, e os demais países latino-a-
mericanos são as mais antigas periferias do sistema
mundial capitalista. Seu povoamento e desenvolvi-
mento foram fundados de acordo com o paradigma
de relação sociedade-natureza, que Kenneth Boulding
denomina de economia de fronteira, significando
com isso que o crescimento econômico é visto como
linear e infinito, e baseado na contínua incorporação
de terra e de recursos naturais, que são também per-
cebidos como infinitos. Esse paradigma da economia
de fronteira realmente caracteriza toda a formação
latino-americana.

Hoje, o imperativo é modificar esse padrão de de-


senvolvimento que alcançou o auge nas décadas de
1960 a 1980. É imperativo o uso não predatório das
fabulosas riquezas naturais que a Amazônia contém
e também do saber das suas populações tradicionais
que possuem um secular conhecimento acumulado
para lidar com o trópico úmido. Essa riqueza tem de
ser melhor utilizada. Sustar esse padrão de economia
de fronteira é um imperativo internacional, nacional e
também regional. Já há na região resistências à apro-
priação indiscriminada de seus recursos e atores que
lutam pelos seus direitos. Esse é um fato novo por-
que, até então, as forças exógenas ocupavam a região
livremente, embora com sérios conflitos. (BECKER,
2007).).

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É nesse contexto de conflito, exploração, apropria-


ção e expropriação que o Estado do Amazonas é estudado.
Geograficamente o Amazonas é uma unidade política do Brasil
e o mais extenso estado brasileiro, com área de 1.570.745,680
km². É formado por 62 municípios incluindo Manaus, a capital
do Estado. Possui a maior bacia hidrográfica e o maior rio do
mundo, a Bacia Amazônica e o rio Amazonas, respectivamen-
te. A população constitui cerca de 2,5% do número de habitan-
tes do país e a participação do Estado no PIB nacional nos anos
de 2004 e 2005, ficou em 1,6%, segundo pesquisa divulgada
pelo IBGE.
Relegada historicamente ao ufanismo proporcionado
principalmente pelo ciclo econômico da borracha e pela im-
plantação da Zona Franca de Manaus, esta região paradoxal-
mente convive com traços significativos da modernidade e do
atraso, “consequência de um modelo desenvolvimentista au-
toritário que ainda persiste, ignorando a sociedade local e es-
quecendo que o desenvolvimento deve vislumbrar melhora da
qualidade de vida do homem, da mulher e do ambiente em que
estes vivem” (D’INCAO & SILVEIRA 1994, p. 11).
Um processo inverso ao desenvolvimento sustentável
ocorre na Amazônia. Do ponto de vista da geopolítica mun-
dial e no contexto dos planejamentos homogeneizantes da ex-
pansão capitalista, a Amazônia passa a ser considerada como
capital-natureza, onde diferentes projetos se debatem entre a
modernização e a ecologia. No que diz respeito às tentativas
de modernização no campo, estas foram sendo implantadas
sem que a sociedade, a princípio, se apercebesse dos interes-
ses escusos e seus efeitos perniciosos para as populações locais,
a cultura e a economia, inclusive, no que se refere à histórica
divisão campo-cidade com privilégios para o urbano em detri-
mento do campo.
A separação campo e cidade, alimentada por ideias
forjadas por representantes da sociedade urbano-industrial,
considera o campo como lugar do atrasado, do inferior e do ar-

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caico, como observaram Arroyo, Caldart e Molina (2004). Esta


visão pode ser facilmente identificada, por exemplo, quando
se analisam as políticas públicas que chegam ao campo, geral-
mente com tratamento discriminatório para as populações ca-
boclas e ribeirinhas, cerceando os direitos à saúde, à educação
e à terra.
Ocorre, porém, que o mesmo processo que tenta a
homogeneização da cultura e dos (des)valores da sociedade
capitalista, cria espaços, tendo em vista a contradição, para
movimentos anti-homogeneizantes, ou ainda, na expressão de
Milton Santos (1999), para a “antiglobalização”. Tais movimen-
tos demarcam o seu tempo, sua espacialidade e sua história,
como se pode constatar, por exemplo, em nível nacional, no
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, demonstrando a vi-
talidade e dinamicidade do campo, questionando as estruturas
sociais do sistema capitalista e a cultura que as legitima, como
demonstra Caldart (2004). E, nas inúmeras contradições, a es-
cola e as concepções pedagógicas evidenciam a dupla possibili-
dade: manutenção ou transformação dessas estruturas.
Agricultores familiares cooperativados
No Estado do Amazonas, apesar da existência de es-
tratégias de dominação socioeconômica e política pelo capital,
em tempos e espaços históricos diferenciados, ainda corre pe-
las veias de caboclos e ribeirinhos o sangue dos cabanos4. Os
agricultores familiares amazonenses conhecem a importância
4 Esse nome indicava a origem social dos integrantes da Revolta dos
Cabanos (ou Cabanagem), de 1835 a 1840. Os cabanos eram mora-
dores de casas de palha e desencadearam “o mais notável movimen-
to popular do Brasil, o único em que as camadas pobres da popula-
ção conseguiram ocupar o poder de toda uma província com certa
estabilidade”, segundo o historiador Caio Prado Júnior. A revolta
dos cabanos foi comandada pela população da antiga Província do
Grão-Pará (atual Pará e Amazonas) e tornou-se conhecida como a
mais popular, ampla e radical revolta da época imperial no Brasil
e, também, a que sofreu a mais violenta repressão perpetrada pelo
poder instituído: 40 mil pessoas mortas, entre seringueiros, índios,
negros e mestiços (REIS, In: HOLANDA, 1978, V. II, n. 2).

135
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

da organização como estratégia de luta e resistência, resistên-


cia esta que vem ganhando faces, cores e nomenclaturas dife-
rentes. A Ascope exemplifica a luta dos agricultores familiares
amazonenses, resulta de sonhos gestados; é utopia cabocla 5
concretizada.
A Ascope tem a sua sede no mesmo local onde re-
sidem os sujeitos da produção: a Comunidade Sagrado Cora-
ção de Jesus, pertencente a Vila do Novo Remanso, Município
de Itacoatiara-AM. Foi fundada no ano de 1968 na foz do Rio
Preto da Eva, pelos trabalhos religiosos do catequista Ananias
Galvão, da vizinha Comunidade de Caxinauã. De Itacoatiara
para a Comunidade percorre-se 140 km de Itacoatiara pela Ro-
dovia AM-010. Saindo de Manaus para a Comunidade a dis-
tância é de 210 km, via terrestre: 168 km na AM-010, 25 km na
Estrada do Novo Remanso e mais 16 km na estrada da Vila do
Engenho, todas elas pavimentadas.
Em pleno regime de ditadura militar um seguimento
da Igreja Católica latino-americana seguia as orientações do
Concílio Vaticano II com a opção preferencial pelos pobres,
juntamente com as de Medelin e Puebla, com a Teologia da
Libertação. Em Itacoatiara a Prelazia organizou encontros e
formações de lideranças comunitárias e agentes pastorais uti-
lizando o método ver-julgar e agir6 no intuito de transformar a
realidade social e econômica pela prática cristã.
O engajamento e a militância da CPT (Comissão Pas-
toral da Terra) nos partidos políticos e principalmente no PT,
em cujos princípios seus líderes identificavam os mesmos cla-
mores de lutas e esperanças, foi uma consequência daquele
5 Título da obra de Cláudio Portilho de Jesus, resultado da disserta-
ção de mestrado. Editora da Ulbra, 2000.
6 De acordo com esse método o trabalho formativo se subdivide três
partes seqüenciais, todas elas com metodologias participativas. A
primeira consiste em conhecer e compreender a realidade humana,
sociopolítica, econômica e ambiental (esta última inserida há alguns
anos). Na segunda parte trabalha no campo das reflexões à luz da
Palavra de Deus e dos princípios éticos. Por fim, a comunidade elege
ações transformadoras da realidade local. (CNBB, 2007).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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processo de formação política iniciado pela Prelazia. A relação


com o PT ficou identificada historicamente desde a sua fun-
dação em nível nacional nos anos de 1980, sendo fundado em
Itacoatiara em 1982. (JESUS, 2000, p. 68).
Em 1980, liderados por Peixoto, foi criado o movi-
mento dos pequenos produtores familiares, o LA (Lavradores
em Ação), hoje a ASCOPE. De acordo com pesquisa reali-
zada em 20047, por mim, a escola e a comunidade pareciam
constituir entidades diferentes, independentes e desconectas,
como se vivenciassem realidades distintas, a escola “pen-
sando” e os agricultores “agindo”. Desconhecem, talvez, o
germe revolucionário que ambas carregam, na simplicidade
e complexidade das e dos sujeitos sociais em processos de
formação, sejam professores/professoras, estudantes, agri-
cultores e técnicos agrícolas. Nestas relações, o trabalho, os
conhecimentos e saberes têm dimensões educativas, pedagó-
gicas, sociais e culturais que precisam ultrapassar os espa-
ços e os modelos tradicionais de educação, de formação e
de produção, que sejam capazes de romper com o modelo de
educação imposto pelo capital e fielmente transmitido pelos
técnicos agrícolas e professores que ali chegam, represen-
tantes fiéis do Estado neoliberal, cujo sucesso depende do
desenvolvimento de habilidades e competências que venham
atender ao mercado.
Considerações finais
Por caminhos, pesquisas e interpretações diferentes,
estudiosos de várias partes do Mundo, como por exemplo Rui
Canário e Abílio Amiguinho, em Portugal; Yves-Jean Riou, da
l’Université de Poitiers, na França, Roseli Cardart, Monica Mo-
lina, Marlene Ribeiro, Miguel Arroyo, Bernardo Mançano, no
Brasil, entre outros, entendem a necessidade da mudança do
atual paradigma de educação no meio rural no intuito de cons-
truir uma proposta diferente.
7 Trabalho no prelo.

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ISSN 2448-2072

Como contraponto à educação rural, está sendo cons-


truído outro paradigma, o da educação do campo, porque se-
gundo Fernandes e Molina (2004) o paradigma do rural hoje
elege, seleciona o que lhe interessa como modelo econômico e
cultural. Ele também exclui o que não existe na modernidade, a
lógica do mundo rural, saberes e políticas alternativas e, ao ex-
cluir, cria outro sistema de ideias, necessidades e desejos. É na
esteira desse paradigma que a educação escolar rural acontece,
em conformidade com os ideais neoliberais e a escolarização é
um apêndice da que existe nas grandes cidades.
Há muito que se fazer pela educação no meio rural no
Amazonas. Nosso estudo traz apenas uma realidade estudada,
a da Escola Luiza Mendes, na Comunidade Sagrado Coração
de Jesus, no interior do município de Itacoatiara, no Amazo-
nas. Desde a compreensão do que é a educação até a práxis dos
professores e a visão da escola em relação aos pais e comunitá-
rios precisa ser mudado.
Essa realidade problematizada e problemática não se
apresenta apenas no interior do Amazonas. Na trajetória da
escolarização rural brasileira está evidente o papel da esco-
la no sentido de formar pessoas individualistas para a lógica
desumanizadora do capital por meio de programas e projetos
verticalizados, cujo compromisso foi com a oligarquia agrária
e em nossos dias, com os agrobusiness. A mudança educacio-
nal exige radicalidade na transformação do quadro social e na
construção de espaços rurais com sujeitos, rostos e histórias
construídas a partir e para eles e elas.
Nesse sentido, encontramos na proposta da peda-
gogia “libertadora”, fundada e representada pelo pensamento
e pela prática pedagógica do Professor Paulo Freire, as bases
epistemológicas, políticas e metodológicas para sua aplicabili-
dade no meio rural do Amazonas, logicamente com as devidas
contextualizações espaciais e temporais.
Não há emancipação humana que não passe pela
educação, pelo diálogo e pela conscientização dos sujeitos em

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relação. A transformação virá pela emancipação das camadas


populares, nesse caso, dos trabalhadores rurais, pelo processo
de conscientização cultural e política fora dos muros da escola,
por isso mesmo, radicalmente transformadora.
A escola deve ser um instrumento de conscientização
e organização política dos educandos porque a educação não é
neutra, ela se dá no confronto e no conflito de classes. Por isso
a educação no meio rural é inferior, de menor qualidade que
a da cidade, pela falsa ideia de que no campo não é necessário
mais que o conhecimento das primeiras letras e dos números
para se viver.
A Constituição Brasileira garante a educação para to-
dos, independentemente do lugar que se viva e da classe social.
Sintetizando, Freire entende que o comprometimento com a
transformação social é a premissa da educação libertadora.
Essa libertação é fruto do processo coletivo e não do indivi-
dualismo.
Recorrendo as ideias de Mészáros (2005) educar é co-
locar fim à separação do Homo faber e Homo sapiens, lembran-
do Gramsci; é também resgatar o sentido estruturante da edu-
cação e de sua relação com o trabalho, as suas possibilidades
criativas e emancipatórias. E o objetivo central dos que lutam
contra a sociedade mercantil, a alienação e a intolerância é a
emancipação humana.
Por caracterizar-se como formadora de sujeitos so-
ciais, a educação deve ajudar na construção de um projeto polí-
tico, social, educacional, ecológico e econômico que contemple
as reais necessidades dos sujeitos do processo e atue na busca
de soluções permanentes voltadas para o bem-estar social e
para a vida digna em harmonia com a natureza no e do espaço
onde as relações acontecem.
Referências
ANDREOLA, Balduíno Antonio. Uma escola básica do
campo como condição estratégica para o desenvolvimento

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ISSN 2448-2072

sustentável. Caderno III Conferência Estadual Por uma


Educação Básica do Campo. Porto Alegre: SEC/RS, p. 58-63,
abr. 2002.
BRASIL. IBGE. Disponível em: www.ibge.gob.br. Acesso em
12 ago. 2015.
COLOMBO, Café (Org.). O educador e o homem Paulo
Freire. Entrevista com Ana Maria Araújo Freire. Disponível
em: <http://cafecolombo.com.br/2007/03/04/o-educador-e-
homem-paulo-freire-2/>. Acesso em: 10 set. 2008.
FÁVERO, Osmar. Programa Salto Para o Futuro. Rede TVE
Brasil. Entrevista concedida em 18 de julho de 2003.
FREIRE, Ana Maria Araújo. A voz da esposa: a trajetória de
Paulo Freire. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: uma
biobibliografia. Brasília: Cortez/ Instituto Paulo Freire, 1997,
p. 27-65.
FREIRE, Ana Maria Araújo; VITTORIA, Paolo. Diálogo em
torno de Paulo Freire. Revista Interamericana de Educación
para La Democracia, Vol. 1, No. 1, Septiembre, 2007.
Disponível em: <www.ried-ijed.org>. Acesso em 12 set. 2008.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7. ed. Tradução
de Rosisca Darcy de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de Liberdade. São
Paulo: Paz e Terra, 1970.
FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho
D’Água, 1995, 120 p.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros
escritos. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1981.
FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma
experiência em processo. 2 ed. São Paulo e Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1978.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da


libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire.
Tradução de Kátia de Mello e Silva. São Paulo: Cortez &
Moraes, 1979.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 29. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2002.
GADOTTI, Moacir. A voz do biógrafo brasileiro: a prática à
altura do sonho. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire:
uma biobibliografia. Brasília: Cortez/ Instituto Paulo Freire,
1997, p. 66-115.
GERHARDT, Heiz-Peter. Uma voz europeia: arqueologia de
um pensamento. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire:
uma biobibliografia. Brasília: Cortez/ Instituto Paulo Freire,
1997, p. 144-170.
PROJETO MEMÓRIA 2005. Paulo Freire. Disponível em:
<http://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/index.jsp>.
Acesso em: 07 set. 2008.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

OFICINAS E MUTIRÕES: PROPOSTA DE CA-


PACITAÇÃO EM TECNOLOGIA AGROECOLÓ-
GICA NO AMAZONAS
FONSECA, Jussara Góes da 1
MENEZES, Márcio Arthur Oliveira de 2
UGUEN, Katell 3

Introdução
Nas áreas rurais da Amazônia, a demanda por ações e
articulação voltadas para o desenvolvimento rural sustentável é
muito grande. Além das instituições oficiais de extensão rural e
assistência técnica – ATER, universidades, instituições de pes-
quisa e a empresa pública como o Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE buscam contribuir
para o levantamento de demandas, capacitações e construção
do conhecimento, capazes de responder aos desafios regionais.
Os conceitos de extensão rural, comunicação e construção do
conhecimento foram desenvolvidos por Paulo Freire e outros
educadores ligados à educação e ao desenvolvimento rural. As
diretrizes para o uso metodologias participativas e ações coo-
perativas associadas à agroecologia são partes integrantes da
Política Nacional de ATER para a Agricultura Familiar e Refor-
ma Agrária – PNATER (BRASIL, 2010), Política Nacional de
1 Tecnóloga em Agroecologia. Bolsista de extensão do CNPq, Núcleo
de Estudos em Agroecologia. Universidade do estado do Amazonas-
UEA. E-maill: jussara.goesdf@gmail.com .
2 Engenheiro Agrônomo. Bolsista de extensão do CNPq, Núcleo de
Estudos em Agroecologia. Universidade do estado do Amazonas-
UEA. E-mail: mzmarcio@yahoo.com .
3 Engenheira Agrônoma. Coordenadora de extensão do CNPq, Nú-
cleo de Estudos em Agroecologia. Universidade do Estado do Ama-
zonas - UEA. E-mail: katelluguen1@gmail.com .

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ISSN 2448-2072

Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO (BRASIL, 2012),


e Política Nacional de Segurança Alimentar – PNSAN (BRA-
SIL, 2010).
O objetivo do trabalho de ATER apresentado a seguir
foi o de dialogar e desenvolver ações participativas e formativas
específicas direcionadas à agricultores com potencial agroeco-
lógico em três municípios do Estado do Amazonas, com o in-
tuito de fortalecer os práticas e princípios agroecológicos assim
como incentivar o trabalho de capacitação em equipe.
Metodologia
O trabalho foi realizado nos municípios de Manaus,
Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo, no Estado do Ama-
zonas, no período de Março e Dezembro de 2015. O mesmo
abrangeu 100 agricultores familiares orgânicos e em transição
agroecológica, realizado por técnicos no Núcleo de Estudos em
Agroecologia e Produção Orgânica – NEA, em conjunto com
técnicos do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Flo-
restal do Amazonas - IDAM. A maioria dos agricultores eram
beneficiários do Projeto de Produção Agroecológica Integrada
e Sustentável – PAIS, promovido e implantado pelo SEBRAE.
Nas propriedades com módulos do PAIS instalado foram rea-
lizadas visitas nas propriedades. Foram também realizados
mutirões, envolvendo agricultores beneficiados com esta tec-
nologia em conjunto com outros agricultores interessados e
técnicos, formando um grupo de 10 a 15 pessoas dialogando
e realizando práticas sobre cobertura vegetal dos canteiros e
plantio de hortaliças. O trabalho em mutirão foi fundamen-
tal para promover e fortalecer a união entre os agricultores, a
troca de experiências e a motivação. Para desenvolver assuntos
técnicos específicos demandados pelos agricultores foram fei-
tas oficinas sobre: implantação de Agroflorestas, preparação de
biofertilizantes, Bokashi e inseticidas orgânicos.
As atividades tinham uma duração de um dia e eram
conduzidas com muito diálogo, abordando temas como a pro-

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dução orgânica, agroecologia, valorização do agricultor e do


trabalho em mutirão assim como problemas sociais como êxo-
do rural, inserção dos jovens na agricultura, dentre outros.
Resultados e Discussão
Os agricultores apresentaram resistência inicial para o
trabalho em mutirão, pois este tipo de organização e metodo-
logia não faziam parte da rotina deles e alguns falavam que não
gostavam do trabalho em equipe porque, segundo eles, muitos
agricultores não demonstram o compromisso de participação
e em muitos casos a ajuda não era mutua. Também, tradicio-
nalmente, atividades extensionistas na área rural são feitas
com metodologia de transferência, com enfoque em aspectos
tecnicistas. Porém, a metodologia utilizada neste trabalho ba-
seou-se em princípios conceituados por Paulo Freire onde “o
trabalho do agrônomo, no campo, (...) é pedagógico”. (FREIRE,
1983). Para ele,
É inadiável que se discuta, interdisciplinarmente, a
assistência técnica, tomando o homem a quem serve
como centro da discussão. Não, contudo, um homem
abstrato, mas um homem concreto, que não existe se-
não na realidade também concreta que o condiciona
(FREIRE, 1983, p.9).
Na concepção critica, esta capacitação não é um ato
ingênuo de transferir ou “deposita” contendas técni-
cas. E, pelo contrario, o ato em que o proceder técnico
se oferece ao educando como um problema ao qual
ele deve responder (FREIRE, 1983, p.42)

O papel e a experiência da equipe técnica foi funda-


mental para o bom desenvolvimento das atividades. Também,
Paulo Freire destacava a postura e papel do agrônomo:
[...] desde o momento em que passa a participar do
sistema de relações homem natureza, seu trabalho as-
sume este aspecto amplo em que a capacitação técnica
dos camponeses se encontra solidária com outras di-
mensões que vão mais além da técnica mesma.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Esta indeclinável responsabilidade do agrônomo, que


o situa como um verdadeiro educador, faz com que
ele seja um (entre outros) dos agentes da mudança
(FREIRE, 1983, p. 37)

Como agente da mudança, com os camponeses,


(agentes também), cabe a ele inserir-se no processo
de transformação, conscientizando-os e conscienti-
zando-se ao mesmo tempo. A conscientização, (...) é
interconscientização (FREIRE, 1983, p.41).

[...] o quefazer fundamental do agrônomo: mais do


que um técnico frio e distante, um educador se com-
promete e se inse3re com os camponeses na transfor-
mação, como sujeito, com outros sujeitos. (FREIRE,
1983, p.42).

Nos trabalhos, foi fundamental o compartilhamento


de praticas, nas oficinas e mutirões. Pois,
Sabe também, porque ‘e critica que esta transforma-
ção da percepção não se faz mediante um trabalho em
nível puramente intelectualista, mas sim na praxi ver-
dadeira, que demanda ação constante sobre a realida-
de e a reflexão sobre esta ação. Que implica no pensar
e no atuar corretamente (FREIRE, 1983, p.42).

No entanto, depois de diálogo motivacional argumen-


tando a importância do trabalho em equipe, decidiram deixar
essas ideias de lado e experimentar. Durante os mutirões, os
agricultores tiveram ótima participação nos trabalhos. Depois
dos mutirões, relataram a importância do aprendizado para o
enriquecimento dos seus conhecimentos. Pode-se perceber a
motivação dos agricultores com as atividades desenvolvidas.
Com o auxilio da equipe de mediadores, técnicos e agrôno-
mos-educadores (FREIRE, 1983), a grande maioria interagia
relatando suas experiências e expondo suas duvidas diante de
todos os presentes, o que permitia ao mesmo tempo uma con-
textualização dos temas agroecológicos discutidos e uma par-
ticipação efetiva dos agricultores.

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A participação não é somente um instrumento para a


solução dos problemas, mas também uma necessida-
de do homem de auto-afirmar-se, de interagir em so-
ciedade, criar, realizar, contribuir, sentir-se útil. É um
instrumento muito eficaz para aumentar a motivação
e o entusiasmo; contribui para expressão do pleno po-
tencial de uma organização (CORDIOLI, 2001, p. 27).

Também o diálogo simétrico e sem preconceito é uma


das principais ferramentas da educação em agroecologia, se-
guindo a premissa de que todos são sujeitos interessados, com
suas contribuições e contradições (CARDOSO e SEMEGHI-
NI, 2009). Também, destaques foram dados nas oficinas e mu-
tirões sobre a importância e responsabilidade dos agricultores
em multiplicar o conhecimento agroecológico, pois este tem
potencial para transformar vidas e ambientes, respeitando e
valorizando os saberes tradicionais.
O principal resultado das oficinas e mutirões é o co-
nhecimento. Porém, os produtos obtidos a partir das oficinas,
como adubos e biofertilizantes, foram distribuídos e utilizados
pelos agricultores participantes.
Conclusão
As visitas nas propriedades, os mutirões e as oficinas
constituem metodologias complementares capazes de desen-
volver ações interdisciplinares guardando sempre o foco na
realidade regional e o conhecimento dos agricultores. Nos
municípios e comunidades onde o trabalho foi desenvolvido,
os agricultores se mostraram motivados para continuar com
atividades baseadas nos princípios da agroecologia e buscar
fortalecer a organização social necessária.
Referências bibliográficas
BRASIL. Política Nacional de ATER para a Agricultura
Familiar e Reforma Agrária – PNATER. Lei No 12.188, de 11
de janeiro de 2010.

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BRASIL. Política Nacional de Agroecologia e Produção


Orgânica – PNAPO. Decreto Nº 7.794, de 20 de agosto de
2012.
BRASIL. Política Nacional de Segurança Alimentar –
PNSAN. Decreto No 7.272 de 25 de agosto de 2010.
CARDOSO, T. M. & SEMEGHINI, M. G. Diálogos
agroecológicos: conhecimentos científico e tradicional
na conservação da agrobiodiversidade no rio Cuieiras
(Amazônia Central). Manaus: Instituto de Pesquisas
Ecológicas, 2009. p. 17.
CORDIOLI, S. Enfoque Participativo: um processo de
mudança: conceitos, instrumento e aplicação prática. Porto
Alegre: Genesis, 2001. p. 27.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e
Terra. 7 ed. 1983. p. 9;37; 41-42.
FINANCIAMENTO Ministério do Desenvolvimento Agrário
- MDA, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e
Tecnológico – CNPq; Universidade do Estado do Amazonas;
SEBRAE.

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NUCLEAÇÃO ESCOLAR: INSTRUMENTO


DE EFETIVAÇÃO DAS GARANTIAS SÓCIO-
EDUCACIONAIS NAS ZONAS RURAIS DO
AMAZONAS?

JARDIM ,Cinthya Martins1


OLIVEIRA, José Aldemir de2
Introdução
É fundamental que o conhecimento básico educativo
se faça associado com a qualidade no setor educacional, esten-
dendo-se ao universo dos discentes para proporcionar a garan-
tia de que todos se encontrem envolvidos nesse processo e com
condições para participar do mesmo. No entanto, a efetivação
de propostas educacionais precisa se concretizar aliadas à cria-
ção de políticas públicas adequadas em termos qualitativos e
quantitativos, capazes de promover o processo de moderniza-
ção educacional da sociedade brasileira respeitando as singu-
laridades regionais.
A problemática abordada neste artigo, está relaciona-
da com o trabalho de Dissertação de Mestrado junto ao Pro-
1 . Graduada em Geografia. Mestra em Sociedade e Cultura na Ama-
zônia. Doutoranda em Sociedade e Cultura na Amazônia. Bolsis-
ta da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
(FAPEAM). Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas das Ci-
dades da Amazônia Brasileira – NEPECAB/UFAM. Professora efe-
tiva da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas - SEDUC.
E-mail: cinthyajardim@hotmail.com
2 . Professor Titular de Geografia da Universidade Federal do Amazo-
nas, pesquisador do CNPq e professor no Programa de Pós-Gradua-
ção Sociedade e Cultura na Amazônia da UFAM. Pesquisador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades da Amazônia Brasileira
– NEPECAB/UFAM. E-mail:jaldemir@pq.cnpq.br

149
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grama de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia,


que teve como tema: “Espacialidade e Saber: A nucleação das
escolas rurais de Nova Olinda do Norte – Amazonas” defendido
pela autora em 2003, o qual se propôs a analisar as implicações
da implantação de uma política pública educacional a nível ma-
cro, iniciada com a Lei nº 93947/96 e Emenda Constitucional
14 e sequenciada com a Lei nº 11.494 de 20 de junho de 2007,
que regulamenta o Fundo  de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Edu-
cação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias; alterando a Lei no 10.195, de 14 de
fevereiro de 2001e revogando os dispositivos das Leis nos 9.424,
de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e
10.845, de 5 de março de 2004.
Com base nessas legislações, foi iniciado desde 1997
em todo país a municipalização gradativa do Ensino Infantil
e Fundamental, gerando influências significativas junto às sin-
gularidades do cotidiano escolar encontrado na Amazônia pela
exigência de um número mínimo de 21 alunos no quadro de
matrícula inicial das escolas rurais, com a finalidade de promo-
ver os repasses dos benefícios financeiros destinados à educa-
ção na zona rural dos municípios brasileiros.
Esta situação gerou um problema para as Secretarias
Municipais de Educação do Estado do Amazonas, pois atingir a
meta mínima de alunos no quadro de matrícula inicial exigida
para receber os recursos advindos do antigo FUNDEF (Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental)
nas zonas rurais de um estado marcado pelas grandes dimen-
sões territoriais e com uma baixa densidade demográfica tor-
nou-se o maior desafio a ser superado no processo de munici-
palização educacional do ensino. Assim, na tentativa de superar
este desafio, algumas Secretarias Municipais de Educação do
Amazonas, passaram a colocar em prática um processo de ação
educacional que ficou conhecido como Nucleação Escolar.3
3 Os dados coletados junto ao Departamento de Planejamento e Ava-

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Com as exigências demandas pelo Plano Decenal, evi-


denciou-se a preocupação em instalar no país uma educação
mais democrática e de melhor qualidade a partir de um esfor-
ço conjunto compartilhado com Estados, Municípios e União
com a finalidade de proporcionar a abertura para municipa-
lização do ensino em todo país, novas demandas de recursos
destinados a educação e a descentralização do ensino em todo
país. Estas preocupações provocaram iniciativas isoladas, am-
plos debates e propostas defendidas por entidades nacionais e
gestores de órgãos públicos ligados à educação, questionando
amplamente o binômio qualidade x quantidade que se tornou o
centro dos questionamentos nos setores de planejamento edu-
cacional.
Portanto, analisar os parâmetros que regem a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação e suas diretrizes com relação
à municipalização do Ensino Infantil e Fundamental propor-
cionou-nos o reconhecimento do quão ampla e complexa é a
tentativa de homogeneização do ensino nacional, visto que, a
realidade educacional encontrada na zona rural dos municí-
pios do Estado do Amazonas, está envolvida em uma totali-
dade considerada estrutural por proporcionar significados e
valores a diferentes atores sociais que, por sua vez, ali se encon-
tram integrados a um ritmo e dinâmica própria do lugar sem
deixarem de sofrer as consequências advindas dessa totalidade.
É importante esclarecer que, a aplicabilidade desse
liação da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas – Deplan,
nos informaram que a Nucleação Escolar até 2003 era considera-
da como um artifício informal e não obrigatório. Essa estratégia foi
utilizada com a finalidade de concentrar os benefícios do Fundef
direcionados às escolas rurais, pois para o MEC a prioridade não
era o número de escolas e, sim, o número de alunos que recebia o
atendimento escolar. Daí ser constatado desde 1997 no Estado do
Amazonas, um acelerado processo de redução dos estabelecimen-
tos escolares na zona rural realizado pelas Secretarias de Educação
Municipais em municípios como Parintins, Eirunepé, Iranduba, São
Gabriel da Cachoeira, Nhamundá, Manacapuru, Manaquiri, Au-
tazes, Coari, Nova Olinda, Barreirinha, Maués, Urucará e outros.
(JARDIM, 2003).

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processo de ação pedagógica no Amazonas, surgiu como um


“discurso inovador” direcionado para a busca de alternativas
que possibilitassem a viabilização daquilo que se concretizaria
com a criação de ambientes educacionais democráticos, com
qualidade de ensino, com salas de aulas mais participativas,
com menores índices de repetência e desistência e com maior
número de alunos matriculados nas escolas rurais dos muni-
cípios do Amazonas. Assim, a alternativa adotada pelas Secre-
tarias Estaduais de Educação, em estreita articulação com os
órgãos municipais envolvidos nesse processo, tomou por base
o modelo de gestão adotada pelo Projeto Nordeste.4 No entan-
to, adequação ao mesmo tipo de programa utilizado com êxito
na região Nordestina, onde o transporte escolar é realizado por
estradas terrestres foi de encontro com as nossas singularida-
des naturais amazônicas, ficando comprometido pelos aspec-
tos geográficos, demográficos e pelas mudanças na paisagem
nas enchentes e vazantes dos rios que se tornam as estradas que
ligam as zonas rurais dos municípios amazonenses.
Mesmo assim, os municípios do Estado do Amazonas
adotaram essa estratégia na tentativa de concentrar um núme-
ro de matrículas superior a vinte e um alunos em suas escolas
rurais, pois esta era a exigência do MEC para que a escola pas-
sasse a receber os benefícios do FUNDEB. Iniciou-se assim,
com a municipalização do ensino na zona rural do Amazo-
nas, a redução das escolas rurais e a concentração de alunos
4 Programa que propõe diagnosticar as múltiplas dimensões dos pro-
blemas educacionais que afetam as escolas públicas do Nordeste. Foi
estruturado a partir do Programa de Pesquisas e Operacionalização
de Políticas Educacionais (PPO), tendo seu início em Brasília no
dia 8/2/1997, em parceria com representantes da coordenação do
Banco Mundial, Unicef, Mec e equipes de trabalho formadas por
especialistas em educação. Uma das metas propostas para superação
dos elevados índices de fracasso escolar na zona rural do Nordeste
articula sobre a necessidade de criar meios eficientes de pulveriza-
ção das escolas nessas áreas, por meio da criação de um forte esque-
ma técnico, agrupado em torno de uma escola-pólo. (Programa de
Pesquisa e Operacionalização de políticas Educacionais, Chamada à
ação: combatendo o fracasso escolar no Nordeste, p. 50.)

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em uma comunidade rural centralizada, a qual passou a ser


conhecida como escola-núcleo ou escola pólo.
É de fundamental importância que não nos esque-
çamos de questionar sobre o quanto a municipalização edu-
cacional pode ser valiosa ou não, à medida que se desenvolve
articulada com a democratização, o acesso e a permanência da
população rural nas escolas públicas. A ausência dessas medi-
das serve para evidenciar que a constante busca pela obtenção
dos valores destinados à educação, gerou junto às administra-
ções municipais, uma corrida desenfreada, onde a questão de
“ganhar” ou “perder” recursos se coloca acima dos objetivos
propostos pelo Plano Decenal de Educação.
Assim, os estudos realizados nesse artigo pretendem
dar continuidade a uma análise sobre as dimensões e conse-
quências causadas pelo processo educacional de Nucleação
Escolar na zona rural dos municípios do Amazonas, ao lon-
go de mais de uma década, pois a viabilização e a eficácia de
uma política educacional macro depende do reconhecimento
e do entendimento da realidade social onde esse processo está
sendo colocado em prática. Portanto, levanta-se como ques-
tão-problema desta investigação: De que modo o processo de
Nucleação Escolar contribuiu ou está contribuindo no proces-
so de democratização do ensino na zona rural do Amazonas?
As singularidades regionais e as políticas publicas
Para Edgar Morin (1997), a questão do olhar é primor-
dial para que percebamos a complexidade das coisas que ocor-
rem em nosso campo de visão, pois conhecer é sempre poder
rejuntar uma informação ao seu contexto e ao conjunto ao qual
pertence. Mediante esse desafio, é preciso que juntemos duas
noções antagônicas, e, ao mesmo tempo, complementares: as
singularidades regionais e a implementação das políticas pú-
blicas nacionais. Ao analisarmos por essa perspectiva perce-
bemos a complexidade desse processo, pois ao mesmo tempo
em que o homem rural atua na sociedade amazônica com seu

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modo de vida, lendas, linguagem e alimentação, também se


torna objeto da mesma, à medida que lhe são impostas proi-
bições, normas e modificações na sua organização espacial.
Daí ser impossível a realização de um estudo sobre eficácia da
Nucleação Escolar no Amazonas, sem analisar a interação e os
reflexos que a mesma reproduziu e reproduz nas comunidades
rurais e no cotidiano dos comunitários das pequenas comuni-
dades rurais do interior do Amazonas.
Na qualidade de geógrafa, a efetivação da estraté-
gia de Nucleação Escolar posta em prática na zona rural dos
municípios do Amazonas desde 1997, passou a me interessar
significativamente principalmente por proporcionar estudos
mais aprofundados sobre o reconhecimento da aplicabilidade
e viabilidade de uma política pública nacional que interfere di-
retamente nas formas de organização social encontradas em
dois ecossistemas singulares da Amazônia – a várzea e a terra
firme.5
5 Classificação atribuída aos dois ecossistemas amazônicos respon-
sáveis por compor o quadro geomorfológico da região e o modo de
vida das populações que habitam a margem dos rios. Nas áreas de
várzea, encontramos planícies periodicamente inundáveis extrema-
mente férteis que constituem cerca de 1,5% da Amazônia. Essa ferti-
lidade é amplamente aproveitada no cultivo de culturas temporárias
como banana, melancia, milho e feijão. Nessas áreas é comum maior
concentração populacional, embora, pela questão da enchente e va-
zante dos rios, aqueles que ali estabelecem moradia periodicamente
sejam forçados a realizar migrações sazonais em virtude do regime
fluvial que começa a subir em novembro e atinge sua máxima nos
meses de maio a junho, caracterizando o período das “cheias” para
decair de agosto a outubro, denominado como “vazante”. Nas áreas
de terra firme, encontramos os terrenos que geralmente apresentam
baixa fertilidade e um ecossistema frágil formado por vastas áreas
de floresta exuberante resultante do processo de reciclagem de nu-
trientes advindos da própria floresta, isto é, em virtude dessa baixa
fertilidade, a própria floresta repõe seus nutrientes reaproveitando
a decomposição de toneladas de folhas, flores, frutos e galhos que
anualmente caem no solo. Essas áreas constituem cerca de 98% da
região e se encontram longe das ações das águas dos rios e das marés
e a sua fragilidade pedológica é revelada no momento dos grandes
desmatamentos e pelas ações das queimadas. IBGE. Geografia do
Brasil – Região Norte, 2000, p. 15-17.

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Sob esse aspecto, a Nucleação Escolar, embora propi-


cie o aumento no quadro de matrícula inicial das escolas nú-
cleo, situadas nas zonas rurais do município, não gera direitos
iguais à população rural por enfraquecer a democratização
do ensino ao contribuir para o fechamento de muitas escolas
na zona rural do Amazonas, visto que a implantação de um
ensino democrático deve possibilitar o acesso educacional de
forma igualitária, estendendo-se a todos e não apenas centrali-
zado em algumas áreas.
Nesse sentido, para direcionar os questionamentos
abordados neste artigo, torna-se fundamental o delineamento
de algumas questões norteadoras: Qual o papel da escola como
mediadora das possibilidades de acesso à educação diante da
forma limitada que o processo de nucleação impõe no coti-
diano das comunidades rurais do Amazonas? Existe uma in-
fraestrutura de transporte escolar na zona rural adaptada para
atender as necessidades de locomoção nos períodos das cheias
e vazantes dos rios em ecossistemas de várzea e terra firme,
com a finalidade de viabilizar o processo de nucleação?
Quando o enfoque científico é direcionado ao am-
biente amazônico, percebemos com clareza que é preciso mui-
to mais do que um simples olhar para entender a sua complexi-
dade. É preciso que haja maior integração com o lugar, pois são
nos lugares amazônicos que se desenrolam as singularidades
naturais e socioculturais capazes de constituir ou, ao mesmo
tempo, desarticular o ecossistema amazônico. É necessário que
se estabeleça um olhar englobando a totalidade simbólica te-
cida pelas particularidades humanas e naturais que compõem
essa espacialidade, pois, ao contrário do que se observa ao pri-
meiro olhar sobre a região, não é a homogeneidade e, sim, a
diversidade que proporciona os encantos e os mistérios sobre
a Amazônia.
Além da problemática natural da região ressaltada
pela questão da espacialidade marcada pelas grandes distân-
cias, colocar em prática a Nucleação Escolar nas comunidades

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rurais se confronta com duas fortes barreiras: a questão po-


lítica, que influencia diretamente na escolha da comunidade
que será classificada como o núcleo escolar, surgindo daí diver-
gências entre os comunitários das comunidades que terão suas
escolas fechadas, visto que as mesmas normalmente foram
instaladas nas comunidades rurais pelas promessas realizadas
em períodos eleitorais; e a barreira social, defendida pelos co-
munitários e pela ação da Igreja, que resistem à saída da escola
de sua comunidade, pois a retirada desse ponto de integração
social reflete a perda do valor sociocultural frente às outras co-
munidades.
Partindo do estudo de caso realizado nas escolas da
zona rural do município de Nova Olinda do Norte, no ano de
2000, encontravam-se quatorze escolas integradas ao processo
seletivo de Nucleação Escolar com 96 escolas ativas na zona
rural do município e 2.239 alunos no quadro de matrícula ini-
cial. Em 2012, o número de escolas ativas diminuiu para 65
escolas rurais com 6.400 alunos no quadro de matrícula inicial,
atendidos em turmas multisseriadas no Ensino Fundamental.6
Estes dados evidenciam que, muito embora se tenha
constatado durante a pesquisa da Dissertação muitas difi-
culdades enfrentadas pelos comunitários da zona rural ao se
adaptarem a esse processo, o mesmo continuou a ser realizado
de forma intensiva em muitos municípios do Amazonas, de-
monstrando claramente uma preocupação voltada para obten-
ção dos recursos destinados a educação com a finalidade de
adequar-se ao perfil proposto pela LDB na busca da “qualidade
de ensino”.
A ausência da participação democrática na viabiliza-
ção desse tipo de processo, quando as decisões são impostas
pelas Secretarias Municipais de Educação de forma verticali-
zada, demonstra claramente que os comunitários não possuem
poder de decisão na escolha da comunidade que será nucleada
6 Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Nova Olinda do Nor-
te/2012.

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e da comunidade que se tornará núcleo. Este fato também é


um agravante do grau de descontentamento por parte de pais,
alunos, professores e lideranças políticas das comunidades ru-
rais que passam a perder sua importância de uso comum ao se
depararem com o fechamento da escola na sede de sua comu-
nidade.
Nesse caso, após mais de uma década de efetiva apli-
cabilidade desse processo de ensino, seria interessante analisar
até que ponto a Nucleação Escolar aplicada nos municípios do
Amazonas contribuiu para a democratização da educação na
zona rural, pois a dimensão dessa política pública ultrapas-
sa as especificidades locais ao mesmo tempo em que envolve
os sujeitos sociais na sua totalidade. Para Saviani (2000), esse
processo de democratização educacional, reproduz as “normas
(aparentes) de igualdade e neutralidade social da educação –
em nome das quais os grupos médios superiores obtêm uma
série de medidas que os favorecem – agem como legalidade
que exclui os socioculturalmente inferiores”.
A base de sustentação dessas medidas ampara-se
na necessidade de buscar maior qualidade de ensino unida a
maior concentração de alunos por escola. Porém é importante
lembrar que, com as transformações originadas pela Nuclea-
ção Escolar na zona rural, surgem tendências à instabilidade
sociocultural que constantemente propiciam grandes mudan-
ças na vida dos comunitários.
Assim, embora o processo lento e doloroso colocado
em prática com as diretrizes da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional possa vir a se caracterizar como moder-
no, o novo e a reestruturação do sistema de ensino a nível ma-
cro, essas mudanças não ocorrem de forma isolada. Por isso
é necessário identificar as tendências neoliberais aplicadas ao
processo educacional vivenciado no Amazonas e o seu reflexo
sobre o papel do Estado na atualidade.
Para Guiomar de Mello (1993), o ato de descentrali-
zar o ensino só se tornará eficaz à medida que se reconheça a

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diversidade nos pontos de partida assegurando a equidade nos


pontos de chegada, pois reduzir a descentralização ao ato de
“prefeiturização” do gerenciamento do ensino não proporcio-
na o estabelecimento de um alto grau de integração, solidarie-
dade e identidade dos propósitos que deveriam estar voltados
para as necessidades educacionais vivenciadas nos municípios
do Amazonas.
O impacto originado por essas mudanças no setor
educacional dos municípios amazônicos envolvidos nesse
processo, não se restringe apenas aos aspectos econômicos e
políticos, mas significativamente e principalmente às questões
sociais, pois o principal poder gerado pelas atividades educa-
cionais está na sua capacidade de formar sujeitos participativos
e atuantes na sociedade, capazes de contribuir para modificar
a sua história. Para Pedro Demo (2000), somente através de
uma política reconstrutiva da aprendizagem há a evolução da
realidade, pois não se muda a história de determinada socieda-
de tendo por base apenas a qualidade política. É preciso que se
estabeleça a qualidade formal expressa através da competência
técnica de manejar o conhecimento.
Oliveira (1999) acentua que a principal dificuldade de
compreender as especificidades resultantes das políticas públi-
cas educacionais e sua adaptação às particularidades está na
relação recíproca entre dois polos distintos e, ao mesmo tempo,
complementares, por encontrarem-se integrados em um todo
dinâmico que é a sociedade. Dessa forma, são inúmeros os de-
bates sobre a importância política da educação no processo de
socialização do conhecimento, principalmente quando este é
elaborado alheio às peculiaridades locais, embora necessite es-
tar incluído no processo, por constituir-se como parte do con-
junto que compõe essa totalidade.
A terra, o rio, o calor escaldante ou os temporais bra-
vios, a natureza enfim tem forte conotação na vida do homem
rural amazônico. É junto à natureza que se estabelece o recanto
de suas relações sociais e o desenrolar de todas as suas ativida-

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des. Nas relações sociais encontradas nessas áreas não há gra-


ves preocupações enfrentadas pela vida urbana, pois ali se vive
respeitando o tempo: o tempo das águas, o tempo da pesca,
o tempo da caça, o tempo de plantar e o tempo de colher. Es-
sas particularidades compõem tudo aquilo que chamamos de
Amazônia e é em meio a elas e por causa delas que se estabe-
lecem conceitos de complexidade ao tentarmos definir o papel
e a importância da escola nesses dois ecossistemas repletos de
singularidades e especificidades, conhecidos como a várzea e a
terra firme do Estado do Amazonas.
A importância da escola no cotidiano rural amazônico e o
olhar de Paulo Freire sobre o processo de mudança
Analisar o cotidiano rural amazônico desafia o olhar
do observador, pois ali se encontram o sentido das coisas
simples por praticadas por seus moradores, o sentido do seu
caminhar, a sua vivência e o contexto de sua história na bus-
ca de novos caminhos e novas alternativas, pois só partindo
da simplicidade do seu cotidiano rural é que entenderemos a
complexidade da sua integração com o meio natural.
Com base em tal pressuposto, podemos afirmar que,
com a implantação da Nucleação Escolar, os pais de alunos
das comunidades que vivenciaram esse processo passaram a
enfrentar mudanças e intervenções radicais em sua cotidiani-
dade. Embora os mesmos estejam incluídos em uma política
pública nacional irreversível, tal processo não ocorre de forma
autônoma, pois se desenrola em meio a conflitos, a decepções
e descontentamentos capazes de descortinar possibilidades de
reação transformadas em lutas. Daí a necessidade de não ape-
nas compreendermos a realidade do homem rural amazônico
somente para desvendar o seu cotidiano e, sim, para realizar-
mos uma análise que englobe o seu contexto social incluído
nessa totalidade.
A função política da Nucleação Escolar, a partir do
momento que passou a ser colocada como prática especifica-

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mente pedagógica, na tentativa de vencer características pró-


prias regionais relativas ao subpovoamento rural, influenciou
diretamente no ritmo de vida dos comunitários. No cotidia-
no do homem rural amazônico a escola é a possibilidade da
mudança, da ascensão social, da melhoria de vida e do acesso
ao novo. É nela que se estabelecem a esperança e a alegria do
estar junto, do ficar próximo, do acompanhar a aprendizagem
dos filhos, sem que para isso os mesmos tenham que se dire-
cionar à zona urbana para adquirir novos conhecimentos.
Para Paulo Freire (2001), nos afirma que a primeira
condição para que o ser humano possa assumir um ato com-
prometido na sociedade está em ser capaz de agir e refletir
para tomar consciência da sua capacidade de estar, pois quan-
do o homem compreende sua realidade torna-se um campo
aberto para o desafio da mesma e para a busca de soluções.
Com a nucleação escolar o nosso maior problema é o
transporte, porque daqui pra frente quando começa a
encher, começa a descer os troncos de árvores nesse
rio e tudo fica mais perigoso. Para vencer a distância
e a força do rio é preciso ter um barco bem possante,
pois nem todos sabem nadar e eu fico assim preocu-
pado nas viagens. Deus livre se der um tempo como
no ano passado que ia acontecendo uma tragédia.
Mas Deus é bom com todos e cuidou para evitar o
pior. Aqui tudo é meio difícil, olhe agora com a su-
bida da água, aqui tá tudo parado e até esses bichos
(referindo-se a alguns carneiros e porcos que se en-
contravam no rio) precisam ser levados daqui mais
tardar amanhã. Quando a escola era aqui tudo favo-
recia, de manhã, de tarde eles me acompanhavam.
Agora a mulher e as crianças tão pra cidade por causa
da enchente. A gente só não pode deixar essa casa só,
por agora é tempo de peixe e dá muito peixeiro que
ninguém conhece e quando eles chegam em um lugar
abandonado eles não vão perguntando e vão fazen-
do fogo. No ano passado queimaram todo o assoalho
de uma casa, por isso a gente tem dúvida de deixar a
casa só. Seria bom se a escola voltasse para cá, favo-
recia a despesa e a preocupação, porque dá no horá-

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rio e quando eles se atrasam a gente fica esperando e


maldando que só pode ter acontecido alguma coisa.
Ninguém veio aqui perguntar, mas nós só aceitamos
isso porque não tinha outro jeito e a gente quer ver o
filho da gente estudando para ter um futuro melhor
que o nosso. (Pai de alunos da Costa do São Domin-
gos – Várzea).

A atitude de descontentamento desse pai de aluno,


nos levou a observar o processo de mudança social, nos re-
metendo diretamente ao olhar freireano e nos impulsionando
a desenvolver uma reflexão filosófica e antropológica sobre
o comportamento desses atores sociais, tendo em vista que,
o sentido real da educação é o de impulsionar as mudanças
contínuas na sociedade humana. Para Paulo Freire (2001), a
educação tem caráter permanente, enquanto que o homem
sempre se caracterizará como um ser incompleto e inacabado
por natureza, estando sempre em busca de formação, portan-
to, não existem superioridades de saberes e nem ignorância de
saberes, os saberes são por natureza relativos.
A sabedoria parte da ignorância. Não há ignorantes
absolutos. Se num grupo de camponeses conversamos
sobre colheita, devemos ficar atentos para a possibili-
dade de eles saberem muito mais do que nós. Se eles
sabem selar um cavalo, e sabem quando vai chover,
se sabem semear, etc. não podem ser ignorantes [...].
O saber se faz através de uma superação constante.
O saber superado já é uma ignorância. Todo saber
humano tem em si o testemunho do novo saber que
já anuncia. Todo saber traz consigo sua própria supe-
ração. Portanto, não há saber e nem ignorância ab-
soluta: há somente uma relativização do saber ou da
ignorância. (FREIRE, 2001, p.28-29).

Para que o processo educacional proporcione a mu-


dança no meio social, é fundamental que o mesmo se desen-
volva amparado com o respeito às singularidades e ao modo
de vida de quem a ele se destina, dentro de um sistema de in-
teração validada pelo respeito, pela não imposição e pela pre-

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servação do sentimento de esperança. Sobre isso Freire (2001)


afirma que “a sociedade fechada se caracteriza pela conserva-
ção do status ou privilégio e por desenvolver todo um sistema
educacional para manter este status”. O liberalismo econômi-
co que estimulou a corrida em busca de recursos financeiros
no campo educacional, também estimulou passivamente essa
“consciência bancária” da educação, onde o recebimento do
saber, resultante da aplicabilidade dessas políticas públicas,
busca gerar ainda mais recursos financeiros com a finalidade
de promover a “qualidade” da educação, refletindo uma cons-
ciência ingênua, alheia e desassociada da realidade local, que
provoca nos pesquisadores do campo educacional inquieta-
ções e indignações.
O uso da perspectiva materialista histórica conduziu
a natureza do processo dialético realizado durante o trabalho
de pesquisa, pois para produzir e reproduzir a realidade social
é preciso antes de tudo o rompimento com o modo de pensar
imposto pelas ideologias dominantes, reconhecendo que as ati-
tudes contraditórias não deixam de ser uma forma universal da
realidade, pois a concepção dialética no campo educacional di-
reciona um posicionamento que aborda a necessidade de reali-
zar uma análise sócio-educacional do educando da zona rural,
promovendo o reconhecimento das contradições inclusas em
sua realidade.
O conhecimento dessa realidade foi alcançado me-
diante diagnóstico, experimentos, pesquisas teóricas e pesqui-
sas práticas aplicadas com a utilização de questionários e for-
mulários em áreas específicas da zona rural do município de
Nova Olinda do Norte - Amazonas, abrangendo um número
determinado de escolas em áreas de várzea e em áreas de terra
firme, permitindo o reconhecimento quantitativo e qualitativo
dos aspectos educacionais da zona rural do município.
Segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC,
2010), os fatores que legalizaram e sustentam os benefícios do
processo de implantação da Nucleação Escolar nas áreas ru-

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rais dos municípios brasileiros, defendem que a melhoria dos


benefícios relativos à qualidade educacional está associada à
geração de escolas mais estruturadas com salas unisseriadas
organizadas em escolas núcleo se comparadas com a histórica
precariedade das escolas multisseriadas. No entanto, no caso
do Amazonas, a estratégia de Nucleação Escolar também ser-
viu de base para dar continuidade ao processo educacional
aplicado em salas multisseriadas, como podemos analisar:
A coordenadora do Escola Ativa no Amazonas, Zélia
Laray, explica que as classes multisseriadas já foram
mal vistas, mas isso mudou: “bem trabalhadas, são
ferramentas capazes de promover e oferecer um ensi-
no público de qualidade a crianças que precisam en-
frentar horas de ônibus ou barco para chegar nas es-
colas mais próximas. Estamos fortalecendo o ensino
nas classes da própria localidade”, enfatiza. Em 2009,
41 municípios amazonenses aderiram ao Escola Ati-
va. Em 2010, com a adesão de mais dez localidades,
chegou a 51 o número de municípios participantes do
programa”.(Assessoria de Comunicação/Secretaria de
Educação do Amazonas, 2012).7

Alguns setores da educação em esfera nacional e mu-


nicipal, amparados no sucesso do programa adotado em outras
regiões do Brasil, ainda sustentam argumentos de viés econô-
mico-administrativos afirmando que os custos com a nuclea-
ção frequentemente são mais baixos que os custos da manu-
tenção das salas multisseriadas, dada a menor necessidade de
contratação de professores e serventes por aluno, o que impli-
caria em melhores investimentos em infraestrutura e formação
docente.
Um modelo inédito no Ceará de inclusão na educação
tem transformado a vida de estudantes deste muni-
7 Dados do Censo Escolar, 2011. A viabilização dos trabalhos em
salas multisseriadas no Estado do Amazonas é realizado pelo Pro-
grama Escola Ativa, o qual até 2010 contemplava cerca de 51 muni-
cípios do Estado do Amazonas (fonte: http://portaldoprofessor.mec.
gov.br/conteudoJornal.html)

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cípio, localizado no Maciço de Baturité, a 127 km de


Fortaleza. Um local com espaço, bem equipado, com
salas de aula suficientes para transmitir o aprendizado
e merenda escolar. É bem verdade que o colégio já não
está do lado de casa, mas a distância não é problema,
pois os ônibus, todos os dias, levam e trazem os alu-
nos que estudam nas escolas de educação básica[...].
Este é o Programa de Nucleação Escolar, implantado
em Aratuba desde o ano de 1997. (Secretaria Munici-
pal de Educação de Aratuba, 2010).

Segundo Carmo (2010), é preciso que levemos em


consideração que no caso da Amazônia existe uma singula-
ridade local originada pela necessidade de se estabelecer na
grande maioria das zonas rurais das cidades amazônicas um
fluxo de transportes via fluvial marcado por percursos que
podem durar horas entre essas comunidades em períodos de
enchente vazante dos rios. Nesse sentido a estratégia de Nu-
cleação Escolar tem gerado certos antagonismos na região,
pois se por um lado, as Secretarias Municipais de Educação
continuam a defender a nucleação como uma alternativa para
superar o quadro de matrícula inicial deficitário em escolas
rurais do interior do Amazonas. Assim, a implantação dessa
estratégia não contribui para a eliminação das classes multisse-
riadas, que continuam atendendo em um mesmo espaço várias
séries e as escolas núcleo continuam funcionando em escolas
sem estruturas adequadas que ferem o direito à educação dos
sujeitos na zona rural, uma vez que a nucleação tem significa-
do o fechamento de muitas escolas nas comunidades rurais do
Amazonas.
Conclusão
Para Paulo Freire (2003) a escola sempre foi vista como
um lugar especial, capaz de promover a mudança por nela se
estabelecer o campo das possibilidades e da esperança na vida
de docentes e discentes. É na escola que passamos os melhores
anos de nossas vidas, quer seja ela estruturada com as melhores

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condições de trabalho localizada na zona urbana ou em uma


casa de chão batido localizada no campo. É nela que quando
crianças ou jovens, nós aprendemos a depositar todos os nos-
sos sonhos e esperanças realimentados por nós e estimulados
por nossos pais.
É justamente por isso que a função educativa preci-
sa estar envolvida com o compromisso social, possibilitando
a integração do sujeito ao sistema sociopolítico vigente. Com
a nucleação escolar, estabelece-se uma prática pedagógica
como modelo predeterminado na busca de benefícios sociais
nos setores educacionais, implementadas de “cima para baixo”,
sem consultar os interesses da coletividade, desenvolvendo-se
alheia às particularidades locais.
As modificações ocorridas no cotidiano escolar dos
alunos, professores e demais comunitários envolvidos na prá-
tica pedagógica de nucleação das escolas nas áreas de várzea e
de terra firme pertencentes ao município de Nova Olinda do
Norte, demonstraram durante a realização da pesquisa a ne-
cessidade urgente de modificações nos planos de construção
e reforma das escolas, assim como o estabelecimento de uma
infraestrutura de transporte que possibilitasse diariamente o
acesso à escola por parte dos alunos que tiveram suas escolas
nucleadas, pois os resultados referentes às condições físicas e
materiais como: o transporte adequado e diário para os alunos,
a construção de escolas com mais salas de aula e instrumentali-
zadas com carteiras novas e quadro de giz, a pontualidade com
a entrega da merenda escolar e a disponibilidade de material
didático, não foram de todo alcançados e, de acordo com os
depoimentos coletados junto aos entrevistados na época, ca-
racterizaram-se como decisivamente desanimadores.
Assim sendo, reflexões envolvendo o papel da escola e
as questões educacionais estão em pauta nas discussões mun-
diais, evidenciando que as políticas educacionais precisam ser
suficientemente diversificadas e concebidas para não propiciar
a exclusão social, pois ao mesmo tempo em que é preciso con-

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

siderar que a mundialização da cultura é progressiva, não se


deve esquecer as peculiaridades únicas de cada sociedade. É
nesse sentido que a escola passa a assumir-se como espaço da
vivência para proporcionar e promover a formação de direitos
igualitários, atendendo às necessidades educativas fundamen-
tais capazes de gerar na sociedade o fortalecimento de valores
que possibilitem melhorias na qualidade de vida das crianças e
dos jovens que residem nas zonas rurais do Amazonas.
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Educação Popular em Debate
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EDUCAÇÃO DO CAMPO: VALORIZAÇÃO


DOS SABERES DA TERRA, DAS ÁGUAS E DA
FLORESTA

EVANGELISTA, Maria Macilene Magalhães1


PIMENTEL, Deuzuite Moreira2
CORRÊA, Paulo Sérgio Almeida3

Introdução
São Domingos do Capim, pertencente à região nordes-
te do estado do Pará. Segundo dados do Senso 2010, realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o
município tem uma área de aproximadamente 1.677,249 km,
conta com 29.846 habitantes, dos quais aproximadamente
22,12% (cerca de 6.5989 habitantes) encontram-se na área ur-
bana do município, e os outros 77,88%(cerca de 23.228 habi-
tantes) ocupam o campo.
Secundo dados fornecidos pela Secretaria Municipal
de Educação, há na sede do município de São Domingos do
1 Graduada em Letras (Habilitação em Língua Portuguesa, especia-
lista em Gestão Escolar pela UNOPAR, Especialista em Formação
de professores pela UFPA, Mestranda em Educação pela Universi-
dad de La Empresa, professora efetiva na SEMED-São Domingos do
Capim e Membro-fundador do GEICEC.E-mail:macilene_ufpa@
hotmail.com.
2 Graduanda em Pedagogia pela Faculdade Ipiranga – Pará e Mem-
bro-Fundadora do GEICEC. E-mail: d.zuite@hotmail.com
3 Graduado em Licenciatura em Educação do Campo pelo IFPA –
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Mem-
bro do FPEC – Fórum Paraense de Educação do Campo e Membro-
Fundador do GEICEC - Grupo de Estudo Interdisciplinar em Cul-
tura e Educação Capimense. E-mail:pauloacervocultural@hotmail.
com

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Capim, apenas 02 (duas) escolas municipais e 93(noventa


e três) -incluindo os anexos- são localizadas no campo. A
maioria das escolas localizadas no campo não tem estrutura
física adequada: São barracões, salões comunitários, não há
ventiladores, bebedouro, materiais pedagógicos e de expediente,
o que dificulta as condições de ensino -aprendizagem.
Além disso, há outro fator agravante, apesar dos dados
estatísticos comprovarem ser a cidade predominantemente
do campo, o currículo adotado pelas escolas é unificado para
duas realidades (campo e cidade.), não atende às demandas
dos sujeitos do campo, sujeitos que têm suas práticas culturais
negadas pelo atual currículo urbanocêntrico.
Diante do atual panorama educacional de São
Domingos do Capim, o GEICEC4 constatou a necessidade
de fortalecer as discussões sobre Educação do Campo. Para
isso, buscou parcerias com universidades e organizações não
governamentais para realizar, o III Seminário Municipal de
Educação do Campo no Município de São Domingos do Capim:
Valorização dos saberes da Terra, das Águas e da Floresta. O
seminário foi construído com os seguintes objetivos:
Objetivo Geral:
 Fortalecer as discussões sobre Educação do Campo no
Município de São Domingos do Capim.
Objetivos Específicos:
 Promover entre professores, poder público e asso-
ciações discussões sobre Educação do Campo em
São Domingos do Capim;
 Analisar o fechamento de escolas no campo sob o
olhar da legislação educacional vigente no Brasil;
 Discutir sobre a importância da criação de uma
Coordenação Municipal de Educação do Campo na
4 Grupo de Estudos Interdisciplinar em Cultura e Educação Capi-
mense.

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SEMED – Secretaria Municipal de Educação em


São Domingos do Capim;
 Criar o Fórum Municipal de Educação do Campo
em São Domingos do Capim (IMEC).
 Produzir e entregar às autoridades competentes
uma carta contento as reivindicações suscitadas
durante o seminário.
Com o intuito de alcançar os objetivos preestabeleci-
dos, o GEICEC buscou parcerias com a UFPA/PIBID5, FPEC6,
associações não governamentais e empresas privadas para a
realização do seminário. O evento aconteceu no dia 17 de se-
tembro de 2015, reuniu em torno de 150 (cento e cinquenta)
participantes: professores da rede municipal e estadual de en-
sino, estudantes universitários, representantes de organizações
e movimentos sociais, membros do Poder Legislativo e repre-
sentantes da Secretaria Municipal de Educação. A heterogenei-
dade desse público proporcionou o desdobramento de muitas
discussões e reivindicações pertinentes à realidade educacional
do município.
Logo, constata-se ser a realização deste seminário
um momento impar para a história político- educacional de
São Domingos do Capim. O Seminário marca a retomada
das discussões sobre Educação do Campo que estavam la-
tentes há algum tempo: Ocasião da realização dos I e II Se-
minário de Educação do Campo, respectivamente em 2005
e 2007, eventos organizados pelo EDUCAAMAZÔNIA7 e o
5 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-subpro-
grama Pedagogia
6 Fórum Paraense de Educação do Campo.
7 Programa criado em 2005 após a realização do II Seminário Pa-
raense de Educação do Campo, no âmbito do Fórum Paraense de
Educação do Campo, numa articulação que envolveu a Universi-
dade Federal do Pará (UFPA), a Universidade do Estado do Pará
(UEPA), a Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC) e o
Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), com o apoio do o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Objetivava contribuir
para com a elaboração e implementação de políticas públicas sociais

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

GEPERUAZ8.
Somando-se a isso, o III Seminário possibilita aproxi-
mação do GEICEC com a UFPA/PIBID e o FPEC. Parcerias
significativas dentro do contexto social, cultural e educacional
da Amazônia Paraense, pois contribuem para o fortalecimento
do movimento em prol da Educação do Campo, movimento de
luta que se constrói por meio da coletividade – pelo compar-
tilhamento de ideias, ações, projetos e as constantes reivindi-
cações dos movimentos sociais, professores, comunidades do
campo, quilombolas e outros.
Foram os movimentos sociais, principalmente, o Mo-
vimento dos Trabalhadores Sem Terra, são os precursores da
luta por uma educação. Em parceria com organizações não go-
vernamentais, sindicatos e universidades há anos vem travan-
do uma luta em prol da Educação do Campo. Segundo a Ar-
ticulação Nacional Por uma Educação do Campo (2002), essa
luta, ganha notoriedade, a partir de 1997, ocasião do I Encontro
Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I
ENERA). É fortalecido em 1998 com a Conferência Nacional
Por Uma Educação do Campo, realizada em Luziânia, Goiás.
A partir daí o movimento em prol da Educação do
Campo ganha notoriedade e força articulatória. A nível nacio-
nal, contamos com o Fórum Nacional de Educação do Cam-
po, Articulação Nacional Por Uma Educação Campo. Assim
como também contamos com os seminários e fóruns estaduais
e municipais, juntos formamos uma rede interligada de ações
que faz história, constrói Educação do Campo no Brasil, pois:
“Estar no mundo, sem fazer história, sem por ela ser feito, sem
fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo(...),
e educacionais que assumam como princípios fundamentais a inclu-
são social e educacional das crianças, adolescentes, jovens e adultos
pertencentes às populações do campo, a qualidade social das ações e
dos serviços públicos oferecidos a essas populações, e a afirmação e
valorização da diversidade sociocultural presente na região.
8 Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo na Amazô-
nia.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politi-


zar não é possível. (Freire, 2006, p.58).
A concepção de Educação do Campo pensada pelos
movimentos sociais é oriunda da pedagogia libertadora, da
pedagogia do oprimido de Paulo Freire. Para Freire, (2014) o
sentido essencial da alfabetização, da educação, é ensinar o su-
jeito, não apenas a escrever palavras, mas escrever sua história,
analisá-la, entendê-la e posicionar-se diante dela. Freire acres-
centa: “Precisamos estar convencidos de que o convencimen-
to dos oprimidos de que devem lutar por sua libertação não é
doação que lhes faça a liderança revolucionária, mas resultado
de sua conscientização. (2014, p. 74). “
Conscientização que precisa ser mutua, tanto do edu-
cador quanto do educando. Para Freire (2006) a cultura, os sa-
beres do educando devem ser respeitados, pois educar além
de outros saberes exige respeito à autonomia do ser educado.
O educando ao reconhecer-se como sujeito histórico, valori-
za suas origens, sua identidade, tornar-se politizado reivindica
não só seus direitos, mas dos membros do seu grupo social
também. Já o professor, deixar de sentir-se e comportar-se
como detentor do único conhecimento válidos, respeitar os
conhecimentos do educando, aprende novos, constituindo um
processo contínuo de troca de conhecimento.
É dessa forma que os movimentos sociais pensam a
Educação do Campo. Mas para isso precisamos primeiro de
uma educação libertadora para os educadores. Muitos ainda
têm suas práticas pedagógicas arraigadas na concepção tradi-
cional, pois foram educados por ela. Por isso, muitos seminá-
rios, palestras, formações precisam ser feitas, assim contribui-
remos para a formação de sujeitos cognoscentes que reivindi-
carão a Valorização dos Saberes da Terra, das Águas e da Flores-
ta e da educação pública brasileira em sua totalidade
Metodologia
A organização do III seminário de Educação é resulta-
do do trabalho de 06 (seis) professores que objetivam reascen-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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der no município a discussão que estava latente desde 2007. Os


primeiros passos foram a realização de encontros semanais na
biblioteca pública da cidade. Nessas reuniões eram discutidos
temas relacionados às diversas problemáticas que envolvem
a educação do município: fechamento das escolas do campo,
falta de estrutura física, currículo homogêneo, relações ético-
-raciais, entre outros. A partir disso, surgiu a necessidade de
ampliar as discussões para um número maior de pessoas por
meio de um seminário. Então, elaborou-se um projeto que foi
apresentado à Câmara dos Vereadores e à Secretaria Municipal
de Educação ao FPEC e às Universidades.
O projeto culminou com a realização do III seminário
de Educação do Campo- evento aconteceu da seguinte forma:
No período da manhã, realizou-se uma mística, a mesa de
abertura e uma mesa redonda. A mesa de abertura foi compos-
ta por membros do poder legislativo, por professores, repre-
sentantes da Secretaria Municipal de Educação, de movimen-
tos sociais e um membro do GEICEC.
Após a composição da mesa, bolsistas da UFPA/PIBID
conduziram a mística de abertura, que para Caldat (2003, 70) é
“a alma dos lutadores do povo; o sentimento materializado em
símbolos que ajudam as pessoas a manter a utopia coletiva”. Os
participantes do evento foram convidados a vendar os olhos.
Enquanto isso, alguns alunos entraram no salão levando em
suas mãos elementos da cultural local: bandeira do município,
açaí, farinha, canoa, remo. Outros levavam cartazes com in-
formações sobre os dados educacionais do município: IDEB,
índice de reprovação, analfabetismo e outros.
Quando os participantes foram convidados a abrir os
olhos, tinham diante de si um cenário paradoxal: A represen-
tação da riquíssima cultura do campo, ribeirinha, quilombola
em contraste com os dados estatísticos que estavam apresen-
tados nos cartazes espalhados pelo chão. Então, foram convi-
dados a refletir sobre a educação no município, que apresenta
uma realidade que precisa ser urgentemente repensada.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Metaforicamente, o cenário que se formou representa


atitudes passivas, tanto de alguns professores, quanto do poder
público. A bolsista que conduzia a mística enfatizou que, mui-
tas vezes fechamos nossos olhos diante da realidade da educa-
ção do munícipio. Sabemos que atitudes precisam ser tomadas,
porém, preferimos não ver, não refletir e não nos posicionar.
Outro momento relevante, ainda pela manhã, foi
mesa redonda composta pelo professor doutor Salomão Hage
(UFPA), professor doutor Assunção Amaral (UFPA) e pela
professora mestre Marcia Lopes (IFPA). Momento de muitas
discussões e reinvindicações, instigante para os 05(cinco) Gru-
po Discussões (GD’s) que foram realizados no período da tar-
de: 01- Valorização dos Saberes da Terra, das Águas e da Flores-
ta, 02- Currículo nas Escolas do Campo, 03- Educação Étnico-
-racial, 04- Direitos Humanos e 05- Agronegócio X Agricultura
Familiar.
Resultados e reflexões
Apesar de tanto a mesa redonda, quanto os GD’s terem
suscitaram muitas reflexões relevantes, não é possível citar to-
das neste relado de experiência. Porém destacaremos algumas.
Dentre elas, a fala do professor doutor Salomão Hage. Hage
contextualiza o movimento em prol da Educação do campo no
Brasil e no Estado do Pará:
Somos homens e mulheres do campo, das águas e da
floresta da Amazônia Paraense (agricultores, assen-
tados e acampados, ribeirinhos, pescadores, extrati-
vistas, indígenas, quilombolas), educadores e gestores
das Redes Estadual e Municipais de Ensino, de Escolas
Públicas, Movimentos Sociais e Casas Familiares Ru-
rais; Educandos do PRONERA, do Programa Saberes
da Terra e do PROCAMPO, Docentes-pesquisadores
e estudantes da graduação e pós-graduação de Uni-
versidades Públicas; representantes de Movimentos
Sociais e Sindicais; Instituições de Pesquisa, Enti-
dades da Sociedade Civil, Dirigentes de Secretarias
Municipais e Estadual de Educação, de Associações
de Municípios e outros órgãos de gestão pública com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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atuação na educação e no desenvolvimento do campo.


( Manifesto do III Seminário Estadual de Educação
2007 Apud Hage, 2015.).

Essa citação usada por Hage, em sua apresentação em


Power point, desperta a atenção da plenária, pois muitos dos
professores que ali se encontravam não tinham conhecimento
da existência de um movimento organizado em prol da Edu-
cação do Campo do Brasil e no estado do Pará. Ainda tinham
arraigada a ideia equivocada de Educação do Campo, quando
na realidade conheciam a educação rural.
Além disso, Hage apresenta dados de pesquisas realiza-
das pelo GEPEPUAZ. Os dados que mais despertaram a aten-
ção da plenária foram os relacionados à falta de estrutura física
das escolas do campo, o fechamento de muitas delas, mesmo
já sendo uma prática coibida pela legislação educacional vi-
gente. Segundo o artigo 28 da Lei 12.960/2014 que altera a Lei
9.394/1996.
Parágrafo único. O fechamento de escolas do campo,
indígenas e quilombolas será precedido de manifesta-
ção do órgão normativo do respectivo sistema de en-
sino, que considerará a justificativa apresentada pela
Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do
impacto da ação e a manifestação da comunidade.

Os dados apresentados e o desrespeito à legislação


são característicos de São Domingos do Capim. Alguns pro-
fessores relataram as dificuldades vivenciadas em suas escolas
(falta de estrutura física, de material didático e de expediente).
Outros afirmaram que as escolas nas quais trabalhavam foram
fechadas arbitrariamente, no início do ano letivo de 2015, e que
em todo o município foram desativadas cerca de 209 escolas lo-
calizadas no campo.
Diante disso, o governo local alega ser o fechamento
das escolas medida necessária para cortar gastos e que os alu-
nos não são prejudicados, pois a eles é garantido o transporte
9 Dados não oficiais.

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escolar. Será? Os alunos percorrem longas distâncias de suas


comunidades até a escola, são transportados em ônibus lota-
dos, ficam amontoados, sentados uns nos colos dos outros, os
barcos não têm coletes salva-vidas, dentre outros equipamen-
tos de segurança, ou seja, além do fechamento das escolas ser
uma atitude arbitrária, o transporte escolar é ineficiente e põe
a vida dos alunos em riscos!
A homogeneidade do currículo desenvolvido nas es-
colas do campo, também, fez parte do debate. Assunto aborda-
do na fala da professora mestre Márcia Lopes. A professora faz
algumas considerações sobre o currículo. Segundo a apresen-
tação em Point usada por Lopes (2015), o currículo configura-
-se equivocadamente da seguinte forma: “são Escola no campo
e não do campo, Seriação, Grade Curricular, Memorização,
Resultados, Avaliação”.
Essa forma de organização do currículo não contem-
pla os sujeitos. A construção de escolas no campo não carac-
teriza Educação do Campo, se os métodos de ensino e avalia-
ção realizados por elas são apenas transplantados das escolas
localizadas na cidade. Isso configura desrespeito aos espaços,
territórios, costumes e saberes dos sujeitos do campo. Segun-
do a Articulação Nacional por um Educação do Campo (2002,
p.13).
Quando dizemos Por uma Educação do Campo es-
tamos afirmando a necessidade de duas lutas combi-
nadas: pela ampliação do direito à educação e à esco-
larização no campo; e pala construção de uma escola
que esteja no campo, mas que também seja do campo,
uma escola política e pedagogicamente vinculada à
história e à cultura e às causas sociais e humanas dos
sujeitos do campo, e não um mero apêndice da escola
pensada na cidade; uma escola enraizada também na
práxis da Educação Popular e da Pedagogia do Opri-
mido. (Grifos nossos).

Muitos professores, também, manifestaram-se com


relação a homogeneidade do currículo local. Em suas falas, é

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evidente a angustia que sentem por constatarem que a lista de


conteúdos disponibilizada pela SEMED não contempla as reais
necessidades dos alunos. “Nossos alunos trabalham na roça,
na coleta de açaí, chegam à escola cansada, dizem não gostar
da escola, muitos preferirem ir à roça que a escola10” Alguns
professores relataram não desenvolverem em sala de aula ape-
nas os conteúdos disponibilizados pela Secretaria de Educação,
pois compreendem que esse currículo é ineficiente. Nas pala-
vras de Arroyo (2011, p. 37) “Os currículos escolares mantêm
conhecimentos superados, fora da validade e resistem à incor-
poração de indagações e conhecimentos vivos, que vem da di-
nâmica social e da própria dinâmica do conhecimento.
Para endossar o debate sobre currículo, o professor
doutor Assunção Amaral Pureza faz importantes contribui-
ções ao discorrer sobre relações ético-raciais. Começa sua pa-
lestra contextualizando a formação sócio-econômico-social do
Brasil. O professor afirma só ser possível entender o Brasil e
Amazônia contemporâneos, se buscarmos entender a nossa
formação política-histórico-cultural. Discorre, também, sobre
a exploração e discriminação no negro no país, paralelamente,
a sua resistência histórica e organização em movimentos so-
cais.
Amaral destaca ser a Lei 10.639/03 o instrumento vi-
gente mais eficaz para fazer com que a história da África seja
conhecida e respeitada em nosso país. Em seu artigo 25, in-
ciso segundo, inclui no currículo da Rede de Ensino a obri-
gatoriedade no ensino da História e Cultura Afro-Brasileira:
“§ 2 conteúdos serão ministrados no âmbito e todo Currículo
escolar obrigatoriamente, especialmente em Artes, Literatura e
História brasileira”.
Apesar da lei vigorar há mais de 10 anos, está muito
distante do currículo das escolas brasileiras. Na maioria delas,
apenas é feia referência à cultural negra no dia 20 de novembro
10 Intervenção de um professor, após a palestra da professora Márcia
Lopes, preservamos sua identificação por questões éticas.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ou em alguns projetos isolados. Apesar dessa inclusão é váli-


da, Pureza, (2015) é papel da escola discutir sobre consciência
negra não apenas em um dia especifico, mas sim durante todo
ano letivo por meio de projetos interdisciplinares. Assim, nos-
sos alunos e a sociedade em geral tomaram consciência de que
há em nós mais características africanas do que cogitamos, o
contribui para a desmitificação de preconceitos históricos.
A vigência e a não efetivação da Lei10.639/03, tam-
bém, é perceptível em São Domingos do Capim. Professores da
rede municipal de ensino corroboraram com a fala de Amaral,
dizendo não existir no município, salvo raras exceções, projetos
e ações que contemplem a cultura negra. Nenhum desses proje-
tos é desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação.
A não inserção adequada do ensino da História e Cul-
tura Afro-Brasileira no currículo das escolas de São Domingos
é desrespeito à memória dos negros que foram protagonistas no
desenvolvimento da economia e cultura do município. Durante
a colonização, foram trazidos para cá na condição de escravos.
Trabalharam na produção de cana de açúcar, na abertura de
estradas, construção de igrejas e em inúmeras atividades eco-
nômicas. Por esse motivo, população do município é composta
por afro descendentes, porém a maioria desconhece essa ori-
gem, assim como também, desconhece a história das comuni-
dades quilombolas existentes às margens do Rio Capim.
Portanto, a efetivação da lei 10.39//93 é uma impor-
tância imensurável para o município, pois contribuirá para o
reconhecimento e valorização da cultura afrodescendente não
são no âmbito escolar, mas também no contexto socioeconômi-
co e cultura da cidade. Além disso, fortalece a luta pela legaliza-
ção dos territórios quilombolas e a oferta de uma educação que
valorize sua cultural, uma vez que a Educação quilombola está
contemplada na Educação do Campo.
Conclusões e propostas
Abaixo seguem as propostas que surgiram duran-
te as palestras e os grupos de discussões que aconteceram

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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durante o III Seminário Municipal de Educação do Cam-


po realizado em São Domingos do Capim. Propostas que
representam as vozes dos sujeitos do campo que por anos
foram caladas, mas que agora ressoam mais alto por meio
deste documento.

Propostas:

 Criar a Coordenadoria de Educação do Campo for-


mada por representantes do governo, das organizações
não governamentais e das comunidades;
 Criar o FMEC - Fórum Municipal de Educação do
Campo;
 Criação da Coordenação de Relações Ético-raciais na
SEMED11, SEMUS12e SEMAS13;
 Implantação do Núcleo Municipal de Políticas Públi-
cas para as relações Étnico-raciais e para as Comunida-
des Quilombolas de São Domingos do Capim;
 Instituir o mês de novembro como período de debate
das relações Étnico-raciais;
 Garantir no calendário escolar a Semana da Consciên-
cia Negra, considerando o dia 20 de novembro;
 Assegurar a discussão dos direitos humanos no currí-
culo das escolas do campo na perspectiva da transver-
salidade;
 Construir Projetos Políticos Pedagógicos embasados
no diálogo com os direitos humanos e que atenda as
especificidades dos sujeitos do campo;
 Ofertar cursos de formação continuadas e de especiali-
zação para docentes;
 Garantir formação continuada de professores em direi-
tos humanos: saúde, educação, moradia, terra, traba-
lho;
11 Secretaria Municipal de Educação.
12 Secretaria Municipal de Saúde.
13 Secretaria Municipal de Assistência Social.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

 Garantir formação continuada de professores em legis-


lação educacional contemplando: Estatuto da Criança e
do Adolescente, Estatuto do Idoso e outras leis;
 Realizar, por meio da SEMAS, palestras e eventos para a
população em geral sobre direitos humanos;
 Mobilizar, por meio das associações, sindicatos e outras
organizações, os sujeitos do campo – Inter setorial –
contra o fechamento de escolas;
 Reabertura das escolas do campo que foram fechadas
no município em 2015 e não fechamento de outras;
 Fomentar, por meio da SEMAS, a denúncia envolvendo
violação de direitos humanos: Maus tratos, negligencia
abandono, violência doméstica, trabalho escravo e tra-
balho infantil;
 Garantir Políticas Públicas de permanência do profes-
sor e dos funcionários de apoio nas escolas no campo
com moradia, transporte e alimentação;
 Realizar na sede do município e nas comunidades do
campo feiras culturais sobre a valorização dos saberes
da terra, das águas e da floresta;
 Elaborar planejamentos pedagógicos específicos para as
comunidades do campo, no início de cada semestre;
 Elaborar planejamentos pedagógicos específicos para as
comunidades quilombolas, no início de cada semestre;
 Realizar periodicamente encontros pedagógicos entre
os professores que atuam nas escolas do campo;
 Elaborar Currículo que valorize as especificidades dos
sujeitos do campo, que expressem sua cultura, sua iden-
tidade, seu modo de vida, que tenha uma base comum
e dialogue com seu projeto de vida; tendo tais sujeitos
como protagonistas participantes ativos do processo de
construção e aprendizagem;
 Oportunizar momentos de estudos para a comunidade
escolar sobre as bases teóricas que fundamentem o tra-
balho pedagógico nas escolas do campo;

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

 Discutir nos espaços educacionais e sociais os impactos


dos grandes projetos no município;
 Fomentar no município o papel da agricultura familiar
em contraposição ao agronegócio por meio da criação
de uma secretaria ou diretoria da agricultura familiar;
 Programar e efetivar do PNAE14: 30% da merenda esco-
lar proveniente da agricultura familiar;
 Incentivar os moradores do campo a diversificar e oti-
mizar a produção da agricultura familiar, direcionada
ao PNAE e a criação de uma feira permanente da agri-
cultura familiar;
 Possibilitar o acompanhamento técnico à agricultura
familiar por meio da Embrapa15 e EMATER16, prefeitu-
ra, pesquisadores, quanto à inclusão social referente à
cadeia produtiva do dendê no município;
 Incentivar a implementação da agroindústria familiar;
 Fortalecer as organizações (sindicatos, associações,
movimentos e organizações sociais) e
 Diminuir a burocracia institucional para a licitação
dos programas voltados para os agricultores familia-
res.
Além das propostas mencionadas acima, merece ser
destacada a relação nominal das representatividades que se
fizeram presentes no III Seminário Municipal de Educação do
Campo do Município de São Domingos do Capim.

 Associação de Desenvolvimento Comunitário


Igarapé São Bento do Rio Capim;
 Associação dos Produtores Rurais da Comuni-
dade São Benedito do Tauari;
 Associação Comunitária e Cultural Capimense
(Rádio Comunitária “Capim FM”);
14 Programa Nacional de Alimentação Escolar.
15 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
16 Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

 Associação de Moradores do Jaboticacá;


 Associação Rural Comunitária Aliança;
 STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Traba-
lhadoras Rurais de São Domingos do Capim;
 Sindicato Rural de São Domingos do Capim;
 SINTEPP – São Domingos do Capim;
 MMNEPA – Movimento de Mulheres do Nor-
deste Paraense;
 Poder Legislativo de São Domingos do Capim;
 SEMED – São Domingos do Capim;
 Comunidade São Bento do Rio Capim;
 Comunidade São José do S;
 Comunidade Independência;
 Comunidade Monte Sião;
 Comunidade Pirateua;
 Comunidade Monte de Ouro;
 Pastoral da Criança de São Domingos do Capim;
 Acervo Cultural “Um Pouco do Que é Nosso” –
São Domingos do Capim/Pará;
 UFPA – Universidade Federal do Pará - Cam-
pus Castanhal;
 PIBID – Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação a Docência (UFPA Castanhal);
 FPEC – Fórum Paraense de Educação do Cam-
po;
 Programa Universidade Quilombola – UFPA
Campus Castanhal;
 GEICEC- Grupo de Estudo Interdisciplinar em
Cultura e Educação Capimense;
 Escolas Municipais do Campo de São Domin-
gos do Capim;
 Escolas Estaduais;
 IFPA – Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Estado do Pará;
 Professores e Professoras;

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

 Artistas Locais;
 Estudantes Universitários e outros;
 Agricultores e Agricultoras.
Essa listagem consegue dar uma visão sobre a ampli-
tude do seminário. O que antes era anseios de 06 (seis) pro-
fessores, tornou-se público, transportei as paredes da biblio-
teca municipal, espraiou- se por todo município. Agora por
meio deste relato de experiência, transpõe as fronteiras do
Estado do Pará, chega ao Amazonas e consequentemente a
todo o Brasil.
Diante do que foi exposto, constata-se que os principais
resultados do seminário são : reacender no município as dis-
cussões que estavam latente há anos; a elaboração do carta - e a
entrega do documento ao poder público local, ainda em 2015 e
ao Ministério Público, em janeiro de 2016, em Belém Soman-
do-se a isso, o estreitamento de laços com o Fórum Paraense de
Educação do Campo , com o UFPA/ PIBID, os convites recebi-
dos pelo GEICEC para participação em eventos realizados no
Campus Universitário de Castanhal. E agora, a produção deste
relato de experiência, pois:
Sistematizar experiências é um desafio político peda-
gógico pautado na relação dialógica e na busca da “in-
terpretação crítica dos processos vividos”. Trata-se de
um exercício rigoroso de aprendizagem que contribui
para refletir sobre as diferentes experiências, impli-
cando na identificação, classificação e reordenamento
dos elementos da prática; utiliza a própria experiência
como objeto de estudo e interpretação teórica, pos-
sibilitando a formulação de lições e a disseminação.
(HOLLIDAY, 2006, p.7). (Grifos nossos).

Portanto, este texto é uma maneira eficaz de registrar


e tornar conhecido a realização do III Seminário de Educação
do Campo no Município de São Domingos do Capim, pois
interpreta, dialoga e dissemina experiências vivenciadas e as
associa às reflexões teóricas. Deixa de ser um movimento local

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

para se agregar outros existentes no Pará, na Amazónia e no


Brasil, fortalecendo, assim a luta da Articulação Nacional por
uma Educação do Campo em prol da valorização dos Saberes
da Terra, das Águas e da Floresta.

Referências

ARROYO, Miguel. Currículo, Território em Disputa. Vozes,


Rio de Janeiro, 2011.
BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
Disponível em< http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/
lei_10639_09012003.pdf> Acessado: em 15 de fevereiro de
2016.
HOLLIDAY, Oscar Jara. Para Sistematizar Experiências.
Tradução de: Maria Viviana V. Resende. 2. ed., revista Brasília:
MMA, 2006. Disponível em:<http://culturadigital.br/gepepi/
files/2011/02/sistematizacao-jara.pdf. >. Acessado: em10 de
fevereiro de 2016.
BRASIL. Lei nº 12.960, de 27 de março de 2014. Altera a
Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para fazer constar a
exigência de manifestação de órgão normativo do sistema de
ensino para o fechamento de escolas do campo, indígenas e
quilombolas. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12960.htm> Acessado
em 10 de fevereiro de 2016.
CALDART, Roseli Salete. A Escola do Campo em Movimento.
In Revista Currículo sem Fronteiras. v.3, n.1, pp.60-81, Jan/
Jun. 2003. Disponível em :<http://bibliotecadigital.conevyt.
org.mx/colecciones/documentos/Catedra_Andres_Bello/

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Agosto%202007/Lecturas/escuela_del_campo.pdf.>. Acessado
em: 25/02/2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Sabedores
Necessários à Prática Educativa. Paz e Terra, São Paulo, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, São
Paulo,2014.
LOPES, Márcia. Palestra: O Currículo das Escolas do Campo
In: III Seminário de Educação do Campo no Município de São
Domingos do Capim: Valorização dos Saberes da Terra, das
Águas e das florestas. São Domingos do Capim/Pará, 17 de
setembro de 2015
MANIFESTO DO III SEMINÁRIO ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO (2007) Apud HAGE, Salomão. In III Seminário
de Educação do Campo no Município de São Domingos do
Capim: Valorização dos Saberes da Terra, das Águas e das
florestas. São Domingos do Capim/Pará, 17 de setembro de
2015
PUREZA, Assunção Amaral. Relações Étnico-raciais:
Inovações Metodológicas Para O Ensino Nas Séries Iniciais
(palestra) in III Seminário de Educação do Campo no
Município de São Domingos do Capim: Valorização dos Saberes
da Terra, das Águas e das Florestas. São Domingos do Capim-
Pará, 17 de setembro de 2015.
SEMINÁRIO NACIONAL POR UM EDUCAÇÃO DO
CAMPO. 26 a 29 de novembro de 2002, Brasília. Por uma
Educação do Campo: Declaração do Seminário. 2002. IN
KOLLN, CALDART & CERIOLI (Orgs.). Educação do
Campo: Identidade e Políticas e Políticas Públicas. Articulação
Nacional por uma Educação do Campo. Brasília. V. 4, 2002.
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO COMO BASE


EPISTEMOLÓGICA NA ORGANIZAÇÃO PE-
DAGÓGICA DAS ESCOLAS DO CAMPO EM
MANAUS

PEREIRA, Waldileia do Socorro Cardoso17

Introdução
O presente artigo pretende evidenciar questões liga-
das ao processo de organização Pedagógica para Educação do
Campo nas escolas públicas gerenciadas pela Secretaria Muni-
cipal de Educação do município de Manaus/Amazônia. Parti-
mos do entendimento da prática pedagógica como espaço de
construção da identidade dos sujeitos que vão compor toda
estrutura social a luz do pensamento pedagógico freireano ex-
posto na obra “Pedagogia do oprimido” assim como eviden-
cias na leitura feita em Roseli Caldart e Sônia de Jesus na obra
“Por uma Educação do Campo”.
O objetivo foi compreender qual a epistemologia que
deveria ser o norte para organização de um referencial peda-
gógico das escolas públicas situadas em área rural no municí-
pio de Manaus. No processo de construção do conhecimento,
consideramos de grande importância nossa posição enquan-
to assessora pedagógica na secretaria, das 87 escolas públicas
municipais situadas em área rural de Manaus no ano de 2014

17 Professora SEMED/Manaus. Mestre Educação e Ensino Ciências


na Amazônia/UEA. Esp. Educação do Campo/IFAM. Assessora
pedagógica das escolas do campo/SEMED/Manaus. Interlocutora
Programa Escola da Terra /SECADI/SEDUC/SEMED. E-mail:
labanga_manaus@hotmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

também da interlocução na realização do Programa Federal


de formação continuada Escola da Terra. O estudo foi do tipo
qualitativo com leitura acompanhada de observação em cam-
po, nesse caso o próprio campo de observação foi o espaço de
assessoria pedagógica e da formação Escola da Terra. O estudo
de forma alguma pretende encerrar esse diálogo, mas apenas
contribuir com a reflexão sobre o fato.
O fazer pedagógico do e no campo a partir das reflexões de
Paulo Freire e Roseli Caldart
No desafio de encontrar um processo pedagógico que
de conta da realidade posta na área rural ou no campo, en-
contrar a identidade tem sido o grande desafio historicamente
enfrentado por muitos que residem em áreas rurais ou do cam-
po em nosso país. Querer interpretar o mundo rural e seus
contextos em cada local a partir da ótica de quem vive no local
é parte de um compromisso que precisa estar presente quando
falamos de uma organização pedagógica que irá nortear o fazer
nas escolas. Para Freire (2001) alfabetização e letramento im-
plica na reflexão do sujeito sobre si mesmo e sobre sua posição
como um “ser mais” no mundo e não um ser a mais sendo
impossível fazer reflexão sobre educação sem refletir sobre si
mesmo primeiro.
Sendo a escola e a comunidade o chão em que se deve
fazer a construção das identidades dos sujeitos e da própria so-
ciedade, especialmente considerando que as comunidades e a
própria escola são espaços políticos, é importante compreen-
der todo processo e ter uma base epistemológica para guiar e
fortalecer o pensamento. Segundo Hage (2010) o espaço esco-
lar nas comunidades rurais é uma ação politica que pode ou
não ser um processo de empoderamento das populações, para
Freire (2001) toda educação é um ato político no sentido que
organiza o pensamento do sujeito para uma visão clara ou não
sobre as relações que travamos na sociedade capitalista.
Nesse cenário um elemento importante é a forma-
ção do professor que irá atuar na escola do campo, em Freire

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

(2004) a formação do professor que atua nesse espaço irá con-


tribuir também nessa construção coletiva, tanto quanto mais
ele ampliar seu horizonte de conhecimento sobre sua própria
existência e vida profissional, terá possibilidade de atuar na
transformação da realidade sem estranheza.
Para Freire (2001) a engenharia de construção de
uma pedagogia para o campo perpassa pela leitura das rea-
lidades, precisa ser retratada no currículo, na construção do
projeto político pedagógico e na formação do professor, sendo
esse triangulo o norte da vida e história do fazer pedagógico,
pois dita os rumos e objetivos almejados, portanto precisam
ser sinônimos de democracia pedagógica real. Nesse sentido
a construção do homem/mulher e de sua história se faz nesse
conjunto não sendo justo separar o sujeito da ação.
Em Caldart (2004) visualizamos a preocupação em
desconstruir a visão que se tem de superioridade da área urba-
na das cidades em detrimento da área rural. Trata-se de retira
essa visão que menospreza o campo e também que se expan-
de para a concepção dos sujeitos que vivem nesses ambientes,
ademais considerando que aqueles que vivem na cidade são
mais inteligentes que aqueles que vivem na área rural. Caldart
(2004) recusa a visão do campo como espaço do atraso assim
como recusa o latifundismo empresarial e assistencialismo ver-
gonhoso, e, sobretudo propõe o campo como espaço de vida
e resistência. Caldart (2004) afirma as varias identidades dos
sujeitos do campo tais como agricultores, pescadores, quilom-
bolas, assentados, ribeirinhos, meeiros, sem-terra, boias-frias,
caipiras, povos da floresta, camponeses e indígenas.
Nesse sentido, em Freire, a Pedagogia do Oprimido
(2001) é a teoria da ação pedagogicamente estruturada para re-
volução cultural, é a luta que o oprimido trava consigo mesmo
para se livrar do opressor introjetado em suas próprias ações e
pensamento. Como um dos aspectos da democracia pedagógi-
ca na escola do campo seria o entendimento da liberdade que,
enquanto essência no ser não pode ser confundida com liber-

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

tinagem, mas, que se traduz no respeito á individualidade do


outro sem resquícios anarquistas, sem ser ausente, ou mesmo
sem ser um vazio de valores e discriminações.
Freire afirma que (2001, p.53) “não podemos esquecer,
que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não
de “coisas”, ao entender a posição de cada um sem o radicalis-
mo de direita ou esquerda percebendo o valor de cada um e a
posição de cada um em todo processo coletivo de existência é
muito importante para a ação pedagógica. Na construção de
uma pedagogia do e no campo, a ação pedagógica libertadora
precisa buscar a cidadania de todos em todas as dimensões,
precisa fomentar o interesse pela transformação social ou pela
busca desta e fazer com que o pedagógico não se reduza a sim-
ples ativismo ou repetição urbanocêntrica dos conhecimentos.
Em Caldart (2004) afirma-se que a educação do campo pode
considerar-se a própria Pedagogia do oprimido tendo em vista
sua potencialidade e intencionalidade em colocar os sujeitos
em processo emancipatório e educativo.
Para Freire o caminho de uma prática humanizadora
onde não existe pseudoparticipação e sim engajamento na luta
pela mudança, se faz no engajamento e desvelamento da reali-
dade, ainda Freire vem afirmar que (2001, p.54) “é necessário
que os oprimidos, que não se engajam na luta sem estar con-
vencidos e se, não se engajam, retiram as condições para ela,
cheguem como sujeitos e não objetos” dessa maneira a vida se
organiza e se faz no presente como futuro e tem seu aspecto
político e ético reconhecidos. Esses elementos fazem parte do
ser mais que se estrutura em parte pela ação pedagógica.
Elementos político e identitário na construção da
organização pedagógica para as escolas do campo
No processo de melhoria das condições para atendi-
mento da Educação do campo, o governo federal vem insti-
tuindo programas que são implantados por meio de adesão das
secretarias de educação, e, tais programas são parte da politica

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

nacional em se cumprir o previsto nas legislações vigentes. En-


tre estes destacamos a formação continuada Escola da Terra
qual foi instituído pela Portaria 579 em 12 de julho de 2013,
por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetiza-
ção, Diversidade e Inclusão - SECADI. O mesmo veio subsi-
diar o cumprimento de metas estabelecidas pelo Plano Nacio-
nal de Educação – PNE 2014 e buscou trabalhar e fortalecer a
identidade do professor das escolas do campo e quilombolas,
expressando a tentativa de superar limites e criar possibilida-
des para transformação social a partir da ação pedagógica.
Notadamente, a politicidade é vista de diversos ân-
gulos, de modo que enquanto partidarismo constrói fossos de
corrupção e expansão da miserabilidade na sociedade, porém,
enquanto dimensão pedagógica se constitui em arma contra as
desigualdades e contra a ordem estabelecida por convenções
legitimadas pelo próprio homem/mulher nas quais se caracte-
rizam por trazer privilégios para alguns e miséria para outros
tantos. A “Pedagogia do Oprimido” trata-se da teoria da ação
dialógica ou da ação que revoluciona por meio da conscienti-
zação promovida pela leitura do mundo na leitura da palavra e
por meio desta o antagonismo opressor-oprimido que é essên-
cia das relações desiguais se desfaz na liberdade do oprimido,
quando este se livra da sombra e do medo do opressor que mi-
tifica sua realidade e o faz sentir-se inferior.
Destaca-se entre elementos nesse processo a contradi-
ção entre a superação da condição do ser opressor-oprimido,
como expressa Freire (2001, p.30) “e esta luta somente tem
sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua hu-
manidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealis-
ticamente opressores, nem se tornam de fato, opressores dos
opressores, mas restauradores da humanidade de ambos”, en-
tendendo cada um como parte da história do mundo tão im-
portante quanto o outro.
Em Caldart (2004) na obra “Por uma Educação do
Campo”, encontramos a defesa de que uma das funções da es-

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cola é a formação das identidades dos sujeitos, sempre traba-


lhando a visão de si ou autoconsciência, além disso, os vínculos
que devem existir com as identidades coletivas da própria co-
munidade. Para tanto uma pedagogia do e no campo se torna
um processo cíclico retroalimentado pela convivência coleti-
va em permanente mutação. Nessa direção os argumentos de
Caldart se sintonizam com os argumentos de Freire quando
defendem categorias essenciais para um processo educacional
democrático e de firmação de identidades dos sujeitos envolvi-
dos no campo tais como;
a) Autoestima ou desarticulação da dominação e
alienação cultural, sobre isso Freire (2001) aler-
ta para a desaculturação ou invasão cultural que
reduz a visão autovalorativa do sujeito sobre e si
e enaltece o outro, o invasor e desse modo ins-
tiga padrões como eurocentrismo articulado ao
desumano capitalismo.
b) Memória e resistência cultural ou defesa da
sua cultura, do seu modo de ser ao mesmo tem-
po da abertura para o novo, o trabalho com a
memória do grupo ou da comunidade que para
Freire é a codificação e decodificação da reali-
dade, ou ação intransitiva e transitiva que faz
com que o sujeito se veja como sujeito de valor
tanto quanto o outro.
c) Militância social ou engajamento pelas causas
que possibilitam o bem de todos e para todos,
esse aspecto no pensamento pedagógico de
Freire (2004) significa transformação, como di-
zia ele “a educação sozinha não pode tudo, mas,
sem ela a sociedade não muda”, a realidade ou o
fato não é dado e toda realidade pode ser modi-
ficada pelo sujeito.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Entendemos a partir dessa configuração de pensa-


mentos epistemológicos e pedagógicos, que, as politicas pú-
blicas existentes, embora não satisfatórias precisam ser uti-
lizadas com muito rigor e clareza, para que se possa tentar
alcançar as melhorias desejadas. Em se tratando desses pro-
cessos, vale destacar atualmente que a formação continuada
Escola da Terra, articulou a leitura do contexto, a reflexão da
ação pedagógica, tempo- universidade, tempo-escola-comu-
nidade tornando possível o limiar da construção, no âmbito
da Educação do Campo amazônida, de uma pedagogia pró-
pria com a identidade daqueles que vivem no campo em con-
sonância com aqueles que gerenciam os processos nas escolas
públicas.
Nessa direção, a Pedagogia do Oprimido Freire (2001)
enfatiza que é necessário fazer uma apreciação critica da reali-
dade opressora, para que se possa compreender e atuar sobre
ela, e essa inserção do oprimido criticamente na realidade não
é desejável para o opressor, pois impossibilita sua manipula-
ção. Entender a realidade desse campo que para o amazônida
significa florestas, rios, barrancas e assentamentos nos ramais,
nas beiras das rodovias e estradas inclui entender que tipos de
opressão estão expostos. Todas as fronteiras, as possibilidades
que envolvem o ato pedagógico, a cultura, a sustentabilidade,
as relações de poder entre outros detalhes deverão ser vistas na
percepção cuidadosa dos aspectos internos e externos de uma
proposta pedagógica para a Educação do Campo. Tomando in-
clusive o cuidado com a visão sectária esquerdista e direitista
que pode transformar a pedagogia libertadora em sua própria
antagonia, desde que se reduza o sentido do resultado de sua
ação a conquista de mais um grupo no poder.
O significado de campo para o contexto amazônico se
apresenta como uma geografia diferenciada tanto do ponto de
vista do campo físico quanto da geografia humana. O campo
entendido em outras regiões do país não é o mesmo na Ama-
zônia, aqui o campo são florestas, rios, barrancas, terras de vár-

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zea, ramais de assentamentos, beiradões de estradas e rodovias


entre outras realidades.
Esse ponto claramente é expresso por meio de exem-
plos recentes da história de nosso país, ideários de liberdade e
igualdade social mesmo tendo a frente o pensamento político
voltado para equidade social, descobre-se envolto na mesma
fumaça cinzenta e escura da corrupção sempre guiados pela
ganância impregnada e imposta pelo capital nos sistemas de
gestão do que é bem público. Enquanto julgam sua ideologia
como superior diante de todas, grosso modo tais grupos, quer
seja, nas universidades, quer seja nos partidos políticos, quer
seja nos sistemas educacionais alicerçam sua estrutura orga-
nizacional de maneira tão opressiva quanto a dos capitalistas
criticados por estes no passado com tamanha veemência.
Considerações
Diante do exposto acreditamos que a leitura trouxe
empoderamento para nosso ímpeto pela luta em busca de nos-
sos ideais, assim como nossa luta pela construção de um pro-
jeto pedagógico real e próprio para as escolas do campo dentro
do próprio sistema educacional público em que se constitui a
Secretaria Municipal de Educação onde atuamos. O conhe-
cimento de epistemologias que legitimam a necessidade de
novos paradigmas para Educação do campo, tais como, a Pe-
dagogia do Oprimido aqui apresentada, assim como a leitura
de Caldart pode tornar mais próxima à realização do compro-
misso com a qualidade na educação das escolas do campo em
que pese a garantia do direito de aprender aos estudantes do
campo.
Um ponto contrastante é saber que historicamente as
escolas do campo na Secretaria Municipal de Educação, têm
sido atendidas com a proposta pedagógica das escolas urba-
nas, isso confirma que o modelo está sendo apenas transferido
e, portanto, entendemos que, o procedimento necessário para
reverter essa realidade pode estar na reflexão coletiva entre os

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

sujeitos que é forjada pelo norte epistemológico em que se ba-


seie a proposta pedagógica.
Nesse sentido, foi conclusiva a ideia de que uma epis-
teme dialógica como a Pedagogia do Oprimido é fundante no
processo de construção das orientações pedagógicas que de-
vem nortear o fazer nas escolas do campo. Diante disso, con-
sideramos produtivo o estudo de modo que forjou do ponto
de vista tanto objetivo quanto subjetivo uma nova concepção
de Educação do Campo e, novo entendimento do ser, do e no
mundo com todas suas intempéries e alegrias no fazer profis-
sional. Consideramos profícuo o resultado, pois conseguimos
desacomodar nosso fazer pedagógico no próprio sistema edu-
cacional e levar para outros profissionais que atuam nas escolas
do campo novas perspectivas.

Referências

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE ATUAM


EM CONTEXTOS RURAIS DA AMAZÔNIA
PARAENSE

POJO, Eliana Campos1


Introdução
O presente artigo discutirá a formação continuada de
docentes que atuam em contextos rurais da Amazônia paraen-
se, dialogando com o que fazer docente ancorado por referen-
ciais freireanos. Tratará de docentes que estão participando do
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Bá-
sica (PARFOR) e que possuem suas experiências docentes em
áreas rurais2 do município de Abaetetuba, Pará, Brasil.
No município em questão, há um quantitativo consi-
derável de professores cursando graduação pelo Parfor3, o qual
faz parte de uma política do Ministério da Educação (MEC),
em parceria com instituições públicas de Educação Superior,
Secretarias de Educação dos Estados e dos Municípios da Fede-
ração, no âmbito do Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação (PDE). Na esteira da qualidade da educação, visa à
promoção de formação de docentes, presencial ou à distância,
1 Pedagoga. Doutoranda de Ciências Sociais/UNICAMP. Docente da
Universidade Federal do Pará (UFPA) - Campus de Abaetetuba-PA.
E-mail: lilicapojo@gmail.com
2 Abaetetuba, adota para efeito de organização de suas ações educa-
cionais três áreas geográficas, que são: a cidade (centro), as ilhas, as
estradas e os ramais. (Prefeitura, 2014)
3 O programa ampara-se em dois documentos. O decreto nº 6.755, de
29/01/09, que cria a Política Nacional de Formação de Profissionais
do Magistério da Educação Básica e a Portaria Normativa nº09, de
30/06/09, a qual cria o Plano.

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especialmente aqueles que atuam nos anos iniciais da Educa-


ção Básica. Como política pública, o Parfor possui sua relevân-
cia social, principalmente para os professores que atuam em
contextos rurais e que se encontram sem a formação exigida.
Também, é ressaltado por muitos envolvidos (sindicatos, inte-
lectuais, estudantes entre outros) a relevância educativa como
direito social de estudar (formação continuada), ordenado pela
legislação educacional.
O plano teve impacto considerável no estado do Pará
tanto em termos quantitativos quanto em termos de envolvi-
mento de várias instituições formadoras, dentre elas, a Uni-
versidade Federal do Pará (UFPA), que atua desde 2009 com
diversas licenciaturas e em vários municípios1.
Quando se trata de estudos em contextos rurais,
costumeiramente associamos a questão da valorização cultu-
ral dos modos de vida – o ethos2 do lugar, mas na prática essa
questão ainda é um devir. Ainda é pouco visível o currículo e o
calendário com base na realidade agrícola e cultural do lugar; a
formação continuada é escassa na maioria das vezes; o projeto
político pedagógico com vínculos às especificidades rurais não
se efetiva; há considerável precariedade nas estruturas das es-
colas e no transporte escolar, etc. Em suma, há um clamor para
que, de fato, o modo de vida e seus conhecimentos sejam pro-
blematizados em relação à função da escola do campo, ainda
que estejam presentes as contínuas mobilizações e articulações
dos segmentos sociais organizados por uma educação como
1 O plano é desenvolvido em 63 municípios e, na estimativa de oferta,
realizada por sua coordenação, tinha como meta, em 2014, atender
aproximadamente 14 mil estudantes em vinte e um (21) cursos, dis-
tribuídos em mais de 287 turmas. Esses são dados restritos à UFPA,
pois no estado ainda são instituições formadoras a Universidade
Federal Rural da Amazônia, a Universidade Estadual do Pará e o
Instituto Federal do Pará. (Fonte. Site do PARFOR-UFPA, acessado
em 03/03/2015)
2 O ethos de um povo, na perspectiva de Geertz (1989), pode ser en-
tendido como o modo de vida, os jeitos e suas formas práticas, ou
ainda o espírito – sentido valorativo de um povo ou de uma deter-
minada sociedade.

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direito fundamental e de condição básica para o exercício da


cidadania dos povos do campo e que vivem no campo. Desse
quadro situacional, desde os anos 1990, uma série de eventos
e movimentos vem pautando (inclusive, no âmbito da legisla-
ção3) a consolidação da Educação do Campo4, como política
pública de Estado referenciada pelo teor da diversidade socio-
cultural e étnica.
Com referência ao modo de vida próprio, particular-
mente falando de contextos rurais no nordeste paraense, refe-
rimo-nos ao movimento da cultura local observado nos sons
da natureza, no barulho das marés, sons tão escassos ou não
presentes em nossa ‘urbanidade’; na ausência de água potável
numa comunidade com abundância desse líquido; nos saberes
locais dos moradores familiarizados com a terra, com as fases
da lua, com a quentura do sol, com a extensão e frequência da
chuva, com o encantado rio; na crença dos mitos da Matinta
Pereira, do Boto, da Cobra Grande como sendo ricos, naturais
e fantásticos elementos demonstrativos da terra amazônica,
isto é, possuem suas próprias “narrativas míticas, suas moda-
lidades próprias de uso dos recursos do ambiente e seus atos e
modos intrínsecos de percepção de categorias (tempo, espa-
ço) e objetos” (ALMEIDA, 2013, p.156). E tais representações
são a própria vida nesses contextos rurais e formam elementos
culturais reais que estão na vida cotidiana e se articulam com
o tempo-espaço da educação escolar, logo não podem estar
3 Estamos falando de legislações específicas basilares da ação educati-
va para as escolas do campo e para as escolas quilombolas. Citamos
algumas: a LDB 9394/96; a Res. CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de
2002 - Institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo; a Res. nº 2, de 28 de abril de 2008 - Estabele-
ce diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvol-
vimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica
do Campo; a Lei 10639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação
Básica; entre outras.
4 Atualmente no município, há credenciadas no MEC 133 escolas do
campo. Cabe destacar que a esse quantitativo, somam-se as dezeno-
ve (19) escolas quilombolas (PREFEITURA, 2015).

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ausentes do currículo escolar. Na tentativa de melhor dizer o


modo de vida rural em contextos amazônicos, trazemos algu-
mas imagens que retratam fragmentos do cotidiano, expressa-
do pelas crianças no brincar, nas atividades e nos instrumentos
de trabalho dos adultos e, também, na bela paisagem onde a
escola está ancorada. Vejamos:

Figura 1 – Crianças brincando às margens do rio.


Figura 2 – Balanço do qual as crianças se jogam no rio quando a maré está cheia.
Figura 3 – Pesca com matapi frequentemente realizada por moradores.
Figura 4 – Imagem de uma das escolas ribeirinhas.

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Paulo Freire enfatiza, em muitos de seus escritos, que


a politicidade da ação educativa passa pela credibilidade na es-
perança e no ser humano, aspectos necessários para ocorrência
de mudanças. Além disso, ressalta como importante a ousadia
no que fazer das práticas educativas, assim como a capacidade
de indignação frente à condição social existente, pois “mudar é
difícil, mas é possível”, tais mudanças podem se realizar à me-
dida que haja engajamento político, social e cultural com as
questões do lugar e de suas gentes (FREIRE, 1996; 1999).
A motivação para a escrita deste artigo foi sendo
construída a partir das aulas no curso de Pedagogia pelo Par-
for, por meio da escuta das histórias vividas por docentes e pela
verificação in loco de situações empiricamente observáveis.
Fomos coletando relatos de suas práticas e realizando entre-
vistas, buscando compreender a constituição do fazer docen-
te em contextos rurais. Também, tomamos os modos de vida
com base nos estudos5 realizados em comunidades ribeirinhas
e quilombolas.
Alguns questionamentos, a saber, nortearam a inves-
tigação: Como se constituiu a formação docente em localida-
des rurais da região amazônica? Que alterações e aprendiza-
gens estão ocorrendo a partir formação do Parfor no que fazer
docente?
Para isso, além dos procedimentos citados, valemo-
-nos das vozes de quatro docentes que atuam em contextos ru-
rais. Localizamos os lugares e suas respectivas escolas, situamos
as experiências delas com base na sua receptividade em relação
à interatividade estabelecida na sala de aula no momento do
5 Atuando como docente do Campus Universitário de Abaetetuba,
desenvolvemos, ao longo de 2012-2013, dois projetos na comuni-
dade do rio baixo Itacuruçá, em Abaetetuba, quais sejam: Projeto
Integrando Conhecimentos e Saberes: uma experiência educativa na
primeira escola quilombola de Abaetetuba-PA e o Projeto de pesquisa
Travessias, identidades e saberes das águas – Cartografia de saberes de
populações ribeirinhas no município de Abaetetuba-PA. Tais projetos
enfatizaram os saberes populares na mediação com processos edu-
cacionais do lugar, potencialmente.

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curso. Assim, neste artigo, enfatizaremos os processos forma-


tivos e suas implicações no que fazer docente, relacionando-
-os à experiência das escolas em contextos rurais que possam
nos ajudar a significar criticamente sobre a prática docente de
modo geral.
Aspectos teóricos sobre a formação docente em Paulo
Freire
Nóvoa (1992) considera que na formação do docente
há uma dilatação entre as dimensões acadêmica e profissional,
tendo como base a articulação do ensino superior com a es-
cola. Para isso, deve haver um esforço conjunto em traduzir
os vários interesses e realidades das organizações. Nessa em-
preitada o que fazer docente exige e atua diante das mudanças
sociais no sentido de uma ação profissional compromissada e,
referencialmente, qualificada, reverberando em uma atuação
de respeito à diversidade cultural, aos tempos sociais e gera-
cionais, aos contextos e às situações que são parte do cenário
educacional (escolaridade) no lugar.
Em se tratando de alternativas para a formação dos
docentes que atuam em contextos rurais e suas particularida-
des, é imprescindível que se formem profissionais com uma
ampla visão do fenômeno educativo, favorecendo a descoberta
das relações de poder e das disputas de interesse, que fazem
parte da sociedade atual, com suas acentuadas desigualdades,
pois, como sabemos, a profissão de professor é fortemente me-
diada pelo Estado; com isso, não pode ser examinada, modifi-
cada e criticada sem que o mesmo seja envolvido. Ainda as-
sim, no senso comum, há uma retórica de que os problemas da
educação são reduzidos pelo sistema com uma única variável:
a qualidade do professor, embora saibamos que não é somente
essa variável que está em jogo.
Freire, em sua obra Pedagogia da Autonomia, esmiúça
a prática pedagógica em relação à autonomia dos envolvidos.
Para ele, o processo de nos educarmos (numa situação de en-

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sino) é um que fazer humano, ou seja, é um processo situado


no tempo e no espaço, e também imbricado por processos re-
lacionais entre pessoas. São ditadas, a partir desse pressuposto,
as condições do existir e do se constituir sujeito histórico na
vida social. Nessa perspectiva, ao se conformar com algo que,
na sua visão já está consumado, o indivíduo compreende e vive
a história com determinismo e não como possibilidade de alte-
rar o que está posto.
Segundo o autor, a visão mecanicista da história não
gera decisão humana. Nesse sentido, esse processo de socie-
dade global e globalizante vem reforçar essa prática, visto que,
nesse processo, o que vale é a vontade de uma minoria pode-
rosa que tritura e que reduz a condição dos indivíduos a meros
espectadores e consumidores, colocando-os como incapazes de
alterar seus destinos (FREIRE, 1999). Essa acomodação revela
que o ser humano deixa de sonhar, de lutar pela sua liberdade,
decretando a morte da história e, em última análise, a morte da
utopia e do sonho.
Contrapondo a esta ordem, educar não é domesticar,
mas substancialmente formar. Trazendo para a prática educa-
tiva e para a atuação docente, podemos dizer que, para uma
prática democrática se realizar, é preciso experienciarmos cer-
tas qualidades que vão se construindo pelo sujeito no seu pro-
cesso de formação. Freire defende o fazer educativo político, na
medida que damos sentidos às práticas educativas nessa dire-
ção, ou seja, se optamos por uma prática político-pedagógica
de educador progressista ou democrático, e somos coerentes
com ela.
No que diz respeito às qualidades ou às virtudes, o
autor é enfático na defesa de ação pedagógica sustentada por
valores humanos como: “amorosidade, respeito aos outros, to-
lerância, humildade, gosto pela alegria e pela vida, abertura ao
novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa
aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à justi-
ça”, assumindo a crença no humano e, sob esta ótica, ciência e

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técnica são ressignificados pela dinâmica social e processual do


lugar e de suas gentes (FREIRE, 1996, p.15).
Nesses termos, uma virtude do professor é ensinar
respeitando as diferenças. E respeitar as diferenças e os dife-
rentes exigem de nós humildade e tolerância. A ausência des-
ses atributos valorativos favorece a arrogância de um ser que
se subjuga o outro, quer dizer, uma raça sobre a outra, uma
classe sobre a outra. Desta forma, estamos tratando sobre a im-
portância do respeito à cultura do mundo do educando, pois
é ela que mostra a inteligência do mundo vindo do cultural e,
socialmente, o constitui.
Como já dito e ancorado pelas incursões ao campo,
tomamos como premissa que não podemos desconsiderar que
há no contexto ribeirinho amazônico, sedimentado por sabe-
res das águas6 e da floresta; por representações simbólicas; pe-
los seus modos de viver e de estar no espaço-tempo dos rios,
dos furos, dos igarapés e das florestas; viver, este, tangenciado
por uma travessia sócio-histórica e amazoniágua, ou seja, uma
vida relacionada com as questões atuais e do lugar. Notamos
nos contextos rurais um “[...] sistema de representações, sím-
bolos e mitos que essas populações constroem, pois é com ele
que agem sobre o meio natural [...]”, dada a íntima relação do
homem com o meio e sua dependência imbricada com os ci-
clos da natureza que estão conectados às explicações míticas e
religiosas, na maioria das vezes (DIEGUES; ARRUDA, 2001,
p.26).
Sob o olhar dos saberes locais, o currículo escolar é
atraído pelo zelo de não anular tais expressões materiais e sim-
bólicas com a perspectiva de apreender saberes que possam
dialogar com uma nova/outra forma de pensar a escola ribei-
rinha e sua dinâmica cotidiana rural, ainda que necessitando
de maiores aprofundamentos teóricos para melhor compreen-
dê-la.
6 Tal dimensão é tratada minuciosamente no artigo intitulado As
águas e os ribeirinhos – beirando sua cultura e margeando seus sabe-
res, de autoria de POJO, E. et al. (2014).

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Estamos nos referindo a uma política do lugar7, a qual


diz muito para a formação docente, principalmente quando se
trata do currículo das escolas em contextos rurais, cujas pecu-
liaridades são muitas, desafiantes e estão postas. E, de outro
lado, as Universidades, como agências formadoras, precisam
ousar em direção de uma formação atravessada pela diversi-
dade cultural e social da região na qual seus alunos irão atuar,
via de regra.
Esse desafio de mudança requer esforço e compro-
misso ético-político de todos, (das instâncias e dos sujeitos),
reverberando numa política pública comprometida com a qua-
lidade da formação, bem como com a formação continuada
do educador. A mudança tem forte mediação do Estado e dos
sujeitos e, evidentemente, não pode ser examinada, criticada
e transformada com a isenção dos envolvidos nesse processo
educacional e educativo.
Os processos cotidianos, mediados por ações e sim-
bologias, constituem-se processos educativos do lugar, e julga-
mos serem imprescindíveis para postular qualquer que seja a
prática educativa escolar, pois qualquer ação educativa só fará
sentido se pensada a partir e com os sujeitos em suas neces-
sidades. Nesse caso, o cotidiano é gerador de modos de vida
e estes são constituidores das muitas identidades amazônicas.
Dialogando com os postulados do autor, cabe à escola
atuar criticamente com os fatos e a inteligibilidade de coisas
e sua comunicabilidade. Aguçar a curiosidade do educando e
não domesticá-lo. O que interessa é que o educando, por meio
de sua curiosidade, assuma o papel de sujeito de seu conheci-
mento, desconfiando, sempre, de verdades prontas.
Dilatando possibilidades criativas e inventivas do ho-
mem, na prática educativa, o educador progressista e os edu-
7 Sobre o tema, os escritos do pesquisador e professor Arturo Esco-
bar são significativos, em especial em sua análise cultural situada no
lugar em suas múltiplas interfaces. Para o estudo, a obra “Más allá
del Tercer Mundo – Globalizacón y Diferencia” (2005) é bastante
pertinente.

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candos são desafiados a serem produtores de conhecimentos e


não mais transmissores. Aqui, vale ressaltar que o resultado de
uma prática progressista não separa teoria da prática, pensa-
mento de ação, linguagem de ideologia; a prática progressista
experimenta uma dinâmica diferenciada entre ensino e con-
teúdo, em que o aluno se reconheça como sujeito de história.
O legado de Paulo Freire traz a experiência educativa
da participação, da criação e da estética enquanto pressupostos
de uma educação escolar crítica e transformadora para e com
os sujeitos. Uma ação profissional diferenciada e singular por
se tratar de (trans)formadores de ciência e, responsavelmente,
de consciência política cidadã, exigindo de seus protagonistas
clareza do caminho a seguir.
Os postulados do autor nos dirigem para uma prática
docente de ação-reflexão-ação por meio do diálogo e do tra-
balho coletivo e, também, pela promoção da formação perma-
nente diante do princípio da vocação ontológica de homens
inacabados e a necessidade do ser mais.
Como síntese, ratificamos que os pressupostos da edu-
cação e da formação a partir de Freire (1996), em especial os
levantados nesse exímio diálogo com o autor, são geradores de
muitas significações para a formação docente de professores e
suas práticas em contextos rurais. Questões valorativas, enfa-
tizadas pelo autor quanto à credibilidade na cultura do lugar,
no ser humano como ser único e aprendente da vida e numa
prática educativa que forma e que não meramente domestica,
são elementos vitais para pensarmos sobre a dinamicidade do
currículo. Assim, são a partir desses nexos freireanos que nos
colocamos a dizer um pouco das possibilidades do que fazer
docente.
Possibilidades de professores em contextos rurais
Buscando a interface entre o que fazer docente e a for-
mação de licenciatura pelo Parfor, valemo-nos das conversas
informais com os docentes, dos memoriais produzidos sobre

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o fazer docente e de entrevistas realizadas durante as aulas de


uma das fases do plano, ocorrido no período de julho a agosto
do ano corrente. Também, compomos dados com fontes docu-
mentais sobre a situação educacional do município de Abae-
tetuba referente ao atendimento veiculado às populações de
áreas rurais.
Os quatro docentes que participaram do estudo
atuam na região rural de Abaetetuba, município do estado do
Pará, cidade localizada a 51 km a sul-oeste da capital, Belém.
O município possui em sua composição um quantitativo de
ilhas, contando com uma população estimada pelo IBGE em
147.267, sendo que 60% deste total residem na cidade e 40%
em áreas rurais.
Como parte da investigação, realizamos, em uma pri-
meira etapa, a coleta de dados em instrumento próprio, com a
intenção de mapear a condição social dos docentes e, também,
o contexto educacional no qual estão inseridos, servindo para
compor informações das áreas rurais e de aspectos educacio-
nais. O instrumento continha questões que gerariam informa-
ções tais quais: a) pessoais e socioeconômicas; b) escolarização;
c) profissionais e de exercício na docência; d) vida em contexto
rural; e) lazer e atividades culturais. As informações obtidas
foram tabuladas e organizadas em gráficos.
Julgamos pertinente situar alguns dados, de forma ge-
ral, sobre aspectos sociais e profissionais dos quatro docentes.
Do quantitativo, apenas um é do sexo masculino, os demais são
mulheres. Destacamos que são pessoas entre quarenta e cin-
quenta anos de idade; somente uma é solteira; todos desenvol-
vem atividades relacionadas ao contexto rural, isto é, além da
atuação como docente, desenvolvem atividades na agricultura
(na roça, no cultivo do açaí e na produção da farinha), há os
que confeccionam artesanatos, venda de produtos, entre ou-
tras formas. Três são moradores da área das ilhas e uma reside
no ramal do Murutinga, localizado na parte da estrada, con-
forme a classificação existente no lugar. Durante as conversas,

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ressaltaram a imbricação com o lugar, e uma delas afirmou: “sou


também produtora na agricultura”; “eu gosto de morar aqui, pi-
samos na terra, comemos peixe e o açaí é farto”; “aqui tudo é
simples, fazemos de um tudo e temos que cuidar da natureza
para ela nos dá sempre”.
Quanto às atividades de lazer e culturais, destacam o
jogo de futebol, a conversa com os amigos, os banhos nos iga-
rapés e nas praias, o envolvimento com atividades comunitá-
rias, o assistir à televisão e a filmes, as festas na comunidade. São
pessoas que nasceram e se criaram no contexto rural e, desse
convívio no lugar, dominam saberes como: pilotar rabetas8 e ca-
noas, pescar de matapi, cultivar a roça; conhecem o tempo das
marés e os caminhos dos rios e da floresta (ramais) e, também,
a vizinhança do entorno da escola. Além disso, acompanham as
atividades comunitárias de suas localidades, entre outras situa-
ções do tipo.
Dos aspectos da formação inicial e continuada desses
professores, ressaltamos que todos possuem o antigo magistério,
estão há mais de dez anos no exercício da docência e, no geral, a
atuação docente vem se dando na mesma escola, situada na lo-
calidade onde moram. Sobre a atuação nas turmas, relatam que
passam por uma espécie de rodízio entre os níveis da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental (anos iniciais), sendo o últi-
mo sob a forma de multissérie9. A exceção é apenas um profes-
sor, que já atuou, além dos níveis citados, na Educação de jovens
e adultos e no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
8 Rabetas são embarcações motorizadas que podem ser cobertas (com
toldo) ou descobertas, normalmente de pequeno porte. Tais embar-
cações transportam pessoas e coisas num percurso de ida e volta das
comunidades das ilhas até a urbis do município. E rabeteiros são mo-
radores que trabalham como condutores dessas rabetas.
9 Trata-se de dizer que não é a junção de estudantes de idades e séries
diferenciadas, mas eminentemente nesse encontro pedagógico “as es-
colas multisseriadas são espaços marcados predominantemente pela
heterogeneidade ao reunir grupos com diferenças de série, de sexo,
de idade, de interesses, de domínio de conhecimentos, de níveis de
aproveitamento, etc.” (HAGE, 2005, p.13)

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As escolas em que atuam fazem parte do sistema


municipal e são consideradas de médio porte, restringindo o
atendimento aos níveis citados. Normalmente, atendem uma
demanda de estudantes de várias outras localidades próximas,
cujo deslocamento é realizado pelo transporte escolar, por
meio das embarcações na região das ilhas e de ônibus escolar,
no caso de escolas que ficam nos ramais e nas estradas.
Do campo educacional existente e do atendimento
veiculado às populações ribeirinhas e quilombolas do muni-
cípio, presenciamos algumas situações desse contexto rural: o
atendimento escolar organiza-se em classes multisseriadas; os
docentes conhecem, em parte, as lideranças e os saberes veicu-
lados nas comunidades; há vários professores e funcionários
que residem no lugar e fazem a travessia entre lugarejos pró-
ximos; o acesso à internet e à telefonia é precário. Em meio
a estes contrastes, observamos o esforço de um número sig-
nificativo de profissionais para que as ações educativas sejam
de aprendizagem para todos, embora num cotidiano escolar
apresentado rotineiramente com situações adversas.
Observando os dados quanto às condições de mora-
dia, de lazer, de atuação docente e de ser do lugar, podemos afir-
mar que a pessoa docente está sintonizada com as questões do
contexto local, assim como, pelos depoimentos deles, fica clara
uma certa imbricação entre o contexto e a prática educativa,
que passa por várias dimensões: da diversidade sociocultural e
étnica, de um currículo mediado pelo contexto rural, por uma
prática como sendo uma ação política. Em suma, passa, por
exemplo, desde o domínio dos saberes do viver naquele lugar,
utilizados para contextualizar as atividades pedagógicas até as
relações afetivas e comunitárias que balizam determinado en-
volvimento e possibilita interlocuções com o que fazer docente.
Nos memoriais escritos e, também, nos seus respecti-
vos depoimentos, expressam que nas atividades didáticas das
aulas e de culminância, eles tentam articular os saberes locais
com os conhecimentos das disciplinas. Sobre isto, diz um dos

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entrevistados, “tenho conhecimentos que foram sedimentados


na experiência vivida na comunidade e que uso na sala de aula,
a exemplo, as formas de pescar que eu transponho para um tex-
to escrito” (depoimento de docente, 2015). É comum, durante
as atividades, utilizarem elementos simbólicos do cotidiano
(pesca, a produção da farinha, a colheita do açaí, o plantio da
roça, etc.) nos conteúdos das disciplinas, assim como na cons-
trução de dicionários com as tipologias da linguagem expres-
sas no contexto (gapuiar, debulhar, lancear, peconha, matapi);
abrem espaço para as crianças brincarem e demonstrarem suas
infâncias com as brincadeiras do lugar como a do formô10, den-
tre tantas outras situações do gênero.
A apropriação da produção cultural do lugar é trazida
para a prática educativa, já que não são só professores dessas
comunidades, são moradores. Ser do lugar faz com que viven-
ciem outros papéis sociais, como o de liderança de uma as-
sociação, o de catequista na igreja, o de dono do retiro, o de
artesã, o de vendedor de açaí, ou, como dizia uma das profes-
soras: “sou uma produtora da agricultura daqui”. Em suma, são
sujeitos do lugar e interagem com os processos culturais que
estão em vigor. Dito de outra forma, a pessoa docente está sinto-
nizada com as questões do contexto local é um elemento para
se pensar um projeto político pedagógico sintonizado com o
lugar e suas gentes, inclusive na mediação com outros docen-
tes, que, porventura, não sejam moradores.
Da participação dos docentes no plano, foram desta-
cadas a articulação, talvez de forma incipiente, entre teoria e
prática na ação docente, ressaltando que “pelo Parfor nos si-
tuamos com os teóricos e, assim, penso o que faço em sala de
aula, não querendo repetir o que fazia anteriormente”; “fazia
as ações com técnicas, mas não tinha o embasamento teóri-
co”. Também, ficou evidente o sentimento de valorização da
profissão por meio dessa formação, ou seja, consideram que
10 Essa brincadeira consiste na demarcação do espaço onde cada in-
tegrante do grupo impede a invasão do seu espaço (quadrado) e o
corpo se expressa por gingados parecidos com os da capoeira.

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participar do Parfor, de alguma maneira, é uma forma de valo-


rização, posto que, sendo um plano público e gratuito, veem-se
motivados, estimulados e recompensados no que fazer docen-
te, e, sobre isso, afirmam: “nos oportunizou conhecer outras
realidades”; “nós, de longe, no mato e com tantas dificuldades,
não teríamos como fazer por nós mesmos” (depoimentos de
docentes, 2015).
Essa visão sobre a participação no Parfor, tida como
positiva, é similar à que é apontada nas recentes pesquisas so-
bre o plano e, também, às contidas nos relatórios das institui-
ções formadoras (como no da UFPA), onde são destacadas a
importância do mesmo e o impacto na educação do estado do
Pará. Nesses termos, a secretária de um dos municípios envol-
vidos ressalta: “Estamos crescendo com os professores de nível
superior. E conclama: “Jovens, lutem! Nunca é tarde para es-
tudar!” (UFPA, 2014). Por outro lado, vemos como prudente
relativizarmos tais afirmações, principalmente, se situarmos
o plano diante das submissões das políticas educacionais aos
ditames do mercado, pois bem sabemos do caráter técnico e
quantitativo que tem marcado as políticas e as ações.
Estritamente sobre o que fazer docente em contextos
rurais, podemos afirmar que os professores estabelecem rela-
ções diversas, pondo a formação do Parfor como uma oportu-
nidade de aprender um pouco mais a docência. São recorrentes
depoimentos nessa direção, leiamos: “assumimos os compro-
missos educacionais com mais certeza diante do que temos a
fazer”; “possibilitou a nós, leigos, a oportunidade de absorver
conhecimentos e relacionar com uma ação educativa”; “hoje
lendo Paulo Freire sei que posso inibir o pensamento do aluno
ou ajudar a ser consciente”; “hoje entendo melhor muitas atitu-
des adotadas na sala de aula e porque são importantes, ou seja,
precisam ser refletidas”. No entanto, mesmo com tais posturas
e valores, diríamos, pontuais, o currículo em ação das escolas
em contextos rurais ainda está marcado pela velha armadura
da educação rural, pouco sintonizada com as novas expectati-

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vas sociais de uma educação do campo, construída por e para


os diferentes sujeitos, territórios, práticas sociais e identidades
culturais que compõem a diversidade do campo.
Assim, como já dissemos, no município há muitas
comunidades ribeirinhas e quilombolas que carecem de no-
vas aprendizagens em interlocução com os saberes e com as
necessidades reais. Os desafios são muitos, um deles é em re-
lação ao currículo e à formação de professores que, em núme-
ro significativo, ainda não expressa uma educação voltada ao
respeito cultural. Por isso, faz-se necessário potencializar ações
para direcionar o que fazer do currículo e saberes nas escolas,
margeado pelas produções e significações culturais do lugar.
Ainda diríamos mais: a própria formação promovida pelo Par-
for pouco promove a visibilidade cultural quando se trata de
questões11 dessa envergadura.
Alguns pontos para continuar a conversa!
Os processos cotidianos, mediados por ações e sim-
bologias, constituem-se processos e culturas do lugar e julga-
mos serem imprescindíveis para postular qualquer que seja a
prática educativa escolar, pois qualquer ação educativa só fará
sentido se pensada a partir e com os sujeitos em suas neces-
sidades. Significa pensar o currículo na interlocução com os
modos de vida como exercício de promoção das muitas iden-
tidades amazônicas.
Tratando da reprodução sociocultural, há de ser pro-
blematizada dentro das escolas e, com isso, a invisibilidade
do caráter rural ribeirinho do lugar ganha sentido, quando se
almeja um currículo mais próximo das mediações sociais do
11 Sobre questões da invisibilidade do lugar e suas dinâmicas, fala-
mos da ausência de discussões mais aprofundadas da educação do
campo, de ensaios interdisciplinares pautados no que fazer docente
em multissérie, das disciplinas de cunho mais prático visando a de-
senvolver ações que problematizem os saberes locais, assim como os
dilemas de ensino-aprendizagem, entre outros. Falamos também do
esforço dos docentes para estarem no Parfor, o que deveria ser mais
discutido.

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lugar e suas gentes. Nesses termos, comungamos com a asser-


tiva de Gusmão (1997, p.2) quando afirma que “[...] historica-
mente, a nossa sociedade e a escola que lhe é própria não de-
senvolviam – e não desenvolvem – mecanismos democráticos
perante as diversidades social e cultural”. Por isso, vivenciar a
interlocução entre os conhecimentos científicos e dos ribeiri-
nhos pode ser uma boa inspiração para se retomar a questão
sempre latente do currículo da escola do campo.
Há que se apostar num currículo interdisciplinar e po-
pular, no sentido de situar-se numa experiência sociocultural,
no qual se criam múltiplas possibilidades de percursos com os
estudantes que são sujeitos históricos e dialógicos. Tanto os
sujeitos-alunos quanto os sujeitos-comunidade são os mesmos
sujeitos, com identidades construídas. Enfim, não há como
desconsiderar as relações sociais que perpassam os grupos ge-
racionais, de vizinhança, de trabalho na unidade familiar, na
condição de categorias sociais para pensar a dinamicidade da
prática educativa, e que estão latentes, queiramos ou não.
Assim, por meio da pesquisa em andamento, a
percepção evidenciada é a de que a escola beira-rio se faz como
lugar de trabalho e do público, onde se aprende o poder e suas
relações, na condição de mecanismo para pensar a si mesma
na relação com o outro social e ambiental, em que visões sobre
a sociedade/comunidade, sobre os colegas e a vizinhança são
confrontadas e apreendidas, efetivando um trabalho intelectual
desde sua existência. As tessituras do fazer diário no contexto
ribeirinho amazônico produzem conhecimentos a partir das
diversas formas de pensar, de ver e de fazer o mundo-natureza
do lugar em conexão com a vida. Seria o que Ferraço (2007,
p.77) postula ser uma rede que auxilia “[...] pensar o cotidiano
enquanto redes de fazeres-saberes tecidas pelos sujeitos
cotidianos”.
Acreditamos que qualquer formação em processo,
visando a um que fazer docente consciente, pressupõe inter-
cambiar as dimensões do lugar, do cotidiano em suas múltiplas

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formas de manifestar, pondo em pauta o processo relacional,


eminentemente imbricado entre o exercício da docência, a for-
mação em processo e a pessoa no lugar.
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Social: territorialidades específicas e politização da
consciência das fronteiras. In: ALMEIDA, Alfredo Wagner
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E
CURRÍCULO INTERDISCIPLINAR DO
PROJOVEM CAMPO SABERES DA TERRA:
UMA EXPERIÊNCIA NAS ILHAS E ESTRADAS
DE ABAETETUBA

NOGUEIRA, Maria do Parto Ferreira 1


CARDOSO, Maria Barbara da Costa2
VALENTE, Maria Rosilda Cardoso3

INTRODUÇÃO
As conquistas pela efetivação de uma política pública
voltada ao atendimento de jovens e adultos do campo, visando
desenvolvimento sustentável4 na perspectiva do território5 foi
1 Especialista em Educação do Campo; Coordenadora da Educação
do Campo de Abaetetuba; Coord. MORIVA. Secretaria Municipal
de Educação de Abaetetuba. E-mail: mfnogueirafilha@yahoo.com
2 Doutoranda em Educação; Coordenadora do Fórum Municipal de
Educação; Universidade Federal do Pará; E-mail: barbara.costa@
csfx.org.br
3 Especialista em Educação do Campo; membro do FORECAT; Se-
cretaria Municipal de Educação de Abaetetuba. E-mail: mariarosil-
da43@hotmail.com
4 Processo de mudança social e elevação das oportunidades da so-
ciedade, compatibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento e a
eficiência econômica, a conservação ambiental, a qualidade de vida
e a equidade social, partindo de um compromisso com o futuro e
com a solidariedade entre gerações. (Buarque, 1994).
5 O território é mais que uma simples base física para as relações entre
indivíduos e organizações: possui um tecido social, uma organiza-
ção complexa, feita por laços que vão muito além de seus atributos
naturais. Um território representa uma trama de relações com raízes
históricas, configurações políticas e identidades. Embora o municí-
pio seja uma importante unidade administrativa de um território,

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resultado de um processo de acúmulo e de reinvindicações de


setores públicos e organizações da sociedade civil organizada.
As análises apontam para o fato de que as políticas públicas im-
plementadas, nas últimas décadas, não conseguiram melhorias
substanciais na qualidade de vida da população, especialmente
a do campo. A maior prova dessa afirmação é o aumento da
pobreza, da concentração fundiária, da degradação ambiental
e a persistência das desigualdades territoriais, sociais, econô-
micas. Pois, agora o olhar para o campo não é mais como um
espaço de ação assistencial do Estado, mas um espaço de refe-
rência, um território de homens e mulheres que se organizam
e exigem ações efetivas do poder público como garantia do seu
direito ao exercício de cidadania.
Mediante conquistas de implementação das políticas
públicas para o campo, no Estado do Pará, se constituiu o Fó-
rum Paraense da Educação do Campo, que contempla diversos
Movimentos Sociais com seus Foris e Entidades do Estado.
O Fórum Paraense de Educação do Campo criou pos-
sibilidades, e assumiu a construção coletiva do Programa Sabe-
res da Terra da Amazônia Paraense traçando ações a partir de
um pensar a Amazônia com um projeto de desenvolvimento
sustentável e solidário, capaz de reinventar a relação entre os
sujeitos - homem/mulher – natureza, ancorada numa ética so-
cial e ambiental comprometida com a emancipação humana.
Focar a juventude do campo é condição sine quan non
para um projeto de sustentabilidade de gerações pre-
sentes e futuras. Investir na educação do campo para
jovens agricultores/as, ribeirinhos/as, extrativistas,
indígenas, quilombolas, pescadores/as, entre outros, é
oportunizar o protagonismo juvenil de sujeitos histo-
ricamente excluídos, fazer a escuta e acolhimento de
vozes silenciadas pelo currículo hegemônico, possibi-
litar que sonhos de jovens amazônicos/as se concreti-
zem por meio de itinerários formativos ancorados na
em algumas regiões o território ultrapassa os limites de um municí-
pio, facilitando o processo de integração entre municípios. (ABRA-
MOVAY, 2000).

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inclusão social, na qualificação social e profissional.


(BRASIL, 2005, p.4)
Conforme o documento citado, o compromisso do
Fórum Paraense de Educação do Campo com o presente pro-
jeto se traduz por todo o processo de construção, mobilização
em nível territorial e estadual. A gestão compartilhada e o pro-
cesso de acompanhamento e avaliação também se constituem
em compromissos assumidos.
Dentro desta constituição temos o Fórum Regional
de Educação do Campo da Região Tocantina II - FORECAT
II - que teve a sua gênese em fevereiro de 2007. Busca-se com
isso perpassar por um novo rumo de se pensar a formação dos
professores e dos sujeitos que atuam e residem no campo e ter-
ritórios quilombolas, a fim de construir um olhar de compro-
misso, descoberta, renovação sobre esta educação, sempre ob-
servando a diversidade sócio-etnocultural que há nas práticas
agrícolas e de produção e a importância que o trabalhador do
campo tem em relação a sua subsistência a de sua família e dos
demais atores sociais.
A Educação do Campo compreende, portanto, os di-
ferentes processos educativos, escolares e não escolares que
possibilitam o resgate da autoestima e autoconfiança dos povos
do campo de continuarem lutando por uma vida digna.
É desse conjunto que tem sido recriado o sentido da
Educação do Campo e dos seus sujeitos. É na prática social
que vamos encontrar os elementos em construção para uma
Política Pública para os sujeitos do Campo. Isso significa que
os elementos para esta construção devem ser referendados nas
diversas ações que estão sendo desenvolvidas por diferentes
Movimentos Sociais e organizações do campo (Associações
dos Remanescentes Quilombolas de Abaetetuba (ARQUIA),
Movimentos dos Ribeirinhos e Várzeas de Abaetetuba (MORI-
VA), Casa Familiar Rural (CEFFAS), entre outros).
No território do campo de Abaetetuba (ilhas, estra-
das e ramais) apresenta-se diversas dificuldades geográficas

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de acesso às escolas e outras situações de negação de direitos,


entre eles: oferta de escola na própria comunidade, princi-
palmente de Ensino Médio, atendimento escolar em todos
os níveis de ensino, currículo descontextualizado da vida do
povo do campo da Amazônia, falta de recursos materiais e
formação inicial e continuada dos docentes vem sendo mo-
tivos para jovens e adultos se evadirem e abandonarem os
estudos. Dessa forma, se faz necessário trazer a átona a pro-
blemática da invisibilidade dos sujeitos do campo. Ressalta-
mos que a partir deste contexto, se indagou da possibilidade
de intervenção ao atendimento acessível dos jovens e adultos
agricultores familiares a uma educação, que trouxesse como
proposta a pedagogia da alternância com aplicabilidade de
um currículo integrado.
Como resposta às reivindicações dos Movimentos So-
ciais e Entidades do Ensino Superior de Abaetetuba, deve-se
destacar a expansão das ações do Projovem Campo (2011) que
atuou fortemente para reduzir os índices de analfabetismo e
elevar o nível de escolaridade de jovens e adultos agricultores,
a partir de uma proposta pedagógica adequada à realidade do
campo, firmada na pedagogia da alternância e currículo inter-
disciplinar.
Portanto, como resultado dessa produção é pertinen-
te apresentar o Programa Projovem Campo Saberes da Terra
como uma das ações de política pública de acesso à escolariza-
ção de jovens e adultos agricultores familiares. Outro aspecto é
pontuar a relevância do currículo diferenciado no atendimento
as necessidades de aprendizagens desses sujeitos dentro da pe-
dagogia da alternância.

1 O Programa Projovem Campo Saberes da Terra: nas


travessias das águas, estradas e ramais de Abaetetuba.

A educação no atendimento de jovens e adultos agri-


cultores como politica pública, não somente voltada a erradi-

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cação do analfabetismo no Brasil, mas no fortalecimento de


ações firmadas nos direitos humanos e de inclusão social, re-
quer um novo olhar para a realidade dos sujeitos do campo.
O Projovem Campo Saberes da Terra em Abaetetuba
apresentou o caráter específico tanto de sujeitos como de ter-
ritório. Dessa forma, cabe aqui destacar o cenário de travessias
de rios mares6 , de estradas e ramais no qual os educandos e
educadores estiveram inseridos, pois a história da constituição
da Educação do Campo veio evidenciar o cenário e a cartogra-
fia das escolas do campo e quilombolas de Abaetetuba.
O município de Abaetetuba localiza-se no nordeste
paraense na região Amazônica, Baixo Tocantins. É formada
por 72 Ilhas, 46 comunidades de estradas, ramais e centro ur-
bano, formando uma população de 141 mil e 100 habitantes
(IBGE, 2010).
Em Abaetetuba, as Escolas do Campo compreendem
as que estão localizadas nas estradas e ramais e ilhas do muni-
cípio. Enumera-se 51(cinquenta e uma) escolas nas estradas e
ramais e 82 (oitenta e duas) das ilhas, totalizando 133 unidades
de ensino da rede municipal. Dentre essas, o município tem 19
escolas quilombolas, 01 casa familiar rural conveniada com a
Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) e SEDUC/PA e 01
escola de Ensino Médio do campo da Rede Estadual. Além de
ser atendido pelo Sistema Modular de Ensino (SOME). No en-
tanto, essas escolas não apresentam propostas de atendimento
aos jovens e adultos agricultores familiares, às meninas-mães7
que deixaram de viver sua própria vida, em prol da maternida-
de e convivência com parceiros. Se faz necessário, uma propos-
ta voltada à realidade da educação do agricultor familiar que
busca retornar aos estudos e melhorar sua condição de vida.
6 Rio Maratauíra - Conhecido na região Tocantins como rio mar pela
sua extensão e imenso volume d’aguas. Permeia o território de ilhéus
de Abaetetuba/PA.
7 - Meninas-mães - Registra-se casos de envolvimento matrimonial e
gravidez precoce com meninas na idade entre doze, treze, quatorze
anos. Param de estudar e assumem vida familiar.

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Em Abaetetuba, tendo-se como foco o público do


campo, a SEMEC atendeu pelo Projovem Campo Saberes da
Terra, 152 (cento e cinquenta e dois) alunos na faixa etária de
18 a 29 anos inseridos no sistema do Ministério de Educação
e cultura (MEC) e mais 54 (cinquenta e quatro) acima de 29
anos. Esses jovens e adultos são oriundos de diversas comuni-
dades-ilhas: Itacuruçá (Baixo e Médio) Ajuaí, Assacu, Tauerá-
-açu, Moju-Miri, Rio Campopema, Rio Jarumã, Rio Urucuri,
Rio Paruru, Rio Guajarazinho, Rio Maúba, Rio Jarumã, Rio da
Prata, Rio Ipanema, Rio Quianduba, Rio Abaeté, Rio Siritu-
ba, Rio Genipaúba, Rio Ipanema, Rio Jaquarequara, Estrada de
Beja, Ramal do Maranhão.
Conforme o contexto da comunidade há uma especi-
ficidade de vida, trabalho, educação de nossos educandos. Des-
tacam-se como atividades desenvolvidas por eles: produção
nas olarias, cultivo da mandioca, manejo do açaí, peconheiros8
, produção de farinha, pesca artesanal, extração do miriti, roça-
do e cultivo da cana, lavoura, criação de animais de pequenos
portes, além do trabalho doméstico e artesanais.
O Município apresenta uma realidade de carência no
aspecto econômico e principalmente, no que se refere à educa-
ção escolar que perpassa todos os níveis de ensino. Aponta-se
como maior dificuldade, o deslocamento dos educandos e de
docentes para a escola. Jovens e adultos agricultores apresen-
tam situações graves de acesso à escolarização, sendo este, um
dos principais fatores de impedimento à escolarização.
As comunidades das ilhas de Abaetetuba possuem o
diferencial em relação à acessibilidade e deslocamento de seu
povoado via fluvial. Utilizam barcos, rabetas e rabudos9 como
transportes de locomoção. Há lugares de difícil acesso devido a
8 - Instrumento feito de folhas de açaí, fibras ou sacas amarradas aos
pés do agricultor, no ato de subir nos pés de açaizeiros para a colhei-
ta do cacho de açaí.
9 - Rabudo e rabeta são transportes fluviais no formato de canoa com
instalação de motor 18 cavalos, tornando mais rápido a travessia no
rio Maratauíra.

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baixa da maré que torna-se um indicador para os ribeirinhos


no tempo a ser percorrido com certa segurança. Quando as
águas baixam (secam) não é viável viajar pelo rio-mar, como
é chamado o rio Maratauíra pelos ribeirinhos da Amazônia
Paraense. Por isso, seu cotidiano de trabalho e deslocamento
para outros afazeres fora de suas comunidades, depende do
movimento das águas, pois conforme a maré é traçado seu
tempo de ida e volta, enfim, de travessias.
Para os ribeirinhos, moradores das ilhas, a nature-
za se entrelaça com suas vidas. No movimento das águas, nas
idas e vindas entre rios e igarapés, o destino de vidas perfaz o
percurso de tempo e espaço do seu dia a dia. Suas identida-
des, cultura, emoções, religiões, causos e mitos são marcados
pela magia dos rios presentes nos saberes e fazeres: no traba-
lho, nos estudos, nas celebrações, no encanto e desencanto de
tantas histórias contadas nas rodas de conversa, de pais para
filhos. Assim sendo, Diegues (1998) nos cita:
O rio, o mar representam o curso da existência hu-
mana e as flutuações dos desejos e dos sentimentos.
O mar, água em movimento é o lugar das transfor-
mações e do renascimento, simbolizando, também,
um estado transitório, ambivalente [...] (p.24).

Este entrelace entre o homem e o seu espaço, traçado


por entre os rios, traz a marca identitária do ser ribeirinho,
que por sua vez, neste contexto, se faz presente os jovens e
adultos agricultores do Projovem Campo Saberes da Terra.
É neste território que a juventude do campo passa a ser
visível frente às políticas públicas. O Munícipio de Abaetetuba
está entre os que apresentam população acima de 100(cem)
mil habitantes do Brasil e que mostram sérios problemas no
atendimento à população jovem do campo. Com população
de 141.100, temos o percentual de 59% da população residente
na cidade e 41% residente no campo.(IBGE,2010).
Com objetivo estratégico à elevação da escolaridade
média da população de 18 a 29 anos do campo (ilhas, estradas

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e ramais), a Secretaria de Educação Municipal de Abaetetuba


(SEMEC), firmou convênio com o Ministério de Educação e
Cultura, Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará
(SEDUC). Assim, o Programa Projovem Campo Saberes da
Terra, versão 2009 e 2011 se respalda:
O PROJOVEM foi instituído pela Medida Provisória
nº 411/07, representa um indutor de políticas públicas
de juventude nas diferentes esferas e tem por objetivo
promover a reintegração de Jovem ao processo educa-
cional, sua qualificação profissional e seu desenvolvi-
mento humano (BRASIL, 2009).

No atendimento de jovens e adultos agricultores fora


da escola, a Secretaria Municipal de Educação de Abaetetuba
(SEMEC), por meio da Coordenação da Educação do Campo e
Movimentos Sociais, assumiram o compromisso de qualificar
jovens agricultores/as social e ambientalmente, a fim de valori-
zar e fortalecer o modo de vida do campo e buscar a melhoria
da qualidade de vida das famílias camponesas, potencializando
assim a pluralidade de seus saberes e dos conhecimentos téc-
nicos e científicos. Dessa forma, a SEMEC aderiu e efetivou o
Projovem Campo Saberes da Terra no ano de 2011 com 180
(cento e oitenta) alunos matriculados na faixa etária de 18 a 29
anos. Em 2012,2013 e 2014, apresentou matrícula respectiva-
mente de 220 (duzentos e vinte),233(duzentos e trinta e três) e
255(duzentos e cinquenta e cinco) alunos (Cf. quadro abaixo).
Destes, 55(cinquenta e cinco) alunos foram matriculados fora
do sistema do Projovem Campo por terem mais idade, sendo
inseridos no Censo escolar como alunos de EJA com Ensino
Integral profissionalizante.

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QUADRO I- Matrícula EJA Projovem Campo


EJA PROJOVEM EJA - Presencial Integrada à
ANO
CAMPO Educação (FIC)
2010 ------- 0
2011 180 0
2012 220 119
2013 233 233
2014 255 0
Fonte: SEMEC-2014
A escolarização fundamental dos jovens agricultores/
as familiares integrada à qualificação social e profissional tor-
nou-se uma estratégia político-pedagógica para garantir os di-
reitos educacionais dos povos do campo, por meio da criação
de políticas públicas nos sistemas de ensino, que fossem esti-
muladoras da agricultura familiar e do desenvolvimento sus-
tentável, como possibilidades de vida, trabalho e constituição
dos sujeitos cidadãos do campo.
Nesta dimensão o Programa Saberes da Terra da
Amazônia Paraense é um Projeto que veio atender a especi-
ficidade da Amazônia, de sua diversidade e complexidade. É
fortalecido pelas lutas, resistências e conquistas de educadores/
as, instituições, entidades e movimentos sociais que historica-
mente tem investido na convicção e tessitura de que a educação
é um direito subjetivo a todos os sujeitos ao longo da vida.
A juventude do campo, das águas e da floresta da
Amazônia Paraense tem a possibilidade, com o pre-
sente Projeto, de reinventar suas utopias, ressignificar
seu projeto de vida, fortalecendo a agricultura fami-
liar ancorada num projeto de desenvolvimento sus-
tentável e solidário (BRASIL,2005,p.4).

O referido programa objetiva investir em itinerários


formativos para jovens do campo, das águas e da floresta ama-
zônica, comprometidos com a sustentabilidade presente e de
gerações futuras, buscando construir a identidade das escolas
do campo revestida pela temporalidade e saberes de seus sujei-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

tos, na história das lutas e memórias coletivas dos povos ama-


zônicos.
Na efetivação do Programa Projovem Campo em
Abaetetuba, se fez necessário considerar a diversidade territo-
rial dos jovens e adultos do campo, o que justificou o deslo-
camento dos educandos do campo para a cidade, por ser eixo
de conexão entre as comunidades. A cidade (centro urbano de
Abaetetuba) tornou-se viável ao atendimento na formação de
turmas por favorecer menor tempo de locomoção, melhor es-
trutura de transporte, alimentação, recursos didáticos e qua-
dro de pessoal. Em relação a garantia do transporte escolar do
campo para a cidade, a SEMEC viabilizou a colaboração de
16 (dezesseis) rabeteiros10 e 01 (um) ônibus, contratados pelo
setor de transporte com recursos próprios
Com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação – FUNDEB foi mantido o quadro de educadores
e pessoal de apoio assumidos pela SEMEC. Esses educadores
foram contemplados com formação continuada no Curso de
Especialização de Educação do Campo em Agricultura Fami-
liar e Sustentabilidade na Educação do Campo da Amazônia
Paraense. No desenvolvimento das atividades firmadas na Pe-
dagogia da Alternância o Programa dispôs de três professores e
um técnico agrícola por turma. Contou com cinco turmas, ten-
do média de trinta e cinco educandos beneficiados com bolsa
de ajuda de custo no valor de dois mil e quatrocentos reais.
O Programa assumido pelo FNDE contemplou tam-
bém, o custo alimentação gerenciado pela Coordenação do
Projovem Campo Saberes da Terra de Abaetetuba.
Outro fato que necessitou de estrutura especial, foi a
situação de muitas educandas, para garantir momentos de es-
tudos, traziam seus filhos para a escola. Essas mulheres enfren-
taram problemas de “poder” por parte de seus companheiros
10 Atividade desenvolvida pelo homem ou mulher que pilota a rabeta-
espécie de canoa movida a motor.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

que limitavam sua liberdade ao serviço de casa. O Projovem


Campo lhes proporcionou novos conhecimentos e aumento de
autoestima. No atendimento às crianças, os educadores se re-
vezavam para atendê-las com atividades pedagógicas, em espa-
ço apropriado. Conforme esta necessidade, se propôs o projeto
“Sementes dos Saberes do Projovem Campo Saberes da Terra”,
tendo como objetivo proporcionar atividades lúdicas que fa-
vorecessem o potencial no processo ensino-aprendizagem às
crianças e adolescentes, filhos e filhas de educandas do Projo-
vem Campo. Dessa forma, a mãe ficava mais concentrada nos
estudos e resultados mais favoráveis.
Os resultados do Programa Projovem Campo Saberes
da Terra de Abaetetuba apresentou frequência de 90% (noven-
ta por cento) de seus educandos. Avaliou-se que a estrutura de
transporte, alimentação, formação dos educadores e currículo
diferenciado voltado aos saberes do agricultor familiar foram
fatores fundamentais para o êxito do Programa em Abaetetuba.
Portanto, discutir o currículo, a pedagogia da alter-
nância- tempo escola e comunidade são essenciais para a com-
preensão do Programa Projovem Campo Saberes da Terra, o
qual será ressaltado em seguida.
2 A Pedagogia da Alternância em interface com o
Currículo Interdisciplinar.
Segundo o documento Brasil (2008, p.13) o currículo
é concebido como o processo vivencial do currículo integrado
do Programa Projovem Campo Saberes da Terra, nas dimen-
sões pedagógica e metodológica, e proposto na perspectiva de
possibilitar aos sujeitos educativos, diferenciadas formas e mo-
mentos de produção de conhecimento, apropriação de apren-
dizagens, que se alternem e se complementem no processo de
estudo por meio de experiências educativas que envolvam os
indivíduos num processo consciente de produção cultural.
O currículo no Projovem Campo Saberes da Terra
deve ser compreendido como um processo que articula os sa-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

beres científicos aos saberes populares dos sujeitos do campo,


num movimento dinâmico em que se trabalha com a ciência e
com a realidade, objetivando a produção de novos saberes, que
permitam a transformação dessa mesma realidade.
Nessa dinâmica, é possível organizar o processo
formativo na perspectiva de provocar a produção
de uma nova cultura, da ética e da solidariedade,
do comportamento critico e responsável, da ale-
gria e da criatividade, da vida coletiva e compar-
tilhada, da humanidade emancipada (BRASIL,
2008, p. 22).

O Programa Projovem Campo Saberes da Terra, a


partir da construção de forma coletiva dos projetos agroe-
cológicos que visam qualificar profissionalmente os jovens e
adultos agricultores, concomitantemente, baseiam-se na cons-
trução de um currículo que tem como referência principal, a
formação humana e o modo de produção e reprodução da vida
das comunidades, e dos sujeitos do campo, objetivando uma
formação geral integrada com a qualificação social e profissio-
nal. Se faz necessário, reconhecer os saberes acumulados pelos
agricultores familiares em sua cultura, trabalho e trajetória de
vida, e ainda, a dimensão tecnológica e organizacional presente
no desenvolvimento e sustentabilidade do campo.
O currículo interdisciplinar- integrado parte da rea-
lidade dos sujeitos do campo, de seus saberes e histórias. Em
entrevista, Costa (2012), um dos educandos enfatizou que o
período do tempo escola vivenciado no Projovem Campo tor-
na-se mais enriquecedor quando eles (os alunos) participam
da escolha dos conteúdos para os momentos pedagógicos.
Acho muito bom quando o nosso professor fala
coisas que a gente entende e que a gente pode
falar. Por exemplo, quando nós vamos prá roça
a gente entende de tudo, desde a capina até à
venda, e o professor não entende. Aí ele aprende
com a gente. Na escola, a gente traz o que a gente

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sabe e também aprende com ele. Essa é a diferen-


ça do nosso projeto. (COSTA,2012)

Este currículo não é abordado de forma técnica e ins-


trumental, mas perpassa a compreensão de construção histó-
rico-cultural no processo de desenvolvimento da ciência com
finalidades produtivas, no caso dos projetos agroecológicos
requerem o tempo escola permeado de experiências, socia-
lização a serem discutidas com os sujeitos do campo, pois se
compreende que nenhum conceito apropriado produtivamen-
te pode ser formulado ou compreendido desarticuladamente
das ciências e das linguagens.
O currículo, a partir da vivência dos sujeitos agricul-
tores passa a ser uma opção que permite uma efetiva integra-
ção entre ensino e prática profissional, com a busca de soluções
especificas e originais para diferentes situações, permitindo
contribuições imediatas para a comunidade e a adaptação à re-
alidade e aos padrões culturais próprios de uma determinada
sociedade.
Segundo Torres (1998) a integração de campos do
conhecimento e experiência teria em vista facilitar uma com-
preensão mais reflexiva e crítica da realidade, ressaltando não
só dimensões centradas nos conteúdos culturais, mas também
o domínio dos processos necessários ao alcance de conheci-
mentos concretos, a compreensão de como o conhecimento é
produzido e as dimensões éticas inerentes a essa tarefa. Des-
sa forma, a proposta de currículo interdisciplinar e integrado,
apresenta possibilidades no atendimento às necessidades de
possibilitar uma prática pedagógica interdisciplinar, por áreas
de conhecimento e de integrar o tempo escola e trabalho na
formação do jovem e adulto do campo.
A implementação do currículo integrado requer,
portanto, diversas condições relevantes, principalmente um
conhecimento profundo de seu funcionamento para que as
aprendizagens ocorram da maneira desejada, o que faz neces-
sário investir na formação específica dos educadores e mate-

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

riais didáticos conforme a realidade dos educandos, além de


políticas públicas que desencadeia ações voltadas ao sujeito do
e no campo.
O Programa Projovem Campo Saberes da Terra as-
sume a pedagogia da alternância respaldada pela Resolução
CNE/CEB N.1/2002.
No surgimento da discussão referente a Pedagogia da
Alternância ressalta-se Teixeira et al (2008) conta a história de
que um pequeno grupo de agricultores franceses, insatisfeitos
com o sistema educacional de seu país, que não atendia as es-
pecificidades de uma Educação para o meio rural, iniciou em
1935 um movimento que resultou no surgimento da Pedagogia
da Alternância. Esse grupo enfatizava a necessidade de uma
educação escolar que atendesse às particularidades psicosso-
ciais dos adolescentes e que também propiciasse, além da pro-
fissionalização em atividades agrícolas, elementos para o de-
senvolvimento social e econômico da sua região.
No ensino organizado por esses agricultores, a partir
de suas vivências e com o auxílio de um padre católico, alter-
navam- se tempos em que os jovens permaneciam na escola,
que naquele contexto tratava-se de um espaço cedido pela pa-
róquia e outro momento, com tempos em que estes ficavam
na propriedade familiar ressignificando sua aprendizagem, na
relação com o trabalho. No tempo escola-assim chamado, o
ensino era coordenado por um técnico agrícola; no tempo na
família, os pais se responsabilizavam pelo acompanhamento
das atividades dos filhos, tendo como ideia básica, conciliar os
estudos com o trabalho na propriedade rural da família. Este
fazer pedagógico se dar, além das disciplinas escolares básicas,
engloba temáticas relativas à vida associativa e comunitária, ao
meio ambiente e à formação integral nos meios profissional,
social, político e econômico.
No Brasil, a partir de 1969, a Pedagogia da Alternância
é iniciada por meio da ação do Movimento de Educação Pro-
mocional do Espírito Santo (MEPES), o qual fundou a então

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Escola Família Rural de Alfredo Chaves, Escola Rural de Rio


Novo do Sul e Escola Família Rural de Olivânia, essa última no
município de Anchieta. Visava assim, atuar sobre os interesses
do homem do campo, principalmente no que diz respeito à ele-
vação do seu nível cultural, social e econômico (TEIXEIRA et
al, 2008 apud PESSOTTO, 1978).
Diante deste contexto, a Pedagogia da Alternância
passa a ser cada vez mais difundida nos meios de educação no
campo, pois é uma forma de tentar integrar os diversos seg-
mentos intelectuais à empiria efetivada no lócus de desenvolvi-
mento do processo de aprendizagem.
A Pedagogia da Alternância é um método dinâmico
que vai desencadear dentro de um contexto a integração de
tempos em diferentes espaços a partir de uma problematização
que exigirá do corpo docente uma formação para intermediar
a reflexão provocada pela problemática vivenciada pelos agri-
cultores familiares. Pois os educandos trazem saberes e conhe-
cimentos empíricos que requerem uma teorização e um conhe-
cimento de causa para desenvolver os conteúdos significativos
e humanísticos. De acordo com Queiroz (2004, p.103), afirma
que:
O grande desafio para a escola da alternância é
articular essas relações com o saber na integra-
ção realidade da escola e realidade do trabalho.
Pois não se trata apenas de articular os dois es-
paços, dois lugares diferentes. Mas é necessário
“colocar em coerência duas relações com o saber
num projeto de formação”. E para isso se faz ne-
cessário “uma pedagogia do saber partilhado”
que reconhecendo as diferenças e as contradi-
ções às torne formadoras (Grifos do autor).

Para tanto, é preciso articular e integrar o sistema


educacional, estabelecido a partir dos objetivos e problemas le-
vantados por meio de uma construção coletiva e participativa,
em que os diferentes atores (educadores, pais, educandos, Mo-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

vimentos Sociais, comunidades rurais, instituições de apoio,


Associações comunitárias, os poderes públicos locais, estadual
e federal) devem participar ativamente para tornar o processo
de ensino na alternância integrativo, e viável do ponto de vista
pedagógico.
Na Pedagogia da Alternância o Projovem Campo tem
como Tempos Formativos o Tempo Escola: itinerário formati-
vo que contempla atividades no espaço escolar, em que o saber
sistematizado historicamente acumulado pela humanidade é
priorizado no ensino, articulado à pluralidade de saberes dos
quais os/as jovens e adultos trazem de seus contextos. Os con-
teúdos da escolarização são integrados aos da qualificação e
formação profissional. É um momento também de elaboração,
de planejamento dos projetos e ações a serem desenvolvidas
nas comunidades e propriedade da família dos/as jovens e
adultos agricultores/as. A carga horária do Tempo Escola (TE)
totaliza 1.800 horas.
Tempo Comunidade: itinerário formativo que con-
templa atividade extraescolar, nas comunidades e espaços ins-
titucionais do campo, junto às famílias, a partir da problemati-
zação e necessidades apontadas pela experiência e apropriação
do diálogo de saberes (conhecimentos científicos e saberes po-
pulares) pelos educandos, dos estudos e pesquisas realizadas
em sala de aula e na interação desses jovens agricultores nas
suas comunidades. É um tempo família em que o jovem é es-
timulado a compartilhar seus conhecimentos e suas experiên-
cias, potencializando os conhecimentos que se apropriou para
a melhoria da produção familiar, sob orientação do educador
do TE. A carga horária do Tempo Comunidade (TC) totaliza
600 horas.
A organização curricular do Projovem Campo Sabe-
res da Terra está fundamentada no eixo articulador Agricul-
tura Familiar e Sustentabilidade. Este eixo amplia suas dimen-
sões de atuação na formação do jovem agricultor por meio dos
seguintes eixos temáticos: a) Agricultura Familiar: identidade,

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

cultura, gênero e etnia; b) Sistemas de Produção e Processos


de Trabalho no Campo c) Cidadania, Organização Social e
Políticas Públicas; d) Economia Solidária; e) Desenvolvimento
Sustentável e Solidário com enfoque Territorial. Os eixos temá-
ticos agregam conhecimentos da formação profissional e das
áreas de estudo para a elevação da escolaridade.
A dimensão do eixo articulador e dos eixos temáti-
cos dialogam com o arco ocupacional Produção Rural Fami-
liar e as seguintes ocupações: sistemas de cultivo, sistemas de
criação, extrativismo, agroindústria e aquicultura. Ressalta-se
que o Arco Ocupacional Produção Rural Familiar possui como
base técnica comum a Agroecologia, abrangendo as esferas da
produção e da circulação.
Na efetivação da Pedagogia da Alternância, o plane-
jamento do Projovem Saberes da Terra, se deu por meio do
trabalho articulado: educadores-educandos- comunidade- co-
ordenação do Programa Projovem Saberes da Terra. Para o êxi-
to do Programa os educadores organizavam o planejamento e
acompanhamento de forma integral e dialógica. Destacou-se a
Hora Pedagógica - Momento de rodas de conversa para orga-
nização, planejamento e avaliação do Programa com participa-
ção dos educadores e outros sujeitos envolvidos. A Avaliação
do Programa se deu no acompanhamento e implementação do
programa em sua área de abrangência prevista no projeto, além
de realização de encontros pedagógicos e técnicos para presta-
ção de contas dos recursos recebidos.
Na busca do aprender, o Projovem Campo Saberes da
Terra proporcionou escolarização na pedagogia da alternân-
cia do tempo escola e tempo comunidade. Neste intento, com
efetivação do planejamento pedagógico a partir dos saberes e
realidade dos educandos, contribuiu no processo afetivo, pes-
soal, social e profissional dos educandos. Para tanto, agregan-
do-se os saberes dos educandos agricultores e novos conheci-
mentos orientados pelos técnicos e educadores, teve-se como
resultado, mudanças atitudinais em relação à cultura e o meio

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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ambiente, ressalta-se também, o aumento de qualidade de vida


e rentabilidade para as famílias por meio da produção agrícola
orientada e de sustentabilidade.
CONCLUSÃO
A proposta relevante do Fórum da Educação do Cam-
po Paraense, por meio de ações traçadas via políticas públicas,
junto aos Movimentos Sociais tem por objetivo, contribuir com
jovens e adultos do campo, no nosso caso, das ilhas, estradas e
ramais de Abaetetuba, a saírem da situação de sujeitos exclu-
ídos para a condição de cidadãos plenos. O Programa Projo-
vem Campo Saberes da Terra assumiu princípios pedagógicos
delineados na vivência dos sujeitos do campo, que requer um
currículo construído a partir da realidade no fazer da Pedago-
gia da Alternância, considerando-se, o tempo escola e tempo
comunidade.
O Projovem Campo Saberes da Terra apresentou uma
perspectiva de mudança da realidade socioambiental em que
se encontravam famílias de comunidades em situação de inse-
gurança alimentar, desemprego e outras condições precárias de
sobrevivência.
Dessa forma, o Programa Projovem Campo Saberes
da Terra veio proporcionar o processo de escolarização e pro-
fissionalização de educandos do campo em Abaetetuba. Além
de proporcionar uma educação voltada à preservação do meio
ambiente e desenvolvimento sustentável.
Portanto, diante da realidade do campo de Abaetetu-
ba, especialmente dos ribeirinhos por apresentarem problemas
de deslocamento de suas comunidades em busca do centro co-
mercial, atendimento médico-hospitalar e educação de melhor
qualidade na cidade, o Programa Projovem Campo Saberes
da Terra veio apontar possibilidades de se pensar a educação
a partir da necessidade dos seus sujeitos. Sujeitos que foram
excluídos da escola formatada para atender alunos urbanocen-
tros.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Os educandos e educandas do Projovem Campo tra-


zem marcas identitárias do trabalho da agricultura familiar
permeada de saberes culturais e sociais presentes em suas vidas
e histórias. Por isso, se faz necessário que se assegure o direito
subjetivo à educação de todos e todas ao longo da vida. É per-
tinente que os movimentos Sociais, os Fóruns comprometidos
com a educação, discutam possibilidades de potencializar pla-
nejamento de políticas educacionais no atendimento de quali-
dade e de cidadania aos sujeitos do campo.
A partir de uma educação que venha atender as es-
pecificidades da juventude e adultos do campo, das águas e
da floresta da Amazônia Paraense busca-se possibilidades de
ressignificar seus projetos de vida, fortalecendo a agricultura
familiar ancorada num projeto de desenvolvimento sustentável
e solidário no campo.

Referências

BRASIL. Promovem Campo Saberes da Terra, 2005.


BRASIL. Ministério da Educação. Projeto Base – Projovem
Campo- Saberes da Terra. Brasília, 2009.
_______ Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização. Cadernos Pedagógicos do
Projovem Campo –Saberes da Terra (Percurso Formativo),
Brasília, 2008.
_______, Ministério da Educação. Diretrizes operacionais
para a educação básica nas escolas do campo. Resolução
CNE/CEB N. 1, de 3 de abril de 2002. MEC, Brasília, 2003.
_______, Lei n° 9.394/1996 Lei de Diretrizes e Bases da
Educação.
_______, CNE/ CEB. Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do campo. Resolução CNE/
CEB Resolução Nº 1, de 3 de abril de 2002.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

CNE/ CEB. Diretrizes Complementares para o atendimento


da Educação Básica do Campo. CNE/ CEB. Resolução Nº 2.
Brasília-DF, de 28 de abril de 2008.
CEE. Resolução N. 1. Pará/2009.
COSTA, Geraldo dos Santos. Entrevista concedida em junho
de 2012.
DIEGUES, Antonio Carlos. Ilhas e mares: simbolismo e
imaginário. São Paulo: Hucitec, 1998.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICAS (IBGE), 2010.
MINAYO, M. Cecília de S. (Org.). Pesquisa Social: Teoria,
Métodos e Criatividade. Petrópolis: Vozes, 2008.
PESQUISA NACIONAL DE AMOSTRA A DOMICÍLIOS
(PNAD,2006),
QUEIROZ, João Batista P. de. Construção das Escolas
Famílias Agrícolas no Brasil: Ensino Médio e Educação
Profissional. Brasília, Departamento de Sociologia, 2004.
210p. Tese de Doutorado.
SEMEC. Dados do setor de Estatísticos, Abaetetuba,2014.
TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias. A acadêmica,
da ciência, da pesquisa. Belém: UNAMA, 2002.
TORRES SANTOMÉ, Jurgo. Globalização e
interdisciplinaridade – o currículo integrado. Porto Alegre:
Artes Médicas,1998.

236
EIXO TEMÁTICO 2
PAULO FREIRE E CULTURA E ARTE POPULAR

Coordenador: Guilherme Figueiredo (UEA/AM)

Este eixo está voltado a trabalhos que facilitam a


práxis ligada à produção dialógica da cultura, da arte e da
comunicação popular; que pensam as relações entre a arte,
a comunicação e a transformação social; estudos e relatos de
experiência de intervenções artísticas no teatro, artes visuais,
dança, música, literatura, festas, cinema, fotografia, arte digital,
tecnoxamanismo, performances, instalações, etc.; rádios e TVs
comunitárias e livres, rádio arte, cinema popular ou cinema
etnográfico, bem como experimentos dialógicos na telefonia,
jornal, zines, internet, editoras, museus, e a invenção de novas
tecnologias configuradas para a dialogicidade tais como soft-
ware livre, rádio e TV digital, pirate box, etc.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

SUMÁRIO

DIREITO E HISTÓRIA DAS ETNIAS DA TERRA


INDÍGENA RIO DAS COBRAS/PR: CONHECER,
DIVULGAR, CONSCIENTIZAR
Nádia Teresinha da Mota Franco
Patricia Guerrero ...................................................................... 241
ENCONTRO NO AR: A DIALOGICIDADE NO
PROGRAMA JUVENTUDE EM AÇÃO
Rosa Maria Ferreira dos Santos
Guilherme Gitahy de Figueiredo ........................................... 257
CLUB FIVE: “UM PROGRAMA FEMININO COM
ESPAÇO LIVRE E EDUCATIVO”
Raucilene Oliveira Reis ........................................................... 285
AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS DE RÁDIO LIVRE NA
ALDEIA MARAJAÍ
Darlene dos Santos Cavalcante .............................................. 297
CULTURA, COMUNICAÇÃO E RESISTÊNCIA: A
BRICOLAGEM COM RÁDIO LIVRE GERANDO NOVAS
EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS
Guilherme Gitahy de Figueiredo ........................................... 305
CULTURA DE PAZ NA ESCOLA E NO MEU DIA A DIA:
APLICAÇÃO PRÁTICA DO PROJETO POR MEIO DA
PEDAGOGIA FREIREANA NA ESCOLA MUNICIPAL
MARIA LUIZA PINTO DO AMARAL EM BELÉM DO
PARÁ
Jorge Antonio Lima Jesus
Narda de Castro Gutierrez
Danielle Cunha Corrêa ........................................................... 319

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

DIREITO E HISTÓRIA DAS ETNIAS DA


TERRA INDÍGENA RIO DAS COBRAS/PR:
CONHECER, DIVULGAR, CONSCIENTIZAR

FRANCO, Nádia Teresinha da Mota1


GUERRERO, Patricia2
Introdução
O Projeto Somos Todos desta Terra visa produzir
um Programa de Rádio, na frequência AM, para divulgar a
história e a realidade das etnias Kaingang e Guarani presentes
na Terra Indígena Rio das Cobras, localizada nos municípios
de Nova Laranjeiras e Espigão Alto do Iguaçu, no estado do
Paraná. Além disso, busca difundir e levantar discussões a
respeito dos direitos dos povos indígenas. Este é um projeto
de extensão vinculado a Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS), campus Laranjeiras do Sul/PR, e desenvolvido
por docentes e discentes do campus bem como por membros
dessas comunidades indígenas.
A Terra Indígena Rio das Cobras (TIRC) fica a 25 km
do município de Laranjeiras do Sul, na sua borda leste, e segue a
oeste por, aproximadamente, 20 km, chegando até o município
de Espigão Alto do Iguaçu. Ela é a maior área indígena do
Paraná. Possui uma extensão territorial de quase 18.681
hectares, com uma população em torno de 2.900 pessoas (ISA,
2010) e 1143 famílias, distribuídas em 9 comunidades, sendo 7
da etnia Kaingang e 2 da etnia Guarani Mbya.
1 Mestre em Relações Internacionais. Universidade Federal da Fron-
teira Sul, campus Laranjeiras do Sul. Email: nadia.franco@uffs.edu.
br.
2 Doutora em Educação. Universidade Federal da Fronteira Sul, cam-
pus Laranjeiras do Sul. E-mail: patricia.guerrero@uffs.edu.br

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Esse Projeto foi um desdobramento de uma experiência


anterior, desenvolvida ao longo de 2014, na execução do Projeto
Direitos Humanos na Comunidade (PROEXT 2014-MEC/
SESU), no qual foram realizadas 8 intervenções com palestras
na Terra Indígena Rio das Cobras. Ao longo deste período, se
prospectou a possibilidade de trabalhar com as línguas maternas
(Kaingang e Guarani), dentro da área indígena, mas com o
propósito de abranger, e de envolver, também, as comunidades
não indígenas. Diante disso, a liderança máxima do local - o
Cacique -, foi consultada sobre a proposta da produção de um
programa de rádio semanal de 10 minutos, a ser veiculado
numa rádio AM, com alcance na Terra Indígena e nas demais
comunidades rurais da região, e expressou sua concordância.
Dessa forma, o Programa de Rádio Somos Todos
dessa Terra tem buscado divulgar temas referentes às questões
indígenas, tornando-as conhecidas das populações do entorno,
a fim de possibilitar a compreensão de sua cultura bem como
demonstrar às comunidades da região que os povos indígenas
são portadores não só dos mesmos direitos de todos os cidadãos
brasileiros, mas também de direitos específicos previstos na
Constituição Federal.
Metodologia
O Programa Somos Todos dessa Terra é veiculado,
gratuitamente, pela Rádio Campo Aberto AM - 1020 Khz, que
tem sua sede na cidade de Laranjeiras do Sul. Ele é apresentado
todos os domingos, no horário das 12h.
Esse programa de rádio é divido em três momentos.
A primeira parte do tempo, de 3 minutos, é utilizada para
informações gerais sobre a Terra Indígena, tais como dados
etnográficos, geográficos, culturais, históricos e econômicos; na
segunda parte, de 3 minutos, é apresentado um texto da área
da economia, história, direito ou antropologia preparado pela
coordenadora do projeto, professores(as) colaboradores(as),
bolsistas e voluntários(as), relacionados com o tema desenvolvido

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Educação Popular em Debate
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na primeira parte. A última parte, de 02 minutos, é utilizada


para divulgar as línguas Kaingang e Guarani, com palavras e
expressões relevantes para estas etnias. Todos os textos são
veiculados nas três línguas, pela ordem: Português, Kaingang
e Guarani. Como última informação do programa, é divulgada
a ficha técnica e um endereço eletrônico disponibilizado pela
rádio a fim de que os ouvintes façam a sua manifestação.
A primeira parte do programa é elaborada pelo aluno
bolsista, a partir de pesquisa de campo na Terra Indígena.
Na segunda parte, são 04 os (as) professores(as)
colaboradores(as) que produzem os textos. Cada um aborda
temas ligados à sua formação: a) Economia e desenvolvimento
nas áreas indígenas; b) Antropologia - etnias indígenas na
formação do povo brasileiro; c) Participação dos indígenas na
história e cultura brasileira; c) Direito de igualdade, respeito à
tolerância, dignidade da pessoa.
Os voluntários fazem a atividade de tradução do
texto em português para as suas línguas maternas e são
majoritariamente moradores da Terra Indígena Rio das Cobras
e estudantes da Uffs. Atualmente, são 30 os voluntários: 22
da etnia Kaingang e 08 da etnia Guarani. Apenas dois dos
voluntários não moram na Terra Indígena Rio das Cobras e
somente 05 deles não são estudantes da UFFS.
Os voluntários estão concentrados no curso
Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências Sociais e
Humanas. São 24 alunos que estudam em regime de alternância.
O outro aluno voluntário cursa Ciências Econômicas.
As traduções dos textos e a gravação dos áudios em
Kaingang e Guarani são, em sua maioria, realizados nas aldeias
com a supervisão de lideranças e/ou professores(as) indígenas.
Programa de Rádio Somos Todos Desta Terra: práticas
socioeconômicas e culturais na TI Rio das Cobras
Atualmente, existem 230 povos indígenas no Brasil,
numa população de quase 900 mil pessoas, falando mais de

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180 línguas diferentes. Antes da chegada dos colonizadores,


existiam cerca de 5 milhões de indígenas, divididos em 1400
povos e falando cerca de 1200 línguas. No início do século XX,
especialmente durante o período de atuação do Serviço de
Proteção ao Índio (SPI), muitos povos foram proibidos de falar a
sua língua materna, dentre eles, os Kaingang. Mas, ao contrário
do que esses dados demonstram, as populações indígenas têm
aumentando nos últimos anos. E, ao contrário, também, do que
segue como discurso recorrente, inclusive em nossa região: “os
índios não estão perdendo a sua cultura”. Costumam dizer que
“índio com celular, fazendo faculdade, não é mais índio”.
Nesse sentido, é importante compreender que a cultura
está relacionada a todos os aspectos da vida social e cotidiana
de um grupo, que é a partir dela que compartilhamos crenças,
saberes, linguagens, práticas sociais. Ela envolve modos de ser,
sentir, pensar e de agir que dão sentido e significado à vida.
É a cultura que torna a humanidade tão diversa
e com tantas possibilidades de encontro, mas também de
estranhamentos e de conflitos. Isso porque quando falamos de
cultura, ou melhor, de culturas, estamos falando de identidades
e de relações entre diferentes sociedades e grupos que buscam
afirmar quem são e o que podem ser de acordo com o contexto
histórico e social no qual estão inseridos e de acordo com o que
as condições materiais e simbólicas de produção e reprodução
da vida lhes possibilita.
E é por isso que os “índios não estão perdendo sua
cultura”: porque as culturas se fazem como realidades dinâmicas,
em constante transformação, sempre em processo, em diálogo
com o mundo. Se não fosse assim, elas de fato acabariam. É esse
diálogo com o tempo presente e as possibilidades e os limites
que ele traz, que faz com os diferentes grupos encontrem e/ou
criem espaços de resistência e de reconstrução e ressignificação
de suas práticas sociais e dos seus modos de vida.
O contato com as sociedades não indígenas, a vida
mais próxima aos centros urbanos, a necessidade de trabalho

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fora da aldeia, têm afetado diretamente esses povos. Esse


encontro ou embate entre diferentes sociedades sempre resulta
em transformações. Muitas, é importante ressaltar, fruto de
relações de dominação e de poder.
Nesse processo, o conhecimento, a apropriação e a
difusão da língua materna, bem como a luta pela demarcação
e garantia dos territórios, têm sido maneiras de reafirmar e
fortalecer a cultura e a identidade Kaingang e Guarani e de
tantos outros povos indígenas em nosso país. Essa é a base
para que as dimensões materiais e simbólicas continuem
produzindo e reproduzindo a vida desses grupos, sempre no
diálogo entre o tempo presente e o tempo da memória.
Com base nessa possibilidade de afirmar identidades,
de promover o diálogo entre as comunidades indígenas do Rio
das Cobras e as não indígenas de seu entorno e possibilitar
relações de alteridade, com base nos Direitos dos Povos
Indígenas, que o Programa de Rádio foi pensado e se organizou
a partir de algumas premissas.
a) Dar visibilidade às etnias indígenas.
Os direitos dos povos indígenas são regulados pela lei
do país em que eles vivem. Mas, por ser uma problemática que
diz respeito a todos os países do mundo, também são regulados
por convenções e tratados internacionais.
O texto de uma convenção ou tratado internacional
é debatido por todos os países interessados em encontrar uma
solução para determinado problema com vistas a aplicá-la em
seu território. Quando se chega a um consenso final sobre a
forma de tratar a questão, o texto é aprovado pelos países que
o discutiram. Assim, este texto se transforma numa convenção
ou tratado internacional. No Brasil, este tipo de dispositivo
somente vira regra após a aprovação do Congresso Nacional e
ratificação perante o órgão internacional aonde foi discutido.
Uma das mais importantes Convenções Internacionais
é a de nº 169, que trata dos povos indígenas e tribais, que foi

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discutida e aprovada na Organização Internacional do Trabalho-


OIT em 1989, e, que entrou em vigor no Brasil em 2002.
A Convenção 169 foi colocada em discussão por muitas
razões, dentre elas, destacamos as seguintes: a) a necessidade de
admitir a assunção, por parte dos povos indígenas, do controle
de suas próprias instituições e formas de vida, assim como a
busca pelo seu desenvolvimento econômico e a manutenção e
fortalecimento de suas identidades, línguas e religiões; b) fazer
frente ao fato de que em diversas partes do mundo aos povos
indígenas não é permitida e, ou, facilitada a fruição dos direitos
humanos fundamentais da mesma forma e extensão que os
demais membros da população do Estado onde moram; c)diante
da fragilização de suas leis, valores, costumes e perspectivas.
Informa o texto da Convenção que a consciência de
sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como
critério fundamental para definir os destinatários das suas
regras.
Uma das primeiras regras da convenção é que: “Os
governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver,
com a participação dos povos interessados, uma ação
coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos
desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade”. Além
disso, a convenção também reconhece a contribuição dos povos
indígenas e tribais à diversidade cultural e à harmonia social e
ecológica da humanidade.
Para que os governos apliquem corretamente as
obrigações da Convenção, devem adotar, no mínimo, as
medidas: a) que garantam aos integrantes desses povos o gozo
dos mesmos direitos e oportunidades conferidos pela legislação
nacional aos demais membros da população; b) que fomentem
a eficácia plena dos direitos sociais, econômicos e culturais
desses povos, observando o respeito as suas instituições, a
sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições;
c)promover a eliminação das diferenças socioeconômicas
que eventualmente existam entre os membros indígenas e os

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demais membros da comunidade nacional, observando a


compatibilidade das ações com as aspirações e formas de vida
dos povos envolvidos.
Neste sentido, a Constituição Federal do Brasil, de
1988, reconheceu alguns importantes direitos aos indígenas,
tais como os que estão no art. 231:
São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças

e tradições, e os direitos originários sobre as terras


que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos ín-


dios as por eles habitadas em caráter permanente, as
utilizadas para suas atividades produtivas, as impres-
cindíveis à preservação dos recursos ambientais ne-
cessários a seu bem-estar e as necessárias a sua repro-
dução física e cultural, segundo seus usos, costumes
e tradições.

§ 2º - As terras tradicionalmente ocupa-


das pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

Diante do que está posto pela Constituição, tem-se que


a terra indígena não pode ser retirada dos seus destinatários e os
direitos sobre elas são imprescritíveis. Portanto, se pode dizer
que os direitos dos indígenas sobre a terra que tradicionalmente
ocupam e que foram reconhecidas assim pela lei, são para toda
a vida.
Ressalte-se que, ainda que a Carta Magna brasileira
reconheça o direito dos índios à sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, o que ocorre de fato
é um avanço lento na fruição destes direitos, ante a falta do
cumprimento do texto constitucional.

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b) Praticar o que preconiza o Projeto de Declaração sobre


os Direitos dos Povos Indígenas.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão
vinculado à Organização do Estados Americanos (OEA),
Organização Internacional à qual o Brasil é associado, aprovou
em 1997 o Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos
dos Povos indígenas que prevê o direito de transmissão de
programas por rádio e televisão nos idiomas indígenas.
Este projeto ainda não se transformou em regra
obrigatória, mas tem sido discutido em toda a América Latina.
Nele está previsto que os povos indígenas têm direito a seus
idiomas e filosofias. 
Lá também está escrito que os Estados devem tomar
providências para realizar transmissões de programas de rádio
e televisão e apoiar a criação de emissoras de rádio e outros
meios de comunicação nas regiões em que há grande presença
indígena. Foi este projeto que inspirou a criação do Programa
Somos Todos desta Terra.
c) Veicular a cultura indígena e as línguas faladas na
Terra Indígena Rio das Cobras através de um veículo de
comunicação de massa.
A ideia de veicular no rádio a história, as formas
de organização ligadas à educação, à saúde, à economia e
religião, teve o intuito de fortalecer e preservar as práticas da
comunidade da Terra Indígena Rio das Cobras.
d) Fortalecer a identidade do indígena (ao ouvir a si e a
seus parentes nas ondas do rádio).
O Programa de Rádio, ao ser elaborado a partir
das referências da cultura e da história Kaingang e Guarani,
e ao ser transmitido nas três línguas, cria um canal direto de
comunicação com as comunidades indígenas e um “auto-
reconhecimento” de seu grupo e de seus direitos, bem como

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estabelece uma aproximação com as comunidades não


indígenas.
e) Colocar as questões indígenas em evidência para torná-
las conhecidas e assim fomentar o tratamento respeitoso
dos moradores das cidades do entorno em relação às essas
populações.
É necessário divulgar os aspectos antropológicos,
históricos, jurídicos, sociais e econômicos que tangenciam a
problemática indígena e torná-los conhecidos das populações
do entorno a fim de facilitar a compreensão de sua problemática.
Nota-se um completo desrespeito aos indígenas que
circulam pelas cidades da região. São frequentemente evitados
com manifesto receio. São entendidos como entes que têm
a sua disposição uma enormidade de terras e não fazem uso
adequado delas. Há um grande desconhecimento da sociedade
local com relação às etnias Kaingang e Guarani, da Reserva
Indígena Rio das Cobras, no que tange aos seus saberes, às
suas necessidades, cultura, organização política, direitos e
potencialidades.
Os saberes indígenas têm sido negligenciados pela
epistemologia convencional, hegemônica, e a valorização
desses saberes pode contribuir para o avanço do conhecimento
científico e das práticas sociais.
Temas trabalhados
Para selecionar a temática a ser trabalhada, levou-se
em conta o que preconiza a Declaração da Nações Unidas para
os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela Assembleia
Geral da ONU em 07 de setembro de 2007, na qual o Brasil
estava representado, que preconiza entre outros os seguintes
direitos: a) manter e fortalecer suas próprias instituições
políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais (art. 5º); b)
praticar e revitalizar suas tradições e costumes, assim como
conservar seu patrimônio material e imaterial, tais como

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seus sítios arqueológicos e históricos, utensílios, desenhos,


cerimônias, tecnologias, artes visuais e literaturas; (art. 11);
c) expressar e ensinar suas tradições, costumes e cerimônias
espirituais e religiosas (art. 12); d) revitalizar, utilizar e
transmitir às gerações futuras suas histórias, idiomas, tradições
orais e sistemas de escrita (art. 13); e) definir e fiscalizar seus
sistemas e instituições docentes que os eduquem em seus
próprios idiomas, em consonância com seus métodos culturais
de ensino e aprendizagem (art. 14); f) que sejam refletidas na
educação pública e nos meios de informação pública a sua
cultura, tradições e histórias (art. 15); g) estabelecer seus
próprios meios de informação em seus próprios idiomas,
assim como de participar de todos os meios de informação não
indígenas sem discriminação alguma.
Assim é que foram veiculados textos, como os que
seguem, que destacamos a título de exemplo:
1. Resgate da ocupação da área reconhecida aos
Guarani e Kaingang:
Os grupos Kaingang formam uma das etnias que
compõe a população indígena Jê meridional que
habita o Sul do Brasil há vários séculos, antes mesmo
da chegada dos europeus à América. O contato com
portugueses e espanhóis na época do Brasil colonial
se iniciou por volta da década de 1530. Os Kaingang
inicialmente denominavam a região de Rio das Cobras
como parte dos grandes campos do Koranbang-rê,
cuja tradução mais aproximada na língua indígena
dos povos de origem Jê supõe o termo Clareira
Grande. Essa região, a partir de 1771, ficou conhecida
pelos portugueses como os Campos de Guarapuava
(Fabio Pontarolo-Professor UFFS) .

2. Meio ambiente, sobrevivência e laços familiares.


Durante muitas décadas os povos indígenas Kaingang
e Guaraní, da Reserva Rio das Cobras, tiveram sua
sobrevivência assegurada a partir da prática da caça
de aves e mamíferos, da coleta de frutos como a

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pitanga e o pinhão, da pesca, e complementarmente


da agricultura. No entanto, nas últimas três
décadas, a caça, a coleta e a pesca vem diminuindo
sensivelmente em função da poluição dos rios
e da depredação ambiental sofrida pela região.
Paralelamente à diminuição destas atividades, vem
aumentando o peso da venda de artesanato como
fonte de sobrevivência. Estas mudanças têm facilitado
o radical abandono de hábitos alimentares saudáveis,
assim como o afastamento de pais e filhos por longos
períodos, uma vez que a venda do artesanato exige o
deslocamento e permanência por vários dias do chefe
da família e/ou da mãe nos grandes centros urbanos.
O que fazer diante desta problemática? (Marisela
Garcia Hernandez - Professora UFFS).

3. Sistema Político - Escolha do Cacique local na


Aldeia da etnia Guarani do Rio da Lebre.
A aldeia Guarani do Rio da Lebre tem 150 habitantes,
sendo que 90 são votantes para a escolha do cacique
local. São admitidos os votantes a partir dos 17 anos.

Ao término do mandato, o cacique local apresenta


um relato dos principais acontecimentos e decisões
durante a sua gestão e consulta o eleitorado sobre a
continuidade ou não de seu mandato. Se a comunidade
aprova, ele continua no cargo. Em locais onde têm
duas etnias, como é o caso da Terra Indígena Rio
da Cobras, a aldeia da sede é o centro das decisões
e é comandada pelo cacique geral. Entretanto, cada
comunidade tem autonomia para decidir livremente
sobre as suas questões e somente leva para análise do
cacique geral aquelas que não são possíveis de resolver
na aldeia. Sempre que necessário há encontros entre
o cacique geral e os caciques locais (Nadia Franco-
Professora UFFS).

4. Tradição de respeito aos mortos - Luto na aldeia da


etnia Guarani do Rio da Lebre, na Terra Indígena
Rio das Cobras.
Quando há um falecimento na aldeia do Rio da
Lebre, é definido feriado na escola por dois dias. A

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direção da escola comunica o fato ao Núcleo Regional


de Educação e define como ocorrerá a reposição das
aulas não dadas.

Se o falecimento é de um membro reconhecidamente


importante na comunidade, como por exemplo, uma
liderança ou um ancião, o feriado pode chegar a três
dias.

As demais atividades na aldeia são reduzidas como


demonstração de respeito ao falecido e seus familiares
(Nadia Franco-Professora UFFS).

5. Como são escolhidos os professores da Terra


Indígena do Rio das Cobras
Os professores na Terra Indígena Rio das Cobras são
todos funcionários do Estado do Paraná, contratados
através do Processo Seletivo Simplificado – PSS.
Para ser contratado, o professor precisa passar por
um processo que envolve uma entrevista com um
membro da liderança da Terra Indígena. E, após o
processo, ele precisa de uma carta assinada pelas 10
lideranças, permitindo a sua entrada na equipe das
escolas (David Fernando dos Santos – Bolsista UFFS).

Conclusão
A realização desse Projeto tem sido muito dinâmica
e revelado, ao longo de sua trajetória, novos desdobramentos.
O processo desencadeado pelas traduções, realizadas pelos
estudantes indígenas do Curso de Licenciatura Interdisciplinar
em Educação do Campo, têm se transformado em relações
dialógicas, têm provocado reflexões críticas e questionamentos
por parte desses estudantes, e tem se convertido em reescritos,
em novos textos. Vale, no entanto, repassar a trajetória inicial
para compreender esse caminho.
a) inicialmente a produção de textos foi exclusiva de
pessoas de fora da Terra Indígena Rio das Cobras;
Os textos, inicialmente, foram de autoria de pessoas
não-indígenas, professores da UFFS e o bolsista do projeto.

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Mas, desde o começo, já na apresentação do projeto aos


possíveis voluntários indígenas, houve o interesse na produção
de textos por parte deles para o programa de rádio.
Devido à exiguidade de tempo entre a aprovação do
projeto pela UFFS e a entrada em ação do projeto, os textos
foram sendo produzidos pelos professores colaboradores e o
bolsista.
Os encontros entre a coordenação do projeto, a
liderança indígena e os voluntários foram acontecendo, mas
apenas à medida em que se estabeleceu uma proximidade
entre todos estes que as colaborações dos indígenas passaram
a acontecer efetivamente. Assim, a terceira parte do programa
tem sido produzida, quase que exclusivamente, pelos
voluntários indígenas.
b) tradução livre;
As traduções têm ocorrido com base num processo de
interpretação e de questionamento dos conteúdos apresentados
nos textos, gerando uma complementariedade de informações
que, muitas vezes, tem se convertido também numa “tradução
livre”. Isto se verifica, por exemplo, quando o texto produzido
pelo bolsista era: “No território regional da Cantuquiriguaçu
fica localizada a Terra Indígena Rio das Cobras, com uma área
de 18.681 hectares, 1143 famílias, 7 escolas divididas entre as
7 aldeias Kaingang e 2 aldeias Guarani, e 1 posto de saúde
central”. Este texto foi traduzido para a língua Kaingang da
seguinte maneira: “Kanhgág, Guarani ag ga ty Rio das Cobras
kãmur tóg Kantuquiriguaçu mré venh ki rã ky ni, ky ti kãmur
tóg ty 18.681 miri hectares ny, tá emãn ky nytê ag vy 1.143 ja
ni. Inhkóra vy 7 jê gó ty Rio das Cobra ka ki. Ag hã vy nyti:
Aldeia Trevo, Rio das Cobras, Campo do Dia, Taquara,
Lebre, Kar Pinhal, Emã tag. Kar my venhkygtãg jãjâ vy pis
jé havy, Rio das Cobras kã ni.” (grifos nossos). Nota-se que
a tradução minudencia quais são as 7 aldeias, que não foram
referidas pelo autor do texto.

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Em outros momentos, a tradução acabou por criar um


texto completamente diferente do original. Diante disso, e para
verificar a coerência e correspondência entre um e outro, foram
feitas, por amostragem, algumas conversões para o português
dos textos traduzidos.
c) revisão do conteúdo;
Como forma de atender a esta dificuldade, os
tradutores tem sido acompanhados pela coordenação do projeto
e professores colaboradores, que explicam o texto e auxiliam no
entendimento das ideias e significados das palavras. Há também
a atuação da liderança indígena, por quem passam todos os
textos, que analisa e promove alterações tanto nos originais em
português quanto nas traduções, antes da divulgação.
Essas “traduções das traduções” dos textos, bem como
a revisão dos conteúdos por parte das lideranças indígenas
em diálogo com os autores, têm revelado diferenças culturais
em termos de estrutura da língua, de lógica de construção do
pensamento e de significado do conhecimento. Dessa forma,
esse encontro entre povos indígenas e não indígenas, entre
o conhecimento/saber científico e o conhecimento/saber
tradicional, que acabou sendo mediado e revelado por meio da
tradução dos textos, tem apontado questionamentos inclusive
em relação à própria docência e à forma como o Ensino
Superior vem, de fato, trabalhando com o processo de inclusão
dos povos indígenas. Essas são questões que têm aberto novas
perspectivas na continuidade do Projeto.
Referências
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
CAPELO, Maria Regina C.; TOMMASINO, Kimiye. Conflitos
e Dilemas da Juventude Indígena no Paraná: escolarização e
trabalho como acesso à modernidade. Cadernos CERU. Série
2, n. 15, 2004.

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DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania.


São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção polêmica).
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de
Janeiro: LTC Editora, 1989.
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MARCILIO, Maria Luiza. PUSSOLI, Lafaiete (Org.). Cultura
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NETO, Platon Teixeira de Azevedo. O trabalho decente
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OLIVEIRA, Erival da Silva. Direitos Humanos. São Paulo:
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9.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
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2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995

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ENCONTRO NO AR: A DIALOGICIDADE NO


PROGRAMA JUVENTUDE EM AÇÃO
SANTOS, Rosa Maria Ferreira dos1
FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy de2

1. Introdução
O objetivo desta pesquisa foi analisar como se deram
os processos de comunicação no programa de rádio Juventude
em Ação em 2014, época em que este programa ligado à
Pastoral da Juventude adotou uma programação pautada por
uma metodologia típica das rádios livres. Começou então uma
das mais importantes experiências de rádio livre já feita em
rádios AM, trata-se de um programa da Rádio Educação Rural
de Tefé, ligada à Igreja Católica.
O interesse na experiência deste programa surgiu de
minha própria participação nele, de modo que foi possível
realizar uma observação participante. Optou-se pelo método
etnográfico, que para Geertz (1973) é a descrição densa:
analisar o significado que os atores sociais atribuem às suas
próprias ações. Geertz (1973, p. 4) afirma que “[...] o homem
é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo
teceu [...]”. Assim, para além da participação e das observações
da pesquisadora-militante, foi feita a análise dos diferentes
pontos de vista dos entrevistados sobre suas experiências no
programa.
1 Graduada em Pedagogia, 2015. Universidade do Estado do Amazo-
nas. Email: rosa_barbosa2011@hotmail.com
2 Doutor em antropologia social pelo Museu Nacional da UFRJ,
professor do PPGICH e do curso de Pedagogia do Centro de Estu-
dos Superiores em Tefé da Universidade do Estado do Amazonas
(CEST/UEA). E-mail: gfigueiredo@uea.edu.br .

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A análise desses pontos de vista foi feita através de três


categorias de análise: “liberdade de expressão”, “movimentos
sociais” e “mulheres”. Dentro de cada um desses tópicos os
significados vivenciados pelos participantes foram comparados
e analisados a partir da teoria da dialogicidade de Paulo
Freire. Para contextualizar esta análise, foi feito inicialmente
um levantamento bibliográfico sobre a história das rádios
livres e da rede mundial Centro de Mídia Independente, foi
através do Centro de Mídia Independente de Tefé que as rádios
livres proliferaram neste município até os seus ativistas serem
convidados para participar da programação da Rádio Educação
Rural de Tefé.

2. Desenvolvimento

A primeira experiência de relevância quanto à


existência de rádios livres tem seu berço na França. Trata-
se da Rádio Livre Lilie, emissora francesa que rompeu o
monopólio da empresa estatal ‘Télé-Diffusion’ de France
(TDF) a partir de 1977. Apesar de a França ser o berço, foi
na Itália que a rádio livre se consolidou. Gonçalves (2010) nos
diz que no ano 1975 ocorreram os primeiros movimentos em
torno de uma política que viesse a romper com o monopólio
estatal das telecomunicações italianas. Segundo Machado,
Magri, Masagão (1987, p. 63) se destacaram, por exemplo,
Rádio Bologna Per L’Accesso Pubblico, organizada pela
Cooperativa dos Trabalhadores em Informação e que propôs
a descentralização do monopólio através da formação de uma
rede de emissoras de baixa potência. Ainda sobre as primeiras
rádios livres, os citados autores esclarecem:
Rádios como a Milano Internazional e a Emmanuel
de Acona, pioneiras do movimento, eram emissoras
de aficcionados e de bricacoleurs da eletrônica. Nas
fileiras de seus animadores como Borra e Semprini,
comerciantes de aparelhos de som, que se convertiam
nos principais fornecedores de equipamentos [...]

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Nota-se que as primeiras rádios livres criaram uma


estrutura paralela de comércio onde era possível adquirir os
equipamentos necessários para colocar as emissoras no ar.
Na Itália as rádios livres tiveram o envolvimento voluntário
de diversos segmentos sociais que até então eram excluídos
de importantes discussões. A experiência foi importante para
a esquerda que lutava por direitos democráticos básicos da
sociedade, especialmente a liberdade de expressão, mas uma
importante parcela das rádios eram comerciais e visavam a
privatização dos meios de comunicação.
A rádio livre mais conhecida surgiu em 1976, na
cidade de Bolonha, e tinha o nome de Alice:
A Rádio Alice, de cunho socialista, funcionava em
um sistema auto-gestionário, e se aliava às forças
política dos estudantes, trabalhadores, donas de
casa e intelectuais, servindo como instrumento
de comunicação de projetos coletivos, que se
expressam em centros político-culturais organizados
(GONÇALVES, 2010, p. 36).

A Rádio Alice tinha uma plataforma que colocava


em evidência grupos que até então eram ignorados, tais como
estudantes, trabalhadores, dentre outros. Tratava-se também
de uma rádio que nascia abrindo espaço para os mais variados
movimentos. Pode-se dizer que a referida rádio atuava como
força, resistência, tendo em vista que era composta por jovens.
Downing (2004, p. 249) também destaca a importância
da Rádio Alice:
A mais notória das estações radicais foi a Rádio Alice,
em Bolonha, em 1977. A emissora ficou pouco tempo
no ar, e certamente não constituía um exemplo típico
de rádio esquerdista Itália, mas durante o período
se intensificaram os confrontos entre a polícia e os
estudantes na Universidade de Bolonha, em março
daquele ano, resultando na morte de um estudante
baleado pela polícia, a emissora tornou-se por breve
momento o centro nervoso do movimento estudantil
nacional, de forte militância.

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É possível perceber que a Rádio Alice, em pouco,


tempo se tornou alvo de constantes investigações policiais.
Mas isso não levou ao fim do movimento que tinha colocado
a rádio no ar. Para manter o funcionamento das rádios livres
havia o esforço tanto por parte de voluntários quanto de
colaboradores:
[...] Alice se caracterizava, antes de tudo, pela recusa
de assumir uma postura político-partidária definida
nos termos convencionais e por prazer à discussão
pública temas malditos como o corpo, o desejo, o
prazer e a preguiça. [...] Machado; Magri; Masagão
(1987, p. 69):

Aqui se percebe que havia uma luta travada em


torno da liberdade de expressão e da liberdade de ideias. As
rádios livres foram se organizando e se tornaram um misto
de liberdade e política com a presença de segmentos que
até então não eram ouvidos. As rádios eram pautadas como
ferramentas para se contradizer a elite que dominava os meios
de comunicação de massa na segunda metade do século XX.
Depois da Itália, outro país que teve grande
importância no cenário internacional em relação às rádios
livres a França. Elas tiveram força entre 1977 e 1983, quando
contribuíram para a eleição do presidente François Mitterrand.
Este tinha uma proposta de governo socialista, que atraiu
a atenção das rádios livres ligadas a movimentos sindicais,
estudantis, etc. O seu governo legalizou as rádios livres, mas a
institucionalização acabou levando a uma redução do número
de rádios e das formas de expressão.
2.1 O FENÔMENO DAS RÁDIOS LIVRES NA AMÉRICA
LATINA E NO BRASIL
As rádios livres latino-americanas tiveram uma forte
influência europeia em suas configurações. Mas bem antes
disso, já havia experiências ligadas aos movimentos populares
e revolucionários deste continente. MACHADO, MAGRI,

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MASAGÃO (1987, p. 150) afirma que “começam a funcionar as


emissoras de rádio dos mineiros bolivianos, geridos e mantidos
financeiramente pelos próprios trabalhadores”.
Em 1941 surge o Movimento Nacionalista
Revolucionário e com ele uma das primeiras tentativas
de comunicação através da Rádio Bolívar. Entre 1948
e 1949, é criada uma emissora clandestina nas minas
chamada Rádio Sucre (ligada a setores nacionalistas de
direita). Depois surge a Voz do Mineiro, da mina Siglo
XX, na época imediatamente posterior ao triunfo de
abril, em que se deu a nacionalização das minas. Em
Catavi, surge a Rádio 21 de Dezembro, em homenagem
aos mineiros mortos no massacre de 21 de dezembro de
1942. Imediatamente depois, surge a Rádio Nacional de
Huanuni, isso provoca uma febre de emissoras sindicais
que se espalha especialmente nos setores mineiros. Em
1963, havia 23 emissoras funcionando em todo o país.
Machado; Magri; Masagão (1987, p. 100).

Nota-se que, em poucos anos, houve um grande


número de rádios livres na Bolívia, chegando a um total de
23 emissoras. Eram emissoras com forte vínculo sindical, que
abarcava uma das maiores classes de trabalhadores da época
na Bolívia. Portanto, consolidavam-se as rádios livres como
ferramentas de protesto, dando vez e voz ao grupo de explorados
que lutavam por melhores condições de trabalho. Os mineiros
sofreram perseguições políticas, fato que se evidencia no
massacre ocorrido no ano de 1942 e nas diversas tentativas para
fechar as suas emissoras.
Outra rádio livre de grande notoriedade foi a Rádio
Rebelde de Cuba, que foi utilizada como ferramenta de protesto
político contra a dominação econômica imposta pelos Estados
Unidos: “[...] Rádio Rebelde teve, antes de tudo, uma importância
estratégica na luta revolucionária, ela foi o elo de ligação entre o
quartel-general e as várias frentes guerrilheiras”. (MACHADO,
MAGRI E MASAGÃO 1987, p. 97).
Esta rádio consolidou o movimento revolucionário
cubano, serviu para a ascensão política de Fidel Castro e foi

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muito útil para a divulgação dos ideais socialistas. Tornou-se


um meio de comunicação de massa de grande repercussão
devido à elevada audiência. Além disso, a Rádio Rebelde
serviu para unir diversos movimentos sociais que passaram a
ter os mesmos objetivos, integrando assim várias lideranças em
diversas frentes.
Em El Salvador a “Rádio Venceremos” surgiu
mediante um importante conflito civil entre os anos de 1980 a
1991. Foi a porta voz oficial da Frente de Libertação Nacional.
Para Barbosa (2013, p. 36), foi também:
[...] criada na intenção de informar o povo
salvadorenho e a comunidade internacional sobre o
desenvolvimento da guerra civil no país. A população
participava ativamente de cada transmissão, usando
do microfone para denunciar crimes de guerra.

Nota-se que, na América Latina, a iniciativa em


torno das rádios livres coube aos trabalhadores, que lutavam
por melhores condições de trabalho e salários dignos. As
rádios livres tinham uma proposta política definida, que era
contrária à predominante. Portanto, era um movimento social
revolucionário em que os dominados e excluídos também
deveriam ser ouvidos em suas necessidades.
Segundo Downing (2004) as ondas sonoras sempre
tiveram um importante papel social. Contudo, em países com
índices elevados de analfabetismo essa importância é maior,
tendo em vista que essas emissoras acabam por desempenhar
uma função que em tese é do Estado: ouvir os anseios dos
excluídos. Downing (2004, p. 243) salienta também que “[...] as
pessoas com mais de 12 anos passam 44% do tempo dedicando-
se à mídia, ouvindo rádio”... As rádios têm um público fiel, que
a escuta todos os dias. Dessa forma, a rádio livre se confirma
como uma alternativa que requer baixo investimento e que
apresenta resultados expressivos em termos de audiência.
No Brasil a primeira transmissão livre ocorreu no
ano de 1971, através da Rádio Livre Paranóica, no Espírito

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Santo. Esse veículo de comunicação vivenciou os primeiros


anos da Ditadura Militar, que se encontrava sob a presidência
do General Emílio Médici. No começo da década seguinte
surgiu um importante movimento rádios livre em Sorocaba,
interior de São Paulo, região onde chegaram a uma centena de
emissoras (GONÇALVES, 2010).
A Rádio Livre Xilique de São Paulo foi muito
importante para levantar o debate sobre a democratização da
comunicação no país. Os principais temas dessa rádio eram
políticos, culturais e sociais, além de programas musicais e de
entrevistas. Ainda surgiram outras emissoras livres, como se
vê abaixo:
[...] como Rádio Vírus, no Complexo do Hospital das
Clínicas, de São Paulo. Rádio Dengue, que foi ao ar em
abril de 1986, pela ação de simpatizantes e militantes
do Partido dos Trabalhadores (PT), no bairro da
Barra Funda. A Rádio Totó Ternura 106,4Mhz, de
alunos de comunicação da ECA-USP. Rádio Tereza
106,8Mhz, criada na greve dos bancários de 1985.
Entre tantas outras que surgiram nesse período como
a Rádio Ítaca, Trip, Ilapso, Se Ligue, Livre-Gravidade,
Molotov, Nova Era, Cão Fila, Cinderela, Terapia,
Neblina, Patrulha, Invasão etc. Apesar de reprimidas,
difamadas e acusadas de interferência estas emissoras
resistiam criando o fato sócio-jurídico que deu
origem a um fenômeno das rádios organizadas em
associações culturais comunitárias. (NUNES, 1995,
p. 76).

Foram diversas emissoras de rádio livre, todas


funcionando como espaços para a expressão de causas
específicas, de estudantes a trabalhadores. Na década de 1990
foi realizado o I Encontro Nacional de Rádios Livres, que
teve como objetivo principal proporcionar uma aproximação
entre diversos movimentos de luta pela democratização da
comunicação. Em 1996 aconteceu o II Encontro Nacional de
Rádios Livres na cidade de Praia Grande, no estado de São
Paulo. Este evento tornou-se um marco importante para o

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movimento nacional delimitar certa cisão entre rádios livres


e comunitárias. Neste evento ocorreu a criação da Associação
Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRACO).
Nos anos 2000 a Rádio Muda, que funciona dentro
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), passou a
ser a referência mais forte para as demais rádios livres de todo o
Brasil, graças à sua política de articulação a nível nacional com
a realização oficinas e encontros. Ela assumiu a postura de se
recusar a qualquer forma de legalização enquanto perdurarem
leis autoritárias para as telecomunicações.
2.2 O CENTRO DE MÍDIA INDEPENDENTE NO
MUNICIPIO DE TEFÉ – AM
O Centro de Mídia Independente do Brasil (CMI-
Brasil) surgiu como parte da rede Indymedia, formada
horizontalmente por coletivos espalhados por todo o mundo
e durante os protestos anticapitalistas do final dos anos
1990 e começo dos anos 2000. Esses coletivos tinham como
principal ferramenta de comunicação a criação de sites de
publicação aberta, ou seja, nos quais os leitores podem divulgar
diretamente os seus vídeos, textos e áudios. Fundado o CMI
de São Paulo, depois vieram outros como o de Belo Horizonte
e Porto Alegre, todos preocupados em criar espaços para a
divulgação dos protestos.
Segundo o CMI-Brasil apud Gonçalves (2010, p. 91)
o CMI é:
[...] uma rede de produtores e produtoras independente
de mídia que busca oferecer ao público informação
alternativa e crítica de qualidade que contribua para
a construção de uma sociedade livre, igualitária e que
respeite o meio ambiente.

O CMI se mantém com doações e não tem vínculos


políticos, religiosos ou partidários, o que proporciona a
autonomia em favor da coletividade. Daí a justificativa quanto
à palavra “independente”.

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O CMI de Tefé nasceu em 2006, e tem em sua trajetória


histórica todo um conjunto de valores que se originaram de
diversos segmentos da sociedade tefeense como o movimento
estudantil, o movimento indígena, movimentos culturais de
juventude. Funciona com o trabalho voluntário, e uma das
suas principais ações foi a criação da Rádio Livre Xibé: “[...]
Logo o coletivo adquiriu um transmissor, e passou a atuar com
a busca de alternativas de produção de notícias, sites, software
livre, vídeo, foto e rádio livre: em 27 de outubro nasceu a rádio
Xibé”... (FIGUEIREDO, 2009, p. 3).
No processo de criação do CMI da Rádio Xibé houve
uma importante parceria com a Universidade do Estado do
Amazonas (UEA), onde começou a ser realizada grande parte
das suas atividades, além do vínculo com o ensino, a extensão
e a pesquisa, da qual este TCC é um exemplo. Segundo
Figueiredo (2009, p. 6) Pedro Pontes de Paula Júnior foi um
dos primeiros fundadores do CMI-Tefé e também e, através
da iniciação científica, realizou entrevistas de história de vidas
com alguns dos seus principais voluntários. Esse trabalho
trouxe à luz importantes informações que até então eram
desconhecidas. Viu-se, por exemplo, que a participação dos
jovens no CMI trouxe a eles oportunidades de acesso a novas
tecnologias, oportunidades de emprego, novas formas de se
relacionar com o conhecimento e a informação, a superação
da timidez e o fortalecimento da autoestima.
O CMI-Tefé começou a realizar oficinas de mídia livre
em diversas escolas da rede pública, terras indígenas, bairros
e comunidades por toda Tefé, democratizando a comunicação
no município de Tefé. Nas palavras resumidas de Paula Jr. (s
/d. p. 2) o CMI é uma “iniciativa bem sucedida” e que “em
sua melhor fase o CMI chegou a ser composto por mais de 30
pessoas”. Todas as pessoas que fizeram e que fazem parte da
estrutura organizacional do CMI em Tefé são voluntárias e se
dedicam às causas sociais, principalmente a democratização
da comunicação, dando vez e voz através dos mais diversos

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tipos de movimentos sociais que existem em toda a cidade de


Tefé.
A interdependência entre o CMI e o movimento de
rádios livres é uma das principais características dessa estrutura
de comunicação. Trata-se de uma rádio onde a coletividade
que faz parte de sua estrutura organizacional é horizontal, ou
seja, não existe uma hierarquia funcional como se costuma ver
nas emissoras comerciais. Ao oportunizar que os movimentos
sociais organizados possam manifestar livremente suas ideias
e mostrar suas insatisfações, a cidade passou a vivenciar uma
experiência inédita de diversidade de opiniões e de cultura.
2.3 RÁDIO LIVRE E O PROGRAMA JUVENTUDE EM
AÇÃO, UMA PARCERIA DE SUCESSO.
A Rádio Educação Rural de Tefé se constituiu a partir
da luta de Dom Joaquim de Lanje que, em 1955, já buscava
junto ao Ministério das Comunicações a autorização para o
funcionamento da rádio. Enquanto isso, enviou o professor,
geógrafo e historiador tefeense Protásio Pessoa Lopes foi
enviado para participar de treinamentos em Aracajú e Natal,
onde aprendeu a elaborar programas e noticiários, liderar
equipes e gravar programas educativos para comunidades.
Ainda sobre o papel desempenhado por D. Joaquim de Lange:
[...] ao chegar em Tefé, percebeu que havia uma
situação de descaso com a população ribeirinha e que esta,
portanto, vivia explorada, isolada, sem condições dignas de
sobrevivência. Em 01 de junho de 1963, a Prelazia de Tefé
sob a administração de D. Joaquim implantou o Movimento
de Educação de Base no município de Tefé-AM (ANJOS;
COELHO 2013, p. 13).
Portanto, um dos principais objetivos da Rádio
Educação Rural de Tefé foi contribuir com a educação. A
população ribeirinha que vivia sem assistência do poder
público e explorado pelos então quase falidos seringalistas
acabou descobrindo que somente com a educação seria possível

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mudar essa situação. Em 13 de abril de 1962 foi concedida a


autorização, porém somente em 1963 é que o Movimento de
Educação de Base (MEB) começou a transmitir as aulas.
A Rádio Educação Rural de Tefé foi o local onde se
realizaram as transmissões dos conteúdos pedagógicos da
educação de jovens e adultos pelos professores do MEB à
população do município e adjacências. Além disso, como o
MEB ajudava a organizar as comunidades eclesiais de base e os
movimentos sociais da região, tornou-se um espaço importante
de expressão da sociedade civil organizada. É por isso que a
rádio começou a abrir espaço para o movimento de rádios
livres em sua programação a partir de 2011, quando foi ao ar o
Programa Xibé, produzido pelo coletivo do CMI-Tefé. Um dos
participantes mais assíduos desse programa era Felipe Catão
Pond, um jovem que há anos vinha participando de programas
da Rádio Rural e que ficou muito bem impressionado com a
metodologia libertária de programação. Depois, quando Felipe
voltou a fazer o programa Juventude em Ação, ligado à Pastoral
da Juventude, ele levou consigo as ideias do movimento de
rádios livres. Com o tempo Felipe foi se aprimorando, tomando
mais conhecimento sobre o funcionamento de outras rádios
livres e isso foi um fator motivacional para modificar toda a
estrutura do Programa Juventude em Ação:
[...] eu comecei, lá na Educação Rural de Tefé [...] esse
programa Juventude em Ação, foi ali, digamos onde
foi minha primeira experiência, meu primeiro contato
pra mim colocar em prática um novo programa, mas
com um outro caráter que foi esse Juventude em
Ação[...]

No começo de 2014 Felipe começou a convidar


participantes de rádios livres para serem entrevistados, e
uma dessas foi Guilherme Figueiredo, que foi convidado para
continuar indo ao programa:
[...] Acho que por iniciativa do Felipe [...] foi
radicalizando a proposta para que o Programa

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Juventude em Ação fosse realmente um programa de


rádio livre [...] foi bem legal bem participativo [...]

Depois do Guilherme mais pessoas foram sendo


convidadas a participar dentro da proposta de ser um programa
de rádio livre, e dessa forma constituiu-se o processo histórico
de mudança em torno da programação do Programa Juventude
em Ação. Ao analisar o Programa Juventude em Ação, teremos
como referência o conceito de dialogicidade de Paulo Freire
(1997).
2.4 DIALOGICIDADE DE PAULO FREIRE
O “diálogo”, para Freire (1997), parte da existência
da palavra, sendo esta, presente em todas as dimensões do
mundo: é o ato de pronunciar a própria existência, através
da ação e também da reflexão. O uso da palavra como meio
de comunicação entre as pessoas é uma forma de libertação,
isso porque a palavra é, na prática, uma ação reflexiva em
que o envolvimento dos comunicadores tem um caráter
transformador, um compromisso social.
Com o uso da palavra o homem não só se comunica.
Também passa o conhecimento, isso porque somos seres
inacabados. O importante na palavra é a manutenção da
comunicação, e sobre isso Freire (1997, p. 78) salienta que: “[...]
não é no silêncio que os homens se fazem, mas é na palavra,
no trabalho, na ação-reflexão [...]”. É a prática que rompe
com o silêncio, e a palavra é o condutor ou um componente
especial do diálogo. Por isso a palavra precisa ser verdadeira
para produzir no homem a ação-reflexão. Sem isso a palavra
é meramente vazia, se transforma em algo sem um objetivo
concreto.
Outra característica do diálogo é que não há como
realizá-lo de maneira individual. Precisa ser uma ação em
conjunto, onde as pessoas que se comunicam aprendem
juntas, se educam juntas, refletem juntas. É um aprendizado
coletivo, o resultado do encontro entre os homens. O encontro

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é o diálogo em que se aprende a refletir e agir, transformando


os envolvidos. Não é uma discussão conflituosa e nem busca
impor uma verdade no outro. É um encontro de homens para
a pronúncia de mundo. Freire (1997, p. 79) diz que o encontro
é um ato de criação. É a existência de um diálogo igualitário
em que todos podem se comunicar, expondo ideias, recebendo
críticas, ouvindo e falando, mostrando assim que o diálogo se
mantém com o uso da palavra.
Para Freire (1997, p. 78), diálogo é uma forma de
mediatização entre os homens “[...] uma relação entre eu-tu
[...]”, uma forma de comunicação desenvolvida entre pessoas
que se tratam como iguais e entre as quais há confiança. Quando
não existe a ideia de igualdade não é possível estabelecer uma
comunicação dialógica, pois neste caso um grupo não permite
a pronúncia do outro. Portanto, o diálogo é possível desde que
os envolvidos se encontrem no mesmo nível de importância,
e isso nos conduz a outro entendimento da ideia de Freire
(1997): que o diálogo é uma comunicação democrática.
O diálogo também é amor. Paulo Freire (1997, p. 80)
diz que “[...] é um ato de coragem”... Quem ama tem coragem,
o amor não é um sentimento covarde. Ele se expõe sem medo,
sem receio, sem opressão, enfim, o amor, é “[...] compromisso”
(p. 80). Quem ama entende que o diálogo resulta de uma
relação harmoniosa e também respeitosa, onde o proibido
deixa de existir. Mas até se chegar a esse nível de compreensão
leva tempo. Para Freire (1997) o diálogo é um instrumento
para a libertação dos oprimidos e deve ser desenvolvido
com amor. Não se pode dialogar tendo-se o sentimento de
egoísmo. O amor é algo atuante nas atitudes das pessoas que já
compreenderam a dialogicidade.
Diálogo também é fé. Para Freire (1997), fé é acreditar
no homem, é uma prioridade em se tratando de diálogo. Sem fé
o diálogo é algo que pode ser construído de forma manipulada,
pois a fé nos homens trás consigo a humildade e a confiança
que leva os homens a usar o diálogo de maneira horizontal.

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A existência da fé no diálogo é o que provoca a esperança em


algo melhor, em algo que possa trazer a libertação ao homem
oprimido.
Diálogo é humildade: sem humildade não há como
desenvolver uma pronuncia de mundo. Quando não há
humildade as pessoas ignorantes passam a querer se mostrar
como sábias, sendo que para Freire (1997) a verdadeira
sabedoria é uma comunhão de saberes que é parte da busca do
saber mais.
Freire (1997) ainda afirma que o diálogo implica na
formação de uma consciência crítica, e que sem comunicação
não há como haver mudança. O ser humano precisa do
diálogo, de comunicação, de interação. Precisa também haver o
contraditório como uma prática de liberdade. É nesse universo
de diálogo que as relações entre os homens se estabelecem,
que eles se diferenciam dos animais. Estes são apenas seres de
contato, enquanto que o homem é um ser existencial, pensante,
transformador.
Segundo a análise de Vinicius de Lima (2011) sobre
as ideias de Paulo Freire, o diálogo é algo existencial próprio
da comunicação “entre eu-tu”. Sem comunicar-se ou dialogar
o homem se transforma em “coisa”, ou seja, deixa de existir,
torna-se uma criatura sem significado. Ocorre uma redução,
uma desvalorização do ser que se torna impedido de dialogar.
O diálogo não é transferência de saber, mas uma partilha de
conhecimentos. É a relação que ocorre entre os homens que
valorizam o ato de dialogar, não existindo saberes superiores ou
inferiores e sim saberes diferentes que precisam ser partilhados.
A comunicação será eficiente se todos forem sujeitos iguais.
O ser humano é culturalmente desenvolvido, por isso
inova e se renova constantemente. A sensibilidade quanto à
existência de mundo é fruto do diálogo, porque é através dele
que os homens se aproximam do mundo, criticam sua realidade
e compreendem que é possível transformá-la. Enquanto os
demais animais se adaptam à realidade, o ser humano é um ser

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consciente de sua atividade de mundo. Então isso faz com que


o homem se torne sensível e participativo das mudanças sobre
tudo o que o cerca (Lima, 2011).
O homem, quando é oprimido no seu direito de
se expressar, pode deixar de se reconhecer enquanto ser
social e transformador de sua realidade. Mas quando atua
dinamicamente, se comunicando de forma direta, defendendo
suas ideias, torna-se sujeito criativo. Um ser existencial que
passa a lutar contra o poder opressor e desumanizante que
o cerca. Sendo assim, para existir o diálogo é preciso existir
a comunicação “entre eu-tu”, afirmando que entre todos os
homens pode existir a relação dialógica.
3. LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Luta, liberdade, conquista, respeito, igualdade são
conceitos dados por Felipe (entrevista, Tefé, 23/10/2014)
quando se refere ao termo “liberdade de expressão”:
[...] é um dos maiores instrumentos de libertação [...]
a liberdade de expressão, a gente vive num mundo em
que você não pode dizer, a gente vive numa ditadura
florida onde não se pode falar tudo [...]

Desse modo entende-se que liberdade de expressão


é, para ele, um direito democrático, uma conquista, o respeito
adquirido em falar e também em ouvir de maneira autônoma.
Quando se trata de liberdade de expressão, devemos ter em
mente que há uma igualdade de direitos para todos, e isso
independe da classe social a que se pertence. A liberdade é
um sentimento de conquista, resulta de lutas, uma vitória
dos movimentos sociais. Felipe ainda ressalta que esse tipo de
sentimento é que deve ser levado para dentro da rádio para se
democratizar os meios de comunicação.
Para Guilherme (entrevista, Tefé, 14/04/2015) a rádio
é um instrumento de comunicação que deve democratizar-se
no sentido de oportunizar a expressão de ideias de qualquer
pessoa. Não precisamos de uma rádio com programações

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fechadas, sem espaço para manifestações artísticas próprias da


cultura popular.Para haver liberdade de expressão é preciso ter
espaço para o improviso, e não apenas a manipulação de ideias
e opiniões como é de costume nas rádios comerciais:
[...] é preciso que incentivemos [...] a comunicação
amadora, é importante então nesse sentido, porque
a única forma de democratizar a comunicação é
valorizar a comunicação amadora [...]

Ainda, para Guilherme, a liberdade de expressão


não se tornará uma conquista para todos enquanto não se
romper com o monopólio do profissionalismo que persiste nas
rádios comerciais. Liberdade de expressão não é abrir espaço
para comunicadores profissionais, e sim para todo e qualquer
cidadão. Liberdade de expressão é improviso, é abertura para o
que as pessoas quiserem expressar. A tecnologia deve colocar-
se a favor da democratização do direito de livre expressão de
todas as pessoas.
Para Macário (entrevista, Tefé, 24/10/2014) é preciso
que todos tenham acesso à informação, uma forma de atualizar-
se frente às questões que envolvam o seu cotidiano. As pessoas
precisam também exercer de fato à liberdade de expressão
apresentando, discutindo, conversando sobre os assuntos em
evidência, e diz mais:
[Com a] conscientização, naturalmente eu acredito
que as pessoas vão buscar se expressar, se manifestar,
se fazer ouvir [...] Dar voz às pessoas que tão
acostumadas a ser expectadores passivos [...] é preciso
dizer que existe outras formas de existir...

Macário diz que esta postura dominante nos meios de


comunicação é um empecilho que precisa ser banido. Abrir as
mentes e os horizontes das pessoas é uma forma de promover
a liberdade de expressão. Com isso se sentirão motivadas a
serem atores ativos do seu processo democrático de expressão.
Huéfeson (entrevista, Tefé, 20/10/2014) manifestou
desta forma sua visão sobre liberdade de expressão:

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Liberdade de expressão, liberdade [...] liberdade, o


direito de ir e vir nas rádios, pelas ondas do ar, sem
empecilho, sem a máquina repressora, liberdade
mesmo.

Existe na sociedade atual certo conformismo, as


pessoas acabaram se deixando levar pelo fato de não exercerem
sua liberdade de expressão. Esse tipo de comportamento
é também o resultado ou a influência dos próprios meios
de comunicação. Huéfeson complementa afirmando que
liberdade não é somente conhecer o seu significado, é também
colocar em prática essa liberdade. De fato o valor da liberdade
de expressão na prática é o exercício de uma forma mais
crítica da cidadania. Limitar a liberdade é uma prática comum
e completamente contrária, deve-se lutar contra a máquina
repressora. Ele valoriza, portanto, aquele tipo de participação
social que para Paulo Freire (1997) humaniza os homens.
Um ponto em comum nas falas de Huéfeson e Macário
é que as garantias democráticas e constitucionais sobre a
liberdade de expressão não existem na prática, isso porque a
sociedade tem medo ou receio em expressar-se livremente.
Como Paulo Freire (1997), acreditam que a liberdade de
expressão se consolida na igualdade, o que inclui o direito igual
à liberdade de expressão.
Fazendo-se um contraponto entre as ideias de Paulo
Freire (1997) e o ponto de vista dos entrevistados sobre a
liberdade de expressão que experimentaram no programa
Juventude em Ação, encontramos grandes afinidades. É
possível sim a existência do diálogo para que exista a reflexão e a
ação, o ato de construir um novo entendimento coletivamente,
entendimento este mais crítico. Diálogo é poder se expressar
em público, defender e saber ouvir críticas. Os relatos sobre
a liberdade de expressão dos entrevistados indicam que, no
programa, diferentes movimentos e pontos de vista puderam se
encontrar e explorar novas ideias. Como afirma Freire (1997),
é no “encontro” que o diálogo acontece.

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A liberdade de expressão implica também deixar o


conformismo, adotando uma postura ativa. Deixar a posição
de “objeto” e assumir a de “sujeito” da palavra coletiva (Freire,
1997). De fato, é necessário que se aprenda a usar a liberdade
de expressão. Quando expomos a opinião sobre algo, estamos
também exercendo a mudança. Só é possível mudar quando de
fato a liberdade de expressão se torna uma conquista de cada
um que se faz no encontro com os outros.
4. MOVIMENTOS SOCIAIS
Felipe diz que os movimentos sociais estão em
evidência em todo o país e que Tefé não está fora desse
contexto. É preciso dinamizar os movimentos sociais através da
liberdade de expressão, e isso foi uma das coisas que aconteceu
no Programa Juventude em Ação.
Guilherme afirma que “[...] a maioria das pessoas
que participaram do programa eram militantes de movimentos
sociais [...]”. Cita como exemplo a luta dos moradores
do bairro Jardim Lara, que chegou a parar a comitiva do
governador para reivindicar o asfaltamento de suas ruas.
Logo após o protesto alguns dos seus participantes foram
no Programa Juventude em Ação relatar os acontecimentos.
Como o programa não tem vínculos partidários, consegue
se tornar um espaço para a expressão dos mais variados
protestos.
Segundo Huéfeson, o seu envolvimento com os
movimentos sociais não é recente. Há mais de três anos
trabalha junto aos jovens das comunidades rurais no sentido de
sensibilizar sobre os problemas ambientais. Um dos problemas
que afeta diretamente o trabalho realizado por Huéfeson
nas comunidades é a falta de comunicação, principalmente
a comunicação via rádio, porém isso não o impede de
conscientizar. Faz uso de cartazes, murais, etc. O problema
se acentua quando “índios, quilombolas e ribeirinhos” não
encontram um espaço para se expressarem livremente nas

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rádios. Por isso é tão importante expandir o movimento de


rádios livres para a zona rural.
Macário considera que os movimentos sociais trazem
discussões importantes, e que aos poucos as pessoas que se
envolvem com os movimentos sociais tornam-se conscientes
dos seus direitos. Quando esses direitos não são respeitados
na prática, acontece o conflito que incomoda bastante a elite.
Por isso os militantes, dentre os quais o próprio Macário,
começam a receber duras críticas, como enfatiza: “[...] eu recebi
pessoalmente assim, algumas críticas pesadas, alguns olhares
tortos e muitos colegas receberam ameaças [...]”.
Os movimentos sociais que fizeram parte do contexto
do Programa Juventude em Ação promoveram mudanças
de atitude, e isso incomoda bastante. É melhor para a elite
manter o domínio e a manipulação sobre os que necessitam de
melhorias, quer seja na saúde, segurança, moradia etc. Quando
os movimentos sociais organizados passam a incomodar
é porque está havendo uma mudança, daí é que surgem os
olhares “tortos, as perseguições”.
Paulo Freire (1997), quando se refere à dialogicidade
como essência e prática da liberdade, diz que as conquistas
humanas resultam não de um homem, mas da uma
coletividade. Daí a importância dos movimentos organizados.
Porém, os movimentos sociais nem sempre são vistos como
algo positivo. Eles incomodam, e isso acontece porque as
instituições opressoras tendem a considerar o homem como
“coisa” sem opinião e que obedece o que determinam. O acesso
ao programa Juventude em Ação ajudou alguns movimentos
sociais a se afirmarem como sujeitos.
Cada ser humano faz sua interpretação do contexto
social em que está inserido, o que é resultado da ação-reflexão
(Freire, 1997). Assim, é comum cada um manifestar-se de
forma diferente, e é isso que vemos em relação aos movimentos
sociais de Tefé. As pessoas começam a exercer criticamente suas
opiniões. Por isso a liberdade de expressão nos movimentos

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sociais não é um privilégio, e sim um direito pleno para o


qual espaços como o programa Juventude em Ação são uma
importante contribuição
5. AS MULHERES
Felipe diz que as mulheres foram bem destacadas
em relação à participação no Programa Juventude em Ação.
Exerceram diversas funções para conscientizar sobre saúde,
educação etc. Isso começou de uma maneira mais tímida, e
com o tempo elas soltaram-se mais e foram assumindo mais
a iniciativa na condução dos programas: “[...] acho isso muito
interessante, as mulheres terem criado o protagonismo né [...]”.
O Programa Juventude em Ação colocou em
evidência a participação feminina, sendo que chegou até a ter
um bloco chamado “Papo calçinha” onde as mulheres falavam
ou entrevistavam outras mulheres. Rompeu assim com o
machismo que impera nas rádios comerciais, onde as mulheres
ainda não se destacam ou são excluídas das programações. No
movimento de rádio livre, através do Programa Juventude
em Ação, esse cenário mudou: as mulheres se tornaram
protagonistas, dando assim uma nova identidade para o
programa.
Para Guilherme houve uma participação “[...]
equilibrada de homens e mulheres [...]”. Homens e mulheres
gozavam dos mesmos direitos, mas as mulheres tinham uma
voz menos ativa, por exemplo, no sentido de articular temas ou
buscar convidados. Ele afirma que não sabe ao certo se faltou
iniciativa ou se os homens acabavam por ofuscar uma melhor
participação das mulheres. Pode também ter havido uma
diferença de experiência, com as mulheres tendo menos tempo
de prática de rádio. Existia, porém, uma certa articulação de
bastidores por parte delas. Talvez elas tenham sido mais ativas
do que os homens são capazes de perceber.
É possível identificar que os homens do programa
tinham uma forte ligação com as mulheres no sentido

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de oportunizar um maior debate entre os diversos temas


feministas. Um exemplo é o trabalho desenvolvido pelo
Huéfeson no projeto de extensão da UEA “Somos mulheres e
queremos participar”, cujo objetivo é conscientizar as mulheres
da Floresta Nacional (FLONA) sobre seus direitos.
Huéfeson diz que uma das maiores dificuldades em
relação à participação feminina em todos os segmentos da nossa
sociedade é, sem dúvida, o espaço que lhes é dedicado: “[...]
em toda a sociedade, as mulheres ainda têm pouca participação”
[...]. Esse tipo de postura é uma herança cultural há séculos,
onde o homem é colocado como ser superior e mais forte que
a mulher. Porém esse tipo de postura está sendo derrotada
através de movimentos sociais como os da FLONA. Não é
possível que se insista nessa figura do machismo declarado
e que coloca as mulheres sempre em segundo plano, mesmo
quando elas participam em igualdade com os homens nas lutas
pelos direitos sociais. Acabou a figura de mulher que somente se
dedica ao lar. A mulher de hoje é ativa trabalhadora, envolvida
com os movimentos sociais, então divide seu tempo em várias
funções e isso as torna dinâmicas, responsáveis e participativas.
Macário diz que as conquistas sociais em torno das
mulheres no Brasil passaram a acontecer de uma forma lenta,
embora gradual, quando se adentrou novamente no regime
democrático: “[...] a gente tá num processo muito inicial ainda
de igualdade de gênero no Brasil [...]”. Isso porque existe,
embora não declarado publicamente, uma sociedade machista.
As mulheres ainda são rotuladas como pessoas frágeis. As
mulheres têm a mesma capacidade para participar de toda e
qualquer profissão ou cargo público, e isso também se estende
para qualquer outro segmento da sociedade. As mulheres se
encontram em evidência, precisam somente de um espaço para
que possam se destacar até mais do que os homens.
Para Luciana (entrevista, Tefé, 06/10/2014) as mulheres
aos poucos tomam consciência de que são protagonistas sociais
e, como tais, devem participar ativamente nesse processo: “[...]

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as mulheres estão ganhando espaço nas rádios, no programa lá


a gente vê muitas mulheres participando [...]”. A participação
feminina que se atribuiu ao Programa Juventude em Ação foi
uma das principais características desse movimento de rádio
livre. Segundo Luciana, elas mostraram-se mais interessadas
que os homens quando convidadas a participar das entrevistas.
As mulheres tinham disposição para falar de qualquer assunto,
eram mais curiosas. Afirma que isso não quer dizer que os
homens não tinham capacidade, muito pelo contrário, é que as
mulheres tinham um maior interesse e isso as fez ganhar espaço.
Participavam mais devido ao empenho de cada uma daquelas
que estavam diretamente envolvidas com o Programa Juventude
em Ação.
Para Rosa (entrevista, Tefé, 10/04/2015), o conceito
que se tem hoje sobre as mulheres é que são frágeis, não têm
capacidade para tomar decisões, muito embora se note que as
mulheres estão mudando esse prejulgamento. Para destacar esse
ponto de vista, diz o seguinte: “[...] na verdade nós mulheres somos
vistas como sexo frágil, incapaz por muitos, puro preconceito [...]”.
Quando o Programa Juventude em Ação cedeu um
espaço para a participação feminina, deu um importante
passo rumo à igualdade de direitos na prática, no dia a dia,
no cotidiano. As mulheres têm grande potencial. Assim como
os homens, querem participar das transformações sociais em
todos os sentidos. Entretanto, no Programa Juventude em Ação
as mulheres, dentre as quais Rosa, trouxeram até um certo
‘charme’, um toque feminino, um papo de mulher para todos
os ouvintes, dedicando uma atenção especial para as discussões
sobre a saúde. Isso porque é uma profissional que trabalha na
saúde, e aproveitou sua experiência para fazer um bloco com
dicas nessa área. Rosa está engajada no movimento sindical
dos trabalhadores municipais de Tefé e também é Conselheira
Municipal de Saúde, o mostra o seu dinamismo: ainda encontrou
tempo para se envolver no Programa Juventude em Ação como
pesquisadora e militante.

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Nos pontos de vista de Macário e Rosa as mulheres


estão crescendo em importância em todos os níveis da nossa
sociedade, embora falte muito pra que o preconceito seja
superado e o sentimento de igualdade de fato aconteça. Para
Huéfeson e Guilherme, falta uma maior participação das
mulheres. Conscientizar a mulher sobre seu papel é importante,
como também incentivá-la como militante. Paulo Freire (1997)
sugere que os homens têm a possibilidade da mudança, do criar
e do recriar através do diálogo. A fé, a confiança faz crescer a
possibilidade de um melhor relacionamento entre homens e
mulheres que vá além das aparências e seja transformador.
Sobre as diferenças, nota-se um grande contraste entre a
percepção de Luciana de que as mulheres estavam se destacando
no programa, enquanto Guilherme achava o contrário. Este
afirma que houve no Programa Juventude em Ação um equilíbrio
quantitativo, mas que os homens articulavam mais os temas e a
busca dos convidados. Essa diferença expressa talvez critérios
diferentes sobre o que é “se destacar” em um programa de rádio.
Daí a importância da humildade que, segundo Paulo Freire
(1997), é condição para o diálogo. Não se deve criar uma imagem
de alienação ou de ignorância, ou mesmo de superioridade que
barre o diálogo entre homens e mulheres. A diversidade de
critérios sobre o que é ser “ativo” mostra o quanto a humildade é
necessária para que os diferentes critérios tenham igual espaço.
6. Conclusão
Pudemos descobrir, através deste trabalho, que
o movimento de rádios livres influenciou diretamente a
reformulação do Programa Juventude em Ação da Pastoral
da Juventude. Abriu um espaço de participação maior, e
incrementou a dimensão do diálogo entre os participantes
assíduos e ocasionais. Dessa maneira, o Programa Juventude em
Ação foi se desenvolvendo na abertura de espaços para temas
relevantes, diretamente ligados às práticas dos movimentos
sociais das zonas urbana e rural de Tefé.

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O movimento de rádios livres foi uma ferramenta de


transformação cuja conscientização se deu através do exercício
prático da liberdade de expressão. Esta assegurou ao Programa
Juventude em Ação o envolvimento de todos aqueles que
faziam uso do espaço para colocar suas ideias, defender seus
pontos de vista e dar expressão aos seus movimentos sociais.
O programa tornou-se, assim, um espaço para o “encontro”
de que fala Paulo Freire (1997). Um encontro para a produção
da “palavra”, na qual a reflexão se soma à ação. O programa
se tornou um ponto de encontro para os militantes de
diversas lutas sociais concretas, contribuindo para a troca de
experiências e análise da sociedade que se quer transformar.
Finalmente, foi também um lugar de encontro entre homens e
mulheres, no qual diferentes critérios sobre o que é participar
ou lutar tiveram espaço.
Mas esse trabalho não pode se limitar a analisar o que
foi o Programa Juventude em Ação. É preciso também deixar
sugestões aos ex-participantes do programa:
- Expandir o movimento de rádios livres para as
comunidades mais distantes;
- Inovar no sentido do voluntariado, envolver mais e
mais pessoas de todos os segmentos da sociedade tefeense;
- Trabalhar em conjunto com os movimentos sociais
existentes com o intuito de desenvolver a conscientização sobre
o direito de liberdade de expressão.
Enfim, são sugestões que podem ser realizadas,
trazendo assim importantes benefícios sociais e de cidadania. A
rádio livre não é um simples instrumento de libertação: promove
também o equilíbrio, ao mesmo tempo em que estabelece uma
nova forma de sociedade, mais justa e igualitária.
Referências bibliográficas:
BARBOSA, Ângelo Madson da Costa. Comunicação e
sociedade: A instituição imaginária da radiodifusão
comunitária em Belém (O caso da Rádio Comunitária

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setembro a 02 de outubro de 2009.
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comunicação livre no Médio Solimões. XXX Congresso
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agosto a 02 de setembro de 2007.

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GONÇALVES, Flora Rodrigues. Rádios Livres: As
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Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação
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Sociologia Política. Florianópolis – SC, 2010.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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CLUB FIVE: “UM PROGRAMA FEMININO


COM ESPAÇO LIVRE E EDUCATIVO”
REIS, Raucilene Oliveira1

Introdução
O artigo apresentado resulta de uma pesquisa
etnográfica dialógica trazendo experiências de cinco
adolescentes, todas na idade de dezesseis anos, que através
de um curso de Comunicação oferecido na Escola Estadual
Governador Gilberto Mestrinho, do Projeto “Comunicar para
a Vida”, ganharam espaço e voz na cidade de Tefé, Município do
Estado do Amazonas, saindo do anonimato para a construção
de suas próprias identidades.
Na Escola Estadual Governador Gilberto Mestrinho,
situada na Estrada do Aeroporto, no segundo semestre de
Agosto de 2014, surgiu o Projeto “ Comunicar para a Vida”,
como incentivo aos estudantes ao mercado de trabalho e
valorização dos meios de comunicação livre, como jornal e
principalmente o rádio, uma vez que muitos imaginam estar
obsoleto.
As aulas eram ministradas por um professor, onde
abordaria diversos eixos temáticos como: locução, jornal
impresso e televisão, pois a escola dispunha de todo material
utilizado no projeto. No início, o nervosismo e a empolgação
dos estudantes foi tão intenso que todos queriam participar do
Projeto, a sala de aula ficou pequena, eram trinta e cinco vagas
para setenta e cinco estudantes.
1 Professora da Educação Básica do Município de Tefé-Am.
Pedagoga pela UEA, com pós graduação em Psicopedagogia pela
UNIASSELVI. E-mail: rauci_oliveirar@hotmail.com

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Foram dias de muitas teorias, aulas práticas de


comunicação, relação humana, tudo tinha regras e uma das
mais importantes que também crucial para os candidatos e que
nunca poderiam faltar ou chegar atrasado, isso desclassificava
na hora.
Depois de cinco meses de práticas e teorias, os
selecionados teriam seus nomes expostos no mural da escola
Governador Gilberto Mestrinho e lá estava o nome das cinco
meninas, que ainda nem se conheciam, estudavam na mesma
escola, na mesma sala de aula, mas não possuíam contato
nenhum cada uma tinha seu “ grupinho” formado, mas através
do curso tudo mudaria e se tornariam uma grande equipe.
O projeto alcançou dimensão muito grande, as aulas
teóricas acabaram, as oficinas foram sendo executadas
e talentos foram revelados e muitos esperançosos para
serem reconhecidos, mas a realidade e que para sairmos do
anonimato precisamos tomar decisões e muitos fracassam com
os obstáculos do dia a dia, enterrando sonho por não encontrar
alguém que tome a iniciativa ou até mesmo um empurrão.
Freire (1996) relata: “É necessário que o educando
mantenha vivo em si o gosto da rebeldia, que, aguçando sua
curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se,
de aventurar-se, de certa forma o “ imuniza” contra o poder
apassivado do “bancarismo”. (pag. 8)”.
A estudante Luiza Maria, não se conformou com a
pausa do projeto, sem resultados, depois de meses de luta, de
busca, transbordante de conhecimento sobre rádio, locução,
não ficou de braços cruzados, decidiu elaborar um projeto
sobre Programa de rádio por conta própria e apresentou ao
professor Welner Campelo, responsável pelo projeto na escola,
que no início foi apresentado pelo professor Valdir Torres, onde
não teve condições de prosseguir e passou para o professor
Welner Campelo que abraçou o projeto com amor e dedicação,
colocando toda a sua experiência de vida, aprovando de
imediato o projeto de Luiza Maria que em seguida convidou
mais quatro meninas que participaram do projeto e que haviam

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se destacado com êxito nas oficinas do curso e assim surgiu o


“ Clube Five”.
Perrenoud (2002, pag. 201) afirma:
Se quisermos que a escola transforme-se em uma
comunidade educativa relativamente democrática, é
preciso formar os educadores neste sentido, prepará-
-los para negociar e realizar projetos, dar-lhes as com-
petências necessárias a uma negociação relativamente
serena com outros, inclusive com os pais.

O desempenho de educadores que se envolvem com


projetos nas escolas, desperta o ensino dos estudantes numa
educação libertadora, tornando a aprendizagem estimulante e
proveitosa, desenvolvendo habilidades que os estudantes tão
pouco conheciam em si mesmos, rompendo o muro entre do-
cente e discente.
O êxito de educadores como o professor Welner Cam-
pelo está centrado nas palavras de Marcos Baltar (2012, pag.35)
, onde o papel principal do educador é justamente criar condi-
ções para o desenvolvimento da competência discursiva na es-
cola e na Universidade, isto é, dos fórum de Educação Formal,
básica e superior.
O projeto estava no papel, precisava ser estudado,
trabalhado e executado, passo a passo foram acontecendo às
reuniões do “Clube Five”, elas eram feitas principalmente na
biblioteca da própria escola, sempre no contra turno, na casa
do professor Welner e na casa da Luiza Maria.
Quando tudo estava concluído surgiu um novo desa-
fio, quem iria acolher um programa composto por cinco ado-
lescentes cujos nomes eram: Luiza Maria a idealizadora, Bruna
Citrini a gaúcha de sotaque diferenciado, Ingrid da Costa a voz
firme, Hanah Clara a operadora de som e Maria Luiza produ-
tora (que tem receio do microfone).
A rádio Rural de Tefé, situada no centro da cidade, é
uma rádio que oferece um espaço a projetos escolares e opor-
tunizou a entrada do “Clube Five” aos sábados das dezoito as
dezenove horas.

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Baltar (2012, pag. 39) A Rádio Rural é uma rádio de


caráter educativo que abre espaço para programas educativos,
onde as rádios educativas têm por objetivo a veiculação de pro-
gramas de cunho educativo.
O “ Clube Five” seria um programa que de início resga-
taria a presença dos jovens e adolescentes na procura pelo rádio,
no incentivo a cultura e principalmente no reconhecimento e
valorização da voz feminina no rádio, que no Município anda
muito carente.
Com a proximidade do dia da estreia do programa as
meninas foram aprimorando seus dons e redescobrindo novas
habilidades, até então desconheciam, foi o caso de Bruna Citrini,
seu objetivo na vida era realizar uma faculdade de gastronomia,
pois gosta de cozinhar e inventar coisas na cozinha e tinha mui-
to medo de falar no microfone, agora, Bruna pode até pensar em
cozinhar, mas ser locutora é seu desafio e seu maior desejo atual.
Os ensaios com a voz eram intensos, tudo tinha que
estar dentro da programação de uma hora oferecida na rádio
Rural, onde teriam que apresentar um programa educativo, que
despertasse o interesse dos ouvintes nas comunidades locais
próximas a cidade de Tefé, pois a maioria dos ouvintes da rá-
dio Rural são pessoas que habitam em comunidades próximas,
que ainda possuem o rádio como único meio de comunicação
e entretenimento, foi uma experiência ímpar, mas com alguns
anseios, pois a rádio Rural apresentava uma transmissão AM
( Amplitude Modulada), onde o alcance da rádio é enorme,
abrangendo comunidade longes e até Municípios vizinhos, mas
com uma transmissão cheia de ruídos e muitas falhas e sem dei-
xar de relatar que muitos rádios vendidos hoje não apresentam
a faixa AM, por não apresentar boa frequência, quase chegando
ao obsoleto.
Uma das integrantes do “Clube Five”, Ingrid da Costa,
afirmou que sua mãe comprou um rádio só para acompanhar o
programa da filha, mas o rádio não tinha frequência AM e não
conseguiu ouvi a filha.

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Outro ouvinte assíduo do Programa declarou que pe-


gou o rádio de sua avó para acompanhar o “programa das me-
ninas”, que já estava sendo muito comentado por toda a cidade
entre os jovens, adolescentes e senhores que tinham deixado o
rádio de lado, passando a utiliza-lo no grande sucesso do pro-
grama “ Clube Five”.
O programa na rádio Rural estreiou no dia dois de
maio de 2015, antes tivemos a oportunidade de participar de
uma pré-estreia na Escola Estadual Gilberto Mestrinho com
os pais das meninas, o professor responsável pelo projeto e pe-
los estudantes da escola, foi um momento muito emocionante,
onde eu pude conferir o sucesso e o talento que as meninas
possuíam, elas realizaram um programa ao vivo, com entrevis-
tas, recados dos estudantes e pedidos de músicas, tudo como
muito profissionalismo, alegria, dedicação e amor.
Já estavam prontas para encarrar um programa de rá-
dio, a sincronia entre elas era coisa natural, eu como ouvinte,
espectadora e mãe (mãe de Luíza Maria, a idealizadora) sen-
ti-me emocionada, pude acompanhar de perto o crescimento
de cada uma, as tristezas em pensar que não iriam conseguir, a
falta de apoio da própria família de algumas meninas e a “pres-
são” que a escola colocava sobre estas adolescentes que apenas
desejavam um lugar na sociedade.
O programa apresentado na rádio Rural oportunizou
as meninas uma boa dicção e principalmente a palavra discor-
rida corretamente, boa pronúncia, para que isto fosse possível,
foram realizados dias e dias de ensaio e treino tanto na dicção,
quanto na pronuncia, o tempo também foi observado e com
o auxílio do professor Welner Campelo elas puderam alcan-
çar seus objetivos, conduzindo-as a uma segurança na hora da
apresentação do programa.
O programa “ Clube Five” apresentado na rádio Rural
todos os sábados das 18 as 19 horas, possui uma programa-
ção variada com momentos de música, onde os ouvinte ligam
pelo telefone da rádio ou mandam mensagem pelo celular, há

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o momento da informação sobre o que esta acontecendo na


cidade e no mundo, há o espaço dos aniversariantes e dicas
bem legais que despertam o interesse dos ouvintes, mas tem
um foco primordial nas entrevistas com pessoas que se desta-
cam na educação da cidade, na saúde ou em outras áreas como
na cultura local.
Os entrevistados são selecionados e é lançado o con-
vite nas escolares para aqueles estudantes que pretendem com-
partilhar seus dons como cantar, declamar poesias ou divulgar
evento nas escolas, há sempre uma grande interação com a co-
munidade escolar.
Um dos pontos que diferenciou o programa “ Clube
Five”, foi a ida das meninas nas escolas de Tefé, elas saiam vi-
sitando as escolas, divulgando o programa e sempre deixan-
do por uma semana uma caixa toda decorada com o slogam
do “ Clube Five” com um dizer “ Deixe seu recado aqui no
Programa Clube Five”, para que os estudantes pudessem deixar
mensagem, recadinhos do coração, solicitação de músicas ou
sugestões sobre o programa, o espaço estava livre e aberto aos
comentários.
O espaço cedido para o programa configurou como
canal direto e aberto a participação da comunidade, em uma
dessas entrevistas tiveram a de um representante da tribo dos
Miranhas “ Jonas” que cativou com sua simplicidade e origina-
lidade em defender e lutar pelo seu espaço na sociedade.
“Jonas nos ajudou a reconhecermos as diferenças en-
tre as culturas, respeitando seu modo de viver, suas crenças,
suas tradições, olhando não com o meu olhar, mas me colo-
cando no lugar do outro”, afirmou Luiza Maria integrante do “
Clube Five”.
Outro entrevistado que abordou uma temática bem
importante sobre as rádios livres foi o representante da AMARC
(Associação Mundial das Rádios Comunitárias), João da Silva,
onde defendia o direito humano a comunicação: “ Toda pessoa
tem direito de expressão, devemos democratizar a palavra para

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democratizar a sociedade”. (relato oral de João da Silva em 29


de setembro de 2015).
O programa “ Clube Five” abriu novas formas de co-
nhecimentos para as meninas, elas não permaneceram fecha-
das entre quatro paredes, saíram e divulgaram o sucesso do
programa, participaram de eventos culturais como apresenta-
ção de teatro no CETAM ( Centro de Educação e Treinamento
do Amazonas), palestras na Universidade do Estado do Ama-
zonas ( UEA) para os acadêmicos do curso de Pedagogia, con-
vidadas pelo professor Drº Guilherme Gitahy de Figueiredo,
no qual é um grande incentivador das rádios livres e comuni-
tárias e do programa “Clube Five” que sempre disponibiliza
convidados especiais para enriquecer, divulgando a cultura do
nosso município e projetos realizados nas escolas por estudan-
tes e educadores.
O “Clube Five”, tornou-se um programa rico, atrati-
vo e diferenciado, foi um “ up” na rádio Rural, o operador e
locutor da rádio Rural, Jonei Fogaça, afirmou que o programa
das meninas era muito bom, que era um programa de nível
de rádio Alternativa ( uma das rádios considerada a melhor
no município de Tefé) e que desejava que elas tivessem mais
espaço na rádio.
A operadora de som Hanah Clara destacou um acon-
tecimento interessante que ocorreu em um dos primeiros pro-
gramas na Radio Rural:
“Me marcou foi o quarto programa, onde a nossa
mesa de som e o computador pararam de funcionar,
entramos em desespero, não tinha vinhetas, músicas,
toda programação não valia de nada, mas tentamos
ficar calmas e levar o programa até o final, foi tudo
improvisado, os nossos entrevistados eram cantores,
então as músicas foram ao vivo, as três locutoras co-
meçaram a procurar assunto para poderem debater,
levamos o programa assim. Diante disso, percebemos
que já estávamos preparadas para tudo e aquele foi o
programa mais divertido e especial que realizamos,
foi inesquecível” (Relato escrito de Hanah Clara,

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operadora de som do programa “ Clube Five” no dia


12/11/2015).

Todos estavam felizes com o sucesso das meninas,


na escola já não eram meras estudantes eram “ O Clube Five”,
onde elas iam pessoas as reconheciam e pediam sempre um alô
na rádio, jovens começaram a ouvir o rádio e a interagir com o
programa, pois o programa “ Clube Five” não era proselitista,
nem comercial, ou seja, não veiculava propagandas políticas
para candidatos ou partidos, não veiculava propaganda religio-
sa, nem comercializava horários.
Tudo estava indo bem, quando de repente as meni-
nas recebem uma proposta, ter um espaço na rádio Alternativa
FM, considerada a mais ouvida da cidade pela sua frequência
FM ( Frequência Modulada) ou seja, é uma rádio que possui
amplitude nas ondas portadoras permanecendo constante,
com grande valor na programação na qualidade do som, isto é,
a rádio em FM, apresenta uma ótima qualidade sonora, porém
com um alcance limitado.
No dia quinze de Novembro de 2015, estreava na rá-
dio Alternativa FM o “ Clube Five” que agora acrescentou mais
um dia, pois o espaço oferecido na rádio Alternativa foi aos
domingos da 12 as 14 horas, seriam duas horas de programa
e num dia onde as pessoas estão em casa descansando, foi o
sucesso que as meninas sempre almejavam ter um espaço na
rádio Alternativa, agora elas poderiam ser ouvidas pelo celular
dos amigos, pelo rádio da mãe da Ingrid e por todas as pessoas
que almejavam ouvir o programa e não conseguiam.
Em menos de seis meses as meninas conseguiram ter
um programa de rádio nas três rádios mais influentes da cida-
de de Tefé, no sábado das 18 às 19 horas continuavam com o “
Clube Five” na rádio Rural, no sábado pela manhã duas inte-
grantes do Clube Five ganharam também um espaço na rádio
Mel FM, onde o nome do programa era a “ Primeira Parada”
quem comandava era a Bruna Citrini junto com a operadora
Hanah Clara e no domingo a programação era na rádio Alter-

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nativa FM, com o programa “ Clube Five”, elas estavam conten-


tes com o avanço do programa, a vinheta musical da abertura
do programa era um convite ao ouvinte que despertava sua au-
dição para uma coisa boa, era muito gostoso ouvir a vinheta e
esperar a primeira das três locutoras começar a falar.
Era uma sintonia de vozes femininas que expressa-
vam carisma e descontração, uma coisa boa de ouvir, assim foi
acontecendo, todos os sábados e domingos elas tinham aquele
compromisso de estarem nas rádios realizando seus sonhos,
informando a população e despertando cada vez mais para
uma atividade que já estava sendo esquecida, a comunicação
oral, a expressão dos pensamentos e dos sentimentos de cada
pessoa, a cada programa poderíamos perceber a segurança das
meninas, o improviso que muitas vezes apimentava o progra-
ma, mas que no final dava tudo certo, nunca se esquecendo de
relatar que tudo acontecia sobre os olhares do professor Wel-
ner Campelo, que sempre acompanhava as meninas nas rádios,
quando tinha que chamar atenção, esperava o programa termi-
nar e realizava uma reunião rápida para chamar a atenção delas
ou elogiar cada momento apresentado no programa.
Tudo ouvido e relatado, nos dias que acompanhei o
programa nas rádios senti uma tensão tão grande que me es-
quecia de registrar, era só emoção porque acompanhei de perto
cada momento vivido pelas meninas, os choros pelas frustra-
ção de acharem que não iriam conseguir, as euforias em busca
de espaço, as famílias que muitas das vezes não compreendiam
as muitas saídas delas, pois eram adolescentes e necessitavam
ser acompanhadas de perto.
Após a estreia na rádio Alternativa FM, o grande so-
nho das meninas, a união que deveria estar mais forte foi aba-
lada por compromissos particulares, esquecendo de que para
manter o sucesso precisamos continuar unidas, algumas já se
achavam autossuficientes para realizar o programa em cima da
hora, sem preocupação com as pautas e reuniões desnecessá-
rias para ajuste de músicas e entrevistas.

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Enfim todas as pequenas coisas que necessitam ser


ajustadas para que o programa seja realizado com êxito, mas
felizmente algumas permaneceram no foco centrado na per-
feição, não abandonaram as reuniões de pauta e continuaram,
mesmo chateadas umas com as outras, as reuniões acontece-
ram e o programa do sábado na Rádio Rural após a estreia na
rádio Alternativa foi abalado, teve uma nova operação, pois a
operadora Hanah Clara estava doente, assim afirmou a equipe
do “ Clube Five”.
A equipe não estava desfeita, mas estava passando por
dificuldades de interação, normal quando compreendemos o
lado do outro, em famílias grandes desentendimentos são co-
muns, mas em famílias pequenas o resultado é visto de imedia-
to e precisa ser fortalecido, para que não cause consequências
maiores.
O “ Clube Five” é uma família, são adolescentes pro-
curando um espaço na sociedade e na busca acabam esque-
cendo muitas vezes das famílias, dos amigos, tornando-se um
grupo fechado.
Reconhecer muitas vezes as falhas e os erros ajuda a
continuar e fortalecer a amizade, pois no “ Clube Five” uma
completa a outra, são com os dedos das mãos, todos diferentes,
mas que tem seu valor inestimável, se perdemos um fica in-
completo assim é o “Clube Five”.
O que nos conduz a uma reflexão diária e o que sem-
pre o professor Welner Campelo diz:
“Elas são ótimas, tem personalidade, carisma, for-
mam uma equipe completa, mas pena que o progra-
ma “ Clube Five” tem prazo de validade, pois em 2016
todas estarão concluindo o Ensino Médio e partindo
para uma faculdade, talvez aqui ( Tefé) ou até mesmo
em outro estado do Brasil, por isso devemos aprovei-
tar o máximo que essas meninas têm e que venham
mais rádios, mais programações”. ( Relato oral do pro-
fessor Welner Campelo, 18/12/15)

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No programa na rádio Alternativa FM sobre o balan-


ço do ano de 2015, o dono da emissora o senhor Marcos, decla-
rou sobre o “ Clube Five”:
“A vinda das meninas aqui para a rádio Alternativa foi
a melhor coisa que aconteceu neste ano ( 2015), pois
na maioria dos programas só temos vozes masculinas,
nunca voz feminina e com o programa “ Clube Five”
está sendo um diferencial na rádio Alternativa FM,
pois é um programa alegre, divertido e com voz fe-
minina, coisa que não encontrava nas rádios e sempre
questionava sobre isso”. ( Relato gravado do diretor da
Rádio Alternativa, Marcos, ( 20/12/15).

Diante das experiências de cada componente do pro-


grama “ Clube Five”, ficou a certeza de que todo ser humano é
capaz de mediar conhecimentos, contextualizar a realidade em
que vive, resgatar a cultura popular através dos meios de co-
municação existentes no seu município, na sua cidade, na sua
comunidade em que vive, respeitando o outro, promovendo
um novo equilíbrio na sociedade, aprendendo a comunicar-se
e construir o seu espaço de diversidade, pois o espaço é um
bem comum, que pode ser chamado de seu e é de todos.
O sucesso do programa “Clube Five” foi fruto de um
trabalho de dedicação e de muita ousadia, pois as melhores
conquistam são feitas de muitas lutas, posso declarar que as
meninas foram guerreiras, determinadas e ousadas para con-
seguirem um lugar desejado por muitas pessoas, jovens ou se-
nhores, espaço para mostrar seus talentos e habilidades.
Referências Bibliográficas
BALTAR, Marcos. Rádio escolar: uma experiência de
letramento midiático. 1º ed.- São Paulo: Cortez, 2012-
(Coleção Trabalhando com rádio na escola).
BOFF, Adriane. O namoro está no ar- na onda do outro: um
olhar sobre os afetos em grupos populares. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 1998.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários


a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KLEIMAN, A. Significados de Letramento. Campinas:
Mercado de Letras, 1995.
PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de
professor: profissionalização e razão pedagógica- Porto
Alegre: Artemed Editora, 2002.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS DE RÁDIO


LIVRE NA ALDEIA MARAJAÍ

CAVALCANTE, Darlene dos Santos1


INTRODUÇÃO
O presente relato de experiências faz parte de estudo
de pesquisa de conclusão de curso da rádio poste na aldeia Ma-
rajaí com a colaboração da Rádio Xibé, com objetivo de mos-
trar as mudanças na comunicação das pessoas que moram na
aldeia.
A aldeia de Marajaí revelou algumas mudanças com
a instalação da rádio “poste”, iniciada a convite do professor
Guilherme em 2008 na visita a comunidade. Durante a sua vi-
sita instalou a rádio pela primeira vez na aldeia, realizando a
primeira oficina de rádio Xibé.
Foi a partir dessa oficina que Jovani e outros comuni-
tários tiveram a ideia de instalar a rádio “poste” para melhorar
a comunicação entre os moradores. Com a rádio instalada foi
possível propagar melhor assuntos relacionados à educação,
saúde, comércio e reuniões na aldeia.
Dessa forma, resolvi pesquisar sobre a rádio “poste”
com o objetivo de saber as mudanças que ocorreram na aldeia
com a instalação da rádio. A profundei minha pesquisa nes-
te estudo e assim nos dias que a Rádio ficou na aldeia serviu
para os comunitários relatarem sobre as melhorias que a rádio
trouxe na comunidade. Esses relatos, serviram para a minha
pesquisa que está sendo realizada.
1 Discente do 7º período de Pedagogia da Universidade do Estado do
Amazonas em Tefé. E-mail: darlene_dsc@outlook.com

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Os relatos foram relatados por crianças, jovens, pro-


fessores, mulheres e idosos com maior experiência de vida.
Cada um com suas expectativas redescobrindo o caminho que
a comunicação trouxe para elas.
A oficina de rádio e o concurso de música que acon-
teceu na aldeia é só o começo de eventos que alavancarão a co-
municação na aldeia. Na perspectiva que o projeto estabelecerá
outros encontros que vão participar outras pessoas de outros
lugares do país e do mundo.
DESENVOLVIMENTO
Este relato está sendo muito gratificante por conviver
com pessoas maravilhosas ao mesmo tempo trocando ideias
e ensinando, aprendendo e fazendo as coisas acontecer. O co-
nhecimento transforma a vida das pessoas e durante a pesqui-
sa podemos comprovar o quanto é importante participar das
oficinas juntamente com os colegas que acreditam no mundo
mais participativo de pessoas que vivem isoladas do mundo lá
fora.
É nessa perspectiva que estamos reunindo nos encon-
tros no final de semana para a discussão do projeto rádio e
das oficinas realizadas na aldeia. o trabalho está sendo desen-
volvido na medida do possível, pois as oficinas são na aldeia e
temos que se deslocar até lá por meio de transporte aquáticos
que temos que pagar, mas com certeza é de grande importância
porque dessa forma, estaremos abrindo caminho para jovens
que se interessam na comunicação e ajudando a comunidade a
ter um desenvolvimento melhor e como lidar com novas inte-
rações buscando a participação de todos.
Portanto, no dia 23 de janeiro de 2016, levamos a rá-
dio Xibé para ser realizada uma oficina de rádios livres, e con-
curso de música na referida aldeia, assim no decorrer dos dias
que a rádio Xibé esteve na aldeia aconteceu vários encontros
para discussão sobre a rádio. Com a instalação da rádio Xibé
no primeiro dia foi maior audiência na aldeia, todos os comu-

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nitários ligaram seu rádio e isso foi muito importante e grati-


ficante ver um meio de comunicação tão pequena levar a ale-
gria, informação música a milhares de pessoas. Nessa ocasião a
maior participação foi das crianças com o concurso de música.
As crianças trouxeram suas músicas preferidas, dando seu alô
aos seus pais, familiares, inclusive a colaboração das mulheres
no estúdio da rádio reivindicando os seus direitos como cidadã
e também dando entrevista falando da importância do meio de
comunicação para a aldeia.
E dia 24 de janeiro de 2016 na aldeia Marajaí foi mos-
trado um projeto da rádio Xibé e também um projeto de criar
uma oca indígena na aldeia, e foi através de uma reunião que
fizemos na casa comunitária Yassuana Iapuracy tendo a parti-
cipação de umas 90 pessoas dentre o sexo feminino e mascu-
lino e os comunitários deram suas palavras, suas ideias e por
fim todas as pessoas aceitaram fazer a construção da oca Ma-
yoruna na aldeia e isso e um meio de resgata mais a culturas
da aldeia entre outras coisas que iremos fazer. E dessa forma
comunicamos que tínhamos levado a rádio Xibé e que entre-
mos em um acordo com a aldeia de todos os dias ás 12 horas,
a rádio Xibé entraria no ar até as nove e meia da noite, isso
todos dias até quando fossemos embora da aldeia. Foi aceito
pelo tuxaua e pela comunidade Marajaí, a rádio Xibé levemos
crianças, jovens e alguns adultos para como e ligado à rádio em
passo a passo. Falamos da reunião da AMARC na aldeia entre
outras coisas que foi abordado lá. Sobre o projeto de minitrans-
missores, que pretendemos realizar mais uma oficina na aldeia.
Eu Darlene e Jonas através da rádio Xibé explicamos
como seria o projeto de recriar a oca na aldeia Marajaí, e vamos
seguir em frente com este projeto principalmente com a cola-
boração da aldeia na construção da oca onde ficou decidido
já o local e daqui pra frente e só trabalho. E assim me emo-
cionei muito com o relatos de moradores me dizendo como e
importante ver filhos de moradores da aldeia levando projetos
para contribuir tanto na questão da educação como comunitá-

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ria isso foi mais um incentivo de encarar sem medo os nossos


objetivos de ver um mundo melhor na aldeia, sendo que hoje
em dia o Indígena ainda sofre muito preconceito na sociedade,
e através desses projetos e mostra para sociedade que todos so-
mos seres humanos e humanos e somos capaz de vencer.
Segundo o relato que me chamou atenção foi da Indí-
gena Eriane da etnia Mayoruna a que falou da importância da
rádio para aldeia Marajaí.” Essa rádio é muito importante por
que ela traz ao mesmo tempo alegria, emoção, colaboração en-
tão e isso a rádio veio por meio da mesma incentivar a todos os
moradores daqui da aldeia” (relato feito em 26/01/16). E dando
seguido o relato da acadêmica Elquiane quando ressalta tam-
bém que ‘’a possibilidade que a rádio Xibé traz a nossa comuni-
dade e levar uma boa comunicação, trazer a todos os ouvintes
perto ou longe, trazer boas novas, pra nossa comunidade, no-
vas oportunidades e fazer com que isso abrange o nosso conhe-
cimento muito mais longe.” (relato feito em 26/01/ 16 na aldeia
Marajaí) Então através das oficinas da rádio Xibé as mulheres
despertaram um interesse grande no meio de comunicação,
sendo que na aldeia já tem uma associação de mulheres que
participam dos ajuris da aldeia , dos cursos de artesanatos, das
assembleias indígenas ou seja, a oficina de rádios livres veio
para fortalecer mais a importância da comunicação na aldeia.
E dessa forma no decorrer dos dias teve a participação
dos professores da escola onde abordaram temas como o his-
tórico da aldeia, o resgate da cultural Mayoruna, o saneamento
básico, o acadêmico e professor Jovani neves contou deste o
início da criação da aldeia Marajaí até os dias de atuais, onde
muitas gentes não tinha esse conhecimento, pois nesse dia até
as crianças ficaram atentos a essa informação tão importante,
até as pessoas mais velhas relembraram seus passados foi mui-
to emocionante o relato feito por Jovani, e assim a programa-
ção seguiu com a Rosiele onde também abordou a questão do
resgate da cultural, segundo ela “a cultural esta se perdendo
na aldeia e por isso e de plena importância que o grupo do

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colegiado e a comunidade tenham essa preocupação de fazer


projetos que resgate essa cultural, como a língua Mayoruna, a
pintura os seus costumes”, pois pode observar que através da
rádio a Rosiele se expressou sem medo de falar o que acha er-
rado, na aldeia.
O concurso de música na aldeia Marajaí, foi um mo-
mento onde as crianças estavam ansiosas para cantar suas mú-
sicas preferidas. Assim, ao realizar essas oficinas de rádios li-
vres na aldeia Marajaí, contribuiu bastante para a comunidade
e para o conhecimento de todos. Através da rádio estaremos
sempre divulgando melhorias na comunicação e a interação
dos povos indígenas.
A oficina aconteceu na referida aldeia, no dia marca-
do e local preparado e por isso todos os dias tinham a par-
ticipação das criançadas no estúdio da rádio cantando suas
músicas, até que chegou o dia esperado por todos. Algumas
crianças estavam treinando em suas casas com suas famílias
para se saírem bem no concurso, isso foi um evento importante
para as crianças mostrarem seus talentos. Dessa forma, a ofici-
na transformou-se no incentivo para crianças, jovem e adulto a
mostrarem suas habilidades por meio da música.
O concurso de música foi iniciado ás 9 horas da ma-
nha do dia 06 de fevereiro de 2016 na Escola Indígena Nossa
Senhora de Nazaré na coordenação do gestor Oney Oliveira
onde abriu o concurso que alias e uma parceria com a referida
escola onde citei acima, tendo as participações dos professores
da escola e acadêmicos da UFAM e o meu irmão Adenílson
um comunitário da aldeia e a mesa estava com quatros jurados
onde iria avaliar os concorrentes. E assim prosseguir o concur-
so com a participação entre dozes ou mais crianças cantando,
música golpe, católica e de outros tipos onde citarei os nomes
de algumas e alguns Raul, Cristiano, Sayno, crescia, Lívia, Ga-
briela, Emilly, Raquel, Taene, Tauâ, Jovana, Keisi, Neuma, sen-
do que para o primeiro, segundo e terceiro tinha premiação
para quem se saísse bem na música. Primeiramente as crianças

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passavam pela primeira avaliação ficando pra segunda rodada


apenas aquelas crianças que cantavam melhor e por fim ficava
na terceira classificação a finalista.
Durante a oficina de música observei o interesse das
crianças pela rádio, comunicação e principalmente o talento
que algumas mostraram cantando música. Assim, constatei
que a oficina serviu para o interesse e resgate da língua Ma-
yoruna. Durante o tempo que foi realizado a oficina alguns
comunitários ficaram ouvindo pelo rádio transmitido ao vivo
para toda a comunidade até o seu alcance.
A oficina encerrou por volta das 11h30min da ma-
nhã com vídeos da filmagem da rádio Xibé de 2008 á 2015,
que aconteceu na aldeia e foi mostrado através de data show
no pátio da escola e também músicas para alegrar os comu-
nitários e as crianças que mais se envolveram durante todo o
tempo que estava sendo executada a oficina. Essa oficina nos
mostrou que às vezes falta pouco para as crianças mostrarem
que tem um grande talento. E após isso a rádio Xibé continuo
estalada na secretária da escola ficando até o dia 18 de feve-
reiro. E com isso os comunitários de outras comunidades sa-
bendo de que estava instalada mais uma rádio na aldeia pon-
deram manda seus avisos de festejo de suas comunidade que
iria acontecer, para ser transmitido a outros lugares através
da rádio Xibé, a repercussão foi grande recebemos convite de
outras comunidades para realizar oficinas de rádios livres por
lá, nesse intervalo percebemos que a comunicação promove
a mobilização das comunidades e dessa forma a autora Cogo
quando diz que:
“Rádio é um meio mais presente: ele pode ser
escutado em qualquer cômodo da pequena e precária
habitação popular, enquanto a pessoa cozinha
passa roupa ou espia pela janela. A vulgarização do
transistor permite que a rádio se estenda á lavoura,
ao tanque de lavar roupas á caminhada pela estrada.
O rádio é a janela auditiva de contato das classes
populares com o mundo: por ele as pessoas ouvem

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suas música seus programas preferidos, o noticiário.”


(1998. P, 102.)

De acordo com a autora quando cita que o rádio e um


meio de comunicação que pode ser ouvido em qualquer lugar,
concordo nas palavras do indígena Charley quando menciona:
“que era isso que a gente esperava aqui na nossa aldeia uma
parceria da rádio Xibé e a rádio “poste” por que a Rádio aqui
é livre, você tem a liberdade, você pode vim aqui falar, expõe
sua opinião para toda a população. Vermos opiniões e visões
diferentes quando se trata de rádio comunitária, que é um
aparelho onde qualquer pessoa pode pegar e se expressa.

CONCLUSÃO

E por fim concluo que estas experiências está sendo


muito importante para todos que estão envolvidos no projeto.
A experiência que está sendo adquirida vai servir para a vida
posterior dos comunitários, ou seja, a comunicação entre os
moradores ficou mais justificada por ações que não tinha antes
da chegada da rádio.
Também abriu oportunidades para crianças, jovens e
adultas poderem participar das oficinas e descobrir o quanto
mudou a interação dos moradores com a instalação da rádio.
Ter o conhecimento sobre a história da rádio e as perspectivas
de mudança com a comunicação dos comunitários.
Assim, os comunitários irão desenvolver e propagar
melhor os seus produtos que é vendido na própria comunida-
de. Também, as mudanças na comunicação através da educa-
ção, saúde e diversos assuntos relacionados à comunidade. É
dessa maneira, que pretendo contribuir no meu trabalho de
pesquisa na aldeia.
E compartilhando ideias, convivendo com a realidade
da aldeia e procurando melhorias para uma melhor comunica-
ção das pessoas.

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Referência:
COGO, Denise. No ar... uma rádio comunitária. São Paulo:
Paulinas, 1998.

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CULTURA, COMUNICAÇÃO E RESISTÊNCIA:


A BRICOLAGEM COM RÁDIO LIVRE
GERANDO NOVAS EXPERIÊNCIAS
PEDAGÓGICAS
FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy de1

Introdução
Em dezembro de 2013 e novembro de 2014 aconteceram
as duas primeiras edições do curso Comunicação, Cultura e
Resistência, como fruto da parceria entre o Centro de Mídia
Independente de Tefé (CMI-Tefé) e o Programa Laboratório de
Comunicação Livre do Centro de Estudos Superiores de Tefé
(AM) da Universidade do Estado do Amazonas (CEST-UEA).
O objetivo deste artigo é descrever e analisar o curso e as
inovações que propiciou em termos de uma pedagogia que não
se contenta em passar conhecimentos, mas visa a “socialização
dos meios de produção intelectual” (Benjamin, 1985, p. 136).
Ele começa apresentando alguns dos seus protagonistas, e o
contexto histórico que tornou necessária a invenção do curso.
Por fim, utilizaremos os conceitos de “bricolagem” de Michel
de Certeau (2003) e “dialogicidade” de Paulo Freire (2011) para
analisar alguns resultados que transcenderam as expectativas
inicias.
O CMI-Tefé surgiu em 2006, e é um coletivo autônomo,
aberto e horizontal que trabalha pela democratização das
tecnologias de comunicação e informação (TICs) em Tefé.
1 Doutor em antropologia social pelo Museu Nacional da UFRJ,
professor do PPGICH e do curso de Pedagogia do Centro de Estu-
dos Superiores em Tefé da Universidade do Estado do Amazonas
(CEST/UEA). E-mail: gfigueiredo@uea.edu.br .

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É ligado ao CMI-Brasil, uma rede horizontal de jornalismo


independente que surgiu junto com os movimentos
autônomos e anticapitalistas da virada do milênio, e que
tem como principal característica a promoção da publicação
aberta, ou seja, a criação de dispositivos onde os ativistas dos
movimentos sociais podem publicar textos, áudios de vídeos
sem depender de intermediários. Atualmente, participam do
CMI-Tefé os coletivos das rádios livres Xibé e Voz da Ilha.
O Laboratório de Comunicação Livre é um programa de
extensão do CEST-UEA, que começou em 2005 e visa apoiar
movimentos de democratização da comunicação e vincular
suas ações às atividades de ensino e pesquisa da universidade.
O principal aliado do programa é o CMI-Tefé, com quem
tem uma relação de parceria e respeito por sua autonomia. A
ênfase é na apropriação, por parte dos movimentos sociais, dos
recursos, oportunidades e espaços da academia para intensificar
a sua práxis dialógica e transformadora. São evitadas as
circunstâncias que possam eventualmente levar à situação
inversa de cerceamento dos movimentos devido a algum tipo
de institucionalização (Figueiredo, 2008). Como a academia é
em grande parte organizada segundo mecanismos disciplinares
(Foucault, 2011) em que prevalece uma comunicação vertical,
mas possui também espaços e oportunidades para a prática da
comunicação dialógica, a ideia é o movimento aproveitar essas
brechas para colonizar a universidade com a comunicação
horizontal, sem ser colonizado pela disciplina.
Desde 2006 o Laboratório vem apoiando o CMI-Tefé na
realização de oficinas de rádio livre e comunicação popular em
escolas, bairros, comunidades e aldeias, mas estas tinham quase
sempre a duração de apenas um dia e passavam informações
pouco elaboradas para os grupos envolvidos. A ênfase era na
criação de situações de acesso livre à tecnologia rádio para
fomentar a apropriação popular dos meios de comunicação:
“mostrar como é fácil, gostoso e barato fazer rádio livre”, como
costumam dizer os animadores. Um estilo novo começou a

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surgir em 2008 quando Sérgio Fonseca, um dos fundadores do


coletivo, começou a realizar uma sequência de oficinas mais
elaboradas na aldeia Marajaí, do povo mayoruna do município
de Alvarães (AM). Sua inserção na comunidade começou após
ser procurado por um dos moradores da aldeia, que também
era estudante de biologia na UEA. Passou então a ir várias
vezes, buscando conhecer melhor a realidade local e construir
aos poucos um diálogo sobre a luta pela democratização da
comunicação. Depois outros membros do coletivo do CMI
começaram a ir também à aldeia, participando da exibição e
debate do filme “Rádio Favela: uma onda no ar”, da reunião dos
moradores e, finalmente, realizando uma oficina de rádio livre
com a Xibé. Em 2010 já estava claro nos debates do coletivo que
as oficinas tinham que ser, quando possível, mais duradouras
e elaboradas. Em 2012 Pedro Pontes, outro fundador do CMI-
Tefé, se tornou professor da Escola Santo Antônio em Santo
Antônio do Iça (AM), onde começou o projeto Laboratório
Digital de Comunicação Popular. Através de projetos
aprovados na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Amazonas (FAPEAM), Ministério da Educação e Ministério
da Cultura, até 2015 Pedro conseguiu bolsas para estudantes
pesquisarem a história social da mídia e a poluição sonora da
cidade, começou um jornalzinho, um site, uma rádio escola
que depois se tornou a rádio livre Na Tora, grupos de cinema,
teatro e dança, além de inúmeros cursos de educomunicação.
Uma outra experiência importante aconteceu também em
2012, quando Sérgio Fonseca levou a Xibé para a aldeia
Barreira da Missão do Meio, em Tefé, onde ficou sendo gerida
exclusivamente pelos jovens indígenas durante 4 meses, sem
qualquer participação do coletivo do CMI.
Foi nesse contexto de experimentações em torno
da ideia de oficinas mais longas e elaboradas que surgiu a
proposta do Curso Comunicação, Cultura e Resistência, que
foi oferecido como projeto de extensão da UEA em parceria
com movimentos sociais, escolas e igrejas. A primeira edição

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do curso foi realizada em parceria com a Escola Estadual Santo


Antônio, de modo a fortalecer os projetos que estavam sendo
iniciados por Pedro Pontes. Teve quadro dias de duração e
foi voltado para os estudantes de ensino médio e os bolsistas
orientados por Pedro. O primeiro dia do curso começou
com uma chuva de ideias dos alunos sobre o que é cultura,
comunicação e resistência, e como essas dimensões podem se
combinar em uma reflexão sobre a dominação e a resistência
cultural no Amazonas. O professor Guilherme Figueiredo
procurou sistematizar essas ideias no quadro branco e depois,
para aprofundar a reflexão coletiva, mencionou e colocou em
discussão alguns aspectos interessantes das teorias da cultura
de Franz Boas e Clifford Geertz. Boas (2005) postula que,
ao contrário do comportamento biológico, que é universal e
imutável, a cultura corresponde à parte do comportamento
que é transmitida por aprendizagem e está sempre sendo
reinventada, de modo que varia no tempo e no espaço. Se há um
comportamento indesejado, como por exemplo o machismo,
o fato de existirem sociedades matriarcais em algumas
sociedades comprova que se trata de um fenômeno que pode
ser transformado através de processos educativos formais e
informais, como a comunicação. Geertz (1989), por sua vez,
teoriza que as mesmas coisas, pessoas e relações podem se
tornar “significantes” para diferentes “significados”, conforme a
variação no “código” em que o sujeito se baseia para interpretar
esses significantes. Essa teoria auxilia na análise de inúmeros
conflitos em que os sujeitos têm dificuldade para compreender
a interpretação feita por outros sujeitos, acabando por assumir
atitudes de imposição do seu código, de sua cultura. Embora
possa parecer um conteúdo inacessível, pode ser facilmente
explicado sem o uso do vocabulário técnico e através de
histórias e desenhos no quadro branco, permitindo a ampliação
do repertório dos estudantes na temática do curso.
Por fim foi exibido o documentário “Olhar
estrangeiro”, dirigido por Lúcia Murat em 2005, e que trata da

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imagem elaborada sobre o Brasil e o Amazonas nos cinemas


estadunidense e europeu. O filme serviu de referência para
o debate sobre o monopólio dos meios de comunicação e a
dominação cultural. A concentração dos meios de produção
intelectual produz uma influência desproporcional entre
diferentes visões de mundo. Num contexto de dominação
política e econômica, a dominação cultural se manifesta
ainda na estigmatização em que o brasileiro e o amazonense
são associados a imagens “exotizantes”, que os colocam como
radicalmente diferentes e inferiores aos brancos e ocidentais
(Said, 2007). O debate sobre o filme aconteceu no segundo
dia do curso, mais uma vez através da chuva de ideias que foi
sendo debatida e sistematizadas no quadro branco. Em seguida
o professor apresentou algumas da ideias do pensamento pós-
colonial de Frantz Fanon (2005), sobre como o colonialismo
se dá no plano da cultura e a proposta de uma “escola do
povo”. O autor afirma que, nas sociedades coloniais, forma-
se uma burguesia cuja riqueza e poder depende dos serviços
que presta às metrópoles. Essa burguesia colonial imita a
cultura da burguesia metropolitana, e torna-se incapaz de
compreender e dialogar com o seu próprio povo. A cultura
popular, por sua vez, também desenvolve algumas afinidades
com o poder colonial. A escola do povo surge quando uma
parte da burguesia colonial vai viver junto ao povo para fazer
a luta de independência. A união é dialógica, pois acontece
nas assembleias do movimento, e também é práxis, uma vez
que este diálogo está ligado à ação transformadora. É práxis
dialógica que permite filtrar, das culturas burguesa e popular,
os elementos que fortalecem a luta. A cultura não é estática,
e sim dinâmica, e é da escola do povo que surge a cultura
nacional. Após a discussão dessas ideias chegou o ponto mais
alto de todo o curso: a viagem a Santo Antônio do Iça coincidiu
com a vinda de Antônia2 ao Amazonas, uma militante do
CMI-Barcelona, então houve um planejamento para que ela
2 Nome fantasia escolhido pela ativista.

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pudesse acompanhar e contribuir com curso. Ao tomar a


palavra, Antônia comparou os estereótipos existentes sobre o
Brasil e a Amazônia com os que a grande mídia difunde sobre
a Catalunha, na Espanha. Contou um pouco da história da
Península Ibérica, mostrando que a atual Espanha se formou
com a conquista de vários povos, inclusive o catalão. Depois
mostrou um filme sobre a luta por moradia digna em seu país,
que há anos vinha amargando as consequências da grande crise
que eclodiu em 2008. Os alunos, com a curiosidade aguçada,
puderam aprender com a luta de um povo distante, sobre o
qual tinha antes apenas notícias de touradas e times de futebol.
Puderam diferenciar a elite europeia, que controla a indústria
cultural e o colonialismo, das classes populares que também
são estigmatizadas e exploradas. Tiveram a experiência
prática de como uma comunicação horizontal e intercultural
pode contribuir para derrubar os preconceitos alimentados
pela industria cultural, aproximando as lutas populares de
diferentes países em uma luta de classes que precisa se tornar
internacional.
No terceiro dia do curso, o documentário “Brad
Will: uma noite mais nas barricadas” (dirigido por Miguel
Viveiros de Castro em 2007) foi o ponto de partida para uma
conversa sobre as histórias do movimento anticapitalista, do
CMI e do movimento de rádios livres. Um destaque grande
foi dado à forma com as mídias independentes e as rádios
livres se organizam em coletivos e redes: não há diretorias,
todos podem participar da produção, difusão e gestão dos
meios de comunicação livres. No caso das rádios livres, há
grande ênfase busca da participação de amadores, ou seja,
não é preciso qualquer tipo de qualificação para exercer o
direito à comunicação. A programação é em grande parte
improvisada, e os militantes do movimento procuram não
tanto abrir espaços para si próprios, mas lutar para que o
maior número de pessoas encontre condições para também
se apropriar das tecnologias de comunicação, de modo que o

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que importa não é ampliar a audiência, e sim a liberdade de


expressão. A presença de Antônia na conversa ajudou ainda
mais os alunos a imaginarem como são as redes horizontais
de mídias livres e independentes. O quarto dia do curso foi
voltado para a imaginação dar lugar à ação. O CMI-Tefé levou
um transmissor de 7 watts, que foi doado para a rádio escola
que funcionava com um sistema interno de autofalantes. A
rádio foi instalada no pátio da escola, a antena foi levantada
improvisadamente em um mastro, e todos puderam participar
de uma programação improvisada, e por isso mesmo muito
aberta para a livre expressão e diálogo entre as pessoas
presentes. Essa tem se mostrado a melhor metodologia,
quando se trata de ajudar as pessoas a se libertarem da timidez
que resulta da repressão cotidiana ao direito à comunicação, e
a se descobrirem sujeitos da comunicação a partir de desejos
e necessidades próprias. Apresentar modelos pré-fabricados
de programação radiofônica em momentos como este pode
acabar por limitar essa libertação que é, antes de tudo, uma
libertação do desejo (Guattari, 2011). Também foram feitas
gravações em vídeo de relatos dos alunos sobre o que acharam
do curso, que depois Pedro editou em um pequeno vídeo.
A segunda edição do curso Comunicação, Cultura
e Resistência, também com duração de 4 dias, aconteceu em
novembro de 2014 em parceria com a Pastoral da Juventude
(PJ) da Igreja Bom Jesus de Tefé (AM). Tanto este grupo de
jovens como o seu coordenador, Raimundo Medeiros de Souza,
tinham tido um protagonismo importante nas manifestações
e assembleias do “Movimento Acorda Tefé”, que aconteceram
entre junho de 2013 e fevereiro de 2014. Além disso, a praça da
Igreja Bom Jesus tinha sido o principal local de realização das
assembleias deste movimento. O contato entre o CMI-Tefé e a
PJ aconteceu durante as mobilizações, e daí surgiu a parceria
que tinha como objetivo oferecer formação política voltada à
comunicação popular para esta juventude já tão combativa.
Outra parceria fundamental foi com o físico Samuel Nogueira

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Cerniak que, interessado no conceito de rádio livre, convidou


Guilherme Figueiredo para ser coorientador do TCC de Suelen
de Souza Correia. Graças à parceria, aluna pôde não apenas
pesquisar o processo de construção de um transmissor de
rádio, como também a sua utilidade na democratização da
sociedade. Suelen ajudou a realizar a segunda edição do curso,
levando conhecimentos de física e tecnologia e realizando
também ali sua pesquisa: passou um questionário para os
alunos responderem sobre a sua aprendizagem.
Como a PJ era formada por um grupo de adolescentes
um pouco mais jovem do que o da primeira edição do cur-
so, evitou-se trazer teorias mais elaboradas sobre cultura. No
primeiro dia foram debatidos os processos de comunicação,
dominação cultural e resistência a partir da exibição do filme
“Uma onda no ar” (dirigido por Helvécio Ratton em 2002), que
retrata a história verídica da rádio Favela nos anos 1980 e 90.
Criada por jovens negros em uma favela dos morros de Belo
Horizonte, a rádio tornou-se uma alternativa para fortalecer
a arte, a cultura, a informação, e até mesmo a educação autô-
noma da juventude e da população local, tornando-se por isso
mesmo uma arma contra o racismo, a discriminação, a explo-
ração e outras injustiças sofridas por eles e a população do seu
bairro. Os jovens do filme conseguiram construir o transmis-
sor e o estúdio do rádio sozinhos, graças ao autodidatismo do
grupo e ao curso técnico em eletrônica que um deles fez. Há
uma cena em que um militante do movimento estudantil en-
trega um jornal do grêmio para Jorge, principal protagonista
do filme, e este deixa o jornal de lado para continuar suas lei-
turas sobre eletromagnetismo. Mesmo com toda a dificuldade
de acesso à ciência e à tecnologia que existe na periferia das
cidades, o filme mostra como elas são apropriadas como parte
da resistência da juventude negra da favela. No segundo dia do
curso, Suelen deu uma aula teórica sobre como o som é trans-
mitido através de ondas eletromagnéticas, e depois dividiu os
adolescentes em grupos para ajudar cada um construir um mi-

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nitransmissor. Sérgio Fonseca, que tem experiência neste tipo


de trabalho, ajudou a preparar Suelen para esta aula, e tam-
bém forneceu algumas peças que estavam faltando. No final do
dia os grupos puderam testar e depois levar os seus pequenos
transmissores para casa.
A terceira aula tratou da história do rádio e das rádios
livres com uma apresentação que, desta vez, deu uma ênfase
maior na dimensão da apropriação científica e tecnológica. O
rádio não foi inventado por empresas e universidades, mas por
amadores. Embora poucos deles tenham ficado famosos (Mar-
coni e Tesla nos EUA, Landell de Moura no Brasil) por razões
industriais ou nacionalistas, na verdade o rádio foi inventado
por milhares de amadores que, principalmente nos EUA, uti-
lizavam sucatas para construir aparelhos em seus sótãos, gal-
pões e celeiros. Isso aconteceu neste país porque, durante o
século XIX, houve ali o Movimento Liceu, com centenas de
associações voltadas para a educação científica das camadas
populares, partindo do princípio de que a inteligência é uni-
versal. O resultado foi que no final do século XIX e começo do
século XX os amadores não apenas inventaram a desenvolve-
ram a tecnologia rádio, como também configuraram os seus
aparelhos para serem ao mesmo tempo emissores e receptores,
chegando em 1914 a criar uma ampla rede de comunicação ho-
rizontal ligando os EUA de costa a costa. As redes radiofônicas
eram descentralizadas, horizontais, e o espectro era autogerido
através de associações de amadores que promoviam também a
ajuda mútua, a educação mútua, e uma literatura para amantes
da ciência, tecnologia, comunicação e ficção científica. Depois
dessa fase inicial, a tecnologia rádio foi também amplamente
apropriada por movimentos operários e camponeses nos EUA
e Europa. Levou décadas para que a colonização do espectro,
levada à cabo pela radiodifusão militar e comercial, levasse
finalmente à estatização e depois à monopolização do espec-
tro por grandes empresas públicas e privadas. Os anos 30 e 40
foram o período de auge da utilização do rádio por grandes

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ditadores e outras lideranças carismáticas, bem como para a in-


venção da chamada indústria cultural, responsável pela propa-
gação da cultura de massas consumista que se tornou um dos
grandes motores de expansão da sociedade capitalista (Walker,
2001; Wu, 2012).
Foi para fazer frente a esses grandes impérios da comu-
nicação que surgiram os movimentos de rádios livres e comu-
nitárias. As primeiras rádios a usarem o nome “livre” foram as
que faziam a resistência à ocupação nazista da Europa, e depois
as que aproveitaram este exemplo para articular a comunicação
das lutas de libertação nacional (Fanon, 1981). No mesmo dia
da apresentação acima, feita com muitas imagens e contando
histórias, o debate foi também alimentado com a apresentação
de filmagens brutas de oficinas da rádio Xibé e vídeos das rá-
dios livres Muda e Amnésia. A exibição audiovisual facilita a
aproximação da imaginação do público com as experiências
e relatos sobre como os coletivos de rádio livre se organizam
de maneira horizontal e buscam levar a liberdade de expressão
aos mais variados grupos populares e populações tradicionais.
No último dia do curso a rádio Xibé foi instalada na Igreja, e
então todos os presentes puderam aprender quais são os seus
equipamentos e como se faz a instalação. Depois puderam esco-
lher músicas, falar livremente e realizar debates transmitidos ao
vivo para toda a cidade em 106,7FM, com o mesmo improviso
adotado em Santo Antônio do Iça e que é predominante nas
rádios livres. Neste momento o grupo da PJ e seu coordenador,
já experientes em realizar debates sobre os problemas sociais e a
construção de uma sociedade mais justa, organizaram improvi-
sadamente uma roda de conversa com os temas abordados em
sua luta que foi transmitida ao vivo. Jonas Cruz, um indígena
da etnia miranha que participou do curso tanto como aluno
como enquanto voluntário da Xibé, aproveitou para comparti-
lhar com os demais a sua luta contra o racismo.
Talvez o melhor conceito para se pensar a experiência
desse curso seja a “bricolagem” de Certeau (2003). Este autor

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afirma que, nas sociedades industriais, embora as classes popu-


lares não possuam o controle dos meios de produção, não são
reduzidas a meras consumidoras. Elas resistem se apropriando
dos produtos e sucatas industriais, recombinando e criando
para elas novos usos: para este processo, o autor dá o nome
de bricolagem. Ao analisarmos a trajetória das duas edições
do curso Comunicação, Cultura e Resistência, podemos notar
que os seus maiores ganhos foram o fruto de um processo de
bricolagem não apenas com equipamentos, mas também com
filmes, movimentos, instituições, espaços e pessoas. A recom-
binação entre esses diversos sujeitos sociotécnicos (Gonçalves,
2014) tonou possível, na primeira edição do curso, um diálogo
direto entre adolescentes de Santo Antônio do Iça e uma ati-
vista de Barcelona. Através de redes de mídia independente e
viagens estruturadas por laços de comunicação e solidarieda-
de, foi possível driblar a grande mídia e experimentar novos
caminhos para a descolonização e o diálogo intercultural. Na
segunda edição, foi possível o encontro da física com um movi-
mento de jovens envolvido na luta pelo direito à cidade, o que
tornou possível conversar e experimentar o processo de popu-
larização da ciência enquanto difusão da curiosidade e do espí-
rito científico, além de bricolagem técnica e humana que ajuda
a dar expressão aos desejos e lutas. Na medida em que a ciência
e o desenvolvimento tecnológico estão ao alcance de qualquer
amador, e não apenas de especialistas e profissionais, podem
ser transformadas em armas fundamentais para o amadureci-
mento da luta dos movimentos sociais. Isso é especialmente re-
levante na sociedade industrial, na qual a ciência e a tecnologia
são alguns dos principais instrumentos de dominação.
O curso não foi programado em um escritório e de-
pois “depositado” (Freire, 2011) em diversos espaços. O seu
conteúdo programático foi o resultado de diversas misturas
de interesses, recursos, ideias e materiais conforme as parce-
rias dialógicas foram sendo feitas. Como afirma Freire (2011),
somente o “encontro” entre “sujeitos” portadores de “temas

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geradores” torna possível o diálogo criativo e explorador vol-


tado ao mundo, que produz novas ideias e novas ações no tra-
balho que torna melhores tanto os sujeitos quanto o mundo,
humanizando-os. Os “temas geradores” são aqueles que são
“significativos” para os sujeitos, e que por isso mesmo portam
não apenas elementos de compreensão do mundo, mas tam-
bém a criatividade, valores e esperanças dos diversos grupos
sociais. São, por isso mesmo, o elo embrionário da ação e re-
flexão entre os sujeitos e mundo. Ao serem estabelecidos no-
vos encontros e diálogos, esses temas geradores fecundam-se
e trocam elementos novos entre os sujeitos, intensificando e
abrindo novos e inesperados caminhos para a práxis dialógi-
ca. Esses elementos estiveram presentes no curso graças à for-
ma parcialmente planejada e parcialmente improvisada com
que as duas edições foram sendo elaboradas, num processo
de bricolagem que valorizou os temas considerados significa-
tivos para cada sujeito que procurou se envolver.
A diferença entre este curso e a metodologia apresen-
tada por Freire (2011) é que, enquanto este atuava em projetos e
programas maiores em termos de escala, financiamento e grau
de institucionalização, o curso da UEA de Tefé em parceria
com o CMI foi uma experiência pequena, sem financiamento,
realizado com um mínimo de institucionalização. Isso tornou
mais fácil a aposta em uma abertura maior ao improviso e aos
frutos imprevistos da dialogicidade. Esta forma menor, coleti-
va e em rede de se promover comunicação e solidariedade deve
muito às tradições libertárias dos movimentos autonomistas e
das comunidades eclesiais de base. Este foi o tempero libertário
da pedagogia do curso Comunicação, Cultura e Resistência.
Mario Kaplun (1985) afirma que o comunicador deve buscar
a “comunicação aberta” ao invés da “comunicação fechada”, ou
seja, uma comunicação que estimula o interlocutor a se envol-
ver dialogicamente. O tempero libertário ajudou esta experiên-
cia a se tornar um exemplo de ‘curso aberto’.

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CULTURA DE PAZ NA ESCOLA E NO MEU DIA


A DIA: APLICAÇÃO PRÁTICA DO PROJETO
POR MEIO DA PEDAGOGIA FREIREANA NA
ESCOLA MUNICIPAL MARIA LUIZA PINTO
DO AMARAL EM BELÉM DO PARÁ.

JESUS, Jorge Antonio Lima1


GUTIERREZ, Narda de Castro2
CORRÊA, Danielle Cunha3
Introdução

A cultura de paz começa quando se cultiva a memória


e o exemplo de figuras que representam o cuidado
e a vivência da dimensão de generosidade que nos
habita, como Gandhi, Mons. Hélder Câmara, Luther
King e outros. Importa que façamos revoluções
moleculares (Gatarri), começando por nós mesmos.
Cada um estabelece como projeto pessoal e coletivo
a paz como método e como meta, paz que resulta dos
valores da cooperação, do cuidado, da compaixão e da
amorosidade, vividos cotidianamente. (BOFF, 2011)4.
1 Autor 01: Graduando em Licenciatura Plena em Pedagogia, na Uni-
versidade Federal do Pará. Campus Belém. <pedagogojorgelima@
gmail.com>
2 Autor 02: Graduanda em Licenciatura Plena em Pedagogia, na
Universidade Federal do Pará. Campus Belém. <walterguti2008@
hotmail.com>
3 Autor 03: Graduanda em Licenciatura Plena em Pedagogia, na Uni-
versidade Federal do Pará. Campus Belém. <dani.ifap@hotmail.
com>
4 Cultura de Paz. Leonardo Boff. Disponível em: <http://www.
leonardoboff.com/site/vista/2001-2002/culturapaz.htm> Acesso
20.05.2015.

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Questões relacionadas à violência simbólica ou física


caminham do ambiente familiar para o ambiente escolar e
vice-versa; logo, a luta pela justiça e paz e a procura de soluções
viáveis para solucionar tal problemática tornou-se um desafio
para todos aqueles que estão envolvidos direta ou indiretamente
com o campo educacional e suas particularidades, por isso,
propor uma formação docente para além da sala de aula e da
escola, do ser que está se formando e ainda uma reflexão sobre
novas práticas educativas que promovam a paz em nossas
escolas e vivências cotidianas é de fundamental importância
para que se construa e se efetive uma verdadeira cultura de paz.
Outro aspecto importante a ser observado diante
de tal proposição é a necessidade de percepção de que teoria
e prática, pertencentes ao universo da sala de aula, são
inexoravelmente indissociáveis na formação ética e integral
do ser humano, ou seja, “[...] a luta é dos seres humanos pelo
ser mais. Pela superação dos obstáculos à real humanização de
todos. Pela criação de condições estruturais que tornem possível
o ensaio de uma sociedade mais democrática” (FREIRE, 2002),
buscando despertar em nós, a necessidade de sabermos olhar
“o outro” e constituir-se com este outro.
O desenvolvimento do projeto “Cultura de Paz na
escola e no meu dia a dia” surgiu da percepção da necessidade
de se trabalhar a construção da cidadania por meio dos valores
morais, sociais e éticos, que devem, ou pelo menos deveriam,
envolver todas as áreas de conhecimento dentro do ambiente
escolar.
Diante deste pressuposto epistemológico e das
discussões e diálogos fomentados na disciplina de Psicologia da
Educação no curso de pedagogia da Universidade Federal do
Pará, surge então a proposta de pesquisa sobre o crescimento
alarmante do fenômeno “violência nas escolas”, tal fenômeno
que permeia atualmente o cenário escolar é mais antigo do que
se pensa, pois, desde a década de 1950 este tema já vem sendo
amplamente debatido nos Estados Unidos, se expandindo e

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ganhando dimensões que transformaram tal questão em um


problema social vivenciado em diversos países, inclusive no
Brasil, onde a cada dia nos deparamos com um crescimento
significativo no número de ações violentas nas escolas, sendo
possível constatar, por meio de pesquisas e noticiários, diversos
episódios de agressão verbal, física e simbólica que ocorrem
entre alunos, alunos e professores e mesmo entre a família e a
escola. Diante de tais questões, o desafio educacional torna-se
cada vez mais complexo, pois somente por meio da compreensão
das relações construídas coletiva e individualmente por todos
os atores envolvidos no processo educativo para a promoção de
uma cultura de paz, será possível a proposição de novas práticas
que nos levem a real vivencia da mesma.
Ao trabalharmos o fenômeno da violência escolar
na disciplina Psicologia da Educação, preocupamo-nos
em contribuir para minimizar este quadro alarmante que
adentrou os muros das escolas, também em Belém do Pará,
implementando a Cultura de Paz na escola com o objetivo
de possibilitar situações de reflexão e aprendizagem para que
os alunos possam desenvolver os valores humanos existentes,
interagindo e participando de forma integral, e agindo dentro
de uma moral e ética responsável, contribuindo para uma
relação verdadeira permeada por princípios morais percebidos
individual e coletivamente.
No âmbito deste projeto adotou-se a concepção da
pedagogia freireana para fomentar as atividades do projeto, pois
a educação é ideológica, porém dialogante e atentiva para que
se possa estabelecer a autêntica comunicação da aprendizagem,
entre pessoas com alma, sentimentos, desejos, sonhos e emoções.
Pois a pedagogia freireana é fundada na ética, no respeito à
dignidade e no reconhecimento da autonomia do educando.
E é vigilante contra todas as práticas de desumanização, sendo
necessário que o saber-fazer da auto reflexão crítica e o saber-ser
da sabedoria exercitada ajudem a evitar a “degradação humana”
e o discurso fatalista da globalização. (FREIRE, 1996).

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Estaremos pautando na escola estas práticas educativas


da “Cultura de Paz” fundamentada em Freire (1996), Foucault
(1988) e Boff (2014), considerando a escola como um coletivo,
formado pelos diversos atores sociais e educacionais com o
objetivo comum de lutar contra a violência presente em seu
cotidiano, a partir do momento em que novas ações venham
implementar suas práticas pedagógicas, conforme as que
iniciam este projeto e outras que surgirem dentro da concepção
de não-violência.
Ainda neste contexto do projeto “Cultura de Paz na
escola e no meu dia a dia”, Teixeira (2007) relaciona cinco
dimensões essenciais para uma frente de luta contra o bullying,
o racismo, e os demais conflitos intrínsecos ao fenômeno da
violência escolar, os quais são: a integração de exemplos
e conteúdos extraídos da cultura de grupos variados para
retratar os princípios e teorias de estudo; o entendimento
sobre como os conteúdos culturais implícitos nas disciplinas
influenciam no processo de construção do conhecimento; a
equidade pedagógica – maneiras de ensinar de diversas formas
de modo coerente e facilitador da aprendizagem dos alunos
dos diversos grupos culturais; a utilização de metodologias
e materiais favorecedores da prática educacional que visa à
redução do preconceito por meio das mudanças de atitudes
e o empoderamento de diversos grupos culturais através de
uma cultura escolar e de uma estrutura social autônoma e
libertadora.
Face ao exposto, o projeto tendo como foco a
abordagem da Cultura de Paz nas salas de aula foi desenvolvido
em uma escola da periferia belenense, a E.M.E.F. Maria
Luiza Pinto do Amaral, a partir do tema inicial da pesquisa
“Violência nas escolas”, trabalhamos por uma educação para
a Paz tendo como eixo central uma proposta pedagógica de
educação para a Cultura de Paz, embasada na epistemologia
crítica de Paulo Freire onde através do diálogo e da valorização
do outro, se busca o saber fazer a Paz na relação entre os alunos

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e professores e possibilitar a convivência pacífica no dia a dia,


educando para a cultura da Paz e para a libertação humana.
Aprender é “construir, reconstruir, constatar para mudar, o
que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espirito”.
(FREIRE, 1996, p. 77)
Metodologia
O projeto foi aplicado com a turma do 5º ano da
E.M.E.F. Maria Luiza Pinto do Amaral, localizada no bairro da
Sacramenta em Belém do Pará, composta por 26 alunos com a
faixa etária entre 10 e 12 anos de idade, do período da tarde,
envolvendo os alunos, a professora e seis estagiários do curso
de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal
do Pará, sob a orientação da professora doutora Maria Lúcia
Lima, responsável pela docência da disciplina Psicologia da
Educação no referido curso.
A pesquisa para elaboração do projeto foi desencadeada
a partir de uma atividade avaliativa da disciplina de Psicologia
da Educação do curso de Licenciatura em Pedagogia da UFPA
no ano de 2014, com fundamentos teóricos em Foucault e
Freire sobre a temática da “Violência escolar”. Após fazermos a
revisão bibliográfica, fomos a campo e optamos pela E.M.E.F.
“Maria Luiza Pinto do Amaral”, localizada no bairro da
Sacramenta, em Belém do Pará, por ser um bairro da periferia
belenense e possuir um índice elevado de conflitos escolares
na Rede de Ensino Municipal. (179 ocorrências de conflitos
entre estudantes na periferia, brigas nas escolas ou assaltos
praticados por estudantes com uniforme escolar no mês de
novembro de 2014, segundo dados da Secretaria de Segurança
Publica do Estado do Pará.).
O trabalho com projetos quer mais do que romper
com as velhas aulas expositivas, lineares e unidirecionais,
pouco interativas e pobres de estímulos, por isso como propõe
Freire (1996) por meio de uma metodologia fundamentada na
autonomia do educando, que propõe uma prática educativa

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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para a ética e estética, o respeito pelos saberes do educando


e o reconhecimento de sua identidade cultural, a rejeição de
toda e qualquer forma de discriminação e violência, o saber
dialogar e escutar, o querer bem aos educandos, o ter alegria
e esperança, o ter liberdade e autoridade, o ter curiosidade,
o ter a consciência do inacabado transformando educadores
e educandos e lhes garantindo o direito a esta autonomia de
cultivar a paz para a sua vida, para o outro, para a sua família,
para a comunidade e para o seu dia a dia.
Assim, a partir das práticas putadas na pedagogia
freireana e da revisão bibliográfica, realizamos nossas atividades
práticas na sala de vídeo da E.M.E.F. Maria Luiza Pinto do
Amaral durante quatro sextas-feiras, no horário de 13h30min
às 17h30min, onde as atividades foram desenvolvidas nos
seguintes encontros:
1º. Introdução do projeto: Encontro com a turma e
proposição de apresentação dos mesmos por meio de “Roda
de Conversa”;
2º. Incentiva-Ação: Apresentação do tema por meio
de vídeos sobre o assunto central do projeto “Cultura de Paz
na escola”; Incentivando e Intermediando os diálogos sobre
“Violência X Paz na escola e no meu dia a dia”, propondo ações
para a prática;
3º. Oficinas e dinâmicas vivenciais: Após os vídeos,
rodas de conversa e diálogos sobre a temática abordada, foi
feito o seguinte questionamento aos educandos “É possível
uma cultura de paz nas escolas?”. Em seguida os mesmos
participaram de dinâmicas em grupo para o autoconhecimento
e a percepção de sentimentos que nos possibilitam o cultivo da
paz e o respeito ao outro em nossas práticas cotidianas;
4º. Processo de Aprendizagem: Cada grupo de
alunos relacionou o tema “Cultura de Paz na escola e no meu
dia a dia” com alguma atividade humana escolhida (arte,
trabalho, esporte, religião, família, escola, etc.), levantando
questionamentos sobre as suas certeza e incertezas sobre a

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Cultura de Paz, fazendo em seguida uma apresentação cultural


com a música “Paz” (Roupa Nova) e ainda produzindo um
painel, sobre o qual deixaram suas impressões, por meio de
suas mãos embebidas em tintas de várias cores, construído no
quarto e último encontro e exposto na escola posteriormente.
Avaliação: Por considerar a avaliação como um
processo contínuo, a mesma se deu por meio da verificação
do envolvimento e desenvolvimento nas atividades e ações
propostas para averiguação das contribuições para a mudança
de atitudes de violência e comportamentos indisciplinares
do alunado. O projeto foi implantado na escola em parceria
com a coordenação pedagógica, e deverá ser continuada a sua
execução a cada semana por um professor diferente, dentro
das necessidades específicas de sua disciplina, determinando
os aspectos avaliativos que deverá utilizar para a promoção
contínua da paz no ambiente escolar, nas famílias dos alunos e
na comunidade como um todo.
Assim, a aplicação prática das atividades lúdicas do
projeto permitiu a realização e a implantação do primeiro passo
para a “Cultura de Paz na escola e no meu dia a dia” nesta turma
de 5ª ano da E.M.E. F “Maria Luiza Pinto do Amaral” de forma
afetiva, pedagógica e acima de tudo, lúdica, colaborando para a
reflexão e formação integral dos educandos, promovendo assim,
o reconhecimento deste sujeito, como indivíduos participantes
do processo de construção da cultura de paz e não mais como
um mero receptor da mesma. Vale ressaltar que o engajamento
contínuo dos alunos, educadores e da comunidade como um
todo, será fundamental para a manutenção e permanência de
tal projeto na escola e a criação de novas práticas que estimulem
a paz, permanente e cotidianamente.
A Violência Escolar no bairro da Sacramenta em Belém do
Pará
De acordo com dados do Ministério da Educação,
apenas 30,4% de um universo de 981.000 (novecentos e

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oitenta e um mil) adolescentes conseguiram concluir o Ensino


Fundamental no Pará, no período de 2010/2014. Ao todo,
6,9% abandonaram o estudo naquele período; logo alguns
estudos vêm colocando a violência escolar nesta fase do ensino
fundamental como propulsora do alto índice de evasão e,
consequentemente, aumento do número da criminalidade
no bairro. O convívio familiar conflituoso, a má qualidade do
ensino, a falta de organização e as estruturas da escola, entre
outros fatores, são todos considerados partes integrantes e
comuns desta violência escolar. É válido dizer que a violência
escolar está relacionada não apenas à escola, mas também à
família, às políticas de governo e ao próprio aluno, o que só
contribui para o crescimento desta evasão escolar e da violência
entre os jovens e adolescentes do bairro do Sacramenta, que está
no ranking entre os cinco mais violentos da capital paraense.
Segundo Teixeira (2011), a evasão escolar aumenta
a violência, bem como a violência na escola gera baixa no
rendimento escolar. Estas conexões foram confirmadas em sua
tese de doutorado apresentada no Departamento de Economia,
Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP, em Piracicaba. A relação
intrínseca entre criminalidade e educação de duas formas
distintas: o impacto da educação defasada ou o abandono
escolar sobre a criminalidade do ano posterior ao abandono, em
todos os Estados brasileiros em sua pesquisa, no período 2001
a 2005; e também o efeito da violência sobre o desempenho
escolar dos alunos do Estado de São Paulo em 2007.
Os resultados desta pesquisa demonstram que um
aumento da taxa de abandono escolar dos alunos nos últimos
anos do ensino fundamental e da primeira série do ensino
médio são responsáveis por uma elevação na taxa de crimes
e homicídios. Ainda neste contexto do projeto “Cultura de
Paz na escola e no meu dia a dia”, Teixeira (2007) relaciona
cinco dimensões essenciais para uma frente de luta contra o
bulliyng, o racismo, os conflitos gerados pela violência escolar:

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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a integração de exemplos e conteúdos extraídos da cultura de


grupos variados para retratar os princípios e teorias de estudo;
o entendimento sobre como os conteúdos culturais implícitos
nas disciplinas influenciam no processo de construção
do conhecimento; a equidade pedagógica – maneiras de
ensinar de diversas formas de modo coerente e facilitador
da aprendizagem dos alunos dos diversos grupos culturais; a
utilização de metodologias e materiais favorecedores da prática
educacional que visa à redução do preconceito por meio das
mudanças de atitudes e o empodeiramento de diversos grupos
culturais através de uma cultura escolar e de uma estrutura
social autônoma e libertadora.
A “Cultura de Paz” na perspectiva freireana.
Os diálogos, estudos e perspectivas educacionais
e humanizadoras de Paulo Freire, servem para subsidiar os
mais variados estudos referentes à educação e à formação dos
sujeitos sociais, tais perspectivas, pautadas sempre no diálogo,
no respeito e na valorização do outro foram fundamentais
para a escolha, discussão e proposição do projeto “Cultura
de paz na escola e no meu dia a dia”, pois somente a partir de
uma nova forma de olhar e perceber o outro como parte de
si, ideias fundamentais da perspectiva educacional freireana,
foi possível dialogarmos e desenvolvermos novas práticas
que promovessem a construção de novas ações intuídas pelos
valores humanos em busca da paz e do bem estar social para
todos os indivíduos envolvidos neste processo de ensino e de
aprendizagem.
Sendo o nosso tema gerador a violência, grave
problema social e em ascensão no bairro onde a escola está
localizada – o bairro da Sacramenta, em Belém do Pará, que
adentrou de maneira assustadora nas escolas brasileiras nos
últimos anos; encontramos nas discussões e diálogos freireanos,
elementos importantes para auxiliar-nos em nossa discussão e
implantação de um projeto que promovesse a paz, por meio

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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da construção de diálogos que permitissem aos sujeitos uma


reflexão sobre o outro, dentro de atividades que os levassem
a percepção e a valorização deste outro como parte de si, para
então, propor mudanças de atitudes que possam conduzir a
superação da violência e a promoção de uma cultura de paz no
cotidiano da escola, da família e da sociedade como um todo,
por meio da constante mediação das relações.
Para Freire, a paz era algo atingível à medida que
os sujeitos se comprometem e se conscientizem da busca da
mesma, como bem sintetiza Ana Maria Freire (2006, p. 2392):
A Paz tem sua grande possibilidade de concretização
através do diálogo freireano porque ele inscreveu na
sua epistemologia crítica a intenção de atingi-la. O
diálogo que busca o saber fazer a Paz na relação entre
subjetividade entre si e com o mundo e a objetividade
do mundo, isto é, entre os cidadãos e a possibilidade
da convivência pacífica é que autentica este inédito-
viável.

Dentro desta perspectiva nossa postura como


educadores deverá sempre pautar-se no ouvir, na tentativa de
identificar e compreender os fatores que tem desencadeado
as ações violentas, para somente então, propor atitudes para a
superação dos mesmos, por meio do diálogo que forma homens
e mulheres na e voltada para cultura da Paz, da solidariedade,
da fraternidade, e da libertação humana, com e entre os
sujeitos envolvidos no processo, que procura educar para a paz
e torna-la efetiva na escola e para além de seus muros, pois
somente nos apropriando do entendimento dos sujeitos como
seres inacabados e em constate processo de constituição de
sua humanidade, poderemos levar esperança e propostas de
reflexão e mudanças aos mesmos.
Para tanto, refletir, discutir e modificar nossas
práticas educativas, que muitas vezes tornam-se contraditórias,
criando um grande fosso entre o que se diz e o que se faz, será
fundamental para que não venhamos a perder o foco, e assim,

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ao invés de promovermos a necessária cultura de paz, geremos


ainda mais violência e conflitos, por meio de nossos discursos e
práticas autoritárias em nossas escolas e nos demais ambientes
nos quais estamos inseridos, por isso, segundo Freire (1994)
a constante vigilância deve ser um elemento indissociável de
nossas muitas práticas educativas e sociais. Em suma, a Paz se
cria, se constrói na construção incessante da justiça social.
Como Freire, acreditamos, portanto, não bastar
apenas querer a paz. Mais do que desejá-la, é necessário o
engajamento dos sujeitos em busca da mesma, por meio da
esperança e da convicção de que será possível atingi-la com
amor, generosidade e disponibilidade à mudança, aspectos
fundamentais para uma educação que visa promover a paz.
Afinal, conforme Freire (2006, p. 391).
[...] a paz não é um dado, dado um fato intrinsicamente
humano e comum a todos os povos, de quaisquer
culturas. Precisamos desde a mais tenra idade
formar as crianças na “Cultura da Paz” que necessita
desvelar e não esconder com criticidade a ética, as
práticas sociais injustas, incentivando a colaboração,
a tolerância com o diferente, o espirito de justiça e
solidariedade. O diálogo que busca o saber fazer a
Paz na relação entre subjetividades entre si e com o
mundo e a objetividade do mundo, isto é, entre os
cidadãos e a possibilidade da convivência pacífica.

Assim sendo, a proposição de novas reflexões e


práticas educativas pautadas nesta importante perspectiva,
além de nos motivar e nos mobilizar na construção do
projeto “Cultura de Paz na escola e no meu dia a dia”, ainda
nos permite continuar acreditando na possibilidade de nossa
utopia concretizar-se e podermos desfrutar de uma sociedade
mais igualitária e mais justa. Enquanto o sonho não se realiza,
continuamos incansavelmente, fortalecendo o debate e
fomentando os discursos e ideias freireanas que nos pautaram
ao longo de nosso projeto, afinal, como diria Paulo Freire (2001,
p. 98): “Mudar é difícil, mas é possível”. E é desta forma que

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a educação intervém no mundo trazendo alegria, esperança,


respeito, sensibilização e paz.

Desenvolvendo o Projeto: “Cultura de Paz na escola e no


meu dia a dia”

A cultura da paz se constitui dos valores, atitudes


e comportamentos que refletem o respeito à
vida, à pessoa humana e à sua dignidade, aos
direitos humanos, entendidos em seu conjunto,
interdependentes e indissociáveis. Viver em uma
cultura de paz significa repudiar todas as formas de
violência, especialmente a cotidiana, e promover
os princípios da liberdade, justiça, solidariedade e
tolerância, bem como estimular e compreensão entre
os povos e as pessoas (UNESCO apud MILANI, 2003,
p. 36).

O tema “Cultura de Paz na escola e no meu dia a dia”


tem como eixo central uma proposta pedagógica de educação
para a Paz nas escolas, embasado na epistemologia crítica
de Paulo Freire onde através do diálogo e da valorização do
outro, se busca o saber fazer a Paz na relação entre os cidadãos
e possibilitar a convivência pacífica. Educar para a cultura da
Paz por meio do diálogo, da solidariedade, da fraternidade, e
da libertação humana. Em 1986 em Paris ao receber o prêmio
da UNESCO, Paulo Freire nos dizia com convicção que a
educação seria para a promoção da paz:
De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas
gentes aprendizes, sobretudo que a Paz é fundamental,
indispensável, mas que a Paz implica lutar por ela.
A Paz se cria, se constrói na e pela superação de
realidades sociais perversas. A Paz se cria, se constrói
na construção incessante da justiça social. Por isso,
não creio em nenhum esforço chamado de educação
para a Paz que, em lugar de desvelar o mundo das
injustiças o torna opaco e tenta miopizar as suas
vítimas. (FREIRE apud GADOTTI, 1996, P. 52).

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O desenvolvimento da Cultura de Paz junto aos


educandos e também a toda a comunidade escolar propôs o
despertar da afetividade, dos valores morais e éticos, que devem
envolver todas as áreas de conhecimento com atividades que
visam refletir a ação destes, bem como ações planejadas pelo
professor, para trabalhar os sentimentos coerentes à paz através
de outros temas e a valorização do outro, por meio de formas
diferenciadas de ensino e aprendizagem. Contudo, a natureza
diferente de um e de outro não interfere na genética indissociável
de ambos. Freire (1996) ainda enfatiza que é na busca
incessante do homem pela justiça que se cria e constrói a Paz,
e que esta justiça social pode ser praticada com generosidade,
amor, tolerância, respeitando as diferenças de classe, de etnias,
de credo religioso, sem estilismos, sem autoritarismo, e sem
centralização de poder. Uma educação onde os valores têm
inicio na família, continuidade e aprofundamento na escola,
seguirá seu curso natural no trabalho, nas manifestações
culturais, nos movimentos, organizações sociais, etc.
Atualmente, a sociedade vive uma complexa inversão
de valores e em situações cada vez mais desgastantes na
convivência entre os indivíduos e em virtude destas diferenças
a escola tem sido, historicamente, uma instituição fundamental
de apoio e construção de ensino-aprendizagem dos valores
morais e humanos. Este Projeto objetivou possibilitar a
formação de promotores da cultura de paz e dos direitos
humanos e o surgimento de uma rede de colaboradores para
a paz, engajados na defesa dos direitos humanos e na luta pela
paz, capacitados como multiplicadores de ações para a não-
violência.
Desta forma, buscamos trabalhar a paz como um
processo interno ligado ao autoconhecimento e ao direito de
escolha. Baseados no equilíbrio emocional, como principal
fonte definidora da criança e do jovem, para torná-los felizes,
utilizando métodos que acabam implicando no que Foucault
(1982) aborda nas técnicas de exercícios de auto subjetivação:

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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reforço ético de si para consigo, conhecer-se e não dividir-


se, fazer de si um objeto totalmente presente a si mesmo e
estar completamente atento às suas próprias capacidades,
visando contribuir para que os alunos assumam-se como
seres individuais e sociais, comprometidos com a construção
coletiva de uma cultura de paz, traçando seus próprios projetos
de vida e de sociedade pautadas na mesma.
Os valores a serem trabalhados deverão envolver
todas as áreas de conhecimento com atividades que despertem
a reflexão destes no currículo trabalho com a turma. Os alunos
poderão aproveitar as ocasiões do dia a dia, como uma noticia
de jornal, um desentendimento entre alunos em sala de aula,
um acontecimento na comunidade ou em família referente
ao tema trabalhado, bem como ocasiões planejadas pela
professora, para trabalhar os valores e a afetividade pertinentes
com a Cultura de Paz. Uma das possibilidades de desenvolver
a afetividade que potencializa o ensino e aprendizagem é
resgatando o componente lúdico que há no trabalho com
projetos e que propicia um ensino voltado para a ação, a
pesquisa, a vivência de experiências reais.
“Cultura de Paz na Escola e no meu dia a dia”: aplicação
prática do projeto
Ao iniciarmos a aplicação do projeto com os
educandos, foi possível percebermos um aumento no grau
de envolvimento dos mesmos quando as aulas passaram a
ser mais dinâmica e sem o uso dos processos tradicionais de
apenas ouvir e copiar os assuntos propostos para cada aula.
Outro aspecto importante que colaborou para o envolvimento
destes educandos foi a postura assumida por cada integrante da
equipe, que se colocaram a todo o momento como mediadores
do conhecimento e do processo ensino-aprendizagem, tal
postura diminui a distância entre os educadores e educandos,
contribuindo significativamente para a participação efetiva
de todos nos diálogos e atividades realizadas, pois, ao

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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se perceberem como um ser “ativo” no processo houve


envolvimento e engajamento de ambas as partes. Assim sendo
a mudança de contexto da relação educador-educando, nos
possibilitou a aplicação do projeto de uma forma mais a prática
e eficaz.
Faz-se evidente, portanto, a necessidade da
constituição de articulações teóricas e metodológicas de
atuação dos educadores em sala de aula e o desenvolvimento
de métodos que possibilitem vislumbrar outras formas de
tratamento educacional e curricular do conjunto das vidas
dos sujeitos envolvidos nas práticas de escolarização ou em
outros ambientes sociais onde a identidade e a diferença são,
também, produzidas. Partimos da introdução do projeto,
conforme o nosso cronograma e a cada encontro através dos
diálogos fomos construindo nossas ações juntamente com os
alunos da turma: Incentiva-Ação, Oficinas Lúdicas, Dinâmicas
Vivenciais e Práticas Coletivas de Aprendizagem.
Ao abordar o fenômeno e questionar sobre o que é
a “violência”, e o que os educandos entendiam por “paz” foi
possível provocar uma reflexão sobre a importância de se
promover uma mudança individual e coletiva, para se alcançar
a paz e uma nova forma de olhar e perceber o outro, para isso,
estimulamos a curiosidade dos mesmos com diálogos sobre
temas que tratavam de afetividade, honestidade, dignidade,
respeito, tolerância, solidariedade, entre outros que deveriam
fazer parte de suas cotidianas, tais proposições levaram
estes indivíduos a um autoconhecimento como ferramenta
indispensável para a promoção de uma cultura de paz e a
valorizar atitudes individuais e coletivas para a promoção da
mesma na escola, na família e na comunidade, para assim,
se chegar ao objetivo principal do projeto, educar para uma
“Cultura de Paz” no seu dia a dia.
Mais que o favorecimento do processo de ensino e
aprendizagem, a aplicação do projeto possibilitou uma mudança
de comportamentos e atitudes, as quais foram promovidas por

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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meio de atividades que possibilitaram situações de reflexão e


aprendizagem, para que os sujeitos envolvidos no processo,
pudessem desenvolver a partir de seus diálogos, interações,
experiências e vivências, valores humanos, que permeassem
tanto as discussões teóricas, bem como as dinâmicas grupais
e de não-violência, em vista de uma atuação efetiva de
promoção da paz no cotidiano da escola, da sua família e de
sua comunidade.
Com base nas atividades lúdicas e culturais
implementadas com esta turma do 5º ano da E.M.E.F.
“Maria Luiza Pinto de Amaral” podemos elencar algumas
considerações importantes que podem favorecer o processo de
ensino/ aprendizagem e a prática docente pautada na pedagogia
freireana, as quais são: No educador, deve existir sempre uma
reflexão crítica entre a relação Teoria/Prática para que nenhum
perca seu objetivo ou importância nas praticas em sala de aula;
o aluno não é uma “tábua rasa” que o professor irá transferir
para ela os conhecimentos, deve sempre haver uma prática
dialógica entre educando e educador; os conhecimentos
dos alunos devem ser respeitados e aplicados aos conteúdos
ensinados em sala de aula; não deve haver discriminação, pois
esta prática fere um dos maiores direitos humanos: a dignidade,
o educador deve estar ciente de que suas práticas e atitudes
influenciam intrinsicamente a vida dos alunos e o respeito pela
autonomia do educando é exigido pela ética, pois, cada pessoa
possui particularidades e pensamentos que não podem ser
minimizados ou discriminados.
Por fim, observou-se que a falta de comunicação e
dialogicidade nas relações entre professores e alunos, escola
e família e ainda entre todos os demais atores sociais, pode
causar um considerável distanciamento entre os mesmos e
consequentemente uma deficiência no processo de ensino e
aprendizagem, independentemente da idade ou do ano escolar.
A atenção e o diálogo, ressaltado pelos próprios educandos
do projeto, cria momentos de afetividade, descontração e

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ainda facilita a criação de vínculos afetivos que auxiliam na


aproximação e no processo de entendimento e aquisição de
conhecimento. A “Cultura de Paz” parte deste pressuposto,
sendo iniciada sempre por meio do diálogo, para assim,
desenvolver-se uma interação entre os sujeitos, para que na
percepção do outro como parte de si, consiga traçar relações de
amorosidade, cumplicidade e respeito às diversidades, relações
nas quais o valorizar e o educar são percebidos como elementos
indissociáveis e constituem-se como elementos fundantes das
práticas educativas, que embora se utilizem da autoridade
em seus processos, a faz sempre valorizando e respeitando a
liberdade e de todo e qualquer educando.
As atividades lúdicas propiciam o tratamento dos
aspectos efetivos que caracterizam o ensino e a aprendizagem
como uma atividade pedagógica, de acordo com Kishimoto
(1994) que diferencia brinquedo e material pedagógico,
fundamentando-se na natureza dos objetos da ação educativa.
Ficando mais clara a sua posição sobre tais atividades, como o
jogo pedagógico, quando afirma que ao permitir a manifestação
do imaginário da criança, por meio de atividades lúdicas
e objetos simbólicos dispostos intencionalmente, a função
pedagógica subsidia o desenvolvimento integral da criança,
ao ato de ensinar nos exige uma rigorosidade metodológica,
a pesquisa, o respeito ao saberes dos educandos, criticidade,
estética e ética, sem esquecer-se da reflexão crítica sobre nossas
práticas e o reconhecimento e assunção da identidade cultural
de todos os atores envolvidos.
Para tanto, ainda segundo Freire (1996) é necessário
refletirmos sobre a postura que devemos assumir diante das
contradições que nos são inerentes como seres humanos,
pois ao nos posicionarmos como educadores, praticantes
da educação libertadora, é necessário nos despirmos da
autoridade exacerbada e criarmos uma relação dialógica com
nossos educandos, considerando-os participantes do processo
educacional e não produto final do mesmo. Por isso, Freire

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(2002) enfatiza em vários de seus livros a necessidade de


diminuirmos, a cada dia, a distância entre o que se diz e o que se
faz, pois a contradição só se vence com o exercício da coerência.
Coerência esta, que pode e deve ser percebida não somente na
relação de respeito do professor para com a liberdade de seus
alunos, como também, deve ser manifestada e fomentada em
todas as relações dentro da sociedade, visando à busca pelo “ser
mais”.
Considerações Finais: Concluindo o inacabado.
A introdução da “Cultura de Paz” nas escolas
implementa a discussão e a urgente necessidade de se
promover reflexões e novas práticas educativas que ressaltem,
os já esquecidos valores morais e éticos em nossa sociedade
e também em muitas de nossas escolas, afinal, com esta
percepção será possível o real enfrentamento deste fenômeno
que se tornou um grave problema social em todo o mundo e
adentrou também nossos muros escolares: a violência. Por isso,
estimular práticas educativas pautadas no diálogo, no respeito
e na afetividade entre educandos e educador, pode auxiliar
na caminhada rumo ao desenvolvimento e a compreensão de
regras do bem proceder em grupo; com diferenças marcantes,
a criança, precisa aprender que para além do aprendizado
adquirido no seu lar, há ainda um saber institucionalizado
que visa buscar sempre o bem da coletividade, respeitando
a diversidade, as hierarquias e os grupos do qual começa a
participar nesta importante fase de sua vida, a partir dos quais,
a mesma aprenderá e vivenciará atitudes e comportamentos que
lhe acompanharão por toda sua vida em sociedade. “E uma das
condições fundamentais deste aprendizado é tornar possível o
que parece não ser possível. A gente tem que lutar para tornar
possível o que ainda não é possível. Isto faz parte da tarefa
histórica de redesenhar e reconstruir o mundo” (FREIRE, 2000),
processos, que vivenciamos durante toda nossa constituição
como seres humanos, ou seja, por toda a vida.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A proposição e implementação do projeto “Cultura


de Paz na escola e no meu dia a dia” levou-nos a refletir e a
repensar nosso caminhar no curso de Pedagogia da UFPA e
nossa postura como futuros educadores, diante da apresentação
dos altos índices de violência escolar que assola o país, e que
adentraram de forma assustadora nossas escolas em Belém.
As vivências experimentadas por meio de tal implantação
e o convívio com a comunidade escolar e educandos da
referida escola, enriqueceram-nos imensamente em termos
de aprendizagem e conhecimento para a formação humana, e
ainda nos possibilitaram a construção de uma relação mútua
de afetividade, amizade, moralidade, generosidade, entre
outros, que nos levaram a cultivar este projeto cada dia com
mais amor, comprometimento e afinco pedagógico.
Dentro desta perspectiva de perceber o outro como
parte de nós, acreditamos que poderemos contribuir de
forma significativa para uma maior humanização de nossos
educandos, implementando na docência algumas atitudes
práticas, que tenham como premissa a fomentação da “Cultura
de Paz” para que assim, os educandos, diante das situações que
lhe serão colocadas, possam desenvolver sua autonomia, senso
critico, respeito ao outro, afetividade e liberdade de expressão,
valores humanos indispensáveis, para que se possa interagir de
forma participativa e integral, contribuindo assim, para uma
relação permeada por princípios e valores trabalhados por
meio das dinâmicas de arte e expressão lúdica, em vista de uma
atuação de paz no cotidiano da escola, da sua família e de sua
comunidade, a fim de promover, esperança de melhorias para
todos os sujeitos envolvidos no processo educativo realizado
em nossas escolas.
Nossa matriz é a da esperança, matriz esta, que
segundo Freire (2002) “[...] formar é muito mais que puramente
treinar o educando [...]” (p. 15), a mesma da educabilidade
do homem e da conscientização do seu inacabamento e da
necessária construção diária de sua humanidade, construção

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

esta, em que o educar consiste em uma prática muito além


que mecanicamente treinar alunos e alunas ou meramente
depositar-lhes uma quantidade massiva de conteúdos, mas
sim, pela construção dialógica de suas práticas individuais
e coletivas. Dentro da qual, precisamos estar na luta pela
autonomia, emancipadora da atualização do sonho, pela utopia
da criticidade, uma busca constante pela justa ação político-
ética, e a aceitação dos nossos sonhos e de nossa esperança por
uma “Cultura de Paz” presente não só no dia a dia do educando
e do educador, mas cotidianamente em todas as práticas e
momentos de nossa vida. Assim, se constitui um processo de
mudança, justiça, paz e equidade social.
Ama-se na medida em que se busca comunicação,
integração a partir da comunicação com os demais.
Não há educação sem amor. O amor implica luta
contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os
seres inacabados não pode educar. Não há educação
imposta como não há amor imposto. Quem não ama
não compreende o próximo, não o respeita. Não há
educação do medo. Nada se pode temer da educação
quando se ama. (FREIRE, 2001, p. 15).

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340
EIXO TEMÁTICO 3
PAULO FREIRE E EDUCAÇÃO POPULAR
Coordenadora: Lucinete Gadelha (UEA/AM)

Refletindo sobre o entendimento dos conceitos e


significados da Educação Popular e sua relação com os movi-
mentos sociais e o ensino público. Com ênfase nos estudos de
Paulo Freire sobre o currículo escolar, este eixo pretende ser
um espaço para refletir a formação continuada de educadores
numa perspectiva da Educação Popular, buscando pensar sis-
tematicamente os problemas que perpassam os conteúdos ne-
cessários para a construção dos saberes que estruturam a nossa
prática pedagógica enquanto educadores e educadoras.

343
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

SUMÁRIO

A DIVERSIDADE CULTURAL NA FORMAÇÃO E


PRÁTICA DE PROFESSORES
Tuany Sarmento da Silva
Tatiana de Sousa Silva .............................................................. 349

PAULO FREIRE E GERT BIESTA: UM DIÁLOGO


FECUNDO PARA REFLETIR SOBRE A FUNÇÃO DO/A
EDUCADOR/A NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
POPULAR
Ana Lúcia Souza de Freitas
Alex Guilherme ........................................................................ 365

A RELAÇÃO PEDAGÓGICA ATRAVÉS DO DIÁLOGO E


OS TEMAS GERADORES COMO METODOLOGIA DE
APRENDIZAGEM EM PAULO FREIRE
Átila Souza
Leandro dos Santos
Rildo Nedson Mota de Sousa ................................................. 381

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA


CONSTRUÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA
NO CONTEXTO DAS SERIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Patrícia Furtado Rodrigues
Lucinete Gadelhada Costa ...................................................... 395

O PROFESSOR LIBERTADOR: UMA PERSPECTIVA


SOBRE O EMPODERAMENTO
Isabela Vieira Barbosa
Jéssica Reinert Santos
Antônio Mueller ....................................................................... 421

344
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

O POTENCIAL PEDAGÓGICO DOS


RECURSOS DIGITAIS NA PERSPECTIVA DO
MULTILETRAMENTO
Adriana Souza .......................................................................... 433

“EU ME VIRO MUITO BEM... SÓ FALTOU A GENTE


SABER LER!”: ENTRE LEITURAS, ESCRITAS E A
EDUCAÇÃO POPULAR
Juliany Mazera Fraga
Jeime Andrea Dávalo Gonçalves
Antônio José Müller ................................................................. 445

DIÁRIO DE BORDO: ESTRATÉGIA DE AVALIAÇÃO,


PRÁTICA DE (AUTO)FORMAÇÃO NA EDUCAÇÃO
POPULAR
Sabrina Garcez
Cystina Di Santo D’Andrea ..................................................... 463

A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER


Graciene Andrade
Dayane Lima
Lucinete Costa .......................................................................... 481

ENSINO DE FÍSICA PARA DEFICIENTES VISUAIS: UMA


ANÁLISE DAS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES A PARTIR
DA BIBLIOTECA BRAILLE DE MANAUS
Flaviane Cristine Santos de Souza
Francisco Rodrigo das Chagas Palma ................................... 489

REPRESENTAÇÃO FREIRIANA: DESAFIOS DE UMA


PRÁTICA PEDAGOGICA NA EDUCAÇÃO NÃO
FORMAL
Ana Amélia da Silva Rocha
Gerilúcia Nascimento de Oliveira
Polyana Milena Barros Navegante ......................................... 499

345
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A COLOBORAÇÃO DA INTELIGIÊNCIA CULTURAL


NA EDUCAÇÃO POPULAR SOBRE A PERPESCTIVA DA
TERTÚLIA LITERÁRIA DIALÓGICA
Haiully Valdez de Azevedo
Jéssika França Pessoa
Eglen Silvia Pipi Rodrigues ..................................................... 515

A AFETIVIDADE NO PROCESSO ENSINO


APRENDIZAGEM NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Flor de Liz Marques Cantanhêde ........................................... 529

QUEFAZERES DA EDUCAÇÃO DO CAMPO:


CONTRIBUIÇÕES DE FREIRE
Sheila de Fátima Mangoli Rocha
Gomercindo Ghiggi
Priscila Monteiro Chaves ........................................................ 543

PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO EM PAULO FREIRE


Solange Todero Von Onçay
Adriana Salete Loss .................................................................. 553

EDUCAÇÃO: UM PROCESSO CONTÍNUO DE


CONSCIENTIZAÇÃO
Sabrina Senra da Silveira ......................................................... 565

COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM COMO AÇÃO


DA EDUCAÇÃO POPULAR
Eglen Silvia Pipi Rodrigues
Maizi Aparecida dos Santos
Maiane Félix Lourenço ............................................................ 629

UM OLHAR SOBRE O CONCEITO DE MUDANÇA NA


OBRA FREIREANA
Nayandra Carvalho da Silva
Amanda Motta Castro ............................................................. 645

346
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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

TRABALHO PEDAGÓGICO E POLÍTICAS DE


INCLUSÃO: RELATOS DA ATUAÇÃO DE DOCENTES
EM EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ENSINO BÁSICO
Roberto Gilonna Jr.
Dalmir Pacheco ........................................................................ 659

ESPAÇOS DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, FÓRUM


SOCIAL TEMÁTICO E DE EDUCAÇÃO POPULAR: UMA
EXPERIÊNCIA QUE ALIMENTA A MILITÂNCIA
Vera Lúcia Lourido Barreto .................................................... 671

REDE DE EDUCAÇÃO CIDADÃ DO AMAZONAS:


PROMOVENDO A ORGANIZAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS
DA EDUCAÇÃO POPULAR NA PERSPECTIVA DE
ALCANÇAR OS OBJETIVOS ESTRATÉGICOS DO
PROGRAMA FOME ZERO
Silva Irismar Santos
Santos Francimar Junior ......................................................... 685

DEFICIÊNCIA E INFORMÁTICA: UM MOSAICO


ACESSÍVEL NAS SERIES INICIAIS
Tássia Patricia Silva
Ioná Magalhães ......................................................................... 701

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E SUAS IMPLICAÇÕES


NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS
Agda Monteiro de Souza
Lucinete Gadelha da Costa ..................................................... 711

347
348
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A DIVERSIDADE CULTURAL NA FORMAÇÃO


E PRÁTICA DE PROFESSORES

SILVA, Tuany Sarmento da1


SILVA, Tatiana de Sousa2
Introdução
O presente trabalho apresenta uma abordagem sobre
os dilemas e desafios que envolvem a educação escolar e as
práticas de professores em relação à diversidade cultural. Para
isso, o estudo perpassa pelas discussões acerca do multicultu-
ralismo e interculturalismo evidenciadas, principalmente, na
educação popular de Paulo Freire.
O multiculturalismo emerge no Brasil no início da dé-
cada de 60, por meio de grandes mobilizações dos movimentos
sociais e culturais, com a preocupação de uma educação que
respeite os diversos grupos socioculturais, principalmente os
excluídos socialmente. Entre as diversas manifestações, a favor
da educação popular, estão as iniciativas dos Centros Populares
de Cultura (CPCs), o Movimento de Educação de Base (MEB),
o Movimento de Cultura Popular (MCP), a campanha “De Pé
1 Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará. Dis-
cente do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, da
Universidade do Estado do Pará, vinculada à Linha de Pesquisa For-
mação de Professores e Práticas Pedagógicas – UEPA. E-mail: tuany.
sarmento2015@gmail.com
2 Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. Dis-
cente do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado,
da Universidade do Estado do Pará, vinculada à Linha de Pesquisa
Formação de Professores e Práticas Pedagógicas – UEPA. E-mail:
tatianass76@yahoo.com.br

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

no Chão também se aprende a ler”, assim como a proposta de


educação de adultos com base na valorização da cultura popu-
lar elaborada por Paulo Freire (FLEURI, 2001).
Contudo, a relevância dessa temática evidenciou-se,
mais amplamente, na década de 90, em função da política plu-
ralista cultural do ensino fundamental, implantada por meio
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que apontavam a edu-
cação para a diversidade cultural e para as diferenças de etnia,
gênero e classe.
Embora, as questões culturais passassem a ser discuti-
das no âmbito educacional o que, ainda, observa-se nas escolas
brasileiras é o caráter padronizador, homogeneizador e mono-
cultural de educação, onde as práticas pedagógicas de profes-
sores, geralmente, encontram-se desenraizadas das questões
culturais da sociedade.
Segundo Oliveira (2011), tendo em vista que a for-
mação histórica brasileira é marcada pela eliminação e nega-
ção do outro, principalmente de grupos indígenas e afrodes-
cendentes, o debate do multiculturalismo está demarcado pela
presença desses sujeitos historicamente e socialmente oprimi-
dos e excluídos. Nesse sentido, torna-se relevante ampliar as
discussões acerca da construção de processos educativos, que
evidenciem e problematizem a diversidade cultural, principal-
mente, na formação e prática de professores, visando promover
uma educação democrática e crítica, onde as diferenças sejam
dialeticamente incluídas e valorizadas. É nesse contexto que
nos pautamos nas contribuições dos princípios encontrados
na educação popular de Paulo Freire, construída em 1960, em
busca de um processo educativo que proponha uma relação
entre pessoas que aprendem mutuamente, que dialoguem e
respeitem a diferença, com base numa educação intercultural.
Desse modo, do ponto de vista teórico-metodológico,
realizamos uma pesquisa bibliográfica, cuja temática central é
apresentada, brevemente, na introdução deste trabalho. No se-
gundo tópico, trataremos sobre o percurso metodológico ado-

350
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

tado para a construção deste estudo. Em seguida, discorremos


acerca dos resultados e discussões trabalhados nos tópicos 3 e
4. No terceiro tópico, apresentamos algumas vertentes do mul-
ticulturalismo e de educação multicultural, onde destacamos
as contribuições da educação popular de Paulo Freire para a
construção de uma educação que promova o diálogo e respei-
to à diferença. No quarto tópico, discutimos de que forma as
questões culturais apresentam-se no ensino escolar e algumas
contribuições acerca da perspectiva intercultural na formação
e prática de professores. Por fim, nas conclusões, serão regis-
tradas algumas considerações sobre as ideias sínteses desenvol-
vidas neste trabalho.
Metodologia
Do ponto de vista teórico-metodológico, realizou-
-se uma pesquisa bibliográfica a partir de discussões acerca
do multiculturalismo e interculturalismo. Segundo Severino
(2007), a pesquisa bibliográfica
É aquela que se realiza a partir do registro disponível,
decorrente de pesquisas anteriores, em documentos
impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utilizam-se
dados ou categorias teóricas já trabalhadas por outros
pesquisadores e devidamente registrados. Os textos
tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O
pesquisador trabalha a partir das contribuições dos
autores dos estudos analíticos constantes dos textos
(SEVERINO, 2007, p. 122).

Nesse sentido, as discussões acerca da diversidade e


interação cultural pautam-se nas reflexões críticas de alguns
autores que discutem sobre o multi/ interculturalismo no Bra-
sil e na Amazônia.
O interesse pela temática emergiu durante a apresen-
tação de seminários na disciplina Epistemologia e educação
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universida-
de do Estado do Pará. As discussões acerca do multicultura-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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lismo e interculturalismo pautaram-se nos estudos de Candau


(2008), Fleuri (2001) e Oliveira (2011), onde, para fins desse
estudo, ampliamos o marco teórico para a exposição das obras
de Freire (1980; 1987), Candau (2003), Fleuri (2003), Moreira
e Candau (2003). Com relação as discussões acerca do mul-
ticulturalismo na Amazônia, utilizamos o trabalho de Lopez,
Nenevé e Amaral (2013).
Desse modo, organizamos os conteúdos apresentados
por esses autores em dois momentos: primeiramente, por meio
da apresentação de algumas vertentes do multiculturalismo e
de que maneira essas concepções estão relacionadas à educa-
ção; posteriormente, focamos nas relações entre as questões
culturais e o ensino escolar, principalmente na formação e prá-
tica de professores.
Multiculturalismo e educação: um diálogo possível
Um dos desafios em discutir a problemática do mul-
ticulturalismo está na polissemia do termo. Nesse tópico, se-
rão apresentadas algumas concepções multiculturais com base
em Candau (2008) e Fleuri (2001). Segundo Candau (2008),
inúmeras e diversificadas são as concepções e vertentes multi-
culturais - multiculturalismo conservador, liberal, celebratório,
crítico, emancipador, revolucionário. Contudo, neste trabalho,
nos atentaremos para três abordagens discutidas por Candau
(2008): multiculturalismo assimilacionista; multiculturalismo
diferencialista ou monoculturalismo plural; e o multicultura-
lismo interativo ou intercultural.
No multiculturalismo assimilacionista, parte-se do
pressuposto que vivemos numa sociedade multicultural, ou
seja, há o reconhecimento da diversidade de culturas, contu-
do, não há igualdade de oportunidades para todos, nos mais
diversos setores da sociedade, inclusive, ao acesso as escolas de
qualidade e as ofertas de emprego. Nesse sentido, uma política
assimilacionista não problematiza a matriz da sociedade e, as-
sim, favorece que todos, inclusive os grupos marginalizados e
discriminados, se integrem aos valores, mentalidades e conhe-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

cimentos socialmente valorizados pela cultura hegemônica.


Segundo Candau (2008, p. 21)
Essa posição defende o projeto de afirmar uma “cul-
tura comum”, a cultura hegemônica, e, em nome dele,
deslegitima dialetos, saberes, línguas, crenças, valores
“diferentes”, pertencentes aos grupos subordinados,
considerados inferiores, explícita ou implicitamente.

Nesse sentido, há o reconhecimento da pluralidade de


uma determinada sociedade, contudo, há uma valorização dos
saberes de uma cultura hegemônica, onde são inferiorizadas
e silenciadas as construções culturais de grupos excluídos so-
cialmente.
Essa política assimilacionista está presente nas escolas
brasileiras, onde é notório o caráter homogeneizador da esco-
la no que se refere aos conteúdos curriculares e às estratégias
utilizadas na sala de aula. Desse modo, os alunos oriundos dos
grupos que não tinham acesso à educação, são incluídos nos
espaços escolares tal como se configuram, os adequando a pa-
drões pré-estabelecidos por uma classe social. Assim, “quando
se enfatiza a assimilação, termina-se por negar a diferença ou
silenciá-la” (CANDAU, 2008, p. 21).
A próxima abordagem multicultural, denominada de
Monocultura plural ou Multiculturalismo Diferencialista, tam-
bém faz o reconhecimento da pluralidade cultural, contudo,
parte do princípio que é necessário que se criem espaços pró-
prios e específicos para os diversos grupos socioculturais, para
que suas identidades e matrizes culturais possam se expressar
com liberdade. Segundo Fleuri (2001, p. 48), essa perspecti-
va multicultural reconhece que cada grupo social desenvolve
historicamente uma identidade e uma cultura própria e, assim
“considera que cada cultura é válida em si mesma, na medida
em que corresponde às necessidades e às opções de uma cole-
tividade”.
Nesse sentido, cada grupo cultural se manteria isola-
do um dos outros, havendo a fragmentação de grupos socio-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

culturais, como também reproduzindo o etnocentrismo e as


discriminações sociais.
Já o multiculturalismo interativo ou intercultural pro-
move a inter-relação entre diferentes grupos culturais presen-
tes em uma determinada sociedade. Nesse sentido, essa verten-
te não reduz o multiculturalismo apenas ao reconhecimento
do pluralismo cultural ou a fragmentação de grupos culturais,
mas que haja uma interação desses grupos, por meio do diá-
logo e respeito às diferenças. O interculturalismo é entendido
por Fleuri (2003, p. 31-2) como
processo construído pela relação tensa e intensa entre
diferentes sujeitos, criando contextos interativos que,
justamente por se conectar dinamicamente com os
diferentes contextos culturais em relação aos quais os
diferentes sujeitos desenvolvem suas respectivas iden-
tidades, torna-se um ambiente criativo e propriamen-
te formativo, ou seja, estruturante de movimentos de
identificação subjetivos e socioculturais.

Candau (2008) e Fleuri (2001; 2003), consideram


a interculturalidade mais adequada para a construção de so-
ciedades democráticas, pluralistas e inclusivas. Nesse sentido,
uma educação intercultural constrói um processo educativo
que promove a relação entre pessoas de culturas diferentes,
por meio do reconhecimento do “outro” e pelo diálogo dos di-
ferentes grupos culturais. Parte do princípio que, as relações
culturais, construídas historicamente, estão atravessadas por
mecanismos de poder de determinados grupos, havendo re-
lações fortemente hierarquizadas, marcadas pelo preconceito
e discriminação.
Desse modo, não basta que as diferenças culturais se-
jam apenas reconhecidas, e sim problematizadas, por meio de
uma educação baseada na negociação cultural, “que enfrenta
os conflitos provocados [...] e é capaz de favorecer a construção
de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialetica-
mente incluídas” (CANDAU, 2008, p. 23).

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

É justamente por meio dessa relação intrínseca en-


tre as questões culturais e o ensino escolar que encontramos
alguns aspectos da educação popular de Paulo Freire que se
aproximam da educação intercultural, entre eles: “a relação que
estabelece entre cultura e educação; o uso do diálogo como es-
tratégia pedagógica; a promoção do empoderamento dos sujei-
tos que sofrem exclusão social [...]” (OLIVEIRA, 2011, p. 38).
Segundo Oliveira (2011), a interculturalidade está presente
desde as primeiras produções de Paulo Freire de 1960, acerca
da educação popular, por meio de conceitos que compreen-
dem a concepção do autor sobre esta educação, entre os quais
se destacam: oprimido, cultura, invasão cultural, diálogo e au-
tonomia. Posteriormente, na década de 90, encontram-se nas
obras do autor temas acerca do multiculturalismo, o qual pro-
blematiza questões relacionadas à diferença, identidade cultu-
ral, tolerância, entre outras. Esses conceitos, que compõe seus
pressupostos teórico-metodológicos, possibilitam compreen-
der duas pedagogias antagônicas discutidas por ele: a pedago-
gia bancária e a pedagogia libertadora.
Para Freire (1987), na Pedagogia Bancária, o ato de
educar pauta-se na visão dos alunos como os depositários e os
professores como depositantes, ou seja, o professor é o único
detentor do conhecimento, onde o transmite para os alunos,
que são indivíduos que somente o recebe. Nesse sentido, “em
lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depó-
sitos que os educandos, meras incidências, recebem pacien-
temente, memorizam e repetem” (FREIRE, 1987, p. 33). Em
contrapartida, Freire (1987, p. 54) propõe a Pedagogia Liberta-
dora, que “o educador já não é o que apenas educa, mas o que,
enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que,
ao ser educado, também educa”, ou seja, nessa concepção de
educação, ambos os sujeitos constroem o conhecimento. As-
sim, a Educação Libertadora abre espaço ao diálogo, ao levan-
tamento e questionamento de problemas, e a reflexão sobre a
realidade, em busca por sua transformação. Desse modo, Frei-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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re (1987) denuncia a teoria bancária – antidialógica e opresso-


ra – e anuncia a educação libertadora – crítica e dialógica.
Segundo Oliveira (2011, p. 39), uma das caracterís-
ticas principais das produções de Paulo Freire pauta-se em
busca de uma “educação ética e politicamente engajada com o
oprimido”, esta se aplica a qualquer segmento social que sofre
discriminação, opressão e exclusão social. Para Freire (1983), a
categoria oprimido é mais ampla que a categoria classe social,
por isso, a opressão social está relacionada à opressão cultu-
ral e, assim, o conceito de cultura emerge como fundamental
para a análise do processo de opressão e de libertação. Segundo
Freire (1980, p. 38), a cultura “é todo o resultado da atividade
humana, do esforço criador e recriador do homem, de seu tra-
balho por transformar e estabelecer relações de diálogo com
outros homens”.
Desse modo, Paulo Freire (1980) coloca a cultura
como centro na compreensão do processo educativo. Por meio
da cultura, Freire revela a importância das relações entre os sa-
beres construídos por indivíduos de diferentes grupos sociais,
a partir do reconhecimento e legitimação dos saberes desses
grupos historicamente negados (OLIVEIRA, 2011). Assim,
A valorização dos saberes culturais de segmentos so-
ciais excluídos implica eticamente no reconhecimen-
to e no respeito ao “outro” diferente e a sua cultura,
e um dos pressupostos da educação intercultural é o
reconhecimento do “outro” e a promoção do diálogo
entre os diferentes grupos sociais e culturais (OLI-
VEIRA, 2011, p. 42, grifo nosso).

Assim, por meio do diálogo há o encontro e respeito


com a diferença. Nesse sentido, ser dialógico é transformar a
realidade com o outro, sem invadir a cultura do outro (OLI-
VEIRA, 2011). Nesse aspecto, o diálogo freireano é um meio
por onde se pode facilitar a convivência e interação com gru-
pos socioculturais diferentes, já que “a convivência entre gru-
pos sociais culturalmente diferentes é possível desde que, nesta

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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relação, a comunicação entre eles através do diálogo, possibilite


a interação intergrupal a partir das trocas de experiências vi-
vidas” (ARAÚJO, 2004, p. 21-2 apud OLIVEIRA, 2011, p. 43).
Logo, apresentam-se no pensamento educacional de
Paulo Freire as categorias cultura e diálogo, que são fundamen-
tais para a educação intercultural, onde aparece a cultura “como
eixo do debate ético-político da educação e o diálogo como ca-
minho metodológico para promover o encontro entre as dife-
renças e as relações interculturais” (OLIVEIRA, 2011, p. 44).
Interculturalismo na escola: práticas de inclusão e respeito
às diferenças
Nas sociedades contemporâneas, são muitas as discus-
sões acerca da problemática do ensino escolar – universalização
da escolarização, qualidade da educação, concepções curricu-
lares, função social da escola, formação de professores, entre
outros. Nesse contexto, é concebida a ideia de que o fracasso ou
sucesso da educação depende, em grande parte, da qualidade
do desempenho dos professores. Desse modo, deposita-se nos
professores a culpabilidade pelos problemas do ensino escolar,
onde “a baixa produtividade da escola, em muitos casos, é re-
lacionada ao despreparo do professor” (GIESTA, 2005, p. 70).
Contudo, é fundamental levarmos em consideração, que nem
sempre as causas de todos os problemas se localizam dentro do
âmbito escolar, pois as escolas, geralmente, reproduzem os pre-
conceitos e valores que existem na sociedade.
Esse fato não é diferente com os professores da Ama-
zônia brasileira, devido, possivelmente, sua formação está
estruturada num padrão de cultura, onde são legitimados os
saberes construídos de um determinado grupo social, reprodu-
zindo em suas práticas, “um discurso colonizador, que perpetua
e difunde a discriminação e o preconceito social” (LOPEZ, NE-
NEVÉ E AMARAL, 2013, p. 208).
Nesse contexto, as questões culturais emergem como
processo que está intrinsecamente relacionado à educação es-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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colar, pois “não há educação que não esteja imersa nos pro-
cessos culturais do contexto em que se situa (CANDAU, 2008,
p. 13). Contudo, ainda, é comum que nas escolas brasileiras
as práticas pedagógicas de professores estejam desvinculadas
das questões culturais, possivelmente, porque os cursos de
formação de professores baseiam-se num saber idealizado de
aluno e escola, onde já existe um estereótipo de aluno, e aquele
que não está adequado ao padrão, deve adequar-se ou ser si-
lenciado.
Outro desafio para os professores da educação básica
em problematizar as questões culturais em suas práticas, está
no caráter padronizador e homogeneizador do ensino escolar.
Segundo Moreira e Candau (2003, p. 161)
A escola sempre teve dificuldade em lidar com a plu-
ralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutrali-
zá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneiza-
ção e padronização. No entanto, abrir espaços para a
diversidade, a diferença e para o cruzamento de cul-
turas constitui o grande desafio que está chamada a
enfrentar.

Logo, quando a cultura escolar é, de maneira geral,


marcada pela padronização e por um caráter homogeneizador,
tornam-se invisíveis as diferenças, tende-se a apagá-las “são to-
dos alunos, são todos iguais” (CANDAU, 2008, p. 25). Segundo
Gimeno Sacristán (2001, p.123-4 apud CANDAU, 2008, p. 15)
“a modernidade abordou a diversidade de duas formas bási-
cas: assimilando tudo que é diferente a padrões unitários ou
‘segregando-o’ em categorias fora da ‘normalidade’ dominan-
te”. Dessa forma, os grupos sociais que estão fora do padrão
comum são, muitas vezes, marginalizados, onde a diferença é
vista como inferior ao padrão hegemônico.
Segundo Candau (2008), apesar desse caráter mono-
cultural da escola, é cada vez mais forte a consciência da ne-
cessidade de construir práticas em que esteja mais presente a
questão da diferença e do multi/interculturalismo. Contudo,

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

para que as questões culturais sejam trabalhadas nas práticas


educativas, no sentido de construir uma sociedade mais justa
e mais solidária, é necessária a realização de algumas mudan-
ças no sistema escolar, como bem ressalta Nanni (1998 apud
FLEURI 2001): a realização do princípio da igualdade de opor-
tunidades, no sentido de repensar as funções, os conteúdos e os
métodos da escola, para a superação de seu caráter monocultu-
ral; a reelaborarão dos livros didáticos, de modo que a prática
pedagógica torne-se mais interdisciplinar e multidimensional; a
formação e a requalificação dos educadores, para que os cursos
de formação de professores superem a perspectiva monocultu-
ral e etnocêntrica, que se configuram nos modos de educar e de
se relacionar com seus alunos.
Com relação aos livros didáticos, é notório na Região
Norte a utilização de leituras que apresentam a história, os cos-
tumes, a diversidade cultural do sul e/ou do sudeste brasileiro,
muitas vezes negando ou silenciando as culturas presentes em
nossa região (LOPEZ, NENEVÉ E AMARAL, 2013, p. 208).
Contudo, um exemplo dos avanços das discussões do
multiculturalismo no espaço escolar emergiu a partir da criação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997), por meio
da inclusão, no currículo escolar, dos temas transversais e da
pluralidade cultural. Segundo os PCNs (1997), o que notamos
é que
Na relação do País consigo mesmo, é comum prevale-
cerem vários estereótipos, tanto regionais quanto em
relação a grupos étnicos, sociais e culturais. Historica-
mente, registra-se dificuldade para se lidar com a temá-
tica do preconceito e da discriminação racial/étnica. O
País evitou o tema por muito tempo, sendo marcado
por “mitos” que veicularam uma imagem de um Bra-
sil homogêneo, sem diferenças, ou, em outra hipótese,
promotor de uma suposta “democracia racial” (PARÂ-
METROS CURRICULARES NACIONAIS, p. 20).

Apesar da diversidade cultural está presente nos PCNs


(1997), o que ainda notamos são os graves fenômenos de racis-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

mo e discriminação étnica e social, pois, coloca-se em evidên-


cia – nas práticas educativas - o ato de conhecer o diferente,
contudo, a interação entre diferentes grupos ainda é um desa-
fio a ser superado. É desse modo que a perspectiva intercultural
ultrapassa a multicultural, pois o interculturalismo reconhece
o valor de cada cultura e defende a relação recíproca entre di-
ferentes grupos identitários, como bem ressalta Fleuri (2001,
p. 56)
A perspectiva intercultural de educação, enfim, impli-
ca em mudanças profundas na prática educativa, de
modo particular na escola. Pela necessidade de ofere-
cer oportunidades educativas a todos, respeitando e
integrando a diversidade de sujeitos e de seus pontos
de vista. Pela necessidade de desenvolver processos
educativos, metodologias e instrumentos pedagó-
gicos que dêem conta da complexidade das relações
humanas entre indivíduos e culturas diferentes. E pela
necessidade de reinventar o papel e o processo de for-
mação dos educadores.

Segundo Candau (2008), é frágil a presença do multi/


interculturalismo nas universidades, pois é recente a inclusão
das discussões acerca do multiculturalismo nos cursos de for-
mação de professores, e mesmo assim, ocorre de maneira es-
porádica e pouco sistematizada. Com relação à formação con-
tinuada, ocorre, geralmente, por iniciativas de organizações
não governamentais (ONGs), algumas vezes em parceria com
órgãos públicos, com o intuito de favorecer a incorporação da
perspectiva multicultural na educação básica e nas práticas pe-
dagógicas de professores. Assim, práticas pedagógicas pauta-
das no interculturalismo
orienta processos que têm por base o reconhecimento
do direito à diferença e a luta contra todas as formas
de discriminação e desigualdade social. Tenta promo-
ver relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e
grupos que pertencem a universos culturais diferen-
tes, trabalhando os conflitos inerentes a esta reali-
dade. Não ignora as relações de poder presentes nas

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume


os conflitos procurando as estratégias mais adequadas
pra enfrentá-los (CANDAU, 2003, p.148).

Conclusões
Pensar a educação a partir de uma perspectiva inter-
cultural, que reconheça, valorize e defenda o diálogo e a re-
lação recíproca entre culturas diferentes, como bem ressalta
Fleuri (2001), não é tarefa das mais simples, considerando-se
todo o histórico de imposições culturais sob as quais se tem
erigido a educação em nosso país, por meio de práticas e dis-
cursos homogeneizadores e dominantes. Vale ressaltar que, as
desigualdades sociais têm sido mascaradas e naturalizadas a
partir desses discursos colonizadores acerca das diferenças.
Constitui-se em tarefa urgente e necessária a produ-
ção de uma práxis criativa e libertadora, a fim de se caminhar
em direção a uma educação, que de fato, problematize a reali-
dade e desnaturalize essas desigualdades. Práxis de resistência
à negação, ao silenciamento e à invisibilização do outro, o que
exige do educador, antes de tudo, um compromisso ético com
a transformação da sociedade.
Em Paulo Freire, a educação é uma forma de inter-
venção no mundo, que se dá por meio do diálogo, este possui
uma conotação política, o que não exclui a presença do confli-
to. O diálogo, em Paulo Freire, não se restringe ao encontro de
dois sujeitos na busca do significado das coisas, mas um encon-
tro que se realiza na práxis – ação-reflexão, no engajamento,
no compromisso com a transformação social (GADOTTI,
2004).
Na perspectiva freireana, a dialogicidade é a essência
da educação como prática da liberdade (FREIRE, 1987). O diá-
logo entre culturas possibilita aos sujeitos verem a si e ao outro,
como são, diferentes, não inferiores ou superiores, mas sujeitos
de culturas e saberes diferentes. A diferença, nesse diálogo, não
significa desigualdade, exclusão ou negação.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Nesse sentido, devemos compreender que urge a


construção de novos olhares aos nossos discursos e práticas
educacionais. Olhares que nos levem a problematizar nossas
práticas educativas. Precisamos sair do piso intermediário e
descer aos porões, a fim de saber onde estão enraizadas nos-
sas práticas, assim como propõe Veiga-Neto (2012), para en-
tão, do sótão nos lançarmos a voos imaginários e construirmos
uma práxis mais criativa e libertadora. Urgem, também, novos
olhares para a formação de professores, baseada numa relação
dialógica, que tenha como ponto de partida e de chegada as ex-
periências e as práticas docentes. Uma formação que considere
a dimensão humana, histórica, política e cultural dos diferen-
tes sujeitos.

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sexual / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília :
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

PAULO FREIRE E GERT BIESTA: UM


DIÁLOGO FECUNDO PARA REFLETIR
SOBRE A FUNÇÃO DO/A EDUCADOR/A NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR

FREITAS, Ana Lúcia Souza de1


GUILHERME, Alex2
Introdução: por que Gert Biesta?
O texto apresenta uma proposição baseada em
estudos realizados em nível de pós-doutorado, em que
se estabeleceu o diálogo entre o pensamento freireano3
e o de outros/as autores e autoras, no campo da pedagogia
crítica. O aprofundamento de estudos sobre o pensamento de
Gert Biesta justifica-se em função da compreensão acerca da
relevância de suas proposições para pensar/fazer uma educa-
ção emancipatória na atualidade.
Gert Biesta é professor de teoria e política educacional
no Departamento de Educação da Brunel University London e
editor da revista Studies in Philosophy and Education, reconhe-
1 Doutora em Educação pela PUCRS, com pós-doutorado em Peda-
gogia Crítica pela Liverpool Hope University; professora do Progra-
ma de Mestrado Profissional em Gestão Educacional da Universi-
dade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); 0311anafreitas@gmail.
com
2 Doutor em Filosofia pela Durham University, Reino Unido; profes-
sor do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Rio Grande do Sul (PUCRS); aagkjaa@hotmail.com
3 Diferente do que indicam as normas ortográficas, a grafia emprega-
da é a sugerida por Ana Maria Freire, mantendo inalterado o nome
do autor.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

cido internacionalmente como referência da pedagogia críti-


ca. Uma de suas obras foi traduzida para o português, sob o
título Para além da aprendizagem: educação democrática para
um futuro humano (2013), contando com a presença do autor
para seu lançamento no Brasil, durante a realização do VII Se-
minário Internacional – As Redes Educativas e as tecnologias:
transformações e subversões na atualidade, no Rio de Janeiro.
4
A referida obra integra a Coleção Educação: Experiência e Sen-
tido, organizada pelos educadores Walter Kohan e Jorge La-
rossa. Apesar da relevância desta publicação, o autor ainda é
pouco conhecido entre educadores e educadoras brasileiros/as.
5
Dar visibilidade ao pensamento do autor, considerando suas
contribuições para o movimento de atualização e recriação do
pensamento freireano é um dos objetivos da apresentação des-
te trabalho.
Importa ainda considerar que a proposição do diálo-
go entre Gert Biesta e Paulo Freire se insere, num sentido mais
amplo, no movimento Leituras de Paulo Freire, materializado
pelo encontro anual e itinerante do Fórum de Estudos: Leituras
de Paulo Freire. O referido Fórum, em sua décima oitava edi-
ção neste ano de 2016, vem reunindo e articulando educadores
e educadoras em torno do estudo, da pesquisa, do comparti-
lhamento de experiências e de lutas em diferentes campos de
atuação (FREITAS, 2014; FREITAS, GHIGGI, CAVALCANTE,
2011). “Paulo Freire em diálogo com outros autores” é um dos
eixos temáticos propostos no percurso do Fórum, tendo ge-
rado publicações que apresentam diálogos diversos e até con-
troversos (LUFT; FALKEMBACH, 2013; FREITAS; GHIGGI;
PEREIRA, 2014), contribuindo para pensar/fazer a atualidade
e a recriação do pensamento freireano.
4 O lançamento foi organizado pelo professor Walter Kohan, no dia 3
de junho de 2013, na Livraria da República da UERJ.
5 Sobre Gert Biesta, em português, encontramos poucas resenhas de
sua obra Para além da aprendizagem e no formato de artigo, uma
publicação do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC
Campinas (MENDONÇA; TORTELLA; SILVA, 2013).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

A partir da experiência de participação no Fórum e


considerando o debate sobre a educação popular proposto nes-
te I Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire da Região Norte,
compartilhamos nossa reflexão acerca da fecundidade do diá-
logo entre o pensamento freireano e o de Gert Biesta, apresen-
tando a concepção da educação como risco. Compreender a
educação como risco representa importante contribuição para
atualizar os desafios da prática educativa crítica no contexto da
mercantilização das relações educacionais e para refletir sobre
a função do/a educador/a na perspectiva da educação popular,
ratificando sua natureza política.
Metodologia: como se realizou o diálogo entre o
pensamento de Paulo Freire e o de Gert Biesta?
A opção por aproximar as leituras de Paulo Freire com
o pensamento de Gert Biesta não se deu ao acaso. Os primei-
ros contatos com o pensamento do autor ocorreram durante a
participação na I International Conference on Critical Pedago-
gies and Philosophy of Education, realizada na Liverpool Hope
University, na Inglaterra, sob a coordenação do professor Alex
Guilherme, então Diretor do Paulo Freire Centre for the Study
of Critical Pedagogies. A referida Conferência contou com a
presença do professor Gert Biesta, na condição de “Keynote
Address”. Don´t be fooled by ignorant schoolmasters: educatio-
nal emancipation revisited, one more time – palestra proferida
por ele naquele momento, tomava como ponto de partida o
pensamento de Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido para
apresentar questionamentos e proposições, compartilhando
ideias de sua obra recentemente lançada: The beautiful risk of
education (2013b). Este primeiro contato com o pensamento
de Gert Biesta tornou-se bastante significativo no que se refere
ao interesse em ampliar conhecimentos, tendo em vista o diá-
logo com o pensamento freireano.
Após a conferência, a continuidade do contato com
o prof. Alex Guilherme deu origem à proposta de realização

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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de estudos de pós-doutorado, sob sua orientação, na Liverpool


Hope University. O conhecimento de outros autores duran-
te este período de estudos reiterou a escolha por Gert Biesta
como autor de referência para o diálogo com o pensamento
freireano, tendo em vista a radicalidade de ambos. Além da
leitura de diversos artigos em periódicos (entre outros, BIES-
TA, 2005; 2012), a leitura da obra The beautiful risk of educa-
tion tornou-se uma instigadora referência para a compreensão
do pensamento do autor. Igualmente importante, a leitura de
Para além da aprendizagem: educação democrática para um
futuro humano, posteriormente assumida como referência em
atividades acadêmicas no ensino de pós-graduação em uma
universidade brasileira6, proporcionou compartilhar reflexões
sobre o pensamento de Gert Biesta, bem como reiterar a com-
preensão acerca da relevância de sua aproximação com o pen-
samento de Paulo Freire.
Neste trabalho, compartilhamos os estudos bibliográ-
ficos realizados acerca das possibilidades de aproximação en-
tre os autores, dando destaque à complementaridade de suas
proposições no que se refere à compreensão da educação como
risco. Considera-se que a perspectiva de Gert Biesta contribui
para reiterar o pensamento freireano no que se refere à nature-
za política da prática educativa, apresentando novos elementos
para pensar uma educação emancipatória no contexto atual.
Considera-se também que o aprofundamento desta compreen-
são é importante contribuição para pensar/exercer a função
do/a educador/a na perspectiva da educação popular.
Para a análise do pensamento de Gert Biesta foram
tomadas como referência as duas obras anteriormente referi-
das - The beautiful risk of education e Para além da aprendi-
zagem: educação democrática para um futuro humano. Para a
análise do pensamento de Paulo Freire, o ponto de partida foi
6 A obra integrou a bibliografia complementar da disciplina Gestão do
Ensino Básico no Curso de Mestrado Profissional em Gestão Edu-
cacional na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS),
campus Porto Alegre.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

a leitura do verbete risco, integrante do Dicionário Paulo Freire


e, a seguir, as obras nele indicadas como referência do tema:
Educação e mudança; Pedagogia da Autonomia; Pedagogia da
Indignação. No estudo do pensamento de Freire, o foco no ris-
co, inicialmente estabelecido, ampliou-se pela complementari-
dade de dois focos emergentes na análise: o medo e a ousadia.
Adicionalmente, as obras Medo e ousadia: o cotidiano do pro-
fessor e Pedagogia da Esperança também serviram de referência
para este estudo. Por fim, a obra Educação Popular e docência,
escrita por vários autores e autoras, serviu de referência para
contextualizar o diálogo estabelecido entre o pensamento de
Gert Biesta e Paulo Freire na atualidade da reflexão sobre os
desafios da prática do educador popular, propondo questões
para ampliar o diálogo.
Resultados e discussão: qual o diálogo estabelecido entre
Paulo Freire e Gert Biesta?
Nos limites deste trabalho, estabelecemos o diálogo
entre os autores considerando que a concepção de educação
como risco proposta por Gert Biesta está em consonância com
a noção de risco presente na obra de Paulo Freire e apresenta
novos elementos para atualizar a reflexão e a prática de uma
educação emancipatória. Considera-se que o diálogo com o
pensamento de Gert Biesta pode contribuir para o movimento
de atualização e recriação do pensamento freireano.
O Dicionário Paulo Freire, ponto de partida para a
análise da concepção de risco presente no pensamento frei-
reano, é uma publicação organizada pelos educadores Dani-
lo Romeu Streck, Euclides Redin e Jaime José Zitkoski (2010).
A obra encontra-se em sua segunda edição ampliada e já foi
traduzida para a língua inglesa, sendo expressão do trabalho
coletivo de educadores e educadoras pesquisadores/as que,
em diferentes contextos e de diferentes formas, mantém viva
a memória de Paulo Freire, disponibilizando-a à permanente
atualização e recriação. Além de elucidar um grande número

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de verbetes fundantes do pensamento freireano, o Dicionário


apresenta indicações para a continuidade de estudos a partir da
leitura de outras obras do autor, bem como da leitura de seus
estudiosos/as e pesquisadores/as (FREITAS 2013, 2014).
O verbete risco é de autoria dos educadores Nilton
Bueno Fisher e Vinícius Lima Lousada; segundo os quais, “Para
Paulo Freire, a possibilidade do risco é algo inerente ao existir.
É impossível viver sem correr risco, sem estar aberto à incerte-
za, ou seja, ao encontro com o inusitado ou novo” (FISCHER;
LOUSADA, 2010, p.363). Por isso, concebem que, no pensa-
mento freireano, a educação não nega o risco mas, ao contrá-
rio, estimula os educandos a assumi-lo e a aprender a lidar e
agir competentemente diante de sua inevitabilidade. Também
chamam atenção de que, para Freire, não há educação sem en-
volvimento da subjetividade dos sujeitos. Os autores ainda des-
tacam que a disponibilidade ao risco se inscreve numa concep-
ção não determinista da história. Assim, concluem que “(...)
na leitura freireana, o risco, além de ser um elemento presente
nas ocorrências em que nos movemos, como seres humanos,
consiste num fator intrínseco ao ato de aprender que, por sua
vez, exige acolhida ao risco tanto quanto o nosso existir” (op.
cit., p.364).
Na obra Educação e mudança, ao apresentar sua refle-
xão sobre o compromisso do profissional com a sociedade (pri-
meiro capítulo), Paulo Freire faz referência ao “medo de correr
o risco da aventura de criar” (FREIRE, 1979, p.25), afirmando
que correr o risco é o que caracteriza a coragem do compro-
misso. Na Pedagogia da Autonomia, ao apresentar o tema En-
sinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma
de discriminação (FREIRE, 1996, p.39), o autor argumenta que
a disponibilidade ao risco e a aceitação do novo são condições
para um dos saberes necessários à prática educativa, o pensar
certo. De modo enfático, afirma que “quem pensa certo está
cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do
exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer cer-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

to.” (op. cit., p.38). Na Pedagogia da Indignação, reitera a com-


preensão de que “não haveria cultura nem história sem risco,
assumido ou não; quer dizer, risco de que o sujeito que o corre
se acha mais ou menos consciente” (FREIRE, 2000, p.30).
Em síntese, compreendemos que, para Paulo Freire, a
tensão entre medo e ousadia condiciona homens e mulheres na
experiência de arriscar-se. Assumir o medo é uma atitude de
criticidade necessária para exercer a ousadia que requer, entre
outras, a compreensão de que “(...) mudar é difícil, mas é pos-
sível. Devemos insistir sobre a possibilidade de mudar, apesar
das dificuldades” (FREIRE, 1995, p.48).
Nas obras Medo e ousadia: o cotidiano do professor e
Pedagogia da Esperança Freire convida educadores e educa-
doras à reflexão sobre sua prática, considerando, entre outras
questões, o risco da incoerência e o risco de influenciar os alu-
nos. A este respeito, reitera sua compreensão de que “Qualquer
que seja a qualidade da prática educativa, autoritária ou demo-
crática, ela é sempre diretiva” (FREIRE, 1992, p.79). Ou seja, o
que torna uma prática educativa autoritária não é a presença
ou ausência de diretividade. A diretividade do/a educador/a
é o que caracteriza a consciência sobre a natureza política de
sua prática. O que não significa, contudo, uma ação imposi-
tiva nem hierárquica. Paradoxalmente, a reflexão sobre a prá-
tica educativa numa perspectiva freireana nos remete a pen-
sar: como exercer a diretividade do/a educador/a, a serviço da
construção da autonomia dos educandos?
O tema da diretividade na prática educativa é uma
questão relevante para problematizar e atualizar a reflexão so-
bre função do/a educador/a, na perspectiva da educação popu-
lar, considerando não apenas sua atuação em espaços de edu-
cação não formal, mas também na escola e na universidade.
Importa considerar: o que está acontecendo hoje em dia com
as relações educacionais? Por que educadores precisam, cada
vez mais, ser criativos, tornar suas aulas lúdicas e prazerosas e
facilitar a aprendizagem, com o intuito quase exclusivo de sa-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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tisfazer os estudantes? Considerando que a função do/a educa-


dor/a vem sendo redimensionada, entre outros elementos, pelo
acesso à informação, afinal, qual é a função do/a educador/a?
Embora o questionamento sobre a função do/a educador/a não
seja novo, urge atualizar esta reflexão, diante dos novos cená-
rios educacionais. É o que propomos para a continuidade do
diálogo, destacando as contribuições de Gert Biesta.
Uma das ideias organizadoras do pensamento de Gert
Biesta é a sua compreensão de que, nos últimos anos, a lin-
guagem da educação vem sendo substituída pela linguagem da
aprendizagem. Segundo o autor, algo se perdeu nesta mudança
de foco. A aprendizagem vem sendo apresentada como algo
fácil e agradável e “Ensinar foi redefinido como apoiar ou fa-
cilitar a aprendizagem” (BIESTA, 2013a, p32). Learnification
é o conceito criado pelo autor para expressar sua compreen-
são acerca da exacerbação da linguagem da aprendizagem no
discurso educacional contemporâneo (BIESTA, 2005; 2013b).
Segundo o autor, trata-se de compreender a distinção entre
“learning from” e “being taught by” (BIESTA, 2013b), ou seja,
entre aprender com e ser ensinado por (tradução livre). Em
outras palavras, o problema identificado pelo autor diz respeito
ao modo superlativo atribuído ao conceito de aprendizagem,
chamando-nos atenção para pensar um processo de “apren-
derismo”, ou seja, de ênfase na aprendizagem, com foco nos
“sujeitos aprendentes” e/ou nos “ambientes e objetos de apren-
dizagem”, reduzindo a função de ensinar.
Mas por que a linguagem importa à educação? É o
questionamento que ele apresenta, argumentando que “(...) a
linguagem – ou as linguagens – existente para a educação in-
fluencia em grande medida o que pode ser dito e feito, e tam-
bém o que não pode ser dito e feito” (op. cit. p.30). Partindo
desta compreensão, se posiciona contrário à nova linguagem
da aprendizagem e propõe que um dos desafios da atualidade
é o de reinventar uma linguagem para a educação, capaz de
responder às novas questões com as quais estamos nos defron-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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tando. Neste sentido, ao expressar sua divergência em relação à


concepção de educador como facilitador, apresenta a concep-
ção de educação como risco, argumentando a natureza difícil
da tarefa educativa e a necessidade de que educadores e educa-
doras recuperem sua função de ensinar (BIESTA, 2012).
Mas em que consiste a dificuldade da educação? Por
que é importante compreender (e exercer) a educação como
risco? Qual o impacto que a nova linguagem da aprendizagem
tem causado sobre o discurso e a prática da educação? Por que
compreender os estudantes como clientes distorce a função
do/a educador/a? Qual a tarefa dos educadores que assumem
a educação como risco? É o que pretendemos desenvolver, na
continuidade do texto, não no sentido de sintetizar o pensa-
mento do autor, mas, inversamente, de instigar a curiosidade
para o seu conhecimento.
A dificuldade consiste precisamente porque a relação
educacional “é sempre uma intervenção na vida de alguém;
uma intervenção motivada pela ideia de que se tornará essa
vida, de certo modo, melhor; mais completa, mais harmonio-
sa, mais perfeita – e talvez até mais humana” (BIESTA 2013a,
p.16). Partindo desta compreensão, o autor apresenta duas ob-
jeções contra a linha de pensamento que tornou possível a nova
linguagem da aprendizagem; a primeira é que esta linguagem
facilita uma compreensão das relações educacionais como rela-
ções econômicas; conceber o estudante como um consumidor
distorce a função do educador que, visto como um provedor
e limitando-se à satisfação dos interesses do estudante, deixa
de exercer sua função. A segunda objeção é a de que se torna
mais difícil propor questões acerca dos objetivos e conteúdos
da educação que não sejam as propostas pelo mercado educa-
cional. Ou seja, reduzindo o educador se reduz a um aplicador
de programas alheios a sua vontade e competência.
Em síntese, Gert Biesta posiciona-se radicalmente
contra a compreensão da relação educacional como uma rela-
ção entre provedor e consumidor, ou seja, uma relação econô-

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mica. Inversamente, compreende a relação educacional a partir


da concepção de educação como risco, considerando que:
(...) mesmo que alguém se engaje em formas muito
bem organizadas de aprendizagem, há sempre um ris-
co. Não só existe o risco de que você não aprenda o
que queria aprender (e nesse caso você poderia pro-
cessar o provedor). Existe também o risco de que você
aprenda coisas que nem teria imaginado que apren-
deria, ou que você nem teria imaginado que desejaria
aprender. E existe o risco de que você aprenda algo
que preferiria não aprender – algo sobre si mesmo,
por exemplo. Engajar-se em aprender sempre acarreta
o risco de que a aprendizagem possa ter um impacto
sobre você, de que a aprendizagem possa mudá-lo.
Isso significa que a educação só começa quando o
aprendente está disposto a correr um risco (BIESTA,
2013a, p.44-45).

Assim, ao propor uma nova linguagem educacional,


Gert Biesta argumenta sua concepção de educação como ris-
co, apresentando três conceitos que integram sua compreensão
acerca do que constitui a relação educacional. Segundo o autor,
assumir a educação como risco requer compreender a relação
educacional como uma relação de confiança (sem fundamen-
to), de violência (transcedental) e de responsabilidade (sem
conhecimento).
Para o autor, a confiança está ligada ao risco e diz
respeito à qualidade de uma relação que não pode ser substi-
tuída nem expressa pelo cálculo. A confiança é necessária na
relação educacional porque diz respeito ao risco, inerente ao
ato de aprender, de que não se pode saber o que vai acontecer.
Todavia, sendo a confiança, por natureza, incalculável, não é
possível que a confiança em alguém seja fundamentada; daí a
proposição de nomear como um elemento constituinte da re-
lação educacional a confiança sem fundamento.
A violência diz respeito ao reconhecimento de que as
relações educacionais “não são necessariamente fáceis ou agra-
dáveis. Ao propor as questões difíceis que permitem aos estu-

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dantes vir ao mundo, desafiamos e possivelmente perturbamos


quem nossos estudantes são e onde estão” (op. cit., p.50). Para
tanto, o autor propõe a compreensão da aprendizagem como
resposta, considerando-a mais significativa do que a concep-
ção de aprendizagem como aquisição, visto que, nesta pers-
pectiva, educadores/as desafiam os estudantes a posicionar-se
diante de questões difíceis. Obviamente não significa sugerir
que a educação seja violenta, mas para chamar atenção de que
“(...) como educadores, estamos sempre interferindo nas vidas
de nossos estudantes, e que essa interferência pode ter um im-
pacto profundo, transformador e até perturbador sobre nos-
sos estudantes” (Ibidem.). Daí a proposição de uma violência
transcedental, ou seja, que torna possível ao sujeito sua vinda
ao mundo como um ser único, outro elemento constituinte da
relação educacional.
O autor também apresenta sua compreensão sobre
responsabilidade do educador pela subjetividade do estudan-
te. Trata-se de compreender que, se o/a educador/a tem como
finalidade que os estudantes aprendam a “responder”, de modo
a que se tornem seres únicos e singulares, isto não é uma tarefa
fácil. Implica “a responsabilidade por alguma coisa (ou melhor,
por alguém) que não conhecemos e não podemos conhecer”
(op. cit., p.51), ou seja, não podemos saber tudo sobre os estu-
dantes antes de assumir a responsabilidade por eles, nem po-
demos saber o que vai acontecer no futuro. Daí a concepção
de responsabilidade sem conhecimento, sendo este um terceiro
elemento constituinte da relação educacional, de acordo com
sua concepção de educação como risco.
Assim, ao apresentar a confiança sem fundamento, a
violência transcedental e a responsabilidade sem conhecimen-
to como três conceitos entrelaçados para expressar sua com-
preensão acerca das relações educacionais, na perspectiva da
educação como risco, Gert Biesta apresenta novos e instigantes
elementos para ampliar a concepção freireana acerca do ris-
co inerente ao ato de ensinar e de aprender. Importa destacar

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a criticidade dos autores e sua complementaridade no que se


refere à contraposição ao discurso dominante - voltado para
a eficácia e a mensuração – e à ênfase na discussão sobre as
finalidades da educação, bem como sobre a dimensão política
da função do educador. É neste sentido que a contribuição dos
autores se faz relevante para a reflexão sobre a função do edu-
cador na perspectiva da educação popular.
Conclusões: quais as contribuições do diálogo entre
Freire e Biesta para refletir a função do/a educador/a, na
perspectiva da educação popular?
A partir do estudo realizado argumenta-se que com-
preender a educação como risco, na perspectiva proposta por
Gert Biesta, em diálogo com Paulo Freire, representa impor-
tante contribuição para pensar/exercer a função do/a educa-
dor/a popular, considerando, assim como Danilo Streck e ou-
tros autores/as, ser esta uma questão de opção.
O educador popular é um sujeito que em sua traje-
tória de vida, fez a opção por percorrer um caminho
alternativo em defesa de um projeto de sociedade
muito particular. Na relação com os grupos popula-
res, demonstra compromisso aliado a sentimentos de
pertencimento, vinculação e identificação, conside-
rando-se um potencializador de processos emancipa-
tórios (VARIOS AUTORES, 2014, p.100).

Exercer a prática educativa, nesta perspectiva, requer


compreender – e exercer - sua natureza política. Em outras
palavras, requer assumir a educação como risco, dispondo-se
a viver a tensão entre o medo e a ousadia que caracteriza o
percurso da construção de práticas emancipatórias. Significa
opor-se radicalmente às compreensões e práticas que reduzem
as relações educacionais a relações econômicas, exclusivamen-
te orientadas pelo princípio da sustentabilidade financeira. Sig-
nifica compreender que nem todas as aprendizagens são pre-
visíveis e quantificáveis em seus resultados, podendo conduzir

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a mudanças inesperadas; o que amplia a responsabilidade do/a


educador/a, bem como das instituições educativas.
Muitos são os significados que podem ser atribuídos
à função do/a educador/a popular. Todavia, esta ampliação de
significados só será possível mediante o processo reflexivo com
os próprios educadores e educadoras, visto que, na perspecti-
va da educação popular, a prática pedagógica é sempre políti-
ca e a prática política sempre pedagógica (op. cit.). Como os
educadores e educadoras percebem os riscos presentes em sua
prática? Quais os seus medos? Onde estão encontrando apoio
para ousar a necessária transgressão das práticas instituídas?
São alguns dos questionamentos que sugerem a continuidade
do diálogo. Compartilhar esta reflexão e ampliar perspectivas
de investigação é o que se pretende com a apresentação deste
trabalho.
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democrática para um futuro humano. Tradução Rosaura
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Brasília, DF, v.19, n.40, p. 595-608, set./dez.2013.
STRECK, Danilo; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José
(orgs.). Dicionário Paulo Freire. –Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2010, 2. ed., rev. amp. 1 reimp.
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– São Paulo: Cortez, 2014. (Coleção docência em formação:
Educação de jovens e adultos / coordenação Selma Garrido
Pimenta).

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A RELAÇÃO PEDAGÓGICA ATRAVÉS DO


DIÁLOGO E OS TEMAS GERADORES COMO
METODOLOGIA DE APRENDIZAGEM EM
PAULO FREIRE
(Co-autor) SOUZA, Átila1
(Autor) SANTOS, Leandro dos2
(Co-autor) SOUSA, Rildo Nedson Mota de3

1.INTRODUÇÃO
Paulo Freire foi um dos mais importantes educado-
res brasileiros. Sua obra tem ultrapassado gerações, propondo
transformações educacionais que favoreçam a libertação dos
povos oprimidos. Tendo ingressado no ramo educacional em
1947, como diretor do departamento de Educação e Cultura do
Sesi, onde teve os primeiros contatos com a alfabetização de jo-
vens e adultos, Freire se debatia por uma educação comprome-
tida com ética, que não se desvinculasse de seu caráter político,
na qual a humanização dos seres humanos se concretizasse na
dignidade da vida cotidiana das pessoas, na superação das rea-
lidades que as oprimem.
Para o autor, ensinar não podia ser apenas um proces-
so de transmissão de conhecimentos, em que o aluno recebe os
ensinamentos que o professor deposita, o que ele denominou
“educação bancária”, e a qual critica e descreve no livro “Peda-
1 Biólogo. Professor na Secretaria de Educação e Qualidade de Ensi-
no, (SEDUC-AM). E-mail: atilabio@hotmail.com
2 Professor de Biologia na Secretaria de Estado de Educação de Ron-
dônia. (SEDUC/RO) liubiop@gmail.com
3 Professor Pedagogo na Secretaria Municipal de Educação de São
Paulo. (SME/SP). rildo.educacao@gmail.com

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gogia do Oprimido” (FREIRE, 1987). Ensinar seria um ato de


amor, de coragem, de construção de conhecimentos, em que o
debate e o respeito entre professor e aluno são imprescindíveis.
Estudar as implicações das ideias deste autor nas mais
diversas áreas da Educação é de extrema necessidade, por se
tratar de pensamentos inovadores e atuais. Portanto, o objeti-
vo deste trabalho é mostrar como o diálogo entre professor e
aluno é essencial no processo ensino-aprendizagem, pois so-
mente através dele o professor terá condições de conhecer o
pensamento do aluno e poderá auxiliá-lo em suas dúvidas e
inquietações sobre o que se está aprendendo. E também refletir
sobre a importância do Método criado por Freire, ressaltando
mais especificamente os temas geradores como metodologia de
aprendizagem eficiente para uma educação libertadora.
2.METODOLOGIA
Desta forma, tomamos como base a metodologia de
pesquisa teórica proposta por Gonsalves (2001) em Iniciação à
Pesquisa Científica: Para aproximar-se do tema, levantam-se os
documentos disponíveis, e assim reúne as contribuições mais
relevantes sobre o tema. Documento é qualquer informação em
forma de textos, imagens e sons. No entanto, há que se pensar
que um documento foi feito por alguém e também está isento
de imparcialidade. A pesquisa bibliográfica caracteriza-se pela
identificação e análise dos dados escritos em livros, artigos de
revistas, dentre outros. Sua finalidade é colocar o investigador
em contato com o que já se produziu a respeito do seu tema de
pesquisa.
3.RESULTADOS E DISCUSSÃO
Paulo Freire entende a educação como uma forma de
libertação do sujeito frente a uma realidade de opressão. No
livro “Extensão ou Comunicação” Paulo Freire relata a dificul-
dade de diálogo entre o técnico agrícola e o camponês na cons-
trução de uma sociedade agrária. E é nesse sentido que propõe

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que a relação educativa se dê ao modo de uma “comunicação” e


não de “extensão”. Educar, nesse sentido, envolve uma situação
gnosiológica, de conhecimento, para o que se torna fundamen-
tal uma relação dialógica, de efetiva comunicação.
Em sua obra Pedagogia do Oprimido o autor ressalta
que o diálogo se constitui da palavra verdadeira, que implica
ação e reflexão. Se há valorização demasiada da ação em detri-
mento da reflexão, o que acaba por acontecer é um ativismo; e se
há valorização demasiada da reflexão, o que há é verbalismo. Se-
gundo Freire, não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas
palavras, no trabalho, na ação-reflexão (FREIRE, 2003, p. 92).
O próprio Freire (2003) já considerava em sua teoria
sobre a dialogicidade que não existe diálogo se não houver um
profundo amor ao mundo e aos homens (FREIRE, 2003, p.79).
Para a criação de um clima dialógico é preciso um com-
ponente especial do diálogo, que é a palavra. O autor comenta
que a palavra verdadeira, práxis, é composta de ação e reflexão.
Sem esta mistura, o diálogo se torna meramente palavras joga-
das ao vento, ou seja, falar por falar, ou então, se for inautêntica,
oca e esgotada de sua dimensão de ação, sacrificada automati-
camente, a reflexão se transforma em blá, blá, blá. Além disso, a
palavra pode se tornar ativismo, ação pela ação, se minimizada
a sua reflexão.
E ainda reafirmamos que:
A dialogicidade é a essência da educação como prática
da liberdade. O diálogo é tratado como um fenômeno
humano em Paulo Freire, “se nos revela como algo que
já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao en-
contrarmos a palavra, na análise do diálogo, como algo
mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe bus-
car, também seus elementos constitutivos” (Pedagogia do
Oprimido, 2005, p.89).

Para finalizar este item, expomos a definição de diálogo


que Paulo Freire propõe em Educação como Prática da Liber-
dade:

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E que é o diálogo? È uma relação horizontal de A com


B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jas-
pers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança,
da fé, da confiança. Por isso, só com o diálogo se ligam
assim, com amor, com esperança, com fé um no ou-
tro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, en-
tão, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há co-
municação. O diálogo é, portanto, o indispensável ca-
minho (Jaspers), não somente nas questões vitais para
a nossa ordenação política, mas em todos os sentidos
do nosso ser. Somente pela virtual da crença, contudo,
tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no
homem e nas suas possibilidades, pela crença de que
somente chego a ser eles mesmos” (2007, p.115-116).

Então podemos dizer que o diálogo consiste numa


relação horizontal e não vertical entre as pessoas implicadas
e entre as pessoas em relação. No seu pensamento, a relação
homem/mulher/mundo são indissociáveis. Nós, homens e
mulheres, nos educamos juntos, em solidariedade e diálogo,
na transformação e modificação do mundo dado. O saber de
todos deve ser valorizado.
3.1 A EDUCAÇÃO LIBERTADORA EM OPOSIÇÃO À
BANCÁRIA EM FREIRE
A pedagogia proposta por Freire é fundamentada na
dialética cuja meta é o engajamento do indivíduo na luta por
transformações sociais. Sendo assim, para Freire, a base da pe-
dagogia é o diálogo. Essa premissa está presente no método em
diferentes situações: entre educador e educando, entre educan-
do e educador e o objeto do conhecimento, entre natureza e
cultura.
Sempre em busca de um humanismo nas relações
entre homens e mulheres, a educação, segundo Paulo Freire,
tem como objetivo promover a ampliação da visão de mundo
e isso só acontece quando essa relação é mediatizada pelo diá-
logo. Não no monólogo daquele que, achando-se saber mais,
deposita o conhecimento, como algo quantificável, mensurável

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naquele que pensa saber menos ou nada saber. A atitude dialó-


gica é, antes de tudo, uma atitude de amor, humildade e fé nos
homens, no seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar
Freire (1967).
A dialogicidade, para Paulo Freire, está ancorada no
tripé educador-educando-objeto do conhecimento. A indis-
sociabilidade entre essas três “categorias gnosiológicas” é um
princípio presente no Método criado por ele. O diálogo entre
elas começa antes da situação pedagógica propriamente dita.
A pesquisa do universo vocabular, das condições de vida dos
educandos é um instrumento que aproxima educador-edu-
cando-objeto do conhecimento numa relação de justaposição,
entendendo-se essa justaposição como atitude democrática,
conscientizadora, libertadora, daí dialógica.
A teoria freireana também nos leva a pensar sobre
como ocorre a interação professor-aluno-conhecimento no
ambiente escolar. Freire fala sobre a educação bancária como a
pura transferência de conteúdos e a não participação do edu-
cando na produção do conhecimento, é um dos elementos res-
ponsáveis pela desmotivação, pela falta de interesse em estudar
o que é “passado” em sala de aula (cf. FREIRE e SHOR, 1987,
p. 15s).
Freire chama a atenção para um produto genuíno da
educação bancária, os altos índices de déficit quantitativo e
qualitativo na educação, que constituem obstáculo para o de-
senvolvimento do país e para sua emancipação. Segundo ele
(1997, p. 11), o termo evasão escolar é ideológico, pois é posto
de uma forma a dar a entender que as crianças estão fora da
escola por vontade delas, mas na verdade elas são expulsas da
escola, excluídas especialmente pela organização bancária. O
termo correto é “expulsão escolar” (FREIRE, 1995, p. 46). Isso
está relacionado ao despreparo científico dos educadores e a
educação atrelada à ideologia elitista que alfabetiza não a partir
da realidade do educando. Expulsar uma criança da escola é
condená-la ao silêncio, se não tem como ler e escrever ou os faz

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de forma precária, não conseguirá manter relações verdadei-


ramente dialógicas em uma sociedade que existe pela palavra,
dependerá de ideias e temas externos, e assim não conseguirá
conquistar a própria autonomia.
Na educação bancária, Freire conta que o educador
aparece como indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja
tarefa indeclinável é encher os educandos de conteúdos de sua
narração (FREIRE, 2003, p.37). Aqui o educador não comu-
nica a seus educandos, só faz comunicados sobre o que quer
e como quer. Por ser esta educação manipuladora, podemos
chamá-la de bancária, pois aos educandos vão-se tornando
depósitos de informações que seus educadores transmitem e
aqueles guardam e arquivam através da repetição. Em sua obra
Pedagogia da Autonomia Freire cita:
A memorização mecânica do perfil do objeto não é
aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo.
Nesse caso, o aprendiz funciona muito mais como pa-
ciente da transferência do objeto ou do conteúdo do
que como sujeito crítico, epistemologicamente curio-
so, que constrói o conhecimento do objeto ou partici-
pa de sua construção. É precisamente por causa desta
habilidade de apreender a subjetividade do objeto que
nos é possível reconstruir um mau aprendizado, em
que o aprendiz foi puro paciente da transferência do
conhecimento feita pelo educador (FREIRE, 2004,
p.69).

A educação bancária é composta de memorização, ou


seja, o aluno apenas decora o conteúdo através da repetição.
Além disso, é considerada por Freire como antidialógica por-
que, ao considerar o professor o único detentor de todo o co-
nhecimento, os discentes não têm o direito de manifestar suas
opiniões sobre diferentes conceitos. Ou seja, não há questiona-
mento, não há diálogo.
Para Freire, uma educação popular e verdadeiramente
libertadora, se constrói a partir de uma educação problemati-
zadora, alicerçada em perguntas provocadoras de novas res-

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postas, no diálogo crítico, libertador, na tomada de consciência


de sua condição existencial. Tal investigação Freire chamou de
“universo temático”, um conjunto de “temas geradores” sobre
os níveis de percepção da realidade do oprimido e de sua vi-
são de mundo sobre as relações homens-mundo e homens-ho-
mens para uma posterior discussão de criação e recriação.
3.2 OS TEMAS GERADORES
Para Paulo Freire o sujeito é interdependente do ob-
jeto e assim coloca o sujeito em constante contato com a rea-
lidade. O homem não vive isolado do mundo e nem o mundo
existe sem o homem, e é só nessa relação que poderá haver
transformação. A realidade história resulta dessa relação. Rea-
lidade da qual o sujeito faz parte, com a qual interage. Toda
essa enunciação envolve uma dialética em que de um lado está
o homem e de outro o mundo objetivo. Se existisse um mundo
criado, acabado, não seria transformável. O homem e o mun-
do-histórico cultural, inacabados, encontram-se numa relação
permanente. Assim, o homem transforma o mundo, ao mesmo
tempo em que realiza a sua própria transformação.
A educação para ser de fato libertadora não pode ser
usada apenas como uma transferência ou transmissão de saber
para o educando. Para Freire a educação requer uma “situa-
ção verdadeiramente gnosiológica”, isto é, em que haja efetiva-
mente uma produção de conhecimento. No processo educativo
libertador, na relação educador-educando, ambos são indiví-
duos que conhecem defronte os objetos que podem ser conhe-
cidos. Freire rejeita a ideia de que somente através do educador
o educando chegaria ao conhecimento.
Assim, ao invés de discursar sobre algo já feito, elabo-
rado, acabado, propõe que o educador apresente determinadas
situações aos educandos para que eles se questionem e bus-
quem o conhecimento libertador. Neste ato de problematizar
determinadas situações com os educandos o educador mesmo
acaba se problematizando.

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A problematização é de tal forma dialética que seria


impossível alguém propô-la sem expor-se ao seu processo.
Ninguém questiona algo a alguém e permanece como mero
observador da problematização. Enquanto novos aspectos da
problematização emergem do diálogo, novos caminhos de
compreensão se abrem em relação à situação em pauta. E quan-
to mais o educador se abrir ao diálogo, aos diferentes pontos de
vista dos interlocutores, mais continuará aprendendo também.
Ainda segundo Gadotti (1991, p. 69), “a educação
problematizadora (método da problematização) funda-se jus-
tamente na relação dialógico-dialética entre educador e edu-
cando: ambos aprendem juntos”.
A educação, como processo de problematização, gira
em torno do indivíduo-mundo, em torno das relações insepa-
ráveis que se estabelecem entre ambos, e não em torno do in-
divíduo isolado deste mundo. O que realmente importa à edu-
cação, como situação de conhecimento, é a problematização do
mundo do trabalho, das ideias, da ciência, enfim de tudo o que
resulta das ligações indivíduo mundo, nas quais os indivíduos
se encontram como seus criadores.
Angotti, Ferrari e Tragtenberg (2009) explicam que
Freire desenvolveu uma estratégia por investigação temática
voltada à alfabetização de adultos. Sendo assim, todo o proces-
so de ensino era baseado em temas e deles eram retirados os
conteúdos escolares necessários ao aprendizado do educando.
Os temas surgem após uma pesquisa prévia do uni-
verso das palavras faladas no meio cultural do educando. Des-
se meio são extraídos os vocábulos de maior possibilidade
fonêmica e carga semântica. Essas palavras são chamadas de
geradoras porque proporcionam a formação de outras. Apren-
der a dizer a palavra possibilita ao homem excluído do sistema
capitalista entendê-lo, pensá-lo, decifrá-lo, decodificá-lo.
Barreto (1998) explica que o uso de palavras geradoras
foi substituído, posteriormente, por Freire pelo uso de temas
geradores. A ocorrência ocorreu pela compreensão do autor de

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que as palavras geradoras alcançavam, durante as discussões


com os educandos, uma abrangência maior, pois as palavras
eram na verdade assuntos que geravam discussão, investigação
e geração de novos conhecimentos.
Os temas geradores, que podem partir do mais ge-
ral para o particular, envolvem situações-limites em que os
homens se acham “coisificados”, uma fronteira entre o ser e a
opressão em que a consciência dos homens se encontra “imer-
sa”. Faz parte de uma metodologia conscientizadora que possi-
bilita aos homens uma forma crítica de pensarem seu mundo
e de se humanizarem, pois falta aos homens uma compreensão
crítica da totalidade, captada apenas em pedaços pela sua cons-
ciência.
A transmissão de conteúdos estruturados fora do
contexto social do educando é considerada “invasão cultural”
ou “depósito de informações” porque não emerge do saber po-
pular. Portanto, antes de qualquer coisa, é preciso conhecer o
aluno. Conhecê- lo enquanto indivíduo inserido num contexto
social de onde deverá sair o “conteúdo” a ser trabalhado.
Freire observou que dentro de cada sociedade exis-
tem temas geradores a serem discutidos que se subdividem de
acordo com a época e o local. E, a sua inexistência, aparente ou
oculta, “pode significar, já, a existência de uma ‘situação-limite’
de opressão em que os homens se encontram mais imersos que
emersos” (FREIRE, 1982, p. 112). Ou pode significar ainda a
existência do tema do silêncio.

3.3 MOMENTOS E FASES DO MÉTODO FREIRE

Do ponto de vista semântico, a palavra “método”


pode significar: “caminho para chegar a um fim; caminho pelo
qual se atinge um objetivo. A expressão “Método Paulo Freire”
é hoje uma expressão universalizada e cristalizada como refe-
rência de uma “concepção democrática, radical e progressista
de prática educativa”.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Em entrevista concedida à Nilcéia Lemos Pelandré,


em 14/04/1993, Freire diz o seguinte:
Eu preferia dizer que não tenho método. O que eu
tinha, quando muito jovem, há 30 anos ou 40 anos,
não importa o tempo, era a curiosidade de um lado
e o compromisso político do outro, em face dos re-
negados, dos negados, dos proibidos de ler a palavra,
relendo o mundo. O que eu tentei fazer e continuo
hoje, foi ter uma compreensão que eu chamaria de
crítica ou de dialética da prática educativa, dentro da
qual, necessariamente, há uma certa metodologia, um
certo método, que eu prefiro dizer que é método de
conhecer e não um método de ensinar (PELANDRÉ,
1998:298).

Essa insistência em classificar a metodologia de Freire


em termos de Método ou Sistema se dá pelo fato dela com-
preender uma certa sequenciação das ações, ou melhor di-
zendo, ela estrutura-se em momentos que, pela sua natureza
dialética, não são estanques, mas estão interdisciplinarmente
ligados entre si. Para situar melhor essa sequenciação, indica-
remos aqui os momentos que compõem a metodologia criada
por Freire:
1º Momento: Investigação Temática – Pesquisa So-
ciológica: investigação do universo vocabular e estudo dos mo-
dos de vida na localidade (Estudo da Realidade). O estudo da
realidade não se limita à simples coleta de dados e fatos, mas
deve, acima de tudo, perceber como o educando sente sua pró-
pria realidade superando a simples constatação dos fatos; isso
numa atitude de constante investigação dessa realidade.
2º Momento: Tematização - Através da seleção de te-
mas e palavras geradoras, realizamos a codificação e decodifi-
cação desses temas buscando o seu significado social, ou seja, a
consciência do vivido. Através do tema gerador geral é possível
avançar para além do limite de conhecimento que os educan-
dos têm de sua própria realidade, podendo assim melhor com-
preendê-la a fim de poder nela intervir criticamente. Do tema

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

gerador geral deverão sair as palavras geradoras. Cada pala-


vra geradora deverá ter a sua ilustração que por sua vez deverá
suscitar novos debates. Essa ilustração (desenho ou fotografia)
sempre ligada ao tema, tem como objetivo a “codificação”, ou
seja, a representação de um aspecto da realidade, de uma situa-
ção existencial construída pelos educandos em interação com
seus elementos.
Após a etapa de investigação (estudo da realidade),
passa-se à seleção das palavras geradoras, que deverá obede-
cer a três critérios básicos: a) Elas devem necessariamente estar
inseridas no contexto social dos educandos. b) Elas devem ter
um teor pragmático, ou melhor, as palavras devem abrigar uma
pluralidade de engajamento numa dada realidade social, cul-
tural, política etc... c) Elas devem ser selecionadas de maneira
que sua sequência englobe todos os fonemas da língua, para
que com seu estudo sejam trabalhadas todas as dificuldades
fonéticas.
3º Momento: Problematização: Busca da supera-
ção da primeira visão ingênua por uma visão crítica, capaz de
transformar o contexto vivido. “A problematização nasce da
consciência que os homens adquirem de si mesmos que sabem
pouco a próprio respeito. Esse pouco saber faz com que os ho-
mens se transformem e se ponham a si mesmos como proble-
mas”(Jorge, 1981:78).
4º Momento: Elaboração de fichas-roteiro que auxi-
liem os coordenadores de debate no seu trabalho. São fichas
que deverão servir como subsídios, mas sem uma prescrição
rígida a seguir.
5º Momento: Elaboração de fichas com a decomposi-
ção das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos ge-
radores. Esse material poderá ser confeccionado na forma de
slides, stripp-filmes (fotograma) ou cartazes.
Desde a sua origem e aplicação na década de 60 até
os dias atuais, o Método Paulo Freire vem suscitando contro-
vérsias, se constituindo em assunto polêmico para a realiza-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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ção de teses, simpósios, mesas-redondas, publicação de livros


e artigos, além de se constituir em fonte de estudo, pesquisa e
também aplicação em diferentes partes do Brasil e do mundo.
4. CONCLUSÕES
Independente da etapa de escolarização reconhece-se
na proposta baseada em temas geradores a possiblidade de se
desenvolver um trabalho diferenciado. Apesar de ter sido pri-
meiramente pensada para a educação de jovens e adultos, os
temas geradores poderão perfeitamente servir de base de ensi-
no também na educação de crianças, desde que respeitadas as
peculiaridades da infância na escolha dos temas. O ensino por
meio de temas geradores também poderá permear a prática do
professor nas diferentes disciplinas que ele leciona.
Dessa forma, trabalhar mediante a proposta de Paulo
Freire traz inúmeros benefícios para a educação, pois reflete
em um ensino em que os alunos são envolvidos nas temáticas
discutidas em sala de aula, portanto mais significativo; promo-
ve a interdisciplinaridade, porque os conteúdos não são tra-
tados de forma isolada, mas sim dentro de uma problemática
mais ampla; oportuniza o desenvolvimento da autonomia e do
senso crítico, uma vez que sua base é o diálogo, o que leva o
aluno a descobrir o conhecimento, e não receber informações
prontas a serem memorizadas; e, por fim, aproxima professor
e aluno, pois juntos passam a assumir o papel de construtores
do conhecimento, rompendo com a barreira da hierarquia en-
tre quem sabe e quem precisa aprender. Portanto, a formação
de cidadãos mais críticos depende diretamente das posturas
assumidas pela escola. Propor ações que permitam o diálogo
reflexivo não é o elemento único, mas é fundamental para a
educação tratada de forma libertadora, objetivando a erradi-
cação de um produto genuíno da educação bancária - os altos
índices de déficit quantitativo e qualitativo na educação - que
constituem obstáculo para o desenvolvimento do país e para
sua emancipação.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGOTTI, J. A. P ; FERRARI, P. C.;; TRAGTENBERG,
M. H. R. Educação problematizadora a distância para a
inserção de temas contemporâneos na formação docente:
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15, n. 1, p. 85-104, 2009. Disponível em: http://www.scielo.
br/scielo.php?pid=S1516-73132009000100005&script=sci_
abstract&tlng=pt . Acesso em: 10 jan. 2016.
BARRETO, V. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte
& Ciência, 1998.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 30ª edição 2004.
________.Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra. 35ª edição, 2003.
________.Professora sim, tia não: cartas a quem ousa
ensinar. São Paulo: Olho dágua, 1997.
________.À sombra desta mangueira. 2ª ed. São Paulo: Olho
dágua: 1995.
________.Educação como prática da liberdade. Ed. Paz e
Terra. 1967.
________.SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do
professor. Trad. Adriana Lopez. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
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GADOTTI, M. Convite à leitura de Paulo Freire. 2. ed. São
Paulo: Scipione, 1991.
GONSALVES, Elisa Pereira. Iniciação à Pesquisa Cientifica.
2.ed. Campinas, SP. Editora Alínea, 2001
JORGE, J, Simões. (1981). A ideologia de Paulo Freire. São
Paulo, Loyola.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

PELANDRÉ, Nilcéia Lemos. (1998). Efeitos a longo prazo


do método de Alfabetização de Paulo Freire. Dissertação de
Doutoramento. Florianópolis.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DA
ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NO
CONTEXTO DAS SERIES INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL

RODRIGUES, Patrícia Furtado1


COSTA, Lucinete Gadelhada2
1. INTRODUÇÃO
As mudanças que vem ocorrendo têm aumentado às
discussões acerca da alfabetização e universalização do ensino,
considerando que o Brasil chegou ao século XXI sem ter erra-
dicado o analfabetismo e universalizado o ensino, mas, uni-
versalizar não é condição para qualificação da educação. Além
dessa situação cabe ressaltar que as crianças estão avançando
nos anos iniciais levando prejuízos na leitura e na escrita.
Dados do CENSO 2010 indicam que 15,2% das crian-
ças brasileiras não sabem ler nem escrever aos 8 anos de idade.
O problema se mostra ainda mais complexo quando se con-
sideram os resultados por região: no Norte, o índice chega a
27,3%. Nessa discussão é importante ressaltar acerca da forma-
ção de professores com a perspectiva de formação continuada
para que possam atuar significativamente.
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazo-
nas- UEA, Manaus-AM. Brasil.
2 Doutora em Educação. Professora da Universidade do Estado do
Amazonas- UEA no Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-
-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia. Líder
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Formação de Professores para a
Educação em Ciências na Amazônia – GEPEC/UEA. E-mail: lucine-
tegadelha@gmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Considerando que a formação continuada de profes-


sores pode colaborar para o processo de ensino e aprendizagem
dos estudantes, apesar de não ser condição a possibilidade é
maior. Pois, a alfabetização não tem haver somente em ensi-
nar a criança a ler ou escrever, mas, sobretudo formar sujeitos
construtores, críticos, participativos enquanto sociedade. Dessa
forma, a principal finalidade é analisar as implicações da for-
mação de professores na alfabetização cientifica no contexto
das series iniciais do ensino fundamental. Tentando responder
aos seguintes objetivos específicos: Identificar a concepção de
formação continuada a partir da visão dos profissionais da área;
verificar se o professor relaciona a formação continuada à prá-
tica pedagógica; investigar se a formação continuada contribui
na alfabetização cientifica.
2. METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de campo realizada duran-
te o estágio supervisionado I, II e III componente curricular
do Curso de Pedagogia. Entende-se por pesquisa de campo a
entrada direta no campo a ser pesquisado, Lakatos e Marcone
(2003) vão dizer que a pesquisa de campo tem o objetivo de
conseguir informações ou conhecimento acerca de um proble-
ma, ou de uma hipótese, para confirmação ou contestação de
hipóteses. Pois é um momento relacional e prático de funda-
mental importância.
Para realização da pesquisa utilizamos abordagem
qualitativa, para Minayo (1994) a pesquisa qualitativa respon-
de a questões particulares, preocupa-se com as ciências sociais,
com uma realidade que não pode ser quantificado. Optar por
uma abordagem qualitativa é considerar os sujeitos, seus pen-
samentos, sua cultura, atitudes que contribuem com a pesquisa.
Acreditando que este delineamento atende as aspira-
ções e necessidades necessárias para sua concretização, esse tipo
de pesquise possibilita que o pesquisador tenha uma aproxima-
ção com a realidade sobre a qual deseja investigar, por meio da

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

observação e dos registros no diário de campo. Deste modo a


pesquisa qualitativa parte do princípio das observações e ano-
tações que legitimam as análises.
Com isso intencionamos interpretar os estudos qua-
lificando-os numa dimensão humana, uma vez que se entende
a necessidade de enfocar a Formação do professor e alfabeti-
zação cientifica como uma ação que envolve sujeitos em ação.
Para atender aos requisitos deste tipo de pesquisa foi
realizado um estudo bibliográfico sobre o tema em questão,
para fundamentação teórica que sustenta as analises, visões e
perspectivas. Quanto ao Lócus e sujeitos da pesquisa: A pes-
quisa foi desenvolvida em uma Escola Municipal da rede pú-
blica de Manaus, localizada na zona norte da cidade. A insti-
tuição oferece a comunidade o ensino fundamental I e II, além
da modalidade de EJA (Educação de Jovens e Adultos). Aten-
dendo cerca de seiscentos e quarenta (640) alunos totalizando
os turnos matutino, vespertino e noturno.
Os sujeitos da pesquisa foram uma professora que
atua no terceiro ano das series iniciais, formada em Normal
Superior, atua na docência a 22 anos, participa de programas
de formação continuada pela SEMED (Secretaria Municipal de
Educação) há dez anos (desde 2005), não fez pós-graduação.
Uma pedagoga, atuou na docência por 25 anos, formada em
Pedagogia, passou no concurso público em 2000 para pedago-
ga, atua nessa área há 15 anos, tem pós-graduação em supervi-
são. Além da gestora, foi professora por 10 anos, formada em
Pedagogia, com pós-graduação em gestão escolar, atua como
gestora há 5 anos. Para preservar a identidade dos sujeitos en-
volvidos daremos nomes fictícios.
Neste entendimento, construímos o caminho me-
todológico da pesquisa tendo como referência a abordagem
qualitativa. Para coleta de dados nos valemos de entrevista não
estruturada e observação participante. Os autores que embasa-
ram essa discussão foram Freire (1997), Chassot (2011), Soares
(2004), dentre outros.

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RESULTADOS E DISCUSSÕES
2.1 A formação de professores: trajetória e concepções
Na década de 1960, Paulo Freire emerge dando contri-
buição na educação brasileira, defendendo a ideia de que a edu-
cação não pode ser um deposito de informação do professor so-
bre o aluno, mas, que esses sejam ativos no processo de ensino,
os estudos de Paulo Freire apontavam para a reflexão sobre a
pessoa humana, sobre o seu meio social, expressando assim um
comprometimento político, ético e social. Por isso a escola tem
um papel essencial para o desenvolvimento dos sujeitos e sobre
o professor recai algumas reponsabilidades exigindo dele mu-
danças em sua prática pedagógica, na sua maneira de ensinar,
conforme Freire (1997) ensinar não é transferir conhecimento,
mas criar possibilidades para sua construção, essas mudanças
perpassam pela formação inicial e continuada do professor.
Daí a relevância da continuidade dessa formação, da
compreensão por parte do professor de que sua prática não é
apenas técnica, ou teórica. Mas, uma articulação onde a teoria
se consolida com a prática. Para Freire (1997) a formação con-
tinuada dos professores é a reflexão crítica sobre a prática. É um
processo permanente, que não se restringe a formação inicial,
mas se estende a práticas diárias em sala de aula.
Em função disto compete a escola e ao profissional
tornarem-se responsáveis pela aprendizagem significativa que
transformem os conhecimentos adquiridos pelos alunos. Para
isso, depende do compromisso do professor com sua formação,
para que haja um reflexo na sua prática pedagógica. Nessa pers-
pectiva Freire descreve:
Como professor num curso de formação docente
não posso esgotar minha prática discursando sobre a
Teoria da não extensão do conhecimento. Não posso
apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epis-
temológicas e políticas da Teoria. O meu discurso da
teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria
(1997, p. 52).

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A formação continuada se legitima diariamente, é um


compromisso real com a formação da cidadania, Freire descre-
ve que nesse movimento (1996, p. 25) “quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Não se trata
de transferir conhecimento, o professor precisa ter consciência
de seus atos, deve pensar sobre si próprio, e com isso, o pen-
samento reflexivo orientará suas práticas, pois só poderá ser
reflexivo a partir das práticas vivenciadas, das experiências, do
seu comprometimento.
O autor segue dizendo que “foi socialmente apren-
dendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens percebe-
ram que era possível, depois, preciso trabalhar maneiras, cami-
nhos, métodos de ensinar” (Freire. 1996, p. 26). Sendo assim, a
formação continuada do professor refletirá em toda sua forma
de agir, até mesmo nas tomadas de decisões, na resolução de
problemas, sendo ele agente em uma realidade social. Pois “é
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se
pode melhorar a próxima prática” (Freire, 1997, p. 43-44). A
reflexão diária da prática fortalece o ensino, contribuindo para
o desenvolvimento dos discentes, levando-o a compreensão da
sua realidade.
No contexto atual, não há espaço para um ensino me-
cânico, é preciso considerar a realidade do aluno, o conheci-
mento que trazem, o professor compreender que são sujeitos
ativos no processo de ensino e aprendizagem. Conforme Freire
[...] “A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar
mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir,
recriando-a” (1997, p. 76). Por isso, a formação continuada é
um processo permanente que objetiva um ensino melhor aos
educandos e um desenvolvimento profissional e pessoal aos
docentes.
2.2 A alfabetização científica: a construção de um conceito
Há muito tempo se fazem pesquisas acerca da alfabeti-
zação, principalmente na área de ciências humanas, por isso tem

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ganhado várias conotações; alfabetização matemática, alfabetiza-


ção em língua materna, alfabetização cartográfica, alfabetização
formal, letramento, alfabetização científica, entre outros, sendo
assim, o conceito de alfabetização passou a ser conhecido e fami-
liar. Contudo vem sofrendo transformações ao longo do tempo.
Se tratando do Brasil, historicamente a alfabetização
escolar tem uma trajetória de mudanças conceituais e meto-
dológicas, (Soares, 2004). Diferente da concepção tradicio-
nal que considera a aprendizagem de leitura e escrita como a
aprendizagem de habilidades individuais.
De acordo com Soares (2004) é necessário reconhe-
cer que alfabetização entendida como a aquisição do sistema
convencional de escrita distingue-se de letramento entendido
como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades
de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais.
Uma vez que, não basta a criança decodificar, embora seja fun-
damental não é suficiente. É necessário que ela compreenda o
sistema e se aproprie do mesmo.
Quando esse sujeito passa a ser considerado no pro-
cesso de construção, a aprendizagem passa a ser significativa,
esse novo olhar levará a uma escuta atenta e sensível na es-
colarização inicial. Brandão (2013) retomando Paulo Freire
fala sobre uma educação construída com o diálogo, como um
ato coletivo, não pode ser imposta. Daí a relevância da escola,
como espaço de constituição das relações sociais, da constru-
ção do conhecimento.
Chassot (2011) define a alfabetização científica como
um conjunto de conhecimentos adquiridos pelos discentes que
facilitariam a leitura do mundo onde vivem, ou seja, é saber ler
a linguagem da ciência. Pois a ciência é uma linguagem cons-
truída pelos homens, cuja finalidade é explicar o mundo.
Este conceito não se distancia do que Soares (2004)
apresenta, sobre letramento, de acordo com a autora se cons-
tituiria no desenvolvimento de comportamentos e habilidades
de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais.

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No mesmo sentido Freire vem falar da relevância do


professor considerar o conhecimento dos sujeitos em forma-
ção contribuindo no processo de alfabetização que possibilite a
formação de sujeitos críticos e partícipes na sociedade, ou seja;
De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e
dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida
pela leitura do mundo mas por uma certa forma de
“escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de trans-
forma-lo através de nossa prática consciente (2003, p.
20).

O professor precisa compreender que o mundo está


mudando a passos acelerados, o conhecimento todo tempo é
reconstruído, todos os dias estudantes chegam a escola, inde-
pendentemente das oportunidades que tiveram cada um com
suas peculiaridades, com suas experiências. A escola tem como
responsabilidade em seus processos formativos contribuir para
que os mesmos possam tornar-se agentes de transformação.
A linguagem e a realidade se prendem dinamicamen-
te, “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crí-
tica implica a percepção das relações entre o texto e o contex-
to” (Freire, 2003, p. 11). É nesse sentido que os discentes tem
a possibilidade de serem alfabetizados cientificamente, ao se
apropriarem da ciência, compreendem o seu contexto ou sua
realidade, tendo a possibilidade de transforma-lo.
Para Freire (1996, p. 29) “os educandos vão se trans-
formando em reais sujeitos da construção e reconstrução do
saber”. Quando compreendem o que o professor está propondo
se apropriam, observando seu entorno, entendendo assim que
o conhecimento pode ser reconstruído, e nessa tentativa de re-
construção assumem uma postura ética e cidadã. Daí o ensino
não poder ficar reduzido a decodificação de códigos. Segun-
do Freire a leitura do mundo precede a leitura da palavra e o
processo de alfabetização precisa contribuir na compreensão
crítica da realidade que não se esgota no ato de ler.
As experiências que o sujeito adquire, suas curiosida-
des acerca do mundo são ótimas oportunidades para efetiva-

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ção da alfabetização cientifica, considerando que, “sem a curio-


sidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca,
não aprendo nem ensino” (Freire, 1996, p. 95). A curiosidade
faz com que o estudante questione acerca da sua realidade, pes-
quisando, refletindo e agindo sobre ela.
Essa compreensão conduzirá o aluno a pesquisar, a
terem experiências, a pensar criticamente acerca das contradi-
ções sociais, quando o professor possibilita o ensino que des-
perte no discente interesse a aprendizagem passa a ser signifi-
cativa. Acerca disso Freire comenta:
É preciso, finalmente, que os educandos, experimen-
tando-se cada vez mais criticamente na tarefa de ler
e de escrever percebam as tramas sociais em que se
constitui e se reconstitui a linguagem, a comunicação
e a produção do conhecimento (1997, p. 31).

Para isso é importante que os estudantes sejam in-


centivados a produzir, a conhecer como se dá o caminho da
pesquisa. O professor precisa incentivar a produção do conhe-
cimento no espaço escolar.
Segundo Chassot (2011) a alfabetização cientifica de-
manda urgência para atender as necessidades da sociedade,
tendo em vista a necessária reconstrução do conhecimento,
nesse sentido o papel do professor é propiciar um espaço favo-
rável a descobertas, a pergunta, a investigação, a curiosidade,
conforme Freire;
O bom clima pedagógico-democrático é o em que
o educando vai aprendendo à custa de sua prática
mesma que sua curiosidade como sua liberdade deve
estar sujeitas a limites, mas em permanente exercício
(1997, p. 95).

O ensino não precisa ficar reduzido a decoração de


conceitos, ou teorias, o estudante necessita perceber que a ciên-
cia pode transformar e mudar suas vidas, que a linguagem da
ciência facilita o entendimento do mundo. “Nas condições de
verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando

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em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber ensi-


nado” (Freire, 1996. p. 29). A alfabetização cientifica amplia os
conhecimentos do aluno, com possibilidade de fazê-lo com-
preender e serem partícipes na sociedade a qual pertencem.
2.3 Formação Continuada: Possibilidades na Alfabetizações
Científica
A seguir apresentaremos os resultados da pesquisa
com os diferentes sujeitos. Durante a entrevista ao ser ques-
tionada a respeito das ações realizadas na escola a gestora res-
pondeu “A escola tem muitas ações, palestras com as famílias
sobre drogas, violência, convivência familiar” (Mariza, 2015).
Embora a resposta da gestora esteja culminando com o PPP
quando diz que “a escola tem que desenvolver ações pedagógi-
cas e administrativas a partir das necessidades da escola, a fim
de proporcionar à comunidade escolar uma escola aberta, fle-
xível e democrática” (2014, p. 15). Não foi observado durante o
estágio um número razoável de ações.
Em uma atividade realizada no dia 18 de maio que
foi o dia de luta contra a exploração sexual de crianças e ado-
lescentes, verificamos que este momento não trouxe a família
para o debate. É imprescindível a participação da comunidade,
dos discentes para que os estudantes se percebam como agen-
tes de transformação social.
Ao perguntar para a pedagoga o que ela considerava
como atual desafio da escola? Citou dois desafios: o professor
e a escola.
Antigamente tinha o magistério que era ótimo, hoje
percebe-se uma defasagem na formação acadêmica.
Por isso o desafio maior é o professor, a sua formação.
Há formação continuada, o professor vai se quiser, e
quando vai é para melhorar seu salário e não o desem-
penho do aluno. E a fraqueza da escola, que não atua
como deveria. (Jussara, 2015).

Percebemos nos depoimentos um questionamento so-


bre o ensino e aprendizagem, no entanto as responsabilidades

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não são assumidas numa lógica coletiva em que a instituição


escolar é de responsabilidade de todos, gestor, pedagogo, pro-
fessores, comunidade, família, a formação continuada precisa
ser refletida com e por todos e não para o professor, como se
ele fosse o único responsável pelas mazelas da escola pública.
Neste sentido, Freire destaca acerca da formação permanente
(1996, p. 43) “por isso que na formação permanente dos pro-
fessores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre
a prática”. Essa reflexão possibilitará uma melhor atuação pro-
fissional. O autor é enfático ao dizer que a reflexão crítica sobre
a prática se torna uma exigência da relação teoria e prática. Se
há reflexão há ação, se há ação, há mudança.
Ao ser questionada sobre a formação continuada a
professora diz o seguinte: “Não tenho pós-graduação, mas to-
dos os anos passamos por formação na SEMED, de uns dez
anos pra cá, mais ou menos isso”. (Rosa, 2015). A professora
sabe o que é formação continuada, ela não está equivocada,
entretanto não destacou a formação continuada como uma re-
flexão contínua sobre a prática pedagógica.
Pois, a partir da reflexão gera a ação, é ela que nos im-
pulsiona a perguntar, a conhecer, a atuar a reconhecer, mudar
e construir caminhos, visando o fortalecimento da formação
continuada e alfabetização cientifica, ou seja, um momento de
aprendizagem tanto para o professor quanto para os discentes.
Freire complementa dizendo que:
Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática
de ensinar-aprender participamos de uma experiên-
cia total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica,
pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve
achar-se de mãos dadas com a docência e com a serie-
dade (1996, p. 26).

Verificou-se que a professora tem uma vasta expe-


riência na atuação docente, participa de cursos oferecidos pela
secretaria de educação. Mas, no decorrer das observações, as
aulas geralmente eram voltadas para Língua Portuguesa e Ma-

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temática, com atividades de cópias no quadro, não visualizei


atividades lúdicas, visita a biblioteca, aos espaços da escola, a
mesma tem uma horta que poderia ser um momento de apren-
dizagem para os estudantes. Essas informações estão sendo
consideradas a partir do período que estive na escola.
Acerca da formação continuada, salientou apenas a
pós-graduação e os cursos fora da escola, não foi possível iden-
tificar em sua fala ou no exercício da profissão que se trata de
uma formação permanente, como nos diz Freire (1996) que na
formação permanente o momento fundamental é a reflexão
crítica sobre a prática.
A escola é um espaço privilegiado para a construção
do conhecimento, sendo o professor responsável a estimular o
espirito investigativo do estudante a partir de suas curiosida-
des, despertando nele o interesse pela ciência. Há necessidade
de o ensino estar voltado a realidade do docente, suas expe-
riências, o seu entorno, leva-lo a se questionar, a pensar, refletir
acerca de diversas questões.
A partir deste estudo compreendemos a relevância da
formação continuada, para a prática pedagógica dos professo-
res, contribuindo em sua ação reflexiva enquanto profissional.
Assim, trazemos Freire (1996) para salientar a importância de
refletir acerca da formação docente e da prática educativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo possibilitou o conhecimento de situações
que ocorrem no cotidiano escolar evidenciando que existem
muitos limites, porém também muitos avanços e possibilidade.
Em relação aos limites podemos citar a falta de permanente
formação dos professores, ausência de um trabalho coletivo
entre os profissionais docentes e pedagoga; uma gestão mui-
to voltada para questões administrativas; pouco envolvimento
dos pais e distanciamento da comunidade.
Os limites nos mostram que há muito a avançar é
neste sentido entendemos como avanço indispensável uma re-

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flexão constante acerca da prática pedagógica, é nesse sentido


entendemos que os cursos, palestras, seminários, quanto à re-
flexão contínua em sala de aula e fora dela, pode contribuir na
alfabetização cientifica.
As possibilidades existentes estão na necessidade da
ênfase de nossos processos formativos, enquanto profissionais
não há como alfabetizar cientificamente, se desconsidero esses
sujeitos como agentes de transformação, como sujeitos de sua
própria história. Portanto, destacamos a importância da for-
mação continuada no ambiente escolar contribuindo nas refle-
xões e ações docentes a partir de nossas práticas, possibilitando
um ensino que contribua no processo da consciência de cida-
dania a partir do entendimento da realidade social.
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INTERAÇÃO PARTICIPATIVA NA LEITURA E


LETRAMENTO INFANTIL: EXPERIÊNCIA NO
TERCEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

BRITO, Auristela Brasil1


VIEIRA, Regina Célia Moraes2
Introdução
O presente trabalho teve como objetivo contribuir
para o desenvolvimento do processo de leitura e letramento
com a interação participativa dos alunos do terceiro ano fun-
damental com a literatura infantil em uma Escola Municipal de
Manaus, localizada na Zona Sul.
Procurou-se observar o que ocorria na aprendizagem
quando o professor não conseguia sistematizar os conteúdos
de forma lúdica e diversificada a fim de intensificar a leitura e
letramento destas crianças, pois ficou constatado que a litera-
tura infantil não é muito trabalhada em aulas dinâmicas e nem
com metodologias diversificadas.
Para a coleta de dados foram utilizadas as seguintes
técnicas: entrevista semi estruturada com os professores para
coleta de informações sobre o processo de ensino-aprendiza-
gem; observações em sala de aula; questionário fechado para
avaliação dos conhecimentos obtidos pelos discentes, tanto no
início quanto no final da pesquisa; formulários, fichas e análise
documental.
1 Psicopedagoga pela FSDB. Aluna de Pós-Graduação da UEA. Pro-
fessora na SEMED. auristelabrasil16@gmail.com
2 Doutoranda em Desenvolvimento Curricular na Universidade
do Minho-PT-Braga, Mestra em Educação e Ensino de Ciências
- UEA. Professora e formadora na SEDUC-AM e SEMED-AM.
Reginet101@yahoo.com.br

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Por fim, o resultado e a reflexão sobre a importância


de desenvolver algumas metodologias que contribuem de ma-
neira significativa para o incentivo sobre o ensino da Leitura e
Letramento em sala de aula a partir do conhecimento prévio
dos discentes, além do que, os estudos de pesquisa mostraram
também uma complexa relação entre a teoria das leis que rege
a educação no Brasil e a prática educativa na sala de aula.
A INVESTIGAÇÃO NO CAMPO DE PESQUISA E SUAS
METODOLOGIAS

O CAMPO DE PESQUISA: A ESCOLA E SEUS SUJEITOS


Privilegiou-se uma Escola Municipal para demons-
trar se a teoria ensinada nos cursos de Pós Graduação e/ou
Formação Continuada para os docentes em sala de aula anda
junto à prática de sala de aula. A instituição está localizada no
bairro Japiinlândia, Zona Sul de Manaus.
É uma instituição de grande porte, atendendo o to-
tal de 1.402 alunos de 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental,
proporcionando aos alunos que apresentam dificuldades de
aprendizagem os Programas de Aceleração da Aprendizagem,
Mais Educação e uma sala de recursos nos turnos matutino e
vespertino.
A PESQUISA SOBRE LEITURA E LETRAMENTO NO 3º
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: PROCEDIMENTOS
E RESULTADOS
A presente pesquisa consiste em um trabalho que
analisou formas diversificadas de intensificar a Leitura e Le-
tramento no terceiro ano do ensino fundamental a partir da
interação participativa da criança com a literatura infantil na
escola.
Ao pretender colaborar na discussão e reflexão sobre
o tema leitura e letramento procuramos observar, analisar e
demonstrar a interferência que ocorre na aprendizagem quan-

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do o professor não consegue enriquecer o encaminhamento


metodológico, sistematizando os conteúdos de língua portu-
guesa de forma lúdica, a partir dos conhecimentos prévios das
crianças nas séries iniciais do ensino fundamental.
Vale ressaltar que a inclusão da criança de seis anos no
Ensino fundamental como orientação do Ministério da Educa-
ção – MEC, que visa assegurar a alfabetização e o letramento
das crianças na faixa etária de 6 a 8 anos de idade. Veio impor
novos desafios, sobretudo pedagógicos, para a área educacio-
nal, cuja ideia é introduzir o conteúdo no 1º ano, aprofundar
no 2º ano e consolidando o aprendizado no 3º ano, sendo que
a maioria dos professores da escola onde a pesquisa se realizou
não está preparada para essa nova trajetória educacional, o que
levou a uma nova reflexão sobre a importância da Formação
Continuada para auxiliar o fazer pedagógico docente e assim,
poder assegurar uma educação de qualidade.
Essa realidade reporta a vivencia de Paulo Freire
quando preparava cursos para docentes multiplicadores do
plano nacional de alfabetização de adultos em Brasília:
Lembro-me de que, de modo geral, se saiam muito
bem nos exercícios de “leitura” das codificações, mas,
o que era de esperar, tropeçavam no domínio da lei-
tura das palavras. Podemos contar com seis ou sete
que revelaram competência no desempenho das fun-
ções de alfabetizadores. De qualquer modo, contudo,
a experiência de formação de que fizeram parte foi tão
útil a eles quanto à equipe de professores formadores
(FREIRE, 1985, p.154).

Sem dúvida alguma, é necessária a preparação profis-


sional do docente para atuar na base da alfabetização, princi-
palmente ao considerar a realidade da comunidade e o grande
número de alunos que a escola atende. Por isso, optou-se por
desenvolver a pesquisa com um professor e alunos de apenas
uma turma, oportunizando com esta prática, uma interação
“aluno – professor – conteúdo” participativa.

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Com base nos questionários respondidos pelos pro-


fessores e pedagoga observou-se que os cursos superiores são
defasados deixando que a prática docente efetiva se encarregue
de complementar o que faltou na formação inicial; além disso,
não possuem graduação em línguas e sim “Normal Superior
ou pedagogia”.
A maioria deles alega não ter tempo para leitura e
atualizações ou que preferem ler livros de romances, revistas e
informes a livros técnicos que abordem a formação docente. É
claro que para que o processo ensino-aprendizagem ocorra de
maneira efetiva, o professor precisa estar bem preparado teori-
camente, segundo o pensamento de Oliveira:
[...],os professores de graduação nos cursos de letras,
figuras determinantes na formação dos professores de
português, tendem a abordar diversas teorias sem es-
tabelecer nenhuma ponte com a prática pedagógica.
[...]. Contudo, os cursos de literatura em letras visam
à formação de professores; [...], abordar uma teoria
sem fazer conexão entre ela e a prática docente é con-
denável (2010, p.32 ).

Observou-se também a preocupação da escola e de


alguns professores para que o aluno tenha acesso a vários gêne-
ros textuais, embora os entrevistados não tenham a formação
de literatura e língua portuguesa. Alegam trabalhar somente
os conteúdos determinados pela rede municipal de ensino, por
isso é notório, por parte do pesquisador, que a literatura não é
muito trabalhada em aulas dinâmicas e com metodologias di-
versificadas, cujo objetivo seria o de intensificar a relação alu-
no-conteúdo e fazer com que ele (o aluno) sinta prazer em ler
e aprender.
Analisando a história pessoal desses docentes, enten-
de-se o motivo da maioria deles não estar preparado para atuar
nas séries iniciais do Ensino fundamental, pois não basta só
ter um diploma. Caberá ao professor estabelecer um padrão
de conduta para compreender os reais motivos de seu papel e

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de sua ação pedagógica e assim poder transformar os resulta-


dos negativos em resultados efetivos para a aprendizagem dos
discentes.
Por considerar que o hábito da leitura – especialmente
literatura infantil – não é prática habitual da maioria dos pro-
fessores nas séries iniciais é porque ocorreu de maneira siste-
mática em cursos de graduação e nem todos estão preparados
para trabalhar com crianças nessa etapa, onde a alfabetização
geralmente acontece naturalmente. Se os professores forem
orientados adequadamente pelo pedagogo, amparados, sentir-
-se-ão fortalecidos para buscar soluções para os problemas de
Leitura e Letramento das crianças nessa fase da vida.
Portanto, a pesquisa serviu para destacar a relevância
científica sobre a educação da criança, que encerra em si um
complexo de vários fatores, entre eles, as tendências inatas, a
influência da escola, o processo interativo com os semelhan-
tes, e também a participação educativa da mídia, dando ênfase,
sobretudo, ao ambiente doméstico como fonte fornecedora da
maioria dos valores, conceitos e conduta que completam a sua
personalidade e a sua educação cultural (formal e informal)
propriamente dita.
DESCREVENDO OS PROCEDIMENTOS DE
INTERVENÇÃO
No sentido de propiciar uma dinâmica de interação
participativa de todos os envolvidos, a pesquisa constituiu-se
em quatro etapas, cujos procedimentos metodológicos, os su-
jeitos da pesquisa e o referencial teórico deram embasamento
ao plano de ação.
Apresenta-se na sequencia os relatos das experiências
vivenciadas durante o período em sala de aula com os alunos,
pais e professora da turma, nos meses de agosto a dezembro
de 2015. Na primeira: pesquisa do material didático e paradi-
dático para dar suporte nas aulas e oficinas; leitura do Projeto
Político Pedagógico - PPP da escola; Análise das aparatas de

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Notas do primeiro bimestre para ter um parâmetro no final da


avaliação.
Na segunda, foi realizada a escolha da turma, que se-
ria o universo da pesquisa, bem como, busquei conhecer os
índices de alfabetização de Leitura e Letramento dos alunos.
Para a coleta de dados foram utilizadas as seguintes técnicas:
entrevista semi estruturada para colher as informações com a
professora sobre o processo de ensino-aprendizagem no espa-
ço escolar e fora dele; observação da metodologia que a profes-
sora utiliza na sala de aula para o processo ensino-aprendiza-
gem, referente à leitura, utilizando obras de Literatura Infantil;
entrevistas livres com os alunos, observação participante duas
vezes na semana.
Esses procedimentos foram de vital importância para
descobrir que fatores influenciam e determinam o desenvol-
vimento na leitura e aquisição do letramento das crianças, e
assim, intervir com atividades lúdicas e prazerosas. Terceira:
Planejamento e realização das aulas práticas e oficinas, utili-
zando como suporte pedagógico livros de Literatura Infantil.
Quarta: festa de confraternização e encerramento do projeto
com a entrega das atividades desenvolvidas na escola e um li-
vro de histórias confeccionado pelos alunos.
LEITURA E LETRAMENTO O QUE É?
As dificuldades de aprendizagem dos alunos nas sé-
ries iniciais do fundamental, quando comparados aos concei-
tos de alfabetização e letramento de acordo com o pensamento
de Soares, quando ela diz que “[...] aprender a ler e escrever
significa adquirir uma tecnologia, a de codificar em língua es-
crita e de decodificar a língua com propriedade” (1998, p. 39),
levou-nos a uma reflexão mais profunda sobre a atual metodo-
logia dos trabalhos de leitura, interpretação e produção textual.
A esse respeito, Freire questionava a correta prática de leitura
e o uso do texto, quando apresenta os quatro caminhos para a
sua produção que seria:

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O primeiro, o do uso de textos produzidos pelos gru-


pos populares com a ajuda mínima necessária dos
educadores; o segundo, o daqueles produzidos pelos
educadores enraizados, porém, na realidade dos edu-
candos; o terceiro, o emprego de textos elaborados
pelos grupos populares e os educadores em estreita
relação e, finalmente, o quarto, o de textos escritos,
não importa por quem, cuja leitura, por esta ou aque-
la razão, é de interesse dos grupos populares. (1985,
p.150)

Acredita-se ser normal que a criança, desde cedo,


convive com a linguagem oral em diferentes aspectos e situa-
ções, por não viver isolada; por isso é importante aprofundar
os estudos e buscar conhecimentos teóricos que vise dar con-
tinuidade a um processo de desenvolvimento das habilidades
de leitura e letramento dos alunos e com isso poder melhorar o
fazer pedagógico na sala de aula.
Em contrapartida, a linguagem ocupa um importante
papel em qualquer período de vida do ser humano, portanto,
é por meio da oralidade que as crianças participam de dife-
rentes interações em família, escola ou em sociedade, por isso
elas aprendem falar desde cedo. A esse respeito, Albuquerque,
Leal e Moraes (2007, p.69), afirmam: “por meio da oralidade,
as crianças participam de diferentes situações e interação so-
cial e aprendem sobre elas próprias, sobre a natureza e sobre a
sociedade” e é, por isso mesmo, tradutora e expressiva de sen-
timentos e ações.
Na escola, a criança aprende a sistematizar a oralida-
de, através de produções textuais formais. Daí surge a dificul-
dade do por que a criança não está acostumada com a forma de
aprendizagem, porque não é comum no seu cotidiano.
O mesmo acontece em relação à escrita: as crianças
observam palavras escritas nos mais variados suportes. Desse
modo, se a criança ao chegar à escola, e o professor introduzir
os conteúdos das matérias em uma sequencia didática e lúdica,
o processo da escrita alfabética e a aprendizagem acontecem

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naturalmente. Para Magda Soares (1998, p.47) “alfabetizar e le-


trar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrá-
rio,: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a
escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita”.
Trabalhando todas as outras disciplinas com finalida-
des específicas, levando em conta o cotidiano da criança, além
da alfabetização e letramento, o professor tem condições de tra-
balhar também com metodologia transdisciplinar e interdisci-
plinar na sala de aula. Dessa maneira, estimula com essa prática
conhecimentos prévios e finais dos estudantes sobre os assuntos
estudados e colocados em prática quando estiverem em casa.
Nessa perspectiva, demonstram-se algumas possibili-
dades dessa intercomunicação: em Língua Portuguesa é possí-
vel desenvolver - a oralidade, conversando, por exemplo, sobre
o cotidiano entre outros acontecimentos que a criança vivencia
fora do espaço escolar; investigar interesses por alimento, brin-
quedos, filmes, músicas e livros de histórias infantis; - a escrita,
produzir palavras e frases, além do vocabulário, a comunicação.
Em matemática pode ser introduzido os conteúdos normais do
currículo, além de desenvolver habilidades de educação física
e artes.
Assim, quando existe a possibilidade de explorar dida-
ticamente determinado conteúdo, levamos a criança a aguçar
o seu mundo imaginário e ao mesmo tempo a ensinamos a de-
senvolver qualidades pessoais e culturais, a relação do homem
com os animais e as relações familiares através de diferentes
disciplinas, buscando uma intercomunicação com o currículo
e a alfabetização científica.
A IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHAMENTO
FAMILIAR E DA REALIZAÇÃO DE AULAS PRÁTICAS,
UTILIZANDO COMO SUPORTE A LITERATURA
INFANTIL
O trabalho foi delimitado em virtude da impossibili-
dade de abranger todas as quatro turmas do terceiro ano; por

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essa razão, foi selecionado somente uma turma de alunos, seus


respectivos pais e/ou responsáveis e a professora. Para o traba-
lho de pesquisa, Triviños afirma que:

Do ponto de vista instrumental, prático, parece-nos


recomendável que o foco de pesquisa de um estudante
de pós-graduação deve estar essencialmente vincula-
do a dois aspectos fundamentais: 1º) O tópico da pes-
quisa deve cair diretamente no âmbito cultural de sua
graduação (secundariamente no da especialização);
2º) O assunto deve surgir da prática quotidiana que
o pesquisador realiza como profissional. (1987, p.93).

O estudo constituiu-se em captar a forma como se dá


a relação professor/aluno/leitura e letramento utilizando a Li-
teratura Infantil em sala de aula. É de natureza descritiva por
situar-se no campo educacional e corresponder a procedimen-
tos etnográficos, possibilitadores de investigação do “real” em
suas subjetividades e objetividades de ação.
Portanto, após uma avaliação geral nas quatro turmas
do terceiro ano, com o intuito de delimitar o universo da pes-
quisa e facilitar o trabalho de campo, por indicação da diretora,
foi selecionada uma turma multiseriada com 29 alunos que, de
acordo com as fases de alfabetização/aprendizagem propostas
por Emilia Ferreiro (2001): 12 dessas crianças estavam alfabe-
tizadas: 4 na fase silábica, 5 na fase silábica alfabética e 10 na
fase pré-silábica. Dentre essas crianças, ainda tinham duas com
necessidades Educativas Especiais- NEE, sendo que um de 11
anos, com domínio alfabético e o outro com 14 anos, na fase
pré-silábica, ambos eram acompanhados no turno vespertino
pela professora da “Sala de Recursos”.
Diante desse quadro, procurou-se conhecer a realida-
de dos pais para promover uma parceria entre escola e família,
colher informações e explicar junto com a diretora e professora
da turma sobre o processo de ensino-aprendizagem no espa-
ço escolar e fora dele, assim como, esclarecer também como

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acontece o processo de leitura e letramento com alunos através


da literatura infantil, envolvendo professores e família.
Esse foi um grande desafio, porque estimulou os par-
ticipantes a tomarem iniciativas, aprendendo a trabalhar em
equipe e a gerenciar o tempo. Procurou-se estabelecer uma
ação integrada entre a equipe pedagógica da escola, alunos e
principalmente os pais, que eram ausentes de seus deveres em
relação à aprendizagem dos filhos matriculados na escola.
Desse modo, a escola pode estreitar esse vácuo exis-
tente entre pais e escola, assumindo a realidade do aluno e va-
lorizando-o como indivíduo ou ainda, a fim evitar que se acen-
tuem outros problemas. Por isso, é importante que a gestão
escolar encontre meios de trabalhar com crianças de diferentes
faixas etárias e condições sociais, uma vez que, é preciso convi-
ver e pensar as diferenças desde a infância.
Para o registro das atividades interdisciplinares foram
selecionados os livros e as histórias a serem trabalhados com
as crianças, e os critérios que nortearam a escolha do texto; a
metodologia com que foram trabalhados; os aspectos forma-
tivos que, segundo a professora, a literatura infantil permitiu
desenvolver junto aos alunos.
Com essa atividade, a professora compreendeu a im-
portância do planejamento na realização das aulas práticas em
uma sequência didática, utilizando como suporte pedagógico
livros de literatura infantil adequados à faixa etária das crian-
ças, bem como, levou a identificar e diferenciar tipos de textos
e estimular a independência da leitura e escrita dos alunos em
todos os seguimentos e níveis de aprendizagem e ainda, montar
o seu próprio acervo particular de livros de literatura infantil,
além de consultar e pesquisar no laboratório de informática.
Para efetuar esse trabalho, foram utilizados os livros
da biblioteca da escola além de livros de literatura infantil do
acervo da pesquisadora. Estes foram os que mais atraíram a
atenção das crianças porque os livros acompanhavam CD com
as músicas do texto. Percebeu-se que antes da intervenção do

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projeto, a professora da turma não tinha o hábito de seguir


uma sequência didática, envolvendo o conteúdo de outras dis-
ciplinas, como Língua Portuguesa, Ciências, Artes. Quando lia
história para seus alunos, lia sem entusiasmo e empolgação,
além de não explorar o texto; também não associava e nem
atualizava os conteúdos à metodologia de ensino e as práticas
pedagógicas.
Daí a importância da qualificação do profissional da
área da educação, cujo documento da LDB 9394/96 - Título
VI- Dos Profissionais da Educação – “Art.61.  Buscou-se tra-
çar um parâmetro que possibilitasse uma discussão e reflexão
de tudo o que fosse observado e considerado, para então, fazer
uma aproximação deste processo de ensino de literatura in-
fantil com as demais disciplinas, considerando aquilo que se
preconiza nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, Pro-
posta de Ensino do município e do Estado, o Projeto Político
Pedagógico da escola, além de todas as ponderações feitas pela
professora, vislumbradas nos seus planejamentos e não concre-
tizada na sala de aula.
O material didático foi cuidadosamente elaborado
para abranger todo o conteúdo programático e responder, ra-
pidamente, aos desafios e acontecimentos do mundo contem-
porâneo. A professora responsável pela coordenação e articula-
ção do projeto encarregou-se de colocar na mão da professora
o material correspondente a cada aula, assim como, programar
a palestra e oficina com os pais, tomando cuidado para estar
presente no dia do planejamento e reunião pedagógica. No fi-
nal da intervenção cada aluno construiu o seu livro de história
infantil a partir da sua realidade e cotidiano escolar.
A construção do livro se deu no ambiente da sala de
aula e fora do espaço escolar. Cada tema havia uma tarefa diá-
ria correspondente, que foi realizada pelo aluno fora do perío-
do escolar com o auxílio dos pais, criando um hábito de estudo.
As oficinas e brincadeiras foram necessárias para fixação do
conteúdo. Em alguns casos, os exercícios propostos foram de

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reforço da aprendizagem. Em outros, procurou-se incentivar


os alunos a ampliar seus conhecimentos através de pesquisas e
desafios. Nesse caso, é fundamental que todas as tarefas sejam
realizadas com pontualidade, pois são partes integrantes do
processo de aprendizagem e complementam o estudo da sala
de aula.
Considerações Finais
Embora os documentos oficiais que determinam a
Educação no Brasil tenha esclarecido o domínio de uma na-
ção, ao buscar analisar o desenvolvimento integral dos alunos
percebeu-se o porquê da educação no Brasil caminhar a passos
lentos. A humanidade está se modificando meteoricamente e
as Leis, assim como os programas e projetos educacionais não
estão seguindo o mesmo desenvolvimento do educando. Estu-
dos e pesquisa mostraram uma complexa relação entre a teoria
e a prática educativa.
Quanto à contribuição do trabalho de pesquisa, pen-
sando na situação presente da educação, particularmente da
escola pública, trabalhar com a leitura e letramento no terceiro
ano do ensino fundamental a partir da interação participati-
va da criança com a literatura infantil foi válido, houve uma
melhora significativa na turma de alunos que participaram da
pesquisa.
É claro que a avaliação deste trabalho foi processual,
uma vez que o conteúdo é extenso e depende de vários fato-
res para que se alcance um resultado satisfatório em relação
à aprendizagem dos alunos, principalmente servindo de parâ-
metro para políticas públicas de educação, abrindo assim, fu-
turas possibilidades de pesquisa sobre esse tema, o que, contri-
buiria muito com uma alfabetização aliada à vivencia cotidiana
de práticas de leitura e letramento.
Diante do exposto, acredita-se que essa experiência
é de um valor inestimável para a vida acadêmica do docente,
pois, proporciona novos conhecimentos, enriquecendo e me-
lhorando o seu fazer pedagógico.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

OLIVEIRA, Maria Alexandre de. Leitura prazer: interação


participativa com a literatura infantil na escola. São Paulo:
Paulinas, 1996.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros.
Belo Horizonte: Autêntica 1998.
TRIVIÑOS, Augusto. N. S. Introdução à pesquisa em
ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São
Paulo: Atlas, 1987.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

O PROFESSOR LIBERTADOR: UMA PERSPEC-


TIVA SOBRE O EMPODERAMENTO

BARBOSA, Isabela Vieira1


SANTOS, Jéssica Reinert2
MUELLER, Antônio3

INTRODUÇÃO
Ao abordarmos o pensamento freiriano, mais do que
buscar respostas ou “metodologias” prontas para serem apli-
cadas no dia a dia escolar, encontramos questionamentos que
instigam o pensamento crítico e despertam o aluno e professor
para uma educação libertadora. Liberdade aqui compreendida
indo além do que traz o dicionário, “Faculdade de cada um se
decidir ou agir segundo a própria determinação.” (FERREIRA,
2008, p. 515), mas em uma conotação filosófica, daquele que se
1 Graduação em Pedagogia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNI-
VALI). Especialista em Educação Infantil e Desenvolvimento pela
Universidade Cândido Mendes. Mestranda no curso de Pós-Gra-
duação em educação/Mestrado em Educação da Universidade Re-
gional de Blumenau (FURB). Universidade Regional de Blumenau.
miss.vieira@gmail.com.
2 Graduação em Letras – Português e Inglês pela Universidade Regio-
nal de Blumenau (FURB). Mestranda no curso de Pós-graduação
em educação/ Mestrado em Educação da FURB. Universidade Re-
gional de Blumenau (FURB). jereinertfurb@gmail.com.
3 Graduado em Educação Física pela Universidade Regional de Blu-
menau (FURB). Especialização em Treinamento Desportivo - Volei-
bol pela Universidade Nova Iguaçu (UNIG). Doutorado em Educa-
ção pela University of Texas at El Paso (UTEP). Professor titular da
Universidade Regional de Blumenau – FURB no Departamento de
Educação Física. antoniomuller2@hotmail.com.

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ISSN 2448-2072

liberta, sendo ator de sua história e não testemunha passiva do


que acontece ao seu redor.
Pensando no poder que a educação representa para
Freire, evocamos também outro autor que discute a importân-
cia que a relação professor e aluno, aliada a educação, é capaz
de representar na vida do sujeito, Rancière, em sua obra “O
Mestre Ignorante”, discute justamente a capacidade que a edu-
cação tem de empoderar os alunos além do ambiente escolar.
Unindo tais pensadores, o objetivo deste trabalho
não é apenas fazer uma releitura dos dois autores, mas antes
de tudo, discutir a importância da educação em seu contex-
to social, pois acreditamos, conforme Rancière (2002) e Freire
(2002; 1987; 1967), que não existem culturas inferiores nem
superiores, mas que cada uma é única e importante diante de
sua realidade histórico-social. Como ambos os autores abor-
dam em suas respectivas obras, cada sujeito é influenciado pelo
seu local de origem. Por isso, o mito pedagógico, muito citado
por Rancière, aproxima-se do conceito de educação bancária
de Freire, ao acreditar que a educação pode ser apenas ensina-
da por um professor, sendo este o detentor de todas as verdades
e saberes absolutos que devem ser adquiridos pelos alunos. Em
contrapartida a esse pensamento, lançamos nossos olhares à
educação como libertadora, como provida da responsabilidade
de fazer com que o aluno enxergue e compreenda o meio a sua
volta, tornando-se crítico e reflexivo das ações que o cerca.
Nosso artigo se inicia apresentando a metodologia
utilizada para a construção deste escrito, partindo, em seguida,
para as aproximações que se estabelecem entre aquilo que fora
dito por Rancière e Freire nas obras escolhidas como alvo de
estudo neste artigo. Resolvemos estruturar nosso trabalho em
somente uma seção de análise, pois o diálogo entre as teorias se
faz constante e indissolúveis, uma vez que um conceito se liga
a outro e vai sendo retomado com o transcorrer das palavras.
Para finalizar, trazemos nossas conclusões acerca do estudo de-
senvolvido e as referências utilizadas no decorrer do artigo.

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O fio metodológico condutor


Esse trabalho foi um estudo bibliográfico que a par-
tir de uma apreciação sobre o os pensamentos de Paulo Frei-
re encontrados nas obras “Pedagogia da Autonomia” (2002),
“Pedagogia do Oprimido” (1987) e “Educação como prática de
liberdade” (1967) e na obra “O Mestre Ignorante” (2002) de Ja-
cques Rancière, analisa a relação estabelecida por estes autores
nas obras supracitadas com a importância do desenvolvimen-
to de um pensamento crítico e libertador nos alunos, uma vez
que o sujeito livre, nas palavras de Freire (1987), é aquele não
assujeitado pelo mundo a sua volta, mas aquele protagonista de
sua própria história. Rancière (2002) define o empoderamento
como sendo parte constitutiva da educação, desde que a mes-
ma seja despertada nos alunos e não apenas a eles transferida.
O olhar de Freire em conformidade ao de Rancière
Pelo olhar freiriano, é impossível dissociar educação
e libertação. Além disso, para Freire, é inexequível que essa li-
bertação ocorra através de um professor, seja ele dominador ou
bem intencionado, pois “ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREI-
RE, 1987, p. 29), em trocas, em contato direto com o outro.
Desta forma, entendemos que a função do educador
não é libertar desvairadamente o aluno para o mundo no qual
está inserido, tão pouco transferir integralmente seus conhe-
cimentos desmerecendo aquilo que o estudante já sabe ante-
riormente. A função do professor-educador é despertar neste
aluno o pensamento crítico do mundo a sua volta, fazendo-o
se identificar como sujeito histórico inserido em um contexto
social, e reflexivo sobre sua prática e sobre os acontecimentos
à volta. O aluno deve-se compreender como um sujeito ativo e
transformador do seu contexto social, sendo suas atitudes crí-
ticas para transformar, não críticas no seu sentido estrito, mas
embasadas naquilo que ele vê, vive e experiência no contexto
que o rodeia.

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Freire defende “Uma pedagogia que elimina pela raiz


as relações autoritárias, onde não há ‘escola’ nem ‘professor’”
(FREIRE, 1967, p. 26 – grifos do autor) onde existam sujeitos
comprometidos com ensinar e aprender, não no conceito co-
mumente utilizado, mas de forma a buscar no mundo ao seu
redor uma práxis voltada para a criticidade e reflexividade. Su-
jeitos sociais, politizados e conscientes.
Um movimento comum na educação volta-se aos
discursos progressistas que prezam e valorizam os métodos
como a principal preocupação da educação, no lugar da pró-
pria educação, “essa grande preocupação dos metodistas e dos
progressistas — se torna um progresso no embrutecimento.”
(RANCIÈRE, 2002, p.21). O embrutecer não é um processo de
abandonar ou de negar ao aluno o aprendizado e a educação, é
um processo de embrutecê-lo através da negação de sua vonta-
de, do desenvolvimento do seu pensamento crítico e reflexivo
sobre o seu lugar no mundo. Por isso, o autor define também
que “Há embrutecimento quando uma inteligência é subordi-
nada a outra inteligência.” (RANCIÈRE, 2002, p.25), pois não
há trocas, mas sim imposições sociais.
Rancière (2002) ao abordar como a educação costu-
mava ser, à época de Jacotot, datada no século XVII, persona-
gem de sua história na obra “O Mestre Ignorante”, fala que “En-
sinar era, em um mesmo movimento, transmitir conhecimen-
tos e formar os espíritos, levando-os, segundo uma progressão
ordenada, do simples ao complexo.” (RANCIÈRE, 2002, p.17).
Infelizmente, vemos que tal pensamento presente na obra pu-
blicada pela primeira vez em 1987, prepondera até os dias de
hoje no ensino básico e superior na educação que nos é apre-
sentada na atualidade.
Esse pensamento de transferência de conhecimentos,
onde o professor, ou mestre, é dono de todos os saberes e que
alunos são aprendizes, folhas em branco prontas para serem
preenchidas por aquele que possui os conhecimentos, aproxi-
ma-se da visão de Freire (1987), quando, ao definir educação

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bancária, ressalta que “Em lugar de comunicar-se, o educa-


dor faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras
incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.”
(FREIRE, 1987, p. 33 – grifos do autor). Assim, a criticidade e a
argumentação não se tornam alvo de desenvolvimento em sala
de aula, pois não objetiva-se a reflexividade, mas sim, o silêncio
e a obediência.
Desta forma, Rancière (2002) tenta afastar as visões
de professores embrutecedores, aqueles que levam adiante
a visão bancária de educação, daqueles que são libertadores.
Primeiramente, ele afasta o pensamento de embrutecedor da
visão negativa que temos de um professor. O embrutecedor
não se aproxima da visão grosseira ou intolerante, muito pelo
contrário, Rancière (2002) ressalta que muitas vezes esse pro-
fessor embrutecedor será justamente o oposto, gentil e sábio.
Para isso, ele define que os embrutecedores, são mestres ex-
plicadores e que “O explicador é aquele que impõe e abole a
distância, que a desdobra e que a reabsorve no seio de sua pa-
lavra.” (RANCIÈRE, 2002, p. 18). Destaca, também, que aos
mestres que buscam uma ordem libertadora através da educa-
ção, a transferência de conhecimentos é o caminho inverso: o
caminho do embrutecimento, levando alunos e professores a
se afastarem, não só do conhecimento em si, mas da própria
missão da educação, a libertação.
Para isso, faz-se necessário que o mestre saiba “reco-
nhecer a distância entre a matéria ensinada e o sujeito a instruir,
a distância, também entre aprender e compreender.” (RAN-
CIÈRE, 2002, p. 18 - grifos do autor). Esses dois movimentos,
aprender e compreender, são diferentes, mas se interligam
quando tratamos de uma aprendizagem significativa. O mestre
libertador será aquele que além de não buscar a transferência
de conhecimentos para o aluno, reconhece a necessidade de
trazer para o sujeito a contextualização do conteúdo, respei-
tando o contexto histórico-social onde cada um está inserido,
bem como as diferenças que os constituem enquanto sujeitos.

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Assim, Rancière define que “Antes de ser o ato do pe-


dagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um
mundo dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, es-
píritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e
bobos.” (RANCIÈRE, 2002, p.20 – grifo nosso). Mito este que
exerce apenas a função de construir divisões entre grupos su-
periores e inferiores, muros invisíveis, mas, ao mesmo tempo,
concretos aos alunos que são fragmentados entre aqueles que
sabem e não sabem, entre os capazes e incapazes. Freire (1987)
discute tal pensamento de forma a explicar que as divisões en-
tre superiores e inferiores não passa de uma opressão, sendo
os oprimidos levados a crer na sua inferioridade perante aos
opressores, levando-os muitas vezes até a almejarem em serem
opressores daqueles que os oprimiram, e não se libertar, mas
continuar em um ciclo vicioso de relações de poder. “De tanto
ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada,
que não podem saber que são enfermos, indolentes, que não
produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer
de sua ‘incapacidade’.” (FREIRE, 1987, p. 28), incapacidade de
aprender, de ser, de agir. Incapacidade de acreditar em si e se
compreender como um sujeito que pode, e deve, ter voz ativa
nas relações sociais que participa.
O mito pedagógico, “divide o mundo em dois. Mas,
deve-se dizer, mais precisamente, que ele divide a inteligência
em duas. [...], uma inteligência inferior e uma inteligência su-
perior.” (RANCIÈRE, 2002, p.20). Compreendemos então, a
inteligência inferior como aquela que acomete os menos capa-
citados, menos favoráveis para o ato de aprender. Já a inteligên-
cia superior encontra-se naqueles mais propensos ao aprender,
com mais “capacidades” e oportunidades ao aprender.
Entretanto, os autores conjecturam que não há inte-
ligências superiores e inferiores. Todos os sujeitos têm possi-
bilidades de aprender, independente de suas condições econô-
micas, sociais e culturais. O mito pedagógico é uma forma de
subjugar culturas minoritárias, para que elas se vejam, e sejam

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vistas, de forma inferiorizada, podendo assim a cultura domi-


nante oprimir e prevalecer socialmente. “O antidiálogo se im-
põe ao opressor, na situação objetiva de opressão, para, pela
conquista, oprimir mais, não só economicamente, mas cultu-
ralmente, roubando ao oprimido conquistado sua palavra tam-
bém, sua expressividade, sua cultura.” (FREIRE, 1987, p. 78).
A palavra daquele que é oprimido atinge pouco alcance por
sua inferioridade. Se cala frente àquele que oprime. Silencia.
Aceita. Não há diálogo que se estabeleça entre os opressores e
oprimidos. Estes estabelecem uma hegemonia nas ações, nas
práticas, nas práxis; aqueles obedecem aquilo que lhes é impos-
to, não refletem, não criticizam, não pensam.
O embrutecedor, por vezes, pode ser confundido com
o “mestre obtuso que entope a cabeça de seus alunos de conhe-
cimentos indigestos”, ou ainda alguma espécie de ser maligno
que domina e manipula os alunos para manter seu poder e a
ordem social (RANCIÈRE, 2002, p.20). Na verdade, é justa-
mente o oposto, pois “exatamente por ser culto esclarecido e de
boa-fé que ele é mais eficaz.” (RANCIÈRE, 2002, p.20), sendo
na crença de tentar ajudar, de tentar facilitar os caminhos do
aluno, que ele, o professor embrutecedor, talha suas escolhas.
Freire (2002) complementa ao dizer que “o educador que ‘cas-
tra’ a curiosidade do educando em nome da eficácia da memo-
rização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade
do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma,
domestica”. (FREIRE, 2002, p.63 – grifos do autor).
Assim, o educando não tem desenvolvida sua capaci-
dade de argumentar, de pensar, de questionar, apenas é subme-
tido à um processo de memorização mecanizado no qual deve
alcançar aos objetivos propostos pelo professor, sendo esse co-
nhecimento esquecido com o tempo em razão da não efetiva
aprendizagem sobre. Nesse movimento mecânico ao qual o
aluno é submetido, sua liberdade e curiosidade vai se esvaindo.
Se o caminho da explicação é o caminho do embru-
tecimento (RANCIÈRE, 2002), deve-se então buscar a eman-

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cipação (RANCIÈRE, 2002) ou a libertação (FREIRE, 1987).


“Chamar-se-á emancipação à diferença conhecida e mantida
entre as duas relações, o ato de uma inteligência que não obe-
dece senão a ela mesma, ainda que a vontade obedeça a uma
outra vontade.” (RANCIÈRE, 2002, p.26), a importância pelo
respeito às inteligências, as autonomias desenvolvidas pelo alu-
no e professor.
A chave da emancipação libertadora está em não ser
sujeitada ou não sujeitar-se a outra, pois a diferença para o em-
brutecimento, é que ao se tornar embrutecedora, ela irá associar
“uma inteligência a uma outra inteligência. No ato de ensinar
e de aprender, há duas vontades e duas inteligências. Chamar-
-se-á embrutecimento à sua coincidência.” (RANCIÈRE, 2002,
p.25), ou seja, segmentar as capacidades e habilidades dos alu-
nos em mundos distintos e rotulando aqueles que conseguem e
os que não conseguem aprender, uma vez que “enquanto vivam
a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o
opressor, é impossível fazê-lo.” (FREIRE, 1987, p.17).
O objetivo da teoria da libertação de Freire (1987) é
opor-se ao pensamento do opressor, muitas vezes disfarçado
na personalidade do professor embrutecedor. O objetivo não é
levar o aluno por um caminho já traçado pelo educador, mas
sim, oportunizar a este à descoberta de novos rumos que se-
rão percorridos com seus próprios passos em um trajeto antes
nunca explorado; torna-lo agente de seu aprendizado, de suas
buscas, de seus interesses, torna-lo emancipado e emancipador.
Por isso, acreditamos que a educação como forma de
empoderamento social, não é “um método para instruir o povo,
mas da graça a ser anunciada aos pobres” (RANCIÈRE, 2002,
p.30), é dar-lhes consciência de que são capazes, de que suas
inteligências são reconhecidas, são importantes para transfor-
mação do meio social no qual se inserem, para criticizarem
suas realidades, para transformarem seus mundos sociais, cul-
turais e cognitivos. Assim, os fracos e oprimidos têm a oportu-
nidade de valorizar suas palavras, instituindo a estas o sentido

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de suas verdades, de suas realidades, de suas culturas, afinal,


“(...) todos os homens têm igual inteligência.” (RANCIÈRE,
2002, p.30), igual direito, igual verdade, igual realidade. Não
há motivo para compreender os sujeitos com maior ou menor
inteligência.
Conclusões
Durante esta caminhada em algumas das obras de
Rancière e Freire, percebemos uma intensa preocupação com o
outro e sua relação com o meio social. Cabe ao professor esta-
belecer um ambiente de aprendizagem em que as inteligências
apresentadas pelos alunos não sejam rotuladas como melho-
res e piores, inferiores e superiores. Ao professor, é necessário
exercer o papel de educador no qual eleva a multiculturalidade
dentro do ambiente escolar, que incita o caminhar pelas pernas
dos próprios estudantes, que os leva a acreditar na sua capaci-
dade de ser, aprender e agir.
Com este trabalho, percebemos a importância da
educação como ferramenta de empoderamento social na pers-
pectiva de Paulo Freire e Jacques Rancière. Ao abordarmos o
professor libertador, torna-se necessário constatar a importân-
cia da postura crítico-reflexiva do professor para que ele possa
ser o condutor desse crescimento pessoal do aluno. Alimentar
o aluno de informações, prepará-lo para a vida através de ca-
minhos já trilhados pelo mestre, não o liberta, apenas o em-
brutece para a realidade a sua volta, o torna passivo frente aos
questionamentos e situações enfrentadas no cotidiano. Não o
abre ao mundo, mas o fecha para o espírito de criticidade e ino-
vação que o meio requer. O professor, então, é o guia do aluno
no caminho das pedras que o leva à aprendizagem; nunca o
soberano, detentor de todos os saberes, mas aquele que está
disposto a instruir seu aluno a alcançar seus objetivos, aguçar
sua curiosidade, sua criticidade, sua vontade de aprender.
A educação deve ser compreendida por alunos e pro-
fessores, como espaço de interação, troca e patilha dos saberes

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acumulados durante a vida. O estudante, em seu pouco ca-


minhar, já possui experiências que podem ser agregadas aos
conteúdos explorados em sala, por vezes não conhecido ainda
pelo professor. O educador, com sua longa caminhada, agrega
aos alunos algo que eles ainda não tiveram a oportunidade de
vivenciar e podem, através do diálogo, aprender com aquilo
que já fora vivido pelo professor, afim de prepará-lo para o que
espera na vida fora dos muros da escola. É nessa perspectiva da
reciprocidade que ambos podem tornar a educação mais agra-
dável, construtiva e significativa, pois edifica o saber a partir de
vivências concretas, contextualizadas e localizadas em deter-
minado tempo e espaço.
O caminho para a libertação educadora, não é a soma
dos conhecimentos, olhar quantitativo sobre maior ou menor
inteligência, melhor ou pior; mas sim, é o despertar para uma
visão crítica do mundo a sua volta. É a tomada de consciên-
cia do seu papel como ator social, com voz ativa, como um
ser histórico-cultural inserido em um contexto específico que
compreende o sujeito como transformador da prática, do meio
e dos modos socialmente instaurados, como aquele que tem o
poder de mudar sua realidade.
O caminho da libertação de Freire (1987) combina
com a emancipação de Rancière (2002) ao apontar a educa-
ção como forma de abjugar o sujeito. Essa emancipação ocorre
através da educação em um contexto histórico-social onde se
estabelecem relações dialógicas entre os sujeitos, compreen-
dendo, assim, a necessidade do pensamento crítico-reflexivo
que respeite as diferenças encontradas na sociedade, dando as-
sim, à educação, uma conotação heterogênea, sendo valoriza-
das as diferenças, a diversidade, a multiculturalidade.
No decorrer de nosso estudo, percebemos que o diá-
logo é uma palavra-chave nos pensamentos de ambos autores e
que, a partir do diálogo estabelecido entre o professor e aluno,
dá-se o primeiro passo a concepção de educação como liberta-
dora, com vistas ao aluno e seu conhecimento prévio, ao olhar

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para o estudante compreendendo o todo de sua individualida-


de, suas singularidades, mas que, integrada ao todo, se torna
parte indissociável do coletivo que se forma na escola e que
forma a escola em processos interlocutivos constantes com o
meio social.
Ao levarmos a educação para uma perspectiva tradi-
cionalista homogeneizadora, tiramos a oportunidade de explo-
rar as diferenças, crescer e aprender com elas. Transformamos
a possibilidade de emancipação em uma teoria inalcançável
onde sujeitos se tornam objetificados por uma ordem explica-
dora, que produzirá sujeitos embrutecedores, não estabelecen-
do a relação com o outro, mas criando seres individuais que
irão reproduzir práxis individualistas, não compreendendo a
importância do próximo na sua constituição enquanto sujeito,
aluno e, até mesmo, professor.
A partir das leituras realizadas dos autores que fo-
ram propostos nesse estudo, abrimos nosso horizonte para
desenvolver uma educação dialógica em três dimensões:
eu-eu, eu-tu, eu-mundo. Sem essa tríade, nos tornamos
egoístas no que concerne à partilha do saber, ao descobrir,
ao pesquisar, ao compreender. Temos que nos conceber en-
quanto sujeitos e ter consciência de nossas particularidades,
sem esquecer que estamos em um mudo envolto de valora-
ções e outros sujeitos, e que sem a reciprocidade no diálogo,
não há transformação do conhecimento, da prática, do meio
social.
Somos seres em constante movimento buscando por
uma educação que acompanhe essas novas dinâmicas sociais
que surgem no diálogo, na experiência, na vida vivida em
conjunto. É nessa cinesia social que encontramos o empode-
ramento: como prática de cunho intrinsecamente social que
possibilita aos sujeitos imersos em um ambiente perpassado
por valorações, crenças e relações de poder, escolherem traçar
seus caminhos livre das pressões que possam surgir. Um sujei-
to livre para ir e vir, devagar em seus próprios pensamentos e,

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principalmente, pensar, ser, crer, agir e se abrir para um mundo


de experiências.
Referências
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o
minidicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo,
2008.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. São
Paulo: Paz e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17a. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre
a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autentica, 1987.

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O POTENCIAL PEDAGÓGICO DOS


RECURSOS DIGITAIS NA PERSPECTIVA DO
MULTILETRAMENTO

SOUZA, Adriana 1
Introdução
O contexto atual permeado pelas mídias nos reme-
te a um novo olhar diante de uma sociedade em constantes
transformações. Os equipamentos tecnológicos ganham cada
vez mais velocidade e eficiência, como por exemplo: os celu-
lares. Algum tempo atrás estes aparelhos se limitavam apenas
a enviar mensagem de texto e falar, atualmente pode-se enviar
um e-mail, acessar a conta bancária, editar fotos, entre outras
funções. E com a escrita não foi diferente, a passagem do papel
para uma tela digital evidencia novas formas de cultura escrita
na sociedade.
Diante destas transformações sociais e culturais, te-
mos novos suportes de ensino e aprendizagem. Como destaca
Rojo e Barbosa:
De que o mundo mudou muito nas últimas décadas,
ninguém há de discordar. E não somente pelo surgi-
mento das novas tecnologias digitais da informação
e comunicação (doravante, TDICs), embora com seu
“luxuoso” auxílio. Surgem novas formas de ser, de se
comportar, de discursar, de se relacionar, de se infor-
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazo-
nas/ UEA, pós graduanda em Informática na Educação pela Pon-
tifícia Universidade Católica PUC/RS. E-mail: somonadriana@hot-
mail.com

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mar, de aprender. Novos tempos, novas tecnologias,


novos textos, novas linguagens (2015, p. 116).

A partir destas mudanças decorrentes do mundo con-


temporâneo, surgem novos desafios dentro da escola, em como
inserir novas práticas de leitura e escrita por meio das novas
tecnologias. Sobretudo nos anos iniciais, especificamente no
primeiro ano escolar do ensino fundamental.
Muito tem se discutido sobre conceitos e práticas de
alfabetização e letramento nesta fase inicial da educação, mas
e os novos termos? Alfabetização e letramento digital? E le-
tramentos múltiplos ou multiletramento? As novas linguagens
precisam adentrar no currículo escolar. “Essas múltiplas exi-
gências que o mundo contemporâneo apresenta à escola vão
multiplicar enormemente as práticas e textos que nela devem
circular e ser abordados” (ROJO, 2009, p. 108).
A escola não pode ficar longe desta interferência tec-
nológica. É necessária uma sintonização da escola com essa
nova geração de estudantes que vivem rodeados pelas novas
tecnologias, ou seja, uma nova sociedade permeada com dife-
rentes gêneros digitais que são mais atraentes e interativos do
que ir a escola, e participar de uma aula nada atrativa.
A incorporação das tecnologias de informação e co-
municação (TICs) no processo de escolarização possibilita
também a democratização da escola, não somente ao ensino,
mas à qualidade dele. Coscarelli (2014, p. 27) “Já sabemos que
a informática precisa entrar na escola porque ela pode ser um
recurso que pode ajudar a minimizar a exclusão de muitos su-
jeitos já excluídos em muitas outras situações”. Esta é a pers-
pectiva de uma educação igualitária, desenvolvendo práticas
educativas mais acessíveis, uma educação para a cidadania.
Este presente estudo vem compreender a importân-
cia destas novas tecnologias no ensino e aprendizagem no pri-
meiro ano do ensino fundamental em uma determinada escola
pública da cidade de Manaus por meio de uma pesquisa quali-
tativa, mediante atividades práticas de leitura e escrita.

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Concepções de Alfabetização ao Multiletramento


Alfabetização e letramento estão sempre presentes
nas formações de professores e discussões em simpósio, con-
gressos entre outros eventos. Estes termos já foram centro de
inúmeros estudos e discussões.
Segundo Soares (2014) o termo alfabetizar é tornar o
indivíduo capaz de ler e escrever, e o letramento é o estado ou
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as
práticas sociais que usam a escrita. A palavra letramento surge
diante de novas realidades, para atender exigências atuais:
[...] o termo analfabetismo nos bastava, o seu opos-
to-alfabetismo ou letramento-não nos era necessário,
porque só recentemente passamos a enfrentar esta
nova realidade social em que não bastava saber ler e
escrever, é preciso também saber fazer o uso do ler e
do escrever, saber responder às exigências de leitura
e de escrita, que a sociedade faz continuamente-daí
o recente surgimento do letramento (SOARES, 2014,
p. 20).

Após o aparecimento de novas concepções de alfabe-


tização, os materiais do meio social foram ganhando espaço
nas salas de aula. Ferreiro (2001, p. 100) “É provavelmente atra-
vés de uma ampla e contínua participação nesse tipo de situa-
ções sociais que a criança acaba conseguindo compreender por
que a escrita é tão importante na sociedade”. Atualmente temos
diferentes suportes de leitura e escrita oriunda do avanço tec-
nológico que surge devido às novas demandas sociais. Como
afirma Magda Soares em uma entrevista à revista da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP):
A escrita é uma tecnologia como outras. É importante
aprender a escrever, conhecer a relação fonema-letra,
saber que se escreve de cima para baixo, da esquerda
para a direita, aprender as convenções da escrita. Mas
essa tecnologia, como toda tecnologia, só tem senti-
do para ser usada: para saber interpretar textos, fazer
inferências, ler diferentes gêneros, o que significa ou-

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Educação Popular em Debate
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tra coisa e exige outras habilidades e competências.


Aprender o sistema de escrita é alfabetização. Apren-
der os usos sociais do sistema de escrita é letramento
(2015).

Estão disponíveis variados suportes digitais, tais


como o tablet, a internet e as telas de led que estão ganhan-
do espaços nas ruas das cidades substituindo os outdoors. A
partir destes recursos digitais surgem novos gêneros textuais:
os multimodais, hipertextos, hipermídias para desenvolver a
leitura e a escrita, e novos termos para designar as novas for-
mas de aprendizagem. “Pode-se dizer que o letramento digital,
então, implica tanto apropriação de uma tecnologia, quanto ao
exercício efetivo das práticas de escrita que circulam no meio
digital” (FRADE, 2014, p. 60).
Assim como, o letramento, a palavra alfabetização di-
gital surge a partir do acesso as novas tecnologias digitais. Em
decorrência dessas novas tecnologias, nos deparamos com ou-
tros termos como o multiletramento.
Os estudos do multiletramento partem de uma dis-
cussão envolvendo o ensino e aprendizagem de linguagens,
ocorrida em uma cidade americana, Nova Londres em meados
dos anos 90. Este termo é amplamente discutido pela professo-
ra pesquisadora Roxane Rojo, os seus estudos vem promover
reflexões envolvendo o fraco letramento escolar. Segundo o
grupo de Nova Londres, as formas de interação trazidas pelas
tecnologias digitais e pluralidade cultural dos estudantes, con-
vida a escola a refletir seu currículo, aproximando do universo
de diferentes linguagens e visões de mundo.
Nesse manifesto, o grupo afirmava a necessidade de
a escola tomar seu cargo (daí a proposta de uma “pe-
dagogia”) os novos letramentos emergentes na socie-
dade contemporânea, em grande parte – mas não so-
mente – devidos às novas TICs, e de levar em conta e
incluir nos currículos a grande variedade de culturas
já presentes nas salas de aula de um mundo globali-
zado e caracterizada pela intolerância na convivência

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com a diversidade cultural, com alteridade (ROJO,


2012, p. 12).

Em Rojo (2012) o conceito de multiletramento ca-


racteriza dois tipos específicos: a multiplicidade cultural das
populações (multiculturalismo) e a multiplicidade semiótica
de constituição de textos por meio dos quais ela se informa e
comunica. Com isso, percebemos novas configurações de tex-
tos, não incluí-los na sala de aula, é negar a subjetividade dos
nossos estudantes.
Com tantos conceitos e novas palavras, vamos resu-
mir o que seria multiletramento com um exemplo citado pela
mesma autora em uma entrevista realizada no ano de 2013
para a Plataforma do Letramento:
[...] o que seria mais interessante o multiletramento,
por exemplo, hoje compartilhei uma imagem que
achei muito interessante que alguém postou, que é o
Salvador Dalí e o Picasso, um de costa pro outro na
sua tela pintando um ovo, e cada um fazendo uma
pintura, uma imagem bem feita, aquilo é uma reblo-
gagem, um remix de obras do Salvador Dalí e de obras
de Picasso, mas é uma montagem original, um remix
de quem fez aquela imagem, que foi postada no face-
book. Pra entender isso, eu preciso de toda essa cultu-
ra, da escrita, das mídias e digital pra entender o que
o cara fez naquela imagem, no photoshop da imagem.

Estamos diante de novos gêneros que circulam nos


ambientes virtuais, como afirma Lévy (1999) há vários modos
disponíveis para comunicar e no ciberespaço e futuramente se-
rão ainda mais diversificados.
O contexto mundial tem sofrido inúmeras mudanças,
de forma rápida, como o acesso rápido as informações decor-
rentes dos avanços tecnológicos, mas também o crescimento de
desigualdades socioeconômicas. O acesso às novas tecnologias
é o caminho para o exercício da cidadania em uma sociedade
contemporânea Portanto, a escola tem um papel fundamental
na sociedade em promover a inclusão social e digital.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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As tecnologias como práticas pedagógicas para a


alfabetização numa perspectiva do Multiletramento
O presente estudo será sendo desenvolvido por meio
de um levantamento teórico, e atividades específicas a serem
aplicadas em uma turma do 1º ano de escola pública, localiza-
da na cidade de Manaus. Utilizando-se uma abordagem quali-
tativa por meio do estudo de caso.
Segundo Lüdke e André (1986) o estudo de caso é
sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramen-
te definidos no desenvolver do estudo. A coleta de dados será
por meio da observação, descrição e análise dos diferentes mo-
mentos do desenvolvimento desta pesquisa. Iremos propor um
conjunto de situações pedagógicas envolvendo as tecnologias
de informação e comunicação (TICs).
Podemos perceber que a escola ainda caminha em
passos lentos em relação ao contexto atual da sociedade. De
acordo com Freire (2015) a formação permanente dos profes-
sores, o momento fundamental é o da reflexão crítica a prática.
As crianças vivenciam diariamente situações reais envolvendo
som, imagens, vídeos, diferentes linguagens. Dessa forma, a in-
serção dos recursos digitais é uma quebra de paradigma.
Esta nova forma de aprendizagem se caracterizaria
por ser mais dinâmica, participativa, descentralizada
(da figura do professor) e pautada na independência,
na autonomia, nas necessidades e nos interesses ime-
diatos de cada um dos aprendizes que são usuários
freqüentes das tecnologias de comunicação digital
(XAVIER, 2013, p.3).

Partindo desse pressuposto, as novas tecnologias po-


dem ser um aliado no desenvolvimento da aprendizagem de
forma mais significativa e interessante. Como proposta meto-
dológica, será utilizado o laboratório de informática, como for-
ma de consolidar um tema trabalhado dentro da sala de aula.
O momento das atividades envolverá vídeos, jogos,
imagens, música, entre outros recursos digitais, tendo o cui-

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ISSN 2448-2072

dado em não diferenciar o local como um espaço de lazer e a


sala de aula o castigo, mas que eles compreendam que todos os
espaços escolares são educativos. Além de utilizar programas
já existentes, produzir material próprio por meio de softwares
como Paint, o uso deste software para criação dos desenhos é
ponto inicial para se familiarizar com o computador.
Durante a execução das atividades, a organização e o
tempo são fundamentais no desenvolvimento das atividades. A
intenção é propor trabalhos envolvendo sempre a leitura, pro-
pondo, por exemplo, a contação de estória a partir da temática
trabalhada na sala de aula pela professora titular, esta atividade
será acompanhada com a produção de desenhos, sem ter aces-
so às ilustrações, assim irão pôr a sua imaginação em prática,
tendo apenas as informações da leitura como auxílio para pro-
duzi-los.
O produto final deste trabalho é o audiolivro, será de-
senvolvido com as crianças, tendo seus desenhos como roteiro
para descrição. Utilizaremos dispositivos de captura de som
como celulares ou computador.
Resultados e Discussões
A inclusão das novas tecnologias sem um planejamen-
to adequado, não significa um avanço de melhoria da apren-
dizagem, pois sozinhas não provocam mudanças. De acordo
com Coscarelli (2014, p. 26) “O fato de usar a informática nas
aulas não transforma instantaneamente o ensino em alguma
coisa moderna e eficiente”.
É necessário um envolvimento ao planejar as ações
pedagógicas, ou seja, ter um uso dirigido e aprimorar a intera-
ção entre professores, alunos e estes recursos. De acordo com
Zabala (1998, p. 93) “o planejamento tem que ser suficiente-
mente diversificado para incluir atividades e momento de ob-
servação do processo que os alunos seguem”.
O planejamento das atividades é um aliado a fim de
superar os medos e suposições quanto ao comportamento dos

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estudantes, pensar que ficarão dispersos e agitados diante de


novo ambiente diferente da sala de aula. E ir além do uso bási-
co como jogos e acesso a internet, precisamos propor situações
de aprendizagem que instiguem os alunos a criarem. Segundo
Ausubel (apud RONCA, 1994, p. 3) “Por outro lado, pode exis-
tir também uma situação na qual o novo material que é apreen-
dido é uma extensão, elaboração ou qualificação de conceitos
previamente aprendidos”.
O uso das novas tecnologias digitais possibilitam fer-
ramentas de acompanhamento para verificar o desempenho
dos estudantes durante as atividades, diferentemente dos re-
cursos tradicionais giz, quadro e papel, um professor dentro de
uma sala superlotada.
O acompanhamento individual é mais difícil, e a ati-
vidade acaba por desmotivar alguns por acharem fácil demais,
e para outros de difícil compreensão. “Cada momento da
aprendizagem requer uma estratégia diferente, e o computador
pode ser útil em várias dessas ocasiões, bastando para isso o
professor planeje atividades, mais dirigidas ou menos, confor-
me o momento” (COSCARELLI, 2014, p. 27).
Há ferramentas disponíveis nestes recursos que dis-
ponibilizam ao professor um olhar investigativo durante as ati-
vidades interativas, instiga questionamento como: Quem avan-
çou mais rápido ou não? Muitas crianças já possuem contato
com o mundo das letras antes mesmo de serem alfabetizadas,
com as tecnologias de digitais não é diferente. Elas interagem
com as tecnologias desde cedo, aprendem sozinhas, apenas
com um toque durante o ato da descoberta. Como afirma Frei-
re (2011) ao citar que a linguagem e realidade se prendem di-
namicamente.
Durante o desenvolvimento das atividades é interes-
sante acompanhar por meio da observação, como a criança
lida com o desafio, se organiza e procurar solucionar proble-
mas. A partir da coleta destes dados o professor poderá plane-
jar suas atividades, entender melhor o ritmo de aprendizagem

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de cada um e promover atividades diferenciadas, despertando


a curiosidade. De acordo com Hoffman (2014, p. 100) “A di-
nâmica da avaliação efetiva-se, justamente, a partir da análise
das respostas do educando frente às situações desafiadoras nas
diferentes áreas de conhecimento”.
Os recursos digitais podem contribuir na motivação
em aprender, principalmente quando há um conhecimento
prévio do objeto a ser estudado. Vygostky (1987) menciona em
seus estudos que qualquer situação de aprendizado com a qual
a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia.
Diante desses pressupostos, acreditamos que a inser-
ção das novas linguagens envolvendo as tecnologias digitais
possa contribuir no desenvolvimento de práticas de leitura e
escrita.
Considerações Finais
No decorrer da história da educação, percebemos a
dificuldade ao acesso aos direitos básicos como o acesso a lei-
tura e a escrita. A democratização da escola fez transparecer o
quão é desigual nosso país. Ampliou- se o acesso à educação,
mas não a qualidade. As reprovações escolares permeavam as
salas de aulas, atualmente percebemos uma aprovação auto-
mática, e com ela características da má aprendizagem. Diante
disso, a escola tem um importante papel na sociedade em pro-
mover a inclusão de social e digital.
Compreender o processo de alfabetização e as defini-
ções das novas linguagens é primordial na formação do pro-
fessor, principalmente das series iniciais. Poderemos perceber
o quanto é importante uma metodologia diversificada que
instigue nossas crianças a serem mais inovadoras, criativas e
espontâneas. A inserção das novas tecnologias na sala de aula,
não elimina o método tradicional de dar aulas ao utilizar pa-
pel, quadro e livro, elas complementam o processo de ensino e
aprendizagem. Ao possibilitar novas formas de comunicação,
podemos observar um momento propício para manifestar as

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relações humanas, aspecto fundamental no processo de ensino


e aprendizagem.
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Digital. In: COSCARELLI, C. V.; RIBEIRO, A. E. (orgs.).
Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades
pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2014, p.
25-40.
FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre Alfabetização. 24. ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
FRADE, Isabel Cristina. Alfabetização Digital:
Problematização do conceito e possíveis relações com a
pedagogia e com aprendizagem inicial da escrita. In: ______.
Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades
pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2014, p.
59-83.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos
que se complementam. 51. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
______. Pedagogia da Autonomia-saberes necessários à
prática educativa. 52. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação. 44. ed. Porto Alegre:
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LÉVY, Pierre. O que é o virtual? .São Paulo: Editora 34, 1996.
LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação:
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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3.
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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
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Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/07/15/

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

magda-becker-soares-o-poder-da-linguagem/>. Acesso em 17
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Rojo, Roxane. ; Barbosa, Jacqueline. Hipermodernidade,
multiletramentos e gêneros discursivos. 1. ed. São Paulo:
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ROJO, R.; MOURA, Eduardo. Multiletramentos na escola.
São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
ROJO, R. (Org.). Escola conectada: os Multiletramento e as
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Plataforma do Letramento. Disponível em: <http://www.
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RONCA, Antonio Carlos Caruso. Teorias de Ensino: A
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XAVIER, Antônio Carlos dos Santos. Letramento digital e
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VYGOTSKY, L.S.  Pensamento e Linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 1987.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto
Alegre: Artmed, 1998.

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Educação Popular em Debate
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“EU ME VIRO MUITO BEM... SÓ FALTOU


A GENTE SABER LER!”: ENTRE LEITURAS,
ESCRITAS E A EDUCAÇÃO POPULAR
FRAGA, Juliany Mazera (Autor 1)1
GONÇALVES, Jeime Andrea Dávalo (Autor 2)2
MÜLLER, Antônio José (Coautor 1)3

Introdução
O mundo em que estamos inseridos hoje é cercado
de informações por todos os lados, podendo ser encontradas
tanto em locais públicos e privados, quanto em jornais, revis-
tas, livros e inúmeros outros meios de comunicação e acabam
exigindo das pessoas que a eles têm acesso, a capacidade de ler
e interpretar estas escritas, para que estes sujeitos possam fazer
uso de forma eficiente destas informações que fazem parte da
vida na sociedade leitora da qual fazemos parte.
Porém, existem pessoas que não aprenderam a ler e
escrever, por não terem frequentado a escola, ou ainda, por te-
rem apresentado dificuldades de aprendizagem no seu tempo
de escolarização, passando toda sua vida sem realizar estes atos
que representam hoje, uma das práticas mais significativas na
vida dos sujeitos. Isto ocorre por diversas questões sociais e/ou
familiares que os privaram deste aprendizado impossibilitan-
do-os de frequentar a escola.
1 Mestranda em Educação. Bolsista CAPES. Universidade Regional de
Blumenau (FURB). E-mail: julymf_sjb@hotmail.com
2 Mestranda em Educação. Bolsista UNIEDU. Universidade Regional
de Blumenau (FURB). E-mail: deia.davalo.goncalves@@hotmail.
com
3 Doutor em educação. Professor da Universidade Regional de Blu-
menau (FURB). E-mail: antoniomuller2@hotmail.com

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Sendo assim, os objetivos da presente pesquisa são:


conhecer como os saberes populares influenciam cotidiana-
mente as experiências vividas por dois sujeitos não alfabetiza-
dos residentes no município de São João Batista – SC e, obser-
var a valorização que os sujeitos da pesquisa atribuem aos co-
nhecimentos populares e como a falta da leitura e escrita afeta
o seu cotidiano, estabelecendo relações entre os dados gerados
e a teoria freireana.
Nesse contexto foi abordada parte da história de vida
– social e familiar – de duas mulheres que não conseguiram se
alfabetizar, mas, que estão imersas em uma sociedade leitora.
Buscou-se ainda, analisar, a partir da voz dessas mu-
lheres, a importância da prática da leitura e da escrita no seu
dia a dia.
Para diferenciar as duas entrevistadas, serão utiliza-
dos pseudônimos, optou-se por “Ana” e “Joana” por serem no-
mes antigos, simples e de fácil pronunciação.
Duas mulheres diferentes, porém, com histórias de
vida que se assemelham. Ana tem 61 anos de idade, reside com
seu companheiro no município de São João Batista (SC) e tem
três filhos. Joana tem 51 anos de idade, reside com seu mari-
do, tem dois filhos e uma neta e reside no mesmo município.
Ambas não são alfabetizadas, tem origem humilde, foram im-
possibilitadas de frequentar de maneira adequada a escola, já
que suas famílias trabalhavam na roça, e como ambas tinham
irmãos mais novos acabaram sendo responsáveis por seus cui-
dados enquanto os pais trabalhavam, o que dificultou a perma-
nência das duas na escola.
Estas duas senhoras aceitaram instantaneamente
contribuir com a elaboração desta pesquisa, fornecendo in-
formações, relatando vivências carregadas de sentidos, dados
estes que são necessários para a construção deste artigo que
transcorre sobre parte de suas histórias de vida, apresentando
a visão das mesmas quanto ao ‘não saber ler e escrever’, e o im-
pacto desta realidade em suas vidas.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Ao pensar na trajetória de pessoas adultas não alfabe-


tizadas, logo nosso pensamento se remete ao método aplica-
do por Paulo Freire aos jovens e adultos, ensinar partindo da
realidade desses sujeitos, respeitando seus limites e ampliando
suas potencialidades, dando-os “um novo sentido de mundo
[...], uma nova crença, também, no valor da educação” (BRAN-
DÃO, 1985, p. 8), permitindo assim, que sonhassem com um
futuro melhor e andassem com seus próprios pés, não depen-
dendo mais dos outros para realizarem tarefas de seu dia-a-dia,
diferente dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, que não con-
seguiram, por diversos motivos, concluir sua caminhada rumo
à alfabetização.
Vivemos em uma sociedade grafocêntrica, em que
por toda parte encontramos palavras, frases, textos, seja con-
tendo avisos importantes e notícias, até textos meramente ilus-
trativos e descontraídos. Sendo assim, o motivo que nos levou
a pesquisar a importância do ato de ler e escrever na visão de
pessoas adultas que não foram alfabetizadas veio por estar-
mos imersos nesta mesma sociedade, permitindo-nos assim,
conhecer como estas pessoas descrevem suas vivências e con-
textualizá-las diante da visão ingênua de educação existente,
em que acredita-se que é preciso salvá-las “e sua salvação está
em passivamente receber a palavra – uma espécie de amuleto
– que a ‘parte melhor’ do mundo lhe recebe benevolamente.”
(FREIRE, 2011, p. 41)
A denominada visão ingênua de analfabetismo o en-
cara como algo ruim, ou seja, algo que tende a inferiorizar toda
a população que não possui as habilidades da leitura e da escri-
ta, “mais ainda, o analfabetismo aparece também, nesta visão
ingênua ou astuta, como a manifestação da ‘incapacidade’ do
povo, de sua ‘pouca inteligência’, de sua ‘proverbial preguiça’.”
(FREIRE, 1968, p. 11) Saber ler e escrever era visto como su-
ficiente para o indivíduo ser considerado alfabetizado, pouco
importando se as palavras escritas e lidas por ele eram real-
mente compreendidas ou, ainda, se tinham relações com sua

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vida diária. Reduzindo assim, a alfabetização ao simples ato de


“encher” os educandos de informações, valorizando o educa-
dor e “diminuindo” os alfabetizados.
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os
educandos à memorização mecânica do conteúdo
narrado. Mais ainda, a narração os transforma em
“vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo
educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes
com seus “depósitos”, tanto melhor educador será.
Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto
melhores educandos serão. (FREIRE, 2005, p. 66 gri-
fos do autor)

Desse modo, percebe-se que os sujeitos aprendizes


aqui mencionados tendem a ser passivos, apenas absorvendo
as informações que lhes são transferidas pelo educador, porém,
essa visão não condiz com a proposta de Paulo Freira à educa-
ção. Visto que ele almeja sujeitos ativos, tendo uma educação
que valorize sua cultura, que tenha relação com sua vivência
cotidiana e com seu trabalho. Freire (2014, p. 47) afirma “[...]
que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilida-
des para a sua própria produção ou a sua construção” (grifos do
autor). Partindo dessa ideia, é necessário que o educando par-
ticipe do seu processo de alfabetização e que o educador esteja
aberto a ensinar e aprender com eles, aceitando suas indaga-
ções, críticas e curiosidades, pois essas características tendem a
tornar as aulas mais construtivas.
Essa pesquisa tem como foco sujeitos analfabetos, que
se apresentam, como pessoas capazes, que apesar dos desafios
enfrentados por não saberem ler nem escrever, se tornaram
pessoas trabalhadoras, ativas e capazes, inseridas de forma
atuante no meio social em que vivem.
A entrevista semiestruturada foi realizada com duas
mulheres analfabetas, relacionando suas respostas às teorias
abordadas por Paulo Freire no que diz respeito à alfabetiza-
ção de adultos, sendo assim, nos reportamos a obras tais como:
A importância do ato de ler (2011); Pedagogia da autonomia

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(2014); Por uma pedagogia da pergunta (1988); Pedagogia do


oprimido (1997) e, Ação cultural para a liberdade e outros es-
critos (1981).
Metodologia
Pesquisas realizadas acerca da educação, por se trata-
rem da área das ciências humanas, são mais comuns encontrá-
-las como sendo de abordagem qualitativa, no caso desta, não
será diferente. Optou-se por essa abordagem porque “o estudo
qualitativo [...] é o que se desenvolve numa situação natural,
é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível
e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”
(LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 18), enquanto pesquisadoras, nos
dirigimos à casa dos sujeitos entrevistados com o intuído de
vivenciarmos um pouco a sua realidade, aplicando assim, a en-
trevista semiestruturada em forma de diálogo.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 48):
A investigação qualitativa é descritiva. Os dados reco-
lhidos são em forma de palavras ou imagens e não de
números. Os resultados escritos da investigação con-
têm citações feitas com base nos dados para ilustrar e
substanciar a apresentação. Os dados incluem trans-
crições de entrevistas, notas de campo, fotografias,
vídeos, documentos pessoais, memorandos e outros
registos oficiais. Na sua busca de conhecimento, os in-
vestigadores qualitativos não reduzem as muitas pá-
ginas contendo narrativas e outros dados a símbolos
numéricos. Tentam analisar os dados em toda a sua
riqueza, respeitando, tanto quanto o possível, a forma
em que estes foram registados ou transcritos. (grifos
do autor)

Desse modo, ao realizar a referida pesquisa buscou-se


descrever os dados obtidos, estabelecendo relações entre a teo-
ria com as referidas respostas, de modo que os objetivos pro-
postos fossem atingidos, sendo estes: conhecer como os saberes
populares influenciam cotidianamente as experiências vividas

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por dois sujeitos não alfabetizados residentes no município de


São João Batista – SC e, observar a valorização que os sujeitos
da pesquisa atribuem aos conhecimentos populares e como a
falta da leitura e escrita afeta o seu cotidiano, estabelecendo
relações entre os dados gerados e a teoria freireana.
Para a geração dos dados utilizou-se entrevista se-
miestruturada, já que ela se origina de “questionamentos bá-
sicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pes-
quisa e [...] oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de
novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem
[as] respostas”. (TRIVIÑOS, 1987, p. 146) Desse modo, cabe
ao pesquisador, a flexibilidade de ir moldando e criando novos
questionamentos a partir das respostas atribuídas para enri-
quecer a entrevista.
Contextualizando acerca dos dois sujeitos entrevista-
dos, vale ressaltar que ambos são do sexo feminino. Optou-se
por preservar a identidade dos participantes, sendo assim, fo-
ram utilizados os pseudônimos, Ana e Joana. A escolha destes
nomes se deu por se tratarem de nomes simples e de fácil pro-
nunciação.
Ambas as entrevistas foram realizadas na casa das en-
trevistadas, Ana nos recebeu no dia dezenove de setembro, na
cidade de São João Batista, onde reside há 30 anos, hoje vivem
com ela seu marido, dois filhos e uma neta. Já no dia vinte e
seis de setembro fomos à casa de Joana, que reside com seu
companheiro na mesma cidade dita anteriormente, sem nunca
ter morado em outro município.
O material utilizado para a realização da entrevista foi
um celular com gravador, para que as respostas não se “perdes-
sem no meio do caminho” e assim, podermos fazer a transcri-
ção das entrevistas na íntegra.
Como apoio à metodologia adotada nesta proposta,
baseamo-nos em discussões pertinentes aos estudos de Paulo
Freire, fazendo ligações dessa teoria com os depoimentos dos
sujeitos da pesquisa.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Dessa forma, os dados provenientes dos depoimen-


tos destes sujeitos que se encontram diariamente inseridas em
uma sociedade grafocêntrica, buscando “aprender a lidar com
o diferente, que não raro fere as marcas que trazemos conosco,
na alma e no corpo” (FREIRE, FAUNDES, 1988, p. 32), serão o
foco de discussões na seção seguinte deste artigo.
Discussão e análise dos dados
A análise dos dados qualitativos visa lidar com todos
os instrumentos e informações obtidas durante o desenrolar
da pesquisa, sendo esses, os relatórios de observação a campo,
as transcrições de entrevista, análise documental, entre outros.
Vale ressaltar que a análise não acontece unicamente após a
coleta dos dados, mas, neste caso, ela ocorre de maneira mais
sistematizada. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986)
No caso desse artigo, foi realizada uma entrevista
semiestruturada com duas mulheres não alfabetizadas, após,
cada entrevista foi transcrita na íntegra para podermos anali-
sar sistemática e formalmente cada resposta obtida, havendo
um entrelaçamento com as propostas de Paulo Freire à educa-
ção, especificamente de adultos.
Ainda destacando acerca da análise dos dados quali-
tativos, Lüdke e André (1986, p. 48), salientam que:
A fase mais formal de análise tem lugar quando a
coleta de dados está praticamente encerrada. Nesse
momento o pesquisador já deve ter uma idéia mais
ou menos clara das possíveis direções teóricas do es-
tudo e parte para “trabalhar” o material acumulado,
buscando destacar os principais achados da pesquisa.
(grifos do autor)

Desse modo, nos embasamos prioritariamente na teo-


ria de Paulo Freire para estabelecer as possíveis relações entre
sua teoria com parte da história de vida dos sujeitos da pes-
quisa, em que ambas as entrevistadas apresentaram uma visão
particular sobre como enxergam a importância da leitura.

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Em alguns momentos, observando os relatos apresen-


tados, sentimos como se as lembranças destas mulheres esti-
vessem emergindo concomitantes aos relatos e, a partir deste
ponto, estes sujeitos tomassem distância dos fatos, se afastando
destas vivências para melhor reconhecê-las, lê-las e assim rela-
tá-las. (FREIRE, 1988)
Quando solicitadas, pelo roteiro da entrevista, a fa-
zer uma recapitulação de alguns acontecimentos marcantes em
sua trajetória, fruto dos quais as impossibilitaram de serem al-
fabetizadas e frequentarem a escola, ambas fizeram “leituras”
significativas do seu mundo, partindo de suas interpretações,
nos mostrando que para isso, não é preciso saber ler, nem es-
crever, pois, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra
[...]”. (FREIRE, 2011, p. 19) complementando esta afirmação
lembramos ainda que a leitura das palavras implicaria da con-
tinuidade desta leitura de mundo. (FREIRE, 2011)
Sendo assim, ao observar as relações existentes entre
as falas dos dois sujeitos que foram entrevistados (aqui deno-
minadas Ana e Joana) buscamos responder à pergunta desta
pesquisa.
Elaboramos três categorias de análise e por meio de-
las, anunciaremos os dizeres de cada entrevistada organizadas
em itens.
Motivos que levaram as pessoas a não se alfabetizar
A discussão sobre o analfabetismo nos leva a crer
que sua principal causa é a pobreza, visto que devido a fatores
oriundos de uma divisão internacional do trabalho, a socieda-
de atuando conforme o modelo capitalista e a necessidade de
uma mão-de-obra barata, não há uma política que objetive a
erradicação do analfabetismo. (BORBA, 1984)
Seguindo esse mesmo contexto, Ana diz que nunca
frequentou a escola por motivos particulares “nunca frequentei
escola nenhuma, é, naquele tempo nós se ‘criemo’ tudo na roça
né, meu pai era muito pobre, muito filho, eu era a mais velha da

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casa e tinha que ficar em casa com os ‘pequeno’, nunca fui pra
aula.” A resposta que obtivemos de Joana pouco se diferencia,
ela diz que:

“Lá em cima (no interior da cidade de Nova Trento,


onde morava quando criança) nós ‘saía’ cedo da esco-
la, a mãe não deixava nem nós ir, porque nós ‘tinha’
que trabalhar na roça, aí nós ia pra casa cuidar dos
irmãos... e ‘pra’ aula... ia um pouquinho né? Por causa
do trabalho e porque às vezes tinha que cuidar dos
meus irmãos... daí não dava pra gente estudar né?”

Desse modo, podemos dizer que as palavras de ambas


as senhoras vieram molhadas “do contexto de origem, molha-
das da história, da cultura”. (FREIRE; FAUNDES, 1988, p. 20)
Quando Joana afirma: “nós sai cedo da escola”, ela
está se referindo a seu pouco tempo de frequência, pois, não
chegou a concluir o primeiro ano primário, hoje primeiro ano
do ensino fundamental. Conforme seus depoimentos, as duas
senhoras pertencem a uma família humilde, de classe social
desfavorecida, a qual todos tinham de trabalhar para terem seu
sustento.

Quando se trata da relação entre renda e educação,


o mais comum é atribuir-se a desigualdade de ren-
da à desigualdade educacional. [...] desigualdade de
educação, particularmente em termos de alfabetiza-
ção ou analfabetismo, poder-se-ia inverter o ponto de
partida sugerido por Ferreira e perguntar se a grande
desigualdade de renda, que se verifica no Brasil, não
responderia pela forte desigualdade de educação. [...]
desigualdades estas, que, uma vez postas, se reforça-
riam mutualmente. É neste sentido que, com base nos
censos, se pode perguntar sobre a relação que empre-
go, tipo de ocupação e nível de renda têm com o nível
de educação escolar das pessoas. (FERRARO, 2009,
p. 148-149)

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Desse modo, fica visível que uma sociedade dividi-


da em classes, como é o caso da nossa, os favorecidos acabam
oprimindo os demais, tornando assim, mais difícil a perma-
nência das pessoas com menor renda nas escolas, o que auto-
maticamente tende a dificultar um futuro acesso a um emprego
considerado “melhor” que consequentemente proporcionaria
melhores salários e uma vida mais confortável. Essa opressão é
um ato de violência e “inauguram a violência os que oprimem,
os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não os
oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos
que os oprimem como outro.” (FREIRE, 2005, p. 47, grifos do
autor)
Esse “outro” destacado por Freire, se refere a um indi-
víduo possuidor de direitos e deveres, que deve ser respeitado
pelos demais e que possua as mesmas oportunidades que os
pertencentes à classe mais alta da sociedade em que está inse-
rido.
Podemos ressaltar aqui que tanto hoje, quanto há 40
anos a criança, o jovem e o adulto necessitam de apoio e orien-
tação no que diz respeito à escola, e neste sentido, Vequi (2010,
p. 23) afirma que “a educação exige um compromisso dos adul-
tos”. Apoio e incentivo dos pais, familiares e da sociedade em
geral é importante no que tange à frequência e permanência
das crianças na escola.
Ao serem questionadas sobre existir tantas pessoas
que não sabem ler e nem escrever em nosso país, Ana respon-
deu:
“Ah, acho que tem muita gente que não sabe ler nem
escrever, que nem da minha marca, tem muita, tem
muita gente “Juliana”, acho que pelo mesmo motivo
da minha marca de certo né, que nem eu tenho a mi-
nha cunhada ali já é uma que não sabe nada também.”
Sobre esse mesmo questionamento, obtivemos a se-
guinte resposta de Joana:

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“[...] tem uma porção aí, que não sabe né? Lá na casa
da mãe, a mãe não sabe, o tio B. não sabe, o tio A.
eu tenho certeza que não sabe, eu acho que o tio E.
também, acho que não sabe, lá na casa da mãe já...
alí começou, vamos dizer eu né? Já ele já aprendeu
(apontou para um irmão seu que acompanhava a en-
trevista), a M. já aprendeu ...a L. já aprendeu bem,
eu fui acho que mais a cabeçuda assim...porque elas
foram e aprenderam né? E eu não aprendi. Eu ficava
mais em casa ou a mãe carregava a gente pra roça...daí
não tinha como estudar né? Ia lá mesmo mais para
comer merenda e só...não deu...”
Com esses relatos, percebemos que na primeira res-
posta, a entrevistada tem o analfabetismo como sua marca e
diz que as pessoas com tais características “não sabem nada”
desconsiderando naquele momento seus conhecimentos do
mundo e as bagagens, saberes populares, sociais e familiares
que cada uma traz consigo, a importância de suas vivências.
Nesse contexto Paulo Freire aborda a importância dos
saberes sociais ao enfatizar que “a alfabetização não é um jogo
de palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução
crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos, o
projeto histórico de um mundo comum [...]. (FREIRE, 2005,
p. 21) Considerando assim a cultura e as vivências dos sujeitos
representadas por meio de suas palavras.
Já a resposta de Joana nos possibilita fazer uma liga-
ção com o que Freire (1996, p. 14) chama de “tom de raiva,
legítima raiva”, sentimento este que envolveu o seu discurso ao
se referir “as injustiças a que são submetidos os esfarrapados
do mundo” (1996, p. 14) que dentro de sua pobreza, se sentem
oprimidos, inferiores aos outros e se culpabilizando por não
terem conseguido se alfabetizar.
Quando Joana discursa, com pesar, sobre a quantida-
de de pessoas na sua família que não se alfabetizaram, fica níti-
do em sua postura e até mesmo no tom de sua voz, o quanto ela

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acredita no fato de que estas pessoas – inclusive ela mesma –


seriam sujeitos melhores e mais qualificados se fossem alfabe-
tizados. Surge em sua fala reflexos do que Paulo Freire chama
de neutralidade da educação, que resulta na ideia de que com
a alfabetização, se produz um “tipo ideal de ser humano, [...]
virtuoso e bom, é uma das conotações, fundamentais da visão
ingênua da educação.” (FRERE, 2011, p. 40)
Podemos abordar outra ideia de Freire (2011, p. 40)
na fala de Joana quando ela se refere que se soubesse ler e es-
crever tiraria sua carteira de motorista, pois “a educação mo-
dela as almas e recria corações, ela é a alavanca das mudanças
sociais”. Ou seja, possuindo essas habilidades a vida social do
sujeito mudaria, não dependeria tanto de outras pessoas e teria
mais independência.
Ao encerrar seu discurso quanto a sua aprendizagem
na escola, mencionando o termo “não deu...” surge ali a visão
de que o “papel de quem não sabe ler e escrever, não é o de
sujeito de sua própria alfabetização, mas o de paciente que se
submete docilmente a um processo em que não tem ingerên-
cia” (FREIRE, 2011, p. 41), ou seja, “não deu”, estava fora no
meu controle.
Dificuldades/desafios de pessoas que não se alfabetizaram
É evidente que todos, de uma forma ou de outra,
já passaram por certos desafios ao longo da vida, porém, os
indivíduos que não sabem ler e escrever, acabam saindo em
desvantagens em relação aos demais, porque além de todos os
desafios de se viver em sociedade, ainda necessitam enfrentar
a barreira de não ter acesso a todas as informações disponíveis
por meio da escrita.
Desse modo, ao indagarmos nossos sujeitos da pes-
quisa sobre como lidam com o fato de não terem desenvolvido
a leitura e a escrita, suas respostas foram: “É normal, alguém
vai “perguntá” se eu sei fazer meu nome, eu não sei assinar, as-
sino tudo com os “dedo”, tudo com o dedo assino tudo, é isso ai

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minha filha, hoje em dia o que que eu vou fazer na aula depois
de velha? (risos) não adianta. (ANA)
“Na época a gente não sabia muito direito né? Mas
hoje, hoje não... a gente já pensa assim: poxa se tives-
se essa oportunidade já poderia ter estudado, é ruim
né... a gente não sabe nada... Sim, falta sim (se sentiu
falta de não ter estudado) porque é ruim a gente não
saber. Mas mesmo assim eu me viro... eu consigo ver
o preço, contar dinheiro. Não sei como aprendi, mas
eu sei... isso aí se eu for lá no mercado eu vejo lá, um
quilo de arroz é seis e pouco... eu sei que é seis e pou-
co, ou o quilo de carne é doze, tudo isso eu sei ver... sei
ver tranquilo...” (JOANA)
Para Ana o fato de não saber ler nem escrever é nor-
mal, pois ela sempre conviveu com isso e tal característica já
faz parte da sua vida. Joana nos deu uma resposta um pouco
distinta, não mencionando que isso seja normal, pelo contrá-
rio, enfatiza que se fosse jovem nos dias de hoje ela iria querer
se alfabetizar e diz ainda que sente falta de não ter conseguido
frequentar corretamente a escola em sua época. Freire (2011,
p. 39) menciona que “é preciso que quem sabe saiba sobretudo
que ninguém sabe tudo e que ninguém tudo ignora”. Ou seja,
sempre temos o que aprender, independente que tal aprendiza-
gem seja oriunda de ensinamentos de um professor, aluno ou
pessoas que não possuem as habilidades da leitura e da escrita,
pois, suas experiências de vida e sua cultura também merecem
ser passadas aos que desconhecem ou pouco conhecem sobre
a mesma.
Compreendemos que esta visão que ambas as entre-
vistadas têm de si mesmas quando dizem não saberem nada,
pode estar relacionada às implicações de uma visão ingênua da
educação, visão esta que tem o analfabetismo como algo ruim,
inferiorizando toda a população que não possui as habilidades
da leitura e da escrita, “o caráter mágico emprestado à palavra

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escrita, vista ou concebida quase como uma palavra salvadora”


(FREIRE, 2011, p. 40) é uma das características da visão ingê-
nua da educação. Os próprios sujeitos que não foram alfabeti-
zados, justamente por serem impossibilitados do ato de ler e
escrever, se veem como “um ‘homem perdido’, cego, quase fora
da realidade.” (FREIRE, 2011, p. 40-41)
Reportando-nos agora mais diretamente ao ponto
chave desse subtítulo, perguntamos quais são as maiores di-
ficuldades e desafios que Ana e Joana encontram pelo fato de
não serem alfabetizadas:
“As ‘vez’ quer saber ir num lugar, ‘ques’ ir num lugar
e tu não sabe ver as ‘placa’, não sabe lê, as ‘vez’ ‘ques’
ir numa cidade grande, não dá pra ir porque tu não
sabes ir sozinha tu não vai porque tu não entende, não
sabe lê, ‘ques’ ir numa consulta com o médico tens que
levar uma pessoa porque tu não sabe nada, se quer re-
ceber um dinheiro no banco tens que ir com uma filha
porque eu não entendo nada. No mercado é fácil, no
mercado eu me viro normal, agora ir no banco, essas
‘coisa’ assim ai não, pagar uma luz, uma água eu pago
normal.” (ANA)

“Vamos dizer... hoje tu ‘ques’ pegar um ônibus, tu


‘ques’ pegar um ônibus, vamos dizer... aí tu não sabes
né? Se esse vai pra Canelinha ou pra ‘Tijuca’ né? Daí
tu não sabe né? E o ruim é isso né... mas negócio de
carne, essas coisas assim, aí eu me viro muito bem...
tudo... eu sei contar o dinheiro, sei tudo assim... até
se a L. escrever essa folha aqui pra mim... eu escrevo
tudo... tudo... tudo... (ela copia) mas só faltou a gente
saber ler né?” (JOANA)
Para essas mulheres o fato de não serem alfabetizadas
as “puniram” de muitas coisas, dentre elas, sua independência.
Podemos perceber, em seus depoimentos, que esse é o maior

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obstáculo de não serem alfabetizadas, o ir e vir, sem precisar


de auxílio.
Observamos que na realização de atividades rotinei-
ras, como ir ao mercado ou pagar algumas contas, as senhoras
conseguem fazer sozinhas, mesmo sem saber ler e escrever,
pois os aprendizados advindos das suas culturas, de sua educa-
ção popular, fizeram-nas desenvolver habilidades que às per-
mitem realizar tais atividades.
Uma das coisas que contribui para tal autonomia é re-
sidirem em cidade pequena, próximas de familiares, de pessoas
que as conhecem e acabam contribuindo para esse aprendiza-
do que aconteceu no social.
Quando Joana ressalta que “só faltou a gente saber ler”,
nos remete à ideia do ser inacabado, que, nas palavras de Frei-
re (2014, p. 50) “o inacabamento do ser ou sua inconclusão é
próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento.”
Então, nós, enquanto seres humanos, somos seres que estamos
em constante mudança, nos moldando conforme nossas expe-
riências de vida e nossa vontade de querer ser mais.
Benefícios da leitura e da escrita
A última categoria abordada são os benefícios que a
leitura e a escrita trariam na vida das pessoas que não possuem
tais habilidades. Mesmo já sendo adultas e não demonstrarem
mais interesse em voltar a estudar, nossas entrevistadas afir-
maram que mudaria muita coisa em sua vida o ato de ler e
escrever.
“Ah mudava muita coisa ‘Juliana’, muita coisa, se eu
quisesse ir daqui lá fora (Tijucas, Florianópolis) eu ia
sozinha porque eu sabia lê, se eu quisesse ir no banco
tirar um cartão eu ia porque eu sabia lê, conhecia os
‘número’, conhecia tudo, ai assim não, assim eu não
faço nada, ‘to’ pra receber o dinheiro, oh, tenho que
esperar a A. ir comigo, que eu não tiro.” (ANA)

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“Se eu soubesse ler hoje eu ia fazer a carteira de mo-


torista, eu ia comprar um carrinho pra mim, assim
né...eu ia comprar uma coisa pra mim , o A. tem a
biz (moto) e eu ia com a biz do A., tem o carro eu
saia com o carro do A.... na maior tranquilidade né?”
(JOANA)
Percebemos, pelos depoimentos acima, que em ambas
as respostas as entrevistadas relatam que haveria uma mudan-
ça significativa em sua vida caso soubessem ou aprendessem a
ler e escrever. Seus hábitos diários poderiam mudar, como por
exemplo, saberiam ler os anúncios da cidade e pegar ônibus
com maior tranquilidade, ou seja, sem depender de outros.
Paulo Freire define que “o ato de ler não se esgota na
decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escri-
ta, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”.
(FREIRE, 2011, p. 19) Sendo assim, nossas entrevistadas pos-
suem o ato de ler mesmo sem serem alfabetizadas, pois o sim-
ples fato de interpretar e interagir com o mundo em que vivem
já faz parte dessa leitura, tal leitura de mundo acompanha o ser
humano desde a mais tenra idade e se alonga no decorrer da
vida, por isso não podemos resumir a leitura na codificação e
decodificação das palavras.
Algumas considerações
A questão do analfabetismo de pessoas adultas em
nosso país esta intimamente ligada à pobreza e ao meio social
em que estão inseridas. Pessoas de baixa renda tendem a não
se dedicarem tanto aos estudos quanto as que possuem um pa-
drão de vida mais favorecido. O fato de terem de trabalhar para
adquirirem seus bens e tirarem seu sustento, as impedem de
frequentar a escola e, consequentemente, de aprender os con-
teúdos científicos, de caráter escolar, que essa instituição pode
oferecer.
Conhecendo algumas experiências de duas pessoas
que não desenvolveram as habilidades da leitura e da escrita,

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percebe-se que, mesmo encontrando certas dificuldades em


seu dia-a-dia, como não poder retirar seu pagamento sozinhas,
precisarem do acompanhamento de alguém mais instruído
para ir ao médico e pedirem informações quanto aos ônibus;
essas pessoas sabem lidam muito bem com esta limitação, pois
sempre viveram assim, e fazem uso dos seus saberes populares,
desenvolvidos por meio de suas vivências, realizando suas ati-
vidades rotineiras sem o auxílio de outrem.
Os depoimentos dos dois sujeitos que participaram
desta pesquisa, nos remetem a pensar que ambos possuem ri-
queza de conhecimentos, de saberes e aprendizagens mesmo
sem terem possuído acesso a uma educação escolarizada. Essa
visão que eles têm de “não saber nada” está ligada ao fato de
que a sabedoria se resume à alfabetização, codificando e deco-
dificando palavras. Porém, vale ressaltar que ela vai além disso,
que segundo Paulo Freire, ela inicia no simples fato de ler o
mundo, de interpretar seus acontecimentos e com eles saber
lidar e, isso as pessoas que não aprenderam a ler e escrever sa-
bem para si e podem até nos ensinar.
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educação. Porto: Porto Editora.1994.
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org.br/direitos/militantes/paulofreire/livro_freire_educacao_
pratica_liberdade.pdf>. Acesso em: 15 de junho de 2015.

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DIÁRIO DE BORDO: ESTRATÉGIA DE


AVALIAÇÃO, PRÁTICA DE (AUTO)
FORMAÇÃO NA EDUCAÇÃO POPULAR

Sabrina Garcez – SMED-PoA1


Cystina Di Santo D’Andrea – SMED-PoA/UFSM2

Escrever não é tarefa fácil, mas acreditamos que seja a


melhor forma de refletirmos sobre o que aprendemos no nosso
cotidiano. Ao escrever, estamos avaliando nossas práticas e re-
dimensionando nossa história. Os Diários de Bordo passaram
a incorporar nossas reflexões e nossa prática pedagógica na
formação dos professores do PNAIC. Entre outras coisas, asso-
ciamos o trabalho desenvolvido com a escrita de si em Diários
de Bordo, potencializando a reflexão sobre as aprendizagens,
o que foi fazendo com que também refletíssemos em relação
a nossa própria formação e a sua compreensão do que seja o
alfabetizar na educação popular.
(Re)escrever-se no cotidiano
Começamos esse estudo falando (acreditamos que es-
crever também é falar, já que propomos, ao escrevermos, uma
interlocução com o leitor que vai estabelecendo relações com
o pensamento do escritor ao possibilitar suas próprias apren-
1 Especialista em Educação Infantil; Alfabetização e Letramento. Pro-
fessora da Rede Municipal de Porto Alegre/RS. Diretora da EMEI
Miguel Granato Velasquez. Formadora do PNAIC pela Universida-
de Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: sasagarcez@gmail.com
2 Mestre em Educação pela UFRGS, Doutoranda em Educação pela
UFSM. Professora da Rede Municipal de Porto Alegre/RS. Forma-
dora do PNAIC pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Assessora Pedagógica. E-mail: crysdandrea@ibest.com.br

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dizagens) sobre o cotidiano. Para tanto, queremos valer-nos do


pensamento de Certeau (2012) que afirma que mais do que o
lugar, são as relações entre os sujeitos e entre esse lugar que
compõem uma cultura inventiva do cotidiano.
De um lado, a análise mostra antes que a relação
(sempre social) determina seus termos, e não o in-
verso, e que cada individualidade é o lugar onde atua
uma pluralidade incoerente (e muitas vezes contra-
ditória) de suas determinações relacionais. De outro
lado, e sobretudo, a questão tratada se refere a modos
de operação ou esquemas de ação e não diretamente
ao sujeito que é seu autor ou seu veículo.” (CERTEAU,
2012, p.37)

São as “maneiras de fazer” (Certeau, 2012) que vão


transformando as coisas, as pessoas e os lugares e vão inven-
tando o cotidiano, o fazer-se a cada dia. Utilizamos nossas
próprias experiência como acadêmicas e como professoras
alfabetizadoras, para estabelecer relações com nosso trabalho
como Formadora de Professores, e possibilitar o estranhamen-
to necessário para que nos distanciemos do discurso comum,
formador do objeto e que o nomeia em práticas naturalizado-
ras. Entendemos que também praticamos o Diário de Bordo
com nossas alunas nos cursos de formação permanente e que
obtemos bons resultados, mas ainda não havíamos pensado os
diários sobre essa perspectiva formadora. Resolvemos teorizar
essa prática, que já fazia parte do nosso cotidiano como forma-
doras e escrever-nos em reflexões do cotidiano, o que acabou
por ser um exercício fundamental para nossa (auto)formação.
A formação acadêmica acaba por seguir a formação
escolar, ainda muito centrada na transmissão dos saberes e
os próprios professores demonstram dificuldades em pensar
e agir de outra forma. Os depoimentos das professoras alfa-
betizadoras participantes dos nossos grupos de formação do
PNAIC, que dizem que suas professoras até preocupam-se em
acompanhar o método da moda, mas muitas crianças ainda
continuam sem alfabetizar-se, como se, simplesmente acom-

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panhar as propostas da moda sem saber o que se está fazendo e


sem ter certeza da intenção pela qual se faz alguma coisa, fosse
resolver a questão das aprendizagens.
Criamos um ambiente de aprendizagens favorável
à nossa formação, pois escrever-se também é uma forma de
aprender-se. O diferencial, acreditamos que esteja na forma
como as formações foram organizadas, propondo dialogicida-
de entre o pensar e o fazer; na forma como os conceitos foram
discutidos em sugestões de leituras, filmografias e na produção
de Diários de Bordo, sempre discutidos em grupo, em clima de
parceria e compartilhamento, o que nos deixou extremamente
à vontade para expor nossas ideias, nossas angústias e nossos
projetos. Percebíamos que a avaliação acontecia de uma forma
natural, contribuindo com nossas produções e não, mensuran-
do nossas práticas.
Como (re)pensar práticas pedagógicas além das di-
mensões consensuais que obliteram a alfabetização?
Em quais rituais de incorporação e de investidura
(Bourdieu, 1994, p.3) realizaríamos de forma eficaz a
troca dialógica, silenciosa, invisível e talvez, indizível
que nos levaria a transformar nossas práticas pedagó-
gicas em felizes movimentos de alfabetização e letra-
mento? (Fragmento do Diario de Bordo, 2013)

A efetivação do Diário de Bordo foi primordial para


compreendermos a necessidade de romper com a comumente
utilizada lógica da avaliação conteudista que trabalha com ob-
jetivos externos aos sujeitos em coesões de universalização e
homogeneização das coisas. Assim, percebemos que avaliação
está intrínseca ao processo de aprendizagem e não necessita de
períodos específicos para que aconteça. Está presente em todo
o transcorrer do processo educacional.
Cabe considerar que os Diários de Bordo têm origem
na navegação e no fluxo do tráfego rodoviário e aéreo, objeti-
vando registrar os eventos mais importantes acontecidos a cada
dia de translado. No caso da Educação, sua prática originou-se

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

a partir da necessidade de uma avaliação contextualizada nos


Cursos de Educação à Distância. Atualmente, mesmo em cur-
sos presenciais, é utilizado como uma estratégia pedagógica
na qual o aluno resenha e anexa suas produções e impressões
sobre a temática que está sendo explorada, apresentando seu
entendimento e as relações que estabelece com e sobre o co-
nhecimento em questão. Dessa forma, fomos teorizando nos-
sa própria prática e compreendendo essa maneira diferente de
fazer educação. Uma forma dialógica de estabelecer relações
com os saberes, constituindo uma rede com a Academia, co-
nosco com nossas práticas, com as professoras alfabetizadoras
e, através delas com as comunidades escolares.
O Diário de Bordo apresenta um grande potencial
interativo porque permite a elaboração e a edição de suas in-
formações em diferentes gêneros de textuais; e a inserção de
imagens, ou mesmo, objetos significantes e significativos. Des-
sa forma, promove a interação e o compartilhamento, de co-
nhecimentos, emoções, sensações e impressões. Em fim, um
Diário de Bordo anuncia em si, não apenas a identidade do
aprendiz, mas as maneiras de fazer cotidianas, que compõem
o sujeito e estão expressas a partir da elaboração cuidadosa do
que se quer dizer. Não apresenta apenas os conceitos de um
objeto em estudo, mas dos significados do conhecimento ela-
borado a partir do que se sabe e do que se vive, que vão sendo
construídos nas e pelas consequentes relações com o cotidiano.
É uma forma de mediação do processo reflexivo, das
ações e sobre as ações em determinados cenários ou contex-
tos. Expõe as reflexões do autor a partir do diálogo interior,
oferecendo informações pertinentes aos processos de apren-
dizagens e de socialização no ambiente escolar e fora dele. É a
fundamentação de um instrumento de autoavaliação, propor-
cionando ao autor a reflexão sobre as informações que ele mes-
mo produziu a partir das relações com os saberes em questão.
O Diário de Bordo apresenta elementos referentes aos
processos de aprendizagens, mas também aponta para a qua-

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lidade desse processo e dos conhecimentos que estão sendo


construídos como constitutivos da formação pessoal. Eviden-
cia o autor como um todo, protagonista das próprias aprendi-
zagens. Rompe com a ideia de linearidade hierárquica, apre-
sentando uma participação ativa do aluno nos processos de
aprendizagens. Permite a exploração de alternativas referentes
ao ambiente e aos conhecimentos, ao tempo e ao movimento
favoráveis para a realização de inferências sobre as relações en-
tre os diferentes saberes, e os diferentes sujeitos, estabelecendo
similaridades entre ideários, facilitando descobertas de princí-
pios, conceitos ou relações. Conforme os sujeitos escrevem so-
bre si e suas relações com o conhecimento, os autores rompem
com a lógica linear, conteudista e estática do currículo tradi-
cional, percebendo o conhecimento em diferentes vivências.
Quando trabalhamos com o Diário de Bordo, pressu-
pomos a existência de um currículo espiralado, que possibilita
ao autor perceber o mesmo conhecimento sob diferentes as-
pectos, níveis de aprofundamento e formas de representação.
Rompe com as ideias de estruturação, transversalidade e linea-
ridade do currículo para percebê-lo vivo dinâmico e relacional.
Pensamos no Diário de Bordo como uma estratégia
de (auto)aprendizagem (o que também pressupõe ensinagem)
desafiadora, onde, a partir das suas percepções e narrativas,
bem como da perspectiva da forma de organizá-las, o autor
aprende solucionando problemas e desafiando a si mesmo a
compreender o mundo e suas relações. Conforme o autor vai
elaborando o Diário de Bordo, vai atribuindo sentido ao que
faz a partir da compreensão de si em relação com o mundo (co-
nhecimento). Constrói sua identidade ao observar-se e narrar-
-se nessa relação com o mundo e que constitui as maneiras de
fazer inventivas do cotidiano. Uma forma de (re)avaliar-se em
movimento (auto)reflexivo que possibilita a criação de condi-
ções para que a aprendizagem se efetive.
Voltar-se sobre si, em movimentos de autoconheci-
mento é narra o indizível, o invisível aos outros que,

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imperceptível em um primeiro momento, transborda


o conhecimento construído pelo cotidiano nas rela-
ções das próprias histórias de vida. Escrever uma Tese,
é também (re)escrever-se, pensando-se, dizendo-se e
(re)invenando-se no cotidiano investigativo.
(Fragmento do Diário de Bordo, 2013)

Escrevendo no Diário de Bordo narrativas de si, os


sujeitos tornam-se protagonistas da sua formação. O fato de
poder lidar com as possibilidades dos sujeitos e a imprevisibili-
dade das aprendizagens favorece a intenção pedagógica do pro-
fessor independentemente da modalidade ou nível de ensino,
mas integrando-se perfeitamente, aos propósitos da educação
popular.
Através dos diários de Bordo e da reflexão realizada
para compô-los, também fomos elucidando elementos per-
tinentes às nossas aprendizagens protagonizando-as em um
tempo próprio e singular, articulador do movimento histórico
constitutivo do sujeito. A partir das narrativas das turmas, fo-
mos articulando diferentes momentos de aprendizagens cons-
titutivos dos sujeitos em formação. Nessa vivência, no/sobre o
Diário de Bordo, diretamente implicada no nosso cotidiano,
percebemos indícios que podiam apontar os caminhos para
construir um novo paradigma sobre a avaliação.
Oliveira (2009), diz que ensinar não basta, é preciso
proporcionar aos alunos, que vivenciem diferentes estratégias
de ensino aprendizagem em situações de vivência e colaboração
na construção dos conhecimentos que cada um busca para si.
Aos poucos, vai se estabelecendo uma dialogicidade
entre o lugar e entre os sujeitos, definindo que relações serão
estruturadas e valorizadas. Criou-se um entrelugar de cultura
de aprendizagens que em linguagens, muitas vezes silenciosas,
definiam-se pela prática cotidiana de aprender e suas “maneiras
de fazer”, registrando mais do que anotações da aula, mas as
reflexões sobre o que se está fazendo/aprendendo.
Falar sobre o cotidiano é dizer-se em diferentes “ma-
neiras de fazer” com que as possibilidades sejam inventadas

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pelo que se vai pensando e sobre o que se vai fazendo em ações


articuladas pela convivência afetuosa com os outros. Registrar
as compreensões dessas relações é escrever-se, em ação presen-
te, em (auto)formação, sejam os Diários escritos por adultos,
ou por crianças. Em (auto)formação, alunos e professores, to-
dos, são aprendizes.
(Auto)reflexão: memórias
Memória é produção, conservação e evocação de in-
formações e/ou conhecimentos elaborados a partir da própria
experiência pessoal. À produção de memória, também po-
demos chamar por aprendizado. Memórias apenas adquirem
sentido quando são evocadas, isto é, acessadas para serem uti-
lizadas em ações no presente. Memória é vida fluída, é mundo
vivido inventado no cotidiano.
Pela memória, o passado não só vem à tona das águas
presentes, misturando-se com as percepções atuais,
desloca estas últimas, ocupando o espaço todo da
consciência. A memória aparece como força subjeti-
va, ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e pene-
trante, oculta e invasora (Bosi, 1979, p.09)

Nossa maneira de agir, pensar, planejar, de realizar e


de sentir, relaciona-se, estreitamente, com aquilo que lembra-
mos, pois aquilo que lembramos, é aquilo que sabemos. O que
não aprendemos, ou o que, por algum motivo tenha ficado es-
quecido, não faz mais parte de nós, não nos pertence mais, não
nos é identitário. A identidade de cada um vai se formando de
jeitos e trajetos diferentes porque cada um tem sua própria his-
tória construída pelo que é vivido cotidianamente e pela forma
como é lembrado, ou esquecido, pelos sujeitos. Somos aquilo
de que nos lembramos porque também decidimos o que que-
remos esquecer. Somos nossas memórias. Somos o que conse-
guimos aprender nas diferentes formas que percebemos e nos
relacionamos com o mundo, inventando e reinventando nosso
cotidiano.

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Como diz Norberto Bobbio: “Somos aquilo de que


nos lembramos” (1997, p.30) Eu diria: Somos o encontro da-
quilo que lembramos com o que decidimos esquecer.
Alguns pesquisadores (Sternberg, 2008) acreditam
que a memória deveria ser estudada em ambientes reais, não
apenas em laboratórios, enunciando como empregamos a me-
mória em situações cotidianas e para que, efetivamente, ela
serve. A ideia é que a pesquisa em memória deva aplicar-se
a fenômenos naturais ocorrentes em ambientes naturais, para
que seja concebida como uma estratégia de interação com o
mundo real e possibilite a análise das aprendizagens cotidia-
nas. O Diário de Bordo aparece como uma pertinente forma de
registro e (auto)reflexão. Dessa forma, é possível vislumbrar a
memória (auto)biográfica cumprindo um determinado propó-
sito nas nossas interações com o mundo e consequentes rela-
ções com os saberes estabelecendo-se como uma metodologia
de pesquisa. Uma pesquisa sobre nós mesmos, investigando
que possibilidades de aprendizagens temos construído para
nós e que significações o cotidiano e as relações intrínsecas a
ele, vão proporcionando a formação do sujeito. As reflexões
sobre si, buscando compreensão das dinâmicas e significações
elaboradas pelas histórias de vida no cotidiano, permitem a
transformação das pessoas em atores biográficos (Josso, 2010).
A ideia de atores biográficos parte da concepção de
que, embora as pessoas estejam inseridas em um determinado
contexto sociocultural, podem protagonizar suas histórias de
vida inventando-se no seu cotidiano. Caminhar para si (Josso,
2010) permite um duplo movimento de consciência que rela-
ciona e envolve o que é presente pelo que foi vivido no passado
e que projeta perspectivas de futuro por aquilo que virá a ser.
“Esse olhar retrospectivo e prospectivo estimula a reflexão sobre
a responsabilidade do sujeito sobre seu vir a ser e sobre as signi-
ficações que ele cria.” (Josso, 2010, p.189)
Através dos séculos, o relato oral sempre foi a maior
fonte de dados para as Ciências, em geral, através da trans-

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missão da palavra, isto é “experiência indizível que se procura


traduzir em vocábulos”. (Queiroz, 1988, p.16) A invenção da
escrita, nada mais é do que a cristalização do relato oral em re-
gistros mnemônicos. A História Oral, como é chamado agora
o Relato Oral, em função de sua revalorização, é uma técni-
ca de coleta de dados em pesquisas qualitativas que contribui
com o pensamento acadêmico com sua vivacidade e fartura
de detalhes que configuram os aspectos dos fatos sociais. É
uma forma de registrar o que ainda não está determinado em
documentações escritas e que se não for registrado, em uma
sociedade contemporânea, dominadora, classista e essencial-
mente urbana, tenderá a desaparecer. As histórias das pessoas
comuns tendem a desaparecer engolfadas pelo mundo urbano,
soberano nos seus saberes, tirano nos seus fazeres, consumidas
pelos desejos e apelos da urbanidade. Construir um Diário de
Bordo é transformar vozes em palavras escritas autofundantes
das identidades pessoais.
Entendida como uma metodologia que favorece as
relações entre memória e história, as Histórias de Vida interre-
lacionam-se com a história do tempo em tríade, passado, pre-
sente e futuro, isto é, de um tempo que não é apenas recorte,
mas movimento. E por estar em movimento, elabora mais uma
dimensão, a das relações entre os três tempos, que consegui-
mos captar quando escrevemos. Possibilita aos captar o que
não está explícito, talvez mesmo, o indizível que, recolhido na
memória e na sensibilidade dos sujeitos expande possibilida-
des da compreensão do real. Vivenciar a história do tempo/
movimento permite que se perceba com clareza a articulação
entre as percepções e as representações dos atores biográficos
e as determinações e interdependências que tecem as relações
sociais e as transformações culturais.
A experiência humana, pessoal/social, tem uma na-
tureza temporal cujo caráter apresenta-se articulado
pela narrativa, em especial quando clarifica a duali-
dade “tempo cronológico”/”tempo fenomenológico”.
(...) A perspectiva tridimensional do tempo narrado,

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tembém se apresenta no tempo pensado/vivencia-


do, com as ambiguidades e, mesmo, contradições no
seio dessas três instâncias, passado, presente, futuro.
(Abrahão, 2006, p. 151)

Escrever essa história tempo/movimento através das


narrativas de si em um Diário de Bordo, auxilia a compreender
as transformações que vamos vivenciando a partir de nossas
formações, realizando uma autoformação. É preciso aguçar a
percepção para envolver-se em escritas de si, demonstrando
que as diferentes maneiras de fazer o/no cotidiano é sempre
resultado de uma elaboração que compreende tempo/movi-
mento, ou seja, história sempre será uma contínua construção
de nós mesmos e nós, seres inacabados.
Para Freire (1998), as relações de ensino-aprendiza-
gem estão relacionadas ao inacabamento de homens
e mulheres no mundo. Essa característica, reafirmada
por ele, exige que o processo educativo escolar esteja
permanentemente aberto às questões emergentes na
sociedade. Que seja dialogado com elas, sem, contu-
do, abrir mão de suas origens, sua cultura, suas expe-
riências, enfim, seus saberes e fazeres. (Barcelos, 2013,
p.78)

Apesar da História de Vida ser contada por um deter-


minado personagem e girar em torno deste, o que se busca são
as particularidades que singularizam os sujeitos e suas trajetó-
rias envolvidas em teias de relações coletivas promotoras das
aprendizagens. Propicia analisar, esclarecer e compreender as
relações coletivas que se estabelecem entre os sujeitos de deter-
minados grupos e contextos, sendo o ponto de intersecção das
relações entre o que é externo ao sujeito e o que ele carrega em
seu íntimo.
No Magistério, lembro de algumas professoras per-
guntando se tínhamos certeza que queríamos ser pro-
fessoras e expunham os muitos problemas da profis-
são Mas o brilho que elas traziam no olhar, o desafio
que se impunha na entonação, o orgulho, visível na

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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postura ... Não tínhamos como desistir. Sim. Que-


ríamos ser professoras. Fiz meu Magistério nos anos
finais da década de 70. Às vezes, ao fundo da sala de
aula de determinadas professoras, um homem de pre-
to sentava-se. Olhávamos enfileiradas, muitas vezes
de revesgueio, como se nossas nucas estivessem sen-
do perfuradas por um raio incisivo vindo de um olho
superpoderoso. Mas não éramos seu interesse priori-
tário. Hoje compreendo melhor essa tirania, o que me
fez diferente. (Fragmentos do Diário de bordo)

Da mesma forma, (auto)biografias configuram-se,


cada vez mais, como férteis espaços de conhecimento da pro-
blemática em investigação. Essa deve ser a fundamentação da
avaliação: investigação para construir possibilidades. Assim
conseguimos romper com a lógica de uma avaliação que men-
sura, para construir uma lógica formadora dos sujeitos e das
suas possibilidades.
Diferentemente, no processo de interpretação das
informações utilizamos uma concepção em que as
categorias de sujeitos são entendidas como espaço
de enunciação, em que os elementos pertinentes vão
se desenhando na medida da relação das narrativas
com seus contextos. Esta compreensão privilegia, ao
invés da estrutura amostral de uma história segundo
o sentido originário dos textos ou dos elementos de
profundidade de seus sentidos ocultos, o entendi-
mento de que a origem e o sentido profundo dos tex-
tos é algo que construímos pari passu, diuturnamente.
(Abrahão, 2006, p.155)

O que faz possível utilizar a (auto)biografias como


metodologia de avaliação, é a fundamentação da sua análise.
No caso do Diário de Bordo, as percepções dos seus autores
em relação aos seus saberes e fazeres pedagógicos e sua apren-
dizagem. É conseguir transformá-los em texto (conhecimento)
e, assim, promover com que o próprio autor se perceba como
potencial ator da dinamização das possibilidades de aprendi-
zagens.

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Professores, independentemente do nível de ensino


em que atuem, esperam, na maioria das vezes, resultados pre-
visíveis de seus alunos, estabelecendo objetivos externos a eles.
Preocupados com o que deveriam ensinar, e não com as possi-
bilidades de aprendizagens, direcionando o currículo de uma
forma linear e reprodutora. Realizam avaliações que mensu-
ram o conhecimento de cada um em relação ao que é pretendi-
do pelo professor e não ao que é elaborado pelo aluno. Embora
pensem em como o aluno aprende, preocupam-se com o que
querem que o aluno aprenda. E, às vezes, inventar-se se torna
impossível. Não há inovações, apenas permitem-se retocar seu
fazer pedagógico com as nuances das propostas e metodolo-
gias da época, sem favorecer com que os alunos protagonizem
seus conhecimentos e sua própria formação. Sem criatividade.
Sem saberes e sem sabores inovadores. Buscar novos métodos
e novas teorias, não se tem mostrado suficiente, muito menos
eficiente, para alterar a prática da sala de aula, seja ela em qual-
quer nível ou modalidade de ensino. Repensar a prática da ava-
liação, pode ser um caminho mais fácil de ser seguido.
(Auto)Avaliação: processos de aprendizagens
Avaliação é um termo muito amplo, inerente ao nosso
cotidiano e que traz diferentes implicações. Inicialmente, para
pensarmos avaliação, é imprescindível considerar os princípios
e quais critérios são seus balizadores.
Nossas práticas são imbuídas de concepções, repre-
sentações e sentidos que expressam nossa forma de ver, ser e de
estar no mundo. A cultura escolar ainda está impregnada pela
lógica seletiva e classificatória pertinentes à cultura da meri-
tocracia responsável pelo êxito de uns e o fracasso de muitos,
nos diferentes tempos de escolarização, inclusive, na formação
superior.
A escola não constitui aquilo que somos, mas aquilo
que nos possibilita ser, levando-nos a redescobrir a formação
de professores e consequentemente, a compreensão das ma-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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neiras de fazer no nosso cotidiano de professoras/formadoras.


Um trabalho articulado e realizado de diferentes formas me-
todológicas e narrativas, possibilita a criação de um ambien-
te de aprendizagens favorável à nossa (auto)formação. Nosso
processo de formação está intrinsecamente relacionado à for-
mação das nossas alunas, colocando-nos também, no lugar de
alunas ao aprender com histórias tão impregnadas de protago-
nismos educadores. Todas registramos nossas considerações e
emoções nos nossos Diário de Bordo e neles encontramos um
potente instrumento de (auto)formação em dialogicidades en-
tre o (re)pensar e o (re)fazer. Dessa forma, a avaliação acontece
de uma forma natural, contribuindo com nossas produções e
não, mensurando nossas práticas.
Nos nossos Grupos de Trabalho no Pacto Nacional
pela Afabetização na Idade Certa (PNAIC), era essa a essência
da formação que vivenciávamos e que nossas professoras pas-
saram a levar para suas salas de aula.
Como (re)pensar práticas pedagógicas além das di-
mensões consensuais que obliteram a alfabetização?
Em quais rituais de incorporação e de investidura
(Bourdieu, 1994, p.3) realizaríamos de forma eficaz a
troca dialógica, silenciosa, invisível e talvez, indizível
que nos levaria a transformar nossas práticas pedagó-
gicas em felizes movimentos de alfabetização e letra-
mento? (Fragmento do Diario de Campo, 2013)

É preciso lembrar que (auto)avaliação e (auto)forma-


ção têm um espaço reduzido nas práticas pedagógicas cotidia-
nas. A efetivação do Diário de bordo foi primordial para rom-
per com a comumente utilizada lógica da avaliação conteudista
que trabalha com objetivos externos aos sujeitos em coesões de
universalização e homogeneização das coisas. O enfoque era
a memória e nessas formações do PNAIC, trabalhamos com
Diários de Campo e narrativas, objetivando a (auto)formação
das professoras participantes dos nossos grupos de trabalho.
Apenas quando construímos nossos diários com essa perspec-

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tiva, com a intenção de redescobrir-nos em conhecimentos po-


tencializadores da nossa formação, foi que compreendemos que
essa seria uma estratégia perfeita para a (auto)formação. Pode
ser empregada em qualquer nível de ensino, inclusive na for-
mação de Professores, justamente porque trabalha diretamente
com a autoavaliação e, consequentemente, com a (auto)forma-
ção.
É uma estratégia narrativa eficiente para a (auto)avalia-
ção e consequente, (auto)formação. Apenas praticando-a podemos
compreender sua essência e todo o seu potencial formador. É nas
nossas maneiras de fazer, incorporando a necessidade de aprender
e de sempre ser aluna no nosso cotidiano, que vamos nos redesco-
brindo, autoavaliando e (auto)formando. Além disso, quando reali-
zamos as socializações dos Diários de Bordo, vamos compreenden-
do a visão do outro sobre si, sobre nós e sobre o cotidiano.
Propomos a ruptura com o senso comum naturalizado
nos espaços e tempos escolares, de uma avaliação pautada em apti-
dões, bem como com o princípio de uma avaliação como sinônimo
de mensuração, isto é, de atribuição de algum valor para os saberes
que nos são próprios. O pior, a escola ainda estende essa valoração
às pessoas, ignorando seus processos de aprendizagem e desmere-
cendo o papel do professor. E, indo além, as práticas comuns com-
preendem a avaliação do processo de aprendizagem desvinculada
dos processos de ensinagem. Dificilmente, quando realiza a avalia-
ção dos seus alunos, o professor avalia ao seu trabalho. Fala-se de
processos, mas se esquecem que processos são efetivados a partir de
relações que acontecem no presente e que constroem possibilida-
des. Embora falemos e reconheçamos, na escola não trazemos para
nossas práticas pedagógicas o fazer condizente a essa compreensão,
quer dizer, não agimos de forma processual ao avaliar.
De qual avaliação estamos falando: avaliação (auto)
formadora
Uma Avaliação (Auto)Formadora pressupõe estraté-
gias de registro de aprendizagem (e de ensinagem) que sejam

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essencialmente narrativas, assim como o Diário de Bordo. A


partir de estudos realizados, baseados em teóricos como Per-
renoud (1999) que apresenta a necessidade de uma avaliação
formadora e reguladora do aprender e do ensinar; Abrahão
(2006), Passeggi (2009, 2010) e Souza (2010, 2011), que apre-
sentam a importância das narrativas pessoais para a autofor-
mação e consequente formação humana; e Arroyo (2004), que
prioriza a superação dos paradigmas escolares a partir das tra-
jetórias pessoais de alunos e mestres e por todas as informa-
ções aqui expostas; nossa proposta é conceber a avaliação es-
colar como (auto)formadora, a partir do princípio da narrativa
em ações criativas do dizer-se. O Diário de Bordo inclui essa
dimensão facilitando a aprendizagem tanto do aluno, quanto
do professor, em processos de dialogicidade transformadora.
Expondo em diferentes formas narrativas suas refle-
xões, o autor/escritor do Diário de Bordo, oferece informações
pertinentes aos processos de aprendizagens e de socialização
no ambiente escolar, tanto para o aluno, como para o professor.
É a base de um instrumento de auto-avaliação proporcionando
ao autor, a reflexão sobre as informações que ele mesmo produ-
ziu, tanto referentes aos processos de aprendizagens, como da
qualidade desse processo e dos conhecimentos que estão sendo
construídos como elementos de formação pessoal. O Diário de
Bordo evidencia o autor/escritor como um todo, protagonista
das próprias aprendizagens. Rompe com a ideia de linearidade
hierárquica, apresentando uma participação ativa do aluno/es-
critor e do professor no processo educador. Permite a explora-
ção de alternativas (ambiente e conhecimentos) favoráveis para
a realização de inferências sobre as relações entre os diferentes
saberes, e de estabelecer similaridades entre ideários, facilitan-
do descobertas de princípios, conceitos e/ou relações. Confor-
me escrevem sobre si e suas relações com o conhecimento, os
autores rompem com a lógica linear, conteudista e estática do
currículo tradicional, percebendo o conhecimento em diferen-
tes vivências.

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A educação popular, nessa perspectiva de avaliação,


pressupõe um currículo espiralado, que possibilite aos envol-
vidos no processo educador, perceber o mesmo conhecimento
sob diferentes aspectos, níveis de aprofundamento e formas
de representação. A (auto)avaliação formadora rompe com as
ideias de estruturação, transversalidade e linearidade do currí-
culo para percebê-lo vivo, dinâmico e relacional. Assim como
rompe com a ideia de separar a aprendizagem e a ensinagem,
amalgamando os dois processos nas narrativas que se fazem
formadoras dos sujeitos e dos saberes.
Não penso mais nas letras, mas em dizer-me. Sou fru-
to do meu desassossego que me delineia em experiên-
cias de amizades expressas em linguagens e corporei-
dades. Como assim? Se nesse movimento o outro sou
eu?
(Fragmentos, do Diário de Bordo, 2013)

O Diário de Bordo é uma estratégia de (auto)aprendi-


zagem desafiadora, onde, a partir das suas percepções e narra-
tivas, bem como da perspectiva da forma de organizá-las, o au-
tor/escritor e o professor, aprendem solucionando problemas
e desafiando a si mesmos a compreenderem o mundo e suas
relações.
Voltar-se sobre si, em movimentos de autoconheci-
mento é narrar o indizível, o invisível aos outros que,
imperceptível em um primeiro momento, transborda
o conhecimento construído pelo cotidiano nas re-
lações das próprias histórias de vida. Escrever uma
Tese, é também (re)escrever-se, pensando-se, dizen-
do-se e (re)inventando-se no cotidiano investigativo.
(Fragmento do Diário de bordo, 2013).

Escrevendo, no Diário de Bordo, narrativas de si, os


sujeitos tornam-se protagonistas da sua formação, seja ela em
que nível, ou modalidade de ensino for. Conforme o autor/es-
critor vai elaborando o Diário de Bordo, vai atribuindo sentido
ao que faz a partir da compreensão de si. Constrói sua identi-

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dade ao observar-se e narrar-se em relação com o mundo. Uma


(auto)avaliação formadora é um caminho para levar a educa-
ção popular a romper com os paradigmas dominadores que a
sufocam. Escrever-se em diferentes gêneros narrativos é uma
forma de (re)avaliar-se em movimento autorreflexivo e contí-
nuo que possibilita a criação de condições para que as aprendi-
zagens se efetivem em processos (auto)formadores.
REFERÊNCIAS:
ABRAHÃO, Maria Helena M. B. (org.) A aventura (auto)
biográfica: teoria e empiria. EDIPUCRS, PoA. 2006.
ARROYO, Miguel. Imagens Quebradas. Trajetórias e
tempos de alunos e mestres. Vozes, Petrópolis, 3ª Ed, 2004.
BARCELOS, Valdo. Uma Educação nos Trópicos, -
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VOZES, Petrópolis,RJ. 2013.
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Educação Popular em Debate
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER

ANDRADE, Graciene1
LIMA, Dayane2
COSTA, Lucinete 3
Introdução
O trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão
acerca da obra de Paulo Freire “A importância do Ato de Ler”,
elencando teoria e as experiências vivenciadas na pratica pelo
autor. Dessa forma apresenta pontos como leitura um bem ne-
cessário, um olhar diferenciado sobre a alfabetização de adul-
tos e bibliotecas populares, e a alfabetização de adultos em São
Tomé e Príncipe. Pois são fatores relevantes que nos permiti
compreender o processo de ensino em diferentes contextos.
Assim, a leitura torna-se um bem necessário para a
aquisição de novos conhecimentos, é nessa busca incessante
para conhecer o novo e tornar-se parte dele, que a leitura se
apresenta como fator principal, que atua na transformação do
ser humano e consequentemente na transformação da socie-
dade.
Dessa forma a alfabetização de adultos, precisa de
um olhar diferenciado, pois existem alguns problemas ineren-
tes nesta modalidade de ensino. Pois falar de alfabetização de
1 Acadêmica do Curso de Licenciatura em Pedagogia. Bolsista no
Programa de Iniciação Cientifica – PAIC/FAPEAM. Universidade
do Estado do Amazonas – UEA. E-mail: gracianetapaua@gmail.
com
2 Professora na Universidade do Estado do Amazonas – UEA/Centro
de Estudos Superiores de Tefé – CEST.
3 Professora na Universidade do Estado do Amazonas – UEA/ Escola
Normal Superior. E-mail: lucinetegadelha@gmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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adultos e de bibliotecas populares é falar, entre muitos outros


problemas da leitura e da escrita.
Relata a experiência vivenciada pelo autor, em seu tra-
balho realizado nas repúblicas de São Tomé e Príncipe com a
alfabetização de adultos em que, o governo juntamente com
Freire visava à participação crítica e criadora do povo no pro-
cesso de reinvenção da sociedade.
Portanto, a obra a importância do ato de ler, nos re-
mete à uma educação transformadora e libertadora, que só
acontecerá quando os sujeitos envolvidos se tornarem seres
humanos críticos e consciente de seu papel na sociedade.
Metodologia
O trabalho é originado de uma experiência de ensino
realizada no Centro de Estudos Superiores de Tefé/CEST atra-
vés da disciplina de Didática Geral com o objetivo de análise e
reflexão acerca das obras de Paulo Freire.
Nos procedimentos metodológicos para atingir o ob-
jetivo proposto enveredou-se pela abordagem qualitativa num
estudo de caráter bibliográfico, pautado na leitura de obras de
Paulo Freire, socialização e debate nos grupos de trabalho e
a partir do desenvolvimento da disciplina conhecemos várias
obras com grande relevância social.
Resultados e Reflexões: Leitura um bem necessário
Paulo Freire inicia o texto “A importância do ato de
ler” falando sobre o processo de compreensão crítica do ato de
ler em sua vida e como ocorre a compreensão de um texto a ser
alcançada pela sua própria leitura crítica que implica a capaci-
dade de compreensão nas relações entre um texto e o contexto.
O autor comenta o ato de ler em diferentes momentos
na sua vida, fazendo uma “leitura do mundo em que nasceu; e
que depois veio a leitura da palavra, nem sempre foi a leitura
da “palavra mundo”, ou seja, interpretar o real significado das
palavras e não apenas, a decodificação de símbolos. E torna

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claro que a leitura de mundo precede a leitura de palavra, onde


a importância da leitura na alfabetização é papel fundamental
na construção da história do ser humano.
Entretanto, a importância do ato de ler que devemos
mais decodificar as palavras de um texto, analisar as “entre-
linhas”. E para fazer essa leitura é importante trazê-la para
o nosso mundo, entender o sentido utilizado no texto para
compreender a ideia do autor. Na maioria das vezes não con-
seguimos interpretar um texto devido à deficiência do nosso
vocabulário e da nossa vida escolar em escolas públicas, onde,
muitas vezes, o ensino é escasso.
Contudo, a maneira como fomos ensinados talvez
não sejam suficientes para chegarmos a esse entendimento e
só nos darmos conta quando precisamos colocar em prática o
nosso aprendizado. A escuridão em que vivemos com a falta de
conhecimento traz consigo muitas barreiras devemos aprender
que as barreiras vêm, mas temos que as enfrentas com coragem
e ultrapassá-las, após esse gesto perceberemos o quanto somos
capazes de atingir um conhecimento jamais imaginado por nós
mesmos.
Um olhar diferenciado sobre Alfabetização de Adultos
Falar de alfabetização de adultos e de bibliotecas po-
pulares e falar, entre muitos outros, do problema da leitura e da
escrita. Que envolve a compreensão igualmente crítica da alfa-
betização, mas sublinho a existência de uma prática oposta e de
uma compreensão que chamei de ingênua, de qualquer manei-
ra, me parece importante, salientar o que venho chamando de
prática e compreensão crítica da alfabetização, quanto á subje-
tividade de seus agentes.
É o ponto de partida para compreendermos as dife-
renças fundamentais entre uma prática ingênua, uma prática
astuta e outra crítica. É tão impossível negar a natureza política
do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato
político, como já salientei uma educação neutra, de outro, uma

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prática política esvaziada de significação educativa, tanto mais


percebemos a impossibilidade de separar o inseparável: a edu-
cação da política, não seria possível pensar, sequer, a educação,
sem se esteja atento à questão do poder.
A educação burguesa que criou ou formou a burgue-
sia, antes da tomada do poder, simplesmente não poderia es-
perar da aristocracia, a educação burguesa, começou a se cons-
tituir, historicamente, sua sistematização e generalização mais
contestatória, se não é possível compreender a educação como
uma prática autônoma.
Na medida em que compreendemos a educação, a ne-
gação daquela ideologia pela confrontação entre ela e a realida-
de vivida pelos educandos e pelos educadores, a inviabilidade
de uma educação neutra. É que o fato de não ser o educador
um agente neutro não significa, ser um manipulador. O es-
pontaneísmo é licencioso por isso irresponsável. Infelizmente,
muitos de nós, educadores, temos uma prática em coerência
com o nosso discurso avançado.
É interessante sublinhar, uma visão crítica da edu-
cação, a alfabetização de viver, na prática, o reconhecimento
óbvio, com o mundo e com os outros. Não importa se alfabe-
tizando ou universitários o direito deles de falar corresponde
a nossa necessidade de saber escutá-los. Mas, como escutar
implica falar também. Dizer-lhes sempre a nossa palavra, sem
jamais nos expormos e nos oferecemos á deles.
Este não pode ser o modo de atuar de uma educadora
ou de um educador cuja opção é libertadora. Que apenas fala e
jamais ouve; quem ouve o eco apenas de suas próprias palavras,
pelo contrário, quem assim atua e assim pensa consciente ou
inconscientemente das estruturas autoritárias.
Outro aspecto ligado é o da necessidade que temos
os educadores de assumir a ingenuidade dos educandos para
poder, com eles, superá-la. Temos de respeitar os níveis de
compreensão que os educandos sem impor a eles a nossa com-
preensão da sua libertação é aceitar soluções autoritárias, mas

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assumir a ingenuidade dos educandos demanda de nós a hu-


mildade necessária de sua criticidade, superando, a nossa inge-
nuidade também.
Só eles separam o ato de ensinar do de aprender, que
é tido como quem nada sabe. Na verdade, a afirmação “que
sabe, ensina a que não sabe” é preciso que quem sabe saiba que
ninguém sabe tudo, reconhecer que o conhecimento não é um
dado aí, algo imobilizado, concluído, terminado, a ser transfe-
rido por quem o adquiriu a quem ainda não o possui.
A neutralidade da educação, a serviço da formação de
um tipo ideal de ser humano, é uma das conotações funda-
mentais da visão ingênua da educação. A educação modela as
almas e recria os corações, é a alavanca das mudanças sociais.
Nada poderá ser feita antes que uma geração inteira de gente
boa e justa assuma a tarefa de criar a sociedade ideal, outras
características da visão ingênua a que me estou referindo, o ca-
ráter mágico emprestado á palavra salvadora, é uma delas. O
analfabeto, porque não a tem, é preciso, salva-lo.
O papel do analfabeto paciente que se submete do-
cilmente a um processo em que não tem ingerência. O alfa-
betizando, se insere num processo criador, de que é também
sujeito. A leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinami-
camente juntas, a partir de palavras e de temas significativos à
experiência comum dos alfabetizando e não do educador e de
temas apenas ligados à experiência do educador.
A sua leitura não pode ser a repetição mecanicamen-
te memorizada da nossa maneira de ler o real. Os ingênuos,
os astutos se acham marcados pela ideologia dominante, eli-
tista, a única diferença que há entre mim e um educador as-
tutamente ingênuo, com relação à compreensão do processo
educação não é neutra, somente eu o afirmo, a diferença entre
o ingênuo não malicioso e o ingênuo astuto ou tático, na me-
dida mesma em que a ingenuidade daquele não é maliciosa,
ele pode perceber a inoperância de sua ação e, assumir uma
nova posição.

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Se antes a transformação social era entendida de for-


ma simplista, agora a transformação social é percebida como
processo histórico em que subjetividade e objetividade se pren-
dem dialeticamente. Já não há como absolutizar nem uma nem
outra. Se antes a educação de adultos era tratada e realizada de
forma autoritária, agora pelo contrário, a alfabetização como
ato de conhecimento, como ato criador e como ato político é
um esforço de leitura do mundo e da palavra, na medida mes-
ma em que este educador crítico vai superando a visão mágica
e autoritária da alfabetização, começa a dar a atenção necessá-
ria ao problema da memória mais oral em certas áreas do que
em outras e que exige procedimentos educativos especiais. Um
dos inúmeros aspectos positivos de um trabalho como este é,
sem dúvida, fundamentalmente, o reconhecimento do direito
que o povo tem de ser sujeito da pesquisa que procura conhe-
cê-lo.
Alfabetização de adultos em São Tomé e Príncipe
A contribuição de Paulo Freire a educação de jovens e
adultos é fruto de uma relação com o governo de São Tomé. E a
partir do assessoramento de Paulo Freire e Elza freire começa o
processo de alfabetização levando em consideração os seguin-
tes aspectos; o contexto histórico, a metodologia, a cultura, o
conhecimento dos sujeitos. Assim, o compromisso com a causa
do povo, com a defesa dos interesses do povo é uma das quali-
dades desse trabalho.
O presente artigo fala da experiência de Paulo Freire,
no processo de alfabetização de adultos, nas repúblicas de São
Tomé e Príncipe. Trata-se de um processo que irá utilizar mé-
todos, que visam á participação da população de uma forma
que eles posam utilizar da criticidade, que se orientam a partir
da utilização de livros didáticos popularmente chamados de
cadernos de cultura popular.
É importante salientar que as ilhas de São Tomé e
Príncipe, estavam passando por um processo de reconstrução,

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pelo fato de estar recentemente independente do jugo colonial


Português. É a partir deste contexto, que o trabalho de Paulo
Freire juntamente com o governo, tem como objetivo recons-
truir um novo país através da educação. Neste sentido, Freire
(1989, p.24) destaca que “É preciso, na verdade que a alfabeti-
zação de adultos e a pós-alfabetização, a serviço da reconstru-
ção nacional, contribua para que o povo, tomando mais e mais
a sua história nas mãos, se refaça na feitura da história”.
Assim, a metodologia utilizada no processo de ensino
aprendizagem dos adultos é partir dos livros didáticos chama-
dos de cadernos de cultura popular, um livro que aborda todos
os conteúdos e principalmente a realidade do país, os textos são
escritos com uma linguagem simples e de fácil compreensão. O
que se pretende com esses textos é que desperte nos educandos
a curiosidade crítica e não sejam lidos como uma leitura me-
cânica. Dessa forma, os materiais se caracterizam por serem
materiais desafiadores e não domesticadores.
A cultura é um fator essencial nesse processo de inde-
pendência e descoberta de um mundo novo, pois segundo Frei-
re os colonizadores diziam que os povos não tinham cultura,
mas segundo ele é uma afirmação errônea, pois todo povo tem
cultura. Porque a cultura está presente nos hábitos, costumes e
crenças religiosas de cada grupo. Assim, afirma Freire (1989,
p.42) “todos os povos têm cultura, porque trabalham, porque
transformam o mundo e, ao transforma-lo, se transformam”.
E a partir do respeito à cultura é que Freire visou tra-
balhar a educação de adultos em São Tomé e Príncipe, levan-
do em consideração os conhecimentos de mundo dos sujeitos.
Assim, destaca Freire (1989, p. 39) “Ninguém sabe tudo. Todos
nós sabemos alguma coisa” É neste sentido que “aproveitamos”
todos os conhecimentos sendo ele científico ou popular. Para
realizar o nosso trabalho em virtude de contribuir na constru-
ção da nova sociedade.
A ideias desenvolvidas por Freire, trazem fatores que
são fundamentais para desenvolver um trabalho no contexto

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histórico, social, político e educacional, pois a educação não


está desvinculada da política, assim com a teoria não se des-
vincula da prática. Dessa forma é praticando que se aprende
a praticar, é trabalhando que se aprende a trabalhar, enfim é
estudando que se aprende a estudar.
Considerações Finais
Em síntese, o autor nos mostra uma nova concepção
de ensino. Partindo sempre da realidade do educando e não do
educador, respeitando o conhecimento de cada um, sendo ele
científico, religioso ou popular. Enfatiza que o acesso ao conhe-
cimento deve estar disponível para todos.
Dessa forma, torna-se um ponto importante para re-
fletir e pensar, que só haverá uma sociedade, justa e igualitária
quando nenhuma classe social explorar a força do trabalho da
outra, pois para fazer uma sociedade nova, precisamos traba-
lhar, refazendo nossa história e continuar na luta.
Assim, o autor nos apresenta uma educação que visa
inserir o povo como sujeitos ativos e participativos na socie-
dade, para poder entender o mundo que nos rodeia, como nos
diz Freire precisamos conhecer melhor as coisas que já conhe-
cemos e conhecer outras que ainda não conhecemos.
Precisamos enfatizar a importância de uma educação
que estimule a colaboração entre o trabalho desenvolvido e
não a competição, uma educação que dê valor a ajuda mútua e
não ao individualismo, estimulando também o espirito crítico
e a criatividade dos sujeitos. Portanto, o autor esclarece que
partindo desses princípios básicos poderemos fazer um traba-
lho diferenciado e ressalta que o conhecimento não é estanque
ele precisa ser renovado, pois todo trabalho é fruto de um co-
nhecimento.
Referências:
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: Em
três artigos que se complementam. 23º.ed.São Paulo: Autores
Associados: Cortez, 1989.

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ENSINO DE FÍSICA PARA DEFICIENTES


VISUAIS: UMA ANÁLISE DAS POSSÍVEIS
CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA BIBLIOTECA
BRAILLE DE MANAUS

SOUZA, Flaviane Cristine Santos de1


PALMA, Francisco Rodrigo das Chagas2
Introdução
Hoje sabemos das grandes dificuldades dos alunos em
relação à aprendizagem na disciplina de Física, as pesquisas fei-
tas para elencar os principais fatos causadores dessa situação
são as mais diversas, destacamos um destes aspectos, dentre
tantos, citados frequentemente como um dos principais fatores
para esta situação: a má formação do professor.
Essa situação se torna ainda mais delicada quando
falamos em ministrar aulas de Física para pessoas com defi-
ciência visual. As dificuldades desta prática estão associadas a
diversos fatores, dentre os quais vamos nos direcionar ao mes-
mo problema mencionado acima, no caso, a formação docente.
Inquietados por essa questão e nos assumindo como
sujeitos de rupturas, decidimos buscar por locais que ofereces-
sem materiais didáticos voltados para deficientes visuais em
Manaus, com o objetivo de verificarmos quais contribuições
nós professores de Física poderíamos dar para este público em
relação a esta área do conhecimento. Escolhemos para loco da
1 Licenciatura em Física. Graduanda. IFAM. E-mail: Flaviane.cristine
@hotmail.com
2 Licenciatura em Física. Docente do ensino Básico. Seduc. E-mail:
Chagas.r@hotmail.com

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pesquisa a Biblioteca Braille de Manaus devido a sua grande


referência na cidade.
Por meio da pesquisa, verificamos que os educadores
em sua maioria acreditam que não há recursos didáticos dis-
poníveis para ministrar aulas de Física para deficientes visuais,
há uma falta informação e interesse desses professores em rela-
ção às contribuições possíveis de serem feitas, o que acaba por
culminar em uma um distanciamento do aluno em relação ao
conhecimento físico, negando-lhe a inclusão e limitando sua
autonomia.
Desenvolvimento
A pesquisa surge da necessidade de compreensão dos
sistemas de colaboração existentes na cidade de Manaus para
o melhoramento do ensino de Física para deficientes visuais.
Buscamos coletar informações úteis para a compreensão deste
processo, assim como para a reflexão sobre a necessidade desta
prática para a sociedade, partindo da premissa de que o profes-
sor é sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem para
diferentes grupos e classes sociais.
A pesquisa foi realizada na Biblioteca Braille de Ma-
naus, situada no bloco C do sambódromo (Centro de Conven-
ções). Para o processo de coleta de dados utilizamos um ques-
tionário de 15 perguntas abertas, que foi aplicado em forma de
entrevista a alguns dos responsáveis pelo setor administrativo
do local, sendo as informações registradas na forma de áudio
para posterior análise.

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Foto 1- Questionário

A biblioteca conta com um acervo de mais de 4 mil livros fala-


dos e em Braille voltados para diversas áreas de conhecimento
como Literatura, Matemática, Geografia, Física, Química, Bio-
logia entre outros.
O espaço conta com estúdios de gravação para livros
falados, impressoras para livros em Braille, computadores com
diversos softwares inclusivos, lupas eletrônicas, máquinas de
escrever em Braille, programas voltados para capacitação de
professores e alunos, cursos de música entre outros recursos e
atividades.
Deparamos-nos com uma biblioteca muito bem equi-
pada para auxiliar professores e alunos em diferentes formas
de produção e aperfeiçoamento, porém o que nos surpreendeu
foi a falta de procura pelos serviços oferecidos pela biblioteca,
tanto por professores das diversas áreas, como por alunos.
Averiguamos o acervo disponível na busca por mate-
riais das áreas de ciências exatas, mais especificamente na dis-
ciplina de Física e verificamos que há um acervo de 16 livros

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falados desta área na biblioteca, que segundo informações,


supri a necessidade das procuras, porem é um número muito
pequeno comparando ao acervo de livros voltados às ciências
humanas e outras áreas de conhecimento.
Iniciamos nossa entrevista perguntando se havia pro-
cura por livros de Ciências básicas, a responsável pelo setor ad-
ministrativo da biblioteca, Karen, nos respondeu que não, pois
o público que frequenta a biblioteca, geralmente são alunos de
Ensino Superior, onde a maioria, senão todos, são estudantes
na área das ciências humanas que não contemplam conteúdos
voltados para as ciências naturais.
Ela nos informou ainda que, a participação de crian-
ças nesse espaço não ocorre constantemente, pois crianças de-
ficientes visuais dependem da mãe ou de outras pessoas para
frequentar o espaço, o que acaba não ocorrendo com tanta fre-
quência.
Continuamos a entrevista com o diretor da Biblioteca,
Gilson Mauro Oliveira, que também é deficiente visual. Per-
guntamos a ele se essa era a única biblioteca para deficientes
visuais em Manaus e tivemos uma surpresa, pois segundo ele
há mais cinco espaços disponíveis na cidade para atender defi-
cientes visuais, são eles:
Espaço Localização
Biblioteca Municipal Rua Costa Azevedo, Centro, 216.
de Manaus Largo São Sebastião.
Escola Municipal Rua da Penetração,Vila Amazonas.
André Vidal Parque dez de Novembro
4 bibliotecas do Senai
Escola Estadual
Rua Lourival Muniz, Gloria.
Joana Rodrigues
Escola Estadual
Av.Noel Nutels, Cidade Nova 1.
Hilda Tribuzy
Gilson nos informou que estes espaços fazem partes
de um projeto chamado Rede de Leitura Inclusiva, que é um

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projeto da biblioteca Braille de Manaus, coordenado também


por ele, quem tem por objetivo implantar novas bibliotecas nos
demais municípios do Amazonas, os municípios contempla-
dos com o projeto são: Maués, Barreirinha, Rio Preto da Eva,
Careiro, Presidente Figueiredo, Nova Olinda do Norte, Itacoa-
tiara, Urucurituba e Parintins, onde cada município receberá
uma biblioteca para ser utilizada por sua população.
A difusão das bibliotecas inclusivas nos interiores do
Amazonas é o novo foco do projeto, pois na capital já contam
com espaços que suprem as necessidades dos usuários.
A Biblioteca Braile de Manaus atende principalmente
a necessidade de alunos das faculdades particulares da cidade.
Já os professores da rede pública de ensino, que necessitam de
informações e apoio em relação ao trabalho com alunos de-
ficientes visuais, recebem capacitações e apoio do Centro de
Apoio Pedagógico do Estado (CAP) e da Escola Municipal
André Vital, que são espaços direcionados ao atendimento
dos professores da rede Estadual e municipal de Ensino, res-
pectivamente. Estes centros foram criados com o objetivo de
oferecer capacitação pedagógica para professores e atender a
comunidade em geral.
Nesses espaços o professor pode ter contato com ma-
teriais e métodos de ensino direcionados para o ensino dos
deficientes visuais, assim como com linguagens, como libras,
braile, sorobã, informática adaptada e atividades culturais.
Em relação aos métodos para ensino, perguntado se
eram produzidos materiais táteis na biblioteca, relacionado ao
ensino de ciências ou a outras áreas, Gilson nos responde que a
biblioteca compra esses materiais prontos, e não os produzem
apesar de haver recursos para isso, pois entendem que ao faze-
rem isso acabam tirando essa função da escola.
Gilson acrescenta que, a confecção do material tátil
é um dever do professor juntamente com a escola, e a produ-
ção desses recursos deve ter como objetivo assegurar ao alu-
no uma melhor aprendizagem na disciplina para o qual ele foi

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desenvolvido. As opiniões expostas pelo diretor da biblioteca


concordam com Nunes e Rodrigues. (2011, P.49) quando men-
cionam que:
As escolas comuns precisam prever recursos e apoios
para atender as necessidades desses alunos (deficien-
tes visuais). Os professores precisam se preparar para
que possam desenvolver uma educação realmente de
qualidade e que atendam as exigências e particulari-
dades dos alunos que receberem e que precisem de
atenção especial.

Para oferecer tais recursos, a escola e os professores


devem estar capacitados, primeiramente para compreender
este processo e entender suas necessidades de colaboração, vi-
sualizar de forma clara seus papéis enquanto professor e escola
no que diz respeito ao trabalho inclusivo, para posteriormente
trabalhar com a produção desses materiais, direcionando-os
às necessidades específicas de cada aluno a ser submetido ao
ensino por meio deste. Segundo Frias e Menezes. (2009; p.14)
Para que o processo de inclusão possa ser direciona-
do ao atendimento eficaz dos alunos que apresentam
necessidades especiais, no atual modelo escolar brasi-
leiro, devemos repensar a escola e suas práticas peda-
gógicas, visando o beneficio de alunos e professores.

Beneficiar alunos e professores no processo inclusivo


se torna algo distante quando não temos por parte dos profes-
sores e mesmo da escola, a conscientização de sua responsabi-
lidade na inclusão de alunos com necessidades especiais, que
muitas vezes é visto como um empecilho a uma prática peda-
gógica já corriqueira por parte dos professores.
Esta falta de conscientização mencionada se explici-
tou nas palavras de Gilson quando o perguntamos se, em sua
opinião, o CAP consegue fazer a conscientização dos profes-
sores da rede Estadual, em resposta ele expos que: O CAP co-
labora com a parte do Estado, ministrando cursos de braile,
sorobã e libras.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A colaboração do professor, participando das capaci-


tações, é essencial para que ele conheça os recursos disponíveis
e se conscientize que é possível levar e fazer uma educação com
qualidade para esses alunos e acima de tudo contribuir para
sua própria prática, quando necessário.
Por exemplo, nós temos poucos livros de Química e
Física, mas temos estrutura para receber estes professores, para
que pudessem estar aqui lendo livros de suas áreas, gravando
estes livros em áudio, tudo isso é trabalho inclusivo, porém
falta colaboração e informação a respeito da possibilidade de
contribuir com tal prática. Tudo isso é trabalho de reflexão do
professor no seu cotidiano, na sua vivência e da verificação
de suas necessidades de contribuição com sua prática e com a
educação forma geral. Segundo CRUZ (2009, p.01)
Há desconhecimento das possibilidades e limitações
dos diversos tipos de atividade de ensino. Quando
esse desconhecimento é resultado de falta de preparo
pedagógico ele pode até ser reparado, bastando para
isso o professor ter perseverança e vontade de progre-
dir para mudar essa situação. Todavia, se for resulta-
do de acomodação pessoal ou da persistência em não
adotar novas alternativas, é aconselhável que mude de
profissão.

Segundo o autor, a necessidade do conhecimento e


colaboração com os novos e diversos tipos de atividades de
ensino são intrínsecos à profissão do professor, por isso quan-
do conscientes de nosso papel junto à formação de cidadãos
críticos e atuantes, é necessário que colaboremos com nossa
prática, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária,
oferecendo educação e ensino de qualidade a todos, indepen-
dente de suas limitações e necessidades.
Concluímos a entrevista perguntando ao Diretor que
aspecto contribuiria para melhorar a educação das pessoas
com deficiência visual neste momento na cidade de Manaus? E
ele nos respondeu: A conscientização dos professores. Os pro-
fessores tem que entender que eles são a parte mais importante

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do processo, pois se eles não se adaptarem às necessidades das


pessoas com deficiência visual, a educação vai continuar pela
metade, então nós enquanto educadores, temos que trabalhar
para conscientiza-los.
Todas as pessoas podem contribuir com o acervo da
Biblioteca, basta escolher um livro da sua área e entrar em con-
tato com os responsáveis para informar que tem interesse em
gravar um livro falado, o interessado receberá as instruções de
como realizar a leitura e, de acordo com o horário disponível
do ledor, serão realizadas as gravações. Esse tipo de contribui-
ção simples garante o acesso dos alunos com deficiência visual
à educação científica de maneira igualitária, afirmando sua in-
clusão e autonomia que lhe é de direito na sociedade.
Conclusões
A análise e reflexão sobre a contribuição dos profes-
sores em relação ao ensino de Física para deficientes visuais
em Manaus nos levou às seguintes conclusões: Verificamos que
existe a oferta de materiais e espaços reservados para atender
esse público, mas faltam colaborações dos profissionais da área
e acima de tudo, faltam informações sobre as possibilidades de
contribuição.
A formação do professor influencia diretamente na
falta de materiais disponíveis para o público deficiente visual,
o desconhecimento dos espaços inclusivos e a falta de capaci-
tação dos professores para lidar com alunos deficientes visuais
é resultado de uma práxi que limita aluno e professores, e cul-
mina em uma educação pela metade para essas pessoas, como
mencionado pelo entrevistado, onde a reflexão é deixada de
lado em função de uma limitação maior, relacionada à escola e
professores e não ao aluno em si.
Enquanto pessoas e profissionais, não podemos lutar
por uma educação mais justa e igualitária se negamos o direi-
to desses alunos à educação, dificultando e criando barreiras
em um espaço que deveria ser democrático, dessa forma nos

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tornamos tão falsos quanto quem pretende estimular o clima


democrático na escola por meios autoritários.
Portanto é preciso conscientizarmo-nos de nosso pa-
pel transformador na sociedade e com nossa prática, propor-
cionar a estes alunos a educação e a inclusão que lhes é de di-
reito, por meio das possibilidades existentes para isso em nossa
cidade.
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REPRESENTAÇÃO FREIRIANA: DESAFIOS DE


UMA PRÁTICA PEDAGOGICA NA EDUCAÇÃO
NÃO FORMAL

ROCHA, Ana Amélia da Silva1


OLIVEIRA, Gerilúcia Nascimento de2
NAVEGANTE, Polyana Milena Barros3
Introdução
O foco deste artigo são as construções dos processos
de aprendizagens em processos sociais coletivos e participa-
tivos, onde a participação do indivíduo em agregar conheci-
mentos não se dá em estruturas formais de ensino escolar, mas
em espaço não formal. Focalizando as contribuições pedagó-
gicas que se concretiza em um espaço não formal, superando
as deficiências de aprendizagens e despertando interesse dos
indivíduos pela preservação do meio ambiente, estabelecendo
diálogos com a educação popular de Paulo Freire identificando
os três elementos da representação freiriana – diálogo, cons-
cientização e libertação.
A facilidade que o ensino em espaços não formais nos
estimula a perceber a realidade da vida que nos cerca de acordo
que é representada. Segundo Almeida & Fachín-Terán (2011,
p. 03),
1 Pós graduando em Educação Ambiental e Sustentabilidade. Estu-
dante. Universidade Candido Mendes. anarocha_bio@hotmail.com
2 Mestranda em Educação e Ensino de Ciência na Amazônia. Es-
tudante. Universidade do Estado do Amazonas. gerilulu@hotmail.
com
3 Mestranda em Educação e Ensino de Ciência na Amazônia. Estu-
dante. Universidade do Estado do Amazonas. filhos-vida@hotmail.
com

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Os espaços não formais têm se tornado uma impor-


tante estratégia para a educação cientifica e constru-
ção do conhecimento, já que as escolas por si só não
são capazes de educar cientificamente e transmitir
todo o conhecimento cientifico ao aluno, sendo assim
esses espaços se tornam de fundamental importân-
cia no ensino-aprendizagem dos mesmos. As aulas
em espaços não formais favorecem a observação e a
problematização dos fenômenos de uma forma mais
concreta.

Tomando esse sentido, o conhecimento da fauna ama-


zônica é indispensável na formação de cidadãos, visando à res-
ponsabilidade da conservação desses ambientes.
A aplicação da metodologia diversificada que agucem
a curiosidade e o interesse do aluno no sentido que permita a
aprendizagem direta com que se quer aprender, promoverá a
construção do conhecimento na pratica. Neste contexto, apro-
veitam a importância da utilização de aulas nos meios não for-
mais, nas quais a convivência do aluno no ambiente natural.
Para Rocha (2008, p. 62), a alfabetização científica é
desempenhada muito bem pela escola, “porém, ela não é capaz
de fazer isso sozinha, uma vez que, o volume de informação é
cada vez maior, por isso a importância de uma parceria desta
com outros espaços onde se promove a educação não-formal”.
A importância de agregar os espaços formais a não formais
incorporando atividades paralelas como parte do processo de
ensino aprendizagem, trabalhando os conteúdos de abordados
na sala de aula e vivenciando esse conteúdo em um laboratório
de ensino.
Claramente destacamos que a educação não formal
contribui nitidamente para o sucesso escolar dos indivíduos,
porém precisamos destacar que é preciso frisar que o desen-
volvimento integral não somente é de responsabilidade do en-
sino tradicional. Segundo Klug, Ferreira e Gross (2010, p. 46)
destacam que a educação é uma prática socialmente politizada
e que neste sentido: “As leituras pertinentes propiciaram um

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pensar mais abrangente sobre o ato educativo, compreendendo


que a educação pode ser um ato de transformar ou somente
reproduzir.” Fortalecendo a idéia de que a grande contribuição
da educação para o individuo é o poder da transformação e
não somente de reprodução do que se aprende na sala de aula.
Porém nos últimos séculos o ensino se mostra o modelo de
reprodução, apenas reproduzir uma sociedade individualista,
competitiva, com sua grande valoração em detrimento do pro-
cesso de agregação de conhecimento visando os menos capaci-
tados, que não consegue seguir valores que a sociedade impõe.
Nesse sentido, Freire (1997, p. 49) afirma:
É uma pena que o caráter socializante da escola,
o que há de informal nas experiências que se vive
nela, de formação ou deformação, seja negligencia-
do. Fala-se quase que exclusivamente do ensino dos
conteúdos, ensino lamentavelmente quase sempre
entendido como transferência do saber. Creio que
uma das razões que explicam este descaso em torno
do espaço-tempo da escola, que não seja a atividade
ensinante, vem sendo uma compreensão estreita do
que é educação e do que é aprender. No fundo, passa
despercebido a nós que foi aprendendo socialmente
que mulheres e homens, historicamente, descobriram
que é possível ensinar. Se estivesse claro para nós que
foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar,
teríamos entendido com facilidade a importância das
experiências informais nas ruas, nas praças, no traba-
lho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos re-
creios, em que variados gestos de alunos, de pessoal
administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios
de significação.

A conscientização da prática não é resultante da ação


consciente dos oprimidos da classe explorada pela luta da sua
libertação. Por outro lado ninguém conscientiza ninguém. O
educador versos seus alunos concretizam o movimento dialé-
tico entre a reflexão crítica do antes e do subsequente no pro-
cesso de luta (FREIRE, 1992, pp 109-110). Nessa conjectura, a

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Educação popular é vista como fonte de produção do conhe-


cimento altamente carregada de intencionalidade. A educação
deixa de ser vinculada somente à transmissão de saberes e passa
a ser ato político (FREIRE, 2003). A constituição educativa do
projeto resgatado a concepção da educação universal humana
na formação do sujeito em suas múltiplas potencialidades na
busca de um sujeito integral.
A aprendizagem ocorre em vários lugares e de várias
formas, é adquirida ao longo da vida dos cidadões. Conforme
Gohn (2006), divide-se a educação em três diferentes formas:
educação formal que é aplicada nas escolas; educação informal
transmitida de formas naturais e espontâneas; e educação não
formal, que ocorre quando existe a intenção de determinados
sujeitos em criar ou buscar aprendizados fora da instituição
escolar. Destacamos este último, os espaços não formais, que
são locais potencialmente relevantes para contribuir de forma
somatória na educação tradicional.
Para Jacobucci (2008) espaço não formal é todo aque-
le espaço onde pode ocorrer uma prática educativa. Podemos
exemplificar: museus, jardins, zoológicos, parques, praças,
bosques, etc.
Enfatizando duas categorias de espaços não formais:
os institucionalizados e os não institucionalizados. Nos insti-
tucionalizados podemos citar esses espaços como regulamen-
tados, organizados e bem preparados pra receber seus visitan-
tes. Podemos exemplificar como sendo: Museus, Centros de
Ciências, Parques Ecológicos, Jardins Botânicos, Institutos de
Pesquisa, dentre outros. Os espaços não institucionalizados,
são espaços de livre acesso que não dispõem de uma estrutura,
usado muitas vezes para práticas educativas e visitas informais.
Citando: pontes, ruas, cavernas, dentre outros espaços.
Nessa perspectiva, o local escolhido para execução do
projeto foi o Parque Municipal do Mindu, que foi criado pela
Lei no. 219 de 11 de novembro de 1993, localizado no muni-
cípio de Manaus no bairro parque 10 de janeiro, apresentando

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como uma das áreas prioritárias de potencialização da conecti-


vidade das áreas protegidas deste município. Visando na cons-
cientização e preservação do meio ambiente, buscando incen-
tivar a multiplicação dos saberes adquiridos em um laboratório
vivo pelos freqüentadores do parque.

Figura 01 : Parque Municipal do Mindu.


Fonte : Ana Amélia Rocha 2015

Tornando para o visitante um passeio relaxante ao


caminhar pela floresta permitindo contato a flora e fauna do
local pelas trilhas suspensas na altura das copas das árvores da
uma dimensão diferente a essa atividade. Facilitando seu en-
tendimento por possuir sinalizações sobre as espécies vegetais
e animais existentes na área e peculiaridades do ecossistema.
Possuindo dez trilhas interpretativas onde os visitan-
tes têm um contato com a natureza. As trilhas recebem os se-
guintes nomes: Trilha Margareth Mee; Trilhas das Palmeiras;
Trilhas das Bananeiras; Trilha do Sauim-de-Coleira; Trilha
da Cachoeira; Trilha do Baixio; Trilha do Buritizal; Trilha das
Nascentes; Trilha da Selva e Trilha Suspensa. A Trilha das Pal-
meiras foi adaptada aos portadores de necessidades especiais e
hoje se chama Trilha da Vida.

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Figura 02 : Trilha da vida


Fonte: Ana Amélia Rocha 2015

A formação por diversificada flora, sendo suas carac-


terísticas principais os vários tipos de ecossistemas, com flo-
resta densa, chegando a 58% da área composta com espécies
emergentes e primárias de baixios.
Além disso, o espaço ecológico é formado por um or-
quidário onde são cultivadas as principais orquídeas e bromé-
lias encontradas nos diversos ecossistemas da Amazônia. Re-
presentando um dos maiores grupos, em média 25 mil espécies
distribuídas em 725 gêneros.
Das trilhas suspensas podemos observar as águas do
Igarapé do Mindu, onde nascem no Parque Municipal das Nas-
centes do Mindu no bairro Cidade de Deus e aproximadamente
22 quilômetros pela cidade de Manaus, de leste ao centro-oeste
até desembocar no igarapé de São Raimundo e posteriormente

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no Rio Negro. Nesse trajeto passa pelo Parque com suas águas
escuras, em alguns trechos suas águas são tranqüilas e em ou-
tras, são agitadas dando a impressão de pequenas cachoeiras.

Figura 03: Igarapé do Mindu


Fonte: Ana Amélia Rocha 2015

Em suas matas, a fauna silvestre se destaca com a


predominância em estado selvagem em grupos ou individuais
isolados de várias espécies como os bichos-preguiça, esquilos,
cutias, tamanduás, mucuras, jacarés, iguanas e dezenas espé-
cies de aves residentes, migrantes e perambulantes.
O Parque prioriza a preservação da espécie Sauim-de-
-Colera (saguinus bicolor), endêmico das matas, como as ma-
tas de Manaus, Itacoatiara, Rio Preto da Eva e suas redondezas.

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Figura 04 : Sauim-de-Colera
Fonte: http://acritica.uol.com.br/amazonia/Mobilidade-urbana-pessoas-
animais_0_1013298676.html

Portanto, os visitantes podem visualizar os Saium-de-


-Coleira com famílias inteiras passando pelos galhos e troncos.
Essa espécie está na lista dos animais sob risco de extinção.
Lugar perfeito pra as contribuições, facilitando a
execução deste trabalho. Objetivando superar deficiências de
aprendizagens e despertar o interesse pela busca do conheci-
mento e multiplicação do saber, valorizando as situações do co-
tidiano. Concedendo aos alunos como atuante no processo de
construção do conhecimento. Sensibilizando os alunos, através
de conversas informais, utilizarem de informações cientifica
para preservar o meio ambiente. Promovendo a percepção das
relações entre a qualidade ambiental com a saúde e o bem está
individual utilizando as trilhas como estimulo a caminhada.
Desta forma o trabalho em parceria com os espaços
não-formais, torna-se ainda mais significativo na educação do
cidadão. Portanto reiteramos que esse espaço possibilita uma
formação mais integral, com ganhos na aprendizagem e esti-
mulo a preservação do meio ambiente, na formação de valores

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e atitudes, além de desenvolver a sociabilidade. Agregando a


troca de saberes promovendo a educação exemplificada com a
realidade que vivemos.
Metodologia 
A metodologia que abordamos foi caracterizada qua-
litativa. Dividimos em três momentos, no primeiro momento
visitamos o Parque Municipal do Mindu e exploramos suas
dependências, observando os espaços adequados de melhor
exemplificação aos alunos os seus questionamentos.
No segundo momento acompanhamos alunos visi-
tantes ao Parque e observamos seus questionamentos e opi-
niões sobre os temas abordado por sua professora buscando
identificar os três elementos da representação freiriana – diá-
logo, conscientização e libertação. Essa visita proporcionou
aos alunos um ambiente prazeroso de aprender e fazer ciência.
Tornando a aprendizagem uma experiência motivadora des-
pertando interesse pela preservação da natureza. Em conversa
de roda, socializamos com os alunos e sua professora discu-
tindo no próprio ambiente o que tiveram por base os conhe-
cimentos dentro dos conteúdos abordados e que ao longo da
pesquisa foram ampliados.
No terceiro momento em uma conversa informal com
a professora e o que observamos desta aula caracterizamos na
totalidade do que foi contribuído para o aprendizado no que
diz respeito a relação com a educação não formal e a educação
popular proposta por Paulo Freire onde há uma perspectiva
dialética de educação e conscientização estabelecendo um pro-
cesso contínuo de formação e consciência gerando a prática
individual para a liberdade.
Resultados e Discussão 
Neste trabalho o grau de importância que enfatiza os
pensamentos do educador Paulo Freire buscando identificar os
três elementos da representação freiriana – diálogo, conscien-

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tização e libertação onde nos proporcionou o aprendizado de


uma proposta educadora que não se limita somente no con-
texto escolar, favorecendo a necessidade de agregar o conhe-
cimento exposto na sala de aula com a vivência participativa
no espaço não formal. Fato esse que destaca a crescente luta de
vários educadores pela garantia e apoio para se proporcionar
aulas em espaços não formais de qualidade e democrática no
ensino.
Contudo, as atividades realizadas pelas professoras
envolvidas neste artigo possibilitaram a compreensão da ne-
cessidade promovermos uma educação pautada no respeito e
no compromisso de preservação dos nossos espaços naturais.
Este estudo destinou-se a obter informações de for-
ma a perceber quais os desafios de uma prática pedagógica na
educação não formal segundo Paulo Freire, promovendo a im-
portância de se apoiar a participação e interesse das escolas no
Parque. Processando a socialização dos alunos com a vivência
ao museu vivo facilitando seu aprendizado.
Buscamos analisar que as aulas nos espaços não for-
mais, quando formulada e direcionada terá um resultado de
forma muito bem aproveitada, o que é esperada pelos educado-
res que agregam a ideia do projeto Escola no Parque. Atenden-
do as expectativas do professor e, consequentemente, do aluno.
Facilitando o trabalho do professor que poderá em
apenas uma visita ao Parque Municipal do Mindu com seus
alunos explanar diferentes conteúdos, já que a apresentação
dos temas ocorre de forma naturalmente correlacionada.
É de grande importância destacar que alguns te-
mas são essências em qualquer série do ensino fundamental,
como  água, solo, vegetação, animais silvestres, preservação
por exemplo, são abordados em uma única visita. Sugerimos
as aulas não-formais podem até ser mais completa que as au-
las formais, dependendo dos livros adotados pelo professor ou
mesmo da forma como a aula é ministrada. É essencial que as
aulas nos espaços não-formais não ocorram sem um bom pla-

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nejamento prévio, devendo ser estruturada para alcançar seus


objetivos.
Observamos, de modo geral, que os alunos participa-
ram com muita dedicação na realização das atividades propos-
tas por sua professora, fazendo anotações de suas observações
e muitos questionamentos sobre aquilo que lhes despertavam
curiosidades ou sobre as informações das placas informativas
que não conseguiam entender. Indagando muitas vezes quan-
do seria uma nova visita. Demonstrando que quanto ás ativi-
dades propostas e realizadas pela professora, fizeram perceber
que as atividades foram realizadas com alegria, dando ênfase
na promoção de parcerias entre as escolas e o espaço não for-
mal de ensino, pois facilitam o aprendizado pela observação e
problematizarão dos fenômenos naturais.
Destacamos que a integração dos alunos e satisfação
de está vivenciando o que foi estudado na sala de aula foi feita
de modo muito positivo e os professores que optam por con-
cluírem suas aulas no espaço não formal tem como resposta a
efetivação do conhecimento adquirido pelos seus alunos este-
jam correspondendo ao esperado, contribuindo para isso com
a sua atitude, prática e formação, acreditando nos benefícios
que esta vivência contribui aos alunos e ao Ensino Formal.
Portanto, podemos concluir que a visita ao Parque
Municipal do Mindu se deu em estratégias relevantes carac-
terizando o ensino em ciências em vários aspectos. Possibili-
tando aos alunos observar a fauna silvestre em suas matas, em
estado selvagem em grupos ou individual como bichos pre-
guiças, cutias e outros. Estando em contato com fauna e flora
observando relação existente favorecendo a construção de um
valor necessário da realidade atual.
Uma formação de multiplicadores da preservação da
natureza, à medida que percebem a existência de uma relação
de interdependência entre os seres. Motivando os alunos a se
interessarem mais pelo conhecimento científico e desenvolver
comportamentos e posturas necessárias para se fazer ciência

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como: observação, registro, curiosidade, formulação de hipó-


teses, questionamentos, etc.
Conclusões 
A conclusão que temos da educação aplicada no espa-
ço não formal enfatiza do suposto que a educação é um conjun-
to de somatória que inclui a articulação entre educação formal
– recebida na escola, a educação não informal – assimilada no
meio onde vive, pela família, religião e a não formal - aplicada
em espaço institucionalizado ou não institucionalizado. A edu-
cação não formal é de grande agregação do saber na medida
em que atua no campo que os indivíduos atuam, produzindo
idéias e saberes via compartilhamento de experiências e vivên-
cias.
Formalizando as visitas a um espaço não formal, es-
pecificamente ao Parque Municipal de Manaus, localizando
no município de Manaus, apresentando uma área prioritária
de potencialização da conectividade das áreas protegidas do
município. Podemos dizer que o planejamento bem elaborado
e antecipado da atividade é imprescindível para o sucesso de
estratégias que usam o espaço não-formal como um recurso
para o Ensino educacional dos alunos do Ensino Fundamental
e médio. A organização e o planejamento prévio da aula pelo
professor possibilitam dentre outras coisas, a prevenção de in-
cidentes que preocupam os professores que ousam aplicar suas
aulas em espaços não formais. (desaparecimento os alunos,
acidentes, etc.).
Considerando que ao organizar uma visita ao um es-
paço não formal se enfatiza os três momentos de suma impor-
tância, formalizando assim uma aula preparada pra ser exe-
cutada, que citamos a preparação, execução e encerramento.
Aproveitar ao máximo o potencial educativo do espaço e da
visita e a segurança do professor por saber o que, como e por-
que estão realizando aquela atividade.
A organização desse professor enfatizando os três
momentos citados favorece a execução da atividade proposta

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comprometendo os alunos a participar plenamente da visita,


pois, sabem os objetivos de estarem realizando aquela ativi-
dade porque participaram de sua elaboração no momento da
preparação. Favorecendo o aprendizado coletivo com as execu-
ções das tarefas que precisam cumprir realizam-nas com pra-
zer e alegria por estarem aliando aprendizagem e lazer numa
mesma atividade.
Nossas experiências concluem nessa pesquisa e nos
permite dizer que o planejamento e a preparação previam dos
alunos, formalizando uma aula exposta em um museu vivo,
permitindo o uso no espaço não formal como um relevante
recurso para o ensino e aprendizado, aliando as característi-
cas peculiares do espaço não formal com a intencionalidade da
educação formal.
A dedicação e a organização com seu planejamento
proporcionam ao professor a habilidade e conhecimento para
explorar o potencial pedagógico do espaço não-formal. No en-
tanto, os alunos por estarem em um lugar diferente daqueles
que os estudantes freqüentam cotidianamente os deixa mais
entusiasmados, curiosos, participativos e interessados na aula
desenvolvida na visita e mesmo no encerramento da atividade
na sala de aula.
Nossa pesquisa evidenciou que os espaços não for-
mais enfatizam com ganhos cognitivos em aspectos gerais das
visitas, podemos dizer que o planejamento mostrou-se funda-
mental para o sucesso deste trabalho.
Enfatizamos a necessidade da parceria dos espaços
formais com os não formais, facilitando tanto ao trabalho
do professor como a agregação do conhecimento dos alunos.
Oportunizando a ampliação do seu público e de que os pro-
fessores ajudem a criar uma cultura de visitação dos espaços
não formais como um elemento importante da ampliação da
cultura científica.
A interação desses espaços se destaca como uma im-
portante função no processo de ensino aprendizagem, pois suas

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características peculiares podem ajudar no processo da educa-


ção formal, interagindo com o saber da realidade do educando.
Os espaços não formais proporcionam o aprendizado dos alu-
nos quanto a teoria e a prática se tornam realidade, com ganho
cognitivo e cientifico, envolve também o afetivo e o sensorial.
Essas experiências se mostraram significativas e fo-
mentaram uma nova analise em relação à preservação do pla-
neta e o cuidado com a vida, tornado os alunos multiplicado-
res de saberes adquiridos, aguçando esses alunos na busca de
novos conhecimentos. A importância de conhecer o porquê de
preservar o meio que vivemos e construindo nesses saberes a
importância do respeito à vida e ao meio natural.
Esperamos que a proposta apresentada da importân-
cia de exploração em busca do saber trazendo a escola ao par-
que enfatizando o diálogo aberto entre alunos e educadores,
a conscientização da importância de conhecer pra preservar e
liberdade de expressão e comunicação entusiasme os profes-
sores do ensino fundamental e médio para que utilizem mais
dessas aulas não formais no seu planejamento, a fim de motivar
e melhorar a qualidade ensino.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A COLOBORAÇÃO DA INTELIGIÊNCIA
CULTURAL NA EDUCAÇÃO POPULAR SOBRE
A PERPESCTIVA DA TERTÚLIA LITERÁRIA
DIALÓGICA

AZEVEDO, Haiully Valdez de 1


PESSOA, Jéssika França 2
RODRIGUES, Eglen Silvia Pipi 3
INTRODUÇÃO
Dentro do contexto da Educação Popular, na perspec-
tiva de Paulo Freire (1921-1997) sobre os sujeitos situados à
margem da sociedade do capital, compreendemos que as clas-
ses populares são detentoras de saberes não valorizados, histo-
ricamente excluídos do conhecimento acumulado pela socie-
dade, e nessa direção, assumimos também que:
A relevância de se construir uma educação a partir
do conhecimento do povo e com o povo provocando
uma leitura da realidade na ótica do oprimido, que
ultrapasse as fronteiras das letras e se constitui nas
relações históricas e sociais. Nesse sentido, o oprimi-
do deve sair desta condição de opressão a partir da
fomentação da consciência de classe oprimida (MA-
CIEL, 2011, p. 328)

Abordar saberes não valorizados e excluídos bem


como considerá-los no processo educativo é um dos aspec-
1 Graduação em Letras. Bolsista PET. Universidade Federal do Mato
Grosso/Rondonópolis. E-mail: avalldez@gmail.com
2 Graduação em Letras. Bolsista PET. Universidade Federal do Mato
Grosso/Rondonópolis. E-mail: jessikapessoa@hotmail.com
3 Pedagogia. Docente. Universidade Federal do Mato Grosso/Rondo-
nópolis. E-mail: eglenrodrigues@gmail.com

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tos centrais da Aprendizagem Dialógica (Flecha, 1997), sob a


forma definida como um de seus sete princípios: a Inteligência
cultural. Neste trabalho serão discutidos os conceitos que en-
volvem a inteligência cultural dentro da concepção da Apren-
dizagem Dialógica, colocada em ação dentro de uma atividade
Tertúlia Literária Dialógica. A seguir, a estrutura apresenta os
fundamentos dessas discussões e reflexões sob o ponto de vis-
ta de alunas de licenciaturas dos cursos de pedagogia e letras/
português, bolsistas do grupo PET Educação Interdisciplinar.
Inicialmente o conceito de Aprendizagem Dialógica, o princí-
pio da Inteligência Cultural, a atividade de Tertúlia Literária
Dialógica e, finalmente, a partir das articulações da teoria na
prática, algumas reflexões possíveis.

A Aprendizagem Dialógica

Aprendizagem Dialógica diz respeito a uma forma de


conceber a aprendizagem considerando a diversidade, as trans-
formações sociais e culturais na sociedade atual, e uma educa-
ção de qualidade e igualitária para todas as pessoas (FLECHA,
1997). O conceito de Aprendizagem Dialógica, elaborado pelo
Centro de Investigação em Teorias e Práticas de Superação de
Desigualdades – CREA, se apresenta estruturado por sete prin-
cípios fundamentais (CADERNO DE FORMAÇÃO, 2014) que
devem ser considerados e praticados em todas as relações que
se apresentam à comunidade escolar, dentro e fora da sala de
aula.
O primeiro deles é o Diálogo Igualitário. O Diálogo é
condição primordial para a construção de conhecimento, é um
processo interativo mediado pela linguagem. Para ser de fato
Igualitário, precisa acontecer de maneira horizontal, ou seja, é
necessário que garanta que todos os participantes do diálogo
estejam em situação igualdade de condições, em igualdade de
direito de fala e de escuta respeitosa. Esse princípio confere à
atividade educativa uma nova maneira de estabelecer-se: o que

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vale a partir deste modelo é a força que tem cada argumento e


não o poder que ocupa a pessoa que o apresenta. Dessa forma,
o processo pode proporcionar a construção de uma postura
crítica, na medida em que é possível então conhecer o pensa-
mento de do outro. Pode assim contribuir para a democratiza-
ção da organização do centro educativo.
A Criação de Sentido é outro princípio estruturante.
Compreendemos a (re)Criação de Sentido na perspectiva de
que, no diálogo, as contribuições das pessoas tenham o mesmo
valor, suas diferenças culturais sejam tratadas de modo iguali-
tário. Dessa forma é possível prover confiança ao aluno/a, de
forma que ele sinta sua identidade valorizada pela escola, fun-
damentalmente nas relações de aprendizagem.
A Dimensão Instrumental diz respeito às aprendiza-
gens consideradas fundamentais para as relações humanas,
tais como o diálogo e a reflexão, mas também e principalmen-
te daquelas aprendizagens essenciais para a inclusão das pes-
soas na sociedade atual, ou seja, o conhecimento escolarizado.
Reconhecemos nesse contexto que o acesso ao conhecimento
instrumental, científico e escolarizado é essencial para ação e
movimentação das pessoas no mundo atual. Somente por meio
desse conhecimento é possível alcançar cidadania e realizar
transformações.
Outro princípio estruturante é a Transformação, que
está relacionado com as possíveis mudanças que podem ocor-
rer nas pessoas e nos contextos em que vivem, além do espaço
escolar. Nesse sentido, a maneira de aprender, desenvolvida a
partir do diálogo igualitário, acaba por transformar as pessoas,
a partir do conceito que elas têm de si mesmas, e das institui-
ções em que vivem. A escola, nesta perspectiva, também passa
a ser transformadora. Assim, a aprendizagem compreendida
como ação transformadora é aquela que modifica as dificulda-
des em possibilidades.
É preciso considerar também que a sociedade atual,
ao favorecer e alimentar o individualismo, também desfavo-

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rece relações pautadas na ajuda mútua, no apoio à aprendiza-


gem. Portanto, a Solidariedade é um princípio que precisa ser
constantemente estimulado e desenvolvido nas interações que
permeiam as situações de aprendizagem escolar e convivência.
Aprender com o(s) outro(s) envolve relações pautadas em sen-
timento de solidariedade, de perceber o(s) outro(s), de ajudar
o(s) outro(s) na aprendizagem, e assim poder perceber que
aprendemos melhor quando todos somos solidários uns com
os outros quando é preciso.
A Igualdade de Diferenças é um princípio que diz res-
peito à igualdade real, na qual todas as pessoas têm o mesmo
direito de ser e de viver de forma diferente e, ao mesmo tempo,
ser tratadas com respeito e dignidade. É preciso destacar que,
não existe a intencionalidade de busca de uma igualdade para
a homogeneíza a diversidade desigual, mas que possa propor-
cionar os mesmos resultados a todos, a despeito das diferenças
sociais e culturais. A construção das relações de comunicação
voltadas à aprendizagem possibilitam a (re)criação de sentido,
tendo em vista que um dos problemas nas escolas atualmente
é a desmotivação e falta de interesse na participação nas aulas
e na aprendizagem.
Nesse trabalho destacamos o princípio da Inteligência
Cultural, tendo em vista importância da necessidade da valo-
rização de saberes populares como ação indutora do processo
estruturante de criação de sentido e transformação social.
A Aprendizagem Dialógica concebe o processo edu-
cativo dentro de um modelo pautado fundamentalmente na
dialogicidade nas relações, porque se aprende junto, se apren-
de com o outro. Relações dialógicas envolvem ou tem como
consequências diversos aspectos que impactam no processo
educativo como elemento de construção de pessoas mais re-
conhecidas na sua individualidade e na sua diversidade, para
isso resgatando e valorizando os conhecimentos não escola-
rizados. Nesse contexto situamos o princípio da Inteligência
Cultural.

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A Inteligência Cultural
Saberes da cultura popular são registrados na história,
desde a formação das sociedades primitivas. As nações indí-
genas que habitavam o território brasileiro anteriormente ao
descobrimento, por exemplo, já haviam desenvolvido diversos
saberes necessários aos desafios de sobrevivência frente à ta-
manha adversidade e diversidade de fauna e flora.
De acordo com Silva (2014),
O conhecimento construído pelas classes populares é
rico em vivências. Esses conhecimentos são alicerça-
dos na transformação constante da realidade vivida,
ou seja, são conhecimentos construídos dialetica-
mente e fundamentados na práxis humana. Porém, a
compreensão do mundo a partir da compreensão dos
grupos populares é desvalorizadas e não considerada
como um conhecimento da realidade que expresse as
generalidades e as especificidades do conhecimento
designado como importante pela classes social domi-
nante. Esse conhecimento é desvalorizado e conside-
rado menos importante (SILVA, 2014 p. 28).

Ao considerar a formação das sociedades coloniais no


Novo Mundo, observamos como estratégia de dominação cul-
tural a desqualificação radical de todos os saberes dos inúmeros
povos originários do nosso continente, assim como também
foi com os povos africanos que aqui aportaram no período de
colonização como escravos. Segundo CARVALHO (2007),
O horizonte de justificativa moral da colonização e
da escravidão foi justamente repetir incessantemente
que os indígenas e os negros eram ignorantes, inca-
pazes, incultos, embrutecidos. Pior ainda, que desco-
nheciam as formas “superiores” de cultura, que não
tinham arte sofisticada, que não haviam desenvolvido
conhecimento científico; que eram supersticiosos em
lugar de religiosos e que suas formas de espiritualida-
de eram inferiores, primitivas, fetichistas, animistas,
daí a necessidade de sua conversão (forçada, clara-

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mente) ao catolicismo e a coetânea repressão, que du-


rou séculos, de suas formas tradicionais de religião e
de espiritualidade (CARVALHO, 2007).

Como séculos de colonização e de um processo de


aniquilamento cultural não eurocêntrico portanto temos prá-
ticas sociais que embora utilizem em seu dia a dia um conjunto
de saberes importantes, ainda assim não são valorizados. Tais
práticas tem como consequência elementos de segmentação
social, indutoras de processos de segregação ou de discrimina-
ção, autolegitimadas em função de um modelo de dominação
cultural e econômica. Não somente saberes são desprezados,
mas também aqueles que os detêm. Portanto, a indução ao sen-
timento de incapacidade gerada pelo sentimento de inferiori-
zação social tem também várias consequências, em diversos
campos, sendo um deles a educação.
Nessa direção, o princípio da Inteligência cultural pro-
põe um caminho de volta. Ele baseia-se na premissa de que
todas as pessoas têm as mesmas capacidades para participar
de um diálogo igualitário, por compreender que elas são de-
tentoras de saberes e que cada saber tem sua importância, não
relativizada, mas importante para toda a sociedade.
Compreende-se fundamentalmente que cada ser hu-
mano como detentor de outras inteligências além da inteligên-
cia acadêmica: a inteligência prática e a inteligência comuni-
cativa. A inteligência prática está relacionada à resolução de
problemas da vida cotidiana, incluindo as formas de resolução
que são aprendidas pela observação dos outros e aquelas que
se adquirem através da própria ação, enquanto que a comuni-
cativa está relacionada com o diálogo para resolver problemas
que, a princípio, não são possíveis de serem resolvidos sem a
ajuda de outra pessoa.
Dentro desse contexto apresentamos a seguir a Tertú-
lia Dialógica Literária, uma atividade que envolve a prática de
leitura mediada por interações pautadas dentro dos princípios
da Aprendizagem Dialógica até aqui apresentados.

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Tertúlia Literária Dialógica


A Tertúlia Literária Dialógica é uma atividade criada
em 1978 na escola de adultos de La Vernerda de Sant Martí em
Barcelona, Espanha, na forma de encontros de leitura media-
dos pelos princípios da Aprendizagem Dialógica. O diferencial
enquanto prática de leitura está justamente nessa mediação,
sendo que o objetivo principal da atividade é a aproximação
das pessoas com as obras clássicas da literatura universal, e por
meio dessa leitura, promover construção coletiva de conheci-
mentos e construção de sentido. Espera-se como resultados
da prática da tertúlia o aumento do vocabulário, da expressão
oral e da escrita, a ampliação da compreensão leitora, do pen-
samento crítico e da capacidade de argumentação em todos os
participantes, produzindo importantes transformações na su-
peração de desigualdades.
A Tertúlia Literária Dialógica está estruturada em dois
fundamentos metodológicos e uma dinâmica de realização dos
encontros. O primeiro fundamento metodológico diz respeito
ao livro que é lido pelo grupo. É preciso que seja uma obra da
literatura clássica universal cuja escolha é feita por argumentos
plausíveis que contribuem para a reflexão crítica sobre aspecto
que acontecem na nossa sociedade, abrangendo temas como
questões sobre a pobreza, a infância, a diferença social, as ex-
clusões sofridas pelas pessoas e também a inclusão delas na
sociedade, entre outros.
O segundo fundamento metodológico diz respeito
à valorização da Inteligência Cultural, enquanto princípio da
Aprendizagem Dialógica, que contribui para a construção co-
letiva da compreensão da leitura (SOLER, 2001). Finalmente, a
dinâmica propõe a realização de encontros semanais de dura-
ção de até duas horas, onde cada pessoa deve trazer destaques
de trechos lidos para serem discutidos e compartilhados. Os
encontros são mediados por uma pessoa que realiza inscrições
e controla a distribuição da ordem das falas, não necessaria-
mente na ordem das inscrições mas na perspectiva da valoriza-

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ção e oportunização do momento de fala para a realização do


diálogo igualitário.

DESENVOLVIMENTO

O trabalho aqui relatado foi desenvolvido pelas alu-


nas dos cursos de licenciatura em pedagogia e letras/português
do grupo do Programa de Educação Tutorial – PET Interdis-
ciplinar da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, do
Câmpus de Rondonópolis. O grupo foi criado por meio do
Edital 11 de 2012 (BRASIL, 2016) cujos objetivos foram esta-
belecidos pela Portaria nº 976, de 27 de Julho de 2010.
As atividades de Tertúlia Literária Dialógica foram
realizadas por meio de ações extensionistas do Programa de
Extensão Comunidades de Aprendizagem – Escola Pública
de Qualidade para todos e todas, nos anos de 2014 e 2014, na
Escola Estadual Profa. Sebastiana Rodrigues de Souza do mu-
nicípio de Rondonópolis e também no Câmpus da UFMT de
Rondonópolis. Na escola a tertúlia foi realizada com alunos
das séries iniciais, com a obra A Odisseia, de Rute Rocha, e na
UFMT com alunas e alunos do ensino superior e pessoas da
comunidade, com a obra Os Miseráveis, de Vitor Hugo.

RESULTADOS E REFLEXÕES

Embora tenhamos o Diálogo Igualitário como princí-


pio estruturante da Tertúlia Literária Dialógica, como o alicer-
ce que promove o respeito às diferenças de ideias e opiniões,
a resolução de conflitos, no intuito de práticas sociais mais
democráticas, para maior coesão social, é no princípio da In-
teligência Cultural que verificamos grandes contribuições dos
participantes para o grupo. A dinâmica da tertúlia se orienta
fundamentalmente em um fragmento de texto que cada par-
ticipante traz para ser lido em voz alta, com a explicação do
sentimento ou razão pelo qual o fragmento foi especialmente
significativo.

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O diálogo é construído a partir dessas contribuições


(FLECHA, 1997, p.17). Nesse sentido, a pessoa moderadora,
organizar e intermedia as falas por meio do conceito da Apren-
dizagem Dialógica, sendo que a pessoa moderadora que dar
prioridade de fala aos participantes. A Inteligência Cultural é
o princípio que começa a verter a partir dessas falas, dessas
contribuições. Histórias de vida, experiências, saberes e conhe-
cimentos começam a ser compartilhados.
Vygotski (2008) propõe que as ampliações das rela-
ções nas interações estão relacionadas com as experiências so-
cioculturais que os sujeitos desenvolvem através do pensamen-
to e da linguagem. Mello, Braga & Gabassa (2012) reforçam
que para Vygotski “as interações e as mediações sociais estão
na base das aprendizagens e do desenvolvimento humano”, na
qual a relação entre ideias torna possível através da linguagem.
Na mesma direção, Habermas (1987) e Chomsky (1971), re-
conhecem que todas as pessoas possuem habilidades comu-
nicativas inatas, sendo capazes de produzir linguagem e gerar
ações no meio em que vivem. Desta forma o reconhecimento
da Inteligência Cultural e implicar na valorização dos alunos,
familiares, comunidade, especialmente as pessoas que não têm
formação acadêmica. Valls destaca que:
Quando aplicamos a inteligência cultural ao aprendi-
zado dialógico, o que se propõe é a aceitação de es-
tratégias de resolução diferentes a problemas comuns
e transformar estas estratégias culturais em sabe-
res compartilhados, em parte da ação comunicativa
empreendida pelos participantes nas aprendizagens
(VALLS, 2000, p.127).

Por meio das Tertúlias Dialógicas as alunas petianas


demonstram que essa atuação de êxito possibilita a construção
de conhecimentos que contribuem para suas vidas pessoais,
além de ser um caminho de aquisição da leitura como prática
cultural, visando a superação de práticas de leituras historica-
mente mal desenvolvidas nas instituições formais de ensino,
em suas trajetórias pessoais.

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Na tertúlia consigo fazer uma ponte entre a realidade


e o meu cotidiano tendo uma visão de fora da minha
realidade podendo resolver os problemas pessoais
com mais clareza e isso e na minha opinião impres-
sionante porque uma obra escrita a tanto tempo e
nessa perspectiva de trabalho me possibilita ter essa
direção. (G)

A tertúlia é um momento em que podemos fazer a


leitura de livros clássicos da literatura de forma cultu-
ral e educativa, destacando trechos das leituras feitas
e relacionando esses destaques lidos com a nossa vi-
vência no mundo real. Aprendi que a tertúlia é mui-
to importante pois envolve a comunidade e inclui as
pessoas que de certa forma são excluídas socialmente,
pessoas que nunca leram uma obra clássica podendo
participar das tertúlias e compartilhar seus conheci-
mentos culturais. (J)

A Tertúlia Literária Dialógica me oportunizou a con-


viver com pessoas de várias idades, gêneros, graus de
escolaridade, além de demostrar que qualquer pessoa
tem o seu conhecimento independe do nível escolar,
pois na Tertúlia se leva em conta a bagagem cultural e
a aprendizagem da criação de sentido. (H)

Umas das aprendizagens mais significativas dessa ati-


vidade, foi a possibilidade de interações com outras
pessoas a partir de uma obra, expondo vivências e
ideias dentro dos princípios de AD, transformando as
relações.(M)

Para Gabassa,
Por inteligência cultural entende-se a capacidade que
todos nós temos de ação em diferentes contextos e
de adaptação dos conhecimentos a novos contextos,
aprendendo a nos mover, a decidir, a nos compor-
tarmos em um novo meio. Em um mesmo grupo de
encontro, cada pessoa pode apresentar, via o diálogo,
diferentes maneiras de pensar e se pôr diante de situa-
ções, construindo em conjunto mais compreensões e
alternativas (MELLO, BRAGA, GABASSA, 2012, pág.
272).

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De acordo com Freire e Macedo (2005) “a leitura do


mundo é um ato interior à leitura da palavra”. Neste sentido,
é possível entender que as tertúlias dialógicas propiciam aos
seus participantes o gosto pela leitura das obras literárias pela
razão de que por meio da organização e funcionamento desta
atuação de êxito proporcionar o exercício de uma leitura com
sentido, para a vida cotidiana, para os sentimentos e para a ex-
periência de estar no mundo (MELLO, BRAGA, GABASSA,
2012).
Conclusões
A desvalorização histórica dos saberes culturais acu-
mulados tem sido estrategicamente implementadas como po-
líticas de dominação econômica, mas trazem consigo como
resultados diversos impactos sociais, inclusive na educação.
O resgate desses saberes pode proporcionar a valorização das
pessoas nos processos educativos, colocando-os em situações
de igualdade, possibilitando também a junção de saberes para
a superação de diferenças e de obstáculos ao desenvolvimento
pessoal e comunitário.
A Aprendizagem Dialógica não se dá apenas por meio
do estudo dos princípios, mas na prática das relações neles
pautadas. Ela está na forma com que a ação comunicativa nas
interações, especialmente naquelas que envolvem situações de
conflito, momento em que colocamos os princípios em prática.
A Tertúlia Literária Dialógica oportuniza uma cons-
trução coletiva de significados e conhecimentos com base no
diálogo com todos participantes, além de possibilita uma vi-
vencia a partir de uma leitura que envolve sentido e prazer.
Por meio das Tertúlias Literárias Dialógicas potencializa-se a
aproximação direta entre as pessoas, sem distinção de idade,
gênero, cultura ou capacidade, à cultura clássica universal e ao
conhecimento científico acumulado pela humanidade ao lon-
go do tempo, sem perder de vista a valorização dos saberes cul-
turais populares.

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A AFETIVIDADE NO PROCESSO ENSINO


APRENDIZAGEM NAS SÉRIES INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL

MARQUES CANTANHÊDE, Flor de Liz1


Introdução
Busca-se, como ponto de partida neste trabalho, re-
fletir sobre a afetividade no processo ensino aprendizagem nas
séries iniciais do ensino fundamental, enfatizando através de
pesquisas bibliográficas a importância do afeto para o desen-
volvimento do educando.
A afetividade é o desígnio essencial para a constru-
ção das informações cognitivo-afetivo nas crianças e conse-
quentemente nas relações que devem ser estabelecidas entre
professores e aluno. Diante desse fato, o referido estudo é de
fundamental importância, tendo em vista que o mesmo busca
entender a relação entre discente e docente no ambiente esco-
lar, enfatizando a relação entre diversos setores como o social,
intelectual, corporal e é claro aos sentimentos e as emoções.
Visando um conhecimento mais profundo do tema
em destaque, recorreu-se a algumas obras que enfatizam a
importância da afetividade nas relações humanas, dentre elas:
Freire (1981,1993,1996); Galvão (2011); Rossini (2012); Chali-
ta (2001); Junqueira (2010), entre outros.
1 Graduada em História pela Universidade Estadual do Maranhão;
Pós-graduada em Metodologias Inovadoras Aplicadas à Educação:
Ensino de Ciências Humanas pelo IESF – Instituto de Ensino Supe-
rior Franciscano; Graduada em Pedagogia Licenciatura Plena, pelo
IESMC-Instituto de Ensino Superior Miguel de Cervantes; Docente
no Centro de Ensino Raimundo João Saldanha e na Unidade Escolar
Manoel Silva Cantanhêde /Rosário - MA. lizczantanhêde@hotmail.
com

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No presente artigo trabalha-se sobre a questão afe-


tiva no processo de ensino aprendizagem das séries iniciais,
bem como os conceitos e a importância da afetividade na vida
humana, retratando um pouco do contexto histórico, e como
acontece no âmbito escolar com alunos de 1º ao 5º ano; de
que forma interfere nos aspectos psicológicos e cognitivos da
aprendizagem. Analisa-se também a prática pedagógica dentro
desse processo, para que o ensino aconteça de forma significa-
tiva e com qualidade.
Desenvolvimento
CONCEITUANDO A AFETIVIDADE
A afetividade é um estado psicológico do ser humano
que pode ou não ser modificado a partir das situações, ou seja,
das vivências com outras pessoas; é o desígnio essencial para
a construção das informações cognitivo-afetivo nas crianças
e consequentemente nas relações que devem ser estabelecidas
entre professor e aluno.
Segundo Piaget (1992) tal estado psicológico é de
grande influência no comportamento e no aprendizado das
pessoas juntamente com o desenvolvimento cognitivo.
Observa-se que a afetividade faz-se presente em senti-
mentos, desejos, interesses, valores e emoções, ou seja, em to-
dos os campos da vida do ser humano, contribuindo assim para
um desenvolvimento, seja ele positivo ou negativo.
“Wallon vê o desenvolvimento da pessoa como
uma construção progressiva em que se sucedem fases com
predominância alternadamente afetiva e cognitiva” (GALVÃO,
p. 43, 2011).
Entende-se que o indivíduo vai construindo-se gra-
dativamente, passando por transformações, por fases de desen-
volvimento, e consequentemente, se faz necessário que haja a
predominância da afetividade e da cognição nesse contexto.
FREIRE, (1996 p.33), sobre o professor que envolve
afetivamente seus alunos afirma que: “o bom professor é o que

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consegue, enquanto fala trazer o aluno até a intimidade do mo-


vimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não
uma cantiga de ninar.”
Observa-se a necessidade que há dessa relação afetiva
entre professor e aluno, para que haja um ensinar e aprender,
prazeroso, viabilizando aos envolvidos nesse processo a reali-
zação de seus objetivos.

A Afetividade e Sua Importância na Vida Humana

O ser humano pensa, sente, age. Porém se o seu sentir


estiver comprometido ou bloqueado, a sua ação não será ener-
gizante, forte, eficaz, produtiva. Nesse contexto, percebe-se o
quanto a afetividade é de suma importância para a vida e o
desenvolvimento do indivíduo, assim como, para o cotidiano
de suas relações.
Segundo Mora (2011, p.40),
Cada etapa do crescimento apresenta características
particulares, em função do desenvolvimento dos sis-
temas biológicos implicados, assim como do período
cognitivo e psicoafetivo em que se encontre, e a singu-
laridade matriarcal de cada um.

Observa-se que cada indivíduo é diferente do outro e


apresenta característica diferente, sendo que o mesmo aconte-
ce com o seu desenvolvimento, que se dá de acordo com o de-
senvolvimento dos sistemas biológicos e de acordo com o meio
em que está inserido, levando em consideração a afetividade
estabelecida entre ele e os familiares, colegas e professores, en-
fim, entre todos que fazem parte da sua vida.
Observa-se o quanto é importante que a mãe mostre
o amor que sente pelo filho desde os primeiros momentos de
sua vida, recebendo-o com grande alegria, satisfação, deixando
transparecer essa alegria, esse amor, e o desejo de recebê-lo.
Durante os três primeiros meses de vida o desenvol-
vimento afetivo do bebê é baseado na passividade, ou seja, será

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demostrado através da calma, do sossego e posteriormente, do


sono relaxado depois de ser alimentado.
Entre os seis e doze meses o afetivo da criança pode
ser atingido pela necessidade do desmame. É uma crise neces-
sária e inadiável, mas, se anteriormente houve entre mãe e fi-
lho uma boa relação afetiva, com certeza ele não sofrerá tanto
nessa fase.
A criança de dois anos está imersa em um mundo de
relações objetais fantásticas. Sendo assim, se faz importante
a relação das vivências infantis. É importante também, que o
adulto possa conectar-se com suas próprias vivências da infân-
cia para de tal forma fortalecer os laços afetivos, além de poder
brincar com a criança, construindo assim, os aprendizados.
Além da grande incidência da evolução psicoafeti-
va, a personalidade da criança de três e quatro anos recebe a
influência determinante das primeiras experiências de socia-
lização, no ambiente da educação infantil. Ela realiza movi-
mentos decisivos na estruturação de seu psiquismo, e as mu-
danças e progressos acontecem a partir do brincar de manei-
ra inconsciente.
Nessa fase é imprescindível o contato com outras pes-
soas, e se faz necessário que a afetividade esteja presente nesse
contexto, para que assim a criança possa sentir-se bem, feliz e
desenvolver-se de forma normal.
A criança de cinco e seis anos em seus traços princi-
pais, o desenvolvimento afetivo vem marcado por um plano
estritamente psicológico; pelo período de latência do desenvol-
vimento psicossexual estendendo-se até a puberdade.
Portanto, as crianças de sete e oito anos, nessa idade,
suas relações com os pais se estabilizam e, ao menos em parte,
diminui os beijos e abraços dados espontaneamente. Se faz ne-
cessário observar que essa ausência, não significa que os senti-
mentos dessas crianças não sejam os mesmos, e nesse contexto,
vale relembrar da importância da afetividade em todos os mo-
mentos da vida delas.

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Segundo  Rossini  (2012,  p.9) “as crianças que pos-


suem uma boa relação afetiva são seguras, têm interesse pelo
mundo que os cerca, compreendem melhor a realidade e apre-
sentam melhor desenvolvimento intelectual.”
Realmente, observa-se o quanto uma boa relação afe-
tiva entre adultos e crianças, faz com que as últimas se tornem
pessoas mais extrovertidas, inteligentes, participativas, dinâ-
micas, e consequentemente, podem apresentar-se mais segu-
ras.
Aos nove e dez anos, a criança possui um bom domí-
nio de si, é capaz de pensar e raciocinar por si mesma, sendo
também, em consequência, mais autossuficiente. Tem grande
importância nesse processo de maturação a presença do afeto
que a criança recebe dos pais.
Já, os adolescentes (11, 12, 13 e 14 anos), encontram-
-se em uma etapa na qual costumam buscar alguém de fora
do ambiente familiar e que goste deles e os faça se sentirem
importantes e únicos, uma pessoa com quem possam enten-
der-se e compartilhar seu mundo privado.
Portanto, cabe aos adultos, pais e professores, não ri-
dicularizar, nem relativizar a opinião e gosto, do adolescente.
É necessário que, acima de tudo, os responsáveis pela educa-
ção dos jovens saibam propiciar-lhes um clima de confiança
mútua e liberdade sadia.
Aos quinze, dezesseis, ou dezessete anos no máximo,
o nível de amadurecimento alcançado pelo adolescente já é
quase de adulto, pois o mesmo, de acordo com o seu desen-
volvimento, poderá posicionar-se diante dos fatos e aconteci-
mentos, o que não os tira o direito, de continuar sendo tratado
com amor e respeito.
Se no decorrer do seu desenvolvimento, o indivíduo
ultrapassou cada fase de sua vida, de forma coerente, comple-
ta, com uma boa relação diante do meio no qual estava in-
serido, com certeza, terá mais possibilidades de ter uma vida
adulta e profissional estruturada.

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Portanto, faz-se necessário que os laços afetivos se fa-


çam presente no decorrer de todo o desenvolvimento humano,
para que assim, seja-lhe oportunizado uma relação sadia com
todos ao seu redor, e consigo mesmo. Segundo Freire, (1996,
P. 27)
O professor autoritário, licencioso, sério, incompe-
tente, irresponsável, mal-amado, sempre com raiva
do mundo e das pessoas, frio, burocrático, raciona-
lista, nenhum deles passam pelos alunos sem deixar
sua marca.

Portanto, entende-se que afetividade é a base da vida.


Se o ser humano não está bem afetivamente, sua ação como
ser social estará comprometida, sem expressão, sem força, sem
vitalidade. Isto vale para qualquer área da atividade humana,
independentemente de idade, sexo e cultura.
1.1 Contexto Histórico da Afetividade

A sociedade está em constante mutação, porquanto o


indivíduo também acompanha essas mudanças, desenvolven-
do assim, novas maneiras de pensar e de encontrar a felicidade,
sentimento que passou a ser a necessidade e o objetivo princi-
pal do sujeito.
Das primeiras comunidades às sociedades civilizadas,
as relações entre os membros das diferentes sociedades sofre-
ram grandes transformações. Nas primeiras comunidades, as
relações sociais baseavam-se principalmente nos laços de pa-
rentesco, nos usos e costumes comuns, nas formas de coopera-
ção entre os membros do grupo.
Para melhor garantir a sobrevivência, as diversas so-
ciedades de caçadores-coletores aos poucos estabeleceram al-
guns modos de cooperação entre os membros de cada grupo,
conseguindo construir abrigos em menos tempo ou desenvol-
ver táticas de caça em conjunto.
Para Vygotsky ( apud Arantes 2003, p. 20),

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Nas emoções primitivas é clara a raiz instintiva, bio-


lógica Mas, no decorrer do desenvolvimento as emo-
ções vão se transformando, se afastando dessa origem
biológica e se constituindo como fenômeno histórico
cultural.

O ser humano aprende por meio do legado de sua cul-


tura e da interação com os outros humanos, a agir, a pensar, a
falar e também a sentir como um homem moderno, que vive
numa sociedade transformadora e de desenvolvimento. Por-
tanto, aquela relação afetiva que se dava de forma espontânea
de acordo com os seus aspectos biológicos, passa a ser influen-
ciada pelo meio em que encontra-se inserido.
Levando-se em consideração a busca pelo novo, e a
necessidade, é que, com o passar dos tempos e a evolução da
sociedade, deu-se origem a novos costumes, assim como no-
vos valores e, consequentemente, tais mudanças requereram e
influenciaram novas interpretações e transformações sociais e
educacionais, tais como a influência da afetividade no processo
ensino aprendizagem.
A AFETIVIDADE E O AMBITO ESCOLAR
Na atualidade, várias são as exigências e as expectati-
vas relacionadas à educação e à escola. Em uma sociedade cada
vez mais submetida à violência, com graves problemas sociais
e familiares, a escola tenta sobreviver, tendo que abarcar uma
gama enorme de funções. Há uma grande responsabilidade da
escola em contribuir para o desenvolvimento do ser humano
em vários aspectos, principalmente, a formação dele para o
mundo.
Para Freire (1981, p.35),
O processo de orientação dos seres humanos no
mundo envolve não apenas a associação de imagens
sensoriais, como entre os animais, mas, sobretudo,
pensamento-linguagem; envolve desejo, trabalho,
ação transformadora sobre o mundo, de que resulta o
conhecimento do mundo transformado.

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Todas as mudanças requisitadas à escola pela socieda-


de e pela família a têm sobrecarregado em seus afazeres, pois,
para cumprir todas as funções que lhe são exigidas, a escola
tem de si reinventar com o que tem.
A ideia de que o ser humano se constrói na interação
social, no confronto com o outro, traz importantes consequên-
cias para a compreensão, na escola, dos sujeitos em formação
e de seus processos. Sujeitos concretos e contextualizados, os
alunos têm na escola e na família, entre outros ambientes com
os quais interagem, meios nos quais se constituem.
Segundo Pecotche (apud Padua 2010, p. 57)
O afeto é o princípio fixador das relações humanas.
Sem o afeto, nada se constrói, porque tudo desmoro-
naria. É como se a mente fosse o tijolo e o afeto o ci-
mento que os une. O afeto aqui não significa carinho,
afago, mas a manifestação sincera para ajudar o outro
ser.

Em todas as relações a afetividade é imprescindível, é


através dela que se pode criar e fortalecer os vínculos de ami-
zade, principalmente no âmbito escolar.
Para Arantes (2003, pag. 85), “componentes indisso-
ciáveis da ação humana, as manifestações emocionais, têm im-
portante impacto nas dinâmicas de interação que se criam nas
situações escolares.”
Entende-se que educadores do ambiente escolar, de-
vem ter a consciência que as mensagens são transmitidas com
palavras ou por atos. Portanto, precisa-se tomar muito cuidado
com a forma de agir para com as crianças, visto que nem todas
são iguais, o que, mediante determinado tratamento, pode ou
não, afetar no aprendizado das mesmas.
A Criança do 1º ao 5º Ano do Ensino Fundamental
O início da fase escolar pode ser particularmente di-
fícil, tanto para as crianças quanto para os pais, mas também
muito importante para o desenvolvimento da criança. Quando

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ela ingressa pela primeira vez é importante que os pais confiem


na escola e possam transmitir tranquilidade ao filho, porque se
isso não acontece podem prejudicá-lo.
Esse laço afetivo entre pais e alunos, deve manter-se
sempre, pois ajuda demais e contribui para o desenvolvimento
da criança.
No 1º ano do ensino fundamental, a criança está numa
fase, na qual, é interessante e se faz necessário que a afetivi-
dade seja primordial em sua vida principalmente nesse novo
momento escolar. É preciso que seja visado o desenvolvimento
integral dessa criança, isso, nos aspectos biológicos, psicológi-
cos e cognitivos.
No 2º ano, observa-se que é um momento de novos
desafios para as crianças, onde devem ser orientadas quanto a
questão organização e postura. Se faz necessário, que o profes-
sor seja bastante afetivo e utilize estratégias que viabilize a inte-
gração da criança à rotina escolar, para que adquira autonomia
e aprenda sobre a conservação do material utilizado na escola.
Portanto, no 3º ano, é uma fase em que deve ser explo-
rado nas crianças as possibilidades de estudo, pois as mesmas
já familiarizadas com o ambiente escolar e com o nível de ensi-
no, apresentam um ritmo melhor de trabalho, o que contribui
para um melhor aprendizado.
No 4º ano, a criança, de acordo com os conhecimen-
tos adquiridos em anos anteriores, imagina-se que já começam
a ter uma visão diferente das coisas, já demostram uma maior
dedicação no que fazem, tanto no trabalho individual quanto
de grupo. Nessa fase, a afetividade é de grande importância,
assim como nas demais, pois o aluno precisa compreender e
ser compreendido em suas dificuldades.
No 5º ano, deve ser visto e trabalhado na criança, a
questão autonomia e compromisso, para que ela possa desen-
volver sua percepção sobre o seu processo de aprendizagem.
Partindo dessa premissa, ele se sentirá participante e constru-
tor do seu aprendizado.

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A Afetividade no Processo Ensino Aprendizagem


A escola é um lugar onde professores e alunos experi-
mentam diferentes tipos de afeto e alegria ao realizar descober-
tas, tristezas nas dificuldades do ensinar e aprender, raiva e/ou
desconforto. O conjunto dessas experiências pode influenciar
o desenvolvimento cognitivo de forma negativa ou positiva.
De acordo com Arantes (2003, p.163)
A escola que surge preocupada com uma educação
integral, considera e integra em seu cotidiano o papel
dos afetos, dos sentimentos, das emoções e dos valo-
res, e precisa reorganizar seus conteúdos e espaços, os
tempos e as relações interpessoais.

Diante desse contexto, entende-se que os profissionais


da educação devem dar maior importância ao fator afetividade
nas relações com alunos, pois as relações afetivas positivas são
a base essencial na construção do conhecimento significativo.
A aprendizagem é um termo complexo e se refere de
forma geral, à aquisição de uma conduta, ao domínio de um
procedimento em relação a um conteúdo qualquer. Envolve
variáveis que se combinam de diversos modos. Portanto, en-
tende-se que a aprendizagem acontece quando através dela
ocorre mudanças no comportamento do aprendiz, de forma
espontânea e prazerosa.
Observa-se que a afetividade é um dos fatores que
influência, e de forma significativa, no desenvolvimento da
aprendizagem, visto que, se o aluno sente-se bem no ambiente
escolar, se ele é respeitado, valorizado, com certeza terá mais
facilidade para aprender e interagir com o meio em que vive.
De  acordo  com  Pádua  (2010, p.35),”se há algo que
o tempo não consegue apagar é o que a sensibilidade captou
nos diversos momentos da vida e que se tornaram eternos para
quem os viveu.”
É notório que a dimensão afetiva no processo de ensi-
no aprendizagem, é de suma importância, pois através da mes-
ma é possível ao professor conhecer os sentimentos de cada

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aluno, proporcioná-lo um bom aprendizado, além de vivenciá-


-los momentos inesquecíveis.
É perceptível, que o desenvolvimento da inteligência,
do conhecimento e da percepção está diretamente ligado ao
mundo da afetividade, da paixão, da curiosidade, sendo estas
verdadeiras alavancas para redimensionar a educação, tornan-
do-a mais significativa para a criança.
Diante desse contexto, observa-se a importância de
se trabalhar uma educação para a liberdade, levando o edu-
cando sentir-se participante, construtor do seu conhecimento,
de forma prazerosa, espontânea e livre, no processo de ensino
aprendizagem
Para Freire (1981, p. 80)
A educação ou a ação cultural para a libertação, em
lugar de ser aquela alienante transferência de conhe-
cimento, é o autêntico ato de conhecer, em que os
educandos – também educadores – como consciên-
cias “intencionadas” ao mundo ou como corpos cons-
cientes, se inserem com os educadores.

Nesse contexto, cabe ao educador apoiar emocional-


mente as crianças, compreendendo, observando e respeitando
as particularidades de cada uma. O educador afetivo deve ga-
rantir, em sua sala de aula, um ambiente acolhedor e seguro à
criança. Cabe ao educador conscientizar-se das emoções e dos
sentimentos, facilitando o desenvolvimento da criança, tanto
nos aspectos afetivos como nos cognitivos.
O EDUCADOR E A AFETIVIDADE
A aprendizagem humana está relacionada à educa-
ção e desenvolvimento pessoal. Portanto, faz-se necessário que
haja uma boa interação entre o educador e o educando, visto
que a afetividade é fundamental para que o processo de ensino
aprendizagem se dê de forma significativa, e harmoniosa.
De acordo com a teoria histórico-cultural de Vygot-
sky, o papel da educação é garantir a criação de aptidões que

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são inicialmente externas aos indivíduos e que estão dadas


como possibilidades nos objetos materiais e intelectuais da
cultura.
Segundo Freire (1996,p.21), “Educar não é transferir
conhecimento.”
Entende-se que o professor precisa estar aberto para
a curiosidade do aluno, é ensinar a buscar o aprendizado, ins-
tingá-lo a querer saber mais, aprender juntos, é um desafio
para que se forme cidadãos críticos, autônomos, conhecedores
dos seus direitos e deveres, e preparados para contribuírem na
transformação da sociedade, e nesse contexto, a afetividade é
indispensável.
De acordo com Pádua (2010, p. 80), “a sensibilidade
é muito presente na infância. Se o docente tiver presente este
saber, obterá muitos resultados em sua ação ao favorecer a
presença da sensibilidade da criança em seu desenvolvimen-
to.”
Compreende-se que se o professor conhece seus alu-
nos e carrega junto consigo a convicção do bem que faz, terá
muito mais êxito em seu trabalho, além de mediar, orientar e
ajudar a criança a construir o seu próprio aprendizado.
Freire (1996, p. 52), afirma que:
A afetividade não se acha excluída da cognoscibi-
lidade. O que não posso obviamente é permitir que
minha afetividade interfira no cumprimento ético de
meu dever de professor (...) não posso condicionar a
avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior
ou menor bem querer que tenha por ele.

O professor precisa ter noção de toda essa sua impli-


cação como elemento mediador das relações do aluno com o
objeto do conhecimento e de toda a rede de relacionamentos
constituída na sala de aula. É de suma importância que essa
relação professor x aluno, se dê de forma alegre, primando pelo
amor e afeto entre ambos, sem que isso interfira em sua prática
pedagógica de forma negativa.

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Para Chalita (2001, p.13) A tarefa de todo educador,


não apenas do professor, é a de formar seres humanos felizes e
equilibrados. É interessante e de grande importância que a for-
mação do individuo aconteça de forma que ele sinta felicidade
e equilíbrio naquilo que aprendeu.
Para isso faz-se necessário que o professor conheça o
universo do educando, que tenha prazer em ver o sucesso do
mesmo, enfim, que contribua de forma significativa para a for-
mação de uma educação cidadã, contribuindo assim, com o
desenvolvimento integral do aluno.
Conclusões
Após diversas leituras e pesquisas, pensa-se que não
se pode desenvolver um bom trabalho educativo, e muito me-
nos oportunizar ao aluno uma aprendizagem significativa e de
qualidade sem que a afetividade esteja inserida nesse contexto,
pois através da afetividade a sensibilidade é aflorada.
Segundo Freire (1996, p.53) A alegria não chega ape-
nas no encontro do achado mas faz parte do processo da busca.
E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora
da boniteza e da alegria.
Conclui-se então, que é de suma importância, que
toda comunidade escolar esteja aberta, preparada para con-
tribuir com o aprendizado da criança de forma espontânea,
alegre, exercendo com amor o seu trabalho, a sua função. Pre-
cisa-se investir em formações continuadas sobre valores, prin-
cipalmente sobre a afetividade no âmbito escolar. É preciso o
desenvolvimento de estratégias que gere, tanto na sala de aula
como na escola, um clima de segurança, confiança e respeito à
individualidade, e igualdade de cada ser, ali inserido.
Referências
ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; MAHONEY, Abigail
Alvarenga. Afetividade e aprendizagem: contribuições de
Henri Wallon. 4ª edição São Paulo: Edições Loyola, 2007

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Educação Popular em Debate
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ARANTES, Valéria Amorim. Afetividade na Escola:


Alternativas Teóricas e Práticas. Editora Summus, 2003. São
Paulo.
CHALITA, Gabriel. Pedagogia do amor: a contribuição das
histórias universais para a formação de valores das novas
gerações. Editora Gente, 2003. São Paulo
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e geral - 1, 2ª
edição. Ed. Saraiva, São Paulo – 2013
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed., Rio de
Janeiro, Paz e Terra. 1981.
_____________. Pedagogia da Autonomia – Saberes
Necessários à prática educativa. 15ª edição ed. Paz e Terra,
Rio de Janeiro, 1996.
gALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética
do desenvolvimento infantil. 20º ed. Petrópolis-RJ: Editora
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escolanormal.com.br/a-escola/fundamental-i-1%C2%BA-
ao-5%C2%BA-ano/ Visualizado em 02/08/2015.
MORA, Estela. Psicopedagogia Infanto-Adolescente:
O Bebê; A infância; Puberdade e adolescência. Editora
Cultural. 2012. São Paulo – SP.
MORENO, Jean; VIEIRA, Sandro. História: cultura e
sociedade – 1, 1ª edição. Ed. Positivo, Curitiba – 2010
PÁDUA, Ivone. Pedagogia do Afeto: a pedagogia logosófica
na sala de aula Editora Wak, Rio de Janeiro – 2010.
PSICOLOGANDO. A importância da Afetividade na
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Professor. Fonte: https://psicologado.com/atuacao/ escolar-o-
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em 20/07/2015.

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QUEFAZERES DA EDUCAÇÃO DO CAMPO:


CONTRIBUIÇÕES DE FREIRE

ROCHA, Sheila de Fátima Mangoli1


GHIGGI, Gomercindo2
CHAVES, Priscila Monteiro3
Introdução
A presente discussão tem em seu âmago, o reconheci-
mento de que as ideias, trazidas criticamente a descoberto no
âmbito das questões relativas à educação, enquanto formação
humana, se desenvolvem em uma sociedade de classe e a trans-
formação radical da sociedade, pano de fundo das propostas
de Freire, interessa à classe trabalhadora, de forma geral, e aos
trabalhadores rurais, em especial. Nesse sentido, nos últimos
anos vem crescendo um movimento chamado educação do
campo, fruto da luta dos trabalhadores rurais pela consolida-
ção de uma educação pensada a partir de seus interesses.
As discussões relativas a Educação do Campo sur-
gem envoltas nos aspectos econômicos (expansão do modelo
capitalista de agricultura), sociais (aumento da pobreza e ex-
clusão social no campo) e educacionais (ausência de propostas
e políticas educacionais voltadas a população que vive no e do
1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-
versidade Federal de Pelotas, Técnica em Assuntos Educacionais da
Universidade Federal de Roraima. sheilamangoli@yahoo.com
2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Pelotas. ghiggi@ufpel.tche.br
3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-
versidade Federal de Pelotas, graduada em Letras Português-Fran-
cês pela mesma Universidade. pripeice@gmail.com

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campo). Logo de saída resta claro que as propostas de educa-


ção do campo vinculam um projeto de educação a um proje-
to de sociedade. A educação está articulada a um modelo de
desenvolvimento sustentável, baseado no respeito à dignidade
humana.
E, neste fito, as concepções teóricas, bem como a prá-
tica de Freire como educador, auxiliam a construção de pro-
postas educacionais do campo, em contraposição às propostas
para o campo. Pensando com Freire é possível compreender
que a partir das tensões próprias dos movimentos humanos
dentro das organizações sociais podem ser criadas condições
para que as pessoas possam dizer a palavra. Vale ressaltar que,
no pensamento freiriano, dizer a palavra é condição para que
o ser humano preencha-se de significação enquanto tal.
Com esse entendimento, torna-se viável, e inevitável,
buscar contribuições teórico-metodológicas à prática docente
em Freire para a concretização da educação popular do cam-
po. Educação não limitada ao processo instrucional, mas fun-
damentalmente processo formativo do ser humano, conscien-
te e construtor de sua história. Tanto mais importante se torna
esse entendimento quanto mais o avanço do capital através de
seus grandes empreendimentos ferem o modo de vida da po-
pulação do campo e ameaçam sua existência. Nesse cenário, os
projetos de formação humana, atrelados a educação do cam-
po, configuram defesa do campo ao passo em que visam a con-
solidação de vida digna as pessoas que vivem no e do campo.
Fazendo eco aos movimentos sociais, é possível en-
contrar em diversos autores a defesa pelo reconhecimento de
que os povos do campo tem um modo de vida, de produzir
a existência, diferenciado; uma cultura diferente da urbana,
produzindo relações sociais e de trabalho distintas, o que de-
manda e justifica uma organização educativa distinta. E, na
avaliação de Antônio e Lucini, (p.181, 2007) as asserções de
Freire, na medida em que respondem às necessidades das clas-
ses trabalhadoras, possibilitam a essas se reconhecer em sua

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proposta educativa, possibilitando ser apropriada e reinventa-


da pelos educadores populares do campo.
Se não resta dúvida quanto à necessidade de ultrapas-
sar os limites de um modelo tradicional de educação, de heran-
ça colonial e urbanocêntrica, alienante e submissa aos interes-
ses do grande capital e do latifúndio (FOERSTE, 2012, p.256),
porque esse modelo não contempla a população do campo em
sua realidade e seus saberes (CALDART, 2003, 63), tampou-
co existe hesitação quanto a potência do pensamento de Frei-
re para referendar práticas pedagógicas libertadoras. Segundo
Saul e Silva (2014, p.2066) o pensamento de Freire deve ser
tomado como um crivo de denúncia e anúncio de concepções
e práticas curriculares. Anuncio encerrado em uma proposta
contra-hegemônica, baseado na construção de práticas eman-
cipatórias.
Em suma, sem pretensão de apresentar minuciosa-
mente todos os aspectos que podem ser problematizados, a par-
tir de Freire na educação do campo, serão trazidas à discussão
as principais contribuições de inspiração freiriana às práticas
pedagógicas, essenciais a uma educação que possa contribuir
com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, na
medida em que atenda às necessidades das classes populares,
tendo sua realidade como ponto de partida.
Das ideias preliminares ao percurso metodológico
Antes de entrar mais designadamente na discussão
central, cabe fazer algumas considerações referentes às leituras
apressadas de Freire, que levam, em última instância, a práticas
dissonantes das propostas freirianas. Uma leitura precária de
Freire produz certo encantamento, percebido na reprodução
de suas frases, que, embora possam soar bem ao ouvido, são
por vezes rasas, exauridas de sentido político, se descoladas do
conjunto de sua obra.
Por um lado, é preciso ter clareza de que as práticas
pedagógicas orientadas pela concepção freiriana de educação

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não podem ser dissociadas de uma opção política em favor dos


mais fragilizados socialmente, em favor de uma transformação
social radical, baseado na “[...] certeza de que mudar é difícil,
mas é possível. É o que nos faz recusar qualquer posição fatalis-
ta que empresta a este ou àquele fator condicionante um poder
determinante, diante do qual nada se pode fazer.” (Freire, 2000,
p.26) O ser humano é condicionado, não determinado, de for-
ma que mudar é tanto difícil, quanto possível.
Por outro, tal pensamento de Freire, amplamente co-
nhecido e reconhecido, enfoca um aspecto inexpugnável da
educação do campo: o protagonismo da população do cam-
po no processo educativo como condição da sua construção.
Todos precisam estar envolvidos, docentes, discentes e comu-
nidade, articulados para pensar a educação em seus aspectos
sociais, políticos e culturais desde sua própria realidade, não
como dada, mas em constante construção e reconstrução.
Permeia a educação do campo, tal qual a perspectiva
de Freire, uma intenção maior que a discussão da educação,
mas da qual essa faz parte. Ou seja, o movimento indispensá-
vel de luta por um projeto popular de desenvolvimento, que
contemple evidentemente, uma educação verdadeiramente do
campo.
Consideradas essas ideias preliminares, especifica-
mente para o levantamento de dados, foi preciso instituirmos
o instrumento de pesquisa a ser empregado, que viabilizasse
uma organização minimamente sistemática, entretanto, muito
mais provocativa, das referências encontradas. Dessa forma,
nosso estudo optou como critério de efetivação os moldes da
pesquisa bibliográfica, que é uma especificidade bastante cor-
rente da pesquisa documental, se vale exclusivamente de bases
bibliográficas (LUNA, 1999).
Vale ressaltar o potencial reflexivo da investigação bi-
bliográfica, enquanto método, por vezes menosprezada, dada
sua ampla utilização. Dessa maneira, a pesquisa apresenta, nes-
sa linha, reflexões de cunho teórico, tecidas a partir de pesquisa

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

bibliográfica, com o objetivo de aprofundar as discussões acer-


ca das contribuições de Paulo Freire para as práticas pedagógi-
cas da educação do campo.
Das contribuições de Freire
Ao propor uma educação dialógica visando à eman-
cipação das pessoas, Freire aponta a necessidade de as contra-
dições básicas das situações concretas vividas por educadores e
educandos estar no centro do currículo. Na educação do cam-
po significa trazer ao debate as concepções de campo e de de-
senvolvimento, constituídas pelas lutas e desafios dos diversos
povos que vivem no meio rural.
Uma consulta ao dicionário de educação do campo,
não se revela promissora à busca entre seus verbetes do termo
didática, como também avaliação ou planejamento. Isso não
indica que não exista a preocupação com temas tão necessários
a educação, mas que não existe uma preocupação em se de-
senvolver uma forma exclusiva de educação para o meio rural.
A educação do campo se constitui em diálogo com as ques-
tões gerais da educação, mirando a concepção de ser humano,
e de formação humana. O diferencial consiste, justamente, na
definição irrevogável de princípios educativos que respeitem
a constituição dos povos do campo, entendidos não somente
como participantes, mas como sujeitos do processo.
Nesse sentido, o diálogo se constitui o legado freiria-
no de impacto em todas as instâncias da educação. O diálogo
conforme afirmado repetidamente por Freire implica transfor-
mação. Não se resume à comunicação, possui duas dimensões,
ação e reflexão (práxis), e constitui-se em relação horizontal,
encontro entre homens e mulheres mediatizados pelo mundo.
A importância do diálogo em seu pensamento está
expressa na magnitude de sua afirmação “[...] dizendo a pa-
lavra com que pronunciando o mundo os homens o trans-
formam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os
homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE,

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Educação Popular em Debate
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1987, p.79). Essa compreensão tem repercussão nas práticas


pedagógicas, nas formas de relacionamento estabelecidas nos
processos educativos, pois conforme asseverado por Freire
(1987, p.78): “Existir humanamente é pronunciar o mundo,
modificá-lo. O mundo pronunciado por sua vez se volta pro-
blematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo
pronunciar”
O conceito de conhecimento de Freire também é um
sinalizador imprescindível às práticas pedagógicas comprome-
tidas com a formação humana. Segundo Freire, conhecer, na
dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um sujei-
to, transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os
conteúdos que outro lhe dá ou impõe. [...] O conhecimento,
pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face
do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade.
Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em re-
invenção.
Segundo Saul e Silva (2014, p.2068-2069) a com-
preensão de Freire sobre o ato de conhecer é essencial para
análise dos contextos escolares. Pois, não raramente, o currí-
culo centrado em disciplinas, apresenta os conhecimentos des-
contextualizados, como se fossem neutros, não possibilitando
a identificação das tensões que o geraram. “O conhecimento
é então veiculado na prática pedagógica sem que se diferen-
ciem suas dimensões e critérios epistemológicos gestados em
disputas socioculturais, seus processos históricos e contextos
de produção, seus limites de validade.”
Freire, por outro lado, propõe a valorização dos dife-
rentes tipos de conhecimento. A valorização dos saberes dos
educandos, seus saberes de experiência feitos, permite o reco-
nhecimento das diferenças de produção e apropriação de di-
ferentes tipos de conhecimento, bem como a ampliação e di-
versificação daqueles precedentes, uma vez que, conforme de-
fendido por Saviani, as práticas pedagógicas devem ter como
ponto de partida e de chegada as práticas sociais.

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Em modelos de currículo onde o conhecimento é re-


vestido por certa cientificidade, completamente isento de va-
lores e a-histórico, não há lugar para um conhecimento con-
textualizado e construído na relação com a realidade concreta,
conforme denunciado por Saul e Silva (2014, p.2069):
O conhecimento, desumanizado em nome de uma
objetividade inexistente, distanciado de realidades
e de práticas sociais, desqualificado de significa-
dos – torna-se inútil como elemento de intervenção
e de uso social. Nessa perspectiva axiológica, não se
reconhecem os diferentes padrões de validade para
conhecimentos e práticas, os respectivos limites his-
tóricos das verdades em seus contextos.

Teoria e prática são indissociáveis, de forma que as


concepções se materializam nas práticas pedagógicas, exigindo
coerência. Portanto, o que se pretende colocar em relevo é a
existência de elementos, em Freire, capazes de contribuir para
a consolidação de práticas pedagógicas baseadas na possibili-
dade de construção de uma realidade mais justa, mais solidá-
ria, mais bonita.
E, se as contribuições de Freire são amplas para a prá-
tica em geral, devido sua fecunda concepção educacional, o
tema gerador talvez seja a contribuição mais efetiva, do ponto
de vista estritamente metodológico.
A escolha do tema gerador não está centrada no edu-
cador, o que não o isenta de sua responsabilidade de organi-
zar pedagogicamente os temas, definir questões norteadoras,
planejar conteúdos e práticas adequadas. Porém, a organização
pelo tema gerador fortalece a relação entre educando, educa-
dor e comunidade, que se unem para discutir os problemas da
sua realidade.
Tal proposta remete aos primórdios da atuação de
Freire, em Angicos, ainda na década de 1960, com sua primei-
ra e reconhecida experiência educativa. Porém, esta não é uma
proposta restrita somente a alfabetização de adultos, podendo

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ser amplamente utilizada em projetos que pretendam consubs-


tanciar-se a partir da realidade, para sua transformação, basea-
da em um quefazer humanizador.
Enfim, Freire é reconhecido como o grande referen-
cial brasileiro, para a educação do campo, com contribuições
diversas. Conforme afirmação de Caldart (2004) a educação do
campo talvez possa ser considerada uma das realizações práti-
cas da Pedagogia do Oprimido, à medida que afirma os pobres
do campo como sujeitos legítimos de um projeto educativo
emancipatório.
Conclusões
Em Freire são encontradas a insistência na articulação
entre teoria e prática pedagógica, a defesa dos direitos huma-
nos, das utopias e da esperança, contribuições a educação do
campo, inserida em um projeto de sociedade diversa da atual.
Dessa forma, resta a esperança de que a reflexão sobre
as contribuições de inspiração freiriana às práticas pedagógi-
cas possa contribuir com a construção de uma sociedade mais
justa, mais igualitária, mais humana, onde floresça a certeza da
possibilidade de mudança. Pois, marca este escrito a convicção
na importância da discussão sobre a escola pública, na pers-
pectiva de que somente através dessa, os esfarrapados do mun-
do terão acesso ao conhecimento sistematizado, necessário à
defesa de seus interesses.
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educadores(as) do campo. Caderno Cedes: Campinas, vol. 27,
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO EM
PAULO FREIRE

VON ONÇAY, Solange Todero 1


LOSS, Adriana Salete2
Introdução
Objetivando promover a formação continuada de
professores da rede pública através da disponibilização de am-
biente com recursos teóricos e práticos, difundindo e geran-
do saberes articulados entre ensino, pesquisa e extensão, com
vistas ao aperfeiçoamento profissional docente no campo da
Educação Integral de Jornada Ampliada alguns professores da
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS desenvolveram
um curso de Formação Continuada para gestores, com início
no dia 25 de agosto de 2014
Nesse sentido, o curso contou com a participação de
120 gestores das escolas municipais e estaduais de abrangência
das regiões Alto Uruguai e Planalto Médio do Rio Grande do
Sul e do município de Concórdia, Santa Catarina.
O curso de Formação Continuada que marca a cria-
ção do Programa de Formação de Professores em Educação In-
tegral de Jornada Ampliada da UFFS/Campus Erechim, finan-
ciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE) e intitulado “Docência em escola de tempo integral”,
foi organizado em 12 encontros mensais presenciais com carga
1 Doutoranda em Educação. Docente da Universidade Federal da
Fronteira Sul – UFFS – E-mail: solange.oncay@uffs.edu.br
2 Pós-doutora em Educação. Docente da Universidade Federal da
Fronteira Sul - UFFS. E-mail: adriloss@uffs.edu.br

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horária de 8 horas cada, distribuídos ao longo do ano (agosto


de 2014 a agosto de 2015).
A Formação Continuada dos Gestores das institui-
ções parceiras do “Mais Educação e/ou do Projeto Educação
Integral em Jornada Ampliada”, foi desenvolvida na Universi-
dade Federal da Fronteira Sul de agosto de 2014 a setembro de
2015, em duas etapas.
A primeira etapa do curso ocorreu a partir de estudos,
debates e pesquisas em encontros organizados em módulos,
tais como:
Módulo 1: Educação Básica de tempo integral
Módulo 2: Organização e Funcionamento da Escola
Módulo 3: Planejamento Participativo: Dos
fundamentos às práticas educativas
integradoras
Módulo 4:Projetos Interdisciplinares na Era da
Inclusão
Módulo 5: Projetos Interdisciplinares: Ambiente e
Sociedade
Módulo 6: Tempos e Espaços Educativos na
Educação Integral
Módulo 7: Educação Integral: conhecendo a
realidade da escola
Módulo 8: Construindo Projetos Interdisciplinares
Além dos encontros presenciais, foram realizadas
atividades pelos participantes do curso no intervalo entre os
encontros presenciais, tais como leituras e análise de textos
previamente indicados, observações de processos vividos na
escola de efetivo exercício profissional.
Na segunda etapa da formação continuada ocorreu a
pesquisa da realidade das instituições de inserção dos parti-

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cipantes do curso, em termos de organização administrativa,


pedagógica e curricular e realização de diagnóstico acerca de
demandas ou necessidades de projetos de intervenção.
Assim, após o levantamento das necessidades das
escolas os cursistas, conjuntamente com os formadores, rea-
lizaram a construção de projetos de intervenção a partir dos
seguintes eixos temáticos:
Gestão e organização escolar
Organização do trabalho pedagógico em escola de
tempo integral
Questões ambientais e históricas
Tempos e espaços educativos na educação integral
Nesse sentido, buscamos apresentar aqui os resulta-
dos do eixo “Organização do trabalho pedagógico em escola de
tempo integral” de modo a apresentar a construção de proje-
tos de intervenção constituídos a partir do planejamento com
fundamentos na perspectiva do Tema Gerador, com base em
Paulo Freire.
Descrição da metodologia do estudo

Para a reflexão referente à indagação “Quais os aspec-


tos significativos do planejamento participativo com base em
Paulo Freire?” buscamos desenvolver um estudo documental,
na abordagem qualitativa.
O nosso estudo de acordo com Amado; Costa; Crusoé
(2014, 302-303),
[...] consiste numa técnica de pesquisa documental
que procura ‘arrumar’ num conjunto de categorias de
significação o ‘conteúdo manifesto’ dos mais diversos
tipos de comunicação (protocolo de entrevistas, e
histórias de vida, documentos de natureza vária, ima-
gens, filmes propaganda e publicidade). O seu primei-
ro propósito consiste, pois, em proceder à descrição

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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objetiva, sistemática e, eventualmente quantitativa de


tais conteúdos.

A coleta documental de dados:


A coleta das informações para o estudo foi desenvol-
vida a partir das seguintes etapas:
Primeiramente realizamos a leitura documental dos
cadernos3 utilizados pelos formadores, supervisores e cursis-
tas, as atas e relatórios do curso de formação continuada.
Na sequência, a leitura dos registros do desenvolvi-
mento do eixo “Organização do trabalho pedagógico em esco-
la de tempo integral”.
Mapeamento dos projetos construídos pelas escolas
envolvidas em parceria com os professores orientadores da
UFFS.
O mapeamento e análise documental:
Ao desenvolvermos o registro das informações cole-
tadas passamos a organizar a apresentação de algumas refle-
xões dos cursistas mediante a prática da construção de pro-
jetos de intervenção a partir do planejamento participativo,
na perspectiva freiriana. Assim, segue algumas reflexões que
encontramos nos registros frente à prática do planejamento
participativo:
Necessidade de ampliar a compreensão do paradigma
da Educação Integral e planejamento da ação pedagógica, em
vista integrar todos os sujeitos, tempos e espaços educativos;
Necessidade de gerar fluxos de diálogos e vínculos en-
tre os diferentes segmentos e as dimensões pedagógicas e ad-
ministrativa da escola;
3 Os cadernos foram elaborados para subsidiar a Formação Conti-
nuada dos profissionais da Educação atuantes em escolas públicas da
região do Alto Uruguai Gaúcho as quais desenvolvem propostas de
Educação Integral. Foram produzids com recursos do MEC/FNDE
(Ação 20 RJ) em parceria com a Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS).

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Educação Popular em Debate
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Busca pela superação da fragmentação e distancia-


mento da sala de aula em relação a outros tempos e espaços
escolares;
Avanços na coletividade, solidariedade, clima de ca-
maradagem entre educadores, em vista superar os desafios
de implementação da EI;
Necessidade de pertença e identidade dos educan-
dos, educadores e demais envolvidos;
Vivencia de relações mais humanizadoras, abran-
gentes das dimensões cognitivas, motoras como também afe-
tivas e sócio culturais;
De modo geral, ampliar o tempo na escola, significa
trazer à vida para a escola, o que demanda dar nova intencio-
nalidade aos tempos, espaços e sujeitos envoltos na ação pe-
dagógica. Nesse sentido, compreende-se que o planejamento
embasado nos fundamentos freirianos tem imensurável va-
lor, podendo contribuir para assegurar relações capazes de
provocar processos humanizadores, democráticos, participa-
tivos, nos quais os sujeitos, ao refletirem sobre as condições
onde estão inseridos, projetam novas possibilidades ressigni-
ficando a própria vida e as relações escolares.

2 Resultados e reflexões

Na segunda etapa da formação continuada ocor-


reu a pesquisa da realidade das instituições de inserção dos
participantes do curso, em termos de organização adminis-
trativa, pedagógica e curricular e realização de diagnóstico
acerca de demandas ou necessidades de projetos de inter-
venção.
Desse modo, no processo formativo do eixo “Or-
ganização do trabalho pedagógico em escola de tempo inte-
gral” as escolas desenvolveram o planejamento participati-
vo a partir do tema gerador, fundamentada em Paulo Freire.
Assim, o planejamento participativo foi desenvolvido nas
seguintes etapas:

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a) Investigação e definição do Tema Gerador


Considera-se que a investigação é parte significativa
do método. Assim, Educandos, Educadores e Comunidade
Educativa precisam ser envolvidas. Podemos entender esse
momento do planejamento como um momento de estudo
em que a comunidade aponta suas demandas. Assim, cada
escola foi identificando questões-chave, para serem indaga-
das, observadas, investigadas. Outra forma de trabalhar a in-
vestigação foi com a coleta de falas significativas presente na
comunidade.
Freire (1970, p. 66), todavia alerta, “o sujeito pensante
não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participa-
ção de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há
um ‘penso’, mas um ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não
o contrário”. Também nos chama atenção para o fundamento
da dialogicidade:
Esta investigação implica, necessariamente, uma me-
todologia que não pode contradizer a dialogicidade
da educação libertadora. Daí que seja igualmente
dialógica. Daí que, conscientizadora também, pro-
porcione, ao mesmo tempo, a apreensão dos ‘temas
geradores’ e a tomada de consciência dos indivíduos
em torno dos mesmos (FREIRE, 1970, p. 87).

A investigação, nessa concepção, passa ser a possi-


bilidade de apreensão da temática significativa e a tomada de
consciência em torno dessa da mesma, por isso a necessidade
de envolvimento de todos os sujeitos participantes.
Desse processo, chega-se a uma Situação limite, da
qual extrai-se o tema gerador. Esse foi o passo subsequente
que as instituições escolares foram construindo.
No conceito de Freire (1970, p. 94), Situações limi-
tes são as que “[...] se apresentam aos homens como se fos-
sem determinantes históricas, esmagadoras, em face as quais
não lhe cabe outra alternativa senão se adaptar”. É o limite de
compreensão que esse grupo possui de sua realidade “limítro-

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fe” que se apresenta de forma estanque e que permite apenas


soluções isoladas.
Escolhido o tema, o passo seguinte foi definir o contra
tema, que é o que se busca atingir com o tema gerador, onde se
quer chegar com o processo, o seja o que se busca transformar,
uma espécie de bússola do ponto de chegada.
b) Redução Temática: constituição de uma rede de
análise temática
Momento de confrontar os dados trazidos da investi-
gação da realidade, analisá-los, confrontando o que pensam os
sujeitos da comunidade, o que dizem educandos, o que precisa
ser explicitado, o que seria importante ser transformado.
Estabelece-se uma rede dialógica de relações entre as
concepções presentes e aquilo com que cada área do conheci-
mento pode contribuir para a reflexão e construção dos conhe-
cimentos necessários.
Introduzem-se elementos metodológicos e de conteú-
dos que ajudam no processo de análise crítica da realidade, na
reflexão, no diálogo problematizador e gerador de novas ques-
tões a serem aprofundadas, dando passos na construção de co-
nhecimentos mais globais da realidade.
Temos, assim, o Tema Gerador, presente no “universo
temático” do povo, cujo “[...] conjunto de temas em interação
constitui o ‘universo temático’ da época” (FREIRE, 1970, p. 93).
“Os temas se encontram, em última análise, de um lado, envol-
vidos, de outro, envolvendo as ‘situações-limites’, enquanto as
tarefas que eles implicam, quando cumpridas, constituem os
‘atos-limites’ [...].” (FREIRE, 1970, p. 93).
Nessa perspectiva, damos destaque ao depoimento de
uma coordenadora pedagógica, referente ao processo de plane-
jamento participativo:
Os encontros possuíam uma metodologia própria,
que se distribuía em diversos momentos: partia-se do
investigado, das falas significativas; destas, identifica-

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va-se a ‘situação limite’ e definia-se o Tema Gerador.


Este permitia a constituição de uma rede temática,
onde as áreas do conhecimento tinham o papel de
ajudar na decodificação das questões que se queria
desocultar, dando elementos para que cada um pu-
desse construir sua análise sobre os fatos. Assim, os
conteúdos que integravam as áreas do conhecimen-
to iam sendo abordados à medida que se tornavam
importantes para compreensão da temática (ONÇAY,
2015, p.137).

Se o tema gerador permite uma ponte entre o que cada


um já sabe com o saber que está prestes a se apropriar pela re-
lação intersubjetiva, produzida a partir do grupo em partilha,
a investigação, que significa a apreensão dos temas geradores, e
a tomada de consciência sobre eles, não pode impedir a conti-
nuidade dessa relação e a dialogicidade da educação libertado-
ra. Considerando que:

Não posso investigar o pensar dos outros, referindo


ao mundo, se não penso. Mas não penso autentica-
mente, se os outros também não pensam. Simples-
mente, não posso pensar pelos outros, nem para os
outros. A investigação do pensar do povo não pode
ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de
seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênuo, será
pensando o seu pensar, na ação, que ele mesmo se su-
perará. E a superação não se faz no ato de consumir
ideias, mas de produzi-las e de transformá-las na ação
e na comunicação (FREIRE, 1970, p. 101).

O fato de investigar a realidade compromete-nos com


a sua transformação. Investigar a realidade é um componen-
te capaz de provocar uma nova interpretação teórica sobre os
elementos já conhecidos da realidade, na perspectiva transfor-
madora da produção das mudanças necessárias. “Quanto mais
investigo o pensar do povo com ele, tanto mais nos educamos
juntos. Quanto mais nos educamos, tanto mais continuamos
investigando” (FREIRE, 1970, p. 102).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Para Freire, investigar a realidade deve nos levar ao


compromisso com ela, ou seja, não podemos ter sobre a rea-
lidade um olhar passivo, de conformação. Ao contrário, a in-
vestigação é ponto de partida para a ação interventora, provo-
cadora da mudança. Em seus últimos escritos, Freire (2000, p.
79) faz o seguinte apelo:

Meu papel no mundo não é só o de quem constata


o que ocorre, mas também de quem intervém como
sujeitos de ocorrências. Não sou apenas objeto da
história, mas sou sujeito igualmente. No mundo da
história, da cultura, da política, constato não para me
adaptar, mas para mudar (2000, p. 79).

De modo geral, podemos afirmar que são quatro as


dimensões que fundam a proposta de Freire no instrumental
do Tema Gerador. Uma primeira dimensão é a epistemológi-
ca, que diz respeito à construção do conhecimento. Sobre esta,
Freire afirma que todos nós somos capazes de construir conhe-
cimento e é a realidade que proporciona as pontes, as conexões
que permitem ao homem/mulher enunciar o mundo. Ou seja,
ao interagir, movimentar o espaço onde estamos inseridos, in-
corporamos aprendizagens.
Uma segunda é a dimensão antropológica – toda ação
educativa deve necessariamente estar precedida de uma re-
flexão sobre as pessoas e de uma análise do seu meio de vida
concreto. Na medida em que o Ser Humano, integrado em seu
contexto, reflete sobre o mesmo, e se compromete com a mu-
dança, constrói a si mesmo e chega a ser sujeito.
Uma terceira é a dimensão teleológica, que é o que se
objetiva com o processo educativo, em que Freire trabalha a
conscientização. Reafirma que a conscientização é o conjunto
central de suas ideias sobre a educação. A conscientização, que
se apresenta como um processo num determinado momento,
deve continuar sendo processo no momento seguinte, durante
o qual a realidade transformada mostra um novo perfil.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Por último, a concepção metodológica, que é método, o


modo de fazer, na perspectiva de atingir as demais dimensões.
Parte-se do senso comum para a produção coletiva do conhe-
cimento de forma crítico-contextualizada. A investigação é a
grande ferramenta metodológica. Nas palavras de Freire, “In-
vestigar o tema gerador é investigar, repitamos, o pensar dos
homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a rea-
lidade, que é sua práxis.” (FREIRE, 2000, p. 98).
Por fim, a educação não pode ser apenas instrumental
para os oprimidos, afirma Freire em seu legado, mas uma área
de lutas ideológicas que devem ser empreendidas, tendo em
vista a transformação das estruturas opressoras. Dessa forma,
os processos educativos necessários aos trabalhadores empo-
brecidos devem forjar ao mesmo tempo a construção de uma
nova hegemonia e a formação de sujeitos sociais coletivos aptos
a vivenciarem o processo revolucionário, buscando consolidar
projetos emancipatórios. O processo coletivo da busca dessas
condições de existência humana precisa garantir, entre outras
coisas, a adesão de uma nova cultura ética e política.
As escolas participantes da proposta de planejamen-
to participativo foram: Escola Municipal de Educação Infantil
Irmã Consolata (Erechim/RS); Escola Municipal de Educação
Infantil São Cristóvão (Erechim/RS); Centro de Educação de
Jovens e Adultos – CEJA (Erechim/RS); Escola Estadual Ensi-
no Fundamental Emílio Tagliari (Estação/RS); Escola Estadual
de Ensino Fundamental D. Pedro I, (Marcelino Ramos/RS);
Escola Estadual de Ensino Fundamental Roque Gonzales (de
Capoerê/RS); Escola Municipal de Ensino Fundamental Dom
João Becker (Ipiranga do Sul/RS). Em seus projetos puderam
caracterizar a situação atual da educação integral em suas es-
colas, fazendo destaques aos pontos relevantes que inovaram
e construíram maior densidade à proposta de Educação em
Tempo Integral em suas escolas. Também, trabalharam com o
planejamento em que tinham como preocupação central, dar
conta da nova situação, o de estar o dia todo com as crianças na

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

escola e trabalhar para a superação da dicotomia, hora sala de


aula e hora atividades extras. As escolas, a partir dos seus pro-
jetos, buscaram o debate de modo a fortalecer o planejamento
pelas fontes educativas da realidade e pela teia de relações que
incorporam aprendizagens humanizadoras.
Intuídos por Freire podemos compreender que a prá-
xis, dentro de um processo, passa ser movimento, o qual, ao
instaurar-se, não apenas designa as coisas, mas é capaz tam-
bém transformá-las. A escola precisa constituir uma relação
orgânica com a comunidade, principalmente quando assume
o desafio de ampliar seus tempos e espaços para no qual de-
fendemos que precisa melhor planejar suas ações de modo a
contribuir para que os educandos compreendam a realidade e
a vivenciam com pertença e propriedade. Abrir a escola para a
comunidade é reconhecer a relação da escola com outras fon-
tes formativas; é perceber que esta vai muito além do trabalho
específico com o conhecimento, nela também ocorre a apren-
dizagem de valores e atitudes. Porém, quando falamos em con-
cepção da escola com a realidade, não estamos falando tão so-
mente da vida imediata dos educandos em seus aspectos apa-
rentes, ou seja, não queremos dizer que a escola deve apenas
trabalhar e desenvolver aquilo que o educando já conhece, pelo
contrário, estamos dizendo que trazer a vida para a escola nos
exige mais do que trabalhar com conteúdos de forma abstrata.
Para tanto, eis nosso desafio freiriano: Promover o pla-
nejamento participativo nas escolas, de modo especial, nas insti-
tuições que realizaram a implantação da proposta de Educação
Integral em Jornada Ampliada.
Referências:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação e outros escritos.
São Paulo: Ed. da Unesp, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e
Terra, 1970.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

LOSS, Adriana Salete; SILVA, Ivone Maria Mendes (Orgs.).


Caderno de formação – Educação em Escola de Tempo
Integral. Erechim: 2014.
LOSS, Adriana Salete; SILVA, Ivone Maria Mendes (Orgs.).
Caderno de orientações: Formadores e Supervisores do
Projeto de Extensão Formação Continuada – Educação em
Escola de Tempo Integral. Erechim: 2014.
ONCAY, Solange Todero Von. O lugar do planejamento
na escola de tempo integral. In: Formação continuada de
gestores das escolas públicas: Educação Integral em Jornada
Ampliada. LOSS, et al (Org). Tubarão: ed Copiart, 2015.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

EDUCAÇÃO: UM PROCESSO CONTÍNUO DE


CONSCIENTIZAÇÃO

SILVEIRA, Sabrina Senra da1


INTRODUÇÃO
Este presente material, denominado Trabalho de
Conclusão de Curso, é requisito para a obtenção de grau de
Licenciado em Pedagogia: Educação Infantil e Anos Iniciais,
da Faculdade de Educação, da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.
Ele tem como objetivo maior realizar uma pesquisa a
fim de contribuir para a transformação da realidade vivenciada
no sistema educacional atual, com base em uma perspectiva
crítico-reflexiva de conscientização dos sujeitos que o com-
põem, valorizando a singularidade e os sonhos que motivam
cada profissional da educação e ainda os processos de constru-
ção coletiva que alavancam práticas educativas emancipatórias
e socialmente significativas.
Essa pesquisa foi realizada com 12 professores e di-
retores de três escolas diferentes, com práticas educativas visi-
velmente distintas uma das outras. Para demostrar isso, apre-
sentarei neste meu Trabalho de Conclusão de Curso, confor-
me propõe a autora Ana Lúcia Souza de Freitas, com base em
Paulo Freire, o ciclo da pesquisa a partir do diálogo: o diálogo
com autores a fim de encontrar um embasamento teórico que
1 Licenciada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul-PUCRS, Professora e Gestora da Rede Estadual
do Rio Grande do Sul e Professora da Rede Municipal de Viamão-
-RS. email: sabrina.silveira@acad.pucrs.br

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

fundamente minhas ideias acerca do tema, clareando percep-


ções e concepções.
O diálogo com a realidade social realizado por meio da
aplicação dos questionários e escuta de alguns colegas profes-
sores, tendo em vista que este é o momento, onde o educador/
pesquisador toma conhecimento da realidade existente. Nesta
etapa, farei também uma análise reflexiva a partir das opiniões
dos professores e diretores envolvidos nessa pesquisa, buscan-
do compreender melhor por que existem práticas pedagógicas
tão diferentes dentro de uma mesma escola.
Para finalizar, o terceiro momento do ciclo da pesqui-
sa: diálogo com o próprio pensamento será realizado a partir de
minhas próprias e intensas reflexões e demonstrado nas consi-
derações finais deste trabalho.
E ainda, como o tema de interesse está subsidiado em
meu histórico de vida, nas indignações, medos e sonhos vivi-
dos por mim, considero relevante fundamentar as minhas es-
colhas apresentando o escrito O nascimento de uma professora:
sonhar para realizar, ao passo que ele demonstrará o caminho
pelo qual percorri para chegar até aqui, e percorrerei ainda du-
rante o desenvolvimento da pesquisa que proponho realizar.
O NASCIMENTO DE UMA PROFESSORA: SONHAR
PARA REALIZAR...
Tudo começou há 27 anos atrás...
De repente, ouviu-se um choro, era de um bebê que
acabava de nascer, mais precisamente às 21h do dia 10 de outu-
bro de 1987, não sabia ele o quê o futuro lhe reservaria...
O tempo foi passando, o bebê cresceu e na escola como
criança ingressou, agora sem choro; lembro-me que adorava ir
à escola porque lá eu tinha muitos amiguinhos para brincar e
também tinha a minha professora que eu achava linda, a mais
maravilhosa do mundo.
Até hoje me lembro de algumas aulas da minha an-
tiga 1ª série, foi lá que me alfabetizei de maneira formal, ten-

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do em vista que a alfabetização e o letramento de uma crian-


ça começam antes mesmo desta ingressar na escola. Recordo
com perfeição uma aula de recorte e colagem com sílabas para
formarmos palavras, falávamos bastante, conversávamos e in-
teragíamos uns com os outros, as relações interpessoais e so-
ciais brotavam tanto nesta aula que acabei, em um momento de
distração, colando no meu caderno a palavra TE-VI-LE-SÃO.
A professora chamou a minha atenção para a pala-
vra que formei e disse-me para ler novamente. Valorizo tanto
hoje a importância desta ação, pela mediação realizada e pela
oportunidade me dada de perceber meus erros, sem dar-me a
resposta correta ou simplesmente depois corrigir meu caderno
com um X vermelho. Para Vygotsky, a mediação realizada não
apenas pelo professor mas também por ele, por instrumentos
e signos em interação com o meio são fundamentais para a
construção do aprendizado (VYGOTSKY, 1998).
Momento tão importante que acredito que esta postu-
ra de mediação encontrada na relação professor-aluno compõe
efetivamente minha prática docente nos dias atuais.
Estes foram meus primeiros passos na escola, porém
muitos outros foram dados, penso que dia após dia na minha
trajetória escolar fui me constituindo como professora. Nas pa-
lavras de Paulo Freire:
Ninguém começa a ser educador numa certa terça-
-feira às quatro a tarde. Ninguém nasce educador ou
marcado para ser educador. A gente se faz educador,
a gente se forma, como educador, permanentemente,
na prática e na reflexão sobre a prática (FREIRE, 1991,
p. 58).

Na escola eu participava e me envolvia em tudo, hora


do conto, técnicas agrícolas, grêmio estudantil e muitas outras
atividades, desde ajudar meus colegas durante a execução de
determinadas tarefas propostas pelos nossos professores, até
contribuir e auxiliar em tarefas mais burocráticas, como na se-
cretaria da escola ou fazendo grade de horários dos professo-

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res, montando e organizando rifas, arrecadando colaborações


para projetos que estivéssemos realizando na escola, e muito
mais. Eu vivia a escola!
Sou uma pessoa com fortes características de lide-
rança e sempre era escolhida para representar a minha turma.
Como líder eu estabelecia combinações com meus colegas e
professores; eu fazia o espelho de classe da nossa turma e argu-
mentava aos nossos professores garantindo a eles que, mesmo
com algumas conversas devido aos lugares que eu escolhia em
comunhão com meus colegas, apresentaríamos um bom ren-
dimento, que participaríamos efetivamente das aulas e que nos
envolveríamos em todas as propostas de aula. E funcionava!
Às vezes nos opúnhamos a algumas ideias vindas de
cima para baixo, porém sempre argumentávamos e criávamos
uma contraproposta.
Éramos além de colegas, sempre muito amigos, uni-
dos, parceiros uns dos outros... Algo que parece faltar à socie-
dade nos dias de hoje.
Nesta época de adolescência tinha muitos ideais, so-
nhos e queria continuar estabelecendo parcerias para melhorar
a sociedade, e com a escola isso era viável, possível...
Queria muito ser professora, acreditando na magia da
escola, vendo-a como um campo fértil para grandes e brilhan-
tes ideias, pois, na minha opinião, é nela que os sonhos nas-
cem, e lamentavelmente muitas vezes também morrem.
Iniciei o curso de Magistério, em nível pós-médio, no
Instituto Estadual de Educação Isabel de Espanha... Ser pro-
fessora era lutar não apenas pelos meus sonhos, mas pelos de
todos; era criar verdadeiras possibilidades para que eles se rea-
lizassem de fato...
Como aluna, inclusive durante o Ensino Médio, tive
inúmeras oportunidades de vivenciar a docência, auxiliava
com enorme prazer meus professores e colegas na condução
das atividades a serem realizadas. Sempre fui bastante falan-
te, e ainda sou, confesso! Gosto de expressar minhas ideias

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e opiniões, sou bastante comunicativa, mas também uma boa


ouvinte, sempre valorizei o diálogo nas minhas relações, pois
o mesmo além de ser uma relação horizontal, nutre-se do amor,
da humildade, da esperança, da fé um no outro e da confiança
estabelecida. Só através do diálogo haverá então comunicação...
(FREIRE, 1994).
Penso que o diálogo pode abrir-nos muitas portas,
através das palavras podemos alcançar muitos objetivos, metas
desejadas e chegar a lugares que nem imaginamos serem possí-
veis, como o coração das pessoas.
Assim, no Magistério, os sonhos, os ideais, a vontade, a
força em meu coração... e a realidade! Nem tudo que eu esperava
realizar, comunicar ou anunciar era possível, ou pelo menos não
pareciam (FREIRE, 2011). Muitas barreiras surgiram, algumas
vinham da cabeça das pessoas que não acreditavam na própria
capacidade e viam a Educação como um fracasso, mera perda de
tempo e acabavam se acomodando, outros obstáculos eram ge-
rados pelo próprio sistema que nos rege, por outras cabeças que
julgam-se “pensadores” da Educação, mas que só fazem pensar
mesmo, que não agem, não vivem o chão de uma escola, e por
infinitas vezes lançam, como carro chefe de suas plataformas
eleitorais, propostas medíocres, exibicionistas, pensadas talvez
para um pequeno grupo, sem conhecimento da realidade.
Pesquisar, conhecê-las, ter contato com as comunida-
des onde vão ser aplicadas essas tais propostas, seria o primeiro
passo para que projetos dessem realmente certo, fossem viáveis
e efetivamente contribuíssem com a sociedade e a Educação.
Durante o Magistério, tive a oportunidade de pensar
sobre a realidade educacional, empoderei-me2 buscando práticas
2 Tendo em vista, que este é um ato derivado do termo empoderamento,
e correspondente a uma tomada de consciência, que, por sua vez, con-
fere o poder às pessoas, à medida que elas próprias (sujeitos-agentes)
se libertam, buscando internamente, e também nas interações sociais,
a força necessária para agirem, refletindo e criticamente problema-
tizando a realidade, descobrindo brechas e ideologias; de tal modo,
assim, a conscientização nos dá “poder” para transformar as relações
sociais (GUARESCHI, 2010, p. 150).

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diferenciadas que fossem realmente significativas. Tive a gran-


de honra de ter minha mãe como minha supervisora de estágio,
alguém em quem me espelho diariamente, devido a sua prática
comprometida, de reflexão e questionamentos contínuos, lan-
çando-se a desafios que nos trazem conflitos e desencadeiam
mudanças. Mudanças estas que também desejo, que passaram
a fazer parte da minha identidade profissional, do meu eu, e
que me motivam a aprender cada vez mais e a lutar sempre,
visto que a distância entre o sonho e a realidade é um espaço de
luta de criação (FREITAS, 2000). Grandes educadores, minha
mãe e meu pai, sempre estiveram ao meu lado me orientando,
me dando ideias, construindo comigo, buscando alternativas e
me mostrando que há infinitas possibilidades para a Educação,
basta acreditar...
E eu acredito! Acredito em mim, no meu potencial,
sei que posso fazer isso, contribuir com a sociedade; vou en-
contrar um caminho possível para melhorar a situação da Edu-
cação e me proponho a pesquisar em como fazê-lo! Quero ser
e fazer algo a mais...
Sempre acreditei que eu não estava no mundo de pas-
sagem, após concluir o Magistério em 2007, comecei a traba-
lhar na rede de escolas Marista como auxiliar de professora na
Educação Infantil, não fiquei por muito tempo, pouco mais de
um ano apenas, logo fui chamada pelo Estado para assumir um
contrato como professora de um 3º ano, também por pouco
tempo pois passei no concurso da Prefeitura de Viamão e fui
nomeada para 20 horas semanais como professora do muni-
cípio, comecei a lecionar em um 5º ano, e as outras 20 horas,
destino ou não, retornei para minha escola de origem: Isabel
de Espanha, onde comecei a trabalhar com uma turminha de
1º ano.
Tornei-me alfabetizadora, porque penso que desta
forma posso modificar a vida de muitas crianças e contribuir
com uma sociedade melhor e mais justa. Porém, na passagem
de um ano para o outro, parece que as crianças mudam, tor-

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nam-se outras crianças tão diferentes que eu quase não as reco-


nheço, é como se os professores dos anos seguintes não dessem
continuidade para o meu trabalho.
Percebo, então, que por mais que eu me esforce quan-
to a ser uma excelente professora alfabetizadora, preciso fazer
algo a mais...
Quero fazer algo a mais! ...por mim, pelas crianças,
pelos meus colegas professores, pela sociedade!
Não quero ser apenas mais uma professora, por mais
orgulho que eu tenha disso, quero partilhar meus sonhos, mos-
trar que a Educação não é um fracasso. Quero contribuir para
transformar, modificar esta atual situação da Educação! Eu a
vejo como algo mágico, e gostaria de ver mais pessoas pensan-
do assim, mas como?
Alternativas existem, encontrá-las não é fácil, porém
também não é impossível! A Educação por vezes pode parecer
tão deprimente, mas daí ficar de braços cruzados reclamando
não dá, não funciona e nada resolve. Precisamos arregaçar nos-
sas mangas e partirmos para a luta, uma luta por nossos sonhos
e ideais, pela Educação e a sociedade como um todo, sem medo
de sermos derrotados, pois a maior e pior derrota que pode-
mos ter é a de nem tentarmos...
Em meu Trabalho de Conclusão de Curso, um longo
caminho a ser trilhado com um grande desafio a ser alcançado,
continuarei a alimentar sonhos, os meus e os seus... a pós-gra-
duação de Gestão... o mestrado... o doutorado... e mais, muitas
mais perspectivas e metas a favor de você, de nós, da socieda-
de...
“Posso não inventar a roda, mas posso criar uma roda
que gire melhor...”!
Buscarei alternativas para as tantas perguntas que
surgem em minhas reflexões, a partir da minha vivência nos
meios escolares, como aluna e como professora, como militan-
te do sindicato dos professores do Estado, venho observando e
dialogando comigo mesma sobre o processo de aprendizagem

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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dos alunos que parece ser mais qualificado com aqueles profes-
sores que adotam uma linha mais crítico-reflexiva, permitindo
ao educando participar da construção do seu próprio conhe-
cimento.
Então me questiono acerca da prática docente, da do-
cência vivida e sentida ou não por alguns educadores, do ser
professor de cada um:
Que dificuldades encontram, esses professores para
adotar uma prática diferenciada, inovadora, que leve em conta
as pesquisas de diferentes teóricos da educação...?
Que fatores contribuem ou contribuíram para escolha
de uma ou outra prática pelo professor?
Por que alguns professores continuam ensinando com
métodos ultrapassados, utilizando questionários, cópias de li-
ção na lousa, muitas aulas teóricas sem participação dos alu-
nos?
Que prática realmente é mais significativa na apren-
dizagem como construção autônoma do conhecimento e não
como mera transmissão e repetição?
Que fatores interferem em uma prática pedagógica
que visa uma educação de qualidade e transformadora?
Porém, precisamos ter a clareza de que irei atrás de
alternativas, de possibilidades a favor de uma educação de me-
lhor qualidade, mais prazerosa e gratificante, e que certamente
não encontrarei respostas absoluta, pois precisamos sempre le-
var em consideração o momento histórico e o contexto social
existentes nas comunidades.
Tentarei contribuir com uma prática docente mais
comprometida com o direito de aprender e de ser dos educan-
dos, valorizando-os em sua totalidade, como seres históricos,
agentes de criação e transformação da própria realidade, bem
como nós mesmos educadores - gestores, pais e mães - com
competências, saberes, sonhos e ideais.
Lamentavelmente sei que existem docentes que rea-
lizam uma prática de maneira profissional e comprometida

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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com o direito de aprender dos alunos e outros docentes não.


Questiono-me, então, acerca do que eles acreditam para adotar
uma ou outra postura pedagógica e até que ponto a formação
acadêmica e as próprias escolas interferem na prática destes
educadores.
Estas questões serão abordadas nos estudos de minha
pesquisa, na tentativa de buscar respostas e alternativas pos-
sivelmente viáveis para contribuir com práticas educacionais
que visem à emancipação e conscientização da comunidade
escolar.
Dúvidas e mais dúvidas... Que serão problematizadas
e tomadas como ponto de partida para a realização desta pes-
quisa, levando em consideração a dimensão política da função
dos educadores, que me motiva a encontrar ou criar possibili-
dades ineditamente-viáveis para contribuir com uma verdadei-
ra mudança em nosso sistema de educação.
Questionamentos permanentes, algumas crenças pro-
visórias e sonhos eternos... a Educação como um processo con-
tínuo de conscientização.

DIÁLOGO COM AUTORES: Referencial Teórico

Apresento, neste momento, um embasamento teórico


a partir da visão de alguns autores sobre conceitos e temas que
considero estarem relacionados entre si e que serão abordados
na continuidade de meus estudos e na elaboração deste Traba-
lho de Conclusão de Curso.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

A História da Educação no Brasil é marcada por fatos


que caracterizam a sua evolução ao longo dos tempos, realiza-
rei, portanto, neste primeiro capítulo, um estudo sobre esses
fatos, com o objetivo de compreender melhor os aspetos que
influenciam um educador a adotar uma determinada prática
pedagógica e não outra.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Inicialmente, por mais de dois séculos, de 1549 a 1759,


os Jesuítas foram os responsáveis ela educação brasileira. Com
o intuito de catequizar e converter os índios à religião católica
e aos costumes europeus, os jesuítas tinham seu trabalho mis-
sionário facilitado pela realeza portuguesa. Desta forma Igreja
e realeza aliaram-se, a Igreja procurando salvar almas abria ca-
minho para o trabalho colonizador da Coroa Portuguesa.
Os jesuítas tinham duas principais tarefas, então, a
pregação católica e o trabalho educativo, este último justificado
como uma necessidade para se converter os índios à fé católi-
ca. Assim, ao lado das catequeses encontravam-se as primeiras
escolas de ler e escrever, onde eram transmitidos o idioma e os
costumes portugueses.
Porém, no governo de Marquês de Pombal, de 1750 a
1777, este entrou em conflito com os jesuítas, tendo em vista
a centralizar a administração da colônia, alegando de forma
opressora que os jesuítas estariam opondo-se ao governo por-
tuguês.
Devido a isso, em 1759, o governo português rompeu
com os jesuítas, suprimindo as escolas jesuíticas e criando, em
seu lugar, apenas algumas aulas régias.
Marquês de Pombal e sua reforma não queriam liber-
tar-nos da doutrinação portuguesa, queria ele, nada mais nada
menos do que “substituir a escola que servia aos interesses
da fé pela escola útil aos fins do Estado” (PILETTI; PILETTI,
2002, p.139).
Segundo Laerte Ramos de Carvalho, a reforma Pom-
balina tinha por objetivo:
Criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido,
ao invés de preconizarem uma política de difusão in-
tensa e extensa do trabalho escolar, pretenderam os
homens de Pombal organizar a escola que, antes de
servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da
Coroa (CARVALHO apud PILETTI; PILETTI, 2002,
p. 137).

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Analisando o resultado da expulsão dos jesuítas para


o ensino brasileiro, Valnir Chagas diz: “Pior é que, para subs-
tituir a monolítica organização da Companhia de Jesus, algo
tão fluido se concebeu que, em última análise, nenhum sistema
passou a existir” (CHAGAS apud PILETTI; PILETTI, 2002, p.
137).
Foram criadas, então, as aulas régias, em que cada
uma era para uma determinada disciplina, e estas desarticula-
das uma da outra, isoladas e sem continuidade.
Agravando ainda mais a situação da educação no Bra-
sil, os professores, além de mal pagos, eram despreparados e
improvisados. Nossa educação resumia-se à praticamente qua-
se nada ao iniciar o século XIX, devido ao desmantelamento
do sistema jesuítico sem que nada fosse de organizado houves-
se para substituí-lo.
De 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa no
Brasil, até 1822, a maior preocupação do governo no âmbito
da educação era a formação das elites dirigentes do nosso país.
Ao invés de procurar montar um sistema nacional de
ensino, integrado em todos os seus graus e modali-
dades, as autoridades preocuparam-se mais em criar
algumas escolas superiores e em regulamentar as vias
de acesso a seus cursos (PILETTI; PILETTI, 2002, p.
145).

Após a independência do Brasil, o governo da União


não se preocupou muito com a educação, foram pouquíssimas
as iniciativas. A constituição de 1824 estabelecia apenas que a
instrução primária deveria ser gratuita para todos. No entan-
to, este, o ensino primário, ficou a cargo das províncias que
tinham um orçamento precário, proibiam ainda os escravos de
frequentá-lo e nem sequer era um pré-requisito para o ingresso
no ensino secundário.
Como podemos perceber o ensino secundário e o en-
sino superior eram as prioridades do governo para favorecer
a formação das elites dirigentes, deixando à margem o ensi-

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no primário e os técnicos-profissionais. Somente na década


de 1830 surgiram as primeiras escolas normais, localizadas na
Bahia e no Rio de Janeiro, com resultados pouco promissores.
“O curso normal praticamente só se desenvolveu a
partir do final do Império e, assim mesmo, enfrentando enor-
mes dificuldades, como a falta de professores qualificados e
condições precárias de ensino” (op. cit., p. 153).
Com o fim do Império, a situação do Brasil não dis-
punha de um sistema integrado e articulado. Rui Barbosa, no
seu texto intitulado Reforma do Ensino Primário, destaca que:
Uma reforma radical do ensino público é a primei-
ra de todas as necessidades da pátria, amesquinhada
pelo desprezo da cultura científica e pela insigne de-
seducação do povo. [...] Num país onde o ensino não
existe, quem disser que é “conservador em matéria de
ensino” volteia as costas ao futuro, e desposa os inte-
resses da ignorância. É preciso criar tudo; porquanto
o que aí está, salvo raríssimas exceções, e quase todas
no ensino superior, constitui uma perfeita humilha-
ção nacional (BARBOSA apud PILETTI; PILETTI,
2002, p. 154-155).

Com o início da Primeira República, o modelo edu-


cacional do Brasil finalmente foi colocado em questão, e en-
tão, a educação voltada apenas para as elites entrou em crise,
principalmente na década de 1920, onde outros setores como
o político, o econômico, o social e o cultural também enfrenta-
ram problemas, culminando na Revolução de 1930, que gerou
inúmeras transformações no nosso processo educativo.
Foi a partir de 1930 que o nosso sistema educativo
passou a enfatizar a educação básica, ou seja, o primário, arti-
culado como um todo até o ensino superior. Inúmeros educa-
dores participaram de debates, nutrindo com grande entusias-
mo o papel da educação. Acreditávamos mesmos, que através
da educação poderíamos mudar a situação atual da própria so-
ciedade. Pensamento este, que perdura até os dias de hoje em
muitos educadores, mas nem tantos.

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Educação Popular em Debate
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Foram criados o Ministério da Educação e as Secre-


tarias de Educação dos Estados, e a Constituição de 1934 foi
a primeira a dedicar um capítulo específico à educação, esta-
belecendo pontos importantes como: a educação um direito
de todos, obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário e
assistência aos estudantes necessitados.
O Governo Federal assumiu, então, novas atribuições,
que se por um lado iniciaram a construção do nosso sistema
nacional de educação, por outro lado, mostravam profundo
valor pela centralização das competências.

Quase tudo passou a depender da autoridade supe-


rior; multiplicaram-se os órgãos, as leis, os regula-
mentos, as portarias, etc., a limitar a ação de escolas
e educadores; as funções de controle, supervisão e
fiscalização tornaram-se burocráticas e rígidas, as-
sumindo, muitas vezes, um caráter “policialesco”; tal
ênfase em aspectos legais, normativos, burocráticos,
muitas vezes levaram a esquecer ou relegar a um pla-
no secundário o objetivo fundamental da educação,
que é o de criar condições para a formação de pessoas
humanas (PILETTI; PILETTI, 2002, p. 177).

Desta forma, haveria aqui o panorama de uma falsa de-


mocracia; portanto, em 1932, um grupo de educadores, lança-
ram em contraproposta o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, que reivindicava urgentemente uma necessária recons-
trução na educação do Brasil. Dentre as principais ideias de-
fendidas no Manifesto seriam elas: a educação como um ins-
trumento de reconstrução nacional; a educação pública, obri-
gatória e leiga; e a educação adaptada aos interesses dos alunos.
Francisco Campos, novo ministro da educação, foi in-
fluenciado pelo Manifesto, no entanto, era católico e antilibe-
ral, colaborando para a volta do Ensino Religioso ao currículo
escolar. Todavia, os Escolanovistas eram contra isso, o que ge-
rou grandes e intensos debates entre as duas frentes: a da escola
pública e a da escola privada, estas últimas apoiadas pela igreja.

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O governo não apresentava um forte e esclarecido posi-


cionamento, ora pendia para um lado, ora para o outro. Enquan-
to isso, na Europa os regimes totalitaristas tomavam conta do
poder, inspirando Getúlio Vargas, a instituir erroneamente, aqui
no Brasil, o Estado Novo, que durou dos anos de 1937 a 1945.
Assim, comparando a este período do Estado Novo e
ao poder autoritário instalado em 1964 com a Ditadura Militar,
no período de 1946 a 1964, podemos considerar que o Bra-
sil viveu quase duas décadas de regime democrático, limitado
obviamente, mas desenvolvendo inúmeros avanços nos movi-
mentos populares, inclusive no campo educacional, pois, em
1961, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), após ser discutida durante 13 anos.
Porém, o que mais empolgava e animava o Congresso,
os educadores e as opiniões públicas, era a questão da liber-
dade de ensino. Levando a existir duas grandes correntes em
posições contrárias uma à outra, uma lutava pela escola públi-
ca, representada pelos educadores filiados ao movimento da
Educação Nova, e a outra defendendo a escola privada, repre-
sentada pelos meios católicos.
Neste período, também repercutiram grandes movi-
mentos em favor à educação popular, especialmente em prol
da alfabetização de jovens e adultos, onde teve um importante
destaque o educador Paulo freire, com o seu trabalho realizado,
equivocadamente considerado por diversas como um método.
O próprio Paulo Freire foi nomeado como coordena-
dor do Programa Nacional de Alfabetização, entretanto, este
mesmo programa foi extinto no dia 1º de abril e seus organiza-
dores, foram acusados de subversão, presos e exilados, quando
os militares tomaram o poder, instalando a Ditadura em nosso
país.
A partir de 1964, com o início da Ditadura Militar, o
autoritarismo instalou-se no Brasil, o presidente constitucional
João Goulart foi deposto, e a nossa educação, bem como outros
setores, foi uma das grandes vítimas deste Golpe.

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No campo político-administrativo, funcionários pú-


blicos e membros do Poder Legislativo passaram por inquéritos
policiais, foram destituídos de seus cargos, muitos foram presos
e até exilados. O povo brasileiro não pode mais escolher o Pre-
sidente, nem seus governadores e prefeitos das suas cidades.
Na economia, acentuaram-se as desigualdades, tor-
nando os ricos cada vez mais ricos e os pobres sempre mais
pobres; significativamente aumentaram o número de desem-
pregos e os salários foram arrochados ao mesmo tempo em que
os preços disparavam.
As condições de vida da população brasileira ficaram
ainda mais precárias e insuficientes limitando uma vida digna
para nós cidadãos.
Inúmeros sindicatos foram invadidos com o uso de
força policial e seus líderes foram destituídos dos seus cargos,
inclusive, sendo presos, e as greves devido a forte e violenta re-
pressão deixaram de acontecer. Lutar pelos nossos direitos era
proibido!
Na área da educação, os avanços também foram con-
tidos; um número enorme de escolas foi invadido pela polícia,
com professores e estudantes presos e exilados. Havia, em todas
elas, agentes dos órgãos de informação do Governo, observan-
do-as e controlando-as.
Em dezembro de 1968, mais precisamente em uma
sexta-feira 13, o país foi submetido ao Ato Institucional nº 5,
que dava plenos poderes ao Presidente, inclusive o de fechar o
Congresso, cassar mandatos e suspender direitos. O AI-5 atin-
giu a educação através do Decreto-lei nº 477, do qual destaco
seu primeiro artigo:
Art. 1º - Comete infração disciplinar o professor, alu-
no, funcionário ou empregado de estabelecimento de
ensino público ou particular que:

I - alicie ou incite à deflagração de movimento que te-


nha por finalidade a paralisação de atividade escolar
ou participe nesse movimento;

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II - atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou


instalações, de qualquer natureza, dentro de estabe-
lecimentos de ensino, como fora dele;

III - pratique atos destinados à organização de movi-


mentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios
não autorizados, ou deles participe;

IV - conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha


em depósito, distribua material subversivo de qual-
quer natureza;

V - sequestre ou mantenha em cárcere privado di-


retor, membro de corpo docente, funcionário ou
empregado de estabelecimento de ensino, agente de
autoridade ou aluno;

VI - use dependência ou recinto escolar para fins de


subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à
ordem pública (op. cit., p. 202-203).

Dentre suas punições estavam, para os membros do


corpo docente: demissão ou dispensa e proibição de ser no-
meado ou contratado durante cinco. Para os alunos: desli-
gamento e proibição de matricular por até três anos. Para os
benificiários que recebessem auxílio do Poder Público a per-
deriam. Se fossem estrangeiros seria solicitada sua retirada
imediata do território nacional brasileiro.
Durante este período de Ditadura Militar, houve a
Reforma Universitária (1968) – atribuindo às universidades
um modelo empresarial com unidades praticamente isoladas
– e a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (1971) – que tinha
por objetivos: a auto-realização, a preparação para o traba-
lho e para o exercício consciente da cidadania. Mera ilusão,
pois, a maioria dos alunos que iniciavam seus estudos, não
conseguiam atingir esses objetivos. E, lamentavelmente, nos
dias atuais ainda existem milhares de escolas com esta fragi-
lidade.
A Lei da Reforma de 1971 provocou um verdadeiro
caos, pois as escolas foram obrigadas a implantar habilitações

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profissionais como parte do seu currículo sem o mínimo de


preparo e condições para isso. Assim, algumas escolas:
Elaboravam um currículo oficial para fiscalização ver
e outro, com matérias diferentes, para estudantes pre-
pararem-se para o vestibular; e muitas3 implantaram
as habilitações mais baratas, que exigissem menos re-
cursos, mesmo que não houvesse mercado de traba-
lho, etc. (op. cit., p. 207).

Poderíamos dizer que qualquer semelhança com o


sistema de educação atual seria uma mera coincidência ou
uma consequência ainda como um reflexo da Ditadura Militar
em nosso país?
Após esta Reforma, o currículo escolar aumentou
consideravelmente o número de matérias obrigatórias, preju-
dicando efetivamente a liberdade das escolas de introduzirem
outras matérias mais reflexivas em seus sistemas e impossibi-
litando qualquer uma delas de permitir aos estudantes e pro-
fessores o direito de se expressarem conforme suas opiniões e
pensamentos.
Ao chegarmos no final do século XX, apesar do enor-
me esforço de alguns educadores e de alguns grupos também,
continuávamos enfrentando sérios problemas no nosso siste-
ma educacional, e consequentemente, na construção de um
país melhor para todos nós brasileiros.
A nossa realidade educacional não era nada promis-
sora durante este período de autoritarismo vivido no Brasil,
entretanto a partir da organização de educadores, podíamos
vislumbrar um futuro mais promissor, existindo tendências e
perspectivas que nos davam esperança para alcançarmos uma
educação melhor.
Todavia aqueles que esperavam mudanças radicais
após a posse do primeiro presidente civil, em 1985, depois de
21 anos de governos militares, desiludiram-se amargamente.
Havia uma intensa mobilização popular e milhões de pessoas
3 Grifo meu.

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foram às ruas para reclamar por eleições diretas, mas somente


em 1989 é que finalmente elas aconteceram.
No campo da educação também foram intensos os
debates, e mais uma vez os privatistas que desejavam, entre ou-
tras coisas, verbas públicas para as suas escolas particulares, e
os defensores da escola pública e gratuita para todos, se coloca-
ram em lados opostos.
Foi então que, em outubro de 1988, a nova Constitui-
ção passou a incluir novos princípios, que com certeza repre-
sentavam enormes à educação, faziam referência para a per-
manência na escola, ao pluralismo de ideias e concepções, à
valorização aos profissionais de ensino e à gestão democrática.
Evidentemente, Nelson Piletti e Claudino Piletti
(2002), destacam que:

Mais do que de palavras e de normas legais precisa-


mos, portanto, da ação concreta dos poderes públicos
em cumprimento a suas obrigações constitucionais. E,
tenhamos certeza, tal cumprimento será diretamente
proporcional ao grau de consciência, de organização e
de cobrança da população acerca de seus direitos fun-
damentais, entre os quais está, sem dúvida, o direito à
educação (p. 221).

Finalmente, oito anos após a Constituição de 1988, foi


promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação com
propostas vindas da mobilização de muitos educadores e suas
entidades representativas; merecendo ser destacada a gestão
democrática, onde pela primeira vez foi falado sobre a parti-
cipação dos profissionais de educação e das comunidades na
elaboração do Projeto da Escola.
Com base nos principais acontecimentos relativos à
História da Educação no Brasil, abordarei no próximo capí-
tulo, uma análise mais detalhada das Tendências Pedagógicas
decorrentes desses fatos que influenciaram e influenciam ainda
hoje a formação dos profissionais em educação.

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AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA


EDUCATIVA
Observamos que ao longo dos anos, em nosso sistema
de ensino, houve concepções, ideias, pensamentos, tendências
e posturas opostas uma à outra, desde os primórdios da educa-
ção, passando pelo período da Ditadura Militar, inclusive, até
os dias de hoje.
José Carlos Libâneo (1986) em seu estudo sobre as
tendências pedagógicas nos esclarece que as condições que con-
cretizam as práticas escolares vão além do pedagógico, pois a
escola cumpre funções atribuídas a ela por uma sociedade com
diferentes classes sociais e, portanto, com interesses também
diferentes, contrários.
Por trás da prática escolar, então, existem “condicio-
nantes sociopolíticos que configuram diferentes concepções de
homem e de sociedade, e consequentemente, diferentes pres-
supostos sobre o papel da escola, aprendizagem, relações pro-
fessor-aluno, técnicas pedagógicas, etc.” (op. cit., p. 19).
Evidentemente, a forma como um professor atua está
relacionada com os pressupostos teóricos-metodológicos, im-
plícita ou explicitamente. Muitos professores justificam suas
práticas em vivências que tiveram durante o período escolar ou
naquelas práticas transmitidas por colegas mais velhos, o que
não nega a existência de pressupostos teóricos implícitos. Po-
rém, existem também muitos professores com uma capacidade
maior de perceber a sua prática com um sentido mais amplo e
de explicitar suas ideias e convicções.
Frente a estas diferentes posturas e contradições exis-
tentes nas práticas escolares, Libâneo nos fornece uma expla-
nação dos pressupostos teóricos e metodológicos de cada ten-
dência pedagógica, classificando-as em dois grandes grupos:
Pedagogia Liberal e Pedagogia Progressista.
A Pedagogia Liberal sustenta a ideia de que a escola
tem por função preparar os indivíduos para o desem-
penho de papéis sociais, de acordo com as aptidões

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individuais. Para isso, os indivíduos precisam apren-


der a adaptar-se aos valores e às normas vigentes na
sociedade de classes através do desenvolvimento da
cultura individual (op. cit., p. 21).

A Pedagogia Progressista parte4 de uma análise crí-


tica das realidades sociais, sustentam implicitamente
as finalidades sociopolíticas da educação. [...] a peda-
gogia progressista não tem como institucionalizar-se
numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumen-
to de luta dos professores ao lado de outras práticas
sociais (op. cit., p. 32).

Com base nos estudos de Libâneo sobre as tendências


pedagógicas, a autora Ana Lúcia Souza de Freitas (2014) des-
creve a Pedagogia Liberal como:
Conjunto das tendências pedagógicas que propagam a
ideia da igualdade de oportunidades sem, no entanto,
levar em consideração a desigualdade das condições
sociais, e que acabam por conceber a escola como
instituição destinada à conformação do indivíduo
à sociedade a partir da otimização de suas aptidões
individuais. Diferentemente do sentido atribuído ao
termo liberal no senso comum – avançado, democrá-
tico, aberto –, as práticas de concepção liberal reite-
ram valores centrados no indivíduo (p. 36).

De acordo com os condicionantes sociopolíticos e as


posições adotadas, a Pedagogia Liberal abrange quatro tendên-
cias: a Tradicional, a Renovada Progressivista, a Renovada Não-
-diretiva e a Tecnicista.
1. Na tendência Tradicional, o aluno é educado
para atingir; os conteúdos, os procedimentos, a
relação entre professor e aluno não levam em
consideração o cotidiano e os saberes dos alu-
nos e muito menos a realidade social em que
estes se encontram; enfatizasse os exercícios de
repetição e a memorização, o professor é quem
4 Grifo meu.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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tem direito a palavra e que dita as regras que


devem ser seguidas sem serem questionadas.

2. Na tendência Renovada Progressivista, o aluno é


visto como sujeito do próprio conhecimento; a
educação é um processo interno e não externo,
portanto, parte das necessidades e dos interes-
ses individuais, acentuando assim o desenvol-
vimento de aptidões individuais; difundida pe-
los Pioneiros da Educação, principalmente por
Anísio Teixeira, e sob influência de Montessori,
Piaget e outros.

3. Na tendência Renovada Não-diretiva, os objeti-


vos eram voltados para a auto-realização e para
as relações interpessoais; o professor é consi-
derado apenas um facilitador; tinha como in-
fluência direta as ideias do psicólogo norte-a-
mericano Carl Rogers.

4. Na tendência Tecnicista, observa-se como prin-


cipal objetivo a preparação de recursos huma-
nos, ou seja, mão-de-obra para as indústrias; a
educação treina os alunos a atingirem as metas,
desta forma, o conteúdo não é o mais importan-
te e sim as técnicas necessárias para o máximo
de produção, cabendo ao professor a função de
modelar as repostas apropriadas e desejadas.

Já a Pedagogia Progressista, conforme Ana Lúcia Sou-


za de Freitas, baseada em Libâneo, é o “conjunto de tendên-
cias pedagógicas que se posicionam criticamente em relação
às finalidades sociopolíticas da educação, problematizando a
realidade e a lógica social dominante” (2014, p. 37).
A Pedagogia Progressista tem-se manifestado, de
acordo com Libâneo, em três tendências: a Libertadora, a Li-
bertária e a Crítico-social dos Conteúdos.

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1. Na tendência Libertadora, mais conhecida


como pedagogia de Paulo Freire, os alunos e
professores são mediatizados pela realidade e
a partir dela aprendem e extraem os conteúdos
de aprendizagem, atingindo um maior nível
de consciência desta realidade, com o objetivo
de atuarem em relação à transformação social;
questiona concretamente a realidade social e as
relações estabelecidas, portanto, é uma educa-
ção crítica e política; baseia-se no diálogo, na
problematização, onde professor e aluno apren-
dem e ensinam juntos, lado-a-lado, como sujei-
tos de conhecimento.
2. Na tendência Libertária, os conteúdos são colo-
cados à disposição dos alunos mas não são exi-
gidos, o importante mesmo é o conhecimento
adquirido a partir das vivências, especialmente
dos mecanismos grupais de participação críti-
ca (assembleias, reuniões, eleições, discussões,
etc.); baseia-se na autogestão pedagógica, onde
o professor é visto mais como um orientador e
catalisador, estabelecendo uma relação de não-
-diretividade.
3. Na tendência Crítico-social dos Conteúdos, o
objetivo maior é a aquisição do saber, mas um
saber vinculado às realidades sociais; os conteú-
dos devem ter o interesse dos alunos para que
eles reconheçam-nos como fundamentais para
a prática social, buscando uma ruptura com a
ideologia dominante; ao professor cabe o pa-
pel de orientar e abrir perspectivas a partir dos
conteúdos que deverão mobilizar a participação
ativa dos alunos.

Podemos concluir que a Pedagogia Liberal é uma pe-


dagogia acrítica, pois não questiona os determinantes da estru-

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tura educacional, preparando os indivíduos simplesmente para


exercerem papéis impostos pela sociedade de classes na qual
lamentavelmente vivemos, ou pode-se dizer, sobrevivemos.
Em oposição a ela, temos, então, a Pedagogia Progres-
sista que compreende a educação como um processo de huma-
nização e emancipatório, valorizando o contexto e as relações
estabelecidas entre os sujeitos, analisando, portanto, critica-
mente as realidades sociais existentes, e questionando, ainda,
as finalidades da escola, com o objetivo primordial à transfor-
mação da sociedade.
Dentro desta perspectiva, no próximo capítulo, des-
tacarei alguns pontos fundamentais na elaboração e aplicação
do Projeto Político-Pedagógico, considerando a importância
dele na constituição da identidade da escola e de seus gestores
e educadores.
O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E SUA
IMPORTÂNCIA NA PRÁTICA ESCOLAR
Como podemos observar também, muitas coisas já
mudaram no nosso sistema educacional, porém muitas outras
ainda precisam ser modificadas.
Proponho, então, refletirmos um pouco mais acerca
da importância do projeto político-pedagógico para as práticas
vivenciadas no ambiente escolar, observando aspectos desde
sua elaboração às ações almejadas como metas a serem al-
cançadas e realizadas. Trazendo ainda princípios importantes
que nos servem como ponto de partida, e questões para como
executar o projeto político-pedagógico e colocá-lo em prática,
visando à formação de uma escola com autonomia e cidadãos
com criticidade e verdadeira consciência.
A importância desses princípios está em garantir sua
operacionalização nas estruturas escolares, pois uma
coisa é estar no papel, na legislação, na proposta, no
currículo, e outra é estar ocorrendo na dinâmica in-
terna da escola, no real, no concreto (VEIGA, 1991,
p. 82).

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No sentido mais amplo, a palavra ‘projeto’ significa


intenção, propósito. Se tratando de educação, José Carlos Libâ-
neo (2004) nos diz que o projeto político-pedagógico “é o do-
cumento que detalha objetivos, diretrizes e ações do processo
educativo a ser desenvolvido na escola”.
Nesta perspectiva, projeto político-pedagógico é um
plano que retrata a identidade de uma escola. É ‘político’ por-
que tem como finalidade formar o cidadão para um tipo de
sociedade, evidentemente, nenhum projeto político-pedagógi-
co é neutro; ele carrega nele as tendências de quem o elabora.
E é também ‘pedagógico’ porque traz, de forma organizada,
o planejamento de todas as atividades previstas à escola, para
um determinado período. Portanto, todo projeto deveria visar
ações concretas a serem atingidas e vivenciadas plenamente no
ambiente escolar.
Um projeto político-pedagógico não deve ser apenas
mais um plano a ser feito por exigência legal. A escola deve se
apropriar dele para atingir suas metas, buscando um ensino
mais qualificado.
De acordo, com o artigo 12 da Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional (9394/96), fica definido que “os es-
tabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as
do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e
executar sua proposta pedagógica”.
Pois, sendo ele o documento que visa à organização
administrativa e pedagógica da escola, deve buscar alternativas
para os problemas evidenciados no diagnóstico da escola; não
deve ser imposto, mas construído de forma coletiva, envolven-
do todos os segmentos da comunidade escolar (pais, alunos,
professores, funcionários).
A escola deve não só construir coletivamente, como
também dar visibilidade ao seu plano; a comunidade deve co-
nhecer o produto final e estar presente ao longo de todo o pro-
cesso, avaliando e fazendo as correções que se fizerem neces-
sárias, pois o PPP ao ser avaliado constantemente oportuniza

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a todos a possibilidade de verificar se o que foi planejado está


sendo alcançado, e o que deve ser replanejado.
Os artigos 3º e 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (9394/96) reforçam isto:
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos se-
guintes princípios:
[...]
VIII - gestão democrática do ensino público, na for-
ma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
[...]
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da
gestão democrática do ensino público na educação
básica, de acordo com as suas peculiaridades e con-
forme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na ela-
boração do projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em
conselhos escolares ou equivalentes.

Desta forma, se a escola tem uma finalidade, se está


preocupada em melhorar a qualidade do seu ensino, é funda-
mental que ela tenha o seu projeto político-pedagógico não
apenas no papel, mas também na sua prática diária, e isto não
porque é uma exigência legal, mas porque perceba que é ne-
cessário planejar – tendo um ponto de partida e visualizando o
que deseja alcançar. Com o planejamento temos uma direção
mais clara a seguir, e segundo Celso Vasconcellos (2002, p. 3)
“ajuda a concretizar aquilo que se almeja”.
Para a elaboração do projeto político-pedagógico de-
vemos refletir a cerca da função que temos enquanto escola e
levar em considerar as seguintes questões:
a) a finalidade da escola:
- Que tipo de cidadão nós queremos? Para
qual sociedade?

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b) o tipo de gestão:
- Queremos uma gestão democrática ou
centralizadora e autoritária?
c) a metodologia:
- Tradicional ou progressista?
- Trabalho pedagógico fragmentado ou
interdisciplinar?
d) a organização do espaço:
- Amplo ou com pouco espaço?
- De zona urbana ou zona rural?
e) a organização do tempo:
- Por turnos (manhã, tarde ou noite) ou
turno integral?
f) a avaliação:
- Como processo ou apenas o resultado
final?
Em seguida, Celso Vasconcellos (2004), destaca que
o projeto político-pedagógico é construído a partir de marcos
sendo eles: Marco Referencial que se refere ao ideal e desejado,
às metas que pretendemos alcançar; Marco Filosófico represen-
tando os princípios que orientarão todo o processo de cons-
trução; Marco Conceitual demonstrando as fundamentações
teóricas que embasam nossas escolhas; e o Marco Estrutural
apontando as opções metodológicas que escolhemos para atin-
gir nossas metas.
Cabe lembrar, então, que o projeto político-pedagógi-
co deve ser sempre um plano onde as metas podem ser execu-
táveis e alcançadas.
Assim, desta forma, todo projeto deve requerer res-
postas para as seguintes questões: qual o problema? o que fa-
zer? por que fazer? e quem fará? Então, para responder estas

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e outras questões devemos observar os dados que a realidade


nos apresenta, pois precisamos conhecer onde é que estamos e
para onde desejamos ir. Para tanto, devemos conhecer a comu-
nidade onde a escola está inserida e quais os problemas dessa
comunidade. Este diagnóstico servirá de base para definirmos
os objetivos que queremos alcançar.
A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 dá autonomia às
escolas através da possibilidade da elaboração do seu próprio
PPP, pois ser autônomo significa não tão somente ter liberdade
para optar pelo que se quer, mas também lutar para alcançar.
A escola através do seu projeto político-pedagógico
poderá contribuir na busca da tão almejada qualidade de en-
sino, e com isso estará contribuindo para a formação de cida-
dãos mais capazes de transformar a própria realidade em prol
de um mundo melhor e menos feio.
Precisamos ter a clareza de que se quisermos uma so-
ciedade mais justa, mais igualitária, mais democrática, deve-
mos começar por nós, a partir do envolvimento de nós todos.
Cabe, portanto, uma análise mais atenta ao papel da
Supervisão Escolar neste processo de articulação e integração
entre os sujeitos envolvidos na prática educacional, o que será
realizado no capítulo seguinte.
A SUPERVISÃO ESCOLAR E SEU PAPEL NO
COTIDIANO DA ESCOLA
Conforme a história do Brasil, sabemos que no ano
de 1930 houve uma grande Revolução em nosso país, com in-
fluências diretas sobre o nosso sistema educacional. Neste mes-
mo ano foram criados, então, o Ministério da Educação e as
Secretarias de Educação dos Estados.
E em 1934, a Constituição dedicou um capítulo exclu-
sivo para a educação, estabelecendo pontos muito importantes
como a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, e a
educação como um direito de todos; e a partir destes pontos
o Governo Federal passou a assumir novas atribuições, dentre

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elas, a função de controlar, supervisionar e fiscalizar o cumpri-


mento das normas federais.
De acordo, com Miguel Arroyo e equipe, a supervisão
escolar:
É um serviço que nasceu para controlar e avaliar a
prática pedagógica, como o capataz e gerente têm por
função controlar a produção e os trabalhadores na
empresa. [...] O serviço de supervisão escolar nasce
num dos momentos de maior privatização do contex-
to social, político, econômico e cultural da sociedade
brasileira, e num dos momentos de maior privatiza-
ção da escola, do saber e a ciência a serviço de interes-
ses privados, ou a serviço de um modelo de desenvol-
vimento excludente em todos os níveis. (1989, p.115).

Nasce, neste momento, o supervisor escolar com o seu


papel de controlar e fiscalizar toda e qualquer ação docente.
O supervisor escolar, o “especialista em educação”, que em sua
origem daria ênfase ao controle, às cobranças, às obrigações es-
colares, aos aspectos administrativos, burocráticos e técnicos,
passa a atuar nas escolas, inclusive, nos dias atuais, e muitos,
ainda com a mesma postura ultrapassada e limitadora de uma
verdadeira transformação na educação, e consequentemente
na sociedade.
Muitos educadores descrevem ainda a mesma postura
nos supervisores escolares atuais, alegando que estes apresen-
tam a mesma opinião e prática a cerca do seu papel no coti-
diano da escola e fortalecem uma relação hierárquica com os
educadores.
Equivocadamente, muitos supervisores escolares,
desconsideram-se educadores, considerando que têm um pa-
pel superior. No entanto, Paulo Freire, no III Encontro Nacio-
nal de Supervisores de Educação, realizado no ano de 1980,
posiciona-se em relação à prática profissional do supervisor-e-
ducador, dizendo-nos que:
O supervisor é um educador e, se ele é um educador,
ele não escapa na sua prática a esta natureza episte-

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mológica da educação. Tem a ver com o conhecimen-


to, com a teoria do conhecimento. O supervisor não
escapa a isso também (FREIRE, in BRANDÃO, 1989,
p. 95).

Cabe, portanto, ao supervisor-educador, de fato ques-


tionar-se sobre qual é o objeto de conhecimento destinado ao
seu trabalho, percebendo que é o próprio ato de conhecimento
decorrente da relação do educador com os educandos; e assim
não mais distanciar-se desta relação como se não fizesse parte
também da sua própria prática.
Silva Junior (1986) destaca que a ação do supervisor
escolar deve ser a serviço da organização do trabalho coletivo,
como parte integrante desse processo e desafia a qualidade de
sua participação. O autor esclarece:
Quando o supervisor, definido e reconhecido como
um educador, se revelar capaz de articular a ação
dos demais educadores, respeitando a sua criação e,
ao mesmo tempo, favorecendo seu acesso ao conhe-
cimento, a inevitabilidade da divisão interna do tra-
balho na escola estará superada pela reapropriação
pelo conjunto dos educadores no sentido do projeto
educacional que os une e sanciona o trabalho desen-
volvido com seus alunos. O supervisor será então a
referência necessária para concretização desse projeto
(SILVA JR apud FREITAS, 2001, p. 205).

Desta forma, Ana Lúcia Souza de Freitas (2001), pro-


põe o contrário da concepção tradicional, ao nos dizer que o
supervisor-educador não deve assumir a tarefa de pensar, pla-
nejar e avaliar a qualidade da execução de práticas padroniza-
das e previamente definidas, reduzindo o professor a objeto de
seu controle; o supervisor escolar deve assumir “o compromis-
so de desafiar a reflexão dos professores, ao problematizar a sua
prática profissional em formação permanente” (p. 204).
Consequentemente, o supervisor escolar, assumi-
ria como função específica da sua identidade profissional um
comprometimento com a democratização da escola, a partir da

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socialização dos saberes docentes por meio da troca de expe-


riências e de discussões, finalmente, comprometendo-se com a
reflexão e a sua permanente reconstrução, superando a ênfase
administrativo-burocrática que ainda existe na prática da su-
pervisão escolar.
A autora Mary Rangel nos destaca que:
O supervisor não é um “técnico” encarregado da efi-
ciência do trabalho e, muito menos, um “controla-
dor” de “produção”; sua função e seu papel assumem
uma posição social e politicamente maior, de líder, de
coordenador, que estimula o grupo à compreensão –
contextualizada e crítica – de suas ações e, também,
de seus direitos (RANGEL, in SILVA JR, 2000, p. 150-
151).

Dessa maneira, conforme a autora, o supervisor es-


colar deve apresentar-se como um líder, a favor dos interesses
coletivos, que mobilize o grupo e dinamize encontros para a
discussão entre teoria e prática, dando destaque ao movimento
em busca da conscientização dos sujeitos; e evitando a rotini-
zação e a mecanização das práticas na escola, compreendendo
os processos de ensino-aprendizagem de forma mais contex-
tualizada e socialmente comprometida.
Segundo Ana Lúcia Souza de Freitas (2001), em uma
perspectiva de gestão democrática, a supervisão escolar, deve
trabalhar para redimensionar as relações existentes no interior
da escola, exercendo uma interlocução constante com o profes-
sor no estudo de sua prática, estabelecendo uma permanente
articulação entre a teoria e a prática, sempre problematizando
situações padronizadas e desafiando constantemente a criação
de inéditos-viáveis.
É nesse sentido que se insere a ação do supervisor-edu-
cador como um/a articulador/a das ações educativas
de tal forma que, através de um processo permanente
de debate coletivo, de crítica recíproca, de permuta
de pontos de vista, num movimento dinâmico entre
teoria e prática, vá tornando-se possível a explicita-

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ção e análise dos pressupostos que estão orientando


as práticas escolares e recriando-as a partir de opções
teórico-críticas conscientes, coletivas e eticamente de-
mocráticas (op. cit., p. 210).

Por inédito-viável faz-se necessário compreendermos a


superação dos nossos medos e das situações-limite5 existentes,
através de uma luta comprometida para finalmente alcançar-
mos a realização dos sonhos possíveis, antes jamais sonhados,
tidos com impossíveis.
O inédito-viável é uma proposta prática de superação,
pelo menos em parte, dos aspectos opressores per-
cebidos na realidade. O risco de assumir a luta pelo
inédito-viável é uma decorrência da natureza utópica,
própria da consciência crítica, que faz o ato de sonhar
coletivamente um movimento transformador (FREI-
TAS, in FREIRE, 2001, p. 29).

Freitas (2001) esclarece-nos ainda, que um sonho possível


surge justamente da reflexão crítica e da percepção dos sujei-
tos, em oposição às condições fatalistas vividas pela sociedade.
Com o sonho possível acredito que, a partir dos sujeitos e
com os sujeitos, a realidade pode ser transformada, e este não
é algo ingênuo, mas sim uma forma de luta com base na espe-
rança.
Desse modo, incluir-se na luta por sonhos possíveis
implica assumir um duplo compromisso: o com-
promisso com a denúncia da realidade excludente e
o anúncio de possibilidades de sua democratização,
bem como o compromisso com a criação de condi-
ções sociais de concretização de tais possibilidades.
Enfim, trata-se de assumir como um desafio decor-
rente da prática educativa libertadora o que Freire de-
nominou inédito-viável (FREITAS, in FREIRE, 2001,
p. 28).
5 Situações-limite compreendidas como obstáculos que se apresentam
em nossa vida pessoal e social; barreiras; mas que podem ser supe-
radas através da nossa conscientização e empenho (FREIRE, Ana
Maria, 2010, p. 225).

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Finalmente, o supervisor escolar precisa tornar como


o maior desafio de sua própria prática, o papel de alimentar
as reflexões coletivas, em prol do sonho possível da reinvenção
da escola, contribuindo efetivamente para uma nova postura
pedagógica no cotidiano escolar.
Para tanto, no capítulo a seguir, discorrerei sobre o
permanente processo de Formação Docente, considerando-o
como elemento fundamental na criação e recriação de práticas
educativas que priorizem uma verdadeira mudança em nosso
sistema de ensino e que venham ainda a contribuir efetivamen-
te para a transformação de nossa sociedade, em um processo
constante de conscientização.

A FORMAÇÃO DOCENTE NA REINVENÇÃO DA


EDUCAÇÃO

De acordo com a História da Educação no Brasil, as


primeiras escolas de Curso Normal surgiram somente na déca-
da de 1830, passando por inúmeras dificuldades, desde a falta
de professores preparados e condições precárias de ensino.
Todavia, a formação de professores não é compreendi-
da apenas pela sua formação inicial, mas também pela sua for-
mação continuada, consideradas como complementares uma à
outra e nomeada por Paulo Freire como formação permanente.
Sendo assim, a formação de professores é um momen-
to importantíssimo na socialização e na configuração da iden-
tidade profissional, que segundo António Nóvoa vai além de
“um lugar para a aquisição de técnicas e de conhecimentos”
(1997, p. 18).
O autor António Nóvoa, acrescenta ainda que:
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-
-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um
pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
autoformação participada. Estar em formação implica
um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo
sobre os percursos e os projectos próprios, com vista

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à construção de uma identidade, que é também uma


identidade profissional (op. cit., p. 25).

Nesta perspectiva, a formação docente se constrói na


interação entre as dimensões profissionais e pessoais; tendo em
vista que, a dimensão profissional da formação não se dá ape-
nas na acumulação de cursos, de conhecimentos ou de técnicas,
mas sim por meio de um intenso trabalho de reflexão crítica
sobre as próprias práticas; e em relação à dimensão pessoal da
formação docente, há que se reconstruir permanentemente na
identidade de cada um, no que acredita cada educador; e por
isso é tão importante que a formação de professores seja uma
formação com professores, em um processo dinâmico e cons-
tante, compreendendo a globalidade dos sujeitos professores.
De acordo com Dominicé, “a formação vai e vem,
avança e recua, construindo-se num processo de relação ao sa-
ber e ao conhecimento que se encontra no cerne da identidade
pessoal”, e ainda que os sujeitos vão se construindo ativamente
ao longo de todo o seu percurso de vida (DOMINICÉ apud
NÓVOA, 1997, p. 25).
Podemos compreender que é através da própria (auto)
formação, onde o professor participa ativamente, de maneira
reflexiva, que se dá a sua verdadeira formação, por meio da
partilha de saberes, da troca de experiências e do diálogo, em
um movimento constante de conscientização.
Nóvoa (1997, p. 26), considera “o diálogo entre os
professores é fundamental para consolidar saberes emergen-
tes da prática profissional”. Jaime José Zitkoski acrescenta
ainda que,
através do diálogo podemos olhar o mundo e a nos-
sa existência em sociedade como processo, algo em
construção, como realidade inacabada e em constante
transformação. [...] o diálogo é a força que impulsiona
o pensar crítico-problematizador em relação à condi-
ção humana no mundo. Através do diálogo podemos
dizer o mundo segundo nosso modo de ver. Além dis-
so, o diálogo implica uma práxis social, que é o com-

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promisso entre a palavra dita e nossa ação humaniza-


dora (2008, p.130).

Todavia, muitas vezes, a organização das escolas pare-


ce não incentivar este tipo de partilha de conhecimento entre
os professores, inviabilizando a criação de novas práticas no
ambiente escolar.
Cabe aos gestores das escolas, incluindo também os
supervisores escolares, oportunizarem condições no sentido
de contribuir o máximo possível com a formação dos professo-
res, pois esta está diretamente relacionada com os processos de
mudança e reinvenção das escolas.
A formação de professores deve ser concebida como
uma das componentes da mudança, em conexão es-
treita com outros setores e áreas de intervenção, e não
como uma espécie de condição prévia da mudança. A
formação não se faz antes da mudança, faz-se durante,
produz-se nesse esforço de inovação e de procura dos
melhores percursos para a transformação da escola. É
esta perspectiva ecológica de mudança interactiva dos
profissionais e dos contextos que dá um novo sentido
às práticas de formação de professores centradas nas
escolas (NÓVOA, 1997, p. 28).

É necessário que tenhamos a clareza de que prática


educativa depende, fundamentalmente, também da prática dos
professores, considerando um grande equívoco falarmos de
mudanças no sistema educacional sem falarmos no empenho
da formação permanente dos professores.
A mudança educacional depende dos professores e
da sua formação. Depende também da transformação
das práticas pedagógicas na sala e aula. Mas hoje em
dia nenhuma inovação pode passar ao lado de uma
mudança ao nível das organizações escolares e do seu
funcionamento. Por isso, falar de formação de profes-
sores é falar de um investimento educativo dos pro-
jectos de escola (op. cit., p.28-29).

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Portanto, as equipes diretivas das escolas, empenha-


das em uma gestão democrática, devem comprometer-se ver-
dadeiramente com a formação permanente dos seus profes-
sores, aliando-se a eles e valorizando-os como profissionais e
também pessoas; e estes precisam, assumirem-se como cria-
dores e recriadores de sua própria profissão, conscientes de sua
inconclusão e inacabamento, exigindo deles uma postura de
sujeitos críticos-reflexivos, capazes de superarem as realidades
impostas pelo sistema atual, viabilizando, assim, as tão almeja-
das (trans)formações.
Kemmis (1987, p. 74), destaca a importância de uma
perspectiva dialética entre as escolas e seus professores:
Consiste em adoptar uma perspectiva dialéctica que
reconheça que as escolas não podem mudar sem o
compromisso dos professores, que os professores não
podem mudar sem o compromisso das instituições
em que trabalham, que as escolas e os sistemas são
interdependentes e interactivos no processo de refor-
ma e que a educação só pode reformar-se transfor-
mando as práticas que a constituem (KEMMIS apud
NÓVOA, 1997, p. 55-56).

Logo, Nóvoa (1997) salienta também a importância


das trocas e partilhas entre as escolas e as instituições de ensino
superior, pois é necessário pensarmos nas práticas agindo em
busca da concretização delas. Evidentemente, é preciso que se
faça um esforço na criação de uma nova cultura na formação
permanente de professores, para alcançarmos também uma
nova realidade educacional e social.
Desta forma, bem como outros tantos autores, Ken
Zeichner (1987) destaca a necessidade da continuidade na prá-
tica da formação de professores, devendo haver uma conexão
entre a formação inicial e a formação permanente.
Frente a isso, ao pensarmos em uma formação docen-
te engajada com a concepção de educação libertadora, esta tor-
na-se impossível sem o ato da reflexão.

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Para tanto, o autor Kemmis (1985, p. 148-149), desta-


ca em relação ao processo de reflexão que:
1. A reflexão não é determinada biológica ou psico-
logicamente, nem é pensamento puro, antes expressa
uma orientação para a ação e refere-se às relações en-
tre o pensamento e acção nas situações históricas em
que nos encontramos.

2. A reflexão não é uma forma individualista de traba-


lho mental, quer seja mecânica ou especulativa, antes
pressupõe e prefigura relações sociais.

3. A reflexão não é nem independente dos valores,


nem neutral, antes expressa e serve interesses huma-
nos, políticos, culturais e sociais particulares.

4. A reflexão não é indiferente nem passiva perante


a ordem social, nem propaga meramente valores so-
ciais consensuais, antes reproduz ou transforma acti-
vamente as práticas ideológicas que estão na base da
ordem social.

5. A reflexão não é um processo mecânico, nem sim-


plesmente um exercício criativo de construção de no-
vas ideias, antes é uma prática que exprime o nosso
poder para reconstruir a vida social, ao participar na
comunicação, na tomada de decisões e na acção social
(KEMMIS apud NÓVOA, 1997, p. 103).

Desta forma, nos dias de hoje, a reflexão constitui-se


como um dos principais elementos na formação de professo-
res, pois é a partir da reflexão que os educadores vão avaliando,
aprimorando e desenvolvendo cada vez mais de maneira cons-
ciente a própria prática educativa.
O autor Donald Schön foi quem mais contribuiu para
a difusão do conceito de reflexão, sugerindo um triplo movi-
mento na prática docente – conhecimento na ação, reflexão na
ação e reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação, signi-
ficativamente bastante pertinente tanto ao desenvolvimento
pessoal, quanto ao desenvolvimento profissional de nós edu-
cadores.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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O conhecimento na ação é aquele também denomi-


nado por Paulo Freire de saber de experiência feito, o conhe-
cimento manifestado no momento da execução das ações, o
saber fazer da cotidianidade. Todavia sem ser problematizada,
sem opções políticas bem definidas e sem um nível de criti-
cidade existente, uma prática sustentada apenas por esta fase
de conhecimento acaba tornando-se “repetitiva, rotineira,
inconsciente e mecânica, reduzindo o/a professor/a a mero/a
transmissor/a de conteúdos” (FREITAS, 2001, p. 137).
Partindo deste entendimento, o processo de formação
permanente desafia os professores/as a irem além desse nível
de conhecimento, através da problematização das situações en-
frentadas no dia-a-dia, em uma postura reflexiva que potencia-
lize a prática docente.
Assim então, estudar criticamente a própria prática
é fundamental para o desenvolvimento dos professores, ava-
liando e reavaliando constantemente suas ações, bem como,
avançando, pois, nos diferentes níveis de reflexão, conforme
já mencionado, conceituados por Shön, e descritos a seguir
como:
A reflexão na ação ocorre quando o professor reflec-
te no decorrer da própria acção e vai reformulando,
ajustando-a assim a situações novas que vão surgindo.
A reflexão sobre a ação acontece quando o professor
reconstrói mentalmente a acção para analisar retros-
pectivamente. O olhar a posteriori6 sobre o momento
da acção ajuda o professor a perceber melhor o que
aconteceu durante a acção e como resolveu os impre-
vistos ocorridos. O professor toma consciência do que
aconteceu por vezes através de uma descrição verbal.
A reflexão sobre a reflexão na ação é um processo que
fomenta a evolução e o desenvolvimento profissional
do professor, levando-o a construir a sua própria for-
ma de conhecer. Este tipo de reflexão que podemos
definir como meta-reflexão leva o professor a desen-
volver novos raciocínios, novas formas de pensar, de
6 Grifo da autora.

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compreender, de agir e equacionar problemas (AMA-


RAL; MOREIRA; RIBEIRO apud FREITAS, 2001, p.
138).

Precisamos, contudo, considerar ainda, que “a acção


reflexiva também é um processo que implica mais do que a
busca de soluções lógicas e radicais para os problemas. A re-
flexão implica intuição, emoção e paixão” (ZEICHNER apud
FREITAS, 2001, p. 141).
Portanto, neste processo de formação permanente,
considerando os educadores em ambas as dimensões de sua
totalidade, é, pois, muito importante destacar também, então,
a função do registro, como uma postura fundamental para via-
bilizar os processos de reflexão e a construção de inéditos-viá-
veis, ampliando significativamente as práticas que consolidem
a qualidade da educação em uma verdadeira perspectiva liber-
tadora.
De acordo com a autora Ana Lúcia Souza de Freitas
(2001),
O registro dos fatos e da reflexão sobre os fatos desa-
fia a reflexão sobre os diferentes momentos vividos,
representando uma possibilidade do/a professor/a
distanciar-se epistemologicamente de sua própria re-
flexão para melhor compreendê-la (p. 139).

Evidencia-se, portanto, a importância das práticas in-


dicotomizáveis do registro e da reflexão para o efetivo processo
de formação docente permanente, compreendendo esses atos
como complementares entre si e fundamentais na constituição
de profissionais reflexivos e conscientes, engajados com uma
prática educativa, de fato, emancipatória e transformadora.
Neste momento, dando continuidade a este trabalho,
passarei, então, para uma outra fase do ciclo da pesquisa, que
trata-se do Diálogo com a realidade social, a partir do qual rea-
lizarei uma análise detalhada dos dados obtidos, em compa-
ração às ideias dos autores apresentados por mim ; incluindo,

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ainda, meu posicionamento a cerca de determinados aspectos


numa perspectiva problematizadora dos fatos evidenciados.
METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO
Conforme já descrito, venho por meio deste trabalho
desenvolver um estudo qualitativo, realizando uma pesquisa
exploratória feita através de questionários e de diálogo com 12
professores e diretores de três escolas públicas diferentes, duas
estaduais e uma municipal, uma delas situada no município de
Canoas, e as outras duas no município de Viamão; levando em
consideração que, em cada escola, quatro professores respon-
deram aos questionários e o diretor da própria instituição.
Por meio da observação, do diálogo, do registro e de
minha reflexão constante buscarei fazer uma análise das dife-
rentes práticas educativas existentes, tanto em diferentes esco-
las como em uma mesma, destacando aspectos que influen-
ciam nelas, partindo desde o papel da escola no contexto atual
da educação até a importância da formação docente perma-
nente e sua ação reflexiva para a construção de uma sociedade
mais crítica e consciente.
Estes dados serão analisados priorizando uma abor-
dagem qualitativa, contudo alguns aspectos serão analisados
quantitativamente para melhor expressar devidos resultados e
opiniões diagnosticadas.
Dialogando, ainda, com ideias de diferentes autores
que apresento no referencial teórico deste trabalho, e com meu
próprio pensamento evidenciado em minhas considerações fi-
nais, desenvolverei este meu Trabalho de Conclusão de Curso,
então, com base no ciclo da pesquisa a partir do diálogo.
Considerando o diálogo problematizador como fun-
damental em uma perspectiva de educação libertadora, pois
este “não se reduz a uma técnica ou metodologia, mas repre-
senta uma opção teórico-política de enfrentamento à lógica so-
cial dominante, a serviço do ser mais dos sujeitos envolvidos”
(FREITAS, 2014, p. 101) e da conscientização.

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Sendo, ainda, que, na visão do autor Paulo Freire, a


pesquisa é um apoio à experiência docente, pois é a partir dela
que os educadores assumem uma postura investigativa contri-
buindo com a própria formação. Pesquisar é, então, um direito
de todos nós educadores, e aqui a assumo como parte consti-
tuinte de minha prática educativa, procurando demonstrá-la
no decorrer do desenvolvimento do trabalho que vos apresen-
to.
DIÁLOGO COM A REALIDADE SOCIAL: Análise
Reflexiva dos Dados obtidos na Pesquisa
A seguir apresento os dados da pesquisa realizada,
tendo em vista que foram feitos questionários com 12 profes-
sores e diretores de três escolas diferentes; destes professores
dez possuem curso superior e trabalham a mais de 10 anos, le-
cionando em uma ou mais séries, sendo seis, em Anos Iniciais
do Ensino Fundamental e Educação Infantil, e os outros seis,
nos Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Em termos numéricos, dentre as questões abordadas
no questionário realizado por estes professores, a metade diz
ter uma prática progressista e a outra metade se divide em tra-
dicional ou tradicional e progressista. Seria isto possível? Um
professor tradicional também pode ser progressista? Ou nem
ele tem certeza de qual tendência pedagógica está pautada a
sua prática?
De acordo, com José Carlos Libâneo (1999), a Peda-
gogia Liberal tem duas principais vertentes com pressupostos
teóricos muito semelhantes, a Tradicional e a Renovada, sendo
possível professores da pedagogia Tradicional adotarem algu-
mas ideias do Escolanovismo, como, por exemplo, a valoriza-
ção do interesse do aluno e o trabalho em grupo; bem como,
professores da pedagogia Nova também incorporam práticas
da pedagogia Tradicional, como as aulas expositivas centradas,
por diversas vezes, na figura do professor, e os exercícios de
fixação; o que naturalmente gera uma certa confusão para que

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os professores saibam definir qual a sua tendência e que auto-


res embasam sua prática pedagógica, assumindo sua verdadei-
ra posição frente aos desafios da educação.
É, pois, através das nossas práticas pedagógicas que
mostramos quem realmente somos, e “se somos progressistas,
realmente abertos ao outro e à outra, devemos nos esforçar,
com humildade, para diminuir ao máximo, a distância entre o
que dizemos e o que fazemos.” (FREIRE, 2000, p. 45) Precisa-
mos ser coerentes!
E é também através de nossa prática pedagógica que
podemos contribuir com a formação de sujeitos mais críticos
e ativos para uma sociedade de fato pensante, na busca pela
realização de inéditos-viáveis. Visto que:
A teoria em si [...] não transforma o mundo. Pode
contribuir para sua transformação, mas para isso tem
que sair de si mesma, e, em primeiro lugar tem que
ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos
reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a
atividade prática transformadora se insere um traba-
lho de educação das consciências, de organização dos
meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso
como passagem indispensável para desenvolver ações
reais, efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na
medida em que materializa, através de uma série de
mediações (VÁZQUEZ apud SAVIANI, 2003, p. 73).

Dessa forma, podemos observar que falta clareza por


parte dos educadores em compreender sua própria prática e a
função social que exerce, e que esta não pode ser vivenciada a
partir de ações isoladas, como se já fossem suficientes. É preci-
so questionar-se: em que concepção de educação acredita-se?
Ser um educador progressista requer atitude, compro-
metimento diário, esforço, luta, dedicação, avaliação e reflexão
constantemente e criticamente de sua prática, exige um posi-
cionamento a favor da educação como prática de liberdade,
tendo como principal objetivo a transformação social e a rein-
venção da escola.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Para isso, destaco a importância da formação docente


neste processo de constituição e transformação da prática pe-
dagógica progressista dos educadores.
Todos os professores que responderam as alternati-
vas tradicionais e os que se julgam tradicionais e progressistas
consideram a formação acadêmica como responsável pela sua
tendência; já os que se consideram progressistas colocam que
a formação acadêmica também interfere na sua opção, mas
destacam a formação continuada e a pessoal como os efetivos
formadores de sua tendência.
Conforme já mencionado, o autor Paulo Freire, defi-
ne a formação de professores como formação com professores,
pois estes são os próprios sujeitos do seu conhecimento, de-
vendo envolver-se, efetiva e criticamente, na sua formação a
partir do diálogo e da reflexão contínuos, e que a mesma não se
restringe a formação acadêmica, pois abrange além da forma-
ção inicial também a continuada, complementares uma à outra
(FREITAS, 2001), denominando-se assim formação permanen-
te.
Poder-se-ia dizer que a formação acadêmica está dei-
xando a desejar já que todos os professores que dizem ter uma
prática tradicional atribuem esse fator a ela? Estaria a formação
acadêmica contribuindo para a conscientização dos educado-
res? O sistema acadêmico defende a manutenção ou a transfor-
mação da sociedade? Ou estariam os acadêmicos sendo coni-
ventes com o nosso atual sistema opressor de classes? O quão
envolvidos, de fato, com a sua formação, estão os professores
ditos Tradicionais?
Não seria este o momento de se repensar a formação
acadêmica, a partir de uma reformulação da estrutura curricu-
lar, à medida que esta estimulasse a criticidade e a conscienti-
zação dos sujeitos ao invés de fragmentar todo o processo e dar
ênfase às notas e resultados?
Estariam, inúmeras faculdades, estimulando a com-
petição entre os alunos, tornando-os aptos, desta forma, a

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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sobreviverem na atual sociedade capitalista, sendo apenas re-


produtores deste sistema e alienados à mudança? Será, ainda,
que os alunos desejam realmente uma verdadeira mudança em
nossa sociedade?
É nosso dever não apenas como educadores, mas
também como cidadãos estimular posturas de indignação e de
luta para que a transformação se faça viável e concreta.
Todavia, quando questionados em relação a serem tão
resistentes às mudanças, esses mesmos professores colocaram
as mais diferentes respostas e justificativas aos motivos que os
levam a isso.
Os mais citados foram medo e acomodação. Em re-
lação ao medo foi dito que: “para mudar é preciso reconhecer
que se têm falhas, um processo bastante doloroso e desestabi-
lizador, exigindo que a gente saia da nossa zona de conforto”.
E a acomodação? Mudar é difícil, com certeza, é um
trabalho árduo, requer comprometimento e dedicação, critici-
dade e conscientização, mas é possível sim e urgente!
Então, se dez dos doze professores entrevistados se
consideram críticos-reflexivos, com uma prática significativa,
estaríamos nós mais próximos da mudança? Poderiam, ainda,
estes mesmos professores ter uma prática tradicional?
Acredito que estes professores que se dizem críticos
até sejam assim considerando sua prática pessoal, na sua “lei-
tura de mundo” – como um dos professores entrevistados co-
locou – mas isso não se reflete em sua prática pedagógica, onde
evidenciam-se a memorização, a repetição e o professor como
detentor do saber. Seriam de fato esses professores críticos-re-
flexivos sendo que apresentando uma prática tão tradicional?
Acredito que somente com a prática de uma educação
libertadora podemos criar condições efetivas para uma mu-
dança realmente significativa nas escolas e, portanto, na socie-
dade, que parta dos sujeitos; sem ela estaremos negligenciando
o verdadeiro direito dos educandos, de expressar suas opiniões
e de posicionar-se autonomamente – independentemente de

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que sejamos nós os educandos ou os nossos alunos – inviabi-


lizando assim a construção de novas possibilidades e alterna-
tivas para um mundo menos feio e mais justo (FREIRE, 2000).
Sou educadora defensora de uma pedagogia crítica
que vislumbre a educação como um processo de libertação; e
esta tem uma primordial tarefa que é
trabalhar a legitimidade do sonho ético-político da
superação da realidade injusta. É trabalhar a genuini-
dade desta luta e a possibilidade de mudar, vale dizer,
é trabalhar contra a força da ideologia fatalista do-
minante, que estimula a imobilidade dos oprimidos
e sua acomodação à realidade injusta, necessária ao
movimento dos dominadores (FREIRE, 2000, p. 43).

Nesta perspectiva, José Carlos Libâneo (1986), acres-


centa que:
A prática educativa emancipatória requer, efetiva-
mente do educador uma tomada de posição pela mis-
são histórica consciente e consequente da humanida-
de, de destruir as relações de classe que sustentam a
alienação e privam o homem de seu pleno desenvol-
vimento humano (p. 81).

Entretanto, sobre uma prática educativa de qualidade,


emancipatória e transformadora, apenas metade dos professo-
res colocaram que têm, pois educam para a reflexão e para o
questionamento; por serem agentes de transformação e por-
que incentivam o desenvolvimento da autonomia dos alunos
de forma que contribuem para a criticidade dos mesmos. E a
outra metade dos professores se divide, nos que não têm ou
têm em parte.
Os três professores que colocaram como “em parte”,
justificam que no conteúdo não têm uma prática de qualidade,
emancipatória e transformadora, mas nos diálogos que fazem
com os educandos sim; atribuem os motivos a empecilhos bu-
rocráticos e estruturais, e ainda justificam porque nem sempre
apresentam uma prática “construtivista”, explicando que, às ve-
zes, são tradicionais.

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Novamente, os professores entrevistados atribuem


suas tendências pedagógicas formadas academicamente, como
responsáveis por suas práticas comodistas e reprodutoras do
sistema. Volto, então, a destacar mais uma vez, a suma impor-
tância da formação docente permanente, visto que:
Ninguém começa a ser educador numa certa terça-
-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce edu-
cador ou marcado para ser educador. A gente se faz
educador, a gente se forma, como educador, perma-
nentemente, na prática e na reflexão sobre a prática
(FREIRE, 1991, p.58).

Cabe, portanto, aos professores e aos demais envolvi-


dos na prática educativa das escolas, perceberem claramente
que a formação docente consiste no desafio de perceber a es-
cola como um todo articulado, como um ambiente educativo,
onde os processos de trabalhar e de formar não sejam vistos
como atividades distintas.
“A formação deve ser encarada e encarnada como um
processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e
das escolas, e não como uma função fragmentada e distante7
que intervém à margem dos projetos profissionais e organiza-
cionais” (MCBRIDE apud NÓVOA, 1997, p. 29).
Dito de outro modo, a formação permanente de pro-
fessores que se comprometa com a construção da
identidade do educador progressista, deverá desenvol-
ver atitudes de formação no intuito de problematizar
a cotidianidade escolar através de um processo inten-
cional e sistemático de reflexão, em que se desenvolva
o ato crítico e coletivo de estudo (FREITAS, 2001, p.
179).

Dessa forma, a formação permanente de professo-


res está ligada diretamente ao projeto político-pedagógico da
escola, pois a partir dele e de sua construção e reconstrução
7 Grifos meus.

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constante, o mesmo se constituirá como um desencadeador


coletivo nos processos de diálogo e de reflexão, elementos fun-
damentais na permanente formação dos educadores e na cons-
tituição de práticas educativas emancipatórias, vivenciadas no
cotidiano escolar em uma perspectiva de gestão democrática,
a partir da superação das situações-limites e na busca constan-
te pela realização de inéditos-viáveis, resultando no desafio da
reinvenção da escola.
Porém, nem todos os educadores têm essa visão;
para começar, nove dos doze professores participantes dessa
pesquisa conhecem o projeto político-pedagógico das escolas
em que atuam, dois não conhecem, e um que trabalha em
duas escolas diz conhecer em uma delas e na outra não; des-
tes, onze colocam que o projeto político-pedagógico é impor-
tante, mas um dos professores, muito equivocadamente, diz
que não, pois, “não interfere em sua prática”.
Já os professores que consideram o projeto político-
-pedagógico importante justificam sua opinião dizendo que
“ele norteia as ações da escola, embasa as nossas práticas, es-
clarece funções e objetivos e dá as diretrizes e as metas para o
funcionamento da escola”. Acrescentam que o mesmo “é o elo
entre a escola e a comunidade”.
Um dos professores, disse que considera o projeto
político-pedagógico como “o mecanismo norteador de todo o
processo de ensino”, pois, em sua opinião, “é ele quem define as
políticas educacionais da escola, através dos objetivos e metas
definidos previamente”.
Os diretores de escola destacam, ainda, que o projeto
político-pedagógico é importante porque nele “estão os cami-
nhos a seguir, suas diretrizes. É vital. Dá o rumo para escola
funcionar no dia-a-dia”.
Em comunhão com o pensamento da autora Ilma
Passos Veiga (1995), que define o projeto político-pedagógico
como a organização coletiva do trabalho escolar.
A autora esclarece-nos ainda que:

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O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação


intencional, com um sentido explícito, com um com-
promisso definido coletivamente. Por isso, todo pro-
jeto – pedagógico da escola é, também, um projeto
político por estar intimamente articulado ao compro-
misso sociopolítico com os interesses reais e coletivos
da população majoritária (VEIGA apud FREITAS,
2001, p. 167).

Nesse sentido, o projeto político-pedagógico tem uma


função essencial na dinâmica do cotidiano escolar, orientando
o rumo das ações a serem praticadas, fomentando a reflexão e
a consciência crítica dos sujeitos, instigando-os a uma postura
ética e coerente com a identidade da escola, e ainda estimu-
lando o envolvimento e a participação de todos nos processos
educativos que constituem e dão vida à escola.
Todavia, quanto à interferência do projeto político-
-pedagógico na prática desses mesmos professores, apenas oito
professores colocaram que sim, que interfere na sua prática, e
quatro disseram que não, o que me leva a refletir acerca des-
te dado, pois, se quando questionados sobre a importância do
projeto político-pedagógico, praticamente todos disserem que
sim é importante, como apenas oito professores têm a sua prá-
tica influenciada pelo projeto político-pedagógico? Quais se-
riam os motivos pelo qual isso acontece?
Os professores que colocaram que suas práticas não
têm influência do projeto político-pedagógico, assim dizem
devido ao fato de desconhecerem o verdadeiro teor do projeto
político-pedagógico ou porque seguem sua prática de acordo
com o desenvolvimento dos alunos e das áreas do conhecimen-
to que atuam; que “o projeto político-pedagógico é só um apoio
que interferirá se as políticas da escola estiverem definidas com
clareza, onde todos os envolvidos estejam cientes e tenham a
amplitude e certeza de onde se quer chegar”.
Um dos professores que disse que o projeto político-
-pedagógico não é importante e que não interfere na sua práti-
ca justificou seu pensamento dizendo que “como não foi feito

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coletivamente, não faz diferença no seu dia-a-dia e nem na es-


cola”. Evidentemente, assim, fazendo o projeto político-peda-
gógico esvaziar-se no seu verdadeiro significado e objetivo, in-
viabilizando a possibilidade de novas práticas no cotidiano da
escola, a criação de inéditos-viáveis e destruindo com o sonho
possível da reinvenção da escola numa perspectiva de educação
libertadora.
Todavia, os diretores de escola participantes desta
pesquisa dizem que o projeto político-pedagógico é colocado
em prática sim, através dos projetos, nas relações educando-e-
ducador-família, e que ele interfere na prática dos professores,
pois é constantemente revisitado, e que é dever do gestor fazê-
-lo virar realidade.
Qual seria, então, o papel dos gestores de escola para
reverter essa lastimável visão que muitos professores apresen-
tam em relação ao projeto político-pedagógico? Seria respon-
sabilidade única e exclusivamente dos diretores colocarem o
projeto político-pedagógico em prática?
Precisamos esclarecer e considerar aqui, os gestores
de escola como uma equipe constituída por diferentes pro-
fissionais (diretores, vice-diretores, supervisores escolares e
orientadores educacionais) compreendendo que o funciona-
mento da mesma, conforme a autora Ana Lúcia Souza de Frei-
tas (2001), deve ser pautado nas três dimensões da concepção
libertadora de educação: a dimensão política que está relaciona-
da mais diretamente à prática dos diretores e vice-diretores, a
dimensão epistemológica relacionada ao exercício dos supervi-
sores, e a dimensão estética associada mais especificamente aos
orientadores educacionais. Enfatizando que as dimensões são
complementares entre si, assim a relação com a atuação de um
determinado profissional, é, portanto, mais específica, mas não
excluindo as demais dimensões; bem como, estes profissionais,
apesar de estarem diretamente mais relacionados a uma di-
mensão, não deixam ter responsabilidade sobre as outras tam-
bém, exigindo nossa compreensão acerca da importância da

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atuação de todos na articulação e no cumprimento das ações


almejadas para a escola, em comunhão, ainda, com o projeto
político-pedagógico da mesma.
É importantíssimo salientar, então, em uma
perspectiva de educação libertadora, que a mudança nos pro-
cessos escolares não depende somente dos professores em sala
de aula, mas sim também de todos os demais sujeitos envol-
vidos, e requer nossa efetiva conscientização – compreendida
como um processo permanente de (trans)formação, a partir
do desenvolvimento das três dimensões indissociáveis que a
integram: a dimensão política, a dimensão epistemológica e a di-
mensão estética (FREITAS, 2001).
Penso que se não há um diálogo crítico-reflexivo claro
e coerente entre teoria e prática, com acompanhamento, parti-
cipação ativa e o empenho de todos no processo de construção
da mudança, os avanços rumo à reinvenção da escola e da edu-
cação serão limitados e insuficientes.
Acredito, portanto, que é necessário um maior com-
prometimento de todos, com uma definição dos papéis de cada
um no todo complexo que constitui o processo educativo, vi-
sualizando com clareza os objetivos educacionais, revendo e
reavaliando constantemente o que se deseja e que se propõe
de fato. Assim, se há resistência a uma verdadeira mudança,
que de fato viabilize o processo de conscientização dos sujeitos,
esta está em todos, onde a acomodação e tantas outras descul-
pas acabam muitas vezes imperando no seio das escolas.
É, pois, aqui que destaco o lugar de atuação dos
supervisores escolares, com o, então, papel de desacomodar
todos os envolvidos no processo educativo, questionando,
problematizando, articulando, criando e recriando
possibilidades de reflexão, ação e mudanças.
De acordo com o autor António Nóvoa (1997), a mu-
dança educacional depende efetivamente dos professores e de
sua formação comprometida com a transformação da realida-
de educacional e social. Depende de desacomodarmo-nos e re-

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criarmos nossas próprias práticas pedagógicas, não tão somen-


te nas salas de aulas, mas também no ambiente escolar como
um todo integrado.
Entretanto, hoje em dia, juntamente com as mudanças
que se fazem necessárias no âmbito educacional, elas precisam
também chegar ao nível das organizações escolares e do seu
funcionamento, não podendo ficarem limitadas apenas à ações
isoladas de alguns poucos professores em suas salas de aulas.
Há que se investir fielmente nos projetos vivenciados
no cotidiano das escolas, insistindo, criando e recriando cons-
tantemente a possibilidade de práticas educativas ineditamen-
te-viáveis, viabilizando assim a realização de sonhos possíveis.
Considerando, em comunhão com o pensamento da
autora Ana Lúcia Souza de Freitas, que “sonhar é imaginar ho-
rizontes de possibilidades”, é vislumbrar novas alternativas! É
acreditar! É persistir sempre! E lutar por elas! Sendo ainda que:
A capacidade de sonhar coletivamente, quando assu-
mida na opção pela vivência da radicalidade de um
sonho comum, constitui-se numa atitude de forma-
ção que orienta-se não apenas por acreditar que as
situações-limite podem ser modificadas, mas, fun-
damentalmente, por acreditar que essa mudança se
constrói constante e coletivamente no exercício críti-
co de desvelamento dos temas-problemas sociais que
as condicionam. O ato de sonhar coletivamente, na
dialeticidade da denúncia e do anúncio e na assunção
do compromisso com a construção desta superação,
carrega em si um importante potencial (trans)forma-
dor que produz e é produzido pelo inédito-viável, vis-
to que o impossível se faz transitório na medida em
que assumimos coletivamente a autoria dos sonhos
possíveis (FREITAS, in FREIRE, 2001, p. 29-30).

A partir, dessa perspectiva de coletividade na luta por


sonhos possíveis e pela realização de inéditos-viáveis, quando
questionados, com relação ao trabalho do Supervisor Escolar
que tem um importantíssimo papel na construção deste pro-
cesso, seis professores colocaram que o mesmo é articulador de

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reflexões coletivas; quatro professores colocaram-no como bu-


rocrático; um professor considerou-o como fiscalizador; e um,
ainda, como burocrático e fiscalizador; podendo-se afirmar
que metade dos professores entrevistados enxergam o supervi-
sor escolar como um agente educacional em ação reflexiva, e a
outra metade, como mero gerenciador de papéis e de fiscaliza-
dor do trabalho do professor.
Isto se reflete também com relação à interferência ou
não do supervisor escolar na prática dos professores, pois seis
colocaram que este interfere no seu dia-a-dia, e os outros seis
colocaram que não.
Um professor disse inclusive que “considera que in-
terfere, porque a supervisora da escola é burocrática, e isto é
importante para a instituição”.
Ressalto aqui, a visão limitada deste professor, pois o
mesmo acha que o importante apenas na sua atuação é estar
com a documentação em dia, e que isto por ser bom para a
sua instituição – ignorando, evidentemente, a reinvenção das
escolas em uma perspectiva de gestão democrática – seria bom
também para a si, desconsiderando o verdadeiro sentido de
sua prática pedagógica, que deveria priorizar sua função social
no objetivo de contribuir efetivamente com a transformação da
sociedade e não com a manutenção e reprodução da ideologia
dominante que lamentavelmente enfatiza o sistema opressor
de classes.
Assim, há que se destacar permanentemente a im-
portância dos sonhos na construção de novas possibilidades,
abrangendo bem mais que a criação de inéditos-viáveis apenas
no interior das escolas, mas também no contexto social em que
estamos inseridos e sobrevivendo.
Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas
também uma conotação da forma histórico-social
de estar sendo de mulheres e homens. Faz parte da
natureza humana que, dentro da história, se acha em
permanente processo de tornar-se... Não há mudan-
ça sem sonho como não há sonho sem esperança...

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A compreensão da história como possibilidade e não


determinismo... seria ininteligível sem o sonho, assim
como a concepção determinista se sente incompatível
com ele e, por isso, o nega (FREIRE, 1992, p. 91-92).

Não seria este, então, um momento crucial de rever-


mos os nossos próprios conceitos e buscarmos emporadamente
a realização de inéditos-viáveis em prol de sonhos possíveis na
educação e, consequentemente, na sociedade?
Os professores que disseram que o supervisor escolar
interfere na sua prática justificam este pensamento, pois ale-
gam que assim o consideram, porque durante as reflexões co-
letivas propostas eles têm oportunidade de “reavaliar a própria
prática, aprimorar e corrigir”; que as formações pedagógicas
desenvolvidas pelo supervisor escolar inspiram, fazendo com
que eles reflitam e repensem a prática escolar.
Assim, nas palavras de Antonia da Silva Medina
(2000, p. 32) “o supervisor torna-se um parceiro político-peda-
gógico do professor que contribui para integrar e desintegrar,
organizar e desorganizar o pensamento do professor num mo-
vimento de participação continuada”.
Reconheço que supervisor e professor devem traba-
lhar lado a lado, problematizando suas práticas e assumindo-se
na luta pelo sonho possível de uma educação emancipatória e
transformadora; dialogando, refletindo, registrando, e, dessa
maneira, criando e recriando inéditos-viáveis que neguem o
conformismo imobilizador.
Celestino Alves da Silva Jr (2000, p. 96), complementa
essa visão com a seguinte afirmativa:
Se não cabe ao supervisor impor soluções ou estabe-
lecer critérios obrigatórios de interpretação, cabe-lhe,
sem dúvida, por ser brasileiro e por ser um educador
responsável, ajudar na construção da consciência his-
tórico-política necessária à luta contra a dominação.
Isso implica uma posição de profunda atenção aos fa-
tos do cotidiano escolar e do cotidiano da sociedade

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que lhe assegure condições de análise adequada do


significado das ocorrências que se vão acumulando.

Entretanto, um dos professores, quando questionado


durante a realização dessa pesquisa, disse acreditar que esta
interferência do supervisor escolar na prática educativa só se
dará desde que o trabalho desenvolvido por ele “aponte para a
construção de políticas para o ensino, constituídas com o con-
junto de professores, e, posteriormente, seja acompanhado e
continuado, caso contrário não haverá interferência”, ou ainda,
não uma interferência positiva, necessária à reinvenção da es-
cola.
Outros professores disseram que “não interfere nas
práticas pedagógicas de cada um porque eles têm autonomia
para agirem sozinhos ou porque têm um bom relacionamen-
to com os supervisores e, portanto, todos os seus projetos são
aprovados”. E um dos professores nem ao menos tentou justi-
ficar por que o supervisor não interferiria em sua prática edu-
cativa.
Mostram aqui, novamente, alguns professores, que
na realidade o supervisor escolar é para eles um fiscalizador,
pois se estão desempenhando as competências burocráticas de
nossa profissão, tais como organizar conteúdos e cadernos de
chamadas, não precisarão da supervisão, “pois não haverá a
necessidade de cobranças”.
Coordenando necessidades e aspirações, o supervi-
sor certamente não pode permitir que se revigore seu
antigo papel de controlador a serviço dos interesses
estabelecidos. Mas há interesses a estabelecer e neces-
sidades a atender. Estes são claramente os interesses
da transformação social (ibidem).

Nesta mesma perspectiva, apesar de contraditórios,


outros três professores, disseram que o supervisor escolar não
interfere em suas práticas porque o seu trabalho não prioriza
a coletividade e cada um expõe os seus próprios resultados,
enfatizando o individualismo obstaculizador de práticas inte-

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gradas produto-produtoras da gestão democrática pautada em


uma práxis educativa libertadora. Porém, questiono-me, como
poderia um supervisor individualista e que só espera que as
metas sejam cumpridas não interferir na prática educativa?
Para isso, cabe destacar, então, o quão importante é
o papel assumido pelos supervisores escolares na reinvenção
da escola e da educação como um processo contínuo de cons-
cientização, pois é a partir de sua ação reflexiva e articuladora,
em comunhão com os demais educadores e gestores de escola
que conseguirão construir coletivamente novas alternativas,
promovendo espaços de formação permanente através de en-
contros, diálogos e reflexões entre os educadores, debatendo
constantemente a cerca do projeto político-pedagógico e o
propósito verdadeiro da função que a escola e os educadores
que a integram querem construir com a sociedade. Revendo e
revendo nossas práticas educativas, agindo de forma coerente e
conscientemente na promoção de uma significativa e real mu-
dança em nosso sistema educacional, levando-nos a acreditar e
buscar continuamente a realização desse sonho possível.
DIÁLOGO COM O PRÓPRIO PENSAMENTO:
Considerações Finais
Consciente de meu inacabamento, reconhecendo que
“nossa existência é marcada pela dinamicidade, e que8 estamos
sempre vivendo o conflito entre o ideal e o real, o já conquista-
do e as possibilidades futuras” (TROMBETTA; TROMBETTA,
2010, p. 221), de minha inconclusão “própria da experiência
vital, pois9 onde há vida, há inacabamento” (FREIRE, 1996, p.
55), e de minhas limitações pessoais e profissionais enquanto
educadora/pesquisadora continuarei constantemente na busca
pela realização de inéditos-viáveis, superando as situações-limi-
tes que apresentaram-se diariamente durante a realização deste
trabalho de pesquisa, tais como carga horária de trabalho ele-
8 Grifo meu.
9 Grifo meu.

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vada, falta de espaço para diálogo e reflexão nas escolas, buro-


cratização de nossas funções e sobrecarga de tarefas.
Compreendendo que a pesquisa faz parte da natureza
da prática educativa, e por ser esta, bem mais do que um dever
e sim um direito de todos os professores, dediquei-me muito
na realização deste trabalho de pesquisa; fiz inúmeras leituras
que contribuíram intensamente para o meu desenvolvimento
intelectual, que fizeram, fazem e ainda me farão refletir muito
e constantemente sobre minha própria prática, meus ideais e
sonhos que cultivo incansavelmente.
Realizei registros e mais registros no exercício de mi-
nha rigorosidade metódica, esta decorrente da crescente exi-
gência de quem busca conhecer para além do senso comum
(FREIRE, 1993), ampliando minha curiosidade epistemológi-
ca, compreendida aqui não como uma curiosidade qualquer,
mas como aquela que transcende os limites da cotidianeidade,
transitando da ingenuidade para a criticidade. Aquela curio-
sidade própria da consciência crítica e que se desenvolve no
processo de conscientização, relacionada diretamente ao difícil
mas também prazeroso ato de estudar, portanto um elemento
indispensável à formação dos educadores (FREITAS, 2010, p.
108), em busca não somente de respostas, mas de alternativas
para as intermináveis indagações e questionamentos que cons-
tituem minha prática e identidade.
Nesta perspectiva de educador/pesquisador, o autor
Paulo Freire (1996), esclarece-nos que:
O que há de pesquisador no professor não é uma qua-
lidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acres-
cente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática
docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se
precisa é que, em sua formação permanente, o profes-
sor se perceba e se assuma, porque professor, como
pesquisador (p. 32).

Faço, então, de minha escrita também uma forma de


luta, pois tenho clareza de que os desafios de nossa profissão

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são inúmeros, porém devem ser em número maior ainda, os


nossos esforços no enfrentamento dos obstáculos que encon-
tramos em nosso cotidiano.
Cabe, portanto, destacar também a importância dos
nossos sonhos na superação de todas as adversidades que sur-
gem em nosso caminho, pois são os nossos sonhos que nos im-
pulsionam e que alimentam nossa força e esperança, que nos
fazem acreditar e não desistir jamais.
De acordo, com as palavras de Paulo Freire “não
há mudança sem sonho como não há sonho sem esperança”
(1992, p. 91).
Ana Lúcia Souza de Freitas (2010, p. 380) acrescenta
ainda, que “o sonho [...] tem forte conotação política e está as-
sociado à visão de história como possibilidade” e não como algo
determinado e imutável.
[...] o sonho, a esperança, o entusiasmo, a imaginação
e a alegria dialetizam-se na historicidade que constrói
sua impossibilidade de ser. [...] é na luta, que se faz
também de indignação, de inconformismo, de raiva
e de radicalidade, que se constrói uma perspectiva de
futuro capaz de manter viva a esperança, indispen-
sável à alegria de ser e de viver. [...] torna-se funda-
mental exercer-se como sujeito, assumindo posição e
tomando partido na luta de interesses que constrói a
história como possibilidade (FREITAS, 2001, p.127).

Dessa forma, façamos dos nossos sonhos uma forma


de luta pelas causas nas quais acreditamos; sonhemos sim, mas
não sozinhos e isolados; sonhemos coletivamente pois este é
um “movimento transformador e esperançoso” (ibidem), po-
tencializando nossas conquistas, fortalecendo nossa constante
busca no processo de reinvenção da escola, de superação das
dificuldades, e de transformação da nossa sociedade.
Destaco, porém, a essencialidade da nossa conscien-
tização nessa árdua luta, pois é por meio dela, compreendida
como condição para assumirmos nosso compromisso humano,
“em um processo de fazer e refazer o mundo, dentro de possi-

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bilidades concretas, fazendo e refazendo também a si mesmos”


(op. cit., p. 88), que os sujeitos comprometem-se com a ação, a
favor de uma sociedade mais justa e humana.
Vejo a conscientização como produto-produtora da
criticidade (op. cit., p. 18), da indignação e consequentemente
de uma postura em favor à educação libertadora, esta por sua
vez compreendida em ser “um ato de intervenção no mundo”
(FREIRE apud FREITAS, 2001, p. 72), exigindo de nós seres
humanos consciência de que nossas tomadas de decisões com-
prometem efetivamente a manutenção ou transformação da
realidade vivida.
Todavia, a conscientização não é apenas uma toma-
da de consciência, necessita de constante reflexão, requer uma
consciência crítica e exige um engajamento com a ação para
transformar a realidade vivida.
A conscientização requer o desenvolvimento da cri-
ticidade, que, aliada à curiosidade epistemológica, po-
tencializa a criatividade da ação transformadora ante
as situações-limite. Criticidade, curiosidade e criati-
vidade integram a complexidade das relações que si-
tuam a conscientização no campo das possibilidades
e não das certezas, desafiando a autoria do inédito-
-viável no trabalho de formação com educadores/as
(FREITAS, 2001, p. 89).

Portanto, bem mais do que uma pílula mágica que to-


mamos e nos modificamos, a conscientização há que se fazer e
refazer permanentemente em nossa prática para além das salas
de aula, em ações diárias tanto no âmbito escolar quanto na
vida em sociedade, através da luta contínua, da indignação, do
diálogo, da reflexão, do registro, da mobilização, do trabalho e
empenho coletivo, tendo em vista, que, em minha opinião, a
Educação é um processo contínuo de conscientização.
Assim, precisamos todos assumir os riscos, indepen-
dentemente de qual cargo tenhamos dentro de uma escola pois
todos somos educadores; não precisamos apontar culpados;
precisamos ser um grupo com os mesmos ideais e sonhos,

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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olhando na mesma direção; temos que nos entregarmos, en-


carnar nossa utopia e agirmos fora da neutralidade cômoda e
hipócrita, anunciando nossas opções sem medo ou covardia.
Como diria Paulo Freire: “ ‘lavar as mãos’ em face da opressão
é reforçar o poder opressor, é optar por ele.” (FREIRE, 2011, p.
109).
Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmen-
te a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é
possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de
mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para
não apenas falar de minha utopia, mas para participar
de práticas com ela coerente (FREIRE, 2000, p. 33).

Esclarecendo aqui, que utopia não remete em hipó-


tese alguma a algo irrealizável e a sonhos impossíveis. “Uto-
pia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e
anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de
anunciar a estrutura humanizante” (BLOCH apud FREITAS,
2010, p. 413). Compreendo-a como um combustível, que nega
o conformismo imobilizador e alimenta a nossa vontade de lu-
tar em prol dos sonhos possíveis sim!
Não podemos lavar nossas mãos e desacreditarmos
na educação; podemos e precisamos agir coletivamente, somar
nossas forças, buscar a criação de inéditos-viáveis pela realiza-
ção dos sonhos possíveis; nós somos capazes sim!
Precisamos ser teimosos, continuar na luta, resisten-
tes sim, mas em prol da mudança e da reinvenção da Educação,
na busca incessante por novas possibilidades, reavaliar nossas
práticas pedagógicas, o Projeto Político-Pedagógico das nos-
sas escolas, a função exercida pelo supervisor escolar, a gestão
e identidade da escola; precisamos inventar e reinventar, criar
e recriar, ser e vir a ser, ser mais, superando nossos medos que
nos imobilizam e destroem com a nossa ousadia! Façamos
nossas escolhas com seriedade, ética e comprometimento,
pois somos responsáveis por tudo aquilo que fazemos ou não.

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É nesse sentido que o estudo e a reflexão crítica sobre


as práticas pedagógicas necessitam articular-se à re-
flexão sobre a função social da escola em torno de um
projeto político-pedagógico (dimensão política), bem
como às teorias que dão sustentação à sua operacio-
nalização (dimensão epistemológica), sem deixar de
lado a importância do desenvolvimento do prazer, da
criatividade, da curiosidade, da alegria, da esperança
e do sonho que expressam a inteireza (dimensão esté-
tica) com que se ensina e se aprende, na medida em
que se percebe o ato pedagógico como ato político e
estético de construção social do conhecimento e pre-
cursor de transformações10 (FREITAS, 2001, p. 174).

É difícil? Sim. Mas não é impossível! Podemos


reverter as dificuldades encontradas na educação através de um
processo de conscientização de todos os sujeitos envolvidos,
fazendo sempre das obrigações diárias momentos de grande
reflexão e de diálogo, respeitando a inteireza e a individuali-
dade de cada sujeito, porém vislumbrando a educação como
algo coletivo e que precisa ser vivida e sentida também coleti-
vamente.
Percebendo a utopia como existência humana, ela
deve ser, portanto, propulsora de nossas ações, compreen-
dendo, então, o nosso verdadeiro papel como sujeitos his-
tóricos responsáveis pelas nossas escolhas e atos, sejamos
éticos e coerentes, assumindo nosso compromisso histórico
com a sociedade; e se, por acaso, isso parecer um fardo mui-
to grande, comece simplesmente pelo chão da escola na qual
atua.
Tenhamos a consciência de que precisamos nos en-
volver, nos entusiasmarmos e, inclusive, nos emocionarmos
considerando a inteireza do nosso ser, que não somos seres
apenas profissionais mas pessoas, entre razões e emoções.
Tenhamos medo sim, ele é importante para ousarmos
e nos superarmos, porém “não deixe que o medo do difícil
paralise você” (FREIRE, 1993)! Tenhamos medo de perder a
10 Grifos meu.

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força, a vontade e a esperança! Tenhamos medo de deixar de


sonhar, medo de desistir e de não fazer a diferença!
Empodere-se, conscientize-se, acredite e entregue-se
na luta pelo sonho possível de reinvenção da escola/educação/
sociedade!

REFERÊNCIAS

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COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM COMO


AÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR

RODRIGUES, Eglen Silvia Pipi1


SANTOS, Maizi Aparecida dos2
LOURENÇO, Maiane Félix3
Introdução
As diversas transformações sociais, econômicas, polí-
ticas, culturais etc., ocorridas a partir da sociedade industrial
até os dias atuais ocasionaram um grande impacto em toda a
população mundial. Com os pressupostos dessa nova socieda-
de, o campo que mais revolucionou foi o das tecnologias, pois,
proporcionou avanço para que outras áreas de conhecimento
também se transformassem. No entanto essa revolução tecno-
lógica gerou um equívoco entre informação e conhecimento.
Se por um lado possibilitou outras transformações na socieda-
de, por outro lado o uso de tecnologias promoveu uma onda de
saberes informacionais que não são (ou podem ser) conside-
rados conhecimentos. Segundo Castells (2002), essa revolução
com as tecnologias não se caracteriza somente pelo modo de
adquirir informações e conhecimentos, e sim pelo seu uso em
aplicações para a obtenção de informação e conhecimento a
partir da comunicação.
1 Pedagogia. Docente. Universidade Federal de Mato Grosso/Rondo-
nópolis. E-mail: eglenrodrigues@gmail.com
2 Graduação em Pedagogia. Bolsista PET. Universidade Federal de
Mato Grosso/Rondonópolis. E-mail: liaramaizi@hotmail.com
3 Graduação em Pedagogia. Bolsista PET. Universidade Federal de
Mato Grosso/Rondonópolis. E-mail: maianefelix@hotmail.com

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A educação dentro do contexto atual da ideologia


neoliberal, é compreendida como grande responsável pela for-
mação do capital humano com fins à empregabilidade. Neste
sentido, pensar uma educação que seja para todos(as) é pensar
em uma educação contrária ao pensamento dominante, hege-
mônico. Pensar uma educação para todos(as) é pensar a educa-
ção popular, ou seja, uma educação que atenda às necessidades
da população excluída, que garanta os direitos sociais de todos
os sujeitos, que garanta a formação de sujeitos críticos, refle-
xivos, conscientes e construtores de sua própria história. De
acordo com Brandão (2009, p. 27):
A diferença entre a educação popular e outras con-
cepções está, em primeiro lugar, na origem de poder
e no projeto político que submete o agenciamento, o
programa e a prática de um tipo específico de edu-
cação dirigida às classes populares. Está, em segundo
lugar, no modo como o educador pensa a si mesmo
e o projeto de educação, no sentido mais pleno que
estas palavras podem ter.

Neste sentido, faz-se necessário que as Universidades


ampliem as discussões sobre essa temática, que busquem rea-
lizar ações voltadas para a população de um modo geral. Por
esta razão, apresentamos neste trabalho a proposta de Comu-
nidade de Aprendizagem, que se configura como um conjunto
de ações que visam a transformação e a ampliação da inserção
da comunidade na vida escolar. Necessitamos trabalhar pela
construção de uma pedagogia democrática, uma democracia
plena, integral, que promova uma cidadania ativa que supere
as múltiplas formas de opressão.
Diante disso, entendemos que a escola tem um im-
portante papel social e pode contribuir significativamente para
a humanização do ser, para o desenvolvimento de um sujeito
critico, reflexivo e politizado (FREIRE,2000). Conforme Pérez
Gómez, (2000) a escola além de realizar sua função social so-
cializadora, que prepara o sujeito para o mundo do trabalho

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(dimensão instrumental da aprendizagem) deve também cum-


prir com sua função humanizadora, visando o desenvolvimen-
to do sujeito, para o exercício da cidadania, para a vida públi-
ca, dos direitos (dimensão política). A função social da escola
deve formar o sujeito para o mercado de trabalho. A escola
deve oportunizar espaços dialógicos possibilitando melhores
interações entre as pessoas, principalmente para as classes des-
favorecidas, apoiando as atividades de luta por causas que vão
na contramão das desigualdades sociais. Esses espaços devem
ter o intuito de proporcionar aos alunos experiências com di-
ferentes grupos sociais e expandir a troca de saberes (Freire,
2005). Para tanto, segundo Freire (2005) isso só se torna possí-
vel construir uma prática democrática por meio do diálogo. O
diálogo, assim como o conflito são fatores constitutivos de um
processo de construção democrática. Este processo só se con-
solida em uma prática substantivamente democrática a partir
de um intenso e criativo trabalho pedagógico. Como afirma
FREIRE (1995, p.45), “um dos papéis das lideranças democrá-
ticas é precisamente superar os esquemas autoritários e propi-
ciar tomadas de decisão de natureza dialógica”.
Metodologia
Comunidades de Aprendizagem é um modelo edu-
cativo comunitário originalmente desenvolvida pelo Centro
Especial em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades
(CREA), da Universidade de Barcelona/Espanha que com-
preende a escola como instituição central de nossa sociedade.
No Brasil, o Núcleo de Investigação e Ação Social e Educati-
va (NIASE), da Universidade Federal de São Carlos, coordena
ações em escolas do ensino fundamental para se transforma-
rem em Comunidades de Aprendizagem por meio de projetos
desenvolvidos por pesquisadores do grupo e mais recentemen-
te o Grupo de Estudos em Aprendizagem Dialógica (GEAD),
da Universidade de Mato Grosso também vem realizando des-
de 2012 estudos fundamentados na Aprendizagem Dialógica,

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coordenado pela professora doutora Eglen Sílvia Pípi Rodri-


gues.
Entendemos que Comunidades de Aprendizagem
configura-se como uma proposta voltada à temática da edu-
cação popular, uma vez que ela intensifica e diversifica, as in-
terações entre diferentes grupos de pessoas e agentes educati-
vos. Tal proposta constitui um conjunto de ações educativas
igualitárias para que todas as pessoas possam pertencer a um
novo modelo de sociedade, à sociedade da informação e/ou do
conhecimento. Segundo Elboj et al. (2002), todas e cada uma
das crianças têm direito à educação de qualidade e a comuni-
dade educativa deve se mobilizar para alcançar esse objetivo.
Assim essa proposta visa a transformação da escola bem como
a ampliação da inserção da comunidade na vida escolar, des-
contruindo o atual modelo de educação herdado na revolução
industrial.
As autoras Mello, Braga e Gabassa (2012), afirmam
que a proposta educativa Comunidades de Aprendizagem,
aposta na qualidade da aprendizagem, na igualdade de dife-
renças e na democratização da gestão escolar. Sendo assim per-
cebemos que buscar transformar uma escola em Comunidades
Aprendizagem é trazer melhorias para toda a comunidade es-
colar e de seu entorno, seja no âmbito das relações sociais, das
aprendizagens e das mudanças significativas ao sistema escolar.
Segundo Mello, Braga e Gabassa (2012, p.83-104),
para a implantação dessa proposta faz-se necessário respeitar
duas grandes etapas: etapa de ingresso e etapa de consoli-
dação. A etapa de ingresso envolve as seguintes fases: sensi-
bilização; tomada de decisão; sonhos; seleção de prioridades;
planejamento. A etapa de consolidação envolve: investigação;
formação; avaliação. Observemos o quadro a seguir:

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Quadro1. Fases de Transformação da escola em uma


Comunidades de Aprendizagem

Fase de Sensibilização: A fase de sensibilização represen-


ta, de fato momento de formação, estudo e reflexão sobre os motivos
pelos quais se propõe a transformação da escola numa Comunidades
de Aprendizagem. Ela é um período no qual todos os agentes educa-
tivos (familiares, professores, diretores, funcionários e colaboradores/
voluntários) se colocam para conhecer com maior profundidade as
bases teórico-metodológicas de Comunidades de Aprendizagem. [..] É
desejável que as pessoas da comunidade e familiares também já estejam
presentes neste momento, embora, com frequência, ocorra de não lhes
ser possível devido à dificuldade de conciliarem os horários de traba-
lho com as idas à escola. Por isso, o momento de sensibilização das
famílias, do entorno da escola e dos demais funcionários da instituição
acontece num período menor de tempo, em diferentes datas, para aten-
der ao maior numero possível de pessoas.
Tomada de Decisão: Neste momento a instituição escolar se
dedicará a promover um diálogo intenso entre todos os professores e
professoras, funcionários e funcionárias, coordenadores e coordenado-
ras sobre a formação recebida e o significado da proposta para a escola.
[..] a decisão por transformar escola em uma Comunidade de Aprendi-
zagem deve significar uma aposta coletiva na possibilidade de melhoria
da aprendizagem e da convivência na escola, por isso o objetivo deste
trabalho é somar esforços com a escola, e nunca dividi-los.
Fase dos Sonhos: nesta fase, começa efetivamente o proces-
so de transformação. Ela envolve três grandes momentos: 1) reuniões
por segmentos para se sonhar a escola que deseja; 2) acordo sobre o
modelo de escola que se quer alcançar; e 3) contextualização dos prin-
cípios básicos de Comunidades de Aprendizagem naquela escola espe-
cífica. A fase dos sonhos representa, de fato, a crença na esperança, na
possibilidade de um amanhã melhor, mais bonito, mais livre de desi-
gualdades.

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Fase de Seleção de Prioridades: a partir de agora, as pessoas


implicadas terão por objetivo conhecer, analisar e estabelecer priorida-
des entre os sonhos, a realidade e os meios com os quais podem contar.
Esta fase envolve três processos: 1) busca de informação sobre a escola
e seu contexto; 2) análise dos dados obtidos; e 3) seleção de priorida-
des. As prioridades devem ser pensadas levando-se em consideração
os grandes objetivos de uma Comunidade de Aprendizagem: máxima
aprendizagem, convivência respeitosa e participação democrática.
Fase de Planejamento: A partir desse momento, propõe-se
a criação de grupos de ação compostos de Comissões Mistas, formadas
por representantes dos diferentes segmentos (professorado, alunado,
familiares, etc.) para levar as transformações a cabo. A base para essa
transformação são as prioridades estabelecidas na fase anterior. As co-
missões podem se organizar a partir de diferentes temáticas, como por
exemplo, comissão de informática, comissão de biblioteca, comissão de
formação de familiares, comissão de aprendizagem, etc.
Fase de Investigação: No processo de investigação, as Co-
missões Mistas devem explorar as possibilidades concretas de mudan-
ça e organizar sua prática. Dois aspectos importantes são os mais im-
portantes: aprofundamento das estruturas comunicativas de gestão e
aplicação pedagógica da aprendizagem dialógica. A investigação cons-
tante deve contribuir para apontar os elementos tidos como transfor-
madores (positivos) na prática da escola e também aqueles que têm se
apresentado como obstáculos para a transformação.
Fase de Formação: a formação transforma-se em necessida-
de para um processo de mudança como o promovida pela proposta de
Comunidades de Aprendizagem. Esse processo deve ser coordenados
pela Comissão Gestora ou por uma Comissão de Formação que pro-
grame atividades específicas, seja para o professorado, para os volun-
tários, para os familiares, para os estudantes, garantindo um esforço
constante na apropriação dos princípios da Aprendizagem Dialógica
por todos que compõe a escola.
Fase de Avaliação: A etapa de avaliação da proposta, que
também deve ser constante, se dá nos encontros das Comissões Mistas
e, principalmente, na Comissão Gestora, na qual é possível uma visão
mais ampla do desenvolvimento da proposta na escola. [..] Trata-se de
um acompanhamento constante da transformação a que todos se pro-
põem a fazer.

Fonte: MELLO, BRAGA & GABASSA (2012, p.83 à 104).

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O processo de implantação e consolidação da propos-


ta de Comunidades de Aprendizagem em uma escola ocorre
a partir do momento em que todos os envolvidos tenham um
objetivo comum:
[...] parte-se do direito que todas as crianças, os jovens
e pessoas adultas têm a uma educação com qualidade,
na busca por construir uma sociedade da informação
para todas as pessoas. Parte-se, ao mesmo tempo, do
compromisso que toda a comunidade educativa as-
sume para alcançar esse objetivo, aumentando-se a
aprendizagem e a participação de cada agente educa-
tivo. (MELLO, BRAGA & GABASSA 2012, p.109).

Por constituir o princípio de atuação e base de toda


a ação metodológica em Comunidade de Aprendizagem, a
Aprendizagem Dialógica (FLECHA, 1997) é tomada como eixo
centralizador das relações construídas nos âmbitos internos e
externos ao espaço acadêmico. O conceito de Aprendizagem
Dialógica se estrutura em uma maneira diferente de conceber
as interações e a aprendizagem. Tal conceito é formado por sete
princípios que se articulam em formulações teóricas permitin-
do descrever como unidade na prática. São eles: 1º Diálogo
Igualitário; 2º Inteligência Cultural; 3º Transformação; 4º Di-
mensão Instrumental; 5º Criação de Sentido; 6º Solidariedade;
7º Igualdade de Diferenças. Vejamos o quadro a seguir:

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Quadro 2. Princípios da Aprendizagem Dialógica

Diálogo Igualitário: para que o diálogo igualitário se


estabeleça, os interlocutores em uma interação têm de se dispor
a compreender e a se comportar de acordo com o seguinte pres-
suposto: as falas e as proposições de cada participante em uma
situação, seja ela em reuniões, em atendimentos ou situações de
aprendizagem em aula, serão tomadas por seus argumentos e não
pelas posições que ocupam os falantes [..] Isto significa que o po-
der está na argumentação que fazem os sujeitos, entendida como
apresentação de razões com pretensões de validade, tendo como
eixo o que une as pessoas em determinado lugar, enquanto inte-
resse comum [...].

Inteligência Cultural: o princípio de inteligência cultu-


ral pressupõe e reconhece a inteligência como processo intersub-
jetivo, originária das experiências de vida dos sujeitos, nos seus
contextos imediatos e sempre localizados em grupos e culturas.
[...]
A Inteligência Cultural possibilita que se estabeleçam,
na escola ou em qualquer outro espaço de aprendizagem, altas
expectativas com relação a todas as pessoas, pois a partir dela se
considera que todas as pessoas têm coisas a aprender e também a
ensinar.

Transformação: a Aprendizagem Dialógica transforma


as relações entre as pessoas e o seu entorno por meio do diálogo,
do consenso possível, do trabalho coletivo em prol de um objeti-
vo comum. Quando nos referimos ao princípio de transformação,
temos nele imbuída a ideia da ação humana, da capacidade de
cada sujeito de intervir no mundo qual vive. De toda maneira, há
diferentes possibilidades de ação a serem engendradas no mundo,
seja de maneira positiva ou não.

Dimensão Instrumental da Aprendizagem: [...] na di-


mensão instrumental da aprendizagem dialógica propõe-se o diá-
logo igualitário no campo do que se vai ensinar e aprender, já que
todas as pessoas podem apresentar conhecimentos diversos no
processo, tendo em vista que possuem inteligência cultural, num
diálogo que visa e promove a transformação pessoal e social. Cada
pessoa passa a ser protagonista de seu processo de aprendizagem,
bem como junto à escola e ao seu entorno.

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Criação de Sentido: na aprendizagem dialógica o prin-


cípio de criação de sentido é uma aposta na capacidade das pes-
soas de escolherem estabelecer diálogo igualitário, pautado na
inteligência cultural, voltado para a transformação pessoal e do
contexto, apropriando-se da dimensão instrumental dos conheci-
mentos. Aposta na possibilidade de enfrentar o desafio de recriar
o sentido para a nossa existência no contexto atual, construindo
espaços de convivência compartilhada e dialogada, como deve ser
a escola: um lugar no qual seja possível sonhar, viver solidaria-
mente e projetar o futuro.

Solidariedade: a Solidariedade, portanto é o elo que


mantém os sujeitos conectados num pertencimento ao mesmo
mundo social. A ação comunicativa e o diálogo dependem dessa
solidariedade social para se estabelecer e, ao mesmo tempo, a en-
gedram. Não é possível dialogar e buscar consensos, ou objetivos
comuns a alcançar, se me considero único no mundo, ou se a si-
tuação dos sujeitos ao meu redor não me atinge. Se não me solida-
rizo com os outros do meu coletivo, não me é possível o diálogo.

Igualdade de Diferenças: a partir do princípio da


igualdade de diferenças, é possível entender que, atualmente, o
processo educativo não depende somente da intervenção dos
profissionais da educação, mas de todo um conjunto de pessoas
e contextos que se relacionam com a aprendizagem das crianças,
dos jovens e dos adultos. [...] o fato de sermos diferentes uns dos
outros é justamente o que nos possibilita conhecer sempre e mais.
O reconhecimento da diversidade e da diferença como riqueza
humana e fonte de conhecimento completa o ciclo de princípios
da aprendizagem dialógica.

Fonte: MELLO, BRAGA & GABASSA (2012, p.43 à 78).

Acredita-se que a partir da aprendizagem dialógica


as pessoas vão adquirindo e compreendendo novas reflexões
sobre a vida e a maneira de viver no mundo, e segundo MEL-
LO, BRAGA & GABASSA (2012, p. 79), “uma Comunidade de
Aprendizagem se pauta na concepção de participação mediada
pela aprendizagem dialógica, considerando-se as capacidades
reflexivas e comunicativas que todas as pessoas possuem para
atuarem plenamente em seus contextos”.

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A proposta de Comunidades de Aprendizagem utili-


za um conjunto de ações educativas de êxito que conduzem
à transformação social e educativa da escola, objetivando ele-
mentos considerados importantes para a aprendizagem na
sociedade da informação e do conhecimento, possibilitando
assim a participação de toda comunidade. Quando buscamos
alternativas para garantir a participação da comunidade, pro-
movemos a superação das desigualdades sociais. As principais
atuações educativas de êxito são: biblioteca tutorada, grupo in-
terativo e tertúlia literária dialógica.
Biblioteca Tutorada: compreende-se por biblioteca
tutorada uma atividade para se pensar na abertura da bibliote-
ca em tempo integral, onde alunos possam ter uma interação
direta com professores e voluntários, formando-se pequenos
grupos com alunos de diferentes idades, de diferentes séries/
anos escolares. Organiza-se a partir dos estudos de Vygostski,
que concebe a aprendizagem como um processo fundamental
social. Esta atividade promove diferentes práticas pedagógicas,
tais como: auxílio na realização das tarefas de casa, pesquisas
sobre as diferentes disciplinas curriculares, prática de leitura,
resolução de conflitos, resolução de conflitos, apoio à aprendi-
zagem etc.
Grupo Interativo: o principal objetivo dos grupos in-
terativos é promover a aceleração da aprendizagem dos alunos
e alunas. Sua metodologia de realização baseia-se na organi-
zação do espaço de aula, dentro do período de estudos, uma
vez por semana. Dentro da sala de aula formam-se grupos de
4 a 5 alunos, buscando a heterogeneidade dos componentes.
É necessária à presença de uma pessoa voluntária para cada
grupo, que fica responsável por conduzir uma atividade elabo-
rada pelo professor da turma. Ao término dos vinte minutos,
os voluntários direcionam-se ao próximo grupo, fazendo um
rodízio até que todos os grupos façam todas as atividades, as-
sim ao término dessa prática, alunos e alunas terão realizado
de quatro a cinco menos quatro ou cinco atividades diferentes.

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Orientados pelos voluntários a se apoiarem para resolução dos


exercícios, proporcionando e criando possibilidades de melho-
res interações a partir do diálogo, que contribui significativa-
mente para uma aprendizagem de máxima qualidade.
Tertúlia Dialógicas: configura-se como uma ativida-
de cultural baseada nos princípios da Aprendizagem Dialógica.
Os encontros acontecem semanalmente com duração de uma
a duas horas. A leitura é definida a partir de uma obra clássica
da literatura mundial, previamente acordada. A cada encontro,
fica combinado a quantidade de páginas a serem lidas para o
próximo encontro. No dia da leitura, a pessoa responsável faz
a interlocução da atividade, fazendo a inscrição das falas para
que todos possam falar. Feitas as inscrições, as pessoas comen-
tam sobre seus destaques (o que mais gostou e porque), e em
seguida é aberto um turno para os comentários. O mediador
desta atuação educativa de êxito deve ficar atento para que não
haja centralização de fala. Deve garantir que todas as pessoas
tenham o mesmo direito de expressar suas ideias e opiniões.
A partir dos subsídios teóricos ancorados nos princípios da
Aprendizagem Dialógica, cabe a pessoa mediadora realizar
intervenções quando necessário, ou seja, quando alguma fala
demonstrar algum tipo de discriminação e/ou preconceito
mediante o grupo. É importante ressaltar que pessoas sem
domínio de leitura e escrita também participam da tertúlia,
uma vez que a inteligência cultural é um dos importantes prin-
cípios da Aprendizagem Dialógica que contempla os saberes
da experiência construídas na vida cotidiana (mundo da vida).
Resultados e Reflexões
A Escola Estadual Professora Sebastiana Rodrigues
de Souza localizada no município de Rondonópolis/MT, ini-
ciou o processo de implantação e consolidação da proposta de
transformar uma escola em Comunidades de Aprendizagem
no ano de 2012, e que hoje tem as alunas bolsistas do Programa
de Educação Tutorial – PET Educação Interdisciplinar como

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

participantes e atuantes dessa proposta. As alunas participam


dos estudos teórico-metodológicos de Comunidade de Apren-
dizagem e sobre aprendizagem dialógica, para consolidar na
prática essa concepção de educação.
Com a oportunidade de implantação da proposta e
efetivação das práticas educativas de êxito – biblioteca tutora-
da, grupo interativo e tertúlia literária dialógica-, fundamen-
tadas principalmente pelos princípios do conceito de aprendi-
zagem dialógica, observou-se a partir de pesquisas qualitativas
um avanço significativo na aprendizagem dos alunos, fazendo
com que a escola avançasse no IDEB de 2014, saindo do pata-
mar de 4.7 para 5.4. Além da contribuição da proposta educa-
tiva com relação à melhoria da qualidade de ensino dos alunos,
Comunidades de Aprendizagem se configura como ação volta-
da à educação popular, uma vez que ela ultrapassa a dimensão
instrumental da aprendizagem. Esta proposta educativa valo-
riza também a inteligência cultural (os diferentes saberes das
pessoas adquiridos pela experiência prática ao longo da vida).
Os estudos sobre Comunidade de Aprendizagem na
escola possibilitam um espaço de formação continuada que
contribui não somente para os professores e gestores, mas per-
mite também que todos os funcionários da escola, bem como
as pessoas de entorno possam ampliar as capacidades reflexivas
e comunicativas proporcionando espaços para atuarem de for-
ma mais dialógica e igualitária. Além disso, o funcionamento
das comissões mistas, garantem a participação de todas as pes-
soas nas tomadas de decisão, promovendo assim, um exercício
democrático, em favor da cidadania, dos direitos humanos, do
diálogo igualitário, onde todos podem respeitar as opiniões e
diferenças de maneira respeitosa e humanizadora.
Nesse sentido, Comunidades de Aprendizagem é
(pode ser) considerada uma ação da educação popular, pois
implica em um espaço de compartilhamento de companheiris-
mo e conhecimentos, onde todos ensinam e todos aprendem,
todos os argumentos são garantidos dentro dessa perspectiva

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

principalmente pela internalização dos princípios da aprendi-


zagem dialógica que favorecem a criação de um clima demo-
crático e respeitoso entre escola e comunidade, promovendo a
inserção de valores e saberes culturais não considerados cien-
tificamente.

Conclusões e/ou propostas

Entender a proposta de Comunidades de Aprendi-


zagem como ação da educação popular, possibilitou a amplia-
ção de conhecimentos sobre a definição de educação para o
povo, educação pensada em uma classe excluída e desfavore-
cida socialmente. Comunidades de Aprendizagem surge como
um modelo educativo comunitário que visa romper com pen-
samentos que por vez perduram em nossa sociedade desde a
revolução industrial, promovendo ações de desigualdades que
não se sustentam para/na sociedade da informação e do co-
nhecimento.
Possibilitar a educação popular é considerar as diver-
sas culturas existentes na sociedade e oportunizar o acesso a
uma educação de qualidade com igualdade para todos. Desta
forma, entendemos que é preciso transformar o espaço da es-
cola. A escola deve ser um espaço que vai além do ensino e da
instrução. Deve ser um espaço que possibilite a organização
política da comunidade. Neste sentido, a escola deve propiciar
ao aluno o contato com os movimentos sociais, organizações
políticas e instituições públicas. Ao mesmo tempo em que deve
atuar como um agente que promove e organiza atividades cul-
turais e educativas juntamente com a comunidade. Neste sen-
tido, Comunidades de Aprendizagem se apresenta como uma
proposta que está fundamentada na Teoria da Ação Dialógi-
ca de Freire, que deu origem aos princípios da Aprendizagem
Dialógica, conceito que subsidia todas as práticas pedagógicas
que são realizadas a partir de uma Comunidade de Aprendi-
zagem.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Com a experiência de implantação da proposta de


Comunidades de Aprendizagem na escola Sebastiana, foi pos-
sível a partir dos relatos de alunos e alunas, evidenciar o avanço
na formação de profissionais para o ensino sob a perspectiva
da educação popular que atenda as demandas da sociedade da
informação e do conhecimento. As alunas bolsistas PET viven-
ciaram desde então, práticas pedagógicas reflexivas pensadas
a partir da consideração do aluno como ator principal no seu
processo de ensino-aprendizagem. As leituras sobre a propos-
ta, bem como educação popular, contribuíram e contribuem
de maneira ímpar e de suma relevância para a construção da
formação inicial.
REFERÊNCIAS
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e
Terra, 1999. v. 1.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues Cultura rebelde: escritos
sobre a educação popular ontem e agora / Carlos Rodrigues
Brandão e Raiane Assumpção. – São Paulo: Editora e Livraria
Instituto Paulo Freire, 2009. – (Educação popular) Bibliografia
ISBN 978-85-61910-29-71. Disponível: file:///C:/Users/
Marcelo/Desktop/EdL_Cultura_Rebelde_escritos_sobre_a_
educacao_popular_ontem_e_agora_.pdf (último acesso em:
27/03/2016).
ELBOJ, C., et al. Comunidades de aprendizaje. Transformar
la educacióm. Bacelona: Graó, 2002.
FLECHA, R. Compartiendo Palabras: el aprendizaje de
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1997.
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_______ Educação na Cidade. 4ª. Ed. São Paulo: Cortez,
2000.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

_______À sombra desta mangueira, São Paulo, Olho D’água,


1995
GÓMEZ, A. Compreender e transformar o ensino. 4ª ed.
Porto Alegre: Artmed, 2000.
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MELLO, Rodrigues de, BRAGA, Fabiana Marini, GABASSA,
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SACRISTÀN, J. Gimeno; PÉREZ GOMES, A. I.
Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre:
ARTMED, 2000. 

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

UM OLHAR SOBRE O CONCEITO DE


MUDANÇA NA OBRA FREIREANA

SILVA, Nayandra Carvalho da1


CASTRO, Amanda Motta2
Introdução

“Não há neutralidade possível mesmo que não este-


jamos conscientes da situação em que vivemos e não
conheçamos o sistema de influências que nos atinge”
(GEBARA, 1997, p. 32)

O presente trabalho faz menção a uma das obras de


Paulo Freire3, o livro “Educação e Mudança”. Esta obra defen-
1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Matemática na Universi-
dade do Estado do Amazonas. Ocupa-se com pesquisas na área de
matemática aplicada com ênfase em modelagem matemática, bem
como educação matemática voltada para o estudo da Teoria das
Probabilidades e pesquisa em ciências sociais a vida da população
ribeirinha em relação ao saneamento básico e tratamento de água
domiciliar. Contato: nayandracarvalho1@hotmail.com
2 Doutora em Educação pela UNISINOS com bolsa CAPES e perío-
do sanduíche realizado no departamento de Antropologia da UAM.
Tem se ocupado em pesquisar os processos de produção do conheci-
mento realizados por mulheres tecelãs, a fim de analisar a complexi-
dade da aprendizagem nesse contexto em articulação com a Educa-
ção Popular e os estudos feministas. Contato: motta.amanda@gmail.
com
3 Utilizamos o nome e sobrenome do/a autor/a na primeira citação.
Nas citações seguintes, os/as autores/as passam então a ser mencio-
nados apenas com o último sobrenome. Seguimos a orientação for-
mal da Revista Estudos Feministas de citar o nome completo, como
uma forma inclusiva de perceber a produção científica. Paulo Freire
fez referência à importância do lugar da linguagem inclusiva após
ser criticado por sua linguagem machista por feministas norte-a-
mericanas que leram sua principal obra, Pedagogia do Oprimido

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de a mudança de uma sociedade dividida entre oprimidos e


opressores (classe dominante), para uma sociedade igualitária
e defende também a educação, já que o campo escolar está pre-
sente dentro da sociedade.
As pessoas com o tempo buscam o conhecimento e
procuram “desenvolver” cada vez mais seu intelecto, enfim se
aperfeiçoam com o tempo, assim desenvolvem seu senso críti-
co. Isto porque sabem que existem muitas coisas a serem feitas
na sociedade, uma vez que a dualidade de classes persiste até
os dias atuais.
A educação Freireana surge da busca constante do co-
nhecimento para a transformação social. Esse conhecimento
com o tempo é aperfeiçoado, surgindo assim um novo saber,
isto é, o saber se faz a partir de sua superação constante.
Nesse sentido, a necessidade de transição de uma “so-
ciedade fechada” para uma sociedade crítica (na época que
Freire escreveu o livro o país passava pela ditadura militar4),
contudo a educação pouco muda, pois continua reproduzindo
o que a sociedade de classista afirma ser o melhor.
A educação não deve ser restritiva, ou seja, o docente
não pode impedir que a exposição de ideias sobre os temas tra-
tados em sala de aula ultrapassem para o cotidiano do estudan-
te e vice-versa. Afinal a escola não esta isolada e o que se passa
(1964). Freire admite seu machismo e retoma esta questão em Pe-
dagogia da Esperança, publicada originalmente em 1992. O autor
passa então a utilizar uma linguagem inclusiva.
4 Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi
deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Gou-
lart. Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu
os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro
político, como por exemplo, o CGT, a União Nacional dos Estudan-
tes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juven-
tude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares
de pessoas foram presas, torturadas, mortas e exiladas. Paulo Freire
passou 16 anos exilado do Brasil. Em 1979 com lei da anistia come-
çam a retornar ao Brasil as pessoas exiladas, entre elas Paulo freire.
Fonte: <https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Gol-
pe1964 > <https://anistia.org.br >.

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no mundo fora das barreiras da escola também diz respeito ao


que acontece dentro da mesma. Caso contrário, significa tor-
nar os educandos e educandas como instrumentos da educa-
ção e não um sujeito participativo da mesma. Tendo em vista
que a Educação não é e nem está neutra aos acontecimentos da
sociedade, pelo contrário, ela participa ativamente na socieda-
de. Logo a Educação é política, não se pode afirmar que a edu-
cação é neutra ou apolítica (FREIRE, 1996; BARTRA, 2002).
Atualmente ouve-se falar de uma crise que acontece
de longa data, entretanto, pouca atenção é destinada a crise
cotidiana de uma educação tão pouco valorizada, estando no
topo da lista de cortes e de desrespeito. Desde o começo do
processo de conscientização sociedade em prol da emancipa-
ção isso é discutido. Voltando para o ambiente escolar faz-se
necessário dialogar, esse diálogo não é o romântico entre edu-
cador e educando, mas o diálogo de uma sociedade oprimida
que busca superar a dominação do opressor e sua condição
de opressão. Daí pode-se implicar na conscientização de toda
uma sociedade para que aconteça o processo de mudança. A
que conscientização de uma sociedade para mudança social
Freire fala? Através de uma educação de qualidade ainda res-
trita a classe dominante.
Com isso, o presente trabalho procura através da obra
de Paulo Freire entender a “Mudança social” que é necessária
na Educação para uma sociedade mais justa que entenda o va-
lor de cada cidadão, e a importância que o diálogo tem em sala
de aula, pois é através do mesmo que o educador possibilita aos
educandos construir o conhecimento, assim desenvolvendo
uma educação para todos sem distinções, tornando o processo
de mudança social real e possível.
Metodologia
No livro Freire fala de Educação, bem como, no dis-
correr de todo o livro como acontece o processo de Educação, e
como se torna necessária a Mudança diante dos aspectos polí-

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ticos que o país encontrava-se. Com isso pode-se observar que


a obra e o legado de Freire continuam tão atuais que o livro
“Educação e Mudança” ainda tem como objetivo principal a
mudança e a conscientização da sociedade em relação à EDU-
CAÇÃO.
Para compreensão da obra utilizou-se como recursos
fichas de leitura, livros, resumos e resenhas.
O conceito de Mudança em Freire
Tendo em vista o foco principal do livro Educação e
Mudança e levando em consideração as concepções de Freire
durante todo o livro, e de como o mesmo fala do processo de
Mudança implicando na conscientização da sociedade, resul-
tando em uma educação libertadora, para emancipação huma-
na como propriamente dito. No presente trabalho expõem-se
as duas palavras chaves: Mudança e Conscientização da Socie-
dade.
Para começar é pertinente fazer as seguintes pergun-
tas: O que entende-se por mudança? Afinal de contas, para que
mudar? E quando há mudança o que acontece?
Existem muitas especulações a respeito e Freire respon-
de a tais com explicações sobre o processo de mudança de uma
sociedade em transição, sendo que no período em que escre-
veu o livro o país passava pela época da ditadura militar.
Dentro do contexto, se a mudança acontece a partir de
uma ação-reflexão, ação transformadora, ou seja, uma práxis,
a mesma dar-se não somente pelo trabalho que difere os se-
res humanos dos demais animais, contudo pelo seu poder de
transformar a natureza, sendo que o mesmo não adapta-se a
esta, entretanto a modifica (transforma) e quando isso aconte-
ce, existe o que chama-se de mudança.
Na obra Freire fala da mudança como um processo que
vem para modificar a educação, sendo que vale ressaltar e o
que Freire deixa claro é o papel do docente nesse processo (já
que o mesmo esta mais próximo do sistema), que é poder ter

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a liberdade para expor sua opinião, todavia faz-se menção de


que até os dias atuais isso ainda não acontece.
Freire não dá destaque ao papel do educador, mas como
tal ainda é visto por muitos como o dono do saber este tem
um compromisso com a sociedade, levando o conhecimento
para seus educandos, contudo ele não é dono de todo o saber
e também não pode ser o mediador, é por isso que a educação
bancária deixou de ser o foco dos últimos tempos: É necessário
mudança.
Mudança para uma educação de qualidade, emancipa-
da, que veja o discente como um possuidor do conhecimento
(conhecimento externo a escola). Essa mudança dar-se pelo
processo de conscientização de uma sociedade.
Freire deixa vivo no decorrer de todo o livro que é ne-
cessário amor e esperança no processo de educação, já que o
amor é uma condição para o entendimento e a esperança o
início para a busca da educação. O ser humano é um ser de
relações e ao relacionar-se projeta-se e transcende, sendo as-
sim evita a acomodação e adaptação, com isso estimula uma
transformação constante, isso através de reflexões visando a tal
mudança. Mudança essa que podemos designar como mudan-
ça de pensamento, atitudes e ações da sociedade dominante, ou
melhor, extinção dessa sociedade capitalista para uma igualitá-
ria sem classes sociais e sim seres humanizados.
A partir do que foi exposto Freire trata de uma mudan-
ça social para educação, em prol de uma educação justa, para
emancipação da humanidade (repito), para uma marcha com
vistas a libertação de uma educação para todas as pessoas, para
os seres humanos oprimidos, somente com isso existe uma luta
por uma sociedade igualitária.
Conscientização da Sociedade
Freire fala como o processo de mudança social repre-
senta uma forma de conscientização de uma sociedade, para
uma sociedade sem classes, contudo vale ressaltar que é ne-

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cessário um senso crítico, dentro do que Freire aborda para


um passo em prol da educação libertadora, sendo possível a
reflexão de cada um a respeito disso.
Diante do exposto acima Freire discorrendo na obra
fala da sociedade em transição como também da sociedade
alienada e da sociedade fechada onde afirma: “A sociedade fe-
chada se caracteriza pela conservação do status ou privilégio
e por desenvolver todo um sistema educacional para manter
este status. Estas sociedades não são tecnológicas, são servis”
(FREIRE, 1979, p.18), uma sociedade fechada sempre defen-
de seu status independentemente de qualquer coisa que acon-
teça, é o caso do sistema educacional de hoje, onde muitas
escolas passam de série seus alunos para manter seus status
diante a sociedade.
Ademais o autor fala da sociedade alienada, sendo que
nessa sociedade o ser alienado busca sempre copiar algo de
outra pessoa, muitos saem de si mesmo para buscar ser outra
pessoa na qual ele considera como sendo o auge a ser chega-
do. “A sociedade alienada não se conhece a si mesma; é imatu-
ra, tem comportamento exemplarista, trata de conhecer a rea-
lidade por diagnósticos estrangeiros” (FREIRE, 1979, p.19).
Com isso Freire enfatiza a necessidade da sociedade
criar sua própria identidade, visando alcançar objetivos atra-
vés daquilo que esta no mundo ao seu redor, o mesmo afirma
que o erro não esta em imitar uma sociedade, mas esta como
se recebe a imitação e a falta de análise ou autocrítica, segun-
do Freire (1979) “É preciso partir de nossas possibilidades
para sermos nós mesmos”.
A partir disso torna-se necessária a conscientização da
sociedade para que o processo de mudança social aconteça,
onde há a necessidade de estimulação da consciência reflexiva
no educando para que este reflita sobre sua própria realidade,
transformando a sociedade em que insere-se em uma socie-
dade crítica, partindo desse pressuposto em uma sociedade
igualitária, onde a luta por conhecimento seja assídua e cons-

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tante, visando uma mudança para uma educação de qualidade,


uma educação para todos independentemente de sua classe
social.
Pesquisa em Educação no processo de mudança social
O que é pesquisa? Como fazer pesquisa? E para que ou
para quem uma pesquisa é realizada?
Segundo Maria Cecilia Minayo (2011, p.16) a pesquisa
pode ser definida como uma atividade principal da Ciência e a
sua construção da realidade. Onde a teoria e a prática tem que
caminhar para o mesmo objetivo, em que destaca-se aqui o de
mudança social para emancipação da Sociedade.
Nesse sentido, cabe a nós educadores e educadoras ter
em mente que não existe pesquisa sem educação. Muito menos
educação sem pesquisa tendo em vista que ambas relacionam-
-se e devem ter a mesma finalidade para a realização da práxis.
Assim, durante meus poucos anos de pesquisa pude
perceber que o processo de mudança social tem um longo ca-
minho a ser percorrido, e parte de cada um contribuir para
isso. Isso acontece quando? Quando nos propomos a fazer pes-
quisa com compromisso com nos mesmos e com a sociedade.
Há algum tempo ouvi a história de certo pesquisador que estu-
dava a vida de uma comunidade ribeirinha do Amazonas e de-
pois de dois anos de pesquisa se foi e não voltou. É necessário
compromisso do pesquisador, uma vez que não existe pesquisa
desinteressada.
Enquanto educadoras estamos tentando manter o com-
promisso com a população e em nossas áreas de estudo, através
da divulgação de nossas pesquisas. Com isso estamos infor-
mando e mantendo a comunidade a par do que acontece no
meio cientifico. Ainda, quando respeitamos o outro e expomos
nossa opinião sempre escutando, não deixando de lado o saber
tradicional estamos contribuindo para o processo de mudança
social.
Nesse contexto, Freire (1996) afirma:

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Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.


Esses que- fazeres se encontram um no corpo do
outro. Enquanto ensino continuo buscando, repro-
curando. Ensino porque busco, porque indaguei,
porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo, educo e me edu-
co. Pesquiso para conhecer e o que ainda não conheço
e comunicar ou anunciar a novidade (p.15).

Caso contrário, estaríamos para contribuir para ma-


nutenção das desigualdades sociais e para a exploração dos
países em desenvolvimento anteriormente nominados de paí-
ses de Terceiro Mundo. Constituindo mais uma ameaça para a
sobrevivência da humanidade como de longa data vem repe-
tindo-se (JAPIASSÚ, 1975).
É necessário que tenhamos em mente que ensinar não
é transferir conhecimento, e sim possibilitar a construção ou
produção deste. Na sala de aula devo estar aberta a indagações,
perguntas, curiosidade dos alunos para que este persista na
construção do seu senso crítico, uma vez repetindo “ensinar
não é transferir conhecimento” (FREIRE, 1996).
Partindo disso, devemos ter uma visão clara que o do-
cente não é detentor de todo conhecimento e que o discente
desprovido do mesmo. Estando no mundo é necessário que as
pessoas percebam que não precisam se adaptar as condições
que este lhes impõe e sim ter a consciência de que isso pode ser
mudado pela educação, e que aqui enfatiza-se como a chave
para conscientização de toda uma sociedade.
Assim sendo, o educador não pode estar a par das
necessidades do educando, muitos menos se fazer de rogado
quando o mesmo demonstra tais em sala de aula. É nesse sen-
tido que começamos a pesquisar. Mas pesquisar o que? Por que
não o cotidiano do educando?
“[...] o primeiro dever do professor consiste em guar-
dar um interesse fundamental pela pesquisa e despertar no
educando o espírito de busca, a sede da descoberta, da imagi-

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nação criadora e da insatisfação fecunda o domínio do saber


[...]” (JAPIASSÚ, 1975).
É nesse sentido que Freire em Pedagogia da Autonomia
(1996) fala que o docente que desrespeita a curiosidade do
discente (que o leva a investigar e, por conseguinte, fazer pes-
quisa), seus gostos estéticos, sua inquietação, linguagem, trans-
gride os princípios fundamentais e éticos de nossa existência
enquanto seres humanos.
Dentro do contexto, especula-se: a educação pode
ser vista como um escape para que aconteça a emancipação
humana? Através da educação é possível romper com a lógica
do capital, e sair desse processo de alienação que o capital im-
põe sobre a sociedade vigente? Como acontece o processo de
emancipação da sociedade? Para que sociedade? Mudar para
que? O capitalismo vai acabar? E se acabar, surgirá um sistema
mais potente que ele? Como acontece esse processo de transi-
ção de uma sociedade capitalista para uma sociedade livre?
A tais indagações preferimos por deixar as respostas
para percepção de cada leitor e leitora. Isso por que a visão
que cada um tem a respeito da sociedade e da educação po-
dem distinguir-se, mas não podemos deixar de lembrar que
como mencionado anteriormente, através da educação, digo,
educação para todos, educação de qualidade tal processo pode
acontecer (extinção da sociedade classista).
Com isso, a teoria aliada com a prática transforma em
práxis para que aquilo que foi planejado seja posto em ação.
Em minhas pesquisas sempre procurei identificar a problemá-
tica e tentar alia-la a realidade da área de estudo, da comunida-
de, dos indivíduos que fizeram parte da mesma e ainda em que
minhas hipóteses depois de comprovadas poderiam mudar a
vida das pessoas que participaram do estudo. Assim sendo, ter
em mente que o senso comum e o conhecimento prévio dos
educandos existe e que deve-se respeitá-lo foi importante para
que se pudesse pensar de tal forma. Pois quando nos propomos
a fazer pesquisa sabemos que teremos algum resultado seja

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Educação Popular em Debate
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para o bem ou para o mal, do contrário toda pesquisa realizada


seria neutra e não estaríamos inseridos nela.
Assim, percebemos que: é necessário respeito e com-
promisso com a sociedade para que a pesquisa não se torne a
reprodução de dominação que o saber cientifico tenta sobre
o senso comum implicando na reprodução de uma sociedade
desigual.
Boaventura de Souza Santos (2009) afirma “[...] de-
fendo que todo conhecimento cientifico é socialmente cons-
truído, que o seu rigor tem limites inultrapassáveis e que a sua
objetividade não implica a sua neutralidade [...]” (p.8-9).
Com isso enfatiza-se que a Ciência não é neutra, o
conhecimento cientifico não é neutro. Afinal, a Ciência serve
para que? O conhecimento científico diz respeito a quem? Ou
melhor, toda produção científica é conhecimento?
No que Freire (1996) ressalta:
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com
os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo
de luvas nas mãos constatando apenas. A acomoda-
ção em mim é apenas caminho para a inserção, que
implica decisão, escolha, intervenção na realidade
(p.46).

Diante dos expostos é possível afirmar que a pesqui-


sa no processo de mudança social é real e acontece, basta que
tenhamos em mente que é através da educação que tal pode
acontecer, onde educador/ educadora, pesquisador/pesquisa-
dora, discentes e pessoas podem fazer parte e contribuir para
uma educação de qualidade e livre.

Conclusões

Diante do tema abordado notou-se que Paulo Freire


teve um propósito, sendo o mesmo de mudar a educação, tal
mudança para ser alcançada deve ter o apoio de toda a socie-
dade e é através do diálogo entre as pessoas que pode ser alcan-

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çado. Como o diálogo é uma forma na qual todos os seres hu-


manos podem se comunicar, esse é um dos artifícios que pode-
mos usar para melhorar educação própria, para que a mesma
melhore a cada dia e se torne de qualidade e acessível a todos.
A educação se dá pela busca do conhecimento, não é
possível através de uma educação para a mudança, aceitar que
alguém aliene outra pessoa, cada um é capaz de buscar seu pró-
prio conhecimento, pois não se pode transferir o conhecimen-
to para outro, e sim pode ser construído.
Segundo Freire (1979, p.14) “O homem não é uma ilha”,
pois este vive em constante movimentação e comunicação
com os outros seres humanos, assim podendo conhecer coisas
novas como também ensinar a outros seus valores, com isso
constituindo uma sociedade buscadora de conhecimento e em
constante troca do mesmo.
Nisso percebe-se que ao educar, deve-se lutar contra o
egoísmo, ou seja, procurando entender aquele que esta ali para
educar-se (estudante). A partir disso observa-se que o educa-
dor enquanto educador tem que preocupar-se com vida do
educando e buscar ao máximo ajuda-lo. O educador tem que
ter amor (bem como Freire defende, sobretudo em seu livro
Pedagogia da autonomia) ao ser que ali estar para aprender,
pois só há educação quando há amor imposto do educador
para o educando, onde o discente se sentirá bem para poder
assimilar o que lhe é passado.
Dentro do contexto observou-se a partir da leitura da
obra que de modo geral que o professor não deve apenas dar
suas opiniões, tem que ouvir as opiniões dos estudantes e tam-
bém possibilitar de certa forma que este educando tome gosto
pela pesquisa e se torne um questionador, pois é apenas assim
que se constrói o conhecimento.
Partindo disso, conclui-se que a sociedade vigente ain-
da busca na alienação algo na qual pertence a outro ser, pois
para este o mais importante é buscar coisas de outra socieda-
de em vez de criar suas próprias “conclusões”, o ser alienado

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

não olha para a realidade com critério pessoal, mas com olhos
alheios (o que chamamos de educação bancária).
Cabe aos seres humanos procurar a verdadeira mu-
dança que certamente irá transformar os educandos em seres
melhores e capacitados, e a cada dia tornarem-se mais críticos
e se impondo no mundo atual, buscando a transformação do
mesmo, ou seja, a “Mudança”.
De tudo que foi exposto, enfatiza-se que apenas os seres
humanos (ser que trabalha e modifica a natureza, não se adap-
ta a ela mas modifica a mesma) podem fazer a diferença, cabe a
todos buscar formas para transformar a sociedade, e para con-
seguir isso deve- se, principalmente, comunicar-se uns com os
outros, ou seja, ter diálogo, e assim irá construir- se um mundo
melhor de viver, transformando uma sociedade desigual em
uma sociedade mais justa para todos.
Recomenda-se a presente obra, principalmente, para
futuros docentes que estarão nas desafiantes tarefas ligadas
ao processo de ensinar e aprender devido à importância desta
para a sociedade atual, pois a sociedade tem que passar por
transformações.
Com isso, pode-se entender como a busca por mudan-
ças na sociedade são necessárias, começando pela “educação”
(a educação libertadora), pois o princípio da mudança da so-
ciedade se inicia pela mudança da educação, pois esta é base de
tudo. Uma vez que quando o foco de um país esta na educação,
a Ciência do mesmo torna-se potência mundial.
Partindo disso, faz-se menção ao importante trabalho
de Freire, bem como, sua importância para classe docente e
discente do país. Nestas conclusões (in)conclusas retomamos
Ivone Gebara (1997) que assina a epigrafe deste texto: Não há
neutralidade possível, uma educação para a mudança social é
uma educação de se posicionar frente as questões políticas e
sociais que vivemos em nossos cotidianos.

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Referências
BARTRA, Eli. Reflexiones metodológicas. In: BARTRA,
Eli (org.). Debates en torno a una metodologia feminista.
Universidade Autônoma Metropolitana. Xochimilco, 2002.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12 ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra. 1979, p. 46.
______________. Pedagogia da Autonomia - Saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996,
p. 92.
GEBARA, Ivone. Teologia ecofeminista. São Paulo: Olho
D’Água, 1997.
JAPIASSÚ, Hilton Ferreira. O mito da neutralidade
científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975, p. 123-164.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social.
Teoria, método e criatividade. 30 ed. Petrópolis: Vozes, 2011,
p.108.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as
Ciências. 6.ed. São Paulo: Cortez, 2009, p.92.

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TRABALHO PEDAGÓGICO E POLÍTICAS


DE INCLUSÃO: RELATOS DA ATUAÇÃO DE
DOCENTES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL NO
ENSINO BÁSICO.

GILONNA JR, Roberto1


PACHECO, Dalmir2
Introdução

A pesquisa deu-se no Complexo Municipal de Educa-


ção Especial André Vidal de Araujo que foi criado através da
Lei 1138, em 17 de agosto de 2007 e tem por finalidade a edu-
cação de crianças com necessidades educacionais especiais.

Este relato faz uma análise no processo formativo de


professores para a inclusão em educação especial, verifica a
formação acadêmica dos professores em nível de educação es-
pecial e identifica os aspectos que configuram pontos positivos
e negativos de atuação dos docentes.
1 Mestrando em Ensino Profissional Tecnológico/IFAM, Pós-gra-
duando em Docência do Ensino Superior/CEPROF, Graduado Tec-
nólogo em Gestão Pública/UEA, Pesquisador em Acessibilidade e
Inclusão Escolar no Grupo Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas
sobre Inclusão e Cidadania. Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Amazonas/IFAM. E-mail: robertogilonna4@gmail.
com;
2 Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção/UFAM; Mestre em Educação pela FACED-UFAM; Bacharel em
Ciências Sociais e Licenciado em Geografia, ambos pela Universida-
de Federal do Amazonas. Professor Titular do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas. E-mail: dalmirpache-
coo@gmail.com;

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Os objetivos foram pautados na análise de atuação dos


professores em educação especial numa escola pública do mu-
nicípio de Manaus, sua formação acadêmica dos professores
em nível de educação especial e a Identificação dos aspectos
positivos e negativos de atuação dos docentes.
A discussão teórica que permeia a análise das entrevis-
tas feitas ao diretor e às professoras está pautada na prática do
ouvir o relato dos entrevistados e suas concepções de formação
inicial e continuada. Na prática da “paciência impaciente” que
felizmente ensina Freire (1990, p.7) sobre Amilcar Cabral lí-
der revolucionário da Guiné-Bissau, que “Ele tinha esta virtude
de ser pacientemente impaciente e impacientemente pacien-
te”, permitindo que deságuem ao pesquisador a experiência da
visão no desenvolvimento e aprendizagem desse profissional
em relação à inclusão e educação especial na perspectiva da
educação inclusiva.
Toda investigação foi fundamentada pela pesquisa so-
cial. E na pesquisa social, o pesquisador absorveu que os pro-
fissionais mostraram-se preocupados em resolver o problema à
sua maneira, sua forma, de modo centrista sem, contudo, levar
em conta, a necessidade de busca e refazimento do conheci-
mento.
A esse patamar, mais uma vez os homens são desafia-
dos pela dramaticidade da situação, e se propõem a si mesmos,
como solucionadores do problema. Descobrem que poucos sa-
bem de si, de seu “posto no cosmos”, e se inquietam por não
saber mais (FREIRE, 1987, P.16 – com adaptações).
No processo de formação dos docentes para Educa-
ção Especial e toda área de atuação na Educação a necessidade
de intervenção a outros campos de saber, com a finalidade de
promover a interdisciplinaridade como destaque na importân-
cia de trazer novas considerações a esta avaliação sobre a for-
mação do professor para a educação inclusiva.
A respeito disso Sampaio e Sampaio (2009, p.46) afir-
mam ser...:

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...indispensável contribuição da abordagem socioin-


teracionista, que tenta combater as “receitas prontas”
e levar o professor a construir o seu próprio conheci-
mento, incentivando a reflexão sobre a prática e não
apenas a busca por informações sobre a deficiência.

A construção de novas práticas exige do docente em


formação, a busca do conhecimento multilinear em várias
frentes, estimulando uma concepção sistêmica, onde o todo
não é redutível às partes e não há buscas individualistas para a
soluça ode problemas. Sobre isso, Morin (2003, p.94) cita Pas-
cal que afirma: “Considero impossível conhecer as partes sem
conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer,
particularmente, as partes.”
Este pensamento traz à reflexão a necessidade do co-
nhecimento de outras áreas para a formação tais como socio-
logia, filosofia, pedagogia, serviço social, psicologia, biologia e
assemelhadas.
Algumas questões atuais desafiam a nossa inventivida-
de e inspiração, por exemplo: como está sendo assegurado o
direito à escolarização dos estudantes com indicativos para a
Educação Especial? Como são pensadas as escolas de ensino
comum nessa discussão? Há dispositivos de apoio nessas esco-
las? Como os profissionais da educação são envolvidos nessas
questões? Como se dá a formação dos educadores? Como está
se materializando essa questão no campo e na interface com
outras diversidades? Quais são as condições concretas de tra-
balho dos profissionais da educação para a implementação de
um projeto político-pedagógico inclusivo, do currículo e das
práticas docentes para o ensino e a aprendizagem desses alu-
nos?
Para Miranda e Filho (2012, p.20) são muitas as ques-
tões que norteiam uma criatividade inspirada. Quando a cen-
tralização do problema toma conta do cotidiano não há espaço
para a renovação das atitudes e ideias em relação à formação.
O processo criativo deve-se ao comportamen-
to estético e ético previsto no na natureza adâmica do

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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‘homem’ envolve despojamento para sua ação no pro-


cesso de docência. Isto está alicerçado no que diz Frei-
re (1996, p. 16) “A necessária promoção da ingenuidade à
criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de
uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética.
A continuidade dessa formação não deve ser mera-
mente dos modelos tradicionais de reciclagem que só fazem
acentuar no professor o papel de executor e a noção reprodu-
tora de conhecimento, já suficientemente alimentados pelo
próprio sistema educacional (SAMPAIO e SAMPAIO, 2009, p.
54).
O exercício da docência deve ser construído nas bases
da coerência, na construção do pensamento sociointeracionis-
ta com outras áreas em que Freire (1990, p.9) destaca que “A
coerência entre o discurso e a prática que se fala e se anuncia,
enfatizam a necessidade de diminuir a distância do que se fala
no discurso. E isto não é fácil”.
Nesse contexto, haverá condições para o desenvolvi-
mento de sua autonomia e de identificação com os alunos com
deficiência, possibilitando a experiência entre as diferenças
humanas e culturais no combate à discriminação, substituin-
do o estado de segregação histórica pela liberdade aos alunos
‘especiais’.
Superar o histórico de fragmentação, improviso e in-
suficiência de formação pedagógica que caracteriza a prática
docente na educação especial, implica reconhecer que a do-
cência é muito mais que mera transmissão de conhecimentos
empíricos ou processo de ensino de conteúdos fragmentados e
esvaziados teoricamente.
Metodologia 
Para desenvolvermos a pesquisa, tomamos por técnica
a visita in loco, com observação das ações enquanto eram en-
trevistadas, respostas subjetivas através de questionários e
na documentação indireta em pesquisa bibliográfica.

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A observação direta do pesquisador permitiu que fos-


sem comparadas as respostas, ao que Freire (1990) afirma de
coerência entre o que se diz e o que se faz. Em alguns casos, o
pesquisador instigou sobre a questão política de como é tratada
a Escola e seus profissionais e foi possível perceber uma resistên-
cia ao mudar de assunto de forma inesperada.
A pesquisa concentrou-se na Escola Municipal de Edu-
cação Especial André Vidal de Araújo, situada na Rua da pene-
tração esquina com a Maceió, S/N, Vila Amazonas – Parque Dez
de Novembro – CEP.: 69.057-101 – Fone: (92) 3236-6739.
De acordo com o diretor, a escola atende 495 alunos
entre Educação Infantil, Ensino Fundamental (até a 4ª série) e
Educação de Jovens e Adultos – EJA, e funciona nos três perío-
dos, com 19 turmas no período matutino, 21 no vespertino e 4
no noturno, 34 turmas no total.
Sua estrutura curricular atende EJA Especial, Ensino
Fundamental, Profissionalizante Fundamental, Escolas de Ensi-
no Fundamental Especial, Meio Período Pré‐Escolas Especiais
de Meio Período.
Os professores do Complexo possuem curso superior
completo e todos recebem formação continuada na Gerência de
Formação do Magistério da SEMED. O planejamento é realiza-
do quinzenalmente, com todo o corpo docente e administrativo
da escola, para tratar de assuntos diversos como datas come-
morativas, projetos educacionais, eventos e informações gerais,
sendo adaptado conforme as necessidades dos educandos.
No campo da observação, foi possível testemunhar boa
relação professor-aluno, com exceção das crises naturais de cada
deficiência como agressões físicas ou verbais. Por esses motivos
há necessidade de auxiliares para ajudar o docente a lidar com
alguns alunos, em especial os de Paralisia Cerebral (PC), Sin-
drome de Autismo (SA) e Deficiência Mental (DM).
Participaram da entrevista o Diretor da Escola e as pro-
fessoras ‘A’ e ‘B’, ambas pertencentes ao quadro de pessoal da
SEMED lotadas na escola. Foi utilizado um questionário com

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dados gerais do diretor e de identificação da escola. Um ques-


tionário para as duas professoras com sete (7) perguntas.
O questionário foi dividido em duas partes sendo que,
a primeira foi direcionado ao Diretor Sr. Helivan que autori-
zou imediatamente para que pudesse entrevistá-lo. A segunda
parte partiu para entrevista com as professoras ‘A’ e ‘B’ e todas
aconteceram na data de 15/10/2015, das 14 às 16 horas na re-
ferida escola.
O diretor repassou os dados de identificação da escola
e respondeu a três perguntas quais foram: tempo de exercício,
desafios vividos na função e questões referentes à inclusão.
Na entrevista com as professoras notou-se o grau de
comprometimento das mesmas em dar atenção aos alunos.
Responderam sobre sua formação acadêmica, tempo atividade
na função, motivação para trabalhar com educação especial,
condições de trabalho, o que pensa sobre o trabalho, visão so-
bre o aluno com necessidades especiais, problemas frequentes
e sugestões para aprimorar a qualidade do ensino.

Resultados e Reflexões 

Em atenção ao pedido das senhoras professoras por


questão ética quanto ás suas respostas utilizei-me de recursos
alfabéticos para identificá-las como, por exemplo, professora
‘A’ e professora ‘B’ mantendo apenas o nome do diretor por ele
permitido. Como resultado, apresenta-se o que segue:

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Entrevista com Diretor

1) Há quanto tempo o 3 anos – Pedagogo (forne-


senhor exerce o cargo de ceu também os dados da escola).
direção da escola e sua
formação?
2) Quais os principais O principal desafio é man-
desafios vividos durante ter essa estrutura funcionando;
o tempo de exercício atender aos diversos pedidos de
do cargo com relação pais e mães para matricular seus
à inclusão escolar ou filhos; e articular novas ideias.
educação especial?
3) Como as questões Procura-se trabalhar com
referentes à inclusão os diagnósticos do autismo de
escolar são trabalhadas forma mais rápida, possibilitando
na escola? a reversão de características do
autismo, ajudando-os a interagir
na sociedade.

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Entrevista com a professora A

1) Formação Acadêmica - Educação Física c/ Esp.


- Tempo de trabalho no Educ. Especial
magistério - 6 anos
- Tempo de trabalho na - 6 anos
escola
2) Qual motivação a A necessidade de ajudar
levou a trabalhar com essas pessoas a terem sua própria
educação especial? autonomia e ter uma vida melhor.
3) Como são as suas Aqui na escola trabalhamos
condições de trabalho? com os recursos necessários e
temos independência para de-
senvolver da melhor forma nosso
trabalho.
4) O que você pensa em Penso ser um trabalho
relação ao seu trabalho? altruísta que exige responsabi-
lidade e compromissos diários
para entender o ser humano e sua
limitação.
5) Qual sua visão sobre o São antes de tudo seres
aluno com necessidades humanos com sentimentos, von-
educacionais especiais? tades, emoções, desejos e sonhos
que precisam ser canalizados de
forma à alcançar sua independên-
cia.
6) Quais são os problemas As agressões físicas e
mais frequentes em sala verbais por conta do estado em
de aula? que se encontra o aluno.
7) Você tem alguma O que temos é o que
sugestão para aprimorar temos. Em tempos difíceis na eco-
a qualidade de ensino e nomia, trabalha-se com recursos
aprendizagem do aluno disponíveis que, diga-se de passa-
com deficiência ou gem, ainda temos, coisa que em
necessidade especial? outro lugar ou outras escolas não
têm.

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Entrevista com a professora B

1) Formação Acadêmica - Magistério com Esp. Educ.


- Tempo de trabalho no ma- Especial
gistério - 11 anos
- Tempo de trabalho na escola - 6 anos
2) Qual motivação a levou a O fato de ter pessoas na minha
trabalhar com educação família com deficiência me impulsio-
especial? nou a estudar para contribuir de algu-
ma forma.
3) Como são as suas condições Tenho o material que preciso
de trabalho? para atuar, os aparelhos de recupera-
ção na ginástica e ajudo aos colegas
quando precisam de uma força extra.
4) O que você pensa em relação Penso que cada um de nós (tra-
ao seu trabalho? balhadores da educação especial) de-
veria ter uma capacitação fora daqui,
em outra cidade ou pais para melhor
compreender os avanços e tecnologias
na Educação especial.
5) Qual sua visão sobre o São pessoas que tem um dife-
aluno com necessidades rencial em relação a outros e que por
educacionais especiais? isso, precisam ser trabalhados para
obterem seus espaços com autonomia.
6) Quais são os problemas mais Os espasmos. Tem dias que
frequentes em sala de aula? eles não querem fazer nada. Assim,
fica difícil dar continuidade no plano
de aula. Por isso, refaço sempre para
adaptar ao dia bom.
7) Você tem alguma sugestão A escola oferece as condições
para aprimorar a qualidade e espaços adequados para o trabalho.
de ensino e aprendizagem Penso que a inclusão de novas tecnolo-
do aluno com deficiência ou gias de aprendizado e um intercâmbio
necessidade especial? com outros Estados ou países, pode-
riam nos ajudar a melhorar nossas
condições de atenção e com certeza,
obteríamos resultados mais satisfató-
rios.

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O diretor...

Na primeira parte da entrevista, as respostas do diretor


da escola foram respostas técnicas, dentro do esperado. Não
houve nenhuma que se destacasse em relação à formação de
docentes e inclusão. Pelo método de percepção foi possível
identificar certa mecânica quando diz “Procura-se trabalhar
com os diagnósticos do autismo de forma mais rápida, possibi-
litando a reversão de características do autismo, ajudando-os a
interagir na sociedade”.
Na entrevista, o diretor se refere à dificuldade de fazer
nascer novas ideias. Pela minha observação deu pra entender
que espera pela equipe, um temporal de ideias ou algo ligado
a um ato novo. Notei que o mesmo trabalha com prazer no
serviço porém, tem limitações de criar novas alternativas. Tra-
balha dentro de um padrão pré-definido pela SEMED.
As professoras...
Quanto à professora ‘A’, como aspecto positivo tem sua
motivação na necessidade de ajudar ao próximo com destaque
para o limiar de independência da pessoa com deficiência. A cerca
das condições da escola, se mostrou otimista se limitando dentro
do possível, a explicar o momento que país atravessa numa clara
tentativa de justificar a não execução de algo não revelado e a mim
não notado. Quanto ao atendimento aos alunos, no momento da
entrevista, foi possível ver que a mesma é diligente no que faz e
tem espírito beligerante para o serviço público.
Já a professora ‘B’, vem de uma formação em magis-
tério e, portanto, trás a ideia negativa do atendimento mater-
no. Apesar disso, está nessa atividade por causa de um parente
(não revelado) que tem uma deficiência (também não revela-
da). Quanto ao local de trabalho, mostrou-se entusiasmada pe-
los aparelhos e equipamentos existentes que ajudam na reabili-
tação ou assistência dos alunos. Esta observação minha, partiu
da segurança na voz quanto às perguntas.

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Em comum aos três, ora entrevistados, é possível no-


tar a necessidade de nivelamento sobre o que vem a ser edu-
cação especial. As assimilações são carregadas de pragmatis-
mos individuais. a) Um pensa que cumprindo apenas o rito da
inclusão com a matrícula tudo está resolvido. b) Outra revela
subliminarmente que ‘tudo está no seu lugar, graças a Deus!’,
c) enquanto a outra manifesta uma correta busca de novas in-
terações no aspecto de formação em docência justificada pela
vontade de melhor assistir ao alunado da educação especial,
com intercâmbio de conhecimento sobre a matéria.
Conclusões
A Educação Especial é uma modalidade de educa-
ção destinada ao atendimento das Pessoas com Deficiência,
Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades,
transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino,
parte integrante da educação regular, devendo ser prevista no
projeto Político e Pedagógico da unidade escolar (art. 29 das
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Especial na
Educação Básica).
Funciona como um conjunto de recursos educacio-
nais e de estratégias de apoio, e não mais como um sistema
de ensino paralelo de educação, que deve estar à disposição de
todos os alunos, oferecendo diferentes alternativas de atendi-
mento, garantindo os direitos individuais e sociais dos alunos
com necessidades especiais, priorizando-os em seu processo
de conhecer, aprender, reconhecer e produzir a sua própria
cultura, os integrado ao meio em que vivem.
A experiência adquirida ao longo dessa pesquisa in-
dica que a formação de docentes para o exercício da Educa-
ção Especial, requer esforço ainda maior para manutenção dos
sucessos até agora adquiridos pelos docentes no decorrer do
processo de desenvolvimento laboral.
Os pontos fortes e fracos foram abordados ao longo
das entrevistas, logo suas vitórias também merecem serem

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apontadas, onde podemos constatar que tanto diretor como as


professoras ‘A’ e ‘B’ convergem para a mesma reação, quando o
assunto é atendimento do alunado, cumprimento das regras e
a necessidade de melhor atender com a ideia de formação con-
tinuada, requalificação e interação para novas aprendizagens.
Assim sendo, conclui-se que a formação inicial e con-
tinuada de docentes para educação especial, deve seguir bases
pedagógicas consistentes construída a partir do fundamento
democrático e que deve ter como princípios básicos a partici-
pação e autonomia.
Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Virtudes do Educador. Campanha da
Fraternidade – CNBB/1982 – III Assembleia Mundial de
Educação de Adultos/1985. Compêndio. São Paulo: ed. Roca
Viva, 1990.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª. Ed. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1987.
MIRANDA, Theresinha Guimarães. FILHO, Teófilo Alves
Galvão (Orgs). O professor e a educação inclusiva. Salvador:
EDUFBA, 2012. 491P.:il.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: pensa a reforma/
reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. – 8ª ed. –
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.ISBN 85-286-0764-X.
SAMPAIO, CT., and SAMPAIO, SMR. Educação inclusiva:
o professor mediando para a vida [online]. Salvador:
EDUFBA, 2009, 162 p. ISBN 978-85-232-0627-7. Available
from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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ESPAÇOS DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL,


FÓRUM SOCIAL TEMÁTICO E DE EDUCAÇÃO
POPULAR: UMA EXPERIÊNCIA QUE
ALIMENTA A MILITÂNCIA.

BARRETO. Vera Lúcia Lourido1


INTRODUÇÃO
Acreditar na construção de que outro mundo é pos-
sível, foi à motivação para estarmos presente nos espaços do
Fórum Social Mundial-FSM edições 2003, 2005, 2006, 2009,
2010 e 2016. Em alguns momentos enquanto militante da edu-
cação popular, da educação de jovens e adultos, das pastorais
sociais, educadora da rede pública de ensino do estado do
Amazonas. Em outros momentos, principalmente nas últimas
edições do FSM como governo, compondo o Departamento
de Educação Popular e Mobilização Cidadã na Secretaria Na-
cional de Articulação Social-SNAS, Secretaria de Governo da
Presidência da República, onde desde 2005 acompanhamos a
coordenação da Rede de Educação Cidadã-RECID, uma das
estratégias no campo da formação para a organização, partici-
pação e controle social, num diálogo e construção de proces-
sos, governo e sociedade civil organizada.
1 Educadora popular, bacharel e licenciada em ciências socais, espe-
cialista em metodologia do ensino superior, Coordenação Nacional
da Rede de Educação Cidadã e de Educação Popular e Mobiliza-
ção Cidadã do Departamento de Educação Popular e Mobilização
Cidadã da Secretaria Nacional de Articulação Social-Secretaria de
Governo da Presidência da República, Brasília, fevereiro de 2016.
Email: vllbarreto@gmail,com

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A Rede de Educação Cidadã é uma articulação de di-


versos atores sociais, entidades, movimentos sociais e popula-
res do Brasil que assumem solidariamente a missão de realizar
processos sistemáticos de sensibilização, mobilização e edu-
cação popular junto aos grupos vulneráveis econômica e so-
cialmente (indígenas, negros, jovens, LGBT, mulheres, acam-
pados, assentados, pescadores, catadores, sem teto, população
em situação de rua, grupos de economia solidária, pequenos
agricultores e associações), com o objetivo de promover o diá-
logo e a participação ativa na superação da miséria e promo-
ção dos direitos humanos, com formação para a consciência
crítica e empoderamento dos sujeitos, a partir da concepção
e princípios da educação popular, afirmando um projeto po-
pular, democrático e soberano de Nação e que desde o ano de
2005, tem marcado presença no Fórum Social Mundial levan-
do sua experiência no campo da educação popular, a partir de
um processo de construção coletiva entre parceria governo e
sociedade civil organizada.
O relato da experiência em torno da participação nos
espaços dos fóruns sociais mundiais, fóruns sociais temáticos
e fórum mundial de educação popular, quer refletir acerca da
importância destes lugares enquanto oportunidades para ali-
mentarmos a militância e seguirmos comprometidos com a
luta dos menos favorecidos e com a construção de uma socie-
dade menos desigual, assim como, fortalecendo a educação po-
pular. Um espaço para bebermos na fonte da educação popular
enquanto estratégia pedagógica para o fortalecimento das lutas
e para a transformação social.
Neste sentido, é importante ressaltamos que ao fazer-
mos o relato em torno de uma experiência, esta virá carrega-
da de emoções e percepções políticas e ideológicas de quem a
descreve. Por conta disso, adiantamos em dizer que este arti-
go trará também alegrias em torno do quanto é gratificante e
alimentador poder participar dos espaços dos fóruns sociais
mundiais pelo fato de podermos conhecer e ao mesmo tem-

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po articular experiências exitosas que acontecem por todo o


mundo, com destaque principalmente para as experiências da
América Latina.
Um lugar que ao longo dos dezesseis anos tem mo-
bilizado movimentos sociais e populares, ativistas dos direitos
humanos, ambientalistas, juventudes, mulheres, grupos sociais
organizados, pessoas que durante um período da história esti-
veram foram dos debates, mas que agora são chamados a serem
protagonistas do processo e assim, participar e debater, propor
caminhos para a transformação social.
Por isso, trazemos na escrita deste relato, um pouco
do histórico em torno da caminhada do FSM e a reflexão em
torno da educação popular enquanto instrumento político pe-
dagógico e metodológico nos espaços do FSM e o sentido da
militância política para seguir caminhando. Enfim, reforçamos
que os espaços do FSM têm possibilitado relevantes e signifi-
cativos debates entre os diferentes tipos de saberes, manten-
do vivo o pensamento de Paulo Freire, fazendo com que nos
apaixonemos pela poesia e pelo encanto de estar reunido com
pessoas de interesses comuns com seus sonhos e esperanças de
que outro mundo é possível, urgente e necessário, perseguindo
a utopia.

METODOLOGIA

O modelo econômico vigente nas últimas décadas


tem contribuído para o aumento da lacuna entre as classes so-
ciais e assim, fomentado uma a luta de classe, logo, luta por
direitos sociais e políticos.
É nesse contexto, que se dá a construção da história
do espaço dos Fóruns Sociais Mundiais-FSM. Um espaço que
surge com o objetivo de fazer o contraponto ao Fórum Eco-
nômico Mundial em Davos-Suíça. E por que Porto Alegre é
cidade escolhida para a realização do FSM, ora, a cidade estava
inserida num contexto político propício e vivenciando a cons-

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trução do orçamento participativo, motivações para a realiza-


ção da primeira edição do Fórum Social Mundial.
E assim, a capital gaúcha, vivenciou as três primeiras
edições do Fórum Social Mundial (2001, 2002, 2003). Neste
sentido, desde a sua primeira edição, janeiro de 2001, o FSM
se constitui num espaço autogestionário e metodologia na
perspectiva da educação popular, valorizando a construção
horizontal e participativa, pautando temas que dialogam com
a vida cotidiana, com as lutas diárias, com proposições para
construção de políticas públicas, sociais, econômicas, ambien-
tais, participação e organização social. Cada edição teve suas
particularidades e seu momento histórico, reunindo organiza-
ções, movimentos sociais e populares, centrais sindicais, gente
que estava dispersa ao redor do mundo, pessoas com algo em
comum e a não adaptação ao modelo econômico vigente.
A cada edição realizada, o Fórum avançou no seu pro-
cesso de articulação e assim, em 2014, ultrapassa o território
nacional, avança a fronteira, indo para a Índia, país que rece-
beu a realização do FSM na cidade de Mumbai; Em 2005, este
retorna ao Brasil acontecendo mais uma vez na cidade de Porto
Alegre; em 2006, sua sexta edição ocorreu de forma descen-
tralizada, acontecendo simultaneamente em 3 cidades sendo,
Bamako-Mali/África; Karachi-Paquistão/Ásia e Caracas/Ve-
nezuela; na sua sétima edição o Fórum aconteceu na cidade
de Nairóbia/Quênia; Por sua vez, em 2008 não houve Fórum,
mas uma semana de mobilização e ação global, marcado por
uma dia de visibilidade mundial, isso no dia 26 de janeiro. Isso
possibilitou a realização de fóruns locais, regionais e temáticos.
No Brasil, várias cidades realizaram momentos para debates
e reflexões em torno da conjuntura, de fazer anúncios e de-
núncias frente ao modelo imposto economicamente. No ano
de 2009 o FSM prioriza o olhar para a Amazônia com foco na
sustentabilidade ambiental e ao esgotamento do modelo eco-
nômico neoliberal. É a vez da Amazônia, acolher o FSM ten-
do como espaço, a cidade de Belém, capital do Pará acolhendo

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mais de 120 mil pessoas; No ano de 2010, novamente o FSM se


descentraliza com 27 eventos espalhados pelo mundo trazen-
do o debate em torno da crise financeira, ecológica, social e a
comemoração dos 10 anos do Fórum com destaque ao Fórum
social temático que ocorreu em agosto na cidade de Assunção/
Paraguai. No Brasil, destaque para o estado do Rio Grande do
Sul com eventos em vários municípios gaúchos.
No ano de 2011, o que marca a realização do Fórum é
a história de resistência e luta dos povos africanos. Neste senti-
do o FSM retorna a África com o sentimento de solidariedade
ativa do movimento social internacional, é vez da cidade de
Dakar acolher o evento; por sua vez em 2012 o Fórum tem
como foco os debates em torno da cúpula dos povos, desen-
volvimento sustentável e Rio+20, ocorrendo mais uma vez na
cidade de Porto Alegre; em 2013 o FSM acontece na capital de
Tunis/Tunísia, primeiro país a iniciar movimentos populares
para a derrubada de regimes ditatoriais na região. Esses movi-
mentos se espalharam para o Egito e a Síria e completam dois
anos em 2013, conhecida como a Primavera Árabe; em 2014,
novamente Porto Alegre recebe desta vez, o Fórum social te-
mático debatendo a crise capitalista, democracia, justiça social
e ambiental, isso perpassando pelas reflexões nos espaços do
Fórum mundial de educação e fórum mídia livre. No ano de
2015 novamente a cidade de Túnis, capital da Tunísia acolhe o
FSM em meio a conflitos políticos e terrorismo. Em janeiro de
2016, ocorre a realização do Fórum Social Temático na cidade
de Porto Alegre, sendo um momento de comemoração dos 15
anos e de balanço do FSM, uma preparação para o FSM que
acontecerá no período de 9 a 14 de agosto na cidade de Mon-
treal/Canadá.
É importante ressaltarmos que os espaços do FSM
surgem com a intencionalidade de fomentar o debate e refle-
xão, de fazer denúncias e anúncios das mazelas fomentadas
pela hegemonia do capitalismo, perpassando pelo campo po-
lítico, econômico, social, educacional. Neste sentido, a neces-

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sidade de retomar a pedagogia da educação popular. Afinal, a


educação é um território que sempre esteve, está e estará em
disputa. Tem lado, faz disputa de classes e de projetos de socie-
dade. Tem opção, romper ou manter o “status quo”. A educação
abre portas, é um caminho para se diminuir as desigualdades
sociais. Por meio da educação se derruba murros e se diminue
o isolamento do saber. Oprime-se ou liberta-se. Como nos diz
Brandão,
(...) educação popular é a educação das classes popu-
lares. É uma prática pedagógica politicamente a ser-
viço das classes populares. Isto porque a operários,
camponeses, lavradores sem terra e trabalhadores
sem emprego, é atribuída a tarefa histórica de reali-
zação das transformações sociais a que deve servir a
educação. (BRANDÃO, 1995, p.27)

Neste sentido, os espaços dos fóruns tem pautado


como metodologia a educação popular enquanto caminho
político pedagógico, não como um mero discurso acadêmico
sobre método e nem uma dinâmica de grupo, mas uma con-
cepção de educação comprometida com a causa dos mais em-
pobrecidos economicamente, logo, um processo que busca a
co-responsanbilidade da pessoa, via um processo coletivo e
permanente de conhecimento e socialização, onde se bus-
ca fazer a leitura crítica frente à realidade dos sujeitos, com a
intenção de transformá-la. A educação popular serve à causa
popular, manifestada na indignação contra todas as formas de
opressão e no compromisso com a construção de um modelo
de sociedade, onde o centro é vida fraterna.
Sendo assim, não existe educação popular sem forma-
ção política e tencionalidade explicita. Na educação popular,
um dos seus princípios é o despertar as pessoas para que se
tornem sujeitos de sua história, afinal, as massas trabalhadoras
dispõem de um poder criador ilimitado, um interesse potencial
pela mudança, além de ser sementeira permanente de inume-
ráveis militantes e formas de lutas. É necessário que estejamos

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convictos de que o povo já tem saber, o qual pode ser parcial e


até mesmo fragmentado, que nasce na luta e com a luta.
Outro elemento fundamental para a educação popu-
lar está na militância e como nos diz Ranulfo, “ninguém se in-
titula ou nasce militante, assim como, não se faz militante por
votação”. Cadernos CEPIS, 2005).
Podemos dizer que na caminhada se fomenta mili-
tantes, quando percebemos que as pessoas são comprometi-
das com uma causa, uma luta. A militância se dá via forma-
ção política e com a história do sujeito e um bom trabalho de
base junto às classes populares. Neste sentido, os momentos
de místicas são importantes como “alimento” para fortalecer a
militância. Nas místicas se trabalha os princípios e valores do
mundo pelo qual lutamos, como gratuidade, solidariedade e
coletividade, com músicas e poesias, sentindo que a educação
acima de tudo, é um ato de entrega e de amor, mas mediado
por uma formação política crítica.
1º. FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO POPULAR
E AS EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO POPULAR
NOS ESPAÇOS DE UNIVERSIDADES PÚBLICAS NA
AMÉRICA LATINA
A primeira edição do Fórum Mundial de Educação
Popular foi uma motivação principalmente da Faculdade Lati-
no Americana de Ciências Sociais-FLACSO, Conselho Latino
Americano de Ciências Sociais-CLACSO, Conselho de Edu-
cação Popular da América Latina e Caribe-CEAAL, Conselho
para o Desenvolvimento de Pesquisa em Ciências Sociais em
África-CODESRIA. Este aconteceu nos dias 17 a 19 de janeiro
de 2016 em Porto Alegre. Um espaço para o encontro de ideias
e experiências, debates e reflexões principalmente em torno da
relação das universidades públicas, universidades populares e
a educação popular.
No primeiro Fórum Mundial de Educação Popular, ti-
vemos a oportunidade de conhecer práticas pedagógicas inova-

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doras que as universidades vêm desenvolvendo pautadas pelos


princípios da educação popular a partir dos projetos de exten-
são, percebendo quanto o saber científico se aproxima do saber
popular, assim como possibilita a vivência com o cotidiano das
comunidades, fomentando o protagonismo das pessoas para
que estas deixem de ser meros objetos de pesquisa. Os projetos
de extensão são possiblidades para diminuir o hiato entre as
universidades e as comunidades, com docentes, discentes e os
sujeitos construindo o conhecimento coletivamente.

Fonte: Vera Lúcia Lourido Barreto. Janeiro, 2016.

Dentre as experiências exitosas no campo da educação


popular, fazemos o recorte e trazemos para este relato algumas
que estão dando certo na América Latina como, na Costa Rica
se vem investindo no processo da sistematização na extensão
universitária como centro de ação universitária, valorizando o
saber popular, o que possibilita a mudança da visão de pes-
quisa (pesquisa participante - construção do conhecimento).
Isso também possibilita a valorização das pessoas que fazem a
extensão universitária. Dessa forma, é possível a partir das ex-
periências de extensão, influenciar na construção de políticas
públicas.

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A Colômbia por sua vez, aponta experiências no cam-


po da formação de professores/as mediada pelos princípios e
concepção da educação popular. Acredita-se que mudanças
na educação passa primeiro pela formação dos professores
da educação infantil a educação universitária. Neste sentido,
constituíram uma rede de educação popular formada por pro-
fessores/as, com encontros anuais, onde professores/as de vá-
rios países da América Latina têm demonstrado interesse em
participar.
No Uruguai, as experiências de educação popular nos
espaços das universidades se dão via a vontade política de al-
guns professores/as. Apostam na institucionalização da educa-
ção popular para adentar na construção dos currículos escola-
res e universitários.
Em relação ao Brasil podemos apontar experiências
no campo da educação popular nas universidades públicas via
os projetos de extensão e ainda por conta da vontade política
de professores que têm trajetória na militância e em processos
de educação popular.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sendo a intencionalidade desse trabalho o relato de


experiência dos espaços dos Fóruns sociais mundiais e fóruns
sociais temáticos, é interessante fazermos algumas reflexões
dentre os desafios apresentados.
A partir dos relatos de experiências, é certo dizer que
um dos desafios está em garantir os princípios da educação po-
pular na elaboração dos projetos de extensão a partir da polí-
tica da educação dos países citados, o que depende da vontade
política dos governantes dos países. Neste sentido, se queremos
as universidades iluminadas pela educação popular, temos que
propor mais projetos pensados a partir dos princípios da edu-
cação popular. Pensar e propor projetos que roupam com as
estruturas que fazem com os projetos de extensão se distan-

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ciem das comunidades, estes precisam apontar para um outro


projeto de sociedade.

Fonte: Vera Lúcia Lourido Barreto. Janeiro, 2016.

Outro desafio, voltado basicamente para o Brasil, per-


passa pela valorização do Marco de Referência de Educação
Popular para as políticas públicas que orientam a elaboração
de políticas públicas para o Brasil. As universidades públicas
precisam se apropriar do marco de referência, um documento
mediado pelos princípios da educação popular.
É importante seguirmos questionando o perfil dos
sujeitos e dos processos de conhecimento e de formação dos
professores, como também pautar a sistematização das expe-
riências, como um processo avaliativo e de aprendizagem, o
que pode fomentar um novo relacionamento da política públi-
ca e a universidade.

Fonte: Vera Lúcia Lourido Barreto. Janeiro de 2016.

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CONCLUSÕES
E assim concluímos que os espaços dos Fóruns Sociais
Mundiais, Fóruns sociais temáticos e de Educação Popular, são
significativos para a reflexão e o debate crítico, alimentos es-
senciais para a militância.
Esses espaços contribuem para a organização social
e o fortalecimento das lutas, para o fomento de políticas pú-
blicas na perspectiva emancipatória e transformadora social e
politicamente. Um espaço onde se busca fazer a contraposição
ao modelo econômico vigente, gerador de tantas desigualdades
sociais e violação de direitos humanos, lugar para fazer anún-
cios de coisas bonitas e possíveis tendo no centro dos debates,
o ser humano e sua capacidade de construir de forma criativa
e coletiva. Utopia? Parafraseando Thomas More, podemos ar-
riscar e dizer que sim, já que a utopia busca melhorar as condi-
ções de desigualdades.
Quanto aos projetos de extensão, são as portas para o
saber popular adentrarem aos espaços das universidades pú-
blicas, com possibilidades para que professores/as e estudantes
“derrubem” as paredes que distanciam as universidades das co-
munidades, no sentido de fazer com que, saber popular e saber
científico se aproximem.
Os projetos de extensão universitários precisam ultra-
passar o conceito conservador, precisam levar em considera-
ção a dimensão política, ética, cultural, ambiental em que os
sujeitos estão inseridos.
O pensamento de Freire iluminou e continua ilumi-
nando as lutas na América Latina. Sonhamos para que este
invada os espaços das universidades públicas, afinal, estas têm
um papel significativo no processo da transformação social e
na vida das pessoas.
Neste sentido, pautar a concepção e princípios da edu-
cação popular na política educacional nunca foi e não será tare-
fa fácil. Afinal, o cerne da concepção da educação popular per-
passa por mudança de mundo e pessoas. E romper estruturas

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históricas leva tempo e precisa de engajamentos e compromis-


sos políticos. Significa fazer rupturas de práticas pedagógicas
que há anos se perpetuam na educação brasileira e podemos
dizer, na América Latina, mesmo que tenhamos várias expe-
riências exitosas na América Latina que apontam o quanto a
educação popular contribuiu e contribui para que os espaços
escolares sejam fomentadores de consciências críticas.
E concluímos trazendo o pensamento de Paulo Freire,
“não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de
um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o anúncio
de um futuro a ser criado, construído, política, estética e etica-
mente, por nós, mulheres e homens”.
Por isso, acreditamos que outro mundo é possível, ur-
gente, necessário e viável. Porém, para essa construção as ações
devem ultrapassar a vontade individual, precisam de governos
democráticos que em diálogo com a sociedade civil organiza-
da, com movimentos sociais engajados e comprometidos, que-
brem as práticas pedagógicas do individualismo e juntos as-
sumam o compromisso político em prol da transformação da
sociedade na perspectiva de se avançar na promoção da vida
humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Em campos abertos: escritos
sobre a educação e a cultura popular. São Paulo: Cortez, 1995.
CEPIS. Trabalho de Base : Teoria e Prática. Cadernos de
Formação. São Paulo, SP. Maio de 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª edição. Rio de
Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1987.
GADOTTI, Moacir; TORRES, Carlos Alberto. Educação
Popular: Utopia Latino Americana. São Paulo, SP: Cortez,
1994.
_______. Estado e educação popular: Desafios de uma
Política Nacional. Secretaria Nacional de Articulação Social

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da Presidência da República. Seminário sobre Política de


Educação Popular. Setembro de 2013, Brasília, DF.
SOUZA, Ana Inês (org.) Paulo Freire: Vida e obra. 3ª. edição.
São Paulo, SP: Expressão Popular, 2005.

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REDE DE EDUCAÇÃO CIDADÃ DO


AMAZONAS: PROMOVENDO A
ORGANIZAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA
EDUCAÇÃO POPULAR NA PERSPECTIVA DE
ALCANÇAR OS OBJETIVOS ESTRATÉGICOS
DO PROGRAMA FOME ZERO

SANTOS, Silva Irismar1


JUNIOR, Santos Francimar 2
INTRODUÇÃO
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agri-
cultura e Alimentação (FAO), em 2015 cerca de 795 milhões de
pessoas são consideradas subnutridas, mas esse número che-
gava a um bilhão em 1990. O avanço é mais significativo se
for considerado que a população cresceu desde então. 12,9%
de pessoas no planeta ingerem menos calorias do que o reco-
mendado pelas Nações Unidas. Essa parcela era de 23,3% há
25 anos.
No Brasil, segundo Frei Betto (2004), a fome não exis-
te por falta de alimentos. Falta é renda para adquiri-los em
quantidade permanente e com qualidade adequada. Como a
1 Bacharel em turismo. Pós-Graduada em: Ética e Política, Docên-
cia no Ensino Superior, Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
com ênfase em Gestão e Educação Ambiental. Foi colaboradora da
Rede de Educação Cidadã do Amazonas, período 2004-2009. Email:
ssantos.iris@hotmail.com.
2 Formação. Historiadora, educadora popular, arte educadora,
militante feminista do Movimento das Mulheres Negras da Floresta
-Dandara, co-fundadora do Fórum Permanente das Mulheres
de Manaus e articuladora do Espaço Feminista URI-HI. E-mail:
francy_junior@hotmail.com

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renda está mal distribuída no país, uma parcela da população


não tem acesso nem mesmo à quantidade mínima de alimen-
tos necessária para garantir a sobrevivência.
A fome entrou na agenda brasileira como questão po-
lítica, desde 1946, quando Josué de Castro publicou o clássico
“Geografia da Fome” sublinhando que a subnutrição de mi-
lhões de pessoas nada tem a ver com a fatalidade, seja climá-
tica, seja religiosa. Porém antes de Lula nenhum presidente da
República tomou a si o desafio de erradicar a fome, executan-
do o programa de reformas de base de João Goulart, abortado
pelo golpe militar de março de 1964.
O programa de segurança alimentar e nutricional foi
elaborado no Instituto Cidadania em 1991, desempenhado por
José Gomes da Silva (pai do ministro José Graziano da Silva).
O programa esteve presente nas três campanhas presidenciais
em que Lula concorreu (1994, 1998 e 2002). Só em agosto de
2002 ele passou a ser conhecido pela marca Fome Zero.
O Programa Fome Zero consiste em um conjunto de
políticas públicas que tem como objetivo garantir a segurança
alimentar e nutricional à população carente, proporcionando-
-lhe o acesso a uma alimentação digna com qualidade, quanti-
dade e regularidade, levando-se a se empenhar na geração da
própria renda. O programa está alicerçado em três eixos: Apli-
cação de políticas públicas (ações do governo), Construção
participativa de políticas de segurança alimentar e nutricional
(CONSEA), Mutirão contra a fome (Mobilização da sociedade
e do governo).
O sucesso do Mutirão contra a Fome depende de uma
grande mobilização popular, incentivando a sociedade brasi-
leira a se unir e a se organizar para combater a fome e a misé-
ria no Brasil. A organização é o primeiro e fundamental passo
para efetivação desta solidariedade.
Pensando nisso o governo propôs a instituição de me-
canismos eficazes de Mobilização Social, de modo a fazer de
cada cidadão um participante ativo do Programa Fome Zero.

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Criou o Setor de Mobilização Social do Programa Fome Zero,


ligado diretamente à Presidência da República e coordenado
pelo Frei Betto e Oded Grajew.
Segundo Frei Betto (2004), a pedagogia ensina que
quem assiste ou torce pela realização de um programa não
se sente tão comprometido quanto àqueles que se encontram
efetivamente engajados no êxito do projeto. Neste sentido, o
Setor de Mobilização Social precisa envolver o maior número
possível de pessoas voluntárias nessa dimensão de responsabi-
lidade pela erradicação da fome no Brasil. Todas as entidades,
instituições, ONGs que já atuam ou queiram atuar no combate
à fome serão convocadas como parceiras deste programa, res-
peitadas as suas índoles e propósitos.
A criação do Setor de Mobilização Social veio no sen-
tido de ajudar o governo na mobilização da sociedade, num
mutirão de combate à fome e reforçar a sociedade em sua res-
ponsabilidade de controle sobre as políticas públicas e sobre
todas as ações dos governantes, dos legisladores e de todas as
instituições estatais.
Contribuir para saciar a fome de pão de mais de 40
milhões de pessoas que vivem em situação de insegurança
alimentar e, saciar a fome de beleza3 dessa população, desen-
cadeando um processo educativo pelo qual os excluídos (as)
beneficiados (as) pelo programa alcancem a cidadania e a in-
clusão social, com uma nova consciência de seus direitos e de-
veres, e empenho na geração da própria renda.
Nesse esforço, há uma grande força voltada para a ca-
pacitação e a organização da população, contribuindo para o
crescimento da consciência cidadã na perspectiva das trans-
formações estruturais. Para articular este trabalho de Educação
Cidadã foi criada, dentro da estrutura do Setor de Mobilização
Social do Programa Fome Zero, uma equipe a nível nacional,
chamada de Talher, integrada por educadores, educadoras po-
pulares, com tarefa de realizar encontros de formação, num
3 Acesso aos direitos, acesso à arte, à cultura, de ser sujeito.

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processo multiplicador, de forma a despertar nos diferentes


segmentos da população uma consciência crítica sobre seus di-
reitos, sobretudo sobre o direito à alimentação.
A estrutura de mobilização está amparada em pala-
vras de fácil assimilação, carregada de simbolismo e conotação
com instrumentos ligados à alimentação: Mesa (Ministério Ex-
traordinário de Segurança Alimentar), Copo (Conselho Ope-
rativo do Programa Fome Zero), coordena a mobilização local
no combate a fome, Prato (Programa de Ação Todos pelo
Fome Zero), são os braços operativos do programa,
Sal (Agentes de Segurança Alimentar), função de organizar
ações junto às comunidades, Talher (inspirada no espanhol
“taller” (significa oficina, capacitação), equipe de capacitação
para educação cidadã.
METODOLOGIA
O Talher vem integrar como base fundante da estra-
tégia de ação uma concepção política pedagógica que resgata
o patrimônio da educação popular e suas experiências de for-
mação e organização. A perspectiva é multiplicar militantes,
educadores, educadoras populares, movimentos e organiza-
ções sociais para chegar em cada município desse país, com
capacidade de animar a organização das famílias que vivem em
situação de insegurança alimentar. Assim, na constituição da
Rede de Talheres Estaduais, um primeiro esforço empreendido
pela Equipe Talher Nacional foi referente ao esforço de elabo-
ração coletiva para definição de uma estratégia de trabalho e
de um plano de ação que fosse capaz de responder ao desafio
geral colocado pela proposta de educação cidadã e mobilização
social esboçada inicialmente.
Em 2003, muitos debates foram realizados com en-
tidades e pessoas no país inteiro, milhares de pessoas foram
mobilizadas por esse processo. Com isso, conseguiu-se ter um
saldo de comunicação e de interlocução política com os mo-
vimentos sobre a proposta do Programa Fome Zero, quanto

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à sua concepção de mobilização social, o que gerou um saldo


organizativo muito positivo. Foram sendo criadas as condições
para nucleação das equipes dos Talheres Estaduais.
Essas equipes constituídas expressam bem a capaci-
dade de convocação dessa proposta de mobilização social do
Programa Fome Zero e o grau de motivação dos movimentos
sociais, em colaborarem para a consolidação desse trabalho. As
Equipes de Talheres Estaduais vem se constituindo como uma
rede de entidades e militantes dos movimentos sociais, com
perfil de educadores (as) populares, agrupados em equipes que
comportam pluralidade na sua composição política, são inter-
setoriais na sua inserção social e tem em cada Estado entidades
e organizações sociais que colaboram com o necessário para
seu funcionamento.
A Rede de Educação Cidadã é uma experiência nova
na história da educação popular brasileira, na medida em que o
Governo Federal constitui uma equipe de assessores/as, conhe-
cida como Talher Nacional que, democrática e colegiadamente,
coordena e acompanha, com a sociedade civil, a realização das
ações educativas desenvolvidas para promoção, vivência dos
direitos humanos e do exercício da cidadania. Pratica seus pro-
cessos pedagógicos a partir dos princípios de horizontalidade,
diálogo e respeito às experiências e conhecimentos populares
que caracterizam a Educação Popular Freireana, numa dinâ-
mica que flui da base dos movimentos, organizações populares
nos municípios onde ocorrem suas ações educativas. Estes pro-
cessos são sistematizados nos coletivos estaduais e macrorre-
gionais e encaminhados nos encontros nacionais.
A Recid organiza suas ações pedagógicas fundamen-
tando-as no seu Projeto Político Pedagógico (PPP), onde estão
os doze (12) princípios e respectivas diretrizes que orientam
suas ações políticas e de formação. Fundamentado nos princí-
pios do diálogo, participação coletiva e valorização dos saberes
populares. O PPP sintetiza seu horizonte político, a construção
de um Projeto Popular para o Brasil e a sua opção metodo-

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lógica: Educação Popular. O PPP aponta nove características


para construção do Projeto Popular para o Brasil – PPB, que
são: soberania, compromisso com as diversidades, democracia
participativa direta, comunicação social independente, orga-
nização solidária, valores anti-capitalistas, internacionalismo,
emancipação e transformação.
Seus processos pedagógicos constituem-se de: progra-
ma nacional de formação (desdobrado através das Cirandas de
Educação Popular, Jornadas pedagógicas, Comunicoteca, Sis-
tematização das experiências, Escolas de formação, Oficinas e
Cartas Pedagógicas); Oficinas locais (junto a grupos de jovens,
indígenas, catadores e catadoras, mulheres ou historicamente
vulneráveis. Os temas trabalhados devem priorizar a realida-
de dos grupos envolvidos na perspectiva do empoderamento
popular, exercício da cidadania, vivência e fortalecimento dos
direitos humanos); Comunicação (dimensão fundamental que
perpassa todas as ações pedagógicas e formativas da Recid, seja
nas oficinas locais, nos encontros e demais atividades); Gestão
Compartilhada (forma de planejamento, utilização e prestação
de contas dos recursos aplicados nas ações da Recid com a
participação dos educadores/as e sua co-responsabilidade em
todo processo de gestão).
A fundação dos Talheres Estaduais com a formação
de educadores/as nos estados e, consequentemente, a criação
da uma equipe ampliada de articulação para viabilizar as ações
iniciou-se em 2003 como foi dito anteriormente, e a dinâmi-
ca de formação e mobilização social aconteceu a partir de três
enfoques essenciais, ou seja, um processo de formação multi-
plicadora capaz de alcançar de forma mobilizada e articulada
em rede as lideranças em nível nacional, estadual e municipal.
No Amazonas a mobilização inicial partiu da Arqui-
diocese de Manaus, através da Cáritas Arquidiocesana, respon-
sável pela articulação de forma sistemática, disponibilizando
pessoas de seu quadro funcional. No início fez-se necessário
uma articulação em nível nacional com a coordenação do

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Programa Fome Zero para realização do trabalho de sensibi-


lização, mobilização, articulação, formação e capacitação de
agentes multiplicadores da proposta de Educação Cidadã e
Mobilização Social, quando os assessores do Talher Nacional
como: Frei Beto4, Ivo Poletto5, Selvino Heck6, contribuíram na
realização de oficinas, seminários, palestras, e conferências de
formação para educadores/as multiplicadores/as em Manaus
e no interior do estado. Cerca de 70% dos municípios foram
atingidos, consolidando Conselhos Municipais de Segurança
Alimentar e Nutricional e formação de Agentes Multiplicado-
res (SAL), fortalecendo o Estado do Amazonas.
A partir do Plano de Ação 2004, o Talher Nacional
elaborou uma proposta de trabalho com base na dimensão da
“Formação e Construção de uma metodologia de Educação
Cidadã” para os Estados brasileiros. Este processo de formação
permanente objetivou aprofundar a prática metodológica de
educação mobilizadora. O cenário visualizado pelo Programa
Fome Zero era da conquista de uma educação que garantisse a
inclusão das pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade
social, decidindo-se então pela educação popular. Para isso,
contou com a presença do Instituto Paulo Freire, colaborando
com a formação dos educadores e educadoras populares, numa
ação política pedagógica primada pelo resgate dos princípios
da educação popular.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Considerando ser a intenção desse trabalho, o relato
de experiência da Rede de
Educação Cidadã do Amazonas, é interessante ofere-
cer alguns pressupostos teóricos sobre esse modelo de forma-
4 Escritor, Assessor Especial da Presidência da República e Coorde-
nador da Mobilização Social do Programa Fome Zero. 2003/2004.
5 Filósofo e Sociólogo, Ex- assessor da Comissão Pastoral da Terra e
da Cáritas Brasileira
6 Assessor Especial da Presidência da República e Coordenador da
Mobilização Social do Programa Fome Zero . 2005-2006.

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ISSN 2448-2072

ção. Nesse momento conceituaremos a partir de obras de auto-


res da área de educação, o que vem a ser educação e educação
popular.
“A Educação é resumida pelo pequeno dicionário
Brasileiro da língua portuguesa como conjunto de normas pe-
dagógicas tendentes ao desenvolvimento geral do corpo e do
espírito”.
Segundo Carlos Brandão apud Ranulfo Peloso, a edu-
cação é uma das maneiras que as pessoas criam para tornar
comum como saber; ideia, crença, aquilo que é comunitário,
como bom trabalho ou como vida. Para Carlos Brandão ((p.
100, 2005),
O trabalho pedagógico mais importante de uma pes-
soa responsável por algum contexto de educação não
é ensinar tecnicamente o que sabe a quem não sabe. É
criar cenários de respeito pleno pelo outro. Contextos
interativos de aceitação sem limites das diferenças e
de convite fraterno a um trabalho de criação parti-
lhada e amorosamente emotiva de saberes no qual os
diferentes participantes de uma comunidade apren-
dente se sintam motivados a conviver-e-saber.

Ranulfo Peloso7 define a educação como,


Uma fração do modo vida dos grupos sociais que
criam uma cultura. Produzem e praticam formas
de educação para que elas reproduzam, entre todos
os que ensinam e aprendem o saber das palavras, có-
digos sociais, regras de trabalho, segredos da arte, da
religião e da tecnologia de que qualquer povo precisa
para reinventar a vida do grupo e dos sujeitos, sempre.

Observa-se que educação tem um papel fundamen-


tal na construção do conhecimento voltado para a formação
de indivíduos, tornando-se necessário para o desenvolvimento
das potencialidades destes cidadãos.
7 Membro do centro de Ed. Pop. Do Inst. Sedes Sapientiae (Cepis). R.
Min. Godoi, 1484 – Perdizes – São Paulo, SP – E-mail: cepis@sedes.
org.br.

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A Educação Popular, na concepção de Gouveia8


(p.10,2000), é um conjunto de práticas socioculturais que de
forma explicita ou implícita, consciente e intencional, ou in-
corporada de maneira acrítica num primeiro momento, se
inter-relacionam nas diferentes instâncias do espaço/tempo
comunitário, assumindo gradativamente, uma intervenção pe-
dagógica emancipatória na prática sociocultural e econômica
vivenciada. Parte-se, portanto, do conflito para chegar a uma
atuação social significativa e contextualizada.
Para Freire (p.19,2001), a Educação popular é o esfor-
ço de mobilização, organização e capacitação das classes popu-
lares; capacitação científica e técnica.
Segundo Gadotti9 (2002),

A Educação Popular é um processo sistemático de


participação na formação, fortalecimento e Instru-
mentalização das práticas e dos movimentos popu-
lares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber
popular ao saber orgânico, ou seja, do saber da comu-
nidade ao saber de classe na comunidade.

É possível dizer a partir disso, que a Educação Popular


vai além do ato de ler e escrever. É uma prática educativa que
tem que ser indutiva e não dedutiva. Deve-se partir do educan-
do porque é única maneira de partir da experiência do grupo,
senão vamos continuar partindo da ideia dos educadores.
Falar em experiências, nos exige antes compreender
o que significa sistematizar. “Sistematizar se refere, necessa-
riamente, a experiências práticas concretas” (Holliday, 1996).
No nosso caso, a experiência da Rede de Educação Cidadã do
Amazonas, na perspectiva da organização popular.
De acordo com Holliday (1996) “essas experiências
são processos sociais dinâmicos: em permanente mudança e
8 Doutor em educação (PUC/SP), assessora municípios em movi-
mentos de reorientação curricular.
9 Diretor do Instituto Paulo Freire (IPF), e professor da USP.

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movimento. São também processos sociais complexos, em que


se inter-relacionam, de forma contraditória, um conjunto de
fatores objetivos e subjetivos”.

NUCLEAÇÃO DAS FAMÍLIAS

O processo de nucleação das famílias possibilita um


diálogo mais próximo, o escutar. Oportuniza a esses grupos
prioritários do Programa Fome Zero, a reflexão sobre sua rea-
lidade e a realidade brasileira, considerando as dimensões da
cultura, economia, cidadania e direitos. Momentos onde as
famílias discutem noções de direito, mobilização e participa-
ção popular, segurança alimentar e nutricional, controle so-
cial das políticas públicas e economia solidária, tudo na pers-
pectiva de mais dignidade e da construção das portas de saída
das situações de dependência para a autonomia. Na tentativa
de dar maior visibilidade a esse processo de transformação
da realidade, é que o Talher Amazonas dentre o desenvol-
vimento de suas ações conseguiu inicialmente organizar e
articular sete (07) núcleos de famílias, localizadas na Zona
Leste de Manaus. Nos primeiros encontros com essas famílias
localizadas dos bairros: Cidade de Deus, Alfredo Nascimento
e Braga Mendes, pôde-se perceber o desejo de mudança, de
sair do isolamento, do anonimato. Os momentos motivaram
a discussão, o debate acerca dos problemas enfrentados pelas
comunidades.
No decorrer dessa experiência foi notório o quanto
esses momentos significavam para essas famílias, represen-
tadas pelas mulheres, titulares da Bolsa Família. Foi um es-
tímulo de superação das situações de injustiças em que elas
viviam. Os resultados foram evidentes, auto-estima elevada,
participação ativa na comunidade, ações motivadoras em
busca de projetos empreendedores para conseguir sua pró-
pria geração de renda, como podemos perceber em alguns
depoimentos:

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“Esses encontros, realmente está mudando a minha


vida, está ajudando a gente a sair do isolamento, sinto mais
autonomia.”10
“As reuniões estão nos ajudando a sair de casa, deixar a
televisão e juntas resolver nossos problemas”. 11
“Com o apoio e esses encontros do Talher a gente co-
meça a entender melhor as necessidades da comunidade e
principalmente como buscar solução e lutar pelo que é nos-
so”.12
“Esses encontros, formação que o Talher oferece, é
uma grande oportunidade que a comunidade está tendo para
mudar de vida e sair dessa miséria, tenho esperança e estamos
lutando para isso” 13.
“Com o estudo da cartilha – um Brasil diferente está
em nossas mãos, estamos entendendo melhor a proposta do
Talher que é de nos ajudar a construir uma história de vida
diferente, onde todos possam viver dignamente.”14
“O Talher nos ajudou e continua nos ajudando com
muita formação, conhecimento, e agora queremos algo mais
concreto, queremos ter nosso próprio negócio para sobreviver.
E como o Talher vai nos ajudar?”. 15
Esses depoimentos são importantes, servem como
base para reflexão da nossa prática, enquanto educadores jun-
to às camadas populares, neste caso, das famílias que vivem
em situação de vulnerabilidade social em Manaus e no Esta-
do. Como dizia Paulo Freire (1982), “não basta querer mudar
a sociedade, é importante saber mudar, e mais, saber mudar
numa direção de igualdade e liberdade”.
10 Depoimento - Maria Benes Nunes Pereira – membro do núcleo
“Esperança”.
11 Depoimento – Neuzinha Silva de Canto – Membro do núcleo
“Mãos de diamante”.
12 Maria de Fátima – membro do grupo coração acolhedor.
13 Aldemira Soares – Membro do grupo Renascer II.
14 Maria Ivete – Membro do grupo Esperança.
15 Zeila Pena – Membro do grupo Coração Acolhedor.

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Um aspecto relevante no desenvolvimento desse pro-


cesso de nucleação foi o despertar do empreendedorismo. Na
perspectiva de atender esse anseio, iniciaram-se formações no
âmbito da economia popular e solidária, para que elas moti-
vadas, descobrissem os caminhos para sua própria geração
renda. Houve o fortalecimento de parcerias para efetivação de
algumas capacitações como associativismo, confecção de arte-
sanatos de materiais recicláveis, oficinas de Educação Popular
Solidária. A partir daí, os núcleos fortalecidos por momentos
de formação, discussão e debates, passaram a participar de di-
ferentes espaços como conselhos, fóruns, na luta por um novo
modelo de sociedade onde todos pudessem viver com dignida-
de. Assim, a Recid Amazonas considera que suas ações foram
de grande relevância, uma vez que através de encontros, dis-
cutindo cidadania, autonomia, direitos humanos e democracia
junto aos núcleos consolidados na zona Leste de Manaus, cola-
boraram para o fortalecimento da solidariedade.

PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO, FORMAÇÃO E


EMPODERAMENTO DAS MULHERES

Em 2006 teve início o Fórum Permanente das Mu-


lheres de Manaus, proposta de ser um espaço político de re-
flexão, organização de um coletivo baseado nos princípios fe-
ministas com intuito de prestar um serviço às mulheres das
periferias e zona rural da cidade de Manaus e entorno, para que
as mesmas possam ser protagonistas na luta de seus direitos.
O FPMM conta com a parceria do Instituto Equit, do Grupo
de Estudo e Pesquisa Observatório Social-GEPOS, da Rede de
Educação Cidadã-RECID-AM, desde sua gestação.
É um movimento bastante heterogêneo, e complexo.
Abriga diferentes concepções acerca do feminismo, as correntes
se diferenciam do ponto de vista da estratégia e da tática. Há
partidárias e não partidárias. Pauta a defesa dos direitos sociais
negados às mulheres, como direito à educação, ao trabalho re-

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munerado e ao salário igual por trabalho igual, direito ao cor-


po e à decisão sobre sua vida reprodutiva, direito a uma vida
sem violência sexual e doméstica familiar. Defende os direitos
políticos das mulheres como direito ao voto, direito a disputar
eleições, paridade nas eleições, instâncias de direção e contra a
intolerância religiosa.
A parceria com a Rede de Educação Cidadã contri-
buiu para impulsionar o processo de organização, formação,
articulação e mobilização das feministas do Amazonas. Possi-
bilitou avançar as ações para as periferias de Manaus e alguns
municípios. Com a utilização da pedagogia do oprimido, peda-
gogia da alternância, do processo da escuta, da transformação
com, tivemos a experiência de sentir as dores das mulheres.
Através das oficinas libertadoras, dos registros das falas de mu-
lheres, principalmente da zona rural, observou-se que muitas
delas passaram a atuar de modo mais direto no movimento de
base de suas comunidades, se engajando nas associações mis-
tas e de mulheres, assim como nas estruturas dos sindicatos.
“Perdi a vergonha, deixei o medo de falar em públi-
co, não sou mais ajudante do marido e sim trabalhadora rural”.
(in memória – Dona Conceição – Ramal Nova União-municí-
pio de Presidente Figueiredo, 2008).
“Nunca pensei que poderia viver para ouvir que
o povo como nós tem saber” (Dona Mariana – Ramal Nova
União – município de Presidente Figueiredo - AM).
A luta feminista contra o capital e seus capitalistas,
está estruturada em quatro grandes eixos: Luta contra a viola-
ção dos Direitos Humanos e Reprodutivos, Luta Anti-racista,
Homofôbica; Luta contra a Intolerância Religiosa, e Luta ao
Direito Sócio Ambiental.
CONCLUSÕES
No contexto da ideologia neoliberal, a educação tem
sido vista, por alguns estudiosos da Economia, como formação
do capital humano. Essa prática objetiva apenas levar os sujei-

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tos produtivos ao mercado, ou seja, constituídos pelas compe-


tências necessárias ao mercado da empregabilidade.
Pensar numa educação que venha em direção oposta
a esse modelo, para atender as necessidades da população ex-
cluída dos direitos, das possibilidades de serem sujeitos, pro-
tagonista de sua própria história, requer aprofundamentos de
forma que seu desenrolar paute as reais necessidades, partindo
da realidade vivida.
A proposta da Rede de Educação Cidadã busca forta-
lecer um processo nesse sentido, através de suas ações, forta-
lece o processo de construção da democracia. Não está e não
será fácil, tendo em vista a herança histórica fundada no elitis-
mo e no autoritarismo que marcam as relações entre Estado e
Sociedade e que se viabilizaram pela negação ou restrição do
direito à participação e pela prática do clientelismo. Mas acre-
dita-se estar no caminho certo ao constatar as mudanças na
vida das mulheres, conforme depoimentos citados, mulheres
que estão sempre presentes, lutando para quebrar concepções
e práticas hegemonicamente discriminatórias.
Segundo Paulo Freire (1979, p. 43),
A ação política ao lado dos oprimidos deve ser uma
ação pedagógica no verdadeiro sentido da palavra e,
portanto, uma ação com os oprimidos. Os que traba-
lham para a libertação não devem aproveitar- se da
dependência emocional dos oprimidos, que é fruto de
sua situação concreta de dominação e que dá origem
à sua visão inautêntica do mundo. Utilizar sua depen-
dência para aumenta-la é a tática do opressor.

Diante disso, é possível afirmar que o processo de


educação popular desenvolvida pela Rede de Educação Ci-
dadã, enquanto rede (entidades, movimentos) tem sido uma
alternativa relevante quando possibilita a ampliação das práti-
cas da democracia participativa, o fortalecimento do exercício
da cidadania, procurando motivar os atores sociais, que mais
conscientes venham intervir nas realidades locais, interagindo
com a conjuntura política, econômica e cultural, construindo

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juntos e juntas, um projeto alternativo de desenvolvimento


sustentável e democrático.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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educação popular. Curitiba, PR: Editora Gráfica Popular -
CEFURIA, 2005.
INÊS, Ana (org). Paulo Freire: Vida e Obra. São Paulo:
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da
língua portuguesa. 7º ed. Curitiba: Editora Positiva, 2008.
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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Aprender o amor: sobre um
afeto que se aprende a viver. Campinas, SP: Papirus, 2005.
OLIVEIRA, Elizabeth Serra. Diferentes sujeitos e novas
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Federal Fluminense-UFF. Dissertação de mestrado.Niterói,
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BETTO, Frei. Desafios da educação Popular: as esferas
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BETTO, Frei. Cartilha Fome Zero. Brasília, DF. 2004.
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NACIONAL, Talher. Mobilização Social: caminho de
transformação. Cadernos de estudo nº 01. Goiânia, Talher
Nacional∕Universidade Católica de Goiás, 2004.
NACIONAL, Talher. Educação Cidadã: Novos Atores, Nova
Sociedade. Fome Zero - Setor de Mobilização Social, Brasília,
2004.

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

HOLLIDAY, Oscar Jara. A Sistematização de Experiências:


prática e teoria para outros mundos possíveis. 1ª. Edição.
Brasília-DF. Contag, 2012.
FREIRE, Paulo. Como trabalhar com o povo. Centro de
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PELOSO, Ranulfo. Nova Lição: educação popular e
metodologia popular.
CIDADÃ, Rede de Educação. Recid na Ciranda da Educação
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Cidadã, 2011.
NACIONAL, Talher. Um Brasil diferente está em nossas
mãos. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a
fome. Brasília, DF. 2004.
AMAZONAS, Talher. Rede de Educação Cidadã - Talher
do Amazonas: Histórico 2003-2006.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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DEFICIÊNCIA E INFORMÁTICA: UM
MOSAICO ACESSÍVEL NAS SERIES INICIAIS

SILVA, Tássia Patricia1


MAGALHÃES, Ioná 2
INTRODUÇÃO
A educação inclusiva ainda é uma problemática na nos-
sa sociedade no nosso cotidiano, um dos dados que é impres-
sionante o índice de alunos com deficiência analfabeto que nós
coloca diante de uma situação onde o poder público deixa a
deseja com descaso ocorre no próprio ambiente familiar, am-
biente este que deveria proporcionar segurança, apoio e respei-
to por todos os deficientes.
O presente trabalho tem por objetivo relatar as ativi-
dades desenvolvidas durante a pesquisa de campo da disciplina
do mestrado profissional em ensino tecnológico. Neste relató-
rio está inserido todo o trajeto durante as etapas da pesquisa de
campo. A pesquisa de campo foi realizado na Escola Estadual
Joana Rodrigues Vieira Manaus Centro, no dia 22 de Outubro
de 2015.
Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo abordar
a tecnologia Assistiva e informatização como recurso de apren-
dizagem, utilizado nas aulas de informática, para alunos com
deficiência visual, na Escola Estadual Joana Rodrigues Vieira
1 Graduanda em Produção Publicitária. Assessora de Comunicação
do Núcleo de atendimento a pessoas com necessidades especiais/
IFAM. Instituto Federal do Amazonas/IFAM. E-mail: tassiapatricia.
tp@gmail.com
2 Pós Graduanda em Docência em Filosofia. Secretária do Núcleo de
atendimento a pessoas com necessidades especiais/IFAM. Instituto
Federal do Amazonas/IFAM. E-mail: ionapmagg@gmail.com

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questão da tecnologia nas serie inicias para os Deficientes Vi-


suais a educação como cidadania no âmbito escolar regular.
O presente estudo é relevante, pois parte da neces-
sidade de se realizar uma análise crítico-reflexivo acerca da
temática, ou seja, a utilização de novas tecnologias para o de-
senvolvimento intelectual dos alunos, ao mesmo tempo, que
desperta interesse por parte dos estudiosos que trabalham na
construção de novos softwares de voz inclusivo. A pesquisa foi
realizada na Escola Estadual Joana Rodrigues Vieira, que fun-
ciona nos turnos matutino e vespertino, com turmas de Esti-
mulação Visual e Estimulação Motora Precoce (atendendo a
crianças de 0 a 3 anos de idade com funções comprometidas);
Estimulação Essencial I e II  (que atende crianças acima de 3
anos de idade com suas funções essenciais comprometidas);
Educação Pré-Escolar I, II e III e Ensino Fundamental (1°,  2°
e 3° anos do 1° Ciclo). Para coleta de dados realizaram-se 01
(uma) entrevista, com o funcionário. Outra para com profes-
sor de Informática, que desenvolve atividades com as Pessoas
com Deficiência (PCD). Além disso, elaboramos uma revisão
bibliográfica a fim de fundamentar teoricamente o objetivo
do estudo, assim como conhecer o uso da informática para
inclusão de PCD, a partir da realidade observada na referida
escola.
A Escola Estadual Joana Rodrigues Vieira. A escola ser-
viu como campo da pesquisa da disciplina do mestrado como
relatório final das atividades proposta na disciplina, que fica
localizado na Rua Lourival Muniz número1, CEP69027640,
no bairro da Glória, na zona oeste de Manaus, a escola Joana
Rodrigues Vieira, da rede de ensino do Governo do Amazo-
nas, atua, desde o ano de 1982, de forma destacável no seg-
mento de educação especial atendendo a estudantes com de-
ficiência visual. Ao trabalhar de forma diferenciada, além de
favorecer o desenvolvimento físico e psicológico dos alunos,
os vários projetos aplicados pela escola estão contribuindo
com a inclusão social destes na sociedade.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

“A fim de proporcionar condições para que os alunos


desenvolvam sua autonomia e independência de acordo com
as próprias limitações, bem como fazer com que adquiram co-
nhecimentos gerais e normas de vida, nossos 26 professores
os ajudam a ser independentes e aceitarem-se, para que, igual-
mente, sejam aceitos pela sociedade”, diz a gestora da escola,
professora Cláudia Guedes. Segundo ela, todos os professores
que atuam na instituição são graduados e com especialização
ou cursos específicos voltados para a área de educação especial.
A gestora Cláudia Guedes afirma que as atividades rea-
lizadas com os alunos incluem programações e projetos em
ambientes diferenciados. “Esses projetos são aplicados em Sa-
las de Recursos, que proporcionam aos alunos maior facilidade
no aprendizado por meio de jogos e dinâmicas, e em Salas de
Reeducação Visual, onde a comunidade escolar aprende a uti-
lizar e potencializar o resíduo visual que possui (de 5% a 15%
de sua visão)”, informou Cláudia Guedes.
Na escola também são desenvolvidos muitas outras ini-
ciativas de inclusão e aprendizagem, tais como o projeto “Ati-
vidades da Vida Autônoma e Social” que estimula a indepen-
dência das crianças, orientando-as a como se vestir, cozinhar e
passar a roupa e também o programa de Orientação e Mobili-
dade (OM) para os deficientes visuais, o qual ensina as técnicas
de como utilizar bengalas, para que tenham autonomia física
(locomoção). “Além disso, os alunos fazem teatro, educação
física e possuem uma biblioteca com livros em braile”, disse a
gestora.
 Localizada na rua Lourival Muniz, no bairro da Gló-
ria, e pertencente à Coordenadoria Distrital 4 da Secretaria de
Estado de Educação (Seduc), a escola estadual Joana Rodrigues
Vieira é mantida pelo Governo do Estado e funciona nos tur-
nos matutino e vespertino, com turmas de Estimulação Visual
e Estimulação Motora Precoce (atendendo a crianças de 0 a 3
anos de idade com funções comprometidas); Estimulação Es-
sencial I e II  (que atende crianças acima de 3 anos de idade

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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com suas funções essenciais comprometidas); Educação Pré-


-Escolar I, II e III e Ensino Fundamental (1°,  2° e 3° anos do
1° Ciclo).
A escola conta com um espaço amplo, salas e departa-
mentos bem situados e facilmente localizados por inscrições
nas portas. As instalações físicas aparentam bom estado de
conservação, apesar também de podermos notar, em alguns
espaços, pinturas gastas dos prédios, salas com problemas leves
de infiltração e bastante abafadas em alguns horários do dia.
Verificamos também uma carência de funcionários, ou
seja, de profissionais responsáveis para pôr em funcionamen-
to algumas das instalações disponíveis, o que significa que há
muitas estruturas disponibilizadas, porém inativas.
No quadro dos docentes, a escola conta tanto com pro-
fissionais contratados (monitores) quanto com efetivos. Em re-
lação à disciplina de Braille, constatamos a existência de dois
professores efetivos que são responsáveis por cobrir todos os
turnos da escola, sendo que um deles é responsável por cobrir
sozinhos dois turnos.
Em relação à formação acadêmica dos professores to-
dos tem conhecimento em Braille, Soroban, soft incluvisos,
detectamos que todos os profissionais têm formação específi-
ca na área, ou seja, enquanto um é especialista em educação
e graduado em educação especial, o outro tem formação em
psicologia, que sugere que os professores tenham graduação na
área especificada educação especial.
METODOLOGIA
A informática tem sido uma forma de tecnologia
transformadora para todos na sociedade, e notadamente para
as pessoas com deficiência visual, sob o aspecto da inclusão,
constitui-se em possibilidade de acessibilidade que não se vis-
lumbrava há décadas atrás (SONZA, 2014). De fato, a diferença
da maioria da tecnologia que antecedeu o advento da informá-
tica em meados do século XX e que era pouco ou totalmente

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inacessível, os computadores não somente trouxeram embu-


tidos em si as ferramentas que possibilitam a acessibilidade
à própria informática, mas também ensejaram a invenção de
um vasto leque de produto sem tecnologia assistiva para todas
as esferas da vida das pessoas com deficiência visual.
As transformações tecnológicas estão presentes siste-
maticamente no cotidiano da sociedade moderna. A globaliza-
ção é praticamente irreversível e a internet fundamental para
a manutenção das relações econômicas, políticas, culturais e
sociais. A sociedade contemporânea está aberta ao mundo
das tecnologias, a internet está intimamente ligada ao apoio
tecnológico de aparelhos que sustentem sua funcionalidade,
dessa forma propiciou avanços importantes quando se fala em
ambiente multimídia e sistemas de amparo ao usuário. Como
aplicativos, programas e outras plataformas de apoio, gerando
facilitadores na hora de gerenciar esses sistemas computacio-
nais.
A Tecnologia Assistiva é, portanto, imprescindível
para o processo do desenvolvimento cognitivo do aluno com
deficiência visual (PACHECO, 2012). Tal interesse do estudo
surge da percepção de que, notadamente, na cidade de Ma-
naus este tipo de recurso ainda é escasso e as atenções voltadas
para o estímulo da educação através da Tecnologia Assistiva
podem se da também por meio da informática do Braille e So-
roban. Dessa forma, pressupomos que uma investigação mais
aproximada das condições de acesso material e motivacional
acerca desse tema pode contribuir para os processos de apren-
dizagem e consecutivamente para o incentivo ao gosto pela
educação e qualificação.
Para construção deste trabalho, a pesquisa se deu na
Escola Estadual Joana Rodrigues Vieira, localizado na Rua
Lourival Muniz, número1, CEP 69027640, no bairro da Gló-
ria, na zona oeste de Manaus. O estudo em questão tomou
como referência uma abordagem qualitativa com os seguintes
procedimentos:

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Levantamento de acervos da literatura sobre Tecnolo-


gia Assistiva para PCD em bibliotecas e análise das informa-
ções estatísticas coletadas Escola Estadual Joana Rodrigues
Vieira 2015.
A metodologia utilizada baseou-se em entrevistas e
observações na aula em classe. Constatou-se que os professor
pesquisado, em grande parte, não sentem dificuldade no ensi-
no e aprendizado dos conteúdos utilizados na aulas aos alunos
com DV. Isso revelou que alguns afirmam gostar dos assuntos
abordados em classe.
A Escola Estadual Joana Rodrigues Vieira, serviu como
campo da pesquisa da disciplina do mestrado como relatório
final das atividades proposta na disciplina, que fica localizado
na Rua Lourival Muniz, número1, CEP 69027-640, no bairro
da Glória, na zona oeste de Manaus.
Participantes
Funcionários, Professores;
Entrevistas
Instrumentos Questionários, Entrevista, Ob-
servação.
Procedimentos
Analise dos dados qualitativos e Observação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Essa seção será dividida em duas partes, sendo a pri-
meira composta do questionário de satisfação do curso res-
pondida pela pedagoga e a segunda a fusão das informações
obtidas após a entrevista com o professor de informática.
Diferentes perguntas foram feitas ao professor de infor-
mática dessa instituição. Elas visavam caracterizar esse espaço
de atendimento a PCD, bem como perceber a abrangência dos
serviços oferecidos na Escola Estadual Joana Rodrigues Vieira.
Objetivando avaliar quais os softwares disponíveis na
instituição para que os alunos possam usufruir da tecnologia

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assistiva e tendo acesso à leitura de textos, internet e outros


serviços, o resultado foi considerado satisfatório, pois o espaço
tem disponíveis 05 softwares:
O instrutor de informática e professores confirma que a
maioria dos alunos inicia o curso de informática com um pou-
co de dificuldade, mas no decorrer das aulas todos ficam bem
familiarizados com os softwares. O Dosvox é bastante utilizado
por ser gratuito e pelo fato de seu processamento ser mais rápi-
do e de fácil aprendizado. O DDReader com suporte em Daisy
também é utilizado pelos professores do curso de informática
na escolado.
Embora a escola tenha um trabalho para o segmento
da educação especial atendendo a estudantes com deficiência
visual, Os alunos que a frequentam a escola são, em sua maio-
ria, provenientes da periferia e do interior, de acordo com a
denominação comum, pertencem ao que poderíamos chamar
de classe média ou média baixa. Eles não chegam à escola com
veículos particulares, mas dependem do transporte de ônibus
o coletivo o que prejudica o alunado na sua frequência na sala
de aula
Outro fato e a faltar de divulgação do trabalho reali-
zado pela escolar para pais familiares e a sociedades em geral
para que as pessoas com deficiência visual possa usufrui da
educação.
CONCLUSÃO
Na atualidade, o Brasil avançou na área da educação,
observa-se uma ampliação significativa no número de pessoas
inseridas no âmbito educacional, tanto no ensino básico, fun-
damental, médio e universidades.
No entanto, fazem-se necessárias medidas urgentes por
parte do Governo, para melhorar a qualidade de educação, me-
didas estas, que poderiam vir a partir de programas direciona-
dos a família dos alunos, em particular de baixo nível socioe-
conômico.

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Programas direcionados a todos os níveis de ensino


(fundamental, básico, médio e superior), assim também como
uma melhor remuneração e aperfeiçoamento da formação pro-
fissional dos docentes, para que os mesmos pudessem desen-
volver seus conhecimentos pedagógicos e metodológicos, até
porque numa sociedade globalizada e cada vez mais competi-
tiva exige profissionais ainda mais qualificados e capacitados,
capazes de garantir a entrada e permanência dos alunos no
mercado de trabalho.
Inegáveis são as conquistas através das Políticas Pú-
blicas voltadas para Pessoas com deficiências, nas três esferas,
Municipais, Estaduais e Federais, promovendo os Programas e
Projeto voltados a esse segmento social.
A informática vem para contribuir para capacitação
e socialização de PCDs tanto no mercado do trabalho como
também no seu ciclo social mostrado que o deficiente visual
possui um grande potencial, rompendo com o tabu da discri-
minação social, provando a capacidade das PCDs no sentido
de desenvolverem atividades interessantes, em todas as diretri-
zes de sua vida oferecer a eles a chance de construir conheci-
mento e inclusão social.
As políticas públicas voltadas para PCDs precisam ser
implementadas e concretizadas com ações sólidas. Como por
exemplo, a Escola Estadual Joana Rodrigues Vieira,que promo-
ve a quebra desses tabus criados pela sociedade e, oportuniza a
integração plena do indivíduo na sociedade.
REFERÊNCIAS
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estudo sobre a interatividade de tecnologia na escola:
Experiências Interativas no ensino de ciência. Manaus: BK
Editora, 2012.
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Assistivas. In: Educação Inclusiva no Brasil. Relatório/Banco
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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E SUAS


IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS

Agda Monteiro de Souza1


Lucinete Gadelha da Costa2
Introdução
Este artigo é uma produção originada na disciplina
Concepções e Diretrizes Curriculares no Programa de Pós-
-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia,
visa refletir sobre a formação dos professores e seus reflexos na
prática pedagógica no trabalho com crianças. De acordo com
os estudos apontados por Oliveira (2007) e Azevedo (2013) a
educação infantil tem sua origem no cuidado das crianças pe-
quenas para que os pais deixassem os filhos sob a responsabili-
dade de adultos, enquanto trabalhavam.
Como o objetivo era dar assistência às crianças, Aze-
vedo (2013) declara que o critério para se trabalhar nestas ins-
tituições era o de ser adulto e que gostasse de cuidar de crian-
ças, não sendo necessária a profissionalização.
Ao longo da história, várias concepções de trabalho
com crianças emergem, pautadas na compreensão de como
estas se desenvolvem, das quais elencamos a tradicional pau-
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino
de Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas
– UEA. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Formação de
Professores para a Educação em Ciências na Amazônia – GEPEC/
UEA. E-mail: souza.agda@hotmail.com
2 Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia – UEA. Líder do
Grupo de Estudo e Pesquisa em Formação de Professores para a
Educação em Ciências na Amazônia – GEPEC/UEA. E-mail: luci-
netegadelha@gmail.com

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tada no assistencialismo, a cognitiva que privilegiava apenas o


aspecto cognitivo do desenvolvimento infantil e a concepção
crítica que favorece a formação de indivíduos capazes de con-
tribuir na transformação do contexto social.
Segundo Oliveira (2007), as contribuições de pesqui-
sadores como Vygotsky sobre a construção do pensamento e
da subjetividade da criança e de Wallon sobre as situações das
quais a criança se envolve e responde, vem exercendo influên-
cias sobre os pesquisadores no campo da educação.
Com o avanço das pesquisas, o campo da educação
infantil vem sofrendo um processo de mudanças de suas con-
cepções sobre educação de crianças em espaços coletivos, para
que os fazeres pedagógicos se tornem práticas mediadoras de
aprendizagens e do desenvolvimento das crianças e, não so-
mente de assistência a elas.
Nas pesquisas realizadas por Oliveira (2007), obser-
va-se que mesmo com estudos avançados mostrando como se
dá o processo de desenvolvimento das crianças, os resultados
apontavam que na prática pedagógica nas instituições de edu-
cação infantil, imperava o assistencialismo, que se preocupava
em cuidar da higiene, da alimentação e da integridade física
da criança, e não de um de desenvolvimento dos pequenos de
forma integral como definem os atuais estudos para este nível
de educação.
Tendo como referência as concepções pedagógicas
de trabalho com crianças e as características curriculares da
educação infantil, nos questionamos: quais os reflexos da for-
mação dos professores no desenvolvimento curricular da Edu-
cação Infantil?
Estruturamos este texto em quatro tópicos. No pri-
meiro, descrevemos a metodologia da pesquisa. No seguinte,
abordamos alguns documentos norteadores da educação in-
fantil destacando o curso de Pedagogia como formação para
trabalhar com crianças a partir das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. No terceiro, descrevemos

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nossa reflexão sobre formação de professores, destacando a


concepções de educação infantil e formação de professores
para este nível de educação. No último tópico trazemos as aná-
lises e resultados da nossa pesquisa.
O caminho construído na pesquisa
Para a realização de uma pesquisa científica, é ne-
cessário que haja um caminho que viabilize a construção do
conhecimento. Nesta pesquisa, lançamos mão da abordagem
qualitativa, visto que esta é fundamental para compreender-
mos os processos sociais que segundo Minayo (2013, p. 21),
“responde por questões muito particulares. [...], com um nível
de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado”.
Trabalhamos com a pesquisa bibliográfica, também
denominada de dados secundárias que segundo Lakatos e
Marconi (2015, p. 57), “abrange toda bibliografia já tornada
pública em relação ao tema de estudo”, cujas fontes foram livros
publicados relacionados a temática desta pesquisa, realizando
atividades de fichamentos, socializações e discussões das pro-
duções dos conhecimentos adquiridos.
Durante nossa revisão de literaturas, tivemos espaço
de interações e debates no Grupo de Estudo e Pesquisa em For-
mação de Professores – GEPEC/UEA, refletindo a formação
docente. A seguir abordaremos algumas reflexões com base
nos documentos norteadores da Educação Infantil.
Documentos norteadores da Educação Infantil
Elencamos as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Curso de Graduação em Pedagogia e as Diretrizes Curricula-
res Nacionais para Educação Infantil com abrangência nacio-
nal que regulamenta este nível de educação.
A Resolução CNE/CP no 1. de 15 de maio de 2006,
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Graduação em Pedagogia, licenciatura. Estas diretrizes com
força de lei, em seu artigo 2º, estabelece o curso de Gradua-

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ção em Pedagogia como “formação inicial para o exercício da


docência Educação Infantil” (BRASIL, 2006, p. 1), sendo dora-
vante, necessária a formação profissional que, na gênese des-
te nível de educação, não se exigia, e ainda que cujo processo
formativo abrangerá um “repertório de informações e habili-
dades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e
práticos, e sua consolidação será proporcionada no exercício
da profissão” (idem).
Ao explicitarmos a exigência da Graduação em Peda-
gogia como habilitação inicial para o trabalho pedagógico com
as crianças com vistas ao seu desenvolvimento integral, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social elencados
na LDB Lei 9394/1996, salientando o papel do professor neste
nível de educação.
Corrobora Kramer citada por Azevedo (2013) quan-
do diz que “é inaceitável que a educação em grupo de crianças
pequenas esteja a cargo de adultos que não receberam nenhum
tipo de formação para isso” (p. 83).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
Infantil – DCNEI, de 2009, são resultado de discussões de re-
presentantes dos movimentos sociais, de professores e pesqui-
sadores que lutam por uma educação de qualidade na educa-
ção infantil. Concebem em seu Art. 3º o currículo da educação
infantil como sendo:
[...] um conjunto de práticas que buscam articular as
experiências e os saberes das crianças com os conhe-
cimentos que fazem parte do patrimônio cultural, ar-
tístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a
promover o desenvolvimento integral de crianças de
0 a 5 anos de idade. (BRASIL, 2009, p.1).

No bojo deste artigo está o foco no desenvolvimento


global por meio da interação com os saberes cultural, artístico,
ambiental, científico e tecnológico, articulados com as expe-
riências trazidas pelas crianças. Em seu Art. 4º, a criança é defi-
nida como o centro do planejamento curricular, e ainda, como

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sujeito histórico e de direitos que, constrói sua identidade “nas


interações, relações e práticas cotidianas que vivencia [...] e
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimen-
ta, narra, questiona e constrói sentidos”. (BRASIL, 2009, p. 1).
Estas diretrizes deixam a critério das instituições de
educação infantil a elaboração de sua proposta curricular, con-
forme suas características e identidade institucional, articulan-
do estas experiências dos pequenos aos conhecimentos acu-
mulados pela humanidade. Seguindo para o próximo tópico,
explicitamos algumas reflexões sobre concepções pedagógicas
e formação do professor.

Formação docente e suas implicações no currículo da


Educação Infantil

A forma como o professor realiza sua prática, é de-


corrente de suas concepções sobre o processo ensino aprendi-
zagem e das experiências formativas que teve. Partindo destes
pressupostos, destacamos as principais concepções pedagó-
gicas para a organização do trabalho na educação infantil ao
longo do processo histórico, citamos tradicional, a cognitiva e
a crítica.
A concepção pedagógica tradicional, também deno-
minada romântica, nascida no século XVIII, identifica-se com
o próprio surgimento das instituições de educação infantil,
cujo foco era a assistência às crianças - alimentação, higiene
e a segurança física – das classes populares, enquanto os pais
trabalhavam. Segundo Azevedo (2013), desenvolveu-se apoia-
da em ideias de estudiosos da área, como Friedrich Fröbel e
seus seguidores, que concebiam a criança como um papel em
branco a ser escrito, numa relação autoritária entre professor e
aluno.
Conforme a autora, neste modelo de prática peda-
gógica, a professora deveria “ser mulher, ativa, culta, pacien-
te, sincera, humana, criativa, estudiosa [...]” (p.44), para ela,

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Friedrich Fröbel, fez da mulher uma educadora, por profissão,


dentro e fora do lar.
Entretanto, a concepção pedagógica cognitiva ou hu-
manista, também de cunho tradicional, privilegia o aspecto
cognitivo do desenvolvimento infantil. Para esta, a pré-escola3
é o lugar de tornar as crianças inteligentes. Seus principais fun-
damentos estão embasados nos estudos do epistemólogo suíço
Jean Piaget e seus seguidores.
A pesquisadora Azevedo (2013) descreve que a teoria
piagetiana
[...] tem como pressuposto básico o interacionismo
e seus principais objetivos consiste na formação de
sujeitos críticos, ativos e autônomos. Privilegia a in-
terdisciplinaridade em oposição à fragmentação de
conteúdos no modelo tradicional (p. 44).

Nesta concepção pedagógica, a criança é concebida


como um ser construtor, sujeito que pensa, e neste sentido, res-
salta a autora “constrói seu conhecimento, reinventa conteú-
dos, aprende a partir da interação que estabelece com o meio
físico e social desde o seu nascimento” (p. 44), porém seu fio
condutor é a escolarização da criança. Nesta perspectiva, a pro-
fessora necessita dominar o conhecimento sobre o desenvolvi-
mento cognitivo de criança.
Entretanto, diferente das duas primeiras, a concepção
pedagógica crítica, oriunda dos movimentos sociais e cultu-
rais, a partir da década de 60, com influência do marxismo, a
educação vigente, passa a ser concebida como reprodutora da
classe dominante, tem como pressuposto “favorecer a forma-
ção de pessoas (crianças e adultos) interessados e capazes de
contribuir na transformação do contexto social” (AZEVEDO,
2013, p. 45).
Esta concepção identifica-se com uma educação para
a cidadania, que enfatiza a inserção crítica e criativa dos in-
divíduos na sociedade, concebendo a instituição de educação
3 Atualmente concebida como Educação Infantil.

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infantil como lugar de trabalho coletivo, a criança e o professor


como cidadãos e sujeitos ativos.
Segundo Mazzilli (1999, apud AZEVEDO, 2013), os
fundamentos desta concepção estão pautados nos estudos de
Freinet, na abordagem sociocultural4 de Vygotsky, no materia-
lismo histórico e na proposta dialógica de Paulo Freire.
Estes estudiosos ratificam que o projeto de educação
e o de sociedade são indissociáveis, uma estreita relação en-
tre conhecimento e cultura, onde o ensino é referenciado a luz
dos problemas sociais, as disciplinas tornam-se mais flexíveis,
volta-se para a discussão, o confronto de ideias e o desenvol-
vimento do senso crítico. A escola precisa desafiar o estudante
a refletir sobre temas sociais, articulando reflexão e prática no
processo ensino e aprendizagem.
As contribuições apontadas por Pimenta (1999) sobre
reelaboração dos conhecimentos com base na prática, assim
como as de Libâneo (2002), quando enfatiza que as práticas
docentes devem ser pautadas a partir de um contexto de tra-
balho real e não a partir de um currículo prescrito, são fun-
damentos de uma Pedagogia Histórico-crítica ou Progressista.
Nessa concepção, Freire (2014), procura salientar
papel do docente na problematização da realidade na relação
com os educandos, isto é, a partir da interpretação dos proble-
mas sociais e, que com esta investigação temática ou problema-
tizadora os sujeitos vão descobrindo na sucessão dos temas, os
seus problemas sociais para saírem da inercia ao qual, diz ele, a
educação tradicional nos impõe.
O pesquisador aponta que tal inércia é projetada por
intermédio de uma educação bancária, que segundo ele, é uma
educação onde o conhecimento acumulado historicamente é
tão e somente depositado no aluno, de forma que o mesmo fi-
que limitado ao conhecimento que lhe é imposto sem que haja
diálogo e debate de opiniões e ideias. Ainda sob esta ótica diz
4 Denominada de Psicologia Histórico-cultural ou Escola de Vygot-
sky.

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Freire (2014), destaca que esta, visa um pensamento mecânico,


como se este fosse alheio a realidade social, porém quando a
educação é problematizadora, gera consciência de si e de sua
inserção no mundo.
No processo ensino aprendizagem, pautado em uma
pedagogia crítica, problematizadora, iniciada a partir das ques-
tões sociais dos sujeitos, ela é dialética e conscientiza os su-
jeitos envolvidos no processo ensino aprendizagem que são
responsáveis por seu aprendizado e, portanto, sujeitos de sua
própria história.
Nesse sentido, Freire (2011, p. 31) chama atenção aos
docentes que “ensinar exige respeito aos saberes dos educan-
dos”, com intuito de relacionar o ensino dos conhecimentos
acumulados historicamente aos saberes socialmente construí-
do em comunidade, refletindo inclusive, o objetivo da escolha
de alguns conteúdos em detrimento de outros.
Neste sentido, a partir de Freire salientamos que, ensi-
nar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para sua construção, visto que os alunos são seres em desen-
volvimento, em permanente transformação. Para ele, quando
se memoriza mecanicamente, não há aprendizado e, a função
do professor problematizador é contribuir para que os alunos
sejam partícipes do seu aprendizado para atuar por si e, em seu
contexto social.
Ao abordarmos a formação do professor e suas impli-
cações na educação de crianças, trazemos Freire (2000), enfati-
zando a necessidade do docente assumir sua identidade e, não
deixar-se ser chamado por tio ou tia. O professor é um profis-
sional e, não um parente postiço das crianças na instituição
de educação infantil. Para ele, além de imbricar em posturas
ideológicas cujo intuito é evitar que estes profissionais lutem
por condições de trabalho na educação, há ainda, a diminuição
da função e do profissionalismo do educador.
Concordamos que para atuar na educação infantil, é
necessário qualificarmos os processos formativos de professo-

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res. Nesse sentido, corroboram com esse pensamento de Sou-


za, Costa e Aikawa (2014) quando enfatizam que:
Nós professores precisamos ter clareza sobre as ques-
tões que desafiam a nossa prática pedagógica na esco-
la, para conseguir realizar um movimento no sentido
de analisar os problemas educacionais à luz dos pro-
blemas sociais. É urgente buscar caminhos que arti-
culem nossa participação na luta pela transformação
social, sem perder de vista os aspectos pedagógicos da
ação educativa. Isso implica o reconhecimento da não
neutralidade da educação que poderá ser colocada a
serviço de uma cultura popular. (p. 2).

Frente à reflexão sobre a formação dos professores, os


pesquisadores aqui elencados, apontam a necessidade formati-
va dos professores para além de uma racionalidade teórico-téc-
nica, marcada por aprendizagens conceituais e procedimentos
metodológicos. Em cada sala de aula há histórias de vida, cren-
ças, valores, afetividade e subjetividade dos sujeitos envolvidos.
Não partilhamos da concepção que a criança é o futu-
ro. Concordamos com Ostetto (2012) que criança é um ser que
estar em processo de formação para viver a sua vida, apren-
dendo, no decurso dela, a forma de vivê-la e que, no caminhar
explorará cada um dos seus momentos, fortalecendo-se e de-
senvolvendo-se enquanto pessoa. Para a autora, as crianças
existem no tempo presente e, não apenas como promessa de
futuro, portanto, devem ser crianças hoje, no futuro elas serão
adolescentes, jovens, adultos e idosos.
Sendo a concepção pedagógica que norteia os fazeres
pedagógicos, entendemos que, a formação acadêmica do pro-
fessor e as experiências vividas dentro e fora do ambiente de
formação, implicarão em sua prática.
Sobre a formação do docente, ressalta Freire (2000)
que o professor precisa ao ensinar a criança a ler, deverá en-
siná-la também a ler o mundo. Nessa ótica, a criança inicia
a construção de sua visão de mundo, a compreender algo, a
partir do meio em que vive, para que a partir dele, amplie e

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enriqueça seu leque com amplas possibilidades de novos co-


nhecimentos no âmbito geral. Para o autor, essa relação dialó-
gica, democrática, é primordial para a formação de cidadãos
responsáveis e críticos.
Resultados e discussões
As instituições de educação infantil tiveram seu ponto
de partida no assistencialismo, cujo lugar servia para guardar as
crianças enquanto os pais trabalhavam, sua tarefa era oferecer
à criança cuidados de higiene, alimentação e saúde, durante o
período que eram deixadas pelos pais. Por tratar-se de um espa-
ço assistencial, os profissionais que cuidavam dos pequenos não
precisam de formação na área, era o necessário apenas gostar
de trabalhar com crianças.
Ao longo da história, sob o novo olhar de conceber a
infância - um ser em desenvolvimento, como sujeitos que pre-
cisam vivenciar experiências educativas significativas para seu
pleno desenvolvimento, pesquisadores deste nível de educação,
apontam perspectivas para formação de professores para atuar
nesta faixa etária, para contribuir com o pleno desenvolvimento
dos pequenos, entendendo que educação e cuidados são indis-
sociáveis. Desde então, a concepção de trabalho com crianças
vem sendo repensada, apontando novo enfoque para a organi-
zação do trabalho pedagógico.
Com o surgimento de correntes pedagógicas, perspec-
tivas de trabalhos educativos com crianças despontam, dentre
outras, elencamos: a concepção pedagógica tradicional que tem
a finalidade de dar assistência à criança; a concepção pedagógi-
ca cognitiva que prepara a criança para a escolarização; a con-
cepção pedagógica crítica que identifica-se com uma educação
para a cidadania, prioriza educar cidadãos para contribuir na
transformação do seu contexto social, através de um projeto
curricular que esteja estreitamente vinculado a apropriação dos
conhecimentos historicamente acumulados e sua cultura, onde
o ensino é referenciado à luz dos problemas sociais.

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As concepções tradicionais e cognitivas foram critica-


dos pelos pesquisadores de nossa revisão bibliográfica por ser
a primeira, de caráter fechado, desconsiderando a criatividade
das crianças e, a segunda, por seus métodos definirem mate-
riais, locais e condições especiais para a realização do trabalho
pedagógico com aspectos da educação formal, sendo portanto,
um processo de escolarização dos pequenos, uma preparação
da crianças para o futuro, desrespeitando o momento presente
dos pequenos.
Tendo como referência a concepção crítica de traba-
lho docente, Freire (2014), destaca papel do professor como
problematizador da realidade, a luz dos problemas sociais, para
que por meio do debate de ideias, o educando se veja no mun-
do e, saia da inercia mental ao qual foi submetido através de
uma educação bancária.
Ressalta o pesquisador que, o professor ao ensinar a
criança a ler, precisa-se ensiná-la a ler também o mundo e, não
somente as palavras, que entenda e construa o raciocínio pró-
prio. Nessa ótica, a criança inicia a construção de sua visão de
mundo, a compreender algo, a partir do meio em que vive, para
que a partir de então, amplie e enriqueça seu leque com amplas
possibilidades de novos conhecimentos no âmbito geral.
Ao refletirmos as obras lidas neste texto, o conceito de
educação problematizadora ainda sofre resistências por parte
dos educadores, por um lado devido a deficiente formação aca-
dêmica recebida em algumas instituições e, e por outro, vivem
um dilema entre ensinar conscientizando ou cumprir o currí-
culo que lhe é imposto pelos órgãos educacionais.
Considerações
O desenvolvimento da prática pedagógica está ali-
cerçado na concepção de educação infantil que professor tem,
bem como em suas concepções educacionais. As pesquisas
apontaram que concepção docente, é decorrente da formação
acadêmica e das experiências formativas que o mesmo teve, e

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ainda, que os ambientes educativos são preparados, sem exce-


ção, conforme certa concepção educacional.
Concordamos que a falta de condições estruturais
no desenvolvimento do trabalho pedagógico aumentam os
desafios e limitam sua ação. Porém, embora as condições de
trabalho tornem-se elementos necessários para se realizar um
bom trabalho educativo, entendemos que as concepções vão se
construindo no processo de formação do professor, e todo am-
biente educativo, é um espaço organizado segundo certa con-
cepção educacional, oriunda de seu processo formativo.
Portanto, entendemos que o currículo se constrói em
espaço e contextos diferentes, o que significa dizer que cada
realidade impõe desafios e forma de superação diversificada,
mas a compreensão de trabalho pedagógico é inerente ao pro-
fessor, e está intimamente relacionada à sua formação docente.
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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723
EIXO TEMÁTICO 4
PAULO FREIRE E MOVIMENTOS SOCIAIS
Coordenadora: Rita de Cássia Machado (UEA/AM)
e Vanessa Gil (UFRGS/RS)

Este eixo do Fórum Paulo Freire busca dialogar com


os Movimentos Sociais e Populares bem como os estudos de
classe social, trabalho e emancipação humana. Pretende-se
trazer as questões atuais discutidas e experienciadas pelos di-
versos Movimentos, num movimento de anúncio e denúncia
visando dialogar com as diversas especificidades da região.

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Educação Popular em Debate
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SUMÁRIO

APRENDENDO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS


POPULARES NO AMAZONAS EDUCAÇÃO EM
MOVIMENTO
Rita de Cássia Fraga Machado ............................................... 729
PROSTITUIÇÃO: SOBRE AS MENTIRAS QUE OS
HOMENS CONTAM E AS VERDADES QUE MULHERES
DENUNCIAM
Vanessa Gil
Sandra Oliveira ......................................................................... 741
SAÚDE E MORADIA: UMA QUESTÃO DE DIREITO
SOCIAL DAS FAMÍLIAS ASSISTIDAS PELO
MOVIMENTO DE MULHERES POR MORADIA
ORQUÍDEAS EM MANAUS
Cleodiney Viana de Carvalho Penha
Laura Shelly da Rocha
Marília Carvalho da Silva ........................................................ 753
MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL: DAS LUTAS À
EMANCIPAÇÃO SOCIAL
Aline de Souza Silva
Jéssica de Lemos Rodrigues Daiane
Jucylene dos Santos Honório .................................................. 773
MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO RURAL EM
PROJETO DE ASSENTAMENTO AMAZÔNICO: UM
ESTUDO DE CASO NO ASSENTAMENTO PAQUEQUER
Cinthya Martins Jardim
Ingrid Silva de Freitas .............................................................. 789

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O PROFESSOR LIBERTADOR: UMA PERSPECTIVA


SOBRE O EMPODERAMENTO
Isabela Vieira Barbosa
Jéssica Reinert Santos
Antônio Mueller ....................................................................... 803

“É PEGAR OU LARGAR”: A LUTA DE MÃES


TRABALHADORAS NA ILHA DO GOVERNADOR PELO
DIREITO À CRECHE
Jane Chalão Lucchesi ............................................................... 815

RETRATOS DO PERCURSO ESCOLAR DE ALUNOS DA


EJA PRESENTES NO CAMPO EM UMA ESCOLA NO
ASSENTAMENTO JOÃO BATISTA II, MUNICÍPIO DE
CASTANHAL/PA
Joel Dias da Fonseca
Mayara Soares Ribeiro
Eula Regina Lima Nascimento ............................................... 873

O SABER LOCAL NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE


UMA ESCOLA MULTISSERIADA NO MEIO RURAL DA
AMAZÔNIA
Nayara Sena Oliveira
Joel Dias da Fonseca
Renilton Cruz ........................................................................... 891

O PROGRAMA ESCOLA DA TERRA NO ESTADO DO


AMAZONAS NO ANO DE 2014
Silmar da Silva Ferreira ........................................................... 915

JOVENS DA FLORESTA COMO SUJEITOS (AS) NO


FORTALECIMENTO COMUNITÁRIO E GESTÃO
PARTICIPATIVA
Huéfeson Falcão dos Santos
Rosi Batista da Silva ................................................................. 945

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EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS: UMA


EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO
Ildete da Silva Falcão
Raira Karolina Lima Marinho
Ana Francinely Ferreira de Oliveira ...................................... 967

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APRENDENDO COM OS MOVIMENTOS SO-


CIAIS POPULARES NO AMAZONAS EDUCA-
ÇÃO EM MOVIMENTO1

MACHADO, Rita de Cássia Fraga 2

Tema 1: O Aprendizado do Direito em Educação

O Movimento dos Sem-Terra, tão ético e pedagógico


quanto cheio de boniteza, não começou agora, nem a
dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remo-
tas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recen-
temente na bravura de seus companheiros das Ligas
Camponesas que há quarenta anos foram esmagados
pelas mesmas forças retrógradas do imobilismo, co-
lonial e perverso. O importante, porém é reconhecer
que os quilombos tanto quanto os camponeses, das
Ligas e os sem-terra de hoje todos em seu tempo, an-
teontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo
sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessi-
dade da luta na feitura da história como ‘façanha da
liberdade’ (Freire, 1977, p. 60).

Pesquisas têm mostrado como a ampliação e democra-


tização da educação básica e a inserção dos setores populares
na escola pública teve como um dos mais decisivos determi-
nantes a pressão dos movimentos sociais. Esta é uma relação
bastante pesquisada e reconhecida. (ARROYO, 2003). O desa-
fio é fazer ocupar e disputar a Universidade. A reflexão possível
1 Relato de experiência
2 Professora Adjunta da Universidade do Estado do Amazonas – Tefé.
Militante da Marcha Mundial das Mulheres. Educadora Popular.
Contato: rmachado@uea.edu.br

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foi: “se está avançando a escola, porque não avançar a Universi-


dade?” A escola vai deixando de ser vista como uma dádiva da
política clientelística e vai sendo exigida como um direito. Vai
se dando um processo de reeducação da velha cultura política,
vai mudando a velha auto-imagem que os próprios setores po-
pulares carregavam como clientes agraciados pelos políticos e
governantes. Nessa reeducação da cultura política tem tido um
papel pedagógico relevante os movimentos sociais, tão diver-
sos e persistentes na América Latina. (Arroyo, 2003)
Não há dúvidas, como afirma Paludo (2008) que de
alguma forma os movimentos sociais reeducam o pensamen-
to educacional e social, a teoria pedagógica, a reconstrução da
história da educação. Um pensamento que tinha como tradi-
ção pensar essa história como apêndice da história oficial, das
articulações do poder, das concessões das elites, das demandas
do mercado... Seria de esperar que a reconstrução da história
da democratização da educação e da Universidade Popular na
América Latina não esquecendo de que ela é inseparável da
história social dos setores populares. De seus avanços na cons-
ciência dos direitos.
A década de setenta constituiu um marco para o mo-
vimento de mulheres no Brasil, com suas vertentes de movi-
mento feminista, grupos de mulheres pela redemocratização
do país e pela melhoria nas condições de vida e de trabalho
da população brasileira. Em 1975, comemora-se, em todo o
planeta, o Ano Internacional da Mulher e realiza-se a I Con-
ferência Mundial da Mulher, promovida pela Organização das
Nações Unidas – ONU, instituindo a Década da Mulher.
Em fins dos anos setenta e durante a década de oi-
tenta, o movimento se amplia e se diversifica, adentrando par-
tidos políticos, sindicatos e associações comunitárias. Com a
acumulação das discussões e das lutas, o Estado Brasileiro e
os governos federal e estaduais reconhecem a especificidade
da condição feminina, acolhendo propostas do movimento na
Constituição Federal e na elaboração de políticas públicas vol-

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tadas para o enfrentamento e superação das privações, discri-


minações e opressões vivenciadas pelas mulheres.
Como exemplo, destaca-se a criação dos Conselhos dos
Direitos da Mulher, das Delegacias Especializadas de Atendimen-
to à Mulher, de programas específicos de Saúde integral e de pre-
venção e atendimento às vítimas de Violência Sexual e Doméstica.
Nos anos noventa, amplia-se o movimento social de
mulheres e surgem inúmeras organizações não-governamen-
tais (ONGs). Além de uma diversidade e pluralidade de proje-
tos, estratégias, temáticas e formas organizacionais, constata a
profissionalização/especialização dessas ONGs.
Também nesta década, consolidam-se novas formas
de estruturação e de mobilização, embasadas na criação de re-
des/articulações setoriais, regionais e nacionais, a exemplo da
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB, da Rede Nacional
Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos – Rede Saúde e de
articulações de trabalhadoras rurais e urbanas, pesquisadoras,
religiosas, negras, lésbicas, entre outras.
Paralelamente, são desencadeadas campanhas como
“Mulheres Sem Medo do Poder”, visando estimular e apoiar a
participação política das mulheres nas eleições municipais de
1996; “Pela Vida das Mulheres”, visando manter o direito ao
aborto nos casos previstos no Código Penal Brasileiro (risco
de vida da mãe e gravidez resultante de estupro); “Pela Regula-
mentação do Atendimento dos Casos de Aborto Previstos em
Lei, na Rede Pública de Saúde”; e “Direitos Humanos das Mu-
lheres”, por ocasião da comemoração dos 50 anos da assinatura
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, visando in-
corporara história das mulheres.
Nessa década, o movimento aprofunda a interlocução
com o Legislativo e o Executivo – e, em menor medida, com o
Judiciário -, tanto no sentido da regulamentação de dispositi-
vos constitucionais, quanto no sentido da implementação de
políticas públicas que levem em conta a situação das mulheres
e perspectiva de eqüidade nas relações de gênero.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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As mulheres brasileiras, enquanto integrantes e repre-


sentantes de organizações do movimento de mulheres, estão
articuladas e sintonizadas com o movimento de mulheres in-
ternacional, particularmente o Latino-americano e do Caribe,
O Movimento de Mulheres participou e contribuiu nos grandes
fóruns internacionais, a exemplo das Conferências Mundiais
da ONU – sobre Direitos Humanos (Viena-1993), População
e Desenvolvimento (Cairo- 1994) e Mulher, Igualdade, Desen-
volvimento e Paz (Beijing – 1995) – e da Convenção Interame-
ricana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher (Belém do Pará – 1994), da Organização dos Estados
Americanos – OEA.
No Brasil, comemoramos em 30 de abril o Dia Nacio-
nal da Mulher. Hattie Mcdaniel foi a primeira atriz negra a ga-
nhar uma estatueta do Oscar. O prêmio, recebido em 1940, foi
pelo reconhecimento de sua ótima atuação como atriz coadju-
vante no filme “E o vento levou ...”.
Tema 2: Educação Emancipatória que desejam
As evidências são muitas. “Queremos ser valorizados”;
“ a educação ocupa um lugar central na vida de nossas comuni-
dades”; precisamos de uma educação de qualidade” “sem me-
renda não dá”; “impossível dar aula na minha casa”; “ a educa-
ção multiseriada é uma tragédia para nossas crianças e para a
sociedade” “ as comunidades anseiam pela escola”. Estas foram
algumas falas oriundas dos professores presentes na Roda de
Conversa que realizamos na Universidade. O professores mes-
mo que com todas estas dificuldades ainda continuam a inda-
gar-nos sobre as matrizes pedagógicas ou sobre as dimensões
da teoria pedagógica tradicional e conservadora da escola, so-
bre as marcas que eles deixam na formação dos atores sociais.
Neste sentido os Movimentos Sociais trazem para
pensá-lo e fazer educativos é reeducar-nos para por o foco
nos sujeitos sociais em formação. Eles nos lembram sujei-
tos em movimento, em ação coletiva. A maioria das análises

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sobre eles destacam seus sujeitos “Somos Povos da Floresta”


destacou Huéfeson Falcão do Movimento Jovem protagonista,
“temos direitos!”. Falam mais deles do que das organizações e
programas quando afirmam que “na floresta tem gente!”. Até
porque esta população pouco foi ou é beneficiaria do Estado
Brasileiro.
Paulo Freire construiu sua reflexão e prática educativa,
referida sempre aos movimentos de jovens, de trabalhadores
e camponeses dos anos 60-70, aos movimentos culturais e de
libertação dos povos da África e da América Latina. O mais
importante na pedagogia da prática da liberdade e do oprimi-
do não é que ela desvia o foco da atenção pedagógica deste para
aquele método, mas dos objetos e métodos, dos conteúdos e
das instituições para os sujeitos. Paulo não inventa metodolo-
gias para educar os adultos camponeses ou trabalhadores nem
os oprimidos ou excluídos, mas nos reeduca na sensibilidade
pedagógica para captar os oprimidos e excluídos como sujeitos
de educação, de construção de saberes, conhecimentos, valores
e cultura. Sujeitos sociais, culturais, pedagógicos em aprendi-
zados, em formação. (Arroyo, 2003)
Disso também conversamos. Porque a Universidade é
um espaço a ser ocupado e a ser disputado. Afinal, a classe tra-
balhadora acredita no poder da educação. Não ficaram dúvidas
que estes professores mesmo muito desestimulados com suas
situações profissionais acreditas que a educação é uma possi-
bilidade de mudança. O maior ganho no diálogo com o Mo-
vimento Jovem e Indígena foi conseguir devolver a autoridade
que estes professores tem diante das questões do cotidiano.
Não tenho dúvidas, na verdade nunca tive que os Mo-
vimentos Sociais nos puxam para radicalizar o pensar e fazer
educativos na medida em que nos mostram sujeitos inseridos
em processos de luta pelas condições elementaríssimas, por
isso radicais, de viver como humanos. Propõe-nos como tarefa
captar as dramáticas questões que são vividas e postas nessas
situações limite e revelá-las, explicitá-las. E ainda captar como

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os sujeitos se forma, entrando eles mesmos como totalidades


nos movimentos da sociedade.
No título do parágrafo do livro A Educação para Além
do Capital, de Mészáros (2008), encontramos o sentido e as
questões para a proposta deste capítulo do livro. A educação
para além do capital, segundo Jinkings, na apresentação do li-
vro,
(...) ensina que pensar a sociedade tendo como parâ-
metro o ser humano exige a superação da lógica desu-
manizadora do capital, que tem no individualismo, no
lucro e na competição seus fundamentos. Que educar
é – segundo Gramsci – colocar fim à separação entre
homo faber e homo sapiens; é resgatar o sentido estru-
turante da educação e da sua relação com o trabalho,
as suas possibilidades criativas emancipatórias (MÉS-
ZÁROS, 2008, p. 9).

Para desenvolver o tema, o autor utiliza-se de três ci-


tações que, no decorrer da temática, sintetizam a centralida-
de da reflexão que pretendemos propor neste capítulo. tema
central da reflexão de Mészáros gira em torno da alienação da
educação, na medida em que ela é apresentada como forma de
instauração e manutenção do sistema capitalista. Várias pas-
sagens do texto apontam que a educação para o mercado não
é meio de instruir a vida. A educação, que deveria ser fator de
transformação social, contra-hegemônica, desalienante, passa
a ter suas mudanças limitadas apenas a trazer crescimento ao
sistema, dentro de seus valores.
Na passagem A incorrigível lógica do capital e seu im-
pacto sobre a educação, o autor resgata concepções fi losófi cas
já produzidas acerca da educação e as situa no âmbito da his-
tória, mostrando as suas limitações e seu comprometimento,
em última instância, com os limites impostos pela sociedade
do capital.
Não surpreende, portanto, que mesmo as mais no-
bres utopias educacionais, anteriormente formuladas
do ponto de vista do capital, tivessem de permanecer

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

estritamente dentro dos limites da perpetuação do


domínio do capital como modo de reprodução só-
cio-metabólica. [...] A razão para o fracasso de todos
os esforços anteriores, e que se destinavam a instituir
grandes mudanças na sociedade por meio de refor-
mas educacionais lúcidas, reconciliadas com o ponto
de vista do capital, consistia – e ainda consiste – no
fato de as determinações fundamentais do sistema do
capital serem irreformáveis. [...] o capital é irreformá-
vel porque pela sua própria natureza, como totalidade
reguladora sistêmica, é totalmente incorrigível (MÉS-
ZÁROS, 2008, p. 26-27, grifo meu).

Trata-se, portanto, da contínua necessidade de auto-


-expansão do sistema capitalista e de acumulação para a qual
se deve produzir e reproduzir ininterruptamente as condições
objetivas de sua conservação.
O impacto da incorrigível lógica do capital sobre a
educação tem sido grande ao longo do desenvolvi-
mento do sistema. [...] É por isso que hoje o sentido
da mudança educacional radical não pode ser senão o
rasgar da camisa de força da lógica incorrigível do sis-
tema: perseguir de modo planejado e consistente uma
estratégia de rompimento do controle exercido pelo
capital, com todos os meios disponíveis, bem como
todos os meios ainda a ser inventados, e que tenham
o mesmo espírito (FRIGOTTO, 2008, p. 35).

No item As soluções não podem ser apenas formais: elas


devem ser essenciais, o autor, em busca da educação emancipa-
dora, propõe que a superação da ordem do capital não significa
apenas a sua negação, e sim a construção de uma nova ordem
capaz de sustentar a si própria, e é por meio da educação que se
pode produzir esta nova concepção, como que “antecipando”
uma nova forma de metabolismo social e orientando os meios
para a sua execução.
Esse processo de antecipação deve criar uma espécie
de “contrainternalização” (ou contraconsciência) que quebre
o círculo de reprodução do capital, de maneira concreta. Isso

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Educação Popular em Debate
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significa criar uma forma de consciência social que liberte dos


limites impostos pelo sistema, de modo a tornar os indivíduos
capazes de fazer do processo de aprendizagem “a sua própria
vida”. Mészáros (2008, p. 59) diz ainda que é apenas nesse senti-
do amplo de educação que a educação formal, institucionaliza-
da, pode contribuir para a superação do capital, realizando as
suas “necessárias aspirações emancipadoras”, o que requer “um
progressivo e consciente intercâmbio com processos de educa-
ção abrangentes como ‘a nossa própria vida’”. É sob este prisma
que olhamos a Educação de Adultos, e é sob este prisma que
propomos a Educação Necessária voltada para os sujeitos do
MTD, uma educação que trabalhe na “contrainternalização” de
conteúdos alienantes e fatalistas de que a sociedade é assim e
não pode ser transformada. Diversos foram os momentos nas
formações em que problematizamos questões como mulher,
trabalho, classe, desemprego, emprego, trabalho. Parece-nos
que na passagem citada, o autor aposta na educação em seu
sentido amplo para que se realize de fato a verdadeira forma-
ção humana.
Tema 3: Educação, Universidade e Movimentos Sociais
Populares: uma tripla dimensão
A escola, a educação formal tem limites, diz o autor, e
para tanto a educação em espaços informais seria a estratégia
revolucionária de educação. Parecenos que Mészáros (2008)
aposta fortemente na educação informal, sem desreconhecer a
escola. Ou seja, isso “é impossível dentro dos estreitos limites da
educação formal, tal como ela está constituída em nossa épo-
ca, sob todo o tipo de severas restrições” (2008, p. 58). Assim
como para Mészáros, em Freire (2003) a tarefa dos Movimen-
tos Sociais é a de serem “parteira da consciência”, e lembra o
autor que a ideia de movimento está presente na etimologia
da palavra educação: um movimento de fora para dentro, e vi-
ce-versa, que se traduz no movimento que se experiencia na
relação entre autoridade e liberdade. Compreende-se, assim,

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por que o Movimento Social é defendido por Freire como uma


grande escola da vida: ao aprenderem, as pessoas vão mudando
sua escola, seu bairro, sua vida, seu país. É por estes caminhos
que o Movimento Social vai inovando a educação (FREIRE;
NOGUEIRA, 1989).
Portanto, a educação tem sentido quando proposta
como transcendência positiva da autoalienação do trabalho, e
neste sentido tem por tarefa “contribuir para que a superação
do capital seja feita de forma total e não mais parcial, ou parti-
cular, como nas estratégias reformistas”. É contra as determina-
ções sistêmicas do capital que ela deve combater, e seu papel é
“soberano”, “tanto para a elaboração de estratégias apropriadas
e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução,
como para a automudança consciente dos indivíduos chama-
dos a concretizar a criação de uma ordem social metabólica ra-
dicalmente diferente” (Mészáros, 2008, p. 65). A esse respeito,
dois conceitos principais devem ser postos em primeiro plano:
a universalização da educação (básica e superior) e a universa-
lização do trabalho como atividade humana autorrealizadora.
De fato, nenhuma das duas é viável sem a outra.
Neste sentido, a Universidade se configura-se nessa tri-
pla relação, a relação trabalho-educação, com a perspectiva de
criar, junto com os Movimentos Sociais Populares, uma pro-
posta educativa que, ainda dentro desta sociedade capitalista,
possa ir, através da formação, articulando a escolarização, o
conhecimento popular e as políticas públicas necessárias para
a reprodução material da vida visando nesta proposta uma or-
dem diferente, ligada as comunidades que estas pessoas fazem
parte, cujo o valor principal é a relação com o ambiente.
No texto Marxismo e educação: debates contemporâ-
neos, Saviani (2008) destaca três questões sobre a educação dos
trabalhadores nesta perspectiva que apontamos. A primeira
diz respeito ao nexo entre trabalho e educação.
Destaco a discussão proposta pelo autor acerca da es-
sência do trabalho e da educação entendidos como atividades

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especificamente humanas. A segunda questão é o nascimento


da escola que acompanha o nascimento da sociedade de clas-
ses; trata-se de destacar a formação de uma dualidade educa-
cional articulada à dualidade de classes. Finalmente, a terceira
questão que quero destacar é o papel da luta por uma escola
pública de qualidade na sociedade capitalista, o que Saviani
considera como desafi o fundamental da educação na perspec-
tiva da pedagogia histórico-crítica. Essas questões se entrela-
çam no texto de Saviani e, dessa forma, serão discutidas aqui
como elementos para a reflexão que estamos tecendo em torno
da educação das trabalhadoras.
Aproximar os Movimentos Populares, a Educação e a
Universidade são um tarefa da educação emancipadora. Avan-
ça-se como instituição produtora de conhecimento, contribui-
-se para a sociedade e com certeza avança a educação. E ao
fazermos isso retomemos questões clássicas, que são utopias
possíveis. Questões como as essencialmente humanas, sociais,
políticas e culturais. Discutem-se de fato, a partir da vida con-
creta dos sujeitos envolvidos na formação os processos peda-
gógicos, as linguagens e rituais que cada movimento repõe
para a teoria e ação pedagógica que em educação são o subso-
lo da formação humana emancipadora. E por fim, vivenciam
movimentos em torno de direitos básicos negados há décadas
e até séculos, quando falamos de Amazonas. É fundamental
Dialogar, dialogicamente!
Palavra de encaminhamento: dialogicidade
Procuraremos nos apoiar em saberes necessários à
prática do educador (a) popular, que deve ter o domínio de
conteúdos, necessários para o processo de problematização,
baseando-se em Freire (1996), para a necessária conexão com
a vida dos sujeitos. O diálogo; a escuta; a paciência histórica; a
amorosidade; a boniteza e a política oportunizam as aprendi-
zagens construídas no coletivo de educadores. São aprendiza-
gens que se realizam ancoradas no mundo real, nas experiên-

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cias concretas das educadoras, que traduzem, de modo bem


objetivo, a dureza das condições para a subsistência.
Aprendemos nesta experiência de formação com os
educadores (das escolas e populares) que o diálogo nos exige
muito. A primeira exigência é a consciência do inacabamento
(FREIRE, 1996), posição crítica e humildade. Para pôr o diá-
logo em prática, o educador não pode colocar-se na posição
ingênua de quem se pretende detentor de todo o saber; deve,
antes, colocar-se na posição humilde de quem sabe que não
sabe tudo, reconhecendo que o analfabeto não é um homem e
uma mulher perdida, fora da realidade, mas alguém que tem
toda uma experiência de vida e, por isso, também é portador
de um saber (GADOTTI, 1996).
Convidamos a toda a Comunidade para participar co-
nosco do projeto Diálogos que estamos construindo junto ao
Ministério Público Federal de Tefé. Logo sairá a agenda do pri-
meiro encontro. E é nesta tripla dimensão que pretendemos ir
mudando Tefé, o Amazonas e o Brasil.
Referências
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e
prática em educação popular. Petrópolis: Vozes, 1989.
______. Educação & atualidade brasileira. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2003.
_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Ação cultural para a liberdade: e outros escritos. 2. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS,
Marise Nogueira (orgs.). Ensino médio integrado: concepção e
contradições. São Paulo: Cortez, 2008.
GADOTTI, M. Paulo Freire: uma biobibliografia (on line).
São Paulo: Cortez, 1996.

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Miguel G. Arroyo. PEDAGOGIAS EM MOVIMENTO.


Currículo sem Fronteiras, v.3, n.1, pp. 28-49, Jan/Jun 2003.
PALUDO, Conceição. Educação Popular e Movimentos
Sociais. In: ALMEIDA,
Benedito; ANTONIO, Clésio; ZANELLA, José (Org.).
Educação do Campo: um projeto de formação de educadores
em debate. Cascavel/PR: Edunioeste, 2008. p. 39-54.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria
da transição. São Paulo: Boitempo, 2009.
______. FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO 2004: Porto
Alegre. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo:
Boitempo, 2008.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras
aproximações. 10. ed. Campinas: Autores Associados, 2008.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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PROSTITUIÇÃO: SOBRE AS MENTIRAS QUE


OS HOMENS CONTAM E AS VERDADES QUE
MULHERES DENUNCIAM

Gil, Vanessa1
Oliveira, Sandra 2
Introdução
O presente artigo busca discutir as raízes históricas da
prostituição a partir do debate atual dos movimentos sociais.
Para tanto, parte da análise das ações e materiais de formação
da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), movimento social
transnacional que problematiza a visão liberal sobre a mercan-
tilização da sexualidade das mulheres.
A escolha da MMM ocorreu tanto pelo fato de ser o
espaço de militância de uma das autoras como pela amplitude
que o movimento dá ao debate. Nesse sentido, utilizando os
conceitos, anúncio e denúncia de Paulo Freire (1997), que de-
nuncia a prostituição, e o atual debate da regulamentação da
venda do corpo e da sexualidade das mulheres como uma ne-
cessidade do capitalismo patriarcal e anuncia um sexualidade
livre das imposições patriarcais e econômicas.
Escolha ou imposição?
Possivelmente, o tema mais controverso entre as fe-
ministas seja o da regulamentação da prostituição. Ele está
inserido num debate maior, da autonomia sobre o próprio
1 Mestra em Educação. Professora do magistério estadual do RS.
E-mail: nessagil@gmail.com
2 Doutora em Filosofia. Professora de inglês, francês e português. Re-
visão e produção de textos. E-mail:sandmarol@hotmail.com.

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corpo. Muitos grupos feministas defendem que a prostituição


é uma escolha pessoal e que deve ser valorizada e legalizada
para maiores de dezoito anos. Contudo, segundo a denúncia da
MMM, o capitalismo patriarcal mercantiliza o corpo das mu-
lheres, bem como sua sexualidade sem atentar para os direitos
destas mulheres.
Além do mais, o patriarcado naturaliza a prostituição
como “a profissão mais antiga do mundo” e conta essa mentira
tantas vezes até que seja entendida como uma verdade. Para
que a afirmação pareça verdadeira, desconsidera uma gama de
trabalhos milenares e as profissões que deles decorrem. A pro-
fissão mais antiga certamente é a de parteira3. É por meio do
ato de parir, é do corpo das mulheres que nasce a humanidade.
Todo o ser humano que pisou e pisa hoje sobre a Terra, nasceu
de uma mulher e, historicamente, as parteiras são mulheres.
Partos hospitalares são recentes na história humana e os argu-
mentos apresentados pelas defensoras do parto humanizado4 e
os dados Organização Mundial da Saúde (OMS)5 têm demons-
trado que, apesar dos importantes avanços da medicina e da
imensa relevância da cesariana para salvar a vida das mulhe-
res e dos bebês, o mais seguro ainda é parir de forma natural,
com auxílio de uma doula6, levando, inclusive, o Ministério da
Saúde do Brasil a publicar um caderno apontando, entre ou-
tras questões referentes ao parto humanizado, a importância
3 A parteira é a pessoa que recebe no mundo o recém-nascido. Seu
trabalho é auxiliar o trabalho de parto, e sua preocupação principal
é com o bom andamento do parto e as possíveis intercorrências que
podem colocar em risco a saúde da mulher e do bebê.
4 Disponível em: http://www.orenascimentodoparto.com.br/. Acesso
em 04/06/2015.
5 Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/161442/3/
WHO_RHR_15.02_por.pdf/. Acesso em 04/06/2015
6 Doula é a profissional que se preocupa com o bem-estar físico e
emocional da mulher em trabalho de parto. Profissão moderna, a
doula resgata o eterno “comadrio”: mulheres maduras e com expe-
riência, que amparavam a mulher mais nova e inexperiente em seu
processo de gestação e parto.

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desse acompanhamento7. Entretanto, tanto a parteira como a


agricultora, duas trabalhadoras necessárias para que exista hu-
manidade, nascer e se alimentar têm o produto do seu trabalho
desconsiderado e desvalorizado.
Naturalizada a prostituição e retirado seu caráter his-
tórico de dominação, ela é apresentada como uma escolha pro-
fissional livre, relacionada como liberdade sexual e laboral das
mulheres. No entanto, esse discurso mascara que a prostituição
não foi uma escolha em nenhum momento histórico.
Segundo a egípcia Nawal El Saadawi (2002, p. 90), a
prostituição é o lado oposto da moeda casamento. Com a im-
posição da monogamia, derivada do desejo de assegurar a he-
rança para o filho legítimo, os homens encontraram nas ordens
divinas o caminho para impor às mulheres as duas coisas que
não queriam para si, a obrigatoriedade de ter apenas uma par-
ceira e a prostituição. Enquanto algumas eram magicamente
destinadas ao casamento, outras serviam de instrumento para
que os deuses pudessem falar aos homens. Assim, ao longo de
milênios, diferentes culturas patriarcais desenvolveram formas
diversas de transformar e manter a tradição de dominação do
corpo e da sexualidade das mulheres. Conforme nos lembra
Saadawi (2002, p. 91), o pai, o rei, o líder religioso, em diversas
culturas e períodos históricos, tinham o direito de deflorar a
filha, a serva noiva ou uma mulher da tribo por algum motivo
encontrado pelos homens com poder para isso.
Historicamente, a prostituição iniciou-se com o siste-
ma patriarcal, com a divisão da sociedade entre pro-
prietários e escravos. Ao mesmo tempo surgiram as
primeiras regulamentações sobre o relacionamento
sexual por meio das primitivas formas de casamen-
to. A prostituição, na verdade, é a face oposta do ca-
samento. O homem precisava casar-se para dar uma
identidade a seus filhos, mas desejava, ao mesmo tem-
po, liberar seus instintos sexuais. O cinto de castidade
7 Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
caderno_humanizasus_v4_humanizacao_parto.pdf/. Acesso em
04/06/2015.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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e a fidelidade conjugal foram impostos apenas à mu-


lher. É realmente fascinante observar com que astúcia
o homem foi capaz de encontrar uma desculpa que
justifica seus encontros com uma outra mulher. Para
conseguir isso, encobriu seus desejos sob a máscara
da religião, transformando o sexo praticado com uma
prostituta em um ritual religioso, em um ato santifica-
do. (SAADAWI, 2002, p. 90).

Marcela Lagarde (2010), em sua tese de doutorado,


publicada com o título Los cautiverios de las mujeres: madrespo-
sas, monjas, putas, presas y locas, defende que todas as mulhe-
res estão presas a esses cativeiros e nenhuma mulher em socie-
dades patriarcais pode escapar de estar presa a eles como grupo
social. O cativeiro da puta, ou prostituta, existe na própria ideia
de que somos todas putas ou prostitutas em potencial, em con-
traposição à maternidade, ao ideal de mãe, que é pureza e do-
çura. Em sua tese, a autora perpassa as diversas teorias sobre o
surgimento da prostituição, entre elas as explicações religiosas.
Não obstante, assim como Saadawi, Largarde refuta
as teorias que explicam o surgimento da prostituição pelo viés
religioso e que se utilizam do relativismo cultural para retirar
o caráter de dominação patriarcal. A prostituição, mesmo com
caráter sagrado, serve de disfarce para que a mulher seja manti-
da como objeto sexual dos homens. Explica, convergindo com
Saadawi, que a prostituição tem como base histórica a divisão
social e sexual do trabalho, a existência de poderes patriarcais,
o surgimento da propriedade privada que permitiu a apropria-
ção das pessoas, a sua força de trabalho, e características cultu-
rais que diferenciaram as mulheres por idade, classe, materni-
dade, etc. Dessa forma, coloca a autora:
El surgimiento de la prostitución es un proceso his-
tórico-social y cultural- complejo que nada tiene que
ver con cualidades originarias, que significó la divi-
sión de la sexualidad en eretismo e procreación, en
cada mujer particular, y la aparición de grupos de mu-
jeres dedicadas al eros y otras, dedicadas a la materni-
dad. Se trata de una especialización sexual al interior

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de las mujeres, que debe ser analizada en su relación


con el proceso de dominio y sometimiento del género
femenino en su conjunto. La prostitución tiene más
deuda con la situación opresiva de las mujeres en su
conjunto, que con otros factores inherentes al grupo
de las prostitutas. (LAGARDE, 2010, p. 581).

Logo adiante, ainda afirma que “Algunos hombres se


pueden apropiar de algunas prostitutas, porque todos los hom-
bres son dueños potenciales, dirigentes y dominadores de to-
das las mujeres.” (LAGARDE, 2010, p. 581).
A MMM produziu um vídeo8 e uma cartilha sobre 9

prostituição para debater o tema. O material é editado pela


Sempreviva Organização Feminista e tem como objetivo apro-
fundar o debate pelo viés das feministas anticapitalistas, que
identificam a prostituição como mercantilização da sexuali-
dade das mulheres. No vídeo, militantes e mulheres, outros
movimentos parceiros apresentam a realidade da prostituição
no Brasil.
Para a MMM, assim como para as autoras citadas aci-
ma, a prostituição cumpre uma função social importante na
manutenção da sociedade capitalista patriarcal. O capital en-
controu, no corpo das mulheres, uma mercadoria já comer-
cializada em outros modos de produção e aprimorou esse co-
mércio. Conferiu caráter de escolha livre e, gradualmente, tem
disseminado a ideia de escolha autônoma e de liberdade sexual
conferida pela prostituição.
Nesse debate, precisamos sempre explicitar como
ponto de partida que a nossa crítica à prostituição não
é fruto de uma visão moralista. Ao contrário, quere-
mos resgatar uma reflexão crítica e afirmar que não
há liberdade e igualdade para as mulheres enquanto
estivermos presas à polaridade imposta entre santas
e putas. Ao mesmo tempo, o modelo de sexualidade
8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UvS4hwSa8So.
Acesso em 04/06/2015.
9 Disponível em: http://www.sof.org.br/artigos/prostitui%C3%A7
%C3%A3o-uma-abordagem-feminista. Acesso em 04/06/2015.

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masculina transforma os homens em demandantes


de sexo, e a prostituição aparece como uma forma de
garantir seu acesso aos corpos das mulheres. (FARIA;
COELHO; MORENO, 2013, p. 03).

As autoras (FARIA; COELHO; MORENO, 2013) dia-


logam com Lagarde, no sentido de ser um tema relacionado
às mulheres como grupo social e não apenas como prostitu-
tas. Para ser considerada “puta”, não é necessário se prostituir,
basta que se rebele contra qualquer valor imposto pela socie-
dade patriarcal. É comum que mulheres que assumem com-
portamentos considerados naturais, como frequentar lugares
públicos, sozinhas, transitar por determinados lugares sem a
companhia de um homem para os homens, sejam considera-
das “putas”. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Avon10,
96% dos jovens brasileiros entre 16 e 24 anos percebem a exis-
tência do machismo na sociedade brasileira. Entretanto, 51%
deles defendem que a mulher tenha a sua primeira experiência
sexual somente em um relacionamento sério; são 41% aque-
les que afirmam que a mulher deve ficar com poucos homens;
38% garantem que a mulher que se relaciona afetiva ou sexual-
mente com muitos homens não serve para namorar e 25% dos
jovens pensam que, se usar decote e saia curta, a mulher está
“se oferecendo”. Isso demonstra a dicotomia, a partir da qual a
mulher é vista pela sociedade brasileira, como dividida entre
aquelas que pertencem ao deus Eros e aquelas que pertencem à
maternidade e à família, explicando os dados apresentados que
tratam de violência sexista. Assim se pronuncia a MMM, por
meio das autoras militantes:
Queremos questionar o discurso liberal sobre a pros-
tituição, que justifica a banalização da sexualidade e
a imposição de novos modelos para a mesma subor-
dinação das mulheres. Desde uma perspectiva femi-
nista, acreditamos que a questão da prostituição não
pode se resumir ao grupo de mulheres envolvidas na
10 Disponível no site: http://centralmulheres.com.br/data/avon/
Pesquisa-Avon-Datapopular-2013.pdf. Acesso em 04/06/2015.

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indústria do sexo, mas é relevante para o conjunto das


mulheres, por se tratar de um fenômeno que legitima
e reproduz um modelo de sexualidade que é patriar-
cal. (FARIA; COELHO; MORENO, 2013, p. 04).

O discurso favorável à prostituição como escolha


mascara o papel importante que esta cumpre nessa socieda-
de. Até a década de sessenta do século XX, sua manutenção
era justificada pela necessidade de mulheres disponíveis para
o sexo, pois os homens precisariam dar vazão aos seus instin-
tos sexuais e as mulheres deveriam casar virgens. As mulheres
em situação de prostituição seriam aquelas que teriam como
função a proteção da moral das boas moças, da boa família. A
prostituta asseguraria que o homem tivesse com quem manter
relações sexuais e permitia a castidade da “mulher de família”
até o casamento.
O discurso foi se alterando, ao ser incorporado o de-
bate da liberdade sexual. A prostituição, vista como um traba-
lho livre, uma profissão liberal, foi o caminho para adaptação
aos novos tempos. Não obstante, tal discurso encobre os dados
que demostram que quatro milhões de mulheres e meninas são
comercializadas no mundo por ano11. O faturamento mundial
anual com a prostituição gera um montante de cinco a sete bi-
lhões de dólares (entre 13,7 e 19,2 bilhões de reais). Uma pros-
tituta renderia, em média, cerca de 250 mil reais por ano ao seu
proxeneta.
Portanto, não é possível falar em prostituição sem
mencionar o tráfico internacional de pessoas e a indústria de
produtos pornográficos. Na atualidade, a prostituição compõe
um mercado cercado por crimes de todas as ordens e violên-
cias contra as mulheres em todos os níveis. Nesse sentido, con-
forme Cheron Moretti, militante da MMM:
O exercício da prostituição, para maioria das mulhe-
res, não pode ser encarada como uma escolha, mas
11 Disponível no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/
Rev_58/artigos/Art_Monica.htm. Acesso em 04/04/2015.

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sim um condicionamento social ao qual estão sujeitas


nesta estreita relação patriarcado-capitalismo em que,
sendo o sexo uma mercadoria, lhe interessa expandir
no mercado global na forma de indústria. A interna-
cionalização da indústria do sexo é, necessariamen-
te, acompanhada pela “nacionalização” dos direitos à
prostituição.
(https://ecossocialismooubarbarie.wordpress.
com/2013/12/06/um-cativeiro-chamado-prostitui-
cao-crise-civilizatoria-e-projeto-de-desenvolvimen-
to-no-brasil/. Acesso em 23/03/2015).

O movimento busca ampliar a discussão acerca da


prostituição para além da escolha individual, mostrando que
esta tem relação com um amplo mercado de sexo, que só pode
existir por meio da dominação da sexualidade e do corpo das
mulheres. No entanto, não se abstém de mostrar o impacto na
vida daquelas que viveram ou vivem em situação de prostitui-
ção. No vídeo produzido para debater o tema, o título traz um
questionamento, Nosso Corpo Nos Pertence?12 Nele são apresen-
tados depoimentos de mulheres em situação de prostituição,
que questionam o argumento de livre escolha, relatando que
viveram em situação de prostituição, inclusive, explicam a ra-
zão pela qual não querem ser chamadas de prostitutas ou pro-
fissionais do sexo:
A gente descobriu que as mulheres não aceitam ser
chamadas de profissionais do sexo num encontro de
mulheres, discutindo alguns temas e entre eles o nome
que deveria ser chamado. Então elas disseram que não
queriam ter nome nenhum, que elas se acham em si-
tuação de prostituição (CLEONE SANTOS, Vídeo
Nosso corpo nos pertence? 8: 49).

E sobre a livre escolha:


Eu vivi da prostituição durante vinte e dois anos. As
mulheres chegam à prostituição, e aí eu coloco todas
12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UvS4hwSa8So.
Acesso em 04/06/2015.

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as mulheres que chegam à prostituição, é por questões


econômicas mesmo. E sem contar assim, que a mu-
lher, a maioria, é mulher muito pobre, semianalfabe-
ta, aquela coisa que a gente sabe que tá ali porque não
teve outra opção (sic). (CLEONE SANTOS, Vídeo
Nosso corpo nos pertence? 6: 48).

Ao contrário da vida luxuosa que, muitas vezes, cerca


o imaginário acerca da prostituição das mulheres:
Eu vejo a Praça da Sé e a Floriano Peixoto de San-
to Amaro como os grupos mais pobres, né? Que as
mulheres são muito pobres, mas os homens, também,
que vão lá são aqueles assalariados, né? Bem por bai-
xo, assalariado bem por baixo mesmo. (CLEONE
SANTOS, Vídeo Nosso corpo nos pertence? 7: 26).

Assim, fica evidenciada, na fala das militantes da


MMM, registrada neste vídeo, a confirmação do que os dados
têm demostrado. A prostituição está relacionada, para a imen-
sa maioria das mulheres, ao poder dos homens como grupo
social sobre as mulheres, ou seja, o patriarcado, e pelas neces-
sidades materiais de sobrevivência dessas mesmas mulheres.
Tramita projeto de lei do deputado Federal Jean
Wyllys , propondo regulamentar a prostituição no Brasil. Tal
13

iniciativa já havia sido realizada pelo ex-deputado Fernando


Gabeira, sem sucesso. Sobre isso:
A regulamentação, na visão da gente, quando a gente
discutiu no primeiro projeto, do Gabeira, porque o do
Jean Wyllys é o do Gabeira melhorado, ele deu uma
melhoradinha nele e só isso, porque não tem muito
o que colocar num projeto desse, quer dizer, vai re-
gulamentar, vai facilita pro explorador, vai facilita pra
todo mundo, eles vão virar grandes empresários e a
gente vai ficar com um problema ainda maior na mão
por isso a gente é contra a regulamentação, a gente
não aceita essa ideia de jeito nenhum (sic). (CLEONE
SANTOS, Vídeo nosso corpo nos pertence? 9:11).
13 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=1012829. Acesso em 30/03/2015.

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O problema maior, que se refere Cleone, é a mudança


de status do proxeneta de criminoso para empresário. Dessa
forma, a exploração sexual das mulheres não oferecerá riscos
àqueles homens e mulheres que lucrarão com a venda dos cor-
pos alheios. Como o projeto prevê a organização em coopera-
tivas de mulheres, a precarização fica ainda mais disfarçada.
Além do vídeo e da cartilha, várias ações e forma-
ções foram realizadas para debater e aprofundar o tema não
só entre as militantes, mas com a sociedade em geral. Um dos
períodos de maior mobilização foi durante a Copa do Mundo
da Federação Internacional do Futebol (FIFA), no Brasil. Uma
das intervenções foi a colagem de lambes nos pontos da cidade
de maior circulação de turistas, como o Bairro Cidade Baixa,
onde se concentram bares e restaurantes, e nos arredores do
Estádio Beira-Rio.

Ilustração 1: Foto de colagem em frente ao Estádio Beira Rio.


Arquivo pessoal.

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Para se fazer entender pelos/as turistas, houve o cui-


dado de utilizar outros idiomas nos lambes.

Ilustração 2: Colagem realizada em frente ao Estádio Beira-Rio.


Foto: Cintia Barenho

Assim, a MMM denuncia a prostituição como cativei-


ro e as suas tentativas de regulamentação como estratégias do
capital para descriminalizar proxenetas e clientes, anunciando
que somente uma sexualidade não baseada na compra e venda
dos corpos das mulheres pode ser chamada de livre.
Conclusões
Num diálogo entre José Saramago e Pilar Del Rio, no
documentário José e Pilar, ele pergunta por que ela é tão femi-
nista. Ela, então, responde: Preciso ser feminista por aquelas que
não são. Pensamos que esse diálogo cabe bem à MMM. Suas
lutas estão para além do cotidiano das militantes, é uma luta
pela libertação de homens e mulheres em todo o mundo.
Consideramos, a partir deste trabalho, que a Marcha
Mundial das Mulheres é espaço de luta, construção de um fe-
minismo anticapitalista e que, em movimento, muda a vida das
mulheres. Mais do que isso, organiza mulheres, para, entre si,
educando umas às outras, mudarem suas vidas e a de tantas
outras. A Marcha Mundial das Mulheres educa para outro
mundo possível, livre do machismo, racismo e lesbofobia.

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Ao problematizar a prostituição como resultado de


relações sócio-históricas, desnaturaliza a violência contida no
discurso da livre escolha. Ao denunciar a historicidade do ato
de comprar e vender o corpo das mulheres e de se opor ao
atual projeto de regulamentação, assume, com coragem políti-
ca e militante, a divergência com outros movimentos feminis-
tas. Somente sendo feita tal denúncia é que um mundo livre da
comercialização de pessoas, em especial, de mulheres, poderá
surgir.
Referências
EL SAADAWI, N. (2002). A face oculta de Eva: as mulheres do
mundo árabe. Global. Alfa-Omega,1980
FARIA, Nalu; COELHO, Sonia; MORENO,
Tica. Prostituição: uma abordagem feminista. 2013. http://
br.boell.org/sites/default/files/prostituicao_uma_abordagem_
feminista.pdf . Acesso em: 05 jun. 2015.
FREIRE, Paulo. Denúncia, anúncio, profecia, utopia e
sonho. Obra de Paulo Freire; Série Capítulos, 1997.
LAGARDE, Marcela. Los cautiverios de las mujeres:
madresposas, monjas, putas, presas y locas. México e DF:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2010.

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SAÚDE E MORADIA: UMA QUESTÃO DE


DIREITO SOCIAL DAS FAMÍLIAS ASSISTIDAS
PELO MOVIMENTO DE MULHERES POR
MORADIA ORQUÍDEAS EM MANAUS

PENHA, Cleodiney Viana de Carvalho1


ROCHA, Laura Shelly da2
SILVA, Marília Carvalho da3
Introdução
O estudo realizado teve como objetivo buscar enten-
der como está sendo tratada a questão dos direitos sociais das
famílias cadastradas no MMMO. As famílias beneficiadas no
projeto Orquídea passaram por avaliação junto a Caixa Eco-
nômica Federal, através do Programa Minha Casa Minha Vida
- Entidades, Programa de habitação destinado a famílias de
baixa renda.
Através desta pesquisa verificou-se que as famílias as-
sistidas, tem seus direito violados, a luta que o movimento e as
famílias travam é diária junto aos órgãos públicos competen-
tes para reivindicar os direitos desses cidadãos, sabe-se que os
mesmos estão respaldados na Constituição Federal/88. Com
este entendimento foi realizada uma pesquisa cientifica, sobre
1 Especialista em Políticas Públicas e Saúde, Graduada em Serviço
Social. Assistente Social de base do CRESS 15° Região. cleodiney@
hotmail.com.
2 Especialista em Políticas Públicas de Atenção à Família, Graduada
em Serviço Social. Assistente social no Movimento de mulheres por
moradia Orquídea. laura.shelly@hotmail.com.
3 Especialista em Políticas Públicas de Atenção à Família, Graduada
em Serviço Social. Assistente social no Movimento de mulheres por
moradia Orquídea. ailiramsm@hotmail.com.

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o conhecimento que as famílias tem a partir da questão saúde


e moradia como direito social.
Diante disto elaborou-se a seguinte pergunta: As fa-
mílias beneficiadas no projeto Movimento de Mulheres por
Moradia Orquídeas são conhecedoras dos seus direitos cons-
tituídos na lei?
No atual contexto, a questão da moradia continua
sendo um motivo de discussão por parte da sociedade e do po-
der público. O agravamento das condições de vida das famílias
leva essas pessoas a se mobilizarem em busca de seus interes-
ses, entende-se que tal problemática não é nada fácil, ainda é
uma questão a ser discutida, em contrapartida a Constituição
Federal de 1988 no artigo 6º diz que, saúde e moradia é um
direito social para todo cidadão brasileiro.
Um dos fatores relevante para escolha do tema é levar
o conhecimento para as pessoas sobre a questão da moradia e
fazer compreender que a mesma é um condicionante à saúde,
não há como ter um vida saudável, residindo em locais insalu-
bres sem infra estrutura e saneamento básico.
Desta maneira se fez necessário expor para a socie-
dade através desta pesquisa a importância que tem a moradia
na vida das famílias. Para tais informações obteve-se a parti-
cipação de cinco informantes chave do Movimento Orquídea -
MMMO. A pesquisa será um ganho para instituição, em saber
o que as famílias entendem a respeito de seus direitos, como
também saber o que a casa própria vai trazer de melhorias na
vida dessas pessoas.
Sendo assim há uma preocupação de investigar tal
problemática, procurando saber qual o conhecimento que as
famílias têm sobre direitos sociais, como também saber qual a
importância para esses cidadãos participar de um movimento
por moradia e quais os problemas enfrentados pela família que
não possui casa própria, o que vai mudar na vida social e eco-
nômica desses cidadãos e por último saber se atualmente a mo-
radia dos mesmos permite ter uma qualidade de vida saudável.

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Desta maneira para fundamentar o projeto, a metodo-


logia aplicada utilizou as seguintes técnicas: natureza qualitati-
va, descritiva, os meios bibliográfico, campo, informantes cha-
ves, roteiro de entrevista.
Desta maneira o conteúdo tem que ser bem analisado
e detalhado, devendo unir os elementos que foram investiga-
dos e reduzir o volume de informações para que se obtenha um
texto reduzido, mais também explicativo, trazendo através da
pesquisa o conhecimento para outros estudos.
As transformações históricas nos modelos de família
Para chegar aos dias atuais, sobre o conceito de família,
vários autores contribuíram para o entendimento desta cons-
trução. Os mesmos fazem uma reflexão que serve para analisar
as constantes transformações nos modelos e formas de família,
onde essas modificações devem-se aos acontecimentos históri-
cos, econômicos e sociais.
Segundo estudiosos nas tribos na era primitiva não ti-
nham limites para o sexo, onde pessoas da mesma família ti-
nham relações sexuais sem nenhum constrangimento, mulhe-
res se relacionavam com todos os homens e vice versa, mais
segundo a história, não foi realmente comprovado.
Ultimamente, tornou-se moda negar esse período ini-
cial na vida sexual do homem. Pretende-se poupar à
humanidade essa “vergonha”. E, para isso, na falta de
provas diretas, recorrem principalmente ao exemplo
do resto do reino animal. (ENGELS, 2000, p.40).

A princípio foi acontecendo à organização da família,


sendo banido o relacionamento sexual dos pais com os filhos,
posteriormente dos irmãos. Desta maneira começou as separa-
ções formando assim os laços consanguíneos através da linha
feminina onde sabiam realmente quem era a mãe de cada indi-
víduo, a maternidade era certa, já a paternidade era duvidosa.
Na evolução da família na pré-história, foram se dando
a exclusão progressiva dos casais, primeiro dos parentes mais

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próximos, depois dos mais distantes, ficando assim difícil a


união dos mesmos, então começa a união pré-monogâmica.
(Pré porque estaria começando um novo modelo de família)
o homem sente dificuldades de encontrar uma companheira,
começando assim uma forma de casamento por rapto e por
compra.
Enquanto em formas anteriores de família os homens
nunca passavam por dificuldades para encontrar mu-
lheres e tinham, pelo contrário, até mais do que preci-
savam, agora as mulheres passavam a se tornar raras
e era necessário procurá-las. Por isso começam, com
o casamento pré-monogâmico, o rapto e a compra de
mulheres [...](ENGELS,2000,p.55).

Partindo para a família monogâmica, os estudos reali-


zados por Friedrich Engels (2000, p.56), diz que “[...] a família
monogâmica surgiu e foi determinada pelo aparecimento da
propriedade privada”. A família na idade media tinha um com-
portamento reservado, os casais casavam-se mais por obriga-
ções e interesses familiares, onde a mulher era submissa ao ho-
mem a única opção era o casamento, e o homem por sua vez
era o centro das atenções. O século XIX foi uma época marca-
da no que refere-se à família, pela repressão do pai ao resto da
família que não desfrutava do direito de estar de acordo ou não
em situação alguma sobre o próprio futuro.
Hoje a mulher ganhou espaço no mercado de trabalho
e o homem deixa de ser o provedor da família e desta forma os
dois gozam dos mesmos direitos, como diz a Declaração Uni-
versal dos Direitos do Homem, de 1948 “os homens e mulheres
devem gozar dos mesmos direitos, não só durante o seu casa-
mento, como após a sua dissolução”. Com esse ponto em ques-
tão a luta é conjunta, de mulheres e homens mais a questão
dos direitos, não se resumem apenas no casal, e sim em cada
cidadão que compõe o grupo familiar. A Constituição Federal
de 1988 diz que, saúde e moradia são direitos sociais para todo
cidadão brasileiro.

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Reflexão acerca dos Direitos Sociais


Os estudos realizados definem que a trajetória da evo-
lução dos direitos do homem foi um dos meios a induzir a mu-
dança social. Assim, não pode ser desprezada a busca constan-
te da proteção desses direitos. Neste sentido, foi por intermédio
dos pensamentos filosóficos que houve um grande impulso nas
fases de transição na história do homem, culminando com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O decorrer dos tempos históricos leva ideias a Anti-
ga Roma, onde São Tomás de Aquino defendeu que o Direito
Natural era de grande importância para o homem, mas o Di-
reito Positivo (direito do homem) regulava a conduta humana.
Nesse entendimento, Bobbio (2004, p.48) explica que “a afir-
mação dos direitos do homem não é mais expressão de uma
nobre exigência, mas o ponto de partida para a instituição de
um autêntico sistema de direito”. Assim sendo, pode-se afir-
mar que, para chegar ao direito positivo o homem teve que sair
da alienação para concretizar seus anseios, atravessando a lenta
conquista do homem abstrato para o homem concreto.
Discorrer sobre os Direitos Sociais na contempora-
neidade refere-se trazer à tona as problemáticas existentes na
sociedade brasileira. Trata-se de uma longa trajetória na histó-
ria da desigualdade e exclusão social, onde se verifica a supe-
ração do caráter de benemerência, em relação à população so-
cialmente excluída, tornando-se um direito de fato no Século
XX através da Constituição Federal de 1988, onde explicita no
artigo 6º que:
São Direitos Sociais a educação a saúde, o trabalho a
moradia o lazer, a segurança, a previdência social a
proteção a maternidade e a infância, a assistência aos
desamparados na forma desta constituição.

Sob a ideologia neoliberal, o acesso aos direitos sociais


foi agravado na gestão do Presidente Fernando Collor de Melo,
sobre grave crise econômica e descontrole governamental ge-

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

rando problemas na área da saúde, habitação, alimentação e


educação. Couto (2008, p.138) expõe que na era Collor o então
presidente assumiu como o “Salvador da Pátria”, onde o dis-
curso eleitoral era voltado para os “amigos dos pobres” e “caça
aos marajás”, fazendo com que a sociedade acreditasse que os
problemas iriam ser resolvidos.
Com o impeachment de Fernando Collor de Melo,
assume a Presidência Itamar Franco em meio à grave crise
econômica, encontrando a área social totalmente desarticula-
da, surge o plano emergencial para combater a fome e a misé-
ria, segundo Raichelis (1998, p.92) “[...] os chamados Planos
de Emergência (combate a fome, a miséria, ao desemprego e a
desnutrição)”.
No ano de 1995, chega a Presidência da República do
Brasil, Fernando Henrique Cardoso, também sob a orientação
da ideologia neoliberal. Tal contexto motivou o aumento da
inflação, do desemprego e como consequência, o crescimento
das desigualdades sociais. Como diz: Ianni (2004, p.89) “en-
quanto a economia cresce e o poder estatal se fortalece, a massa
dos trabalhadores padece”.
Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito Presiden-
te da República, no decorrer do governo, implanta Programas
Sociais como: Programa Universidade Para Todos – PROUNI,
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, sendo um
conjunto de obras que está incluso Minha Casa Minha Vida.
No ano de 2010 é eleita a então presidente da república Dilma
Rousseff dando assim seguimento aos Programas Sociais do
governo Lula, até os dias atuais.

Moradia: Um condicionante para uma vida saudável

Pode-se dizer que a cidadania no Brasil teve o marco


histórico na Constituição Federal de 1988, onde houve a inclu-
são e a ampliação dos Direitos Sociais. Ao decorrer do desen-
volvimento de cada sociedade, o conceito de cidadania se dá

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de forma diferenciada, cada uma com as características, seja no


modo cultural, econômico e social.
Cidadão é aquele que usufrui os bens e os serviços
produzidos socialmente e participa de forma livre,
consciente e autônoma das decisões sobre a vida de
seu país, em todas as dimensões (política, econômica,
cultural, ética etc.) (SILVA, 2001, p.8).

A moradia é um direito reconhecido pelos tratados


internacionais de Direitos Humanos onde o Estado brasileiro
é parte. Esta incorporado ao sistema jurídico brasileiro com
fundamento no inciso II do artigo 4.º e parágrafo 2.º do artigo
5.º da Constituição brasileira, a mesma Constituição designa
como competência comum da união, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios a promoção de programas de cons-
trução de moradias e a melhoria das condições habitacionais
e de saneamento básico (Art. 23, inciso IX). O Direito a saúde
e moradia é um direito social conquistado por luta da classe
popular promovida por movimentos organizados e hoje é re-
conhecido na Constituição Federal.
Entende-se que a questão do direito no Brasil está mais
do que resguardada, mais não basta falar em direitos historica-
mente conquistados se devido a algumas imposições do gover-
no os respectivos direitos são violados, na verdade esses direi-
tos são reconhecidos somente na Constituição Federal de 1988,
ou seja, na teoria, pois na prática deixa muito a desejar.
Pode-se observar a classe média e a chamada classe po-
bre, o governo faz programas habitacionais para tal população,
sendo que a classe pobre geralmente não consegue cumprir
com tantas burocracias impostas, impossibilitando o cidadão
de ter acesso a sua casa própria, por vez a classe média é a mais
favorecida cumprindo com as exigências solicitadas através de
documentações. Santos (2008 p.112) vêm afirmar:
Uma das contradições de nossa sociedade é que todo
e qualquer investimento que se faça no espaço público
ou privado, quer com a reprodução da força de traba-

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lho, quer com a criação de infra-estrutura, no fim favo-


rece acumulação de capital. A principio isso pode re-
presentar um ônus,um dispêndio aparentemente “sem
retorno”, o que não ocorre se responder aos interesses
de desenvolvimento das forças produtivas.

A questão da moradia é essencial a vida do ser humano,


não se pode falar em saúde se não tem um espaço adequado
com o mínimo de estrutura para morar. Desta maneira obser-
va-se nas ruas das cidades urbanas moradores de rua, famílias
sem ter um teto, morando embaixo de viadutos, sem o mínimo
de saneamento básico, há uma controvérsia sobre essa temática,
entende-se que moradia e saúde é um direito, mais desta forma
como é praticada, torna-se uma cidadania imposta, onde o di-
reito do cidadão passa a não ser exercido de uma forma parti-
cipativa.
Os programas habitacionais, inicialmente criados para
a chamada população “de baixa renda”, beneficiaram,
na pratica, muito mais os setores de classe media, pois
os mais pobres não conseguiam cumprir com as exi-
gências burocráticas para se inscrever em tais progra-
mas, comprovar renda familiar mínima, garantia de
emprego etc.(SANTOS, 2008, p.122).

Essa é a política habitacional do país onde a classe menos


favorecida é eliminada Santos (2008 p.123) vem confirmar que
“Cerca de 50% das pessoas dispostas a se inscrever no programa
eram eliminadas por apresentarem renda inferior ao exigido”.
O próprio sistema pelo fato de não ter um salário com-
patível com o exigido para atender a população de baixa renda
elimina o cidadão. Agora, se pergunta como exigir um salário
compatível, se o programa é para população de baixa renda?
O governo lança programas para tirar os cidadãos das
favelas, palafitas, cortiços, mais em contrapartida não da o su-
porte necessário para essas famílias, como exemplo a infra-es-
trutura e saneamento básico necessária. Essas famílias por sua
vez ficam situadas geograficamente próximas aos centros urba-

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nos e são recolocadas em lugares distantes que impossibilitam


os mesmos a desenvolverem atividades antes exercidas para
completar a renda da família. Muitas vezes a precariedade do
acesso aos serviços básicos como escolas, posto de saúde, cre-
ches, como é explanado pela autora.
A localização geográfica das classes populares fora da
cidade decorre, como se viu anteriormente, do fato de
a “escolha” do local de moradia ser condicionada por
uma restrição, sobretudo financeira, que provoca a se-
gregação dessas classes como decorrência intrínseca
do capitalismo, reforçada pela ação do Estado, uma
vez que o capitalismo, industrialização e proletariza-
ção são fenômenos imbricados. (SILVA, 1989, p.34).

Nesta percepção entende-se porque a política exercida


não só na questão da moradia, mais também na área da saúde,
sendo que ao mesmo tempo em que o Estado controla a mas-
sa popular ele também a exclui. Primeiro controla, pelo fato
do sistema oferecer uma moradia e a população achar que o
governo é “bonzinho” e exclui ao mesmo tempo pela falta de
acesso aos serviços básicos, como foi citado, educação e saúde,
deve-se entender que assistência não é sinônimo de assisten-
cialismo o governo tem por obrigação de dar está proteção a
quem dela necessitar.
A precarização do transporte coletivo, sendo outra
problemática a serem discutidos esses indivíduos precisa des-
se serviço para se locomover, os mesmos saem de suas casas
para uma longa jornada de trabalho e ao retornar enfrentam
as superlotações no transporte urbano, desenvolvendo proble-
mas de estresse, acarretando outras complicações em sua saú-
de, essas pessoas são discriminadas desde o trabalho ao baixo
salário como também pelo fato de morarem longe e não terem
condução própria. Silva (1989, p.34) destaca que “[...] acres-
cido da discriminação a que são submetidos no trabalho em
termos de tarefas, salários e desconfiança, por serem pobres e
morarem mal”.

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Mediante essas problemáticas existentes é evidenciado


o controle, repressão e a exclusão por parte do Estado, o mes-
mo é concebido pela classe dominante, pois é quem comanda
o país, que por sua vez, ditam as normas e leis a serem seguidas
pelos demais, onde a classe trabalhadora padece cada vez mais
e o poder estatal se fortalece.
Na realidade quem se vale de todas essas situações pos-
tas em xeque, é a classe dominante, o capitalista é guardião do
processo de acumulação do capital, porque os impostos que
são pagos pela população volta para as mãos do poder estatal.
A autora vem completar.
Isto porque parte dos recursos arrecadados da própria
população é empregado para criar a infra-estrutura
necessária ao processo de acumulação, ficando o con-
sumo e até as medidas de produção e reprodução da
força de trabalho em segundo plano devido a abun-
dância da oferta de mão-de-obra no mercado. (SIL-
VA, 1989, p.30).

A inclusão social é um dos grandes desafios da socieda-


de que por razões históricas, possui um conjunto de desigual-
dades sociais no tocante à distribuição da riqueza, da terra, do
acesso aos bens materiais e culturais.
De forma complexa, a inclusão social é trabalhada a
grosso modo o governo tem condições para que os habitantes
do país possam ter uma moradia com dignidade, onde a mes-
ma é um determinante para questão da saúde, a Constituição
Federal de 1988 diz que todo brasileiro tem direito a moradia
digna. Mesmo assim, ainda existe no Brasil uma imensa desi-
gualdade na distribuição de renda, impedindo que brasileiros
tenham acesso a uma moradia adequada para viver dignamen-
te. É uma situação que obriga as pessoas ocuparem áreas insa-
lubres ou de risco.
Quando se fala de moradia digna, entende-se que para
morar bem necessita de uma boa alimentação, locais de lazer,
acesso a políticas públicas. Infelizmente, moradia para uma

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parcela do povo brasileiro é sinônimo de morros e favelas.


Onde falta água encanada, luz elétrica e saneamento básico.
Desta maneira depende de cada individuo trabalhar a questão
dos conhecimentos, meios e mecanismos de participação po-
lítica que os capacitem a agir de forma fundamentada e cons-
ciente.
No entanto, é preciso reconhecer que para haver mu-
danças de comportamentos e atitudes de uma sociedade é ne-
cessária uma verdadeira participação dos sujeitos, como fisca-
lizar, iterar-se dos acontecimentos na política, reivindicarem os
direitos, para que desta forma possam exercer plenamente a
cidadania. Diante do exposto o assunto relacionado a temática
teve algumas opiniões divergentes enquanto uns se preocupam
outros não demonstram interesse sobre o assunto, através da pes-
quisa pode-se perceber tal afirmação.

Resultados
A relevância deste estudo pautou-se em saber se as
famílias beneficiadas no Projeto Orquídea têm acesso à ques-
tão dos direitos sociais especificamente na saúde e moradia?
como também verificar o que ira mudar na vida destas famílias
a partir do momento que obtiverem sua casa própria. Diante
do exposto foi realizado uma pesquisa descritiva para se obter
um melhor entendimento sobre a temática:
Desta maneira, foi realizada a pesquisa com cinco
beneficiários para uma melhor compreensão do estudo, abor-
dando assim alguns pontos relevantes para o entendimento da
temática, sendo explanadas algumas falas. As perguntas foram
às seguintes.
Questão 1: Qual seu conhecimento sobre direitos so-
ciais?
A entrevistada 1 explanou o seguinte: “Nunca ouvi fa-
lar!, tenho vocês que falam por mim, só assim vou conseguir
minha casa” como também a entrevistada 2 disse o seguinte:
“Não sei responder”

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Diante do resultado da falta de conhecimento dessas


pessoas percebe-se que as mesmas estão despreparadas para
reivindicar seus direitos perante os órgãos públicos. Segundo a
Constituição Federal de 1988 no seu artigo 6º diz, é direito de
todo cidadão a ter uma moradia digna. Mais para esses direitos
serem de fato efetivados, faz-se necessário a participação do ci-
dadão para a efetivação do mesmo. Os direitos sociais segundo
Bobbio (2004), vem desde a Roma antiga, onde os filósofos já
debatiam sobre a questão.
A trajetória da questão dos direitos sociais teve uma
longa caminhada até chegar aos dias atuais, o que se percebe,
que, as pessoas pesquisadas no movimento por moradia não
procuram ter o conhecimento necessário para que sejam real-
mente efetivados seus direitos, seria preciso reconhecer, para
haver mudanças de comportamento em uma sociedade faz-se
necessário uma verdadeira participação dos sujeitos envolvi-
dos para que possam de fato exercer sua cidadania.
Questão 2: Qual a importância para você, participar
do movimento social por moradia?
Obteve-se como resposta do informante 3 o seguinte:
Porque aqui tenho uma esperança de conseguir uma
casa, porque as pessoas daqui do Orquídea se interes-
sam por nós e vão atrás dos nossos direitos,só assim a
gente consegui.

Observa-se que, a maioria das pessoas pesquisadas,


procuram o movimento por moradia, para ter acesso no que
refere-se a direitos, ou seja, ter alguém que represente esses ci-
dadãos perante aos órgãos competentes. Como também o en-
trevistado 4 respondeu: “Participo do movimento por que aqui
encontrei pessoas que me deram apoio para conseguir minha
casa própria, coisa que nunca imaginei ter na vida”.
Nesse sentido, observa-se que o resultado desta pes-
quisa condisseram com o pensamento de Santos (2008, p.20)
“Por essas analises, os movimentos sociais surgem em decor-

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rência das carências relacionadas às necessidades dos trabalha-


dores, que precisam lutar por condições dignas de vida”. Par-
tindo desse pressuposto os movimentos sociais detém o poder
de organizar grupos de pessoas que lutam por uma mesma
causa, por uma sociedade mais justa.
Enfim, o que pode-se extrair como analise em relação
ao movimento social por moradia, e o fato que essas pessoas
procuram o movimento, para ter alguém que represente-as pe-
rante o poder público, pelo fato de não serem conhecedoras de
seus direitos, em contrapartida entende-se que o movimento
social consegue reivindicar e obter resultados positivos, por se-
rem pessoas unidas por uma causa.
Questão 3:Em sua opinião quais os problemas enfren-
tados pela família que não possui moradia própria?
Diante do depoimento dos envolvidos na pesquisa, foi
relatado que o maior problema enfrentado por esses cidadãos
é no que se refere ao aluguel, ao receber seus proventos a me-
tade vai para o pagamento do imóvel, como diz o informante
2: “Para mim o maior problema é quando chega final do mês,
eu não ter o dinheiro completo para pagar o aluguel” o infor-
mante 3 relatou que “Meu maior problema é o aluguel, quando
recebo não sobra nada, nem pra comida”.
Nesse entendimento Herlain (2010, p.94) vem confir-
mar:
Quando conseguem um bom emprego se dedicam
muito e no final do mês, ao abrir os envelopes de pa-
gamento, gostariam de fazer a compra da alimenta-
ção da família com dignidade, sustentar as despesas
da mulher e dos filhos e serem uma pessoa normal
urbana com direito a tudo que a cidade pode lhes pro-
porcionar.

Partindo desta afirmação percebe-se que a questão do


aluguel e o fator primordial para esses indivíduos procurarem
essas entidades e obterem condições favoráveis de uma vida
melhor.

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De acordo com o pensamento do autor, percebe-se


que, as pessoas participantes do projeto, realmente são aquelas
que não têm moradia fixa, um dos maiores problemas enfrenta-
dos é a questão do aluguel, como diz o autor acima menciona-
do, o ser humano necessita alimentar-se bem, para te uma vida
saudável, assim como tem outras prioridades, a vida moderna
exige desses trabalhadores que consumam bens materiais com
isso a renda fica limitada, fazendo com que esses indivíduos
ultrapassem o orçamento, desta forma são obrigados a sair do
imóvel por ter o salário todo comprometido.
Questão 4: Qual a mudança que vai trazer a sua vida
social e econômica ao receber sua casa própria?
Entende-se que a questão da casa própria é uma pro-
blemática enfrentada por milhares de brasileiros. Na pesqui-
sa realizada foi possível verificar que as famílias se privam de
passear, alimentar-se bem, ter uma vida social saudável muitas
vezes pelo fato de não ter casa própria e assim metade da ren-
da fica comprometida ao aluguel, como foi relatado pelo en-
trevistado 4”Vai mudar muito, vai sobrar mais dinheiro para
nossa alimentação, não vou mais me preocupar com aluguel”.
Na mesma perspectiva o entrevistado 5 respondeu: “ Nossa! é
até um sonho pensar nisso, vai melhorar bastante , por que o
dinheiro vai sobrar para comprar outras coisas, principalmente
comida”
Desta maneira o autor vem chamar atenção Her-
lain(2010)“Temos a possibilidade de construir essas cidades
quantas vezes for necessário, reformular leis e respeitá-las, re-
construindo culturas e errar cada vez menos, se mantivermos
nossas inteligências voltada para as maiorias, suprida pelas
informações produzidas pela sabedoria popular.” Cabe aos ci-
dadãos mudarem essa situação, como seres pensantes, então
temos que refletir e tomar consciência que nossos governantes
não estão preocupados com políticas publicas voltadas para
moradia, como foi dito anteriormente, sendo que a Constitui-
ção Federal de 1988 vem resguardar o direito ao cidadão na

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questão dos direitos sociais, desta maneira deve ser repensado


na hora de exercer a cidadania, moradia não é sonho e sim
direito.
Enfim pode-se extrair como análise em relação a vida
social e econômica dessas famílias, pelo fato de terem o orça-
mento reduzido pelo alto custo do aluguel os mesmos são pri-
vados de momentos em lazer,que são necessários para a vida
humana,fazendo com que essas famílias fiquem alienadas da
vida social. Vale ressaltar que nossos governantes estão des-
preocupados em fazer políticas públicas voltadas para mora-
dia, com isso Em meio a esses acontecimentos temos que ser
participantes da nossa cidadania.
Questão 5:Atualmente sua moradia permite ter uma
qualidade de vida boa?
Diante da pesquisa realizada, percebe-se que a preca-
rização de moradia das pessoas que estão inseridas no proje-
to, não tem qualidade de vida boa, pelo motivo do local onde
estão alojados não oferecer um ambiente agradável, moram
em quartos alugados, algumas vezes tendo que dividir com
dez ou mais pessoas dentro de um cômodo, essas famílias não
tem privacidade, enfim as opiniões são voltadas para o mes-
mo sentido, o entrevistado 2 disse o seguinte: “Não permite,
meu quarto é muito quente e pequeno, não dá para viver em
um local desse, o cano da fossa do vizinho passa do lado do
meu quarto”. Observa-se desta maneira a segregação das famí-
lias, estão cada vez mais desoladas, são obrigadas a conviverem
com essa situação por falta de políticas publicas voltadas para
moradia.
O autor vem ressaltar sobre esta questão, Herlain(2010
p.28)”[...]A vida comum exige abrigo, espaço de convivência
saudável e possibilidades de trabalho e o custo apropriado do
acesso a terra de acordo com as suas condições de vida e de es-
perança de vida saudável junto à sua família.” O autor justifica
a fala do entrevistado .Percebe-se que o cidadão esta cansado
de viver em condições desumanas, isso faz com que os indiví-

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duos procurem locais que possam levar a construir uma vida


melhor e com saúde. O entrevistado 3 diz que:”Não, meu filho
é doente e não dá para sair de casa com ele, porque tenho que
subir uma ladeira de barranco enorme com ele no colo”
Percebe-se que a fala do autor, vem justificar a reali-
dade ao quais essas famílias passam sobre a questão da quali-
dade de vida saudável, onde as mesmas se submetem a morar
em lugares insalubres por não terem o poder aquisitivo para
arcar com um valor mais elevado no aluguel e ter condições
melhores de vida, assim submetem-se a morar em locais não
saudáveis. Sendo assim o movimento se propõe a levar para
essas pessoas condições de vida melhor.

Conclusões

De acordo com as entrevistas realizadas, pode se ob-


servar como as pessoas ficam deslumbradas quando se refere à
casa própria, fazem planos para uma vida melhor, na esperança
de oferecer uma vida digna para sua família. A pesquisa foi
embasada no depoimento de cinco mulheres chefes de famí-
lias cadastradas no Movimento por Moradia Orquídeas. Essas
mulheres por não terem o devido conhecimento a respeito de
seus direitos, procuram alternativas para amenizar os proble-
mas que envolvem sua vida social e econômica.
Além disso, estão desacreditadas com o poder públi-
co, buscando desta forma alternativas para conquista de seus
direitos, tratando-se no âmbito da moradia e saúde.
O MMMO é uma entidade que ira beneficiar 600 fa-
mílias já cadastradas através do Programa Minha Casa Minha
Vida - Entidades, sendo o primeiro projeto habitacional da re-
gião norte em fase de construção. Neste projeto, as famílias são
vistas como cidadãos de direitos. O Projeto Orquídeas é uma
entidade habilitada junto ao Ministério das Cidades, tendo
como agente financeiro a Caixa Econômica Federal.
Para participar do projeto os beneficiários precisam
atender alguns critérios exigidos pelo programa. O Programa

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Minha Casa Minha Vida- Entidades foi uma grande conquista


na área da habitação através da luta dos movimentos sociais.
Com base nos dados obtidos durante a realização de
todas as fazes deste projeto, foi detectado a falta de conheci-
mento que as pessoas têm na questão de seus direitos, seja ele
moradia, saúde entre outros. Por isso, o MMMO procura levar
a essa população excluída da sociedade, uma vida melhor, fa-
zendo com que esses cidadãos tenham acesso à moradia digna
através da luta constante junto aos órgãos públicos competente.
Desta maneira o Movimento por Moradia Orquídeas
serve como um norte para outras entidades ligadas na área da
habitação, levando assim políticas publicas habitacionais para
famílias que não tem a oportunidade de participarem em pro-
gramas habitacionais ligados as três esferas (Municipal, Esta-
dual e federal), promovendo assim a acessibilidade a moradia,
proporcionando uma vida saudável a essas pessoas.
A realização desta pesquisa possibilitou verificar a real
condição de moradia das famílias cadastradas, através de entre-
vistas com os atores sociais. Sendo assim foi observado que a
maioria destas famílias mora de aluguel, e por não terem recur-
sos para ter uma morada digna, se alocam em lugares insalubres
sem infraestrutura e saneamento básico, sem uma qualidade de
vida digna da pessoa humana, acarretando assim problemas de
saúde. A moradia é um determinante para uma vida saudável,
não se pode ter saúde sem dinheiro para alimentação.
A falta de investimentos na área social e a não apli-
cação de políticas públicas em áreas inerentes a saúde, sanea-
mento, habitação, educação fazem com que essas famílias se-
jam excluídas dos direitos que foram conquistados. Diante dis-
to identificou-se que estas famílias inseridas no projeto estão
alienadas da vida social, pelo fato das mesmas terem o salário
reduzido, impossibilitando essas famílias á terem gastos extras,
sendo segregadas da vida social.
As barreiras enfrentadas para atingir o objetivo da
casa própria são muitas, por isso não se pode desistir, pois es-

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ses beneficiários sabem a importância da moradia na vida de


cada um que procura instituições que não são vinculados ao
governo Municipal, Estadual e Federal para conquistar o direi-
to à moradia.
Esses indivíduos por serem pessoas desinformadas e
não deter argumentos para obtenção da casa própria procuram
entidades que atendam seus anseios, encontrando profissionais
que viabilizam a concessão de seus direitos. Sendo assim o
MMMO trás essa conquista pautada na lei para essas famílias.
Vale ressaltar que o projeto Orquídeas foi conquistado por pes-
soas simples que lutam por uma mesma causa. A moradia além
de ser um direito é um determinante para saúde, que também
é um direito social.

Referências

Avaliação das condições de habitação e saneamento:a


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de Saúde da Família. <Disponivel em:https://scholar.com.
br.> Acesso em 18.11.2015
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Elsevier,2004
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na sociedade Brasileira: Uma Equação Possível? 3ª ed.São
Paulo:Cortez,2008
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privada e do Estado. Ed. Escola – Coleção Grandes Obras do
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FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas para o trabalho
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HERLAIN, Luiz. Historia das cidades. Rio de Janeiro:


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social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994
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assistência social: caminhos da construção democrática.
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SANTOS, Regina Bega dos. Movimentos sociais urbanos.
-São Paulo Editora UNESP, 2008.
SILVA, Maria Lúcia Lopes da. Cidadania,globalização
e previdência Social.Revista Serviço Social e Sociedade
nº68,ano XXII.São Paulo:Cortez,2001

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MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL: DAS


LUTAS À EMANCIPAÇÃO SOCIAL

Silva, Aline de Souza 1


Daiane, Jéssica de Lemos Rodrigues 2
Honório, Jucylene dos Santos 3
Introdução
O presente trabalho objetiva estudar os movimen-
tos sociais do ponto de vista de sua historicidade no cenário
brasileiro, realizando um recorte histórico acerca destes mo-
vimentos desde o período colonial, bem como suas tendências
recentes na atualidade do país. Neste contexto, identifica-se as
mudanças significativas ocorridas no país através do proces-
so de lutas efetivadas mediante a organização política exercida
pelos movimentos sociais.
A problemática identificada diz respeito às transfor-
mações ocorridas no contexto histórico dos Movimentos So-
ciais, onde se busca o entendimento acerca do processo pelo
qual os movimentos sociais passaram, as fases de maior avan-
ço, bem como a retração em determinadas conjunturas, em es-
pecial na década de 1990, perdendo sua intensidade, a nível de
mobilização política da classe trabalhadora.
Será apresentado um estudo acerca dos movimen-
tos mais expressivos desencadeados no período colonial que

1 Bacharel em Serviço Social formada pelo Centro Universitário do


Norte – Uninorte; email: Souza.alinne@hotmail.com
2 Bacharel em Serviço Social formada pelo Centro Universitário do
Norte – Uninorte; email: jdrlemos_23@live.com
3 Bacharel em Serviço Social formada pelo Centro Universitário do
Norte – Uninorte; email: jucy.o@hotmail.com

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de certa forma serviram de base para construir a história dos


movimentos sociais no Brasil. Posteriormente, será ressaltado
como constituíram-se os movimentos sociais no período da
ditadura militar, bem como sua contribuição histórica no pro-
cesso de conquistas dos direitos sociais, político, econômicos
e culturais, sobretudo no que tange ao processo de construção
da cidadania.
Realizar-se-á, ainda, uma análise de como encon-
tram-se os referidos movimentos sociais na atualidade brasi-
leira, face ao contexto de desmobilização social empreendidas
pelos ideários neoliberais gestadas pelo capitalismo, onde os
atores sociais de certo modo, perdem sua coesão identitária,
não mais reconhecendo-se enquanto classe social que necessita
de lutas históricas para alcançar a consolidação de direitos e a
igualdade social.
Por conseguinte de modo mais específico será res-
saltado o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais
(MPP); partindo da perspectiva de apresentar seus objetivos
e bandeiras de luta, enquanto classe politicamente organizada
que objetiva o alcance da cidadania por meio da viabilização de
direitos, no seio de uma lógica excludente e desigual, apregoa-
dos pelo capitalismo neoliberal.
No que diz respeito à metodologia da pesquisa utili-
zada, o presente artigo norteou-se sob pesquisa bibliográfica e
documental, partindo de uma perspectiva histórico-crítica. As
motivações para a realização do estudo baseiam-se no fato da
história da sociedade brasileira estar estritamente arraigada a
um contexto de lutas sociais, na qual através destes movimen-
tos podem-se alcançar resultados significativos na perspectiva
de conquistas por direitos sociais. Pois, de acordo com os ins-
critos de Marx e Engels (1848 apud Marilena Chauí, 2010), “a
história da humanidade é a história da luta de classes”.

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Desenvolvimento

Movimentos Sociais: uma análise conceitual acerca da


temática
Os Movimentos Sociais oportunizam a viabilização
de direitos, sendo por sua vez força motriz no que tange a sua
amplitude, pois desta forma possibilita que novos direitos se-
jam propostos e conquistados em vista de outros já obtidos,
assim como a sua efetivação e universalização. Como bem afir-
ma Kauchakje (2008, p.25) “Um dos principais protagonistas
na formulação e na demanda por direitos são os movimentos
sociais (...)”.
A história dos direitos efetivados mediante aos mo-
vimentos sociais, são consequências do exercício de lutas de
uma parcela da sociedade. “[...] Nós os encaramos como ações
sociais coletivas de caráter sócio-político e cultural que viabi-
lizam formas distintas de a população se organizar e expressar
suas demandas” (GOHN, 2008, p.42). Ressalta-se que sua con-
cretude realiza-se estrategicamente de formas variadas, sen-
do, portanto, mediante mobilizações, passeatas, entre outros
mecanismos. Consideravelmente, pode-se ressaltar também,
na atualidade, a utilização das redes sociais como porta-vozes
capazes de organizar determinadas iniciativas em tempo real,
a nível regional, nacional, bem como, internacional através da
internet.
Pode-se destacar segundo Lakatos e Marconi (2006),
que os movimentos sociais em suma, possuem características
variadas; todavia, é seu conteúdo que os diferenciam, podendo
ser de caráter migratório, progressistas, conservacionistas ou
de resistência, regressivos, expressivos, utópicos, reformistas,
ou revolucionários.
Tais movimentos podem ser percebidos não somente
em áreas urbanizadas, como também rurais; tendo em vista,
que agindo coletivamente em resistência à exclusão, automa-
ticamente comungam em prol da inclusão social, ocasionando

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desta forma o sentimento de pertencimento por parte de ou-


trem que sentiam-se outrora excluído, conforme análise reali-
zada por Gohn (2011).
O conceito de Movimentos Sociais é amplamente dis-
cutido por vários autores, dentre estes existe a participação efe-
tiva de sociólogos, como é o caso de (COHEN, 1980; p. 311)
que afirma que “um movimento social existe quando um gru-
po de indivíduos está envolvido num esforço organizado, seja
para mudar, seja para manter alguns elementos da sociedade
mais ampla.”
Enquanto que a este respeito Lee (1962; p. 245) dispõe
que:
Os movimentos sociais podem ser considerados
como empreendimentos coletivos para estabelecer
nova ordem de vida. Têm eles início numa condição
de inquietação e derivam seu poder de motivação na
insatisfação diante da forma corrente de vida, de um
lado, e dos desejos e esperanças de um novo esquema
ou sistema de viver, do outro lado. (apud LAKATOS e
MARCONI, 2006).

De acordo com Gohn (1997; p.251) “movimentos


sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais
coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais,
articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica
e política de um país (...)”. Desta forma partindo da perspectiva
da autora pode-se inferir que, os movimentos sociais consti-
tuem-se de modo heterogêneo, que buscam minimizar a au-
sência de direitos de determinadas camadas sociais através de
sua organização política.
Já para Ammann (1991; p.22) “movimento social é
uma ação coletiva de caráter contestador, no âmbito das rela-
ções sociais, objetivando a transformação ou a preservação da
ordem estabelecida na sociedade”. Desta forma, partindo des-
te pressuposto ressalta-se que nem todo movimento objetiva
lutar contra o status quo, pois em dadas circunstâncias a luta
pode vir a ser no sentido de manutenção desta ordem.

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Trajetória histórica dos Movimentos Sociais no Brasil


De acordo com os estudos realizados acerca dos ins-
critos de Augusto; Cripa e Santos, (1997), no contexto brasi-
leiro os movimentos sociais exerceram papel significativo no
que tange aos avanços sociais. Desde o período de Colonização
brasileira é possível identificar traços marcantes de mobiliza-
ção da sociedade em prol de mudanças podendo citar movi-
mentos como a Inconfidência Mineira -1789; a Conjuração
Baiana – 1798 e a Insurreição Pernambucana - 1817.
A primeira, fora um movimento de caráter político
contra o colonialismo português, sendo organizado em sua
maior parte pelas elites da Colônia brasileira (proprietários de
Minas, terras e escravos) que encontravam-se descontentes
com os altos impostos a serem pagos a Metrópole portuguesa,
desta forma foi desencadeado objetivando o liberalismo eco-
nômico, e ainda, o fim da escravidão.
Já a Conjuração Baiana, fora um movimento organi-
zado por escravos, homens livres pobres, brancos, mulatos e
negros livres. Tal rebelião popular que lutava veementemente
por mais igualdade social. Por fim, a Insurreição Pernambuca-
na caracteriza-se como um levante aderido por várias cama-
das sociais (militares, padres, senhores de engenho, homens
livres pobres), nas quais tinham objetivos diferentes, porém
detinham alguns aspectos em comum.
No entanto o movimento não surtiu efeito, devido
não haver um consenso entre os objetivos por cada camada da
sociedade. Os movimentos supracitados são diferenciados en-
tre si, porém possuem essências em comum, como a crítica ao
sistema colonial, à ausência de liberdade de comércio, e os al-
tos impostos pagos à coroa portuguesa. Tais revoltas significa-
ram ainda, efetivamente o início das lutas sociais ocorridas no
cenário brasileiro, denotando a constituição de um campo de
participação do povo nas decisões políticas. Importa salientar
que a independência brasileira ocorrida em 7 de Setembro de
1822 é consequência de um intenso processo de lutas sociais.

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Os Movimentos Sociais no contexto da Ditadura Militar


Torna-se inconcebível retratar a respeito dos movi-
mentos sociais no Brasil e não explicitá-lo em sua totalidade no
período do regime militar (1964-1985). Essa imbricação faz-se
necessária na medida em que a história das lutas sociais bra-
sileira está amplamente ligada ao contexto ditatorial, pois na
década de 1970 os referidos movimentos eclodiram de forma
intensificada no país, como forma da população manifestar seu
repúdio às iniciativas do governo militar.
Utilizando-se do referencial teórico de Augusto, Cri-
pa e Santos, (1997) a ditadura militar vem ser uma forma de
governo que não fora aprovada de forma democrática, que im-
põe seus pressupostos de forma despótica, utilizando-se mé-
todos violentos como torturas, censuras, exílios e a negação
de direitos, visando à manutenção do poder por parte de seus
representantes diretos. Mediante o exposto, a partir de tais pro-
blemáticas a população brasileira (donas de casa, intelectuais,
estudantes, moradores da periferia, setores da Igreja) passam a
organizar-se visando à queda do regime militar e consequente-
mente o processo de redemocratização do país.
Portanto, neste determinado momento identificar-se
os movimentos ocorridos no período da ditadura que expres-
sara uma intensa revolta por parte significativa da população
que, encontrava-se neste cenário de horror mediante tama-
nha opressão e restrição de liberdade. Destaca-se o impor-
tante papel do Movimento Estudantil que em 15 de Junho
de 1977 que ganharam as ruas do Brasil em ação direta nas
reivindicações contra a ditadura militar. Na ocasião, cerca de
100 mil estudantes participaram de forma efetiva na passeata
pelo Dia Nacional pela Anistia, desta forma, ocupando várias
partes da cidade do Rio de Janeiro. Em São Paulo, de forma
estratégica, o movimento fragmentou-se em mini passeatas,
objetivando a não concentração do movimento como forma
de minimizar a repressão exercida pelos militares no sentido
de contê-los.

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Destaca-se ainda, o Movimento do Custo de Vida –


MCV (1971), organizado pela sociedade civil com ações que
defendiam o fim do alto custo de vida, a estagnação no preço
dos alimentos e a elevação dos salários. Tal movimento obteve
grande repercussão e ganhou espaço nas camadas midiáticas.
Ademais, o Movimento dos Desempregados (1983) e
o Movimento Diretas-Já (1984) têm em comum o anseio de
erradicar com o regime militar consolidado no país, bem como
manifestar a respeito de suas liberdades políticas. Entretanto,
através de movimentos realizados pela sociedade neste contex-
to se foi possível fazer parte da memória das lutas por direitos
civis, marcando desta forma, a participação popular no cenário
brasileiro.
A crise econômica vivenciada mediante a falência do
conhecido milagre econômico, as altas taxas de desemprego, a
inflação, o autoritarismo e a violência instaurada pelo regime,
constituem o motor para a eclosão dos movimentos sociais du-
rante o período militar. A sociedade civil obtivera resultados
significativos através de sua organização política, no entanto,
pode-se perceber forte repressão por parte dos militares no
sentido de conter as massas revoltosas, conforme analisado em
Augusto; Cripa e Santos na afirmativa a seguir:
[...] Entretanto, nem só de avanços viviam os movi-
mentos sociais, pois nesse processo ora se ganha, ora
se perde. Portanto, se por um lado se avançava na luta
política, por outro se recuava em função de uma sé-
rie de medidas tomadas pela ditadura, como forma
de conter o avanço dos movimentos sociais. (1997; p.
34).

Importa salientar, que a consolidação da Constituição


Federal de 1988 é fruto desse intenso processo de lutas inspi-
radas pelos movimentos sociais. Na ocasião, tais movimentos
pressionaram o atual governo sendo constituído pelo então
Presidente Tancredo Neves, a organizar uma Assembleia Cons-
tituinte, na qual se encarregaria de elaborar a então Constitui-

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ção. Intitulada de constituição cidadã, esta fora promulgada


em 5 de Outubro de 1988, efetivando desta forma, um marco
histórico pondo um fim na ditadura militar e instaurando o
período de redemocratização da sociedade brasileira.
Dois anos depois, mais precisamente na década de
1990, a nação brasileira vivenciará mais um contexto de lu-
tas e protestos, através do Movimento Caras-Pintadas que
consistiu em sua totalidade multidões de jovens e adoles-
centes, no qual estes saíram em protesto nas ruas do país
com os rostos pintados, tendo em vista o contexto dramá-
tico em que encontrava-se o país, devido à iniciativas ca-
tastróficas realizadas pelo governo do então presidente Fer-
nando Collor de Mello. Descontentes realizaram o referido
movimento objetivando a derrubada de governo do presi-
dente através da aprovação de seu Impeachment, o que de
fato ocorrera.
Todo esse processo de lutas deu origem a diversos
movimentos sociais, em destaque pode-se citar o Movimento
de Pescadores e Pescadoras Artesanais no Brasil (MPP), que
será abordado enquanto categoria específica de análise no que
tange aos movimentos sociais.
Análise acerca do Movimento de Pescadores e Pescadoras
Artesanais no Brasil (MPP)
O Movimento dos Pescadores tem sua origem datada
a partir de 1964, porém o mesmo ganha visibilidade e intensi-
dade no ano de 1985, mediante o Seminário sobre Pesca Arte-
sanal, realizado em Brasília. (CARDOSO, 2001).
A partir do ano de 2009 é efetivado o Movimento de
Pescadores e Pescadoras no Brasil (MPP), o mesmo é consti-
tuído por homens e mulheres que exercem a atividade pesquei-
ra como base de sua economia familiar para a garantia de sua
subsistência, e ainda contribuem para a soberania no que tange
a alimentação dos brasileiros. O trabalho desenvolvido por es-
tes pescadores contribuem para a preservação das águas, das

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florestas e do meio ambiente no qual estão inseridos. (MPP,


2015).4
A base do movimento são os grupos de pescadores
e pescadoras artesanais nas comunidades que assu-
mem os objetivos do movimento de forma organizada
e que se fortalecem a partir de coordenações locais,
regionais, estaduais e nacional. A participação efeti-
va de mulheres e jovens marca este novo momento
da organização dos pescadores e pescadoras. A pre-
sença negra e indígena marca profundamente a nossa
identidade. Acredita-se no poder popular e assume-se
a missão de organizar e formar os lutadores do povo
nas águas, como contribuição histórica para a cons-
trução de uma sociedade justa.(MOVIMENTO DOS
PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS,
2015).

Acerca da citação apresentada, ressalta-se que alicer-


ce do movimento se dá em razão da organização política dos
pescadores e pescadoras que vivem em diversas comunidades
ribeirinhas, espalhadas por todo o território brasileiro. Este
movimento vem sendo apoiado pelos movimentos indigenis-
tas e negros, possibilitando maior visibilidade à causa dos pes-
cadores.
No que concerne à bandeira de luta deste movimen-
to, esta diz respeito à defesa do território e do meio ambiente;
direito a igualdade entre homens e mulheres pescadores; con-
dições dignas de produção; pela garantia dos direitos sociais e
por melhores condições para produzir e viver com dignidade.
Diante do exposto enquanto bandeira de luta do Mo-
vimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPP pôde-se
perceber que são várias as causas de luta deste movimento, po-
rém todas são oriundas de um processo de descontentamento
destes agentes sociais no que diz respeito à efetivação de seus
direitos, oriundo de um contexto histórico marcado por uma
política neoliberal, gestada pelo sistema capitalista.
4 Sobre isso consultar: http:∕∕mpppeloterritorio.blogspot.com.br/.

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O Movimento Social de Pescadores e Pescadoras Ar-


tesanais tem como perspectiva a sua organização internamen-
te, em vista de tornar coesa sua atuação frente a sua bandeira de
luta. Estando por sua vez organizados, objetiva-se uma melhor
organização para desta forma, pensar meios ou estratégias para
serem desenvolvidas e postas em ação em prol do Movimento.
Bem como, comungar das causas e fortalecer a luta de outros
movimentos sociais; e em prol da defesa do meio ambiente e a
territoriedade dos pescadores na óptica de que seja consolida-
da uma política voltada para a atividade pesqueira. Sobre isso,
dispõe a Carta do Movimento (2010):
Temos como perspectiva: intensificar o processo de
formação nas bases, fortalecer a organização inter-
na para melhor planejar e desenvolver as ações em
todas as esferas de atuação do movimento. Ampliar
os laços de solidariedade e cooperação entre os mo-
vimentos sociais no Brasil e na América Latina; de-
fender o meio ambiente e o território tradicional dos
pescadores; conquistar a implantação de uma política
pesqueira voltada para a soberania do povo brasileiro.

Em análise acerca da citação supracitada pôde-se ob-


servar que só obtêm-se êxito nas ações, quando a coesão iden-
titária destes grupos é desenvolvida. A união entre os membros
que lutam pela mesma causa é fator indispensável em vista que
sem a união de classe, ocorre o enfraquecimento das bases.
Santos e Melo (s/a) sinalizam que fora recente a inserção da
figura da mulher no cenário da pesca, sobre isso expõem que:
Para combater as desigualdades sociais entre homens
e mulheres que vivem da pesca artesanal, as mulheres
pescadoras vêm se organizando, desde o final da dé-
cada de 1970. (...). No entanto, só recentemente elas
constituíram espaços específicos de reivindicação,
buscando dar visibilidade as suas principais deman-
das, (p.1).

Logo, em consonância com a citação acima apresen-


tada destaca-se que mesmo em face de muitas lutas e dificulda-

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des as mulheres conseguiram avançar nas lutas sem desistir, o


que possibilitou sua inserção nestes espaços de debates e orga-
nização política. Estes espaços de participação constituem-se
como sendo de suma importância dentro da atual conjuntura
vivenciada pela categoria de pescadores e pescadoras, princi-
palmente no que diz respeito aos direitos relativos à igualdade
social.
A participação destes pescadores e pescadoras nos
movimentos sociais permite uma mudança na condição de de-
sigualdade que se encontram estas mulheres. No entanto, vale
ressaltar que “a organização dessas mulheres ainda tem mui-
to a conquistar para que de fato todas as pescadoras possam
ter acesso os diretos voltados às trabalhadoras”. (SANTOS E
MELO, s/a; p.1).
Pode-se dizer que estes movimentos lutam por direi-
tos e garantias de políticas públicas de forma mais acessíveis,
assim como em outras áreas de movimentos que lutam por
melhorias nos serviços públicos oferecidos no qual amplia a
atuação destes sujeitos sociais.
Ammann (1991) ressalta acerca do caráter dos mo-
vimentos sociais, neste sentido pode-se afirmar que o MPP
possui características de um movimento contestador, pois seus
pressupostos constituem-se em torno da conjuntura capita-
lista, no sentido de superação desta lógica de antagonismo de
classes, desencadeados por este modelo de produção.
É importante salientar que uma das bandeiras de luta
mais emblemáticas do MPP constitui-se em torno da questão
dos territórios. Neste sentido pode-se afirmar que são vários os
conflitos de interesses que desencadeiam a luta dos pescadores
artesanais pela defesa deste território. Pode-se citar como uma
das causas o adentrar do capital nos espaços cotidianos de tra-
balho deste agente sociais, o que implica em um processo de
perda de identidade.
Portanto a luta destes pescadores e pescadoras ar-
tesanais articulam-se em prol da regularização e da proteção

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de territórios de moradia, trabalho e subsistência de diversas


comunidades ribeirinhas localizadas nos mais longínquos es-
paços demográficos. Logo garantir a conservação do meio em
que estão inseridos é lema deste movimento, pois com a ordem
capitalista vigente há uma forte tendência de despertencê-los
de seus territórios. (MPP, 2015).
Dessa forma há uma tentativa sucinta no tocante a
reelaboração dos conceitos de direitos, como por exemplo:
carga horária de trabalho, melhores condições de vida, mora-
dia, educação, saúde, lazer, dentre outros. Sousa (2013; apud
Iamamoto, 2000) considera que, essas lutas romperam com o
domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extra-
polando a questão social para a esfera legislativa, exigindo a
interferência do Estado para o reconhecimento e a legalização
de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos.
A compreensão dessas lutas sociais está respaldada
pelo materialismo histórico dialético, mais conhecido como as
ideias marxistas. Que contribuíram para entender não só como
foi formado o sistema capitalista, mas também, as relações an-
tagônicas entre o capital e trabalho, que constitui as desigual-
dades sociais, e a maior concentração de renda nas mãos de
uma minoria.
Resultados e Discussões
Como resultado final do presente estudo, pode-se in-
ferir que os Movimentos Sociais são de suma importância para
o desenvolvimento político, econômico, cultural e social de um
país ou de determinados segmentos da sociedade. Isso porque
conforme observou-se no decorrer da pesquisa, a história dos
direitos no contexto mundial, e mais especificamente no cená-
rio brasileiro, fizeram-se por meio de lutas incansáveis desen-
cadeadas pelos Movimentos Sociais, conforme demonstrado
no trabalho, em especial quando traz-se uma discussão acerca
destes movimentos a partir da realização de um resgate his-
tórico desde o período colonial até as novas configurações de

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movimentos, onde estes contribuíram significativamente para


delinear o curso da sociedade brasileira.
O artigo em questão faz ainda, uma breve apresenta-
ção acerca dos Movimentos de Pescadores e Pescadoras Arte-
sanais – MPP, como forma de demonstrar um pouco da luta de
milhares de pescadores por direitos e garantias fundamentais
para a subsistência humanitária. A luta dos pescadores e pes-
cadoras constitui-se de forma histórica, luta esta marcada pelas
desigualdades e injustiças sociais.
Entretanto, observou-se as limitações destes movi-
mentos em suas lutas, pois na atual conjuntura os movimentos
sociais passam a ser marginalizados e segregados pelos meios
midiáticos, sob a égide do capital neoliberal. Neste contexto, os
sujeitos perdem sua coesão identitária com as bandeiras de lu-
tas propostas pelos movimentos, e consequentemente passam
a não mais identificar-se com a causa do “outro” o que resulta
a médio e longo prazo no processo de desmobilização social.
Apesar de todas as construções sociais e ideológicas
em torno da questão dos movimentos sociais, cabe-nos aqui
transparecer e, sobretudo, defender a continuidade das lutas
através dos Movimentos Sociais, seja qual for a causa ou ban-
deira de luta, haja vista que só há mudanças se houver movi-
mento, ou seja, em uma sociedade marcada por desigualdades,
injustiças, exclusão, fome, miséria, dentre outros, faz-se estrita-
mente necessário o processo de lutas, no intuito de minimizar
tais problemáticas sociais e promover uma consciência políti-
co- participativa nos agentes sociais.

Conclusões

Contudo a partir do exposto, pode-se referir que a tra-


jetória dos movimentos sociais constitui-se como um processo
histórico, onde por sua vez fora marcadamente um cenário ár-
duo de conflitos em prol de interesses de uma classe que lutava
e lutam pela conquista e reconhecimento dos seus direitos.

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Indiscutivelmente o espaço dos movimentos sociais é


solo para a consolidação de direitos que desta forma, pode-se
obter consideráveis avanços no tange a retórica dos direitos via
a participação social nesses movimentos.
As mobilizações sociais são de extrema importância
para com o processo de mudanças societárias, na medida em
que o povo organiza-se para pressionar o Estado, fazer reivindi-
cações contundentes que denotem transformações efetivas, mais
precisamente de cunho social, econômico e político. Contudo,
no Brasil, no decorrer de décadas os Movimentos Sociais passa-
ram por um contexto de perda de intensidade no que diz respeito
à ativa mobilização da sociedade, com o intuito de exercer pres-
são para com o aparato estatal, a fim de alcançar as modificações
previamente identificadas, bem como atingir a visibilidade.
É possível identificar como fator constituinte des-
ta problemática o fato do sistema capitalista exercer cada vez
mais força na sociedade brasileira, onde neste âmbito, o con-
sumo exacerbado, o egoísmo e a alienação desempenhada pelo
sistema econômico vigente sobre a população desencadeiam
um processo de exclusão e desigualdade social, mediante a não
distribuição igualitária da riqueza produzida socialmente. So-
bretudo, há que sinalizar que tais espaços de participação social
têm enfraquecido, em razão da disseminada política neoliberal
a ponto de perder sua identidade social.
Ao que se refere ao MPP, este é um movimento com
pouca visibilidade, que precisa de mais reconhecimento uma
vez que, pouco ou quase nada dispõe de políticas voltadas para
o pescador artesanal e atividades pesqueiras.
Diante disto, o compromisso dos movimentos sociais
visa contribuir com os grupos sociais que lutam por condições
sociais, econômicas e culturais, construindo assim alianças es-
tratégicas com os que padecem com as opressões do sistema
capitalista, bem como com a omissão estratégica do Estado em
uma conjuntura marcada por uma profunda crise política, eco-
nômica, ética e moral.

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MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO


RURAL EM PROJETO DE ASSENTAMENTO
AMAZÔNICO: UM ESTUDO DE CASO NO
ASSENTAMENTO PAQUEQUER

Cinthya Martins Jardim1


Ingrid Silva de Freitas2
Introdução
A história da educação brasileira atualmente se en-
contra em uma de suas melhores fases. O Governo Brasileiro
com base na Nova L.D.B., Lei Darcy Ribeiro, nº 9394 / 96 e
na Emenda Constitucional 14, lançou as bases que buscavam
reverter o alarmante quadro de analfabetismo no país. Segun-
do Saviani (2003), ao mesmo tempo, a população começou a
despertar para a importância desse fato, tornando-se eviden-
te a preocupação em busca de novos conhecimentos capazes
de viabilizar a conscientização e a luta por seus direitos para
ter acesso a uma escola no meio rural onde residem, mesmo
que esta se localize em comunidades rurais mais longínquas
do Amazonas.
Colocar em prática a estratégia de erradicação do anal-
fabetismo em uma área tão extensa e repleta de singularidades
1 Graduada em Geografia. Mestra em Sociedade e Cultura na Ama-
zônia. Doutoranda em Sociedade e Cultura na Amazônia. Bolsis-
ta da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
(FAPEAM). Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas das
Cidades da Amazônia Brasileira – NEPECAB/UFAM. Professora
efetiva da Secretaria de Educação do Estado do amazonas - SEDUC.
E-mail: cinthyajardim@hotmail.com
2 Graduanda em Geografia na Universidade Federal do Amazonas –
UFAM. Bolsista de PIBIC- CNPQ.E-mail:ingrid_is@hotmail.com

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

como é o Brasil, é sem dúvida uma tarefa difícil, porém não


impossível. A prova disso está na “febre” que vem assolando
palestras, reuniões de grupos, congressos e as políticas gover-
namentais sobre a questão educacional. Também no cotidiano
da grande maioria dos movimentos sociais, existem lideranças
que apoiadas e amparadas na pedagogia de Paulo Freire, estão
buscando assegurar democraticamente a obtenção do saber a
todos, mesmo que seja em um ambiente coberto de palhas e de
chão batido, localizado dentro de um assentamento rural.
Metodologia
Miguel Arroyo (1996) defende que “a luta pela edu-
cação, pela cultura, pelo saber e pela instrução encontra senti-
do se inserida nesse movimento de constituição de identidade
política do povo comum”. É essa luta que constitui o processo
educativo para a construção de uma cidadania capaz de gerar
novos comportamentos sociais. Nesse sentido, o presente arti-
go aborda um estudo de caso vivenciado pelos moradores do
Projeto de Assentamento Paquequer, localizado no município
de Nova Olinda do Norte - Amazonas.
O Projeto de Assentamento Paquequer é originário
de uma área territorial muito maior, denominada imóvel Aba-
caxi e foi criado através da Portaria do INCRA SR (15) nº 112
de 27.11.98, publicado no Diário Oficial da União nº 233 de
04.12.98. O assentamento possui uma área de 5.354,4117 ha
(Cinco mil, trezentos e cinquenta e quatro hectares, quarenta
e um ares e dezessete centiares) dentro do município de Nova
Olinda do Norte e foi fundado oficialmente em 05 de janeiro
de 1999, tendo sido arrecadado através da Portaria INCRA/
Distrito Federal – DF/Nº 269, de 30/11/1984 e matriculado em
nome da União, sob o nº 1.888, livro 2-2, folha 88/89, no Car-
tório de Registro de Nova Olinda do Norte.
A localização do assentamento encontra-se na mar-
gem esquerda da Estrada Vicinal N.O.N. – Curupira (AM 254),
Km 15, Gleba de Abacaxis. No mesmo, foi prevista a criação de

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

374 unidades agrícolas familiares, cabendo a cada uma delas,


aproximadamente 14,316 hectares. Esses lotes comunitários
definidos no projeto básico do INCRA no Amazonas são os de
números 220, 222, 333 e 335 e possuem uma reserva Florestal
Coletiva com uma área de 460,3095 ha. Atualmente, na área
desse assentamento se concentram 357 famílias assentadas. As
dificuldades vivenciadas por essas famílias estão relacionadas
à questão da temporalidade e da espacialidade local, as quais
interferem diretamente no modo de vida local e nos mecanis-
mos de veiculação e transporte de sua produção agrícola para
chegar até a cidade, assim como, na acessibilidade à escola, no
período da enchente ou na época das chuvas, fator este que in-
fluencia para o abandono dos lotes e para o êxodo rural rumo
a zona urbana de Nova Olinda do Norte.
Atualmente, o assentamento possui duas escolas que
atendem crianças, jovens e adultos. Uma localizada dentro do
assentamento, Escola Municipal Paquequer, e outra que se en-
contra próximo à entrada do Assentamento, Escola Municipal
Maria Eva. Estas escolas oferecem o acesso do Ensino Funda-
mental até o Ensino Médio (viabilizado pelo Ensino Tecnológi-
co) e nelas se encontram as relações sociais e as esperanças que
serão o palco das discussões a serem abordadas neste trabalho.
O conhecimento dessa realidade foi viabilizado por
trabalhos de campo sobre a questão educacional, realizados
em dois momentos distintos. Em 2000, quando os assentados
ainda estavam se reunindo em mutirão para a construção de
suas residências, do centro social e da escola, motivados pela
esperança plantada em seu lote de terra e no acesso a educa-
ção dos filhos dentro do assentamento. E, em um segundo mo-
mento, em 2012, quando os mesmos já haviam morado mais
de uma década dentro do assentamento, para avaliarmos as
mudanças encontradas no campo educacional dos mesmos.
Também foram realizadas análises bibliográficas e documen-
tais junto ao IDAM (Instituto de Desenvolvimento Sustentável
do Amazonas), INCRA (Instituto Nacional de Colonização e

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Reforma Agrária) e a Secretaria de Municipal de Educação de


Nova Olinda do Norte (SEMED).
Neste sentido, as informações sobre a importância da
escola na vida dos assentados foi obtida de forma direta, asso-
ciada a depoimentos dos primeiros moradores do assentamen-
to, permitindo a observação e a obtenção do conhecimento da
área, para identificar os atores sociais envolvidos nesse proces-
so e as influências do meio junto ao fator socioeconômico e
cultural dos filhos dos assentados. Todas as informações foram
registradas em um diário de campo.
Em 2000, no primeiro trabalho de campo realizado no
assentamento, constatamos que a existência de mutirões para
a construção de moradias eram muito comuns e realizavam-
-se com freqüência. Não era raro encontrar pessoas que, mes-
mo morando longe cerca de 5 ou 8 Km, se disponibilizavam a
ceder sua mão-de-obra para ajudar na construção das casas,
no desmatamento dos lotes, na construção do centro social,
se envolvendo diretamente na construção da primeira escola
que foi concretizada em 2002, pois até esta data, os filhos dos
assentados estudavam precariamente na sala da casa da esposa
do primeiro presidente do Assentamento.
Naquela época, a administração do assentamento es-
tava subordinada às decisões da maioria dos assentados no que
se refere às questões de interesse comum da comunidade. Os
assentados dispunham de uma organização associativa, legal-
mente constituída que contava com 113 associados, de acordo
com os registros encontrados no Livro de Atas da associação. A
APRAP (Associação dos Produtores Rurais do Assentamento
Paquequer) foi criada em janeiro de l999 e que era inscrita no
CNPJ sob o número 02.939.956/0001-99. No entanto, primei-
ra diretoria dessa Associação apresentou problemas gerenciais
pela má administração das verbas do Governo Federal, com-
prometendo em grande parte o trabalho ali iniciado. Esse pro-
blema ainda está sendo analisado pelos órgãos gerenciadores
do projeto, por isso a APRAP está temporariamente irregular

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até que os fatos sejam legalmente apurados. Na tentativa de dar


continuidade aos interesses da Associação, foi instalada em seu
lugar uma Comissão Provisória, composta por um presidente,
vice-presidente e membros, aos quais caberia a responsabilida-
de de administrar corretamente os interesses dos associados. A
partir de 20 de abril de 2010, esta associação foi reformulada
e regulamentada, passando a se chamar Associação dos Agri-
cultores, Agricultoras e Familiares do Projeto de Assentamento
Paquequer (AFPAP).
De acordo com o Plano de Desenvolvimento Susten-
tável do Projeto de Assentamento Paquequer (2000, p. 75-76),
também estavam estabelecidos para os moradores do assenta-
mento, projetos para a saúde, saneamento e educação. No cam-
po educacional, previa-se construção de duas escolas rurais
dentro do assentamento no período de quatro anos a contar
de sua implantação, com a finalidade de possibilitar o acesso
a melhores níveis de escolaridade aos filhos dos assentados e a
total fixação dessas famílias nas áreas loteadas. O plano previa
uma obra dimensionada com 164 m², de alvenaria, com vida
útil prevista para 15 anos e que custaria aos cofres do Governo
Federal, cerca de R$ 54.000,00. Porém até 2015, a área de cons-
trução dessas escolas ainda não havia sido iniciada e nem defi-
nida, demonstrando o descaso do Governo Federal e o quanto
aquilo que havia sido planejado está desassociado da realidade
encontrada no local.
Nesse sentido, comparando as previsões encontradas
no Plano de Desenvolvimento proposto para o assentamento,
observamos que em 2015, a infra-estrutura educacional encon-
trada no assentamento é composta por duas escolas municipais
para atender uma demanda de 211 educandos para a Escola
Municipal Paquequer, que funciona dentro do assentamento e
possui estrutura de madeira. Esta escola foi reconhecida pelo
Ato de Criação 007/99, tendo sido construída pelos assentados
em 2002. Possui cinco salas de aula e dois anexos que totalizam
oito salas de aula para atender os filhos dos assentados.

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Em 25 de junho de 2010, a administração municipal


de Nova Olinda do Norte junto a Secretaria de Educação Mu-
nicipal, reformou e ampliou na entrada do Assentamento Pa-
quequer, km 13, a Escola Municipal Maria Eva, com estrutura
de madeira que abriga cinco salas de aulas e mais um anexo.
Até 2012, alegando não ter responsabilidade dentro de uma
área federal, a Secretaria Municipal de Educação do município,
responsabilizava-se apenas por proporcionar a merenda esco-
lar e o fornecimento da mão de obra docente para o interior do
assentamento. O não fornecimento do transporte escolar das
crianças na época da enchente deixava um grande numero de
filhos de assentados ausentes da sala de aula. Outro agravante
era que, dependendo do lote de origem, esses alunos precisa-
vam caminhar até duas horas para chegar à escola localizada
dentro do assentamento, que continuava funcionando em ca-
ráter precário, contando apenas com a boa disponibilidade das
professoras que ali atuavam.
Para Paulo Freire (1993), “a mudança não é trabalho
exclusivo de alguns homens, mas dos homens que a escolhem”,
pois o processo educativo vai muito além da pura e simples
transmissão de conhecimentos, justamente por contextuali-
zar uma diversidade de elementos, conteúdos e fatores sociais
com os quais a educação se complementa de um modo geral.
Para analisar esse modelo pedagógico, buscaremos um olhar
adaptativo fundamentado na pedagogia de Paulo Freire, pois
o constante exercício da cidadania pode possibilitar a abertura
de novos caminhos aos filhos dos assentados que se encontram
residindo no Projeto de Assentamento Paquequer.
Resultados e Discussões
A construção da cidadania e a luta para a constru-
ção dos espaços educativos, principalmente no meio rural do
Amazonas dependem muito do poder de organização e coo-
peração da população local e do poder municipal nessas áreas.
Segundo Paulo Freire (2001), o primeiro passo para projetar

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caminhos, propor soluções ou encaminhar lutas, é desfazer a


ingênua concepção que a educação pode tudo, sendo a alavan-
ca da transformação social, pois dessa forma, equivocam-se
aqueles que defendem a concepção pessimista de que o papel
da educação é apenas de reprodução social, menosprezando
sua função conscientizadora, crítica, criativa, transformadora
e essencialmente libertadora, contribuindo para a construção e
formação da cidadania.
Bragança (2010) diz que a forma como a pedagogia
freireana vem sendo realizada nas escolas não está atenden-
do às necessidades e as expectativas da população que vive no
campo. Uma vez que, mesmo existindo leis que têm como fi-
nalidade atender as populações rurais, se tem constatado que
até o presente momento, elas não estão sendo colocadas em
prática e as populações ainda passam por situações precárias
para ter acesso a uma sala de aula. É importante frisar sobre
como a pedagogia de Freire, resultado de seu trabalho, se apro-
xima das lutas sociais onde essa pedagogia tem como objetivo
atender a necessidade das populações que ainda se encontram
em condições precárias.
A pedagogia freireana é síntese da teorização implí-
cita na prática de Educação Popular. Ela traz a con-
sideração do conhecimento como possibilidade de
superação de relações verticais contraditórias e de
modelos mecanicistas de análise da realidade social
e implantação de novas propostas que indiquem es-
perança e a necessidade de mudança. A partir da pro-
posta freireana, educadores e educadoras, grupos de
movimentos sociais e escolas têm desenvolvido uma
ação de Educação Popular. (MACIEL, 2011, p. 337).

Antonio et al (2007) afirma que foi somente em 1960


com Paulo Freire que o Brasil teve pela primeira vez, de forma
consistente, uma pedagogia anunciada das classes populares.
Esta proposta adentra o campo popular porque contempla os
grupos sociais, partindo assim do vivido deles. De acordo com
Salcides (2012), quando a escola se tornou realidade para toda

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a população, ela ainda contava com muitas desigualdades, ou


seja, não era igual para todos, logo, não garantiu o acesso ao
conhecimento produzido/acumulado historicamente pela hu-
manidade. Para a grande maioria dos brasileiros, foi ofereci-
da uma escola pobre tanto em sua estrutura física e conceitual
desvinculada em todos os sentidos da realidade social vivida
por seus alunos dificultando assim uma leitura crítica do seu
dia a dia.
Para os moradores do Assentamento Paquequer, o
acesso a uma escola dentro do assentamento representa a pos-
sibilidade da esperança em novas perspectivas na vida de suas
crianças. O acesso a uma escola representa a possibilidade de
permanecer, de plantar e de colher no lote que um dia foi con-
quistado com tanto sacrifício.
Caldart (2004) enfatiza que a população tem mais que
o direito de ser educada no lugar onde vive como também pos-
sui necessidade de que seja respeitado também o direito a uma
educação que pense desde o seu lugar e com sua participação,
vinculada a sua cultura e as necessidades humanas e sociais. O
processo de valorização de sua cultura incentiva os sujeitos do
campo a pensar e agir por si próprios, assumindo sua condição
de sujeitos. Esse autor enfatiza bastante a questão da coletivi-
dade relacionada com a educação quando diz “as pessoas não
aprendem a ser humanas sozinhas; sem os laços de sua partici-
pação em coletivos elas não conseguem avançar na sua condi-
ção plenamente humana”.
Pessoas desenraizadas são pessoas desumanizadas,
que não se reconhecem em nenhum passado e nem têm pro-
jeto de futuro. Para Caldart (2004), educar é ajudar a enraizar
as pessoas em coletividades fortes; é potencializar o convívio
social e humano, na construção de identidades, de valores, de
conhecimentos, de sentimentos. Portanto, não existe um am-
biente educativo se não for fundamentado em uma coletivi-
dade educadora, acionada ou planejada pelos educadores de
ofício e compartilhada por todos os seus membros, quer sejam

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eles, assentados, pais, alunos ou educadores, pois todos fazem


parte do processo de aprender e reaprender a ser humano.
Bragança (2010) diz que tratar de educação no cam-
po é uma situação bastante complicada, visto que isso é um
processo antigo e que sofre com a falta de ação efetiva que su-
pere todo esse problema. Caldart (2004) afirma que educar é
socializar conhecimentos e ferramentas de como se produz
conhecimentos que afetam a vida das pessoas, em suas diver-
sas dimensões. Onde conhecer para resolver significa entender
o conhecimento como compreensão da realidade para assim
transformá-la; compreensão da condição humana para torná-
-la mais plena.
Podemos refletir então que educar é também parti-
lhar significados e ferramentas de cultura (expressão
de Jerome Bruner apud Arroyo, 2000); é ajudar as
pessoas no aprendizado de significar ou ressignificar
suas ações, de maneira a transformá-las em valores,
comportamentos, convicções, costumes, gestos, sím-
bolos, arte, ou seja, em um modo de vida escolhi-
do e refletido pela coletividade de que fazem parte.
Isto quer dizer, entre outras coisas, que educar as
pessoas é ajudar a cultivar sua memória, é conhecer
e reconhecer seus símbolos, gestos, palavras; é situá-
-las num universo cultural e histórico mais amplo, é
trabalhar com diferentes linguagens, é organizar dife-
rentes momentos e jeitos para que as pessoas reflitam
sobre suas práticas, suas raízes, seu projeto, sua vida
[...] (CALDART, 2004, p. 6)

Há a necessidade de se criar métodos eficazes que


contribuam para uma melhor educação no campo, visto que
esta deve caminhar lado a lado com a realidade das populações
que residem no campo. De acordo com Maciel (2011), tem que
se construir uma educação a partir do conhecimento do povo
e com o povo, provocando uma leitura da realidade na ótica do
oprimido que ultrapassa as fronteiras das letras e se constitui
nas relações históricas e sociais. A construção de uma segunda
escola fora dos limites territoriais do assentamento estudado

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nos impulsiona a realizar uma análise da problemática fundiá-


ria e educacional encontrada na zona rural do Amazonas, de-
monstrando os desafios para se ter acesso a uma escola na zona
rural. A tentativa de entendimento de como as leis de abran-
gência nacional podem interferir ou sofrer as consequências
das espacialidades diversas encontradas na Amazônia, propor-
cionam significados e valores aos atores sociais que se encon-
tram interagindo em uma realidade e uma dinâmica própria,
sem deixarem de sofrer as interferências dessa totalidade, que
pode ser amplamente observada no cotidiano encontrado no
Assentamento Paquequer.
Salcides (2012) afirma que um dos traços marcan-
tes do movimento por uma Educação no campo vem sendo
marcado pela luta dos povos por políticas públicas que pos-
sam garantir o direito a educação. Mas, uma educação que seja
“no” e “do” campo: “no campo” porque o povo tem direito a
ser educado no lugar onde vive, e “do campo” porque o povo
tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com
a sua participação, vinculada à suas culturas e às necessidades
humanas e sociais.
Maciel (2011) afirma que a análise freireana de edu-
cação indica um olhar mais atento, onde visa um futuro mais
esperançoso, na qual é possível sonhar e lutar por um mundo
possível, necessário e urgente, que extermine as relações hie-
rarquizadas de opressão e exploração do trabalho, dos recursos
naturais e acima de tudo, da vida.
Conclusões
A proposta de educação voltada para o campo que se
estende às massas populares que residem em áreas de assenta-
mentos rurais, colocada em prática em outros assentamentos
rurais no Brasil pode ser considerada como a “porta de entra-
da” de um modelo pedagógico vinculado às práticas sociais e
desvinculadas dos aparelhos ideológicos norteados pelas insti-
tuições de poder local.

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A carência, o isolamento e a falta de uma proposta


pedagógica que não esteja alheia à realidade vivenciada pelos
filhos dos assentados do Projeto Paquequer, são fatores que
aumentam a situação de dependência dessa população. O es-
tabelecimento de uma educação efetivamente libertadora re-
quer comprometimento e a organização a partir da criação de
processos interativos e viabilizadores de uma aliança religiosa,
cultural, educativa e familiar.
As transformações que atingiram os movimentos po-
pulares no setor educacional em outros assentamentos do Bra-
sil precisam ser cuidadosamente analisadas, apoiando-se em
um olhar reflexivo nas áreas centro-sul e sudeste do país. No
entanto, na zona rural do Amazonas, os fatores tempo/ espaço
ainda contribuem grandemente para se inserir na região as di-
ficuldades de locomoção e transporte dos alunos, limitando o
seu acesso a escola.
Essas limitações se manifestam principalmente nos
períodos de muita chuva e de enchente dos rios na região, ori-
ginando problemas de locomoção para chegar até a escola loca-
lizada dentro do assentamento. O ato de caminhar pela estrada
principal do assentamento fica comprometido pela quantida-
de de argila que, associada às distâncias a serem percorridas
para se alcançar a escola, transformam a atividade de aquisição
de conhecimento em um esforço educativo angustiante e, na
maioria das vezes, desanimador.
Para a solução de problemas dessa natureza não exis-
tem respostas prontas e definitivas, precisa-se apenas estar re-
ceptivo ao novo e ao desenvolvimento de uma grande sede de
conhecimentos para a geração de mudanças. Esperamos que o
processo transformador e revolucionário proposto pelo olhar
de Paulo Freire não tarde a ser vivenciados plenamente nas es-
colas rurais dos assentamentos amazônicos, pois o nosso ho-
mem amazônico quer seja isolado nas pequenas comunidades
rurais ou no Projeto de Assentamento Paquequer, precisa se
sentir cada vez mais impelido a superar velhas atitudes, posi-

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cionando-se de forma desafiadora a lutar por seus direitos e


pela conquista de uma nova etapa na vida familiar e na vida
educacional de seus filhos.

Referências Bibliográficas:

ANTONIO, Clésio Acilino; LUCINI, Marizete. Ensinar e


aprender na educação do campo: processos históricos e
pedagógicos em relação. Caderno Cedes. Campinas, vol. 27,
n. 72, p. 177-195, maio/ago. 2007.
ARROYO,  Miguel.et Al.  Educação  e  cidadania:  quem 
educa  o  cidadão?São Paulo:  Cortez,  1996.
BRAGANÇA, Sabrina Zientarskide. Aspectos históricos da
formação profissional na educação física brasileira. P@rtes.
Janeiro de 2011. Acesso em 23 de mar de 2016, disponível em
<www.partes.com.br/educacao/educacaodocampo.asp>
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Em campo aberto – escritos
sobre educação e cultura popular. São Paulo: Cortez, 1995.
CALDART, Roseli. S. Escola é mais do que escola...
Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis. R.J. Vozes,
2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1987.
_________ A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez,
1982.
_________ Educação e mudança. 23. ed. Rio de Janeiro; Paz
e Terra, 1979.
_________ Política e Educação. 4. ed. São Paulo, Cortez,
2000.
GOÉS, Moacir de. De pé no chão também se aprende a ler –
uma escola democrática. São Paulo: Cortez, 1991.

800
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LEITE, S.C. Escola rural: urbanização e políticas


educacionais. São Paulo: Cortez, 1999.
MACIEL, Karen de Fátima. O pensamento de Paulo Freire
na trajetória da educação popular. Educação em Perspectiva,
Viçosa, v. 2, n. 2, p. 326-344, jul./dez. 2011
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Município de Nova Olinda do Norte-Am. 280 p. 2.000.
SALCIDES, Arlete. Políticas educacionais para o campo:
Problematizando processos de exclusão no sul do Brasil.
Acesso em 22 de mar de 2016. Disponível em <http://www.
anpae.org.br/iberoamericano2012/Trabalhos/ArleteSalcides_
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SAVIANI, Dermeval. A Nova Lei da Educação: trajetórias,
limites e perspectivas. Campinas, São Paulo: Autores
Associados, 2000. 3. ed. 246p.

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O PROFESSOR LIBERTADOR: UMA


PERSPECTIVA SOBRE O EMPODERAMENTO

BARBOSA, Isabela Vieira1


SANTOS, Jéssica Reinert2
MUELLER, Antônio3
INTRODUÇÃO
Ao abordarmos o pensamento freiriano, mais do que
buscar respostas ou “metodologias” prontas para serem apli-
cadas no dia a dia escolar, encontramos questionamentos que
instigam o pensamento crítico e despertam o aluno e professor
para uma educação libertadora. Liberdade aqui compreendida
indo além do que traz o dicionário, “Faculdade de cada um se
decidir ou agir segundo a própria determinação.” (FERREIRA,
2008, p. 515), mas em uma conotação filosófica, daquele que se
1 Graduação em Pedagogia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNI-
VALI). Especialista em Educação Infantil e Desenvolvimento pela
Universidade Cândido Mendes. Mestranda no curso de Pós-Gra-
duação em educação/Mestrado em Educação da Universidade Re-
gional de Blumenau (FURB). Universidade Regional de Blumenau.
miss.vieira@gmail.com.
2 Graduação em Letras – Português e Inglês pela Universidade Regio-
nal de Blumenau (FURB). Mestranda no curso de Pós-graduação
em educação/ Mestrado em Educação da FURB. Universidade Re-
gional de Blumenau (FURB). jereinertfurb@gmail.com.
3 Graduado em Educação Física pela Universidade Regional de Blu-
menau (FURB). Especialização em Treinamento Desportivo - Volei-
bol pela Universidade Nova Iguaçu (UNIG). Doutorado em Educa-
ção pela University of Texas at El Paso (UTEP). Professor titular da
Universidade Regional de Blumenau – FURB no Departamento de
Educação Física. antoniomuller2@hotmail.com.

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liberta, sendo ator de sua história e não testemunha passiva do


que acontece ao seu redor.
Pensando no poder que a educação representa para
Freire, evocamos também outro autor que discute a importân-
cia que a relação professor e aluno, aliada a educação, é capaz
de representar na vida do sujeito, Rancière, em sua obra “O
Mestre Ignorante”, discute justamente a capacidade que a edu-
cação tem de empoderar os alunos além do ambiente escolar.
Unindo tais pensadores, o objetivo deste trabalho não é
apenas fazer uma releitura dos dois autores, mas antes de tudo,
discutir a importância da educação em seu contexto social,
pois acreditamos, conforme Rancière (2002) e Freire (2002;
1987; 1967), que não existem culturas inferiores nem supe-
riores, mas que cada uma é única e importante diante de sua
realidade histórico-social. Como ambos os autores abordam
em suas respectivas obras, cada sujeito é influenciado pelo seu
local de origem. Por isso, o mito pedagógico, muito citado por
Rancière, aproxima-se do conceito de educação bancária de
Freire, ao acreditar que a educação pode ser apenas ensinada
por um professor, sendo este o detentor de todas as verdades e
saberes absolutos que devem ser adquiridos pelos alunos. Em
contrapartida a esse pensamento, lançamos nossos olhares à
educação como libertadora, como provida da responsabilidade
de fazer com que o aluno enxergue e compreenda o meio a sua
volta, tornando-se crítico e reflexivo das ações que o cerca.
Nosso artigo se inicia apresentando a metodologia uti-
lizada para a construção deste escrito, partindo, em seguida,
para as aproximações que se estabelecem entre aquilo que fora
dito por Rancière e Freire nas obras escolhidas como alvo de
estudo neste artigo. Resolvemos estruturar nosso trabalho em
somente uma seção de análise, pois o diálogo entre as teorias se
faz constante e indissolúveis, uma vez que um conceito se liga
a outro e vai sendo retomado com o transcorrer das palavras.
Para finalizar, trazemos nossas conclusões acerca do estudo de-
senvolvido e as referências utilizadas no decorrer do artigo.

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O fio metodológico condutor


Esse trabalho foi um estudo bibliográfico que a par-
tir de uma apreciação sobre o os pensamentos de Paulo Frei-
re encontrados nas obras “Pedagogia da Autonomia” (2002),
“Pedagogia do Oprimido” (1987) e “Educação como prática de
liberdade” (1967) e na obra “O Mestre Ignorante” (2002) de Ja-
cques Rancière, analisa a relação estabelecida por estes autores
nas obras supracitadas com a importância do desenvolvimen-
to de um pensamento crítico e libertador nos alunos, uma vez
que o sujeito livre, nas palavras de Freire (1987), é aquele não
assujeitado pelo mundo a sua volta, mas aquele protagonista de
sua própria história. Rancière (2002) define o empoderamento
como sendo parte constitutiva da educação, desde que a mes-
ma seja despertada nos alunos e não apenas a eles transferida.
O olhar de Freire em conformidade ao de Rancière
Pelo olhar freiriano, é impossível dissociar educação
e libertação. Além disso, para Freire, é inexequível que essa li-
bertação ocorra através de um professor, seja ele dominador ou
bem intencionado, pois “ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREI-
RE, 1987, p. 29), em trocas, em contato direto com o outro.
Desta forma, entendemos que a função do educador
não é libertar desvairadamente o aluno para o mundo no qual
está inserido, tão pouco transferir integralmente seus conhe-
cimentos desmerecendo aquilo que o estudante já sabe ante-
riormente. A função do professor-educador é despertar neste
aluno o pensamento crítico do mundo a sua volta, fazendo-o
se identificar como sujeito histórico inserido em um contexto
social, e reflexivo sobre sua prática e sobre os acontecimentos
à volta. O aluno deve-se compreender como um sujeito ativo e
transformador do seu contexto social, sendo suas atitudes crí-
ticas para transformar, não críticas no seu sentido estrito, mas
embasadas naquilo que ele vê, vive e experiencia no contexto
que o rodeia.

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Freire defende “Uma pedagogia que elimina pela raiz


as relações autoritárias, onde não há ‘escola’ nem ‘professor’”
(FREIRE, 1967, p. 26 – grifos do autor) onde existam sujeitos
comprometidos com ensinar e aprender, não no conceito co-
mumente utilizado, mas de forma a buscar no mundo ao seu
redor uma práxis voltada para a criticidade e reflexividade. Su-
jeitos sociais, politizados e conscientes.
Um movimento comum na educação volta-se aos
discursos progressistas que prezam e valorizam os métodos
como a principal preocupação da educação, no lugar da pró-
pria educação, “essa grande preocupação dos metodistas e dos
progressistas — se torna um progresso no embrutecimento.”
(RANCIÈRE, 2002, p.21). O embrutecer não é um processo de
abandonar ou de negar ao aluno o aprendizado e a educação, é
um processo de embrutecê-lo através da negação de sua vonta-
de, do desenvolvimento do seu pensamento crítico e reflexivo
sobre o seu lugar no mundo. Por isso, o autor define também
que “Há embrutecimento quando uma inteligência é subordi-
nada a outra inteligência.” (RANCIÈRE, 2002, p.25), pois não
há trocas, mas sim imposições sociais.
Rancière (2002) ao abordar como a educação costu-
mava ser, à época de Jacotot, datada no século XVII, persona-
gem de sua história na obra “O Mestre Ignorante”, fala que “En-
sinar era, em um mesmo movimento, transmitir conhecimen-
tos e formar os espíritos, levando-os, segundo uma progressão
ordenada, do simples ao complexo.” (RANCIÈRE, 2002, p.17).
Infelizmente, vemos que tal pensamento presente na obra pu-
blicada pela primeira vez em 1987, prepondera até os dias de
hoje no ensino básico e superior na educação que nos é apre-
sentada na atualidade.
Esse pensamento de transferência de conhecimentos,
onde o professor, ou mestre, é dono de todos os saberes e que
alunos são aprendizes, folhas em branco prontas para serem
preenchidas por aquele que possui os conhecimentos, aproxi-
ma-se da visão de Freire (1987), quando, ao definir educação

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bancária, ressalta que “Em lugar de comunicar-se, o educa-


dor faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras
incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.”
(FREIRE, 1987, p. 33 – grifos do autor). Assim, a criticidade e a
argumentação não se tornam alvo de desenvolvimento em sala
de aula, pois não objetiva-se a reflexividade, mas sim, o silêncio
e a obediência.
Desta forma, Rancière (2002) tenta afastar as visões
de professores embrutecedores, aqueles que levam adiante
a visão bancária de educação, daqueles que são libertadores.
Primeiramente, ele afasta o pensamento de embrutecedor da
visão negativa que temos de um professor. O embrutecedor
não se aproxima da visão grosseira ou intolerante, muito pelo
contrário, Rancière (2002) ressalta que muitas vezes esse pro-
fessor embrutecedor será justamente o oposto, gentil e sábio.
Para isso, ele define que os embrutecedores, são mestres ex-
plicadores e que “O explicador é aquele que impõe e abole a
distância, que a desdobra e que a reabsorve no seio de sua pa-
lavra.” (RANCIÈRE, 2002, p. 18). Destaca, também, que aos
mestres que buscam uma ordem libertadora através da educa-
ção, a transferência de conhecimentos é o caminho inverso: o
caminho do embrutecimento, levando alunos e professores a
se afastarem, não só do conhecimento em si, mas da própria
missão da educação, a libertação.
Para isso, faz-se necessário que o mestre saiba “reco-
nhecer a distância entre a matéria ensinada e o sujeito a instruir,
a distância, também entre aprender e compreender.” (RAN-
CIÈRE, 2002, p. 18 - grifos do autor). Esses dois movimentos,
aprender e compreender, são diferentes, mas se interligam
quando tratamos de uma aprendizagem significativa. O mestre
libertador será aquele que além de não buscar a transferência
de conhecimentos para o aluno, reconhece a necessidade de
trazer para o sujeito a contextualização do conteúdo, respei-
tando o contexto histórico-social onde cada um está inserido,
bem como as diferenças que os constituem enquanto sujeitos.

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Assim, Rancière define que “Antes de ser o ato do pe-


dagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um
mundo dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, es-
píritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e
bobos.” (RANCIÈRE, 2002, p.20 – grifo nosso). Mito este que
exerce apenas a função de construir divisões entre grupos su-
periores e inferiores, muros invisíveis, mas, ao mesmo tempo,
concretos aos alunos que são fragmentados entre aqueles que
sabem e não sabem, entre os capazes e incapazes. Freire (1987)
discute tal pensamento de forma a explicar que as divisões en-
tre superiores e inferiores não passa de uma opressão, sendo
os oprimidos levados a crer na sua inferioridade perante aos
opressores, levando-os muitas vezes até a almejarem em serem
opressores daqueles que os oprimiram, e não se libertar, mas
continuar em um ciclo vicioso de relações de poder. “De tanto
ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada,
que não podem saber que são enfermos, indolentes, que não
produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer
de sua ‘incapacidade’.” (FREIRE, 1987, p. 28), incapacidade de
aprender, de ser, de agir. Incapacidade de acreditar em si e se
compreender como um sujeito que pode, e deve, ter voz ativa
nas relações sociais que participa.
O mito pedagógico, “divide o mundo em dois. Mas,
deve-se dizer, mais precisamente, que ele divide a inteligência
em duas. [...], uma inteligência inferior e uma inteligência su-
perior.” (RANCIÈRE, 2002, p.20). Compreendemos então, a
inteligência inferior como aquela que acomete os menos capa-
citados, menos favoráveis para o ato de aprender. Já a inteligên-
cia superior encontra-se naqueles mais propensos ao aprender,
com mais “capacidades” e oportunidades ao aprender.
Entretanto, os autores conjecturam que não há inte-
ligências superiores e inferiores. Todos os sujeitos têm possi-
bilidades de aprender, independente de suas condições econô-
micas, sociais e culturais. O mito pedagógico é uma forma de
subjugar culturas minoritárias, para que elas se vejam, e sejam

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vistas, de forma inferiorizada, podendo assim a cultura domi-


nante oprimir e prevalecer socialmente. “O antidiálogo se im-
põe ao opressor, na situação objetiva de opressão, para, pela
conquista, oprimir mais, não só economicamente, mas cultu-
ralmente, roubando ao oprimido conquistado sua palavra tam-
bém, sua expressividade, sua cultura.” (FREIRE, 1987, p. 78).
A palavra daquele que é oprimido atinge pouco alcance por
sua inferioridade. Se cala frente àquele que oprime. Silencia.
Aceita. Não há diálogo que se estabeleça entre os opressores e
oprimidos. Estes estabelecem uma hegemonia nas ações, nas
práticas, nas práxis; aqueles obedecem aquilo que lhes é impos-
to, não refletem, não criticizam, não pensam.
O embrutecedor, por vezes, pode ser confundido com
o “mestre obtuso que entope a cabeça de seus alunos de conhe-
cimentos indigestos”, ou ainda alguma espécie de ser maligno
que domina e manipula os alunos para manter seu poder e a
ordem social (RANCIÈRE, 2002, p.20). Na verdade, é justa-
mente o oposto, pois “exatamente por ser culto esclarecido e de
boa-fé que ele é mais eficaz.” (RANCIÈRE, 2002, p.20), sendo
na crença de tentar ajudar, de tentar facilitar os caminhos do
aluno, que ele, o professor embrutecedor, talha suas escolhas.
Freire (2002) complementa ao dizer que “o educador que ‘cas-
tra’ a curiosidade do educando em nome da eficácia da memo-
rização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade
do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma,
domestica”. (FREIRE, 2002, p.63 – grifos do autor).
Assim, o educando não tem desenvolvida sua capaci-
dade de argumentar, de pensar, de questionar, apenas é subme-
tido à um processo de memorização mecanizado no qual deve
alcançar aos objetivos propostos pelo professor, sendo esse co-
nhecimento esquecido com o tempo em razão da não efetiva
aprendizagem sobre. Nesse movimento mecânico ao qual o
aluno é submetido, sua liberdade e curiosidade vai se esvaindo.
Se o caminho da explicação é o caminho do embru-
tecimento (RANCIÈRE, 2002), deve-se então buscar a eman-

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cipação (RANCIÈRE, 2002) ou a libertação (FREIRE, 1987).


“Chamar-se-á emancipação à diferença conhecida e mantida
entre as duas relações, o ato de uma inteligência que não obe-
dece senão a ela mesma, ainda que a vontade obedeça a uma
outra vontade.” (RANCIÈRE, 2002, p.26), a importância pelo
respeito às inteligências, as autonomias desenvolvidas pelo alu-
no e professor.
A chave da emancipação libertadora está em não
ser sujeitada ou não sujeitar-se a outra, pois a diferença para
o embrutecimento, é que ao se tornar embrutecedora, ela irá
associar “uma inteligência a uma outra inteligência. No ato de
ensinar e de aprender, há duas vontades e duas inteligências.
Chamar-se-á embrutecimento à sua coincidência.” (RANCIÈ-
RE, 2002, p.25), ou seja, segmentar as capacidades e habilida-
des dos alunos em mundos distintos e rotulando aqueles que
conseguem e os que não conseguem aprender, uma vez que
“enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é
parecer com o opressor, é impossível fazê-lo.” (FREIRE, 1987,
p.17).
O objetivo da teoria da libertação de Freire (1987) é
opor-se ao pensamento do opressor, muitas vezes disfarçado
na personalidade do professor embrutecedor. O objetivo não é
levar o aluno por um caminho já traçado pelo educador, mas
sim, oportunizar a este à descoberta de novos rumos que se-
rão percorridos com seus próprios passos em um trajeto antes
nunca explorado; torna-lo agente de seu aprendizado, de suas
buscas, de seus interesses, torna-lo emancipado e emancipador.
Por isso, acreditamos que a educação como forma
de empoderamento social, não é “um método para instruir
o povo, mas da graça a ser anunciada aos pobres” (RANCIÈ-
RE, 2002, p.30), é dar-lhes consciência de que são capazes, de
que suas inteligências são reconhecidas, são importantes para
transformação do meio social no qual se inserem, para critici-
zarem suas realidades, para transformarem seus mundos so-
ciais, culturais e cognitivos. Assim, os fracos e oprimidos têm

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a oportunidade de valorizar suas palavras, instituindo a estas o


sentido de suas verdades, de suas realidades, de suas culturas,
afinal, “(...) todos os homens têm igual inteligência.” (RAN-
CIÈRE, 2002, p.30), igual direito, igual verdade, igual realida-
de. Não há motivo para compreender os sujeitos com maior ou
menor inteligência.

Conclusões

Durante esta caminhada em algumas das obras de


Rancière e Freire, percebemos uma intensa preocupação com o
outro e sua relação com o meio social. Cabe ao professor esta-
belecer um ambiente de aprendizagem em que as inteligências
apresentadas pelos alunos não sejam rotuladas como melho-
res e piores, inferiores e superiores. Ao professor, é necessário
exercer o papel de educador no qual eleva a multiculturalidade
dentro do ambiente escolar, que incita o caminhar pelas pernas
dos próprios estudantes, que os leva a acreditar na sua capaci-
dade de ser, aprender e agir.
Com este trabalho, percebemos a importância da
educação como ferramenta de empoderamento social na pers-
pectiva de Paulo Freire e Jacques Rancière. Ao abordarmos o
professor libertador, torna-se necessário constatar a importân-
cia da postura crítico-reflexiva do professor para que ele possa
ser o condutor desse crescimento pessoal do aluno. Alimentar
o aluno de informações, prepará-lo para a vida através de ca-
minhos já trilhados pelo mestre, não o liberta, apenas o em-
brutece para a realidade a sua volta, o torna passivo frente aos
questionamentos e situações enfrentadas no cotidiano. Não o
abre ao mundo, mas o fecha para o espírito de criticidade e ino-
vação que o meio requer. O professor, então, é o guia do aluno
no caminho das pedras que o leva à aprendizagem; nunca o
soberano, detentor de todos os saberes, mas aquele que está
disposto a instruir seu aluno a alcançar seus objetivos, aguçar
sua curiosidade, sua criticidade, sua vontade de aprender.

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A educação deve ser compreendida por alunos e pro-


fessores, como espaço de interação, troca e patilha dos saberes
acumulados durante a vida. O estudante, em seu pouco ca-
minhar, já possui experiências que podem ser agregadas aos
conteúdos explorados em sala, por vezes não conhecido ainda
pelo professor. O educador, com sua longa caminhada, agrega
aos alunos algo que eles ainda não tiveram a oportunidade de
vivenciar e podem, através do diálogo, aprender com aquilo
que já fora vivido pelo professor, afim de prepará-lo para o que
espera na vida fora dos muros da escola. É nessa perspectiva da
reciprocidade que ambos podem tornar a educação mais agra-
dável, construtiva e significativa, pois edifica o saber a partir de
vivências concretas, contextualizadas e localizadas em deter-
minado tempo e espaço.
O caminho para a libertação educadora, não é a soma
dos conhecimentos, olhar quantitativo sobre maior ou menor
inteligência, melhor ou pior; mas sim, é o despertar para uma
visão crítica do mundo a sua volta. É a tomada de consciên-
cia do seu papel como ator social, com voz ativa, como um
ser histórico-cultural inserido em um contexto específico que
compreende o sujeito como transformador da prática, do meio
e dos modos socialmente instaurados, como aquele que tem o
poder de mudar sua realidade.
O caminho da libertação de Freire (1987) combina
com a emancipação de Rancière (2002) ao apontar a educa-
ção como forma de abjugar o sujeito. Essa emancipação ocorre
através da educação em um contexto histórico-social onde se
estabelecem relações dialógicas entre os sujeitos, compreen-
dendo, assim, a necessidade do pensamento crítico-reflexivo
que respeite as diferenças encontradas na sociedade, dando as-
sim, à educação, uma conotação heterogênea, sendo valoriza-
das as diferenças, a diversidade, a multiculturalidade.
No decorrer de nosso estudo, percebemos que o diá-
logo é uma palavra-chave nos pensamentos de ambos autores e
que, a partir do diálogo estabelecido entre o professor e aluno,

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dá-se o primeiro passo a concepção de educação como liberta-


dora, com vistas ao aluno e seu conhecimento prévio, ao olhar
para o estudante compreendendo o todo de sua individualida-
de, suas singularidades, mas que, integrada ao todo, se torna
parte indissociável do coletivo que se forma na escola e que
forma a escola em processos interlocutivos constantes com o
meio social.
Ao levarmos a educação para uma perspectiva tradi-
cionalista homogeneizadora, tiramos a oportunidade de explo-
rar as diferenças, crescer e aprender com elas. Transformamos
a possibilidade de emancipação em uma teoria inalcançável
onde sujeitos se tornam objetificados por uma ordem explica-
dora, que produzirá sujeitos embrutecedores, não estabelecen-
do a relação com o outro, mas criando seres individuais que
irão reproduzir práxis individualistas, não compreendendo a
importância do próximo na sua constituição enquanto sujeito,
aluno e, até mesmo, professor.
A partir das leituras realizadas dos autores que foram
propostos nesse estudo, abrimos nosso horizonte para de-
senvolver uma educação dialógica em três dimensões: eu-eu,
eu-tu, eu-mundo. Sem essa tríade, nos tornamos egoístas no
que concerne à partilha do saber, ao descobrir, ao pesquisar,
ao compreender. Temos que nos conceber enquanto sujeitos e
ter consciência de nossas particularidades, sem esquecer que
estamos em um mudo envolto de valorações e outros sujeitos,
e que sem a reciprocidade no diálogo, não há transformação do
conhecimento, da prática, do meio social.
Somos seres em constante movimento buscando por
uma educação que acompanhe essas novas dinâmicas sociais
que surgem no diálogo, na experiência, na vida vivida em
conjunto. É nessa cinesia social que encontramos o empode-
ramento: como prática de cunho intrinsecamente social que
possibilita aos sujeitos imersos em um ambiente perpassado
por valorações, crenças e relações de poder, escolherem traçar
seus caminhos livre das pressões que possam surgir. Um sujei-

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to livre para ir e vir, devagar em seus próprios pensamentos e,


principalmente, pensar, ser, crer, agir e se abrir para um mundo
de experiências.
REFERÊNCIAS
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o
minidicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo,
2008.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. São
Paulo: Paz e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17a. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre
a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autentica, 1987.

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“É PEGAR OU LARGAR”: A LUTA DE


MÃES TRABALHADORAS NA ILHA DO
GOVERNADOR PELO DIREITO À CRECHE

LUCCHESI, Jane Chalão1


Introdução

É preciso encher o mundo de histórias; histórias de su-


jeitos não nomeados, histórias de pessoas e lugares que
só passam a existir após instituídos por uma câmera de
televisão, registrados por fotografias ou narrados em fil-
mes, revistas, jornais, novelas, livros. O mundo, as vidas
das pessoas, as identidades são construídos, inventados,
instituídos a cada nova história que circula (Costa, 1998,
p. 251).

Inicio a apresentação deste estudo com um convite


à leitura desta citação de Marisa Vorraber Costa, que dialoga
com a minha pesquisa “É pegar ou largar2”: A luta de mães
trabalhadoras na Ilha do Governador pelo direito à creche.
Meu estudo, assim como também afirma Costa, demonstram o
quanto é importante dar visibilidade aos “sujeitos não nomea-
dos”, às “histórias de pessoas e lugares que só passam a existir
após instituídos por uma câmera de televisão” ou através de jor-

1 Mestranda em Educação pela FFP (Faculdade de Formação de Pro-


fessores / UERJ), na Área de Processos Formativos e Desigualda-
des Sociais, orientanda da Profª Drª Maria Tereza Goudard Tavares.
Docente da Educação Básica na rede pública do município do RJ.
E-mail jane.lucchesi@rioeduca.net
2 O termo “É pegar ou largar” foi tomado de empréstimo da lingua-
gem não formal das camadas populares (TAVARES, 1995, p. 50) que,
nesse estudo, pode ser entendido como a aceitação ou não aceitação,
pegando ou largando, a vaga em creche comunitária conveniada.

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nais, dentre tantos outros meios. Mais especificamente neste


caso, através de uma pesquisa acadêmica, que pretende recons-
truir e dar visibilidade à luta das mães trabalhadoras do Guara-
bú, na Ilha do Governador, pelo direito à creche.
Em minha compreensão, a luta dessas mães caracte-
riza um importante dispositivo de mobilização junto aos mo-
vimentos sociais por educação infantil no município do Rio de
Janeiro. Assim, a presente pesquisa busca investigar a relação
dessas mães com o direito aos equipamentos de atendimento à
pequena infância no município, intencionando mapear o sen-
tido das lutas e o repertório de ações desenvolvidas por essas
mães ao longo de três décadas de lutas pelo direito à creche.
Para justificar a importância desse estudo, é necessá-
rio tecer algumas considerações sobre a minha trajetória pro-
fissional e pessoal, mesmo que de forma resumida.
A minha trajetória educacional foi cursada integral-
mente em instituições de caráter público e popular, das quais
a maioria possuía projetos pedagógicos compromissados com
a escolarização dos estudantes das camadas populares, sendo:
escolas geridas pela prefeitura nos subúrbios do Rio de Janeiro;
em colégio estadual e a graduação, concluída na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
Durante a minha trajetória de estudante na univer-
sidade, enquanto cursava a graduação, estabeleço a principal
motivação por estar estudando este tema, pois, no mesmo
período, ocorreu a minha inserção no mundo do trabalho e
na maternidade, como se estes acontecimentos tivessem que
ocorrer todos concomitantes como oportunidades e não como
escolhas, cada um a seu tempo. Tudo teria sido muito diferen-
te, não fosse a estrutura desigual de nossa sociedade.
Tive que romper barreiras visíveis e invisíveis. Assim,
pude perceber, especialmente por experiência própria, como as
mães das camadas populares ficam vulneráveis com a ausência
de políticas públicas voltadas à pequena infância. Tal vulnera-
bilidade, bem como a concreta ausência de políticas públicas

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para o atendimento às crianças pequenas, foram vivenciadas


em minha própria trajetória, quando precisei afastar-me do
trabalho, devido à falta de creches públicas ou mesmo parti-
culares que pudessem ser pagas com a baixa remuneração que
recebia.
A partir de então, ao longo de vinte e seis anos de
magistério no município do Rio de Janeiro, venho exercendo
vários papéis, além da regência de turmas: professora de sala
de leitura, coordenadora pedagógica, supervisora de turmas,
professora articuladora de creche, supervisora de creches con-
veniadas e assessoria aos gestores da 4ª e da 11ª coordenadorias
regionais de educação.
Do ponto de vista das razões e da relevância de meu
estudo, no ano de 2013 pude ter um contato ainda maior com
meu campo de investigação, a creche comunitária conveniada3.
Neste período, atuava como supervisora vinculada à Secretaria
Municipal de Educação/ SME-RJ nesta modalidade de atendi-
mento às crianças da pequena infância, na Ilha do Governador.
A partir de meu trabalho como supervisora na Ilha do
Governador, tomo conhecimento mais detalhado do projeto
da rede conveniada, principalmente do contrato financeiro,
verificando que estas são mantidas por doações e pelo paga-
mento de R$120,00 (cento e vinte reais) mensais pela prefeitura
por criança atendida, como per capita, dentro da meta de cada
creche conveniada. Meta esta que se caracteriza pelo quantita-
tivo de crianças matriculadas dentro de cada convênio.
Dessa forma, dialogando com a minha trajetória e mo-
tivações na pesquisa, recorro a Michel de Certeau, para com-
preender que o (a) pesquisador (a), muitas vezes se vê distan-
ciado, não tendo relação com o que está sendo estudado, o que
reforça no meu caso, a importância de ter sido supervisora
destas creches, aproximando-me da realidade do campo e das
questões que estão sendo investigadas (CERTEAU, 1994).
3 As creches comunitárias tiveram sua origem na resposta alternativa
das demandas populares (TAVARES, 1995).

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Inquieta-me, também, como, a partir de poucos sub-


sídios, as profissionais destes espaços, exclusivamente femini-
no, buscam desenvolver um trabalho de qualidade com o foco
no atendimento às crianças, tendo que gerenciar com destreza
e muita parcimônia a pouca verba que recebem, que, no caso
de meu estudo, é implementado a partir da creche comunitá-
ria conveniada Centro de Atividades Educacionais e Culturais
Arca de Noé, doravante denominada Arca de Noé.

Mapa da Ilha do Governador


Creche comunitária Conveniada Arca de Noé

Nessa perspectiva, a pesquisa em tela procurará, a


partir da problematização do cotidiano de vida de um grupo
de mulheres das camadas populares, investigar a ação das mães
trabalhadoras no processo de democratização e lutas sociais no
país, entendendo, por exemplo, que a organização dos clubes
de mães (SADER, p. 199, 1988), deu passos importantes em
direção à politização dos problemas que afetam o cotidiano
popular, em especial o atendimento de crianças pequenas em
creches públicas. O estudo pretende também, dar visibilida-
de às lutas implementadas pelas mães trabalhadoras da creche
Arca de Noé, reconhecendo seus direitos e conquistas sociais
em defesa ao direito à Educação.

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Do ponto de vista da fundamentação teórica, busca-


rei a partir do diálogo com os pensamentos de Maria Lacer-
da de Moura (MOURA, apud MENDES, 2010) e dos escritos
de Éder Sader em relação às questões das lutas das mulheres,
principalmente das mulheres das camadas populares, sendo
feito um recorte histórico das ideias libertárias e feministas de
Maria Lacerda, no início do século XX, bem como dos estudos
implementados por Sader, principalmente em sua obra “Quan-
do novos personagens entraram em cena” (1988) no período
de abertura política, no final do mesmo século.
A partir dos diálogos estabelecidos entre mim e as en-
trevistadas, que o atendimento da creche conveniada Arca de
Noé também teve início mais especificamente no ano de 1984,
ano em que iniciou as suas atividades com as crianças. Nesse
sentido, tenho como intencionalidade investigar o processo de
constituição da creche, enfocando, principalmente, movimen-
tos de sua criação, os seus processos de luta, inventariando
através de documentação, jornais da época e entrevistas, o pa-
pel das mães no que se refere à conquista desse direito, que hoje
ainda se mantém subsidiado por doações e pelo poder público,
demonstrando que a luta por vaga e pela qualidade do atendi-
mento às crianças na creche conveniada Arca de Noé, continua
(ainda) sendo resultante das lutas das mulheres pelo atendi-
mento educativo aos seus filhos (as).
Assim, tomando de empréstimo o pensamento de
Paulo Freire como embasamento teórico para o meu estudo,
procurarei, principalmente através da concepção de conscien-
tização de Freire (1979), relacionar a luta por vaga na creche
conveniada Arca de Noé às dificuldades enfrentadas pelas
mães trabalhadoras em conseguir um espaço de atendimento
educativo às suas crianças pequenas, especialmente porque a
vaga na creche implica na continuidade das mesmas na vida
profissional, garantindo a sua inserção no mercado de tra-
balho, sendo que estas mães, na grande maioria das famílias
populares, são as principais ou únicas provedoras familiares,

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estruturando-se em famílias matrifocais, também conhecidas


como monoparentais. Nesta constituição familiar, a mulher,
solteira ou separada do pai da criança, acaba tendo para si toda
a responsabilidade de criar o filho, financiando seu sustento,
apoiando-o emocionalmente, dentre tantas outras atribuições
que são conferidas a estas mulheres mães. Fato que ainda é
mais acentuado quando a questão é abordada a partir da inter-
seccionalidade de gênero, classe e etnia:
a dimensão da pobreza se aprofunda quando se vin-
cula monoparentalidade, sexo e etnia, pois as famílias
monoparentais chefiadas por mulheres negras têm se
mostrado com menores condições de oferecer cui-
dados básicos para seus filhos (CARVALHO, apud
BARBOSA, 2012)

Esta atuação em várias frentes na qual as mulheres das


famílias matrifocais foram inseridas perpetua-se, muitas vezes,
desde a pequena infância até a vida adulta. Esta questão será
objeto de aprofundamento teórico no desenvolvimento de mi-
nha pesquisa.
A partir do aprofundamento das questões e caminhos
da pesquisa, outras noções poderão ser abordadas de acordo
entre o meu diálogo com a obra dos autores que dão aporte
teórico e conceitual.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
Não tenho um caminho novo.
O que tenho de novo é um jeito de caminhar
Thiago de Melo
Destaco a fundamentação teórico-metodológica des-
te estudo dialogando com o pensamento acima de Thiago de
Melo para mostrar que não tenho um caminho novo, porque
houve pensadores que já trilharam pelos rumos das lutas das
mães trabalhadoras por creche até o ano de 2000, mas que o
meu jeito de caminhar é novo, graças ao caminho teórico-me-

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todológico escolhido para falar desses novos sujeitos, as mu-


lheres mães trabalhadoras do Guarabú, Ilha do Governador, no
município do Rio de Janeiro.
A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: DIÁLOGOS DE
PENSAMENTOS
O aporte teórico freireano está sendo utilizado nesta
pesquisa, pois compreendo que o mesmo amplia de forma vi-
gorosa algumas das questões fundamentais para a compreen-
são e análise da temática de estudo. Desta forma, dialogando
com Freire entendo que “é preciso compreender qual a posi-
ção que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir a uva e quem lucra com esse trabalho” (2005, p. 52).
Esta citação me parece exemplificar a relação do pensamen-
to de Freire com a questão da consciência crítica das mães do
Guarabú.
Paulo Freire, em toda a sua trajetória epistêmica e po-
lítica, especialmente em sua teoria da práxis política, deixa
expressa a responsabilidade da ação social de cada sujeito na
transformação da sua realidade. Assim, a influência do pensa-
mento Freireano vai além do campo da educação. Está presente
em muitos movimentos sociais de caráter crítico e emancipa-
tório, em especial, segundo minha compreensão, no despertar
da consciência crítica das mulheres do Guarabú ao perceberem
que deveriam se mobilizar para, de forma coletiva reivindicar
um espaço de educação e cuidados para suas crianças. Assim,
a creche conveniada Arca de Noé, seria fruto da luta coletiva
de um grupo de mães pelo direito à educação de suas crianças,
principalmente na situação concreta da reprodução de sua for-
ça de trabalho.
Pela especificidade deste estudo, busco discutir o sen-
tido que os movimentos sociais têm para Paulo Freire, através
de um recorte do pensamento deste autor, estabelecendo uma
relação entre a mobilização das mulheres trabalhadoras pelo
direito à creche e os movimentos sociais, tão importantes para

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a formação de diversos grupos na época em que ocorre o início


da luta pela creche conveniada Arca de Noé, em 1984.
Paulo Freire e outros autores da Educação Popular in-
tencionavam que homens e mulheres discutissem as questões
concretas de suas realidades sociais, levando-os, dessa forma, a
participarem efetivamente do processo histórico e da situação de
mudança advinda de suas leituras de mundo. A Educação Popu-
lar procura utilizar a cultura popular para despertar a consciên-
cia crítica e transformadora das pessoas das camadas populares. 
Nessa perspectiva, não haveria para Freire, então, uma
força sobrenatural guiando a história. Todos têm que assumir
a responsabilidade ética pelo que dizem e fazem, sem negar
os condicionamentos sociais, culturais e políticos a que se está
submetido. É imprescindível, portanto, reconhecer que somos
seres condicionados, mas não determinados, pois a história é
um tempo de possibilidades e não de determinismos (FREIRE,
1996, p.58). Os conhecimentos e a realidade não são, assim,
fechados e inacessíveis; mas são, na realidade, campos de pos-
sibilidades. O futuro é, então, problemático, mas não imutável.
Nesse ponto, a ideologia dominante se empenha em
nos convencer de que não podemos fazer nada, além de aceitar
passivamente e nos adaptarmos à realidade, que é apresen-
tada como se fosse um fenômeno natural, e não um processo
social que é construído e modificado permanentemente pela
ação de homens e mulheres na história, o que leva as mulheres
do Guarabú a enfrentarem o desafio da consolidação do novo
espaço da creche conveniada Arca de Noé, fazendo com que
mudem sua realidade de exclusão do mercado de trabalho, de
sua emancipação, transformando, inclusive, a realidade de ou-
tras mães, desde 1984 até o presente momento.
Portanto, de acordo com Freire (1979) para o processo
de libertação é necessário que haja a reflexão para ocorrer a
transformação. Sem a reflexão, o ativismo se torna desorgani-
zado e o engajamento acaba sendo utópico, não gerando diá-
logo. Então, a partir do diálogo entre Maria das Graças Reis,

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uma das lideranças do movimento no processo de construção


do atual espaço da creche conveniada Arca de Noé, com as mu-
lheres do Guarabú e com outros moradores, é que as mulheres
se mobilizaram para lutar pelo direito de suas crianças à creche.
Na relação dialógica entre esses homens e mulheres, na
busca de informações com seu meio, é que eles e elas vão se cons-
tituindo e tomando, cada vez mais, consciência de si e de sua pró-
pria realidade. É a partir do diálogo que a conscientização de si vai
construindo um novo homem e uma nova mulher, que, conscien-
te de si, é capaz de agir sobre si e sobre o meio que está inserido.
Podemos, então, pensar o diálogo como fonte de liber-
dade. É importante, portanto, que, de acordo com o pensamen-
to freireano, o homem e a mulher tenham consciência de si e
do mundo, sejam autônomos, tenham liberdade, pensem sobre
as questões que os cercam. Ou seja, ter liberdade para agir, agir
concretamente, transformando seu lugar de ação, transfor-
mando a sua realidade, assim como as mães que se mobiliza-
ram para lutar pelo direito à creche Arca de Noé.
Além do pensamento de Paulo Freire, a questão do fe-
minismo no Brasil e a luta das mulheres por emancipação pre-
sentes neste estudo, estão sendo desenvolvidas também com o
aporte de Maria Lacerda de Moura e Helena Hirata.
Maria Lacerda de Moura, uma das precursoras do
feminismo no Brasil, traz à tona, no início do século XX, as
lutas pelas quais as mulheres são submetidas no seu dia a dia.
Tomamos de empréstimo seu pensamento para pesquisar as
rupturas e permanências do movimento feminista no início do
século XX e no final do mesmo século / início do século XXI.
Optei por fazer uso de seu pensamento para melhor
estudar a luta das mães por creche, pois suas ideias perpassam
todo o século anterior e chegam ao século XXI com a atuali-
dade do engajamento do movimento feminista da atualidade.
A autora afirma que a emancipação feminina deva ser efeti-
vada dentro do campo educacional, do campo da moral e da
sexualidade. (MOURA, apud: MENDES, 2010, p.11). Segundo

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Maria Lacerda, em sua leitura sobre o patriarcado ocidental, a


mulher é escrava do homem, seja ele seu pai, marido, chefe ou
diretor espiritual. A maternidade, livre do estereótipo da “rai-
nha do lar” é também uma questão importante em seu pensa-
mento.
Assim como também estamos utilizando o pensamento
de Hirata para aprofundar os estudos sobre feminismo na atua-
lidade. Filha de brasileiros, Helena Sumiko Hirata nasceu no
Japão em 1946 e veio para o Brasil, em 1952. Perseguida pelo
regime militar por sua posição política de esquerda, exilou-se
na França no início da década de 1970.
Hirata  é filósofa, especialista em  sociologia do traba-
lho e do gênero. Seus estudos abordam questões sobre feminis-
mo, maternidade e divisão sexual do trabalho, que são questões
imprescindíveis para o aporte teórico desta pesquisa. Segundo
ela, apesar das conquistas femininas durante os últimos anos,
o poder continua sendo praticamente exclusivo do universo
masculino, o que leva, também, à necessidade de uma divisão
entre os gêneros mais justa em relação ao trabalho. Afirma que
as mulheres continuam recebendo salários menores do que os
homens, não sendo valorizadas na profissão.
Quanto aos movimentos sociais e a luta por creches no
Rio de Janeiro e em São Paulo, um recorte está sendo feito nes-
te estudo com o pensamento de Maria da Glória Gohn, Fúl-
via Rosemberg, Éder Sader e Maria Tereza Goudard Tavares,
que estão nos dando o aporte teórico necessário para entender
como e porque as mulheres começaram a se organizar para rei-
vindicar o direito à creche no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Maria da Glória Marcondes Gohn faz um recorte tem-
poral em seu estudo sobre a luta de mães por creche na peri-
feria de São Paulo, entre os anos de 1979 e 1982. Este período
conturbado da conjuntura político-econômica no Brasil é mar-
cado pelo início do processo de redemocratização, do qual o
país vinha conquistando através de inúmeras lutas de militan-
tes engajados à causa pela democracia.

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Gohn delimita seu estudo, abordando os movimentos


populares urbanos, em detrimento das várias formas de parti-
cipação no âmbito da sociedade civil, pois são os meios coleti-
vos de consumo que vão impulsionar os indivíduos a buscarem
o que lhes é de direito, ressaltando o fato de que estes mili-
tantes estão cientes de sua condição de direito, uma vez que
pagam impostos e que estes impostos deveriam ser investidos
em meios coletivos para as camadas populares.
Na revisão bibliográfica, Gohn afirma que até a dé-
cada de 1970 não existiam estudos sobre os movimentos so-
ciais populares urbanos no Brasil. O que mais se aproximou do
tema entre 1950 e 1960 foram pesquisas sobre a classe operária,
a burguesia brasileira e o populismo. A partir de 1978, surgem
os primeiros trabalhos sobre movimentos sociais urbanos.
Para dissertar sobre a criança da pequena infância,
principalmente de 0 a 3 anos, as pesquisas de Fúlvia Maria de
Barros Mott Rosemberg estão corroborando teoricamente com
as constatações que encontramos no campo.
A autora, em seu percurso acadêmico, dedicou-se a
dar visibilidade a essa faixa etária. Fúlvia Rosemberg afirma
que teremos subsídios para monitorar as políticas de atendi-
mento às crianças das creches, atendimento que reverbera no
cotidiano de suas mães, quando no Brasil e em toda a socie-
dade latino-americana o bebê deixar de ser discriminado nas
políticas públicas e, sobretudo, nas produções acadêmicas. A
creche não é concebida como um ambiente de ensino em nosso
país.
Sobre o contexto sócio-político, destaco as ideias do
sociólogo brasileiro Éder Sader, no livro “Quando novos per-
sonagens entraram em cena”. O autor analisa o processo de
abertura política a partir de novas categorias e reflexões sobre o
campo das discussões acerca dos movimentos sociais, indo de
encontro às abordagens estruturais anteriores4 que caracteriza-
4 No campo intelectual, a partir dos anos 1960, os estudos sobre mo-
vimentos sociais começaram a se modificar e novas configurações
para o debate foram sendo incluídas, apresentando-se como contra-

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vam as análises das ciências sociais. Sader apresenta ideias que


englobam duas categorias destes novos personagens em cena:
o sujeito coletivo e as matrizes discursivas que estes realizam
para uma abordagem da realidade.
Como indicadores da emergência de novas identida-
des coletivas este novo sujeito dos movimentos sociais se torna
uma categoria importante na medida em que sua identidade e
suas práticas urbanas se realizam na coletividade, “através das
quais seus membros pretendem defender seus interesses e ex-
pressar suas vontades, constituindo-se nessas lutas” (SADER,
1988, p. 55)
Do pensamento de Maria Tereza Goudard Tavares,
estou tomando de empréstimo sua contribuição acadêmica so-
bre as creches comunitárias conveniadas no estado do Rio de
Janeiro, principalmente o que diz respeito ao município cario-
ca, no qual se encontra o campo empírico de minha pesquisa, e
no município de São Gonçalo, uma das maiores cidades brasi-
leiras, onde apenas 5% das crianças de 0 a 3 anos estão em um
equipamento público ou privado de educação.
A constituição dos equipamentos de cuidado e edu-
cação de forma mais ampla e suas implicações junto às mu-
lheres mães trabalhadoras frente ao poder público estão pre-
sentes em seus estudos. Assim como também a autora traz à
tona as reivindicações suscitadas pelos movimentos sociais
dentro da conjuntura política brasileira. Trabalha ativamen-
te com as questões que envolvem a Educação Popular, espe-
cialmente com questões relacionadas aos movimentos sociais
urbanos.
ALGUMAS QUESTÕES SOBRE OS CAMINHOS DA
PESQUISA: A METODOLOGIA ESCOLHIDA
O presente estudo objetiva dialogar com uma perspec-
tiva teórico-metodológica da pesquisa participante (BRAN-
ponto à utilização da teoria marxista enquanto instrumento concei-
tual único para explicação das ações coletivas.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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DÃO, 1981, 1986) e da pesquisa intervenção (CASTRO, 2008;


PEREIRA, 2012), se estruturando como uma pesquisa quali-
tativa de cunho etnográfico, que visa aprofundar os estudos
sobre as lutas das mulheres na trajetória do direito à creche na
Ilha do Governador, buscando pesquisar de que forma esse di-
reito é prestado pela prefeitura do município do Rio de Janeiro
às mães trabalhadoras; isto é se o poder público tem reconhe-
cido os direitos e conquistas sociais das camadas populares no
campo educativo.
Para tanto, está sendo feito um levantamento docu-
mental e entrevistas com um grupo de mães da favela do Gua-
rabú, na ilha do Governador, com o objetivo de identificar
junto às educadoras comunitárias e às lideranças femininas
do Guarabú, a percepção das mesmas, referente ao direito ao
atendimento em creche subsidiado pelo poder público, ob-
servando o quadro de vagas existentes em oposição ao gran-
de número de crianças de 0 a 3 anos que estão à espera de
vagas5 nas creches públicas e /ou comunitárias conveniadas.
Também serão feitas entrevistas e levantamentos documen-
tais sobre o posicionamento dos gestores públicos da Secre-
taria Municipal de Educação do Município do Rio de Janeiro
sobre o atendimento à educação infantil na região, principal-
mente ao que tange às políticas públicas de expansão de vagas
em creches públicas.
Entendo que o levantamento das fontes documen-
tais, bem como as entrevistas de profundidade realizadas junto
às educadores e mães, nos oferecerão pistas importantes sobre
o inventário de lutas dessas mães por creches, além de explici-
tar a real demanda, a partir dos indícios de que a luta por vagas
na creche conveniada Arca de Noé vem sendo uma ação siste-
mática das mães trabalhadoras no bairro Guarabú.
5 O direito à educação infantil é assegurado pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção (LDB). Mas, segundo levantamento da Defensoria do Rio, há
atualmente 42.640 crianças de 0 a 4 anos aguardando por vagas em
creches no município.

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MOVIMENTOS SOCIAIS: REVISITANDO O PERÍODO


ENTRE 1970 E 1984
Para melhor compreender o cenário e a conjuntura das
questões vinculadas ao direito à creche e a luta das mulheres
na comunidade do Guarabú, em 1984, retomemos, também,
as ideias de Éder Sader (1988), autor que muito embora tenha
abordado as especificidades da constituição de novos sujeitos
sociais em São Paulo, entre as décadas de 1970 e 1980, nos ofe-
rece o seu pensamento e descreve o processo de construção das
identidades sobre as quais se apoiam os movimentos: Clubes
de Mães, Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Oposi-
ção Sindical Metalúrgica de São Paulo e o Movimento de Saúde
da Zona Leste. Assim, o “impacto dos movimentos sociais em
1978 levou a uma revalorização de práticas sociais presentes no
cotidiano popular” (SADER, 1988, p. 26-27).
Esses novos  movimentos sociais (Clubes de Mães,
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Oposição Sindi-
cal Metalúrgica de São Paulo e Movimento de Saúde da Zona
Leste) organizavam-se com base em três matrizes discursivas:
a teologia da libertação, através das CEBs (Comunidades Ecle-
siais de Base); as ideias marxistas dos grupos de esquerda que
buscavam maior integração com os trabalhadores, trazendo à
tona a questão da educação popular; e o  novo sindicalismo,
surgido a partir de uma estrutura sindical afetada pela inter-
venção militar nos sindicatos. 
Vale ressaltar também a importância da ação da Igreja
católica na nova organização dos clubes de mães, constatando
que, em grande parte, foram estes agentes que propuseram no-
vos padrões (SADER, 1988, p. 204). 
A partir da análise dessas matrizes discursivas, pode-
mos  salientar  que  as mesmas  foram responsáveis pelo surgi-
mento de uma nova esquerda durante o processo de abertu-
ra política no Brasil.  Sader chama a atenção para a fragmenta-
ção desses movimentos, que potencializam espaços públicos a
partir das experiências cotidianas dos sujeitos, sendo pela luta

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por transporte público, por exemplo, ou contra o elevado custo


de vida.
As “lutas do dia-a-dia” eram o aprendizado da
cidadania, o modo pelo qual pensavam suas pri-
vações enquanto injustiças que poderiam ser sa-
nadas se as pessoas injustiçadas se dispusessem
a lutar por seus direitos. Elas brotavam das quei-
xas do cotidiano, regadas por informações sobre
modos possíveis de mobilizar-se para alterá-lo.
(SADER, 1988, p. 210).

Estes novos atores, para além de sua importância na


conjuntura dos anos 1970, 1980, foram também essenciais no
processo de democratização do Brasil. Nessa perspectiva é que
as mulheres, através dos clubes de  mães  da periferia de São
Paulo, apesar de terem iniciado as atividades em torno de 1950
com o subsídio da prefeitura e de associações de caridade, pro-
movem nos anos 1970, um novo começo na história dos clubes
de mães, ao apontar  três aspectos relativos a essa nova organi-
zação, que são: a autonomia na organização, a constituição de
uma coordenação de  clubes de mães  e a   valorização da luta
contra a injustiça no lugar do assistencialismo via caridade. 
A problematização do cotidiano começa, então, a ga-
nhar espaço e, diante deste panorama, destacamos a importân-
cia do papel ocupado pelos clubes de mães. O novo padrão de
organização da conjuntura desta época traz em seu bojo a valo-
rização do cotidiano dessas mulheres e o que antes era conside-
rado como natural e privado, passa a ser uma questão pública,
pois, as lutas do dia-a-dia, originando-se do cotidiano, a partir
das privações, das injustiças vividas por estes novos persona-
gens que entram em cena, os impeliam a mobilizações para lu-
tarem por seus direitos, em um aprendizado de cidadania.
A valorização do cotidiano está presente também no
Movimento Custo de Vida, que é justamente quando a organi-
zação dos clubes de mães começa a politizar os problemas que
afetam o cotidiano popular, trazendo para o público a proble-

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matização  de questões  imediatas, referentes ao cotidiano,  re-


velando práticas reivindicatórias, que divergiam dos esquemas
tradicionais de clientelismo, desvinculadas das instituições do
Estado.
Na conjuntura política de fins dos anos 1960 e início de
1970, novas formas de participação conquistaram brechas no
regime militar instaurado no Brasil, mesmo que estas formas
de participação fossem embrionárias e muito sufocadas pela
ditadura então vigente e sofrendo de severa repressão do Esta-
do sobre a sociedade civil. Assim, a organização, a mobilização
e a consequente conscientização das camadas populares ocor-
rem durante o processo de abertura política no país. Esse novo
panorama político é conquistado a partir da mobilização das
camadas populares e de alguns sujeitos das camadas medianas,
além, também, do fato do Brasil estar inserido em uma con-
juntura que pressionava o processo de abertura política. Este
processo de abertura, conquistado pela população com muita
repressão, tortura e morte, segundo Gohn (1985), também é
uma tentativa dos grupos dominantes da sociedade em manter
a estrutura de dominação e exploração.
Na década de 1970, o movimento de luta por creches
é iniciado pela Igreja Católica, nas periferias de São Paulo. De
acordo com Gohn (1985), articulados estruturalmente, o mo-
vimento popular das CEBs da Igreja Católica e o movimento
feminista, são as matrizes explicativas básicas da luta por cre-
che em São Paulo.
A conjuntura no período do regime militar impõe o
cerceamento da liberdade do indivíduo, o que corrobora, in-
clusive, com o deslocamento das lideranças dos movimentos
operários para os bairros da periferia. Os Clubes de Mães são,
então, constituídos dentro dos Centros Comunitários da Igre-
ja, formados por uma grande maioria de mulheres que traba-
lham fora de casa. Eles representavam um espaço de discussão
política usado para problematizar o cotidiano. Esses Clubes
de Mães tiveram importância ímpar para as mulheres, pois

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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foi a partir deles que foi organizado o Movimento de Luta por


Creches, além também do Movimento de Carestia, ex Custo de
Vida.
Os elementos que levaram à formação do Movimento
de Luta por Creche são estruturais, quando o sistema de produ-
ção fez com que a mulher tivesse a necessidade financeira de en-
trar no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, são elementos
conjunturais, pois o Estado pós 1974 é cada vez mais pressiona-
do pela sociedade civil a ceder às reivindicações destes grupos.
Entretanto, a incorporação da mulher dentro desta
nova conjuntura como mão de obra assalariada, não encontrou
o suporte devido com uma infra-estrutura necessária ao desem-
penho das funções socialmente atribuídas exclusivamente ao
gênero feminino, como cuidar da casa e dos filhos. Os movi-
mentos sociais reivindicavam, então, bens urbanos que dessem
suporte à inserção das camadas populares no mercado de tra-
balho.
Esta mulher, ao ser compelida ao mundo do trabalho
assalariado, passa por um processo de conscientização da opres-
são sofrida por ela na sociedade e até mesmo dentro da própria
família.
Junto às camadas populares, as camadas médias da so-
ciedade também podem ser encontradas nos movimentos po-
pulares das periferias. Isto ocorre por estarem as camadas mé-
dias em vias de proletarização ou por questões políticas. Muitos
desses sujeitos moram nos bairros pobres e alguns trabalham
em instituições situadas nestes locais. Segundo Gohn, a “parti-
cipação dessas camadas é fundamental na organização das lutas
e protestos.” (GOHN, 1985, p.109)
A reivindicação por creche permitiu que o Movimen-
to Feminista se fizesse presente junto às camadas populares, na
mesma proporção que o Movimentos Feminista influenciou o
Movimento de Luta por Creches.
Gohn afirma que “a luta por creches é uma luta da so-
ciedade (GOHN, 1985, p. 110), pois a creche é uma necessidade

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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social para a mulher e, inclusive, para o homem. Muito embora,


estudos apontem que esta luta tem sido praticamente exclusiva
do gênero feminino.
Alguns anos mais tarde, ainda no processo de luta de
novos atores, em 1984, quando foi iniciado o atendimento às
crianças da creche conveniada Arca de Noé, o contexto político
apresentava, ainda sob a égide de 20 anos de ditadura militar, o
movimento “diretas já”, que pressionava nas ruas à implemen-
tação de eleição direta pelo povo para Presidente da República.
Entretanto, neste mesmo ano, pelo voto indireto no congresso,
acaba sendo eleito Tancredo Neves, que morre e quem assume
efetivamente é seu vice, José Sarney. A hiperinflação acaba atra-
vessando toda a década de 1980.
a democracia política não resolveu os problemas eco-
nômicos mais sérios, como a desigualdade e o desem-
prego. Continuam os problemas da área social, sobre-
tudo na educação, nos serviços de saúde e saneamento,
e houve agravamento da situação dos direitos civis no
que se refere à segurança individual (CARVALHO,
2001, p.199).

E, de acordo com Ana Cristina Coll Delgado, (2005),


a crise econômica dos anos de 1980 impulsionou um
número cada vez maior de mulheres a aceitar empregos
não-regulamentados, devido às rendas decrescentes das
famílias, especialmente na América Latina e na África.
As mulheres latinas estão fortemente representadas no
setor informal e doméstico. (POTENGY; PAIVA, 1999
op. cit. COLL, p.154, 2005)

A crise econômica, ainda segundo Delgado (2005),


obriga as mães que deixem suas crianças sob a guarda de cui-
dadoras, quando não há creche, o fazendo por imposição das
circunstâncias sócio-econômicas a que estão submetidas. 
EM BUSCA DO COMUNITARISMO
Etimologicamente, o termo comunidade e seus deri-
vados origina-se do latim “comunitate”, que significa

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entre outras coisas “concordância, conformidade,


identidade.” (FERREIRA, 1986, p.444 apud TAVA-
RES, 1992, p. 22)

O uso do termo comunidade vem sendo amplamente


utilizado pela mídia, pelo discurso do Estado e pelos sujeitos
das camadas populares. Mas, ao se nomear um determinado
grupo pelo termo comunidade, quando imbuído da ideologia
das camadas dominantes, pode estar reproduzindo e manten-
do as diferenças sócio-econômicas dentro da sociedade.
Assim, partindo das necessidades do povo, as creches
comunitárias conveniadas surgem como resposta às reivindi-
cações da sociedade por direitos fundamentais. Entretanto,
essas creches comunitárias são, na realidade, uma resposta di-
ferenciada dos demais equipamentos públicos de atendimento
à pequena infância, tendo em vista que o pagamento do convê-
nio para a manutenção das mesmas representa um custo me-
nor para o Estado. Ou seja, menos verba é direcionada para as
crianças que são atendidas pelo convênio.
Em relação ao comunitarismo no Brasil, para anali-
sá-lo, precisamos revisitar a conjuntura política do país para o
entendimento sobre as questões comunitárias, de forma resu-
mida o bastante, mas com um recorte temporal que possibilite
maior compreensão sobre as relações entre os sujeitos das ca-
madas populares e a luta por creche.
O governo invertera a ordem do surgimento dos di-
reitos descrita por Marshall, introduzira o direito
social antes da expansão dos direitos políticos. Os
trabalhadores foram incorporados à sociedade por
virtude das leis sociais e não de sua ação sindical e
política independentes. Não por acaso, as leis de 1939
e 1943 proibiam as greves.

A situação é ainda mais complexa se lembrarmos que


a ação governamental dividia a classe operária. Os se-
tores menos organizados estavam dispostos a pagar
o preço da restrição política para ter o benefício dos
direitos trabalhistas e sociais. Isso ficou claro no final

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do Estado Novo. Ao perceber que a guerra caminha-


va para um final desfavorável ao Eixo, Vargas teve a
certeza de que a ditadura não sobreviveria, apesar de
estar lutando ao lado dos prováveis vencedores. Co-
meçou, então, a preparar a transição para um regime
constitucional. Uma das táticas utilizadas foi tentar
ganhar o apoio dos trabalhadores usando o argumen-
to da legislação social e trabalhista. (CARVALHO,
2001, p.124)

Neste contexto, a partir de 1930, governo de Getúlio


Vargas, o país passa por uma transformação político-econômi-
ca. A industrialização, que começava a ser implementada no
país, expulsa a população do campo para os grandes centros
urbanos. A economia, que antes possuía o caráter agrário, mo-
nocultor, latifundiário e exportador, neste momento passa a se
ocupar da industrialização nos grandes centros urbanos, aju-
dando a consolidar, assim, a implantação do perverso sistema
capitalista no Brasil.
O êxodo rural que então ocorre, obriga que um gran-
de número de pessoas analfabetas migrem para as cidades. Este
contingente reforça a oferta de possível mão de obra na indús-
tria. Entretanto, visando à qualificação desses operários, sur-
gem as primeiras atividades de educação popular, como uma
resposta ao processo de industrialização e urbanização que
ocorriam, portanto, no país. Os processos de industrialização
geraram, então, três eixos de atividades, que são: a alfabetiza-
ção de adultos, a qualificação da mão de obra e o desenvolvi-
mento comunitário.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, 1945, os países
economicamente desenvolvidos do bloco capitalista, principal-
mente os Estados Unidos, intensificam seu poder político-e-
conômico sobre as demais nações da América Latina. Nesta
conjuntura, o Brasil sofre intensiva intervenção americana, no
sentido de acelerar a industrialização no país. O que ocasiona a
consolidação do capitalismo no território brasileiro e as nefas-
tas consequências que este sistema carrega em seu bojo.

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Assim, com o objetivo de invisibilizar a injustiça só-


cio-econômica provocada pelo capitalismo, são implementa-
das ações de cunho comunitário, promovidas pelo Estado bra-
sileiro e subsidiadas, principalmente, pelo governo americano.
Em contrapartida, a partir de 1945, são intensificadas
atividades de educação popular a nível nacional. A proposta
principal é ajudar as camadas populares a resolverem questões
oriundas das demandas não atendidas pelo poder público.
Assim, com o intuito de reverter o desequilíbrio nos
grandes centros urbanos, causado pelo processo desordena-
do de urbanização e restabelecendo, desta forma, o equilíbrio
vital nas “comunidades”, visando à manutenção do poder dos
grupos dominantes, são criados os CSUs (Centros Sociais Ur-
banos) pelo Instituto da Previdência Social, a Igreja Católica,
o SESI (Serviço Social da Indústria), o SESC (Serviço Social
do Comércio), a LBA (Legião Brasileira de Assistência), dentre
outras instituições.
A MOBILIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL: A CONQUISTA
DA CRECHE NO GUARABÚ
(...) percebemos que as demandas populares, ao não
obterem ‘respostas oficiais’ para suas reivindicações,
vão criando formas alternativas de satisfazer as suas
demandas educativas: recorrem às ‘explicadoras’, es-
paços de casas, Associações de Moradores, Igrejas,
são transformadas em salas de aula... nascem as es-
colas e creches comunitárias. (TAVARES, 1995, p.45)

Em relação à mobilização que faz surgir alternativas


para o atendimento das demandas não atendidas pelo poder
público, Nogueira (2003) em seu estudo sobre a redescoberta
da sociedade civil, mostra o ativismo comunitário e os novos
movimentos sociais dentro de um panorama político-econô-
mico onde, durante esse mesmo período, o sistema socialista
do Leste europeu entra em queda, assim como também está
ocorrendo o fim paulatino dos regimes ditatoriais na América
do Sul durante a década de 1980.

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Nessa conjuntura, os movimentos por democratiza-


ção impulsionados pelos atores desse contexto sócio-histórico,
não tinham mais seus direitos plenamente monitorados e cer-
ceados pelo Estado como no auge da ditadura militar, regime
instaurado no Brasil a partir do golpe de 1964. Assim, os movi-
mentos, as ações e os organismos que surgiam e que não eram
mais regulamentados exclusivamente pelo Estado fizeram sur-
gir a ideia de uma “terceira esfera, ao largo do mercado e do
Estado moderno” (AVRITZER, 1994, p. 12, apud NOGUEIRA,
2003, p. 188), vinculando a ideia de sociedade civil a esta ter-
ceira esfera, que estaria submetida ao ativismo e à solidarieda-
de social. A democratização do Brasil a partir desse pe-
ríodo carrega em seu bojo a globalização e, consequentemente,
traz também a modernização capitalista. O capitalismo, então,
implementa ainda mais o empobrecimento nas camadas popu-
lares. A democracia fica comprometida, no aspecto que tange
ao efetivo gozo dos direitos básicos dos cidadãos, acentuando a
diferenciação social, assim como também são comprometidas
as ações das sociedades civis que atuam no âmbito deste novo
panorama sócio-político.
Muitos governos falam de sociedade civil para legi-
timar programas de ajuste fiscal, tanto quanto para
emprestar uma retórica modernizada para as mesmas
políticas de sempre, assim como outros tantos gover-
nos progressistas buscam sintonizar suas decisões e
sua retórica com as expectativas da sociedade civil.
Em suma, o apelo a essa figura conceitual serve tan-
to para que se defenda a autonomia dos cidadãos e a
recomposição do comunitarismo perdido, como para
que se justifiquem programas de ajuste e desestatiza-
ção, nos quais a sociedade civil é chamada para com-
partilhar encargos até então eminentemente estatais.
(NOGUEIRA, 2003, p.186)

Dentro dessa perspectiva, a creche comunitária con-


veniada Arca de Noé começa sua atuação junto às mulheres do
Guarabú, Ilha do Governador, no município do Rio de Janeiro,

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a partir de questões comuns a todas as creches comunitárias,


que é a necessidade da inserção das mulheres no mercado de
trabalho, atrelada à ausência de equipamentos onde possam
ser oferecidos cuidado e educação à pequena infância. Partin-
do dessa alternativa de atendimento, o governo estabelece con-
vênio com as creches comunitárias, na tentativa de converter
essa sociedade civil em um “recurso gerencial – um arranjo
societal destinado a viabilizar tipos específicos de políticas pú-
blicas” (NOGUEIRA, 2003, p.187), dentro do projeto neolibe-
ral disseminado pelo sistema capitalista no país.
... se enfatiza unilateral e axiologicamente o associati-
vismo – considerando-o um âmbito de autenticidade
social e virtude cívica, por exemplo –, pode-se não
só esvaziar o político-estatal de sentido, como tam-
bém oferecer justificativas para as posições que, em
nome da recuperação das “tradições perdidas”, da pu-
reza popular ou do espontaneísmo social, combatem
justamente as funções reguladoras e distributivas do
Estado, valendo-se muitas vezes de expedientes au-
toritários ou paternalistas. Pode-se, por exemplo, na
esteira de um certo comunitarismo neoconservador,
concluir que o declínio cívico e moral da sociedade
(a violência, a pornografia, o egoísmo, a droga, o con-
sumismo) deve-se ao excesso de desenvolvimento, de
política institucional (de “politicagem”) ou de direitos
regulamentados. (NOGUEIRA, 2003, p.196)

Percebemos, então que o reconhecimento do atendi-


mento em creches no Brasil como um direito educacional das
crianças foi uma conquista da mobilização da sociedade civil,
principalmente das mulheres militantes das classes populares
e do próprio movimento feminista, de modo mais amplo, que
na década de 1980 foram à luta, organizando unidades de aten-
dimento à pequena infância e, ao mesmo tempo, cobrando ao
Poder Público o atendimento por suas demandas fundamen-
tais.
A partir de então, as manifestações protagonizadas
pelas mulheres do Guarabú, reivindicando o direito à creche

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em 1984, a princípio, podem ser confundidas somente como


manifestações coletivas. Entretanto, segundo Gohn, o que
difere as manifestações coletivas dos movimentos sociais é o
fato destes últimos possuírem uma trajetória dentro de deter-
minada conjuntura (GOHN, 1985, p. 48), expressando, assim,
problemáticas das perversas contradições da sociedade. Par-
tindo desta perspectiva, podemos afirmar que a organização
dessas mulheres insulanas faz parte de um movimento maior
de emancipação feminina, que busca a creche como parte deste
processo, liberando parte de seu dia para que possa ser inserida
nas disputas do mercado de trabalho.6
Sendo assim, outros questionamentos feitos nesta
pesquisa serão: Como apoiar as mães que precisam da creche
para poder trabalhar? Como romper com práticas do gover-
no que excluem muitas crianças da educação infantil? Como
as camadas populares podem pressionar o poder público para
aumentar o número de vagas nas creches levando em consi-
deração a ação pouco democrática do governo? E, principal-
mente, qual é o papel da creche conveniada Arca de Noé na
contemporaneidade e como ela lida com suas dificuldades de
funcionamento e financiamento frente ao poder público?
E o que dizer das mães que não conseguem vagas e
têm que tirar grande parte do seu baixo salário, quando po-
dem, para pagar uma creche? Ou, no caso das que não podem
pagar, deixando as crianças com irmãos mais velhos, outros
parentes ou vizinhos?
Com tudo isso, é importante perceber também que
a Educação Infantil é um ambiente privilegiado para a cons-
trução de conhecimento e valores, saberes, e comportamentos
enfatizados e legitimados num determinado tempo e contexto.
Assim, a não inclusão de muitas crianças neste mo-
mento importante da vida, de 0 a 6 anos incompletos, acaba
se apresentando como uma consequência perversa da exclusão
6 Pesquisas comprovam que ainda hoje as mulheres recebem salários
menores, mesmo desempenhando as mesmas funções que os ho-
mens.

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social e cultural que um grande contingente de crianças das


camadas populares é exposto diariamente.
Além disso, reitera cotidianamente a exclusão social
e territorial mais ampla, que muitas famílias das camadas po-
pulares, especialmente de famílias populares negras que vivem
nos bairros pobres no município do Rio de Janeiro. Bourdieu
(1997) mostra como a sociedade reproduz no indivíduo as suas
estruturas políticas, estruturas econômicas, modelos de pensa-
mento, valores. Essa reprodução, que ocorre de forma incons-
ciente, é encarnada no sujeito desde seus primeiros contatos
sociais. Portanto, quando a inserção das crianças na pequena
infância nos equipamentos escolares, em especial nas creches,
não é conquistada pelas mães, essas crianças têm a família
como a primeira e, às vezes, única instituição social com a qual
têm contato. As famílias das camadas populares, então, por
não poderem ter acesso ao capital cultural que as levem a rom-
per com esta reprodução interna da incorporação das estru-
turas da sociedade no sujeito, dão continuidade a hábitos que
reforçam, inclusive para as crianças, cada vez mais a exclusão,
principalmente da mulher, negra, pobre e favelada.
A reunião num mesmo lugar de uma população ho-
mogênea na despossessão tem também como efeito
redobrar a despossessão, principalmente em matéria
de cultura e de prática cultural: as pressões exercidas,
em escala de classe ou do estabelecimento escolar ou
em escala de conjunto habitacional pelos mais caren-
tes ou os mais afastados das exigências constitutivas
da existência “normal” produzem um efeito de atra-
ção, para baixo. (BOURDIEU, 1997, p.166)

Assim, a exclusão social é um fato implícito para as fa-


mílias das camadas populares, pois a ausência do capital cultu-
ral, do capital econômico e do capital social, por consequência,
geram nos sujeitos que se encontram subjugados, a ausência do
sentimento de pertença a áreas exclusivamente frequentadas
pela camada dominante da sociedade. Pois, “estando privados
de todos os trunfos necessários para participar dos diferentes

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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jogos sociais, eles não têm em comum senão sua comum ex-
comunhão.” (BOURDIEU, 1997, p.166) O hábito do indivíduo
vai depender, então, de uma relação direta da combinação en-
tre o capital cultural, o capital econômico e o capital social que
ele possui.
os que não possuem capital são mantidos à distância,
seja física, seja simbolicamente, dos bens socialmente
mais raros e condenados a estar ao lado das pessoas
ou dos bens mais indesejáveis e menos caros. A fal-
ta de capital intensifica a experiência da finitude: ela
prende a um lugar. (BOURDIEU, 1997, p.164)

A falta do capital seja econômico, cultural e ou social,


ou a combinação de todos eles, faz com que as famílias das
camadas populares, especialmente as famílias negras, que re-
presentam historicamente a grande maioria da população bra-
sileira, sejam excluídas de serviços e bens de consumo voltados
à elite. Fato que leva esses sujeitos a viverem segregados em
bairros pobres ou em favelas. Segundo Bourdieu (1997) o efeito
de naturalização dissimula e deforma as distâncias sociais den-
tro da sociedade hierarquizada.
Portanto, diferenças impostas no espaço público ou
até mesmo no espaço privado entre homens e mulheres por
questões históricas, parecem, aos olhos do sujeito que ainda
não desenvolveu a consciência crítica, que foram originadas da
natureza das coisas e não que foram condições impostas pela
sociedade na qual estão inseridos/as.
Acrescentemos, inclusive, o fato de que:
(...) sabemos também que, (...) entre outras caracte-
rísticas negativas tidas como intrínsecas a esses su-
jeitos, (...) imperam nos discursos hegemônicos so-
bre a questão, culpabilizando as vítimas do descaso
histórico do Estado com essas camadas da população
pelo seu suposto fracasso. Com isso, as necessárias
discussões em torno das inadequações das políticas e
práticas às necessidades e possibilidades dessa clien-
tela foram secundarizadas permanecendo restritas a

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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grupos de intelectuais e acadêmico, permanecendo


hegemônica a crença na culpa das populações pelo
seu insucesso. (OLIVEIRA, 2010, p. 204-5).

A falta de creches é um dos problemas mais sentidos


pelos sujeitos destituídos de capital cultural, capital econômico
e capital social, principalmente pelas mulheres sobre quem, na
grande maioria das famílias, ainda recai a responsabilidade ex-
clusiva pelo cuidado com os filhos. Portanto, a emancipação fe-
minina é um dos motivos pelos quais o estudo sobre a luta das
mulheres se torna tão importante. A creche passa, então, a re-
presentar parte do processo de emancipação dessas mulheres.
Assim é que praticamente não há mudanças no traba-
lho doméstico, pois, mesmo que a tecnologia tenha facilitado
as tarefas do lar, o que poderia representar rupturas no padrão
patriarcal da sociedade, a divisão sexual do trabalho domés-
tico continua apresentando permanências por sua atribuição
quase que exclusiva às mulheres (HIRATA, 2001, p.144).
As mulheres mães do Guarabú, em minha concepção,
herdeiras da luta pela emancipação feminina no início do sé-
culo XX, a partir do ano de 1984, vêem na creche comunitária
conveniada Arca de Noé, mais do que uma simples vaga em
um equipamento para cuidar e educar seus filhos.
Mesmo representando hoje mais de 50% da força de
trabalho, a exclusão das crianças da pequena infância da creche
é a principal causa para as mulheres deixarem seu trabalho,
apesar deste direito ter sido previsto em lei.
Meta 1: Universalizar, até 2016, a educação infantil na
pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de
idade e ampliar a oferta de educação infantil em cre-
ches de forma a atender, no mínimo, cinquenta por
cento das crianças de até três anos até o final da vigên-
cia deste PNE. (PNE, 2014. p.49)

Percebemos, então, a necessidade de refletir acerca


da inclusão da criança na educação infantil, que é um direito,
garantido no artigo 7º da Constituição Federal, em seu inciso

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XXV e ratificado no Plano Nacional de Educação, na meta nú-


mero 1, citada anteriormente.
Assim, segundo Füllgraf,
...) quem tem direito de acesso às vagas oferecidas na
rede municipal a cada ano? Mãe/pai que trabalham? a
criança “sujeito de direitos”? A família de menor ren-
da mas que comprova vínculo de trabalho? A crian-
ça mais pobre alvo dos programas emergenciais? Na
verdade, esses critérios, no mínimo, não respeitam os
direitos das crianças proclamados na forma da lei.(...)

A análise dos depoimentos realizados durante a pes-


quisa confirmam os processos de exclusão vividos na
sociedade capitalista, reforçando que são as crian-
ças filhas de famílias mais pobres as que têm menos
chance de acesso à educação infantil da rede pública.
(FÜLLGRAF, 2002, p. 08)

O que leva ao reforço do perverso efeito de lugar


(Bourdieu), formando um interminável ciclo de pobreza, a
partir desta criança que não é atendida nos equipamentos de
ensino para a pequena infância e da mãe que não consegue
um trabalho remunerado, por não ter onde deixar sua crian-
ça. Este fato é ainda mais agravante se considerarmos que na
maioria das residências brasileiras, a mulher mãe trabalhadora
é a principal ou única mantenedora da família.
MOVIMENTOS SOCIAIS E REBELDIA NA
CONSTITUIÇÃO DA CRECHE COMUNITÁRIA
CONVENIADA ARCA DE NOÉ, ENQUANTO ESPAÇO
POLÍTICO
Desde a segunda metade dos anos 70, acompanhando
o início da abertura do governo Geisel, houve enorme
expansão dos movimentos sociais urbanos. Como diz
o nome, eram movimentos típicos das cidades, sobre-
tudo das metrópoles. Entre eles estavam os movimen-
tos dos favelados. Eles já existiam desde a década de
40 mas adquiriram maior força e visibilidade nos anos
70. (CARVALHO, 2001, p.184)

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Retornando às lutas do passado, em 1984 são deflagra-


das as manifestações em torno da ideia política de eleições di-
retas, as Diretas Já.

MANIFESTAÇÕES NA DÉCADA DE 1980: MOVIMENTO PELAS


CRECHES COMUNITÁRIAS E DIRETAS JÁ.
Arquivo pessoal

A princípio, são os partidos políticos que se engajam


nestas reivindicações. Aderindo à causa, os movimentos po-
pulares acabam por adquirir qualidade à sua luta, que passa do
plano local para o plano nacional. Os movimentos impulsio-
nam as camadas populares a ultrapassarem o senso comum,
alcançando a consciência crítica, a partir da organização dos
sujeitos envolvidos nos movimentos populares. Gohn ressalta
a importância para as manifestações populares, o engajamento
político da sociedade civil, de órgãos de representação de cate-
gorias profissionais pós 1978, da Igreja Católica na década de
1970 e das camadas populares da periferia urbana.
No Rio de Janeiro, em relação ao panorama econômi-
co desastroso da época, início da década de 1980, e ressaltan-
do a importância do ingresso de mulheres mães no mercado

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de trabalho, mais especificamente quanto ao atendimento dos


filhos destas mulheres em creche, faz-se necessário para esta
pesquisa, tecer considerações sobre as creches no município
do Rio de Janeiro, que inicialmente eram geridas pela Secre-
taria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), até o ano
de 2001, quando por força das definições da LDB/1996 e por
decreto de lei da SME/RJ são transferidas para a Secretaria Mu-
nicipal de Educação (SME), redirecionando o foco de atendi-
mento da assistência para a educação.
O atendimento às crianças sob a gestão da SMDS era
realizado, então, por educadoras comunitárias, chamadas de
recreadoras no âmbito da SME, que prestavam atendimento
sem que tivessem orientação pedagógica especializada efetiva.
Estas recreadoras planejavam as atividades a serem desenvolvi-
das diariamente com as crianças, a partir de concepções volta-
das para a lógica escolar, muitas sob a perspectiva excludente,
repetitiva e mecanicista, antecipando práticas tradicionais de
escolarização. Segundo algumas delas, já no maternal, as crian-
ças precisavam aprender a copiar, usar o lápis de forma correta
e treinar a escrita. O educar no sentido de promoção do desen-
volvimento da criança, a partir da creche, não era contempla-
do pelas expectativas das educadoras e nem da comunidade.
Além disso, o atendimento das creches públicas municipais
ainda não dava conta do grande número de crianças excluídas
do espaço da educação infantil.
Nessa perspectiva, segundo Tavares (1995), as creches
comunitárias terão sua origem a partir do momento que as rei-
vindicações populares em relação à educação de suas crianças
não obtêm respostas concretas do poder público. Surgem, en-
tão, espaços comunitários de atendimento a essas demandas
em Associações de Moradores, Igrejas, ou mesmo em residên-
cias localizadas nas favelas do Rio de Janeiro, especialmente
nas favelas com grande densidade demográfica.
No Rio de Janeiro, durante a década de 1970, estando
o país ainda sob o jugo da ditadura do regime militar, as cre-

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ches comunitárias começam a surgir a partir das necessidades


da mulher mãe das camadas populares. A partir das experiên-
cias do cotidiano é que mulheres e Associação de Moradores
organizam-se para a luta por seus direitos básicos. A ampliação
do número dessas creches comunitárias ocorre, então, em res-
posta à ausência de políticas públicas que se voltassem ao aten-
dimento à pequena infância, bem como ao suporte às mães que
se inseriam no mercado de trabalho.

A CRECHE E A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE ATEN-


DAM ÀS NECESSIDADES DAS MULHERES TRABALHADORAS

Assim como em outros municípios brasileiros, no mu-


nicípio carioca as tentativas do poder público para conter a ex-
pansão do número de favelas caracterizam-se pela cooptação
ou através da remoção, quase sempre com ações violentas. Essa
tentativa do governo de contenção da favelização busca, na

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verdade, mascarar os efeitos nefastos que o capitalismo impõe


às camadas populares.
Dentro desta conjuntura, em 1979, é criada a Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Social, SMDS, com o foco no
atendimento às camadas mais pobres da sociedade residentes
em favelas.
No ano seguinte, 1980, a UNICEF, Fundo das Nações
Unidas para a Infância (em inglês, United Nations Children’s
Fund) firma convênio com a SMDS, implantando nas favelas
do Rio de Janeiro o modelo de intervenção em áreas de ex-
trema pobreza utilizado em outros países que apresentavam
semelhança sócio-econômica com o Brasil. A metodologia da
UNICEF previa a implementação de serviços básicos de edu-
cação, saúde e saneamento, partindo do pressuposto das inicia-
tivas comunitárias.
As escolas comunitárias da favela da Rocinha são, en-
tão, cooptadas para o convênio SMDS – UNICEF, ainda em
1980, dando origem à rede de creches e escolas conveniadas do
município.
Outras questões sobre o histórico das creches comuni-
tárias, assim como reflexões sobre o próprio caráter comuni-
tário destas, serão aprofundadas no bojo dos meus estudos à
medida que esta pesquisa avance.
Os movimentos reivindicatórios têm gerado movimen-
tos apoiados pelos grupos dominantes. Como exemplo, temos
associações de moradores que se prestam a apaziguar rela-
ções de conflito que emergem nas camadas populares quando
reivindicam determinados direitos para a população. Assim,
segundo Gohn, “os movimentos reivindicatórios podem tam-
bém ser absorvidos, como, por exemplo, as associações de mo-
radores ‘pelegas”. (GOHN, 1985, p.57)
No ano de 1988, no Guarabú, ao mudar o local de
atendimento às crianças na creche conveniada Arca de Noé,
Maria das Graças Reis, responsável pela creche, não teve o
apoio da Associação de Moradores, que não gostou da mu-

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dança do espaço da creche, já que a própria Associação queria


assumir o controle total do equipamento.

CRECHE CONVENIADA ARCA DE NOÉ NA ATUALIDADE

Segundo Marlene Rocha da Silva (coordenadora da


creche), a responsável disse à época “Eu saio, mas levo a creche
comigo”.
Os atores nos conflitos são cada vez mais temporários
e sua função é revelar os projetos, anunciar para a so-
ciedade que existe um problema fundamental numa
dada área. (...) Eles tentam mudar a vida das pessoas,
acreditam que a gente pode mudar nossa vida coti-
diana quando lutamos por mudanças mais gerais na
sociedade. (MELUCCI, 1989, p. 59)

Neste sentido, os movimentos carregam uma rebeldia


que incitam as mudanças na sociedade.
Os movimentos de rebeldia (...), manifestam, em sua
profundidade, esta preocupação em torno do homem
e dos homens, como seres no mundo e com o mundo.
Em torno do que e do como estão sendo. (Freire, 1987)

Estes movimentos sociais são localizados e vêm em


resposta a questões específicas deste grupo social. Assim, para
além da vaga em um equipamento escolar para as crianças da
pequena infância, a creche passava a representar parte do pro-
cesso de emancipação e libertação das mães.

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Dentro deste contexto, levando em consideração a


política pública do governo vigente no campo educacional, a
creche conveniada Arca de Noé lida com as dificuldades polí-
ticas apoiando as mães que precisam da creche para poder tra-
balhar e se emancipar dentro da conjuntura de políticas gover-
namentais neoliberais, muito embora ainda seja hegemônica
a subcontratação da mulher, quando se trata da divisão sexual
do trabalho (HIRATA, 2001, p. 143).
O não atendimento à demanda da creche é o princi-
pal motivo para as mães ficarem desempregadas, pois, quan-
do conseguem um trabalho, as mulheres acabam deixando as
crianças com familiares ou cuidadoras, sem capacitação profis-
sional ou equipamentos adequados que muitas vezes apresen-
tam pouca segurança.
A partir do pensamento de Ana Cristina Coll Delgado
(2005), percebemos que as mulheres das camadas populares
desde muito cedo, algumas quando ainda meninas, têm uma
rotina de cuidar dos irmãos mais novos e outras, inclusive, in-
gressam no mercado de trabalho.
Estas mulheres são submetidas a  subempregos, al-
gumas ainda na infância, outras no período da adolescência.
Além disso, também são vítimas da política neoliberal exclu-
dente, que, ao longo do processo de escolarização, reproduz
mecanismos internos que antecipam a exclusão na vida social.
Com isso, Charlot ressalta, aumentam os índices de
escolaridade, mas se agravam as desigualdades sociais
de acesso ao saber, pois à escola pública é atribuída a
função de incluir populações excluídas ou marginali-
zadas pela lógica neoliberal, sem que os governos lhe
disponibilizem investimentos suficientes (...) (CHAR-
LOT, 2005 op. cit. LIBÂNEO, p. 23, 2012).

Assim, a baixa escolaridade que grande parte das


mulheres das camadas populares possuem por terem  recebi-
do uma educação deficitária como herança da ausência de po-
líticas públicas efetivas,  é o fator primordial da inserção delas,

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na sua grande maioria,  em profissões domésticas. Historica-


mente tem sido negado a elas o direito de escolha no campo
profissional.
Dentro dessa conjuntura percebemos, mais uma vez,
a necessidade do atendimento aos filhos e filhas dessas mulhe-
res trabalhadoras na creche, um direito a ser garantido por es-
tados e municípios, como previsto na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, LDB7.
O CONFLITO NO ASSENTAMENTO DA CRECHE NO
GUARABÚ E O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DAS
MÃES
A creche conveniada Arca de Noé iniciou o atendimen-
to às crianças da comunidade do Guarabú na sede da Associa-
ção de Moradores, onde funcionava até 2015 a creche conve-
niada Peter Pan.

PRÉDIO DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO GUARABÚ, ONDE


TEVE INÍCIO A CRECHE COMUNITÁRIA CONVENIADA ARCA DE
NOÉ. MESMO LOCAL QUE, MAIS TARDE, TAMBÉM FUNCIONOU
A CRECHE COMUNITÁRIA CONVENIADA PETER PAN.
7 Em 1996, a LDB inclui o atendimento às crianças de 0 a 6 anos na
área da educação, que até então era vinculada à Assistência Social.

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O atendimento começou em 1984, funcionando em


dois turnos, com duas turmas de crianças de 3 e 4 anos. A As-
sociação de Moradores cedeu o espaço e a prefeitura do Rio de
Janeiro enviou alguns móveis e fornecia lanche para as crianças,
que eram atendidas no turno da manhã ou no turno da tarde.
Ainda não funcionava o atendimento em horário in-
tegral. Antes de existir a creche, as mães do entorno não traba-
lhavam ou, então, deixavam as crianças com parentes, amigos
ou irmãos mais velhos.
Mesmo com o aumento do número de vagas, devido à
oferta da creche conveniada, a demanda continua a ser grande.
Há mães que não conseguem matricular seus filhos e têm que
pagar por uma creche particular, quando podem, comprome-
tendo grande parte do baixo salário. No caso das mães que não
podem arcar com esta despesa, as crianças acabam ficando aos
cuidados dos avós, de vizinhos, de tios, de irmãos, pois con-
tam com a solidariedade destes, a mesma solidariedade que é
um valor das famílias das camadas populares.
A situação é muito conflitante para essas mães, pois a
grande maioria dessas famílias são matrifocais, sem que haja
a cooperação do pai na criação dessas crianças, além de haver
praticamente nenhuma política pública8 direcionada a elas.
Na atualidade, a família das camadas populares, em
especial a mulher trabalhadora, exerce diferentes papeis, ten-
do que dedicar grande parte do dia para o trabalho remune-
rado, mas enfrenta a dificuldade de uma política pública que
não incentiva a inserção da criança nas creches, pois, conforme
afirma Caldart, a questão da Educação Infantil é tratada com
descaso no Brasil, mesmo nas áreas urbanas (1997, p.38).
Esta demanda pelas creches públicas, que é grande,
em especial no Guarabú, deixa excluído um número maior de
8 Em 2009, dentro do programa do governo federal Minha Casa,
Minha Vida, que financia imóveis para pessoas de baixa renda, foi
sancionada a Lei nº11.977/2009, que trazia em seu texto prioridade
para as mulheres responsáveis por sua família na aquisição da casa
própria.

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crianças em relação à oferta de vagas, ressaltando a necessida-


de de co-existirem as creches conveniadas, das quais somente a
Arca de Noé, atende 135 crianças.
Assim, quando a creche conveniada Arca de Noé co-
meçou o atendimento no espaço atual, foram 21 dias de luta
das mulheres indo à Região Administrativa, no mês de maio,
em 1988.

NOTÍCIA SOBRE O CONFLITO NA CONSTRUÇÃO DA CRECHE


CONVENIADA ARCA DE NOÉ

As mães participavam ativamente fazendo campa-


nha e participando das reuniões promovidas com o objetivo
de assentar a creche. Principalmente quando houve a invasão
do terreno onde seria a nova sede, moradores e, inclusive, as
mães9, iam praticamente todos os dias para a antiga sede da
Região Administrativa, no Cocotá, deslocando-se até outro
bairro da Ilha do Governador, para reivindicarem o espaço da
9 Em relação à mobilização destes indivíduos, as mães e a comunida-
de, “(...) quando Melucci se refere a fenômenos sociais mais recentes,
prefere falar de redes de movimento ou de áreas de movimento, nas
quais inclui não apenas as organizações formais, mas também a rede
de relações informais que conectam núcleos de indivíduos e grupos
a uma área de participantes mais ampla” (SCHERER-WARREN,
1993, p. 116)

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futura creche. Sobre este fato, das pessoas se organizarem em


grupos, temos a opinião de dois autores: o primeiro é Maffesoli
(1997) que afirma que estes coletivos são formados a partir do
desejo de estarem juntos. O outro autor é Marx (1989) que vai
colocar que é o conflito de classes, o motor da luta que vai mo-
ver estas pessoas na busca do reconhecimento e atendimento
de suas demandas.
Neste ponto, há uma convergência para o pensamento
de Spósito (1993), que ao retratar as lutas das classes populares
por educação, apresenta todo o cenário de lutas de movimen-
tos sociais e suas reivindicações em prol de melhorias para a
educação em São Paulo, entre 1970 e 1985.
No caso da creche do Guarabú, entretanto, nem todos
os moradores do entorno eram a favor da utilização do terreno
para a construção de uma creche. Alguns moradores, vizinhos
à creche conveniada Arca de Noé, queriam uma praça no local.
Então, a responsável pela creche, Graça10, uma das lideranças
da luta por creche, foi quem, em reuniões, convenceu os mo-
radores11 que a creche seria melhor para a comunidade do que
uma praça.
Em relação à religião, a creche em tela tem a influência
da Igreja Assembleia de Deus, uma vez que, em algumas fotos
de eventos, aparece escrito em cartazes a palavra Jesus e, inclu-
sive, no início da obra, um grupo da igreja se reuniu para orar
pela construção. O que nos remete às ações da Igreja Católica
durante o período do regime militar no Brasil até o momento
de abertura política, quando os sujeitos participantes das CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base) apoiam os militantes que se
opunham ao governo.
10 Sobre a necessidade de ter ou não consciência para protagonizar
essa luta, Sader (1988) e Touraine (1977) falam sobre o papel da
experiência na constituição da conscientização enquanto ator que
encarna a luta.
11 De acordo com Melucci, as motivações dos atores e as diferenças
individuais não são suficientes para explicar como certos indivíduos
se reconhecem e se tornam “parte de um Nós”. (MELUCCI, 2001, p.
32)

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Antes tratadas como assistência social, as creches pas-


saram a ser reconhecidas pela Constituição de 1988 como um
direito educacional de todas as crianças de 0 a 6 anos incom-
pletos, graças ao engajamento de educadoras e pedagogas.
Neste sentido, a proposta se relaciona com o objetivo geral da
pesquisa, que é investigar a luta das mães por vagas nas creches
públicas e conveniadas dentro da Ilha do Governador, mais es-
pecificamente na creche conveniada Arca de Noé.
A MULHER MÃE E TRABALHADORA E A EDUCAÇÃO
DA INFÂNCIA: UM RECORTE A PARTIR DO SÉCULO XX
Ao iniciarmos o estudo sobre a luta das mulheres por
vaga na creche, vimos a necessidade de buscar nas pioneiras
feministas do Brasil, no início do século XX, o gérmen dessa
luta interseccional, quando questões ligadas a gênero, classe e
raça passam a ser pauta de reivindicações femininas no país.
Lembrando que as questões das mulheres negras tam-
bém são importantes, pois no município do Rio de Janeiro, a
grande maioria das famílias matrifocais é chefiada por estas
mulheres. Essa questão, bastante importante no repertório de
lutas das mulheres por creches, embora tematizada no meu es-
tudo, não será ampliada na pesquisa, pois o tema sobre a mu-
lher negra, mãe de família, forneceria subsídios necessários
para outra pesquisa.
Assim, conhecendo a dura realidade da mulher das ca-
madas populares, apresento o pensamento de Maria Lacerda
de Moura, uma das pioneiras do feminismo no Brasil, para en-
tender que a luta das mães do Guarabú na atualidade e no ano
de 1988, momento crucial para a constituição da creche conve-
niada Arca de Noé, faz parte da herança do ativismo feminista
de Maria Lacerda. (MOURA, 1918 apud MENDES, 2010).
Para falarmos sobre a mulher mãe do Guarabú, faça-
mos, então, um recorte histórico dentro da própria história
do feminismo, retomando ao início do século XX e à luta das
mulheres no Brasil nesta época. Dentro deste contexto, Maria

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Lacerda de Moura teve uma influência muito grande no movi-


mento operário feminino brasileiro. Nesta pesquisa, optei por
conhecer a trajetória de Maria Lacerda de Moura, pois existem
rupturas e permanências na configuração do processo de liber-
tação e emancipação das mães do Guarabú que se relacionam
ao pensamento desta autora.
Nascida no estado de Minas Gerais em 1887, onde le-
cionou de 1908 até 1921, ano que deixou de lecionar nas esco-
las oficiais por acreditar que essas instituições eram autoritárias
e que perpetuavam as desigualdades na sociedade. (WARDE;
PANIZZOLO, 2014)
Neste mesmo ano, 1921, muda-se para São Paulo, dis-
tanciando-se da ação efetiva do ofício de professora, levando-
-a a militar mais veementemente no movimento anarquista.
Professora de Pedagogia e Higiene da Escola Normal Muni-
cipal de Barbacena, em Minas Gerais, destacou-se como fe-
minista, anarquista e libertária, depois de sair de Barbacena,
em 1921.
Acreditava que a educação seria o fator regenerador do
atraso do país, dando destaque à educação das mulheres. Di-
zia Maria Lacerda que, assim como o homem é educado para
ser pai de família, para os deveres do lar e para trabalhar, a
mulher, para muito além de ser forjada a cumprir o papel de
esposa e mãe, também deveria ser educada para a vida social.
Quando vem para São Paulo12, em 1921, a proximidade
com os meios operários e, principalmente, com as operárias,
faz com que a construção do seu pensamento e a aproximação
ao movimento vá crescendo. Maria Lacerda começa, então, a
divulgar que a organização capitalista, burguesa é quem explo-
ra homem e mulher e, inclusive, vai levar a mulher à situação
de submissão (CORREA, apud MENDES, 2010, p.9).
12 Fato curioso a ser acrescentado é que, com a extinção durante o go-
verno de Getúlio Vargas da comunidade de Guararema, local onde
residiu com seu marido argentino e com o seu filho adotivo, Maria
Lacerda de Moura, em 1938, passa a viver na clandestinidade, na
Ilha do Governador, campo desta pesquisa.

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Casada, solteira ou viúva, a mulher é escrava do salário


do pai, do marido do patrão, do diretor espiritual da sociedade.
Nessa época, são muito claros os padrões da boa mulher, da
dona de casa, que cuida do lar, está sempre em casa, aguardan-
do a chegada do marido. Esses padrões são legitimados pela
ciência, pela moda, pela indústria, pela propaganda. Na área
urbana, há um ambiente muito fértil sobre o assunto e Maria
Lacerda explora estas questões.
A autora questiona os papeis femininos e, também,
questiona o feminismo de Bertha Lutz, que dá ênfase ao direito
da mulher ao voto, pois durante a década de 1920, Maria La-
cerda passa a perceber esse direito ao voto como uma conquis-
ta muito limitada para atingir a emancipação feminina.
Segundo a autora, o voto seria só uma maneira de as-
sumir que a mulher precisaria ser dirigida e não uma maneira
de libertação, contrapondo-se, assim, a ideia de que a mulher
deveria questionar esses papeis impostos a ela na sociedade.
(MENDES, 2010).
Com isso, Maria Lacerda expõe que a ação educativa é
a questão central para a mulher se emancipar:
Cumpre desembaraçá-la das peias que a encarceram
mentalmente. Enquanto não souber pensar será ins-
trumento passivo em favor das instituições do pas-
sado. E ela própria, inconsequente, trabalha pela sua
escravidão. E o cativeiro é tal que se revolta se outras
mulheres querem elevá-la à altura dos seus direitos
clamando contra a violação do pensamento feminino.
(MOURA, 1922, apud: LEITE, 1984, p.20).

Dentro da perspectiva de que a educação é a base da


transformação, a libertação e a emancipação femininas, segun-
do a autora, tinham que ser trabalhadas a partir da educação
e, em alguns momentos, as questões de classe e de gênero que
passam a ter mais visibilidade com Maria Lacerda, eram vis-
tas como algo que seria conquistado somente concomitantes à
educação feminina.

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Enquanto não pensar, em vão tentaremos quebrar


os grilhões para a nossa independência individual; a
mulher é escrava; dependente do salário, do homem,
do seu capital. Assim é impossível a libertação. Seu
cérebro foi considerado infantil pelo egoísmo mas-
culino dos ancestrais. (MOURA, 1922, apud: LEITE,
1984, p.20)

O pensamento de Maria Lacerda está muito além de


seu tempo, pois, questões como controle do corpo, liberdade
de escolha, que ainda hoje permanecem como pauta para dis-
cussão, a autora já debatia na década de 1920.
A CONSCIENTIZAÇÃO DAS MULHERES E A (NÃO)
MATERNIDADE
(...) não fazer filhos para a guerra, exigir melhores
condições para criá-los e, sobretudo, tirar dos ombros
das mulheres, principalmente das pobres, a respon-
sabilidade da sobrevivência da família eram sua ban-
deira. De enorme atualidade, aliás... (PRIORE, 2013,
p. 153)

Outra questão importante para Maria Lacerda de Mou-


ra é a maternidade, livre do estereótipo burguês da mulher
“rainha do lar”.
Na década de 1920, começo de 1930, Maria Lacerda se
opõe fortemente ao fascismo e, por conta dessa militância, ela
é considerada uma das primeiras mulheres antifascistas das
Américas.
Neste sentido, Maria Lacerda vai participar de confe-
rências, sugerindo a greve dos ventres às mulheres, ou seja, que
as mulheres se recusassem a ter filhos para não fornecerem,
posteriormente, mão de obra ao Estado.
A autora começa, então, a defender a maternidade livre
e consciente, pois, na década de 1920, argumentava que a ma-
ternidade não era uma missão divina e natural, como afirma-
vam médicos e juristas. Atualmente, ainda encontramos per-
manência na sociedade em relação a este pensamento.

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Assim, Maria Lacerda via a (não) maternidade como


um momento em que a mulher deveria estar consciente de sua
escolha em ser mãe ou não, o que a leva a defender a ideia do
controle de natalidade. Pois, assim, não estaria auxiliando na
campanha de expansão demográfica do então presidente Getú-
lio Vargas, no período entre as duas Grandes Guerras mundiais.
Concluindo, provisoriamente, a partir do pensamento
da autora, tomemos como herança aos movimentos feminis-
tas deste século, a conscientização das mulheres de seu estado
servil em relação à maternidade perante a sociedade patriarcal,
questão esta a ser ampliada a partir da continuação do estudo.
A CRECHE COMUNITÁRIA CONVENIADA NO
GUARABÚ E OS DESAFIOS DO PRESENTE
Durante o trabalho de pesquisa no campo, novas si-
tuações são apresentadas ao meu trabalho de investigação. Bus-
cando contato com moradores do Guarabú que residiam no lo-
cal no período da década de 1980, momento de constituição da
creche comunitária conveniada Arca de Noé, encontrei Maria
da Conceição, que preferiu não ter seu sobrenome na pesquisa,
foi apresentada à militância durante sua atuação na JOC (Ju-
ventude Operária Católica).
As CEBs surgiram em torno de 1975. Antes de 1964,
os setores militantes da Igreja atuavam nos sindicatos
e no movimento estudantil por meio da Juventude
Operária Católica (JOC) e das Juventudes Estudan-
til e Universitária Católicas (JEC e JUC). Dentro do
novo espírito de aproximar-se do povo, sobretudo dos
pobres, a Igreja passou a trabalhar também com as
populações marginalizadas das periferias urbanas. O
trabalho religioso ligava-se diretamente às condições
sociais desses grupos e era ao mesmo tempo um esfor-
ço de conscientização política. Alguns teóricos da teo-
logia da libertação aproximaram-se abertamente do
marxismo. As CEBs expandiram-se por todo o país,
abrangendo também as áreas rurais. (CARVALHO,
2001, p. 183)

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Conceição levou-me à casa de Sebastiana de Aquino


Barbosa, a Tiana, uma senhora de 82 anos, mãe de 8 filhos, dona
de um semblante doce e ao mesmo tempo austero. Tiana e a mãe
de Conceição foram umas das primeiras moradoras do morro,
que há aproximadamente 70 anos atrás, era somente um grande
campo de plantação de aipim. Cenário bem diferente da atuali-
dade, pois na favela do Guarabú de hoje encontro muitas casas,
equipamentos de ensino gerenciados pela prefeitura e um pe-
queno comércio, distribuídos em ruas, becos e vielas.
Tiana era uma das líderes comunitárias da favela, as-
sim como Conceição e Graça, da Arca de Noé. Surgem à tona,
então, lembranças, documentos e fotos de uma época de mobi-
lização para conquista de benfeitorias a partir das necessidades
dos moradores. Pois, segundo afirma Gohn, é a partir das ne-
cessidades que grupos de pessoas lutam pelos direitos básicos
dos sujeitos. (GOHN, 1985)
Com a retirada da creche comunitária conveniada
Arca de Noé da sede da Associação de Moradores do Guarabú,
uma nova creche é inaugurada no mesmo espaço: a creche co-
munitária conveniada Peter Pan.

AS CRIANÇAS DA CRECHE COMUNITÁRIA CONVENIADA


PETER PAN. Arquivo pessoal.

A meta para esta creche era prestar atendimento a 65


crianças. O último convênio ratificado entre a Associação dos
Moradores do Guarabú, responsável legal pela creche Peter
Pan, e a prefeitura do RJ data de 30 de junho de 2014.

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No ano de 2015 esta creche fecha as portas, encerran-


do o atendimento às crianças.
Em 2012, é inaugurado na favela o EDI (Espaço de De-
senvolvimento Infantil) José de Souza Ramos, construído com
verba oriunda da Secretaria Municipal de Habitação, através
do Programa Morar Carioca, para atender a 150 crianças de 6
meses a 5 anos e 11 meses, no Guarabú.

ENTRADA DO GUARABÚ, ANTES DA CONSTRUÇÃO DO EDI


JOSÉ DE SOUZA RAMOS. Arquivo pessoal

ENTRADA DO GUARABÚ, NA INAUGURAÇÃO DO EDI JOSÉ DE


SOUZA RAMOS, EM 22/07/2012

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Entretanto, mesmo com a ampliação do número de va-


gas para as crianças da pequena infância, as mães trabalhado-
ras ainda aguardam na lista de espera da creche comunitária
conveniada Arca de Noé e do EDI José de Souza Ramos. Essas
mães, então, buscam no Conselho Tutelar, no Ministério Pú-
blico e na Vara da Infância a solução para este problema. Mas
é uma busca solitária, não mobilizadora de um grupo, assim
como ocorreu na época da construção da Arca de Noé. Segun-
do Freire “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho:
os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1987, p. 29). O
sujeito sozinho pode resolver paliativamente uma situação. O
grupo consegue transformar a realidade de uma favela, de um
bairro.
Assim, continuarei este estudo no campo ouvindo as
vozes dos sujeitos, vozes exclusivamente femininas. Estarei pes-
quisando as mobilizações organizadas pelas mulheres do Gua-
rabú em busca do atendimento das necessidades geradas pela
conjuntura do Brasil, principalmente no que tange à questão
dos equipamentos de ensino para a pequena infância, locali-
zados na favela, e a inserção das mães no mercado de trabalho.
A CRECHE COMO UM ESPAÇO DE ACOLHIMENTO AO
COLETIVO INFANTIL
Na atualidade, pensar políticas públicas para os (as)
filhos (as) de mulheres mães, casadas ou não, quanto ao aten-
dimento das crianças em creche na Ilha do Governador, requer
o desafio de averiguar qual o nível de importância desta creche
para as mães que fazem uso do serviço prestado com a partici-
pação do poder público da cidade, a partir de convênio.
Neste espaço de educação infantil, constituído de
crianças na pequena infância, deve ser possível a construção de
uma proposta pedagógica através de práticas que criem possi-
bilidades para o desenvolvimento integral da criança logo no
início da creche, uma vez que a criança pequena é sujeito re-
sultante das interações sociais que vivencia (KRAMER, 1995).

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São sujeitos únicos que agem sobre o meio e, principalmente,


sofrem a ação do mesmo.
Percebo então que, logo no início da pequena infância,
as crianças são inseridas em um processo de “escolarização” das
potencialidades, mas, apesar das tentativas de homogeneização
dos seus saberes, elas nos dão pistas a todo o momento que ocu-
pam o papel de sujeito nas relações que estabelecem com o outro,
com o adulto e com os diversos saberes. Ou seja, é um ser inte-
rativo e ativo, que precisa sempre de novos desafios para validar
os conhecimentos que possuem e adquirir novos conhecimentos.
A educação da criança da primeira infância, na cre-
che, é um lugar social privilegiado de mudanças significativas
no desenvolvimento, tendo em vista que na educação infantil
a natureza educativa possui especificidades que possibilitam a
diferenciação dos demais níveis de ensino. Assim é que pro-
jetos contra-hegemônicos fazem uso do cotidiano, além da
memória e da história, na busca utópica para a construção de
novas subjetividades. (TAVARES, 2001)
Dessa forma, o contexto social e cultural no qual a
criança na primeira infância está inserida também é um aspec-
to muito importante a ser considerado no processo de cons-
trução de conhecimentos. Saber como criar oportunidade para
que ela se expresse e assim seja possível tomarmos conheci-
mento das suas necessidades e curiosidades, abre um leque de
possibilidades de intervenções. A criança como um ser ativo,
vai construindo conhecimentos através da mediação dos edu-
cadores no processo.
Percebemos ainda hoje que, principalmente para as
famílias das crianças, prevalece a visão que a função social da
creche abrange ações especificamente assistencialistas. Para
muitos, o cuidar é a única função da instituição: espera-se que
as funcionárias da creche apenas cuidem do bem estar físico da
criança, alimentando-a e higienizando-a.
Outra questão importante para o desenvolvimento
do processo educacional, que precisa ser feito a partir de uma

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intencionalidade, é a organização dos espaços na educação


infantil, no sentido de favorecer o atendimento educativo às
crianças, garantindo o desenvolvimento da autonomia e a inte-
ração com o outro. A organização curricular na creche precisa
contemplar, então, uma educação numa perspectiva constru-
tora de conhecimentos, através de atividades significativas e
intervenções pedagógicas, que possibilitem o desenvolvimento
e o aprendizado das crianças a partir da interação com o ou-
tro (crianças e adultos). Dessa forma, compartilhando saberes
para reorganizarem o que sabem e criar novos conhecimentos
a partir das experiências vividas.
Assim, o ambiente da creche desempenha importante
papel na formação da personalidade da criança ao possibili-
tar uma vivência social diferente do grupo familiar e, quanto
maior a diversidade de grupos de que participar, mais numero-
sos serão os parâmetros de relações sociais, o que tende a enri-
quecer sua personalidade. Neste movimento, a criança percebe
variados espaços, através de ações diretas e ou indiretas.
Segundo a coordenadora da creche conveniada Arca de
Noé, Marlene, (que estudou até a antiga 8ª série do 1º grau,
atual Ensino Fundamental), os lugares onde inicialmente to-
mavam conta de crianças, na comunidade do Guarabú, eram
“depósitos de crianças” sem trabalho pedagógico, sendo que
a Maria das Graças Reis, responsável pela creche conveniada
Arca de Noé, quis transformar com o seu trabalho na creche.
A partir de então, observamos a qualidade do serviço
prestado por essa instituição e o seu reconhecimento junto às
mães, com o foco, principalmente, na luta desta comunidade
por vaga nessa creche.
Provisoriamente, esta é minha pesquisa. Ainda há um
longo caminho de investigações, de estudo, de escritas e rees-
critas.
Segundo Paulo Freire,
(...) se minha opção é libertadora, se a realidade se dá
a mim não como algo parado, imobilizado, (...) mas

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na relação dinâmica entre objetividade e subjetivida-


de, não posso reduzir os grupos populares a meros
objetos de minha pesquisa. Simplesmente, não posso
conhecer a realidade de que participam a não ser com
eles como sujeitos também deste conhecimento que,
sendo para eles um conhecimento anterior (o que se
dá ao nível da sua experiência quotidiana) se torna
um novo conhecimento. (FREIRE, in BRANDÃO,
1981)

A partir de então, adensarei meus estudos para esta pes-


quisa, intensificando a ida ao campo e a leitura de outras obras
que dialoguem com a linha teórico-metodológica proposta.
CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
A discussão sobre creches tem alcançado relevância
cada vez maior no Brasil, estando presente entre os principais
temas da disputa presidencial de 2014. A questão foi abordada
por todos e todas principais candidatos e candidatas, entre eles
e elas, a presidenta reeleita, Dilma Rousseff, que prometeu am-
pliar o programa Brasil Carinhoso, financiando a construção
de quase 6 mil unidades de educação infantil por municípios
de todo o País.
Além de garantir uma melhor formação educacional
para as crianças, as creches fazem parte também da luta das
mães por igualdade de direitos no mercado de trabalho e no
sustento da família. Dados do IBGE mostram que o nível de
ocupação profissional das mães com suas crianças em creche,
64% tinham emprego. As mulheres com filhos que não fre-
quentavam, estão concentradas nos setores da educação, dos
serviços pessoais e nas áreas menos valorizadas da saúde, apre-
sentando direitos sociais limitados ou inexistentes. Segundo
estudo com base em dados do Censo 2010, das mulheres que
tinham filhos de até 3 anos em creche, o percentual era 41,2%.
Hirata (2001) ainda nos mostra que o trabalho feminino rara-
mente vislumbra possibilidade de formação ou de ascensão na
carreira.

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A partir do exposto, devemos entender também como


é fundamental o atendimento que oferecemos às crianças na
educação infantil.
O bebê está fora da agenda dos movimentos sociais,
que não sejam movimentos específicos para infância.
E aí também a gente começa a pensar infância em tor-
no dos 4, 5 anos. Antes disso, ele é muito pouco con-
figurado como um cidadão ou um ator social digno
de ter seu espaço na agenda de políticas e, mais, na
agenda de produção acadêmica, a não ser para os pe-
diatras, os psicólogos do desenvolvimento e a certas
áreas da assistência social. (ROSEMBERG, 2013)

Precisamos, então, de ações que se voltem para a cre-


che e todas as dificuldades que há em conseguir uma vaga
nela, pois a educação infantil, além de representar o espaço
que acolhe a infância, constitui-se como importante recurso
para o desenvolvimento pleno das habilidades e capacidades
das crianças.
A partir da década de 1980, principalmente, a mulher
mãe trabalhadora brasileira tem boa parte de seu dia voltado
para o trabalho, que, para praticamente a totalidade das mu-
lheres, é mal remunerado e sem perspectiva de ascensão pro-
fissional. Entretanto, não há políticas públicas que dêem subsí-
dios a essas mães, construindo equipamentos de atendimento
à pequena infância em quantidade suficiente bastante para que
dê conta da demanda, devido ao descaso como a Educação In-
fantil é tratada no país, até mesmo nas áreas urbanas (CAL-
DART, 1997, p. 38).
Esta demanda por creches, deixa sem atendimento
um número considerável de crianças em relação às vagas,
ressaltando a necessidade de co-existirem as creches domi-
ciliares e as creches comunitárias conveniadas, além da vas-
ta rede de solidariedade que as mães têm que construir, para
deixar as crianças com parentes ou vizinhos, quando não
conseguem vaga nestes equipamentos de cuidado à pequena
infância.

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ISSN 2448-2072

Neste panorama, as mães e a comunidade da creche


conveniada Arca de Noé, após embates com a administração
da Associação de Moradores e com invasores do terreno da
nova sede, inauguram um local amplo e seguro para acolher
as crianças do entorno, oferecendo a elas o cuidar e o educar,
proporcionando a chance da busca por essas mulheres de sua
libertação e emancipação. Maria Lacerda de Moura, já no iní-
cio do século XX, apontava, então, que a mulher era submetida
dentro da sua própria família, pela sociedade e pela religião. A
partir de seu pensamento, a mulher só se libertaria se essa fosse
a libertação de toda humanidade. Segundo ela, a mulher era
tão escrava quanto o homem, guardadas as especificidades do
ser mulher, e que a libertação devia ser obra de toda a huma-
nidade, uma construção coletiva, se contrapondo, neste ponto,
ao feminismo de Berta Lutz. Maria Lacerda estava muito pró-
xima ao quanto que a ausência da educação feminina, desde o
nascimento até o casamento, submete a mulher a que não se
liberte intelectual, nem economicamente.
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RETRATOS DO PERCURSO ESCOLAR DE


ALUNOS DA EJA PRESENTES NO CAMPO EM
UMA ESCOLA NO ASSENTAMENTO JOÃO
BATISTA II, MUNICÍPIO DE CASTANHAL/PA

Joel Dias da Fonseca1


Mayara Soares Ribeiro2
Eula Regina Lima Nascimento3
Introdução
A história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) re-
vela que sua trajetória no contexto das políticas públicas não
é recente. A oferta do ensino primário e gratuito para adultos
em todo o território nacional foi homologada pela primeira
vez a partir do estabelecimento do Plano Nacional de Educa-
ção, instituído pela Constituição de 1934 (ARROYO, 2005; DI
PIERRO, 2005).
Arroyo (2005) afirma que apesar do campo da Edu-
cação de Jovens e Adultos apresentar uma longa história, não
podemos situá-lo como território consolidado no âmbito das
intervenções político-pedagógicas, sobretudo nas áreas de pes-
quisas, formação de professores, políticas públicas e diretrizes
educacionais.
1 Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação (PPGED); Universidade Federal do Pará (UFPA); e-mail: jd-
joel48@gmail.com
2 Graduanda de Pedagogia da Universidade Federal do Pará (UFPA);
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docên-
cia (PIBID); e-mail: mayarasoares.1991@gmail.com
3 Profa. Dra. da Faculdade de Pedagogia da Universidade Federal do
Pará (UFPA); Coordenadora do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID); e-mail: eu10eula@gmail.com

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Di Pierro (2005) ainda argumenta que os condiciona-


mentos do ajuste econômico adotado na segunda metade da
década de 1990, levaram o governo a focalizar recursos em fa-
vor da educação fundamental de crianças e adolescentes, o que
deixou a educação de jovens e adultos para segundo plano na
reforma da educação brasileira.
Para a autora, o direito público à educação indepen-
dentemente da idade do indivíduo é assegurado pela própria
Constituição Federal, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional, pela Lei do Plano Nacional de Educação, e tam-
bém pelas Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e
Adultos.
Desta forma, o problema não está na ausência de um
marco jurídico adequado. Todas estas legislações não apenas
asseguram, mas também concedem a possibilidade de orga-
nizar estratégias de ensino de acordo com as necessidades de
aprendizagem do jovem e adulto. O probema não está nas leis,
mas na execução da política educacional (DI PIERRO, 2005).
Por outro lado, a EJA também representa no enten-
dimento de Arroyo (2005, p. 19), “um campo aberto (...). De
semeaduras e cultivos nem sempre bem definidos ao longo de
sua tensa história”. Tal movimento nos leva a pensar que as di-
versas tentativas em definir a especificidade da EJA no plano
das políticas educacionais representem uma das principais ca-
racterísticas do momento vivenciado pela Educação de Jovens
e Adultos ao longo de seu percurso histórico (ARROYO, 2005).
Por isso, é necessário cautela ao lançar nosso olhar
para os seus marcos históricos, a fim de não confundir, muito
menos associá-la, à ações de cunho eminentemente assisten-
cialista, campanhas emergenciais, voluntarismo ou até solu-
ções conjunturais (ARROYO, 2005).
No presente momento as universidades públicas e
os núcleos de pesquisa demonstram interesse em assumir a
Educação de Jovens e Adultos como objetos de estudo. Arroyo
(2005) encontra respaldo nas atuais demandas sociais viven-

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ciadas pela EJA com a criação de espaços de diálogo e produção


de pesquisas com ênfase no seu respectivo campo de atuação.
Todos estes progressos são indicadores que apontam
para um movimento de reconfiguração da EJA no presente mo-
mento. Entretanto, cabe destacar que este movimento de recon-
figuração da EJA, como diria Arroyo (2005), não acontecerá de
maneira cômoda, espontânea e natural. Ele não pode partir das
modalidades de ensino ou do lugar que a EJA ocupa no sistema
de educação, pois o sistema escolar, acostumado a pensar a par-
tir de sua lógica e estrutura interna, nem sempre está aberto a
pluralidade de indicadores que emanam da própria sociedade.
O movimento de reconfiguração da EJA deve partir
dos próprios jovens e adultos, enquanto sujeitos do processo
educativo. Neste sentido, faz-se necessário trazer para o debate
suas histórias de vida, sua trajetória ao longo de seu processo
de escolarização, seus desafios, suas perspectivas, a fim de com-
preender os elementos históricos e sociais presentes na consti-
tuição de suas identidades e avançar no processo de reconfigu-
ração da Educação de Jovens e Adultos.
Opções Metodológicas
O estudo ora apresentado possui como enfoque me-
todológico a abordagem quanti-qualitativa4, uma vez que foi
empregado dados estatísticos, mesmo que de forma sucinta ao
longo da presente abordagem (TRIVIÑOS, 1987). Nesse senti-
do se propõe a discutir a condição do aluno da EJA no contex-
to do meio rural, e para isso foi realizado um Estudo de Caso5
de cunho exploratório-descritivo. A adoção de tal método de
4 A pesquisa quanti-qualitativa consiste num conjunto de técnicas am-
plamente utilizadas pelas Ciências Humanas para identificar através
de dados estatísticos e/ou aspectos subjetivos e motivacionais espon-
tâneas a causa de uma situação problema (TRIVIÑOS, 1987).
5 O estudo de caso consiste num método de pesquisa, a qual tem como
objeto de estudo uma unidade que se analisa de forma detalhada.
Cabe destacar, que este método também busca investigar o ambien-
te de um sujeito ou de uma situação em particular (CAMPOMAR,
1991).

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pesquisa se deu pela necessidade de investigar a ocorrência de


um determinado fenômeno em um dado contexto histórico e
social, ou seja, a realidade não-materializada do processo de
escolarização vivenciada por sujeitos na condição de estudan-
tes da Educação de Jovens e Adultos, no contexto de uma es-
cola pública localizada no assentamento rural do município de
Castanhal/PA.
Participaram da pesquisa na condição de sujeitos in-
formantes três alunos de uma mesma turma da EJA. A escolha
dos respectivos alunos levou em consideração a faixa de idade
entre os três sujeitos, uma vez que possibilitou a comparação
da realidade educacional vivenciada ao longo do processo de
escolarização, por um estudante jovem, um estudante adulto e
um estudante mais velho.
Como técnica de coleta optou-se pela observação
sistemática6 estruturada, seguida da aplicação de entrevista a
partir de um roteiro estruturado. Optamos pela utilização da
observação sistemática pela possibilidade desta técnica evi-
denciar informações que não foram identificadas através dos
questionários. Após a coleta os dados foram tratados e em se-
guida analisados a partir da técnica de Analise de Conteúdo,
que consiste num conjunto de técnicas metodológicas, ampla-
mente utilizadas na descrição do conteúdo das comunicações
(BARDIN, 2009).
Resultados e Discussão:
Na 1ª etapa foram matrículados 14 alunos. Na 2ª etapa
8 alunos. Na 3ª etapa 14 alunos. E na quarta etapa 18 alunos,
totalizando 54 alunos da EJA. Os dados foram coletados na 1°
etapa da EJA, a qual tem como média de idade 38,6 anos. A
turma também é composta por alunos com faixa etária entre
6 A Observação Sistemática visa compreender o funcionamento de
uma determinada atividade ou tarefa. Nesta técnica, o pesquisador
busca analisar as etapas de um determinado processo; bem como as
dificuldades que surgem, os discursos e os resultados do trabalho
(MARCONI e LAKATOS, 1999).

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16 anos e 55 anos de idade. Destes, 27% tem idade até 25 anos.


E 72% da turma é constituída de alunos com mais de 25 anos
de idade.

FONTE: EMEF Roberto Remigi.

Juscelino é aluno mais velho de sua turma de EJA,


com 55 anos de idade. Natural de Acará, município situado
no nordeste estado do Pará, Seu Juscelino como costuma ser
chamado, reside no município de Castanhal no Assentamento
João Batista a aproximadamente 15 anos. Segundo conta, ele
está acostumado com trabalho na roça, exercendo tal ativida-
de desde criança. Tratava-se da mesma ocupação exercida por
seus pais, pois tanto o pai quanto sua mãe viviam do trabalho
na roça. Quando criança costumava acompanhar os pais no
respectivo trabalho no intuito de ajudá-los no sustento da fa-
mília.
De acordo com o mesmo, quando atingiu a idade de
17 anos começou a trabalhar por conta própria, principalmen-
te a partir do momento em que conheceu sua esposa, casou
e decidiu sair de casa para constituir sua própria família. Sua
trajetória na vida escolar foi traçada segundo o delineamento
das diretrizes e práticas curriculares de sua época. Segundo seu
Juscelino: “Era cartilha de ABC naquele tempo. Era três livros

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naquele tempo. O segundo e o terceiro... aí formava.. Era tudo


diferente d’agora, mas nos meus documentos tá tudo como quar-
ta série”.
O segundo sujeito informante chama-se Kleber. Seu
lugar de origem é a cidade de Belém, capital do Pará. Atual-
mente tem 21 anos de idade, e reside na comunidade Bom Je-
sus, comunidade rural vizinha, localizada a alguns quilômetros
da escola. Sua mãe, apesar de possuir apenas o nível funda-
mental, sempre o incentivou a dar prosseguimento aos seus es-
tudos. Ele não teve a oportunidade de conhecer seu pai, pois o
mesmo faleceu quando ainda era recém-nascido. Deste modo,
a responsabilidade de sustentar a família recaiu sobre os om-
bros de sua mãe, levando-a a trabalhar no cemitério na função
de zeladora.
Kleber passou pouco tempo na escola, estudou até a
antiga 1ª série e depois evadiu por problemas de relacionamen-
to entre os alunos da escola e também para ajudar sua mãe no
sustento da casa. Quando se mudou para a Comunidade Bom
Jesus passou a trabalhar num lote como agricultur plantando
arroz, feijão, milho e outros cereais.
Não tinha história ligada a agricultura, pois teve uma
infancia vinculada ao modo de viver urbano,mais precisamen-
te num bairro periférico de Belém. Ele aprendeu a trabalhar
com a agricultura após ter se mudado para o Comunidade
Bom Jesus, em Castanhal, e ter conseguido emprego num lote
desempenhando tal função.
No presente momento estuda na EJA, e segundo con-
ta, a vontade que tem de estudar é tamanha que até mesmo as
longas distâncias que precisa percorrer para pegar o transporte
escolar não o desanimam; ele atribui essa persistência aos in-
centivos que recebe da própria família. De acordo com seu re-
lato “quando é tempo de inverno, [...] eu ainda tenho que andar
1 km por dentro da mata para chegar onde a gente tem de pegar
ônibus. Minha vó me incentiva, minha esposa me incentiva pra
eu correr atrás dos meus objetivos, dos meus sonhos”.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

O terceiro aluno, sujeito da pesquisa, chama-se Már-


cio. O mesmo tem 39 anos e também é natural da cidade de
Belém, mas cresceu no município de Castanhal. A ausência da
figura paterna na infância levou Márcio a ver sua mãe assu-
mindo a tarefa de sustentar a família na Companhia Têxtil de
Castanhal (CTC), - firma de tecelagem, logo que passou a resi-
dir no referido município.
Márcio evadiu da escola aos 17 anos de idade. Da mes-
ma forma que Kleber o motivo da evasão foi resultado de pro-
blemas de natureza pessoal durante seu período de escolariza-
ção. Estudou até o 2° ano do ensino fundamental. No entanto,
no período em que esteve fora dos quadros escolares aderiu
ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
tornando-se militante e participando de encontros e cursos de
formação. Atualmente Márcio reside no Assentamento João
Batista com seus 2 filhos e um amigo, colega de turma.
Apesar de não ter histórico em seu grupo familiar de
ligação com o mundo rural, Marcio trabalha como agricultor
no assentamento, exercendo também o ofício de pedreiro, para
ajudar no sustento da família.
Um dos dados revelados pelo presente estudo diz res-
peito aos motivos que levaram os alunos entrevistados a aban-
donarem o ano letivo e evadirem-se da escola . Segundo os
relatos abaixo a desistência escolar dos três alunos ocorreu na
juventude, nos anos iniciais do ensino fundamental, e a partir
de causas variadas.
Juscelino apresentou como justificativa as difíceis cir-
cunstâncias que precisava enfrentar para dar continuidade aos
seus estudos. Segundo ele a estrutura da escola era precária, e
somado a esse fator ainda havia as difíceis condições de acesso,
que dificultavam o deslocamento da professora da cidade para
a zona rural de Acará, onde residia na época. Após passar lon-
gos períodos sem estudar pela desistência da própria profes-
sora, acabou deixando a escola para se dedicar ao sustento da
família, como é possível verificar no trecho abaixo:

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Era assim, escola no interior, colônia mesmo, só que


era muito ruim lá né? era atrasado. A professora as ve-
zes ia e não se acostumava porque era difícil né? aí ela
pegava e estuda, assim, 1 (um )mês, 2 (dois), 3 (meses)
aí ia embora e não vinha mais. Aí passava 1 (um) ano,
2 (dois) anos e vinha outra, aí era o mesmo problema.
Não aprendi quase nada. Era escola da prefeitura, mu-
nicipal. Não tinha condição. A escola ficava longe, ti-
nha que andar por um caminho de 3 à 4 Km. Tinha
que atravessar igarapé, porque no interior tem aqueles
“pau” por cima do rio né? subia naqueles “pau” e tinha
que atravessar e ia embora até chegar na escola. Naque-
le tempo era de dia. aí quando chegava a gente ia traba-
lhar com os pais na roça. (Juscelino, 55 anos).

As desistências de Kléber e de Márcio também acon-


teceram muito cedo. As dificuldades de relacionamento em
sala de aula, associado a necessidade de trabalhar para ajudar
no sustento da família também foram fatores determinantes
que os levaram a abandonar os estudos nos anos iniciais do
ensino fundamental.
Diferentemente de Juscelino, os alunos Kléber e Már-
cio não conheceram os desafios do acesso a educação encon-
tradas no meio rural, pois são procedentes do meio urbano.
Entretanto, suas trajetórias escolares foram marcadas por de-
sencontros, que os levaram a não se encontrarem nos espaços
de formação dos respectivos estabelecimentos de ensino, o que
os levou a optarem por largar os estudos.
Deste modo, sobre os motivos que foram determinan-
tes para o abandono dos estudos, eles responderam da seguinte
maneira:
(...) esse negócio de brigar em sala de aula. Também
comecei a trabalhar muito cedo. Minha mãe botava
eu pra estudar,... aí eu ia um dia, dois dias, parava 1
semana. Aí eu resolvi parar para ajudar minha mãe
em casa (Kleber, 21 anos).

Minha juventude né? Quando era mais novo e onde


morava era no Jaderlândia em Castanhal; aí como era

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um bairro muito perigoso. Um dia nós tava dentro da


sala de aula, e nesse tempo eu usava “cabelão”, aí chegou
dois “cara” querendo cortar nosso cabelo. Aí de lá eu saí
de dentro da sala e de lá pra cá não estudei mais. Eu era
adolescente, tinha entre 18 a 19 anos (Márcio, 39 anos).

As experiências que os alunos tiveram no âmbito da


educação escolar, e que revela o percurso marcado por desis-
tências escolares, tanto no meio rural quanto no meio urbano,
é resultado direto de contextos e estruturas sociais traçadas
historicamente pela ausência de políticas públicas, negando,
assim, o direito de adquirir os conhecimentos e habilidades
possibilitadas pela instituição escolar (AZEVEDO, 2011; AR-
ROYO, 2005).
Azevedo (2011) também ressalta que as experiências
de desistência escolar na juventude também são resultado das
condições de trabalho desgastantes pelas quais estes alunos fo-
ram submetidos, uma vez que para a autora, é comum uma
jornada de trabalho produzir desgaste físico levando muitos
alunos, que trabalham durante o dia, a ter dificuldade para
acompanhar a rotina escolar.
Estes elementos são ressaltados por Azevedo (2011),
o qual afirma que:
Essa relação episódica com a educação escolar, que
marca a trajetória de muitos desses desistentes, ali-
menta-se (e resulta) das condições objetivas, con-
textos e estruturas sociais, forjadas historicamente,
que os acompanha, entranha-lhes a subjetividade e
os excluem de oportunidades quanto à aquisição de
conhecimentos, habilidades e processos que se ges-
tam no interior da instituição escolar. Também sofre
a influência das condições em que se dá o processo
de trabalho, cuja jornada e intensidade produzem um
desgaste físico não compatível com a dinâmica esco-
lar (Azevedo, 2011, p. 212-213).

Araujo (2011) defende a oportunidade de acesso e a


possibilidade de permanência na escola com qualidade para

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todos. Segundo a autora, ao longo da história, as práticas pe-


dagógicas no âmbito do currículo, avaliação e gestão das esco-
las brasileiras expressaram um contexto de exclusão, tanto no
acesso quanto na permanência.
Por isso conforme a autora o maior desafio para a so-
ciedade brasileira na contemporaneidade é a “universalização
de uma educação com caráter público, republicano, democrá-
tico e igualitário”, uma vez que a educação é anunciada como
direito do cidadão e dever do Estado assegurada pela Consti-
tuição Brasileira (ARAUJO, 2011).
O estudo também revelou que o desejo de mudar de
vida, no sentido de ascender economicamente, faz parte do
projeto de vida dos alunos da EJA. Esse foi um dos motivos
que, segundo os alunos entrevistados, acabaram levando-os
a retornarem a escola, como pode ser visto nos depoimentos
abaixo:
É porque (...) o mundo tá moderno e aí se a gente não
estudar agente fica pra trás. aí agente não vai mais po-
der trabalhar porque tá moderno hoje em dia né? e é o
mundo da informática, se a gente não souber o que tá
fazendo os outros sofre. Se eu tiver como saber, boto
um negócio pra mim tomar conta, porque tava ven-
do na televisão um homem que é um dos mais ricos
do Brasil. Aí a repórter perguntou pra ele o que você
fez pra conseguir tudo isso. Ele disse que é porque eu
estudei um pouco, eu era pioneiro na Amazônia, pes-
quisava o ouro e marretava né? aí chega um tempo
em que eu estudei. Se eu não estudo não avançava. Eu
não cheguei onde tava agora. Então graça aos meus
estudo eu consegui chegar onde tô agora. Só no pré-
-sal ele investiu 500 milhões de reais, ele tava falando.
Então é assim: ele começou com um negócio próprio
(Juscelino, 55 anos).

Porque assim..., tinha vontade de ter uma terra, aí eu


consegui. Agora que também conseguir trabalhar, aí
voltei estudar pra ter uma profissão minha mesmo né.
Não depender de trabalhar só na terra. Aí eu comecei
a estudar pra mim aprender (Kleber, 21 anos).

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O estudo aqui né? e outra, era por causa da minha


carteira de habilitação que não consegui tirar enten-
deu? Não consegui tirar pelo grau escolar que tinha.
Paguei R$ 700,00 e não tirei pelo grau de escolaridade
que tinha, que era muito baixo (Márcio, 39 anos).

Os relatos revelam que muitos alunos que retornam


a escola alimentam a ideia de que os estudos são os principais
elementos responsáveis pela ascendência econômica e social.
E somente o conhecimento formal sistematizado pela escola
terá a capacidade de fazê-los alcançar os resultados esperados
e perspectivados por eles, a saber, o desejo de uma vida melhor
e com conforto.
Nesse sentido, Barreto e Barreto (2005) afirmam que:
o aluno que procura a escola acredita que ela deverá
ajudá-lo a obter os conhecimentos necessários a uma
vida melhor e socialmente mais valorizada. Ideolo-
gizado pela sociedade, assumiu que é o culpado pela
situação indesejável em que vive e que quer superar.
Se tivesse estudo não estaria assim... [...] Entrar na es-
cola ou retornar a ela, representa um esforço adicional
para mudar sua sorte (p. 65).

Cabe destacar que o aluno também busca adquirir a


inserção na vida social a partir da apropriação da leitura, uma
vez que seu contexto histórico e social, marcado pela negação
de diversos direitos, mostrou que uma das causas de sua fra-
gilidade na esfera social é a sua exclusão do código linguístico
dominante. Dessa forma, saber ler e escrever é a primeira coisa
que os alunos que retornam a escola esperam dos professores
quanto ao conteúdo a ser trabalhado em sala de aula (DI PIER-
RO, 2005; BARRETO, 2005; ARROYO, 2005).
Outro dado importante revelado no presente estudo
diz respeito a formação dos alunos entrevistados que não foi
interrompida com a desistência dos estudos, mas que conti-
nuou fora dos muros da escola convencional. Tratava-se de
uma formação construída a partir do momento que passaram

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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a integrar o quadro de militantes do Movimento dos Trabalha-


dores Rurais Sem-Terra (MST).
Segundo os relatos abaixo, a formação recebida den-
tro do movimento do MST o ajudaram a ter um olhar mais
crítico sobre a realidade a sua volta. Realidade essa, muitas ve-
zes omitida pelo processo de ensino da escola tradicional, mas
desveladas no curso de formação de militante ofertado pelo
Movimento. Passaram a se reconhecer enquanto sujeitos da
própria história; e como protagonistas compreenderam a im-
portância de lutar pelos direitos que de fato lhes pertenciam.
Sobre esse período de formação construída no Movi-
mento, os alunos responderam da seguinte maneira:
Eu falo assim, quando minha mãe entrou pro mo-
vimento Sem-Terra eu era uma criança. Então eu
aprendi muitas coisas. Aprendi a estudar lá dentro.
Aprendi nos momentos de formação. Viajei, fui pra
Brasília, pra Irituia, fui pra vários lugares. Acampei
várias vezes em São Brás. (Kleber, 21 anos).

Eu tô dentro do movimento faz 16 anos, vai fazer 17


anos agora. Sempre ia pra encontro do movimento,
fazia curso no movimento. Era curso de formação
para militante, dentro do Movimento Sem-Terra. Aí
inclusive eu andei ainda em vários estados. Fui para
São Paulo, Brasília, Tocantins, Maranhão, Espírito
Santo, dentro do Movimento Sem-Terra. Também fui
pra Belém dar palestra sobre o que era o Movimento
Sem-Terra, mesmo com o grau de escolaridade que
eu tinha pouco, mas nós conseguia. Um dia nós tava
lá na UFPA em Belém, aí nós tava dando uma palestra
lá. Aí quando acabou, uma universitária perguntou
qual o grau de escolaridade que eu tinha. Quando
eu disse que era só o 2° ano do fundamental, ela se
surpreendeu pela palestra que eu tinha dado lá, en-
tendeu? porque eu não era formado. Apesar de não ir
pra sala de aula, mas eu ia pra encontro. Passava de 3
meses viajando. Apesar que eu não lia, mas o pessoal
vinha, lia, muitos ficavam calados e eu debatia sobre o
texto... o que o texto dizia.. (Márcio, 39 anos).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Uma das principais características do MST é o estímu-


lo dado aos sujeitos em formação no sentido de democratizar
as informações tornando o conhecimento acessível à todos. Tal
incentivo não apenas fortalece a base de todo o coletivo asse-
gurando-lhes possibilidades plenas de elaborar sua própria
opinião, e assumir a sua condição de protagonista na tomada
de decisões de sua organização, mas também fez surgir a ne-
cessidade de construir uma educação voltada para a conquista
da emancipação do próprio indivíduo, fazendo reconhecer-se
enquanto sujeito de direito.
Não foi a toa que o período entre 1997 à 2004 entrou
para a história como o momento em que ocorreu a territoriali-
zação da Educação do Campo, isto é, o período em que se deu
grandes avanços no âmbito das políticas educacionais destina-
das aos trabalhadores rurais. E a Educação do Campo, enquanto
proposta educativa que representa a materialização dos anseios,
desejos e pretensões do campesinato acorreu justamente a par-
tir do processo de luta do próprio Movimento dos Trabalhado-
res Rurais Sem Terra – MST (MOLINA E FERNANDES, 2004).
Para Caldart (2003, p. 51):
(...) o MST tem uma pedagogia, quer dizer, tem uma
práxis (prática e teoria combinadas) de como se edu-
cam as pessoas, de como se faz a formação humana. A
Pedagogia do Movimento Sem Terra é o jeito através do
qual o Movimento vem, historicamente, formando o
sujeito social de nome Sem Terra, e educando no dia
a dia as pessoas que dele fazem parte. E o princípio
educativo principal desta pedagogia é o próprio movi-
mento, movimento que junta diversas pedagogias, e de
modo especial junta a pedagogia da luta social com a
pedagogia da terra e a pedagogia da história, cada uma
ajudando a produzir traços em nossa identidade, mís-
tica, projeto. Sem Terra é nome de lutador do povo que
tem raízes na terra, terra de conquista, de cultivo, de
afeto, e no movimento da história.

Da mesma forma, para Arroyo (2005) a presença de


sujeitos que acompanham o conjunto desses processos de for-

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mação pode representar um momento de reconfiguração na


história da própria Educação de Jovens e Adultos.
Essa reconfiguração consiste num movimento que
deve incidir tanto na formação dos educadores, quanto nos
conhecimentos a serem trabalhados em conjunto com os pro-
cessos didático-pedagógicos. Assim, “a EJA como espaço for-
mador terá de se configurar reconhecendo que esses jovens e
adultos vêm de múltiplos espaços deformadores e formadores
onde participam”. (Arroyo, 2005, p. 25).
Outro dado importante a ser destacado é referente as
perspectivas dos alunos entrevistados no presente estudo. Ao
serem questionados sobre os rumos que pretendem traçar a
partir do momento que concluírem os estudos na EJA, os alu-
nos demonstraram vontade de continuar os estudos cursando
o nível superior numa universidade.
Indagados sobre seus projetos de vida os alunos da
EJA responderam da seguinte maneira:
Se Deus quiser eu encarava faculdade também. Tô
com esse objetivo. Já pensei um bocado, mas não sei
que curso fazer, mas é ligado a agricultura, como ser
engenheiro agrônomo (Juscelino, 55 anos).

Eu pretendo estudar, estudar mesmo, e concluir 1 ano


e concluir outro que eu queria estudar pra mim ser
advogado. Porque eu acho muito bonito né? ser ad-
vogado, defender a causa de pessoas que são culpadas
das coisas (Kleber, 21 anos).

É procurar um emprego melhor, fazer um curso. Pro-


curar um emprego melhor. E a própria melhora mi-
nha e da minha família (Márcio, 39 anos).

Tais declarações reafirmam a ideia de que os alunos


da EJA se colocam em movimento na intenção de materializar
tornando em realidade aquilo que se deseja. De acordo com
Ramos (2012) a transformação no domínio do social não é
possível se não vier em primeiro lugar a transformação do pró-
prio imaginário social, uma vez que é somente por meio dos

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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sonhos que o ser humano adquiri a capacidade de se mover e


mobilizar o outro.
Vale ressaltar que as perspectivas do sujeito se dão
sempre no presente, pois é nesse tempo que o ser humano se
projeta no futuro e constrói a possibilidade de sua própria exis-
tência. Para Ramos (2012), o passado, presente e o futuro são
momentos que ocorrem no presente, e é no presente que o su-
jeito tem a capacidade de redefinir suas ações e manter viva a
esperança de tornar real seu projeto de vida, haja vista que o
futuro é utópico, ou como diria Ramos, (2012, p.241): “é o que
me imagino poder-se”.
Conclusão
O presente estudo constatou que os percursos históri-
cos, sociais e escolares, geralmente truncados, vivenciados por
alunos da EJA ao longo do processo de escolarização não sig-
nifica necessariamente sua retirada dos processos de formação
mental, ética, identitária, cultural, social e política, pois a par-
tir do momento em que retornam à escola, acabam trazendo
consigo um acúmulo de formação e conhecimento (ARROYO,
2005).
De acordo com Freire (1979), o mundo é constituído
por um elemento imaterial externo ao homem denominado de
realidade objetiva. No entanto, mesmo sendo um aspecto exte-
rior e pré-existente a condição humana, essa realidade objetiva
é possível de ser conhecida e apreendida por ele.
Assim, o homem não pode ser definido apenas como
sujeito de contatos, mas também sujeito de relações. Em outras
palavras, o indivíduo não se constrói apenas porque ele está
“no” mundo, mas sim em constante relação “com” o mundo.
Assim este “estar com o mundo resulta de sua abertura à rea-
lidade, que o faz ser o ente de relações que é” (FREIRE, 1979,
p. 47).
Dessa forma, de acordo com as reflexões apresentadas
ao longo do presente trabalho é fundamental reafirmar a im-

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portância de rever a condição do aluno da EJA para além de


suas limitações, como assevera Arroyo (2005), que a reconfi-
guração da EJA é possível sim, mas quando o direito à educa-
ção dos jovens e adultos superar a ideia, de que tal direito seja
ofertado como segunda oportunidade de escolarização e, so-
bretudo, na medida em que esses sujeitos de direitos passarem
a serem vistos para além dessas carências.

REFERÊNCIAS

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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O SABER LOCAL NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS


DE UMA ESCOLA MULTISSERIADA NO MEIO
RURAL DA AMAZÔNIA

Nayara Sena Oliveira12


Joel Dias da Fonseca3
Renilton Cruz
Introdução
O estudo em questão tem como tema o currículo
escolar e a Educação do Campo; e se propõe a realizar uma
abordagem a respeito do currículo de uma escola multisseria-
da do campo na comunidade do Livramento, meio rural do
município de Igarapé-Açu. A respectiva comunidade constitui
uma das bases de atividade do Projeto Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID), projeto este que é vinculado a
Faculdade de Pedagogia do campus universitário de Castanhal
(FAPED) e tem como objeto de estudo a educação dos povos
do campo.
O PIBID subprojeto Pedagogia/Castanhal busca con-
tribuir no sentido de diminuir o histórico distanciamento en-
tre o curso de pedagogia e a realidade dos estabelecimentos de
ensino localizados no meio rural através da inserção de gra-
1 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará
(UFPA); Bolsista Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (UFPA –PIBID); nayarasenaoliveira@gmail.com
2 Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA);
e-mail: jdjoel48@gmail.com
3 Prof. Dr. da Faculdade de Pedagogia da Universidade Federal do
Pará (UFPA); Coordenador de Área do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (UFPA –PIBID ); reniltoncruz@
gmail.com

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duandos em pedagogia no cotidiano das escolas do meio rural


dos municípios de Castanhal, São Francisco do Pará e Igarapé-
-Açu, os quais estão situados na região nordeste do estado do
Pará, no interior do espaço geográfico da Amazônia, lugar de
caráter notadamente complexo e diverso.
Neste contexto figuram as chamadas escolas multis-
seriadas. Essas escolas se caracterizam por apresentar turmas
compostas por alunos com idades e níveis educacionais distin-
tos e orientados por um único professor que, geralmente além
de ensinar, assume também diferentes papéis na escola em que
trabalha. Esse modelo de organização do trabalho pedagógico,
para muitos, dificulta o processo de ensino, pois a base da edu-
cação no país é orientada pelo modelo convencional de seria-
ção, e a matriz curricular dos cursos de nível superior na área
da educação costuma dar prioridade a este modelo de organi-
zação do ensino.
Nas turmas multisseriadas o currículo escolar não
dialoga com a realidade da cultura, do trabalho e da vida do
campo. Até mesmo os materiais didáticos fazem referência a
cultura e o modo de viver de sujeitos do meio urbano, e com
isso os saberes e concepções das populações que vivem e são do
campo são desvalorizados, suas identidades são descaracteri-
zadas e sua autoestima diminuída (OLIVEIRA, 2011; ROCHA
E HAGE, 2010).
Nas atividades de campo desenvolvidas pelo PIBID-
-Pedagogia/Castanhal na comunidade local Nossa Senhora do
Livramento, município de Igarapé-Açu, mais especificamente
na escola Lauro Alves Ramos, identificamos um conjunto de
elementos culturais, sociais e produtivos que estão articulados
diretamente ao processo de produção de sua identidade. Com
base neste contexto, faz-se necessário buscar possíveis respos-
tas à seguinte problemática: Como se dá a articulação entre o
saber local da comunidade da Vila de São Luiz no município
de Igarapé-Açu e os saberes científicos, propostos na matriz
curricular da escola observada?

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Metodologia
O estudo em questão se enquadra numa abordagem
qualitativa, a qual, segundo Richardson (1989), se caracteriza
por não empregar instrumentos estatísticos como categoria
fundante do processo de análise de um determinado proble-
ma, sendo utilizada com maior frequência por pesquisadores
da área das ciências sociais.
No âmbito da investigação qualitativa, foi realizado
um Estudo de Caso de cunho exploratório-descritivo na escola
Lauro Alves Ramos, localizada na comunidade do Livramento,
no município de Igarapé-açu, nordeste do estado do Pará. O
Estudo de Caso consiste num método de pesquisa que busca
investigar de forma detalhada o ambiente de um sujeito ou de
uma situação em particular (CAMPOMAR, 1991).
A argumentação acerca das principais categorias que
orientaram as análises dos dados coletados no campo foram
construídas a partir de uma ampla pesquisa bibliográfica. De
acordo com Gil (2008) a pesquisa bibliográfica consiste numa
técnica de estudo desenvolvida no início de uma investigação
a partir do levantamento de materiais com forte cunho teórico
já elaborado e constituído, sobretudo, por teses, livros, e artigos
científicos.
As discussões referentes ao campo da Educação do
Campo, Currículo, bem como sua vinculação a ideia de cultura
com ênfase no saber local, foram conduzidas a partir da con-
tribuição de autores com larga experiência na área, dentre eles
Brandão (2007), Freire (1979), Caldart (2009), Kolling (1999);
Molina (1999), Apple (2006), Coll (1987), Arroyo (2007), Hage
e Barros (2010), além da base legal conquistada como as Dire-
trizes Operacionais.
O processo de construção dos instrumentos de cole-
ta buscou focalizar algumas categorias essenciais, dentre elas
os elementos essenciais constituintes da matriz curricular da
escola pesquisada; a natureza e a dimensão das atividades so-
cioeducativas desenvolvidas pelos alunos da E. M. E. F. Lauro

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Alves Ramos em suas tarefas diárias; bem como a abordagem


metodológica de ensino adotada para articular os saberes lo-
cais da comunidade da Vila de São Luiz no município de Igara-
pé-Açu aos saberes científicos, propostos na matriz curricular
da escola observada.
A observação sistemática, enquanto técnica de coleta
de dados foi empregada no segundo momento do estudo, e em
seguida foram realizadas entrevistas que envolveram três sujei-
tos informantes, a saber, três professoras da educação básica da
escola Lauro Alves Ramos. A escolha levou em consideração
as condições e o espaço físico do estabelecimento de ensino,
haja vista que a escola possui apenas três turmas funcionando
regularmente: duas no período da manhã e uma no período da
tarde.
Após a realização da entrevista foi dado início ao pro-
cesso de tratamento dos dados fornecidos pelos sujeitos da
pesquisa, a saber, as professoras da escola Lauro Alves Ramos,
na comunidade do Livramento. Os dados foram interpretados
através da análise qualitativa (técnica de análise de conteúdo),
a qual consiste num conjunto de técnicas de caráter eminente-
mente metodológico, que são frequentemente utilizadas pelas
ciências humanas no processo de descrição do conteúdo das
comunicações.
Os dados foram transcritos e colocados numa matriz
de análise. A matriz de análise foi organizada em cinco colunas:
na primeira coluna foi inserida as perguntas, na segunda, ter-
ceira e quarta os relatos das três professoras, e na quinta coluna
os pontos em comuns identificadas no cruzamento das falas.
Os pontos em comuns encontrado nas falas foram sublinhados
após uma primeira leitura flutuante dos dados já transcritos. A
leitura inicial das informações me aproximou dos relatos, aju-
dando-me a recordar os detalhes identificados na observação
sistemática, e descritos em meu diário de campo.
Em seguida, deu-se inicio ao momento da análise dos
dados; nesse processo os relatos das professoras foram confe-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

ridos e analisados segundo a contribuição dos autores e pes-


quisadores do campo do currículo e da educação do campo
descritos no capítulo inicial deste estudo.
Resultados e Discussão
De acordo com Reis (2010), o docente enquanto sujei-
to, se constrói na autêntica relação que estabelece tanto com o
outro (hetero-formação), quanto consigo mesmo (auto-forma-
ção), e também com o ambiente ou as coisas a sua volta (eco-
-formação). Para o autor, esta relação, se estabelece não apenas
“com” e/ou “nos” docentes, mas, sobretudo em articulação com
alunos e com o meio em que vivem. Deste modo, a construção
da identidade e da formação docente se processa no conjunto
das relações que se fundam tanto no âmbito da própria vida do
docente, como também na vida da comunidade (REIS, 2010).
Frente a este contexto, podemos destacar o contexto
da escola Lauro Alves Ramos, onde três professoras atuam nas
séries iniciais e com turmas multisseriadas. As mesmas são res-
ponsáveis por conduzir o processo educativo de três turmas de
séries iniciais; com exceção dos dias em que professores ho-
ristas trabalham unidades disciplinares específicas como é o
caso de professores que trabalham com a disciplina de arte e
educação física.
Conforme o relato das professoras do Livramento
percebe-se que todas elas possuem forte ligação com a escola e
também com a comunidade local. Sobre esta identificação, as
professoras relatam o seguinte:
Moro em São Luis desde jovem. Nasci em São Luis.
Cresci lá (Profa. E.M.F. S).

Moro aqui mesmo [Livramento], nasci em são Luís,


mas vim morar pra cá, mas o meu esposo, a mãe dele,
os familiares dele moram tudo aqui. Faz mais de 20
anos que moro aqui (Profa. J.F.L.).

Eu nasci em Santa Izabel, mas moro em São Luis (Pro-


fa. L. R. M.).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

De acordo com os relatos acima é possível constatar


que o fato das professoras atuarem no local de trabalho durante
todo este período de tempo contribuiu para a existência de for-
te identificação com a escola do Livramento. Em segundo por
acompanhar o processo de escolarização de muitos moradores
da comunidade, por mais de uma década. A experiência ad-
quirida ao longo deste espaço de tempo foi fundamental para
que fossem criados laços de amizade entre os alunos e os pais
destes, fato este impediu até mesmo uma possível remoção de
uma das professoras da escola, se não fosse a intervenção e a
pressão dos moradores junto a secretaria de educação da co-
munidade. Estes atributos, por si só, já lhes credenciam a as-
sumir a condição de sujeito e professora do campo, uma vez
que sua identidade está diretamente ligada a história e a cultura
da comunidade local; e também pelo fato de estar atuando no
campo, mais especificamente em comunidades remanescentes
de quilombo.
A identificação das educadoras com a comunidade e
a escola nos faz compreender que o ser humano não pode ser
definido apenas como sujeito de contatos, mas também sujeito
de relações; haja vista que o indivíduo não se constrói apenas
porque ele está “no” mundo, mas sim em constante relação
“com” o mundo. Assim este “estar com o mundo resulta de sua
abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é”
(FREIRE, 1979, p. 47).
De acordo com Freire (1979), o mundo a nossa volta é
constituído por um elemento de natureza imaterial externo ao
homem, a qual o autor denomina de realidade objetiva. Contu-
do, apesar de se constituir-se enquanto elemento pré-existente
a condição humana, e concentrada na exterioridade do ser hu-
mano, não podemos negar a possibilidade de tal elemento ser
conhecido e apreendido por ele.
A emergência da cadeia de relações que se constrói na
interlocução entre o homem e o mundo, é fundamental para
pensar e repensar a existência de uma articulação entre os es-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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tabelecimentos de ensino e as realidades do seu entorno; isto é,


pensar no diálogo entre o homem enquanto sujeito da própria
história, e o mundo enquanto espaço produtor de subjetivida-
des (GOHN, 2010).
Desta forma, a escola não seria pensada apenas como
uma unidade de ensino de caráter fechado e enclausurado em
si mesmo, pois no entremear das relações tecidas em seu espa-
ço físico, não se pode negar a presença de elementos de inter-
seção que se mostram articulados a outras formas de organi-
zação como, por exemplo, as associações comunitárias, que ao
estarem vinculadas ao projeto educativo trabalhado pela esco-
la, busca auxiliar a instituição escolar ajudando a promover o
desenvolvimento do processo de ensino (GOHN, 2010).
Fernandes (2009, p. 142) afirma que “quando pensa-
mos o mundo a partir de um lugar, onde não vimemos, (...),
vivemos num não lugar (...). Esse modelo de pensar idealiza-
da leva ao estranhamento de si mesmo”. O não pertencimento
deste sujeito ao território de origem acarretará problemas na
construção da identidade, e principalmente na condição fun-
damental da sua firmação-cultural (FERNANDES, 2009).
Neste sentido, Jesus (2010, p. 441- 442) defende que:
A estratégia educacional fundamental no processo de
formação necessita ser aquela em que valorize as par-
ticularidades das comunidades tradicionais, do acú-
mulo obtido pelas lutas sociais dos trabalhadores ru-
rais, vinculados diretamente ao conteúdo concreto da
atividade do trabalho desta classe, de conhecimentos
específicos e singulares, ainda que contenham nestes
elementos universais.

De acordo com a autora, a inserção das particulari-


dades das comunidades tradicionais no delineamento de uma
estratégia educacional é essencial para que o processo de for-
mação ocorra de maneira significativa; haja vista que não po-
demos perder de vista o fato de que a construção cotidiana da
vida de uma determinada comunidade só é possível quando o

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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sujeito está enraizado em suas referências culturais (BRASIL,


2003).
De acordo com Weil (2001) o enraizamento é um dos
conceitos mais difíceis de definir, talvez por se tratar de uma
área pouco explorada e ao mesmo tempo pouco conhecida da
natureza humana. Para a autora, a legitimidade da participação
do ser humano na existência de uma coletividade que culti-
va certos tesouros do passado e também os pressentimentos
quando ao futuro são reflexos das múltiplas raízes em que o
sujeito está imerso. Este processo se dá mediante a participação
natural do sujeito, sendo condicionada ao lugar de origem, a
profissão que exerce, ou meio em que o ser humano constrói
sua existência. Trata-se de uma necessidade eminentemente
humana. É na esfera do enraizamento que se desenvolve a qua-
se totalidade da vida moral, intelectual, e espiritual do sujeito
(WEIL, 2001).
Sobre o relato das professoras do Livramento refe-
rente a sua própria formação constatamos que todas exercem
trabalho pedagógico em turmas multisseriadas na escola da
comunidade durante 15 à 20 anos e com no máximo o grau de
magistério.
De acordo com as professoras:
Terminamos agora de se formar [em pedagogia]. São
16 anos trabalhando na escola, passei por todas as tur-
mas. Agora tô no 4° e no 5° ano (Profa. E.M.F.S.).

Estou cursando pedagogia. Tô no sétimo semestre.


Tenho magistério. Tô com 16 anos no magistério e há
15 anos trabalho nessa escola (Profa. J.F.L.).

Terminei agora a pedagogia pela UFRA. Mas atuava


aqui [Livramento] só com o magistério. Terminei o
magistério em 91 e trabalho nessa escola desde 1996
nessa mesma escola (Profa. L. R. M.).

De acordo com os relatos coletados, as respectivas


professoras possuem larga experiência com a prática pedagó-
gica em multisserie, uma vez que as mesmas estão no exercício

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da profissão por mais de 15 anos. Durante este período exer-


ceram a função de docente possuindo apenas o grau de magis-
tério.
Duas das professoras entrevistadas afirmaram que a
graduação em pedagogia foi concluída a poucos meses; a ou-
tra professora ainda está concluindo o curso em instituições
pública.
Dados coletados pelo Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP no censo de
2013 revelam que o número de professores que atuam no meio
rural da Amazônia com curso de nível superior na rede pública
de ensino é extremamente baixo. Os dados apontam que entre
a categoria de docentes que exerce o trabalho pedagógico na
pré-escola no meio rural apenas 26,8% possuem nível supe-
rior, enquanto que nas creches esse número não passa de 28,5%
(INEP, 2013).
Conforme o Art. 12. Das Diretrizes Operacionais Para
a Educação Básica Nas Escolas do Campo – Resolução CNE/
CEB n 1 – de 3 de abril de 2002:
O exercício da docência na Educação Básica, cum-
prindo o estabelecido nos arts. 12, 13, 61 e 62 da LDB
e nas Resoluções CNE/CEB nº 3/97 e nº 2/99, assim
como os Pareceres CNE/CP nº 9/2001, nº 27/2001 e
nº 28/2001, e as Resoluções CNE/CP nº 1/2002 e nº
2/2002, a respeito da formação de professores em ní-
vel superior para a Educação Básica, prevê a formação
inicial em curso de licenciatura, estabelecendo como
qualificação mínima, para a docência na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o
curso de formação de professores em Nível Médio, na
modalidade Normal.

De acordo com o Art. 12 das Diretrizes Operacionais


para a Educação Básica nas escolas do campo o curso de licen-
ciatura passa a ser a qualificação mínima, para a docência na
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.
No entanto, constatamos que para as educadoras a graduação

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em pedagogia passou a ser realidade mais recentemente como


reflexo das políticas de formação de professores implementa-
das pelo Estado nos últimos anos, como por exemplo, Plano
Nacional de Formação de Professores4 (PARFOR), o Pacto Na-
cional pela Alfabetização da Idade Certa5 – PNAIC, o Progra-
ma Escola Ativa 6(PEA).
Apesar dos avanços na implementação de programas
voltados para formação de professores, não podemos omitir o
fato de que a LDB 9394 (BRASIL, 1996) também foi responsá-
vel por estimular uma intensa procura de professoras das séries
iniciais em exercício, por cursos de nível superior.
Para Oliveira (2010) essa procura se deve em grande
parte pela interpretação errônea do artigo 87 § 4º, o qual esta-
belecia que a admissão de professores poderia ocorrer somente
com a habilitação dos mesmos no nível superior. Deste modo,
não é difícil compreender a razão do surgimento de diversos
institutos e programas de formação de professores nos últimos
anos, uma vez que após a promulgação da respectiva lei, tais
programas apresentaram uma alta procura de professores pe-
los cursos de formação, muito por desconhecerem o direito de-
terminado pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
e acreditar na própria destituição do cargo de docente, caso
não possuísse o curso de nível superior.
Em relação a prática pedagógica foi observado que
as professoras valorizam o trabalho com a oralidade ao ado-
4 O Plano Nacional de Formação de Professore (PARFOR) foi criado
pelo Governo Federal em 2009 com a finalidade de formar, em regi-
me de colaboração envolvendo a União, Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, docentes que atuam com a educação básica na rede
pública de ensino.
5 O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC foi
implementado pelo Governo Federal em 2012, com o objetivo de as-
segurar a alfabetização de todas as crianças até os oito anos de idade.
6 O Programa Escola Ativa (PEA) foi criado pelo Governo Federal em
1997 com o objetivo de ampliar o acesso à educação básica no meio
rural e melhorar a qualidade do ensino especificamente nas classes
multisseriadas do campo (FUNDESCOLA, 2005).

900
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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tar metodologias que favorecem o relato de experiências, so-


bretudo no relato de atividades nas quais os próprios alunos
se reconheçam enquanto sujeitos históricos participantes da
construção do seu processo de aprendizagem. Isto só é possível
porque ao assumirem a condição de sujeitos do conhecimento,
os alunos tem a liberdade de sugerir, relatar e contribuir com
os temas abordados em sala. Apesar de apenas uma das pro-
fessoras destacarem esse elemento, podemos observar a mes-
ma prática na prática pedagógica de outras professoras, como
mostra o relato abaixo.

Eu sempre separo, por exemplo, dois a três dias onde


trabalho matemática; aí nos outros dois dias eu tra-
balho português, é assim! Sempre na realidade deles.
Levo em consideração tudo o que ele sabe, porque
ninguém chega numa escola sem saber nada. Por mais
que ele não saiba escrever, mas ele sabe falar. Tem alu-
no que não sabe escrever, mas se você perguntar uma
coisa ele conta detalhadamente. Então, no falar ele ex-
pressa muito bem (Profa. E.M.F.S.).

Além da oralidade, a cultura local é explorada nas


atividades pedagógicas de modo a valorizar o saber popular
do educandos. Como a comunidade do Livramento é formada
por remanescentes de quilombos a transmissão de saberes dos
mais velhos para os mais novos é muito comum. É com base
na transmissão destes saberes que as professoras procuraram
organizar o trabalho pedagógico, especialmente na semana da
consciência negra.
As professoras que participam de programas de for-
mação como o Programa Nacional de Alfabetização na Idade
Certa – PNAIC, também fazem questão de utilizar os conheci-
mentos obtidos ao longo do programa para aplicar em sala de
aula. No entanto, sempre com adaptações, levando em consi-
deração a realidade da respectiva comunidade. Segundo rela-
tam as professoras:

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Eu consulto os livros didáticos, mas consulto também


a realidade. Porque nem todo o material eu pego dos
livros didáticos. Porque o livro didático é muito eu-
rocêntrico em relação a isso. É muito ligado a outras
culturas; então se tratando de uma cultura quilombo-
la é totalmente diferente. Quando tem a feira quilom-
bola eles confeccionam coisas retiradas da natureza,
confeccionam muito paneiro, coisas do dia-a-dia né?
paneiro porque eles levam para sua pescaria...; tipiti
aqui na comunidade ninguém produz, porque é tipo
assim, quando pessoas mais velhas vão passando essas
coisas pro seus filhos, o que acontece? a cultura acaba
se perdendo com o tempo. E é exatamente isso na es-
cola que eu procuro resgatar (Profa. J.F.L.).

Agora a gente também esta trabalhando os currículos


do PNAIC, do pacto. Participo a três anos, ai eu tra-
balho em cima do currículo do pacto, e também algu-
mas adaptações trazendo para a própria comunidade.
Com o pacto trabalha eu e professora Jeane (Profa. L.
R. M.).

De acordo com os relatos as professoras participam


ativamente do processo de escolha dos conteúdos trabalhados
em cada disciplina, e organizam suas metodologias de ensino a
partir do conhecimento que já possuem em relação aos alunos
e ao meio em que vivem; além disso, também lançam mão do
livro didático disponibilizado Programa Nacional do Livro Di-
dático do Campo (PNLD Campo) como é o caso, do Girassol.
Em suas aulas, as professoras relataram que utilizam
o livro Girassol como material didático de apoio. De acordo
com as educadoras é o único livro didático que faz referência a
educação do campo, e por esse motivo, já faz três anos que elas
adotam o livro nas atividades pedagógicas.
Segundo as professoras:
O Girassol tem muito a ver com a realidade do campo.
Esse foi o único. Acho que já tá com dois anos que tá
esse livro. Eu trabalho muito a realidade. Quando eu
vou trabalhar a ciência, as frutas, eu trabalho as daqui
da região porque eles conhecem (Profa. E.M.F.S.).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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O livro contempla um pouco da realidade, porque


ainda precisa estar se adaptando (Profa. J.F.L.).

Esse ano Girassol que veio pelo PNAIC. É bem me-


lhor pra gente tá adaptando, porque ele é de um pro-
jeto também do Ceará, tá com três anos que tô usando
ele (Profa. L. R. M.).

Conforme assevera Figueredo e Miranda et al (2012)


a implementação de livros didáticos como o Girassol, podem
favorecer a abordagem das heterogeneidades que traduz o
meio rural, não apenas como espaço de produção, mas sobre-
tudo como como um “celeiro de oportunidades”. Para os au-
tores, é possível realizar tal movimento a partir do momento
que o professor faz da diversidade de culturas o seu objeto de
reflexão. É com base neste processo, que o professor pode dar
andamento ao planejamento das ações didáticas entrelaçando
os conteúdos do livro com os aspectos singulares da vida dos
sujeitos do campo, como por exemplo, ritmos, tradições, fru-
tas, usos e costumes e as comemorações típicas da comunidade
local em que a escola está inserida.
De acordo com a Resolução/CD/FNDE nº. 40 de 26
de julho de 2011, que dispõe sobre o PNLD Campo, para ter
direito de acessar os livros, é necessário que as escolas fede-
rais e os sistemas de ensino municipais, estaduais e do Distrito
Federal apresentem algumas condições como: ter cadastro no
censo escolar (INEP), aderir formalmente ao PNLD, respeitar
os prazos, regulamentos, obrigações e procedimentos propos-
tos pelo Ministério da Educação e manter turmas nos anos
iniciais do ensino fundamental funcionando em áreas rurais,
sendo estas seriadas ou multisseriadas.
O PNDL Campo busca fornecer as escolas públicas,
que participam do Programa Nacional do Livro Didático, li-
vros didáticos específicos para turmas multisseriadas e/ou se-
riadas dos anos iniciais do ensino fundamental, estando elas si-
tuadas em áreas rurais ou possuindo turmas anexas na referida
localidade. Os respectivos materiais são adquiridos mediante

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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processo aprovação e seleção das unidades escolares das redes


públicas municipais estaduais e do Distrito Federal, de forma
democrática e autônoma (BRASIL, 2011).
Os relatos das professoras também apontam para uma
práxis que se fundamenta na valorização das experiências de
vida dos seus alunos. Podemos identificar esta prática a partir
do momento em que as educadoras oportunizam aos alunos
a possibilidade de produzirem alguns objetos a partir de coi-
sas retiradas da natureza, como paneiro, cestas, gaiolas e ou-
tras coisas do dia-a-dia dos alunos como podemos observar na
imagem abaixo.

Imagem1 – Produção de alunos na Imagem 2 – Produção de alunos


Semana da Consciência Negra no período natalino.

De acordo com as imagens, percebe-se que o traba-


lho pedagógico levado adiante pelas professoras da escola do
Livramento está pautado em uma reconstrução dos modos de
vida da comunidade, na riqueza cultural, na valorização da his-
tória e no respeito à tradição dos remanescentes de quilombo.
Isso constitui, em última análise, uma forma de resistência a
uma lógica hegemônica de educação urbana financiada pelo
capital. Lógica esta que concebe o meio rural como território
sem cultura, sem vida, sem história, servindo apenas como re-
produtor de relações de produção.
A adoção de tais atividades sobre a vida no campo
nas escolas do meio rural é de fundamental importância, pois
aproxima os educandos do trabalho socialmente útil, haja vista

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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que os mesmos relacionam os conhecimentos obtidos no coti-


diano à realidade escolar e os conhecimentos escolares à reali-
dade do campo. É com base nesta perspectiva que o educando
assimila determinados fundamentos preconizados no campo
da Educação do Campo; um deles é o caráter ontológico e tam-
bém o alienante do trabalho, sem mencionar a possibilidade
de compreender a vivencia o trabalho coletivo, e da construção
coletiva (MOLINA, 2008).
Considerações
O estudo em questão buscou compreender como o
saber local da comunidade de Nossa Senhora do Livramento
- localizada no município de Igarapé-Açu, região nordeste do
estado Pará - dialoga ou não com o saber científico, proposto
na matriz curricular da E. M. E. F. Lauro Alves Ramos.
A relação da comunidade com a escola é muito pró-
xima em decorrência das articulações que Associação de Re-
manescentes de Quilombo de Nossa Senhora do Livramento
– ARQUINSEL busca desenvolver com a instituição de ensino
a partir da valorização dos elementos histórico, culturais e pro-
dutivos.
Trata-se de uma articulação que reflete o cotidiano
dos moradores, sobretudo quando promove eventos anual-
mente em alusão a Semana da Consciência Negra. É neste mo-
mento que percebemos a associação de moradores e a escola
do Livramento trabalhando em unidade, coletivamente em
prol da comunidade local.
Os resultados reafirmaram ainda a necessidade de dar
continuidade a luta por um modelo de educação do campo,
vinculada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e
econômico da população que vive e trabalha no campo, sem
ignorar as especificidades históricas e culturais que constituem
sua formação identitária.
Os conteúdos são organizados e trabalhados pelas
professoras, de maneira a explorar o conjunto de conhecimen-

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tos que o aluno já possui sobre determinado assunto. A cul-


tura local é explorada nas atividades pedagógicas de modo a
valorizar o saber popular do educandos. Como a comunidade
do Livramento é formada por remanescentes de quilombos a
transmissão de saberes dos mais velhos para os mais novos é
muito comum. É com base na transmissão destes saberes que
as professoras procuraram organizar o trabalho pedagógico.
Este é um debate que se faz necessário uma vez que
a educação ofertada pela escola do Livramento deve refletir as
singularidades socioculturais da comunidade local, haja vista
que a proposta de educação do campo para as escolas do meio
rural da Amazônia deve estar amparada, sobretudo numa
abordagem territorial específica, principalmente em virtude
do caráter altamente heterogêneo da região amazônica, sem se
esquecer de fortalecer o diálogo com os sujeitos do meio rural
tendo como fundamento as bases da agroecologia, da cultura,
da economia solidária e da justiça social.
E ao tratar das especificidades do meio rural da Ama-
zônia, não podemos nos distanciar do debate em relação a ne-
cessidade da implementação de políticas curriculares para a
educação do campo na região amazônica, as quais devem estar
enraizadas nas diversas territorialidades que expressam a cul-
tura dos povos que habitam tal lugar (seringueiros, indígenas,
quilombolas, pequenos produtores rurais assentados, pescado-
res, ribeirinhos e etc.).

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O PROGRAMA ESCOLA DA TERRA NO


ESTADO DO AMAZONAS NO ANO DE 2014

FERREIRA, Silmar da Silva1


Introdução
Historicamente, os povos do campo vêm lutando para
terem sua identidade reconhecida, seu papel social e econômi-
co valorizados, e suas diferenças respeitadas.
Neste sentido, traz em si uma práxis pedagógica que
busca ressignificar a concepção de tempo tomando o habitat
como lócus de identidade, cultura e emancipação através da
educação. Conforme determina a Resolução CNE/CEB 1, de 3
de abril de 2002.(*) que Institui Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, Art. 2º,
Parágrafo único. A identidade da escola do campo é
definida pela sua vinculação às questões inerentes à
sua realidade, ancorando-se na temporalidade e sa-
beres próprios dos estudantes, na memória coletiva
que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia
disponível na sociedade e nos movimentos sociais em
defesa de projetos que associem as soluções exigidas
por essas questões à qualidade social da vida coletiva
no país. (BRASIL, 2002)
1 Mestranda do Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Edu-
cação Pública, da Faculdade de Educação, Universidade Federal de
Juiz de Fora. Licenciada em Pedagogia e Pós Graduada em Didáti-
ca da Docência do Ensino Superior pela Faculdade Martha Falcão,
Pós Graduada em Mídias na Educação pela Universidade Federal do
Amazonas. Professora Efetiva na SEDUC/Amazonas e na SEMED/
Manaus. Coordenadora Estadual do Programa Escola da Terra no
Amazonas. silmarfereira@seduc.net

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Compreende-se, nos termos do Decreto nº 7.352, de


2010, que são consideradas populações do campo: os agricul-
tores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os
ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os
trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras,
os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas
condições materiais de existência a partir do trabalho no meio
rural.
Neste contexto, a Educação do Campo é concebida
pelas lutas sociais pela garantia de acesso à educação como di-
reito publico subjetivo, associada às lutas das populações do
campo pela terra, pelo trabalho, pela igualdade social que lhe
garanta igualdade de oportunidades nos princípios da equida-
de, a partir de marcos regulatórios legais. Neste sentido, Freire
e Almeida (1993) referem-se
[...]a educação popular como esforço de mobilização,
organização e capacitação das classes populares; ca-
pacitação científica e técnica. [...] esse esforço não se
esquece, que é preciso poder, ou seja, é preciso trans-
formar essa organização do poder burguês que está aí,
para que se possa fazer a escola de outro jeito [...] Há
estreita relação entre escola e vida política. (FREIRE E
ALMEIDA, 1993, p. 19)

De modo que a educação rural estaria posta na luta


pelos direitos, ao que corrobora Arroyo (1999) ao afirmar que
a escola rural precisa dar conta da educação básica, e ressaltá-
-la como direito de todos (homem, mulher, criança, jovem do
campo), direito ao saber, ao conhecimento e à cultura produzi-
da socialmente. Almeja-se uma escola que não seja dicotômica,
mas que permita a integração dos diversos saberes às vivências.
Com efeito, as Escolas do Campo exercem papel fun-
damental na construção de um projeto de sustentabilidade no
qual os povos do campo corroborem na formulação das políti-
cas econômicas, sociais, culturais, agrícolas, agrárias e educa-
cionais. Nesse diapasão, fortalece-se a atuação em dois eixos:

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a identidade cultural do professor do campo e a propedêutica


da sustentabilidade através da consciência de suas potenciali-
dades locais.
Faz-se necessário compreender que as escolas da Edu-
cação do Campo possuem aspectos e características que as di-
ferenciam das escolas urbanas, principalmente aquelas situa-
das nas comunidades mais distantes, onde a população mais
rarefeita e as condições estruturais das instituições de ensino
destes locais impossibilita a existência de escolas com classes
seriadas.
Para atender as necessidades dos povos do campo, foi
instituído o Programa Nacional de Educação do Campo (PRO-
NACAMPO), mediante Portaria Nº 86, DE 1º de fevereiro de
2013, que consiste em um conjunto articulado de ações de
apoio aos sistemas de ensino para a implementação da política
de educação do campo. A referida portaria define, ainda, as
diretrizes gerais do PRONACAMPO, que se destina à amplia-
ção e qualificação da oferta de educação básica e superior às
populações do campo, e que será desenvolvida pela União em
regime de colaboração com os estados, os municípios e o Dis-
trito Federal, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas
no Plano Nacional de Educação.
De acordo com o Art. 4º, da Portaria Nº 86, DE 1º de
fevereiro de 2013, são eixos do PRONACAMPO:
I - Gestão e Práticas Pedagógicas;
II - Formação de Professores;
III - Educação de Jovens e Adultos, Educação Profis-
sional e Tecnológica; e
IV - Infraestrutura Física e Tecnológica.

O Art. 5º apresenta as ações que compreendem cada


o primeiro dos quatro eixos do PRONACAMPO, referente à
Gestão e Práticas Pedagógicas, como descrito a seguir:
Art. 5º O eixo Gestão e Práticas Pedagógicas com-
preende as seguintes ações:

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Educação Popular em Debate
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I - disponibilização às escolas públicas do campo de


materiais didáticos e pedagógicos que atendam às
especificidades formativas das populações do campo
e quilombolas, no âmbito do Programa Nacional do
Livro Didático - PNLD, e de materiais complemen-
tares no âmbito do Programa Nacional Biblioteca da
Escola - PNBE;

II - fomento à oferta da educação integral nas escolas


do campo e quilombolas, promovendo a ampliação
curricular; e

III - apoio às escolas com turmas compostas por estu-


dantes de variadas etapas dos anos iniciais do ensino
fundamental e das escolas localizadas em comunida-
des quilombolas, por meio da Escola da Terra.[grifo
meu]

Assim, o Programa Escola da Terra foi instituído atra-


vés da Portaria nº 579 de 02 de julho de 2013 como uma das
ações do Programa Nacional de Educação do Campo (PRO-
NACAMPO), por meio da qual o Ministério da Educação, por
intermédio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabeti-
zação, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC) e em regime
de colaboração com estados, Distrito Federal e as prefeituras
municipais, promove a formação continuada de professores
das séries iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º Ano) das
classes multisseriadas para que atendam às necessidades espe-
cíficas de funcionamento das escolas do campo e daquelas lo-
calizadas em comunidades quilombolas, oferecendo recursos
didáticos e pedagógicos que atendam às especificidades for-
mativas das populações do campo e quilombolas. De acordo
com a Portaria nº 579 de 02 de julho de 2013, são objetivos do
Escola da Terra:

I - promover a formação continuada de professores


para que atendam às necessidades específicas de fun-
cionamento das escolas do campo e daquelas localiza-
das em comunidades quilombolas; e

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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II - oferecer recursos didáticos e pedagógicos que


atendam às especificidades formativas das populações
do campo e quilombolas.

As classes multisseriadas caracterizam-se pela agluti-


nação de vários alunos de diferentes idades e séries em uma
única sala de aula sob a regência de um/a único/a professor/a.
Sua existência remonta ao período imperial, conforme explica
Hage (2010), em um momento em que se aplicava o método
mútuo, caracterizado pelo ensino por meio da monitoria, na
instrução elementar, modelo importado da Inglaterra, onde o
método foi criado para atender às exigências da rápida expan-
são do ensino público elementar e para atender às necessidades
do processo de industrialização (HAGE, 2010, p.01).
Hage (2010) afirma que
Uma das características mais marcantes das escolas
com turmas multisseriadas localizadas no meio rural
é a precariedade de infraestrutura, pois, em muitas
situações, elas não possuem prédio próprio e funcio-
nam na casa de um morador local ou em salões de
festas, barracões, igrejas, etc.; em prédios muito pe-
quenos, construídos de forma inadequada, que se en-
contram em péssimo estado de conservação, causan-
do risco aos estudantes e professores, fortalecendo o
estigma da escolarização empobrecida e abandonada
(HAGE, 2010, p.01).

A falta de docentes e a estrutura precária das escolas


das comunidades nas áreas rurais são fatores determinantes
para que as classes multisseriadas permaneçam uma constante
nas escolas do campo, conforme consta no estudo das escolas
esquecidas2 desenvolvido pelo Instituto de Estudos e Pesquisas
Sociais e do Agronegócio CNA.
A relevância do tema proposto para o presente relato
se dá a partir do entendimento de que o cenário da Educação
2 Disponível em http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/
files/Escolas_esquecidas_Edicao2014.pdf Acesso em 31 de Ago
2015.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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do Campo está imbuído de uma epistemologia de lutas que


toma a educação como instrumento de emancipação, trazendo
em si uma práxis pedagógica que busca re-significar a concep-
ção de tempo tomando o habitat como lócus de identidade e
cultura.
Dessa forma, fortalece-se a atuação da formação con-
tinuada proposta pelo Programa Escola da Terra em dois ei-
xos: a identidade cultural do/a professor/a do campo e a pro-
pedêutica da sustentabilidade através da consciência de suas
potencialidades locais. Afinal, a escola é um local de constru-
ção coletiva do saber que precisa oportunizar ao educando os
meios que o conduzam à compreensão e interpretação do seu
próprio contexto, a fim de situar-se enquanto ser humano, ca-
paz de realizar transformações por meio de sua interação com
o mundo do qual faz parte.
Conforme consta na Portaria nº 579 de 02 de julho de
2013, o Escola da Terra compreende os seguintes componentes:
I - formação continuada e acompanhada dos profes-
sores que atuam em escolas do campo, nas turmas dos
anos iniciais do ensino fundamental compostas por
estudantes de variadas idades, e em escolas de comu-
nidades quilombolas, bem como daqueles professores
responsáveis pela assessoria pedagógica a essas esco-
las, doravante chamados tutores;

II - materiais didáticos e pedagógicos;

III - monitoramento e avaliação; e

IV - gestão, controle e mobilização social.

Assim, em 2013, tendo a Secretaria de Educação e


Qualidade do Ensino (SEDUC/AM) feito adesão ao Progra-
ma Federal Escola da Terra, mesmo não tendo alunos matri-
culados nas classes multisseriadas na rede estadual, haveria
necessidade do acompanhamento das ações desenvolvidas nos
municípios que aderiram ao Programa, por determinação da

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Portaria nº 579 de 02 de julho de 2013, no âmbito estadual, que


atribui, dentre as competências da SEDUC, no inciso III, do
art. 10:
d) designar oficialmente o coordenador estadual[-
grifo meu] ou distrital da Escola da Terra, necessaria-
mente um servidor público do quadro do magistério,
com disponibilidade de carga horária para desempe-
nhar atribuições de caráter pedagógico, administrati-
vo e logístico,que será responsável por acompanhar e
monitorar os trabalhos dos tutores de sua rede, bem
como sistematizar e consolidar os relatórios dos tuto-
res municipais, conforme inciso II, do art. 7º;

Para exercer tal função houve seleção, por meio de


critérios estabelecidos no edital publicado no Diário Oficial de
03 de dezembro de 2013. O processo de seleção foi realizado
em três fases: A primeira, eliminatória, condicionada ao exa-
me de comprovação da qualificação e autenticidade dos do-
cumentos apresentados pelo candidato. A segunda, de caráter
classificatório, que consistiu na análise do currículo lattes so-
mando as pontuações atribuídas aos requisitos apresentados
pelo candidato à vaga (conforme edital) e a terceira fase, de
caráter classificatório, se deu por meio de entrevista. Puderam
se inscrever professores e pedagogos, efetivos ou integrados,
que possuíssem duas matrículas com carga horária de 20horas
cada ou uma matrícula de 40 horas e que não estivessem no
exercício de sala de aula, com Especialização, com experiên-
cia comprovada em coordenação de programas educacionais,
e disponibilidade para viajar.
Dessa forma, a Coordenadora Estadual do Programa
Escola da Terra foi nomeada, mediante Portaria 1297 de 26
de dezembro de 2013, posta em anexo, realizando atividades
como:
m) solicitar, mensalmente, por meio do sistema de
pagamento de bolsas do FNDE e de acordo com ca-
lendário previamente estabelecido, o pagamento das
bolsas a que façam jus o coordenador estadual ou dis-

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trital bem e como os tutores da rede estadual e das


redes municipais de sua base territorial vinculados à
Escola da Terra;

n) encaminhar à SECADI/MEC, por meio do sistema


de gestão e monitoramento da Escola da Terra, os re-
latórios mensais sobre o trabalho realizado pelos tu-
tores junto às turmas das escolas do campo e escolas
quilombolas de sua rede, bem como a sistematização
dos relatórios produzidos pelos tutores das redes mu-
nicipais de sua base territorial, mantendo uma cópia
arquivada;

o) realizar a gestão e monitoramento da Escola da


Terra, mantendo atualizados no sistema de gestão e
monitoramento da SECADI/MEC os dados relativos
às ações desenvolvidas; (Portaria 579 de 02 de julho
de 2013, inciso III, art. 10)

Portanto, compreende-se, dentre as funções do Coor-


denador Estadual a tarefa de realizar o acompanhamento das
ações do programa junto às secretarias municipais de educa-
ção que foram contempladas, no SIMEC, nas seis formações
realizadas pela entidade formadora, a Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), para realizar capacitação aos municípios
contemplados para participar da capacitação do Programa Es-
cola da Terra, estabelecendo como meta, para o ano de 2014.
Dessa forma, compreende-se a pertinência do presen-
te relato no fato de sua autora ter se inscrito, sido selecionada e
nomeada Coordenadora Estadual do Programa Federal Escola
da Terra no Amazonas, por meio da Portaria GS 1297, de 26
de dezembro de 2013, pela Secretaria de Educação e Qualidade
do Ensino – SEDUC/Am, no acompanhamento dos municí-
pios que aderiram à esta política pública junto ao Ministério
da Educação – MEC.
Face ao exposto reitera-se a necessidade da esperança
ter seu espaço na educação ressaltada por Freire (1992) como
um “elo entre os sonhos e a realidade” nas relações históricas,
econômicas e sociais como algo de importância inexorável em

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um momento de lutas por uma melhor qualidade de vida e me-


lhores oportunidades.
Este relato de experiências tem como objetivos des-
crever a forma como a política de formação continuada de
professores e professoras que atuam nas classes multisseriadas
(caracterizadas por concentrarem, em uma mesma sala de aula,
alunos de diferentes idades e séries, sob a regência de um/a
único/a docente) do 1º ao 5º ano nas escolas da educação do
campo, proposta pelo Programa Escola da Terra e desenvolvi-
da no estado do Amazonas no ano de 2014 e analisar as articu-
lações entre a política de formação docente oferecida pelo pro-
grama, por intermédio da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM), associada ao seu comprometimento com a questão
da sustentabilidade e com as concepções que historicamente
foram construídas para a Educação do Campo em meio às lu-
tas sociais pela garantia dos direitos dos povos do campo.
Metodologia
Esta seção apresenta a descrição dos caminhos per-
corridos no desenvolvimento do presente relato de experiên-
cia, que se trata uma pesquisa de caráter qualitativo, pois
[...] parte do fundamento de que há uma relação di-
nâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interde-
pendência entre o sujeito e o objeto, um vínculo in-
dissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade
do sujeito. (CHIZZOTTI, 2001, p.79)

A pesquisa descritiva, segundo Marconi e Lakatos


(2010), traz como características principais: descrever, regis-
trar, analisar e interpretar. Assim, é possível caracterizar este
relato como descritivo e analítico.
Os instrumentos de pesquisa utilizados para tanto,
consistem na pesquisa bibliográfica, bem como dos documen-
tos pertinentes ao Programa Escola da Terra, tais como a por-
taria que o instituiu, o projeto pedagógico do curso de aper-
feiçoamento proposto para a formação docente, registros da

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coordenação estadual, relatório das ações desenvolvidas pelo


programa ao longo do ano de 2014, e os questionários de satis-
fação que foram respondidos pelos interlocutores, tutores e pe-
los professores que participaram das formações, disponibiliza-
dos pela Coordenadora Estadual. Apresenta-se, portanto, um
relato das experiências da coordenação Estadual no exercício
de suas atribuições no ano de 2014 no acompanhamento das
ações desenvolvidas pelo Programa Escola da Terra no estado
do Amazonas.
Laconicamente é possível afirmar que para a análise
do Programa Escola da Terra utilizou-se uma abordagem teó-
rica na apreciação de documentos oficiais, bem como a revisão
de literatura sobre o tema e legislação pertinente.
O estudo sobre a política da formação continuada
oferecida aos professores/as das classes multisseriadas das sé-
ries iniciais do ensino fundamental pelo Programa Escola da
Terra, no ano de 2014, no estado do Amazonas, n análise do
mesmo, enquanto política pública que se propõe a garantir o
atendimento das necessidades específicas das escolas da Edu-
cação do Campo nessas formações, permitindo que o professor
compreenda a importância do campo como lugar de saberes,
valores e dos sujeitos histórico-sociais, a partir de uma concep-
ção emancipatória.
Resultados e Reflexões
No ano de 2014, dezoito municípios foram contem-
plados com as formações oferecidas Pelo Programa Escola da
Terra, através da Universidade Federal do Amazonas: Autazes,
Boca do Acre, Borba, Caapiranga, Careiro da Várzea, Coari,
Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaus, Manicoré, Maraã,
Maués, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã, Parintins, Pre-
sidente Figueiredo e Tefé.
Inicialmente a Universidade Federal do Amazonas
(UFAM) se propôs a formar 500 (quinhentos) professores.
Contudo, foram oferecidas 1500 (mil e quinhentas) vagas,

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superando todas as expectativas, as vagas contemplaram dos


1435 cursistas, os 95 tutores e o 7 interlocutores que não são
tutores, totalizando 1537 participantes:
Na tabela abaixo é possível identificar: a distribuição
de vagas aos 18 municípios selecionados pela Universidade Fe-
deral do Amazonas para o cumprimento da meta de 1500 cur-
sistas no estado do Amazonas, o número dos formadores en-
volvidos (em média um para cada 40 cursistas), o número dos
docentes cadastrados no SIMEC por cada município, e destes,
o número de cursistas que concluiu as seis formações realiza-
das, o número de tutores em cada município e os interlocutores
designados pelas secretarias municipais que não acumulavam
a função de tutor, bem como o total de participantes no pro-
grama e, destes, o total que concluiu. Também é possível iden-
tificar no quadro, o número de escolas envolvidas e número de
alunos que indiretamente foram contemplados pelo Programa,
tanto pelo fornecimento dos kits pedagógicos (que na maioria
dos casos, constatou-se com recurso fundamental, e em alguns
casos único) como pela melhoria na qualidade e especificidade
do ensino que é oferecido, a partir da qualificação profissional.

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Tabela 1 Participantes do Programa Escola da Terra no


Estado do Amazonas em 2014.

Fonte: Coordenação Estadual do Programa Escola da Terra e UFAM

Assim, é possível identificar, no quadro acima, que


1.266 (mil duzentos e sessenta e seis) cursistas foram cadas-
trados no Sistema (lembrando que o SIMEC só foi disponibi-
lizado para esta função em outubro e as formações iniciaram
em abril/2014), somados aos 95 (noventa e cinco) tutores e 7
(sete) interlocutores, totalizando 1368 participantes. Destes,
1.203 (mil duzentos e três) concluíram (sabendo-se que todos
os tutores e interlocutores concluíram).
A Universidade Federal do Amazonas definiu como
objetivos a serem alcançados com o Programa Escola da Terra,
conforme consta no Projeto Pedagógico de Curso de Aperfei-
çoamento em Educação do Campo: Contribuir na formação
continuada de profissionais da educação que atuam nas escolas
do campo, nos anos iniciais do Ensino Fundamental na área da
educação, fundamentando as teorias e metodologias centradas

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em práticas pedagógicas capazes de desenvolverem estratégias


e recursos educativos que facilitem a integração do saber tra-
dicional ao saber científico e ao trabalho do campo. E estabele-
ceu como objetivos específicos: estudar o processo do mundo
do trabalho do campo e suas alternativas; conhecer os funda-
mentos da Educação do Campo seus pressupostos, princípios,
currículo e sua relação com a cultura, trabalho, e a identidade
do sujeito do campo; e experienciar a práxis da Pedagogia da
Alternância e sua aplicação, os fundamentos pedagógicos e as
práticas educacionais do campo centradas no tratamento de
respeito à diversidade.
A realização das formações segue o regime de al-
ternância, conforme Parecer CNE/CEB nº 1/2006, com a
combinação de períodos integrados de formação junto aos
formadores da Universidade na sede dos municípios (tem-
po universidade) e a aplicação prática dos eixos temáticos de
cada formação no cotidiano escolar (tempo comunidade),
momento em que cada tutor realizou o acompanhamento das
ações no tempo universidade e comunidade, de acordo com a
determinação de no mínimo 7 (sete) e no máximo 15 (quin-
ze), como especificado na Portaria 579 de 02 de julho de 2013
e no Manual do Programa Escola da Terra. Contudo, em al-
guns casos foi flexibilizado para facilitar a logística de acesso
às comunidades.
As avaliações de cada professor/a cursista foram rea-
lizadas pelos/as tutores/as por meio de registros inseridos no
SIMEC, analisados pela Coordenação Estadual e enviados ao
MEC, mensalmente, de acordo com as atividades realizadas
tanto no Tempo Universidade quanto no Tempo Comunidade,
descrevendo todas as ações de acompanhamento realizadas, as
dificuldades enfrentadas e os avanços observados, bem como a
relação teórico-prática dos/as docentes, no uso dos kits peda-
gógicos fornecidos pelo programa e na aprendizagem dos estu-
dantes de cada classe multisseriada de 1º ao 5º ano do Ensino
Fundamental envolvida no processo de formação.

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A formação continuada oferecida traz em sua Matriz


Curricular eixos articuladores que serão trabalhados no tem-
po universidade, caracterizado pela presença do formador da
UFAM que realiza o aprofundamento dos eixos temáticos das
atividades que envolvem a leitura e reflexão para o desenvol-
vimento das atividades práticas no tempo comunidade, acom-
panhado pelos tutores do programa, em visitas sistemáticas às
escolas participantes, sendo responsabilidade dos municípios,
dentre outras especificadas na Portaria 579 de 02 de julho de
2013, garantir a participação do(s) tutor(es) e dos professores
cursistas em todas as atividades de formação continuada da Es-
cola da Terra e garantir ao(s) tutor(es) as necessárias condições
de acesso às escolas, para realização das atividades de formação
em serviço dos professores e de acompanhamento pedagógico
das turmas, bem como realizar a gestão, o acompanhamento e
o monitoramento das ações desenvolvidas no tempo-univer-
sidade e no tempo escola comunidade, mantendo atualizados,
junto a coordenação estadual ou distrital e no sistema de ges-
tão e monitoramento da Escola da Terra da SECADI/MEC, os
dados e as informações relativas ao(s) tutor(es), professores e
turmas das escolas do campo e escolas quilombolas.
A partir da definição dos eixos, em cada município
considerou-se a realidade do contexto local, de modo que os
temas trabalhados tiveram variação de um município para o
outro, mantendo a ementa do Projeto Político Pedagógico de-
senvolvido pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
para o Programa Escola da Terra
Conforme estabelecido nos itens 1.3 e 1.4 do edital
de seleção do Coordenador Estadual, publicado no Diário Ofi-
cial de 03 de dezembro de 2013, a servidora selecionada foi
lotada na Coordenação da Educação do Campo – CECAMPO/
DEPPE, onde passou a desempenhar atribuições de caráter pe-
dagógico, administrativo e logístico, além da responsabilidade
de acompanhar e monitorar os trabalhos dos tutores das redes
municipais participantes do Programa Escola da Terra.

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O assessoramento aos municípios realizou-se tanto


nas visitas de seus representantes na Coordenação da Educa-
ção do Campo/SEDUC, quanto por telefone, email, ou em vi-
sitas técnicas da Coordenadora in lócus, bem como no Sistema
SIMEC.
O lançamento do Programa Escola da Terra foi reali-
zado no auditório da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Amazonas e contou com a participação de repre-
sentantes desta Secretaria de Educação e Qualidade do Ensino
(SEDUC), da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de
Manaus e a Coordenação da Educação do Campo da UFAM.
As formações ocorreram nos municípios no período
de abril de 2014 a março de 2015. No Tempo Comunidade os
cursistas iniciaram pesquisas sobre a comunidade e os tutores
acompanharam as ações.
Os kits pedagógicos do Programa Escola da Terra co-
meçaram a chegar aos municípios no mês de maio, e como a
base foi o Censo de 2012 ocorreram divergências no quantita-
tivo, então, foram priorizadas, as escolas que fazem parte do
Programa, e onde houve sobras, foram encaminhadas para as
escolas que possuem classes multisseriadas e que não tenham
sido contempladas pelo Programa. Manaus recebeu apenas 09
kits, o Careiro da Várzea até a presente data não recebeu seus
kits e nenhum dos municípios recebeu o kit de Ciências.
Como em cada município considerou-se a realida-
de do contexto local, a partir da definição dos eixos, os temas
trabalhados variaram de um município para o outro, a fim de
trabalhar as especificidades locais com mais propriedade, de
acordo com as pesquisas realizadas pelos próprios cursistas na
comunidade em que atuam como docentes.
A Coordenação Estadual realizou visitas em alguns
dos municípios participantes, não sendo possível comparecer
em todos, uma vez que as formações ocorriam em tempo con-
comitantes ou muito próximos e a dificuldade logística. Não
deixando, entretanto de comparecer sempre que requisitada

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para realizar algum assessoramento ou orientação mais espe-


cíficos.
Assim, no mês de fevereiro de 2014 esteve no muni-
cípio de Manicoré, que informou ter dificuldade de propor-
cionar o transporte para que todos os sete tutores para realizar
as visitas mensalmente às comunidades, dada as dificuldades
geográficas do Rio Madeira e dos conflitos na área indígena
na Estrada de acesso nas proximidades de Humaitá, onde se
localizam algumas escolas participantes. A Coordenadora re-
uniu-se com a Secretária de Educação e com os tutores para
apresentar a proposta do Programa prevista para iniciar em
abril de 2014. Na oportunidade foi possível conhecer a estru-
tura de algumas escolas em visita acompanhada pelos tutores
e pelo interlocutor do Programa, onde se percebeu que tal
estrutura, nas escolas visitadas, apresentava, em sua maioria,
a existência de apenas duas salas de aula, e as comunidades
em que se localizam serem pequenas, de população rarefeita e
distantes umas das outras, com acesso fluvial a algumas e via
terrestre a outras, o que varia de acordo com os períodos de
seca e cheia dos rios, não permite que as classes sejam seria-
das. Também realizou-se uma reunião com os/as professores/
as das escolas do campo, aproveitando a vinda dos mesmos
ao município para participarem do Plano Nacional de For-
mação de Professores da Educação Básica – PARFOR, para
apresentar o Programa Escola da Terra.
No dia 31 de julho de 2014, a Coordenadora Estadual
compareceu no município de Presidente Figueiredo, a pedido
da tutora, na terceira formação do Programa Escola da Terra,
data em que foram distribuídos os kits aos professores. Na dada
oportunidade, conversou com o formador da UFAM sobre as
perspectiva para a execução do Programa Escola da Terra no
município e os potenciais a serem explorados.
Em 04 de agosto de 2014, a Coordenadora Estadual
esteve no município de Caapiranga em uma ação de acompa-
nhamento do Projovem Campo que mobilizou toda a Coorde-

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nação da Educação do Campo/SEDUC. Aproveitando a opor-


tunidade, esteve no local da formação, reuniu-se com as tuto-
ras do município para passar algumas orientações e conversou
com a formadora da UFAM sobre as dificuldades apontadas
pelas tutoras no acompanhamento das atividades deixadas
para o tempo comunidade. Observou-se nesta visita o desafio
de trazer os professores para as formações, pois a própria sede
do município estava alagada e nas ruas somente se podia tran-
sitar sobre pontes ou de canoa.
Retornando de Caapiranga, no dia 05 de agosto de
2014, a Coordenadora compareceu à sede da UAB em Mana-
capuru, onde se realizava a formação, e teve a oportunidade
de reunir-se com os tutores e com os formadores da UFAM,
onde foi observado que o espaço era inadequado para a for-
mação, contudo o município já havia tentado realizar o tempo
universidade em uma escola da zona rural sem sucesso, pelas
dificuldades climáticas e de acesso, e ainda pela falta de energia
ocorrida naquela data.
Retornando à Manaus a Coordenadora contactou a
Coordenação da Universidade para tratar da questão da ne-
cessidade de melhor orientação quanto ao papel dos tutores
no tempo comunidade pelos formadores, no intuito de tornar
o trabalho mais eficiente em consonância com a proposta pe-
dagógica e para verificar a questão do local de realização das
formações em Manacapuru. Foi sugerido ao interlocutor que
realizasse a formação seguinte no espaço de uma Escola Esta-
dual que pudesse dispor-se para a formação seguinte.
No dia 23 de setembro de 2014, a Coordenadora
Estadual esteve no município de Autazes para participar do I
Seminário. Na dada oportunidade também reuniu com os tu-
tores e repassou algumas orientações quanto ao preenchimen-
to dos relatórios no SIMEC, mas não foi possível demonstrar
diretamente no Sistema pela falta de energia. A Coordenadora
foi convidada para retornar em outra data e conhecer de perto
algumas escolas multisseriadas na zona rural.

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Em visita ao município de Itacoatiara, em 29 de se-


tembro de 2016, a Coordenadora reuniu-se com a Secretá-
ria de Educação e com a Chefa da Divisão Rural a respeito
da necessidade da indicação de um interlocutor, conforme
previsto na Portaria 579 de 2 de julho de 2013, para facilitar
a comunicação com as tutoras. A Coordenadora conversou
com os professores, juntamente com a formadora da UFAM,
e tirou dúvidas e apresentou as peculiaridades que diferem o
Programa Escola da Terra do Programa Escola Ativa. A ex-
pectativa de muitos professores era que o Escola da Terra ti-
vesse o mesmo formato do Escola Ativa apontando atividades
e propostas de práticas metodológicas para cada disciplina,
mas se tratando de uma formação que incentiva a valorização
da identidade e cultura local dos povos do campo, por meio
da pesquisa e da proposta de ações que sejam específicas para
cada realidade no desenvolvimento do potencial local, sem
atividades prontas, portanto, mas instigando a criatividade
de cada professor o Programa Escola da Terra enfrentou re-
sistência não apenas neste mas em outros municípios tam-
bém. Nesta visita foi possível verificar o material de Língua
Portuguesa e Matemática que chegou diretamente da SECA-
DI/ MEC e não havia sido entregue porque no depósito da
SEMED confundiram com o material do PNAIC, uma vez
que não foi especificado o nome do Programa nas caixas. Foi
orientada a entrega do material.
Em 30 de setembro de 2016, a Coordenadora do Pro-
grama Escola da Terra participou do I Seminário Integrador em
Manacapuru, que foi realizado na Quadra do Biribiri, e contou
com a presença intensa das comunidades das escolas localiza-
das na zona rural. A prefeitura disponibilizou transporte para
que o acesso da população do campo. Foram realizadas diver-
sas apresentações. Os formadores da UFAM incentivaram os
cursistas a apresentarem os projetos de beneficiamento que es-
tão desenvolvendo de acordo com as necessidades específicas
de cada comunidade. Os relatos dos professores demonstram

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o envolvimento dos mesmos com a realidade de cada comuni-


dade e seu empenho no desenvolvimento das potencialidades
identificadas em cada projeto.
No município de Presidente Figueiredo a Coordena-
dora do Programa participou do I Seminário Integrador na
Escola Estadual Maria Calderaro, em 10 de outubro de 2014,
iniciando no auditório, com uma palestra do formador Gilson
Gean, e finalizando suas apresentações no pátio externo. Houve
a realização de uma feira de produtos artesanais, relacionada
ao tema da Palestra “Economia Solidária e o Desenvolvimento
Sustentável em Presidente Figueiredo” apresentada pelo Msc.
Adu Schwade. Houve relato de experiências dos cursistas, da
gestora de uma escola municipal e de uma mãe de aluno, repre-
sentando a comunidade e finalizando com o desfile da garota
Escola da Terra. Nos relatos foram apresentadas as contribui-
ções das formações para o envolvimento dos educandos com
a realidade de cada município, bem como as expectativas em
relação ao Programa.
A Coordenadora Estadual retornou ao município de
Autazes, no período de 29 a 31 de outubro de 2014, convidada
pelo Secretário de Educação para retornar ao município e vi-
sitar algumas escolas que participam do Programa. Também
teve a oportunidade de acompanhar um dia de formação do
Programa neste mesmo período, onde os professores relataram
que os temas trabalhados contribuem para que suas aulas se-
jam mais pertinentes em consonância com os pressupostos que
concebem a educação do campo.
No período de 05 a 08 de novembro de 2014, a Se-
cretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão -SECADI/MEC enviou como representante Lúcia He-
lena Nilson para conhecer um pouco sobre como estava sendo
desenvolvido o Programa no estado do Amazonas.
Assim, no dia 05 de novembro de 2014, houve reu-
nião com os formadores da UFAM, para entendimento de
como vem sendo realizada a Proposta Pedagógica do Progra-

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ma e como os formadores tem percebido a receptividade dos


professores cursistas, nos municípios.
No dia 06 de novembro de 2014, o dia começou com
uma reflexão a respeito do encontro com os formadores da
UFAM e as expectativas da SECADI/MEC para o Programa
Escola da Terra no Amazonas e seguiu com a visita progra-
mada para o Município de Manacapuru. Foram discutidas
as questões de dificuldade geográfica, climática e logística de
acesso aos municípios do Estado do Amazonas.
Na visita em Manacapuru, a Secretaria Municipal
de Educação reuniu alguns professores que participam do
programa, conforme a solicitação da representante do MEC
para que a mesma pudesse ouvir dos próprios docentes o
que os mesmos esperam do Programa Escola da Terra. Não
houve um número expressivo de participantes, dadas as dis-
tâncias das comunidades, mas foi um momento de interação
significativo. A visita foi organizada de modo que a repre-
sentante do MEC pudesse ter uma noção das dificuldades
do acesso tanto às escolas ribeirinhas quanto às escolas nas
estradas.
Durante a visita, a representante da SECADI/MEC
teve a oportunidade de conhecer a Escola Municipal Getú-
lio Vargas, na área ribeirinha e a Escola Municipal Benedito
Gomes, na estrada Manoel Urbano Rod. AM 070, km 62, e
conversar com os docentes, os discentes e com alguns pais da
comunidade, para conhecer um pouco das atividades desen-
volvidas por essas escolas.
A visita foi acompanhada pela Coordenadora Esta-
dual do Programa, pelo Secretário de Educação Municipal,
pelos tutores, pela Coord. Pedagógica do programa na UFAM,
pela formadora da UFAM que atua no município e por uma
representante da Assessoria de Comunicação da SEDUC.
No dia 07 de novembro de 2014, a visita deu-se ao
município Presidente Figueiredo, onde a representante da SE-
CADI/MEC conversou com o Secretário de Educação Munici-

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pal e teve a oportunidade de conhecer a realidade das escolas


José Assunção de Lima, no KM-126 da BR-174, comunidade
Jardim Floresta, Areolino Vicente dos Santos no KM-165 da
BR-174, na comunidade Novo Rumo e na zona ribeirinha: Es-
cola Paculabo localizada, na Cacaia do Rumo Certo.
Assim como em Manacapuru, procurou-se colocar
em evidência as dificuldades de acesso às comunidades do
campo, a necessidade de melhorias na estrutura física das esco-
las e o enriquecimento ao trabalho pedagógico que o Programa
Escola da Terra trouxe.
A representante do MEC teve a oportunidade de con-
versar com os docentes e com as crianças nas escolas visitadas
e conhecer um pouco de como o trabalho é realizado, apesar de
todas as dificuldades enfrentadas.
A visita foi acompanhada pelo Vice Prefeito, a Secre-
tária de Saúde, o Formador da UFAM que atua no município,
a Coordenadora Pedagógica da rede municipal e a Tutora do
programa no em Presidente Figueiredo.
Encerrando em 08 de novembro de 2014, sábado, pela
manhã, a Coordenadora Estadual, juntamente com a Coorde-
nação Administrativa do Programa Escola da Terra na UFAM,
reuniram-se com a representante do MEC, no intuito de rea-
lizar uma avaliação da visita realizada aos municípios, bem
como tratar das questões administrativas e das perspectivas de
continuidade do Programa Escola da Terra no Estado do Ama-
zonas, onde foi evidenciada as dificuldades de acesso e condi-
ções estruturais das escolas com classes multisseriadas.
Em seu retorno à Brasília a representante da SECADI/
MEC levou, em mídia, os relatórios das ações de acompanha-
mento da Coordenação Estadual do Programa Escola da Terra,
bem como os documentos de nomeação dos tutores, cadastros
dos cursistas, dentre outros documentos pertencentes ao pro-
grama em questão.
A visita do MEC foi de extrema importância tanto
para registro das ações desenvolvidas pelo Programa Escola

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da Terra no Amazonas, monitoramento e avaliação do mesmo,


enquanto política pública, como para conhecimento da reali-
dade geográfica e climática peculiar da região amazônica, que
corrobora para compreensão das necessidades específicas das
comunidades do campo no Estado do Amazonas.
No período de 24 a 28 de novembro de 2014, a cami-
nho do município de Nova Olinda do Norte para participar da
última formação, a Coordenadora se reuniu com a Secretária de
Educação que assumiu recentemente a pasta em Autazes e con-
versou com a nova equipe técnica, para garantir a permanência
dos dois tutores selecionados para o Programa Escola da Terra
até o término de suas ações. A Coordenadora explicou à Secre-
tária de Educação como funciona o programa, sobre a forma de
adesão, a indicação do interlocutor pela Secretaria de Educação
e processo de seleção dos tutores que foram nomeados, de acor-
do com a Portaria e o Manual que regem o Programa Escola da
Terra.
No dia seguinte, em Nova Olinda do Norte, a Coor-
denadora Estadual visitou algumas escolas que fazem parte do
Programa. Vale ressaltar que neste período, de vazante dos rios
a distância a ser percorrida por terra aumenta.
Algumas situações relevantes foram percebidas duran-
te a visita às escolas em Nova Olinda do Norte, como: a dificul-
dades de acesso às escolas (o que não é muito diferente de todos
os outros municípios); o funcionamento de turmas de Educa-
ção Infantil junto ao Ensino Fundamental; um número elevado
de alunos nas Classes Multisseriadas; dificuldades estruturais
nas escolas (também muito semelhante às outras escolas visita-
das); e a falta de material didático de apoio nas escolas, princi-
palmente nas classes de educação Infantil e nas séries iniciais.
Os professores das escolas visitas ressaltaram a importância do
resgate da identidade do homem do campo e do trabalho, que
foram destaque nas formações, para a sua prática cotidiana.
Neste município ouviu-se um relato de uma profes-
sora que marcou por suas palavras: “Professora, antes eu dizia

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para os meus alunos estudarem para serem alguém na vida e


irem para a cidade porque lá teriam mais oportunidades. Hoje,
aprendi e incentivo meus alunos a estudarem para contribuí-
rem com a sua comunidade.”
Um tutor ressaltou a importância dos temas trabalha-
dos nas formações, relatando que em algumas comunidades já
nem se fabrica mais farinha (um alimento produzido da man-
dioca e típico da culinária da região amazônica, principalmen-
te para ser consumido no acompanhamento do peixe), por não
haver mais jovens ali, pois os mesmos buscam trabalho na ci-
dade e abandonam o campo e os velhos e crianças que ficam
não tem condições físicas para a produção.
A Coordenadora participou da última formação no
município, momento em que foram apresentados os trabalhos
realizados nas comunidades pelos cursistas e realizada a ava-
liação das ações do programa no município de Nova Olinda
do Norte. Um momento muito importante e significativo para
reforçar a importância da valorização da identidade, da cultura
e da produção local.
Finalizando as visitas no ano de 2014, em 18 e 19 de
dezembro, a Coordenadora participou do encerramento do
Programa Escola da Terra no município de Iranduba. Nesta
oportunidade houve relatos das experiências e das contribui-
ções que o Programa trouxe para o município, através da ava-
liação dos cursistas, dos tutores e da formadora da UFAM. Foi
muito produtivo e enriquecedor, pois os cursistas comentaram
sobre a contribuição do Programa na elaboração do Projeto
Político Pedagógico das escolas do campo, como parte do inte-
grante do último eixo articulador, e os tutores reforçaram sobre
a importância do oferecimento de formação específica aos do-
centes que atuam nas escolas situadas na zona rural.
Nas visitas realizadas observou-se que, como em to-
dos os municípios do Amazonas, o acesso às comunidades tan-
to na zona ribeirinha quanto nas vicinais é difícil. Mas, apesar
de todas as dificuldades, o empenho dos docentes na busca

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de formação que contribua para melhoria do processo ensino


aprendizagem é evidente. A estrutura das escolas é simples, a
maioria não possui refrigeração, e os recursos tecnológicos e
de materiais pedagógicos disponíveis são escassos. Também
observou-se a dificuldade de trazer os docentes para a sede dos
municípios e manter os professores neste tempo distante de
sua comunidade sem um recurso destinado a isto.
O II Seminário Integrador, que marcou o encerramen-
to dos períodos de formação da edição 2014 do programa Escola
da Terra, aconteceu em 25 e 26 de março de 2015 e contou com a
representatividade dos 18 municípios que participaram do Pro-
grama em 2014, também participaram do evento os Secretários
de Educação dos municípios de Manacapuru e Lábrea.
No primeiro dia estabeleceu-se um círculo de Diálogo
sobre “Políticas Públicas Nacional e a Escola da Terra no Con-
texto Amazônico” pela manhã e “Educação do Campo uma
Nova Abordagem, pela tarde.
No dia 26, foram realizadas Oficinas de: Letramento,
Ensino da Matemática, ensino de História/Geografia, Projeto
de Ensino na Educação do Campo, e Ensino de Arte na Di-
versidade. Também houve uma rica exposição das Experiên-
cias da Escola da Terra compartilhada pelos 18 municípios que
mostrou a relevância do Programa no cenário da Educação do
Campo.
A Coordenadora Estadual esteve acompanhando e
orientando quanto aos relatórios das ações desenvolvidas em
cada um dos 18 (dezoito) municípios, para tanto utilizou-se
email, mensagem, contatos telefônicos e watsap, no intuito de
facilitar o acesso e a comunicação.
Ao final de cada formação, cada município apresentou
um relatório descrevendo as atividades realizadas, os pontos
positivos e negativos, incluindo aqui suas dificuldades, relacio-
nando as tarefas deixadas pelos formadores para o tempo co-
munidade e apresentando sugestões para o próximo período.
Estes relatórios foram lidos e as situações identificadas como

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necessárias foram compartilhadas com a UFAM para que pu-


dessem ser realizados os ajustes devidos para proporcionar a
melhoria da qualidade. Tais registros permitiram que a Coor-
denação Estadual acompanhasse as ações, principalmente nos
municípios onde não foi possível chegar presencialmente.
O Programa Escola da Terra reuniu, no período de
06 a 08 de maio de 2015, em um encontro em Brasília repre-
sentantes das universidades federais que já desenvolvem o
programa no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Maranhão,
Pará, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo
e Amazonas, com o Coordenador Nacional do Programa, Xa-
vier Neto, com a Coordenadora Geral de Políticas de Educação
do Campo, Divina Lúcia Basto e com o Secretário de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI,
Paulo Gabriel Soledade Nacif.
Momento em que foram discutidas a realidade de
cada região, os desafios, dificuldades de acesso aos municípios
e as expectativas a partir da apresentação de slides que cada
equipe levou, também foram apresentadas as ações realizadas
pelas coordenações estaduais e pelas Universidades presentes.
Foram identificados os pontos convergentes e divergentes entre
as ações que desenvolvidas nos 10 (dez) estados, que poderão
nortear os estados de Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraná
que iniciarão no programa escola da terra em 2015. As propos-
tas foram alinhadas de forma que o conteúdo das formações
tenha uma base comum e uma parte adaptada à cada realidade.
A avaliação do Programa Escola da Terra foi realizada
por sua Coordenação, ao longo do processo por meio dos re-
latórios recebidos dos interlocutores via email em padrão pré
estabelecido, onde se solicitou detalhamento do tempo univer-
sidade e tempo comunidade, apontando pontos positivos e ne-
gativos na realização dos mesmos.
Na tentativa de sanar pontos negativos identificados
ao longo do processo, a Coordenação Estadual buscou, junto à
Universidade Federal do Amazonas, ações para melhorar nos

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aspectos apontados, tais como chegada dos formadores com


maior antecedência nos municípios, adequação das datas das
formações ao calendário de pagamento docente, permitindo
que os professores cursistas se ausentassem de suas comuni-
dades pelo menor tempo possível, além de maior acompanha-
mento das ações pela própria Coordenação Estadual junto à
SECADI/MEC na liberação do sistema para registro dos rela-
tórios e pagamento de bolsas.
Os relatórios periodicamente enviados pelos municí-
pios permitiram que fosse possível a elaboração de um ques-
tionário, como um importante instrumento de registro na ava-
liação quanto ao nível de satisfação quanto ao Programa pelos
professores, tutores e interlocutores dos 18 municípios que
participaram das formações em 2014, que finalizaram com a
realização do Seminário na UFAM em março de 2015.
Ficou evidente que todas as ações voltadas para forma-
ção docente no âmbito da educação do campo são bem vindas,
principalmente quando se destacam suas especificidades e as
ações são voltadas para o desenvolvimento das potencialidades
locais e a valorização da identidade e cultura dos povos do cam-
po.
Conclusões
Em face de tudo que foi exposto é indubitável a per-
tinência do Programa Escola da Terra para a formação docen-
te, contribuindo significativamente para o fortalecimento da
identidade da escola e das populações do campo, valorização
da cultura e do trabalho no campo e das potencialidades de
produção local.
O Programa Escola da Terra promoveu a formação
continuada de professores para o atendimento das necessida-
des específicas de funcionamento das escolas do campo e da-
quelas localizadas em comunidades quilombolas, oferecendo
recursos didáticos e pedagógicos que atendam às especificida-
des formativas das populações do campo e quilombolas, no ano

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de 2014, no Estado do Amazonas, em 18 (dezoito) municípios:


Autazes, Boca do Acre, Borba, Caapiranga, Careiro da Várzea,
Coari, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaus, Manicoré,
Maraã, Maués, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã, Parin-
tins, Presidente Figueiredo e Tefé.
Considerando que Programa Escola da Terra com-
preende como componentes: formação continuada e acompa-
nhada dos professores que atuam em escolas do campo, nas
turmas dos anos iniciais do ensino fundamental compostas
por estudantes de variadas idades, e em escolas de comunida-
des quilombolas, bem como daqueles professores responsáveis
pela assessoria pedagógica a essas escolas, doravante chama-
dos tutores; materiais didáticos e pedagógicos; monitoramento
e avaliação; e gestão, controle e mobilização social.
Quanto à formação continuada oferecida aos profes-
sores e tutores, é possível afirmar que o conteúdo e as ativida-
des realizadas no tempo universidade e comunidade corrobo-
raram para a reflexão das concepções do campo e da sustenta-
bilidade necessários à práxis docente.
No que se refere aos kits pedagógicos de Língua Por-
tuguesa e Matemática recebidos pelos professores, conclui-se
que foram instrumentos de grande auxílio na realização de
atividades diversificadas, constituindo-se, em muitos casos,
no único material pedagógico existente na escola. Tais recur-
sos pedagógicos foram muito importantes para proporcionar
momentos de integração entre os educandos. Não houve rece-
bimento, em nenhum dos municípios participantes, do kit de
Ciências previsto a ser entregue.
O acompanhamento dos tutores proporcionou a
oportunidade das Secretarias Municipais de Educação visua-
lizarem de perto o desenvolvimento das ações do programa
que refletem no cotidiano da sala de aula, de modo a orientar
de forma mais consistente quanto à prática docente no atendi-
mento das especificidades das escolas do campo. Tal acompa-
nhamento foi registrado a partir dos relatórios mensalmente

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produzidos pelo tutor responsável pela Assessoria Pedagógica à


Escola do Campo de acordo com modelo oferecido pelo Minis-
tério da Educação, que foi encaminhado à Coordenadora Esta-
dual que fez a sistematização e consolidação e de acompanha-
mento pedagógico a cada uma das turmas da Escola da Terra,
elaborado pelo tutor e enviou à SECADI/MEC, para liberação
da bolsa auxílio.
Considerando que a gestão, o controle e a mobilização
social se caracterizam pela constituição de um arranjo institu-
cional para gestão das ações, articulando a Comissão Nacional
de Educação do Campo e a Coordenação Nacional das Comuni-
dades Negras Rurais Quilombolas, com as instâncias colegiadas
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para o acom-
panhamento e o monitoramento das ações vinculadas à Escola
da Terra, uma vez definido na portaria que 579 de 2 de julho de
2013, que instituiu o programa, que a gestão ocorrerá em nível
local, em parceria com os estados, o Distrito Federal e os mu-
nicípios, à guisa de conclusão, a Secretaria de Educação e Qua-
lidade do Ensino, Departamento de Políticas e Programas Edu-
cacionais, Gerência de Atendimento Educacional à Diversidade,
Coordenação da Educação do Campo, com a Coordenação do
Programa Escola da Terra cumpriu com todas as atribuições de-
terminadas na referida portaria e no Manual de Gestão para a
implementação desta política pública federal.
Toda ação que envolve o desenvolvimento da prática
docente, associada à práxis que alia teoria e prática no cotidiano
escolar deve ser encarada como uma oportunidade de cresci-
mento, por meio da formação docente.
A formação docente oferecida pelo Escola da Terra
proporcionou a concatenação das temáticas que envolvem os
pressupostos teóricos das concepções da educação do campo e
da sustentabilidade. A valorização da identidade, da cultura e da
produção local foram destaque que merecem ser citados no mo-
mento em que se apresenta os relatos das experiências vivencia-
das no desenvolvimento das ações do programa no ano de 2014.

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Referências
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_______, Ministério da Educação. Portaria 579 de 02 de
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_______, Ministério da Educação. Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação. Conselho Deliberativo.
Resolução 38 de 08 de outubro de 2013. Disponível em
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_______, Ministério da Educação. Secretaria de Educação
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pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/manual_escola_terra.
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Fundamentos de Metodologia Científica. 7. Ed. São Paulo:
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JOVENS DA FLORESTA COMO SUJEITOS (AS)


NO FORTALECIMENTO COMUNITÁRIO E
GESTÃO PARTICIPATIVA

SANTOS, Huéfeson Falcão dos1


SILVA, Rosi Batista da2
Introdução:
As Unidades de Conservação3 Federal FLONA de
Tefé e a Resex do Médio Juruá estão localizadas em regiões
distintas, Tefé fica na mesorregião do Centro Amazonense, e
Carauari faz parte da mesorregião do Sudoeste Amazonense e
à microrregião de Juruá, ambas ficam distantes da capital Ma-
naus. Assim como no restante da região Amazônica o deslo-
camento até as UCs é feito apenas por via fluvial. A distancia
das cidades onde se concentra um grande número de consu-
midores é a maior vantagem para conservação das florestas,
no entanto, é notória e perceptível que a dificuldade de acesso,
acaba se tornando entraves ao escoamento da produção, e afeta
nos custos diretos, isso dificulta o investimento governamental
em infraestrutura e meios de comunicação, melhoria na saúde
1 Estudante de Geografia da Universidade do Estado do Amazonas
- UEA. Bolsista de Iniciação Cientifica. Militante do Movimento Ex-
trativista e movimentos estudantis. huefesonfalcao@gmail.com
2 Engenheira Florestal - Chefe da Reserva Extrativista do Médio Juruá
(ICMBio). rosiufam@gmail.com.
3 Entende-se por unidade de conservação: espaço territorial e seus
recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com carac-
terísticas naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Pú-
blico, com objetivos de conservação e limites definidos, sob-regime
especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas
de proteção.

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e educação. Mas ainda existem grandes que permanecem pra-


ticamente intocadas, pois, não possuem acesso e nem atividade
produtiva de modo que não tem transito de pessoas.
As populações existentes nas comunidades têm suas
origens baseadas nas culturais e práticas tradicionais e são
oriundas das famílias nordestinas que foram recrutadas como
“soldados da borracha” vários residem no interior e outras no
entorno das UC’s. Quanto aos recursos naturais, ainda são
abundantes os produtos madeireiros, não madeireiros e nos
ambientes aquáticos, os quais ainda são as principais fontes
econômicas, mas com um diferencial: hoje parte dos morado-
res já utilizam as técnicas de manejo se preocupando com a
sustentabilidade da população e a manutenção dos estoques e
das espécies ameaçadas. Além disso, é de fundamental impor-
tância ressaltar que as organizações sociais contribuem com
“agenda positiva” para a gestão da Unidade, que não esteja li-
gada somente às ações de “comando e controle” com foco na
proteção, mas envolva a construção de alternativas sustentáveis
para o desenvolvimento da região.
Para se chegar aos dias atuais, foi necessário enfren-
tamento com os patrões, para a liberação dos seringueiros e
sensibilização organização e fortalecimento comunitário. Va-
rias politicas públicas atuais são frutos do trabalho desenvol-
vido pelo Movimento de Educação de Base – MEB, ligado à
igreja católica e responsável pela formação das Comunidades
Eclesiais de Base – CEBs onde o seu trabalho inicialmente teve
como foco a união em comunidades das famílias que viviam
dispersas, visando possibilitar a elas o acesso à políticas públi-
cas como educação e saúde, além do acesso à própria igreja e
cultos religiosos. As equipes do MEB realizavam visitas cerca
de três vezes por ano, levando cartilhas de educação e reali-
zando missas, batizados, casamentos, etc. Além disso, a equi-
pe ministrava aulas de alfabetização através das rádios locais,
proporcionando a possibilidade das famílias que viviam no
interior terem o primeiro contato com os estudos. Com o tem-

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po, o MEB foi ganhando força na região e começou a formar


professores locais, que iniciaram as aulas nas próprias comu-
nidades. Apesar das famílias inicialmente terem sentido medo
da proposta de formação de comunidades, com o tempo foram
percebendo os possíveis benefícios e resolveram ir se juntando,
formando as demais comunidades da região. Estas começaram
a se organizar, desenvolvendo a estratégia de realização dos
“ajuris” ou “mutirões”, que consistem na troca dias de traba-
lho entre famílias, representando um apoio mútuo nas etapas
da produção e organização comunitária. A FLONA De Tefé e
a Resex Médio Juruá são frutos desses trabalhos encabeçados
pelo MEB.
Apartir do trabalho de formação oferecido pela Igreja
Católica/Prelazia de Tefé surgiu à figura do “animador de se-
tor”. Os animadores de setor foram lideranças comunitárias ca-
pacitadas com a função de realizar e divulgar as ações da igreja
aos comunitários. Estas pessoas além disso, tinham, ainda, a
função de estimular apoiar e a organização social comunitária
na região, embora todos esses trabalhos tenham sido desen-
volvidos pelo movimento social, ainda hoje algumas famílias
ainda vivem isoladas. As comunidades possuem estrutura de
organização similar a as Associação que predomina em toda
região. Onde São feitas eleições internas, sendo uma associa-
ção formal ou não, para os cargos de presidente e vice-presi-
dente de cada comunidade. Poucas comunidades possuem
estatuto e regimento interno oficializados, entretanto, o papel
do presidente enquanto liderança e as regras comunitárias são
socialmente conhecidas e reconhecidas pela grande maioria.
O presidente da comunidade tem como principal atribuição
representar e promover o diálogo junto ao governo municipal
e instituições parceiras,. Entretanto, percebe-se a que falta de
novas lideranças para assumirem as organizações sociais e se
tornarem gestores públicos. Para isso é necessário realizar um
trabalho de sensibilização e formação de novas lideranças, vis-
to que as atuais estão sobrecarregadas de responsabilidades. É

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preocupante a situação das organizações sociais que sempre


passam por altos e baixos com falta de recursos financeiros e
de pessoal qualificado. Os Projetos Jovens Protagonistas tem
esse viés de qualificar os jovens para a participação politica, e
também para a gestão socioambiental pública.
No entanto, são diversas as dificuldades enfrentadas
pelas comunidades para manterem-se organizadas, pois, pou-
co são as pessoas que se disponibilizam a assumir os cargos de
diretoria, principalmente pelo fato ser voluntário.
Desse modo atende os preceitos determinados no Sis-
tema de Unidades de Conservação - SNUC
E nesse processo, atentou-se para o previsto no SNUC
em seu Capítulo II, art. 5º alínea V – onde determina que “in-
centivem as populações locais e as organizações privadas a
estabelecerem e administrarem unidades de conservação den-
tro do sistema nacional”. Mas, o objetivo principalmente da
gestão é integrar as comunidades de modo direto na tomada
de decisão e na execução das atividades, para que possam se
sentirem como parte da gestão da UC.
A educação ambiental teve seu primeiro reconheci-
mento através da Lei Nº 6.938, no Artigo 2º, alínea X - educa-
ção ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação
da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa
na defesa do meio ambiente. O aprendizado acontece em salas
de aula, em grupos de jovens e em outros espaços e momentos
que aliem atuação comprometida com descontração e diver-
são. Contudo, há necessidade de promoção de ações educativas
visando o fortalecimento para participação juvenil nas gestões
das Unidades de Conservação, em espaços públicos como as
Diretorias das Associações-mãe, nos Conselhos Deliberativos
e Consultivos e principalmente nos momentos de tomada de
decisões. Um dos tópicos a se discutir e combater é a natura-
lização do confinamento dos jovens da floresta percebido na
falta de politicas públicas e projetos que desperte e estimule a
participação desse público nas atividades de manejos como os

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que vêm sendo irrealizado como os de pirarucu, quelônios e


outros, nas reuniões e gestão da UC.
É importante incentivar a juventude no contexto na-
cional por meio de políticas voltadas para área de juventude,
meio ambiente e educação ambiental para contribuir no pro-
cesso de formação de liderança socioambientalistas e no forta-
lecimento da gestão de suas áreas de uso coletivo. A Flona de
Tefé é conhecida por sua cultura tradicional e riquíssima em
belezas cênicas como as praias do Lago de Tefé e as castanhei-
ras da Ponta da Castanha.
Um exemplo de uso e conservação é o Acordo de
Pesca do Lago Rio Tefé e seus Afluentes, que envolve sócios
de três entidades associativas de pesca da região. Este acordo
prevê o cumprimento das regras e o respeito às áreas de pesca
de subsistência das comunidades, auxilia na manutenção dos
recursos pesqueiros da região e cor responsabiliza os envol-
vidos pelo zelo da área e no combate as invasões causadas
por infratores – moradores externos. Vale ressaltar que esta
região é a única piscosa do município de Tefé, o que destaca
a sua importância para a segurança alimentar das populações
da região.
No Médio Juruá as comunidades junto com a Asso-
ciação-mãe, o ICMBio e diversos parceiros promovem o ma-
nejo do pirarucu, do açaí, das sementes oleaginosas (andiróba
e murumuru) e ainda a atividade de corte da seringa para pro-
duzir a borracha. E ainda realizam a vigilância comunitária das
praias de desova das tartarugas, e monitoramento dos ambien-
tes aquáticos.
No âmbito das Unidades de Conservação o desafio
é a educação ambiental voltada para o exercício da cidadania,
no sentido do desenvolvimento da ação coletiva para o enfren-
tamento dos conflitos e questões socioambientais. Para isso, a
educação ambiental deve ter a perspectiva crítica e libertadora
de forma a estimular que comunitários e comunitárias sejam
sujeitos ativos da gestão do território, atuando de forma inte-

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grada com o poder público para a conservação do meio am-


biente e valorização de seu território e cultura.
O presente texto tem como objetivo relatar uma expe-
riência de Educação Ambiental chamada Projeto Jovens Pro-
tagonistas em desenvolvimento nas Unidades de Conservação
a Floresta Nacional de Tefé e a Reserva Extrativista do Médio
Juruá, uma que iniciou na primeira etapa em abril de 2011 e
outra como desdobramento em 2013.
Desenvolvimento:
No desenvolvimento do Projeto a metodologia utili-
zada foi do Programa conhecido como Verde Perto Educação
(Rodrigues, 2008), que se sustenta no tripé: Protagonismo Ju-
venil – onde os próprios jovens moradores e usuários das UC
sugerem e propõe atividades; Transdisciplinaridade – Assuntos
diversos abordados concomitantemente e de forma integrada
nas atividades; e Educação Lúdica – Intercalado às atividades
teóricas, e às palestras, são realizadas atividades lúdicas ligadas
ao tema trabalhado. As oficinas e atividades lúdicas, realizadas
após as palestras, são escolhidas pelos próprios participantes,
sendo independentes em cada UC.
Os temas dos módulos sempre foram escolhidos em
parceria entre os jovens, a equipe gestora e a associação. Inspi-
rado na teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner (1994),
na Complexidade Ambiental de Leff (2003), na Educação para
o Futuro de Morin (2002, 2005) e na pedagogia da autonomia
de Freire (1998), é voltado para a educação não formal.
Os tema desenvolvidos no Médio Juruá, foram os
seguintes: Contexto da questão ambiental contemporânea no
mundo e no Brasil e criação do Sistema Nacional de Unidades
de Conservação; A história da criação das Reservas na região
do Médio Juruá, este modulo foi acompanhado da Oficina: Ca-
pacitação técnica em artesanato nas comunidades: Violência
doméstica e preconceito/A saúde, a prevenção de doenças e o
planejamento familiar: Violência doméstica e preconceito/A

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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saúde, a prevenção de doenças e o planejamento familiar; A


gestão participativa nas Unidades de Uso Sustentável. Acom-
panhado de Oficinas: dança e teatro e Oficina: Pinturas águas
e o saneamento básico. Organização comunitária, formação de
lideranças e associativismo. A biodiversidade do Médio Juruá
e O protagonismo juvenil na gestão do patrimônio natural da
Resex.
Na Flona Tefé alguns temas coincidiram.
As organizações e mobilizações para os eventos sem-
pre foram realizados pelos jovens e ao ICMBio cabe apoiar fi-
nanceiramente e intermediar a presença de consultores exter-
nos.
Dificuldades: custos altos devido a distancia, limita-
ção do número de jovens participantes devidos o custo alto dos
transportes.
Observou-se que os resultados obtidos com os jovens
nas duas UC’s são bem próximos. Na RESEX do Médio Juruá
podem ser constatados os seguintes resultados: os jovens tem
sido absorvido em oportunidades profissionais ofertadas pe-
las empresas que atuam na região, o ICMBio, onde atual como
Colaboradores Eventuais, aprendizagem na formação de or-
ganizacional, autodomínio nas decisões; Mudanças no com-
portamento de vidas, conhecimentos, responsabilidade, mui-
ta educação e interesse, muitas coisas importantes, respeito e
confiança.
Apesar das dificuldades de convívio diário e do de-
safio da organização comunitária, quando perguntados o que
consideram “viver em comunidade”, de forma geral as referen-
cias são positivas. A ideia de “viver em comunhão”, unido, ou
em parceria é predominante. As famílias afirmam que viven-
do isoladamente viviam “sem recurso” (no sentido amplo da
palavra), informação ou comunicação, e com a formação das
comunidades começaram a “ter direitos”. Existe a ideias forte
de que a comunidade é em si uma “organização” que tem por
objetivo proporcionar a possibilidade das famílias repartirem

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benefícios e dividirem as dificuldades cotidianas. Lembram,


ainda, que em comunidade é mais fácil de receber visitas, reu-
niões, e assembleias, pois começam a ter mais estrutura, como
os centros comunitários.
As dificuldades cotidianas também são mencionadas
com frequência, apesar da maioria preferir, assim mesmo, con-
tinuar vivendo em comunidade. Entre as principais dificulda-
des são mencionados problemas que diminuem a união entre
as famílias e a vigilância para o cumprimento das regras co-
munitárias, conflitos comunitários como briga entre vizinhos e
invasão de pessoas de fora que vão para as comunidades e não
respeitam as regras pré-estabelecidas internamente.
As comunidades tem como consenso a necessidade
de realização de reuniões comunitárias para viabilizar os deba-
tes e tomadas de decisão ligadas à administração comunitária.
De forma geral entende-se que é atribuição do presidente e da
diretoria da comunidade convocar as reuniões e mediá-las. As
comunidades afirmam, ainda, que quando há reunião a parti-
cipação comunitária é baixa, tendo um numero reduzido de
pessoas dispostas a colaborar com a organização comunitária,
que fica à cargo das lideranças.
Em 1970, quando o sistema de seringal entrou em
definitiva falência o Movimento de Educação de Base desen-
volveu um forte papel na organização comunitária, a Prelazia
de Tefé, especialmente representada na figura do Irmão Falco,
também deu o pontapé inicial no trabalho de educação am-
biental na região.
Com o objetivo de apoiar as comunidades locais na luta
pela sua manutenção de vida, Irmão Falco começou a incentivar
as comunidades a unirem-se num trabalho de preservação do
lago e formaram grupos de trabalhos com esses objetivos.
Algumas iniciativas de manejo dos recursos naturais
já vem sendo discutidas e executadas pelas comunidades da
Flona de Tefé e entorno que são os seus envolvimentos em pro-
jetos como o de conservação de quelônios, o projeto de base

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comunitária, o acordo de pesca, manejo do pirarucu, e com o


intuito de fortalecer a gestão da Flona de Tefé e no médio Juruá
pois, entendemos que desenvolvimento e a gestão da UC não
se pode deixar de lado a participação do indivíduo onde pas-
sa a existir verdadeiro compromisso e cumplicidade do órgão
gestor e as comunidades.
Na Flona de Tefé é desenvolvido o Projeto com as Mu-
lheres envolvendo 11 comunidades da Flona de Tefé e entorno
pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA e tem como
objetivo principal, estimular a participação das mulheres nos
espaços de discussão politica e gestão da unidade, espaço es-
ses predominante pelos homes, mas que aos pouco esta sendo
conquistado pelas mulheres. Outro é o Projeto Jovem Prota-
gonista, que nos leva a escrever esse texto para compartilhar e
dar visibilidade do desempenho da juventude extrativista, foco
desse projeto. E diversas políticas públicas atual do governo Fe-
deral: No médio Juruá já se constrói as casas do Projeto Minha
Casa Minha Vida, operacionalização do Projeto Sanear (AS-
PROC) que constrói o banheiro, instala os poços comunitários
e leva água encanada a todas as casas, isso melhora a saúde da
família e a qualidade de vida localmente.
Com isso, tendo em vista que no Brasil, o tema da ju-
ventude tem-se apresentado como uma questão emergente no
século XXI, pois estamos em um ótimo momento da poten-
cialidade demográfica de jovens (Programa Juventude e Meio
Ambiente, 2005 e2006). Em 12 de agosto de 2010, a Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU) promoveu mais um Ano Inter-
nacional da Juventude. Sob o tema “Diálogo e Entendimento
Mútuo”, a ONU objetiva encorajar o diálogo e a compreensão
entre gerações, promover os ideais de paz, o respeito pelos di-
reitos humanos, à liberdade e a solidariedade. Essa iniciativa
corresponde a um anseio por uma nova ordem mundial que
tenha o jovem como partícipe de sua construção e aponta para
a necessidade de mudança na relação do Estado e da sociedade
com a juventude (Silva; Silva 2011).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A juventude e as novas gerações são cada vez mais


reconhecidas como uma parcela da população fundamental
para o processo de desenvolvimento de nações (Secretaria Na-
cional para a Juventude, 2010). Diversos programas têm sido
empreendidos pelo Governo Federal para a formação de lide-
ranças jovens e valorização da juventude.
Nestas unidades, capacitar os jovens significa atuar
no processo de formação de futuras lideranças protagonistas
de um processo de gestão partilhada do território. A capacita-
ção de jovens deve envolvê-los e motivá-los a expressarem suas
opiniões, a se apropriarem do processo de gestão comunitária.
Para isso é fundamental que o jovem saiba respeitar e a dialo-
gar com pessoas diferentes.
Esse projeto iniciou em 2011 em três Unidades de
Conservação e que hoje esta em doze unidades de dois estado
do Brasil, Amazonas e Pará aonde se pretende ampliar para
mais 10 unidades por se tratar de uma experiência que está
dando certo. Assim, acreditamos que esse projeto pode apro-
fundar o diálogo na busca por alternativas viáveis para que
possibilitem condições de formação, incentivo a juventude
autônoma. Acredita-se também que este projeto contribui no
fortalecimento das UC’s através do fortalecimento coletivo das
juventudes.
A necessidade de realização de um trabalho voltado
para os (as) jovens e da criação de um espaço inclusivo para
discussão e esclarecimento sobre, educação/participação popu-
lar, transformação social, resgate da identidade dos (as) jovens
extrativistas, educação ambiental, organização comunitária e
etc. Vem sendo percebida durante os encontros que acontecem
nas comunidades bem como nos intercâmbio entre os jovens
para troca de saberes em outras unidades que também aconte-
cem o projeto. Essas práticas vêm de encontro ao que determi-
na o SNUC em seu Art. 4o e objetivos: Alínea XII - favorecer
condições e promover a educação e interpretação ambiental,
a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Tais demandas se devem a um processo histórico de


falta de incentivo da juventude e a omissão do Estado em rela-
ção aos direitos da juventude nos níveis local, regional, nacional
e internacional. O trabalho de educação e mobilização social
desenvolvido pela Igreja Católica na região do médio Solimões
através do Movimento de Educação de Base (MEB) marcou
fortemente o surgimento das lideranças na região. Com certeza
ele provocou reflexões significativas no universo juvenil, mas
estas ainda não suficientes diante dos inúmeros desafios que se
apresentam em relação à participação da juventude extrativis-
ta. Diante disto, entende-se que a juventude, destacando-se a
juventude da floresta que participam desse projeto, requer um
urgente investimento econômico, educacional, cultural, políti-
co e social, que considere a sua realidade como coletivo e a sua
diversidade.
E um dos motivos que nos encoraja em continuar de-
senvolvendo esse projeto com a juventude extrativista é pelo
fato da necessidade do fortalecimento das comunidades e a
gestão da UC, dá voz e visibilidade a esse seguimento antes
esquecido e ignorados na floresta e pelo fato de que estamos
em um momento muito oportuno e importante no nosso país
e que está passando despercebido, de que o Brasil encontra-se
nesse momento em um momento ótimo da curva demográfica
para jovens. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística), cerca de 50,5 milhões de brasileiros, um quarto
da população do país tem entre 15 e 29 anos. Esse grupo etário
nunca foi (e nem será, desde que se mantenham as tendên-
cias demográficas) tão numeroso, em termos absolutos, como
é hoje. Essa “onda jovem” tem gerado, ao mesmo tempo, preo-
cupação e esperança. (Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística – IBGE , Rio de Janeiro, RJ 1999).
Conclusões:
Conclui-se que a metodologia utilizada é adequada
para se trabalhar com a juventude. O debate sobre políticas pú-

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blicas de juventude no Brasil avançou muito em pouco tempo.


É certo que ainda há muito por fazer. Vale ressaltar também
que uma parcela significativa dos 50,5 milhões de jovens bra-
sileiros vive, inaceitavelmente, situações graves de exclusão so-
cial. Falamos de jovens que queremos evitar ser expulsos do
meio da floresta por falta de alternativas, submetidos à violên-
cia, que sofrem e praticam, que têm inúmeros de seus direitos
negados e que dificilmente aparecem em estatística. Falamos
de jovens, que sofrem com a injustiça, o racismo, excluída (as)
do sistema de ensino e, vítimas preferenciais da violência e do
genocídio praticado pelo estado. Falamos de jovens das mais
diferentes expressões sexuais, ainda marcadas pela intolerân-
cia e pelo desrespeito. De jovens que estão tentando estudar e
as comunidades e escolas se encontram desestruturadas, sem
professores e esquecidas pelo poder público. De jovens extrati-
vistas sem qualquer política que garanta sua permanência nas
comunidades. Falamos de jovens excluídos dos espaços de par-
ticipação e de poder de decisão. Diante desse quadro, em que
os problemas andam junto com as possibilidades, podemos
identificar alguns desafios, entre muitos outros, que devem ser
superados para que os direitos dos jovens da floresta também
sejam plenamente garantidos no Brasil.
Com esse projeto, começamos a romper com a ideia
de que a juventude seja só uma passagem da faze de criança
para a adulta e que juventude só é curtição e que não quer dis-
cutir politicas publicas e sim apenas se divertir. Começamos
a mostra que a juventude quer sim participar. Que a falta de
participação não é porque não querem participar e sim porque
não tem oportunidades e lhes são negadas as oportunidade.
Com esse projeto começamos a discutir e mostrar a impor-
tância discutir assuntos como à participação popular, justiça
social, gestão participativa, e o fortalecimento das organiza-
ções comunitárias, que é um dos maiores problema dentro
das UC’s. A mesma ideia é compartilhada por Abramo (2008),
que considera para a sociedade moderna, ser essa uma fase de

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preparação do jovem, embora analisar o significado da pala-


vra juventude possa ser um tema instigante, na discussão neste
momento. Porque deve se considerar importante salientar que,
estamos tratando dos jovens da Floresta, os quais o conceito de
juventude possui características diferenciadas de acordo com o
contexto no qual estes jovens estão inseridos.
[...] para um exercício futuro de cidadania, dada pela
condição de adulto, quando as pessoas podem e de-
vem (em tese) assumir integralmente as funções, in-
clusive as produtivas e reprodutivas, com todos os
deveres e direitos implicados na participação social
(Abramo, 2008, p.110).

Acreditamos que a Educação Ambiental e a formação


de lideranças é a base fundamental para que nossas Unidades
de Conservação não venha a sofrer conflitos ambientais pois
teremos gente na/da floresta organizadas e capacitadas para
que possa através da Educação Ambiental e da organização so-
cial mostrar que na floresta tem gente vivendo, trabalhando e
conservando o meio ambiente. Dessa forma, esse projeto tra-
balha o fortalecimento organizacional, participação politica,
Educação Ambiental critica e emancipatória usando algumas
ferramentas como o teatro, música, rádio entre outras.
Diversos programas têm sido empreendidos pelo Go-
verno Federal para a formação de lideranças jovens e
valorização da juventude. Em RESEX, capacitar os jo-
vens significa atuar no processo de formação de futu-
ras lideranças protagonistas de um processo de gestão
partilhada do território. A capacitação de jovens deve
envolvê-los e motivá-los a expressarem suas opiniões,
a se apropriarem do processo de gestão comunitária.
Para isso é fundamental que o jovem saiba respeitar
e a dialogar com pessoas diferentes. O aprendizado
acontece em salas de aula, em grupos de jovens e em
outros espaços e momentos que aliem atuação com-
prometida com descontração e diversão (ICMBio,
2012).

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Segundo Silva (2011) O Brasil tem hoje cerca de 50,2


milhões de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos, representan-
do 26,4% da população (IBGE/PNAD, 2007). Desse total, 14
milhões vivem em famílias com renda familiar per capita de até
meio salário mínimo (PNAD, 2007). Estudos do IBGE/PNAD
(2007) apontam que quase a metade dos desempregados do
país é jovem. Esses dados se agravam a partir da constatação
de que, em média, os trabalhadores jovens ganham menos da
metade do que recebem os adultos (PNAD, 2006).
As comunidades das UC´s certamente fazem parte
destes dados. Estas comunidades possuem um histórico de or-
ganização comunitária, porém o que percebemos atualmente
é a dificuldades de renovação de liderança e, ao mesmo tem-
po, um grande número de jovens se envolvendo em drogas e
deixando de frequentar e lutar por escolas, um meio ambiente
justo e equilibrado para todos, água potável, a luta pelo pela
regularização de seus territórios e outros temas que envolvem
a juventude da floresta.
Vivemos em uma crise civilizatória. Se por um lado
vemos o modelo de desenvolvimento atual, caracte-
rizado como predatório, injusto e excludente levando
a escassez dos recursos naturais, por outro temos o
desafio de implementar o paradigma da sustentabili-
dade que consiste em garantir um desenvolvimento
ambientalmente adequado, socialmente justo e eco-
nomicamente viável, incorporando questões relativas
a ética, política e cultura.

Este modelo sustentável, para ser alcançado, exige


profundas transformações nos sistemas de gestão e
concepção das políticas, visando estratégias que bus-
quem garantir condições de governabilidade compa-
tíveis com um projeto global de sustentabilidade. Os
jovens desse novo século, que vivem em um mundo
que conjuga um acelerado processo de globalização
e múltiplas desigualdades sociais, compartilham uma
experiência geracional historicamente inédita; e boa
parte da mudança socioambiental, que irá garantir a

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vida das gerações futuras, depende de mudanças de


atitudes da juventude. (Programa Nacional de Juven-
tude e Meio Ambiente).

A partir da criação da Política Nacional de Juventude


(PNJ), os jovens da faixa etária dos 15 aos 29 anos passaram a
ser considerados sujeitos de direitos. Conforme o CONJUVE et
al (2006), é necessário reconhecer os jovens como “... sujeitos
de direitos e promotores e destinatários de políticas públicas”.
Identificando a importância do reconhecimento do papel dos
jovens como agentes ativos e autônomos, “... o reconhecimento
dos seus direitos deve estar alicerçado em uma perspectiva am-
pla de garantia de uma vida social plena e de promoção de sua
autonomia” (CONJUVE et al, 2006, p.7).
Alinhados a estes objetivos e a necessidade de envol-
ver a juventude na gestão dessas unidade e o fortalecimento
comunitário que foi proposto essa ação e para além disto “in-
corporar integralmente os jovens ao desenvolvimento do País,
por meio de uma política nacional de juventude voltada aos
aspectos humanos, sociais, culturais, educacionais, ambientais
e familiares” sem esquecer suas raízes e a identidades desses
jovens extrativistas.
Percebe-se, após a inserção no campo (MACHADO,
2014)4, que há necessidade de ampliar significativamente esta
discussão no que diz respeito à educação Formal, Educação
Ambiental (não formal), participação e justiça social desses(as)
jovens nas comunidades. Vê-se que ainda são raras as iniciati-
vas de diálogo nas/com comunidades sobre educação ambien-
tal, organização social, trabalho e, sobretudo, com a legislação
que assegura a cidadania e os direitos. Tampouco há a aborda-
gem de temas relacionados com violência contra jovens; rede
de enfrentamento à violência contra juventude, conceitos de
relações sociais de gênero bem como ao poder popular dos(as)
4 Pesquisa-ação realizada com as mulheres da Flona de Tefé, onde
muitas Jovens participam ativamente, cerca de 20% estão nas forma-
ções, cuja orientação é da Profª Dra. Rita de Cássia Fraga Machado
– Universidade do Estado do Amazonas.

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jovens no sentido de buscar alternativas viáveis para sua eman-


cipação de forma coletiva.
A violência é outro fator que vem atingindo a popu-
lação juvenil. Atualmente, mais de 70% da população
carcerária  do país é constituída por indivíduos que
pertencem a essa faixa etária. O acesso, a permanência
e o êxito na educação também representam algumas
das dificuldades dos jovens nessa área, principalmen-
te daqueles das classes de baixa renda. Apenas 13% do
total estão cursando o ensino superior e 70% dos con-
siderados pobres são negros (IPEA, 2008). Somam-
-se a esses dados os problemas que eles enfrentam
na[...] escassez de oportunidades de acesso a espaços
e produções culturais leva os jovens despenderem seu
tempo ocioso em atividades inadequadas e perigosas
(Silva, 2011, p. 1).

Esta realidade se torna mais grave ainda no que tange a


população tradicional, pois estas estão à margem das políticas
de Estado e num estágio de pouca organização popular. Estas
considerações parecem apontar para uma necessidade de que,
também na educação, e não só no direito, na saúde, na psico-
logia, nas ciências sociais, entre outras áreas, seja abordada a
questão da política pública para a juventude em diversos âm-
bitos, já que nossa proposta busca na coletividade juvenil, em
grupos que se reúnem para aprender e ensinar, a construção de
projetos que visem o fortalecimento Organizacional, Educo-
municação, participação politica, teatro a Educação Ambiental
e o resgate da identidade das juventudes extrativistas. Nesse
sentido, a educação-formação torna-se fundamental para a
ação e para a análise. Igualmente, esta proposta se encaminha
para ser um estudo aprimorado de processos educativos não
formais que se tornam eficazes e provocadores da formalidade
(neste caso a escola e nas políticas públicas para juventude da
floresta). Nesta análise, é possível compreender que os proces-
sos educativos, através da educação popular proposta por Pau-
lo Freire (1986), podem colaborar com este engajamento das

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juventudes nas conquistas dos seus direitos de ser, porém não


configuram uma solução para este tema.
Neste sentido entendemos que um dos principais de-
safios para a implementação de uma política pública assegu-
radora de direitos sociais para a juventude da floresta é obter a
mobilização permanente das comunidades, conjugada à vonta-
de e à decisão política para ampliar, aperfeiçoar, avaliar e moni-
torar, além de realizar o controle social democrático das atuais
iniciativas que vem sendo discutidas nas suas UCs.
A educação ambiental compreende “processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade cons-
troem valores sociais, conhecimentos, habilidades,
atitudes e competências voltadas para a conservação
do meio ambiente, bem de uso comum do povo, es-
sencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilida-
de.” (BRASIL, Artigo 1, Lei no. 9.795, 1999).

As lutas cotidianas é que vão desafiando os (as) jovens,


e estes “desafios mobilizadores” podem despertar-lhes o desejo
de se emancipar. Acreditamos que o entendimento do contexto
em que estão inseridos e da importância da organização comu-
nitária para emancipação social, propicie maior envolvimento
dos (das) moradores destas unidades com questões comunitá-
rias e apropriação e sentimento de pertencimento para com a
associação, comunidade e unidade que os representa, fortale-
cendo-as e com os próprios recursos naturais, assumindo o seu
protagonismo.
Por tanto, percebendo a necessidade de ampliar signifi-
cativamente a discussão no que diz respeito à educação Formal,
Educação Ambiental (não formal), participação e justiça social
desses(as) jovens nas comunidades, vê-se que ainda são raras
as iniciativas de diálogo nas/com comunidades sobre educação
ambiental, organização social, trabalho e, sobretudo, com a le-
gislação que assegura a cidadania e os direitos. Tampouco há a
abordagem de temas no sentido de buscar alternativas viáveis
para sua emancipação de forma coletiva.

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Estas considerações parecem apontar para uma neces-


sidade de que, também na educação, e não só no direito, na
saúde, na psicologia, nas ciências sociais, entre outras áreas,
seja abordada a questão da política pública para a juventude
em diversos âmbitos. Nossa proposta busca na coletividade
juvenil, em grupos que se reúnem para aprender e ensinar, a
construção de projetos que visem o fortalecimento organiza-
cional, a participação politica e o resgate da identidade das ju-
ventudes extrativistas, por meio da Educação Socioambiental.
Inspirados por este desafio de trabalhos com a ju-
ventude e, convidados a participar da iniciativa, nos sentimos
mobilizados. O primeiro passo foi sensibilizar e mobilizar a ju-
ventude para participar dos encontros de formação/educação,
destacando algumas entre aquelas denominações que vêm des-
pontando pelo país: educação ambiental crítica, emancipatória
e transformadora, eco pedagogia e educação no processo de
gestão ambiental.
Para tal, também usamos como ferramentas a educa-
ção popular (FREIRE, Paulo, 1987) e o Programa Verde Perto
de Educação Ambiental (Rodrigues, 2008), que se sustenta no
tripé: transdisciplinaridade, protagonismo juvenil, educação
lúdica e considera o estímulo às inteligências múltiplas (Ho-
ward Gardner (1995) como forma de tornar o processo de en-
sino aprendizagem mais efetivo, pretendemos estimular a for-
mação de novas jovens lideranças, envolver os comunitários
na organização social visando o desenvolvimento comunitário.
Jinkings (2009, p. 13) afirma que em Mészáros,

(...)educar não é mera transferência de conhecimen-


tos, mas sim conscientização e testemunho de vida.
É construir, libertar o ser humano das cadeias do de-
terminismo neoliberal, e conhecendo que a história é
um campo aberto de possibilidades. Esse é o sentido
de se falar de uma educação para além do capital: edu-
car para além do capital implica pensar uma socieda-
de para além do capital.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Pode-se afirmar que a Educação Popular represen-


ta um movimento de reivindicação e de engajamento na luta
por rupturas. A Educação Popular como movimento – em
movimento, de sair do lugar – de “inéditos viáveis”. Assim, a
dificuldade de definição da Educação Popular /é reflexo do
seu movimento criativo e recreativo e combativo que esta no
cerne da sua origem nos movimentos sociais. É no movimen-
to de reconfiguração do ser social da Educação Popular que
se pergunta “pelo lugar de onde faz sua leitura de mundo e
a sua intervenção” (STRECK, 2010, p. 301), e onde/como a
figura de Paulo Freire atualiza-se na compreensão do movi-
mento, e seu entendimento do homem como problema pe-
dagógico – do que e do como estão sendo -, como oprimido
multifacetado, mantém se renovado: “mais uma vez os ho-
mens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se pro-
põem, a si mesmos, como problema. Descobrem que pouco
sabem de si, de seu posto no cosmos, e se inquietam por saber
mais (FREIRE, 1987, p. 29).
Para realizar a mobilização juvenil são realizados en-
contro de formação e mobilização juvenil.
Estes encontros são inspirados na educação popular
e propiciarão o desenvolvimento pessoal sobre questões so-
cioambientais através das diversas inteligências. Dividindo em
partes teóricas e partes lúdicas como por exemplos: Oficinas de
Teatro do Oprimido, música, poesia; vídeos, fotos etc. aonde as
oficinas de arte educação e os momentos lúdicos estão vincula-
dos aos momentos teóricos, onde a teoria é retomada por meio
da utilização de outras linguagens, além de serem estratégicos
para seduzir os jovens a participarem do processo.

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EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:


UMA EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO

FALCÃO, Ildete da Silva1


MARINHO, Raira Karolina Lima2
OLIVEIRA, Ana Francinely Ferreira de.
Introdução
Inicialmente, o Programa emergiu do Projeto Grupo
de Estudos da Terceira Idade, iniciado no ano de 1999, que ti-
nha como objetivo gerar ações de ensino, pesquisa e extensão
voltadas para o sujeito idoso e as várias dimensões do envelhe-
cimento humano, por meio da articulação universidade/socie-
dade foi e continua sendo materializados. Atualmente, O Gru-
po de Educação na Terceira Idade (GETI), é um Programa da
Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Cas-
tanhal que atua há 17 anos no município de Castanhal - Pará,
em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e tem o
objetivo de desenvolver ações de Ensino, Pesquisa e Extensão,
voltadas para pessoas jovens, adultas e idosas.
Segundo Meire Cachione, evidências de pesquisas
mostram que as atividades voltadas para a qualidade de vida
de idosos “propiciam benefícios na vida diária, promovem o
bem-estar, reavivam fatores motivadores para a aprendizagem
que estavam escondidos desde a juventude, bem como contri-
buem para a aquisição de novas habilidades cognitivas” (CA-
CHIONE, 2012, p.03). Assim, O GETI oferece três projetos:
Projeto de Educação Formal de Adultos e Idosos em parceria
com a Secretaria Municipal de Castanhal, que inclui o Ensino
Fundamental, 1ª e 2ª Etapa – EJA, de segunda à sexta-feira, das

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14h até 17h30min; Projeto de Atualização Cultural que realiza


cursos de informática, palestras, dança e outros; o Projeto de
Bem-estar Físico com atividades de ginástica terapêutica, Ca-
poeira (capoterapia) e passeios.
A Pedagogia Freireana direciona o trabalho Pedagó-
gico do Programa ao estimular a autonomia, a troca de conhe-
cimentos entre alunos, professores e bolsistas; ao respeitar a
capacidade de cada um, o aprendizado é construído levando
em consideração suas experiências. Segundo Paulo Freire, ao
admitirmos que enquanto Educadores somos inacabados, in-
completos e em formação, nos tornamos seres éticos. “Não faz
mal repetir afirmação várias vezes feita neste texto – o inacaba-
mento de que nos tornamos conscientes nos fez sérios” (FREI-
RE, 1996, p. 59).
Ao valorizar a Autonomia dos alunos por meios de
suas ações, o GETI se torna cada vez mais ético e afirma dian-
te a sociedade, enquanto projeto de extensão, a sua seriedade.
É preciso dar voz aos alunos, escutar suas curiosidades, suas
contribuições e seus exemplos vivos. Portanto, o objetivo des-
se trabalho é relatar uma sequência didática, alusiva ao dia
da Consciência Negra, vivenciada no Projeto de Educação
Formal de Jovens, Adultos e Idosos, no mês de novembro,
haja vista que na turma existem alunos negros e descendentes
africanos, por isso, é importante ouvir seus relatos e expe-
riências, sejam elas negativas (preconceito) ou positivas. Ini-
cialmente, essa sequência didática foi elaborada com base em
pesquisas feitas por uma Professora, três bolsistas e uma vo-
luntária, com foco na lei Nº 10.639/2003 que legitima a obri-
gatoriedade de se trabalhar a cultura africana nas instituições
de ensino fundamental e médio, nas escolas da rede pública
e particulares. Para tanto, foram consultados sites, materiais
como: livros e DVDs do Projeto A cor da Cultura; imagens,
vídeos, gravuras e pequenos textos que contam a história da
Capoeira, uma vez que, o programa oferece aos alunos aulas
de Capoterapia.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Metodologia
O seguinte trabalho é resultado de um relato de ex-
periência vivenciado no Programa GETI, tendo como base a
Pedagogia Freireana, na qual direciona o trabalho pedagógi-
co do programa, haja vista que são utilizadas as reflexões de
Freire na construção deste artigo a partir do livro Pedagogia da
Autonomia: saberes necessários à prática educativa, e as aulas
foram preparadas para a turma da primeira etapa do ensino
fundamental.
Dessa maneira, foi realizada no Campus Universitário
de Castanhal, a semana da consciência negra, planejada e mi-
nistrada pela Professora, voluntária e bolsistas, com o objetivo
de informar e construir conhecimentos de maneira significati-
va sobre os saberes afro-brasileiro. Para preservar a identidade
dos referidos, usaremos os seguintes nomes fictícios (Professo-
ra Rosa, Bolsistas Cláudia, Maria e Renata, Voluntária Luisa e
Aluna Joana), de tal modo, as aulas planejadas foram presen-
ciais, com uso de recursos como data show, caixa amplificadora
de som e materiais para recorte e pinturas, proporcionando,
assim, aulas áudio visuais e dinâmica.
Para melhor entendimento da cultura afro-brasileira,
inicialmente, foi discutido por meio de apresentação oral de
slides os tópicos: contexto histórico, comidas, palavras, danças
de origem africana e celebridades nacionais e internacionais
negras. Os slides foram apresentados pela (Professora Rosa,
Bolsistas Cláudia, Maria e Renata e Voluntária Luisa) com as
devidas considerações dos alunos, nos quais poderão relacio-
nar experiências do seu cotidiano com os materiais apresen-
tados, estabelecendo, assim, uma Pedagogia da Autonomia.
Nessa perspectiva Freire, “uma pedagogia fundada na ética,
no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando
(1996, p. 12)”.
Por conseguinte, é importante ressaltar as contribui-
ções que o Brasil teve na sua culinária por meio dos Índios,
Portugueses e Africanos, pois muitos hábitos alimentares vie-

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ISSN 2448-2072

ram no período de colonização no Brasil, bem como, algumas


comidas trazidas pelos escravos, como: acarajé, vatapá, polen-
ta, mungunzá, moqueca de camarão, angu, caruru, feijoada,
pimenta e azeite. A partir de então, surgiu a tradição de vender
comidas em tabuleiros pelas ruas, pois este era um costume
advindo da África para o Brasil e que até hoje é bastante usado,
principalmente na cidade da Bahia.
Também foi apresentado aos alunos palavras de ori-
gem africana, que são usadas pelos brasileiros. Ao abordarmos
a linguagem, os alunos perceberam o quanto temos raízes do
povo africano, pois todas as palavras que foram citadas eles
conheciam e utilizavam em seu cotidiano, por exemplo: aba-
dá: Túnica folgada e comprida; acarajé: bolinho feito de massa
de feijão; angu: massa de farinha de milho ou mandioca; axé:
saudação; azoeira: barulhada, bagunça; bagunça: baderna, de-
sordem.
Também foi falado o contexto histórico da capoeira,
na qual esta luta disfarçada de dança traz consigo lembranças
da repressão que os escravos sofreram dos senhores de enge-
nho. Os escravos perceberam que adaptando os golpes por mo-
vimentos de danças eles poderiam usar essa arte marcial, sendo
que, eles praticavam sempre nos terreiros próximos ou galpões
que serviam de dormitórios.
Foram feitas ainda atividades lúdicas, nas quais eles
puderam expressar sua criatividade por meio da pintura e da
colagem, uma delas foram as Máscaras Africanas. Que ficaram
expostas na sala, conforme a foto abaixo.

Foto 1:
Máscaras africanas

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

O momento mais importante da semana da Cons-


ciência Negra foram as apresentações dos vídeos relacionados
à cultura afro-brasileira, haja vista que foram por meio das
histórias dos vídeos que foi organizado as rodas de conversas,
nas quais os alunos puderam relacionar sua história com a dos
personagens. Nesse sentido, Freire contribui dizendo “por que
não aproveitar a experiência que têm os alunos” (1996, p. 17),
por exemplo, fazendo rodas de conversas, onde os alunos pu-
dessem expressar suas próprias histórias como cidadãos afro-
descendentes.
Os vídeos apresentados foram: 1 - O preconceito cega,
em que a história passa em um supermercado com quatro per-
sonagens principais: um rapaz negro, um rapaz branco, um
segurança branco e uma balconista branca. Quando o rapaz
negro chega, imediatamente a balconista lhe observa e o segu-
rança pensa que ele é um ladrão, por isso, o segue pelos corre-
dores do supermercado, porém, não percebem que o ladrão é
o rapaz branco;
- eu visto a minha pele, no qual conta a história de uma
menina chamada Maria que sofria preconceito na sala de aula
por ser uma das poucas meninas brancas da escola; em síntese
o vídeo mostra uma inversão de papeis onde os negros que são
geralmente os oprimidos discriminam os brancos.
- A menina bonita do laço de fita, nessa história a per-
sonagem não era discriminada pela sua cor de pele. A menina
ajuda seu amigo coelho que era branco a tornar-se preto, pois
ele admirava muito a cor da menina. No entanto, para que isso
acontecesse seria necessária a ajuda de sua mãe que contou ao
coelho que precisaria encontrar uma coelha preta e ter filhos
com ela, pois isso se tratava de uma questão de genética. Logo
em seguida, o coelho encontrou uma linda coelha preta, na qual
teve muitos coelhinhos, mas apenas um deles nasceu pretinho.
5 - A botija de ouro, que conta a história de uma escra-
vinha que não tinha nome e que encontrou a tal botija na qual
estava escondida há muitos anos dentro de um quarto escuro

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

onde ela se encontrava trancada de castigo; a partir de então,


seu senhor queria a botija e para isso acontecer, ele a colocou
no tronco, porém ela resistiu bravamente esperando a noite que
vem, até ela dar para o senhor e ele de tanto ganhar dinheiro
afundou sua casa e ficou gritando para que alguém o ajudasse,
no entanto os escravos gritavam: espera a noite que vem.

Resultados e Reflexões

Após a realização da sequência didática, alguns alu-


nos relataram casos de preconceito, deslumbre diante das pala-
vras corriqueiras que são de origem africana, admiração às co-
midas típicas e celebridades Nacionais e Internacionais Negras,
além de interesse pelos vídeos e máscaras africanas. Após ser
projetado o vídeo Eu visto a minha pele, a aluna Joana (nome
fictício) relatou que sofreu preconceito enquanto criança, por
parte dos seus colegas. Ela destacou que eles caçoavam do seu
cabelo que é crespo e por sua pele negra. Em seguida, outros
alunos relataram que também já sofreram preconceito.
Neste sentido, percebemos a contribuição daquela
aula para o Diálogo entre alunos, professora, voluntária e bol-
sistas. A autonomia permite justamente ao aluno a contação de
fatos e realidades, tornando-o assim protagonista de sua pró-
pria história.
É neste sentido também que a dialogicidade verdadei-
ra, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem
na diferença, sobretudo, no respeito a ela é a forma de
estar sendo coerentemente exigida por seres que, ina-
cabados, assumindo-se como tais, se tornam radical
éticos (FREIRE, 2010, p. 60).

Após o relato da aluna comprovamos a citação de


Paulo Freire, que ao dar oportunidade aos alunos, contribuem
para o aprendizado de outros, sejam eles alunos ou professores,
pois somos seres inacabados, portanto a busca pelo conheci-
mento deve ser constante.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Os alunos também ficaram surpresos ao saberem que


palavras como: abadá, pinga, zoeira, caçamba, cachimbo, ca-
chaça e outras que são tão usadas no nosso dia-a-dia, são de
origem africana e a admiração era maior quando dávamos a
explicação e/ou significado inicial da palavra, por exemplo, a
palavra pinga inicialmente era usada pelos africanos quando
dentro das salas de preparo de cachaça o vapor se condensava
no teto, assim gotículas de cachaça pingava neles.
As comidas típicas e as imagens das celebridades Na-
cionais e Internacionais negras também despertaram o inte-
resse dos alunos. Eles não imaginavam o quanto da Cultura
e traços africanos nós brasileiros temos. Quanto aos vídeos e
as máscaras africanas, os discentes elogiaram o modo como às
histórias foram contadas e sentiram-se felizes por produzirem
suas próprias máscaras, conforme sua criatividade.
Ao proporcionar momentos de interação e diálogo
com os alunos os professores necessitam usar da criatividade
para que seja trabalhado um assunto ou tema, pois instigará
no próprio aluno a sua criatividade. Porém, é necessário estu-
do e pesquisa por parte do professor. Nessa perspectiva Freire
afirma que,
Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando.
Ensino porque busco, porque indaguei, porque inda-
go e me indago. Pesquiso para constatar, constatando,
intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso
para conhecer o que ainda não conheço e comunicar
ou anunciar a novidade (2010, p. 29).

Enquanto professor e estudantes de Pedagogia preci-


samos encontrar possibilidades para problematizar dentro da
sala de aula assuntos que permitem a fala dos alunos. Nesse
intuito, elaboramos a sequência didática em alusão ao dia da
Consciência negra, haja visto que, o tema promove, “o conhe-
cer, o comunicar e o anunciar” (FREIRE, 2010, p. 29).
A própria lei nº 10.639/2003, oportuniza assuntos in-
terdisciplinares a partir da abordagem Freireana fortalecendo

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

a metodologia do Programa GETI. Esse trabalho não foi de-


senvolvido apenas para dar valor à lei e sim, construir conheci-
mentos com os alunos permitindo a discussão de uma cultura,
na qual, seus costumes estão enraizados na cultura brasileira.
Inclusive é por isso que a lei discute a respeito da relação cultu-
ral entre Brasil e África.

Conclusões e/ou Propostas

Os trabalhos desenvolvidos ao longo dos 17 anos do


Programa GETI, trouxeram e trazem reflexões sobre o enve-
lhecimento; aprendizagem sobre a Educação de jovens e adul-
tos; e fortalece a relação Universidade/ Sociedade. Deste modo,
a comunidade Castanhalense recebe ações educativas, físicas e
culturais por meio de seus três projetos, vinculados a Universi-
dade Federal do Pará, Campus de Castanhal. Cachione discute
a respeito em:
Os idosos não são aprendizes passivos, mas devem
contribuir ativamente para o seu próprio aprendiza-
do e, por extensão, para toda a sociedade. Durante
o processo educacional deve-se encorajar uma apro-
priação ativa e crítica, em vez do acúmulo estático de
conhecimento por parte das pessoas idosas. Prova-se
assim uma revisão na idéia de que a mudança é uma
prerrogativa dos mais jovens. A necessidade de apren-
der é inerente ao processo de desenvolvimento, mas
para cada estágio há um significado próprio, que se
expressa de uma forma peculiar e pela busca de novos
objetivos. (CACHIONE, 2012, p. 39-40).

No Projeto de Educação formal de jovens, adultos e


idosos, busca-se valorizar o aluno em fase de aprendizes que
trazem muitos valores de vida e moral. Despertando neles o
senso crítico, por exemplo, a pessoa idosa encontra muitas di-
ficuldades nas ruas, nas filas de caixas de bancos e até mesmo
em casa. Essas barreiras impostas dificultam a expressividade
do próprio aluno. Por isso, é de suma importância valorizá-lo.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Assim, a sequência didática em questão partiu da bus-


ca em conhecer mais sobre os nossos alunos e suas experiências,
não esquecendo jamais de seus conhecimentos prévios sobre a
cultura africana. Enquanto professores devemos possibilitar a
autonomia dos alunos. A partir da Pedagogia Freireana, os tra-
balhos e ações desenvolvidos no Programa têm alcançado essa
possibilidade ao valorizar o pensamento de cada aluno.
Durante a abordagem da Semana da Consciência Ne-
gra no GETI, percebemos o grande interesse dos alunos em
aprender mais sobre a cultura africana, uma vez que, os ma-
teriais utilizados proporcionaram uma melhor assimilação do
assunto proposto e trocas de experiências dos alunos com a
professora Rosa, as bolsistas e a voluntária.
Percebe-se que a apresentação deste trabalho reflete
o importante papel do GETI como um instrumento de cons-
trução do conhecimento, pois foi por meio deste grupo que
professores e graduandos descobriram a arte de ensinar, haja
vista que ensinar é uma especificidade do humano como di-
zia Freire e exige do educador posicionamentos autônomos,
de modo que o aluno esteja sempre à vontade nas aulas, para
que assim, ele possa se posicionar diante do que é ensinado. Os
alunos não apenas expectadores, são pessoas de direito e com
experiências. Vale ressaltar, que a lei nº 10.639/2003 valida o
ensino da história e cultura afro-brasileira permitindo o estudo
e a pesquisa dos costumes africanos ainda presentes na socie-
dade brasileira. Discutindo a respeito com os alunos podemos
observar alguns relatos da desvalorização dos traços negros
(africanos), mesmo que tenham ocorrido anos atrás (relato de
uma aluna) ainda estão vivos na memória. Portanto, não pode-
riam passar despercebidos.
O autor Freire afirma que, “Ensinar exige respeito à
autonomia do ser educando” (2011, p.16). A abertura para o
diálogo na sala de aula proporciona o cumprimento da liberda-
de que o aluno tem de se expressar, pois é importante viver com
a diferença e não permitir, concomitante com Freire (2011, p.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

20) “a superioridade da branquitude sobre a negritude (...) a


discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais
que se reconheça a fora dos condicionamentos a enfrentar”.
Uma vez que, enquanto aluno/professor/ser humano
coloco-me no lugar de protagonista de minha própria história
não permito que sejam violados os meus direitos e de outrem.
Faço valer a pena o direito de cidadão. E isso só será possível
se a cada dia, os costumes africanos forem disseminados nas
escolas da rede pública e particular.
Referências Bibliográficas
CACHIONI, M. Universidades Abertas à Terceira Idade como
contextos de convivência e aprendizagem: implicações para
o bem-estar subjetivo e o bem-estar psicológico. In: Revista
Temática Kairós Gerontologia, 15 (7), 23-32. Online ISSN
2176-901X. Print ISSN 1516- 2567. São Paulo (SP), dez.
2012. Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP. Disponível
em:<http//WWW.revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/
download/15227/11356>. Acesso: 25 mar 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
História e cultura africana/Afro-brasileira. Disponível
em:<http//www.histafricanafrobrasindigena.blogspot.com.
br/2009/11>. Acesso: 16 mar 2016.
BRASIL. Lei nº 10.639/2003. Dia Nacional da Consciência
Negra. Disponível em:<http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 10 nov 2015.

976
EIXO TEMÁTICO 5
PAULO FREIRE E FEMINISMOS

Coordenadoras: Amanda Motta Castro (FURG/RS)


e Nivia Ivette Núñez de la Paz (EST)

Este eixo busca dialogar com os Movimentos de Mu-


lheres bem como com os Estudos Feministas. Abordaremos
aqui questões sobre a educação formal e não formal, trabalho,
arte, violência e saúde articulando a Educação Popular e os Es-
tudos Feministas visando assim estabelecer um diálogo entre
eles bem como incentivar processos emancipatórios das mu-
lheres.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

SUMÁRIO

ESTUPRO NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: A


REALIDADE VELADA DE MULHERES VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA SEXUAL
Keth Raianny Braz Prestes ...................................................... 983
FEMINISMO PERIFÉRICO: UMA EXPERIÊNCIA DE
ENSINO-APRENDIZAGEM EMANCIPATÓRIA
Priscilla Braga Beltrame
Lady Selma Albernaz
Elisângela Pereira Henrique .................................................. 1001
DE MARIA À MALALA: PERCEPÇÕES DA LEI 11.340
NO UNIVERSO ESCOLAR COMO FERRAMENTA DE
IGUALDADE DE GÊNERO E DIREITOS HUMANOS DAS
MULHERES
Antonio Carlos B. de Souza
Diego Coelho de Souza
Ana Paula Bastos da Silva ..................................................... 1013
PAULO FREIRE E O MOVIMENTO FEMINISTA: UM
DEBATE CONTEMPORÂNEO
Paulo Duarte
Edson Carpes Camargo ........................................................ 1027
PAULO FREIRE E FEMINISMOS: UM ESTUDO ACERCA
DA POLÍTICA DE EMPODERAMENTO DAS MULHERES
Suzianne Silva de Oliveira ..................................................... 1037
MEMÓRIAS DAS MUSAS AMAZÔNICAS
Maria Isabel de Araújo
Luzarina Varela da Silva ........................................................ 1053

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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O PAPEL EMANCIPATÓRIO DOS MOVIMENTOS


SOCIAIS FEMINISTAS PARA AS MULHERES
AMAZONENSES
Caroline Brandão Dantas
Thaynara Reis do Nascimento
Mirella Cristina Xavier Gomes da Silva Lauschner ........... 1067
A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E SUAS
BUSCAS EMANCIPATÓRIAS A PARTIR DOS RELATOS
COM AS BOLSISTAS DE PÓS GRADUAÇÃO DO
PROGRAMA EDUCAÇÕES EM MANAUS AMAZONAS
Célia Maria Nascimento Oliveira ........................................ 1083
O PROJETO DE CAPACITAÇÃO REGIONAL E
O EMPODERAMENTO DAS MULHERES E DA
CIDADANIA
Nivia Ivette Núñez de La Paz ................................................ 1099
DESPROTEÇÃO SOCIAL E BARBÁRIE:
A REALIDADE DE FILHOS E PAIS ENVOLVIDOS NA
SEGREGAÇÃO DOS HANSENIANOS NA COMUNIDADE
DE PARICATUBA IRANDUBA AM*
Ângela Emilia Silva Gama
Ana Maria Fonseca Menezes
Alcione Fonseca Menezes ..................................................... 1117
A REALIDADE SOCIOECONÔMICA DAS DETENTAS
DO SISTEMA PRISIONAL DE MANAUS AMAZONAS E A
SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA EM VÁRIOS ASPECTOS
Jaqueline Rodrigues da Silva
Célia Maria Nascimento de Oliveira ................................... 1139
FEMINISMO E UNIVERSIDADE: A INSERÇÃO DO
COLETIVO FEMINISTA NA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE RIO GRANDE/FURG-RS
Graziela Rinaldi da Rosa
Janine Corrêa Gomes ............................................................1153

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RESGATANDO A AUTOESTIMA E VALORIZANDO OS


POVOS QUILOMBOLAS ATRAVES DA CONFECÇÃO DE
BONECAS NEGRAS
Adriana da Silva Ferreira
Graziela Rinaldi da Rosa ....................................................... 1173

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ESTUPRO NAS UNIVERSIDADES


BRASILEIRAS: A REALIDADE VELADA DE
MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

PRESTES, Keth Raianny Braz1


Introdução
A violência é um fenômeno tão antigo como a história
da humanidade, afeta ambos os gêneros e não possui distinção
de nível social, religioso, econômico ou cultural. No entanto de
acordo com a história a violência contra mulher tem sido co-
metida por homens, em decorrência da concepção equivocada
da superioridade do gênero masculino em detrimento do femi-
nino. A violência sexual é uma das manifestações mais graves
e representa 4,86% das denúncias no Central de Atendimento
à Mulher – Ligue 180. A Organização Mundial de Saúde OMS
desde ano de 1993 e a Organização Pan Americana OPAS reco-
nhecem a violência sexual contra a mulher como uma questão
de saúde pública por ocasionar danos à saúde física, reprodu-
tiva e emocional.
O presente artigo intitulado Estupro nas universidades
brasileiras: a realidade velada de mulheres vítimas de violência
sexual tem por objetivo analisar o estupro nas universidades
brasileiras e as consequências do velamento na sociedade. Tra-
ta-se de um estudo qualitativo de natureza exploratória, através
do método de pesquisa literária. Justifica-se para subsidiar o
conhecimento científico já existente sobre o crime de estupro
1 Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário do Nor-
te- UNINORTE. Pós Graduanda em Políticas Públicas de Enfren-
tamento a Violência Intrafamiliar pela Faculdade Salesiana Dom
Bosco. E-mail: kethbraz_@hotmail.com.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

nas instituições de nível superior seu ocultamento na socieda-


de. Logo a relevância deste artigo pauta-se em um tripé: cien-
tífico, acadêmico e social, onde trará contribuições no sentido
de analisar os problemas propostos e ampliar as formulações
teóricas a esse respeito.
Durante a pesquisa bibliográfica abrangerei os autores
e obras principais que contribuíram com o tema: COSTA, Ana
Alice. Gênero, poder e empoderamento das mulheres. 2008;
MINAYO, M. C. de S. e SOUZA, E. R. de. Violência e Saúde
como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, IV (3): 513-531 nov. 1997 – fev.
1998; PRIORE, Mary Del. Histórias íntimas: sexualidade e ero-
tismo na história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011.
25p; PEIXOTO, Aimê Fonseca; Nobre, Barbara Paula Resen-
de. A responsabilização da mulher vítima de estupro. Revista
Transgressões Ciências Criminais em Debate, [S. l.], v. 3, n. 1,
p 13, maio./2015; contendo outros autores que foram tão im-
portantes quanto.
Serão abordadas no artigo as seguintes categorias:
Violência contra a mulher: fenômeno sócio-histórico; Violên-
cia sexual contra mulher: Crime contra a dignidade e a liber-
dade sexual e O velamento do estupro nas universidades brasi-
leiras e suas implicações.
Metodologia
Trata-se de um estudo qualitativo de natureza explo-
ratória, através do método de pesquisa literária, realizado em
fontes de dados eletrônicos (CFESS, scielo, planalto, Google),
revistas, livros e acervo da biblioteca local. Foram utilizados
como descritores de estudo: crime de estupro, patriarcado,
universidade pública e privada e a violência sexual contra mu-
lher. Foram encontrados 20 artigos, 02 livros, 03 revistas, que
abordaram esta temática como eixo principal (crime de estu-
pro, patriarcado, universidade pública e privada e a violência
sexual contra mulher.), tanto em língua portuguesa como em

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língua espanhola. Destes foram utilizados 15 nacionais. Após a


seleção do material procedeu-se uma leitura sistemática e pos-
teriormente um fichamento.
Violência contra a mulher: fenômeno sócio-histórico
A violência faz parte da história da humanidade des-
de os princípios da civilização alcançando a todos de forma
indiscriminada, sem distinção de gênero, idade, classe social
ou etnia. Considerada fenômeno social polissêmico e com-
plexo, sua presença está registrada em vários documentos da
antiguidade e é lembrada inclusive em narrativas bíblicas. Por
sofrer constantes modificações e ocorrer em diferentes esferas
sociais, a violência vem sendo um grande desafio para as socie-
dades modernas.
A violência é um fenômeno tão antigo na história da
humanidade quanto o próprio ser humano. Ela está
estreitamente vinculada à natureza humana desde
suas origens e, seguindo a opinião de alguns que são
mais pessimistas, possivelmente permanecerá entre
nós até o crepúsculo da civilização (...) (SANTOS,
2014, p.19).

Segundo relatório da Organização Pan Americana


OPAS (2004) a violência tornou-se um problema de saúde
pública em muitos países em decorrência do número de víti-
mas e da proporção das sequelas orgânicas e emocionais que
provoca. A Organização Mundial da Saúde OMS (2004) busca
explicação das raízes do problema da violência por meio da
identificação dos fatores biológicos de cada indivíduo, fatores
relacionais, fatores comunitários e sociais mais amplos. (SAN-
TOS, 2007).
A OMS (2004) determina a violência como o uso in-
tencional de força ou de poder físico, de fato ou como ameaça
contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que
cause ou tenha muita probabilidade de causar lesões, morte,
danos psicológicos, transtornos de desenvolvimento ou pri-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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vações. De acordo Minayo e Sousa (1998) a violência incide


em ações de pessoas, grupos, classes, nações que provocam a
morte de outros seres humanos ou que atingem sua integrida-
de física, moral, mental ou espiritual, consiste na negação dos
principais valores, considerados universais: a liberdade, igual-
dade e a vida.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém
do Pará), um dos mais expressivos documentos internacionais
existentes no Brasil que trata a problemática da violência con-
tra a mulher, determina esse fenômeno social como:
(...) qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que
cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psi-
cológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado. Artigo 2° Entender-se-á que violência contra
a mulher inclui violência física, sexual e psicológica:
a. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade
doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal,
em que o agressor conviva ou haja convivido no mes-
mo domicílio que a mulher e que compreende, entre
outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;
b. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpe-
trada por qualquer pessoa e que compreende, entre
outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos
de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada,
sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem
como em instituições educacionais, estabelecimentos
de saúde ou qualquer outro lugar, e c. que seja perpe-
trada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde
quer que ocorra (CONVENÇÃO INTERAMERICA-
NA PARAPREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, 1994).

A longa trajetória da violência contra as mulheres


tem sido cometida por homens, em decorrência da concepção
equivocada da superioridade do sexo masculino em detrimen-
to do feminino. A visão patriarcal tem como consequência: a
coisificação da mulher, a submissão e inferioridade do gênero
feminino, sendo considerada como uma espécie de proprieda-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de particular dos homens, objetos que podem ser usados e des-


cartados. Entende-se por patriarcado:
Organização sexual hierárquica da sociedade tão ne-
cessária ao domínio político. Alimenta-se do domínio
masculino na estrutura familiar (esfera privada) e na
lógica organizacional das instituições políticas (esfera
pública) construída a partir de um modelo masculino
de dominação (arquétipo viril) (COSTA, 2008, p.04).

O patriarcado por si só já estabelece uma violência


contra a mulher, já que se trata de uma cultura de diferencia-
ção extrema dos direitos e deveres entre os gêneros. Esta orga-
nização sexual hierárquica está presente na maioria das civili-
zações, se não em todas elas. São papeis construídos, aceitos
ao longo dos séculos como reflexo da natureza humana, dife-
renciada pelos dois sexos (feminino e masculino) e necessário
para sobrevivência e progresso da espécie. O arquétipo patriar-
cal além de pressupor a supremacia masculina, centra-se num
arranjo familiar composto por homem, mulher e seus filhos,
padrão nuclear burguês. O modelo androcêntrico e heteronor-
mativo põe o homem e o masculino como referência em todos
os espaços sociais.
Os pressupostos biológicos do patriarcado irão de-
fender que as mulheres por uma suposta “natureza feminina”
apresentam comportamentos ilógicos e irracionais além de
emotividade excessiva, o que muitas vezes as fariam perder o
controle sendo as provocadoras da violência que sofrem. Por
ser frágil, sensível, dócil, de menor força física e por sua pró-
pria natureza domesticável a mulher tender a ser dominada,
pois necessita de alguém para protegê-la e orientá-la.
Vários estudos relatam a construção desigual entre
mulher e homem, não apenas em parábolas judaico-cristão,
no entanto livros como a bíblia sagrada fortaleceram a visão
machista/patriarcal o que manteve a mulher em condição de
submissão por muitos séculos. Eva personagem da bíblia foi
responsável pela entrada do pecado a terra, logo a mulher car-

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rega em seus ombros sofrimento, o fracasso, o desaparecimen-


to do paraíso terrestre.
Venenosa e traiçoeira, a mulher era acusada pelo ou-
tro sexo de ter introduzido sobre a terra o pecado, a
infelicidade e a morte. Eva cometera o pecado original
ao comer o fruto proibido. O homem procurava uma
responsável pelo sofrimento, o fracasso, o desapare-
cimento do paraíso terrestre, e encontrou a mulher.
Como não desconfiar de um ser cujo maior perigo
consistia num sorriso? (...) (PRIORE, 2011, p.25)

A mulher foi criada segundo este livro para desem-


penhar seu papel de companheira, de conforto para os dias
difíceis do homem. Já nasceu subordinada, veio da sua cos-
tela não como ser individual que pudesse ter ideias próprias,
decidir, ser autônoma, mas com a inocência e a ingenuidade de
quem está pronta para servir e ser dependente do seu senhor.
Segundo Santos (2014, p.42) toda essa violência sofrida pela
mulher “(...) seja ela aparente ou camuflada, fundamentam-se
numa concepção milenar de que a superioridade do homem,
em comparação com a mulher, se dá de modo natural, quando
não, pela vontade divina”. Este pensamento reflete o quanto as
estruturas hierárquicas patriarcas são sustentadas pela cultura,
mesmo com os avanços dos direitos das mulheres.
A quantidade de relatos de violência recebida pela
Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é assustador,
entre janeiro a outubro de 2015 foram  40,33%, superior aos
registrados no mesmo período em 2014 (44.957). Dentre os
relatos, 49,82% corresponderam a de violência física; 30,40%
de  violência psicológica; 7,33% de violência moral; 2,19% de
violência patrimonial;  4,86% de violência sexual; 4,87% de
cárcere privado; e 0,53% de tráfico de pessoas (o que significa
dizer que são 332 mulheres nesta situação de violência nos pri-
meiros dez meses de 2015).
A violência sexual contra mulher é uma violação de
direito universal que não existe restrição de raça, idade, reli-

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gião, renda ou educação. Está ligada a aspectos culturais, como


as relações desiguais entre homens e mulheres, adultos e crian-
ças, brancos e negros, ricos e pobres. Praticada contra a dig-
nidade e liberdade sexual da vítima, infelizmente ocorre mais
do que imaginamos e deixa marcas eternas e profundas, sendo
muitas das vezes camuflada e silenciada.
Violência sexual contra mulher: Crime contra a dignidade
e a liberdade sexual
OMS desde ano de 1993 e a OPAS reconhecem a vio-
lência sexual contra a mulher como uma questão de saúde pú-
blica por ocasionar danos à saúde física, reprodutiva e emocio-
nal. É uma das mais graves manifestações da violência contra o
gênero feminino que reflete as relações de poder e dominação
entre os sexos. Compreender este fenômeno sócio-histórico
como questão de saúde pública, possibilita captar as múltiplas
dimensões que assume e reconhecer seus aspectos: sociais, epi-
demiológicos, psicológicos e jurídicos. A Lei Maria da Penha
(Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006) define a violência sexual
contra mulher no cap. III, art. 7°:
(...) qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não deseja-
da, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de
qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de
usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipula-
ção; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos.

Entre as violências sofridas pela mulher a sexual é


a das mais frequentes e não tem distinção de idade, religião,
renda ou educação. Ocorre tanto em ambientes públicos quan-
to privados, e os agressores variam de maridos, namorados,
“companheiros”, “amigos” á estranhos desconhecidos, sendo
que cônjuge tem mais chances de se aproximar da vítima para

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abusar dela, pela à convivência dentro da mesma casa. Por ser


um ato sexual não consentido a violência sexual pode ocorrer
com ou sem penetração genital e anal pelo o agressor.
O estupro é uma das mais perversas formas da vio-
lência sexual. De acordo com Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada IPEA (2014) 88,5% das vítimas de estupro são mulhe-
res, uma violência direcionada na maioria das vezes ao gêne-
ro feminino que reflete uma sociedade enraizada na estrutura
patriarcal de objetivação desvalorizadora do corpo da mulher.
Dados do 9° Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2015),
47.646 estupros foram registrados no país em 2014, que sig-
nifica que a cada hora cinco mulheres são estupradas no país,
a redução é de 6,7% em relação a 2013, no entanto o crime
de estupro é crime que apresenta maior subnotificação tanto
os cometidos no âmbito público (estupro por desconhecido)
como privado (violência sexual conjugal/ marital) o que difi-
culta afirma que há uma redução do fenômeno do Brasil.
Até 2009 o estupro ainda era tipificado como um cri-
me de ação privada contra os costumes o que constituiria na
agressão à sociedade através do corpo feminino. É como se o
homem (pai, marido ou irmão) fosse atingido em sua integri-
dade moral pela violência sexual sofrida pela mulher. Não se
tinha preocupação com a vítima, mas com a honra do sexo
masculino. A partir da sanção da Lei n° 12.015, de 7 de agosto
de 2009, o estupro passou a ser um crime contra a dignidade e
liberdade sexual.
De acordo com Lei n° 12.015 estupro é constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso. O legislador reconheceu explicitamente a digni-
dade e a liberdade sexual como um bem jurídico resguardado,
em que toda pessoa humana, independente do seu sexo, tem
o direito de exigir respeito em relação à sua vida sexual, como
também tem a obrigação de respeitar as opções sexuais de ou-
tras pessoas.

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É notável que o próprio direito penal evoluiu quanto à


sua temática, passando o estupro de um crime contra
os costumes a um crime contra a dignidade e liberda-
de sexual, esvaziando uma convenção social imposta
de tutelar o costume para ter como seu bem jurídico
tutelado a liberdade sexual. (PEIXOTO & NOBRE,
2015, p.05).

Vale ressaltar que o Direito Penal só deve ser utilizado


em última instância, não sendo necessária sua utilização na tu-
tela de uma esfera excepcionalmente moral como é o costume.
Além do mais, o estupro não é uma conduta reprovável apenas
na esfera moral, mas também na liberdade da pessoa de esco-
lher o momento, o parceiro ou parceira, o lugar e a forma como
ela quer se envolver sexualmente.
As consequências do estupro sofrido pela mulher são
graves e se desdobram no campo físico, psicológico e econô-
mico. Pode gerar gravidez indesejada ou contração de doen-
ças sexualmente transmissíveis (DST). No campo psicológico,
o estupro pode ocasionar diversos transtornos: depressão, fo-
bias, ansiedade, uso de drogas ilícitas, tentativas de suicídio e
síndrome de estresse pós-traumático. Além das lesões que a
vítima pode passar nos órgãos genitais, quando há violência
física, também pode sofrer contusões e fraturas que podem le-
var ao óbito. A união das consequências físicas e psicológicas
leva ainda à perda de produtividade para a vítima (INSTITU-
TO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA. ESTUPRO
NO BRASIL: UMA RADIOGRAFIA SEGUNDO OS DADOS
DA SAÚDE (VERSÃO PRELIMINAR), 2014).
Quando o estupro é notificado e o agressor punido,
a vítima tem mais chance de retomar a vida e superar o trau-
ma. No entanto segundo dados do 9° Anuário Brasileiro de
Segurança Pública (2015) apenas 35% dos crimes sexuais no-
tificados. Por medo da culpabilização e represália a vítima não
denuncia seu agressor, e quando denúncia é comum ela ouvir
de policias e da própria família que estava embriagada, usava
roupas curtas e apertadas, que andava sozinha à noite ou não

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deixou claro que não desejavam o ato sexual. A pesquisa do


IPEA (2014) revela após correção dos dados, que 26% dos en-
trevistados acreditam que uma mulher usando roupa que mos-
tre o corpo merece ser atacada. A mulher, deste modo, sente
medo e vergonha de denunciar, gerando assim, o velamento do
estupro na sociedade.
O velamento do estupro nas universidades brasileiras e
suas implicações
As mulheres já são maioria nas universidades brasilei-
ras. De acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira INEP (2015) a quantidade total
de ingressos em cursos de graduação para o ano de 2013 foi de
2.742.950, sendo que na categoria privada, 57,2% são do gêne-
ro feminino e 42,8% do gênero masculino, na categoria pública
são 51,4% feminino e 48,6% masculino. Entretanto o ambiente
universitário que deveria ser apenas de interação e educação,
também é espaço de medo para as mulheres. As notícias de
violência contra o gênero feminino dentro das IES têm se mul-
tiplicado, não existem estatísticas sobre o tema, porém os casos
se refletem em agressões cometidas pelos próprios estudantes
e por pessoas de fora da instituição, que adentram por falta de
segurança.
Os famosos trotes universitários considerados como
uma espécie de “ritual de passagem” do calouro da vida estu-
dantil para a universidade, são usados como oportunidades
para agressores atacarem as vítimas. Segundo Costa et al (2012,
p. 02,03) “(...) o trote gera conflitos éticos pelo potencial cons-
trangimento que poderá causar aos sujeitos envolvidos, princi-
palmente naqueles em situação de vulnerabilidade, na relação
interpessoal acadêmica”. Na maior parte das vezes os trotes são
repletos de ato de zombaria, humilhação e até assassinatos.
Recentemente uma audiência da Assembleia Legisla-
tiva de São Paulo atraiu a atenção de todo o país. Duas estudan-
tes afirmaram terem sido estupradas em festas organizadas por

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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veteranos de medicina da tradicional universidade paulista.


Em decorrência destas denúncias, foi aberto um inquérito pelo
Ministério Público Estadual para investigar casos de violência
sexual e agressão às mulheres na Faculdade de Medicina da
USP. A violência sofrida pelas mulheres reflete a cultura ma-
chista e patriarcal que as universidades estão enraizadas, der-
ruba o mito que a violência contra a mulher ocorre apenas nas
periferias, feita por pessoas mais pobres com menor nível de
escolaridade.
A Pesquisa Avon/Data Popular sobre violência contra
mulher no ambiente Universitário entrevistou no ano de 2015,
1.823 universitários de todo o país de cursos de graduação e
pós-graduação, 60% mulheres e 40% homens. De acordo com
a pesquisa 42% das mulheres já sentiram medo de sofrer vio-
lência no ambiente universitário, 36% já deixaram de fazer al-
guma atividade na universidade por medo de sofrer violência,
10% relatam espontaneamente ter sofrido violência de um ho-
mem na universidade ou em festas acadêmicas, todavia quan-
do são instigadas com uma lista de violências elas reconhecem
que foram submetidas a muitas delas e o número sobe para
67%. A violência contra a mulher ultrapassa os muros das uni-
versidades o lócus do conhecimento científico.
Estudantes do gênero masculino ainda não conside-
ram muitas das violências sofridas pelas acadêmicas. Algumas
das violências são ainda vistas como consequências do com-
portamento da mulher (“bebeu então merece ser estuprada”)
ou brincadeiras sem finalidade de ofender ou intimidar (obri-
gam a beijar veteranos contra a vontade). 27% dos homens
estudantes não consideram violência abusar da garota se ela
estiver alcoolizada, 35% não consideram violência coagir uma
mulher a participar de atividades degradantes como desfiles e
leilões, 31% não consideram violência repassar fotos ou vídeos
das colegas sem autorização delas.
O fenômeno da violência contra as mulheres (...) nor-
malmente está relacionado a algumas características:

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é visto como aceitável (dentro de alguns limites); é na-


turalizado como algo pertencente à sociedade e ine-
rente às relações entre homens e mulheres; o agressor
tem sua responsabilidade atenuada, seja porque não
estava no exercício pleno da consciência, ou porque é
muito pressionado socialmente, ou porque não conse-
gue controlar seus instintos; e a mulher é vista como
responsável pela violência, porque provocou o homem
(...) porque de alguma forma não se comportou de ma-
neira devida (SISTEMA DE INDICADORES DE PER-
CEPÇÃO SOCIAL (SIPS). TOLERÂNCIA SOCIAL À
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES, 2014, p.19).

O fenômeno da violência contra a mulher ainda é


naturalizado, sendo a vítima considerada como provocadora
e culpada pela própria violência sofrida. O agressor segue no
imaginário da sociedade como o ser que não consegue controlar
seus impulsos. Quando sofre violência sexual a própria mulher
é responsável, seja por usar roupas provocantes, maquiagem
exagerada, por consumirem bebidas alcoólicas ou mesmo por
não se comportar “adequadamente” – o que geralmente quer
dizer “como uma respeitável mulher, mãe, ou moça de família”.
A questão do direito das mulheres sobre seus próprios corpos
ainda permanece um desafio a ser alcançado.
O crime do estupro está banalizado a tal ponto em
que os agressores se acham no direito de estuprar uma mulher
por ela está alcoolizada. Conforme a Pesquisa Avon/Data Po-
pular sobre violência contra mulher no ambiente Universitário
(2015) 28% das mulheres sofreram violência sexual, 11% sofre-
ram tentativa de abuso sobre efeitos de álcool, 14% entre mu-
lheres e homens conhecem casos de mulheres estupradas, 46%
entre mulheres e homens conhecem casos, 13% dos homens co-
meteram violência sexual no ambiente universitário. O estupro
não ocorre só em ruas, avenida ou becos isolados, mas também
dentro das instituições de ensino superior, nos banheiros, esta-
cionamentos e dormitórios estudantis.
Só nos últimos anos que as denúncias chegaram às re-
des sociais, na mídia no conhecimento público. Casos foram

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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relatados por acadêmicas do Acre, Bahia, Espírito Santo, Paraíba,


Piauí, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio Gran-
de do Sul e São Paulo. As vítimas contaram como os estupradores
usaram as justificativas dos trotes universitários, bebidas alcoóli-
cas, coerção e até as roupas que elas usavam para praticarem os
crimes. Anterior a essas denúncias os estupros foram praticados
dentro das instituições por muitos anos, as mulheres foram silen-
ciadas por vergonha, medo e até por intimidação, levando ao vela-
mento das violências sexuais nas IES públicas e privadas.
Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) uma
turma de universitários foi flagrada tendo uma atitude machis-
ta ao naturalizar o estupro e ao não abordá-lo como crime.
Em um bar na região Centro-Sul de Belo Horizonte o grupo
cantava “não é estupro, é sexo surpresa”, dentre outras frases
sexistas. Atitude misógina vindo de acadêmicos de uma insti-
tuição federal surpreende, sendo a universidade um espaço de
diversidade e conhecimento científico. Existem ainda relatos
das acadêmicas sobre ranking sexual, em que seus nomes são
colocados em listas machistas, lebosfóbicas e racistas.
O crime de estupro é o crime que apresenta maior
subnotificação. As implicações do velamento vão desde isola-
mento da vítima a convivência com agressor na mesma insti-
tuição. A universidade não possui um espaço de acolhimento,
os funcionários não são capacitados para lidar com a temática
de gênero, e a mulher tem de suportar não apenas o trauma
do ato, mas a perseguição de estudantes e docentes, dela e dos
agressores, por denunciar, pois não existem testemunhas no
momento do crime para prestar depoimento ao seu favor, logo
sua voz é questionada e até abafada.
Conclusões
Só recentemente os casos de estupros sofridos pelas
acadêmicas no ambiente universitário chegaram às redes so-
ciais, na mídia no conhecimento público. As denúncias foram
feitas por estudantes do Acre, Bahia, Espírito Santo, Paraíba,

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Piauí, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio


Grande do Sul e São Paulo. Não existem estatísticas sobre
agressões sexuais em instituições brasileiras, pois muitas vezes
os casos não são registrados, no entanto se repetem por todo o
país. As denúncias mostraram ainda a omissão das faculdades
em coibir as violências sexuais durante os trotes e festas uni-
versitárias.
O estupro por ser um crime que apresenta maior sub-
notificação e que não existem testemunhas no momento do
ato para prestar depoimento, a oitiva da vítima é questionada
e até silenciada. Por medo da culpabilização e represália a mu-
lher vitimada não denuncia seu agressor, e quando denúncia é
corriqueiro ela ouvir de policias, dos professores, colegas e da
própria família que estava embriagada, usava roupas curtas e
apertadas, que andava sozinha à noite ou não deixou claro que
não desejava o ato sexual. A mulher é forçada conviver com
agressor na mesma instituição até no final do curso. Denúncia
é tão desgastante que não é que a vítima não queira denunciar,
mas ela acabou de viver um trauma e tudo o que quer é se livrar
daquilo e não reviver a cada segundo.
Combater a misoginia com atitudes diárias sejam du-
rantes as aulas, em festas ou em espaços de lazer, é o caminho
correto para que as mulheres não se sintam ameaçadas dentro
das instituições de ensino superior. No entanto a universidade
é afetada pela carência dessas discussões desde o ensino bási-
co, quando os educandos chegam à graduação, geralmente é
a primeira vez se envolvem em discussões de gênero, muitos
chegam com ideias machistas/misóginas enraizadas desde in-
fância. A instituição familiar também tem a responsabilidade,
mas a escola é um espaço essencial para a transformação e para
o questionamento. Além disso, a universidade pode de manei-
ra autônoma, organizar grupos de discussão e incluir isso em
seu currículo interno, criar políticas universitárias efetivas.
Trata-se de uma violência velada que precisa ser com-
batida, há um  machismo estrutural na sociedade brasileira

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que impede tratar essa violação de direito como uma questão


de política pública e política universitária. Como a jornalista
Nana Queiroz costuma dizer “a gente deve parar de educar as
mulheres para não serem estupradas e educar os homens para
não estuprarem”.
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FEMINISMO PERIFÉRICO: UMA


EXPERIÊNCIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM
EMANCIPATÓRIA

BELTRAME, Priscilla Braga1


ALBERNAZ, Lady Selma2
HENRIQUE, Elisângela Pereira3
Introdução
A experiência de ensino a ser relatada foi realizada
pelo Coletivo Flor do Mangue em parceria com a UFPE, en-
quanto atividade de extensão, com coordenação da profª drª
Lady Selma Ferreira Albernaz (PPGA/UFPE).
O Coletivo se identifica enquanto um grupo feminista
composto por mulheres estudantes e recém egressas das gra-
duações e pós-graduações da UFPE. Nele são desenvolvidas
1 Graduada em ciências sociais pela Universidade Federal de Per-
nambuco, atualmente está cursando o mestrado em antropologia
pela mesma instituição, estuda gênero e direitos reprodutivos, e é
integrante do Coletivo Flor do Mangue. E-mail: pripryy@ig.com.br
2 Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal
de Pernambuco (1991), graduação em Engenharia de Pesca pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco (1989), mestrado em
Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (1996) e
doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Cam-
pinas (2004). Pós-Doutorado no Instituto Superior de Ciência do
Trabalho e da Empresa, Departamento de Antropologia (2010 -
2011). Atualmente é professora adjunto 4 da Universidade Federal
de Pernambuco, Departamento de Antropologia e Museologia (tex-
to informado pela professora no lattes). E Coordenadora do Projeto
de Extensão Feminismo Periférico.
3 Estudante de Graduação do Bacharelado em Ciências Sociais- Uni-
versidade Federal de Pernambuco – UFPE-Recife-PE-Brasil, e é in-
tegrante do Coletivo Flor do Mangue

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ações em uma perspectiva interdisciplinar, com base na peda-


gogia, no teatro, nas ciências sociais e na antropologia.
As ações do Coletivo são voltadas prioritariamente ao
combate a violência doméstica, ao debate a respeito dos direi-
tos reprodutivos, e a respeito da divisão sexual do trabalho; de-
bates esses permeados pelas inter-relações entre classe social/
relações raciais e gênero; e com o objetivo de contribuir para
processos emancipatórios das mulheres participantes.
O Projeto a ser apresentado “Feminismo Periférico”
se constituiu em uma experiência de ensino realizada, organi-
zada e documentada pelo grupo, desenvolvida entre junho de
2013 e junho de 2014. Objetivou a formação feminista a partir
de uma perspectiva freriana, no sentido de se pensar em uma
educação dialógica comprometida com a transformação social,
no caso, das relações desiguais entre os gêneros. Nesse senti-
do, estabelecemos um diálogo entre os saberes relacionados a
Universidade e os saberes da comunidade - na qual a ação foi
desenvolvida - articulando assim os Estudos Feministas com a
Educação Popular. A ação foi realizada em dois campos distin-
tos: na UFPE (Centro de Educação) e na comunidade da Sara-
mandaia/Chão de Estrelas/Recife/PE (Escola Pública Professo-
ra Jandira). Esta última foi escolhida por ser uma localidade na
qual há uma maior predisposição das mulheres a vivenciarem
situações de vulnerabilidade social devido a questões econômi-
cas. As atividades foram divulgadas na universidade e na co-
munidade onde qualquer mulher interessada e maior de idade
poderia se inscrever gratuitamente para a formação de 1 ano.
Metodologia
O projeto “Feminismo Periférico” se baseou nas ideias
de Paulo Freire (1967; 2002) e de Simone Beauvoir (1980), com
o objetivo de em diálogo com as comunidades atingidas pela
ação, construir e realizar o projeto no decorrer de 1 ano (2013-
2014), de forma que, pensando em uma pedagogia freiriana, de
uma educação como prática da liberdade, propomos o diálogo

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a respeito dos principais temas trabalhados no feminismo: vio-


lência doméstica, direitos reprodutivos, divisão sexual do tra-
balho. Todos esses temas foram trabalhados objetivando o for-
talecimento de autonomia e empoderamento das mulheres em
vias de uma transformação social no sentido de uma sociedade
com mais liberdade para as mulheres, liberdade que é palavra
tão cara aos pensadores a partir dos quais todo esse projeto foi
pensado: Freire (1967; 2002) e Beauvoir (1980).
Adotamos como aporte teórico, para esta ação, as
ideias de Freire e de Beauvoir, no sentido de que ambos tra-
balham a desigualdade, e veem como possibilidade de trans-
formação social, em via de uma sociedade mais igualitária, a
educação. O primeiro em uma perspectiva mais próxima da
desigualdade de classes sociais; e a segunda em uma perspecti-
va mais voltada para a redução da desigualdade entre homens
e mulheres.
O projeto de extensão realizado pelo Coletivo Flor
do Mangue “Feminismo Periférico” pensa na educação dialó-
gica enquanto possibilitadora do fortalecimento, do empode-
ramento, e da autonomia das mulheres, visando o combate a
desigualdade entre os gêneros.
Em Freire (1967; 2002) observamos a perspectiva de
luta contra as desigualdades sociais a partir da alfabetização,
falando especificamente do contexto brasileiro a partir da dé-
cada de 1960. Nas palavras de Pierre Furter no prefácio do livro
“Educação como prática de liberdade” de Freire fica bem cla-
ra está perspectiva do autor sobre a importância da educação
como prática da liberdade para a transformação da socieda-
de:“Só então a palavra em vez de ser o veículo das ideologias
alienantes e/ou de uma cultura ociosa torna-se-á geradora, isto
é, o instrumento do homem e da sociedade.” (Furter, P.; 1967)
E nas próprias palavras de Freire:
“E acima visão educacional não pode deixar de ser ao
mesmo tempo uma crítica da opressão real em que
vivem os homens e uma expressão de sua luta por li-

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bertar-se. […] a ideias da liberdade só adquire plena


significação quando comunga com a luta concreta dos
homens por libertar-se.” (Freire, P.; 1967; p.9)

A obra e o trabalho de Freire são caracterizados en-


quanto de luta pela transformação da sociedade a partir do
questionamento do status quo, nesse sentido, concordamos
com Ruth Pavan (2008), no sentido de que Freire sempre te-
ria lutado por uma sociedade mais igualitária, e isso em vários
aspectos nos quais podemos observar a desigualdade social,
seja democrático, político, social, racial, sexual e todos estes
baseados numa perspectiva educacional. O próprio Freire no
livro “Pedagogia como autonomia” (1967) deixa bem claro este
aspecto em sua proposta: “A ética de que falo é a que se sabe
afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero e
de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa […]
que devemos lutar.” (Freire, P.; 1967; p.9).
Para Freire (1967) a liberdade é essencial sendo uma
das bases fundamentais de sua proposta pedagógica para a
educação popular. Ele parte de uma filiação existencial cristã
e compreende a liberdade como um diálogo eterno do ser hu-
mano com o ser humano e dele com o seu criador. A liberdade
seria entendida, então, enquanto um aspecto fundamental da
constituição dos seres humanos, e, além disso, é só por meio
dela que é possível a transformação social para uma sociedade
mais igualitária.
Beauvoir (1980) também fala sobre desigualdade, e
também se refere à educação - embora em um sentido mais
amplo, abarcando também a socialização dos indivíduos -
como veículos para que o ser humano possa exercer a sua liber-
dade. Nesse sentido, Freire e Beauvoir percebem a liberdade do
ser humano como essencial para a transformação da sociedade
em vista da redução das desigualdades. Beauvoir parte de uma
perspectiva da moral existencialista e entende que só por meio
do exercício da liberdade é que os sujeitos podem - a partir do
desenvolvimento de seus projetos - se superar e transcender. E

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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se esta transcendência lhe é infligida trata-se de opresão social,


o que para a autora é bem claro no caso da desigualdade entre
os gêneros.
Esta foi a base teórica que norteou a escrita inicial, e
todas as etapas do projeto “Feminismo Periférico”. É a partir
desta adoção da teoria feminista, tal como desenvolvida por
Beauvoir, conjuntamente com a perspectiva de Freire, pode-
mos dizer que adotamos uma visão filosófica-pedagógica que
buscou colocar em diálogo com as comunidades, alguns dos
principais temas do feminismo, com base no método de en-
sino proposto por Freire no sentido de uma educação como
prática da liberdade. Com vistas nisto organizamos o projeto
da seguinte forma:
A experiência de ensino “Feminismo Periférico” foi
realizada pelo coletivo feminista Flor do Mangue em parceria
com a UFPE por meio da PROEXT (Pró-reitoria de extensão)
integrante da linha “direitos individuais e coletivos”. O proje-
to foi constutído por uma equipe executora de seis pessoas: a
coordenadora profª drª Lady Selma Ferreira Albernaz (PPGA/
UFPE); e as ministrantes Cybelle Montenegro Souza (gradua-
da em pedagogia e mestranda em educação pela UFPE), Eli-
sângela Pereira Henrique (graduada em turismo e graduanda
em ciências sociais pela UFPE), Luciana Rodrigues dos Santos
(graduanda em pedagogia pela UFPE), Mayza Allani da Silva
Toledo (graduada em pedagogia e graduanda em teatro pela
UFPE) e Priscilla Braga Beltrame (graduada em ciências so-
ciais e mestranda em antropologia pela UFPE).
Partindo da perspectiva da importância da relação
dialógica entre os saberes desenvolvidos nas universidades e os
saberes desenvolvidos nas comunidades que as cercam, a ação
do projeto foi realizada tanto na UFPE, especificamente no
Centro de Educação, quanto na comunidade da Saramandaia
(Recife PE). O período em que ocorreu o projeto foi de junho
do ano de 2013 ao mesmo mês do ano de 2014. O público-al-
vo da ação foram de estudantes da graduação da comunidade

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acadêmica da UFPE e mulheres residentes na comunidade da


Saramandaia maiores de idade.
A proposta do projeto foi a realização de formação
político-feminista dentro e fora da universidade, tendo como
objetivo o fortalecimento do debate feminista e consequen-
te empoderamento das mulheres, no sentido de se tornarem
multiplicadoras das práticas desenvolvidas pelo coletivo e es-
tendendo as ações ao movimento feminista local, atuando em
grupos comunitários e universitário.
As principais atividades realizadas no decorrer do
projeto foram: os cines debates, as formações políticas, os gru-
pos de estudos e os work shops. No que diz respeito à realiza-
ção dos cine debates foram apresentados 4 produções de áudio
visual referentes a temas fundamentais do feminismo, seguidas
por debate mediado pelas ministrantes do projeto. As produ-
ções apresentadas - tanto na comunidade da Saramandaia (Re-
cife-PE), quanto na UFPE - com o objetivo de facilitar o acesso
aos dois grupos – foram: “Loucas pelo direito de decidir”, pro-
dução da ONG Loucas de Pedra Lilás que aborda o debate so-
bre a criminalização do aborto no país e o impacto desta para a
saúde das mulheres; “O aborto dos outros”, é um documentário
de Carla Gallo que aborda a gravidez indesejada ou precoce e o
problema do abortamento seja ele legal ou ilegal; “Acorda Rai-
mundo... Acorda”, curta metragem de Alfredo Alves que abor-
da a diferença entre os papéis sociais de homens e mulheres e
suas consequências para as desigualdades entre os gêneros; e
por fim, “Moolaade”, filme de Ousmane Sembeue a respeito da
mutilação genital feminina realizada em alguns povos tribais
do continente africano, debates a partir deste filme se referiram
as desigualdades entre os gêneros em diferentes culturais ou
ainda, em uma na mesma cultura – no caso, a ocidental – ao
longo do tempo.
A outra atividade realizada no decorrer do projeto
“Feminismo Periférico” foram as formações-políticas femi-
nistas. As formações foram realizadas semanalmente, tanto

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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na comunidade da Saramandaia, quanto na UFPE. Estas for-


mações foram estruturadas em rodas de diálogo, nas quais as
ministrantes iniciavam o debate abordando a temática a ser
trabalhada no dia, e introduzindo o debate a partir da visão
das teorias feministas sobre o tema em específico, posterio-
mente, essas ministrantes passavam a mediar o debate, com o
objetivo da troca de saberes entre acadêmia-comunidade em
busca do empoderamento e autonomia das mulheres. Neste
sentido, foram trabalhados os seguintes temas: “feminismos
e eu”, debatemos o impacto do movimento feminista para as
transformações sócio-culturais referentes às relações entre os
gêneros; “feminismos e periferia”, trabalhamos as relações en-
tre as reivindicações dos movimentos feministas perpassadas
pelas relações de classe social; “feminismo negro”, abordamos
o feminismo a partir da perspectiva das relações étnico/raciais;
“o que diz a lei Maria da Penha”, tratamos da lei e de que forma
as mulheres podem utilizá-la como apoio para sair de situações
de violência doméstica; e por fim, “violência é só física ?”, nos
referimos aos tipos de violências praticados com as mulheres,
como identificar e se proteger dessas situações.
As outras duas atividades desenvolvidas pelo projeto
“Feminismo Periférico” foram os grupos de estudos e o work
shop. O primeiro foi realizado semanalmente e tinha como
principal objetivo a formação interna do grupo, embora tam-
bém fosse aberto às mulheres inscritas. Nestas reuniões eram
decididos assuntos burocráticos referentes ao projeto, eram
realizadas avaliações no decorrer do projeto, tendo sido feitas
modificações a partir de sugestões tanto da equipe executora,
quanto das participantes do projeto, mas a principal atividade
realizada nesta atividade foi à leitura de textos feministas e a
elaboração de trabalhos científicos. No que se refere aos textos
trabalhados, foram eles: Lady Selma Albernaz (2010), Hannah
Arendt (2010), Homi Bhabha (1998), Aline Bonetti e Soraya
Fleischer (2007), Pierre Bourdieu (1989), Avtar Brah (2006),
Judith Butler (2002), Paulo Carmo (2011), Mary Castro (1991;

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2011), Claúdia Costa (2002), Simone de Beauvoir (1949), Pau-


lo Freire (1967; 1996).
E por fim, realizamos a última atividade do projeto
que foi o work shop, realizado tanto na UFPE, quanto na co-
munidade da Saramandaia (Recife-PE), a respeito de o que fa-
zer em caso de violência doméstica, na qual participaram além
das ministrantes uma convidada da área do direito com o ob-
jetivo de orientação para mulheres a respeito do procedimento
judicial correto no caso de violência doméstica.
Resultados
# Integração acadêmica: articulação com o ensino e a
pesquisa fortalecendo a tríade universitária e assim
contribuindo para o intercâmbio entre os conheci-
mentos do público interno e externo à UFPE.

# Integração entre as áreas do conhecimento: aspec-


tos da interdisciplinaridade e multidisciplinaridade,
dado que as ações realizadas no decorrer do projeto
foram alimentadas pelas matrizes disciplinares da
antropologia, pedagogia, teatro e ciências sociais.

# Gerou publicações técnico-científicas, como:

o O artigo apresentado no 18º Redor “Aborto:


as contradições da feminilidade” (Beltrame,
P.; Toledo, M.; 2014).

o Apresentação na modalidade pôster das


ações do Projeto no evento “Universidade/
Sociedade em Diálogo: Ensino, Pesquisa e
Extensão |Indissociabilidade possível e ne-
cessária”, XIV Encontro de Extensão/ Enext,
realizado na Universidade Federal de Per-
nambuco, nos dias 26 e 27 de novembro de
2014.

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o E com este relato de experiência apresentan-


do no I Fórum de Estudos Paulo Freire (Bel-
trame; Albernaz, L.; P; Henrique, E.; 2016).

# Gerou capacitação das mulheres participantes no


que diz respeito ao feminismo e a luta pela igualda-
de entre os gêneros.

# Gerou impactos sociais para o público-alvo, tanto


da comunidade de Saramandaia em Chão de Es-
trelas, quanto na comunidade acadêmica na UFPE.
Tivemos discussões que visibilizaram algumas de
muitas violências vivenciadas por todas as mulhe-
res. Podemos perceber ao longo das vivências al-
gumas modificações em suas práticas, bem como a
multiplicação dos conhecimentos trabalhados du-
rantes as ações, entre colegas, vizinhas e familiares.
Outra questão relevante a ser destacada é a partir de
um maior empoderamento das mulheres passarem
a ser mais frequentes os questionamentos a respei-
to do padrão de gênero hegemonicamente presente
em nossa sociedade.

# E por fim, outra questão que merece detaque foi a


ação de combate a violência doméstica, que abor-
dou, desde as formas de identificação deste tipo de
violência, os aspectos culturais envolvidos nesta si-
tuação e as saídas jurídicas para esta violência. Per-
cebemos que embora a lei Maria da Penha tenha
sido significativa, principalmente no sentido de ser
‘uma carta da manga’ para a mulher em situação
de violência; por outro lado, esta lei foi considera-
da incompleta, principalmente pelas participantes
da comunidade da saramandaia, dado que elas de-
sejariam não se separar e processar por violência
doméstica o companheiro, mas alguma forma pela

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qual eles não mais as agredissem. Elas consideram


este aspecto do combate à violência doméstica seria
para elas de extrema importância. Nós da equipe
executora, reconhecemos os avanços com a lei Ma-
ria da Penha, mas ao mesmo tempo, pudemos cons-
tatar na experiência de ensino relatada o porquê do
número de denúncias ainda ser muito pequeno se
comparado com as violências sofridas, acreditamos
que isso se deve a precariedade no sistema de
acolhimento destas. Contribuindo para que muitas
desistam e voltem para o ciclo de violência.

Conclusões e Propostas
O projeto abrangeu o público da comunidade de Sara-
mandaia em Chão de Estrelas e o público da comunidade aca-
dêmica da UFPE. Durante sua vigência vimos que a violência
contra mulher ainda é uma temática que precisa de muito espa-
ço de discussão, formação política, considerando o alto índice
de violência vivenciado por elas, por diversos fatores que vão
desde reprodução, como desarranjos familiares, classe e raça.
Devido a isso faz-se necessário que a universidade estreite mais
as discussões com tal temática no sentido de contribuir na des-
construção de muitas práticas que ainda reproduzem modelos
de dominação. E neste sentido fazemos as seguintes propostas:

# Aumento das discussões sobre a Lei Maria da


Penhas destinadas a formação do público in-
terno e externo a universidade;

# Discussões sobre o Sistema de acolhimento das


mulheres que sofrem violência;

# Fortalecimento dos grupos comunitários com


o intuito de torná-los parceiros na luta contra a
violência de gênero;

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# Realização de debates aprofundados sobre as


problemáticas relacionadas às relações de gê-
nero e violência.

Com a consolidação destas propostas em combate


a desigualdades entre os gêneros e consequente possibilida-
de de combate a violência doméstica, realizado em conjunto
com outras ações dos governos Federal, Estadual e Municipal
e com parcerias com instituições públicas e privadas, além das
organizações civis poderemos pensar efetivamente na descons-
trução de muitas práticas que ainda reproduzem modelos de
dominação.
Referências Bibliográficas
BEAUVOIR, Simone de ([1949] 1980). O segundo sexo: fatos
e mitos. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
BEAUVOIR, Simone de ([1949] 1980). O segundo sexo: a
experiência vivida. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
FREIRE, Paulo (2002). Pedagogia da autonomia: Saberes
necessários a prática educativa. 25ª Ed. São Paulo: Paz e
Terra.
FREIRE, Paulo (1967). Educação como prática da liberdade.
São Paulo: Paz e Terra.

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DE MARIA À MALALA: PERCEPÇÕES DA


LEI 11.340 NO UNIVERSO ESCOLAR COMO
FERRAMENTA DE IGUALDADE DE GÊNERO E
DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES

SOUZA, Antonio Carlos B. de1


SOUZA, Diego Coelho de 2
SILVA, Ana Paula Bastos da 3
Introdução
Apresentar um relato de experiência vivida contex-
tualizado por um aporte teórico revelando a aproximação da
prática com uma teoria reporta-nos aos ensinamentos de Pau-
lo Freire (2009: p.35) prolatando que “ensinar exige risco, acei-
tação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação”.
Completando uma década em 2016, a Lei Maria da Penha sur-
giu como um desafio e uma ferramenta na tentativa de mudan-
ça de comportamento no combate à violência contra as mu-
lheres. O combate a uma cultura machista e misógina. Apoiar
a igualdade entre os gêneros perpassa muito mais do que uma
questão ética e moral, pois dentro desse linear:
1 Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Ama-
zonas (UFAM). Docente do IFAM Campus Presidente Figueiredo
(antonio.souzaifam@gmail.com).
2 Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). Especialista em Educação do Campo (Universidade Cân-
dido Mendes). Pedagogo do IFAM Campus Presidente Figueiredo
(diego.coelho@ifam.edu.br).
3 Discente do Curso Técnico Subsequente em Administração (SADM)
do IFAM Campus Presidente Figueiredo (paula.bastos@gmail.com).

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É preciso deixar claro que a transgressão da eticida-


de jamais pode ser vista ou entendida como virtude,
mas como ruptura com a decência. O que quero di-
zer é o seguinte: que alguém que se torne machista,
racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como
transgressor da natureza humana. Não me venha com
justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou
filosóficas para explicar a superioridade da branquitu-
de sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres,
dos patrões sobre os empregados. Qualquer discri-
minação é imoral e lutar contra ela é um dever por
mais que se reconheça a força dos condicionamentos
a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre ou-
tras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar
(FREIRE, op.cit:60).

A violência contra a mulher é produto de uma cons-


trução histórica e social. A cultura humana caracterizou o sexo
feminino como o sexo frágil, colocando a figura da mulher
como um ser dependente da figura masculina. Nos chamados
“tempos das cavernas”, a famosa figura do homem puxando a
mulher pelos cabelos. Na Grécia antiga, as mulheres não ti-
nham direitos jurídicos, não recebiam educação formal e eram
proibidas de aparecer em público sozinhas. Em Roma, a mu-
lher não era considerada cidadã e consequentemente não podia
exercer nenhum cargo público, dando a ela apenas a função so-
cial de procriadora. Na Idade Média [a época mais cruel] quan-
to à discriminação: mulheres inocentes eram queimadas nas
fogueiras da Inquisição sob a acusação de bruxaria. A cultura
da religião judaico-cristã só firmou ainda mais a inferiorida-
de da mulher na sociedade. O Cristianismo colocou a mulher
como sendo a culpada pelo pecado original, pela expulsão do
homem do paraíso, introduzindo na mulher a consciência da
culpa perante o pecado, e dando ao homem o poder de domí-
nio perante ela. Foi somente no século XIX, com a consolida-
ção do sistema capitalista que algumas mudanças aconteceram.
Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um
grande contingente de mulheres às fábricas. A partir daí, pas-

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saram a contestar a visão de que eram inferiores aos homens, se


articulando para provar que podem fazer as mesmas coisas que
eles. Iniciava-se, assim, a trajetória do movimento feminista4.
Dessa forma, o estudo de temas específicos como a
Lei 11.340 (Lei Maria da Penha) no currículo escolar do IFAM
Campus Presidente Figueiredo faz parte de um projeto maior
de ensino, pesquisa e extensão. Compõe um projeto-macro
objetivando envolver a comunidade acadêmica em torno das
problemáticas relacionadas à cidadania e a prática de ações que
visem implementar o próprio conceito do que é ser cidadão
através de projetos educacionais. A educação só tem sentido
quando se constitui no elemento essencial de formação de pes-
soas críticas e comprometidas com o amadurecimento da luta
pela democratização do exercício da cidadania e da equidade
social. É sabido que a violência contra as mulheres no Brasil é
um fato corriqueiro. Presente em todas as esferas da sociedade.
Herança de uma cultura machista acobertada pelo sentimento
de impunidade.
O Brasil é o quinto país mais perigoso para a mu-
lher no mundo, em uma lista de 83 nações – só fica atrás de
El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Entre as vítimas
atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014, 67,2%
foram agredidas por um parente próximo, parceiro ou ex-com-
panheiro, segundo o Mapa da Violência 2015 – Homicídios de
Mulheres no Brasil. A cada 90 minutos, uma mulher é assas-
sinada por um companheiro ou ex-companheiro, de acordo
com estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) em 20135. Em agosto de 2006 foi sancionada a
Lei 11.340, a Lei Maria da Penha, objetivando aumentar o rigor
das punições para agressões contra as mulheres. Passado uma
4 A respeito dessa analogia histórica, recomendamos a leitura do ar-
tigo de SILVA, Larissa Ribeiro da. Lei Maria da Penha: violência,
medo e amor. Da denúncia ao perdão. Em:<http://eduardocabette.
jusbrasil.com.br/artigos/121938023>. Acesso em: 25 março 2016.
5 AGREDIR mulher é algo normal? Folha Universal. Brasil, 28 de fe-
vereiro de 2016 (pp.04-06).

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década, o desafio continua: mudar valores, mudar comporta-


mentos. É necessário e imprescindível proteger as vítimas de
violência de gênero contra toda e qualquer forma de agressão
(espancamento, xingamento, assédio, calúnia, estupro, ameaça
e assassinato).
Referindo-se a essa questão, Reis (2011: p.24) assim
se manifesta:
Não se pode mais deixar que a violência no âmbito
da família seja considerada assunto de interesse par-
ticular, consoante a máxima “em briga de marido e
mulher, ninguém mete a colher”. Pelas gravíssimas
consequências não só para os integrantes da família,
como para toda a sociedade, esse tipo de violência,
intolerável, interessa à sociedade e ao Estado.

Reconhecida pela Organização das Nações Unidas


como uma das melhores legislações do mundo no combate à
violência de gênero, a Lei Maria da Penha surge no âmbito ju-
rídico, via judicialização e criminalização, como um concreto
mecanismo a fim de dirimir a violência doméstica e familiar
criando:
Mecanismos para coibir a violência doméstica e fami-
liar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Fe-
deral, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interameri-
cana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mu-
lher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal,
o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providên-
cias6.
Mesmo com os rigores da Lei 11.340, fechando o
cerco contra as diversas formas de violência doméstica (físi-
ca, sexual, psicológica, moral e patrimonial) observa-se, uma
década depois, novas leis sendo sancionadas tornando crime
6 Introdução à Lei 11.340, de 7 de Agosto de 2006 decretada pelo Con-
gresso Nacional e sancionada pela Presidência da República.

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hediondo práticas de letalidade intencional às mulheres em


situações específicas de vulnerabilidade7. Há de se concordar
que infelizmente muita coisa precisa ser mudada, combatida e
aplicada para que leis dessa natureza alcancem a consolidação
estrutural específica para partir efetivamente da teoria à práti-
ca.
O problema não está nas leis. Perpassa uma proble-
mática aquém da práxis forense. É histórico. É cultural. É pa-
triarcal, onde os papéis sociais atribuídos a homens e a mulhe-
res são acompanhados de códigos de conduta introjetados pela
educação diferenciada que atribui o controle das circunstân-
cias ao homem, o qual as administra com a participação das
mulheres, o que tem significado ditar-lhes rituais de entrega,
contenção de vontades, recato sexual, vida voltada a questões
meramente domésticas, priorização da maternidade. Resta tão
desproporcional o equilíbrio de poder entre os sexos, que so-
bra uma aparência de que não há interdependência, mas hie-
rarquia autoritária. Tal quadro cria condições para que o ho-
mem sinta-se (e reste) legitimado a fazer uso da violência, e
permite compreender o que leva a mulher vítima da agressão a
ficar muitas vezes inerte, e, mesmo quando toma algum tipo de
atitude, acabe por se reconciliar com o companheiro agressor,
após reiterados episódios de violência8.
Metodologia
Pesquisar é levantar dúvidas referentes a algum tema.
E das dúvidas levantar-se hipóteses para se chegar às respos-
tas. A metodologia teve como público-alvo os discentes da
7 Faz-se referência aqui, especificamente, à Lei 13.104/2015, a Lei do
Feminicídio, que entrou em vigor em 10 de março de 2015, classi-
ficando como crime hediondo as agressões cometidas contra uma
pessoa do sexo feminino no âmbito familiar da vítima que, de forma
intencional, cause lesões ou agravos à saúde, levando à morte.
8 BIANCHINI, A.; GOMES,L.F. Feminicídio: entenda as questões
controvertidas da Lei 13.104/2015. Em: < http://professorlfg.jusbra-
sil.com.br/artigos/173139525>. Acesso em: 16 março 2016.

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rede federal e estadual de ensino inicialmente através da apre-


sentação oral dos pontos importantes da Lei Maria da Penha,
para em seguida fazer-se uso de recursos audiovisuais com ví-
deos alusivos à lei. Paralelamente aos vídeos foram utilizados
slides com textos de referência ao tema e um resumo-síntese
(folder) com os pontos principais. Houve, também, a aplicação
de questionários a fim de constatar-se o grau de retenção do
conteúdo por parte dos discentes. Na conjuntura metodológica
(fundamentação teórica) do trabalho/pesquisa foram consul-
tadas referências (livros, jornais, revistas e artigos científicos)
de autores contemporâneos que de forma direta ou indireta se
propuseram a analisar e compreender o tema.
Resultados e Reflexões
A atividade proporcionou aos discentes ampliar o co-
nhecimento da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha) como ferra-
menta transversal de igualdade de gênero no currículo escolar.
Este projeto também despertou o interesse referente a mais
estudos sobre os Direitos Humanos como instrumento de jus-
tiça social e respeito mútuo. Proporcionou o envolvimento de
docentes e discentes em torno de problemáticas relacionadas
ao meio ambiente, saúde e vida coletiva, e da necessidade de
relacionar os conhecimentos adquiridos em sala de aula com a
prática de ações que visem construir o conceito do que é ser ci-
dadão através de projetos educacionais que envolvam a escola,
a família e a sociedade.
Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais
decidida a qualquer forma de discriminação. A prática precon-
ceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a subjetividade
do ser humano e nega radicalmente a democracia. Quão lon-
ge dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que
matam meninos nas ruas, dos que assassinam camponeses que
lutam por seus direitos, dos que discriminam negros, dos que
inferiorizam as mulheres. Quão ausentes da democracia se
acham os que queimam igrejas de negros porque, certamente,

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negros não têm alma. Negros não rezam. Com sua negritude,
os negros sujam a branquitude das orações...A mim me dá pena
e não raiva, quando vejo a arrogância com que a branquitude
de sociedades em que se faz isso, em que se queimam igrejas de
negros, se apresenta ao mundo como pedagoga da democracia.
Pensar e fazer errado, pelo visto, não têm mesmo nada que ver
com o bom senso que regula nossos exageros e evita as nossas
caminhadas até o ridículo e a insensatez (FREIRE, op.cit:36).
Há a necessidade de se desafiar e derrubar visões es-
tereotipadas para a salutar emergência dos direitos de gêne-
ro. Direitos esses representados na concretude da participação
econômica, na participação política, e em mais acesso à educa-
ção e à saúde. Esses embates discursivos extrapolaram o tempo
histórico porque sempre sofreram a resiliência de preceitos se-
culares e patriarcais.
Falar dos Direitos Humanos das mulheres é com-
preender que independente da cultura ou dos direitos reivindi-
cados, o feminismo é uma luta universal; sejam eles de origem
ocidental ou oriental, aparentemente diferenciados. Direitos
universais (alijados) que vão da luta contra o desemprego ou
melhores salários na América Latina, ou o direito ao voto, a
concorrer às eleições, dirigir automóveis, abrir conta ou viajar
sem autorização, em países árabes9.
Mulheres de ontem e de hoje. Maria da Penha, no
Brasil, ou Malala Yousafzai, no Paquistão, protagonistas-sím-
bolos de uma resistência mundial que não pode ser mais igno-
rada. Mas, ecoada além das fronteiras culturais. Reavaliado e
nunca mais ocultado dentro de uma perspectiva histórica con-
tra todas as formas de violência, exploração, ridicularização e
racismo10.
9 A este respeito consulte-se DAUDÉN, Laura. Feminismo árabe. Re-
vista Planeta, São Paulo, n.472, p.22-29, jan.2012.
10 Um caso emblemático na História, de exploração de uma mulher
muitas vezes representada como objeto, refere-se à Sarah Baartman.
Levada da África do Sul para a Europa, com promessas falsas, re-
cebeu o nome artístico de “A Vênus Hotentote” e foi transformada

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A própria história de luta da senhora Maria da Pe-


nha Maia Fernandes, que serviu como fato para a criação da
Lei 11.340, reporta-nos à reflexão do quanto é difícil a luta
das mulheres por respeito e igualdade de gênero. Espancada
de forma brutal pelo marido durante anos até ficar paraplé-
gica, resolveu denunciar o caso a polícia buscando justiça e
proteção; sentindo na pele a impunidade, a morosidade e a
burocracia. Em face da inércia das leis do Estado brasileiro,
o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional e o Comitê
Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher, formali-
zaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos),
órgão internacional responsável pela análise da violação de
acordos internacionais.
Conclusões
O projeto possibilitou a parceria escola-comunidade
no estudo de temáticas relacionadas à cidadania. A cidadania
só tem sentido como testemunho e prática de conhecimentos
que levam à ação. A educação concretiza-se quando se consti-
tui em um elemento essencial de formação de pessoas críticas
e comprometidas com o amadurecimento da luta pela demo-
cratização do exercício da equidade social. O projeto elencou
uma temática que direta e indiretamente inseriu o público-
-alvo numa consciência cidadã conhecedora de seus direitos
e deveres, partindo dos Direitos Humanos a fim de se com-
preender a importância de estudos sociais como a Lei 11.340
(Lei Maria da Penha). Trata-se de uma lei que não possui uma
década de existência e que precisa ser discutida, conhecida e
em uma atração de circo em Londres e Paris, onde multidões ob-
servavam seu traseiro. Clientes mais abastados podiam pagar por
demonstrações privadas em suas casas, em que era permitido que
os convidados a tocassem. Morreu aos 26 anos, mas seu cérebro,
esqueleto e órgãos sexuais continuaram sendo exibidos em um mu-
seu de Paris até 1974. Seus restos mortais só retornaram à África
em 2002, após a França concordar com um pedido feito por Nelson
Mandela.

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repassada, sobretudo ao público feminino a fim de que as mes-


mas tomem conhecimento de seus direitos (figura 01).

Figura 01: Discentes da rede estadual de ensino do município de Pres.


Figueiredo conhecendo os pontos principais da Lei Maria da Penha.
Fotografia: Antonio Carlos Souza, 2014.

Levando-nos a uma reflexão, Antunes (2005: p.43)


enfatiza que:
Se é possível acreditar que o comportamento humano
é modificável pela ação educativa, estamos embuídos
da ideia de que nossas emoções não representam es-
trutura genética imutável. Quem crê que as emoções
e os sentimentos não podem se alterar pela educação,
não acredita que nossos comportamentos sejam mu-
táveis e, dessa forma, não aceita a ideia de que legi-
timando os conflitos, podemos ensinar a lidar com
esses conflitos e, graças a essa aprendizagem, trans-
formam-nos.

Mais do que transmitir conteúdos específicos, traba-


lhar temáticas conflitantes, como a Lei Maria da Penha, des-
perta o contexto social do educando, desafiando-os a refletir
e a administrar situações emocionais. Decodificando valores

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para melhor conhecer o outro, aprimorando o enfoque da


aprendizagem a partir de um conjunto de ações metodológicas
para avançar para além do conhecimento, entendendo a edu-
cação como uma forma de intervenção no mundo. Para isso é
preciso:
[...] incitar o aluno a fim de que ele, com os materiais
que ofereço, produza a compreensão do objeto em
lugar de recebê-la, na íntegra, de mim. Ele precisa se
apropriar da inteligência do conteúdo para que a verda-
deira relação de comunicação entre mim, como profes-
sor, e ele, como aluno se estabeleça. É por isso, repito,
que ensinar não é transferir conteúdo a ninguém, assim
como aprender não é memorizar o perfil do conteúdo
transferido no discurso vertical do professor. Ensinar
e aprender têm que ver com o esforço metodicamente
crítico do professor de desvelar a compreensão de algo
e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir en-
trando como sujeito em aprendizagem, no processo de
desvelamento que o professor ou professora deve defla-
grar (FREIRE, op.cit:118-19).

Há muito a ser feito. Mesmo com todo o reconheci-


mento de que a Lei 11.340 está entre as três melhores legisla-
ções do mundo no combate à violência contra as mulheres, o
Brasil desponta entre os principais países com taxas de homi-
cídio nesse gênero. As razões dessa dicotomia explicam-se pela
falta de denúncia por parte das vítimas. O medo do agressor, a
vergonha perante a sociedade e as dependências afetiva e eco-
nômica estão entre os principais motivos.
Consequentemente, de acordo com o Mapa da Vio-
lência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil:
Entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do
tempo, tanto em número quanto em taxas, morreu um total de
106.093 mulheres, vítimas de homicídio. Efetivamente, o núme-
ro de vítimas passou de 1.353 mulheres em 1980, para 4.762 em
2013, um aumento de 252%. A taxa, que em 1980 era de 2,3
vítimas por 100 mil, passa para 4,8 em 2013, um aumento de
111,1%.

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Contudo, conforme o gráfico abaixo, ao analisar-se


especificamente o período de 2006/2013 (após a homologação
da Lei Maria da Penha) observa-se que no período anterior à
Lei o crescimento do número de homicídios de mulheres foi de
7,6% ao ano; quando ponderado segundo a população femini-
na, o crescimento das taxas no mesmo período foi de 2,5% ao
ano. Já no período 2006/2013, com a vigência da Lei, o cresci-
mento do número desses homicídios cai para 2,6% ao ano e o
crescimento das taxas cai para 1,7% ao ano.
Gráfico 01: Taxa de homicídio de mulheres
no Brasil (por 100 mil) no período 1980/2013

Fonte: Mapa da Violência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil.

Organização/reprodução: Antonio Carlos Souza, 2016.


A falta de denúncia por parte da mulher contra o
homem é o fator que mais gera a impunidade aos autores das
agressões. Na grande maioria dos casos, as vítimas preferem
ficar caladas a buscar uma punição pelo fato ocorrido. [...] As
motivações para essa falta de denúncia são diversas, sendo que
a que mais prevalece é o medo do agressor, ou seja, o pavor que
a vítima tem de sofrer consequências piores caso leve o caso
à justiça. [...] Entretanto, mesmo acreditando que esta seja a
melhor solução, a mulher não percebe que deixar de procurar
ajuda estatal gera consequências muito piores, tanto para ela

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quanto para o restante da família. Ela continuará condenada a


ser submissa ao poder dominador do marido, colocada sempre
num patamar de inferioridade, além de se tornar uma vítima
sem fim da violência doméstica. Aos filhos do casal, as con-
sequências aparecem tanto momentaneamente como também
no futuro, pois uma criança que vê o pai agredir a mãe cria
um pensamento de que este é um ato normal numa estrutura
familiar, e começará a propagar esse pensamento se tornando
uma criança violenta, além de poder, no futuro, procurar um
companheiro ou companheira com as mesmas características
dos pais, dando continuidade a um ciclo de violência iniciado
pelos pais e continuado pelos filhos11.
Infelizmente, a observação acima, de Larissa Ribeiro
da Silva soa como uma triste eufonia (figura 02). Quando ob-
servamos que o resultado da violência doméstica é a reprodu-
ção de um triste fato. O de “quem bate na mulher machuca a
família inteira”.

11 SILVA, Larissa Ribeiro da. Lei Maria da Penha: violência, medo e


amor. Da denúncia ao perdão. Em:<http://eduardocabette.jusbrasil.
com.br/artigos/121938023>. Acesso em: 25 março 2016.

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Figura 02: Quem bate na mulher machuca a família a inteira.


Fonte: Página do BoroGZuca na internet12

Logo, constata-se que todo esforço na tentativa de se


erradicar a todas as formas de violência contra a mulher será
em vão se não houver a atuação firme do poder público e da
sociedade.
Educar para que se faça do conflito um desafio, do de-
safio uma superação e desta superação uma crença de que o
mundo vale a pena, significa em última análise, fazer da esco-
la uma esperança e da esperança a construção de uma certeza
12 Disponível em: http://borogzuca.blogspot.com.br/2013/06/quem-
bate-na-mulher-machuca-familia.html Acesso em mar. 2016.

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(ANTUNES, 2005). Daí a importância da educação como ins-


trumento de mudança. E isto reporta-nos também a Freire (op.
cit:76) quando assevera que “ensinar exige a convicção de que
a mudança é possível”.
Referências
AGREDIR mulher é algo normal? Folha Universal. Brasil, 28
de fevereiro de 2016 (pp.04-06).
ANTUNES, Celso. A pedagogia dos conflitos e as relações
interpessoais. In: Temas em educação IV. Curitiba: Futuro
Congresso e Eventos, 2005, (pp.41-48).
BIANCHINI, A.; GOMES,L.F. Feminicídio: entenda as
questões controvertidas da Lei 13.104/2015. Em: < http://
professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525>. Acesso em:
16 março 2016.
DAUDÉN, Laura. Feminismo árabe. Revista Planeta, São
Paulo, n.472, p.22-29, jan.2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
REIS, Ingrid Charpinel. A Lei Maria da Penha e Sua Potencial (In)
constitucionalidade Face ao Princípio da Igualdade. Em: <www.emerj.
tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011>.
Acesso em: 25 março 2016.
SILVA, Larissa Ribeiro da. Lei Maria da Penha: violência,
medo e amor. Da denúncia ao perdão. Em:<http://
eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121938023>. Acesso
em: 25 março 2016.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015.
Homicídio de Mulheres no Brasil. Brasília: Entidade
das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o
Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2015.
Disponível em: www.mapadaviolencia.org.br. Acesso em 10
março 2016.

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PAULO FREIRE E O MOVIMENTO FEMINISTA:


UM DEBATE CONTEMPORÂNEO1

DUARTE, Paulo2
CAMARGO, Edson Carpes3
INTRODUÇÃO
O cotidiano escolar está cercado por um conjunto de
fatores que, em sua maioria, diariamente orientam a sua ação
para uma prática educativa estática, considerada como fim,
acabada. Neste contexto, o currículo de ensino e aprendizado
se resume a um plano de atividades elaborado e projetado para
o decorrer do calendário escolar. Dessa forma, os indivíduos
apenas vivem no mundo, mas não existem, uma vez que a sua
história tem pouca significância para o planejamento escolar.
Contudo, a pesquisa em Paulo Freire possibilita a ação livre,
criadora e determina as condições de aprender criticamente a
realidade educacional, capaz de apreender criticamente a rea-
lidade. A crítica a esse tipo de educação em que @s estudantes
são estimulad@s a memorizar o conteúdo, e não a conhecê-lo,
uma vez que não realizam nenhum ato cognoscitivo do objeto
de conhecimento além do caráter verbalista, dissertativo, nar-
rativo, é o centro da discussão freireana.
1 Artigo vinculado ao Projeto de Pesquisa “Paulo Freire e o Movi-
mento Feminista: um debate contemporâneo” financiado pelo IFRS
– Campus Bento Gonçalves.
2 Acadêmico do curso de Licenciatura em Física do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus
Bento Gonçalves. E-mail: duarte.artes@r7.com.
3 Doutor em Educação. Orientador. Docente do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus
Bento Gonçalves. E-mail: edson.camargo@bento.ifrs.edu.br.

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No Brasil, a partir do final dos anos de 1950, a edu-


cação, e particularmente a educação de adultos e a educação
popular, encontrou em Paulo Freire a referência para a educa-
ção libertadora como um paradigma que influencia o campo
do currículo. A mediação de Paulo freire para a educação,
na qual as finalidades, os conteúdos, as ações estão para pos-
sibilitar práticas e reflexões de educador@s que lutam por
uma educação melhor num mundo melhor. Neste sentido, a
problematização freiriana atua na busca de uma nova forma
de constituição da subjetividade, de novos modos de sujei-
ção que se estabeleçam como uma escolha ativa e pessoal na
construção de uma existência na atualidade permitem uma
contraposição ao sistema patriarcal estabelecido na socieda-
de. Diante disso, urge a necessidade de relacionar os escritos
freireanos aos movimentos feministas, permitindo entrelaçar
o processo educativo ao processo de formação humana do
sujeito, a indefinição por meio da sua formação de identidade
considera o futuro como condição prospera de validar as pos-
sibilidades infinitas, negando a condição de ser programado
a ser o que é.
A sociedade que vivemos, vem carregada de determi-
nados conceitos masculinos que pressupõe que a mulher está
ligada à figura de mãe aplicada e cautelosa, seja do marido, seja
de seus filhos. Cuidar de alguém, ou da casa, parece ser prerro-
gativas naturais das mulheres na sociedade patriarcal.
O debate no campo dos limites da relação entre ho-
mens e mulheres relações de gêneros que nos constituem e nos
fazem ser/estar masculinos e femininos, tornando assim uma
realidade que proporciona a participação das massas popula-
res, admirando o mundo, denunciando, questionando, trans-
formando para sua humanização.
O objetivo desta pesquisa é identificar como Paulo
Freire em sua obra “Política e Educação” apresenta elementos
que possibilitam aos/às leitores um outro olhar sobre sua rela-
ção com o movimento feminista.

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Às vezes, a violência dos opressores e sua domina-


ção se fazem tão profundas que geram em grandes
setores das classes populares a elas submetidas uma
espécie de cansaço existencial que, por sua vez, está
associado ou se alonga no que venho chamando de
anestesia histórica, em que se perde a ideia do ama-
nhã como projeto. O amanhã vira o hoje repetindo-
se, o hoje violento e perverso de sempre. (FREIRE,
1993, p. 27).

O professor, tem um papel fundamental neste ponto


para compreender que o processo educacional não é a solu-
ção dos conflitos existentes, mas a escola pode tornar o aluno
competente a assumir o papel inovador dos conflitos existen-
ciais. O desfecho deste ponto abordado refere-se a gigantesca
diversidade que encontramos em nosso contexto social nas
escolas. São inúmeros movimentos analisados em crescentes
diálogos para buscar uma orientação em conduzir reivindica-
ções levantadas por cada uma das bandeiras.
Por mais que, nesta ou naquela sociedade, por moti-
vos históricos, sociais, culturais, econômicos seja visivelmente
sublinhada a importância da raça, da classe, do sexo, na luta e
libertação, é preciso que evitemos cair na tentação de reduzir
a luta inteira a um desses aspectos fundamentais. Estas incoe-
rências devem ser denunciadas e combatidas no sentido de ser
superada, e jamais à desesperança em que quedaria mudo e
sem amanhã.
A EDUCAÇÃO EM FREIRE E O FEMINISMO
As relações que se estabelecem entre os gêneros de-
finem o conjunto elementar que nos permite [re]conhecer o
mundo, a diversidade ampliada e como se estabelece a domi-
nação masculina definida como patriarcado, o qual Saffioti
(2001, p. 16) aponta como um sistema de relações sociais que
garante a subordinação da mulher ao homem, contexto pre-
dominante nas relações sociais. Consideremos esta informa-
ção vista na linha do tempo dos conflitos contemporâneos a

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pergunta que vamos lançar é como vamos evoluir a cultura, o


pensamento, a educação se não agirmos hoje para o amanhã,
Essa reflexão deve partir de todas as pessoas, homens e mulhe-
res, e demanda repensar nossas práticas, atitudes e comporta-
mentos: em que medida reproduzimos o machismo no nosso
dia-a-dia? Não é uma reflexão simples, pois se as desigualda-
des de gênero estivessem colocadas como um inimigo visível,
seria fácil combatê-las. Mas é justamente por estarem inseri-
das na nossa cultura e concepção do masculino e do feminino,
que elas se perpetuam. Romper esse ciclo é um desafio, como
também uma grande necessidade, o conjunto cultural é neces-
sário para a compressão à liberdade, sem a qual o ser humano
se imobiliza, Paulo Freire insere em sua obra a seguinte defi-
nição.
O corpo consciente e curioso que estamos sendo,
se veio tornando capaz de compreender, de intera-
gir o mundo, de nele intervir técnica, ética, estética,
científica e politicamente. Consciência e mundo não
podem ser entendidos separadamente, dicotomiza-
damente, mas em suas relações contraditórias. Nem
a consciência é a fazedora arbitrária do mundo, da
objetividade, nem dele puro reflexo. A importância
do papel interferente da subjetividade na História
coloca, de modo especial, a importância do papel da
educação. (FREIRE, 1993, p. 9).

A luta política, que é a luta pelo poder, essas condi-


ções necessárias não se criam, apenas com ideias e projetos,
necessitamos de atividades, oficinas, seminários, aulas pesqui-
sadas pelos alunos para manifestar o seu conhecimento orien-
tado pelo professor, mas para o seu aprendizado, não para
cumprir protocolos.
O Saber é conquistado em conjunto, grupos de con-
vivência para uma superação da própria capacidade de ver o
que não sabia que sabia, assim a analise nesta pesquisa descre-
ve uma teoria que reflete uma pratica positiva e autônoma a
ser desenvolvida na docência.

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A compreensão crítica dos limites da prática tem que


ver com o problema do poder, que é de classe e tem
que ver, por isso mesmo, com a questão da luta e do
conflito de classes. Compreender o nível em que se
acha a luta de classes em uma dada sociedade é indis-
pensável à demarcação dos espaços, dos conteúdos da
educação, do historicamente possível, portanto, dos
limites da prática político-educativa. (FREIRE, 1993,
p. 25).

Toda a ação de mudar o contexto do educando através


do conhecimento e baseando no diálogo não é desaderir de
uma realidade mitificada em que se acham divididos, para ade-
ri-los a outra. Descobrir-se, portanto, através de uma modali-
dade de ação cultural, a dialógica, problematizada a si mesmo
em seu enfrentamento com o mundo, significa, num primeiro
momento, que deve ser descoberta por si só.
Paulo Freire relata que “é preciso mesmo brigar con-
tra certos discursos pós-modernamente reacionárias, com ares
triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem o
pragmatismo oportunista e negador da utopia” (FREIRE, 1993,
p. 17).
A pluralidade é dada como uma condição favorável a
democracia educacional viabilizada pelas autoridades respon-
sáveis pela qualidade do ensino público, possibilitando uma
qualidade a todos, a questão é porque chega a todos de uma
maneira que possibilita um aprendizado de modo qualitativo
na realidade da mesma cidade aonde podemos acompanhar e
acreditar nos estudantes e possibilitar um amanhã justo que
poderão buscar. A maneira de interagir com o mundo de acor-
do com as formas organizadas seja validada para criar novos
métodos e processos gerando um novo patamar de conheci-
mento e modo de agir, a escola é a questão, seja movimentos
educacionais, elaboração curricular, sistematização de massa,
tudo que ocorrer será em torno dos professores e alunos a cau-
sa máxima da realidade da sociedade brasileira.

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METODOLOGIA
O processo metodológico foi analisado na proposta
de L. Bardin (2008). Essa metodologia tem um significado es-
pecial no campo das investigações sociais pois possibilita re-
interpretar as mensagens a partir de descrições sistemáticas,
qualitativas ou quantitativas. Diante desta análise, os escritos
são [re]significados atingindo uma compreensão que supera o
nível de leitura comum. Este tipo de estudo estimula a presença
organizada das classes sociais populares na luta em favor da
transformação democrática da sociedade, no sentido da supe-
ração das injustiças sociais.
Entender que as formas de resistência envolvem em si
mesmos limites que as classes populares se põem com relação à
sua sobrevivência em face do poder dos dominantes. Em mui-
tos momentos do conflito de classe, as classes populares, mais
imersas que emersas na realidade, têm em sua resistência uma
espécie de muro por detrás de que se escondem. Do ponto de
vista, porém, dos interesses dominantes, há a defesa de uma
prática educativa neutra, que se contente com o puro ensino, se
é que isto existe, ou com a pura transmissão asséptica de con-
teúdo, como se fosse possível, por exemplo, falar da “inchação”
dos centros urbanos brasileiros sem discutir a reforma agrária
e a oposição a ela feita pelas forças retrógradas do país. Como
se fosse possível ensinar não importa o quê, lavando as mãos,
indiferentemente, diante do quadro de miséria e de aflição a
que se acha submetida a maioria de nossa população.
Neste momento do estudo, tomaremos a obra “Políti-
ca e Educação” de Freire (1993) para realizarmos a Análise de
Conteúdo. Realizar uma pesquisa bibliográfica, revisando os
escritos de Paulo Freire e possibilitando a articulação entre a
sua teorização e os movimentos feministas. Nenhuma das duas
maneiras de entender através da educação, a compreensão da
História, seria capaz de responder à questão colocada. Nem a
do otimismo ingênuo, de natureza idealista, nem a do pessimis-
mo imobilizante. Uma e a outra, jamais puderam responder à

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questão. Somente a compreensão dialética das relações corpo-


-consciente-mundo, quer dizer, no entendimento da História
como possibilidade, é possível compreender o problema.
ANÁLISE REFLEXIVA
É impossível não relacionarmos a escola com a rea-
lidade social, do nosso tempo, afinal, somos formadores de
um conhecimento articulado e apreendido ao longo da forma-
ção do estudante. A aposta de Freire nos processos educativos
como possibilidade de mudanças sociais está fundada em prin-
cípios filosóficos e antropológicos e propõe, pelo exercício da
reflexão, encontrar a natureza humana, o núcleo que sustenta
o processo da educação, possibilitando experiências como a
utopia, os diálogos e a esperança, que são categorias estrutu-
rais das suas obras e que pode ser sintetizada como uma pers-
pectiva de leitura e de inserção no mundo concreto. “Somente
numa perspectiva histórica em que homens e mulheres sejam
capazes de assumir-se cada vez mais como sujeitos-objetos da
história” (FREIRE, 1993, p. 19).
A escola para Paulo Freire, não é só um lugar para
estudar, mas para se encontrar, conversar, confrontar-se com
o outro, discutir, fazer política. A escola não pode mudar tudo
nem pode mudar a si mesma sozinha. Ela está intimamente
ligada à sociedade que a mantém, identificando nesta visão de
mundo um acordo que nos dá garantias de que podemos acre-
ditar no processo educacional conscientizado como uma ferra-
menta para a libertação. Permeando os oprimidos e assumindo
assim um movimento da educação para uma nova sociedade
que supere as classes sociais e também as desigualdades entre
homens e mulheres.
O núcleo contido na obra “Política e Educação”, é de-
socultar verdades e dialogar atualmente sobre o patriarcado e
movimentos feministas que crescentemente assumem frentes
para a mobilização em pro de seus direitos. “O mundo em últi-
ma análise, é a simples travessia em que o fundamental é a luta,

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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sem embates, a não ser os que se dão na intimidade da cons-


ciência moral de cada um ou de cada uma, em favor da vitória
do bem sobre o mal”. (FREIRE, 1993, p. 53).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fundamental que haja o trabalho e a condição de
planos do amanhã, o progresso do hoje alterna a tolerância que
não pretende negar nem tampouco esconder os possíveis con-
flitos, nem por outro lado, desconhecer que há diferentes pon-
tos de o que a tolerância pretende é a convivência possível, uma
cooperação respeitando as diferenças. Tanto mais democrática
uma sociedade quanto mais tolerante, quanto mais se abre à
compreensão dos diferentes, mais se pode tornar um mundo
possível de qualidade.
Para o futuro mover-se em retratar a pesquisa em
Paulo Freire considerando o momento histórico que estamos
inseridos, precisamos desenvolver a esfera motora de práticas
que proporcionam sensações ao aluno, não só em caráter in-
dividual, mas também coletivo - movimento que estimula o
desenvolvimento particular e o social, considerações e trans-
formações deste modo pela educação que irá perpetuar na
continuidade social dos povos.
A transformação que inova a educação moderna é
inclusão da dialética - processo de diálogo, debate entre inter-
locutores como método de ensino - a pesquisa específica ha-
bilita o estudante ao desenvolvimento completo na autonomia
do conhecimento em que o objetivo é desenvolver aprendizes
reflexivos e entusiasmados capazes de serem mais concisos e
autocríticos, aberto a críticas e análises do conhecimento.
Neste sentido, a escola educa e ensina seus alunos a
serem cidadãos pensantes, críticos ao que veem e ouvem, fala-
-se muito em educação e disciplina. Uma escola que educa é to-
talmente diferente de uma escola que simplesmente disciplina,
a escola que ensina é a que estimula os sujeitos a pensar, forma
cidadãos que saibam defender suas ideias e propostas, quanto à

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escola que ensina e a que simplesmente disciplina, destacou-se


que entre as mesmas existem diferenças fundamentais. Uma
realmente ensina e proporciona a formação de verdadeiros su-
jeitos pensantes, a outra apenas impõe o que julga ser o mais
correto.
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 5. ed. Lisboa-
Portugal: Edições 70, 2008.
FREIRE, Paulo. Política e educação. 23. ed. São Paulo:
Cortez, 1993.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. São Paulo:
Moderna, 1987.
___; ALMEIDA, Suely Souza de. Violência de Gênero: poder
e impotência. Rio de Janeiro: Revinter,1995.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise
histórica. Disponível em: <http://disciplinas.stoa.usp.
br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/
G%C3%AAnero-Joan%20Scott.pdf> Acesso em 12 de agosto
de 2011.

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PAULO FREIRE E FEMINISMOS: UM


ESTUDO ACERCA DA POLÍTICA DE
EMPODERAMENTO DAS MULHERES

OLIVEIRA, Suzianne Silva de1


Introdução
Para refletirmos a política de empoderamento das
mulheres é preciso fazer uma breve passagem pela história,
a qual tem papel fundante frente as funções sociais demarca-
das para homens e mulheres. A historiografia dos séculos XV
e XVIII demarcam ainda o surgimento de temas dedicados à
denúncia da condição de opressão das mulheres, tendo como
principais fatores a superioridade e a dominação imposta pe-
los homens nas sociedades da época. O conceito de “feminis-
ta” surge em face essas determinações sociais que sujeitavam
a mulher à autoridade do homem. Segundo Pierre Bourdieu
(1930), a submissão da mulher em relação ao homem era sus-
tentada por três instâncias principais (a família, a igreja e a es-
cola), segundo ele “É, sem dúvida, à família que cabe o papel
principal na reprodução da dominação e da divisão masculi-
nas; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão
sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão”
(Bourdieu, 1930, p.103-104).
O surgimento dessas determinações sociais discorre
sobre as desigualdades de gênero que se desdobram em diver-
sas formas de preconceito sobre a mulher na sociedade atual.
Scott (1995) em seu estudo de gênero aborda as relações so-
1 Mestranda em Educação –Universidade do Estado do Pará. E-mail:
suzianneoliveira@yahoo.com.br

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ciais, construídas de forma desigual, subjugando a mulher ao


domínio e autoridade do homem. “Segundo a autora, o “gê-
nero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas ame-
ricanas que queriam insistir na qualidade fundamentalmente
social das distinções baseadas no sexo”. Pensar e discutir gêne-
ro requer uma série de estudos, implicações e conquistas que
revolucionaram o papel da mulher na sociedade, estudo este
fundamental para compreendermos a forma como os papéis
sociais foram sendo atribuídos a mulher, logo, inferiores as
atribuições determinadas para os homens.
Partindo do trajeto da composição destes diferentes
papeis, bem como da construção histórica entre o socialmente
atribuído para homem e mulher e as relações entre eles estabe-
lecidas, não podemos deixar de destacar neste estudo a grande
contribuição de Paulo Freire no campo dos estudos intercultu-
rais no Brasil, o qual contribui para a política de valorização,
reconhecimento e empoderamento da mulher na sociedade.
A trajetória e vivencia familiar de Freire é marcada por desi-
gualdades econômicas e sociais o que contribuiu para a sua
formação humanista como educador. Por vivenciar vários mo-
mentos em que a presença do machismo, da desigualdade e da
injustiça se fizeram presentes é que Freire passa a compreender
as classes oprimidas com um olhar de familiaridade, pois ele
próprio foi vítima do peso do sistema social, o qual é marcado
por injustiça, desigualdades, massificação e violação dos direi-
tos do outro.
A seguir, apresentaremos um breve aparato bibliográ-
fico da contribuição de Freire para a discussão proposta neste
artigo, a saber, como os estudos interculturais, bem como os
relacionados ao gênero podem contribuir com a política de
empoderamento da mulher na sociedade, objetivando a cons-
trução de uma sociedade mais justa e igualitária que venha
reconhecer e valorizar o outro em sua essência independente
de fatores ligados ao sexo, pois homem e mulher são seres hu-
manos que interagem numa relação de completude, diferenças

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físicas e sociais sempre vão existir independente do ser homem


e mulher, as diferenças existem entre as próprias mulheres,
bem como, entre os próprios homens, porém, isso não deve ser
tomado como justificativa para o preconceito, desigualdades
sociais, violência e/ou qualquer tipo de violação de direitos do
ser humano.
Desenvolvimento
Ao estudar os reflexos da globalização e do neolibera-
lismo sobre a educação, Andrioli e Santos (2005) apontam que
a proposta educacional no Brasil, por exemplo, é de uma for-
mação geral e polivalente visando à qualificação de mão-de-o-
bra para o mercado. Essa ideia de preparação de mão-de-obra,
obviamente, está voltada muito mais ao campo técnico do que
propriamente humano. A preocupação com que o trabalhador
aprenda a ler, escrever e contar não tem nada de edificante ou
humanitário, muito menos filantrópico.
Sabemos que a formação inicial que recebemos no
âmbito da família e da escola é de cunho machista, isto por-
que desde a infância observamos a presença da distinção ligada
ao sexo, aos meninos é proposto brincadeiras como futebol,
empinar papagaio, brincar com peteca; já para as meninas a
principal atividade proposta é a famosa brincadeira de casinha,
quando esta já apresenta um caráter de distinção no que tange
ao desempenho dos papéis sociais. Quando as meninas brin-
cam de casinha elas já assimilam a relação que devem desem-
penhar junto ao lar (o cuidado dos filhos e das demais tarefas
domésticas), ou seja, desde cedo somos domesticados a exercer
o papel que a sociedade designa ser o adequado para cada sexo.
Aqui reconhecemos o importante papel que a escola desem-
penha, sendo esta um canal entre o socialmente atribuído e o
humanamente preciso na formação dos sujeitos. No entanto,
precisamos problematizar a escola que temos hoje para pensar-
mos a escola que queremos e que verdadeiramente precisamos
para o amanhã.

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Promover uma educação menos capitalista e alienan-


te, objetivando através do processo de humanização o desen-
volvimento da criticidade, autonomia, cidadania e da transfor-
mação social e intelectual dos sujeitos excluídos constitui um
desafio a ser enfrentado pelos educadores, os quais necessitam
dessa formação mais humanista para assim promoverem uma
educação mais libertadora, que valorize através da sensibiliza-
ção a subjetividade dos sujeitos por ela envolvidos.
Ainda segundo Andrioli e Santos (2005) do ponto de
vista humanitário, a maior preocupação da educação no molde
capitalista como vem sendo gerida recai sobre a fonte de lucro,
excluindo a possibilidade de emancipação dos sujeitos subju-
gados a essa dominação de mercado.
O comprometimento dos profissionais da educação
com a construção de uma sociedade pautada em valores pro-
movedores de humanização e cidadania é fundamental para
reverter a lógica das políticas educacionais que vem sendo pro-
gressivamente implementada pela maioria dos governos, pois,
se para construir uma nova educação é necessário construir
uma nova sociedade, a estrutura social só é modificada na me-
dida em que são transformadas as relações sociais que a susten-
tam (ANDRIOLI; SANTOS, 2005).
Sobre esta ideia de transformação, Paulo Freire (1983),
afirma que ao pensar a educação como proposta de interven-
ção social, não se pode deixar de considerar que o ser huma-
no é inacabado, incompleto, que se constitui ao longo de sua
existência e que tem a vocação de ser mais, o poder de fazer e
refazer, criar e recriar.
Em seu estudo sobre as classes oprimidas, Paulo Frei-
re (1987), propõe o processo da dialogicidade a fim de pro-
mover uma educação libertadora. A dialogicidade, segundo ele
consiste:
Impõe-se, pelo contrário, a dialogicidade entre a lide-
rança revolucionária e as massas oprimidas, para que,
em todo o processo de busca de sua libertação, reco-

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nheçam na revolução o caminho da superação verda-


deira da contradição em que se encontram, como um
dos polos da situação concreta de opressão. Vale dizer
que devem se engajar no processo com a consciência
cada vez mais crítica de seu papel de sujeitos da trans-
formação. (FREIRE, 1987, p.71).

A dialogicidade, segundo Freire (1987), consiste no


diálogo existente entre professor e aluno de forma a facilitar o
processo de ensino-aprendizagem, possibilitando ao educando
maior participação, interação e criticidade frente ao sistema de
ensino. O processo de ensino-aprendizagem tem sido histori-
camente caracterizado de formas diferentes que vão desde a
ênfase no papel do professor como transmissor de conheci-
mento, até as concepções atuais, as quais buscam promover tal
processo como um todo integrado, destacando assim o papel
do educando. Apesar de tantas reflexões, a atual situação da
prática educativa de muitas escolas ainda demonstra a mas-
sificação dos alunos com pouca ou nenhuma capacidade de
resolução de problemas e poder critico-reflexivo. A padroni-
zação dos mesmos em decorar conteúdos, além da dicotomia
ensino-aprendizagem e do estabelecimento de uma hierarquia
entre educador-educando ainda se configuram como proble-
máticas a serem enfrentadas pela escola, a qual muita das vezes
também acaba reproduzindo modelos autoritários e machistas,
quando faz a separação em classe de meninos e meninas, quan-
do distingue atividades para os meninos e para as meninas, ou
seja, a própria escola deixa de desempenhar o seu papel huma-
no para apenas reproduzir os interesses das elites dominantes,
sem levar em consideração as reais necessidades das classes
oprimidas.
O processo de conhecer os sujeitos da aprendizagem
se configura em permitir o outro de dizer a sua palavra, a ex-
pressar-se, a manifestar suas opiniões, a se humanizarem tor-
nando-se um sujeito crítico e atuante frente ao contexto em
que está inserido.

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Em sua 5ª carta encontrada na obra “Aprendendo com


a própria história” Freire (1921) já demonstrava ser contra as
formas de machismos que se apresentavam a ele,
Quando por exemplo, minha mãe, dócil e timidamen-
te, pedindo desculpas ao açougueiro por não haver
pago a ínfima quantidade de carne comprada na se-
mana anterior, ao solicitar mais crédito para trezentos
gramas a mais, prometia que pagaria as duas dívidas,
na verdade ela não mentia nem tentava um golpe. Ela
precisava de acreditar em que realmente pagaria. E
precisava, de um lado, por uma razão muito concreta
– a fome real da família; de outro, por uma questão
ética – a ética de mulher de classe média cristã cató-
lica. E quando o açougueiro, zombeteiro, machista, a
desrespeitava com seu discurso de mofa, suas palavras
a pisoteavam, a destroçavam, a emudeciam. (FREIRE,
1921, p. 70).

Neste trecho, fica evidenciado o total distanciamento


de Freire em relação as expressões machistas, logo o educador
sempre se mostrou a favor do respeito e igualdade social, reco-
nhecia a fragilidade da mulher frente a força física e expressões
bruscas utilizadas pelos homens no tratamento destas. Para ele,
o fato de ser mulher não devia isentar a mulher de seus direi-
tos, nem mesmo invisibilizá-la ou torna-la objeto de domina-
ção masculina. E continua,
[...] o que me revoltava era o desrespeito de quem se
achava em posição de poder a quem não o tinha. Era
o tom humilhante, ofensivo, canalha, com que o açou-
gueiro falava a minha mãe. A entonação de censura,
de reprovação do discurso do açougueiro, que ele
prolongava desnecessariamente e de forma que todos,
no açougue, ouviam, me fazia um tal mal que, ago-
ra, preciso me esforçar para descrever a experiência
(FREIRE, 1921, p. 70).

Evidenciamos, portanto, o repúdio de Freire para com


as formas machistas que prevaleciam na época, e isto não so-
mente por se tratar de sua mãe, mas, sobretudo, da mulher a

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qual naquela época o machismo era muito mais frequente e


incisivo sobre a mulher. Atualmente, sabemos que muitas são,
ainda, as formas de desigualdades sociais entre homem e mu-
lher, está ainda é tratada como um objeto de domesticação e
desejo, acarretando sobre ela inúmeras expressões de violên-
cia física e sexual. No entanto, apesar destes fatores de cunho
machista não podemos afirmar que a situação permanece do
mesmo jeito que se apresentava na sociedade passada, através
do Movimento Feminista, por exemplo, muitas conquistas fo-
ram possíveis em relação aos direitos sociais da mulher, porém,
isso ainda não garantiu a ela total grau de igualdade perante ao
homem, muito ainda precisa ser feito para o alcance de tal ob-
jetivo. Ainda sobre essa cultura machista Paulo Freire nos diz,
Nessa altura, porém, não posso deixar de fazer um
comentário sobre a cultura machista que nos marca.
Só ela pode explicar, de um lado, que minha mãe to-
masse para si sempre o incomodo enfrentamento dos
credores; de outro, que meu pai, tão justo e correto,
aceitasse sabe-la expondo-se como se expunha (mes-
mo que ela não o informasse do que ouvia nos açou-
gues e bodegas) e não assumisse a responsabilidade de
tratar com os credores. Era como se a autoridade do
homem devesse ficar defendida, no fundo, falsamente
defendida, resguardada, enquanto a mulher se entre-
gava as ofensas. (FREIRE, 1921. p. 70).

Ao problematizar a passividade feminina em relações


violentas não pretendemos equacionar o protagonismo femi-
nino à cumplicidade das mulheres com seus parceiros violen-
tos, o que suporia que homens e mulheres desfrutam de parce-
las semelhantes de poder na estrutura social (SAFFIOTI, 1997
apud BARCINSKI, 2013). Para tanto o objetivo deste estudo
é problematizar a diferença de gênero que recai sobre o trata-
mento dado a mulher.
Com base no pensamento de Freire (1992) acerca da
multiculturalidade pode-se apontar que a preocupação com
a valorização do outro deve contemplar a diversidade social,

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tendo em vista as questões de inclusão, acessibilidade, gênero,


etnia, credo, idade e outros aspectos correlatos. Ademais, deve
visar ao desenvolvimento da pessoa como um todo, levando
em conta a história social, econômica e cultural.
Ainda sobre as desigualdades sociais que atingiam as
mulheres, Bourdieu ressalta:
As mulheres são excluídas de todos os lugares públi-
cos (assembleia, mercado), em que realizam os jogos
comumente considerados os mais sérios da existência
humana, que são os jogos da honra. E, excluídas, se
assim podemos dizer, a priori, em nome do princípio
(tácito) da igualdade na honra, que exige que o desa-
fio, que honra quem o faz, só seja válido se dirigido a
um homem (em oposição a mulher) e a um homem
honrado, capaz de dar uma resposta que, por repre-
sentar uma forma de reconhecimento, é igualmente
honrosa. A circularidade perfeita do processo indica
que se trata de uma partilha arbitrária. (BOURDIEU,
1999, p. 62).

Segundo (Krohling; Miyamoto, 2012), diante desta li-


nha de raciocínio, a mulher, sendo relegada ao espaço privado
pela construção social e cultural de desigualdade de gênero,
é lançada à invisibilidade social e, como tal, passa a não ser
o foco de atenção dos cientistas, dos pensadores, dos intelec-
tuais, dos juristas, dos políticos. Acentuam-se, dessa forma, as
desigualdades sociais entre homens e mulheres.
Como forma de sobrepor toda e qualquer forma de
invisibilidade que atinge essas mulheres é fundamental anun-
ciarmos através de estudos/pesquisas o empoderamento destas
mulheres, contribuindo assim para a liberdade de expressão,
autonomia, e efetivação de sua democracia e cidadania. Para
Lisboa (2007), a abordagem do empoderamento é fundamen-
tal para fazer valer a igualdade entre homens e mulheres, em
relação à competência e tomada de decisões. É justamente o
princípio do “empoderamento” que distingue o paradigma do
desenvolvimento humano dos outros tipos de desenvolvimen-

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to, porque “estar empoderado” significa o direito de dizer a sua


palavra, direito este que não pode ser silenciado.
As mulheres devem ser possibilitadas a exercerem
sua cidadania, sua liberdade de expressão. Neste percurso,
(FRIEDMANN, 1996 apud LISBOA, 2007) aponta três tipos
de empoderamento, importantes para as unidades domésticas:
o social, o político e o psicológico.
O poder social refere - se ao acesso a certas “bases”
de produção doméstica, tais como informação, conhecimento
e técnicas, a participação em organizações sociais e os recur-
sos financeiros. Pressupõe, também, garantia de sobrevivência
e independência econômica. O poder político diz respeito ao
acesso dos membros individuais de unidades domésticas ao
processo pelo qual são tomadas as decisões; não é apenas o po-
der de votar, mas, principalmente, o poder da voz e da ação
coletiva. Parte da “alfabetização política” e significa também,
maior participação no âmbito político bem como acesso a ocu-
par cargos de representação e direção. O poder psicológico,
por sua vez, decorre da consciência individual de força e mani-
festa-se na autoconfiança. É o mesmo que poder pessoal, pois
o que importa é o incremento da capacidade das mulheres de
avançarem na conquista da autonomia e consequente emanci-
pação. Significa, também, ter controle sobre o próprio corpo e
sobre sua sexualidade. O empoderamento psicológico é, mui-
tas vezes, o resultado de uma ação vitoriosa nos domínios so-
cial ou político, embora também possa resultar de um trabalho
intersubjetivo. Essa tríade caracterizada pelo autor representa
maior possiblidade de mudança social pelas relações coletivas
que desencadeia.
Nesta perspectiva, Lisboa (2007), reforça a ideia de
que as mulheres pobres são excluídas dos direitos mínimos
porque suas famílias não tiveram ou não têm acesso ao poder
social para melhorar as condições de vida de seus membros;
elas não têm acesso ao poder político porque não comparti-
lham as tomadas de decisões; não possuem o poder da voz,

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nem o da ação coletiva. Da mesma forma, não têm acesso ao


poder psicológico que decorre da consciência individual de
força e manifesta-se na autoconfiança, ou seja, não são consi-
deradas cidadãs.
Lisboa (2007) reforça ainda que a motivação primária
consiste na superação da pobreza, que por sua vez exige a to-
mada de consciência, principalmente por parte das mulheres
pobres, de seu poder social, político e psicológico. No combate
à pobreza, o empoderamento orienta-se para a conquista da ci-
dadania, isto é, a conquista da plena capacidade de um ator in-
dividual ou coletivo de usar seus recursos econômicos, sociais,
políticos e culturais para atuar com responsabilidade no espaço
público na defesa de seus direitos, influenciando as ações dos
governos na distribuição dos serviços e recursos.
Acerca do estudo da humanização na pedagogia de
Paulo Freire, Mendonça (2006) chama atenção para a humani-
zação, categoria fundante na obra de Freire, a fim de influen-
ciar os processos educativos a se estabelecerem enquanto ação
cultural e, consequentemente, instrumento de transformação
da realidade.Nesta direção, Fleuri (2011), também chama
atenção para a necessidade de formação e requalificação dos
educadores constituindo talvez o problema decisivo, do qual
depende o sucesso ou o fracasso da proposta intercultural, pois
o que está em jogo na formação dos educadores é a superação
da perspectiva monocultural e etnocêntrica que configura os
modos tradicionais e consolidados de educar, a mentalidade
pessoal, os modos de se relacionar com os outros, de aluar nas
situações concretas. É imprescindível que tais práticas sejam
evidenciadas no interior da escola para assim promover pro-
cessos de aproximação e interação entre as culturas ali apresen-
tadas. Para Moreira e Candau (2008), a problemática da escola
consiste:
A escola sempre teve dificuldades em lidar com a
pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neu-
tralizá-las. Sente-se mais confortável com a homoge-

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neização e a padronização. No entanto, abrir espaços


para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de
culturas constitui o grande desafio que está chamada a
enfrentar. (MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 16).

Uma vez que considera a pluralidade e a diferença,


a escola abre espaço para uma perspectiva mais democrática
de educação, pela afirmação, respeito, inclusão e inter-relação
das diferentes culturas. Segundo Fleuri (2011), tais relações
produzem mudanças em cada indivíduo, favorecendo a cons-
ciência de si e reforçando a sua própria identidade. Sobretudo,
promovem mudanças estruturais nas relações entre grupos.
Neste contexto, estereótipos e preconceitos - legitimadores de
relações de sujeição ou de exclusão - são questionados, e até
mesmo superados, na medida em que sujeitos diferentes se re-
conhecem a partir de seus contextos, de suas histórias e de suas
opções. A educação intercultural, segundo o autor, tem como
principal finalidade promover ao término deste processo o que
ele caracteriza como “transitividade cognitiva”:
No processo ambivalente da relação intercultural, é
totalmente imprevisível seu desdobramento ou resul-
tado final. Trata-se de verificar se ocorre, ou não, a
“transitividade cognitiva”, ou seja, a interação cultu-
ral que produz efeitos na própria matriz cognitiva do
sujeito; o que constitui uma particular oportunidade
de crescimento da cultura pessoal de cada um, assim
como de mudança das relações sociais, na perspecti-
va de mudar tudo aquilo que impede a construção de
uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária.
(FLEURI, 2011, p. 54).

Em suma, a perspectiva intercultural de educação, en-


fim, implica em mudanças profundas na prática educativa, de
modo particular na escola para assim influenciar nos processos
de aceitação do outro, reconhecimento das diferenças e respei-
to a elas. Pela necessidade de oferecer oportunidades educa-
tivas a todos, respeitando e integrando a diversidade social e
cultural dos sujeitos, homens e mulheres, negros e brancos,

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cristãos e ateus, ricos e pobres, bem como, de seus contextos


sociais. Assim, é de suma relevância elaborar estratégias que
objetivem amenizar a complexidade das relações humanas en-
tre indivíduos e culturas diferentes, promover processos edu-
cativos em que homens e mulheres possam ser reconhecidos e
valorizados. Valorizar e potencializar o respeito as diferenças
pode de algum modo indicar uma possibilidade de superação
das expressões machistas e consequentemente promoção do
empoderamento das mulheres.
Assim, discutir e refletir a proposta da educação inter-
cultural com base nas leituras Freireanas é fundamental para
compreendermos a necessidade em estabelecer junto ao siste-
ma de ensino um modelo de educação humanitário que valo-
rize e respeite as diferenças, reconhecendo no outro um sujeito
cultural de direito independente do meio em que está inserido.
Todo ato educativo depende, em grande parte, das
características, interesses e possibilidades dos sujeitos partici-
pantes, alunos, professores, comunidades escolares e demais
envolvidos neste processo.
Conclusões
Diante deste processo torna-se imprescindível a pro-
posta de educação intercultural, no sentido respeitar e consi-
derar o outro em sua essência, porque na medida em que o
educador potencializa, valoriza e preserva a cultura de seus
educandos ele acaba estimulando o respeito e a aceitação da
diversidade e das diferenças culturais, preservando identida-
des e forjando outras. Lutar pela preservação das culturas, dos
potenciais de cada uma, é lutar pelo respeito e igualdade entre
homem e mulher, lutar pela sobrevivência da humanidade. Daí
a necessidade de romper com a visão errônea sobre a intercul-
turalidade (a qual esteja voltada para a promoção de uma edu-
cação voltada para o outro de tal forma que ele possa aprender
o que eu sei, para poder conversar comigo, do meu ponto de
vista). Na realidade a interculturalidade é muito mais do que

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isso. Em primeiro lugar, é o reconhecimento do outro e da sua


cultura como produtores autônomos significativos de conheci-
mento, de autonomia própria.
A grande riqueza desta relação intercultural se confi-
gura na interação com o outro, ao buscar compreender o outro
em profundidade, colocando em cheque a própria estrutura do
meu pensamento, do meu modo de viver, não no singular, mas
no plural, em reciprocidade e construção com o outro. Nes-
ta perspectiva, as mulheres merecem espaço na sociedade, ela
aprende com o homem de tal forma que este também pode
aprender com ela, independente de fatores biológicos ambos,
na relação social, são capazes de ensinar e aprender algo. Não
somente o homem pela sua força física e/ou a mulher por sua
maior sensibilidade podem ter mais ou menos direitos, podem
ser mais ou menos capazes, ambos devem ter os mesmos direi-
tos, pois antes de nascer homem e/ou mulher, são seres huma-
nos constituídos de direitos sociais, os quais podem expressar-
-se da forma como julgarem ser a melhor para eles. Infelizmen-
te a nossa sociedade é machista, e por ter essa característica
ela acaba por promover o preconceito e exclusão daquilo que
julga ser o ideal de homem e mulher, quando na verdade essa
precisa despertar sua visão e reconhecer a existência dos dife-
rentes sujeitos sociais os quais vão se constituindo na própria
relação com o meio. A mulher não e mulher simplesmente por
fatores biológicos, mas ela se torna mulher a medida que vai se
relacionando com o outro, no dia-a-dia das relações sociais, e a
reciproca é valida para os homens.
É de suma importância desconstruir os estereótipos e
estigmatização que o sistema acaba construindo sobre a figura
da mulher na sociedade. Lisboa (2007) retoma a discussão res-
saltando que o empoderamento neste caso é um processo pelo
qual pessoas, organizações sociais ou comunidades criam o seu
próprio espaço vital, tanto social como ecológico, e a partir dele
aprendem a lidar criativamente com situações problemas e em
função de suas necessidades básicas; o enfoque é centrado na

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força e na capacidade das pessoas de descobrir e desenvolver


suas capacidades para vencer e superar seus problemas tanto
individuais como sócio estruturais.
Discutir e refletir o estudo de gênero, bem como os
fatores da invisibilidade e empoderamento retratados nas de-
sigualdades sociais que atingem a mulher é fundamental para
compreendermos como elas foram estabelecendo para si novos
comportamentos, padrões e costumes rompendo com o “ser
mulher” constituído e determinado durante a sociedade pas-
sada, ou seja, para muitas destas mulheres hoje o “ser mulher”
não faz referência ao cuidado do lar, mas na sua independência
financeira, autonomia, liberdade de expressão, emancipação
social.
Para alcançar tal finalidade é preciso ter a clareza de
que muitos discursos de dominação apresentados pelo siste-
ma, os quais estão enraizados, precisam ser desnaturalizados
de modo a contribuir com a política de empoderamento destas
mulheres e consequentemente com a superação do machismo.
Desse modo, a educação se dá na coletividade, mas não perde
de vista o indivíduo que é singular (contextual, histórico, par-
ticular, cultural, complexo). Neste sentido, é urgente romper
com o saber cientifico enraizado nas escolas, além de traba-
lhar o conhecimento cientifico o professor precisa trabalhar a
condição humana de seus alunos, sua identidade e cultura. A
educação não deve esta voltada somente para o preparo ao tra-
balho, ela deve, a priori, preparar os indivíduos para o convívio
social respeitando e valorizando as diferenças.

Referências

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do poder feminino. Ex aequo,  Vila Franca de Xira,  n.
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MEMÓRIAS DAS MUSAS AMAZÔNICAS

ARAÚJO, Maria Isabel de 1


SILVA, Luzarina Varela da2
Introdução
O Município de Careiro da Várzea está localizado
a margem direita do encontro d’águas, na confluência dos
rios Negro e Solimões, formadores do rio Amazonas. É uma
ilha fluvial com área de planície e extensão aproximada de
2. 700,000 km2, com 95% da área inundada com predominân-
cia de floresta de várzea, contemplado em três habitat: terra,
floresta e água, formando diversos ecossistemas que interagem
com as populações ribeirinhas, guardiões das florestas e dos
rios que refletem no modo de vida ao exercerem suas ativida-
des econômicas como a agricultura, a pesca e a criação de pe-
quenos animais. O município foi criado pela lei n° 1.828 de 30
de dezembro de 1987, limita-se com o município de Manaus,
Manaquiri, Autazes, Itacoatiara, Careiro Castanho e Iranduba.
Neste espaço geográfico localizamos o Paraná de Ter-
ra Nova (Figura 1), localizado ao norte do município do Carei-
ro da Várzea, liga-se ao rio Solimões-Amazonas, cuja influên-
cia sazonal dos fenômenos naturais de enchente, cheia, vazante
e seca, ocorrem todos os anos em diversas áreas da Amazônia,
interferindo diretamente na vida de quem mora às margens
dos rios, cujos habitantes ribeirinhos aprenderam a viver e
conviver com a dinâmica do fenômeno e o de terra caída. Em
meados do mês de junho com inicio do período da vazante,
1 MBA em Meio Ambiente; Esp. Educação Ambiental. miar@terra.
com.br
2 Ativista social. MUSAS. luzarinav920@gmail.com

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que vai até meados do mês de dezembro, no restante do ano


presenciamos a subida das águas, conhecida como época das
cheias.

Figura 1: Paraná de Terra Nova.


Fonte: Acervo de SOUSA, S. G. A. 2015.

Nesta relação de convivência as margens do Paraná de


Terra Nova destaca-se a ativista social Luzarina Varela da Silva,
nascida em 1960, na comunidade N. S. do Perpetuo Socorro,
terceira filha de uma família de seis filhos (a), cresceu no conví-
vio com a enchente/vazante do rio, a floresta, o quintal frutífe-
ro, a pesca, a divisão do trabalho no roçado, nos ajuris da fari-
nhada, nas novenas e festas na comunidade, que contribuíram
na formação social, econômica e ambiental da musa Luzarina.
Conviveu Luzarina (Figura 2) assim, diante desta for-
ma de produção e modo de vida, com múltiplas identidades,
segregadas e hierarquizadas no caráter familiar pela divisão
sexual do trabalho no sistema agroextrativista, marcadas na
desvalorização histórica das tarefas da mulher ribeirinha, li-
mitadas pelas relações de poder impostas pelos padrões sociais

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e políticos, não reconhecendo que estas exercem um regime


de tripla jornada de trabalho, cuidando dos afazeres domésti-
cos, da família, produzindo no quintal, colhendo a roça, outras
vezes doando sua força de trabalho como cozinheira, lavadei-
ra... não assalariada nos ajuris das farinhadas, nas construções
familiar, nas festas... de forma anônima e silenciosa para ali-
mentar a família e a comunidade, cujas atividades sequer são
reconhecidas como trabalho, apenas considerada como “ajuda”
cuja participação (invisível) não é valorizada aos olhos dos que
garantem a reprodução agroalimentar e o progresso da família.

Figura 2: Momentos de Luzarina V. Silva.


Fonte: Acervo de SILVA, Luzarina Varela da. (s/d)

O lócus de investigação desta pesquisa é o espaço


agrícola da comunidade rural-urbana circunscrito pelos mu-
nicípios Careiro da Várzea e Manaus, tendo em vista o desloca-
mento da musa Luzarina nestes espaços, impactando aspectos
em sua vida cultural, bem como indenitários, construídos his-
toricamente a partir da relação social, do contato intercultural
promovido pelo descolamento entre os municípios, reverten-

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do à invisibilidade destas mulheres, por ela aqui representada,


através do modo de vida, sentimento, cor, palavras, gestos e
movimento a essas mulheres que se encontram esquecidas e
invisíveis a margem da história.
Com isso busca-se elucidar o processo de participa-
ção da musa Luzarina, cuja construção de mulher cidadã ocor-
re com sua inserção no contexto social e político na década
de 80, com base nos princípios e práticas da educação popular
alicerçado no Método Paulo Freire, que vai além da simples
alfabetização, propõe e estimula a inserção do adulto iletrado
no contexto social e político, na sua realidade, promovendo o
despertar para a cidadania plena e transformação social.
Neste contexto do espaço agrícola da comunidade ru-
ral (Figura 3) e sua militância no espaço urbano, que antes era
um lugar sofrido em face às circunstâncias da localidade, mais
um espaço de muita felicidade familiar, transformando-o den-
tro de si em algo positivo, de conquista, liberdade, segurança,
autonomia e qualidade de vida para si e a comunidade, desta-
cando a convivência de relações mais justas, entre mulheres e
homens, não apenas no trabalho na terra, mas como guardiãs
das sementes, ervas medicinais, variedades de criação animal,
no acesso a água, no roçado, nas conversas sob as árvores do
quintal e na segurança alimentar.

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Figura 3: Área rural de Terra Nova.


Fonte: Acervo de ARAÚJO, M. I. 2015.

Desenvolvimento
Apresenta o estado do Amazonas graves problemas
sociais, nas mais diversas áreas da vida e do cotidiano popula-
cional, uma região com alto índice de violação dos direitos hu-
manos das mulheres, crianças que são exploradas sexualmen-
te, trabalho infantil, violência doméstica e familiar, tráfico de
mulheres e crianças, racismo, desemprego, preconceitos éticos,
ameaças e homicídios, corroborando com isso, a prática dos
grupos políticos que protagonizam os espaços institucionais da
política do estado assim, as mulheres no Amazonas vão sobre-
vivendo quando não morrem pelas mãos dos seus maridos ou
companheiros.
É uma cultura de subserviência, demonstrada de ma-
neira clara no poder patriarcal, pautada numa dependência
econômica e social, o pai é o chefe do lar e responsável pelo
sustento da família, e a mãe, submissa, cuida da casa, dos filhos

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e do marido, a este devendo obediência, vítimas de uma men-


talidade conservadora e tradicional e quase sempre da sujeição
masculina.
A maneira como a mulher é tratada neste contexto ex-
pressa um conjunto de relações sociais estabelecidas que, por
sua vez, pressupõe construções simbólicas componentes da re-
produção social, considerando as origens e história de luta das
mulheres amazônicas, a passos lentos e graduais de conquistas
no espaço social, econômico e políticos, nas últimas décadas,
pequenos, mas fundamentais para a consolidação do processo
histórico e cultural da mulher ao lado do homem com as mes-
mas possibilidades de ser na sociedade.
São várias as mulheres que apoiam o coletivo das
MUSAS. Sem querer esquecer nenhuma delas, pois suas histó-
rias de vida, contribuição, participação e ajuda no coletivo das
MUSAS é sempre bem-vinda, neste trabalho iremos destacar
aquela com quem mais tempo passamos no transcurso desta
pesquisa.
Da infância Luzarina guarda boas lembranças, das
bonecas de pano fabricadas pela avó, única menina da casa,
o pai trabalhando no barco de pesca, a mãe na lida do roça-
do, capinando, plantando e colhendo legumes, verduras, grãos
feijão e milho. Ainda lembra que nas farinhadas, as famílias
se reuniam em forma de ajuri, (reunião coletiva com objetivos
de ajuda mútua) cada semana era escolhida uma família para
se fazer a farinha, era uma festa..., lembra também que todos
ajudavam quando as mulheres pariam, uma cuidava da outra,
que trocavam farinha por peixe e outros alimentos... Boas lem-
branças!
Contudo, aos cinco anos o vento que vêm da floresta
faz um rebojo em seu destino, trocando subitamente as bone-
cas de pano, pela boneca viva, sua irmã. Em face da ausência
do pai, sua mãe ainda de resguardo foi para o roçado e Luzari-
na passou a cuidar da casa, da irmã e ainda estudava. Comenta
Luzarina que:

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Acordávamos às cinco da manhã para molhar as plan-


tas, isso era todos os dias no verão, com baldes de cuia
na mão íamos até a beira do rio, subindo e descendo
o barranco para aguar as plantas da roça, tirávamos o
mato, somente quando terminávamos era que íamos
tomar o café da manhã com batata doce, cara, jeri-
mum ou macaxeira cozida, ora feito mingau ou cozi-
dos). (SILVA, L. 2015).

Assim, foi à lide da pequena Luzarina, corroborando


Scherer (2011, p. 288. Apud: SIMONIAN, 2011):
Quando completou dez anos, sua professora de cate-
cismo sugeriu aos seus pais a possibilidade de conti-
nuar seus estudos na capital, morando em uma casa
de família, como era muito comum ocorrer com as
meninas/adolescentes das áreas rurais da Amazônia.
As jovens vinham para a casa das famílias urbanas,
em geral, para serem babás. Em troca, teriam comi-
da, roupa e estudos assegurados. Ser filha de criação,
poucas se davam conta; à época, escondia, muitas ve-
zes, uma dura realidade. (SCHERER, 2011, p. 288).

É a partir da adolescência que Luzarina enfrenta si-


tuações inesperadas, com a partida do patrão para o Rio de
Janeiro, e o despontar da Zona Franca de Manaus, aliada a
sua expectativa de trabalhar em uma fábrica do Distrito In-
dustrial (DI) com carteira assinada e salário mínimo assegu-
rado, era o sonho da jovem. Aos 14 anos, abandona os estu-
dos e passa a trabalhar na escala do turno da noite. Casou-se
na maturidade, a maternidade obrigou-a escolher pela vida
doméstica, todavia, acostumada a ter seu próprio numerário,
aos pouco seu casamento em crise, não resistiu, separada,
mãe de quatro crianças, coloca-os à guarda dos avós na co-
munidade materna, retornando a capital para trabalhar no
DI, alterando desta feita o curso do vento florestal-terral em
sua vida mais, que muito contribui na formação do seu cará-
ter, dos princípios éticos e morais, importantes para sua for-
mação político-social.

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Sua formação política, no entanto começou bem an-


tes, segundo relata:
[...] Eu morava aqui em Manaus, mas todo final de
mês eu ia pro interior, onde nasci, na Terra Nova, no
Careiro da Várzea, e lá o padre vendeu uns livrinhos
pra nós, do dom Evaristo Arns. Eu me lembro: Igreja,
Fé e Política. E a partir da leitura que eu fiz daquele
livro eu comecei a comparar a realidade da gente e de
dentro da fábrica. Em seguida, os companheiros que
faziam um curso a noite no SENAI, curso de técnico,
de ferramenteiro, conheceram o pessoal da oposição
sindical metalúrgica na época e eles já vieram cheios
de energias e trazer informações pra gente. (SILVA,
L. 2015).

Nessa relação de convivência pode-se compreendê-la


como exercício de superação ao patriarcalismo, visto que a re-
gião amazônica que sempre despertou interesses econômicos
e políticos, aliado ao desenvolvimento regional com a imple-
mentação de megaprojetos que atendem aos interesses do ca-
pital financeiro, contrapondo-se aos interesses das populações
locais e particularidades regionais, sendo estes criados de fora
para dentro, desconsiderando a dinâmica sociocultural da re-
gião.
Não houve um processo de convencimento, a vivência
na fábrica foi sua conscientização diante da superexploração do
trabalho na qual as operarias eram submetidas e na observação
das péssimas condições de trabalho oferecidas pela empresa.
Neste interim, a operária da fábrica EVADIN, ganha
respeito ao reivindicar direitos ao lazer esportivo para as ope-
rarias da fábrica, retorna aos estudos na modalidade Educa-
ção de Jovens e Adultos, método inovador teorizado por Paulo
Freire, que propõe uma alfabetização voltada para conscienti-
zação, desenvolvido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), que oferecia cursos profissionalizantes aos
operários das fábricas apoiados pela Pastoral Operária, ligada
à CNBB - Norte I, que já se expandia com o trabalho político-
-pastoral em Manaus.

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Embasa na teoria Freireana, a Educação Popular neste


período inicia seu pensar a partir da Educação Comunitária,
que seria estendida às comunidades populares, preocupado
com os indivíduos analfabetos que chegaram à fase adulta.
Propondo esta metodologia à utilização de palavra
com significado para a comunidade, de modo a auxiliar ho-
mens e mulheres a tornarem-se pessoas críticas, emitindo juí-
zo sobre suas descobertas linguísticas.
Junto à alfabetização, o educador sugere crítica à cha-
mada “educação bancária”, aquela voltada para o depósito de
informações e conhecimentos dos “dominantes” aos “domina-
dos”, constituindo-se, assim, a classe dos que sabem e daqueles
que não sabem e precisam saber. Neste caso os sujeitos de clas-
se social menos favorecida.
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma
doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada
saber. Doação que se funda numa das manifestações
instrumentais da ideologia da opressão - absolutiza-
ção da ignorância, que constitui o que chamamos de
alienação da ignorância, segundo a qual está se en-
contra sempre no outro (FREIRE, 1986, p. 58).

O método Paulo Freire e suas concepções de educar-


-se mediatizado pelo mundo se espraiam junto a mobilização
de movimentos populares e sociais, criando uma realidade de
resistência à educação tradicional, afirmando que: “Ninguém
educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p.
68). Segundo Guerreiro e Santos (2014, p. 10).
A concepção Freireana procura explicitar que não há
conhecimento pronto e acabado. Ele está sempre em
construção. Aprendemos ao longo da vida e a partir
das experiências anteriores, o que faz cair por terra
a tese de que alguém está totalmente pronto para en-
sinar e alguém está “totalmente” pronto para receber
esse conhecimento, como uma transferência bancá-
ria. Esse caráter político, libertador, conscientizador é

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o diferencial da metodologia de Paulo Freire dos de-


mais métodos de alfabetização. (GUERREIRO; SAN-
TOS (2014, p. 10)).

Foi através das discussões realizadas na Pastoral Ope-


rária que surgem diferentes modos de pensar, a consciência
adquirida nas formações auxiliou-a muito no processo de luta
pelos direitos dos trabalhadores enquanto classe social.
Corroborando REIS FILHO (2016).
Este foi o trabalho valioso da Pastoral Operária. O
mérito desta Organização é incontestável, por meio
dela os operários alcançaram um nível de consciência
incomensurável. Os trabalhadores consideravam-no
suspeito. Por isso tinha que ter muito cuidado, as pes-
soas ficavam temerosas porque nem todos se conhe-
ciam. “Era uma coisa muito maluca quando se virava
militante. Eu, pelo menos, cansei de abençoar os meus
filhos porque imaginava que nunca mais ia vê-los.
Mas a gente sabia que tinha que fazer aquilo [Choro].
Ser operário nessa época era ter consciência.” (Luzari-
na Varela, entrevista/2011. REIS FILHO, 2016. p. 13).

Essa narrativa elucida o compromisso e a seriedade


com que os operários encaravam a luta como sujeito político
em meio à depreciação moral. Segundo relato de Luzarina:
No Distrito conheci a turma do PCdoB, operários
clandestino, expressando um forte sentimento oposi-
cionista frente ao regime militar, ser militante na clan-
destinidade impunha regras difíceis de militância, os
trabalhadores criavam suas próprias estratégias ten-
tando despistar o poder fabril. Anos depois conheci a
turma pro PT e o sonho deles era derrubar a ditadura,
fundar um partido, ganhar o governo e sair alfabeti-
zando todos os analfabetos com o método Freireano.
Isso não acontece mais já no sindicato na CUT as for-
mações que recebíamos e depois passamos era no mé-
todo Freireano com troca de saberes e o saber ouvir.
Com a implantação do Projeto TALHER (Fome Zero)
que depois virou RECID, Rede de Educação Cidadã

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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eu me aperfeiçoei como educadora popular sobre


economia solidária, direito das mulheres, lei 11.340,
igualdade de gênero e até hoje é o método que usamos
(SILVA, L. 2015).

A partir dos anos 1980 se lançou nas ações de comba-


te à violência doméstica, apreendeu gênero, classe e raça/etnia
como eixos basilares que estruturam nossa sociedade, como
contradições que não operam de forma isolada, tornando a
realidade muito mais complexa, realidade cuja transformação
requer táticas e estratégias de lutas mais amplas e igualmente
complexas.
Luzarina participava dos movimentos políticos com
sugestões e incentivo às operárias para que se associarem ao
Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Eletrônicas e Meta-
lúrgicas desde os anos de 1980, sendo a primeira mulher eleita
cipeira cumprindo seu papel de fiscalizadora nas condições de
segurança do trabalho na Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes – CIPA/DRT, do Ministério do Trabalho.
Em 1984, Luzarina e sua prole já estavam morando
no bairro da Compensa com uma amiga metalúrgica.
A família era grande, tipicamente operária. Na Com-
pensa, emergiam muitas lutas: movimento pela terra
e pela moradia. Nesse tempo histórico, a mobilização
da oposição sindical metalúrgica já se consolidava, es-
tava conectada com as lutas desencadeadas no Sindi-
cato dos Metalúrgicos do ABC paulista. Era o período
da abertura e da mobilização política e das Diretas-Já.
(SCHERER, 2011, p. 292).

Com aspirações socialistas, tinha consciência do in-


cômodo que causava, vivia ladeada por militantes do Partido
Comunista do Brasil (PC do B) e por militantes do Partido do
Trabalhador (PT) que, sendo mulher numa sociedade (machis-
ta) de classes não era vista inicialmente com grande aceitação.
Eram ainda incipientes os movimentos feministas na capital
Manauara, condição feminina na perspectiva da transforma-
ção social.

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Conclusões
Como podemos perceber a metodologia Freireana de
Educação Popular, apresenta características marcantes no con-
texto sociocultural vivenciado por Luzarina Varela, pois acre-
ditamos que estes foram fundamentais na configuração de seu
caráter.
Por fim, cremos que os resultados obtidos nesta pes-
quisa, além de serem importantes para o entendimento da
dimensão relacional de sua construção social e cultural, bem
como nas diferenças sexuais de relações de gênero, onde a di-
visão social é mais importante do que a sexual, marcada por
diversos momentos e fatos históricos marcantes, sendo rele-
vantes para uma melhor compreensão do conceito de classe
como um todo, garantindo o lugar outrora hegemônico e agora
compartilhado na divisão social, interligados nas questões da
maternidade e da crítica ao patriarcado.
Essas dimensões (e certamente outras, não sistema-
tizadas aqui) indicam, portanto, que estas teorias reabilitaram
o conhecimento concreto, a experiência vivida, e reconhece a
diversidade do multiculturalismo, situados nas representações
de raça, gênero e classe, como sendo resultado das diversas lu-
tas sociais sobre os signos e suas significações, privilegiando-se
nas transformações das relações sociais, culturais e institucio-
nais nas quais estes significados são gerados.
Acredita-se ainda, que a cultura não pode ser vista
como espaço sem conflitos, e que a diferença deve ser afirmada
no contexto de uma política que assuma uma postura crítica e
que esteja comprometida a justiça social.
Assim, a atuação da musa Luzarina nos mais diversos
movimentos na Amazônia pode ser vista a partir do questio-
namento ao modelo de desenvolvimento em curso na região e
da luta pelo acesso aos diferentes componentes do desenvolvi-
mento – saúde, educação, oportunidades econômicas, direitos
e participação política – em dinâmicas plurais, que as colocam
como agente ativa de mudanças.

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O PAPEL EMANCIPATÓRIO DOS


MOVIMENTOS SOCIAIS FEMINISTAS PARA
AS MULHERES AMAZONENSES

DANTAS, Caroline Brandão1


NASCIMENTO, Thaynara Reis do2
LAUSCHNER, Mirella Cristina Xavier Gomes da Silva3
Introdução
Hodiernamente, as mulheres galgaram posições antes
impensáveis no mercado de trabalho e no tocante a seus direi-
tos civis e políticos. Entretanto, para conquistar esses direitos
foram necessárias diversas movimentações por parte das mu-
lheres, que gradativamente legitimaram suas conquistas, tor-
nando-se protagonistas de diversos movimentos feministas, e/
ou de lutas sociais por políticas públicas. Faz-se necessário um
resgate histórico do legado deixado pelos movimentos femi-
nistas brasileiros, dando ênfase ao estado do Amazonas e sua
especificidade.
No presente estudo, tomamos com referência as co-
locações de Nogueira (1996), que entende o movimento femi-
nista como um movimento social. Conforme Oliveira (1969,
p. 424 apud Nogueira 1996, p. 150), o feminismo pode ser dito
como “um movimento social cuja finalidade é a equiparação
1 Estudante de graduação. UFAM - Universidade Federal do Amazonas.
Email: carol.dantas.brandao@gmail.com
2 Estudante de graduação. UFAM - Universidade Federal do Amazonas.
Email: thaynaranascimento20@gmail.com
3 Orientadora do trabalho. Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade
na Amazônia. Docente da UFAM - Universidade Federal do Amazonas.
Email: mirellalauschner@yahoo.com.br

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dos sexos relativamente ao exercício dos direitos cívicos e po-


líticos”.
As mulheres tem se organizado em movimentos rei-
vindicatórios por seus direitos e por lutas mais gerais, desde
tempos longínquos. Contudo, suas lutas se tornam mais de-
lineadas a partir do século XIX, em consonância com Gohn
(2010, p. 95), “a luta das mulheres para se constituírem como
sujeitos históricos datam de vários séculos”. Assim, para con-
seguir romper com a capa de invisibilidade que cercava as mu-
lheres foi necessária muita luta, e que exigiu um alto preço a
elas.
Destacamos como momento decisivo, as décadas de
1970-1980, na qual se consolida o movimento feminista no
Brasil, em meio a um momento paradoxal, pois, além de suas
pautas ligadas diretamente as mulheres, também endossou as
bandeiras de lutas dos movimentos contra a ditadura que vigia
no país, enfrentando, inclusive resistências dentro desses mo-
vimentos libertários. Pois, de acordo com Silva (2004, p. 94)
“no Brasil o feminismo como movimento social (...) só ganha
visibilidade a partir de 1980 a 1985 quando teve sua importân-
cia redimensionada no Brasil. Isto porque começava a institu-
cionalizar-se e também a difundir-se na cultura de massas”.
Metodologia
Este estudo assumiu a abordagem qualitativa, de revi-
são bibliográfica, sendo resultado de pesquisa em andamento
acerca dos movimentos sociais amazonenses, dispondo de au-
tores pertinentes ao tema problematizado.
Breve histórico do movimento feminista no Brasil
Os movimentos feministas remontam a Inglaterra do
século XIX, espraiando-se por outros países centrais, alcan-
çando posteriormente o Brasil, onde as primeiras mulheres a
liderar estes movimentos, buscavam conquistar o direito ao
voto, algo que até então, era vetado às mulheres. Este momen-

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to histórico é designado por alguns estudiosos do movimento


feminista, como feminismo de primeira onda ou de primeira
vaga (PINTO, 2003).
No Brasil, o movimento feminista, teve início em
meados do século XIX, primeiramente com ações isoladas de
mulheres que visavam angariar o direito ao voto e a educação
formal, com ações pontuais e isoladas. Contudo, no ano de
1922, foi fundada de fato a primeira organização formal que
congregava mulheres dispostas à defesa das causas que já vi-
nham sendo discutidas por movimentos em países europeus e
nos Estados Unidos. Nascia então, a Federação Brasileira para
o Progresso Feminino (FBPF), que teve como principal
expoente Bertha Lutz, contando com grande reconhecimento
por parte do Estado, e também com mulheres oriundas de clas-
ses sociais mais abastadas.
É interessante ressaltar as pontuações de Pinto (2003),
ao mostrar que na primeira onda feminista brasileira, é pos-
sível distinguir dois “movimentos” distintos, um por ela inti-
tulado de “comportado” e outro “malcomportado”, sendo este
último dedicado a denunciar as opressões e violências sofridas
pelas mulheres, e seu papel na sociedade, contudo, não encon-
trou muito eco entre as feministas.
No entanto, a partir da década de 1950-1960, teve iní-
cio um movimento na sociedade de retorno das mulheres ao
lar, como donas-de-casa, confinando-as ao âmbito privado, de
acordo com Friedan (1971), este foi um movimento orquestra-
do, que buscava vender um padrão de vida american way life.
Contudo, em meados dos anos 1960, houve uma série de ma-
nifestações, inicialmente estudantis, visando repudiar a guerra
do Vietnã, que se desenvolveram na Europa, Estados Unidos e
na América Latina, que ficaram conhecidas como o maio fran-
cês.
Fora de suma importância a ocorrência destas mani-
festações, pois, a partir delas surgiram outros movimentos pro-
gressistas, como o dos negros e os feministas. Esses movimen-

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tos ajudaram a promover uma revolução nos costumes e na


cultura, que acabaram por proporcionar uma maior abertura
ao reconhecimento dos direitos femininos, conforme Montaño
e Duriguetto (2011, p. 259), “as reivindicações (...) do movi-
mento feminista como o direito ao divórcio, à legalização do
aborto, entre outros, encontraram reconhecimento legal, rápi-
da ou lentamente, em inúmeros países”.
A década de 1960 até meados dos anos 1980 foi a épo-
ca que ficou conhecida como feminismo de segunda vaga, ou
de segunda onda. Esse período teve como singularidade, as
formas de divulgação de suas ideias no Brasil, conforme Pedro
(2012, p. 241), “o feminismo de “Segunda Onda” adotou, em
seus primeiros tempos, uma metodologia revolucionária de
divulgação de suas ideias: os grupos de consciência, também
chamados de grupos de reflexão”.
O terceiro momento vivenciado pelos movimentos fe-
ministas, engendrado a partir da década de 1990, é designado
como feminismo difuso. Esse momento apresenta como singu-
laridade, o arrefecimento do movimento combativo, tal como
existia nas duas décadas anteriores. Esse momento também é
singular, porque houve uma série de conquistas alcançadas e
já consolidadas, o que acabou ocasionando o desinteresse das
jovens.
Com a identificação dos diferentes momentos do
movimento feminista no Brasil, que acompanhou os aconteci-
mentos mundiais, embora, com algumas ressalvas, porquanto
o país atravessou um período de Ditadura Militar que perdu-
rou por 21 anos, é possível estabelecer aqueles que ocorreram
no Amazonas. Dessa forma, buscamos destacar as peculiari-
dades das movimentações femininas no estado, e apontar as
divergências em relação ao movimento acontecido no país.

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A década de 1970-1980: um momento importante para


o florescimento dos movimentos sociais no Brasil e no
Amazonas – a transição democrática
As décadas de 1970 a 1980 foram décadas movidas
por grandes mobilizações geradas pelas lutas de classes, no-
vos sujeitos sociopolíticos e culturais entram na cena política
em busca de mudanças sociais. A presença dos movimentos
sociais no Brasil é uma constante na história política do país,
como movimentos desse período podemos citar como exem-
plo os movimentos contra violência aos cidadãos localizados
nas regiões Sul e Sudeste do país, estes lutavam pela defesa dos
direitos humanos e tiveram papel importante desde a luta pela
Anistia (GOHN, 2010).
Embora o seminal do feminismo seja influenciado
pelas experiências dos movimentos europeus e norte-ameri-
cano, no Brasil esse movimento feminista efervesceu nos anos
de 1970, por intermédio das camadas médias que logo depois
se expandiu para as camadas populares, tais camadas contesta-
vam a ordem política instituída no país.
Essa atuação conjunta marcou o movimento de mu-
lheres no Brasil e deu-lhe coloração própria. Envol-
veu, em primeiro lugar, uma delicada relação com a
igreja católica, importante oposição ao regime militar.
As organizações femininas de bairro ganham força
como parte do trabalho pastoral inspirado na Teolo-
gia da Libertação. Isso colocou os grupos feministas
em permanente enfrentamento com a Igreja na busca
de hegemonia dentro dos grupos populares. O tom
predominante, entretanto, foi o de uma política de
alianças entre o feminismo, que buscava explicitar as
questões de gênero, os grupos de esquerda e da Igreja
Católica, todos navegando contra a corrente do regi-
me militar (SARTI, 2004, p. 40).

Dentro desse bojo, os grupos feministas tiveram sua


origem social como militantes nas camadas médias e intelec-
tualizadas. O objetivo era transformar a sociedade como um

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todo, eles atuaram nas organizações de bairro, tornando-as


próprias do movimento geral das mulheres brasileiras. Segun-
do Sarti (2004) partes expressivas dos grupos feministas por
influência das teorias de Karl Marx se organizavam contra o
golpe militar de 1964, isso imprimiu características próprias ao
movimento feminino.
A década de 1970 foi marcada pela participação das
mulheres nos movimentos sociais, em especial nos movimen-
tos políticos. Tal inserção política ocorreu devido às violências
cometidas contra a mulher; os assassinatos cometidos por es-
posos e companheiros e a dominação sexista existente, ou seja,
a luta era contra os limites repressivos impostos no contexto da
ditadura militar, os quais impulsionaram as mesmas a lutar por
visibilidade nos espaços políticos.
(...) Sabemos que as lutas das mulheres para se cons-
tituírem como sujeitos históricos datam de vários sé-
culo. Pesquisas têm destacado o papel das mulheres
desde sociedades antigas e primitivas. Mas foi com o
feminismo que elas geraram uma visibilidade pública,
formaram um coletivo (...) (GOHN, 2010, p. 95).

Apesar de tímida, a atuação das mulheres ocorreu em


todos os âmbitos dos movimentos sociais no Brasil, no entanto
na literatura brasileira as reivindicações feministas são reco-
nhecidas exclusivamente ligadas à esfera da reprodução.
O movimento de mulheres é mais numeroso, mas qua-
se invisível enquanto movimento de ou das mulheres.
O que aparece ou tem visibilidade social e política é a
demanda da qual são portadoras- creches, vagas ou
melhorias de escola, postos e equipamentos de saú-
de etc. São demandas que atingem toda a população,
e todos os sexos, mas têm sido protagonizadas pelas
mulheres. Na área educacional formal, por exemplo,
principalmente no Ensino Fundamental, pesquisas e
estatísticas têm apresentado, há anos, a predominân-
cia das mulheres. Mas quando falamos do movimento
docente- nas escolas ou sindicatos e associações da
categoria, a mulher não tem visibilidade, embora na

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área da educação a presença das mulheres é ainda he-


gemônica (...) (GOHN, 2010, p.91).

Apesar do cerceamento dos direitos democráticos na


década de 1970, as mulheres se organizaram no país contra a
ditadura militar, violências doméstica e sexual e a supremacia
masculina, como também reivindicava a especificação de seu
movimento, enquanto categoria feminista, excluindo a subor-
dinação às lutas gerais da população brasileira. “(...) A autode-
nominação feminista implicava, já nos ano 1970, a convicção
de que os problemas específicos da mulher não seriam resol-
vidos apenas pela mudança na estrutura social, mas exigiam
tratamento próprio” (BANDEIRA, 2010, p.40).
No âmbito da vida política nacional, ainda nos anos
70, podemos destacar como primeiro fato importante na luta
do movimento feminista, o cargo ocupado por Eunice Michiles
como a primeira mulher a ocupar uma cadeira no Senado Fe-
deral representando o Estado do Amazonas, esta assumiu após
o falecimento do senador João Bosco de Lima, da Arena do
Amazonas, de quem era suplente.
Como resultado da difusão do pensamento feminis-
ta, baseado na repercussão da leitura dos livros de
Simone de Beauvoir (1910-1986) - O segundo Sexo
(1949) – e de Betty Friedman (1921-2006) – A Mís-
tica feminina (1963), as mulheres ganharam as ruas
para entoar as palavras de ordem Nosso Corpo nos
Pertence e o Privado também é político, uma crítica
radical à condição do ser mulher. Essa intensa mobili-
zação levou a Organização das Nações Unidas (ONU)
a realizar, em 1975, a Conferência Internacional sobre
a Mulher, proclamando este o Ano de Internacional
da Mulher (BANDEIRA, 2010, p. 25).

Em 1975, no Rio de Janeiro foi organizado sob pa-


trocínio da Organização das Nações Unidas (ONU) e da As-
sociação Brasileira de Imprensa (ABI) o Seminário feminista.
A partir daí os grupos de mulheres ganharam força e corpo no

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país, por meio de sua intensa mobilização através dos jornais


feministas.
(...) As mulheres se preocupam com a divulgação de
suas causa na mídia há longo tempo. Estudos indicam
sua presença no Brasil desde o século XIX, às vezes
em mídias conservadoras. (...) No início do século
XX, alguns jornais feministas circulam em São Paulo
como A mensageira, Anina Vita, A família etc. Mas
será apenas nos anos de 1970 daquele século, já no
contexto das campanhas pela anistia, luta contra o re-
gime militar, Ano Internacional da Mulher de 1975,
I Encontro Nacional Feminista em 1978, realizado
no Rio de Janeiro, etc. que a publicação de jornais
feministas cresceu a exemplo de Brasil Mulher (...)
(GONH, 2010, p. 94).

A repercussão da figura feminina nas mídias citadas


acima se deu pelo grande índice de violência contra a mulher
e também depois dos assassinatos cometidos por seus compa-
nheiros. Segundo Bandeira (2010), as mortes que repercutiram
nacionalmente foram as de: Ângela Diniz (RJ), Maria Regina e
Eloísa Balesteros (MG) e de Eliane de Gramont (SP).
A declaração oficial da ONU referente à comemora-
ção do Ano Internacional da Mulher, conforme Sarti (2004)
proporcionou um momento de suma importância para o favo-
recimento da discussão e visibilidade do movimento feminista
no cenário mundial.
O reconhecimento oficial pela ONU da questão da
mulher como problema social favoreceu a criação de
uma fachada para um movimento social que ainda
atuava nos bastidores da clandestinidade, abrindo es-
paço para a formação de grupos políticos de mulhe-
res que passaram a existir abertamente, como o Brasil
Mulher, o Nós Mulheres, o Movimento Feminino pela
Anistia, para citar apenas os de São Paulo. (SARTI,
2004, p. 39)

Outra conquista importante do movimento feminista


foi em 1980, com a criação do primeiro grupo de combate à

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violência contra a mulher em São Paulo, o SOS Mulher, sen-


do multiplicado em todo país, dessa forma constituindo-se em
uma iniciativa pioneira na defesa e ao acolhimento da mulher
vítima de violência. Esta ação dos SOS “(...) estimulou as femi-
nistas a demandarem uma atuação do Estado, que respondeu
com a criação das Delegacias. Especializadas de atendimento
às mulheres (DEAM), tendo, a primeira DEAM, sido inaugu-
rada em São Paulo, em 1985” (BANDEIRA, 2010, p.26).
Após a anistia em 1979, dar-se uma lenta passagem do
país ao estado de direito e um grande chamamento à atuação
das mulheres nos espaços políticos. Nesse contexto, multipli-
cam-se as agendas feministas devido ao retorno à democracia
no país e as experiências do feminismo no aparelho do Estado,
ou seja, a volta das feministas exiladas no período da ditadura,
tal reencontro fortaleceu o movimento. “Convocam-se eleições
e o processo político é instalado; as mulheres ligadas ao movi-
mento operário ressurgem na vida política e as organizações
femininas explodiram no RJ e SP” (BANDEIRA, 2010, p.20).
As questões propriamente feministas, as que se refe-
riam à identidade de gênero, ganharam espaço quan-
do se consolidou o processo de ‘abertura’ política no
país em fins da década de 1970. Grande parte dos
grupos declarou-se abertamente feminista e abriu-se
espaço tanto para reivindicação no plano das políticas
públicas quanto para o aprofundamento da reflexão
sobre o lugar social da mulher, desnaturalizando-o
definitivamente pela consolidação da noção de gêne-
ro como referência para a análise (SARTI, 2004, p.42).

Na década de 80, o movimento feminista ganhou for-


ça e voz no campo político, houve uma crescente inserção do
movimento nas associações profissionais, nos partidos, sin-
dicatos, legitimando a mulher como categoria social particu-
lar. Antes os grupos que levantavam bandeiras de opressão a
categoria feminista, adquiriram a forma de organizações não
governamentais (ONGs) e lutavam para conquistar políticas
públicas em áreas específicas.

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No âmbito governamental criaram-se Conselhos


em níveis Federal Estadual, Municipal em torno da condição
opressiva sobre o feminismo. A questão da violência contra a
mulher começou a ser olhada de forma diferente, sendo cria-
das delegacias próprias, e na área da saúde com uma atenção
especializada. Com o advento da democracia nos finais dos
anos 80, a Constituição Federal de 1988, alterou a condição
submissa da mulher a tutelar masculina na sociedade conjugal.

Os movimentos sociais feministas na luta pela emancipação


das mulheres no Amazonas

Um dos primeiros movimentos feministas amazo-


nense a ganhar notoriedade no estado, foi o chamado Comitê
da Mulher Universitária, surgido em março de 1980, formado
majoritariamente por alunas e professoras da Universidade do
Amazonas (UA). Teve um papel bastante relevante, ao discutir
o projeto de implementação das injeções anticoncepcionais,
que se pretendia aplicar nas operárias do Polo Industrial de
Manaus (PIM). Porém, o Comitê teve efêmera duração, con-
forme Souza e Rocha (2015, p. 3)
Infelizmente a sua formação não durou muito tempo
e sua única maior atividade foi a mobilização contra
ao programa de controle da natalidade através de an-
ticoncepcional injetável criado pela secretaria de Saú-
de do Município de Manaus.

A universidade desempenhou um importante papel


para a divulgação das ideias feministas em Manaus, contudo,
no período do feminismo de segunda onda, não houve movi-
mentos de mulheres com reivindicações voltadas ao questiona-
mento do papel feminino na sociedade amazonense. As lutas
das mulheres eram centradas, sobretudo para a exigência da
construção de creches para os filhos e filhas das trabalhadoras
do PIM, e ainda por uma maior abertura a participação polí-
tica.

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Posteriormente, outros movimentos de mulheres fo-


ram surgindo, como o Comitê da Mulher Trabalhadora cria-
do na década de 1980, que se dissipou algum tempo depois,
fragmentando-se em outros movimentos, exemplificando o
notório Comitê das Mulheres Trabalhadoras Metalúrgicas, que
buscava dentro do Sindicato dos Metalúrgicos, criar um orga-
nismo que tratasse especificamente das questões das mulheres,
além de lutar por políticas públicas de creches, equiparação sa-
larial, melhores condições de trabalho, etc. Essas bandeiras de
luta, gradativamente foram sendo endossadas por outros mo-
vimentos sociais (ASSIS, 2013).
É interessante pontuar, que os movimentos sociais fe-
ministas no Amazonas foram pioneiros em algumas conquis-
tas, como na ampliação do período de licença-maternidade
para 90 dias, antes mesmo de sua mudança, para 120 dias, via
Constituição de 1988, fruto de lutas engendradas pelas mulhe-
res operárias do Polo Industrial de Manaus (PIM).
As mulheres da Amazônia sempre exerceram um pa-
pel importante na região, quer seja como trabalhado-
ras agricultoras, extrativistas e pescadoras, quer seja
como organizadoras de comunidades. O que ocorreu
foi a sua invisibilização pela sociedade patriarcalista
(NASCIMENTO; TORRES, 2011, p. 265).

O Polo Industrial de Manaus (PIM), assim como a


Universidade, também foi um polo importante para o empo-
deramento das mulheres, pois, este lugar foi lócus de muitas
conquistas das amazonenses, por meio das lutas engendradas
pelas operárias de chão-de-fábrica. De acordo com Lauschner
(2013, p.51) “além da organização das mulheres no PIM, ou-
tros movimentos foram surgindo em Manaus em favor dos di-
reitos das mulheres”.
Atualmente, muitos movimentos feministas amazo-
nenses estão congregados no Fórum Permanente das Mulheres
de Manaus (FPMM), que atualmente é composto pelos seguin-
tes movimentos e associações: AMA - Articulação das Mulhe-

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res do Amazonas, ADCEAM - Associação das Donas de Casa


do Estado do Amazonas, AAMILES - Associação Amazonense
de Mulheres Independentes pela Livre Expressão Sexual, CAR-
MA - Coordenação das Religiões de Matriz Afro-Ameríndia,
CAMMA - Casa Mamãe Margarida, Centro de Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira, CPT- Comissão Pastoral da
Terra, CUT - Central Único dos Trabalhadoras – Fórum Per-
manente dos Afrodescentes do Amazonas, GAM - Guerreias
Amazônicas em Movimento, Grupo de Mulheres Nova Flo-
resta, Grupo de Mulheres do Monte Pascoal, MCMII - Movi-
mento Comunitário Mauazinho II, DANDARA - Movimento
de Mulheres Negras da Floresta, Movimento Feminista Maria
Sem Vergonha, Mulheres em Ação pela Transformação Santa
Inês, MUSAS – Movimento de Mulheres Solidárias do Amazo-
nas, Núcleo de Mulheres do Comitê Social de Santa Etelvina,
ONG Maria Bonita, Rede de Mulheres Positivas, UBM - União
Brasileira de Mulheres (PINHEIRO, 2013).
O Fórum tem como principal objetivo congregar e
articular os movimentos que lutam em defesa da efetivação
dos direitos das mulheres, e em busca da implementação de
políticas públicas para elas; sendo um dos movimentos mais
expressivos no Amazonas, tendo uma forte atuação no cenário
público e político.
Conclusões
Diante dos argumentos expostos ao longo do desen-
volvimento deste artigo, percebemos a importância da mulher
para o florescimento dos movimentos sociais no mundo e, es-
pecificamente no Brasil.
As mulheres ao longo da história e até os dias atuais
são vistas a margem do gênero masculino e classificadas atra-
vés das atividades ditas de “exclusividade femininas”, ou seja,
aquelas relacionais a reprodução social. O contexto de submis-
são das mulheres na sociedade dar-se por uma sociedade pa-
triarcalista, com práticas machistas frente ao posicionamento

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das mulheres nas atividades que antes eram “exclusivas” dos


homens. Mesmo com a inserção das mulheres no mercado de
trabalho da década de 30, as mesmas ainda são marginalizadas,
sutilmente ou não, começando pelos salários inferiores em re-
lação aos homens.
A discussão acerca da participação dos movimentos
sociais nas décadas de 70 a 80 deu-se pela efervescência do
movimento feminista nesse período, apesar da manifestação
do mesmo no cenário dos movimentos sociais. O movimento
feminista foi de suma importância para visibilidade da mulher,
bem como para a criação de políticas públicas voltadas para a
saúde e a inserção das mulheres nos espaços e cargos políticos.
O movimento feminista teve ponto de partida o posicionamen-
to das feministas, consideradas das camadas intelectualizadas,
estas lutavam contra a submissão, violências e morte cometidas
contra as mulheres.
No âmbito do Amazonas, vimos que foi fundamen-
tal a inserção das mulheres no Polo Industrial de Manaus
(PIM), posto que estas se destacaram por suas lutas em favor
de políticas públicas que visassem suprir as necessidades es-
pecíficas das mulheres trabalhadoras, sendo que mesmo pro-
tagonistas de algumas das conquistas mais expressivas, estas
sofriam uma velada discriminação dentro do âmbito sindical.
No universo acadêmico as mulheres também fizeram a dife-
rença, endossando bandeiras de luta das mulheres operárias,
com seu recém-adquirido arcabouço teórico, que veio a for-
talecer suas reivindicações, uma vez que as acadêmicas tive-
ram contato com as teorias feministas onde estava mais forte
a onda feminista.
Não pretendemos aqui esgotar a temática dos mo-
vimentos sociais, apenas evidenciar a sua importância para a
emancipação feminina no Amazonas, se não na cidade de Ma-
naus, rompendo com a ideia de submissão da mulher cabocla,
mostrando que esta pode e deve lutar por melhorias para as
suas semelhantes e para a sociedade.

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UFAM - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2015.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E


SUAS BUSCAS EMANCIPATÓRIAS A PARTIR
DOS RELATOS COM AS BOLSISTAS DE PÓS
GRADUAÇÃO DO PROGRAMA EDUCAÇÕES
EM MANAUS AMAZONAS

OLIVEIRA, Célia Maria Nascimento1


INTRODUÇÃO
A violência contra as mulheres na sociedade atual
ainda é assustadora em relação aos números registrados em
todo Brasil, em especial pelas bolsistas de pós-graduação do
programa educações, onde os casos de violências sofridas pelas
bolsistas são cometidos por seus companheiros, por motivos
banais, que são; suas buscas emancipatórias a qual será pon-
tuada nesse trabalho, por estarem buscando continuidade nos
estudos, por melhor condição de trabalho e igualdade de gê-
nero, e por estarem concretizando mudanças e independência
financeira.
Para tanto, criação em 2003 a Secretaria de Políticas
para Mulheres (SPM), da Presidência da República, com os
acordos internacionais assinados pelo Brasil, com vistas à eli-
minação da violência, e com a sanção da Lei 11.340 - Lei Maria
da Penha - em 2006, assim as mulheres passaram a ser ampa-
radas por inúmeros instrumentos e serviços para garantir seus
direitos e o atendimento em situações de violência.
1 Estudante de Pós-graduação pela Faculdade Salesiana Dom Bosco
em Políticas Públicas no curso Enfrentamento da Violência Intra-
familiar. Assistente Administrativo na Erudio Soluções em Gestão
Empresarial e Apoio Educacional LTDA em Manaus. celia_mani@
hotmail.com (92) 92815079.

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O percurso desse trabalho está pautado na contextua-


lização da relação de gênero, onde o índice histórico de violên-
cia e desigualdade ainda é muito preocupante em todo Brasil,
e em Manaus não é diferente. Assim como também o contex-
to histórico da Lei Maria da Penha e os avanços conquistados
desde sua criação, ressaltando a rede de proteção social à mu-
lher, bem como o cotidiano laboral da situação socioeconômi-
ca e a posição atual das mulheres dentro da nossa sociedade
manauara.
O programa Educações criado em 15 de Janeiro de
2013, faz parte dessas buscas e conquistas emancipatórias des-
sas mulheres contemporâneas, pois o mesmo vem acompanho
todo esse trajeto com suas bolsas de estudos parciais, o qual
tem em quadro de bolsistas letivos de especializações a maioria
mulheres.
Contudo esse trabalho visa apresentar para toda a so-
ciedade as mulheres da contemporaneidade, com seus direitos
legalmente reconhecidos e suas emancipações se concretizan-
do ao longo dos anos, com seus legues de dificuldades enfren-
tadas, para obter seu reconhecimento profissional e social,
através da conclusão de sua especialização, visando um novo
olhar, como igualdade de gênero perante todos, pois hoje esses
direitos já são vistos e reconhecidos por parte de nossa socie-
dade, devendo ser estendido em todo o território, como lhes
são garantidos pelas políticas públicas existentes.
A metodologia embasada foi à pesquisa bibliográfica
e relatos das bolsistas pós-graduandas de diversos cursos vi-
gentes. Onde se observou os direitos conquistados ao longo
dos anos e os benefícios adquiridos que surgiram com os pro-
gramas criados e implantados para o público da classe pauperi-
zada, como forma de garantia de direitos iguais e reconhecidos
para todas através da cidadania igualitária.
O Programa Educações é mais um instrumento cria-
do por meio das Políticas Públicas Educacionais voltadas para
atender grande parte da demanda desprovida dessa ferramen-

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ta, onde hoje é uma realidade não só para as mulheres, mas


também para toda a sociedade, ressaltam-se as mulheres por
serem a maioria, tanto nos cursos de pós-graduação, mas como
também em todas as modalidades existentes.
Observa-se também, que no contexto geral, as mu-
lheres, em sua maioria são oriundas da classe pauperizada e
que concluíram sua graduação com uma bolsa de estudo, seja
parcial ou integral, ressalta-se também que as mesmas estão
inseridas em um campo de trabalho, onde todas tem o mesmo
objetivo, conseguir uma melhor colocação no mercado atual
do trabalho e assim ser reconhecida profissionalmente.
DESENVOLVIMENTO
Em nossa atualidade a violência contra a mulher está
sendo debatida em várias vertentes de todas as sociedades, as
quais estão sendo evidenciadas nos diversos eventos sociais em
todos os países do mundo, no Brasil não é diferente em espe-
cial na Capital do Estado, Manaus Amazonas; Assim como, por
exemplo, nos seminários, fóruns, empórios, palestras, e etc.
Todos esses acontecimentos dão ênfase ao combate contra a
essa cruel realidade, que infelizmente ainda causa repressão em
muitos casos confirmados, onde a mulher é intimidada pelo
seu parceiro.
A Convenção de Belém do Pará, como ficou conheci-
da a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradi-
car a Violência contra Mulher, adotada na referida cidade, em
9 de junho de 1994, conceitua a violência contra as mulheres,
reconhecendo-a como uma violação aos direitos humanos, e
estabelece deveres aos Estados signatários, com o propósito de
criar condições reais de rompimento com o ciclo de violência
identificado contra mulheres em escala mundial.
A violência contra a mulher é um agravante e comple-
xo problema em nossa sociedade, mesmo com todos os avan-
ços obtidos ao com bate em defesa das mulheres e com seus
direitos garantidos pelos órgãos competentes, o índice de vio-

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lência em todos os aspectos ainda é muito presente no dia a dia


das mulheres, pois continua atingi um grande número de víti-
mas de todas as camadas sociais, passando a ser complexo por
envolver fortes condicionantes ideológicos e culturais, como a
existência de fortes laços afetivos entre as vítimas e seu agressor.
Observar-se que, a violência não é algo novo, e sim
perpassa por gerações e gerações. Onde a Organização Mundial
de Saúde (OMS), em 2002 define o problema da violência con-
tra a mulher no Relatório Mundial, o qual trata dos temas sobre
Violência e Saúde, ressaltando “Todo ano, mais de um milhão
de pessoas perdem suas vidas e muitas outras sofrem lesões não
fatais, resultantes da violência alta infligida interpessoal ou co-
letiva. De forma geral, no mundo todo, a violência está entre as
principais causas de morte de pessoas na faixa etária de 15 a 44
anos”.
No Brasil, é criada e implementada em 7 de agosto de
2006 a Lei 11.340, que combate toda e qualquer tipo de vio-
lência contra a mulher, conhecida como Lei Maria da Penha, a
qual visa combater e punir os agressores de mulheres indefesas
e desprovidas de seus direitos. Direitos esses que conduz a vá-
rios fatores contributivos dentro das políticas públicas voltadas
para os direitos das mulheres em todas as instancias, lhe ofe-
recendo condições de defesa e amparo em ambos os sentidos.
Diante desse contexto e como órgão transformador a
Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), as casas Legis-
lativa e a Presidenta da Republica do Brasil (2015), sanciona
conhecida como Lei Maria da Penha, a qual “incorporou” o
avanço legislativo internacional e se transformou no principal
instrumento legal de enfrentamento à violência doméstica con-
tra a mulher no Brasil, tornando efetivo o dispositivo constitu-
cional que impõe ao Estado assegurar a “assistência à família”, a
qual tem o direito e dever de proteger de criar mecanismos que
possam combater a violência, no âmbito familiar.
A violência contra a mulher constitui-se em uma das
principais formas de violação dos direitos humanos, atingindo

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as famílias em seus horizontes de vida, pois é dentro do lar


que se produzem cenas de abuso e constrangimento, as quais
se classificam, à saúde e à integridade física, sendo a violência o
principal fator condicionante da desigualdade de gênero.
De acordo com a SPM (2015) “A Lei previu ainda uma
série de medidas de caráter social, preventivo, protetivo e re-
pressivo, e definiu as diretrizes das políticas públicas e ações
integradas para a prevenção e erradicação da violência domés-
tica contra as mulheres”, as quais se dão pelas implementações
das políticas públicas, ações educativas entre os órgãos compe-
tentes a sociedade voltadas ao combate da violência de gênero.
Em Manaus, de acordo com o Sistema Integrado de
Segurança Pública (SISP), relata o aumento de denúncias as
agressões contra as mulheres;
As vésperas do Dia Internacional da Mulher, cele-
brado no dia 8 de março, as agressões física, verbal e
moral contra o sexo feminino ainda são comuns em
Manaus. O Sistema Integrado de Segurança Pública
(Sisp) apontou que, nos primeiros 64 dias deste ano,
2.150 mulheres denunciaram seus agressores à polí-
cia, 33 casos, por dia, em média. Para a secretária exe-
cutiva de Políticas para Mulheres, Keyth Bentes, da
Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania
(Sejusc), um fator a ser comemorado é a mudança da
mentalidade feminina que tem abandonado o medo e
denunciado, com maior frequência, esse tipo de vio-
lência.

De acordo com o Jornal a crítica (22 de março de


2016), as mulheres do Estado do Amazonas estão denunciando
mais seus agressores “A Ordem é Quebrar o Silêncio”, de inicia-
tiva da vereadora Professora Jacqueline (PHS), e a vice-presi-
dente da instituição, Adriana Mendonça, afirmou que “houve
um aumento no número de denúncias de violência doméstica.
Ela atribuiu as denúncias às inúmeras campanhas e ações de
divulgações dos canais de apoio às mulheres”. Canais esses que
estão circulando em todos os meios de comunicação e em to-

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dos os espaços, tanto público como privado, além da sociedade


como um todo.
Sendo assim, percebe-se que em Manaus, atualmente,
as mulheres estão conhecendo seus direitos, buscando apoio,
perdendo o medo, e saindo do anonimato, denunciando seus
agressores, pois o agravamento que conduz aos atos violentos é
o ciúme que seus parceiros sentem por vários fatores, entende-
-se que seja entre as relações de gêneros.
A RELAÇÃO DE GÊNERO
A relação de gênero começou com o patriarcado que
conhecemos, como autoridade masculina e religiosa, tendo
sobre seu poder todos que lhe estão subordinados, tanto por
autoridades religiosas que as compactuam dessa dominação,
quanto por autoridades políticas que estimulam esse sistema
de organização social do passado, e que em pleno século XXI,
com todas as tecnologias e avanços inovadores, com políticas
públicas e campanhas voltadas em defesa da causa de violência
de gênero, esse fenômeno ainda é presente e corriqueiro.
Com a contemporaneidade a violência de gênero pas-
sa-se, portanto a ser visto como uma ideologia, onde o homem
era a maior autoridade, situação essa que não se idealiza mais
entre as sociedades atuais, pois politicamente a igualdade de
gênero é articulada entre si e constituem um arsenal de direi-
tos, assim como também dos deveres, os quais dispõem os dois
gêneros, masculino e feminino para manterem seu poder uns
sobre os outros, os quais conheceram hoje como igualdade de
gênero, direitos iguais independentes das classes sociais, gêne-
ro e etnias.
“O preconceito e a discriminação de gênero tem sido
uma realidade contemporânea que vem afligindo muitos indi-
víduos no contexto da vida cotidiana. [...]”. Sobre tudo a sexua-
lidade, ou seja, a identidade de gênero, a qual é esclarecida e
reconhecida, onde a mesma está em constantes debates, tanto
nas discussões de gêneros, como também, na realidade e ex-

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periência de vida da nossa sociedade atual, de maneira clara e


sucinta para esclarecer e politizar a sociedade leiga e precon-
ceituosa que ainda vive em constante estado de desrespeito a
essas cada da nossa sociedade. (Mazzeo, 2015, p.33).
Para Bourdieu (2002), as relações de gênero são di-
mensões constitutivas do hábito que, enquanto dispositivos
incorporados, são responsáveis pela produção e reprodução
das práticas, pensamentos e percepções de homens e mulheres
na sociedade. O processo de reprodução das desigualdades de
gênero, segundo o referido autor, está historicamente presen-
tes nos espaços sociais da família, escola, igreja e estado. Para
tanto na família, encontra-se a posição pré-determinada (pai,
mãe e filho) relação de poder estruturado a partir do polo do-
minante e dominado, mantendo vivo à eficácia simbólica das
estruturas.
O movimento de mulheres tinha como um dos prin-
cipais objetivos dar visibilidade à violência contra a mulher e
tentar combatê-la por meio de intervenções sociais e jurídicas,
assim iniciando um diálogo com o Estado, no sentido de rei-
vindicar políticas que dessem respostas institucionais de pre-
venção e punição da violência praticada contra a mulher.
Assim ressalta-se que a desigualdade de gênero é uma
questão social:
[...] O conjunto das expressões das desigualdades ca-
pitalistas madura, que têm uma raiz comum: a produ-
ção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se
mais amplamente social, enquanto a apropriação dos
seus frutos se mantém privada, monopolizada por
uma parte da sociedade [...]. (IAMAMOTO, 2007,
p.27)

Tal desigualdade tem sido uma das grandes causas


para o aumento do índice de violência, onde se percebe que
deve criar mecanismo para amenizar o fenômeno da questão
social, e impor limites e regras com intuito de instituir esse
dito popular, que em “briga de marido e mulher não se mete à

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colher”, pois com essa versão, os crimes e os abusos contra as


mulheres, continuam crescendo visivelmente, o que hoje ainda
é uma criminalidade esquecida, pois não há denúncia, e nem
punição para os agressores.
Hoje essa desigualdade ainda existe, mas com muitas
melhorias nesse aspecto devido às lutas e conquistas de mo-
vimentos organizados em prol dessa causa. Mesmo assim, as
mulheres ainda convivem com problemas com essa preferência
ao gênero masculino que ainda é forte na cultura atual.
A violência não é um estigma da sociedade contem-
porânea à mesma vem acompanhando o homem a cada tempo,
ela se manifesta de formas e em circunstâncias diferentes. Hoje
não há quem não identifique uma ação ou situação violenta,
porém é muito difícil visto que a violência pode ter vários sig-
nificados múltiplos e dependentes da cultura, momento e con-
dições nas quais elas ocorreram.
De acordo com as pesquisas realizadas pela data Po-
pular e Instituto Patrícia Galvão revelou que “98% dos brasi-
leiros conhecem, mesmo de ouvir falar, a Lei Maria da Penha
e 86% acham que as mulheres passaram a denunciar mais os
casos de violência doméstica após a Lei. Para 70% dos entrevis-
tados, a mulher sofre mais violência dentro de casa”. Ou seja,
elas são agredidas pelos seus companheiros, o que se perce-
be que a violência está presente em nosso cotidiano de várias
formas, ignora nossos espaços, nossos esforços para mantê-la
distante, mas invade nossas vidas sem pedir permissão.
No Brasil, a violência contra a mulher é um constan-
te e grave problema em nossa sociedade, o qual causa muitos
danos à vida dos componentes em família, nesse contexto en-
tre família e violência, a (SPM) relata que somente em 2015,
os números de atendimentos com relatos de violência contra
a mulher somaram 63.090, os quais são assustadores e mui-
to preocupante, mesmo com todos os mecanismos criados e
voltados para coibir tais crimes, com as políticas públicas exis-
tentes e atuantes em pleno século XXI, a violência contra as

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mulheres ainda é um fenômeno muito presente e crescente em


todas as classes sociais, onde em alguns Estados os números
são maiores.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres rela que
em “Campo Grande permanece com a maior taxa de relatos de
violência, seguida por Rio de Janeiro e Natal. Foi em Campo
Grande que a Secretaria de Políticas para as Mulheres inau-
gurou a primeira Casa da Mulher Brasileira, em fevereiro de
2015”, com o intuito de abriga-las confortavelmente. Onde de
acordo com a Lei Maria da Penha atualmente a cada minutos 4
mulheres são espancadas no Brasil, dados que atualmente con-
tam como reflexos que negativo no desenvolvimento e criação
dos filhos.
Em Manaus muitas mulheres também sofrem com
a problemática de violência, pois segundo a Delegacia Espe-
cializada em Crime Contra a Mulher (DECCM, 2015). Os nú-
meros apontam o registro de 1.298 boletins de ocorrência por
violência doméstica somente este ano. Causando preocupação
em nossas autoridades, órgãos competentes, movimentos e a
população em geral.
De acordo com Bezerra (2015) a Delegacia informou
que só nos dois primeiros meses deste ano de 2015 forram
presos 52 homens em flagrante, por praticar violência contra
sua companheira, onde foram autuados com a Lei Maria da
Penha, tais fatos se constataram com a violência ocorrida no
âmbito da relação íntima de afeto existente entre agressor e
vítima.
A VULNERABILIDADE SOCIAL
A vulnerabilidade é um dos fenômenos contributivos
para o grande número de violência contra a mulher, é também
um grave e complexo problema em nossa sociedade, a despeito
dos avanços obtidos pelas mulheres na defesa de seus direitos.
É um problema grave e atinge um grande número de famílias
causando desconforto e violência, uma vez que se sabe que a

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vulnerabilidade faz parte da vida cotidiana das famílias de bai-


xa renda, a qual se chama, como questão social.
A questão social é um cenário presente em nossa so-
ciedade, a qual é responsável por um leque de fatores condi-
cionantes que desencadeia os grupos familiares, sobretudo a
vulnerabilidade social, que é um fator complexo, por envolver
muitos condicionantes ideológicos e culturais como a existên-
cia de laços afetivos entre vítima e agressor o qual representa,
“o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade ca-
pitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social”
(Iamamoto p. 27, 2007).
A autora citada acima ainda pontua a produção e re-
produção da questão social, que é responsável pela vulnerabili-
dade social das famílias, as quais desencadeiam os fatores pre-
dominantes da violência de gênero. Nesse sentido, Iamamoto,
afirma que;
A partir dessa perspectiva, as situações conflitivas e
as desigualdades passam a ser vistas como “desvios” a
serem contornados e controlados, institucionalmente,
segundo parâmetros técnicos. Os conflitos sociais não
são negados, mas, o que é expressão da luta de classe
transforma-se em, “problema social”, matéria-prima
da assistência (2004, p. 125).

Para Pastorine, “o Estado, que - era uma das princi-


pais instituições reguladoras desse processo, também sofre
transformações relevantes”. Uma das - mais importantes refe-
rem-se ao encolhimento da ação reguladora – na esfera social
[...] (2010 p. 46).
Sendo assim, a população de baixa renda que vive na
linha da pobreza ainda continua contribuindo para o aumen-
to da exclusão social em Manaus, continua sendo subordinada
pelos governantes e empresários, que pouco fazem para dimi-
nuir esse quadro que continua excluindo ainda mais a massa
pauperizada da nossa sociedade contribuindo de certa forma
para tal violência.

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Nesse contexto de vulnerabilidade social que desperta


a violência de gênero, a (SPM, 2015), relata números expressi-
vos e assustadores de violência contra a mulher onde:
Nos dez primeiros meses de 2015, do total de 63.090
denúncias de violência contra a mulher, 31.432 cor-
responderam a denúncias de violência física (49,82%),
19.182 de violência psicológica (30,40%), 4.627 de
violência moral (7,33%), 1.382 de violência patrimo-
nial (2,19%), 3.064 de violência sexual (4,86%), 3.071
de cárcere privado (1,76%) e 332 envolvendo tráfico
(0,53%). Os atendimentos registrados pelo Ligue 180
revelaram que 77,83% das vítimas possuem filhos (as)
e que 80,42% desses (as) filhos (as) presenciaram ou
sofreram a violência.

Na sociedade atual, ainda é regida por forte concep-


ção patriarcal na questão de relações de gênero, vendo as cren-
ças de dominação homem-mulher. Para se conseguir uma mu-
dança na esfera coletiva e social, é preciso mudar o campo in-
dividual. É necessário que a mulher se liberte da subordinação
em que está submetida, é preciso se opor, fazendo uma nova
concepção de relação social e de gênero no presente e futuro.
BOLSA EDUCAÇÕES E PÓS-GRADUAÇÃO
Em Manaus o Programa Bolsa Educações é uma reali-
dade para toda a população em ambos os sexos, onde a procura
por uma pós-graduação é intensa a qual em sua maioria são
mulheres, com várias faixa etária de idades, mas com o mesmo
objetivo, sua inserção a educação continuada, pois com uma
pós-graduação essas mulheres almejam conseguir uma melhor
colocação no mercado formal de trabalho e assim vencer a de-
sigualdade de gênero que em pleno século XXI ainda se desta-
ca. Para Freire, a educação é;
Todo planejamento educacional, para qualquer socie-
dade, tem que responder às marcas e os valores dessa
sociedade, só assim é que pode funcionar como pro-
cesso educativo, ora como força estabilizadora, ora

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como fator de mudança. Às vezes, preservando deter-


minadas formas de culturas. Outras interferindo no
processo histórico, estruturalmente (2002, p.10).

O autor citado acima ressalta que, o educando vive


em aprendizado continuo desenvolvendo situações diversas,
com seus valores, culturas e experiências de vida significantes,
para que possa conseguir sua realização pessoal, acadêmica e
profissional, rompendo com as barreiras e os obstáculos das
desigualdades sociais.
Para isso o acesso à educação continuada no Amazo-
nas melhorou em vários aspectos após a criação dos cursos de
pós-graduação, os quais estão aflorando de várias formas de
ensino da rede particular, bem como os programas de inclusão
criados em nossa cidade para essa modalidade, como o Pro-
grama Bolsa Educações, “criado para promover inclusão edu-
cacional através da concessão de bolsas de estudo parciais em
diversos níveis e modalidades de ensino até a pós-graduação”
(Oliveira, 2015, p.7).
De acordo com Oliveira o PBE 2013 “o total de can-
didatos beneficiados pelo referido programa até o presente
momento são 12.000, em sua maioria são do gênero feminino,
onde apresenta o total de bolsistas ativos 8.000, sendo 5.700
mulheres e 2.300 homens”, esses números hoje são outros, os
quais se identificam como superação na percepção em relação
às buscas por especialização mulheres independentes (2015, p.
7).
A mesma autora ainda relata, no contexto de órgão
transformador o programa educações, “beneficiou 12.000, bol-
sistas entre os anos de 2013 a 2015”, dos quais 5.000 são os con-
templados somente em 2015, e 70%, dos beneficiados são do
gênero feminino, o que atualmente representa grande massa
inclusiva nesse programa de grande repercussão”. O que hoje
faz parte da história de muitas mulheres com seus leques de
possibilidades ampliando e almejando uma melhor colocação
no mercado de trabalho.

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Ressalta-se que segundo relatos das bolsistas de


diversos cursos de especializações os quais são; nas áreas
de administração, contabilidade, educação, sistema de in-
formação, e em sua maioria as pós-graduandas são da área
do serviço social, as quais relataram que estão atuando em
áreas divergentes da sua formação de graduação e que as
mesmas enfrentam vários conflitos com seus companheiros
por estarem em cursando uma especialização e ao mesmo
tempo trabalhando no mercado formal do trabalho, assim
como também ter que conciliar todos esses afazeres com as
atividades doméstica.
As bolsistas de pós-graduação, ainda relatam que
tem olhar e espirito de mulher vencedora e estrategistas, pois
as mesmas tem em sua categoria de mulher emancipadora,
onde com suas ambíguas atividades entre casa, trabalho, es-
tudo e lazer, elas ainda tem tempo de serem mulher e esposas,
pois pretendem vencer a desigualdade de gênero e a violên-
cia doméstica, pois elas não se intimidam mais, estão indo as
ruas para lutarem pelos seus direitos e estão tendo retorno da
sociedade e órgãos competentes.
Contudo, hoje as mulheres são as principais respon-
sáveis por suas buscas emancipatórias, onde as mesmas pro-
moverem melhorias e qualidade de vida para si através de sua
especialização o que atualmente crescem a cada ano, por isso,
é necessário à igualdade de gênero, onde somente com o ensi-
no e aprendizagem cria-se um legue de possibilidades, para a
transformação dessas mulheres emancipadoras.
CONCLUSÕES
Contudo, o presente trabalho embasou-se nos nortea-
mentos dos autores citados embasados pela Lei do PBE, Maria
da Penha, SISP, SPM, OMS e pela LDB, ressalta-se que, cabe
aos órgãos e governantes fundamentarem-se quanto à inclusão
de melhorias para o enfrentamento da desigualdade de gênero
a qual está em movimento e crescendo na cidade de Manaus.

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Nos dias autuais, as mulheres estão ganhando espaços


em todas as vertentes, tanto na inclusão nas faculdades em ní-
vel de pós-graduação, como nos espaços de trabalho, passando a
ser uma integração frente aos desafios que as profissionais estão
exercendo em nossa sociedade, assim é importante o determi-
nismo nesse processo inclusivo, visando à diversidade econômi-
ca que há entre homens e as mulheres da contemporaneidade.
Com o reconhecimento na igualdade de gênero e sus
direitos legalmente reconhecidos e suas emancipações se con-
cretizando ao longo dos anos, as mulheres estão superando
suas dificuldades enfrentadas, tanto com seus companheiros os
quais estão sendo coibidos em cometer suas violências, como
com o apoio que as mesmas tem através dos mecanismos cita-
dos durante o percurso desse trabalho.
Contudo, hoje se tem a visão de um novo olhar com
a igualdade de gênero dentro da nossa sociedade, em Manaus,
esses direitos são vistos e reconhecidas em todos os órgãos,
tanto públicas, como os da iniciativa privada, e por parte de
nossa sociedade, pois as mulheres estão conquistando dia a dia
seus direitos igualitários aos homens, devendo ser estendido
em todo o território, como lhes são garantidos pelas políticas
públicas existentes.
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Manaus-Amazonas. Dissertação para Especialização
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Am, novembro de 2015.
PASTORINE, Alejandra. A categoria “questão social” em
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SITES CONSULTADOS
Disponível em http://acritica.uol.com.br/noticias/mulhere-
denuncias-agressores-amazonas-oab-am_0_1544845540em22
/03/2016>acesso em 28/03/2016 as 18h56min.
Disponível em http://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/
dados-e-pesquisas-violencia/dados-e-fatos-sobre-violencia-
contra-as-mulheres/>acesso em 27/03/2016, às 14h46min.
BOLSA EDUCAÇÕES–Criado em 15/01/2013. Dispõe sobre
o Programa Bolsa Educações. Disponível em http://www.
educacoes.com.br/portal/2013/02/programa-educacoes-2-
2/=page> Acesso em: 25/03/2016 as 17h57min.
Dados Nacionais sobre Violência contra a Mulher
disponível em http://www.educacoes.com.br/portal/C:\
Users\Usuario\Desktop\Central de Atendimento à Mulher

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

– Ligue 180 registrou 485 mil ligações em 2014 (SPM –


06_03_2015)=Page>Acesso em 25/03/2016 as 18h56min.
G1. Lei Maria da Penha, dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada IPEA - Disponível em: http://www.
protal.globo.com/hora1/noticia/2015/03/lei-maria-da-
penha-foi-criada-ha-nove-anos-e-trouxe-resultados-
positivoasp?=page>Acesso em: em 26/03/2016 as 19h58min.
JORNAL A CRÍTICA G1. Disponível em http://g1.globo.
com/am/amazonas/noticias/2016/03asp?=page>acesso em
27/03/2016 às 16h 15.
Disponível em http://www.spm.gov.br Secretaria de Políticas
para as Mulheres Ministério das Mulheres, da Igualdade
Racial e dos Direitos Humanos Centro Cultural Banco
do Brasil (CCBB) – SCES Trecho 2, Lote 22. > acesso em
27/03/2016, às 14h46min.
Disponível em http://www.spm.gov.br/assuntos/violencia/
lei-maria-da-penha/breve-historico>acesso em 27/03/2016 às
16h 15.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

O PROJETO DE CAPACITAÇÃO REGIONAL E


O EMPODERAMENTO DAS MULHERES E DA
CIDADANIA

PAZ, Nivia Ivette Núñez de la1


O PROJETO CAPACITAÇÃO REGIONAL
Durante os anos de 2010 e 2011 trabalhei coordenan-
do, como assessora do Centro Ecumênico de Capacitação e
Assessoria – CECA, a execução de um Projeto realizado pela
Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de São Leo-
poldo/RS em parceria com outros 11 municípios da região Vale
dos Sinos. Esse Projeto2 nomeado Curso de Capacitação Regio-
nal de Agentes Públicos para a prevenção à violência contra a
mulher, contou com o apoio da Secretaria de Políticas para as
Mulheres do Governo Federal e capacitou 1118 agentes públi-
cos pertencentes às áreas de saúde, educação, segurança pú-
blica, assistência social e, também, num segundo momento,
líderes comunitárias da sociedade civil. Foram realizadas ao
todo 420 oficinas nos sete municípios sedes: Canoas, Esteio,
Sapucaia, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Sapiranga e Dois Ir-
mãos. Os municípios Morro Reuter, Nova Hartz, Santa María
1 Doutora, mestra e licenciada em Teologia. Atua como pesquisadora
na Faculdades EST, com bolsa CAPES (PNPD). Faz parte do Núcleo
de Pesquisa de Gênero - NPG, do Núcleo de Estudo e Pesquisa do
Protestantismo - NEPP e do Grupo de Pesquisa de Teologia Pública
em Perspectiva Latino-Americana todos nas Faculdades EST. Pro-
fessora de Filosofia e Ética - FISUL. Contato: nivianpaz@yahoo.com.
br
2 Todos os dados do Projeto que aparem no presente artigo foram
extraídos do “Relatório Capacitação Regional”, arquivo CECA, de-
zembro, 2011.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

do Herval, Presidente Lucena e Araricá, por não terem uma


estrutura adequada nem um número expressivo de servidores
inscritos, optaram por fazer a formação conjuntamente com
outros municípios.
A capacitação de agentes públicos faz parte das ações
de prevenção que compõem o Pacto Nacional de Enfrenta-
mento à Violência contra as Mulheres. O Pacto é o com-
promisso assinado entre o Governo Federal, os Estados e os
municípios no sentido de desenvolver ações conjuntas para
a implementação da Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres. Os eixos do Pacto são: 1) Con-
solidação da Política Nacional de enfrentamento à violência
contra as mulheres e implementação da Lei Maria da Penha;
2) Combate à exploração sexual e ao tráfico de mulheres; 3)
Promoção dos direitos humanos das mulheres em situação
de prisão; 4) Promoção dos direitos reprodutivos e enfren-
tamento à feminização da AIDS e outras DST´s. Ainda que,
até o ano de 2010 o Governo do Estado de Rio Grande do
Sul não tinha assinado o Pacto, alguns municípios do Estado
tomaram a iniciativa e aderiram ao Pacto diretamente com
o Governo Federal e buscaram, assim, recursos para a im-
plementação de ações e políticas públicas. A iniciativa dessa
mobilização e adesão ao Pacto foi do Fórum Regional de Ges-
toras de Políticas para as Mulheres do Vale dos Sinos (Grupo
de Gestoras do Vale) criado em 20093.
O Projeto de Capacitação Regional teve como obje-
tivo promover e qualificar as ações de enfrentamento à violên-
cia contra a mulher através da capacitação de agentes públicos
com vistas a potencializar a efetivação da Lei Maria da Penha.
Uma primeira capacitação foi realizada de março a dezembro
de 2010, formando 764 pessoas. Logo após, no ano 2011 (maio
a dezembro), um Aditivo ao projeto permitiu realizar um apro-
fundamento visando potencializar o trabalho em redes, tanto
3 Para ampliar estas informações procurar: DA VIOLÊNCIA DE GÊ-
NERO PARA RELAÇÕES HUMANIZADAS. Nivia Ivette Núñez de
la Paz (Org.). São Leopoldo: CEBI, 2010.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

nos municípios quanto na região, e oferecer especial ênfase nos


eixos do Pacto. Nesse aprofundamento, foram capacitadas 354
pessoas.
Em cada município sede foram realizados Seminários
de abertura, trabalhando três enfoques protagônicos: Raça/et-
nia, Homossexualidade e direitos sexuais e reprodutivos. Esses
seminários tiveram como chamada o lema do próprio Proje-
to: Da Violência de Gênero para relações humanizadas. Quatro
grupos, por cada município e em diferentes horários para faci-
litar a participação, receberam assessorias nas seguintes temá-
ticas que abarcaram as 14 oficinas:
Tema 1: Situando a violência contra a mulher
1º Oficina (4hs):
Conceito de Gênero. A interseção gênero, classe, raça/
etnia na compreensão da violência contra as mulhe-
res. Conceito de violência de gênero. Tipos de violên-
cia contra as mulheres.
2º Oficina (4hs):
Modelos Explicativos da violência contra a Mulher.
Violência de gênero e direitos humanos (legislação
nacional e internacional).
3º Oficina (4hs):
Dados e estatísticas sobre violência contra as mulhe-
res no Brasil e no mundo. Políticas públicas de enfren-
tamento à violência contra as mulheres.
Tema 2: Aspectos conceituais e teóricos da violên-
cia doméstica e sexual
4º Oficina (4hs):
Conceitos de violência doméstica, violência sexual e
tráfico de mulheres. Tipos de violência doméstica e
familiar. Dados sobre violência doméstica no Brasil.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

5º Oficina (4hs):
Violência contra a Mulher e feminilização do HIV.
Mitos e Estereótipos quanto à violência doméstica e
familiar.
Tema 3: Apoio Psicossocial à mulher em situação
de violência doméstica e familiar
6º Oficina (4hs):
Por que as mulheres aguentam tanto tempo uma si-
tuação de violência? – um olhar sobre a vivência das
mulheres. Consequências da violência doméstica e fa-
miliar para a saúde física e mental das mulheres.
Tema 4: A rede sócio-assistencial à mulher em si-
tuação de violência
7º Oficina (4hs):
Conceito de Rede de Atendimento. Casa-abrigo, Cen-
tros de Referência, Delegacias Especializadas de Aten-
dimento à Mulher, Defensorias da Mulher, Juizados
Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, Centros de Assistência Social (CRAS), Cen-
tros Especializados de Assistência Social CREAS),
Centros de Reabilitação e Educação do Agressor, ser-
viços de saúde especializados no atendimento à vio-
lência contra as mulheres.
8º Oficina (4hs):
Desafios e avanços na constituição da Rede de Aten-
dimento.
Tema 5: A Lei Maria da Penha
9º Oficina (4hs):
O caso Maria da Penha. O processo de criação da Lei:
a construção de um novo olhar sobre a violência do-
méstica.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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10º Oficina (4hs):


Aspectos sociológicos da Lei: redefinindo o enfrenta-
mento à violência Doméstica.
11º Oficina (4hs):
Aspectos jurídicos da Lei: mudanças previstas na lei
(juizados, medidas protetivas, outras); o papel de pro-
motores, juízes, defensores, delegadas/os no enfrenta-
mento à violência doméstica contra a mulher.
12º Oficina (4hs):
Desafios na implementação da Lei.
Tema 6: Fechamento do curso
13º Oficina (4hs):
Propostas para implantação ou melhoria de serviços
(organização do fluxo de atendimento).
14º Oficina (4hs):
Avaliação da metodologia. Avaliação do conteúdo.
Um Seminário Regional com a participação de for-
mandas/os de todos os municípios encerrou a Capacitação, to-
talizando 60h/aulas. O Seminário sob o tema: O papel dos agen-
tes públicos no atendimento à situação de violência e na solução
dos conflitos de gênero foi ministrado por uma representante
da Secretaria de Política para Mulheres do Governo Federal.
Esse foi também o momento para a entrega das camisetas, dos
certificados de formatura e coordenação (as coordenadoras de
cada município) e do Guia Regional.
O Guia Regional continha três partes: uma primeira
que fez um resgate histórico- conceitual das temáticas abor-
dadas no Projeto, uma segunda parte que explicou o que seria
uma Rede de Atendimento e arrolou as instituições que podem
e devem fazer parte dela, e uma terceira que disponibilizou,
para cada um dos municípios sede da Capacitação, os ende-
reços dos serviços que compunham a rede municipal. Nessa

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

terceira parte do Guia, aparece uma imagem de peças de um


quebra-cabeças se encaixando, junto a essas imagens aparece o
nome dos 12 municípios participantes, isso foi feito no intuito
de que pudesse servir como “chamado” para que esses outros
municípios participantes mas que ainda não tinham na prática
uma rede local sentissem a necessidade de multiplicar os co-
nhecimentos e o desafio de articular uma rede municipal em
torno desta temática.
O Aditivo ao Projeto, no ano de 2011, teve como obje-
tivo: Aprofundar o Curso de Capacitação de Agentes Públicos ao
tempo que potencializava o trabalho em rede nos municípios
envolvidos no projeto e organizava estratégias metodológicas
de fluxo em âmbito regional e local. Nessa nova capacitação se
retomou o conteúdo do eixo, “Fortalecimento dos serviços es-
pecializados da rede de Atendimento e Implementação da Lei
Maria da Penha” e se aprofundaram os demais eixos do Pacto,
facilitando assim o mapeamento dos serviços e a sua divulga-
ção nos municípios e, por conseguinte, na região. Também in-
centivou a implementação de políticas públicas para as mulhe-
res, em especial nos municípios onde estas eram inexistentes.
Para esse Aditivo, foi elaborado um polígrafo que
acompanhava o conteúdo que estava sendo trabalhado nas ofi-
cinas, material esse que tinha sido solicitado nas avaliações do
curso anterior:
Seminário 1:
Eixo 1 (2h):
Fortalecimento dos serviços especializados da Rede
de Atendimento e Implementação da Lei Maria da
Penha.
Eixo 2 (2h):
Proteção dos Direitos Sexuais e Reprodutivos. Imple-
mentação do Plano Integrado de Enfrentamento da
Feminização da AIDS.

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Seminário 2:
Eixo 3 (2h):
Combate à Exploração Sexual e ao Tráfico de Mulhe-
res.
Eixo 4 (2h):
Promoção dos Direitos Humanos das Mulheres em
Situação de Prisão e a Problemática do Tráfico de
Drogas e as Mulheres.
Seminário 3:
Eixo 5 (2h):
Conceituação e Análise das Redes de Atendimento.
Eixo 6 (2h):
Articulação e Avaliação da Rede Local. Fluxo da
Rede de Atendimento Local e Regional.
Totalizando 16h/aulas se realizou o Encontro Regio-
nal no intuito de avaliar a integração e potencializar a articula-
ção das redes de atendimento por municípios e na região. Cada
um dos municípios participantes apresentou a composição da
rede de atendimento municipal, ao mesmo tempo foram elen-
cados os diferentes serviços e instituições que ainda não faziam
parte dessa rede, colocando o desafio de trabalhar nos próxi-
mos anos para que essa integração fosse efetiva e a articulação
da rede eficiente. Foi muito importante realizar essa avaliação
da Rede local por municípios porque além de descobrir pontos
fracos e fortes, para o trabalho de articulação e funcionamen-
to, permitiu elaborar uma apresentação concreta dos serviços
existentes nos municípios e como ditos serviços poderiam se
articular à da Rede de Atendimento Regional.
A IMPLEMENTAÇÃO GANHA CORPO PRÓPRIO...
Algumas questões interessantes e não menos impor-
tantes para nossa análise ainda precisam ser destacadas:

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

• O Curso, pensado para um contexto macro (re-


gião), teve que ser reformulado durante a exe-
cução pelo distanciamento existente na cami-
nhada nas questões de gênero de um município
para outro. O conteúdo pedagógico proposto
foi re-trabalhado na medida em que se fez ne-
cessário. Exemplo, o fato de ter contextos tão
diferentes como São Leopoldo, cidade que já
tem uma caminhada de anos no trabalho com
questões de gênero, e Dois Irmãos, que pela pri-
meira vez trabalhava num curso deste porte, fez
com que a programação pedagógica recebesse
mudanças singulares, levando em conta essas
particularidades contextuais.

• Ainda quando o Projeto foi pensado especifi-


camente para Agentes Públicos, lideranças co-
munitárias e outras pessoas da Sociedade Civil
mostraram interesse em participar e como exis-
tiam vagas ainda não preenchidas foram aceitas
nos diversos municípios. Por isso foi acrescen-
tado ao público alvo “a sociedade civil”, como
aparece no segundo relatório. A presença destas
pessoas, na sua maioria lideranças de bairros,
reforçou a importância das redes de enfrenta-
mento no tocante a esta problemática.

• Mesmo que cada coordenadoria, secretaria ou


pessoa responsável pelo Curso nos municípios
sede fez o maior esforço para conseguir um lo-
cal adequado nem sempre estes tinham as con-
dições requeridas para o Curso, como uma boa
iluminação, ventilação, sem ruídos externos, de
fácil aceso, com equipamentos adequados para
as assessorias, etc. Aqui ficou explicito a fragili-
dade do poder público na aplicação de ações e
projetos.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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• Foi notavel a presença quase masisa de mulhe-


res nos grupos, a presença delas representou o
87% com relação a um 13% de homens. Nota-se
que nem sempre a maior participação dos ho-
mens foi proporcional aqueles municípios com
uma caminhada maior nas questoes de gênero
ou uma rede de atendimento melhor consoli-
dada. As áreas escolhidas para a capacitaçao,
como sabemos, são as áreas nas quais as mu-
lheres constituem a maiori da força de trabalho:
saúde, educação e assistencia social. Na Segu-
rança Pública o quadro estatistico muda, e foi
essa área a que maior numéro de participantes
homens trouxe à Capacitação.

• O curso foi avaliado positivamente (ótimo, bom


e regular) pela maioria das/os participantes,
95,19 %. A cifra de “ótimo” representa o 28,52
% de aprovação, neste item se encontram as/os
participantes que não deixaram nem sugestões
nem críticas. A cifra de “bom” e “regular” que,
no seu conjunto, atinge 66,67 %, fez críticas que
servirão para re-projetar o trabalho em pró-
ximas edições do curso. Um 3,62 % avaliou o
curso “ruim”, foram principalmente nos itens da
“programação logística”, “espaço reservado para
o curso” e o “acompanhamento da coordenação
municipal”. Um 1,19% no quis emitir opinião.

• Depois de dois anos de formação justo quando


preparávamos o Seminário Regional que fecha-
ria o Projeto fiquei surpresa com a atitude das
coordenadoras municipais (que faziam parte do
Grupo de Gestoras do Vale). 1. Elas solicitaram
que fossem feitos modelos individuais de certi-
ficados de formação no intuito de que o nome
de cada prefeito pudesse aparecer neles (elas

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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não requeriam a presença de seus nomes e sim


do nome deles). 2. No momento da preparação
da logística para o ato de formatura, as coor-
denadoras solicitaram a presença dos prefeitos
na composição da mesa protocolar, ao serem
questionadas sobre o simbolismo dessa propos-
ta, principalmente levando em consideração o
propósito da Capacitação, responderam que se
tratava de uma questão de protocolo e por tal
motivo não poderia ser transgredida. Elas que
idearam, elaboraram, encaminharam, ganha-
ram e executaram o Projeto não precisavam
constar nos certificados e menos ainda aparecer
na mesa de protocolo do ato de formatura, eles
que só se fizeram presentes no ato de abertura
(no tempo que durou o discurso que proferi-
ram) tinham que ter “um merecido reconhe-
cimento” outorgado pelo documento histórico
(certificado) e pelo lugar estratégico de poder
(mesa de protocolo); como manda a tradição!?

• Em alguns municípios, principalmente em gru-


pos menores e compostos somente por mulhe-
res, as participantes relatavam como a sala de
aula ficava convertida em um espaço de terapia
grupal. No caso específico de Dois Irmãos uma
rede de enfrentamento foi criada a partir do tra-
balho artesanal, e nesse mesmo município uma
vereadora, que participou da Capacitação, foi
eleita Prefeita do município, sendo a primeira
mulher e a primeira mulher negra a ocupar esse
posto.

• Outras constatações ainda dizem respeito às re-


ligiões, mesmo não aparecendo na descrição do
Projeto, vieram a desempenhar um papel im-
portante no debate durante a execução. O deba-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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te religioso impôs-se nas temáticas de violência


e violência doméstica, no estudo dos direitos
sexuais e reprodutivos e, também, apareceu
nos relatórios dos Centros de Referencia, lugar
onde a maior parte das mulheres, que fizeram a
denúncia, explicitaram pertencer alguma deno-
minação cristã ou alguma outra religião.
• Outro dado interessante foi que mais do 60%
das assessoras e dos assessores que participa-
ram neste projeto foram formadas/os nos cur-
sos (graduação, pós-graduação ou especializa-
ção) da Faculdades EST, sendo que a seleção foi
feita pelo envio de currículos e a comprovação
de assessorias anteriores nas temáticas a serem
desenvolvidas.

Quase cinco anos após a execução do Projeto e dez da


implementação da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, obser-
va-se, aparentemente, um retrocesso nas questões de gênero,
pautado principalmente pelas novas normativas do governo
de Estado4. Essas novas normas “retiram” as questões de gêne-
ro dos planos de ensino. Além disso, constata-se que um dos
objetivos do projeto que foi a implantação de coordenadorias
das mulheres nos municípios em que essas não existiam ou a
transformação das coordenadorias em secretarias nos municí-
pios que só contavam com coordenadorias não ocorreu. Mais
recentemente, o fechamento da Secretaria Estadual de Políticas
para Mulheres no Rio Grande do Sul também vem somar-se ao
quadro dos dados desanimadores.
Por nosso envolvimento, como Promotora Legal Po-
pular, nas reuniões de articulação e nos Conselhos que fazem
parte da rede de atendimento de São Leopoldo, tomamos co-
nhecimento de que não existe mais o Grupo de Gestoras do
Vale. Também constatamos que a Casa Abrigo construída em
4 Cf. Plano de Educação suprime questão de Gênero. http://jcrs.uol.
com.br/site/noticia.php?codn=200354

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Sapiranga, com o intuito de oferecer um atendimento regional


e que foi inaugurada no ano de 2011, nunca abriu suas portas
para o acolhimento.
Durante a execução do Projeto, as campanhas do 1o
e do 2o turno das eleições municipais influenciaram tanto na
matrícula quanto na evasão.... Como fica a implementação das
políticas públicas relacionadas ao Projeto com as mudanças de
governos (partidos políticos) municipais e estadual? Consta-
tou-se que quando existe uma rede de enfrentamento consoli-
dada e composta por pessoas e entidades da sociedade civil o
suporte à rede de atendimento municipal é muito mais efeti-
vo. Exemplo disso são as Promotoras Legais Populares (PLP´s)
em São Leopoldo, é pela força e a intervenção deste grupo nos
diferentes Fóruns e Conselhos Municipais que ainda o mu-
nicípio mantem tanto a Secretaria de Políticas para Mulheres
quanto o Centro de Referência Jacobina, bem a contra gosto
do governo atual.
Como já foi dito o Projeto de Capacitação Regional
teve como lema: “da violência de gênero para relações huma-
nizadas”. Em que medida poder-se-ia afirmar que as ações
implícitas nessa frase continuam permeando o agir das pes-
soas capacitadas nos diferentes municípios atingidos? Essas
pessoas continuam agindo como multiplicadoras em defesa
da vida? Como se deu o empoderamento das mulheres e da
cidadania a partir desta formação?
DIALOGANDO À MANEIRA FEMINISTA E
FREIREANA
Desde 1996, reconheço-me como feminista – teólo-
ga feminista – quase vinte anos de caminhada permeada por
um jeito diferente de entender, falar e fazer pesquisa, fazer
teologia. É uma caminhada epistêmica que parte de nossa ex-
periência de vida concreta, que reflexiona desde os múltiplos
cotidianos, que reconhece e adota uma hermenêutica perma-
nente da suspeita, que afirma, sem medo, que é necessário e

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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urgente des-construir para poder, logo após, re-construir com


outros alicerces.
O conceito de gênero chegou a nossa reflexão (uso
as palavras de Lagarde) “como os óculos de grau púrpura”,
aqueles que vinham para corrigir nossa visão, que permitiam
que enxergássemos de outra maneira, de maneira certa, não
mais dicotômica e sim diversa, plural. Com o gênero, como
categoria de análise, tínhamos esclarecimentos, explicações e
respostas aos nossos múltiplos questionamentos feministas do
cotidiano. Com a pesquisa feminista, mais epistemosófica que
epistemológica, as mulheres imprimiram um outro significado
para os Direitos Humanos, elas fizeram com que, em alguma
medida, esse Direitos saíssem do papel e da acostumada recita-
ção “mântrica” para se fazerem efetivos e afetivos no dia a dia.
Feminismo, Gênero e Direitos Humanos marcaram o sonho, a
proposta, a elaboração e a execução do Projeto de Capacitação
Regional. Então, todos eles são referenciais teóricos impres-
cindíveis para interpretar a continuidade e os desdobramentos
dessa Capacitação na região do Vale dos Sinos.
A Capacitação e seus desdobramentos deixam um sa-
bor agridoce, temos conquistas, temos avanços, mas também
continuam sendo muitas as barreiras a enfrentar, temos o que
parecem ser retrocessos. Assim é a vida e assim é a caminhada
de mulheres que lutam diariamente por ser e ter lugar como
sujeitas da sua historia, da historia da humanidade. O peso da
cultura, da sociedade machista, androcêntrica, patriarcal, mi-
sógina afunda e esmaga cotidianamente nosso ser e nosso agir.
Somos cientes que nossa tarefa é semear cada dia, que assim
como nós recolhemos as frutas (conquistas) de aquelas que nos
antecederam, a nossa atividade é lutar e semear para que a co-
lheita não pare.
É imprescindível lutar pela implementação de Políti-
cas Públicas como direito, porque mesmo que elas possam ter
fragilidades na sua implementação, são elas as que garantem
que possa haver uma mudança pessoal, grupal, cultural e so-

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cial. São elas que podem tanto promover como qualificar as


ações de enfrentamento a todos os tipos de violência contra as
mulheres. Desconstruir não é tarefa fácil, o ato de desconstruir
esbarra com fortes normas, leis, tradições, esbarra com o poder
e a suas macabras relações. Mas desconstruir é necessário para
o pleno exercício da cidadania.
O empoderamento tem que ser entendido como um
processo. O empoderamento vem com o saber, o saber outorga
poder. Como bem expressa Marcela Lagarde: “Empoderar é o
processo através do qual cada mulher se faculta, se habilita e se
autoriza” (LAGARDE, 2012, p.5), é importante entender esse
“se” porque “uma, como mulher, se empodera” não “a empo-
deram”. As capacitações, as formações, as oficinas, os estudos
oferecem o saber, o saber que empodera, mas o empoderamen-
to é pessoal e processual. Podemos falar de empoderamento
grupal, regional, social, cidadão, mas esse empoderamento não
será nunca homogêneo porque ele depende do empoderamen-
to pessoal.
“Na cultura, o empoderamento se concretiza no cam-
bio das mentalidades coletivas de mulheres e homens, nos dis-
cursos e nas práticas de instituições sociais, cíveis e estatais (...)
no processo de transformação” (LAGARDE, 2012, p.6), mas
para que isso possa ser possível precisamos de processos pe-
dagógicos diferentes, e neste quesito a educação popular tor-
nasse metodologia imprescindível. Processos pedagógicos,
educativos e políticos bancários, opressores e excludentes não
permitem o empoderamento, eles só reforçam as desigualda-
des e a submissão. Só a educação popular, as diferentes formas
de implementação da educação popular, respeitando tempo(s),
contexto(s), sujeitos(as) em toda sua diversidade conduzem a
emancipação, e é nessa emancipação que o empoderamento se
sustenta.
Marcela afirma: “O empoderamento das mulheres é,
de fato, um constante exercício de liberdades” (LAGARDE,
2012, p.29), é isso: processo e constante exercício! Só empo-

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deradas poderemos impulsionar uma ética política que pre-


serve e incremente a integridade, a seguridade e as condições
de desenvolvimento de cada mulher. Só empoderadas, conti-
nuamente empoderadas, poderemos incidir na construção de
novas formas de democracia social e política. Só empoderadas
poderemos enfrentar as violências cotidianas. E foi justo esse
processo, esse exercício de cidadania que providenciou e conti-
nua providenciando, em seus desdobramentos, a Capacitação
Regional na região do Vale dos Sinos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
À FLOR DA PELE: Ensaios sobre gênero e corporeidade.
Organizadores: Marga J. Ströher, Wanda Deifelt, André S.
Musskopf. São Leopoldo/RS: Sinodal; CEBI, 2004.
AMORÓS, Celia. Crítica a la razón patriarcal. Barcelona:
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ISSN 2448-2072

DESPROTEÇÃO SOCIAL E BARBÁRIE:


A REALIDADE DE FILHOS E PAIS
ENVOLVIDOS NA SEGREGAÇÃO DOS
HANSENIANOS NA COMUNIDADE DE
PARICATUBA IRANDUBA AM*

Silva Gama , Ângela Emilia1


Fonseca Menezes, Ana Maria2
Fonseca Menezes , Alcione3
INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda o tema: Desproteçao Social e
barbárie: A realidade Social de filhos e pais separados na segre-
gação dos hansenianos na comunidade de Paricatuba Irandu-
ba. Contextualizando a política de isolamento compulsório as
pessoas infectadas pela doença. E a separação dos pais de seus
filhos que deixaram marcas e sequelas psicológicas presentes
até os dias atuais e os direitos concedidos ao Estado como repa-
ração às pessoas acometidas pela hanseníase e a luta dos filhos
dos hansenianos por direitos.
Este trabalho teve por objetivo geral analisar o alto
índice de focos de Hanseníase em Manaus e a política de iso-
lamento compulsório aplicado aos filhos dos Hansenianos em
Paricatuba. E como objetivos Específicos descrever a separação
1 Formação. Atuação. Instituição. E-mail: Mestre em Serviço Social
e Sustentabilidade na Amazônia. Docente da Universidade Nilton
Lins. angelaegma@yahoo.com.br
2 Formação. Atuação. Instituição. E-mail Social e pós graduada em
Políticas públicas e saúde. ana_fonsecamurofushi@hotmail.com:
3 Formação. Atuação. Instituição. E-mail:Graduada em Serviço So-
cial. Alcionefonseca2012@hotmail.com

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ISSN 2448-2072

dos filhos de seus pais na Cidade de Manaus a partir de uma


Política de exclusão; Buscou-se refletir sobre os direitos a in-
denização por parte do Estado as pessoas vítimas da separação
dos pais; verificar as sequelas e marcas as pessoas vítimas da
Hanseníase e as Políticas de saúde de combate a Hanseníase.
Culminando na hipótese de que procuramos uma
compreensão para os significados e valores atribuídos aos por-
tadores da Hanseníase mediante sua trajetória de vida, pelos
sofrimentos causados pela doença, a separação dos seus filhos,
e os direitos a indenização e o reconhecimento do Estado.
Para atingir os objetivos optou-se por uma metodolo-
gia qualitativa de estudo para que pudesse entender os motivos
de tanta barbárie, tanta atrocidade, e a ausência do poder pú-
blico com os Hansenianos que foram segregados duas vezes,
primeiramente para Paricatuba, e a segunda segregação para
a Colônia Antônio Aleixo, procurou-se analisar inicialmente
cada categoria, e o objeto de análise e os principais condicio-
nantes.
O levantamento bibliográfico serviu de facilitador
para um melhor entendimento na questão dos Hansenianos e
suas vulnerabilidades sociais sofridas para obter seus direitos
reconhecidos pelo Estado por terem sofrido a segregação de
seus pais. O interesse pelo tema se deu a partir das observações
dos principais entraves sociais na vida dos hansenianos e de
seus filhos em terem seus direitos reconhecidos.
A pesquisa torna-se relevante pelo motivo de buscar
em lócus as respostas para o descontentamento dos portadores
de Hanseníase. E intrigante que em pleno século XXI o Estado
não reconheça o direito dos portadores da Hanseníase de que
não exista registro desses documentos, pois foram extraviados,
já os filhos lutam por esse reconhecimento.
Ao concluirmos a pesquisa percebemos que o gran-
de desafio é o reconhecimento, a reparação que o Estado fez
com os portadores da hanseníase, deixando marcas profundas
e sequelas aos seus filhos que refletem nos dias atuais, e foram

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marcas interiores maiores que suas chagas levando ao dilacera-


mento de suas almas.

A Origem da Hanseníase no Mundo.

A hanseníase é conhecida como lepra e era vista como


doença Espiritual, castigo divino. A vida toda uma averiguação
foi feita pelo Sacerdócio se fosse comprovado que esse estivesse
com a lepra era mantido em quarentena.
A respeito desse assunto Levítico afirma que: “[...] dis-
se o senhor a Moises e a Arão o homem que tiver na sua pele
inchação, pústula, ou manchas lustrosas, e esta nela se torna
como praga de lepra, será levado a Arão a Sacerdote, ou um
de seus filhos sacerdote. [...]’”. (LEVITICO, 13, 2000. p.12 - 3).
Se fosse comprovado à pessoa era considerada imun-
da e impura. O local para se fixar moradia era longe da cida-
de quando uma pessoa sadia, se aproximasse tinha que gritar
que era impuro, como forma de se identificar, usar vestimentas
brancas, chocalhos nos pés e barbas longas e andar despentea-
do.
Segundo Levitico (2000) A lepra já existia na anti-
guidade, nos tempos primórdios, porém era doença de ricos
e pobres, portanto Naamã era um homem de muito valor e de
muita habilidade sendo herói de guerra, porém leproso.
Portanto a lepra foi usada como castigo e desobediên-
cia ficando comprovada que a lepra existiu e era um problema
na antiguidade atingindo todas as classes sociais. A lepra mi-
grou da Mesopotâmia através das tropas dos soldados Roma-
nos do exercito de Alexandre e Dario. Nas conquistas de novas
terras que ao passa a contrair a doença fazendo com que essa se
propagasse. A esse respeito Botelho (2009) defende que:
Sabe-se, que, em pouco tempo a lepra alcançou o su-
doeste da Ásia e o leste do Japão transportado pelo
exercito de Dario de Alexandre ao oeste e oriente. E
os comerciantes Fenícios contribuíram para a difusão
mediterrânea, assim como a regiões Romanas se en-

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caminharam de propaga La na Europa e Oriente Mé-


dio (BOTELHO, 2009, P.42).

O Exército Romano foi o responsável pela prolifera-


ção da doença no mundo a partir do momento que terras eram
adquiridas e a doença se propaga nesse período.
Hanseníase No Brasil.
A hanseníase surge no Brasil no processo de coloniza-
ção, através das expedições Portuguesas para o Brasil, por ser
colônia de Portugal, o local era propício para que Portugal de-
positasse no Brasil os leprosos, as prostitutas, e aquelas pessoas
que tinham cometidos delitos em Portugal.
Conforme Galvan (2003, p.20) aponta que “Os pri-
meiros registros da hanseníase no Brasil data 1600, na cidade
do Rio de Janeiro, onde foi criado o primeiro “lazareto”, para
atender os doentes de Lazaro”.
A lepra se propaga no Brasil, o Governo não havia
descoberto o que causava a doença, foram construídos os La-
zaretos para tratarem os doentes.
Portanto não houve interesse por parte do Governo
colonial em tratar e buscar medidas para o tratamento da lepra
a não ser construir leprosários para isolamento. Autores como
“Queiroz”, Puntel, (1997) afirmam que:
As primeiras iniciativas do Governo colonial só foram
tomadas dois séculos depois, com a regulamentação
do combate a doença, por ordem de D.Joao. D.Joao
V. Entretanto, as ações do controle limitaram – se a
construção de leprosários, em uma Assistência precá-
ria aos doentes. (“QUEIROZ”, PUNTEL, 1997, P.31).

A lepra se propagou em todo o território Brasileiro, a


medicina não havia descoberto a cura para a doença apesar de
vários estudiosos tentarem buscar a cura o próprio Hanses pro-
pôs a política do isolamento compulsório, era uma forma de
controlar as pessoas doentes das pessoas sadias, porém Hanses
não disse como deveria ser a Política do isolamento.

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Em 1920 foi criado o departamento nacional de saúde


pública pelo decreto número 14 que trazia a política do isola-
mento compulsório aos portadores da lepra, a lei trazia uma
política de exclusão, segregação, e proibia os pais de ficarem
com seus filhos. Em 15 de setembro de 1920, com a criação do
Departamento Nacional de saúde pública pelo Decreto nº 14,
foi instituída a Inspetoria de Profilaxia da l e Doenças Venéreas.
As seguintes medidas foram implementadas pela lei
610/1949:
• Notificação compulsória e levantamento do
censo do leproso

• Fundação de asilos-colonia, nos quais se-


riam confinados os leprosos pobres.

• Isolamento domiciliar os que se sujeitassem


a vigilância medica e tivessem os recursos
suficientes para a eficaz aplicação dos pre-
conceitos de higiene,

• Vigilância sanitária dos comunicantes e sus-


peito de lepra,

• Isolamento pronto dos recém-nascidos,


filhos de leprosos, para local conveniente-
mente adaptado e onde seria criado livre das
fontes de contagio,

• Proibição da importação de casos de lepra


do estrangeiro,

• Notificação de mudanças de residência de


leprosos e de sua família( Queiroz e Punte-
l,1997,p.33)

Os hansenianos quando era descoberto com a doença,


começava a sua peregrinação e sofrimento, o preconceito era
latente eram expulsos das suas casas pelas autoridades da épo-
ca, usavam o argumento que tinham que eliminar suas terras,
para que pudesse eliminar as impurezas, dessa forma estavam
protegendo as pessoas sadias que não tinham a hanseníase. Era

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desumano vê suas casas pegando fogo, sendo rebocado nas


canoas para o local pelo qual iam segregados. Com a criação
da lei os portadores da lepra foram proibidos de ter uma vida
social pelo fato do contagio, uma vez que a medicina não havia
descoberto a cura para a doença.De acordo com Jesus e Costa
(2012):
Em 1949 foi sancionada a lei número 610, 13 de ja-
neiro de 1949 pra regulamentar o processo de segre-
gação dos hansenianos no Brasil em todo o território
Nacional, essa lei veio reforçar a lei criada em 1920
que trazia a política do isolamento compulsório aos
portadores da lepra. (JESUS E COSTA, 2012, P.33)

Surgimento da Hanseníase no Amazonas

A lepra chega ao Amazonas através do processo mi-


gratório dos emigrantes Nordestinos e vem para Manaus fu-
gindo de uma grande seca que assolava aquela Região e que
duraram três anos. Conforme Teixeira (2009) afirma que:
Vários fatores contribuíram para que grande contin-
gente humano do Nordeste fosse transferido para a
Amazona. No entanto, a grande seca de 1877, foi o
maior e mais imediato, pois coincidiu com o período
da borracha iniciava uma fase considerável expansão.
Assim deu-se inicio ao formidável deslocamento hu-
mano. (TEIXEIRA, 2009, P.36).

A Economia no Amazonas prevalecia com a extração


gomifera e muitos migram para Manaus em busca de ganhar
dinheiro, o Governo Federal anuncia em todo Território que
Manaus é a terra para se ganhar dinheiro, pois a mão de obra
encontrava-se escassa nesse período por quem fazia a extração
do Látex era os indígenas Omaguas, estes não se adaptaram ao
corte, abandonaram e fugiram, pois a sua cultura era de caçar e
pescar. Muitos com o objetivo de ficar ricos e começa um fluxo
de migração, o Ceara foi o que mais houve pessoas vindo para
o Amazonas.

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Houve um fluxo migratório de pessoas vindo dos


sertões para Manaus em busca de trabalho, porém muitos es-
trangeiros vieram para Manaus atraídos pela noticia que havia
muitas riquezas concentradas em Manaus, uma grande opor-
tunidade de fazer fortuna.A esse respeito Bechimol (1999)
aponta que:
No decorrer desse longo período acima, de quase 80
anos, a Amazônia recebeu uma considerável massa
humana de imigrantes Nordestina, aqui generica-
mente conhecida, como Cearenses. Procediam ge-
ralmente da zona s do agreste e do sertão do Ceara,
Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, e ou-
tros Estados Nordestino, sendo tangidos pela seca,
imigração por fome, ora simplesmente atraídos pelo
apetite de seringa- imigração por cobiça, fortuna e
aventura, ou simultaneamente por ambos.(BECHI-
MOL,1999,P.135-136).

Fica evidenciado que o Amazonas recebeu um con-


tingente de imigrantes Nacional e estrangeiros que vem para
Manaus em busca de riqueza e traz consigo as doenças.Dias
(2007) defende que:
Manaus no século XIX passa por um processo de ur-
banização a cidade esta sendo construída no modelo Frances,
a economia prevalecia como apogeu da borracha, portanto a
cidade recebeu um contingente de imigrantes, migrantes apar-
tir do momento que eles vêm trazem consigo as doenças como:
Lepra, Beri, pelas condições que se encontrava na palperizaçao,
muitos ficam na cidade, nem todos consegue se alocar para o
interior ,suje na cidade uma profilaxia de doentes,a saúde não
era prioridade,o Estado e pressionado pela Elite extrativista da
borracha,a uma solução para o problema que se encontrava na
Cidade,os hansenianos com sua s chagas causava repudio as
damas da alta sociedade.(DIAS 2007,P.117).
O Estado tinha por objetivo divulgar para o mundo
que Manaus era a terra para se ganhar dinheiro e viver com
tranquilidade, a finalidade era atrair novos investidores, uma

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vez que Manaus foi construída para receber o capital inglês


nesse período acontecia na Europa a Revolução Industrial com
o surgimento da empresa automobilística, Manaus exportava
seu produto para a Europa . Através do código de postura do
Município o Governador Eduardo Ribeiro, exclui os pobres, os
leprosos, as prostitutas, os desocupados para um local designa-
do para eles.
A riqueza propiciada pela borracha somente foi para a
classe Burguesa, ilusão para os migrantes que vieram. Os lepro-
sos foram excluídos da sociedade e levado para Umirasal, mas
tarde no declínio da borracha e o alto crescimento da lepra. O
Estado aplica a política do isolamento compulsório aos porta-
dores da lepra para Paricatuba.
Hanseníase
A hanseníase é uma doença causada pelo bacilo quan-
do não tratada evoluir para deformidade causando problema
psicológico na pessoa infectada. Segundo o Ministério da Saú-
de (2002) explicita que:
A hanseníase e causada pelo Mycobacterium leprae, ou
bacilo de Hanses,que e um parasita intracelular obri-
gatório,com afinidade por células cutâneas e por célu-
las dos nevos periféricos,que se instala no organismo
da pessoa infectada, podendo se multiplicar.O tempo
de multiplicação do bacilo e lento,podendo durar, em
media,de 11 a 16 dias.O M.leprai tem alta infectividade
e baixa patogernicidade,isto e infecta muita pessoas só
poucas adoeces.O homem e reconhecido como uma
única fonte de infecção (reservatório), embora tenham
sido identificados animais naturalmente infectados.(
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002 P. 12)

Sendo a hanseníase responsável pelo estigma do pre-


conceito e exclusão social podendo conviver várias pessoas em
uma casa somente uma contrai a doença porque depende da
imunidade da pessoa.
Haja vista que a hanseníase é transmitida de pessoa
para pessoa através do contato íntimo e prolongado o aspec-

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to econômico, tais como higiene está relacionada ao contagio.


Diante do contexto nem todos e infectados pelo bacilo. Portan-
to a hanseníase é transmitida quando a pessoa infectada não
busca tratamento a doença atinge todas as idades e sexos.
Portanto a hanseníase é transmitida quando a pessoa
infectada não busca tratamento a doença.
De acordo com A OMS (Organização Mundial de
Saúde, 2000).
A hanseníase e uma doença transmissível causada
por uma bactéria. Afeta principalmente a pele e o nervos. Ela
progride lentamente e tem um período de cubaçao médio 3
anos.A hanseníase pode atingir todas as idades e ambos os se-
xos .A hanseníase e curável.A PQT mata a bactéria interopem
a transmissão da doença.O doente de hanseníase pode e deve
levar uma vida completamente normal.Quando o diagnóstico
e feito na fase inicial da doença e tratada com PQT, a hansenía-
se não causa deformidade.(OMS,2000,P.8)
A priori se hanseníase não for tratada evolui para a
deformidade, ocasionando problemas na pessoa com a doença,
muitos escondem a doença por medo e preconceito da socie-
dade e da própria família, do emprego, pois se o empregador
souber lhe dará as contas, por isso que a hanseníase vem au-
mentando nos interiores do Amazonas e em Manaus. Muitas
das vezes o paciente é oriundo do interior do Amazonas que
por falta de recursos não busca o tratamento, quando chega a
Manaus a doença já esta em alto grau de deformidade, sendo
assim submetido ao tratamento, porém a vacina irá matar o
bacilo, mas este ficará deformado, a prevenção e o caminho
indicado para prevenir a hanseníase.
PROCESSOS HISTÓRICOS DA COMUNIDADE DE
PARICATUBA E O LEPROSÁRIO BELIZÁRIO PENA
Portanto com o crescimento da hanseníase o Estado
constrói um leprosário hospital colônia para ser o novo destino
dos hansenianos, o local deveria seguir o modelo francês de di-

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fícil acesso para os doentes não fugirem e o responsável manter


a vigilância e o controle do Estado Paricatuba foi o local pensa-
do e perfeito para abrigar os doentes de lepra.
Galvan (2003, P.26) nos afirma que “Paricatuba esta
situada as duas horas de viajem pelo rio, da cidade de Manaus.
Este passou a ser o novo destino dos doentes”.
Diante dos grandes fatos, os governantes do Estado
do Amazonas aplicaram a política de isolamento e exclusão
como forma rápida e eficaz de resolver e solucionar os proble-
mas. Essa política excludente só foi possível porque os gover-
nadores do Amazonas aplicaram o modelo francês, a França
no século XIX desenvolveu uma política disciplinar excludente
aos portadores da lepra, estes eram afastados da cidade no local
designados para estes, o Governo francês mantém uma políti-
ca excludente de vigilância e punição chamada por Foucault
como sequestro disciplinar onde os leprosos não tinha autono-
mia para o seu próprio corpo.Nesse sentido, Foucault (2008)
defende que:
O leproso e visto dentro de uma pratica de rejeição,
do exílio – cerca; deixa-se que se perca lá dentro como
numa massa que não tem muita importância diferen-
ciar os pestilentos são considerados num policiamen-
to tático meticuloso onde a diferenciações individuais
são efeitos limitantes de um poder que si multiplica,
se articula e subdivide .(FOUCAULT, 2008, P.164).

Fica evidenciado que Manaus passou por um proces-


so de embelezamento e transformação, quando a economia
prevalecia, a borracha propiciou a construções de grandes mo-
numentos inspirado no modelo Francês, a política de segrega-
ção de exclusão de vigilância, foi oriunda da França onde os
governadores aplicaram para os portadores da lepra, a mesma
vigilância, perseguição que os leprosos sofreram na Europa os
Brasileiros sofreram. Paricatuba tem toda uma historicidade
construída no século XIX para abrigar a elite extrativista da
borracha, quando a economia estava em alta, foi construída

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uma grande hospedaria para abrigar os andarilhos e viajantes.


De acordo com Silva (2008),
Paricatuba inicia suas atividades em 1898, com a
construção de uma hospedaria para os emigrantes.
Em 1900,o Governador Constantino Nery ofereceu
o prédio para a missão de uma obra Educacional
administrada pelos Padres. Em 1906 ,foi a primeira
Escola Técnica do Amazonas .Em 1916, foi uma casa
de detenção ,em 1922,ocorreu um aumento de caso
de hanseníase no amazonas .Em 1924, o Governador
Turiano Chaves Meira cedeu o prédio de Paricatuba e
passa a si tornar leprosário .(SILVA ,2008 P.51).

Para se tornar leprosário o Paricatuba passou por esse


processo, inicia o processo de exclusão isolamento dos doen-
tes de lepra, tornando o destino dos hansenianos uma política
de coesão, um crime praticado pelos agentes e médicos e pelo
Estado, essas pessoas foram arrancadas do seio da sua família.
Hoje o Paricatuba tem acesso por meios terrestre
sendo localizado no Município de Iranduba, o local ficou por
anos isolados o Estado não tinha interesse de abrir estrada pelo
medo da doença repercutiu por muitos anos em Paricatuba.
Silva (2008) aponta que,
Em 1970 foi instalada uma missão religiosa denomi-
nada Missão Pistoia da igreja católica, liderada pelo
padre Humberto Guidotti, que em 1982 reconstruiu
parte do edifício e dos equipamentos comunitá-
rios,proporcionando a estruturação da vila com apoio
do INCRA que cedeu ao Centro Social fazendo com
que as pessoas (ex-pacientes)retornassem e La fixasse
residência,assim ,como,muitas outras pessoas chega-
ram e também construíram suas casas ,constituindo a
localidade de Paricatuba em 1990. (Silva, 2008, p.53).

Paricatuba vem passando por uma metamorfose,


transformação com a chegada de novos moradores que vem
povoar a comunidade.

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Colônia Antonio Aleixo


Ao falar da Colônia Antonio Aleixo trás consigo o
estiguima do preconceito que está presente nos dias atuais, a
Colônia Antonio Aleixo foi o local pensado e designado para
segregar, isolar e excluir os leprosos de Paricatuba, os hanse-
nianos sofrem a segunda segregação, pois são retirados do Pa-
ricatuba para o bairro Colônia Antônio Aleixo, esse local ficava
distante da Cidade de Manaus. Havia toda uma vigilância so-
bre os doentes, uma vez que houve o comentário que as águas
de Paricatuba estava contaminada com a lepra,pois os hanse-
nianos banhava se no Rio. Ribeiro (2011) defende que:
Na década de 40, decidiu-se transferir os doentes
para outra área situada a 32 km do centro de Manaus,
nas proximidades de um lago. Esta localização satisfa-
zia as autoridade e a população, pois não haveria, mas
a possibilidade de contaminar a cidade. Este novo le-
prosário foi dado o nome de Colônia Antônio Aleixo.
(RIBEIRO,2011,P.71).

A exclusão, e o isolamento dos hansenianos só foram


possíveis porque o Estado utiliza de estratégia causando pâ-
nico sobre o contagio da lepra. Diante dos fatos a segregação
só ocorreu porque o médico sanitarista Wosvaldo Cruz pro-
pôs que os doentes precisavam ficar em um local com bastante
floresta onde eles pudesse tirar da terra seus sustentos, consi-
derados um peso morto para o Estado, era uma forma deles
desaparecesse de forma natural, sendo que pela mutilação não
tinha capacidade de trabalhar na agricultura e subsidiar seus
produtos, mesmo doente eles plantavam seus produtos eram
vendido de forma barata, uma vez que se a sociedade soubesse
que estava consumindo o produto plantado pelos hansenianos
o preconceito e o medo prevaleciam.
Os Educandários e a Adoção Ilegal dos Filhos dos
Hansenianos.
A segregação e o isolamento compulsório dos han-
senianos só foram possíveis porque havia uma legislação que

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tornava legal o isolamento compulsório dos portadores da le-


pra, uma vez que o Estado não sabia como tratar a doença.
O processo de segregação se iniciou no governo de Getúlio
Vargas, aplicando uma política sanitarista, apoiando práticas
excludentes aos leprosos, através da coerção.
O processo de segregação se iniciou no governo de
Getúlio Vargas, aplicando uma política sanitarista, apoiando
práticas excludentes aos leprosos, através da coerção. Ribei-
ro (2011) afirma que: “A política sanitária na era getulista; e a
segregação no Amazonas, mais especificamente na cidade de
Manaus, onde a hanseníase tornou endêmica com o advento
da exploração da borracha no século XIX. (RIBEIRO, 2011,
p.43).
Quando Hanses propôs o isolamento compulsório
dos hansenianos, ele não falou como seria aplicada essa polí-
tica de perseguição, barbárie, atrocidade aos filhos dos hanse-
nianos. As crianças, filhos de leprosos, eram arrancados dos
seios de sua família e levado para os Educandários, construído
para esses fins, a mulher portadora de lepra ao ser diagnosti-
cada com hanseníase tivesse grávida havia uma enfermeira 24
horas esperando a mesma dá a luz, e imediatamente a criança
era levada para os Educandários, aos cuidados das freiras. Ha-
via uma legislação que dava poder e tornava legal a adoção.
O isolamento compulsório não se estendeu aos pais,
mas aos filhos dos hansenianos, sendo retirado do seio de sua
família, ocasionou danos a vida dessas pessoas. Em consonân-
cia Ribeiro (2011) retrata que:
A separação repetina da família, dos amigos, da pró-
pria terra, constituía uma grande violência para os
doentes. Tratava se de uma morte social, pós-muitos
deles sabiam que não voltaria a ver seus familiares. A
forma como era levados, rebocados em canoas por
um barco, representava um grande desrespeito a dig-
nidade humana, justificado pelas normas sanitárias
vigente em defesa das pessoas sadias e do capital. (RI-
BEIRO 2011, P.74).

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A forma que essas pessoas foram tiradas do seio fa-


miliar para o hospital Colônia Belizário Pena em Paricatuba,
ao chegarem morreram de depressão, tristeza e dor, logo a sau-
dade era grande de seus filhos. A segregação e o isolamento
compulsório dos filhos dos hansenianos só foi possível porque
existia uma legislação que legalizava essa prática.
Os estados do Rio de Janeiro e São Paulo foram os pri-
meiros estados a adotarem essas medidas e, após esse primeiro
procedimento de higienização, 29 anos depois foi sancionada a
Lei nº 610, de 13 de janeiro de 1949 para regulamentar o pro-
cesso de segregação dos hansenianos no Brasil em todo terri-
tório nacional, padronizando o isolamento compulsório como
forma de exclusão das pessoas doentes no país, de modo que
servisse de controle da doença.
A lei da separação repetina da família ocasionava
problema e danos psicológicos na vida das crianças, nos locais
designados para estes fins o educandário havia toda uma disci-
plina, as crianças eram treinadas a fazerem trabalho doméstico
e os homens aprendiam a ser carpinteiro, houve um fluxo de
adoção ilegal que fazia das freiras responsáveis pelas crianças
sendo adotadas por família Brasileiras e Europeias. Os filhos
das mulheres doentes, ao nascerem imediatamente eram reti-
rados para que não fossem contaminados pela doença.
De acordo com o Movimento Reintegração das Pes-
soas Atingidas pela hanseníase – Morham (DIÁRIO DO
AMAZONAS, 2014), a política de segregação foi um crime
que o Estado cometeu ao separar os filhos dos seus pais. (DIÁ-
RIO DO AMAZONAS, 2014, P.23).Segundo o jornal Diário do
Amazonas (2014):
Instalada inicialmente na colônia do Paricatuba, no
município de Iranduba, a mãe de Zeida afirma que
aos 14 anos foi isolada na colônia junto a Irmã. Em
1968,quando foi transferida para a capital,a mãe da
idosa, acompanhou os filhos, mas não pode ficar na
colônia por não possuir a doença. “Minha mãe rala-
va por Manaus” já que não conhecia ninguém ficava

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no sofrimento. Chorava de febre com os seios cheios


de leite e não podiam amamentar, conta emocionada.
(DIARIO DO AMAZONAS, 2014, P.23. Acesso outu-
bro de 2015, as 22:00).

A mãe não tinha oportunidade de amamentar e cuidar


dos seus filhos ocasionava um sofrimento, por parte do Esta-
do, pois a mãe carregava aquela criança por nove meses no seu
ventre e por falta de uma política mal elaborada ela era afastada
cruelmente dos seus filhos. Elas adoeciam de saudades, e a febre
tomava conta do corpo dessas mulheres que tinham os seios pe-
drados por não amamentar e a dor tomava conta dessas mulhe-
res que não conseguiam uma saída para suas dores e lamurias.
As Políticas de Saúde Voltada aos Hansenianos
As políticas de saúde no Brasil foram decorrentes das
lutas nesse período o Brasil recebe emigrantes que já tinha ex-
periência como acontecia as lutas por direitos na Europa. A
classe trabalhadora se une e luta por direitos no século XVIII
ao século xx, transformações ocorreram na área da saúde.
A esse respeito Bravo (2009) defende que:
No século XVIII, a Assistência era pautada na filan-
tropia e na pratica liberal. No século XIX em decorrência das
transformações econômicas e política.Algumas iniciativas sur-
giram,no campo da saúde publica com a vigilância do exercí-
cio profissional e a realização de campanhas limitados.(BRA-
VO,2009,P.89 – 90 ).
Para os Autores, a saúde pública passou por um pro-
cesso de transformações, devido as mudanças como a reforma
Carlos Chagas que tenta ampliar o atendimento a saúde mesmo
diante do cenário da crise política na década de XX. No Brasil,
inicia- se o processo de Industrialização e como consequência
luta –se por direitos tardiamente também e com isso ouve
greves, passeatas, entre outras lutas .
O embate com a polícia pata que o Estado pudesse
perceber que o seu papel de mediador estava sendo exigido pela
população. A Hanseníase como problema de saúde não desper-

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tou interesse das autoridades, em buscar estudos para tratar as


doentes.
De acordo com Galvan, em 1986, provavelmente mo-
tivados pelos AIS. / a realização 7 conferência Nacional da saú-
de teve uma significativa mobilização Nacional da saúde teve
uma significativa mobilização adesão e participação em rede
Nacional nela podiam – participar outros setores organizados
na sociedade.(Galvan,1986).
Outros debates dessa conferencia conduziram o pro-
cesso decisórios que culminaram em diretrizes que embasaram
o Decreto Presidencial de 1987 criando o sistema unificado e
Descentralizado (SUD). Porem nesta conferência, a questão da
Hanseníase não foi mencionada.
A Hanseníase era vista nesse período sendo problema
de saúde, o Estado não buscou mecanismo para tratar a doen-
ça. A Hanseníase era vista como doenças de pobres, de negros,
aquelas pessoas que se encontravam na Palperizaçao o Estado
não colocou como prioridade, como outras doenças, podemos
citar a Tuberculose e a AIDS que são doenças que atinge a clas-
se econômica.
Em consonância com Queiroz e Puntel (1997, P. 48)
“Em março de 1960 o Ministério da Saúde promove a 8 ª Con-
ferência Nacional de saúde no qual teve um lugar amplo dis-
cussão sobre os principais problemas de Gerenciamento, con-
trole e administração de saúde na população Brasileira”.
Em Manaus, como parte da programação do Dia
Mundial de Luta contra Hanseníase, as unidades de saúde de
Manaus vão realizar ações educativas contra a doença. De acor-
do com o secretário municipal de Saúde, Francisco Deodato, as
unidades vão organizar palestra com distribuição de material
informativo sobre a Hanseníase e vão realizar exame clínico
de pele para detectar a doença. Alguns Distritos de Saúde vão
realizar blitz educativas em espaço Público.
Segundos dados da MS, cerca de 15 (quinze), em cada
cem mil habitantes, adquiriram a doença em 2011 no Amazo-

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nas o que corresponde a 538 casos. De acordo com dados do


Governo do Amazonas, aproximadamente, 250 dos pacientes
residem em Manaus e 300 nos municípios do Estado. Segundo
a chefa do Departamento de Controle de Doenças da Fundação
Alfredo da Mata (FUAM), em Manaus, instituição referência
ligada ao combate da hanseníase no Estado, Valderiza Pedro-
sa diz que “apesar dos números, ainda não é possível afirmar
que houve queda de novos casos da doença no Amazonas e os
dados ainda não estão fechados e alguns Municípios fornecem
dados parciais”.
Metodologia
O estudo aqui apresentado teve como objetivo identi-
ficar os principais fatores que levaram os Portadores de Hanse-
níase a passarem por um processo de segregação na Cidade de
Manaus e no Estado do Amazonas, bem como analisar os prin-
cipais entraves existentes e os recursos existentes e os recursos
atualizados pela política sócio assistencial no combate a essa
problemática da Hanseníase em sua política de atendimento ao
usuário e a exportadores da hanseníase.
A pesquisa realizada nesse trabalho pode ser classifi-
cada por seu caráter bibliográfico, que permitiu maior intimi-
dade com os recursos a serem utilizados na captação de ques-
tões relevantes nas entrelinhas da pesquisa em relação com o
objeto paralelo da mesma, onde foi feito coletas de informações
a respeito da problemática abordada através da observação.
De acordo com Lakatos e Marconi (2001, p.190) “a
observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir
informações e utilizar os sentidos na obtenção de determinado
aspecto da realidade”.
Neste trabalho foi inserida uma proposta metodológi-
ca qualitativa de estudo para que pudesse entender os motivos
pertinentes sobre a Barbárie que os ex-portadores da Hanse-
níase passaram ao viver o período de segregação em Manaus,
buscando compreender os fatores concretos ou ocultos da

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desproteção social e barbárie que viveram na Manaus da Bel-


le Époque, e em plena selva Amazônica, procurou-se analisar
inicialmente cada categoria e objeto de análise e seus principais
condicionantes.
Análise e Interpretação dos Resultados.
As sequelas e marcas deixadas pela separação dos pais
de seus filhos presentes nos dias atuais. Sobreviver a esses atos
de barbárie e crueldade é uma vitoria, as marcas pelo precon-
ceito estão presentes nos dias atuais, até mesmo com os pró-
prios familiares, os filhos segregados lutam por direito a essa
indenização, esse dinheiro não significa nada diante das atro-
cidades vivenciadas.
Se a indenização aos filhos separados de pais portado-
res de hanseníase for concedida, o país passa a ser o primeiro a
adotar essa postura.
De acordo com Rogério Sottili, ex-secretario-executi-
vo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Repú-
blica, a instituição da pensão e mais do que uma compensação
econômica, e uma forma de “desculpas Públicas”. De acordo
com o Morhan, a Lei Federal 11.520 assegura um benefício
as pessoas que tiveram hanseníase, mas somente para quem
foram internadas em clínicas. O ex Hanseniano João Pereira
defende que:
A indenização nada mais é do que um alivio de todo
sofrimento enfrentado pelos ex–portadores “Agora as pessoas sa-
bem que a hanseníase tem tratamento, que estamos curados. Na-
quela época era feio. Eu nunca estudei tinha que sair dez horas da
noite para tomar banho, porque as pessoas não deixavam tomar
banho de dia. Eu vivia totalmente escondido da sociedade. Se essa
indenização e por causa do preconceito, eu sou um que já deveria
ter recebido. Eu me sinto descriminado de novo, do mesmo jeito
que antes” (Diz.João Pereira ex hanseniano, 2015)
A Lei só beneficia quem ficou em hospital – colônia,
muitos ficaram internados nas matas, nos seringais

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não sabiam onde era a distância também, foram para


outros municípios, tinha o hospital Souza Araujo,
localizado em Rio Branco, AC, superlotados, outros
ficaram em hospitais de base.

Somente no Acre temos registro de mais de mil filhos fo-


ram separados dos seus pais no Acre. Em Manaus, a ma-
nifestação à indenização aos filhos separados de pais
portadores de hanseníase teve inicio com a discussão
realizada no dia 26 de Abril de 2011 na sede da Or-
dem dos advogados do Brasil (OAB-AM) durante o
projeto filhos separados promovidos pelo Movimento
de reintegração de pessoas Atingidas pela Hanseníase
(Morhan) que tem ocorrido em todos os Estados do
país.

A pesquisa revelou outros percalços no contexto à in-


denização dos filhos separados, isto porque em alguns
lugares os registros, a lista com a relação dos nomes
dos pacientes e lista com os nomes dos filhos encami-
nhados a educandários, preventorios, e outros locais
que possivelmente essas crianças tenham sido enca-
minhadas. Foram queimados, extraviados, o que difi-
culta, a comprovação para alguns filhos segregados de
pais portadores da Hanseníase.

Em 28 de abril de 2015, durante audiência Pública


realizada na Assembleia Legislativa do Amazonas
(ALE-AM). O movimento de Reintegração das Pes-
soas Atingidas pela hanseníase (Morhan) em Manaus
o Morhan cobrou das Autoridades uma indenização
para os filhos que foram separados dos pais no pe-
ríodo dos antigos leprosários.De acordo com o jornal
Acrítica (2014) os Morham:

No Amazonas, o Morhan estima que 400 filhos fo-


ram separados dos pais em meados da década de 30.Segundo o
coordenador Nacional do movimento, Artur Custodio,o deba-
te tem o objetivo de apoiar a luta para aprovar uma emenda à
Lei Federal nº 11.520/07 e tramita no Congresso Nacional, que
garantirá uma reparação financeira de R$ 50 mil a cada filho
separado. (Acrítica .UOL 09/05/2014).

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A pesquisa aponta que fica evidenciado que as lutas


por direito a essa indenização está longe de ter um final feliz
para os filhos de ex-portadores da hanseníase é o valor não
paga o que essas pessoas sofreram, mas tenta reparar erros co-
metidos pelo Estado e que afetou mais de 40 mil pessoas em
todo o Brasil.
Considerações Finais.
Durante a realização deste trabalho foi possível ter co-
nhecimento da realidade dos ex-portadores da hanseníase e de
seus filhos, também compreender a luta por direito a essa re-
paração aos filhos segregados de seus pais por parte do Estado.
Como podemos ressaltar esta pesquisa não deixa de
ser importante tanto para a nossa vida acadêmica como para
a vida profissional e para a sociedade de um modo geral, nos
estudos e análise da atual população brasileira percebe-se que
esse processo de segregação deu-se em todo o Brasil é preocu-
pante que o Amazonas vem mostrando um aumento de pes-
soas infectadas com o bacilo da hanseníase tendo em vista que
tais dados são necessárias intervenções para que haja um con-
trole sobre a doença.
O presente trabalho apresentou as respostas encon-
tradas na investigação das pesquisas sobre a questão nortea-
dora em ainda haver resistência por parte do Estado na repa-
ração aos filhos segregados de seus pais, e em ainda haver alto
índice de focos de Hanseníase em Manaus se dá pelo abandono
do paciente ao tratamento; ao longo período de tratamento;
os efeitos colaterais dos medicamentos; os preconceitos; a falta
de ampliação; aos programas voltados outros espaços além de
hospitais, como as escolas, igrejas, e outros espaços sociais; a
falta de atendimento a saúde nos Municípios e interiores do
Estado, entre outros.
Frente a essas descobertas pontuou-se que não há
Políticas Públicas especificas para o enfrentamento da Hanse-
níase, mas sim programas, projetos e campanhas de combate a

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Hanseníase desenvolvido e implementado pelo Ministério da


Saúde do Governo Federal, porém esses programas não dei-
xam de fazer parte da Política de Saúde.
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de Almeida.Revista e Corrigida no Brasil.Ed.1995 .São
Paulo:Sociedade Bíblica do Brasil,1995.
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Manaus: Editora Valer, 1999.
BRAVO, MARIA, Inês de Souza. Saúde publica – 4. Ed. – São
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o medo da morte. / João Bosco Botelho. - Manaus: Ed. Valer,
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retiradas dos Pais Hansenianos ao nascerem. Caderno
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2008 – 288p.
Galvan, Alda Luiza.Hanseníase (lepra): que representações
ainda se mantém ?/ Alda Luiza Galvan. –Canoas: Ed. UBRA,
2003

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1.Medicina.2 Epidemiologia 3.Saúde Publica – Manaus


AM.4.Hanseníase –Diagnostico -Tratamento.5.Mal de
Hansen – doente- aspectos psicológicos.6.Lepra- aspectos
sociais.I.Titulo.
JESUS, Eric Gamboa Tapajós de; COSTA, Antônio José Vale
Da. Isolamento, história da segregação dos hansenianos no
Amazonas. Inter com – Sociedade Brasileira de Estudos
LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina De Andrade.
Técnicas de pesquisa. 5ª Edição, São Paulo Editora Atlas,
2001.
RIBEIRO, Maria de Nazaré de Souza. De leprosário a bairro:
reprodução Social. Em espaço de segregação na Colônia
Antonio Aleixo (Manaus- AM).São Paulo.Esp.,2011.
SILVA, Glaubecia Teixeira da. Percepções sócio - espaciais e
de turismo em Paricatuba.
Teixeira, Carlos Correa.Servidão Humana na selva - O
aviamento e o barracão nos seringais da Amazônia / Carlos
Correa Teixeira. Manaus: Editora Valer / Edua, 2009.
Queiroz, Marcos de Souza A endemia hasênica: uma
perspectiva multidisciplinar./Marcos de Souza Queiroz;
Maria Angélica Puntel – Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. 12º p.1
Hanseníase. I. Puntel, Maria Angélica. CDD. -20. Ed.- 616.998
Sites
http://acritica.ol.com.br/noticias/Audiencia-indenizacao-
separados-hansenianos-Amazonas_0_1347465253.html .
Acessado às 18:00,em outubro de 2015.
http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/09/mais-de-300-
ex-hansenianos-ainda-lutam-por-indenizacao-no-ac.html .
Acessado às 18:00, em outubro de 2015.
http://g1.globo.com.br/aumento caso de hanseníase g1.globo.
com//Manaus 28/01/2012-Atualizado em 31/05/201/acessado
em 22/10/2015

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A REALIDADE SOCIOECONÔMICA DAS


DETENTAS DO SISTEMA PRISIONAL DE
MANAUS AMAZONAS E A SITUAÇÃO DE
VIOLÊNCIA EM VÁRIOS ASPECTOS

SILVA, Jaqueline Rodrigues da1


OLIVEIRA, Célia Maria Nascimento de2
Introdução
A presente pesquisa visa abordar a realidade socioe-
conômica e educacional das mulheres que cumprem pena no
sistema prisional de Manaus no Estado do Amazonas, assim
com também a situação de violência em que as mesmas passa-
ram ou ainda se encontram para estares encarceradas em seus
vários aspectos.
Pretende-se, portanto, realizar um estudo acerca dessa
população carcerária feminina para que os órgãos competentes
através de seus gestores possam auxiliar na elaboração das po-
líticas públicas voltadas para melhoria e reinserção dessas mu-
lheres na sociedade, pois com o referido estudo constatou-se
que a maioria dessas mulheres detentas do sistema prisional de
Manaus, são de baixa renda e com baixa escolaridade, as quais
têm residências nos bairros periféricos da nossa Capital e cum-
prem pena por tráfico de drogas.
1 Jaqueline Rodrigues da Silva, Estudante de Pós-graduação pela Fa-
culdade Salesiana Dom Bosco em Políticas Públicas no Enfrenta-
mento da Violência Intrafamiliar. jackierodrigues78@hotmail.com
(92) 92529663
2 Célia Maria Nascimento de Oliveira, Estudante de Pós-graduação
pela Faculdade Salesiana Dom Bosco em Políticas Públicas no En-
frentamento da Violência Intrafamiliar, Assistente Administrativo
no Erudio Soluções em Gestão Empresarial e Apoio Educacional
LTDA em Manaus. celia_mani@hotmail.com (92) 92815079..

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Essas mulheres encarceradas vivem diversas situações


de violência, onde a maioria é causada por seus cônjuges, o que
para elas é comuns e muito corriqueiras, dessa forma perceber-
-se que essas situações de violência contribuem para o ingresso
das mesmas no mundo da criminalidade. Relata-se, portanto,
vários tipos de violência sofrida entre essas mulheres as quais
classificamos como; violência estrutural, violência de gênero,
violência doméstica, violência psicológica, e violência física,
que são cometidas pelos companheiros dessas mulheres, o que
se agravam no ambiente prisional.
Sabe-se que as condições de sobrevivência sadia das
mulheres encarceradas são precárias, por vários fatores como;
a superlotação, os ambientes insalubres, que oferecem altos ris-
cos à saúde física e psicológica, onde aliadas a esses fatores vi-
sualizou-se que as características psicológicas e emocionais são
inerentes às mulheres tornando-as mais suscetíveis.
Podemos observar que há grande carência das políti-
cas públicas voltadas à mulher encarcerada que as vislumbrem
como sujeito de direitos inerentes à sua condição de pessoa hu-
mana dando especial atenção às suas especificidades advindas
das questões de gênero, bem como a educação, o trabalho e a
preservação de vínculos sociais e familiares.
A metodologia embasa para o percurso desse trabalho
se deu com os dados obtidos através de coleta de informações
documentais, livros, artigos científicos, relatos de familiares e
visitantes da cadeia, utilizando-se da rede mundial de compu-
tadores e dados da Secretária do Estado de Administração Pe-
nitenciária, através da Escola de Administração Penitenciária
do Estado do Amazonas (ESAP) em Manaus.
Desenvolvimento
Com a chegada do século XXI, percebe-se que o sis-
tema prisional no País em todos os sentidos pose-se dizer que
melhorou em vários aspectos, porém ainda precisa avançam
em muitos fatores, sobretudo na elaboração das políticas pú-

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blicas voltadas para melhoria e reinserção das mulheres presi-


diárias na sociedade, onde se deve incluir educação de quali-
dade em todos os níveis e qualificações para todas sem exceção
de faixa etária e nível social, como forma de profissionalismo
durante sua estadia nos presídios, para que assim possam ser
reinseridas na sociedade como sujeitas de direitos e deveres de
cidadã.
FREIRE (1997) afirma, “o saber se faz através de uma
superação constante, o saber superado já é uma ignorância -.
todo saber traz consigo sua própria superação. Portanto, não
há saber ou ignorância absoluta: há somente uma relativização
do saber ou da ignorância”.
Assim, a revitalização do saber é essencial para uma
amplitude do conhecimento, a qual levará as presidiárias a se
socializarem com uma educação qualificada voltada para o
melhor profissionalismo e reinserção social como um todo.
Assim, é de suma importância a presença dos direitos huma-
nos na busca da reorganização desse novo modelo de reinser-
ção dessas mulheres.
Hoje a presença dos direitos humanos dentro das pe-
nitenciárias como um todo é marcante, sobretudo nas lutas e
espaços por direitos conquistados em todos os âmbitos, onde
continua desencadeando melhores formas de ressocialização
das presidiárias promovendo melhor fiscalização para o en-
frentamento da violência entre as detentas.

A REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O objetivo da reclusão de pessoas que cometeram cri-


mes no Brasil é reprimir, prevenir e promover a ressocialização
do indivíduo com a redução das desigualdades sociais, como
prevê os artigos 1º, 3º e 5º da Constituição Federal de 1988.
A partir desse dispositivo, verifica-se a importância da resso-
cialização como meio de evitar a marginalização dos detentos
quando retornarem ao convívio em sociedade.

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A Constituição também busca conferir um tratamen-


to adequado aos reclusos, com todas as condições necessárias
ao cumprimento da pena sem a ofensa aos direitos que lhes são
inerentes. Portanto, o objetivo não é apenas punir, mas recolo-
ca-los na sociedade de forma que não voltem a cometer crimes,
e tenham uma convivência saudável no meio onde vivem.
Porém, o panorama do atual sistema prisional brasi-
leiro, ainda precisa de muitos fatores para desenvolver e im-
plantar de forma adequada as políticas públicas existentes de
acordo com o que rege a lei, pois a falta de vagas adequadas nos
presídios e o estado precário dos estabelecimentos já existen-
tes anulam as expectativas de recuperação dos presos, uma vez
que a reincidência é de aproximadamente setenta por cento.
De acordo como (INFOPEN 2014), a população car-
cerária feminina no Brasil aumentou de 5.601, para 37.380 de-
tentas, entre 2000 e 2014, um crescimento de 567% em 15 anos.
A maioria dos casos de detenção são por tráfico de drogas, mo-
tivos esses de 68% das prisões de acordo com. No total, as mu-
lheres representam 6,4% da população carcerária do Brasil, que
é de aproximadamente 607 milmulheres presas.
Com isso, o Relatório do IPEA (2016) afirma que a
taxa de mulheres presas no País é superior ao crescimento geral
da população carcerária existente, a qual tem um aumento de
119% no mesmo período. Em comparação com outros países
esse percentual passa-se a ser assustador, pois o Brasil apresen-
ta a quinta maior população carcerária feminina do mundo.
A superlotação, a falta de atividades, lazer, programas
e projetos voltados para a reinserção social das mulheres, as
condições precárias de infraestrutura, higiene e saúde, todos
esses aspectos, refletem na realidade dos presídios brasileiros,
inviabilizando a ressocialização das encarceradas, uma vez
que, ao invés de proporcionar um ambiente que as recupere o
Estado as coloca em verdadeiros “depósitos humanos”, contri-
buindo, dessa forma, para o aumento dos índices de criminali-
dade e de violência que assombram a sociedade.

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A população feminina carcerária do Brasil, em sua


maioria é composta por mulheres negras, cerca de 70%, en-
quanto 31% são brancas e 1%, amarela, cerca de 50% das mu-
lheres encarceradas têm entre 18 e 29 anos; 18%, entre 30 e 34
anos; 21%, entre 35 e 45 anos; 10% estão na faixa etária entre
46 e 60%; e 1%, tem idade entre 61 e 70 anos.
Em relação ao nível de escolaridade das detentas
no Brasil, segundo os dados do (Relatório-infopen-mulheres
acesso em 10/03/2016), apenas 11% delas concluíram o Ensino
Médio e o número de mulheres que concluíram o Ensino Su-
perior ficou abaixo de 1%, o que se torna essencial para que os
governantes e gestores dos sistemas prisionais do País possam
fornecer uma educação de qualidade como forma universal,
sendo assim metade das detentas possui o Ensino Fundamen-
tal incompleto, 50%, e 4% são analfabetas.
De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), é de-
ver do Estado, ofertar à pessoa privada de liberdade, todo o seu
direito de cidadã, como: a assistência educacional de qualidade
e universal, com o objetivo de prevenir os crimes, e orientar
o retorno à convivência de todos em sociedade. Sendo assim,
pontua-se;
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever
do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o
retorno à convivência em sociedade.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III - jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa.

A Lei N°. 7.210, prevê que assistência educacional


compreenderá a instrução escolar e a formação profissional da

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pessoa privada de liberdade, com obrigatoriedade no ensino


fundamental. Segundo o INFOPEN, em junho de 2014 havia
5.703 mulheres em atividades educacionais formais e comple-
mentares 25,3% da população total de mulheres com dados
disponíveis no levantamento.
A referida Lei afirma que no caso dos homens, essa
proporção é de 13,5%. Se considerarmos somente as ativida-
des de ensino formal, temos 21,4% das mulheres estudando
e 11,5% dos homens. Das mulheres que estão em atividades
educacionais, se tem 40% delas em formação de nível funda-
mental, correspondendo ao perfil de escolaridade apresentado
anteriormente (50% das mulheres com ensino fundamental
incompleto). 8,8% das mulheres estão trabalhando e estudan-
do dentro do sistema prisional. No caso dos homens essa pro-
porção é de 3,9%. No Estado do Amazonas, o percentual de
mulheres encarceradas em atividades educacionais é de 17,6%.
Nos dias atuais as mulheres presas no Brasil em sua
maioria são jovens, mães solteiras, afrodescendente e na maio-
ria dos casos, condenada por envolvimento com tráfico de
drogas, o que apresenta um vínculo muito forte com a famí-
lia, onde as mesmas muitas vezes prefere permanecer presa em
um ambiente insalubre, superlotado que denunciar um filho
ou companheiro criminoso. Nota-se, portanto que muitas ve-
zes são envolvidas no mundo do crime por forte envolvimento
emocional com outras partes criminosas.
O SISTEMA PENITENCIÁRIO E OS DIREITOS
HUMANOS
O Sistema Penitenciário brasileiro é um espaço de
reprodução das mais variadas violações de direitos humanos,
e apresenta uma característica, sobretudo punitiva e nem um
pouco ressocializadora, esquecendo-se do seu papel educativo
na recuperação dos condenados, mantendo-os dentro de locais
cujas condições são extremamente degradantes, sem estrutura
adequada, em situações humilhantes que os afligem e os es-

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tigmatizam. As execuções das penas aplicadas aos condenados


deveriam estar em conformidade com os fins atribuídos pelo
ordenamento jurídico, porém na prática isso não ocorre. E
como consequências têm a violação dos direitos humanos sem
que haja manifestação do Estado.
Na Carta das Nações Unidas, de 1945, busca reafir-
mar direitos fundamentais do homem, direito a dignidade e
a igualdade entre homens e mulheres, dessa forma elegendo
como propósito a cooperação internacional para resolver os
problemas econômicos, sociais, culturais ou humanitários, e
para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e
às liberdades fundamentais para todos, sem qualquer tipo de
distinção, seja ela de raça, sexo, língua ou religião.
O espírito da Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos se faz claramente presente em nossa Constituição Fede-
ral de 1988 que, já em seu artigo 3º, afirma:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da Repú-
blica Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras for-
mas de discriminação.

Os Direitos Humanos são um desafio constante no


contexto das instituições prisionais, pois o Sistema de Seguran-
ça Pública se presta, principalmente, para aprisionar aqueles
que estão em cumprimento de pena correcional estabelecida
judicialmente, porém possui uma estrutura física inadequada,
insuficiente e deficiente de posturas para reintegração social
devido à grande demanda que ocorre ininterruptamente frente
aos índices constantes e crescentes da criminalidade em meio
à sociedade.

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Relata-se ainda, que os presos ficam desassistidos em


suas necessidades básicas, tendo a saúde negligenciada devido
à superlotação da estrutura física, falta de banhos de sol, má
alimentação, exposição, a doenças contagiosas devido à falta
de condições de higiene, a morosidade a precariedade da assis-
tência judiciária e ainda a situações de violência, corrupção e
arbitrariedades por parte dos agentes de segurança do Estado e
entre os próprios detentos.
A LEP, em seus Arts. 82 e seguintes, enumera os es-
tabelecimentos penais destinados ao cumprimento de pena,
no que se refere às mulheres, a lei estabelece que as mulheres
devam cumprir suas sentenças em estabelecimentos prisionais
distintos. As pessoas com idade superior a 60 anos precisam
ser acomodada em uma instituição penal própria e adequada a
sua situação pessoal. As instituições penais destinadas as mu-
lheres deverão dispor de um berçário, onde as presas condena-
das possam cuidar de seus filhos.
A lei também determina que os presos provisórios
devessem ficar separados do condenado por sentença transi-
tada em julgado e ainda que preso primário deva cumprir a
pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes,
entretanto, a falência do sistema penitenciário brasileiro não
permite que estas disposições legais sejam cumpridas.
Na CF, encontramos o responsável em garantir a segu-
rança pública, através de seus órgãos, como dispõe o art. 144:
Art. 144 A segurança pública, dever do Estado, direito
e responsabilidade de todos, devendo ela ser exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio [...].
O CONHECIMENTO COMO MECANISMO DE
OPRESSÃO E DE LIBERTAÇÃO
O conhecimento educacional é uma forma teórica e
prática de compreensão do mundo os homens e das coisas é
um instrumento para o entendimento das relações dos sujeitos

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entre si e deles com o ambiente em que vivem fazendo do ser


humano um ser diferente dos demais seres viventes na nature-
za. O homem sem o conhecimento torna-se uma pessoa alie-
nada, na medida em que não conheço suficiente uma situação
acaba-se sendo seu próprio objeto, por estarmos submetidos
a ela. Conforme o homem vai saindo do seu estado de igno-
rância vai se tornando o “seu senhor’’, dominante e não mais
dominado pelas transformações tecnológicas”.
Sendo assim, é necessário ampliar o conhecimento da
educação básica a universidade, para que haja ampliação na re-
forma da matriz curricular e que esta esteja ligada diretamente
a mudança de concepção, onde o acúmulo de horas de aula
não cause deficiência no conhecimento, para que não ocorra
fragmentação do mesmo, comprometendo sua capacidade de
realizar uma visão de mundo mais abrangente, mas para que
essas mudanças ocorram de forma eficaz se faz necessário à
valorização da docência, melhores condições de trabalho, uma
boa infraestrutura, como afirma Freire (1997):
“O saber se faz através de uma superação constante, o
saber superado já é uma ignorância. Todo saber hu-
mano tem em si o testemunho do novo saber que há
anuncia. todo saber traz consigo sua própria supera-
ção. Portanto, não há saber ou ignorância absoluta: há
somente uma relativização do saber ou da ignorância”
(P. 15).

A escola tem um importante papel enquanto forma-


dora de opiniões, ela estaria contribuído para criar no aluno/
preso valores como direitos e deveres em sociedade, neste sen-
tido, podem dizer que a educação torna-se uma ferramenta
literalmente libertadora para as detentas que cumprem pena
no sistema prisional de Manaus, pois, abrem-se novos horizon-
tes, liberta-se das múltiplas opressões, das quais se tornaram
prisioneiras, ganhando assim a liberdade, não apenas de uma
cela com grades de ferro, mas das celas, do analfabetismo, da
dependência econômica, das mazelas sociais que as atingem,
das violências sofridas em seu cotidiano.

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A educação escolar tem o importante papel de atuar


na ressocialização de presos e possui como característica fun-
damental da pedagogia do educador em presídios a contradi-
ção, o educador deve saber lidar com conflitos, saber trabalhar
as contradições à exclusão. Neste contexto se insere a impor-
tância da educação escolar como mecanismo de inserção do
indivíduo na sociedade e como meio para levar os seus agentes
à reflexão e a comprometer-se com a transformação de suas
condições materiais.
[...] a primeira condição para que um ser pudesse
exercer um ato comprometido era a sua capacidade
de atuar e refletir. É exatamente esta capacidade de
atuar, operar, de transformar a realidade de acordo
com finalidades propostas pelo homem, à qual está
associada sua capacidade de refletir, que o faz um ser
de práxis (FREIRE, 1979, p. 17).

Observa-se nesta pesquisa que grande parte das de-


tentas é de baixa escolaridade, a qual 50% delas possuem ensi-
no fundamental incompleto, 4% são analfabetas, 8% são ape-
nas alfabetizadas e apenas 11% da população carcerária femi-
nina concluíram o ensino médio, o que dificulta o engesso no
mercado de trabalho formal, são de maioria negra (68%) e mo-
radoras de áreas periféricas com escassez de serviços públicos
e infraestruturas básicas.
A falta de acesso à saúde, educação, saneamento bá-
sico e moradia digna e ao emprego contribuem para que estas
mulheres antes de se tornarem “foras da lei”, também sejam
vítimas primeiramente de uma violência estrutural, seguida de
outras formas como a violência doméstica e/ou conjugal, ali-
ciamentos para trabalharem para o tráfico em troca de alimen-
tos, vestuários, etc., para si mesma e para suas famílias.
Outro fator importante está ligado a uma caracterís-
tica extremamente feminina que é sua sensibilidade. É comum
encontrarmos históricos de mulheres que cumprem pena por
terem confiado demasiadamente em seus companheiros ou fi-

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lhos e acabaram por ingressarem no crime apenas para ajudá-los


ou protege-los em nome do amor e da família. Neste sentido,
elas são sem dúvida as que mais sofrem com o cárcere, pelo fato
ficarem longe da família, sobretudo dos filhos, pelo abandono,
pois se queixam da falta de visitas por parte principalmente dos
companheiros, além das críticas e do julgamento negativo da so-
ciedade.
Os principais tipos de crimes praticados pelo gênero fe-
minino são principalmente o tráfico de drogas (que representam
a maioria - 68%), mas não podemos esquecer que existem tam-
bém os casos de roubos (8%), furto (9%), homicídios (7%), entre
outros. O sistema prisional feminino de Manaus é formado pelo
Centro de Detenção Provisória Feminina – CDPF, situado no
Km 5 da BR – 174 e possui capacidade para 182 pessoas, foi inau-
gurado em junho de 2014 e é destinada a mulheres encarceradas
provisoriamente, ou seja, que estão aguardando julgamento. A
Unidade está equipada de berçário, centro médico e ala infantil.
A Penitenciaria Feminina de Manaus, também está si-
tuada na BR – 174 possui capacidade para 87 pessoas e é destina-
da a mulheres cuja sentença já foi decretada e precisam cumprir
suas penas em regime fechado. A Unidade Prisional Semiaberto
Feminino – UPSF está situada no Bairro da Cachoeirinha, pos-
sui capacidade para 60 pessoas, foi inaugurada em outubro de
2014. A referida UPSF, abriga detentas que estão prestes a se tor-
nar egressas do sistema prisional e que já adquiriram o direito de
sair para estudar e trabalhar, mas devem retornar todas as noites
a unidade.
Segundo o INFOPEN, em junho de 2014 apenas 5%
das mulheres privadas de liberdade exerciam atividades labo-
rais nas unidades do Amazonas, desse total 18% exerciam ativi-
dades laborais internas e 82% exerciam atividades externas. Em
relação a atividades educacionais, 17,6% das mulheres priva-
das de liberdade exerciam atividades educacionais, sendo 23%
na alfabetização, 58% no ensino fundamental e 19% no ensino
médio.

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De acordo com o Relatório de Pesquisa de Reincidên-


cia Criminal no Brasil do IPEA, a proporção de homens rein-
cidentes é bem maior que a de mulheres reincidentes. Em cada
dez não reincidentes, um é do sexo feminino. Porém, entre os
reincidentes, a proporção de mulheres é de apenas 1,5% De-
monstra-se com isso que a população feminina é bem menos
frequente entre os reincidentes, pois a proporção de mulheres
entre os não reincidentes é sete vezes maior que entre os rein-
cidentes.
Conclusões
Para tanto, percebeu-se que a população feminina
carcerária do Brasil, em sua maioria é composta por mulheres
negras, cerca de 70%, enquanto 31% são brancas e 1%, amare-
la, cerca de 50% das mulheres encarceradas têm entre 18 e 29
anos; 18%, entre 30 e 34 anos; 21%, entre 35 e 45 anos; 10%
estão na faixa etária entre 46 e 60%; e 1%, tem idade entre 61 e
70 anos, o que requer um olhar diferenciado por parte dos go-
vernantes e gestores como fatores inovadores na atuação para
melhor ressocialização.
Conclui-se que com a estatística das pesquisas realiza-
das em 2014, onde mostra que apenas 5% das mulheres priva-
das de liberdade exerciam atividades laborais nas unidades do
Amazonas percebe-se que seja incentivada de forma regular a
prática laboral dessas detentas as quais precisam de registro em
carteira, sabe-se ainda que essas mulheres devam ampliar suas
atividades educacionais para que possam obter melhor colo-
cação no mercado de trabalho formal e mais oportunidade de
reinserção dentro da nossa sociedade atual.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: de 22 de dezembro de 2010. Imprensa Oficial, 1988.
FREIRE Paulo. Educação e Mudança. ED Paz e Terra. 12 Ed.
1979.

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LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia


Científica Marina de Andrade Marconi, - 5. Ed. - São Paulo:
Atlas 2003.
LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO – LDB
(1996).
Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias –
INFOPEN Mulheres – junho 2014.
DEPEN = Departamento Penitenciário Nacional e Ministério
da Justiça.
Sites Consultados
Blog: Serviço Social em foco – Cartilha Maioridade Penal.
Disponível em: http://www.assistsocialemfoco.blogspot.com.
br/> acesso em: 10-03-2016.
Lei N°. 7.210 de 11 de julho de 1984. LEP – Lei de Execução
Penal. Disponível em: http://www.documents/jackie/lep.lei.
penal.html//.>acesso em: 10-03-2016.
Relatorio-infopen-mulheres.pdf. Disponível em: http://www.
justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-
penitenciaria-feminina-no-brasil/.>acesso em: 10-03-2016.
Reincidência Criminal no Brasil. Relatório do IPEA.
Disponível em: http://www.ipea.gov.br/agencia/images/
stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_
reincidencia_criminal.pdf.>acesso em: 29/03/16.
Seap = Secretaria do Estado de Administração
Penitenciaria. Disponível em: http://www.seap.am.gov.
br/.>acesso em 28/03/2016.

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FEMINISMO E UNIVERSIDADE: A
INSERÇÃO DO COLETIVO FEMINISTA NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RIO GRANDE/
FURG-RS

ROSA, Graziela Rinaldi da1


GOMES, Janine corrêa2
Introdução
Enquanto o animal é essencialmente um ser da aco-
modação e do ajustamento, o homem o é da integração. A sua
grande luta vem sendo, através dos tempos, a de superar os
fatores que o fazem acomodado ou ajustado. É a luta por sua
humanização, ameaçada constantemente pela opressão que o
esmaga, quase sempre até sendo feita-e isso é o mais doloro-
so-em nome de sua própria libertação (FREIRE, 1971, p.43).
A participação das mulheres em movimentos sociais,
tanto no campo como na cidade tem se intensificado. Mulhe-
res tem lutado por direitos iguais, educação, trabalho digno,
melhores salários, liberdade, equidade, visando assegurar
dignidade e respeito. Preconceitos e discriminações contra as
1 Graduada em Licenciatura Plena em Filosofia e Licenciatura Plena
em Geografia. Especialista em Metodologia do Ensino de História
e Geografia. Mestra e Doutora em Educação-UNISINOS/RS. Atua
no Instituto de Educação da Universidade Federal de Rio Grande-
-FURG/RS, no curso de Licenciatura em Educação do Campo. Pro-
motora Legal Popular. Coordenadora Coletiva Feminista; Coletivo
Pomerano e Núcleo de Estudos Afrobrasileiro e Indígena da FURG/
Campus São Lourenço do Sul/RS E-mail: grazielarinaldi@furg.br.
2 Graduanda em Licenciatura Plena em Educação do Campo. Bolsis-
ta do Coletivo Feminista/FURG-RS. Voluntaria, no Núcleo NEA-
BI/FURG. Artesã. Universidade Federal do Rio Grande/FURG-RS.
E-mail: janine_sls@hotmail.com

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mulheres são recorrentes em todo mundo, visto que como de-


nunciou Lagarde y de los Ríos (2005, p. 97): “la opresión de
las mujeres se sintetiza en su inferiorización frente al hombre
constituido en paradigma social y cultural de la humanidad”.
Saffioti (2004, p.31) diz que na ordem patriacal de gênero, o
branco encontra sua segunda vantagem. Caso seja rico, encon-
tra sua terceira vantagem, o que mostra que “o poder é macho,
branco e, de preferência, heterossexual”.
As mulheres são “amputadas”, do poder. Elas são so-
cializadas para desenvolver comportamentos dóceis, cortados,
apaziguadores. Os homens, ao contrário, são estimulados a de-
senvolver condutas agressivas, perigosas, que revelam força e
coragem (SAFFIOTI. p. 35. 2004)
O sistema patriarcal e machista ainda tenta conservar
a lógica de que mulheres são menos dignas de direitos do que
os homens, tendo que em algumas sociedades garantir direitos
básicos, como a da escolha e de opinião.
A sabedoria humana parece entrar em conflito de po-
deres entre os sexos e então se torna competição, violência, ne-
gação da vida e deu próprio significado. É exatamente isto que
uma análise de GÊNERO nos revela, a saber, o poder sobre o
saber ou o poder sobre a sabedoria reconhecida é um poder e
um privilégio masculino. As mulheres são intrusas, usurpado-
ras de alguma coisa que não lhes pertence. Elas fazem mal de-
sejando o saber e, como resposta a este mal, tenta-se restaurar a
harmonia social em forma de castigo, de silêncio, de tortura ou
de morte. Mantêm-se os papéis sociais reconhecidos por um
tipo de organização social. (GEBARA, 2000, p.81)
Ainda, encontramos feministas rotuladas e discrimi-
nadas em diferentes espaços, apenas por trabalharem questões
de direitos humanos e feminismos. Mulheres morrem diaria-
mente por buscarem dias melhores através de mudanças em
suas vidas, buscando ter acesso à educação e trabalho. Mulhe-
res que ao saírem do espaço doméstico para estudar, ainda são
discriminadas pelos próprios maridos, companheiros, namo-

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rados e familiares. Sofrem violências por escolherem estudar,


por não serem submissas e por afirmar suas ideias e desejos.
Acreditamos que:
A existência, porque humana, não pode ser muda,
silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas
palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os
homens transformam o mundo. Existir, humanamen-
te, é pronunciar o mundo, é modifica-lo. O mundo
pronunciado, por sua vez se volta problematizado aos
sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar
(FREIRE, 1984, p.92)

Mulheres não são valorizadas e reconhecidas em dife-


rentes espaços. Muitas ficam as sombras de outros, e embora já
tenha passado décadas de luta por emancipação feminina, ain-
da prevalece à violência, discriminação e abuso. Mesmo com
suas lutas, intervenções, e que as mulheres tenham conseguido
importantes conquistas ao passar dos anos, como por exem-
plo, o direito ao voto, acesso a trabalhos melhor remunerado,
divorcio, proteção em caso de violência doméstica, ainda são
inúmeras as demandas feministas.
Apesar das lutas e alguns avanços, a violência contra
as mulheres segue vitimando milhares de brasileiras: 43% das
mulheres em situação de violência sofrem agressões diaria-
mente, para 35% a agressão e semanal. Esses dados foram re-
velados no balanço dos atendimentos realizados em 2014 pela
Central de atendimento à Mulher.
Os atendimentos de mulheres no ano de 2014 revela-
ram que os episódios de violência acontecem desde o início da
relação (23,51%) ou de um até cinco ano (23,28%), totalizan-
do 52.957 denúncias de violência contra a mulher, 27.369 cor-
responderam a denúncias de violência física (51,68%), 16.846
de violência psicológica (31,81%0, 5.126 de violência moral
(9,68%), 1.028 de violência patrimonial (1,94%), 1.517 de vio-
lência sexual (2,86%0, 931 de cárcere privado (1,76%) e 140 en-
volvendo trafico (0,26%). E segundo as últimas pesquisas Dada

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Senado, sobre a violência doméstica e familiar (2015), uma em


cada cinco mulheres já foram espancadas pelo marido, compa-
nheiro, namorado ou ex-marido e ex-namorado. (Http://www.
compromissoeatitude.org.br/dados-nacionais-sobre-violen-
cia-contra-mulher.2016)
Muitas mulheres não procuram e não reivindicam
seus direitos, tampouco conhecem seus direitos e acessam a
Lei Maria da Penha. Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a
Lei Maria da Penha, destinada as mulheres vítimas de violência
doméstica. Essa lei de grande importância social, entrou em
vigor em setembro do mesmo ano e trouxe mecanismos mais
abrangentes e eficientes que estão ajudando as mulheres nesse
antigo e árduo combate (ROCHA, 2006, p. 206).
La opresión de las mujeres se define por un conjunto
articulado de características enmarcadas en la situa-
ción de subordinación, dependência vital y discrimi-
nación de las mujeres en sus relaciones con los hom-
bres, en el conjunto de la sociedad y en el Estado. La
opresión de las mujeres se sintetiza em su inferiori-
zación frente al hombre constituido em paradigma
social y cultural de la humanidade (grifo nosso. LA-
GARDE Y DE LOS RÍOS, 2005, p. 97).

Como se vê, a violência as diferentes violências contra


as mulheres persistem, mesmo frente aos movimentos feminis-
tas, campanhas e leis. Como pode, apesar de tudo, os índices
de violências e maus tratos às mulheres persistirem? Foi nessa
direção a questão proposta na redação do Exame Nacional do
Ensino Médio/ENEM (2015). Considerado o “ENEM feminis-
ta”, causou repúdio e indignação em muitas pessoas por conter
na prova uma pergunta sobre o pensamento da filósofa Simone
de Beauvoir. Mas, o mais curioso foi a reação frente ao tema da
redação: “A persistência da violência contra a mulher na socie-
dade brasileira”. Por ser um tema um tanto velado, silenciado
numa sociedade patriarcal e machista, e ser colocado para um
número significativo de pessoas pensarem não poderia ter cau-
sado tanta repercussão. Não recordamos de uma redação ter

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sido tão comentada e debatida em redes sociais e na sociedade


como um todo, mas não temos dúvidas da importância do fe-
minismo na Universidade, afinal, uma curiosidade veio à tona:
quem teria construído tais questões? Que se tratava de alguém
que estudou feminismo e era feminista era fato.
No Brasil, a hora de trabalho de uma mulher ainda
vale um quarto a menos do que a de um homem (http://www.
cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista/o-que-as-femi-
nistas-defendem-3986.html). E esta diferença não tem nada a
ver com experiência ou nível de educação, ao contrário, decor-
re da discriminação no mercado de trabalho, principalmente,
a discriminação do homem. Embora a Constituição garanta
direitos iguais para homens e mulheres, as brasileiras repre-
sentarem quase 44% da força de trabalho nacional, e ainda são
discriminadas. As mulheres têm mais escolaridade do que os
homens, no entanto somos discriminadas pelo mercado de tra-
balho e continuamos nos responsabilizando pela maior parte
das tarefas domésticas, mesmo quando também trabalhamos
fora. Nos submetemos a condições precárias de trabalho e sa-
lários inferiores e “Los hombres siguen siendo los dueños de
las tierras, los territórios y los espacios latinoamericanos. Son
el centro de la sociedad, del Estado y de cualquier círculo par-
ticular. Hegemonizan la cultura. Están en el centro de la vida
de las mujeres [...]” (LAGARDE Y DE LOS RÍOS, 1999, p. 18).
De modo geral as Constituições Estaduais reiteram o
texto federal no que se refere “a proteção do mercado de tra-
balho da mulher”, bem como a proibição de diferença salarial
e critérios de admissão em razão de sexo, estado civil, idade,
cor e convicções política ou religiosa, assim como das licen-
ças paternidade e maternidade (CFEMEA, 2006 pag.83), mas a
realidade ainda está muito distante da legalidade. Para Hierro
(1990) são os atributos (já trabalhados por Beauvoir), inferio-
rização, controle e uso que causam a condição de opressão das
mulheres e que impossibilita nós de realizarmos um projeto de
transcendência.

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O COLETIVO FEMINISTA COMO ESPAÇO DE LUTA


O Coletivo feminista é criado a partir da necessida-
de de se discutir questões de gênero e os feminismos dentro
da universidade, trata-se de um espaço em que é possível dis-
cutir questões das mulheres na sociedade atual, do homo, bi
e transexuais, de racismo, abusos, direitos das mulheres. A
convivência com mulheres do campo e da cidade (pomeranas,
indígenas, pescadoras, quilombolas no Curso de Educação do
campo) possibilita que se ouça histórias de vida contados por
elas. As mulheres falam das dificuldades que passam, e denun-
ciam a não aceitação dos familiares por terem regressado aos
bancos escolares, se inserindo em uma Universidade. Muitas
relatam violências de outras, e a falta de atenção que algumas
acadêmicas estão vivendo, por estudarem e trabalharem fora.
O coletivo busca incentivar e promover ações entre
mulheres e homens para que possam ter um entendimento
melhor sobre equidade de gênero, visando garantir os direi-
tos humanos. Promovendo campanhas socioeducativas, com
folders, palestras, rodas de diálogos e oficinas artesanais com
diferentes técnicas, buscando promover intervenções pelos
direitos legais das mulheres, autonomia e integridade de seu
corpo, pela sua proteção contra a violência doméstica, assédio,
estupro, direitos trabalhistas, educação, e todas as outras for-
mas de descriminação.
O Coletivo feminista possibilita as integrantes partici-
pações em eventos, congressos, seminários e encontros ligados
aos direitos humanos, feminismo e diversidade, contribuindo
para a construção do senso crítico e o despertar de curiosida-
des de tais assuntos ligados aos direitos das mulheres e as lutas
feministas.
Como nos ensinou Freire (1971, p. 44) existe a neces-
sidade de uma permanente atitude crítica, único modelo pelo
qual o ser humano realizará sua vocação natural de integrar-se,
“superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação,
apreendendo temas e tarefas de sua época”. Assim, com uma

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atitude crítica frente aos altos índices de violências sofridas por


mulheres, bem como os constantes silenciamentos e opressões
vividas cotidianamente é que o coletivo feminista da Univer-
sidade Federal de Rio Grande/FURG foi criado. Acreditamos
que “não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de
violência que os conforma como violentados, numa situação
objetiva de opressão” (FREIRE, 1984, p.45).
Todas as mulheres do campo, cidade, indígenas, po-
meranas, pescadoras, seja qual for sua etnia tem o direito de
reconhecimento de seus saberes. Com o coletivo pretendemos
lutar por nosotras, valorizando e contribuindo com movimen-
tos e projetos, mostrando para sociedade o quanto são neces-
sárias as lutas feministas.
A educação para nós mulheres tem um papel funda-
mental para a emancipação e a conciliação de direitos para
a construção individual e coletiva. Todos os movimentos que
visam provocar reflexões acerca das desigualdades entre mu-
lheres e homens são emergentes. No meio educacional pode-
mos estar debatendo a importância destas mulheres, e estudar
as suas contribuições na história, adquirindo saberes não an-
drocêntricos. Dessa maneira acreditamos que podemos estar
mudando formas de pensamentos patriarcais, na medida em
que reivindicamos igualdade de direitos para todas. Afinal:
Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará pre-
parado para entender o significado terrível de uma
sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles,
os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir
compreendendo a necessidade da libertação? Liber-
tação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis
de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento
da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela fina-
lidade que lhe deram os oprimidos, será um ato de
amor, com o qual se oporão ao desamor contido na
violência dos opressores, até mesmo quando esta se
revista da falsa generosidade referida (FREIRE, 1984,
p.32)

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Embora temos conquistas femininas e feministas,


muito temos que fazer ainda. O que muitas jovens ainda não
sabem quando ingressam em uma universidade é que por causa
destas lutas feministas, que as mudanças começaram a ocorrer.
Após entrar na faculdade e começar a participar de al-
guns eventos relacionados as questões de gêneros e feministas
as estudantes se reconhecem como sujeitos de direitos e pas-
sam a se perceber como protagonistas. Alem disso, ouvir histó-
rias de vida de mulheres do campo e da cidade contribuem na
formação de professores/as, provocando a reflexão de possíveis
práticas emancipatórias.
Mesmo vivendo ou presenciando assédios, discrimi-
nação, silenciamentos, entre tantas outras formas de precon-
ceitos por serem mulheres, poucas pensam sobre isso e é nesse
sentido, para provocar tais reflexões que a organização femi-
nista se torna tão imprescindível, pois é sabido que “não é no
silêncio que os homens [ser humano] se fazem, mas na palavra,
no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1984, p.92).
E foi por estes motivos que o Coletivo Feminista/
FURG foi inserido e vem com o intuito de auxiliar e contribuir
para que enquanto mulheres, todas percebam suas amarras, a
importância e a relevância social de seus protagonismos.
O estudo, as (re) leituras feministas, as experiências e
convivências com as acadêmicas do Campus FURG/São Lou-
renço do Sul, e com pessoas nas quais possibilitam o diálogo,
além de aprimorar mais os conhecimentos acerca das mulhe-
res. Com o Coletivo na Universidade, podemos contribuir com
ações socioeducativas, oficinas e rodas de conversas para uma
melhor qualidade de vida para nosotras. Com intervenções,
podemos contribuir com campanhas, divulgando ainda mais a
Lei Maria da Penha para a comunidade do campo e da cidade.
Assim, a partir das observações, estudos e práticas emanci-
patórias feministas percebe-se que a Universidade, pode sim
dialogar, construir e contribuir para uma sociedade mais justa
para as mulheres.

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O Coletivo Feminista/FURG pode servir para criar


maior identificação das mulheres no ambiente de estudo com
as pautas da luta, e contribuir em muitos casos, servindo para o
acolhimento e para o compartilhamento das diversas situações
de opressão sofridas.
Sabe-se hoje que um coletivo feminista inserido na
Universidade, composto por homens e mulheres pode motivar
o desejo de mudanças. O Coletivo feminista busca dialogar
com os diversos movimentos, teorias e filosofias que advogam
pela equidade de homens e mulheres, além de promover os
direitos das mulheres e seus interesses. O intuito do Coletivo
Feminista é contribuir para o empoderamento de mulheres
universitárias, que saem de suas casas para obter um futuro
melhor e sofrem violências por parte de seus maridos e com-
panheiros.
O coletivo fortalece primeiramente as integrantes e
contribui no conhecimento das suas capacidades e potenciali-
dades. Contribuindo para que estas mulheres possam lutar por
seus direitos e por uma qualidade de vida melhor. Trata-se de
um exercício inicial de perceber suas violências sofridas e se
reconhecer como importantes protagonistas de suas próprias
vidas, independente de idade, classe social e etnia.
O Coletivo feminista vem para contribuir no diálo-
go com os diferentes movimentos, na busca de direitos e reco-
nhecimentos às mulheres. Fazer ações a fim de contribuir para
que as mulheres possam saber sobre seus direitos legais é outro
objetivo. Assim, temos contribuído para pensar os direitos de
contrato, direitos de propriedade,  direito ao voto, bem como
da integridade de seus corpos, direito ao  aborto, direitos re-
produtivos (incluindo o acesso à  contracepção e a cuidados
pré-natais de qualidade), proteção de mulheres e garotas
contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro; di-
reitos trabalhistas, incluindo a licença-maternidade e salários
iguais; educação, e todas as outras formas de discrimina-
ção. Trata de juntarmos umas com as outras e nos posicionar-

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mos contra a ideia de que os homens são os representantes de


nosotras e que somos responsáveis pela nossa condição huma-
na, e, portanto que precisamos continuar lutando por melhores
condições de vida.
FEMINISMOS E EDUCAÇÃO: exemplos de práticas
emancipatórias feministas
Algumas práticas como oficina, palestras, roda de
conversas, intervenções e seminários tem sido realizadas por
estudantes na Universidade Federal do Rio Grande/FURG-RS.
Essas ações tem promovido o entendimento das mulheres aca-
dêmicas sobre seus direitos, na medida em que compartilham
saberes e ajudando outras mulheres a transformar suas reali-
dades e a si próprias. Trata de um movimento eminentemente
reivindicativo, que, ao constatar as violências sofridas por mu-
lheres, luta por seus direitos. Nesse sentido o coletivo busca dar
vozes as mulheres e problematizar os seus direitos e problemas
sofridos cotidianamente. Enquanto parte desfavorecida da so-
ciedade, a mulher tem que ser defendida numa luta que só ter-
minara quando o seu estatuto social e político for considerado
equivalente ao do homem. (MACEDO, 2005, p.76). O Coletivo
Feminista visa promover o senso crítico de todas as mulheres
do campus FURG/São Lourenço, da cidade e do campo, desve-
lando as graves questões sobre as violências, culturas e direitos.
Mais recentemente, as preocupações com a educação
por parte da teoria feminista centram-se especialmente na for-
ma como a educação contribui para a reprodução das diferen-
ças de gênero. (MACEDO, 2005, p. 50) e nessa perspectiva o
coletivo feminista passa a congregar, catalisar e fomentar ações
educativas, culturais, artísticas, de produções de conhecimento
e compartilhamento de saberes acadêmicos e populares, numa
perspectiva feminista, antirracial e anticapitalista.
A partir de uma pluralidade de vozes, que implica a
escuta e a assimilação de discursos e formas de ser, os interlo-
cutores mostram como apreendem, modificam e estruturam

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seu pensamento. Essa aprendizagem, essencialmente de natu-


reza narrativa, permite-nos ver a subjetividade, tendo presente
as imbricações de raça, classe e gênero, como construção so-
cial e compreender as formas culturais disponíveis através das
quais os sujeitos são posicionados, reconhecidos e se reconhe-
cem, bem como o sentido que atribuem às suas experiências
(CARVALHO, 1995, p. 60)
O Coletivo Feminista/FURG vem trabalhando com as
acadêmicas e com as mulheres da cidade de São Lourenço do
Sul/RS, através de seminários, intervenções e oficinas, fortale-
cendo o senso crítico e promovendo a interação com a popula-
ção acadêmica, cidade e interior.
O I Seminário das Mulheres do Campo e da Cidade de
São Lourenço do Sul, realizado no mês de março de 2014, no
Campus da Universidade Federal do Rio Grande, São Louren-
ço do Sul/RS, FURG foi criado a partir da necessidade local
de se pensar e trabalhar políticas públicas para as mulheres.
Nesse sentido o seminário buscou pensar a diversidade e as
especificidades das mulheres e de grupos de mulheres existen-
tes no município. Nesse sentido, neste evento, buscamos pro-
porcionar um amplo debate com a comunidade acadêmica e
comunidade Lourenciana sobre questões relacionadas a saúde
das mulheres, trabalho, violência contra as mulheres, direitos
humanos e Educação.
O evento foi realizado no campus de São Lourenço do
Sul, onde se discutiu com a comunidade acadêmica e a comu-
nidade em geral, questões relacionadas à mulher do campo e
da cidade. Como parte da proposta foi realizada diferentes ati-
vidades, como: Painel com lideranças femininas locais. Rodas
de conversas, atividades artísticas e culturais, atendimentos na
sala do/a empreendedor/a, atendimento Banco do povo, mos-
tra fotográfica a partir do olhar de uma agricultora familiar,
feira comunitária, exposição do Projeto de Plantas Medicinais,
Cine Fórum, Exposição dos trabalhos das mulheres do municí-
pio, mostra de Vinil e discotecagem de artistas mulheres. Tam-

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bém teve a Biblioteca livre do Redução de Danos. Ocorreram


oficinas diferenciadas: Oficina de Turbante, Oficina de Plantas
Medicinais, Oficina do Teatro do Oprimido (TOCO/UFPEL).
Entre os assuntos discutidos e aprofundados no Semi-
nário destacamos: a Lei Maria da Penha, os direitos das mulhe-
res, o funcionamento da Delegacia na cidade de São Lourenço
do Sul, Casas de acolhidas e a divulgação de serviços para en-
frentamento em casos de violências as mulheres Lourecianas.

IMAGEM I: Mulheres do I Seminário das Mulheres do Campo


e da Cidade de São Lourenço do Sul.

IMAGEM II: Feira Comunitária, realizada junto ao Seminário.

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O Coletivo Feminista participou também da V Jor-


nada Acadêmica das Licenciaturas “Tecendo Saberes” (Polo de
Apoio ao Ensino a Distância/FURG) no mês de outubro, junto
ao Coletivo Pomerano e ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro
e Indígena/NEABI-Campus São Lourenço do Sul. Trabalhan-
do com a diversidade que temos de grupos de mulheres locais,
buscou-se demonstrar ações possíveis de serem realizadas em
escolas, visando à valorização dos trabalhos e saberes de mu-
lheres.

IMAGEM IV: Oficina de palha de tiririca (Núcleo de Estudos Afro-


Brasileiro e Indígena-NEABI-Campus São Lourenço do Sul) junto à
oficineiras do coletivo Feminista e Coletivo Pomerano.

O Coletivo realizou no mês de novembro de 2015


uma intervenção na Praça Central Dede Serpa, onde foram
distribuídos panfletos e folder com a Lei Maria da Penha, bem
como cadernetas com o Estatuto da Igualdade Racial. Ainda
foram abordados mulheres e homens para uma conversa sobre
tais assuntos e ainda para a divulgação do Coletivo Feminista
no Campus/FURG, onde também as mulheres foram convida-
das para participarem do coletivo.

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IMAGEM V: Estudante
bolsista do coletivo Po-
merano em intervenção
na praça da cidade

IMAGEM VI: Estudantes na Intervenção na Praça Central Dedé Serpa.

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O Coletivo Feminista/FURG vem ainda trabalhando


com as acadêmicas e jovens mulheres da cidade, com o intui-
to de auxiliar, promover, orientar, incentivar e contribuir para
enquanto mulher, todas percebam a importância e a relevân-
cia social dentre os direitos e o empoderamento das mulheres
universitárias com as Oficinas de Stencil, realizadas em vários
momentos e eventos. Acredita-se que através da “Arte do Sten-
cil”, as palavras feministas e suas personagens, a arte-resistên-
cia de jovens mulheres acadêmicas e cidade, podem contribuir
no empoderamento de mulheres.

IMAGEM VII: Oficina


de Stencil feminista na
Universidade

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IMAGEM VIII: Oficina de “Arte Stencil” no III Seminário de Educação


do Campo da Região Sul do Rio Grande do Sul: Práticas Pedagógicas nas
Escolas do e no campo.

No mês de outubro, o Coletivo participou na Mostra


da Produção Universitária/MPU, em FURG/Rio Grande, com
a apresentação do trabalho: “A Valorização das Mulheres do
Campo através do Artesanato”. No III Seminário de Educação
do Campo da Região Sul do Rio Grande do Sul: Praticas Peda-
gógicas nas Escolas do e no Campo, atuou com uma Oficina
de “Arte em Stencil”, e apresentou dois trabalhos: “Subversão
Feminista na Educação do Campo”, e com a apresentação do
trabalho: “Mulheres do Campo e da Cidade de São Lourenço
do Sul: Desvelando Saberes e Fazeres na Educação do Campo”
como relatos de experiência.

IMAGEM IX: Janine Corrêa Gomes, apresentando o trabalho “Subversão


Feminista na Educação do Campo”.

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IMAGEM X: Coordenadora do Coletivo Feminista, Profª Graziela


Rinaldi da Rosa, apresentando o trabalho: “As Mulheres do Campo e
da Cidade de São Lourenço do Sul: Desvelando Saberes e Fazeres na
Educação do Campo”.
Conclusões
Com a inserção do coletivo Feminista na Universida-
de procuramos fortalecer cada vez mais as mulheres, promo-
vendo ações que sirvam para melhorar a qualidade de vida e
envolver as mulheres acadêmicas, cidade e interior para um
entendimento de suas amarras e preconceitos sofridos, con-
tribuindo para o emponderamento feminino, mobilizando,
compartilhando e orientando-as sobre seus direitos enquanto
mulher. Com isso cruzamos teorias e ações que visam traba-
lhar, divulgar e orientar as mulheres para uma valorização de si
mesmas, buscando a melhoria da qualidade de vida.
Como destacou a Secretaria de Políticas para as Mu-
lheres do Ministério, Eleonora Menicucci, “Não podemos
conviver de forma nenhuma com a magnitude do crescimen-
to dos assassinatos de mulheres, devemos lutar contra o fe-
minicidio”. (www.compromissoeatitude.org.br/dados-nacio-
nais-sobre-violencia-contra-a-mulher). E é com esse intuito
que o coletivo vem lutar com as mulheres por seus direitos
e dias melhores. Nesse sentido buscamos dar vozes as mu-
lheres através de ações educativas, culturais, artísticas, de
produção de conhecimentos e compartilhamento de saberes
acadêmicos e populares no decorrer dos anos. E principal-

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mente, para que enquanto mulher, possamos assim perceber


a importância e a relevância social dentre os direitos das mu-
lheres, compartilhando saberes destas mulheres, a fim de er-
radicar preconceitos e violências sofridas.
Até hoje a pergunta ecoa: Por que a violência contra
as mulheres persiste em nossa sociedade brasileira? Acredi-
tamos que a educação pode contribuir para amenizar esses
índices, ou ainda acabar com a violência contra as mulheres.
Mas só será possível se construirmos cotidianamente uma
educação libertária, que dialogue com os movimentos femi-
nistas, e ainda estude os feminismos em escolas e Universi-
dades.
Se o machismo mata, até quando vamos permitir que
nossa educação não dialogue com os movimentos sociais fe-
ministas? Até quando não vamos reconhecer as mulheres e os
trabalhos das mulheres nas diferentes áreas do conhecimento?
Por que ainda nós mulheres aguentamos tais barbáries e dis-
criminações? Até quando precisamos pedir por paz para que
nossas meninas não tenham que sofrer violências ou morrer
por serem mulheres?
Somos protagonistas das próprias vidas e histórias
e por isso precisamos nos envolver em ações que fortaleçam
nossas lutas e visam garantir nossos direitos, garantindo auto-
nomia econômica e melhorias em nossas vidas. Nesse sentido,
concordamos com Hierro (1990, p.120) que “La eliminación de
la opresión femenina es el deber moral de las mujeres!”.

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RESGATANDO A AUTOESTIMA E
VALORIZANDO OS POVOS QUILOMBOLAS
ATRAVES DA CONFECÇÃO DE
BONECAS NEGRAS

FERREIRA, Adriana da Silva 1


ROSA, Graziela Rinaldi da Rosa2
INTRODUÇÃO: OLHAR PARA SI E A (RE)
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE UMA JOVEM
QUILOMBOLA
A confecção de bonecas negras começou “por um aca-
so” na vida de uma quilombola negra, moradora do quilombo
Coxilha Negra de São Lourenço do Sul/RS. Ao confeccionar
bonecas brancas a jovem se permitiu trocar a cor do pano. Ini-
cialmente acreditou ser uma “coisa tão simples”, mas aos pou-
cos foi percebendo os significados que nunca teria imaginado
outrora. A jovem quilombola não imaginava quanta satisfação
teria ao se identificar com aquelas bonecas. Tampouco imagi-
nava ver o sorriso no rosto de uma criança adolescente negra
ao se perceber em uma boneca. O seu auto reconhecimento e o
de outras meninas negras a motivaram a confeccionar apenas
bonecas negras.
Mesmo que naquele momento se acreditou que “uma
semente estava sendo plantada-a da auto estima”, o sentimen-
1 Estudante Quilombola do Curso de Licenciatura em Educação do
Campo-Universidade Federal de Rio Grande/FURG-RS. Integran-
te da Comunidade Quilombola Coxilha Negra/São Lourenço do
Sul/RS e do Núcleo de Estudos Afrobrasileiro e Indígena (NEABI-
-FURG/RS). E-mail: adri.silvaf77@gmail.com
2 Formação. Atuação. Instituição. E-mail:

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to de pertencimento da própria bonequeira levou mais tem-


po para ser construído. Aos poucos a quilombola se percebia
como quilombola, e se percebia dialogando com a história de
seus antepassados. Através da confecção das bonecas negras
a sua própria história começava a ser representada. A jovem
bonequeira não estava só ajudando as sobrinhas a se identifica-
rem, se reconhecerem, mas ela mesma estava se identificando e
conhecendo suas raízes. E nesse processo de (re)construção de
si, ela se construía como mulher quilombola. Suas raízes esta-
vam cada vez mais evidentes para si própria. Aos poucos ela via
que as pessoas estavam procurando por esse tipo de artesanato
que minha sua mãe fazia antigamente, com bonecas brancas
de pano.
Aos poucos ela refletia sobre o fato de sua mão, mes-
mo com toda experiência em confeccionar bonecas nunca
pensou em trocar a cor do pano. E mesmo estudando sobre
feminismos e estudos de gênero não compreende porque sua
mãe nunca ousou trocar a cor do pano das bonecas que criava.
A pesar de a constituição de 1988 ter reconhecido a
legitimidade da demanda histórica dos atuais habitantes das
comunidades quilombolas, o direito ao território não está as-
segurado como revelam as disputas políticas e jurídicas pelo
reconhecimento do direito garantido constitucionalmente. A
aprovação do artigo 68, na carta constitucional, entretanto, não
garantiu apenas o direito aos territórios, ela criou uma catego-
ria jurídica de sujeitos de direitos Coletivos. Isso impulsionou
os sujeitos políticos os quilombolas, a reenvidicarem na esfera
pública, o reconhecimento de seus valores étnicos e sociais por
meio da organização política.
Minha mãe, era uma pessoa muito simples, que ado-
rava os netos/as eram a sua alegria sofreu muito para
nós criar passou muitas necessidades trabalhou muito
de sol a sol com meu pai, trabalhava como diarista
também chegava em casa 8,9horas da noite depois de
caminhar 3 km. Quando começamos a fumicultura
e que ela parou de trabalhar fora, somos7 irmãos/as

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e foi muito difícil nos criar sem ter uma renda fixa.
Sendo assim ela gostava de costurar e inventar coisa é
foi num dia desses que ela apareceu com uma boneca
de pano branca, não sei o motivo real que a incenti-
vou a fazê-la branca,(bruxas de pano3), era como se
chamavam as bonecas de pano, lembro me que estava
muito feliz por fazer a boneca. Depois de muitos anos
como herdei essa vontade de costurar de minha mãe,
faz com que eu não veja o tempo passar, minhas so-
brinhas estavam lá só com bonecas brancas, não que
eu não ache bonitas, mas eu queria algo mais, peguei
um pedaço de tecido preto e pensei vou fazer uma
surpresa para elas fiz a primeira boneca negra e mos-
trei para elas seus olhos brilharam, meu coração se
encheu de alegria e ali percebi que estava fazendo a
coisa certa. Estava dizendo não a tudo que nós impõe
que fazem com que nos acostumamos sem gritarmos
e sabia que o eco não era só meu aquelas pequenas
também estavam entendendo esse processo (FERREI-
RA, 2016)4.

Hoje mães de crianças negras e brancas procuram por


suas bonecas negras. Algumas também tinham alguma histó-
ria que as identificam com essas bonecas negras. Outras pen-
sam nas bonecas quando querem contribuir na construção da
identidade negra e presentear um/a afiliado/a. Mães buscam
pelas bonecas negras e bonecos negros quando desejam que
seus filhos/as tenham uma referência negra e fortaleçam o seu
senso de igualdade.
É comum ouvirmos a afirmação do tipo "não sou pre-
conceituoso!"; "no Brasil não existe preconceito racial, pois é
somos fruto de uma grande mistura racial e étnica!".
Mas muitas vezes quando são interrogadas se per-
mitiriam o casamento da filha ou do filho com uma pessoa
negra, a primeira resposta é a negação;quando vêem um ho-
3 O termo “Bruxa de Pano” é um termo pejorativo, mas é como se
usava.
4 Acervo Núcleo de Estudos Afrobrasileiro e Indígena-FURG, Cam-
pus São Lourenço do Sul.

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mem negro casado com uma mulher branca ou vice e versa


logo se apresam em dizer que é um casamento por interesse;
quando encontram um homem negro dirigindo um carro de
luxo tendem a pensar que se trata do motorista. Quantas vezes
essas situações já não fizeram parte de nossa vida cotidiana! E
as piadinhas? Observe que toda a piada sobre o negro emitida
em nossa sociedade carrega, no fundo, a idéia de inferioridade
racial contra qual os negros lutam. Essa contradição na forma
como o brasileiro e a brasileira expressam o seu sentimento e
o julgamento das pessoas negras confirma a lamentável exis-
tência de preconceito racial entre nos. (EDUCAÇÃO ANTI
RACISTA,2005,54)
A universidade só me ajudou a entender o que se pas-
sava, a não ter medo do desconhecido, ou melhor, do
conhecido, (racismo), o empoderamento a auto esti-
ma creio que já está entranhado em nós. A universi-
dade nos ajuda a seguir por um caminho mais seguro
onde tu vai lutar e tem ar armas para te dar segurança
(que são os livros, as políticas públicas, etc) e isso da
muita segurança (FERREIRA, 2016)5.

Cabe então questionarmos se na escola estamos aten-


tos/as ao negro/negra? Será que pensamos essa realidade de
maneira comprometida para superação dessas mazelas? Até
que ponto discutimos, nos processos de formação de professo-
res (as), sobre a importância da diversidade cultural e do negro
e da negra na história de nosso país?
Construir uma identidade negra positiva em uma so-
ciedade que, historicamente, ensina aos negros, desde muito
cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo é um
desafio enfrentado pelos negros e pelas negras brasileiros (as).
Será que, na escola estamos atentos a essa questão? Será que
incorporamos essa realidade de maneira séria e responsável,
quando discutimos nos processos de formação de professores
5 Depoimento da estudante quilombola Adriana da Silva Ferreira.
Acervo do Núcleo de Estudos Afrobrasileiro e Indígena/FURG-
-Campus São Lourenço do Sul/RS.

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(as), sobre a importância da diversidade cultural? (COLEÇÃO


ANTI-RACISTA,2005,43)
OUVINDO OS ECOS DOS QUILOMBOS ATRAVÉS DAS
BONECAS E BONECOS NEGROS
Uma oficina não é suficiente para crianças brancas ou
negras reconhecerem-se como seres diferentes, com histórias
diferentes, nem superiores nem inferiores. Uma oficina é um
momento de reflexão que deve ser bem conduzido pelo(a) faci-
litador(a), de modo que as crianças saiam dela fortalecidas – e
não envergonhadas, brancas ou negras – para continuar uma
convivência na qual os estereótipos consigam ser corrigidos
e ambos os grupos vivam com mais saúde, livres do racismo
destrói quem o manifesta e quem é vítima. Uma oficina pode
dar sequência a muitas outras, quando convier. Mãos as obras,
literalmente (MUNANGA, 2008, 118)
A partir do projeto de extensão “RESISTÊNCIAS,
NEGRITUDE E QUILOMBOLAS: OUVINDO OS ECOS
DOS QUILOMBOS DO MUNÍCIPIO DE SÃO LOUREN-
ÇO DO SUL-RS”6, foi criado o I SEMINÁRIO REGIONAL:
POVOS TRADICIONAIS, CULTURA LOCAL E EMANCI-
PAÇÃO. Uma das atividades do seminário foi a oficina inti-
tulada: “Bonecas Negras: Resgatando a cultura do artesanato e
construindo a identidade do/a negro/a”. Podemos dizer que foi
um momento de trocas significativas porque ali se fazia o arte-
sanato mais também se trocavam experiências com mulheres
quilombolas, estudantes de pedagogia, professores, e mulheres
donas de casa. Abaixo temos imagens da oficina de bonecas
Negras:

6 Projeto coordenado pela professora Drª Graziela Rinaldi da Rosa,


co-autora desse artigo.

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IMAGEM I: Oficineiras: Adriana da Silva Ferreira


e a Profª Drª Berenice Vaniel

IMAGEM II: Oficina de bonecas negras na


Universidade Federal de Rio Grande-FURG.

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Outras oficinas passaram a ocorrer com frequencia no


município de São Lourenço do Sul. A bonequeira quilombola
decidiu seguir adiante e levar as oficinas para escolas, em um
exercício de pesquisa-ação, de muita alegria, empoderamento
e construção de autoestima, tecendo um resgate com reconhe-
cimento, valorização dos povos tradicionais quilombolas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Uma das questões centrais que desafia a compreensão,
o espírito democrático, a criatividade da universidade é admi-
tir que os antigos escravizados africanos trouxeram consigo

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saberes, conhecimentos, tecnologias, práticas que lhes permi-


tiram sobreviver e construir um outro povo. O desafio maior
está em incorpora-los ao corpo de saberes que cabe, à universi-
dade, preservar, divulgar, assumir como referências para novos
estudos.
Sua identidade sempre esteve lá não pode ser apagada,
talvez menos visível e menos reconhecida faltando um pouco
de motivação, para ser expressada com toda a sua força. Muitas
vezes não é preciso muito para que uma pessoa, comunidade
ou um povo ou parte dele se negue e silencie, afinal, foram anos
de massacre, escravidão, silenciamentos e anulamento de iden-
tidades e saberes. Sabemos da importância do empoderamen-
to, na busca por oportunidades.
O mundo grita que precisa de gente que seja protago-
nista quando as oportunidades aparecem, no entanto aparece
para um pequena parcela da população. Muitas pessoas não
se sentem capazes em fazer algo para si mesmo, família, e co-
munidade, pois nunca tiveram vez, não aprenderam a dizer a
palavra. Trata-se dos/as “desgarrados da terra”, oprimidos/as,
“desgarrados do mundo”.
Sabemos que uma palavra mal pronunciada, inter-
pretada pode acabar com a auto estima de uma criança negra,
as vezes pode ser um coleguinha que se expressa de maneira
preconceituosa, como por exemplo: “por que seu cabelo é en-
rolado e parece Bombril?”, “por que sua cor é assim?”; “quando
você crescer, vai ficar branco(a)?”; “não brinco contigo porque
se eu encostar em você vou ficar preto(a)”.
Uma criança sem a devida orientação de casa, voltará
da escola (após ouvir essas perguntas) so que tem de errado
com seu cabelo, com sua cor. Muitas vezes os pais nem notam
o que esta acontecendo, e quando notam pode ser tarde de-
mais. Sequer sabem porque os/as adolescentes negras/os ficam
se “embranquecendo”.
Muitos negros/as vivem sem autoestima, sem uma
referência para que se sintam valorizadas(as), necessitando de

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diálogos que mostrem quais são os verdadeiros valores, o que


realmente é importante nessa vida. Sabemos que a cor não
mede qual é o verdadeiro caráter de uma pessoa, e que é ne-
cessário mostrar que a beleza verdadeira é a interior. É verda-
de que nossas arrogâncias, incertezas, preconceitos, e falta de
humanismo tem contribuído para aniquilar culturas e sujeitos.
As vezes um simples elogio, sobre nossa cor, costumes, cultura,
nossa verdadeira história faz com que refloresça nosso amor
interior, que estava a todo tempo a flor da pele, procurando
tempo um momento certo para brilhar, mas que muitas vezes a
nuvem do preconceito tenta de todas as maneiras ofuscar esse
brilho. Que possamos voltar a se reconhecer como ser perten-
cente a uma história tão bela e ao mesmo tempo tão enigmática
porque não sabemos como ela é de verdade, apenas temos que
nos contentar com pequenos fragmentos que a todo instante é
descoberto e colocando novamente na nossa história a prova.
Ainda precisamos de uma escola que leve em conta a
pluralidade, a diversidade sociocultural e histórica. Necessita-
mos de uma escola viva, que se movimenta em diálogo com os
movimentos sociais, e por isso precisamos (re) pensar a forma-
ção de professores/as do campo e de nossas cidades.
Esta especificação se justifica pela necessidade de uma
Educação Escolar Quilombola voltada para a reconstrução da
identidade negada, a superação dos estigmas vigentes. Ao des-
colar a história, a cultura e a ancestralidade na inferiorizarão,
da marginalização, realizam e pontecializam o racismo. A pre-
sente proposta de uma formação qualificada dos professores
das comunidades e escolas quilombolas valoriza as experiên-
cias dos educadores e estudantes em relação aos seus próprios
sistemas de valores compartilhados, os sensos de pertencimen-
to a uma experiência capaz de fortalecer a sua auto-estima e
os projetos de profissionalização futuros. Os descendentes dos
africanos que foram escravizados, os que se auto-identificaram
como remanescentes de quilombo sofreram as influências do
projeto de embranquecimento que se desenvolveu no País,

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progressivamente que os empurrou para a assimilação e o et-


nocídio. Diante da realidade do ensino brasileiro, os professo-
res e alunos quilombolas se defrontaram com circunstâncias
que são impeditivas a uma escolaridade de sucesso (Movimen-
to Negro Unificado de Santa Catarina (MNU/SC), 201325)
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Outro saber de que não posso duvidar um momento
se quer na prática educativo-critíca é o de que, como experiên-
cia especialmente humana, a educação é uma forma de inter-
venção no mundo. Intervenção que, além do conhecimento
dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos, implica
tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto
o seu desmascaramento.
Por que é muito difícil mudar aquilo em que já es-
tamos acostumados/as? Se faz necessário educarmos nossas
crianças para serem guardiãs de nossa historia, nossa cultura
e das identidades de nossos povos. Se faz necessário nos au-
toavaliar e analisar nossas verdadeiras motivações que e nos
identificar/reconhecer como negras/os, para assim, termos
um ideal, uma luta, e ter orgulho de nossas origens e cultura.
Ainda se faz emergente valorizar os povos que foram
por muito tempo desprezados, oprimidos, ocultados por uma
sociedade que dava valor só ao seu trabalho braçal. O exercí-
cio de empoderamento que as mulheres fazem ao se pensarem
como mulheres negras, e ao enfrentar suas demandas cotidia-
nas podem contribuir para fazerem a diferença em suas comu-
nidades. Devemos estar sempre em movimento, aprendendo,
compartilhando e acima de tudo escutando o que o outro tem a
dizer, isso é muitas vezes mais importante do que temos a dizer.
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser
feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no
mundo, sem sonhar, sem cantar, sem pintar, sem cuidar da ter-
ra, das águas, sem usar as mãos; sem esculpir, sem filosofar,

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sem ponto de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teo-


logia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem
ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível
(FREIRE,,2014,57) PEDAGOGIA DA AUTONOMIA).
REFERÊNCIAS
Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a
injustiça econômica /
Organizações, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter
Roberto Silvério._
Brasília: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, 2003.
Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nª
10.639/03/ Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade 2005
SANTOS, Simone Rita dos Comunidades quilombolas:
as lutas por Reconhecimento de direitos na esfera publica
brasileira / Simone Rita dos Santos, _Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2014
Superando o Racismo na escola 2ª edição revisada /Kabengele
Mununga,Organizador.-[Brasília]:Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2008
FREIRE, Paulo Pedagogia da autonomia: Saberes necessários
á Pratica educativa / Paulo Freire 48ª Ed- Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2014.

1183
EIXO TEMÁTICO 6
PAULO FREIRE E EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS (EJA)

Coordenadora: Leni Rodrigues Coelho (UEA)

O eixo temático EJA e Paulo Freire envolve proble-


matizações acerca da história e da memória da EJA no Brasil;
as práticas pedagógicas na EJA; as propostas de alfabetização e
letramento para os jovens e adultos; o currículo na EJA; a for-
mação de educadores da EJA; as políticas públicas para a EJA
e o legado de Paulo Freire para a educação de jovens e adultos.

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RESUMO

EDUCAÇÃO DE ADULTOS: AS PRÁTICAS DO


MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE EM TEFÉ/AM
(1963-2003)
Leni Rodrigues Coelho ......................................................... 1191
OS PROGRAMAS RADIOFÔNICOS: LIMITES E
POSIBILIDADES DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE
BASE EM TEFÉ/AM (1964-1974)
Maria de Lourdes Valente Hounsell .................................... 1207
AS AÇÕES PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DE
EDUCAÇÃO DE BASE NO MUNÍCIPIO DE FONTE BOA-
AM (1967-1980)
Brenda Carla Nogueira Ferreira ........................................... 1225
PROGRAMA DE LETRAMENTO REESCREVENDO O
FUTURO: UMA EXPERIÊNCIA DE ALFABETIZAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO ESTADO DO AMAZONAS
Raiolanda Magalhães Pereira de Camargo
Jediã Ferreira Lima ................................................................ 1243
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DO DIREITO À
REALIDADE
Maria José Poloni
Neide Cristina da Silva .......................................................... 1261
SENTIDOS DA EXPERIÊNCIA DE JOVENS E
ADULTOS TRABALHADORES EM CONTEXTO DE
ESCOLARIZAÇÃO
Milena Bittencourt Pereira Medeiros .................................. 1279

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM FORMAR


PARA A ALÉM DOS TEMPOS
Maria Elisabete Machado
Micheli da Silveira Souza
Caren Rejane de Freitas Fontella .......................................... 1299
PROGRAMA MUNICIPAL DA PESSOA ADULTA E DA
PESSOA IDOSA – PROMEAPI: PERSPECTIVAS DE
SUCESSO ACADÊMICO
E SOCIAL
Clelia Maia Ferreira
Ricardo Vieira Maquiné
Sonia Maria Saraiva Bezerra ................................................. 1319
A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NAS
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Norma Raissa Macedo Leite
Carla Regina da Silva Santos ................................................ 1331
MONIFES – MOBILIZAÇÃO NINGUÉM FORA
DA ESCOLA: LIMITES E POSSIBILIDADES DA
PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES DA EJA
Sônia Serrão Rodrigues
Maria Rosália Melo de Sousa ............................................... 1345
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EJA:
CONCEPÇÕES, IDENTIDADES E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS
Adriana de Oliveira Soares
Leni Rodrigues Coelho ......................................................... 1355
A PRESENÇA DA EJA NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS DO IFAM
Raquel Santos
Edvanio Chagas
Giseli Oliveira ......................................................................... 1369

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REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS DOCENTES NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM UMA
ESCOLA ESTADUAL DA ZONA NORTE DE MANAUS
Ildeneti de Jesus Alves Costa ............................................... 1381

PROPOSTA PEDAGÓGICA 2º SEGMENTO DA REDE


DE ENSINO MUNICIPAL DE MANAUS/AM: VOZES DE
ALUNOS PARTICIPANTES DE UM NOVO MODELO DE
ESCOLARIZAÇÃO DA EJA
Maria Daise da Cunha Matos
Maria Betanea Platzer .......................................................... 1403

DO CONTEXTO AO TEXTO: PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS, INOVADORAS, EJA –AMAZONAS
Joelma Monteiro de Carvalho ............................................. 1425

REFLEXOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Monica Dias de Araújo
Ivanilde Apoluceno de Oliveira .......................................... 1441

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: OS IMPACTOS


DO PERFIL DO ALUNO SOBRE A FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES DA SECRETARIA
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUS/
AMAZONAS
Jediã Ferreira Lima
Adriana Teixeira Gomes
Rosana Marques de Souza ................................................... 1461

RELATO DE EXPERIÊNCIAS SOBRE O PROCESSO


ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Rita de Cássia Gomes Garcia
Ruth Cristina Soares Gomes ............................................... 1481

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Educação Popular em Debate
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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DESAFIOS E


POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO EM UMA ESCOLA
NO MUNICÍPIO DE PARINTINS-AM
Carla Adriana Yoshii Santarém Souza
Mateus de Souza Coelho Filho ............................................. 1489

ENTRE IDAS E VINDAS: A INFREQUENCIA NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM DUAS
INSTITUIÇÕES DE SÃO JOSÉ
Andrezza Meyer
Wanderléa Pereira Damásio Maurício ................................ 1509

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO ÂMBITO


CARCERÁRIO NO PARÁ
Carla Regina da Silva Santos ................................................ 1521

AS TICs NAS SÉRIES INICIAIS DA EJA PARA PESSOAS


PRIVADAS DE LIBERDADE EM UNIDADES PENAIS DO
ESTADO DO PARÁ
Kátia Regina Chagas dos Passos .......................................... 1533
ENCONTRO DE DIRETORES DO ENSINO NOTURNO –
EDEN: GESTÃO DA APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NA SEMED – MANAUS/AM
Maria Rosália Melo de Sousa
Rosicleide Vieira Romão
Sônia Serrão Rodrigues ......................................................... 1551

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EDUCAÇÃO DE ADULTOS: AS PRÁTICAS DO


MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE EM
TEFÉ/AM (1963-2003)

COELHO, Leni Rodrigues1


Introdução
O Movimento de Educação de Base foi criado em
1961, pelo Decreto nº 50.370, que resultou de um convênio en-
tre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do
governo federal e pretendia oferecer alfabetização à população
rural, através de escolas radiofônicas para ajudar a população
a se defender das ideologias difundidas naquele momento. Foi
o único que sobreviveu ao golpe de 1964, porém, começou aos
poucos a se extinguir, com exceção de alguns municípios da
região norte do país.
A pesquisa teve como objetivo geral analisar as ações
pedagógicas do MEB em Tefé no período de 1963 a 2003 e
como objetivos específicos compreender os propósitos políti-
cos desenvolvidos pelo MEB nos diferentes contextos históri-
cos, analisar os fatores que contribuíram para que o movimen-
to sobrevivesse ao período da repressão e verificar as redefini-
ções pedagógicas no período pós ditadura militar. O MEB em
Tefé prestou serviços educacionais, sociais, culturais e de saúde
à população ribeirinha que se encontrava esquecida, orientan-
do-os acerca de seus direitos e deveres. O presidente do MEB/
Tefé, Bispo Dom Joaquim de Lange, sensível às questões de
desigualdade social e dos altos índices de analfabetismo na re-
1 Formada em Pedagogia, Mestrado em Educação. Professora Assis-
tente da Universidade do Estado do Amazonas. Email: lenicoelho@
yahoo.com.br

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gião norte buscou estratégias para diminuí-los. Dentre essas


estratégias foram organizadas reuniões, encontros pedagógi-
cos e participação em Seminários de Educação de Base a fim
de encontrar possíveis soluções para os problemas sociais que
afligiam a população ribeirinha.
Diante da análise das fontes documentais, verificou-
-se que o MEB em Tefé desenvolveu atividades significativas,
principalmente no período que antecede a ditadura militar,
uma vez que levou o ribeirinho a refletir sobre a situação de
abandono em que vivia, mudando suas concepções e transfor-
mando-o em cidadãos conscientes. Para sobreviver ao período
do regime militar o MEB repensou sua prática pedagógica e
firmou convênio com o MOBRAL, criado para atender aos in-
teresses da ditadura.
Os desafios enfrentados pelo MEB foram muitos e
dentre eles podemos citar: falta de professores com formação
específica; as comunidades mais distantes eram desprovidas de
escolas e energia elétrica, neste caso, o professor lecionar em
sua residência que na maioria das vezes era precária; a gratifi-
cação irrisória aos professores; o trabalho árduo dos alunos na
agricultura; a fome e a idade avançada dos alunos.
Cabe salientar que, verificou-se nestes contextos a au-
sência do governo na promoção de políticas públicas em edu-
cação no município de Tefé e uma presença marcante da Igreja
Católica através da alfabetização, da evangelização e da cons-
cientização dos direitos e deveres do povo ribeirinho.
O Surgimento do Movimento de Educação de Base
O Movimento de Educação de Base foi criado em âm-
bito nacional em 1961 e resultou de convênio entre a Confe-
rência Nacional dos Bispos do Brasil e da União, atuando em
regiões subdesenvolvidas do Nordeste, Norte e Centro Oeste
do país. A CNBB elaborou o plano de um movimento educa-
tivo, através do Decreto 50.370 de 21 de março de 1961, para
desenvolver um programa de educação de base através de es-

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colas radiofônicas, junto à população menos favorecida em


áreas subdesenvolvidas. O Governo Federal além de conceder
canais radiofônicos aos bispos autorizava também à requisição
de funcionários federais para prestar serviços no movimento.
O MEB ofereceu à população rural, através de escolas radio-
fônicas, oportunidades de alfabetização e proporcionou base
política mais ampla instigando o homem rural a se conscienti-
zar da sua realidade e buscar mecanismos para melhores con-
dições de vida. Segundo Paiva (2009, p.61), o MEB tinha como
objetivo:
Cooperar na formação integral de adultos e adoles-
centes, nas áreas subdesenvolvidas do país, e propi-
ciar elementos para que essas camadas da população
tomasse consciência de sua dignidade de criatura hu-
mana, transformando-se em agente do processo de
mudança da realidade em que vivia.

É importante ressaltar que o MEB em suas práticas


pedagógicas buscava a conscientização do homem perante a
sociedade, através de motivações, de mudanças de atitudes e
principalmente do cooperativismo. Através desses métodos,
trabalhou a prática da leitura e da escrita, utilizando o cotidia-
no dos alunos para tornar as aulas instrumentos de produção
de conhecimento. O MEB implantou projetos e metodologias
envolvendo clubes, cooperativas, sindicatos e organizações po-
líticas, tudo em busca de uma educação com mais qualidade.
(WANDERLEY, 1984)
Nesse sentido, percebe-se que o MEB representou a
primeira dimensão profissional da Ação Católica, em âmbito
nacional, trazendo uma grande contribuição, principalmente
para a educação de jovens e adultos no Brasil, uma vez que
nesse contexto havia um índice elevado de analfabeto no país,
sendo necessário erradicá-lo, pois, era considerada uma “ver-
gonha nacional”.
De acordo com Fávero (2006), de todos os movimen-
tos de cunho social, o MEB foi o único que logrou de forma

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mais intensa para o meio rural, inclusive dando apoio à sindi-


calização rural; sobreviveu ao golpe militar de 1964 e à repres-
são dos anos seguintes. No entanto, só foi possível por que o
movimento se colocou no mesmo patamar dos outros movi-
mentos de educação e cultura popular do início dos anos de
1960.
A história do MEB na região norte caminhou jun-
tamente com o processo de instauração da ditadura militar e
visou à alfabetização e a ampliação dos direitos políticos dos
sujeitos pertencentes às classes populares. Já a ditadura cerceou
ações da sociedade civil em detrimento de seus interesses po-
líticos e ideológicos. De acordo com Raposo (1985), a ditadu-
ra militar não apenas minou perspectivas de ações políticas,
como também aguçou o controle ideológico da hierarquia so-
bre os vários movimentos - o MEB, o sindicalismo rural, a ação
católica - candentes naquele momento.
O Movimento de Educação de Base em Tefé foi cria-
do em 01 de janeiro de 1963, articulado por Dom Joaquim de
Lange, na época bispo do município. Ao chegar à cidade em
1947, Dom Joaquim percebeu a imensa extensão territorial
e a realidade de exploração, isolamento e pobreza em que se
encontravam os ribeirinhos. Após constatar essas condições
vivenciadas pela população, que não era assistida pelo poder
público e organização civil, sentiu-se mobilizado pela situação
de descaso em que se encontravam naquele momento. Dom
Joaquim, motivado pela experiência adquirida em sua viagem
à Colômbia articulou a implantação da Rádio Educação Rural
em Tefé. Em relação à criação de emissoras católicas De Kadt
(2007) afirma que a obtenção de uma emissora de rádio ia além
do projeto educacional. Representava prestígio e influência
para os bispos, além de incluir em sua programação o ensino
religioso e propagação da fé cristã.
A trajetória do MEB em Tefé foi singular, pois conse-
guiu resistir ao crescente controle do Estado para com as ações
dos movimentos sociais. Se num primeiro momento, as ações

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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do MEB se desenvolveram em uma perspectiva crítica e po-


lítica, baseada nos princípios do educador Paulo Freire, com
o intensificar da repressão política, foi necessário rever, em
um segundo momento, suas ações didático-pedagógicas. Para
a manutenção do MEB em Tefé foi realizado parcerias com o
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), programa
criado pelo governo federal, voltado para a educação de jovens
e adultos, numa perspectiva de alfabetizar para a inserção do
sujeito no mercado de trabalho e diminuir os altos índices de
analfabetismo no país. Nesse sentido, Fávero (2006) afirma
que a redefinição dos objetivos e da metodologia do MEB se
fez em função de uma nova opção ideológica. Somado a essa
questão De Kadt (2007) salienta que no auge da ditadura o
MEB atuou muito mais na perspectiva de catequização do que
de conscientização.
Além da parceria firmada com o MOBRAL, o MEB
em Tefé também buscou apoio de instituições como o Banco
do Brasil, o Projeto Rondon e a Empresa de Assistência Técnica
e Extensão Rural do Amazonas (EMATER) para qualificar e
estimular as famílias ribeirinhas na busca de qualidade de vida.
Nesse sentido, Protásio ex-coordenador do MEB afirma que:
O MEB em Tefé tinha apoio da EMATER que atuava
junto aos produtores rurais, ensinando a técnica de
agricultura. Esses técnicos davam palestras e faziam
acompanhamento das atividades desenvolvidas pelos
comunitários, duas vezes por mês faziam esse traba-
lho. O Banco do Brasil colocou a disposição do MEB
um técnico que ia às comunidades estimulando em-
préstimos e também verificando a aplicação desses
recursos durante a execução dos projetos. Reuniam
os beneficiários e davam orientações sistemáticas
de como conseguirem recursos junto à instituição.
A Promotoria de Justiça acompanhava as reuniões
comunitárias de como os cidadãos deveriam conse-
guir seus documentos de casamento, de registro civil
e registro de terras. Já o Projeto Rondon, que tinha
na equipe: professores, paramédicos e assistentes so-
ciais, faziam as reuniões nas comunidades junto com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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o MEB orientando os monitores, as mães e dando as-


sistência à saúde.

No que se refere à parceria no âmbito da saúde pública


verificou-se que o MEB trabalhava juntamente com a Secreta-
ria de Saúde do município de Tefé a fim de qualificar os agentes
de saúde para atender o povo ribeirinho em suas necessidades
mais imediatas. Esses agentes recebiam após o treinamento
uma caixa com produtos de primeiros socorros para atuarem
nas comunidades. De acordo com o ex-coordenador do MEB
Protásio a equipe de saúde:
Levavam cartazes, panfletos e remédios para os mo-
radores das comunidades. O agente de esporte era
encarregado de organizar o campo de futebol e trei-
nar os atletas. O agente pastoral recebia o material da
Paróquia que era usado durante a missa aos domingos
e dias santos e todos os domingos tinha missa radio-
fônica. Os agentes recebiam treinamentos no Seminá-
rio São José, uma vez por mês para fazerem o atendi-
mento nas comunidades.

Dessa forma percebe-se que o MEB em Tefé atua-


va não apenas no campo educacional, mas também realizava
ações em busca da efetiva transformação do contexto em que
estava inserido o povo ribeirinho, uma vez que se dava desde o
incentivo e orientação para empréstimo bancário até a qualifi-
cação para a atuação na agricultura. Não menos importante foi
a sua contribuição na área da saúde. Tais ações indicam a rele-
vância do movimento para Tefé e região do Médio Solimões, já
que não foram circunscritas ao âmbito educacional.
As Aulas Radiofônicas do MEB em Tefé
Um olhar mais aguçado sobre as ações pedagógicas do
MEB em Tefé revela singularidades importantes para se com-
preender a sua história. Ressalta-se que a cidade de Tefé, está
localizada no interior do Estado do Amazonas, cenário geográ-
fico marcado por grandes extensões territoriais, entremeados

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por florestas, rios e lagos, o que dificultava a mobilidade, a in-


teração e o acesso à educação formal dos povos ribeirinhos. A
partir desse cenário é que pode-se compreender a importância
das ações do MEB através das aulas radiofônicas. De acordo
com Paiva (2009, p.51), a implantação de emissoras radiofôni-
cas nesse contexto:
Encurtava distâncias, facilitando o acesso dos cam-
poneses à educação, dando-lhes possibilidades de se
desenvolverem enquanto membros de uma comuni-
dade maior. O rádio significava, de forma concreta, a
tecnologia a serviço da educação do homem campe-
sino. Era um rádio de ondas cativas, mas, ondas que
levavam o camponês a se sentir importante, a tomar
conhecimento do que acontecia no seu estado, na sua
região, no seu país e no mundo.

De acordo com Peixoto (2003), os programas radio-


fônicos tiveram papel importante na ação educativa do MEB,
uma vez que foi estruturada uma programação educativa in-
tensa, diversificada, motivadora e transmitida em horários di-
ferenciados, atingindo várias faixas etárias da população. No
que tange ao âmbito regional e ou local percebe-se que as aulas
radiofônicas ministradas pelo MEB através da Rádio Educação
Rural de Tefé, que funcionava em um primeiro momento no
Seminário São José, transmitia cursos de parteiras, primeiros
socorros, catequese, esporte, arte e tecelã. Dessa forma verifi-
cou-se que o MEB em Tefé atuou e incentivou a população ri-
beirinha nas diferentes áreas. Segundo o ex-coordenador Pro-
tásio o MEB em Tefé contribuiu para o desenvolvimento da:
Agricultura, já que era o único recurso do municí-
pio. Na área de esportes, incentivamos também o
artesanato que já tinha desaparecido aqui na região.
Tinha duas pessoas daqui de Tefé, que trabalhavam
com cerâmica, talas e madeira, então pegamos essas
pessoas e treinamos para ensinar os nossos monito-
res de artesanato. E com isso conseguimos devolver, o
que já tinha desaparecido. Já o esporte envolvia toda
a comunidade, chegou a preparar os campeonatos

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intermunicipais, primeiro o intercomunitário, uma


comunidade contra a outra e depois intermunicipais e
trouxemos de Manaus os times. O outro foi o folclore,
trabalhou-se a cultura popular, nós conseguimos no
período do folclore trazer para cá de 80 até 120 cordões
de folclore do interior e daqui da cidade. A apresenta-
ção era feita na praça da igreja, nós fizemos também
o dia da festa de Tefé que não era celebrado, tinha no
documento, mas não era celebrado.

No que se refere às condições físicas das escolas radio-


fônicas do MEB Wanderley (1984) afirma que estavam longe de
atingir os requisitos mínimos pré-estabelecidos para o funcio-
namento de uma escola, pois esse local era iluminado à luz de
lamparina e na maioria das vezes as aulas eram oferecidas nas
casas dos monitores, em alpendres, terreiros ou latadas.
No entanto, tal precariedade não foi suficiente para
colocar em risco o trabalho desenvolvido pelo MEB. Vale res-
saltar que no município de Tefé e região do Médio Solimões as
condições físicas das escolas não se diferem das descritas em
âmbito nacional, uma vez que ao se pensar nessas escolas não
se pode ter em mente uma estrutura formal de educação, pois
a precariedade em que trabalhava o MEB, locais que poderiam
ser considerados inapropriados, se transformava em espaços de
aprendizagem. De acordo com Josefa, ex-professora do MEB as
dificuldades encontradas no processo didático pedagógico se
davam em detrimento:
Do pouco material didático, pois não era suficiente, às
vezes tinha dificuldade para fazer trabalho em sala de
aula e a distância, porque a gente viajava de canoa para
ir dar aula e os alunos para estudar. Alguns moravam
perto da própria escola, no mesmo povoado, outros vi-
nham do outro lado do rio e às vezes a chuva e a falta
de transporte dificultavam o acesso dos alunos às aulas.

As dificuldades enfrentadas pelos professores e alunos


do MEB eram diversas. Ao analisar as entrevistas realizadas com
os sujeitos envolvidos percebe-se que tais dificuldades eram re-

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correntes em suas falas. Nesse sentido, a afirmativa de Protá-


sio reforça as condições existentes. A escola não tinha prédio
próprio, as aulas eram ministradas na residência do monitor,
faltava material escolar, apostilas, cartilhas e mobiliário. No
início do projeto os monitores não recebiam salário, apenas
uma gratificação pelos serviços prestados. Essas dificuldades
não foram empecilhos para impedir o trabalho da equipe do
MEB que contribuiu para a alfabetização dos ribeirinhos que
viviam em total abandono, esquecidos pelo Poder Público.
Para a realização das aulas radiofônicas havia uma
equipe do MEB - coordenadores e professores - responsável
pela elaboração da programação das atividades desenvolvidas:
scripts, avisos, convites, melodias e aulas. A programação era
repassada aos monitores de cada comunidade, estes para a po-
pulação ribeirinha. Nesse sentido, o ex-coordenador do MEB,
Protásio revela que:
O MEB mantinha em cada localidade, uma sala de
aula para alfabetização de jovens e adultos. De 15
em 15 dias os supervisores faziam a fiscalização nas
comunidades. O supervisor chegava, fazia reunião
com a comunidade para debater e corrigir as falhas
que haviam no trabalho desenvolvido pelo monitor
daquela comunidade. Nessas reuniões eram discuti-
dos os problemas da comunidade e possíveis soluções
para resolver tais problemas. Após essa fiscalização
era redigido e apresentado um relatório com assuntos
discutidos na reunião para a coordenação do MEB.

Ao analisar a fala do ex-coordenador identifica-se ca-


racterísticas importantes sobre o fazer pedagógico, pois este
era fruto das discussões realizadas entre os sujeitos envolvidos,
o que permitia maior envolvimento na busca de soluções para
os problemas que afetavam o povo ribeirinho. Nesse processo
de reflexão e amadurecimento de ideias, se fazia presente estra-
tégias para a conscientização do sujeito, possibilitando assim
o acesso à educação nos locais mais longínquos da região do
Médio Solimões.

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As Singularidades do MEB em Tefé/AM


Os professores que atuavam no MEB em Tefé, não ti-
nham formação especifica para a área de alfabetização de jo-
vens e adultos. No entanto, verificou-se que eram oferecidos
cursos de treinamento com o objetivo de qualificá-los para
atuarem em sala de aula. Dessa forma, os coordenadores e su-
pervisores proporcionavam aos monitores orientação e forma-
ção continuada, para que estes adquirissem conhecimentos e
habilidades para alfabetizar seus alunos.
Os professores/monitores do MEB pertenciam às co-
munidades, e não disponibilizavam de muitos recursos para
elaborar suas atividades escolares e ministrarem suas aulas. De
acordo com a ex-professora do MEB, Tereza, os alunos e mo-
nitores enfrentavam no seu cotidiano as seguintes dificuldades:
Falta de energia, os alunos tinham vontade de apren-
der, vinham todas as noites, enfrentavam viagens de
canoa, por morarem longe da comunidade. Os alunos
que moravam próximo levavam seus tambores, cadei-
ra de suas casas para se sentarem, pois não tínhamos
cadeiras para todos. O fascínio pela novidade e a von-
tade de aprender a ler e escrever fazia com que após
um dia inteiro de trabalho braçal, os trabalhadores e
trabalhadoras tivessem ânimo para acompanhar as
aulas que eram ministradas a noite pelos monitores
de cada comunidade.

Se por um lado as adversidades eram múltiplas e iam


desde a infraestrutura até o material didático pedagógico, por
outro lado, na fala da professora é perceptível o entusiasmo
dos sujeitos envolvidos nas ações do MEB. Tais adversidades,
na maioria das vezes eram vencidas por causa da constante
preocupação em qualificar os professores/monitores que eram
considerados fundamentais no desenvolvimento das ações do
Movimento. Os treinamentos oferecidos aos professores/mo-
nitores eram organizados pela equipe do MEB em Tefé e se
davam no sentido de auxiliá-los e/ou orientá-los na condução

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dos alunos na sala de aula. No que se refere aos locais de trei-


namento dos professores/monitores Joana, ex-supervisora do
MEB afirma que:
A princípio era na sede, traziam-se todos para cá para
a missão, era onde tinha o Centro de Treinamento aí
passava uma semana, ou dez dias ou o tempo que era
previsto. Com o passar do tempo às comunidades fo-
ram se estruturando e depois foram fazendo casas co-
munitárias e onde estava organizada, a gente passou a
fazer esse treinamento por região. Então a gente reu-
nia os monitores por região e levava-os para aquele
determinado local onde era combinado e avisava pelo
rádio. No São Paulo do Coraci, a gente já tinha uma
casa comunitária grande, então treinava o pessoal da-
quela região lá mesmo. Então foi assim, a princípio
tudo era em Tefé, depois foi adotado um sistema de
treinar também nas comunidades.

No que diz respeito ao treinamento de supervisores


verificou-se que estes foram orientados e treinados com a fina-
lidade de diagnosticar a realidade das comunidades, no intui-
to de fazer levantamento da área, que consistia em verificar a
viabilidade da instalação de uma escola em cada comunidade.
Após a realização da pesquisa era escolhido pela comunidade
o professor, o líder esportivo, o líder de trabalho comunitário,
a liderança no clube de mães, o agente de saúde e da pastoral.
Essas pessoas eram posteriormente capacitadas em cursos rea-
lizadas no Centro de Treinamento da Barreira da Missão.
Além do diagnóstico os supervisores tinham também
a função de visitar periodicamente as escolas para verificar as
dificuldades enfrentadas pelos monitores e alunos, tentando
auxiliá-los no desenvolvimento de suas atividades escolares e
na melhoria da qualidade de vida do povo ribeirinho. Segundo
Josefa o supervisor tinha como atribuição:
Visitar as comunidades e ajudar na documentação da
comunidade, verificar se aquela comunidade queria o
estatuto ou o registro do cartório, tirar o CNPJ, o que
realmente ela estava precisando, então a gente traba-

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lhava com essa questão da organização e ver como po-


deria ser possível melhorar. Na escola a gente super-
visionava para ver os trabalhos dos monitores e como
era que estava o desempenho dos alunos. Em algumas
comunidades trabalhavam com o clube de mães e den-
tre essas mães o que estavam querendo ou precisando.
Todo ano a gente tinha feira de artesanato na festa de
Santa Tereza no mês de outubro, então preparávamos
as pessoas que iam trabalhar com argila, com tecela-
gem, tapetes e costuras para serem vendidos durante
o evento.

Portanto, cabia aos supervisores fazer o acompanha-


mento nas escolas, nos cadernos dos alunos, verificar o trabalho
dos agentes de saúde, bem como, visitar os moradores e após
esta visita era realizada uma reunião com a comunidade para
saber a respeito do desempenho do professor/monitor, se esta-
va cumprindo seu trabalho. Após a reunião redigia-se um rela-
tório para encaminhar ao coordenador do MEB, apresentando
as dificuldades enfrentadas pela comunidade.
De acordo com Fávero (2006), a supervisão era enten-
dida pelo MEB como processo técnico, voltado em primeiro lu-
gar para a escola e para os monitores, rejeitando assim o caráter
de fiscalização e de prestação de contas. Insistia na ajuda, no
atendimento ao monitor e no auxílio a comunidade. Seus obje-
tivos eram de realizar uma observação das condições materiais
da escola e do desempenho do monitor, verificar a adequação e
o aproveitamento das aulas e investigar os interesses e as neces-
sidades locais, tendo em vista a possibilidade de solucionar os
problemas existentes nos diferentes contextos escolares.
Em relação aos coordenadores do MEB em Tefé, ve-
rificou-se que estes eram preparados em cursos realizados em
Manaus, capital do estado, no estado do Pará e na região nor-
deste do país. Participava desses cursos o coordenador do MEB
de Tefé, que ao retornar para o seu município socializava o co-
nhecimento adquirido com os demais membros das equipes da
sede em Tefé, Carauari, Fonte Boa e Jutaí. A preocupação central
do MEB era formar uma equipe bem preparada para atuar nas

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comunidades ribeirinhas, pois disso dependia o sucesso das


ações que seriam desenvolvidas nas comunidades. De acordo
com Protásio o MEB em Tefé antes de colocar em prática suas
atividades preocupou-se em qualificar seus funcionários.
Em 1963 no mês de agosto organizou uma equipe
de sete funcionários do MEB que já tinham recebido
treinamento no Rio de Janeiro, em Belém, Aracajú,
Natal, Bragança, Santarém e Manaus. Daí em diante,
no mês de setembro de 1963 o MEB iniciou suas ati-
vidades.

Ao analisar os dados documentais que fundamenta-


ram essa pesquisa verificou-se que apesar do MEB ter repen-
sado sua ação pedagógica no período da ditadura militar, seu
trabalho em termos gerais foi significativo para Tefé e região do
Médio Solimões, já que propiciou mudanças substanciais no
cotidiano vivenciado pelo povo ribeirinho.
A partir de 1967 houve o deslocamento do MEB para
a região Norte, que passou a constituir aproximadamente 75%
das escolas radiofônicas e cerca de 56% dos alunos matricula-
dos no Movimento. Em relação às ações do MEB na Amazônia
Fávero (2006, p 221) afirma que:
A experiência na Amazônia era mais nova, constituía-
-se basicamente de sistemas radiofônicos isolados,
abrindo-se para o conservador desenvolvimento de
comunidades. Em alguns casos, a escola radiofônica
vinha a ser mais uma atividade no elenco das já exis-
tentes. Trabalhavam em áreas muito mais vastas, onde
o conflito era apenas latente, e dependiam muito mais
do bispo ou prelado local, alguns deles com vínculos
bastante fortes com organizações europeias (como o
caso de Tefé, que, com o auxílio de organizações ca-
tólicas holandesas, tinha uma emissora potente e bem
equipada, barcos a motor para supervisão etc.)

Nesse sentido percebe-se que a geografia e as condi-


ções naturais do Amazonas fizeram com que as ações desen-
volvidas pelo MEB no Norte fossem diferentes das demais re-

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giões do país. Além disso, deve-se mencionar a extensa área


territorial do Estado e as dificuldades enfrentadas no campo da
comunicação e do transporte. O MEB no Amazonas começou
a enfrentar enormes dificuldades financeiras a partir do golpe
militar, o que refletiu diretamente em seu trabalho pedagógico.
Esse período foi marcado pelas parcerias nacionais e interna-
cionais e o MEB passou a ser financiada principalmente por
organizações internacionais como a CORDAID da Holanda e
a MESEREAR da Alemanha. Segundo Paiva (2003, p. 313), em
1968, dos “25.731 alunos matriculados, 19.512 estavam locali-
zados no Estado do Amazonas e Pará”.
Portanto pode-se dizer que a decisão do encerramen-
to do MEB no Amazonas, não foi dos Departamentos do Esta-
do e sim do MEB nacional, uma vez que os recursos financeiros
não eram suficientes para desenvolver seu trabalho com êxito
e as agências internacionais resolveram também romper com a
parceria, o que ficou inviável sua continuação sem o auxílio das
organizações católicas, principalmente a Holandesa.
Conclusões
O Movimento de Educação de Base, juntamente com
instituições governamentais e não governamentais, contribuí-
ram no âmbito da educação, da saúde, da cultura e do lazer. O
movimento proporcionou ao povo ribeirinho conhecimentos
para atuarem como sujeitos ativos e participativos no contexto
em que estavam inseridos.
A partir de um olhar mais atento para a história de
quarenta anos de atuação do MEB/Tefé permite afirmar que
este foi um movimento educacional e social de grande relevân-
cia para o município de Tefé e região, que possibilitou ao longo
da sua existência a conscientização, a alfabetização e a catequi-
zação de centenas de sujeitos pertencentes às classes populares.
Nesse sentido, acredita-se que o Departamento do
MEB/Tefé cumpriu com sua função pedagógica já que se cons-
tituiu em experiência inovadora na maior parte do tempo em

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que atuou no município. As atividades pedagógicas desenvol-


vidas foram essenciais para que sua ação educativa transcor-
resse de forma satisfatória e apesar das grandes dificuldades
encontradas proporcionou uma educação diferenciada a partir
da realidade do aluno, na busca de uma sociedade mais justa e
mais humana. Espera-se que este trabalho seja um a semente
que possa contribuir para os pesquisadores que vierem aden-
trar os caminhos percorridos pela educação de jovens e adul-
tos.
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MEB: uma história de muitos. Petrópolis: Vozes, 1986.
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1974.
FÁVERO, Osmar. Uma Pedagogia da Participação Popular:
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Radiofônicas de Natal: uma história construída por muitos
(1958-1966). Brasília: Liber Livro; Natal: UFRN, 2009.
PEIXOTO FILHO, José Pereira. A Travessia do Popular na
Contradança da Educação. Goiânia: Editora da Universidade
Católica de Goiás, 2004.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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PESSOA, Protásio Lopes. História da Missão de Santa Teresa


D’Avila dos Tupebas. Manaus: Novo Tempo, 2002.
RAPOSO, Maria das Graças Brenha. Movimento de
Educação de Base: discurso e prática (1961-1967). São Luís:
Universidade Federal do Maranhão e Secretaria de Educação
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WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Educar Para Transformar:
educação popular, igreja católica e política no Movimento de
Educação de Base. Petrópolis: Vozes, 1984.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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OS PROGRAMAS RADIOFÔNICOS:
LIMITES E POSIBILIDADES DO MOVIMENTO
DE EDUCAÇÃO DE BASE EM TEFÉ/AM
(1964-1974)

HOUNSELL, Maria de Lourdes Valente1


Introdução
O presente trabalho discute os limites e possibilida-
des dos programas radiofônicos da Rádio Educação Rural de
Tefé no período de 1964 a 1974. Nessa pesquisa tem-se como
objetivo geral analisar se a Rádio Educação Rural de Tefé pro-
porcionava aos alunos cursos de cunho catequéticos ou uma
formação politizadora. Quanto aos objetivos específicos pro-
curou-se pesquisar o surgimento da Rádio Educação Rural de
Tefé e as contribuições das aulas radiofônicas; verificar se as
atividades desenvolvidas pela Rádio Educação Rural de Tefé
eram de cunho confessional ou laico; pesquisar se os progra-
mas educativos da Rádio Rural de Tefé influenciaram na for-
mação política, econômica e social dos tefeenses.
A pesquisa tem como aporte teórico: Fávero (2006),
De Kart (2009), Wanderley (1984) entre outros. Utilizou-se
também história oral temática e foram entrevistados ex-coor-
denador, ex-supervisor, ex-monitores e ex-alunos do MEB.
As Aulas Radiofônicas em Tefé/AM
As aulas Radiofônicas em Tefé tinham como principal
objetivo a alfabetização da população rural. Neste contexto foi
á forma encontrada por Dom Joaquim de Lange para superar
1 Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Amazonas, Centro
de Ensino Superiores de Tefé; E-mail: maluhounsell@hotmail.com

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a distância e envolver um maior número de pessoas na região


de Tefé no estado do Amazonas. Em âmbito nacional, Paiva
(2009, p.50-51), ressalta que:
A implantação de um sistema educativo com base em
emissões radiofônicas encurtava distâncias, facilitan-
do o acesso dos camponeses à educação, dando-lhes
possibilidades de se desenvolverem enquanto mem-
bros de uma comunidade maior. O rádio significava,
de forma concreta, a tecnologia a serviço da educação
do homem campesino.

Nos documentos primários do arquivo da Rádio Ru-


ral encontram-se os scripts da aula radiofônica, intitulada “Aula
de Linguagem” datada de 24/04/1968. Analisou-se que antes da
introdução da aula de linguagem, o professor-locutor, numa
linguagem acessível a todos os alunos ouvintes, fez abordagem
do assunto em relação ao papel da mulher nos trabalhos comu-
nitários, a qual deveria ser valorizada por todos, reconhecendo
assim a força de trabalho feminino que ía do fogão a lenha ao
forno de torrar farinha, participando de todo processo de pro-
dução. A seguir encontra-se um trecho do script da aula que
trata deste assunto:
A mulher que trabalha que ajuda o homem a desen-
volver as atividades na comunidade. Ela é mulher sim,
é do outro sexo, mas não é por isso que ela é inferior
ao homem. Ao contrário hoje a mulher está coloca-
da ao lado do homem na sociedade, produz o mesmo
tanto que ele, mas não é por isso que ela quererá pisar
em cima do homem. (SCRITP, 1968, p. 01).

Percebemos que nessa introdução feita pelo profes-


sor locutor, à aula radiofônica intitulada, “aula de linguagem”,
passou por um momento de conscientização para aceitação do
trabalho feminino na comunidade. Uma promoção de vida em
sociedade que nesse sentido Medeiros (2008, p. 64), ressalta:
[...] E assim, por meios de atividade social, culturais e
sobre tudo, pela educação de base, que engloba a po-

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litização e a conscientização dos sujeitos nela envol-


vidos, os capacitaria para vivência na sociedade em
passos largos de mudanças estruturais.

Nesse sentido, a educação oferecida aos alunos ouvin-


tes da rádio levava o conhecimento voltado para uma promo-
ção humana, a vida compartilhada socialmente que visava uma
politização. O ex-supervisor do MEB em Tefé, em entrevista
afirma que: “O programa da Rádio Educação Rural de Tefé,
especificamente o programa do MEB, orientado pela CNBB,
tinham como objetivo a promoção humana, justamente atra-
vés da politização”.
A politização e a conscientização para o MEB a nível
nacional referia-se a educação para libertação do homem ru-
ral embrenhado em seu mundo, e só através dessa educação o
homem da zona rural poderiam alcançar. Conforme definido
no Relatório do I Encontro de Coordenadores (1962) (apud
Wanderlei, 1984, p.109): educação de base é “o processo de au-
toconscientização das massas para uma valorização plena do
homem e uma consciência crítica da realidade”.
A consciência critica da realidade, daria ao homem
do campo o conhecimento de sua existência no mundo, levan-
do a fazer parte dele.
No documento intitulado “Relatório de Cursos para
Formação de Lideres de Comunidade para o Trabalho”, perce-
be-se que os assuntos discutidos nos cursos abordavam ques-
tões relacionadas à horticultura, tecelagem, primeiros socor-
ros, educação para o lar, educação alimentar, corte e costura.
Em linhas gerais, os cursos profissionalizantes buscavam capa-
citar o sujeito para uma perspectiva de vida melhor através do
trabalho por ele desenvolvido. A respeito da promoção huma-
na, Fávero (2006, p. 53), ressalta que:
O Movimento de Educação de base, como movi-
mento essencialmente educativo, tem como objetivo
a formação integral do homem para sua promoção.
A educação, como um processo global, não pode se

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limitar à instrução, dissociando-a de seu aspecto de


trabalho, que implica em ação aperfeiçoadora, não
somente por parte do educador, mas também por
parte do educando. É formação na ação, ajudando o
homem a promover-se.

Percebe-se que, os temas trabalhados pelos líderes,


tratavam de questões referentes ao cotidiano dos alunos, além
disso, proporcionava informações que permitiriam a popula-
ção ribeirinha ou rural, ter acesso ao conhecimento dos seus
direitos e deveres, isto é a uma ação democrática.
Nessa perspectiva, os temas se constituíam em uma
tomada de consciência através do conhecimento, para a valo-
rização integral do homem do campo. Nesse sentido De Kart
(2007, p.175) afirma que:
[...] A educação de base deveria tratar os campone-
ses como ‘homem integral’ e iria ajudá-lo a desenvol-
ver-se plenamente. Para alcançar isto, o Movimento
dedicar-se-ia ao desenvolvimento da comunidade, á
alfabetização, a educação sanitária e agrícola e a in-
trodução de práticas democráticas. Pretendia-se criar
um espirito de iniciativas que ajudasse a preparar os
camponeses.

O desenvolvimento das comunidades foi um dos ob-


jetivos abordados pelo MEB a nível nacional. Os líderes rece-
biam as instruções para orientar seus liderados com instrução
das tarefas para proporcionar o desenvolvimento de suas co-
munidades.
A respeito das aulas radiofônicas o Sr. Protásio Pes-
soa, ex-coordenador do MEB em Tefé em entrevista salienta
que: “de nossa parte era politizadora, era fazer com que o ho-
mem despertasse da sua realidade de pobreza [...] e se libertas-
se dessa cultura”. O que ressalta, nessa fala e o fato de que as au-
las radiofônicas eram consideradas como um ato de libertação
do estado de dominação. Segundo Wanderley (1984, p.114),
para o MEB “a conscientização era vista como algo essencial à
educação”.

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As aulas foram nessa proposta levadas aos ribeirinhos,


davam a eles a orientação para alcançarem uma conscientiza-
ção libertadora de seus opressores, os donos dos seringais que
na época dominavam e oprimiam os ribeirinhos com trabalhos
forçados, aproveitando seu estado de ignorância. Embora o ex-
-coordenador do MEB tenha afirmado que as aulas tinham por
finalidade conscientizar, percebe-se divergência em relação à
fala da ex-supervisora do MEB, dona Maria, ela afirma que as
aulas radiofônicas eram mais de cunho catequético do que po-
litizador.
Bem, abrangia mais a evangelização né, que [...] acho
que hoje a zona rural, eles são muitos esquecidos nes-
sa área, por que antes né, nós tínhamos a nossa equipe
que fazia parte do MEB, parte do MOBRAL, da equi-
pe do MOBRAL que era fornecido, que fazia parte
pela prefeitura e o MEB que era um órgão federal.

Portanto, percebe-se nas falas dos entrevistados que


as ações do MEB não se restringiam apenas as questões educa-
cionais, culturais e da saúde, pois havia também uma preocu-
pação em levar aos ribeirinhos, discussões relacionadas à im-
portância da religião para a vida do ser humano. Nesse sentido
Wanderley (1984, p.109), afirma que:
Se, em nossa ação educativa, levarmos o homem a ter
consciência de que é imagem e semelhança de Deus,
fazemo-lo também engajar-se em seu mundo próprio,
em sua cultura, [...] e ser dela um grande criador. A
partir desta situação, cada pessoa poderá afirmar sua
dignidade.

Assim, percebe-se que, tendo o MEB sua origem no


meio confessional da Igreja Católica, seus objetivos com os
programas radiofônicos, iam além da educação formal, ou seja,
visava também uma educação cristã na proposta de desenvol-
ver no homem um espirito fraterno de amor ao próximo, har-
monia com a natureza, e como criaturas de Deus buscar um
mundo melhor a partir dele mesmo.

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Cabe destacar ainda que alguns documentos oficiais


do MEB apresentam informações acerca da questão confes-
sional dos alunos que frequentam as escolas radiofônicas nas
comunidades, estes, recebiam orientações religiosas e frequen-
tavam assiduamente a igreja e as reuniões.
Outra questão relacionada à orientação confessional
foi percebida na cartilha com o titulo “Vamos Refletir um Pou-
co”, esta foi elaborada por representantes das equipes de Tefé
(João Hamilton e Maria da conceição) e de Fonte Boa (André
filho e Severino Fernandes). O conteúdo da cartilha versa so-
bre a criação do homem, da família, do direito e da valorização
do homem, conceitos estes baseados no livro de gêneses e, por-
tanto, a temática é de cunho religioso. Apresenta-se a segui um
trecho da Cartilha que ressalta essa questão:
Vendo no livro de Gêneses sobre a história da cria-
ção, sabemos que Deus criou o homem e a mulher.
Deu-lhe vida e entregou o paraíso. O próprio filho de
Deus nasceu de uma família. A família é a principal
célula da sociedade. Todo ser humano tem direito a
uma família. Não cabe a família colocar filho no mun-
do. É seu dever sustentar e orientar para que se torne
digno da sociedade. A ninguém cabe o direito de tirar
a vida. Todos têm o direito de nascer. Todos são filhos
de Deus. Maravilhas existem, mas nenhuma é mais
maravilhosa do que o homem, imagem e semelhança
de Deus. O homem deve valorizar-se, para que tam-
bém possa ser valorizado. (CARTILHA: MEB/TEFÉ,
S/D, p.01)

Em vista disso, acredita-se que as práticas (aulas ra-


diofônicas) desenvolvidas pelo MEB em Tefé foram de cunho
politizador e confessional. Observa-se essa questão não apenas
nos documentos primárias, mas também nas falas de alguns
entrevistados. Em entrevista, o ex-monitor afirma que as ações
do MEB em Tefé eram de cunho politizador e catequético. Para
o ex-monitor Raimundo, o MEB utilizava “as duas, por que a
gente também aplicava aulas de evangelização né”. Nesse senti-

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do, Medeiros (2008, p.71), afirma que “nessa ambivalência en-


tre instrução e advertência, os meios de comunicação católicos,
em especial o rádio, destinavam-se a ‘formar’ entre fiéis, jovens
e adultos, um juízo cristão de fatos e acontecimentos”.
Portanto, verificou-se que, as aulas radiofônicas da
Rádio Educação Rural de Tefé propiciavam a população tefeen-
se uma instrução formal e cristã através das aulas radiofônica
politizadora e catequética, pois além de ensinar a ler e escrever
com perspectiva de uma prática social democrática, havia tam-
bém a preocupação de formar no homem um espirito cristão e
participativo na construção do seu meio, desenvolvendo uma
fé confessa.
Os Programas do MEB na Rádio Educação Rural de Tefé
Os programas radiofônicos que iam ao ar pela Rádio
Educação Rural de Tefé versavam sobre as mais diversas temá-
ticas e propiciavam ao povo ribeirinho formação e informa-
ção acerca da realidade regional e nacional. Esses programas
não visavam somente ensinar o indivíduo a ler e a escrever,
mas também orientá-lo pela busca de melhores condições de
vida. Com essa perspectiva, o MEB buscou fortalecer as rela-
ções com os ribeirinhos através de suas atividades e programas
radiofônicos diários voltados para a Animação Popular, com o
intuito de organizar os grupos, de aproximar as pessoas, e de
formar lideranças criando assim, uma melhor estrutura políti-
ca, cultural e econômica nas comunidades ribeirinhas. A esse
respeito Paiva (1987, p.242) afirma que:
[...] A Animação Popular, sistematizada após 1962-64,
era definida como um ‘processo de estruturação de
comunidades e organização de grupos, progressiva-
mente assumido por seus próprios membros, a partir
dos elementos de liderança’. Com tais grupos visava-
-se a ‘integração de pessoas que pensam, planejam e
agem em comum, buscando atender a todos os mem-
bros da comunidade local, [...] Através dela buscava-
-se, conjuntamente a reflexão e a ação ‘no contexto da

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luta pela transformação de estruturas’. A Animação


Popular era, portanto, essencialmente um processo
político enquanto conscientização que prepara para
a participação política na vida da comunidade e no
processo político nacional.

Como se vê, foram muitas as ações desenvolvidas pelo


MEB e isso só foi possível graças à existência da Rádio Educa-
ção Rural de Tefé, pois sem esta, não seria possível encurtar
a distância da população que residia às margens dos rios. A
intenção dos programas era de fazer com que os próprios ri-
beirinhos participassem do processo de transformação e que
partissem de suas próprias necessidades. Na entrevista conce-
dida por Inácio, ex-supervisor do MEB em Tefé a Rádio Edu-
cação Rural de Tefé “não era exclusiva do MEB, a rádio tinha
sua programação normal que além de evangelizar, orientava
politicamente e existiam programas de orientações de outros
órgãos que orientavam a comunidade tefeense nos seus diver-
sos setores”.
Reconhece-se que, as orientações empreendidas pela
Rádio Educação Rural de Tefé as comunidades ribeirinhas, iam
desde a educação formal até as questões referentes à cultura, a
saúde, o lazer e o trabalho. Nesse sentido Paiva (1987, p.242)
afirma que:
Buscava-se integrar a escola á vida da comunidade,
formando alunos e monitores, e estimulando a atua-
ção da liderança treinada, o esteio da Animação Po-
pular. Nesse trabalho procurava-se conhecer e valo-
rizar a cultura e a arte popular incentivando a orga-
nização de teatros populares, a produção artesanal, a
preservação e multiplicação dos conjuntos folclóricos.

O MEB em Tefé procurou desenvolver programas e


cursos que favorecesse e valorizasse o homem do campo e den-
tre esses programas e cursos, podemos citar o Clube de Mães,
o Clube Esportivo, o Curso de Parteiras, de Saúde Popular, de
Animadores de Setor, de Artesanato, de Sindicalismo e de Edu-

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cação Alimentar. Será discutido a seguir os programas e cursos


desenvolvidos pelo MEB em Tefé.

1. Clube de Mães

O MEB criou o programa Clube de Mãe para envol-


ver as mulheres das comunidades, pois acreditava que as mu-
lheres poderiam contribuir com novas formas de saberes, bem
como ampliar a renda familiar através de trabalhos comunitá-
rios. O Programa ofereceu curso profissionalizantes de artes,
corte-costura, culinária, higiene e trabalhos domésticos, uma
vez que tais cursos proporcionaria a população qualificação
de mão de obra e o desenvolvimento não apenas das famílias,
mas da comunidade como um todo. No Relatório a seguir en-
contra-se explicito as atribuições ou responsabilidades das as-
sociadas.
Nessa reunião compareceram 46 pessoas. [...] Na oca-
sião falamos de como trabalhar no clube [...], a res-
ponsabilidade das sócias e uma série de assuntos re-
ferente ao clube de mães. As responsabilidades como
sócias, pagar mensalidades, trabalhar de comum
acordo, produzir material para apresentar na feira.
(RONILDE QUEIROS, RELATORIO DE ATIVIDA-
DE, 1974, p. 01).

Podemos perceber o interesse das mulheres pelo fun-


cionamento do clube pela presença nos encontros. As mães or-
ganizavam-se para realizar os trabalhos em comum acordo, os
produtos produzidos seriam levados à feira e o lucro era dividi-
do. A renda da família aumentava e a comunidade crescia com
as iniciativas. As reuniões eram semanais, ocorria aos sábados,
às reuniões eram feitas na casa das associadas e discutiam o
que havia sido feito e programavam o que seria discutido na
semana seguinte.
Ao analisar o trecho do Relatório de Treinamento,
percebe-se o clube de mães era sistematizado, ou seja, não era
algo solto ou desenvolvido sem organização.

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[...] Há realmente grande interesse em aprender algo


novo [...] pediram que dessem um estatuto onde ti-
vesse uma lei que pudesse ser apresentada as sócias no
momento que quisesse participar do clube, então só
entraria no clube quem tivesse condições de cumprir
o regulamento e quem pudesse assumir as responsa-
bilidades. (RELATÓRIO DE TREINAMENTO, 1974,
p.03).

Assim, percebe-se que o clube de mães preocupava


com a realidade vivenciada pelas mulheres das comunidades
ribeirinhas que acreditavam que juntas poderiam superar os
desafios presentes no cotidiano.
2. Clube Esportivo
Dentre as várias ações desenvolvidas pelo MEB foi
criado o Programa Clube de Esporte. O surgimento dos grupos
esportivos incentivou a interações dos alunos das comunida-
des para momentos de recreação que segundo Fávero (2006,
p. 141): “[...] possibilitava observar outras facetas do compor-
tamento não reveladas no trabalho, e dava oportunidade para
testar a responsabilidade, o espirito de iniciativa e o desem-
baraço”. Com a recreação ocorriam às realizações de torneios
entre os grupos, e para aumentar o incentivo premiava-se o
grupo vencedor do torneio.
O clube esportivo de Tefé foi criado em 1964 e sua
primeira diretoria foi composta pelos seguintes componentes:
Ursulino de Melo, Heitor Cardoso de Santana e Túlio Azevedo.
A diretoria organizava e promovia os torneios intercomunitá-
rios e interestaduais e geralmente estes torneios ocorriam no
verão. Segundo Protásio, ex-coordenador do MEB:
Para a inauguração do campo “Zé Trovão” foi for-
mado o time para jogar no PALMEIRA ESPORTE
CLUBE com os seguintes jogadores: João Cavalcan-
te, Osvaldo Orico marques, Manduca, Amélio como
goleiro , Bito, Zé Valdick, Valdo Macaco, Fávio Her-
mogenes, Augusto (capitão) Chico Lopes. Quando no

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dia 21/04/64, organizaram o primeiro torneio para


inaugurar o campo “Zé trovão” que contou com a
participação de 10 times e o Palmeiras foi o segundo
colocado.

O time do Palmeiras esporte clube participou do 5º


campeonato intercomunitário organizado pelo MEB e os cam-
peonatos visavam o entretenimento e a recreação do povo de
Tefé e das comunidades ribeirinhas. Essa prática esportiva tem
seu legado, uma vez que os campeonatos ainda hoje acontecem
em Tefé e nas comunidades, graças aos clubes esportivos ofe-
recidos pelo MEB.
As primeiras festas sociais foram promovidas pelo
Humaitá Atlético Club. Segundo o ex-cordenador do MEB em
Tefé:
Além do Esporte havia as promoções das festas so-
ciais como as brincadeiras de cordões; o boi bumba;
ciranda do cacetinho; imperial; dança do escorpião.
Além dessas brincadeiras existiam as pastorinhas,
apresentadas na época do natal; as festas juninas que
se tornou tradição entre o povo tefeense. O MEB
modificou o modo de viver do povo. O objetivo do
MEB era fazer que as pessoas se promovessem por si
mesma.

Percebemos que a ação educativa do MEB permitiu


quê o povo tefeense através das festas e festejos construísse sua
cultura e nela encontra-se o apoio para se desenvolver social-
mente.

3. Curso de Parteiras

Para proporcionar o bem-estar das mães ou das futu-


ras mães do Município de Tefé, o MEB criou o Curso de Pueri-
cultura. Neste curso, o movimento tinha o objetivo de ensinar
para as mulheres as técnicas ou os meios mais adequados ao
desenvolvimento fisiológico das crianças, diminuindo assim,
os altos índices de mortalidade infantil. Para atuar nesta área o

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a equipe do MEB buscava envolver nas comunidades pessoas


interessadas em adquirir conhecimentos e técnicas acerca dos
cuidados que a família deveria ter com as crianças. As aulas
do Curso de Puericultura associavam questões teóricas e de-
monstrações de procedimentos que deveriam ser adotados na
prática. Apresenta-se a seguir um trecho do Relatório do Curso
de Puericultura, em que se justifica a relevância deste para a
sociedade: “A puericultura tem sua importância porque estuda
a criança para que seja sadia, porque a mesma será o homem
de amanhã e não há Nação verdadeiramente forte sem homens
fortes para trabalhar”. (RELATÓRIO DO MEB/TEFÉ, 1974,
p.01).

4. Curso de Saúde Popular

O MEB em Tefé não tinha o objetivo de atuar apenas


na área da educação, pois o município enfrentava grandes de-
safios também na área da saúde. Foi pensando nestes desafios
que o movimento criou o Curso de Saúde Popular para ensinar
e sensibilizar as famílias acerca dos cuidados que deveriam to-
mar para que prevenissem doenças causadas por falta de sa-
neamento básico. No trecho do Relatório Nacional do MEB
observa-se essa preocupação:
A observância dessas medidas preventivas, de modo
geral, como o saneamento básico que é de capital im-
portância no combate às verminoses, depende muito
da educação sanitária do público. É através da educa-
ção sanitária que se pode esclarecer as populações so-
bre o valor das medidas de proteção contra as vermi-
noses e a conservação da saúde. (MEB NACIONAL,
1964, p.07)

As medidas preventivas adotadas pelos cursos escla-


recia o cuidado que todos deveriam ter com a saúde das famí-
lias e da comunidade em geral. Segundo Fávero (2006, p. 130),
o MEB oferecia Educação de Base “procurando proporcionar

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noções sobre saúde, [...] e conhecimentos gerais para uma or-


ganização em sociedade”.
De acordo com Protásio, ex-coordenador do MEB,
os cursos sobre saúde eram orientados pela irmã Adonai, que
era freira da paróquia de Santa Tereza na cidade de Tefé. No
trabalho desenvolvido junto às comunidades deu-se origem
aos cargos de agentes de saúde que fazem o atendimento dos
pacientes em domicilio. Também foi criado um posto de aten-
dimento a saúde em cada comunidade e colocada à disposição
uma lancha para socorrer as emergências das comunidades.
Atualmente, a cidade de Tefé conta com um posto de
saúde com o nome da Irmã Adonai em sua homenagem, uma
vez que se reconheceu o importante serviço prestado às popu-
lações ribeirinhas.

5. Curso de Animadores de Setores

O Curso de Animador de Setor também foi criado pelo


MEB e tinha como proposta fazer com que as comunidades
tivessem uma interação maior e pensassem em ações coletivas
e não individuais. O animador de setor deveria interagir e es-
timular a população a participarem das tarefas realizadas nas
comunidades, proporcionando assim, progresso para todos.
Ao analisar o material didático elaborado para traba-
lhar nos cursos, percebe-se que o MEB buscava orientar os par-
ticipantes acerca da sua atuação nas comunidades. Na proposta
dos cursos o MEB procurava levar os animadores de sistema
para conhecer a realidade das comunidades para seu melhor
desempenho na solução dos problemas. Segundo Protásio, ex-
-coordenador do MEB, “os cursos de treinamento duravam em
media 15 dias, e a função dos animadores era de proporcionar
recreação à comunidade, organizando os jogos de futebol e a
participação em campeonatos entre as comunidades, as brin-
cadeiras de cordão, boi bumba, as “ciranda”. Diante disso, per-
cebe-se a relevância do papel desenvolvido pelos animadores
de setores do MEB em Tefé.

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6. Curso de Artesanato

Para desenvolver habilidades e capacitar a população


de Tefé, o MEB criou Cursos de Artesanatos e organizou fei-
ras para que fossem comercializados. Com essas ações o MEB
buscou sensibilizar a população da importância de se buscar
outros meios para complementar a renda familiar e ao mesmo
tempo valorizar a cultura e o artesanato, utilizando para isso, a
matéria prima da região.
O MEB organizava eventos como as feiras para expor
e comercializar os produtos produzidos pelas comunidades.
Geralmente as confecções de materiais produzidos
eram apresentados na feira da cultura popular que era realiza-
da na ocasião da festa da padroeira da cidade. A festa de Santa
Tereza, realizada no mês de outubro na praça da Matriz.
Ao analisar as fontes documentais verificou-se que o
grupo vendia os produtos artesanais nas feiras e parte da renda
era destinada para o clube e o restante era divido entre as pes-
soas que faziam parte do clube.

7. Curso de Sindicalismo

Como a intenção de ampliar os horizontes da popu-


lação mais carente do município de Tefé, o MEB criou o Curso
de Sindicalismo, pois este seria utilizado como instrumento de
transformação social, uma vez que proporcionaria aos ribei-
rinhos conhecimentos políticos do contexto não só da região
amazônica, mas também do país como um todo. A partir das
discussões realizadas nos cursos acerca dos direitos e dos de-
veres dos cidadãos, o MEB selecionava representantes nas co-
munidades para disseminar os conhecimentos e para liderar
as ações de cunho sindical. As fotos que seguem mostram o
material didático utilizado nos cursos de formação para líderes
sindicais.
O curso de sindicalismo tinha por finalidade explicar
e sensibilizar os participantes da relevância Sindicalismo, além

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disso, discutia os benefícios que o sindicato poderia propiciar


para os associados.

8. Curso de Educação Alimentar

O MEB, preocupado com a alimentação das classes


populares, criou o Curso de Educação Alimentar. Neste cur-
so, o MEB visava à orientação para uma alimentação saudável
e os cuidados necessários para a preservação dos alimentos,
pois sem estes cuidados os alimentos poderiam deteriorar-se
causando assim, mal-estar, como por exemplo, vômitos e diar-
reias. Para entendermos melhor esses cuidados dos cursos ofe-
recidos aos seus alunos ribeirinhos, apresenta-se a seguir um
trecho da aula sobre conservação de alimento:
Um dos cuidados que você deve ter é procurar con-
servar os alimentos. Por exemplo: a carne deve durar
muitos dias, isto é para que você possa comer carne
durante vários dias. Você deve separar a parte que
será usada naquele dia e o resto você salga para que
possa usar em outro dia. [...] Você sabe que precisa-
mos comer carne sempre, pois se comermos sempre
farinha e peixe não estamos nos alimentando bem.
(CURSO DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR DO MEB/
TEFÉ, S/D, p. 11)

A proposta do curso era de orientar a população acer-


ca de uma educação balanceada que visava levar cuidados para
que os indivíduos tivessem mais qualidade de vida.

9. Curso de Moral e Cívica

O MEB trabalhou também com a promoção humana


e para ampliar o olhar dos ribeirinhos foi criado o Curso de
Moral e Cívica. A respeito dessa questão Paiva (1987, p.241)
ressalta que: “a promoção humana estava intimamente ligada á
preparação para participação na vida econômica, social e polí-
tica do país através da conscientização”.

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Apresenta-se a seguir os objetivos do curso de Edu-


cação Moral e Cívica elaborados pela equipe do MEB em Tefé:
Oferecer instrumento de que o homem do campo ne-
cessita para comunicar-se eficazmente com os outros
e para compreender a realidade social em que está in-
serido; ajudar o homem rural a ter uma visão de seu
problema de causas o buscar solução na perspectiva
de uma nova sociedade, verdadeiramente democráti-
ca, participativa e fraterna; colaborar ativamente para
que ele se integre na comunidade rural na perspectiva
de transformação da sociedade global a partir de sua
situação concreta e cultural e histórica; criar espaço
na mente e no coração do camponês, para que possa
escutar e escolher a boa nova de Jesus Cristo. (APOS-
TILA EDUCAÇÃO MORAL E CIVICA DO MEB/
TEFÉ, 1988, p.4)

Para finalizar, acredita-se que o MEB em Tefé, propor-


cionou a população ribeirinha uma educação de base, buscou
conscientizá-los dos seus direitos e deveres e mostrou que uma
realidade por mais precária que seja a organização, a força, a
união e o conhecimento podem ser ferramentas primordiais
para a transformação. Assim, foi possível perceber pelas análi-
ses documentais que as ações do MEB foram à maior parte do
tempo de cunho politizador, embora se perceba em alguns mo-
mentos ações ligadas às questões religiosas e ou catequéticas.
Conclusões
A Rádio Educação Rural de Tefé em parceria com o
Movimento de Educação de Base, através das aulas radiofô-
nicas, contribuíram de forma significativa para que os ribei-
rinhos que viviam isolados as margens dos rios pudessem ter
acesso à educação foral e informal, para o desenvolvimento
destas atividades foi utilizado o rádio como o principal instru-
mento pedagógico.
Ao fazer a analise documental percebeu-se que os
programas oferecidos que os programas oferecidos pelo MEB

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em Tefé tinham em seus conteúdos questões relacionadas a


consciência crítica, ou seja, incentivava os indivíduos acerca
dos direito e deveres, no entanto, verificou-se que alguns mo-
mentos havia também uma preocupação com as questões ca-
tequéticas.
Portanto, evidenciaram-se nas práticas pedagógicas
do MEB contribuições relevantes nos âmbitos da educação, da
política, da cultura, do lazer e da saúde, no entanto percebeu-se
que tais ações só foram possíveis por que o MEB contou com a
parceria de instituições governamentais e não governamentais.
Acredita-se que o MEB em Tefé através dos progra-
mas radiofônicos cumpriu com sua função pedagógica e social
já que se constituiu em experiências inovadora na maior parte
do tempo em que desenvolveu suas ações. As práticas do MEB
se destacaram por levar em consideração a realidade dos ribei-
rinhos, por valorizar suas experiências e por envolvê-las nas
atividades.
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AS AÇÕES PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO


DE EDUCAÇÃO DE BASE NO MUNÍCIPIO DE
FONTE BOA-AM (1967-1980)
FERREIRA, Brenda Carla Nogueira2

Introdução
Este trabalho discute as ações do Movimento de Edu-
cação de Base (MEB) no Município de Fonte Boa/AM, no qual
foi criado em 1961 por iniciativa do episcopado brasileiro para
desenvolver programas de educação básica, principalmente a
alfabetização de adultos via rádio com a intenção de levar a
educação para as regiões mais carentes, utilizando o artifício de
que o povo teria que sair da opressão que vivia, e usava o rádio
como instrumento para alfabetizar jovens e adultos.
A pesquisa tem como objetivo geral analisar as ações
pedagógicas do Movimento de Educação de Base e as suas con-
tribuições para o município de Fonte Boa. Quanto aos objetivos
específicos buscou-se identificar como ocorreu a implantação
do MEB no município de Fonte Boa e quanto tempo durou;
conhecer os impactos causados pelas ações do MEB no muni-
cípio de Fonte Boa e analisar se o MEB oferecia uma educação
crítica ou catequética para os alunos.
Justifica-se a importância dessa temática para o meio
acadêmico, em razão de se discutir uma problemática relega-
da a um plano secundário, pelos governantes e por teóricos da
educação com raras exceções. Portanto, não se pode deixar de
pesquisar a história de um dos maiores movimentos já realiza-
2 Formada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas.
E-mail: brenda.92.carla@gmail.com

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dos no Brasil que conseguiu levar a educação aos lugares mais


distantes das regiões subdesenvolvida do nosso país.
Para fundamentar a presente pesquisa dialogou-se
com os seguintes autores: Fávero (2006), Peixoto Filho (2003,
2010), De Kadt (2009), Wanderley (1984), Paiva (2009), Pai-
va e (1987) que contribuíram para o melhor entendimento de
um dos mais significativos movimentos de educação popular
já realizado no país, o Movimento de Educação de Base. Tra-
balhou-se com a história oral temática, sendo entrevistados os
seguintes sujeitos: três ex-supervisores, cinco ex-monitores e
cinco ex-alunos do MEB em Fonte Boa. Utilizou-se também
fontes documentais primárias (apostilas, scripts, relatórios,
planos e programas) e fontes iconográficas.
O MEB em Fonte Boa/AM
O MEB foi criado em 1961 em âmbito nacional, por
meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
com o objetivo de levar a educação de base por meio de escolas
radiofônicas para as regiões mais carentes das zonas rurais nas
áreas subdesenvolvidas do país.
No que se refere ao âmbito local e regional o Movi-
mento de Educação de Base foi criado com o intuito de alfabe-
tizar e catequizar os ribeirinhos que viviam em comunidades
as margens dos rios. De acordo com as autoras, Alencar, Coe-
lho e Silveira (2014, p. 60), “em 01 de junho de 1963, a prela-
zia de Tefé sob a administração de Dom Joaquim implantou o
Movimento de Educação de Base no município de Tefé/AM”.
Mas somente em 1967 depois de ser implantado no município
de Tefé o movimento iniciou suas atividades no município de
Fonte Boa. Tais atividades ocorreram com o auxílio da equipe
do MEB de Tefé, que realizaram a seleção dos profissionais que
atuaria em Fonte Boa. Ao analisar as narrativas dos entrevis-
tados percebeu-se que os critérios adotados para a seleção dos
sujeitos envolvidos não se deram pelo fato de pertencerem à
igreja católica e sim pela disponibilidade para se deslocar para

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comunidades, participar de treinamentos e reuniões que acon-


teciam com frequência. Segundo Protásio, ex-coordenador do
MEB de Tefé: “A equipe do MEB de Fonte Boa veio para Tefé
para ser treinada na missão, os supervisores de Fonte Boa rece-
biam treinamento de como fazer a supervisão e o levantamento
de área”. Dessa forma, partimos da premissa de que o processo
inicial do MEB em Fonte Boa se deu da mesma forma que o
MEB nacional, pois, segundo Paiva (2009, p. 69):
a etapa inicial desse processo acontecia [...] com a
denominação de visitas de áreas. Era de responsabili-
dade da equipe central do MEB e consistia no conhe-
cimento (VER) e interpretação (JULGAR) da realida-
de daquela área geográfica a ser trabalhada, a equipe
procurava identificar, entre outras, as condições de
vida das pessoas ali residentes e suas necessidades
mais urgentes.

No que se refere aos supervisores do MEB, verificou-


-se que as viagens para as comunidades, eram constantes e o
principal objetivo era: fazer o levantamento da área, conver-
sar com os moradores, coletar dados através de conversas in-
formais, explicar o trabalho que seria implantado pelo MEB,
ver os interesses da comunidade e saber quais as pessoas que
tinham interesse em se tornar um monitor, pois este era esco-
lhido pelos moradores de cada comunidade. As comunidades
do município de Fonte Boa que não tinha ninguém interessado
em ser monitor, os supervisores selecionavam profissionais re-
sidentes na cidade para ensinar nas comunidades.
Quanto ao trabalho desempenhado pelos monitores
percebe-se que estes desempenhavam as funções de catequis-
tas, acompanhavam o trabalho dos alunos durante e após as
aulas radiofônicas e dialogavam constantemente com os super-
visores acerca do que estava acontecendo nas comunidades. A
respeito dessa questão Paiva (2009, p. 58), ressalta que:
as pessoas que deveriam ser monitores [...] eram da-
das informações sobre a estrutura e o funcionamento

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

das escolas, por exemplo: o que era uma escola radio-


fônica, qual o desempenho do monitor, instruções
para o manuseio do rádio, entre outras.

De acordo com Trindade Edilson, supervisor do MEB


em Fonte Boa, no primeiro momento foram implantadas ativi-
dades do MEB em “mais ou menos dez comunidades e as aulas
eram realizadas através de aulas radiofônicas da Rádio Edu-
cação Rural de Tefé”. Segundo o supervisor supracitado, nesta
época, nenhum movimento educacional atuava nas comuni-
dades e o MEB foi o primeiro movimento a levar a educação
até as comunidades mais distantes no município. Do ponto de
vista macro, Paiva (2009, p.50-51), afirma que:

A implantação de um sistema educativo com base em


emissões radiofônicas encurtava distâncias, facilitan-
do o acesso dos camponeses à educação, dando-lhes
possibilidades de se desenvolverem enquanto mem-
bros de uma comunidade maior. O rádio significava
a tecnologia a serviço da educação do homem cam-
pesino, rádio que continuamente presente, levava a
cada instante uma mensagem nova abrindo enormes
perspectivas.

O movimento de Educação de Base foi implantado


em Fonte Boa como um subdepartamento de Tefé, que era a
sede, os demais municípios recebiam assistência da equipe de
Tefé, somente no final dos anos de 1960 que o município pas-
sou a ser independente e os seus supervisores passaram a criar
o seu próprio sistema e também a produzir seus próprios ma-
térias pedagógicos. Portanto, percebe-se que o movimento em
Fonte Boa ofereceu a população rural através de aulas radio-
fônicas muitas oportunidades de alfabetização e conscientiza-
ção da população menos favorecida. A respeito das contribui-
ções do MEB para a população, Paiva (2009, p.68) salienta que
“os métodos utilizados pelo MEB expressavam uma busca de
adequação, de descoberta de novos caminhos que estivessem

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ao alcance das pessoas simples do meio rural, respeitando sua


maneira de pensar e agir, seus costumes, tradições e crenças”.
Cabe comentar ainda que, os materiais pedagógicos
produzidos pelo MEB em Fonte Boa não só alfabetizavam,
como também politizavam e catequizavam o povo ribeirinho,
eram realizadas reuniões semanais para a produção dos mate-
riais e nas reuniões eram discutidas quais os materiais peda-
gógicos mais apropriados para trabalhar com os alunos. E foi
assim que este movimento foi conquistando e ganhando forças
no município de Fonte Boa, deixando de ser dependente de
Tefé e conquistando seu próprio departamento.
As contribuições do MEB para a População em Fonte Boa
O trabalho desenvolvido pelo Movimento de Edu-
cação de Base em Fonte Boa foi voltado para a melhoria da
qualidade de vida da população menos favorecida e suas ações
tiveram o objetivo não penas de alfabetizar adultos mais de-
senvolveu um trabalho que contribuiu para o surgimento e
fortalecimento das organizações comunitárias e dos movimen-
tos populares, numa perspectiva de transformação social, bem
como, viu a necessidade de alfabetizar as crianças ribeirinhas,
filhos de pais que não tiveram a oportunidade de estudar na
idade própria e que pela primeira vez tiveram a oportunidade
de segurar em uma caneta juntamente com seus filhos. Segun-
do Paiva (2009, p.81), “mesmo sendo aulas radiofônicas des-
tinadas a adolescentes e adultos muitas crianças foram nelas
alfabetizadas, em muitos lugares era a única escola existente e,
além disso, a escola funcionava quase sempre na casa do moni-
tor onde normalmente residiam as crianças”.
O MEB criou movimentos populares, organização
comunitária, formou lideranças e também atuou na política
educativa do povo e seu objetivo era “ajudar na organização
dos trabalhadores, incentivando, estimulando e animando sua
criação onde não existe”. (RELATÓRIO NACIONAL ANUAL,
1978, p.09). O MEB procurava conscientizar o povo acerca dos

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seus direitos e seus deveres como cidadão, ou seja, a educação


que o MEB passava no município de Fonte Boa se estendia para
além da alfabetização de adultos. De acordo com as narrativas
dos entrevistados, o MEB foi o primeiro programa a atuar no
interior por meio de aulas radiofônicas, que desempenharam
um papel importante no combate à exploração das massas po-
pulares que viviam isolados na imensa extensão territorial do
município de Fonte Boa. Acerca dessa questão Peixoto Filho
(2010, p. 19) salienta que:
O MEB foi o único a utilizar o rádio como meio e ins-
trumento para sua atuação educativa e pedagógica [...]
ele não só realizou em profundidade a sua proposta
como também trouxe para a educação brasileira, por
meio de seus trabalhos concretos, contribuições para
a utilização do rádio como instrumento didático e pe-
dagógico para a educação popular em geral e para a
alfabetização de adultos.

Nos primeiros anos de implantação do MEB em Fon-


te Boa os monitores de cada comunidade se deslocavam para
Tefé a fim de receber treinamentos para manusear os apare-
lhos de rádio para a transmissão das aulas, pois ainda não tinha
uma equipe para aplicar esses treinamentos no município de
Fonte Boa. Como o MEB tinha chegado há pouco tempo no
município de Fonte Boa e não existiam escolas, as aulas eram
realizadas nas casas dos monitores ou na casa de alguém da
comunidade que dispunham de um espaço para a realização
das aulas. É o que nos afirma Maria, ex-monitora do MEB em
Fonte Boa:

No tempo que eu trabalhei não tinha um colégio ain-


da. Eu dava aula na minha casa, porque minha casa
era grande três quartos e tinha uma sala grande, eu
dava aula na sala da minha casa, mais antes quando
comecei a dar aula era na casa do meu sogro, depois
que passou a ser na minha casa, meu marido fez os
bancos e as mesas, ele não sabia ler mais sabia traba-

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lhar com carpintaria, não tinha nome a escola aí eu


coloquei o nome da nossa escola de São Jorge.

Cabe destacar ainda que, nesse contexto, a educação


era de difícil acesso, os monitores eram agricultores, no decor-
rer do dia trabalhavam nos seus roçados e a noite se tornavam
monitores, as casas eram simples, possuíam apenas a mesa, os
bancos, o quadro negro e como não tinha luz elétrica os alu-
nos estudavam a luz de lamparina. Em âmbito nacional, Paiva
(2009, p. 52), afirma que:
As condições das escolas radiofônicas estavam longe
de atingir os preceitos mínimos essenciais para o fun-
cionamento de uma escola: o local era iluminado por
lamparina, poderia ser a sala da casa do monitor, um
alpendre, um terreiro, uma latada. Mas, apesar dessa
precariedade, os monitores desenvolviam seu traba-
lho com dedicação.

Os monitores daquela época, não dispunham de uma


formação específica para ensinar, muitos possuíam apenas no-
ções básicas de leitura e de escrita, mas o pouco que sabiam
não deixavam de ensinar para os que não tiveram a oportuni-
dade de estudar. Segundo Peixoto Filho (2003, p. 50), “A edu-
cação é vista como processo de aculturação, isto é, era preciso
que aqueles que sabiam, ou melhor, que eram educados, que
detinham o conhecimento, doassem aos que não sabiam, aos
‘incultos’, a erudição, a ‘cultura universal”.
Outra questão importante que se percebeu na fala dos
entrevistados foi o fato de que antes do MEB desenvolver suas
atividades no município de Fonte Boa, os pais que não queriam
ver seus filhos crescerem sem saber ler e escrever pagavam
professores particulares para alfabetizá-los. Como os casais ti-
nham muitos filhos e não dispunham de recursos financeiros
para arcar com a educação de todos, apenas um dos filhos era
escolhido para estudar, geralmente o mais velho ou o que pos-
suía uma facilidade maior para aprender. Percebeu-se também
que muitos dos monitores que trabalharam no MEB estudaram

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com professores particulares. De acordo com Maria, ex-moni-


tora do MEB em Fonte Boa: “meu pai pagou professor particu-
lar pra mim aprender ler, e o que eu aprendi eu ensinei pro meu
esposo, meus filhos e meus cunhados. ”
Além dessas questões, o MEB contribuiu para a cons-
trução das comunidades, pois naquele momento não existia,
os ribeirinhos viviam isolados em suas comunidades, e para
facilitar o trabalho de escolarização do MEB, os supervisores
visitavam os moradores com a intenção de incentivá-los a se
aproximarem uns dos outros. O ex-supervisor Carlos Ney em
entrevista concedida em 2015 nos relata que:
O nosso ribeirinho, nosso caboclo morava muito iso-
lado você chegava no rio Paraná num afluente aqui
do Solimões vamos falar aqui no caso da Maina-Alti
Paraná o que o MEB fazia com que esse pessoal se
juntasse se agrupasse pra não ficar tão isolado pra fa-
cilitar o trabalho da educação do MEB. O Dom Joa-
quim foi muito importante na época, o Dom Joaquim
financiou a construção daquele que a gente chamava
de casa comunitária que era a escola, que servia para
reuniões e festa caso a comunidade precisasse, onde
tinha três casa, quatro casa construía uma casa comu-
nitária aqui e vamos chamar o pessoal mais próximo
pra mudarem as casas para aquela área e isso aconte-
ceu muito e facilitou o trabalho pra gente.

O MEB, no primeiro momento, enfrentou resistência


por parte de alguns ribeirinhos, mas com o passar do tempo o
povo foi percebendo que a ideia de formar comunidade estava
dando certo e os que insistiam no isolamento foram se aproxi-
mando “pois viram que era melhor ficar juntos do que separa-
dos” (SUPERVISOR DO MEB FONTE BOA: CARLOS NEY).
Partimos da premissa de que a educação de base ofe-
recida pelo MEB, veio de uma maneira sutil e simples, ajudou
os povos que viviam distantes das cidades, da escola e do con-
vívio social, veio tratar das dificuldades não só no âmbito da
educação, mas também da saúde, da agricultura, das técnicas

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de manejo e de outras ações para facilitar a vida na comunida-


de. O MEB então foi conquistando seu espaço nas comunida-
des criando escolas para os ribeirinhos estudarem e o monitor
foi considerado peça chave, neste processo. Segundo De Kadt
(2007, p.155),
o monitor é uma das peças mais essenciais da engre-
nagem do MEB. Durante o primeiro ano de operação,
ele (ou ela) era nomeado pela direção e, mais tarde,
passou a ser escolhido pelos próprios camponeses.
[...] No início, era considerado como a ligação entre
a escola e a equipe que dirigia o sistema; pessoa que
recebeu alguma educação formal e era, ao menos, se-
mialfabetizados.

Nesta investigação, todos os entrevistados afirmaram


que os monitores eram pessoas queridas pelos moradores das
comunidades e desenvolviam um trabalho de educação muito
importante, estavam sempre preocupados em resolver os pro-
blemas da comunidade, a fim de proporcionarem uma melhor
qualidade de vida para todos. Esses monitores, visitavam todas
as residências com o intuito de fazer as matriculas dos alunos,
incentivando-os a estudarem e buscarem novas oportunidades.
Acredita-se que só foi possível os monitores desempe-
nharem suas funções com êxito por causa dos encontros e dos
treinamentos recebidos pelos supervisores e coordenadores do
MEB de Tefé e de Fonte Boa. A luz desse entendimento, Paiva
(2009. p. 69), ressalta que:
O treinamento era instrumento educativo de grande
importância, pois visava à preparação dos monitores
para a tarefa específica de uma escola radiofônica [...]
nesse treinamento o monitor aprendia a lidar com o
rádio no processo de recepcionar as aulas que eram
transmitidas pela emissora.

Portanto, os treinamentos realizados pelos superviso-


res e coordenadores eram de grande relevância para os moni-
tores, pois quando estavam em sala de aula eram vistos pelos

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alunos como verdadeiros líderes e para desempenhar este pa-


pel teriam que estarem preparados. Segundo Maria, ex-moni-
tora do MEB em Fonte Boa:
esse impulso de ensinar de ter coragem pra ensinar,
que na época tudo era difícil, eles davam impulso pra
gente né, conversava com agente né, ensinava, e sobre
a brincadeira também eles sempre estavam pra ensi-
nar, pra brincar com agente como boa né, chegava na
comunidade na época pra incentivar mesmo agente,
muita vezes agente estava fraco, não tinha força, eu
não ia fazer, eles chegavam, podia ate levar em fren-
te cânticos, tudo eles ensinavam cânticos pra gente,
e essas atividades assim, quando almoço assim junto,
faziam comemorações sempre.

As fontes documentais revelam que as supervisões


eram realizadas com frequências nas comunidades e muitas
vezes a equipe do MEB dormia na casa dos ribeirinhos ou na
casa comunitária onde aconteciam as aulas ou festas na comu-
nidade. Nestas visitas, os supervisores conversavam com os
monitores para saber se os alunos estavam gostando das aulas,
se frequentavam a escola e se a comunidade estava assistindo
as programações da Rádio Educação Rural.
Cabe destacar ainda que, os supervisores buscavam
formar lideres nas comunidades, para que estes lutassem por
melhorias não só para si mais para a comunidade em geral.
Para formar o cidadão nesta perspectiva, os supervisores ela-
boravam materiais para explicar nos treinamentos o conceito
de liderança e o perfil de um líder.
Agregado a isso, o MEB pretendia formar líderes co-
munitários não apenas para ajudar a comunidade a crescer,
mas também para que estes colaborassem com a equipe do
MEB, resolvendo os problemas referentes as aulas radiofônicas
no momento em que os supervisores não estivessem presentes
nas comunidades.
Portanto, a formação de lideres dentro das comuni-
dades, a escolha de alguém que se preocupasse de fato com os

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problemas de toda a comunidade, sem receber nenhuma grati-


ficação foi uma das ações mais bem articuladas do MEB. Neste
contexto, o povo ribeirinho era esquecido pelos governantes
e pelo poder público e o MEB juntamente com a igreja cató-
lica, buscaram a libertação dessa população tão sofrida, que
viviam a margem da sociedade, sofrendo pela falta de saúde,
educação, transportes, saneamento básico e explorados pelos
latifundiários.
Em decorrência de tal situação, a equipe do MEB de-
senvolveu atividades na área da saúde e para isso, foi necessá-
rio oferecer cursos de primeiros socorros, para que os próprios
moradores da comunidade ao acontecer um acidente pudes-
sem prestar os primeiros socorros aos doentes antes de chegar
ao hospital da cidade. Com esta iniciativa, dava-se início a edu-
cação para a saúde nas comunidades mais longínquas da região
do Médio Solimões.
Do ponto de vista macro, verificou-se que o MEB
criou os cursos de saúde comunitária, a fim de minimizar as
inúmeras dificuldades que existiam nas regiões menos desen-
volvidas, como falta de saneamento, de postos de saúde e de
transporte que levassem os doentes até o hospital mais próxi-
mo. De acordo com Paiva (2009, p.37):
Na raiz desses males, encontravam-se, além da pobre-
za, a falta de informação e de formação para a prática
da higiene e a inexistência ou precariedade a saúde
pública. O consumo de água contaminada, por exem-
plo, surgiu como uma questão da calamidade, visto
que a população rural bebia água de rios, açudes, bar-
reiros e poças, nos quais também bebiam, tomavam
banho e satisfaziam suas necessidades biológicas os
animais que por ali passavam.

No que se refere ao âmbito local, verificou-se que a


equipe do MEB se preocupou em conhecer os problemas en-
frentados pelo povo ribeirinho, buscou valorizar os conheci-
mentos prévios dos moradores das comunidades, e integrou
estes moradores a sua equipe de trabalho. Foi escolhido nas

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comunidades o curandeiro, que era uma pessoa mais idosa da


comunidade ou que possuía mais conhecimentos sobre remé-
dios caseiros e plantas medicinais. Sua função era de ajudar
os moradores da comunidade no momento em que estivessem
sofrendo com dores, verminoses, picadas de cobras e etc. Era
como se fosse o enfermeiro da comunidade, esse curador tam-
bém participava dos cursos de saúde promovidos pelos super-
visores do MEB, que traziam enfermeiros e agentes de saúde
que trabalhavam no hospital da cidade para ministrarem as
palestras e os cursos acerca desta temática. Nesses cursos era
ensinado como aplicar injeção, fazer curativos, socorrer afo-
gados, o que fazer quando o paciente estivesse com febre alta,
náuseas e vômitos. Para Wanderley (1984, p. 106):
O processo educativo do MEB girava em torno de no-
ções fundamentais, tais como: pessoa, ação humana,
homem como agente de criação de cultura, comuni-
cação entre os homens, trabalho revelador do sentido
do homem e de sua transcendência sobre o mundo,
criatura humana feita à imagem e semelhança de
Deus, conhecimento mínimos, mudança de atitudes,
instrumentação das comunidades, conscientização e
animação popular.

Assim, percebe-se que o MEB em Fonte Boa se preo-


cupou não apenas com a educação do povo ribeirinho, mas
também com o bem-estar dessa população e proporcionou co-
nhecimentos acerca da educação, da saúde e valorizou a cultu-
ra dos menos favorecidos.
Quanto ao material pedagógico utilizado nos cursos
de treinamentos, percebeu-se que era elaborada apostila pelos
supervisores e distribuídas para os escritos. O material tinha
uma linguagem simples e de fácil interpretação, uma vez que
os alunos apresentavam dificuldades para interpretar textos e
por isso, optou-se por um material mais ilustrativo, ou seja,
com desenhos para facilitar o entendimento do aluno.
Além disso, o MEB em Fonte Boa também promovia
cursos de parteiras. Como não existiam postos de saúde nas

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comunidades e o único hospital ficava na cidade e era muito


distante, as senhoras mais experientes eram quem faziam os
partos das mulheres grávidas nas comunidades. Para isso, ha-
via o curso para treinar as parteiras, que deveriam acompanhar
e orientar as mulheres grávidas.
Ao analisar as fontes documentais verificou-se que os
cursos eram aplicados nas próprias comunidades, pois ao invés
dos moradores se descolarem para a cidade que era distante,
faziam ali mesmo e não precisavam ficar dias foras de casa e
dos seus trabalhos de agricultura e de pesca.
Outra contribuição que o MEB deixou para a popula-
ção no município de Fonte Boa, foi a politização, naquela épo-
ca a maioria da população era desprovida de escolarização e
muitos se tornavam presas fáceis para os políticos no período
das eleições. Pensando nisso, o MEB de Fonte Boa procurou
orientar os eleitores para que exercessem o direito de votar de
forma consciente, uma vez que, muitos não sabiam como esco-
lher os candidatos que o representariam, votavam apenas por
influência de outras pessoas ou porque era prometido algo em
troca. Diante dessa realidade, os supervisores buscaram ins-
trumentos para conscientizar o trabalhador da importância do
voto.
O departamento de Fonte Boa criou os boletins infor-
mativos “Poronga” com o objetivo de informar o povo sobre os
seus direitos e deveres. Os exemplares eram distribuídos para
os alunos e discutidos em sala de aula. Segundo Carlos Ney
ex-supervisor do MEB em Fonte Boa, os boletins.
Foram criados aqui mesmo em Fonte Boa. Era feito da
seguinte forma: a gente recebia dos monitores das co-
munidades dos problemas que estava acontecendo e a
gente fazia um estudo critico disso ai publicava algu-
ma coisa a respeito disso tinha uma parte que a gente
chamava de educação política que era exatamente
tratando essa questão que permanece como hoje em
dia caso da venda do voto daquele negocio de você
votar no candidato porque ele tinha feito algum favor.

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A gente alertava a população pra não acontecer isso.


Era distribuído mensalmente cada comunidade recebia
esse informativo e era discutido na sala de aula. O mo-
nitor era instruído pra que esse informativo não ficasse
de posse só dele mas ele discutisse com a turma.

Nesse sentido, podemos perceber o quanto o MEB


contribuiu com a educação política do povo, pois, conscienti-
zou as massas populares a não se deixarem influenciar por falsas
promessas dos candidatos. Além disso, buscou romper através
de palestras e discursos a concepção de que o homem do campo
era um ser ignorante e fácil de manipular. A cerca dessa proble-
mática, Paiva (2009, p. 44), afirma que:
O setor de politização desencadeia vasta campanha no
estado, vários boletins são elaborados e distribuídos aos
milhares nas comunidades rurais, além de amplamente
divulgados pelas emissoras de educação rural [...]. Eis
uma mensagem da campanha: juntos nós pensamos:
nos salários que assassinam crianças, nos barracões que
furtam o suor, nas fábricas que pedem matérias primas,
na economia que precisa se equilibrar, nas proprieda-
des imensas sem aproveitamento, nas áreas enormes,
sem dono, nos preços injustos, nos trustes que engolem
tudo, na terra de quem muito pedimos e nada damos.
Pensamos, enfim na nossa agricultura do meu e seu
Brasil, agricultura que exige reforma, reforma que exige
homens, homens sérios e honestos escolhidos por você,
por seu voto, reforma que sobretudo: necessita de um
povo que a queira, povo que a exija, povo que é feito de
cada um de nós, povo que é você.

Podemos ver que essa educação política alcançou mui-


tos estados brasileiros e principalmente as comunidades rurais
que eram as mais necessitadas. Com essa educação política mui-
tas pessoas passaram a ter uma visão mais crítica acerca do voto,
passando a exigir mais dos governantes e cobrando suas propos-
tas de campanha.
Os boletins deram tão certo que o MEB em um segun-
do momento passou a distribuí-los também para a população

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residente na zona urbana, pois era preciso conscientizar e des-


pertar o espírito crítico na população em geral. Diante disso,
viu-se a necessidade de criar o informativo “As Fontes” com o
objetivo conscientizar o povo a reivindicar seus direitos como
cidadão, cobrar dos políticos melhorias na educação, saúde,
saneamento básico, etc. Tais informativos eram elaborados bi-
mestralmente e distribuídos pelos supervisores nas residências
dos moradores do município de Fonte Boa. Caso o responsá-
vel não se encontrasse em casa o informativo não era entregue
as crianças, uma vez que, estas poderiam danificar o material.
Com o passar dos tempos os informativos passaram a ser dis-
tribuídos mensalmente nas residências e as temáticas variavam
conforme a necessidade da população. Os assuntos geralmente
versavam sobre educação, saúde, voto consciente, datas come-
morativas, direitos, deveres, literatura, cultura, lendas, etc. O
informativo tinha formato de mini jornal, escrito em máquina
de datilografia, no qual eram digitados os assuntos do jornal
e deixado espaços para as gravuras, que eram todas feitas ma-
nualmente pelos supervisores.
Outra contribuição importante do MEB foi à criação
do sindicato dos trabalhadores rurais para que o povo ribeiri-
nho tivesse conhecimento da legislação referente às questões
trabalhistas. Embora esta discussão e/ou orientação tenha ini-
ciado no primeiro momento das ações do MEB, o sindicato dos
trabalhadores rurais em Fonte Boa foi criado apenas em 1990.
Portanto parte-se da premissa de que o MEB não só
contribuiu para a alfabetização de adultos, uma vez que esta se
estendeu para além da escolarização. Foi a partir dessas ações
que o povo passou a exigir mais pelos seus direitos, a não se
deixar oprimir pelos governantes e a não ter medo de falar o
que pensa.
Conclusões
Ao desenvolver esta pesquisa foi possível conhecer
como se deu as diversas ações do Movimento de Educação de

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Base em Fonte Boa e que este movimento foi significativo para


a transformação da realidade da população ribeirinha no Mé-
dio Solimões. No decorrer desse trabalho verificou-se que o
MEB enfrentou muitos desafios, mas buscou superá-los com
a colaboração dos ribeirinhos. No primeiro momento (apro-
ximadamente três anos) o MEB em Fonte Boa foi dependente
do MEB de Tefé, mas em um segundo momento passou a ter
autonomia e tomar suas próprias decisões, inclusive elaborar
seu próprio material didático.
Pode-se considerar, grosso modo, que o MEB de-
sempenhou um papel importante para o município de Fonte
Boa não só por ter desenvolvido ações acerca da alfabetiza-
ção de adultos, mas também por ter contribuído com a edu-
cação política, com a saúde, a organização de sindicatos e
lideranças, o incentivo e valorização da cultura popular e os
benefícios do esporte para a vida da população ribeirinha.
Reconhece a partir da fala dos entrevistados que o Movi-
mento de Educação de Base teve uma participação ativa nas
comunidades, buscou discutir com o ribeirinho as dificul-
dades e as estratégias para superá-las e nomeou lideres nas
comunidades para estarem à frente dos desafios. A formação
de lideranças foi umas das ações mais importantes desenvol-
vidas pelo MEB, pois proporcionou aos ribeirinhos habili-
dades para trabalhar com a diversidade e auxiliar o povo em
suas comunidades.
É importante ressaltar que o MEB procurou contri-
buir para o crescimento e amadurecimento dos comunitários
que viviam isolados sem informação da realidade vivida e sem
uma conscientização política. A população ribeirinha era hu-
milde, desprovida de escolarização e na maioria das vezes era
manipulada ou enganada por aqueles que detinham conheci-
mento e recursos financeiros. Vale destacar o papel desempe-
nhado pelos supervisores do MEB em Fonte Boa, pois foi atra-
vés de seus esforços que este trabalho pode ser efetivado. Os
supervisores tinham que deixar suas famílias e fazer as viagens

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de supervisão que duravam dias, no entanto, estavam sempre


dispostos a ajudar os ribeirinhos.
Para finalizar, recomenda-se a todos que não conhe-
cem a história do Movimento de Educação de Base que bus-
quem conhecer essa história, pois se hoje temos escolas adap-
tadas nas comunidades, postos de saúde, transporte para os
estudantes e luz elétrica foi graças ao esforço e dedicação desse
movimento.
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

PROGRAMA DE LETRAMENTO
REESCREVENDO O FUTURO: UMA
EXPERIÊNCIA DE ALFABETIZAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS NO ESTADO DO
AMAZONAS

CAMARGO, Raiolanda Magalhães Pereira de1


LIMA, Jediã Ferreira2
Introdução
O Governo do Estado do Amazonas, através da Uni-
versidade do Estado do Amazonas, criou em 2003, um Projeto
de Alfabetização de Jovens e Adultos, denominado “O Letra-
mento através da questão Ambiental: uma proposta de alfabe-
tização de jovens e adultos para uma significativa parcela dos
povos da Amazônia”, tendo em seguida transformado na po-
lítica pública do Estado para a superação do iletrismo com o
nome de Programa de Letramento Reescrevendo o Futuro, a
fim de desenvolver ações sistemáticas na área de alfabetização
de jovens e adultos, integrando a política de combate ao iletris-
mo com abordagens ambientais.
Resgata-se inicialmente os objetivos e resultados,
assim como as ações que eram desenvolvidas pelo Programa
Reescrevendo o Futuro, enfatizando que o projeto chegou a

1 Mestrado em Educação. Professora da Universidade Federal do


Amazonas. E-mail: landacamargo@hotmail.com
2 Especialista em Currículo e Avaliação na Educação Básica. Espe-
cialista em Políticas Públicas e Contextos Educativos. Pedagoga e
Professora da SEMED/Manaus, atuando como Formadora/Pesqui-
sadora na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério.
E-mail: jedylima@hotmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

5.000 localidades situadas na zona rural dos 62 municípios


atendidos, contemplando inclusive 36 etnias indígenas.
É relevante destacar que a formação de professores al-
fabetizadores do Programa estava associada às reflexões, bus-
cando uma instrumentalização que favorecesse uma prática
pedagógica consciente e responsável no que se refere à inter-
venção social. Desse modo, a formação implicava necessaria-
mente na construção de um compromisso político por parte
desses educadores. Era preciso contribuir com a formação de
professores críticos e comprometidos com a transformação da
realidade de uma camada da população historicamente exclu-
sa de vários processos sociais. Os professores deviam de fato,
oportunizar essa inclusão de modo a garantir o exercício de
uma verdadeira cidadania.
Nessa perspectiva, a proposta de alfabetização do
Programa era pautada nas ideias forças de Paulo Freire, voltada
para a emancipação e a conscientização do sujeito, visto e en-
tendido como fazedor de cultura e de história. Em relação aos
fundamentos epistemológicos, um dos pilares que sustentavam
a proposta pedagógica diz respeito aos estudos de Emília Fer-
reiro, que revelam como a criança constrói especificamente a
aprendizagem da leitura e da escrita, sendo de fundamental
importância para que educadores repensem todo o processo
de ensino-aprendizagem da língua escrita. Quanto aos funda-
mentos metodológicos, pautava-se nos pressupostos de Heloi-
sa Vilas Boas, que desenvolveu uma alternativa de alfabetiza-
ção fundamentada em conceitos e proposições da psicologia e
da linguística, a qual dispensa o uso de cartilhas. É uma meto-
dologia voltada para uma abordagem construtivista e socioin-
teracionistas, posto que considera o processo de apropriação
da língua do ponto de vista do aluno que aprende, valorizando
o contexto social e cultural do qual ele faz parte, bem como as
interações estabelecidas entre seus pares.
Com base no exposto, o presente artigo tem como
objetivo relatar a experiência e a proposta metodológica do

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Programa de Letramento Reescrevendo o Futuro da Univer-


sidade do Estado do Amazonas em parceria com o Ministério
da Educação e Cultura/Programa Brasil Alfabetizado, com a
Secretaria de Educação Estadual e Prefeituras Municipais do
interior do Estado, apresentando o caminho percorrido nos 7
(sete) anos do seu funcionamento, no período de 2003 a 2009.
Como a história começou...
Tudo começou quando o Governo do Estado, através
da Universidade do Estado do Amazonas, criou em 2003, um
projeto de alfabetização de jovens e adultos, denominado “O
Letramento através da questão Ambiental: uma proposta de al-
fabetização de jovens e adultos para uma significativa parcela
dos povos da Amazônia”, tendo em seguida transformado na
política pública do estado para a superação do iletrismo com o
nome de Programa de Letramento Reescrevendo o Futuro, em
parcerias com o Governo Federal/Ministério da Educação e
Cultura por meio do Programa Brasil Alfabetizado, Secretaria
de Educação do Estado do Amazonas e Prefeituras Municipais
a fim de desenvolver ações sistemáticas na área de alfabetização
de jovens e adultos, integrando a política de combate ao iletris-
mo com abordagens ambientais, no campo das preocupações
do meio ambiente e do desenvolvimento humano e sustentá-
vel, com a meta de alfabetizar 200.400 jovens e adultos com 15
anos ou mais no período de 08 anos.
Essa preocupação nasceu diante dos dados alarman-
tes expressados no Censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE)/2000, onde o Amazonas apresentava uma
população absoluta de 266.505 analfabetos, correspondente a
15% do total de 1.719.392 jovens e adultos com 15 anos ou mais.
Este número justifica-se especificamente em nossa região, pelo
fato do Estado ser composto por 62 municípios com uma po-
pulação estimada em 3.311.046 habitantes (IBGE/2006) e apre-
sentar algumas características singulares como o isolamento
geográfico e diversidade étnica cultural do público atendido.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

No que diz respeito à diversidade étnico-cultural, fa-


z-se necessário comentar que o público alvo de jovens adultos
e idosos era formado por ribeirinhos, pescadores, agricultores,
indígenas de 36 etnias, povos da floresta, iletrados em vulne-
rabilidade social, privados de liberdade, afrodescendentes, do-
nas de casa trabalhadores urbanos e rurais e moradores de rua
da capital do estado. E foi justamente pensando em garantir à
essas pessoas um direito que lhes foi negado em função dos
fatores sócio-econômicos, espaciais, ambientais, geracionais,
étnicos e de gênero, que a universidade estadual planejou um
curso de alfabetização, levando em consideração que os alfa-
betizandos possuíam uma árdua jornada de trabalho, o qual
representa um dos principais fatores de evasão nas turmas de
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em função disso, o curso
foi organizado com uma carga horária de 240 horas, distribuí-
das em 06 meses, com 30 dias letivos e aulas a serem realizadas
aos sábados e feriados com 08 horas de duração de modo a
motivar os alfabetizandos a frequentarem regularmente os es-
paços educativos.
No caso das turmas da zona rural do interior do Esta-
do, esse planejamento tornou-se fundamental, pois a maioria
dos alunos era composta por idosos, que não teriam condições
de frequentar as aulas no horário da noite em decorrência dos
problemas de visão, posto que nessas áreas não há energia elé-
trica, fator este que comprometia a permanência desses alunos
na escola e consequentemente seu processo de aprendizagem.
Em função de todas essas especificidades, a Univer-
sidade do Estado do Amazonas (UEA), com o compromisso
ético que lhe dá vida, de intervir na sociedade para modifi-
cá-la, juntamente com a vontade política do novo governo,
encampou este desafio em favor da luta contra essa, que é de
fato, uma grande injustiça social. A UEA, por possuir uma es-
trutura física e tecnológica significativa, presente em todos os
municípios do interior do Estado do Amazonas pela atuação
do Programa de Formação e Valorização dos Profissionais de

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Educação (PROFORMAR) que capacitou 16.000 professores


do interior do Ensino Fundamental em nível Superior com
o curso normal superior, utilizando o Sistema de Ensino Pre-
sencial Mediado e com Centros Superiores nos municípios de
Tefé, Parintins, Itacoatiara, oferecia condições para a execução
dessa ação de levar a alfabetização para os povos da Amazônia.
Os alfabetizadores selecionados pelo Programa eram
em sua maioria, acadêmicos do curso Normal Superior ou Pe-
dagogia que atuavam na rede estadual e municipal de ensino.
Pelo fato das aulas serem realizadas aos sábados e feriados, es-
ses estudantes apresentavam a disponibilidade de tempo ne-
cessária para participarem do Programa como professores vo-
luntários, recebendo uma bolsa do Governo Federal, além de
computarem às 200 horas de atividades acadêmico-científico
cultural, previstas na Resolução n. 002/2002 do Conselho Na-
cional de Educação que define os parâmetros sobre a estrutura
curricular dos cursos de licenciatura.
Sobre os objetivos e resultados do Programa de Letramento
Reescrevendo o Futuro
Conforme definido no Projeto base do Programa, Sil-
va (2003) define os seguintes objetivos da ação de alfabetização:
• Integrar a política de combate ao iletrismo com
abordagens ambientais, no campo das preocu-
pações do meio ambiente, do desenvolvimento
humano e sustentável.
• Proporcionar aos professores o desenvolvimen-
to de uma postura político-pedagógica para a
alfabetização e educação de jovens e adultos
com base na concepção freiriana fomentando
a construção de novos saberes e contemplando
aspectos teórico-metodológicos dessa forma-
ção, numa perspectiva crítica, acrescendo ain-
da, outros temas que se relacionem às especi-
ficidades regionais que implicarão no processo

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de leitura, de escrita, dos fundamentos lógico-


-matemáticos e dos estudos da sociedade e da
natureza.
• Desenvolver ações sistemáticas na área de alfa-
betização de jovens e adultos no Amazonas, em
conformidade às atividades defendidas em âm-
bito nacional, possibilitando a problematização
da prática com a perspectiva de apontar para a
necessidade da formulação de políticas públicas
no Estado para a área em questão.
• Elevar a escolaridade contribuindo para o res-
gate de valores e atitudes necessários à vida e
para o processo de mudança social e de susten-
tabilidade.
• Promover iletrismo de ZERO a 3,89% nos muni-
cípios amazonenses, com ensino presencial em
especial sobre as unidades municipais detento-
ras dos mais altos índices de analfabetismo, tais
como: Itamarati (60%), Pauini (50,80%), Envira
(50,00%), Ipixuna (49,40%), Guajará (49,30%),
Tapauá (45,90%), Jutaí (45,80%), Eirunepé
(44,60%), Barcelos (43,90%), Juruá e Santa
Izabel do Rio Negro (ambos com 41,10%), Fonte
Boa (40,60%), São Paulo de Olivença (39,90%),
Anori (39,10%) e Canutama (38,40%).

Em função dos índices apresentados, o Programa ini-


ciou no ano de 2003, o atendimento prioritário a zona urbana
destes municípios. É importante destacar que o projeto chegou
a 5.000 localidades situadas na zona rural dos 62 municípios
atendidos, contemplando inclusive 36 etnias indígenas.
O quadro a seguir apresenta em níveis percentuais
uma média de 6.7% de evasão, 73.9% de aproveitamento e
19.8% de retenção nos sete anos de desenvolvimento do Pro-
grama.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Não
Matrícula Matrícula Alfabeti-
Ano Evadidos Alfabeti-
Inicial Final zados
zados
2003 25.050 847 24.203 20.171 4.032
2004 32.000 2.630 29.370 21.693 7.677
2005 25.050 2.903 22.147 16.939 5.208
2006 22.818 904 21.914 17.370 4.544
2007 23.491 234 23.257 16.909 6.348
2008 22.527 1.576 20.951 16.970 4.054
2009 40.740 3.870 36.870 30.555 6.314
TOTAL 191.676 12.964 178.712 140.607 38.177
Fonte: Programa de Letramento Reescrevendo o Futuro/UEA

Ações do Programa de Letramento Reescrevendo o Futuro


As ações do programa eram desenvolvidas mediante
as seguintes etapas:
• Mobilização com as autoridades locais, lideran-
ças comunitárias, sociedade civil organizada
nos municípios atendidos para repasse das in-
formações do programa, Divulgação das matrí-
culas nos meios de comunicações locais, visitas
às residências do público alvo, cadastramento
dos alfabetizandos, estabelecimento de parce-
rias com as Secretarias de Educação na libera-
ção dos professores para participarem das capa-
citações inicial e continuadas e disponibilização
da capacidade física instalada para a realização
das formações e aulas que acontecem normal-
mente aos sábados e feriados.
Formação da equipe de supervisores para multiplica-
rem a formação nos municípios atendidos; seleção de alfabeti-
zadores dentre os professores capacitados para atuarem em du-
pla para melhor desenvolvimento da metodologia; priorização
dos municípios com os maiores índices de analfabetismo; ação

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

de alfabetização propriamente dita, durante seis meses com


carga horária de 240h; formação continuada para acompanha-
mento e monitoramento da ação; visitas periódicas e avaliação
da ação de alfabetização e sistematização dos resultados alcan-
çados.
Fundamentos teóricos metodológicos da proposta de
formação de alfabetizadores do Programa de Letramento
Reescrevendo o Futuro
A formação do Programa estava associada às refle-
xões, buscando uma instrumentalização que favorecesse uma
prática pedagógica consciente e responsável no que se refere
à intervenção social. Desse modo, a formação destinada aos
professores de turmas de EJA implicava necessariamente na
construção de um compromisso político por parte desses edu-
cadores. Era preciso contribuir com a formação de professores
críticos e comprometidos com a transformação da realidade
de uma camada da população historicamente exclusa de vários
processos sociais. Os professores que atuavam nas turmas do
Programa deviam de fato, oportunizar essa inclusão de modo a
garantir o exercício de uma verdadeira cidadania.
Silva (2003) sinaliza essa preocupação, ao afirmar no
projeto base do Programa que:
São tão importantes para a Educação de Jovens e
Adultos certos conteúdos que os educadores devem
lhes proporcionar quanto à competência para analisar
a sua realidade cotidiana e participar satisfatoriamen-
te de processos decisórios. A proposta de formação
de professores do Programa visa proporcionar con-
tribuições teóricas e metodológicas para esta pers-
pectiva. Tais ações inserem a concepção de educação
visando à compreensão crítica dos educadores sobre
o que vem acontecendo na cotidianidade popular.
Diante do mundo que se está vivendo, os educadores
e educadoras não podem somente pensar em con-
teúdos e procedimentos didáticos a serem ensinados,
considerando que os conteúdos não podem ser estra-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

nhos à realidade dos educandos. É necessário buscar


a compreensão dos significados daquilo que os alunos
vivenciaram. Deve-se levar em consideração a forma-
ção dos alunos como cidadãos participantes e pesqui-
sadores sobre a vida social como um todo. (SILVA,
2003, p. 8-9)

A formação do Reescrevendo o Futuro apresentava


como base teórica a abordagem construtivista, com os funda-
mentos filosóficos de Paulo Freire, epistemológicos de Emília
Ferreiro e metodológicos de Heloisa Vilas Boas que desenvol-
veu uma nova alternativa de alfabetização fundamentada em
pressupostos linguísticos, possibilitando aos alunos percebe-
rem a mobilidade das palavras, seus diferentes usos e a reflexão
necessária à compreensão gradativa dos princípios reguladores
do sistema alfabético por meio de etapas desenvolvidas a partir
de um tema gerador vivenciado e discutido pelos alunos.
A metodologia adotada pelo Programa não fazia uso
de cartilhas e explorava o universo de conhecimento dos alu-
nos através de várias ações sistematizadas pelos alfabetizado-
res, implicando reflexões sobre o meio ambiente como tema
gerador e desenvolvimento sustentável.
A formação inicial era ministrada pela equipe peda-
gógica do programa aos supervisores/multiplicadores, de for-
ma presencial, com carga horária de 40 horas e, em seguida
repassada aos alfabetizadores da capital e das áreas urbanas e
rurais nas sedes dos municípios atendidos. Na capital, os alfa-
betizadores recebiam a formação da equipe pedagógica.
Quanto às formações continuadas, estas apresenta-
vam uma perspectiva de monitoramento da ação de alfabe-
tização e de reflexão-ação-reflexão sobre o fazer pedagógico,
para tanto tinha como objetivo, acompanhar e orientar a prá-
tica educativa. É imperativo comentar que pensar na formação
de professores, mais especificamente a formação de alfabeti-
zadores dentro desta perspectiva é considerar a aprendizagem
como um processo de reconstrução contínua do conhecimento
a partir do sujeito que aprende. Implica necessariamente na in-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

clusão da subjetividade como elemento essencial e ponto de


partida nos programas de formação.
Tomar como ponto de partida as concepções e co-
nhecimento dos professores é valorizar essa subjetividade, é
considerar que os professores e alunos são sujeitos que trazem
saberes nascidos de sua experiência, nas quais as informações
que lhes chegam são vivas e como tal influenciam significati-
vamente em seus comportamentos. Assim sendo, as formações
continuadas eram organizadas com base nas necessidades, in-
teresses, dificuldades e desafios apresentados durante o proces-
so, tendo como ponto de partida o que o alfabetizador pensava
e praticava a fim de que numa relação dialógica pudessem ser
construídos novos saberes e novas práticas.
Sobre essa questão, Freire (1996) discorre ao propor
os saberes necessários à prática educativa que a reflexão sobre
a prática deve ser exigência da relação teoria e prática, pois en-
sinar não consiste simplesmente em transferir conhecimentos,
fazendo referência ao ensino bancário, em que se depositavam
conhecimentos desprovidos de significados e consequente-
mente incapazes de oportunizar o estabelecimento de relações
lógicas. Ensinar implica na construção de possibilidades para a
produção de novos saberes.
Segundo o autor, a reflexão crítica sobre a prática
pressupõe um movimento dialético entre o fazer e o pensar
sobre o fazer. Esse movimento contribui para o despertar de
uma curiosidade epistemológica. Curiosidade dita por Freire
que nos faz perguntar, conhecer, atuar, reconhecer.
A formação continuada era realizada durante o perío-
do da ação de alfabetização que acontecia durante seis meses,
com carga horária de 80h horas. A partir da análise compar-
tilhada, da interpretação que faziam das teorias e do contexto
a que estavam inseridos, eram sugeridas estratégias didáticas
que possibilitassem aos professores construir hipóteses, expe-
rimentando e recriando sistematicamente as situações de ensi-
no- aprendizagem. A cada viagem, a equipe pedagógica inter-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

pretava os dados e resultados apresentados pelos supervisores


e tomando como referência as demandas dos alfabetizadores,
elaborava instrumentos como textos e fichas de registros, sub-
sidiando assim, os alfabetizadores com os fundamentos didáti-
co-pedagógicos necessários à prática pedagógica.
Fundamentos filosóficos, epistemológicos e metodológicos
da proposta de alfabetização do Programa de Letramento
Reescrevendo o Futuro
A proposta de alfabetização do Programa de Letra-
mento Reescrevendo o Futuro era pautada nas ideias forças
de Paulo Freire, o grande educador brasileiro, criador de uma
nova concepção de alfabetização, ou melhor, dizendo de edu-
cação, educação voltada para emancipação e para a conscien-
tização do sujeito, visto e entendido como fazedor de cultura e
de história.
As ideias de Freire implicam, necessariamente, a vi-
são de alfabetização como um processo de edificação de uma
consciência crítica e, como aponta Soares (2008), uma concep-
ção de alfabetização inserida numa política e numa filosofia de
educação.
Pensar alfabetização a partir de Paulo Freire consis-
te em possibilitar inicialmente a leitura de mundo e depois a
leitura da palavra. Alfabetizar a partir das ideias freiriana é
pensar a prática pedagógica, a relação educador e educando
numa perspectiva dialógica e participativa e fortemente con-
trária às relações verticalizadas impostas em práticas tradicio-
nais, como nos afirma Freire (1996):
Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade
curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessá-
rios à pratica educativa. Viver a abertura respeitosa
aos outros e, de quando em vez, de acordo com o mo-
mento, tomar a própria prática de abertura ao outro
como objeto da reflexão crítica deveria fazer parte da
aventura docente. A razão ética da abertura, seu fun-
damento político, sua referência pedagógica, a bonite-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

za que há nela como viabilidade do diálogo. (FREIRE,


1996, p.153)

É justamente pensando nessa boniteza, na vontade de


construir uma prática educativa que resgate a autoestima des-
ses jovens e adultos que, por fatores socioeconômicos, foram
excluídos dos processos sociais que demandam das competên-
cias de leitura e de escrita, que o Programa Reescrevendo o
Futuro definiu como princípios norteadores da ação de alfa-
betização de adultos, a prática do diálogo e da valorização das
experiências de vida desse público, que favorece como nos diz
bem Freire, oportunidades de reflexão sobre o mundo e conse-
quentemente de posição deste homem no mundo.
No Reescrevendo o Futuro, a metodologia iniciava-se
com uma investigação temática, garantia do universo verbal. Os
alfabetizadores eram orientados a fazer um levantamento dos
temas geradores ligados diretamente à vivência dos educandos
nos meios físico e sociocultural. O levantamento decorria de
conversas e histórias individuais e coletivas, realizadas na fase
de conhecimento da turma e relacionadas às histórias de vida e
dos bairros, comunidades ou municípios em que estavam inse-
ridos. A expressão tema gerador é associada ao desenvolvimen-
to de uma aprendizagem global e não fragmentada, a partir do
qual são feitos recortes para as outras áreas de conhecimento.
Com base na definição dos temas, os alfabetizadores
conduziam uma discussão em sala de aula em torno da temá-
tica enfocada. Os alunos eram convidados a falar sobre o que
sabiam do tema em questão e o que gostariam de saber para
aprofundar seus conhecimentos. Com base nessa coleta de in-
formações, o alfabetizador selecionava diversos portadores de
textos, como jornais, revistas, poemas, músicas que enfocavam
a problemática a ser abordada.
Conforme exposto, essa concepção dialógica de alfa-
betização torna-se um meio de democratização da cultura e
parafraseando Freire (1996) um encontro de consciências, de
reflexão, de criação e de transformação da realidade, pois como

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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nos sinaliza, a alfabetização só tem sentido se implicar reflexão


sobre a própria alfabetização, deixando de ser algo externo ao
homem, para ser dele próprio.
Em relação aos fundamentos epistemológicos, a pro-
posta de alfabetização do Programa em questão, diz respeito
aos estudos de Emília Ferreiro, que revelam como a criança
constrói especificamente a aprendizagem da leitura e da escri-
ta, sendo de fundamental importância para que educadores
repensem todo o processo de ensino-aprendizagem da língua
escrita.
Essa pesquisa possibilita o desvio do trabalho centrado
na figura do professor para o ser que aprende e sua relação com
o objeto de conhecimento. Ferreiro (1996) mostra, através de
suas investigações, que os alunos, na aprendizagem da leitura e
escrita, passam por níveis de conceitualização, demonstrando
as hipóteses por eles construídas na tentativa de compreender
como se dá o funcionamento do sistema alfabético. Em cada
nível, elaboram suposições, mostrando que refletem sobre esse
objeto conceitual e que suas reflexões nascem de inúmeras si-
tuações de interação concreta com o mundo da escrita.
Os alunos, sejam crianças, jovens, adultos ou idosos,
interagem muito cedo com as mais variadas manifestações
de escrita na sociedade. Observam as pessoas lendo jornais,
escrevendo uma lista de compras, veem letras e palavras em
placas, cartazes, revistas, rótulos de embalagens e, ao entrarem
em contato com esses sistemas simbólicos, buscam incessan-
temente compreender o que representam. A essa tentativa de
entender o que a escrita nota, Ferreiro chamou de níveis Pré-
-Silábico, Silábico, Silábico-Alfabético e Alfabético.
A compreensão dos níveis conceituais foi extrema-
mente necessária para a prática dos alfabetizadores, pois, ao
conhecerem como se dá o processo de aprendizagem da leitura
e escrita, tinham condições de planejar atividades de interven-
ções, elaborando estratégias didáticas que desestabilizassem as
hipóteses criadas pelos alunos, possibilitando, já no início do

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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processo, avanços quanto à compreensão do funcionamento


do sistema alfabético.
Quanto aos fundamentos metodológicos, a proposta
de alfabetização do Programa era pautada nos pressupostos de
Heloisa Vilas Boas, importante doutora na área de linguísti-
ca que criou uma metodologia voltada para uma abordagem
construtivista e sociointeracionistas, posto que considera o
processo de apropriação da língua do ponto de vista do aluno
que aprende, valorizando o contexto social e cultural do qual
ele faz parte, bem como as interações estabelecidas entre seus
pares. O professor, dentro desta proposta, por meio de passos
metodológicos, estará contribuindo para a competência comu-
nicativa de seus alunos, possibilitando que sejam agentes cria-
tivos no seu processo de aprendizagem, visto que, como nos
apresenta Vilas Boas (1996):
É falando e ouvindo, interagindo com quem está a sua
volta, formulando livremente hipóteses sobre suas
formas, que se aprende a língua materna [...] Para que
o aluno domine habilidades de uso, na modalidade
falada e escrita da língua, é condição necessária que
ele possa operar concretamente com ela observar suas
semelhanças e diferenças, comparar e relacionar seus
elementos em diferentes contextos e situações. Tomar
posse da palavra, descobrir, dentro dos limites impos-
tos pela própria língua, novas formas de expressão,
sendo sujeito ativo como foi no processo de aquisição
da linguagem. A consciência de que sabe e de que tal
saber foi construído ativamente, por um percurso de
descobertas, traz consigo um imenso prazer para o
aluno: o de saber que pode aprender e, por conseguin-
te, o aumento de sua potência de agir. (BOAS, 1996,
p.12-13)

Essa metodologia passa a ser uma nova alternativa


didática para os alfabetizadores que não conseguem efetiva-
mente alfabetizar seus alunos nas séries iniciais, posto que
as palavras, frases e textos trabalhados são desprovidos de
significados e não fazem parte de um esquema de relações.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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O processo restringe-se à memorização mecânica, a condi-


cionamento de puro treino de codificação e decodificação de
sequências gráficas. As palavras trabalhadas não fazem parte
de um contexto vivo, não geram novas palavras, são dispos-
tas para serem visualizadas e não analisadas. E o aluno como
agente passivo, limita-se a reproduzir o que o alfabetizador
propõe, sem a autonomia que lhe compete de fato nesta ati-
vidade.
Para Boas (idem), a palavra só ganha valor social
quando está inserida em frases e frases inseridas em situações
concretas. Alfabetizar então, numa perspectiva construtivista
pressupõe atividade por parte de quem aprende que organiza e
integra os novos conhecimentos aos já existentes.
A metodologia de Boas resgata o universo sociocul-
tural dos alunos, relegado pelo ensino cartilhado, valoriza sua
fala e atribui à linguagem o seu verdadeiro sentido, concebido
como fator de interação social. O trabalho é esquematicamen-
te organizado em unidades interligadas que são constituídas a
partir de temas produzidos e vivenciados pelos alunos.
O tema produzido pelos alunos é registrado no qua-
dro e a palavra escrita vai ganhando vida, superando o esque-
ma tradicional de apresentá-la de forma estática, apenas para
reconhecê-la e identificá-la. Os alunos são autores do texto e
têm a oportunidade de ver sua fala registrada. Nesse processo,
vão observando elementos importantes na aprendizagem da
escrita, os espaços existentes entre as palavras, a forma como
devemos dispô-las no texto, os sinais de pontuação e a necessi-
dade de recorrermos a sinônimos para garantir uma boa apre-
sentação do material escrito.
Cada unidade consiste em um conjunto de etapas de-
senvolvidas a partir do tema já exposto. No tema, escolhem-se
as palavras-chave que serão analisadas mediante vários passos
como o reconhecimento da palavra-chave em novos contex-
tos, para que se percebam os múltiplos sentidos das palavras
e memorização da sequência global de letras que constituem a

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palavra; descoberta de semelhanças e diferenças visuais e au-


ditivas entre as palavras mediante atividades voltadas para o
desenvolvimento da consciência fonológica através do jogo da
montagem de um paradigma que consiste em relacionar sons
comuns aos das sílabas da palavra. A sílaba a ser discriminada,
entretanto, estará sempre ligada ao todo da qual faz parte; for-
mar e escrever novas palavras pela recombinação dos fonemas
e grafemas das palavras-chave, o que garante o dinamismo im-
prescindível à aprendizagem. Coletivamente os alunos procu-
ram formar novas palavras pelo processo de decomposição e
composição.
Todas as etapas brevemente apresentadas, possibilita-
ram intervir efetivamente nas hipóteses dos alunos, oportuni-
zando reflexões acerca da escrita. O Programa Reescrevendo o
Futuro adotou e adaptou, desde 2003, a proposta metodológica
de Heloisa Vilas Boas, tendo dois alfabetizadores em cada sala
de aula com no máximo 30 alunos, facilitando assim, o pro-
cesso ensino-aprendizagem, pois, enquanto um alfabetizador
registrava no quadro a fala dos alunos, o outro conduzia o an-
damento das atividades.

Conclusões

O Programa de Letramento Reescrevendo o Futuro,


contribuiu para que os jovens, adultos e idosos do Estado do
Amazonas, nos 07 (sete) anos de funcionamento, pudessem
adquirir a instrumentalização necessária para a reescrita de
uma nova história. Uma história na qual os alunos beneficia-
dos com o domínio da leitura e da escrita, pudessem ser prota-
gonistas, participando efetivamente dos processos sociais que
demandam uma competência por eles tão sonhada, a de ler e
escrever. Ler não somente palavras, mas ler o próprio mundo,
ver o que existe de bonito e o que pode ser mudado, a partir da
compreensão do papel de sujeitos capazes de exercerem direi-
tos e deveres de cidadãos.

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Ajudar a reescrever a história de vários professores


alfabetizadores também pode ser considerada uma conquista
consolidada pelo Programa, que mediante aos processos de
formação inicial e continuada contribuiu numa mudança de
paradigma por parte desses educadores que romperam grada-
tivamente com uma prática pedagógica domesticadora do cír-
culo transmissão-escuta para trilharem o caminho em direção
a prática da reflexão, do diálogo e da participação. Essa edifica-
ção, entretanto, possibilitou reflexões acerca dos métodos uti-
lizados e resultados alcançados. Desse modo, a formação dos
professores alfabetizadores envolveu diversos estudos, a fim
de que eles pudessem desenvolver com segurança essa prática
complexa que abriga conhecimentos de diversas naturezas: so-
cial, psicológica, psicolinguística e linguística. Nesse sentido, a
proposta metodológica do Programa atendeu aos anseios dos
educadores que buscaram uma nova prática de alfabetização
que fosse adequada ao público formado por jovens, adultos e
idosos, alijados dos processos que demandam as competências
de leitura e escrita.
Reescrever o futuro implicou também numa mudança
nas concepções de aprender, ensinar e conhecimento. Apren-
der que passou a ser entendido como um processo de constru-
ção de significados, porque partiu de algo vivido e conhecido.
Ensinar, que implicou um caminho para essa construção de
significados e finalmente de conhecimento, que possibilitou
uma verdadeira compreensão da realidade, uma compreensão
capaz de capacitar os sujeitos a serem agentes e autores de sua
própria história.
No entanto, para serem sujeitos de sua história, os
alfabetizandos devem vivenciar, no cotidiano da sala de aula,
momentos de diálogos e participação coletiva. A metodologia
do programa é um convite a essa participação traduzida por
meio da valorização das hipóteses dos alunos acerca da escrita,
do resgate de seu universo vocabular, oportunizando que estes
sejam agentes, autores e protagonistas de sua própria história.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Referências Bibliográficas
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BÁSICA. IDEB - RESULTADOS E METAS: IDEB 2005,
2007, 2009, 2011, 2013 e projeções para o Brasil. Disponível
< www.http://ideb.inep.gov.br > Acesso em 28 de março de
2016.
SILVA, Maria de Nazaré Correa da. O letramento através
da educação ambiental: um projeto de alfabetização de
jovens e adultos para uma significativa parcela dos povos
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UEA/PROFOMAR, 2005.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:


DO DIREITO À REALIDADE

POLONI, Maria José 1


SILVA, Neide Cristina da 2
1. Educação de Jovens e Adultos: breve introdução
Em relação ao direito à educação, observamos que,
conforme dispõe o art. 6º da Constituição Federal do Brasil de
1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de
2015, o direito à educação é, antes de tudo um direito social,
tal “[...] a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o trans-
porte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
Em que pese a atualidade do tema, nos reportamos a
Anísio Teixeira (1977), que na sua obra Educação não é privi-
légio, cuja primeira edição data de 1957, já contemplava uma
análise da situação da educação no país e, como o próprio tí-
tulo menciona, a educação, à época, podia ser entendida como
privilégio de poucos.
Na mesma época, Freire (1957), em sua obra Educa-
ção e atualidade brasileira, já considerava a precariedade em
relação ao acesso e à permanência de alunos nas escolas do
país.
Cury (2005, p. 11) afirma que o direito à educação,
“[...] enquanto direito declarado em lei, é recente e remonta
1 Doutoranda em Educação na Universidade Nove de Julho. Supervi-
sora de Ensino da Rede Estadual de São Paulo.UNINOVE. majpoll@
yahoo.com,br
2 Doutoranda em Educação na Universidade Nove de Julho. Profes-
sora de História da Rede Estadual de São Paulo.UNINOVE. neide-
silva87@hotmail.com

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ao final do século XIX e início do século XX. Mas seria pouco


realista considerá-lo independente do jogo de forças sociais em
conflito”.
Apesar do reconhecimento da situação em relação à
educação no país, em especial, quanto à necessidade de educa-
ção para todos, este direito foi, aos poucos, sendo construído,
através de leis. Contudo, de fato, a efetivação deste direito não
acompanhou a mesma dinâmica das normas expressas, sendo
que no século XXI, ainda, contamos com a não efetivação inte-
gral deste direito na educação básica.
Em relação ao direito à instrução, Bobbio (1992, p.75)
afirma que:
Não existe atualmente nenhuma carta de direitos,
para darmos um exemplo convincente, que não reco-
nheça o direito à instrução [...]. Não me consta que,
nas mais conhecidas descrições do estado da natu-
reza, esse direito fosse mencionado. A verdade é que
esse direito não fora posto no estado da natureza por-
que não emergira na sociedade da época.

Monteiro (2015, p. 14), a esse respeito, afirma que


“[...] o direito à educação é reconhecidamente prioritário. O
seu primado é uma ideia recorrente nas fontes clássicas do
pensamento pedagógico” e:
[...] esta prioridade do direito à educação é reconheci-
da pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos
e pela jurisprudência internacional e nacional [...] foi
redescoberta durante a última década do século XX
e o direito à educação ganhou inédita visibilidade na
Agenda Internacional, como testemunham numero-
sas conferências, declarações, programas de ação [...],
dentre outros.

O direito à educação no país ainda se constitui em


objeto de pesquisa e reflexão por legisladores, educadores e
pesquisadores em geral. Para tanto, tal abordagem necessita da
revisão de determinantes de ordem política, histórica, social e

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econômica que induziram proposições legais, ao longo da his-


tória, as quais formataram um cenário educacional pautado,
desde o início, no privilégio à elite, no cuidado com a educação
superior, em detrimento ao ensino das primeiras letras, des-
provendo cidadãos e cidadãs da aquisição de um direito que
vai além da apreensão de conhecimentos, mas, sim, que se pro-
ponha à formação para uma vida cidadã, pautada em conheci-
mentos, valores e atitudes.
Apesar das Constituições Federais do Brasil, desde
1824, trazerem à tona a educação, o direito à educação, en-
quanto obrigatoriedade, surgiu na Constituição Federal do
Brasil de 1934, em especial, para as 4 (quatro) primeiras sé-
ries do então denominado curso primário e, posteriormente,
foi sendo complementado no decorrer do tempo, por meio de
atos legais, em especial das Constituições Federais do Brasil e
das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
No entanto, esse direito legal não foi conquistado por
todos. Muitos homens e mulheres não usufruíram desse direito
legal, como demonstram as estatísticas. Medidas legais foram
tomadas, contudo ainda temos no Brasil uma parcela significa-
tiva de analfabetos, como verificamos na tabela 1.
Tabela 1 – Taxa de analfabetismo da população
de 15 anos ou mais de idade (1920 a 2013)
Ano 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2011 2012 2013
% 64 55,9 50,5 39,6 33,6 25,5 19,4 13,6 8,6 8,7 8,5
Fonte: Recenseamento Geral do Brasil (1920, v. IV, 4ª Parte-População) e
IBGE, Censo Demográfico (1940 a 2013).

A tabela 1 expressa, no decorrer de décadas, a situação


do analfabetismo no país, demonstrando a ausência da efetiva-
ção do direito de todos à educação, bem como uma desigual-
dade gerada pelo não acesso à educação formal, promovendo
uma geração de excluídos não só do sistema educacional, mas
também dos bens advindos da escolarização à época correta.
A exclusão total ou parcial, quer seja pela falta de
acesso ou pela exclusão da escola, remete-nos ao princípio

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referente à igualdade entre homens e mulheres, proposto nos


textos legais, tal como prevê o contido no Art. 5º da Constitui-
ção Federal do Brasil de 1988, o qual expressa que
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual-
quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos ter-
mos desta Constituição; [...] (BRASIL, 1988).

Em relação à prioridade do direito à educação, en-


quanto componente fundamental para a vida, Monteiro (2015,
p. 16, grifo nosso) afirma que:
Na realidade, sem perder de vista o princípio da indi-
vidualidade e interdependência de todos os direitos
humanos, o direito à educação pode ser considerado
como o mais fundamental para uma “vida humana”,
uma vida com dignidade, liberdade, igualdade, res-
ponsabilidade, solidariedade e criatividade. É a chave
do motor do desenvolvimento compreendido na ple-
nitude das suas dimensões individual, coletiva, cultu-
ral, política, econômica, ecológica. “Chave” é um ter-
mo frequentemente utilizado para significar o valor
primordial da educação.

Ainda, para Monteiro (2015, p. 17), em relação à prio-


ridade do direito à educação, através deste direito é “[...] que se
aprende, nomeadamente, que se tem direitos e como exercê-
-los, assim como a respeitar e a agir em favor dos direitos dos
outros, condição da vitalidade da democracia e da paz social”.
Nessa perspectiva, o autor enfatiza que “[...] o direito à edu-
cação é o maior poder e a maior responsabilidade do mundo,
porque o mundo é feito pelos seres humanos e um ser humano
é o seu rosto, o seu corpo, seu nome e tudo o que a sua educa-
ção gerar de si [...]”.
Paralelo ao direito à educação no país, determinadas
leis incluíram a modalidade de educação de jovens e adultos, ob-

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jetivando o atendimento aos que não puderam usufruir desse


direito legal à época adequada. Assim, observamos que a própria
lei, ao incluir a educação de jovens e adultos, evidencia que o
direito à educação não foi e não está sendo cumprido na íntegra.
A educação de jovens e adultos, ao longo da história,
passou por várias denominações; tais como “madureza”, “en-
sino supletivo” e outros, sempre pautada por determinações
legais, caracterizando esta modalidade de ensino através de
cursos, exames e outros.
A educação de jovens e adultos no país se constitui,
ainda, no século XXI, num tema relevante e de interesse so-
cial, histórico, educacional, político e econômico, pois tratar
da educação de jovens e adultos é assumir que uma parcela
significativa da população do país não teve acesso à educação
formal ou teve uma participação restrita às séries iniciais do
ensino fundamental, não chegando a concluí-lo.
Neste contexto, tornou-se comum ouvirmos ou pro-
nunciarmos, com frequência, expressões como a necessidade
pela busca da qualidade do ensino e outras; contudo enten-
demos que a qualidade só será atingida quando todos, crian-
ças, adolescentes, jovens e adultos, tiverem garantido o acesso
e a permanência necessária nas escolas. Assim sendo, acesso,
permanência e qualidade na educação são inseparáveis. No en-
tanto, a busca por uma educação de qualidade nos remete à
necessidade de observarmos, não apenas o aparente, o tangível,
mas também o que permeia todo esse contexto atual, repleto de
diversas nuances e, dentre estas, destacamos uma que emerge
dia a dia e traz consequências irreparáveis a homens e mulhe-
res: a ausência da educação formal, na idade adequada.
2 O direito à educação e a educação de jovens e adultos:
alguns pressupostos legais
A Constituição Federal do Brasil de 1988 expressa que
a educação é direito de todos e que, de acordo com o inciso I
do art. 208, alterado pela Emenda Constitucional nº 59/2009,

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[...] o dever do Estado com a educação será efetivado


mediante a garantia de educação básica obrigatória e
gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de ida-
de, assegurada inclusive sua oferta gratuita para to-
dos os que a ela não tiveram acesso na idade própria.
(BRASIL, 2009).

Nesse contexto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-


ção Nacional, Lei Federal nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), expres-
sa que a educação é direito de todos e que, além da obrigatorie-
dade da educação básica, a mesma se constitui em “direito pú-
blico e subjetivo”. Contudo observamos, através de pesquisas
realizadas por institutos reconhecidos, que tanto o caráter da
obrigatoriedade quanto da subjetividade não se realizam por
completo e nos deparamos com uma desigualdade marcada
por diferenças entre iguais.
A educação de jovens e adultos está contemplada nos
artigos 37 e 38 da LDB/96, referindo-se à destinação desta mo-
dalidade de ensino e sua forma de execução, dentre outros.
Assim temos o artigo 37 que diz: “[...] a Educação de Jovens e
Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou con-
tinuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade
própria” (BRASIL, 1996).
Entendemos que o referido artigo reafirma a existên-
cia da EJA enquanto ação reparadora de um direito previsto,
porém não exequível. Assim, muitos foram privados do direito
à educação e, posteriormente, podem retornar nessa modali-
dade de ensino.
O § 1º do art. 37 da LDB/96 expressa que
Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos
jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os es-
tudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do aluna-
do, seus interesses, condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames. (BRASIL, 1996).

Contudo, a EJA tem sido desenvolvida, no decorrer do


tempo, de forma a “recuperar o tempo perdido”, compactando

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os cursos e, consequentemente, minimizando os conteúdos ne-


les trabalhados, conforme observamos no art. 38 da LDB/96:
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exa-
mes supletivos, que compreenderão a base nacional
comum do currículo, habilitando ao prosseguimento
de estudos em caráter regular. § 1º os exames a que
se refere este artigo realizar-se-ão: I – No nível de
conclusão do ensino fundamental, para os maiores
de quinze anos; II – No nível de conclusão do ensino
médio, para os maiores de dezoito anos. § 2º Os co-
nhecimentos habilidades adquiridos pelos educandos
por meios informais serão aferidos e reconhecidos
mediante exames. (BRASIL, 1996).

Desta forma, constatamos que àqueles que não pude-


ram usufruir do direito à educação à época adequada, ao retor-
narem à escolarização passam a frequentar cursos de pequena
duração; ou seja, de dois anos para as últimas séries do ensino
fundamental e de um ano e seis meses, para o ensino médio.
Mas esta não é a única opção, considerando que o aluno que
retorna à escola, já se encontra em idade produtiva, há a opção
de “exames”, os quais, independente de escolarização prévia,
aferem o conhecimento e as habilidades dos alunos, inclusive
os adquiridos “por meios informais”.
De acordo com o IBGE (2013), no ano de 2013, o país
contava com 3.772.670 alunos matriculados na EJA; sendo
2.447.792, no ensino fundamental e 1.324.878, no ensino mé-
dio. Desta forma, entendemos que estes números, mais que um
indicador quantitativo, expressam a história de vida de homens
e mulheres que tiveram em comum a exclusão total ou par-
cial da educação formal, mesmo com a condição legal de que a
educação é direito de todos.
Anterior à LDB/96, a educação de jovens e adultos,
enquanto modalidade de educação no país, foi inserida em
outras legislações federais, tal como a Lei Federal n.º 4.024/61
(BRASIL, 1961), que fixava as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, se constituindo na primeira lei federal que normati-

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zou as diretrizes para a educação nacional e, posteriormente, a


Lei Federal n.º 5.692/71 (BRASIL, 1971), que fixava as Diretri-
zes e Bases para o Ensino de 1º e 2º Graus, a qual foi revogada
a partir de 20 de dezembro de 1996, quando da promulgação
da Lei Federal n.º 9.394/96 (BRASIL, 1996), a atual Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sendo que a re-
ferência a cursos regulares e exames na EJA já se fazia presente
nessas leis.
Gadotti e Romão (2000, p. 42), através de uma citação
referente a uma comunicação feita pelo senador Darcy Ribeiro,
por ocasião da 29ª Reunião da SBPC, em São Paulo, demons-
tram o jogo de forças que se estabelecia entre os que defendiam
a necessidade de uma educação obrigatória e gratuita aos des-
tituídos desta, à época correta, e os que ousavam priorizar uma
educação regular à época adequada, desconsiderando a educa-
ção para jovens e adultos. Assim, posicionou-se o senador Dar-
cy Ribeiro:
Quem pensar um minuto que seja sobre o tema verá
que é obvio que quem acaba com o analfabetismo
adulto é a morte. Esta é a seleção natural: Não se pre-
cisa matar ninguém, não se assustem! Quem mata é a
própria vida que traz em si o germe da morte. Todos
sabem que a maior parte dos analfabetos está concen-
trada nas camadas mais velhas e mais pobres da popu-
lação. Sabe-se, também, que esse pessoal vive pouco,
porque come pouco. Sendo assim, basta esperar alguns
anos e se acaba com o analfabetismo. Mas só se acaba
com a condição de que não se produzam novos anal-
fabetos. Para tanto, tem-se que dar prioridade total,
federal, à não produção de analfabetos. Pegar, caçar
(com cedilha) todos os meninos de sete anos para ma-
tricular na escola primária, aos cuidados de professo-
res capazes e devotados, a fim de não mais produzir
analfabetos. Porém, se escolarizasse a criançada toda,
e se o sistema continuasse matando os velhinhos anal-
fabetos com que contamos (sic), aí pelo ano 2000 não
teríamos um só analfabeto. Percebem agora onde está
o nó da questão? (GADOTTI; ROMÃO, 2000, p. 42).

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Conforme Gadotti e Romão (2000, p. 42), este pro-


nunciamento referia-se à posição do senador em relação ao
Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), em grande
expansão à época. Contudo, entendemos que, em que pese o
trabalho desenvolvido pelo Mobral, não há justificava para o
rigor do texto, segundo o qual aos que não tiveram seus direi-
tos respeitados restava a espera do fim.
Haddad (2001, p. 111) destaca que, por ocasião do
Congresso Brasileiro organizado pelo Grupo de Estudos e
Trabalhos em Alfabetização, em 1990, num pronunciamento
para 1.500 pessoas, dentre elas o professor Paulo Freire, nova-
mente o senador Darcy Ribeiro retorna à tônica da exclusão
deste segmento, quando diz aos presentes: “Deixem os velhi-
nhos morrerem em paz!”, reafirmando, desta forma, sua opção
pela prioridade do ensino regular às crianças, desconsiderando
uma demanda considerável excluída da educação formal e ne-
cessitando de atendimento.
Aliado a este pensamento, Beisegel (2015, p. 12)
destaca fragmento de uma declaração dada ao Jornal do Co-
mércio do Rio de Janeiro, em 11 de outubro de 1991, pelo
professor José Goldemberg, então Ministro da Educação, que
também expressava uma restrita preocupação com a popula-
ção jovem e uma ausência de sensibilidade com o adulto não
alfabetizado:

O grande problema de um país é o analfabetismo das


crianças e não o dos adultos. O adulto analfabeto já
encontrou o seu lugar na sociedade. Pode não ser um
bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia
de prédio, lixeiro ou seguir outras profissões que não
exigem alfabetização. Alfabetizar o adulto não vai
mudar muito sua posição dentro da sociedade e pode
até perturbar. Vamos concentrar nossos recursos em
alfabetizar a população jovem. Fazendo isso agora,
em dez anos desaparece o analfabetismo (Jornal do
Brasil, 23/08/1991).

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Para complementar essa gama de ideias e expressões


que, entendemos, contrariam o ideal de igualdade, solidarie-
dade e equidade, Beisegel (2015, p. 12) também se reporta à
entrevista dada à Revista Veja, em 23 de junho de 1993, por
Sérgio Costa Ribeiro, o qual expressou que “[...] alfabetizar
adultos é um suicídio econômico: um adulto que não sabe ler
já se acostumou a essa situação [...]”.
Desta forma, entendemos que a educação de jo-
vens e adultos não pode ser compreendida de forma isolada,
como algo a parte, mas, sim, no conjunto de uma educação
regular que sofre as interferências de um contexto que se es-
tabelece aquém de uma educação formal regular, de direito
e de fato.
Dessa forma, considerando o exposto, os textos le-
gais que foram sendo construídos no decorrer do tempo e
considerando também os dados relativos às taxas de analfa-
betismo e a média de anos de estudos no país, temos uma
contradição que se estabelece: de um lado, temos os textos
legais que conferem a obrigatoriedade da educação básica no
país e o direito público e subjetivo nestes níveis de ensino,
expressando o dever do Estado para com a educação básica,
obrigatória; de outro, temos os reconhecidos institutos de
pesquisa que demonstram, nos dias atuais, a existência de um
contingente de jovens e adultos não contemplados com a edu-
cação formal, de direito público e subjetivo.
Desta forma, parece-nos presente a existência de um
texto legal que atribui o direito de todos à educação e, em sen-
tido contrário, a elaboração de um texto real construído por
aqueles que foram total ou parcialmente excluídos do sistema
escolar, sendo, posteriormente, inseridos na educação de jo-
vens e adultos. Enquanto análise e reflexão, no que se refere a
esta modalidade de ensino, suas razões e consequências, des-
tacamos um excerto do Parecer CNE/CEB nº 11/2000, que
trata das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de
Jovens e Adultos, que teve como relator o professor Carlos

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Roberto Jamil Cury, o qual evidencia a EJA no atual contexto


histórico, político, social e econômico:
[...] a Educação de Jovens e Adultos (EJA) represen-
ta uma dívida social não reparada para com os que
não tiveram acesso e nem domínio da escrita e leitura
como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham
sido a força de trabalho empregada na constituição de
riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado
deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento im-
prescindível para uma presença significativa na convi-
vência social contemporânea. (BRASIL, 2000).

A expressão utilizada por Cury, relacionando a EJA


a uma “dívida social”, remete-nos à necessidade de implemen-
tação de políticas públicas que reconheçam esse fato e suas
consequências e efetivem ações que promovam não apenas a
inclusão dos excluídos total ou parcialmente da educação for-
mal, mas que possibilitem medidas que favoreçam o acesso e a
permanência daqueles que, por diferentes razões, realimentam
este ciclo e elevam a desigualdade entre iguais.

3 O direito à educação e a educação de jovens e


adultos: uma análise do real
Para subsidiar esse estudo, destacamos as taxas refe-
rentes à alfabetização e a média de anos de estudos referen-
tes aos últimos anos, bem como agregamos fatores referentes
às diferentes regiões do país, raça/cor e renda, demonstrando
que, para além do aspecto quantitativo, tais fatores contribuem
para com o acesso e a permanência de homens e mulheres na
educação formal.
De acordo com o IBGE, em 2013, o país contava com
uma taxa de 8,5% de pessoas analfabetas com mais de quinze
anos de idade, o que equivalia a 13.000.000 de pessoas despro-
vidas de noções mínimas de escrita, leitura e pequenos cálcu-
los; o que, em parte, contribui para com a não inserção destas
no mercado de trabalho; bem como o acesso à cultura e outros
bens.

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No entanto, ao observamos a taxa de analfabetismo


nas diferentes regiões do país, a situação ganha contornos dis-
tintos, evidenciando diferenças que acarretam na população a
ausência do direito à educação. Assim, temos na tabela 2 a taxa
de alfabetização da população de 15 anos ou mais, no país e
nas diferentes regiões, no período compreendido entre 2001 e
2013.
Tabela 2 – Taxa de alfabetização da população de 15 anos ou mais
Brasil e regiões – 2001-2013
Brasil / regiões 2001 2007 2013
Brasil 87,6 89,9 91,5
Norte 88,8 88,6 90,5
Nordeste 75,7 80,0 83,1
Sudeste 92,5 94,2 95,2
Sul 92,9 94,5 95,4
Centro-Oeste 89,8 92,0 93,5
Fonte: IBGE/Pnad – Todos pela Educação

A tabela 2 evidencia diferenças, não apenas em nível


nacional como um todo, mas demonstra diferenças quanto à
taxa de alfabetização nas diferentes regiões do país. Assim, po-
demos observar que as regiões Norte e Nordeste do país são as
que possuem a menor taxa de alfabetização, em contraste com
as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o que nos leva a inferir
que aspectos de ordem econômica, política e social corrobora-
ram para com essa diferença.
Nesse contexto, o estado de Alagoas, em 2013, de
acordo com dados fornecidos pelo IBGE, apresentou uma taxa
de escolarização de 78,4% de pessoas de quinze anos ou mais
de idade alfabetizadas. Isso demonstra que, nesse estado, 21,6%
da população não teve acesso à educação e, por consequência,
não foi contemplada com o direito à educação previsto legal-
mente.
Ao analisarmos a taxa de alfabetização de pessoas de
quinze anos ou mais de idade, considerando o fator raça/cor,

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observamos que esse fator potencializa as diferenças, conforme


segue na tabela 3.
Tabela 3 – Taxa de alfabetização da população de 15 anos ou mais de
idade – Por raça/cor (em %) – Brasil e regiões – 2001-2013
Brasil 2001 2005 2009 2013
Brancos 92,3 92,9 94,1 94,8
Pardos 81,3 85,4 86,7 87,9
Negros 81,9 84,3 86,5 88,6
Fonte: IBGE/Pnad – Elaboração todos pela educação

Os dados apresentados na tabela 3 expressam que o


fator raça/cor contribui para com as diferenças em relação à
taxa de alfabetização da população brasileira, fato este que nos
remete a rever o princípio referente à igualdade de todos pe-
rante a lei, sendo que, em que pese a igualdade de todos em
relação à legislação, a diferença entre os iguais vai ganhando
contornos que agregam fatores e, dentre eles, o da cor da pele.
Algo que parece incomum num contexto em que a ciência evo-
lui velozmente; porém, o desenvolvimento não compartilha
dessas nuances que atingem homens e mulheres e aumentam
a distância entre iguais; distância esta provocada até pelo tom
da pele.
Ainda em relação aos fatores que incidem na taxa de
alfabetização de pessoas de 15 anos ou mais de idade, encon-
tramos outro que acompanha homens e mulheres no dia a dia
de suas vidas. Assim, temos na tabela 4 a taxa de escolarização
relacionada à renda obtida pela população.

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Tabela 4 – Taxa de alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais de ida-


de – Por renda (em %) – Brasil – 2001-2013
Brasil 2001 2005 2009 2013
25% mais ricos 98,0 97,9 97,9 98,0
25% mais pobres 76,6 80,8 84,0 86,9
Fonte: IBGE/Pnad – Elaboração: Todos pela Educação

Assim, constatamos que a relação entre a taxa de alfa-


betização de pessoas de 5 anos ou mais de idade e renda obti-
da contribuem para com o estabelecimento de diferenças. Tal
como os já citados fatores que incidem nas diferentes regiões e
o fator referente à raça/cor, deparamo-nos com o fator “renda”
que atinge grande parte da população e que expressa um refe-
rencial assustador quando observado em relação à alfabetiza-
ção da população brasileira.
Conforme consta da tabela 4, enquanto na população
pertencente aos 25% dos mais ricos a taxa de alfabetização das
pessoas de 15 anos ou mais de idade foi de 98% em 2013, na
população pertencente aos 25% mais pobres, a referida taxa foi
de 86,9%. Desta forma, um percentual de 11,1% se traduz num
fosso entre ricos e pobres, no quesito alfabetização.
Nesse quadro tão desfavorável para a educação no
país, o qual revela, para além do não cumprimento do direito
de todos a educação, um acréscimo de fatores que solidificam
esse processo de exclusão da educação formal, reconhecemos,
também, um outro fator que se agrega aos demais e que se
constitui no abandono da educação formal. Neste caso, pos-
terior ao acesso, muitos abandonam a escola precocemente,
sendo este fato observado quando da análise da escolaridade
média da população brasileira.

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Tabela 5 – Escolaridade média da população de 18 a 29 anos de idade –


Em anos de estudo – Brasil e regiões – 1995-2013
Brasil/região 1995 2001 2007 2013
Brasil 6,6 7,7 9,0 9,9
Norte 6,6 7,4 8,2 9,2
Nordeste 5,1 6,2 7,8 9,0
Sudeste 7,4 8,5 9,8 10,4
Sul 7,2 8,4 9,6 10,3
Centro-Oeste 6,7 78 9,2 10,3
Fonte: IBGE/Pnad – Todos pela Educação

Os dados apresentados na tabela 5 demonstram que,


apesar da escolaridade da população brasileira, na faixa etária
de 18 a 29 anos, ter aumentado no decorrer dos anos, ainda
não temos uma parte significativa da população, numa faixa
etária produtiva, que tenha usufruído da educação básica. Os
dados demonstram, também, que as regiões Norte e Nordeste
do país são as que possuem uma população com menos anos
de estudo, em contraste com as regiões Sudeste, Sul e Centro-
-Oeste, o que nos leva a inferir que aspectos de ordem econô-
mica, política e social, colaboraram para com essas diferenças.
Desta forma, estes dados comprovam que o direito
à educação não se concretiza, de fato, e que uma significativa
parcela de crianças, adolescentes, jovens e adultos, são excluí-
dos total ao parcialmente da educação formal, a qual tem sido
construída, ao longo da história, em bases legais, porém não se
materializa nos portadores deste direito. Os textos legais que
expressam um direito de todos à educação, quando analisados
e confrontados com a realidade, com a sua efetivação, demons-
tram que os mesmos não estão em consonância com o real,
acarretando, assim, a ausência de direito real em relação à edu-
cação formal.
Considerações Finais
Considerando esse descompasso entre o direito dos
todos à educação, expresso legalmente, e os dados que revelam

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a não efetivação, por completo, deste direito, entendemos que


parte daqueles que não usufruíram da educação formal à época
adequada retornaram e, ainda, retornam à escola, a fim de su-
prir a escolarização não vivenciada, no tempo correspondente,
sendo que esse retorno se dá via educação de jovens e adultos.
Nesse contexto, a educação de jovens e adultos não
pode ser observada de forma isolada, como algo a parte, mas,
sim, no conjunto de uma educação regular que sofre as inter-
ferências que se estabelecem ao longo da história, não concre-
tizando o direito de todos à educação. Assim, a educação de
jovens e adultos se constrói e ganha contornos na medida em
que o direito de todos à educação se materializa lentamente.
A urgência na elaboração e implementação de políti-
cas públicas referentes ao acesso e à permanência de alunos na
educação formal, aliado à conscientização de que a educação é
direito de todos e não de alguns, são determinantes não apenas
para a minimização do analfabetismo no país, mas, acima de
tudo, para o usufruto da vida cidadã.

Referências Bibliográficas

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SENTIDOS DA EXPERIÊNCIA DE JOVENS E


ADULTOS TRABALHADORES EM CONTEXTO
DE ESCOLARIZAÇÃO

MEDEIROS, Milena Bittencourt Pereira1


Introdução
Atualmente a Educação de Jovens e Adultos se con-
figura em nosso país como um campo educacional reconhe-
cido pela Constituição Federal (1988). Enquanto, modalidade
de ensino, vários pesquisadores vêm se esforçando na tentativa
de entender quais são os reais impactos em torno do direito à
educação escolar de jovens e adultos que não tiveram acesso ou
não concluíram a educação escolar básica.
Um dado importante apontado pelo Plano Nacional
de Educação (2014-2024), visto a sua importância como uma
política que está dentro de um contexto de reformas que visa
reorganizar e mostrar as tendências das corporações, em sua
meta de número dez, propõe implementar mecanismos de re-
conhecimento de saberes dos jovens e adultos trabalhadores,
a serem considerados na articulação curricular dos cursos de
formação (PNE, p.71). O reconhecimento deste objetivo, acaba
por denunciar o complexo processo de produção e reprodução
das desigualdades, nos dando pistas que reparar o acesso ao
direito à educação não superou as expectativas dos estudantes
jovens e adultos enquanto classe trabalhadora e sujeitos histó-
ricos.
1 Graduada em Letras e Mestranda do Programa Processos Forma-
tivos e Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação de Profes-
sores da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Bolsista
FAPERJ. E-mail: milenabmedeiros@gmail.com

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As experiências de classe de jovens e adultos trabalha-


dores informam a sua relação com o outro, a sua vida cotidia-
na, no sentido proposto por Agnes Heller (2008) em que a vida
cotidiana é a vida de todo o homem. O cotidiano está inserido
em toda a vida do homem, pois é impossível desligar-se de to-
dos os aspectos do cotidiano2. As experiências compartilhadas
podem contribuir para a consciência de pertencimento de uma
classe social, a relação com o outro, caminhando pelas lutas,
desafios, conflitos e anseios decorrentes das próprias relações
humanas, que acabam por solidificar a noção de consciência
de classe. Os estudantes nos reapresentam a história da classe
trabalhadora pelo que vivem em sua cotidianidade:
Aprenderam a ver suas vidas como parte de uma his-
tória geral de conflitos com o recurso à sua instrução
errante e arduamente obtida, os trabalhadores forma-
ram um quadro fundamentalmente político da orga-
nização (THOMPSON, 2002, p. 414).

Tendo como pano de fundo essas considerações ini-


ciais, evidenciamos que a educação de jovens e adultos traba-
lhadores, tema dessa pesquisa, é parte integrante de um apro-
fundamento teórico e epistemológico que tem como ponto de
partida a minha inserção no projeto de pesquisa “Produção de
sentidos sobre políticas de formação de professores de jovens
e adultos em escolas públicas de periferias urbanas”3, no qual
atuei como bolsista de Iniciação à Docência entre os anos de
2011 a 2013.
No percurso deste projeto que teve como principal
objetivo analisar as possibilidades recíprocas entre linguagem
verbal e imagética mobilizadas pelas experiências de professo-
res e estudantes adultos na produção de sentidos em seus pro-
cessos formativos, interrogamos, sobretudo, a respeito da dua-
2 HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra,
2008. pp. 8-9.
3 Pesquisa coordenada pela Profª. Drª. Marcia Soares de Alvarenga/
UERJ-FFP.

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lidade existente entre a oralidade e escrita que tensionam os


processos e aprendizagens na alfabetização e ensino da língua.
Tendo a sala de aula constituída em um contexto particular e
privilegiado, realizamos oficinas pedagógicas com turmas do
ciclo 1 organizado como etapa de alfabetização, em que dia-
logamos e compartilhamos com os sujeitos jovens e adultos,
seus conhecimentos de mundo e experiências que advinham
de seus ambientes sociais e culturais mais amplos, sendo suas
produções orais e escritas baseadas nesses contextos.
Essa trajetória de pesquisa, marcada pelos estudos e
experiência com alunos das camadas populares, como padeira,
doméstica, vendedor, pedreiro etc. que tardiamente, segundo
o parâmetro das faixas etárias convencionais, não concluíram
os seus estudos na idade “certa”, me possibilitaram conhecer e
a praticar a “educação popular”, no sentido freireano da pala-
vra, estimulando o aluno a perguntar, a criticar, a criar, onde
se propõe a construção do conhecimento coletivo, articulando
o saber popular e o saber crítico, científico, mediado pelas ex-
periências no mundo (FREIRE, 1991). A partir desse contexto,
formulamos as seguintes questões: São sujeitos da EJA porque
são sujeitos da classe trabalhadora? O que vive na escola da
EJA está presente em suas experiências cotidianas? Suas expe-
riências são acolhidas no contexto escolar?
Muitas dessas questões podem ser relacionadas aos
fatores sociais, econômicos, políticos e educacionais que infor-
mam as situações vividas por esses estudantes adultos traba-
lhadores.
Ao analisar os sentidos da experiência se, por um
lado, nos possibilita falar sobre seus encontros e desencontros
com a escola, instituição marcada pela sociedade social e his-
toricamente excludente, por outro lado, irá, permitir entender
a escola como espaço de resistências, de possibilidades de pro-
dução da esperança.
Na verdade, toda vez que o futuro seja considerado
como um pré-datado, ora porque seja a pura repeti-

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ção mecânica do presente, só adverbialmente muda-


do, ora porque seja o que teria que ser, não há lugar
para utopia, portanto para o sonho, para a opção, para
a decisão, para a espera na luta, somente como existe
esperança. (FREIRE,1992, p.149)

Nos escritos de Paulo Freire (1980) em “Pedagogia do


Oprimido” evidenciamos uma categoria epistemológica signi-
ficativa para a práxis no cotidiano, o inédito-viável. A insupor-
tabilidade das situações que ocorrem na vida cotidiana dos su-
jeitos subalternos, complexificadas pelas desigualdades sociais,
econômicas e culturais, por exemplo, abre possibilidades de se
reinventar, no sentido de transformar as situações que lhe são
desfavoráveis. Para Ana Maria Freire (2000) o inédito-viável é
uma palavra epistemologicamente construída para expressar,
com enorme carga afetiva, cognitiva, política, ética e ontoló-
gica, os projetos e os atos das possibilidades humanas. Neste
contexto, Freire nos impulsiona a favor de não apenas denun-
ciar a atual condição da escola como um processo descontínuo,
é preciso apontar os “inéditos-viáveis” que estão presentes em
nossa práxis cotidiana.

Sentidos de Experiência nas Perspectivas de Três Autores:


E.P.Thompson, Paulo Freire e Walter Benjamin

[...]Agora, o senhor chega e diz: “Ciço, e uma educa-


ção dum outro jeito? Um saber pro povo do mundo
como ele é?” Esse eu queria ver explicado. O senhor
fala: “Eu tô falando duma educação pra povo mesmo,
um tipo duma educação dele, assim, assim”. Essa eu
queria saber como é. Tem? Aí o senhor diz que isso
‘bem podia ser feito; tudo junto: gente daqui, de lá,
professor, peão, tudo. Daí eu pergunto. “Pode? Pode
ser dum jeito assim? Pra quê? Pra quem?” Antônio
Cicero de Sousa. Lavrador de sitio na estrada entre
Andradas e Caldas, no sul de Minas Gerais. (Trecho
retirado do Prefácio do livro “A questão Política da
Educação Popular”. (BRANDÃO,1980)

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Tomando a realidade vivida como fonte de reflexão,


fomos provocados a produzir sentidos sobre a experiência de
jovens e adultos trabalhadores, considerando, conforme nos
ajuda autores como Thompson e Freire que a história dos su-
balternos também precisa ser contada na sua relação com a es-
cola. Histórias como nos remete o texto em epígrafe, que nos
mostra as experiências, envolvendo saberes, culturas e a rela-
ção com os outros.
Na contramão dos significados dicionarizados, que
reduzem os sentidos da palavra experiência, ao ato do conhe-
cimento adquirido com a prática4, refletimos para além dos
campos conceituais pragmáticos que se manifestam ideologi-
camente através de exemplos mecanizados, como “prática de
trabalho” = “experiência”, os sentidos da palavra experiência
como um elo que ressignifica a leitura do mundo e da palavra,
expressão de práticas sociais (ALVARENGA, 2014, p.15).
No conjunto de argumentos que motivam essas rea-
ções, Thompson (2002) nos lembra como um professor que
viveu a experiência de ministrar aulas aos estudantes adultos5,
que a diferença acerca do estudante adulto é a experiência que
ele traz para a relação. O autor negava uma audiência passiva
dos sujeitos, combinando diversos talentos e fundindo diferen-
tes conhecimentos e experiências a fim de potencializar a luta
pelos direitos democráticos. Assim, tendo em vista a sua mili-
tância educacional, compreendia através do dialogismo que as
experiências de vida, muitas vezes, modificadas e percebidas
de formas diferentes davam-se através da sua relação com o
outro e com o mundo, mostra que o sujeito da história não [é]
4 CALDAS, Aulete Minidicionário contemporâneo da língua por-
tuguesa [organizador Paulo Geiger].-3.ed. Rio de Janeiro: Lexi-
kon,2011.
5 De acordo com o professor Marcelo Badaró, em E.P. Thompson e a
crítica ativa do materialismo histórico, o respeito à experiência dos
trabalhadores, aliás, é uma chave fundamental para entendermos de
que forma a atividade de Thompson como professor de literatura
inglesa e história foi um elemento fundamental de seu aprendizado
prévio à redação do seu livro A Formação [...] (2012, p.30).

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o indivíduo das concepções do contrato social. Mas o sujeito


imortal que perdura ao longo das gerações no trabalho e na
consciência de filhos e netos (MARTINS, 2000, p.137).
Envolvidos dialeticamente com a vida, e com o objeti-
vo recuperar o sentido de tradição, como um movimento con-
tínuo e libertador, entendemos que as experiências comparti-
lhadas podem contribuir para a consciência de pertencimento
de uma classe social.
A experiência é um termo médio necessário entre o
ser social e a consciência social: é a experiência (mui-
tas vezes a experiência de classe) que dá cor à cultura,
aos valores e ao pensamento. É por meio da expe-
riência que o modo de produção exerce uma pressão
determinante sobre outras atividades. E é pela práti-
ca que a produção é mantida. (THOMPSON, 1981,
p.112)

A partir do conceito de junção, entre a cultura e expe-


riência, balizada na noção de que as pessoas não experimentam
suas experiências apenas pelas suas ideias, Thompson (1981)
para tentar compreender a sociedade, mostra que as condições
que atravessam os modos de vida desses sujeitos acabam por
determinar suas maneiras de estar no mundo, neste sentido, o
entendimento sobre junção se dispõe “entre cultura e não cul-
tura, a metade dentro do ser social, a metade dentro da cons-
ciência social” ( MATTOS, 2012,p.85), o que mais para frente
Thompson (1984, p.314) vai definir como “experiência I – a
experiência vivida – e experiência II- a experiência percebida”.
A partir dessa natureza dúplice do conceito de expe-
riência levantada a partir do conceito de junção, o autor pro-
cura compreender as “transformações históricas a partir da
intervenção consciente dos agentes – ainda que tal consciência
sogra o impacto de toda a carga ideológica de uma forma de
dominação hegemônica” (2012, p.87). Seguindo tal raciocínio,
trazemos como referencial de análise o cenário político-social
brasileiro, extremamente antidemocrático, excludente, com

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exacerbação da competição e desigualdades sociais, ao qual


encontramos um contexto que favorece a uma faixa minoritá-
ria da população sendo beneficiada pela produção econômica
do país, num movimento de descompasso, com o aumento do
desemprego e oportunidades.
Em sua coletânea de estudos sobre a literatura britâ-
nica do final do século XVIII e início do século XIX, Thomp-
son, em Os Românticos (2002), através das obras de poetas
como Wordsworth, Thelwall e Coleridge6 nos evidencia uma
literatura que se insere na sociedade, participando dos mo-
vimentos sociais, políticos e econômicos da época. Tomamos
como exemplo, uma passagem do livro em que Thompson traz
a narrativa de uma carta publicada no Monthly Magazine7 de
1978, em que o autor buscou compreender os embates e ten-
sões que marcaram aquele período:
O que é frustrante acerca dessa passagem é o medo da
espontaneidade popular [...] educação e cultura, não
menos que os impostos locais para os pobres, eram
encaradas como esmolas que deveriam ser adminis-
tradas ao povo ou dele subtraídas de acordo com seus
méritos. O desejo de dominar e de moldar o desen-
volvimento intelectual e cultural do povo na direção
de objetivos predeterminados e seguros permanece
extremamente forte durante a época vitoriana: e con-
tinua vivo ainda hoje (THOMPSON, 2002, p. 31).

Neste trecho, podemos observar o quanto às análises


de Thompson são atuais, por mostrar a classe subalterna envol-
vida nas tentativas de dominação, pela classe dominante, como
se fosses sujeitos passivos frente à realidade social, num movi-
mento de transmissão de conhecimento, como se a cultura do
outro fosse irrelevante na construção social de um país, mas
é importante ressaltar, que mesmo neste período havia mo-
6 Poetas representantes do Romantismo inglês.
7 Ler a carta em THOMPSON, E.P. (Edward Palmer), 1924-1993. Os
Românticos/ E.P. Thompson; tradução de Sérgio Moraes Rêgo Reis.
- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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vimentos de resistências por parte dos trabalhadores. Como,


podemos observar, por exemplo, em um quadro traçado, a res-
peito da década de 1970, onde Thompson (1987, p.298) discor-
re que poucos trabalhadores podiam ler e entender um jornal,
mas era comum a leitura em voz alta das notícias nas ferrarias,
barbearias e tavernas.
A classe trabalhadora, inserida na contínua constru-
ção de mundo, tornam-se sujeitos históricos, a partir do mo-
vimento transformador que se realizam em suas relações espa-
ciais diretas, no cotidiano e na sua articulação entre coopera-
ção e conflito, em seus espaços físicos8.
Benjamin(1989) nos chama a atenção para a falta
de sujeitos “inconformados” com o sistema capitalista como
àqueles que liam os jornais em voz alta para os poucos traba-
lhadores que podiam ou não sabiam ler nas cidades indus-
triais, citados acima nas palavras de Thompson. O autor nos
fala da pobreza de experiência articulada a uma nova barbá-
rie:
Barbárie? Sim. Respondemos afirmativamente para
introduzir um conceito novo e positivo de barbárie.
Pois o que resulta para o bárbaro dessa pobreza de
experiência? Ela o impele a partir para a frente, a co-
meçar de novo, a contentar-se com pouco, a construir
com pouco, sem olhar nem para a direita nem para a
esquerda.

Em nossas leituras, compreendemos que Benjamin


pretende mostrar não a experiência por ela mesma, a experiên-
cia individual, esvaziada de sentidos. O autor propõe que esta
experiência esteja pautada na coletividade, em que os sujeitos
não atuem com uma postura indiferente frente aos problemas
sociais, políticos e econômicos que os atravessam.
8 Tomamos como espaço físico, a noção de lugar fundamentada por
Santos (2010) compreendida como uma construção social, baseada
nas relações espaciais diretas, no cotidiano e na articulação entre
cooperação e conflito, em que emergem nesses sujeitos o sentimento
de pertencimento.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Percebemos implicações pertinentes, no que diz res-


peito ao processo de ensino-aprendizagem, o que está dentro,
consagrado como conhecimento, ainda que estejam ultrapas-
sados, continuam sendo utilizados e o conhecimento vívido
que emerge através do olhar particular do ser humano, passan-
do pelos seus valores, suas visões de mundo, sua linguagem e
intencionalidades, por muitas vezes não são articulados à dinâ-
mica da relação entre escola e conhecimento científico.
O respeito a essas experiências, são fortalecidas por
Freire (Idem, 1996, p.42), ao dizer que a questão da identidade
cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe
dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na
prática educativa progressista, ou seja, a educação comprome-
tida com o desenvolvimento de ambos, tanto educador quanto
estudante.
Consoante a isso, o dialogismo se faz presente nes-
ta relação, Paulo Freire ao afirmar que “quem dialoga, dialoga
com alguém sobre alguma coisa” (1979 p.69), problematiza as
relações dialógicas existentes entre professores e alunos. Quan-
to à educação de jovens e adultos, este pensamento nos possi-
bilita superar a ideia de um processo alfabetizador que esteja
pautado somente no simples domínio mecânico de técnicas
para escrever e ler. Neste contexto, a educação progressista
rompe com a ideia de adestramento, abrindo possibilidade de
reconhecer, estudantes e professores, como possuidores de um
conhecimento inacabado que deve continuar a se desenvolver
diariamente, e por isso mesmo necessita de reflexões contínuas
e de diálogo.
Para finalizar, citamos uma passagem do livro “Peda-
gogia da Autonomia” em que Freire (2006, p. 38) nos diz:
A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é
transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, toman-
do como paciente de seu pensar, a inteligibilidade
das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente
do educador que pensa certo é, exercendo como ser
humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o

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educando com quem se comunica, a quem comu-


nica, produzir sua compreensão do que vem sendo
comunicado [...] na prática educativa, desafiadora e
incentivadora, o educador deve ter sempre em men-
te a prática do diálogo.

A citação é longa, porém considero que ela se justi-


fica pela clareza como o autor se coloca e que vem reafirmar
a sua opção ética, democrática e humanizante. Para que de
fato se constitua e se efetive essa educação, pautada em uma
atitude progressista, o diálogo deve permear todo espaço es-
colar ou não escolar, entendendo o movimento de que a edu-
cabilidade do eu e do outro, abre possibilidades, do ponto de
vista civilizatório, para a transformação da sociedade em que
vivemos.
As Vozes dos Sujeitos da Pesquisa Sobre os Sentidos da
Experiência
As questões levantadas e os encaminhamentos epis-
temológicos, que foram construídos pela pesquisa, me posi-
cionaram na direção de reflexões investigativas sobre os sen-
tidos da experiência na educação de jovens e adultos traba-
lhadores. Iniciei esse processo buscando entre as alternativas
metodológicas estar em contato com aquelas que não reduzis-
sem a riqueza do material coletado (ALVARENGA, 2010) no
decorrer da realização do trabalho.
Tendo a linguagem como fonte de pesquisa, encon-
tramos nas contribuições de Bakhtin (2000) uma alternativa
de potencializar as vozes dos sujeitos participantes, devido ao
“lugar” de encontro e confronto, tempo e acontecimento, pa-
lavra na vida, por isso, palavra em movimento.
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao
outro. Através da palavra, defino-me em relação ao
outro, isto é, em última análise, em relação à coleti-
vidade [...] A palavra é uma espécie de ponte lança-
da entre mim e os outros [...] Se a palavra não lhe
pertence totalmente, uma vez que ela se situa numa

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espécie de zona fronteiriça, cabe-lhe com tudo uma


boa metade (BAKHTIN, 2000, p. 117).

Neste sentido, os encaminhamentos teóricos encon-


trados no pensamento de Bakhtin, nos movimenta a favor
de uma abordagem reflexivo-metodológica da pesquisa na
perspectiva ideológica e dialética da linguagem. Desse modo,
temos o desafio de compreender dentre os infinitos sentidos
da palavra experiência, que estes não se concentram em mim,
nem nos outros, mas no objeto de sentido9 para qual nos vol-
tamos.
Portanto, podemos considerar que não existe passivi-
dade entre os falantes, nem tampouco uma formalização nas
relações dialógicas, marcadas por um emissor e receptor, Ba-
khtin (1992, p. 339) nos ensina que todo ato de compreensão
implica uma resposta, ou seja, os sentidos têm por excelência
uma relação com a vida, construída por sujeitos pensantes e
atuantes, sempre em determinados contextos. Nenhum su-
jeito comparece aos textos orais e escritos desnudado de suas
contrapalavras de modo que participam da compreensão (GE-
RALDI,2015, P.133) como sujeitos ativos, que estando envol-
vidos na fronteira de duas consciências, refletem e refratam o
confronto dos interesses sociais que os movem.
A linguagem ao se constituir na relação com o outro,
estando na linha fronteiriça entre um eu e um outro, afirma
que o diálogo não significa necessariamente harmonia, sen-
do um campo marcado também pelo confronto de sentidos.
Evidencia que esta fala não é uma verdade ou uma mentira,
ela nos mostra um ponto de vista, uma outra consciência, sen-
do assim, uma outra possibilidade de se pensar a realidade.
Lembrando-nos o desafio da compreensão de uma outra cons-
ciência que é formada por aspectos ideológicos, valores que
informam os seus sentidos de dizer.
9 Alvarenga (2010, p. 35) nos ensina que “os meus enunciados e os
dos outros se caracterizam fundamentalmente, pelo conteúdo do
objeto de sentido, isto é, na relação valorativa que temos para com
ele, a partir de nossa própria visão de mundo.”

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Quando falamos sobre os sentidos da palavra ex-


periência, precisamos levar em conta que essa palavra como
criação verbal, não se limita a um sinal, ou seja, uma unidade
linguística que evoca regras de caráter prescritivo, “presas a
um dicionário”, mas uma palavra, viva e móvel, plurivalente,
carregadas de sentidos contraditórios que atravessam e atua-
lizam as relações e as práticas sociais cotidianas da existência
dos sujeitos que a dizem.
Tratando-se de uma pesquisa qualitativa, entende-
mos, com Guber (2011) que os estudantes jovens e adultos tra-
balhadores, participantes de nossa pesquisa são precisamente
os sujeitos sociais dessa modalidade de pesquisa, que funda-
mentalmente trabalha com o universo dos significados, dos
motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitu-
des, ou seja, esse conjunto de fenômenos humanos entendidos
como parte da realidade social10. Esses sujeitos são os privi-
legiados para expressar em palavras e em práticas o sentido
da sua vida, sua cotidianidade, seus atos extraordinários e seu
futuro (GUBER, 2011, p.16).
Isso significa dizer que a atitude de compreensão,
no desenvolvimento da pesquisa, demandou de mim uma
atitude responsiva, minha posição também foi de um sujeito
concreto, colocado em uma interação real concreta (MIO-
TELLO, 2012, p. 167) será deste lugar único que poderei es-
tabelecer o diálogo com os estudantes da EJA. Nos estudos
em Bakhtin, podemos perceber que o ponto de vista ajuda a
construir o objeto, valorando, refratando, colocando a pala-
vra outra, como corrobora Guber (2011) ao dizer que o in-
vestigador social só pode conhecer outros mundos através de
sua própria exposição a eles. Em “Para uma Filosofia do Ato
Responsável” Bakhtin nos diz:
10 Tomamos como referência, também, os estudos de Minayo (2007,
p. 21), sobre a pesquisa qualitativa, a autora nos evidencia que o ser
humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que
faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida
e partilhada com os seus semelhantes.

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No lugar do outro, como se estivesse em meu próprio


lugar, encontro-me na mesma condição de falta de
sentido. Compreender um objeto significa compreen-
der meu dever em relação a ele (a orientação que pre-
ciso assumir em relação a ele), compreendê-lo em re-
lação a mim na singularidade do existir-evento: o que
pressupõe a minha participação responsável, e não a
minha abstração (2010, p. 66).

Este movimento corrobora com a proposta idealizada


por Thompson (2012) que nos diz em uma de suas passagens
escritas que é “preciso que estejamos abertos para ver novas
possibilidades de redesenho do mundo, de escrita de nossa
própria história, história das bases populares” (1996, p.23).
É interessante observar que tal sentido reaparece, em muitos
momentos em seus estudos, aos quais se recupera na discus-
são sobre classe, a história da classe trabalhadora, partindo da
perspectiva de que o que as pessoas comuns fazem é digno de
interesse e atenção (THOMPSON, 2000, p. 8).
Dorothy Thompson (2000) ainda nos chama atenção
para a dimensão fortemente política que há nesta atitude de
E.P. Thompson, a militância educacional que move toda a sua
trajetória, nos evidenciam que o reconhecimento e respeito
à experiência dos trabalhadores fortaleceram a concepção de
consciência de classe, dando sentido à sua própria organização,
como podemos evidenciar na seguinte passagem:
A lógica envolvida em nossa posição era a de que
essas “dimensões ocultas” tinham que se fazer repre-
sentar no interior dos discursos da “política” e que as
pessoas comuns podiam e deviam se organizar, onde
estavam, em torno de experiências imediatas; come-
çar articular suas insatisfações em uma linguagem
existencial e a construir uma agitação a partir desse
ponto. (HALL,1989, p.20 apud MATTOS, 2012, p.34)

Os estudantes jovens e adultos trabalhadores, inse-


ridos nesta perspectiva, nos reapresentam a história da classe
trabalhadora, sendo assim, na inserção de nosso trabalho de

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campo, a escolha dos estudantes participantes foi exercida pela


própria identidade por meio da participação nas ações 11desen-
volvidas pelo Projeto de Pesquisa e Extensão, desenvolvidas no
Colégio Municipal Presidente Castello Branco/RJ.
Posto isto, destacamos em nosso percurso metodo-
lógico, uma atividade de ensino, desenvolvida com os alunos
que repercutiram na produção de conhecimento junto aos es-
tudantes e professores da EJA. Acompanhamos o lançamento
do “Jornal da EJA”, que foi realizado no espaço escolar, com
a presença da coordenadora do projeto, professores, alunos e
comunidade, registrados através de fotos e filmagem.
Para a divulgação do material desenvolvido e como
forma de dialogar com as perspectivas que estão sendo apro-
fundadas, analisamos a parte dos “Classificados” do jornal, sen-
do estas compostas por escritas mobilizadas pelas experiências
de jovens e adultos trabalhadores que inserido no contexto de
produção de sentidos e aprendizagens em contexto escolar, es-
ses trabalhos tornaram-se um rico material enunciativo.
Os classificados do jornal como um gênero discursivo
trazem efeitos de sentidos produzidos pelas leituras dos textos
e ao se tratar de um jornal produzido pelos alunos adultos tra-
balhadores, este material nos forneceu pistas das suas relações
com o mundo do trabalho. Bakhtin (2014, p.152) nos mostra
que toda transmissão, particularmente sob forma escrita, tem
a sua finalidade e acaba por reforçar a influência das forças so-
ciais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso. Des-
ta forma, essas escritas mobilizam nossa compreensão.
Tem um compromisso e não tem com quem deixar
seus filhos? Tomo conta pra você. Sou criativa e com
certeza seus filhos ficarão em boas mãos. Estudante
EJA, Cristina Pereira, Turma 530
11 O presente projeto desenvolve diferentes ações buscando constituir
espaços de memória, políticas públicas e educação junto a estudan-
tes e professores da escola básica em um permanente diálogo com a
cidade de São Gonçalo/RJ.

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Bolsas em tecidos, toalhas à moda praia. Aceito en-


comendas, venha conhecer nosso serviço. Estou es-
perando você. Venha já! (Estudante EJA. Maria José.
Turma 230)

Através dessas estudantes e trabalhadoras, podemos


observar através dos seus “modos de fazer” que os anúncios
são tecidos pelas suas experiências de vida, com ofertas de ser-
viços, principalmente, oficineiros e manuais, daqueles que se
aprendem no cotidiano um com os outros. Tais compreensões
nos coloca em contato com Freire (2011, p. 56) que nos mostra
que a compreensão do processo do trabalho, do ato produtivo
em sua complexidade, da maneira como se organiza e desen-
volve a produção, entre outras considerações, cumpre o seu pa-
pel tanto ao processo de libertação quanto ao da reconstrução
nacional, pois diante da compreensão da realidade, estimula-se
nesses estudantes a sua posição curiosa e capacidade crítica.
Duas atividades. Ofereço serviço de cuidadora e aju-
dante de cozinha. Qualquer que seja sua escolha, eu
dou meu melhor em ambas. Estudante EJA, Sheila.
Turma: 530

Vai fazer faxina? Está precisando passar suas roupas?


É só me procurar [...] seus problemas acabaram, Jami-
le chegou! Sou balconista e faço serviços gerais. (Estu-
dante EJA, Jamile. Turma: 530)

No movimento capitalista em que o desemprego é


providencial, mulheres como essas, nos mostram movimentos
de resistências, ao oferecer serviços de faxina, balconista, ser-
viços gerais, se reinventa ao meio da escassez de oportunida-
des e empregos, e com muita criatividade ainda diz no final:
“seus problemas acabaram, Jamille chegou!”. Neste movimento
dialógico em que a experiência percorre caminhos, sem a exi-
gência que estejamos prontos antes de percorrê-los, aceitando
a ação como uma aposta (GERALDI,2015, p.45), observamos
que a palavra experiência comporta novos sentidos, sem deter-
minismos ou certezas.

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Para a consciência dos indivíduos que fazem parte de


uma mesma comunidade linguística, as palavras jamais são ou
se apresentam como signos contidos em formas normativas.
Na realidade, comenta Bakhtin,
Não são palavras que pronunciamos ou escutamos,
mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, im-
portantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc.
A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou
de um sentido ideológico ou vivencial (1992, p. 95).

Logo, será através dos diálogos vívidos, vividos ou


imaginados que os sentidos refletem e se confrontam no e du-
rante o percurso das amplas temporalidades contextuais. Nes-
tes diálogos, não apenas estão presentes as vozes das pessoas
que imediatamente deles participam, mas as vozes distantes
que transitam no presente da interação verbal, dando-lhes e/
ou confrontando-lhes sentidos.
Problematizar o mundo a partir dos seus contextos
de vida foi um dos legados que a obra de Freire nos deixou,
em seus pensamentos pela perspectiva antropológica cultural a
experiência aparece entrelaçada à realidade dos alunos, envol-
vidos na questão da humanização no processo de produção de
conhecimento:
A experiência histórica, política, cultural e social dos
homens e das mulheres jamais podem se dar “virgem”
do conflito entre as forças que obstaculizam a busca da
assunção de si por parte dos indivíduos, dos grupos e
das forças que trabalham em favor daquela assunção
[...] A assunção do sujeito é incompatível com o treina-
mento pragmático dos que se pensam donos da verda-
de e do saber articulado. (FREIRE, 1996, p.19)

Ao considerar o estudante adulto trabalhador como


um ser social e histórico, atuante nas relações sociais e políti-
cas, sendo reconhecidos como sujeitos potencialmente ativos
nos processos de aprendizagem, refletimos sobre a experiência
em sua matriz política o que implica refleti-la em uma esfe-

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ra crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e


na qual o homem assume uma posição epistemológica (Idem,
2001, p. 30). Neste sentido, essas reflexões acabam por ampliar
a análise entre as relações de produção e consciência de classe,
superando a ideia de abordagem marxista, em que privilegia-
ram as análises sob o viés econômico, como determinantes do
ser e da consciência social.
Conclusões Provisórias
Imersos nas leituras produzidas no campo da Educa-
ção e da temática dos jovens e adultos, compreendemos respon-
sivamente (BAKHTIN, 2000), as palavras pronunciadas pelo
educador Paulo Freire, em que a educação só pode ser entendida
como um ato político e social, sendo impossível desassociá-las.
Principalmente, pelos diálogos que foram se constituindo ao
longo do estudo, através dos pensamentos de teóricos críticos e
combativos, frente às questões que atravessam a sociedade bra-
sileira evidenciando por meio da sua historicidade as formas de
produção e reprodução das desigualdades sociais.
Durante o percurso da pesquisa, envolvidas num mo-
vimento polifônico, nos arriscamos de forma consciente, traba-
lhar a noção de experiência, dialogando com os autores Paulo
Freire, E. P. Thompson e Walter Benjamin, reconhecidos pelo
compromisso de resgatar a identidade da classe trabalhadora,
oprimida e subalternizada pela expansão do capitalismo. Nesse
contexto, esses diálogos têm nos permitido ampliar os sentidos
dados à experiência, pois estando inserida na perspectiva dos
estudos das culturas da sociedade, nos possibilita compreendê-
-la em um movimento de ação, capaz de intervir, reparar, bem
como, sofrer intervenção das injustiças sociais.
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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM


FORMAR PARA A ALÉM DOS TEMPOS

MACHADO, Maria Elisabete 1


SOUZA, Micheli da Silveira2
FONTELLA, Caren Rejane de Freitas3
Introdução
Este trabalho é uma reflexão realizada a partir de um
estudo documental que analisa a formação do educador e o
processo de juvenilização desse novo sujeito da EJA. É sabido
que como modalidade a EJA ao longo dos tempos vem sofren-
do com as mudanças no cenário educacional, por isso merece
destacar que a formação do educador para trabalhar com esse
novo perfil de aluno requer estar em sincronia com o tempo
passado e presente.
Sabemos, assim como Tiepolo (2009) que a educação
de Jovens e Adultos se complexificou muito desde o século em
que Machado de Assis escrevia. Afinal, se no século XIX os
leitores tinham acesso a alguns gêneros textuais, hoje convi-
vemos com a multiplicidade de gêneros textuais, o que exige
um conjunto maior de estratégias de leituras que possibilitem
1 Professora e doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: mmelisabete@
yahoo.com.br
2 Professora da rede estadual (RS) e municipal (Viamão/RS) graduada
em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS). E-mail: micheli.souza@acad.pucrs.br
3 Professora e doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: caren.fontella@
gmail.com

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a interação com os textos socialmente produzidos na contem-


poraneidade.
Gosto dos algarismos, porque não são de meias medi-
das nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu
nome, às vezes um nome feio, mas não havendo ou-
tro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos.
As letras fizeram-se para frases; o algarismo não tem
frases nem retórica. Quando uma Constituição livre
pôs nas mãos de um povo seu destino, força é que este
povo caminhe para o futuro com as bandeiras do pro-
gresso desfraldadas. A soberania nacional reside nas
Câmaras; as Câmaras são a representação nacional.
A opinião pública deste país é o magistrado último,
o supremo tribunal dos homens e das coisas. Peço à
nação que decida entre mim e o Sr. Fidélis Teles de
Meireles Queles; ela possui nas mãos o direito a todos
a todos os direitos. A isto responderá o algarismo com
maior simplicidade: A nação não sabe ler. Há só 30%
dos indivíduos residentes neste país que podem ler;
desses 9% não lêem letra de mão. 70% jazem em pro-
funda ignorância. Não saber ler é ignorar o Sr. Meire-
les Queles; é não saber o que ele vale, o que ele pensa,
o que ele quer; nem se realmente pode querer ou pen-
sar. 70% dos cidadãos votam como vão à festa da Pe-
nha-por divertimento. A Constituição é para eles uma
coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para
tudo: uma revolução ou um golpe de Estado. (TIEPO-
LO 2009 apud ASSIS, 2003, p.116-117).

O trecho do escritor Machado de Assis, que Tiepolo


(2009) apresenta faz referência a crônica do autor escrita em
1876. Nesse sentido a autora nos permite anunciar o tema EJA
na contemporaneidade, com base nos dados do Plano Nacio-
nal por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE de 2013, o qual
revela que, da população com 15 anos ou mais, 13,9 milhões
são considerados analfabetos. Desse total, na divisão por faixa
etária, entre os jovens de 15 a 17 anos, o índice é de 2,2%, e
entre aqueles com idade entre 25 a 29 anos, 4% são analfabetos.
O Brasil tem o maior índice de jovens que não estão
estudando, em comparação com os países da Organização para

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a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e par-


ceiros, diz o relatório Education at a Glance 2015: Panorama
da Educação, lançado mundialmente hoje (24). Os dados mos-
tram que no Brasil 76% dos jovens entre 20 e 24 anos estão
longe dos estudos, enquanto a média dos demais países é 54%.
A pesquisa mostrou que 59. 5%%. Dos jovens entre
18 e 24 anos que deveriam estar cursando ainda cursando o
Ensino Superior ainda estão cursando o Ensino Fundamental e
Médio e que atualmente, 14,6% dessa faixa etária estão no En-
sino Superior. Merece destacar que embora os avanços em rela-
ção à alfabetização de jovens e adultos o Brasil precisa avançar
para diminuir as taxas de analfabetismo e avançar na inserção
desse jovem ao Ensino Superior.
Tiepolo (2009) ainda nos chama atenção sobre o anal-
fabetismo, ao falar que é preciso pensar nesse jovem que lhe foi
tirado o direito de aprender, pois 70% da população brasileira
que passou pela escola (pública ou privada), os 8% ainda não
sabiam ler nem escrever, ou seja, eram segundo a autora, anal-
fabetos. Faz-se necessário criar as condições para o processo de
leiturização4 desses sujeitos, que já passaram pela escola. Nas
palavras da autora “Não há como pensar a contemporaneidade
sem pensá-la como uma sociedade letrada. E não saber ler (de
fato) em uma sociedade letrada é ser cidadão discriminado e
excluído. ” (TIEPOLO 2009, p. 280).
O trabalho foi organizado em três momentos. O pri-
meiro está relacionado às políticas e práticas de formação do
educador da EJA na perspectiva da Educação Popular um diá-
logo tecido entre o olhar de Margarida Machado e de Paulo
Freire. No segundo momento tecemos o diálogo em torno da
história da EJA no Brasil e do perfil do educando da EJA em
4 O conceito de leiturização para a autora está pautado no enten-
dimento do francês Jean Foucambert (1989,p.17) segundo ela se
aprende ler em qualquer idade da vida e continua-se sempre apren-
dendo. [...] A ideia da desescolarização da leitura é, pois, de forma-
ção permanente do leitor, a ser assumida por todas as instancias
educativas.

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tempos atuais. O terceiro momento está relacionado à reflexão


tecida a partir da análise feita sobre o GT 18 no ano de 2014
sobre os artigos encontrados.
Políticas e Práticas de Formação do Educador de Jovens
e Adultos: Um Olhar a Partir de Paulo Freire e Maria
Margarida Machado
Paulo Freire (1997) ao contextualizar em seu livro a
importância do ato de ler, nos permite compreender que ler
e escrever se constitui como uma possibilidade de mulheres e
homens compreenderem criticamente o sentido e significado
do “Dizer a sua palavra” um aprender pautado na humaniza-
ção que envolve a ação, reflexão e porque não dizer, a emoção.
Aprender a dizer a sua palavra, um ato verdadeiro que nos li-
berta para melhor compreender-se no mundo, pois criamos,
recriamos, optamos e nos reinventados, a partir da construção
do conhecimento. Daí que aprender a ler e a escrever se cons-
titui como um processo que vai além de decodificação, ler e
escrever para o autor é a possibilidade de gostosamente se reler,
de se redescobrir a palavra mundo. Machado reverbera quan-
do afirma que a formação de professores no Brasil, tem forte
influência das chamadas escolas normais, que foram o lócus
da formação de professores até o período da Reforma Univer-
sitária de 1968, quando da criação das faculdades de educação.
O resultado das reformas da ditadura militar foi a convivência
entre um 2º grau técnico em magistério, que prepararia os pro-
fessores para os anos iniciais do 1º grau, e as licenciaturas curta
e plena, nas universidades, que titulariam os professores das
diversas disciplinas de 5ª a 8ª séries do 1º grau e os professores
das diversas disciplinas do 2º grau. Esse modelo de formação
de professores que vigorou até a LDB/96, em seu formato pa-
drão, não previa formação específica para atender os alunos
jovens e adultos.
Segundo Machado (2008) foi no final de 1980, quan-
do então as faculdades decidiram dialogar sobre a atuação do

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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pedagogo e de sua habilitação profissional. Nas palavras da


autora “deveriam ser habilitados prioritariamente como pro-
fessores, podendo atuar na gestão pública da educação em di-
versos campos, como diretor, coordenador, supervisor, mas de
que sua matriz de formação era de fato o magistério dos anos
iniciais do 1º grau.” (MACHADO, 2008, p. 164). A partir dessa
compreensão, alguns cursos de pedagogia, pelo país, passam a
ter ênfases específicas em sua habilitação.
Dessa experiência, segundo Soares (2008), resultam
os cursos de pedagogia, com ênfase ou habilitação em EJA, em-
bora um quantitativo modesto de cursos, mas o que já sinali-
zava para a necessidade de se introduzir as discussões do cam-
po da EJA nas licenciaturas. O que vai ocorrer com as novas
diretrizes curriculares do curso de pedagogia, aprovadas em
2006, é um reforço na perspectiva do pedagogo como sendo o
profissional para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental para crianças, adolescentes, jovens e
adultos. Machado (2008), afirma que a maioria dos cursos de
formação de professores ainda está preparando esse profissio-
nal para trabalhar com o aluno ideal, que esse profissional pre-
cisa ser preparado para trabalhar com o aluno irreal, e que a
formação do professor precisa estar contextualizada com a rea-
lidade concreta da escola. Para isso, há que se repensar o cur-
rículo dos cursos de licenciatura, para que a formação inicial
trate dessa modalidade de ensino (MACHADO, 2008, p.29).
Atualmente o perfil do aluno da EJA não refere-se
apenas a adultos com mais idade, que demandam de um tem-
po maior para determinadas ações de alfabetização, há um
descompasso entre a formação do professor e a realidade dos
alunos hoje na (EJA). Os jovens que hoje frequentam essa mo-
dalidade de ensino trabalham em tempo integral e cursam sua
formação no turno da noite, portanto seu ritmo de aprendi-
zagem é outro, e é imprescindível que o professor entenda o
conflito geracional entre os jovens e adultos que frequentam
o mesmo espaço de ensino. A autora nos dá pistas para pen-

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sar a formação como um ensino integrado, tanto no ensino do


conteúdo, quanto na forma como o professor, a escola, a coor-
denação da escola e a gestão escolar podem ousar na proposi-
ção de atendimento diferenciado, que modifique a dinâmica
da escola, seja com alternativas de matrícula aberta, avanços
progressivos, organização curricular de base paritária, tempo
presencial e atividades complementares que envolvam o aluno
nessa integração.
Outro ponto no qual MACHADO chama a atenção
é que o desafio, sem dúvida, não é apenas com os professo-
res que estão ingressando na formação inicial, na graduação.
Existe hoje um grande número de profissionais que atuam na
EJA, nas redes públicas de ensino já com formação superior. A
esses profissionais sem dúvidas se destinam as estratégias de
formação continuada, seja em nível de aperfeiçoamento, seja
na perspectiva da pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Em
sua pesquisa Machado (2008, p. 31) afirma com base no Censo
Escolar de 2006 que:
75% desses professores possuem formação em ní-
vel superior, 24,3% possuem nível médio e apenas
0,7% só possuem ensino fundamental. Do total de
2.143.430 funções docentes da educação básica, as
funções docentes na EJA representam apenas 13%.
Há, sem dúvida, muitos jovens e adultos que não es-
tão nas classes de EJA, nem em lugar algum da escola.
Isso, por si só, sinaliza a necessidade de mais profes-
sores serem contratados.

Para a autora a formação de professores na EJA tem


duas perspectivas de avanços que estão relacionadas a dois mo-
vimentos, sendo o primeiro movimento relacionado aos órgãos
oficiais de governo, com a presença importante do órgão nor-
mativo nacional em educação: o Conselho Nacional de Educa-
ção (CNE) que, através da Câmara de Educação Básica, fixou,
em 2000, as diretrizes, curriculares para a EJA. E outro, que
advém da sociedade civil organizada em defesa da EJA, com
destaque para a participação dos fóruns de EJA e do Grupo

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de Trabalho de Educação de Jovens e Adultos, da Associação


Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).
O primeiro, que resultou nas diretrizes curriculares
para EJA, teve início por demanda de vários conselhos esta-
duais de educação, que consultavam o CNE sobre a forma cor-
reta de interpretar os artigos 37 e 38 da LDB (BRASIL, 1996),
que tratam da educação de jovens e adultos. À solicitação, o
CNE decidiu estabelecer consulta pública através de audiências
para ouvir pesquisadores, responsáveis pelos sistemas públicos
de ensino, organizações da sociedade civil, que atuavam em
EJA, para elaborar diretrizes a partir do debate. Tal processo
foi coordenado pelo conselheiro e professor Carlos Roberto Ja-
mil Cury, que elaborou o Parecer e a Minuta de Resolução das
Diretrizes Curriculares para EJA. Entre os aspectos relevantes
que o Parecer CNE/CEB nº 11/2000 destaca está a necessidade
da formação de professores para EJA: Nas palavras da autora:
Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de
um docente voltado para a EJA deve incluir, além das
exigências formativas para todo e qualquer professor,
aquelas relativas à complexidade diferencial desta
modalidade de ensino. Assim, esse profissional do
magistério deve estar preparado para interagir empa-
ticamente com esta parcela de estudantes e estabelecer
o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado
ou motivado apenas pela boa vontade ou por um vo-
luntariado idealista e sim um docente que se nutra do
geral e também das especificidades que a habilitação
como formação sistemática requer (BRASIL, 2000a, p.
56). A preocupação em caracterizar a prática do pro-
fessor de EJA como ação dialógica repõe uma reflexão
já antiga em nosso campo, trazida pelo educador Pau-
lo Freire, nas diversas obras por ele publicadas desde
a década de 1960. Os diversos movimentos populares
de educação e cultura da década de 1960 e o trabalho
de Paulo Freire traziam, em seus princípios, a con-
cepção de educação emancipatória e a perspectiva do
educador como agente político na sociedade, o que é
retomado pelo Parecer CNE/CEB nº 11/2000, no seu
atendimento ao público jovem e adulto trabalhador:

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Vê-se, pois, a exigência de uma formação específica


para a EJA, a fim de que se resguarde o sentido pri-
meiro do termo adequação (reiterado neste inciso)
como um colocar-se em consonância com os termos
de uma relação. No caso, trata-se de uma formação
em vista de uma relação pedagógica com sujeitos, tra-
balhadores ou não, com marcadas experiências vitais
que não podem ser ignoradas. E esta adequação tem
como finalidade dado o acesso à EJA, a permanência
na escola via ensino com conteúdos trabalhados de
modo diferenciado com métodos e tempos intencio-
nados ao perfil deste estudante. Também o tratamen-
to didático dos conteúdos e das práticas não pode se
ausentar nem da especificidade da EJA e nem do cará-
ter multidisciplinar e interdisciplinar dos componen-
tes curriculares (BRASIL, 2000a, p. 58).

O Perfil do Estudante da Educação de Jovens e Adultos no


Brasil
A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil
está diretamente ligada a Paulo Freire. O Sistema Paulo Frei-
re, desenvolvido no início dos anos sessenta, teve sua primei-
ra aplicação na cidade de Poço de Panela/Recife, mas ganhou
destaque na experiência realizada em Angicos/RN. E, com o
sucesso da experiência, passou a ser conhecido em todo País,
sendo praticado por diversos grupos de cultura popular.
A educação de Jovens e Adultos no Brasil passa a ga-
nhar o seu lugar na história a partir da década de 30, a partir
da constituição de 1934, que estabeleceu a criação de um Plano
Nacional de Educação, que indicava pela primeira vez a edu-
cação de adultos como dever do Estado e ganha seu espaço
no governo de Inácio Lula da Silva, que trouxe a esperança de
que a Educação de Jovens e Adultos pudesse ser valorizada,
tratada de forma adequada e com a urgência necessária. Foram
desenvolvidas diversas iniciativas na área, tais como, o Progra-
ma Brasil Alfabetizado (PBA), o Programa Nacional de Inclu-
são de Jovens (ProJovem), a criação da Secretaria de Educação

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Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) ligada ao


Ministério da Educação (MEC), e o Programa de Integração da
Educação Profissional ao Ensino Médio para Jovens e Adultos
(PROEJA) voltado à educação profissional técnica em nível de
ensino médio.
O perfil do estudante de EJA no Brasil configura-se
principalmente por trabalhadores, desempregados, dona de
casa, jovens, idosos, portadores de deficiências especiais, que
buscam na educação de jovens e adultos uma via para concluí-
rem seus estudos.
A educação de jovens e adultos é toda educação des-
tinada àqueles que não tiveram oportunidades educa-
cionais em idade própria ou que a tiveram de forma
insuficiente, não conseguindo alfabetizar-se e obter os
conhecimentos básicos necessários (PAIVA, 1973, p.
16).

Pessoas que realizam diversos sacrifícios, acumulan-


do responsabilidades profissionais e domésticas ou reduzindo
seu pouco tempo de lazer, estes estudantes frequentam os cur-
sos noturnos, na expectativa de melhorar suas condições de
vida. A maioria nutre a esperança de continuar seus estudos, e
ter acesso a outros níveis de ensino e habilitações profissionais,
além é claro de conseguir um emprego melhor. Existem pais e
mães que voltam a estudar na esperança de ajudar seus filhos
na escola.
Desde os que não sabem ler e escrever que querem
ser alfabetizados e os que já possuem essas habilida-
des, mas desejam adquirir o diploma. Procuram es-
ses, saberes para se sentirem mais cidadãos e parti-
cipativo na comunidade. Portanto o conceito de EJA
é voltado para as características e especificidades dos
sujeitos aos quais ela se destina. Dentre os educandos
encontram-se: homens e mulheres, trabalhadores(as)
empregados(as) e desempregados(as) ou em busca do
primeiro emprego; filhos, pais e mães; moradores ur-
banos de periferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais
e culturais, marginalizados nas esferas socioeconômi-

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cas e educacionais, privados do acesso à cultura letra-


da e aos bens culturais e sociais, comprometendo uma
participação mais ativa no mundo do trabalho, da po-
lítica e da cultura. Vivem em um mundo urbano, in-
dustrializado, burocratizado e escolarizado, em geral
trabalhando em ocupações não qualificadas. Trazem
a marca da exclusão social, mas são sujeitos do tempo
presente e do tempo futuro, formados pelas memó-
rias que os constituem enquanto seres temporais. São,
ainda, excluídos do sistema de ensino, e apresentam
em geral um tempo maior de escolaridade devido a
repetências acumuladas e interrupções na vida es-
colar. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram
que se afastar, quando crianças, em função da entrada
precoce no mercado de trabalho, ou mesmo por fal-
ta de escolas. Jovens e adultos que quando retornam
à escola o fazem guiados pelo desejo de melhorar de
vida ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho.
São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam
concretamente da garantia de sobrevivência do grupo
familiar ao qual pertencem. (GUEDES, 2009)

A fim de compreender o perfil do aluno da Educa-


ção de Jovens e Adultos (EJA), é necessário conhecer sua his-
tória, sua cultura, seus costumes e também é preciso entender
que o mesmo passou por diferentes experiências de vida e que
em algum momento precisou se afastar da escola por motivos
sociais, econômicos, políticos e/ou sociais (SECRETARIA DE
ESTADO DA EDUCAÇÃO, 2006).
No contexto atual a EJA vem apresentando um pro-
cesso de juvenilização, onde o número de jovens representa
mais da metade de alunos matriculados. Este panorama se tor-
na um desafio para gestores e educadores que precisam aten-
der as diferentes necessidades e características de um grupo
tão heterogêneo. Este não é um desafio novo enfrentado pela
EJA, mas tem apresentado um caráter desafiador pela diferença
no número de jovens matriculados comparado ao número de
adultos e idosos. Segundo Conceição (2014) este processo de
juvenilização da EJA implica na convivência entre adolescen-

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tes, adultos e idosos no espaço escolar: são os chamados gru-


pos intergeracionais. Nas palavras de Marquês (2009).
Por intergeracionalidade entendemos as relações que
se estabelecem entre pessoas com diferentes contex-
tos históricos vividos que determinam diferentes ex-
pectativas e concepções de futuro. Assim sendo, os
elementos participantes nestas relações são confron-
tados com sistemas de valores, avanços tecnológicos,
interesses e experiências divergentes, tornando a rela-
ção em si uma socialização recíproca. (p.7)

Estado do Conhecimento
Dos vinte e três (23) artigos analisados, dez (10) tra-
tavam diretamente sobre a formação do educador da EJA, oito
(8) relacionavam-se com a história da EJA e EP, três (3) esta-
vam relacionados com analfabetismo e dois (2) estavam rela-
cionados com a inserção, cada vez mais cedo, do jovem na EJA.
Nos artigos analisados sobre o GT (18) Educação de
Jovens e adultos, foi possível identificar que os artigos refe-
rem-se em sua maioria a diferença geracional; a heterogenei-
dade do grupo tanto de quem ensina, quanto de quem aprende;
a importância de valorizar os saberes docentes e discentes; a
grande rotatividade dos educadores dessa modalidade; estabe-
lecer relação teoria-prática e a compreensão de que esses su-
jeitos possuem um conhecimento prévio; a relação educador
– educando pautada na dialética ação- reflexão- ação; emoção;
a compreensão de que a educação de jovens e adultos constitui-
-se como uma educação ao longo da vida.
Assim, é possível compreender com base nos artigos
analisados que nessa modalidade de ensino, a importância do
educador conhecer os sujeitos que compõem esse grupo, é pre-
ciso que o educador busque conhecer o perfil dos estudantes de
EJA. Como aponta em seu artigo a autora Ana Cláudia Ferrei-
ra Godinho (2014) nos indica “o predomínio de mulheres nas
turmas de EJA pode ser considerado um fenômeno de femini-

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zação da escola de EJA, em analogia ao processo de feminiza-


ção no mundo do trabalho” (p.12):
Na tentativa de obter a qualificação profissional ne-
cessária para alcançar ocupações com melhores con-
dições de trabalho e remuneração, muitas mulheres
vêm buscando retomar suas trajetórias escolares, in-
terrompidas na infância ou na adolescência. Diante
da ausência de lutas coletivas ou de políticas públicas
específicas para as mulheres no que diz respeito à ga-
rantia do direito ao trabalho, elas buscam individual-
mente criar suas saídas para acessar direitos básicos,
como trabalho e educação. Quando elas percebem
que o seu direito ao trabalho é apenas parcialmente
garantido, ao acessarem somente trabalhos precariza-
dos, com o argumento de que elas não têm a qualifi-
cação necessária, a saída que buscam é a qualificação
profissional – integrada à elevação de escolaridade, no
caso do PROEJA. (GODINHO, 2014)

Faz-se relevante garantir o espaço para que essas mu-


lheres possam exercer o direito do uso da palavra e para que
tenham o direito de serem escutadas. Sua experiência profis-
sional deve ser valorizada, sendo ela formal ou informal.
Merece destaque o Programa Nacional de Integração
da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalida-
de de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) que nos últimos
anos vem se apresentando como uma política pública unindo
a modalidade de ensino EJA e a educação profissionalizante.
Outra característica importante do Proeja está rela-
cionada ao fato de que foi pensado lidar com as de-
mandas do público jovem, embora não possa se furtar
de atender ao público mais velho. Ao traçar um diag-
nóstico da realidade educacional brasileira no cam-
po da EJA, o Documento do MEC destaca a grande
presença de jovens nesta modalidade de ensino. Tais
jovens voltariam à escola acreditando que a baixa es-
colaridade é a responsável pelo seu desemprego. O
Programa se coloca como uma possibilidade para es-
ses sujeitos (BAPTISTA E JULIÃO, 2014).

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Todos esses elementos tecem a complexidade e a be-


leza do trabalho com a Educação de Jovens e Adultos e com a
Educação Popular, e juntos possibilitam a construção da iden-
tidade docente. No seu artigo Moura (2014) aponta a “impor-
tância da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão para a
formação do pedagogo que irá atuar na EJA e para a necessida-
de de que as discussões do estágio estejam permeando todo o
curso e não só algumas disciplinas”. A aproximação entre teo-
ria e prática permite que o graduando se forme ao formar e
aprenda ao ensinar.
Essa aproximação é fundamental, pois possibilita que
os graduandos vejam os alunos da EJA, como sujeitos
culturais que construíram ao longo de sua trajetória
de vida, o que Paulo Freire (1992) denomina de saber
de experiência feito. Além disso, possibilita também
que vivenciem ações docentes sobre as quais podem
refletir criticamente e projetar práticas próximas,
distantes ou radicalmente distantes no futuro. A ar-
ticulação entre os diferentes saberes construídos não
somente no processo de formação inicial, mas mobi-
lizado por este, é peça fundamental no processo de
construção da identidade docente e, nesse processo a
disciplina de Prática de Ensino e o Estágio Supervisio-
nado e a Extensão Universitária ocupam lugar privile-
giado. (MOURA, 2014)

Metodologia 
O estudo em questão foi realizado através do estado
do conhecimento feito ao banco de dados do ano de 2014 da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educa-
ção (ANPEd), referente aos artigos publicados no Grupo de
Trabalho 18, que trata da Educação de Jovens e Adultos.
O presente trabalho segue a abordagem qualitativa,
que se enquadra com o propósito de nosso estudo que é desen-
volver reflexões sobre a formação do profissional que deseja
trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) oriun-

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dos da classe popular, assim como tecer um diálogo em torno


dessas duas modalidades. Como forma de obtenção dos dados
usamos a pesquisa documental, que visa o exame de materiais
de natureza diversa e que ainda não receberam tratamento
analítico, ou que podem ser reexaminados por meio de inter-
pretações complementares.
Foram analisados 23 (vinte e três) artigos e destes, 10
(dez) referiam-se diretamente à formação do educador da EJA,
8 (oito) estavam relacionados à história da EJA e EP, 3 (três)
estavam relacionados com analfabetismo e 2 (dois) relaciona-
vam-se com a juvenilização na EJA.
Considerações Finais
Sintetizando o que expusemos até aqui, podemos
concluir que é premente uma política educacional que vise à
formação do educador para atuar na Educação de Jovens, e que
as universidades, responsáveis pela formação do educador nos
cursos de Licenciatura, criem espaço esta modalidade de ensi-
no no currículo.
O educador cuja base formativa advém da classe po-
pular assume desde cedo um compromisso ético-político-edu-
cacional com justiça social, cidadania e não apenas com um
tempo e espaço escolar. Nas palavras de Tiepolo (2009) “Para
os educadores populares, os programas de alfabetização têm
começo, mas não estão presos a uma data-limite, pois o alfabe-
tizar e formar compõe um projeto de sociedade”.
A partir do estado do conhecimento realizado no
banco de dados da ANPED (GT18) é possível perceber que
dos artigos selecionados vinte e três (23) artigos e destes, dez
(10) referiam-se diretamente à formação do educador da EJA,
oito (8) estavam relacionados à história da EJA e EP, três (3)
estavam relacionados com analfabetismo e dois (2) relaciona-
vam-se com a juvenilização na EJA. Outra peculiaridade do
estado do conhecimento sobre os artigos analisados, mostra
que a principal referencia desse conjunto de artigos é que Paulo

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Freire apresenta-se como a principal referência teórica – tanto


no que se refere às práticas pedagógicas, quanto à formação
de professores – em diálogo com outros autores. Contudo, em
algumas reflexões há uma dispersão de referenciais teóricos,
devido ao pouco conhecimento do que já foi produzido sobre
as temáticas abordadas.
Por fim, buscamos com esse trabalho, ampliar o diálo-
go em torno da educação de Jovens e Adultos, que hoje perpas-
sa a o processo de ensino-aprendizagem, está pautada em um
âmbito maior sobre a realidade econômica e social dos sujeitos
que fazem parte dessa modalidade, assim compreendemos que
a formação do educador da EJA deve ser uma formação pauta-
da na inteireza do ser.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

PROGRAMA MUNICIPAL DA PESSOA


ADULTA E DA PESSOA IDOSA – PROMEAPI:
PERSPECTIVAS DE SUCESSO ACADÊMICO
E SOCIAL

FERREIRA, Clelia Maia


MAQUINÉ, Ricardo Vieira
BEZERRA, Sonia Maria Saraiva
Introdução
O crescimento da população idosa é uma realidade em
nosso país, preocupante no cenário atual, pois exige necessida-
de de qualificação, pois muitos ainda continuam trabalhando,
alguns em atividades informais. Assim, segundo pesquisas do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013),
Estudos mostram que o número de pessoas idosas
cresce em ritmo maior do que o número de pessoas que nas-
cem acarretando um conjunto de situações que modificam a
estrutura de gastos dos países em uma série de áreas importan-
tes. No Brasil, o ritmo de crescimento da população idosa tem
sido sistemático e consistente. Segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios - PNAD 2012, o País contava com
uma população de cerca de 21 milhões de pessoas de 60 anos
ou mais de idade. Com uma taxa de fecundidade abaixo do
nível de reposição populacional, combinada ainda com outros
fatores, tais como os avanços da tecnologia, [...], atualmente o
grupo de idosos ocupa um espaço significativo na sociedade
brasileira. Em 2012 havia 19,6 idosos (60 anos ou mais) para
cada adulto em idade ativa (15 a 59 anos), razão que está esti-
mada a chegar a 63,2 em 2060, (BRASIL, 2013, p. 191).

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Nas questões envolvendo mercado de trabalho os  jo-


vens de 16 a 24 anos e os idosos de 60 anos ou mais de idade
apresentavam os maiores percentuais de trabalhadores na in-
formalidade, cujas taxas foram de 46,9% e 70,8%, respectiva-
mente, em 2012. Por isso a importância de desenvolver ações
educativas para esse público para que estejam mais qualifica-
dos para o mercado de trabalho e desenvolverem suas ativi-
dades na sociedade. Para atender essa demanda na Educação
escolar, Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem contribuin-
do de forma relevante, como é uma modalidade de ensino cuja
finalidade é garantir o direito à educação àqueles que não ti-
veram acesso a idade considerada certa por motivos diversos,
um direito estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional-LDBEN. 9.394/96. Outra característica pre-
dominante da EJA diz respeito à diversidade são pessoas de
diferentes idades, gêneros, raças e culturas. Dentre os sujeitos
que frequentam as salas de aula desta modalidade de ensino
encontram-se os adultos e idosos.
A presença desses sujeitos em espaços considera-
dos particularmente criados para crianças e jovens é cada vez
maior em parte essa crescente demanda de adultos e idosos
retornando as escolas pode ser oriunda da longevidade, ou
seja, as pessoas estão vivendo mais. Esse é um fenômeno que
provoca mudanças políticas, sociais e culturais e de direito. E
conforme descrito no Estatuto do Idoso (2003), é obrigação
do Estado à garantia da preservação da saúde, da liberdade,
do direito à vida, do respeito, da dignidade, da previdência e
assistência social, da habitação, do transporte, da educação e
do trabalho.
Nesse contexto de educação , a Secretaria Municipal
de Educação SEMED por meio da Gerência de Educação de
Jovens e Adultos elaborou e implementou o Programa Mu-
nicipal de Escolarização do Adulto e da Pessoa Idosa - PRO-
MEAPI no ano de 1999 objetivando elevar a escolarização de
adultos e idosos, nos anos iniciais ( alfabetização, 1º ao 5º ano)

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do Ensino Fundamental na cidade de Manaus, o que significa


um avanço nas ações e programas para EJA:
E avançar em uma nova concepção de EJA, significa
reconhecer o direito a uma escolarização para todas
as pessoas, independentemente de sua idade. Significa
reconhecer que não se pode privar parte da população
dos conteúdos e bens simbólicos acumulados histori-
camente e que são transmitidos pelos processos esco-
lares. Significa reconhecer que a garantia do direito
humano à educação passa pela elevação da escolari-
dade de toda a população (HADDAD, 2007, p. 15).

Esse Programa vem sendo desenvolvido em espaços


não formais em parcerias com a SEMED e instituições como
Igrejas; Centros de Convivência do Idoso; Fundações; Asso-
ciações de Bairros; Clube de Mães; Unidades Básicas de Saúde
UBS; Centros de Referências e Assistência Social – CRAS, en-
tre outras. O programa conta hoje com 23 turmas de alunos
divididos em 22 Instituições.
O Programa Municipal de Escolarização do Adulto e
da Pessoa Idosa - PROMEAPI está legalmente amparado na
Resolução n.07/CME/2011, no artigo 3º., alínea II, que define
a abrangência da Educação de Jovens e Adultos no município
de Manaus sendo: 1º. Segmento (anos iniciais) e 2º. Segmento
(anos finais) do Ensino Fundamental, nas escolas municipais;
Programas de Escolarização, que correspondem ao 1º. Seg-
mento do Ensino Fundamental, destinados a adultos e idosos:
1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental, nos Centro Muni-
cipal de Educação de Jovens e Adultos – CEMEJA.
Conhecendo o Promeapi: a EJA em espaços não formais
O programa é desenvolvido em espaços não formais
por meio de parcerias com a Secretaria Municipal de Educa-
ção, é realizado na modalidade de Educação de Jovens e adul-
tos e oferece o 1º. Segmento de EJA (1 ao 5º ano Ensino fun-
damental) em turmas multisseriadas, com atendimento na 1ª.

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Fase (Alfabetização/ 1º ano), 2ª. Fase (2º. e 3º. ano), 3ª fase (4


º. e 5º ano) e aulas diariamente com duração de quatro horas,
atendendo 800hs e 200 dias letivos ao ano, conforme Lei de
Diretrizes e Bases da Educação nacional – LDB. O Aluno que
já possui histórico escolar, é matriculado de acordo com a fase
em que parou de estudar e o aluno que nunca estudou é ma-
triculado na 1ª fase, faz um teste de reclassificação podendo ou
não avançar para a 2ª ou 3ª. Fase dentro do 1º. Segmento de
acordo com o seu nível de aprendizagem.
A proposta metodológica do Programa, aprovada
pelo Conselho Municipal de Educação, Resolução N. 008/
CME/2013, em 20.06.2013, organiza-se de forma modular que
permite ao aluno de acordo com o seu desempenho, avançar
e alcançar os objetivos propostos para cada módulo, podendo
concluir o curso Primeiro Segmento do Ensino Fundamental
num período de aproximadamente 03 anos, pelo motivo de
o Primeiro Segmento contemplar 03 fases sendo: 1ª. Fase (1º
ano); 2ª fase (2º e 3º ano); 3ª. Fase (4º. e 5º ano).
Os componentes curriculares, relativos às áreas de co-
nhecimentos e disciplinas obrigatórias no Ensino Fundamen-
tal atendem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
n. 9.394/96, artigo 26, em relação à base nacional comum e a
parte diversificada, bem como, ao proposto no Parecer CNE n.
11/2000 – CEB e nas Resoluções CNE/CEB n. 01/00, n. 03/10,
n. 04/10, n. 07/10 e Resolução CME/MAO n. 07/11.
Os conteúdos programáticos estão em consonân-
cia com a Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da
Educação de Jovens e Adultos, proposto pela Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
– SECADI do MEC e os Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCN’s. Sendo embasados na LDBEN n. 9.394/96 e organizados
por áreas de conhecimento, fases e habilidades corresponden-
tes.
A temática História e Cultura Afro-brasileira e Indí-
gena serão contempladas no âmbito de todo o currículo esco-

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lar, em especial nas áreas de Arte e História, conforme a Lei n.


11.645/08 e a Lei n. 10.639/03. Atendendo a Lei n. 11.769/08,
o conteúdo de música será trabalhado de forma interdiscipli-
nar, além de noções básicas de música e de cantos cívicos, os
alunos deverão ser estimulados a conhecer os ritmos, danças e
sons de instrumentos regionais e folclóricos.
A proposta Pedagógica propõe uma avaliação forma-
tiva, na medida em que defende que a prática avaliativa deva
ocorrer ao longo do processo educativo. Esse tipo de avaliação
tem como o foco o processo de aprendizagem, numa perspec-
tiva de interação e diálogo, colocando o aluno, e não apenas o
professor, como o responsável por seus avanços e necessida-
des. Neste sentido, a autoavaliação torna-se uma ferramenta
importante, capaz de propiciar maior responsabilidade aos
alunos a cerca de seu próprio processo de aprendizagem e de
construção da autonomia.
O processo avaliativo dentro do Programa é conce-
bido enquanto problematização, questionamento e reflexão
sobre a ação. Ele ocorre de maneira processual, prevalecen-
do sempre os aspectos qualitativos sobre os quantitativos. No
processo, ao avaliar a aprendizagem do aluno, o professor
também verifica a qualidade do seu trabalho, enquanto práti-
ca pedagógica.
A avaliação deverá ocorrer em vários momentos da
aprendizagem, ou seja, de forma contínua, a partir de debates,
observação do aluno, teste, trabalhos individuais e em grupos,
trabalhos de pesquisa e outros instrumentos que permitam
observar o progresso e as dificuldades dos alunos visando,
quando for o caso, uma intervenção pedagógica imediata (re-
cuperação paralela) para recuperar qualitativamente a apren-
dizagem do educando.
Os professores organizam os trabalhos realizados pe-
los alunos em portfólios que contemplam atividades diversifi-
cadas para todos os componentes curriculares, como: produ-
ção, leitura e interpretação textual, raciocínio lógico, recorte,

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colagem, grafite, dentre outros. Esse instrumento é mais um


suporte que tem por finalidade avaliar o processo de aprendi-
zagem percorrido pelo aluno ao longo dos módulos:
O portfólio é um procedimento de avaliação que per-
mite aos alunos participar da formulação dos objeti-
vos de sua aprendizagem e avaliar seu progresso. Eles
são, portanto, participantes ativos da avaliação, sele-
cionando as melhores amostras de seu trabalho em
conjunto com os professores.” (VILAS BOAS 2004,
p.38)

Para Fernandes (2008,p.19), avaliar “refere-se à refle-


xão sobre as informações obtidas com vista a planejar o futuro.
Portanto, medir não é avaliar, ainda que o medir faça parte do
processo de avaliação” . Para isso, a avalição da aprendizagem
deve ser carregada de intencionalidades para alcançar os obje-
tivos educacionais. Tal perspectiva parte do princípio de que
todas as pessoas são capazes de aprender, devendo-se respeitar
somente o ritmo de aprendizagem de cada um.
O registro do processo avaliativo é feito por meio de
ficha de Acompanhamento individual de Avaliação, sendo que
cada Módulo corresponde a um semestre, em razão das espe-
cificidades dos alunos, que necessitam de um período maior
para assimilação dos conteúdos; as avaliações obedecem a uma
escala de valores de 0,0 (zero) a 10,0(dez) pontos; cada mó-
dulo contém o registro de cinco avaliações para cada compo-
nente curricular; a Média de cada componente curricular será
a soma das cinco notas parciais, divididas por 05(cinco); será
promovido o aluno que alcançar a média igual ou superior a
5,0(cinco) em cada componente curricular.
Os alunos que não alcançarem a média mínima em
cada componente curricular serão submetidos à recuperação
paralela em cada módulo. Na recuperação paralela, o professor
trabalha os conteúdos nos quais os alunos tiveram dificuldades
de aprendizagem. Para obter a média final do módulo, o pro-
fessor soma a média obtida pelo aluno durante a recuperação

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e a média do módulo obtida anteriormente, em seguida divi-


de-se por dois.
O planejamento dos professores no PROMEAPI é ser
realizado a partir das temáticas geradoras relacionadas à pra-
tica da vida cotidiana dos alunos, da família, do trabalho e do
meio cultural em que estão inseridos, propiciando assim, uma
formação social e política.
[...] o cotidiano da sala de aula caracteriza-se como
fonte inesgotável de conhecimentos, e desta fonte que
deverão ser retirados os elementos teóricos que per-
mitam compreender e direcionar uma ação conscien-
te que procure superar as deficiências encontradas e
recuperar o real significado do papel do professor, no
sentido de apropriar-se de um “fazer” e de um “saber
fazer” adequados ao momento que vive a escola atual
(ALMEIDA, 1994, p. 39).

Os professores tem experiência em sala de aula e são


comprometidos com o programa, sabem valorizar as vivências
dos alunos e todo desenvolvimento da aprendizagem de cada
um em sala de aula, ´pois é um trabalho minucioso, o que mui-
tas vezes demonstra que os professores que assumem as turmas
são especiais, pois conhecem seus alunos nos aspectos cultu-
rais e culturais, oriundo de vários de diversos contextos sociais.
As aulas ocorrem nos turnos matutino, vespertino e
noturno, os professores lotados nas turmas são da rede muni-
cipal de ensino, acompanhados pela Gerência de Educação de
jovens e Adultos, que realiza assessoramento desde o inicio da
formação de turmas ate o final do ano letivo. A SEMED ofere-
ce o material pedagógico e didático para as turmas, cabendo a
Instituição parceira a manutenção do espaço escolar.
O Programa é a expressão de uma prática educativa
que compreende educação como estratégia básica para forma-
ção humana voltada para o saber pensar, refletir, criar, inovar,
construir conhecimentos e participar ativamente da vida so-
cial.

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Resultados e reflexões
Nessa perspectiva esse Programa desenvolve de for-
ma sistemática os conteúdos programáticos referentes à Alfa-
betização e 1º Segmento de EJA - Ensino Fundamental sendo
trabalhadas de forma interdisciplinar as questões de cidada-
nia, respeitando as vivências dos alunos e contexto social para
que os educandos possam exercer plenamente suas atividades
políticas, econômicas, culturais e sociais, considerando o co-
nhecimento prévio dos alunos adultos e idosos, experiências e
saberes construídos na informalidade ao longo da vida, valori-
zando a cultura popular, dando a possibilidade de ampliar seus
conhecimentos, uma educação que o conduza a educação para
a liberdade, ao contrário de uma educação bancária criada e
praticada para a dominação (FREIRE, 2006).
O PROMEAPI desde a sua implementação (16 anos)
vem contribuindo de forma significativa para o aumento do
índice de adultos e idosos alfabetizados no município de Ma-
naus, atendeu média de 9.358 alunos, alfabetizou 6.023 alunos
em 2015, certificou 7.600 adultos e idosos que concluíram o 1º
segmento de EJA (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental).
Os alunos do PROMEAPI sentem-se muito bem com
as atividades desenvolvidas, nos rendimentos é possível veri-
ficarmos assiduidade, pontualidade, e participação, conside-
ramos um trabalho relevante para EJA, em especial paro pú-
blico que se destina. Em relação aos docentes percebe-se que
são dedicados e procuram desenvolver metodologias de ensino
mais eficazes na busca de melhores desempenhos no processo
ensino aprendizagem. Por ser um programa direcionado para
adulto e idoso que estão excluídos dos sistemas de ensino e
que possuem idade superior a 34 anos, pressupõe que foram
pessoas que viveram para a família, trabalho e que morava em
lugares de difícil acesso, distante dos estudos. Nesse sentido
como o papel fundamental da escola e atender a essa clientela,
entende-se que existe a necessidade da escolar buscar cami-
nhos para a inserção desses alunos na escola e contribuir de

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forma significativa para o desenvolvimento da aprendizagem,


e, nessa perspectiva que os educadores que trabalham com EJA
não devem parar de sonhar. Pois sonhar não é apenas um ato
político necessário, mas também uma conotação da forma his-
tórico social de estar sendo de homens e mulheres (FREIRE,
2014, p.126).
Os alunos sentem-se motivados a partir do retor-
no às aulas, pois começam a sonhar novamente e enchendo-
-se de vida, muitas vezes é visto em seus olhos a vontade de
progredir e aprender, esquecendo as suas limitações físicas,
sem medir esforços. É a alegria de saber, de conhecer e poder
escolher criticamente as diversas possibilidades oferecidas pela
realidade (CARVALHO, 1996, p.15).
Os alunos caracterizam-se por sua heterogeneidade,
seja pela diferença de idade, nível de escolarização, ritmo de
aprendizagem, experiências e vivências profissionais. Esses
alunos veem na escola uma possibilidade de mudança em rela-
ção ao seu futuro profissional, seja em sua permanência ou in-
gresso no mercado de trabalho. Outros buscam o saber escola-
rizado visando sua mobilidade social, a melhoria da qualidade
de vida e a autoafirmação como sujeitos participativos dentro
da sociedade. Nesse sentido existem o Programa busca cola-
borar para ampliação dos conhecimentos dos alunos de forma
crítica, viabilizando a reflexão pela busca de seus direitos e me-
lhoria da qualidade de vida.
Considerações finais
O PROMEAPI é uma experiência exitosa para EJA
na cidade de Manaus, um Programa que tem oportunizado a
elevação da escolaridade elementar de centenas de adultos e
idosos que estão tendo acesso a uma educação de qualidade
baseada em uma concepção mais ampla em relação às particu-
laridades do educando da EJA, considerando em sua proposta
a heterogeneidade desse público, seus interesses, expectativas,
habilidades e experiências, a partir de um conceito de educação

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e aprendizagem que acontece ao longo da vida e não em uma


determinada idade que foi estabelecida para iniciar ou finalizar
seu processo educativo, colaborando na vida social ativa dos
educandos como cidadão ativos e participativos na sociedade.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NAS


MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

LEITE, Norma Raissa Macedo1


SANTOS, Carla Regina da Silva2
Introdução
Todos os indivíduos são portadores de direitos e de-
veres, porém não somos educados para entender esses direitos,
suas práticas, seus fundamentos e ainda para garantir a efeti-
vação, tanto para nós mesmos, quanto para garantir o direito
do outro.
O presente artigo tem por objetivo, além de enten-
der como se dá o processo socioeducativo no que diz respeito
a garantia de direitos desses jovens e adolescentes, fazer uma
discussão acerca do que é Direitos Humanos, do que é Educar
em Direitos Humanos, a maneira como pode, de forma mais
específica, contribuir no processo de reeducação dos jovens e
adolescentes privados de liberdade, que estão em cumprimen-
to de medidas socioeducativas. De que maneira a Educação em
Direitos Humanos pode contribuir para uma redução nos ín-
1 Acadêmica do 6º semestre do curso de Licenciatura Plena em Peda-
gogia. Auxiliar de Coordenação Pedagógica em Instituição Privada.
Universidade Federal do Pará. E-mail: nmacedoleite@gmail.com
norma_colucci@hotmail.com
2 Acadêmica do 6º semestre do curso de Licenciatura Plena em Pe-
dagogia. Servidora Pública na Superintendência do Sistema Peni-
tenciário/SUSIPE-PA e Membro Voluntário do Grupo de Pesquisa
em Sociologia da Educação na Amazônia/Perspicilli. Universidade
Federal do Pará/UFPA.. E-mail: carlinhaufpa@gmail.com

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dices de criminalidade, de que forma é possível utilizá-la como


uma ferramenta para a construção de uma sociedade mais jus-
ta, mais humana, mais ética, mais solidária.
Os motivos que conduziram à elaboração deste tra-
balho com a referida temática se deve ao cenário político que
o Brasil está vivenciando nos dias atuais, onde gradativamente
a sociedade de um modo geral tem se posicionado acerca de
determinadas situações, porém verifica-se posicionamentos
permeados de desconhecimento acerca dos Direitos Humanos.
Deputados aprovaram em julho de 2015, a redução da maiori-
dade penal de 18 anos para 16 anos nos casos de crimes como
estupro, sequestro, latrocínio, entre outros. O texto aprovado
foi uma emenda dos deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e
André Moura (PSC-SE) à proposta de emenda à Constituição
da maioridade penal (PEC 171/93).
Todavia, antes da sua aprovação houve uma sensibili-
zação muito significativa quanto ao tema, onde pessoas de di-
ferentes classes sociais, diferentes regiões do país e diferentes
pensamentos políticos se posicionaram contra ou a favor da
proposta. Frases como “bandido bom é bandido morto”, “os jo-
vens criminosos são o problema do Brasil”, “os Direitos Huma-
nos são direitos dos manos3”, “Direitos Humanos só serve pra
defender bandido” ou “tem que prender que é pra aprender”
foram frases que embalaram aquela parte da sociedade que se
posicionou a favor da redução.
Diante desse discurso, surgiram vários questiona-
mentos, tais como: Será que nós sabemos o que são, de fato, os
Direitos Humanos? Será que nós fomos educados para garantir
que os nossos direitos sejam efetivados? Porque acreditamos
que punir é mais eficaz que prevenir, educar, cuidar dos nossos
jovens? Será que há uma conscientização social no que diz res-
peito a crianças, jovens e adolescentes infratores? Como evitar
que eles tenham essa prática? Como educar a sociedade para
uma prática de liberdade e igualdade?
3 Gíria popular para referir-se aos criminosos.

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Nosso trabalho se dará a partir do ponto de vista da


Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, onde se acredita na
educação como um ato político, de construção de conheci-
mento e de criação de uma sociedade crítica, consciente, justa.
Acreditamos que a educação deve ser uma luta permanente,
uma busca incessante em favor das classes oprimidas, pela li-
berdade e pela igualdade.
Educação em Direitos Humanos
Os Direitos Humanos foram construídos historica-
mente e constituem um conjunto de direitos universais dos se-
res humanos, são os direitos civis e políticos que garantem, por
exemplo, o direito a vida, a liberdade de expressão, liberdade
de crença religiosa, são também direitos econômicos, sociais
e culturais que garantem, por exemplo, o direito ao trabalho, a
saúde, a educação. São ainda direitos difusos e coletivos, pois
garante o direito a paz, ao progresso, aos direitos do consumi-
dor, entre outros direitos garantidos em 30 artigos na Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos (DUDH) 4. São direitos
essenciais aos seres humanos, e independe de gênero, raça, re-
ligião, nacionalidade ou qualquer outro tipo de condicionante.
São fundamentais porque são indispensáveis para a vida com
dignidade. Foram necessários inúmeros desastres, genocídios,
guerras, ataques, para que a DUDH tomasse a proporção e im-
portância que ela tem hoje, para que a sociedade em aspecto
mundial tomasse consciência da importância de ter um docu-
mento que protegesse a vida diante de tantas guerras e mortes,
tanto de soldados, quanto de civis. Diante de tantos aconte-
cimentos, de tantas violações de direitos, surge a necessidade
4 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um do-
cumento marco na história dos direitos humanos. O documento
afirma que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dig-
nidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir
uns com os outros em espírito de fraternidade.” É o documento mais
traduzido e mais aceito no mundo, e serviu como orientação para a
construção de muitas constituições de vários Estados e de democra-
cias. Ela estabelece a proteção universal dos Direitos Humanos.

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de educar em direitos humanos. Surge então a Educação em


Direitos Humanos (EDH).
É a partir de 1980 que a EDH se desenvolve e amplia
suas ações e é a partir do lançamento do Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (PNEDH) 5 que a EDH se
consolida no Brasil. A EDH é umas das armas mais podero-
sas atualmente na luta pelo combate ás violações dos Direitos
Humanos, por se tratar de uma educação que educa para a ci-
dadania, como formação do cidadão participativo e solidário,
consciente de seus deveres e direitos, educa na tolerância, na
valorização e garantia da dignidade humana e nos próprios
princípios democráticos.
No Brasil, até o período que antecedeu a ditadura mi-
litar, o tema dos Direitos Humanos não fazia parte da pauta
de debates políticos, nem dos programas educacionais, ficando
reduzido aos currículos dos estudos jurídicos. Foi durante a
ditadura militar que o tema dos Direitos Humanos ganhou es-
paço de destaque. (SADER, 2007, p.81)
Após o golpe de 19646, percebeu-se a importância da
efetivação dos direitos, pois foi um momento de forte violação
dos mesmos. Desaparecimentos, assassinatos, censuras, pri-
sões e repressão. Neste período, o Brasil torna-se signatário,
em 1966, do pacto internacional dos direitos civis e políticos e
do pacto internacional dos direitos econômicos e sociais.
Criminalidade Infantil
Desde o século XIX, quando se começou a pesquisar
sobre os índices de criminalidade de São Paulo, percebeu-se
5 O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)
foi lançado em 2007. Mas é desde 2003 que ele começou a ser dis-
cutido. Ele estabelece concepções, objetivos, diretrizes e princípios
sobre o tema dos direitos humanos na escola.
6 O Golpe de Estado no Brasil em 1964 foi um conjunto de eventos
ocorridos de  31 de março  de  1964,a 01 de abril  de 1964, que ter-
minou com um golpe militar que encerrou o governo do até então
presidente João Goulart, também conhecido como Jango.

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que o menor de idade sempre esteve presente. De acordo com


Santos (1999) esses menores eram responsáveis pelos crimes
“mais leves” se comparados aos crimes cometidos por adultos,
tais como desordens, vadiagens, embriaguez e furtos. O autor
aponta a cidade, como sendo o local de eclosão da criminalida-
de dessas crianças se comparada ao campo.
Para Santos (1999), o indivíduo era inserido muito
cedo nas atividades produtivas, principalmente nas fábricas,
e cedo também começava seus atos ilegais, numa tentativa de
garantir a sua sobrevivência e de sua família e percebermos a
“pedagogia do trabalho” para “ocupar” e tirar o jovem da ocio-
sidade. Nesse período o que regia tal situação era o Código de
Menores. E de acordo com as normativas da época, o menor
de idade que cometesse ato infracional era levado às chamadas
Casas de Correção7, até que completasse 17 anos de idade.
Em 1990 surgiu o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente (ECA)8 e representava uma significativa evolução da si-
tuação um tanto quanto, irregular e violadora dos direitos fun-
damentais, que era o Código de Menores de 1979.
A partir da Constituição Federal de 1988 as crianças e
os adolescentes foram reconhecidos na condição de sujeitos de
direito e esse período da vida passou a ser visto com mais uma
importância. Inclusive, os especialistas criminais começaram
a procurar na infância algumas origens, algum fato, ou algo
que possa ter relação com a vida criminosa de um adulto. Ao
adotar a Doutrina da Proteção Integral9 a partir da Constitui-
7 Era uma instituição pública onde eram recolhidos os menores aban-
donados ou menores delinquentes que tivessem cometido alguma
infração penal.
8 Lei Federal 8069 de 13 de julho de 1990. Também conhecido como
ECA.
9 A doutrina de proteção integral à criança defende que as norma-
tivas que cuidam de crianças e de adolescentes devem entende-los
como sendo cidadãos plenos, porém sujeitos à proteção prioritária,
levando em consideração que são sujeitos ainda em desenvolvimen-
to. Essa doutrina tomou força na Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança e da Organização das Nações Unidas (1989) e na

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ção de 1988, a proteção infanto-juvenil passou a ser pauta nos


debates, e passou a ter mais importância nos meios jurídicos.
O ECA em seu art. 112 prevê que as medidas socioe-
ducativas sejam medidas aplicáveis em jovens e adolescentes
que cometeram algum tipo de ato infracional. O artigo 112, da
Lei 8.069/90, diz o seguinte:
Art. 112- Verificada a prática de ato infracional, a au-
toridade competente poderá aplicar ao adolescente as
seguintes medidas:
I - Advertência;
II - Obrigação de reparar o dano;
III - Prestação de serviços à comunidade;
IV - Liberdade assistida;
V - Inserção em regime de semiliberdade;
VI - Internação em estabelecimento educacional;
VII - Qualquer uma das previstas no art. 101, I a IV.
§1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta
a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a
gravidade da infração.
§2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum será ad-
mitida a prestação de trabalho forçado.
§3º Os adolescentes portadores de doença ou defi-
ciência mental receberão tratamento individual e
especializado, em local adequado às suas condições.
(BRASIL, 1990, p.41 - 42)

Essas medidas socioeducativas podem ser executadas


de duas maneiras, em meio aberto, podendo ser em Liberda-
de Assistida (LA) e/ou Prestação de Serviços à Comunidade
(PSC), ou meio fechado através das Semiliberdade ou Interna-
ção. Apesar de essas medidas socioeducativas serem respostas
à prática de uma infração, não são, ou pelo menos não deve-
Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), e ainda pela
República Federativa do Brasil e pelo Estatuto da Criança e do Ado-
lescente – ECA.

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riam ser, punitivas. Mas assim, como afirma Sotto Maior, de


caráter predominantemente educativo:
Para o adolescente autor de ato infracional a proposta
é de que, no contexto da proteção integral, receba ele
medidas socioeducativas (portanto, não punitivos)
tendentes a interferir no seu processo de desenvolvi-
mento, objetivando melhor compreensão da realida-
de e efetiva integração social. (SOTTO MAIOR, 2010,
p. 536)

Uma das exigências do Sistema Nacional de Atendi-


mento Socioeducativo (SINASE)10 é a garantia “da inserção de
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na
rede pública de educação, em qualquer fase do período letivo,
contemplando as diversas faixas etárias e níveis de instrução”.
Todavia, facilmente percebemos que essa exigência não é tam-
bém uma exigência dos profissionais que atendem esses jovens.
Que muitas vezes, não oferece ao infrator a oportunidade do
acesso à educação, ou se oferece, não atende as normativas do
processo que orienta a execução desta em um espaço adequa-
do, numa escola dita “normal”, comum, onde esse jovem não
pode ser exposto à comunidade escolar, nem ser identificado
como um infrator que está em cumprimento de medidas so-
cioeducativas para que esse jovem não seja discriminado pela
comunidade escolar.

Direitos Humanos: Suas propostas

Muitas gerações foram criadas sem saber o que são


os Direitos Humanos, e com o tempo, criou-se essa ideia que
eles só existem para ficar do lado do criminoso. A proposta
da EDH é conscientizar a sociedade do que eles de fato são, e
o quanto eles significam para uma democracia e cidadania, e
10 O SINASE é destinado a regulamentar a forma como o Poder Públi-
co deve prestar o atendimento socioeducativo a qual adolescentes
autores de ato infracional têm direito.

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torna-se indispensável para efetivação de todos os direitos hu-


manos na nossa sociedade. A falta desse conhecimento sobre
os direitos humanos, sobre os direitos fundamentais, sobre os
direitos civis, a ausência de uma cultura de direitos, a ausência
de uma educação pautada nesses direitos, contribuiu para que
uma parte da sociedade se tornasse opressora em relação a in-
divíduos oprimidos, que tiveram seus direitos negados e por
muitas vezes buscaram na criminalidade uma forma de viver.
A Pedagogia Libertadora vê a educação como um
papel importantíssimo no processo de transformação de indi-
víduos e sociedades e quando se tem essa educação também
abordando a temática dos direitos humanos, torna-se mais efi-
caz a leitura de mundo daquele individuo infrator.
O que vemos não é esse processo socioeducativo
como prática de reeducação, de transformação ou conscienti-
zação. A própria sociedade de um modo geral, exige que esses
jovens infratores sejam tratados sem o mínimo de dignidade,
não os consideram humanos e nem mesmo percebem isso.
Casos como o do adolescente11 amarrado a um poste
por cometer furtos no bairro do Flamengo, no Rio de Janei-
ro, revelam muito mais do que as partes intimas do agredi-
do. (FERNANDES, 2016, p. 43) Demonstram que a socieda-
de perdeu totalmente a confiança no Estado, e resolveu fazer
justiça com as próprias mãos. Certamente, pessoas que não
tiveram em sua formação, uma educação pautada nos direi-
tos humanos, pois havendo essa formação, tudo leva a crer que
suas atitudes seriam diferentes. E que independente do ato do
adolescente, o respeitariam como um ser humano portador de
direitos, e o encaminhariam para as autoridades competentes,
embora essas também não entendam a cultura dos Direitos
Humanos, como afirma o sociólogo José de Sousa Martins em
entrevista para a Revista Galileu:
11 Um adolescente foi amarrado nu a poste por quinze homens no
estado do Rio de Janeiro, um deles estava armado. O agrediram e o
prenderam a um poste com uma corrente de bicicleta, acusando-o
de roubo.

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A cultura dos Direitos Humanos é contraposta à jus-


tiça dos linchamentos. Inclusive, é pior dentro das
corporações. Dentro das policias, você não comporta
os direitos humanos. É como se os direitos humanos
fossem uma ONG, não um elemento civilizatório
contra a barbárie, uma garantia mínima de civilidade.
Quando não respeitamos isso, estamos no limite da
barbárie pública. (MARTINS, 2016, p. 48)

A sociedade opressora passa a criticar os profissionais


envolvidos nesse processo se esses infratores não forem “pu-
nidos como se deve”, sem entender que o escopo dessa cons-
tituição penal juvenil não é punir aqueles que a feriram, e sim
apresentar-lhes novas chances e oportunidades de ressocializa-
ção. Uma sociedade cada vez mais desumana, que não pensa
nos seus indivíduos como frutos cada um, de uma realidade
diferente, sem levar em consideração o que eles trazem de suas
vidas, seus problemas de conduta e seus problemas de convi-
vência social. Infelizmente o que vemos ainda é um sistema/
sociedade que exige a punição a qualquer custo desses infrato-
res, os colocando em ambientes sem estrutura adequada, sem
acesso a educação, entre tantas outras violações das leis que
orientam o processo sócio educativo. Há, portanto, pela parte
da sociedade, uma crise de confiança no Estado, há uma perda
de legitimidade das instituições, há uma deterioração da or-
dem social e há ainda “a persistência de uma cultura escravo-
crata que não foi abolida com uma canetada em 1888.” (FER-
NANDES, 2016, p.43).
Prática da Liberdade atrelada a educação em direitos
humanos
Para Freire (1999), a educação deve ser usada como
ferramenta para a liberdade. E essa prática de liberdade, só po-
derá se estabelecer a partir do momento em que o oprimido
tenha condições de se redescobrir e de se perceber como um
sujeito de sua própria destinação histórica. Quando se educa
em direitos humanos, oferecem-se ao oprimido oportunidades

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de entender que fatores o levaram até ali, quais os direitos que


lhe foram negados e especialmente, quais direitos ele mesmo
negou ao outro ou a sociedade quando ele cometeu um ato in-
fracional. Nesse momento de compreensão, ele passa a assumir
a sua própria dignidade humana.
Dignidade esta que deveria nortear todo o processo,
mas quando se coloca os indivíduos em situações desumanas
e nega-se a eles a efetivação dos seus direitos, o conhecimento
sobre seus direitos e deveres, a dignidade humana passa a ser
último plano. A EDH surge então como uma ferramenta para
auxiliar não somente esse processo de transformação desse jo-
vem, desse adolescente que cometeu uma infração, mas sim
da sociedade de forma ampla, uma vez que educa para a cida-
dania. Devemos levar em consideração que esse processo de
conscientização da realidade não se trata de uma tarefa fácil,
principalmente quando o educando é um jovem, um adoles-
cente privado de liberdade.
A pedagogia libertadora de Paulo Freire parte justa-
mente desse principio, de uma leitura crítica e séria da realida-
de do educando. É preciso que eu entenda a minha realidade, o
meu mundo, a minha situação, é preciso uma reflexão teórica
para que possa então surgir novas possibilidades e a constru-
ção de novas práticas sociais, novas atitudes.
Paulo Freire afirma (2005), que são nas reflexões que
irão se oportunizar transformações da realidade. Ele propõe
que a educação seja uma prática de liberdade, que leve as pes-
soas a refletirem sobre si mesmas, sobre suas ações e sobre sua
relação como individuo de uma sociedade.
Não se pode pensar num atendimento socioeducati-
vo adequado, se colocarmos pessoas não educadas em direitos
humanos para trabalhar com eles. Como podemos esperar que
haja a efetivação dos direitos desse jovem, se os profissionais
que estão orientando o processo não conhecem tais direitos?
Se eles não compreendem a importância da garantia desses di-
reitos? Como afirma Fritzsche:

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Não é um adendo pedagógico, mas um componen-


te genuíno dos Direitos Humanos. Para que serve ter
Direitos Humanos se não os conhecemos e para quê
conhecê-los se não os compreendemos? E, finalmente,
para quê compreendê-los se ninguém está preparado
para respeitá-los e promove-los? O desenvolvimento
dos Direitos Humanos inclui a compreensão de que
eles devem alicerçar-se solidamente a consciência ci-
dadã e que isto exige esforços do movimento conheci-
do como Educação em Direitos Humanos. (FRITZS-
CHE, 2004, p. 162)

A EDH deve ser então uma arma de conscientização


política e cidadã, uma aliada para a construção da prática de
liberdade, para a transformação. “A educação não transforma o
mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mun-
do.” (FREIRE, 1979, p.84).
Considerações Finais
A partir das discussões realizadas nesse trabalho,
compreendemos que existem muitas barreiras pra serem ultra-
passadas no âmbito de Direitos Humanos, sobretudo no que
diz respeito à efetivação dos direitos de uma parte da socie-
dade que embora a sociedade insista em querer “punir” pela
violação de direitos que eles cometeram, não percebem que os
mesmos já foram punidos pela ausência de garantias dos seus
direitos fundamentais desde a infância, na maioria das vezes.
Não tendo uma vida digna, não tendo acesso à educação, tendo
que muitas vezes recorrer ao crime para conseguir sobreviver.
Atualmente, temos no país muitos jovens em cumpri-
mento de medidas socioeducativas, cerca de mais ou menos 60
mil jovens e adolescentes infratores, segundo dados da Secre-
taria de Direitos Humanos da Presidência da República, e se-
gundo uma pesquisa realizada pela Subsecretaria de Promoção
dos Direitos da Criança e do Adolescente cerca de 70% desses
jovens que estiveram em cumprimento de medidas socioedu-
cativas voltam a cometer crimes quando deixam as instituições

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de internação. Através dessa pesquisa, constatou-se que nas


instituições onde o processo socioeducativo se dá de manei-
ra eficaz, seguindo todas as normativas que regem o processo,
respeitando e garantindo todos os direitos do adolescente esse
índice cai para 20%. O que nos faz ter convicção de que o pro-
cesso, quando bem executado, é eficaz.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em uma
pesquisa, constatou que 50% da população brasileira concorda
que “bandido bom é bandido morto”. Um número alarmante,
assustador. Porém mostra que não é a sociedade inteira que
pensa da mesma maneira, o que nos faz pensar que ainda há
um espaço para mudanças. “Não há também diálogo, se não há
uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e refazer,
de criar e recriar.” (FREIRE, 2001, p.81)
Para a transformação de uma sociedade, é necessário
muito esforço e participação ativa do Poder Público, e isso in-
clui necessariamente trabalhar a problemática dos direitos hu-
manos. Propor formas de ação e estratégias reais para trabalhar
a superação da ideia de que a punição não fará esse jovem in-
frator refletir sobre a sua realidade, mudar e ter novas práticas
na sociedade. Favorecer a construção de uma cultura dos di-
reitos humanos que entranhe em todos os níveis e camadas da
sociedade, afetando desde as famílias até as politicas públicas
do Estado.
No Brasil, que é um país onde as desigualdades sociais
são enormes, o acesso e as condições de acesso para serviços
básicos são diferenciadas é emergencial uma reação contra a
maneira com os jovens privados de liberdade são tratados. É
necessário o rompimento do discurso hegemônico de são eles,
os grandes culpados da criminalidade que se instaurou no país.
É mister romper o silêncio e a falta de indignação pela ausência
de dignidade com que esses jovens são tratados. É preciso edu-
car a sociedade para os direitos humanos.
O método de Paulo Freire é basicamente a construção
de uma cultura popular, onde se conscientiza e se politiza. E a

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EDH pode servir como base para a construção para a prática


de liberdade, uma vez que conscientiza o indivíduo que molda
e que orienta suas práticas.
Educar em direitos humanos significa favorecer a
construção de uma cultura dos direitos que penetre os diferen-
tes espaços da vida social. É dar voz ao indivíduo que tiver seus
direitos negados. É aprender a denunciar discursos e práticas
que violem a efetivação de direitos. É ser livre!
Conforme nos diz Paulo Freire, o principal problema
cultural do homem não é o alfabetizar simplesmente. Não é
saber ler, escrever. E sim reconhecer a sua dignidade como su-
jeito de direitos. Para Freire, a educação pressupõe liberdade, e
como educar para a cidadania as pessoas privadas de liberdade
se não for com o auxílio de uma educação pautada nos direitos
humanos?
Portanto, concordamos com Freire (2005), que são nas
ações reflexivas que se tornam possíveis as práticas de transfor-
mação de uma sociedade. Dessa maneira, a educação como ato
reflexivo, deve partir da realidade do educando, levando em
consideração o seu cotidiano, a sua história, para que possa
então guia-lo a uma nova prática. Uma prática libertadora.
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8.069/90. Brasília, Distrito Federal, 1990.
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MONIFES – MOBILIZAÇÃO NINGUÉM FORA


DA ESCOLA: LIMITES E POSSIBILIDADES DA
PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES DA EJA

RODRIGUES, Sônia Serrão 1


SOUSA, Maria Rosália Melo de 2
Introdução
A Secretaria Municipal de Educação ocupada em ofe-
recer educação de qualidade, a toda rede de ensino e inquieta
com o atendimento aos alunos do ensino noturno, principal-
mente mediante ao cenário político, econômico e socioam-
biental complexo do município de Manaus, nos últimos cinco
anos, propõe algumas reflexões e sugestões para alavancar o
ensino no turno noturno.
Realizando uma retrospectiva dos cinco últimos anos
do Ensino Noturno nas escolas da Rede Pública Municipal de
Ensino, correspondente aos anos de 2011 a 2015 diagnosticou-
-se os seguintes índices:
No ano de 2011 o quantitativo de alunos matricula-
dos no Ensino Noturno foi de 14.519 alunos, um decréscimo se
tomarmos em conta os anos anteriores. Destes, 40,76% foram
aprovados, 12,05% ficaram retidos e 47,19% foram de abando-
no. O número de abandonos aumentou muito em relação ao
ano anterior.
1 1 Graduada em Pedagogia. Especialista em Gestão Educacional.
Assessora Pedagógica da SEMED – MANAUS. soniaserraotutora@
hotmail.com
2 Graduada em Pedagogia, Especialista em Gestão Educacional e
Coordenação Pedagógica. Assessora Pedagógica da SEMED – MA-
NAUS. rosalia_melo@yahoo.com.br

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Em 2012 houve um aumento considerável no quan-


titativo de alunos matriculados, pois contava com 24.652 alu-
nos. O índice de aprovados foi 56,11%, 15,60% de reprovados e
28,29% de abandono. Percebe-se uma significativa redução no
percentual de abandono.
No ano de 2013 há um pequeno aumento no número
de matrículas com um total de 26.209 alunos, sendo 59,59% de
aprovados, 14,19% de reprovados e 26,22% de abandono, neste
ano observa-se redução nas taxas de reprovação e abandono e
consequentemente um aumento no índice de aprovação.
Em 2014 o número de matrículas volta a cair totalizan-
do 23.158 matriculados. O índice de aprovação aumenta para
62,83% e o abandono diminui totalizando 20,72%, no entanto,
apesar da melhoria nas taxas de aprovação e abandono há uma
elevação no índice de retenção com um total de 16,45%.
Em 2015 há novo decréscimo no número de entrada,
totalizando 15.440 matriculados. Os índices estabeleceram-se
em 52,05% de aprovação, 20,64% de reprovação e 27,31 % de
abandono.
Os índices percentuais demonstram uma realidade
preocupante, onde o vilão que se apresenta, personifica-se na
figura do ABANDONO ESCOLAR. Os índices mais expressi-
vos alternam-se entre aprovação e abandono.
Para entendermos a causa deste alto índice de aban-
dono e suas variações, é necessário compreendermos o seu
público de estudantes, que corresponde à figura do jovem, do
adulto e do idoso em condições de promoção escolar e de in-
serções no mundo do trabalho adversos.
A proposta deste trabalho é identificar algumas cau-
sas e possíveis soluções em curto e médios prazos para o pro-
blema que já vem acontecendo nas escolas de ensino noturno
da Secretaria Municipal de Educação da cidade de Manaus.
A construção deste projeto surgiu de observações rea-
lizadas nos assessoramentos às escolas, nos quais se percebeu
que os Diretores encaram o ensino noturno como um obstácu-

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lo, pois causa a redução do índice de aprovação, eleva os índi-


ces de evasão e diminui os seus índices de êxito nas avaliações
externas (IDEB). Assim, o ensino básico no período noturno
tem sido cotidianamente percebido pelos diretores das escolas
como um problema, um incômodo, que são obrigados a su-
portar.
Tendo em vista que a sociedade historicamente tem
pressionado pela ampliação da sua escolarização, governos e
gestores educacionais encontraram no ensino noturno um
paliativo na oferta do ensino sem que se criassem condições
adequadas para o funcionamento deste turno. Devido à pre-
cariedade das condições de trabalho e aos baixos resultados
alcançados, os profissionais da escola, muitas vezes, expressam
uma visão negativa do ensino noturno e do seu público e a
impressão entre os educadores é de que no noturno não tem
solução. Resta claro que, tendo como parâmetro o modelo apli-
cado no ensino diurno, não se chegará muito longe. Seria ne-
cessário repensar integralmente a escola noturna: a formação
de seus profissionais, suas condições de trabalho, seu projeto
pedagógico, etc.
Geralmente as políticas educacionais passam ao lar-
go da questão da sua especificidade, não se discutindo temas
como gestão, financiamento, formação de educadores, quadro
de carreira, material didático e infraestrutura apropriada à sua
realidade. O comum tem sido a transferência do modelo da
escola diurna e de sua gestão para a escola no período da noite,
sem que suas particularidades sejam consideradas.
Essa escola tem sido incapaz de absorver o aluno em
sua totalidade, na globalidade de sua vida permeada pelo além-
-muro da escola, pelos sentimentos vividos no trabalho, na fa-
mília e na sociedade. A experiência da escola noturna pelos
alunos trabalhadores caracteriza-se pelo estranhamento, pelo
não lugar. Quando se considera a escola noturna do ponto de
vista de seu funcionamento cotidiano, encontram-se poucas
razões para considerá-la um espaço rico de formação.

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De acordo com Abdalla (2004), não é tanto a neces-


sidade de trabalhar que leva os jovens a abandonarem a esco-
la, mas o espaço de indiferença, passividade e principalmente
o sentimento de não pertencimento a um espaço do qual os
alunos gostariam de pertencer. A este respeito, Madeira (1999)
afirma que, na verdade é a escola que abandona o jovem e não
o inverso.
Para Ianni (1975), a oferta de ensino noturno quan-
do combinada com a efetiva inserção dos jovens no mercado
de trabalho, tornou conveniente o arranjo escola/trabalho, que
passou a fazer parte da cultura escolar e da cultura das famílias
mais pobres, pois além de prover as necessidades materiais, o
trabalho ajuda também a construir uma identidade socialmen-
te valorizada, servindo ainda para livrar os jovens, adultos e
idosos do perigo das ruas, além de que ao deixar o espaço do
bairro onde mora, o estudante amplia suas possibilidades de
sociabilidade através de laços de amizade, de coleguismo, de
solidariedade etc., que ele considera muito importantes e que
o levam a sentir-se adulto e independente (ABDALLA, 2004).
De fato, o estudante que trabalha ainda segundo Ab-
dalla (2004), minimiza os conflitos com a família e consegue
suprir financeiramente suas necessidades de vestimenta e lazer.
Demostrando, portanto, equivocada a análise do fator traba-
lho como uma coisa negativa, que atrapalha a escolarização do
aluno, o que desconsideraria o trabalho em sua positividade,
como princípio educativo e como espaço de sociabilidade.
O problema que se estabelece consiste no fato de que,
quando estes jovens passam a perceber a real importância da
escolarização, percebem a escola ineficiente: o que lhe é ensina-
do não o prepara adequadamente para o mundo do trabalho.
Estabelece-se, portanto, de acordo com Abdalla
(2004), a necessidade de que os estudos da escola noturna se-
jam mais abrangentes, levando em consideração a realidade do
aluno e ressaltando a permanência do diálogo entre o trabalho
e o conteúdo real da aprendizagem, sem, contudo enxergar no

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aluno da escola noturna somente o jovem que trabalha, mas,


sobretudo procurar ouvi-lo para consideração de suas carac-
terísticas, vivências, interesses, sonhos e os papéis assumidos
dentro e fora da escola.
Neste sentido trazemos muito forte o que nos diz
Freire (2005):
Não há docência sem discência, as duas se explicam
e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam,
não se reduzem à condição de objeto, um do outro.
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende en-
sina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa
a alguém (p.23).

Diante desta realidade, a Gerência de Educação de


Jovens e Adultos/Divisão de Ensino Fundamental – GEJA/
DEF, propõe para a minimização do problema apresentado a
realização de ações que estimulem, despertem nos educandos
o interesse na permanência e conclusão com sucesso de seus
estudos.

Objetivo Geral

• Proporcionar momentos para reflexão e ações


que colaborem para a permanência dos estu-
dantes na escola, contribuindo assim, para a
qualidade do ensino e da aprendizagem minis-
trada no turno noturno.
Objetivos Específicos
• Sensibilizar para a mudança de visão e de pos-
tura dos profissionais responsáveis pelo ensino
noturno.

• Fortalecer os assessoramentos noturnos;

• Acompanhar a assiduidade dos estudantes em


correspondência ao aproveitamento escolar.

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• Incentivar à formação continuada dos profis-


sionais de cada área do conhecimento, na pers-
pectiva da práxis docente.

• Fortalecer a relação de respeito-amizade-con-


fiança entre o professor e o estudante, estabele-
cendo processos dialógicos.

• Partir das motivações internas e externas dos


estudantes para elaborar os planos de interven-
ção pedagógica.

• Realizar a mobilização “Ninguém fora da Esco-


la” em dois momentos distintos.

Metodologia

O Projeto metodologicamente firmado na pesquisa-


-ação constituir-se-á num campo de estudo de causas da eva-
são noturna e atuará interventivamente nas situações proble-
máticas apresentadas, Empreenderá esforços na missão de co-
nhecer o aluno noturno, entender seus problemas e interferir
em possíveis causas de abandono, tornando-se o projeto um
instrumento de geração de outras políticas públicas da temá-
tica em questão.
Diante desses pressupostos, utilizará o enfoque críti-
co-dialético, pois segundo este é “importante conhecer a reali-
dade em sua concreticidade, contextualizando-a historicamen-
te, compreendendo as interações entre os sujeitos em processos
de ação-reflexão-ação” (SILVA, 2006).
Desta forma, algumas ações foram pensadas, visando
o desenvolvimento efetivo do projeto.
• Realizar estudos com os professores e equipe
pedagógica refletindo acerca da visão dos edu-
cadores sobre os alunos e o ensino do turno
noturno;

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• Intensificar os assessoramentos pedagógicos


às escolas e DDZs objetivando conversar com
alunos e professores;
• Participar da formação continuada dos edu-
cadores a fim de fortalecer o seu fazer peda-
gógico com base nos processos pertinentes ao
currículo.
• Organizar planos de intervenção a partir das
necessidades detectadas nas conversas com os
alunos, as turmas e os professores;
• Realizar a Mobilização Ninguém Fora da Es-
cola – MONIFES, semestralmente a fim de
apresentar aos alunos, dados quantitativos e
qualitativos do processo de aprendizagem e
fortificar os laços de confiança e respeito entre
professor e aluno;
• Realizar visitas técnicas as Divisões Distritais
Zonais - DDZ;
• Realizar reuniões bimestrais com os assessores
pedagógicos das DDZs.

Resultados e Reflexões
A realização das ações ocorreu em consonância com
as Divisões Distritais, onde a participação da GEJA deu-se atra-
vés do acompanhamento aos encontros realizados nas escolas.
Nas apresentações das Monifes toda a comunidade
escolar interna e externa estava envolvida nas apresentações
que retratavam parte das ações desenvolvidas com os alunos
durante o semestre (acontecem duas vezes no ano) e que pro-
curavam dinamizar as aulas e consequentemente envolver os
alunos, é claro que nem todos participavam a contento, pois
os problemas pessoais muitas vezes interferem na participação
ativa dos alunos.

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Algumas atividades desenvolvidas como o quadro “Tô


Dentro” (que demonstrava o número de alunos matriculados
e o quantitativo que estava frequentando no dia da atividade)
e ainda o demonstrativo estatístico de aprovação, reprovação e
abandono do ano anterior ou mesmo do resultado do bimestre
letivo, levava os alunos a uma reflexão da oportunidade que
estavam “deixando passar” por conta da ausência e não partici-
pação efetiva nas aulas e ações da escola.
No ano de 2015 a realização da Monifes foi palco para
a apresentação dos Cadernos de Leitura e Escrita, onde eram
apresentados os passos desenvolvidos para a produção dos ca-
dernos, que consistia em apresentar as produções escritas em
diversos gêneros textuais, desenvolvidas com os alunos do 1º
segmento de EJA.
Nesta ação notou-se uma enorme satisfação por parte
dos alunos que tiveram suas produções selecionadas e consti-
tuíram o Caderno de Leitura e Escrita da EJA.
Conclusões
A realização das atividades acontecia sempre com o
acompanhamento das DDZs e da equipe da GEJA, eram exe-
cutadas conforme as orientações advindas da Secretaria de
Educação. É claro que em alguns momentos notava-se ações
estanques sendo realizadas, percebia-se que a atividade havia
sido preparada para ser apresentada naquele momento, então
havia a necessidade de retomar com a escola e refletir se o obje-
tivo havia sido alcançado, se os alunos tinham sido impactados
com as informações prestadas
Percebeu-se, na realização das atividades como pales-
tras, exposições e relatos de egressos que os alunos conseguiam
perceber um pouco de suas vidas descritas e expostas naquela
experiência.
Os alunos gostavam muito de envolverem-se duran-
te as apresentações das atividades. Nas conversas que se tinha
com os discentes, observava-se que eles percebiam a necessi-

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dade de continuar frequentando a escola para a conclusão de


seus estudos, enfrentando os obstáculos pessoais que surgiam
ao longo do ano escolar.
Nas reuniões de avaliação com as DDZs elencamos as
necessidades de melhorias das ações apresentadas pelas esco-
las, sempre enfatizando o objetivo da Monifes, de que as ações
objetivavam a qualidade do ensino e da aprendizagem minis-
trada no turno noturno.
Referências Bibliográficas
ABDALLA, V. O que pensam os alunos sobre a escola
noturna. São Paulo: Cortez, 2004.
AMAZONAS, Universidade do Estado. PROFORMAR.
Metodologia do desenvolvimento da pesquisa /
Coordenador Almir Liberato da Silva. Manaus: Universidade
do Estado do Amazonas, 2006.
BRASIL. Lei nº 9.394 de 20.12.96. Estabelece as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial da
União, 23.12.96.
CARVALHO, C. P. Alternativas para o trabalho pedagógico
voltado ao ensino noturno. Série ideias, São Paulo: FDE,
1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
IANNI, O. O colapso do populismo no Brasil. 3. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
LEÃO, Geraldo M. P. Trabalho, Educação e Subjetividade:
a vivência da modernização em uma agência bancária. Belo
Horizonte: Faculdade de Educação, UFMG, 1996.
MADEIRA, F.R. Recado dos jovens: mais qualificação.
Brasília: CNPD, 1998.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EJA:


CONCEPÇÕES, IDENTIDADES E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

SOARES, Adriana de Oliveira1


COELHO, Leni Rodrigues2
Introdução
Os desafios enfrentados pelos professores da EJA são
muitos, por isso é necessário refletir sobre as ações desses pro-
fissionais e procurar destacar os principais saberes pedagógicos
construídos no cotidiano escolar. O objetivo geral do trabalho
é refletir sobre as concepções, identidades e práticas pedagógi-
cas dos professores de EJA e como objetivos específicos identi-
ficar as estratégias que os professores de EJA utilizam para pla-
nejar, organizar e executar suas práticas pedagógicas; verificar
a formação inicial e continuada dos professores da EJA de 1º e
2º Segmento do Ensino Fundamental e analisar os principais
elementos que constituem as identidades dos docentes.
A metodologia adotada no processo de investigação
baseou-se em uma pesquisa com abordagem qualitativa, com
base hermenêutica e a técnica de análise de conteúdo se deu
por meio de entrevistas, depoimentos, vivências e narrações.
Para a realização do trabalho foi escolhido as Escolas Munici-
pais Urbanas (cinco escolas que oferecem EJA), no total foram
entrevistados vinte e cinco profissionais, dentre eles, tem-se
1 Professora Educação Básica, Estudante da Especialização em Meto-
dologia do Ensino de Ciências Naturais. Email: drika_tefé@hotmail.
com
2 Professora Assistente da Universidade do Estado do Amazonas.
Email: lenicoelho@yahoo.com.br

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um coordenador, quatro gestores cinco pedagogos e oito pro-


fessores de 1º segmento e sete professores de 2º segmento.
As questões que norteiam este trabalho buscam os
principais elementos que constitui a identidade docente, a ex-
periência vivida pelos professores em seu processo de forma-
ção acadêmica ou continuada e as estratégias de atuação que
utilizam para planejar, organizar e executar sua ação profissio-
nal.
Formação Inicial e Continuada dos Professores de EJA do
1º e 2º Segmento
O Município de Tefé em esfera municipal oferece tur-
mas de EJA de 1º e 2º segmento em várias escolas e a contrata-
ção dos professores não segue nenhum critério, ou seja, não há
processos seletivos para contratar os profissionais que irão tra-
balhar na modalidade EJA. Segundo a Coordenadora de EJA
Simone Sales “a prioridade ao contratar professores de 1º seg-
mento é a formação em pedagogia e de 2º segmento conforme
as áreas de conhecimento”.
Ao analisar as fontes documentais percebe-se que nas
escolas municipais urbanas 80% dos professores entrevistados
são efetivos e tem cerca de dois anos de atuação na EJA, no
entanto nenhum professor prestou concurso para esta modali-
dade, ou seja, são concursados em outras modalidades de ensi-
no, mas como são concursados com carga horária de 40 horas
semanais, tiveram que assumir carga horária também no turno
noturno, que na maioria das vezes a única opção é a EJA. De
acordo com Farias (2011, p.67), “a formação inicial é a primei-
ra etapa do processo de docência, porém nem mais nem me-
nos importante do que a formação continuada”. A partir des-
se entendimento, acredita-se que os professores formados em
Pedagogia têm mais facilidade e metodologias mais adequadas
para trabalhar com EJA. Outro dado importante é que perce-
beu-se que os professores que tem experiência a mais de dois
anos independente de áreas de formação também demonstram

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o desenvolvimento de um trabalho significativo. No que tange


a formação continuada, verificou-se que 40% dos professores
entrevistados fazem formação continuada em áreas diversas
como: gestão escolar, pedagógica indígena, nenhum professor
faz formação continuada na área da EJA.
Cabe destacar ainda que das cinco escolas investiga-
dos, apenas duas escolas se mobilizam para que os alunos per-
maneçam na escola de forma efetiva e para que isso ocorra são
realizadas pelos professores e gestor visitas domiciliares aos
alunos evadidos a fim de conhecer os reais motivos do afas-
tamento e ou ausência da sala de aula. Alem das visitas essas
escolas trabalham com projetos de aprendizagens, jogos, pa-
lestras, atividades esportivas e gincanas. Acerca dessa questão
Rios, Apud, Farias (2011, p.166), afirma que: “Entende-se que a
aula ultrapassa as quatro paredes de uma sala está além se seus
limites, no envolvimento de professores e alunos com a aventu-
ra do conhecimento, do relacionamento com a realidade”.
As narrativas dos entrevistados que não tiveram em
sua formação discussões teórico-metodologica acerca da EJA
revelaram concepções mais fechadas, ou seja, menos flexíveis
acerca das singularidades e ou particularidades dessa mo-
dalidade de ensino. Estes professores ao se depararem com
a evasão na EJA não se sentem na obrigação de fazer visitas
domiciliares e nem de sensibilizar os alunos da importância
da permanecia na escola. De acordo com o Professor Márcio:
“todos são adultos, sabem de suas obrigações, não precisamos
ficar adulando para estudar”. Os professores devem, portanto,
conhecer os alunos, suas necessidades, seus anseios, sonhos e
objetivos. Segundo Soares (2005, p.128):
Compreende-se a singularidade de cada percurso, in-
teressando-se pela história de formação das pessoas,
pelos processos de desenvolvimento e de aprendiza-
gem por meio dos quais se constroem e transformam-
-se saberes, representações, atitudes, valores, hábitos,
imagem própria e identidade, em suma, tudo aquilo
que faz único cada ser.

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Vale ressaltar que alguns dos entrevistados além de


não ter leituras aprofundadas sobre a EJA também não pos-
suem formação inicial na área que atua. A Coordenadora da
EJA é formada em Química, no entanto, atua nesta área há
aproximadamente dez anos. No que se refere aos gestores das
escolas, os pedagogos e os professores de 1º segmento todos
tem formação em pedagogia com pós-graduação em gestão
escolar. Já os professores que atuam no 2º segmento são forma-
dos na área de conhecimento especifico, porém, os professo-
res que atuam na disciplina de Ciências formados em Ciências
Biológicas, atuam também na disciplina de Inglês. Outro fator
preocupante é que o professor formado em matemática minis-
tra a disciplina de Artes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDB n° 9.394/96), no Art. 62, determina que “a
formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á
em nível superior, em cursos de licenciatura, de graduação ple-
na, em universidades e institutos superiores de educação”.
Já a Resolução/FNDE/CD/n° 48 de 28 de novembro
de 2008, estabelece orientações para a apresentação, seleção
e apoio financeiro a projetos que visem à oferta de cursos de
formação continuada na modalidade de Educação de Jovens e
Adultos no formato de cursos de extensão, aperfeiçoamento e
especialização. Portanto os professores de EJA da rede muni-
cipal de ensino de Tefé precisam urgentemente de uma forma-
ção teórico-metodológica que traga novos conhecimentos para
atuarem em sala de aula.
Ao analisar os dados coletados verificou-se que ape-
nas 20% dos professores entrevistados tiveram no decorrer da
graduação uma disciplina que discutiu a educação de jovens e
adultos. Do universo de professores entrevistados, 20% afirma-
ram ter estudado Educação de Jovens e Adultos na graduação
de pedagogia e 80% dos entrevistados revelaram não ter es-
tudado na graduação nenhuma disciplina relacionada à EJA,
entre esses professores estão os docentes das diferentes licen-
ciaturas, mas também tem-se alguns formados em pedagogia.

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Segundo Alliaud (apud SCHWARTZ, 2012, p.80), “a trajetória


escolar vivida pelos docentes durante o tempo em que foram
alunos possui um caráter formativo, e tende a permanecer,
apesar das características que assume a formação especifica”.
Ainda de acordo com Schwartz (2012, p.82), “o saber fazer pre-
cisa fazer parte do currículo da formação docente”. Dessa for-
ma tem-se a necessidade da formação continuada ou específica
para atuar com a EJA, já que na maioria dos cursos de gradua-
ção não existe esta opção, apenas o curso de Pedagogia oferece
a disciplina EJA nos componentes curriculares.
No que se refere à formação continuada, percebeu-
-se a partir da fala da Coordenadora de EJA Simone Sales que
a última vez que a Secretaria Municipal de Educação ofere-
ceu aos docentes da EJA a formação continuada no municí-
pio foi em 2006, e que a Universidade do Estado do Amazo-
nas (UEA) ofereceu pós-graduação em EJA no ano de 2010,
com 40 vagas, no entanto estes professores não atuam na área.
A Coordenadora supracitada ainda afirma que a Secretaria
Municipal de Educação oferece todos os meses encontros pe-
dagógicos que levam sugestões de atividade e oficinas para
trabalhar com EJA.
As narrativas dos entrevistados relevaram outros da-
dos importantes, como por exemplo, a mudança do perfil dos
estudantes da EJA. Segundo os docentes nos últimos anos tem-
-se uma mudança constante na faixa etária dos alunos, uma
vez que há uma década as turmas de EJA eram compostas por
adultos entre 30 a 60 anos de idade, bem diferente da atuali-
dade, pois tem-se a cada dia em sala de aula da EJA, pessoas
cada vez mais jovem e estes pertencem a faixa etária entre 15 a
20 anos. Assim, percebe-se que as salas de aulas da EJA estão
compostas por alunos cada vez mais jovens e por isso, a meto-
dologia adotada pelo professor precisa ser diferenciada, já que
os mais adultos não se acostumem com o comportamento dos
mais jovens, que apresentam valores e comportamentos dife-
rentes. Segundo a professora Shirley,

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É uma realidade que observei nos últimos anos e que


fazem com que o professor mude constantemente
suas metodologias, e fica difícil trabalhar, os jovens
são mais difíceis de lidar do que os adultos, esses jo-
vens são os mais responsáveis pela evasão, os mais
adultos sempre conseguem com responsabilidade
prosseguir nos estudos.

Para compreender o processo de formação dos educa-


dores precisamos analisar não apenas a formação inicial, pois,
é necessário ampliar as trajetórias docentes na construção dos
saberes pedagógicos. Segundo Farias (2011, p.10):
O saber o que fazer e como fazer sentido vinculado
ao para que fazer. Este conhecimento, que caracteriza
a Didática, é fundamental ao exercício da docência.
Esta perspectiva se apóia na ideia de que o fazer do-
cente é uma atividade que exige rumo e partilha.

De acordo com Teixeira (1996, p.181), embora a ex-


periência de magistério influencie significativamente na “defi-
nição da identidade do professor, é inegável que o mundo por
ele vivido envolve outras práticas e espaços sociais que apre-
sentam territorialidade, rituais, linguagens e gramaticalidade
próprios”, uma vez que migrar do ensino clássico ou tradicio-
nal para os novos enfoques andragógicos é, no mínimo, traba-
lhoso. O corpo docente envolvido nesta migração precisa ser
preparado, inclusive através de programas andragógicos a fi-
nal, são adultos em aprendizagem. Burley (apud CAVALCAN-
TI, 1999, p.05) enfatizou o uso de métodos andragógicos para
educadores de adultos:
O professor precisa se transformar num tutor eficien-
te de atividades de grupos, devendo demonstrar a
importância prática do assunto a ser estudado, teve
transmitir o entusiasmo pelo aprendizado, a sensa-
ção de que aquele conhecimento fará diferença na
vida dos alunos; ele deve transmitir força e esperança,
a sensação de que aquela atividade está mudando a
vida de todos e não simplesmente preenchendo espa-
ços em seus cérebros.

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Nesse contexto, percebeu-se que a cada ano que passa


é crescente o número de jovens e adultos que ingressam na EJA
nas escolas do município de Tefé, também cresceu a procura
de professores graduados em diversas áreas para atuar na mo-
dalidade.
De acordo com Soares (2005), as discussões em torno
da formação do professor vêm ganhando força e destaque para
que as universidades e os Departamentos de Educação criem
cursos de graduação, em nível de licenciatura e de pós-gra-
duação, em nível de especialização ou de Mestrado para dar
conta dessa formação específica em EJA, reformulando-se as
políticas educativas das instituições de ensino, essas formações
conduzem o professor a métodos e estratégias que facilitem o
fazer pedagógico de jovens e adultos.
Identidades e Concepções dos Professores da EJA em Tefé
O processo de formação da identidade do professor
da EJA, sua história de vida, sua formação como docente e
suas práticas pedagógicas são elementos responsáveis pelas
identidades profissionais e concepções em relação à EJA. O
professor como profissional deve está sempre em busca de
aperfeiçoamento e construir um perfil que traga bons frutos
em sala de aula. O docente da modalidade EJA constrói no
decorrer de sua vida profissional seu modo de ser e de estar
na profissão. É em busca dessa identidade profissional que
procuramos traçar um perfil dos professores de EJA. Para Fa-
rias (2011, p.58):
A constituição da identidade é um processo sócio-
-histórico vinculado à humanização do homem que
prossegue argumentando que a identidade profis-
sional não se desloca das múltiplas experiências de
vida, tanto pessoal como profissional. Apoiada nesse
pressuposto ressalta a história de vida, a formação e a
prática docente como elementos constituintes do pro-
cesso identitário profissional do professor.

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Nesta investigação, todos os entrevistados, afirmaram


que enfrentam dificuldades ao trabalhar com a EJA. Os desa-
fios mais citados foram os seguintes: a evasão escolar, a adoção
de metodologias adequadas para jovens e adultos, as visitas do-
miciliares, a realização de pesquisas de novas metodologias, as
novas dinâmicas e atividades para adultos e o cumprimento
dos conteúdos do plano de curso.
Em uma perspectiva de oposição à racionalidade téc-
nica e a favor de uma construção de identidade docente e da va-
lorização do profissional de educação, Nóvoa (apud CUNHA,
2009, p.54) afirma que:
A formação de professores pode desempenhar um
papel importante na configuração de uma nova pro-
fissionalidade docente, estimulando a emergência de
uma cultura organizacional no seio das escolas. Esta
nova profissionalidade [...] deve tornar o professor
capaz de dominar os saberes que realizam em suas
práticas, confrontando suas experiências junto ao
contexto escolar em que está inserido, sendo que a
formação deve ser entendida como espaço de traba-
lho e formação.

A luz desse entendimento acredita-se que a prática


educativa é acima de tudo um desafio, pois o educador cons-
ciente passa grande parte do seu tempo questionando-se e re-
vendo conceitos. Para Freire (1997), é ingenuidade dar à espe-
rança um poder absoluto de resolução de conceitos, concep-
ções e conteúdo, no entanto, se aliadas a ela encontram-se o
esforço, a capacidade, a persistência e humildade, o educador
está no caminho certo.
No que se refere ao âmbito local verificou-se que são
poucos os professores que atuam no sentido de mudar a rea-
lidade da Educação de Jovens e Adultos, ou seja, de trabalhar
com esperança, comprometimento e responsabilidade, a maio-
ria atua na modalidade por necessidade e não por se identificar
com a área, esse é apenas um dos pontos negativos encontrados
na pesquisa. Ao investigar os elementos da identidade docente

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percebeu-se que muitos professores da EJA ainda buscam uma


identidade profissional, outros, se quer tem esta preocupação.
A respeito disso, Caldeira (2000, p. 2), salienta que:
Como sujeito sociocultural, o/a professor/a constrói
sua identidade profissional a partir de inúmeras re-
ferências. De um lado, estão a significação social da
profissão e as relações com as instituições escolares,
com outros docentes, com as associações de classe,
etc. De outro lado, está o significado que cada pro-
fessor/a confere ao seu trabalho docente, o que inclui
desde sua história familiar, sua trajetória escolar e
profissional, até seus valores, interesses e sentimentos,
suas representações e saberes, enfim, o sentido que
tem em sua vida o ser professor/a.

As fontes revelaram que alguns professores por traba-


lharem há anos na EJA, já possuem uma identidade profissio-
nal construída e em constante renovação, esses professores têm
uma certa facilidade em atuar na EJA e cativam os alunos de
forma dinâmica. Já os professores que não tem sua identidade
docente definida, são geralmente inseguros, ministram aulas
cansativas, escrevem muito no quadro, não buscam novas me-
todologias e vivem em uma rotina completamente chata. A este
respeito Cadeira (2000, p.2), afirma que:
A identidade profissional docente não é algo que pode
ser adquirido de forma definitiva e externa. Ela é mo-
vediça e constitui-se num processo de construção/
desconstrução/reconstrução permanente, pois cada
lugar e cada tempo demandam redefinições na iden-
tidade desse profissional. Trata-se, assim, de um pro-
cesso de produção do sujeito historicamente situado.
Ela ocorre, portanto, em um determinado contexto
social e cultural em constante transformação, refle-
tindo um processo complexo de apropriação e cons-
trução que se dá na interseção entre a biografia do
docente e a história das práticas sociais e educativas,
contendo, deste modo, as marcas das mais variadas
concepções pedagógicas.

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Portanto, há que se considerar que, é urgente o des-


pertar dos professores para a formação inicial e continuada em
EJA, bem como a busca de suas identidades docentes, para se
ter uma educação de qualidade nesta modalidade.
As Práticas Pedagógicas dos Professores de Ciências da EJA
em Tefé
Os professores das escolas municipais em Tefé que
atuam na EJA, primeiro segmento, são formados em Pedago-
gia, organizam suas aulas por área de conhecimento e a disci-
plina de ciência está incluída na área de estudo da sociedade
e da natureza, ou seja, a turma tem apenas um professor para
trabalhar todas as áreas de conhecimento e, portanto, se o pro-
fessor tiver preparado poderá atuar de forma interdisciplinar,
o que torna a aula muito mais rica e interessante. O primeiro
segmento é composto pela primeira etapa (1º ao 3º ano) e se-
gunda etapa (4º e 5º ano), pela lógica da estrutura curricular o
professor deverá trabalhar apenas com uma etapa do primeiro
segmento, exceto aquelas turmas que não tem o número sufi-
ciente de alunos matriculados. Quando isso acontece, são uni-
das as duas etapas, e o professor trabalha com dois diários de
classe e dois planos de curso.
No que se refere ao segundo segmento percebeu-se
que os professores são formados em licenciatura de Ciências
Biológicas e, portanto estão habilitados para atuarem na disci-
plina de Ciências, no entanto esta é trabalhada de forma isola-
da, o professor se preocupa em organizar seus planos, mas que
em sua opinião a disciplina é ministrada de forma interessan-
te e proveitosa. Segundo a Professora Shirley, a disciplina de
Ciências:
É uma disciplina que forma opiniões críticas onde os
alunos trazem problemas de suas casas, de suas plan-
tações e que muitas vezes transformamos em projetos
pedagógicos de sucesso na escoa como exemplo temos
a realização do projeto EJA na enchente, os alunos fi-
zeram um documentário sobre a enchente que afeta

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o município, e os principais problemas que ocorrem


devido essa ação da natureza, os tipos de moradias.

O Ministério da Educação e Cultura criou um docu-


mento destinado aos professores de Ciências Naturais na EJA,
ressaltando propostas mais eficazes no ensino, utilizando-se de
métodos apropriados para desenvolver conteúdos que não se-
jam infantilizados, com uma abordagem própria para adultos.
Outro aspecto importante refere-se à flexibilidade do profes-
sor, ao organizar conteúdos em forma de temas, permite uma
liberdade maior para escolher e desenvolver conteúdos da rea-
lidade dos alunos. (BRASIL, 2002).
Em âmbito local recebeu-se que o professor que cria
essa liberdade, que valoriza a realidade da turma, cria con-
dições favoráveis para suas aulas de ciências, contribuem de
forma significativa para a vida diária dos alunos. Acerca dessa
questão a Professora Dalvanice, afirma que:
Seus esforços contribuem mais não são suficientes,
pois a lida com jovens e adultos envolvem muitos
problemas, como evasão, merenda escolar, muitos
exigem jantar e não só um lanche á noite, materiais
necessários como laboratórios de ciências, tudo isso
precisa que as autoridades reflitam a necessidade de
tornar o ensino da EJA com qualidade.

Todos os sujeitos envolvidos na pesquisa, inclusive a


Coordenadora da EJA, revelaram que se sentem descrimina-
dos por atuarem na EJA, e isso vem de muito tempo, a EJA
sempre foi deixado à margem da sociedade, não há valorização
dessa área. Os entrevistados revelaram ainda que o material di-
dático-pedagógico só é distribuído para a EJA se por um acaso
sobrar das outras modalidades de ensino, até os comunicados
nas escolas para o turno noturno é difícil de repassarem, ou
seja, não há uma boa comunicação e ou interação dos profis-
sionais que atuam nos turnos matutinos e vespertinos com os
profissionais que atual no turno noturno. Segundo a Professora
Maria:

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É preciso um olhar mais carinhoso para essa modali-


dade, como qualquer outra somos amparados por Lei
e temos o direito como todos os professores e alunos
de outras modalidades, recentemente o governo dis-
tribuiu tabletes aos professores da rede municipal e
como sempre os professores da EJA ficaram de fora.
Até os alunos relatam que são discriminados quando
procuram emprego, quando prestam concurso ou fa-
culdade e vêem que prestaram um ensino acelerado
é como tacham a EJA de ensino acelerado sem quali-
dade é preciso mudar esse pensamento e mostrar que
todos os agentes envolvidos com a EJA precisam de
receptividade da sociedade e para construir uma so-
ciedade integradora e garantir uma educação para to-
dos; além disso, a EJA oferece uma chance às pessoas
que não tiveram oportunidade. Essa situação impõe a
necessidade de se promoverem mudanças profundas
para que todos os alunos, sem qualquer tipo de discri-
minação, desenvolvam ao máximo suas capacidades
pessoais, sociais e intelectuais.

A Constituição Federal de 1988, no Art. 1º assegura


o “Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa hu-
mana e o pluralismo político”. Já o Art. 3º afirma ser “objetivo
fundamental da república promover o bem de todos, sem pre-
conceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação”. No entanto, ainda temos muito a
trilhar para que os preconceitos sejam superados/quebrados e
que os seres humanos aprendam que o respeito às diferenças
deve ser um dos princípios básicos para a construção de uma
sociedade mais justa, humana e democrática.

Conclusões

A investigação da formação inicial e continuada de


professores em Tefé revelou que os decentes que atuam na EJA
possuem ensino superior, mas que nem sempre esta formação
está ligada a área do conhecimento. No primeiro segmento
todos os professores são formados em Pedagogia e, portanto

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atendem aos requisitos básicos para a contratação. Já os pro-


fessores que atuam no segundo segmento apesar de possuírem
graduação, demonstram dificuldades para atuar em turmas de
EJA.
A partir desses dados, partimos da premissa de que,
é necessário, que as universidades em parceria com as secre-
tarias de educação ofereçam a formação inicial e continuada
para professores, a fim de que estes tenham os conhecimentos
necessários para trabalhar nesta modalidade de ensino.
A pesquisa apontou que 80% dos professores pos-
suem uma carga horária de 40 horas semanais, ou seja, traba-
lham os três turnos e que é o momento de refletir não apenas
sobre a atuação em EJA, mas também acerca da carga horária
dos professores, pois estes necessitam de tempo para estudar,
planejar e ministrar suas aulas com mais qualidade.
Percebeu-se que as identidades e concepções dos do-
centes apontam para uma intensa busca, no entanto tem-se
uma parcela de professores que está alheia a esta questão.
Como resultado da prática do ensino de Ciências, ve-
rificou-se que esta é uma das mais valorizadas e significativas
para os alunos, talvez pelo fato dos professores valorizarem nas
aulas as vivências dos alunos, no entanto, isso não é suficiente
para sanar as dificuldades e os desafios enfrentados na EJA.
No que tange as demais disciplinas, acredita-se que também
precisam ser repensadas, pois na maioria das vezes não estão
de acordo com a realidade dos alunos.
Para finalizar, acredita-se que a formação inicial e
continuada reflete na construção de suas identidades e con-
cepções acerca da EJA, pois o professor que se identifica como
profissional constrói suas concepções acerca da educação de
jovens e adultos, e não é pego de surpresa quando ocorrem os
imprevistos. A construção da identidade e concepções acerca
da EJA possibilita ao professor uma reflexão de suas práticas
educativas e dá a oportunidade para que ele possa planejar suas
ações, sem improvisos e nem adaptações do ensino regular.

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Referências Bibliográficas
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EJA: A transformação no olhar do aluno. São Paulo: Telos,
2006.
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na Educação de Jovens e Adultos. Brasília, MEC/SEF/
COEJA, 2002.
CALDEIRA, Ana Maria Salgueiro. A História de Vida
como Instrumento para Compreensão do Processo de
Construção da Identidade Docente. Encontro Nacional de
Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), 10, Anais. [cd-rom],
Rio de Janeiro, 2000.
FARIAS, Isabel Maria Sabino. et al. Didática e Docência:
Aprendendo a Profissão. 3.ed. Brasília: Liber Livro, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes
necessários para a prática educativa. 24.ed. Rio de Janeiro: Paz
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SCHWARTZ, Suzana. Alfabetização de Jovens e Adultos:
Teoria e Prática. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
SOARES, Leôncio (org.). Aprendendo com a Diferença:
Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005.

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A PRESENÇA DA EJA NA FORMAÇÃO INICIAL


DE PROFESSORES DE LICENCIATURA EM
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DO IFAM

SANTOS, Raquel 1
CHAGAS, Edvanio 2
OLIVEIRA, Giseli 3
Introdução
A educação de jovens e adultos (EJA) é uma modali-
dade de ensino da educação formal que atende a uma clientela
de pessoas que por diferentes fatores não concluíram os seus
estudos na idade adequada. Essa modalidade de ensino tem
suas origens na história da educação brasileira como um todo.
A história do EJA em nosso país é marcada pela injustiça so-
cial, as relações de poder, domínio e humilhação estabelecida
entre a elite e as classes populares que vivenciava a injustiça
social representada pelo analfabetismo.
A EJA no Brasil foi fortemente influenciada pelo
pensamento pedagógico de Paulo Freire, se tornando uma re-
ferência ao propor uma nova prática para a alfabetização de
adultos, o método Paulo Freire teve uma repercussão nacional
e internacional, apoiados em suas ideias na chamada Pedago-
1 Graduanda em Licenciatura em Física. Estudante. Instituto Federal
do Amazonas. E-mail: raquel.serebia@gmail.com
2 Licenciado em Física, Mestre em Ensino de Ciências. Professor do
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS) – campus
Coxim. edvanio.chagas@ifms.edu.br
3 Graduanda em Licenciatura em Ciências Biológicas. Estudante. Ins-
tituto Federal do Amazonas. E-mail:giselyalbuquerque12@hotmail.
com

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gia da Libertação no qual escreveu em seu livro, Pedagogia dos


Oprimidos, inspirando as principais propostas de alfabetização
e educação popular que se realizaram no país no início dos anos
60, para a construção de uma nova sociedade.
Nesse sentido, a partir dos anos 60, a EJA passou por
mudanças significativas, desde a alfabetização realizado por
Freire junto a comunidade de cortadores de canas até o modelo
atual, em que se assemelha ao ensino tradicional. Podemos citar
alterações como a abordagem do conteúdo, o currículo, públi-
co-alvo e formação de professores.
Atualmente a EJA é uma modalidade da educação bá-
sica, e não mais um programa ou projeto como outrora, sendo
assim, há uma busca por ações para a inserção dessa cliente-
la na sociedade como cidadãos participativos com autonomia
para decidirem e lutarem pelos seus ideais, cabe à escola e ao
educador ajudar o aluno a perceber os conhecimentos que já
fazem parte da sua vida e sua importância no processo educa-
tivo auxiliando na apropriação, construção e transformação do
conhecimento, superando a educação bancária que permanece.
As propostas de Paulo Freire a respeito da educação de
jovens e adultos geram reflexões tendo como ponto de partida a
vida humana, na comunidade, dentro de uma cultura em con-
vivência com o outro, a tomada de consciência crítica da sua
condição de vida, dos mais massacrados pelo sistema aqueles
que sofrem injustiças, exclusões, discriminações, os oprimidos,
os que não têm ou não tiveram acesso à escola no momento
devido.
O currículo na EJA ainda se baseia em uma abordagem
reducionista que privilegia o raciocínio lógico, copiando o mes-
mo modelo de aula desenvolvido no ensino regular, os alunos
apresentam dificuldades de leitura, escrita, portanto, é necessá-
ria a reformulação de conteúdos e metodologias para o ensino
de ciências da EJA, como esclarece Fialho e Reis (2007) a nova
LDB e as leis educacionais vieram constituir um novo avanço
para a EJA, possibilitando-a ser mais democrática e dialógica,

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procurando ouvir as experiências dos alunos, afim de que estes


venham a ser sujeitos ativos na construção do conhecimento e
fazer da educação uma forma de intervenção no mundo.
Não é possível criar uma sociedade civil desejada sem
que adultos ou jovens, tenha oportunidade de inserção na so-
ciedade a qual pertence como entes sociais, políticos no mun-
do e com um preparo que lhes permita superar as barreiras que
se defrontam.
Dentro dessa perspectiva o ensino na EJA nota-se
uma sobrecarga de conteúdos, um currículo extenso e prede-
terminado a ser desenvolvido em um curto espaço de tempo
implicando nas dificuldades de aprendizagem dos alunos e na
organização do trabalho docente. Esta dificuldade é percebida
principalmente nas disciplinas das ciências (Química, Física,
Matemática e Biologia)
No ensino de disciplinas como ciências e biologia são
privilegiados termos, descrições científicas, conceitos. Nas au-
las de física os discentes apresentam dificuldades na interpre-
tação dos enunciados e resolução de problemas, defasagem de
conhecimentos em relação à série/ano que está cursando, mui-
tos professores buscam estratégias para superar este impasse,
além da falta de coerência presente nos conteúdos dos livros
didáticos com a realidade do público alvo.
Neste sentido a proposta realizada por Freire, aponta
que o ensino na EJA deve ser a partir dos saberes do educando,
da sua realidade. Neste sentido afirma:
Proponho e defendo uma pedagogia crítico dialógica,
uma pedagogia da pergunta, discutir com os alunos
a razão de ser de alguns desses saberes em relação
com o ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar
a experiência que tem os alunos de viver em áreas da
cidade descuidadas pelo poder público para discutir,
por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e
os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões
e os riscos que oferecem a saúde das gentes. (Freire,
1997)

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Os conteúdos abordados ou até mesmo o próprio do-


cente tendem a não valorizar o conhecimento dos educandos
ou não sabem como elaborar um material inerente à forma de
vida deles acarretando na utilização de métodos e modelos que
comprometem a aprendizagem. Diante deste cenário, pode-se
levantar como hipótese a limitações na formação inicial (gra-
duação).
Essa dificuldade pode está relacionado à formação
inicial desses profissionais que irão atuar com o ensino de ciên-
cias junto ao EJA muitas vezes em seus cursos não existem dis-
ciplinas obrigatórias ou optativas que oferecem bases teóricas,
conceituais e práticas para os licenciados e contemple essa mo-
dalidade de ensino com uma diferente demanda pedagógica.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores da Educação Básica é composto por um conjun-
to de fundamentos, princípios e procedimentos que orientam
a organização curricular dos cursos, conforme este documento
os licenciados devem ser preparados para atuarem nas dife-
rentes etapas e modalidade da Educação Básica no qual cita a
educação de jovens e adultos presentes no artigo 6° inciso II,
“conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos,
aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades
educacionais especiais e das comunidades indígenas”.
Assim é importante questionar como está sendo abor-
dada a EJA na formação inicial de professores. Esta sendo rea-
lizada a luz da orientação? A formação permite ao egresso sub-
sídio para se trabalhar na EJA?
Dessa forma este trabalho tem como objetivo apre-
sentar os resultados de uma pesquisa que investigou como a
EJA é abordada na formação inicial dos do curso de Ciências
Biológica ofertado pelo IFAM.
Metodologia
A pesquisa realizada é do tipo qualitativa, segundo
Martins (2004):

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As chamadas metodologias qualitativas privilegiam


de modo geral, da análise de microprocessos, atra-
vés do estudo das ações sociais individuais e grupais.
Realizando um exame intensivo dos dados, tanto em
amplitude quanto em profundidade, os métodos qua-
litativos tratam as unidades sociais investigadas como
totalidades que desafiam o pesquisador. (MARTINS,
2004, p. 292)

Para contextualizar o problema foi realizada uma pes-


quisa do tipo bibliográfica e exploratória. A pesquisa biblio-
gráfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, consti-
tuído principalmente de livros e artigos científicos Gil (2008).
Utilizamos como procedimentos metodológicos da pesquisa,
leituras com referência ao tema para seu embasamento teórico,
análise do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) com sua respec-
tiva matriz curricular e ementas das disciplinas obrigatórias e
optativas, buscando observar evidências que se tratasse especi-
ficamente da EJA.
A pesquisa exploratória é desenvolvida com o obje-
tivo de proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo,
acerca de determinado fato Gil (2008).
Observação dos parâmetros das Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Formação de Professores, aplicação de
um Questionário com perguntas abertas direcionadas aos alu-
nos do curso de Ciências Biológicas e dessa forma verificar a
ocorrência de menções e relações a EJA durante a formação
dos licenciados. A análise dos dados coletados no questionário
constitui-se por meio da abordagem qualitativa devido à flexi-
bilidade técnica na interpretação das evidências.
Resultados e Discussão
Os resultados apresentados a partir da análise do Pro-
jeto Pedagógico do Curso (PPC) mostram que em relação à
matriz curricular apresenta como optativa a disciplina Ensino
de Jovens e Adultos (EJA) com uma carga horária semestral de
40h, distribuída em uma carga horária semanal de 2 tempos de

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aula, é oferecida especificamente para os cursos de Licencia-


tura em Ciências Biológicas e Licenciatura em Química, livre
para os demais cursos sem pré-requisitos.
A ementa da disciplina é composta por características
da modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos, sua
história, suas dificuldades e métodos de ensino, contexto his-
tórico, as leis que fundamentam e as políticas de educação di-
recionadas ao EJA. O objetivo geral da disciplina é conhecer os
fundamentos históricos, projetos implantados e as concepções
sobre a Educação de Jovens e Adultos, a abordagem é teórica
e os procedimentos metodológicos são aulas teóricas, análise
de textos, vídeos, dinâmicas de grupo, vivenciando a relação
teoria-prática nas escolas.
De acordo com o levantamento da pesquisa por
meio de diálogo informal com egressos do curso e auxílio do
Questionário a disciplina optativa Ensino de Jovens e Adultos
(EJA) foi oferecida no segundo semestre do ano de 2013, pelo
curso de Licenciatura em Química tendo como público os
alunos dos quatro cursos de Licenciatura existentes na insti-
tuição. Fazendo uma leitura das ementas das disciplinas obri-
gatórias identificamos a disciplina Legislação do Ensino com
uma carga horária semestral de 40h e carga horária semanal
de 2 tempos de aula, a ementa tem como base compreensão
e análise crítica da função social da organização da educa-
ção brasileira escolar e da legislação educacional referentes à
Educação Básica, com suas diferentes modalidades de ensino,
como elementos de reflexão e intervenção na realidade edu-
cacional brasileira.
Em resposta as perguntas da pesquisa é possível afir-
mar que os discentes na composição da sua grade curricular
há uma disciplina optativa exclusiva em consonância com
as DCN, porém o aluno do curso apresenta uma carência de
orientação na sua formação inicial para entendimento de uma
possível atuação docente nesta modalidade de ensino. Segundo
Barbosa (2012):

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É preciso fundamentar a formação inicial de tal for-


ma que gere atitudes dialéticas a fim de acompanhar
o ritmo acelerado das mudanças que ocorrem na so-
ciedade, e criar métodos de transformação da realida-
de social, bem como aprender a superar as limitações
pessoais e as frustrações que podem vir a ocorrer no
processo em relação à modalidade EJA. (p.01)

Nesse sentido, é preciso aprofundar a discussão so-


bre a formação inicial de professores que atuaram não só com
crianças e adolescentes, mas também com jovens e adultos, a
efetivação de disciplinas de EJA nos cursos de Licenciatura, a
formação inicial precisa ser baseada na relação teoria-prática
para que o discente entre em contato com as diferentes realida-
des evitando a reprodução de práticas opressoras, que mantém
as desigualdades sociais.
A pesquisa de campo foi realizada com os com os alu-
nos do curso de Ciências Biológicas por meio de um Questio-
nário com 8 questões abertas enfatizou o eixo de concepções
sobre o EJA na formação inicial, este instrumento de coleta de
dados obteve uma amostra de 10 discentes do 7° período para
salvaguardar o anonimato dos participantes envolvidos o gru-
po foi codificado como D (discente).

1) Você já estudou na modalidade EJA?


Respostas Relevantes
Todos os entrevistados da amostra responderam: Não

2)Descreva quais as dificuldades enfrentadas quando estudou.


Respostas Relevantes
Todos os entrevistados da amostra deixaram a resposta em branco.

Com relação à primeira questão, pode-se perceber


que nenhum dos discentes da amostra provém da modalidade
EJA, todos concluíram seus estudos no ensino formal, a segun-
da questão estava vinculada a primeira, portanto, os partici-
pantes não responderam deixando o campo em branco, as per-

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guntas nesse contexto foram relevantes sendo possível dessa


forma caracterizar o público que o curso recebe.

3) O que você sabe a respeito desta modalidade de ensino?


Respostas Relevantes
Ajuda a dar oportunidade de estudo para pessoas que por algum
motivo não conseguiram estudar. (D1)
Nada. (D7)
Que é um meio rápido de avançar de série. (D9)
É uma modalidade que é voltada para a educação de adultos que
não estudam há um tempo. (D4)
Uma modalidade criada com intuito de proporcionar um ensino
de qualidade para aqueles que não tiveram quando cursava. (D2)

Na terceira questão, os licenciados acordaram de


modo de geral a mesma concepção, compreendendo a EJA
como uma modalidade de ensino que busca desenvolver o
processo de aprendizagem para as pessoas que não tiveram
oportunidade de concluir seus estudos no ensino formal, com
respostas apenas centralizadas na pergunta sem reflexões mais
relevantes ao âmbito da EJA.

4) Você tem vontade ou curiosidade sobre como seria trabalhar


com este público?
Respostas Relevantes
Gosto, procuro me colocar no lugar destas pessoas e por isso pro-
curo ajudar. (D5)
Sim, pois é bem diferenciado da modalidade de ensino com a qual
estamos acostumados. (D7)
Oportunidade de trabalhar novas metodologias. (D3)
Não, por questão de afinidade preferiria trabalhar com alunos do
ensino médio. (D10)
Não, já trabalhei uma vez, alunos dispersos e sem concentração,
pois já chegam cansados de seus respectivos trabalhos e isto difi-
culta a aprendizagem. (D8)

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Em relação à quarta questão, referente ao interesse em


como seria trabalhar com esse público a maioria dos partici-
pantes respondeu de forma positiva, alguns não manifestaram
quais seriam suas motivações a ausência de justificativas pode
está associada ao modo como o curso desenvolve a formação
inicial destes alunos, devendo ser repensada como afirma Ri-
bas e Soares (2012) apud Ens (2006):
Para superar a formação fragmentada, tanto a insti-
tuição formadora de professores como os formado-
res e os futuros professores, precisam assumir que na
‘sociedade globalizada’ se convive, simultaneamente,
com a inovação e a incerteza. Por isso, a educação dos
seres humanos se torna mais complexa, e a formação
do professor, também, passa a assumir essa crise com-
plexidade. Para superar a dicotomia entre ensino e
pesquisa, teoria e prática, e possibilitar a construção
de uma práxis dinamizada pela iniciativa, pelo envol-
vimento do futuro professor em projetos educativos
próprios e fundamentados (p. 12 -13).

É preciso aprofundar a discussão sobre a formação


inicial para os licenciados no ambiente de sua formação para a
construção do conhecimento de forma crítica destacando-se a
fala de Freire (1987) “somente o dialogo, que implica um pen-
sar critico, é capaz, também, de gerá-lo”, pois eles enfrentarão
de perto as reais necessidades e especificidades dos mais diver-
sos públicos neles incluídos os jovens e adultos.

5) A educação de jovens e adultos poderia ser um tema que você


abordaria na sua monografia, pibic ou artigo científico?
Respostas Relevantes
Sim, oportunidade por ampla discussão. (D6)
Não, devido optar por tema do meu interesse de pesquisa. (D8)
Sim, pois há várias formas de se trabalhar com esse público e com
os mais diferenciados temas. (D7)
Sim, pois é um público rico em informações. (D1)

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A quinta questão trata a abordagem da educação de


jovens e adultos como temática para a monografia ou produ-
ção acadêmica, a maioria dos entrevistados apenas respondeu
que abordaria o tema sem maiores justificativas, pode-se per-
ceber o ideal seria que o licenciando tivesse uma formação a
qual abrangesse de modo mais presente essa modalidade da
educação formal, onde há toda uma trajetória histórica marca-
da pelas lutas de classe.

6) O curso de Ciências Biológicas oferece ou ofereceu alguma


disciplina optativa/obrigatória a respeito da educação de jovens e
adultos para o egresso atuar nesta modalidade de ensino? Qual?
Respostas Relevantes
Não sei ainda não vi ou não lembro. (D5)
Sim, Educação de Jovens e Adultos. (D4)
Sim, EJA. (D3)
Não. (D2) Não justificou a resposta
Não. (D10) Não justificou a resposta
Não. (D1) Não justificou a resposta

Com relação à sexta questão, a maioria dos entre-


vistados afirma que o curso de Ciências Biológicas não oferta
disciplina obrigatória ou optativa a respeito da educação de jo-
vens e adultos, portanto os discentes descobrem a existência da
disciplina Ensino de Jovens e Adultos (EJA) que compõem a
grade das disciplinas optativas do seu curso um dos motivos le-
vantados para esse desconhecimento seria que os mesmos não
estariam de forma explícita tendo acesso a essas informações
que devem ser amplamente divulgadas pelo curso.

7) Você se sentiria apto (a) para atuar na EJA após a conclusão do


seu curso?
Respostas Relevantes
A maioria dos entrevistados afirmou se sentir apto para atuar na
EJA afirmando: Sim

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A sétima questão, a maioria dos entrevistados acre-


dita está apto para atuar na EJA após a conclusão do seu cur-
so de Licenciatura, porém é possível perceber que a maioria
dos discentes nunca teve contato com a teoria e prática para a
docência na educação de jovens e adultos. Freire (1997) alega
que quando conhecemos o conhecimento, este provém do en-
sino, do aprendizado com a docência. Mas para produzirmos
conhecimento, este virá à tona através da pesquisa, da curiosi-
dade, de se informar, de ir atrás do desconhecido, de indagar e
diligentemente empregar meios para chegar ao conhecimento
da verdade. (p.192)

8) A instituição promoveu algum evento que abordasse a EJA para


os graduandos?
Respostas Relevantes
Dos entrevistados, 9 responderam de forma negativa, afirmando
que a instituição não promoveu nenhum evento sobre a EJA.

A oitava questão, é possível perceber que durante to-


dos estes períodos cursados pelos entrevistados segundo eles,
a instituição de ensino não promoveu nenhum evento voltado
para a temática EJA, a primeira etapa da pesquisa está limitada
a análise do PPC, as observações da DCN e um Questionário
envolvendo os sujeitos da amostra com resultados baseados
nestes instrumentos em relação à forma como a instituição de
ensino promove a EJA no âmbito de seus compromissos com a
educação e a sociedade.
Conclusão
A partir da análise do Projeto Pedagógico do Curso
de Licenciatura em Ciências Biológicas e das Diretrizes Curri-
culares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica e do Questionário aplicado frente os resultados apre-
sentados nesta etapa da pesquisa, concluímos que as discus-
sões sobre a EJA ainda são incipientes apesar da existência de
Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA (Brasil, 200) desde o

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ano 2000 e das Diretrizes Nacionais para a Formação de Pro-


fessores da Educação Básica (Brasil, 2001) apresenta em seu
texto que se prepare o futuro professor para atuar também na
educação de jovens e adultos.
É na formação que a consciência da relevância dessa
modalidade de ensino deve ser desenvolvida, a educação de jo-
vens e adultos encontra-se diante de antigos e novos desafios,
está na formação de professores, é preciso fundamentar a for-
mação inicial de professores para trabalhar na EJA de tal forma
que gere atitudes dialéticas a fim de criar métodos de transfor-
mação da realidade.

Referências Bibliográficas

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Trabalhar Com A Educação De Jovens E Adultos (Eja). In:
5º Encontro Internacional de Educação Comparada, 2012,
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REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS DOCENTES


NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM
UMA ESCOLA ESTADUAL DA ZONA NORTE
DE MANAUS

COSTA, Ildeneti de Jesus Alves1


Introdução
O presente texto almeja contribuir para reflexão sobre
a Educação de Jovens e Adultos, as especificidades do público
dessa modalidade educativa e as formas como vem sendo de-
senvolvidas as práticas pedagógicas docentes em uma escola
estadual, localizada na Zona Norte de Manaus. Este artigo de-
rivou de uma pesquisa que se encontra em desenvolvimento na
referida escola, que tem como objetivo geral: Conhecer a ma-
neira como estão sendo desenvolvidas as práticas pedagógicas
na Educação de Jovens e Adultos. E como objetivos específicos:
Analisar os impactos das práticas pedagógicas docentes para
o processo ensino-aprendizagem dos educandos; identificar o
percentual de docentes que possuem formação específica em
Educação de Jovens e Adultos e identificar as razões que tem
contribuído para o significativo índice de evasão escolar na
modalidade EJA.
Sabe-se que o trabalhado pedagógico-escolar voltado
para o público da EJA não pode ser idêntico àquele desenvol-
vido em classes de ensino regular. O trabalho com tais educan-
dos necessita considerar as especificidades dos mesmos. Ainda
que haja a necessidade de pesquisas em psicologia do desen-
1 Pedagoga da SEDUC/AM, Graduada em Pedagogia pela UFAM/2009
e Pós graduanda em Gestão do Currículo e Desenvolvimento de
Práticas Pedagógicas pela UEA- (ijalves12@gmail.com).

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volvimento nessa área, uma vez que historicamente a Psicolo-


gia ocupou-se de investigar predominantemente o processo de
construção do conhecimento na criança, não enfatizando na
mesma proporção o processo do adulto, é sabido que o pro-
cesso ensino-aprendizagem do adulto difere da criança e do
adolescente.
O adulto não pode ser definido apenas pelo fator cro-
nológico, os aspectos: psicológico, pedagógico, social, cultural,
econômico, devem ser considerados ao se desenvolver qual-
quer tipo de atividade educativa, ou seja, é de suma importân-
cia não fragmentar o conceito de adulto, mas considerar a pes-
soa adulta em toda sua globalidade e subjetividade. Em Menin
(1983 p. 4), vamos encontrar o seguinte esclarecimento:
Embora quiséssemos ter como único referente o am-
plo conceito de que adulto é o sujeito que chegou a seu
maior crescimento ou desenvolvimento. Para, “nossos
fins”, o adulto é aquela pessoa que além de seu cresci-
mento físico, ligado ao desenvolvimento cronológico
(idade), evidencia um nível de autonomia consagrado
pela experiência individual e coletiva. Não impor-
ta quanto sabe (muito, pouco ou nada) daquilo que
exige o sistema escolar, nem quantos anos tem, senão
quanto pode (física, psíquica e socialmente) dentro de
uma sociedade concreta e em relação à classe social a
que pertence. Dessa forma, o conceito adquire assim
um sentido menos biologista, muito mais integral,
no qual, amadurecimento, inteligência e crescimento
físico integram uma estrutura dinâmica de diferente
qualidade.

O autor mostra a amplitude e complexidade do con-


ceito de adulto e enfatiza que para fins educativos é preciso
considerar o adulto dentro de todo um processo social, e não
apenas considerar o que não sabe e que já deveria saber - pela
idade cronológica. Deve-se respeitar e aproveitar seus saberes
construídos ao longo da vida e atentar para aspectos como:
sexo, tipo de ambiente onde vivem, tipo de trabalho, partici-
pação em movimentos sociais, situação familiar, condições de

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saúde, aspirações quanto à formação escolar, dentre outros. O


educador de posse desses dados poderá desenvolver atividades
que contemplem as aspirações e necessidades de seus alunos,
construindo com os mesmos uma relação de respeito e con-
fiança. Pois, “Um relacionamento mais confiante entre os su-
jeitos participantes do processo educativo é uma das condições
fundamentais para uma aprendizagem autêntica” (BRASIL,
1987, p. 10).
Nesse sentido, percebe-se a importância do educa-
dor de jovens e adultos possuir formação para trabalhar com
a modalidade, seja em nível de graduação, pós-graduação ou
até mesmo em formações continuadas. Eles precisam construir
conhecimentos que os prepare para tal. Do contrário poderão
apenas reproduzir a forma de trabalho do ensino regular que
ainda que possa ser uma boa metodologia, pode não atender
as especificidades dos educandos e assim, ao invés de estimulá-
-los, desencorajá-los do estudo. Parafraseando Freire (1996, p.
112), se a metodologia de ensino não pode tudo, alguma coisa
fundamental ela pode.
Educação de jovens e adultos: breves considerações
De acordo com (FLEURI, 1989), a proposta de ensino
de adultos somente é colocada com força a partir da primeira
metade da década de 30. Em 1932 o “Manifesto dos Pionei-
ros da Educação” reivindicava a obrigatoriedade do ensino por
parte do Estado e o estabelecimento de uma política específica
para a população jovem e adulta. A partir daí a educação básica
de adultos começou a delimitar seu lugar na história da educa-
ção no Brasil. Em 1934, através do Plano Nacional de Educa-
ção, houve pela primeira vez uma política nacional direcionada
a essa modalidade. Finalmente, a educação brasileira começou
a se consolidar como um sistema público de educação elemen-
tar no país.
Na visão de Ribeiro (1997), tais acontecimentos se de-
ram devido à nesse período, a sociedade brasileira passar por

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grandes transformações, associadas ao processo de industria-


lização e concentração populacional em centros urbanos. A
oferta de ensino básico gratuito estendia-se consideravelmente,
acolhendo setores sociais cada vez mais diversos. A ampliação
da educação elementar foi impulsionada pelo governo federal,
que traçava diretrizes educacionais para todo o país, determi-
nando as responsabilidades dos estados e municípios. Tal mo-
vimento incluiu também esforços articulados nacionalmente
de extensão do ensino elementar aos adultos, especialmente
nos anos 40.
Com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o país viveu
a efervescência política da redemocratização. A Segunda Guer-
ra Mundial terminara recentemente e a ONU — Organização
das Nações Unidas — alertava para a urgência de integrar os
povos visando à paz e a democracia. Tudo isso contribuiu para
que a educação dos adultos ganhasse destaque dentro da preo-
cupação geral com a educação elementar comum. Era urgente
a necessidade de aumentar as bases eleitorais para a sustenta-
ção do governo central, integrar as massas populacionais de
imigração recente e também incrementar a produção (RIBEI-
RO, 1997).Nota-se que nesse período, a educação de adultos
define sua identidade tomando a forma de uma campanha na-
cional de massa, a Campanha de Educação de Adultos, lançada
em 1947. A pretensão era numa primeira etapa, realizar uma
ação extensiva que previa a alfabetização em três meses, e mais
a condensação do curso primário em dois períodos de sete me-
ses. Depois, seguiria uma etapa de ação mais profunda, voltada
à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário.
A esse respeito Fleuri (1989) nos leva a compreender
que as campanhas de educação de adultos promovidas por en-
tidades governamentais relacionavam-se conflitivamente com
o conjunto de práticas educativas desenvolvidas pelos movi-
mentos e organizações populares. Esta última, vertente da
educação popular, aliás, tende a ser considerada mais coerente
com os interesses das classes sociais subalternas. Enquanto a

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Campanha de Educação de Jovens e Adultos desenvolvia ati-


vidades superficiais, consolidava-se na década de 60 um novo
paradigma pedagógico para a educação de adultos, que teve
como referência maior o educador pernambucano Paulo Freire
e sua metodologia dialógica transformadora.
Com o golpe militar de 1964, os programas de alfabe-
tização e educação popular que se haviam multiplicado no pe-
ríodo entre 1961 e 1964 foram vistos como uma grave ameaça à
ordem e seus promotores duramente reprimidos. O governo só
permitiu a realização de programas de alfabetização de adultos
conservadores e assistencialistas. Nesse sentido foi criada uma
fundação denominada Movimento Brasileiro de Alfabetiza-
ção – MOBRAL, através do qual o governo assumiu o controle
dessa atividade objetivando a erradicação do analfabetismo e
ofertar educação continuada a adolescentes e adultos.
Do ponto de vista de Januzzi (1979, p. 32), “As orien-
tações metodológicas e os materiais didáticos do Mobral re-
produziram muitos procedimentos consagrados nas experiên-
cias de inícios dos anos 60, mas esvaziando-os de todo sentido
crítico e problematizador”. Paralelamente ao MOBRAL, alguns
grupos de educadores populares continuaram a desenvolver as
atividades de alfabetização crítica com os adultos. Iniciativas
pequenas e isoladas, mas que continuavam mantendo viva a
‘Pedagogia’ de Freire, que por ter sido considerado subversivo
foi exilado do país.
Enquanto direito, a educação de jovens e adultos so-
mente foi assegurada a partir da Constituição Federal de 1988,
como resultado da forte mobilização dos movimentos sociais
populares e dos setores progressistas que estavam envolvidos
no processo de elaboração da Carta Magna brasileira. Mas,
apesar de tal conquista a EJA passou a ser assumida pelos mo-
vimentos sociais e ONGs2 às vezes em parceria com o Estado,
mas este não assumiu total responsabilidade para com a mes-
ma. Em âmbito internacional em 1990 foi realizado a Confe-
2 Organizações Não Governamentais

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rência Mundial da Educação para todos, em Jomtien, Tailân-


dia3 a qual se configurou como uma busca de soluções entre
entidades governamentais e não governamentais para o pro-
blema educacional mundial. A Conferência abriu espaço para
vários eventos, fóruns, seminários, entre outros que aumenta-
ram a discussão sobre a problemática da EJA. Em resposta a es-
sas discussões e cobranças, o MEC criou o Programa Nacional
de Alfabetização e Cidadania – PNAC.
Enquanto o governo brasileiro elaborava programas
de alfabetização para a EJA, a Declaração Mundial sobre Edu-
cação para Todos, aprovada na Conferência de Jomtien, em seu
artigo terceiro preconizava que a educação básica deveria ser
proporcionada a todas as crianças, aos jovens e adultos. Para
tanto, afirmava, seria necessário universalizá-la e melhorar sua
qualidade, bem como tomar medidas efetivas para reduzir as
desigualdades4.
Entretanto, no Brasil pouca coisa mudou no cenário
das políticas públicas para os jovens e adultos, em 1996 o go-
verno suprimiu o ensino fundamental para esse público, um
completo retrocesso em relação às recomendações feitas aos
governos pela Declaração de Jomtien. Quando a LDB 9.394/965
entrou em vigor poucas foram as mudanças destinadas a EJA.
Haddad e Pierro (2000, p. 122) afirmam, “[...] a verdadeira
ruptura introduzida pela nova LDB com relação à legislação
anterior reside na abolição da distinção entre os subsistemas
de ensino regular e supletivo integrando organicamente a edu-
cação de jovens e adultos ao ensino básico”. A EJA configura-se
a partir de então como modalidade de ensino, mas muitos dos
problemas citados pelos autores supracitados ainda hoje per-
sistem.

3 A Conferência aconteceu de 5 -9 de março de 1990


4 Declaracão Mundial Sobre Educação para Todos . Disponível em:
www.açaoeducativa.org.br/declaraçãomundialsobreeducação
paratodos. Acesso em 20.11.2015
5 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

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Processo de ensino-aprendizagem do adulto6


É conhecido que o processo de aprendizagem do
adulto difere da criança e que devido ao seu ‘saber de vida feito’
possui expectativas diferentes desta última. Nessa perspectiva,
Vygotsky (1988, p. 30), nos fala que a aprendizagem interage
com o desenvolvimento, produzindo sua abertura nas zonas de
desenvolvimento proximal, nas quais as interações sociais e o
contexto sociocultural são centrais. Surge assim, a importância
da teoria histórico-social do desenvolvimento, a qual propõe
uma visão da formação das funções psíquicas superiores como
“internalização” mediada pela cultura e dessa forma, postulam
o homem como um sujeito social que é ativo, mas, sobretudo
interativo.
Na opinião de Castorina (1998, p. 33), o esforço de
Vygotsky foi mostrar que, além dos mecanismos biológicos
apoiados na evolução filogenética e que estavam na origem das
funções “naturais”, existe um lugar crucial para intervenção
dos sistemas de signos na constituição da subjetividade huma-
na. A tese, portanto, seria que os sistemas de signos produzi-
dos na cultura na qual se vive não são meros “facilitadores”
da atividade psicológica, mas seus formadores. Tal afirmação
é compartilhada por Oliveira7 (1997), pois segundo a autora
a própria noção de “aprendizagem” significa processo de ensi-
no-aprendizagem, justamente por incluir quem aprende, quem
ensina e a relação social entre eles.
Construção do conhecimento partindo das relações
entre quem aprende e quem ensina- confronto epistêmico que
propicia construção e reconstrução do saber – cultura como
mediadora, são pedras angulares da “pedagogia” freireana pre-
sente na Educação Popular. Do ponto de vista de Souza (2007,
6 Seção revisada do Relatório de Pesquisa de Iniciação Científica (PI-
BIC/UFAM/CNPQ) intitulado: Processo de ensino-aprendizagem
do adulto na Educação Popular apresentado em 2009.
7 OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvi-
mento: um processo sócio histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

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p. 104-105) “[...] esses confrontos originam formas de repre-


sentações sociais diferentes, ou seja, um novo saber e este novo
saber, fruto dos processos de recognição e reinvenção como
dimensões de ressocialização”.
A concepção de aprendizagem como ato cultural, em
que o conhecimento é produto das relações dos seres huma-
nos entre si e com o mundo revelou-se como um caminho ou
instrumento presente no “método” Paulo Freire, no qual um
dos pressupostos é que ninguém educa ninguém e ninguém se
educa sozinho. A educação, portanto, deve ser um ato coletivo,
solidário; uma tarefa de troca entre as pessoas. Não pode ser
feita por um sujeito isolado de quem se supõe que possua todo
o saber; para que fosse detentor de todo conhecimento, preci-
saria ser um ser acabado, e Freire (1996) nos fala que o homem
é um ser inacabado, está em constante relação de construção
e reconstrução do conhecimento, findando esse processo so-
mente ao cabo da vida.
A definição do processo de aprendizagem trabalhada
por Vygotsky possibilita perceber que nessa relação não se con-
figura um processo de ensino-aprendizagem; configura-se um
processo de transferência de conteúdos, ideias e discursos que
busca anular ou se sobrepor ao saber do outro. Configura-se
assim a ‘educação bancária’ que segundo Freire (1987) é uma
prática mecânica através da qual o professor ‘deposita’ o seu
conhecimento na mente vazia do educando; este último é visto
como sujeito passivo e receptor.
O público que frequenta as salas de EJA está em bus-
ca de um saber que possa dar uma nova dimensão a sua vida.
Quer aprender, mas não é qualquer aprendizado que serve
para o mesmo, pois busca um saber que tenha aplicabilidade
no cotidiano, necessita de uma aprendizagem transformativa.
De acordo com MASAGÃO (2001), o resultado da aprendi-
zagem transformativa é uma mudança de perspectiva, a cons-
ciência de que nossas pressuposições anteriores estavam limi-
tando nossa compreensão de mundo, a construção de esque-

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mas interpretativos mais inclusivos e a predisposição para agir


de acordo com essa nova compreensão.
Diante dessa perspectiva, entende-se que o processo
de ensino aprendizagem do adulto na educação popular não é
algo estático, descontextualizado da realidade dos educandos.
Embasando-se na perspectiva sócio histórica, fundada por Vy-
gotsky, percebe-se a importância das práticas culturais no pro-
cesso ensino-aprendizagem, pois o conhecimento é construído
na relação com os outros.
Por isso, a Educação Popular organiza ambientes dialó-
gicos de troca, construção e reconstrução do conhecimento no
qual o educador jamais pode ser um depositante de conteúdo,
não busca “integrar” os educandos à sociedade, busca propiciar
através destes uma transformação social. Parte dos conheci-
mentos prévios dos educandos para desenvolver atividades que
possibilitem uma aprendizagem significativa e transformativa;
desenvolve os conteúdos didáticos não como fins por si só, mas
como meios e parte do processo educativo que visa emancipar
os sujeitos envolvidos na ação educativa formal.
Dessa maneira, ao se buscar compreender o percurso
da EJA, de seu surgimento aos dias atuais, é inevitável e impres-
cindível perpassar pela Educação Popular e pelo seu maior ex-
poente, Paulo Freire, pois a história educacional brasileira per-
mite perceber que as propostas governamentais voltadas para a
educação de adulto buscavam, sobretudo, erradicar o analfabe-
tismo por este representar a condição de subdesenvolvimento e
a grande população analfabeta ser considerada um ‘atraso’ para
o país, enquanto que Paulo Freire e outros educadores popula-
res chamavam atenção para a necessidade de respeitar o direito
constitucional à educação, dos excluídos da escola, e de seus
demais direitos sociais e políticos negados e não reivindicados
por serem desconhecidos por eles. Foi no cerne dessa e de ou-
tras questões que surgiu o trabalho de alfabetização de adultos
no ideário da Educação Popular e sua proposta libertadora no
Brasil.

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Percebe-se assim, que a educação popular está vincu-


lada a uma prática pedagógica que tem como objetivo propi-
ciar autonomia aos educandos, através de “uma educação não
somente feita para, mas principalmente com, em e pela prática
do indivíduo” (BRANDÃO, 1984, p. 68). Objetivando formar
cidadãos críticos, capazes de pensar sua situação socioeconô-
mica e construir uma postura política libertadora perante o
mundo. Aprender a ler palavras, decodificar signos, mas prin-
cipalmente aprender a ler o mundo. Compreende-se, portanto,
que estamos em presença de atividades de educação popular
quando, se está conectando a aquisição de um saber com um
projeto social transformador.
Tal projeto é almejado não só para a EJA, mas para
toda educação, pois nota-se que a luta é por uma nova Escola
Pública e Popular, uma nova maneira de produzir e se apro-
priar dos produtos culturais.
Metodologia
A pesquisa possui cunho qualitativo e quantitativo,
caracterizada como pesquisa-participante que tem como ló-
cus, uma escola estadual, localizada na Zona Norte de Manaus.
A instituição trabalha com a Educação de Jovens e Adultos (2º
Segmento e Ensino Médio) no turno noturno. A investigação
científica está organizada em duas etapas. Nesta primeira, con-
templa os docentes e na segunda, a ser executada, os discentes.
Os sujeitos que constituem a amostragem são: 10 professores e
40 alunos (20 pertencentes ao 2º Segmento e 20 matriculados
no Ensino Médio). Para coleta de dados, nesta primeira etapa,
foi utilizado questionário com questões abertas, direcionado
aos docentes. No segundo momento será utilizada, além do
questionário, a entrevista semiestruturada, a ser realizada com
os educandos, e a observação- participante.

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Resultados Parciais
Os dados obtidos através da análise dos questionários
aplicados aos educadores8 possibilitaram obter os resultados
dispostos nesta seção. Dentre os educadores que participaram
há 5 mulheres e um homem. Três docentes são graduadas em
Língua Portuguesa, uma em Língua Inglesa, uma em Mate-
mática e um em Geografia. Somente a docente graduada em
Matemática não possui pós-graduação. Os demais são pós-gra-
duados em sua área de formação. Três já trabalharam na EJA
com os Anos Finais (6º ao 9º ano) e os outros com o Médio.
Formação docente
Os dados obtidos permitiram constatar a afirmação
feita por Haddad; Di Pierro (1994, p. 15), pois dos seis docen-
tes, nenhum possui formação para trabalhar com a EJA, ou se
quer participaram de algum curso de formação continuada que
os preparasse para atuarem com tal modalidade. Todos foram
unânimes em afirmar que a Secretaria Estadual de Educação
nunca possibilitou a ele e a elas ao menos um preparo básico,
apenas foram trabalhar com essa modalidade por que foi o que
lhes fora designado quando da distribuição da carga docente.
A constatação das palavras dos autores supracitados demons-
tra como temos avançado pouco nas conquistas relativas à EJA,
pois se passaram 22 anos desde que fizeram a seguinte afirma-
ção:
Os professores que trabalham na educação de Jovens
e Adultos, em sua quase totalidade, não estão preparados para
o campo específico de sua atuação. Em geral, são professores
leigos ou recrutados no próprio corpo docente do ensino re-
gular. Note-se que na área específica de formação de profes-
sores, tanto em nível médio quanto em nível superior, não se
tem encontrado preocupação com o campo específico da EJA
(HADDAD; DI PIERRO, 1994, p. 15).
8 Obteve-se o retorno de 6 questionários.

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Esta ainda é a realidade encontrada no lócus da pes-


quisa. Pode ser que tal constatação também nos ajude a com-
preender o dito por Brandão (1984, p. 63): “A educação de
adultos tem sido uma das práticas sociais onde com mais in-
sistência o exercício do trabalho “junto ao povo” menos rea-
liza objetivos teoricamente propostos”. Como os educadores e
educadoras poderão contribuir positivamente para o processo
ensino-aprendizagem de seus educandos e educandas se não
lhes foi possibilitado ao menos o preparo mínimo para tal? Se
iniciarem o trabalho com esse público partindo daquele que
desenvolvem com as classes regulares? Como podem desen-
volver práticas pedagógicas pertinentes a tais educandos se não
souberem das especificidades dos mesmos? Como entenderão
a dimensão da importância de sua práxis junto a esses educan-
dos e educandas se não houver apropriação dos conhecimen-
tos necessários para tal?
Perguntou-se aos sujeitos da pesquisa: Você considera
importante haver formação específica sobre a EJA? Duas do-
centes deram respostas bem próximas. A primeira respondeu:
“Sim, porque o professor passa a compreender as dificulda-
des e passar a entender como saná-las”. A Segunda assegurou:
“Uma boa formação leva o professor a compreender melhor a
situação do aluno e como ela reflete na sala de aula”. O docente
afirmou: “É uma realidade diferente do regular e acredito que
requer mais atenção”. As demais docentes também citaram a
necessidade de compreender as particularidades de tal moda-
lidade.
Sampaio (2009, p. 25) corrobora com as colocações
feitas pelos educadores e enfatiza que “Na formação de pro-
fessores e professoras para atuar na EJA há algumas especifici-
dades em relação aos outros docentes necessárias ao trabalho
com esse público jovem, adulto, trabalhador”. Tais especificida-
des precisam ser conhecidas pelos educadores, o que necessa-
riamente enseja formação profissional para tal. Nesse sentido,
Estrela (1997, p. 29) também nos dá sua contribuição ao afir-

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mar que de forma contrária ao que comumente se pensa ser


professor não é fácil e também não é qualquer um que pode
ser, principalmente na EJA, pois sustenta: [...] “que esta profis-
são é altamente complexa e especializada, não só quanto ao seu
saber profissional específico e à forma como é avaliada no seu
processo de formação”.
Assim, a formação contínua atua como grande par-
ceira para a formação do educador, pois este, muitas vezes tem
a experiência advinda do trabalho cotidiano, mas falta-lhe re-
fletir sobre tal prática e buscar conhecimentos teóricos que a
embasem. Tal esforço pode contribuir significativamente para
que este profissional docente se diferencie de um mero “depo-
sitário de conhecimento”, cumpridor de planos pedagógicos ou
burocrata curricular, pois de acordo com Freire (1996, p. 38)
“Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A
gente se faz educador, a gente se forma, como educador, per-
manentemente, na prática e na reflexão da prática”.
Práticas Pedagógicas
Partindo-se da afirmativa contida na Proposta Peda-
gógica da EJA/SEDUC, que cita Paulo Freire como principal
expoente do trabalho a ser desenvolvido pelos educadores,
buscou-se inquirir se já haviam realizado algum estudo ou ao
menos leitura básica sobre o mesmo e sua contribuição para a
EJA. Cinco responderam que não e uma relatou ter feito bre-
ves leituras, sem aprofundamento. Tal resposta nos mostra
que se por um lado não foi oferecida formação aos docentes,
por outro se percebe que eles também não a buscaram. Pois
a partir da leitura da Proposta Pedagógica seriam lhes dado
orientações importantes para desenvolver boas práticas junto
aos educandos e educandas. E evitar cometer erros sérios como
pautar o planejamento para a EJA partindo do currículo do
ensino regular. Nesse sentido, reafirma-se, faz-se indispensá-
vel à formação docente os fundamentos políticos, filosóficos e
epistemológicos da Educação Popular. Do contrário, a Propos-

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ta continuará a ser letra morta, diz que o trabalho é freireano,


construtivista, crítico-libertador e nada disso chega a ser.
Sabe-se que uma das dimensões da prática educati-
va freireana é a politização, por isso perguntou-se aos sujeitos
pesquisados se desenvolviam atividades que visassem à politi-
zação dos educandos e educandas. Quatro disseram que sim,
através dos debates, reflexões sobre assuntos tratados nos jor-
nais e em seus cotidianos e dois afirmaram que não.
Considerando as tendências pedagógicas, questio-
nou-se como o docente e as docentes definiam sua metodolo-
gia de trabalho. Três caracterizaram-se como construtivistas,
uma como tradicional e uma não respondeu. Investigou-se
também quanto às metodologias utilizadas em suas práticas
pedagógicas quais identificavam que mais potencializava a
aprendizagem dos discentes. Dentre as cinco docentes, apenas
uma referiu-se a aulas expositivas, as demais e o docente cita-
ram metodologias diversas (Atividades lúdicas, debates, expo-
sição de painéis, vídeos, músicas).
A partir das respostas obtidas, pode-se inferir que
alguns dos docentes tentam desenvolver boas práticas, entre-
tanto há uma lacuna a ser preenchida no que tange a proposta
de trabalho que alicerça a EJA. As práticas citadas em pouco
se diferenciam daquelas presentes no ensino regular, o que é
plenamente justificável, haja vista que todos os docentes traba-
lham durante o dia com tal ensino. Assim, trazem metodolo-
gias e vão tentando adaptá-las a esse público, segundo uma das
docentes, às vezes funciona e outras não.
Dentre as docentes, como citado anteriormente, há
uma que desenvolve apenas práticas pedagógicas de cunho
tradicional e citou como seus recursos de trabalho: lousa, livro
didático da EJA e do Ensino Regular. Todo educador que te-
nha a mais superficial leitura de Paulo Freire, sabe o quanto ele
criticou a pedagogia tradicional, a qual denominou bancária,
mas ela ainda está presente no fazer pedagógico na instituição
pesquisada e certamente, precisa ser revista.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A pedagogia freireana busca romper abertamente


com a proposta educacional tradicional ao trabalhar com os
círculos de cultura no qual são criadas as possibilidades de
cada um manifestar seus pensamentos, compará-los, superá-
-los onde cada educando participa e traz elementos da sua vi-
vência cultura. Forma-se uma relação dialógica onde todos são
iguais, ninguém sabe mais que o outro, não há uma cultura
a ser aprendida, pois todos são sujeitos culturais com conhe-
cimentos diferentes. Dessa forma, O educando pode até não
dominar os conhecimentos da cultura escolar, mas possui sua
experiência como livro vivo e, estes saberes precisam ser con-
siderados no trabalho educativo com o adulto, pois a etapa de
vida na qual se encontra traz algumas limitações no que tange
a cultura letrada, mas também traz significativas contribuições
para a construção do saber escolar.
A Proposta Pedagógica da EJA/SEDUC cita de forma
sucinta o percurso feito por essa modalidade, dispõe também
todos os fundamentos que a embasam (filosófico, legal, perfil
do professor e do aluno) e afirma que a SEDUC oferece a for-
mação continuada através de cursos, seminários, oficinas, en-
contros, entre outros. Entretanto, tal formação nunca foi pro-
piciada aos sujeitos pesquisados. Estes últimos responderam às
questões referentes à referida Proposta, afirmando que nunca
a leram. Quatro disseram utilizar apenas a seção referente aos
objetivos e conteúdo quando é feito o planejamento. Duas afir-
maram nem utilizá-la. Ao que se questionou, o que as docentes
utilizariam para orientar seu planejamento. Uma afirmou que
usa a internet e teste de nivelamento, a outra disse que procura
adequar ao ensino regular.
Percebe-se mais uma vez, na fala dos educadores a
lacuna da falta formação para trabalhar com a EJA, pois se o
planejamento está sendo construído somente a partir da parte
técnica do currículo é compreensível que ele esteja sendo de-
senvolvido sem a abordagem ou problematização necessária à
construção de práticas pedagógicas significativas aos educan-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

dos e educandas. Entretanto, reportemo-nos a Sampaio (1999,


p. 25) para esclarecer que assim como a autora:
Não pretendo fazer o discurso da falta e da culpabi-
lização do professorado como responsável pela má
qualidade da educação oferecida no Brasil, já que fa-
tores como condições de trabalho são cruciais para
se avaliar essa situação, por outro lado, não se pode
esquecer que o professor é o mediador entre o aluno
e o conhecimento e responsável por essa relação de
aquisição/construção. Esta tarefa impõe desafios per-
manentes aos docentes e isso quer dizer que o inves-
timento na formação continuada é fundamental para
que eles estejam permanentemente pensando sobre
o seu fazer, buscando respostas, sempre provisórias,
para as questões que a prática cotidiana traz.

A pretensão é buscar respostas que nos auxiliem a en-


tender a problemática, presente no âmbito da pesquisa e buscar
possibilidades de intervenção na mesma, pois assim como Frei-
re (1996, p. 29) “Pesquiso para constatar, constatando, interve-
nho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o
que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”.
Evasão Escolar
Uma séria problemática existente no lócus da pesqui-
sa é a evasão escolar que nos últimos três anos vêm persistindo.
No ano letivo de 2015 o percentual foi muito alto, como pode
ser observado nos gráficos a seguir.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Gráfico 1: Resultado final da EJA Fundamental


Fonte: SIGEAM/2015

Gráfico 2: Resultado final da EJA Médio


Fonte: SIGEAM/2015

Os dados permitem perceber que na EJA Fundamental


o índice de evasão e reprovação são muito próximo, ressalte-se
que os alunos considerados DEFRES9 não tem um percentual
maior devido aos casos em que os educandos, por possuírem
frequência mínima nos módulos, não foram dados como desis-
9 Alunos que deixaram de frequentar.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

tentes antes do término do ano letivo. No Ensino Médio, não


é diferente. Muitos são os fatores que contribuem para tais ín-
dices. Dentre os motivos citados pelo docente e pelas docentes
pesquisadas, a partir da sondagem realizada junto aos educan-
dos e educandas, citam-se: muitos estudantes matriculam-se
somente para ter acesso ao Passe Escolar, após a confirmação
dos dados pela escola deixam de frequentar; outros atrelam o
abandono da vida escolar a problemas de cunho familiar. Fo-
ram mencionados também fatores como: faltas recorrentes de
professores, ambiente escolar não atrativo, excesso de trabalhos
extraclasse, dificuldades para acompanhar as atividades devido
ao cansaço, falta de aulas mais atrativas e motivadoras.
As respostas obtidas apontam para dois lados. O pri-
meiro nos revela situações de cunho econômico e familiar, fa-
tores que tem implicado seriamente no acesso e permanência
dos jovens e adultos na escola, e o segundo nos parece didáti-
co-pedagógica, e mais uma vez aponta para despreparo para o
trabalho com tal público. Ao se considerar que a grande maio-
ria10 dos estudantes dessa modalidade são trabalhadores e tra-
balhadoras, que muitas vezes necessitam da certificação para
permanecer no emprego, e que muitos vêm direto do trabalho
para a sala de aula, é compreensível o cansaço dos mesmos e o
desestímulo sentido ao chegar à escola e saber que não haverá
aula devido à falta de professor, ou ainda, na luta contra o can-
saço físico e mental ter que suportar aulas maçantes e ao final,
ainda ter que levar tarefa extraclasse.
As situações aqui relatadas apontam para necessida-
de tomada de algumas medidas urgentes, ouvir e entender o
que esses jovens e adultos estão dizendo que precisam: revisão
das lotações dos e das docentes, revisão dos planejamentos,
adequação metodológica. Do contrário, não se conseguirá
reduzir evasão (que a partir dos dados relatados, poderia ser
até mesmo dita expulsão) e muito menos, contribuir para que
10 Percebe-se que vem aumentando o quantitativo de jovens que mi-
gram para a EJA devido às sucessivas reprovações no Ensino Regu-
lar o que vem juvenizando bastante a EJA.

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construam aprendizagem, mantendo-se o retrato da reprova-


ção.
Ecoa na memória a fala de Brandão (1984, p.63) quan-
do alerta sobre a superficialidade do trabalho desenvolvido
junto às classes de educação de adultos. O que fazer para trans-
formar tal problemática? Muitos são os caminhos necessários
a serem percorridos, anteriormente foram citados alguns, mas
considera-se que seja evidente a necessidade do docente e das
docentes obterem conhecimento sobre as dimensões da prática
educativa em Paulo Freire, refletirem sobre suas próprias práti-
cas, e iniciarem ou reiniciarem seu caminhar, optando por qual
caminho político seguirão ao desenvolverem seu trabalho edu-
cativo junto aos aprendizes jovens e adultos.
Conclusões
A educação de jovens e adultos na instituição pesquisa-
da ainda encontra-se diante de velhos desafios a serem supera-
dos e que há tanto tempo são bandeiras de luta dos educadores,
educadoras e militantes dos movimentos sócias em prol da EJA.
Dentre tais desafios, a necessidade de formação de educadores
e educadoras para trabalhar com essa modalidade de ensino.
Longe de culpabilizar o docente e as docentes que
participaram desta primeira etapa investigativa, buscou-se evi-
denciar o quanto a formação específica faz diferença para o de-
senvolvimento de boas práticas pedagógicas junto ao público
jovem e adulto. Faz-se necessário possibilitar aos educadores
e educadoras formação continuada que aborde temas que os
auxiliem na compreensão das especificidades do trabalho junto
a tais educandos, assim como agir com extremo cuidado ao se-
lecionar aqueles que serão lotados em tais classes. Percebeu-se
que há total desconhecimento por parte dos docentes investiga-
dos da metodologia freireana e de sua grande contribuição para
o trabalho junto ao público adulto, assim como desconhecem
as próprias orientações presentes na Proposta Pedagógica da
SEDUC/AM.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Dessa forma, conclui-se que para a EJA, ofertada na


instituição pesquisada, contribuir para transformação na vida
dos educandos e educandas e não apenas funcionar como
mera escolarização e via de certificação, a que se refletir sobre
as problemáticas aqui evidenciadas e buscar caminhos para sa-
ná-las é nesse sentido, que se dará continuidade a este trabalho
investigativo.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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PROPOSTA PEDAGÓGICA 2º SEGMENTO


DA REDE DE ENSINO MUNICIPAL DE
MANAUS/AM: VOZES DE ALUNOS
PARTICIPANTES DE UM NOVO MODELO DE
ESCOLARIZAÇÃO DA EJA

MATOS, Maria Daise da Cunha


PLATZER, Maria Betanea
Introdução
Apresentamos neste estudo, em fase de finalização,
uma investigação envolvendo um grupo de 17 alunos da EJA
(5ª fase), de duas escolas públicas municipais e a nova Proposta
Pedagógica do 2º Segmento, implementada nas unidades esco-
lares do período noturno na rede de ensino municipal de Ma-
naus/AM a partir do ano letivo de 2012. Uma Proposta elabo-
rada para atender aos jovens e adultos que ainda não concluí-
ram o ensino fundamental do 6º ao 9º ano e que frequentam as
salas de aula do turno noturno na EJA. Por considerarmos os
alunos como uns dos principais atores do processo de ensino e
aprendizagem, estes devem participar e contribuir para a con-
solidação de sua proposta de formação. Para nos aproximar-
mos da realidade desses alunos, tivemos a intenção de trazê-los
para o centro dos debates educacionais por meio de pesquisa,
abrindo espaços para que expusessem suas experiências, desa-
fios e expectativas de futuro, bem como suas concepções sobre
a EJA e sugestões para esse novo modelo de escolarização efe-
tivado em 2012 nas escolas municipais do ensino noturno na
cidade de Manaus.

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Conhecendo a Proposta Pedagógica 2º Segmento da EJA


A Proposta Pedagógica se refere ao 2º Segmento da
EJA (6º ao 9º ano), foi elaborada e aprovada pelo Conselho
Municipal de Educação por meio do Parecer nº 018/CME em
11 de outubro de 2012. Inicialmente foi implementada em 11
escolas do noturno e foram denominadas escolas polos. A par-
tir do ano letivo de 2014 a proposta foi ampliada para as 73
escolas municipais que passaram a ofertar somente essa moda-
lidade de ensino (1º e 2º Segmento) no turno noturno.
Trata-se de uma Proposta Pedagógica que visa a ofer-
tar a jovens e adultos que não tiveram acesso à educação bási-
ca em idade correlata a conclusão de seus estudos, baseada no
ideário freireano de valores inclusivos, emancipatórios, huma-
nísticos e democráticos, além de elevar o nível de escolaridade
da população do município de Manaus (SEMED-MANAUS,
2012). Essa Proposta se divide em 4ª fase (6º e 7º anos) e 5ª fase
(8º e 9º anos) e possui uma estrutura modular trimestral.
A Proposta do 2º Segmento modificou toda a sistemá-
tica administrativa e pedagógica utilizada durante décadas nas
escolas do turno noturno da rede de ensino desse município.
Foram estabelecidas mudanças na nomenclatura do curso, an-
tes denominado de ensino regular (etapa da educação básica),
passando para EJA (modalidade de ensino), nos tempos de au-
las, carga horária das disciplinas, distribuição do currículo em
módulos trimestrais e tempo de conclusão da escolaridade de
04 para 02 anos de estudos.
O lugar da EJA na legislação educacional brasileira e a
concepção freireana
A educação de jovens e adultos é um direto estabele-
cido no artigo 208 da Constituição Federal de 1988 e na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN n. 9.394/96.
Essa lei estabelece que a educação de jovens e adultos seja des-
tinada àqueles que não tiveram acesso ou não continuaram
seus estudos na idade própria. A mesma lei em suas orienta-

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ções gerais no artigo 15 estabelece que os sistemas de ensino


tenham autonomia para definir, em seu âmbito, a estrutura, o
currículo e a proposta pedagógica desde que atenda a legisla-
ção educacional e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Edu-
cação Básica.
Em 2000 o Conselho Nacional de Educação (CNE) e
a Câmara da Educação Básica (CEB) por meio do parecer n.10
de maio de 2000 e da Resolução n. 1 de 05 de julho de 2000
estabeleceram as Diretrizes Curriculares para EJA. Nesses do-
cumentos orienta-se a necessidade de incluir no currículo da
EJA as vivências e as práticas não formais do educando, opor-
tunizando o diálogo entre a formação escolar e suas experiên-
cias. O que significa que a EJA deve ter um encaminhamento
metodológico específico, direcionado para atender um público
de diferentes faixas etárias, de projetos e interesses pessoais di-
versos.
Nessa perspectiva, a finalidade da educação está na
aprendizagem dos conteúdos relevantes para o aluno de ma-
neira que a formação ofertada possibilite sua autonomia e o
direito à cidadania em seu sentido pleno, ou seja, uma educa-
ção que o conduza a educação para a liberdade, ao contrário de
uma educação bancária criada e praticada para a dominação
(FREIRE, 2006). A educação para liberdade oferece condições
para que o ser humano possa pronunciar-se no mundo, inter-
vindo como sujeito de ocorrências à medida que esse mundo
lhe apresente novas perspectivas e desafios.
Diante do exposto, a educação deixa de ser vinculada
somente à transmissão de saberes e passa a ser um ato político
(FREIRE, 2003). É preciso que sejam criados projetos educati-
vos que resgate a concepção mais universal de educação, isto é,
a educação como formação humana, uma formação do sujeito
em suas múltiplas potencialidades na busca de um sujeito in-
tegral.
A EJA possui um percurso de lutas, avanços e retro-
cessos, na criação de programas e campanhas fracassadas vol-

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tadas apenas para atender interesses políticos e econômicos


em diferentes momentos históricos do país. Esses programas
deixaram para a EJA um legado socialmente difundido e in-
ternalizado de uma educação aligeirada e desqualificada, um
conceito que estigmatiza também o público que a frequenta.
Deste modo, como podemos caracterizar esse jovem
ou adulto que por diversos motivos ainda não conseguiram
concluir sua escolarização, mesmo sendo um direito adquiri-
do? Qual imagem social é destinada a esses sujeitos? A partir
dessas questões elaboramos algumas reflexões sobre o conceito
destinado à EJA e o direito à educação nessa modalidade de
ensino.
O aluno da EJA: além do conceito e (pré) conceito e o
direito à educação nas políticas oficiais brasileiras
A EJA possui um estigma de uma educação desquali-
ficada e reduzida; um conceito pejorativo que, de acordo com
Machado (2008), está relacionado a duas experiências que mar-
caram o atendimento educacional a jovens e adultos: o Mobral
e o Supletivo. Esse conceito incorporou-se na sociedade e vem
servindo como referência para caracterizar a própria condição
social dos sujeitos da EJA. A visão que ainda perdura sobre essa
modalidade de ensino está ligada a imagem do aluno oprimi-
do, de baixa renda, repetente, analfabeto, defasado, excluído,
trabalhador, desempregado ou subempregado. Segundo Ar-
royo (2008), essas terminologias deixam de fora a sua condição
humana, o seu desenvolvimento, o potencial de aprendizagem
e de autonomia desses educandos.
Machado (2008) descreve algumas concepções disse-
minadas socialmente acerca dos alunos da EJA e que acabam
interferindo na qualidade da escolarização ofertada para a EJA:
É a de que os alunos não querem saber de nada, por
isso não é necessário se preocupar com a qualidade
do que vai ser ofertado; inclusive os mais jovens são
os que em geral são tachados de indisciplinados e de-

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sinteressados. Há, ainda, aquela ideia de que todos os


que passaram pelo Mobral e pelo supletivo ou estão
nos cursos noturnos são sujeitos com conhecimentos
menores (MACHADO, 2008, p.162).

Essas discussões revelam que o status social reserva-


do aos jovens e adultos condiciona também o lugar destinado
a sua educação no âmbito das políticas públicas. De acordo
com Arroyo (2008), a história oficial da EJA se mistura com a
história do lugar social destinado às classes populares. É uma
modalidade tratada pelas elites com as mesmas referências do
público que a frequenta: jovens e adultos oriundos das cama-
das populares de baixo poder econômico e pouco acesso a bens
culturais. Ressaltando que os movimentos sociais e o pensa-
mento pedagógico progressista foram motivados com base
nas questões socioculturais e políticos de pessoas oriundas das
classes populares, especialmente nas contribuições pedagógi-
cas de Paulo Freire. Uma pedagogia que traz a consideração
do conhecimento como possibilidade de superar as relações
verticais impostas de modelos mecanicistas por implantação
de novas propostas que indiquem esperança e a necessidade
de mudança.
Segundo Arroyo (2008), essa perspectiva tem inspi-
rado concepções e práticas pedagógicas de EJA extremamente
avançadas, criativas e promissoras nas últimas quatro décadas.
Com advento da LDBEN n.9394/96, a EJA passa a
ter outras perspectivas, pois incorporou uma concepção mais
ampla considerando a pluralidade dos jovens e adultos e suas
experiências. Essa Lei descreve em seu capítulo II a quem se
destina a EJA:
A EJA será destinada àqueles que não tiveram acesso
ou a continuidade de seus estudos no ensino funda-
mental e médio na idade própria. E os sistemas de
ensinos deverão assegurar a oferta gratuita aos jovens
e adultos que não puderam concluir seus estudos na
idade regular, oportunidades educacionais apropria-
das, consideradas as características do alunado, seus

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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interesses, condições de vida e trabalho, mediante


cursos e exames (BRASIL, 1996).

A inserção da EJA na LDBEN 9394/96 teve a intenção


de superar a imagem negativa deixada pelos baixos resultados
advindos do Mobral e do Supletivo e, assim, a EJA começou a
ser denominada como uma modalidade de ensino, e um direi-
to a todos aqueles que não puderam concluir sua escolarização
na idade considerada própria. Sobre essa mudança, Machado
(2008) argumenta:
Engana-se quem pensa que estamos falando apenas
da troca de um nome, ou seja, de ensino supletivo
para educação de jovens e adultos. Trata-se, isto sim,
de uma mudança de paradigma: da nítida concep-
ção compensatória de educação para a perspectiva
de educação como direito e ao longo de toda a vida
(MACHADO, 2008, p. 163).

Com base nessas reflexões é preciso buscar uma con-


cepção mais ampla em relação às particularidades do educan-
do da EJA, considerando a heterogeneidade desse público, seus
interesses, expectativas, habilidades e experiências, a partir de
um conceito de educação e aprendizagem que acontece ao lon-
go da vida e não em idade previamente estabelecida para ini-
ciar ou finalizar sua escolarização. Importante também que as
propostas de formação para esses alunos sejam orientadas por
metodologias elaboradas para adultos e não as mesmas utiliza-
das com crianças.
Conhecer as concepções destinadas ao público da EJA
pode ser o primeiro passo para reavaliar o que tem sido ofer-
tado nos programas e nas propostas pedagógicas elaboradas
pelos sistemas de ensino e replicadas pelas unidades escolares.
Mas estariam essas propostas incluindo as especificidades des-
tinadas a esses sujeitos como elemento central para possibilitar
sua formação em um contexto mais amplo de aprendizagem?
Seria realmente uma proposta de formação conectada com as

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expectativas e interesses daqueles que frequentam as salas da


EJA?
Com base nos estudos de Rodrigues (2010), observa-
mos que:

Os sistemas de ensino, bem como as unidades escola-


res, continuam tratando a educação de jovens e adul-
tos mais como um requisito formal da realidade edu-
cacional do que uma escolarização direcionada para a
potencialização das características social, formativa e
política dos sujeitos que frequentam tal modalidade
(RODRIGUES, 2010, p.54).

Nesse sentido há indícios de que nos sistemas de en-


sino e nas escolas, o espaço destinado a EJA permanece em
segundo plano. Ainda não se percebeu a importância de se
pensar em propostas que reconheçam os saberes e a cultura
popular do jovem e do adulto integrantes dessa modalidade de
ensino, “[...] esses educandos, trazem consigo a compreensão
do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática e na
prática social” (FREIRE, 2014, p. 118).
A escola como espaço de formação precisa rever o
conceito de detentora do conhecimento em sua totalidade, pois
fora de seus muros há “[...] pluralidades de tempos, espaços e
relações, onde nos constituímos humanos, cognitivos, sociais
e culturais” (ARROYO, 2008, p. 228). Esclarecendo que não se
trata de desvalorizar o que a escola oferece, mas compreender
que os espaços de formação institucionalizados são pertinen-
tes; porém, não exclusivos.
Essas reflexões contribuem para ampliar a relevân-
cia de incluir os alunos em nossas discussões, objetivando co-
nhecer suas experiências, concepções desafios, expectativas e
sugestões para a nova proposta educativa para o 2º Segmento
da rede de ensino municipal de Manaus. Tivemos a pretensão
também de mapear o perfil socioeconômico dos participantes
da pesquisa. Para tanto, criarmos estratégias para alcançarmos

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nosso propósito e desenvolvermos esse estudo de maneira or-


denada por meio de uma metodologia.
Percurso metodológico
O presente trabalho foi desenvolvido a partir de
uma abordagem metodológica qualitativa; porém, não des-
cartamos a utilização da pesquisa quantitativa, especialmen-
te nas análises de dados advindos do questionário aplica-
do. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética (CAAE
n.38517114.7.0000.5383). As discussões foram embasadas em
estudiosos que abordam a temática da EJA, currículo e propos-
ta pedagógica. Apoiamos nossas discussões em autores como:
Freire (2003, 2006, 2014), Arroyo (2006, 2007, 2008), Machado
(2008), Sampaio e Gallian (2013) entre outros e em documen-
tos legais.
Os dados foram coletados no primeiro semestre de
2015. Aplicamos questionário, com perguntas fechadas e aber-
tas, para 17 alunos e, desse grupo, realizamos entrevista se-
miestruturada com 07 estudantes da 5ª fase (8º e 9º anos) do
2º Segmento da EJA. Por questão ética, os nomes apresentados
nos resultados das entrevistas são fictícios. Ressaltamos que fi-
zemos também a análise de documentos oficiais.
Quem são os alunos que frequentam o 2º segmento da EJA?
A diversidade é uma das principais marcas do públi-
co da EJA: diferentes idades, diferentes experiências de vida,
diferentes culturas. Entretanto, precisávamos buscar dados
fornecidos pelos participantes e assim obtermos informações
condizentes com a realidade do perfil do nosso grupo pesqui-
sado. Os dados apontados nas figuras abaixo retratam o perfil
socioeconômico dos alunos do 2º Segmento participantes da
pesquisa.

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Os dados obtidos sobre a faixa etária do público da


EJA (figura 1) revelam que a maioria dos alunos estão na faixa
de 18 a 22 anos, 06 deles estão entre 23 e 30 anos e apenas 01
encontra-se na faixa dos 31 a 35 anos. Os dados relativos à faixa
etária de 31 a 35 anos, que aparecem em menor quantidade,
podem ter relação com a oferta de vagas do Programa Munici-
pal de Educação de Adultos para Pessoa Idosa - Promeapi, um
programa específico para pessoas a partir de 35 anos e dos exa-
mes de suplência, ambos ofertados pela SEMED/Manaus. Os
resultados do perfil etário dos participantes que estão frequen-
tando o 2º Segmento da EJA, revelam o aumento de jovens na
EJA, grande parte excluídos do ensino regular, marcados por
um percurso escolar mal sucedido . Uma tendência que se
configura como mais um desafio para a educação. Hadadd e
Di Pierro (2000) corroboram com essa afirmação e descrevem
que nos últimos anos, em especial, a partir da década de 90, a
EJA vem sofrendo um processo de juvenilização, sobretudo, a
partir da desconfiguração ocorridas nos programas destinados
a democratização e oportunidades formativas para adultos tra-
balhadores que passaram a cumprir funções de aceleração de
estudos a jovens e adultos com defasagem idade/ano e regula-
rização do fluxo escolar.
Os dados obtidos sobre gênero dos alunos do 2º Seg-
mento (Figura 2) apontam que a maior parte são mulheres.
Com base nesses resultados podemos concluir que o perfil dos
participantes de nosso estudo é predominantemente jovem e

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do sexo feminino. Segundo o Censo de 2010, aponta que 35,8%


da juventude brasileira estão estudando. Do total de mulhe-
res jovens, 36,8% estão na escola, ou seja, elas correspondem
a 51,3% dos jovens estudantes. Porém, esse desempenho não
se reflete, em igual, ou melhor, acesso ao mercado de trabalho
e às condições laborais que enfrentam especialmente as mu-
lheres de classes sociais mais baixas. São mulheres jovens, que
vivenciam piores condições salariais e atuam na informalidade
e que na maioria das vezes precisam conciliar estudo, trabalho,
maternidade e afazeres domésticos. Fatores considerados in-
tervenientes para conclusão de sua escolarização.

Os dados nas figuras 3 e 4 indicam que maior parte


são alunos solteiros e sem filhos (09); revelam também que 07
alunos têm filhos. Os dados divulgados pela Fundação Perseu-
ABRAMO em 2005 apontam que 20% dos meninos que lar-
garam os estudos tiveram o primeiro filho antes dos 18 anos.
Entre as mulheres, esse percentual é de quase 50%. Dessas, 13%
se tornaram mães antes dos 15 anos, 15% aos 16 anos e 19% aos
17 anos.

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Os dados das figuras 5 e 6 apresentaram aspectos eco-


nômicos dos alunos: maior parte se mantém financeiramente
por meio de trabalhos informais (sem registro trabalhista) e
05 contam com a ajuda da família. Verificamos que 14 alunos
afirmam ter renda familiar de um salário mínimo e 03 alu-
nos apontam que possuem renda familiar de dois a três salá-
rios mínimos. Com base nesses dados é possível mensurar as
condições econômicas do educando da EJA. Segundo Haddad
(2011), aqueles que demandam as vagas da EJA são os mais
pobres, os que pertencem aos níveis mais baixos das classes
sociais, aqueles excluídos dos direitos sociais básicos e por des-
conhecimento ficam impossibilitados acessá-los.

Os dados das figuras 7 e 8 – os resultados sobre ocu-


pação profissional mostram que 11 alunos realizam diversas
atividades laborais apesar da informalidade e foi possível iden-
tificarmos 02 alunos com registro em carteira: um soldador e
o auxiliar administrativo. A jornada de trabalho ficou concen-
trada entre 8h e 9h diárias e 06 alunos não exercem nenhuma
atividade remunerada, apenas estudam.

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Na figura 9 - o motivo de cursar a EJA - finalizar os


estudos em um tempo menor que o ensino regular aparece
na maioria das respostas dos alunos (13). Verificamos que 03
alunos afirmaram que estudam na EJA para conseguirem um
emprego e 01 aluno apontou que o motivo são os professores
e colegas da escola. Frequentar a escola pode representar um
meio para esses alunos se manterem empregados, serem pro-
movidos ou conseguirem um emprego melhor.
O estudo sobre Jovens de 15 a 17 Anos no Ensino
Fundamental, publicado em 2011 na série Cadernos de Refle-
xões, do Ministério da Educação (MEC), revela que 29% do
público matriculado do 1º ao 9º ano já exercem alguma ativi-
dade remunerada, sendo que 71% ganham menos de um salá-
rio mínimo. A dificuldade de conciliar os estudos e trabalho
mudar para a EJA se configura para esses alunos a única opção
de permanecer estudando, sobretudo no período noturno.
Na figura 10 a pergunta objetivou verificar o conhe-
cimento dos alunos sobre a nova Proposta Pedagógica do 2º
Segmento e a maioria dos alunos (14) responderam que conhe-
cem a nova Proposta Pedagógica do 2º Segmento (tempos de
aula, avaliação, divisão dos blocos de disciplinas, fases e anos
de estudos). E 03 alunos afirmaram não conhecer a proposta.

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Figura 11. Participa das reuniões promovidas pela escola

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2015.

Nos dados da figura 11, apenas 01 aluno afirma ter


participado da reunião que ocorre todo início do ano letivo.
Trata-se da reunião de integração que ocorre com todos os alu-
nos, equipe técnica, gestores e professores no primeiro dia de
aula na escola, um momento em que os gestores informam os
direitos e deveres dos alunos e o funcionamento de maneira
geral da escola.
Os 14 alunos que responderam não terem participado
de nenhuma reunião, na escola, provavelmente esqueceram-se
de citar a reunião do início do ano letivo, visto que a maioria
dos participantes demonstrou conhecer o funcionamento da
Proposta Pedagógica, conforme evidenciado na figura 10. Essa
reunião pode ter sido a fonte das informações obtidas pelos
alunos sobre o funcionamento da proposta do 2º Segmento.
Os resultados também sinalizam para pouca ou ne-
nhuma participação dos alunos nas reuniões pedagógicas que
ocorrem nas escolas. As reuniões pedagógicas poderiam tor-
na-se espaços para discussões com os alunos, por exemplo,
abordando questões sobre a estrutura da nova proposta, e ou-
tros interesses que possam ser associados às disciplinas e aos
conteúdos, tornando-os mais participativos. Freire (2006) de-
fende a participação dos alunos nas discussões do ensino dos
conteúdos de modo que se estabeleça uma intimidade com as
realidades vivenciadas por eles.

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Segundo Sampaio e Gallian (2013), o trabalho da es-


cola é acolher, socializar, dialogar com os saberes, costumes,
tradições, instaurando novos desafios para que alunos possam
avançar no processo de pensar e conhecer.
Após as descrições sobre o perfil socioeconômico dos
alunos do 2º Segmento da EJA, prosseguimos nossas discus-
sões com base nos resultados obtidos nas entrevistas com os
alunos. Os alunos entrevistados estão na faixa etária de 18 a 24
anos.
O aluno do 2º Segmento da EJA como porta voz de sua
escolarização
Apresentamos os relatos dos alunos do 2º Segmento
da EJA, objetivando conhecermos suas experiências, desafios,
concepções sobre a EJA, suas expectativas e sugestões para me-
lhoria na qualidade do ensino ofertado nas escolas municipais
de Manaus.
Conforme apontamentos realizados anteriormente, a
construção da nova Proposta Pedagógica do 2º Segmento da
EJA da rede municipal de Manaus foi desenvolvida com base
no ideário freireano de valores inclusivos, emancipatórios, hu-
manísticos e democráticos. Deste modo, podemos entender
que se trata de uma proposta educacional a ser utilizada como
instrumento a serviço da democratização, contribuindo para
o diálogo, para formar pessoas participantes dentro e fora do
contexto escolar, na valorização de suas experiências como
forma de transformação na medida em que esses sujeitos tor-
nem-se capazes de responder às necessidades no cotidiano da
escola e da vida.
Com base nessa abordagem realizamos a entrevista
individualmente, no intuito de obtermos informações sobre
suas experiências escolares até a entrada na EJA.
Nos relatos apresentados ficou evidente que apesar
de estarem frequentando a EJA, essa experiência não se deu
por falta de interesse em estudar, mas por diversos obstáculos,

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dentre eles, a entrada tardia na escola, conciliar estudo e traba-


lho, gravidez, distância entre casa e escola, conforme podemos
verificar a seguir:
Nunca precisei e nunca quis deixar de estudar, atrasei
nos meus estudos porque entrei tarde na escola. [...]
difícil é conciliar trabalho e estudo, hoje em dia tem
muito trabalho que é o dia todo e também o professor
exige trabalho de escola, exige que a gente esteja todo
dia na escola, mas precisa porque se a gente faltar aí
atrapalha um pouco. Então é difícil, assim, relacionar
os dois (THAYLINE).

[...] eu deixei de estudar para trabalhar. Aí atrapalhou


meus estudos, aí depois eu engravidei, fui deixando os
estudos de lado, agora eu resolvi voltar para estudar
de novo (SAMIRA).

Minha maior dificuldade para estudar é que moro


longe da escola. Posso vir de ônibus ou moto, [...] mas
o problema é quando a moto quebra, preciso pegar
ônibus superlotado (CRISTIANA).

Devido às brigas como meu companheiro eu vinha


para a Zona Leste, passava um mês, voltava, aí já não
ia para a escola, começava e com um mês desistia. Aí
infelizmente acabou que eu desisti dos meus estudos,
foram oito anos desistindo [...] Complicado demais
(MIRINA).

Essas exposições afirmam o que vem sendo aponta-


do nas pesquisas acadêmicas sobre a concepção destinada ao
público da EJA. Trata-se de um percurso de interrupções, mar-
cado por exclusão, consequências de experiências de insuces-
so, evasão, abandono, repetência. Arroyo (2007) confirma essa
abordagem, ao apontar que as trajetórias escolares dos educan-
dos da EJA estão fortemente vinculadas às suas precárias con-
dições de sobrevivência: excluídos, pobres, negros, vulneráveis
da periferia e do campo. Os desafios são inúmeros que fazem
parte da vida de homens e mulheres, jovens e adultos, trabalha-
dores, pais e mães de família que devem sua chegada à EJA por

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diversos motivos, dentre eles, o trabalho, problemas pessoais e


as sucessivas repetências e abandono escolar.
Percebemos que em nenhum momento os alunos es-
boçam uma análise crítica da realidade vivenciada por eles, em
parte resultado do modelo econômico do mundo contemporâ-
neo, uma sociedade marcada por injustiça social que segrega
e explora aqueles que desconhecem seus direitos. É necessá-
rio se propor debates explorando temas que promovam maior
participação dos alunos, dentro dos princípios democráticos
e de cidadania. Conforme descrito por Freire (2006) quando
propõe uma educação problematizadora, que forme um sujeito
crítico, participativo e atuante na sociedade, visando transfor-
má-la de modo que todos educandos tenham oportunidades
iguais.
Sabe-se que a EJA durante todo seu percurso vem
sendo destinada a uma parcela da população excluída do cha-
mado sistema regular de ensino, utilizada como um meio de
oportunizar a essas pessoas o retorno aos seus estudos. Porém,
criou-se a ideia distorcida e partilhada socialmente que estudar
na EJA significa elevar a escolarização de maneira facilitada e
desqualificada. Diante desse contexto, quais concepções os
alunos possuem sobre a modalidade de ensino que estão fre-
quentando? O que almejam para o futuro com a aprendizagem
que estão adquirindo? Teriam esses alunos alguma(s) sugestão
(ões) para essa proposta de escolarização?
Sobre a concepção que os alunos destinaram à EJA,
verificamos:
“A EJA foi feita para pessoas que estão numa série
que não corresponda à idade delas, né? Uns realmen-
te deixaram de estudar porque não quis estudar, quis
curtir a vida, outros não” (Thayline).

“A EJA serve para acelerar os estudos, devido o tem-


po que as pessoas deixaram passar, pessoas de idade
avançadas, para uns é bom” (Mauro Roberto).

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“[...] a EJA é uma oportunidade para gente, pelo me-


nos pra mim está sendo uma benção, como eu já estou
com uma idade um pouco avançada, se eu fosse fazer
série por série não iria terminar nunca meus estudos”
(Mirina).

“Acho que a EJA foi feita para pessoas como eu, mas
são poucos que querem estudar” (Fabiana).

“A EJA é diferente, todo mundo misturado, até filhos


vem para a escola” (Samira).

Os conceitos atribuídos a EJA expostos pelos alunos


apresentaram semelhanças; relacionando sempre a modalida-
de de ensino com a faixa etária, uma escolarização destinada a
pessoas mais velhas, sem tempo para estudar, trabalhadores e
pais de família. Trata-se de uma concepção baseada pela legis-
lação educacional que delimita idade para o acesso nas etapas
de ensino da educação básica e os alunos acabam internalizan-
do que os mais jovens devem estudar no ensino regular e os
mais velhos na EJA.
Perguntamos sobre expectativas para o futuro após a
conclusão de sua escolarização nessa modalidade de ensino,
vejamos o que disseram:
Os alunos expuseram que querem ingressar em cur-
so técnico profissionalizante como um meio para inserção no
mercado de trabalho:
“Quando terminar aqui vou me profissionalizar, que-
ro fazer curso técnico urgente, preciso trabalhar. Fa-
zer faculdade? Não, não agora não posso” (Fabiana).

“Na verdade entrar na faculdade no momento eu não


penso. Mas sei que quando terminar os meus estudos
aqui, quero fazer muitos cursos profissionalizantes
para que mais tarde, lá na frente eu possa arrumar um
bom emprego” (Mirina).

“Quando eu terminar o 9º ano (5ª fase), eu quero, se


Deus quiser cursar o ensino médio, eu não pretendo
cursar na EJA, quero cursar normal, porque pra mim

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eu acho que a gente aprende muito mais. Se eu puder


vou fazer um cursinho, me preparar mais” (Thayline).

“Pretendo terminar aqui o fundamental, depois o mé-


dio e pretendo cursa faculdade. Mas não quero estu-
dar o ensino médio na EJA, quero estudar o 1º, 2º e
3º normal ano por ano para aprender melhor” (Cris-
tiana).

“Não quero estudar na EJA no ensino médio. Quero


estudar de manhã, quero tocar bateria na igreja a noi-
te, como estou estudando a noite parei de tocar bate-
ria” (Mauro Roberto).

Os participantes apresentaram a intenção de concluir


o ensino fundamental na EJA, mas não têm a pretensão de
prosseguir seus estudos (ensino médio) nessa modalidade de
ensino; acreditam que no ensino regular a qualidade da educa-
ção oferecida é melhor. Pretendem também entrar em um cur-
so profissionalizante, visando o acesso ao mercado de trabalho.
Uma aluna evidenciou o desejo de entrar na universidade.
A procura pela escola dos jovens e adultos participan-
tes de nossa pesquisa está basicamente relacionada à inserção
no mercado de trabalho, significado semelhante que deram
sobre a motivação de estudar na EJA, quando declararam que
estudar nessa modalidade de ensino possibilitaria a elevação
de sua escolaridade em um tempo menor (Figura 9), o que os
ajudaria a conseguir trabalho e consequentemente melhores
condições de vida. Esses indicadores reacendem as discussões
sobre a importância da educação e trabalho na vida desses edu-
candos da EJA, “[...] na crença no poder da escola como trans-
formadora das condições de vida dos indivíduos” (PLATZER,
2009, p.118).
Verificamos, ainda, sugestões elaboradas pelos alunos
para melhoria de sua escolarização. A aluna Mirina descreve
a falta de infraestrutura da escola, citando a manutenção no
ar condicionado como um elemento relevante para aprendiza-
gem e a frequência escolar:

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“Os professores são ótimos [...] O que falta é melhorar


a estrutura da escola que infelizmente faz com que os
alunos desistam. Na minha sala não funciona um ar
condicionado sequer agente fica lá se abanando. Para
quem já não tem animo para estudar, perde totalmen-
te à vontade, daí só estuda mesmo quem tem muita
força de vontade” (Mirina).

No estudo sobre conforto urbano na cidade de Ma-


naus realizado por Carvalho et al (2014), os autores afirmam
que calor ou frio excessivo representa mais do que um simples
desconforto para quem está na sala de aula, pois as temperatu-
ras têm efeito direto sobre a concentração dos alunos, causando
alterações psicossensoriais e, assim, prestar atenção nas aulas
fica mais difícil. Conforme descreveu a aluna, esse desconforto
tira-os da sala, intervindo em seu processo de aprendizagem,
desmotivando os jovens e adultos a frequentarem a escola.
Outras sugestões foram relacionadas pelos alunos: a
elaboração de atividades diversificadas, participação em even-
tos, jogos, aumentar o tempo de aulas, contratar mais profes-
sores para Educação Física e informática, dar mais ênfases nas
disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Física, dispo-
nibilizar mais uniformes, ofertar aulas de informática e au-
mentar a frequência na Biblioteca.
“Gostaria de ter mais aulas de Física e Matemática”
(Samira).

“Mais aulas de informática, Língua Portuguesa e Ma-


temática” (Stela).

“[...] Precisa levar os alunos na biblioteca, na sala de


informática, nunca tivemos aula de informática, revi-
sar mais as matérias, pois quando termina o modulo
fica complicado, esquecemos tudo” (Cristiana).

Vale ressaltar que em nenhum momento os alunos


relacionaram as dificuldades de aprendizagem e infrequência
à figura docente, ao contrário, sempre se referindo aos profes-
sores como excelentes e bons.

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Considerações Finais
Ainda que as discussões apresentadas nesse trabalho
estejam baseadas em resultados parciais, consideramos alcan-
çados os objetivos propostos, pois mapeamos o perfil socioeco-
nômico dos participantes, conhecemos suas experiências, seus
desafios, concepções sobre a modalidade de ensino, expectati-
vas de futuro e obtivemos sugestões para a nova Proposta Pe-
dagógica do 2º Segmento da EJA.
As reflexões oriundas de nossa investigação eviden-
ciaram a necessidade de se rediscutirem alguns pontos desta-
cados em nosso estudo pelos alunos acerca da Proposta Peda-
gógica do 2º Segmento; trata-se de um trabalho coletivo que
poderá tornar-se legítimo por meio do diálogo, que na visão
freireana significa “[...] diálogo é a essência da ação revolucio-
nária” (FREIRE, 1987, p. 159), sugerindo mudanças e novos
caminhos para uma formação significativa na EJA.
Almejamos que as discussões elaboradas neste estudo
contribuam de alguma forma para ampliar a importância da
participação dos alunos na elaboração de uma proposta educa-
tiva, que esta seja capaz de identificar e incluir as expectativas
manifestadas pelos alunos, para que os objetivos dessa forma-
ção estabeleça uma relação dialógica permanente entre escola,
sociedade e educando.
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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DO CONTEXTO AO TEXTO:
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, INOVADORAS,
EJA –AMAZONAS

CARVALHO, Joelma Monteiro de1


Introdução
Ensinar a ler e a escrever continua sendo uma das ta-
refas mais complexas e desafiadoras. Isso se acentua por vá-
rios motivos, dentre eles a inserção da tecnologia no mercado
e consequentemente ao uso, por vezes inadequado, desses re-
cursos pelos estudantes. Dessa maneira, percebe-se cada vez
mais o espaço que a linguagem eletrônica vem ganhando no
cotidiano das pessoas, em especial dos estudantes, haja vista a
praticidade, a rapidez e instantaneidade da troca de informa-
ções disponíveis principalmente nos aparelhos celulares.
Durante as aulas de Língua Portuguesa desenvolvidas
nas turmas de Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos
(EJA), foi percebido um número significativo de alunos, de di-
ferentes faixas etárias, com déficit de leitura e produção textual.
Contudo, verificou-se o interesse constante de boa parte dos
alunos pelo uso de aplicativos de mensagens diretas, bem como
de redes sociais. Esses estudantes são oriundos de escolas pú-
blicas da área urbana e rural, os quais optaram pela modalida-
de EJA por questões relativas ao trabalho e ao fator idade/série.
A partir desse olhar, foi desenvolvido o projeto “Do contexto
ao texto: práticas pedagógicas, inovadoras, EJA – Amazonas”,
1 Joelma Monteiro de Carvalho é mestre em Letras e Artes/ Linguis-
tica/ Etnolinguística pela Universidade do Estado do Amazonas
(UEA) e atua na cidade de Manaus como professora na modalidade
de ensino EJA, bem como no Ensino Superior.

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com o intuito de aliar as tecnologias de informação ao ensino


da Língua Portuguesa, como forma de atrair os estudantes à
leitura e à produção de textos, bem como dialogar, interagir e
compartilhar os conhecimentos produzidos com a educadora,
por meio do aplicativo WhatsApp.
As primeiras ações na sala de aula partiram do levan-
tamento socioeconômico dos estudantes cuja finalidade con-
sistia em aproximar-se da vida diária de cada um deles. Identi-
ficou-se que os alunos apresentavam idade entre 18 e 72 anos e
que suas ocupações profissionais variavam entre trabalhadores
autônomos, servidores públicos e cidadãos de carteira assina-
da. Para alguns desses, a remuneração não ultrapassava a um
salário mínimo; outros necessitavam do auxílio do programa
de incentivo financeiro do Governo Federal, “o Bolsa família”,
além daqueles que apresentavam renda bastante esporádica.
Os estudantes da EJA são marcados por uma hetero-
geneidade, tanto econômica como social; logo, dos 400 estu-
dantes, 82% apresentaram algum tipo de dificuldade, como:
a carência de recurso para deslocar-se até a escola por meio
de transporte coletivo; alimentação diária básica e jornada de
trabalho exacerbada, uma vez que o horário necessário para o
início diário era às 4h da madrugada, implicando, em alguns
casos, numa jornada diária, entre o tempo destinado ao traba-
lho até a chegada e saída da escola, superior a 15 horas.
Por meio de conversas com os estudantes, foi visto
que, além de alguns deles acordarem às 4h da manhã, ainda
residiam em rodovias distantes, como a federal BR174 e a esta-
dual AM070. Para tanto, esses alunos enfrentavam diariamente
o transporte coletivo, sem qualquer auxílio financeiro destina-
do à locomoção. Por essa razão, observou-se que a ausência de
alguns estudantes era ocasionada pela falta de recurso econô-
mico. Mesmo com todas as dificuldades mencionadas, o sonho
de prosperar na vida, ter um bom emprego, uma boa moradia
e oferecer melhores condições de vida aos filhos eram as ferra-
mentas que os motivavam.

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Diante da pesquisa realizada em sala de aula, as dis-


cussões e comentários voltaram-se para os temas do emprego,
desemprego, violência, saúde, educação, transporte e lazer. Es-
ses temas foram inseridos no plano de aula da disciplina Língua
Portuguesa, numa abordagem transversal.
As atividades discursivas imbricaram em ações inte-
rativas com o uso do aplicativo WhatsApp aliadas ao ensino da
Língua Portuguesa na EJA, como prática educativa, que possi-
bilitou aos estudantes investigarem, desafiarem e buscarem no-
vas formas de apreender mediante recursos tecnológicos, como
o celular e as ferramentas interativas. Cada imagem capturada
pelos estudantes gerava uma visão de mundo e consequente-
mente nova aprendizagem. Notou-se que tais recursos possi-
bilitaram também a mobilização para a apropriação e amplia-
ção da cognição e o domínio de outras habilidades, como ler
e escrever, desempenhando o ato político, enquanto direito do
cidadão. Conforme destacou Paulo Freire (1986, p. 146):
[…] a educação é, simultaneamente, uma determina-
da teoria do conhecimento posta em prática, um ato
político e um ato estético. Essas três dimensões estão
sempre juntas – momentos simultâneos da teoria e da
prática, da arte e da política, do ato de conhecer a um
só tempo criando e recriando, enquanto forma os alu-
nos que estão conhecendo. (FREIRE, 1986, p. 146).

Foi desta forma prática, que as ações do projeto bene-


ficiaram mais de 400 estudantes, que tiveram a oportunidade de
participar das atividades e obtiveram bons resultados nos exa-
mes finais, redescobrindo novas leituras do seu próprio espaço.
Com este desafio de ensinar, pretende-se levar esta
proposta para os demais anexos da CEJA – Centro de Educa-
ção de Jovens e Adultos, bem como estendê-lo a outras escolas,
como o Colégio Brasileiro Pedro Silvestre, que atende o ensi-
no Fundamental (EJA), e para o Colégio Amazonense D. Pe-
dro II, de ensino Médio, em Manaus. No entanto, é necessário
que o professor destine um tempo diário para atendimento aos

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estudantes, como por exemplo, por meio de Chat, atendendo


instantaneamente os questionamentos dos educandos. A me-
todologia do Chat permite uma conversa em tempo real entre
diversas pessoas, em ambientes remotos, através de mensagens
escritas. Neste caso, além da interação no bate papo, estabele-
ce-se horário de interação entre os participantes, isto é, objeti-
vando garantir a interatividade.
Desenvolvimento
Os estudantes matriculados na Educação de Jovens e
Adultos formam um público que necessita de aulas planejadas,
diferenciadas, seguidas por roteiros, dentro da proposta cur-
ricular da EJA; além de carecerem de uma estreita e constante
relação de diálogos entre docente e discente. Trata-se de um
público diversificado, como lideres indígenas, líderes comuni-
tários, dentre outros com identidades diferentes.
Mesmo com a pluralidade cultural nas turmas da
EJA, os estudantes apresentaram interesse comum na criação e
na construção de grupos de conversas no WhatsApp. Para Frei-
re (1980), é por meio da cultura e da linguagem dos sujeitos e
partindo da constatação de que eles, como produtores de sua
cultura, possuem saberes específicos.
A proposta aqui exposta foi acolhida pelos estudantes
com bastante entusiasmo, uma vez que se mostrou inovadora
por meio dos diálogos os quais estabeleceram interação social
entre os participantes. Ao longo das aulas foi percebido um
vasto entrosamento entre os membros dos grupos, por meio
do aplicativo, demonstrando um aumento no interesse, além
da troca de novos conhecimentos em novos contextos, novos
estímulos ao potencial de cada participante para novas reali-
dades, orientações frente ao mercado de trabalho e escolhas da
futura profissão. Freire (1986, p. 22) enfatiza que, “o diálogo é
compreendido como uma condição do ser humano e, quando
estimulado, possibilita vivências de ser mais, de tornar-se hu-
mano de uma forma mais plena”.

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O projeto propõe uma metodologia de aprendizagem


construída no convívio grupal, destinada ao público EJA – En-
sino Médio, frente às exigências dos vários tipos de concursos
e vestibulares oferecidos pelas universidades federais, esta-
duais e municipais, como o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), o qual possibilita acesso ao nível superior. Para Lane
(2001, p. 71), “é por meio do grupo que o indivíduo estabelece
sua relação com a sociedade e pode, a partir daí, transformar
suas ações de maneira a reconhecer-se como um ser social”.
A cada interação dos grupos, percebeu-se como os
integrantes utilizavam o aplicativo durante as atividades edu-
cacionais. Além das informações sobre as aulas e sobre as ima-
gens capturadas, os estudantes aproveitavam para socializar al-
gumas dificuldades enfrentadas no dia a dia, como frequência
escolar, ou questões financeiras, familiares, entre outras. Para
Vasconcelos:

[...] as pessoas interagem a partir de vários suportes.


Interagir é aprender, é dividir conhecimento, é se re-
ligar ao outro. E, grande parte dessa troca não se faz
mais nos limites da tradição do emissor e receptor.
Diversas linguagens são recriadas através das tecno-
logias da informação e comunicação, gerando formas
plurais de diálogo e possibilidade de múltiplas intera-
ções. (2005, p. 13).

A Secretaria Estadual de Educação do Amazonas de-


senvolve ações para o público da Educação de Jovens e Adultos
nos 61 municípios do Estado do Amazonas. Porém, o gran-
de desafio é a formação do professor que atua na EJA, pois
esse precisa aliar teoria e prática com as vivências, em prol da
aprendizagem dos estudantes. Sabe-se que os recursos tecno-
lógicos trazem imagens atrativas ao alunado e que o professor
precisa se adequar aos novos contextos. Conforme destacaram
Silva e Vasconcelos (2005, p. 13), em artigo sobre os desafios
do professor EJA:

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Os docentes de EJA devem estar preparados para lidar


com esses avanços. O desafio reforça a necessidade de
que os professores sejam mediadores da aprendiza-
gem dos novos conhecimentos de modo que contri-
bua para que o alunado seja capaz de acompanhar as
facilidades que a evolução tecnológica possibilita, su-
perando a exclusão digital e que esta seja instrumento
a favor do processo de ensino e inclusão social.

Em Manaus, no Centro de Educação de Jovens e Adul-


tos Professora Jacira Caboclo, são realizadas ações pedagógicas
de forma interdisciplinar e transversal, as quais efetivam-se em
parceria com outros professores de várias áreas do conheci-
mento, a partir dos conteúdos das disciplinas.
Dentre os objetivos traçados neste projeto, destaca-se
o de mostrar aos estudantes da EJA, do Ensino Médio, a possi-
bilidade de aprender a Língua Portuguesa a partir das vivências
do cotidiano, com o apoio de recursos tecnológicos, em espe-
cial os de informação, como o aplicativo WhatsApp.
Segundo Almeida (2015), a história do aplicativo
WhatsApp traz a experiência e a superação do ucraniano Jan
Koum. De origem pobre, Jan Koum foi faxineiro e passou por
sérias dificuldades na adolescência. Em 2014, com a venda do
WhatsApp para o Facebook, por 19 bilhões de dólares, o ucra-
niano passou a fazer parte do clube de bilionários. Essa histó-
ria revela semelhanças com o público da EJA, que na maioria
são pessoas sonhadoras e que buscam sucesso profissional, e,
mesmo com tantas dificuldades, superaram as barreiras do dia
a dia.
Para Almeida (2015), os ganhos com a aplicação de
TIC no ambiente escolar estão em comum acordo com aqueles
descritos pelo Guia do Livro Didático PNLD 2015:
Os objetos educacionais digitais podem encantar pela
forma como apresentam produções tecnológicas do
campo da informática, articuladas a conhecimentos
científicos, a modos de vida, as questões sociais, cul-
turais e econômicas, possibilitando outras vivências

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por meio de equipamentos como computadores pes-


soais, tablets, smartphones etc. (BRASIL, 2015, p. 85).

Metodologicamente, os primeiros passos do projeto


constituíram-se em: 1) levantamento sobre a vida e o cotidiano
de cada aluno; 2) observações e troca de informações para esco-
lha da profissão; 3) normas para a criação e uso dos grupos via
WhatsApp; 4) critérios para as imagens referentes ao cotidiano
fornecidas pelos estudantes; 5) seleção das imagens, exposição
e diálogos críticos acerca delas e 6) construção dos textos, re-
facção e discussões das produções dissertativas. Para esta úl-
tima etapa, trabalhou-se variados textos retirados dos jornais
que circulam na cidade de Manaus. Cada aluno escolheu um
texto para que o professor explicasse sobre a estrutura sintática
e linguística, parágrafos, coesão e coerência, visando sempre a
compreensão do texto.
Sabe-se que “o século XXI vem sendo testemunha de
uma verdadeira revolução tecnológica na vida social das pes-
soas”, conforme mencionam os pesquisadores Shepherd e Saliés
(2013, p. 78). Essas mudanças afetam principalmente os estu-
dantes da EJA, que são de faixa etária bem variada de 16 até 72
anos. Como exemplo, cita-se o estudante José Ferreira Manso
dos Santos, 72, aposentado, nascido em 1943, o qual relatou:
“parei de estudar aos 13 anos de idade. Só voltei a estudar no
ano de 2013”. Dessa maneira, diante de vários relatos, perce-
beu-se que cada aluno possui uma vivência de mundo e que
cada vivência deve ser compartilhada entre os aprendizes. Po-
rém, mesmo em idade avançada, eles precisam se aproximar
das novas tecnologias pouco comuns à rotina que normalmente
levam.
Assim, diante da formação híbrida dos estudantes, o
projeto contou com recursos tecnológicos, como celulares com
acesso à internet e com uso do comunicador instantâneo que
permite uma interação objetiva em tempo hábil, conhecido
como WhatsApp. Assim, reafirmamos que a utilização de novas
tecnologias é crescente, conforme destaca a UNESCO 2015.

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Cerca de seis bilhões de pessoas têm acesso a equipa-


mentos móveis conectados à Internet. A tecnologia
está mudando o modo de vida das pessoas e começa a
mudar a forma de aprendizagem. Telefones celulares,
projetores, acesso sem fio à Internet, quadros interati-
vos, e outras tecnologias semelhantes.

Logo, para quebrar o mito de que a tecnologia é um


vilão na educação, o projeto sugere o uso do aplicativo como
recurso facilitador ao ensino do componente curricular Lín-
gua Portuguesa, no Ensino Médio, adequando-o, com apoio
teórico das etapas de leitura propostas por Paulo Freire na al-
fabetização.
Após experiências vivenciadas junto aos jovens e ido-
sos na EJA, percebeu-se que é possível adotar o método aliado
à tecnologia, como forma de mudar o pensamento, não somen-
te do estudante como também do docente do século XXI, pois
essas ferramentas vêm evoluindo no meio educacional, apro-
priando-se do saber linguístico e cultural de cada aluno, a par-
tir do seu cotidiano.
Assim, para o ensino de Língua Portuguesa na EJA
utilizou-se as etapas do método defendido por Freire (1982):
(a) Investigação;
(b) Tematização;
(c) Problematização.
Inicialmente, na etapa de investigação, professor e es-
tudante buscam adquirir novos vocabulários em vários con-
textos e em novos temas, a partir do dialogismo. Esses aspectos
são significativos na vida de cada indivíduo, assim, dentro de
seu universo vocabular e da comunidade onde ele vive, ou seja,
partindo da realidade social.
Em seguida, a etapa de tematização é o momento da
tomada de consciência de mundo, por meio das imagens cap-
turadas pelos estudantes, bem como, da escolha dos temas per-
tinentes à construção do texto. Essas escolhas são geradoras

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de significados sociais, dos temas e palavras provocadas nos


contextos. É ter engajamento com o outro e, por conseguinte,
consigo mesmo.
Na etapa de problematização, o professor desafia e
inspira os estudantes a superarem a visão de que alunos da EJA
são sem prestígio, além de despertar o senso para a crítica de
mundo, com postura consciente, a partir dos temas geradores
voltados para trabalho, saúde, meio ambiente, entre outros.
Nessas discussões, o tema que mais repercutiu foi o relativo às
questões ambientais, principalmente, direcionadas aos igara-
pés de Manaus.
Para a consolidação das etapas de construção textual e
de novos vocabulários, mereceu dividi-las em seis fases.
Primeira fase:  levantamento do universo vocabular
do grupo. Nessa, ocorreram as interações de aproximação e
conhecimento mútuo, bem como a anotação das palavras da
linguagem dos membros do grupo, respeitando seu linguajar
típico. Desse modo, percebeu-se variadas expressões linguísti-
cas no ato da fala de cada estudante.
A 2ª fase baseou-se na escolha das imagens fotografa-
das e na produção de frases e textos selecionados, seguindo os
critérios da construção de um texto formal, dificuldades, numa
sequência gradual dos textos mais simples para os textos mais
complexos, do uso pragmático da palavra na realidade social,
cultural, política do grupo e/ou sua comunidade.
Na 3ª fase, ocorreu a criação de situações existenciais
características do grupo. Foram situações inseridas na realida-
de local, que devem ser discutidas com o intuito de abrir pers-
pectivas para a análise crítica consciente de problemas locais,
regionais e nacionais. Além do momento de tirar dúvidas sobre
assuntos variados e compartilhamento de novas informações
ao grupo.
Na 4ª fase,  foram criadas as fichas-roteiro voltadas
para o estudo e pesquisas que funcionaram como guia para os
debates, sem, no entanto, seguir uma ordem rígida. Nessas fi-

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chas, os estudantes retiraram do texto inicial as variações da


escrita padrão e em seguida, relaboração de novos textos.
A 5ª fase, por sua vez, permitiu a produção de pala-
vras e de novos textos, a partir das imagens; além da compo-
sição, estruturação e reestruturação dos textos, exposição das
imagens correspondentes aos temas geradores para a constru-
ção textual e reelaboração de outros textos. Finalmente, na 6ª
e última fase, trabalhou-se a reflexão crítica acerca dos textos
produzidos, a partir das imagens selecionadas e exposição das
produções.
Cada etapa levou em média de 01 (uma) a 02 (duas)
aulas. Cada tempo de aula corresponde a aproximadamente 45
minutos, sendo que diariamente as aulas são germinadas, isto
é, uma aula corresponde a 90 minutos. Logo, esta distribuição
da carga horária diária é um facilitador para aplicar a metodo-
logia do projeto.
Para visualizar a metodologia utilizada, estruturou-se
o quadro resumo, conforme figura 1, em que descreve as etapas
traçadas de maneira condensada, para a construção do texto
final.
Figura 1 – Etapas da metodologia aplicada no projeto

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Logo, como resultado documental do trabalho reali-


zado, buscou-se os dados do Exame Nacional do Ensino Mé-
dio (ENEM), de 2015, fornecidos por uma estudante da EJA,
de inscrição n. 1510026748668. De acordo com a análise dos
dados, percebeu-se que, na redação solicitada no certame, a
candidata obteve a pontuação de 520 pontos, sendo mais de
50% de acertos, em relação ao total dos pontos. Vale ressaltar
que no país, mais de 53 mil estudantes obtiveram a nota zero
na redação, no mesmo ano. Segundo o Ministério da Educação
(MEC) o “grupo mais numeroso de pontuação é o de candidatos
que ficou com notas entre 501 e 600 pontos. Mais de 1,9 milhões
de participantes se enquadram nesta faixa de pontos”. Assim, con-
sidera-se positiva a pontuação da aluna, uma vez que apresentou
domínio satisfatório aos critérios de avaliação do exame.
Considerações Finais
Evidenciou-se que a proposta educativa apresentada
pode contribuir na formação dos estudantes da EJA – Ensino
Médio, gerando bons resultados na execução desta modalida-
de.
E para tanto, é necessário que as aulas de língua por-
tuguesa tenham sentido à vida de todos os estudantes, ou seja,
que as aulas sejam estimuladas a partir de um  tema gerador
demandado pelos estudantes, como trabalho, saúde, educação,
meio ambiente, entre outros temas, em nível da Educação de
Jovens e Adultos, no Ensino Médio.
Silva e Vasconcelos (2005, p. 213), afirmam que “é pre-
ciso repensar se o modo como a EJA continua apresentando-se
corresponde às expectativas de inclusão social necessárias ao
século XXI”. Nessa perspectiva, este trabalho tem a intenção
de dialogar nova forma de ensino para o século XXI, em que
possibilite a interdisciplinaridade, integrando não somente a
educação formal, por meio dos conteúdos das disciplinas Lín-
gua Portuguesa, História Geografia, Sociologia, Filosofia, mas
também a educação informal, aquela que o aluno traz das vi-
vências de mundo, presente em seu currículo oculto.

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Priorizou-se utilizar os temas que estavam relacio-


nados com o dia a dia dos estudantes, partindo da realidade
social e valorizando cada vivência, por meio de vários gêneros
como poemas, cantigas, textos informativos e reflexivos; além
de facilitar a assimilação dos conteúdos favorecendo a inte-
gração do grupo de estudantes, via tecnologia de informação,
WhatsApp. Logo, estas ações reafirmam a proposta do educa-
dor Freire (l967, p. 25) como “um ato de conhecimento, uma
aproximação crítica da realidade”.
Em sala de aula, a aprendizagem se deu tanto para o
professor, como também para o estudante; logo, é necessário
que as relações sejam afetivas e democráticas, garantindo a
todos a possibilidade de se expressar, pois o professor não é
o detentor do conhecimento, mas sim mediador do processo,
num ato político. “Uma das grandes inovações da pedagogia
freireana é considerar que o sujeito da criação cultural não é
individual, mas coletivo”. (ROMÃO, 2001, p. 2).
A  valorização da cultura do aluno  é a chave para o
processo desconscientização preconizado por  Pau-
lo Freire,  ele propôs o que chamou de  Temas Gera-
dores, onde o educador e educando em sala de aula
aprendem juntos, a diversidade pode contribuir para
o dinamismo da aula, para despertá-lo do interesse,
da atenção e do envolvimento, garantindo a todos a
possibilidade de se expressar sobre aspectos da reali-
dade, mantendo uma ligação com o universo conhe-
cido, impulsionando-os para novas descobertas, pois
aprendemos melhor aquilo que temos interesse em
aprender. Os Temas Geradores ajudam a organizar o
trabalho de sala de aula porque possibilita uma apren-
dizagem significativa. (PARFOR, 2015, p. 35).

Assim, cada estudante pertence a uma classe social,


estabelecem relações segundo seu contexto de origem, têm
uma linguagem própria que ao longo das aulas são reconstruí-
das. Elas ocupam um espaço geográfico e são valorizadas de
acordo com os padrões do seu contexto familiar e com a sua
própria inserção social em vários contextos.

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[...] são experiências culturais diversas, em diferentes


espaços vividos. Do ponto de vista crítico, é tão im-
possível negar a natureza política do processo educa-
tivo quanto negar o caráter educativo do ato político.
Isto não significa, porém, que a natureza política do
processo educativo e o caráter educativo do ato polí-
tico esgotem a compreensão daquele processo e deste
ato. (FREIRE, 1982, p. 2).

Nessa perspectiva, sugere-se aos gestores da Educação


do estado do Amazonas, a inserção não somente da pedagogia
de Paulo Freire, mas a aproximação com as ferramentas tec-
nológicas, de informação, por meio do aplicativo WhatsApp,
adequada ao ensino da Língua Portuguesa, para a EJA, num
processo educativo, contínuo e de sustentabilidade à vida e ao
trabalho, voltado para as experiências vivenciadas pelos estu-
dantes fora do espaço escolar, valorizando as questões concre-
tas, conforme Freire (1986, p. 22).
Sabe-se que, para haver a aprendizagem, deve-se levar
em consideração trocas de experiências, a partir do diálogo,
em via de mão dupla, na qual tanto o professor quanto o alu-
no aprendem. Ao final, a escola poderá alcançar e contabilizar
ganhos significativos na aprendizagem dos estudantes, além
de refletir sobre a língua materna, suas variações, ampliando
o universo vocabular e o arcabouço linguístico do cidadão em
formação.

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Universitária/UFPB, 2005.

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REFLEXOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

ARAÚJO, Monica Dias de1


OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de2
Introdução
Por meio deste trabalho apresentamos algumas refle-
xões que nos remete ao processo de inclusão e exclusão mani-
festados na Educação de Jovens e Adultos. As discussões fazem
parte da Dissertação de Mestrado desenvolvida no programa
de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Pará, intitu-
lada: Tessitura da Inclusão na Educação de Jovens e Adultos no
município de Altamira – Pará.
A pesquisa de campo constitui-se de um Estudo de
Caso de Análise qualitativa e abordagem Crítico-Dialética. O
objetivo é analisar como a escola de ensino fundamental consi-
1 Pedagoga – Especialista em Língua de Sinais Brasileira, Especialista
em Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Regional, Especia-
lista em Metodologias Inovadoras Aplicadas a Educação, na Especi-
ficidade Educação Especial e Inclusiva e Mestra em Educação pela
Linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia- UEPA. Profes-
sora de Libras e Educação Especial da Universidade do Estado do
Amazonas - UEA. Pesquisadora da Rede de Educação Inclusiva na
Amazônia Paraense e do Grupo de pesquisa, Educação, Sociedade e
Cultura no Contexto do Médio Solimões na linha de pesquisa: Edu-
cação Inclusiva e Acessibilidade do Centro de Estudos Superiores de
Tefé-AM. E-mail: monicadiasatm@yahoo.com.br.
2 Pós-doutora em Educação pela PUC-RIO. Doutora em Educação
pela PUC-SP/UNAM-UAM- Iztapalapa- México. Professora Titular,
pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação e Coor-
denadora do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire – NEP e da
Rede de Educação Inclusiva na Amazônia Paraense da Universidade
do Estado do Pará. E-mail: nildeapoluceno@hotmail.com.

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derada referência na Educação Inclusiva, vem incluindo estu-


dantes com necessidades educacionais especiais na Educação
de Jovens e Adultos.
Participaram da pesquisa: professores (as) da EJA e da
Sala de Recursos Multifuncional, Intérpretes3, estudantes com
necessidades educacionais especiais, a coordenadora da Edu-
cação Especial/Inclusiva do Município e coordenadora da EJA
da escola.
Os procedimentos metodológicos realizados foram:
levantamento bibliográfico e documental, entrevistas semies-
truturadas e observação participante. Na análise dos dados re-
corremos a algumas técnicas de categorização da Análise de
Conteúdo de Bardin.
Neste trabalho, destacaremos como vem se desenvol-
vendo a Educação de Jovens e Adultos no contexto da escola
pesquisada chamando atenção do leitor para o alto índice de
abandono que a escola e rede de ensino apresentam na mo-
dalidade EJA. Considerando que o abandono escolar constitui
consequências que perpassam pelas políticas e práticas peda-
gógicas e refletem questões internas a escola e também externa,
como questões sociais e econômicas.
Destacamos também, reflexos de inclusão e exclusão
escolar apontando alguns relatos das pessoas que livremente
aceitaram participar da pesquisa. As discussões perpassam por
algumas reflexões sobre as práticas de ensino e de avaliação, a
preparação da escola para a inclusão, o projeto político peda-
gógico e a participação dos profissionais da escola no processo
de inclusão.
Primeiras reflexões
A Educação de Jovens e Adultos representa a possibi-
lidade de incluir estudantes que não tiveram oportunidade de
3 Os interpretes da escola participaram da pesquisa. No entanto, ou-
tro intérprete sem vínculo com a escola realizou a tradução das falas
das pessoas com surdez.

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acessar o processo de escolarização na idade adequada. Segun-


do Ferreira (2010, p. 75), o tema relacionado à Educação de Jo-
vens e Adultos com deficiência é novo, relevante e oportuno “por-
que trata da questão da igualdade de oportunidades educacionais
no contexto de desenvolvimento de escolas inclusivas para todos”.
Assim, espera que as escolas exerçam de fato sua autonomia pe-
dagógica sob uma concepção pedagógica fundamentada na filo-
sofia inclusiva.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
de Jovens e Adultos apontaram-na como direito pú-
blico subjetivo, no Ensino Fundamental, posição […]
consagrada, em seguida, em lei nacional. Tais Dire-
trizes buscaram dar à EJA uma fundamentação con-
ceitual e a interpretaram de modo a possibilitar aos
sistemas de ensino o exercício de sua autonomia legal
sob diretrizes nacionais com as devidas garantias e
imposições legais. A Educação de Jovens e Adultos re-
presenta uma outra e nova possibilidade de acesso ao
direito à educação escolar sob uma nova concepção,
sob um modelo pedagógico próprio e de organização
relativamente recente (BRASIL, 2013, p. 325).

O índice de analfabetismo e abandono escolar na mo-


dalidade EJA é alarmante. Segundo dados do IBGE (2006),
existem 14,4 milhões de jovens analfabetos acima de 15 anos.
De acordo com Freire (2011, p. 133), esses “déficits, realmente
alarmantes, constituem óbices ao desenvolvimento do país e à
criação de uma mentalidade democrática. São termos contra-
ditórios ao ímpeto de sua emancipação”. Ferreira (2009, p. 75)
explica que, “jovens e adultos com deficiência constituem hoje
ampla parcela da população de analfabetos do mundo por-
que não tiveram oportunidades de acesso à educação na idade
apropriada”.
Novas políticas estão sendo implementadas no senti-
do de oportunizar o acesso. No entanto, ainda existem pessoas
que continuam sem o direito de ser ou pertencer no ambiente
escolar e ou social.

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Nos países economicamente ricos, a maioria das pes-


soas com deficiência está institucionalizada, nos paí-
ses economicamente pobres, está escondida, invisível
na escola e nos vários espaços sociais. Em ambos os
casos eles são privados de oportunidades de aprendi-
zagem formal e de desenvolvimento humano (FER-
REIRA, 2009, p. 75).

As pessoas com algum tipo de necessidade específica


têm enfrentado inúmeros desafios no âmbito social e educa-
cional. Conforme Ferreira e Ferreira (2007, p. 37):
vivemos um momento na educação em que coexis-
tem a incapacidade da escola para ensinar todos os
alunos e a presença de fato de alunos com deficiên-
cia, que são estranhos para ela. Tão estranhos que ela
parece resistir em reconhecê-los como seus alunos,
em desenvolver sua formação, em reconhecer um
processo educativo relevante para eles. Parece preva-
lecer no conjunto da cultura escolar a concepção de
que o lugar da pessoa com deficiência é fora da escola
regular.

Contudo faz-se necessário em tempos de inclusão


atentar para o que nos diz Moll (2008, p. 17):

fazer-se professor ou professora de adultos implica


empreender trajetórias que se enveredem pela razão
sensível que, compreendendo e explicando o mundo
com seus condicionantes históricos, sociais, políti-
cos, econômicos e culturais, permita que a singulari-
dade das histórias humanas se explicitem no espaço
da sala de aula para que cada um, se dizendo, possa
dizer de seu mundo. E dizendo suas novas palavras,
possa encontrar-se com o universo de conhecimento
que vem através delas.

Desta forma, compreendemos que a Educação de Jo-


vens e Adultos e educação inclusiva são propostas indissociá-
veis. Assim, “o discurso e a prática inclusiva precisam ser so-

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cializados, debatidos, problematizados e praticados por todos


vinculados ao sistema educacional. Enfim, que o discurso da
inclusão seja extensivo a todos os excluídos da escola e conver-
tido em práticas de inclusão” (OLIVEIRA, 2011, p. 40).
A Educação de Jovens e Adultos no contexto da escola
pesquisada
A escola lócus da pesquisa denominada de “Roda de
Sisos” foi uma das primeiras construídas na cidade, entregue à
4

população altamirense no mês de janeiro de 1970. Está inseri-


da na região central da cidade de Altamira, no Estado do Pará.
Segundo Araújo (2013), embora a escola esteja em
uma área centralizada, a comunidade escolar é composta por
estudantes de vários bairros da cidade, principalmente os estu-
dantes com necessidades específicas, matriculados na escola. A
maioria atravessa a cidade para chegar até a escola.
A escola oferta os anos finais do Ensino Fundamen-
tal, nos turnos, matutino e vespertino; Educação de Jovens e
Adultos, nos turnos, vespertino e noturno; e, Educação Espe-
cial, nos turnos, matutino e vespertino, atendendo estudantes
da escola e de outras escolas da Rede Municipal.
Os anos finais do Ensino Fundamental registraram, na
matrícula inicial de 2012, um total de 248 estudantes,
e, na matrícula final, 264 estudantes, devido às trans-
ferências recebidas e expedidas. Neste nível, 39 alunos
abandonaram à escola. Na modalidade EJA, foram
matriculados, em 2012, um total de 445 estudantes,
distribuídos nas seguintes turmas: 1 (uma) turma de
1ª Etapa; 1 (uma) turma de 2ª Etapa; 4 (quatro) tur-
mas de 3ª Etapa; e, 6 (seis) turmas de 4ª Etapa. Destes
445 estudantes, finalizaram 200. Abandonaram a es-
cola 233 estudantes (ARAÚJO, 2013, p. 98).

O gráfico que segue demonstra o elevado índice de


abandono no contexto da pesquisa.
4 Nome fictício atribuído a escola. Um dos cuidados éticos tomados
na pesquisa.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Fonte: Araujo (2013, p. 99).

Os dados apresentam um abandono na escola na


modalidade EJA de 52,3%. Araújo (2013, p. 100), diz que: “o
abandono e a exclusão na EJA têm origem em diversos fatores
existentes dentro e fora da escola”. Entre os fatores destacam-
-se: “fatores atitudinais, fatores socioeconômicos, fatores peda-
gógicos que permeiam o fazer educativo e as práticas que são
vivenciadas nas escolas” (ARAÚJO, 2013, p. 100).
O gráfico seguinte apresenta o índice de abandono
geral na Educação de Jovens e Adultos nas escolas municipais.

Fonte: Araújo (2013, p. 86).

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No ano de 2012, ingressaram para cursar a EJA, 2.292


(dois mil e duzentos e noventa e dois) estudantes na rede mu-
nicipal de educação na cidade de Altamira. Concluíram um to-
tal de 1.165 (mil e cento e sessenta e cinco) estudantes, ou seja,
o elevado índice de abandono na escola pesquisada reflete tam-
bém a realidade da modalidade da Educação de Jovens e Adul-
tos na rede municipal de ensino que representa a realidade vi-
venciada por diversas escolas brasileiras. Nas escolas indígenas
o índice de abandono chega a atingir um percentual de 70% de
abandono. Araújo (2013) destaca que para a equipe responsá-
vel pela EJA na Secretaria Municipal de Educação – SEMED de
Altamira, o principal desafio é combater o abandono.
As causas do abandono destacadas variam entre fa-
tores socioeconômicos, a necessidade de priorizar o
trabalho para contribuir com o sustento da família, o
cansaço físico dos estudantes, aulas desmotivadoras,
ausência de políticas públicas educacionais específi-
cas para EJA e estruturas físicas inadequadas (falta de
acessibilidade). Soma-se a essas causas, a falta de um
currículo flexível e adequado ao estudante da EJA e às
escolas indígenas. (ARAÚJO, 2013, p. 87).

Araújo (2013) apresenta algumas propostas que a


equipe da SEMED cita para combater o abandono.
Dinamizar atividades esportivas com profissional de
educação física não atendendo apenas ao conteúdo
programático, buscando a socialização entre alunos.
Organizar e Colocar em prática os conselhos de classe
na EJA; utilizar o telefone celular como instrumento
para entrar em contato com alunos faltosos; acompa-
nhar os alunos do PROEJA- FIC nas escolas que fo-
ram contempladas com o programa; criar um plano
de ação para o fortalecimento da Educação de Jovens
e Adultos (EJA) no município; implementar um pla-
no de mobilização das pessoas jovens e adultas para
ingresso em turmas de alfabetização; construir junto
com o professor um ambiente propício ao aprendi-
zado e a permanência do aluno na escola; utilizar as
novas mídias como suporte pedagógico utilizando- a

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para favorecer o processo de ensino e de aprendiza-


do incluindo a área indígena; utilizar programas de
acompanhamento do desempenho do aluno da EJA
para dar sustentabilidade aos planos de intervenção;
utilizar de palestras motivacionais para incentivar o
aluno a não evadir da escola; proporcionar aos pro-
fessores cursos de capacitação e formação continuada
com vista a melhorar o desempenho dele com o alu-
no. Adaptar o currículo de acordo com a realidade in-
dígena com a participação de uma equipe multidisci-
plinar (antropólogo, linguista, pedagogo e sociólogo)
utilizando- a também para a capacitação dos profis-
sionais do magistério que trabalham com indígenas;
adequar o material didático a realidade indígena,
produzindo, editando e publicando esses materiais,
contemplando as realidades socioculturais dos povos
indígenas (SEMED, 2012).

Percebe-se que há uma preocupação por parte da


equipe responsável pela Educação de Jovens e Adultos da SE-
MED, com alto índice de abandono. Segundo Araújo (2013, p.
88), as proposições apresentadas “variam de mudanças estrutu-
rais, organizacionais, formação, currículo, adaptação de material
didático, entre outras. No entanto, não apontam como cada ação
deverá ser desenvolvida e não sinalizam para a EJA na perspectiva
da Educação Inclusiva”.
Desta forma, a Educação de Jovens e Adultos no con-
texto da escola pesquisada apresenta entre os seus desafios a
necessidade de superar a exclusão que se manifesta principal-
mente pela quantidade elevada de estudantes que abandonam
a escola e os que permanecem na escola sem acessar uma edu-
cação de qualidade que respeita as especificidades desta moda-
lidade de ensino.
Alguns reflexos de inclusão e exclusão
A realidade da escola pesquisada reflete diversas si-
tuações que indicam em alguns momentos práticas e atitudes
que vem se desenvolvendo na perspectiva inclusiva. Contudo,

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a realidade também está permeada de práticas e atitudes que


excluem.
Para alguns estudantes a interação com os colegas é
importante. Neste sentido, destaca que a inclusão é satisfatória.
Porém, reconhecem que precisa melhorar a comunicação entre
surdos e ouvintes, estudantes e professores conforme o relato
do estudante João - E5 que segue:
aqui estamos juntos com os ouvintes. Os surdos e ou-
vintes. A inclusão está boa, mas a questão da comu-
nicação está um pouco difícil. A inclusão junto com
os ouvintes é uma troca de informação entre surdos
e ouvintes, visto que eles aprendem a Libras e nós
aprendemos também um pouco de português, um
ajuda o outro. Isso é muito bom, isso é importante. Na
questão dos professores, eles sabem um pouquinho
de sinais, são sinais caseiros e isso fica difícil. Com
os alunos eu já tenho um pouco de interação. Então é
uma boa inclusão (JOÃO – E).

Nota-se que os estudantes se sentem bem convivendo


com as diferenças. No entanto, destacam a necessidade de me-
lhorar a comunicação entre surdos e ouvintes. Assim, percebe-
-se que não há um comprometimento da escola em difundir a
Língua de Sinais entre surdos e ouvintes. Segundo Glat (2007,
p. 55), as barreiras de comunicação “afetam não só o acesso
à informação de modo geral, mas também prejudicam direta-
mente a aprendizagem escolar”.
Sobre o processo de ensino e de aprendizagem entre
as questões destacadas pelos estudantes percebe-se que as prá-
ticas precisam ser aperfeiçoadas.
Tem professor que não sabe explicar, aí demora, de-
mora e eu não entendo nada, mas tem outros pro-
fessores que explicam bem. Não estou recriminando
nenhum tipo de professor, cada um tem o seu jeito de
explicar, só que tem que explicar um pouco melhor
para poder entender (ISABEL – E).
5 Os nomes dos estudantes são fictícios e seguidos da letra “E”.

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Alguns professores eu acho ruim. Por exemplo, na


disciplina [...] eu acho ruim, porque ele não ensina e
eu não aprendo. Então eu acho ruim. A disciplina [...]
mais ou menos eu consigo aprender e de [...] também
aprendo um pouco, [...] mais ou menos também. [...]
eu acho muito bom porque a professora me ajuda.
Mas, [...] é ruim. [...] às vezes. [...], acho muito legal
(MARIA – E).
Dentro da sala de aula a professora lá no quadro e eu
só fazia cópia. Alguns alunos ouvintes conversando e
eu lá, sem conversar, eu quieto, na minha, como um
folgado. Às vezes saía, ia conversar com outros surdos,
eu voltava pra sala de aula, eu esperava essa situação
do professor. Pra mim era muito difícil. Aprender é
muito difícil. Ficavam conversando oralmente portu-
guês e eu ficava curioso pra eu aprender como é, o que
é. Isso é importante, ser inteligente é importante, mas
era muito difícil porque não conversavam em sinais e
eu perguntava para o professor ele dizia: “Não sei, é
particular deles”. Era difícil pra mim (JOÃO – E).

Só fala para ouvinte, surdo não entende nada (PAU-


LO – E).
A de [...] ensina bem, [...] não, [...] não ensina nada.
Alguns ensinam bem outros não (PEDRO – E).
O de [...] ensina mal (MARTA – E).

Alguns estudantes disseram que em algumas discipli-


nas aprendem e em outras não. A estudante com baixa visão
diz que não aprende da forma que o professor ensina e o estu-
dante João com surdez disse que só fazia cópia.
O professor que ensina a turma toda não tem o falar, o
copiar e o ditar como recursos didático-pedagógicos
básicos. Ele não é um professor palestrante, identifi-
cando com a lógica de distribuição do ensino e que
pratica a pedagogia unidirecional do ‘A para B e do A
sobre B’, como afirmou Paulo Freire, nos idos de 1978,
mas aquele que partilha ‘com’ seus alunos a constru-
ção/autoria dos conhecimentos produzidos em uma
aula (MANTOAN, 2003, p. 76-77).

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Para Araújo (2013, p. 119), “o processo de ensinar e


de aprender em tempos de inclusão envolve vários fatores que
perpassam pelas convivências, concepções e diversas formas de
manifestações que compõem as tessituras e vivências nas esco-
las”.
Segundo Mantoan (2003, p. 2), “a inclusão como con-
sequência de um ensino de qualidade para todos os alunos pro-
voca e exige da escola novo posicionamento e é um motivo a
mais para que se modernize e para que os professores aperfei-
çoem em suas práticas”. Neste sentido, percebe-se que alguns
professores procuram de fato aperfeiçoarem suas práticas, bus-
cando por conta própria novos saberes para atuarem no contex-
to das diferenças.
Segundo a professora Iany da sala de aula comum – P/
SC atuar na modalidade da Educação de Jovens e Adultos no
6

contexto da inclusão escolar exige do professor um empenho


maior e a coordenadora Vera - C/EJA7, considera um desafio e
a possibilidade de acessar novas aprendizagens.
A EJA é uma modalidade de ensino que recebe alunos
com deficiências diversas, então o professor da EJA
precisa ter um olhar bem amplo e estar atento a cada
aluno. Eles vêm com carências diversas e a gente tem
que trabalhar não só aquele conteúdo que está propos-
to, como também preparar uma base para os alunos
com necessidades. Então é um trabalho bem árduo e
que nos exige um empenho maior (IANY – P/SC).
A princípio, um desafio, pois para trabalhar com ado-
lescente, EJA e inclusão, precisamos trabalhar a aceita-
ção de ambas as partes. No entanto, foi um aprendiza-
do a mais (VERA – C/EJA).

A experiência conforme a coordenadora é desafiadora


e possibilita a troca de conhecimento, o que nos remete a Frei-
6 Os nomes dos professores são fictícios e seguidos da sigla P/SC - pro-
fessor da sala de aula comum.
7 A sigla C/EJA- significa: coordenadora da EJA acompanha o nome
fictício da coordenadora da EJA.

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re quando diz que: “quem ensina aprende ao ensinar e quem


aprende ensina ao aprender”. (FREIRE, 2011, p. 25).
As práticas avaliativas desenvolvidas na escola des-
consideram as diferenças dos estudantes da EJA que possuem
algum tipo de necessidade específica como baixa visão e sur-
dez. Alguns recebem algum apoio e outros não recebem.
Há entre os estudantes, os que dizem que só marcam
o “X”, ou seja, esta prática demonstra que não há uma
preocupação de fato com a aprendizagem e sim com
a nota que possivelmente será comprovada, por meio
do instrumento no qual o estudante marcou “X”. Ou-
tra situação evidenciada foi a falta do intérprete du-
rante a realização de algumas provas, o que dificulta
e nega o direito da pessoa com surdez. Por meio das
falas dos estudantes, percebe-se que o instrumento
prova para obtenção de notas, ainda é utilizado de
forma privilegiada na escola. E que o uso desse ins-
trumento como única forma de avaliação não respeita
as necessidades específicas de cada um, uma vez que
não se amplia a fonte para a estudante de baixa visão
e não se providencia o apoio necessário para todos os
estudantes que precisem no momento de realização
das provas (ARAÚJO, 2013, p. 121).

Segundo as Diretrizes da Política Nacional de Educa-


ção Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, a avaliação
pedagógica deve ser considerada:
[...] como processo dinâmico considera tanto o co-
nhecimento prévio e o nível atual de desenvolvimento
do aluno quanto às possibilidades de aprendizagem
futura, configurando uma ação pedagógica proces-
sual e formativa que analisa o desempenho do aluno
em relação ao seu progresso individual, prevalecendo
na avaliação os aspectos qualitativos que indiquem as
intervenções pedagógicas do professor. No processo
de avaliação, o professor deve criar estratégias con-
siderando que alguns alunos podem demandar am-
pliação do tempo para a realização dos trabalhos e o
uso da língua de sinais, de textos em Braille, de infor-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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mática ou de tecnologia assistiva como uma prática


cotidiana (BRASIL, 2008, p. 11).

Araújo (2013), observou que há uma (des)articulação


entre o ensino e a avaliação.
Outro fator observado refere-se à forma como alguns
professores (des)articulam ensino e avaliação, ou seja,
os professores ou parte significativa deles, ainda tra-
balham separando o ensino da avaliação. Não con-
seguem trabalhar acompanhando a participação e o
envolvimento dos estudantes nas aulas, observando e
registrando se eles estão aprendendo ou não. Os pro-
fessores, em sua maioria, trabalham os assuntos ou
copiam os assuntos no quadro e em outro momento
verificam se os estudantes aprenderam, usando o ins-
trumento prova.

Quando utilizam o instrumento prova não conside-


ram as diferenças existentes e não providenciam os apoios que
os estudantes com surdez e com baixa visão tem direito.
Nota-se que a exclusão se manifesta entre todos os es-
tudantes da EJA e não apenas entre os que apresentam alguma
necessidade específica. A escola como um todo precisa com-
preender as especificidades da Educação de Jovens e Adultos
para viabilizar a inclusão escolar.
Compreender as especificidades da educação de jo-
vens, adultos e idosos significa compreender a sua
condição de “pessoas humanas” e sua condição so-
cial de “não criança”, “excluídos” e “membros de de-
terminados grupos e classes sociais” populares. Para
compreenderem-se as especificidades desta modali-
dade de educação torna-se necessário considerar-se
os jovens, os adultos e os idosos em suas situações
concretas existenciais, sociais, econômicas e políticas
(OLIVEIRA, 2011, p. 48, grifo da autora).

Percebe-se que a escola não considera estas especifi-


cidades quando não atenta para as práticas que promovem ex-
clusão, quando não se prepara para receber os estudantes com

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necessidades específicas, quando não prioriza um Projeto Po-


lítico Pedagógico para esta modalidade, quando não garante a
participação de todos da escola no processo de inclusão escolar,
entre outras questões.
No que se refere à preparação para receber os estudan-
tes nota-se que não há uma preocupação em desenvolver ações
voltadas para esta questão. Araújo (2013, p. 125), destaca que “a
preparação da escola como um todo para receber os estudan-
tes com necessidades educacionais especiais é uma ação funda-
mental que deve permear as práticas desenvolvidas pela escola
de forma permanente”. No entanto, os professores disseram que
não há uma preparação. Alguns ficam sabendo da existência
de estudantes com necessidades específicas nas suas turmas da
EJA por meio do Diário de classe conforme relatos que seguem.
Em nenhum momento (BIA – P/SC).

Aprendemos com o dia a dia (IANY – P/SC).

Só estava no diário na frente do nome PNE – Pessoas


com Necessidades Especiais. Mas não disse qual era a
dificuldade que esses alunos tinham (NEY – P/SC).

Assim, a escola pesquisada não demonstra um com-


prometimento com a preparação para inclusão.
O Projeto Pedagógico da escola um instrumento de
planejamento de fundamental importância na escola não foi
possível constatar sua existência. Alguns disseram que o ins-
trumento existia. No entanto, nunca tinham acessado o projeto
político pedagógico. Conforme o relato da professora Jane – SC.
Para te dizer a verdade, eu nem nunca vi este Projeto
Político Pedagógico da escola. Eu entrei no inicio do
ano, mas, não fizeram nada, nem falaram. Houve uma
especulação que iam fazer uma reunião pra fazer esse
Projeto Político Pedagógico, mas não fizeram nada.

De acordo com Mantoan (2003, p. 64-65), “a reorgani-


zação das escolas depende de um encadeamento de ações que

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estão centradas no projeto político-pedagógico. Esse projeto é


uma ferramenta de vital importância para que as diretrizes ge-
rais da escola sejam traçadas com realismo e responsabilidade”.
Soma-se ao que disse Mantoan (2003) as considera-
ções de Duk (2006), sobre o projeto político pedagógico.
O projeto político-pedagógico é um instrumento
técnico e político que orienta as atividades da escola,
delineando a proposta educacional e a especificação
da organização e os recursos a serem disponibiliza-
dos para sua implementação. Os princípios e objeti-
vos de ordem filosófica, política e técnica permitem
programar a ação educacional, imprimindo-lhe ca-
ráter, direção, sentido e integração, articulando-se
com as seguintes dimensões da administração esco-
lar: pedagógico-curricular, administrativa financeira,
organizacional operacional, comunitária, sistêmica e
de convivência são os fundamentos que orientam a
proposta educacional. O projeto político pedagógico
de uma escola, portanto, deve ser fruto da reflexão e
da resposta coletiva da comunidade escolar às ques-
tões também formuladas coletivamente (Duk, 2006,
p. 114-115).

Acrescentam-se as orientações do Ministério da Edu-


cação, contidas na Nota Técnica nº 11/2010, quando determina
os aspectos a serem contemplados no Projeto Político Pedagó-
gico, cabendo à escola, ao desenvolver ou atualizar este instru-
mento de planejamento, atentar para tais orientações.
A outra questão destacada como uma das condições
que a escola deve considerar neste processo é participação co-
letiva.
A participação de todas as pessoas envolvidas no pro-
cesso de inclusão é fundamental para o fortalecimen-
to das ações propostas pela escola. O apoio e colabo-
ração entre a equipe técnica e os servidores podem
fazer a diferença neste processo. Assim, não basta
saber o dever a ser cumprido dentro ou fora da esco-
la, faz-se necessária uma proposta consistente que se
fundamente em uma filosofia inclusiva e seja capaz de

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garantir o comprometimento e engajamento de forma


contínua e responsável (ARAÚJO, 2013, p. 104).

Sobre o envolvimento da equipe gestora A intérprete


Luisa, diz que a gestão: “auxilia no que é necessário e partici-
pa do processo de inclusão sempre incentivando”. A intérprete
Juliana disse:
logo que eu cheguei aqui não. Parece que eles não têm
muito conhecimento, deixa mais por conta do intér-
prete e dos professores que lidam diretamente com
esses alunos. Agora depois que as duas coordenado-
ras: A e B, chegaram, elas se esforçam, fazem tudo
pra ajudar, para colaborar. Tudo que é preciso para os
professores, para os intérpretes sempre elas dão apoio.

Entre os professores há os que destacaram que não há


um envolvimento da gestão. Segundo o professor Ney, “eles se
negligenciaram nesta parte, eles não se envolvem” (NEY – P/
SC). E a professora Soriedem complementa, “Não. Não há um
acompanhamento sistematizado pelos gestores” (SORIEDEM
– P/SRM).
Nota-se por meio dos relatos que há contradições en-
tre os que disseram que existe o envolvimento da gestão e que
disseram que não há o envolvimento da gestão no processo in-
clusão escolar. No entanto, Duk (2006, p.123, grifo da autora)
nos alerta: “no processo de mudança para escolas inclusivas,
um dos fatores essenciais para progredir é o estilo de gestão
participativa e democrática, no qual se trabalha com as pessoas,
apoiando os progressos e as dinâmicas próprias de cada escola
e de cada um de seus integrantes”.
Entretanto, entre os professores, há quem diga que o
envolvimento dos servidores no processo de inclusão deixa a
desejar, outros, que não há envolvimento, conforme as falas do
professor Ney – SC e da professora Soriedem – SRM8:
nesta parte eles deixam muito a desejar porque o pro-
cesso de inclusão mesmo, que acontece, é só entre
8 P/ SRM professora da Sala de Recurso Multifuncional

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os professores, os alunos e os colegas. Essas demais


pessoas praticamente parecem que eles convivem em
outra instituição de ensino (NEY – P/SC).

não. Não há nenhum envolvimento (SORIEDEM – P/


SRM).

Para Duk (2006), “contar com o apoio do colega pro-


fessor(a), gestor, funcionários, família, etc. ou mesmo dos estu-
dantes é fundamental para desenvolver a confiança e o envol-
vimento no processo de mudança” (DUK, 2006, p. 124). Desta
forma, percebe-se que a Educação de Jovens e Adultos,
ainda demanda mudanças significativas no que se
refere ao desenvolvimento do processo de inclusão
escolar, considerando diversas questões, entre elas o
Projeto Político Pedagógico, a participação dos ato-
res da escola, a forma de envolvimento da gestão, a
equipe técnica e os demais servidores e, ainda, a pre-
paração da escola para a inclusão (ARAÚJO, 2013,
p. 107).

Desenvolver uma proposta de Educação de Jovens e


Adultos pautada na perspectiva inclusiva é uma condição fun-
damental para a implementação de uma educação de qualida-
de, bem como, o respeito e a valorização das diferenças exis-
tentes no contexto escolar. Mantoan (2003, p. 81) alerta que “a
inclusão escolar não cabe em um paradigma tradicional de edu-
cação”. Assim, faz se necessário “ressignificar o papel do professor,
da escola, da educação e de práticas pedagógicas que são usuais
no contexto excludente de nosso ensino, em todos os seus níveis”
(MANTOAN, 2003, p. 81).

Algumas Conclusões
Discutir a Educação de Jovens e Adultos na perspec-
tiva da inclusão escolar possibilita entre outras questões refle-
tir sobre práticas educacionais que fazem parte do sistema de
ensino e ficam camufladas no interior das escolas. Práticas que
historicamente vem excluindo pessoas.

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A modalidade EJA que deveria ser uma modalidade


que inclui pessoas com e sem necessidades específicas, exclui
quando não atenta para as especificidades desta modalidade,
quando não consideram as diferenças ao desenvolver as prá-
ticas pedagógicas, quando não há uma preparação da escola
para receber os estudantes, quando não trabalham de forma
articulada com o projeto político pedagógico e quando a esco-
la não envolve todas as pessoas que fazem parte da escola no
processo de inclusão escolar.
Desta forma, esperamos que as políticas e práticas de-
senvolvidas no sistema de ensino de modo específico na moda-
lidade da Educação de Jovens e Adultos se convertam em ações
concretas promotoras da inclusão. Pautadas no diálogo e na
cooperação, por meio de um “movimento dinâmico, dialético,
entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 1997, p. 43).
Que as pessoas tenham de fato seus direitos garanti-
dos e não apenas determinados nas legislações. Que a esco-
la seja de todas as pessoas e não apenas de algumas, que as
políticas, práticas e atitudes se transformem para humanizar a
sociedade e a escola.
Referências Bibliográficas
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Secretaria de Educação Especial – MEC/ SEESP,
Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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DUK, Cynthia. Educar na Diversidade: material de formação


docente. 3. ed. Brasília: MEC, SEESP, 2006.
FERREIRA, Maria Cecília Carareto & FERREIRA, Júlio
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(Orgs.). Políticas e práticas de Educação Inclusiva. São
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

SEMED, Relatório da EJA. Secretaria Municipal de Educação


de Altamira. Impressão, 2012.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: OS


IMPACTOS DO PERFIL DO ALUNO SOBRE A
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
DE MANAUS/AMAZONAS

LIMA, Jediã Ferreira1


GOMES, Adriana Teixeira2
SOUZA, Rosana Marques de3
Introdução
O tema deste artigo surgiu em virtude da sua relevân-
cia e importância no contexto atual de diversas demandas de
formação continuada desenvolvidas pelo Programa de Forma-
ção Tapiri da Secretaria Municipal de Educação de Manaus
(SEMED). Este programa vislumbra um novo profissional da
educação, buscando possibilitar a ele o desenvolvimento de
competências profissionais e pessoais a fim de promover uma
profissionalização de qualidade. É pautado pela articulação
1 Especialista em Currículo e Avaliação na Educação Básica. Espe-
cialista em Políticas Públicas e Contextos Educativos. Pedagoga e
Professora da SEMED/Manaus, atuando como Formadora/Pesqui-
sadora na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério.
E-mail: jedylima@hotmail.com
2 Especialista em Gestão Escolar. Especialista em Coordenação Pe-
dagógica. Especialista em Psicopedagogia. Especialista em Políticas
Públicas e Contextos Educativos. Professora da SEMED/Manaus,
atuando como Formadora/Pesquisadora na Divisão de Desenvolvi-
mento Profissional do Magistério. E-mail: adritgomes@gmail.com
3 Especialista em Coordenação Pedagógica. Especialista em Políticas
Públicas e Contextos Educativos. Professora da SEMED/Manaus,
atuando como Formadora/Pesquisadora na Divisão de Desenvolvi-
mento Profissional do Magistério. E-mail: rosana43marques@gmail.
com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

entre formação inicial e continuada e pela interligação entre


a cultura amazônica e a cidade de Manaus, estabelecendo-se
assim, uma formação teórica, contínua e sólida.
Assim sendo, o presente artigo tem como objetivo in-
vestigar e averiguar o perfil dos alunos da educação de jovens
e adultos (EJA) na SEMED/Manaus, posto que eles demandam
de um grupo heterogêneo do ponto de vista da faixa etária, da
cultura, dos conhecimentos prévios, das origens, das vivências
profissionais e escolares e dos ritmos de aprendizagem.
Resgata-se inicialmente algumas considerações sobre
a EJA no Amazonas e no Brasil, ressaltando que a alfabetização
de adultos traz em seu contexto histórico as marcas dos mo-
delos econômico, político e social do Brasil e carrega em sua
trajetória a ausência de uma política educacional efetiva para
a EJA, o estigma do analfabetismo, assim como o fracasso e a
exclusão escolar.
É relevante destacar o Projeto Gestão do Ensino No-
turno, que compõe o Programa de Formação Tapiri, o qual ob-
jetiva oferecer possibilidades formativas com a intenção de co-
laborar para o desenvolvimento de competências e habilidades
dos professores, a fim alavancar os resultados e contribuir para
a qualidade do ensino noturno. Tem também como propósito
efetivar um novo dimensionamento às formações continuadas
da EJA, as quais devem ser associadas à pesquisa.
Com base no exposto, é imperativo pontuar que serão
apresentados dados referentes a uma pesquisa em andamento,
a qual foi realizada através de pesquisa de campo qualitativa.
O lócus da investigação são 55 escolas da SEMED/Manaus que
atendem a EJA e os sujeitos selecionados são 1.689 alunos des-
sa modalidade de ensino.
Algumas considerações sobre a educação de jovens e
adultos no Amazonas e no Brasil
Conforme a Proposta Curricular -1º segmento - MEC
(2001), foi a partir da década de 30 que a educação básica de

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

adultos começou a demarcar seu lugar na história da educa-


ção. Nessa época, a oferta do ensino básico foi estendendo-se à
diversos setores sociais e a educação elementar foi ampliada e
impulsionada pelo governo federal, desencadeando também a
extensão do ensino elementar aos adultos.
Com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o Brasil
estava vivendo o movimento político da redemocratização
e é durante esse período que a educação de adultos define
sua identidade e em 1947 inicia-se a Campanha de Educação
de Adultos. As diversas críticas à campanha determinaram
uma nova visão a respeito do analfabetismo e consequente-
mente o fortalecimento de uma concepção pedagógica para a
educação de adultos, a qual teve como referência o educador
Paulo Freire. Nessa perspectiva, os fundamentos pedagógicos
de Freire bem como sua proposta de alfabetização de adul-
tos influenciaram os principais programas de alfabetização e
educação popular que se efetivaram no Brasil no início da
década de 60.
E nesse contexto é relevante destacar que em 1964 foi
aprovado o Plano Nacional de Alfabetização que preconizava
a propagação por todo o país de programas de alfabetização
direcionados pela proposta de Freire, a qual defendia uma edu-
cação que estimulasse a colaboração, a decisão, a participação e
a responsabilidade social e política dos jovens e adultos. Desse
modo, Freire criticou:
[...] a chamada educação bancária, que considerava o
analfabeto pária e ignorante [...]. Tomando o educan-
do como sujeito de sua aprendizagem, [...] propunha
uma ação educativa que não negasse sua cultura, mas
que a fosse transformando através do diálogo. [...] re-
feria-se a uma consciência ingênua ou intransitiva,
herança de uma sociedade fechada, agrária e oligár-
quica, que deveria ser transformada em consciência
crítica, necessária ao engajamento ativo no desenvol-
vimento político e econômico da nação (PROPOSTA
CURRICULAR - 1º SEGMENTO – MEC, 2001, p.
23-24).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Nesse sentido, Freire construiu uma proposta de al-


fabetização de adultos numa perspectiva conscientizadora e
humanizadora.
Entretanto, em 1964 ocorreu o golpe militar no Brasil
e nesse período os programas de alfabetização e de educação
popular passaram a ser percebidos como uma espécie de amea-
ça à ordem púbica, sendo que o governo somente autorizava
sua efetivação quando eles demandassem um caráter assis-
tencialista e conservador. Diante disso, o governo assumiu o
controle dessas ações lançando em 1967 o Movimento Brasi-
leiro de Alfabetização (MOBRAL), uma campanha de alfabe-
tização de massa criada à luz da ideologia do governo militar
que tinha por objetivo a formação de um ser humano capaz de
compreender ordens e informações, no entanto, não poderia
ser questionador. Era a educação funcional, a educação para a
mão-de-obra destinada ao atendimento das demandas da pro-
dução.
Os acervos didáticos bem como as orientações meto-
dológicas do MOBRAL reproduziam diversos procedimentos
e encaminhamentos difundidos no início da década de 60, mas
houve o esvaziamento do sentido crítico e problematizador tão
disseminados na época pela concepção de Freire. Para Leite
(2013, p. 22), o MOBRAL caracterizou-se “muito mais como
um instrumento de controle ideológico do estado do que de
formação do cidadão para o exercício de sua cidadania”.
E objetivando suprir a escolarização regular para os
adolescentes e adultos que não concluíram na idade apropria-
da, a Lei da reforma do ensino 5.692/71 criou o Ensino Suple-
tivo.
Com o início da abertura política nos anos 80 e o
surgimento de diversos movimentos sociais, as ações de alfa-
betização foram aumentando assim como articularam-se as
turmas de pós-alfabetização. E nessa perspectiva, diante do
descrédito nos setores educacionais e políticos, no ano de 1985
o MOBRAL foi extinto.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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E em 1988 foi promulgada a Constituição Federal


que possibilitou o direito à educação às pessoas que ainda
não haviam frequentado ou concluído o ensino fundamen-
tal. Nesse contexto, de acordo com Proposta Curricular -1º
segmento - MEC (2001), durante o período que se seguia de
redemocratização do país diversas experiências de alfabetiza-
ção de adultos consolidaram-se pautadas nas concepções da
alfabetização conscientizadora e crítica da década de 60, sendo
que a alfabetização passou a integrar de forma crescente os
programas mais amplos de educação básica de jovens e adultos.
Entretanto, a EJA chega aos anos 90 precisando de re-
formulações pedagógicas. Alguns estados, municípios e orga-
nizações da sociedade civil passaram a se responsabilizar pela
oferta de programas para a modalidade em questão, no entan-
to, não conseguem atender a demanda existente. Nesse sentido,
além da carência de políticas públicas para aumentar o atendi-
mento existe também a falta de materiais didáticos específicos
para esta área, bem como de estudos e pesquisas.
Com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN, lei n. 9.394/96), a EJA foi con-
templada na educação básica, assim como também foi elabora-
do o Referencial de Educação de Jovens e Adultos. Desse modo,
perceber os alunos da EJA como sujeitos é vislumbrar que as
reestruturações não aparecem do vazio, mas sim de contextos
educativos que possibilitem a eles momentos de reflexão, de
interação com seus pares e de desafios constantes.
Com base nessa premissa levantada é relevante pon-
tuar que a partir de 2003 o Ministério da Educação (MEC) pas-
sou a desenvolver o Programa Brasil Alfabetizado, que é des-
tinado à alfabetização de jovens, adultos e idosos e à formação
continuada de professores alfabetizadores, sendo seu principal
objetivo a universalização do acesso à educação.
E nessa perspectiva, de acordo com Silva, Lima e Ca-
margo (2010), o Governo do Estado do Amazonas, através
da Universidade do Estado do Amazonas, criou em 2003 um

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Projeto de Alfabetização de jovens e adultos denominado “O


Letramento através da questão Ambiental: uma proposta de
alfabetização de jovens e adultos para uma significativa par-
cela dos povos da Amazônia”, e posteriormente transformou-o
na política pública do Estado para vencer o iletrismo com o
nome Programa de Letramento Reescrevendo o Futuro que foi
um programa de alfabetização de jovens e adultos executado
no Estado do Amazonas. Foi desenvolvido pela Pró-reitoria de
Extensão da Universidade do Estado do Amazonas em parce-
ria com o Governo Federal/MEC, através do Programa Brasil
Alfabetizado, com a Secretaria de Educação Estadual e Prefei-
turas Municipais do interior do Estado.
Conforme as autoras supracitadas, o Programa de Le-
tramento Reescrevendo o Futuro estabeleceu como prioridade
o desenvolvimento de ações estruturadas e organizadas no seg-
mento da alfabetização de jovens e adultos, unindo a política
de luta contra o iletrismo. Iniciou em 2003 atendendo a área
urbana dos municípios do Estado que apresentavam os mais
elevados índices de analfabetismo. O programa também esteve
presente em 5.000 localidades na área rural dos 62 municípios
amazonenses, bem como atendeu 36 etnias indígenas.
Vale ressaltar, segundo Leite (2013), que vários teóri-
cos e educadores da atualidade que atuam com adultos defen-
dem as ideias pautadas na concepção de Educação Continuada
através da aprendizagem ao longo da vida. Essa concepção es-
tabelece a educação como direito humano por meio de políti-
cas desenvolvidas pelo Estado, garantindo processos educati-
vos constantes:
[...] as propostas atuais, consideradas progressistas,
reconhecem que o homem é um ser inacabado, de-
vendo estar sempre em processo de formação, [...]
deve aprender e educar-se, durante toda a vida, visan-
do aos direitos humanos, em favor de uma sociedade
solidária e sustentável, [...] as políticas educacionais
devem prever campos e espaços de educação para
além da perspectiva escolar, sempre envolvendo no-

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vos temas, novos problemas e novos sujeitos (LEITE,


2013, p. 23-24).

Baseado no exposto, essa nova proposta estabelece


uma formação para a vida, bem como para o desenvolvimento
humano no seu sentido amplo e integral. No entanto, a realida-
de da política de EJA ainda é destinada para atender as deman-
das de uma escola excludente e estigmatizada pelo fracasso de
uma parcela significativa da população brasileira.

Programa de Formação Continuada Tapiri

É relevante enfatizar que durante o curso de gradua-


ção os professores têm uma formação ainda distante das reais
necessidades do cotidiano educativo, posto que tal formação
não possibilita a consolidação de uma teoria que os leve a re-
fletir sobre o fazer diário dentro do espaço escolar. No decorrer
da formação inicial do professor, as bases teóricas referentes à
EJA são apresentadas de forma aligeirada e, no momento em
que ele se desvincula da academia evidencia-se sua fragilidade
no que diz respeito às concepções que fundamentam essa mo-
dalidade de ensino que são os pressupostos andragógicos, ou
seja, os elementos facilitadores, articuladores e orientadores na
relação de aprendizagem entre adultos.
Dessa forma, falar em reflexão sobre a prática docen-
te implica desenvolvimento da criticidade e entendimento das
concepções que fundamentam tal prática, pois toda e qualquer
ação é pautada pelas teorias que lhes servem de aporte. E essas
concepções apresentam possibilidades inovadoras e diversifi-
cadas no que se refere ao ensino e a aprendizagem, implicando
a consolidação de novas abordagens relacionadas à EJA.
Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDBEN, lei n. 9.394/96) aborda a necessidade da
formação continuada dos professores, similarmente às respon-
sabilidades do poder público, enfatizando sua importância, a
qual é apontada nos artigos 67, 80 e 87.

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Portanto, no ano de 2000 foi criado o Centro de For-


mação Permanente, Estudo e Pesquisa do Magistério Munici-
pal, regulamentado pela Lei nº 591 de 23 de março de 2001
com o nome de Centro de Formação Permanente do Magis-
tério e de acordo o Programa de Formação Continuada Tapiri
(2014, p. 9), este espaço foi destinado ao “estudo e a pesquisa
educacional e tinha como objetivo primeiro coordenar o pro-
cesso de formação inicial e continuada dos educadores da Rede
Municipal de Ensino”. Entretanto, a partir de 2006 o Centro de
Formação passou a chamar-se Coordenadoria de Formação do
Magistério, transformando-se em 2007 na Gerência de Forma-
ção do Magistério e em 2009 na Divisão de Desenvolvimento
Profissional do Magistério (DDPM), nomenclatura utilizada
até os dias atuais. E em 26 de dezembro de 2013, através do
Decreto nº 2.682, a SEMED/Manaus definiu as competências
da DDPM no Diário Oficial do Município.
É importante destacar que no ano de 2001 foi lançado
o Programa de Formação Tapiri da SEMED/Manaus, o qual:
[...] tinha como base teórica os princípios da Trans-
disciplinaridade, fundamentado nas pesquisas mais
atuais da época sobre formação continuada de pro-
fessores. O objetivo era de implementar processos de
formação contínua e permanente do educador e edu-
cadora para instrumentalizá-los diante das complexi-
dades, nas relações de ensino-aprendizagem, cultura e
diversidade, inter, multi, pluri e transdisciplinaridade
presentes no contexto municipal [...] (PROGRAMA
DE FORMAÇÃO CONTINUADA TAPIRI, 2014, p.
9).

Sendo assim, este programa é pautado pela articula-


ção entre formação inicial e continuada, pela interligação entre
a cultura amazônica e a cidade de Manaus, projetando uma
educação pública de qualidade para todos.
Vale ressaltar, que o Programa de Formação Con-
tinuada Tapiri vislumbra um novo profissional da educação,
buscando possibilitar a ele o desenvolvimento de competências

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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profissionais e pessoais a fim de promover uma profissionali-


zação de qualidade, semelhantemente um profissional que se
perceba “como sujeito nutrido de sensibilidade imaginativa,
criativa, lúdica e dialógica entre o corpo e o espírito, o pensar e
o sentir, o viver e o aprender, o ser e o conhecer, a arte e a ciên-
cia, o homem e a natureza, a cidade e a floresta” (2014, p. 4).
Estabelece-se assim, uma formação teórica, contínua e sólida,
posto que, mediante a reflexão sobre o fazer em sala de aula, o
professor pode se apropriar dos conhecimentos necessários ao
desenvolvimento da sua ação.
Atualmente, as ações formativas desenvolvidas pela
DDPM estão contempladas pela formação presencial (moda-
lidade principal), formação semipresencial em parcerias (mo-
dalidade intermediária) e educação a distância também em
parcerias (modalidade complementar). Os encontros de for-
mações continuadas acontecem nas dependências da DDPM
e nos Polos de Formação. As formações para os professores da
EJA fundamentam-se em uma concepção sociointeracionistas
e são ministradas pela equipe de Professores Formadores da
DDPM, no período de março a novembro do ano letivo.
Segundo Freire (2011, p. 40), “por isso é que, na for-
mação permanente dos professores, o momento fundamental
é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente
a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxi-
ma prática”. Assim sendo, as formações continuadas para os
professores da EJA estão vinculadas às reflexões, almejando o
desenvolvimento de uma prática educativa consciente e eman-
cipatória.
Gestão do ensino noturno: desafios e perspectivas de
aprendizagens
No contexto brasileiro é relevante identificar a histó-
ria da educação a qual é marcada por passos, descompassos,
retrocessos, sinais de avanços e nela, a oferta do ensino notur-
no como alternativa de responder ao quadro de desigualdades

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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sociais, instabilidade econômica, políticas públicas de desman-


dos e culturas de exclusão.
O ensino noturno tem se configurado para muitos
gestores e professores como um grande desafio, ocasionando
certo incômodo a ser enfrentado cotidianamente por aqueles
que atuam nessa modalidade de ensino. E o que se percebe ao
longo da história é que os governos têm buscado quase sempre
medidas paliativas na oferta do ensino noturno sem se preo-
cupar em dar condições necessárias e adequadas ao seu pleno
funcionamento. Pode-se citar alguns pontos que corroboram
para o cenário dessa modalidade de ensino: os profissionais,
muitas vezes, têm uma visão negativa do ensino noturno e dos
alunos atendidos, entretanto, esses profissionais nem sempre
tem o perfil para atuar com esse público e/ou não receberam
formação adequada para lidar com as especificidades do aluno
adulto; e a falta de condições de trabalho que traz um modelo
de organização de escola que é própria do ensino diurno, sem
levar em consideração as características do público trabalha-
dor, idoso e jovem.
Nesse sentido, é preciso criar políticas públicas edu-
cacionais que considerem não só um currículo que atenda esse
público, mas também a gestão, os financiamentos, a formação
de professores, o material didático e a infraestrutura apropria-
da à sua realidade. Não se pode gerenciar a escola noturna da
mesma maneira e/ou com o mesmo modelo de gestão do en-
sino diurno sem se considerar suas particularidades. A evasão
é algo muito presente porque a escola noturna não tem sido
capaz de atender o aluno em sua totalidade, na globalidade da
sua vida como trabalhador e como sujeito inserido em uma
sociedade. Desse modo, o aluno não se sente pertencente da-
quele lugar, sentindo-se quase sempre deslocado e esta mesma
sensação também pode ser atribuída a alguns profissionais que
não nutrem o sentimento de pertencimento da escola noturna.
Nessa perspectiva, o Projeto Gestão do Ensino Notur-
no, que compõe o Programa de Formação Tapiri da SEMED/

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Manaus, tem como objetivo principal oferecer possibilidades


formativas com a intenção de colaborar para o desenvolvimen-
to de competências e habilidades dos professores, a fim alavan-
car os resultados e contribuir para a qualidade do ensino no-
turno, uma vez que há razões para considerá-lo como um es-
paço rico de formação. O projeto busca melhorar os processos
de ensino–aprendizagem e as alternativas metodológicas para
a EJA, por meio da qualificação do profissional da educação,
a partir das concepções e abordagens apresentadas e discuti-
das nas formações continuadas. Tem também como propósito
efetivar um novo dimensionamento às formações continuadas,
as quais devem ser associadas à pesquisa posto que, o fio con-
dutor da reflexão e da análise do trabalho docente, segundo
Tardif (2014), são os modelos de ação presentes nas práticas
cotidianas dos professores, como as representações construí-
das por eles que servem para organizar, estruturar, definir e
orientar tais práticas.
Análise e interpretação dos resultados da pesquisa
No ano de 2014 a SEMED/Manaus, por meio da
DDPM, realizou um estudo com o objetivo de conhecer os de-
safios e as perspectivas da formação continuada da EJA, sendo
que esse estudo serve como parâmetro para os debates e as re-
flexões sobre os rumos desta modalidade de ensino.
E nessa perspectiva, os dados apresentados neste ar-
tigo são referentes a uma pesquisa em andamento, a qual foi
realizada através de pesquisa de campo qualitativa. A pesquisa
realizou-se com o intuito de investigar e averiguar o perfil dos
alunos da EJA na SEMED/Manaus, posto que eles demandam
de um grupo heterogêneo do ponto de vista da faixa etária, da
cultura, dos conhecimentos prévios, das origens, das vivências
profissionais e escolares e dos ritmos de aprendizagem.
O lócus da investigação são 55 escolas da SEMED/
Manaus que atendem a modalidade em questão e os sujeitos
selecionados são 1.689 alunos da EJA.

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O instrumento utilizado para a coleta de dados foi o


questionário com questões fechadas e abertas, o qual foi apli-
cado in loco com a participação de vários profissionais, a saber:
professores, gestores, pedagogos, assessores das Divisões Dis-
tritais Zonais e a equipe de professores formadores da DDPM.
Referindo-se ao sexo dos alunos, a pesquisa apresen-
tou que 55,1% da população é do sexo feminino e 44,9% é do
sexo masculino. Com base nesse cenário, o levantamento reali-
zado entre os períodos de 1992 a 1997, pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, já anunciava os avanços da popula-
ção feminina no mercado de trabalho e com isso a necessidade
da sua qualificação também por meio da educação escolar. A
mulher tem buscado ascensão profissional no estudo e melho-
ria de suas condições de vida, considerando que hoje ela é a
provedora e mantenedora em muitas famílias, porém, o mer-
cado exige o mínimo de escolarização.
No que diz respeito à questão etária, a pesquisa mos-
trou que se encontra matriculada na EJA uma população de 58
% que tem entre 15 e 20 anos, representando mais da metade
dos alunos, 15,6% que tem entre 21 a 30 anos, 14,9% que tem
entre 31 a 40 anos, 6,7% que tem entre 41 e 50 anos, 4,2% que
tem entre 51 e 60 anos e apenas 0,6% que tem acima 61 anos.
Percebe-se que população de jovens é predominante e estes da-
dos à princípio, podem sinalizar uma preocupação quanto ao
papel da escola, considerando o fracasso na garantia da escola-
rização desses jovens na idade escolar certa, tendo então como
única alternativa matricular-se na EJA. Sobre isso, considera-
-se como uma hipótese “a divisão social do trabalho que espera
os indivíduos à saída do processo de escolarização, já estava
determinada nos seus mecanismos, desde o início desse pro-
cesso” (Baudelot e Establet 1976, p. 123 apud Carvalho, 2001,
p. 19). Isto pode parecer fatalista, porém, não se pode negar
a existência de lutas e movimentos que exigiram o direito à
educação, à igualdade, assim como uma formação pautada na
cidadania.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Quanto à dimensão do trabalho, a pesquisa identifi-


cou que apenas 25,6% dos alunos possuem emprego fixo para
74,4% que não possuem e encontram-se na informalidade. O
Jornal G1 Amazonas em 2014 publicou, com base nos dados
apresentados pela Secretaria Municipal de Produção e Abaste-
cimento, que na cidade de Manaus/AM existe uma estatística
de 33 mil pessoas trabalhando como ambulantes, porém, ape-
nas 8 mil são regulamentados junto aos órgãos competentes.
A importância de se pensar nesses dados justifica-se pelo fato
deles implicarem uma reflexão sobre a fonte de renda oriunda
de atividades informais, demandando com isso a necessidade
de se reestruturar o currículo da EJA no que diz respeito aos
limites e possibilidades do mercado de trabalho, posto que o
trabalho é uma questão inerente ao contexto do universo do
aluno adulto.
Com relação ao acesso à internet, a pesquisa reve-
lou que 83,6% dos alunos utilizam essa forma de comunica-
ção, sendo que apenas 16,4% não a utilizam. Sobre às fontes
de acesso, 51.3% dos alunos utilizam a internet na sua própria
residência, sendo que 27,7% utilizam em Lan House e 21%
utilizam somente na escola. Um dos desafios da EJA tem sido
a necessidade da utilização de outros espaços, além da sala
de aula, que fortaleçam o processo de ensino e ofereça novas
oportunidades de aprendizagem. E observando esses resulta-
dos pode-se perceber uma busca por novos conhecimentos e
até mesmo uma nova forma de aprender. Nesse sentido, Freire
(2011) diz que ensinar exige respeito aos saberes dos alunos e
ressalta a importância de se valorizar esses saberes, assim como
suas experiências. Nos provoca a refletir sobre como utilizar as
habilidades de uso da internet numa proposta de transformar
as informações em conhecimento cientifico.
Atualmente, um dos grandes dilemas que se apresenta
nos debates sobre a EJA é a questão da reprovação/desistên-
cia. No que se refere à reprovação, a pesquisa constatou que
74% dos alunos já reprovaram e apenas 26% nunca reprova-

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ram. Com relação a recorrência da reprovação, 63% dos alunos


já reprovaram entre 1 e 2 vezes, 35% já reprovaram entre 3 a
5 vezes, sendo que apenas 2% reprovaram acima de 5 vezes.
Quanto aos motivos da reprovação, 32.8% dos alunos aponta-
ram a falta de interesse nos estudos, 25% a dificuldade em ler,
escrever e interpretar, 15.4% sinalizaram que os conteúdos são
apresentados de forma complicada, 10% destacaram a elabo-
ração de provas muito difíceis e por fim, 16.8% consideraram
a dificuldade na relação com o professor. É imperativo enfa-
tizar que Freire (2011) afirma que ensinar exige querer bem
aos alunos, mas não apenas um querer bem com afetividade,
mas também com rigorosidade e dedicação ao trabalho do-
cente, pois quando se percebe os próprios alunos apontando
a falta de interesse pelos estudos como uma das causas de sua
reprovação/desistência, se faz necessário refletir sobre todos os
sujeitos envolvidos no processo da modalidade em questão, as-
sim como as estruturas oferecidas a esse aluno.
E sobre à desistência, 72% dos alunos afirmaram ter
desistido pelo menos 1 ou 2 vezes, apontando como principal
motivo a falta de recursos financeiros para o transporte, assim
como o cansaço físico por ter que conciliar trabalho e estudo,
sendo que apenas 28% não desistiram. Essa demanda revela-
da na pesquisa vem permeando e caracterizando o público em
questão, assim como mostrando elementos que constituem
essa modalidade de ensino e segundo Leite (2013, p.52), os jo-
vens e adultos que estudam na EJA tem um “aspecto comum: a
história de fracasso e exclusão”, a qual ainda se perpetua. O au-
tor afirma que para aprender, o aluno adulto precisa perceber
sentido e significado no processo de aprendizagem, garantindo
sua permanência na escola e acima de tudo o êxito no seu pro-
cesso de formação. Carvalho (2001) destaca a necessidade de
se questionar as condições de ensino e aprendizagem para o
trabalhador estudante, ressaltando a urgência de se encontrar
possibilidades para articular os saberes da escola com os sabe-
res produzidos no exercício da sua prática profissional.

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Ao discorrer sobre à aprendizagem, a pesquisa indi-


cou que 66,1% dos alunos afirmaram que a área do conheci-
mento na qual apresentam maiores dificuldades é Matemática
e em segundo lugar, com 33.9% é a Língua Portuguesa. Con-
forme Klusener (2011), o ensino da matemática na escola tem
configurando-se com dificuldades em todos os seus aspectos,
produzindo dois estados preocupantes: a dificuldade do aluno
entender a matemática por falta de uma didática que aproxime
os conteúdos do contexto real em que vive, gerando o fracasso e
abandono de muitos; e a condição dos alunos que não desistem
de estudar mas continuam, de acordo com Klusener (2011, p.
183), sem superar o “analfabetismo matemático”. Desse modo,
esse é um indicativo para o fortalecimento dessas áreas a partir
da reflexão sobre o currículo e as metodologias utilizadas nas
atividades do cotidiano da EJA
A respeito da expectativa ao finalizarem o Ensino
Fundamental, a pesquisa sinalizou que 37,1% dos alunos pre-
tendem seguir até o Ensino Médio, pois com sua conclusão
acreditam que terão condições para uma melhor colocação no
mercado de trabalho, 29,4% desejam concluir o Ensino Supe-
rior, 15,7% almejam fazer um curso técnico que lhe oportunize
uma profissão, 9,1% vislumbram melhorar sua colocação no
mercado de trabalho, 4,7% têm como objetivo conseguir um
emprego e só depois pensar em prosseguir com os estudos e
4% não pensou no que fazer após a conclusão do Ensino Fun-
damental. A expectativa da maior parte dos alunos quanto a
continuidade dos estudos até o Ensino Médio na visão de Mo-
rais (2003), pode ser ressignificada por uma ‘ética do ainda-não
ou enquanto”, ou seja, mesmo que ainda não estejam no Ensino
Médio, a escola precisa oferecer pequenas e continuadas situa-
ções que aproximem o aluno desse segmento, se fazendo ne-
cessário traçar e almejar metas que viabilizem essa conquista.
Dessa forma, esses resultados evidenciam a relação constante
que o aluno adulto faz com o mundo do trabalho procurando
entender que a escola pode melhorar sua qualificação.

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Conclusões
Ao discorrer a respeito de algumas considerações
sobre a EJA no Amazonas e no Brasil, ressaltou-se que a alfa-
betização de adultos traz em sua trajetória a ausência de uma
política educacional efetiva, bem como o estigma do analfabe-
tismo, o fracasso de uma parcela significativa da população e a
exclusão escolar.
Dessa forma, a carência de uma política pública re-
flete também na falta de diretrizes destinadas ao ensino su-
perior com ênfase na formação do professor que atenderá as
especificidades da EJA, sobretudo em decorrência de reduzi-
dos referenciais teórico-metodológicos para nortear a prática
pedagógica nessa modalidade de ensino. Evidencia-se a neces-
sidade de mudanças e adequações significativas nos currícu-
los dos cursos de graduação, a fim de que o professor possa se
apropriar efetivamente dos conhecimentos inerentes a práxis
pedagógica desenvolvida nesse contexto, para utilizar com au-
tonomia e segurança metodologias e estratégias pautadas nos
pressupostos andragógicos. Vale enfatizar que as lacunas que
alguns alunos apresentam nos revelam, acima de tudo, como
o ensino é direcionado, assim como a aprendizagem se desen-
volve.
Nesse sentido, a formação continuada necessita ser
imbuída de processos formativos significativos e contextuali-
zados com o universo da EJA, à luz das necessidades, inquie-
tações e perspectivas dos professores. E o Projeto Gestão do
Ensino Noturno, através da efetivação da formação continuada
concatenada à pesquisa e das percepções dos sujeitos inseri-
dos no contexto da EJA, indubitavelmente contribui para que
os professores adquirem a instrumentalização necessária que
possibilitará aos alunos a construção da competência comuni-
cativa, para que se tornem sujeitos ativos e criativos no desen-
volvimento da sua aprendizagem.
Com base nos dados levantados nesta pesquisa foi
possível dimensionar parcialmente, posto que a pesquisa se

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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encontra em andamento, os aspectos que mais se destacam no


olhar dos alunos sobre a escola, o aprendizado, as expectativas
ao finalizarem o Ensino Fundamental, o mundo do trabalho, o
ensino e a motivação para estudar, dentre outras categorias que
sinalizaram possibilidades e limites para a melhora dos proces-
sos de ensino–aprendizagem e das alternativas metodológicas
para a EJA.
E diante do panorama apresentado, o desafio atual
é possibilitar o fortalecimento e ampliação dos aspectos que
mais se destacaram nesta investigação, no âmbito do desenvol-
vimento do processo de formação dos alunos. Nessa perspec-
tiva se almeja que, ao final do Ensino Fundamental, o aluno
tenha expectativas de continuidade da sua escolarização, para
que através dela possa melhorar sua situação socioeconômica
e profissional, bem como perceber que é um sujeito que pode
intervir e transformar a realidade.
Entretanto, para a construção desse novo cenário do
ensino noturno é oportuno que todos os envolvidos nesta mo-
dalidade tenham disposição para refletir, problematizar e agir,
analisando e interpretando as variáveis e os ritmos diferencia-
dos que envolvem tal contexto. Desse modo, urge a necessida-
de de vivenciar uma proposta educacional que oportunizará a
construção de uma sociedade humanizadora, justa e igualitá-
ria, tendo como meta principal a educação para todos, posto
que é um direito de todos.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei de Diretrizes e Base da Educação nº 5692 de
11.08.71, capítulo IV. Ensino Supletivo. Legislação do Ensino
Supletivo, MEC, DFU, Departamento de Documentação e
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_______. Congresso Nacional. Lei Federal n. 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, 1996.

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_______. Constituição (1988). Constituição da República


Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 
_______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
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Disponível <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/
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_______. Educação para jovens e adultos: Ensino
Fundamental: Proposta Curricular - 1º segmento. Ministério
da Educação. Brasília, 2001.
CARVALHO, Célia Pezzolo de. Ensino Noturno: realidade e
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Nossa Época: v 27).
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G1 AMAZONAS. Manaus possui 25 mil vendedores ambulantes
irregulares, diz SEMPAB. G1 Amazonas Online. Manaus, 02
dez. 2014 à 01h58. Disponível <http://g1.globo.com/
am/amazonas/noticia/2014/12/manaus-possui-25-mil-
vendedores-ambulantes-irregulares-diz-sempab.html>.
Acesso em 13 de março 2016.
KLUSENER, Renita. Ler, escrever e compreender a
matemática, ao invés de tropeçar nos símbolos. In: NEVES,
Iara Conceição Bitencourt et al. (Org.). Ler e escrever:
compromisso de todas as áreas. 9ª. Ed. Porto Alegre: URFGS,
2011.
LEITE, Sérgio Antônio da Silva (Org.). Afetividade e
letramento na educação de jovens e adultos EJA. São Paulo:
Cortez, 2013.
MANAUS. Lei nº 591, de 23 de março de 2001. Dispõe
sobre o novo Plano de Carreira, Cargos e Remuneração dos
servidores do Magistério Público Municipal e dá outras
providências. Diário Oficial do Município de Manaus.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Manaus, AM, 23 março/2001. Nº 3.147, Ano XIV. Disponível


<http://www.cmm.am.gov.br/wp-content/uploads/2014/04/
LEI_591_DE_23_03_2001.pdf>. Acesso em 15 de março de
2016.
_______. Decreto nº 2.682, de 26 de dezembro de 2013.
Dispõe sobre o Regimento Interno da Secretaria Municipal de
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do Município de Manaus. Manaus, AM, 26 dez/2013. Ed.
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cenários. Campinas, SP: Alínea, 2003. (Coleção educação em
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Educacional. Divisão de Desenvolvimento Profissional do
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Socorro Rebouças de; CAMARGO, Raiolanda Magalhães
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Estado do Amazonas. In: I Congresso Internacional da
Cátedra da Unesco de Educação de Jovens e Adultos. João
Pessoa, PB: Editora Universitária-UFBP, 2010.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.
16ª. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

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RELATO DE EXPERIÊNCIAS SOBRE O


PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
GARCIA, Rita de Cássia Gomes1
GOMES, Ruth Cristina Soares2

Introdução
Atualmente pode se dizer que a discussão sobre o
processo ensino de jovens e adultos esteja constantemente em
pauta das discussões nacionais que permeiam o campo educa-
cional brasileiro. E embora venha ganhando um espaço signi-
ficativo, ainda é de se preocupar a despeito desse processo para
os educandos da modalidade de Educação de Jovens e Adultos
– EJA.
No ano de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de
Alfabetização, o qual, era baseado na proposta de Paulo Frei-
re, que defendia uma prática docente capaz de desenvolver a
criticidade do aluno na qual a escola deveria ensiná-lo a “ler o
mundo”, para poder transformá-lo.
Entretanto, na realidade, o que se percebe nas salas de
EJA, são alunos cansados e desanimados, como se não fossem
capazes dessa leitura de mundo e perceber como necessitam
de uma educação que os tire de uma condição desfavorecida,
afinal, por algum motivo abandonaram a escola e consequente-
mente na sua maioria, ficaram a margem da sociedade.
1 Professora Pedagoga Especialista. SEDUC Maués. E-mail: rita_ana_
cassia@hotmail.com
2 Professora Mestra da Universidade do Estado do Amazonas – CES
Parintins. E-mail: araujoruthc@gmail.com

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Acreditamos que a educação ganha significado, quan-


do aluno e professor atribuem significado ao conhecimento, ou
seja, quando ambos veem o conhecimento como instrumento
de mudança e de transformação, mas principalmente, quando
os conteúdos ministrados são extremamente relevantes para o
aprendiz e não apenas uma transmissão mecânica.
A questão da formação docente também deve ser
considerada como fundamental para a construção de práticas
que busquem contextualizar os conhecimentos sistematizados
com as experiências dos alunos, de maneira que seja relevante
para esses jovens e adultos continuarem na escola, ou seja, a
escola deve fazer parte da vida real.
Nesse sentido, uma educação voltada para aqueles
que não concluíram seus estudos na idade certa, é pensar nas
especificidades que contribuirão para manter nesses alunos a
curiosidade pelo que aprendem e ainda aprenderão. Pois, se-
gundo Paulo Freire (1996, p.12), “quem ensina aprende ao en-
sinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina
alguma coisa a alguém,” ou seja, os educando são capazes de
contribuir com a prática docente através de seus conhecimen-
tos de mundo.
Deste modo, é fundamental compreendermos como
se desenvolve o processo de ensino aprendizagem na moda-
lidade de Educação de Jovens e Adultos, e realizarmos uma
reflexão de como a prática do professor tem contribuído para
a educação desses educandos, afinal a formação do professor
é fundamental para o bom andamento do processo ensino e
aprendizagem.
Nesse sentido, vale ressaltar Paulo Freire que foi o
mais célebre educador brasileiro, pois o idealizador da alfabe-
tização de adultos.
Quanto a isso Freire (1996), enfatiza que: “Os homens
se educam entre si mediados pelo mundo”.
O método de Paulo Freire visa a alfabetização para a
libertação, logo sua concepção pedagógica é a Pedagogia Pro-

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gressista Libertadora a qual ele foi o inspirador e divulgador,


concepção esta que questiona concretamente a realidade.
Portanto a prática docente exige uma reflexão crítica
da relação existente entre teoria e prática, ambas são fundamen-
tais para o alcance dos objetivos de aprendizagem, pois não po-
demos nos conformar com uma educação que apenas deposite
os conhecimentos, sem contextualizá-los, mas uma educação
relevante, na qual o ensinado seja efetivamente aprendido pe-
los educandos na tentativa de alcançar a formação de cidadão
críticos e consciente de seu papel na sociedade.
Metodologia
Pesquisa de Abordagem Qualitativa
Este trabalho será desenvolvido a partir de uma abor-
dagem qualitativa, visto que na pesquisa qualitativa as infor-
mações coletadas pelo pesquisador não são expressas em nú-
meros, mas pode ser associada a análise da coleta do texto, oral
e escrito e bem como as observações das pessoas investigadas
(MOREIRA, 2004).
A técnica de pesquisa utilizada consistiu na entrevis-
ta, afinal, “é uma conversação efetuada face a face, de maneira
metódica, proporciona ao entrevistador, verbalmente, a infor-
mação necessária”. (LAKATOS, 2008, p.224).
Além disso, a entrevista ocorreu através de formulá-
rio, com “um roteiro de perguntas enunciadas pelo entrevis-
tador e preenchidas por ele com as respostas do pesquisado”.
(LAKATOS, 2008, p.224)
Portanto, os dados coletados através da entrevista,
foram obtidos durante a pesquisa feita com dois docentes da
mesma instituição de ensino, os quais nos relataram experiên-
cias do seu trabalho realizado nas salas de EJA.
Resultados
A partir de entrevistas realizadas com docentes com
experiências na educação de jovens e adultos, foi possível ob-

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servamos a insatisfação com o trabalho em sala de aula, pois os


alunos se queixam de cansaço e desinteresse.
Perguntamos a professora, se os alunos demostravam
motivação ao estudar e a resposta foi em seguida: “São motiva-
dos a terminar o curso. Poucos acham que estudar é importante.”
Na verdade na sala de aula são poucos que possuem a cons-
ciência do valor dos conhecimentos para a construção de um
futuro melhor, veem apenas como uma obrigação a cumprir
que é imposta pela sociedade. Segundo Freire (1987, p. 36), diz
que:
Segundo Freire (1987, p. 36), “os homens, nessa visão,
ao receberem o mundo que neles entra, já são seres passivos,
cabe a educação apassivá-los mais ainda e adaptá-los ao mun-
do. Quanto mais adaptados para a concepção “bancária”, tanto
mais “educados”, porque adequados ao mundo.
Em outras palavras, poucos acham que estudar é im-
portante pelo fato de estarem presos a passividade, de aceitar
suas condições, foram educados para não problematizar.
Além da desistência, que é comum nas turmas de jo-
vens e adultos, a maior dificuldade encontrada pelos professo-
res é a desmotivação dos alunos e a falta da formação docente
específica, e pior, é explícito no semblante da professora sua
desmotivação e falta de convicção que a mudança é possível.
Identificamos que o entendimento da professora so-
bre a educação de jovens e adultos está baseada em uma edu-
cação que priorize a formação humana e que propicie o acesso
a saberes científico, para a compreensão do mundo e nele posi-
cionar-se criticamente em busca de melhorias.
Segundo Freire a educação tem por objetivo propor-
cionar a ampliação da visão de mundo, e aprender é um ato
de conhecimento da realidade concreta para agir em busca da
transformação dessa realidade.
No que se refere de como funciona a articulação dos
conteúdos do processo ensino e aprendizagem dos alunos. A
professora comentou: “Os educandos socializam e relacionam

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os conteúdos assimilando teoria e prática quando e principal-


mente são estudadas situações diárias ou aquilo que lhe são
necessários, exemplo fazer compras no supermercado, infor-
mática etc.”
Quanto às situações diárias e conteúdos que são es-
senciais ao cotidiano do aluno, Paulo Freire fala que a valoriza-
ção da cultura é a chave para a concretização do conhecimento,
no qual é fundamental aprender a “ler o mundo”, melhor di-
zendo, trata-se de aprender a ler e interpretar a realidade (co-
nhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade e
transformá-la.
Uma das tarefas mais importantes da prática educa-
tiva-crítica é propiciar as condições em que os educandos em
suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a
professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. As-
sumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comu-
nicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de
ter raiva porque capaz de amar. (Freire 1997, p. 46)
Nesse sentido, indagamos a professora em relação so-
bre a formação docente, a mesma nos relatou que, “os professo-
res não estão habilitados para trabalhar com EJA, é necessário
a formação por área do conhecimento, onde a educação de jo-
vens e adultos deve está associada com a educação profissio-
nal”. Percebemos em sua fala que a educação nessa modalidade
está longe das necessidades dos educandos, afinal, são jovens
e adultos com distorção de idade e série, uns desempregados e
outros empregados, mas ambos necessitam de algo que lhe di-
recione ao futuro promissor e estável, na qual a educação pro-
fissional seria uma alternativa para significar sua permanência
na escola.
Nas entrevistas realizadas, ficou explícito o desânimo
dos professores ao falarem do trabalho nas salas de EJA, não
foi possível percebermos nenhum ponto que considerássemos
animador, pelo contrário, a formação docente a falta de ma-
terial tecnológico, o cansaço dos alunos e a carência de infor-

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mações em relação a proposta pedagógica, são suas maiores


dificuldades.
Segundo Freire (1997, p. 18), “na formação perma-
nente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de
ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Desse
modo, em nenhum momento dos relatos, houve a reflexão crí-
tica da prática. Então como o aluno pode estar interessado nas
aulas, se o professor não reflete sobre elas? Refletir na tentativa
de buscar soluções considerando os saberes dos educandos.
Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de
um docente voltado para EJA deve incluir, além das
exigências formativas para todo e qualquer profes-
sor, aquelas relativas à complexidade diferencial des-
ta modalidade de ensino. Assim esse profissional do
magistério deve estar preparado para interagir empa-
ticamente com esta parcela de estudantes e de esta-
belecer o exercício do diálogo. (PARECER CNE/CEB
11/2000, pág. 56)

Nesse sentido, esta modalidade de ensino necessita


de profissionais capacitados para atuarem com competência e
habilidade para o exercício de uma educação voltada para a
cidadania e jamais a exclusão, afinal, nem nas universidades
do Amazonas oferecem cursos de graduação para atender essa
necessidade da sociedade, que na sua maioria são das classes
populares, ou seja, situações econômicas menos favorecidas.
A educação em reprodução, não por simples trans-
missão de conhecimentos, habilidades e atitudes, mas
através da transformação dinâmica das estruturas
econômicas, sociais e culturais da sociedade, através
do contexto do ensino. Por isso mesmo, a teoria do
currículo nunca pode ser construída somente sobre
os estudos dos processos de ensino-aprendizagem,
mas em relação com o estudo dos valores desses
processos numa sociedade concreta. (LUNDGREM
1991, p.35 apud SACRISTÁN)

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Nessa perspectiva, na formação de professores para as


turmas de EJA, é fundamental considerar um currículo diver-
sificado, que atenda as especificidades do educando, que é um
jovem, ou adulto e até mesmos um idoso que buscam conhe-
cimentos para objetivos variados, mas muitas se frustram ao
chegarem nas salas de aula, turmas com poucos alunos, sem
recurso didático, docente desmotivados por não ter formação
específica e por isso não se adequa a turma.
Desse modo, o currículo voltado para atender as ne-
cessidades desses educandos, deve considerar o contexto no
qual a escola está inserida, econômico, social e cultura. Afinal,
pelo quais fatos os alunos estão tão desanimados? Acreditamos
que uma escola que valorize o que os alunos já sabem e bus-
quem significar os conteúdos, na qual os professores não sejam
simples transmissores de conhecimentos, chamaria a atenção
deles.
Conclusões
Portanto, esta pesquisa nos possibilitou conhecer o
trabalho realizado na educação de jovens e adultos, sua neces-
sidades e especificidades para continuarem aprendendo e de-
senvolvendo seu potencial, que embora com distorção de idade
e série, são capazes de se envolver numa educação para a cons-
cientização.
Nesse sentido, as práticas desenvolvidas nas turmas
de EJA devem considerar o contexto dos educandos, levar em
consideração questões culturais, econômicas, emocionais, po-
rém para que isso seja possível, é necessária a formação ade-
quada e continuada, pois são necessários conhecimentos teóri-
cos que fundamente a prática.
Contudo, não foi possível percebermos nos relatos, a
reflexão crítica da prática, e nem perspectivas de que a mudan-
ça é possível, e que ensinar vai muito além do que transmitir
conhecimentos, porém educandos e educadores desmotivados
com a educação, parece que esqueceram que se a educação não

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contribuir para mudanças na sociedade, sem ela na sociedade


não ocorrerá mudanças significativas.
Enfim, é urgente um olhar mais apurado para essa
modalidade de ensino, com formação docente adequada e po-
líticas públicas capazes de incluir a formação profissional nas
turmas do EJA, pois desse modo acreditamos que a escola vai
ganhar um novo significado para alunos e professores.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica: diversidade e inclusão; Brasília: Conselho Nacional
de Educação: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, 480 p,
2013.
FREIRE, Paulo (1997). Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, 17.
ed. Paz e Terra, 1987.
GIMENO Sacristán. J. O currículo: uma reflexão sobre a
prática. Porto Alegre, 3. ed. Artmed, 2000.
LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia
científica. 6. ed. São Paulo: Altas 2008.

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:


DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA
EDUCAÇÃO EM UMA ESCOLA NO
MUNICÍPIO DE PARINTINS-AM

SOUZA, Carla Adriana Yoshii Santarém1


COELHO FILHO, Mateus de Souza2
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma mo-
dalidade de ensino que aos poucos vêm ganhando espaço na
realidade educacional brasileira, haja vista que o crescimento
educacional no Brasil tem ocorrido de forma significativa, en-
tretanto sofre de certa forma, um descaso na medida em que
deixa de receber investimentos adequados, bem como de ser
vista como parte importante dentro da sociedade escolar de-
mocrática. Estudar na EJA além de ser um desafio, significa
visualizar possibilidades de recomeçar projetos pessoais e pro-
fissionais, os quais através da educação escolar se tornarão rea-
lidade.
A sociedade em sua competitividade exige mais qua-
lificação e com os avanços tecnológicos se faz necessário ter
uma qualificação e por estarem a margens da sociedade, esses
sujeitos sentem a necessidade em continuar seus estudos. Com
intuito de modificar essa realidade é que muitos jovens e adul-
1 Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade do Estado do
Amazonas. carlayoshii@outlook.com
2 Professor Mestre da Universidade do Estado do Amazonas. ma-
theus.filho_@hotmail.com – mcoelho426@gmail.com

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tos que se encontram longe da escola retornam a sala de aula


em busca de darem prosseguimento em seus estudos e ressig-
nificar sua formação.
Na visão social a Educação de Jovens e Adultos é vista
como uma classe diferenciada, por serem sujeitos com fachas
etárias diversificadas e por acreditarem que tal idade já não seja
o suficiente para recuperar o tempo perdido. Porém, há os que
acreditam e lutam pelo tempo que lhes foi usurpado pela vida
sacrificante do trabalho, muitas vezes para ajudar a renda fa-
miliar ou para seu próprio sustento, motivos esses que fizeram
sair das salas de aula e por esses mesmo motivos buscam pos-
sibilidades e perspectivas de um futuro promissor através da
educação escolar.
Nesse aspecto, a pesquisa citada deu-se em função de
inquietações pessoais que surgiram em uma disciplina estu-
dada no curso de Pedagogia que me possibilitou buscar com-
preender como acontece o processo formativo dos educandos
da educação de Jovens e Adultos em uma escola do município
de Parintins-Am, levando em consideração os desafios, suas
experiências e seus problemas os quais encontram dentro da
sua caminhada formativa.
Para dar sustentabilidade a esta pesquisa fez-se leitu-
ras de autores renomados como Freire (2002), Gadotti e Romão
(2008), Silva (2006), Soares (2011) dentre outros importantes
autores que discutem sobre a EJA, bem como as informações
coletadas e as análises de dados.
Portanto, com esta pesquisa lançamos um olhar mais
reflexivo em relação à modalidade da EJA e a seus sujeitos, es-
tes que estão em busca de uma construção de identidade social.
As dificuldades e os desafios existem, por estarem a muito tem-
po fora do âmbito escolar, porém, são os problemas pessoas
que mais interfere em seu processo formativo, mesmo depois
de um dia exaustivo de trabalho eles encontram forças para
estarem na escola, suas dificuldades deixam de ser problema e
passam a ser motivação para continuarem seus estudos e assim

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

terem seus objetivos e anseios pessoais alcançados como cursar


uma faculdade.
Educações De Jovens e Adultos: Algumas Reflexões
A Educação Popular, hoje conhecida como Educação
de Jovens e Adultos (EJA) em ação coletiva tinha o propósito
de alfabetizar adolescente e adulto com uma visão crítica na
construção do processo formativo e de sua conscientização e
não de sua dominação, porém com sentimentos democráticos.
Anos de luta nos movimentos e reivindicações por parte da
população fez com que a Educação de Jovens e Adultos viesse
ganhando reconhecimento desde as décadas de 30 até os dias
atuais. Através dos movimentos, com o MOBRAL, o ensino
supletivo entre outros que tiveram grande importância nessa
modalidade. Vale ressaltar o surgimento de outros movimen-
tos como o Movimento de Cultura Popular (MCP), no Recife,
o Movimento de Educação de base (MEB) no Rio Grande do
Norte que foram de suma importância no surgimento da mo-
dalidade, hoje conhecida como EJA, e que tiveram sua expan-
são por grande parte do país juntamente com a “Companha
de Educação Popular da Paraíba (Ceplar)”. Porém, com todo
esse avanço ocorrendo no país referente à educação e a expan-
são desses movimentos, no Brasil nunca houve a elaboração de
políticas alfabetizadora voltada para essa modalidade, foram
criadas apenas campanhas de curta duração, enquanto a políti-
ca insiste em ser duradoura.
Em seu amadurecimento a educação de jovens e adul-
tos deixava de ser bancária e passava a ser progressista. Trans-
forma-se de conservadora para libertadora, sendo direito de
todos. Segundo o Estatuto da criança e do adolescente:
Art.205. A educação, direitos de todos e dever do Es-
tado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desen-
volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania sua qualificação para o trabalho.

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Art.208. O dever do Estado com a educação será efe-


tivado mediante a garantia de: I ensino fundamental
obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua ofer-
ta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso
na idade própria.

Nesse prisma o Estado ainda possui uma dívida com


esse setor da educação, por serem sujeitos buscando qualifica-
ção profissional e sendo vistos a margens da sociedade, ainda
assim não há recursos e investimentos financeiros tão poucos
estudos aprofundados nessa modalidade, deixando uma imen-
sa lacuna entre sociedade civil e Estado, no que se refere ao
problema educacional.
Segundo o artigo 37 da Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 que trata da Educação
de Jovens e Adultos como um direito ao cidadão de ter sua es-
colarização concluída.
Art. 37 - A educação de jovens e adultos será destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de es-
tudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente
aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os
estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do aluna-
do, seus interesses, condições de vida e trabalho, me-
diante cursos e exames.

No Brasil nunca foi criado uma política pública que


procurasse compreender os anseios dos educandos da edu-
cação de jovens e adultos. A proposta de se criar o programa
educação popular, hoje conhecida como Educação de Jovens
e Adultos tinha o proposito de ensinar aqueles que buscavam
lutar por uma qualidade de vida e por seus direitos, em uma
sociedade cujo capitalismo ditava e ainda dita regras. Freire ra-
tifica que o ‘‘ Estado não teme um pobre com fome e sim um
pobre que sabe pensar’’, com isso afirma-se o descaso com a
educação. Poder é algo tão concreto quanto à condição econô-
mica, DEMO (2006), com intuito de modificar essa realidade

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da população, é que grandes autores e profissionais da educa-


ção lutam contra a manipulação de uma sociedade burguesa.
Segundo Schwartz (2010, p. 37)’’ não se pode lutar
contra o analfabetismo sem lutar contra a pobreza e sem asse-
gurar o atendimento das necessidades básicas da população’’,
com o aumento populacional o país não se preparou para lhe
dar com a situação e tão pouco se preocupou com a própria
população. No entanto, a Educação de Adultos vivi um proces-
so de fortalecimento que veio modificando a compreensão que
dela tinha há poucos anos atrás (GADOTTI, 2011). O ingresso
ao direito à educação deve-lhe ser garantido universalmente na
esperança às normais geais que o assegurem.

O educador da EJA e sua prática de ensino

A escola foi por muito tempo reprodutor do conheci-


mento fazendo com seus usuários acreditassem em uma única
ideologia transformando os sujeitos em pessoas passivas em
um tempo utopicamente regido pela burguesia. Ensinar é uma
arte, onde seu maior protagonista é o educador, como afirma
Gadotti e Romão (2011, p.21), “não é possível a educadoras
e educadores pensar apenas os procedimentos didáticos e os
conteúdos a serem ensinados aos grupos populares”. É necessá-
rio que estejam relacionados com seu cotidiano para que possa
fazer mais sentindo ao educando.
Freire (2011) faz-se necessário a existência do educa-
dor, para ele não basta apenas ensinar conteúdos didáticos tem
que ensinar a criticar, questionar e a refletir sobre os aconte-
cimentos que o cerca [...] como professor não me é possível
ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero per-
manentemente a minha (FEIRE, 1996, p. 95). Essa vem ser a
tarefa da escola, de transforma cidadãos críticos que lutem por
seus direitos igualitários. Porém, o educador não alfabetiza o
educando, ele se torna o mediador entre o aprendiz, entre a
pessoa e o objeto, no entanto, é necessário que ele conheça seus

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educandos e compreenda o processo alfabetizador (GADOT-


TI, 2011).
Dessa forma Freire (2011) colabora dizendo que en-
sinar não é somente para passar conhecimentos desligados da
realidade política, socioeconômica dos educandos, são trocas
de saberes de informações ligadas a um único objetivo em que
o conteúdo pode ser transformado em conhecimento e o mes-
mo em sabedoria e que a educação não pode ser sem valor.
É essencial que o educador esteja em constante for-
mação, haja vista, que o conhecimento não está pronto e aca-
bado e se encontra em constante transformação, com isso ra-
tificamos que:
Esse cenário revelou-se perversamente mais compli-
cado para a Educação de Jovens e Adultos, uma vez
que esse campo exige de seus (suas) profissionais um
olhar diferenciado para as necessidades de aprendiza-
gem dos diferentes públicos presentes em sala de aula,
formulação de propostas de politicas pedagógicas fle-
xíveis aos diferentes contextos nos quais se efetiva a
prática, domínio de temas emergentes, pertinentes às
necessidades dos (as) estudantes e de suas comunida-
des, bem como domínio dos conteúdos de áreas e me-
todologias adequadas às diferentes faixas etárias que a
EJA engloba. (CAPUCHO, 2012, p. 66).

O educador é um dos principais responsável pela edu-


cação desses sujeitos, no entanto, se sentem desafiados ao as-
sumirem uma sala de aula, por serem pessoas que muitas das
vezes se encontram fora da escola por mais de quinze anos e
esse distanciamento faz com haja dificuldades no aprendiza-
do. O educador é por excelência, o principal agente motivador.
Precisa estar motivado, ter compromisso com a educação, de-
monstrando entusiasmo, amor e prazer no que faz. Com isso a
postura do educador perante a sala faz com que seus pupilos os
observem e os vejam como o detentor da verdade e do desejo
de ensinar e como educador “saber que não posso passar des-
percebido pelos alunos, e que a maneira como me percebam

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me ajuda ou desajuda no cumprimento de minha tarefa de pro-


fessor, aumenta em mim os cuidados com meu desempenho”
(FREIRE, 1996, p, 97), isso faz com que sua prática de ensino
seja a todo tempo analisada e verificada e se está de acordo e
capitalizada de forma clara e objetiva pela classe, ou seja, pelos
educandos.
Nessa perspectiva a educação a esses jovens e adultos
é feita por profissionais qualificados para atuarem em sala de
aula, podem não haver uma qualificação direcionada a jovens
e adultos, porém participam de capacitações que o governo dá
a cada três anos e como atuantes nessa modalidade eles partici-
pam integralmente, nessa visão conforme este escrito no Siste-
ma Nacional de Educação que,
a formação inicial e continuada de profissionais para
educação de jovens e adultos terá como referencia as
diretrizes curriculares nacionais para o ensino fun-
damental e para o ensino médio e as diretrizes cur-
riculares nacionais para a formação de professores,
apoiada em:

I. ambiente institucional com organização pedagógi-


ca;

II. investigação dos problemas desta modalidade de


educação , buscando oferecer soluções teoricamente
fundamentadas e socialmente contextualizada;

III. desenvolvimentos de praticas educativas que cor-


relacionem teoria e pratica

IV. utilização de métodos e técnicas que contemplem


códigos e linguagens apropriados às situações especi-
ficas de aprendizagem. (art. 17)

Ressaltando o papel do educador que é de levar o co-


nhecimento à reflexão e os educandos da EJA mesmo levando
em conta que tal reflexão como parte básica para o conheci-
mento, não se pode esquecer que vivemos em uma sociedade
onde tal reflexão é pouco incentivada. Habituados a seguir or-

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dens os educandos da educação de jovens e adultos são do pon-


to de vista da pratica do pensar e do tomar decisões. Porem,
isso faz com que aumente a responsabilidade da escola como
espaço capaz de incentivar essa capacidade tão fundamental ao
ser humano.
[...] sou professor a favor da esperança que me ani-
ma apesar de tudo. Sou professor contra o desengano
que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da
boniteza de minha própria pratica boniteza que dela
some se não cuido do saber que devo ensinar se não
brigo por este saber, se não luto pelas condições mate-
riais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado,
corre o risco de amofinar e de já não ser o testemunho
que deve ser de lutador pertinaz que cansa, mas não
desiste. (FREIRE, 1996, p, 103)

Nesse prisma o educador tem que ter esse olhar mais


atencioso com os educandos da modalidade EJA pela histo-
ricidade que cada um possui, por serem pessoas “frágeis” são
portadores de sonhos, desejos que vejam na educação uma
esperança de vida melhor. Sofre com todos e quaisquer tipos
de discriminação sentem na pele a rejeição de uma socieda-
de pela a falta de estudo ainda que “contemporânea”, mas com
pensamentos primitivos sobre a modalidade da EJA. Por tanto,
a presença do educador em sala com sua pratica diferenciada
faz com seus educando tenham um bom desempenho em seu
processo formativo.
Percurso metodológico
O contexto da pesquisa foi a Escola “São José Operá-
rio” localizado no bairro que possui o mesmo nome da esco-
la, prédio construído pela Diocese de Parintins, com imóvel
cedido ao município e é legalmente mantida e administrada
pela Secretaria de Educação e Qualidade de Ensino- SEDUC.
Considerando a conjuntura em que esta inserida a escola, esta
pesquisa terá como sujeitos de investigação os educandos do

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turno noturno da referida escola e que fazem parte do Progra-


ma da Educação de jovens e Adultos- EJA.
Para que pudéssemos realizar esta pesquisa com in-
tuito de conhecer e compreender como acontece seu processo
formativo, fez-se necessário à coleta de dados junto aos sujei-
tos da investigação. Considerando a pesquisa científica como
método que viabiliza alcançar um objetivo com uma finalidade
através de um planejamento seguindo uma trajetória consoli-
dada por um percurso metodológico desenvolvido pelo inves-
tigador.
A investigação percorreu um caminho direcionado de
forma planejada, nessa conjuntura “o método é o conjunto das
atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança
e economia, permite alcançar os objetivos” ressalta Lakatos
(2010, p. 65). O percurso investigado foi auxiliado pelo enfo-
que qualitativo, pois de acordo com Peixoto (2013) “a pesquisa
qualitativa é de particular relevância ao estudo das relações so-
ciais”, ou seja, na pesquisa qualitativa nos permite vivenciar e
evidenciar a conjuntura social na qual os sujeitos se encontram
nos permitindo o contato direto com os investigados.
O desenvolvimento da pesquisa se deu pelo enfoque
fenomenológico que visa compreender o meio e as circunstân-
cias em que o sujeito está inserido. Nesse prisma, “a pesqui-
sa fenomenológica busca a interpretação do mundo através
da consciência do sujeito formulada com base em suas expe-
riências” (GIL, 2010, p, 39), nessa visão a citação acima nos dá
subsídios para que possamos olhar ao educando dentro do seu
contexto formativo que é a escola.
Portanto, houve a estada em sala de aula durante um
ano e meio para melhor observação do cotidiano formativo
dos estudantes da EJA, bem como nas atividades propostas pe-
los educadores. “A observação participante consiste na partici-
pação real do pesquisador na vida da comunidade, da organi-
zação ou do grupo em que é realizada a pesquisa” (GIL, 2010,
p, 121). Para alcançar o objetivo desta pesquisa de forma clara

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e dando voz ao sujeito, fez-se necessário a entrevista semies-


truturada. “Podemos entender por entrevista semiestruturada,
em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos,
apoiados em teorias e hipóteses, que interessem a pesquisa [...]”
(TRIVIÑO, 2008, p, 146). Sendo assim o método utilizado nos
dá subsídio coeso em relação aos sujeitos aqui questionados.
Discussão e análise dos dados
A pesquisa se desenvolveu em uma escola do municí-
pio de Parintins-Am. A piore contatou-se a secretaria daquele
educandário, juntamente com os educandos que fazem parte
da Educação de Jovens e Adultos-EJA, com uma turma com-
posta de trinta educandos com idades entre 19 a 60 anos do
turno noturno. A instituição de ensino proporciona ensino de
1° ao 2° Ano do Ensino Médio.
Atualmente, a escola atende quatro turmas de 1° Ano
e quatro turmas de 2° Ano do Ensino Médio, sendo o ensino
nessa modalidade acontece de forma modular todos no turno
noturno. Cada turma é composta entre 15 a 25 educandos no
máximo por sala de aula. Nesse prisma, trabalhou-se com uma
estimativa de 35 educandos de turmas diferenciada e que se
fizeram importantes para a construção dessa pesquisa.
Consideramos com esta pesquisa a importância de
se olhar com mais sensibilidade para a Educação de Jovens
e Adultos e a seus sujeitos que se encontram em processo de
formação. Buscam na educação escolar sua identidade social,
enfrentam desafios e dificuldades em sua caminhada, almeja
perspectivas e desejos de alcançarem seus objetivos, são pes-
soas que mesmo depois de um dia exaustivo de trabalho en-
contram forças para estarem em sala de aula.
O cotidiano escolar dos educandos da EJA
A escola tem como finalidade o desenvolvimento in-
telectual, moral e democrático, como vista á aquisição da ver-
dadeira autonomia do educando, para o pleno exercício de sua

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cidadania. Com essa visão a escola tem um papel de suma im-


portância para esses sujeitos que buscam através da educação
modificar sua realidade.
O espaço escolar deve ser um ambiente prazeroso
onde a troca de conhecimentos e experiência se transforme em
aprendizagem. Mediante isso, o papel do educador é de vital
importância, pois além de ensinar, orientar ele acaba instruin-
do para um olhar que vai muito além das quatros paredes de
uma sala de aula com respeito e dedicação. Nesse prisma, en-
fatiza o (educando1) “a nossa Educação de Jovens e Adultos é
um ensinamento diferenciado, com muita dedicação e respeito
por parte dos educadores, por isso, não tenho à falar a não ser
agradecer a Deus e aos que se dedicam a educação e acreditam
nela”, assim podemos ver a importância do educador e sua re-
lação com o educando, assim ressalta Freire (2011, p, 28), “per-
cebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito
da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa do-
cente não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a
pensar certo” com isso o educador se sente mais estimulado e
valorizado a estar em sala de aula.
Compreendemos que o trabalho deve se feito em co-
munhão, para se alcançar um bom resultado e através da co-
letividade o aprendizado tem mais sentido para o educando.
O sentimento de respeito com esses sujeitos é total relevância,
por alguns estarem fora da sala de aula por muito tempo e por
terem um arcabouço de conhecimentos da vida, é essencial que
eles se sintam respeitados, como afirma o (educando 2) “hoje,
estou aqui super contente por conhecer os educadores da Es-
cola São José, que ensina de tudo, trata a gente com respeito
com amor e igualdade”, o educando deve ser comparado como
criança que esta em processo de aprendizado (FREIRE,2011).
A dedicação dos educadores se torna visível e se torna
inspirador como nesse depoimento do (educando 3) “sempre
admiro o trabalho de qualquer professor em sala de aula, a de-
dicação e o profissionalismo de cada um’’, essa admiração é re-

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ciproca pelos educadores que se encontram satisfeitos quando


percebem o resultados em um trabalho executado e o avanço
de seus educandos, com isso vem o sentimento de dever cum-
prido.
Ao ouvir as experiências, alegrias e os sofrimentos
do cotidiano desses educandos que sofrem por descrimina-
ção muita das vezes, por não terem concluídos seus estudos
em tempo decorrente e o educador começa a ser visto muito
mais do que um educador, passa a ser visto como um conse-
lheiro até mesmo um amigo, mas sempre com todo respeito,
como afirma o (educando 4) “nossos professores são muito
bons, temos professores bem atenciosos e que nos transmite
conhecimentos e confiança e nos incentiva a continuar com
nossos estudos, nos ouve e nos ajuda”, assim o estudo deixa de
ser um aprendizado corriqueiro, nostálgico, vazio e passa a ser
um conhecimento valorizado, compreendido, segundo Freire
(1996) o clima de respeito que nasce de relações justas, serias,
humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liber-
dades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter
formador dos espaços pedagógicos.
Para modificar sua realidade esses sujeitos irem à bus-
ca sempre do novo, os desafios são inevitáveis, porém, a força
de vontade faz com que lutem incansavelmente. O cansaço do
dia exaustivo de trabalho não é motivos de desistência, mas é
em na sala de aula que eles forças para prosseguir (educando 5)
“o dia-a-dia em sala de aula é muito bom, os professores expli-
cam muito bem e eles tem muita paciências”, essa harmonia em
sala de aula é importante para ambas as partes, pois o aprendi-
zado se torna satisfatório, (educando 6) “na sala de aula todos
nos damos bem, somos colegas e parceiros, uma família até
mesmo com os professores”, nesse sentimento de solidarieda-
de, eles aprendem de forma conjunta, pois cada um possui uma
maneira especial de aprender. “A aprendizagem é um modo de
gradualmente se ir compreendendo melhor o mundo que vive-
mos e de sabermos melhor utilizar nossos recursos para nele

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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agirmos” (ALARCÃO, 2011, p, 28) com isso o conhecimento


compartilhado cria força e mais prazeroso se torna.
Conviver com esses educandos é vivenciar experiên-
cias únicas. Por estarem muito tempo fora da sala de aula e
buscarem dar outro sentido a suas vidas, isso faz com que
esses sujeitos enfrentem algumas dificuldades em sua forma-
ção, muitas vezes não ter com quem deixar seus filhos, falta
de transporte, as informações são diferentes da época deles,
mesmo assim encontram motivos para prosseguirem com os
estudos. Segundo (BROGÈRE e ULMANN, 2012, p, 22),
O cotidiano é aprendizagem das práticas e saberes
do cotidiano, a confrontação, para alguns, com outro
cotidiano, o lugar onde surgem acontecimentos que
levam a reconstruir o cotidiano, mas que oferecem a
possibilidades de aprendizagem fortuitas [...]

É nesse convívio que as experiências, as dificuldades,


as esperanças são socializadas, com isso se torna mais com-
preensivo saber que cada sujeito possui sua especificidade, so-
nhos entre outros sentimentos que abrangem o indivíduo.
Com intuito de compreender o universo escolar e
como acontece o processo formativo dos sujeitos e observar
a escola nessa ação diante dos sujeitos é de vital importância
para compreensão de uma sociedade. Portanto, a escola São
José Operário pensando no bem estar desses jovens e adultos,
busca sempre aprimorar seu atendimento para com os mes-
mos, para que possam se sentir bem diante do seu processo
formativo e para que possam ter sucesso na sociedade median-
te a educação.
Educação de Jovens e Adultos: Desafios
Considerando os desafios, as diversidades e os pro-
blemas que os educandos da EJA enfrentam em seu proces-
so de formação, o cotidiano desses sujeitos está carregado de
responsabilidade com a família, trabalho e acima de tudo bus-
cam forças para prosseguirem com seus objetivos como relata

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o (educando 1) “enfrentam muitos problemas e dificuldades


como cansaço de um dia inteiro de trabalho, as vezes não te-
nho tempo de fazer as atividades que os professores passam
para casa, mas eu do um jeito e tudo se resolve”, com isso a
força de vontade, a coragem com determinação e com ajuda
dos colegas o cansaço do dia se transforma em energia para
seguirem adiante com seus estudos.
Evidenciamos os desafios que os educandos da EJA
enfrentam ao resignificar sua formação, suas dificuldades en-
contram-se no tempo curto que cada educador possui para en-
sina-los como ressalva o (educando 2) “minha maior dificulda-
de é conseguir assimilar as informações passadas pelos profes-
sores pelo curto tempo que cada um tem para nos ensinar cada
matéria, pois não aprendemos tudo em dois anos o que são
passados em três anos no ensino regular”, entre outras dificul-
dades enfrentadas pelos jovens e adultos o fator tempo acaba
sendo um descontentamento mais nada que os faça desistir.
Os desafios da EJA exigem um olhar cuidadoso so-
bre as questões que podem interferir na motivação do
alfabetizado, em sala de aula, uma veze que um dos
fatores que dificultam a aprendizagem encontra-se no
fator do alfabetizando iniciar ou recomeçar a escolari-
zação na fase adulta. (SOEK, 2009, p, 22)

Ressaltamos que existem inúmeras dificuldades pe-


rante o educando. Tais dificuldades muitas vezes são impostas
por quem deveriam apoiar que é a família, o marido que se de-
sentende com a esposa por ter que sair à noite para estudar, ou
vice versa, filhos que adoecem até mesmo o próprio educando
que se encontra em enfermo, são inúmeras as aprovações que
esses sujeitos passam em sua formação educativa, mas ao invés
de fraquejarem eles encontram animo e força de vontade para
seguirem adiante na voz do (educando 3) “na verdade não te-
nho dificuldades, o que é força de vontade de caminhar meus
estudos e tentar uma faculdade”, podemos observa que tais
“problemas” são transformados em coragem, forçar de vencer e

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buscam na educação escolar sonhos que foram usurpados pela


visão capitalista, “esses sujeitos possuem uma bagagem de co-
nhecimentos adquiridos em outras instancias sociais, visto que
a escola não é o único espaço de produção” Soek (2009, p,22)
não se pode considera-los como tabua rasa, são pessoas com
um arcabouço de conhecimento.
Esses sujeitos buscam na educação um modo de firma
seu próprio compromisso em modificar seu lugar na socieda-
de pertencente e com união conjunta de colegas e educadores
que lutam para que a educação seja emancipadora, libertadora
em direitos igualitários. “A EJA é um estudo diferenciado feito
e elaborado para pessoas que pararam de estudar a bastante
tempo” (educando 4). Ratificando o (educando 5) “ a EJA é
que esta tirando muitos alunos da linha do analfabetismo para
o mundo do conhecimento” os educandos encontram esperan-
ças na Educação de jovens e Adultos, com intuito de modificar
a realidade que vivem e de darem significado a sua formação
visando um horizonte de expectativas que possam inseri-los
no mercado de trabalho. Buscam esperança em algo que os
possam se sentir pertencentes, pessoas que procuram de al-
guma forma um incentivo para agarrar com vontade em uma
carreira profissional. São sujeitos, portanto, possuidores de co-
nhecimento, todos com suas peculiaridades e diversidade que
estão em busca de vida melhores.
Possibilidades na EJA
Em tempos modernos onde as tecnologias encon-
tram-se presentes em todos os setores seja social, econômico
e educacional, com olhar voltado a essas transformações é que
muitos jovens e adultos que se encontram a margens da socie-
dade buscam direcionamentos para conclusão de sua escolari-
dade.
Podemos considerar que o mundo atravessa uma
situação de mudanças com paralelismo em outras
situações históricas em que, pelo seu efeito transfor-

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mador, sobressai a revolução industrial. Porém, o não


estar hoje na capacidade de seguir instruções dadas
por outros para funcionar as máquinas, mas sim na
capacidade de transformar em conhecimento a in-
formação a que graças às máquinas, temos um acesso
[...] (ALARCÃO, 2011).

O conhecimento é visto como um alicerce para esses


sujeitos darem novo sentido à vida que foi injusta e sacrifican-
te diante dessas pessoas que muito fizeram e fazem por essa
transformação e que poucos benefícios obtiveram.
A busca por melhorias trava uma disputa com as in-
justiças sociais trazidas apriore e em tempos primórdios, tal
consequências é ratificada pelas classes subalternas da socie-
dade. Mas, esse mesmo excluído vão em busca de novas pers-
pectivas advindas da educação e a Educação de Jovens e Adul-
tos solidificou o resgaste desses sujeitos exclusos da sociedade,
ressaltando o (educando 6) “eu vejo a EJA como um estudo
pra jovens e adultos que ficarão muito tempo fora da sala de
aula, além de ser um estudo acelerado e uma oportunidade
pra jovens e adultos continuarem os seus estudos e quem sabe
até uma faculdade”, podemos observar com isso, o anseio para
conseguirem alcançar seus objetivos. “A identidade da EJA,
em uma perspectiva democrática, firma a importância de uma
prática pedagógica emancipatória e propulsora de transforma-
ção’’ (CAPUCHO, 2012, p, 75), o educando busca seu lugar de
direito na sociedade meramente conquistado com esforços e
que luta pela igualdade social.
A Educação de Jovens e Adultos permite aos seus edu-
candos oportunidades que os leva a objetivar sonhos a serem
concretizados, como fala o (educando 7) “a EJA é um progra-
ma de jovens e Adultos onde temos a oportunidade de con-
cluir o Ensino Médio, apesar de ser acelerado, temos a certeza
que um dia conseguiremos alcançar nossos objetivos”, nessa
conjuntura, a esperança é norteada por algo palpável confir-
ma o (educando 8) “EJA é conhecimento, e conhecimento é
importante para que possamos mudar de vida’’. “ A esperança

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é um condicionamento indispensável à experiência histórica”


( FREIRE, 2011,p, 2011), o ser humano é movido por sonhos,
esperanças, expectativas que faz com que se sinta vivo e per-
tencente a uma classe social.
Voltar ao convívio escolar é galgar pelo novo, pelo di-
ferente, ter expectativas de liberdade em alcançar seus próprios
anseios propostos por si mesmo como afirma o (educando 9)
“estudar a EJA foi a melhor coisa que fez na vida e isso vai me
levar para um futuro melhor”, com esse olhar no futuro que
eles buscam forças para prosseguirem com seus estudos, e que
não venham a fraquejar diante as dificuldades.
O papel da educação como espaço privilegiado para
a construção de sujeitos de direito, e também para a
formação de uma cultura de direitos humanos traz a
tona a necessidade de pensar o cidadão em suas rela-
ções com direitos à educação e a efetiva participação
nas estruturas político-econômico-social e cultural da
sociedade. (CAPUCHO, 2012, p, 21)

A escola foi constituída para que todos pudessem ser


“alfabetizados” e que a ela todos pudessem ter acesso. Uma
visão utópica diante de uma sociedade individualista e desi-
gual diante os direitos de cada cidadão. Ressaltamos que hoje
a educação deixa de ser vista como passiva não se pode ver
os educandos de todas as modalidades do ensino como seres
passivos, sem reflexão, sem objetivos, engana-se achar que eles
sabem pouco ou quase nada, as informações a estão chegan-
do a toda hora e a toda parte, no entanto, cada um possui seu
arcabouço de conhecimentos e nos reportando para EJA esses
sujeitos são possuidores de uma infinita experiência de vida, e
que serve de exemplos para os demais colegas.
O que se pode observar nessa pesquisa é quão amplo
a modalidade da educação de jovens e adultos traz em seu con-
texto escolar. Podemos assim observar os desafios que os edu-
candos enfrentam para ressignificar sua formação, as possibili-
dades que encontram ao retornarem para a escola, possibilida-

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

des essas de um futuro promissor. Portanto, nessa perspectiva a


educação de jovens e adultos abre um leque de oportunidades
para que seus sujeitos possam prosseguir com seus estudos.
Conclusão
O presente trabalho evidencia que a Educação de Jo-
vens e Adultos vem ganhando espaços no campo educacional.
Deixando de ser banalizada e passando a ser vista como um
progresso de vida pessoal e profissional. Com intuito de co-
nhecer a fundo essa modalidade se fez necessário compreender
como acontece o processo formação dos sujeitos, bem como
seu cotidiano formativo. Nesse sentido, buscamos evidenciar os
desafios, as expectativas e possibilidades que os mesmos encon-
tram ao dar um novo sentido a sua formação.
Comprovamos que a modalidade da Educação de Jo-
vens e Adultos é assegurada por lei vigentes desse país. Eviden-
ciamos que as dificuldades existem, a preocupação de não ter
com que deixar os filhos, o cansaço do trabalho entre outros
fatores que acarretam na interferência do processo de aprendi-
zado dos sujeitos.
Ratificamos que a retomada pelos estudos acaba sendo
um dos maiores desafios para esses sujeitos, por estarem muito
tempo fora da sala de alua e terem idade diversificada. O medo
de não poder acompanhar a turma acaba por ser um problema
para esses sujeitos, porém a força de vontade faz com que eles
superem esse desafio e entendam que, cada um possui uma vas-
ta experiência e aprendem de seu modo e há seu tempo.
A Educação de Jovens e Adultos ainda tem muito a
contribuir com esses educandos que se encontra em desvanta-
gem no que se refere à idade. São seres humanos que possuem
sonho, força de vontade e buscam na EJA o melhor caminho
para saírem do anonimato. Desejam transformar a realidade
em que se encontram inseridos, ter um bom trabalho, serem
bem sucedidos e aceitos pela sociedade que se entra cada vez
mais exigente.

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A escola foi por muito tempo, reprodutora de conhe-


cimento, fazendo com que seus estudantes acreditassem em
uma única ideologia, transformando-os em pessoas passiva
em um tempo utopicamente redigido pela burguesia. A Escola
“São José Operário” tem feito seu papel no que se refere ao de-
senvolvimento intelectual, moral, religioso e democrático, com
vista à aquisição da verdadeira autonomia do educando, para o
pleno exercício de sua cidadania.
Ensinar na modalidade da Educação de Jovens e
Adultos muitas vezes deixa de serem ensinamentos e passa a
ser aprendizado, por serem pessoas com idades diferenciadas e
possuidores de arcabouço de conhecimentos, com isso os edu-
cadores assumem um importante papel com esses educando,
mostrando através da educação que eles podem modificar sua
realidade.
Portanto, o estudo desta pesquisa foi de sua impor-
tância para compreendermos o processo formativo dos edu-
candos da EJA e com isso se abre novas expectativas acerca
dessa modalidade e aos educandos que dela fazem parte, são
pessoas que possuidoras de conhecimento de vida e buscam na
educação novos caminhos a serem seguidos e com isso alcan-
çarem seus objetivos e serem vistos e aceitos pela sociedade.
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reflexiva. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011. – (Coleção questão
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ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. Augusto
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ENTRE IDAS E VINDAS: A INFREQUENCIA


NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM
DUAS INSTITUIÇÕES DE SÃO JOSÉ

MEYER, Andrezza1
MAURÍCIO, Wanderléa Pereira Damásio 2
Introdução
Os alunos que frequentam a EJA são trabalhadores,
suas condições sociais são desfavorecidas, por isso, acabam
sendo desestimulados e, consequentemente, deixam a EJA.
Esta desistência não ocorre por falta de vontade, mas sim por
uma série de fatores e por causa da sociedade que muitas vezes
julga esses sujeitos sem conhecer a realidade em que eles vi-
vem. O conceito adotado no decorrer da pesquisa será evasão
ao invés de infrequência.
Esse artigo teve por objetivo principal identificar as
causas da evasão em duas instituições de São José. Buscou-se
investigar, focando em apenas duas escolas, já que se previu
que haveria subsídios necessários para a conclusão do trabalho.
A Educação de Jovens e Adultos e Seus Contextos
Com a necessidade que se encontra de identificar as
causas da evasão na EJA, foi feito uma investigação, buscando
referencial para subsidiar a pesquisa e posteriormente a coleta
de dados.
1 Graduada. Professora. Centro Universitário Municipal de São José.
E-mail: andrezzam2010@hotmail.com
2 Doutora. Professora. UNISINOS/RS. E-mail: usj.wanderlea@gmail.
com

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É necessário superar a desigualdade que está tão pre-


sente no país, ainda mais se tratando de jovens excluídos so-
cialmente, para que haja uma superação desses paradigmas.
Conforme a Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC),
com relação à educação de jovens e adultos:
A superação da desigualdade racial na educação de-
veria ser um dos objetivos das politicas educacionais
e nas práticas educativas desenvolvidas em nosso País,
sobretudo aquelas que lidam com jovens e adultos em
processo de exclusão. (SANTA CATARINA, 2005,
p.97).

Contudo, o professor, assim como seu aluno, é sujei-


to, e como tal, eles têm suas próprias especificidades, o aluno
com seu desempenho e suas atitudes e o professor na sua forma
de atuar, pois cada um tem uma bagagem de conhecimento e
ambos, na coletividade, trazem experiências de vida que vão
confluir para o processo de aprendizagem.
Com a Constituição Federal de 1988, ficou assegura-
do o direito à Educação para todos, porém na atual
LDB a EJA vem caracterizada enquanto direito de to-
dos, mas não como dever do estado, o que se torna
contraditório. (SÃO JOSÉ, 2000, p. 96).

A infrequência está relacionada com a falta de fre-


quência dos alunos nas instituições, então a definição de infre-
quência poderia definida como:
[...]se faz necessário o conhecimento do fenômeno
da infrequência como uma variável que pode ocasio-
nar a inviabilidade dos cursos e programas para este
público[...]. Faz-se importante, também, identificar e
levar em consideração em que medida as expectativas
trazidas por estes alunos vão ao encontro do compro-
misso de se manterem frequentes. (OLIVEIRA; EITE-
RER, 2008, p.5).

Em vista desse conceito, o adotado nessa pesquisa,


será o de evasão que ocorre desde o século XX, ela é relacio-

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nada ao fracasso escolar que se deu a partir das revoluções do


século XIX. Em outras palavras:
Evadir-se da escola é um fenômeno que ocorre desde
a primeira metade do século XX, mas que segundo
Patto (1990), pode ser contextualizada na temática do
fracasso escolar a partir da era das revoluções no sé-
culo XIX. (BERTELLI; DUARTE, 2013, p.19).

O fracasso escolar é definido como uma experiência,


vivência ou prática que, ao longo do processo educativo, foi
silenciada no discurso da culpabilidade do aluno, e com isso,
várias interpretações foram realizadas, de modo a segregar es-
ses sujeitos. Dizendo de outra forma:
A expressão “fracasso escolar” é uma certa maneira de
verbalizar a experiência, a vivência e a prática; e, por
essa razão, uma certa maneira de recortar, interpre-
tar e categorizar o mundo social.(CHARLOT, 2000,
p.13).

O trabalho docente é um viés para o desafio do fracas-


so escolar, já que ele pode fazer com que os alunos aprimorem
seus conhecimentos, tendo a compreensão para a construção
de sujeitos críticos e conscientes de sua atuação na sociedade:
O trabalho do professor consiste na construção de
práticas docentes que conduzam os alunos à apren-
dizagem. Ninguém pensa no vazio. É a partir do co-
nhecimento, da sua aquisição e compreensão, que se
constrói a educação de uma pessoa. (NÓVOA, 2011,
p. 48).

Para conseguir avançar com relação a sua profissão, o


professor necessita de estudos, leituras e da troca de experiên-
cia com outros profissionais para refletir sobre sua condição
de empreender o conhecimento, bem como compartilhar estes
saberes com seus alunos e demais colegas da profissão. Efeti-
vamente:

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É preciso ensinar de forma que os alunos não usem


apenas as capacidades cognitivas, mas também tenham cons-
ciência e reflitam sobre o que está acontecendo ao seu redor.
Segundo Zabala (1998, p. 29): “É preciso insistir que tudo
quanto fazemos em aula, por menos que seja, incide em maior
ou menor grau na formação de nossos alunos”. Qualquer ação
que ele execute poderá incorporar-se à formação de seus alu-
nos.
Os saberes que os professores carregam trazem as suas
experiências em sala de aula, a formação, a interação entre os
membros da comunidade escolar, por isso, cada um apresenta
uma forma de ensinar:
[...] o saber dos professores não é um conjunto de
conteúdos cognitivos definidos de uma vez por to-
das, mas um processo em construção ao longo de uma
carreira profissional na qual o professor aprende pro-
gressivamente a dominar seu ambiente de trabalho,
ao mesmo tempo que se insere nele e o interioriza por
meio de regras de ação que se tornam parte integrante
de sua “ consciencia prática”. (TARDIF, 2011, p. 14).

Metodologia
A pesquisa pode ser classificada como uma pesquisa
exploratória. Tendo em vista que a pesquisa exploratória busca
um levantamento de dados para uma possível pesquisa futura,
Gil considera que:
A pesquisa exploratória tem como principal finali-
dade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos
e ideias, tendo em vista, a formulação de problemas
mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos
posteriores. (GIL, 2007, p. 43).

A presente pesquisa foi realizada de forma bastante


flexível, tendo em vista os sujeitos pesquisados. Para que hou-
vesse participação dos mesmos foi necessária essa flexibilida-
de, já que eles se evadem e retornam a instituição muitas vezes.

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Perfil dos Sujeitos


O perfil dos sujeitos, no referido questionário, englo-
ba três eixos que são: estado civil, filhos e idade.
Em relação ao primeiro eixo, que se refere ao estado
civil, com base nas respostas foi constatado que, dos 10 en-
trevistados, 08 são solteiros, 01 é casado e o outro especificou
como seu estado civil “namorando”, como se esse termo se re-
ferisse ao seu estado civil.
O segundo eixo, que se refere ao perfil desses sujeitos,
diz respeito à quantidade de filhos que os mesmos têm. Con-
forme as respostas, 03 dos entrevistados têm filhos e 07 não
têm filhos. Com isso, observa-se que a maioria dos sujeitos não
têm filhos.
E o último eixo apresenta a questão relacionada à ida-
de dos entrevistados. Conforme os dados coletados, a maioria
dos sujeitos da EJA tem idade entre 18 e 30 anos, apenas 04 têm
até 18 anos. Observa-se, que os estudantes com idades de 31 a
43 anos são minoria e não foram constados sujeitos com mais
de 44 anos.
Analisando essas três perguntas, pode-se constatar
que a maioria dos entrevistados é solteira, sem filhos e com
idade entre 18 e 30 anos. Apesar desses sujeitos se evadirem
com frequência da instituição, os dados mostram que eles re-
tornam aos estudos, mas infelizmente, depois, desistem nova-
mente da EJA. Convém salientar aqui que:
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de
estudos no ensino fundamental e médio na idade pró-
pria. (Brasil; 2013, p. 26).

Como os sujeitos não tiveram oportunidade de fre-


quentar a escola na idade própria, devido aos mais diversos
motivos apresentados na pesquisa, como: dificuldade de fre-
quentar as aulas, aulas desestimulantes, necessidade de tra-
balhar, desânimo, trabalho cansativo, família que não aceita

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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o estudo por causa de filhos, eles se matriculam na EJA para


concluir seus estudos, mas não permanecem.
Formação dos Sujeitos Evadidos da EJA
Esse eixo de pesquisa teve por objetivo identificar a
formação que os pesquisados apresentam. A primeira questão
referente à formação indaga até qual série o estudante da EJA
estudou.
Dentre os entrevistados há 04 sujeitos que estão fa-
zendo o 1° ano do Ensino Médio; 02 que estão no 7° ano; 01
está no 9° ano; 01 estuda no 8° ano; e 2 estão no 2° ano do
Ensino Médio.
Conforme os dados a maioria dos alunos começou a
trabalhar cedo, com apenas 16 anos; alguns começaram antes
dessa idade; e apenas um sujeito ainda não começou a traba-
lhar. Segundo Gonçalves (2010):
Na EJA, o trabalho é uma questão muito presente, seja
porque os alunos estão tentando manter seus empre-
gos, seja porque estão procurando se qualificar para
conseguir um, seja porque acreditam que só com
educação poderão consegui-lo mais adiante. Mesmo
os jovens que nunca tiveram experiência de trabalho
atribuem grande importância à escola a profissão. (p.
24).

Os sujeitos da EJA atribuem uma grande importân-


cia ao trabalho, já que necessitam manter-se ou se qualificar,
e acreditam que a educação pode melhorar suas condições de
trabalho.
Para completar a questão relacionada ao trabalho, foi
perguntado a eles: “Qual motivo te levou a começar a traba-
lhar?”. Quanto aos motivos que levaram esses sujeitos a traba-
lhar, destaca-se que 06 respondentes afirmaram que começa-
ram a trabalhar para “ajudar a sustentar a família”.
Esses dados coletados apresentam respostas contradi-
tórias ao que diz a lei, uma vez que esses indivíduos têm direito

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à educação, mas não podem exercê-lo devido ao trabalho. Desde


jovens, os indivíduos têm que trabalhar para ajudar no sustento
da família e este é o principal motivo que dificulta a permanên-
cia na EJA. No item a seguir, apresentam-se as causas da evasão.
Causas da Evasão da EJA
Procurando descobrir quais as causas que levam esses
sujeitos a desistir, a primeira questão para responder essa pro-
blemática foi: “Quantas vezes já desistiu?”
Conforme as respostas apresentadas, 07 sujeitos de-
sistiram mais de duas vezes da EJA; 02 desistiram três ou mais
vezes; e 01 desistiu uma vez. Essa constatação é alarmante, pois
a maioria dos entrevistados desistiu mais de duas vezes e possi-
velmente não dará continuidade aos estudos.
A partir desse contexto, outra questão foi levantada:
“Por qual motivo você desistiu da EJA?”.
Os motivos que levaram os sujeitos a desistirem da EJA
são diversos, entre eles estão: dificuldade de frequentar as aulas
(04); aulas desestimulantes (01); necessidade de trabalhar (04);
desânimo (01); família que não aceita os estudos (01); 1 trabalho
muito cansativo (01); e devido à filha, que não fica sozinha em
casa (01).
Os dados coletados mostram que os sujeitos se evadi-
ram da EJA pela dificuldade de frequentar as aulas, por desâ-
nimo, necessidade de trabalhar, porque a família não aceita os
estudos, pelos filhos e pelo trabalho cansativo. Todos esses mo-
tivos provocam a evasão da EJA.
Na questão a seguir, indaga-se se os sujeitos gostariam
de retornar à instituição. Houve unanimidade nas respostas, que
foram todas positivas.
Conforme a pesquisa, todos querem continuar estu-
dando na instituição, gostariam de retornar, mas há fatores que
impedem que isso aconteça: dificuldade de frequentar as aulas,
desânimo, necessidade de trabalhar, filhos e família que não
aceita o fato do sujeito estudar.

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Motivações Para Retorno de Estudo


A pesquisa foi encerrada com a seguinte questão, refe-
rente aos motivos para o retorno à EJA: “Por qual (quais) mo-
tivo(s) você voltou a estudar?”
São os mais diversos os motivos que fazem os sujeitos
retornar a EJA. O mais assinalado foi com relação às exigên-
cias do mercado de trabalho (07 respondentes). Depois, tem-se
a realização pessoal (04 sujeitos); a realização de uma atividade
(02 respondentes); o ingresso na faculdade (01); e um emprego
melhor (01). A respeito das respostas, Gonçalves e Lafin afir-
mam que:
A reestruturação produtiva tem provocado profun-
das alterações no processo produtivo, que exigem do
trabalhador novas habilidades, competências e sabe-
res. Muitas empresas já não mais admitem em seus
quadros pessoas sem o ensino fundamental completo
e, muitas delas estão exigindo o ensino médio, ainda
que para funções relativamente simples. O mercado
requer um trabalhador com iniciativa e autonomia,
que saiba investigar e seja capaz de encontrar soluções
(GONÇALVES; LAFFIN, 2010, p. 34).

Os sujeitos mostraram-se interessados com seu futu-


ro profissional e a maioria mencionou que retornaria a estudar
para conseguir um diploma e, consequentemente, se qualificar
para o mercado de trabalho.
Na realidade, esses sujeitos têm direito a: “II – liber-
dade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber.” (BRASIL, 2013, p. 9). Com esses
direitos assegurados, eles podem aproveitar a oportunidade de
concluir seus estudos.
Os sujeitos desta pesquisa, em geral, são jovens, sol-
teiros, sem filhos; ingressaram jovens no mercado de trabalho,
com apenas 16 anos, necessitando ajudar a família; evadiram-
-se da EJA por mais de duas vezes, por dificuldade de compa-
recer às aulas e por causa do trabalho; e se motivaram a voltar

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levando em conta a formação para um melhor emprego. Mes-


mo com todas as dificuldades apresentadas, eles estão matricu-
lados e frequentando a escola.
Considerações Finais
A pesquisa realizada pode contribuir para se pensar
sobre os cenários da EJA e sobre a evasão, fato constatado nessa
investigação. O objetivo geral, que foi o de identificar as causas
da evasão na EJA, esteve o tempo todo permeado do processo
de descobertas referentes aos sujeitos EJA.
Essa pesquisa revela que muitos sujeitos estão se eva-
dindo continuamente por vários motivos: dificuldade de fre-
quentar as aulas, aulas desestimulantes, necessidade de tra-
balhar, desânimo, família que não aceita os estudos, trabalho
muito cansativo e devido aos filhos que não ficam sozinhos
em casa. As constatações foram semelhantes às estudadas no
referencial teórico deste artigo. Mesmo deparando-se com o
cenário apresentado no referencial, esses sujeitos retornam a
instituições.
Por se tratar da EJA, os sujeitos apresentam especi-
ficidades, dentre elas, a condição social que estão vivencian-
do e que faz com que muitas vezes desistam, por terem que
trabalhar e ajudar a família. Quando esses sujeitos retornam à
instituição, para ingressar novamente nos estudos, eles se de-
frontam com aulas desestimulantes, sem atrativos que os façam
permanecer na escola, e isso acarreta a evasão desses sujeitos.
Observou-se ainda que os mesmos, quando se deparam com
professores bem preparados e que lhes apresentam assuntos
significativos, persistem, dando continuidade aos estudos. Por-
tanto, um dos fatores que os faz persistir na continuidade dos
estudos são aulas bem alicerçadas, oferecidas por professores
bem preparados.
Muitos sujeitos pesquisados começaram a trabalhar
jovens e o trabalho fez com que eles desistissem. Mas refletindo
sobre a melhoria de sua formação para ingressar no mercado

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de trabalho, resolveram retornar. Neste sentido, o trabalho é


um fator importante para que eles deem prosseguimento aos
estudos, porém, observa-se que, em alguns casos, o trabalho
também os fez desistir pelo excesso de carga horária. Um dos
fatores que podem auxiliar para que continuem seus estudos é
o reconhecimento, por parte do professor, de que terão que fal-
tar às aulas em momentos que estarão em trabalho profissional.
Mas ao retornarem, deverão ser acolhidos e precisarão de um
olhar especial para a garantia do processo de aprendizagem.
Em futuras investigações, seria conveniente fazer essa
pesquisa em todas as escolas que oferecem a EJA em São José
para, assim, obter mais dados, com maior precisão. Além disso,
o pesquisador deveria mostrar esses resultados para cada ins-
tituição e, a partir deles, criar estratégias para a permanência
desses sujeitos na EJA.

Referências Bibliográficas

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A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO


ÂMBITO CARCERÁRIO NO PARÁ

SANTOS, Carla Regina da Silva1


Introdução
Propiciar educação de qualidade e em condições de
acesso para todos é um fazer que necessita mais que documen-
tos, leis e investimentos. Precisa de compromisso das pessoas
que trabalham no âmbito educacional. Uma vez que a educa-
ção pode ser considerada um “investimento em longo prazo”.
Da educação infantil ao ensino superior - seguidos interrup-
tamente - são aproximadamente 20 anos! Não será um mês
ou dois meses que as mudanças que a educação provoca serão
percebidas e a não percepção destas mudanças pode conduzir
erroneamente a pensar que a educação é um “gasto”. De tempo,
de dinheiro, de esforços. Mais ainda quando se trata da educa-
ção escolar de pessoas que não estão na chamada “idade esco-
lar” ou “idade certa”.
Nesta faixa das pessoas mencionadas acima, encon-
tram-se os encarcerados. Em sua maioria pertencentes à clas-
ses menos privilegiadas e com os estudos incompletos, estão
entre aqueles que necessitam de atendimento educacional. E
este texto tem objetivo de trazer este debate: os desdobramen-
tos da educação prisional no Estado do Pará na perspectiva
Freireana, pois o profissional da educação, seja ele qual for
,precisa estar consciente de seu compromisso com a socieda-
1 Graduanda do 6º período do curso de Licenciatura Plena em Pe-
dagogia. Servidora Pública na Superintendência do Sistema Peni-
tenciário/SUSIPE-PA e Membro Voluntário do Grupo de Pesquisa
em Sociologia da Educação na Amazônia/Perspicilli. Universidade
Federal do Pará/UFPA.. E-mail: carlinhaufpa@gmail.com.

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ISSN 2448-2072

de que muitas vezes desconhece como a educação de Jovens e


Adultos colabora para a coletividade.
Os referenciais teóricos são principalmente Paulo
Freire (1979 e 1997) e documentos referentes à modalidade da
educação prisional no Pará. No âmbito prático, houve a ob-
servação processos educacionais desenvolvidos em algumas
unidades penais, como o Centro de Recuperação do Coquei-
ro (CRC), Centro de Reeducação Feminino (CRF) e Unidade
Materno Infantil (UMI/CRF). Todos sob a gestão do Governo
do Estado do Pará. O texto está estruturado em Introdução,
os tópicos sobre algumas dificuldades educacionais no país, o
EJA no Brasil, um breve histórico da Educação Prisional, os
desdobramentos da educação carcerária no Estado do Pará e as
Considerações Finais.
Dificuldades Educacionais no Brasil
Uma das principais dificuldades enfrentadas no Brasil
por quem trabalha com a educação é a política de descontinui-
dade. Conforme apontada por Cury (2010) ao abordar a cons-
trução de um Sistema Nacional de Educação no Brasil, o autor
faz uma retrospectiva de como as Constituições que já vigora-
ram no país trataram o assunto “educação”, assim como Saviani
(2009) lista os obstáculos que a educação enfrenta no país. Os
obstáculos econômicos, que se caracteriza como a resistência
do Estado em manter a educação pública no país; os obstáculos
políticos caracterizado pela descontinuidade nas políticas edu-
cativas; os obstáculos filosóficos ideológicos que se caracteriza
pela resistência no nível das ideias e os obstáculos legais que
tem a ver coma resistência no plano da atividade legislativa.
Tais obstáculos se transformam juntos, num sistema que afeta
diretamente a qualidade da educação.
Na Constituição de 1937 percebe-se a busca de uma
população não crítica e voltada para a educação tecnicista,
profissionalizante para atender assim,um mercado de trabalho.
Naquele momento, era priorizado a educação de jovens e adul-

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tos para o trabalho industrial. Paulo Freire (1921-1997) é um


dos percussores que luta a favor da educação de jovens e adul-
tos. O referido autor chama a atenção ao processo de alfabe-
tização como “elemento de formação de cidadania” (FREIRE,
1997,p.25).
Educação de Jovens e Adultos no Brasil
Umas das ações mais conhecidas referente à educação
de jovens e adultos é o Movimento Brasileiro de Alfabetização,
o MOBRAL que surgiu em 1967 durante o Regime Militar. Po-
rém, antes do MOBRAL, as concepções pedagógicas de Paulo
Freire sobre a Educação de Jovens e Adultos já haviam ganha-
do repercussão a ponto de ser “[...] encarregado pelo governo
federal no ano de 1963 para desenvolver o Programa Nacional
de Analfabetismo e elaborar um Plano Nacional de Alfabetiza-
ção. Neste contexto a educação tomou novos rumos e passou
a ser vista em outras perspectivas” (BELUZO, TONIOSSO,
2015, p. 3). Com o regime militar, houve a descontinuidade
no trabalho do educador, pois com sua pedagogia libertadora,
provocava a criticidade das pessoas o que não era bem visto
pelo Estado, haja vista que uma população que não tenha co-
nhecimento de seu espaço na História é mais fácil de dominar.
O MOBRAL tinha o foco na aprendizagem da leitura
e da escrita e, diferente da concepção freireana, não havia preo-
cupação com a formação crítica dos educandos. É comum que
se ouça de muitas pessoas que “de nada adianta ser crítico se
não se sabe ler e escrever”, o que é possível considerar como um
desconhecimento da concepção pedagógica de Paulo Freire,
haja vista que o autor defende justamente esse saber para que
as pessoas, principalmente das camadas populares, consigam
apreender o sentido do “[...] estando no mundo, saber-se nele”
(FREIRE, 1979, p. 4).
O ensino supletivo foi implantado com a Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação de 1971 onde, segundo a referida
LDB este ensino tinha o caráter de “[...] suprir a escolarização

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regular para os adolescentes e adultos que não a tenham se-


guido ou concluído na idade própria” e teriam “[...] estrutu-
ra, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades
próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam.”(BRA-
SIL,1971) e ao fazermos uma leitura histórica do período vi-
venciado no Brasil à época de criação do Mobral e dos supleti-
vos percebe-se uma educação voltada para atender o mercado
de trabalho, pois apesar de falar de “finalidades”, não se especi-
fica quais são estas finalidades.
Na LDB de 1996 que revogou a de 1971, a educação
de Jovens e Adultos é caracterizada como educação básica e
define em seu Art. 37 que “[...] a educação de jovens e adultos
será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade
de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”
(BRASIL, 1996) e exige do Poder Público a viabilização que
tal educação ocorra. No âmbito da Constituição de 1988,esta
garante a educação como um direito social.
Breve Histórico da Educação Prisional
Para chegar à modalidade da educação prisional, fa-
z-se um breve apanhado sobre o surgimento dos presídios e
como se inseriu nestes a ideia de educação aqui no Brasil.
Surgimento das prisões
A historiadora Elizabeth Misciasci (1999) fala sobre o
aparecimento das prisões desde a Antiguidade, no período de
1700 a.C. – 1280 a.C. onde os cativeiros eram utilizados pelos
egípcios para manter sob custódia seus escravos, havia o apri-
sionamento, porém, não como sanção penal, pois não havia
um regulamento específico para tal.
Na obra clássica sobre o surgimento das prisões, “Vi-
giar e Punir” de Michael Foucault (1977), o autor faz uma
descrição-análise do que conduziu ao surgimento das prisões.
Aponta a prisão como um lugar criado pela burguesia para
aparentar uma sociedade civilizada. “[...] Pois logo a seguir a

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prisão, em sua realidade e seus efeitos visíveis, foi denunciada


como o grande fracasso da justiça penal” (FOUCAULT, 1977,
p.234).
Prisões no Brasil
Maia et al (2009) faz um apanhado de trabalhos aca-
dêmicos sobre as configurações das prisões no Brasil e no sé-
culo XVIII foi determinada a construção do primeiro presídio
no Brasil, a Casa de Correção do Rio de Janeiro, que foi cons-
truída apenas no século XIX (MAIA, 2009). Pelo nomes das
casas penais do Brasil desde o início “ Casa de Correção”, “Casa
de Detenção”. “Escola Correcional” é perceptível que a educa-
ção como objeto de transformação não era o objetivo destas
instituições, pois condições precárias, castigos e superlotações
eram comuns à época.
Educação Prisional
Apesar de o ambiente carcerário em muitas ocasiões
propiciar a violência, ausência de valores e o surgimento de
outros saberes e conhecimentos alheios ao direito e a huma-
nização, é preciso concordar com Assumpção (2010) que é
indispensável que o preso não seja duplamente condenado e
garantir o direito à educação é um passo para isto. Somente
em meados de 1950 é que Nações Unidas adotam o documen-
to Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos que visa a
garantia à educação como um direito humano ao encarcerado.
A visão do Poder Público atualmente já tem um viés
distinto a respeito da educação prisional conforme será visto
mais adiante, mas por muito tempo perdurou a seguinte visão.
A educação presos, de uma maneira geral, ao mesmo
tempo que era vista pelas autoridades competentes
como uma forma de recuperar o indivíduo, ressentia-
-se do incentivo do governo que, diante dos gastos a
serem efetuados, abandonava o projeto. (MAIA, 2009,
p. 126)

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Não é de estranhar então a pouca quantidade de pre-


sos estudando, o baixo rendimento e a preferência pela apren-
dizagem de ofícios, pois além das aulas não serem obrigatórias,
um oficio teria mais “utilidade” em suas vidas fora da prisão do
que ler e escrever.
No Pará, a história dos presídios data aproximada-
mente do século XVIII com a Cadeia Pública e posteriormen-
te com a reforma prisional Código de Império de 1830, cons-
truiu-se em Belém o famoso Presídio São José que foi desati-
vado no ano 2000. Outro famoso espaço privativo de liberdade
foi o Educandário Faria de Nogueira ,localizado na ilha de
Cotijuba a 40 minutos de Belém, pois na primeira metade do
século XX, Belém atingiu níveis alarmantes de criminalidade
infanto-juvenil após o declínio do Período da Borracha e foi
construído para abrigar menores infratores. Logo ,no período
militar, não demorou que presos políticos fossem enviados ao
Educandário.
A chegada de imigrantes japoneses à ilha e estes en-
sinaram técnicas agrícolas aos educandos, caracterizando-se a
educação não formal. Após a desativação total do Educandário
e do funcionamento da ilha como Ilha-Prisão, hoje Cotijuba é
referência turística de Belém.
A Educação Prisional no Pará: Desdobramentos Atuais
A educação não se configura apenas como uma obriga-
ção do Estado, é também um direito humano. A Lei de Execu-
ções Penais (1984) garante este direito ao encarcerado e ativida-
de do estudo traz ao preso o benefício da remição de pena. Se-
gundo a Superintendência do Sistema Penal do Pará (SUSIPE/
PA) em 2012 como aproximadamente 12.000 detentos, 12,02 %
destes detentos estavam envolvidos em atividades educacionais.
Em 2015, com a população carcerária de pouco mais de 13.000
detentos, destes, 16,5% dos detentos estão envolvidos em ati-
vidades educacionais sejam estas formais, não formais ou pro-
fissionalizantes. Cabe destacar que o Pará vem mantendo uma

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média de presos estudando acima da média nacional que está


em torno de 10%2
É preciso deixar claro que se trata de oportunizar, por
meio da educação, condições para que este detento(a) tenha a
chance de poder se situar como cidadão na sua saída do cárcere,
pois conforme já comentado, o ex-presidiário no Brasil é conde-
nado duas vezes: pela justiça e pela sociedade. Afinal, quem da-
ria emprego a um ex-detento sabendo que cometeu um crime?
Freire (1997) ao abordar a Educação de Adultos reflete
que “[...] A Educação de Adultos é melhor percebida quando a
situamos hoje como Educação Popular” (FREIRE, 1997, p. 16)
e ao percebê-la como educação popular aparece o que o autor
tanto chama atenção: o compromisso social.
Não é possível a educadoras e educadores pensar
apenas os procedimentos didáticos e os conteúdos a
serem ensinados aos grupos populares. Os próprios
conteúdos a serem ensinados não podem ser total-
mente estranhos àquela cotidianidade. O que aconte-
ce, no meio popular, nas periferias das cidades, nos
campos – trabalhadores urbanos e rurais reunindo-se
para rezar ou para discutir seus direitos –, nada pode
escapar à curiosidade arguta dos educadores envolvi-
dos na prática da Educação Popular.(FREIRE,1997,p.
16).

É possível notar que o autor considera importantes os


procedimentos didáticos e conteúdos, mas não é possível re-
duzir a prática à não reflexão. E a “[...] primeira condição para
que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser
capaz de agir e refletir” (FREIRE,1979, p.7). Ao presenciar os
processos educativos em alguns presídios do Pará, as obser-
vações confirmam as estatísticas de uma população carcerária
maioritariamente pobre, negra e com o ensino fundamental
incompleto. Alguns frequentaram muito pouco a escola, pois
não viam nesta um atrativo ou uma perspectiva de melhora de
condições devida e enveredaram ao crime.
2 Fonte: Departamento Penitenciário Nacional)

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Chama a atenção em alguns detentos o fato de não


se perceberem como sujeitos de direito, a exemplo de uma in-
terna que afirmou nunca ter sido obrigada a ir à escola pelos
responsáveis, mas sim a prostituir-se e que a escola era um
lugar que “não era pra ela” além de afirmar que se alfabetizou
no cárcere.
O Poder Público tem responsabilidade de zelar pela
sociedade por meio de suas Instituições. A instituição ‘Presí-
dio’ ainda que no imaginário popular pouco tenha a ver com
educação, também tem essa responsabilidade. O apenas custo-
diar, vigiar, pagar a pena são conceitos que se mostram ultra-
passados e a oferta da educação nessas Instituições pode ajudar
a superar esses conceitos abrindo o leque para novos olhares.
No Pará, a política de continuidade de ações educati-
vas para a Educação de Adultos no âmbito carcerário tem con-
tribuído significativamente para a (re)inserção destas pessoas
na sociedade. Na Divisão de Educação Prisional da SUSIPE/PA
além de construir o Projeto Pedagógico Prisional, há o contí-
nuo processo de incentivo ao encarcerado para a participação,
por exemplo, no ENEM PPL (Enem para Pessoas Privadas de
Liberdade).
As ações contínuas da Susipe/PA mostram a impor-
tância de manter o compromisso e a continuidade nos projetos
e políticas educacionais assim como o investimento na forma-
ção da equipe que conduz o segmento referente à educação.
A Divisão de Educação Prisional (DEP) integra o Núcleo de
Reinserção Social (NRS) da instituição.
Nas pesquisas da DEP foi possível verificar fatos im-
portantes com relação às motivações de alguns internos não
estudarem, por exemplo, a pressão que muitos internos sofrem
dos companheiros de cela para não estudar, pois, na rotina
carcerária, estudar implica sair da cela e do bloco carcerário e,
salvo em caso de visita ou em caso de audiência, a saída não é
bem vista pela maioria dos internos. Esta constatação condu-
ziu a equipe de educação a elaborar estratégias de conscientiza-

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ção sobre a visão dos internos acerca dos processos educativos


ofertados para que o detento que deseje estudar não venha a
sofrer violência física ou simbólica por conta de sua decisão.
Os resultados tem sido favoráveis com o aumento de reclusos
nas atividades de educação formal e não formal e a aprovação
de internos que prestam os processos seletivos de Universidade
aumentando a cada ano.
Os convênios com empresas públicas e privadas foram
também um avanço na reinserção. Os internos que cumprem
os requisitos necessários são encaminhados à justiça para ob-
ter permissão e depois às Empresas para trabalhar de carteira
assinada e, cabe destacar, ganham o mesmo que os outros que
trabalham na empresa, pois, o objetivo é que estes não tenham
tantas dificuldades na obtenção de um emprego ao se tornarem
egressos do sistema penal. As empresas recebem incentivos fis-
cais ao contribuir com a reinserção.
Um dos projetos do NRS que vale frisar é o “Papo di-
Rocha” onde os internos visitam escolas e comunidades e dão
3

palestras sobre as dificuldades do cárcere para a pessoa e para


os familiares e do pós-cárcere em sociedade buscando que os
mais jovens tenham conhecimento de uma realidade desco-
nhecida para muitos.
Neste sentido é possível afirmar que o cunho da edu-
cação prisional no Pará atualmente é o de reinserção social,
uma vez que o interno (re)inserido socialmente passa a ser um
retorno social, pois mesmo com o que poder-se-ia conside-
rar um baixo percentual de internos envolvidos em atividades
educacionais – 16,5% - ao pensar na perspectiva que são 16,5%
de chances a menos de reincidir no crime cria uma possibili-
dade animadora.
Conclusões
Trabalhar a educação de jovens e adultos é um desafio
por conta de pensamentos pré-estabelecidos como “é de pe-
3 Fala regionalizada do Pará que significa “conversa séria”

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quenino que se torce o pepino” que revelam preconceito e des-


crença na possibilidade das pessoas aprenderem. No âmbito
carcerário, o desafio se torna maior, pois além de ser necessário
desenvolver processos junto aos internos, faz-se mister a cria-
ção de uma cultura de direitos humanos para a sociedade em
geral onde as pessoas se conscientizem que a educação é um
direito de todos, até mesmo de pessoas privadas de liberdade e
que o Poder Público não pode se isentar tampouco se omitir a
este compromisso.
Com um histórico tão marcado por descontinuidade,
preconceito, falta de investimento e de credibilidade, a Insti-
tuição Presídio tem não só a necessidade como obrigação de
trabalhar em cima da ressocialização das pessoas privadas de
liberdade nos processos de educação formal ou não formal
e desta forma garantir direitos fundamentais a estas pessoas.
Independente da pessoa é mister oportunizar acesso para estes
direitos e condições para tal.
O investimento em formação de profissionais, o de-
senvolvimento de projetos, a execução destes e continuidade
mostram que é preciso estar comprometido com formação hu-
mana das pessoas que estão inseridas nas políticas educacio-
nais carcerárias. A perspectiva freireana aponta neste sentido.
Da possibilidade de execução de ações que desenvolvam nos
indivíduos – educador e educando – a consciência de se pensar
como ser que pode contribuir na sociedade.
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AS TICS NAS SÉRIES INICIAIS DA EJA PARA


PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE EM
UNIDADES PENAIS DO ESTADO DO PARÁ

PASSOS, Kátia Regina Chagas dos1


Introdução
Segundo dados da Superintendência do Sistema Pe-
nal - SUSIPE/PA, em dezembro de 2012 haviam 10.989 pessoas
privadas de liberdade nas unidades penais do Estado do Pará.
Destes, 1.327 negros e 8.214 pardos. Com relação a escolarida-
de 7.718 (70,23%) não possuíam o Ensino Fundamental com-
pleto. Em relação a faixa etária, 6.387 (58,12%) eram jovens
entre 18 a 29 anos2.
Em dezembro de 2015 o número de pessoas encarce-
radas subiu para 12.896. Destes, 7.426 (57,58%) não haviam
concluído o Ensino Fundamental; 8.146 (63,17%) se denomi-
naram pardos e 2.358 (18,28%) se denominaram negros.3. Es-
tes dados revelam a cor, a classe social da população carcerária,
e demonstram ainda que a maioria das pessoas encarceradas
não tiveram garantia ao direito da educação.
1 Professora das Séries Iniciais da Rede Estadual de Ensino há seis
anos atuando na EJA em Unidades Penais da Região Metropolita-
na de Belém do Pará. Graduada em Pedagogia pela UEPA (1999)
e concluinte do Curso de Especialização em Educação de Jovens e
Adultos Privados de Liberdade da UFPA (2016).
2 Fonte: http://www.susipe.pa.gov.br/sites/default/files/RELAT
% C 3 % 9 3 R IO % 2 0 SU SI P E % 2 0 DE Z E M B RO % 2 0 2 0 1 2 . p d f .
Acesso em março de 2016.
3 Fonte: http://www.susipe.pa.gov.br/sites/default/files/DEZEMBRO
%202015%20-%20SUSIPE%20EM%20N%C3%9AMEROS.pdf

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No entanto, a necessidade de proteger a sociedade


da criminalidade dos pobres é uma construção histórica que
tem por gênese teorias “científicas” como afirma COIMBRA
(2006). Neste sentido, os dados acima parecem demonstrar
que pensamentos “científicos” da elite brasileira “fortalecem a
relação entre pobreza e criminalidade até os dias de hoje”. O
encarceramento parece ser uma atualização do movimento hi-
gienista do final do XIX e começo do XX como aponta a autora
Ao conceberem que vícios e virtudes são, em grande
parte, originários de ascendentes, o higienismo, alia-
do aos ideais eugênicos e à Teoria da Degenerescência
de Morel, vai afirmar que aqueles advindos de “boas
famílias” teriam naturalmente pendores para a virtu-
de; ao contrário, aqueles que traziam “má herança”
– leia-se os pobres – seriam portadores de “degene-
rescências”. Dessa forma, justifica-se uma série de me-
didas contra a pobreza. Esta passa a ser identificada e
tratada segundo o estágio em que se encontra. Rizzini
(1997) nos descreve os “pobres dignos” e os “viciosos”,
de acordo com uma escala de moralidade, preocupan-
do-se em advertir que para cada um serão utilizadas
estratégias diferentes. (p.5)

No século XXI, uma das medidas adotadas, a fim pro-


teger a sociedade, é a “prisão cautelar” KOENGI (2015, p. 333),
que segundo o autor, mantém encarceradas 41% do total da
população carcerária do país na condição de presos provisó-
rios, ou seja, sem condenação. Sobre a situação prisional no
Brasil o autor nos informa que:
Segundo dados do Levantamento Nacional de Infor-
mações Penitenciárias, do Departamento Penitenciá-
rio Nacional (DEPEN), em junho de 2014 o Brasil
contava com 607.731 pessoas presas, [...] que colocam
o Brasil em 4º lugar no ranking mundial de países que
mais encarceram. (p.334)

Os números do levantamento, como aponta o mesmo


autor, demonstram que entre 2008 e 2014 o nosso país foi o

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único, - dos quatro países que mais aprisionam no mundo, a


saber: Estados Unidos, China, e Rússia; no qual a taxa de en-
carceramento cresceu 33%.
O referido levantamento4, destaca KOENGI (2015, p.
335), “[...] mostra em 1990 o Brasil possuía 90.000 pessoas en-
carceradas e que em 2014 já eram mais de 600.000 (um cresci-
mento de 575%)”. A partir deste assombroso crescimento, ele
conclui:
[...] o grande encarceramento brasileiro não é um fe-
nômeno em desaceleração como nos demais países
com maior quantidade de pessoas presas, mostrando-
-se, pelo contrário, como um processo em franca ace-
leração, o que reflete na forte tendência a precarizar
ainda mais a situação prisional brasileira.(p. )

Neste cenário, vemos que em nosso país a prisão é re-


gra e não exceção, como estabelece o artigo 5º da Constituição
da República que diz: “Ninguém será levado à prisão ou nela
mantido quando couber liberdade provisória com ou sem fian-
ça” KOENGI (2015, p. 336). A prisão temporária de pessoas
não condenadas é desta forma uma condenação a priori.
Em 2010, quando iniciei meu trabalho de professora
na Unidade Penal Centro de Reeducação Feminino- CRF, des-
conhecia estes dados e estas reflexões. Contudo, minha inten-
ção sempre foi, e continua sendo, a de contribuir com o pleno
desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercício da
cidadania e a qualificação para o trabalho, como prevê o artigo
205 da Constituição Federal e o artigo 2º da LDB (artigo 2º).
Digo que continuo a ter o mesmo objetivo porque,
dentro das unidades penais, os assustadores números que gri-
4 Os dados são alimentados nas unidades penais no Sistema Inte-
grado de Informações Penitenciárias - InfoPen -INFOPEN, Pro-
grama de coleta de Dados do Sistema Penitenciário Brasileiro que
serve de base de dados para que o Departamento Penitenciário
Nacional - DEPEN, visualize a realidade penal brasileira. In: http://
portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMID598A21D892
E444B5943A0AEE5DB94226PTBRIE.htm

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Educação Popular em Debate
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tam neste texto se materializam em pessoas que olham nos


nossos olhos, que sorriem mesmo com poucos dentes, que
não têm roupa para ir à aula, que não têm visita, que choram
de saudade e faltam aula por tristeza “quando a prisão pesa”.
Na sala de aula os dados adquirem rostos, e neles há sorrisos,
lágrimas e histórias de vida. É então, quando estamos frente
a frente com os estudantes, que olhamos para eles com olhos
de esperança e desejamos que eles acreditem que é possível,
com resiliência, começar a agir na sua realidade e assim, como
sujeito de sua história, construir, quando chegar o tempo da
liberdade, uma vida com mais dignidade. Os números são pes-
soas de “carne, osso e coração” com toda a sua humanidade,
sentimentos e expectativas.
Letramento digital: Práticas sociais de leitura e escrita na
tela do computador
Após dois anos de várias tentativas em desenvolver
ações pedagógicas significativas juntos aos meus estudantes
das séries iniciais, os resultados em relação a aprendizagem
estavam longe de ser exitosos. Comprei alfabetário, jogos, ca-
dernos, patas, investi o quanto pude para conseguir avançar no
processo de aprendizagem de leitura e escrita.
A partir de agosto de 2012 decidi investir em equi-
pamentos tecnológicos, comprei um data show para uso no
trabalho, escrevi e apresentei à coordenação de Educação de
Jovens e Adultos da Secretaria de Educação do Estado do Pará-
CEJA/SEDUC, responsável pela oferta de educação nas unida-
des penais a partir do Convênio SEDUC/SUSIPE, a proposta
Letramento digital: Práticas sociais de leitura e escrita na tela do
computador.
Para fundamentar a proposta, desenvolvi pesquisas
na internet sobre o uso do computador na EJA e busquei, tam-
bém, conhecer as legislações que norteiam a oferta de educação
nas unidades penais. Foi importante realizar este levantamen-
to pois, encontrei autores importantes como Magda Soares e

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Emilia Ferreiro defendendo o uso do computador na EJA5.


Além destas reflexões, encontrei no documento Dire-
trizes Nacionais para a Oferta de Educação para Jovens e Adul-
tos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos
penais as seguintes orientações para a oferta de educação no
cárcere
Art. 2º As ações de educação em contexto de privação
de liberdade devem estar calcadas na legislação edu-
cacional vigente no país, na Lei de Execução Penal,
nos tratados internacionais firmados pelo Brasil no
âmbito das políticas de direitos humanos e privação
de liberdade, devendo atender às especificidades dos
diferentes níveis e modalidades de educação e ensino
e são extensivas aos presos provisórios, condenados,
egressos do sistema prisional e àqueles que cumprem
medidas de segurança.
Art. 3º A oferta de educação para jovens e adultos
em estabelecimentos penais obedecerá às seguintes
orientações:
I – é atribuição do órgão responsável pela educação
nos Estados [...]
II – será financiada com as fontes de recursos públicos
vinculados à manutenção e
desenvolvimento do ensino, entre as quais o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Bá-
sica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB), destinados à modalidade de Educação de
Jovens e Adultos [...]
III – estará associada às ações complementares de
cultura, esporte, inclusão digital, educação profissio-
nal, fomento à leitura e a programas de implantação,
recuperação e manutenção de bibliotecas destinadas
ao atendimento à população privada de liberdade, in-
clusive as ações de valorização dos profissionais que
trabalham nesses espaços; (2010,p. 02, grifos nosso)
5 Emília Ferreiro defende o uso do computador na EJA no vídeo O
computador pode ser um grande aliado da alfabetização de adultos
que é parte do Programa de Formação de Professores alfabetizado-
res da TV PUC São Paulo. Disponível em:< https://www.youtube.
com/watch?v=5nKv1mcRqQE>. Acesso em 05 de agosto de 2012.

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Ao associar a educação formal às ações de inclusão


digital, a resolução que estabeleceu as Diretrizes para a Educa-
ção nos Estabelecimentos Penais brasileiros corrobora para a
efetivação da função do encarceramento, prevista no artigo nú-
mero 59 (cinquenta e nove), das Regras Mínimas Padrão para
o Tratamento de Prisioneiros contidas nas Normas e Princípios
das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Crimi-
nal que diz:
A finalidade e a justificativa de uma sentença de en-
carceramento ou de uma medida similar privativa de
liberdade destinam-se principalmente a proteger a
sociedade contra o crime. Esse fim só pode ser alcan-
çado se o período de encarceramento for usado para
assegurar, na medida do possível, que no seu retorno
à sociedade o infrator não somente queira, mas tam-
bém seja capaz de seguir uma vida de acordo com a
lei e de prover suas próprias necessidades. (2001, p.24,
grifo nosso)

Ao introduzir a inclusão digital, estamos através do


uso qualificado do computador, mantendo o estudante priva-
do de liberdade em contato com o mundo exterior, uma vez
que o “Celebro Eletrônico”6 é uma ferramenta fundamental na
sociedade do conhecimento, devendo, portanto, ser utilizado
para que, no tempo de cumprimento da pena, o estudante pos-
sa dominar esse recurso tecnológico para que, como nos fala
BRETAN e VILLAR (2011), as ações educativas ajam como
[...] poderosos instrumentos para a elevação da auto-
-estima do recluso, promovendo seu fortalecimento
psíquico e proporcionando a oportunidade de re-
flexão sobre suas escolhas anteriores, favorecendo a
construção de novos projetos de vida para o futuro.

Estas possibilidades são importantes principalmente


porque a Educação de Jovem e adultos - EJA, tem por obje-
tivo reparar, com equidade e de forma qualificada, a negação
6 Referência á canção de Gilberto Gil que reflete e nos lembra da su-
premacia dos seres humanos sobre os computadores

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do direito à Educação; ofertar formação continuada, incluindo


todos os jovens e adultos que, como ressalta o parecer sobre as
Diretrizes da EJA,
[...] tiveram uma interrupção forçada seja pela repe-
tência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportuni-
dades de permanência ou outras condições adversas,
deve ser saudada como uma reparação corretiva, ain-
da que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando
aos indivíduos novas inserções no mundo do traba-
lho, na vida social, nos espaços da estética e na aber-
tura dos canais de participação. (2000, p.09)

Neste sentido, a proposta de utilizar as Tecnologias de


Informação e Comunicação, busca resignificar o processo de
alfabetização. Uma vez que aprender a ler e escrever o mundo,
tendo como suporte o computador, agrega dois novos conhe-
cimentos: o letramento e a inclusão digital. Assim, unindo es-
tas aprendizagens, oportunizamos práticas de leitura e escrita,
suportadas pelos recursos tecnológicos, que trouxeram para a
sala de aula a possibilidade de produção autoral de textos com
ilustrações.
As produções d@s Estudantes a partir das lições da
Pedagogia da Autonomia
1ª Lição: educar exige ensinar a conhecer e produzir
conhecimento
O educador Democrático não pode negar-se o dever
de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crí-
tica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão.
Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os
educandos a rigorosidade metódica com que devem
se aproximar dos objetos cognoscíveis. (FREIRE,
2002, p.13)

O primeiro ano de desenvolvimento do trabalho de


Letramento Digital aconteceu no Centro de Reeducação do
Coqueiro - CRC. Lá, as atividades realizadas junto aos estu-

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dantes em processo de alfabetização resultaram na produção


de pequenas frases ilustradas sobre os temas Violência contra
Mulher e Lei Maria da Penha7. Vale destacar que três dos cinco
estudantes da minha turma, estavam cumprindo pena por atos
de violência doméstica e/ou sexual. Este fator dá uma grande
relevância ao trabalho, visto que as atividades de educação nas
unidades penais diminuem o tempo da pena e visam contri-
buir para que, ao voltar à sociedade, a pessoa “[...] seja capaz de
seguir uma vida de acordo com a lei [...]”, como já destacamos
antes sobre a função do aprisionamento.
A proposta de trabalho sobre os temas já citados foi,
inicialmente, com a apresentação do vídeo “Acorda, Raimun-
do... Acorda” 8 que discute a naturalização das identidades de
gênero construídas socialmente. Em seguida, li para os estu-
dantes alguns artigos da Lei Maria da Penha, e, após as leituras,
apresentei aos mesmos algumas imagens pesquisadas na inter-
net, que demonstravam as várias formas de violência domésti-
ca contra as mulheres. E, a partir disso, em grupo, eles escolhe-
ram imagens e construíram frases sobre estas imagens. Depois
eles digitaram as frases, inseriram as imagens e apresentaram,
no final do ano letivo de 2012, que terminou em fevereiro de
2013, os slides a seguir:

7 Os estudantes avançaram do nível silábico alfabético para alfabético


e apesar de uma certa resistência, com o tempo, passaram a utilizar
a ferramenta de correção de texto como indicação de que a palavra
digitada não estava escrita de forma correta. Este fedback imediato
potencializou a aprendizagem da escrita de palavras.
8 Vídeo “Acorda, Raimundo..... Acorda!” (1990), IBASE, Relações Sociais de Gênero. Disponível em: < https://www.
youtube.com/watch?v=HvQaqcYQyxU>. Acesso em janeiro de 2012.

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Estudantes
• C. B. de Queiroz
• F. da S. Azevedo Vamos Parar
• J. V. dos Santos com a Violência contra a mulher
• L. I. da Silva CRC- Centro de Recuperação do
• R. G. F. Coqueiro
• Professora Kátia Passos
Janeiro de 2013

A família unida A mulher foi feita para ser tratada


nunca será com carinho. Quem ama não bate.
vencida.

J. V. dos Santos

L. I. da Silva

Dessa forma, com a produção de atividades suporta-


das pelo computador, nossas aulas tornaram-se momentos de
reflexão sobre a leitura, a formação e a escrita das palavras, a
partir da produção de frases e debates sobre a construção so-
cial das desigualdades de gênero e o direito de todas as pessoas
de serem tratadas com respeito, independente de cor, religião,
opção sexual ou condição de prisão.
Concluindo esta primeira lição, lembro-me com ale-
gria da resposta que um dos estudantes, o mais velho e o que
apresentava maior dificuldade de aprendizagem, deu ao seu
colega quando o mesmo tinha feito o seguinte comentário em
relação ao seu comportamento: - preto quando não suja na en-
trada, suja na saída. Então, ele olhou para o colega e respon-
deu: - Eu só não mando te prender, porque tu já está preso!
Neste momento, todos nós rimos muito e por um instante senti
o peso do encarceramento se desfazer por causa da reflexão
correta que o estudante mais vulnerável deu sobre o crime de
racismo.

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2ª Lição: ensinar exige pesquisar, anunciar a novidade e


valorizar as experiências e saberes dos educandos

[...] Enquanto ensino, continuo buscando, reprocu-


rando. [...] Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREI-
RE, 2002, p.16)

No ano letivo de 2013, quando fui transferida para a


Ilha de Mosqueiro9, além da produção do vídeo “Despertar”
10
, os estudantes do Centro de Recuperação de Mosqueiro -
CRMO, viram muitos vídeos motivacionais e o mesmo filme
que os estudantes anteriores viram sobre a Condição Femini-
na. Contudo, neste segundo ano de trabalho os estudantes es-
creveram sobre suas histórias de vida e também pesquisaram,
leram, construíram e apresentaram slides sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e a Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos. Os slides abaixo evidenciam a presença do tra-
balho infantil nas histórias de vida:

9 Minha permanência no CRC foi inviabilizada devido ter informa-


do ao diretor da unidade penal uma situação de violência sofrida
por um dos meus estudantes, desde o início do segundo semestre
de 2012. O que resultou em mais uma agressão sofrida pelo mesmo,
que foi espancado pelos outros internos com uma toalha molhada
para não deixar marcas. Em seguida, orientada pelo coordenador da
SEDUC, entreguei um relatório sobre o ocorrido ao Defensor Públi-
co da unidade penal, o que impulsionou a minha saída (a contragos-
to).
10 Resultado da oficina de Vídeo do Projeto Biizu da Secretaria de Co-
municação do Estado do Pará. Disponível em: < https://www.youtu-
be.com/watch?v=R540CQSY1AU>.

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História de Vida
Trabalho Infantil dos educandos
A. Lima Barros C. A. Fonseca Moura
• Meu primeiro trabalho foi aos • Eu Carlos André já
doze anos de idade na roça trabalhei com capina
com os meus irmãos. Depois
passei a trabalha como de quintal e ajudante
ajudante de pedreiro, mas de pedreiro. Eu tinha
antes de trabalhar o meu
irmão mais velho falava para 12 anos de idade no
mim trabalhar só depois que tempo em que meu pai
eu terminasse o meu estudo.
Meu irmão mais velho até foi preso e eu tive que
pagava aula particular só para ficar com meus irmãos.
não me ver trabalhando Foi por isso que eu
porque ele queria um futuro
melhor para mim . parei de estudar .

Histórias de Vida
J. L. Vieira de Sousa
• Com 8 anos comecei a trabalhar
vendendo frutas para ajudar em casa. A
primeira dificuldade foi a vergonhar e
depois com doze anos comecei
trabalhar para meu pai que era mestre
de obras foi muito pesado a minha mão
ficou só calo e meu pai ficou
preocupado.

Meu trabalho
• Meu nome é Bruno meu primeiro trabalho foi vender
churrasco com meu pai nesse tempo eu tinha 12 anos de
idade, foi também no tempo que comecei a estudar
devido a esse trabalho eu parei os estudos para ajudar
meu pai na venda que era no mesmo horário das aulas
e não tinha como eu estar na escola e no trabalho ao
mesmo tempo.
• As dificuldades eram grandes eu tinha que trabalhar
para ajudar na alimentação, eu também trabalhei como
ajudante de pedreiro, pescador e também na roça .
• Na roça eu sofria um pouco saia pra trabalhar as 7 horas
da manhã e retornava as 5 horas da tarde é um trabalho
muito cansativo mas honesto e todo final de semana eu
estava com meu dinheiro no bolso. Já a pescaria eu
gostava, conheci muitas cidades diferentes e me divertia
muito e da dinheiro também .

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Assim, o trabalho no CRMO foi muito gratificante,


pois, ao final do ano havíamos realizado, além da oficina de
vídeo, uma oficina de grafitagem11, que teve como temática
os direitos previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente -
ECA. Esta ação reforçou a pesquisa sobre o tema realizada em
revistas de História em Quadrinhos12 e coloriu a nossa sala de
aula, usada também, nos dias de sexta feira, para a realização
das visitas dos filhos dos internos.
Figura 1 - Vista da sala de aula durante a oficina de grafitagem

Fonte: extraída do meu arquivo pessoal, 2013.

Dessa forma, no final do ano, cada estudante digitou


seu Currículo Vitae com as três oficinas ofertadas durante o
ano; a saber: a de vídeo, grafitagem, e a de perfume e sabonete
líquido.
No mais, com a necessidade de contextualizar um
trabalho sobre a criação da Declaração Universal dos Direitos
11 Oficinas ofertadas na unidade penal através do Projeto Biizu da
Secretaria de Comunicação do Estado do Pará. Ver: http://www.
secom.pa.gov.br/site/biizu/
12 Revista da Turma da Mônica- “Trabalho Infantil nem de Brincadeira”.
Disponível em: < http://turmadamonica.uol.com.br/quadrinhos/>.
E a cartilha “Direitos Humanos” do Ziraldo. Disponível em:
<http://www.turminha.mpf.mp.br/multimidia/cartilhas/Cartilha
Ziraldodireitoshumanos.pdf/view>.

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Humanos, através de um recurso áudio visual, a fim de fazê-los


compreender o que motivou e a importância deste documento,
busquei um filme dublado em português que falasse sobre a
segunda guerra mundial. E encontrei o filme Cinzas de Guer-
ra (2001), que conta a história de um campo de concentração
onde o exercito alemão cometeu muitos crimes durante a se-
gunda guerra mundial. Os estudantes demonstraram-se im-
pactados com as práticas do exercito alemão para o extermínio
dos judeus.
3ª Lição: ensinar exige apreender a realidade

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social


e historicamente, nos tornamos capazes de aprender.
Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais
rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender
para nós é construir, reconstruir, constatar para mu-
dar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventu-
ra do espírito. (FREIRE, 2002, p. 28)

No ano letivo de 2014, exerci a docência em uma


turma de segunda etapa no Centro de Reeducação Feminino
- CRF. Na oportunidade, introduzi às atividades já desenvolvi-
das nos anos anteriores a análise de gráficos sobre a violência
contra as mulheres contido no Mapa da Violência. O traba-
lho com os gráficos foi utilizado como material informativo
na semana da Consciência Negra, uma vez que a situação dos
homens e das mulheres negras são mais graves em relação a
mortes violentas e violência domestica.
Assistimos os filmes A Guerra do Fogo (1981), de
Jean-Jacques Annaud; a tribo da Caverna do Urso (1986) de
Michael Chapman; e Erin Brockovich - Uma Mulher de Ta-
lento (2000), de Steven Soderbergh. E, depois dos diálogos so-
bre a construção histórica da condição feminina, as estudantes
digitaram histórias que elas viveram ou que conheciam sobre
violência doméstica.

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Contudo, para o trabalho de produção dos textos, uti-


lizei ainda a sensibilização sobre o tema a partir dos filmes e
pedi que, após, a digitação dos textos produzidos, elas me dis-
sessem quais as imagens que queriam que eu trouxesse para
ilustrar o trabalho. Abaixo, escolhi os slides das duas estudan-
tes mais velhas da turma que evidenciam a realidade na qual as
mesmas vivem e a mudança de postura demonstrada em um
dos textos:

• Vou contar uma historia para


vocês sobre uma amiga minha Belém, 10 de
que aconteceu com, ela teve março de 2015
um relacionamento muito
violento com um homem. Ele
espancava muito ela deixava
ela trancada no cadeado, ele
era muito violento, quando ele
chegava do trabalho a
espancava e ela vivia toda
rocha e ela não podia falar
com ninguém que ele batia e
deixava ela trancada e ia
embora.
• Estudante: A. C. Monteiro

Belém, 11 de março de 2015


• Eu passei por violência
com meu marido, ele
chegava porre e me batia,
teve uma vez que ele chegou
me bateu que tirou sangue
da minha cara. Eu não
denunciei porque ele
ameaçava e eu ficava calada,
mas se fosse hoje eu
mandava prende ele.
Assinado: Sebastiana

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Considerações finais
Ao considerar as motivações que me levaram às refle-
xões deste relato de experiência e as lições apresentadas como
ponte de conjecturas sobre o trabalho proposto e o ali desen-
volvido, faz-se necessário algumas ponderações sobre o fazer
pedagógico nas unidades do Sistema Penal, na proposta de
uma educação para pessoas privadas de liberdade, bem como
as condições encontradas e enfrentadas para que este fazer al-
cance seu objetivo.
Entre os pontos a serem destacados, posso citar como
principal desafio na busca de uma educação emancipadora
para os estudantes privados de liberdade da Rede Estadual de
Ensino, numa perspectiva de educação suportada pelo uso das
Tecnologias da Informação e Comunicação, a falta de apoio
institucional para que o trabalho possa ser concretizado. Visto
que mesmo tendo apresentado um projeto voltado para o Le-
tramento Digital, nos anos de 2012 a 2015, visando alcançar
todas as turmas da unidade em que atuava; mesmo tendo con-
seguido os computadores para por em prática tal projeto, atra-
vés de parceiros de outras instituições; mesmo assim não foi
possível, ainda, concretizar tal projeto. Ficando restrito, assim,
o trabalho apenas a turma aonde atuo como docente e dentro
de minhas possibilidades.
Portanto, posso dizer-me feliz por ter conseguido
realizar tais ações voltadas para as TICs e/ou através destas,
nas lições apresentadas com os estudantes. Mas acredito que,
como educadora e vendo a educação como um meio de trans-
formar tais realidades já apontadas desses estudantes privados
de liberdade, ainda é preciso fazer mais. Ainda necessitamos
da efetivação das orientações contidas nas Diretrizes Nacionais
para a oferta de Educação para Jovens e Adultos em situação de
privação de liberdade nos estabelecimentos penais, entre elas
destaco a associação da oferta de educação à ações de inclusão
digital e a valorização dos educadores; bem como, a transpa-
rência em relação aos recursos destinados a oferta de educação

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nas unidades penais, a partir da publicização dos mecanismos


para transferência de recursos, descritos no Plano Estratégico
de Educação no âmbito do Sistema Prisional; apoio institucio-
nal quanto à formação continuada, espaço e estrutura ofere-
cidos para o trabalho docente e discente, como alimentação
escolar, material didático especialmente produzido para este
público, etc; a elaboração coletiva e execução de um Projeto
Político Pedagógico que atenda as especificidades das unidades
penais para a oferta da educação para privados de liberdade,
entre outros.
Finalizo pontuando que a inclusão digital é um novo
direito, posto que é uma nova necessidade para a exercício ple-
no da dignidade humana como explica GONÇALVES (2011)
“Há sempre um direito novo quando há valores culturais cria-
dos e vivenciados socialmente”(p. 59). O autor localiza a inclu-
são digital como um direito, pois para ele
Não se concebe o direito como uma essência inerte,
O Direito, mas como algo sempre em construção, em
constante mudança, com lutas e desafios”. [...] As mu-
danças estão acontecendo dentro e fora do direito,
pois as necessidades humanas estão sempre sendo al-
teradas pelas práticas históricas, sociais, econômicas,
culturais e tecnológicas.(p. 12)

Assim, cabe a nós, enquanto educadores, sujeitos ati-


vos nesse processo de efetivação de direitos, persistir para que
nossa prática pedagógica cumpra o seu papel de resignificar
o dia a dia desses educandos privados de liberdade, trazendo
para o trabalho no cárcere novas possibilidades, outros olhares
possíveis através das TICS e da inclusão digital, como propos-
tas para uma real possibilidade de integração destes ao mundo
externo, quando for o momento da reinserção social.
Referências Bibliográficas
BONILLA, Maria Helena Silveira, COELHO, Lívia
Andrade. Não sei ler, logo, não posso usar o computador?

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Alfabetização e letramento digital no contexto da EJA.


Disponível em<http://www.moodle.ufba.br/file.php/2/
Alfabetiza_o_Letramento/Nao_sei_ler_logo_nao_posso_
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agosto de 2011.
BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça.
Normas e princípios das Nações Unidas sobre prevenção ao
crime e justiça criminal / Organização: Secretaria Nacional
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BRETAN, Maria Emilia Accioli Nobre; VILLAR, MARIA
CLÁUDIA CAPUANO (consultoras). Manual de Tratamento
Penitenciário Integrado para o Sistema Penitenciário
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Pena. Projeto PNUD BRA 05/038 MODERNIZAÇÃO DO
SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL. Ministério da
Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Diretoria
do Sistema Penitenciário Federal. Brasília 2011. Disponível
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COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Direitos Humanos
e Criminalização da Pobreza. In: http://webcache.
googleusercontent.com/search?q=cache:jkLj3h0sOlQJ:www.
slab.uff.br/images/Aqruivos/textos_sti/
Cec%25C3%25ADlia%2520Coimbra/texto54.
pdf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=brConselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica. Parecer homologado

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nº 11/200 sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para


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KOENIG, Vladimir. A Audiência de Custódia como
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Temos mais a Comemorar ou a Refletir? In: OLIVEIRA. Anna
Claudia Lins (Org.). Segurança Pública e Justiça: Direitos
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Disponível em:< http://www.justica.gov.br/noticias/mj-
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SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita:
letramento na cibercultura. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/es/v23n81/13935.pdf>. Acesso 24 de 08 de 2011.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

ENCONTRO DE DIRETORES DO
ENSINO NOTURNO – EDEN: GESTÃO DA
APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS NA SEMED – MANAUS/AM

SOUSA, Maria Rosália Melo de 1


ROMÃO, Rosicleide Vieira 2
RODRIGUES, Sônia Serrão3

Encontro de Diretores do Ensino Noturno – EDEN:


Gestão da Aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos na
SEMED – Manaus/AM
Gerir uma escola é uma tarefa bastante complexa, en-
volve diferentes áreas e funções burocráticas educacionais ex-
tremamente importantes, entre estas, a excelência. A qualidade
da educação se determina pela competência de seus profissio-
nais (humana e profissional) e em oferecer para seus estudantes
e a sociedade em geral, experiências educacionais capazes de
promover o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades
e atitudes necessárias ao enfrentamento dos desafios vivencia-
dos em um mundo globalizado, tecnológico, orientado por um
acervo cada vez maior e mais complexo de informações e pela
busca da qualidade em todas as áreas de atuação.
1 Graduada em Pedagogia, Especialista em Gestão Educacional e
Coordenação Pedagógica. Assessora Pedagógica da SEMED – MA-
NAUS. rosalia_melo@yahoo.com.br.
2 Graduada em Administração com Ênfase em Gestão da Inovação.
Especialista em Gestão Escolar. Assessora Pedagógica da SEMED –
MANAUS. rociromao@hotmail.com
3 Graduada em Pedagogia. Especialista em Gestão Educacional. As-
sessora Pedagógica da SEMED – MANAUS. soniaserraotutora@
hotmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

E quando se trata de Educação de Jovens e Adultos e


turno noturno a complexidade aumenta. Os responsáveis por
gerenciar todo esse processo, os diretores escolares, precisam
estar capacitados, atualizados e aptos para exercerem com ex-
celência a gestão de suas escolas.
A escola é uma organização social constituída e feita
por pessoas. Esse processo, por sua complexidade, dinâmica
e abrangência, demandam uma gestão específica que envolve
a articulação entre concepções, estratégias, métodos e con-
teúdos, assim como demanda esforços, recursos e ações, com
foco nos resultados pretendidos. Esse processo de articulação
representa a gestão pedagógica ou da aprendizagem que é res-
ponsável por orientar o melhor caminho para superação de di-
ficuldades e desafios visando sempre a melhoria contínua dos
processos pedagógicos voltados para a aprendizagem e forma-
ção dos estudantes.
Como a função principal da escola é ensinar, a ges-
tão pedagógica deve ser o foco central da instituição e preci-
sa contar com o bom funcionamento dos demais eixos para
funcionar com a qualidade que precisa. Uma escola de sucesso
é aquela na qual seus estudantes expandem seus horizontes e
desenvolvem competências necessárias para a vida e, para que
essa excelência seja alcançada, a instituição precisa de profis-
sionais bem qualificados em sua equipe, incluindo o diretor.
O empenho em promover ensino e aprendizagem de
qualidade no ensino noturno perpassa, principalmente, por
resultados de sucesso na aprendizagem, para tanto, uma das
dimensões a ser trabalhada é a articulação justa, equilibrada e
harmoniosa da direção escolar. Neste sentido, a tríade, acesso,
permanência e sucesso, é condição sine qua non, para ocupar
os diretores escolares e sua equipe administrativa e pedagógi-
ca. Desta, o aspecto da permanência tem sido em grande par-
te, demanda de energia, tempo e mobilização de intervenções
pedagógicas, na busca incessante de aumentar a permanência
do estudante da Educação de Jovens e Adultos, no turno no-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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turno no município de Manaus. Daí a gênese de promover o


Encontro de Diretores do Ensino Noturno.
Este projeto trata principalmente da mobilização de
diretores escolares que atuam com a Educação de Jovens e
Adultos, no ensino noturno, para que uma vez que consigam
refletir, responsabilizar-se e empenhar-se em processos de ges-
tão compartilhada, possam aderir, intervir e apoiar ações pe-
dagógicas intervenientes para a permanência destes estudantes
e, assim, colaborar para seu sucesso escolar ao longo da vida.
Sendo assim, sensibilizar os gestores para o desen-
volvimento e o acompanhamento de ações pedagógicas volta-
das para a valorização do ensino e da aprendizagem no turno
noturno é o objetivo principal deste projeto que se desmem-
bra em outros mais específicos como: sensibilizar os diretores
quanto à importância de seu comparecimento no ambiente
escolar no turno noturno, pois observou-se que muitos dire-
tores não estendiam sua jornada de trabalho até o turno no-
turno, delegando essa função ao pedagogo ou a outro profis-
sional da escola; promover momento de reflexão e interação
sobre o trabalho pedagógico desenvolvido pelos educadores
do ensino noturno; apresentar resultados alcançados a partir
da realização de ações direcionadas para o aumento do índice
de aprovação, bem como a redução dos índices de abandono
durante o ano letivo; refletir sobre a relação entre liderança X
inteligência emocional e seus reflexos no contexto escolar con-
tribuindo para o exercício da gestão educacional e o sucesso
coletivo; analisar as implicações e perspectivas da Avaliação do
Desempenho do Estudante – ADE para a Educação de Jovens e
Adultos, avaliação esta patrocinada pela secretaria de educação
para o ensino fundamental do diurno; alcançar a excelência do
ensino e da aprendizagem no turno noturno por meio do estu-
do e análise dos indicadores de qualidade na EJA.
Identidade, Intenções e Abrangências
O turno noturno é um tempo de ensinar e aprender
com características próprias, pois é um turno que historicamen-

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te e culturalmente, se tornou objeto dos estudantes de maioria


etária de jovens, adultos e idosos. Mesmo que, atualmente, se
possa descobrir demandas ocultas e até reprimidas de jovens e
adultos dispostos e disponíveis para estudar no turno diurno
na modalidade de EJA, se têm mantido ao longo dos tempos,
em Manaus, a oferta e a demanda majoritária para este tur-
no da noite. Este fenômeno é complexo e se remete a questões
históricas, culturais, econômicas e socioambientais da cidade,
interferindo também, na estrutura e no funcionamento escolar
e consequentemente, na rotina e no planejamento escolares.
Neste sentido vejamos que a SEMED, enquanto rede
pública de ensino precisa também, fortalecer sua rede de traba-
lho educativo com os diretores, promover a integração, a par-
tilha de saberes, a reflexão sobre os avanços e possibilidades de
manter o estudante aprendendo até o final do ano letivo, com
oportunidades de sucesso e avanço escolares. Pois, segundo Li-
bâneo (2003), a atividade profissional do diretor possui uma
natureza pedagógica que se vincula a objetivos educativos de
formação humana e a processos metodológicos e organizacio-
nais de transmissão e apropriação de saberes e modos de ação.
Então é pertinente compreender de que forma a ação
do diretor, colabora nestes processos pedagógicos de ponta; que
intervenções administrativas de gestão precisam ser realizadas
para dar suporte ao trabalho pedagógico de modo a favorecer
o ambiente escolar. Daí partimos em identificar as oportuni-
dades de mediação e articulação via direção nesta campanha
de manter o estudante também comprometido, empenhado e
motivado nos estudos.
Notadamente, podemos observar com base nos dados
de aprovação dos últimos cinco anos (2011 a 2015), as varia-
ções nos índices de aprovação e de permanência de estudantes
de EJA, no município de Manaus de acordo com o Sistema In-
tegrado de Gestão Educacional do Amazonas – SIGEAM.
No ano de 2011, o turno Noturno apresentou o quan-
titativo de 14.519 alunos matriculados, inclusive alunos do

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Programa Municipal de Escolarização do Adulto e da Pessoa


Idosa – PROMEAPI. Neste ano observou-se um decréscimo
na matrícula, se tomarmos em conta os anos anteriores. Des-
tes, 40,76% foram aprovados, 12,05% ficaram retidos e 47,19%
foram de abandono. O número de abandonos aumentou muito
em relação ao ano anterior.
Em 2012 houve um aumento considerável no quan-
titativo de alunos matriculados, contou com 24.652 alunos.
O índice de aprovados foi 56,11%, 15,60% de reprovados e
28,29% de abandono. Percebe-se uma significativa redução no
percentual de abandono.
No ano de 2013 este número de matrículas continuou
aumentando com um total de 26.209 alunos, sendo 59,59% de
aprovados, 14,19% de reprovados e 26,22% de abandono, neste
ano observa-se redução nas taxas de reprovação e abandono e
consequentemente um aumento no índice de aprovação.
Em 2014 o número de matrículas volta a cair totalizan-
do 23.158 matriculados. O índice de aprovação aumenta para
62,83% e o abandono diminui totalizando 20,72%, no entanto,
apesar da melhoria nas taxas de aprovação e abandono há uma
elevação no índice de retenção com um total de 16,45%.
Em 2015 o número de entrada continuou a diminuir,
totalizando apenas 15.440 matriculados. Os índices estabelece-
ram-se em 52,05% de aprovação, 20,64% de reprovação e 27,31
% de abandono.
Partindo destes indicadores, entendemos que a orga-
nização do trabalho do diretor é muito relevante, também, na
gestão do processo de aprendizagem.
Na medida em que a coesão entre diretores, a supera-
ção dos pontos fracos e a manutenção e progresso de seus acer-
tos, concorrem para manter também a equipe escolar focada e
diligente no trabalho pedagógico, de modo a elevar resultados
de aprovação e colaborar para que os estudantes que permane-
çam na escola recebam educação pública de qualidade e sejam
promovidos e emancipados.

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Uma vez que os diretores estejam cada vez mais dire-


tamente envolvidos também com a gestão da aprendizagem, é
mais possível que a equipe escolar se direcione na práxis pe-
dagógica que respeite a realidade do estudante de EJA e assim,
também ele, avance em seus estudos. Nestes encontros tam-
bém os diretores podem aprender pelo princípio freireano do
diálogo com seus pares; refletir e definir ações em resposta
aos cenários complexos do turno noturno, apoiar com clareza
as iniciativas pedagógicas de sua equipe; delegar com melhor
pertinência as funções e atribuições de seus dirigidos; dividir
as consequências dos erros e falhas, bem como o orgulho dos
acertos e vitórias escolares dos estudantes.
Freire (2005) nos ensina que:

[...] A educação é uma forma de intervenção no mun-


do [...] O sujeito que se abre ao mundo e aos outros
inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se
confirma como inquietação e curiosidade, como in-
conclusão em permanente movimento na História (p.
56).

O diretor do ensino noturno tem demandas carac-


terísticas que exigem cuidados específicos: a heterogeneidade
dos estudantes de EJA; o horário de funcionamento com gar-
galos e entrada e saída, além do intervalo de merenda; das in-
terferências vindas dos contextos do mundo do trabalho ou da
sua ausência na vida dos estudantes; das condições de trabalho
dos professores; da (in)segurança versus violência pública; das
relações com o entorno escolar e articulação com a comunida-
de do bairro; da mobilidade urbana, entre outras.
Libâneo (2013) com sua discussão sobre modalidades
de gestão e a organização da escola aponta caminhos para que
o diretor de escola possa enfrentar as novas exigências da so-
ciedade brasileira, que são creditadas à escola, como por exem-
plo: os problemas da violência; da droga; que prepare melhor o
aluno intelectualmente para colocá-lo em melhores condições

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de enfrentar a competitividade; que gerencie a escola com par-


cimônia; que trabalhe coletivamente etc.
A SEMED – Manaus/AM em seu organograma possui
três subsecretarias (administração e finanças; infraestrutura e
logística; gestão educacional), sendo esta última subdividida
em dois departamentos (departamento de gestão educacional e
departamento geral de distritos). Este último está subdividido
em sete Divisões Distritais Zonais, nas diversas abrangências
territoriais da cidade, bem distintas e, mesmo em cada uma,
diversidades dentro de si mesmas.
Metodologia
O EDEN se direciona tanto a gestão de processo
quanto a de pessoas, fortalecendo o serviço de educação pú-
blica municipal. É uma ação que intermedeia a função peda-
gógica da escola, mas e por isso também é relevante para a
aprendizagem e dispende recursos de pequena envergadura, a
saber: o de mobilização; de articulação e comunicação interna;
de pessoal especialista; de equipe de acompanhamento e con-
trole de ações; de registro e divulgação; de reconhecimento e
premiação de êxitos.
Está estruturado para ser realizado em dois momen-
tos de encontros entre todos os diretores da Rede Pública Mu-
nicipal de Ensino de Manaus, um em cada semestre letivo. Em
auditório para 150 pessoas, estimando a presença de direto-
res das 83 escolas que atuam neste turno, chefias, convidados
e equipes de trabalho. Seu funcionamento está previsto em 3
horas de duração, das 18h às 21h (vide programação em ane-
xo). O acompanhamento sistemático do EDEN se dará através
de controle da presença com meta de participação de todos os
diretores das escolas municipais de Manaus que atuam com
EJA, no turno noturno; participação de todos os diretores na
palestra, na apresentação das práticas exitosas, na enquete so-
bre gestão da aprendizagem e na avaliação escrita do evento. A
seguir o plano de ação do Evento (fig. 01).

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Nº ATIVIDADE PERÍODO RESPONSÁVEL(IS)


Weyder, Sônia, Rosália
01 Elaboração do PROJETO 09 a 16/03
e Roci
Memos:
Reserva de auditório
02 01 a 09/03 Sufia
Cerimonial – cerimonialista e Serviço de som
Comunicação
Convite – Assíria
Flyer – Roci
Elaboração de convite, flyer, release e programa-
03 01 a 09/03 Release – Sônia e Roci
ção.
Programação – Sônia
e Roci
04 Ajuste no Selo Aprendiverso 07 a 09/03 Roci/Augusto
Envio de memo, para o DEAFIN, solicitando a
05 09 a 11/03 Sufia
confecção de faixa, banner e Selo Aprendiverso.
Envio dos Convites aos chefes de Dpto, Divisões
e Gerências.
07 enviar via email às DDZs e convite físico ao 09 a 11/03 Roci/Sufia
DEGD para encaminhamento às Divisões Dis-
tritais
Solicitar fotos de espaços diversificados para
08 09 a 11/03 Roci/Comunicação
construção do vídeo.

09 Elaborar o vídeo dos espaços diversificados. Ricardo

10 Revisar o vídeo institucional de 2015. Ricardo

Reunião da GEJA com os chefes de DDZs para


solicitar:
11 o lanche; 17/03 Weyder
slides com 5 (cinco) ações de Gestão com resulta-
dos de êxito na aprendizagem escolar.
12 Reunião da GEJA com o 2º palestrante. Weyder

13 Ornamentação do lugar (faixa e banner) 29/03 Rosália, Sônia e Roci

14 Serviço de Lanche (arrumação do local) 29/03 Rosália, Sônia e Roci

Recepção dos convidados, entrega da programa- Sônia Bezerra, Assíria,


15 29/03
ção e frequência. Magna e Clélia
Assistente de palco (cerimonial passagem de som,
16 29/03 Júlio e Ricardo
data show)

17 Acompanhar a Assessoria de Comunicação. 29/03 Sônia Serrão

18 Assessor de mídias (passar os slides no notebook) 29/03 Júlio


19 Registro fotográfico 29/03 Ricardo
Fig. 01 – Plano de Ação do XI EDEN 2016.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Resultados
Fazendo uma retrospectiva dos últimos cinco anos,
os índices percentuais apontavam uma realidade preocupante,
onde o vilão personificado na figura do abandono escolar, algo
em torno de 47% no ano de 2011, tendia a manter-se estável.
Então era preciso uma tomada de ação por parte da secretaria
de educação que não podia assistir a tudo de braços cruzados.
Inúmeros grupos de estudo sobre a problemática do Ensino
Noturno, seu público alvo, que corresponde à figura do jovem
estudante trabalhador, foram criados nas diferentes zonas dis-
tritais objetivando uma tomada de decisão.
Assim nesse período surge o EDEN. Os primeiros
encontros de diretores faziam parte de um projeto maior di-
recionado ao turno noturno, onde havia várias ações voltadas
para alunos, professores e gestores. Então o EDEN tinha como
público alvo os diretores das escolas que atuavam no turno no-
turno, que não apresentava bons resultados, do ponto de vista
estatístico. Os diretores não queriam esse turno em “suas es-
colas” pelo saldo negativo que este turno trazia para a institui-
ção de acordo com as avaliações externas. Precisava-se de uma
ação para mobilizar, sensibilizar o diretor a “vestir a camisa do
turno noturno”.
Observou-se por meio dessa experiência que é possí-
vel aumentar o índice de matrícula, frequência e aprovação dos
alunos, a partir de um trabalho onde o eixo central esteja no
sujeito da aprendizagem.
Assim pensou-se uma nova proposta curricular, onde
os estudantes tivessem oportunidade de concluir o ensino fun-
damental em dois anos e não em quatro como até então acon-
tecia com o ensino regular, uma vez que todos os alunos matri-
culados neste turno tinham mais de 15 anos, um pré-requisito
para se estudar à noite. Todo o ensino noturno virou EJA em
2013.
Os resultados dessa experiência são parciais. Ainda
é possível ouvir o velho discurso do conformismo, da violên-

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Educação Popular em Debate
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cia no entorno da escola, da dificuldade no cumprimento do


horário e consequentemente déficit nas cargas horárias dos
componentes curriculares, mas Freire (2005) nos adverte que
a competência profissional não se define apenas pelo perfeito
cumprimento de regras e rotinas:
A competência e a qualidade do trabalho sofrem dois
tipos de influência: por um lado, sofrem a influência
dos alcances institucionais que condicionam e via-
bilizam o trabalho mesmo; por outro lado, sofrem a
influência por terem ouvidos e olhos atentos a reivin-
dicações da clientela atendida... há opções que vão
sendo feitas (p. 57).

Mas por outro lado existem diretores motivados, que


arregaçam as mangas e partem para a briga na defesa do turno
noturno porque se veem nessa modalidade de ensino, são pes-
soas que aprenderam a resolver as dificuldades da vida e não fi-
cam se lastimando, mas transformam as dificuldades em desa-
fios a serem superados e com esses exemplos nossos estudantes
aprendem que é possível enfrentar as dificuldades e vencê-las.
Conclusões
Sensibilizar os gestores para o desenvolvimento e o
acompanhamento de ações pedagógicas voltadas para a valo-
rização do ensino e da aprendizagem no turno noturno não
tem sido uma tarefa fácil devido a inúmeras questões que per-
passam ao fazer pedagógico. Esse profissional muitas vezes
preso ao trabalho institucional burocrático não compreende
a realidade como um conjunto de fatores e elementos que se
oferecem à reflexão. Interpretar a realidade é um ato coletivo
em que as perguntas, multidisciplinares, se complementam e
se articulam através de planos de atuação.
A escola é um espaço de opções e definições coletivas
trazidas pela comunidade escolar e o diretor precisa ser com-
petente, enfatizando a competência humana do afeto, da sen-
sibilidade, coragem e teimosia para seguir em frente. Quando

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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o diretor enriquecer sua visão com relação à escola, vai com-


preender que esta não é apenas o local de escolarização formal,
mas sim um local de opções políticas, não no sentido parti-
dário, mas como, um conjunto de normas invisíveis que estão
presentes no relacionamento entre pessoas diferentes. Não dá
mais para dizer simplesmente que todos são iguais perante a
lei ou que a escola é igual para todos, pois o estudante de EJA a
essa altura já percebeu que não é bem assim. A escola deixará
de ser, para esse profissional, o local aonde ele vai todos os dias
em busca de tempo de serviço para a sua aposentadoria.
Infelizmente dentre os dez encontros realizados nes-
tes últimos cinco anos ainda não se constatou adesão de todos
os diretores da rede, muitos ainda preferem indicar um repre-
sentante para comparecer ao evento. Talvez não tenham se
dado conta da dimensão de tal evento. Entretanto, percebe-se
entre os diretores que se fazem presentes aos encontros uma
significativa melhora em seus percentuais de aproveitamento e
qualidade na aprendizagem. No próximo encontro realizar-se-
-á uma enquete sobre gestão da aprendizagem em formulário
apropriado para posterior tabulação.
Espera-se dessa forma poder contribuir com esse tra-
balho de transformação social que é a educação.

Referências Bibliográficas

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NBR 14724: informação e documentação: trabalhos
acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro, 2005.
ABDALLA, V. O que pensam os alunos sobre a escola
noturna. São Paulo: Cortez, 2004.
AMAZONAS, Universidade do Estado. PROFORMAR.
Metodologia do desenvolvimento da pesquisa /
Coordenador Almir Liberato da Silva. Manaus: Universidade
do Estado do Amazonas, 2006.

1561
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20.12.96. Estabelece as Diretrizes


e Bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial da
União, 23.12.96.
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e
prática em educação popular. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. Dialogando com a
própria história. S. Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. S. Paulo: Paz e
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_____. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a
pedagogia do oprimido. 22. ed. S. Paulo: Paz e Terra, 2015.
FUCK, Irene Terezinha. Alfabetização de Adultos: relato
de uma experiência construtivista. 10ª ed. Petrópolis: Vozes,
2003.
FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas para o
Trabalho Científico: elaboração e formatação. 14ª ed. Porto
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LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e
prática. 6. ed. São Paulo: Heccus, 2013.
MADEIRA, F.R. Recado dos jovens: mais qualificação.
Brasília: CNPD, 1998.

1562
EIXO TEMÁTICO 7
PAULO FREIRE E TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Coordenadores: Mario Bueno (UNINORTE/AM) e


Ezequiel de Souza (IFAM)

O pensamento de Paulo Freire e a Teologia da Liber-


tação possuem muitos pontos em comum, dentre os quais a
importância da formação popular para o empoderamento e a
emancipação daquelas pessoas em situações de vulnerabilida-
de social. Através dos estudos bíblicos e das comunidades ecle-
siais de base, a Teologia da Libertação promoveu a formação de
lideranças populares e comunitárias em todo o Brasil. Este eixo
do Fórum Paulo Freire pretende ser um espaço para a reflexão
e partilha de experiências libertadoras no âmbito das comuni-
dades eclesiais e da sociedade em geral e a relação com a Edu-
cação Popular em espaços formais e informais de formação.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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SUMÁRIO

A OBRA DE PAULO FREIRE À LUZ DO FOCO DA


AUTONOMIA
Franciele F. Marques .............................................................. 1567
RELATO DE EXPERIÊNCIAS EM EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS DESDE UMA PERSPECTIVA
FREIREANA: DESAFIOS DA REALIDADE NO
INTERIOR DO AMAZONAS
Ezequiel de Souza
Pedro I. Figueiredo ................................................................ 1585
O PAPEL DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO E DA
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO PROCESSO DE
FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS NA PRELAZIA DE TEFÉ
Eliomara Martins Ramos
Nelissa Bezerra Peralta .......................................................... 1593

1566
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A OBRA DE PAULO FREIRE À LUZ DO FOCO


DA AUTONOMIA1

MARQUES, Franciele F.2


Delimitação do tema: uma introdução
Perante as transformações da sociedade que a carac-
terizam como uma sociedade complexa faz-se necessário um
novo olhar também para o contexto da escola, bem como, para
o desenrolar do processo educativo neste ambiente formaliza-
do. Nas leituras e pesquisas até aqui realizadas, um questiona-
mento torna-se recorrente e dará aqui, o foco da minha pesqui-
sa, constituindo-se na minha tese: Em que termos a crítica de
Freire à educação é produtiva para a análise da educação atual
e como uma recontextualização de sua preocupação com a au-
tonomia dos sujeitos pode contribuir, de forma significativa,
1 O presente texto constitui-se em um ensaio (recorte) de um dos
capítulos da tese que está em construção e tem como tema Uma re-
contextualização da obra freireana nas sociedades complexas: a auto-
nomia como um princípio educativo democrático.
2 Graduada em Pedagogia pela Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões (2005). Mestre (2010) e Doutoranda
em Educação pela Universidade de Passo Fundo - RS. Atualmente
é professora do Sistema Público Municipal de Ensino de Erechim
– RS (Educação Básica) e Professora do Departamento de Ciências
Humanas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões – URI Campus Erechim (Ensino Superior). Coordenadora
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência –
CAPES/PIBID do Curso de Pedagogia da URI Campus de Erechim.
Tem experiência na área da educação como docente, bem como,
desenvolveu pesquisa, atuando, primordialmente, nos seguintes
temas: Educação de Jovens e Adultos, Livros Didáticos, Educação
Formal Escolar, Formação de Professores, Processo de ensino
aprendizagem, Alienação, Humanização, Paulo Freire. E-mail:
francielemarques@hotmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

no desenvolvimento da educação no contexto atual, comple-


xo e plural? De que modo a pedagogia freireana da autonomia
pode ajudar a transformar, presentemente e no âmbito das so-
ciedades individualizadas e complexas, a autonomia “de jure”
em autonomia “de facto”?
Ainda que devamos reconhecer que nos próprios tex-
tos de Freire, este não se detém no desenvolvimento de um
conceito mais aprofundado acerca da autonomia, sua reflexão
está presente nas incursões que faz acerca dos saberes necessá-
rios à prática educativa. Freire ainda intitula de Pedagogia da
Autonomia uma de suas últimas e principais obras, onde reflete
temas como autoridade, liberdade, competência, ética, etc. A
prioridade pela discussão do conceito de autonomia a partir de
Paulo Freire sustenta-se em sua capacidade de provocar uma
postura crítica e reflexiva acerca de tal conceito, muitas delas
com suficiente distanciamento de ações que priorizam por re-
ferenciais mercadológicos e de poder.
Cabe ressaltar que a presente pesquisa, apoiada em
um referencial que busca pela definição do imaginário da au-
tonomia e sua recontextualização neste contexto complexo e
plural, trata da autonomia num sentido de empoderamento e,
possui como foco de discussão a forte presença do educador e
pedagogo Paulo Freire, que rege princípios e práticas que de-
vem ser desenvolvidas por professores e estudantes.
Com a crítica de Freire à educação parto na minha
tese, por buscar a recontextualização do imaginário da auto-
nomia no processo educativo, inserido em um contexto de
sociedade individualizada, complexa e plural. Para isto, a me-
todologia para a pesquisa aqui apresentada é realizada numa
investigação bibliográfica e qualitativa, através da seleção, lei-
tura, fichamento e análise das obras referenciadas nesta pes-
quisa. Trata-se de um estudo que tem como foco a pesquisa
numa perspectiva metodológica hermenêutica3 em educação,
3 A palavra hermenêutica vem do Deus Hermes que era um Deus
mensageiro que interpretava o que os outros Deuses diziam e pas-
sava a informação para os homens. Desta forma, a hermenêutica é

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buscando identificar os referenciais que servem de base às re-


flexões do autor acerca dos pressupostos essenciais para esta
recontextualização e a compreensão do processo educativo em
tal contexto.
A pesquisa, assim, estabelece elementos indicativos
da necessidade pela retomada do conceito de autonomia como
aspecto inerente às relações interpessoais que se estabelecem
no ambiente escolar, trazendo o conceito de autonomia como
um princípio democrático dentro deste contexto. Os proble-
mas inéditos e recorrentes que marcam a sociedade atual, com-
plexa e plural, nos dão a possibilidade de buscar novos olhares
acerca da educação e da autonomia dentro de um discurso pe-
dagógico que clama por uma renovação.
Neste momento, nos ateremos em problematizar o
conceito de autonomia, considerando a redução que tal concei-
to assume no contexto da sociedade globalizada, individuali-
zada e complexa. Para tanto, partimos de algumas observações
críticas acerca da autonomia e, posteriormente, analisaremos
as concepções que Freire apresenta em uma das suas obras, Pe-
dagogia da Autonomia.
O imaginário da autonomia: pressupostos e desafios atuais
Abrir um debate acerca do conceito da autonomia pa-
rece ser algo ‘inatual’, sobretudo em um tempo que tal conceito
apresenta um esgotamento dentro das grandes discussões edu-
cacionais.
Conforme aponta Castoriadis (1982), o imaginário da
autonomia é uma vivência histórica que iniciou há pelo me-
nos vinte e cinco séculos e têm abarcado uma discussão espe-
cialmente densa nos últimos duzentos anos. Em um contexto
atual, a autonomia adquire, conforme o autor supracitado, o
sentido de uma autoinstituição da sociedade, onde a autono-
caracterizada pela interpretação, o que pressupõe uma questão sub-
jetiva do leitor com o texto a ser interpretado e que perpassará tam-
bém a pesquisa aqui exposta.

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mia social é indissociável da individual. Essa dissociação im-


plica, em outros termos, a construção de um novo sujeito no
plano individual, qual seja um indivíduo autônomo. Nas pala-
vras de Barbosa (2008, p.459):
[...] vivemos num contexto que apela insistentemente
à autonomia dos indivíduos, que difunde aos quatro
ventos o ideal normativo de indivíduo autônomo,
senhor de si mesmo e do seu destino, gestor do seu
projeto de vida, responsável por tudo aquilo que lhe
acontece: inserção na vida ativa, permanência no pos-
to de trabalho, queda na exclusão e na marginalidade,
sucesso e insucesso nos estudos, posicionamento no
sistema da desigualdade, riqueza e pobreza, saúde e
doença, reconhecimento e discriminação.

A pedagogia da autonomia, entendida como um pres-


suposto comum de posições pedagógicas que convergem para
a promoção do sujeito autossuficiente ou autodeterminado ja-
mais deixou de desafiar o pensamento de autores e/ou movi-
mentos pedagógicos que clamam por transformações na edu-
cação, sejam elas de cunho democrático ou neoliberal. Assim
sendo, conforme Barbosa (2012, p.251),
O discurso da autonomia, qual fênix renascida das
próprias cinzas, está de volta à ribalta da discussão
pedagógica e é preciso ponderar, numa altura em que
a autonomia é social e politicamente redefinida como
“autossuficiência”, “cuidado de si”, “eu empreendedor”,
“responsabilidade individual” e “autodeterminação
obrigatória”, se a educação deve aderir, sem mais, a
esse poderoso imaginário da área cultural ocidental.

No contexto atual, caracterizado como individua-


lizado e complexo, devido a uma tendência que nos obriga a
sermos autônomos e responsáveis por todos os nossos atos, o
conceito de autonomia retorna às agendas da educação e tor-
na-se, num curto espaço de tempo, a ‘solução’ para as refor-
mas do campo educacional. Assim sendo, a pedagogia da au-
tonomia revalorizou-se e está muito bem cotada no mercado e

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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nos ideais pedagógicos (BARBOSA, 2008). Nesse sentido, um


questionamento torna-se necessário nessa construção: Como
pensar a autonomia diante deste contexto da “individualização
compulsória”, da imposição de uma autonomia que ocorre na
sociedade atual?
Há um forte valor normativo acerca do sujeito autô-
nomo, sendo este um projeto que pode ser realizado, mas a sua
realização requer também e primordialmente uma atualização
de tal pressuposto dentro do contexto da escola, uma educação
voltada, assim como promulgava Freire (2013) aos princípios
democráticos da liberdade e da emancipação, buscando-se no
diálogo a na intersubjetividade o impulso necessário para tal
construção.
Freire expõe fundamentos conceituais que indicam o
conceito de autonomia em várias de suas obras e, mais especi-
ficamente, em sua trilogia, composta pela Pedagogia do Opri-
mido, Pedagogia da Esperança e Pedagogia da Autonomia, esta
última que nos ateremos nesse momento, na busca pela proble-
mática educativa, vinculada à crítica do próprio Freire, onde
trata das heteronomias a este processo, e os pressupostos ne-
cessários para que possamos rebuscar a autonomia como um
princípio educativo democrático no contexto atual.
Em sua crítica ao processo educativo do momento,
Freire utiliza-se de alguns fundamentos teórico-metodológicos
que o antecedem e o fazem pensar em tal problemática,como
o próprio autor cita na obra Pedagogia da Esperança, “[...] e
que viriam a iluminar a memória viva que me marcava. Marx,
Lukács, Fromm, Gramsci, Fanon, Memmi, Sartre, Kosik, Agnes
Heller, M. Ponty, Simone Weill, Arendt, Marcuse...” (FREIRE,
1997, p.18-19). A partir de tais e muitos outros pressupostos,
Freire trabalha com conceitos como opressão, conscientização,
consciência de classe, educação bancária, educação libertado-
ra, autonomia, etc.
Uma primeira fonte de inspiração da crítica de Frei-
re encontra sustentação, como podemos perceber, em Hegel e

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Marx, especialmente quando estes tratam do tema da alienação


e que, para Freire, converte-se no conceito de opressão, concei-
to antagônico à autonomia. Em Marx, Freire vai buscar a sua
definição materialista-histórica4, pois assim como “Marx está
fundamentalmente interessado na emancipação do homem
como indivíduo, na superação da alienação, na restauração da
capacidade dele para relacionar-se inteiramente com seus se-
melhantes e com a natureza; [...]”. (FROMM, 1983, p.16), Freire
pensa construir uma pedagogia do oprimido capaz de reali-
zar concretamente a emancipação humana e desenvolver uma
nova forma do oprimido ser no mundo.
Freire utiliza-se, em suas críticas, de um fundo mate-
rialista histórico que considera a escola como estando a servi-
ço de uma organização de Estado que prima pelo crescimento
deste, independente da realização pessoal dos seres humanos
envolvidos. Para este, a educação deveria estar a serviço da li-
bertação dos seres humanos e não da opressão destes, tradu-
zindo tal libertação como uma maior autonomia do sujeito.
A educação que vem em linha contrária a tal posi-
cionamento, atribuindo valor à hierarquia das pessoas e dos
conhecimentos, estabelecendo relações de mais e menos, me-
lhor e pior, foi caracterizada por Freire de “Educação Bancária”,
onde para o autor essa educação carrega uma posição merca-
dológica em seus pressupostos e fundamentos teóricos, onde
os conteúdos são produtos e as avaliações podem ser entendi-
das como moedas. Aqui, na concepção freireana, os estudantes
são meros depositários do conhecimento do professor, numa
ação que inibe a autonomia e a liberdade (FREIRE, 2012).
4 Há aqueles que julgam ser esta uma filosofia segundo a qual o único
interesse do homem diz respeito aos ganhos materiais e conforto. No
entanto, na terminologia filosófica e, na forma como o termo foi uti-
lizado por Marx, refere-se a uma opinião segundo a qual a matéria
em movimento é o elemento constitutivo fundamental do universo.
Para Marx, portanto, era importante o estudo da verdadeira vida
econômica e social do homem e a influência do estilo real da vida do
homem em seus pensamentos e sentimentos. (FROMM, 1983)

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Quanto mais analisamos as relações educador-e-


ducando, na escola, em qualquer de seus níveis (ou
fora dela), parece que mais nos podemos convencer
de que estas relações apresentam um caráter especial
e marcante – o de serem relações fundamentalmente
narradoras, dissertadoras. [...] Por isto mesmo é que
uma das características desta educação dissertadora é
a “sonoridade” da palavra e não sua força transforma-
dora. [...] Desta forma, a educação se torna um ato de
depositar, em que os educandos são os depositários
e o educador, o depositante (FREIRE, 2012, p.62-63).

Por educação bancária compreende-se o fato de que


a mente do educando era como um banco no qual o educador
depositava conhecimentos para serem arquivados (decorados)
sem serem questionados ou refletidos. O conteúdo era disso-
ciado da realidade do educando servindo apenas para manter
a dominação sobre a massa, características de opressão e desu-
manização.
No ato de problematização proposto por Freire, o
aprender refere-se a um ato de conhecimento voltado à reali-
dade, primando pois pelo diálogo como uma possibilidade de
luta por direitos e pela transformação. Para o autor ainda, se a
educação não for problematizadora e emancipatória, o ideal do
oprimido passa a ser o de se transformar em opressor (FREI-
RE, 2012).
Aqui, a busca por uma nova ordem social, pressupõe
partir da premissa de que a escola pode, em uma nova consti-
tuição, caracterizada por um processo de rupturas e fragmen-
tações no seu próprio interior, contribuir significativamente
para a compreensão e transformação desta nova sociedade a
que estamos expostos. Neste sentido, Freire, ao propor uma Pe-
dagogia ‘do’ Oprimido e não ‘para’ o oprimido, buscou um re-
pensar do processo educativo, em que as mudanças pudessem
partir dos próprios sujeitos, de suas necessidades e carências,
numa relação dialógica. “Não há outro caminho senão o da
prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança
revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e con-

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tinuar mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece


uma relação dialógica permanente” (FREIRE, 2012, p.61).
Freire influencia diretamente o campo da Educação ao
fomentar a questão política da educação. Pauta-se na cultura po-
pular como elemento fundamental para emancipação da classe
trabalhadora. Por entender as classes populares como detentoras
de um saber não valorizado e excluídas do conhecimento histo-
ricamente acumulado pela sociedade, mostra-se, neste trabalho,
a relevância de se construir uma educação a partir do conheci-
mento do povo e com o povo, provocando uma leitura da reali-
dade na ótica do oprimido que ultrapassa as fronteiras das letras
e se constitui nas relações históricas e sociais. Nesse sentido, o
oprimido deve sair desta condição de opressão a partir da fo-
mentação da consciência de classe oprimida.
Em contraponto a esta educação bancária anunciada
por Freire, surge em seus escritos, o conceito de autonomia, o
qual mais tarde, deu origem à obra Pedagogia da Autonomia:
saberes necessários à prática educativa,em que Freire expõe
suas ideias sobre a docência e a discência, sobre o ensinar e o
aprender, numa relação dialética, centrando sua defesa e refle-
xão a uma pedagogia da autonomia como princípio pedagógi-
co de uma educação libertadora. A Pedagogia da Autonomia
(1996) é o lugar onde Paulo Freire expõe este conceito, escreve
e reflete sobre ele, destacando-o como um princípio pedagó-
gico de fundamental importância àqueles educadores que se
dizem progressista. Para Freire, o processo de autonomia de-
veria “[...] libertar o ser humano das cadeias do determinismo
neoliberal, reconhecendo que a história é um tempo de pos-
sibilidades.” (MACHADO in STRECK, REDIN e ZITKOSKI,
2010, p.53).
Freire ao reconhecer o ser humano como “inacabado”,
anuncia a lógica da solidariedade enquanto compromisso his-
tórico de homens e mulheres. Freire propõe que a autonomia
seja construída na relação dialógica com os outros seres. Diz
ele:

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Como professor, se minha opção é progressista e ve-


nho sendo coerente com ela, se não me posso permi-
tir a ingenuidade de pensar-me igual ao educando, de
desconhecer a especificidade da tarefa do professor,
não posso, por outro lado, negar que o meu papel
fundamental é contribuir positivamente para que
o educando vá sendo o artífice de sua formação de
sua formação com a ajuda necessária do educador.
Se trabalho com crianças, devo estar atento à difícil
passagem da heteronomia para a autonomia, atento à
responsabilidade de minha presença que tanto pode
ser auxiliadora como pode virar perturbadora da bus-
ca inquieta dos educandos; se trabalho com jovens ou
adultos, não menos atento devo estar com relação a
que meu trabalho possa significar como estímulo ou
não à ruptura necessária com algo defeituosamente
assentado e à espera de superação (FREIRE, 2013, p.
68-69).

Tal obra nos apresenta elementos fundantes da con-


cretização da utilização do conceito de autonomia, que vinha
sendo por ele esparsamente citado em suas outras obras aqui
revisitadas. A Pedagogia da Autonomia traz elementos consti-
tutivos da compreensão da prática docente enquanto dimensão
social da formação humana. Nesse sentido, em um contexto
em que a autonomia vem fortemente empregada por um dis-
curso ideológico neoliberal que estimula o individualismo e a
competitividade, a força discursiva pautada no ideal freireano
poderá operar no pensamento e na prática pedagógica de for-
ma a considerar o conceito dentro de um patamar da conscien-
tização, outro conceito trazido por Freire.
O autor propõe a discussão do conceito da autonomia
a partir do paradoxo heteronomia/autonomia, versando sobre
valores necessários à prática da educação como deliberação in-
dividual e coletiva, de educadores e também de educandos, em
processo de construção da autonomia. Ao se referir e se
aproximar, mais uma vez, à “[...] questão da inconclusão do
ser humano, de sua inserção num permanente movimento de
procura [...]” (FREIRE, 2013, p.15), Freire aproxima-se de um

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movimento de busca, rediscutindo os conceitos de curiosidade


e crítica, conceitos estes que se fazem presente na crítica frei-
reana ao processo educativo, onde, para o autor, “[...] formar é
muito mais do que puramente treinar o educando no desempe-
nho de destrezas [...]” (Idem, p.16, grifos do autor).
Freire traz uma contribuição extremamente impor-
tante voltada à educação, em especial, aqueles em situações
de opressão. Formulou uma proposta pedagógica que busca
transformar o educando em sujeito do processo, o que resulta
na promoção da autonomia. Exemplo disso foi o seu método
de alfabetização, através do qual ficou conhecido internacio-
nalmente e que propõe uma educação que possibilita a toma-
da de consciência pelo sujeito de sua própria condição social e
que, é essa conscientização que resulta em transformação so-
cial. Podemos perceber que, para Freire, a libertação das hete-
ronomias, normalmente impostas pela ordem socioeconômica
é condição necessária para a produção da autonomia.
O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é
um imperativo ético e não um favor que podemos
ou não conceder uns aos outros. [...] O professor que
desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto
estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais pre-
cisamente a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor
que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que
‘ele se ponha no seu lugar’ ao mais tênue sinal de sua
rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exi-
me do cumprimento de seu dever de propor limites
à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensi-
nar, de estar respeitosamente presente à experiência
formadora do educando, transgride princípios funda-
mentalmente éticos de nossa existência. É neste sen-
tido que o professor autoritário, que por isso afoga a
liberdade do educando, amesquinhando o seu direi-
to de estar sendo curioso e inquieto, tanto quanto o
professor licencioso rompe com a radicalidade do ser
humano [...] (FREIRE, 2013, p.66-67).

Com esta afirmação é possível destacar que Freire


centrou sua tese na defesa de uma pedagogia que possibilitasse

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ao sujeito certa autonomia, onde a educação libertadora pre-


cedia ao desenvolvimento da capacidade do indivíduo de criar
suas próprias representações de mundo e, a partir destas repre-
sentações, pensar autonomamente em estratégias para a reso-
lução de problemas, compreendendo-se assim, como sujeito da
história. Para tanto, Freire vê o princípio da autonomia como
fundamental na perspectiva de construção de uma sociedade
democrática e politizada, criando-se condições de participa-
ção individual e coletivamente, onde para ele “Ensinar exige
respeito à autonomia do ser educando” (FREIRE, 2013, p.69).
Paulo Freire, por sua vez, não se detém no desenvol-
vimento de um conceito de autonomia, a priori, an-
terior ao que a experiência refletida torna possível.
A sua reflexão está presente nas incursões que vai
fazendo a respeito de “saberes necessários à prática
educativa”, conforme reflexão exposta em Pedagogia
da Autonomia (1997) e outros escritos. Mais ainda:
Freire intitula Pedagogia da Autonomia a uma de suas
últimas e principais obras refletindo exaustivamente
temas como autoridade, liberdade, competência, ética
etc. O que leva Freire a apresentar, assim, a sua refle-
xão sobre autonomia? É, pensamos, a própria com-
preensão de autonomia que o faz seguir o caminho
da discussão sobre ética, competência e autoridade
(PITANO e GHIGGI, 2009, p.84).

Na perspectiva freireana defende-se a autonomia


como elemento inviolável de cada pessoa e de cada cultura,
como instrumento de construção ética para a justiça social e a
paz, propondo problematizações acerca do conceito para que
o processo educativo se configure como instrumento de liber-
tação. Autonomia como uma construção cultural, não é algo
natural, mas depende da relação do homem com os outros ho-
mens e destes com o conhecimento e, neste processo o ato de
ensinar, conforme defende Freire (2013, p.25), corresponde ao
fato de que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a produção ou a sua construção”.

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Essa autonomia pressupõe dar condições para que


o educando se faça construtor de seu próprio conhecimento,
numa relação dialética com o educador que passa a mediar o
processo de ensino-aprendizagem.
É preciso insistir: este saber necessário ao professor
– que ensinar não é transmitir conhecimento – não
apenas precisa de ser apreendido por ele e pelos edu-
candos nas suas razões de ser – ontológica, política,
ética, epistemológica, pedagógica, mas também pre-
cisa de ser constantemente testemunhado, vivido
(FREIRE, 2012, p.47).

Convivência, diálogo e participação são condições


sine qua non da aprendizagem, voltadas a uma categoria mul-
ticultural que dá uma nova caracterização do espaço escolar.
Mais do que um currículo novo e diferenciado, a escola neces-
sita de novas formas de conquistar a atenção dos estudantes
para aquilo que está no currículo.
A pedagogia da autonomia torna-se objeto de plena
valorização no contexto atual, vinculada a princípios que con-
sideram o ser humano com capacidades suficientes para inter-
vir na configuração de seu destino, bem como, numa interven-
ção pedagógica capaz de configurar esta autodeterminação no
sujeito no que diz respeito ao seu futuro.
A construção da autonomia é um direito de todos e
precisa ser vivenciada em sala de aula por todo educador que
se pretenda cidadão, não podendo, assim, o mesmo, estabele-
cer sua prática sobre bases manipulatórias e reprodutoras do
sistema social vigente. Isso, logicamente, não se confunde com
a visão difundida da desorganização, da desordem, da incom-
petência do professor, da inconsistência em nível das propos-
tas, da falta de limites ou de qualquer proposta neoliberal acer-
ca do sujeito autossuficiente, coisas com as quais nos querem
assustar os críticos de tal conceito.
A categoria ‘autonomia’, rebuscada em Freire, no sen-
tido de reinventá-la e não repeti-la, faz-se atual no contexto

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das sociedades complexas quando visualiza a necessidade de


um novo educador, que pense a educação de forma a garan-
tir a construção da autonomia por parte do educando e onde
ambos, educadores e educandos tornam-se autônomos duran-
te o processo de ensino-aprendizagem. Nas palavras de Frei-
re (2013, p. 134-5), “Ensinar não é transferir a inteligência do
objeto ao educando, mas instiga-lo no sentido de que, como
sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o
inteligido”, o que acontece mediante o envolvimento do indi-
víduo com o objeto de conhecimento, na tentativa de satisfa-
zer sua curiosidade e suas necessidades externas à escola. Essa
autonomia vincula-se à capacidade que as pessoas adquirem
de assumirem posições de solidariedade e luta por um bem co-
mum, da construção coletiva de projetos que atendam interes-
ses comuns.
A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para
si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marca-
da. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia
tem de estar centrada em experiências estimuladoras
da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em ex-
periências respeitosas da liberdade (FREIRE, 2013,
p.121).

Destarte, o contexto educacional atual vem marcado


por inúmeras transformações que insurgem esse novo pensar
do educador, um pensar que transcende as paredes da sala de
aula e exige um posicionamento mais crítico. Para tanto, defen-
de-se a tese de que o diálogo em Freire é condição indispensá-
vel para a constituição da autonomia no sujeito. Num contexto
onde perdem prestígio as grandes narrativas e seus defenso-
res, a dialética entre educador e educando, bem como, entre o
aprender e o ensinar constitui-se em um ciclo gnosiológico que
se dá pela prática, favorecendo a autonomia dos educandos.
Neste sentido, ensinar pressupõe relação na qual edu-
cador e educando interagem com problematizações e busca
de respostas, obtendo um processo de interlocução no qual as

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indagações relacionam-se aos fenômenos sociais, culturais ou


políticos e, propõe uma análise crítica, através do lançamento
de hipóteses e definição de formas de resolução.
É com ela, a sua autonomia, penosamente
construindo-se, que a liberdade vai preenchendo o
‘espaço’ antes ‘habitado’ por sua dependência. Sua
autonomia que se funda na responsabilidade que vai
sendo assumida. [...] No fundo, o essencial nas rela-
ções entre educador e educando, entre autoridade e
liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a rein-
venção do ser humano no aprendizado de sua auto-
nomia (FREIRE, 2013, p.105).

Nas palavras de Freire busca-se o sentido do educar


para a autonomia, quando da coerência do processo educati-
vo, no sentido de reduzir a distância entre o que é dito e o que
é feito, na relação estabelecida entre a liberdade da construção
da autonomia e a autoridade necessária para este feito, visto
que, os três eixos, liberdade, autoridade e autonomia são, para
o autor, construções inseparáveis. Para Freire (2012), ao saber
com os educandos, enquanto estes souberem com o profes-
sor, já não se estará mais a serviço da desumanização, nem a
serviço da opressão, mas a serviço da libertação. A educação
libertadora é fundamentalmente uma situação na qual tanto
professor quanto aluno devem ser os que aprendem, devem
ser os sujeitos cognitivos, apesar das diferenças.
Concentrando-se nesta parte final, a rever as ques-
tões que orientaram a presente discussão que compõe esta es-
crita, objetiva-se não perder o foco da temática central, consi-
derando as leituras realizadas com o objetivo de desencadear
uma recontextualização do pensamento freireano no contexto
atual, individualizado e plural, tendo como foco o conceito de
autonomia como um princípio de atuação democrático.Ao
trazer para discussão tal conceito, busca-se a reflexão acerca
das condições do processo educativo, que vem, no decorrer
dos últimos anos, amesquinhando o desenvolvimento integral
do ser humano e primando por uma radicalização da indivi-

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dualização dos sujeitos. Neste sentido, Freire (2013, p.78), des-


taca que:
Se trabalho com crianças, devo estar atento à difícil
passagem ou caminhada da heteronomia para a auto-
nomia, atento à responsabilidade de minha presença
que tanto pode ser auxiliadora como pode virar per-
turbadora da busca inquieta dos educandos; se traba-
lho com jovens ou adultos, não menos atento devo es-
tar com relação a que o meu trabalho possa significar
como estímulo ou não à ruptura necessária com algo
defeituosamente assentado e à espera de superação.

Com efeito, mesmo com o passar dos anos o cenário


educacional que vem sendo construído demonstra que os pres-
supostos de Freire vêm delineando grande parte das pesquisas
educacionais. No entanto, poucas são as pesquisas que têm se
ocupado com a busca dos referenciais que dão sustentação ao
pensamento de Freire e que procuram articular o pensamento
de Freire à atualidade educativa. Exemplo disso são as formas
heteronômicas em que o conceito de autonomia é atualmente
utilizado, tratando-se das ‘competências’ individuais do ser hu-
mano em sua atuação em sociedade.
Considerações finais

O apreço em que hoje se tem a pedagogia da auto-


nomia, apesar de tudo, não é consensual. Várias dú-
vidas se levantam a seu respeito. Questiona-se,antes
de mais, se não será um “cavalo de Tróia do neolibe-
ralismo em educação”, uma vez que parece servir os
seus interesses de sobre responsabilização das pessoas
e, mais além, de se colocar ao lado da arte neoliberal
de governar, arte essa que consiste em governar obri-
gando as pessoas a governarem-se, inclusivamente
quando não têm recursos e capacidades para regerem
as suas vidas. Depois, impende sobre a pedagogia da
autonomia a suspeita de elitismo, de minimização dos
conteúdos de ensino e, por fim, de destruição da au-
toridade dos educadores. A nossa intenção,depois de

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lançar um olhar a estas suspeições, é perguntar se ain-


da haverá lugar, hoje em dia, para uma verdadeira pe-
dagogia da autonomia, capaz de promover a liberdade
e a autodeterminação do ser humano num contexto
de crescente usurpação dessas capacidades antropo-
lógicas (BARBOSA, 2006, p.457).

Partimos das palavras de Barbosa para, nestas con-


siderações acerca da autonomia como princípio educativo no
contexto das sociedades complexas, que não tem por objeti-
vo encerrar o ciclo das discussões, deixar em aberto algumas
questões que delineiam o novo cenário educacional.
O contexto atual não é favorável a uma pedagogia da
autonomia imposta nos termos citados por Barbosa (2006),
mas alguma coisa há de ser feita para romper com a lógica que,
apoderando-se do conceito de autonomia, a coloca a serviço
da individualização do ser humano e da lógica de mercado.
Propor, assim, uma recontextualização da pedagogia da auto-
nomia como um princípio educativo democrático no contexto
das sociedades complexas, propondo a visualização da catego-
ria da ‘autonomia’ contrária à individualização hoje imposta.
Por meio da educação, a visão reflexiva em torno da
opressão e do oprimido e, portanto, da autonomia como um
predicado de liberdade, faz da proposta freireana um desafio
atual, quando da proposição de uma “educação libertadora”
como uma metodologia que impõe desafios ao modelo por ele
denominado de “educação bancária”. Centra, assim, sua defe-
sa em uma pedagogia que possibilitasse ao sujeito ter autono-
mia. Para ele, a educação libertadora precedia da capacidade
do sujeito de criar suas próprias representações do mundo e de
pensar estratégias para a resolução de problemas, compreen-
dendo-se, pela conscientização, como sujeito de sua própria
história. A autonomia, para Freire, é fundamental para a cons-
trução de uma sociedade mais democrática, através da criação
de condições de participação política, onde as pessoas tenham
voz na construção da sociedade que desejam individual e co-
letivamente. O homem com autonomia possui condições de se

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

emancipar, produz suas próprias ações e defende seus pontos


de vista de forma argumentativa, é capaz de usar sua racionali-
dade na defesa de interesses individuais e coletivos.
Considerando-se assim, a autonomia do sujeito como
um ato consciente deste, tal conceito pode ser atribuído à uma
educação que tem por finalidade se constituir em referencial
de libertação, na medida em que, promove a capacidade de
percepção crítica e viabiliza a mediação dos poderes existentes
em determinado contexto. A autonomia vinculada ao contex-
to educacional insere-se nas relações de poder que são estabe-
lecidas nesse ambiente e que perpassam as relações culturais,
políticas e sociais.
Em suma, a autonomia, enquanto confiança em si
como sujeito de sua história, torna-se uma categoria funda-
mental no processo educativo libertador. Educar, no contexto
das sociedades complexas, numa perspectiva de criar condi-
ções para mudanças nas estruturas e processos socioculturais e
econômicos, pressupõe pensar na autonomia como fundamen-
to da emancipação intelectual, oportunizando ao educando
aprender a pensar e decifrar as relações de poder que se estabe-
lecem na sociedade atual. O sujeito autônomo deve estabelecer
conexões entre as diversas esferas dos processos, social, polí-
tico, econômico e cultural. Como um autor que centrou seus
estudos na busca pela superação da educação da época, Freire,
comprometido com o conceito de autonomia e de liberdade do
sujeito, possui, nas relações de poder que são estabelecidas no
ambiente escolar, um foco especial, tratando-as de forma que
podem tanto oprimir quanto libertar.
Referências
BARBOSA, Manuel Gonçalves. Educação e Cidadania:
Renovação da Pedagogia. Braga – Portugal: Ágora, 2006.
______. Do sonho ao pesadelo: a pedagogia da autonomia
sob suspeita. R. Bras. Est. Pedag., Brasília, v.89, n. 223, p. 455-
466, set./dez. 2008.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

______. Sob o signo da luz e das sombras: o imaginário da


autonomia em educação. Linhas Críticas, Brasília, DF, n.36, p.
249-264, maio/ago. 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa. 45. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
______. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2012.
______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a
Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
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Janeiro: Zahar, 1983.
MACHADO, Rita de Cássia de Fraga. Autonomia. In:
STRECK, Danilo R., REDIN, Euclides, ZITKOSKI, Jaime
José (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. 2. Ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2010, p. 53-54.
PITANO, Sandro de Castro e GHIGGI, Gomercindo.
Autoridade e liberdade na práxis educativa: Paulo Freire e
conceito de autonomia. Revista Saberes. Natal – RN, v.2, n.3,
dez. 2009. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/saberes.
Acesso em: 10. set. 2013.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

RELATO DE EXPERIÊNCIAS EM EDUCAÇÃO


DE JOVENS E ADULTOS DESDE UMA
PERSPECTIVA FREIREANA: DESAFIOS DA
REALIDADE NO INTERIOR DO AMAZONAS
SOUZA, Ezequiel de1
FIGUEIREDO, Pedro I.2

Introdução
A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciên-
cia e Tecnologia é um fenômeno recente na educação brasileira
(BRASIL, 2007; BRASIL, 2008), uma vez que integrou institui-
ções que, tradicionalmente, ofertavam educação profissional
de nível médio, quais sejam: Escola Técnicas Federais, Colégios
e Escolas Agrotécnicas, Centros Federais de Educação Tecno-
lógica, de modo a formar a Rede Federal de Educação Profis-
sional e Tecnológica.
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecno-
logia (IFs) são instituições multicampi e, entre suas atribuições
legais, devem ofertar cursos de educação profissional de nível
básico, licenciaturas, cursos superior de tecnologia e pós-gra-
duação. Além disso, a criação dos IFs está ligada à política de
expansão e interiorização da Rede Federal de Educação Profis-
sional e Tecnológica, proposta pelo Governo Lula (2003-2010).
Dados oficiais demonstram que, em oito anos, a Rede ganhou
1 Professor de Sociologia, doutor em Teologia. Coordenador de Cur-
sos Subsequentes e Proeja no Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Amazonas, Campus Coari. E-mail: ezequiel.souza@
ifam.edu.br
2 Professor de Administração, mestre em Administração. E-mail:
pedro.issa@ifam.edu.br

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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mais de 214 unidades de ensino, crescimento da ordem de


153%. Segundo dados do Conselho Nacional de Instituições
da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecno-
lógica (CONIF), atualmente há mais de 400 escolas em funcio-
namento (CONIF, 2013).3
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Amazonas, Campus Coari faz parte desse processo de inte-
riorização. Localizado na Estrada Coari-Itapeua, km 2, Bairro
Itamaraty, no município de Coari/AM, o Campus Coari oferta
cursos Técnicos de Administração, Suporte e Manutenção de
Computadores e Informática. No que tange ao nosso interesse
nesse relato de experiências, atualmente está sendo ofertado
o Curso Técnico em Administração modalidade PROEJA.4
O embasamento legal para a oferta de cursos na modalidade
PROEJA é o Art. 6º da Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de
2008, que define as finalidades e características dos IFs:
Art. 6º  Os Institutos Federais têm por finalidades e
características:
I - ofertar educação profissional e tecnológica, em to-
dos os seus níveis e modalidades, formando e quali-
ficando cidadãos com vistas na atuação profissional
nos diversos setores da economia, com ênfase no de-
senvolvimento socioeconômico local, regional e na-
cional;
II - desenvolver a educação profissional e tecnológica
como processo educativo e investigativo de geração e
adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às de-
mandas sociais e peculiaridades regionais;
III - promover a integração e a verticalização da edu-
cação básica à educação profissional e educação su-
perior, otimizando a infra-estrutura física, os quadros
de pessoal e os recursos de gestão;
3 De 1909 a 2002 foram criadas 140 escolas; de 2003 a 2010, 214; só
no ano de 2011, foram inauguradas mais 46 escolas.
4 Ao longo dos 9 anos de existência do Campus, foram ofertados 2
cursos de Técnico em Edificações e 3 cursos de Técnico em Admi-
nistração, todos já finalizados.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

IV - orientar sua oferta formativa em benefício da


consolidação e fortalecimento dos arranjos produti-
vos, sociais e culturais locais, identificados com base
no mapeamento das potencialidades de desenvolvi-
mento socioeconômico e cultural no âmbito de atua-
ção do Instituto Federal [...] (BRASIL, 2008).

No Brasil, existe um déficit na oferta de Educação de


Jovens e Adultos (EJA) na forma integrada à educação pro-
fissional. De acordo com o Observatório do PNE, no ano de
2014, apenas 3,3% das matrículas em EJA foram realizadas em
cursos de educação profissional, embora a meta do Plano Na-
cional de Educação seja de 25% das matrículas (OBSERVATÓ-
RIO DO PNE, 2014). Também os Cursos Técnicos na modali-
dade PROEJA do IFAM/Campus Coari possuem dificuldades
em relação ao número de matrículas, conforme tabela abaixo:
Tabela 1: Matrículas Cursos Técnicos Modalidade
PROEJA – IFAM/Campus Coari
1SEM 2SEM 3SEM 4SEM 5SEM 6SEM
Curso/Turma
M F M F M F M F M F M F
PEDF/2008 20 10 12 7 8 7 8 7 8 7 8 7
PEDF/2009 26 12 20 9 18 7 17 6 16 6 15 6
PADM/2010 15 24 6 19 6 17 6 17 6 17 5 15
PADM/2011 17 23 7 17 4 16 2 15 2 11 3 11
PADM/2014 14 27 8 19 8 9 7 8
TOTAL 92 96 53 71 44 56 40 53 32 41 31 39
Fonte: Controle de Registro Acadêmico – IFAM/Campus Coari

Qual seria o motivo de tão elevado índice de evasão?


A partir da experiência como docentes das turmas do Curso
Técnico em Administração na modalidade PROEJA, perce-
bemos que uma das razões está no pouco aproveitamento das
competências vinculadas às necessidades da região em que o
Campus Coari está inserido. As instituições de educação pro-
fissional, de acordo com SILVA (2011) têm estado afastadas da
formação de cidadãos a partir de competências, pois há, no
Brasil, uma sobreposição da dimensão ideológica em relação

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à dimensão pedagógica. Isso significa, em outras palavras, que


ainda não existe um paradigma de educação profissional que
seja equidistante às demandas do mercado e ao cientificismo
da academia. Esse dilema já fora apontado por Schwartzman,
na medida em que
Toda universidade, avaliando suas potencialidades em
termos de corpo de professores, sua vocação regional,
local, nacional e mesmo internacional, suas condições
financeiras etc., é levada a definir espaços de produção
científica nos quais imagina poder sobressair. De um
lado, não é possível ser bom em tudo, sobretudo num
mundo acadêmico tão concorrente e num ambiente
de relativo subdesenvolvimento. De outro, a ocupa-
ção de espaço próprio produtivo exige concentração
de esforços a longo prazo. (SCHWARTZMAN, 1980).

A realidade do município de Coari constitui o desafio


para a capilaridade dos cursos técnicos do IFAM/Campus Coa-
ri e, ao mesmo tempo, o potencial de desenvolvimento de um
conhecimento relevante social e academicamente. Ora, ao se
priorizar o local não se pretende abdicar da universalidade do
conhecimento. A esse respeito, Demo (2012) entende que não
há sentido na criação de manutenção de cursos que não com-
ponham uma certa identidade para a instituição. Se, por um
lado, há a possibilidade da existência de cursos sem aplicação
imediata, por outro, a universidade e as instituições de ensino
jamais poderiam optar por essa estratégia como marca identi-
tária. Ainda sobre o assunto, Demo nos alerta:
Sua marca está em espaços potenciais, cuja ocupação
carece de planejamento a longo prazo. De modo geral,
dadas as circunstâncias do momento, os mais requisi-
tados serão aqueles cursos ditos modernos: matemá-
tica, ciências naturais e biológicas, engenharias, com-
putação. Não tem sentido insistir na proliferação dos
espaços antiquados, embora devam ser preservados e
modernizados. É desacerto fatal não enfrentar, des-
de já, as altas taxas de evasão em matérias modernas,
bem como sua baixíssima procura. Ainda estamos

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

na fase da oferta fácil de disciplinas fáceis, sem com-


promisso com as oportunidades de desenvolvimento.
(DEMO, 2012, p. 178)

A partir do exposto, há a necessidade de os IFs, como


instituições voltadas para a educação profissional e tecnológi-
ca, se comprometerem com o desenvolvimento de regiões es-
pecíficas, contribuindo para a vocação produtiva do locus, ele-
vando o padrão do fazer local e o incremento de novos saberes.
Para cumprir sua vocação, os IFs necessitam de um constante
monitoramento do perfil socioeconômico, político e cultural
da sua região de abrangência. Entendemos que a problemática
da evasão discente dos Cursos Técnicos na modalidade PROE-
JA decorre a partir de diversos elementos. Na Coordenação
dos Cursos de PROEJA, tivemos a oportunidade de ouvir e
acompanhar algumas regularidades, que trazemos ao debate
no I Fórum de Leituras Paulo Freire da Região Norte.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-
micílios (PNAD) de 2003 demonstram a existência de um
contingente significativo de trabalhadores brasileiros que não
concluíram a Educação Básica (BRASIL, 2016). Esse cenário
desanimador motivou a criação do Programa Nacional de In-
tegração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), uma
“proposta de integração da educação profissional à educação
básica buscando a superação da dualidade trabalho manual e
intelectual, assumindo o trabalho na sua perspectiva criadora e
não alienante” (BRASIL, 2016).
Os discentes do PROEJA, na maioria das vezes, traba-
lha durante o dia, retornando à escola no período noturno para
concluir sua educação básica e adquirir uma formação profis-
sional. Tendo o trabalho como elemento humanizador (FIO-
RI, 1987), percebemos que os discentes do PROEJA, em algum
momento de suas vidas, foram levados a priorizar o trabalho
em detrimento da educação formal. Ao retornar aos bancos es-
colares, o discente trabalhador encontra um ambiente em que

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

está pouco familiarizado, devido ao lapso temporal existente


entre o abandono e o retorno à escola.
Esse lapso temporal muitas vezes não tem sido consi-
derada pelos docentes. Com isso, há o risco de uma pedagogia
bancária, que não considera a realidade discente como elemen-
to relevante para o processo de ensino e aprendizagem. Temos
percebido que o tratamento pedagógico de docentes que traba-
lham com discentes de cursos integrais e com o PROEJA não
levam as características dos dois públicos no desenvolvimento
de suas atividades docentes, seja no processo de ensino, seja no
processo de avaliação.
Não bastasse isso, o funcionamento ordinário da ins-
tituição de ensino se dá nos períodos matutino e vespertino.
Durante a noite, há uma redução do contingente de servidores
na instituição, prejudicando, direta ou indiretamente, o aten-
dimento às necessidades pedagógicas, administrativas, sociais
e atendimento à saúde dos discentes do PROEJA. De certo
modo, surge uma segregação entre discentes do PROEJA e do
integrado, difícil de ser superada. Enquanto esses possuem
oportunidades (bolsas de pesquisa, de extensão, visitas técni-
cas, educação integral, etc.), aqueles, muitas vezes, nem tomam
conhecimento da existência dessas oportunidades e também
não dispõem de tempo para as atividades.5
O município de Coari/AM possui poucas oportunida-
des de trabalho. A formação proporcionada pelo IFAM poderia
ser uma alternativa para a melhoria da qualidade de vida dos
discentes do PROEJA. Entretanto, percebemos a existência de
uma cultura de baixo autoestima. As aulas começam as 18h30
e tem discente que chega 18h45, 19h na sala de aula, desmotiva
e sonolento. O término está previsto para as 22h30, mas nor-
5 Os discentes do PROEJA foram convidados para participar da 9ª
Gincana de Integração do Aniversário do IFAM/Campus Coari, no
dia 27 de fevereiro de 2016. Na ocasião, um dos primeiros docentes
do campus desmotivou a equipe organizadora, sob o argumento de
que “não adianta convidá-los, porque eles nunca participam das ati-
vidades do IFAM”.

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ISSN 2448-2072

malmente a aula termina 22h, 22h10, quando os discentes co-


meçam a ficar sonolentos devido ao cansaço da rotina laboral
diária. Transparece uma cultura que prioriza o recebimento de
diplomas, não a construção de conhecimentos para a mobili-
dade social, quer seja horizontal, quer seja vertical.
Forma-se, portanto, um ciclo vicioso: docentes desmo-
tivados de lecionar para discentes desmotivados de aprender
acabem fortalecendo mutuamente a recusa a uma formação
dialógica, em que docentes e discentes compartilham conhe-
cimentos e ensinam-se mutuamente. Estes são os desafios que
experimentamos em nossa prática cotidiana junto à educa-
ção de jovens e adultos no interior do Amazonas. Apreciamos
quaisquer contribuições que os colegas possam nos proporcio-
nar a fim de melhorar nossa prática docente.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 6.095, de 24 de abril de 2007 -


Estabelece diretrizes para o processo de integração de
instituições federais de educação tecnológica, para fins de
constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia - IFET, no âmbito da Rede Federal de Educação
Tecnológica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6095.htm>. Acesso
em: 23 de março de 2016.

BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 -


Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, e dá outras providências. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/
l11892.htm>. Acesso em: 25 de março de 2016.

BRASIL. Programa Nacional de Integração da Educação


Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (Proeja). Disponível em:

1591
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

<http://portal.mec.gov.br/proeja>. Acesso em: 20 de março de


2016.
CONSELHO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DA
REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL,
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (CONIF). Disponível em:
<http://www.conif.org.br/ultimas-noticias?start=30>. Acesso
em: 27 de março de 2016.
DEMO, Pedro. Desafios modernos da Educação. Petrópolis:
Vozes, 2012.
FIORI, Ernani Maria. Aprender a dizer a sua palavra. In:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
OBSERVATÓRIO DO PNE. METAS PNE: 10 – EJA
integrada à Educação Profissional - Oferecer, no mínimo,
25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação de
jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma
integrada à educação profissional. Disponível em: <http://
www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/10-eja-integrada-
a-educacao-profissional>. Acesso em: 20 de março de 2016.
SCHWARTZMAN, S. Ciência, universidade e ideologia: a
política do conhecimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1980.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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O PAPEL DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO


E DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO
PROCESSO DE FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS
NA PRELAZIA DE TEFÉ
RAMOS, Eliomara Martins1
PERALTA, Nelissa Bezerra2

Introdução
Nos anos 1960 a Igreja Católica mudou seus
paradigmas e se voltou para as questões sociais a partir de três
grandes eventos, o primeiro foi o Concílio Vaticano II (1962-
1965) (DOC - 25, 1982). Segundo Dermi (2004) o Concílio
mudou os paradigmas da Igreja, nele houve reformas eclesiais
e a América Latina foi a primeira a colocar em prática essas
reformas. Para Brito (2010) essas reformas se manifestaram
na liturgia, na posição do leigo, na estrutura da Igreja, pois
este por sua vez ganhou um destaque e valorização maior. Em
1968 houve o segundo momento em que os bispos da América
Latina se reuniram em Medellín, esse encontro veio afirmar
as bases que o Concílio Vaticano II iniciou. Neste documento
aparece a temática da Teologia da Libertação de forma mais
acentuada, mas ligada a ala progressista da Igreja. E em 1972
o Encontro dos Bispos da Amazônia, realizado em Santarém
indicou as principais diretrizes de caminhada da Igreja Católica
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas
– UEA, Pesquisadora pelo Programa de Capacitação Institucional
– PCI/CNPQ. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
E-mail: eliomara@mamiraua.org.br
2 Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais
– UFMG, Pesquisadora titular do Instituto de Desenvolvimento Sus-
tentável Mamirauá. E-mail: nelissa2013peralta@gmail.com

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na Amazônia cujos princípios estavam pautados na valorização


da identidade e na cultura da população local.
Esses três acontecimentos foram cruciais para a
transformação da Igreja Católica, neles a Igreja faz uma “opção
pelos pobres”, (Concílio Vaticano II 1962-1965) e reafirma essa
“opção” nos dois eventos sucessores que foram o Encontro em
Medellín, (1968) e o Encontro de Santarém (PA) (1972). O
encontro com os bispos da Amazônia em Santarém influenciou
diretamente na atuação da Igreja Católica na região do Médio
Solimões onde a Prelazia de Tefé atua. O pouco acesso ao
sistema educação formal na área rural criava um quadro de
analfabetismo uma vez que a maioria da população ribeirinha
na época não sabia ler e nem escrever. Esta situação gerava,
entre outros aspectos, processos de grandes dificuldades e de
exploração uma vez que grupos sociais locais não estavam não
eram organizadas politicamente.
Diante deste cenário, a Igreja Católica iniciou na
região um processo de formação de leigos, cuja estratégia
inicial consistia na alfabetização para tornarem-se futuros
formadores de Comunidades Eclesiais de Base (CEB’S)
que são pequenos grupos que praticam o mesmo credo
religioso, e estão distribuídos nos diversos bairros e/ou
território tanto na zona rural quanto na zona urbana, esses
grupos podem se reunir de uma ou mais vezes na semana
para as celebrações litúrgicas ou para outros encontros (FREI
BETTO, 1981).
O movimento de CEBs contribuiu para a conquista
de direitos de cidadania em todo o país, acolheu a população
rural e os migrantes que eram vista apenas como mão de obra
barata pelas empresas e pelo poder público. (CNBB, 2010).
A Igreja ofereceu para essa população “uma possibilidade de
organizar-se autonomamente” (CNBB, Doc 92, 2010, p.14).
As CEB’s também são um espaço para despertar lideranças e
essas lideranças seriam os formadores de novas comunidades
eclesiais, os leigos teriam um papel decisivo nestas comunidades.

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No processo de alfabetização de jovens e adultos o Movimento


de Educação de Base (MEB), foi de fundamental importância
para esse setor na região do médio Solimões, além disso, o
MEB ajudou na formação das CEB’s, concomitante a formação
de lideranças. Outro setor que se destacou neste processo de
formação foram as Coordenações de Pastorais da Prelazia (A
coordenação de Pastoral é um setor que faz parte da estrutura
eclesial da Prelazia de Tefé existente até os dias atuais). Foi
através desse setor que iniciou as formações de comunidades
e a formação familiar, que corroborou para a construção de
uma “nova Igreja” em que o povo é visto como parte integrante
de modo a formar uma população mais autônoma e com mais
líderes leigos formados.
No Médio Solimões os fiéis que participavam das
CEB’s, começaram a se organizar politicamente em sindicatos e
associações e passam a reivindicar seus direitos. Nesse processo
aparece também o Movimento de Preservação de lagos que foi
incentivado pela Igreja, mas que os principais agentes foram
os próprios líderes comunitários. As CEB’s começaram a se
organizar politicamente em sindicatos e associações e passam
a reivindicar seus direitos.
As lideranças formadas pela Igreja começaram a
se inserir em outros segmentos da sociedade e passaram a
atuar em prefeituras e em diferentes organizações, tais como
movimentos sociais e em partidos políticos, onde aplicam os
preceitos ideológicos da Teologia da Libertação cujos princípios
consistem no anúncio do evangelho que deve ser encarnado
na realidade da população, ou seja, a partir dos problemas
cotidianos da população. Outro ponto a ser destacado é a
influência que o “método freireano” teve nesse processo, no
sentido de educar e ao mesmo tempo politizar.
Diante deste contexto histórico de atuação da Igreja
Católica na região do Médio Solimões, o presente trabalho tem
como objetivo, analisar o processo de formação de lideranças
leigas na Prelazia de Tefé, região do Solimões, estado do

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Amazonas dando destaque para a pedagogia freirinha e teologia


da libertação e para isso foram utilizados como métodos
a revisão bibliográfica, história oral, pesquisa documental
(OLIVEIRA, 2007) e a Observação Participante (CARDOSO
DE OLIVEIRA, 2000). A história oral se caracteriza como: “um
método de pesquisa que privilegia a realização de entrevistas
com pessoas que participaram de, ou testemunharam
acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma
de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI, 1989, apud
MATOS E SENNA, 2011, p. 3). A pesquisa documental
caracteriza-se pela “busca de informações em documentos
que não receberam nenhum tratamento científico, como
relatórios, reportagens de jornais, (...) entre outros materiais
de divulgação” (OLIVEIRA, 2007, p. 69). Os principais
documentos analisados foram os relatórios, as apostilas e
boletins encontrados no acervo da Prelazia de Tefé, foram
realizadas entrevistas abertas com alguns principais atores
sociais envolvidos na formação de lideranças mapeamento
da atuação dessas lideranças entre as organizações civis,
movimentos sociais e instituições que atuam na região de Tefé,
foi feita a análise qualitativa dessas entrevistas e dos alguns
documentos do acervo da Prelazia. A principal hipótese
levantada foi: Havia realmente uma relação entre a teologia da
libertação e os métodos de educação informal e a ideologia da
Prelazia de Tefé, e desta com a pedagogia do oprimido.
Resultados e discussão
A Prelazia de Tefé corresponde a uma área de 258.000
km², equivalente ao Estado de São Paulo3. É organizada em 14
paróquias, abrangendo os municípios de Alvarães, Carauari,
Fonte Boa, Itamarati, Japurá, Juruá, Maraã, Tefé e Uarini.
Dentro deste território estão dez municípios com uma popu-
lação de cerca de 200.000 pessoas, com unidades de conser-
vação e cerca de trinta áreas indígenas onde vivem 15 povos.
3 (PERALTA, 2012).

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A amplidão territorial da Prelazia e as dificuldades


de acesso fez com que o trabalho dos missionários formado-
res e dos leigos formados pela Prelazia de Tefé fosse bastante
árduo, exigindo uma doação de vida que só é possível através
da Fé professada. O grupo do clero que atuou na Prelazia de
Tefé durante os anos 70 e 80 e que pôs em práticas as ideias e
as reformas do Concílio Vaticano II e de Medellín foram os
Espiritanos4. A princípio, os espiritanos tiveram como foco de
seus trabalhos pastorais a área da educação, ensinando para os
jovens, ofícios de hotelaria, alfaiate, entre outros.
O primeiro líder do clero e que se destaca na região
foi o bispo Dom Joaquim de Lange que assumiu a Prelazia em
1951. Dom Joaquim participou ativamente do Concílio Vati-
cano II, e, do Encontro de bispos da Amazônia em Santarém
(PA) (1972) que definiu ação da Igreja na Amazônia, nele fo-
ram definidas quatro linhas prioritárias: formação de agentes
de pastoral; formação de comunidades cristãs de base; a fun-
dação da pastoral indígena, a construção de estradas e outras
frentes pioneiras. Para a Prelazia de Tefé a formação de Co-
munidades Eclesiais de Base (CEB’s) e a formação de agentes
pastorais leigos eram as principais prioridades.
A atuação de Dom Joaquim junto a população do
médio Solimões foi bastante significativa, pois logo no início
da sua atuação fundou uma rede de paróquias e deu toda a
estrutura para que nessas paróquias existissem escola, igreja e
4 A Prelazia de Tefé é dirigida por religiosos da Congregação do Di-
vino Espírito Santo, conhecida popularmente como Congregação
Espiritana, começaram sua missão de evangelização no Amazonas,
desde os anos de 1897. (SCHAEKEN, 1997). A Congregação do
Divino Espírito é resultado da união de duas congregações. A pri-
meira fundada pelo padre Claúdio Poullart Des Places no Domingo
de Pentecostes de 1703, em Paris, França, e a segunda pelo Padre
Libermann no ano de 1841. Houve a fusão das duas congregações
em 1848 formando a congregação do Espírito Santo sob a Proteção
do Imaculado Coração de Maria. É uma Congregação Missionária
dentro da Igreja Católica que tem dedicação exclusiva ao anúncio do
Evangelho de Jesus Cristo, sobretudo entre os mais pobres e desfa-
vorecidos. (Texto disponível em www.espiritanosnobrasil.com.br).

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clube de mães. Além disso, em Tefé a Prelazia desenvolveu a


assistência social, criou a escola normal para a formação de
professores rurais criou um Ginásio poliesportivo e reativou o
hospital de Tefé.
Foi com Dom Joaquim no ano de 1963, que inicia o
processo de formação de lideranças na Prelazia, processo este
que incluía a alfabetização de jovens e adultos sob a coorde-
nação do Movimento de Educação de Base (MEB), instituído
em 1961 pela CNBB, em parceria com o governo do país. O
MEB foi um movimento educativo de alcance nacional ligado
à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e, com
sua criação houve a preparação da primeira equipe de traba-
lho através de vários seminários de estudos sobre educação de
base, e funcionamento de escolas radiofônicas. O foco da área
de atuação era a população das comunidades rurais dos mu-
nicípios da Prelazia e a Rádio Educação Rural de Tefé teve um
papel crucial para o sucesso desse trabalho.
O prédio da Rádio foi construído em 1966, quando
os bispos das prelazias de Tefé e Coari iniciaram o processo
de mobilização cotidiana dos cristãos, a partir da instalação de
estações de rádio, por meio das quais ministravam aulas (NE-
VES, 2009).
Essa mobilização através da rádio foi essencial para a
existência de uma comunicação constante dos ribeirinhos com
os membros da Prelazia. Tendo em vista que na época essa co-
municação era muito difícil devido a questão geográfica da re-
gião, a rádio serviu como um forte instrumento de politização
pois as aulas radiofônicas regidas pelo movimento de educação
de base – MEB foram praticamente o primeiro contato que a
maioria dos ribeirinhos tiveram com a educação. A rádio, que
é a mais antiga da cidade, foi de grande valia para o povo ribei-
rinho que vivia isolado. “A rádio ajudou o MEB e se aproximar
do povo, minimizando o isolamento até hoje existente”. Dom
Mário,bispo emérito da Prelazia de Tefé, (entrevista concedida
no dia 07/ 01/2014). Os aparelhos de rádio chamados carinho-

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samente de cativos, eram distribuídos pelos interiores para gru-


pos, e esses grupos eram formados através de agrupamento de
moradores, que aceitavam reorganizar-se mediante uma mu-
dança em sua concepção de vida social (NEVES, 2009). Portan-
to, foram vários os trabalhos da Igreja voltados para a melhoria
das condições de vida da população.
As influencias pedagógicas na Prelazia surgem com
a atuação do MEB pois este sofre influências pedagógicas do
método de educação popular criado pelo educador brasileiro
Paulo Freire, que foi divulgado pelos líderes da Igreja progres-
sista da região e utilizado durante o processo de alfabetização
da população ribeirinha.
A pedagogia de Paulo Freire está baseada no pressu-
posto de que “ninguém se educa a si mesmo: os homens se edu-
cam em comunhão mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987,
p. 69). Essa premissa foi a base de todo o seu método, que se
diferencia dos métodos de alfabetização tradicionais, puramen-
te mecânicos, que não tinham relação com a realidade e o coti-
diano de jovens e adultos, principalmente aqueles da área rural.
Paulo Freire desenvolve um método de alfabetização
ao mesmo tempo, um ato de criação que gera outros atos “cria-
-dores”, no qual o homem não é passivo, nem é um objeto, mas
capaz de desenvolver atividades e a “viva-cidade” da invenção
e da reinvenção - um instrumento do educando e não unica-
mente do educador. Para o educador os métodos abecedários
pretendiam oferecer somente a montagem de signos e reduzia
o analfabeto ao estado de objeto e não de sujeito de sua própria
alfabetização (FREIRE, 1979).
Paulo Freire que também foi um animador do MEB
elaborou esse método que foi colocado em prática primei-
ramente na região Nordeste, região mais pobre e com maior
quantidade de analfabetos do país. As primeiras experiências
aconteceram em Angicos, Rio Grande do Norte, com a ajuda
de alguns professores voluntários da Universidade Federal de
Pernambuco.

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Utilizando o método de Paulo Freire a equipe alfa-


betizou 300 trabalhadores em apenas 45 dias, com base nas
suas experiências de vida e no constante diálogo para a cons-
cientização dos educandos, provando assim a eficácia de seu
método e dessa forma despertando o interesse do governo da
época que tinha a meta de alfabetizar cinco milhões de adultos
em todo o país apoiado pelo governo de João Goulart e incen-
tivado pelo Ministério da Educação – MEC. Mas em março
de 1964 o golpe militar pôs fim à proposta de alfabetização de
Freire, Freire foi preso, considerado subversivo internacional,
“um traidor a Cristo e ao povo brasileiro (...) era impossível
compreender uma coisa que para mim era sagrada: um cristão
é um homem no mundo e com o mundo, ele supera-o. (FREI-
RE, 1982, p.09)
Paulo Freire assume-se cristão Católico, religião esta
que era professada por sua mãe. Como cristão trabalhou para
“defender o povo da injustiça” e se envolveu nas atividades de-
senvolvida pela chamada Ação Católica. Paulo Freire acredita-
va que “um cristão é um homem no mundo e com o mundo
de maneira que comprometido com o mundo ele supera-o”
(p.08). No entanto uma das críticas de Paulo Freire à Igreja
era quanto aos sermões vazios dos padres, que o levaram, em
um determinado momento da sua vida, a se afastar da Igreja.
Embora, segundo ele, “nunca de Deus”.
No entanto o golpe militar não pôs fim totalmente ao
método Freiriano, principalmente na região amazônica, onde
o MEB continuou seus trabalhos. Além disso, a própria Igreja
Católica adotou alguns conceitos de Freire.
As bases ideológicas e os conceitos de Freire apare-
cem nos documentos da Prelazia desde a década de 1960. A
expressão “promoção humana” utilizada por Freire ficou co-
nhecida na Prelazia por ser bastante utilizada pelo então bis-
po Dom Joaquim de Lange. Dom Joaquim criou um projeto
chamado de “Projeto Social de Promoção Humana”. Uma das
primeiras ações desse projeto foi a criação da rádio rural. Em

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seguida houve a construção de escolas, hospitais e a criação da


agrovila, citados anteriormente.
Para minimizar o distanciamento entre o clero e
o povo, Dom Joaquim criou a Escola de Agentes Pastorais –
EDAP com objetivo de formar não só padres, mas “padres po-
pulares”, como afirma o padre Antônio Gruyters, mas por falta
de financiadores a escola funcionou apenas três anos e não for-
mou nenhum padre, mas contribuiu para a formação de vários
leigos. Pode se perceber na fala do Pe. Antônio Gruyters que
Dom Joaquim se preocupava verdadeiramente com a evange-
lização encarnada na vida do povo. Pois tinha a consciência
que o homem local era o mais habilitado para se trabalhar a
chamada evangelização na “encarnação da realidade”. A frase:
“Padre é homem inteiramente voltado para a realidade” (p.14),
retirada do Boletim da Prelazia de 1973, ilustra a visão de uma
evangelização voltada para a realidade das pessoas.
A encarnação da realidade é a primeira diretriz bá-
sica do encontro de Santarém. Exige um entrosamento com a
realidade concreta do homem e do lugar pelo conhecimento
(reflexão, pesquisa, estudo) e pela convivência com o povo, na
simplicidade e na amizade do dia a dia. Já a segunda, é chama-
da de “evangelização libertadora”, ou seja, é a evangelização que
envolve progressivamente a catequese e a liturgia, exige respei-
to a diversidade cultural e possibilita desde o início a cons-
cientização como pressuposto indispensável para a libertação
do homem, porque lhes faz descobrir os valores de sua condi-
ção de pessoa humana e de filho de Deus. “Em virtude dessa
evangelização libertadora, a Igreja tem direito de se pronunciar
perante tudo aquilo que de algum modo atinja a dignidade e a
liberdade da pessoa humana e da família”. (Documento Santa-
rém, 1972 apud BOLETIM DA PRELAZIA, 1972, p.65).
Tanto a primeira diretriz quanto a segunda manifes-
ta nítida semelhança com as fundamentações da teologia da
libertação e da pedagogia Freiriana. A primeira diretriz põe a
Igreja a serviço dos oprimidos, assumindo o compromisso de

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denunciar a ordem e anunciar um mundo novo. Para isso era


necessário romper com toda ação assistencialista.
Também para Paulo Freire (1978) “não é com obras
assistencialistas que as classes oprimidas conseguem torna-se
pessoas” (p.23). Quando a Igreja assume um posicionamento
assistencialista e se preocupa apenas com a salvação espiritual
do homem e da mulher, está usando a fé em favor dos interes-
ses das classes dominadoras e a opção pelos pobres exige uma
renúncia a classes dominadoras.
Para Lowi (1989), se a opção da Igreja é de fato histo-
ricamente pelos pobres, é necessário vê-lo como sujeito de sua
libertação e não como objeto que é digno apenas de atenção
paternalista e caridosa.
A segunda diretriz do Documento de Santarém, a
evangelização libertadora, está também relacionada ao tema
Freiriano da conscientização como única forma de libertação.
A conscientização segundo Paulo Freire consiste no desen-
volvimento crítico da tomada de consciência. A conscienti-
zação implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de
apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica
na qual a realidade se dá como objeto cognoscível (FREIRE,
1979, p. 15), ou seja, é tomada de consciência do homem fren-
te aos problemas existentes na sociedade. Contudo, além dis-
so, “tomar consciência” é agir para que sua voz seja ouvida.
Como afirma Desmarais (2011), conscientizar é sair do estado
de imersão, passando pela emersão e chegar à inserção que é a
ação sobre algo que precisa ser mudado. Quando isso acontece
aí se caracteriza sua libertação.
Freire (1987) afirma que não existe consciencialização
se a prática não leva a ação consciente dos oprimidos, como
classe social oprimida explorada, na luta pela sua libertação.
A opção pelos pobres leva a Igreja a enfocar os pobres
da região em que trabalha a evangelização, os seringueiros ex-
plorados pelos patrões, os indígenas e ribeirinhos que na sua
maioria viviam em plena situação de esquecimento.

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Os métodos pedagógicos aparecem no documento fi-


nal do Encontro dos bispos de Santarém (1972). No encontro
de Santarém foram definidas quatro linhas prioritárias de ação
da Igreja na Amazônia: a formação de agentes de pastoral; de
comunidades cristãs de base; da pastoral indígena e estradas
e outras frentes pioneiras. Segundo o Boletim da Prelazia da-
tado em outubro de 1972, a Prelazia prioriza primeiramente,
apenas duas delas: a formação de agentes pastorais5 e a forma-
ção de comunidades cristãs de base. A formação dos agentes
deveria considerar, em primeiro lugar, os elementos locais, pois
ninguém melhor do que o homem do próprio meio para exercer
a liderança dentro da comunidade, e se possível ser indicada
pela comunidade a que pertence (BOLETIM, 1972).
Padre Domingos (espiritano), um dos nossos entre-
vistados falou que a primeira iniciativa visando à formação
na Prelazia foi os encontros da Pastoral Familiar, que eram de
responsabilidade da equipe de coordenação de pastoral. Para
poder trabalhar essa formação nas comunidades a equipe pas-
sava cerca de “três a quatro semanas em cada comunidade
onde eram realizadas formações não específicas para lideran-
ças. Uma vez que a idéia seria envolver toda a comunidade,
por isso se chamava de pastoral familiar”. Os entrevistados res-
saltam que era necessário conhecer a realidade das comunida-
des para poder montar junto estratégias de ação – premissas
que guardam semelhanças com aquelas da pedagogia de Paulo
Freire. Era preciso inserir-se na vida da população e a partir daí
iniciar um processo de formação que visava a conscientização
comunitária.
Outra iniciativa da Igreja foi a formação de catequis-
tas. Dom Mário afirma em entrevista que o segundo momento
de atuação da Prelazia em termos de educação não formal foi a
formação de catequistas locais. A palavra “catequista”, segundo
5 Para a Igreja é agente de pastoral todo aquele que se engaja total ou
parcialmente no trabalho apostólico da Igreja em funções diversifi-
cadas, como diáconos, ministros da eucaristia e de outros sacramen-
tos, dirigentes de culto e de comunidades.

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Dom Mário, é o mesmo que “dirigente de culto ou agentes de


comunidades” em outras regiões. Aqui o nome catequista é
em razão de uma escolha do próprio Dom Joaquim de Lange.
A formação de catequistas tinha como intenção pre-
parar melhor aqueles que se sobressaíam um pouco mais quer
na sua formação, quer na própria atuação da comunidade.
A partir das informações coletadas no acervo da Pre-
lazia de Tefé, podemos afirmar que no mês de janeiro de 1974,
o Conselho da Prelazia planejou a formação de três tipos de
agentes pastorais, conforme a realidade da Prelazia.
Existiam os catequistas “populares” ou locais, ” “cate-
quistas chefes” e os agentes de pastoral, cada tipo tinha forma-
ção específica, todos eram compostos por homens e mulheres,
os dois primeiros tipos poderiam ser solteiros ou casados e
dedicação em tempo parcial nos serviços pastoral, já o último,
exigia da pessoa a condição de solteiro (a), e dedicação em
tempo integral. Em suma, formação de todos incluía: cursos
de formações e capacitações durante um determinado perío-
do do ano, em Tefé e/ou em outro lugar. Os agentes forma-
dores foram: bispo, padres, missionários, freiras, supervisores
do MEB e membros da coordenação de pastoral. (BOLETIM,
1974).
Dentre os nove leigos entrevistados, sete deles atua-
ram como catequistas e afirmaram que para ser catequista era
necessário ter 18 anos, porém pela necessidade da Prelazia,
dois deles começaram esse trabalho aos 17 anos. Percebe-se
que formação dos catequistas variou ao longo do tempo, como
confirmam os entrevistados.
Oscarina Martins (leiga), destaca a diferença que
existia entre os tipos de catequistas: “O catequista local ele só
ministra a palavra, o catequista regional ele pode fazer batis-
mo, ele pode fazer casamento, ele pode atender na sua paró-
quia e pode atender na paróquia do outro aonde ele for ele
pode ministrar o sacramento do batismo, matrimônio, benção
aos doentes”.

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Alcione Meireles (leigo), ressalta que, além de cele-


brar e anunciar a palavra de Deus na comunidade, o catequista
também tinha o papel de organizar as mesmas. Para isso, uma
das principais características do catequista seria ter uma boa
comunicação, mas era importante também atender as regras.
“Até hoje existem nas comunidades catequistas que celebram e
ministram a palavra e dão aulas de catequese para as crianças,
de acordo com os valores evangélicos”. Nas falas das lideranças
leigas percebe-se a grande contribuição dos catequistas leigos
na ação litúrgico-sacramentalista da Igreja local.
Depois desse segundo momento onde aparece a for-
mação dos catequistas, vem o terceiro que é a formação para
animador de setor. Dom Mário explica que quando era feita a
formação dos catequistas locais, aqueles que mais se destaca-
vam e que tinham o maior perfil de liderança eram chamados
a ser “animador (a) de setor”. Setor é um conjunto de comu-
nidades de uma mesma paróquia reunidas para poder se tra-
balhar melhor a evangelização. Além disso, era uma estratégia
de reunir um conjunto de lideranças que pudessem trabalhar
juntas para reivindicar junto ao poder público, melhorias para
as comunidades que compunham o Setor. Para ajudar na orga-
nização desse conjunto de comunidades, foram formados os
animadores de setor por causa da necessidade que se tinha em
apoiar as comunidades pois a visita do padre era rara. “Então
se pensou em ter em cada região ou setores um animador para
essas comunidades (Dom Mário entrevista concedida no dia
17/01/2014).
Dentre os entrevistados leigos, quatro deles foram se-
lecionados para serem “animadores de setor”. Os outros se en-
volveram em outras pastorais e movimentos dentro da Igreja.
Dentre os quatro animadores de setor entrevistados é possível
afirmar que a função do animador era: formar comunidades
eclesiais de base, reunir com essas comunidades mensalmente
para avaliar a catequese e os trabalhos comunitários, acompa-
nhar a questão social dessas comunidades. Os animadores tra-

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balhavam não apenas nas suas respectivas comunidades, mas


também em outras, formando catequistas, trabalhando com a
preparação de casamentos, batizados, assumindo uma Pasto-
ral, e, até mesmo como Ministro da Palavra6 ou Ministro da
Eucaristia7. Os animadores de setor muitas vezes tiveram tam-
bém a oportunidade de cursar teologia e filosofia.
A formação desses agentes variou na época de três
a seis anos. Durante os períodos de formação ficavam em in-
ternatos. Cada etapa era de 15 dias, e os assuntos estudados
foram: informática, estudo do português com professores gra-
duados em letras, contabilidade, leis de advocacia. Os métodos
utilizados incluíam aula expositiva, aula corrida da bíblia ou de
outros assuntos. Dom Mário afirma que o curso para animador
de setor tem o seu roteiro próprio. Nele é usado o livro “Abra
a porta” que é muito usado até nos dias atuais. Os animadores
entrevistados afirmaram que os líderes formadores eram bas-
tante criativos e dinâmicos e que nos encontros era comum ter
várias dinâmicas e várias músicas.
Padre Domingo afirma que era necessário ter cria-
tividade para lidar com a formação desses agentes, tanto dos
catequistas como dos animadores de setor, pois havia alguns
empecilhos que dificultavam. Um deles era a dificuldade na
leitura e na escrita. Então, para o curso ter um melhor aprovei-
tamento se trabalhava a leitura e a escrita. Ou seja, o curso era
um espaço onde a pessoa tinha a oportunidade de aprender a
ler ou melhorar a sua leitura. Padre Domingos fala ainda que:
Uma das técnicas (...) era fazer com (...) as aulas não
fossem tanto no método expositivo, mas fosse o mé-
todo que cada um ia dando sua colaboração, e, outra
coisa era que partia de estilo Paulo Freire quando diz
6 É chamado de Ministro da Palavra a pessoa que é formada pela
Igreja para proclamar a Palavra de Deus geralmente são elas que
celebram os culto dominicais, quando não tem a presença de padre.
7 É Ministro da Eucaristia a pessoa que é formada para distribuir o
chamado “ corpo e sangue” de Cristo – Hóstia que chamada tam-
bém de Eucaristia.

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que cada um deve partir do seu próprio conhecimen-


to para depois, receber os novos, partiam do conheci-
mento que cada um trazia. (Padre Domingos, entre-
vista concedida no dia 17/01/2014).

Podemos perceber então a importância da coorde-


nação de pastoral da Prelazia frente às ações voltadas para a
formação comunitária. Tanto na Pastoral Familiar, como na
formação dos catequistas e dos animadores de setor, a Prelazia
participou tanto no processo de formação das comunidades
eclesiais de base (CEB’S), como na sua consolidação formando
líderes que tinham como tarefa organizar as comunidades.
É interessante destacar que nos três momentos a Pe-
dagogia de Paulo Freire aparece não apenas como um método
de alfabetização, mas como uma forma de despertar a cons-
ciência da população para a dualidade de opressores e oprimi-
dos que caracteriza a sociedade.
Todos os entrevistados tanto clero quanto os leigos
afirmaram ainda que era utilizado nos cursos de formação para
catequista, animador de setor e nos outros cursos promovidos
pela Igreja o método chamado “ver, julgar e Agir”8. Outra ca-
racterística que sobressaiu no processo de formação e educa-
ção da Prelazia de Tefé foi o uso da linguagem popular, carac-
terística que contribuiu para o fortalecimento da relação entre
o clero e a população local. Padre Antônio Jansem destaca que
o êxito da popularidade do missionário espiritano Irmão Falco
(líder que teve forte influência da Teologia da Libertação e foi o
principal articular do Movimento de Preservação de lagos) foi
também por causa da sua linguagem. Para o entrevistado “ele
[Ir. Falco] achava que nós falávamos por cima. A nossa lingua-
gem de padre formado na teologia não se sentava na cabeça e
8 O método denominado de “ver, julgar e agir” foi elaborado pelo
Cardel Joseph Cardijn (Belga) – ativista das questões sociais dentro
da Igreja. O método ficou conhecido como “trilogia de Cardjin”, se
difundiu no Brasil pela Ação Católica Brasileira em 1948. Inicial-
mente o método utilizava apenas três passos o “Ver, Julgar e o Agir”,
mais tarde o método foi se adaptando e ganhando novos passos
como o rever e o celebrar. ( BARROS E MAFRA, 2008)

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nem no coração do fiel e ele achava que ele sim ele falava de
uma maneira bem compreensiva”. Ou seja, levar em considera-
ção o linguajar local as expressões culturais são essenciais para
o universo da prática comunicativa e isso nos traz uma reflexão
no âmbito religioso ao salientar que é preciso “tocar o coração”
das pessoas.
Além disso, havia outra característica que também
contribuiu com esse processo de formação de lideranças - uma
mística diferenciada que exerceu papel central na formação de
líderes progressistas. Segundo Mariani (2009) a mística pode
ser entendida como a experiência de Deus na vida do ser hu-
mano por meio da religião, ela se materializa por meio das
celebrações, músicas e reflexões bíblicas. Para Mafra e Barros
(2008) a mística progressista é um elemento agregador e mo-
bilizador, diferente da renovação carismática da Igreja Cató-
lica que tem a mística também como elemento agregador. A
diferença está nos elementos conceituais, por exemplo, a mís-
tica progressista é revolucionária, e se manifesta através das
músicas que ganham uma característica de confronto com a
realidade, as orações passaram a ser momentos de denúncia e
de críticas às desigualdades, a todos os tipos de injustiças e a
qualquer forma de discriminação. Durante a reunião ampliada
da Pastoral da Juventude percebeu-se que a mesma se envolve
com a mística progressista, utilizando durante os momentos de
oração o “ofício divino da juventude”. O subsídio é utilizado há
vários anos e nele se encontram músicas populares, inclusive
músicas de outras crenças, não apenas da Igreja católica, mas
músicas que trazem reflexões e dão ânimo para os trabalhos
pastorais realizados nas comunidades.

Conclusões

Os processos metodológicos específicos da Prelazia


de Tefé ajudaram a levar a emancipação dos ribeirinhos que vi-
viam dependentes do patrão, os missionários e líderes da Igreja

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Progressista na Prelazia de Tefé contribuíram também para o


melhoramento da qualidade de vida da população, pois foi a
através da Igreja Católica que serviços públicos como saúde e
educação começaram a receber infraestrutura mais apropria-
da. Para Shaeken (1997) foi intermédio da Igreja houve a cons-
trução do primeiro hospital, escolas, casas populares, instala-
ção da rádio Educação Rural de Tefé e instalação do campus
universitário Juiz de Fora, dando oportunidade para os interio-
ranos cursarem faculdade melhorando assim o sistema educa-
cional do município.
No processo de formação de lideranças, apare-
ce também o movimento de preservação de lagos que teve
como articulador o missionário holandês Irmão Falco, que
formou lideranças até hoje atuantes na sociedade. O missio-
nário, por sua grande preocupação com a formação cidadã
do ribeirinho, foi responsável por vários cursos e treinamen-
tos na região, ficando batizado em seu nome o prédio Centro
de Formação Irmão Falco. O Centro continua sendo usado
para cursos de formação, reuniões, Encontros Pastorais, entre
outras atividades da Igreja quanto de outras instituições dos
diversos segmentos da sociedade. Percebe-se que nos cursos,
reuniões, assembleias e encontros organizados pela Prelazia é
utilizada a metodologia da Ação Católica e também a peda-
gogia de Paulo Freire e tem como características a mística e
a linguagem popular. Algo importante a ser destacado é que
a educação gerada pela Prelazia conseguiu abranger grande
parte da população ribeirinha que viviam em lugares de di-
fícil acesso. As lideranças formadas estão atuando nos diver-
sos setores da sociedade, como Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamiraua, (IDSM), atuando como profissionais
da educação pelo estado e pelas prefeituras, nas secretarias
municipais, nas organizações não governamentais, não só em
Tefé como nos diversos municípios que compõem a Prelazia,
assim como no governo do Departamento de Mudanças Cli-
máticas e Unidades de Conservação (DEMUC).

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1611
EIXO TEMÁTICO 8
PAULO FREIRE E UNIVERSIDADE POPULAR

Coordenador: Dr. Thiago Ingrassia Pereira (UFFS/RS)

O eixo PAULO FREIRE E A UNIVERSIDADE, pre-


tende debater a Universidade Popular, proposta elaborada pela
equipe do Serviço de Extensão Cultural (SEC), da Universi-
dade do Recife (hoje, UFPE) nos anos 1960 que apresenta-se
como parte do Sistema Paulo Freire de Educação. Seu livro
mais autobiográfico, Cartas a Cristina, Freire reflete sobre sua
passagem do Movimento de Cultura Popular (MCP) ao SEC,
apresentando os dois principais momentos do ciclo gnosioló-
gico nos quais a universidade deve investir: a docência, em que
se ensina o que se conhece; e a pesquisa, em que se produzem
novos conhecimentos. Retomar essa concepção fundante de
Universidade Popular na perspectiva freiriana permite rein-
ventar Freire nos atuais processos formativos de nossas uni-
versidades e apresentar o debate freiriano na educação supe-
rior, promovendo discussões teóricas, análises de experiências
empíricas e diagnósticos que aproximam a Educação Popular
da universidade, acenando para o “inédito-viável” da Univer-
sidade Popular.

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ISSN 2448-2072

SUMÁRIO

PRÁXIS DA EDUCAÇÃO POPULAR NO CONTEXTO


DA EDUCAÇÃO INFANTIL, SUAS REPERCUSÕES E A
FORMAÇÃO DO EDUCADOR SOCIAL
NACHTIGALL, Nara
Sandra Mara da Rosa ............................................................. 1615
EDUCAÇÃO POPULAR NA PÓS-GRADUAÇÃO:
CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO FREIREANO
Marissandra Todero
Tatiane Fernanda Gomes ...................................................... 1631
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: CONSTRUINDO
SABERES E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NO MEIO
AMAZÔNICO
Joelma Monteiro de Carvalho .............................................. 1641
UNIVERSIDADE POPULAR PARA ALÉM DA UTOPIA
Adriana Salete Loss
Paulo Cesar Marinho ............................................................. 1659
QUESTÕES PARA REFLETIR: EXPERIÊNCIAS
POPULARES NA UNIVERSIDADE OU UNIVERSIDADE
POPULAR?
Fernanda dos Santos Paulo
Vlamir do Nascimento Seabra
Thales Érick de Paulo Pereira ............................................... 1681
UNIVERSIDADE POPULAR NO SISTEMA PAULO
FREIRE
Thiago Ingrassia Pereira ........................................................ 1695
CÍRCULO DE CULTURA DIDÁTICA: POSSIBILIDADES
FORMATIVAS PARA A UNIVERSIDADE POPULAR
Rosana Aparecida Ferreira Pontes ....................................... 1707

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

PRÁXIS DA EDUCAÇÃO POPULAR NO


CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL,
SUAS REPERCUSÕES E A FORMAÇÃO DO
EDUCADOR SOCIAL
NACHTIGALL, Nara1
DA ROSA, Sandra Mara2

Compreendendo a educação Infantil e o profissional e


evidenciando fatos
A primeira infância é a fase mais importante da vida
dos sujeitos, é neste tempo que os mesmos desenvolvem sua
personalidade. Por isso a importância do profissional que atua
nesta área ter comprometimento e conhecimento acerca do
desenvolvimento infantil, suas especificidades e necessidades,
bem como conhecer o contexto sócio cultural das crianças e
da comunidade em que vivem. Consideramos também que a
formação do educador está um pouco difusa, ou afastada das
realidades cotidianas da educação, a relação do educador com
a proposta educacional deve ir além da didática, é necessário
ser humanizada, e o profissional carece de estar preparado para
receber a diversidade nas suas escolas, e salas de atendimento.
1 Especialista em Docência na Educação Infantil pela UFRGS. E
em Psicopedagogia Clínica, institucional e Hospitalar pela Facul-
dade AVANTS/SC. Licenciatura em Pedagogia anos Iniciais e EJA
do Ensino Fundamental pela UERGS. Extensão Universitária em
Educação Integral e Escolas da Paz pela UFRGS. Coordenadora Pe-
dagógica do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos,
Professora do Curso de educador Social na CEFOR-RS. Contato:
naranachtigall@ig.com.br.
2 Licenciatura em Pedagogia Educação Infantil com Ênfase em Edu-
cação Popular. Especialista em Psicomotricidade Relacional. Profes-
sora de Educação Infantil. Contato: sandra.vini@gmail.com

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Não somos meros educadores somos educadores que acredi-


tam na transformação do sujeito, por meio da educação, do
respeito, da igualdade, e das oportunidades. Acreditamos que
para ser educador necessita-se mais que formação teórica, pre-
cisamos ser sujeitos afetivos, ensinar requer amor,
porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor
é compromisso com os homens. Onde quer que es-
tejam estes, oprimidos, o ato de amor está em com-
prometer-se com sua causa. A causa de sua libertação.
Mas esse compromisso, porque é amoroso, é dialógi-
co. (FREIRE, 2011, p. 19)

Por tanto nosso estudo parte das nossas observações,


vivências e experiências, enquanto educadoras sociais que se
identificam com a teoria de Paulo Freire, pois nos apresenta
uma educação fundamentada na relação eu/outro, ou seja,
uma educação que se dá na coletividade, a partir do contexto
sócio cultural em que estes sujeitos estão inseridos, em especial
as camadas populares. Estes sujeitos têm muito a nos dizer e
nos ensinar a partir da prática de uma educação libertadora,
consciente de que o aprender e ensinar dar-se-ão simultanea-
mente entre educador e educando, visto que “não há docência
sem discência, pois, as duas se explicam e seus sujeitos apesar
das diferenças que os conotam, não se reduzem a objeto, um
do outro”. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 23). Assim neste pro-
cesso dialético, amoroso ético e estético ambos se transformam
sendo parte da história um do outro.
Sendo assim, finalizaremos esse artigo com considera-
ções a serem refletidas pelos discentes e docentes, pois cremos
que na educação e principalmente na educação Infantil nada é
final, acreditar nas transformações, nas reflexões, nas leituras e
releituras é nosso infinito trabalho e é fator fundamental para
continuidade das relações e da educação, e para tentar reava-
liar nossas formações acadêmicas que muitas vezes nos deixam
afastados do nosso aluno, criando um mundo ilusório de robôs

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

que só existem em nossas fantasias. Pois lidar com os sujei-


tos em formação e de diferentes realidades e culturas requer
reavaliar constantemente nosso fazer cotidiano. Por isso esse
trabalho apresenta também alguns exemplos descritos de falas
das professoras que ilustram e justificam o tema, bem como
a importância em debater e promover meios de conscientiza-
ção dos mesmos em prol de seu conhecimento profissional e
pessoal. Estar aberto ao diálogo com os diferentes pares, em
uma perspectiva de construção de conhecimentos a partir das
vivências de cada um é fundamental.
Traços da história da infância e o dia a dia
A criança nasce capaz de estabelecer relações com o
meio em que vive, mas em diferentes momentos da história
essa compreensão de que o sujeito integral é ser de direitos e
tem saberes não foi considerado e foi colocado que a história
da infância é datada como a história da marginalização. As
crianças viviam em um ambiente que não era o seu, sendo su-
jeitas a viver e sobreviver em um espaço feito totalmente fora
das suas necessidades. Eram adultos em miniatura e obrigados
a viver como tais. Não sendo consideradas suas especificida-
des, as fases do desenvolvimento que caracterizam a infância.
A educação das crianças era de responsabilidade apenas dos
pais, não havia uma instituição que pudesse compartilhar e
complementar com a família esta tarefa.
Felizmente, ao longo dos anos, foram surgindo outras
formas de pensar a experiência humana (criança e a infância)
diversos estudiosos dedicaram-se, e ainda o fazem, a estudar o
desenvolvimento infantil, a elaboração do estatuto da criança
e do adolescente também foi uma importante conquista deste
período. Pois a ideia de sujeito em formação e de como é viven-
ciado a experiência da infância nas diferentes culturas de época
para época foi e é de suma importância para que a criança con-
quiste seu espaço como sujeitos de direitos que são. A educação
infantil vem sofrendo significativas evoluções no decorrer dos

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anos, e tem procurado ocupar um lugar de destaque na área da


educação no Brasil. Neste sentido o professor/educador assu-
me papel fundamental. Pois para que a criança tenha a opor-
tunidade de se desenvolver de forma saudável e construtiva é
imprescindível que o professor viva em constante processo de
formação, conhecer o processo de desenvolvimento biológico,
psicológico, social, cognitivo da criança e a realidade em que
a mesma está inserida é premissa básica, na construção de su-
jeitos plenamente saudáveis, autônomos, abertos ao diálogo e a
reflexão. Percebemos que falta este conhecimento para muitos
professores que atuam no ambiente da educação infantil. Visto
que é neste período que a criança desenvolve sua personalida-
de, tudo o que vivenciar de positivo ou não exercerá influência
nas demais fases de sua vida. Nossas crianças chegam, na es-
cola com olhares curiosos, animados, atentos, mas com mui-
tos resquícios da vida dura que enfrentam com suas famílias,
muitos com o desejo de socializar suas vivências, mas também
com fome, medos, traumas e resistências. E cabe a nós obser-
var cada um, e considerar cada situação, para que a transfor-
mação aconteça de forma natural, prazerosa e espontânea ao
decorrer dos dias/anos na escola ou em seu meio social. Tarefa
essa que requer disponibilidade, determinação, compreensão e
muito amor pela escolha em ser professor/educador e seu fazer
diário. Ser educador está muito além de um título acadêmico,
está na vocação assim como em qualquer profissão.
Portanto, não basta a criança estar em um espaço
organizado de modo a desafiar suas competências; é
preciso que ela interaja com esse espaço para vivê-lo
intencionalmente. (HORN, 2004, p.15)

Por tanto nosso papel enquanto educadoras é de extre-


ma importância e, para tanto, a contribuição de Paulo Freire é
fundamental. Considerando que este era arguto um educador
a frente de seu tempo, um educador de sonhos e utopias reais.
Aja visto seu olhar para a educação do sujeito, uma educação
libertadora, que tenha a possibilidade de promover a eman-

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cipação e a liberdade dos sujeitos. Sujeitos que possam ir em


busca de sonhos, sonhos alcançados a partir de ações coleti-
vas que visem a transformação social. Sujeitos que possuam
consciência crítica que tenham a capacidade de colocar-se no
lugar do outro sendo sensível a sua realidade e especificidades.
Pois as crianças vivem em um estado de constante descober-
ta do mundo e cumprir a responsabilidade de compartilhar
com as mesmas, esta descoberta tão instigante é um grande
e encantador desafio. A medida que se desenvolve a criança
vai se percebendo parte de um espaço que lhe pertence e as
diferentes relações que estabelece consigo e o meio que a cerca
são fundamentais para a sua constituição global. A criança vive
em um estado de transformação física, perceptiva, psíquica,
emocional e cognitiva o que faz com que ela tenha um espírito
curioso, atento e de puro experimento. Seu olhar expressa o
desejo de conquistar o mundo em que habita. Vive em um total
estado de encantamento diante dos objetos, das pessoas e das
diferentes situações que a rodeiam demonstrando seu desejo
de posse, como se proclamasse que tudo o que é dela é ela pró-
pria. Portanto compreender e aceitar que o desenvolvimento
infantil é um processo dinâmico e que cada criança possui uma
lógica que é particularmente sua é essencial a todo profissional
da educação infantil.
Desta forma o educador que se diz e se considera um
educador popular busca refletir constantemente percebendo
cada dia mais que a transformação se dá sim de forma efetiva
a partir de ações coletivas, mas necessita inicialmente de um
investimento individual, de um querer estar de um desejo de
fazer parte de um determinado grupo.
É que ninguém caminha sem aprender a caminhar,
sem aprender a fazer o caminho, sem aprender a refa-
zer, a retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs
a caminhar (FREIRE, 1992, p.127).

A educação necessita de disponibilidade, de certa rigo-


rosidade diante da responsabilidade assumida, exige consciên-

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cia da escolha feita e das implicações que a ela compete. Neces-


sita olhar o outro sem preconceitos ou julgamentos. Não basta
estar apenas de corpo presente é preciso estar de corpo inteiro
física e espiritualmente. Somente posso reconhecer, compreen-
der e aprender em comunhão se primeiramente e também me
reconheço essencialmente como sujeito com defeitos e quali-
dades. É poder a cada dia vivido com os educandos aperfei-
çoar o olhar, um olhar que observa, escuta e reflete de forma
cada vez mais cuidadosa, curiosa, reflexiva, disponível, critica
e acima de tudo afetiva. Ser educador popular é aceitar e com-
preender a incompletude do seu próprio processo e também
do outro em uma experiência de liberdade e autenticidade.
A prática do educador social e a formação acadêmica.
O educador social deve estar aberto às peculiaridades
de cada um, à realidade, à forma que cada um possui de ler e
compreender o mundo que o cerca para, a partir dos saberes
socialmente construídos, problematizar a realidade em que os
educandos estão inseridos, discutindo a razão de ser de alguns
destes saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Segun-
do Freire, “por que não estabelecer uma “intimidade entre os
saberes curriculares fundamentais aos educandos e a experiên-
cia social que eles têm como indivíduos? ”(1996 p. 30). Estes
elementos levam a construção do conhecimento e neste pro-
cesso de ensinar, ambos - educador e educando - aprendem
juntos, levando em conta que, “ensinar inexiste sem aprender
e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamen-
te, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar’.
(FREIRE, 1996, p. 23-24)
Neste intenso e significativo processo de ensinar e
aprender coletivamente, nesta relação entre o eu e o outro é
que o educador necessita estar aberto ao diálogo, disponível
aos chamamentos mais íntimos que lhe chegam aos ouvidos. E
fazer desta escuta o alimento que nutre sua prática diária com
os educandos. Uma prática comprometida cujo intuito seja

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

contribuir significativamente na promoção de sujeitos críticos,


conscientes de seu estar no mundo.
O discurso da impossibilidade de mudar o mundo é
o discurso de quem, por diferentes razões, aceitou a
acomodação, inclusive por lucrar com ela. A acomo-
dação é a expressão da desistência da luta pela mu-
dança. Falta a quem se acomoda, ou em quem se aco-
moda fraqueja, a capacidade de resistir. É mais fácil a
quem deixou de resistir ou a quem sequer foi possível
em algum tempo resistir aconchegar-se na mornidão
da impossibilidade do que assumir a briga permanen-
te e quase sempre desigual em favor da justiça e da
ética (FREIRE, 1996, p 67).

Estes compromissos e desafios que permeiam a práxis


da educação infantil nos colocam frente a inúmeras reflexões
diante das necessidades e responsabilidades em constituir um
espaço educacional infantil qualificado, onde a criança possa
vivenciar suas experiências de forma livre e espontânea por
meio das emoções e fantasias inerentes a esta fase da vida. Es-
paços que evidenciem e que coloquem em primeiro plano o
desejo de ser e estar da criança no mundo. O desejo de criar,
o prazer de aprender coletivamente mediados pelo diálogo e a
cooperação diante das especificidades de cada um. O educa-
dor que não dispõe de conhecimento a cerca do processo de
aprendizagem da criança comete sérios equívocos que inibem
e retardam o desenvolvimento da criança. Em uma das obser-
vações realizadas a educadora estava no pátio com as crianças
e está ofereceu giz para que as mesmas desenhassem no chão.
Uma menina desenha produzindo riscos geométricos e relata
para os colegas que estão a observando que sua obra se refe-
re à construção de uma casa ou alguns edifícios. A professo-
ra se aproxima e diz: “Não faz assim. Isso não é desenho. Tu
vais só gastar todo o giz”. Neste momento a criança olha para
a professora expressando certa decepção no olhar e abandona
seu desenho. “A autoridade docente autoritária, rígida, não
conta com nenhuma criatividade do educando. Não faz parte

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

da sua forma de ser, esperar, sequer, que o educando revele o


gosto de aventurar-se. (FREIRE, 2006, p. 92)
Ao entender a educação como formação do ser huma-
no nos remetemos ao conhecimento necessário ao educador de
educação infantil. Pois propor práticas pedagógicas coerentes
e adequadas a cada faixa-etária exige além de tantas caracterís-
ticas do educador conhecimento e respeito ao direito da crian-
ça de criar de acordo com suas percepções, sua imaginação e
fantasia. É dar liberdade a suas diferentes formas de expressão.
Adquirir tal competência não é tarefa simples, pois requer dis-
ponibilidade do mesmo para o ato da reflexão crítica em rela-
ção a sua própria prática e a partir de então disponibilizar-se,
abrir-se ao novo, ao inevitável, assumir sua própria identidade
perante o outro.
A experiência histórica, política, cultural e social dos
homens e das mulheres jamais pode se dar “virgem”
do conflito entre as forças que obstaculizam a busca
da assunção de si por parte dos indivíduos e dos gru-
pos e das forças que trabalham em favor daquela as-
sunção (FREIRE, 2006, p. 42).

Isso significa resignificar conceitos, quebrar paradig-


mas, abrir-se ao diálogo e a troca com o outro, compreenden-
do que para aceitar o outro é necessário aceitar-se primeira-
mente, tomar consciência de si mesmo, de seu estar no mundo.
Neste sentido cabe destacar a importância de a formação do
professor/educador estar integrada com a sua prática em sala
de aula. Por isso a relevância em torno das propostas de for-
mação do professor, da universidade preparar o profissional
para a diversidade, para a compreensão da desigualdade so-
cial. Considerando primeiramente a forma como este aprende.
Esta revitalização profissional dos educadores se mostra como
um dos desafios quanto à qualidade na educação infantil. O
trabalho essencial do educador é o de nortear a aprendizagem
das crianças. Isso implica a capacidade para expor informações
de modo que seja significativo para elas, que faça sentido para

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

as mesmas. Observar a forma como estas aprendizagens estão


acontecendo e então propor atividades que visem o desenvol-
vimento global da criança de acordo com cada faixa-etária. O
educador requer características peculiares dos demais, pois en-
volve relações com a etapa fundamental do desenvolvimento
do ser humano, o que exige além da formação inicial a perma-
nente, de modo que este possa responder as demandas de cada
grupo.
Neste sentido é importante salientar o peso que ocu-
pa o componente das relações nesta etapa. “Sendo este recurso
indispensável em se tratando de crianças pequenas. O essencial
nas relações entre educador e educando, entre autoridade e li-
berdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser
humano no aprendizado de sua autonomia” (FREIRE, 2006, p.
94). Pois qualquer possibilidade de educação passa pela esfera
dos vínculos positivos que envolvem a relação professor/edu-
cador e aluno/criança. Relações mal estabelecidas na infância
serão levadas para toda a vida. Isso nos remete a um ponto
também fundamental neste contexto, à coerência em,
procurar a aproximação cada vez maior entre o que
eu digo e o que faço entre o que pareço ser e o que
realmente estou sendo (...) a percepção que o aluno
tem de mim não resulta exclusivamente de como
atuo, mas também de como o aluno entende como
atuo (...) sou tão melhor professor, então, quanto mais
eficazmente consiga provocar o educando no sentido
de que prepare ou refine sua curiosidade, que deve
trabalhar com minha ajuda, com vistas a que produza
sua inteligência do objeto ou do conteúdo de que falo.
(FREIRE, 2006, p. 97, 118).

Assim para ser um educador de educação infantil de


qualidade não basta apenas ter ideias criativas ou saber con-
duzir uma turma, cada uma de suas características esta es-
treitamente ligada à outra e não podem de forma alguma ser
isoladas. Pensando que a formação é essencial nos remetemos
à prática do planejamento e da avaliação. Estes são dois seg-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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mentos indispensáveis no que se refere ao conhecimento e a


prática docente.
Planejamento e avaliação
Em uma das observações realizadas ficou claro para
nós (entre outras coisas) a falta de planejamento das educado-
ras. Percebemos que o fato de estar sendo observadas as levou a
improvisar uma atividade para as crianças. As crianças estavam
dispersas pela sala, cada qual com um brinquedo, ou simples-
mente andando de um lado para o outro. Uma das professoras
da turma vai até uma sala ao lado e pela janela passa a jogar
várias bolas de tamanhos e cores diferentes para as crianças.
Sem dar qualquer explicação está volta para a sala e começa a
pegar as bolas e jogá-las de um lado para o outro. As crianças
ficaram paradas olhando para a educadora sem expressar rea-
ção alguma.
A necessidade do planejamento esta relacionada ao
interesse e a complexidade da ação a ser desenvolvida
(...). Se a função do educador for reduzida à repeti-
ção de conteúdo, a “tomar conta” das crianças, não
há necessidade mesmo do plano. Estamos partindo
do seguinte pressuposto: a tarefa de educar é por de-
mais importante e complexa para ser decidida e feita
isoladamente, na improvisação, ao acaso, na base do
jeitinho (VASCONCELLOS, 1995, p. 34).

Planejar adequadamente esta intrinsecamente vincu-


lada à ação, relação entre teoria e prática, é um processo de re-
flexão e tomada de decisões. O planejamento requer por parte
do professor um olhar sensível e cuidadoso, implica em con-
siderar a realidade em que a criança esta inserida, sua forma
de ler e interpretar o mundo respeitando suas especificidades.
O educador é o elemento fundamental do processo de ensino
e aprendizagem, é necessário que assuma seu papel de agente
histórico de transformação da realidade, articulado com a rea-
lidade social que o rodeia.

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Por isso um planejamento coerente e responsável com


o compromisso de educar parte da prática, como desafio para a
transformação. Já que a escola é um espaço político pedagógico
que contribui para a interseção da diversidade cultural que a
envolve e a constitui, por que é um espaço de dar sentido, sig-
nificado, de produzir conhecimentos, valores e competências
essenciais para a formação humana dos que ensinam e dos que
aprendem.
Nesse sentido pensamos também no papel da avalia-
ção que é o de acompanhar a relação ensino e aprendizagem
disponibilizando as informações necessárias, para então man-
ter o diálogo entre intervenções de professores e alunos. Tendo
a escola como um espaço de desenvolvimento, de formação e
aprendizagem, entendendo o conhecimento como parte inte-
grante da formação humana.
A sala de aula é o espaço de diferença e heterogenei-
dade, cada ser é único, com experiências, histórias, conheci-
mentos, possibilidades e limitações que o constituem como é.
Assim,
A avaliação, em seu sentido amplo, apresenta-se como
atividade essencialmente humana associada á expe-
riência cotidiana de homens e mulheres. Ela faz parte
do nosso dia-a-dia e, muitas vezes, determina nosso
modo de ser e de agir (...). Podemos dizer que somos
hoje o que somos por que nos constituímos a partir
das ações que empreendemos, fruto de nossas refle-
xões, questionamentos e desafios sobre nós mesmos e
das incorporações que fazemos a partir das interações
que estabelecemos com os outros e com o mundo, em
um processo permanente de avaliação. Quanto mais
dialógico for esse processo, mais consciência temos
dele, provocando, portanto, mudanças, transforma-
ções em nossas vidas, constituindo-nos como sujeito
individual e social” (LOCH apud FETZNER, 2008, p.
160, 161).

Portanto os educadores são profissionais que sabem


fazer aquilo que é próprio da sua profissão, sendo esta vincula-

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da ao afeto, a disponibilidade, a potencializar, oferecer, enfati-


zar e multiplicar o desenvolvimento saudável e equilibrado de
toda e qualquer criança, desde que a sua formação seja com-
pleta, associada ao entender o sujeito em suas peculiaridades,
percebendo suas potencialidades e habilidades, fazendo seu
trabalho com amor e cuidado.

Conclusões

A qualidade que almejamos para a educação infan-


til implica objetivamente na formação inicial e permanente
do professor. Por isso a necessidade do mesmo se reconhecer
como “sujeito histórico que constrói e reconstrói referenciais,
referenciais e práticas pedagógicas, a partir de desafios indivi-
duais da vivência cotidiana e, principalmente, do trabalho co-
letivo” (KULISCH, 2001, p. 25).
Esta construção de teorias e práticas se fundamenta
em um processo constante e permanente do exercício da ação-
-reflexão-ação envolvendo trocas que levam a planejamentos
e ao ato de avaliar fundamentados no diálogo e na mediação
com a realidade, fazendo do conhecimento um processo co-
letivo, onde existam comunicadores/anunciadores de novas
descobertas.
Visando à formação de sujeitos críticos e reflexivos
aptos a viver plenamente na sociedade que habitam. Por certo
esta não é uma tarefa simples, tão pouco fácil, ela nos exige
muito, é difícil, mas recheada de encantamentos à medida que
vamos construindo com esses sujeitos em formação a constru-
ção da sua autonomia. Possibilitando que as mesmas vivam
sem culpa seus desejos, anseios, emoções e frustrações em um
ambiente que as perceba como seres únicos, que aprendem em
constante movimento, seres autores de sua própria história. Es-
tes são elementos que expressam as peculiaridades necessárias
ao profissional responsável pela educação da criança pequena,
visto que este,

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

possui uma tarefa que, sendo prazerosa, é também


exigente: de seriedade, de preparo cientifico, de pre-
paro físico, emocional e afetivo. É uma tarefa que
requer um gosto especial de querer bem não só aos
outros, mas ao próprio processo que ela implica. (RE-
DIN, 2010, p. 138 -139)

Assim compreender e aceitar que o desenvolvimento


infantil é um processo dinâmico e que cada criança possui uma
lógica que é particularmente sua é essencial. Com base nestes
elementos e refletindo em relação a nossas práticas como edu-
cadoras sociais acreditamos que a essência de uma educação de
qualidade, mais humanizada e justa que tenha a possibilidade
de ser partilhada por muitos, reside no investimento e no cui-
dado com todas as esferas que caracterizam o desenvolvimento
da pessoa na sua mais tenra idade. E que este é um constan-
te processo de aprender e ensinar, mediados pelo diálogo, um
diálogo que inquieta, instiga, problematiza, denuncia e anun-
cia possibilidades.
A educação necessita de certa assistência, pois a forma-
ção inicial por vezes deixa o educador sem conhecer de fato o
que lhe espera por detrás dos muros da escola precisa de rigo-
rosidade na aprendizagem acadêmica, e ousamos afirmar que
necessita de revitalização de currículo, onde possa contemplar
a diversidade humana, a formação do educador social, de uma
pedagogia que explicite o dia a dia do profissional e as diversas
peculiaridades que encontraremos na tarefa de educar, poden-
do compreender que o currículo tem que ser dinâmico, itine-
rante, e muito flexível garantindo a contemplação das diversas
culturas e das especificidades de cada sujeito, bem como se
reconhecer como um agente capaz de ensinar, mas de apren-
der, reaprender, refletir sua ação, e também de entender seu
papel de promoção do ensino que transmite amor ao ensinar,
e ensinando transforma a opressão em cidadania democrática,
sabendo que cada um aprende ao seu tempo, ao seu modo, e
aprende muito melhor quando o que aprende lhe é significati-
vo e não mero conteúdo ou simplesmente senso comum.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Fechamos esse artigo com a sensação de mudança,


onde certamente nossa educação superior deverá atuar, traba-
lhando na formação pedagógica de forma a intensificar uma
formação humanizada.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários


à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. Partir da infância:
diálogos sobre educação. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas
e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com
a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
ESTEBAM, Maria T.; HOFMANN, Jussara; SILVA, Janssen F.
(orgs). Práticas avaliativas e aprendizagens significativas.
Mediação. Porto Alegre, 2006.
FETZNER, Andréa R. Avaliação: desejos, vozes, diálogos e
processos. Rio de Janeiro: Edit. Wak, 2008.
HERNÁNDEZ, Fernando. A organização do currículo por
projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5
ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
REDIM, Euclides. Educação e infância in: STRECK, Danilo.
ZITKOSKI, Jaime (orgs.) Dicionário Paulo Freire. – Belo
Horizonte: Autêntica Editora,2010.
VASCONCELLOS, Celso dos s. Planejamento: Plano de
ensino-aprendizagem e Projeto Educativo. São Paulo:
Libertad 1995
ZABALZA, Miguel A. Qualidade em educação infantil.
Porto Alegre: Artmed, 1998.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

KULISZ, Beatriz. Práticas pedagógicas de educação infantil:


indicações para a construção de um referencial pedagógico.
Porto Alegre, 2001.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

EDUCAÇÃO POPULAR NA PÓS-GRADUAÇÃO:


CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO
FREIREANO

TODERO, Marissandra1
GOMES, Tatiane Fernanda2
Introdução
O ingresso na primeira turma do Mestrado Profis-
sional em Educação na Universidade Federal da Fronteira Sul
– UFFS – Erechim, além de um grande desafio, suscitou uma
série de questionamentos, especialmente para os ingressantes
na Linha de Pesquisa 2 - Pesquisa em Educação Não-formal:
Práticas Político-Sociais, uma vez que a mesma propõe “Estu-
do investigativo em processos históricos, políticos e culturais
dos sujeitos envolvidos no processo educativo de emancipação
humana e para a cidadania. Contribuições da Educação Po-
pular – EP – na América Latina. Experiências dos movimen-
tos sociais e de educação não-formal em articulação com as
práticas sociais em geral3”. Um dos principais questionamentos
1 Licenciada em Pedagogia Educação Infantil (URI); Especialista em
Educação interdisciplinar com ênfase em Educação Infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental (IDEAU); Aluna do Mestrado Pro-
fissional em Educação da UFFS. Professora da rede municipal de
Quatro Irmãos - RS. E-mail: marissandrat@gmail.com
2 Licenciada em Letras Português e Literaturas de Língua Portugue-
sa (UFSM); Especialista em PROEJA (UFRGS) Aluna do Mestrado
Profissional em Educação da UFFS. Servidora técnico-administrati-
va da UFSM. E-mail: tatiane@ufsm.br
3 Descrição do Mestrado Profissional em Educação - UFFS. Dispo-
nível em: <http://www.uffs.edu.br/index.php?option=com_conten-
t&view=article&id=7446&Itemid=2503&site=erechim>. Acesso em
12 mar. 2016.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

suscitados foi em relação à presença da Educação Popular na


Universidade, principalmente na UFFS, Universidade criada
com uma perspectiva popular, conforme Loss et al (2014):
A UFFS foi a primeira universidade pública federal
cuja criação deveu-se, diretamente, ao poder da mo-
bilização e de convencimento público dos movimen-
tos sociais e das lideranças políticas e comunitárias.
As redes de associativismo civil e o denso tecido de
organizações sociais da região - berço de alguns dos
principais movimentos sociais do campo do Brasil -
foram mobilizados para a formulação do projeto de
universidade e sua subsequente concretização (p. 14-
15).

A presença da Educação Popular na Universidade é


tema de interesse de muitos pesquisadores, não apenas na área
da educação, mas também na área da saúde e das ciências agrá-
rias, para Vasconcelos e Cruz (2011):
A Educação Popular se constituiu fortemente vincula-
da à vida universitária, não como uma ação oficial das
políticas acadêmicas universitárias, mas como inspi-
ração de muitas das práticas sociais que estudantes,
professores e intelectuais mais inquietos iam tentan-
do implementar nos espaços livres de seus trabalhos
(p.17).

Com relação especificamente à Pós-graduação, é possí-


vel constatar que a presença da Educação Popular se deu prin-
cipalmente pela inserção de metodologias próprias do campo
da EP, como a sistematização de experiências e a metodologia
da pesquisa participante e da pesquisa-ação em trabalhos de
mestrado e doutorado. Para os mesmos autores, a presença da
Educação Popular aos poucos passa a ganhar espaço no meio
universitário não apenas em ações pontuais e esporádicas da
graduação, mas também passam a aparecer na pós-graduação,
uma vez que:
Cresce também o número de pesquisas acadêmicas
orientadas pelas preocupações e demandas da Edu-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

cação Popular, e as metodologias de pesquisa valori-


zadas por ela — como a pesquisa participante, a pes-
quisa-ação e a sistematização de experiências — vêm
encontrando crescente espaço no meio acadêmico
(p.20).

Ao propor essa reflexão, partimos do pressuposto de


que a Universidade é um espaço que possibilita a ampliação de
horizontes viabilizando novas aprendizagens, através do ensi-
no, da pesquisa e da sistematização do conhecimento científi-
co.
A expansão do Ensino Superior e de programas de
pós-graduação, assim como a universalização do acesso à Edu-
cação Básica criaram um contexto de aumento expressivo do
acesso à escolarização de estudantes oriundos das classes po-
pulares, entretanto, com relação ao ensino superior e à pós-
-graduação, não houve mudança significativa explicitada nas
práticas e processos formativos oferecidos. Além da referida
expansão, vivenciamos um contexto no qual a universidade
como instituição vem sendo discutida e é vislumbrada a neces-
sidade de sua reformulação, tornando-a mais “apropriada” ao
momento histórico atual e às necessidades reais da população,
caminhando para a superação da visão da educação, em espe-
cial o ensino superior, necessariamente voltada às exigências
do mercado mundial. Na visão de Vasconcelos e Cruz (2011):
A reconstrução da Universidade brasileira é, hoje,
um grande e importante movimento interno à pró-
pria Universidade. Todos os dias, diversos coletivos
de professores, estudantes, técnicos e movimentos
sociais vêm empenhando seu trabalho para construir
essa nova Universidade, cujo conhecimento esteja
lado a lado com a sabedoria do povo. Uma instituição
do saber que ganhe sentido através da colaboração, do
diálogo de saberes, de relações humanizantes, de valo-
rização da espiritualidade (p. 23).

Acreditamos que elementos do pensamento freireano


tem muito a contribuir também nesse nível de ensino, o que

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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vem sendo constatado a partir de trabalhos que utilizam pes-


quisa participante, sistematização das vivências, através das
quais é possível compreender as experiências populares.
Apresentaremos alguns elementos basilares da concep-
ção de Educação Popular propostos por Paulo Freire, dando
maior atenção à dialogicidade, na qual o educador se coloca
em relação horizontal com o educando, e a dimensão política
da educação, a perspectiva de que cada indivíduo pode, a partir
da conscientização e da libertação da opressão, se tornar sujei-
to histórico.
Para Paulo Freire, na “Pedagogia do Oprimido”:
(...) o educador já não é o que apenas educa, mas o
que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o
educando que ao ser educado, também educa. Am-
bos, assim, se tornam sujeitos do processo em que
crescem juntos (1987, p. 68).

Portanto, o educador, neste diálogo constante busca a


libertação e a superação da contradição opressores-oprimidos,
como parte do processo transformador das classes populares.
Metodologia
O procedimento metodológico adotado para a produ-
ção desta reflexão consistiu na leitura e análise de bibliografia
atinente ao tema, priorizando obras de Paulo Freire e de de-
mais autores, com destaque para autores que também tratas-
sem dos três elementos basilares da EP propostos por Freire.
Após a seleção da bibliografia de referência foi desenvolvida
a reflexão, também com base na documentação referente ao
Mestrado Profissional em Educação da UFFS - Erechim.
Desenvolvimento
Identificamos na formação profissional, seja na edu-
cação superior e na formação inicial de professores a possibi-
lidade de contribuições do legado de Paulo Freire. Na reflexão
teórica e na prática, ou práxis. É na práxis realizada no coti-

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diano e no diálogo constante com a teoria, que o educador vai


se constituindo como sujeito de libertação e conscientização.
Para Freire (1987), o diálogo crítico e libertador, que tem como
intenção a ação, exige a participação dos oprimidos, na luta
pela libertação.
A pós-graduação, em especial o Mestrado Profissio-
nal em Educação da UFFS, congrega profissionais formados
pelas mais distintas instituições de ensino, inseridos em diver-
sos setores do campo educacional e que também poderão atuar
com educandos oriundos das classes populares. A esses educa-
dores, como a muitos outros que assumam uma postura crítica
em relação à realidade, é importante obter conhecimentos que
viabilizem a compreensão da realidade empírica que os rodeia,
não é possível transformá-la sem entendê-la. Para este entendi-
mento, a análise da realidade onde estes educandos estão inse-
ridos é de grande importância, considerando a estrutura social
do contexto.
Destacamos aqui três elementos basilares da concep-
ção de Educação Popular propostos por Paulo Freire e que
consideramos importantes na pós-graduação: a dialogicidade,
a conscientização e a dimensão política da educação.
Dialogicidade
A importância da dialogicidade reside no caráter co-
laborativo da mesma, uma vez que através dela o educador se
coloca em relação horizontal com seu educando, ou seja, nin-
guém sabe mais ou menos, temos saberes diferentes e, a partir
deles, construímos juntos nossos saberes. Adotar uma postura
dialógica na pós-graduação significa construir o conhecimen-
to em diálogo com os sujeitos pesquisados, com seus pares e
com o orientador. A dialogicidade auxilia a ampliação do co-
nhecimento, uma vez que uma pesquisa sempre pode ser apri-
morada e ampliada.
Segundo Freire (1987, p.78), “O diálogo é este encon-
tro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo,

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”. Neste sentido, o


diálogo/dialogicidade – a palavra - é fundamental nas relações
e no agir dos sujeitos no mundo, em um projeto pedagógico
crítico que busca um mundo transformado e humanizado.
A relação dialógica somente sentido quando os sujei-
tos se colocam em posição de igualdade, portanto, não há o
que se falar em dialogicidade na relação opressor-oprimido. É
uma conquista do mundo, para a libertação dos homens.
Segundo Zitkoski (2010), o desafio freireano é a cons-
trução de novos saberes partindo da dialogicidade, através da
interação e a partilha de vivências diferentes, mas que compar-
tilham dos mesmos sonhos de libertação.
Conscientização
O segundo elemento basilar da EP proposto por Frei-
re que abordaremos aqui é a conscientização, promover a refle-
xão sobre a realidade, como elemento constitutivo do processo
educativo, agindo no sentido de eliminar a educação bancária
(Freire, 1987), aquela na qual o professor apenas deposita o co-
nhecimento.
Em suas obras Freire sempre enfatizou a necessidade
de o sujeito tomar consciência de sua posição no mundo, en-
quanto ser histórico, inconcluso e em permanente movimento
de busca. O simples fato de tomar consciência da realidade,
não garante o engajamento para a transformação da sociedade,
é necessário, sim, conscientizar-se desta necessidade.
Freitas (2010, p.88), ao referir-se à conscientização,
afirma que: “É através da conscientização que os sujeitos as-
sumem seu compromisso histórico no processo de fazer e re-
fazer o mundo, dentro de possibilidades concretas, fazendo e
refazendo também a si mesmos”. Para Freire, a educação deve
proporcionar a possibilidade do sujeito se libertar e se trans-
formar em construtor de sua própria história, fazendo do ato
educativo uma educação como prática de liberdade, o que nos
direciona para o terceiro elemento basilar de Freire que apre-
sentaremos: o caráter político da educação.

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Caráter político da educação


A Pós-Graduação, em especial nosso foco de estudo,
o Mestrado Profissional, não visa apenas à construção de um
conhecimento teórico, distante da realidade. O Mestrado Pro-
fissional em Educação da UFFS propõe uma importante contri-
buição ao campo educacional a partir do compromisso com a
comunidade, uma vez que o trabalho de conclusão do curso será
a elaboração e implementação de um projeto de intervenção ou
diagnóstico em espaços educativos formais e/ou não-formais.
A elaboração da dissertação requer uma reflexão teórica sobre
os resultados do processo, além de uma reflexão teórico-me-
todológica sobre sua ação no campo de trabalho, promovendo
mudanças reais nos contextos das pesquisas, agindo politica-
mente. Conforme Costa (2010):
Por isso, a educação é um ato político, por que está a
serviço de uns e não de outros. Nossa opção, portan-
to, pela educação progressista, reconhece-a como não
neutra, encharcada de autoridade e compromisso com
as classes populares, no reconhecimento do nosso lu-
gar histórico onde nos situamos e buscamos ser mais
(p. 322).

Em texto que aborda a pedagogia de Paulo Freire, Do-


wbor (s/d), explica:
O aspecto político do processo de educação era muito
valorizado. Na sua pedagogia da libertação e transfor-
mação, podemos constatar muito claramente que o
ato de educar é realmente um ato político, no senti-
do do compromisso assumido com o outro, para que
este possa ser cada vez mais sujeito da sua história e do
seu processo de aprendizagem. Paulo tinha uma forte
convicção que ninguém pode realmente ser, se impe-
de que o outro seja. Como também ninguém se educa
sozinho, mas sim os homens se educam entre si. (s/p)4.
4 DOWBOR, Fátima Freire. Paulo Freire, um precursor. Disponí-
vel em: <http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/revista7-mat3.
pdf>. Acesso 16 mar. 2016.

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Educação Popular em Debate
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A mesma autora complementa, destacando a postura


adotada pelos educadores ao assumir o ato de ensinar e escla-
rece que há duas opções bem distintas entre posturas: a crítica
e a acrítica, como percebe-se no excerto a seguir:
Este ato de ensinar a desvelar a realidade é altamen-
te político, porque exige uma escolha do sujeito que
educa, escolha esta que só tem duas possibilidades, ou
a opção pelo desvelamento da realidade assumindo
desta forma uma postura crítica frente ao mundo e
com os educandos; ou a opção de ocultar a realidade
que leva a uma postura acrítica e autoritária com os
educandos.

Talvez o caráter político da educação presente na pe-


dagogia de Freire seja um dos aspectos mais importantes da
mesma, uma vez que, independente do que se ensine, importa
a postura adotada pelo educador ao ensinar. Da mesma forma,
o pesquisador de que tratamos aqui, que também é profissional
da educação e está na posição de aluno do Mestrado Profissio-
nal em Educação, também tem de optar entre essas duas postu-
ras possíveis ao realizar sua pesquisa e propor diagnósticos ou
intervenções na realidade que decidiu pesquisar.
Conclusões
Neste trabalho, percebemos que a EP traz subsídios
importantes para a Pós-Graduação, quando tomamos como
base as possíveis contribuições do pensamento freireano nesse
contexto.
Retomar alguns elementos basilares da concepção de
Educação Popular propostos por Paulo Freire tais como o da
dialogicidade, as ações educativas tomadas como ato político,
e a conscientização, através da construção de uma visão críti-
ca da realidade, com o olhar voltado à Pós-graduação foi um
exercício bastante instigante, uma vez que, muitas vezes a Edu-
cação Popular é vista como um método de educação presente
mais em espaços não-formais e alternativos e que se insere na

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universidade pontualmente e em espaços alternativos ou ativi-


dades complementares.
O Mestrado Profissional em Educação da Universi-
dade Federal Fronteira Sul, assume um papel preponderante
na formação de profissionais da educação, tanto para a atua-
ção na educação formal ou nos movimentos sociais, na me-
dida em que se coloca como um espaço propício à realização
de ações efetivas no campo de trabalho associadas à reflexão
teórico-metodológica sobre elas levando em conta o perfil ins-
titucional, de uma universidade pública e popular, comprome-
tida com a formação de cidadãos conscientes e comprometidos
com o desenvolvimento sustentável e solidário da Região Sul
do Brasil.
Pensando assim, concluímos que o pensamento frei-
reano tem muito a contribuir nos processos formativos dos
educadores, para compreender as experiências populares, em
todos os espaços educativos, também, na pós- graduação.

Referências

COSTA, Daianny. Política. In: STRECK, D. R; REDIN,


E.; ZITKOSKI, J. J. (orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2010. (p. 321 - 323)
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1987.
____________. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Conscientização. In: STRECK,
D. R; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (orgs.). Dicionário Paulo
Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. (p. 88 - 89)
LOSS, Adriana Salete; MICHELS, Lísia Regina Ferreira;
NOGUEIRA, Sandra; ONCAY, Solange Todero Von; LOSSO,
Adriana Regina Sanceverino. Apresentação. In LOSS, Adriana
Salete et al (orgs.) Uma experiência de Universidade Pública

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

que se projeta como Popular. 1. ed. São Paulo: Outras


Expressões, 2014, p 13-21.
MACIEL, Karen de Fátima. O pensamento de Paulo Freire na
trajetória da educação popular. Educação em Perspectiva,
Viçosa, v. 2, n. 2, p. 326-344, jul./dez. 2011.
STRECK, Danilo Romeu. A pesquisa em educação popular e
a Educação Básica. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 8, n. 1,
p. 111-132, jan./jun. 2013.
VASCONCELOS, Eymard Mourão; CRUZ, Pedro José
Santos Carneiro. (org.). Educação Popular na Formação
Universitária; reflexões com base em uma experiência. 1. ed.
São Paulo: Hucitec, 2011. v. 1. 420p.
ZITKOSKI, J. J. Ser Mais. In: STRECK, D. R; REDIN, E.;
ZITKOSKI, J. J. (orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2010. (p. 369 - 271)

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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: CONSTRUINDO


SABERES E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NO
MEIO AMAZÔNICO

CARVALHO, Joelma Monteiro de1


INTRODUÇÃO
A memória da trajetória acerca da Extensão Univer-
sitária data de 1931, por meio do decreto-lei n.º 19.851, bem
como da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º
4.024, de 1961, as quais priorizam a modalidade de transmis-
são de conhecimento e assistência, conforme dados documen-
tais do Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades
Públicas Brasileiras (FORPROEX, 2012, p. 11).
Após a Reforma Universitária de 1968, Lei 5.540,
a Extensão tornou-se obrigatória em todas as universidades,
como cursos de serviços especiais estendidos às comunidades.
Ao longo da história, houve o fortalecimento da sociedade
civil, por meio de reuniões e fóruns de Pró-Reitores. Porém,
apenas com a Constituição de 1988 foi que ocorreu a afirma-
ção do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão. Esses conhecimentos contemplam novos olhares das
Instituições de Ensino Superior (IES) em relação ao ser huma-
no, à ciência, ao aprendiz e à comunidade.
No Amazonas, a Universidade Federal (UFAM) –
criada em 1905 – e a Universidade do Estado do Amazonas
1 Mestre em Letras e Artes/Linguística/Etnolinguística pela
Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e atua na cidade de
Manaus - AM, como professora da modalidade de ensino Educação
de Jovens e Adultos (EJA), bem como do Ensino Superior. E- mail:
jcarvalhouea@gmail.com

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(UEA), instituída pela lei n.º 2.637, de 12 de janeiro de 2001,


desenvolvem ações extensionistas aos ingressos. Assim, a cada
ano, ambas as instituições aprimoram o atendimento aos estu-
dantes.
Nesse sentido, a UEA nasceu na perspectiva de uma
universidade voltada a atender não somente os estudantes da
capital, mas principalmente os oriundos dos municípios do
interior do Amazonas. Em seu estatuto de 2001, um dos ob-
jetivos é acolher, especificamente, a população amazonense;
caboclos ribeirinhos, indígenas, filhos de agricultores, den-
tre outros, distantes dos centros sul e sudeste do Brasil. Essas
populações não tinham condições de sair do diverso espaço
geográfico do Amazonas, norte do Brasil. É sabido que, antes
da criação da Universidade Estadual do Amazonas, muitos es-
tudantes migravam para os grandes centros em busca de cursar
uma faculdade.
Assim, a Universidade Estadual do Amazonas, vem
proporcionando para milhares de amazonenses, da capital Ma-
naus e para os 61 municípios do interior, um avanço signifi-
cativo a partir dos eixos: ensino, pesquisa e extensão. A cada
ano são ofertados novos cursos superiores nas diversas áreas
de licenciatura, bacharelado e tecnólogo, fortalecendo, conse-
quentemente, a extensão universitária com atendimento volta-
do à comunidade amazônica. Logo, falar de Educação Popular
é falar do grande patrono da educação brasileira, o educador
Paulo Freire (1921-1997) cuja importância ancora-se, entre
outras coisas, nas reflexões sobre os sujeitos postos à margem
da sociedade do capital.
Freire (1985, p. 5) enfatizou na obra Extensão ou Co-
municação que: “o homem, como um ser de relações, desafiado
pela natureza, a transforme com o seu trabalho. O homem tem
a capacidade de mediar conflitos que giram em seu entorno,
com variadas temáticas provocadas pelo meio”. Assim, a polí-
tica nacional de extensão, por meio dos fóruns de pró-reitores,
tem buscado elencar linhas temáticas inclinadas ao trabalho,

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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comunicação, tecnologia, saúde, educação, meio ambiente,


cultura, dentre outros que geram discussões oriundas das de-
mandas sociais.
Assim, o ideário popular se fortalece por meio das
ações extensionistas que, para Brandão (2002, p. 269), “nunca
tão política ou ideologicamente centralizada”. A dialogicidade
entre universidade e comunidade tem a missão de transformar
as demandas sociais e transformá-las em benefício social para
a comunidade.
No período de 2001 a 2003, início da Universidade
Estadual, a extensão era desenvolvida por meio de ações e difu-
sões de conhecimento culturais para as comunidades e para os
acadêmicos. Essas ações aconteciam esporadicamente e aten-
diam inicialmente apenas a dois Centros de Ensino Superior: o
de Parintins (baixo Amazonas) e o de Tefé (Médio Amazonas)
e, posteriormente, as unidades de Tabatinga e Itacoatiara, tam-
bém no interior.
Em Manaus, as primeiras Unidades da instituição fo-
ram: a Escola Superior da Saúde (ESA), a Escola Superior de
Arte e Turismo (ESAT), a Escola Superior de Ciências Sociais
(ESO) e a Escola Normal Superior (ENS); posteriormente, a
Escola Superior de Tecnologia (EST). Inicialmente, as ações
prestadas aos estudantes eram relacionadas apenas a benefícios
como de ticket alimentação, alojamento ou Casa para Estudan-
te. Em seguida, essa compreensão foi modificada em prol de
superar o assistencialismo, passando para o real papel exten-
sionista.
Todas as ações adotadas pelas IES devem cumprir a
Constituição Federal de 1986 no Art. 207, para a qual: “As uni-
versidades gozam de autonomia didático-científica, adminis-
trativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e exten-
são” (BRASIL, 2008, p. 21). As atividades visam a aproximar
e a compreender os conhecimentos culturais, das populações
ribeirinhas, a partir do seu cotidiano.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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DESENVOLVIMENTO
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU),
em seu relatório de 2015, destacou que a pobreza e a miséria no
Brasil têm reduzido silenciosamente. Porém, no ano de 2000
esses dados não eram resultantes apenas da escassez de recur-
sos, mas eram fenômenos que refletiam o perverso padrão de
distribuição da renda, sobretudo porque, além de elevada, as
desigualdades no país demonstravam uma impressionante ri-
gidez.
Direcionando o foco para essa carência econômica,
observa-se que, no período inicial da UEA (2001 a 2003), era
disponibilizado vale-alimentação ou ticket-alimentação, for-
necido pela empresa Ticket Serviços S/A – Fornecimento de
Vales-Refeições, aos alunos do Centro de Ensino Superior de
Parintins (CESP/ UEA) e aos alunos com vulnerabilidade so-
cial em Manaus. Esses benefícios foram assegurados no Pla-
no de Desenvolvimento Institucional (PDI 2007-2011, p. 38).
Ainda no Centro de Parintins, os acadêmicos oriundos das
áreas rurais compartilhavam o próprio alimento, “o ticket ali-
mentação”, e o espaço, em um alojamento denominado Casa
do Estudante “Abelha”, mantido pelo Governo do Estado do
Amazonas.
Superando o assistencialismo, em 2003, a partir dos
índices de déficit de analfabetismo no estado do Amazonas, a
UEA desenvolveu, por meio da Secretaria de Educação Conti-
nuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e da
Pró-Reitoria de Extensão, o Programa de Letramento Reescre-
vendo o Futuro, que beneficiou a cidade de Manaus e todos os
municípios do estado do Amazonas.
O Programa tinha como público: agricultores, serin-
gueiros, indígenas, pescadores, quilombolas, dentre outros;
além de lideranças de bairros e de várias associações. Os alunos
eram alfabetizados pelos acadêmicos do curso Normal Supe-
rior, professores da rede pública em formação, do Programa de
Formação para professores (PROFORMAR).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Este marco reafirma uma das concepções sobre edu-


cação popular defendida por Paulo Freire:
No Brasil, tendo como referência principal o educador
Paulo Freire. Esta se construiu por meio de experiên-
cias de alfabetização popular direcionadas aos jovens
e adultos das classes trabalhadoras, e dos Movimentos
de Educação de Base, associando projetos de alfabeti-
zação à ação comunitária (BRANDÃO, 2002, p. 142).

Foi um programa de relevância social e de impactos


acadêmicos, cujo objetivo era zerar o analfabetismo nos 61
municípios, conforme destacou a União Nacional dos Dirigen-
tes Municipais de Educação (UNDIME), em sua página ele-
trônica, no dia 27 de fevereiro de 2003:
O Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, que
começa a ser implantado pelo Governo do Estado, é
de autoria da UEA. Promover a capacitação da leitura
e escrita aos habitantes do Amazonas é o objetivo do
projeto, que tem como meta zerar, no segundo ano de
implantação, o índice de analfabetismo nos municí-
pios de Itamarati, Pauini, Envira, Ipixuna e Guajará,
locais em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE) identificou o maior índice de analfa-
betos no Estado.

Em 2009, o programa finalizou e cumpriu a meta com


resultados positivos, tanto na capital, quanto nos municípios
do interior do estado, conforme visão institucional:
A razão da existência da Universidade do Estado
do Amazonas – UEA é a de proporcionar o desen-
volvimento do Estado do Amazonas, capacitando e
formando quadros que possam atuar no sistema pro-
dutivo, na gestão da coisa pública, na produção de
conhecimento, na geração de novas tecnologias e na
valorização do patrimônio imemorial, tendo sempre
como objetivo maior: a qualidade de vida, a cidada-
nia e a integridade cultural e ambiental da Amazônia.
(PLANO INSTITUCIONAL UEA – 2007-2011, p.
14).

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O Centro de Estudos Superiores de Parintins foi o


primeiro a receber o imóvel para abrigar os estudantes que
não possuíam condições de se manterem na universidade. A
Casa dos Estudantes, conhecida como “Abelha”, tinha a capaci-
dade para alocar, aproximadamente, 60 acadêmicos oriundos
das áreas indígenas e rural de Parintins, além de atender a ou-
tros acadêmicos de diversos municípios do Amazonas e que
não apresentavam residência fixa na cidade, conforme citou a
egressa Heleyne Karen Barbosa Lima (32): “A Universidade me
proporcionou concluir o curso de Licenciatura em Física, na
primeira turma no CESP/ Parintins. Morei na Casa do Estu-
dante por cinco anos. Lá aprendi a conviver com a diversidade
de ideias, foi um desafio”.
A referida egressa do curso de Licenciatura em Física
enfatizou que toda a aprendizagem na academia resultou na
profissão de docente pesquisadora e extensionista. Atualmen-
te, a profissional leciona na rede pública de ensino, em Manaus
e em 2012 participou do intercâmbio educacional, no conti-
nente Europeu, visitando o Laboratório de Instrumentação e
Física Experimental de Partículas de Lisboa, em Portugal, e a
escola de Física de Genebra, na Suíça. A professora da rede pú-
blica estadual do Amazonas foi uma das 30 selecionadas pela
Sociedade Brasileira de Física (SBF) e pelo Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas (CBPS) para participar do intercâmbio sob
o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior (Capes).
Os fóruns estudantis também são espaços que provo-
cam o envolvimento com as causas acadêmicas. Os acadêmi-
cos buscavam dialogar e se organizavam por meio do Diretó-
rio Central dos Estudantes e pelos representantes do Conselho
Acadêmico, de forma a discutir e a garantir a qualidade e os
investimentos na educação superior no estado do Amazonas.
Quanto ao espaço estudantil, o Diretório Central dos
Estudantes (DCE), a Universidade sempre teve preocupação
com a garantia desses espaços aos acadêmicos, conforme ci-

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tado no Plano de Desenvolvimento Institucional (2007-2011,


p. 59).
Os alunos estão organizados em Centros Acadêmicos
por curso e vinculados ao Diretório Central dos Estu-
dantes. A Universidade apóia a organização estudantil
concedendo espaço físico, equipamentos e materiais
para instalação do Diretório Central e Centros nas
respectivas Unidades Acadêmicas.

Quanto ao aspecto cultural, em 2004 aconteceu o pri-


meiro curso de Extensão, da Escola Superior de Artes e Turis-
mo “Canto e Coral”, sob a coordenação da professora Hirlândia
Milon. Nesse trabalho, docentes e discentes organizaram e pro-
moveram várias oficinas para a comunidade parintinense, num
projeto extensionista, que visava à interação e a trocas com os
comunitários, possibilitando inscrições abertas ao público em
geral com as oficinas ofertadas para dança canto, coral e teatro.
Batome (2009, p. 25) afirma que “a extensão universi-
tária, antes de ser extensão é universitária”. Assim, percebe-se
que, ao longo de sua trajetória, a Universidade vem ganhando
espaços de aprendizagem com características acadêmicas e ex-
tensionistas. Nessa perspectiva, o Plano Nacional de Extensão
(1999, p. 2) propõe:
Ao reafirmar o compromisso social da universi-
dade como forma de inserção nas ações de pro-
moções e garantia dos valores democráticos de
igualdade e desenvolvimento social, a extensão
se coloca como prática acadêmica que objetiva
interligar a universidade, em suas atividades de
ensino e pesquisa, com as demandas da socieda-
de.

A partir das diretrizes extensionistas da IES, em 2011,


por meio da Resolução n.º 035/2011-CONSUNIV, criou-se o
Programa Institucional de Extensão da Universidade do Esta-
do do Amazonas (PROGEX/UEA), objetivando promover a
atuação e a cooperação de professores e alunos em atividades

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de extensão, favorecendo a integração entre a Universidade e a


sociedade, permitindo maior democratização do conhecimen-
to e contribuindo para a formação acadêmico-profissional dos
estudantes.
Com o intuito de contemplar as especificidades dos
projetos de extensão, o programa agregou recursos para aten-
der os projetos com modalidades de bolsas, sendo Bolsa de
Extensão no mesmo valor da Iniciação Científica da Agên-
cia Estadual de Fomento, cujo valor é equivalente à bolsa da
Iniciação Científica. A visão metodológica adotada em cada
projeto é de cunho participativo, primordial às etapas do pro-
jeto.
Além dos editais lançados pela instituição, no mesmo
ano de 2011, iniciou-se um trabalho de fortalecimento e bus-
ca de novos fomentos para projetos de extensão, tais como os
editais do Ministério das Telecomunicações, Telecentros, Ca-
pes Novos Talentos e do Programa Nacional de Extensão do
Ministério da Educação (PROEXT – MEC). Desde o ano de
2009 até 2015, a instituição, por meio de convênio, submeteu
projetos ao MEC e ao Ministério da Cultura, como o PROLER.
Todos esses editais contemplam a linha de extensão.
Cada um deles traz a sua especificidade e a natureza de cará-
ter inovador, visando a aproximar o ensino, a pesquisa e a ex-
tensão, por meio dos cursos de graduação e pós-graduação às
instituições públicas, bem como à comunidade, articulando-os
com perspectivas educacionais, científicas, culturais, sociais ou
econômicas, contribuindo para enriquecer a formação dos ci-
dadãos ou ainda alunos da educação básica.
Cada edital traz a sua especificidade; logo, observa-
-se que a prioridade desses é oportunizar novas perspectivas
de vida à comunidade acadêmica, gerando uma transforma-
ção social tanto para o discente como para a sociedade. Esses
editais contemplam a participação do estudante como bolsista,
bem como a de outros colaboradores, isto é, pessoa sem vín-
culo com o projeto, pertencente à instituição pública ou ao se-

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Educação Popular em Debate
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tor privado, convidada para contribuir. Além desses, há ainda


colaboradores jurídicos como empresas públicas ou privadas,
centros e museus de ciência e outros núcleos ou instituições
que trabalham com desenvolvimento e inovação tecnológicos
e científicos.
Como exemplo cita-se o Telecentro que, para a sua
instalação, recebeu incentivos do governo Federal. Esse, por
sua vez, enviou kits com 10 (dez) computadores e seus res-
pectivos mobiliários, além de disponibilizar conexão à inter-
net banda larga. O edital também previu pagamento de bolsas
para jovens interessados em serem monitores nos locais dos
telecentros. Nessa ocasião, a UEA foi contemplada com dois te-
lecentros, os quais funcionam em Itacoatiara e em Manacapu-
ru, e contam com a parceria da Secretaria de Administração e
Educação desses respectivos municípios.
Quanto ao programa Novos Talentos, referente ao
edital 055/2012, a universidade, por meio da equipe peda-
gógica da Pró-reitoria de Extensão (PROEX), teve a missão
de orientar os docentes e coordenadores a todo o processo
exigido no edital. Ao final, foram contemplados dois gran-
des projetos, sendo um coordenado e executado no Centro
de Estudos Superiores de Parintins e outro coordenado e exe-
cutado em Manaus. Ambos promoveram aos acadêmicos a
interdisciplinaridade do saber. Thiollent (2000, p. 20) aponta
que “a extensão aproxima os grupos universitários da com-
plexidade e da interdisciplinaridade das situações sociais que
interagem”.
O projeto Novos Talentos envolveu professores das
Escolas de Tecnologia (EST), Escola Normal Superior (ENS)
e Escola Superior da Ciência da Saúde (ESA). Nesses projetos,
cada coordenador priorizou o atendimento à comunidade jun-
to aos alunos monitores/bolsistas. Os resultados foram satisfa-
tórios, conforme destacou a coordenadora do Campi Manaus,
professora Rejane Gomes Ferreira (UEA), a qual considerou
que as atividades propostas pelos docentes contribuíram para

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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melhoria da aprendizagem dos estudantes das escolas das redes


públicas municipal e estadual, na capital Manaus.
Assim, conforme depoimento da coordenadora, em
fevereiro de 2016:
Com os professores e comunidade que trabalhamos
em 2014, avaliou-se a participação positiva, demons-
trando que várias dificuldades foram superadas e as
metas atingidas. Os estudantes foram participativos e
as escolas e professores que realizaram atividades gos-
taram bastante do realizado.

O projeto Novos Talentos visa incentivar e qualificar


os professores das escolas das redes públicas na elaboração de
roteiros aplicados às práticas experimentais para as várias ofi-
cinas, almejando ao desenvolvimento de novas estratégias edu-
cativas a fim de que o professor as utilize em sala de aula, con-
tribuindo para a melhoria do desempenho escolar dos alunos
nas disciplinas escolares e em avaliações que medem índices,
como o IDEB, além da formação crítica e inovadora de forma
contínua aos comunitários.
O protagonismo dos estudantes em programas e proje-
tos de extensão tem contribuído para a quebra de paradigmas e
para o enfrentamento junto à gestão superior da universidade.
Por muitas vezes, o enfrentamento causa uma desconfiança na-
queles estudantes que se encorajam para defender os direitos.
Porém, sabe-se que a extensão envolve novas perspecti-
vas para o novo, seja individual ou social. Ela requer tempo, es-
paço e afinidade com ações sociais, isto é, requer diálogo entre
os sujeitos. Parafraseando Freire (1980), a educação acontece
na iteração com indivíduos, dentro de um contexto.
Nos cursos da área da Saúde, a Universidade incenti-
vou a regularização das Ligas acadêmicas, voltadas às ações
indissociáveis para as quais, em 2013, a câmara de extensão
aprovou o regulamento que estabeleceu as diretrizes e a com-
posição das ligas acadêmicas. Até agosto de 2015, já existiam
mais de doze ligas acadêmicas cadastradas pela Pró-reitoria de

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Extensão (PROEX/UEA), as quais foram regularizadas na ins-


tituição, com objetivos em conformidade com os incisos abai-
xo pertencentes regulamento das Ligas Acadêmicas da UEA:
§ 1º As Ligas Acadêmicas da UEA terão por finalida-
de complementar a formação acadêmica em uma área
específica do campo da saúde, por meio de atividades
que atendam os princípios do tripé universitário de
ensino, pesquisa e extensão.
§ 2º - A filiação da Liga às unidades da Universidade,
visa proporcionar ao estudante enriquecimento da
formação acadêmica, difundir a educação continuada
nas áreas abrangidas pelos cursos da UEA, promover
eventos - como feiras, palestras, campanhas de pre-
venção, simpósios, treinamentos, seminários, coló-
quios, simulados, entre outros – a serem oferecidos
aos discentes da UEA e/ou à comunidade.

A diretoria das ligas, discentes e docentes e demais


membros, desenvolvem ações de Extensão, tais como palestras,
conferências, fóruns e laboratório educativo aos comunitários
de várias instituições governamentais e não governamentais.
Essas ações geram impactos na formação dos acadêmicos, con-
forme destacado nas Diretrizes Nacionais de Extensão: “a de
Interdisciplinaridade e interprofissionalidade” (FORPROEX,
2012, p. 17).
As Ligas Acadêmicas em Saúde propõem à comuni-
dade perspectivas em relação à educação para a vida saudável.
Para tanto, algumas se apropriam de ferramentas tecnológicas
para disseminar conhecimentos via sistema de mídia por con-
ferências, estabelecendo interatividade do Polo da Telessaúde
com os municípios do Amazonas.
O Polo de Manaus é um espaço que visa qualificar as
equipes de Saúde da Família, por meio da utilização de mo-
dernas tecnologias de informação e comunicação, capazes de
promover a teleducação e a telessaúde. Uma educação que gera
transformação social, conforme Gadotti (1983, p. 163): “o tra-
balho educativo é essencialmente político e é o político que é

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transformador”. Pois é por meio da educação que o homem re-


flete seu espaço.
DESAFIOS PARA O ENCORAJAMENTO À EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA
A comunidade acadêmica precisa estreitar cada vez
mais diálogos com a comunidade externa à universidade. É
necessário o ato da escuta entre os sujeitos, pois dessa forma o
exercício da cidadania é priorizado e isso promove esperança
para as populações desassistidas. A partir disso, devem-se en-
corajar os participantes a discutir e elaborar os seus próprios
saberes, conforme afirmou Paulo Freire (1980, p. 30):
Por que não aproveitar a experiência que tem os alu-
nos de viver em área das cidades descuidadas pelo po-
der público, para discutir, por exemplo, a poluição dos
riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar
da população, o lixo e os riscos que oferecem à saúde
das gentes.

As transformações, no mundo, são marcadas pela ve-


locidade do tempo, sejam elas, tecnológicas ou sociais. Logo,
essas modificações exigirão envolvimentos, competências e
atitudes participativas e coletivas dos cidadãos. Daí a diversi-
dade cultural dos indivíduos deve ser preservada e respeitada,
num processo de escuta.
Reflete-se sobre os métodos de intervenção na comuni-
dade, sobre extensão universitária e também sobre o espaço da
pesquisa, em busca do saber. Uma das diretrizes da extensão
universitária é a indissociabilidade; para isso, faz-se necessário
pensar uma perspectiva interdisciplinar. Assim, para Batista,
Mayorga e Nascimento (2010, p. 61):
A pesquisa-ação aproxima a comunidade da uni-
versidade numa rica troca de saberem populares e
científicos. Além disso, chama a universidade para
sistematizar, registrar, devolver e divulgar conheci-
mentos produzidos nessa experiência de intervenção

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comunitária, respondendo assim, a responsabilidade e


função acadêmica de produção de saberes, e também
a expectativa de parceria entre universidade e comu-
nidade.

Cabe considerar que a Universidade, por meio da Pró-


-reitoria de Extensão, tem papel importante na construção da
identidade acadêmica dos estudantes. Por meio do contato com
a sociedade, o estudante estreita as relações de entendimento
dos problemas sociais em seu entorno. Além isso, a universi-
dade deve oportunizar, constantemente, aos servidores da ins-
tituição, qualificação para o entendimento do conceito e das
diretrizes da extensão universitária.
A extensão é também um processo de formação aca-
dêmica no qual se articulam as atividades culturais e científicas,
numa ação transformadora. Não obstante, realizá-lo no estado
do Amazonas é desafiador por vários motivos, dentre os quais
estão a dimensão e o acesso ao espaço geográfico. Logo, o papel
da Universidade no ensino, pesquisa e extensão é integrar as
ações em prol dos objetivos e metas a serem alcançados, com a
finalidade de atender as demandas sociais.
Todas essas questões são necessárias para não ocorre-
rem erros da aplicabilidade do conceito e vivências de extensão
no espaço acadêmico. Nessa perspectiva, a extensão não se res-
tringe em distribuir bolsas de apoio ao acadêmico sem passar
pelos critérios de início, meio e fim dos projetos. É necessário
monitoramento e avaliação, de forma a tecer diagnósticos e in-
dicadores avaliativos que subsidiarão outros projetos.
De acordo com Freire (1996, p. 154): “o sujeito que se
abre ao mundo e aos outros inaugura uma gestão de relação
dialógica em que se confirma como a inquietação e a curiosida-
de, como inconclusas em permanente movimento na história”.
Para o educador, é na extensão universitária que o saber é mate-
rializado, pois abre espaço para diálogos entre os participantes.
A cada ação desenvolvida, tem-se como objetivo con-
tribuir para a formação do aluno tanto na vida profissional

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como no exercício de sua cidadania. Logo, o docente é um me-


diador durante as ações. Segundo Freire (1996, p. 25), “ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para
a sua própria produção ou a sua construção”.
Logo, a questão principal neste artigo é destacar a real
importância do docente e do discente extensionista. A exten-
são, mesmo sem recurso de fomento, como acontece com a
pesquisa, é parte integrante da universidade e ambas possuem
o mesmo grau de importância.
CONCLUSÃO
Diante da breve história exposta neste artigo, são no-
tórias as atividades extensionistas que exercem função articu-
ladora entre ensino e pesquisa. No ensino, a partir das aulas
teóricas e práticas, o docente desperta o olhar para a pesquisa
e para a extensão universitária. Assim, os acadêmicos ao parti-
ciparem de projetos de extensão iniciam novas vivências junto
às comunidades.
Essa semente lançada é desafiada a crescer e, para
tal êxito, requer interlocução de saberes, pois esses, simulta-
neamente, aperfeiçoam-se e devem ser compartilhados a cada
roda de diálogo entre universidade, por intermédio dos discen-
tes, docentes e técnicos administrativos com a sociedade.
Cabe destacar que, neste processo de troca de saberes
e de ensino-aprendizagem, outras providências de suma im-
portância são o monitoramento e a avaliação sob as ações dos
programas e projetos, via Governo Federal – tais como o “No-
vos Talentos” – financiado pela (CAPES) e o Programa Nacio-
nal de Apoio à Extensão Universitária (PROEXT) – ou via Go-
verno Estadual – como o Programa Institucional de Extensão
/UEA-PROGEX que contempla e dispõe de bolsas de Auxílio
Acadêmico para indígenas e não indígenas.
Tanto o monitoramento quanto a avaliação são pro-
cessos que devem ser contínuos, pois o analista extensionista
que os acompanham destaca as ferramentas necessárias para

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estabelecer os indicadores necessários à continuidade dos ser-


viços em prol da sociedade. Assim, de modo permanente, as
atividades dos projetos e dos programas visam descrever e ana-
lisar, não somente a relevância social, mas também o impacto
crítico na formação dos acadêmicos.
Vale ressaltar que as Universidades são ponderadas
pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SI-
NAES): instituído pela lei 10.861, de 14 de abril de 2004, que
distingue os processos de avaliação e regulação, consolidando
o conceito de avaliação. A finalidade é aferir a qualidade de
Instituições de Educação Superior (IES) e Cursos de Gradua-
ção, além do desempenho dos estudantes, conforme o artigo
9º, incisos VI, VII e IX, da lei 9.394/96.
As práticas educativas dos estudantes são construídas,
não somente pela contribuição dos grandes teóricos, mas tam-
bém pelo conhecimento que são trazidos no âmbito curricu-
lar de cada estudante; o vivido e o aprendido. Maciel (2011, p.
338), ao discutir as ideias de Freire, enfatizou que “o estudioso
não se deteve em apresentar apenas formulações teóricas, filo-
sóficas e metodológicas, ao contrário, constrói uma reflexão e
elabora uma teoria pedagógica para as classes populares”.
É necessário que a instituição acadêmica acompanhe
as ações extensionistas, filtrando as demandas e estabelecendo
políticas e estratégias de atuação para cada ação, com a finali-
dade de registros para futuras estratégias de ação.
É fundamental para os projetos que o monitoramento
e a avaliação das ações de extensão aconteçam, tanto por meio
de edital institucional, como também por editais externos,
como os da Petrobrás, Santander, entre outros. Desse modo,
promoverá o incentivo, a participação dos estudantes nas ações
da Extensão, com a finalidade de suscitar a interação social e
a comunicação dos sujeitos da ação, universidade e sociedade
que, para Nogueira (2005, p. 33), é “através da extensão, seria
possível integrar as atividades de ensino e pesquisa às necessi-
dades da maioria da população”.

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É importante que as instituições universitárias priori-


zem as demandas da comunidade, criando condições para que
os discentes se apropriem dos problemas sociais em prol sua
formação e em prol da inclusão social. Cada problema social é
de interesse coletivo, pois as ações não podem estar desconec-
tadas da sociedade.
A partir disso, a resposta positiva à formação é bem
visível: o entrosamento, o diálogo, boa elaboração do discur-
so, disciplina, postura acadêmica e comprometimento com as
ações sociais são alguns dos aspectos que serve como exemplo.
Certamente, essas atitudes refletirão no futuro profissional haja
vista os discentes exercitarem o ato de cidadania, a busca pelo
conhecimento da realidade do seu entrono, abancando e com-
preendendo os diversos contextos.

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BATISTA, Cassia B.; MAYORGA, Cláudia; NASCIMENTO,
Rubens F. Pesquisa ação participativa e transformação social:
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Minas, 2010. p. 159-178.
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extensão: encontros da rede PUC sobre infância, Adolescência
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2010.
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GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São


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THIOLLENT, M. A metodologia participativa e a sua
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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UNIVERSIDADE POPULAR
PARA ALÉM DA UTOPIA
LOSS, Adriana Salete1
MARINHO, Paulo Cesar2

Introdução
Ao falarmos sobre qual Educação Superior ousamos
recriar, significa afirmarmos a necessidade de provocarmos o
modelo atual a uma tomada de decisão política e ao compro-
misso de transformar suas estruturas, uma vez que as univer-
sidades que conhecemos hoje, na sua maioria, salvo exceções,
estão fechadas para produzir ciência a partir e com a diversi-
dade de vozes e de saberes coletivos produzidos fora de seus
próprios nichos.
Almejamos uma universidade em que possamos de-
mocratizar a informação, que, em nossa sociedade, determi-
ne a formação de opiniões e valores, desempenhando, assim,
um papel central na organização social e política. Como nos
diz Martins (2002, p.10): “Trata-se da distribuição equitativa
dos benefícios sociais, culturais e políticos, que a sociedade
contemporânea tem sido capaz de produzir, mas não tem sido
capaz de repartir. A questão é muito mais social do que econô-
mica”. Precisamos de uma Educação Superior que se torne cada
vez mais responsável pela intercomunicação entre a cultura e
as dimensões políticas, sociais, econômicas, epistemológicas e
técnicas, que tenha como característica primordial a emanci-
1 Pós-doutora em Educação. Docente da Universidade Federal da
Fronteira Sul - UFFS. E-mail: adriloss@uffs.edu.br
2 Estudante do Curso de Ciências Sociais. Universidade Federal da
Fronteira Sul - UFFS. E-mail: marinho 2970@gmail.com

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pação dos sujeitos a partir do conhecimento e da consciência


reflexiva sobre as diferentes culturas e classes sociais, para resis-
tir às imposições da indústria cultural.
A Educação Superior precisa comprometer-se com a
(s) cultura (s) dos sujeitos e desenvolver, por meio da práxis pe-
dagógica, o processo dialético entre o saber popular e o saber
elaborado, para transformar a (s) cultura (s) não mais em detri-
mento e como forma de condicionamento das massas popula-
res, mas em prol de sua emancipação.
Nessa perspectiva, a Educação Superior tem como
questão central o desenvolvimento da cidadania por meio da
possibilidade de participação para a constituição de uma pro-
posta diferenciada de cultura e sociedade. Nessa centralidade
está a dimensão emancipatória que exige uma nova racionali-
dade, a qual trata tanto o conhecimento escolar (o saber ela-
borado) quanto o conhecimento popular (o experimentado no
cotidiano) como problemáticas a serem investigadas, refletidas,
discutidas e criticadas. Considera, também, as dimensões subje-
tivas e intersubjetivas dos sujeitos, para romper com a reprodu-
ção ideológica da racionalidade instrumental.
Como ruptura com o modelo da racionalidade ins-
trumental, a Universidade, tem o compromisso de dialetizar a
interconexão entre a linguagem, a cultura, a história e o conhe-
cimento, de forma que a aprendizagem passe a significar para os
sujeitos uma auto-afirmação de sua identidade individual e gru-
pal, na perspectiva da consciência reflexiva que é capaz de anali-
sar a indagação formulada por Giroux (apud McLAREN, 1997,
p. 259): “o que a sociedade fez de mim que não desejo mais ser?”
Um projeto de Universidade Popular que, ao constituir
rupturas com a fragmentação do saber, define-se como promo-
tora de um currículo que requer permanente e disciplinada in-
vestigação e reflexão epistemológica sobre os saberes do coletivo
em relação dialética com os saberes científicos. Tal posiciona-
mento tem o intuito de instigar os sujeitos para o conhecimento
de saberes científicos, técnicos, políticos e humanos, numa me-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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todologia problematizadora, para a construção de uma socie-


dade sustentável.
A Universidade Popular faz ensino, pesquisa e exten-
são a partir de um processo de inclusão que seja capaz de di-
minuir a distância entre a universidade e as classes populares.
Ela ainda se desenvolve nas seguintes ideias forças, conforme
Freire (1979):
a) Toda ação educativa deve estar precedida de uma
reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida
concreto do homem concreto a quem queremos educar.
b) A educação deve considerar a vocação ontológica
do homem – vocação de ser sujeito – que é a capacidade de
refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta, para in-
tervir nela e mudá-la.
c) A educação deve ajudar o homem, a partir de tudo
o que constitui sua vida, a chegar a ser sujeito.
d) É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo,
em seus programas e em seus métodos – comprometida com a
transformação do homem em sujeito, que desenvolva a capaci-
dade de construir-se como pessoa, de transformar o mundo, de
estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade e,
finalmente, que seja capaz de fazer a cultura e a história.
e) “[...] outra questão é que quando separamos o pro-
duzir conhecimento do conhecer o conhecimento existente, as
escolas se transformam facilmente em espaços para a venda
de conhecimento, o que corresponde à ideologia capitalista”
(FREIRE, 1986, p.13).
Portanto, uma Universidade Popular não se fecha aos
movimentos da sociedade; tem em seu modo estruturante a
participação e a decisão democrática, organiza o currículo e
o pedagógico para a excelência acadêmica (formação técnica,
política e humana) e busca oferecer mecanismos de acesso e
permanência a todos os cidadãos.
Nessa perspectiva, objetivamos apresentar a expe-
riência de um contexto de Ensino Superior, da Universidade

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Federal da Fronteira Sul – UFFS, para apontar e refletir as pos-


sibilidades de construção de uma proposta de Universidade
Popular. A relevância do relato está no desafio das universida-
des ousarem a recriar e a construir uma proposta de Ensino,
Pesquisa e Extensão que se aproxime das necessidades da so-
ciedade, de modo especial, das classes populares.
1 Descrição da metodologia do estudo
Para a reflexão referente à indagação “É possível um
modelo de Ensino Superior na perspectiva da Educação Popu-
lar?” buscamos desenvolver um estudo documental, na abor-
dagem qualitativa.
O nosso estudo de acordo com Amado; Costa; Crusoé
(2014, 302-303),
[...] consiste numa técnica de pesquisa documental
que procura ‘arrumar’ num conjunto de categorias de
significação o ‘conteúdo manifesto’ dos mais diversos
tipos de comunicação (protocolo de entrevistas, e
histórias de vida, documentos de natureza vária, ima-
gens, filmes propaganda e publicidade). O seu primei-
ro propósito consiste, pois, em proceder à descrição
objetiva, sistemática e, eventualmente quantitativa de
tais conteúdos.

1.1 A coleta documental de dados:


A coleta das informações para o estudo foi desenvol-
vida a partir das seguintes etapas:
Primeiramente realizamos a leitura documental cole-
tados no site da Universidade Federal da Fronteira Sul.
Posteriormente, construímos o mapeamento das in-
formações com relação às seguintes dimensões: Histórico; Pro-
cesso seletivo; Matriz curricular; Gestão.
1.2 O mapeamento e análise documental:
Ao desenvolvermos o registro das informações cole-
tadas passamos a organizar a descrição e as reflexões.

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Assim, apresentamos os resultados com suas refle-


xões.
2 A Universidade Federal da Fronteira Sul... Uma aspiração
à Universidade Popular
A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) é
uma das universidades públicas federais criadas nos últimos
anos com o propósito de atender ao que estabelece o Plano Na-
cional de Educação (PNE 2000-2010), especialmente no que
tange à expansão e interiorização da educação superior públi-
ca no Brasil. Enquanto parte e materialização de uma política
pública nacional de educação, a UFFS nasceu como resposta a
alguns dos históricos problemas educacionais brasileiros: (a)
baixas taxas de acesso à educação superior, sobretudo dos jo-
vens entre 18 a 24 anos; (b) matrículas majoritariamente con-
centradas nas IES privadas; (c) concentração das IES públicas
nas regiões litorâneas, sobretudo nas capitais; (d) pesquisa e
pós-graduação desenvolvidas, quase que exclusivamente, pelas
IES públicas; (e) assimetrias regionais na distribuição dos cur-
sos e das vagas de graduação e de pós-graduação, entre outros.
Na Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul, es-
paço-tempo onde a UFFS está situada, tal desafio reveste-se
de uma materialidade sui generis. Situada na fronteira com a
Argentina, composta por aproximadamente 396 municípios e
3,7 milhões de habitantes dos estados do Rio Grande do Sul
(região Noroeste), Santa Catarina (região Oeste) e do Paraná
(região Sudoeste), a mesorregião manteve-se privada do ensi-
no superior durante a maior parte de sua história. As primei-
ras faculdades foram criadas a partir do final dos anos 60 do
século passado – especialmente as ligadas ao campo da for-
mação de professores e da área das ciências sociais aplicadas
–, por iniciativa das lideranças comunitárias, constituindo as
fundações públicas de direito privado. As IES públicas (fede-
rais e estaduais) surgiram mais tarde, em pequeno número e
situadas nas cidades de maior concentração populacional. O

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ensino superior privado manteve-se, deste modo, restrito aos


grupos sociais em condições de subsidiar as suas mensalidades
e o ensino superior público, destinado aos jovens de classe mé-
dia, oriundos, na sua grande maioria, das escolas privadas de
Ensino Médio.
A exclusão do direito de acesso ao ensino superior pú-
blico e gratuito e outros tantos problemas que afetam a Mesor-
região Grande Fronteira Mercosul, como a crise da agricultura
familiar, o crescente êxodo rural, a estagnação econômica de
grande parte dos municípios, a exclusão social e educacional e
as desigualdades sociais, foram alguns dos fatores que alimen-
taram e orientaram o processo de implantação da Universida-
de Federal da Fronteira Sul.
A UFFS foi a primeira universidade pública federal
cuja criação deveu-se, diretamente, ao poder de mobilização
e de convencimento público pelos movimentos sociais e pelas
lideranças políticas e comunitárias. As redes de associativismo
civil e o denso tecido de organizações sociais da região – ber-
ço de alguns dos principais movimentos sociais do campo do
Brasil – foram mobilizados para a formulação do projeto de
universidade e sua subsequente concretização.
A Via Campesina e a Federação dos Trabalhadores
da Agricultura Familiar da Região Sul (FETRAF-Sul) foram
algumas das organizações que integraram o Movimento Pró-
-Universidade, que se orientou pela construção de uma IES
pública e popular, aberta aos grupos sociais mais excluídos e
comprometida com o desenvolvimento sustentável e solidário
da região, tendo como eixo a produção familiar e camponesa.
Busca, portanto, servir à transformação da realidade, opondo-
-se à reprodução das desigualdades que provocaram o empo-
brecimento da região.
A UFFS foi concebida como uma IES multicampi, para
que pudesse melhor atingir os seus objetivos. Para o estabele-
cimento dos campi foram considerados diversos fatores, den-
tre os quais se destacam: a presença da agricultura familiar e

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camponesa e de movimentos sociais populares, a distância das


universidades federais da Região Sul e carência de instituições
federais de ensino, a localização, o maior número de estudantes
no Ensino Médio, o menor IDH, a infraestrutura mínima para
as atividades e a centralidade na Mesorregião. Após um longo
processo de discussão e amadurecimento, definiu-se que ela te-
ria cinco campi: 2 (dois) sediados no Rio Grande do Sul (Cerro
Largo e Erechim), 1 (um) em Santa Catarina (Chapecó – cam-
pus sede da Reitoria) e 2 (dois) no Paraná (Laranjeiras do Sul e
Realeza). No bojo desse processo, foram definidos também os
33 (trinta e três) cursos iniciais de graduação a serem implan-
tados. É importante explicitar que no decorrer da implantação
dos cinco campus foi criado o campus Passo Fundo localizado
no Estado do Rio Grande do Sul, ofertando apenas o curso de
Medicina.
A UFFS se constitui numa região com relevante ex-
pressividade da produção familiar e camponesa e do desenvol-
vimento industrial, a partir das quais se propõe como instru-
mento social propulsor de uma nova abordagem acerca do pro-
cesso de modernização do campo e da cidade, tendo também
presente a necessidade de investimento na formação de profes-
sores da Educação Básica. Assim, a UFFS, como uma Universi-
dade Pública e Popular, aposta na construção de um projeto de
desenvolvimento sustentável e solidário para a Região Sul do
país, com destaque para a formação de cidadãos conscientes e
comprometidos com a cidadania ativa, isto é, com aquela que
busca o avanço da ciência, da tecnologia, das humanidades e,
prioritariamente, da qualidade de vida para todos.
Para tanto, busca a excelência do ensino, da pesquisa e
da extensão, não como padrão de qualidade geral, mas de uma
qualidade a partir do referencial de um projeto de sociedade
mais humano, mais justo e mais democrático. E esta democra-
cia não diz respeito apenas à socialização dos bens materiais
e culturais, mas, também e, principalmente, da socialização
do processo de tomada de decisão – a começar pelo processo

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decisório no interior da própria UFFS – e dos conhecimentos


produzidos fora do circuito acadêmico institucionalizado.
O compromisso desta matriz institucional com o so-
cial tem se caracterizado por vários fatores:
a) fator público, isto é, egressos da escola pública
como forma de ingresso na Universidade (adota a nota do Exa-
me Nacional do Ensino Médio - ENEM);
b) proposta curricular para os cursos de graduação
organizada em três grandes domínios: (i) Comum, (ii) Conexo
e (iii) Específico;
c) estrutura participativa: comunidade interna e ex-
terna.
Na tentativa de destacar algumas das dimensões que
caracterizam a UFFS na perspectiva de Universidade Popular,
fixar-nos-emos na reflexão referente ao ingresso do estudante
na universidade, à matriz curricular e à gestão.
2.1 Do Ingresso na UFFS
Para o ingresso na UFFS o Processo Seletivo (PS) é
realizado de acordo com os procedimentos a seguir explicita-
dos:
a) O candidato ao PS é avaliado, primeiramente,
pela nota que alcançou no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM).
b) Também é considerado na avaliação o Fator Esco-
la Pública e o Fator cota, conforme “o marco legal do Estado
Brasileiro, especialmente, a Lei nº 12.711/2012, o Decreto nº
7.824/2012 e a Portaria Normativa MEC nº 18/2012 e a seus
princípios institucionais, a qual estabelece os critérios para a
disponibilidade de vagas de acordo com a realidade da edu-
cação básica de cada um dos três estados onde há campi da
Universidade”3.
3 Site UFFS – http://www.uffs.edu.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=6823&Itemid=146 – visitado dia 21 de
dezembro de 2015.

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No ano de 2014 a UFFS inicia sua participação no Sis-


tema de Seleção Unificada (SiSU), que é o sistema informati-
zado, gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), no qual
instituições públicas de ensino superior oferecem vagas para
candidatos participantes do Exame Nacional de Ensino Médio
(ENEM).
Assim, de acordo com o site4 da UFFS os interessados
em estudar nessa instituição devem inscrever-se no ENEM,
realizá-lo e, de posse da sua nota, inscrever-se no SiSU.
Atualmente são disponibilizados 44 cursos de gra-
duação nas modalidades de Bacharelado e Licenciatura, distri-
buídos nos seis campi das UFFS: Realeza e Laranjeiras do Sul
(Paraná); Erechim, Cerro Largo e Passo Fundo (Rio Grande do
Sul); e Chapecó (Santa Catarina).
O processo seletivo para a candidatura nos cursos da
UFFS não resolve todos os fatores de exclusão remanescentes
na Educação Superior brasileira, mas busca desenvolver meca-
nismos de inclusão de todas as classes sociais, principalmente,
oportunizando a classe popular a conquista de uma vaga no
Ensino Superior do país.
2.2 Da Matriz Curricular da UFFS
A proposta da Matriz Curricular estrutura-se em três
domínios, estruturados, por sua vez, como componentes ne-
cessários à formação acadêmica. Assim, a matriz curricular da
UFFS, organizada em Domínio Comum, Domínio Conexo e
Domínio Específico, tem por objetivo assegurar que todos os
estudantes recebam uma formação simultaneamente cidadã,
interdisciplinar e profissional.
O primeiro deles é resultado da proposição dos movi-
mentos sociais, o denominado Domínio Comum. Para os mo-
vimentos sociais, que deram origem à UFFS, a classe popular
necessita de saberes que não sejam meramente técnicos, mas
que articulem os conhecimentos políticos, humanos e técnicos.
4 http://www.uffs.edu.br. Acesso em 21 de dezembro de 2015.

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A finalidade do Domínio Comum é desenvolver, em


todos os estudantes da UFFS, os conhecimentos, as habilida-
des, as competências instrumentais e as posturas consideradas
fundamentais para o bom desempenho de qualquer cidadão
ativo, desperto para a consciência sobre as questões que dizem
respeito ao convívio humano em sociedade, às relações de po-
der, às valorações sociais, à organização sócio-político-econô-
mica e cultural das sociedades, nos seus vários âmbitos – mu-
nicipal, estadual, nacional, regional, internacional.
O Domínio Conexo, constituindo o segundo compo-
nente da matriz curricular, é o conjunto de disciplinas que se
situam no universo das fronteiras do conhecimento, das inter-
faces e das interações possíveis entre as várias ciências, com
vistas à preparação do profissional para a politecnia.
Finalmente o Domínio Específico refere-se ao con-
junto de componentes curriculares traduzidos em disciplinas,
seminários, oficinas, atividades curriculares complementares,
dentre outros, próprios de determinadas áreas do conhecimen-
to e de processos formativos para desempenhos profissionais
superiores específicos. Possibilita o estudo aprofundado de co-
nhecimentos de uma determinada área do conhecimento.
A figura I sintetiza o significado da Matriz Curricular
da UFFS:

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Figura I - Matriz Curricular da UFFS

Fonte: Elaboração da autora

Assim, a Matriz Curricular da UFFS quer oportunizar


ao cidadão o conhecimento necessário para: a) saber conviver
em sociedade; b) fazer a conexão entre os saberes inter e trans-
disciplinares; c ) apropriar-se do saber técnico. O cidadão pre-
cisa conhecer para ser, recriar e produzir materialmente a sua
realidade.
Nessa perspectiva, a organização do saber sistemati-
zado, em três grandes domínios, possibilita ao cidadão o diá-
logo com diferentes possibilidades de conceber o mundo, as
teorias e as experiências. Pois, o sentido do conhecimento está
além do saber fazer, em que é suficiente para o cidadão saber
tecnicamente “apertar um botão”. O saber fazer é precedido do
“para quê”, do “por quê”, do “para quem” e do “a favor de quem”.
De modo que, o saber fazer é imbricado em opções filosóficas,
epistemológicas, antropológicas e políticas.
Podemos afirmar com Arroyo (2011, p. 121) que,
“[…] o conhecimento não se reduz a aprender habilidades, ca-
pacidades aplicáveis na diversidade de situações sociais, uma
visão pragmatista do aprender”. O aprender na Matriz Curri-

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cular da UFFS significa o vivenciar diferentes territórios do sa-


ber para confrontar realidades diversas e, assim, ser possível a
recri-ação do conhecimento.
2.3 Gestão democrática
Para apresentar a proposta de gestão democrática na
UFFS acreditamos ser necessário, em primeiro lugar, com-
preender o que é gestão. De acordo com Cury (2007, p. 493),
gestão é um termo
[...] que provém do latim e significa: levar sobre si,
carregar, chamar a si, executar, exercer, gerar. Trata-se
de algo que implica o sujeito e um dos substantivos
derivado deste verbo nos é muito conhecido. Trata-se
de gestatio, ou seja, gestação isto é: o ato pelo qual se
traz dentro de si algo novo e diferente: um novo ente.
Ora, o termo gestão tem sua raiz etimológica em ger
que significa: fazer brotar, germinar, fazer nascer. Da
mesma raiz provêm os termos: genitora, genitor, ger-
men. A gestão, neste sentido, pode, por analogia, ser
comparável àquela pela qual a mulher se faz mãe ao
dar a luz a uma nova pessoa humana.

Portanto, nessa perspectiva os interlocutores precisam


manter um diálogo franco e coerente e trabalhar na busca de
consensos, compreendendo e administrando os discensos para
governar com transparência e autonomia. Entretanto, enfati-
zamos a necessidade de existir um conselho único que possa
congregar todas as vozes vindas das diversas áreas da socieda-
de/universidade, como forma de garantir uma administração
integrada e coerente.
Nessa vertente, a gestão democrática da escola pública
é um direito constitucional que está amparado nos dispositivos
do inciso VI, artigo 206 da Constituição Federal/1988 e na Lei
9.394/1996, inciso VIII, artigo 3º, respectivamente:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família e será promovida e incentivada com a colabo-
ração da sociedae, visando ao pleno desenvolvimento

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da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e


sua qualificação para o trabalho.
[...] gestão democrática do ensino público, na forma
desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; [...].

Ainda segundo Cury (2007, p. 12), a gestão democráti-


ca da educação “[...] é, ao mesmo tempo, por injunção da nossa
Constituição (art. 37, BRASIL, 1988): transparência e impes-
soalidade, autonomia e participação, liderança e trabalho cole-
tivo, representatividade e competência”. Nesse sentido, a gestão
democrática vem expressar possibilidade de desenvolvimento
de uma cidadania ativa, portanto, de uma emancipação dos in-
divíduos para uma sociedade democrática brasileira, por meio
da construção do projeto político-pedagógico, da participação
em conselhos, da eleição para diretor, da autonomia financeira.
Nessa vertente, qual seria a concepção de gestão de-
mocrática presente na UFFS? Os indícios para responder essa
questão podem ser encontrados no texto de seu Estatuto apro-
vado em 2010, que assim dispõe em seu Capítulo III – Da or-
ganização, art. 8º, inciso IX, parágrafos § 1º e 2º:
§ 1º - Consideradas as diretrizes traçadas neste artigo,
a UFFS adota um regime de administração descen-
talizada e democrática nos seus campi universitários,
garantindo isonomia quanto à representatividade,
planejamento, financiamento e administração.

§ 2º - A administração descentralizada e democrática


é feita por meio de delegação de competência confe-
rida por este estatuto.

Portanto, numa concepção de participação e de diá-


logo entre a comunidade acadêmica (professores, funcionários
técnicos administrativos e discentes) e a sociedade civil sua es-
trutura foi composta por órgãos Superiores e de Base, de Deli-
berações, de Administração Central, de Controle, Fiscalização
e Supervisão.
Nessa perspectiva, a UFFS possui como Órgãos Supe-
riores de Deliberação os Conselhos, Universitário e de Campus.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Assim, a Administração Central é realizada pela Reitoria e pela


Direção do Campus. Já como órgãos de Controle, Fiscalização
e Supervisão tem-se o Conselho Curador e a Auditoria Interna.
Os órgãos colegiados de Base da UFFS possuem ca-
ráter administrativo e deliberativo. A composição e as atribui-
ções desses colegiados são definidos pelo Regimento Geral da
Universidade.
Para apoiar os Conselhos Superiores a estrutura da
UFFS dispõe de Órgãos Consultivos e de Assessoria que são a
Reitoria, a Direção do Campus outras instâncias de gestão no
encaminhamento de questões referentes à vida acadêmica e ao
desenvolvimento institucional. Os detalhes quanto à estrutura,
à composição e o funcionamento desses órgãos são estabele-
cidos no Regimento Geral da Universidade. (BRASIL, 2010).
Como órgão superior de deliberação o Conselho Uni-
versitário CONSUNI possui uma composição democrática
de participação, pois além do Reitor, Vice-Reitor e Diretor do
Campi, também fazem parte do CONSUNI: trinta pares de do-
centes eleitos diretamente entre seus pares, seis técnicos admi-
nistrativos, seis discentes, três representantes da comunidade
externa (BRASIL, 2010). O CONSUNI é o órgão máximo da
UFFS com função normativa, deliberativa e recursal, respon-
sável pela formulação de sua política geral nas dimensões aca-
dêmica, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar.
Portanto, com essa estrutura a UFFS tem trabalhado
num processo de gestão democrática onde a transparência,
impessoalidade e o trabalho coletivo, expressam a finalidade
maior dessa Universidade, que é a emancipação dos indivíduos
para uma sociedade democrática e cidadã.
3 Inconclusões em Movimento
No Programa de Expansão das Universidades Fede-
rais, a UFFS, como destacamos, constitui-se com uma matriz
institucional e curricular que tenta reinventar a instituição uni-
versitária, mas que ainda precisa enfrentar alguns desafios para

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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efetivamente apresentar-se como uma “Universidade Popular”


no século XXI. Certamente a categoria “popular”, claramente
definida, porque é um termo polissêmico, deverá perpassar
por várias dimensões de uma universidade que pretenda assim
se qualificar. Dentre essas dimensões, merecem destaque:
a) Dialogicidade entre os movimentos sociais e a co-
munidade acadêmica – dado que é muito importante a per-
manente escuta e o reconhecimento da academia às vozes da
comunidade externa. Nessa perspectiva, Arroyo provoca nossa
reflexão com a seguinte afirmação:
A luta contra a injustiça cognitiva nos leva para além
da distribuição mais equitativa do saber científico e
reconhecer que toda experiência produz conheci-
mento. […] Reconhecer que todo conhecimento é
uma produção social, produzido em experiências
sociais e que toda experiência social produz conheci-
mento pode nos levar a estratégias de reconhecimen-
to (2011, p. 117).

A Universidade deve estar aberta para incluir os pro-


jetos emergentes da sociedade, para estudá-los cientificamen-
te e produzir ações interventivas na realidade. E, como isso é
possível?
Além, da participação da comunidade externa no
Conselho Estratégico da Universidade (UFFS), é fundamen-
tal que a equipe dirigente organize, com os representantes dos
movimentos sociais, ações práticas de conscientização-mobili-
zação para a construção da Universidade Popular.
Nesse sentido, a Universidade deve buscar reforçar
ações afirmativas para os setores populares, por meio de estu-
dos e ações pedagógicas de fortalecimento e reconhecimento
dos saberes dos coletivos, entre outras. Dentre as ações, pode-
riam ser organizados os Círculos Epistemológicos, com base
na concepção dos Círculos de Cultura de Freire.
Os Círculos Epistemológicos seriam os encontros
problematizadores da realidade acadêmica e contextual para

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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mobilizar os diferentes saberes para a interpretação e com-


preensão das missões institucionais da Universidade.
b) A partir da Matriz Curricular (Domínio Comum,
Domínio Conexo e Domínio Específico) instigar o debate so-
bre o Projeto Político-Pedagógico dos cursos de graduação
para que contemplem, nos componentes curriculares o saber
elaborado (conteúdo científico e técnico) e o saber popular
(“conhecimento de experiência feito”, segundo a feliz expressão
de Paulo Freire).
Assim, podemos nos perguntar: O que incorporar no
currículo? A unicidade entre conhecimento, ensino-aprendi-
zagem e contexto social deve ser buscada, no sentido de con-
siderar as experiências humanas e a diversidade dos saberes
dos sujeitos nas respectivas dimensões de gênero, etnia, raça,
classe, campo ou periferia etc., pois o currículo só tem rele-
vância cultural e social se responder aos desafios postos pelas
mulheres e pelos homens em seus respectivos contextos.
Em apoio a esta relevância, Arroyo (idem, p. 119) ar-
gumenta: “Quando os currículos são pobres em experiências
sociais seus conhecimentos se tornam pobres em significados
sociais, políticos, econômicos, e culturais para a sociedade”.
O desafio da UFFS para consolidar a Matriz Curricu-
lar como uma das dimensões caracterizadoras dos princípios
freirianos e da Educação Popular, está na dinâmica de cons-
tituir, nas matrizes curriculares dos cursos, o estudo dos dife-
rentes saberes, a presença dos coletivos populares! Ainda, os
componentes curriculares passariam a ser a sistematização da
diversidade de vozes científicas, oprimidas e ausentes.
Apresentamos a seguir os fundamentos epistemológi-
cos e institucionais que poderiam dar sustentação aos princí-
pios norteadores e provocadores das discussões na UFFS.
3.1 Princípios Epistemológicos da Educação Popular:
a) A Educação comprometida com as causas do povo,
promovendo a conscientização, participação e emancipação.

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[…] educação popular é educação das classes popu-


lares. É uma prática pedagógica politicamente a ser-
viço das classes populares. Isto porque a operários,
camponeses, lavradores sem terra e trabalhadores
sem emprego, é atribuída a tarefa histórica de reali-
zação das transformações sociais a que deve servir a
educação. (BRANDÃO, 1995, p. 27)

Educação para a humanização e para a transforma-


ção social – comprometimento com a cidadania.
Educadores comprometidos com as transformações
históricas para a superação das contradições entre as classes.
Prática pedagógica desveladora da realidade. Assim,
propõe Brandão (1995, p. 30): “[…] convergência entre a ne-
cessidade de movimentos sociais estabelecerem a dimensão de
sua prática pedagógica e a necessidade de setores de Educação
dissidentes se reorganizarem como movimentos pedagógicos
[…] [em contestação] da ordem opressora vigente”.
Troca de saberes do popular com o científico – di-
mensão da dialogicidade.
g) O currículo universitário, não meramente clássico
e conteudista, considera diferentes saberes, o científico e o po-
pular, os contextos acadêmicos e comunitários, os múltiplos
textos, contextos, símbolos e o encontro entre culturas; o cur-
rículo não dissociado da problemática social e política.
Fazer ciência e produzir conhecimento significa
“colocar a cultura científica em estado de mobilização per-
manente, substituir o saber fechado e estático por um conhe-
cimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis ex-
perimentais, oferecer enfim à razão para evoluir” (BACHE-
LARD, 1996, p.24).
A educação é a promotora por excelência do diálo-
go, da participação e da liberdade dos sujeitos na construção
da identidade individual e coletiva. O ato educacional, nessa
dinâmica, precisa proporcionar condições favoráveis às pes-
soas na busca da humanização e, não somente, da capacita-
ção.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Dentre esses apontamentos epistemológicos é funda-


mental também a discussão dos princípios que deram origem
à Universidade Federal da Fronteira Sul.
3.2 Princípios Institucionais – PPI da UFFS
São princípios norteadores do Projeto Pedagógico
Institucional da Universidade Federal da Fronteira Sul:
[...] respeito à identidade universitária da UFFS, o
que a caracteriza como espaço privilegiado para o desenvol-
vimento concomitante do ensino, da pesquisa e da extensão;
integração orgânica das atividades de ensino, pesquisa e exten-
são desde a origem da instituição; atendimento às diretrizes da
Política Nacional de Formação de Professores do Ministério
da Educação, estabelecidas pelo DECRETO No. 6.755, DE 29
DE JANEIRO DE 2009, cujo principal objetivo é coordenar os
esforços de todos os entes federados no sentido de assegurar a
formação de docentes para a educação básica em número su-
ficiente e com qualidade adequada;universidade de qualidade
comprometida com a formação de cidadãos conscientes e com-
prometidos com o desenvolvimento sustentável e solidário da
Região Sul do País; universidade democrática, autônoma, que
respeite a pluralidade de pensamento e a diversidade cultural,
com a garantia de espaços de participação dos diferentes su-
jeitos sociais;universidade que estabeleça dispositivos de com-
bate às desigualdades sociais e regionais, incluindo condições
de acesso e permanência no ensino superior, especialmente da
população mais excluída do campo e da cidade;universidade
que tenha na agricultura familiar um setor estruturador e di-
namizador do processo de desenvolvimento; universidade que
tenha como premissa a valorização e a superação da matriz
produtiva existente; universidade pública e popular;universi-
dade comprometida com o avanço da arte e da ciência e com a
melhoria da qualidade de vida para todos (UFFS).
Por fim, entre tantos desafios, a Educação Superior
Popular e, de modo especial, a UFFS, conforme sua “essência”

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

seja entendida como uma universidade do e para o povo, o que


significa aproximação das classes populares, do compromisso
de classe.
Brandão (2002) pontua que a Educação Popular não
é uma “escola” pedagógica, mas é uma vocação da Educação.
Essa vocação pode ser caracterizada em quatro pontos:
a) o mundo em que vivemos pode e deve ser trans-
formado continuamente em algo melhor, mais justo e
mais humano; b) esta mudança contínua é um direito
e um dever de todas as pessoas que se reconheçam
convocadas a participarem dela, em alguma dimensão
onde, para elas, isto é uma vocação devida e viável; c)
a educação possui aqui um lugar não absoluto, mas
importante, pois a ela cabe formar pessoas destinadas
a se verem como co-construtores do mundo em que
vivem, o que significa algo mais do que serem prepa-
rados para viverem no limite dos produtores de bens e
de serviços em mundos sociais que conspiram contra
as suas próprias humanidades; d) aos até aqui excluí-
dos dos bens da vida e dos bens do saber, o direito à
educação, e que ademais de ser uma educação de qua-
lidade, ela seja também um lugar onde a cultura e o
poder sejam pensados a partir deles: de sua condição,
de seus saberes e de seus projetos sociais (BRANDÃO,
2002, p. 168-169).

A Educação Popular educa na e para a democracia.


Ela provoca rupturas na posição corporativista e na fragmen-
tação do saber, definindo-se como um planejamento com obje-
tivos, saberes e metodologias fundamentadas na realidade, na
cultura e na práxis educativa.
Referências
AMADO, João; COSTA, António Pedro; CRUSOÉ, Nilma.
Procedimentos de Análise de dado – A técnica da análise
de conteúdo. In: AMADO, João. Manual de Investigação
Qualitativa em Educação. 2 ed. Coimbra: Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2014.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

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McLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à
pedagogia crítica nos fundamentos da educação. 2 ed. São
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

SILVA, Luís Fernando Santos Corrêa da. A experiência


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universitário. In: Benincá, Dirceu (Org.). Universidade e suas
Fronteiras. São Paulo: Outras Expressões, 2011, p. 125-147.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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QUESTÕES PARA REFLETIR: EXPERIÊNCIAS


POPULARES NA UNIVERSIDADE OU
UNIVERSIDADE POPULAR?

PAULO, Fernanda dos Santos1


SEABRA,Vlamir do Nascimento2
PEREIRA, Thales Érick de Paulo3
INTRODUÇÃO
Inicialmente, peço licença para usar a primeira pes-
soa do singular para a produção deste artigo, pois possuo, em
alguma medida, uma íntima ligação com o tema deste artigo.
Para abrir a discussão como porta de entrada, me pergunto
para produzir este texto a seguinte questão: Afinal o que se en-
tende por universidade popular?
A discussão sobre a universidade popular nasce para
a autora desse texto a partir da sua história de vida, enquanto
educadora popular atuante em Movimentos Populares e traba-
lhadora em diferentes contextos educativos. Essa experiência
de vida vem sendo fruto de reflexão no trabalho e na universi-
dade. De outro lado, através do relato de um colega, doutoran-
do da Universidade do vale dos Sinos (Unisinos) e docente do
1 Educadora popular, militante da Associação de Educadores Popula-
res de Porto Alegre (RS) e noutros movimentos comunitários. Pro-
fessora da rede escolar pública do RS e doutoranda em educação na
Unisinos, sob orientação do professor Dr. Danilo Romeu Streck e
co-orienatdor: C. R Brandão. Bolsista Capes-Proex (taxas escolares).
E-mail: fernandaeja@yahoo.com.br
2 Professor do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia
do Amazonas ( IFAM), doutorando em educação na Unisinos, sob
orientação do professora Drª Isabel Bilhão e bolsista da Fapeam.
3 Estudante do curso de Educação Física da Uniasselvi.

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Educação Popular em Debate
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Instituto Federal do Amazonas, o qual vem dialogando comigo


sobre uma experiência de um curso de licenciatura em física
para indígenas do Amazonas, realizado no Instituto Federal:
campus São Gabriel da Cachoeira4.
No entanto, as experiências aqui descritas estão atra-
vessadas pelo atual contexto da política educacional em inter-
face com alguns dos referenciais que falam sobre universida-
de popular. No atual contexto, não é raro ouvirmos o termo
“universidade popular” enquanto política estatal de expansão
ao acesso à educação superior, tal como: o ProUni5, o Reu-
ni6 e o PROLIND7. Inclusive essa discussão está presente em
algumas universidades federais como pode ser verificado na
imagem a seguir:

4 O colega mencionado chama-se Vlamir do Nascimento Seabra,


professor do Instituto Federal do Amazonas e doutorando na Unisi-
nos.
5 É o programa do Ministério da Educação que concede bolsas de es-
tudo integrais e parciais de 50% em instituições privadas de edu-
cação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação
específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior.
(Fonte:http://siteprouni.mec.gov.br/)
6 Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Uni-
versidades Federais (Reuni).A meta é dobrar o número de alunos
nos cursos de graduação em dez anos, a partir de 2008, e permitir o
ingresso de 680 mil alunos a mais nos cursos de graduação. (Fonte:
http://portal.mec.gov.br/reuni-sp-93318841)
7 O Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas
Interculturais Indígenas (Prolind) é um programa realizado pelo
Ministério da Educação (MEC), numa iniciativa conjunta de duas de
suas secretarias, a Secretaria de Educação a Distância, Alfabetização
e Diversidade (Secad) e a Secretaria de Ensino Superior (SESU). O
principal objetivo do programa é apoiar financeiramente cursos de
licenciatura especificamente destinados à formação de professores
de escolas indígenas, as chamadas licenciaturas indígenas ou
licenciaturas interculturais. (Fonte:https://ensinosuperiorindigena.
wordpress.com/atores/nao-humanos/prolind-2/)

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Figura 1. Frase escrita na coluna de uma das faculdades da UFRGS

No meu caso, acessei à universidade a partir da par-


ceria com os Movimentos Sociais (MS) e não através de uma
política governamental, mas de uma política de inclusão social.
Porém, não significa que ambas as formas de acesso à educação
superior estejam referenciadas pelos pressupostos da Educação
Popular (EP).
Desta forma trago aqui, um outro modo de conce-
ber a universidade popular, como política de acesso das classes
populares neste nível de educação, mas não como projeto de
universidade popular associado a uma sociedade que projete a
emancipação humana. Por outro lado, seria uma contradição
da minha parte, se não reconhecesse a política governamental
de acesso à educação superior como avanço na história da nos-
sa educação.
Outro avanço importante está na história da educação
indígena através da protagonização destes sujeitos. Isto pode ser
verificado na experiência do curso de Licenciatura no IFAM/
Campus São Gabriel da Cachoeira no Amazonas. A proposta
é oriunda da Secretaria de Educação a Distância, Alfabetiza-
ção e Diversidade (Secad) e da Secretaria de Ensino Superior
(SESU) ligadas ao MEC. Contudo, se faz importante enfatizar
que houve a interlocução da Associação das Escolas Indígenas
Takano Yepa Mashã-AEITY na busca de tal proposta.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Porém, há diversas controvérsias em relação a esta po-


lítica pública, pois ainda é uma proposta homogeneizadora e
urbana sem valorização da cultura local. Ou seja, os indígenas
desta experiência não participaram ativamente da produção
do curso, diferentemente de outras experiências de Movimen-
tes Populares, a exemplo da Associação de Educadores Popu-
lares de Porto Alegre (AEPPA) que participou da construção
dos cursos via universidade, Movimentos Populares, fóruns de
educação e assistência social e, em alguns casos, com o Minis-
tério da Educação. (Paulo, 2013).
Outra crítica referente à experiência do curso de li-
cenciatura em física para indígenas do Amazonas que pode ser
feita refere-se ao caráter Tutelar do Estado em relação aos po-
vos indígenas, retirando o caráter emancipatório das suas lutas.
Estes limites apresentados se distanciam da Educação Popular.
Mas, mesmo com esses limites, há quem denomine, a partir de
suas práticas e de suas lutas, essa experiência como um tipo de
universidade indígena que estaria, de algum modo, em diálo-
go com a cultura local, o que se aproximaria com a Educação
Popular.
Entretanto, isto por só, não se apresenta como uni-
versidade popular na concepção de EP freiriana. Este é o refe-
rencial que me aproxima para refletir sobre as potencialidades
uma universidade popular associado a um projeto de socieda-
de em que a educação não esteja dissociada dos pressupostos
políticos, pedagógicos, sociais e culturais de cunho emancipa-
tório.
Sabe-se que a universidade surge como instituição
construída, prioritariamente, para a elite, excluindo a classe
trabalhadora deste espaço educacional. Sendo assim, revela-se,
na sua história, que ela esteve aberta para poucos. E, com isto,
sublinha-se que a luta pela abertura das portas da universidade
para o povo é recente, sendo fruto de movimentos políticos de
intelectuais progressistas e dos Movimentos Sociais Populares.
A luta desses movimentos pelo acesso à universidade é uma

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bandeira política e de disputa por um espaço que esteve fecha-


do e silenciado para muitos. Florestan Fernandes nos diz que
a universidade teve como papel prioritário formar intelectuais
para o desenvolvimento do Brasil e na América Latina, ou seja,
a universidade esteve a serviço dos setores dominantes (Fer-
nandes, 2010). Para ele, a universidade possui uma origem po-
lítica de importação de modelos europeus, a isto Freire (1993)
chamaria de educação bancária o que leva os oprimidos a se
sentirem menos.
Nesse sentido, a Educação Popular (EP) na universida-
de não se aproxima com o modelo de universidade copiada do
contexto europeu, mas isto não significa que a EP negue os pro-
cessos históricos e políticos da origem dela. Pois, é a partir desta
historicidade que educadores (as) progressistas e Movimentos
Sociais Populares da América Latina iniciam um processo de
reflexão crítica a respeito da condição humana, enquanto sujei-
tos portadores e produtores de saberes e experiências, diferen-
tes do contexto europeu, que desta forma, necessitam buscar
metodologias de trabalho popular para libertarem-se dos mo-
delos opressores que os coisificam como objetos e não sujeitos
da história da educação. (Dussel, 1977; Freire, 1994a).
No campo da Educação Popular freiriana, a univer-
sidade é tomada como um espaço político-pedagógico, bem
como social e cultural em que ocupar esse espaço é uma forma
de resistência dos oprimidos não para apenas adquirir um di-
ploma universitário, mas para construção de um novo poder, o
qual produza espaços de empoderamento das classes populares,
por meio da união/organização (Freire, 1993) dos historica-
mente excluídos da universidade. Mas para isto, a universidade
se popular, numa perspectiva freiriana, não pode estar separada
do “mundo da vida” e por isto “Para o êxito da luta, a consciên-
cia ética e a consciência política dos lutadores têm importância
decisiva”. (FREIRE, 1994a, p. 172).
A luta dos oprimidos, enquanto categoria histórica
traduz o contexto político dos avanços e retrocessos da cons-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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trução de uma universidade aberta aos setores populares, e


diante disto, são os MS que possuem um papel fundamental
na organização desses setores e na sua formação política. Com
isto, temos universidades populares ou experiências populares
na universidade?
2 UNIVERSIDADE POPULAR: AUTORES E
EXPERIÊNCIAS
Florestan Fernandes, já mencionava a universidade
enquanto um espaço resultante das ideias eurocêntricas, pois
caracteriza-se por importação de modelos empacotados sem
identidade nacional, tampouco associadas a realidade cultural
plural da América Latina.
Assim, parece ser necessário afirmarmos que, até o
presente momento, a universidade brasileira possui modelos
em disputa e de tensionamentos e isto resulta do contexto aci-
ma. No caso da universidade no Brasil ela, como já mencionei
anteriormente, foi e ainda, mesmo com os avanços importan-
tes na última década, um espaço destinado, sobretudo às elites.
Nos últimos anos, com as políticas governamentais fomenta-
das por partidos, ditos populares (de esquerda), a educação
superior entrou na agenda da educação escolar como uma das
políticas prioritárias, principalmente em se tratando da ques-
tão da inclusão da classe popular neste espaço.
A crítica advinda, maiormente, dos Movimentos So-
ciais Populares, os quais se embasam sua luta pelo direito ao
acesso a esse nível de educação, é porque os critérios de acesso
ao povo na universidade têm sido celetistas, meritocráticos e
individualistas, assim como está separado dos problemas so-
cietais e das discussões de cunho político, econômico e cultu-
ral. Ou seja, deste modo, exclui a grande parcela da sociedade:
os setores populares.
Os Movimentos Sociais Populares se configuram en-
quanto espaço de luta pela educação de qualidade com justiça
social e estes mesmo com os limites apresentados pelo modelo

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de Estado capitalista, ainda possuem um importante papel no


fomento e ou tensionamento de políticas sociais. Alguns destes
vêm pressionando o governo para a construção de mecanis-
mos de acesso e permanência da classe popular na universi-
dade, por exemplo o “Movimento Pró-Universidade”, bastante
articulado no Rio Grande do Sul e São Paulo. Em Porto Alegre
(RS), podemos citar outros Movimentos Populares que, tam-
bém se organizam em torno do tema da educação: Movimento
Negro, o Movimento de Educadores Populares, o Movimento
Indígena, entre outros (PAULO, 2010; 2013).
Para Thiago Ingrassia Pereira (2014):

[...] tema universidade popular é um projeto em dis-


puta, ora encontra-se associado a vertentes anarquis-
tas e comunistas, que, além das tradicionais críticas
ao modelo tradicional de universidade elitista, pro-
movem forte contestação às políticas governamentais
de expansão, como o ProUni e o REUNI, ora está re-
lacionado a práticas que se situam a partir de preo-
cupações instrumentais de formação para o trabalho.
A possibilidade da experiência da UFFS chegar a de
uma universidade popular é algo que precisa ser exa-
minado ao longo do tempo, pois a nova universidade
ainda está dando seus primeiros passos. (2014, p.100)

O autor acima, fez um estudo sobre a relação entre a


Educação Popular e Movimentos Sociais e a criação da Uni-
versidade Federal da Fronteira Sul(UFFS). Esta experiência,
tem se aproximado com as questões relacionadas à Educação
Popular e a produção de uma Universidade Popular, contudo
tem seus limites, oriundos de todo e qualquer processo que se
quer inovador e questionados das bases fundantes da história
da universidade. O mesmo autor coloca que um dos imites é o
“contexto reformista (Reuni) situado nos marcos burocráticos
sob a lógica mercantil”(p,107). Pereira (2014) , destaca em sua
tese aproximações entre a universidade e a Educação Popular,
sendo que uma delas é a criação de “um grupo PET de forma

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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interdisciplinar entre os cursos, tendo por base os princípios


da Educação Popular”. (p.229).
A esse respeito, um dos autores que há bastante tempo
vem estudando o tema da EP e universidade é o professor Rey-
naldo Mathias Fleury e ele nos diz que “os movimentos sociais
organizados reivindicam o reconhecimento de suas culturas e
de seu direito de participar do debate científico, tradicional-
mente restrito aos grupos socialmente hegemônicos”(FLEURI,
2009.p. 86).
Então, retomo com estes apontamentos, a pergunta
que me mobiliza a escrever este artigo: Afinal o que se entende
por universidade popular?
A universidade popular, a partir desses estudos, não
significa ser ela apenas um espaço público ou privado que
garanta o acesso à classe popular na educação superior. Tam-
bém não se trata de uma experiência isolada de um curso ou
programa comunitário que dialoga com os MS. Todavia, para
adentrar a essa historiciadade conceitual, é preciso rememorar
as primeiras experiências que tratavam de universidades popu-
lares, não para servirem de modelos, mas como iniciativas de
resistência a proposta de educação elitizada.
Conforme Rossato, as universidades populares são
oriundas do século XIX e início do século XX. ( 2005). Para ele,
as primeiras experiências de universidades populares surgiram
na França (século XIX), a partir da necessidade da educação
operária e de adultos, bem como da de valorização cultura po-
pular. (ROSSATO, 2005.). No contexto da Itália, por exemplo, o
popular, no que se refere à Universidade Popular, Gramsci nos
diz que “ Em Turim, a Universidade Popular é uma chama
fria. Não é nem universidade nem popular.” (1976, p.103).
O autor fala de uma universidade que tomava o popular
como beneficência, e não como projeto emancipatório.
No tocante à América Latina, a universidade popular
é fruto de uma vertente socialista da luta por universidade para
o povo. De acordo com Adriana Puiggrós (2010), Andrés Bello

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teria o desejo de construir universidades para o povo, tomando


como inspiração o modelo francês, o qual não negaria “o pa-
pel que as sociedades de comércio, indústria e de beneficência
exerciam nesse sentido” (p.73). Já, o José Carlos Mariátegui,
entende por universidade popular um espaço autônomo de
produção de uma “cultura operária” (PERICÁS, 2010).
Com estes olhares, parece que por universidade po-
pular, os autores acima citados (Pericás e Puiggrós) aproximam
esse projeto com a concepção da EP, principalmente em se tra-
tando de Mariátegui. O popular aqui trata-se de projetar uma
universidade para o povo, assim, como define Freire, quando
fala da adjetivação do popular diferenciando-a da elite (FREI-
RE, 2008). Popularizar esse espaço não é, portanto, uma luta
tão recente na América Latina, mas o é no Brasil (menos de
um século).
Em nosso país, o movimento pela popularização da
universidade iniciou-se a partir do trabalho de educadores
que se rebelavam contra a exclusão da classe popular dos ban-
cos universitários. Paulo Freire é um desses educadores que
militou em prol da educação pública e popular. Ele por meio
das suas experiências em diferentes espaços educativos pro-
duziu através da práxis um referencial da EP, sendo que o seu
trabalho na antiga Universidade do Recife no início dos anos
1960 influenciou sua produção intelectual. As experiências no
Serviço de Extensão Cultural possibilitou o diálogo entre uni-
versidade, Movimento de Cultura Popular e os setores popula-
res. (FREIRE, 1994b). Sobre isto, um autor que contribui para
pensar Freire e a universidade é o Jarbas Maciel. É ele quem
escreve no ano de 1963 sobre “A fundamentação teórica do sis-
tema Paulo Freire”.
No artigo de Jarbas Maciel, dentre as questões que ele
aborda estão: 1) Experiência do Serviço de Extensão Cultural da
Universidade do Recife; 2) Fundamentação Teórica do Sistema;
No item 2, Jarbas vai trazer a universidade popular como pro-
cesso intrínseco ao Sistema Paulo freire, ou seja:

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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No Método Paulo Freire de Alfabetização de Adultos,


nossa equipe tem tentado minimizar a codifinação
às sugestões -chaves fundamentais, desprezando o
maior número possível de detalhes desnecessários,
com vistas não tanto a uma maximização’ do teor
do aprendizado, mas a uma maximização da econo-
mia de tempo para o aprendizado. A maximização do
teor do aprendizado está prevista, em doses cada vez
mais compactas e completas, para as etapas seguintes,
que terminarão na Universidade Popular. (MACIEL,
1963, p.54 no PDF).

Para Brandão8, foi Jarbas Maciel que anunciou pela


primeira vez, através do Método Paulo Freire e seu Sistema de
Educação, o projeto “que deveria desaguar na criação de uma
nova universidade popular”.
Anos mais tarde, Boaventura de Sousa Santos defen-
de a criação de uma universidade popular dos Movimentos
Sociais. Isto ocorreu no Fórum Social Mundial, realizado em
Porto Alegre no ano de 2003, sua defesa era de que se faz ne-
cessário “uma contra universidade”, ou seja, uma universidade
não elitista. Propostas como estas nos apresentam abertura
para novas leituras da realidade (STRECK; ADAMS, 2012), as
quais se colocam como desafio emergente. No entanto, a luta
pela reinvenção da universidade é muito nova no Brasil, um
tema caro e profícuo para estudos e pesquisas no campo da
educação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com estas breves notas, busquei abordar um pouco
do contexto histórico das universidades populares, mas não vi-
sualizei em nenhuma das experiências, pelo menos nas descri-
tas aqui, uma universidade radicalmente popular. Entretanto,
há experiências populares na universidade e muitas delas se
aproximam com a Educação Popular, a exemplo: da atuação
do Freire na universidade, do movimento de educadores po-
8 Em um texto encaminhando por e-mail, sem data de publicação.

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pulares de Porto Alegre (RS). Este último, objetiva o acesso de


educadores (as) populares em cursos superiores, os quais pos-
sam dialogar com as suas práticas pedagógicas em diferentes
contextos educativos, numa perspectiva da Educação Popular
freiriana. Julgo desta maneira, ser importante citar que nesse
mesmo projeto, mas mais avançado e posicionado politica-
mente, estão as lutas do Movimento dos trabalhadores sem
Terra ( MST) com o seu curso “ Pedagogia da Terra” e a Via
Campesina que participam das discussões sobre a construção
da universidade popular a partir de Marx e Freire9.
Sob essa ótica, a universidade popular freiriana não se
separa com as raízes epistemológicas, sociológicas e políticas
da Educação Popular, portanto, a sua construção requer parti-
cipação ativa dos setores populares, tanto nas discussões sobre
que universidade se deseja, para quê, contra o que e na defesa
do quê, como qual sua relação com o projeto de sociedade. Daí,
a importância dos Movimentos Populares que vem lutando
contra o modelo de sociedade opressor, os quais negam, não
só o direito do povo à universidade, mas a dignidade humana.

Referências

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cinquenta anos atrás. Digitado, s/d, 17f.
BRASIL: MEC-SECAD/ Programa de Apoio à Formação
Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas
(PROLIND).
BRASIL: MEC-Plano de Desenvolvimento Institucional -
Campus São Gabriel da Cachoeira.2014-2018.
9 Ver texto de Marco Antonio Perruso intitulado como: Pedago-
gia Freireana e Marxismo: a formação política na Via Campesina
Brasil. Disponível em: http://www.niepmarx.com.br/MManteriores/
MM2011/TrabalhosPDF/AMC473F.pdf. Acesso em 15 de fevereiro
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Educação Popular em Debate
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade


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1693
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

UNIVERSIDADE POPULAR NO SISTEMA


PAULO FREIRE

PEREIRA, Thiago Ingrassia1


Introdução
Este é um texto que tem muitos contextos2. Li muito
pouco sobre Paulo Freire em minha graduação3. Cheguei até
Pedagogia da autonomia a partir de conversas com meu orien-
tador de iniciação científica4. Curiosamente, passei a ler Freire
inserido em meus estudos sobre cultura política e democracia.
Confesso que achava o texto freireano “enrolado” e nutria certo
preconceito com um autor da “educação”. Sim, eu queria ser
cientista social, ainda que o desejo de ser professor sempre es-
tivesse em meu horizonte.
Nossas experiências ao longo do curso de graduação
e das próprias pesquisas que fazia na bolsa foram me desper-
tando para algumas questões que direcionariam minha vida
acadêmica. Junto à vida universitária e até por causa dela, me
iniciei na docência num cursinho pré-vestibular popular (ON-
GEP) de Porto Alegre, em agosto de 2003. Essa experiência me
direcionou para a área da educação, alterando meu primeiro
1 Doutor em Educação. Docente da Universidade Federal da Frontei-
ra Sul - UFFS. E-mail: thiago.ingrassia@uffs.edu.br
2 Um primeiro esboço desta argumentação foi apresentado no VII
Seminário Nacional Diálogos com Paulo Freire: a educação do(a) tra-
balhador(a), realizado em dezembro de 2013 na FURG, Rio Grande,
RS. Por fim, trabalhei em sua melhor sustentação em minha tese de
doutorado, em especial, do capítulo 2. Ver Pereira (2015).
3 Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais na UFRGS.
4 Prof. Dr. Marcello Baquero (UFRGS).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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entendimento sobre esse extraordinário campo científico e de


intervenção social.
Assim, ao completar dez anos como docente, tendo
atuado em cursinhos populares, ensino fundamental, médio e
superior (graduação e pós-graduação), em instituições púbi-
cas e privadas, fui me construindo como educador. A pós-gra-
duação na área da educação me permitiu ser um curioso em
relação à obra de Freire. E essa curiosidade, sempre crescente,
foi me oportunizando compartilhar leituras, repensar minhas
práticas e buscar novas possibilidades de entendimento.
Em um desses espaços formativos5, cheguei ao texto
que enseja essas breves reflexões sobre a fundamentação teó-
rica do Sistema Paulo Freire. Assim, ao completar uma década
de docência, apresento para diálogo um texto que completou
cinco décadas.
Antes da universidade
Para além das instituições formais de ensino, a edu-
cação é um movimento mais amplo em termos culturais. Por
isso, a escola como instituição foi se constituindo na correla-
ção de forças sociais que formaram a sociedade brasileira no
século XX. Desde os pioneiros da escola nova, o debate sobre
os rumos da educação nacional estava posto, tendo em vista o
projeto modernizante em voga no país, principalmente, pós-
1930.
Não promoverei um extenso debate sobre esse debate
educacional na primeira metade do século XX, mas é impor-
tante considerar que algumas posições políticas (escola nova,
católicos, movimentos populares) sobre a educação vão dispu-
tar o projeto nacional. Como pano de fundo, temos a emer-
5 Banca de qualificação de projeto de tese, PPGEDU/UFRGS, maio
de 2012, véspera do XIV Fórum de Estudos: leituras de Paulo Frei-
re na UFFS/Erechim. Estive na companhia dos professores Jaime
Zitkoski (orientador), Balduino Andreola, Jorge Ribeiro e Carlos
Rodrigues Brandão, este último, o responsável pela indicação de
leitura de Jarbas Maciel.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

gência de uma sociedade urbana e industrial, atrelada ao capi-


tal internacional.
Essa ambiente abarca o surgimento e a consolidação
de importantes sujeitos sociais, como as empresas multina-
cionais, os sindicatos e muitos movimentos rurais e urbanos.
O aparato estatal passa a ser disputado por partidos políticos
ideologicamente posicionados à direita e à esquerda do espec-
tro político. É no contexto pós- Era Vargas (1930-1945) que a
cena política nacional vê o surgimento e a consolidação de mo-
vimentos que aspiram direitos e buscam seu lugar no processo
de modernização do país.
A educação e o sistema de ensino, pela sua importân-
cia estratégica nesse processo, não poderiam deixar de serem
espaços políticos relevantes. Dessa forma,
a história da educação popular geralmente é contada a
partir da década de 1960, que no Brasil coincide com
uma forte mobilização popular na qual se encontra-
va inserida a educação, em especial a alfabetização de
adultos. A referência mais marcante desse movimen-
to pedagógico-político-cultural é o projeto de Paulo
Freire em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963.
Dentre os movimentos implantados no Nordeste,
todos no início da década de 1960, podem ser cita-
dos o Movimento de Cultura Popular (MCP), criado
na Prefeitura de Recife; a campanha ‘De pé no chão
também se aprende a ler’, instituída pela Prefeitura de
Natal; e o Movimento de Educação de Base (MEB),
criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Bra-
sil em convênio com o governo federal (STRECK,
2010, p. 301).

Em todos esses movimentos o ativismo esteve pre-


sente, cumprindo papel importante para alicerçar uma cultura
participativa. Contudo, o próprio contexto foi produzindo a
necessidade de maior organização das ideias que brotavam da
prática cotidiana. Assim,
o encontro com Paulo Freire e outros intelectuais
orgânicos nas décadas de 1950 e 1960 complementa

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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um quadro de fundamentação teórica e prática. Nes-


te encontro, os movimentos populares ganham uma
sistematização e identidade de classe que ainda se en-
contrava difusa (RODRIGUES, 2008, p. 33).

Temos a possibilidade histórica de sistematização das


experiências e aprofundamento teórico para a ação. O huma-
nismo cristão, o existencialismo, a fenomenologia e o marxis-
mo se constituíram em bases teóricas fecundas para o debate
que nasce nas práticas sociais concretas e na percepção sobre
as desigualdades e injustiças sociais, chegando à universidade.
Na universidade
A experiência da Universidade do Recife6 nos anos
1960 é fundamental para pensarmos o papel da universida-
de em relação aos setores populares. O Serviço de Extensão
Cultural (SEC) vai ser o espaço de encontro de ativistas e inte-
lectuais preocupados com a inserção da universidade na vida
cultual, econômica e política da sociedade.
De certa forma, os debates e ações do Movimento de
Cultura Popular (MCP) servirão de base para se pensar, a par-
tir da universidade, estratégias de intervenção social sustenta-
das em reflexões consistentes sobre o contexto social da época.
De acordo com Freire (1994, p. 167), “o Serviço de Extensão
Cultural da Universidade, então chamada do Recife, nasceu de
um sonho nosso, do então reitor prof. dr. João Alfredo Gonçal-
ves da Costa Lima e meu”.
Entre tantas estratégias, a construção da Revista Es-
tudos Universitários permitiu a publicação das questões que
faziam parte dos diálogos e ações presentes nos trabalhos de
educação popular. As reflexões que apresentarei a seguir são
extraídas do número 4 da Revista, de abril – junho de 1963.
Especificamente, me deterei no diálogo com o ensaio de Jarbas
Maciel7 intitulado “A fundamentação teórica do sistema Paulo
6 Atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
7 Freire, de forma elogiosa, se refere em Cartas a Cristina (12ª carta)

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Freire”, entre as páginas 25 e 58. O SEC, como lembra Freire, foi


abortado em suas concepções e práticas fundantes pelo golpe
de estado de abril de 1964. Portanto, foram menos de dois anos
que Freire e sua equipe tentaram construir uma experiência
importante de extensão universitária dentro de um projeto de
universidade popular.
Jarbas Maciel, segundo Carlos Rodrigues Brandão,
“mais do que Paulo, é ele quem discorre com mais dados e fa-
tos sobre o que foi a experiência de extensão universitária da
equipe” 8. A extensão universitária é compreendida como uma
postura diante das demandas sociais dos grupos populares.
É radicalmente contrária à noção tradicionalmente colocada
de extensão como alargamento da universidade, uma ida da
universidade à comunidade, como se coubesse à universidade
aplicar ou ensinar seus conhecimentos aos que nela não estão.
Aliás, esse é um aspecto de reflexão decisivo: compreender a
universidade pública como uma instituição diretamente vin-
culada àqueles que nela não estão, mas a mantêm com sua
ao conjunto de pessoas que trabalhou em seus projetos na universi-
dade: “creio interessante fazer referência, além de cumprir um dever,
à excelente equipe com quem me foi possível criar o Serviço de Ex-
tensão Cultural da Universidade do Recife. Equipe que se distribuía
na formulação e na coordenação de diferentes projetos. Todos na
época bastante jovens e hoje afirmados intelectuais nesta ou naque-
la área. Luiz Costa Lima, José Laurêncio de Melo, Juracy Andrade,
Sebastião Uchoa Leite, Orlando Aguiar da Costa Ferreira, Jarbas
Maciel, Jomard Muniz de Brito, Roberto Cavalcanti de Albuquer-
que, Francisco Bandeira de Mello, a quem se juntou depois um bom
grupo de educadoras e educadores empenhados na compreensão e
na prática da educação popular” (FREIRE, 1994, p. 172-173).
8 Trecho extraído de texto digitado intitulado “Paulo Freire, a edu-
cação, a cultura e a universidade: memórias de uma história há cin-
quenta anos atrás”, de autoria de Brandão e me enviado por correio
eletrônico em 28 de maio de 2012. Ressalto que questionei o Prof.
Brandão sobre se esse seu texto tinha sido publicado. Observem a
resposta: “Thiago, ele foi publicado em uma revista eletrônica. Quem
sabe de fato é o querido argonauta e educador Jason Mafra. Mando
este e-mail pra ele também. Que vocês, educadores, se conversem e
entendam. Sou apenas um humilde antropólogo. Valeu, Carlos”. Em
pesquisa na internet, não encontrei o ensaio em questão publicado.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

participação no fundo público. Quanto a isso, é ilustrativa essa


argumentação de Maciel:
Por isso, entendemos que a verdadeira práxis da ex-
tensão cultural, entre nós, deva partir daí. Sua moti-
vação afunda raízes na grande contradição da Uni-
versidade Brasileira que, entre outras coisas, põe em
choque 1 % da nossa população com os 99% restantes,
isolados na mais completa cegueira espiritual e em-
brutecidos no abandono de uma forma de escraviza-
ção social e econômica. Parece uma ironia que esses
99% do povo brasileiro devessem, mesmo alienados
da Universidade, sustentá-la social e economica-
mente. Entretanto, assim o é. A extensão, por
conseguinte, para ser verdadeiramente funcio-
nal, deve estar voltada para esses 99 % a imensa
maioria do povo brasileiro – no sentido de sal-
dar, simplesmente, uma pesada dívida que não
é apenas acidental e nem recente, porque é uma
dívida histórica. Quando fazemos extensão cul-
tural nestes termos, estamos lutando inclusive
contra os erros e os vícios de nosso passado colo-
nial (MACIEL, 1963, p. 25-26).

Não me aprofundarei no debate sobre a extensão uni-


versitária, muito embora sua função estratégica no atual debate
sobre a reforma universitária9. Por outro lado, a extensão pra-
ticada pelo SEC nos anos 1960 está alicerçada na compreensão
filosófica de valorização da cultura popular e no entendimento
político acerca da educação como prática da liberdade.
Ao ler o ensaio de Jarbas Maciel, me associo à inter-
pretação de Brandão quanto aos três postulados fundamentais
do sistema de educação Paulo Freire. Tais postulados conferem
substantividade à proposta dos educadores populares. São eles:
9 O espaço de diálogo entre os saberes acadêmicos e os saberes popu-
lares potencializa a extensão (comunicação, para Freire) como eixo
fecundo para novas práticas epistemológicas no âmbito universitá-
rio. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos fala da “ecologia dos
saberes”, uma espécie de “extensão ao contrário” (SANTOS, 2005).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

1. A igualdade ontológica de todos os homens.


2. A acessibilidade ilimitada do conhecimento e
da cultura.
3. A comunicabilidade ilimitada do conhecimento
e da cultura.
Partindo das práticas sociais dos movimentos de cul-
tura popular, o SEC potencializa o debate acadêmico ao incor-
porar elementos filosóficos, antropológicos e até linguísticos,
tendo em vista o debate sobre a leitura do mundo que antecede
a leitura da palavra, premissa tão cara aos processos de alfa-
betização de adultos que estão na base das propostas do SEC.
Ao considerar o grande relevo adquirido pela alfabetização
de adultos, Maciel avança em sua problematização e anuncia
a construção de um sistema de educação articulado que co-
meçaria na alfabetização, mas perpassaria diferentes níveis de
formação humana. Para Brandão, no texto mencionado ante-
riormente:
E este é o momento em que Jarbas Maciel anuncia -
pela primeira vez, imagino - a extensão do Método
Paulo Freire a todo um Sistema Paulo Freire de Edu-
cação. Um sistema gerado na universidade, e que de-
veria desaguar na criação de uma nova universidade
popular.

Vejamos, então, as etapas do Sistema Paulo Freire de


educação, esboçadas no contexto dos anos 1960:
1 – Alfabetização infantil
2 – Alfabetização de adultos
3 – Ciclo primário rápido
4 – Extensão Cultural (níveis popular, secundário, pré-universitário e
universitário)
5 – Universidade Popular (Instituto de Ciências do Homem)
6 – Centro de Estudos Internacionais

Cada etapa descrita acima está descrita por Maciel em


seu ensaio. Cumpre destacar que as etapas 2 e 4 estavam em

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estágio mais avançado, tendo em vista as ações concretas reali-


zadas pelo SEC e seus parceiros.
Diante desse contexrto, Jaime Zitkoski (2013) ar-
gumenta acerca das atuais encruzilhadas da universidade na
América Latina. A organização das classes populares e sua mo-
bilização em torno do acesso à escola em todos os seus níveis,
conforme vimos, é um processo desencadeado nos anos 1950
e 1960. No presente, a demanda por formação é tanto uma exi-
gência do contexto econômico, como do político, tendo em vis-
ta os projetos de mobilidade social e do próprio tensionamento
do capitalismo hegemônico. Tendo em vista esse cenário,
[...] uma questão crucial se impõe: o que é necessá-
rio para uma universidade ser digna desse nome na
contemporaneidade, considerando a complexidade
social e cultural da América Latina? Nossas universi-
dades devem seguir os modelos das IES do “primeiro
mundo” (Europa e os EUA), ou trilharem seu próprio
caminho em diálogo mais próximo com as realidades
sociais que as circulam? (ZITKOSKI, 2013, p.19).

Imagino que a possível construção de uma universi-


dade popular passe pelo segundo caminho apontado acima, ou
seja, que a universidade por meio de seus gestores, servidores
e alunos possa estar presente na vida da região onde está situa-
da. Esta presença ocorre por meio de seus processos seletivos
para os cursos de graduação e pós-graduação, em seus projetos
de pesquisa e extensão, pelos concursos públicos para recru-
tamento de seus servidores, mas, sobretudo, por uma síntese
dessas atividades a partir da assunção de seu papel como ins-
tância crítica da sociedade ao mesmo tempo em que atua res-
ponsivamente às demandas que se relacionam com as questões
cotidianas de suas cercanias.
O desafio reside em atuar localmente, valorizando
práticas e saberes da comunidade regional, tendo em vista as
questões que acontecem no mundo contemporâneo. Para cum-
prir essa agenda, as universidades públicas precisam de um fi-

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nanciamento adequado que garanta condições dignas para o


exercício de todas as suas atividades fim (extensão, pesquisa e
ensino). Nesse ponto, a relação com o Estado e com as políticas
educacionais é evidente.
Ainda, é importante destacar que não alimento uma
visão “romântica” do papel das classes populares no direcio-
namento da reforma universitária em curso no Brasil. Se em
termos conceituais não nos é possível definirmos com precisão
esse “popular”, o que dizer dos movimentos concretos desse
segmento? Há uma pluralidade de sujeitos sociais interessados
em disputar o projeto da universidade pública, desde aqueles
movidos por interesses pessoais e corporativos, passando por
aqueles que atrelam à reforma projetos eleitorais (por vezes
eleitoreiros) de controle da máquina pública, chegando até
aqueles que acreditam em processos revolucionários mais pro-
fundos, mesmo que, muitas vezes, ainda fiquem presos a ideo-
logias estéreis de pouca projeção social.
Para além da universidade: desafios contemporâneos
Mais do que realizar a denúncia das situações con-
cretas de opressão e desigualdade sociais, a equipe do SEC da
Universidade do Recife deteve-se no anúncio de um sistema de
educação que fosse coerente com as bases políticas e filosóficas
das ações educativas em voga a partir dos movimentos de cul-
tura popular. A universidade não se basta a si mesma, ou seja,
é condicionada por circunstâncias sociais que direcionam suas
ações. O SEC se constituiu em laboratório de sistematização de
experiências e na proposição de aprofundamento conceitual.
O atual processo de expansão universitária recolocou
na agenda a discussão sobre a “universidade popular” 10. Con-
tudo, essa discussão parece desconsiderar, ainda que faça men-
10 Várias novas universidades assumem o discurso “popular”, sejam
em relação a políticas de acesso (escola pública, cotas raciais, de
renda etc) ou a princípios epistemológicos (valorização dos saberes
populares). Vivo a experiência da UFFS que busca ser uma universi-
dade pública e popular, contudo, é um movimento contraditório.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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ção ao conjunto de autores e preposições da educação popular,


as concepções construídas há cinquenta anos no nordeste bra-
sileiro.
Esse pequeno texto procurou dar visibilidade aos pres-
supostos construídos nos anos 1960 e que se mantêm atuais na
luta por uma educação inclusiva, emancipatória e justa. Porém,
esse projeto torna-se ainda mais desafiador em um contexto
desigual, como é a sociedade brasileira. Construir instituições
democráticas em uma sociedade atravessada por hierarquias é
um grande desafio.
As reflexões dos anos 1960, bem como as realizadas
nos anos 198011, podem servir para sustentar nossos argumen-
tos, pois nos indicam a historicidade da luta dos educadores
populares por uma educação libertadora que contribua para a
transformação social.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, a educação,
a cultura e a universidade: memórias de uma história há
cinquenta anos atrás. Digitado, s/d, 17f.
FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1994.
MACIEL, Jarbas. A fundamentação teórica do Sistema Paulo
Freire. Revista de Cultura da Universidade do Recife, Recife,
n. 4, p. 25-58, abril/junho, 1963.
PEREIRA, Thiago Ingrassia. Classes populares na
universidade pública brasileira e suas contradições: a
experiência do Alto Uruguai gaúcho. Curitiba: CRV, 2015.
RODRIGUES, Antonio Carlos. Educação popular: histórico e
concepções teóricas. In: MELLO, Marco. (Org.). Paulo Freire
11 Ver a publicação “Universidade e compromisso popular”, organi-
zada por Paulo Freire, Adriano Nogueira e Débora Mazza, a partir
de seminário na PUC – Campinas em 1986. Disponível em: <http://
acervo.paulofreire.org/xmlui>. Acesso em 12 set 2015.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

e a Educação Popular. Porto Alegre: IPPOA/ATEMPA, 2008,


p. 31-60.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Universidade no século
XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da
universidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
STRECK, Danilo R. Entre emancipação e regulação: (des)
encontros entre educação popular e movimentos sociais.
Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v. 15, n. 44, p.
300-310, mai/ago 2010.
ZITKOSKI, Jaime José. A universidade na América Latina:
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In: ZITKOSKI, Jaime José; MORIGI, Valter (Orgs.).
Experiências emancipatórias e educação: a docência e a
pesquisa Porto Alegre: Corag, 2013, p. 13-25.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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CÍRCULO DE CULTURA DIDÁTICA:


POSSIBILIDADES FORMATIVAS PARA A
UNIVERSIDADE POPULAR

PONTES, Rosana Aparecida Ferreira1


Introdução
Este trabalho de pesquisa e formação foi desenvolvido
nas aulas da disciplina Conteúdos e Metodologia do Ensino
de Língua Portuguesa, no curso de Pedagogia da Universidade
Católica de Santos (UNISANTOS), em convênio com o Pla-
no Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(PARFOR).
O Programa PARFOR foi instituído para atender o
Decreto 6.755/2009, conforme o disposto no artigo 11, inciso
III, e implantado em regime de colaboração entre a Capes, os
estados, os municípios, o Distrito Federal e as Instituições de
Educação Superior – IES. O Programa ambiciona induzir e fo-
mentar a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade,
para docentes em exercício na rede pública de educação básica,
para que possam obter a formação exigida pela Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394/1996 e
contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica no
país. Caracteriza-se, portanto, como uma política emergencial
de formação de professores.
1 Licenciada em Letras, Pedagoga, Mestre em Educação pela Univer-
sidade Católica de Santos. Professora do Curso de Pedagogia con-
veniado ao Programa PARFOR, na UNISANTOS, bolsista Capes.
Colaboradora do grupo de pesquisa “Práticas Pedagógicas: Pesquisa
e Formação”. E-mail: rosanafpontes@gmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Frente a esse contexto, a UNISANTOS firmou convê-


nio com o Ministério da Educação (MEC/Capes), no segundo
semestre de 2010 e, desde então, assumiu o compromisso de
oferecer formação em Pedagogia, como primeira licenciatura,
para professores-estudantes subvencionados pelo PARFOR.
Embora o currículo do curso não tenha sofrido altera-
ções formais, o perfil diferenciado desses sujeitos nos impulsio-
nou a empreender ações para que estabelecessem relação entre
teoria e prática de forma mais significativa. No que se refere ao
ensino da Didática, no âmbito da disciplina em questão, con-
siderei que partir dos saberes que traziam da experiência se-
ria uma oportunidade para a construção de um caminho com
vistas à transformação da prática docente que já exerciam, por
meio da conscientização sobre o trabalho político-pedagógico,
conforme propõe Freire (1987, 2005).
O grupo-classe que participou deste trabalho era cons-
tituído por 38 professoras-estudantes que atuavam, majoritaria-
mente, em creches conveniadas com as prefeituras locais. Essas
educadoras, em seus locais de trabalho, não eram reconheci-
das como professoras e exerciam funções com denominações
variadas como pajens, cuidadoras, atendentes de educação.
Logo, não possuíam uma identidade profissional constituída e
demonstravam baixa autoestima, em virtude da defasagem de
formação e das condições opressoras em que trabalhavam.
Antes de iniciar o trabalho, foi possível diagnosticar
que Paulo Freire era o autor mais citado e mais apreciado pe-
las professoras-estudantes que, no entanto, ao longo do curso,
haviam lido poucos textos do autor, bem como não compreen-
diam como incorporar os conceitos teorizados por Freire em
suas práticas docentes. Daí surgiu a questão que direcionou o
estudo: quais as possibilidades de se utilizar princípios da peda-
gogia freireana nas aulas da disciplina Conteúdos e Metodolo-
gia do Ensino de Língua Portuguesa? E o objetivo do trabalho
foi construir conhecimentos didáticos, em uma perspectiva crí-
tico-emancipatória, com as professoras em formação.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Concomitantemente, este trabalho foi concebido


como uma prática pedagógica (FRANCO, 2008, 2012) de for-
mação de professores, na perspectiva da Didática multidimen-
sional (PIMENTA; FRANCO; FUSARI, 2014). Nessa direção,
procedo à apresentação dos pressupostos didático-pedagógi-
cos que subsidiaram o trabalho; dos procedimentos didáticos
construídos em parceria com as estudantes; destacando o tra-
balho no círculo de cultura didática em sala de aula.
Pressupostos didático-pedagógicos norteadores
Realizar um estudo sobre princípios da pedagogia
freirena, nas aulas da disciplina Conteúdos e Metodologia do
Ensino de Língua Portuguesa, com as professoras-estudantes
do Programa PARFOR, implicou um envolvimento coletivo, a
fim de construirmos procedimentos didáticos coerentes com
o propósito do trabalho. Com essa intencionalidade, planejei
o trabalho didático, de modo que, ao mesmo tempo em que
o estudo ocorreu, o grupo vivenciou nas aulas conceitos teo-
rizados por Freire, elaborou sínteses reflexivas e estabeleceu
relações entre teoria e prática. Seguindo os preceitos de Freire
(1987, 1997, 2005), pretendi adentrar no âmbito de uma prá-
tica pedagógica consciente, crítica e emancipatória, no sentido
de práxis.
Para Freire (1987, 1997, 2005), o homem é, em sua es-
sência, um ser epistemologicamente curioso, conscientemente
inacabado e necessariamente conectivo. E, para o pleno desen-
volvimento humano, a educação precisa realizar sua verdadei-
ra missão: a humanização do homem. A educação constitui-se,
portanto, em um processo de conscientização, no sentido de
criticização das relações consciência-mundo, em que educado-
res e educandos têm papéis importantes a cumprir:
Dessa forma, a educação se constitui como verdadeiro
quefazer humano. Educadores-educandos e educan-
dos-educadores, mediatizados pelo mundo, exercem
sobre ele uma reflexão cada vez mais crítica, insepará-

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vel de uma ação também cada vez mais crítica. Iden-


tificados nessa reflexão-ação e nessa ação-reflexão
sobre o mundo mediatizador, tornam-se ambos – au-
tenticamente – seres da praxis. (FREIRE, 1997, p. 17)

A concepção humanizada freireana de educação rejei-


ta qualquer possibilidade de manipulação do educando, afas-
ta-se totalmente da “educação bancária”, em que o professor
é o detentor do conhecimento e o educando é uma caixa de
depósito desse conhecimento que vem de fora para dentro. Na
superação dos obstáculos à humanização, a educação se faz co-
nectiva, comunicativa, dialógica: “E, se é diálogo, as relações
entre seus pólos já não podem ser as de contrários antagônicos,
mas de pólos que conciliam” (FREIRE, 1997, p. 15).
Mediante essa concepção humanista e libertadora de
educação, o homem, assumindo-se como um ser histórico, ao
tomar consciência de seu inacabamento, reconhece que é “o ser
da praxis ou um ser que é praxis” (FREIRE, 1997, p. 15), com o
poder de emancipar-se e transformar o mundo. Assim, a edu-
cação permite que o homem se conecte com o mundo e com o
outro, estimula sua criatividade, sua inquietude epistemológi-
ca, respeita sua vocação ontológica de ser mais, “reconhece que
o homem se faz homem na medida em que, no processo de sua
hominização até sua humanização, é capaz de admirar o mun-
do. É capaz de, desprendendo-se dele, conservar-se nele e com
ele; e, objetivando-o, transformá-lo” (FREIRE, 1997, p. 15).
Tomando por base a concepção de educação-práxis
freireana, a fim de compreender o conceito de prática peda-
gógica, sob a racionalidade crítico-emancipatória, recorri a
Franco (2008, 2012). De acordo com a autora, as práticas pe-
dagógicas possuem uma lógica própria, complexa, em cons-
tante mutação e adaptação, mas sempre prenhe de possibili-
dades formativas. Franco (2008, 2012), em conformidade com
os princípios freireanos, compreende a prática docente como
uma prática organizada histórica e socialmente que não se res-
tringe apenas à aplicação de conhecimentos teóricos, científi-

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cos e pedagógicos. Franco (2008, p. 113) explica que “apenas


nas mediações do sujeito com seu fazer é que a prática se torna
inteligível”. Para a autora, a “mediação pedagógica” é realiza-
da pela constante reflexão sobre a prática, logo, o conceito de
práxis a que se refere é a de uma ação reflexiva contínua e cole-
tiva, de modo a garantir que a intencionalidade proposta pelo
professor seja disponibilizada a todos e, assim, os objetivos
sejam compartilhados e alcançados na dinâmica do coletivo
(FRANCO, 2012).
A autora enfatiza que, para alcançar o sentido de prá-
xis, uma prática pedagógica caracteriza-se como uma ação
consciente e participativa. No campo da Pedagogia, torna-se
uma prática social, conduzida pelo pensamento crítico-refle-
xivo sobre todos os aspectos que envolvem, limitam e deter-
minam o trabalho pedagógico. É a superação do pensar ingê-
nuo em busca da emancipação dos sujeitos (FREIRE, 2005).
Franco (2008, 2012) distingue uma prática verdadei-
ramente pedagógica como: crítica e não normativa; práxis e
não treinamento; dialética e não linear; um diálogo contínuo
entre os sujeitos e suas circunstâncias. Portando, o professor,
a fim de ir além de uma prática docente repetitiva e tecnicista,
precisa aprender a desenvolver a reflexão crítica sobre sua prá-
tica, bem como a consciência de suas intencionalidades.
É possível identificar que a teoria pedagógica
freireana, bem como o pensamento de Franco (2008, 2012)
têm suas raízes na filosofia da práxis de Marx. Desse modo,
a autora explica que as ações do trabalho pedagógico, que é
também eminentemente político, envolvem produção de co-
nhecimento e reflexão, e precisam estar voltadas para a trans-
formação social. Nessa perspectiva, situo este trabalho que foi
realizado com a intencionalidade de ajudar a transformar su-
jeitos da prática em sujeitos da práxis pedagógica, e cito Franco
(2008, p. 120):
Portanto, só a ação docente, realizada como prática
social, pode produzir saberes, saberes disciplinares,

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saberes referentes a conteúdos e sua abrangência so-


cial ou mesmo saberes didáticos, referentes às diferen-
tes formas de gestão de conteúdos, de dinâmicas da
aprendizagem, de valores e projetos de ensino.

A fim de entrelaçar os diversos saberes necessários à


prática pedagógica docente apontados pela autora, a Didática
assume importância capital.
Pimenta, Franco e Fusari (2014) elaboraram o concei-
to de Didática multidimensional. Para os autores, “a disciplina
Didática, desde suas origens, foi identificada a uma perspec-
tiva normativa e prescritiva de métodos e técnicas de ensinar,
perspectiva essa que ainda permanece bastante arraigada no
imaginário dos professores e dos alunos que se direcionam aos
cursos de formação” (p. 2). Por outro lado, as Didáticas espe-
cíficas (ou Didáticas das disciplinas) “tomam o conhecimento
científico que lhes é próprio como verdades em si, descontex-
tualizadas, e metodizam o seu ensino, comprometendo a vi-
são de totalidade e de seus nexos com a formação humana dos
sujeitos” (p. 2). Os autores propõem, então, um diálogo entre
a Didática e as Didáticas das disciplinas, de modo que a me-
diação entre a teoria pedagógica e a ação de ensinar conteú-
dos das mais diversas áreas seja efetiva. Defendem a superação
da conformação repetitiva de organização da transmissão de
conteúdos, em prol de uma dinâmica que ajude a desencadear
nos alunos atividade intelectual, criação de sentido para o que
aprendem, em uma dimensão humanizadora, crítica, questio-
nadora das condições de injustiça social.
A Didática multidimensional, conforme os estudos de
Pimenta, Franco e Fusari (2014), com base em Paulo Freire,
parte da compreensão de que o ensino e a aprendizagem pos-
suem múltiplas dimensões, por isso, rejeita o tratamento frag-
mentado dos conteúdos de ensino.
Os autores indicam princípios articuladores da práti-
ca pedagógica docente, em consonância com a Didática mul-
tidimensional (p. 15-19): processos investigativos de ensino e

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aprendizagem; processos dialogais em sala de aula; construção


de processos de práxis – práxis compreendida na perspectiva
freireana, ação e reflexão para transformar o mundo.
Ao considerar como marco teórico para este trabalho
os pressupostos elencados neste tópico, pretendi que meu tra-
balho com/sobre os princípios pedagógicos freireanos estives-
se também fundamentado por autores da área da Pedagogia e
da Didática.
Construindo procedimentos didáticos
Iniciei o trabalho apresentando às estudantes a pro-
posta que envolvia as seguintes etapas: 1. Estudo sobre Paulo
Freire (1987, 1989, 2005), de modo que fossem identificados
princípios que coadunassem com a Didática do ensino de lín-
gua portuguesa. 2. Estudo dialógico em círculos de cultura e de
investigação, aplicando os princípios pedagógicos freireanos,
sobre os conteúdos da disciplina em questão. 3. A cada etapa,
as estudantes precisariam escrever sínteses reflexivas. 4. Have-
ria a socialização das sínteses no círculo de cultura da sala de
aula.
A primeira atividade que propus, com o objetivo de
sensibilizar o grupo para questões relacionadas à leitura e à es-
crita, foi considerada desafiadora pelas estudantes. Apresentei
um texto em língua estrangeira e solicitei que, em grupo, reali-
zassem a leitura do texto, bem como explicassem como se sen-
tiram durante o exercício, o que significava ler, que habilidades
precisaram mobilizar, o que faltou para poderem realizar uma
leitura compreensiva.
A atividade desencadeou na aula um debate sobre os
diferentes pontos de vistas das participantes, foi instigante no
sentido de ajudá-las a levantar hipóteses prévias sobre os con-
teúdos a serem estudados nas nossas aulas, bem como a utili-
zar seus conhecimentos enciclopédicos (FREITAS, 2009), ou
conhecimentos de mundo, como diria Freire (1989). Gerou a
primeira síntese reflexiva solicitada, ainda sem uma exigência

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de fundamentação teórica para os textos escritos. Destaco tre-


chos de um dos textos produzidos:

Síntese reflexiva da
Comentários
professora-estudante 1
Logo de cara, quando A aluna, de forma bem-humorada,
recebi o texto, imaginava que era identificou e elucidou passo a passo
inglês, mas, ao ler as primeiras li- as estratégias que mobilizou para
nhas, percebi que se tratava de um realizar a leitura. Elaborou seu texto
texto em alemão devido aos tremas e conforme o roteiro proposto na
ao sotaque interessante que adquiri consigna do trabalho, explicando
ao ler. Foi algo bem engraçado eu e como se sentiu, destacando a
minhas colegas de classe rimos bas- importância da participação
tante. do grupo, conceituando o que
Dificuldades foram mui- significava ler, no contexto
tas, mas, com bastante calma, tra- vivenciado. Reconheceu que juntas
balhando em grupo, ao tentar in- souberam identificar que o gênero
terpretar o texto, fomos percebendo textual era de uma carta e isso
que se tratava de uma carta escrita ajudou na compreensão do texto
por uma pessoa do sexo masculino. aparentemente ilegível.
No decorrer da leitura, percebemos
também que há o envolvimento de
uma empresa.
Assim, podemos dizer
que ler um texto como esse foi um
ato de decodificação e interpretação,
juntar partes mais compreensíveis
com aquelas praticamente não com-
preendidas. Usei todas as minhas
habilidades de interpretação, como
a minha competência leitora, com-
parei, analisei, relacionei e levantei
hipóteses, para justificar e tentar
contextualizar o texto.
Disponível em: www.cronicaspedagogicasparfor.blogspot.com.
Acesso em: 27 de março de 2015.

Os conteúdos dos textos produzidos para essa primei-


ra atividade rederam discussões para muitas de nossas aulas
sobre os temas estudados na disciplina, como a importância
da interação com o outro (VYGOTSKY, 1998; FREIRE, 1987,

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2005). O que significa decodificação e leitura e como esses con-


ceitos são compreendidos nas práticas de alfabetização e letra-
mento recomendadas por autores atuais. A relevância da teoria
dos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2011) para o ensino da
língua portuguesa e muito mais. Por outro lado, as dificuldades
foram muitas também.
Primeiramente, observei que as estudantes não liam
ou não entendiam as consignas para os textos escritos que eu
postava no Ambiente Virtual de Aprendizagem que utiliza-
mos (Plataforma Moodle), logo, fugiam dos temas propostos,
não cumpriam prazos e se dispersavam muito, forçando-me a
explicar inúmeras vezes na aula a mesma atividade, e a cada
explicação, novas dúvidas surgiam. Isso denotava para mim
que, embora estivessem no sétimo semestre do curso, ainda
não tinham dominado as habilidades de leitura e escrita que
eu esperava delas ou que minha didática era dissonante do que
elas esperavam de mim. Por isso, o diálogo sobre as dificul-
dades do grupo, bem como sobre as minhas dificuldades de
adequação didática, tornou-se uma ferramenta importante.
Ao final de cada aula, passamos a fazer uma avaliação e uma
retrospectiva do caminho didático-metodológico que estáva-
mos percorrendo. Assim, as estudantes iam se autoavaliando e,
simultaneamente, desenvolvendo a observação sobre minhas
ações didáticas.
Acredito, que, didaticamente, conseguimos criar pro-
cessos investigativos, dialogais e de mediação didática em aula
(PIMENTA; FRANCO; FUSARI, 2014), desde o início.
Prosseguindo no trabalho, o primeiro texto de Freire
(1989) que estudamos ajudou a conscientizar as estudantes so-
bre o papel da leitura em suas vidas pessoais e em seus ofícios de
professoras alfabetizadoras, fazendo ainda uma conexão com a
discussão desencadeada pela atividade da “carta em alemão”
descrita acima. Em consequência, a segunda síntese reflexiva
solicitada foi que, inspiradas pelo texto de Freire (1989), nar-
rassem suas memórias dos tempos de alfabetização. Os textos

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produzidos trouxeram à baila conflitos existenciais, traumas,


sentimentos de saudade da infância e a percepção de que, nem
sempre, a escola que frequentaram deu a devida importância
ao ato de ler, conforme compreenderam em Freire (1989):
Desde muito jovem, na verdade desde a minha in-
fância, entendi a importância de saber ler e escrever,
pois sou filha de pai apenas com ensino primário e
de mãe analfabeta. Assim que me alfabetizei, me sen-
ti responsável em passar o meu pouco conhecimento
para minha mãe. De início, a minha voz alfabetizada
era mediadora em tudo na vida dela. Onde quer que
fosse, lá estava eu, auxiliando-a em tudo: bancos, su-
permercados, consultas médicas etc. O tempo passou,
obtive mais conhecimento e hoje lendo o texto em
que Paulo Freire relata: “Primeiro, a leitura do mun-
do, do pequeno mundo em que me movia, depois a
leitura da palavra que nem sempre, ao longo da minha
escolarização, foi a leitura da palavra mundo”. Isto me
fez reviver a vontade que me movia dentro do meu
pequeno universo de alfabetizar minha mãe. (Profes-
sora-estudante 2 – disponível em: www.cronicaspe-
dagogicasparfor.blogspot.com. Texto postado em:
27 mar/2015)

O trecho selecionado da narrativa demonstra a sen-


sibilidade da estudante ao reconhecer, a partir de sua história
de vida, o conceito de leitura de mundo e a importância do ato
de ler (FREIRE, 1989), que utilizamos o tempo todo para os
estudos dos conteúdos da disciplina em questão sobre alfabe-
tização, leitura e escrita na educação infantil e no ensino fun-
damental.
O próximo livro selecionado de Freire (1987) muito
nos desafiou, mas foi nossa principal base teórica de ação em
sala de aula. Como uma atividade de pré-leitura, a fim de pre-
parar as estudantes e ajudá-las na compreensão da leitura do
livro, assistimos ao documentário Paulo Freire Contemporâneo
(2007). Esse documentário possibilitou que identificássemos,
com mais facilidade, os princípios freireanos que utilizamos

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em nossas aulas, quais sejam o círculo de cultura, o círculo de


investigação, a leitura de mundo, o diálogo, a tematização e a
problematização.
A fim de aprofundarmos nossa compreensão sobre
esses conceitos teóricos, realizamos o estudo coletivo do livro
Pedagogia do Oprimido (1987). Em virtude de ser uma leitura
complexa, precisamos dividi-la por grupos de estudo, em for-
mato de seminário. No decorrer das apresentações, o processo
dialógico foi crescendo e ampliando a conscientização do gru-
po sobre aspectos relacionados com os condicionantes sociais,
históricos, econômicos e ideológicos da educação. Consegui-
mos estabelecer um paralelo entre o conturbado momento his-
tórico em que Freire sistematizou seu método de alfabetização
de adultos, criando uma pedagogia que revolucionou a edu-
cação brasileira e tornou-se referência mundial, e o momento
atual em que a educação é fortemente influenciada pela ideolo-
gia neoliberal de mercado. Posso afirmar, parafraseando Freire,
que esse estudo ajudou as estudantes a despertarem de uma
consciência ingênua, na direção de uma conscientização críti-
ca sobre o trabalho político-pedagógico que exercem, além de
criar um encantamento especial para nossas aulas.
O terceiro livro de Freire que fundamentou nosso
trabalho, Pedagogia da Autonomia (2005), ajudou os sujeitos
participantes a aprofundarem a compreensão crítica sobre as
relações didático-pedagógicas entre professor, aluno e conhe-
cimento. Foi fundamental que distinguissem o que é Pedago-
gia, Didática e metodologia. Essa compreensão nasceu quando
se questionaram sobre os títulos das obras de Freire. Chegamos
a um consenso de que Pedagogia é a ciência da educação, que
Didática é um campo da Pedagogia que pode conciliar inú-
meros métodos e metodologias de ensino e aprendizagem.
Portanto, criar pedagogias, como fez Freire, significa articular
cientificamente concepções antropológicas, sociológicas, cul-
turais, políticas, ideológicas, de modo a fundamentar ações di-
dáticas e sistematizar métodos de ensino.

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Com tantos conceitos complexos identificados, mas


ainda não apreendidos, iniciamos a segunda etapa do trabalho
que compreendeu o estudo dos conteúdos disciplinares – alfa-
betização, leitura e escrita na educação infantil e nos primeiros
anos do ensino fundamental –, aplicando os princípios peda-
gógicos freireanos, em círculos de cultura didática.
No círculo de cultura didática
Na pedagogia freireana, os círculos de cultura eram,
originalmente, as classes de alfabetização de adultos que, sen-
tados em círculo, em uma posição igualitária, sem hierarquiza-
ção, compartilhavam suas leituras de mundo. Para Fiori (1987),
no prefácio da 17ª edição do livro Pedagogia do Oprimido, era
o momento para o oprimido “aprender a dizer sua palavra” (p.
5):
Ao objetivar seu mundo, o alfabetizando nele reen-
contra-se com os outros e nos outros, companheiros
de seu pequeno “círculo de cultura”. Encontram-se e
reencontram-se todos no mesmo mundo comum e, da
coincidência das intenções que o objetivam, ex-surge
a comunicação, o diálogo que criticiza e promove os
participantes do círculo. Assim, juntos, re-criam cri-
ticamente o seu mundo: o que antes os absorvia, ago-
ra podem ver ao revés. No círculo de cultura, a rigor,
não se ensina, aprende-se em “reciprocidade de cons-
ciências”; não há professor, há um coordenador, que
tem por função dar as informações solicitadas pelos
respectivos participantes e propiciar condições favo-
ráveis à dinâmica do grupo, reduzindo ao mínimo sua
intervenção direta no curso do diálogo. (FIORI, 1987,
p. 6, grifos do autor)

Fiori (1987) descreve que, no círculo de cultura, não


há professor, mas um coordenador das discussões que pouco
deve intervir. Embora as primeiras experiências com os círcu-
los de cultura, principalmente nas famosas 40 horas de Angi-
cos, Rio Grande do Norte, em 1963, tenham sido realizadas sob
a coordenação de estudantes universitários de diversas áreas,

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membros da União Nacional dos Estudantes (UNE), que re-


ceberam uma formação relâmpago, e realizaram a experiência
em suas férias acadêmicas, o papel didático do professor/edu-
cador foi sempre ressaltado por Freire.
Ainda hoje, trabalhar nessa concepção freireana, im-
plica que o professor esteja disposto a correr riscos, tais como
aprender a descentralizar suas ações, a ouvir, a dar voz ao edu-
cando, a libertar-se do autoritarismo, a deixar que os temas ge-
radores do diálogo surjam do grupo, e, assim, esteja prepara-
do para criar e recriar contextos para que o diálogo aconteça.
Trata-se de um aprendizado permanente, no processo de ação-
-reflexão-ação que tal postura exige. Para Freire (2005), o pro-
fessor também é um aprendiz e precisa aprender que ensinar
exige criar condições para uma convivência afetuosa e respei-
tosa com os educandos, a adotar uma postura aberta e curiosa,
diante da consciência de que não sabe tudo e há sempre um
universo a ser descoberto.
Os círculos de cultura foram sistematizados por Frei-
re, por meio de uma metodologia de trabalho organizada em
várias etapas, incluindo os círculos de investigação temática.
Nos círculos de investigação temática, equipes multidisciplina-
res, envolvendo pesquisadores, professores, sociólogos, psicó-
logos, representantes do povo trabalhavam de forma participa-
tiva. Conforme explica Freire (1987, p. 64):
Na medida em que operacionalizam estes círculos,
com a descodificação do material elaborado na etapa
anterior, vão sendo gravadas as discussões que serão,
na que se segue, analisadas pela equipe interdiscipli-
nar. Nas reuniões de análise deste material, devem
estar presentes os auxiliares de investigação, represen-
tantes do povo, e alguns participantes dos “círculos de
investigação”. [...] Do ponto de vista metodológico, a
investigação que, desde o seu início, se baseia na rela-
ção simpática de que falamos, tem mais esta dimen-
são fundamental para a sua segurança – a presença
crítica de representantes do povo desde seu começo
até sua fase final, a da análise da temática encontrada,

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que se prolonga na organização do conteúdo progra-


mático da ação educativa, como ação cultural liberta-
dora. A estas reuniões de descodificação nos “círculos
de investigação temática”, além do investigador como
coordenador auxiliar da descodificação, assistirão
mais dois especialistas – um psicólogo e um sociólogo
– cuja tarefa é registrar as reações mais significativas
ou aparentemente pouco significativas dos sujeitos
descodificadores.

Assim, os trabalhos de Paulo Freire relativos à alfabe-


tização de adultos, a partir da leitura do alfabetizando de seu
próprio contexto sócio-histórico proporcionaram, no Brasil, as
bases da abordagem metodológica denominada pesquisa par-
ticipante. De acordo com Brandão e Streck (2006), a pesquisa
participante tem por objetivo tornar a investigação científica e
social uma forma solidária de participação. Ainda definem os
autores: “Uma pesquisa que é também uma pedagogia que en-
trelaça atores-autores e que é um aprendizado no qual, mesmo
quando haja diferenças essenciais de saberes, todos aprendem
uns com os outros e através dos outros” (p. 13).
Ao utilizar os conceitos freireanos como referência
para este trabalho, passei a denominar os momentos de estu-
dos dialogados sobre a Didática do ensino de língua portu-
guesa como círculos de cultura didática. Em nossos círculos de
cultura didática, aconteceram momentos para o diálogo entre
as participantes, em que ocorreram trocas de vivências e re-
flexões sobre os textos estudados, levando a todos a atingir o
aprendizado pretendido, bem como a Didática foi compreen-
dida como um campo complexo que incorpora conhecimentos
socioculturais adquiridos ao longo da história da educação.
Aprendemos a compartilhar nossos conhecimentos de forma
respeitosa, afinal todos traziam uma bagagem da experiência
prática a ser considerada.
Nessa perspectiva, organizávamos a sala de aula da
seguinte maneira: um círculo interno formado por metade das
estudantes da classe e pela professora. Esse círculo tinha a fun-

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ção de tematizar a alfabetização, a leitura ou a escrita, depen-


dendo da escolha temática para o dia, de modo a problematizar
o tema e exercitar o diálogo, conforme nos ensina Freire (1987,
2005). Para tanto, as professoras-estudantes liam previamen-
te um texto da nossa bibliografia e elaboravam perguntas para
serem debatidas no círculo de cultura didática, em que eu – a
professora – atuava como mediadora.
Ao redor desse círculo, fazíamos um segundo círculo
externo com a outra metade das estudantes da classe. Esse cír-
culo tinha a função de observar, registrar e refletir (M. FREI-
RE, 1996) sobre o que acontecia no círculo de cultura. Na aula
seguinte, as estudantes se revezavam: quem tinha observado na
aula anterior, atuava a seguir no círculo de diálogo e vice-versa.
Uma sessão do círculo de cultura didática sempre se iniciava
com a leitura de uma síntese reflexiva da reunião anterior.
Minha mediação, no círculo de cultura, foi também
avaliada sob inúmeros aspectos, conforme exemplifico por
meio dos trechos das sínteses reflexivas disponíveis no nosso
blog:
As pessoas que estavam dentro do círculo de cultura,
poucas alunas tiveram propriedade sobre o que estava
sendo discutido, percebi que sempre as mesmas pes-
soas intervinham e faziam questionamento sobre o
texto. Como sempre, a mediação maior foi por parte
da professora Rosana. (Professora-estudante 3 –Texto
postado em: 26 abr/2015)
Pude observar que nesse dia o clima estava agradável,
apesar de haver conversas paralelas, umas querendo
falar junto com as outras. Havia algumas alunas que
estavam inibidas, assim como eu, permitindo que
outras alunas se destacassem sempre respondendo
as perguntas. Como sempre, a professora Rosana foi
fundamental, pois algumas questões foram respon-
didas com a mediação dela. (Professora-estudante 4
–Texto postado em: 13 mai/2015).
Durante toda a realização do círculo de cultura, hou-
ve a mediação de nossa professora para que o tema

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central não fosse disperso. Observamos, no círculo de


investigação, o quanto a mediação é importante no
processo de aprendizado da leitura e o quanto o “tra-
balhar em par” beneficia o aluno.
(Professora-estudante 5 – Texto postado em: 13
mai/2015)

Segundo as avaliações destacadas, minha atuação foi


de professora mediadora e não apenas de uma coordenadora
de debates. Talvez porque a representação que tinham do papel
do professor como autoridade no grupo fosse ainda muito for-
te e sempre esperavam que eu tomasse a dianteira. As observa-
ções registradas nos indicaram que o aprendizado do diálogo,
no nosso círculo de cultura, precisava ser intensificado, uma
vez que muitas participantes preferiram o silêncio ao diálogo, e
como nos ensina Freire (1987): “[...] o que pode parecer inexis-
tência de temas, sugere, pelo contrário, a existência de um tema
dramático: o tema do silêncio. Sugere uma estrutura constituin-
te do mutismo ante a força esmagadora de “situações-limites”,
em face das quais o óbvio é a adaptação” (p. 56, grifos do autor).
Ressalto que os textos-síntese foram produzidos a
partir de um roteiro de observação combinado previamente
e, antes das postagens no nosso blog, realizamos etapas de re-
visão textual. Os círculos de cultura didática foram gravados
em vídeos e essas gravações ajudaram as estudantes a ter um
distanciamento para avaliar-se e avaliar a atividade, de modo
a poderem consultar os vídeos para melhor elaborar por escri-
to suas reflexões. Exercitamos, assim, a mediação pedagógica
da escrita, em que as estudantes interagiram comigo, reconhe-
cendo e avaliando o papel da professora de língua portuguesa.
Portanto, a relação dialógica aconteceu também por escrito,
tanto no que se refere à produção textual (BAKHTIN, 2011),
quanto à produção de conhecimento (M. FREIRE, 1996).
Na realização e repetição dos procedimentos didáti-
cos apresentados, foram geradas inúmeras sínteses reflexivas
que ajudaram a construir o conhecimento coletivo sobre os

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conteúdos e a Didática do ensino de língua portuguesa, bem


como sobre os princípios freireanos utilizados. À guisa de sis-
tematização, elaboramos um portfólio coletivo, por meio do
blog – www.cronicaspedagogicasparfor.blogspot.com –, que
possibilita o acesso aos textos-síntese produzidos.
Considerações finais
Para Freire (1987), tematizar é investigar os temas
geradores, ou seja, a temática significativa do povo para, a se-
guir, a ação dialógica ocorrer como síntese cultural. Por isso,
a organização dos participantes acontece em círculos de cultu-
ra, em que não existe hierarquização cultural, compartilhando
seus saberes, suas leituras de mundo. Freire (1987) identificou
a palavra como unidade nuclear do diálogo e considerou duas
dimensões imbricadas na unidade palavra: ação e reflexão. A
palavra com estas duas dimensões transforma-se em práxis.
Trata-se da ação com reflexão, em que a problematização surge
como elemento dinamizador da construção do pensar crítico,
em superação do pensar ingênuo.
Foram esses princípios pedagógicos que pretendi sin-
tetizar e adaptar para as aulas de Conteúdos e Metodologia
do Ensino de Língua Portuguesa, no curso de Pedagogia do
Programa PARFOR, e que considero bastante apropriados ao
nosso intento de oferecer formação inicial a professores que já
detêm saberes da prática.
Destaco, na experiência vivenciada, a importância da
elaboração de sínteses reflexivas escritas pelas professoras-es-
tudantes. Avalio que essas sínteses ganharam valor epistêmico,
à medida que tornaram a teoria e a experiência legíveis para as
autoras dos textos e para as demais participantes; evidenciaram
a consciência sobre a prática pedagógica docente; estabelece-
ram vínculo dialógico entre as participantes e o conhecimento
construído coletivamente; estimularam a reflexão; ajudaram os
sujeitos a criar e recriar suas identidades de educadoras/pro-
fessoras; articularam teoria e prática; promoveram o desenvol-

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vimento da autoria pedagógica. Nesse sentido, as sínteses con-


figuraram-se como um meta-instrumento formativo. Ao mes-
mo tempo em que foram um produto do trabalho de pesquisa e
formação, tornaram-se instrumentos de avaliação do processo.
Destaco, ainda, a utilização do blog “Crônicas Pedagó-
gicas” como um portfólio para as sínteses produzidas. O blog,
além de estimular as estudantes ao uso de tecnologias de comu-
nicação e informação, foi concebido como espaço de expressão
e interlocução entre os sujeitos participantes e demais leitores
que possam vir a acessá-lo, e teve como função, neste contexto,
ser um sítio virtual para aprender e ensinar a escrever textos, já
que, ao ler os textos das colegas, as estudantes se inspiravam e
encontraram modelos para criar seus próprios textos.
“Crônicas Pedagógicas” é o nome da experiência que
desenvolvo no curso de Pedagogia PARFOR, na UNISANTOS,
desde 2010, e que foi agraciada com o prêmio “Paulo Freire –
experiências inovadoras na formação de professores”, pelo Pro-
grama de Apoio ao Setor Educativo do Mercosul (PASEM), em
2015 (ver site www.pasem.org).
No que se refere à caracterização didática do tra-
balho, considero que foi possível desenvolver uma Didática
muldimensional (PIMENTA; FRANCO; FUSARI, 2014), já
que, conforme fui identificando ao longo deste texto: desen-
volvemos processos investigativos, problematizando e buscan-
do soluções para as questões estudadas, aproximando-nos da
pesquisa-participante (FREIRE, 1987); vivenciamos processos
dialogais, aprendendo a exercitar o diálogo, por meio de uma
importante estratégia didático-metodológica freireana o círcu-
lo de cultura; atuamos na práxis pedagógica, à medida que ação
e reflexão caminharam juntas, e isso fez com que a experiência
fosse marcante para todos os sujeitos envolvidos; construímos
processos de mediação didática, de modo que professora e estu-
dantes atuassem como um coletivo que pensa e cria sua própria
trajetória de ensino e aprendizagem, aprendendo que a Didá-
tica não é um simples rol de procedimentos a seguir, mas uma

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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aventura criativa que se molda durante o processo de ensinar


e aprender.
Ressalto, por fim, a importância e a atualidade dos
princípios freireanos para o campo da Pedagogia e da Didática.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6. ed. São
Paulo: Ed. Martins Fontes, 2011.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues; STRECK, Danilo Romeu. A
pesquisa participante e a partilha do saber: uma introdução.
In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues; STRECK, Danilo Romeu.
(Orgs.). A pesquisa participante e a partilha do saber.
Aparecida, SP: Idéias e Letras, 2006.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Decreto nº 6.755, de 29 de
janeiro de 2009. Institui a Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a
atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, e dá outras providências. Brasília/DF: MEC,
2009.
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Entre a lógica da formação
e a lógica das práticas: a mediação dos saberes pedagógicos.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.1, p. 109-126, jan./
abr. 2008.
________. Prática Docente universitária e a construção
coletiva de conhecimentos: possibilidades de transformações
no processo ensino-aprendizagem. Cadernos de Pedagogia
Universitária. 10. São Paulo: USP, 2009.
________. A Pedagogia como ciência da educação. 3. ed.
Editora Cortez, 2012.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

FREIRE, Madalena. Observação, registro e reflexão:


Instrumentos Metodológicos I. 2. ed. São Paulo: Espaço
Pedagógico, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_______. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
_______. Papel da educação na humanização. Revista da
FAEEBA, Salvador, n. 7, p. 9-17, jan./jun., 1997.
_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
pratica educativa. 31. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2005.
FREITAS, Vera Aparecida de Lucas. Mediação: estratégia
facilitadora da compreensão LEITORA. In: RODRIGUES,
Caroline; SILVA, Cláudia Heloísa Schmeiske da; LOPES,
Iveuta Abreu; BERTONI-RICARDO, Stella Maris;
MACHADO, Veruska Ribeiro(Orgs.). Leitura e Mediação
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Estratégias de Ensino).
PAULO FREIRE Contemporâneo. Direção de Toni Venturi.
Brasília: Olhar Imaginário, Realização SEED/MEC, 2007. (53
min), son., color., educacional.
PIMENTA, Selma Garrido; FUSARI, José Cerchi; FRANCO,
Maria Amélia Santoro. Por uma Didática Multidimensional
em diálogo com as Didáticas das Disciplinas: tensões e
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e Prática de Ensino. Fortaleza, 2014.VYGOTSKY, Lev
Semenovitch. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo:
Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 1998.

1726
EIXO TEMÁTICO 9
PAULO FREIRE E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA

Coordenador: Dr. Roberto Sanches Mubarac Sobrinho


(UEA/AM)

A proposta desde eixo temático é integrar estudos e


pesquisa que visem articular os marcos teórico freireanos à
educação na Amazônia como elemento propulsor para a disse-
minação e ampliação das idéias e práticas do autor no contexto
da educação regional. Paulo Freire propõe uma pedagogia da
autonomia na medida em que sua proposta está “fundada na
ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do edu-
cando” (FREIRE, 2000a, p. 11). Embora a autonomia seja um
atributo humano essencial, na medida em que está vinculada
à idéia de dignidade, defendemos que ninguém é espontanea-
mente autônomo, ela é uma conquista que deve ser realizada
num constante processo de lutas sociais em que a educação se
torna essencial para sua efetividade. Pensar a autonomia no
contexto amazônico é compreender as múltiplas facetas étni-
cas e culturais que caracterizam a região e seus sujeitos, numa
relação dialógica amplamente marcada por questões de poder
e dominação, em que a educação, por muito tempo, foi instru-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

mento de segregação e expropriação dos saberes tradicionais


da região. Nossos desafios são pensar os espaços educativos
como fundamentais para compreendermos o papel da educa-
ção como prática de mudança, de transformação e como via
de constituição de sujeitos que se forjam na contramão dos
discursos hegemônicos e das práticas de subserviência. Neste
sentido, conquistar a própria autonomia implica, para Freire,
em libertação das estruturas opressoras. “A libertação a que
não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo
conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por
ela” (FREIRE, 1983, p.32). Não há libertação que se faça com
homens e mulheres passivos, é necessária conscientização e in-
tervenção sobre e na Amazônia.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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SUMÁRIO

EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA PERSPECTIVA


DA EDUCAÇÃO POPULAR FREIREANA: UMA
EXPERIÊNCIA NA FUNDAÇÃO DE VIGILÂNCIA EM
SAÚDE DO AMAZONAS
Raimundo Sidnei dos Santos Campos
Conceição de Maria Araújo Pereira .................................... 1737

AULA DE CAMPO COMO ESTRATÉGIA PARA O


ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS
Rosicleia de Melo Nunes
Edivania Oliveira Rodrigues
Ginara Barbosa Oliveira ........................................................ 1763

AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES POR


MEIO DO LÚDICO EM UMA ESCOLA NA ÁREA DE
VÁRZEA EM PARINTINS-AMAZONAS
Railton Marques de Almeida
Gyane Karol Santana Leal ..................................................... 1773

OS SABERES DAS CRIANÇAS SOBRE SEU


COTIDIANO E A ESCOLA: UMA EXPERIÊNCIA EM
UMA COMUNIDADE RURAL NO MUNICÍPIO DE
PARINTINS-AM
Gyane Karol Santana Leal
Francisca Freitas de Amoedo
Samara Silva da Silva ............................................................. 1791

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL


COMO FERRAMENTA PARA DESENVOLVIMENTO
PSICOMOTOR DAS CRIANÇAS DO CEI PEQUENINOS
NAZARÉ- PARINTINS-AM
Eufrazia Gomes de Souza
Kilsimara Nascimento Ribeiro
Lindalva Samela Jacaúna de Oliveira .................................. 1801
O ENSINO COM PESQUISA COMO ESTRATÉGIA
METODOLÓGICA NO CONTEXTO AMAZÔNICO:
NOVOS OLHARES SOBRE A EDUCACÃO
Polyana Milena Navegante
Ana Amélia Rocha
Argicely Leda Azevedo .......................................................... 1817
EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA: REFLEXÕES PAUTADAS
NA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA
Lidiane de Melo Medeiros
Aldeneia Soares da Cunha .................................................... 1831
O TEATRO COMO PROPOSTA PARA A CONSTRUÇÃO
DE CONHECIMENTOS E AUTONOMIA DAS CRIANÇAS
NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM
PARINTINS-AM
Iziany Moreira Barbosa
Mateus de Souza Duarte
Raimunda Nonata Yoshii Santarém de Souza .................... 1845
A LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO
INSTRUMENTO DE INTERAÇÃO SOCIAL
Amanda de Sousa Guimarães
Maria Joilse de Souza da Silva
Francisca Keila de Freitas Amoêdo ..................................... 1857
O DISCURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DE RONDÔNIA PARA A EFETIVAÇÃO DO ESPAÇO
SOCIAL E DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
Larissa Zuim ........................................................................... 1867

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A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE UMA RELEITURA


PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL “FASE CRECHE”: UM
OLHAR SOBRE A INFÂNCIA
Keila Neves da Mota
Elka Niele Gentil Silva ............................................................ 1881
PROFESSOR: POR UMA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
NA AMAZÔNIA
Mauro dos Santos Marques ................................................... 1893
OS PRIMEIROS DESAFIOS E IMPACTOS DE
ACADÊMICOS DE PEDAGOGIA: UMA VIVÊNCIA EM
SALA DE AULA
Felipe da Costa Negrão
Vanderléia de Souza Castro ................................................... 1907
AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE NO PROCESSO
DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE UMA CRIANÇA
COM SURDEZ EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO
INFANTIL NA CIDADE DE PARINTINS-AM
Ana Paula Melo Fonseca
Francisca Keila de Freitas Amoêdo
José Camilo Ramos Souza ..................................................... 1917
PROJETO “BIBLIOTECA COMUNITÁRIA PIRATEUA”
– COMUNIDADE SANTA RITA DO PIRATEUA –
MUNICÍPIO SÃO DOMINGOS DO CAPIM – ESTADO
DO PARÁ
André Fonseca Ferreira
Paulo Sérgio Almeida Corrêa
Silvana Maria da Cruz Oliveira ............................................. 1931
UM OLHAR CRÍTICO-REFLEXIVO ANTE AOS
DESAFIOS DO PNE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: OFERTA
E QUALIDADE NO MUNICÍPIO DE MANAUS
Gerilúcia Nascimento de Oliveira
Jorgete Palmieri Comel Mululo
Debora de Souza ..................................................................... 1943

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EDUCAÇÃO E POLÍTICA: DOS MEIOS À EDUCAÇÃO


Aparecida Luzia Alzira Zuin ............................................. 1955
CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A
ALFABETIZAÇÃO: CONHECENDO ESTRATÉGIAS
E AÇÕES PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO
AMAZÔNICO
Argicely Leda de Azevedo
Jhonatan Luan de Almeida Xavier ................................... 1971
DIÁLOGOS COM A CULTURA AFRODESCENDENTE
NO ENSINO FUNDAMENTAL
Esther Isabella da Trindade Vieira
Daniela Sulamita Almeida da Trindade ........................... 1983
EDUCAÇÃO FREIREANA E IDENTIDADE: ESTUDO
SOBRE O PATRIMÔNIO MATERIAL NA CIDADE DE
MANAUS
Daniela Sulamita Almeida da Trindade ........................... 1995
TEMAS GERADORES E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM PROFESSORES RURAIS NO
MÉDIO SOLIMÕES, AMAZONAS
Eliane de Oliveira Neves
Claudia Barbosa dos Santos
Claudioney da Silva Guimarães ........................................ 2009
PAULO FREIRE E INFÂNCIA: DIÁLOGO POSSÍVEL
PARA A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS
Tássia Cabral da Silva
Kelva Cardoso Lopes .......................................................... 2039
PAULO FREIRE E AS CRIANÇAS INDÍGENAS:
CONTEXTOS LÚDICOS DIVERSIFICADOS COMO
ELEMENTOS DE CONSTRUÇÃO DAS CULTURAS
INFANTIS
Roberto Sanches Mubarac Sobrinho ................................ 2053

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O CURRÍCULO FREIREANO NO RESSIGNIFICAR


DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
NO CENÁRIO RIBEIRINHO DA AMAZÔNIA
Maria Barbara da Costa Cardoso
Salomão Antonio Mufarrej Haje
João Francisco Rodrigues Cardoso ..................................... 2073
A CRIANÇA NA CIDADE DE MANAUS E A BUSCA PELA
AUTONOMIA
José Alessandro da Conceição Santos ................................. 2095
INFÂNCIA, BRINCADEIRAS E EDUCAÇÃO EM
ESPAÇOS DE VULNERABILIDADE SOCIAL: UM
ESTUDO A PARTIR DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
Roberto Sanches Mubarac Sobrinho ................................... 2109
AUTONOMIA E REFLEXÃO NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR EM SERVIÇO: DESCONSTRUINDO
EQUÍVOCOS E PROPONDO POSSIBILIDADES
Bruna Ramos Marinho ........................................................... 2127
JOGOS DIDÁTICOS COMO MÉTODO ALTERNATIVO
PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA NO
ENSINO MÉDIO
Denilza Geraldo Monteiro
Sônia Maciel da Rosa-Osman .............................................. 2153
EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS: UMA
EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO
Ildete da Silva Falcão
Raira Karolina Lima Marinho
Ana Francinely Ferreira de Oliveira .................................... 2167
EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERCEPÇÕES E
CONTRIBUIÇÕES DE EDUCADORES DO ESPAÇO
RURAL
Maria Celiane Sousa Lopes
Maria Deila Guedes de Azevedo .......................................... 2179

1735
ANÁLISE SOBRE AS METODOLOGIAS DE ENSINO
DE BOTÂNICA NO TERCEIRO ANO DO ENSINO
MÉDIO DA ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DE
NAZARÉ, MANACAPURU-AM
Sônia Maciel da Rosa-Osman
Edney Denes dos Santos ....................................................... 2191
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EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA PERSPECTIVA


DA EDUCAÇÃO POPULAR FREIREANA:
UMA EXPERIÊNCIA NA FUNDAÇÃO DE
VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO AMAZONAS

CAMPOS, Raimundo Sidnei dos Santos1


PEREIRA, Conceição de Maria Araújo2
Introdução
O Amazonas é um estado muito extenso em termos
territoriais, mas com baixa densidade demográfica (com exce-
ção da capital Manaus). É um dos estados que integra a Amazô-
nia Legal, uma região complexa pela sua biosociodiversidade,
o que impõe muitos desafios ao campo da saúde pública, como
dificuldades de acesso, diversidade de ambientes e de culturas,
dentre outras particularidades. O Amazonas é um território de
saúde caracterizado por muitos saberes de saúde decorrentes
das práticas vivenciadas pelos povos indígenas, homens e mu-
lheres da floresta, populações ribeirinhas, dentre outros sujei-
tos amazônicos.
Neste contexto, a vigilância em saúde, tendo em vista
esta complexidade, sobretudo relacionada às condições de vida
e de saúde da população local em decorrência do espaço ama-
zônico, mobiliza diferentes dispositivos de gestão e estratégias
1 Doutorando em Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal da Paraíba-UFPB. Professor
Mestre da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Pedago-
go da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas – FVS/AM.
E-mail: sydneycamposstm@gmail.com
2 Assistente Social. Especialista em Gestão de Emergências em Saúde
Pública. Agente de Endemias e Educadora em Saúde da Fundação de
Vigilância em Saúde do Amazonas – FVS/AM. E-mail: concyfvs@
gmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

de diálogo e articulação com a sociedade. Assim, visando a pro-


moção da saúde da população amazônica, sobretudo amazonense,
a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas-FVS/AM3 de-
senvolve, dentre outras medidas e serviços, ações de educação em
saúde para controle e prevenção de doenças, com vistas a redução
das condições de vulnerabilidade da população.
Considerando que a educação em saúde se constitui
numa temática ampla e complexa, sujeita a muitas interpretações
e campos de disputa, assumindo uma polissemia de significados,
neste trabalho, a educação em saúde é concebida como conjunto
dos processos, saberes e práticas educativas voltadas para cons-
trução de conhecimentos em saúde visando aos cuidados com a
saúde individual, coletiva e ambiental. No âmbito da FVS/AM, o
setor responsável por ações e serviços dessa natureza é o Núcleo
Estadual de Educação em Saúde e Mobilização Social – NES, que
dentre outras atribuições, tem atuado no campo do desenvolvi-
mento pedagógico de práticas educativas em saúde voltadas para a
população ou grupos específicos da comunidade. Assim, tendo em
vista, a organização dos serviços de educação em saúde para ações
de vigilância no âmbito dos municípios do Amazonas, o NES tem
atuado também no processo de formação dos agentes de saúde,
inclusive com ações de capacitação4, que fazem parte das ações
estratégicas de vigilância em saúde desenvolvidas pela Fundação.
3 A FVS/AM foi instituída pela Lei nº 2.895 de 2004 e está vinculada à
Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas (SUSAM). O Decreto nº
24.621, de 2004, publicado no Diário Oficial do Estado do Amazonas
(DOE-AM), de 03 de novembro de 2004, aprovou seu Estatuto. Em
2005, iniciou a sua estruturação e as suas atividades, com os recursos
humanos e materiais remanescentes do extinto Departamento de Vi-
gilância Sanitária, composto pelas Gerências de Vigilância Sanitária,
Vigilância Epidemiológica, Vigilância Ambiental e do Laboratório
Central, que a partir de então passaram a integrá-la na condição de
departamentos.
4 As ações de capacitação fazem parte das estratégias de todos os setores
que compõem a FVS/AM, tendo em vista que a mesma tem por fina-
lidade institucional a promoção e proteção à saúde, mediante ações
integradas das vigilâncias epidemiológica, sanitária, ambiental e labo-
ratorial, bem como o controle de doenças e agravos, incluindo educa-
ção, capacitação, pesquisa e ações interinstitucionais.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Nesta perspectiva, as ações de capacitação em Edu-


cação em Saúde, no período de 2013 a 2014, foram realiza-
das nos municípios pela FVS-AM, sob a coordenação do NES,
tendo como objetivo central capacitar os agentes de saúde para
desenvolver ações de educação em saúde voltadas para a pro-
moção da saúde da população e prevenção de doenças, tendo
em vista o fortalecimento dos serviços municipais através da
implantação de núcleos ou coordenações locais como setores
de articulação de ações de educação em saúde mediante a mo-
bilização da sociedade, do setor saúde e da comunidade.
Para tanto, considerando, o desenvolvimento dessas
capacitações, o NES adotou como proposta pedagógica os re-
ferenciais da educação popular em saúde e das metodologias
ativas, sobretudo, de base freireana, visando a uma formação
ativa, participativa, dialógica e com valorização dos diferen-
tes saberes. Nesta perspectiva, Educação popular em saúde, se
refere as “Ações educativas que têm como objetivo promover,
na sociedade civil, a educação em saúde, mediante inclusão
social e promoção da autonomia das populações na participa-
ção em saúde” (BRASIL, MS, 2013, p.20). Assim, se entende
que, a educação em saúde é um processo pedagógico crítico
e problematizador, que tem em Freire uma fonte inspiradora
que fornece uma teoria e prática para ações transformadoras
no campo da saúde. Em Freire, a educação em saúde, pode ser
pensada numa lógica humanista e reveladora de novas práti-
cas.
A Educação Popular em Freire anuncia uma visão e
educação centrada no ser humano enquanto um ser da práxis,
da ação e da reflexão. O ser humano é o sujeito de sua própria
educação, não é somente objeto dela. Como ser inacabado
não deve render-se, mas interrogar e questionar a realidade a
que pertence. Como seres inacabados, os seres humanos são
também sujeitos de conhecimento. Freire esclarece que o co-
nhecimento “[...] exige uma resença curiosa do sujeito em face
do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Demanda uma busca constante, implica em invenção e rein-


venção” (1997, p. 10).
A educação em saúde na perspectiva popular cons-
titui um modelo pedagógico que se contrapõe a visão tecni-
cista e cientificista em saúde e dialoga com outras formas al-
ternativas de saber presente nos serviços de saúde e nas suas
relações com a comunidade e seus diferentes sujeitos sociais.
Sabe-se que a educação em saúde, na sua forma tradicional, se
fundamenta numa hipervalorização da ciência e não dialoga
adequadamente com outras formas de conhecimentos, tendo
por consequência, uma baixa ou limitada adesão de grupos e
comunidades às práticas e estratégias de educação em saúde
adotadas pelos programas, o que em parte se explica pelo fato
de que essas estratégias, na sua maioria, não contemplam de
maneira adequada os saberes e a cultura local. Geralmente são
práticas hierarquizadas, pensadas de cima para baixo, na lógica
do conhecimento científico regulatório, sem a presença e con-
tribuição dos sujeitos principais, por conta da negação ou des-
conhecimento da importância dos seus saberes. Santos (2007)
destaca que, a ideia de que o único saber rigoroso é o saber
científico faz com que os outros conhecimentos não tenham
validade, causando, assim, o “epistemicídio”, que é a morte de
conhecimentos alternativos, causando a morte porque descre-
dibiliza não somente os conhecimentos alternativos, mas tam-
bém os povos, os grupos sociais cujas práticas são construídas
nesses conhecimentos alternativos.
No âmbito dessa discussão, Vasconcelos (2001) es-
clarece que as campanhas sanitárias da Primeira República no
Brasil e a expansão da medicina preventiva para algumas regi-
ões do país, a partir da década de 1940, no Serviço Especial de
Saúde Pública, apresentavam estratégias de educação em saúde
autoritárias, tecnicistas e biologicistas em que as classes popu-
lares eram tratadas como atrasadas, passivas e incapazes de ter
iniciativas próprias. Por consequência, a educação em saúde
tradicional expressava os interesses das classes dominantes que

1740
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

tinham a finalidade de manter o povo sob regras de higiene e


comportamentos “adequados”, descontextualizados da realida-
de para controle de doenças.
Essa prática de educação em saúde, sem uma base
dialógica, onde o conhecimento popular era totalmente des-
prezado foi dominante por décadas no Brasil e ainda hoje está
presente em muitas condutas profissionais e governamentais.
Conforme explica Vasconcelos (2001) inicialmente, a educa-
ção em saúde brasileira, ainda arraigada nos moldes do sanita-
rismo, apresentava-se de maneira breve e marginal, sem muito
aprofundamento, pois, para as autoridades, a população em
geral era incapaz de maiores entendimentos. Nessa época, uti-
lizava-se o termo educação sanitária5, termo proveniente de in-
fluências estrangeiras, para designar as orientações fornecidas
à população com o intuito de prevenir e tratar doenças. Freire
(1987) ressalta que “na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’
é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada
saber”.
Pelo exposto, se compreende que este modelo de edu-
cação, não levava em consideração os determinantes psicosso-
ciais e culturais dos comportamentos em saúde, tomando os
sujeitos (usuários) como objeto das práticas educativas e des-
providos de saberes sobre a sua própria saúde, ignorando que
o saber/fazer em saúde é também permeado por crenças e va-
lores e muitas outras formas de saber. Essa concepção de edu-
cação em saúde se fez dominante no Brasil e foi orientada por
um viés tecnicista e elitista, permeada por conteúdo fortemen-
te político privilegiando conhecimentos técnicos e científicos,
subjugando as outras formas de saberes, como conhecimentos
tradicionais-populares presentes no modo de saúde das po-
5 O autor explica que a chamada “Educação Sanitária” surge no Bra-
sil a partir da necessidade do Estado brasileiro de controlar as epi-
demias de doenças infectocontagiosas que ameaçavam a economia
agroexportadora do país durante a República Velha, no começo do
século XX. Nesse contexto, prevalecia a imposição de normas e me-
didas de saneamento, consideradas científicas, por técnicos e buro-
cratas.

1741
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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pulações locais, com muita riqueza de expressão na realidade


amazônica.
Na contramão dessa concepção, a educação popular,
partindo da compreensão de que os conhecimentos não são
fixos e acabados, mas estão relacionados com os movimentos
e dinâmica da vida, cria e recria novas práticas educativas em
saúde, valorizando a pluralidade de saberes, o cotidiano, os
valores da vida de seus praticantes na busca da construção de
uma educação em saúde dialógica e emancipatória, capaz de
promover novos sentidos na saúde.
Freire contribui nesta perspectiva quando formula as
bases políticas e pedagógicas para a construção de uma educa-
ção libertadora, fundamentada na ação dialógica, que substitui
o autoritarismo presente na escola tradicional pelo diálogo de-
mocrático nos diferentes espaços de vivências e de aprendiza-
gens, tratados como uma educação como prática da liberdade.
Para Freire a educação assume um caráter histórico,
libertador e problematizador, sendo o ser humano concebido
como um sujeito com vivências, saberes e experiências. Por
meio de uma prática mediatizada pelo diálogo e pela valoriza-
ção da cultura do sujeito, Freire vê na educação popular uma
forma política para construção de ações educativas pensadas e
articuladas com as classes populares para alcançar uma socie-
dade democrática.
Diante dessa discussão, ao situar o campo da educa-
ção popular em saúde, Vasconcelos (2006) entende que a edu-
cação popular é uma proposta pedagógica possível de fazer a
mediação entre os saberes científicos e populares. Para esse
autor, a educação popular em saúde tem se constituído em im-
portante referência para a mudança no formato das práticas
educativas nos serviços de saúde, sobretudo, pela construção
compartilhada de saberes.
Atualmente, a educação popular em saúde se consti-
tui em um campo prático e de conhecimento no setor saúde,
como modelo de prática educativa sensível às necessidades dos

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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usuários, dialógica e participativa. A sua realização nas ações


desenvolvidas pelos profissionais de saúde é capaz de fomentar
formas coletivas de aprendizado e investigação de modo que
promova o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a
realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfren-
tamento. (VASCONCELOS, 2001)
Nessa linha argumentativa, Pontual (2006) explica
que a Educação Popular é uma pedagogia do público, da deci-
são, da construção de um sentido do comum, sendo ela mesma
uma educação cidadã, uma esfera pública, capaz de constituir
uma pedagogia que suscite a necessidade de pensar em novos
horizontes para a prática educativa em todos os espaços so-
ciais, devendo contribuir para o desenvolvimento de diversas
práticas participativas.
Pelo exposto, se permite compreender que na edu-
cação popular em saúde, a construção do conhecimento deve
acontecer a partir da troca de contínuas de experiências e co-
nhecimentos, sem hierarquização de saberes, o que potencia-
liza a construção de processos mais participativos e dialógicos
no setor saúde, com profundas dimensões no campo dos sa-
beres e intensas implicações dessas práticas no cotidiano das
relações sociais e educacionais.
Em Freire, o conhecimento é resultado de um proces-
so dialético e dialógico com a realidade e sujeitos envolvidos.
Nesta maneira de compreensão os saberes científicos e popu-
lares são maneiras diferentes de entender e explicar o mun-
do. Todavia, muitos saberes são ignorados ou invisibilizados
diante das formas de conhecer hegemônicas, cientificamente
valorizadas e reproduzidas culturalmente. Assim, a Educação
Popular em Saúde encontra no pensamento freireano, uma
matriz orientadora para a realidade do tempo presente, tendo
em vista que na realidade atual, ainda persiste um modelo de
saúde excludente e opressor.
Para tanto, a Educação Popular em saúde mobiliza
elementos político-pedagógicos capazes de despertar novas

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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práticas de saúde, recriadas conforme o cotidiano, os interesses


e valores da vida de seus praticantes na busca da construção de
um novo projeto de sociedade. Neste sentido, na educação po-
pular em saúde, a pedagogia indica uma preocupação essencial
com o processo de criação de ações transformadoras no âmbito
da saúde e da sociedade como um todo, visando à emancipa-
ção na ação transformadora e compromisso de luta na direção
da democracia. Freire destaca que o ser mais6 se realiza com
base na autoconsciência da inconclusão como ser humano e da
visão da história como possibilidade de inéditos viáveis7.
Em Freire (1997), a Educação Popular anuncia uma
educação centrada no ser humano enquanto um ser da práxis,
da ação e da reflexão. O ser humano é o sujeito de sua própria
educação, não é somente objeto dela. Entende-se, que em Frei-
re o ato de educar não é uma ação verticalizada de quem sabe
para quem não sabe, mas sim um processo dialógico e de múl-
tiplas vivências de aprendizagem e convivências.
A partir desta contextualização e articulações teóricas,
se pode argumentar que experiências decorrentes da constru-
ção de processos educacionais populares em saúde, sobretudo,
fundadas no pensamento de Freire potencializam um campo
fértil para o fazer saúde. Assim, este relato de experiência se
justifica pela necessidade de reflexão sobre as ações desenvol-
vidas e possibilidade de sistematização do processo de traba-
lho realizado, evidenciando formas de mediação desenvolvidas
com base nas ideias da educação popular em saúde no contexto
amazônico, tendo como motivação principal oferecer elemen-
tos para se refletir sobre o desenvolvimento de práticas edu-
cativas populares em saúde no âmbito da vigilância em saúde,
6 Para Freire o ser humano é um ser histórico, cultural e em per-
manente movimento de busca do ser mais. “Ser Mais” é elemento
presente no processo educativo.
7 Freire introduz o termo “inédito-viável” como alternativa construí-
da coletivamente a partir da vivência crítica do sonho almejado. So-
nhar coletivamente, na perspectiva da construção do “inédito-viá-
vel”, principalmente por meio da educação.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

tendo em vista, a construção da educação popular em saúde


como uma estratégia problematizadora, crítica e dialógica, ca-
paz de potencializar novos sentidos na produção da saúde e
criar novos espaços de práticas e de valorização dos diferentes
saberes que possibilite diálogo entre os saberes técnicos cientí-
ficos e outras formas de saberes.
Este trabalho é uma contribuição nesta perspectiva,
tendo por finalidade descrever e refletir sobre a construção
de processos educacionais populares na área da saúde, tendo
como base a pedagogia freireana na formação dos agentes de
saúde para o desenvolvimento de ações e serviços no âmbito da
vigilância em saúde. Desse modo, o objetivo é relatar esta ex-
periência vivenciada nos anos de 2013 e 2014 pela FVS-AM no
processo de capacitação de ações de educação em saúde, como
dispositivo de mobilização de 15 municípios no Amazonas.
Metodologia
A ação de capacitação8 se justificou pela necessidade
de formação permanente dos profissionais da saúde com atua-
ção nos espaços de saúde do contexto amazonense. Nesta pers-
pectiva, pela capacitação realizada se pretendeu animar os par-
ticipantes para a organização de ações e serviços de educação
em saúde através da implantação dos núcleos9.
Assim, a ação de formação desenvolvida em cada mu-
nicípio teve como objetivo geral capacitar para o desenvolvi-
mento de práticas educativas em saúde visando à implantação
do NES Municipal como um setor de articulação e mobilização
8 Projeto de capacitação para implantação do NES Municipal enviado
pela Gerência do Núcleo Estadual de Educação em Saúde e Mobili-
zação Social ao Setor de Capacitação da FVS/AM. Projeto submeti-
do e aprovado pelo Comitê Institucional Multidisciplinar, autoriza-
do pela Diretoria Técnica da FVS/AM.
9 Os Núcleos Municipais sua maioria foram implantados a partir das
ações de capacitação da FVS-AM. Em alguns municípios essa inicia-
tiva partiu da Secretaria Municipal de Saúde, que formou sua equi-
pe ou coordenação de educação em saúde para desenvolvimento de
ações da atenção básica e de vigilância.

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de ações e serviços de educação em saúde voltados para a pro-


moção da saúde e a prevenção de doenças e agravos de modo a
ampliar e disseminar uma cultura de vigilância para a socieda-
de e grupos específicos.
Dentre os objetivos específicos, se pode destacar que
a capacitação visou analisar o contexto local, suas necessidades
de saúde, identificando oportunidades e/ou obstáculos para a
realização de ações de educação em saúde e mobilização social;
subsidiar projetos, planos de ação e ações de mobilização so-
cial, imprimindo maior caráter educativo nas ações.
A capacitação teve como público-alvo os profissio-
nais da saúde, assessores da FVS, gerente e supervisores de en-
demias, supervisores geral e de campo, agentes de endemias,
agente comunitário de saúde, assessores e coordenadores de vi-
gilância em saúde, coordenadores do programa agentes comu-
nitários de saúde, coordenadores da atenção básica, coordena-
dores dos núcleos municipais, assistentes sociais, psicólogos,
pedagogos, dentre outros.
A Capacitação10 para implantação do NES Munici-
pal11 foi realizada em 15 municípios12 do estado nos anos de
2013 e 2014, com carga horária de 40 horas semanais, para
atendimento de 30 cursistas perfazendo um total de 15 tur-
mas e 600 horas. A capacitação se desdobrou em cinco en-
contros presenciais, com 8 horas diárias, incluindo ativida-
10 A capacitação é submetida ao Comitê Institucional Multidisciplinar
e a Diretoria técnica da FVS.
11 Há registro de outras experiências do NES-FVS/AM com a meto-
dologia baseada na problematização e nas ideias de Paulo Freire,
inclusive nas oficinas de educação em saúde realizadas desde o ano
de 2005, contudo, foi em 2012, que foi feita uma experiência piloto
mais consistente numa oficina de educação em saúde realizada em
Maués. Na oportunidade, se verificou da possibilidade de estrutura-
ção do processo para desenvolvimento noutros municípios.
12 As 15 Capacitações de Educação em Saúde e Educação em Saúde
aconteceram nos seguintes municípios do interior: Manacapuru,
Careiro Castanho, Presidente Figueiredo, Ipixuna, Iranduba, Novo
Airão, Tabatinga, São Gabriel da Cachoeira, Tefé, Humaitá, Guajará,
Rio Preto da Eva, Carauari, Novo Aripuanã e Parintins.

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des teóricas e práticas. O total correspondeu a 457 cursistas,


sendo 109 agentes de endemias, 188 agentes comunitários
de saúde e 160 demais profissionais, a saber: agentes indí-
genas de saúde, enfermeiros, fiscais sanitários, fisioterapeu-
tas, coordenadores de vigilância em saúde e de programas
da atenção básica, dentre outros. As estratégias pedagógi-
cas desenvolvidas foram baseadas nas ideias pedagógicas de
Freire e nas metodologias ativas de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, a capacitação foi orientada por uma meto-
dologia ativa, pelo conhecimento crítico da realidade, pela
valorização dos saberes locais e pela relação dialética e dia-
lógica entre teoria e prática.
A capacitação foi orientada pela seguinte Ementa:
Educação em Saúde. Práticas educativas. Planejamento e ope-
racionalização da educação em saúde no SUS. Estratégias e
Metodologias Ativas e Participativas. Educação Popular. Orga-
nização e Programação das ações do Núcleo Municipal. Mobi-
lização Social. Monitoramento e Avaliação. Em termos gerais,
a ementa preconizava o estudo e problematização das bases te-
óricas e legais da educação em saúde, procurando em seguida
promover discussão sobre a intersetorialidade entre vigilância
e atenção básica. Neste sentido, a capacitação foi estruturada
em eixos temáticos visando a integração entre a teoria e prática
no processo de formação, bem como na problematização das
práticas de educação em saúde à luz da experiência dos partici-
pantes. Neste sentido, foi guiada pelos princípios pedagógicos
da educação popular de base freireana: diálogo, problematiza-
ção, amorosidade, construção compartilhada do conhecimen-
to, dentre outros.
A capacitação foi realizada por facilitadores com ex-
periência em educação em saúde, vinculados ao quadro de
pessoal da vigilância em saúde com lotação no NES/FVS-AM.
Esse/as facilitadores/as foram gratificados/as com horas aulas
de instrutoria pelo Centro de Educação Tecnológica do Ama-
zonas – CETAM. O processo de organização da logística da

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capacitação e articulação com os municípios na FVS foi feito


pela Subgerencia de Recursos Humanos e Capacitação da FVS.
A capacitação se apoiou, como já dissemos anteriormente, nos
princípios pedagógicos da educação popular, sobretudo frei-
reana, bem como nos conteúdos das vigilâncias em saúde, a
partir da análise de situações problemas. Foram baseadas nas
premissas da dialogicidade e da pedagogia crítica. Os pressu-
postos do processo pedagógico procuraram valorizar a inser-
ção dos agentes de saúde no seu próprio campo de trabalho. A
metodologia foi baseada na problematização, nas metodologias
ativas e na educação popular em saúde, considerando a plurali-
dade de situações problemas, as particularidades dos diferentes
contextos e a diversidade dos sujeitos envolvidos. Partiu-se da
realidade e necessidades vivenciadas nos municípios, tanto na
área urbana quanto rural.
Em linhas gerais, no processo de capacitação, cada
grupo de trabalho teve um facilitador de aprendizagem que
mediou a interlocução e socialização das atividades. A meto-
dologia da capacitação também se utilizou de trabalhos em
grupo, rodas de conversa, debates, relatos de experiências, ofi-
cinas, dramatização, teatro de fantoches, dinâmicas de grupo,
atividades motivacionais, elaboração de estratégias, estudo de
caso e atividades práticas.
A capacitação foi estruturada em 5 encontros diários,
articulados entre si com atividades em sala de aula e de campo
na comunidade, muito embora alguns processos se ajustavam
de acordo a realidade local e a disponibilidade dos participan-
tes. Por essa razão serão descritos os processos de trabalho re-
alizados, tendo como base, a capacitação desenvolvida, depoi-
mentos dos facilitadores, relatórios das atividades e avaliação
das ações.
No primeiro dia era feito o acolhimento da turma com
uma dinâmica de apresentação com o objetivo de conhecer e
identificar os sujeitos participantes, suas ocupações e dinâmica
de trabalho no Sistema Único de Saúde. Em seguida, era feito o

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levantamento das principais questões e necessidades de saúde


do município, como uma maneira de conhecer a realidade em
que estavam inseridos, identificando seus principais problemas
e refletindo sobre os desafios locais. No final, eram elencadas
as necessidades principais e mais urgentes. Esta etapa era rea-
lizada por equipes de trabalho, que eram formadas preferen-
cialmente por diferentes tipos de profissionais e campos de
atuação diversificados. Logo depois, era feita a socialização
das questões, procurando fazer um diagnóstico preliminar das
principais situações problemas, que por sua vez eram conec-
tadas nas rodas de conversas sobre as Práticas Educativas em
Saúde desenvolvidas, tendo em vista esse diagnóstico.
Nessa roda de conversa, o objetivo era fazer o diag-
nóstico situacional das ações de educação em saúde e mobili-
zação social realizadas no município, identificando os sujeitos
envolvidos e destacando o processo de organização dos servi-
ços, suas dificuldades e estratégias de trabalho. A ideia funda-
mental desse momento era oportunizar a troca de experiências
e a criação de um ambiente que promovesse a troca de saberes
e, ao mesmo tempo, um resgate das práticas educativas em saú-
de desenvolvidas pelas equipes locais, a partir das experiências
vivenciadas pelos diferentes profissionais da saúde. Um a um,
os presentes socializavam suas experiências e apresentavam
sua produção que eram expostas num varal. Ao final do dia, se
realizava uma avaliação, para detectar potencialidades e fragi-
lidades do encontro.
No segundo dia, eram desenvolvidos trabalhos em
grupos tendo em vista o estudo e debate sobre um Estudo de
Caso13 que tratava de uma “situação problema” sobre educação
em saúde no contexto amazônico. Em seguida era realizada
uma discussão e construção de uma síntese coletiva sobre o
13 O estudo de caso era elaborado pelos próprios facilitadores e peda-
gogo do NES e enfocavam, sobretudo, os principais problemas de
saúde do município, com base no sistema de informação da FVS. A
intencionalidade educacional era a problematização e discussão da
questão e associação com a realidade local.

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Estudo de Caso, procurando problematizar profundamente as


questões levantadas, dando voz e vez aos participantes. Na se-
gunda parte do encontro era estudado um texto que tratava das
Bases Legais e Pedagógicas da Educação em Saúde no SUS14 e
as Estratégias de Mobilização Social. A ideia era provocar uma
discussão sobre a educação em saúde e sua fundamentação le-
gal e enfoques teóricos, reconhecendo suas diferentes perspec-
tivas e tendências. O texto era debatido pelos participantes à
luz da realidade local, procurando relacionar teoria e prática. A
ideia era motivar os participantes a fazerem seu relato de expe-
riências, que consistia na socialização das vivências das práti-
cas educativas em saúde realizadas pelas equipes locais, com o
objetivo de compreender a importância da educação em saúde
nas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, en-
fatizando a necessidade de construção de processos educativos
em saúde nas comunidades.
No terceiro dia era realizada uma oficina de planeja-
mento das ações com socialização das propostas de trabalho
elaboradas pelas equipes locais. A orientação era na perspec-
tiva do planejamento participativo e popular, que envolvesse
os profissionais da vigilância e da atenção básica do municí-
pio. Nesta oficina eram definidas as ações que fariam parte da
programação das atividades locais. Neste sentido, era realizada
uma discussão em grupo para definição e sistematização das
atividades por áreas prioritárias. O objetivo dessa oficina era
a elaboração do plano de educação em saúde do Núcleo Mu-
nicipal, considerando as vivências das práticas, seus desafios e
fazeres nos vários espaços e envolvendo diferentes saberes na
perspectiva sociocultural. A ideia fundamental era que a pro-
gramação contemplasse as experiências concretas vivenciadas
em seus diferentes contextos: unidades de saúde, comunidades
urbanas e rurais, escolas, ruas, hospitais, igrejas, dentre outros.
14 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Parti-
cipativa. Coordenação Geral de Apoio à Educação Popular e Mobili-
zação Social. “Bases para a Educação em Saúde nos serviços do SUS”,
2009.

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No quarto dia eram realizadas atividades práticas


numa comunidade escolhida pelos participantes para reali-
zação de práticas de educação popular em saúde. Essas ações
eram acompanhadas pelos facilitadores, que por sua vez tam-
bém faziam registro das ações, inclusive fotográfico e filmagens.
Essas práticas eram realizadas na comunidade, em escolas, em
unidades de saúde, dentre outros espaços. Quanto a forma, se
caracterizavam como atividades lúdicas, de mobilização social,
rodas de conversa, visitas domiciliares, etc. Ao final da ativida-
de era feita a avaliação sobre a ação desenvolvida procurando
identificar e refletir sobre as potencialidades e fragilidades. A
ideia era provocar uma avaliação das ações, visando incentivar
esta prática na rotina do cotidiano dos serviços.
Em seguida, sob a orientação dos facilitadores, era
dada continuidade a construção do miolo do Plano de Trabalho
do NES Municipal com a socialização e debate das atividades
planejadas e a ação desenvolvida na comunidade, procurando
incorporar o conjunto das atividades desenvolvidas nos dias
anteriores. No final deste encontro se fazia uma sistematiza-
ção coletiva das propostas e das Experiências de Educação em
Saúde desenvolvidas pelos agentes de saúde. Em seguida era
feita apresentação das propostas com base nas estratégias de
trabalho mais adequadas, conforme a compreensão da turma.
No quinto e último dia, já com uma minuta de traba-
lho construída, os participantes eram orientados para a cons-
trução de relatório circunstanciado das ações. Neste sentido,
era realizada uma oficina de trabalho. Na prática, se trata do
encerramento do processo, configurando um momento de
conclusão, que é caracterizado pela apresentação dos produtos
finais, como a elaboração coletiva do plano de trabalho, com a
programação das ações.
Na última parte do encontro eram aplicadas as avalia-
ções do Setor de Capacitação da FVS e em seguida, era feita
15

15 É rotina do setor de Capacitação da FVS a aplicação de um for-


mulário de avaliação com questões fechadas e abertas sobre o de-
senvolvimento da capacitação, desempenho dos facilitadores e auto

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a avaliação do encontro em forma de debate, acordado com a


turma de maneira dialógica e participativa visando uma ava-
liação do encontro pelos participantes. É importante destacar
essa preocupação com os registros e a avaliação, pois na maio-
ria das vezes, as práticas de educação em saúde, nem sempre
são coerentes e/ou foram avaliadas suficientemente. Neste sen-
tido, há de haver uma preocupação com a efetividade das ações
educativas em saúde e desse modo, a avaliação é imprescindível
no processo pedagógico. No contexto da capacitação em cada
município, alguns ajustes eram feitos para melhor desenvolvi-
mento do trabalho, levando em consideração a realidade local.
Assim sendo, as etapas do trabalho estavam articula-
das entre si e visavam a construção de produtos finais que par-
tiam desde o levantamento das situações-problema, integração
de ações e construção de propostas concretas tendo como base
a realidade local e a capacidade operacional do município. Por-
tanto, da Capacitação propriamente dita se esperava que, pro-
movesse o encontro de idéias entre os participantes e resultasse
na implantação do NES Municipal com uma programação de
ações definida e aprovada pelos participantes para posterior
encaminhamento ao gestor da saúde local.
Resultados e Reflexões
As capacitações desenvolvidas representaram uma
oportunidade para reflexão e discussão das práticas educativas
desenvolvidas no contexto da saúde no Amazonas, principal-
mente pelos Agentes de Combate de Endemias (ACE), Agen-
tes Comunitários de Saúde (ACS), Agentes Indígenas de Saúde
(AIS), Agentes de Vigilância Sanitária e Enfermeiros/as.
Foi importante ter desenvolvido essa formação tendo
como base as ideias pedagógicas de Paulo Freire por que des-
pertou nos agentes de saúde o interesse em conhecer outras
–avaliação do participante. Posteriormente, se consolida todos esses
formulários e seu resultado é encaminhado a Diretoria Técnica para
apreciação e posterior retorno a gerência do NES Estadual.

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formas alternativas de fazer saúde, bem como animou aqueles


que já trabalhavam nessa direção.
A vigilância em saúde, pela sua dinâmica de traba-
lho, tem necessidade do envolvimento da população em suas
ações, pois conhecer os modos de viver e cuidar da saúde é
essencial para que uma ação de vigilância prospere em suas
diferentes frentes de trabalho. E neste contexto, a educação po-
pular em saúde é articuladora de novos modos de pensar e de
fazer saúde, pois sua prática valoriza as experiências, reflexões
e conhecimentos, mas, sobretudo, sinaliza novas posturas de
participação social em saúde.
A Capacitação, pela sua concepção e execução con-
tribuiu para o fortalecimento das estratégias de organização
das ações e dos serviços de Educação em Saúde no interior do
Amazonas, contudo, o processo nos municípios por meio da
implantação de núcleos ou coordenações é uma articulação
que deve ser continuamente avaliada e atualizada em vários as-
pectos. A formação no âmbito dos municípios amazonenses é
um grande desafio não só para a vigilância em saúde, mas para
outros órgãos gestores da saúde e instituições formadoras. A
organização dessas ações e serviços pressupõe planejamento,
monitoramento e adoção de estratégias de avaliação contínua.
Nessa perspectiva, a educação em saúde pela abor-
dagem desenvolvida representa uma possibilidade de ação no
conjunto das relações e do cotidiano dos serviços numa pers-
pectiva da gestão democrática e participativa do SUS, porém
precisa ser vivenciada no território vivo e no cotidiano dos
serviços, necessariamente apoiada pelos órgãos gestores. Isso
implica dizer que sua concretude, depende tanto de decisões
políticas locais quanto da efetividade do processo de formação
desenvolvido. Desse modo, a capacitação representou um dis-
parador pedagógico que depende dentre outras ações, da arti-
culação de processos de trabalho no contexto local e do acom-
panhamento a nível estadual. O aprendizado é um caminho
longo, difícil e muitas vezes sofrido, mas se impõe como desa-

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fio à formação humana. Evidencia-se, portanto, a importância


da educação em saúde para a promoção da saúde da popula-
ção e para potencialização da integração da rede de serviços
de atenção e vigilância em saúde por meio dos saberes e das
práticas educativas em saúde.
Muitos relatos dos participantes, elucidaram que as
práticas educativas em saúde, ainda são predominantemente
tecnicistas, cientificistas e autoritárias, desprezando ou infe-
riorizando os saberes da experiência e da tradição amazônica.
O processo pedagógico tendo como base as ideias freireanas
estimulou os agentes de saúde na obtenção de competências
para fazer uma leitura crítica e contextualizada das condições
de saúde da população, para subsidiar ações de educação em
saúde voltadas para a promoção da saúde individual e coletiva,
tendo em vista a participação da comunidade nas ações e na
luta pela melhoria da saúde.
O processo de capacitação contribuiu para a aproxi-
mação de diferentes sujeitos que em suas práticas desenvolvem
educação em saúde em contexto local, potencializou novos di-
álogo de saberes, incentivou a valorização dos saberes popu-
lares em saúde e contribuiu para motivar o desenvolvimento
de ações intersetoriais entre as vigilâncias em saúde com ações
referenciadas pela Educação Popular em Saúde. As ações de ca-
pacitação são parte das estratégias16 da Fundação de Vigilância
me Saúde para formação contínua e permanente.
O resultado das capacitações contribuiu para o for-
talecimento das ações de educação em saúde, principalmente
pelo trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Educação em Saúde
e pelas estratégias de integração entre os agentes de saúde. Por
outro lado, ainda que a capacitação não seja suficiente para de-
sencadear a implantação do núcleo municipal de educação em
saúde, em linhas gerais, a Capacitação Pedagógica contribuiu
para o processo de reflexão e na troca de experiências entre
16 A FVS/AM em parceria com o CETAM desenvolvem outras estra-
tégias de formação permanente, dentre os quais se pode mencionar
o Curso Técnico de Agente de Combate de Endemias.

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profissionais que no seu no dia-a-dia fazem educação em saú-


de, nos ambientes hospitalares, nas salas de espera, no progra-
ma saúde na escola, nas visitas domiciliares, nas atividades de
campo, nas reuniões comunitárias, na prevenção de endemias
como dengue e malária, nas ações de educação ambiental, den-
tre outras rotinas de trabalho.
Como resultados, as capacitações proporcionaram
aos agentes de saúde a possibilidade de refletirem sobre suas vi-
sões e práticas de educação em saúde. Possibilitaram também,
para muitos profissionais com atuação profissional no campo
da saúde perceber a importância dessas ações na promoção da
saúde e no envolvimento da população.
A educação popular em saúde e seu processo pedagógi-
co, pelas suas diversas práticas e interfaces no contexto amazonen-
se, expressa no popular as manifestações da diversidade de saberes
dos diferentes populações e sujeitos amazônicos. Por essa razão,
as formas de saber que se manifestam nas práticas educativas em
saúde são complexas, pela sua própria natureza, pois transcendem
as concepções e práticas (im)postas nos serviços de saúde e se in-
terpenetram como o modo de saúde amazônico, que é relacional
e plural e que se faz, na resistência e na diversidade de saberes e
de culturas, na maioria das vezes não acolhidas no cotidiano dos
serviços de saúde hegemônico e no popular totalizante.
A experiência da FVS-AM demonstra o compromisso
com a vigilância em saúde educativa, dialógica e participativa
no contexto das ações, tendo na pedagogia17 um apoio fundan-
te no olhar e no fazer de suas ações. Entretanto, há de se com-
preender que, pautar ações de vigilância tendo a educação em
saúde como um princípio norteador implica em novas formas
de pensar e agir, assim como pressupõe mudanças nos proces-
sos de trabalho, o que demanda tempo e articulação de servi-
ços em várias instâncias e dimensões.
17 A Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, desde sua cria-
ção, conta no seu quadro de pessoal com o cargo de pedagogo/a, que
dentre outras atribuições, atua na construção de propostas educati-
vas e formativas nos campo das vigilâncias.

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Conclusões e Propostas
A Educação em Saúde percorre diferentes caminhos
na realidade dos municípios amazonenses, o que exige um
processo de formação contínua e permanente, à luz da dinâmi-
ca da realidade desses municípios e das complexas demandas
do mundo do trabalho. Neste sentido, vimos que a FVS-AM
desde sua criação, assumiu a educação em saúde no conjunto
de suas ações, tendo no seu Núcleo Estadual um importante
setor de articulação dessas ações, que dentre outras, atua na
formação das equipes municipais de educação em saúde.
No contexto de 2013 e 2014, a capacitação para im-
plantação dos núcleos locais foi norteada pela Educação Popu-
lar em Saúde e Metodologias Ativas de ensino e aprendizagem,
o que potencializou um trabalho articulado com um processo
de formação de profissionais da saúde, pessoas e comunida-
des, podendo ser uma alternativa para determinar uma in-
tervenção participativa e popular na promoção da saúde da
população.
A educação em saúde ainda não ganhou a maturi-
dade necessária para se consolidar em todos os municípios,
na maioria das vezes, estando ainda restrita a ações pontuais
e decorrentes de programas e projetos de saúde na vigilância
e atenção primária, apenas como um componente de ações
prescritivas e normativas. Em alguns casos, até sendo confun-
dida com outras ações ou campos de atuação, o que demonstra
falta de práxis no cotidiano e na rotina dos serviços.
A educação em saúde é um princípio da promoção
da saúde e portanto, deve ser parte de um processo de atenção
integral. A educação em saúde perpassa transversalmente por
toda as áreas da vigilância em saúde e da atenção à saúde, o
que sem dúvida, justifica sua gestão como serviço de saúde.
Por essa razão, é uma ação que deve ser planejada técnica e
metodologicamente, tendo necessidade de planejamento par-
ticipativo, integrado e de avaliação contínua e sistemática. A
educação em saúde compreende as oportunidades de aprendi-

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

zagem destinadas a melhorar os conhecimentos da população


a cerca da saúde. É um processo educativo que visa responsa-
bilizar as pessoas em defesa da sua própria saúde e da coletivi-
dade, sem ignorar ou negligenciar o papel dos órgãos gestores
da saúde.
A educação em saúde desempenha um papel signi-
ficativo no contexto do cotidiano das comunidades amazôni-
cas, sobretudo pelo fato de que o agente de saúde é um sujeito
do diálogo e da conversa, que pelas suas vivências nas ações
de mobilização social, no acolhimento nas salas de espera nas
unidades de saúde, nas visitas domiciliares nas comunidades
urbanas e rurais, nas rodas de conversa nas comunidades po-
tencializa importantes estratégias estruturantes do trabalho
em saúde. Observamos que a capacitação realizada se tratou de
uma proposta de formação que se fundamentou em aspectos
pedagógicos relevantes da teoria e prática da educação freire-
ana e que foi pertinente no na formação dos agentes de saúde
para o desenvolvimento das práticas educativas em saúde vol-
tadas para o cuidado de saúde da população amazônica.
Entende-se que no tocante ao processo de formação
desenvolvido, sentiu-se a necessidade de um trabalho mais fo-
cado em educação popular em saúde para todos os integrantes
da equipe multidisciplinar de saúde dos municípios, visando a
necessidade das ações de educação em saúde serem reconheci-
das e valorizadas por todos os profissionais da saúde, criando
dispositivos de não precarização e potencializando ações mais
participativas e integrativas.
Verificou-se que existem experiências significativas de
educação em saúde sendo desenvolvidas nos municípios ama-
zonenses, principalmente em termos interculturais, envolven-
do muitos setores e instituições, contudo essas ações precisam
ser contínuas e não pontuais, precisam ser políticas públicas e
não ações episódicas e campanheístas.
A educação popular e sua concepção e prática em
Freire se revelou adequada para os processos formativos em

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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saúde no contexto da vigilância, contudo se constatou a neces-


sidade de aprofundamento em vários aspectos, sobretudo peda-
gógico e epistemológico.
A capacitação dos agentes de saúde revelou a neces-
sidade de realização de mais cursos de atualização e formação
profissional, principalmente com conteúdos mais focados nas
necessidades e especificidade locais de saúde e que valorizem
os saberes da experiência e os conhecimentos amazônicos em
saúde.
Assim, entendemos que as secretarias municipais de
saúde precisam qualificar e estruturar suas equipes de educação
em saúde local, o que implica na criação de uma coordenação
local, para melhor gestão dos processos. Pelas ações desenvolvi-
das, se sentiu a necessidade de avaliação sistemática das ações
seus aspectos pedagógicos, pois em muitas situações se verificou
que essas ações são espontâneas, e carecem de melhor estrutura-
ção pedagógica. Nesta perspectiva, a Política Nacional de Edu-
cação Popular em Saúde no Sistema Único de Saúde (PNEPS –
SUS)18 e a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde
são importantes conquistas legais que precisam ser mais bem
fortalecidas.
Entre o processo de formação em educação em saú-
de e a implantação e/ou reorganização dos serviços há muitas
questões imbricadas que passam inclusive pela valorização da
educação no contexto da saúde, sendo essa reduzida muitas ve-
zes apenas ao processo de qualificação ou a mera transmissão
de conteúdos técnico-científicos, o que não garante qualidade
e efetivação do trabalho. Por outro lado, há de se repensar a
gestão dos processos de trabalho em educação em saúde, numa
perspectiva mais flexível e inovadora. Há necessidade de se as-
segurar e otimizar recursos financeiros para melhor desenvolvi-
mento dessas ações, assim como criar um plano de efetivação de
carreira e cargos, evitando a grande rotatividade de servidores.
18 A PNEPS reafirma o compromisso com a universalidade, a equidade,
a integralidade e a efetiva participação popular no SUS.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A experiência nos ajudou a perceber o potencial pe-


dagógico da educação popular freireana, tanto na educação
permanente em saúde, quanto, no cotidiano das práticas de
educação em saúde no contexto das ações dos agentes de vigi-
lância e de atenção primária.
A experiência propiciou um importante momento de
aprendizagem significativa para os coordenadores, pedagogos/
as, facilitadores/as e cursistas, permitindo pensar a realidade
local, identificando seus principais desafios e suas possibilida-
des de transformação através do trabalho coletivo e integrado,
no diálogo com diferentes profissionais e comunidade, na valo-
rização dos múltiplos saberes e na luta por melhores condições
de saúde.
A capacitação apoiada na educação popular em Frei-
re apontou caminhos viáveis de troca de conhecimentos e de
valorização de saberes, criando uma atmosfera propicia para a
problematização da realidade, das ações e dos serviços de saú-
de, evidenciando o contexto e as necessidades locais de maneira
mais aberta e democrática. Além do que, possibilitou concreta-
mente o compartilhamento de experiências e de outras chaves
de leitura da realidade capazes de orientar novas práticas edu-
cativas em saúde e, por conseguinte, articular novos processos
de trabalho no contexto do SUS em território amazônico.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde. Glossário temático: gestão
do trabalho e da educação na saúde – 2. ed., 2. reimpr. –
Brasília: Ministério da Saúde, 2013.44 p.
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de Metodologias Ativas no Curso de Especialização
em Gestão da Vigilância Sanitária do Sistema Único de
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Internacional de Pesquisa em Educação Superior: saberes,

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

tecnologias e os desafios para a formação, ISSN 23186887,


UFPB, 2015. Disponível: http://www.coipesu.com.br/anais,
acesso em 27 mar 2016. (Trabalho completo - Eixo 4: Saberes
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______________. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de
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______________. Política e educação. São Paulo: Cortez
Editora, 1997.
PONTUAL, Pedro. Educação Popular e Democratização
das Estruturas Políticas e Espaços Públicos. p 91- 101. In:
PONTUAL, Pedro, IRELAND, Timothy (organizadores).
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perspectivas. Brasília: Ministério da Educação: UNESCO,
2006. 264 p. (Coleção Educação para Todos; v. 4)
SANTOS, B. S. Renovar a teoria crítica e reinventar a
emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.
____________. Para uma sociologia das ausências e
uma sociologia das emergências. In: SANTOS, B. S.
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discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.
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Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 160 p. (Serie B. Textos
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VALLA, V. V.; STOTZ, E. N. (Org.). Participação popular,
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Dumara, 1993.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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VASCONCELOS, E.M. Redefinindo as práticas de saúde a


partir de experiências de educação popular nos serviços
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núm. 8, pp. 121-126, São Paulo, 2001.
____________. Educação Popular e a atenção à saúde da
família. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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AULA DE CAMPO COMO ESTRATÉGIA PARA


O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS
NUNES, de Melo, Rosicleia (Autor 1)1
RODRIGUES, Oliveira Edivania (Autor 2)2
OLIVEIRA, Barbosa Ginara (Autor 3)3

Introdução
Para a construção da referida pesquisa realizamos ini-
cialmente o levantamento bibliográfico para melhor esclare-
cimento acerca da temática, segundo Andrade (2003, p.126)
diz que ˝[...] todo trabalho científico pressupõe uma pesquisa
bibliográfica preliminar ˝. A leitura bibliográfica é necessária
para que se conheça as concepções dos pressupostos teórico
em relação ao tema pesquisado, por se tratar de uma visão edu-
cacional nos apoiamos na abordagem qualitativa onde Lüdke
(1986, p.11) relata que esta ˝[...] supõe o contato direto e pro-
longado do pesquisador com o ambiente e a situação que está
sendo investigada [...]˝, deste modo avaliar o local da proble-
mática é essencial na compressão do que se deseja conhecer,
por estarmos envolvidos diretamente no processo educativo
observamos e participamos ativamente com os educandos os
fatores ambientais envolvidos do nosso trabalho, a observação

1 Graduanda em pedagogia; Universidade do Estado do Amazonas-


Centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP/UEA);
rosicleiademelonunes@gmail.com:
2 Graduanda em pedagogia; Universidade do Estado do Amazonas-
Centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP/UEA);
edivaniajv@gmail.com
3 Graduanda em pedagogia; Universidade do Estado do Amazonas-
Centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP/UEA);
oliveiraginara@gmail.com

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participante de acordo com Lüdke apud Denzin (1978,p.183)


é ˝uma estratégia de campo que combina [...] a participação
e a observação direta e a introspecção ˝.Nesta perspectiva o
envolvimento de todos se faz necessário para a construção do
conhecimento.
A educação vai além dos muros das escolas, e se dá em
qualquer ambiente propício a ela, segundo Freire (1987, p.73)
“Desta maneira, a educação se re-faz constantemente na práxis.
Para ser tem que estar sendo[...]” diante disso levar as crianças
a refletir sobre a realidade nos mostra possibilidades relevantes
para a ampliação dos conhecimentos prévios dos educandos.
É neste viés que se constrói um conhecimento mais sig-
nificativo e proveitoso, o artigo nos traz uma reflexão crítica
sobre a contribuição da educação ambiental em nossa cidade,
ressaltando fatos no contexto atual. Recentemente Parintins
foi palco de uma intensa discussão a respeito do lixo, proble-
mática essa que atinge diretamente nosso município, gerando
especulações de diversas áreas do conhecimento já que este é
um assunto muito questionado pela população em geral. Para
Oliveira e Correia apud Moreira (2012, p. 13), aprendizagem
significativa se define como:
É aquela em que ideias expressas simbolicamente in-
teragem de maneira substantiva e não- arbitrária com
aquilo que o aprendiz já sabe. Substantiva quer dizer
não literal, não ao pé da letra, e não arbitrária signifi-
ca que a interação não é como qualquer ideia prévia,
mas sim com algum conhecimento especificamente
relevante já existente na estrutura cognitiva do sujeito
que aprende.

Buscando alternativas que possam contribuir nesta


causa, é que se discursa que a educação ambiental seja traba-
lhada desde as séries iniciais, porém está alternativa já é existe
nas propostas curriculares, mas não como uma disciplina es-
pecífica e eixos temáticos que podem e devem ser articulados
interdisciplinarmente. Isso nos ajuda a refletir sobre o papel do

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educador no processo educacional dos seus educandos, quan-


do este se torna facilitador de uma educação emancipadora,
que ajude seus educandos a compreender a realidade que en-
contra-se inserido, possibilitando assim alargar sua visão de
mundo.
Relatos das atividades realizadas.
Relacionando a questão do lixo e materiais alternativos
foi que realizamos na turma do 5˚ ano C da Escola Municipal
Irmã Cristine, uma aula de campo com o intuito de promo-
ver a construção do conhecimento significativo, essa estratégia
utilizada para alcançar os resultados obtidos foi de estrema re-
levância por entendermos que a educação se faz não somente
com metodologias pautadas no tradicionalismo, mas também
devemos colocar o educando em contato com a realidade que o
cerca, para que internalize e amplie aquilo que já conhece. Nes-
te sentido Oliveira e Correia apud Fonseca e Caldeira (2008, p.
71):
Uma forma de realizar a apresentação de fenômenos
naturais e utilizando, como recurso didático, aulas de
campo em ambientas naturais principalmente aqueles
que encontrados especialmente próximos aos alunos
por sua facilidade e pela possibilidade dos alunos pos-
suírem experiência previa com o ambiente objeto de
estudo.

A aula acima citada aconteceu com um passeio onde


percorremos a rua João Pessoa Lopes que fica nas proximida-
des da escola, ressaltando o assunto e comparando com a re-
alidade local, conduzimos as crianças a perceber onde encon-
tram-se algumas lixeiras viciadas, dando ênfase aos materiais
alternativos que poderiam ser reutilizados colocando assim a
reciclagem como possibilidade de transformação.
Este trabalho procurou contribuir com atitudes favo-
ráveis das crianças com relação ao lixo, no primeiro momento
abordamos o tema realizando uma sondagem pautada no di-

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álogo de acordo com Freire (19897, p.83) “somente o diálogo,


que implica um pensar crítico, é capaz, também, de gerá-lo.”
Nesta perspectiva foi que realizamos uma conversa informal
afim de extrair das crianças envolvidas no processo os conhe-
cimentos prévios que as mesmas tinham acerca da temática.
Nesta perspectiva foi que posteriormente saímos com as crian-
ças em direção ao local que foi observado.
Atualmente tem-se discutido acerca das grandes trans-
formações ambientais que decorrem em consequência das
ideologias capitalistas que instigam o consumismo de forma
acelerada e defendem o bem estar do indivíduo baseado na os-
tentação.
[...] Isso tudo porque a sociedade e cada vez mais
consumista e o que se descarta, muitas vezes, se torna
lixo, sem a prevenção da reciclagem que por sua vez,
não há políticas públicas que gerenciem as demandas
de uma sociedade globalizada (FRAXE,2011, p.226).

Nesse ritmo desenfreado da "evolução" todo ecossistema


vem sendo cotidianamente impactado por ações impensadas e
destrutivas as quais somente agravam de forma incalculável o
meio ambiente e seus habitantes a aderência dos ideais econômi-
cos impulsionam a compra de produtos, mercadorias supérflu-
os, muitas vezes sem utilização alguma ou com pouco tempo de
utilidade o que contribui para o descarte excessivo de produtos
pois, os produtos adquiridos atualmente não possuem durabili-
dade, ou seja são descartáveis em curto prazo o que favorece o
aumento de materiais lançados em locais inapropriados.
A falta de planejamento, de conscientização e sensibi-
lidade ambiental esta ocasionando e pode-se dizer assim um
colapso no ecossistema devido ao desequilíbrio que só agra-
va a convivência do homem com a natureza. Como forma de
minimizar essas questões, são desenvolvidas propostas para o
enfrentamento dos produtos descartáveis como por exemplo
a reciclagem que viabiliza ações ao combate da poluição pelos
materiais inutilizáveis.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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No entanto esse tema gera vários questionamentos nos


ambientes institucionais, devido a necessidade de recursos fi-
nanceiros que são aplicáveis para o gerenciamento e efetivação
de políticas públicas que possam suprir as demandas de uma
sociedade extremamente dinâmica no mundo globalizado.
[...] há oposições na pratica da reciclagem e dentre as
várias discussões podemos citar os altos custos e a au-
sência do mercado para os produtos recicláveis, cujo
preço de venda não conseguem, via de regra, cobrir os
custos de coleta, transporte e processamento envolvi-
dos[...] (Fraxe et. al apud Calderone (2003, p. 226)).

O grande impasse que ocasiona os conflitos e divergên-


cias a respeito da reciclagem decorrem de fatores econômicos,
onde há as oposições de se reciclar devido ao alto custo para
mobilizar os recursos precisos na implementação de ações que
atuem diretamente com a reciclagem, pois a execução destas
não suprem os custos para sua realização, então como não há
lucro satisfatório o mercado industrial deixam de investir nas
coletas de lixos recicláveis acarretando um agravamento com a
superprodução de materiais sem destino de revestimento, sen-
do dessa maneira expostos em locais que não possuem condi-
ções de armazenamento o que gera com o passar do tempo um
aglomerado de produtos e materiais altamente prejudiciais à
saúde pública. Porém há empresas envolvidas com atividades
direcionadas a reciclagem, as quais não aderem as discursões
em torno desta, não obstante questionam ausência das autori-
dades em contribuir para o desenvolvimento da referida ação.
Implicações sobre a problemática da pesquisa.
A atividade foi muito proveitosa pois em decorrên-
cia desta, os educandos puderam observar em lócus, a questão
envolvendo nosso ecossistema, com o por exemplo as ações
humanas na transformação da natureza, ressaltando a degra-
dação ambiental e a poluição decorrentes das lixeiras viciadas.

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Figura 01: chegada dos educandos ao local.


Fonte: Oliveira, 2015.

O local destinado a realização da pesquisa visa pro-


mover a reflexão por parte dos educandos a respeito dos ma-
teriais lançados de forma inapropriado, onde as criança obser-
varam que o local se tratava de uma rua do próprio bairro e
que havia neste, pontos de lixos jogados ao longo da rua, nesse
momento ainda visualizaram a presença da vegetação existente
segundo Fraxe apud Lima (1991, p.27)
O lixo representa todo e qualquer resíduo que resulte
nas atividades naturais ou das diárias do homem em
sociedade. Este se compõe, basicamente, de sobras de
alimentos, papeis, papelões, plásticos, trapos, couros,
madeiras, latas, vidros, lamas, gases, vapores, poeiras,
sabões, detergentes e outras substâncias descartadas
pelo homem no ambiente.

É importante permitir que os educandos observem os


acontecimentos ao seu redor, assim como as consequências dos
maus hábitos e a ausência da conscientização ambiental pelos
moradores.
A aula de campo possui um fator primordial que e pre-
senciar a práxis, ou seja, ao mesmo tempo em que se aborda a
teoria o meio apresenta a realidade, dessa forma a compreensão
do tema torna-se mais eficiente e o entendimento mais eficaz.

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Figura 02: explicação sobre o contexto observado.


Fonte:Rodrigues,2015.

A continuação da explicação deu-se através do con-


texto apresentado destacando as maneiras sustentáveis de pre-
servação da natureza, sendo que anteriormente foi elaborado e
apresentado um jogo didático com materiais reciclados como:
papelão, tampinha de garrafas pet, e recorte de revistas, esse
procedimento favoreceu aos educandos compreender a impor-
tância de se reutilizar produtos expostos em seus próprios la-
res. Conforme Fraxe (2011, p.50):
A reciclagem é hoje o método mais eficiente que há
na renovação de recursos ambientais, pois proporcio-
na que um determinado material seja recolocado em
seu ciclo de vida útil, fazendo com que não haja ne-
cessidade de captação de novas fontes naturais para a
produção de novos produtos[...]

Promover a conscientização dos discentes em torno


do meio ambiental é possibilitar nestes a reflexão não somen-
te dos direitos mas dos deveres que cada indivíduo possui em
prol a melhor qualidade de vida.
Nosso trabalho procurou organizar meios que con-
textualizasse com o tema em questão, com esta finalidade foi
que reutilizamos um jogo confeccionado para uma aula sobre

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educação ambiental com o tema ˝ animais em extinção ˝ o co-


locamos em readequação na questão do lixo, visto que, [...] “
o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez
velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã[...]”
(FREIRE,1996,p.28) isto se da a medida que compreendemos
que o conhecimento não é estático, e está em constante trans-
formação, assim abordamos com os discentes a possibilidade
de se trabalhar com os materiais recicláveis de maneira lúdica
e criativa.

Figura 04: recurso didático confeccionado a partir de materiais reciclados


Fonte: Nunes,2015.

O presente recurso foi confeccionado na disciplina de


metodologia do ensino e aprendizagem de ciências naturais,
refere-se a um jogo caça palavras, com o intuito de demonstrar
para nós professores como podemos e devemos utilizar técni-
cas que favoreçam a aprendizagem de maneira atraente, dinâ-
mica para nossos educandos.
Considerações Finais
O trabalho obteve relevantes resultados para a nossa
formação de educador, pois nos forneceu uma visão holística
com relação a estratégias que proporcione a práxis. Diante dis-
to é necessário que o educador seja mediador no processo en-

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sino e aprendizagem, causando no educando a inquietação em


sua função social fazendo deste um agente ativo e construtor
de sua própria identidade.
A aula de campo procurou mostrar para os educandos
que todos nós somos responsáveis pelo ambiente em que vive-
mos, pois para que possamos ter uma boa saúde precisamos
zelar pelo lugar onde estamos inseridos, fazendo assim que os
mesmos pudessem refletir acerca da problemática em questão
e tentar conscientizá-los sobre a importância de preservação
dos recursos naturais, no lócus da pesquisa foi enfatizado sobre
a reciclagem, fazendo uma análise dos materiais que podem ser
utilizados na confecção de novos produtos cerca de metade do
lixo produzido pelo homem pode ser reciclado, com isso dimi-
nui-se a quantidade de lixo e também a retirada de recursos da
natureza para a fabricação desses novos produtos.

Referências

ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução a metodologia


do trabalho cientifico: elaboração de trabalhos na graduação.
- 6. Ed. – São Paulo: Atlas, 2003.
ALEXANDRA Revista de Educação em Ciência e Tecnologia,
v. 6, n.2, p. 163-190, junho 2013.
FRAXE, Terezinha de Jesus Pinto et al. (Org.). Papel para a
vida: estudo da cadeia produtiva de embalagem de papelão no
Polo Industrial de Manaus (PIM). Daniel Felipe de Oliveira
Gentil, Joao Bosco Ladislau de Andrade e Michelle Andreza
Pedroza da Silva. Manaus: Fua, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17. ed. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa. - São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção
Leitura).

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Educação Popular em Debate
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IGNACY, Sachs: caminhos para o desenvolvimento


sustentável/ organização: Paula Yone Stroh. - Rio de Janeiro:
Garamond, 2009.
LUDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens
qualitativas, Marli E.D.A. André. – São Paulo: EPU, 1986.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS


PROFESSORES POR MEIO DO LÚDICO EM
UMA ESCOLA NA ÁREA DE VÁRZEA EM
PARINTINS-AMAZONAS

ALMEIDA, Railton Marques de 1


LEAL, Gyane Karol Santana2
Introdução
A pesquisa teve por objetivo mostrar a importância
do lúdico no processo ensino/aprendizagem e analisar as di-
ficuldades encontradas por professores na em suas práticas
pedagógicas no uso do mesmo, especialmente no que se rela-
ciona a utilização de brincadeiras como parte de suas práticas
docentes, uma vez que os jogos e brincadeiras são excelentes
oportunidades de mediação entre o prazer e o conhecimento
historicamente constituído, já que o lúdico é eminentemente
cultural. Independentemente das condições que a escola e o
sistema educacional proporcionam à sua prática docente, é da
responsabilidade do professor motivar suas aulas, tornando-as
atrativas e prazerosas, preparando a criança para que estives-
se se constituindo um sujeito crítico de suas próprias ações e
meio em que vive.
Apesar de muitos estudos apresentarem a impor-
tância do lúdico no processo ensino e aprendizagem e du-
1 Pós-graduando em Gestão do Currículo e Desenvolvimento de Prá-
ticas Pedagógicas- UEA/SEDUC. Professor da rede municipal de
ensino de Parintins- Amazonas, Brasil, railtonmarquesdealmeida@
gmail.com
2 Mestre em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia e docente
da Universidade do Estado do Amazonas- UEA/CESP, Brasil,
gyanekarol26@hotmail.com

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Educação Popular em Debate
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rante a formação dos educadores a questão ser abordada em


várias disciplinas, ainda se observa que muitos educadores
pouco se interessam por essa prática de ensinar. É sabido
que a educação é chave para o desenvolvimento de uma so-
ciedade de bem, por isso é de grande importância à inserção
e utilização dos brinquedos, jogos e brincadeiras na prática
pedagógica, tratando-se de uma realidade que se impõe ao
educador.
A brincadeira é a forma em que a criança pode se ex-
pressar, interagir, aprender a lidar com o mundo que a cerca,
trata-se também do início de formação de sua personalidade.
Com a brincadeira, a criança recria situações do cotidiano
transformando-o em um ambiente de pleno aprendizado. Além
disso, é brincando que a criança se expressa vindo a desenvol-
ver suas habilidades de criação, imaginação, de relacionar-se
e de interagir com outras crianças. Desta forma, percebe-se a
importância do brincar como forma da criança expressar-se e
de desenvolver-se cognitivamente.
Pertinente a isso, as atividades lúdicas cumprem o seu
papel de forma agradável, para trabalhar tanto as habilidades
quanto as dificuldades de cada criança. Então se acredita que a
ideia de brincar origina-se na imaginação criada pela criança,
em que desejos impossíveis podem ser realizados, reduzindo a
tensão e, ao mesmo tempo, constituindo uma maneira de aco-
modação e conflitos e frustrações da vida real. Nesse sentido
a organização do espaço torna-se fundamental, pois deve ser
de forma democrática, primando pela participação de todos os
envolvidos.
Portanto, parte-se da premissa de que ao desenvolver,
com o corpo docente oficinas de práticas pedagógicas para a
construção de materiais que valorizem as necessidades lúdicas
das crianças, bem como de implantar mecanismos de utiliza-
ção destes como material de apoio pedagógico e didático con-
tribui consideravelmente para que a criança desenvolva plena-
mente suas habilidades.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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O estudo foi realizado na Escola Municipal “São Se-


bastião” - Brasília, localizada na zona rural, área de várzea no
Município de Parintins. A referida escola foi construída por
acontecer à migração de algumas famílias para a localidade, os
comunitários reuniram pela necessidade e através de uma co-
missão foram conversar com o prefeito que nesse período era
o Senhor Gláucio Gonçalves e o mesmo atendeu ao pedido dos
comunitários. O objetivo é atender, sobretudo às crianças de
07 a 12 anos de idade. A referida escola iniciou suas atividades
educacionais no dia 01/03/1999, Decreto №34/99 PGPMP.

FIGURA 1-Escola municipal São Sebastião


Fonte: Arquivo pessoal

Atualmente a escola está sendo direcionada pela en-


tão gestora a senhora Nilciana Freitas, Atende crianças de 04 a
15 anos. Quanto ao espaço físico a escola possui 04 salas de au-
las adequadas e amplas; 01 cozinha e 01 secretaria. Atualmente
possui um quadro de docentes e uma merendeira. Apesar das
dificuldades encontradas a Escola Municipal “São Sebastião”-
Brasília, o os funcionários da escola com os comunitários bus-
cam uma educação de qualidade.

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Conceituando a prática e a importância do lúdico

A educação lúdica sempre esteve presente em todas


as épocas entre os povos e estudiosos, sendo de grande impor-
tância no desenvolvimento do ser humano na sua educação. Os
jogos e brinquedos sempre estiveram presentes no ser humano
desde a antiguidade, mas nos dias de hoje a visão sobre o lúdi-
co é diferente. Implicam-se o seu uso e em diferentes estraté-
gias em torno da pratica no cotidiano do docente.
A definição de lúdico, o jogo foi definido de várias for-
mas durante muitos anos por pesquisadores e estudiosos, tais
como Piaget (1978) e Vygotsky (1984), cada um denominando
e conceituando sua prática e sua importância de acordo com
as suas linhas de estudos e de pensamentos. Com base em suas
ideias podemos dizer em geral que o Lúdico não é apenas uma
brincadeira, mas sim a liberdade de expressão física e emocio-
nal, é a abertura para novos conhecimentos. Viver ludicamente
significa uma forma de descoberta do mundo, indica que não
apenas estamos inseridos nele, mas, sobretudo, que somos par-
te de todo seu conhecimento prático e que essas reflexões são
as nossas ferramentas para compreendê-lo e interagir com ele.
Brincando, a criança vai construindo os alicerces da
compreensão e utilização de sistemas simbólicos como a escri-
ta, assim como da capacidade e habilidade em perceber, criar,
manter e desenvolver laços de afeto e confiança no outro. Esse
processo tem início desde o nascimento, com o bebê apren-
dendo a brincar com a própria mãozinha e, mais adiante, com
a mãe. Assim como aos poucos vai coordenando, agilizando
e dotando seus gestos de intenção e precisão progressivas, vai
aprendendo a interagir com os outros, inclusive com seus pa-
res, crescendo em autonomia e sociabilidade. (OLIVEIRA,
2002,).
Para Vygotsky (1989, p.84) “As crianças formam es-
truturas mentais pelo uso de instrumentos e sinais. A brinca-
deira, a criação de situações imaginárias surge da tensão do

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individuo e a sociedade. O lúdico liberta a criança das amarras


da realidade”.
Verificando, portanto que as atividades lúdicas pro-
piciam a criança à possibilidade de conviver com diferentes
sentimentos os quais fazem parte de seu interior, a criança de-
monstra através da brincadeira como ela vê e constrói o mun-
do, como ela gostaria que ele fosse quais as suas preocupações
e que problemas a estão atormentando, ou seja, ela expressa na
brincadeira o que tem dificuldade de expressar com palavras.
E aliar atividades lúdicas ao processo de ensino e
aprendizagem pode ser de grande valia, para o desenvolvimen-
to do aluno, um exemplo de atividade que desperta e muito o
interesse do aluno é o jogo, sobre o qual nos fala Kishimoto
(1994, p. 13).
O jogo como promotor da aprendizagem e do desen-
volvimento passa a ser considerado nas práticas escolares como
importante aliado para o ensino, já que colocar o aluno diante
de situações lúdicas como jogo pode ser uma boa estratégia
para aproximá-lo dos conteúdos culturais a serem veiculados
na escola.
Os jogos não são apenas uma forma de divertimento,
mais sim meios que contribuem e enriquece o desenvolvimen-
to intelectual das crianças. Para manter o seu equilíbrio com
seu mundo, toda criança necessita de brincar, jogar, criar e in-
ventar. Dessa maneira percebemos a necessidade do professor
de pensar nas atividades lúdicas nos diferentes momentos de
seu planejamento. Lembrando que o jogo e a brincadeira exi-
gem partilhas, confrontos, negociações e trocas, promovendo
conquistas cognitivas, emocionais e sociais. Destacando ainda
mais a importância do lúdico, lembramos as palavras de Ronca
(1989, p.27).
O lúdico permite que a criança explore a relação do
corpo com o espaço, provoca possibilidades de deslocamento e
velocidades, ou cria condições mentais para sair de enrascadas,
e ela vai então, assimilando e gastando tanto, que tal movimen-

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to as faz buscar e viver diferentes atividades fundamentais, não


só no processo de desenvolvimento de sua personalidade e de
seu caráter como também ao longo da construção do seu orga-
nismo cognitivo.
A tal ponto isso se faz verdade, que a criança sente e
expressa à curiosidade e importante noção de que viver é brin-
car. E ao brincar a criança conhece a si própria e aos outros e
realiza a dura tarefa de compreender seus limites e possibili-
dades e de inserir-se em seu grupo. Aí aprende e internaliza
normas sociais de comportamentos e os hábitos fixados pela
cultura, pela ética e pela moral.
O brincar no contexto do Ensino Fundamental
Entender que o brincar é vital para o desenvolvimento
do corpo e da mente, nele se reconhece um meio de propor-
cionar educação integral, em situações naturais de aprendiza-
gem que geram fortes interesses em aprender e garantir prazer.
No contexto escolar, conduzindo necessariamente ao enten-
dimento e conhecimento de que tipo de instituição esteja se
referindo. Tal ação se faz necessária uma vez que a escola em
si esta plenamente vinculada na própria constituição histórica
de uma organização social, ou seja, a escola reflete e conserva
princípios da sociedade a qual está inserida.
No brincar a criança está sempre acima de sua idade
média, acima de seu comportamento diário. Assim, na brin-
cadeira de faz-de-conta, as crianças manifestam certas habi-
lidades que não seriam esperadas para sua idade. Nesse senti-
do, a aprendizagem cria a zona de desenvolvimento proximal,
ou seja, a aprendizagem desperta vários processos internos de
desenvolvimento. Deste ponto de vista, aprendizagem não é
desenvolvimento; entretanto o aprendizado adequadamente
organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em mo-
vimento vários processos de desenvolvimento que, de outra
forma, seriam impossíveis de acontecer (VYGOTSKY apud
OLIVEIRA, 2002, p. 132).

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O jogo permite a expressão ludocriativa, podendo


abrir novas perspectivas do uso dos códigos simbólicos. Mas,
para que estas ideias se consolidem, é importantíssimo com-
preender os diferentes estágios de desenvolvimento mental in-
fantil e adequar os brinquedos às potencialidades das crianças
e, sobretudo, buscar diversificá-los com o objetivo de explorar
novas inteligências e áreas ainda não desenvolvidas.
E ainda, as brincadeiras, o jogo, o brinquedo podem e
deve ser objetos de crescimento, possibilitando à criança a ex-
ploração do mundo, descobrir-se, entender-se e posicionar-se
em relação a si e a sociedade de forma lúdica e natural exer-
citando habilidades importantes na socialização e na conduta
psicomotora.
De acordo com os PCNs de Educação Física (vol. 7.
1997 p.36) “As situações lúdicas competitivas ou não, são con-
textos favoráveis de aprendizagem, pois permitem o exercício
de uma ampla gama de movimentos, que solicitam a atenção do
aluno na tentativa de executá-la de forma satisfatória”. A partir
dessas definições constatamos que o lúdico está relacionado a
tudo o que possa nos dar alegria e prazer, desenvolvendo a cria-
tividade, a imaginação e a curiosidade, desafiando a criança a
buscar solução para problemas com renovada motivação.
Ressaltando Novaes (1992, p.28) “O ensino, absorvi-
do de maneira lúdica, passa adquirir um aspecto significativo e
efetivo no curso de desenvolvimento da inteligência da criança”.
Desse modo, brincando a criança vai construindo e compreen-
dendo o mundo ao seu redor e o que ele pode oferecer para o
seu desenvolvimento. Cabe ao educador por meio da interven-
ção pedagógica propiciar atividades significativas que levem a
uma aprendizagem de sucesso. Para que isso aconteça é neces-
sário que o professor reflita sua prática pedagógica percebendo
o aluno mais que um mero executor de tarefa, mas alguém que
sente prazer em aprender.
Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível
e que contribuirá significativamente para formação de cidadãos
que atendam as demandas do século XXI. De acordo com Freire

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(1996, p.67) “Saber que deve respeito à autonomia e identidade


do educando exige de mim uma prática em tudo coerente”.
Palavras que levam a refletir sobre a importância de
uma prática pedagógica voltada a valorização e respeito da in-
dividualidade do aluno. Mas a preocupação com uma educação
significativa, atualizada e que respeite o aluno, não começou
hoje. Podemos perceber isso claramente através das palavras
de Freinet (1975, p.38) “o professor deve ter sensibilidade de
atualizar a sua prática”.
Aprendizagem é uma mudança na capacidade huma-
na, se manifesta através de uma mudança de comportamento,
com o caráter de relativa permanência e que não é atribuível
simplesmente, ao processo de maturação, mas ocorre quando
o indivíduo interage com o meio ambiente. (GAGNE, 1998,
p.25). A aprendizagem tem um sentido amplo: abrange os há-
bitos que formamos os aspectos de nossa vida efetiva e assimi-
lação de valores culturais.
Enfim, aprendizagem refere-se a aspectos funcionais e
resulta de toda estimulação ambiental recebida pelo individuo
no decorrer da vida. Destacamos então, a seguir, para os pro-
fessores que ao elaborarem seus planos de trabalhos, seguindo
as diferentes necessidades dos alunos, tenham como norte as
Áreas do desenvolvimento, que são classificadas sobre os títu-
los: área motora, área cognitiva e área afetivo-emocional. As
atividades motoras, associadas ao lúdico, possibilitam à criança
desenvolver suas funções intelectuais e efetivas. Sendo o corpo
em movimento, o meio de ação da criança sobre o mundo dos
objetos, faz-se necessário desenvolver a consciência corporal,
para através dela, a criança estar disponível para aprender.
Metodologia
A pesquisa baseou-se em uma abordagem qualitativa,
que segundo Gil (2010) a mesma tende a explicitara visão e
analise do pesquisador frente ao fenômeno estudado. As cole-
tas de dados foram através das observações estruturadas foram

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direcionadas a coletar informações acerca da não utilização,


por parte dos professores de uma escola da zona rural, área
de várzea da rede municipal de ensino, do uso do lúdico como
auxiliar a prática pedagógica.
Tal coleta fora realizada através de observações e en-
trevistas semiestruturadas com dois professores que trabalham
em turmas agregadas. Frente a isso, os dados adquiridos, foram
analisados qualitativamente sob a ótica da Fenomenologia que
segundo Fachin (2006) a mesma tende a observar as transfor-
mações históricas do ser humano.
De fato, através da observação estruturada realizada
na sala de aula durante a coleta de dados foi possível estabele-
cer elementos que norteassem a explicação do porque apenas
um professor utilizava as brincadeiras e a outra professora não
utilizam as brincadeiras na sala de aula uma vez que estes sem-
pre atraem demasiadamente a atenção dos alunos vindos assim
a ser um aliado no aprendizado dos mesmos.
Assim, o presente a pesquisa pode ser de grande valia
para escola, pais e educadores, uma vez que o mesmo visa es-
tabelecer as relações da criança com o brincar bem como ma-
pear as dificuldades que o professor encontra ao desenvolver
atividades que envolvam o lúdico, pois estando tais dificulda-
des esclarecidas, poder-se-á promover ações que venham ao
encontro de tais dificuldades, favorecendo assim, a plena utili-
zação de brincadeiras como elementos auxiliares ao desenvol-
vimento cognitivos o que acarretaria paralelamente também o
desenvolvimento social e afetivo da criança.
Os relatos de professores a respeito de vivencias e
experiências.
Após abordar-se sucintamente a brincadeira no con-
texto escolar. Cabe relatar algumas experiências de sala de aula
vivenciadas por professores. Vale mencionar que tais dados fo-
ram adquiridos através de entrevistas e observações realizadas
com dois professores que será denominado por nomes fictícios

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como Professor “Carlos Cesar Tavares” (35 anos licenciado em


Pedagogia, o mesmo trabalha com alunos do 2° ao 4°ano do
ensino fundamental, tem pouca experiência na profissão, visto
que há pouco tempo concluiu sua licenciatura e a Professora
“Maria do Carmo Freitas” (38 anos), com habilitação em ma-
gistério, licenciada em Normal Superior, com 10 anos de expe-
riência, trabalhando no ano 2015 com alunos do I, II período e
1° do ensino fundamental, ambos trabalham em turmas agre-
gadas (Multisseriado).
Segundo relatos do Professor Carlos Cesar Tavares
(35 anos) com sete meses de profissão, acostumado utilizar
as brincadeiras ou mesmo jogos como elemento auxiliar ao
aprendizado dos educandos. De acordo com o professor não
se perde tempo de aula e dias letivos mesmo sendo demasia-
damente curtos e a utilização de brincadeiras como elementos
auxiliares, na opinião do professor, pois as brincadeiras e os
jogos fazem com que as crianças além de prestarem atenção
e aprenderem o assunto estudado, direcionando toda a carga
de energia a execução da brincadeira. Ele alega também que
a escola não tem um espaço próprio e adequado para as ati-
vidades externas, principalmente no período de chuva, sen-
do uma área de várzea, quando chove fica cheio de lama o
quintal da comunidade e na enchente vai ao fundo. Para ele,
a escola deve ter um espaço próprio e adequado para os mo-
mentos de recreação e para o desenvolvimento de algumas
atividades lúdicas e não apenas corredores. Segundo o profes-
sor a realização de jogos com os educandos fica praticamente
quase inviável, da mesma forma a realização de algumas ati-
vidades lúdicas na sala de aula também é contido devido na
própria sala não permitir tal ação para que não atrapalhem as
outras turmas das salas ao lado, devido ao barulho que ocor-
rem conforme a empolgação dos alunos quando participam
de competições lúdicas.
Brincando e criando, a criança se prepara para o fu-
turo, aprendem espontaneamente, sem estressar ou medo de

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errar, mas com prazer pela aquisição do conhecimento e pelo


prazer do próprio ato de brincar e construir.
O ato de brincar também é importante já que estimula
a auto-estima, a criança vai construindo e compreendendo o
mundo ao seu redor, que o professor como papel de mediador
precisa ter um olhar mais aguçado e interessado, fundamental
para garantir o enriquecimento dos jogos e das brincadeiras,
bem como a utilização das mesmas como ferramenta principal
para o desenvolvimento biológico, psicológico, social, da lin-
guagem, das relações sociais, dos fatores cognitivos, afetivos,
intelectuais e emocionais, legitimando o ato de brincar, como
fator essencial nesta fase da vida e principalmente para o de-
senvolvimento humano.
Lembrando que as atividades lúdicas são de grandes
valias para o educador que souber utilizar apropriadamente
dessas atividades, possibilitam o desenvolvimento da curio-
sidade, criatividade e autonomia, fundamentais para a matu-
ridade emocional e o equilíbrio entre o psíquico e o mental
sendo que os alunos será o maior beneficiado.
Não se esquecendo de um fator muito importante
para o desenvolvimento psicossocial da criança e que merece
ser destacado é a participação da família no cotidiano escolar
e nos momentos de brincar, permitindo a participação desta
ao ambiente no qual está inserida, abrindo de certa forma um
“leque” para que seus filhos aprendam a se relacionar com o
mundo em que vivem.
O lúdico em sua função terapêutica proporciona um
desenvolvimento sadio e harmonioso, sendo uma tendência
instintiva da criança, pois através do brincar a criança aumenta
a independência, estimula sua sensibilidade visual e auditiva,
valoriza a cultura popular, desenvolve habilidades motoras, di-
minui a agressividade, o medo, exercita a imaginação e a cria-
tividade, aprimora a inteligência, libera suas angústias, stress,
possibilitando a integração entre o grupo, e experiências sig-
nificativas entre os sujeitos, promovendo assim, o desenvolvi-

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mento sadio, o crescimento mental e a adaptação social, pois


sentem prazer em “descobrir o conhecimento” brincando.
O Professor “Carlos Cesar Tavares (35 anos)”, alegou
que quando realizava brincadeiras com seus alunos, de modo
que criava espécie de jogos onde haviam perguntas já estabe-
lecidas e que as crianças, dividida em equipes, passariam a res-
pondê-las e a pontuar. De acordo com o mesmo, a brincadeira
tinha êxito, houve participação em massa por parte dos alunos.
Contudo, no quesito aprendizado esse ficou desorientado, não
sabendo como preencher seu diário escolar quanto assuas au-
las, sobre assuntos abordados e nem orientação no seu planeja-
mento para tirar algumas dificuldades.
Pode se perceber nas palavras do professor “Carlos
Cesar Tavares”, de que a não utilização dos jogos e brincadei-
ras como fonte de aprendizagem dentro e fora da sala de aula,
quem sai perdendo é o aluno e que através da orientação de um
apoio pedagógico na hora dos registros em seu diário e do seu
planejamento é muito importante para seu sucesso profissional.
Pode-se refletir que as horas de aulas devem ser plane-
jadas com eficiência quando os objetivos são estabelecidos com
clareza. Neste contexto é possível estabelecer na própria brinca-
deira desenvolvida os assuntos que serão estudados.
Como dizia Brougére (1998) “Brincar não é uma dinâ-
mica interna do indivíduo, mais uma atividade dotada de uma
significação social que, como outras, necessitam de aprendiza-
gem”. Isto é, a criança aprende a brincar e isto se dá desde as
primeiras interações lúdicas entre mãe e o bebê.
No entanto, ao citar que a escola não dispõe de um
espaço apropriado para a realização de algumas atividades lúdi-
cas, pode-se dizer que o mesmo conta com determinada razão
uma vez que a própria projeção estrutural da escola, não dispõe
realmente de espaços propriamente deixados para que o profes-
sor estabeleça a utilização desta atividade.
Nesse caso, a própria instituição escolar não possui
recursos para a construção de uma melhor estrutura física da

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escola e uma estrutura externa para desenvolver as atividades


necessárias, o que acarreta à própria forma de ensino uma es-
tagnação que não permite a escola o pleno acompanhamento
das transformações sociais. Tal fato faz com que seja extrema-
mente necessário repensar a estrutura física das escolas para
que sejam incorporados espaços propícios ao desenvolvimento
dessas atividades.
Todavia, segundo os relatos da professora “Maria do
Carmo Freitas” (38 anos), licenciada em normal superior e com
habilitação em magistério e 10 anos de profissão. A mesma
ressalta que a ausência da estrutura física, como por exemplo,
uma quadra esportiva para a execução das brincadeiras que
ela gosta de elaborar, contudo, a mesma faz questão de dizer
que mesmo com ausência desse espaço apropriado ela realiza
brincadeiras periodicamente e também as utiliza como meios
didáticos. Segundo a professora “por ser sala de aula agregada
os alunos necessitam de atividades didáticas diferentes, e pe-
riodicamente, quando necessário, se realiza brincadeiras com a
turma e eles correspondem com participação, atenção e o mais
importante, aprendem”.
De acordo com a professora em questão, quando rea-
liza algumas atividades lúdicas há sempre reclamações por par-
te dos colegas uma vez que o barulho chega a incomodaras de-
mais salas, “sabemos que não tem como restringir as crianças,
o barulho faz parte da atividade, só faço gerenciar a atividade e
pedir desculpa aos colegas”.
A mesma ressaltou também que em determinadas
situações, fica indecisa ou com dificuldade em escolher uma
brincadeira adequada a qual venha a corresponder confor-
me as necessidades pedagógicas do momento, mas que mes-
mo assim ela tenta. Quanto à questão do tempo, a professora
relatou que apesar de ser pouco, mesmo assim há respostas
positivas no desempenho uma vez que os educandos a rea-
lizam com vontade e os resultados ultrapassam as expecta-
tivas.

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Assim, na opinião da professora “Maria do Carmo


Freitas” é possível sim utilizar brincadeiras, jogos e atividades
lúdicas com os educandos e direcioná-las para que haja um
melhor aprendizado. Contudo, em sua opinião, muitos colegas
não utilizam dessa prática criando desculpas como, por exem-
plo: a idades de seus alunos e o fato de ser mais trabalhosa, que
requer mais atenção e é claro de causar maior desgaste físico
haja vista que o professor participa continuamente das ativida-
des com os mesmos.
Então se pode perceber nas informações colocadas
pela professora, que esta realiza atividades lúdicas com seus alu-
nos periodicamente. Desta forma, tais atividades contribuem
efetivamente para fazer acontecer o aprendizado dos mesmos.
Verifica-se também, que ela alega a ausência de estrutura física
por parte da escola como sendo um entrave significativo para
a utilização de jogos, brincadeiras em fim, atividades lúdicas
com as crianças, haja vista.
Nota-se ainda que a professora embora em pequena
escala, alega que há a grande carência de suportes pedagógicos,
uma vez que esta destacou que , embora em poucas ocasiões,
esse não tenha resultados positivos em suas atividades lúdicas.
Nesse sentido, há a necessidade plena da escola em oferecer
esses suportes aos professores, pois assim se pode planejar a
atividade com gestão do tempo e com resultados pré-estabe-
lecidos.
Assim sendo, pode-se perceber no posicionamento da
professora sobre o educar, que não é somente o repassar de in-
formações, mais sim, criar possibilidades de perceber e fazer o
diferente, que a utilização de atividades lúdicas dentro ou fora
da sala de aula não vem a ser uma utopia, sendo que essa pode
realmente auxiliar o ensino dos componentes curriculares, da
mesma forma pode contribuir com o aprendizado dos educan-
dos, uma vez que a atividade de brincar, de construir juntos
com seus alunos é inerente a toda criança e nada melhor do
que fazer acontecer o querer aprender dos ensinamentos sis-

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temáticos através da atividade que elas mais gostam de fazer, o


brinca e o construir.
Considerações Finais
Nos últimos anos, os métodos de ensino ganharam
mais atenção por grande parte de educadores, pois com a ne-
cessidade de se descobrir como a criança aprende, esses mé-
todos ganharam novos paradigmas, diferentemente de décadas
anteriores onde não se estabeleciam relevância quanto à forma
em que se dava o aprendizado da criança.
A preocupação em descobrir como a criança aprende é
ou pode ser considerada recente. Nesse contexto, menciona-se
que o professor possa usar estratégias excelentes em seu pon-
to de vista. Com tudo, se a estratégia não estiver adequada ao
modo de aprender da criança certamente estará de frente como
fracasso, uma vez que toda a criança tem como características
intrínsecas o jogo e a brincadeira, logo elas gostam de jogar e
brincar e como já discutido anteriormente, o jogo e a brinca-
deira é são as principais formas de construção de saberes por
parte da criança.
Neste caso, utilizar o jogo e a brincadeira como fer-
ramentas de trabalho e através dela construir um aprendizado
sólido para as crianças parece o melhor caminho, pois o ensino
se revelará para a criança como uma atividade prazerosa e efi-
ciente. Não tão distante da realidade, a utilização de atividades
lúdicas como facilitadores no processo ensino/aprendizagem,
representam uma solução frente aos problemas de aprendizado
rendendo sempre bons resultados.
Todavia, faz-se necessário também que se definam os
objetivos que se almeja alcançar em seu planejamento quando
for trabalhar o lúdico e da mesma forma, deve ter cuidados com
as brincadeiras que se mediará de modo que a mesma esteja
ligada ao momento correto do desenvolvimento da criança.
Frente aos dados levantados através de entrevistas
com dois professores qual tinha o intuito de identificar as difi-

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culdades em se trabalhar com auxilio de jogos e brincadeiras,


pode se perceber que na opinião de ambos a falta de jogos edu-
cativos na escola e muitas vezes a resistência de alguns alunos
a não participarem das brincadeiras, por não serem acostuma-
dos aponta como sendo uns dos mais sérios empecilhos para
que estabeleçam periodicamente as atividades lúdicas com
as crianças. Tal fato faz-se concluir que o princípio para uma
eventual mudança na forma de ensino vem ao encontro na
compra de jogos realizados pela escola através da Associação
de Pais, Mestres e Comunitários (APMC), na criação dos mes-
mos realizados pelos professores e alunos, pois assim ocorre o
sucesso das atividades e a melhoria do desempenho de ambos
os lados.
Outro fator importante e notável se direciona para a
questão pedagógica uma vez que há a necessidade da escola em
dispor de apoio pedagógico aos professores para que em con-
junto possam procurar e assim estabelecer melhores caminhos
a seguir, rumo a uma educação de qualidade. Tal necessidade
diz respeito a situações em que o professor, devido a fatores
diversos, acaba por realizar uma determinada atividade lúdica
sem mesmo ter retorno de aprendizado dos educandos.
No entanto, a diferenciação maior está em torno dos
professores que utilizamos jogos e as brincadeiras como ele-
mentos parte de seu trabalho. Nesse sentido, é possível obser-
vara satisfação que estes têm quanto os resultados adquiridos
com seus alunos uma vez que eles realmente sentem que as
crianças estão aprendendo e direcionando melhor atenção as
suas aulas.
Conclui-se que a criança joga e brinca com o que tem
a sua disponibilidade, com o que tem na sua imaginação, por
isso, quanto mais rico for o ambiente escolar, quanto mais va-
riados forem os materiais disponíveis para as crianças, mais
ricas serão as situações de brincadeira e aprendizagem. Deve-
-se considerar o lúdico como metodologia de ensino, ou seja,
considerar que o jogar, o brincar, na educação, não deve ter

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um fim em si mesmo, antes deve ser usado com estratégia de


aprendizagem.
Por tanto, os diversos meios e estratégias desenvolvi-
das para o aperfeiçoamento dos jogos e das brincadeiras são
imprescindíveis para o desenvolvimento das habilidades de
cada aluno, assim sendo necessário que essas sejam avaliadas
continuamente, verificando-se o desenvolvimento das crianças
de acordo com os conhecimentos adquiridos a partir dos jo-
gos e brincadeiras, através de observação, interesse da mesma,
participação nas atividades, desenvolvimento de concentração,
capacidade de raciocínio e socialização, e com base nos traba-
lhos desenvolvidos por cada criança.

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OS SABERES DAS CRIANÇAS SOBRE


SEU COTIDIANO E A ESCOLA: UMA
EXPERIÊNCIA EM UMA COMUNIDADE
RURAL NO MUNICÍPIO DE PARINTINS-AM

LEAL, Gyane Karol Santana1


AMOEDO, Francisca Freitas de2
SILVA, Samara Silva da 3
Introdução
O presente relato de experiência é parte da pesquisa
realizada na Comunidade de Santa Luzia do Macurany locali-
zada na cidade de Parintins- Amazonas. O município está lo-
calizado na sub-região do Baixo Amazonas e a sede municipal
situada à margem direita do rio Amazonas, na Ilha de Tupi-
nambarana, distante 369 km em linha reta de Manaus e 420
km por via fluvial.
A comunidade do Macurany localiza-se ao sul da ci-
dade de Parintins na mesma ilha da sede municipal, numa dis-
tância de 08 km do centro urbano, com acessos por estrada ou
por via fluvial (FIGURA 01). Os dados obtidos na pesquisa de
campo realizada em 2014 apontaram o número de 100 famílias
morando fixamente na localidade e 424 habitantes, sendo 206
homens e 218 mulheres. Além desses habitantes, era grande a
1 Mestre em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia e docen-
te da Universidade do Estado do Amazonas-UEA/CESP, Brasil,
E-mail: gyaneKarol26@hotmail.com.br
2 Especialista em Psicopedagogia e docente da Universidade do Esta-
do do Amazonas- UEA/CESP, Brasil E-mail: keilamoedo@hotmail.
com
3 Graduada Pedagogia da Universidade do Estado do Amazonas-
UEA/CESP, Brasil, E-mail: samarammsilva@hotmail.com.br

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quantidade de donos de terrenos, chácaras e fazendas que resi-


dem na cidade, mas estão frequentemente visitando a comuni-
dade para passar finais de semana e fazer outras atividades de
lazer e extrativistas.

Figura 01: Vista da Comunidade do Macurany.


Fonte: Silva, 2014

A Comunidade Santa Luzia do Macurany limita-se


ao norte com o Igarapé da Cristina e cabeceira do Macurany;
ao leste com o lago do Macurany, terras do Paraná do Ramos e
águas do rio Amazonas na foz do rio Parananema; ao sul com
terras do Paraná do Ramos e ao oeste com a Comunidade do
Parananema, terras conhecidas como Campo Grande e na área
de várzea no lugar denominado Arapiranga (FIGURA 02).

Figura 02: Vista do Lago do Macurany- Parintins-AM


Fonte:Silva,2014

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Este local é privilegiado pela natureza, pois é parte


da floresta Amazônica. Nesse contexto singular a floresta e rio
fazem parte de uma realidade dominante e determinante de
todos aqueles que nela habitam. A religião predominante é o
catolicismo. Todos os anos acontece a festa em homenagem à
Santa Luzia. Segundo relatos de antigos moradores a Igreja Ca-
tólica iniciou seus trabalhos na localidade na década de 60, pri-
meiramente com a presença de padres do PIME, seminaristas e
leigos, todos pertencentes à prelazia de Parintins.
As famílias habitavam às margens dos rios, lago, ca-
beceiras e igarapés que circundam área denominada hoje de
Comunidade do Macurany. Então, de maneira estratégica, os
representantes da igreja visitavam as famílias e a casa de al-
gumas delas foram transformadas em pontos de realização de
catequese e missas. Cada que cada comunidade apresenta uma
peculiaridade. Para Wagley (1988, p.44):
Nas comunidades existem relações humanas de indi-
víduo para indivíduo, e nelas, todos os dias, as pessoas
são sujeitas aos preceitos da cultura. É nas comunida-
des que os habitantes ganham a vida, educam filhos,
levam uma vida familiar, agrupam-se em associações,
adoram seus deuses, têm suas superstições e seus ta-
bus e são movidos pelos valores e incentivos de suas
determinadas culturas [...] compartilham a herança
cultural da região e cada uma delas é uma manifes-
tação local das possíveis interpretações de padrões e
instituições regionais.

Diante desse contexto rico e singular nossa aborda-


gem foi direcionada para as crianças ribeirinhas no sentido de
compreender como elas sentem, percebem, constroem seus sa-
beres, e quais as compreensões que possuem da escola da qual
pertencem e de que maneira a escola aproveita seus conheci-
mentos.
A assim como a comunidade recebeu o nome de sua
santa padroeira, a escola localizada na comunidade também
recebeu a mesma homenagem. O primeiro prédio da Escola

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Municipal Santa Luzia foi construída em 1982, bem ao lado da


igreja, num terreno doado pelo Senhor Ely Melo Azedo.
Essa escola, que recebeu o nome “Escola Municipal
Santa Luzia do Macurany” era construída em alvenaria pelo
então prefeito de Parintins na época Raimundo Reis Ferreira,
possuía apenas uma sala de aula, uma cozinha, um depósito e
um corredor.
No final dessa mesma década, em 1988, o prefeito da
época, Gláucio Gonçalves, ampliou-a e construiu mais três sa-
las de aula e uma secretaria. Esta estrutura física da escola exis-
te até os dias de hoje, no decorrer dos anos, recebeu algumas
reformas e pequenas adequações (FIGURA 03).

Figura 03: Escola Municipal Santa Luzia


Fonte: Silva, 2014

Atualmente a escola oferece atendimento educacional


desde a Educação Infantil ao Ensino Fundamental de 1º ao 5º
ano nos turnos matutino e vespertino, desenvolvendo projetos
educativos envolvendo escola e comunidade.
Procedimentos metodológicos
As observações e registros foram realizados durante
prática de campo realizada na disciplina Teoria e Prática da

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Educação Infantil para construção do documentário da IV Se-


mana de Pedagogia da Universidade do Estado do Amazonas-
-Cesp/UEA.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo
com Denzin e Lincoln (1994) apud Sandín Esteban (2010, p.
125) “ constitui um conjunto de práticas interpretativas de pes-
quisa”. A autora acrescenta que a pesquisa qualitativa “é uma
atividade sistemática orientada à compreensão em profundi-
dade dos fenômenos educativos e sociais” (SANDÍN ESTE-
BAN, 2010, p. 127).
Compreender determinada realidade social é uma ta-
refa complexa e requer dedicação e tempo no ambiente inves-
tigado para isso fez necessária a utilização do método do tipo
etnográfico. De acordo com André (2012) a etnografia associa-
da ao âmbito escolar ganha uma conotação diferenciada, pois
faz uso de técnicas específicas como a observação participante,
entrevista intensiva e análise de documentos
A construção de dados ocorreu através de observação
participante que permite ao pesquisador compreender a rea-
lidade dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Para tanto, cons-
truímos previamente um roteiro de perguntas direcionados à
gestora, à professora e ás crianças e suas famílias.
No contato com as famílias pudemos conhecer o con-
texto da familiar observando e refletindo sobre como aquelas
crianças representavam e vivenciavam a sua realidade. Utiliza-
mos técnicas como a observação direta participante e entrevis-
tas com 03 crianças, 01 professora e a gestora, assim como re-
gistros por meio de imagens e anotações no caderno de campo
das inúmeras situações ocorridas
Na escola Santa Luzia a gestora discorreu sobre os
dados a respeito da comunidade e as atividades que a escola
promove e nos deixou a vontade para conhecer os alunos e
professores, dessa forma facilitando a pesquisa, pois pudemos
estar em contato direto para a escola. Para descrever o cotidia-
no daquelas crianças foi necessária a realização de visitas nas

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suas casas para observamos o seu dia a dia e as relações estabe-


lecidas entre elas e a escola.
Resultados e Discussão
Durante a visitação na Comunidade em estudo pude-
mos conhecer os lugares onde as crianças moravam, vislum-
brar beleza da comunidade e perceber que sua proximidade
com o centro urbano, o que contribui para a constante visita de
turistas e moradores de outras localidades da cidade que de-
sejam conhecer de perto as belezas do lugar e o modo de vida
ribeirinho e sua relação com a natureza.
Conhecer as crianças da Comunidade do Macurany e
o que pensam da escola e do lugar que moram a partir de suas
falas foi o desafio que nos propusemos a fazer. Assim, ao longo
de algumas visitações fomos conhecendo a comunidade por
meio do olhar das crianças e percebemos que todas são felizes
com o lugar onde moram e com a escola e apesar da distância
de suas casas para a escola.
A fala das crianças nos chamou atenção em alguns as-
pectos, e um deles era a satisfação e a alegria que elas tinham de
morar na comunidade, pois sabiam do seu privilégio em morar
em um lugar próximo da natureza.
É brincando num ambiente cercado de rios, e muito
verde, que a criança aprende a se relacionar com a natureza; é
neste ambiente, que ela da vazão a sua criatividade, em contato
com os ambientes de sua vivencia cotidiana as crianças criam
os seus brinquedos. Podem ganhar vida e identidade em suas
brincadeiras descobrindo nas árvores, nas águas dos rios, nas
folhas e nas sementes, nos galhos, nos cipós, nos frutos verdes,
nas pedras (CARVALHO, 2010)
Quando as crianças disseram que gostavam de ficar
na comunidade, eles revelaram que gostavam da escola, e tam-
bém foi percebida em suas falas a vontade de querer estudar.
Pudemos conhecer a realidade e dificuldade das crianças em
chegarem até a escola já que muitas delas iam caminhando, al-

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gumas pela estrada e outras “cortando” caminhos entre as tri-


lhas das matas.
As crianças ao serem questionadas sobre o que mais
gostavam na comunidade respectivamente, apresentaram em
suas falas a afirmação de que era da escola e também gostam de
brincar ao redor de sua moradia, pois podiam jogar bola, subir
em árvores, tomar banho no rio (FIGURA 04).

Figura 04: Crianças brincando no quintal


Fonte: Silva, 2014

Mas percebemos também que a escola se destacava


como o espaço que as crianças gostam na Comunidade. Isso
talvez se explicava por que elas encontram outras crianças por
motivo de morarem umas distantes das outras e por se sen-
tirem bem na sala de aula, já que os conteúdos trabalhados
pelas professoras são de acordo com realidade das crianças e
até mesmo por valorizarem seus conhecimentos adquiridos
no seu cotidiano. O mundo parece mais compreensível para
as crianças que moram na Comunidade quando refletem sobre
o rio, as matas, igarapés, enchentes, tempo de safra dos frutos,
arraias, etc. Soares (2005, p.5-6) diz que:

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[...] interpretação e compreensão das narrativas e re-


presentações sociais das crianças não podem ser feitas
de uma forma impressionista e meramente descritiva,
mas deverão sempre considerar que as crianças estão
inseridas em estruturais sociais que as influenciam e
que são influenciadas também por elas, um aspecto
central deste trabalho foi tentar compreender as ló-
gicas e dinâmicas inerentes – implícitas e/ou ocultas
(das) a cada contexto.

As histórias e os conhecimentos que as crianças da


Comunidade do Macurany conheciam e que faziam parte da
vida delas, eram aproveitados no processo de ensino-aprendi-
zagem, a professora relevou que sempre buscava valorizar os
conhecimentos que as crianças traziam de casa, uma vez que
acreditava que esses conhecimentos eram de suma importân-
cia ensinar os conteúdos prescritos no currículo escolar, mas
sempre buscava contextualiza-los à realidade das crianças (FI-
GURA 04).

Figura 04 : crianças com a professora em sala de aula


Fonte: Bolhosa,2014

A necessidade de pensar uma educação e uma escola


do campo que valorize os sujeitos do campo requer uma com-
preensão sobre a importância de valorizar as coisas do lugar e

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de que maneira podem contribuir para que a escola seja um


local próximo e desejado pelas crianças. Percebemos os pro-
cessos de aprendizagens nos espaços educativos não formais,
criados a partir dos conhecimentos que as crianças adquiriam
em suas vivências em contanto com a natureza.
As crianças tinham uma relação traçada fora do espa-
ço formal de educação e a escola por sua vez buscava associar
os conteúdos escolares com a realidade das crianças.
Não devemos chamar o povo à escola para receber
instruções, postulados, receitas, ameaças, repreen-
sões e punições, mas para participar coletivamente
da construção de um saber, que vai além do saber
de pura experiência feito, que leve em conta as suas
necessidades e o torne instrumento de luta, possibili-
tando-lhe ser sujeito de sua própria história (FREIRE,
2001, p. 35).

Neste sentido, pudemos destacar o respeito ao saber


do educando e a problematização da realidade como pontos de
partida de um processo educativo que permite ao educando a
conquista de sua cidadania.
Considerações Finais
A trajetória percorrida durante a pesquisa na Comu-
nidade do Macurany possibilitou conhecer por meio do olhar e
das vozes das crianças o modelo de educação escolar existente
nas escolas ribeirinhas onde valorizam seu conhecimento do
cotidiano. Também contribuiu para refletirmos e desmitificar-
mos a ideia de que criança não “entendem nada”. As crianças
reivindicam também a valorização de seus saberes, demons-
tram que conhecem muito sobre a floresta, sobre o rio, sobre
os peixes, e esses saberes devem ser valorizados pelas escolas.
Assim, durante o processo de investigação e depois de
idas e vindas à comunidade onde a pesquisa foi realizada, po-
demos concluir que a Escola enquanto instituição formadora
de opinião tem contribuído para que as crianças pesquisadas

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construísses suas identidades gradativamente, na medida em


que as estimulam, a partir dos conteúdos escolares. As crianças
valorizavam o lugar, pois era privilegiado pela natureza con-
tribuindo e facilitando a compreensão das crianças acerca do
mundo.
Referências
ANDRÉ, Marli Elisa Dalmazo Afonso de. Etnografia da
prática escolar. 18ª ed. Campinas: Papirus, 2012.
CARVALHO, Nazaré Cristina. Saberes do cotidiano da
criança ribeirinha. Universidade do Estado do Pará, 2010.
DELGADO, Ana Cristina Carvalho; MULLER, Fernanda. Em
busca de Metodologias Investigativas com Crianças e suas
Culturas. Cadernos de Pesquisa v.35, n125, p.161-179, Maio/
Ago, 2005.
FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 5ª ed.
2001.
SANDIN ESTEBAN, Maria Paz. Pesquisa em educação:
fundamentos e tradições; trad. Miguel Cabrera. Porto Alegre:
AMGH, 2010.
SOARES, Natália Fernandez; SARMENTO, Manuel Jacinto;
TOMÁS, Catarina. Investigação da infância e crianças como
investigadoras: metodologias participativas dos mundos
sociais das crianças. Nuances: estudos sobre educação – ano
XI, v. 12, n. 13, jan./dez. 2005.
WAGLEY, Charles. Uma comunidade amazônica: estudo do
homem nos trópicos. Trad. Clotilde da Silva Costa. 3. ed. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 1988.

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BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL COMO FERRAMENTA PARA
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR DAS
CRIANÇAS DO CEI PEQUENINOS NAZARÉ-
PARINTINS-AM

SOUZA, Eufrazia Gomes de1


RIBEIRO, Kilsimara Nascimento2
OLIVEIRA, Lindalva Samela Jacaúna de3
INTRODUÇÃO
Na Educação Infantil as brincadeiras são importan-
tes, por estimularem o desenvolvimento psicomotor, trabalhar
a autonomia e a parte social das crianças. É brincando que as
crianças (re) criam o ambiente onde se encontram as represen-
tações criadas por ela, pois estas permitem expandir sua capa-
cidade de imaginar e de distinguir o que é realidade e imagina-
ção. E partindo das discussões de brincadeiras no contexto da
educação infantil Friedmann, (2012, p. 45) enfatiza “a aprendi-
zagem depende em grande parte da motivação: as necessidades
e os interesses das crianças são mais importantes que qualquer
outra razão para que elas se dediquem a uma atividade”, desta
forma o papel do professor é mediar essa motivação, e que atra-
vés dela se possa adquirir interesse em conhecer e aprimorar
conhecimentos prévios já existentes na criança.
1 Graduanda do Curso de Pedagogia CESP/UEA, Brasil.
souzaeufrazia@gmail.com
2 Graduanda do Curso de Pedagogia CESP/UEA, Brasil.
kilsiribeiroknr@gmail.com
3 Graduanda do Curso de Pedagogia CESP/UEA, Brasil.
Lindalva1802@gmail.com

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A aprendizagem que as brincadeiras disponibilizam


para as crianças é um conhecimento a ser explorado segundo
Freire. (1996) “nas condições de verdadeira aprendizagem os
educandos vão se transformando em reais sujeitos da constru-
ção e reconstrução do saber ensinado” e assim contextualiza-
do com o cotidiano da criança, como a brincadeira do paladar
e olfato, que instiga a criança a reconhecer os alimentos que
consome no seu dia, é partindo dessa perspectiva que se de-
vem explorar as brincadeiras, partindo do local para o global,
contribuindo para que a criança conheça outras realidades e
assim aguce o seu instinto de pesquisador desde o inicio de sua
vida escolar. Por isso, a pesquisa desenvolvida tem como obje-
tivo trazer as brincadeiras já introduzidas em algum momento
da vida das crianças, mas que no momento de sua aplicação
trabalhada com uma metodologia diferente, fazendo com que
as crianças percebam que não é apenas recriação, mas um mo-
mento também de conhecer e aprender por meio das brinca-
deiras.
Por isso, é de fundamental importância que os pro-
fessores utilizem as brincadeiras como forma também de se
adquirir conhecimento, é nessa perspectiva que se deve traba-
lhar em sala de aula com as crianças, olhar para as brincadeiras
com um olhar critico e reflexivo, e assim explorar os diversos
aspectos educacionais que cada uma possui em sua aplicação.
(Freire 1996, p. 17)
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco,
a aceitação do novo que não pode ser negado ou aco-
lhido só porque é novo, assim como critério de recusa
ao velho não é apenas o cronológico. O velho que pre-
serva sua validade ou que encarna uma tradição ou
marca uma presença no tempo continua novo.

Diante disso, o professor que dá aula na Educação


Infantil, tem que se propor a buscar brincadeiras que trazem
em sua aplicação questões importantíssimas para o desenvol-
vimento das crianças não ter o receio de utilizar brincadeiras

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novas ou antigas, pois cada uma carrega em seu desenvolvi-


mento saberes que podem ser explorados em diversos aspectos
que a criança necessita para se tornar um ser humano critico e
reflexivo diante de suas escolhas e deveres diante ao seu meio
social.
AS BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
As brincadeiras são bem antigas quanto à existência
humana, segundo Friedmann, (2012, p.19) diz que a brincadei-
ra existe desde a antiguidade e ao longo do tempo históricos.
Por isso, são instrumentos que podem ser desenvolvidos em
diferentes contextos sociais, na família são desenvolvidas com
a finalidade de estabelecer relações afetivas entre pais e filhos,
na escola como uma ferramenta auxiliar para o desenvolvi-
mento psicomotor das mesmas.
Neste sentido, as brincadeiras dentro do espaço esco-
lar devem proporcionar na educação infantil um ambiente que
possa oferecer a criança o prazer de se aprender brincado, não
pensar apenas em ensinar, mas interagir com as crianças atra-
vés do diálogo e das brincadeiras, não a brincadeira pela brin-
cadeira, mas de modo que tenha uma intenção educacional.
Ela se torna um grande aliado do professor, pois é com
as brincadeiras que o professor da Educação Infantil explora a
capacidade de suas crianças em lhe dar com as situações como,
saber respeitar as opiniões dos coleguinhas, esperar para che-
gar sua vez, saber como resolver os problemas que surgem no
momento da brincadeira.
Porém, o problema que acontece muitas das vezes nas
salas de aula é de o professor deixar as crianças brincando de
forma aleatória, sem nenhum objetivo e nenhuma orientação,
sem dar a devido importância de perceber a grandeza e a ri-
queza de informações que o momento das brincadeiras pro-
porciona para o desenvolvimento das mesmas, mas estas brin-
cadeiras devem se adequar as faixas etárias das mesmas, cha-
mando assim atenção delas. Segundo Kishomoto (1998) “Pela

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primeira vez a criança brinca na escola, manipula brinquedos


para aprender conceitos e desenvolveras habilidades”. A crian-
ça no jardim de infância passa por um processo de adaptação,
para poder sentir-se a vontade para brincar na escola.
É nesse momento dentro do âmbito escolar que a
crianças começa a desenvolver o seu lado psicomotor sendo
auxiliado pelo professor que precisa utilizar as brincadeiras
com o intuito de aperfeiçoar a Psicomotricidade do seu aluno
para desenvolver a sua personalidade. Onde Meur (1989) nos
fala que:
A função motora, o desenvolvimento intelectual e o
desenvolvimento afetivo estão intimamente ligados
na criança: a Psicomotricidade quer justamente des-
tacar a relação existente entre a motricidade, a mente
e a afetividade e facilitar a abordagem global da crian-
ça por meio de uma técnica (1989, pag. 05) (grifo da
autora)

Trabalhar a psicomotricidade na educação infantil é


ter a certeza que a criança está sendo estimulada a conhecer o
seu próprio corpo e suas limitações, também tem como obje-
tivo estimular para que possam ser crianças autônomas desde
crianças, sabendo se direcionar em todas as fases de sua vida.

BRINCANDO COM AS CRIANÇAS (CAMINHOS


METODOLÓGICOS)

Ao irmos a campo para a pesquisa com crianças para


conhecermos suas relações através das brincadeiras, apropria-
mo-nos da fenomenologia para que por meio dela pudéssemos
interpretar as crianças através delas mesmas e não através da
visão adultocêntrica que durante muito tempo vem prevale-
cendo na Sociologia Tradicional. Esta visão vem sendo, a pas-
sos lentos, modificado pela nova sociologia, a Sociologia da
Infância, que para Sarmento (2005), sociólogo que busca com-
preender as culturas da infância:

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A sociologia da infância propõe-se a constituir a in-


fância como objecto sociológico, resgatando-a das
perspectivas biologistas, que a reduzem a um estado
intermédio de maturação e desenvolvimento huma-
no, e psicologizantes, que tendem a interpretar as
crianças como indivíduos que se desenvolvem inde-
pendentemente da construção social das suas con-
dições de existência e das representações e imagens
historicamente construídas sobre e para eles. (p. 363)

Neste sentido a sociologia da infância preconiza as


teorias biológicas e psicológicas que consideramos desenvol-
vimento físico do ser humano aquém de suas relações sociais e
procura destacar o desenvolvimento da criança através de suas
próprias vivências, entre si e com o mundo dos adultos sem
que os adultos ás interpretem de maneira erronia.
Partindo da visão da sociologia da infância, o méto-
do de pesquisa a qual utilizamos, que permite a compreensão
mais aprofundada das vivências das crianças, foi a do tipo et-
nográfico. De acordo com Silva (2015)

O termo etnografia tem sido usado para designar o


estudo dos fenômenos sociais a partir de uma inves-
tigação em que o pesquisador participa ativamente
no contexto pesquisado com o intuito de entender os
significados das ações e dos comportamentos dos su-
jeitos que vivem e se relacionam neste ambiente. (p. 5)

Sendo que este é originária da antropologia e é bas-


tante comum em pesquisa de cunhos qualitativo, pois permite
ao pesquisador um convívio com seu objeto de estudo, anali-
sando suas interações e seus comportamentos.
Para a nossa construção de dados juntos com as crian-
ças nos adentramos ao universo delas e com elas adotamos a
estratégia de pesquisa que foi a observação participante, atra-
vés das brincadeiras, compartilhamos com as crianças de suas
socializações com seus pares, segundo Lino (2008) apud Cor-
saro (1996, p. 23) partindo do método etnográfico a estratégias

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recomendada para a interpretação das atividades dos sujeitos


“é o estabelecimento de um estatuto participante numa pers-
pectiva interna”, ou seja, estar com as crianças e conquistar sua
aceitação como parte daquele grupo é o objetivo da observação
participante, pois ter conquistado a confiança daquele grupo
de criança, assim como dos professores facilitou bastante para
a construção dos dados desta pesquisa.
Durante o desenvolver das brincadeiras utilizamos
as câmeras dos celulares das pesquisadoras para registra-
mos aquele momento de bastante êxtase entre as crianças.
E também para analisarmos os dados construídos, é certo
que para a análise as fotografias são apenas uma das formas
para entendermos as crianças de maneira integral, haja vista
que ela constitui-se de movimentos, gestos e expressões que
demonstram inúmeras interpretações, como afirma Azevedo
e Betti (2014, p. 306) “criança é o corpo em movimento”, e
seus movimentos podem revelar aquilo que não é dito em
palavras.
Para a exposição das fotografias foram pedidas auto-
rizações, através de assinaturas, dos pais que é indispensável
na pesquisa com crianças partindo da sociologia da infância a
assinatura das crianças, nosso foco da pesquisa. Para Barbosa
(2014, p. 243) “Nessa situação, apresentar o nome da comuni-
dade e publicar os nomes das crianças e dos adul­tos envolvi-
dos é afirmar a autoria dos grupos sociais e, especificamente,
das crianças como sujeitos no mundo”. Durante muito tempo
as pesquisas com crianças, na sociologia tradicional, não des-
tacavam as falas dos sujeitos principais, que eram a crianças,
elas ficavam ocultas como um ser sem cultura e sem voz, seus
anseios eram determinados pelos adultos.
Por isso, ao adentrar a campo para uma pesquisa com
crianças o pesquisador precisa estar preparado sobre que me-
todologia adotar para que seu trabalho obtenha total credibi-
lidade sem correr o risco de se contrapor as questões que não
abarcam o tema ou a linha de pesquisa que queira seguir.

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ANÁLISES E DISCUSSÕES
Sendo assim, essa pesquisa é importante, pois irão
mostras como as brincadeiras na educação infantil como ins-
trumento para o desenvolvimento psicomotor das crianças.
Essas brincadeiras ajudaram a criança a desenvolver o seu psi-
comotor sem estar destacado isso nas atividades. Como por
exemplo, a atividade da “Corrida no saco” nessa brincadeira
a criança precisa de equilíbrio e coordenação motora. Ao fazer
essa brincadeira percebe-se que algumas crianças conseguem
chegar até o limite final, mas outras crianças ficam tristes, pois
não conseguem chegar até o final. Esse sentimento tem muito
haver com a relação do ganhar e perder. Essa competitividade
é normal para que a criança perceba que nem sempre ganha-
mos e isto se aplica a toda a extensão de suas vidas e ao mesmo
reconhecendo o espaço do outro, que de acordo com Zilma;
Ao interagir com outras crianças, a brincadeira apare-
ce como importante meio de aprendizagem das crian-
ças, pois lhes possibilita aprender sobre o mundo e
suas relações, surpreender-se consigo mesmas e com
os outros, alem de proporcionar-lhes espaços de cons-
trução de conhecimento e de cultura com seus pares.
(2012, p. 36/37).

Desta forma, reconhecem que nem sempre irão ga-


nhar, mesmo que para alguns seja um exercício doloroso, ou
seja, querendo ganhar sempre, mas o mais importante que se
percebeu foi à interação com as outras crianças o coletivo ain-
da foi à maioria.

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Figura 1 Criança preparando-se para a corrida no saco

Figura 2 criança participando da corrida no saco

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Na brincadeira da Mímica a criança tenta representar


por meio de gestos, o nome do objeto ouvido. Esse momento
foi bastante dinâmico, pois, no inicio da brincadeira a criança
tinha que estourar o balão para saber qual mímica iria fazer,
algumas crianças estavam bem desinibidas que elas faziam as
mímicas de alguns animais e alguns objetos, para que os seus
coleguinhas pudessem adivinhar o que era a mímica. Nessa
hora criança solta à imaginação. Nessa brincadeira 05 crian-
ças participaram, tendo o estímulo na área afetiva que segundo
Friedmann (2012) a criança aprende a ter o “controle emocio-
nal – desenvolvimento da paciência e autocontrole (em esperar
a sua vez, tanto daquele quanto daqueles que têm que acertar
a mímica)”

Figura 3 Inicio da Mímica

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Figura 4 Criança imitando um animal

Na mímica a criança aprende desenvolver a sua cog-


nição com os conhecimentos que possam ajudar o seu colega a
descobrir que animal ela esta imitando, amplia o seu conheci-
mento vocabular, porque não conseguindo se expressar ela por
ventura vai logo falar através do sinônimo. Nessa brincadeira
a criança precisa de área físico-motora que Friedmann (2012)
diz que: o “Desempenho gestual e corporal – são os gestos e as
diferentes partes do corpo que “expressam” a mensagem”.
Outra brincadeira que foi realizada para desenvolver
o potencial das crianças foi a Dança das Cadeiras que exigia
das crianças que participaram bastante atenção, pois mesmo
sem explicitar para elas o objetivo da brincadeira, a mesma
possuía uma finalidade, tais como trabalhar o cognitivo, afe-
tivo, motores e etc. Que para Meur (1989, p.20) “os exercício
motores, executados todos em conjunto, habituam as crianças
a se respeitarem mutuamente: devem guardar as distancias ne-
cessárias para que cada pessoa possa executar o exercício dis-
pondo do espaço necessário.” Ou seja, no momento em que

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algumas crianças estavam participando da brincadeira outras


estavam esperando por sua vez e ao mesmo tempo torciam
para que as participantes ganhassem, pois para participar eram
selecionadas seis crianças de cada vez.
E como mostra a imagem abaixo, às crianças ficavam
atentas a música, pois no momento em que parava a música
elas tinham que sentar, ou seja, a brincadeira em questão exigia
das crianças bastante atenção, de modo que quando a música
parava percebiam que a agilidade em relação as cadeiras era
mais rápida.

Figura 5 dança da cadeira

São brincadeiras como esta, que ajudam a criança a


se desenvolver dentro da educação infantil, não somente isto,
como também para a sua vida o que pode marca positivamen-
te ou negativamente, pois é o contexto escolar depois do am-
biente familiar que a criança se desenvolve socialmente, e con-
cordamos com Zilma (2012, p. 72) quando ela enfatiza que “o
maior estimulo para uma criança seja a companhia das outras
crianças.” É na convivência com o outro que ela se desenvolve
como também aprende.

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E por fim a brincadeira denominada Cabo de Guerra,


na qual se formou dois grupos de crianças com componentes
de sete, a mesma exigia dos participantes a utilização de força
e de equilíbrio, como também trabalhar em equipe com uma
finalidade de vencer. Isto tudo ajuda a criança a se socializar
juntamente com outras como podemos perceber na imagem
abaixo.

Figura 6 preparação das crianças para brincadeira cabo de guerra

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Figura 7 crianças brincando de cabo de guerra

Como podemos ver as crianças se unem para um bem


comum delas, como também de acordo com Zilma (2012, p.
78) que discorre que “as interações sociais são elementos deter-
minantes na aprendizagem das crianças.” Pois, é no momento
da interação que a criança aprende com o outro, como, esperar
sua vez, partilhar e respeitar. Sendo que as crianças no mo-
mento não estavam participando da brincadeira, escolhiam
voluntariamente que lado torcer, significando ele direito ou es-
querdo, uma vez que no final todas partilhavam a emoção de
ter participado.
Então, pensar a brincadeira na Educação infantil per-
mite não só a criança a se desenvolver na linguagem dos movi-
mentos psicomotor, como também se torna um desafio para o
profissional da área, tais atividade que não se restringe apenas
a sala de aula, mas explorar a área externa do educandário, pois
como diz Zilma (2012, p. 82) “o espaço é assim considerado
um elemento educador para as crianças.” Desta forma, irá ver
o espaço escolar como um ambiente prazeroso, também um

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referencial do que pode e o que não pode ser feito em determi-


nados espaços escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa nos possibilitou outra visão a cerca das
brincadeiras, nos mostrando que além do brincar há uma
oportunidade de se conhecer e aprender de maneira diferente
e lúdica. Pois, sabemos que as crianças na Educação Infantil
estão iniciando a sua vida escolar e ainda está bastante ligadas
a sua casa e ao seu contexto familiar, e o professor como me-
diador desse processo precisa buscar recursos que instiguem
a criança a gostar de estudar e nas brincadeiras infantis é uma
oportunidade de se criar vínculos com a própria escola.
As metodologias no que diz respeito às brincadeiras
são importantíssimas para esse processo, pois, para se ter êxi-
to nas aplicações das brincadeiras, é necessário um estudo de
cada brincadeira, não apenas confundir com uma recriação
sem objetivo e sim com objetivos a serem conquistados. Por
isso, a pesquisa foi fundamental para compreendermos que as
brincadeiras são importantes no desenvolvimento cognitivo e
psicomotor das crianças, pois promove a interação com todos,
visto que essa interação é essencial para se aprender a viver em
sociedade.
Acreditamos, portanto que as brincadeiras no mo-
mento da aplicação na Escola foram bastante proveitosas, pois,
se percebeu o quanto as crianças gostam desses momentos,
principalmente quando envolvem brincadeiras, outro fator que
consideramos importante é o fato delas já possuírem o sen-
timento de cooperação, quando alguns de seus colegas estão
competindo com outras turmas e outro sentimento bastante
presente é o sentimento de ganhar e perder, pois apesar de estar
ainda Educação Infantil já entendem a diferença destes dois
sentimentos.
Portanto, é nesse momento que o papel do professor
é fundamental, pois como já nos reportamos, ele é o media-

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dor desses conflitos e precisa trabalhar com as crianças que


nem todas às vezes irão ganhar determinada brincadeira ou
até mesmo um jogo, mas, é preciso ter essa compreensão des-
de pequenos, para que no futuro não sofram consequências a
respeito de não saberem diferenciar isso na sua vida coletiva e
individual.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Nair Correia Salgado de; BETTI,Mauro.Pesquisa
etnográfica com crianças:caminhos teórico-metodológicos.
IN Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP,
v. 25, n. 2, p. 291-310, maio/ago. 2014.
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. A ética na pesquisa
etnográfica com crianças: primeiras problematizações. In:
Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 9, n. 1, p. 235-245, jan./jun.
2014.
FRIEDMANN, Adriana. O brincar na educação infantil:
observação, adequação e inclusão. – 1. Ed. – São Paulo:
moderna, 2012. – (cotidiano escolar: ação docente)
LINO, Dulcimarta Lemos. Barulhar: a escuta sensível da
música nas culturas da infância [manuscrito]. – Porto Alegre,
2008.
SARMENTO, Manuel Jacinto. Educ. Soc., Campinas, vol. 26,
n. 91, p. 361-378, Maio/Ago. 2005. Disponível em http://www.
cedes.unicamp.br

SILVA, Maria Oneide Lino da. 1qEtnografia e Pesquisa


Qualitativa: apontamentos sobre um caminho metodológico
de investigação. Disponível em >www.ufpi.br/ GT_01_15.pdf.
Acessado em 13.09.15
ZILMA, Ramos de Oliveira (org.). O trabalho do professor
na Educação Infantil. São Paulo: Biruta, 2012. Várias autoras.

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O ENSINO COM PESQUISA COMO


ESTRATÉGIA METODOLÓGICA NO
CONTEXTO AMAZÔNICO: NOVOS OLHARES
SOBRE A EDUCACÃO

NAVEGANTE, Polyana Milena1


ROCHA, Ana Amélia2
AZEVEDO, Argicely Leda3
Introdução
A sociedade contemporânea, ou seja, a escola requer
uma pedagogia que não vise essencialmente transmitir conte-
údos intelectuais, mas sim, descobrir processos capazes de su-
prir às dificuldades existentes as áreas ligadas à aprendizagem. .
Assim, a produção de conhecimento não pode estar dissociada
da prática da pesquisa. Diante de tal realidade, buscou-se no
desenvolvimento da pesquisa o intuito de incluir estes saberes
com um aprender significativo, continuo inovador, instigante
para quem ensina e para quem aprende.
Observa-se no primeiro momento a preocupação em
analisar a importância de ensinar pela pesquisa como ferra-
menta fundamental no processo ensino aprendizagem, ou seja,
fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor e no aluno,
1 Mestranda em Educação em Ensino de Ciências na Amazônia na
Universidade do Estado do Amazonas, Brasil; E-mail: filhos-vida@
hotmail.com
2 Mestranda em Educação em Ensino de Ciências na Amazônia na
Universidade do Estado do Amazonas, Brasil; E-mail: Argicley.
pedpsi@gmail.com
3 Pós- Graduanda em Educação Ambiental e Sustentabilidade na
Universidade Candido Mendes; E-mail: anarocha_bio@hotmail.
como. E-mail:

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buscando conhecimento a partir de várias fontes, analisadas


sob diferentes aspectos, tanto para aprender como para am-
pliar horizontes.
Dessa forma, a Prática de Ensino pela pesquisa torna-
-se uma questão essencial para transformar atuação do profes-
sor em sua sala de aula. Além disso, entendemos que a pesqui-
sa sendo acessível ao ensino centrado no conhecimento e na
produção exige, portanto, uma nova postura de professores e
alunos em relação ao conhecimento.
No segundo momento, o estudo propõe ao professor
a reflexão de suas estratégias pedagógicas, visando atender à
mudança do paradigma educacional, a fim de compreender a
problemática sobre como ensinar pela pesquisa, sendo possível
definir alguns direcionamentos importantes que fundamen-
tem a ação educativa
O objetivo aqui não é responder ou concluir, mas re-
fletir e instigar o interesse pela prática e pelo estudo de pesqui-
sa. Além disso, são feitas algumas considerações sobre a forma-
ção de professores para o ato de pesquisar.
Portanto, a pesquisa deve ser parte integrante do pro-
cesso de formação acadêmica dos professores e consequente-
mente se refletirá no seu processo de ensino. Esse processo é
considerado a base propulsora de um ensino de qualidade. 
Além disso, o aluno deve ser estimulado a produzir
trabalhos acadêmicos que propiciem o desenvolvimento de
um conjunto de competências no campo da sua futura atuação
profissional através de uma maior compreensão entre a reali-
dade prática e a teoria apreendida em sala de aula.
O ensino com pesquisa
A pesquisa e um processo que objetiva entrar em
contato com realidades desconhecidas ou pouco conhecidas,
transformam-se assim em referências para novas buscas, no-
vas descobertas, novos questionamentos, oferecendo aos estu-
dantes um efetivo e crítico processo de formação, revelando

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suas características especificas e implica ousar novas fronteiras,


sempre novas e nunca fins. (DEMO, 2010).
Nessa perspectiva, o perfil do novo aluno no contexto
globalizado, frente às tecnologias atuais, requer do professor
novas habilidades e competências e exigem a formação de um
profissional proativo. De acordo com Barros e Lehfeld (2000, p.
78), a pesquisa aplicada tem como motivação a necessidade de
produzir conhecimento para aplicação de seus resultados, com
o objetivo de “contribuir para fins práticos, visando à solução
mais ou menos imediata do problema encontrado na realida-
de”.
Portanto, precisamos preparar nossos alunos para
uma constante busca do conhecimento, ou seja, prepara-los
para irem além do que os livros ressaltam, além das possibi-
lidades que lhes são propostas. Eles precisam saber pesquisar,
questionar, reconstruir, experimentar, escrever, reescrever, cor-
rigir seus textos com qualidade formal e politica, pois isso e o
cerne do processo educacional e também da pesquisa.
Neste sentido, Gil (1999, p. 42) define pesquisa como
o processo formal e sistemático de desenvolvimento do mé-
todo científico, tendo como necessidade de fazer da pesquisa
atitude cotidiana no professor e no aluno.
Entendemos que a pesquisa sendo acessível ao ensi-
no centrado no conhecimento e na produção exige, portanto,
uma nova postura de professores e alunos em relação ao co-
nhecimento. “o ensino/aprendizagem mediado pela pesquisa é
também condição de consciência crítica, agente dinamizador
de reflexão dos objetivos do curso, da renovação do ensino e
da construção de caminhos desafiadores” Alencastro (p.132).
Contudo, é fundamental que tanto o aluno quanto o
professor se apropriem da utilização da pesquisa como prática
cotidiana e que as técnicas de pesquisa sejam discutidas e ela-
boradas para que este seja um processo dinâmico sem perder
de vista que o conhecimento e apenas meio, sendo necessário
ser orientado pela ética de fins e valores. Como ambos mediam

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o conhecimento e promovem a aprendizagem o ensino se faz


entre outros modos, no ato de pesquisar. Pesquisar se faz no
ato de aprender. Ambos têm seus próprios caminhos, mas se
entrecruzam na busca de conhecimento. (NOVIKOFF, 2010,
p.213)
Nesse sentido, a pesquisa ressalta a necessidade de
formar profissionais qualificados e que primem pela excelên-
cia do ensino, a fim repensar o perfil do professor em busca
de novas estratégias, de implementação de uma mudança para
adequar à formação profissional à diversidade e complexidade
do mundo contemporâneo.
Para tanto, consideraremos os fundamentos de Demo
(2011) acerca da importância de que primeiro, é preciso dis-
tinguir a pesquisa como princípio científico e a pesquisa como
princípio educativo. Nós estamos trabalhando a pesquisa prin-
cipalmente como pedagogia, como modo de educar, e não
apenas como construção técnica do conhecimento. Porem, no
bojo dessa abordagem a pesquisa científica como estratégia pe-
dagógica é transformadora e válida, visto que, aguça à investi-
gação, ao questionamento, a curiosidade pelo saber.
De uma forma geral, e necessário formular novas pre-
missas com um enfoque mais amplo a dimensão da educação,
desenvolvendo a convicção de que o ensino pela pesquisa e a
especificidade mais própria de todas as esferas educacionais.
Bem, se nós aceitamos isso, então a pesquisa indica a necessi-
dade da educação ser questionadora, do indivíduo saber pen-
sar. É a noção do sujeito autônomo que se emancipa através
de sua consciência crítica e da capacidade de fazer propostas
próprias (DEMO, 2011, p. 22).
Outro aspecto evidente e que, a prática pedagógica
deixa de ser pautada na figura do professor-transmissor e do
aluno-receptor e passa para um novo paradigma que requer
um professor-orientador e um aluno-pesquisador. Paulo Frei-
re, ao escrever Pedagogia da Autonomia enfatiza que, no seu
entendimento, o que existe de pesquisador no professor não é

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um jeito de ser ou de atuar que se soma ao de ensinar, “faz parte


da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa”
(FREIRE, 1997, p. 29).
Em reflexões sobre o ensino e a pesquisa, considera-
mos a necessidade de alegar que a desmistificação fundamental
está na crítica à separação entre ensino e pesquisa. “Quem en-
sina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar. Professor
que apenas ensina jamais foi professor. Pesquisador que só pes-
quisa é elitista explorador, privilegiado e acomodado” (Freire,
1997, p.14).
Outro aspecto que o autor busca dimensionar
está na compreensão da pesquisa como diálogo: “Dialogar com
a realidade talvez seja a definição mais apropriada de pesquisa,
porque a apanha como princípio científico e educativo. Quem
sabe dialogar com a realidade de modo crítico e criativo faz
da pesquisa condição de vida, progresso e cidadania” (Demo,
1999, p. 44).
Diante disso, fundamenta-se que professor e o mul-
tiplicador do conhecimento e o promotor da reflexão, isso se
constitui como necessário para formar cidadãos que se perce-
bam como sistema, que interagem com os mesmo para trans-
formar sua realidade.
Pires de Almeida (2005) pontua que “[...] ser professor,
na era do conhecimento, é ser um gestor: líder, motivador, pes-
quisador, questionador, inovador, criativo, equilibrado emocio-
nalmente, humilde e ecologicamente consciente [...]”. (p.17)
Assim, há, ainda, muito a construir, e estas reflexões
oferecem referências instigadoras sobre a necessidade de exa-
minar os focos por meios dos quais se apoia a defesa do ensi-
nar e do aprender pela pesquisa na formação e na atividade de
professores em exercício, especialmente se consideramos esta
atividade de ensinar como prática no contexto complexo da es-
colarização.
O ensino com pesquisa como estratégia metodológica
no contexto Amazônico

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Ao se falar da pesquisa como estratégia metodológi-


ca no contexto Amazônico apresenta em seu início grandes
mudanças no que diz respeito à área do conhecimento, e é
esta a que mais interessa nesta reflexão, pois contribui para
que os professores pudessem realizar uma retomada refle-
xiva sobre suas estratégias pedagógicas, privilegiando como
seu método o questionamento sistemático critico e criativo,
privilegiando também o saber pensar e o aprender a aprender
(Demo, 2010).
O diferencial da pesquisa como estratégia metodoló-
gica é que a mesma conduz o aluno a problematizar, provoca
o mesmo para a curiosidade e investigação. Nessa tessitura a
investigação temática de caráter conscientizador se faz peda-
gógica e toda autentica educação se faz investigação do pensar.
(Freire, 1997).
Diante dessa situação a pesquisa como estratégia pe-
dagógica visa atender à mudança do paradigma educacional,
o qual apresenta na sociedade contemporânea o aluno como
protagonista na construção do conhecimento e o educador
como o fomentador, mediador e articulador desse processo.
Então pensar o ensino pela pesquisa requer, além de uma for-
mação consolidada e continuada do professor que o mesmo
reavalie a sua prática e, perante as inúmeras transformações
que ocorrem, reinvente o seu caminho, desenvolvendo compe-
tências do conhecimento inovador.
No contexto Amazônico, o ensino pela pesquisa vem
rompendo com paradigmas educacionais tradicionais no que
tange a formação do sujeito competente, isso significa dizer
que a pesquisa como estratégia metodológica é a nova tendên-
cia educacional criativa e reflexiva quer referencial crítico diri-
gido à perspectiva técnica, com olhar reflexivo sobre a prática,
quer no desenvolvimento de estratégias para otimização do
processo ensino aprendizagem.
Na perspectiva da reconstrução social, Santos destaca
que o professor é visto como.

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Profissional autônomo, um indivíduo que reflete criti-


camente sobre seu fazer pedagógico numa tentativa de
compreensão do processo e do contexto em que está
inserido, possibilitando um desenvolvimento autôno-
mo também de seus educandos. (Santos, 2010).

Nessa visão temos a compreensão que cabe ao edu-


cador oferecer inúmeras possibilidades aos seus educandos,
sendo criativos e com uma dinâmica atraente para que os es-
tudantes possam apreender e aprender o que está sendo traba-
lhado, levando-os a construção reconstrução do conhecimento
cientifico.
Conforme podemos perceber, é no processo contínuo
da construção do conhecimento, proposto pelo ensino pela pes-
quisa como estratégia metodológica, que o aluno constrói a si
mesmo como profissional e cidadão, bem como o educador se
transforma, uma vez que o ensino/aprendizagem acontece em
um processo de trocas de informação, pois ambos aprendem.
E interessante destacar que precisamos compreender
de forma mais concreta a busca de estratégias por um ensino
de melhor qualidade capaz de transformar a Educação da re-
gião Amazônica, onde a pesquisa, portanto, deve estar sempre
presente nesse cenário. De acordo com Marques (2006, p. 95),
“pesquisar é buscar um centro de incidência, uma concentra-
ção, um polo preciso das muitas variações ou modulações de
saberes que se irradiam a partir de um mesmo ponto”.
Os professores envolvidos no processo educacional na
região se deparam com muitos desafios e isso nos remete a re-
flexão sobre a formação de professores para o ato de pesquisar,
entendendo a necessidade de o professor construir fundamen-
tos que certamente ressignificação seus conhecimentos e, por
conseguinte o ensino e aprendizagem de seus educandos.
Metodologia
A metodologia utilizada foi à abordagem qualitativa,
pois conforme Minayo (2002, p. 21-22) trabalha com universo

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de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes.


Nesse processo os participantes foram observados durante o
desempenho e participação na atividade. A coleta de dados foi
feita por meio de questionário e realizada em duas etapas. Na
primeira etapa foi feita a observação ativa e acompanhamento
do perfil do professor e alunos. Na segunda etapa, foi aplicado
um questionário a fim de compreender a problemática sobre
como ensinar pela pesquisa, sendo possível definir alguns di-
recionamentos importantes que fundamentaram este estudo.
Assim, observamos em sala de aula ações desenvol-
vidas pela professora, com intuito de refletir sobre as relações
entre os sujeitos envolvidos, e a relação entre o conteúdo es-
tudado e a prática. Partindo do principio de que os diversos
conhecimentos transmitidos e refutados no processo ensino
aprendizagem.
Dentre estas afirmativas, o ensino pela pesquisa é uma
resposta – nem perfeita, nem definitiva, nem única – para a
evolução das práticas educativas, mas que abre possibilida-
des para reflexão da prática, para melhorá-la e transformá-la,
quem sabe(!). Hernández e Ventura (1998),
Na analise e reflexão sobre a pesquisa nos possibili-
tou reconhecer as dificuldades e limitações dos professores e
estudantes, e assumir, por vezes, a autoria de uma prática não
condizente com as reais necessidades dos alunos, mas também
trouxe elementos necessário para formar cidadãos que se per-
cebam como sistemas, proporcionou também ao pesquisador
uma visão mais ampla sobre como é realizada o fazer peda-
gógico no ensino, quais estratégias são mais utilizadas, o que
pode ser mudado, quais as principais dificuldades que dizem
respeito às estratégias pedagógicas manifestas no cotidiano es-
colar Amazônico.
Resultados e discussão
O ensino com pesquisa novos olhares sobre a edu-
cação. Os dados coletados nos questionários e observações

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no processo educativo da escola pesquisada foram elencados


como resultados positivos dos quais se apoia a defesa do en-
sinar e do aprender pela pesquisa na formação e na atividade
de professores em exercício. Diante desses aspectos o professor
pesquisador precisa desenvolver.

Algumas características essenciais ao utilizar a pes-


quisa como estratégia metodológica.
• entusiasmo / ambição pelo conhecimento
• independência intelectual
• determinação / Dedicação (realização profissional)
• Curiosidade intelectual (almeja a verdade)
• Criatividade
• Senso crítico e Humildade Pedagógica
• Capacidade de síntese
• Objetividade

Considerando a relevância dos resultados, a pesquisa se


constitui como um dos elementos importantes ao processo de
construção de conhecimento. Conforme o exposto a convic-
ção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais
própria da educação escolar e acadêmica. Consideram o reco-
nhecimento de que o questionamento reconstrutivo é o cerne
do processo de pesquisa; a necessidade de fazer da pesquisa
atitude cotidiana no professor e no aluno;

 Necessidade/capacidade humana de aprender, e, o


ofício de ser professor, intimamente ligado a prática
pedagógica.
 E necessário que o professor seja,
 Audaz na busca de enfrentar e compreender a comple-
xidade do mundo contemporâneo
 Abrir-se ao inteligível
 Provocador, aberto ao papel social ético do conheci-
mento.

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O Sujeito-Aluno na Aprendizagem Escolar pela Pesquisa,


torna-se importante a necessidade de.
 Criar na aula um espaço de conhecimento com-
partilhado.
 Criar o espaço de compreensão comum requer
um compromisso de participação por parte dos
alunos/as e do professor/a num processo aberto
de comunicação.
 A sala de aula é visualizada como instância de tro-
cas e de possibilidades onde todos aprendem.
Os saberes e fazeres pedagógico no estudo propicia a
busca do aprender a aprender, a apropriar-se de sua atividade
pela reconstrução da competência do conhecimento a partir
de inovações e modelos educativos em suas práticas cotidianas.
Nessa reflexão propõe ao educador uma nova visão, que seja
ele mesmo movido pelo espírito pesquisador, disposto a apren-
der, a reconstruir em nível de seu ensino um fazer pedagógico
transformador.
Conclusões
Fica cada vez mais claro que na história das práticas
pedagógicas, emergem várias concepções cientificas, e que se
faz necessário problematizar sobre estas questões que envol-
vem a pesquisa no processo educativo, elas contribui para o
desenvolvimento de uma concepção holística que apresenta
uma formação mais integral e humanística, é ela que apresenta
a mudança das formas metodológicas tradicionais de aprendi-
zagem e propõe que não há como separar o ensino da pesquisa,
tendo como aporte teórico recente dedicado à questão do en-
sinar pela pesquisa.
Nessas dinâmicas percebeu-se, na condição de profes-
sor pesquisador que se coloca na condição de quem tem muito
a aprender com tudo, mas especificamente com o outro, diante
do exposto, objetivamos apresentar reflexões e análises sobre
o atual fazer pedagógico e o fazer cientifico no contexto Ama-

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zônico, bem como sugere ressignificar o ensino a partir dos


métodos centrados nas correntes do pensamento contempo-
râneo.
O estudo mostrou que todo professor que se utiliza da
pesquisa como estratégias metodológicas legitima suas ações
na adoção de instrumentos e técnicas que determinam a pes-
quisa científica como estratégia pedagógica significativa.
Outro aspecto evidente ressalta que a prática reflexiva
se torna um instrumento poderoso de intervenção e no desen-
volvimento de novas posturas pedagógicas, onde o professor
media a informação partir de uma relação dialógica em que o
aluno deve ser sujeito de sua educação, participando ativamen-
te na busca pelo conhecimento.
Nosso maior desafio neste processo estar em melho-
rar a qualidade do ensino regional e nacional, utilizando a pes-
quisa como estratégia pedagógica que vem atender à mudança
do paradigma educacional. Sendo assim, os professores devem
ter o compromisso ético de formar cidadãos, comprometido
com a transformação da sociedade.
Dessa forma, enquanto sujeito do processo educativo
o estudante constrói a si mesmo como ser pensante, questiona-
dor, pesquisador, transformador da sua realidade e atuante na
história.
Referências
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mediados pela pesquisa: um desafio. Série-Estudos. Campo
Grande, nº 06, novembro, p. 117-134, 1998.
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Brasília: Ministério da Educação/SEED, 2002. BARROS, A. J.
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DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo.


14ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.  
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA: REFLEXÕES


PAUTADAS NA CONSTRUÇÃO DA
AUTONOMIA

MEDEIROS, Lidiane de Melo1


CUNHA, Aldeneia Soares da2
Introdução
Refletir sobre a educação é estabelecer um processo,
um conceito social, cultural e político que tem gerado a exclu-
são e a inclusão de muitos indivíduos, que se encontram em
uma sociedade democrática. A educação tem por base enquan-
to formadora e transformadora a finalidade de guiar, instruir
e conduzir o estudante a se colocar dentro de um contexto
social, cultural, político e econômico de maneira autônoma e
crítica, sendo participativo e contribuinte com a sociedade que
esteja inserido.
Paulo Freire tem por finalidade em suas obras traba-
lhar o conceito de liberdade social e intelectual através do ensi-
no pautado na construção de indivíduos desenvolvidos social-
mente, ou seja, indivíduos pensantes e livres.
Freire em Pedagogia da Autonomia (1996) relata que
é preciso saber fazer uma “auto-reflexão crítica das verdadeiras
1 Pedagoga e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação em Ciências na Amazônia. Universidade do Estado do Ama-
zonas. Bolsista FAPEAM Manaus, Amazonas, Brasil. E-mail: diane.
peda@gmail.com
2 Professora Doutora em Educação. Orientadora do Programa de
Pós-Graduação em Educação em Ciências na Amazônia. Univer-
sidade do Estado do Amazonas. Manaus, Brasil. E-mail: aldeneia_
soares@yahoo.com.br

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

causas da degradação humana para que se possa compreender


o contexto o qual está inserido”.
Corroborando Freire, se tem Demo (2000), que fala
da importância de formar seres humanos cidadãos e que isto
é possível através da educação. Tem Libâneo (1994) e Fernan-
des (2009) que reforçam a educação como sendo o alicerce da
construção de uma sociedade crítica, cidadão e autônoma que
se construa e se reconstrua continuamente.
Além desses autores se tem, Morais (2009), que pon-
tua a educação dentro do contexto amazônico, pois a Educação
Amazônica se encontra em um contexto diferenciado por esta
localizada em uma região com um território que requer me-
todologias e práticas que busquem atender as necessidades de
seus alunos.

Educação e Cidadania: processo formador e transformador

Etimologicamente a palavra cidadania vem do  la-


tim civitas, cidade, tal como cidadão (ciudadano ou vecino no
espanhol, ciutadan em provençal, citoyen em francês).
Na antiga (Grécia e Roma) o termo cidadania estava
relacionado aquele indivíduo que podia participar diretamen-
te das decisões públicas e políticas, porém este privilégio era
pertencentes à poucos, pois excluía os indivíduos privados, ou
seja, aqueles que eram privados de seus direitos, como: crian-
ças, velhos, mulheres, escravos e estrangeiros (FERNANDES,
2009).
Em Roma, a cidadania também não teve uma maior
participação da sociedade. Sendo a cidadania um fenômeno
recente, apesar de Fernandes usar algumas citações de autores
que afirmam o seguinte:
[...] Rousseau (1987) e Arendt (1997), buscam na ida-
de antiga as bases para a cidadania. Pinsky (2003) afir-
ma que a cidadania é fruto da revolução burguesa, de-
rivada da Revolução Francesa. (FERNANDES, 2009).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Partindo desse ponto de vista se tem uma direção para


a compreensão do conceito de cidadania no Brasil. Em 1988 foi
promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil e
o exercício da cidadania se tornou presente, passando a constar
nos artigos da constituição.
TÍTULO I - Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
II - a cidadania
TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamen-
tais 
Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Co-
letivos
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre
que a falta de norma regulamentadora torne inviável
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à sobera-
nia e à cidadania;
LXXVII - são gratuitas as ações de “habeas-corpus”
e “habeas-data”, e, na forma da lei, os atos necessários
ao exercício da cidadania.
TÍTULO III - Da Organização do Estado
Capítulo II - Da União
XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização; 

No Brasil, assim como na Grécia e em Roma, a cida-


dania foi, inicialmente, privilégio para poucos. Segundo Car-
valho (2007), isto aconteceu no Brasil devido três grandes obs-
táculos que foi: a escravidão, o grande espaço geográfico e um
Estado que estava mais pautado para o poder privado.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

No Brasil, no seu período colonial, não havia Repúbli-


ca e nem sociedade política, não havia também cidadãos e os
direitos políticos e sociais pertenciam a minoria (CARVALHO,
2007).
Segundo ao mesmo autor pode-se dizer que a cida-
dania teve um leve avanço, principalmente no que se refere
aos direitos civis, quando ocorreu o movimento operário após
1930. Sendo que em 1932 aconteceu a Revolução Constitucio-
nalista que garantiu grandes vitórias no que se refere a política
cidadã. A justiça eleitoral foi implantada, o voto feminino pas-
sou a existir e a sociedade lhe foi concedido a possibilidade de
ter acesso ao sistema judiciário.
Fernandes (2009) em seu artigo “Cidadania Política
em Construção” relata que até hoje apesar da Constituição
Federativa ter sido promulgada, ainda precisa de algumas re-
gulamentações e que os problemas enfrentados pela cidadania
brasileira ao longo dos anos se modificaram, assim como os
movimentos cidadãos, porém muito precisa se fazer para que
se tenha fim no Brasil da cidadania de distinção, com privilé-
gios para uns e descasos para outros.
Contextualizando cidadania e educação
Entende-se por cidadania, os aspectos da vida em so-
ciedade como um todo, estando representado tanto o direito
ao voto, como o direito de colaborar, seja direta ou indireta-
mente com o destino da sociedade através da sua participação
cívica (EUFRASIO, 2005).
Manzini Covre (2003, p.11), afirma que a cidadania
deve levar em consideração os elementos integrantes da socie-
dade, a sua etimologia e a sua história, conforme afirma:
[...] a cidadania é próprio direito à vida no sentido
pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construí-
do coletivamente, não só em termos do atendimen-
to às necessidades básicas; mas de acesso a todos os
níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o
papel do(s) homem(s) no Universo.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Pinsky (2003) ainda pontua que a cidadania não é


uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que sig-
nifica que seu sentido varia no tempo e no espaço.
A cidadania transmiti a ideia de salvaguarda de di-
reitos e deveres, assim como da participação ativa. Sendo a
concepção de cidadania fundamentada em dois grandes pen-
sadores da filosofia: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um
defensor da democracia direta através do contratualismo social
e Karl Marx (1818-1883), um articulador do comunismo (EU-
FRASIO, 2005). Ambos filósofos apresentam a cidadania com
algumas distinções relevantes quanto a compreensão e a finali-
dade que são atribuídas ao Estado, como: direitos do homem,
liberdade, cidadão, convenções sociais entre outros pontos.
Na concepção de Rousseau a cidadania é compreen-
dida como direito político, na medida em que os direitos do
cidadão são entendidos como uma prática efetiva, que é fru-
to da conscientização política e educacional do indivíduo, que
dotado de direitos e deveres, pode coletivamente promover a
justiça, a igualdade e a liberdade (EUFRASIO, 2005).
Já na concepção de Marx a cidadania é entendida
como o momento de exaltação dos direitos do homem em so-
ciedade, deliberando sobre os assuntos de coletividade. Sendo
está uma desmistificação do direito isolado do homem, ou seja,
lhe garantido a liberdade em sociedade.
A cidadania resumida em direitos e deveres, desen-
volve a subjetividade, multiplicando as possibilidades de auto
realização, pois ser cidadão é construir novas relações e cons-
ciências.
A cidadania é algo que não se aprende com os livros,
mas com a convivência, na vida social e pública. É no
convívio do dia-a-dia que exercitamos a nossa cida-
dania, através das relações que estabelecemos com os
outros, com a coisa pública e o próprio meio ambiente.
A cidadania deve ser perpassada por temáticas como
a solidariedade, a democracia, os direitos humanos, a
ecologia, a ética (BARANOSKI; LUIZ, 2009).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Quanto a escola, em seu papel de construtora da cida-


dania, precisa assumir a valorização da cultura de sua própria
comunidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus limi-
tes, propiciando às crianças pertencentes aos diferentes grupos
sócias o acesso ao saber, tanto no que diz respeito aos conhe-
cimentos socialmente relevantes da cultura brasileira no âm-
bito nacional e regional como no que faz parte do patrimônio
universal da humanidade (PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS, 2000).
Partindo deste ponto, temos o papel da escola, en-
quanto instituição educativa. Os PCN’s (2000, p.33), afirma o
seguinte quanto ao função da educação na formação do caráter
do cidadão.
[...] faz-se necessária uma proposta educacional que
tenha em vista a qualidade da formação a ser oferecida
a todos os estudantes. O ensino de qualidade que a so-
ciedade demanda atualmente expressa-se aqui como
a possibilidade de o sistema educacional vir a propor
uma prática educativa adequada às necessidades so-
ciais, políticas, econômicas e culturais da realidade
brasileira, que considere os interesses e as motivações
dos alunos e garanta as aprendizagens essenciais para
a formação de cidadãos autônomos, críticos e partici-
pativos, capazes de atuar com competência, dignidade
e responsabilidade na sociedade em que vivem.

Ou seja, a educação enquanto formadora e transfor-


madora tem a finalidade de guiar, instruir e conduzir o estudan-
te a se colocar dentro de um contexto social, cultural, político
e econômico. Libâneo (1994, p.16), defini a educação como:
[...] um fenômeno social e universal, sendo uma ativi-
dade humana necessária à existência e funcionamento
de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar
da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvi-
mento de suas capacidades físicas e espirituais, prepa-
ra-los para a participação ativa e transformadora nas
várias instâncias da vida social. Não há sociedade sem
prática educativa nem prática educativa sem socieda-

1836
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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de. A prática educativa não é apenas uma exigência da


vida em sociedade, mas também o processo de prover
os indivíduos dos conhecimentos e experiências cul-
turais que os tornam aptos a atuar no meio social e
a transformá-lo em função de necessidades econômi-
cas, sociais e políticas da coletividade.

Paulo Freire em “Pedagogia da Autonomia” (1996),


já pontua o papel da educação enquanto modalidade de ensi-
no, de formadora de indivíduos participativos, por isso fala da
importância de ter docentes conscientes quanto a sua função
formadora de discente. Freire (1996, p.26), relata:

O educador democrático não pode negar-se o dever


de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crí-
tica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão.
Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os
educandos a rigorosidade metódica com que devem
se “aproximar” dos objetos cognoscíveis. [...], nas con-
dições de verdadeira aprendizagem os educandos vão
se transformando em reais sujeitos da construção e da
reconstrução do saber ensinado, [...].

Freire (2005) demonstra que através de uma educação


consciente e libertadora é possível construir uma sociedade li-
vre, pensante, crítica, desperta para os seus direitos e deveres,
além de ativa e participativa. Entretanto na obra “Educação e
Mudança” (2013), Freire combate a ideologia da educação en-
quanto produtora de uma sociedade mecanizada, pois pontua
que o educador e todo profissional deve se engajar social e poli-
ticamente, sendo a educação essencialmente um ato de conhe-
cimento e de conscientização.
Demo (2000), corroborando Freire afirmar em sua
obra “Política Social, Educação e Cidadania”, que a educação
surgi como estratégia fundamental de mudança no sistema e
dentro do próprio sistema dominador, por humanizar, mas que
a educação não tem a capacidade de fazer milagres, e tão pouco
de salvar sozinha o mundo, ou seja, é preciso haver viabiliza-

1837
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

ções que ajude a educação a construir e formar uma sociedade


verdadeiramente autônomo e consciente.
Educação na Amazônia: um conceito em construção
Amazônia, patrimônio, herança deixa pelos povos da
floresta, cujo tempo não consumiu uma cultura construída, as
margens dos rios, no meio da fauna e da flora. Cultura esta que
se mantem presente nos dias atuais, tendo por personagens,
educadores e educandos, que não negam suas raízes, mas incor-
poram o modernismos urbano, os momentos históricos e a re-
novação da cultura amazônica em suas vidas (MORAIS, 2009).
A educação na Amazônia tem em seu contexto históri-
co a educação indígena. Educação esta que foi introduzida por
meios dos Jesuítas, Carmelitas e Capuchinhos, com a finalidade
de catequizar os indígenas, assim como deixá-los dóceis e sub-
missos as necessidades dos colonizadores (MORAIS, 2009).
Colares (2011, p.189) em seu trabalho titulado de
“HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA. Questões de
Natureza Teórico-metodológicas: Críticas e Proposições”, faz a
seguinte afirmação, quanto a educação na Amazônia.
Refletir sobre a Amazônia implica reconhecer a com-
plexidade que se expressa na sua vasta territorialidade.
Trata-se de um conceito construído, arbitrário, carre-
gado de intencionalidades e de historicidade. O espaço
geográfico amazônico passou e continua passando por
diversas alterações, sendo que as mais significativas
correspondem aos contextos de investida na busca de
riquezas. A fauna e a flora, assim como a composição
química do solo, do sub-solo, das águas e do ar, tam-
bém se alterou e continua sendo alterada, e os estudos
nestes campos mostram-nos que não há uma Amazô-
nia “cristalizada”. O espaço amazônico está em cons-
trução.

Partindo da fala do autor, se pode imaginar o qual di-


fícil é contextualizar a educação na vasta Amazônia. O Ama-
zonas ao longo dos últimos anos tem buscado através de pro-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

jetos e ações viabilizar a educação, seja urbana ou rural, com


a finalidade de diminuir a taxa de analfabetismo, o abandono
escolar e está entre os primeiros estados com uma educação de
qualidade.
Tendo por base a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, Lei 9.394/96, que estabelece no Art. 1°:
A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência huma-
na, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações (CARNEIRO, 2013, p.37).

Ou seja, a educação vai muito além do conhecimen-


to, ela abrange não apenas a dimensão formal, porém busca a
formação do sujeito histórico, tendo por finalidade a qualifica-
ção social, crítica e política. Dentro deste contexto se enquadra
também a educação não somente a escolar, mas a ideia da edu-
cação pautada na Pedagogia da Alternância, conforme consta
no Art.81 da LDB-9.394/96.
A Pedagogia da Alternância, é um método empregado
na formação de jovens e adultos do campo, visando a
articulação entre escolarização e trabalho, propician-
do o acesso à escola sem abandonar o trabalhar no
campo, além de desenvolver recursos metodológicos
e didáticos com o objetivo de oferecer ao aluno con-
dições de aprendizagem quanto ao contexto da cida-
dania (CARNEIRO, 2013, p.41).

Teve início na França, no ano de 1935, e foi criada


por camponeses, com o intuito de favorecer a educação de seus
filhos. No Brasil chegou em 1969 e na região Norte em 1995,
sendo que no Amazonas iniciou em 1996, com a implantação
na Escola Agrotécnica Federal de Manaus. Está inserida em
mais de 258 escolas no território brasileiro e no Amazonas atu-
almente está presente em mais de 06 escolas (REVISTA ESCO-
LA, 2009).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

A Pedagogia da Alternância tem tido um papel im-


portantíssimo no desenvolvimento da Educação na Amazônia,
por possibilitar o avanço educacional apesar do território ama-
zônico. Deste modo levando educação ao povo ribeirinho e as
comunidades distantes, ao mesmo tempo que trabalha o con-
ceito de cidadania e autonomia.
Em “Pedagogia do Oprimido” Paulo Freire (1987),
através de sua ideia de liberdade trata também da Pedagogia da
Alternância, conforme analisa Carneiro (2013, p.40).
[...] com a ideia de ação-reflexão-ação, nutrientes da
práxis. Este movimento de pensar a prática e a ela re-
tornar constitui um quefazer voltado para a transfor-
mação da “verdade em que se acham os oprimidos”.
Pode-se afirmar que a Pedagogia da Alternância e a
Pedagogia do Oprimido captam a educação como um
processo de construção cultural, [...]

Sendo deste modo a Pedagogia da Alternância funda-


mental por relacionar Trabalho X Educação, e propor a cons-
trução de um plano de educação específico levando em conta
fatores como novos calendários, conteúdos diferenciados, ên-
fase da cultura local, saberes tradicionais, dentre outros.

Conclusão

Compreende-se que a educação constrói o exercício


dos direitos civis e políticos que um indivíduo dispõe, o que
engloba instruir a participação de forma democrática e autô-
noma quanto a tomada de decisões na construção da socieda-
de. Entende-se também que a educação não deve ser exclusiva,
mas inclusiva com uma formação onde todos tenham direitos
a formação cultural, social, política e econômica, de modo a
desenvolver o caráter de cidadania.
Percebe-se que muito precisa ser feito para o surgi-
mento de uma geração livre e que saiba viver esta liberdade
dentro do contexto social e ideológico que se encontre, tendo

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

por finalidade contribuir para a construção de uma sociedade


que saiba tomar decisões.
Falar de educação, é ir muito além, é viajar ao lon-
go da história, é contextualizar variadas realidades, é barra em
conceitos que não condizem com a situação encontrada. E falar
de educação enquanto libertadora, na realidade Amazônica é
procurar compreender a construção do povo amazônico com
suas histórias e crenças. É mexer em tradições e paradigmas
que se perpetuam com o passar dos anos, entretanto é praze-
roso observar que a educação tem a capacidade de chegar nos
mais longínquos lugares para levar o conhecimento a quem
pouca oportunidade tem de aprender.
A educação tem o poder de transformar vidas e uma
sociedade. Tem a capacidade de editar e reeditar histórias. Tem
em sua finalidade a essência de despertar e construir sonhos,
enfim à educação construí, tem construído e poderá construir
nações, povos, gerações, indivíduos, livres, autônomos, partici-
pativos e conscientes quanto aos seus direitos e deveres sociais.
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1843
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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O TEATRO COMO PROPOSTA PARA


A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS
E AUTONOMIA DAS CRIANÇAS NO
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM
PARINTINS- AM
BARBOSA, Iziany Moreira1
DUARTE, Mateus de Souza2
SOUZA, Raimunda Nonata Yoshii Santarém de3
INTRODUÇÃO
Este artigo parte da disciplina “Teoria e Prática na
Educação Infantil” do 8° período de pedagogia da Universida-
de do Estado do Amazonas CESP/UEA e visa enfatizar o teatro
como forma lúdica de aprendizagem na Educação Infantil, sen-
do uma das manifestações artísticas mais antigas do homem.
O trabalho é de caráter qualitativo e de cunho feno-
menológico, na medida em que ela possui o poder de analisar
os fenômenos considerando o contexto, visto isso a presente
pesquisa considerou o contexto onde o fenômeno aconteceu e
onde a pesquisa aconteceu.
A técnica usada foi a observação participativa direta,
pois o investigador se integra a realidade investigada” e o lócus
é a escola Municipal Santa Luzia na comunidade do Macurany,
tendo como sujeitos da pesquisa 20 crianças do maternal que a
partir de uma peça de teatro foram levadas a reconta-la.
1 Acadêmica de pedagogia da Universidade do Estado do Amazonas
CESP/UEA, Brasil, e-mail: iziany_moreira@hotmail.com
2 Acadêmico de pedagogia da Universidade do Estado do Amazonas
CESP/UEA. Mateus_duarte22@hotmail.com
3 Acadêmica de pedagogia da Universidade do Estado do Amazonas
CESP/UEA. Eriknagai@gmail.com

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FOTO: Escola Santa Luzia


FONTE: Barbosa, 2015

O TEATRO COMO FERRAMENTA PARA TRABALHAR


COM CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
O teatro na escola se torna um instrumento didático
importante na aprendizagem dos alunos, ele ajuda os alunos na
socialização com os colegas, na criatividade, na coordenação,
na memorização, na oralidade, e na expressão corporal, aju-
dando, também, no desenvolvimento cognitivo da criança seja
na educação Infantil ou no Ensino fundamental (anos iniciais).
Historicamente o teatro Infantil no Brasil teve seu iní-
cio, na época dos jesuítas, pois eles tinham a visão pedagógica,
de que o teatro tinha a função de mostrar o comportamento
social e moral, através do aprendizado de valores e no bom re-
lacionamento com as pessoas, os textos do teatro infantil eram
adaptações de obras europeias carregadas do moralismo vigen-
te na época, sendo assim, o teatro infantil teve a sua origem na
moral cristã, no didatismo e na moral europeia, e este quadro
só começa a mudar durante a década de 70, passando o teatro-
-infantil a ser um gênero específico.
Diante dessas informações o teatro auxilia a criança
em seu desenvolvimento no seu pensamento simbólico, sen-
do este, também, um dialogo, pois o dialogo segundo Freire

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(1987) é uma relação e encontro com os homens não se limi-


tando apenas no eu-tu, posto isso, essa interação faz com que o
teatro propicie com os demais colegas em sala de aula possibi-
litando, também que a criança possa desenvolver-se, tanto no
lado afetivo, quanto nas relações com o outro.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A cidade de Parintins-AM, possui uma população
aproximada de 111. 575 mil pessoas (estimativa para 2015),
possuindo 20 bairros oficiais, conjuntos, comunidades e nú-
cleos, sendo os mais populoso o Paulo Corrêa com mais 10 mil
habitantes, seguido de Itaúna II com mais de 7 mil, Palmares
com 6. 683 e Itaúna I com 5.574 habitantes aproximadamente
falam Santos e Bartoli (2011). Contudo a pesquisa aconteceu
na Escola Municipal Santa Luzia na comunidade do Macurany
que está distante da sede do município cerca de 7 km o acesso é
via estrada e onde se localiza o conjunto residência “Vila Cris-
tina” diz Silva (2015).,
Barros (2012, p. 30) define a pesquisa como “uma
forma de estudo de um objeto. Esse estudo é sistemático e re-
alizado com a finalidade de incorporar os resultados obtidos
em expressão comunicáveis comprovadas ao nível de conhe-
cimento obtido”, portanto a pesquisa é algo esquematizado
que buscar alcançar um objetivo, uma meta, pensando nisso,
o presente trabalho é de caráter qualitativo na medida em que
ela possui o poder de analisar os fenômenos considerando o
contexto (LEITE, 2008, p. 100), visto isso a presente pesquisa
considerou o contexto onde o fenômeno aconteceu e onde a
pesquisa aconteceu.
A técnica usada foi à observação participativa direta
que segundo Da Silva (2005, p. 41) “o investigador se integra
a realidade investigada”, ou seja, os pesquisadores estavam na
realidade que foi investigada e, assim puderam aplicar a ativi-
dade para coletar os dados. O lócus da pesquisa foi é a escola
Municipal Santa Luzia na comunidade do Macurany.

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Os sujeitos primários da pesquisa 20 crianças do ma-


ternal e 02 professoras denominadas no texto de A e B, contu-
do os sujeitos primários não serão citados, todavia, daremos a
elas nomenclaturas de animais, A importância de preservar os
nomes legítimos das crianças para evitar futuros constrangi-
mento às mesmas optamos por nomes fictícios, Kramer (2002,
p. 48), salienta que a relação dos nomes se constituía em risco
real, tornou-se necessário, em muitas situações, usar nomes
fictícios. Os sujeitos foram instigados a partir do teatro com a
história dos três porquinhos a participarem e recontarem a his-
tória usando fantoches e posteriormente levadas a cobrir com
EVA picado as figuras dos personagens da pequena peça, vi-
sando os benefícios do teatro, tais como: Aumenta autoestima;
Melhora a timidez; aprimora habilidade de relacionar-se com
os outros; fazendo com que a criança se conheça mais; Desen-
volve consciência corporal e coordenação motora; Ensina a
trabalhar em grupo; Desenvolve habilidades cognitivas como
memória e raciocínio; Expande o repertório cultural; Melhora
desempenho escola; Propicia o fazer poético comunicação.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para a concretização desta atividade, empregamos o


seguinte passo. No primeiro momento apresentamos para as
crianças a historinha “os três Porquinhos” em seguida o recon-
to da história feita pela as próprias crianças surgindo muitas
indagações e comparações das mesmas em relação aquilo que
os rodeiam.

Gato (04 anos): - Professora eu conheço essa história!


Professora A (39 anos): - É, onde você viu essa história?
Gato (04 anos): - Eu, eu vi no cinema!
Pato (04 anos): - Olha! A casa, amarelo da cor do sol!
Garça (04 anos): - E o verde da cor da Escola!

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Nas falas acima, algumas das crianças dão respostas


que as alçaram na rotina4 sobre suas casas e o conhecimento
daquilo que tinham ao seu redor, como as cores primárias e a
Escola como referência, após alguns minutos de interação che-
garam à conclusão de que algumas de suas casas eram igual a
dos porquinhos. Antes mesmo de as professoras contarem a
história alguns já sabia do que se tratava dando norte ao que
propomos a fazer.
Paulo Freire (1987) fomenta que precisamos entender
que não existe apenas uma visão de mundo, isto é, a visão do
professor, mais existe, outra visão que devemos trazer para o
âmbito de ensino, que é a do aprendiz e, esta possui uma gran-
de gama de conteúdos que pode ser de igual modo utilizado
para contextualizar os assuntos e proporcionar um ambiente
facilitador para o aprendizado do mesmo.
Como docentes devemos escutar as crianças para po-
dermos ter o entendimento mais aprofundado sobre o que as
mesmas pensam em relação aquilo que estamos ensinando a
ela de forma lúdica, tendo em vista o objetivo de aguçar o de-
sejo e o interesse em cada uma que estar pronta a nos ouvir de
maneira prazerosa. (FIGURA 01)

FIGURA 01: Imagem da História “Os três Porquinhos”


FONTE: Duarte, 2015.
4 Atividade diária que a professora realiza com os alunos no primeiro
momento antes de iniciar a sua aula.

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Observamos a ansiedade das crianças em falar aqui-


lo que lhes chamaram a atenção a partir da história. Partindo
de suas falas entendemos os seus anseios de dividir aquilo que
tinham de conhecimentos de suas vivências, dessa forma Kra-
mer (2011, p. 62) assegura que “a fala e a escuta são os princi-
pais instrumentos de participação”. Os professores nem sempre
respeitam as falas das crianças, acham que é perca de tempo,
tolhido - as e impediu-a de tornar – se independente daquilo
que trazem de conhecimento. Depois da história contada pro-
pomos para as crianças o reconto da história a ser feita por elas
“os três porquinhos”.
Freire (1996, p. 88) elucida que “o exercício da curio-
sidade convoca a imaginação, a intuição, a capacidade de con-
jectuar, de comparar, na busca de perfilização do objeto ou do
achado de sua razão de ser”, nesse sentido, o mundo do faz de
contas dão asas a imaginação da criança, e elas começam a sig-
nificar e ressignificar as coisas, através de palavras, imagens e
símbolos, tornando assim sua aprendizagem mais significativa.

FIGURA 02: Imagem do Reconto “Os três Porquinhos”


FONTE: Duarte, 2015.

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A professora B (38 anos): Quem tem a casa igual as dos por-


quinhos?
Crianças: - Eu. (em coro)
Coelho (04 anos): - A minha casa é assim!
Professora B (38 anos): Igual a do Bolão?
Coelho (04 anos): - É!
Onça (04 anos): Professora a minha casa e de tijolo também!
Crianças: - A minha também professora. (em coro)
Gata (04 anos): - A minha casa não é de tijolo!
Professora A (39 anos): E como é sua casa?
Gata (04 anos): - É igual a do Bolinha! De tabua!
Gato (04 anos): - Professora a casa da Coruja é de palha!
Coruja (04 anos): - Não! Lá na minha casa é metade de tijolo e
outra de tábua.
Depois que as crianças fizeram o reconto da história
sugerimos uma atividade impressa dos porquinhos e o lobo,
onde teriam que fazer a colagem com E.V.A picado no corpo
do lobo e dos porquinhos da maneira que elas quisessem. A
ansiedade das crianças era imensa, pois as mesmas escolheram
a atividade que queriam para fazer naquele momento, sem ne-
nhuma dificuldade na hora da colagem.

FIGURA 03: Imagem da atividade sendo feita pela as crianças.


FONTE: Duarte, 2015.

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Saber e levar em consideração nas atividades o que a


criança já sabe é salutar para o bom desenvolvimento dos te-
mas escolhidos pelo docente, de modo a comungar como que
Freire (2011) comenta que a leitura de mundo não pode partir
apenas de uma fonte, ela possuem varias interpretações, a lei-
tura de ou visão de mundo vem antes de qualquer atividade
que se possa construir em sala.
Avaliando essa colagem podemos compreender a con-
centração da criança e a afinidade que elas têm com os perso-
nagens a partir do que elas conhecem da história, o cuidado da
colagem nas suas cores de preferência, um momento de grande
importância para expressar na atividade a compreensão da-
quilo que ouviu das professoras no momento em que estavam
apresentando o teatro para a turma. Pois para Sampaio (2006,
p. 110) a colagem é “um estimulo para o aluno a descobrirem
seus próprios materiais, sendo assim, um dever do professor
proporcionar isso a sua turma”. A atividade a seguir exibiu a
concepção da criança a respeito do teatro. (FIGURA 04)

FIGURA 04: Imagens das atividades concluídas pelas crianças.


FONTE: Duarte, 2015.

Dessa forma percebemos que a participação das


crianças na atividade foi bastante satisfatória para as professo-
ras, pois para se trabalhar com as crianças precisamos ganhar
e repassar a confiança para os pequenos de forma que elas per-
cebam e nos aceite de maneira prazerosa.

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O teatro surgi, aqui, com uma proposta de resgatar a


atenção dos aprendizes saindo da rotina do aluno de modo a
despertar o interesse dos mesmo, saindo do ensino que eles
estão acostumando, como diz Freire (1987) o ensino do depo-
sitar e se voltando para o do construir com os mesmo, pois a
oficina foi planejada juntamente com a turma,
Apresentar o teatro para as crianças é uma ferramenta
que com certeza receberemos os resultados de imediato, pois
é um mundo novo para as crianças na educação do campo, ou
seja, é algo que lhes trazem a curiosidade de aprender e ir além
daquilo que estão acostumados a verem no seu cotidiano tendo
assim novos olhares diante da realidade da educação do cam-
po. Para Sampaio (2006, p. 136)
[...] o teatro e uma força milenar que pode contribuir
com o processo de aprendizagem, prescrever algo po-
sitivo que levará, naturalmente, nossos alunos a uma
reflexão, além de aperfeiçoar o trabalho cognitivo (do
conhecer e aprender), contribuindo para consolidar
novas práticas no processo de aprendizagem.

Dessa forma podemos afirmar que o teatro é uma


ponte de ligação no ensino aprendizagem de toda criança que
o conhece, levando o aluno a refletir diante do seu processo
cognitivo conhecendo e aprendendo aquilo que lhe foi propos-
to de forma significativa.
Considerações
Diante das atividades propostas podemos conside-
rar que o teatro é um instrumento de aprendizagem desafia-
dor para o professor que procura inovar suas aulas, e torna-la
mais prazerosa e dinâmica, pois permite ao aluno uma intera-
ção e conhecimento de si mesmo, contribuindo, assim, para o
processo afetivo e cognitivo da criança consolidando práticas
inovadoras no processo de ensino e aprendizagem, tornando-
-as mais significativas, tanto para as crianças quanto para os
professores, na medida em que o teatro propicia os aprendizes

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a socialização com os colegas, a criatividade, a coordenação, a


memorização, a oralidade, e a expressão corporal, ajudando,
também, no desenvolvimento cognitivo da criança seja na edu-
cação Infantil ou no Ensino fundamental (anos iniciais).

REFERÊNCIAS

Http:/ educarparacrescer.com.br/aprendizagem.10-motivos-
seu-filho-fazer-teatro. Acessado em: 01/11/2015 ás 22h00min
horas.
BARROS, Aidil de Jesus Paes de. Projeto de pesquisa:
propostas metodológicas. 21. ed.- Petropoles, RJ: Vozes, 2012.
SILVA, Almir Liberato da. Pesquisa e Pratica Pedagógica I.
Manaus: UEA/ PROFORMAR, 2005.
SILVA, David Xavier da. Educação Científica: Utilizando o
tema dos quelônios Amazônicos. Jundiaí, Paco Editora: 2015.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos
que se completam. 51°. ed.- São Paulo: Cortez, 2011.
____________. Pedagogia da Autonomia.- São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
____________. Pedagogia do Oprimido, 17ª. ed.- Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1987.
KRAMER, Sônia. Autoria e autorização: questões éticas nas
pesquisas com crianças. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 41-
59, julho-2002.
LEITE, Francisco Tarciso. Metodologia cientifica: métodos
de técnicas de pesquisa: monografias, dissertações, teses e
livros.- Aparecida-SP: Ideias & Letras, 2008.
SAMPAIO, Maria do Céu de Souza. Arte na Educação
Infantil. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas,
2006.

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Educação Popular em Debate
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SANTOS, Raquel Matos dos; BARTOLI, Estevan.


Espacialização Das Praças Na Cidade De Parintins-Am:
Presença, Ausência E Possibilidades. Universidade do
Estado do Amazonas. 2011.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO ESPECIAL


COMO INSTRUMENTO DE
INTERAÇÃO SOCIAL

GUIMARÃES, Amanda de Sousa1


SILVA, Maria Joilse de Souza da2
AMOÊDO, Francisca Keila de Freitas3
INTRODUÇÃO
Este artigo trata-se de uma experiência vivenciada pe-
las acadêmicas do curso de Pedagogia CESP-UEA, na Escola de
Educação Especial Glauber Viana – Associação Pestalozzi de
Parintins, enquanto participantes do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), programa este que
possibilita uma vivência maior com a realidade escolar. Tendo
por objetivo compreender como a ludicidade pode se tornar
um instrumento de interação social com os alunos com Sín-
drome de Down. Levando em consideração que ao se tratar de
alunos com necessidades especiais é preciso que se tenha toda
uma estrutura que dê suporte para que esses alunos participem
de atividades lúdicas, interagindo socialmente com o meio que
estão inseridos. Para isso, a adaptação de tais atividades reali-
zadas no espaço escolar é fundamental para o processo de de-
senvolvimento cognitivo e social do aluno com deficiência.
1 Pedagoga em formação pela Universidade do Estado do Amazonas/
UEA. E-mail: amandaguimaraes786@gmail.com
2 Pedagoga em formação pela Universidade do Estado do Amazonas/
UEA. E-mail: m.joilse78@gmail.com
3 Especialista em Psicopedagogia, Ed. Especial e Libras, mestranda de
Pós – Graduação do Ensino de Ciências na Educação da Universida-
de do Estado do Amazonas e Professora da Universidade do Estado
do Amazonas, Brasil. E-mail: keilamoedo@hotmail.com.

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Para a realização do trabalho, utilizou-se as observa-


ções participantes e pesquisa bibliográfica acerca da temática
A Ludicidade na Educação Especial como Instrumento de In-
teração Social, onde percebeu-se que, a ludicidade traz para
os alunos que precisam de uma atenção especial a utilização
de mecanismos que contribuem para o seu desenvolvimento,
fazendo com que ele tenha interesse em participar ativamente
das atividades, comunicando consigo mesmo e com todos ao
seu redor, estabelecendo relações sociais fundamentais para a
construção do seu próprio conhecimento, desenvolvendo-se
integralmente por meio de suas experiências vivenciadas no
cotidiano familiar e escolar.
A ludicidade na educação especial por meio de jo-
gos educativos adaptados nos faz compreender que ao realizar
atividades lúdicas com suas adaptações de acordo com cada
necessidade do aluno é um meio de nos aproximarmos de-
les, trazendo-os para um mundo diferente daqueles que estão
acostumados a conviver, mostrando que podem interagir no
meio em que estão inseridos, mais que isso, proporcionando-
-lhes conhecimentos significativos para seu desenvolvimento
nas suas funções cognitivas e sociais.
Compreendemos que os alunos com deficiência vi-
vem em seu mundo isolado dos outros, mas com metodolo-
gias adequadas e inovadoras, eles poderão interagir e encarar
sua própria realidade, superando suas dificuldades na medi-
da do possível, permitindo mais segurança em participar das
atividades lúdicas, levando em consideração os alunos com
deficiência como sujeitos participantes do processo de inte-
ração social.
A LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA
PESRPECTIVA INTERACIONISTA
A concepção do lúdico para o desenvolvimento das
práticas educativas em sala de aula configura-se em desenvol-
ver estratégias que possibilitam aos alunos conviver com suas

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próprias dificuldades, mas que, podem ser superadas com in-


centivos e desafios baseados no cotidiano do dele, valorizando
e respeitando suas limitações, a fim de construir interesses, co-
nhecimentos e necessidades que os mesmos possuem.
Nesse processo, a ludicidade na Educação Especial,
oferece um suporte de grande relevância numa perspectiva in-
teracionista, pois, para favorecer uma interação social há uma
necessidade de estimular esses alunos com atividades lúdicas
em sala de aula. De acordo com Vygotsky (1994), em sua Teo-
ria Sócio-interacionista, uma criança portadora de deficiên-
cia não é vista como uma criança menos desenvolvida que as
demais, apenas se desenvolvem de forma diferente. Como se
sabe, as pessoas não são iguais, algumas tem mais facilidades
do que as outras e nem por isso deve ser considerada melhor,
cada uma aprende ao seu tempo e a sua maneira, e isso é da
própria condição do ser humano.
Como afirma Freire (2011), ninguém é sujeito da
autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece
de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo
todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do
ser para si, é processo, é vir a ser. Com isso o educador tem
que estar atendo para não julgar de forma errada os modos
e as particularidades que cada educando tem em aprender e
a se desenvolver, sendo ele o mediador para que se haja uma
melhor compreensão na busca do educando pela segurança e
autonomia que o lúdico como instrumento de interação social
irar favorecer a ele no âmbito escolar.
No relato aqui exposto, as atividades ou jogos educa-
tivos necessitaram de adaptações para obter a participação de
todos, permitindo uma troca de experiências capaz de ampliar
suas relações sociais de interação. E cabe ao professor por meio
da ludicidade como instrumento de interação inserir o aluno
com deficiência em todas as atividades existentes no ambiente
escolar, tendo em vista que as limitações não podem ser consi-
deradas como obstáculos que rotulam e coíbem as habilidades

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que cada aluno possa desenvolver nas atividades lúdicas em


sala de aula.

Figura 1: oficina Dominó Figura 2: Alunos participando da


Fonte: Queiroz, 2015 oficina Trava-língua
Fonte: Queiroz, 2015

Observamos que o educador deve ser o facilitador nas


atividades educacionais, auxiliando assim os educandos que
apresentam dificuldades no seu desenvolvimento social para
uma socialização com os demais, promovendo assim que tanto
o educador quanto o educando compartilhem conhecimentos
necessários ao fortalecimento da interação entre os mesmos.
Segundo Freire (2007), nenhuma ação educativa pode
prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análi-
se sobre suas condições culturais. Não há educação fora das
sociedades humanas e não há homens isolados (p.61). Daí o
convívio entre os indivíduos torna-se uma ferramenta impres-
cindível nas interações sociais.

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Figura 3: Oficina “As Borboletas”


Fonte: Queiroz: 2015

Figura 4: interação dos alunos na oficina “As borboletas”


Fonte: Queiroz, 2015

Sendo assim é importante observar que o professor


esteja ciente dos benefícios que o lúdico trás para a interação
social entre os alunos, mas, a escolha das brincadeiras ou até
mesmo dos jogos tem que estar de acordo com o ambiente que
cada um estar inserido, levando em conta sua realidade.
Nesse sentido, para Freire (1987), só existe saber na
invenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os

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homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. E


nessa busca para desenvolver atividades lúdicas para esses
educandos é preciso inventar, criar meios que possam estar de
acordo com a deficiência que eles possuem, estimulando-os
nas interações no mundo, com o mundo e com os outros.
Nessa dinâmica, é visível a participação do sujeito
como elemento ativo no processo de construção da sua própria
autonomia, sendo ela estabelecida através da interação com o
outro.
O lúdico vem a valorizar a liberdade de o aluno ex-
pressar seus sentimentos, oferecendo a ele oportunidades in-
finitas para o seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e social.
Durante as aplicações das oficinas adaptadas pode-
mos perceber que os alunos apesar de suas limitações e dificul-
dades sejam elas motoras ou intelectuais, sentiam-se a vontade
em participar das atividades, tornando-as mais prazerosas e
interativas.
De modo que é gratificante para nós professores em
formação ver que podemos através do lúdico possibilitar a
esses alunos com Síndrome de Down novos conhecimentos
e também o desenvolvimento de suas habilidades, que em al-
gum momento não foram estimuladas de maneira adequada,
levando-os a serem vistos como incapazes pela sociedade que
desconhece o grande potencial que cada um exerce para reali-
zar diversas atividades. Para a realização das atividades houve
a necessidade de adaptação dos jogos a fim de ajudar no desen-
volvimento social e na compreensão do educando.
Na atividade lúdica como o jogo de dominó, os par-
ticipantes foram divididos em duplas, sendo que cada um fi-
cou sobre o auxilio de uma pibidiana que explicou as regras,
o modo de se jogar e a quantidade de peças que cada um viria
a receber, para assim dar início ao jogo. Os alunos mostraram
um bom desempenho, nesse momento, percebemos que a sua
participação foi bastante significativa, pois interagiram com
todos que estavam presente, inclusive conosco, tendo alguns

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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deles um conhecimento prévio, que estimulado de maneira


adequada contribuiu para a execução das atividades.
Outra atividade lúdica foi a dança teatral, com a apre-
sentação da música de Vinícius de Moraes “As borboletas”, con-
tendo ela passos adaptados. Nessa atividade os alunos vestiram-
-se a caráter e após vários ensaios, realizaram a dança de forma
surpreendente, pois mesmo com as suas limitações foram além
de nossas expectativas. E assim as outras atividades lúdicas que
desenvolvemos na escola para facilitar o desenvolvimento do
aluno e proporcionar a eles mais segurança e interação entre si,
ocorreram de maneira satisfatória. Logo gerando a nos profes-
sores em formação novos saberes a partir da troca de vivências
entre educando e educador e até mesmo uma nova percepção
em relação ao desenvolvimento do ser humano que muitas das
vezes só necessita ser estimulado para assim mostrar suas ha-
bilidades não percebidas.

Figura 5: oficina Jogo do dominó Figura 6: interação no jogo do Dominó


Fonte: Queiroz, 2015. Fonte: Queiroz, 2015.

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Nesse contexto, a escola nos deu todo o suporte para a


realização das atividades lúdicas assumindo um papel impor-
tante no processo de desenvolvimento tanto cognitivo como
social do aluno, fazendo-os superar desafios do cotidiano. Todo
ser humano possui dificuldades que devem ser superadas e um
instrumento utilizado que foi de encontro ao desenvolvimento
dos educandos é o lúdico aqui citado, que viabiliza a descober-
ta do seu próprio mundo, dividindo seus aprendizados com
o coletivo, estando todos cercados de saberes e deveres que
qualquer cidadão tem, seja ele apresentando uma deficiência
ou não.

Figura 7: oficina Lousa Mágica/ Fonte: Queiroz, 2015

Percebemos que a espontaneidade do aluno com Sín-


drome de Down é um fator estimulante na hora de realizar de-
terminadas atividades, pois permite que os alunos interajam
consigo mesmo e com os outros satisfatoriamente, além de pro-
piciar uma interação, favorece a possibilidade de compartilhar
suas experiências em qualquer situação provenientes do dia a
dia. Nas pesquisas realizadas por Vygotsky, o sujeito constrói
suas ações e ideias quando se relaciona com novas experiências
ambientais, intermediadas por pessoas que o rodeiam, em que
os significados culturais só são aprendidos com a participação
dos mediadores.

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Nessa perspectiva, compete ao educador buscar meios


para construção de alternativas na proposição de atividades lú-
dicas como instrumento interacional para o bom desempenho
dos alunos participantes nas atividades, pois as novas experi-
ências tornam-se parte de ações e ideias significativas na vida
do aluno.
CONCLUSÃO
Assim a experiência com atividades lúdicas na edu-
cação especial como um instrumento de interação social, nos
possibilitou uma compreensão maior acerca da importância do
professor como facilitador, em promover atividades adaptadas
através do lúdico que possam proporcionar um ambiente de
interação entre os seus educandos com deficiência, para assim
aproximar-se deles e dá as devidas oportunidades para o de-
senvolvimento de suas habilidades sendo elas no seu cognitivo,
motor e principalmente social.
E convém salientar que o individuo com deficiência
não deve ser visto com indiferença pelos demais dados como
normais, que muitas das vezes são preconceituosos, pois des-
conhecem o grande potencial que cada ser humano tem e que
com um método certo utilizado pelo professor podem vim
a surpreender com a sua capacidade em aprender. Foi o que
ocorreu durante a aplicação das oficinas com os alunos com
Síndrome de Down, pois eles foram muito além de nossas
expectativas e quando isso acontece nós, professores em for-
mação, nos sentimos tão felizes e realizados, pois isso vem a
ser uma confirmação de que fizemos a escolha certa, em levar
através da educação, diversas possibilidades para o individuo
se reconhecer no mundo, com o mundo e através do mundo,
gerando assim transformação e construção de novos saberes
para ambos.
Com isso todos podem participar ativamente de qual-
quer atividade que o professor venha a fazer em sala de aula,
ocorrendo assim a interação, o respeito e a própria autonomia

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que todos possuem. Logo essa experiência, só vem a acrescen-


tar em nossa prática docente novos conhecimentos, que mais
além podem facilitar o convívio dentro de sala de aula com os
educandos que tem algum tipo de deficiência, sendo ela vis-
ta apenas como uma diferença, pois todos nós temos nossas
particularidades e o seu próprio tempo para desenvolver-se de
forma positiva.
No mais é muito gratificante contribuir para o de-
senvolvimento e o reconhecimento da autonomia que cada
educando tem sobre si, mas, que precisa apenas ser estimula-
da de maneira adequada. Através dos alunos com Síndrome
de Down podemos perceber que a ludicidade os deixa mais
a vontade para desenvolver suas habilidades que muitas das
vezes são passadas despercebidas por aqueles que ignoram os
conhecimentos que cada um possui tendo ele uma deficiência
ou não.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

O DISCURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO


DO ESTADO DE RONDÔNIA PARA A
EFETIVAÇÃO DO ESPAÇO SOCIAL E DE
PARTICIPAÇÃO CIDADÃ

ZUIM, Larissa1
Introdução
Este trabalho visa entender através da Teoria do Dis-
curso de Ernesto Laclau e pela perspectiva de Paulo Freire,
como o discurso de cidadania manifestado pelo Ministério Pú-
blico do Estado de Rondônia (MPE-RO) e do seu Centro de
Apoio Operacional da Cidadania (CAOP) se relacionam e se
constituem por uma prática articulatória. Em Laclau, as práti-
cas articulatórias se estabelecem quando diferentes elementos
têm sua identidade modificada, formando o discurso em torno
de uma articulação. Em Paulo Freire busca-se a ideia de comu-
nicação, educação e gestão democrática participativa correla-
cionada à proposta de Educação Cidadã, cujo ideal é a educa-
ção além-sala de aula, refletida, proposta e concretizada com
todos os sujeitos envolvidos para o efetivo exercício da prática
de cidadania, como é o caso do Ministério Público do Estado
de Rondônia e suas ações desenvolvidas junto ao CAOP.
O objeto de estudo recai sobre o MPE-RO, institui-
ção pública permanente, “essencial à função jurisdicional do
1 Formada em Letras/Português pela Universidade Federal de Ron-
dônia (UNIR) e em Comunicação Social/Jornalismo pela Faculdade
Interamericana de Porto Velho (UNIRON). Mestranda pelo Progra-
ma de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica pela Pontifí-
cia Universidade Católica de São Paulo como bolsista da CAPES.
E-mail: larizuim@gmail.com

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Estado, da defesa da ordem jurídica, do regime democrático


e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (Art. 1
das Disposições Preliminares da LC 93/93); por isso tem em
sua constituição a promulgação da defesa da cidadania. Para
tal fim, cria o CAOP - Cidadania por meio da Resolução nº
003/2011 como órgão auxiliar da atividade funcional do Mi-
nistério Público, com a finalidade de oferecer suporte e apoio
jurídico aos órgãos de execução de cada seguimento da socie-
dade que é atendido pela instituição. Com esse órgão o MPE se
articula por meio de valores a eles determinados que em tempo
complementam e dão um novo sentido à função do Ministério
Público, elaborando o discurso da prática cidadã e colaboran-
do para o exercício de educação aos cidadãos.
Amazônia Legal, Rondônia e a emergência de uma
identidade
Amazônia, o éden tropical, sempre foi território mui-
to cobiçado e pouco conhecido, sejam pelas dificuldades que a
natureza impõe quanto pelo caráter apenas econômico-explo-
ratório que se difundiu no pensamento global sobre a floresta.
Seringalistas, madeireiros, pecuaristas, agricultores, farmacêu-
ticos, biopiratas, barrageiros e inúmeros outros setores da eco-
nomia, passada e atual, encontraram suas maneiras de lucrar e
explorar o solo, a floresta, os rios e os povos amazônicos, para
o bem e para o mal. Os diversos ciclos de exploração deixaram
raízes profundas na formação da sociedade que atualmente se
estabeleceu nos estados que fazem parte da Amazônia Legal2.
Imigrantes do mundo todo e migrantes de todos os territórios
do país saíram de suas terras em busca do mito do Eldorado.
2 A Amazônia Legal corresponde hoje a cerca de 59% do território
brasileiro e vai além das fronteiras políticas, abrangendo áreas socio-
politicamente compatíveis. Foi instituída em 1953 como forma de
promover o desenvolvimento dessas áreas correlatas e abrange oito
Estados (Rondônia, Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará,
Tocantins, Roraima e parte do Maranhão), segundo o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

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Cada um que se lançou nessa empreitada enxergou uma re-


presentação diferente naquilo que encontrou nas terras longín-
quas e selvagens.
É importante perceber que através da história verifi-
ca-se como se deu a formação do espaço e do povo amazôni-
co, incluindo os rondonienses. O Estado de Rondônia, como
parte da Amazônia Legal, também acumulou em sua formação
muitos mitos, que até hoje atuam no imaginário da população,
dos que vivem por “lá” e dos que ouvem sobre “lá”. Para Paulo
freire é importante entender a história como uma possibilidade
e impossibilidade, ao mesmo tempo:
O futuro não é pré-dado. Quando uma geração che-
ga ao mundo, seu futuro não está predeterminado,
preestabelecido. Por outro lado, o futuro não é tam-
bém, por exemplo, a pura repetição de um presente de
insatisfações. O futuro é algo que se vai dando, e esse
“se vai dando” significa que o futuro existe na medi-
da em que eu ou nós mudamos o presente. (FREIRE,
2001, p. 90)

Assim, a emergência de uma identidade popular sur-


giu por uma condição tanto estrutural, quanto histórica:
[...] Vivemos em sociedades que tendem a aumen-
tar a homogeneidade social através de mecanismos
infraestruturais imanentes ou, ao contrário, habi-
tamos em um terreno histórico onde a proliferação
de pontos heterogêneos de ruptura e antagonismos
requer cada vez mais formas de políticas de reagre-
gação social - quer dizer que estas dependem menos
de uma lógica social subjacente e mais dos atos, [...]
(LACLAU, 2013, p. 326)

E são esses atos encontrados na história do lugar. An-


tes de ser um Estado localizado na Amazônia Ocidental, Ron-
dônia era legalmente constituído como Território Federal do
Guaporé. Em 1956, o governador Joaquim Vicente Rondon
substitui o nome do Território do Guaporé para Território Fe-
deral de Rondônia até a instalação do Estado que veio a ocorrer

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apenas no dia 04 de janeiro de 1982, passando a ser chamado


Rondônia, em homenagem ao Marechal Cândido Rondon.
Durante séculos o Território e, em seguida, o Estado
foi uma região afastada/isolada dos grandes centros brasileiros.
Os deslocamentos para o lugar se realizavam apenas por meio
dos grandes rios: Amazonas, Madeira, Guaporé e Mamoré. As
viagens eram medidas em dias e não em horas. Desse isola-
mento e da necessidade de escoar a borracha extraída em gran-
de escala surgiu a ideia da construção da conhecida Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré – EFMM (Ferrovia do Diabo) e da
Rodovia BR-29 – atual BR-364 para romper o isolamento. Nes-
se cenário surge durante e após o fim da construção da EFMM,
em 1912, um grande contingente migratório originário das
Ilhas Britânicas do Caribe e do Haiti; das regiões nordeste e sul
do Brasil, acrescido dos povos indígenas locais, para povoar a
área.
Rondônia faz fronteira com Mato Grosso, Amazonas
e Acre, além do país vizinho, a Bolívia, e possui população es-
timada em 1,7 milhões de pessoas, de acordo com dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3. A po-
pulação cresceu em ritmo acelerado desde a implantação das
Hidrelétricas do Complexo do rio Madeira. Devido a essas
construções o lugar tem recepcionado outro contingente mi-
gratório tão intenso quanto na época da construção da Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM).
Essas ondas de imigração e migração geram um cres-
cimento acelerado e sem planejamento que resultam em pro-
blemas de ordem social atingindo a saúde, a educação, a infra-
estrutura das cidades, visivelmente manifestados nos modos
de vida da população do Estado. Dentre os problemas sociais
de notoriedade nacional encontram-se a prostituição infantil, a
falta de equipamentos na área da saúde, alto índice de aciden-
tes de trânsito, baixo Índice de Desenvolvimento da Educação
3 Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.
php?sigla=ro Acesso em 28/09/2013.

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Básica - IDEB4, aumento dos casos de doenças tropicais. Outro


exemplo dos problemas de saúde que ocorrem no Estado, é em
Porto Velho, que conta com único pronto-socorro responsável
pelo atendimento da população local, com cerca de 428 mil
habitantes5 e casos graves do interior. O Pronto-Socorro João
Paulo II foi declarado em estado de calamidade pública em
2011, entretanto, até 2016 nada foi feito em obras de melhorias
ou investimento em infraestrutura.
Em busca da cidadania
Para atender às necessidades decorrentes da defesa da
cidadania dos povos residentes no lugar, instalou-se o Minis-
tério Público do Estado de Rondônia (MPE-RO), no dia 22
de dezembro de 1981, com a assinatura da Lei Complemen-
tar (LC) 41, que extinguiu o Território Federal de Rondônia e
criou o Estado de Rondônia. O artigo 27 da LC 41 estabelecia
que o Ministério Público fosse organizado na forma da legis-
lação estadual. O Ministério Público do Estado de Rondônia
(MPE-RO), assim como seu Estado sede, é recente e conta com
apenas 35 anos de existência. De acordo com os documentos
institucionais do órgão, ele vem desenvolvendo diversos traba-
lhos em prol dos cidadãos.
Para Aristóteles6 cidadão é um ser político e proce-
dente de uma cidade, que através da política define até que
ponto determinadas atitudes são necessárias em seu meio vi-
vente. Nesta linha, o Estado (res publica) é coisa do povo, e o
povo não é qualquer aglomerado de homens reunidos de uma
4 O IDEB do Estado de Rondônia é de 4.7 segundo dados disponíveis
em http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.
seam?cid=1169997 Acesso em 29/09/2013.
5 Dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) disponível em http://cidades.ibge.gov.br/painel/
populacao.php?lang=&codmun=110020&search=rondonia|por
to-velho|infograficos:-evolucao-populacional-e-piramide-etaria
Acesso em 29/09/2013.
6 ABBAGNANO, 2000, p.773.

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forma qualquer, mas uma reunião de pessoas associadas pelo


acordo em observar a justiça e por comunidade de interesses7.
Correlato a esses sentidos, o MPE-RO propõe ser o
mediador dos cidadãos no Estado de Direito, tendo em vista
que nas concepções acima, o Estado como res populi (coisa do
povo) é constituído pelos seus cidadãos. Nesse ínterim, inte-
ressa-nos os modos como o MPE-RO exerce essa natureza na
estrutura política do Estado de Rondônia, haja vista ser ele a
parte que torna visível (concreta) as características da cidada-
nia no tempo e no espaço local por meio de suas práticas.
No nosso entendimento, essas práticas, que em sua
totalidade resultam no discurso, são definidas pelas relações
sociais que se articulam entre população e instituição dando
origem ao discurso que o MPE emprega em defesa da cidada-
nia, ou seja, dispositivos que operam dentro de determinado
espaço da comunidade e se integram para formar uma práti-
ca de conduta cidadã. Considerando que dispositivo, segundo
Agamben é “qualquer coisa que tenha de algum modo a capa-
cidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar,
controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os
discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, 2009, p. 40).
Neste sentido é o que propõe o Centro de Apoio Ope-
racional da Cidadania - CAOP8 do MPE-RO, isto é, baseado na
ética e na responsabilidade social articulam o que acreditam
ser de interesse da população. Também faz parte da missão do
CAOP garantir a cidadania e a evolução social mantendo a or-
dem jurídica e o regime democrático.
Dadas às necessidades de manter-se como órgão “dis-
ponibilizador” da cidadania, o Ministério Público exerce e atua
em nome da sociedade como setor público. Sendo assim, toda
7 Ibidem, p.365
8 O CAOP foi criado por meio da Resolução nº 003/2011 – PGJ como
órgão auxiliar da atividade funcional do Ministério Público, cuja
finalidade consiste em oferecer suporte e apoio jurídico aos órgãos
de execução. Disponível em: http://www.mp.ro.gov.br/web/caop-
cidadania/ Acesso em 26/09/2013.

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e qualquer ação conferida, atendida, solicitada e outros afins,


pelo MPE-RO, têm a função de garantir a cidadania ao cidadão
e à coletividade social, mas dentro de sua própria arregimen-
tação e disponibilidade, enquanto zelador do Poder Público e
dos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 e
pela Lei Orgânica do MPE-RO.
Aqui se insere o MPE-RO como instituição pública
permanente, “essencial à função jurisdicional do Estado, in-
cumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrá-
tico e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”9. Por
isso, executa o seu papel de intermediador no espaço urbano
ao atendimento de qualquer cidadão solicitante, pois, é como
mediador que se designa o seu papel institucional.
As práticas articulatórias empregadas pelo Ministério
Público do Estado de Rondônia (MPE/RO) como ‘defensor da
sociedade’ surge como um movimento institucionalmente arti-
culado para totalizar um sentido em falta dentro da sociedade
rondoniense. São estas articulações desenvolvidas pelo órgão
em busca de um projeto cidadão que se fazem sentidas dentro
da sociedade rondoniense. Entendendo que:
A prática da articulação, como um sistema de fixação-
-deslocamento de diferenças, não pode, em Laclau e
Mouffe, consistir de fenômenos puramente linguísti-
cos. Em vez disso, deve considerar toda a densidade
material das instituições, dos rituais e práticas, atra-
vés dos quais uma formação discursiva se estrutura,
como nos aparelhos de Althusser ou nos dispositivos
de Foucault e Agamben. (PRADO, 2013, p. 98)

Na teoria do discurso proposta por Laclau tem-se uma


tentativa de investigar como as ações sociais se articulam ou
contestam os discursos que formam a realidade social daquele
meio, uma vez que é o discurso que vai dar significado ao ob-
jeto e à posição do sujeito dentro da realidade estabelecida em
cada situação. Então, se assim o é, o MP só insere socialmente
9 Artigo 1° das Disposições Preliminares da Lei Complementar 93, de
3 de novembro de 1993.

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como “em defesa da sociedade”, tal qual seu lema, a partir da


compreensão de que a sociedade precisa de defesa.
Portanto, suas práticas articulatórias como tentativa
de hegemonizar o discurso de defesa da cidadania só é possível
porque o sistema de significação em torno do que é estabeleci-
do como cidadania é contingente, ele não se completa em seu
campo de significação.
Surge, então, a obrigação de estabelecer programa-
ticamente uma série de objetivos que garantam que
cidadãos livres e iguais cheguem a um entendimento
sobre como construir a Administração pública, ba-
seada sempre em estruturas de comunicação pública
voltadas ao entendimento mútuo (SILVA, 2012, p. 15).

Nesse caso, temos por exemplo a Ouvidoria do MP que


de sistema interno se externaliza de forma a atender também
o público, independente da demanda ser para o próprio órgão
ou outras instituições.
Ações de Visibilidade: do indivíduo à coletividade
A questão da Ouvidoria, por exemplo. Via de regra
deveria ser um mecanismo interno da instituição como meio
de seus próprios membros darem voz as suas reclamações. En-
tretanto, o serviço que vem se institucionalizando dentro das
ouvidorias nacionais, e dentre elas a do Ministério Público de
Rondônia, vai muito além do atendimento interno. A Ouvido-
ria assume em grande volume as demandas judiciais que não
fazem parte da competência do MP, distribui os processos que
chegam por denúncias e casos considerados complicados e ao
mesmo tempo assume sua função de investigadora perante
seus funcionários.
Mas como garantir esse entendimento dentro de uma
sociedade e de um rol de cidadãos que esbarram na dificulda-
de da própria língua materna ou então na vergonha de entrar
em uma instituição pública, por diversos motivos. Essa é muito
mais uma questão de modalização e de trabalhar o tratamento

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que os próprios funcionários de determinada instituição para


com a população, até a institucionalização do fazer social da-
quela entidade. Considerando como modalizar:
Modalizar significa motivar o destinatário da comu-
nicação a ser alguém ou a fazer algo a partir de um
querer, fornecendo a ele um saber e indicando o dever
fazer. É claro que, para que a modalização se torne
realidade, o destinatário tem de poder fazer aquilo.
(PRADO, 2013, p. 30)

Esse intuito de modalização do indivíduo social vem


de encontro ao entendimento de participação como depreen-
dido por Paulo Freire (2001, p. 75):
Para nós, a participação não pode ser reduzida a uma
pura colaboração que setores populacionais devessem
e pudessem dar à administração pública. Participação
ou colaboração, por exemplo, através dos chamados
mutirões por meio dos quais se reparam escolas, cre-
ches, ou se limpam ruas ou praças. A participação
para nós, sem negar este tipo de colaboração, vai mais
além. Implica, por parte das classes populares, um
“estar presente na História e não simplesmente nela
estar representadas”. Implica a participação política
das classes populares através de suas representações
ao nível das opções, das decisões e não só do fazer o
já programado.

Ou seja, empoderar a sociedade em sua busca por


cidadania é a maneira efetiva de garantir que ele participe da
construção do seu futuro. Modalizar o cidadão o torna cons-
trutor de sua representação, e esse é um dos intuitos difundi-
dos pelo MPE-RO.
Para isso, cria o CAOP-Cidadania por meio da Reso-
lução nº 003/2011 como órgão auxiliar da atividade funcional
do Ministério Público, com a finalidade de oferecer suporte e
apoio jurídico aos órgãos de execução de cada seguimento da
sociedade que é atendido pela instituição. Com esse órgão, o
MPE se articula por meio de valores a eles determinados que

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em tempo complementam e dão um novo sentido à função


do Ministério Público, elaborando o discurso da prática cida-
dã.
No que expressa Laclau em sua teoria, o discurso
que não se sustenta na aplicação de seus próprios valores
é o discurso em si, que por não apresentar elementos com
significados definitivos possuem certa ambiguidade em sua
tentativa de alcançar o todo social e é por meio das práticas
articulatórias que se definem os sentidos que se quer que o
discurso assuma.
Por discurso, como tentei esclarecer várias vezes, não
tenho em mente algo que é essencialmente relativo às
áreas da fala e da escrita, mais quaisquer conjuntos
de elementos nos quais as relações desempenham o
papel constitutivo. Isso significa que os elementos não
preexistem ao complexo relacional, mas se consti-
tuem através dele (LACLAU, 2013, p.116).

Na constituição descritiva do CAOP o discurso se


apresenta na forma dos valores imanentes: “honestidade, res-
ponsabilidade, dedicação, coragem, conhecimento e humilda-
de” que aglutinados atuarão em defesa da cidadania. Valores,
estes, abstratos em sua interpretação, mas com o objetivo de
transmitir ao cidadão que ao confiar na instituição será defen-
dido por uma entidade superior. Essa entidade superior tem
a competência e a performance para realizar tal ação, porque
é ela que detém o conhecimento jurídico necessário para de-
fendê-lo, como também a compreensão de que determinados
valores são intrinsecamente relacionados com tal defesa.
Ou ainda nos dizeres de Prado interpretando Laclau:
“todo discurso é constituído como uma tentativa de dominar
o campo da discursividade, de capturar o fluxo das diferenças”
(PRADO, 2013, p. 99). MPE-RO e CAOP constroem seu dis-
curso, ora com leis, ora por valores morais para adquirir a con-
fiança e serem-vistos pelo sujeito cidadão que busca um apoio
nas leis para problemas sociais que o afligem. Desse modo, o

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discurso é constituído como apregoa Prado na tentativa de do-


minar o campo da discursividade, nesse caso, o campo da práti-
ca da cidadania.
Todo discurso quer encarnar, fazer encarnar. Uma vez
encarnado, o sujeito se torna um emissor, que vivencia
o discurso. Desde a palavra de ordem, que costura o
discurso na cadeia significante, produzindo a interpela-
ção que cria o actante, a convocação lançada no mundo
pelos dispositivos (cf. Agambem, 2009) visa a encarnar
nos corpos o que leva a um funcionamento pulsional
dos media. (PRADO, 2013, p. 77, grifo do autor)

Assim, o cidadão que consegue “encarnar” o discurso


do MPE sobre o que é ser “cidadão”, buscará seus direitos e vi-
verá a liberdade, a plenitude, as garantias de vida, porque aqui
se presentifica os valores dos direitos dos cidadãos. Mas, o MPE
para alcançar essa “encarnação” do cidadão na prática cidadã
busca através do CAOP o “querer-informar” ao mesmo tempo
em que “quer-fazer” o público (cidadãos rondonienses) apren-
der como “deve-ser” adquirida a confiança, a credibilidade, a
adesão aos seus valores, exercendo uma forma de controle que
se baseia na competência.
Nessa perspectiva, além de dispositivo jurídico, passa
a ser-visto como o dispositivo da cidadania, já que instaura os
temas: justiça social; atenção à criança, ao adolescente e ao ido-
so; direito à educação; qualidade na prestação de serviços públi-
cos estaduais; combate à corrupção, dentre outros; à efetivação
do exercício público e do direito ao cidadão. Assim, tem-se o
CAOP como um dispositivo de controle que intercepta, deter-
mina, controla e assegura o fazer-cidadão rondoniense. Um úni-
co discurso não seria capaz de abranger a complexidade dessa
relação, então atua também como dispositivo discursivo como
nó entre as relações de poder e de conhecimento, conforme pro-
põe Agamben.
Agamben resume a força do dispositivo em três tópi-
cos: 1) o dispositivo é um conjunto heterogêneo, 2)

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organizado como uma rede que 3) inclui uma gama


variada de discursos, instituições, leis, proposições,
etc. Ele tem uma função estratégica, do ponto de vista
sistêmico, estabelecido em uma relação de poder, apa-
recendo como o nó entre relações de poder e de conhe-
cimento. (PRADO: 2013, p. 59, grifo do autor)

Nesse sentido, a ação do CAOP passa a ser o dispo-


sitivo que dá poder ao MPE; e isso acontece porque através
da articulação entre eles, os dois órgãos tentam construir uma
força para desenvolver suas ações em prol dos cidadãos.
Conclusões
O estudo sobre os modos e/ou os discursos como o
Ministério Público do Estado de Rondônia – MPE-RO se ma-
nifesta no espaço público do Estado, seja por meio dos seus
órgãos internos (CAOP e Assessoria de Comunicação) ou em
operações investigativas em defesa da cidadania, é de suma
importância para a comprovação da atuação do órgão como
defensor das causas cidadãs. De acordo com os objetivos pro-
postos por essa instituição pública é necessário o empreendi-
mento no “fazer cidadão” para o efetivo exercício da prática
social. Por isso, a finalidade de produzir certo conteúdo refle-
xivo e analítico sobre as funções do órgão e seu real alcance
na sociedade onde se insere; compreender tal fenômeno de
representação da cidadania contribuirá ao entendimento da
funcionalidade comunicacional, não só do MPE-RO, como
também da população rondoniense em sua esfera cultural e
social, haja vista ser essa população cidadãos/habitantes de
uma região com poucas condições humanas e de vida plena.
Embora no contexto estadual e nacional o local se apresente,
via mídia, com perspectivas de desenvolvimento (principal-
mente presente nos discursos publicitários governamentais),
mas cerceado de aparição midiática envolvido em escândalos
da classe política e a falta de infraestrutura ao pleno exercício
da cidadania.

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A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE UMA


RELEITURA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
“FASE CRECHE”: UM OLHAR SOBRE A
INFÂNCIA

MOTA, Keila Neves da Mota1


SILVA, Elka Niele Gentil 2
Introdução
Paulo Freire compreende o conceito de educar como
humanizar-se. O homem é um ser da práxis, da ação e da re-
flexão. Ele diz que a natureza ontológica do homem é ser mais;
ninguém quer ser menos. O que nos impede são as estruturas
opressoras da sociedade. Nessa perspectiva, a aprendizagem
não pode estar desvinculada da experiência cultural desses su-
jeitos, havendo o reconhecimento e a valorização da diversi-
dade em que estão inseridos. Portanto, Freire, compreende a
Educação como um processo permanente, que não se esgota
nos minutos de cada aula, não se prende aos muros escolares,
exatamente porque não acontece exclusivamente nas Institui-
ções Escolares.
Nesse processo, é preciso que o educando se coloque
como sujeito, e não como mero objeto. Como afirma Freire
(1996, p. 36) “se o homem é o sujeito de sua própria educação,
não é somente objeto dela; como ser inacabado não deve ren-
1 Professora especialista em Psicopedagogia e Didática do Ensino
Superior da Universidade Nilton Lins. E-mail: keilanevesdamota@
hotmail.com
2 Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Nilton Lins.
E-mail: elkaam2@gmail.com

1881
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

der-se, mas interrogar e questionar”. E como a criança é enxer-


gada por estas perspectivas?
Como seres inacabados, os homens, para Freire (1979,
p 10.), são também sujeitos de conhecimento:
Conhecer não é ato através do qual um sujeito trans-
formado em objeto recebe dócil e passivamente os
conteúdos que outro lhe dá ou lhe impõe. O conheci-
mento pelo contrário, exige uma presença curiosa do
sujeito em face do mundo. Requer sua ação transfor-
madora sobre a realidade. Demanda uma busca cons-
tante, implica em invenção e reinvenção.

Aqui há um olhar positivo, também sobre o sujeito


“CRIANÇA”, pois a educação precisa considerar no sentido de
perceber o que ele sabe o que ele traz de bagagem cultural, e
não apenas o que lhe falta, o que ainda não aprendeu.
Os pressupostos teóricos de Paulo Freire articulados à
brincadeira e a interação, assumida como eixos norteadores da
escola de educação infantil, podem auxiliar na criação/recria-
ção de teorias e práticas que permitem o desenvolvimento de
uma proposta de educação de crianças pequenas, entendidas
como sujeitos de conhecimento.
Para chegar até aqui, diferentes momentos históricos
contribuíram para romper com o caráter assistencialista na
Educação Infantil. Primeiramente, a Constituição de 1988, que
determinou esse nível de ensino como dever do Estado brasi-
leiro, com isso os profissionais da educação infantil ganharam
legitimidade no exercício de sua profissão como docentes, sem
contar do direito da criança que foi conclamado com sua apro-
vação.
No ano de 1990, mais uma conquista, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) que ao ser aprovado reafir-
mou os direitos constitucionais relacionados à Educação In-
fantil. Nessa sequência de fatos, tivemos a publicação pelo
MEC, em 1994, de documento que definiu a Política Nacional
de Educação Infantil, estabelecendo metas de expansão de va-

1882
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

gas, melhoria da qualidade no atendimento às crianças, neces-


sidade de qualificação dos profissionais.
Em 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96, a Educação
Infantil passa a constituir a primeira etapa da Educação Básica,
integrada aos ensinos Fundamental e Médio. Se o direito na
primeira infância já estava assegurado na Constituição e no Es-
tatuto da criança e do adolescente, com o advento da LDB, te-
mos a tradução desse direito em diretrizes e normas em âmbito
nacional. A inclusão da educação infantil na educação Básica
é o reconhecimento de que a educação começa nos primeiros
anos de vida. Porém muito ainda há que se fazer para consoli-
dar as finalidades educacionais que contemplam esse período
de escolaridade que contribui significativamente para a forma-
ção da identidade da criança.
Para orientar e subsidiar as práticas pedagógicas e a
elaboração de currículos da Educação Infantil, o MEC editou,
em 1998, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Um ano depois, em 1999, o Conselho Nacional de
Educação (CNE) publicou em 2009 as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Esses documentos são as
principais referências para elaboração e avaliação das propos-
tas pedagógicas das instituições de Educação Infantil do país.
Em uma Creche pública no município de Manaus as
crianças são consideradas, desde o início, sujeitos da apren-
dizagem, pensadores, leitores, escritores e questionadores do
funcionamento dos instrumentos da cultura, do mundo e da
vida.
Os pesquisadores que estudam o desenvolvimento
infantil afirmam que a construção da inteligência e a aquisi-
ção da aprendizagem, bem como a aquisição de habilidades,
de valores e das atitudes, são desenvolvidas nesta fase e servem
para toda a vida. Por isso, eleger a Educação Infantil como um
período fundamental do processo educativo é reconhecer que
os primeiros passos na Educação são decisivos para o desen-

1883
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

volvimento da criança. Sujeitos que têm o direito de dizer a sua


palavra e que trazem consigo saberes, desejos e experiências
desde a mais tenra idade.
Para a construção do referencial teórico, nesse texto,
serão trabalhados os seguintes conceitos e categorias da matriz
do pensamento freireano: diálogo, construção de conhecimen-
to, amorosidade, colaboração, tolerância, sonhos/esperança,
escuta, criticidade e curiosidade, articulados em uma trama,
com o objetivo de criar pontes entre a epistemologia de Paulo
Freire e a educação infantil desde a mais tenra idade.
QUEM (FOI) É PAULO FREIRE?

Eu acho que uma das coisas melhores que eu tenho


feito na minha vida, melhor que os livros que escrevi,
foi não deixar morrer o menino que não pude ser o
menino que eu fui, em mim (...) Sexagenário, tenho
sete anos; sexagenário, eu tenho quinze anos; sexage-
nário, amo a onda do mar, adoro ver a neve caindo,
parece até alienação. Algum companheiro meu de es-
querda estará dizendo: Paulo está irremediavelmente
perdido. E eu diria a meu hipotético companheiro de
esquerda: Eu estou achado, precisamente porque me
perco olhando a neve cair. Sexagenário, eu tenho 25
anos. Depois de ter perdido uma mulher que amei es-
trondosamente, eu começo a amar estrondosamente
de novo, sem nenhum sentido de culpa. E isso tam-
bém é pedagógico. (FREIRE, 2001, p. 101)

Freire nos ensina aqui sobre a experiência, a infância


defendida neste trabalho. Uma infância que nos acompanha
por toda vida: “sexagenário, tenho sete anos... tenho quinze...
tenho 25 anos”. Perdendo-se ele se acha, avança para o come-
ço, como nos diz o poeta Manoel de Barros (1997). Ensina a
pensarmos num tempo que não é linear, mas onde passa do
e presente se cruzam; todos inacabados, pois o passa do não
precisaria ter sido o que foi, o mesmo com o presente, o futuro
é possibilidade. Ao pensar uma história que não está acaba-

1884
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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da, cria de novo: “começo a criar uma vida de novo”. Ensina,


sobretudo, que criança e adulto podem dialogar, conviver na
mesma casa que é o sexagenário; o diálogo é permanente. Não
é preciso matar o menino para que o sexagenário viva. Matar
o menino é também matar o sexagenário. Matar o menino é
matar a infância. Matar o menino é matar nossa condição hu-
mana de sermos afetados pelo mundo. Matar o menino é matar
a experiência; é matar o próprio homem.
Freire conta que foi alfabetizado no chão do quintal
de sua casa, à sombra das mangueiras, com palavras do seu
mundo de criança, diz: “o chão foi o meu quadro-negro; gra-
vetos o meu giz” (FREIRE 1982; p. 18). Testifica que foi alfabe-
tizado por seus pais e que sua experiência de diálogo começou
com eles e com o testemunho deles.
Com efeito, é possível perceber que a Educação que
Paulo Freire recebeu de seus pais, desde a infância, se caracte-
riza por apresentar aspectos educativos desenvolvidos dialogi-
camente e com muito afeto. Ao que parece era um tratamento
que permitia a curiosidade, a autonomia, a liberdade, mas, ao
mesmo tempo, entendido a partir de valores como o respeito
e a responsabilidade. É possível que o contexto da educação
experienciado em sua infância o tenha influenciado, de forma
significativa e particular, durante toda a sua vida. Vale lembrar
que o que o movia durante toda a sua trajetória era a curiosida-
de de menino, a qual ele diz nunca ter deixado morrer. É o que
explicita nos textos a seguir:
... é importante dizer, a “leitura” do meu mundo,
que me foi sempre fundamental, não fez de mim um
menino antecipado em homem, um racionalista de
calças curtas. A curiosidade do menino não iria dis-
torcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui
mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi
com eles, precisamente, em certo momento dessa rica
experiência de compreensão do meu mundo imedia-
to, sem que tal compreensão tivesse significado mal-
querenças ao que ele tinha de encantadoramente mis-
terioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da

1885
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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palavra. A decifração da palavra fluía naturalmente da


“leitura” do mundo particular. Não era que se estives-
se dando supostamente a ele (FREIRE, 2006; p. 15).

Pode-se dizer que Freire foi o pré-escolar, como ele


mesmo conta em uma de suas obras, livre... despretensioso.
Assim, quando entrou na escola, a primeira escola “formal” de
sua vida, já estava alfabetizado. Sua primeira escola não era pú-
blica, mas particular; conta que ao chegar à escolinha da pro-
fessora Eunice Vasconcelos já sabia ler e escrever e que lá con-
tinuou e aprofundou o trabalho iniciado por seus pais relata,
ainda, que com ela, a professora Eunice, a leitura da palavra foi
a leitura da “palavramundo”. Conta que frequentou essa escola
por volta de um ano e pouco, com a mesma professora, e o que
o marcou na passagem por ela e com ela foi uma atividade que
costumeiramente chamavam de “formar sentenças”, conta que
esse exercício o agradava muito, pois era significativo, mos-
trava a concretude das palavras que formavam frases, as quais
descreviam e significavam algo (GADOTTI, 1989).
A partir desse texto inicial, intentamos relacionar Paulo
Freire em sua infância nos conceitos e concepções por ele elabora-
das, ao longo de nuances da sua vida, que fundamentaram seus fei-
tos teóricos. Essa afirmação é válida a partir do momento que ao se
utilizar de suas memórias, podemos perceber que seus estudos não
tinham somente um objeto a ser investigado para fins acadêmicos e
sim inquietações oriundas da ação diante da realidade experiencia-
da em cada momento. Assim, cada experiência de sua vida parece
constituir princípios fundamentais de sua concepção de educação
caracterizados como um primeiro esforço de elaboração teórica.

PENSAMENTO DE PAULO FREIRE X CRIANÇA

Neste momento, nossas perguntas de pesquisa são:


Em que obras Paulo Freire se refere à infância e às crianças?
Como se refere? Que implicações são possíveis serem identifi-
cadas, a partir destas referências, tendo em vista a constituição
de uma Pedagogia da Infância Oprimida?

1886
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Conceito de infância consideramos ir além de uma


etapa meramente cronológica, defendemos aqui como uma
condição da existência humano em que a ausência da voz não
pode ser compreendida há a falta da “fala”. A espécie humana
não nasce sabendo falar: aprende a falar. Há, portanto, um de-
terminado momento em que ela é não-falante, é infante, aque-
la que não fala. Porque somos não-falantes e nos construímos
como falantes, há história. Infância e inacabamento se encon-
tram aqui. Dessa forma, a infância não significa apenas uma
etapa cronológica da existência humana, e sim a própria con-
dição para que possamos continuar vivendo, transformando,
no cotidiano, a não-fala em língua e discurso capazes de co-
locá-los na posição de criadores de cultura e continuidade da
nossa existência.
Para Freire o ser humano é inacabado, portanto, aber-
to; um ser de desejo; um ser social e político que se constrói
nas relações com os outros seres humanos; um ser singular que
cria sua peculiar maneira de ser, embora faça parte, com os ou-
tros, da mesma espécie humana; um ser que tem uma história,
se constrói na história e constrói história; um ser que interpreta
o mundo; um ser que se empenha em atribuir sentido às expe-
riências que vive; que age no mundo; que precisa aprender para
construir a sua maneira de ser. Aprendizado que o acompanha
por toda sua vida, e que se insere num “permanente processo
de esperançosa busca”. (Freire, 2000, p. 114). A infância des-
sa maneira pressupõe uma condição de inacabamento. Somos
seres em permanente processo de constituição do “si mesmo”.
É nesse sentido que discutimos aqui como a educação
escolar vem tratando crianças tão pequenas que adentram a es-
sas instituições a suprir necessidades variadas e algumas vezes
até assistencialistas, porém que atendem ao direito da crian-
ça. Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Infantil
(DCNEI´s) a criança é considerada como “Sujeito histórico e
de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas
que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,

1887
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, nar-


ra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura”.
Assim, defendendo que as crianças sejam protagonis-
tas de sua história, é que reconhecemos na obra de Paulo Freire
um referencial teórico importante para a análise das condições
de vida das crianças e, neste sentido, para a constituição de uma
pedagogia comprometida com a infância oprimida; pedagogia
esta que nos possibilite abertura suficiente para termos para
com as crianças um olhar de respeito às suas singularidades,
necessidades e direitos.
PAULO FREIRE “EDUCADOR DE VÁRIAS FACETAS”
Tracemos aqui uma discursão como os pressupos-
tos freiriano podem ser recriados na Educação da Infância.
Para tanto efetuou algumas considerações sobre a metodo-
logia que orientou tal investigação; abordou algumas ques-
tões concernentes aos pressupostos do educador Paulo Freire
apresentou aspectos relevantes sobre a Educação da Infância
encontrados em sua obra “A Educação da Cidade” ([1991]
2006), bem como fez algumas considerações sobre como
e porque a pedagogia desse educador pode ser recriada na
Educação da Infância.
Com análise da referida obra, percebe-se a transpa-
rência que Paulo Freire tinha preocupações com as crianças.
Assim, seus pressupostos teóricos se apresentam de maneira
bastante significativa, para nortear uma experiência pedagó-
gica na Educação Infantil. Isso porque as crianças têm a opor-
tunidade de se apresentar como sujeitos do processo ensino e
aprendizagem e do seu desenvolvimento humano e social.
Desta maneira é possível afirmar que o projeto edu-
cativo proposto por Freire é anunciador do ser humano plu-
ral. Neste sentido, seus pressupostos podem ser utilizados em
diversos contextos educativos, principalmente naqueles onde
os mecanismos de opressão, de exclusão, de preconceito, de

1888
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

subordinação, de miséria, dentre outros, se fazem presentes e


impedem a humanização.
Igualmente, os pressupostos freireanos podem ser res-
significados na Educação Infantil no que diz respeito a consti-
tuição de um espaço educativo dinâmico e desmistificador das
realidades sociais. Observamos que Freire se preocupou com a
educação de todas as crianças, mas enfatizou a necessidade de
maior atenção às crianças das classes populares, por fazerem
parte de contextos que não respeitam a sua cultura. Neste en-
tender as crianças das classes populares, inseridas em um pro-
jeto educativo freireano, poderiam constituir e ser constituídas
por meio de suas subjetividades. A partir dessa compreensão,
seriam autoras de suas histórias, fundadas na autonomia e na
esperança, seriam anunciadoras da possibilidade de transfor-
mação do mundo.
PROFESSOR OU MEDIADOR?
No período de alfabetização da criança, diante dos
alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a repre-
sentação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de
linguagem serão estudados depois do desdobramento em sí-
labas das palavras geradoras. O conjunto das palavras gerado-
ras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir
o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a
leitura e a escrita. “Isso faz com que a pessoa incorpore as es-
truturas linguísticas do idioma materno”, diz Romão. Embora
a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso
de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em
programas de alfabetização em diversos países do mundo.
Na Educação Infantil o professor também é mediador
de conhecimento, as músicas que utiliza exauriam o que poste-
riormente adentrará em seu cognitivo a difícil significação das
palavras seus símbolos e signos passarão a fazer sentido. Ainda
no espaço na educação infantil é possível propor um espaço
de partilha e confronto de ideias, onde a liberdade da fala e

1889
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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da expressão proporcionam ao grupo como um todo, e a cada


indivíduo em particular, o crescimento “na compreensão dos
seus próprios conflitos” (Freire, M. 2002:21). Cada criança é
desafiada a participar do processo, em roda de conversa, tendo
o direito de usar a fala para expressar suas ideias, emitir suas
opiniões, pronunciar a sua forma de ver o mundo. Falando e
escutando o outro que fala, as crianças vão experimentando a
construção coletiva de encaminhamentos necessários à resolu-
ção de conflitos que surgem no interior do grupo.
Conclusões
A compreensão da criança como sujeito com direito
à participação em ambientes coletivos incrementa políticas e
projetos pedagógicos para as creches. Nesta perspectiva o bebê
não é só objeto de ação do outro, mas sujeito de ações.
Sabemos que o recorte de ideias aqui apresentado,
ainda não é suficiente para dar conta das possibilidades de
contribuição de Paulo Freire para uma pedagogia da educa-
ção de infância. O que pretendemos foi apresentar algumas
discussões sobre as possibilidades da educação de infância se
constituir como espaço de humanização de suas crianças. E de
que forma elas podem passar de à sujeitos de sua própria hu-
manização, intermediadas por uma prática de conscientização
dialógica, sem violentar os seus direitos infantis e respeitando
a fase em que se encontra, ritmo. Acreditamos que ensaiar pos-
sibilidades ou concretizar propostas para pedagogia da educa-
ção de infância que se pretende afirmar como espaço/tempo
contrários à domesticação, deverá significar a reinvenção das
próprias ideias deste autor, considerando as complexidades do
universo infantil e as urgências nesta modalidade da educação.
Em rigor, tem-se conhecimento da existência de mui-
tos trabalhos que abordam os pressupostos de Paulo Freire em
distintas áreas e temáticas. No entanto, o intuito deste estudo
esteve voltado para buscar compreender as reflexões de Paulo
Freire na educação e analisar as suas preocupações com as in-

1890
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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fâncias e as crianças. Mesmo que ele não tenha abordado espe-


cificamente em suas obras esse tema, entende-se que seu pen-
samento propicia outro entendimento em relação à infância,
à criança e à Educação Infantil das classes populares. Sob esta
perspectiva, busca-se analisar como o seu pensamento pode
ser recriado neste contexto. É importante salientar que esse es-
tudo abre possibilidades de novas investigações.
Do ponto de vista educativo pedagógico, são intensos
e densos os debates sobre as necessidades de que as creches
favoreçam a expressão, a convivência, a brincadeira, a lingua-
gem, a criação cultural, o conhecimento do corpo e ação sau-
dável junto à natureza. As creches precisam se configurar como
espaços com condições de assegurar qualidade às práticas e
interações entre as crianças, entre os adultos, entre as crianças
e adultos. Para tanto, há desafios a enfrentar, em especial quan-
to à formação de profissionais e aos equipamentos e acervos
(livros literários, mobiliários e brinquedos).

Referências

ABRAMOWICZ, A e WAJSKOP, G. Educação Infantil:


Creches: atividades para crianças de zero a seis anos. 2. ed.
São Paulo: Moderna, 1999.
ARIÉS, Philippe . A História Social da criança e da Família (2ª
edição). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Editora
S.A. 1981
CORREIA, José Alberto. Prefácio» in RIBEIRO, A. A Escola
pode esperar. Porto: Edições Asa. 2002
DEVRIES, R. & ZAN, B. A ética na Educação Infantil – O
ambiente sócio-moral na escola. Porto Alegre: ArtMed
Editora.1998
FREIRE, M. A Paixão de Conhecer o Mundo (15ª edição). São
Paulo: Paz e Terra. 2002

1891
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

FREIRE, Paulo & BETO, Frei. Essa escola chamada vida –


Depoimentos ao Repórter Ricardo Kotscho (11º edição). São
Paulo: Editora Ática. 2001
_______ Pedagogia do Oprimido (11º edição). Rio de Janeiro:
Paz e Terra. 1974
_______ Educação como prática da liberdade (14ª edição).
São Paulo: Paz e Terra. 1983.
_______ A Educação na Cidade. (7º edição). São Paulo:
Cortez Editora. 1991.
_______ Pedagogia da Indignação. São Paulo: Editora
Unesp.2002.
_______ Pedagogia da Esperança (8ª edição). São Paulo: Paz e
Terra. 2001.
_______ Pedagogia da Autonomia (24ª edição), São Paulo:
Paz e Terra. 2002
GUIMARÃES, Daniela. Relações entre Bebês e Adultos na
Creche: O Cuidado como ética. São Paulo: Editora Cortez.
2011.
KRAMER, Sónia. Pesquisando Infância e Educação: Um
Encontro com Walter Benjamin», in KRAMER, S. & LEITE,
M. I. (org.) Infância: Fios e Desafios da Pesquisa (3ª edição),
São Paulo: Papirus. 1998.
OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: fundamentos
e métodos. São Paulo: Cortez Editora. 2002
SILVA, Isabel de Oliveira e. Educação Infantil no coração da
cidade. São Paulo: Editora Cortez. 2008

1892
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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PROFESSOR: POR UMA EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL NA AMAZÔNIA

Mauro dos Santos Marques1


INTRODUÇÃO
Para se tornar professor, é preciso ter um curso supe-
rior em uma área relacionada com o ensino, seja a Pedagogia,
seja um curso na modalidade de licenciatura, onde se apreende
os principais conceitos didáticos pedagógicos, além de se anga-
riar as primeiras experiências em sala de aula.
O grande problema com relação ao exercício do pro-
fessorado é a desvalorização de sua profissão. Embora seja uma
das competências mais admiradas pela sociedade, os profissio-
nais da área sofrem com os baixos salários, as precárias condi-
ções de trabalho em alguns casos ou o trabalho excessivo em
outros, além de outros fatores como a indisciplina dos alunos
e a superlotação das salas. Essa realidade reflete-se no baixo
interesse dos estudantes em se tornarem professores, pois a
minoria dos que concorrem ao processo de vestibular e Enem
desejam ingressar em carreiras relacionadas com a licenciatura
ou pedagogia.
Apesar de ser visível a desvalorização crescente que
se estabelece em relação ao professor no Brasil, mesmo assim,
ainda é depositada nele toda a esperança da melhoria da edu-
cação. A escola continua sendo vista e entendida como a orga-
1 Mauro dos Santos Marques é Pedagogo, formado pela Universidade
do Estado do Amazonas – UEA/2009. Especialista em Gestão e Saú-
de, formado pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM/2012.
Email: marquesxx@hotmail.com

1893
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nização capaz de transmitir o conhecimento, a produção cul-


tural desenvolvida pela sociedade, porém, a figura do professor
ainda é de ator principal neste complexo espaço, o mediador, o
transmissor, o crítico, a qualidade e o intérprete desta cultura.
Neste artigo a narrativa é apresentada como opção
metodológica para reflexão da prática de docentes profissio-
nais a partir do estágio do Curso de Pedagogia da Universida-
de do Estado do Amazonas (UEA), oferecido em atendimento
ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica (PARFOR), de modo a possibilitar a atribuição de sig-
nificados à docência, revendo e/ou redefinindo práticas. Todas
as narrativas aqui apresentadas são de alunos do Curso de Pe-
dagogia (UEA)/PARFOR.
Para justificar a importância do estágio dentro do pro-
cesso de aprendizagem ao docente profissional que deseja es-
tar preparado para enfrentar os desafios de sua carreira, des-
tacamos teóricos como Tardif (2002), Schön (2000), Pimenta
(2002), Lima (2012), dentre outros que defendem a necessi-
dade de considerar o estágio como campo de conhecimento,
alicerçado numa epistemologia da prática, o que justifica a sua
realização na forma de pesquisa durante o processo formativo.
E, para nortear e contribuir para a ruptura da raciona-
lidade técnica pela reflexão crítica da própria prática docente
foram definidos instrumentos de investigação e registros, quais
sejam: observação participante; registro em um instrumen-
to denominado caderno de registros e memórias; Projeto de
Aprendizagem, elaborado a partir de um problema/tema iden-
tificado durante as observações e vivências.
1. EDUCAÇÃO NO AMAZONAS: O DESAFIO DA
DOCÊNCIA
A Amazônia mostra ao mundo a sua imensa floresta
tropical e a gigantesca bacia hidrográfica do rio Solimões da
região amazônica, expõe a sua riqueza de enormes reservas de
recursos naturais na área mineral, faunístico e florístico, região

1894
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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recortada pela maior malha fluvial do mundo (são mais de mil


rios) e por causa de sua grande diversidade e peculiaridade ge-
ográfica a Amazônia apresenta grandes desafios para a educa-
ção.
São situações das mais diversas, uma logística diferen-
ciada de outros locais que vão desde a demora da chegada de
recursos, dificuldades de transporte para o acesso de docentes
e discentes, até inundações e grandes secas de cidades.
Fazer ensino, pesquisa e educação na Amazônia re-
quer comprometimento e paixão pela educação, é ultrapassar
os limites do querer fazer, é superar os perigos expostos e ocul-
tos existentes numa região cercada de obstáculos e de belezas
naturais.
Apesar de toda adversidade que a região Amazônica
apresenta, a qualidade da formação de professores é um dos
desafios que a educação no Estado do Amazonas tem trabalha-
do para melhorar nos últimos trinta anos.
O Estado do Amazonas realizou [...] um grande es-
forço para melhorar a educação: substituição de pro-
fessores leigos por professores com curso “pedagó-
gico”; oferta do chamado “quarto ano adicional”, um
pós-médio dado aos professores; complementação
das licenciaturas curtas ministradas por universida-
des que integraram o Projeto Rondon na Amazônia;
cursos presenciais de licenciatura, pela UFAM e, por
ultimo, os programas especiais como PEFD-UFAM
e PROFORMAR-UEA. Apesar de todas essas ações,
ainda não foi possível suprir os sistemas municipal
e estadual de ensino com os professores necessários
à expansão acelerada dos sistemas educacionais, so-
bretudo nas séries finais do Ensino Fundamental e no
ensino Médio. (BARBOSA, 2008, p. 21)

Há muito tempo vem se discutindo a formação do


professor, o que inclui a formação inicial, nas universidades,
até a valorização dos profissionais mais experientes. Não se
nasce professor. Torna-se professor por meio de um processo
de formação e de aprendizagem na profissão.

1895
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Em 2009, surge o PARFOR para consolidar a Política


Nacional de Formação de Professores, instituída para atender
o disposto no artigo 11, inciso III do Decreto nº 6.755, de 29
de janeiro de 2009 e implantado em regime de colaboração
entre a Capes, os estados, municípios o Distrito Federal e as
Instituições de Educação Superior – IES, para a elaboração de
um plano estratégico de formação inicial para os professores
que atuam nas escolas públicas. Esta ação faz parte do Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE), em vigor desde abril
de 2007.
A formação inicial abrange três situações: professores
que ainda não têm formação superior (primeira licenciatura);
professores já formados, mas que lecionam em área diferente
daquela em que se formaram (segunda licenciatura); e bacha-
réis sem licenciatura, que necessitam de estudos complemen-
tares que os habilitem ao exercício do magistério. Fernando
Haddad (2009), Ministro da Educação, afirmou em entrevista
que “o objetivo do sistema é dar a todos os professores em exer-
cício condições de obter um diploma específico na sua área de
formação”.
Neste contexto, o PARFOR vem criando condições
para que o docente torne-se um verdadeiro profissional no âm-
bito da Educação. Que redimensione suas práticas profissio-
nais diante de uma nova compreensão das teorias e concepções
educacionais adquiridas, que busque e tenha perspectivas para
as atividades futuras.
2. AUTONOMIA E DOCENCIA PROFISSIONAL
Apesar de todas as dificuldades e percalços encontra-
dos pelos docentes da Região Amazônica, a carreira de pro-
fessor é bastante importante e oferece uma grande oportuni-
dade para que as pessoas não só acumulem saberes, mas que
também oportunizem a outras pessoas o desenvolvimento das
diferentes formas de conhecimento. Vale lembrar que a função
do professor não é a de transmitir informações, mas fazer com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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que o aluno consiga assimilar melhor as características e pro-


cessos inerentes ao mundo em que vive.
Segundo Nóvoa (1992), “algumas pessoas têm do en-
sino a visão de uma atividade que se realiza com naturalidade,
isto é, sem necessidade de qualquer formação específica”.
Ser professor é um ofício extremamente desgastan-
te, formar, preparar um indivíduo para tornar-se um cidadão,
dar-lhe a base para poder alçar voos maiores, sabendo que sua
orientação pedagógica irá influenciar de uma forma ou de ou-
tra, na escolha de uma carreira.
Ao pensar no trabalho desenvolvido pelo professor,
em sua prática pedagógica, e nas tantas propostas de educação
em que se lê que a formação oferecida ao aluno deve propiciar
que ele se torne um sujeito autônomo, que seja capaz de assi-
milar sua realidade vivenciada, de atingir capacidades cada vez
mais elaboradas, e de conhecer e atuar no mundo físico e social
torna-se impossível para o professor oferecer uma formação ao
aluno para que se torne um sujeito autônomo sem vivenciar a
sua própria autonomia no exercício de sua prática.
Pensar sobre o dever que tenho, como professor, de
respeitar a dignidade do educando, sua autonomia,
sua identidade em processo, devo pensar também,
como já salientei, em como ter uma prática educativa
em que aquele respeito, que sei dever ter ao educando,
se realize em lugar de ser negado. Isto exige de mim
uma reflexão crítica permanente sobre minha prática
através da qual vou fazendo a avaliação do meu pró-
prio fazer com os educandos. (FREIRE, 2011, p. 63).

Quando se refere à qualidade do ofício docente e à


questão de sua autonomia profissional, vemos, ainda hoje, pro-
fissionais leigos, sem formação, atuando e formando outros
profissionais, o que gera um círculo vicioso de má profissiona-
lização docente. Esta situação precisa ter fim, tem-se que bus-
car novas estratégias de formação de professores.
É de suma importância à implementação de cursos de
formação inicial e continuada de professores e não apenas se

1897
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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preocupar com os conteúdos didáticos pedagógicos dos con-


ceitos científicos que ensinam, mas que também possam de-
dicar atenção ao desenvolvimento da autonomia do professor
para que haja uma sustentabilidade de ações que se busca im-
plementar em nossas escolas.
Durante a análise das narrativas realizadas nos regis-
tros dos alunos do Curso de Pedagogia (UEA)/PARFOR, os
mesmos revelam compreensões e dificuldades quanto a docên-
cia, assim como o despertar para a necessidade de mudanças
ou revisão de concepções e práticas.
Dentre os relatos, destacamos o da aluna D.B (2015)
do Curso de Pedagogia (UEA)/PARFOR, no inicio de sua for-
mação profissional:
“Tinha umas ideias errôneas a respeito do papel do
professor. Devido eu ter passado por um processo de
formação tradicional em que as relações professor/
aluno se davam de uma maneira vertical, onde o pro-
fessor era o detentor do conhecimento e tudo que ele
dizia era verdade absoluta. Então, imaginava que ser
professor seria uma tarefa muito fácil, apenas ir para
uma sala de aula escrever os conteúdos na lousa e de-
pois corrigir os cadernos”.

E sua nova maneira de pensar após reflexão da prática


de docentes profissionais a partir do estágio do Curso de Peda-
gogia (UEA)/PARFOR:
“[...] posso afirmar que aprendi a importante função
social do professor e que o mesmo deve ser constan-
temente um pesquisador buscando sempre soluções.
Faz-se necessário que o educador se auto-avalie para
buscar embasamentos teóricos essenciais à reconstru-
ção de sua prática pedagógica”.

Na apresentação de sua nova consciência quanto à


docência, a aluna reconheceu a sua prática tradicional, enten-
dendo que o ensino requer dedicação, profissionalismo e que
docência não se restringe a transmitir conhecimentos ao aluno

1898
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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através de diversos meios e técnicas de ensino, mas fazê-lo em-


basado em bases teóricas que lhe permitem refletir continua-
mente sobre a prática, “auto avaliar”.
A aluna E. P (2015) reforça a importância de bases teó-
ricas para a reflexão sobre a prática, ao relatar como trabalhava
e refletia em sala de aula:
“Meus educandos as vezes questionavam algumas coi-
sas, mais nunca dei muita atenção a eles, sempre dizia
que eles tinham apenas que prestar atenção no que
eu estava ministrando nos conteúdos, por que se não
aprendessem não iriam passar nas provas do bimestre.
Nunca levei em conta o pensamento dos meus sujeitos
em formação, pois aprendi que o professor é o deten-
tor do conhecimento e o educando o absorvedor do
conhecimento[...], ou seja, eu por não ter conhecimen-
to teórico ensinava os meus alunos no senso comum”.

E, após analisar a sua prática docente durante as ativi-


dades de estágio, esta aluna conclui que: “Quando não conhe-
cemos os conhecimentos de uma educação, não paramos para
perceber que há alguma coisa errado com ela, simplesmente a
seguimos e ensinamos [...]” (sic.).
Segundo Nóvoa (1999), a formação de professores é a
área mais sensível das mudanças em curso no setor educativo:
não se formam apenas professores produz-se uma profissão.
A reflexão em torno de construção de uma identidade
pessoal-profissional a partir de diferentes contextos, possibili-
dades, compreensões e constituições docentes, que se refletem
num ressignificar de práticas de como ser professor, foi o que se
pode perceber na narrativa da aluna A. N (2015):
“Poder ressignificar meu ensino foi a melhor coisa que
aprendi com todos os mestres que tive nessa gradua-
ção, aprendi ter um olhar mais afetivo e compreensivo
com os meus educando. Olhar esse que mudou muito
minha maneira de amar e compreender a educação
não apenas como uma forma de ensino de conteúdos,
mais uma educação em forma de transmissão de amor
pelo meu próximo”.

1899
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Por meio destes relatos, infere-se que para os alunos


do Curso de Pedagogia (UEA)/PARFOR, ser professor é ser
consciente da escolha que fez, é saber que tem que ir além das
tarefas estabelecidas em contrato. É ser autor na transformação
da qualidade social da escola. Ser professor é estar em constan-
te mudança e processo de formação, desenvolvendo a práxis
pedagógica.
Segundo FREIRE (2011), ensinar exige comprometi-
mento, exige querer bem aos educandos:
Querer bem não significa, na verdade, que, porque
professor, me obrigo a querer bem a todos os alunos
de maneira igual. Significa, de fato, que a afetividade
não me assusta, que não tenho medo de expressá-la.
Significa esta abertura ao querer bem a maneira que
tenho de autenticamente selar o meu compromisso
com os educandos, numa prática específica do ser hu-
mano.(p. 138)

A afetividade não diminui em nada a competência


profissional e a seriedade docente. Na verdade, o que não pode
ocorrer é que essas relações afetivas interfiram no cumprimen-
to ético do dever de professor no exercício da sua autoridade.
Os relatos dos alunos no caderno de registros e me-
mórias demonstram uma diversidade de circunstâncias que
vão surgindo, as quais desencadeiam verdadeiras aptidões para
a docência:
“[...] ingressei na área da educação, trabalhando como
assistente administrativo, que ainda é a minha fun-
ção”.

“A escolha da minha profissão se deu a partir do mo-


mento que comecei a questionar o porquê que da es-
cola onde iniciei minha formação escolar não atender
todas as modalidades da Educação Básica, havendo
apenas uma única escola naquele local e, com apenas
duas salas de aula, que funcionava da 1ª até a 4ª série
do Ensino Fundamental. [...] acreditava que todas as
crianças deveriam estudar na creche ou a pré-escola

1900
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

e não compreendia o porquê de naquela comunidade


não existir uma escola que atendesse a essa modalida-
de da Educação Básica, o que me fez querer ser pro-
fessora para mudar aquela realidade”.

“Durante os períodos de Estágio I, II e III foi possível


consolidar minhas percepções teóricas vivenciadas na
Universidade do Estado do Amazonas, interligando a
teoria com a prática. Nesse sentido, compreendo que
o sistema educacional deve oferecer uma educação de
qualidade, englobando interesses e necessidades da
sociedade, a fim de formar cidadãos atuantes e crí-
ticos. Estas experiências dos estágios são essenciais
para a formação contínua do acadêmico de pedago-
gia. [...] As vivências adquiridas irão ressignificar nos-
sas práticas pedagógicas considerando que cada vez
mais são requisitados profissionais com habilidades e
bem preparados”.

“Os estágios, contribuíram de forma significativa para


minha atuação profissional, pois foi quando realmen-
te percebi a importância da minha formação para a
profissão que escolhi desenvolver. Foi quando tam-
bém me dei conta, o quanto teria que me dedicar para
me tornar-me uma profissional competente e com-
promissado, sem perder o amor e a dedicação que esta
profissão exige de quem se propõe a desenvolvê-la”.

“A faculdade nos abre espaços que, muitas vezes, em


toda a caminhada da escola, não foram propostos
para nós, e isso atualmente acho muito importante,
porque quantas foram as vezes que tinha algo a falar
ou até a protestar, e não tinha uma chance sequer para
isso acontecer. Era professor ali na frente autoritário,
muitas vezes, e nós alunos ali um atrás do outro só co-
piando coisas que não tinham sabor e nem importân-
cia naquele momento, Pois, o que faltava era dialogi-
cidade com os seres que ali ocupavam aquele espaço”.

“Tenho ganhado uma postura crítica/reflexiva frente


aos acontecimentos educacionais, adicionando a mi-
nha formação profissional novos termos, novas situa-
ções e olhares, que me fizeram enxergar e descobrir
um novo mundo, compreendendo que a formação

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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provoca ações e contribui para mudanças na maneira


de pensar e agir, possibilitando refletir minhas atitu-
des e posicionamentos. Com isso, pretendo dar con-
tinuidade nos estudos a fim de melhorar profissional-
mente e atualizar meus conhecimentos”.

No que tange às percepções das práticas docentes,


alunos do Curso de Pedagogia (UEA)/PARFOR revelaram a
oportunidade de poder analisar seus comportamentos, conhe-
cimentos, destrezas, atitudes e valores, que constituem a espe-
cificidade de ser professor.
Mais que a definição de ser professor foi possível
compreender que os contextos históricos, sociais, culturais e
organizacionais fazem parte e interferem na atividade docente,
requerendo aprendizado constante.
As narrativas refletem resultados da proposta de
oportunizar aos professores espaços e tempos para a observa-
ção, tematização e problematização de experiências docentes,
tornando-as fonte de aprendizagem e de conhecimento, além
de contribuírem para a sua identificação com a profissão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A profissão de professor emerge como resposta as
necessidades que estão postas pela sociedade. Atualmente, ou-
vem-se inúmeros discursos sobre a formação do aluno, que a
escola e professores não devem somente se preocupar em pas-
sar os conhecimentos produzidos, mas que também é função,
transformar, educar, formar o aluno como cidadão, consciente
e autônomo.
A rápida transformação da sociedade passou a exigir
da educação e, especialmente dos docentes, novas posturas
fundamentadas em uma reflexão sistemática, profunda e con-
textual da realidade, seguida de novas estratégias e metodolo-
gias muito bem planejadas e eficientemente desenvolvidas, ou
seja, exigem-se atualmente docentes profissionais, porém há
uma dificuldade em profissionalizar a profissão docente, pois

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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a mesma reside nas mutantes fases e significados que teve a


educação no Brasil, ao longo de sua história.
Compreender a formação docente incide na refle-
xão fundamental de que ser professor é ser um profissional da
educação que trabalha com pessoas. Essa percepção induz este
profissional de educação a um processo permanente de forma-
ção, na busca constante do conhecimento por meio dos proces-
sos que dão suporte à sua prática pedagógica e social.
A construção de uma identidade profissional se faz a
partir de significação social da profissão, de sua revisão e tradi-
ção, e do confronto entre as teorias e as práticas. Constrói-se,
também, pelo significado dado pelos professores, pelos valo-
res que atribuem a ela, pelo modo como se situam no mundo
profissional, o que pensam sobre seus saberes e anseios sobre a
profissão que exercem.
Paulo Freire (1999), há tempos nos alerta que o sujeito
somente será capaz de se libertar quando se tornar consciente
de sua história, agindo em seu contexto, e não só reproduzindo
o que lhe é passado. E um dos meios para dar inicio a uma nova
forma de se pensar o sujeito é a formação, a educação critico-
-reflexiva, em que se comece a agir com autonomia. De agir e
ser responsável por suas ações, ser autônomo.
Ao longo da elaboração deste artigo percebe-se que a
pesquisa e os conhecimentos para a formação de professores
não se esgotam na escrita deste trabalho, mas, entende-se que
a educação é um campo em que os investimentos precisam ser
elevados, ou não se terá a qualidade requerida e o desenvolvi-
mento social esperado. A formação de professores é um dos pi-
lares de sustentação para a (re)construção da docência e que o
professor deve ser qualificado para responder as necessidades
diferenciadas de seus alunos, para propor situações de ensino
aprendizagem satisfatória para todos.

1903
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

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PIMENTA, Selma G. e GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor
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1904
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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1905
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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OS PRIMEIROS DESAFIOS E IMPACTOS


DE ACADÊMICOS DE PEDAGOGIA: UMA
VIVÊNCIA EM SALA DE AULA

NEGRÃO, Felipe da Costa1


CASTRO, Vanderléia de Souza2
INTRODUÇÃO
A obra Pedagogia da Autonomia apresenta uma série
de apontamentos que objetivam aperfeiçoar o trabalho docen-
te, partindo do pressuposto de que o ato de educar deve ser um
processo amplo, pleno e humano.
A figura docente é exposta como um sujeito apren-
diz, capaz de assimilar conceitos éticos e morais, fazendo uso
da criatividade e inovação a fim de proporcionar uma diver-
sidade de saberes aos seus alunos. Dentro dessa perspectiva,
incluem-se ainda as trocas educativas, onde todos aprendem
com todos.
Paulo Freire acreditava que todo conhecimento é ina-
cabado, ou seja, não estamos prontos! Dentro dessa corrente, é
possível refletirmos a respeito de nossa prática enquanto edu-
cadores, visto que por muitas vezes acabamos induzindo nos-
sos alunos à mera reprodução de conteúdos, pois foi assim que
1 Especialista em Neuropsicopedagogia e Didática do Ensino Supe-
rior pela Universidade Nilton Lins. Mestrando em Educação e Ensi-
no de Ciências na Amazônia pela Universidade Estadual do Amazo-
nas. E-mail: felipe.unl@hotmail.com
2 Especialista em Neuropsicopedagogia e Didática do Ensino Superior
pela Universidade Nilton Lins. Pós-graduanda em Gestão Universi-
tária pela Universidade Nilton Lins. E-mail: profavanderleiacastro@
gmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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muitos de nós aprendemos. Mas será que não é hora de uma


quebra de costumes?
A escola precisa ser lugar de diálogo e de consciência
crítica, onde o saber é ressignificado a cada instante, uma vez
que o pensamento se transforma. Com base nessa informação,
acredita-se que “absolutizar” pontos de vistas não é caminho
favorável para educadores e educandos.
No que tange ao objeto de estudo deste artigo, utili-
zou-se o pressuposto “não há docência sem discência”, sob a
ótica de que o professor precisa assumir a postura de eterno
aprendiz. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa são acadêmicos
do segundo período do curso de Pedagogia de uma Universi-
dade Privada de Manaus, que foram desafiados a projetar uma
atividade com temática transversal e aplicá-la em uma escola
pública. Vale ressaltar que foi a primeira vez que esse grupo de
acadêmicos esteve em sala de aula na função de não mais me-
ros observadores, mas de facilitadores e condutores da apren-
dizagem.
Sabemos que é importante que o acadêmico tenha
acesso a prática ainda em formação, uma vez que é na prática
que os saberes se confirmam, se modificam e se ampliam. Para
isso é necessário que sejamos professores desafiadores, ou seja,
devemos proporcionar aos educadores em formação a maior
gama de conhecimentos teóricos e práticos, tendo como pre-
missa o valor pedagógico do diálogo, atenuando a certeza de
que somos e criamos sujeitos da história.
REFLEXÕES A RESPEITO DO FORMAR OUTROS
FORMADORES
O acadêmico de Pedagogia precisa compreender des-
de o início do curso que o ato de ensinar não se esgota apenas
no exercício de fornecer conteúdo de forma superficial ao alu-
no. Ao contrário, cabe ao docente ensinar a pensar, ensinar a
pensar certo, por meio da vivência com o saber construído, e
ainda caminhando ao lado do educador.

1908
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

É importante que enquanto professores de um curso


que forma outros professores, sejamos reflexivos quanto a nos-
sa prática docente. Não devemos assumir ainda a postura de
educadores bancários (FREIRE, 1994), apenas depositando in-
formações e exigindo que os acadêmicos assimilem de ímpeto.
Não existe melhor professor que o exemplo. Dessa
forma se assumirmos a postura de professores desafiadores,
sem dúvidas estaremos auxiliando na construção de uma nova
geração de professores que entenderão a importância de apren-
der e reaprender.
Conforme Antunes (2014, p.32) “aprender é um pro-
cesso que se inicia a partir do confronto entre a realidade obje-
tiva e os diferentes significados que cada pessoa constrói acerca
dessa realidade, considerando as experiências individuais e re-
gras sociais existentes”.
Nesse sentido, a atividade foi fundamentada na dis-
ciplina de Teoria e Prática do Currículo, onde o educar pela
pesquisa (DEMO, 1996) esteve presente em todas as ações dos
estudantes.
Paulo Freire defende que o trabalho de pesquisar deve
ser uma atividade permanente do professor, dessa forma o aca-
dêmico precisou buscar suporte teórico-científico para com-
por seu projeto, posteriormente aplicá-lo, e por fim analisar os
dados coletados por meio da observação participante e redigi-
-los em formato de resumo expandido.
Freire (2015) nos induz a refletir no ensino pela pes-
quisa:
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.
Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro.
Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando.
Ensino porque busco, porque indaguei, porque inda-
go e me indago. Pesquiso para constatar, constatando,
intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso
para conhecer que ainda não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade (p.31).

1909
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A partir dessa experiência, o acadêmico percebe a


importância de se fazer pesquisa e produzir conhecimentos
novos a partir das orientações oriundas da disciplina.Porque
então não esperar os estágios supervisionados para o acadê-
mico se encontrar com a realidade educacional? Acreditamos
que quanto mais cedo o aluno tiver contato com o seu futuro
campo de atuação, melhor será sua prática docente.
Dessa forma, as disciplinas na faculdade não podem
ser desconectadas da vida do aluno, ou até mesmo da escola
do século XXI. Para que isso ocorra significativamente, perce-
bemos mais uma vez que o professor formador também pre-
cisa ser pesquisador e que “docência começa pela pesquisa”
(DEMO, 2011, p.86).
É comum que o primeiro contato com a realidade
educacional produza uma série de reações no sujeito em for-
mação. Freire (2015) afirma que precisamos conhecer as di-
ferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, a
fim de nos tornarmos mais seguros em nossos desempenhos.
Diante disso, alguns alunos reconhecem que a sala de aula é o
local onde querem desempenhar suas funções futuras, outros
avaliam que a prática não apresenta tanta relação com a teo-
ria proposta na academia. Contudo, sabemos que os primeiros
passos são significativos.
Para auxiliar nesta pesquisa, após a atividade, os 32
acadêmicos responderam a um questionário aberto que os in-
dagava acerca dos desafios e impactos deste contato com a sala
de aula. Algumas respostas serão transcritas aqui, para fins de
reflexão a respeito, principalmente do trabalho dos formadores
de professores.
AS DIFICULDADES DO PRIMEIRO CONTATO COM A
SALA DE AULA
Uma das acadêmicas respondeu que seu maior desafio
como docente foi “na hora de ter atenção dos alunos, mesmo
falando, passando o conteúdo, eles muitas das vezes estavam

1910
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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prestando atenção para outras coisas”. Dentro dessa perspec-


tiva, podemos entender a necessidade dos atrativos e recursos
didáticos que precisam somar junto à fala do docente, para que
os alunos tenham interesse naquilo que lhes é proposto.
Em outro relato observamos que a dificuldade estava
no baixo rendimento da turma trabalhada, quando a aluna
diz que “os alunos tinham dificuldade de escrever e ler, logo
a compreensão da nossa atividade sofreu um processo len-
tificado”. Outra rica informação que os futuros professores
adquiriram é concernente às dificuldades na alfabetização da
rede pública.
O contato com alunos com necessidades especiais tam-
bém foi possível através desta atividade. A acadêmica relata
que “ainda não se sentia preparada para lidar com esses su-
jeitos”. Essa problemática se faz presente não somente em alu-
nos em formação, mas alguns professores diplomados ainda
apresentam receios, preconceitos e paradigmas ao trabalharem
com crianças com NEE.
O domínio de sala foi outro aspecto apontado pelos
acadêmicos durante as atividades. Em relato um aluno afir-
mou que “nunca tinha tido uma relação mais próxima com
várias crianças ao mesmo tempo”. Sendo importante a auto-
ridade do educador, não o autoritarismo. Mas os ditos “com-
binados” para que a atividade fosse conduzida de forma pro-
dutiva.
Dentro de vários questionários, encontramos um que
se enquadra muito bem a filosofia de vida de Paulo Freire. Ain-
da a respeito dos desafios encontrados, um acadêmico se pro-
pôs a responder que “as dificuldades que se tem na vida de um
professor são desafios, e que se não houvesse dificuldades não
haveriam obstáculos para serem superados”.
Com base nesse relato, nos reportamos ao pressuposto
“ensinar exige alegria e esperança”, onde Freire (2015) acredita
na necessidade da relação dessas duas palavras, baseando se
que a esperança faz parte da natureza humana.

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A TEORIA REALMENTE SE ENCONTRA COM A


PRÁTICA?
Enquanto professores é difícil aceitar que nem tudo
que proferimos em uma aula, poderá ser aproveitado na prá-
tica por nossos alunos. É complicado aceitar isso. Mas preci-
samos! Aliás, eles também precisam aceitar essa subjetividade
das informações, para que não se tornem futuros professauros
(ANTUNES, 2014), que são aqueles que trabalham a base de
repetitividade das informações que estão nos livros e apostilas,
sem contextualização, ou seja, longe da realidade do aluno.
Dentro dessa concepção questionamos se o conheci-
mento adquirido no curso de Pedagogia até o momento haveria
contribuído na atuação dos alunos como professores, e se sim,
que relações com a teoria foram possíveis durante a prática.
Em linhas gerais, percebemos certa dificuldade em as-
sociar os conteúdos à prática. Embora todos tenham respondi-
do positivamente. Enquanto docentes essa informação nos in-
quieta. Sobretudo, quando pensamos em nossa função dentro
da universidade. Será que as aulas estão sendo pertinentes?
Por outro lado, um relato nos deixou bem esperanço-
sos quanto ao futuro da educação. A acadêmica diz que “em
cada momento aplicamos uma teoria pedagógica, concluímos
também que seria impossível aplicarmos somente uma teoria”.
Nessa concepção, temos trabalhado inúmeras correntes filosó-
ficas, sociológicas, epistemológicas, pedagógicas e psicológicas,
mas sem aquela “pressão antiga”, de que deveríamos seguir ape-
nas uma. Vivemos em uma sociedade diversa, onde limitar-se a
uma forma de ver o mundo, pode prejudicar o nosso trabalho.
A disciplina de ludicidade e processos pedagógicos e a
teoria sócio construtivista de Vygotsky foram bastante citadas
como referência para a produção de conhecimentos dos alunos.
Em se tratando de currículo, muitos alunos identificaram na
prática, o tão mencionado currículo oculto.
Uma acadêmica nos faz refletir, quando diz que “a teo-
ria é tudo tão bonito e perfeito, na prática sentimos medo e até

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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mesmo incapazes em certas situações”. Pode suceder, no en-


tanto que a melhor professora sempre será a prática, embora
estudemos (e é importante que isso aconteça), a sensação de
incompleto é constante. Pois, todo conhecimento se renova e
as crianças apresentam particularidades, singularidades e es-
pecificidades diversas.
Tais observações nos remetem mais uma vez a Paulo
Freire, que sempre defendeu o ensino inacabado, autônomo, e
ainda um ensino que reflita sobre a prática.
AINDA QUERO SER PROFESSOR?
O ultimo questionamento assegura de colher respos-
tas sobre as perspectivas para o futuro dos nossos alunos. É
nessa pergunta que percebemos que o esforço sempre tem seu
lado positivo.
Dentro desse viés, vimos alunos que de fato se identi-
ficaram com a sala de aula, outros nem tanto. Contudo, nosso
objetivo foi alcançado, visto que todos tiveram oportunidade
para vivenciar o processo educativo como um todo.
Convém, no entanto que algumas respostas a essa
pergunta sejam expostas em quadro, para que possamos visua-
lizar o real intuito futuro de nossos sujeitos pesquisados.
Quadro 01 – Perspectivas Docentes
QUAIS SUAS PERSPECTIVAS PARA O FUTURO APÓS A PRÁTICA
COMO DOCENTE?
Quero poder compartilhar o conhecimento com outras pessoas, por isso
tenho buscado me aperfeiçoar, também quero ajudar aqueles que são
chamados de “especiais”.
Quero fazer a diferença, sendo uma professora construtivista, usando
meu conhecimento para educar com qualidade e responsabilidade.
Gostei muito dessa vivência e quero melhorar cada vez mais minha forma
de ministrar aula.
Quero romper com o tradicionalismo e contribuir através de aulas mais
práticas.
De fugir... fugir do que já foi estudado e fazer diferente. Sabemos que não
será fácil, mas precisamos tentar mudar.
Fonte: Os autores (2016)

1913
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

É importante questionarmos aos nossos alunos “se


ainda vale a pena ser professor”. Através desse tipo de questão
identificamos quem de fato enxerga a educação com olhos de
esperança.
CONCLUSÕES
O presente relato de experiência nos motiva a conti-
nuarmos acreditando em dias melhores para educação brasi-
leira.
Quando propomos esta atividade, sabíamos que pro-
duziríamos inquietações positivas em nossos alunos, haja vista
que a teoria precisa ser contestada, e a prática precisa ser fun-
damentada. Percebemos então, que as duas andam juntas.
Dentro da concepção freiriana, acreditamos nesta pe-
dagogia da autonomia, e ainda que nossos alunos sejam frutos
de um longo processo de maturação profissional. Como já re-
latado, não é fácil aceitar que muitas aulas não contribuem da
forma como esperávamos, então é válido o exercício de pensar
e repensar nossas práticas.
Enquanto professores, estamos certos de que o conta-
to com a realidade educacional produz um aprendizado muito
maior, do que aulas bem planejadas, estruturadas, teorizadas
e dinamizadas. O contato com o campo de atuação acelera a
vontade de ser de fato, um bom professor.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, C. Professores e professauros: reflexões sobre


a aula e práticas pedagógicas diversas. Petrópolis, RJ: Vozes,
2014.
DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores
Associados, 1996.
______. Praticar Ciência: Metodologias do conhecimento
científico. São Paulo: Saraiva, 2011.

1914
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 2015.
______. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1994.

1915
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE NO


PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE
UMA CRIANÇA COM SURDEZ EM UM CEN-
TRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL NA CIDADE
DE PARINTINS-AM

FONSECA, Ana Paula Melo1


AMOEDO, Francisca Keila de Freitas2
SOUZA, José Camilo Ramos3
Introdução
Na atual vigência em que nos encontramos torna-se
necessária cada vez mais encontrarmos estratégias de apren-
dizagem para crianças surdas, pois as suas necessidades estão
expostas no contexto educacional, onde a maioria das crianças
são ouvintes. Diante disso, esse estudo tem a pretensão de con-
tribuir no processo de ensino e aprendizagem de uma criança
surda em um centro educacional infantil no município de Pa-
rintins-AM.
Com intuito de viabilizar o processo de ensino e
aprendizagem da criança surda utilizamos jogos didáticos
pedagógicos adaptados em Libras e Língua Portuguesa para
1 Graduanda de Pedagogia e Monitora de Libras da Universidade do
Estado do Amazonas-UEA/CESP. E-mail: anafonseca23@outlook.
com
2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação e Ciências
na Amazônia, Graduada em Pedagogia, especialização em Psicope-
dagogia, educação inclusiva e Libras. Professora da Universidade do
Estado o Amazonas. E-mail: keilamoedo@hotmail.com
3 Professor do Programa de Pós-graduação em Educação e Ensino
de Ciências na Amazônia, Universidade do Estado do Amazonas –
UEA. E-mail: jcamilodesouza@gmail.com

1917
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

atender as crianças surdas e ouvintes em um mesmo contexto


educacional, através de uma perspectiva freireana. As ideias de
Paulo Freire serviram de base teórica para o processo de cons-
trução da pesquisa, diante de uma perspectiva que viabilize a
aprendizagem da criança surda a partir de práticas educacio-
nais que considerem a comunicação através da Língua Brasilei-
ra de Sinais como primordial para a criança surda, visto que a
Libras é a língua oficial da comunidade surda.
Os Centros Educacionais Infantis dispõem de espaços
privilegiados de construção de conhecimentos, pois oferecem
grandes possibilidades para o ensinar e o aprender de maneira
espontânea e prazerosa, além da efetivação de conceitos eviden-
ciando valores, ética e inclusão social. As atividades feitas no
Centro Infantil concentraram-se na perspectiva bilíngue onde
as crianças surdas e ouvintes tem a oportunidade de aprender
a língua portuguesa e libras em um mesmo contexto educacio-
nal, assim as estratégias elaboradas para a socialização do tema
da fauna Amazônica, fazendo parte de sua cotidianidade e que
favorecesse o ensino e a aprendizagem de maneira significativa.
Partindo da realidade vivenciada pelas crianças no
centro de educação infantil, localizado em uma área urbanizada
da cidade Parintins, tendo como pontos de referência a igreja
de São José Operário e de um supermercado. Percebemos que
as crianças fazem parte de um espaço escolar bastante notamos
a presença de arvores frutíferas, hortaliças, jardinagem, e ani-
mais não convencionais em nosso cotidiano, como foi o caso
do camaleão.
Com o reconhecimento do local, as observações reali-
zadas junto às crianças e as metodologias utilizadas no processo
de ensino e aprendizagem perceberam que o centro não dispo-
nibilizava de jogos adaptados em libras, mesmo sabendo que as
atividades com jogos na educação infantil podem servir como
um instrumento de intervenção e desenvolvimento cognitivo,
físico e afetivo das crianças independente que sejam surdas ou
ouvintes.

1918
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Os jogos fazem com que as crianças brinquem, apren-


dem conceitos e expressem suas ideias, sem medo de estar
“certos ou errados”, pois nos jogos estão entranhados signifi-
cados que amadurecem ao serem socializados pelas crianças.
Não existe distinção e nem diferença entre elas quando estão
no jogo, percebemos que o entrosamento das crianças aconte-
ceu de forma livre e natural.
Contribuições de Paulo Freire para a inclusão no processo
de Ensino e Aprendizagem.
Paulo Freire vem trazendo grandes contribuições no
âmbito educacional, e quando falamos do ensino e aprendiza-
gem partindo da inclusão de crianças surdas no espaço educa-
cional infantil, é necessário compreendermos que cada criança
tem seu tempo e espaço para aprender, e isso não seria diferen-
te em crianças com surdez, é preciso reconhecer as particulari-
dades das crianças para compreender que há uma diversidade
de conhecimentos e que é imprudente generalizá-lo. Segundo
Sá (2003, p.89) “a situação a que estão submetidos os surdos,
suas comunidades e suas organizações, no Brasil e no mundo,
têm muita história de opressão para contar”.
Através das considerações de Sá, percebemos que no
contexto educacional devem ser inseridas estratégias para a
inclusão da língua brasileira de Sinais como primeira língua
dos surdos, isso implica em conceitos libertadores, desprendi-
dos de qualquer preconceito social, na compreensão de que os
mesmos devem ser respeitados e amparados de conscientiza-
ção e companheirismo, pois “ninguém liberta ninguém, nin-
guém se liberta sozinho, os homens se libertam em comunhão”
(PAULO FREIRE, 1987, p.29).
Estamos ainda em processo de construção para a va-
lorização da Libras no âmbito educativo, a sua legitimidade no
ensino e aprendizagem é de suma importância para a promo-
ção da educação humanizadora. Nesse sentido, Paulo Freire
ressalta que:

1919
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar


distante dos oprimidos, quer dizer, poder fazer deles
seres destinados, objetos de um “tratamento” huma-
nitarista, para tentar, através de exemplos retirados de
entre os opressores, modelos para a sua “promoção.
Os oprimidos hão de ser exemplos para si mesmos, na
luta por sua redenção. (1987, p.22).

O livro: Pedagogia do oprimido de Paulo Freire nos


faz pensar em uma educação dialógica que tem por necessida-
de um profundo amor ao mundo e aos homens, Paulo Freire
(1987, p. 45) pensa que “se não amo o mundo, se não amo a
vida, se não amo os homens, não é possível dialogar”. Nesse
pensar o diálogo carece de amor, diante de uma sociedade que
oprime e desumaniza uma educação para a emancipação que
não condene o diferente, mas que valorize a diferença.
Certamente, em alguns casos a precária formação e a
falta de recursos para o ensino de Libras preocupa a aprendiza-
gem das crianças surdas. Nesse contexto, o processo de inclu-
são necessita de uma reflexão crítica da realidade e da condição
em que as crianças estão inseridas.
Construindo conhecimento com a inclusão: procedimento
metodológico
A pesquisa educacional é dinâmica e nos conduz ao
conhecimento de maneira que a práxis possa vir estar ligada
a teoria. Diante disso, a investigação teve a pesquisa de cunho
qualitativa, defendida por Vieira (2010 p.88) “a natureza da
pesquisa qualitativa exige um olhar aprofundado do contexto
e do local em que é executada e, também, uma interação entre
pesquisador e objeto”. Ainda em relação à pesquisa qualitativa
em educação Franco ressalta que:
Não é cabível a utilização de procedimentos experi-
mentais na pesquisa educacional, não é factível tentar
controlar variáveis, ou mesmo estabelecer relações
causais pretendendo prever resultados. Pode-se e
deve-se tentar compreender a dinâmica da realidade

1920
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

educativa, interpretar seus caminhos, talvez explicar


alguns Fenômenos. (2011, p.190)

Trabalhar com crianças na educação infantil requer


do pesquisador a preocupação em ouvi-las e incentivar a curio-
sidade. Assim, os sujeitos participantes da pesquisa foram 21
crianças de uma escola Urbana no Município de Parintins-AM.
Utilizamos a abordagem fenomenológica de acordo
com Triviños (2008, p.43), “é o estudos das essências, e de to-
dos os problemas, segundo ela, tornam a definir essências (...)
trata-se de descrever (...)”. As técnicas de procedimento foram
observações diretas e participativas em sala aula, e no parque
próximo ao centro, relatos/livres das crianças e aplicação de
oficinas pedagógicas registradas por meio de fotografias, res-
saltando que a fotografia, segundo Vieira (2010 p.97) “do cam-
po onde realiza o estudo ajuda a contextualizar a realidade com
a qual se defronta o pesquisador, sendo essenciais, também,
para retratar aspectos culturais e etnográficos”. Assim, constru-
ímos os dados da pesquisa de forma dialógica e participativa.
Realizamos nas primeiras semanas as observações
participantes. Para conseguirmos que as crianças dialogassem
de maneira natural utilizamos a metodologia dialógica, esse
método é essencial para que cada criança aprenda a pensar por
si mesma, já que a sala de aula é um lugar privilegiado para
aprender e traduzir esse diálogo em ações e atitudes (SÁTIRO,
2012). Realizamos a observação no parque localizado próximo
ao centro, foi um momento de lazer, onde as mesmas puderam
brincar e interagir em coletividade. Por conseguinte, houve a
aplicação da oficina pedagógica, a mesma ocorreu em dois mo-
mentos práticos.
Primeiramente no espaço não formal com o jogo de
boliche, formaram-se grupos de cinco crianças, cada crian-
ça ficou com um caroço de tucumã enumerado de um a cin-
co tanto em Libras como em Língua Portuguesa, o principal
objetivo era derrubar as garrafas pets que estavam ao centro,
cada garrafa concentrava uma foto de animais em extinção, as

1921
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

crianças tinham que derrubá-las com o proposito de tirar os


animais da lista de extinção. Nesse momento foi compartilha-
do atitudes de sensibilização, o brincar com o jogo possibilitou
um novo pensar ambiental a partir dos relatos e das vivencias
das crianças.
No segundo momento voltamos para a sala de aula
para finalizarmos a oficina com o quebra-cabeça dos aninais
que já haviam sido expostos no jogo de boliche, assim a fa-
miliarização com os animais aconteceu naturalmente. Para fi-
nalizar a oficina houve a socialização e a contextualização de
todo o processo de realização dos jogos, as conversas fluíram
livremente, dialogamos coletivamente sobre o tema da fauna
Amazônica e sua relação com a realidade das crianças.
A inclusão da Libras através de jogos na Educação Infantil.
As atividades realizadas foram centradas no processo
de ensino e aprendizagem possibilita o desenvolvimento de va-
lores éticos, sociais e ambientais. Desse modo, quando se tra-
ta de jogos na educação infantil uma das propostas realizadas
pelas escolas é a de favorecer os aspectos físico e cognitivo da
criança, além de estabelecer relações dialógicas no processo de
construção de conhecimento. Segundo Amorim (2008, p.11)
Independentemente de sua raça, cor, credo, condição
social e se é portadora de distúrbios de aprendizagem,
síndromes ou não, é preciso brincar, brincar seria-
mente, brincar profundamente, ou seja, a criança ne-
cessita de tempo, espaço, jogos, brinquedos, seguran-
ça e confiança para se entregar ao brincar para que se
desenvolva afetiva e cognitivamente, uma estratégia
também de autonomia, e preparada para as alegrias e
tristezas da vida.

Os jogos construídos com recursos naturais perten-


centes à realidade das crianças foram interventores para uma
aprendizagem significativa, pois vieram carregados de conhe-
cimentos do dia-a-dia da criança Amazônica.

1922
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Figura 1: contagem dos números em libras-jogo de boliche


Fonte: Fonseca, 2015.

O jogo de boliche tem objetivos importantes para o


trabalho educativo, dependendo de sua faixa etária, combina
habilidades de coordenação motora, conhecimentos prévios,
sendo que as ideias éticas e sociais podem ser exploradas a par-
tir de diferentes procedimentos de jogo.
Nesse jogo as crianças conheceram as espécies mais
comuns da região Amazônica. Segundo Araújo (2014, p. 12)
“ensinar ciências usando o tema de conservação da fauna é im-
portante para formar cidadãos conscientes e críticos, que no
futuro possam gerenciar seus recursos de uma maneira sus-
tentável”. Contudo, ao perguntar se as mesmas sabiam que um
dia esses animais poderiam desaparecer, todas as crianças fa-
laram “não” após conversarmos sobre a possibilidade de extin-
ção, a criança surda se expressou ressaltando que “é por isso
que temos que cuidar da natureza”, seguindo o pensamento da
criança constatou-se em sua fala que ela tem a percepção do
cuidado com o meio e o quanto é importante estarmos atentos
aos problemas ambientais.
Pensamos na construção do jogo de boliche e adapta-
mos os números de um a cinco em Libras e Língua Portuguesa,
todas as crianças de maneira natural faziam os sinais de um

1923
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a cinco em libras isso foi muito importante, pois interagiram


umas com as outras, sem exclusão alguma, construindo seu co-
nhecimento e redescobrindo seus valores. Segundo Kishimoto
(2008, p.37) “a utilização do jogo potencializa a exploração e
a construção do conhecimento, por contar com a motivação
interna, típica do lúdico”. Esse processo desperta na criança o
desejo em aprender e compreender os conteúdos de maneira
não obrigatória, facilitando assim o ensino e aprendizagem.

Figura 2: jogo de quebra-cabeça em sala


Fonte: Fonseca, 2015

Para a construção do jogo de quebra–cabeça, distri-


buímos para as crianças gravuras dos animais em extinção co-
ladas em papel cartão para que ficassem firme e facilitar o corte
da gravura, solicitamos as crianças que escolhessem o animal
que mais lhe chamou a atenção e elas fizeram opção pela ara-
ra azul, pela onça pintada e a tartaruga, mostrando um vasto
conhecimento dos animais apresentados na oficina, reconhe-
cendo todos e ainda citaram outros animais da região, como
jacaré, macacos, cachorro, gato, etc.
Após pintura das figuras dos animais em risco de ex-
tinção as crianças foram auxiliadas, e fizeram o recorte dos que-
bra – cabeças. Quando todos (as) terminaram fizeram a troca
entre si de seus quebra-cabeças, socializaram e na sequencia

1924
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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aconteceu a montagem dos mesmos. O resultado esperado foi


satisfatório, pois, o jogo auxiliou a formação de conceitos vol-
tados á educação do meio, além de proporcionar interação en-
tre a criança surda, as ouvintes e a libras.
A criança através do jogo representa suas vontades, a
imaginação, seus sentimentos, possibilitando a construção de
novos conhecimentos e habilidades. A criança surda mostrou
está interagida com os colegas ouvintes, atuando com autono-
mia nas brincadeiras, Paulo Freire, em Pedagogia da Autono-
mia, nos diz que: “(...) quanto mais à curiosidade espontânea se
intensifica, mas, sobretudo se ‘rigoriza’, tanto mais epistemoló-
gica ela vai se tornando (...)” (FREIRE, 2008b, p.87).
De acordo com o escrito, o (a) educador (a) deve en-
fatizar o potencial de curiosidade nas crianças fazer com que as
mesmas tenham estímulo e vontade em aprender. No entanto,
ainda precisa ser trabalhada um pouco mais a libras de ma-
neira coletiva, não somente o ensino a criança surda, mas que
adote estratégias para a valorização da libras como uma língua
necessária para a promoção da aprendizagem com crianças
surdas e ouvintes.
O jogo torna-se significativo quando se é construí-
do em uma relação dialógica com o cotidiano das crianças, de
acordo com Kishimoto (2008, p.16) “a noção de jogo não nos
remete à língua particular de uma ciência, mas a um uso co-
tidiano”. Nesse sentido, estabelece saberes que ultrapassam os
muros da escola, pois, com o uso dos jogos na escola é possível
construir conhecimento e cultivar nisso uma relação prazero-
sa, agradável e afetiva.
O diálogo como forma de compartilhamento de saberes.
As estratégias didáticas voltadas para o ensino e apren-
dizagem das crianças surdas devem ser centradas na educação
bilíngue; Português e Libras envolvendo um diálogo constante
sobre a realidade do educando, segundo Freire (1987, p.64) “o
diálogo é o momento em que os humanos se encontram para

1925
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-fazem”, des-


sa forma, a reflexão deve ser entendida primordialmente nes-
se processo de diálogo, pois ainda segundo Freire (1987, p.65)
“[...] através do diálogo refletimos juntos sobre o que sabemos
e o que não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente
para transformara a realidade”.
Diante do exposto de Freire, mais do que atuar na re-
alidade do educando devemos conduzir o educando a refletir
sobre seu conhecimento, proporcionar um espaço de diálogo
que não o exclua e nem o coloque em posição de abandono.
As crianças trazem consigo seus sonhos, desejos e experiência,
sendo compartilhados entre si através do diálogo. Paulo freire
em seu livro medo e ousadia ressalta que:
(...) a educação dialógica parte da compreensão que
os alunos têm de suas experiências diárias (...), minha
insistência de começar a partir de sua descrição sobre
suas experiências da vida diária baseia-se na possibi-
lidade de se começar a partir do concreto, do senso
comum, para chegar a uma compreensão rigorosa da
realidade. (FREIRE, 2008a, p.131)

As experiências das crianças são ricas de significados


quando mediados e socializados coletivamente. Na brincadeira
a criança expressa suas vontades, seus sentimentos, sonhos e
fantasias, “brincar se torna tão importante quanto comer, dor-
mir, falar” (AMORIM, 2008, p, 08). Torna-se, por tanto, um
caminho de aprendizagem e de companheirismo, a curiosida-
de infantil conduz ao conhecimento, e a um novo olhar sobre
o desconhecido.
A comunicação é algo que nós seres humanos neces-
sitamos no dia-a-dia, nesse sentido, a criança surda precisa
conhecer mais sua língua, a Libras, não só conhecer mais de-
senvolvê-la, isso ajuda significativamente o ensino e aprendi-
zagem, uma vez que construir caminhos para a promoção da
Libras é essencialmente o que o educador deve proporcionar ás
crianças surdas e ouvintes.

1926
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Desse modo, acompanhamos o momento de brin-


cadeira da criança surda no parque próximo à escola, foi um
momento de conhecimento entre as mesmas, houve muitas
conversas, vários “faz-de-conta”, percebemos que as crianças
tentavam se comunicar com a criança surda através de gestos e
muitas vezes tentavam adivinhar o que a mesma queria dizer,
algumas crianças entendiam, outras ao tentar se comunicar
com a criança surda, desistiam da conversa, por não entender
a criança surda. Contudo, percebemos o quão importante a li-
bras é para a criança surda e ouvinte, e que o não desenvolvi-
mento da língua, muitas vezes adia o desenvolvimento infantil
da criança com surdez.

Figura 3: Criança surda brincando no parque.


Fonte: Fonseca, 2015.

Interessante foi perceber que mesmo com algumas di-


ficuldades de comunicação a criança surda não se intimida, seu
comportamento é de pura interação com as crianças ouvintes.
O ensino de Libras está sendo incluso em sua turma, isso pode
ser um ponto de superação ao ensino, devendo essa inclusão
ser estabelecida desde a educação infantil e que se estenda por
toda a vida.

1927
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Considerações
O estudo possibilitou uma melhor compreensão teóri-
ca e prática sobre as contribuições de Paulo Freire assim como
outros teóricos no que se refere ao ensino e aprendizagem de
crianças surdas na educação infantil, tendo os jogos como es-
tratégia capaz de facilitar as práticas de ensino e aprendizagem.
Trabalhar com jogos adaptados em Português e libras
faz com que o cotidiano da criança nos espaços formais e não
formais, foi um momento de construção e reconstrução de sa-
beres. As oficinas tornaram-se produtiva, pois houve a partici-
pação direta das crianças, estando às mesmas envolvidas num
contexto onde as noções prévias estavam disseminadas em sua
realidade.
Referências Bibliográficas
AMORIM, Emilla Rafaela. Jogos, brinquedos e brincadeiras no
Desenvolvimento da
criança disléxica. Trabalho de Conclusão de curso,
Especialização Lato Sensu em Distúrbios de Aprendizagem
do Centro de Referência em Distúrbios de aprendizagem -
CRDA -, na área de Pedagogia, São Paulo, 2008.
ARAÚJO, Clodoaldo Pires. Ensino de Ciências no Ensino
Fundamental em Diferentes Espaços Educativos Usando o
Tema da Conservação da Fauna Amazônica. Dissertação de
Mestrado. Universidade do Estado do Amazonas. Manaus,
2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora
Paz e Terra, 2008b.
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Terra, 2008a.
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Terra, Rio de Janeiro, 1987.

1928
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

____________ . Educação como Prática da Liberdade. Paz e


Terra, São Paulo, 1996.
FRANCO, Maria Amélia do Rosário Santoro. A Metodologia
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KISHIMOTO, Tizuko M (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira
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SÁ, N. R. L. de. Convite a uma revisão da pedagogia para
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SÁTIRO, Angélica. Brincar de Pensar: com crianças de 3 a 4
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TRIVIÑOS, Augusto Nilbado Silva. Introdução á Pesquisa em
Ciências Sociais; Á Pesquisa Qualitativa em Educação – 1°ed.
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VIEIRA, José. Metodologia de Pesquisa Cientifica na Prática.
Curitiba: Editora Fael, 2010.

1929
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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PROJETO “BIBLIOTECA COMUNITÁRIA


PIRATEUA” – COMUNIDADE SANTA RITA DO
PIRATEUA – MUNICÍPIO SÃO DOMINGOS DO
CAPIM – ESTADO DO PARÁ

Coautor: André Fonseca Ferreira1


Autor: Paulo Sérgio Almeida Corrêa2
Coautora: Silvana Maria da Cruz Oliveira3
Introdução
O Município de São Domingos do Capim, perten-
cente à região nordeste do Estado do Pará. Segundo dados do
Senso 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) o município tem uma área de aproximada-
mente 1.677,249 km, conta com 29.846 habitantes, dos quais
aproximadamente 22,12% (cerca de 6.5989 habitantes) encon-
tram-se na área urbana do município, e os outros 77,88%(cerca
de 23.228 habitantes) ocupam o campo.
O município assenta sua economia, principalmente
na produção da farinha de mandioca, que o homem do campo
1 Graduado em Licenciatura em História pela Universidade do Mara-
nhão – UEMA, professor efetivo na SEDUC-Pará e Membro-Fun-
dador do GEICEC – Grupo de Estudo Interdisciplinar em Cultura e
Educação Capimense.E-mail: prof.andreferreira1983@gmail.com.
2 Graduado em Licenciatura em Educação do Campo pelo IFPa – Ins-
tituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Membro
do FPEC – Fórum Paraense de Educação do Campo e Membro-
Fundador do GEICEC - Grupo de Estudo Interdisciplinar em Cul-
tura e Educação Capimense.pauloacervocultural@hotmail.com
3 Graduada em Pedagogia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Pará e Membro-Fundadora do GEICEC - Grupo de
Estudo Interdisciplinar em Cultura e Educação Capimense.silvana.
parfor@hotmail.com.

1931
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produz para sua subsistência e para a comercialização no mer-


cado interno e externo, seguindo-se do açaí, banana e a pecu-
ária.
Também o comércio local é um dos pontos a destacar,
onde uma vez por semana acontece à feira, onde agricultores,
comerciantes informais (camelôs) e outros, comercializam seus
produtos e mercadorias; também é fortalecido pelos recursos
vindos dos funcionários públicos do município e do estado e
ainda por pensionistas e de recursos de programas sociais do
governo federal.
Essa tradicional feira acaba por se transformar em
um grande congraçamento entre os moradores da área urbana
com os residentes nas comunidades ribeirinhas e os das áreas
rurais, que juntos montam um grande mosaico, rico em diver-
sidades e experiências.
Como especial atração turística, registra-se em diver-
sos meses do ano, o já famoso e mundialmente conhecido fe-
nômeno natural “pororoca”, que se evidencia pela força e eleva-
ção da água acima do nível do rio, podendo atingir a altura de
3 a 4 metros provocando um cenário de infinita beleza, natu-
ralmente o mais exigente produtor cinematográfico a colocaria
em fundo de produção. Sua aparição se processa por ocasião
da enchente da maré, durante o período de lua cheia, atingindo
a sua impetuosidade máxima dois dias após esta. Geralmente
o fenômeno ocorre com mais destaque nos meses de março,
abril e maio, devido ao grande fluxo de água nas cabeceiras dos
rios que caem em decorrência das fortes chuvas, provocando
notável crescimento no nível dos rios.
Dentro desse contexto sócio espacial podemos refletir
sobre o processo de leitura e da escrita que passa por momen-
tos críticos, e que exige reflexão, pois muitos estudantes, prin-
cipalmente os do campo, quase sempre apresentam dificulda-
des de leitura e escrita, tornando-se analfabetos funcionais, e
o mundo hoje exige mudanças e a escola deveria ser protago-
nista nesse processo, no sentido de formar pessoas críticas e

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que consiga ter essa leitura dos códigos e de mundo. Segundo


afirma o autor Paulo Freire no livro “A Importância do Ato de
Ler”:
Dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia
escrevendo este texto que agora leio, processo que en-
volvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não
se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou
da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga
na Inteligência do mundo. A leitura do mundo pre-
cede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinami-
camente. ( 2008, p.9 ).

Diante disso, só reafirma o pensamento da importân-


cia das bibliotecas comunitárias, estas localizadas principal-
mente em espaços onde vivem famílias carentes levando em
consideração a realidade de cada localidade, com suas diversi-
dades culturais e populações.
Dentro desse contexto está o Projeto da Biblioteca
Comunitária Pirateua onde este trabalho tem como objetivo
registrar e divulgar as atividades do mesmo. Projeto este de-
senvolvido, desde junho de 2014 na Comunidade Santa Rita
do Pirateua, comunidade do campo, ribeirinha, localizada no
Município de São Domingos do Capim, Estado do Pará. Co-
munidade esta que fica a margem do rio Capim, do lado opos-
to a sede do município, onde se utiliza barcos e canoas a remos
para realização de travessias, é banhada pelo Igarapé Pirateua,
que dá nome ao lugar e tem como principal base econômica a
agricultura familiar com destaque para a produção da farinha
de mandioca.
O projeto ocupa um espaço importante no contexto
social do lugar e é resultado do empenho de um “ex-morador”,
hoje professor licenciado em Educação do Campo, o qual tam-
bém é artista-colecionador, escritor, poeta e que se destaca por
ações sociais e culturais desenvolvidas na Amazônia Paraense
e que buscou parcerias com amigos, educadores/as, associa-

1933
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ções, grupos sociais e a comunidade local para consolidação


do mesmo. No início, a biblioteca dispunha de um acervo de 72
(setenta e dois) livros, com o aumento do número de doações,
atualmente é composta por aproximadamente 500 (quinhen-
tas) obras, entre livros, revistas e gibis. Obras estas que são dis-
ponibilizados para empréstimos aos membros da comunidade
(crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos), estudantes ou
não, e são devolvidos no prazo de 07(sete) ou 15 (quinze) dias,
podendo serem emprestadas novamente por igual período.
O projeto tem como objetivo incentivar à leitura, à
educação e a valorização da cultura local, uma vez que a bi-
blioteca não tem horários fixos de atendimentos ao público,
funciona, geralmente aos finais de semana, momento em que
os comunitários não estão trabalhando - ou de acordo com
momentos festivos da localidade. O referido projeto é de gran-
de representatividade para a comunidade, pois nela só existe
uma escola pública de ensino fundamental menor, essa não
dispondo de infraestrutura adequada, não há biblioteca sendo
o Projeto Biblioteca Comunitária Pirateua uma alternativa de
possibilidade de acesso a leitura e a cultura, por isso, é signifi-
cativa para a melhoria da qualidade da educação e, consequen-
temente, de vida da população, que aprende a lutar por seus
direitos, através do exercício da cidadania. Como já dizia Freire
(2008, p.52):
Por isso, desde já, salienta-se a necessidade de uma
permanente atitude crítica, único modo pelo qual o
homem realizará sua vocação natural de integrar-se,
superando a atitude do simples ajustamento ou aco-
modação, apreendendo temas e tarefas de sua época.

Desenvolvimento
O Projeto Biblioteca Comunitária Pirateua é uma das
dimensões do Projeto “Memorial Pirateua”, no caso é a edu-
cacional. A qual tem como objetivos, proporcionar o acesso a
livros, a cultura, educação e consequentemente a leitura, não

1934
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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somente da leitura de textos, mas a leitura de imagens, da reali-


dade, de mundo; desenvolvendo o senso crítico para que possa
proporcionar conhecimento, melhorias e desenvolvimento em
diversos aspectos, o qual foi pensado e é avaliado constante-
mente junto com os moradores do lugar para que estes possam
escrever suas próprias histórias. Para reforçar isso, vejamos o
que diz Paulo Freire.
O problema que se coloca não é o da leitura da pa-
lavra mas o de uma leitura mais rigorosa do mundo,
que sempre precede a leitura da palavra. Se antes ra-
ramente os grupos populares eram estimulados a es-
crever seus textos, agora é fundamental fazê-lo, desde
o começo mesmo da alfabetização, se vá tentando a
formação do que poderá vir a ser uma pequena bi-
blioteca popular com a inclusão de páginas escritas
pelos próprios educandos. (FREIRE, 2008,, p.30)

Os livros do projeto depois de recebidos através de


doações são catalogados, identificados através de um carimbo
com o nome do projeto e colocados a disposição do público.
Público este, cadastrado no projeto com alguns dados básicos
contendo: Nome, apelido, endereço, profissão. Atividades de
incentivo a leitura são desenvolvidas, tais como, círculos de lei-
turas, árvore da leitura, caminho da leitura, socialização das
experiências de leituras dentre outras ações.
A ideia do projeto não é a de que os livros fiquem ex-
postos em um espaço físico para serem consumidos por poei-
ras e traças e sim que possam estar a disposição do seu público
alvo e que de maneira itinerante circule nos espaços geográfi-
cos da comunidade através das famílias, o que deu tão certo,
que mesmo com o uso, os mesmos estão em bons estados; tudo
isso, pelo compromisso e responsabilidade dos leitores e já faz
parte da vida das pessoas da comunidade.
A biblioteca não dispõe de um espaço físico próprio,
no entanto, a mesma utiliza os espaços físicos diversos dispo-
nibilizados pela comunidade, para armazenamento, disponibi-
lidade dos livros aos leitores e realização de encontros de pla-

1935
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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nejamento, acompanhamento e avaliação, ações de incentivo a


leitura e registros diversos das ações realizadas.
Ao exercício permanente e periódico da organização
do espaço físico, recebimento e empréstimo de livros que ficam
expostos a disposição do público do projeto e visitantes, regis-
tro fotográfico, cadastramento de leitores, círculo de leituras,
avaliação do projeto dentre outras ações; que se dá semanal-
mente, quinzenalmente ou semestralmente conforme a peda-
gogia social, territorial, religiosa e econômica da comunidade,
denominamos de biblioteca em ação. Ações estas realizadas
pelo idealizador e responsável pelo projeto, contando com a
colaboração e apoio de crianças, adolescentes e jovens da co-
munidade para que estes se sintam protagonistas desse proces-
so de construção de conhecimento e ampliando o sentimento
de pertencimento e fortalecendo da identidade cultural social
local.
O projeto a cada dia torna-se mais conhecido,
pois as ações são divulgadas através das redes sociais em pági-
nas do idealizador do projeto, informações quase sempre com-
partilhadas por amigos, assim como, em outros espaços sociais
e educacionais através da participação e realizações de eventos
diversos.
O Projeto “Memorial Pirateua” fora lançado na Co-
munidade Pirateua no dia 27-04-2014 e tem cinco dimensões:
Histórica, Educacional, Esportiva, Cultural e Social e vem sen-
do de grande relevância para o lugar, pois através do mesmo,
o registro histórico vem sendo feito e ainda proporcionando
através de rodas de conversas, registros, pesquisas e discussões
com os moradores sobre a importância desse registro para a
construção do conhecimento e para o desenvolvimento social
e educacional, principalmente das crianças, adolescentes e jo-
vens.
As gerações precisam registrar o que fazem e isso deve
ser uma prática cotidiana, pois o presente que logo se torna
passado, não é algo somente de museu como diz o ditado po-

1936
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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pular, muito pelo contrário é algo de relevância para a huma-


nidade, pois através do mesmo é que se registra, se planeja,
estuda, tira conclusões, pesquisa, dentre outros.
O Projeto “Memorial Pirateua” pretende de maneira
geral construir, produzir e registrar a memória do lugar e que
através do mesmo se produza livros, folhetos, álbum fotográ-
fico, exposições e até quem sabe um Museu Comunitário seja
fruto desse trabalho, para com isso, contribuir significativa-
mente de várias maneiras com a localidade, tanto no âmbito
educacional, como no cultural, histórico, ambiental e social.
O projeto Biblioteca Comunitária Pirateua vem con-
tribuindo significativamente com as pessoas do lugar Pirateua,
principalmente com os estudantes, tanto os que estudam na
própria localidade, como os que se deslocam diariamente da
comunidade até o espaço urbano para estudarem, pois a escola
da localidade só atende as seriem iniciais do ensino fundamen-
tal menor.
O projeto se desenvolve através de parcerias, dentre
elas citamos o Projeto Acervo Cultural “Um Pouco do Que
é Nosso”, o GEICEC – Grupo de Estudo Interdisciplinar em
Cultura e Educação Capimense formado por professores e ou-
tras pessoas comprometidas e que desenvolvem ações voltadas
para o desenvolvimento das populações do campo e da cidade
no âmbito educacional, cultural, ambiental e social e ainda em
consonância e parceria com a Comunidade Santa Rita do Pi-
rateua.
O projeto vem a cada dia tomando proporções maio-
res, servindo como referência para comunidades e estabeleci-
mentos educacionais da região e até do município, pois atra-
vés da ousadia, sem medir as dificuldades, esse esforço desse
professor tem contribuído significativamente com o desen-
volvimento intelectual, educacional e social, proporcionando
as pessoas conhecimento que vem contribuindo para que as
pessoas lutem, garantindo assim, acesso aos direitos básicos
negados pelo poder público para essas populações do campo.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Resultados e reflexões
Podemos dizer que sementes foram plantadas e agora
começam a dar frutos e a importância desse projeto pode ser
constatada através da fala de uma das leitoras mais atuantes
e incentivadoras do projeto a adolescente, estudante Helena
Trindade de 13 anos que diz:
A Biblioteca foi uma das ideias mais interessantes que
foi montada em nossa comunidade. Em primeiro lu-
gar uma ajuda, um incentivo para as crianças, jovens
e até adultos e idosos.

Ler é um exercício que quando você pega o gosto você


viaja junto com a história. É uma maravilha você co-
nhece lugares incríveis. Você viaja, conhece, brinca e
se diverte.

O livro tem o objetivo de garantir a todos o acesso a


cultura a informação, estimulando a leitura. Por isso
eu apoio esse projeto.”Obrigado”

Também podemos observar a relevância do projeto


através da fala da professora Márcia Lopes do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, pelas redes sociais.
Paulo Almeida organiza um trabalho muito interes-
sante na comunidade de Pirateua em São Domingos
do Capim é uma biblioteca comunitária, espaço que
as pessoas do lugar, de diversas faixas etárias, vão con-
sultar os livros, pegam emprestado por 15 dias, devol-
vem e pegam outros, é um momento de lazer, cultura,
educação, de interação com a leitura e com as viagens
que essa proporciona, umas dessas é a interpretação e
reflexões. Quem poder contribuir com livros, litera-
tura infantil, gibis, pode me acionar in box, que vou
buscar e depois entregar ao responsável pela ação. O
Paulo é licenciado em Educação do Campo do IFPA, e
tem um trabalho e uma militância muito importante,
junto com vários outros em São Domingos do Capim.
Vamos lá contribuir com essa dinâmica político pe-
dagógica

1938
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Também podemos observar a relevância do projeto


através da fala do Professor arte educador Anderson de Belém
do Pará, pelas redes sociais.
Mas uma vez, parabéns pelo belo trabalho desenvol-
vido com a comunidade do Capim. Foi super gratifi-
cante, quanto educador social e arte e educador, estar
presente em uma comunidade que, apesar de tantas
dificuldades, sobretudo, estão firmes e fortes em bus-
ca do aprendizado. Professor, deixo, aqui, a minha
total disponibilidade, caso precise de um apoio para
qualquer eventualidade. será uma honra poder con-
tribuir em prol da educação. abraços!

Diante das falas e desses depoimentos, podemos com-


plementar com a fala do professor, escritor e pesquisador Paulo
Freire quando nos afirma.
Se antes raramente os grupos populares eram esti-
mulados a escrever seus textos, agora é fundamental
fazê-lo, desde o começo mesmo da alfabetização para
que, na pós-alfabetização se vá tentando a formação
do que poderá vir a ser uma pequena biblioteca popu-
lar com a inclusão de páginas escritas pelos próprios
educandos (FREIRE, 2008, p.31).

Envolvendo as dimensões do Projeto “Memorial Pira-


teua”, fora lançado no município São Domingos do Capim, em
fevereiro de 2016, o livro “Um Lugar Chamado Pirateua em
Versos” de autoria de Paulo Sérgio Almeida Corrêa, que conta-
rá em versos um pouco da história do lugar. Sendo que á ideia
da obra é chamar atenção para os problemas sociais enfrenta-
dos pelos moradores do lugar e ainda a respeito da necessidade
da realização de pesquisas mais aprofundadas a respeito do es-
paço geográfico com todos os seus arranjos culturais, históri-
cos, educacionais, ambientais, econômicos e sociais.
Através desse projeto o escritor Paulo Almeida já tem
algumas agendas para o primeiro semestre de 2016, no caso,
essa em Manaus no período de 28 a 30 de Abril no “I Fórum
de Estudos LEITURAS DE PAULO FREIRE da Região Norte

1939
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Educação Popular em Debate”. No dia 10 de Maio na UFPA –


Universidade Federal do Pará – Campus Castanhal ao público
do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Do-
cência. No período de 25 de Maio a 06 de Junho na Feira Pan-
-Amazônica do Livro em Belém do Pará e no dia 11 de Junho
no “I Encontro Literário com Escritores da Amazônia Paraen-
se” a ser realizado em São Domingos do Capim/Pará. Vejamos
o que diz o escritor Paulo Sérgio Almeida Corrêa no verso ini-
cial do livro “Um Lugar Chamado Pirateua em Versos”

Atenção, muita atenção e um pouco de inspiração


Para contar a história desse maravilhoso lugar
Seu nome vem das águas e assim posso chamar
Querido Pirateua.

Diante do que foi relatado, podemos refletir sobre


quem somos e o que podemos fazer para que possamos contri-
buir para que tenhamos um mundo melhor, com pessoas mais
esclarecidas e críticas que de fato possam ter uma boa leitura
de mundo.
Conclusões e/ou Propostas
Afirmamos disso tudo, que podemos sim contribuir
com as populações da Amazônia Paraense, pois estas, apesar
de serem diversas e com suas culturas, identidades e que ocu-
pam diferentes espaços geográficos, são carentes de educação
e informação. Não podemos mudar o mundo, como muitos se
escondem atrás dessa frase, para não fazer nada, no entanto,
o mundo que precisamos mudar é aquele dentro de nós mes-
mos, externando atitudes e ações que possam contribuir com
os espaços sociais em que vivemos, seja este familiar e social,
que é o caso do projeto da Biblioteca Comunitária Pirateua,
que apesar de sua modesta relevância, é significativa para as
pessoas daquele lugar.
Pretende-se estabelecer novas parcerias para o forta-
lecimento do projeto e que este possa mais do que nunca con-

1940
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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tribuir com o desenvolvimento da educação, cultura e conse-


quentemente ao exercício da cidadania através da reivindica-
ção dos direitos básicos para as populações do campo, assim
como se configurando em um espaço de vivências, exercício
político e social.
Referências Bibliográficas
CORRÊA, P.S.A Um Lugar Chamado Pirateua em Versos.
Belém. Ed. SANT mel, 2016.
FREIRE, Paulo; Educação como Prática da Liberdade; Rio
de Janeiro, ed. Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo; A Importância do Ato de Ler: Em Três
Artigos que se Completam; 49.ed. São Paulo, Cortez, 2008.
Retirado da Internet (facebbok) postado por Anderson – Pelo
Facebook dia 09-08-2015.
Retirado da Internet (facebbok) postado por Márcia Lopes –
no dia 11 de junho de 2015 às 11:59

1941
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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UM OLHAR CRÍTICO-REFLEXIVO ANTE


AOS DESAFIOS DO PNE NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: OFERTA E QUALIDADE NO
MUNICÍPIO DE MANAUS

Gerilúcia Nascimento de Oliveira1


Jorgete Palmieri Comel Mululo2
Debora de Souza3
Introdução
O objetivo deste trabalho consiste em analisar o aten-
dimento da educação infantil na Secretaria Municipal de Edu-
cação (SEMED) no município de Manaus, a partir do olhar re-
flexivo de Paulo Freire, demonstrando uma real preocupação e
interesse pelo desenvolvimento infantil.
Paulo Freire acreditava que todo ser humano é capaz
de aprender, desenvolver a partir de sua própria existência e
experiência de vida, desta forma, torna indispensável o reco-
nhecimento da participação das crianças em suas atividades,
compreendendo que elas são capazes de exercer determinadas
tarefas a partir de seu convívio social e de suas experiências
estabelecidas. Podemos averiguar que Freire visava à impor-
tância deste aprendizado tornando-o um momento prazeroso,
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação e Ensino
de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazo-
nas- UEA. Email: gerilulu@hotmail.com.
2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação e Ensino
de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazo-
nas- UEA. Email:
3 Mestre do Programa de Pós-graduação em Educação e Ensino de
Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazona –
EUA. Email: debora_abelha1977@hotmail.com

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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destacando a importância da parceria entre a escola, a família


e a comunidade.
Diante deste reconhecimento de que a criança é capaz
de participar, atuar no meio social, apresentaremos a seguir
uma investigação bibliográfica e documental como fonte de
análise e observação do contexto atual, refletindo sobre desa-
fios a ser enfrentada no processo de qualidade no atendimento
a criança da Educação Infantil em particular a fase pré-escolar
com atendimento em 2016 em percentuais de cem por cento de
matrícula para os alunos nas instituições municipais de Educa-
ção Infantil, mediante do Plano Nacional de Educação - PNE.
Cabe mencionar, a insistência de Paulo Freire em de-
fender a necessidade de um ensino realizado através do diálo-
go, com o incentivo à participação e ao exercício da reflexão
crítica. Neste sentido, este estudo versa a análise do atendimen-
to da educação infantil na Secretaria Municipal de Educação
- SEMED no município de Manaus a partir do olhar reflexivo
de Freire e dos novos desafios da oferta e qualidade diante do
Plano Nacional de Educação - PNE (2014- 2024).
Torna-se ainda mais relevante quando se observa o
segmento creche, pois o percentual de 50% permanece com a
análise de vinte anos sem avanços significativos na matrícula
efetiva na rede municipal e particular. Pretendemos analisar o
percentual de atendimento da faixa etária de 04 a 05 anos no
Brasil, pois obtivemos 87,9% em 2013 e no Amazonas 75,9%
no mesmo ano. Já o atendimento de 00 a 03 anos no Brasil
atinge somente 27,9% e no Amazonas o percentual atingiu so-
mente 8,3% da população infantil em 2013.
Desenvolvimento
A ênfase na dimensão política das atividades na edu-
cação efetivamente permeia as manifestações do notável edu-
cador Paulo Freire em suas ações frente à qualidade da escola
pública e popular a todos. Em um primeiro documento elabo-
rado por sua administração e publicado no Diário Oficial do

1944
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Município de São Paulo, em 1º de fevereiro de 1989, no texto


intitulado “Aos que fazem a Educação conosco em São Paulo”,
encontra-se entre outras, as seguintes observações:
A qualidade dessa escola deverá ser medida não ape-
nas pela quantidade de conteúdos transmitidos e assi-
milados, mas igualmente pela solidariedade de classe
que tiver construído, pela possibilidade que todos os
usuários da escola – incluindo pais e comunidade – ti-
verem de utilizá-la como um espaço para a elaboração
de sua cultura.

(...) Consideramos também práticas educativas as


diversas formas de articulação que visem contribuir
para a formação do sujeito popular enquanto indiví-
duos críticos e conscientes de suas possibilidades de
atuação no contexto social. (1/02/1989).

Segundo Freire as dimensões políticas incidem nas


práticas educativas colaborando ou prejudicando as institui-
ções escolares que busca na participação popular a quebra de
paradigmas com referências as escolas públicas, consideradas
inferiores na qualidade e no atendimento a sociedade. É evi-
dente essa perspectiva política presente, entre outras, nas ob-
servações sobre os conteúdos do ensino, na defesa da necessi-
dade de participação coletiva na construção do saber e princi-
palmente na formação de sujeitos críticos e conscientes.
Cabe ainda pensar na educação como espaço de hu-
manização e de luta contra a barbárie. Para Paulo Freire,
“[...] quando vivemos a autenticidade exigida pela
prática de ensinar-aprender participamos de uma ex-
periência total, diretiva, política, ideológica, gnosio-
lógica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza
deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a
seriedade” (1996, p. 24).

Neste sentido, Freire nos convida a não somente re-


fletir, mas viver e transformar os processos materiais da exis-
tência humana, propondo-nos entender a situação histórica da

1945
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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humanidade, as estruturas sociais, a vida política, a vida eco-


nômica, as concepções de educação e escola, o perfil necessá-
rio de um educador libertador, dentre outros, pois a educação
quer em sentido amplo, quer em sentido específi­co é um pro-
cesso social e humano.
Os desafios do Plano Nacional de Educação no cenário
brasileiro
A Lei n.º 13.005, de 25 de junho de 2014 que instituiu
o Plano Nacional de Educação – PNE para o decênio 2014-
2024 constitui-se em um documento que define compromissos
a serem determinados pelos “entes federativos” e as várias ins-
tituições em favor do progresso da educação no Brasil.
A agenda contemporânea de políticas públicas educa-
cionais encontra no PNE uma referência para a cons-
trução e acompanhamento dos planos de educação
estaduais e municipais, o que o caracteriza como uma
política orientadora para ações governamentais em
todos os níveis federativos e impõe ao seu acompa-
nhamento um alto grau de complexidade (PNE, 2015,
p. 11).

Dentre as doze metas estabelecidas no PNE para o de-


cênio 2014-2024 subscreve na meta 1: Universalizar, até 2016, a
educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) e
5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil
em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta
por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigên-
cia deste plano.
Por um lado, a lei assegura a matrícula efetiva da
criança nas instituições escolares de Educação Infantil com
a obrigatoriedade até 2016, por outro, não efetiva seu direito
subjetivo a uma escolarização de qualidade, passando a ocupar
uma singularidade e a desempenhar papeis de mais destaque
em nossa sociedade, contudo ainda não tiveram as práticas de
seus direitos sociais assegurados a contento.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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[...] A primeira concepção implica uma interpretação


holística dos direitos, no quadro da qual – ao contrá-
rio da segunda – não apenas é erróneo, como pode
ser perverso, o centramento dos direitos da criança na
proteção e (mesmo) na provisão de meios essenciais
de crescimento, sem que se reconheça às crianças o
estatuto de atores sociais e à partilha da decisão nos
seus mundos de vida (SARMENTO; PINTO, 1997, p.
20).

O autor destaque que a construção de uma identida-


de própria da criança passa por uma educação de qualidade
nas instituições que atende a modalidade da educação infantil,
sendo esta uma discussão que envolve a sociedade como um
todo, visa uma participação democrática e efetiva aos direitos
da criança, a saber: um atendimento pedagógico-educacional
de qualidade para as crianças, acesso à educação de qualidade,
a brinquedos e materiais pedagógicos diferenciados, a profes-
sores qualificados e espaços favoráveis para o seu desenvolvi-
mento, sendo que, isso demanda em investimentos financeiros
em infraestrutura e políticas educacionais eficientes.
Convém lembrar, a esse respeito, que Paulo Freire
examinara as questões do ensino primário já em 1959, na tese
Educação e atualidade brasileira e no artigo “Escola primária
para o Brasil”, de 1961. Chama-nos atenção para os desafios
colocados na atualidade para o ensino e a educação pública
brasileira diante dos desafios da modernidade. Nesse sentido,
o PNE se propõe a ser esse desafio, quando estabelece metas
decenais para o acesso efetivo nas instituições públicas.
A educação infantil é considerada onerosa pelos
agentes públicos o que justifica algumas políticas de redução de
custos que, muitas vezes, podem comprometer o atendimento
às crianças como, por exemplo, a contratação de pessoas sem a
formação adequada para trabalhar no atendimento às crianças.
A seguinte declaração é um demonstrativo dessa política de
redução de custos através da contratação de profissionais não
habilitados.

1947
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Para tanto, na obra “Educação na Cidade” (2006),


Freire demonstra uma preocupação com as crianças, visando
à necessidade da experiência do educador com a Educação
Infantil, sendo este um de seus pontos avaliativos. Também
“acreditava que as escolas deveriam se transformar em centros
de criatividade, em que ensinar e aprender fosse um momento
alegre” (PELOSO; PAULA, 2010, p. 269).
Desta forma, podemos averiguar que a Educação In-
fantil é imprescindível para o desenvolvimento da criança, não
apenas um local de “acolhimento infantil”, mas um espaço que
propicia momentos de oportunidades de participação, criação,
desenvolvimento em todos os aspectos, tornando um protago-
nista de seus próprios feitos e direitos.
O educador Freire (2006), sempre demonstrou real
interesse pelas crianças, pelo seu desenvolvimento, pois acre-
ditava no seu potencial ativo perante a sociedade. A criança
por si mesma demonstra um grande interesse em aprender,
fazendo novas descobertas, estando sempre buscando possibi-
lidades de agir, crescer em um meio social.
Neste sentido, incorporam-se muitas lutas que se tra-
duzem em grandes desafios e maiores reflexões sobre os sub-
jetivos direitos na Educação Infantil. A educação para criança,
em alguns locais ainda se mantém a ideia de que o ensino in-
fantil é simplesmente um local onde as crianças ficam.
Fazendo um paralelo de mais de vinte anos de PNE,
pouco ou quase nada se avançou em relação e qualidade do
ensino nas instituições que atendem a modalidade da Educa-
ção Infantil. Torna-se ainda mais relevante quando se observa
o segmento creche, pois o percentual de 50% permanece com
a análise de vinte anos sem avanços significativos na matrícula
efetiva na rede municipal e particular. Segundo dados anali-
sando no documento do PNE 2004 -2014 nas Linhas de Base
(2015) o percentual de atendimento da faixa etária de 04 a 05
anos no Brasil obtiveram o percentual de 87,9% em 2013 e
no Amazonas 75,9% no mesmo ano. Já o atendimento de 0 a

1948
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3 anos no Brasil alcança 27,9% e no Amazonas o percentual


apresentou somente 8,3% da população infantil em 2013.
O Gráfico 1 circunscreve a trajetória da população de
04 e 05 anos que frequentam a escola sob análise do período de
2004 a 2014, considerando o não cumprimento da meta estipu-
lada para o período do PNE (2001-2011).

Gráfico 1 – Percentual da população de 4 e 5 anos de idade que


frequentava a escola – Brasil. Fonte: PNE, 2015

O Gráfico 1 demonstra uma trajetória do indicador


entre os anos de 2004 e 2013 de quase 81,4% das crianças de 4 e
5 anos que frequentavam a escola. Verificou-se um crescimen-
to constante do atendimento no ano de 2013, considerando o
cenário nacional, porém não atingiu a meta proposto para a
universalização.
O Gráfico 2 demonstra o percentual de crianças de 0
a 3 anos de idade que frequentava a escola nos anos de 2004 a
2013.

Gráfico 2 – Percentual da população de 0 a 3 anos de idade que


frequentava a escola – Brasil. Fonte: PNE, 2015

O PNE (2014-2024) aponta como segundo objetivo


da meta 1 a ampliação do percentual do atendimento de crian-
ças de 0 a 3 anos que frequenta a creche para pelo menos, 50%
até a vigência do plano. Conforme demonstrado no Gráfico 2

1949
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

esse percentual era de 23,2%. Considerando o cenário nacio-


nal, verifica-se um pequeno crescimento do atendimento, bem
inferior ao observado para as crianças de 4 e 5 anos de idade.
No referido período (2013) o percentual de crianças de 0 a 3
anos que frequentaram a escola aumentou 9,8%.
O atendimento da Educação Infantil no município de
Manaus
Atualmente, a SEMED responde pela terceira maior
rede de ensino do país considerando a oferta de turmas e o
quantitativo de crianças matriculadas na educação infantil. Es-
tando distribuída em 120 Centros Municipais de Educação In-
fantil (CMEIs) e 140 Escolas Municipais de Ensino Fundamen-
tal que atendem turmas da pré-escola, conforme o Quadro 1.
Quadro 3- Número de unidades de ensino por Divisão Distrital Zonal no
ano letivo de 2013.
DDZ CRECHE CMEI ESC. MUL TOTAL

DDZ I 1 25 9 36

DDZ II 2 25 11 38

DDZ III - 20 5 25

DDZ IV 2 14 9 25

DDZ V 1 18 4 23

DDZ VI - 14 13 26

DDZ VII - 4 82 86

Fonte: SEMED/DIE/SIGEAM-2013.

Conforme dados apontados no Quadro 3, é possível


perceber a ausência significativa de creches na rede municipal
de Manaus, o que implica no desafio de cumprimento a meta
estabelecida no PNE de atendimento do mínimo de 50% (cin-
quenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos em creches
públicas.
Os recursos destinados à ampliação do número de
unidades de atendimento de educação infantil em Manaus ain-

1950
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

da não foram suficientes uma vez que conforme demonstra o


Quadro 3 há zonas que não possuem creches, o que implica na
negação do direito a escola das crianças nesta etapa de desen-
volvimento.
A obrigatoriedade do Estado com esta etapa da edu-
cação básica deve ser crescente, havendo a destinação signifi-
cativa dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação Básica (FUNDEB), dentre outros para viabilizar
o atendimento gratuito em creches e pré-escolas.
Ainda sobre a destinação de recursos para ampliar a
oferta de vagas na educação infantil pelo poder público, Car-
neiro (2012, p. 79) destaca que “a previsão de recursos específi-
cos para o atendimento desta oferta de educação se torna estra-
tégica em sociedades como a brasileira, marcada por enormes
desigualdades sociais”.
Quadro 4- Número de crianças atendidas por Divisão Distrital Zonal no
ano letivo de 2013.
DDZ Berçário Maternal Maternal Maternal 1º 2º TOTAL
I II III Período Período

DDZ I 8 23 43 1.126 3.272 3.436 6.748

DDZ II - - 20 870 2.949 3.795 6.744

DDZ III - - - 390 2.628 3.463 6.091

DDZ IV - 39 82 435 2.544 3.075 5.619

DDZ V - - - 15 2.395 3.166 5.561

DDZ VI - 20 12 320 2.716 3.062 5.778

DDZ VII - - - 70 547 547 871

TOTAL 8 82 157 3.226 16.828 20.584 37.412

TOTAL
44.103
GERAL

Fonte: SEMED/DIE/SIGEAM-2013.

Conforme o Quadro 4 há um atendimento significa-


tivo de crianças na fase pré-escolar, o que aponta para maior
concentração de oferta de matrícula neste segmento no con-

1951
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

texto da SEMED, ficando a desejar o atendimento de crianças no


segmento creche, principalmente na fase Berçário e Maternal I
e II, havendo ainda desigualdades no número de vagas entre as
DDZs, sendo o total de 08 crianças matriculadas na fase Berçá-
rio, 82 crianças matriculadas na fase Maternal I e 157 crianças
matriculadas na fase Maternal II para um município que é con-
siderado o 7º mais populoso do país4.
A defasagem no número de crianças aptas a ingressar
no segmento creche e pré-escola por falta de vagas asseguradas
pelo poder público no município de Manaus à população de-
monstra a não garantia do direito subjetivo à educação de ma-
neira inclusiva e democrática, conforme definido na LDB em
seu artigo 29.
A DDZ VII corresponde à zona rural do município
de Manaus, não há matrícula de crianças no segmento creche
conforme dados apontados no Quadro 2, e ainda concentra o
menor quantitativo de crianças matriculadas na fase pré-escola,
o que aponta a não expansão da rede escolar pública de Manaus
à zona rural uma vez que circunstancialmente as comunidades
se encontram mais dispersas e afastadas das sedes comunitárias,
onde requer maior investimento e planejamento na oferta de
matrícula para as comunidades ribeirinhas em todas as etapas
da educação básica.
Conclusões
As reflexões apresentadas sobre o pensamento de Paulo
Freire, bem como os ecos da prática com crianças, permitem
fazer derivações nas políticas públicas que buscam universali-
zar o atendimento das crianças no segmento da pré-escola até
este ano (2016) e posteriormente expandir esse atendimento no
segmento creche até a vigência do atual Plano Nacional de Edu-
cação.
4 Segundo dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A cidade de Manaus tem 2.020.301 habitantes. A
última estimativa, de julho de 2013, apontava que a capital do Amazo-
nas tinha 1.982.179 habitantes, um aumento de 1,9% no ano de 2014.

1952
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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

No transcorrer do nosso estudo, a análise dos docu-


mentos legais que regem esta etapa de ensino como o PNE
(2014 – 2024), foi possível observar que as expectativas acerca
da expansão e mudança no quadro da oferta de matrícula na
educação infantil no contexto brasileiro não são ousadas uma
vez que manteve o percentual da vigência anterior (2001 –
2011), ou seja, 50% para o segmento creche. O que indica que
a baixa expectativa da meta estabelecida para a universalização
desta etapa de ensino ainda prescinde de vontade política e sé-
rios investimentos por parte do poder público.
No que se refere ao município de Manaus, a oferta e
expansão da matrícula de crianças no segmento creche e pré-
-escola não apresenta um quadro diferenciado no contexto
brasileiro, sendo a questão do direito da criança à educação
infantil uma temática que necessita ser cada vez mais discutida
em fóruns, pesquisas e estudos acadêmicos que visam à univer-
salização do direito ao acesso e qualidade do atendimento das
creches e pré-escolas.
Neste estudo foi traçado o objetivo de compreender o
processo atual de expansão da oferta de matrícula na educação
infantil, os dados coletados apontam muitos desafios que a ad-
ministração pública do município de Manaus necessita enfren-
tar para que este quadro seja melhorado.
Assim, uma concepção de escola de educação infantil
na qual a oferta e a qualidade sejam assumidas como categoria
essencial que busca consolidar práticas humanistas exigirá, dos
gestores públicos, compromissos políticos na direção de uma
educação pública, democrática e de boa qualidade, orientada
pelos pressupostos freireanos.

Referências bibliográficas

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Educacionais Anísio Teixeira. Plano Nacional de Educação
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ISSN 2448-2072

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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUS.
Disponível em: http://semed.manaus.am.gov.br/. Acesso em
18 de outubro de 2015.

1954
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

EDUCAÇÃO E POLÍTICA:
DOS MEIOS À EDUCAÇÃO

ZUIN, Aparecida Luzia Alzira1


Introdução
As escolas chamadas de Centros Educacionais Uni-
ficados – CEUs e Centros de Educação e Cultura Indígena –
CECIs foram consideradas projetos inovadores de educação
pública, no período em que a cidade de São Paulo se colocou
como participante na Associação Internacional das Cidades
Educadoras – AICE, no ano de 2003. Recaiu sobre eles – os
Centros – a orientação de estratégias de “comunicação popu-
lar”, o que implica, de acordo com a teoria freireana, proporcio-
nar à população, muitas vezes conformada com sua exclusão
social e política, condições de acesso a um ambiente de cidada-
nia que possibilitasse a criação de espaços de participação dos
usuários da comunidade do entorno, dando-lhes vez e voz no
processo de tomadas de decisão, juntamente com os gestores
educacionais e políticos. Portanto, um espaço que se integrasse
e se relacionasse com todos os sujeitos que o constituem, con-
1 Docente do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educa-
ção da Universidade Federal de Rondônia – UNIR: Disciplina: Edu-
cação, Comunicação e Mediação. Pós-Doutora pelo Programa de
Pós-Graduação em Direito. Linha de Pesquisa: Direito da Cidade
- UERJ, com o projeto: “Cidade Educadora como modelo de gestão
democrática pela perspectiva da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Ci-
dade). Pós-Doutora em Estudos Culturais pela UFRJ. Doutora em
Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Líder do Centro de Estudos
e Pesquisas Jurídicas da Amazônia – CEJAM. Líder do Grupo de
Estudos Semióticos em Jornalismo - GESJOR/UNIR. Foi assesso-
ra pedagógica no Instituto Paulo Freire – IPF. e-mail: profalazuin@
unir.br; alazuin@gmail.com.

1955
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figurando um lugar de exercício da “cidadania ativa”, propício à


gestão democrática participativa.
Assim, esses Centros deveriam incorporar os condicio-
nantes comunicacionais: gestão democrática; participação da
comunidade do entorno e usuários na elaboração do Regimen-
to Interno, do Projeto Político-Pedagógico e do Conselho Ges-
tor; e na escolha do projeto de infraestrutura que atenderia às
necessidades da educação do lugar. Consequentemente, condi-
cionantes divergentes daqueles relativos ao poder e ao controle
que sempre recaíram sobre o modelo educacional do país, logo,
seriam ultrapassados os discursos autoritários que não respei-
tam as vontades populares e/ou não permitem o diálogo com
os beneficiários das escolas públicas; as propostas dos projetos
pedagógicos não condizentes com a realidade cultural, educa-
cional e geográfica da comunidade onde a escola se localiza,
e, sobretudo, os discursos dos gestores públicos apropriadores
dos projetos institucionais voltados à sociedade.
Por educação, nesse contexto, compreendeu-se uma
política social planejada pelo poder público para a cidade de
São Paulo. O modelo de educação pretendido para os dois
Centros foi sintetizado pelo termo “educação com qualidade
social”, meta que só é possível a partir do momento em que a
educação passa a ser concebida em função dos “reais” interes-
ses da comunidade local.
Sobre os Centros – CEUs e CECIs – os estudos incidi-
ram nas referências dos valores pedagógico e comunicativo, ou
seja, a escola articulada e consolidada dando unicidade às suas
ações. Essa perspectiva deveria fomentar o “valor ético discur-
sivo”, cuja proposta é o debate junto às comunidades onde as
escolas se inserem, a fim de combater o tráfico de influências
da gestão municipal nas tomadas de decisões e nos gerencia-
mentos das ações educativas e educacionais da escola. Por isso,
destacou-se a concepção de educação como aquela que satisfaz
as necessidades básicas do indivíduo: aprendizagem das técni-
cas informacionais, transmissão e preservação da cultura lo-

1956
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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cal, comportamento e produção de ambiente propício para as


práticas de esporte e lazer e trabalho em conjunto. Condições
propostas por Paulo Freire, para alcançar a “educação dialógi-
ca” com a comunidade – a escola cidadã e democrática como
prática da libertação e da autonomia do indivíduo, além de
possibilitar a comunidade de comunicação. Nessa direção pro-
pôs, atendendo a esse modelo de educação, entender os dois
Centros como lugares da mediação, de produção de bens sim-
bólicos e culturais das comunidades.
Tomadas como corpus, as periferias e as aldeias Guara-
ni, em São Paulo, foram esses lugares analisados por estabele-
cerem com os Centros uma “configuração especial”, na medida
em que a concretização dos dois projetos visou a correlação
com os modos de vida do lugar em respeito aos seus traços
identitários mais particularizantes.
Metodologia
1. O CEU, o Projeto e a Mediação
Na gestão do Partido dos Trabalhadores – PT, nos
anos de 2001 a 2004, partidários de uma concepção “freirea-
na” de educação assumiram o poder municipal de São Paulo,
e, nesse contexto, idealizaram o projeto do Centro Educacional
Unificado – CEU. O histórico do projeto político-pedagógico e
a implantação do prédio nas áreas periféricas da cidade inicia-
ram-se embasados no modelo da “Escola Parque”, do educador
Anísio Teixeira 2. O projeto arquitetônico, seguindo a linha de
2 A “Escola Parque”, lançada em 1950, fazia parte do Centro Edu-
cacional Carneiro Ribeiro (CECR) de Anísio Teixeira que previa
a construção de centros populares de educação em todo o Estado
da Bahia para crianças e jovens de até 18 anos. A proposta visava
alternar atividades intelectuais com atividades práticas, como artes
aplicadas, industriais e plásticas, além de jogos, recreação, ginástica,
teatro, música e dança, distribuídas ao longo de todo o dia. Uma
experiência de educação integral: Centro Educacional Carneiro Ri-
beiro. Bahia: MEC/INEP, s/d. In: PADILHA, Paulo Roberto; SILVA,
Roberto da. Educação com Qualidade Social – A experiência dos
CEUs de São Paulo. Instituto Paulo Freire. Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo. São Paulo: Cortez Editora, 2004, p. 13.

1957
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ação de políticas sociais da Prefeitura Municipal de São Pau-


lo – PMSP, visava integrar as diversas unidades educacionais,
culturais e esportivas, em um único lugar.
Outro objetivo dessa concepção era dar à popula-
ção das áreas mais afastadas do Centro o acesso às políticas
públicas, ao mesmo tempo em que, possibilitaria um espaço
de entrelaçamento de atividades de formação implicados na
troca de saberes referentes ao mundo do trabalho e da cultura
3
. Para a arquitetura do CEU, objetivou-se uma logística de
favorecimento à realização de atividades que valorizariam as
experiências anteriores dessa população e as condições para
aquisição de novos conhecimentos, inclusive, do mundo tec-
nológico. Consta ainda no documento elaborado pela Secre-
taria Municipal de Educação - SMESP, a criação de espaços
possibilitadores da comunicação interna do prédio com a co-
munidade do entorno, bem como, a intenção de implantação
de programas urbanísticos regionais, numa política cuja ideia
desenvolveria o local, do ponto de vista social, político e eco-
nômico.
Nas descrições do discurso verbal do projeto acrescen-
ta-se pensá-lo enquanto complexo educacional popular, cuja
ideia é a de transformação de todos os espaços e equipamentos
do prédio em um espaço de “educação inclusiva, de formação
permanente e de humanização das relações sociais” 4.
Com vistas aos princípios da democracia participativa
direta e refutando os princípios da democracia representativa,
a SMESP juntamente com: o Instituto Paulo Freire – IPF, Fun-
dação Instituto de Administração da USP – FIA-USP, Centro
de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comu-
nitária – CENPEC, Diretoria de Orientação Técnica – DOT,
Departamento de Edificações da Secretaria de Serviços e Obras
3 PADILHA, Paulo Roberto; SILVA, Roberto da. Educação com Qua-
lidade Social – A experiência dos CEUs de São Paulo. Instituto Paulo
Freire. Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. São Paulo:
Cortez Editora, 2004, p. 13
4 Idem.

1958
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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– EDIF, a Associação Internacional das Cidades Educadoras


– AIC e outros órgãos; traçaram as seguintes estratégias: i) o
eixo de articulação político-pedagógico para o projeto do CEU
e do CECI; ii) o eixo de articulação político-administrativo,
sobretudo pela ação da prefeita Marta Suplicy, que almejava
‘conceituar’ a cidade de São Paulo como “Cidade Educadora”
5
, propalado na gestão anterior do Partido dos Trabalhadores,
com a ex-prefeita Luiza Erundina e o ex-Secretário de Edu-
cação do município Paulo Freire. Para tudo isso, propunha-se
inicialmente:
A ideia inicial, a partir da qual surgiram as propos-
tas anteriores relacionadas à concepção de gestão dos
CEUs, foi pensada em maio de 2003. Tais propostas
contemplavam, primeiramente, os princípios da de-
mocracia representativa, refutando a perspectiva
da democracia direta. Contudo, aquela reflexão ini-
cial estava centrada na representatividade de caráter
qualitativo, na qual cada grupo, comunidade ou seg-
mento representado, deveria eleger seus representan-
tes (...) Por outro lado, e como forma de garantir a
representatividade real e democrática por parte da
comunidade, apresentava-se também outra proposta
igualmente nos princípios freireanos: cada unidade
do CEU teria um conselho de gestão (...) 6

No eixo de articulação político-pedagógica foram defi-


nidas: a ocupação dos espaços públicos, a utilização dos equi-
pamentos, a alocação dos funcionários, a distribuição dos in-
5 A cidade será educadora quando reconhecer, exercitar e desenvol-
ver, além de suas funções tradicionais (economia, social, política e
de prestação de serviços), uma função educadora, quando assumir a
intencionalidade e a responsabilidade cujo objetivo seja a formação
e o desenvolvimento de todos os seus habitantes. Carta de Decla-
ração de Barcelona. Cidades Educadoras. 1990. CEU - Origem e
Concepção do CEU: In: PADILHA, Paulo Roberto et al. Op. cit.
p-25-31.
6 PADILHA, Paulo Roberto; SILVA, Roberto da (orgs). Educação
com qualidade social. A experiência dos CEUs de São Paulo. Cap
2: Gestão, Conselho Gestor e Legislação. São Paulo: Instituto Paulo
Freire; Cortez Editora, 2004, p. 61-62.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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sumos materiais, a elaboração e execução do Projeto Educacio-


nal, a relação do CEU, nesse caso, com a comunidade e o papel
e a função de cada segmento na sua estrutura organizacional.
No eixo de articulação político-administrativa são definidas: a
articulação e divulgação das ações da gestão Marta Suplicy; a
transformação e/ou reestruturação e organização dos espaços
da cidade, permitindo o uso dos espaços e edifícios públicos
como meio facilitador de acessibilidade dos cidadãos aos ór-
gãos, bens e serviços públicos entre outros.
Para garantir que esses eixos constituíssem o espaço
social do CEU, foi incorporado ao projeto a sistematização
da metodologia dialógica. A ideia freireana apareceu no do-
cumento proposto pelo IPF: apresenta-se a metodologia, que
“permite”, através da gestão democrática participativa, dar
condições à comunidade de recepcionar o CEU no seu espa-
ço físico, enquanto se insere na constituição do projeto edu-
cacional. A ação da comunidade se integra às ações do poder
público, conforme defende as diretrizes do projeto político-
-pedagógico:
Nascia um projeto de educação popular (...) Defen-
dia-se a ideia freireana, a educação cidadã, na qual
o povo é visto com dignidade e respeito. (...) Os
CEUs inspiram-se na concepção de equipamento
urbano agregador da comunidade, com uma visão
de educação que transcende a sala de aula e o espa-
ço escolar. 7

De acordo com esse paradigma, retirado dos princí-


pios de Paulo Freire, os proponentes do CEU defendiam a ló-
gica da sistematização dialógica, como o discurso que recusa
o autoritarismo, o antidiálogo, a publicidade. Desse modo, ao
planejar o projeto CEU embasado no ideal freireano, seus ide-
alizadores defendiam uma educação para a libertação do indi-
víduo, humana, autônoma e democrática.
7 GADOTTI, Moacir; PEREZ, Maria Aparecida. O projeto Educacio-
nal dos CEUs. Prefeitura Municipal de São Paulo. São Paulo: PMSP/
SME/SP. 2002, p. 15.

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1.2 CECI – a mediação na Aldeia


CECI é uma palavra que significa Centro de Educação
e Cultura Indígena, e que dá nome a três escolas localizadas nas
Aldeias Guarani 8, na cidade de São Paulo. Também teve sua
concepção na gestão do Partido dos Trabalhadores – PT, na
administração municipal, nos anos 2001-2004.
De acordo com o discurso do poder público munici-
pal, o Projeto Político-Pedagógico para o CECI, igual ao CEU
– Centro Educacional Unificado, foi constituído a partir dos
princípios e fundamentos do ideário freireano, com vistas à
promoção das atividades adequadas para o reavivamento dos
costumes e valores de seus antepassados e da história, a fim de
que a tradição e a cultura indígena fosse fortalecida e valoriza-
da, o que significaria a defesa da dialogia social, ou seja, uma
educação promotora das atividades adequadas para o aten-
dimento de todos esses princípios, sem, contudo, abandonar
uma tradição em detrimento de outra. A educação pautada na
“dialogia social” é aquela que busca uma compreensão com-
plexa da realidade, onde os atores envolvidos no processo e as
relações construídas no diálogo social superam qualquer dialé-
tica reducionista.
Respeitando estes princípios, é preciso que entenda-
mos o CECI como um Centro de integração da pró-
pria comunidade, uma vez que, reafirmando a pro-
8 A identificação do grupo é sempre citada no singular: Guarani. Os
antropólogos adotam a norma regulamentada pela Associação Bra-
sileira de Antropologia em 1957, que define o uso dos nomes dos
grupos indígenas escrito no singular, com letra maiúscula. Assim, é
comum escrever o ‘povo Guarani’, ou mesmo ‘os Guarani” quando
se referir ao grupo. Para se falar das terras ou mesmo das aldeias,
formalizou-se ‘aldeias Guarani’ ou áreas Guarani’, sem plural. Dife-
rente disso é o uso que fazem os dicionários e manuais de redação,
que atentam para a flexibilização do nome do grupo de acordo com
o plural empregado. É preciso definir qual a melhor forma a ser ado-
tada para a redação desta proposta. In: Documento da Prefeitura
Municipal de São Paulo. Projeto Político Pedagógico. CECI - Prefei-
tura Municipal de São Paulo. 2004. Nesse trabalho, definiu-se pelo
emprego no singular - “Guarani”.

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posta educacional da atual administração, de inclusão


social, a educação Guarani só pode ser pensada de
uma forma global, articulando a criança, sua família e
a comunidade a qual pertence. A criança Guarani está
sempre acompanhada, seja por seus pais, seus irmãos
mais velhos, seus avós. São eles que ensinam tudo o
que ela deve saber até que possa entender o mundo
em que vive e caminhar por ele. 9

Desse modo, o projeto político-pedagógico para o CECI


buscava potencializar as expressões de identidade da aldeia e as
novas formas de relacionamento dos indígenas com os demais
segmentos da sociedade brasileira, baseada no conhecimento e
no respeito da diversidade cultural.
Cabe ao poder público proteger as manifestações das
culturas indígenas. Esse dispositivo abriu a possibi-
lidade para que a escola indígena se constitua num
instrumento de valorização das línguas, dos saberes
e das tradições indígenas, deixando de se restringir a
um instrumento de imposição dos valores da socie-
dade envolvente. Nesse processo, a cultura indígena,
devidamente valorizada, deve ser a base para o conhe-
cimento dos valores e das normas de outras culturas.
Assim, a Constituição Brasileira de 1988, conforme
Artigo 210, inovou e assegurou o direito das socieda-
des indígenas à uma educação escolar diferenciada,
específica, intercultural e bilíngue. 10

Portanto, além de possibilitar às comunidades indíge-


nas estudarem sua arte, sua língua, vivenciar sua religiosida-
de, compreender os significados dos seus símbolos, a proposta
desta educação visou, dentro dessa complexidade histórica,
dar condições a essas comunidades para o entendimento de
como elas sofreram as mudanças nas fronteiras da civilização.
Por esse viés, a ação política vigente no projeto do CECI é uma
atividade que pode possibilitar as comunidades indígenas vive-
rem a pluralidade – ação própria da condição humana.
9 In: Documento da Prefeitura Municipal de São Paulo. Projeto Polí-
tico Pedagógico. CECI - Prefeitura Municipal de São Paulo. 2004.
10 Idem. p. 9.

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Seguindo a ideia de Hannah Arendt 11, o projeto polí-


tico-pedagógico para o CECI tenderia a ser uma possível ação
política, considerada a capacidade de julgamento do poder
público e dos indígenas, entendendo, como tal, a condição de
discernimento de cada ser humano; isto é, algo intercambiá-
vel a partir da possibilidade de comunicação entre os indiví-
duos, o que confere um caráter intersubjetivo à esfera pública,
ampliada a partir do confronto de (diferentes) ideias e ações.
Com essa ideologia os índios Guarani passariam a fazer par-
te do processo político e educacional como qualquer cidadão
do município de São Paulo, o que permitiria a eles, através da
participação conjunta com o poder municipal, a condição de
orientar suas ações, participar e se expressar livremente; ao
passo que orientaria suas atividades educacionais na esfera da
mediação tornar-se-iam: seres políticos, no mundo coletivo.
Todas essas referências se relacionam com a questão da multi-
culturalidade tão defendida atualmente.
Portanto, a multiculturalidade passou a ser o denomi-
nador comum dos CECIs em direção à educação estética. Uma
educação multiculturalista é aquela que procura questionar os
valores e os preconceitos referentes à cultura, à identidade, às
tradições, às artes etc. Além disso, é um projeto educacional
que preza pela preocupação com o pluralismo cultural, que leva
necessariamente a considerar e respeitar as diferenças evitan-
do uma pasteurização homogeneizante autoritária no processo
escolar. Os grupos culturais que se imbricam nesse modelo de
educação podem ser identificados pela raça, gênero, orientação
sexual, idade, localização geográfica, renda, classe social, ocu-
pação, educação, religião. As principais questões que norteiam
essa atitude multiculturalista na educação, segundo Barbosa 12
são: i) como os diferentes grupos culturais podem encontrar
11 ARENDT, Hannah. In: Serpa, Ângelo. O espaço público na cidade
contemporânea. São Paulo: Contexto, 2007, p. 16.
12 BARBOSA, Ana Mae. A multiculturalidade na Educação Estética. I
Conferência Municipal de Educação. Caderno Temático de Forma-
ção 1. Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, 2004.

1963
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

um lugar para a educação estética em suas vidas; ii) como esses


grupos de culturas diferentes podem diferir um grupo de cul-
tura para outro.
Diferentemente do projeto do CEU - Centro Educa-
cional Unificado - cujo princípio fora determinado por meio
do poder público (gabinete da Secretaria de Educação do Mu-
nicípio de São Paulo, da Prefeitura Municipal de São Paulo e
arquitetos), esse modelo educacional do CECI, para a aldeia
Guarani, primeiro fora defendido pelas lideranças indígenas
e em seguida transmitido ao poder público; e, num ato con-
junto definiram suas diretrizes. Desse modo, uma experiência
cognoscente, que impulsionaria a percepção da cultura do ou-
tro e relativizaria as normas e os valores da cultura de cada
indivíduo, levando em conta o saber-fazer que, além disso,
compreende as experiências estéticas e estésicas das aldeias. A
experiência estética é um evento extraordinário enquadrado na
cotidianeidade, é uma surrealidade englobada pela realidade. A
estesia acompanha os acontecimentos cotidianos, desde o en-
fraquecimento do sujeito, o estatuto particular do objeto, a fusão
sensorial do sujeito com o objeto, a unicidade da experiência, a
esperança de uma futura conjunção total. 13
Como foi apresentado o modelo de política pública
orientador para o CEU e o CECI se deu a partir da lógica de
educação libertadora, crítica e pautada na consciência, presen-
te na tese freireana, pois apontava para a ideia da “auto-reali-
zação do sujeito do conhecimento”, e mais, esta lógica (ideali-
zada) pareceu ser a determinante para a formalização do plano
educacional direcionado aos projetos dos Centros.
Nos moldes de Paulo Freire outro dado importante
à realização desse modelo de educação, o qual que fundou os
projetos, é a educação com qualidade social cujo ideal é a não
fragmentação das propostas pedagógicas, é a preocupação que
os envolvidos devem ter em não separar a teoria e a prática;
13 FIORIN, José Luiz. Objeto artístico e experiência estética. In: Semió-
tica, estesis, estética. LANDOWSKI, Eric; OLIVEIRA, Ana Claudia
et al. São Paulo: EDUC, 1997. p. 101.

1964
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

pois, sabe-se que o distanciamento do discurso teórico com o


realizado, muitas vezes pode causar danos irreversíveis à edu-
cação (uma “coisa” é o que se propõe outra, o que se faz).

Resultados e discussão

Não resta dúvida de que a noção de “politicidade”


da educação que Freire menciona se volta ao oferecimento de
uma política educacional crítica, superando os obstáculos de
um sujeito disperso e/ou desvinculado do seu mundo vivido,
por isso mesmo não pautado no discurso do poder público,
mas nos sujeitos que a vivenciam.
Dessa maneira os estudos sobre os dois projetos cha-
maram a atenção para uma educação como lugar da ação polí-
tica e de expressão do sujeito e não na expressão midiática que
o partido político se utilizava para a divulgação dos projetos.
Afinal, dentre outras práticas para a educação libertária já re-
ferida anteriormente, está àquela relacionada à categoria auto-
nomia, que para Paulo Freire significa uma prática pedagógica
que atenta para as inversões sociais que podem estimular o in-
dividualismo e a competitividade, a manipulação dos sujeitos,
a ingenuidade; modelos típicos do ideário neoliberal.
Foi com essa intencionalidade de registrar todas as
incidências e/ou matérias sobre o Centro Educacional Unifica-
do e o Centro de Educação e Cultura Indígena que o presente
trabalho dispôs de um acompanhamento da trajetória através
dos sites dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e
Diário de S. Paulo.
A escolha deveu-se em parte pela facilidade de ar-
quivamento e acesso ao material, por meio de mecanismos de
busca dos próprios sites, e da representatividade que os textos
ali veiculados tiveram em relação às posições assumidas pelos
veículos e às angulações dadas aos acontecimentos por eles no-
ticiados, além de serem esses os jornais classificados como “a
grande imprensa” paulistana.

1965
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Desse modo, pensar os modos de como os jornais or-


ganizaram os discursos sobre os CEUs e os CECIs possibilita-
ram identificá-los e relacioná-los a uma determinada prática
midiática e política que em muito prejudicaram o desenvolvi-
mento dos projetos em questão.
O que se observou foram discursos midiáticos organi-
zados, fomentando a falta de confiança nos projetos e a desca-
racterização da proposta pedagógica de participação popular,
ou seja, o debate sobre a educação (que seria de se esperar na
situação e/ou momento de debate público e político-eleitoral,
principalmente) passou a ser publicizado de modo confuso
ou equivocado (propositalmente), na tentativa de desfavoreci-
mento aos dois modelos visando a descontinuidade deles na
cidade paulistana.
Nesse sentido é válido mencionar que o projeto se per-
deu ao longo do tempo e com a saída, na época, do PT da Pre-
feitura Municipal de São Paulo da gestão municipal (também
responsável em grande parte pela relação contaminada com os
meios de comunicação de massa), aos poucos os projetos dei-
xaram de atentar à participação dos envolvidos (pais, alunos,
professores, gestores, comunidade do entorno) nos Conselhos
Gestores e na elaboração e/ou atualização dos seus projetos
pedagógicos respectivos. Ainda, com a entrada do PSDB na
gestão municipal em seguida, pudemos conferir a perda das
características educacionais pautadas no idealismo freireano, o
descaso com os Centros e a tentativa descontinuidade dos dois
projetos: CEU e CECI.
Conclusões
Para analisar o problema do uso da educação como
mediação, fez-se necessário um extenso estudo pautado nas
Teorias da Comunicação e da Sociossemiótica, da Sociologia e
da Ciência da Educação.
Buscou-se, a partir desse arcabouço teórico, descor-
tinar um breve período (2001-2005) para entender o modo

1966
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de “fazer educação”, exemplificado por meio de dois projetos


de política pública, CEU (Centro Educacional Unificado) e
CECI (Centro de Educação e Cultura Indígena), idealizados e
implementados no município de São Paulo durante a gestão
da prefeita Marta Suplicy, do Partido dos Trabalhadores.
O desenvolvimento da pesquisa incidiu sobre a ques-
tão: como a educação pública é significada nos discursos ins-
titucionais do poder municipal, arquitetônicos, comunitários
e midiáticos, destinados às duas experiências educacionais de
política pública; localizadas em vinte e uma periferias e três
aldeias Guarani, na cidade de São Paulo.
Para entender os modos de produção de sentido na-
queles discursos se formulou algumas hipóteses a fim de
identificar: se a cultura midiática interferiria na constituição
dos espaços públicos ou se o Centro Educacional Unificado
– CEU e o Centro de Educação e Cultura Indígena – CECI,
além de fenômenos educacionais, assumiriam um caráter es-
petacular específico dessa cultura midiática. Além disso, foi
necessário analisar as relações entre os sujeitos sociais (ges-
tores municipais, comunitário, imprensa, equipe técnica e
outros), com a propositura de compreender se esses sujeitos
constituiriam programas discursivos de acordo com as pers-
pectivas educacionais que fundamentaram as duas experiên-
cias, pautadas nos princípios teóricos de educação de Paulo
Freire.
Para isso, no percurso da pesquisa foi apresentada,
primeiramente, uma ideia de educação, aquela contida no
discurso teórico (ideário freireano) que significou os Centros
Educacionais Unificados e os Centros de Educação e Cultu-
ra Indígena como modelos de espaços sociais, isto é, de me-
diação: lugares propícios para a comunicação das periferias e
das aldeias Guarani, como lugares de identificação de práticas
culturais e de respeito às diversidades dos sujeitos envolvidos
no processo educacional, com a finalidade de alcançar o mo-
delo de gestão democrática participativa.

1967
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Em um segundo momento, os significados dos CEUs e


dos CECIs foram investigados a partir dos discursos da comu-
nicação institucional do Partido dos Trabalhadores - PT e do
Partido da Social Democracia Brasileira -PSDB, com o objeti-
vo de observar se havia diferenças nos programas discursivos
de cada partido, com relação às propostas educacionais para os
Centros. Para isso, foram analisados os conjuntos de pronun-
ciamentos do Partido dos Trabalhadores, com a finalidade de
identificar a coincidência e/ou reiteração da ideia de “educação
como mediação” conforme se previa nos documentos político-
-pedagógicos. Ao mesmo tempo confrontou aqueles pronun-
ciamentos com os discursos do PSDB que se embasavam nas
diretrizes e metas orientadas e/ou programadas a uma ação
governamental inserida nos instrumentos básicos da eficiência
administrativa moderna.
Durante o encaminhamento do trabalho revelou-se
que as práticas educativas previstas aos dois projetos - CEU e
CECI –, inscritas no plano político-pedagógico e de educação
“freireana”, foram inviabilizadas, porque a configuração dos
dois Centros envolveu, sobretudo, uma conexão direta entre
a política e a mídia, conexão significada, nesse caso, como téc-
nica voltada ao convencimento, à persuasão, mediante proce-
dimentos discursivos específicos que reverteram a proposta de
“educação como mediação”, pressupostamente defendida nos
discursos do poder municipal daquele período.

Referências

ARENDT, Hannah. In: Serpa, Ângelo. O espaço público na


cidade contemporânea. São Paulo: Contexto, 2007.
BARBOSA, Ana Mae. A multiculturalidade na Educação
Estética. I Conferência Municipal de Educação. Caderno
Temático de Formação 1. Secretaria Municipal de Educação
de São Paulo, 2004.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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FIORIN, José Luiz. Objeto artístico e experiência estética. In:


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Rosisca Darcy de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
GADOTTI, Moacir; PEREZ, Maria Aparecida. O projeto
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______, Moacir. A Escola na Cidade que Educa. Sobre o
conceito e a experiência das “Cidades educadoras”. Moacir

1969
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

GADOTTI; Paulo Roberto Padilha e Alicia Cabezudo:


Princípios e Experiências. São Paulo: Editora Cortez/IPF,
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– investigações quanto a uma categoria da sociedade
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ZUIN, Aparecida Luzia Alzira.Semiótica e Política a
educação como mediação. Curitiba: Appris Editora, 2015.

1970
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE


PARA A ALFABETIZAÇÃO: CONHECENDO
ESTRATÉGIAS E AÇÕES PEDAGÓGICAS NO
CONTEXTO AMAZÔNICO

AZEVEDO, Argicely Leda de1


XAVIER, Jhonatan Luan de Almeida2
Introdução
O educador atual precisa estar em constante atuali-
zação da sua prática pedagógica na sala de aula. O contato e
contextualização entre teoria e prática constitui um desafio que
possibilita uma reflexão sobre melhorias nas práticas educacio-
nais.
Paulo Freire é um grande teórico que torna-se leitu-
ra fundamental para a formação dos professores, uma vez que
suas práticas favorecem a libertação dos educandos tanto jo-
vens e adultos como crianças.
Baseado nos conhecimentos de Paulo Freire, desen-
volvemos uma aula para crianças do 1º ano das séries iniciais
em uma escola particular de Manaus, com a finalidade de con-
textualizar as práticas freireanas com os conhecimentos e temas
da Amazônia, nossa prática nos fez refletir que as crianças tem
muito a contribuir com as intervenções pedagógicas dos pro-
fessores através dos conhecimentos e saberes do seu cotidiano,
e que a o contexto amazônico favorece a aplicação de práticas
dentro da proposta de Paulo Freire para a alfabetização.
1 Mestranda em educação em ciências na Amazônia/ UEA, Manaus,
Brasil. E-mail: argicely.pedpsi@gmail.com
2 Docente da educação básica na rede estadual pública. E-mail:
xavier.jhonatan@hotmail.com

1971
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Metodologia
O percurso metodológico para a realização deste es-
tudo valeu-se em primeira instância pela pesquisa bibliográfi-
ca, que “é desenvolvida a partir de material já elaborado, cons-
tituído principalmente de livros e artigos científicos (DIEHL,
2004, p.58)”.
Através da pesquisa bibliográfica podemos entrar
mais seguros no campo de pesquisa e cobrir uma gama de fe-
nômenos mais extensa de forma a enriquecer nossa ação em
campo (GIL, 2010).
A presente pesquisa é de natureza qualitativa median-
te Observação Participante, considerando que os sujeitos en-
volvidos são crianças, não podemos desconsiderar sua subjeti-
vidade no decorrer da pesquisa. De acordo com Minayo (2003,
p.22), a pesquisa qualitativa:
(...) trabalha com o universo de significados, moti-
vações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações,
dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos a operacionalização de variáveis.

Nesse contexto, preocupamo-nos em descrever a rea-


lidade tal como ela ocorreu, considerando as vontades e sabe-
res existentes nas crianças de forma individual e da classe de
maneira geral.
Características da alfabetização e letramento na
perspectiva de teóricos
Os estudos acerca do processo de ensino e aprendi-
zagem apontam que os mesmos só terão significados para o
processo de alfabetização quando trabalharem a questão das
articulações do conhecimento como um todo. Na busca da
compreensão desses processos diante de diversos fatores que
a tornam um campo cada vez mais complexo de ser analisado.
A autora aborda que o termo alfabetização na sua etimologia

1972
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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não passa apenas do ato de ler e escrever, da aprendizagem de


um código para que o indivíduo possa usar das habilidades de
leitura e escrita através desses códigos.
Mas a alfabetização não se dá apenas por aquisição de
códigos, ela abrange um processo mais amplo, faz o indivíduo,
próprio de sua maneira, enxergar a relação das unidades sono-
ras com os símbolos gráficos para a construção de códigos ou
a sua reconstrução, as relações dos estudos da formação e da
origem das palavras com o significado e as relações estabeleci-
das entre elas.
Em seu sentido pleno, o processo de alfabetização
deve levar à aprendizagem não de uma mera tradu-
ção do oral para o escrito, e deste para aquele, mas à
aprendizagem de uma peculiar e muitas vezes idios-
sincrática relação fonemas-grafemas, de um outro có-
digo, que tem, em relação ao código oral, especificida-
de morfológica e sintática, autonomia de recursos de
articulação do texto e estratégias próprias de expres-
são/compreensão. (SOARES, 2015, p.17)

Independentemente do seu uso para a elaboração de


escritas fazendo uso de técnicas próprias no intuito de comuni-
car-se dentro de um determinado grupo ou para determinado
grupo.
A autora Soares (2015) na busca para compreender a
leitura na perspectiva individual mostrou que essa ocorre dian-
te de várias especificidades e de estudos que vão do campo lin-
guístico até o entendimento dos sentidos que é a capacidade
que o indivíduo tem para entender uma determinada escrita,
perpassando por diversas competências para chegar a tal inter-
pretação. Lembrando também que é de suma importância a
identificação e interpretação das palavras simples até a escrita
de textos. Nela é também importante desenvolver no indivíduo
a capacidade da compreensão e da reflexão acerca de seu esta-
do mental e de outrem.
Já a escrita nessa mesma perspectiva engloba múltiplas
capacidades também, que vão do uso da linguagem e da mente

1973
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

até o modo de como o indivíduo pode apropriar-se do arranjo


das ideias e de como expressar-se diante das habilidades espe-
radas para tal.
Dentro do aspecto social, o alfabetismo não é apenas
visto como uma prática em comum, mas como a apropria-
ção de uma prática que deve ser desenvolvida pelo indiví-
duo dentro de um contexto social, ou grupo ao qual ele está
inserido.
Diante de tal conceito na sociedade, o alfabetismo pas-
sou a ser definido como funcional, Gray (apud Soares, 2015)
pontua como sendo uma condição que a pessoa considerada
alfabetizada assume perante a aquisição desses conhecimentos
para uma participação ativa dentro de seu grupo ou determi-
nado contexto social.
Já para Street (apud Soares, 2015), o alfabetismo é uma
exposição de como ocorre às práticas de leitura e escrita dentro
de vários contextos sociais, e a maneira como ocorrerá essas
práticas dependerá das instituições sociais que no qual essas
mesmas práticas estão incluídas.
Vejamos que, para entender os diversos campos que
englobam o conjunto de capacidades voltadas para a alfabeti-
zação, há uma gama de estudos de diversas áreas das ciências
que juntas procuram desenvolver uma análise mais aprofun-
dada dessas habilidades, onde existe uma reflexão para a com-
preensão das especificidades de cada uma delas na busca da
promoção da alfabetização.
Estamos vivenciando nesse momento, um cenário onde
a escola parece estar atrelada à questão da alfabetização como
apenas um método, uma técnica em que o aluno apenas apren-
de a decodificar códigos, mas não consegue aplicá-la para além
da sala de aula.
Parece que o contexto fora da escola não a interessa,
percebemos então uma fragilidade no ensino, onde a escola
não prepara o aluno para exercer o papel de um letrado na so-
ciedade.

1974
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ISSN 2448-2072

É preciso envolver o educando na vida social, trazer


para esse mesmo educando não apenas as técnicas da própria
alfabetização, mas fazer com que ele aplique essa aprendiza-
gem no seu cotidiano.
O ato de ler e escrever parecem habilidades indissoci-
áveis a priori, mas que na realidade são processos totalmente
diferentes, pois para a aquisição das competências da leitura é
uma, e, para a aquisição da escrita é outra, e que o termo alfa-
betismo nada mais é que o uso simplista de “saber ler e escre-
ver”, que no Brasil, por muitos anos se definiu como uma pes-
soa alfabetizada aquela que conseguia ler e escrever pequenos
textos, ou apenas frases simples (SOARES, 2015).
Mas com o passar dos anos, com o avanço das tecno-
logias, a modernização e o crescimento global, houve uma
grande mudança nesse paradigma que envolve a alfabetização,
e, nos dias atuais a cobrança da leitura e da escrita tornou-se
primordial.
As escolas também tiveram que se adequar a essas mu-
danças, contribuindo para uma educação básica mais efetiva
na busca de contemplar uma alfabetização mais plena para a
criança.
Contribuições de Paulo Freire: Educador e Alfabetizador
Enquanto para uns o alfabetismo poderia trazer di-
versos impasses para tal aplicação na vida como um todo, para
outros poderia ser o início de uma nova concepção de vida
ou condição de vida, uma libertação, segundo Paulo Freire
(apud Soares, 2015), a aprendizagem da alfabetização pode
tanto aprisionar como libertar o homem, dependendo é claro
do contexto ideológico a qual esse processo ocorre, para ele a
educação é política, que no seu entendimento mais amplo não
passa de uma organização, direção e administração do Estado
para com a escola.
Atualmente a sociedade no geral está centrada na es-
crita, então é preciso que todos os envolvidos no provimento

1975
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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da alfabetização possam tê-la como um compromisso indis-


pensável a fim de garantir não somente as técnicas da própria
alfabetização, mas fazendo com que o indivíduo atinja o estado
de letrado, que é o resultado da aquisição da leitura e da apro-
priação efetiva da escrita, oportunizando uma melhor partici-
pação nas interações sociais, nas suas diversas instâncias, tais
como: social, política, econômica e cultural, atendendo às exi-
gências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente.
Paulo Freire, em suas diversas contribuições para a
educação, sempre foi defensor da autonomia e a curiosidade
dos educandos, bem como práticas pedagógicas libertadoras,
onde o estudante o pudesse compreender o sentido da educa-
ção para a sua ascensão social.
O professor que desrespeita a curiosidade do educan-
do, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua lin-
guagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua pro-
sódia; o professor que ironiza o aluno, que minimiza,
que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais
tênue sinal de sua rebeldia legitima, tanto quanto o
professor que se exige do cumprimento de seu dever
de ensinar, de estar respeitosamente presente à expe-
riência formadora do educando, transgride os princí-
pios fundamentalmente éticos de nossa existência (
FREIRE, 1996, p.35).

Nesse contexto, o educador para Freire deve em, pri-


meiro lugar compreender a realidade em que o educando está
inserido, percebendo que ele é um sujeito importante, que tem
uma cultura, linguagem e costumes que é peculiar de cada ser
humano. Nesse sentido, o educador não pode desrespeitar o
direito do educando em exercer sua autonomia na sala de aula
“o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um impe-
rativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns
aos outros (FREIRE, 1996, p.35)”.
No seu livro Educação como prática de liberdade
(2002), Freire demonstra seu método de alfabetização, baseado
na decomposição de palavras em fichas silábicas, percebemos

1976
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

então, um potencial para trabalhá-lo com crianças a partir do


nosso contexto amazônico. Evidentemente que algumas altera-
ções e adaptações precisam ser feitas para que as especificidades
infantis pudessem ser contempladas.
As concepções de alfabetização em Paulo Freire são ba-
silares no entendimento de uma educação escolar que
seja significativa e munidas de contexto com a realida-
de dos educandos. A escola é um espaço de cultura e
como tal, deve proporcionar aos estudantes acesso á di-
ferentes linguagens, atividades, espaço de formação de
um cidadão crítico e autônomo (MORAES, 2012, p.3).

Nesse sentido, enfatizamos a importância do trabalho


de Paulo Freire, no desenvolvimento de práticas pedagógicas
dentro do contexto amazônico, que é rico em cultura e possi-
bilidades de alfabetizar em contexto com as tradições regionais
que hoje estão pouco evidenciadas na escola.
Esperamos colaborar para que as nossas crianças, jo-
vens e adultos possam ter um novo olhar e ambiente alfabeti-
zador nas escolas, e que os docentes encontrem um suporte de
novas ideias para dinamizar suas aulas, e obter melhores resulta-
dos, contribuindo para reforçar os seus compromissos políticos
e pedagógicos.

Resultados e reflexões

O plano de intervenção teve como objetivo desenvolver


um trabalho de alfabetização baseado nos ideais de Paulo Freire
em conjunto com elementos da cultura amazonense. A fim de
favorecer a divulgação da ciência para crianças do 1° ano do En-
sino Fundamental a partir de elementos do cotidiano, propondo
atividades de alfabetização explorando o contexto amazônico.
A atividade foi realizada em três momentos com du-
ração de 1 hora na turma do 1° ano do Ensino Fundamental
em uma escola particular localizada na zona Leste da cidade de
Manaus.

1977
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No primeiro momento realizamos a roda de conversa


com os alunos. Questionamos sobre a compreensão da palavra
ciência e Amazônia que a priori encontraram dificuldades em
relacionar as palavras com os recursos naturais, fauna e flo-
ra. Disseram os nomes dos animais, tais como: macaco, cobra,
onça pintada, anta, tatu, jacaré, beija-flor, tucano, arara, papa-
gaio. Ressaltaram a importância em cuidarmos das árvores,
rios e ar enfatizando a preservação do meio ambiente. Perce-
bemos que “os alunos assumem uma postura crítica na medida
em que compreendem como e o que constituí a consciência do
mundo (FREIRE, p. 82)”.]

Figura1: Roda de conversa


Fonte: Azevedo, 2016.

Com isso, os pesquisadores perguntaram o que ocorre


quando não cuidamos do rio, da floresta e dos animais respon-
deram que se não cuidarmos do ambiente irá poluir. Algumas
experiências adquiridas em casa e em outros ambientes foram
sendo relatadas aos colegas. Vejamos algumas falas das crian-
ças: “quando ia viajar de barco estavam limpando o rio”; “meu
avô não está pescando peixe porque acabou o peixe por causa
do lixo”; “os peixes estão comendo lixo”. Neste momento os pes-
quisadores interagiram com as crianças sobre a preservação do

1978
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

meio ambiente e do nosso papel enquanto cidadãos, como por


exemplo, cuidando dos rios para não serem poluídos por da-
nos causados pelos homens. Freire (2011, p. 44) faz uma abor-
dagem da alfabetização como “uma relação dialética dos seres
humanos com o mundo, por um lado, e com a linguagem e
com a ação transformadora por outro”.

Figura1: Roda de conversa


Fonte: Azevedo, 2016.

No segundo momento distribuímos revistas e jor-


nais para os alunos relacionarem o que discutimos sobre nos-
sa Amazônia e o cuidado que devemos ter em preservá-la. As
mesmas identificaram imagens sobre preservação, ambiente
limpo e/ou poluído. Conduzimos os alunos com o recorte e
colagem das figuras nas cartolinas e observamos a curiosidade
e interesse. Por fim, encontraram diversas imagens e puderam
compartilhar com os colegas seus conhecimentos prévios e
adquiridos, como ressalta Freire (2011, p. 79) “a consciência é
gerada na prática social de que se participa”.

1979
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Figura2: Recorte e colagem: pesquisas em revistas e jornal sobre


Amazônia, ciências e preservação do meio ambiente.
Fonte: Azevedo, 2016.

No terceiro e último momento resgatamos os nomes


dos animais ditos pelas crianças e escrevemos na cartolina, após
solicitamos para os alunos identificarem em pequenos grupos
as vogais circulando-as com a cor azul e as consoantes com a
cor vermelha. Não tivemos como trabalhar as sílabas, pois não
estão estudando sobre o assunto, mas reforçamos os sentidos
das palavras e a importância de cada uma para nossa querida
Amazônia. Julgamos pertinente citar que “a criatividade preci-
sa ser estimulada, não só no nível de individualidade do aluno,
mas também no nível de individualidade num contexto social”.
(FREIRE, 2011, p. 94)

Figura3: Leitura e separação das vogais e consoantes


Fonte: Azevedo, 2016.

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Conclusões

Ao concluirmos observamos a relevância em relacio-


narmos o contexto amazônico com as disciplinas em sala de
aula e não apenas nas aulas de ciências, história ou geografia.
Verificamos que a contribuição de Paulo Freire para a cons-
trução da leitura e escrita vai além das cartilhas e livros didáti-
cos e paradidáticos, devemos sim entrar no mundo e contexto
das crianças e quebrar paradigmas ainda existente sobre língua
portuguesa e ciências nas atividades conduzidas em sala de
aula. Como nos diz Freire (2011, p. 83-84) “a leitura do mundo
precede mesmo a leitura da palavra. Os alfabetizadores preci-
sam compreender o mundo, o que implica falar a respeito do
mundo”.
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métodos e técnicas. São Paulo: Prentice Hall, 2004.
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Acesso em 07 Mar. 2016.

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SOARES, M. Alfabetização e Letramento. 6. ed. 7ª


reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2015.

1982
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DIÁLOGOS COM A CULTURA


AFRODESCENDENTE NO ENSINO
FUNDAMENTAL

VIEIRA, Esther Isabella da Trindade1


TRINDADE, Daniela Sulamita Almeida da 2
INTRODUÇÃO
No dia 9 de janeiro de 2003, o governo federal editou
a Lei 10. 639, que diz respeito ao estudo da História da África
e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, à cultura negra
brasileira e ao negro na formação da sociedade nacional, pro-
curando tornar “reconhecida” e relevante à contribuição das
sociedades africanas e dos afrodescendentes brasileiros para a
formação e desenvolvimento da sociedade brasileira. Esta le-
gislação tornou obrigatório o ensino sistemático de História e
Cultura Afro Brasileira e Africana nas redes de educação pú-
blica e privada do país, com a proposta de corrigir injustiças,
eliminar discriminações e promover a inclusão social para to-
dos no sistema educacional brasileiro (DIRETRIZES CURRI-
CULARES NACIONAIS, 2005, p.5).
Em face do desafio de estimular debates a respeito do
conceito de raça, identidade negra, racismo, democracia racial,
cultura negra, cultura afro-brasileira, pluralidade cultural e
cultura brasileira, a política educacional proposta pelas Dire-
1 Graduanda do curso de Licenciatura em História do Centro Uni-
versitário do Norte- UNINORTE. E-mail: esthertrindade@hotmail.
com
2 Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazo-
nas-UEA/ENS. Mestranda do Curso de Pós-graduação em Ensino
de Ciências da Universidade do Estado do Amazonas-UEA. E-mail:
danielasat76@gmail.com

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trizes reivindica o aprofundamento e problematização desses


conceitos no processo histórico (ABREU, 2005). Percebendo
esta realidade, educadores e demais profissionais de História
são convocados a envolverem-se com uma reflexão mais en-
gajada sobre a cultura afro-brasileira, estimulando a pesquisa
e argumentação, no âmbito no Ensino Fundamental, médio e
superior.
Para Freire (2011, p. 42), a identidade cultural, de que
fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos
cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educa-
tiva, investe uma problemática que não pode ser desprezada,
pois tem a ver com ato de assumir-se e perceber-se, como es-
tudante ou professor/a, no bojo de uma experiência histórica,
cultural e social dos homens e das mulheres inerentes aos con-
flitos que obstaculiza o exercício deste protagonimo.
Cônscios de sua responsabilidade social e política,
educadores e educandos precisam se articular, a fim de esta-
belecerem redes de convivência que resultem não apensas na
aprendizagem, más, na percepção e aceitação de outros saberes
e viveres, como base nos vínculos históricos, políticos, econô-
micos e estéticos relevantes na estruturação da sociedade, dos
currículos e dos processos educativos, prescinde da postura de
compreender a relação ensino-aprendizagem como uma opor-
tunidade para os grupos sociais se defrontarem com as suas
diversidades culturais (PEREIRA, 2010).
Para Santos (2013) tais investimentos que envolvem
os trabalhos pedagógicos em torno desta temática africana e
afro-brasileira nos currículos escolares, vêm associada à pers-
pectiva de promover uma reeducação das relações étnico-ra-
ciais como processo extremamente complexo, que envolve o
exercício reflexivo e evoca o caráter mais fidedigno da iden-
tidade política do ato educativo, pois, exige que educadores,
líderes dos movimentos negros, artistas, integrantes de grupos
culturais e intelectuais negros da academia tenham se apro-
priado do aparato e discursos legais, a fim de reivindicarem

1984
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o reconhecimento, valorização e afirmação das identidades e


direitos dos afro-brasileiros.
Bem mais que romper com o mito da neutralidade da
educação, a adoção de políticas educacionais e estratégias pe-
dagógicas que valorizem a diversidade e vise à superação da
desigualdade étnico racial presente na educação escolar brasi-
leira, nos diferentes níveis de ensino, leva ao comprometimen-
to e clareza do processo educativo em torno questionar-se a
favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê,
um educador, o líder de um movimento negro, artista ou outro
profissional desenvolve sua atividade política (FREIRE, 2009,
p. 23).
No entanto, o desafio de problematizar a história da
cultura afro-brasileira e africana precisa concentrar maior
atenção e divulgação, pois como todos os conceitos, eles preci-
sam ser entendidos como categorias politicamente construídas
ao longo da história por sujeitos e movimentos sociais que os
trouxeram à tona, ou os recriaram e os alegaram como funda-
mentais, com a intenção de desconstruir e superar o imaginá-
rio étnico-racial que impõe de um padrão cultural e estético
branco e europeu que persiste em ignorar ou pouco valorizar
as raízes indígenas, africanas e asiáticas da cultura brasileira
(ABREU, 2005, p. 424).
Por mais que tenham ocorrido avanços na estrutura-
ção dos currículos escolares, a introdução da temática africa-
na e afro-brasileira como novo conteúdo escolar obrigatório,
é importante ressaltar que a abordagem desses respectivos
conteúdos exigirá a revisão das posturas e posicionamentos de
professores em meio a realidades, dados contextuais e prescri-
ções oficiais imiscuídos no interior de uma cultura escolar.
Tratando-se da contribuição de uma abordagem pe-
dagógica envolvendo a introdução da temática africana e afro-
-brasileira como novo conteúdo escolar, a leitura crítico-refle-
xiva do livro Tumbu, do autor Marconi Leal superou uso desta
ferramenta associada ao ensino da gramática e a decodificação

1985
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da palavra escrita ou da linguagem, se alongando para a com-


preensão e relações entre texto e contexto ao modo freireanos
de leitura verdadeira do mundo, que confere à tarefa do sujeito
crítico, humilde e determinado, a quem cabe o ato de relacionar
as palavras e a composição do discurso (FREIRE, 2000).
Este mesmo exercício crítico-reflexivo, também foi
empregado na compreensão e interpretação da Linguagem vi-
sual como forma de comunicação humana (SILVA, et al, 2010)
expressa nos quadros do artista plástico mineiro Alexandre Ro-
salino, como objeto da criação a ser esteticamente experiencia-
do (PANOFSKY, 1898). O respectivo encaminhamento pedagó-
gico (PCN, 2000, p.31), atribui às imagens das obras do artista a
apreciação, contextualização histórica e sensibilização no estudo
da memória afrodescendente, contribuindo para tornar a oca-
sião de aprendizagem na sala de aula, em momento favorável à
formação de atitudes, valores, conscientização e respeito aos ou-
tros, aos seus modos de ser e fazer, seus saberes e sua identidade.
No contexto das aulas de História, as práticas de leitu-
ras e releituras de obras de Rosalino foram tomadas como en-
contros intensivos e fecundos com os rituais religiosos, práticas
do cotidiano e realidades da cultura popular, onde o pintor bus-
ca colocar no papel as histórias que ouvia sobre os antepassados
da família, como a participação na tradicional festa do congado.
Sobre a mistura entre a arte e o cotidiano Fernando Cocchia-
rale (2006, p. 39) aponta que um dos grandes obstáculos para
se entender a arte contemporânea é o fato de ela ter se tornado
“parecida demais com a vida”. No entanto, a possibilidade para a
interpretação com um ato de reinvenção e imaginatividade pro-
duzem uma multiplicidade de leituras e releituras que levam a
conceber o ato de reinventar e reinventar-se (FREIRE, 2011),
como um ato de liberdade.
Relacionar Literatura brasileira, História da África e
Arte afro-brasileira na percepção e aceitação de outros saberes
e viveres que constituem a diversidade cultural brasileira. Como
objetivos específicos buscaram-se; Promover atividades integra-

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doras de leitura, releitura e interpretação da obra Tumbu de


Marcone Leal e de alguns quadros do artista A. Rosalino; Pro-
por discussões e debates sobre a diversidade cultural e étnico-
-racial que compõem a diversidade cultural brasileira.
METODOLOGIA
Para realização deste estudo optou-se pela pesquisa-
-ação, cuja metodologia fez uso da abordagem qualitativa, com
dados coletados através da observação participante, com uso do
caderno de campo e pesquisa documental. Segundo Mallmann
(2015), a pesquisa-ação exige uma dinâmica crítica e proces-
sual requerida entre as fases de delimitação da preocupação
temática, produção/análise de dados e reflexões para propo-
sição conceitual. Quanto à observação participante o pesqui-
sador envolvido na interface da situação pesquisada, organiza,
analisa e interpreta os dados disponibilizados nos documentos
e diário de campo lançando sua devida compreensão crítico-
-reflexiva a respeito da realidade vivida, ressaltando o contexto
e os sujeitos envolvidos na elaboração do conhecimento.
Diante do exposto, o estudo foi desenvolvido no con-
texto de uma Escola Municipal Emanuel Rebelo da Cunha,
localizada no Km 10 da Rua do Brasileirinho, Distrito Indus-
trial 1. As atividades realizadas ocorreram durante duas aulas
semanais, com a duração de 40 minutos cada aula. Assim, re-
alizou-se o trabalho com o objetivo de relacionar Literatura
brasileira, História da África e Arte afro-brasileira na percep-
ção e aceitação de outros saberes e viveres que constituem a
diversidade cultural brasileira, considerando a efetivação de
um projeto elaborado a partir dos estudos realizados durante
a disciplina de História da África, no curso de Licenciatura em
História, na cidade de Manaus/AM.
RESULTADOS E RFLEXÕES
A leitura da obra Tumbu, da biografia e arte de Ale-
xandre Rosalino com estudantes do 7º ano teve o objetivo rela-

1987
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cionar Literatura brasileira, História da África e Arte afro-bra-


sileira na percepção e aceitação de outros saberes e viveres que
constituem a diversidade cultural brasileira. Entretanto, a rela-
ção entre Literatura, História africana e Arte afrodescendente,
favoreceu a revisitação dos conhecimentos prévios e as hipóte-
ses explicativas dos estudantes acerca do indivíduo negro, en-
quanto africano em sua terra de origem e em terra brasileira.
No entanto, a transformação da temática africana e
afro-brasileira em conteúdo de ensino veio acompanhada de
uma postura crítico-reflexiva, baseada nos princípios freirea-
nos da dialogicidade, problematização e contextualização dos
temas ao contexto dos estudantes e exercício de protagonismo
artístico e compreensão crítica da realidade (FREIRE, 2009).
Desse modo, optou-se por estimular a participação dos estu-
dantes através da realização de roda de conversas e debates, em
torno de questões como; O que é e onde se localiza a África?
O que ela lembra a vocês? Por que quando se fala em África
se ressalta a escravidão? Tais questionamentos funcionaram
como perguntas geradoras para o levantamento de dúvidas,
ideias, que foram desconstruídas e reformuladas durante os di-
álogos informativos.
Como primeiro momento do encontro realizou-se
uma atividade direcionada, que contou com a realização de um
desenho individual, no qual, os alunos representaram o perso-
nagem Tumbu conforme as descrições físicas anunciadas pela
mediadora. Na sequência, os estudantes expuseram os seus de-
senhos e compartilharam as interpretações diferenciadas que
cada um deu ao mesmo personagem.
Com a finalidade de superar o foco dado à escravidão,
e ressaltar a visão e discursos dos próprios negros, como cria-
dores de sua arte e da história (SANTOS, 2013 b, p.7), decidi-
mos realizar a leitura coletiva de uma obra literária, associada a
visualização de formas, cores, ritos, modos de vida, conversas,
gestos, espaços enfeitados e demais elementos característicos
da identidade africana e diversidade cultural brasileira, repre-

1988
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sentados nas telas do artista, desenhista publicitário, formado


em joalheria e web designer, Alexandre Rosalino Silva, nascido
em Belo Horizonte, em 12 de março de 1972.
Como pode ser percebido na obra de A. Rosalino, as
manifestações culturais e religiosas negras são protagoniza-
das nas histórias que conta, como no caso da tela, “Festa do Jô
Tota”, [Figura 1], que recebe esse título por narrar em imagens
de uma festividade religiosa realizada em Minas Gerais e que
expressa na festa parte de sua religiosidade sincretizada.

Figura 1-”Festa do Jô Tota” de A. Rosalino.


Fonte: http://www.art-bonobo.com/catalogo/arosalino/

A ocasião revelou-se propiciadora e inspiradora para


que os estudantes mergulhassem na observação do colorido,
nas atividades culturais e folclóricas de pessoas, representadas
nos quadros de A. Rosalino, e realizassem seus próprios dese-
nhos e pinturas, usando lápis de cores, giz de cera, pinceis de
pelo, tintas de tecido e telas de diferentes tamanhos [figuras 2

1989
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e 3], como forma de manifestação artística, reconhecimento


e respeito a identidade étnica, à temática afrodescendente e à
realidade da diversidade cultural tematizadas na tela do artista.

Figura 2- Equipe realizando a releitura da obra


Fonte: VIEIRA, Esther; TRINDADE, Daniela, fev.2016.

Figura 3- Releitura da obra de A.Rosalino


Fonte: VIEIRA, Esther; TRINDADE, Daniela, fev. 2016.

1990
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De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-


ção Nacional (CARNEIRO, 2010), o ensino de artes passou a
ser um componente curricular obrigatório, neste bojo, a in-
tervenção pedagógica com uso do desenho e da pintura em
tela, revelaram-se como manifestações semióticas (PIAGET;
INHELDER, 1973) com as quais a função de atribuição de sig-
nificação pôde ser expressa e construída, concomitantemente
com a linguagem literária e verbal. Referente à pintura, Coll e
Teberosky (2004, p.30) afirmam que esta atividade consiste em
colocar sobre o papel e sobre a tela ou na parede, cores que re-
presentam seres e objetos, a que se dão formas, proporcionan-
do assim, a manipulação de materiais diversos para a expressão
de sentimentos.
Para realizar esta atividade, a pesquisadora organizou
os estudantes em 4 equipes, distribuindo entre as equipes as ta-
refas de pesquisa, leitura e apresentação da biografia de A. Ro-
salino à turma pela equipe (A), seguida das observações e relei-
turas de imagens de algumas obras do artista pela equipe (B) e
posteriormente, a discussão e apresentação de resumo do livro
Tumbu pela equipe (C), e a equipe (D) que ficou responsável
pela pesquisa e apresentação da biografia do escritor Marcone
Leal. Fazendo referência ao “Dia Nacional da Consciência Ne-
gra”, conforme descrito no Art. 79-B da LDB 9394/96, além de
apresentar aos estudantes a biografia deste importante artista,
as atividades do projeto foram finalizadas com a realização de
uma apresentação oral na forma de um Sarau literário, onde
foram expostas juntamente, a biografia digitada de A. Rosali-
no, os desenhos e pinturas fruto da releitura de algumas telas
do respectivo pintor associadas às lembranças de personagens
do livro, a leitura de um trecho do livro Tumbu que relatava
algumas das principais aventuras vividas pelo menino negro.
Levando em conta que o ensino e a aprendizagem se
articulam como um processo, que conjuga reflexão, criticida-
de e engajamento político (FREIRE, 2011), os atores envolvi-
dos nesse processo estiveram sempre atentos, entusiasmados

1991
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e participativos emitindo suas opiniões e revelando suas ha-


bilidades na realização de cada passo das atividades. O pro-
cesso dialógico da troca de saberes entre as pesquisadoras e os
estudantes contribuiu para a abrangência de visão do outro,
de mundo, sociedade e de cultura, através do contato com as
referências culturais articuladas em diferentes linguagens.
CONCLUSÃO
Com a realização deste projeto percebeu-se a necessi-
dade de promover uma continuidade do levantamento de te-
máticas e discussões interdisciplinares envolvendo Literatura
brasileira, Arte popular, História da África, dos africanos, res-
saltando a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira
e a contribuição do negro na formação da sociedade nacio-
nal, superando as abordagens sobre a cultura negra como algo
exótico, folclórico e preso à ideia de escravidão. Sobretudo,
quanto ao ensino dos componentes curriculares de História e
Artes visuais mediadas pelos princípios freireanos de proble-
matização, dialogicidade, solidariedade, respeito à identidade
cultural e a diversidade promoveu a valorização das manifes-
tações culturais como elemento de autonomia, criatividade e
liberdade de homens e mulheres, no ato de seu processo de
reinvenção. Sendo possível aos estudantes expressar seus sen-
timentos, empregar diferentes habilidades e linguagens, na
manifestação e livre expressão de suas ideias. Na efervescência
deste contexto, professores, pesquisadores e estudantes foram
mobilizados a desconstruir as visões estereotipadas sobre a fi-
gura do africano e seus descendentes, problematizando ideias
e preconceitos presentes no imaginário social, a fim de valo-
rizar a diversidade cultural e ampliar as oportunidades e es-
tratégias para que os próprios estudantes se apropriassem da
linguagem artística das palavras e dos desenhos, para atuarem
em respeito aos diferentes saberes e viveres e cooperassem no
enfrentamento de desigualdades historicamente perpetuadas
em nossa sociedade.

1992
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

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1994
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EDUCAÇÃO FREIREANA E IDENTIDADE:


ESTUDO SOBRE O PATRIMÔNIO MATERIAL
NA CIDADE DE MANAUS

TRINDADE, Daniela Sulamita Almeida da1


INTRODUÇÃO
A relação histórica entre Turismo e Educação vem do
século XVIII, quando os jovens da elite inglesa realizam via-
gens a países europeus, para ampliar o acervo cultural (AN-
DRADE, 2006, p.9). Já no século XX, com a intensificação da
industrialização, o Turismo passou a consolidar-se como prá-
tica socioespacial massiva, inclusive, a partir do período pós-
-segunda guerra mundial, convergindo para transformação e
incremento do patrimônio em atrativo turístico (CAMARGO,
2002), incluindo a natureza e a cultura dos lugares como op-
ções de consumo do mundo globalizado.
Na atualidade, na tentativa de romper com o teor mer-
cadológico da formação escolar e ampliar a relação entre con-
teúdos curriculares, cultura e ambiente vivido, espaço formal
e espaço não formal de aprendizagem, a implementação dos
saberes da área do turismo como temática transversal, seja na
“educação para o turismo” como aponta Fonseca Filho (2007)
ou como “turismo pedagógico” conforme Hora e Cavalcante
(2003) e Milan (2007), podem contribuir para a sensibilização
dos estudantes acerca da valorização de sua paisagem cênica,
bens naturais e culturais que compõem seu patrimônio e iden-

1 Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Ama-


zonas- UEA. Mestranda do curso de Pós-graduação em Ensino de
Ciências da Universidade do Estado do Amazonas-UEA. E-mail:
danielasat76@gmail.com

1995
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tidade. Para tanto, este artigo expressa o relato de experiência


de abordagem do turismo como tema transversal, adotando
os princípios freireanos da dialogicidade e problematização,
como o objetivo geral de; analisar a contribuição da Educação
para o Turismo através de vista ao Centro Cultural Palácio Rio
Negro, com estudantes do Ensino Fundamental, na cidade de
Manaus (AM).
METODOLOGIA
Tendo em vista que o turismo e a educação lidam
com atividades interdisciplinares que se utilizam dos conheci-
mentos pertinentes às diferentes áreas do conhecimento para
compreender a percepção do espaço e o deslocamento dos in-
divíduos que com ele interagem, esse trabalho foi aprofundado
com estudo de caso, realizado em uma escola pública da cidade
de Manaus/AM, através de pesquisa exploratória, tendo como
instrumentos para coleta de dados a pesquisa documental e
participante, em caráter de favorecer a observação, entrevista
e intercruzamento das fontes analisadas (GOLDBERG, 2004,
p. 49-50). A experiência foi realizada em espaço formal e não
formal, abordando conhecimentos sobre patrimônio e turismo
seguindo a respectiva sequência didática; 1-produção do cartão
postal; 2- Visita2 ao Palácio Rio Negro e 3- Elaboração da carti-
lha de educação para o turismo. As atividades interdisciplinares
foram realizadas durante dois dias semanais, no período de 45
minutos, durante o mês de maio de 2015, com a participação
de 39 estudantes de 7º ano do Ensino Fundamental, de uma
determinada escola rural e municipal da cidade de Manaus/
AM. As ações pedagógicas foram inspiradas na metodologia
de Freire para o exercício da leitura do mundo e da palavra,
através de um tema gerador e da elaboração de textos e dese-
nhos para a composição da cartilha educativa. A descrição da

2 A “visita” extraclasse em Cunha (2002), precisa provocar o olhar


crítico sobre o espaço observado, reforçando os conteúdos vistos em
sala de aula e não como simples passeio.

1996
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sequência didática das atividades realizadas pode ser verificada


nos resultados e reflexões que apontam o desenvolvimento da
pesquisa.
RESULTADOS E RELFEXÕES
A inserção do turismo como tema transversal asso-
ciado ao processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos es-
colares, buscou reforçar a compreensão do patrimônio cultural
material como um acervo de construções antigas, ferramentas,
museus, cidades, patrimônio arqueológico, jardins, monumen-
tos e outros objetos que refletem a adaptação entre o homem e
o meio ambiente. Por outro lado, segundo a UNESCO, o ima-
terial abrange as práticas, expressões, conhecimentos, técnicas
e artefatos que os indivíduos reconhecem como integrante de
seu patrimônio cultural (IPHAN, 2012). A escolha desses bens
associada ao representativo da memória e construção da iden-
tidade da sociedade que o elege (GUIMARÃES, 2012, p. 140).
Segundo Guimarães (2012), Manaus possui 60 atrati-
vos naturais e 164 culturais, sendo os patrimônios edificados,
em sua grande maioria, remanescentes do período da bor-
racha, concentrados no Centro Histórico de Manaus, assim
como o Palácio Rio Negro, atração de “número dezoito” na rota
de visitação turística [figura 1] no Mapa turístico da Cidade
de Manaus, como elemento simbólico integrante da identidade
individual e coletiva, cuja busca é a febre e a angústia dos indi-
víduos da sociedade de hoje (LE GOFF, 1996, p. 137).

1997
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Figura 1- Mapa Turístico da cidade de Manaus/AM


Fonte: TRINDADE, Daniela, fev. 2016.

Com base nas experiências de Freire (2009) na Alfa-


betização de adultos em espaços não escolares, conforme apre-
senta o [quadro 1], viabilizou-se o desenvolvimento de ações
educativas que incentivassem a relação dialógica (FREIRE,
2011) entre educador, educando e o ambiente, além de esti-
mular a criticidade e considerar as experiências e realidades
presentes no cotidiano dos discentes.

1998
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Quadro 1- Ações pedagógicas de Freire


Fonte: TRINDADE, Daniela, fev. 2016

Em função disto, a postura dialógica, indagadora e


questionadora na apropriação do patrimônio por meio da
transversalidade com o turismo, possibilitou a aproximação
entre os estudantes e o patrimônio através das leituras infor-
mativas, atividades e visitas na tentativa de realçar a história e
as características culturais (MURTA e GOODEY, 2002, p. 13)
do local visitado.
No entanto, a pesquisadora abriu a aplicação das ati-
vidades com os estudantes, questionando se, praças, museus
e prédios antigos, a língua indígena de uma comunidade, seus
hábitos, músicas e pinturas poderiam ser considerados patri-
mônios culturais e a grande maioria dos discentes afirmou que
sim, porém, alguns dos estudantes justificaram suas respostas,
declarando que, tanto o prédio quantos os costumes e a língua
indígena fazem parte de uma cultura que existe há muito tem-
po e que não pode ser esquecida.
Em seguida, solicitou-se a opinião dos discentes a res-
peito de algumas das motivações que atraem turistas nacionais
e internacionais a cidade de Manaus. Na opinião dos alunos as
causas apontadas foram as belezas cênicas das paisagens na-
turais, encontro das águas, os animais e a floresta. Quanto a

1999
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

esse aspecto, Godim (2007, p.158) afirma que, esse olhar reju-
vencedor do homem moderno sobre a Amazônia também foi
influenciado pela literatura ficcional dos expedicionários do
século XVI. Segundo Fonseca (2010, p.96) esta intensificação
dos tipos de turismos voltados para o contato com a nature-
za: o ecoturismo, o turismo de pesca e o turismo de aventura,
tornaram-se as modalidades preferidas, inclusive, por turistas
estrangeiros, sobretudo, norte-americanos e europeus, que
aproveitam a navegabilidade do Rio Amazonas, para embarca-
rem nos cruzeiros marítimos até Manaus, a fim de desfrutarem
das belezas naturais e significados simbólicos que a Amazônia
representa para o mundo.
Tendo em vista que os detectaram o potencial turístico
da cidade de Manaus para o turismo de natureza, destacan-
do dentro desta modalidade, os bens naturais mais apreciados.
Em vista da possibilidade ampliar a visão acerca da paisagem
arquitetônica de um determinado patrimônio material, desen-
volveu-se a atividade artística da produção do cartão postal.
Confecção do cartão postal
Para desenvolverem a atividade da “ arte postal” duran-
te a disciplina de artes, os estudantes foram auxiliados e orien-
tados pelo professor de artes na produção individual de um
cartão postal como mostra [figura 2]. O desenho foi produzi-
do com papel da marca “vergê, branco, A, 210 mm X 297 mm
e inspirando nas imagens e informações encontradas nas obras
intituladas; “Aprendendo a conhecer o Patrimônio Cultural do
Município de Manaus” [figura 3] e “ Altas escolar do Municí-
pio de Manaus” [figura 4], ambos de autoria de Alessandro Sá,
encontrados na estante da sala dos professores.

2000
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Figura 2 - Desenho de cartão postal feito por aluna.


Fonte: TRINDADE, Daniela, fev. 2016.

Figura 3 - Livro de Educação atrimonial


Fonte: TRINDADE, Daniela, fev. 2016.

2001
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Figura 4- Atlas escolar do município de Manaus


Fonte: TRINDADE, Daniela, fev. 2016.

As obras citadas e apresentadas nas imagens reúnem


em duas publicações os aspectos patrimoniais do Município
de Manaus, a partir do levantamento de textos extraídos e
organizados de informações contidas no Plano Diretor Mu-
nicipal, na da Lei Orgânica do Município, no Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN e Biblio-
teca Municipal, permitindo aos professores e estudantes, a
possibilidade de ampliar os conhecimentos a respeito do mu-
nicípio e foram utilizadas durante as conversas e atividades,
para que os estudantes acompanhassem a leitura a respeito do
sentido e necessidade da Educação Patrimonial e história do
Palácio Rio Negro.
2- A Visita ao Palácio Rio Negro
Sobre o Palácio Rio Negro
Segundo informações obtidas no site da Secretaria de
Cultura-SEC/AM, com o declínio do comércio da borracha no

2002
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Amazonas, devido ao desenvolvimento da produção gomífera


no continente asiático, somado a eclosão da primeira Guerra
Mundial, a linha de navegação entre Manaus e Hamburgo foi
interrompida prejudicando os negócios do comerciante ale-
mão Valdemar Scholz, então obrigado a hipotecar o imóvel.
Após arrematar o imóvel, o seringalista Luiz da Silva Gomes
aluga-o para o Estado do Amazonas, no governo de Pedro d’Al-
cantara Bacellar, que posteriormente o adquire, no ano de 1918
e atribui-lhe o nome de Palacete Scholz. A luxuosa construção,
também serviu de sede do Poder Executivo e residência dos
governadores até 1959, encerrando-se este período no Gover-
no de Gilberto Mestrinho. Daí em diante, o prédio foi usado
apenas como sede do Governo. Tombado3 como patrimônio
histórico estadual em 1980, o Palácio Rio Negro é gerenciado
pela SEC/AM e permanece aberto à visitação pública, com es-
paços para recitais de música erudita e instrumental, exposi-
ções, lançamentos de livros, dança e teatro, e outras atividades
culturais. Sendo usado para audiências e recepções do gover-
nador do Estado, Embaixadores e demais personalidades.
A prática pedagógica da visita a uma instituição não
extraescolar como mostra a [figura 6] viabilizou um momento
de exposição de ideias e degustação do belo espaço arquitetô-
nico do Palácio Rio Negro, a fim de estimular diálogos, debates
e a valorização da memória dos espaços e objetos visualizados.
Ao adentramos o Palácio Rio Negro dividimos os estudantes
em duas equipes, ambas devidamente direcionadas por uma
guia de visita e uma turismóloga4, que nos informavam a res-
peito de vários objetos, esculturas e quadros que compunham
o espaço.
3 De acordo com SIMÕES PIRES (1994)Tombar é registrar algo que é
de valor histórico, artístico, cultural, arquitetônico e ambiental para
uma comunidade, protegendo-o através de Legislação Específica de
Direito Público
4 Turismólogo: profissional responsável por coordenar e planejar em-
preendimentos que tenham o turismo e o lazer como seu objetivo
social ou estatutário (Art. 2º, lei 12.591/2013).

2003
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Figura 6 – Visualização da obra do pintor Moacyr Andrade


Fonte: TRINDADE, Daniela, jun. 2016.

Os estudantes se surpreendiam a cada ambiente desco-


berto e a cada obra de arte apresentada pela guia de turismo.
A descoberta capturada pela câmera dos celulares, é uma obra
em alto relevo do pintor amazonense Moacyr Andrade. Diante
da relevância das experiências vividas na escola e no espaço ex-
traescolar foi elaborada uma cartilha contendo desenhos, foto-
grafias e textos informativos a respeito de alguns patrimônios
da cidade de Manaus e seu usufruto como atração cultural e
natural para o turismo.
3- A cartilha de educação para o turismo
Alguns importantes conceitos sobre patrimônios asso-
ciados a educação para o turismo estão presentes nas páginas
da Cartilha de Educação Para o Turismo, como pode ser vis-
to nas [figuras 7];

2004
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Figura 7- Páginas da cartilha que retratam o mapa turístico e as imagens


de patrimônios da cidade de Manaus (AM).
Fonte: TRINDADE, Daniela, jun. 2016.

Neste material apresentam-se ao público infanto-ju-


venil, através de desenhos e textos sucintos, produzidos pela
pesquisadora e pelos estudantes, o conceito de turismo e tu-
rista, patrimônio e uma breve apresentação de alguns pontos
turísticos culturais da cidade de Manaus, com destaque para
o Centro Cultural Palácio Rio Negro. Para Fúster (apud FON-
SECA FILHO, 2007), um dos pioneiros a tratar do tema, o en-
sino do Turismo como uma prática educativa pode se iniciar
na formação escolar em seu grau mais inicial, por meio de
aulas sobre o assunto, incluindo a elaboração de uma cartilha
com orientações turísticas visando o desenvolvimento de uma
consciência turística e cidadã. Contudo, a inserção de práticas
dialógicas entre a docente e os participantes viabilizou o pro-
nunciamento de suas palavras, como co-autores do processo
formativo e a atribuição de novos significados aos elementos
simbólicos culturais, transformando o interesse dos estudantes
pelo espaço extraescolar em ferramenta de investigação, des-
coberta e aprendizagem, geradores de autonomia, criatividade,
conscientização e criticidade quanto aos temas emergentes de
sua realidade.

2005
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

PROPOSTAS
A utilização das práticas pedagógicas do educador
Paulo Freire associada à educação patrimonial através da te-
mática transversal do turismo educativo, com estudantes da
educação básica, possibilitou a percepção de que a responsa-
bilidade de estimular o desenvolvimento dos aspectos cogni-
tivos, afetivos e sociais do educando diz respeito à responsa-
bilidade ética e política de todo educador, independente da
esfera em que atue. A realização das atividades permitiu que
os estudantes vivenciassem a aprendizagem de forma pra-
zerosa, associando os conteúdos curriculares à convivência
com o ambiente e com as pessoas, aprendendo a conhecer,
aprendendo a fazer e interagindo com ambientes exteriores
ao ambiente escolar, extrapolando as experiências do seu
cotidiano. Considerando o público-alvo os estudantes do 7º
Ano do Ensino Fundamental de uma escola rural da cidade
de Manaus/AM, os conteúdos e atividades abordados em sala
de aula e a análise dos resultados da pesquisa, a visita extra-
escolar realizada pelos respectivos participantes atingiu am-
plamente os objetivos propostos. Contudo, a visita e aborda-
gem dos conteúdos teve caráter turístico e educativo, devido
estimular a apreciação de um patrimônio cultural tombado,
com grande acervo de obras de artes e utensílios de diferentes
tempos históricos que marcaram a vida econômica e social da
população amazonense.
Referências
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São Paulo: Ática, 2006.
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

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2007
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

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2008
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

TEMAS GERADORES E EDUCAÇÃO


AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA COM
PROFESSORES RURAIS NO MÉDIO
SOLIMÕES, AMAZONAS

NEVES, Eliane de Oliveira1


SANTOS, Claudia Barbosa dos2
GUIMARÃES, Claudioney da Silva3
Introdução
No início da década de 1990, é criada a Sociedade Ci-
vil Mamirauá (SCM), na região do Médio Solimões, no esta-
do do Amazonas, em meio aos acontecimentos gerados pela
criação da Estação Ecológica Mamirauá (1990). Esta unidade
de conservação teve como objetivo inicial preservar ambientes
de espécies animais de várzea, em especial, o macaco ‘uaca-
ri-branco’. Em 1996, a Estação Ecológica Mamirauá muda de
categoria para Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ma-
mirauá, abrangendo uma área de 1.124.000 ha., limitada pelos
rios Solimões e Japurá e pelo canal Auati-Paraná. Apresentan-
do-se como algo novo, para os que ali, há muito tempo viviam:
comunidades ribeirinhas entre as margens dos rios Solimões e
Japurá:
1 Bacharela e licenciada em Geografia. Educadora Ambiental. Ins-
tituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. E-mail: eliane.
neves@mamiraua.org.br
2 Especialista em Educação Ambiental e Pedagoga. Educadora
Ambiental. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
E-mail: claudia@mamiraua.org.br
3 Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia
e Bacharel em Engenharia Florestal. Educador Ambiental. Instituto
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. E-mail: claudioney@
mamiraua.org.br

2009
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Este tipo de área protegida de uso sustentado tem


como objetivo básico promover a conservação da
biodiversidade e, ao mesmo tempo, assegurar as
condições e os meios necessários para a reprodução
social, a melhoria dos modos e da qualidade de vida
por meio da exploração racional e sustentada dos re-
cursos naturais por parte das populações tradicionais,
além de valorizar, conservar e aperfeiçoar o conheci-
mento e as técnicas de manejo do ambiente desenvol-
vido por estas populações. (QUEIROZ, 2005, p. 183
apud BRASIL, 2000).

Figura 1. Localização das Reservas Mamirauá e Amanã no Amazonas.


Organizado por: Eliane Neves. Jan. 2016.

Importante destacar que “a população humana da Re-


serva Mamirauá é [era] composta principalmente por ribeiri-
nhos ou caboclos” (QUEIROZ, 2005, p.188). Onde este “pe-
queno produtor familiar vive na região amazônica da explo-
ração dos recursos das florestas. [E] seu conhecimento sobre
a floresta, seus hábitos alimentares e seus padrões de moradia
distinguem os caboclos dos produtores que migraram mais re-
centemente [para esta região]”. (QUEIROZ, 2005, p.188 apud
LIMA-AYRES, 1992).

2010
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

Este território, a partir de então, passou a ser demarca-


do e, portanto, precisava ser compreendido. Como nas pala-
vras de Marise Reis (2003), este fato causou muitas “arengas e
psicas” entre os envolvidos:
Arenga: na linguagem coloquial utilizada no médio
Solimões significa intriga, desejo de brigar que porém
não se concretiza.

Psica: [...] usado na região do médio Solimões, corri-


queiramente traduzido como boato, fofoca de toda a
sorte que traz consigo a conotação de despeito ou ciú-
mes por uma pessoa ou coisa a qual é dirigida. (REIS,
2003, p. 12)

Dúvidas e anseios foram gerados, pedindo-se entendi-


mentos. Foi neste contexto que a Educação Ambiental é ado-
tada pela Sociedade Civil Mamirauá, com a ideia de se buscar
entender e mediar conflitos que o estabelecimento de unidades
de conservação pode vir a gerar para comunidades abarcadas
por tais políticas de conservação, bem como desfazer mal-en-
tendidos:
Setores contrários, da região e de fora dela, consti-
tuídos principalmente por comerciantes, peixeiros,
madeireiros e alguns políticos, certos da ameaça que
a Reserva [Mamirauá] representava à suas atividades
com a eminente regulamentação do uso dos recursos,
procuraram, aos primeiros sinais de sua efetivação,
influenciar as comunidades, indispondo-as contra o
projeto da Reserva. (REIS, 2003, p.16)

No ano de 1991, na área da reserva compreendida den-


tro do município de Uarini, estabeleciam-se ali um pouco mais
de 93 localidades (entre 38 comunidades e 55 sítios), cerca de
3.835 moradores (MOURA, 2015, p.71):
O termo comunidade foi introduzido nessa região da
Amazônia pela Igreja Católica nos anos 1970 através
das ações do MEB, que incentivou as famílias que vi-
viam dispersas a se juntarem em povoamentos e for-

2011
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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mar uma organização política com forte viés comuni-


tário. (ALENCAR, 2009, p.188 apud Faulhaber 1987,
Lima 2000, Alencar 2004, 2007)

A opção pela Educação Ambiental também veio in-


fluenciada pelas práticas do Movimento de Educação de Base,
partindo-se da escolha de temas geradores para trabalhar com
os comunitários: as propostas em relação à Reserva e à neces-
sidade de se pensar novas práticas em lidar com os recursos
naturais na área, em um processo onde o uso sustentável e o
manejo participativo se colocavam como norte. E esta opção
viu principalmente no conjunto dos professores, uma possi-
bilidade de multiplicação. Mas para entender este processo, é
preciso voltar para algumas considerações e acontecimentos da
época.
Estamos falando de uma região, que na década de 1980,
se viu grandemente ameaçada pela pesca predatória ocasiona-
da por barcos pesqueiros comerciais; onde houve uma orga-
nização dos comunitários com o “movimento de preservação
de lagos” impulsionado por setores da Igreja Católica; onde a
questão ambiental se colocou em maior debate e a escassez de
recursos foi o encadeador das discussões. O pescado era (é)
uma ou senão a principal fonte alimentar das comunidades ri-
beirinhas na região:

A criação desta unidade de conservação [Reserva Ma-


mirauá] foi apoiada por lideranças religiosas da Igreja
Católica vinculadas à Prelazia de Tefé. A partir dos
anos de 1970, essas lideranças organizaram o Movi-
mento de Preservação dos Lagos, que contou com a
participação de moradores locais – os ribeirinhos –,
que estavam sendo afetados em suas atividades de
produção e comercialização do pescado pelas ações
predatórias de pescadores com barcos pesqueiros
procedentes das cidades de Manaus e Manacapuru,
no estado do Amazonas, e de cidades do estado do
Pará. (MOURA, 2015, p.37)

2012
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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E mais, um quadro de pobreza e de falta de acesso às


políticas públicas básicas, como de saúde e educação, eram
gritantes à época. Portanto, qualquer medida estranha ao dia-
-a-dia das comunidades, vinha com um certo grau de receio,
estes temiam perder suas áreas ou que fosse proibido o acesso
aos recursos naturais da região. Ainda era muito presente para
estes, as consequências e os temores ocasionados pelo ‘sistema
de patrão’ (aviamento):
A região onde hoje se encontra a Reserva Mamirauá
foi muito influenciada pela economia da borracha,
que tinha como alicerce um sistema de aviamento, ou
relação patrão-cliente, consolidado na época do auge
da produção seringueira, quando o produto era en-
tregue aos seringalistas (donos dos seringais) como
pagamento de dívidas anteriores relacionadas ao des-
locamento e manutenção dos seringueiros nos locais
de trabalho, gerando um ciclo interminável de dívi-
das. (QUEIROZ, 2005, p.188 apud (Queiroz e Peralta,
no prelo).

Ainda sobre este período, Alencar (2009) apresenta que:


[...] “o tempo dos patrões”, compreende o final do sé-
culo XIX e a primeira metade do século XX, quando
predomina uma economia centrada basicamente no
extrativismo de produtos florestais (extração do látex
e coleta da castanha), e produtos de origem animal
(caça e pesca). Nesse momento o comércio estava
centrado na área rural, constituído em torno do bar-
racão dos patrões, que também controlavam extensas
áreas de terras firmes que eram cortadas por vários
cursos de água, os igarapés, através dos quais era pos-
sível ter acesso a um amplo território rico em casta-
nheiras, seringueiras, sorveiras e animais de caça. As
relações de trabalho são marcadas pela sujeição dos
trabalhadores aos grandes comerciantes, os patrões,
que controlavam grandes áreas de terra firme, e esta-
beleciam regras para a ocupação dessas terras e para
a exploração dos recursos naturais nelas existentes
(ALENCAR, 2009, 187-188 apud ALENCAR, 2007).

2013
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Também em contexto nacional e mundial, os debates


desencadeados principalmente pelas repercussões da ECO-92,
colocaram a questão da preservação em foco, e a Amazônia
nesta discussão era vista como área potencial para medidas de
conservação e manejo dos recursos naturais.
Mas há muito, ribeirinhos enfrentavam dificuldades
para manterem seus modos de vida, devido ao pouco acesso
a tudo, inclusive de mobilidade. E no aspecto da educação, em
grande maioria poucos tinham tido algum tipo de estudo for-
mal, iniciativas por parte da Igreja com o MEB foram as únicas
possibilidades de acesso ao letramento para inúmeros comu-
nitários. A participação do Estado neste processo pouco se ti-
nha, num quadro de negligência à educação rural no interior
do Amazonas.
O chamado Projeto Mamirauá tinha entre seus mem-
bros, pessoas que participaram do MEB na região, trazendo
dessa forma suas experiências para o projeto. E com a iniciati-
va da implantação da Reserva Mamirauá e toda a problemática
ali existente, o uso de métodos de educação de base inspirados
na proposta pedagógica de Paulo Freire, bem como o uso de
ferramentas de diagnósticos, como o DRP (Diagnóstico Rural
Participativo), foram apropriados para se debater questões am-
bientais e também sociais para com os comunitários envolvi-
dos na unidade de conservação.
Temas geradores, portanto, foi o ponto de partida, o
método adotado, uma forma de trabalhar com as comunida-
des ribeirinhas uma problematização da realidade vivida e da
necessidade de pensar o manejo dos recursos naturais. Nasci-
mento e Gama (2007) retratam um pouco deste histórico, entre
1994 e 2006: “Uma das primeiras atividades [do Programa de
Educação Ambiental] consistiu no envolvimento de lideranças
comunitárias, professores rurais e urbanos do ensino médio
e fundamental para a identificação de temas prioritários para
ações de educação ambiental” (NASCIMENTO & GAMA,
2007, p.23).

2014
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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E ainda se fez necessário, repensar uma nova forma


de organização das comunidades na unidade de conservação,
estabelecendo setores e acordos de uso dos recursos naturais.
A RDS também trouxe exigências, obrigando o Estado fazer
cumprir algumas cobranças das lideranças, como a implanta-
ção de escolas nas comunidades:
Houve também uma reestruturação social dos as-
sentamentos, ação promovida pela Igreja Católica,
seguindo o modelo de comunidades de base (SCM,
1996). Cada uma destas comunidades possui uma
liderança política eleita pelos moradores. Conjuntos
de comunidades organizam-se na área em setores,
que são unidades políticas, e cada um destes setores
possui um coordenador. A área focal da Reserva Ma-
mirauá possui 63 assentamentos, agrupados politica-
mente em oito setores. Os setores são, portanto, um
conjunto de assentamentos localizados próximos uns
dos outros, que tomam decisões conjuntas sobre o
manejo dos recursos e sobre questões políticas locais.
(QUEIROZ, 2005, p.188)

Em 1999, os trabalhos da SCM são transferidos para o


Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM),
criado naquele ano. As ações crescem, sendo estendidas à re-
cém-criada RDS Amanã:
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã,
doravante RDSA, é uma unidade de conservação
criada pelo governo do Estado do Amazonas através
do Decreto 19.021/98, administrada pelo Instituto de
Proteção Ambiental do Amazonas, IPAAM, e imple-
mentada pela Sociedade Civil Mamirauá – SCM. A
RDSA está localizada entre o rio Negro e o baixo cur-
so do rio Japurá, e possui uma área total de 2.313.000
ha abrangendo terras dos municípios de Maraã, Coa-
ri, Barcelos e Codajás (ALENCAR, 2009, p.198).

É um processo longo e complexo, neste relato de expe-


riência nos ateremos às práticas e materiais produzidos pela
equipe do Mamirauá para conduzir os trabalhos de Educação

2015
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Ambiental nestas comunidades das Reservas. Utilizando do


tema gerador como possibilidade de reflexão da realidade vivi-
da e de planejamento de ações frente a esta realidade. Fazendo
a crítica desta vivência a partir das propostas e pensamentos
freirianos quanto a necessidade do educador comunitário,
portanto, o educador ambiental (termo que nos compreende),
respeitar os processos do educando e ser ponte para o entendi-
mento da realidade e de cooperação na busca de soluções aos
problemas vivenciados.
Por que um método freireano? Para responder esta
pergunta, iremos utilizar das palavras de Gadotti
(2000) sobre os trabalhos de Paulo Freire:

Ao mesmo tempo em que as suas reflexões foram


aprofundando o tema que ele perseguiu por toda a
vida – a educação como prática da liberdade – suas
abordagens transbordaram-se para outros campos
do conhecimento, [...] fortalecendo teorias e práticas
educacionais, bem como auxiliando reflexões não só
de educadores, mas também de médicos, terapeutas,
cientistas sociais, filósofos, antropólogos e outros pro-
fissionais. Seu pensamento é considerado um modelo
de transdisciplinaridade. (GADOTTI, 2000, p.1)

Já na sua obra “Extensão ou comunicação”, Freire (1983)


partiu de que seu método não era restrito ao espaço da escola,
mas poderia ser referência a todos aqueles que trabalham com
o oprimido. Chamando de educador-agrônomo aquele que
trabalha com o camponês: “Pedro exerce profissionalmente
uma ação que se dá em uma certa realidade – a realidade agrá-
ria, que não existiria como tal, se não fora a presença humana
nela” (FREIRE, 1983, p.11).
Muitas das suas palavras nesta obra nos assemelham ao
exercício da educação ambiental, em particular, ao nosso cam-
po de trabalho, onde ribeirinhos que são pescadores e agricul-
tores, onde o universo do rural, dos costumes, das tradições,
dos modos de fazer, precisam ser pensados. E para que fuja-
mos de uma postura “extensionista”, de empreender técnicas

2016
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

e conceitos que estão fora da realidade destes comunitários, é


preciso o tempo todo atentar que “Aos camponeses, não temos
que persuadi-los para que aceitem a propaganda, que, qual-
quer que seja seu conteúdo, comercial, ideológico ou técnico, é
sempre ‘domesticadora’”. (FREIRE, 1983, p.14).
Fazendo um recorte principalmente aos professores das
comunidades, que trabalhamos ativamente, é importante reto-
mar que unir a educação ambiental a partir de temas geradores
enxerga-se nestes professores como “os principais agentes co-
laboradores na consolidação das ações de educação ambiental
nas comunidades” (NASCIMENTO & GAMA, 2007, p.24).
Mas é importante pensar que no início destes trabalhos já ha-
viam desafios a esta proposta:
[...] o alto índice de analfabetismo dificultava a con-
tinuidade das ações. [...] A maior parte das escolas
funcionava em condições bastante precárias, sem ma-
terial e merenda escolar. Em algumas comunidades as
aulas eram realizadas na casa do professor. A escolari-
dade média dos professores rurais era apenas a quarta
série do ensino fundamental e todas as escolas rurais
funcionavam em um sistema multisseriado. Não era
possível realizar as atividades noturnas pela falta de
energia. Todas essas dificuldades eram administradas
acrescidas ainda da necessidade de adaptação às varia-
ções sazonais: durante a época das grandes enchentes
(abril a junho) as atividades ficam interrompidas em
virtude da escola, ou servir de abrigo à população ou
estar totalmente inundada; durante a época da seca,
(setembro a novembro) a mudança das moradias para
locais mais próximos à agua dificulta bastante o des-
locamento dos alunos para atividades escolares (NAS-
CIMENTO & GAMA, 2007, p.27)

Atualmente o quadro em relação a educação nas comu-


nidades ainda é preocupante:
[...] é mais que necessário atentarmos à realidade atual
destes espaços escolares, tendo em conta que grande
parte das escolas nas RDSs atendem um público for-

2017
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

mado por crianças, jovens e adultos em processo de


alfabetização. Onde os professores/as estão voltados
ao ensino da leitura, da escrita e das operações arit-
méticas básicas;e boa parte, encontra-se nas primeiras
séries do ensino fundamental; contando com infraes-
truturas simples, ou até mesmo precárias, devido a
questões de má administração nas secretarias munici-
pais de educação, falta de investimentos; e as próprias
condições ambientais (cheia/seca) que exigem uma
manutenção mais constante dos espaços físicos destas
escolas (NEVES et al ., 2015, p.5).

Os números mais atuais sobre as comunidades das


Reservas são:
E o quadro de turmas multisseriadas permanece, sa-
bemos que as Reservas são atendidas por cerca de140
escolas municipais, sendo 96 na RDSM e 44 na RDSA.
Onde praticamente no seu total, o ensino é multisse-
riado, apenas 4 escolas na RDSM e 2 escolas na RDSA
apresentam turmas regulares (2001-2011)

Quanto a RDS Amanã, [...] levantamento feito em


2008, no Setor Amanã, o maior setor abrangendo co-
munidades do Lago Amanã, dos seus 29 professores,
[...] 15 possuíam Magistério em nível médio; 9 tinham
Graduação pelo Proformar e 5 apenas Ensino Médio.

E o número de comunidades ao longo dos anos veio


aumentando, em 2011, já eram 210 comunidades na
RDSM, cerca de 11.708 comunitários e na RDSA, 86
comunidades, cerca de 3.860 comunitários. (NEVES
et al., 2015, p.5 apud IDSM, 2011)

Mesmo com todas as adversidades, seguimos atuando


na perspectiva de uma educação ambiental aliada à escola, e
espelhando nos trabalhos iniciais de Educação Ambiental nas
reservas:
[...] não como imposição, mas como uma necessidade
da população de cada vez mais se emancipar, se liber-
tar, se politizar, para conquistar seu lugar de cidadãos
atuantes e participantes no processo de conservação

2018
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

deste espaço, apontando para cada vez mais próximo


a tomada da auto-gestão das decisões e ações educati-
vas. (NASCIMENTO & GAMA, 2007, p.28)

Atentando-nos ao que Freire (1983) coloca que é im-


portante reconhecer “[...] que a simples presença de objetos
novos, de uma técnica, de uma forma diferente de proceder,
em uma comunidade, provoca atitudes que podem ser de des-
confiança, de recusa, total ou parcial, como de aceitação tam-
bém” (FREIRE, 1983, p.17).
Adiante daremos exemplos de como em diferentes mo-
mentos dos trabalhos de EA, entre a década de 1990 e os dias
atuais, os temas geradores foram abordados juntos aos profes-
sores e comunitários das Reservas Mamirauá e Amanã. Refle-
tindo também quais os avanços e desafios deste trabalho diante
de uma problematização de pensar o mundo e nossas práticas a
partir das colocações de Freire (1983) que:
Nestas relações com o mundo, através de sua ação so-
bre ele, o homem se encontra marcado pelos resulta-
dos de sua própria ação.
Atuando, transforma; transformando, cria uma reali-
dade que, por sua vez, “envolvendo-o”, condiciona sua
forma de atuar. (FREIRE, 1983, p.17)

Deste modo, pensar esta forma de atuar faz-se inerente


ao nosso trabalho como educadores ambientais num cenário,
onde saberes tradicionais estão o tempo todo sendo colocados
em dúvida, por uma cultura de massa que adentra ao univer-
so das comunidades. E, portanto, um trabalho de valorização
destes saberes é necessário. Fazer a opção de uma educação
ambiental crítica, que dialogue com o mundo ribeirinho, sem
impor, ou desfazer tradições, é uma responsabilidade. E pen-
sar este universo tendo em conta que estas comunidades estão
num cenário de disputa dos seus territórios, por uma financei-
rização da natureza e também de fragilização de seus direitos,
como o direito de uma educação rural que respeite suas tradi-
ções e as particularidades do ambiente vivido.

2019
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Desenvolvimento
Apresentaremos a seguir alguns momentos de traba-
lhos realizados pelas equipes de Educação Ambiental do Ins-
tituto Mamirauá, de diferentes épocas, como também por di-
ferentes membros, utilizando temas geradores. Este resgate, a
partir do acervo de documentos e materiais da instituição, vem
no sentido de ilustrar como temas geradores podem ser aliados
à educação ambiental, em nosso caso particular, com profes-
sores rurais, como também, com moradores de comunidades
ribeirinhas.
Logo depois teceremos algumas reflexões, a partir da
visão dos autores deste artigo, mas sem a intenção de falar por
todos os educadores ambientais que se envolveram desde o iní-
cio do Projeto Mamirauá, na década de 1990. O que queremos
alcançar com estas reflexões é uma problematização do uso de
temas geradores em trabalhos de educação ambiental.
Para simplificar apresentaremos quais foram os temas gerado-
res adotados (palavras geradoras), o ano/ época, o público em
especial e os objetivos do trabalho realizado.
Em 1993 e anos iniciais da Reserva Mamirauá:
a) Temas: Ambiente, várzea, terra firme, plantas,
ecologia, solos
Temas trabalhados no conjunto de cartilhas da “Coleção Ma-
mirauá, formada por 2 volumes – um infantil e outro juvenil [e
1 caderno do professor] – com temas iguais e metodologias di-
ferentes, utilizada [...] de forma multidisciplinar, pois ao mes-
mo tempo que realizava a alfabetização ecológica e ambiental,
promovia o letramento dos alunos nas escolas da Reserva ”
(NASCIMENTO & GAMA, 2007, p.24).

2020
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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Figura 2. Capas das Cartilhas da Coleção Mamirauá. (AURICCHIO et al.,


1993; BURTAINE et al., 1993). Fonte: Acervo do Instituto Mamirauá.

Figura 3. Exemplos de páginas da Cartilha Juvenil da Coleção Mamirauá.


(AURICCHIO et al., 1993; BURTAINE et al., 1993). Fonte: Acervo do
Instituto Mamirauá.

2021
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Figura 4. Exemplos de páginas do Manual do Professor da Coleção


Mamirauá. (AURICCHIO et al., 1993; BURTAINE et al., 1993). Fonte:
Acervo do Instituto Mamirauá.

Em 2001 e 2002:
b) Tema: Peixes
Compreendendo as cartilhas da “Coleção Peixes, com cinco
módulos que abrangem desde a alfabetização até a 4ª série do
Ensino Fundamental. Como resultado do diagnóstico, produ-
zido pelos professores municipais e rurais, usando metodolo-
gia participativa para educação ambiental, utilizando dois te-
mas geradores: Peixes e Quelônios da Amazônia. Em ambos os
casos, o eixo norteador foi o manejo sustentável de ambos os
recursos.” (NASCIMENTO & GAMA, 2007, p.24)

2022
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Figura 5. Exemplos de páginas da Coleção Peixes (GAMA, 2002). Fonte:


Acervo do Instituto Mamirauá.
c) Tema: Quelônios
Cartilhas da “Coleção Quelônios, produção de dois módulos,
o primeiro módulo destinado aos alunos de 1ª e 2ª série e o
segundo módulo para 3ª e 4ª série do Ensino Fundamental. Es-
ses módulos são voltados especialmente para a educação rural”
(NASCIMENTO & GAMA, 2007, p.24).

Figura 6. Exemplos de páginas da Coleção Quelônios. (GAMA, 2001)


Fonte: Acervo do Instituto Mamirauá.

2023
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Em 2011:
d) Temas (palavras): Manejo do recurso pesqueiro:
unidade de conservação, legislação ambiental,
ecologia, gestão de recursos naturais, responsa-
bilidade e ética ambiental.
Diversas oficinas onde os temas foram trabalhados
acerca do espaço habitado pelos moradores das comunidades
e sobre a gestão dos recursos naturais do Setor Caruara da Re-
serva Mamirauá, por ocasião das reuniões e assembleias dos
acordos de pesca no Setor.
e) Tema: Gestão dos recursos naturais.
Oficinas com moradores com a utilização de dinâmi-
cas de DRP para mapeamento participativo dos lagos do setor
Castanho da Reserva Amanã. Analisando de forma coletiva a
situação dos ambientes de lagos, área de agricultura, sítios, re-
cursos madeireiros, áreas de caça silvestre, entre outros. Ge-
rando revelações de algumas atividades praticadas por alguns
moradores como: uso de timbó em lagos, pesca intensiva no
período de defeso, permissão para entrada de barco de fora da
Reserva (compradores de peixe), desperdício de peixes miúdos
devido a preferência por graúdos ou escolhidos, uso de apetre-
cho inadequado, etc.
O exercício permitiu refletir o passado e a situação
atual, e saber quais potencialidades da região, sendo possí-
vel apontar, por exemplo, a diminuição do recurso pesqueiro
apontado pelos participantes como o principal problema.

2024
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Figura 7. Mapeamento de lagos no Setor Castanho/RDSA. Foto: Claudia


Santos. 2011.

Em 2012:
f) Tema: Peixes da Amazônia.
Edição impressa e diagramada editorialmente das
cartilhas de Peixes produzidas em 2001. Foi aplicado o uso das
cartilhas nas escolas públicas da região, onde diversas oficinas
foram realizadas com professores rurais e das sedes de Uarini/
AM e Maraã/AM, para trabalhar metodologia para o uso das
cartilhas. Os professores por meio das oficinas puderam iden-
tificar o peixe como alimento saudável à população; peixes da
região, reconhecendo a importância deles na alimentação da
população local e da região amazônica; mudanças de valores e
comportamento quanto à conservação dos recursos pesqueiros
da região; e como trabalhá-los nos conteúdos escolares.

2025
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Figura 8. Exemplos de páginas da Coleção Peixes da Amazônia em versão


editorial (GAMA, 2010). Fonte: Acervo do Instituto Mamirauá.

g) Conservação de Quelônios.
Oficinas com comunitários da Comunidade Capote
da Reserva Mamirauá. Para sensibilização sobre espécies de
quelônios em época de desovas, ou, seja a época mais vulne-
rável. O objetivo é que os comunitários que trabalham com
conservação de praias de quelônios compreendam a importân-
cia de de cuidar dos ninhos (berçários) no ambiente natural. O
que influencia na conservação de outras espécies como, peixes,
mamíferos, aves, etc.

Figura 9. Uso de DRP para trabalhar o tema de quelônios. Comunidade


Capote/RDSM. Foto: Claudia Santos. 2012.

2026
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Em 2013:

h) Temas (palavras): espécies ameaçadas, gestão de


recursos naturais, reposição florestal, educação e
saúde, cidadania, gestão comunitária.

Diversas oficinas onde os temas foram trabalhados


oficinas com comunitários e professores da área focal da Re-
serva Mamiraúa com o propósito de sensibilização.

i) Tema: Recursos Naturais

Mapeamento de recursos naturais com comunitários


do Setor Castanho com o intuito de identificar potencialida-
des, escassez dos recursos naturais, limitações existentes, bem
como perceber a visão das comunidades sobre usos dos re-
cursos e regras da Reserva Amanã sobre manejo dos recursos.
Bem como estabelecer um plano de ação diante das ameaças
aos recursos.

Figura 10. Uso de DRP em oficinas no setor Castanho/RDSA trabalhando


o tema recursos naturais. Foto: Claudia Santos. 2013.

2027
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Figura 11. Uso de DRP em oficinas no setor Castanho/RDSA trabalhando


o tema recursos naturais. Foto: Claudia Santos. 2013.

j) Tema: Agricultura
Oficina com professores do Setor Amanã da Reserva
Amanã para elaboração de planos de aula com atividades di-
versas, distribuída por série/ano para serem executados, a par-
tir do tema Agricultura.
k) Tema: Floresta
Oficinas com manejadores florestais, alunos e profes-
sores do Setor Tijuaca da Reserva Amanã. Onde a partir do
tema floresta pensou-se como trabalhá-lo nos planos de curso
das escolas do setor. A partir das disciplinas de matemática,
ciências naturais, língua portuguesa, geografia, arte e ensino
religioso. Alguns subtemas foram levantados como: As árvo-
res durante a fotossíntese produzem oxigênio essencial a nossa
vida e absorvem o dióxido de carbono; As árvores diminuem a
erosão; As árvores são fontes de bens como madeira, combus-
tíveis, alimentos, e matéria prima. Painéis foram construídos.

2028
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Figura 12. Painel com o tema árvore no Setor Tijuaca/RDSA.


Foto: Claudia Santos. 2013.

Figura 13. Painel com o tema floresta no Setor Tijuaca/RDSA.


Foto: Claudia Santos. 2013.

2029
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l) Tema: Socó-azul
Oficinas com professores, alunos e comunitários das
comunidades Bom Jesus do Baré e Santa Luzia do Baré da Re-
serva Amanã. Para sensibilização sobre a importância da es-
pécie de ave socó-azul e necessidade de preservação por estar
em ameaça. Os moradores das comunidades não sabiam que a
espécie só existe nas áreas de uso das comunidades.

Figura 14. Oficina com o tema socó-azul na RDSA.


Foto: Claudia Santos. 2013.

Em 2014:
m) Temas (palavras): Agricultura Familiar, Fauna
Sivestre, Lixo
Oficinas com professores do Setor Amanã para pla-
nejamento pedagógico a partir dos temas escolhidos pelas co-
munidades do setor. Agricultara com o objetivo de valorização
cultural; fauna silvestre devido à caça intensiva de espécies no
setor; e lixo para trabalhar a questão da destinação. Trabalhar
os temas nas áreas de matemática, língua portuguesa, geogra-

2030
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fia, ciências naturais, história, arte, educação física e ensino re-


ligioso.
n) Tema: Árvore
Oficinas com alunos dos setores Liberdade, Horizonte
e Barroso da Reserva Mamirauá para trabalhar espécies de ár-
vores e o que eles conheciam e os benefícios que estas podem
proporcionar, como bens materiais (casa, móveis, canoas, etc.),
remédio, alimento, artesanato, etc. animais que podem utilizar
esta como moradia, os animais que atuam como dispersores de
sementes, os animais que utilizam este recurso como alimento
e a importância das árvores e dos animais para o ecossistema
em geral, inclusive para o homem que depende inteiramente
de todos estes recursos.
o) Tema: Floresta
Oficinas com alunos do 1º ao 9º ano, alunos da Edu-
cação de Jovens de Adultos (EJA), professores e manejadores
florestais dos setores Horizonte e Barroso para trabalhar sobre
os principais produtos extraídos da floresta e seus usos. A outra
atividade foi sobre o a cadeia produtiva de uma árvore. Cada
grupo escolheu uma árvore de sua preferência e depois foi feito
um gráfico sobre a cadeia produtiva.
p) Tema: Floresta
Oficinas com crianças, professores, lideranças e co-
munitários dos setores Ingá, Liberdade, Horizonte, Barroso e
Aranapu da Reserva Mamirauá. A partir da pergunta-tema:
Quem planta a floresta? Foi trabalhada a importância da pre-
servação e função de vários organismos no ambiente onde es-
tão inseridos. Os animais que polinizam as flores e aqueles que
dispersam as sementes na floresta (assim como outras formas
de dispersão como a água e o vento), onde foram citados, com
vários exemplos e curiosidades da realidade dos moradores
destas comunidades, aves, mamíferos, répteis e peixes.

2031
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Em 2015:
q) Tema: Floresta.
Oficinas com professores e comunitários dos setores
Ingá, Liberdade, Horizonte, Barroso da Reserva Mamirauá e
Tijuaca da Reserva Amanã em comunidade que há iniciativas
de manejo florestal comunitário. Com a proposta de, a par-
tir de viveiros de mudas educativos, como meio e recurso de
aprendizagem, possibilitar recursos didáticos para que os pro-
fessores trabalhem conceitos de ecologia florestal, bem como
conheçam a importância das diferentes espécies de árvores
para a vida das comunidades, valorizando os conhecimentos
tradicionais sobre a floresta. Incentivamos os professores a in-
serirem o viveiro em seus planos de aula, nas diversas disci-
plinas, como português, matemática, ciências, etc., a partir de
temas geradores.

Figura 15. Oficinas com professores com temas florestais.


Fotos: Eliane Neves/ Claudioney Guimarães. 2015.

Figura 16. Práticas com alunos e professores a partir de temas


florestais. Setor Ingá/Reserva Mamirauá. Fotos: Sabá Dias/
Claudioney Guimarães. 2015.

2032
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Reflexões:
Ao trazermos alguns momentos de trabalhos realiza-
dos a partir de temas geradores, desde os inícios das ações de
Educação Ambiental do Instituto Mamirauá, junto a professo-
res e comunitários das reservas Mamirauá e Amanã, da década
de 1990 aos dias atuais, nos mostra que esta escolha se deu no
sentido de sensibilizar as comunidades em torno dos proble-
mas ambientais que abarcam seus territórios seja pela escassez
de recursos naturais, como peixes, e também da necessidade de
protegerem estes recursos por meio de novas práticas de lidar
com os mesmos. Bem como de refletirem que o estabelecimen-
to de uma unidade de conservação na categoria de RDS vinha/
vem com a proposta de contribuir com os comunitários e não
de limitá-los em seus ambientes e modos de vida.
Houve avanços ao longo deste tempo, como o esta-
belecimento de acordos de uso dos recursos, principalmente
os acordos de pesca entre os setores das duas reservas; mas ao
mesmo tempo reconhecemos as fragilidades e limitações do
nosso trabalho, devido a que, a questão da conscientização
para a busca de soluções aos problemas, carece de tempo e
ações mais contínuas. E muitas vezes as dificuldades logísti-
cas, já que estamos falando de uma região em que as distâncias
são longas e os caminhos se modificam pela sazonalidade das
águas, como também a falta de recursos humanos e financei-
ros faz com que muitas vezes as ações sejam apenas pontuais.
Por isto aliar este trabalho a escola e ter no conjunto dos pro-
fessores, possibilidades de multiplicação, nos faz concentrar as
ações principalmente com os mesmos.
Sabendo de toda a problemática da educação rural
no interior do Amazonas, nos faz refletir o tempo todo, sobre
qual o melhor método para se chegar a um trabalho educativo
efetivo e que respeite os tempos e processos daqueles que nos
educam e são educandos: as comunidades ribeirinhas.
As limitações dos professores, nossos pares multipli-
cadores, precisam ser pensadas não no sentido de responsa-

2033
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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bilizá-los, mas de trazer ao debate que ainda uma educação


“bancária” permanece e a transversalidade de temas como a
educação ambiental, ainda se coloca como uma desafiante ta-
refa.
Buscar alternativas é o que temos como norte, e esta
busca é pautada no respeito e na tranquilidade dos proces-
sos algo por nós aprendido ativamente, junto dos povos ri-
beirinhos. É com esta tranquilidade que nos permite refletir
criticamente nossas ações como educadores ambientais, para
que fujamos de uma prática depositária, mas sim espelharmos
numa prática emancipadora.
Conclusões
A valorização de saberes a partir do educando num
processo de descoberta junto com ele, do que ele sabe, portan-
to, desde sua percepção do mundo, é uma das bases da pedago-
gia de Freire: “[...] ninguém educa ninguém, como tampouco
ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em co-
munhão, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1992, p.69). Des-
sa forma uma educação ambiental que se propõe critica traba-
lha com as dimensões sociais, econômicas, políticas, culturais
e ambientais para o entendimento das relações e conflitos que
as populações humanas estabelecem com o mundo, logo, com
o ambiente (Carvalho, 2006; Medina & Santos, 2009).
Portanto ao trabalharmos com comunidades ribeiri-
nhas, que são agricultoras e pescadoras, temos que considerar
que estas dispõem de um conhecimento do seu ambiente, da
floresta e das águas, que deve ser valorizado. E em trabalhos
de educação ambiental aliados a conservação e ao manejo sus-
tentado e participativo dos recursos naturais, estes conheci-
mentos tradicionais devem ser o ponto de partida, para que
reflexões sobre os problemas destas comunidades possam vir a
partir delas, bem como as suas soluções para que: “O que antes
já existia como objetividade, mas não era percebido em suas
implicações mais profundas e, às vezes, nem sequer era perce-

2034
Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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bido, se ‘destaca’ e assume o caráter de problemas, portanto, de


desafio” (FREIRE, 1992, p.71).
Considerando que também ao educador ambiental
não é seu papel “falar ao povo sobre a nossa visão do mundo,
ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a
nossa”. E é por meio do diálogo que uma educação libertadora
se faz, e uma consciência se proporciona, apreendendo os “’te-
mas geradores’ e a tomada de consciência dos indivíduos em
torno dos mesmos” (FREIRE, 1992, p.87). E é destes temas ge-
radores que uma possibilidade de ação sobre a realidade vivida
pode se estabelecer.
Referências
ALENCAR, Edna F. O tempo dos patrões “brabos”:
fragmentos da história da ocupação humana da Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, AM. Universidade
Federal do Pará, Belém, Brasil. Amazônica 1 (1): 178-199,
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

PAULO FREIRE E INFÂNCIA: DIÁLOGO


POSSÍVEL PARA A EDUCAÇÃO DAS
CRIANÇAS

SILVA, Tássia Cabral da1


LOPES, Kelva Cardoso2
INTRODUÇÃO
É inegável a contribuição de Paulo Freire para a educa-
ção brasileira, seus pressupostos teóricos nos ajudam a pensar
no processo de formação do ser, na busca do ser mais. O autor
em suas obras sempre defendeu a educação como um direito
de todos, acreditava em uma educação libertadora baseada no
diálogo, no respeito ao saber do educando, na autonomia do
pensamento e na construção coletiva do conhecimento.
Os crescentes estudos em relação à infância no Bra-
sil, através da Sociologia da Infância, trouxeram novas formas
pensarmos a educação das crianças e principalmente de enxer-
gá-las com novos olhares. Partindo desse entendimento sobre
a criança e sua educação que nos propomos nesse artigo fa-
zer uma reflexão sobre do pensamento freireano e sua contri-
buição para a educação das crianças. Bem como evidenciar a
importância de intensificar a interdisciplinaridade dos estudos
da infância (Sociologia, Psicologia, Filosofia e Educação), com
intuito de compreender o mundo das crianças através dos seus
próprios olhares.
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas
-2015/ graduanda do Mestrado em Educação em Ciências na Ama-
zônia- 2016. tassia_bell@hotmail.com:
2 Formação. Atuação. Instituição. E-mail:

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Dessa maneira, inicialmente procuramos analisar al-


gumas obras de Paulo Freire como Educação e Mudança, Pe-
dagogia da Autonomia, Pedagogia do Oprimido, Professora sim
tia não, Medo e Ousadia para subsidiar a tessitura do artigo.
Buscamos ainda verificar nessas obras, referências que o autor
faz em relação à educação das crianças, e como elas podem
contribuir para a construção de novas metodologias de estudos
que nos ajude a compreender e ressignificar o papel da educa-
ção como um todo.
Partindo dessas reflexões sobre a importância de dia-
logarmos com as outras áreas de conhecimento, selecionamos
alguns autores que escrevem sobre o pensamento de Freire e
também da Sociologia da Infância destacando-se: Mubarac
Sobrinho (2009), Sarmento (2002), Delgado e Muller (2008),
Peloso (2009), Silva, Santos Neto e Alves (2011) entre outros,
objetivando tecer um diálogo entre os autores e Freire, possibi-
litando o desenvolvimento de novas metodologias que consoli-
de a participação das crianças na construção de conhecimento
e culturas.
PAULO FREIRE E A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA.
Paulo Freire foi um grande educador brasileiro e tem
contribuído de maneira significativa para a formação do edu-
cador e educando, autor de diversos livros, entre os quais se
destacam os livros a Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Au-
tonomia, obras que são referências no processo de formação do
docente.
Assim expõem Silva, Santos Neto e Alves (2011, p.3)
sobre a importância de Paulo Freire para os educadores e como
sua obra debate questões presentes na sociedade hoje.
[...] sua compreensão do ser humano como ser his-
tórico e inacabado; sua afirmação da educação como
situação gnosiológica e como ato sempre e necessa-
riamente político; sua disposição em não dicotomizar
o mundo da objetividade do mundo da subjetivida-
de; sua construção fundada no reconhecimento das

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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diferenças e na proposição dialogal; sua percepção


sobre as relações de gênero e suas implicações para
a educação; o reconhecimento da importância fun-
damental do corpo e do afeto, sem distanciá-los dos
determinantes das classes sociais; e sua crítica a uma
ética do mercado e a defesa de uma ética universal
do ser humano em processo de permanente constru-
ção, continuam, a nosso ver, a atestar sua atualidade e
a importância de dialogar com seu pensamento, ex-
presso nos muitos registros que nos deixou.

Assim sendo, torna-se importante dialogarmos com


as outras áreas de conhecimento como a Sociologia da Infân-
cia, com intuito de compreender melhor o mundo das crian-
ças, os aspectos que envolvem sua educação e suas maneiras de
pensar e agir diante as situações do dia-a-dia. Embora Paulo
Freire não tivesse como foco a educação das crianças, mas sim
a educação de jovens e adultos, é possível fazer uma conexão
com a mesma, pois os eixos geradores trabalhados pelo autor
como valorização do saber da criança, dialogicidade, critici-
dade, ouvir o educando, autonomia, entre outros, podem vir a
serem utilizados na educação como um todo.
Para Pelosa (2009), Freire foi um profundo conhece-
dor da realidade educacional brasileira e das armadilhas que
a permeiam. Ele trouxe para o centro das discussões assuntos
relacionado à educação do homem como um processo de li-
bertação e humanização onde a vocação ontológica dos seres
humanos é a busca do ser mais. Porém, essa vocação ainda é
negada por meio das desigualdades sociais presentes na socie-
dade, das injustiças e exploração do homem.
Paulo Freire em sua prática pedagógica sempre defen-
deu a educação como direitos de todos. As suas ideias articu-
ladas com outras áreas de conhecimento podem trazer novos
sentidos e significados para a educação e compreensão das
crianças.
Os crescentes estudos em relação à infância no Bra-
sil, através da Sociologia da Infância, possibilita pensarmos a

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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educação das crianças de maneira diferente e principalmen-


te de enxergá-las com novos olhares. Tanto Paulo Freire e a
Sociologia da Infância concebem a criança como seres sociais
capazes de construir conhecimentos, culturas, de interpretar e
transformar sua realidade dando-lhes novos significados.
Essa visão da criança como agente social capacitado
para intervir na sua realidade, não permite a ideia da mesma
como uma folha de papel em branco passíveis das ações dos
adultos. Segundo Javeau (2005), as crianças não devem ser
vistas como um universo prefigurando o dos adultos, e ainda
menos como uma cópia imperfeita do mundo adulto, pois elas
são capazes de dar novos significados ao seu cotidiano e aos
processos de socializações, sejam eles impostos ou propostos.
Mubarac Sobrinho (2009, p. 5) expõe que;
A construção de uma visão da criança enquanto ser
de direitos, protagonista das suas ações e construtora
de lógicas próprias de ação e criação ganha cada vez
mais espaços entre as pesquisas nas áreas das Ciên-
cias Sociais e Humanas em especial na Sociologia da
Infância, na Antropologia da Criança e, consequente-
mente no campo das Ciências da Educação.

De acordo com Agostinho (2008), um dos grandes


desafios está em conhecer a criança para além daquilo que nos
foi apresentado até hoje pela Psicologia do Desenvolvimento,
pois é sabido que conhecemos pouco sobre as crianças. Logo,
é importante e necessário intensificar os estudos com as outras
áreas do conhecimento, tais como a Antropologia, Sociologia
da Infância, a História, a Filosofia e a Política, para compreen-
dermos de forma mais ampla nossa atuação na educação das
crianças.
Nesse sentindo, buscamos tecer esse diálogo entre
Paulo Freire e a Sociologia da Infância, destacando dessa forma
sua importância para a educação das crianças e assim consoli-
dar metodologias que possibilitem a participação das crianças
na construção de conhecimentos e culturas.

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OUVINDO E DIALOGANDO COM AS CRIANÇAS:


CONSTRUINDO NOVOS OLHARES PARA A
EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS

Ao longo do tempo as crianças tiveram seu direito de


serem ouvidas, negado, seja em casa, na escola, nos parques,
entre outros espaços. Elas eram consideradas um objeto nas
mãos dos adultos, por tanto, era preciso preenchê-las, uma vez
que eram vistas como seres incompletos. Para Mubarac Sobri-
nho (2009, p.3)
As crianças desde o limiar das sociedades foram “ob-
jetos” nas mãos dos adultos que impuseram padrões
e concepções de vida a elas a partir da delimitação
de modelos que abarcam desde a forma de se vestir
até o jeito como as crianças tinham que se compor-
tar diante a sociedade adulta. A visão “adultocêntrica”
prevaleceu hegemônica até bem pouco tempo e como
fantasma, ainda atormenta a possibilidade de dar visi-
bilidade ao mundo infantil a partir da visão das pró-
prias crianças.

Nas últimas décadas essa visão passou a ser questio-


nada, novas formas de enxergar as crianças foram surgindo,
bem com a necessidade de considerar sua participação nas
tomadas de decisões. Lutar para a consolidação de seus direi-
tos a uma educação de qualidade é uma tarefa de todos, sejam
educadores /educadoras, pais e responsáveis. Freire expõe que
para assumir seu compromisso com sua educação e de seus
alunos o profissional necessita “agir e refletir” sobre sua reali-
dade (FREIRE 1979, p.7).
Essa capacidade de agir e refletir, de se perceber no
mundo e com o mundo, possibilita ao indivíduo desvelar a re-
alidade, transformá-la ao mesmo tempo em que se transforma,
no entanto esse compromisso não pode ser passivo e nem ser
desvinculado da realidade concreta, das suas experiências com
o mundo.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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Segundo Freire (1979, p. 10), o compromisso com a


educação não pode ser um ato passivo, deve ser permeado pela
ação e reflexão sobre a realidade, para isso é preciso conhecer
o mundo concreto das crianças, o que pode ser alcançado por
meio da pesquisa científica, pois a pesquisa possibilita que o
profissional amplie seu conhecimento em torno do homem e
de suas relações com o mundo.
É por meio desse compromisso baseado na solidarie-
dade que caminharemos para uma educação pautada na dia-
logicidade, na afirmação dos direitos, onde as crianças sejam
reconhecidas como cidadãos e respeitadas nas suas diferenças.
Hoje pensar na infância, na educação das crianças e suas in-
terações sociais estabelecidas e construídas com seus pares e
adultos, demanda um grande esforço e reflexão pela sociedade
como um todo.
A história do atendimento educacional das crianças
ao longo do tempo foi marcada pela concepção assistencialis-
ta. Ideias como carência, marginalização cultural e educação
compensatória passaram a influenciar nas decisões políticas
da Educação, sem que fossem feitas reflexões críticas acerca da
criança ter direito à escola, a educação de qualidade onde pu-
desse aprender a pensar e agir com autonomia, onde sua voz
fosse tomada como fonte de conhecimento.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da
Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional 1996 - Lei 9394/96, são ações
concretas que tem avançado nos planos legais, fruto da mo-
bilização social da chamada sociedade civil que vem lutando
nos últimos anos para assegurar o direito de todas as crian-
ças à educação. No entanto, isso não garante que as ações
adotadas dentro das escolas sejam pautadas no respeito ao
saber do educando, da construção de sua autonomia intelec-
tual e individual.
O grande desafio que se configura na sociedade no
que se refere à educação das crianças é compreender os cami-

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nhos e limites do processo de mediação, os professores devem


ter a clareza que mediar os saberes que as crianças trazem con-
sigo de casa, é uma ferramenta para entender como as crian-
ças constroem seus saberes, suas relações e principalmente que
elas não se constroem sozinhas, mas sim construídas coletiva-
mente. Daí a importância de se educar para a solidariedade,
de construir uma educação baseada no diálogo, no respeito às
diferenças, no ouvir o outro, pois dessa maneira romperemos
com os preconceitos do cotidiano e estaremos mais atentos aos
primeiros anos de escolarização da criança.
A escola, nessa perspectiva, precisa criar um espaço
dinâmico, dialógico, crítico e reflexivo, onde todos possam
interagir e desenvolver seu potencial criativo, pois o processo
de ensinar envolve “paixão em conhecer” (FREIRE, 1997, p.9).
Conhecer a realidade que a criança está inserida, seu contexto
concreto, seus sonhos, seus medos, suas opiniões sobre o mun-
do que as cercam. Elas vão construindo sua identidade e per-
sonalidade conforme vão interagindo com seu meio social, por
isso torna-se imprescindível que o educador procure conhecer
o universo da criança.
Um dos aspectos importantes para a construção da
autonomia intelectual da criança está em saber que tipo de re-
lação ela constrói com seus pares e professores, se é uma re-
lação dialógica pautada no respeito ao saber da criança, nas
trocas de experiências vividas, no ouvir e no falar ao educando
e com o educando.
Para Freire (1997), a educação das crianças deve ser
encarada com seriedade pelos professores, pois participamos
diretamente de sua formação, podendo ajudar ou prejudicar
seu desenvolvimento intelectual, afetivo e cognitivo. Freire
defende a educação baseada no diálogo. O autor chama nossa
atenção para alguns questionamentos referentes à postura do
educador em sala de aula, por exemplo, como ouvir o educan-
do e dialogar com eles se somente a voz do professor é ouvida,
se não é permitido que os alunos deem seu testemunho e suas

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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opiniões, se quando o educador fala com as crianças é de ma-


neira autoritária.
Essas posturas negam à criança o direito de serem
ouvidas, contradizendo a ideia que Paulo Freire e a Sociologia
da Infância defendem das crianças como atores sociais ativos,
capazes de dar novos significados a sua realidade e leitura de
mundo.
De acordo com Freire (1997, p. 53), as educadoras e
educadores, devem ter a clareza que suas relações com os edu-
candos são uma ponte que estes dispõem para intervir na re-
alidade da criança. Para isso, como apontamos anteriormente,
é necessário conhecer a realidade em que vivem seus alunos,
pois sem esse conhecimento não teremos acesso a sua maneira
de pensar e agir no mundo, logo não se pode saber como eles
aprendem.
Diante desses fatos é necessário que o docente tenha
uma postura humilde aliada a amorosidade, pois sem essas
qualidades o processo de ensino aprendizado perde seu signifi-
cado, como aponta Freire (1997 p. 38)
Mas é preciso juntar à humildade com que a professo-
ra atua e se relaciona com seus alunos, uma outra qua-
lidade, a amorosidade, sem a qual seu trabalho perde
o significado. E amorosidade não apenas aos alunos,
mas ao próprio processo de ensinar.

Nesse sentindo, o diálogo estabelecido entre o educa-


dor e a criança possibilita a construção de um novo olhar para
a educação, à medida que a criança é estimulada e convidada a
falar, a dar seu testemunho e a participar ativamente das toma-
das de decisões, passam a se perceber como ser de direito, ca-
pazes de produzir novos conhecimentos. Freire nos fala que o
diálogo não é um simples bate papo, que este pressupõe trocas
de saberes e experiências, é base para a construção de novos
conhecimentos.
Para que isso ocorra é exigido primeiro que as escolas
tornem-se espaços acolhedores e multiplicadores de saberes, de

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atitudes e sentimentos, como: ouvir o educando, respeitar seus


saberes, fortalecer a criticidade da criança, sua curiosidade e
sua autonomia. Digo que, se desde cedo à escola estimulasse o
gosto e o prazer pela leitura, muitos de nossos atuais docentes
não teriam a dificuldades e nem se sentiriam inseguros ao en-
sinar e estimular a capacidade criativa da criança.
Segundo, os professores necessitam ter interesse em
conhecer a criança e ficar atentos a tudo que acontece ao seu
redor, pois ensinar exige pesquisa, respeito ao educando, amo-
rosidade, humildade, tolerância, comprometimento com a
educação das crianças, apreensão da realidade, saber escutar,
bem como exige a luta pelos direitos das crianças. É preciso
ainda ter intencionalidade em suas ações, organizar os espaços
e tempos de aprendizagem, de maneira a trazer a criança para o
centro das tomadas de decisões. De acordo com Karlsson apud
Saul e Silva (2011 p.4):
Se realmente queremos entender e conhecer as crian-
ças e aprender sobre suas culturas nas suas perspecti-
vas, devemos mergulhar na cultura e no mundo das
crianças. Elas são atores sociais ativos e competentes.
Uma criança não pensa exatamente como um adulto.
Suas palavras e modo de agir, suas formas de cpensar
e refletir são muito mais complexos do que geralmen-
te nós pensamos. Se nós queremos que as crianças nos
contem algo sobre elas próprias, precisamos levá-las
a sério e tratá-las equitativamente. Devemos parar e
aprender a ouvir em um diálogo compartilhado, re-
cíproco e coletivo. E, finalmente, também devemos
encorajar a nós mesmos e nos envolver em uma ação
compartilhada e recíproca com as crianças, para que
entremos em diálogo coletivo com elas. (KARLSSON,
2008, p. 165 e 166)

Sarmento (2002) fala que as culturas das crianças são


produzidas nas suas interações com adultos e a natureza, isso
as torna não só alguém que reproduz uma cultura, mas um
ser que cria também culturas de modo interpretativo. Para que
o professor possa conhecer a criança é preciso que este reen-

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contre “sua alma de criança”, dispa-se de seus pré-conceitos e


permita-se olhar através dos olhos das crianças. Essas posturas
possibilitam uma nova perspectiva de compreender as crian-
ças, suas formas de atribuir novos significados e de interpretar
o seu mundo.
Dessa forma, o diálogo se apresenta como um instru-
mento em potencial para desenvolvermos uma educação para
a infância, onde professores e crianças possam aprender e en-
sinar mutualmente, bem como trilharmos por caminhos que
buscam respeitar seus saberes, que incentivem sua criatividade
e criticidade, ajudando-as a se perceberem e estarem no mun-
do e assim romper com práticas que inviabilizam suas vozes e
testemunhos.
Sarmento (2002, p. 16) aponta para a importância de,
Articular o imaginário com o conhecimento e incor-
porar as culturas das infâncias na referenciação das
condições e possibilidades das aprendizagens – numa
palavra, firmar a educação no desvelamento do mun-
do e na construção do saber pelas crianças, assistidas
pelos professores nessa tarefa de que são protagonis-
tas – pode ser também o modo de construir novos
espaços educativos que reinventem a escola pública
como a casa das crianças, reencontrando a sua vo-
cação primordial, isto é, o lugar onde as crianças se
constituem, pela acção cultural, em seres dotados do
direito de participação cidadã no espaço coletivo.

Logo, é importante que em sua prática pedagógica o


professor estimule a imaginação, a criatividade e a criticidade
das crianças, onde todos possam dar seus testemunhos e ter
seu direito de cidadãos consolidado. Para que isso ocorra, o
educador precisa ouvir o educando com respeito, pois assim,
aprenderá a falar com o educando, numa relação de trocas de
conhecimentos contribuindo de forma significativa para a pro-
dução de novos conhecimentos.
Nesse sentindo o pensamento freiriano articulado
com as outras áreas de conhecimento contribuem para de-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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senvolvermos um trabalho significativo com as crianças, bem


como possibilita reinventar os espaços educativos, tornando-
-os a casa das crianças.
CONSIDERAÇÕES
Através desse artigo, objetivou-se fazer uma refle-
xão acerca da contribuição do pensamento freireano para a
construção de novas formas de pensar e refletir o mundo das
crianças, articulando seus pressupostos com os da Sociologia
da Infância. Ao tecer esse diálogo entre Paulo Freire e alguns
teóricos da Sociologia da Infância pode-se perceber a impor-
tância que ambos os pensamentos ajudam na ressignificação
do papel da educação.
Uma educação precisa ser pautada no diálogo, no res-
peito ao saber do educando e no ouvir, pois a partir da edu-
cação dialógica a criança passa a participar ativamente das
tomadas de decisões, ou seja, possibilita consolidarmos meto-
dologias que tornem a criança como parceira na construção de
conhecimentos e culturas, pois elas são dotadas de capacidades
e habilidades cognitivas, afetivas e sociais.
Desta maneira é possível afirmar que Paulo Freire foi
e ainda é um educador de referência para a educação, pois este
em sua jornada sempre se preocupou com a formação do ser
humano e na busca do ser mais.
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PAULO FREIRE E AS CRIANÇAS INDÍGENAS:


CONTEXTOS LÚDICOS DIVERSIFICADOS
COMO ELEMENTOS DE CONSTRUÇÃO DAS
CULTURAS INFANTIS

MUBARAC SOBRINHO, Roberto Sanches1


Introdução:
A tessitura deste artigo objetiva-se a realizar uma
incursão no espaço social das crianças da etnia indígena Sa-
teré-Mawé, tendo como elemento central deste “contato” di-
versas atividades lúdicas desenvolvidas pelas crianças em seus
espaços cotidianos, o que, em nosso entender, contribuiu para
chegarmos mais próximos a elas, criando processos interativos
através das inúmeras brincadeiras nas quais participávamos e
desenvolvíamos juntos, é claro, com a permissão e o consenti-
mentos do grupo.
O texto é parte da pesquisa de cunho etnográfico que
realizamos na comunidade indígena WAYKYHU da etnia Sa-
teré-Mawé, na qual vivem 64 moradores, entre adultos e crian-
ças e que habitam uma “área verde”2 na zona urbana da cidade
de Manaus-Amazonas-Brasil e fez parte da pesquisa realiza-
da durante o curso de Doutorado em educação realizado na
Universidade Federal de Santa Catarina e como professores da
Universidade do Estado do Amazonas, que realizamos através
1 Professor Adjunto da Universidade do Estado do Amazonas. Dou-
tor em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina. (rmubarac@hotmail.com).
2 A área pertence à Prefeitura de Manaus e foi “invadida” pelos in-
dígenas no final da década de 1980. Há um processo junto a justiça
federal para torná-la terra indígena, o que garantiria a eles, a posse
da terra, um dos fatores mais críticos entre os indígenas brasileiros.

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de nossos grupos de pesquisas3. Assim, para Cohn (2005, p.


10), “usando-se da etnografia, um estudioso das crianças pode
observar diretamente o que elas fazem e ouvir delas o que têm
a dizer sobre o mundo”.
Os recursos metodológicos utilizados nesta aborda-
gem etnográfica foram e ainda estão sendo bastante diversi-
ficados: pesquisa de campo, observação participante, caderno
de campo, gravadores, máquina fotográfica, filmadora, registro
sistemático das situações e diversos desenhos que foram pro-
duzidos pelas crianças e que serão demonstrados e discutidos
no decorrer do texto, no intuito de conhecermos melhor os
modos de viver a infância desse grupo de crianças e as diversas
formas utilizadas na construção de suas culturas infantis nos
contextos da cultura tradicional de seu povo e na relação “fron-
teiriça” com a cultura da comunidade circundante, ou seja, o
espaço urbano.
Deste modo, para Foucault ( 2007, p. 06):
[...] como a origem pode estender seu reinado bem
além de si própria e atingir aquele desfecho que jamais
se deu – ao problema não é mais a tradição e o rastro,
mas o recorte e o limite; não é mais o fundamento
que se perpetua, e sim as transformações que valem
de fundamentações e renovações dos fundamentos.

Assim, nossa tessitura será organizada, como uma


peça artesanalmente montada, fio a fio, pedaço a pedaço, como
na tradição dos povos indígenas, que, sem muita sofisticação
ou mistério, vão buscando na natureza elementos para com-
por os seus ambientes de vida, suas formas de compreender o
mundo, sua cosmovisão4 que vai desde o mais simples ato de
apreciar a natureza a uma das mais sublimes ações entre eles, a
de procriar e educar seus filhos. Para Bonin (1999, p. 16)
3 Núcleo de Estudos e Pesquisa da Educação na Pequena Infância/
CED/UFSC e Grupo de estudos sobre a Crianças e os Jovens no
Amazonas: imaginários, representações históricas e problemas edu-
cacionais da atualidade/ENS/UEA.
4 Termo apropriado do texto de Nascimento (2005).

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Analisar o modo como um povo indígena concebe


e desenvolve a educação é puxar um dos fios de um
tecido complexo e abrangente. Aspectos econômicos,
religiosos, sociais, educacionais, culturais, identitá-
rios estão de tal maneira emaranhados que, ao puxar
um fio, todo o tecido se movimenta. É por isso que
em minha pesquisa procurei acionar fontes diversas
de dados com o desafiante objetivo de compreender
esse tecido.

Neste caminho, de recorrer a várias fontes e poder ca-


minhar por diversas literaturas sobre os povos indígenas – uma
vez que para cada etnia é preciso se realizar uma delongada
incursão na sua realidade – é que o texto se organiza em duas
partes nas quais buscaremos caracterizar alguns dos momen-
tos lúdicos e discuti-los tendo por base, a escuta que fizemos
das vozes das crianças e as escolhas que foram feitas, sempre,
junto a elas, ou melhor, com elas, para que não enveredássemos
num caminho onde o pesquisador acaba por definir sozinho
o que tem que fazer. Neste sentido, as explicações de Ferreira
(2002, p. 150) são fundamentais, na composição deste processo
em que;
[...] relações e interacções sociais entre adulto e crian-
ças e entre estas ultimas, onde poderes, racionalidades
e subjectividades, aferindo-se em permanência, (re)
constroem reflexivamente sentidos partilhados do
que «ali se está a fazer», assim é preciso entrar cuida-
dosamente no terreno.

Essa postura de pesquisa ajuda o pesquisador a entrar,


na visão de Caria (2002, p. 12) “[...] dentro do contexto em
análise, apesar de não se transformar em autóctone”, o que se
refletiu nas atitudes das crianças frente aos nossos objetivos e
a forma como elas participaram cada dia mais efetivamente na
condição de sujeitos.
[...] trabalhar com crianças, poderá fornecer contex-
tos especialmente valiosos para recolha de dados,
contextos que poderiam levar a informações detalha-

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das e a revelações de conhecimento geralmente não


conhecido pelos adultos (MAYALL, 2005, p. 138).

Assim, a primeira parte trata das brincadeiras e da


forma prática como as crianças vivenciavam estes momentos
de (re)construção da cultura Sateré-Mawé e também dos ele-
mentos que são incorporados da cultura dos “brancos”, princi-
palmente aqueles adquiridos na escola.
Na segunda parte, traremos alguns dos desenhos fei-
tos pelas crianças e as interpretações sobre os momentos em
que elas os faziam. Neste contexto a uma variação entre os
rituais, as músicas tradicionais e a confecção da farinhada –
cultura própria do povo Sateré-Mawé – mas que as crianças
urbanas nunca participaram por vários motivos que serão de-
talhados ao longo do texto.
Logo, viver a infância é uma atitude de plenitude que
contribui para que possamos conhecer melhor e adentrar nos
mundos infantis deste grupo indígena, que ainda se apresen-
tam bastante desconhecido a nós pesquisadores.

Brincadeiras infantis: um reflexo do cotidiano das crianças


Sateré-Mawé

Durante os oito meses da pesquisa etnográfica que


realizamos com as crianças, foram vivenciadas muitas expe-
riências entre nós e elas, nas quais, muitas vezes, fomos envol-
vidos diretamente na sua realização, é claro quando as crianças
assim permitiam e aceitavam nossa participação.
Não será possível descrevermos e analisarmos todas
as situações devido à avolumada quantidade de “dados” prin-
cipalmente pela especificidade e restrição colocada na escrita
de um artigo5. Desta maneira, escolhemos, juntamente com as
crianças, expor e explicar a brincadeira de casinha (Mêp iát)
que é uma das mais comuns entre elas e que lhes parecia uma
necessidade de realizarem constantemente.
5 Disponível em Mubarac Sobrinho (2011).

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As descrições que procederemos aqui partiram de es-


colhas feitas em acordo com as crianças, diante daquilo que
para elas era mais significante, neste universo de inúmeras pos-
sibilidades. Assim, também nossas análises estão ligadas dire-
tamente com a participação das crianças em todo o processo.
Tal opção é reforçada pela posição de Silva, Barbosa e Kramer
(2005, p. 52). Segundo estas autoras:
É preciso que o pesquisador se coloque no ponto de
vista da criança, como se estivesse vendo tudo pela
primeira vez [...]. Isso vai exigir do pesquisador des-
centrar seu olhar adulto para poder entender, através
das falas das crianças, os mundos sociais da infância.

As meninas se reuniam num espaço coberto, que é


usado como uma oficina de artesanato, ou nas barracas de ven-
da de artesanato ou em outros lugares onde houvesse possibili-
dade de brincarem, desde que os adultos não estivessem traba-
lhando. Então elas ocupavam o local disponível. Rapidamente
iam chegando e já começavam a brincar. Arrumavam a “casa”
com os vários objetos que dispunham ao seu redor. Tijolos e
pedaços de madeira viravam bancos, mesas, camas, armários
que eram adornados com folhas, pedrinhas, sementes e tudo
que possibilitasse a elas compor o ambiente.
“Essa aí é a minha casinha (apontando para o desenho
que fez), tem um sol perto dela, e umas nuvens. Tem
também um monte de árvores, pra nós podermos comer
as frutas. (Talice, 09 anos).

“Nós gostamos de brincar de um monte de coisa, mas


casinha é mais legal” (Raquel, 09 anos).

“Eu e a Raquel nós brincamos assim: quando é só louça


de cozinha, a gente bota na cozinha, aí quando é só
coisa de banheiro, a gente bota no banheiro, quando é
só coisa do quarto, a gente bota no quarto, a gente faz
cadeira, faz caminha, né Raquel?” (Taíza, 12 anos).

“Eu arrumo a casinha pra nós brincar de fazer comidi-


nha com as folhas”(Nandria, 05 anos).

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Começavam com a limpeza da casa, depois iam ar-


rumando os cômodos (quase sempre dois ou três, assim como
em suas moradias, muitas delas não possuem banheiro, que são
socializados entre os poucos que existem no lugar) e, por fim,
faziam as comidas para se alimentarem. As atividades eram
sempre socializadas, não havendo, aparentemente, hierarquia
entre elas, apesar de estarem brincando juntas crianças dos
dois aos doze anos de idade. Um fato que nos chamou bastante
atenção é que, na maioria das vezes, somente as meninas parti-
cipavam da brincadeira, o que nos parece bastante familiar em
nossa cultura. Nas poucas vezes em que os meninos estavam
presentes, era para assumirem a função do pai.
[...] o foco no conhecimento articula a cultura de
modo que a torna transitiva na interação entre as pes-
soas, devido ao seu uso potencial por ambas as partes.
Assim, outros modos de representação e outras ques-
tões mais dinâmicas vêm à tona quando modelamos a
cultura nessas modalidades: variação, posicionamen-
to, prática, troca, reprodução, mudança, criatividade
(BARTH, apud TASSINARI: In: SILVA E FERREIRA,
2001, P. 65).

Nunes (1997), em sua pesquisa com os A’uwé-Xavan-


te, também observou a freqüência com a qual as crianças, na
aldeia, brincavam de casinha e desenvolviam atividades extre-
mamente importantes para serem incorporadas às suas cultu-
ras. Segundo a autora:
A ‘brincadeira de casinha’ oferece imensas possibili-
dades de reflexão sobre a leitura que a criança faz da
sua sociedade, desde o grupo doméstico até ao uni-
verso de todas as relações comunitárias, elaborando-
-as, reformulando-as e expressando-as, manifestando
apreensão de traços culturais através de uma das prá-
ticas mais comuns entre as crianças de todas as cultu-
ras e de todas as épocas. (p.197).

Ainda associada a esta brincadeira, vivenciamos as


crianças assumirem papéis diferenciados na organização da

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casa, mas as evidências indicam não haver uma forma deter-


minada pois, nas várias vezes que as observamos, elas variavam
constantemente as funções. Um desses papéis era o de cuidar
das crianças, ou seja, a idéia da maternidade. Uma das meni-
nas trazia a sua boneca (industrializada) para que pudessem
cuidá-la e as demais, ao pegarem-na no colo, davam-lhe nomes
diferentes, sem haver discordância entres as mesmas para tal
situação. Para elas, mesmo a boneca tendo uma dona, no ato
de brincar, cada uma assumia o lugar da mãe, ou seja, a repro-
dução ou a ressignificação do imaginário sobre a maternidade.
O objeto do conhecimento é infinito, quer se trate do
objeto considerado como a totalidade do real ou do
objeto percebido como um qualquer dos seus frag-
mentos e aspectos. Com efeito, tanto o real na sua
totalidade como cada um dos seus fragmentos são
infinitos na medida em que é infinita a quantidade
das suas correlações e das suas mutações no tempo
(SHAFF, 1978, p. 97).
“Minha filha é a Laíze” (Nandria, 05 anos).
“A minha é a Taiana, eu dou mamadeira pra ela” (Ta-
lice, 09 anos).
“Eu gosto da minha criança, ela tem o nome igual ao
meu (Laiz, 08 anos).
“A gente coloca outros nomes quando não quer botar
igual ao nosso, a gente coloca outro nome de flor, natu-
reza, passarinho” (Taíse, 12 anos).

De acordo com Silva, Macedo e Nunes (2002), as brin-


cadeiras são momentos fundamentais para compreendermos
o universo infantil, pois as crianças sabem coisas que muitas
vezes se quer nos passariam pela cabeça. Reforçam as autoras
que:
Essas brincadeiras estabelecem entre si uma relação
de complementaridade, refletindo momentos de inte-
riorização e exteriorização, de concentração e de ex-
pansão, de descoberta e de reafirmação, de vivências
individuais e coletivas, por certo necessários a um de-
senvolvimento equilibrado e pleno (p. 79).

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Pensar esse espaço das brincadeiras como fundamen-


tal para a construção de uma cultura coletiva, sem dúvida, é
uma tarefa de importância ímpar, pois as crianças parecem
compreender de forma muito clara a constituição objetiva des-
te espaço. Brincar é uma “performance” que se remete direta-
mente às atividades diárias vividas pelos adultos e possibilita
às crianças interferirem nessa realidade de forma dialógica e
relacional, construindo papéis sociais onde as suas formas de
interpretar a realidade, apresenta-se, inclusive, como expressão
de seus questionamentos ao determinismo dos adultos frente
às suas possibilidades de enfrentamento do mundo.
A performance se situa num contexto ao mesmo tem-
po cultural e situacional: nesse contexto ela aparece
como uma ‘emergência’, um fenômeno que sai desse
contexto ao mesmo tempo que encontra lugar. Algo
se criou, atingiu a penitude e, assim, ultrapassa o cur-
so comum dos acontecimentos. (ZUMTHOR, 2007,
p.31).

Entre os Sateré-Mawé, as crianças são membros ativos


da sociedade. Apesar de estarem no espaço urbano – ou seja,
fora de seu meio tradicional – eles compreendem a infância
como uma etapa da vida que se sustenta no convívio coletivo
e respeitoso, ou seja, a educação é um fator fundamental nesse
processo, como nos afirma Melià (2000, p. 12):
Os povos indígenas sustentaram sua alteridade graças
a estratégias próprias, das quais uma foi precisamen-
te a ação pedagógica. Em outros termos, continua
havendo nesses povos uma educação indígena que
permite que o modo de ser e a cultura venham a se
reproduzir nas novas gerações, mas também que essas
sociedades encarem com relativo sucesso situações
novas.

infância a partir das falas e dos desenhos das crianças


O conceito de infância que adotaremos aqui não será
determinado pelos preceitos estabelecidos nos campos discipli-

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nares, nem pelas determinações jurídicas, apesar de fazermos


referências a estes, pois, segundo Cohn (2005, p. 09), “[...] não
podemos falar de crianças de um povo indígena, sem entender
como esse povo pensa, o que é ser criança e sem entender o
lugar que elas ocupam naquela sociedade”.
Para os Sateré-Mawé, a infância é a fase da vida que
vai do nascimento até o Ritual da Tucandeira ou Tocandira,
quando o menino se torna homem. Ou seja, não há uma rela-
ção direta com o desenvolvimento feminino, mas o rito, para
eles, é o balizador entre os dois mundos, o do adulto e o da
criança, marcando definitivamente o status e as determinações
das posições na sociedade.
O ritual torna explícita a estrutura social, a cristaliza
simbolicamente, expressa o sistema de relações so-
ciais ideal aprovado entre os indivíduos que partici-
pam. Os ritos fazem visíveis as alianças políticas que
precisam ser mostradas para serem simbolizadas, dão
significado aos símbolos abstratos. Através dos ritos
as pessoas se sentem parte de uma comunidade políti-
ca. Os rituais relacionam o local com o pertencimento
a unidades mais amplas, expressam as relações entre
grupos, relacionam tempos míticos com tempos his-
tóricos (ALVARES, 2005, p. 04).

Para compreendermos os processos que envolvem


a construção da identidade e das culturas infantis, faz-se ne-
cessário adentrar ao modo como o ritual é tratado e sua força
na estrutura desta sociedade. Apesar das crianças não partici-
parem, elas convivem com o poder simbólico6 que o mesmo
possui para os Sateré-Mawé, o que as leva a indiretamente a
estarem convivendo com os preparativos e com a importância
que o Waumat possui para o seu povo.
Segundo Alvares (2005, p. 05):
WAUMAT, o ritual da tocandira, pode ser divido em
três partes: a preparação; o ritual propriamente dito;
a reintegração num novo status [...]. No caso do wau-
6 Apronfundamentos em Boudieu, 2004.

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mat o período de preparação para os que vão deixar-


-se ferroar estaria marcado por uma série de interdi-
tos alimentares, espaciais, e outros de caráter sexual.
O interdito separa o iniciado do resto do grupo na
preparação para o ritual, apesar de que na atualida-
de este período de interdito e tabus alimentares seja
menos rigidamente observado. Durante o ritual pro-
priamente dito, os jovens introduzem a mão numa
luva de fibras onde são inseridas as formigas tocan-
diras (paraponera clavata sp), com o ferrão voltado
para o interior. Esta ação é acompanhada por uma
série de cantos, ao ritmo do chocalho, e uma dança
da qual participam várias pessoas do grupo. A pas-
sagem aconteceria depois de introduzir a mão vinte
vezes e passar por um teste de caça e outro de purifi-
cação, para completar a mudança de status. Apesar de
certa flexibilidade na finalização da série de ferroadas,
todas as pessoas sabem quantas vezes o rapaz botou a
mão na luva e sua atitude frente ao desafio.

Sendo o ritual um marco balizador entre a infância


e a fase adulta, ele representa para as crianças a transforma-
ção mais forte no seu processo de desenvolvimento. Para os
meninos (Pian),7 é o período de comprovar sua força às novas
atribuições perante os mais velhos e, principalmente, demons-
trar a sua família a capacidade de enfrentar a dor e superar os
obstáculos da vida com saúde, coragem, honra e outros valo-
res considerados fundamentais a esse povo. Já para as meninas
(Pirin), é o período de esperar pelo marido, de ser escolhida
por um dos guerreiros novos para continuar a tradição da
maternidade. Entre elas a idade é mais relacionada à primeira
menstruação, não havendo uma etapa determinada para pode-
rem ser escolhidas. A partir do ritual começa a separação mais
efetiva dos mesmos, que até então convivem diretamente nos
diversos espaços da comunidade (PEREIRA, 2003). Elas assim
relatavam o ritual:
7 Todos os termos em Sateré foram extraídos do livro de Pereira
(2003).

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“A gente dança três passos pra frente e pra trás, nós só


podemos fazer isso”(Laiz, 08 anos).
“Eles, os meninos, botam as mãos na luva, tem que
ferrar 200 vezes, eu acho que é assim né?” (Taíza, 12
anos).
“Só os meninos maiores podem pôr a mão na luva, a
gente não pode por que ainda é pequeno” (Mateus, 07
anos).

Gabriel, 06 anos, ao falar sobre o ritual, nos disse que


somente os meninos podem participar e em seu desenho, ex-
pôs a aldeia (casa), o sol e a lua (pois segundo ele o ritual de-
mora o dia todo) a luva e as formigas (Tucandeiras). “Eu como
sou menino vou fazer o ritual da tucandeira, mas só quando eu
tiver maior, ainda sou pequeno então não posso participar, mas
eu já vi os outros pondo as mãos nas luvas”.
Entre os Sateré-Mawé “urbanos”, a manutenção des-
ta tradição é condição fundamental para a preservação de sua
cultura8. Eles são enfáticos em transmitir desde cedo para as
crianças a importância deste “momento” para o seu povo e elas
o fazem numa dimensão interpretativa9 através do brincar. Vi-
ver no espaço urbano e conviver com as diversas formas de ne-
gação e adaptação aos valores da sociedade circundante, acaba
levando os adultos, a construírem estratégias de mediação en-
tre essas fronteiras.
A articulação social da diferença, da perspectiva da
minoria, é uma negociação complexa, em andamento,
que procura conferir autoridade aos hibridismos cul-
turais que emergem em momentos de transformação
histórica (BAHBA, 1998, p. 20 e 21).

Nas palavras do Cacique Luiz, essa importância se


torna bastante evidente.
“Nós sabemos separar a água do vinho, o branco tem
o carnaval, as festas dele e nós temos o nosso ritual
8 Geertz, 1989.
9 Corsaro, 2002.

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da tucandeira. Coloca 250 tucandeira no Saripé e aí


nós colocamos a mão lá, aí mostrando que nós somos
guerreiros, somos felizes, temos saúde e resistência. É
só os homens que tem a condição de meter a mão no
Saripé, a mulher é pra acompanhar o ritual, elas são
as nossas parceiras. Pra nós aqui com 13 anos ele já é
pescador, caçador, então ele já ta liberado pra enfren-
tar o ritual”.

Outro elemento da cultura que as crianças incorpo-


ram de forma bastante forte é a aprendizagem das
músicas tradicionais, cantadas pelos adultos e trans-
mitidas a elas pelas suas mães10. Na comunidade eram
momentos constantes durante suas atividades, elas es-
tarem cantando essas músicas. Como há um número
significativo dessas canções que fazem parte do coti-
diano das crianças, faremos a descrição de uma de-
las, escolhida pelas próprias crianças e procederemos
nossas reflexões, compartilhando as representações
que o grupo explicitou através das suas falas.

A música escolhida é chamada pelas crianças de “Fa-


zer a farinhada”. A letra que utilizaremos foi descrita por elas
mesmas, ora escrevendo, ora cantando - quando não sabiam
como se escrevia certas palavras. Desta maneira, preferimos
transcrevê-la literalmente, a partir do entendimento e da re-
presentação delas, sem interferência nossa.
“Pra fazer a farinhada...
Muita gente eu vou chamar... (bis)
Só quem entende de farinha...
venha peneirar aqui...(bis)
Todo povo de Maués...
Venha peneirar aqui...(bis)
Só quem entende de farinha...
venha peneirar aqui...”(bis)

10 Laraia, 1986.

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Laiz (08 anos), desenhou várias pessoas juntas ao re-


dor do forno, lugar onde a farinhada é preparada, além de por
um barco onde os Sateré levam a farinha para outras aldeias
da etnia ou para serem vendidas na cidade. “Todo mundo fica
ao redor do formo para que a farinhada fique boa, minha mãe
conta pra nós que todo mundo ajuda por isso dá muita farinha”.
A ênfase nesta música se remete bastante à cultura dos
Sateré-Mawé, na produção de farinha de mandioca (Mani),
alimento importantíssimo para eles. São diversas as comidas
(Miú) feitas com a farinha, mas, entre os Sateré “urbanos”, e
logo, as crianças, o Chibé11 é a mais comum de todas.
As duas primeiras estrofes da música mostram a im-
portância da organização coletiva e o quanto é cultivado entre
eles o trabalho em grupo, ou seja, o puxirum, o fazer, o preparar
(Etonon). As crianças fazem questão de reforçar a idéia de que
“muita gente eu vou chamar...”, não só através da própria mú-
sica, mas dos gestos que faziam quando cantavam. Ao serem
indagadas sobre a farinhada, elas prontamente nos explicavam:
Farinhada tem que ter muita gente, né professor? Se
não num da pra fazer”(Laiz, 08 anos).
11 Comida feita em uma cuia, onde se mistura água com farinha
d’água (Ui), ou a farinha de mandioca (Mani) grossa, para servir de
alimento. Em sateré, chama-se Urgia.

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“É uma farinha de comer” (Gabriel, 06 anos).

“A gente faz a farinhada lá no interior, a vovó fazia a


gente descascar e botamos no fogo, depois fazia a fari-
nhada”(Taize 12 anos, a única das crianças que parti-
cipou de fato da farinhada quando morava na aldeia).

“É um alimento muito bom” (Gabriel, 06 anos).

“A gente come peixe com farinha” (Mateus, 07 anos).

“A gente compra a farinha por que não tem como fazer


a farinhada aqui” (Késia, 10 anos).

“A gente ta sempre junto cantando a música da farinha-


da, mas nós nunca fizemos. Mas pra cantar é bom com
todas crianças, minha mãe disse que pra fazer também
todo mundo ajuda” (Raquel, 09 anos).

As falas reforçam os versos da música e a idéia de que


todos têm que participar, pois o resultado desse esforço cole-
tivo é o alimento que será distribuído entre eles. No entanto, é
importante deixar bem claro que para elas o “fazer a farinhada”
está ligado ao imaginário, ou seja, uma construção simbólica,
pois na comunidade elas não preparam a farinhada, lá não exis-
te nem a matéria-prima e nem o local apropriado (forno). Mas
é notória a vivacidade que as mesmas expõem quanto à von-
tade de participar desse importante “ato”. Elas, ao cantarem a
música, demonstram, por seus gestos, como se corta, descasca,
prepara e todos os demais processos envolvidos na farinhada.
Considerações finais
Cantar, brincar, reproduzir o cotidiano dos adultos ou
ressignificá-lo, identificar os limites territoriais e sociais12 que
as diferenciam dos demais moradores do bairro ou alunos da
escola que estudam, pintar a pele, querer falar a língua que seus
pais falam e elas não sabem, mas querem aprender, dentre ou-
tras vivências observadas, são elementos presentes na cultura
das crianças Sateré-Mawé, que caracterizam os seus jeitos de
12 Hall, 1997.

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viver a infância. Jeitos esses talvez ainda pouco compreendidos


ou incompreendidos, pela nossa cultura dominadora, mas que,
para elas e seu povo, faz sentido e garante a condição de ser
diferente.
As falas das crianças, seus desenhos e as diversas for-
mas de se expressarem, representam um riquíssimo acervo
para chegarmos à compreensão dos seus jeitos de viver a in-
fância13. Porém, há ainda um caminho muito longo a se seguir,
sendo necessário ultrapassar determinações metodológicas
cristalizadas14 e compreender de fato que a criança produz um
conhecimento sobre si própria e sobre o mundo. Neste sentido,
afirma Sarmento (2002, p.16) que:
Articular o imaginário com o conhecimento e incor-
porar as culturas das infâncias na referenciação das
condições e possibilidades das aprendizagens – numa
palavra, firmar a educação no desvelamento do mun-
do e na construção do saber pelas crianças, assistidas
pelos professores nessa tarefa de que são protagonis-
tas – pode ser também o modo de construir novos
espaços educativos que reinventem a escola pública
como a casa das crianças, reencontrando a sua vo-
cação primordial, isto é, o lugar onde as crianças se
constituem, pela acção cultural, em seres dotados do
direito de participação cidadã no espaço colectivo.

Quando estivermos efetivamente vivenciando essa


possibilidade, nossos esforços e o de muitos outros pesquisa-
dores citados neste texto, terão valido a pena. Aliás, já valem,
pois nada mais gratificante do que ouvir o que elas têm a nos
dizer. Nada mais rico do que aprender com elas a olhar o mun-
do. Nada mais fascinante do que caminhar pelos seus imaginá-
rios. Nada mais instigante do que ter a possibilidade de chegar
13 O livro organizado por Faria, Demartini e Prado (2002), representa
para a literatura brasileira, um marco nos estudos que envolvem o
testemunho infantil e avança no sentido de dar credibilidade cientí-
fica à “voz” das crianças.
14 A esse respeito Graue & Walsh, 2003, trazem uma valiosa contribui-
ção.

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a um destino onde o caminho não está dado, precisa ser cons-


truído num processo constante de interações. Aos que se en-
corajarem nessa “aventura”, o caminho é sem volta, felizmente,
pois ao escutarmos o que elas têm a nos dizer, jamais seremos
os mesmos. O convite está lançado.
Persiste nas sociedades não indígenas uma idéia que
expressa a negação aos povos originários da América,
que não percebe e não reconhece um modo de vida
indígena, urdido no presente com fios que traduzem
uma continuidade do passado. Embora se vistam nos
moldes da sociedade ocidental e muitos falem a lín-
gua nacional oficial, especialmente em situações de
contato com os brancos, mantêm-se indígenas em seu
modo de viver. Há, nessa idéia preconcebida que idea-
liza o indígena e não vê seu modo de vida, uma du-
pla negação: a) não admite o movimento, a vida que
transforma todas as sociedades e; b) não reconhece o
diferente, deixando-o encoberto pela sua concepção
de mundo que imagina como única.(BERGAMAS-
CHI, 2005, p. 98)
(Essa foto representa
bem como as crianças,
apesar de usarem roupas
comuns a nossa socieda-
de ocidentalizada e esta-
rem convivendo diaria-
mente com os impactos
da vida na cidade, não
perderam e, conforme a
pesquisa desmostrou, fa-
zem questão de dizerem
que são sateré-Mawé,
orgulhando-se da sua
condição etnica).

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

O CURRÍCULO FREIREANO NO
RESSIGNIFICAR DOCENTE DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO CENÁRIO
RIBEIRINHO DA AMAZÔNIA

CARDOSO, Maria Barbara da Costa1


HAJE, Salomão Antonio Mufarrej 2
CARDOSO, João Francisco Rodrigues3
INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vivencia inten-
sas mudanças nos últimos tempos, não somente em relação às
práticas desenvolvidas na escola, e na pretensão de se buscar
respostas aos anseios manifestados pela sociedade, quanto aos
aspectos de sua identidade, seu território, seus sujeitos e con-
ceitos que, orientados por essas práticas, ressignificam, reorga-
nizam , ampliam e produzem novos sentidos.
Um dos objetivos da EJA é sobretudo, proporcionar
aos jovens e adultos que não tiveram possibilidade de concluir
seus estudos, o acesso ao ensino fundamental e médio, mas que
1 Doutoranda em Educação, Pedagoga. Coordenadora do Forum
Municipal de Educação;Docente. Universidade Federal do Pará.
Pesquisadora GEPERUAZ e GEPESEED;E-mail: barbara.costa@
csfx.org.br
2 Doutorado Sanduíshe pela Universidade de Wisconsin/Madison
(1999) e, Doutorado em Educação: Currículo pela Pontifícia
Universidade de São Paulo (2000). Mestrado em Educação:
Supervisão e Currículo (1995), Graduação em Agronomia (1982) e
em Pedagogia (1987), Coordenador e pesquisador do GEPERUAZ.
E-mail:salomao_hage@yahoo.com.br
3 Especialista em Estudos Amazônicos. Docente; Secretaria Educa-
ção do Estado do Pará: Email: joao@csfx.org.br

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

perpasse essa etapa de escolarização e seja na perspectiva de


uma educação ao longo de toda vida. Enfatiza o documento
CONFINTEA VI-Pará (2009).
A EJA é espaço de tensão e aprendizado em diferentes
ambientes de vivências, que contribuem para a forma-
ção de jovens e de adultos como sujeitos da história.
Negros, brancos, indígenas, amarelos, mestiços; mu-
lheres, homens; jovens, adultos, idosos; quilombolas,
pantaneiros, ribeirinhos, pescadores, agricultores;
trabalhadores ou desempregados- de diferentes clas-
ses sociais; origem urbana ou rural; vivendo em me-
trópole, cidade pequena ou campo; livre ou privado
de liberdade por estar em conflito com a lei;pessoas
com necessidades educacionais especiais- todas elas
instituem distintas formas de ser brasileiro, que preci-
sam incidir no planejamento e execução de diferentes
propostas e encaminhamentos para a EJA.(CONFIN-
TEA VI -PARÁ, 2009, p.9).

Essa nova concepção da EJA expressa no referido do-


cumento, veio como resultado de diálogos fomentados com
grupos de educadores, Movimentos Sociais, entidades com-
promissadas com a educação da EJA e outros. Referenda-se
a organização do coletivo na participação dos Fóruns de EJA
a nível nacional e internacional, o que veio prover como re-
sultado, investir na formação continuada dos docentes da EJA
proporcionando, dessa forma, o desafio de que os educadores
da EJA trabalhem numa modalidade da educação na qual a ho-
mogeneidade dos sujeitos não é a tônica dominante.
Nos espaços da EJA os sujeitos são múltiplos, vivem
na diversidade, e ainda que existam sujeitos com perfis seme-
lhantes é preciso se atentar à especificidade de suas trajetórias
de vida, que sempre são singulares e caracterizadas de poten-
cialidades que podem não se revelar numa expectativa imedia-
ta. Porém, entende-se que o desafio do conhecimento na EJA
não pode ser circunscrito àquilo que os jovens e adultos devem
aprender, ele também é provocação para que educadores e edu-
cadoras aprofundem seus conhecimentos – suas compreensões

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

– sobre esses sujeitos da aprendizagem. Neste sentido, justifica-


-se a formação de docentes para que possam compreender esse
novo cenário na educação de jovens e adultos.
O cenário educacional amazônico é de fato, permeado
pela diversidade cultural, de território, de saberes, de contos,
mitos, benzeções e outros. Além de, se constatar uma realidade
precária econômica e social, é fato, a situação de exclusão de
jovens e adultos, principalmente do campo, fora da escola. Aos
que tem acesso e que retornam à escola, o currículo apresenta-
-se deslocado da realidade desses sujeitos. E é neste contexto
que indaga-se de que maneira os docentes da EJA podem res-
significar o currículo permeado por esta diversidade amazôni-
ca. Porém, entende-se que o desafio do conhecimento na EJA
não pode ser circunscrito àquilo que os jovens e adultos devem
aprender, ele também é provocação para que educadores e edu-
cadoras aprofundem seus conhecimentos – suas compreensões
– sobre esses sujeitos da aprendizagem.
Enfatiza-se as ideias-forças freireanas que move o/a
educador/a e o/a educando/a num processo que se firma no
diálogo, em momentos de conflitos, de reflexões e ações. O
enfoque se aproxima da prática do/a educador/a refletindo as
possibilidades de se construir uma educação de forma coletiva,
participativa e planejada com todos/as que compõem o espaço
escolar.

A identidade amazônica dos sujeitos da EJA no cenário de


Abaetetuba/PA

O município de Abaetetuba localiza-se no nordeste


paraense na região Amazônica, Baixo Tocantins. É formada
por 72 Ilhas, 46 comunidades de estradas, ramais e centro ur-
bano, formando uma população de 141 mil e 100 habitantes
(IBGE, 2010). Os dados apresentam que 82.998 habitantes na
zona urbana e 58.102 na zona rural (ilhas, estradas e ramais),
97.743 são pessoas de 15 ou mais anos de idade.

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Em Abaetetuba, as Escolas do Campo compreendem


as que estão localizadas nas estradas e ramais e ilhas do muni-
cípio. Enumera-se 51(cinquenta e uma) escolas nas estradas e
ramais e 82 (oitenta e duas) das ilhas, totalizando 133 unidades
de ensino da rede municipal. Dentre essas, o município tem 19
escolas quilombolas, 01 casa familiar rural conveniada com a
Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) e SEDUC/PA e 01
escola de Ensino Médio do campo da Rede Estadual. Além de
ser atendido pelo Sistema Modular de Ensino (SOME).
As escolas do campo de Abaetetuba possuem pecu-
liaridades da população ribeirinha, das estradas, ramais e ter-
ritórios quilombolas, por trazer como marca identitária, carac-
terísticas dos rios, igarapés, matas, pesca, produção agrícola e
criação - seu povo vive, se alimenta e habita ao redor das águas
e florestas. Além disso, trazem raízes quilombolas. Povo negro,
agregados familiares, cultura marcante nas representações reli-
giosas, benzeções, ervas medicinais, comidas típicas, memória
de vida quilombola. Portanto, no educar amazônico, os sujeitos
de EJA, quer sejam ribeirinhos e/ou quilombolas, possuem for-
te relação com a diversidade de fauna e flora nas manifestações
de seu cotidiano cultural, que raras vezes se presenciam dentro
do espaço escolar.
No entanto, as escolas do campo e quilombolas que
atendem a Educação de Jovens e Adultos, seguem o Plano Cur-
ricular das Diretrizes Nacionais e da Secretaria Municipal de
Educação de Abaetetuba, sem adequação curricular específi-
ca para os povos do campo e quilombolas, inclusive, aquisição
de livros didáticos descontextualizado da Amazônia Paraense
e cultura quilombola. Uma vez que a escola precisa organizar
seu trabalho pedagógico com base na sua comunidade educa-
tiva, deve-se considerar o seu lugar de concepção, realização e
avaliação do seu projeto educativo.
Conforme o contexto da comunidade há uma especi-
ficidade de vida, trabalho, educação dos sujeitos da EJA. Des-
tacam-se como atividades desenvolvidas por eles: o extrativis-

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mo do açaí, pesca em geral, produção nas olarias, cultivo da


mandioca, manejo do açaí, peconheiros, produção de farinha,
extração do miriti, lavoura, criação de animais de pequenos
portes, além do trabalho doméstico e artesanais.
O acesso à escola é pontuado como maior dificuldade
no enfrentamento pelo direito à educação no campo. Se des-
locar da comunidade para a escola, requer das famílias custos
financeiros e também para os educadores que tem que fazer o
trajeto da cidade ao campo e do campo à cidade.
As comunidades das ilhas de Abaetetuba possuem o
diferencial em relação à acessibilidade e deslocamento de seu
povoado via fluvial. Utilizam barcos, rabetas e rabudos como
transportes de locomoção. Há lugares de difícil acesso devido
a baixa da maré que torna-se um indicador para os ribeirinhos
no tempo a ser percorrido com certa segurança.
Os sujeitos ribeirinhos da EJA caracterizam-se, em sua
maioria, como alunos trabalhadores que buscam acesso, rein-
gresso e permanência no espaço escolar. Esses sujeitos enfren-
tam diversos desafios, Entre eles, como já pontuado, as condi-
ções de acesso à escola, o currículo e à formação de professores
que, em número significativo, ainda não conseguem ter uma
nova visão de educação voltada ao aspecto cultural marcada na
vivência de identidades próprias pela precariedade de vida so-
cial, econômica e política. A esse respeito afirma Soares:
[...] que os alunos da Educação de Jovens e Adultos são
diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à
faixa etária. São Jovens e adultos, muitos deles traba-
lhadores, maduros, com larga experiência profissional
ou com expectativa de (re) inserção no mercado de
trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coi-
sas da existência (...) Para eles, foi a ausência de uma
escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um
retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber.
Outros são jovens provindos de estratos privilegiados
e que, mesmo tendo condições financeiras, não logra-
ram sucesso nos estudos, em geral por razões de cará-
ter sociocultural (SOARES, 2002. p. 77).

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Adita-se a esta reflexão a afirmação de Gadotti (2001)


ao asseverar que:
jovens e adultos trabalhadores lutam para superar
suas condições precárias de vida( moradia,saúde, ali-
mentação, transporte, emprego.Os baixos salários e as
péssimas condições de vida comprometem o proces-
so de alfabetizaçãodos jovens e adultos...(GADOTTI,
2001, p.31)

Nessa direção, Ferranti (2013) complementa mos-


trando que a realidade da Amazônia não pode ser invisível ao
se trazer para discussão a educação dos seus sujeitos, o qual
[...] é marcado por inúmeras dificuldades, como: maré
que, no seu extremo, impede o acesso dos alunos à
escola, pois quando o rio e/ou igarapé secam, tem-se
que aguardar até três horas para se prosseguir viagem.

O início e o fim das aulas são marcados pelo tempo da


maré, obrigando os professores, os alunos, as famílias,
o transporte escolar, etc., a se ajustarem à realidade
específica. Algumas vezes, quando a maré está gran-
de, a travessia, que é sempre feita por pequenas em-
barcações, torna-se perigosa, podendo inclusive levar
embarcações a naufragarem. Pode ocorrer, também,
o alagamento do barco e, no mínimo, dar a todos os
passageiros um bom banho, que faz com que alunos
danifiquem o material escolar, quando não é total-
mente perdido nas águas. (FERRANTI, 2013, p.65).

Assim, o contexto dos sujeitos amazônidas da EJA


permeado de diversidade favorece partir da leitura da realida-
de, se incitando problematizações em relação à atuação dos e
com os sujeitos. Se faz necessário, indagar com qual sujeito se
convive no dia-a-dia, em que contexto vive, isto, independente
do espaço no qual se concretiza as experiências: escolarização
ou espaço além escola. Dessa forma, ao se voltar o olhar ao su-
jeito da EJA na sua especificidade de ser, em nenhum momen-
to se apresentará como objeto a ser manipulado, doutrinado,

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Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

mas como pessoa reconhecida como fundamental no processo


de aprendizagem no qual está envolvido constantemente.
É interessante não só entender, mas ter a sensibilidade
de olhar o jovem e o adulto como sujeitos que apresentam mais
dificuldades. Inicialmente, em aprender novos conhecimentos,
porque estão afastados a muito mais tempo de processos mais
formais, sistemáticos e organizados de aprendizagem, no en-
tanto, não existe nenhum impedimento para que continuem
na busca e no desejo se educarem e de aprenderem, indepen-
dentes de sua idade.
É percebível o crescente reconhecimento da impor-
tância de outros processos, principalmente via educação po-
pular e Movimentos Sociais, não somente voltado à aprendiza-
gem, mas também à educação além dos espaços escolares em
que o jovem e adulto pode ampliar e partillhar conhecimentos
e saberes acumulados ao longo da vida em qualquer idade.
Relevantes são as contribuições do célebre educador
Paulo Freire (1996) ao propor que sejam aproveitados os sa-
beres e as vivências dos educandos discutindo a razão de ser
de suas realidades. Segundo Freire (1996, p. 22) “ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
produção ou a sua construção”. Para tal o diálogo entre saberes
é condição essencial. Freire (1999) fala que o diálogo ocorre na
relação horizontal entre dois sujeitos, uma “relação de simpatia
entre os pólos” (FREIRE, 1999, p. 115). É uma relação empáti-
ca, em que a pessoa coloca-se na mesma situação e condição do
outro e assim pode entendê-lo.
Nesse sentido, o diálogo também propicia a tomada
de consciência, porque favorece a aproximação com a realida-
de. Esta aproximação promove a integração do homem com o
outro e com o meio, não é uma adaptação do homem ao meio,
mas uma interação que transforma tanto o homem como o
meio. Assim, Freire destaca a relevância da ação dialógica para
uma educação voltada para o empoderamento de cidadãos re-
flexivos de sua condição humana e existencial.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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O currículo no saber da interculturalidade dos sujeitos da


EJA amazônica.
É imprescindível discutir o currículo na Educação de
Jovens e Adultos no contexto educacional amazônico por en-
volver sujeitos vistos como excluídos, marginalizados, situados
como jovens e adultos “problemas” e não como sujeitos de di-
reitos e de cidadania. São sujeitos que carregam suas especifici-
dades geracionais, culturais e dos entornos culturais dos quais
se inserem.
Paulo Freire (1987), a partir da leitura da dramaci-
dade vivenciada pelos sujeitos provoca o comprometimento e
luta pelos direitos. É neste sentido que o trabalho abarcado por
Freire toma as proporções que tem repercussões bem marcan-
tes no mundo inteiro. É interessante frisar que ele, ao conceber
uma educação libertadora, esta vem se firmar numa proposta
que emerge na dialética, na reflexão e ação, no enfrentamento
às estruturas vigentes de dominação. Os sujeitos se constroem
de forma coletiva, num contexto histórico e no construto de
suas histórias. A superação da contradição opressor- oprimido
só é possível pela práxis.
A Educação de Jovens e Adultos concebe seus alunos
como sujeitos de direitos, que devem ter a sua disposição uma
educação de qualidade, que considere nas questões pedagó-
gicas as histórias de vida dos sujeitos, suas necessidades, suas
emoções, a situação sócio econômico e cultural que contribuí-
ram para sua condição de vida enquanto ser humano.
A educação compromissada com a transformação de
uma realidade social opressora para uma sociedade livre e de-
mocrática concebe segundo Freire (1987), o homem e a mu-
lher como um ser inacabado, por isso visto como ser que está
sendo em e com uma realidade. Daí que a educação não pode
ser “bancária” “inquestionável”. Neste pensar, a educação é um
ato histórico, ela se atualiza no enfrentamento do mundo con-
creto; e terá de ser um adentramento no diálogo como fenôme-
no humano. A educação se vincula à humanização do homem

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

e da mulher e sendo práxis, será também o próprio exercício


da liberdade.
Dessa forma, quando a escola e organizações da co-
munidade contribuem com os sujeitos na apropriação de in-
formações fazendo leituras reflexivas acerca das situações de
dominação, esses vão construindo o processo de apoderamen-
to e consequentemente, o enfrentamento a novos desafios. Para
tanto, o educador pode ser mediador, sujeito que deve estar
atento para o fato de que a transformação não é só questão
de métodos e técnicas, mas perpassa essa dimensão quando se
busca estabelecer uma relação diferente com o conhecimento
e com a sociedade fazendo assim, do currículo, um mecanis-
mo de transformação, de história de vida a partir dos saberes
vivenciados pelos sujeitos que compõe a EJA. Nas palavras de
Freire (1993):
substantivamente democrática, jamais separa do en-
sino dos conteúdos o desvelamento da realidade.
É a que estimula a presença organizada das classes
sociais populares na luta em favor da transformação
democrática da sociedade, no sentido da superação
das injustiças sociais. É a que respeita os educandos,
não importa qual seja sua posição de classe e, por isso
mesmo, leva em consideração, seriamente, o seu sa-
ber de experiência feito, a partir do qual trabalha o
conhecimento com rigor de aproximação aos objetos.
( FREIRE, 1993,p.101)

Neste campo reflexivo, Freire (1993) provoca uma


postura de transformação frente a problemática vivenciada pe-
los sujeitos da EJA. Enfatiza que é necessário uma educação
que prime pelo diálogo, pela co-laboração de forma coletiva,
por uma leitura e releitura não somente do contexto envolto
dos sujeitos, dos saberes culturais, mas uma visão ampla da so-
ciedade em torno.
Ao desenvolver um trabalho pedagógico libertador,
compreende-se que a educação é uma forma de intervenção
no mundo. Intervenção que vai além dos conhecimentos dos

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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conteúdos traçados pelos sujeitos quer sejam reprodutores da


ideologia dominante ou do desmascaramento. No caso do edu-
cador, este assume um compromisso de desmascarar, de des-
velar as situações de opressão e dominação que se faz presente
nas práticas pedagógicas curriculares e políticas nos diversos
segmentos da sociedade. Diz Freire (1993):
Quem apenas fala e jamais ouve; quem ‘imobiliza’ o
conhecimento e o transfere a estudantes, não importa
se de escolas primárias ou universitárias; quem ouve
o eco, apenas, de suas próprias palavras, numa espé-
cie de narcisismo oral; quem considera petulância da
classe trabalhadora reivindicar seus direitos; quem
pensa por outro lado, que a classe trabalhadora é de-
masiado inculta e incapaz, necessitando por isso, de
ser libertada de cima para baixo, não tem realmente
nada a ver com libertação nem democracia. (FREIRE,
1993, p.109)

A educação crítica, dialógica e democrática, implica


estar em relação com “o outro” como sujeito do conhecimen-
to e da cultura, em reconhecer no “outro” o direito de falar e
estabelecer relações concretas com o “outro” possibilitando as-
sim, sua participação no processo educativo. No “estar com o
outro” nas discussões da Educação de Jovens e Adultos, se faz
necessário, reflexões pertinentes ao cotidiano do educando em
sua interculturalidade, incluindo-o e por que não, garantindo-
-lhe permanência e continuidade nos estudos, formação para a
vida social, pessoal, profissional. Isto se deve especialmente ao
desafio de trazer como enfoque a discussão no currículo que
propicie a inclusão, permanência de sujeitos, educação para a
toda a vida, respeitando-se seu tempo e espaço, o seu cotidia-
no, a sua cultura.
No processo interativo com a cultura, de uma leitu-
ra do cotidiano dos educandos, o currículo a ser proposto na
educação de Jovens e Adultos pode vir desencadear diversas
discussões para garantia dos direitos e respeito às diferenças.
Freire (1993) deixa claro que o educador deve se atentar para

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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a leitura do mundo, leitura das diversas culturas que o aluno


traz para dentro da escola. No entanto, o que se percebe é que a
subjetividade, a cultura dos sujeitos da EJA, não é contemplada
no dia a dia da escola, nos seus saberes, em seu currículo com
suas experiências pedagógicas. No entanto, o currículo não se
constitui apenas de dominação e controle, mas se presencia lu-
gar de oposição, de resistência.
Na Pedagogia do Oprimido (FREIRE,1987) a dimen-
são de resistência é estendida a libertação do domínio coloni-
zador, da visão restrita de mundo. O dominado precisa se li-
bertar do seu opressor. Dessa forma, os educadores necessitam
estarem conscientes dessas práticas de construção de novas
mentalidades, para que adotem uma postura crítica, pois so-
mos confrontados pelas tentativas de homogeneização cultural
constantemente. Porém, são as diferenças culturais, capazes de
produzir espaços para o exercício da cidadania plural.
Neste parâmetro é necessário discutir as abordagens
que vêm para promover a transformação, para o reconheci-
mento do outro, aberto ao diálogo entre os diversos sujeitos,
grupos sociais e culturais. Dessa forma, ao adentrar no enfo-
que de uma educação voltada ao longo da vida, em que direi-
tos à vida são respeitados, pretende-se suscitar reflexões que
aflore uma nova visão voltada à EJA. Uma educação onde se
crie possibilidades de lutas contra as desigualdades e se res-
peite as diferenças de cada um. Em que: “... a formação seja
voltada à cidadania aberta, interativa, capaz de reconhecer as
assimetrias de poder entre os diferentes grupos culturais e de
trabalhar os conflitos e promover relações solidárias” (CAN-
DAU, 2008.p.54)
E nesta rede de relações dialógicas, a perspectiva in-
tercultural apresentada por CANDAU (2008) que vem respal-
dada por Freire (1993), promove uma educação para o reco-
nhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes gru-
pos sociais e culturais. Capaz de favorecer um projeto comum,
pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. Assim

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Educação Popular em Debate
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sendo, a perspectiva intercultural está orientada à construção


de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule
políticas de igualdade com políticas de identidade.
Para se discutir a Educação de Jovens e Adultos, vol-
tada à vida dos sujeitos da Amazônia, é necessário analisar
a construção de relações interculturais em todo o processo
educativo, pois são nesses processos que os atos e palavras
das pessoas vão ganhando significados, diante das diferenças
culturais que os sujeitos possuem, tornando o espaço escolar
plural.
Portanto, a Educação de Jovens e Adultos ao buscar
uma visão crítica, dialoga com concepções que se constroem
e se desconstroem nas diversas relações de interculturalidade,
de saberes, de subjetividade. Dessa forma, é primordial que os
docentes da EJA tenham garantias de políticas públicas para
sua formação específica nesta área de saberes e reconhecimen-
tos dos sujeitos da Amazônia para de fato, buscar possibilida-
des de ressignificar a prática docente na Educação de jovens e
Adultos.
3- As ideias-força de Paulo Freire na formação dos docentes
da EJA na Amazônia Paraense.
Paulo Freire expressando o seu pensar e sua práxis
pedagógica, firmou a possibilidade de criar, de fazer acontecer
uma educação diferente, significativa. Neste sentido, na Edu-
cação de Jovens e Adultos dos ribeirinhos e quilombolas da
Amazônia, há necessidade de um currículo que esteja de acor-
do com a nova concepção de educação e pedagogia que leve
o/a educando/a ao ato de libertar-se, questionar, tornar-se crí-
tico. Na perspectiva de Freire, a experiência vivenciada pelos
educandos/as se torna a fonte primária para se buscar “temas
significativos” ou “temas geradores” que vão estruturar o con-
teúdo programático do currículo do programa de Educação de
Adultos. A seleção de conteúdo é resultado de uma pesquisa
a partir do universo experimental dos próprios educandos/as,

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os quais têm o papel ativo dentro desta pesquisa. Esse conte-


údo programático deve ser buscado conjuntamente, naquela
realidade, naquele mundo, constituindo-se assim, o objeto do
conhecimento intersubjetivo.
A pesquisa do universo vocabular deve ser conduzida
de tal forma que reduza sempre a diferença entre pes-
quisador e pesquisa [...] A partir do levantamento das
“palavras” a pesquisa descobre as pistas de um mundo
imediato, configurado pelo repertório dos símbolos
através dos quais os educandos passam para as etapas
seguintes do aprendizado coletivo e solidário de uma
dupla leitura: e da realidade social que se vive e da pa-
lavra escrita que a retraduz. (BRANDÃO, 1981, p.26)

Segundo Brandão (1981) o “método” Paulo Freire


fornece instruções detalhadas de como desenvolver um cur-
rículo que venha corresponder à expressão de sua concepção
de “educação problematizadora”. Destaca a participação dos
educandos nas várias etapas de construção desse “currículo
programático”. O conhecimento é construído nesta vivência,
na troca de experiências entre o educador/a e educando/a.
O currículo vem a ser elaborado a partir do contexto do/a
educando/a que trazem para a sala de aula experiências vi-
venciadas que não acontece somente na escola, mas em seus
diversos contextos.
Enfatiza Freire (1985) que a educação libertadora
deve ser concebida no processo de contribuir na formação do
senso crítico e político. Essa educação se fomenta no diálogo,
no des-velar, nos desafios, no ato crítico de conhecimento, de
leitura da realidade, de compreensão de como funciona a so-
ciedade, assim, pode ser assumida nos diversos níveis de ensi-
no, principalmente na Educação de Jovens e Adultos.
Dando ênfase a educação libertadora, podemos con-
siderar que o currículo é a vivência, a realidade, a vida e histó-
ria do/a educando/a, quer seja jovem ou adulto. A concepção
de currículo na educação abordada por Freire condiz com o
seu modo de “pensar e fazer” a educação, o qual é presenciado

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em suas Ideias- Força4 e que deve fazer parte do processo pe-


dagógico docente.
Para ser válida, toda ação educativa deve necessaria-
mente estar precedida de uma reflexão sobre o homem
e de uma análise do meio de vida concreto do homem
a quem queremos educar (ou melhor dito; a quem
queremos ajudar a educar-se.(FREIRE, 1983,p.33)

O ser humano não pode ser reduzido à condição de


objeto. É necessário que a escola reflita sobre o próprio ser
humano (homem e mulher) olhando de forma singular e de
maneira subjetiva para o meio no qual estão inseridos. Con-
tribuindo com esta análise do meio, educadores/as podem le-
var o/a educando/a a fazer a primeira leitura que é a leitura do
mundo, da realidade na qual está inserido/a. Na educação de
Jovens e Adultos quando o/a educador/a parte da realidade de
seu educando, analisa essa realidade e a reflete, torna-se capaz
de motivar, de aumentar a auto-estima daquele/a que por di-
versos fatores deixou de estudar e que retorna à escola e que
por estar de volta, precisa muito mais de motivação para não
abandoná-la novamente.
O homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre
sua situação, sobre seu ambiente concreto. Quanto
mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação con-
creta, mais emerge, plenamente consciente, compro-
metido, pronto a intervir na realidade para mudá-la.
(FREIRE,1983,p.35)

Neste pensamento, Freire afirma que a vocação onto-


lógica do homem é a de ser sujeito e não objeto, esta não pode
realizar-se senão na medida em que ao refletir sobre as con-
dições espaço-temporais, pode-se submergir nelas e medi-las
com espírito crítico.
4 - As ideias-Força de Paulo Freire são princípios filosóficos que mar-
cam e identificam uma educação libertadora (FREIRE. P. Conscien-
tização: Teoria e prática da libertação: Uma introdução ao Pensa-
mento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes,1980)

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É cabível ao/a educador/a suscitar reflexões que levem


os diversos sujeitos a ler a realidade, tentar compreendê-la e re-
fletir sobre ela visando um trabalho pedagógico que proporcio-
ne o/educando/a da Educação de Jovens e Adultos a se sentir
partícipe do processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, se
insere neste processo não como um objeto, mas como sujeito
que constrói esse momento de aprendizagem. Neste sentido, a
partir dessa leitura, esse sujeito passa a tomar consciência de
sua realidade, se compromete e busca intervir para mudá-la. O
educando se sente co-responsável nesta etapa de leitura, refle-
xão, descoberta, compromisso e mudanças.
Na medida em que o homem, integrado em seu
contexto, reflete sobre este contexto e se comprome-
te, constrói a si mesmo e chega a ser sujeito. [...] O
homem, precisamente porque é homem, é capaz de
reconhecer que existem realidades que lhe são exte-
riores. (Idem, p.36)

O homem e a mulher possuem sua capacidade de dis-


cernir quando entra em relação com outros seres. E isto é algo
que só o ser humano possui, é específico de seu próprio ser. No
caso do homem e da mulher, esses estabelecem relações com a
realidade a partir do contato, refletem sobre esta realidade de
forma crítica e de um saber fazer. O comportamento humano
não é só reflexo, é ser inteligente e livre.
Quando o/a educando/a reflete sobre si mesmo, sobre
a importância do seu processo de ensino-aprendizagem ele se
constrói como sujeito, como partícipe e integrante dessa reali-
dade na qual pode contribuir para transformá-la.
É necessário advertir que a resposta que o homem
e a mulher dão a um desafio não muda só a realidade com a
qual se confrontam: mas muda a si próprio, cada vez um pouco
mais, e sempre de modo diferente. “Pelo jogo constante destas
respostas o sujeito se transforma no ato mesmo de responder”,
diz Paulo Freire. Ao mudar a realidade, o homem e a mulher
mudam a si mesmo e aos outros.

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Na medida em que o homem, integrando-se nas


condições de seu contexto de vida, reflete sobre elas
e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam,
cria cultura. A partir das relações que estabelece com
seu mundo, o homem, criando, recriando, decidindo,
dinamiza este mundo. Contribui com algo do qual ele
é autor. (FREIRE,1983,p.38)

Dessa forma, quando o homem e a mulher passam


a cultivar e criar cultura, essa vai se firmar através do ato de
estabelecer relações, do ato de responder aos desafios que lhe
apresenta a natureza, como também, no mesmo tempo, de cri-
ticar, de incorporar a seu próprio ser e de traduzir por uma
ação criadora a aquisição da experiência humana feita pelos
sujeitos que o rodeiam ou que o precederam. Ao criar cultura,
esse sujeito partícipe da educação, contribui com algo que ele é
responsável, que é autor. E essa cultura vai se firmar no diálogo,
estabelecendo relações entre ele e outros homens e mulheres.
E viabilizar momentos de diálogo não só na sala de aula, mas
em diversos espaços, deve ser um dos objetivos que irá fazer a
diferença na atuação do/a educador/a na Educação de Jovens
e Adultos.
Não só por suas relações e por suas respostas o ho-
mem é criador de cultura, ele é também “fazedor”
da história. Na medida em que o ser humano cria e
decide, as épocas vão se formando e reformando. (
Idem,.38).

O/a educando/a passa a ser construtor/a fazedor/a da


história. Neste sentido, ele/a não vê a realidade distante de sua
vida, nem indiferente à sua história, mas se descobre como su-
jeito inserido/a, partícipe e co-responsável por essa realidade
que ele /a próprio/a é fazedor/a..
É preciso que a educação esteja - em seu conteúdo,
em seus programas e em seus métodos-adaptados
ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar
a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar
o mundo, estabelecer com os outros homens relações

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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de reciprocidade, fazer a cultura e a história... (Ibdem,


p.39)

Proporcionar ao/a educando/a um processo de en-


sino-aprendizagem em que ele/a se sinta construtor/a de seu
conhecimento, fazedor/a de sua história e co-responsável pela
transformação social que se dá de maneira coletiva, de fato,
esta é a grandiosa meta do/a educador/a na Educação de Jo-
vens e Adultos. Uma educação embasada no diálogo, de forma
horizontal e que seja prazerosa.
É fundamental que a relação entre os sujeitos do pro-
cesso ensino-aprendizagem se firme na liberdade de questio-
nar, de indagar sobre a realidade que os norteiam. O/a edu-
cador/a pode criar diversas possibilidades que proporcione
ao educando/a a liberdade de construir seu próprio conheci-
mento, criar cultura e criar sua própria história. As afirmações
básicas do trabalho de Freire se apresentam coerentemente ao
adotar a metodologia do diálogo, do questionamento e reflexão
para interpretar o desenvolvimento da consciência humana e
seu relacionamento com a realidade.
Freire (1985) enfatiza que as questões e problemas
principais de educação não são questões pedagógicas. Ao con-
trário, são questões políticas. E por isso devem ser trabalhadas,
discutidas com os/as educandos/as a partir de sua realidade.
Bem sabe que o sistema instrucional não modifica a sociedade,
ao contrário, a sociedade pode mudar o sistema instrucional.
No entanto, admite que o sistema educacional pode ter um
papel crucial numa revolução cultural. Para Freire, revolução
implica a consciente participação das massas.
Ao assumir uma pedagogia voltada a formação da
consciência crítica, como uma práxis cultural, contribui de fato
para revelar a ideologia encoberta na consciência das pessoas.
Neste sentido, a educação ao despertar uma leitura da realida-
de, ao refletir sobre o compromisso que deve ser assumido por
todos, torna-se um ato político. Neste caso, Freire dedica-se a
uma tarefa pedagógica dinamizadora de um processo de mu-

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dança, por meio de um método ativo, dialogal e participativo.


A especificidade de sua proposta é a noção de consciência crí-
tica como conhecimento e práxis de classe. É uma pedagogia
da consciência. Portanto, essa pedagogia - particularmente em
Pedagogia do Oprimido (1985) - enfatiza um aspecto funda-
mental no processo de organização política das classes sociais
subordinadas: os elos entre a liderança revolucionária e as prá-
ticas da massa.
O projeto de Freire é uma proposta anti-autoritária
apesar de assumir uma pedagogia diretiva, em que educadores/
as e a educandos/as ensinam e aprendem juntos. Ela se concre-
tiza no diálogo, na reflexão e ação. Partindo-se do princípio que
educação é um ato de saber, é um ato político, professor-aluno
pode engajar-se num diálogo permanente caracterizado por
seu “relacionamento horizontal”, que não exclui desequilíbrios
de poder ou diferenças de experiências e conhecimentos. Esse
é um processo que toma lugar não na sala de aula, mas num
círculo cultural. Não existe um conhecimento “discursivo”, mas
um conhecimento começando das experiências diárias e con-
traditórias de educadores-educandos/educandos-educadores.
As ideias-força de Freire redimensionam uma nova
concepção de educar que leva em conta os saberes das comu-
nidades dos seus sujeitos, de sua história e sua identidade cul-
tural. O pensar freireano se firma no diálogo a partir da leitura
do mundo, quem ler o mundo, reflete, quem reflete problema-
tiza, quem problematiza cria desafios, criando desafios se com-
promete e se comprometendo cria história.
O projeto libertador emerge pela consciência diante
dessa leitura da realidade, da quebra da dominação na perspec-
tiva de mudanças de homem, de mulher, de mundo, de socie-
dade, e isto é história.
Portanto, na Educação de Jovens e Adultos é funda-
mental que a prática pedagógica venha valorizar experiências,
oportunizando o/a educador/a a estabelecer um vínculo mais
próximo com os sujeitos da EJA, apresentando sua contribui-

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ção para a comunidade escolar e para comunidade local onde a


escola encontra-se inserida.
Enfim, no processo de educação para toda a vida,
quem tem que decidir o que é significativo e interessante para
os sujeitos de EJA são eles próprios que fazem parte do proces-
so educativo. Nesse sentido, é importante que os conteúdos do
processo de aprendizagem sejam socialmente relevantes. Isto é,
que contribuam para o jovem ou adulto entender melhor, e cri-
ticamente, o contexto em que vive, para melhorar a qualidade
da sua vida e a da sociedade, para desenvolver o seu potencial
como indivíduo (a sua vocação ontológica de ser mais) e para
fortalecer a sua autoconfiança e auto-estima.
CONCLUSÃO
Interessante enfatizar que as ideias-força de Freire não
somente se tornam teorias escritas, discursivas, mas se firmam
num processo contínuo de vida, de dinamismo, de prática po-
lítica de conscientização presenciada nos Movimentos Sociais,
Organizações, Fóruns, Sindicatos, Partidos Políticos. Neste
processo é imprescindível que a educação almeje mudanças
nos diferentes campos do conhecimento, nas organizações so-
ciais e nas diferentes culturas e sociedades. Dessa forma o en-
foque referente a mudanças na educação tem sido um tema que
se presencia constantemente na prática educativa. E para tan-
to, FREIRE (1986) concebe a educação libertadora como uma
situação na qual educadores/as, e educandos/as da Educação
de Jovens e Adultos, podem colocar-se abertos à aprendizagem
tornando-se sujeitos cognitivos e críticos do ato de conhecer.
A educação libertadora pode ser compreendida como
um momento, ou um processo, ou uma prática onde, incenti-
vamos as pessoas a se mobilizar ou se organizar para adquirir
poder. E que ao se manifestar e se incitar o exercício desse po-
der, se torne favorável a uma transformação em prol de uma
vida com melhores condições de vida, não visando interesses
individualistas, pessoais, mas que seja voltado a uma comuni-

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dade que busca em conjunto, soluções para seus problemas e


desafios. Para tanto, o/a educador/a pode ser mediador/a, sujei-
to que deve estar atento para o fato de que a transformação não
é só questão de métodos e técnicas, mas perpassa essa dimen-
são quando se busca estabelecer uma relação diferente com o
conhecimento e com a sociedade.
O/a docente/a libertador/a busca transformar-se cons-
tantemente a partir da compreensão do contexto social e cultu-
ral das comunidades ribeirinhas. E inquietando-se diante desse
contexto, busca uma distinção entre educação libertadora e os
métodos tradicionais. Neste sentido, ao desenvolver um tra-
balho pedagógico libertador, o/educador/a compreende que a
educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção
que vai além dos conhecimentos dos conteúdos traçados quer
seja pelos reprodutores da ideologia dominante ou do desmas-
caramento. No caso, do/a educador/a libertador/a este deve
assumir um compromisso de desmascarar, de desvelar as situ-
ações de opressão e dominação que se faz presente nas práticas
pedagógicas e políticas nos diversos segmentos da sociedade.
FREIRE (1996) afirma que a postura libertadora exige
que os /as educadores/as se definam enquanto sujeitos da edu-
cação. Tome uma posição, decisão, seja coerente. Dessa forma,
a educação libertadora na Educação de Jovens e Adultos ribei-
rinhos e quilombolas precisa ser assumida com envolvimento,
com paixão. O ato de amor está em comprometer-se com a cau-
sa da libertação. E esta prática se dar através da dialogicidade
que começa não somente na situação pedagógica, mas em tor-
no do conteúdo programático significativos aos sujeitos da EJA.
As ideias freireanas - marca identitária de um processo
libertador é registro de uma realidade dinâmica, histórica, que
se faz por meio das organizações de lutas e no cotidiano das
salas de aula que considera a singularidade cultural dos sujeitos.
Essa prática vem tomando consistência nas ações das políticas
públicas e sociais contribuindo na construção de novas menta-
lidades.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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É necessário que o/a educador/a se coloque à dispo-


sição da reflexão, da discussão, de saber ouvir seus pares e se
colocar ao diálogo, para que de fato haja envolvimento e com-
prometimento nas ações que almejam transformações. E, na
Educação de Jovens e Adultos ribeirinhos quilombolas, este
processo se faz necessário muito mais pela especificidade de
identidade, de diversidade no contexto cultural e na vivência
singular de cada educando/a. Assim, a proximidade da prática
docente com as ideias de Paulo Freire vai ser base para um tra-
balho que se leve à formação crítica dos sujeitos na Educação
de Jovens e Adultos e que, portanto, é inacabada, é inconclusa,
pois se dá num processo de construção, de libertação.
REFERÊNCIA
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Educação Popular em Debate
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_____________Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra,


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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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A CRIANÇA NA CIDADE DE MANAUS E A


BUSCA PELA AUTONOMIA

SANTOS, José Alessandro da Conceição1


INTRODUÇÃO
A criança como ser do meio ambiente é encontrada
nas diferentes sociedades e culturas do planeta terra, assim
como nas áreas rurais dos grandes estados Brasileiros, no en-
tanto a ideia de que a intensificação maior de criança é só em
terreno rural já fora superado no século XVIII, no ápice da re-
volução industrial, quando o número significativo de pessoas
migrou do interior para as grandes cidades metrópoles, onde
a indústria e o comercio atingiram seu objetivo maior, o ca-
pital. No Brasil esse processo de migração também acontece
para as capitais em busca de melhorias de vida, neste contex-
to, as crianças ficavam em casa enquanto seus pais trabalha-
vam na indústria ou em grandes centros comerciais do sul e
sudestes do país, não podemos esquecer da figura dos grandes
centros e lares que abrigavam as crianças de pais trabalhadores
que tinham uma mão de obra mais especializada e que tinham
condições de pagar para deixarem seus filhos sob custódia de
alguns desses centros.
Abordar essa história é importante por que é jus-
tamente aí que se revela o papel da criança na cidade, como
participante dela na sociedade urbana, é nesse contexto que a
criança é vista nas ruas com as diferentes brincadeiras, traba-
lhadoras informais, marginalizadas e muitas vezes esquecidas
pelos adultos que só viviam para o trabalho. Nesse ponto his-
1 Graduando em Pedagogia. Universidade do Estado do Amazonas.
E-mail: sa_nbas@hotmail.com

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tórico compreendemos o porquê dos resultados culturais que


encontramos na cidade de Manaus, e crianças nas diferentes
brincadeiras de ruas, nos sinais desenvolvendo habilidades na
tentativa de impressionar os motoristas e ganharem algo por
isso, e nos grandes estacionamentos com o papel de vigias de
carros e motos em troca de dinheiro (os flanelinhas).
O papel pesquisador aqui é entender esses fatores
históricos dentro da realidade da cidade de Manaus, o porquê
do crescimento significativo mesmo com os avanços na área
da educação e da consciência afetiva que se tem a respeito da
criança, e por qual motivo leva essas crianças a ficarem em vul-
nerabilidade social.
AS CRIANÇAS NAS RUAS DE MANAUS.
Manaus é uma cidade estimada em 2.057.711, se-
gundo o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
2015, politicamente dividido em 6 zonas, com destaque para
a zona norte, onde moram mais de meio milhão de pessoas.
Estatisticamente comprovada pelo censo 2010 que Manaus é
a segunda capital com maior taxa de natalidade para cada 100
mil habitantes, perdendo apenas para o Rio de Janeiro, ou seja,
esses dados nos faz refletir quanto ao cuidado que teremos que
ter na pesquisa com crianças, porque se tem um crescimento
alto da população de crianças e a cidade tem seus níveis so-
ciais, culturais, políticos e estruturais comprometidos no que
tange ao planejamento, e parte dessa perspectiva é dever do
estado, em especial a educação, consequentemente das escolas
do município de Manaus. Os problemas vistos nas ruas de Ma-
naus com certeza têm que ganhar total prioridade para enten-
dermos melhor as crianças vulneráveis aos problemas sociais
para que futuramente não venhamos ser vítimas de problemas
maiores como o aumento da criminalidade.
Nas seis zonas da cidade o equilíbrio do número de
crianças nas ruas é bem notório, porém temos que entender
que nem todas as crianças que estão nos sinais, nos estaciona-

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mentos e em centros comerciais são efetivamente crianças de


ruas ou moradoras de rua, parte delas ajuda os pais a vende-
rem, outras só trabalham e voltam para casa e outras moram
efetivamente nas ruas. A pesquisa se delimita para as crianças
que moram efetivamente nas ruas, aquelas que não têm onde
morar ou que moram com seus pais nas ruas, essa delimitação
não visa tirar o mérito de que todas essas crianças estão em
vulnerabilidade, e sim procurei trabalhar o problema priori-
tário da sociedade manauense em se tratando de crianças em
vulnerabilidade social na capital Manaus.
Observado esse problema, logo veio um incomodo
social e resolvi contextualizar tais acontecimentos que para eu
é um crime contra a humanidade, porque consigo enxergar ví-
timas e opressores nesse contexto.
Tangente a filosofia autônoma dos pensadores educa-
cionais é que consegui me incluir nesse contexto como parte
do problema, e aí nasce o segredo, o que estamos fazendo para
que esses problemas sociais sejam amenizados ou resolvidos?
Será que não temos parte de culpa nisso, essas duas perguntas
é só um estimulo para que possamos pensar tais acontecimen-
tos e conseguirmos enxergar quem está lá fora sofrendo uma
consequência talvez fincada lá atrás ou mal planejada no hoje.
A crítica inicial do não aceitar e se incomodar com
esse problema é fundamentada em Paulo freire, também críti-
co do sistema de opressores que, ou o fazem conscientemente
ou fazem inconscientemente “não aceito, porém, em nome de
nada, ações terroristas, pois que delas resultam a morte de ino-
centes e a insegurança de seres humanos” (FREIRE, 2011, 16).
As Crianças em Vulnerabilidade Social (Moradoras das
Ruas de Manaus).
Segundo o ECA, é criança o cidadão que tem até 12
anos incompletos. Considerando essa limitação do Estatuto da
Criança e Adolescente, temos em Manaus aproximadamente
83 crianças identificadas como moradoras de rua, segundo a

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Pastoral da criança que é uma instituição não governamental


e arquidiocese da cidade de Manaus, mas em 2015 um fórum
que teve como ato nacional “criança não é de rua” reuniu duas
contradições nesses números. O Fórum Estadual de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Fedca-AM) e o Fórum
Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fe-
peti-AM) afirmaram que esse número pode ser bem maior.
Esses dados que temos através das instituições são números
que se perpetuam por alguns anos, na verdade deveríamos ter
dados elaborados com toda uma amostra especial sobre essa
problemática que é uma importante informação para trabalhos
científicos, porém não temos ainda uma estatística oriunda dos
órgãos que competem a esse levantamento para podermos fa-
zer um mapa sobre esse assunto, talvez seja pela mudança mui-
to rápido do momento criança para a adolescência, e para que
façamos estatísticas sérias precisamos de tempo para mostrar
um mapa científico com precisão.
Os números são importantes, mas o que é mais im-
portante é teorizar e entendermos como essas crianças vão pa-
rar nas ruas. Quem são elas?
Um dos pontos que observei e coletei alguns dados foi
na frente do 28 de agosto, um hospital pronto socorro modelo
da cidade de Manaus que fica localizado na região centro sul
da capital. Claro que procurei sempre crianças moradoras das
ruas, juntamente com seus pais por conta da burocrática dos
direitos da criança que tem que ser assegurado tanto na pes-
quisa quanto na publicação de dados, difícil pesquisar criança
quando temos que ter autorização dos pais, e mais difícil fica
quando temos a criança morando na rua, mas não tem o pai, e
as vezes nem sabem onde os pais moram, porque estão efetiva-
mente desde muito pequenos e aí a pesquisa fica só na observa-
ção de longe, porque a integridade moral da criança e a percep-
ção natural tem que ser dinamizada pelo pesquisador, senão
acabamos que identificando essa criança para ela mesma, que
ela é um problema nas camadas sociais e a má interpretação

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pode surgir, quebrando assim a concepção pedagógica com re-


sultados consequentes à pesquisa.
Segundo o pai de uma dessas crianças, eles vieram
parar na rua por conta da falta de emprego, a informação e
o desprezo familiar, consequentemente a desestruturação psi-
cológica e acomodação tomam conta dessa vivência, mas em
geral são crianças que fogem das agressões familiares, da falta
de conforto em casa, da desestruturação familiar e em maior
partido para o mundo das drogas.
Entender quem são essas crianças é um trabalho ár-
duo, pela falta de pesquisa que temos na área. Para Mubarac
Sobrinho (2014) a pouca produção acadêmica com as crian-
ças nesses espaços e a falta de conhecimento faz com que os
trabalhos sobre crianças em áreas de riscos sejam tímidos no
sentido de não ter catalogação cientifica intensiva, porém es-
tes projetos buscam dinamizar a busca pelos estudos, tanto nas
áreas sociais como humanas para futuras intervenções dentro
dos problemas encontrados.

OS SINAIS E ESTACIONAMENTOS DA CIDADE DE


MANAUS COMO UM ATRATIVO PARA CRIANÇAS.

As crianças são atraídas facilmente por tudo que são


iludidas ao benefício, em especial ao trabalho infantil, são atra-
ídas pelas “moedinhas” que acreditam melhorar a vida, seu es-
paço e até a família em alguns casos.
Nos sinais são crianças que treinam eventos artísti-
cos, mas também tem crianças vendendo água, pedintes, ven-
dendo bombons etc. uma das crianças que observei no sinal
de 10 anos de idade, afirmou que mora na rua algum tempo,
não sabe exatamente, e as vezes alguém dar abrigo, mas sem-
pre volta para frente do 28 de agosto que é onde está seus pais
que também moram lá e também fazem trabalhos ambulantes,
pegam água dos vendedores e vendem por preços maiores para
que tenham lucros.

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Apesar dos amplos dispositivos postos a serviço da


infância, as bases de sustentação da economia moder-
na expôs a criança a condições de vida degradante,
em seus contínuos processos de ampliação das desi-
gualdades. Isto é, apesar da visibilidade instituída no
plano do Direito, da prevenção e das estruturas de
serviços de proteção, muitas crianças ainda permane-
cem invisíveis e destituídas das garantias prometidas
pela modernidade. (BARRETO, 2012, P. 32)

Essa invisibilidade colocada pela professora Maria


Barreto dentro de um país democrático com todos os direitos
garantidos é um fato observado na pesquisa. O governo é uma
estrutura de força orgânica que é dividido em poderes, agentes
e povo ou cidadãos, os agentes passam pelos sinais todos os
dias, olham e não fazem nada, os poderes também passam pe-
los sinais todos os dias, mas não fazem nada, aliás não abrem
nem o vidro para dizer um bom dia para quem quer um bom
dia, o povo por sua vez ou os cidadãos também passam pelos
sinais e aí acontece uma mínima de compartilhamento, o mer-
cado, ou os que doam pequenas quantias, ou os que compram
produtos, ou os que colaboram para aqueles que fazem gestos
artísticos.
Porém a população em geral também não faz nada a
não ser fomentar ou fazer com que outras crianças vejam que
o negócio dar e passam a ser iludidas para os sinais. Aí de um
lado aqueles que defendem que temos que nos ajudar, e por ou-
tro lado aqueles que dizem: não, se continuarmos a fazer esse
tipo de negócio com essas crianças, mais crianças virão para os
sinais, mais acomodadas vão ficar e mais miséria vai ter.
Dentre essas observações nos vários sinais de Manaus
percebi que apesar de todos nós termos o dever de fazer ações
que intervém nesses problemas sociais, os principais órgãos
que são imbuídos dessa tarefa árdua, bem, pelo menos deve ter
alguém ganhando e se beneficiando para que esses problemas
sejam vistos, problematizados e solucionados, mas ninguém
nos responde ou nos atende. Impetrar dentro dos órgãos com-

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petentes para coletar dados a respeito desses assuntos é tão di-


fícil que o pesquisador se ver em apuros para ter que fazer um
trabalho ético, se bem que percebemos muita manipulação em
dados muito longe da realidade.
Por outro lado temos os estacionamentos públicos
com um foco bem relevante no instituto da mulher, lá foram
identificadas crianças entre 9 e 11 anos, essas crianças vivem
das gorjetas que a comunidade que usa o estacionamento pú-
blico compartilham com elas, uma delas respondeu que as ve-
zes os funcionários do instituto doam comidas que sobra da
refeição dos funcionários e dos acompanhantes, um tipo de
política adotado pelos funcionários da cozinha na tentativa de
ajudar ou amenizar a dor vivida por essas crianças, algumas
tem pais que moram lá também, outras não.
No resumo do artigo metodologia de pesquisa
com crianças: outros mapas, novos territórios para a infância
do professor Mubarac Sobrinho, publicado no E-Cadernos
CES, Coimbra, 2009 faz a seguinte proposta:
A construção das suas culturas infantis, sem sombra
de dúvidas requer a emergência de um campo meto-
dológico que possa abrir caminhos para que o teste-
munho das crianças seja reconhecido como fonte de
verdade e suas vozes sejam ouvidas e escutadas para
a redefinição de uma sociedade com elas e para elas.
(MUBARAC SOBRINHO, 2009, p. 1)

Nos dois casos de crianças nas ruas de Manaus temos


esse campo como construção metodológica para elaboração de
uma sociedade cultural infantil, baseado nas fontes vindas de-
las mesmo, sem interferência institucional, porém percebo que
a burocracia para atingir uma pesquisa dentro da legalidade
deveria ser mais flexível e menos burocrática.
As brincadeiras de rua.
Na cidade de Manaus ainda prevalece muito nas co-
munidades novas ou bairros novos as brincadeiras de rua. Em
um dos espaços, muito visto essa prática é no bairro nova es-

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perança zona oeste da capital nas áreas periféricas do bairro. As


brincadeiras são diversas como: futebol, voleibol, modalidades
com tacos, as famosas manjas, amarelinha, jogos de petecas,
moedas de roda, pipas e se estende para bicicleta, patins e al-
guns poucos casos, os skates.
Todas essas brincadeiras têm objetivos específicos e até
mesmo um contexto histórico, porém o objetivo aqui é mostrar
dentro de uma visão pedagógica a estrutura benéfica dentro da
cultura da criança, como essas brincadeiras amenizam os pro-
blemas das crianças em vulnerabilidade social? Mas existe um
problema sério nesse meio e bem identificado pela professora
Maria Barreto no que tange a liberdade das crianças em lugares
pública, sendo assim muito limitado esse advento nas ruas.
Até o final da Idade Média, ainda era possível visuali-
zar algum vestígio de liberdade anárquica, quando as
crianças participavam de modo mais ativo, tanto no
interior da família como nos lugares públicos. Com o
advento da modernidade, esses espaços vão tornar-se
perigosos com o contínuo incremento da violência co-
tidiana, que hoje se constitui um aspecto problemático
da atual organização da vida social, especialmente nos
espaços urbanos. (BARRETO, 2012, p. 59).

Realmente sentimos que as crianças sentem


medo de desenvolver suas brincadeiras nos locais públicos, os
problemas sociais que tange a criminalidade tem inibido essa
prática.
Mas a importância dessas brincadeiras é expli-
cada dentro das concepções psicomotoras e é com certeza uma
das prioridades para nós acadêmicos do curso de pedagogia
e futuros pesquisadores, que se garanta o direito, a segurança
para que a liberdade das crianças seja dinamizada nesses espa-
ços, pois para Wallon (1979) ressalta que, na pequena infância,
o ato mental se desenvolve no ato motor, ou seja, a criança pen-
sa quando está realizando a ação e isso faz com que o movimen-
to do corpo ganhe um papel de destaque nas fases iniciais do
desenvolvimento infantil.

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Essa garantia das ações da criança em locais públi-


cos de alguma forma tende a amenizar pelo menos a questão
cultural da criança. Envolver as crianças que moram na Rua
nesses espaços, depende de uma política pública com cuidado,
porque muitas estão marginalizadas ou pelo menos parecem
que estão, e o preconceito ainda é grande. Se uma criança que
mora na rua com a aparência comprometida do ponto de vista
capitalista tentar impetrar nas brincadeiras de praças públi-
cas da cidade de Manaus, logo os pais das crianças ligam para
a polícia, porque há um certo trauma, medo de assaltos, ou
conseqüências dessa natureza e de todo o contexto da margi-
nalidade, então nesse caso tem que haver uma especificidade
bem elaborada, aí vai nascendo os novos desafios para pesqui-
sadores e políticas públicas para o poder público da cidade de
Manaus. Mas o importante é que de alguma forma temos que
garantir esse espaço para todas as crianças. Para Freire (2011)
esses preconceitos de raça, classe e de gênero ofende o ser hu-
mano e nega a democracia.
A ESCOLA COMO O CAMINHO PARA A AUTONOMIA.
A busca constante pela autonomia em meio ao ca-
pitalismo é o que se ouve muito falar nos últimos anos, mas
quando as pessoas falam em buscar a autonomia, elas estão se
referindo a uma autonomia superficial, uma autonomia eco-
nômica e familiar. A autonomia que o campo pedagógico se
refere é do pensar cognitivo, em Freire é mais ou menos formar
o ser critico capaz de produzir seu próprio meio de pensar, dis-
cutir e propor. Uma das frases mais conhecidas das teorias de
Paulo freire mostra bem essa lógica, “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção”. (FREIRE, 2011, p. 47). Então
é disso que vamos debater aqui para envolver essa busca como
proposição para os dois problemas nos dois tópicos anterior-
mente discutidos, dentro de alguns resultados que acreditamos
ser uma marginalização da criança, importante entender que

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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nós pesquisadores e defensores das ciências humanas e sociais,


temos a obrigação de propor “condução” que explicará resulta-
dos positivos dentro do campo da educação, em especial den-
tro de uma concepção pedagógica.
Paulo freire na sua obra pedagogia da autonomia pro-
põe várias vertentes dentro do campo da educação para que os
resultados sejam autônomos quando o cidadão buscar a escola
para se libertar da escuridão do mundo oprimido que estamos
em todos os sentidos da vida.
De quando em vez, ao longo deste texto, volto a este
tema. É que me acho absolutamente convencido da
natureza ética da prática educativa enquanto prática
especificamente humana. É que, por outro lado, nos
achamos, ao nível do mundo e não apenas do Brasil,
de tal maneira submetida ao comando da malvadez
da ética do mercado, que me parece ser pouca tudo
o que façamos na defesa e na prática da ética univer-
sal do ser humano. Não podemos nos assumir como
sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção,
como sujeitos históricos, transformadores, a não ser
assumindo-nos como sujeitos éticos. Neste sentido,
a transgressão dos princípios éticos é uma possibili-
dade, mas não é uma é uma virtude. Não podemos
aceitá-la. (FREIRE, 2011, p.19).

Nas primeiras palavras da sua obra, Paulo freire


é claro em todo o contexto inicial, que essa busca pela auto-
nomia só pode se possível na escola, em um sistema orgâni-
co democratizado, respeitando a pluralidade cultural de todos
os envolvidos no sistema. Mas como assim? E as crianças que
moram nas ruas, que estão em vulnerabilidade social? Como
incluí-las nesse sistema?
Nossa legislação assegura a todas as crianças o
direito à escola, ao lar, à alimentação saudável e todos os re-
cursos possíveis para que elas vivam como cidadãos, cabe aos
órgãos competentes mapear essas crianças, acolher elas e dar
a assistência assegurada na lei, nosso papel enquanto escola é

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receber essas crianças, educá-la e formar um cidadão crítico,


capaz de exercer seu papel na sociedade.
Nesse processo as informaremos, de modo que a au-
tonomia do pensar será trabalhada e consequentemente liber-
tará este ser da escuridão do mundo oprimido, aí se destaca o
papel da escola, claro que essa autonomia tem que ser resul-
tado de um trabalho orgânico entre o poder público, a esco-
la, a sociedade e a criança, contrário disso os resultados serão
comprometidos, em vez de autonomia, será mais um opressor
como coloca bem Freire (1987), onde explica que a mau forma-
ção do educando implica diretamente nos resultados, em vez
de sonhar com a autonomia, sonha em ser o opressor, porque
é oprimido, e este internaliza tais ações de modo que se condi-
ciona a fazer as mesmas ações num futuro bem próximo com
outras pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levantada as problemáticas das crianças em vulnera-
bilidade social, percebeu-se que o processo de entendimento
na realidade ou na prática é muito longe em relação aos mapas
que nos passam no decorrer das nossas informações cotidia-
nas, seja elas na escola ou em casa. Dentro dessa pesquisa a
dinâmica a partir da discussão entre a realidade, os teóricos e
as expectativas elevou a procurar uma saída em Paulo Freire,
porém algumas colocações regionalizadas tem que ser consi-
derada por se tratar de uma localidade, cujo o contexto históri-
co é bem novo em relação a nossa legislação.
Importante entendermos que o esperado aqui é dar
força para que esse tipo de pesquisa seja cada vez mais desen-
volvido entre acadêmicos, pesquisadores, e que reformulemos
padrões que atinjam esse público, mostrando para o poder pú-
blico a sua responsabilidade enquanto representantes da socie-
dade como um todo, para que venhamos recepcionar e incluir
as crianças que estão em situações de risco em toda a capital do
Amazonas.

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Conscientemente espera-se que este trabalho seja uma


dádiva no que diz respeito aos conteúdos de ciências humanas
e sociais e que venha somar para mais elaborações de pesquisa
dentro do campo científico, em especial as crianças. O resultado
é um processo a longo prazo que tem que ser analisado com
cuidado por se tratar de crianças.
REFERÊNCIAS
BARRETO, Maria. O jardim das imagens, a infância e suas
flautas sagradas. Universidade Federal do Amazonas, Manaus,
2012.
Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de
Educação Fundamental.Referencial curricular nacional para
a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF,
1998.
Brasil. Ministério da Educação Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação
infantil / Secretaria de Educação Básica. – Brasília : MEC, SEB,
2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários
à Prática Educativa / Paulo Freire, São Paulo, Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª. Ed. Rio de
Janeiro, paz e terra, 1987
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública:
pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Edições
Loyola, 1985.
Parâmetros curriculares nacionais : história, geografia/
Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília :MEC/SEF,
1997

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SALTINI, Cláudio J. P. Afetividade e inteligência. 5º ed.- Rio


de Janeiro: Wak Ed., 2008.
WALLON, Henri. Psicologia e educação da criança. Lisboa:
Veiga, 1979. Retirado de: http://www.pucpr.br/eventos/
educere/educere2005/anaisEvento/documentos/pal/PAL001.
pdf acesso em 10/03/2016.

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INFÂNCIA, BRINCADEIRAS E EDUCAÇÃO


EM ESPAÇOS DE VULNERABILIDADE
SOCIAL: UM ESTUDO A PARTIR DA
PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

MUBARAC SOBRINHO, Roberto Sanches1


Introdução:
Os estudos e pesquisas sobre a infância no Brasil, ain-
da representam um universo tímido se comparado a crescente
expansão das pesquisas com adultos nas diversas áreas, princi-
palmente nas Ciências Humanas e Sociais. Esse número ainda
se torna menor se olhado sob o ponto de vista dos estudos so-
bre as crianças na região amazônica2.
Logo, reconhecer esse universo próprio e singular das
crianças e as diversas características desses grupos sociais que
moram na cidade de Manaus, é poder adentrar aos seus mun-
dos cotidianos, a vida como elemento contextualmente situa-
do, como afirmam Berger e Luckmann (1985, p. 36).
O mundo da vida cotidiana não somente é tomado
como uma realidade certa pelos membros ordiná-
rios da sociedade na conduta subjetivamente dotada
de sentido que imprimem as suas vidas, mas é um
mundo que se origina no pensamento e na ação dos
homens comuns, sendo afirmado como real por eles.

Na visão de Freire (1987), a ação política junto aos


oprimidos tem de ser uma “ação cultural” para a liberdade.
1 Professor Adjunto da Universidade do Estado do Amazonas. Dou-
tor em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina.
2 Mubarac Sobrinho 2007.

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É como homens que os oprimidos têm de lutar e não como


“coisas”. O processo de desumanização coisifica os homens e,
portanto, lutar pela sua humanização é fazer com que estes dei-
xem de ser “coisas”. É precisamente porque reduzidos a quase
“coisas”, na relação de opressão em que estão, que se encontram
destruídos. Para reconstruir-se é importante que ultrapassem
esse estado de quase “coisa”.
Neste sentido, tomarei como base para os argumentos
aqui esboçados a pesquisa que foi realizada durante o período
de dois meses, junto a 06 crianças em situação de vulnerabili-
dade social, que fazem malabarismo e estão todos os dias em
uma rua do bairro Parque dez na cidade de Manaus-Amazo-
nas-Brasil, e um processo de observação durante um mes, que
se deu em uma escola da rede Estadual de Educação.
Durante o ano de 2015 foi realizado um processo de
entrada no campo, primeiramente no espaço onde as crianças
se encontravam e, posteriormente, na escola em que estuda-
vam, abrindo possibilidades de confrontamento entre as prá-
ticas pedagógicas desenvolvidas e a realidade do contexto de
vulnerabilidade social em que se encontram. Isso nos possibili-
tou o desvelamento de uma série de questões que transitam en-
tre o dito e o não-dito3 e nos fez entender de forma mais clara a
dimensão de situar contextualmente nosso estudo.
Essas incursões foram movidas pela possibilidade de
conhecer a realidade das crianças de forma mais aprofundada,
visando uma imersão nos seus universos infantis, o que con-
tribuiu para o reconhecimento desse grupo social da infância
e das crianças enquanto agentes sociais, pois “[...] pensar as
crianças sem tomar em consideração as situações da vida real
é despir de significado tanto as crianças como as suas acções”
(GRAUE; WALSH, 2003, p. 26).
Desta maneira, à medida que as leituras foram aflo-
rando e as vozes das crianças iam compondo o cenário da pes-
quisa, o contexto das discussões foi ganhando um contorno
3 Foucault (2007).

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cada vez mais aprofundado e uma série de desafios foram se


pondo no sentido de entender o que fazer com a grande quan-
tidade de “dados” acumulados no processo de ida aos “espaços
das crianças”.
Assim, efetivamente, a tentativa de compreensão das
implicações e efeitos da situação de vulnerabilidade social na
cultura e na linguagem das crianças deve considerá-los como
mecanismos formais e informais cujas capacidades geradoras
são ilimitadas. Parafraseando Bourdieu, passamos a evidenciar
que o uso que se faz da língua depende diretamente da distri-
buição dos capitais mobilizados e, por conseguinte, do acesso
à aquisição de outros elementos desses capitais e da própria
fração de classes da qual esses agentes fazem parte.
Porém, antes de entrarmos no escopo da pesquisa e
tentarmos trazer, a partir das vozes das crianças, essa violência
simbólica tão presente, e ao mesmo tempo ausente – pela su-
pressão das falas – , buscaremos fundamentar alguns conceitos
que iluminaram nossas análises e nos permitiram compreen-
der a ausência de relação entre os saberes das crianças e os sa-
beres da escola.
Algumas bases conceituais sobre Violência Simbólica,
Vulnerabilidade Social e a Educação Escolar
O tema da violência é bastante recorrente na literatu-
ra, tendo por muito tempo tido nas ciências da saúde, e mais
especificamente na psicologia, seus marcos balizadores. Po-
rém, o conceito de Violência Simbólica, que utilizaremos nesta
análise, é elaborado por Bourdieu para descrever o processo
pelo qual a classe que domina econômica e socialmente se im-
põe e reproduz seus mecanismos de ação, percepção e julga-
mento aos dominados. É um processo relacional, mas que tem
na reprodução a garantia da manutenção da estrutura social
dominante, efetivado pelo trabalho escolar.
Ao explicitar tais questões, Bourdieu nos alerta para
o desconhecido, pois mesmo diante de todo esse aparato que

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surge da ação escolar, o sentido das experiências das crianças


no modus operandi do grupo contribui, contrariamente, para
que muitas dessas imposições não se perpetuem na realidade e
na formação das crianças. Assim nos explica que:
Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer
que eu nada saiba de uma instituição acerca da qual
eu julgo saber tudo, porque ela é fora das suas rela-
ções com o todo […]. Isto terá como consequência
que quase sempre nos acharemos expostos à alterna-
tiva da análise intensiva de uma fração do objeto pra-
ticamente apreensível e da análise extensiva do objeto
verdadeiro. (BOURDIEU, 2007, p. 31).

O autor parte do princípio de que a cultura é arbi-


trária, uma vez que não se assenta numa única realidade, que
por sua vez é também arbitrária. Assim, o sistema simbólico
de uma cultura específica é uma construção determinada e sua
manutenção é fundamental para a perpetuação dessa socieda-
de, através da interiorização da cultura por todos os membros
da mesma, o que ele vai denominar de “Arbitrário Cultural”4.
Assim o uso da Violência Simbólica constitui-se fator funda-
mental para essa manutenção.
A violência simbólica como constrangimento pelo
corpo. Para que a dominação simbólica funcione é
necessário que os dominados tenham incorporado as
estruturas segundo as quais os dominantes os apreen-
dem; que a submissão não seja um ato de consciência
susceptível de ser compreendido na lógica do cons-
trangimento ou na lógica do consentimento (BOUR-
DIEU, 2007, p. 231).

Assim, ao focalizarmos o grupo das crianças em situ-


ação de vulnerabilidade social, constatamos que este problema
é ainda mais presente, pois o cotidiano das mesmas se distancia
muito mais do conteúdo do trabalho escolar. Na escola diz-se
que é importante estudar para ter uma profissão, para “ser al-
4 Bourdieu, 1998.

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guém na vida”. As crianças são tratadas na “rua” como mem-


bros ativos que participam das atividades e têm garantido seu
espaço de brincar e de partilhar as experiências do dia a dia. Já
na escola a imposição de regras e a definição de papeis sociais,
intensifica a negação da condição de serem diferentes.
A violência simbólica pode ser exercida por diferentes
instituições da sociedade: o Estado, a mídia, a esco-
la, etc. O Estado age desta maneira, por exemplo, ao
propor leis que naturalizam a disparidade educacio-
nal entre brancos e negros, como a Lei de Cotas para
Negros nas Universidades Públicas. A mídia, ao im-
por a indústria cultural como cultura, massificando a
cultura popular por um lado e restringindo cada vez
mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, ‘elitiza-
da’. (AZEVEDO, 2003, p. 04).

Para que se possa avançar na exposição das ideias deste


artigo, faz-se necessário trazer à tona o entendimento do que
seja vulnerabilidade social. De acordo com a CENPEC (2011):
(...) O conceito vulnerabilidade social se refere às si-
tuações em que agentes ou instituições não dominam
um conjunto amplo de recursos socialmente produ-
zidos que lhes permitiriam fazer frente às forças e
circunstâncias da sociedade que determinam suas vi-
das; aproveitar as estruturas de oportunidade criadas
pelo mercado, pelo Estado e pela sociedade; tomar
decisões voluntárias para satisfazer suas necessida-
des, desenvolver suas potencialidades e realizar seus
projetos. Sem esses recursos, agentes e instituições
tornam-se vulneráveis a riscos de naturezas diversas,
como econômicos, sociais, culturais, ambientais, etc.

Uma das formas mais eficazes de sair deste triste ce-


nário, é o aumento da escolaridade e da qualidade educacional
e cultural para esse segmento da população. Com uma melhor
e maior bagagem educacional e cultural as outras carências po-
derão ser suprimidas.
O pouco estímulo que resta ao aluno nesta condição
é enfraquecido pelo processor, que muitas vezes, até mesmo

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pela precária formação profissional que recebeu, utiliza como


metodologia de ensino, a transmissão passiva de conteúdos te-
óricos que devem ser mecanicamente memorizados por essas
crianças.
Neste sentido, um duplo paradoxo se apresenta na
realidade pesquisada o que norteou o processo de discussão do
texto, pois as crianças, nestes dois contextos, reproduzem, tra-
duzem e são produtoras de culturas infantis próprias. Logo, os
paradoxos podem ser assim caracterizados: um pela cultura da
escola ou cultura escolar, que as enquadra no “oficio5/invenção
do aluno6” e o outro, o cotidiano e as brincadeiras, que permite
que vivam de outra maneira a infância.
Segundo Forquim (1993, p. 167) a cultura escolar
representa “O conjunto de conteúdos cognitivos e simbóli-
cos que selecionados, organizados, ‘normalizados’, rotiniza-
dos, sob efeitos de imperativos de didatização, constituem
habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no
contexto das escolas.” Já ao caracterizar a cultura da escola
o autor afirma que “A escola é também ‘mundo social’, que
tem suas características de vida próprias, seus ritmos e seus
ritos, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de
transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de
símbolos”.
Este é um debate de extrema importância para o tra-
balho educativo, pois é no entrecruzamento da cultura escolar
e da cultura da escola, que podem ser efetivadas novas práticas
5 Perrenoud (1995) afirma que, idealmente, o ofício  de aluno inci-
ta-os a trabalhar para aprender. Na realidade, pede-se também às
crianças e adolescentes que trabalhem para estarem ocupados, para
transformarem textos, exercícios, problemas verificáveis, para serem
avaliados, para contribuírem para o bom funcionamento didático,
para tranquilizarem professores e pais..
6 Sacriatán (2005, p.p. 11 e 12), em suas críticas ao modelo escolari-
zante, afirma que “O aluno é uma construção social inventada pe-
los adultos ao longo da experiência histórica, porque são os adultos
(pais, professores, cuidadores, legisladores ou autores de teorias so-
bre a psicologia do desenvolvimento), que têm o poder de organizar
a vida dos não-adultos.”.

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educativas que possam se contrapor a uma visão homogenei-


zadora da infância, que tende a tranformar as crianças em alu-
nos. É a respeito deste primeiro paradoxo, que Sacristán (2005,
p. 14), ajuda-nos a pensar nesta “metaformose” empreendida
pela escola:
É possível instituir que, em torno da categoria aluno,
formou-se toda uma ordem social na qual se desem-
penham determinados papéis e se configura um modo
de vida que nos parece muito familiar porque estamos
acostumados a ele. Essa ordem propicia e “obriga” os
sujeitos nela envolvidos a serem de uma determina-
da maneira. Eles pensam, sentem, se entusiasmam, se
inibem e se relacionam, tem uma vida pessoal e fami-
liar, uma história, um convívio de vida e um futuro
[…] A evolução da infância como categoria social foi
delineada, primeiro, como o reconhecimento, a defi-
nição, o desenvolvimento e a avaliação da criança e,
subsequentemente, de acordo com as invenções dos
adultos para facilitar seu desenvolvimento.

Assim sendo, ao nos depararmos com esses dois espa-


ços paradoxais, é que descortinamos nossa caminhada, uma
viagem cheia de nuances, de imaginários, de representações,
de expressões do cotidiano, que deverão, aqui, ser mediadas
pelos pressupostos de várias ciências humanas e sociais, bus-
cando uma análise que não se cristalize na visão hegemônica
e homogeneizadora de mundo, e que busque se aproximar
do universo infantil, conferindo-se reconhecimento social,
o que nos exigiu uma “vigilância epistemológica”7 quase que
diuturna.
7 Bourdieu (2007, p. 58). “A objetivação da relação do sociólogo com
o seu objecto é, como se vê bem neste caso, a condição de ruptura
com a propensão para investir no objecto, que está sem dúvida na
origem do seu interesse pelo objecto. É preciso, de certo modo, ter-
-se renunciado à tentação de se servir da ciência para intervir no ob-
jecto, para se estar em estado de operar numa objectivação que não
seja a simples visão redutora e parcial que se pode ter, no interior do
jogo, de outro jogador, mas sim a visão global que se tem um jogo
passível de ser apreendido como tal porque se saiu dele”.

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Vozes das crianças: uma fronteira entre a Cultura da


Infância e a Violência Simbólica
Começamos por ouvir as crianças acerca de dois ele-
mentos que consideramos essenciais para compreender os seus
jeitos de viver a infância: o ser criança e o brincar. Logo, sob o
ponto de vista das crianças, a infância e o ser criança podem
assim definidos:
“Ser criança é muito bom, nós podemos correr, brincar,
fazer um monte de coisas...” (Joãozinho, 09 anos)8.

“Eu gosto de ser criança, de ser menino, já estou tra-


balhando pois quero ser um bom homem” (Pedrinho,
7 anos).

“É bom ser criança por que a gente não tem que ter
filho, só de brincadeira” (Mariazinha, 9 anos).

Uma análise mais detalhada que se prenda em deter-


minados trechos das falas das crianças nos conduzirão ao des-
velamento mais específico dessa transição entre os processos
vividos no espaço familiar e os elementos da “cultura da rua”.
A educação neste sentido é entendida como uma ação que ul-
trapassa os espaços escolares e se efetiva como a totalidade das
experiências vivenciadas pelas crianças nos diversos contextos
em que convivem.
Um exemplo bem claro dessa situação pode ser visto
na fala de (Pedrinho, 07 anos), principalmente quando nos
diz: “...já estou trabalhando pois quero ser um bom homem”.
Com essa afirmação aparece muita marcada a relação de po-
der que se estabelece em nossa sociedade onde os adultos de-
terminam o que as crianças têm que fazer. Logo, trabalhar
nessa visão, é a condicao fundamental para se tornar um
“bom homem”.
É importante, porém, destacar que há algumas ativi-
dades em que as crianças não podem fazer, pois o espaço na
8 Os nomes utilizados na pesquisa são fictícios para se manter a inte-
gridade física das crianças.

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rua não permite devido a insegurança. Logo elas vivenciam


essas atividades de longe, mas as reinventam como maneiras
de representá-las. A forma de concretizar essa relação está no
caráter de simbolizar e ressignificar para poder fazê-las, mas de
fato elas não participam.
Para Bourdieu (2007, p. 10):
Os símbolos são os instrumentos por excelência da
integração social enquanto elementos de conheci-
mento e de comunicação [...] eles tornam possível
o consensus acerca do sentido do mundo social que
contribui fundamentalmente para a reprodução da
ordem social: a integração lógica é a condição da in-
tegração moral.

Assim, a infância, para as crianças é um grande uni-


verso de aprendizagens, de escolhas e, sobretudo, de possibi-
lidade de viver as mais diversas expressões do seu cotidiano.
Apesar do estado de grande pobreza pela qual passam e pelas
precárias condições de vida, elas fazem desses lugares “espaços
de aprendizagens”, que são totalmente desconsiderados pela
escola.
As brincadeiras, neste sentido, são espaços educativos
riquíssimos que representam a maneira como as crianças con-
cebem esse “entre-lugar”9 e buscam a partir de suas próprias
formas de reinventar as situações vividas, ou seja, as suas cul-
turas da infância. A respeito de suas brincadeiras, assim nos
expressaram:
“A gente brinca de um monte de coisas, de bola, de
ônibus, de dinheiro, mas só não dá pra brincar muito
quando tá chovendo” (Zezinho, 10 anos)

“Brincar é muito bom, a gente passa o dia brincando e


fazendo um monte de coisa, e ainda ganha um dinhei-
rinho pra ajudar em casa” (Luizinho, 11 anos).

“Quando a gente brinca também leva a vida a sério,


porque a gente tem que se cuidar...” (Paulinho, 09 anos)
9 Bhabha (1998).

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O que é teoricamente inovador e politicamente crucial


é a necessidade de passar além das narrativas de sub-
jetividades originárias e iniciais e de focalizar aqueles
momentos ou processos que são produzidos na arti-
culação de diferenças culturais. Esses “entre-lugares”
fornecem o terreno para a elaboração de estratégias
de subjetivação – singular e coletiva – que dão início
a novos signos de identidade e postos inovadores de
colaboração e contestação, no ato de definir a própria
idéia de sociedade. (BHABHA, 1998, p. 20).

As diversas brincadeiras que acompanhamos e brin-


camos com elas nos remetem a uma dupla possibilidade de ver
a realidade: tanto são vivenciados os elementos das culturas in-
fantis, como situações presentes no cotidiano do espaço urba-
no da rua na qual se encontram. Um exemplo bem ilustrativo
e que representa todo um contexto imaginário e imagético cer-
cado dos elementos da sociedade circundante, é a brincadeira
de ônibus. Esta representa, de forma muita explicita a “inva-
são” da cultura adulta, ressignificada pelas crianças no ato da
brincadeira, mas muito arraigada aos modos de ser da socie-
dade, situação que influi para o adensamento dos costumes da
cidade na forma de viver a infância dessas crianças.
As crianças para realizarem essa brincadeira, costu-
mavam pegar um banco de madeira bem comprido que é uti-
lizado pelos adultos para ficarem sendado nos horarios de me-
nor tráfego. Além do banco são utilizados também um volante
velho que elas encontraram no lixo e um pedaço de pau que
serve como marcha para o “veículo”. As funções vão variando
de acordo com o número de crianças que brincam e, muitas
vezes, pela idade de quem está brincando.
Para ser o motorista precisa ser uma das crianças de
maior idade que esteja participando, pois segundo elas “quem
dirige o ônibus é um homem de cabelo branco…” (Paulinho, 09
anos). O motorista assume um papel de autoridade, aquele que
pode dirigir, comandar, levar os demais, por isso precisa ser
alguém mais velho.

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Encontramos aqui presente, a questão do autoritaris-


mo, um elemento bem comum em nossa sociedade e também
na escola, onde os adultos são superiores as crianças e possuem
autoridade para definir o que devem fazer, eles mandam e as
crianças obedecem. Há neste caso um choque, uma contradição
ao mesmo tempo latente e presente no processo de constituição
das crianças e a brincadeira representa esse “lugar de fronteira”.
Essa brincadeira reflete bem a “circularidade”, o “in-
terstício” (BHABHA, 1998), pois, mesmo não tendo contato di-
reto com outras crianças do bairro, já que elas brincam sempre
entre elas mesmas, suas brincadeiras transitam entre esses dois
“mundos”, construindo um “universo simbólico” 10 que se apre-
senta de forma bastante densa nas formas como elas lidam com
a vida cotidiana dos dois espaços. Ao mesmo tempo mantem-se
um elemento da cultura infantil e vive-se algo eminentemente
presente na cultura da sociedade adulta.
As outras crianças que participam da brincadeira vão
atrás como passageiras. São as menores, aquelas que serão “le-
vadas ao seu destino”. Precisam ser conduzidas. Elas represen-
tam essas funções de forma muito peculiar, inclusive criando
nomes para os lugares onde o ônibus irá parar. Nomes que só
existem nos seus imaginários. O dinheiro, por exemplo, são fo-
lhas de árvore e, de acordo com o tamanho de cada folha, vale
mais ou menos.
Para Elias (1994, p. 144):
A relação entre os símbolos e os objetos que repre-
sentam não é, necessariamente, idêntica em todos os
casos. No caso da simbolização lingüística, esta é di-
ferente daquelas que encontramos na relação entre os
modelos teóricos e os objetos que eles representam.

Pensar esse espaço das brincadeiras como fundamen-


tal para a construção de uma cultura coletiva é sem dúvida uma
10 Segundo Elias (1994, p. 07) “[...] a constituição dos seres humanos
exige que os seus produtos culturais sejam específicos da sua própria
sociedade”

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tarefa de importância ímpar, pois as crianças parecem compre-


ender de forma muito clara a constituição objetiva do espaço.
Brincar é uma “performance”11 que se remete diretamente às
atividades diárias vividas pelos adultos e possibilita às crian-
ças interferirem nessa realidade de forma dialógica e relacional
(BOURDIEU, 2007), construindo papeis sociais nos quais as
suas formas de interpretar a realidade apresentam-se, inclusi-
ve, como expressão de seus questionamentos sobre os deter-
minismos frente às suas possibilidades de enfrentamento do
mundo.
O desvelamento dessa moldura imperfeita da infância
– como fez Bourdieu ao criticar fortemente o sistema francês
– contribui para reconhecermos que os problemas sociais não
devem pesar sobre as costas das crianças, culpabilizando-as
dos seus “fracassos”12. Há de se perceber os diversos condicio-
nantes simbólicos que interferem na formação desses agentes
sociais, que impregnados pelo “habitus”, reiteram a perpetua-
ção dessa sociedade anacrônica e cada vez mais desigual.
Habitus não é destino. Habitus é uma noção que me
auxilia a pensar as características de uma identidade
social, de uma experiência biográfica, um sistema de
orientação ora consciente ora inconsciente. Habitus
como uma matriz cultural que predispõe os indiví-
duos a fazerem suas escolhas. Embora controvertida,
creio que a teoria do habitus me habilita a pensar o
processo de constituição das identidades sociais no
mundo contemporâneo. (BOURDIEU, apud SET-
TON, 2002, p. 02).
11 A performance se situa num contexto ao mesmo tempo cultural e
situacional: nesse contexto ela aparece como uma ‘emergência’, um
fenômeno que sai desse contexto ao mesmo tempo em que encontra
lugar. Algo se criou, atingiu a plenitude e, assim, ultrapassa o curso
comum dos acontecimentos (ZUMTHOR, 2007, p.31).
12 Kramer (2003) trabalha essa questão ao criticar o modelo de edu-
cação compensatória fortemente implementada no Brasil no regime
militar e que culpava as crianças e suas famílias pelos seus fracassos,
esquivando a escola e o poder público de suas responsabilidades so-
ciais.

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Logo, as crianças têm negadas, pelo trabalho edu-


cativo desenvolvido pelas escolas, as suas formas de se rela-
cionar com o mundo e são levadas a culpabilizarem-se por
serem diferentes, pois o modelo escolar não considera os ele-
mentos de sua cultura como componente da cultura escolar
nem, muito menos, da cultura da escola13. Nestas situações,
apresentam-se claramente casos bem típicos de Violência
Simbólica.
Sob esse foco, a educação escolar funciona como re-
produtora da estrutura de poder contribuindo para a submis-
são presente na condição dos indivíduos. Pode-se dizer que as
crianças, na lógica da escola, não possuem capital simbólico e
capital cultural, já que suas possibilidades de investir na educa-
ção são mínimas, devido a sua condição cultural e de vida. Por-
tanto, sob tal perspectiva, o discurso da igualdade no sistema
capitalista é praticamente inexistente, ou seja, uma prova viva
do poder da Violência Simbólica.
Considerações finais
As leituras das obras e o confrontamento – ainda que
apenas levando-se em consideração poucos elementos – do
cotidiano da pesquisa realizada com as crianças, permite-nos
afirmar que as análises feitas por Bourdieu são extremamen-
te viáveis para nossa realidade educacional, contribuindo para
que consigamos enxergar as atuais estratégias que têm provo-
cado uma desqualificação das diferenças culturais. É preciso
promover espaços de discussão que desvelem tais papeis, con-
tribuindo dessa forma para a consolidação de um sistema es-
colar menos fantasioso, que se pauta numa lógica de objetivos

13 De acordo com Forquin (1996) não se deve confundir cultura es-


colar com cultura da escola, pois elas, apesar de estarem imbricadas,
representam elementos teóricos distintos no processo de entendi-
mento da organização do trabalho escolar. Para o autor a cultura da
escola deveria alavancar um processo de mudança na cultura esco-
lar, caso valoriza-se as experiências sociais que permeiam a escola e
as diversidades que constituem o mundo cotidiano que a cerca.

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proclamados, mas, no dia a dia, conspira para o enfraqueci-


mento da educação enquanto possibilidade social de melhoria
da estrutura vigente.
Para Freire (1987, p. 16) a busca pelo autonomia re-
presenta uma grande luta:

E esta luta somente tem sentido quando os oprimi-


dos, ao buscar recuperar sua humanidade, que é uma
forma de criá-la, não se sentem idealistamente opres-
sores, nem se tornam, de fato, opressores dos opres-
sores, mas restauradores da humanidade em ambos

Perceber o cotidiano das crianças – através da pesqui-


sa realizada – como engendrador de práticas sociais e culturais
reais, permite o desvelamento das estratégias de “conversão e
reconversão” das estruturas sociais de dominação, através da
ação escolar, que, integrada a uma visão crítica da realidade,
pode contribuir para a construção de um projeto de escola que
se proponha a lutar pela consolidação de uma sociedade de-
mocrática pautada na diversidade.
É nessa possibilidade de transgressão que se susten-
ta nossa análise acerca do trabalho educacional, da formação
docente e nas representações da infância, pois entender que
as crianças possuem uma conjuntura social diferenciada, não
deve reduzi-las a condição de expropriadas sob a forma de
“Habitus”. Muito pelo contrário, contribui para a afirmação da
possibilidade de sedimentação de um outro lócus com elas e
para elas. Pois para Bourdieu (2001, p. 21):

O espaço de posições sociais se retraduz em um es-


paço de tomada de posições pela intermediação do
espaço de disposições (ou do Habitus); ou, em outros
termos, ao sistema de separações diferenciais, que de-
finem as diferentes posições [...] do espaço social cor-
responde um sistema de separações diferenciais nas
propriedades dos agentes [...], isto é, em suas práticas
e nos bens que possuem.

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Assim, reforçamos nosso entendimento de que as


coisas são, e ao mesmo tempo não são da forma como apare-
cem a nós. Essa possibilidade rigorosa de análise e percepção
da sociedade e da educação, proposta por Bourdieu, é um dos
pontos fundamentais para continuarmos acreditando na trans-
formação social. Por isso, ainda que introdutoriamente – como
relatado neste texto e vivenciado em nossa experiência –, as
práticas educativas com as crianças devem compor o cotidiano
das instituições de ensino com mais frequência, o que tende a
contribuir para a construção de novas estratégias de enfrenta-
mento a esse modelo de sociedade que uniformiza as crianças
e, consequentemente, todos os seus membros.
Nessa perspectiva, apoiamo-nos nas palavras de
Bourdieu (1999, p. 183) para reforçar essa importância:
Tudo leva a crer que um brusco desligamento das
oportunidades objetivas com relação as esperanças
subjetivas sugeridas pelo estado anterior das opor-
tunidades objetivas é de natureza a determinar uma
ruptura na adesão que as classes dominadas- subi-
tamente excluídas da corrida, de forma objetiva e
subjetiva- atribuem aos objetivos dominantes, até ao
tacitamente aceitos, e, por conseguinte, tomar possí-
veis a invenção ou a imposição dos objetivos de uma
verdadeira ação coletiva.

Os caminhos não estão prontos, pelo menos os que


queremos, pois as práticas cristalizadas estão aí para continua-
rem sendo reproduzidas, mas não é por elas que queremos se-
guir. Fazer novas opções é revestir de significado a ação docen-
te do trabalhado educativo e do entendimento da realidade das
crianças, como possibilidade de construção de metodologias
de pesquisa e de práticas educativas que possam visualizar as
peculiaridades da infância ao ouvir e escutar as crianças. Os
desafios são muitos, mas vale à pena lutar para alcançá-los. As
crianças, nas suas mais diversas formas de visibilidade, apesar
de um grande movimento histórico que as invisibilizou, cla-
mam por isso.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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AUTONOMIA E REFLEXÃO NA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR EM SERVIÇO:
DESCONSTRUINDO EQUÍVOCOS E
PROPONDO POSSIBILIDADES

MARINHO, Bruna Ramos


Introdução
As rápidas transformações tecnológicas da sociedade
capitalista têm apontado para as instituições responsáveis pela
educação uma demanda pela formação de indivíduos capazes
de responder às exigências dessa sociedade e adaptarem-se às
suas constantes transformações tecnológicas. Tomando o con-
texto brasileiro como foco, essas exigências provocaram uma
discussão sobre a necessidade da adequação dos cursos de li-
cenciatura os quais deveriam preparar os futuros professores
aptos a desenvolver suas práticas pedagógicas de modo rápido
e eficaz sob as demandas complexas do seu dia a dia.
Na década de 1990, a abordagem de formação de pro-
fessores denominada Professor Reflexivo surgiu como uma
das principais referências para formar tais profissionais dese-
jados. Fizemos parte de projetos que propunham essa aborda-
gem como resposta à necessidade de formar professores que
resolvem os problemas de prática. Essa abordagem propunha a
formação de um profissional autônomo capaz de responder às
constantes necessidades que a prática pedagógica demanda. O
eixo epistemológico dessa abordagem é a própria experiência
do profissional. Isso significa que a experiência seria o ponto
de partida e o ponto de chegada para a construção de conheci-
mento a fim de responder aos dilemas cotidianos do seu traba-

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lho. Por meio de um processo de reflexão sobre a ação, segundo


tal perspectiva, o docente poderia compreender os elementos
presentes em sua prática, o modo como eles se configuram e
deflagram determinado resultado. Com base nisso, o professor
teria condições de refazer o percurso de sua prática e redirecio-
nar suas ações, propondo transformação à sua prática pedagó-
gica. A reflexão sobre a ação seria o esteio para a configuração
de uma “práxis pedagógica”.
Atuávamos ao longo de uma década em escolas da
rede oficial de ensino e, também, em escolas particulares. O
contato com os dilemas enfrentados pelos professores que
trabalhavam nessas escolas na prática pedagógica apontou a
necessidade de se produzir um contexto de investigação e re-
flexão, a fim de construir propostas que atendessem às neces-
sidades específicas dos docentes ao trabalhar em espaços com-
plexos como são as escolas. Tais necessidades, especificamente,
referiam-se a problemas como o mau desempenho acadêmico
dos alunos, desinteresse pelos estudos, baixa frequência esco-
lar, indisciplina, violência, entre outros. Assim, tendo em vista
essa situação, nosso projeto de pesquisa de doutoramento ini-
cialmente propunha-se a pensar essa prática dos professores
tendo como produtores de conhecimento os próprios docentes
e, como contexto de produção desse conhecimento, a escola.
Como subsídio teórico-metodológico selecionamos a
abordagem de formação de professores Professor Reflexivo, de
Donald Schön. Naquele momento, essa abordagem mostrava-
-se congruente com objetivo proposto, uma vez que tem como
eixo epistemológico a experiência, isto é, a prática pedagógica
do professor e não “as distantes teorias das universidades”. Para
essa abordagem, a partir da prática, o conhecimento é produ-
zido para atender às necessidades e aos dilemas criados pelas
complexas demandas da sala de aula diariamente. Para que se
desse a produção do conhecimento, como procedimento de
reflexão, foi pensada a construção de um espaço de escuta, ou
seja, um espaço de reflexão acerca da experiência na escola

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em que as questões, os problemas vivenciados pelos docentes


são compartilhados e analisados, para então, voltar à prática
e reconstruí-la. Este espaço seria um momento na jornada de
trabalho dos docentes nos quais eles pudessem parar e refletir.
A abordagem do Professor Reflexivo ofereceria o su-
porte tanto teórico quanto metodológico para conduzir tal re-
flexão, uma vez que considera como referência a experiência
para a produção de um conhecimento, com vistas à transfor-
mação da realidade, da prática pedagógica e do próprio profes-
sor. Vale apontar que, para produção de tais transformações, a
consciência unicamente com base em tal experiência é consi-
derada autossuficiente para reelaborar tal realidade. Assim, se-
gundo essa perspectiva, ao docente seria proporcionada maior
autonomia porque nesse processo haveria uma produção de
conhecimento regida e desenvolvida pelo próprio docente.
No entanto, não houve adesão dos professores, e um
novo caminho foi traçado, ou seja, deflagrou-se outro objeti-
vo e embasamento teórico-metodológico, tendo em vista que a
resposta que desejávamos buscar seria outra: por que o profes-
sor não quer refletir para produzir um conhecimento mais
afinado com suas necessidades de sala de aula, se ele diaria-
mente resiste às teorias “universitárias” e sofre os problemas
da escola de modo solitário? Ele não está consciente dos pro-
blemas que o afligem?
Até aquele momento, nós acreditávamos que bastava
querer refletir que a transformação da prática pedagógica ocor-
reria. Nosso entendimento era ingênuo a ponto de pensar que
a transformação poderia ser viabilizada tendo como condução
a sua própria consciência acerca do seu trabalho, como se tal
consciência, então, fosse independente das relações sociais as
quais o indivíduo está submetido. Dito de outra forma, isso
significava acreditar que cada indivíduo é capaz de compreen-
der, representar e analisar o real de modo que, independente de
quaisquer relações, houvesse uma coincidência entre realidade
e consciência. Pensar, refletir, para nós que estávamos tão acos-

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tumados aos conceitos do Professor Reflexivo, era quase que


um processo súbito de iluminação da consciência.
Ao nos deparar com o problema de os docentes não
aderirem à reflexão, começamos uma discussão com o orienta-
dor, com as teorias que tínhamos contato, com diversos outros
pesquisadores. Foi quando nos encontramos com a epistemo-
logia Marxiana que, de maneira consistente e num processo
bastante árduo de estudos nos respondeu aos questionamentos,
trazendo uma nova visão acerca da educação, além de novos
contextos de vida, uma vez que até mesmo o relacionamento
com o orientador teve de ser rompido e a formação recebida até
então, superada.
O objetivo da nova pesquisa passou a ser analisar, à luz
da epistemologia marxiana, representada pela Psicologia Histó-
rico-Cultural e pela Pedagogia Histórico-Crítica, os limites da
abordagem do professor reflexivo como produtora de conheci-
mentos para transformação da prática pedagógica docente. O
pressuposto que conduziu o estudo dessa abordagem é que estra-
tégias de formação que buscam a transformação da experiência
sem atentar para uma análise dos condicionantes oriundos das
(contraditórias) relações sociais que permeiam a vida dos indiví-
duos e, por consequência, suas formas de pensar e agir, têm re-
duzidas chances de se firmarem como instrumentos reflexivos a
serviço da transformação da experiência, da prática pedagógica.
Para compreendermos a razão disto, na próxima se-
ção, vamos tratar em linhas gerais do que propõe a abordagem
de formação de professores PROFESSOR REFLEXIVO e, na
seção seguinte, das razões, dos fundamentos que embasam tal
pressuposto. Não temos a pretensão de esgotar todos os funda-
mentos e estamos cientes de que o espaço não permite tamanho
aprofundamento. Contudo, neste artigo, pretendemos esboçar
o entendimento a partir de que categorias poderemos para pen-
sar abordagem de formação de professores, se desejarmos que
ela cumpra o papel de possibilitar uma transformação da práti-
ca pedagógica e construção de um pensar crítico.

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O contexto do Professor Reflexivo


Campos (1996, p.15-16) afirmou que historicamente
os modelos de abordagem da educação têm sido elencados a
partir da desmontagem do Estado, de desenvolvimento da cri-
se econômica e do desemprego, e, por consequência, de des-
truição dos direitos sociais e trabalhistas. Embora os discursos
oficiais apontem para a educação como um direito universal
assegurado pelo Estado, concretamente, o que tem sido de-
flagrado é um processo de defesa da noção do privado. Isso
significa que os problemas encontrados em tais contextos dei-
xam de ser considerados no âmbito público para serem consi-
derados como problemas cuja resolução depende da iniciativa
individual. Esse modo de compreender as relações sociais das
esferas políticas e econômicas no nível individual terá reflexos
na educação.
Receberam críticas as abordagens de formação de
professor nas universidades brasileiras que não se alinharam a
esse fluxo de resolução de problemas no nível individual. As-
sim, em tais críticas, apontou-se que as universidades privile-
giavam a formação teórica em detrimento da formação prática
e, assim, a concepção da prática, levada a um segundo plano,
restringia-se ainda a um “mero espaço de aplicação de conhe-
cimentos teóricos, sem um estatuto epistemológico próprio.”
(PEREIRA, 1999, p. 112). Era preciso valorizar a prática, por-
tanto, era preciso empoderar o professor.
Correspondendo a essa necessidade, nos anos de
1980, Donald Schön, professor do Massachusetts Institute of
Techonology, nos Estados Unidos, com a abordagem do Pro-
fessor Reflexivo, tornou-se um novo parâmetro na formação do
professor cujo entendimento está baseado na concepção do en-
sino como atividade reflexiva. No Brasil, o trabalho de Schön
será amplamente conhecido a partir de 1990, com a publica-
ção do livro Os professores e a sua formação, organizado por
Antonio Nóvoa, com a contribuição de Schön e autores como
Pérez-Gómez e Zeichner.

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Não vamos nos estender às características da aborda-


gem do Professor Reflexivo, ainda assim, destacamos alguns
pontos que embasam esta abordagem.
A construção do professor reflexivo
A orientação de Schön acerca do professor reflexivo e
da reflexão sobre a prática parte de seus estudos da obra de De-
wey e Polanyi. Respectivamente, os autores embasam a valori-
zação da experiência e do conhecimento tácito para a constru-
ção de uma epistemologia da prática. Para os estudiosos dessa
abordagem, o saber do professor é calcado na sua experiência,
uma vez que os conhecimentos teóricos recebidos na sua for-
mação na universidade não conseguem abarcar as complexida-
des de sua prática.
A realidade social não se deixa encaixar em esquemas
preestabelecidos do tipo taxonômico ou processual.
A tecnologia educativa não pode continuar a lutar
contra as características, cada vez mais evidentes, dos
fenômenos práticos: complexidade, incerteza, insta-
bilidade e conflito de valores. Os problemas da prá-
tica social não podem ser reduzidos a problemas me-
ramente instrumentais, em que a tarefa profissional se
resume a uma acertada escolha e aplicação de meios
e procedimentos. De um modo geral, na prática não
existem problemas, mas situações problemáticas, que
se apresentam frequentemente como casos únicos que
não se enquadram nas categorias genéricas identifica-
das pela técnica e pela teoria existentes. (PÉREZ-GÓ-
MEZ, 1997, p.99-100; grifos do autor).

Por tal razão, estratégias como reflexão na ação e refle-


xão sobre a ação, nesta abordagem, ganham o estatuto de con-
ceitos. O argumento dos defensores do Professor Reflexivo é
que o conhecimento teórico, valorizado nas universidades e na
escola, constitui um impedimento para a construção da auto-
nomia do professor e do aluno. Desta forma a reflexão na ação
e a reflexão sobre a ação empoderam o professor, tornando-o

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autônomo em relação ao conhecimento teórico típico das uni-


versidades.
Nas palavras de Pérez- Gómez (1997):
Quando o professor reflecte na e sobre a ação con-
verte-se num investigador na sala de aula: afastado da
racionalidade instrumental, o professor não depende
das técnicas, regras e receitas derivadas de uma teo-
ria externa, nem das prescrições curriculares impos-
tas do exterior pela administração ou pelo esquema
preestabelecido no manual escolar. (p.106;grifos no
original).

A aplicação da proposta de valorização e desenvolvi-


mento do saber prático deflagra algumas consequências para a
relação com o conhecimento, para o ensino e para a aprendiza-
gem, ou seja, tanto para a formação do professor quanto a do
seu aluno. Em relação ao conhecimento, há uma legitimação
da superioridade do saber não-científico em detrimento do
conhecimento/da teoria. Essa abordagem partilha do mesmo
entendimento que as pedagogias escolanovistas, uma vez que
o foco das atividades pedagógicas não está na transmissão do
conhecimento, mas apenas no processo de construção de co-
nhecimento. Na formação do professor, isso resultaria numa
formação não centrada na apropriação teórica, mas apenas na
prática, na ação.
Como consequência dessa valorização do processo
e a desvalorização do conhecimento, a universidade (e a es-
cola) torna-se apenas um locus fornecedor de técnicas e sa-
beres limitados às necessidades e imposições do “mercado de
trabalho”, da sociedade capitalista. Isso porque, centradas no
processo, o intuito dessas pedagogias não corresponde a uma
preocupação com a formação do indivíduo, mas na sua capa-
cidade de aprender aquilo que seja útil à vida social, às exi-
gências do mercado. Diante do exposto, diferentemente do
que intencionam essas pedagogias – denominadas por Duarte
(2010) de pedagogias do aprender a aprender – elas não pro-

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duzem autonomia intelectual ou espírito crítico, que seriam os


objetivos da educação. Ao contrário, o que elas produzem é um
indivíduo vazio e adaptável às mudanças que exigem a socieda-
de (DUARTE, 2003, p. 604).
Todos estes exemplos ilustram a diferença entre o que
eu e Jeanne Bamberger designamos por representa-
ções “figurativas” e “formais”. As figurativas implicam
agrupamentos situacionais, contextualizados: as rela-
ções que se estabelecem na maior proximidade possí-
vel das experiências quotidianas. As formas implicam
referências fixas, tais como linhas, escalas, mapas com
coordenadas, medidas uniformes de distância: numa
palavra, o saber escolar. Através da reflexão-na-ação,
um professor poderá entender a compreensão figu-
rativa que um aluno traz para a escola, compreensão
que está muitas vezes subjacente às suas confusões e
mal-entendidos em relação ao saber escolar. Quan-
do um professor auxilia uma criança a coordenar as
representações figurativas e formais, não deve consi-
derar a passagem do figurativo para o formal como
um “progresso”. Pelo contrário, deve ajudar a criança
a associar estas diferentes estratégias de representação
(SCHÖN, 1997, p. 85).

Um professor formado pelos moldes da universidade


trabalha em sala de aula com base num conhecimento - conhe-
cimento escolar – que, para Shön (1997) impede que o profes-
sor dê voz aos alunos. Ele propõe que, tanto para a formação
do professor quanto para o ensino, na escola, com os alunos,
haja a possibilidade de valorização do conhecimento figurativo
ou situacional. Ao contrário do que pensam os defensores da
abordagem do Professor Reflexivo, na perspectiva da Pedago-
gia Histórico-Crítica, o conhecimento que não é embasado na
teoria, nos métodos científicos é tido como limitante, uma vez
que não permite ao indivíduo o desenvolvimento de uma re-
lação teórica com a realidade, uma relação que transcenda as
aparências, o imediatismo da representação da realidade a par-
tir da percepção sensorial, a percepção a que está submetido

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o conhecimento empírico, experiencial. Portanto, este conhe-


cimento empírico está distante de embasar a escola na sua ta-
refa de alcançar sua finalidade: desenvolver as potencialidades
máximas do indivíduo.
Em síntese, quando Shön defende o saber figurativo, o
que ele parece desconhecer é que não é qualquer conhecimento
que pode produzir o desenvolvimento do aluno, mas, para isso
acontecer, é necessário que o aluno se aproprie dos sistemas de
conhecimentos e habilidades e das “formas e operações gerais
da atividade intelectual que se encontrem na sua base” (DAVÍ-
DOV; MÁRKOVA, 1987, p. 181; tradução nossa). É necessário
que o indivíduo se aproprie dos conhecimentos historicamente
produzidos e objetive-se neles, desenvolva suas capacidades. O
que desejamos enfatizar com isso é que só há uma um conheci-
mento que pode desenvolver suas capacidades, que pode alar-
gar a compreensão do mundo que é este que Shön valoriza - o
sensorial, o figurativo, mas o teórico, o conceitual.
Destacamos que o ensino tem a responsabilidade e é
a forma necessária para transcorrer o desenvolvimento inte-
lectual, pois, como veremos na próxima seção, esse desenvol-
vimento possui uma natureza histórico-cultural concreta. Tal
natureza implica que seus processos e as características são de-
terminados pelo “sistema de organização e pelos procedimen-
tos de transmissão ao indivíduo da experiência social” ( p.180).
Expusemos alguns breves pontos sobre a abordagem
do Professor Reflexivo, discutindo-os à luz da Epistemologia
Marxiana. Na próxima seção, apontaremos os pressupostos
teóricos que nos embasaram nesse olhar.
Uma abordagem histórica da formação do indivíduo
Tendo em vista que a compreensão do fenômeno es-
tudado, que aqui se localiza na educação, requer antes uma de-
finição do que é o ser humano.
Partindo do pressuposto marxista que compreende o
homem como um ser social, considera-se, então, que a “essên-

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cia humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singu-


lar”, mas ao “conjunto das relações sociais” (MARX; ENGELS,
1989). Entendemos com isso que o “tornar-se humano”, por-
tanto, significa que cada indivíduo deve apropriar-se dos (e ob-
jetivar-se nos) objetos, conhecimentos, valores, enfim, da (na)
cultura produzida historicamente e socialmente (pelo conjun-
to de homens). Sem isso, pertencemos à espécie humana, ao
Homo sapiens, mas não ao gênero humano.
Não há como dissociar a formação do indivíduo do
conjunto das relações sociais, pois o processo de humanização
de cada indivíduo ocorre sempre numa dinâmica em que ele
internaliza os elementos da cultura ao mesmo tempo em que
se objetiva nela, ou seja, transforma-se subjetivamente, fazen-
do dessas objetivações órgãos da sua individualidade, ou seja,
desenvolva suas potencialidades.
Para isso, é fundamental não só o contato do indiví-
duo com o mundo circundante, mas também a presença da
comunicação, i.e., da mediação de outros seres humanos: da
família, das pessoas que o cercam. Esse é, pela sua função, um
processo de educação, pois, por meio dele, o indivíduo inse-
re-se na história, universaliza-se, constituindo nesse processo
a sua individualidade. Não estamos nos referindo somente à
educação escolar, que é uma forma de educação sofisticada,
mas a toda forma de relação, de experiências no seu dia a dia,
desde o nascimento quando as pessoas do seu entorno propor-
cionam a ele a aquisição de conhecimentos, hábitos, valores,
linguagem, de forma que este indivíduo possa fazer parte do
seu tempo, em sua relação com os mais próximos até com sua
sociedade, seu país.
Com isso, queremos destacar que o desenvolvimento
de cada indivíduo se realiza “ no interior das relações sociais
concretas e históricas, nas quais cada ser humano está inseri-
do” (DUARTE, 2013, p. 111). E a razão pela qual destacamos
tal característica é que, no contexto das sociedades capitalis-
tas, o modo se dá esse desenvolvimento, ao mesmo tempo que

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propicia ao indivíduo a apropriação de sua genericidade (fazer


parte da cultura humana, tornar-se humano), também traz em
seu bojo a impossibilidade de ele se objetivar em suas máximas
potencialidades, uma vez que essa apropriação tem ocorrido
mediada por circunstâncias sócio-históricas que envolvem
luta de classes. O que nos faz pensar que objetivações tais como
a ciência, a arte, a educação, a filosofia, a política estão distan-
tes da maioria das pessoas, dada, principalmente, quando nos
remetemos à desigualdade social.
Existe, portanto, uma relação entre a riqueza do mun-
do material e o nível ou o descompasso com a riqueza sub-
jetiva do indivíduo. É neste ponto que passamos a tratar do
trabalho e sua relação com a produção de uma individualidade
que pode ser alienada ou de uma individualidade portadora do
desenvolvimento das possibilidades máximas da subjetividade.
Trabalho: fundamento ontológico do ser humano
Como vimos, são centrais para pensar a formação do
ser humano, da sua humanização, as categorias apropriação e
objetivação. Marx considera que a dinâmica apropriação/obje-
tivação é um dos motores principais do desenvolvimento his-
tórico (MÁRKUS, 1974, p. 37). Isso porque essa dinâmica é
tomada como característica essencial da relação humana na
produção da vida material, na atividade vital humana.
Marx (1984, p. 153) define trabalho como:
uma atividade orientada a um fim para produzir va-
lores de uso, apropriação do natural para satisfazer a
necessidades humanas, condição universal do meta-
bolismo entre o homem e a Natureza, condição natu-
ral eterna da vida humana, e, portanto, independen-
temente de qualquer forma dessa vida, sendo antes
igualmente comum a todas as suas formas sociais.

Para que o ser humano pudesse sobreviver, ao longo


do processo histórico, necessitou desenvolver uma ação sobre
a natureza, gerando um mundo de objetos, de conhecimentos

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e esses, por sua vez, geram nos indivíduos novas necessidades,


e são essas necessidades que deflagraram novas atividades num
processo sem fim (DUARTE, 2001, p 118-122; 1999 p. 32).Dito
de outra forma, para que o homem se desenvolvesse, a ativida-
de de trabalho foi fundamental, pois foi a partir da atividade de
trabalho que o desenvolvimento do homem deixou de se sub-
meter às leis biológicas e, paulatinamente, passou a ser regido
pelas leis sócio-históricas.
A atividade humana foi sendo enriquecida por meio
de um movimento de superação por incorporação em que cada
vez mais foram sendo inseridos novos elementos na ativida-
de social. Nesse processo, o indivíduo produz e reproduz os
meios necessários à sua sobrevivência de um modo que, com
isso, cria uma realidade humana e, por meio dela, humaniza-
-se. Enfim, o homem, na produção da vida material, constrói
uma realidade humana e, com ela, sua formação subjetiva. Dito
de outra forma, o enriquecimento da atividade material corres-
ponde à acumulação de conhecimentos e ao desenvolvimento
das capacidades humanas.
Daí a importância de entender a atividade em que o
indivíduo se insere. Leontiev (2006, p. 68) entende-a como
“processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que
o processo todo se dirige (objeto), como um todo, coincidin-
do sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar
esta atividade, isto é, o motivo. Dito de outra forma, o que
fazemos é uma atividade na medida em que temos uma ne-
cessidade e, para satisfazer essa necessidade, temos um obje-
to, um motivo. Este motivo será alcançado por meio de ações
que se estruturam para atender cada objetivo que se liga ao
objeto, motivo. Cada ação, por sua vez, dependerá das condi-
ções concretas de vida do indivíduo, pois é a parte operacio-
nal da atividade. Assim, para que cada ação seja executada, o
indivíduo precisa eleger uma operação. Essa é a estrutura de
toda atividade humana: necessidade, objeto, motivo, ações e
operações.

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Nessa busca pela compreensão ontológica do ser hu-


mano, tomam-se a atividade e a consciência como duas ca-
tegorias inseparáveis tendo em vista que atividade humana é
consciente: para se objetivar a atividade precisa ser previamen-
te planejada, dirigida idealmente para um fim. Isso só pode ser
efetivado a partir da mediação da consciência que estabelece
ligações entre as ações, às necessidades e motivos do indivíduo
para executar uma atividade. Se tenho a necessidade de ensinar
determinado conteúdo aos alunos na aula; primeiro, divido as
ações de forma a atender este motivo: estudo o tema, leio, bus-
co material didático, organizo os instrumentos, organizo a dis-
posição das carteiras, etc. Cada ação é executada em forma de
operação (para estudar o tema eu li, eu fiz anotações, etc). Em
si mesma, de modo isolado, cada ação não se liga ao motivo da
atividade – ensinar o conteúdo, mas, antes que aconteça a aula,
houve um planejamento prévio e, durante a aula, foi a cons-
ciência que ligou cada ação realizada para que se desse a ativi-
dade, isto é, a aula para que se ensinasse o conteúdo. Vemos no
exemplo do ensino que é, então, a mediação da consciência que
precede a efetiva transformação concreta da realidade - seja ela
natural ou social.
Martins (2001, p. 54) explica que a atividade social
humana é “ação material consciente e objetiva, ou seja: é prá-
xis”. Práxis é atividade onde há a coincidência entre o processo
de transformação da realidade e do próprio sujeito à medida
que este atua sobre o mundo.
Entretanto, se tomamos a atividade de trabalho para
pensar a práxis no contexto em que estamos, teremos outras
reflexões a fazer. A práxis só era possível nas sociedades mais
primitivas, pois a atividade vital, o trabalho, era fundada numa
interdependência entre os membros da comunidade. Assim,
numa atividade voltada para a agricultura, para que a produção
do alimento fosse realizada e matasse a fome a da comunidade,
todos os membros deveriam cooperar com ações específicas
distribuídas a partir de uma elementar divisão técnica e social

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do trabalho. Tal divisão estava orientada para a satisfação da


necessidade de toda a comunidade, ou seja, para a sobrevivên-
cia dela.
Naquela sociedade primitiva, o resultado da atividade
correspondia a todos os membros. Logo, a divisão social do
trabalho não impunha uma barreira entre o desenvolvimento
humano genérico e as possibilidades de desenvolvimento dos
indivíduos. Deste modo, havia uma unidade entre a consciên-
cia e a experiência dos indivíduos na sua atividade de trabalho,
ou seja, chegava-se a uma atividade a partir de uma relação
consciente com a teoria que orientava o pensar e o agir de cada
indivíduo. A prática e a teoria uniam-se, e, portanto, havia nes-
sa articulação uma práxis (SILVA, 2007, p. 20-21).
No contexto da sociedade contemporânea capitalista,
diferentemente, ocorrerá, isto é, não há, como tendência ge-
ral, uma configuração de práxis tendo em vista a propriedade
privada e a divisão social do trabalho (trabalho intelectual e
trabalho braçal).
O trabalho, como atividade vital humana, é elemento
fundamental no processo de apropriação e objetivação huma-
na. Mas na história, com a constituição do capitalismo, com o
desenvolvimento das forças produtivas, o trabalho toma outra
proporção com a divisão social do trabalho. Há uma divisão
entre o trabalho material e o trabalho intelectual. Com isso, há
uma especialização do trabalhador que realiza tarefas bastante
limitadas, repetitivas e mecânicas:
(...) a partir do instante em que o trabalho começa a
ser dividido, cada um tem uma esfera de atividade ex-
clusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual ele
não pode fugir; ele é caçador, pescador, pastor ou crí-
tico, e deverá permanecer assim se não quiser perder
seus meios de sobrevivência (...). (MARX;ENGELS,
1989,p. 29).

Com a divisão social do trabalho, a atividade não é


dividida voluntariamente, tal divisão se constitui com prejuízo

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para os que não estão na esfera intelectual. Essas tarefas por


sua vez restringem o desenvolvimento das potencialidades hu-
manas no trabalhador, uma vez que delimitam quais capacida-
des o indivíduo pode desenvolver para que as mesmas sejam
desempenhadas. Não é difícil concluir que tais capacidades se
restrinjam às mais simples, monótonas e menos desafiadoras
à capacidade de aprender do indivíduo. Contudo, certamente,
elas são versáteis, principalmente nos dias atuais a fim de que
os trabalhadores possam inserir-se no mercado de trabalho,
onde é imposta a necessidade de que eles se adaptem às rápidas
e exigentes demandas proporcionadas pelas mudanças tecno-
lógicas.
O contexto de trabalho capitalista não permite que o
trabalhador esteja consciente da totalidade da confecção da-
quele produto, tampouco da finalidade; não sabe, pois, nem
para quê nem para quem produz. A capacidade que ele deposi-
ta no produto de seu trabalho não lhe pertence, mas, ao capita-
lista. O trabalho realizado sob tais circunstâncias de alienação
deforma o indivíduo transformando-o numa máquina produ-
tora de mais-valia.
Oliveira; Quintaneiro (2002, p.47) explicam, com
base em Marx, que existe um tempo de trabalho necessário no
qual é gerado o equivalente ao seu salário e que compreende os
fatores consumidos no processo produtivo e, existe o tempo de
trabalho excedente, valor que não é pago ao trabalhador, mas
que é somente apropriado pelo proprietário do capital. Esse va-
lor excedente, a mais-valia, permite a acumulação crescente, o
lucro, correspondendo, por sua vez ao grau de exploração da
força de trabalho pelo capital.
Aqui chegamos ao ponto crucial deste trabalho, uma
vez que é este o ponto em conseguimos compreender por que a
abordagem de formação de professor Professor Reflexivo, den-
tre outras que sejam indiferentes ao condicionantes histórico-
-sociais não dão conta de formar um docente reflexivo ou crí-
tico. No entanto, ainda que tenhamos a intenção de responder

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a tal indagação, sabemos que o faremos ainda de forma sucinta


e tímida tal é o espaço proposto para um artigo.
O trabalho educativo no contexto das relações sociais do
capital
Se na seção anterior, expusemos acerca da atividade
vital humana, o trabalho, tratando dos elementos que com-
põem sua estrutura, também se faz necessária uma referência
à relação das significações, aos signos. Cabe dizer aqui que não
há uma transposição direta da realidade social à interna, mas
a linguagem tem papel fundamental, pois por meio da rela-
ção entre o significado (social) de uma atividade e o sentido
(pessoal) que ela adquire para o indivíduo constituem-se os
conteúdos da consciência, que podem tender para processos
alienantes ou humanizadores, dependendo de como ele desen-
volverá sua atividade, das relações sociais aí implicadas, etc.
O significado da educação escolar no seio da prática
social aponta para a educação como a que transmite o conhe-
cimento historicamente acumulado, com vistas ao desenvolvi-
mento das potencialidades máximas dos indivíduos. A escola,
para a sociedade, é uma mediadora entre as gerações passadas e
as gerações futuras (ARENDT, 1992). Entretanto, ao mediar as
gerações, ela deve possibilitar cada vez mais ao indivíduo tor-
nar-se um ser histórico-social consciente (OLIVEIRA, 1996).
Desta forma, a educação, ao passo que intermedeia a apropria-
ção dos conhecimentos pelos indivíduos, tem como pressupos-
to assegurar que esse processo ocorra de forma esclarecida e
crítica. Isso porque o trabalho educativo deve visar, além da
assimilação de conhecimento e informações (SAVIANI, 2000),
também à formação e amadurecimento da consciência do alu-
no, o educando, como sujeito em uma sociedade.
O projeto de formação do indivíduo deve voltar-se,
então, para o devir humano. Voltar-se para o devir humano
significa entender a humanização não somente como um re-
sultado, mas também como um processo de produção do novo

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no qual possa haver uma busca da superação das relações so-


ciais de alienação e de dominação. Em síntese, o ato educativo
implica contemplar a humanização como um vetor de trans-
formação social.
Para isso, é essencial que o ato educativo seja perce-
bido como uma mediação valorativa (OLIVEIRA, 1996, p. 21),
uma prática orientada por fins e valores conscientes. Em outras
palavras, a educação deve ser entendida não como neutra, mas
como possuindo um claro posicionamento uma vez que seus
objetivos apontam para a formação de um tipo específico de
ser humano.
Contudo, devemos recordar que o processo de traba-
lho no caso do professor se dá em meio às relações capitalistas.
Mesmo que o trabalho educativo se configure em um trabalho
intelectual, não podemos afirmar que se trata de uma atividade
isenta das interferências do capital e, portanto, há consequência
para a consciência do indivíduo, seja ele professor ou o aluno.
De maneira conscientemente resumida, apontamos
com base nas reflexões de Serrão (2002) que o professor - tal
como outros trabalhadores - vende sua força de trabalho seja
na empresa - escola particular, seja a pública, em troca de salá-
rio. Ambos não são os donos dos meios de produção, por isso
vendem a mercadoria que possuem – a sua força de trabalho.
Isso significa que mesmo que sua atividade exija criatividade,
reflexão, que seja ele um profissional competente, o sentido
que o trabalho educativo tem para ele estará perpassado por
essas relações de produção – trabalho/salário que se estabele-
ceram e não necessariamente terá relação com o significado
de desenvolver as potencialidades máximas dos indivíduos.
Tomando o contexto brasileiro sobre o trabalho do professor,
podemos afirmar que dificilmente o professor poderá estar in-
teiro na sua atividade visto que precisa trabalhar muitas vezes
em condições precárias, em diversas escolas ao mesmo tempo,
sem a devida formação, etc. Em síntese, a venda da força de
trabalho o coloca numa situação de exploração, e a exploração

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o leva a ter condicionada sua consciência a estas relações alie-


nadas e alienantes.
Explorado, o professor está alijado do progresso ma-
terial e do progresso não-material. A alienação a que ele se
submete aí obstaculiza a construção de uma consciência e uma
existência livre e universal. Isso porque a consciência estrutu-
ra-se na atividade (LEONTIEV,1978). No caso do professor,
sua atividade principal é o seu trabalho. Estando o trabalho
realizado em relações sociais alienantes para esse indivíduo, a
consciência dele refletirá as relações sociais alienantes a que
está submetido por meio da linguagem, por meio das significa-
ções. Isto acontece a partir do momento em que não coincide
o significado da educação com o sentido que o trabalho tem
para ele, uma vez que o motivo pelo qual ele trabalha é o da so-
brevivência. Desarticulado do significado social, o trabalho em
condições alienantes converte-se em mortificação ao indivíduo,
em algo que o torna submisso, escravo e arruína seu espírito.
A exploração a que é submetido aliena-o tanto no con-
teúdo de consciência (aspecto não material) quanto na sua vida
material. Não por acaso, até mesmo o senso comum é capaz
de estampar nos comerciais de tv, nos jornais que há uma con-
traposição deflagrada na atividade desenvolvida no trabalho
educativo do professor. O professor é profissional pelo qual o
desenvolvimento tecnológico-científico é produzido e, portan-
to, a riqueza material e não material do mundo. No entanto, pe-
las relações de produção capitalista, nem mesmo ele, por conta
exploração a que é submetido, pode se apropriar dessa riqueza.
Em suma, como também pensa Marino Filho (2007,
p.13-16), nessas condições, o indivíduo tem condicionada pelas
relações sociais alienadas toda a sua formação e o desenvolvi-
mento de suas funções psíquicas formadas socialmente e que
caracterizam o desenvolvimento humano. Desta forma, como
resultado das relações sociais alienadas, a consciência é uma
falsa consciência na medida em que sua representação da reali-
dade é dada de forma deformada e invertida.

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a sua consciência empírica cotidiana separa-se cada


vez mais da evolução das esferas sociais conjuntas da
produção intelectual, da evolução da ciência e da arte,
e se converte em escrava de representações fetichistas
que deformam a realidade, enquanto que, por outro
lado, se produzem nos planos do pensamento abstra-
to e da consciência social conjunta das ‘ideologias’,
reflexos deformados e invertidos da realidade. (MÁ-
RKUS, 1974, p. 52; tradução nossa).

Como explicamos, nessas relações sociais do capital,


o sentido construído pelo indivíduo o distancia de uma com-
preensão da dimensão social da sua atividade, a significação.
Assim, o sentido sendo não coincidente com a significação da
atividade deflagra um esvaziamento da consciência que se ex-
pressa na linguagem. Dito de outro modo, a relação com os
produtos da atividade humana e a relação alienada com a sua
própria atividade limitam a percepção do indivíduo das qua-
lidades históricas e conceituais do mundo que o cerca, defla-
grando uma capacidade cognitiva limitada e limitante, enfim,
alienada. Desta forma, dada sua posição nas relações sociais
numa sociedade capitalista, a sua compreensão da realidade e
de si mesmo torna-se unilateral.
Considerações finais
Com base nas discussões acima, ainda que tenham
sido breves dados os limites de um artigo no que tange a exten-
são do texto, podemos afirmar que a abordagem de Professor
Reflexivo, ao buscar responder aos dilemas do cotidiano por
meio da construção de conhecimento a partir da reflexão so-
bre a ação, não se porta como uma abordagem consistente na
formação de um professor reflexivo visto que não há em sua
epistemologia um aparato que sustente e compreenda como
se dá a formação dos indivíduos, quais os seus condicionan-
tes, para assim, compreender os conteúdos que informam a sua
consciência, e, a partir da mediação do teórico, instrumentali-
zar-se para transformação social.

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[A consciência] distanciada do desenvolvimento da


ciência, da arte, restrita ao aspecto prático-utilitário
mais imediato dos objetos e situações, e tendo como
referência a própria vida) passa a se desenvolver con-
dicionada por representações simplificadas, superfi-
ciais e fetichizadas que levam apenas a conteúdos li-
mitados, criados de forma independente do progresso
do saber humano acumulado e permeados pelo senso
comum, por crenças e mito. (MELLO, 2000, p. 57).

Sem a mediação do teórico, o indivíduo estará alijado


dessas objetivações que permitem o desenvolvimento de uma
consciência crítica, isto é, de objetivações que proporcionem
uma instrumentalização que o permita analisar aquilo que
constitui os conteúdos de sua consciência via linguagem e, que,
reconheça o ser humano como “síntese das múltiplas determi-
nações” não só é ineficiente no seu objetivo de provocar a re-
flexão como também
impede a compreensão da especificidade do trabalho
educativo como atividade mediadora dentro da prá-
tica social, como um fato imprescindível do proces-
so de passagem do ser ao dever-ser, um processo de
transformação social. (OLIVEIRA, 1996, p. 22, grifos
nossos).

O desconhecimento acerca da concreticidade da


constituição do ser humano tem levado educadores e as pró-
prias pesquisas educacionais a uma série de imprecisões na
compreensão do trabalho educativo. (É o caso da abordagem
aqui estudada, a abordagem Professor Reflexivo.) Em conse-
quência disso, frequentemente, o trabalho educativo é realiza-
do na contramão de um processo de desenvolvimento humani-
zador, mas alienante. O efeito desse processo não é restrito ao
educador, mas abrange o educando que reflete a concepção de
educação à qual ele, o professor, é submetido nas suas relações
sociais.
Não por acaso ainda existem nas escolas pensamentos
e práticas pedagógicas os quais refletem este estado de aliena-

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ção tais como a dicotomização da teoria e da prática, as práti-


cas desumanas a que estão submetidas as crianças mais pobres,
o deficiente intelectual que é tido como incapaz de aprender
e, que, portanto, não merece nenhuma atividade pedagógica,
entre outras tão cruéis e mal informadas. Isso ocorre porque
a formação da consciência do educando e do educador obje-
tivada pelo trabalho educativo alienante é uma falsa consciên-
cia, pois, para esta consciência, o mundo não aparece de forma
esclarecida, mas antes se apresenta sob a forma de um mundo
desconhecido e poderoso, como afirmou Marino Filho (2005, p.
18). Sob a forma de preconceitos já naturalizados como verda-
des, não há para ele o que mudar.
Concluindo, a possibilidade de transformação par-
te da adoção e de uma formação cuja mediação teórica com-
preenda os indivíduos como síntese de suas relações sociais.
Sem essa mediação, é possível observar que o docente pode es-
tar sendo condicionado pelas relações sociais que tendem para
a alienação, uma vez que seu processo de formação não consti-
tuirá uma condição subjetiva para que ele possa constituir uma
crítica de tais relações as quais permeiam a sociedade e, por ex-
tensão, seu próprio trabalho. Faz-se necessária uma orientação
epistemológica do professor acerca do projeto de formação dos
seus educandos. Contudo, este projeto será infértil se a prática
social na qual o trabalho educativo se insere não for também
contemplada com um projeto de transformação, de forma que
se superem as relações sociais alienantes, caso contrário, elas
serão replicadas na formação das gerações futuras continua-
mente.
Quisemos aqui apontar por meio da epistemologia
marxiana que, diante das complexas e contraditórias relações
que permeiam a sociedade atual, há que se considerar que, na
própria prática pedagógica, no trabalho educativo também
podem estar expressas as relações sociais alienantes (como
expressão das relações da própria sociedade no contexto ca-
pitalista). Entretanto, essas relações não estão evidentes para

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a maioria dos indivíduos. É o caso, por exemplo, de discur-


sos que buscam legitimar a proposição de cursos para “formar
trabalhadores aptos para o mercado de trabalho” pautados em
argumentos sobre a necessidade do progresso e do desenvol-
vimento da sociedade. Nesses discursos ocultam-se os seus
verdadeiros fundamentos ideológicos e suas objetivações ou
consequências para o desenvolvimento dos indivíduos.
Diferentemente da abordagem do Professor Reflexi-
vo, para a epistemologia marxiana, o conhecimento que não
ultrapassa a experiência cotidiana não está apto a transcender
os condicionantes dessa experiência que, refletida na consciên-
cia do indivíduo, condiciona-o a uma representação aparente
e parcial da realidade. Isso ocorre porque o pensamento ope-
rando com base nesse conhecimento calcado na experiência
não consegue representar a complexidade do fenômeno. De
acordo com Davídov ; Márkova (1987,p. 176-178), a essência
da atividade de estudo é proporcionar uma relação teórica com
a realidade, com as coisas, pois é esta relação que permite ao
indivíduo o conhecimento da lógica das propriedades e as leis
objetivas dessa realidade. Para os autores, é essencial, na edu-
cação, a estruturação do pensamento teórico, pois, diferente-
mente de um pensamento experiencial, empírico, só ele tem
condições de analisar as funções que cumprem as relações en-
tre as coisas; busca a relação real que mostra a base genética de
outras manifestações do sistema; reflete as conexões internas
entre as coisas fazendo conexões entre o geral e o particular.
O pensamento teórico articula a compreensão do movimento
histórico que o produziu, isto é, ele o vê vinculado às “gêneses
das relações sociais, às condições sociais que envolvem e per-
passam ideologicamente as formações grupais como também
o movimento de formação e reprodução do poder nas inter-re-
lações humanas e sociais” (MARINO FILHO, 2007, p.36). Sem
o desenvolvimento de uma formação e um ensino que propi-
cie aos indivíduos outra forma de relação com a realidade, tais
relações sociais alienantes continuarão a ser naturalizadas por

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eles por meio de teorias e abordagens tais como a do Profes-


sor Reflexivo que destituem de suas propostas e análises uma
visão que abarque e desvele a complexidade, materialidade da
realidade. Sem o pensamento teórico presente na formação do
professor e na formação das novas gerações – os alunos, a edu-
cação não produzirá conhecimento, mas palpites (OLIVEIRA,
1996), e palpites não justificam a existência da escola!

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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JOGOS DIDÁTICOS COMO MÉTODO


ALTERNATIVO PARA O ENSINO-
APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA NO
ENSINO MÉDIO

MONTEIRO, Denilza Geraldo


ROSA-OSMAN, Sônia Maciel da
Introdução
O aprendizado dos conteúdos de Biologia no Ensino
Médio tem sofrido sérios problemas por não serem transmi-
tidos de forma adequada. Muitos vão para escola apenas para
cumprir o papel de estudante, mas que não tem nenhuma mo-
tivação em estar na sala de aula. Kishimoto (1996) diz que o
professor deve rever a utilização de propostas pedagógicas pas-
sando a adotar em sua prática aquelas que atuem nos compo-
nentes internos da aprendizagem, já que estes não podem ser
ignorados quando o objetivo é a apropriação de conhecimen-
tos por parte do aluno.
Para Miranda (2001), mediante o jogo didático, vários
objetivos podem ser atingidos, relacionados à cognição (desen-
volvimento da inteligência e da personalidade, fundamentais
para a construção de conhecimentos); afeição (desenvolvimen-
to da sensibilidade e da estima e atuação no sentido de estreitar
laços de amizade e afetividade); socialização (simulação devida
em grupo); motivação (envolvimento da ação, do desfio e mo-
bilização da curiosidade) e criatividade. Ou seja, uma varie-
dade de benefícios pode ser alcançada ao utilizar o jogo como
método alternativo para o ensino-aprendizagem. A aprendiza-
gem significativa de conhecimentos é facilitada quando tomam

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a forma aparente de atividade lúdica, pois os alunos ficam en-


tusiasmados quando recebem a proposta de aprender de uma
forma mais interativa e divertida (CAMPOS et al., 2003).
Além disso, de acordo com as Orientações Curricu-
lares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006): “o jogo oferece os
estímulos e o ambiente propício que favorecem o desenvolvi-
mento espontâneo e criativo dos alunos, permitindo ao pro-
fessor ampliar seu conhecimento de técnicas ativas de ensino,
desenvolver capacidades pessoais e profissionais para estimu-
lar nos alunos a capacidade de comunicação e expressão, mos-
trando-lhes uma nova maneira, lúdica, prazerosa e participa-
tiva de relacionar-se com o conteúdo escolar, levando a uma
maior apropriação dos conhecimentos envolvidos”.
Teixeira (1995), afirma que o jogo é um fator didá-
tico altamente importante e considerado um elemento indis-
pensável para o processo de ensino-aprendizagem para aqueles
professores que têm intenção de motivar seus alunos ao apren-
dizado. Com as dificuldades que os professores passam nas es-
colas públicas de todo o país, devido uma série de problemas
educacionais, percebe-se através das pesquisas o quanto se faz
necessário um novo olhar do docente para esse tipo de ensino,
que hoje tem sido aprovado em muitas áreas do conhecimen-
to. A motivação que muito se fala está claramente ausente nas
salas de aulas, devido à metodologia utilizada para ensinar. Al-
meida (2011) fala que se o conteúdo pode ser mais palatável
para que o aluno possa digerí-lo, por que não o fazer?
Os jogos didáticos tem sido uma ferramenta indispen-
sável no ensino da Biologia, mas alguns professores ainda não
adotaram esse método por ser trabalhoso e demandar muito
tempo, coisas que a maioria não tem. A realidade encontrada
hoje nas escolas é desfavorável a uma educação de qualidade,
ou seja, ensinar torna-se uma tarefa árdua para o professor que,
segundo os autores, pode encarar em seu cotidiano as seguin-
tes situações: superlotação nas salas de aula, desvalorização do
profissional, defasada estrutura física, metodológica e didáti-

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ca nas escolas. A qualidade do ensino tem sido negligenciada


pelo poder público, são professores maus pagos, com cargas
horárias excessivas por causa do salário baixo e muitos outros
fatores.
Por estas e outras razões, este trabalho trouxe o jogo
didático como método alternativo para diferenciar o ensino
de Biologia. Segundo Cunha (1988) os jogos didáticos serão
aqueles com o objetivo de proporcionar determinadas apren-
dizagens, diferenciando-se do material pedagógico, por conter
o aspeto lúdico. O jogo didático além de motivador, ainda tem
a vantagem de trabalho em equipe. Muitos alunos têm se mos-
trado egocêntricos com dificuldades de trabalhar em equipe e
o jogo por exigir a todos o mesmo resultado que é ganhar, aca-
bam aceitando a opinião do outro ou tendo um desempenho
melhor por ter outros participantes envolvidos. E acreditan-
do que a metodologia utilizada pelo professor contribui muito
para o sucesso ou fracasso do processo aprendizagem é que
será posto em prática esse método alternativo, pois sempre que
o professor traz novidades para a sala de aula, o aluno sai da
zona de conforto e é motivado, ou não, pela novidade que o
espera.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar a con-
tribuição de jogos didáticos para o ensino de Biologia no En-
sino Médio, identificando as vantagens e desvantagens dessa
metodologia, levando em consideração as dificuldades e facili-
dades dos alunos que são submetidos a esse tipo de atividade.
Essas informações serão de extrema importância para os dis-
centes, que logo estarão atuando nas escolas públicas ou priva-
das e que precisarão adotar métodos alternativos para diferen-
ciar o ensino na disciplina de Biologia.
Metodologia
A pesquisa foi realizada na Escola Estadual Sólon de
Lucena, uma escola pública de Manaus-AM, situada no bairro
São Geraldo, Avenida Constantino Nery, 2085. A pesquisa foi

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realizada de agosto a outubro de 2015. O público participante


na atividade com o jogo didático, foram quarenta e dois alunos
do terceiro ano do turno vespertino. Na avaliação individual
participaram trinta e seis alunos da mesma turma. E do ques-
tionário de pesquisa foram trinta e sete alunos. O plano de aula
foi elaborado para seis aulas de cinquenta minutos, sendo rea-
lizadas pesquisas do assunto abordado.
O Jogo confeccionado recebeu o nome “Classifican-
do o Reino Protoctista”. Para confeccioná-lo foram necessárias
imagens dos protozoários e algas, papel 40 quilos, tesoura e
cola. Para a aplicação do jogo, os alunos foram levados ao la-
boratório de ciências, organizados em cinco grupos, cada gru-
po ficou com um papel 40 quilos, um envelope contendo as
imagens e informações digitadas, um tubo de cola e um pincel
para fazer a divisão da folha. Foi pedido que os alunos identifi-
cassem cada filo, sua classificação e características e logo após
colar as imagens e informações na folha de montagem de for-
ma organizada, um do lado do outro (Figura 1).

Figura 1: Peças do jogo confeccionado das algas e trabalho montado.


Fonte: Monteiro, 2015.

Também foi realizada uma avaliação individual com-


posta por oito questões, no intuito de saber o aproveitamento
da aplicação do jogo. E em seguida um questionário composto
por onze questões, relacionadas com os resultados obtidos na
avaliação. O questionário foi aplicado para os alunos e para a
professora de Biologia das turmas pesquisadas.

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Resultados e discussão
Quanto ao jogo didático o resultado foi positivo em
relação à nota onde, dos cinco grupos todos alcançaram con-
ceito acima da média, ou seja, 100% (n=42) de aproveitamento,
mostrando um bom desempenho dos grupos. Houve também
uma interação significativa entre os integrantes dos grupos, a
maioria participou da atividade, interagindo uns com os ou-
tros, sendo observado em alguns momentos discussões entre
eles, pois quando havia conclusões distintas quanto à organiza-
ção das informações, quem decidia era a maioria.
O ponto negativo foi à superlotação dos grupos, cada
grupo foi composto por oito integrantes e isso dificultou o pro-
cesso no desenvolvimento da atividade.
Enquanto que na atividade em grupo com o uso do
jogo didático os alunos tiveram um bom desempenho, na ava-
liação individual não houve um resultado significativo sobre
o aprendizado adquirido nas aulas teóricas seguida da revisão
na aula prática, pois ao serem cobrados em uma avaliação in-
dividual não tiveram o mesmo desempenho. Segundo Pozo
(2009) os alunos muitas vezes sabem fazer as coisas, mas não
entendem o que estão fazendo e, portanto, não conseguem ex-
plicá-las nem aplicá-las em novas situações. Nesse caso a nova
situação foi à avaliação, no momento em que foram cobrados
com as mesmas questões do jogo, no entanto, sozinhos e sem
imagens para correlacionar, a maioria teve dificuldade em re-
solver as questões, mesmo as mais simples, mostrando que
guardaram pouca informação do conteúdo. Dos trinta e seis
alunos que foram submetidos à avaliação, apenas 8,3% (n=3)
alcançaram à média (média =6), enquanto que 91,6% (n=33)
não alcançaram. Esse resultado não foi esperado, pois tudo in-
dicava que os alunos tinham fixado o conteúdo após a ativida-
de com o jogo didático, mas não demonstraram esse conheci-
mento na avaliação individual.
Com o objetivo de saber informações pessoais dos
alunos, 43,2% (n=15) são do sexo masculino e 56,7 % (n= 22)

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do sexo feminino, resultado comum nas escolas e em outros


ambientes da cidade de Manaus. Essa tendência de maior re-
presentatividade do sexo feminino no ensino médio já foi re-
tratada em estudos anteriores (ZIBAS, 1999). Em relação à
idade dos alunos, 21,6% (n=8) está com a idade de dezessete
anos, idade ideal para finalizar o ensino médio, 54% (n= 20)
com a idade de dezoito anos, com apenas um ano de atraso
nos estudos e 24,3% (n=9) com a idade de dezenove ou mais,
uma idade que demonstra um atraso maior nos estudos, po-
dendo ter um reflexo negativo no desempenho escolar, visto
que a maioria dos alunos com a idade superior a dezenove anos
tendem a trabalhar e estudar ao mesmo tempo, deixando em
alguns casos, de atender certas exigências da escola. Quanto a
trabalho, 21,6% (n=8) dos alunos desta turma trabalham fora,
provavelmente os alunos com a idade superior a dezenove
anos, enquanto que 78,3% (n=29) apenas estudam.
Quanto à metodologia utilizada pela professora de
Biologia, 67,5% (n=25) dos alunos alegaram que a mesma cos-
tuma ministrar aula expositiva com o uso de data show, en-
quanto que, o restante 32,4% (n=12) citaram apenas quadro
branco e pincel e de vez em quando, aula prática. Sabe-se que
lecionar nos dias de hoje é muito difícil devido à falta de es-
trutura, equipamentos e materiais, mas nada impede que uma
vez ou outra se faça algo diferente, pois tudo que é metódico
cansa até mesmo os métodos eficazes, quando muito repeti-
dos não desperta o interesse do aluno. Há diversos tipos de
pedagogias, as mais tradicionais contentam-se em transmitir a
matéria que está no livro didático, por meio de aula expositi-
va é o estilo professor-transmissor de conteúdo. Suas aulas são
sempre iguais, o método de ensino é quase o mesmo para todas
as matérias, independentemente da idade e das características
individuais e sociais dos alunos (LIBÂNEO, 2002). Assim des-
motiva os alunos que acabam se desinteressando pela discipli-
na, cabe ao professor buscar meios de transmitir o conteúdo de
forma prazerosa e lúdica.

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Quando questionados sobre a eficiência da meto-


dologia utilizada 40,5% (n=15) responderam afirmativamen-
te, alegando que a professora explica muito bem o conteúdo
abordado e que a aula é apresentada de uma maneira simples
e resumida, sendo que a dificuldade maior é com os nomes
científicos. Essa aceitação dos alunos é que vem refletindo ne-
gativamente no aprendizado, quando se pede algo mais com-
plexo dos mesmos, não conseguem desenvolver um raciocínio
porque só conhecem o simples, cabe ao professor levar esse
conhecimento e estimular o interesse do aluno, sanando assim
muitas deficiências na sua formação. Vale ressaltar que a for-
mação do aluno é algo contínuo e deve ser realizada desde o
ensino fundamental, repercutindo na formação profissional do
indivíduo.
O restante 59,4% (n=22) diz que não, justificando
que para alcançar um aprendizado significativo é preciso o uso
de outros auxílios que contribuam para o aprendizado, uma
maior interação com os alunos, explicação e aplicação de to-
dos os conteúdos. Segundo Santos (2009) através da prática em
sala de aula o professor interage com o aluno de modo diverti-
do, conseguindo dos alunos uma melhor aprendizagem e uma
melhor construção do conhecimento. A interação com certeza
é de extrema importância para que o ensino seja mais eficaz,
ao manter uma interação maior com a turma, o professor abre
um espaço fundamental para que o mesmo participe e assim
aprenda muito mais e de forma agradável. “Toda aprendizagem
precisa ser embasada em um bom relacionamento interpessoal
entre os elementos que participam do processo, ou seja, aluno,
professor e colegas de turma” (ABREU; MASETTO, 1980).
Quanto á aplicação do jogo 94,5% (n=35) dos alunos
aprovou o uso de jogos didáticos para uma revisão de conteú-
do, pois segundo eles, ajuda na fixação, interação da turma,
melhora o entendimento e ainda alegam que uma aula teórica
seguida de prática traz mais conhecimento e se torna uma aula
menos cansativa e “chata”. Alguns alunos ainda disseram que é

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uma forma “mais legal” de aprender e que é possível comparti-


lhar conhecimento com os colegas. Apenas 5,4% (n=2) disseram
que não aprovam e justificam dizendo que preferem atividades
no quadro e exercícios corriqueiros.
O jogo didático caracteriza-se como uma alternativa
viável nos processos de ensino-aprendizagem, por favorecer a
construção do conhecimento do aluno (KISHIMOTO,1996).
No entanto não podemos esquecer, que para isso ocorrer é ne-
cessário seguir à risca um bom plano de aula e um domínio sig-
nificativo do conteúdo. O que foi observado é que o aluno con-
funde o decorar com o aprender, e não foi o objetivo do jogo, já
que o mesmo cobrava a identificação das características e outras
informações que pedia atenção, análise e reconhecimento.
Em relação ao aprendizado com o jogo 51,3% (n=19)
dos alunos justificaram dizendo que a atividade foi realizada em
grupo e todos ajudaram a montar alcançando assim o objetivo.
Os demais 35,1% (n=13) responderam que pelo jogo ser com-
posto por todas as informações necessárias, facilitou a monta-
gem, pois só precisavam correlacionar as imagens com as in-
formações propostas. A minoria representada por 13,5% (n=5)
achou que o assunto era fácil e por isso tiveram um bom desem-
penho no trabalho. A dinâmica de grupo é um instrumento por
meio do qual é possível vivenciar uma experiência importante
porque “uma situação simulada, desenvolvida para se criar ex-
periências para aqueles que aprendem, serve para iniciar o seu
próprio processo de investigação e aprendizado” (KOLB, 1984).
O trabalho em grupo facilita a vida de muitos alunos, alguns
ao interagir com o outro consegue entender melhor o conteúdo
que às vezes o professor passa de forma complexa e o colega
acaba simplificando essa linguagem, facilitando o aprendizado,
sem falar que o trabalho é reduzido quando realizado em grupo,
principalmente se todos ou a maioria participar, como citado
pelos alunos.
Durante a atividade do jogo os alunos foram orienta-
dos a trabalharem juntos para um melhor resultado, e segun-

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do 64,8% (n=24) dos alunos, houve interação do grupo e todos


participaram, já os 35,1% (n=13) restante disseram que a maior
parte sabia o conteúdo, por isso não tiveram tantas dificuldades.
Percebe-se pelas respostas dos alunos que houve uma boa in-
teração dos grupos, isso reflete um bom resultado, no entanto,
muitos ainda afirmam que sabiam o assunto e por isso facilitou
o trabalho. Esse resultado não confere com da avaliação indivi-
dual, onde apenas três alunos alcançaram à média.
Quanto à opinião dos alunos sobre a atividade com o
uso do jogo didático no conteúdo do Reino Protoctista, 86,4%
(n=32) disseram que a metodologia utilizada ajudou a fixar o
conteúdo já estudado e 13,5% (n=5) disseram que a metodolo-
gia não ajudou em nada, que foi apenas um método fácil de ob-
ter nota. Esse tipo de atividade sempre será aceito pela maioria,
mas nenhuma metodologia agrada a todos, isso nos faz perce-
ber que cada aluno tem dificuldades distintas de aprendizagem
e que precisamos observar isso para poder atender e diversificar.
O jogo é uma atividade trabalhosa, principalmente quando re-
quer muitas peças. Às vezes acaba dando canseira no aluno ao
invés de estímulo.
Ao serem questionados sobre o resultado negativo na
avaliação individual, 67,5% (n=25) dos alunos disseram que o
conteúdo é complexo, devido aos nomes pouco utilizados no dia
a dia, dificultando o aprendizado. Já 32,4% (n=12) disseram que
não estudaram o conteúdo de Biologia, porque priorizaram ou-
tras disciplinas. Para Libâneo (1994) a avaliação não pode res-
tringir-se a função de controle, enquanto classificação quantita-
tiva deve sim estabelecer uma relação mútua entre os aspectos
qualitativos e quantitativos. O resultado negativo deixou dúvida
quanto ao aprendizado desses alunos, mas Perrenoud (1999) diz
que, na avaliação da aprendizagem, o professor não deve permi-
tir que os resultados das provas periódicas, geralmente de ca-
ráter classificatório, sejam supervalorizados em detrimento de
suas observações diárias, de caráter. Ou seja, é necessário olhar
para o qualitativo não apenas para o quantitativo.

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Para Vasconcellos (1993) o conceito de avaliação é


mais abrangente, significa localizar as necessidades do aluno
e se comprometer com a superação de suas dificuldades no
processo ensino-aprendizagem. E para os alunos, os termos
utilizados na biologia é uma das dificuldades encontradas por
não terem tanto contato com os mesmos, situação preocupante
para alunos que estão saindo do ensino médio e logo estarão
ingressando no ensino superior.
Foi perguntado aos alunos, o que seria válido para um
aprendizado significativo no ensino de Biologia e como res-
posta 56,7% (n=21) enfatizam uma boa aula teórica seguida
de atividades práticas como o jogo seria válido para melhor
fixação do conteúdo, 37,8% (n=14) que nenhuma metodologia
será válida se o aluno não tiver o interesse de aprender e os
5,4% (n=2) restantes afirmam que só atividades práticas como
jogo seria suficiente para fixação do conteúdo.
Sobre a concepção da professora da disciplina quan-
do questionada sobre a metodologia utilizada em suas aulas,
a mesma respondeu que as aulas costumam ser teóricas no
quadro branco e com o uso de datashow, confirmando as res-
postas dos alunos. Quanto às aulas práticas, a mesma afirma
utilizar aulas de fácil aplicação sem precisar de muitos mate-
riais. Dentre as práticas realizadas, a professora cita a atividade
com jogos no conteúdo de genética “DNA comestível”. Relata
também que hoje é mais frequente esse tipo de atividade devi-
do ao programa PIBID que atua na escola, onde os estagiários
sempre aplicam atividades diferenciadas.
Quando questionada sobre a meta de abordar todo o
conteúdo proposto para o ano letivo, diz que não é possível,
pois há muitas programações extras, além da problemática de
ter apenas dois tempos de aula de cinquenta minutos na sema-
na para ministrar todo o conteúdo proposto. Com esse tempo,
diz a professora, não há condições de planejar aulas teóricas e
práticas para cada assunto, pois nem sempre o tempo permite
as aplicações das atividades práticas. Em sua opinião, para um

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aprendizado significativo é necessário sim, aulas teoricas se-


guidas de prática e dinâmicas, mas que o interesse do aluno é
fundamental para o aprendizado.
Conhecendo a concepção da professora, é possível
perceber que não é tão simples trabalhar as aulas práticas na si-
tuação em que estamos, é obvio que, se fosse fácil todos fariam,
mas em suas respostas encontramos algumas explicações, pri-
meiro, a carga horária de quarenta horas, 12 turmas, e em es-
colas distintas já nos dá uma visão desesperadora, visto que as
turmas ainda são de séries diferentes. Quantos planos de aula
são necessários para realizar essas atividades? Há tempo para
planejar?
Segundo Cardoso (2007) o aumento significativo de
alunos nas escolas públicas entre 1960 e 1970, em consequên-
cia da universalização do ensino, teve como resultado a lotação
das classes, adoção de professores com formação deficiente e
dificuldade na realização de atividades laboratoriais. Essa si-
tuação é o nosso reflexo e não temos tempo determinado para
resolver o problema, cabe ao professor fazer a diferença em seu
trabalho. Se todos buscarem ser o melhor, talvez seja possível a
mudança tão esperada.
Segundo Gasparin (2005), “... o educando deve ser
desafiado, mobilizado, sensibilizado; deve perceber alguma re-
lação entre o conteúdo e a sua vida cotidiana, suas necessida-
des, problemas e interesses, ele precisa dispor a aprender. De
acordo com Morais (1986) “... a vida é um caminho e ninguém
pode caminhar o caminho que é do outro”.
Conclusão
O jogo didático ou outra dinâmica, de fato faz a dife-
rença e os alunos gostam, no entanto, não terão um resultado
tão significativo quando não for combinada com a teoria, pois
a falta dessa combinação deixa muitas lacunas no aprendizado.
Para o ensino ter significado precisamos abordar o conteúdo
de forma completa e não fragmentada, isso fará diferença na

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educação e com certeza teremos outros resultados quando pro-


puser uma metodologia diferente daquela utilizado no dia-a-
-dia.
Percebemos que nem sempre uma atividade prática
como o uso do jogo será o suficiente para alcançar uma apren-
dizagem significativa, pois existem fatores que podem alterar
os resultados, como o interesse da turma em aprender e a falta
de estímulo da mesma, mas é uma metodologia eficaz que faci-
lita a aprendizagem do aluno, envolve a turma e se bem traba-
lhada com a teoria se torna mais dinâmica e interessante e isso
reflete um ensino mais prazeroso e significativo.
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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS:


UMA EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO

FALCÃO, Ildete da Silva1


MARINHO, Raira Karolina Lima2
OLIVEIRA, Ana Francinely Ferreira de3
Introdução
Inicialmente, o Programa emergiu do Projeto Grupo
de Estudos da Terceira Idade, iniciado no ano de 1999, que ti-
nha como objetivo gerar ações de ensino, pesquisa e extensão
voltadas para o sujeito idoso e as várias dimensões do envelhe-
cimento humano, por meio da articulação universidade/socie-
dade foi e continua sendo materializados. Atualmente, O Gru-
po de Educação na Terceira Idade (GETI), é um Programa da
Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Cas-
tanhal que atua há 17 anos no município de Castanhal - Pará,
em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e tem o
objetivo de desenvolver ações de Ensino, Pesquisa e Extensão,
voltadas para pessoas jovens, adultas e idosas.
Segundo Meire Cachione, evidências de pesquisas
mostram que as atividades voltadas para a qualidade de vida
1 Coordenadora do Programa Grupo de Educação na Terceira Idade
(GETI) e Técnica em assuntos acadêmicos, na Universidade Federal
do Pará (UFPA), Campus de Castanhal. E-mail: ildetefalcao@gmail.
com.
2 Discente do curso de Pedagogia 2014, Universidade Federal do Pará
(UFPA), Campus de Castanhal e bolsista no Grupo de Educação na
Terceira Idade. E-mail: marinhoraira@gmail.com.
3 Discente do curso de Pedagogia 2014, pela Universidade Federal
do Pará (UFPA), Campus de Castanhal e voluntária no Grupo de
Educação na Terceira Idade. E-mail: ana.ferreiraufpa@gmail.com.

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de idosos “propiciam benefícios na vida diária, promovem o


bem-estar, reavivam fatores motivadores para a aprendizagem
que estavam escondidos desde a juventude, bem como contri-
buem para a aquisição de novas habilidades cognitivas” (CA-
CHIONE, 2012, p.03). Assim, O GETI oferece três projetos:
Projeto de Educação Formal de Adultos e Idosos em parceria
com a Secretaria Municipal de Castanhal, que inclui o Ensino
Fundamental, 1ª e 2ª Etapa – EJA, de segunda à sexta-feira, das
14h até 17h30min; Projeto de Atualização Cultural que realiza
cursos de informática, palestras, dança e outros; o Projeto de
Bem-estar Físico com atividades de ginástica terapêutica, Ca-
poeira (capoterapia) e passeios.
A Pedagogia Freireana direciona o trabalho Pedagó-
gico do Programa ao estimular a autonomia, a troca de conhe-
cimentos entre alunos, professores e bolsistas; ao respeitar a
capacidade de cada um, o aprendizado é construído levando
em consideração suas experiências. Segundo Paulo Freire, ao
admitirmos que enquanto Educadores somos inacabados, in-
completos e em formação, nos tornamos seres éticos. “Não faz
mal repetir afirmação várias vezes feita neste texto – o inacaba-
mento de que nos tornamos conscientes nos fez sérios” (FREI-
RE, 1996, p. 59).
Ao valorizar a Autonomia dos alunos por meios de
suas ações, o GETI se torna cada vez mais ético e afirma dian-
te a sociedade, enquanto projeto de extensão, a sua seriedade.
É preciso dar voz aos alunos, escutar suas curiosidades, suas
contribuições e seus exemplos vivos. Portanto, o objetivo des-
se trabalho é relatar uma sequência didática, alusiva ao dia da
Consciência Negra, vivenciada no Projeto de Educação Formal
de Jovens, Adultos e Idosos, no mês de novembro, haja vista
que na turma existem alunos negros e descendentes africanos,
por isso, é importante ouvir seus relatos e experiências, sejam
elas negativas (preconceito) ou positivas. Inicialmente, essa
sequência didática foi elaborada com base em pesquisas fei-
tas por uma Professora, três bolsistas e uma voluntária, com

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foco na lei Nº 10.639/2003 que legitima a obrigatoriedade de se


trabalhar a cultura africana nas instituições de ensino funda-
mental e médio, nas escolas da rede pública e particulares. Para
tanto, foram consultados sites, materiais como: livros e DVDs
do Projeto A cor da Cultura; imagens, vídeos, gravuras e pe-
quenos textos que contam a história da Capoeira, uma vez que,
o programa oferece aos alunos aulas de Capoterapia.
Metodologia
O seguinte trabalho é resultado de um relato de ex-
periência vivenciado no Programa GETI, tendo como base a
Pedagogia Freireana, na qual direciona o trabalho pedagógi-
co do programa, haja vista que são utilizadas as reflexões de
Freire na construção deste artigo a partir do livro Pedagogia da
Autonomia: saberes necessários à prática educativa, e as aulas
foram preparadas para a turma da primeira etapa do ensino
fundamental.
Dessa maneira, foi realizada no Campus Universitário
de Castanhal, a semana da consciência negra, planejada e mi-
nistrada pela Professora, voluntária e bolsistas, com o objetivo
de informar e construir conhecimentos de maneira significati-
va sobre os saberes afro-brasileiro. Para preservar a identidade
dos referidos, usaremos os seguintes nomes fictícios (Professo-
ra Rosa, Bolsistas Cláudia, Maria e Renata, Voluntária Luisa e
Aluna Joana), de tal modo, as aulas planejadas foram presen-
ciais, com uso de recursos como data show, caixa amplificadora
de som e materiais para recorte e pinturas, proporcionando,
assim, aulas áudio visuais e dinâmica.
Para melhor entendimento da cultura afro-brasileira,
inicialmente, foi discutido por meio de apresentação oral de
slides os tópicos: contexto histórico, comidas, palavras, danças
de origem africana e celebridades nacionais e internacionais
negras. Os slides foram apresentados pela (Professora Rosa,
Bolsistas Cláudia, Maria e Renata e Voluntária Luisa) com as
devidas considerações dos alunos, nos quais poderão relacio-

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nar experiências do seu cotidiano com os materiais apresen-


tados, estabelecendo, assim, uma Pedagogia da Autonomia.
Nessa perspectiva Freire, “uma pedagogia fundada na ética,
no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando
(1996, p. 12)”.
Por conseguinte, é importante ressaltar as contribui-
ções que o Brasil teve na sua culinária por meio dos Índios,
Portugueses e Africanos, pois muitos hábitos alimentares vie-
ram no período de colonização no Brasil, bem como, algumas
comidas trazidas pelos escravos, como: acarajé, vatapá, polen-
ta, mungunzá, moqueca de camarão, angu, caruru, feijoada,
pimenta e azeite. A partir de então, surgiu a tradição de vender
comidas em tabuleiros pelas ruas, pois este era um costume
advindo da África para o Brasil e que até hoje é bastante usado,
principalmente na cidade da Bahia.
Também foi apresentado aos alunos palavras de ori-
gem africana, que são usadas pelos brasileiros. Ao abordarmos
a linguagem, os alunos perceberam o quanto temos raízes do
povo africano, pois todas as palavras que foram citadas eles
conheciam e utilizavam em seu cotidiano, por exemplo: aba-
dá: Túnica folgada e comprida; acarajé: bolinho feito de massa
de feijão; angu: massa de farinha de milho ou mandioca; axé:
saudação; azoeira: barulhada, bagunça; bagunça: baderna, de-
sordem.
Também foi falado o contexto histórico da capoeira,
na qual esta luta disfarçada de dança traz consigo lembranças
da repressão que os escravos sofreram dos senhores de enge-
nho. Os escravos perceberam que adaptando os golpes por mo-
vimentos de danças eles poderiam usar essa arte marcial, sendo
que, eles praticavam sempre nos terreiros próximos ou galpões
que serviam de dormitórios.
Foram feitas ainda atividades lúdicas, nas quais eles
puderam expressar sua criatividade por meio da pintura e da
colagem, uma delas foram as Máscaras Africanas. Que ficaram
expostas na sala, conforme a foto a seguir.

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Foto 1: Máscaras africanas

O momento mais importante da semana da Consciên-


cia Negra foram as apresentações dos vídeos relacionados à cul-
tura afro-brasileira, haja vista que foram por meio das histórias
dos vídeos que foi organizado as rodas de conversas, nas quais os
alunos puderam relacionar sua história com a dos personagens.
Nesse sentido, Freire contribui dizendo “por que não aproveitar
a experiência que têm os alunos” (1996, p. 17), por exemplo, fa-
zendo rodas de conversas, onde os alunos pudessem expressar
suas próprias histórias como cidadãos afrodescendentes.
Os vídeos apresentados foram: 1 - O preconceito cega,
em que a história passa em um supermercado com quatro per-
sonagens principais: um rapaz negro, um rapaz branco, um
segurança branco e uma balconista branca. Quando o rapaz
negro chega, imediatamente a balconista lhe observa e o segu-
rança pensa que ele é um ladrão, por isso, o segue pelos corre-
dores do supermercado, porém, não percebem que o ladrão é
o rapaz branco;
- eu visto a minha pele, no qual conta a história de uma
menina chamada Maria que sofria preconceito na sala de aula
por ser uma das poucas meninas brancas da escola; em síntese
o vídeo mostra uma inversão de papeis onde os negros que são
geralmente os oprimidos discriminam os brancos.

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- A menina bonita do laço de fita, nessa história a per-


sonagem não era discriminada pela sua cor de pele. A menina
ajuda seu amigo coelho que era branco a tornar-se preto, pois
ele admirava muito a cor da menina. No entanto, para que isso
acontecesse seria necessária a ajuda de sua mãe que contou ao
coelho que precisaria encontrar uma coelha preta e ter filhos
com ela, pois isso se tratava de uma questão de genética. Logo
em seguida, o coelho encontrou uma linda coelha preta, na qual
teve muitos coelhinhos, mas apenas um deles nasceu pretinho.
5 - A botija de ouro, que conta a história de uma escra-
vinha que não tinha nome e que encontrou a tal botija na qual
estava escondida há muitos anos dentro de um quarto escuro
onde ela se encontrava trancada de castigo; a partir de então,
seu senhor queria a botija e para isso acontecer, ele a colocou
no tronco, porém ela resistiu bravamente esperando a noite que
vem, até ela dar para o senhor e ele de tanto ganhar dinheiro
afundou sua casa e ficou gritando para que alguém o ajudasse,
no entanto os escravos gritavam: espera a noite que vem.
Resultados e Reflexões
Após a realização da sequência didática, alguns alu-
nos relataram casos de preconceito, deslumbre diante das pala-
vras corriqueiras que são de origem africana, admiração às co-
midas típicas e celebridades Nacionais e Internacionais Negras,
além de interesse pelos vídeos e máscaras africanas. Após ser
projetado o vídeo Eu visto a minha pele, a aluna Joana (nome
fictício) relatou que sofreu preconceito enquanto criança, por
parte dos seus colegas. Ela destacou que eles caçoavam do seu
cabelo que é crespo e por sua pele negra. Em seguida, outros
alunos relataram que também já sofreram preconceito.
Neste sentido, percebemos a contribuição daquela
aula para o Diálogo entre alunos, professora, voluntária e bol-
sistas. A autonomia permite justamente ao aluno a contação de
fatos e realidades, tornando-o assim protagonista de sua pró-
pria história.

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É neste sentido também que a dialogicidade verdadei-


ra, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem
na diferença, sobretudo, no respeito a ela é a forma de
estar sendo coerentemente exigida por seres que, ina-
cabados, assumindo-se como tais, se tornam radical
éticos (FREIRE, 2010, p. 60).

Após o relato da aluna comprovamos a citação de


Paulo Freire, que ao dar oportunidade aos alunos, contribuem
para o aprendizado de outros, sejam eles alunos ou professores,
pois somos seres inacabados, portanto a busca pelo conheci-
mento deve ser constante.
Os alunos também ficaram surpresos ao saberem que
palavras como: abadá, pinga, zoeira, caçamba, cachimbo, ca-
chaça e outras que são tão usadas no nosso dia-a-dia, são de
origem africana e a admiração era maior quando dávamos a
explicação e/ou significado inicial da palavra, por exemplo, a
palavra pinga inicialmente era usada pelos africanos quando
dentro das salas de preparo de cachaça o vapor se condensava
no teto, assim gotículas de cachaça pingava neles.
As comidas típicas e as imagens das celebridades Na-
cionais e Internacionais negras também despertaram o inte-
resse dos alunos. Eles não imaginavam o quanto da Cultura
e traços africanos nós brasileiros temos. Quanto aos vídeos e
as máscaras africanas, os discentes elogiaram o modo como às
histórias foram contadas e sentiram-se felizes por produzirem
suas próprias máscaras, conforme sua criatividade.
Ao proporcionar momentos de interação e diálogo
com os alunos os professores necessitam usar da criatividade
para que seja trabalhado um assunto ou tema, pois instigará
no próprio aluno a sua criatividade. Porém, é necessário estu-
do e pesquisa por parte do professor. Nessa perspectiva Freire
afirma que,
Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando.
Ensino porque busco, porque indaguei, porque inda-
go e me indago. Pesquiso para constatar, constatando,
intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso

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para conhecer o que ainda não conheço e comunicar


ou anunciar a novidade (2010, p. 29).

Enquanto professor e estudantes de Pedagogia preci-


samos encontrar possibilidades para problematizar dentro da
sala de aula assuntos que permitem a fala dos alunos. Nesse
intuito, elaboramos a sequência didática em alusão ao dia da
Consciência negra, haja visto que, o tema promove, “o conhe-
cer, o comunicar e o anunciar” (FREIRE, 2010, p. 29).
A própria lei nº 10.639/2003, oportuniza assuntos in-
terdisciplinares a partir da abordagem Freireana fortalecendo
a metodologia do Programa GETI. Esse trabalho não foi de-
senvolvido apenas para dar valor à lei e sim, construir conheci-
mentos com os alunos permitindo a discussão de uma cultura,
na qual, seus costumes estão enraizados na cultura brasileira.
Inclusive é por isso que a lei discute a respeito da relação cultu-
ral entre Brasil e África.
Conclusões e/ou Propostas
Os trabalhos desenvolvidos ao longo dos 17 anos do
Programa GETI, trouxeram e trazem reflexões sobre o enve-
lhecimento; aprendizagem sobre a Educação de jovens e adul-
tos; e fortalece a relação Universidade/ Sociedade. Deste modo,
a comunidade Castanhalense recebe ações educativas, físicas e
culturais por meio de seus três projetos, vinculados a Universi-
dade Federal do Pará, Campus de Castanhal. Cachione discute
a respeito em:
Os idosos não são aprendizes passivos, mas devem
contribuir ativamente para o seu próprio aprendiza-
do e, por extensão, para toda a sociedade. Durante
o processo educacional deve-se encorajar uma apro-
priação ativa e crítica, em vez do acúmulo estático
de conhecimento por parte das pessoas idosas. Pro-
va-se assim uma revisão na idéia de que a mudança é
uma prerrogativa dos mais jovens. A necessidade de
aprender é inerente ao processo de desenvolvimento,
mas para cada estágio há um significado próprio, que

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se expressa de uma forma peculiar e pela busca de


novos objetivos. (CACHIONE, 2012, p. 39-40).

No Projeto de Educação formal de jovens, adultos e


idosos, busca-se valorizar o aluno em fase de aprendizes que
trazem muitos valores de vida e moral. Despertando neles o
senso crítico, por exemplo, a pessoa idosa encontra muitas di-
ficuldades nas ruas, nas filas de caixas de bancos e até mesmo
em casa. Essas barreiras impostas dificultam a expressividade
do próprio aluno. Por isso, é de suma importância valorizá-lo.
Assim, a sequência didática em questão partiu da bus-
ca em conhecer mais sobre os nossos alunos e suas experiências,
não esquecendo jamais de seus conhecimentos prévios sobre a
cultura africana. Enquanto professores devemos possibilitar a
autonomia dos alunos. A partir da Pedagogia Freireana, os tra-
balhos e ações desenvolvidos no Programa têm alcançado essa
possibilidade ao valorizar o pensamento de cada aluno.
Durante a abordagem da Semana da Consciência Ne-
gra no GETI, percebemos o grande interesse dos alunos em
aprender mais sobre a cultura africana, uma vez que, os ma-
teriais utilizados proporcionaram uma melhor assimilação do
assunto proposto e trocas de experiências dos alunos com a
professora Rosa, as bolsistas e a voluntária.
Percebe-se que a apresentação deste trabalho reflete
o importante papel do GETI como um instrumento de cons-
trução do conhecimento, pois foi por meio deste grupo que
professores e graduandos descobriram a arte de ensinar, haja
vista que ensinar é uma especificidade do humano como di-
zia Freire e exige do educador posicionamentos autônomos,
de modo que o aluno esteja sempre à vontade nas aulas, para
que assim, ele possa se posicionar diante do que é ensinado. Os
alunos não apenas expectadores, são pessoas de direito e com
experiências.
Vale ressaltar, que a lei nº 10.639/2003 valida o ensino
da história e cultura afro-brasileira permitindo o estudo e a
pesquisa dos costumes africanos ainda presentes na sociedade

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brasileira. Discutindo a respeito com os alunos podemos ob-


servar alguns relatos da desvalorização dos traços negros (afri-
canos), mesmo que tenham ocorrido anos atrás (relato de uma
aluna) ainda estão vivos na memória. Portanto, não poderiam
passar despercebidos.
O autor Freire afirma que, “Ensinar exige respeito à
autonomia do ser educando” (2011, p.16). A abertura para o
diálogo na sala de aula proporciona o cumprimento da liberda-
de que o aluno tem de se expressar, pois é importante viver com
a diferença e não permitir, concomitante com Freire (2011, p.
20) “a superioridade da branquitude sobre a negritude (...) a
discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais
que se reconheça a fora dos condicionamentos a enfrentar”.
Uma vez que, enquanto aluno/professor/ser humano
coloco-me no lugar de protagonista de minha própria história
não permito que sejam violados os meus direitos e de outrem.
Faço valer a pena o direito de cidadão. E isso só será possível
se a cada dia, os costumes africanos forem disseminados nas
escolas da rede pública e particular.

Referências Bibliográficas

CACHIONI, M. Universidades Abertas à Terceira Idade como


contextos de convivência e aprendizagem: implicações para
o bem-estar subjetivo e o bem-estar psicológico. In: Revista
Temática Kairós Gerontologia, 15 (7), 23-32. Online ISSN
2176-901X. Print ISSN 1516- 2567. São Paulo (SP), dez.
2012. Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP. Disponível
em: <http//www.revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/
download/15227/11356>. Acesso: 25 mar 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

História e cultura africana/Afro-brasileira. Disponível


em: <http//www.histafricanafrobrasindigena.blogspot.com.
br/2009/11>. Acesso: 16 mar 2016.
BRASIL. Lei nº 10.639/2003. Dia Nacional da Consciência
Negra. Disponível em: <http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 10 nov 2015.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERCEPÇÕES E


CONTRIBUIÇÕES DE EDUCADORES DO
ESPAÇO RURAL

SOUSA LOPES, Maria Celiane


GUEDES DE AZEVEDO, Maria Deila
Introdução
Este estudo é resultado de uma pesquisa realizada na
disciplina educação do campo, que diante das discussões no
espaço acadêmico entendemos que seria necessário proble-
matizar a situação do educador no espaço rural. Diante disso
nos concentramos sob a fala de dois educadores que atuam no
território rural, um é atuante no município de Castanhal-PA,
e outro no município de Barcarena-PA, ambos moradores da
comunidade local em qual a escola está situada. Porém o forta-
lecimento deste estudo se deu evidentemente a partir de vivên-
cias nas escolas rurais do município de Castanhal-PA, com o
propósito de conhecer a realidade educacional deste espaço es-
colar. Estas vivências nas escolas rurais se deram com a incur-
são de bolsistas do programa de iniciação à docência (PIBID)
da universidade federal do Pará campus-castanhal do curso de
pedagogia. O programa de iniciação à docência (PIBID) finan-
ciado pela coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de ní-
vel superior (CAPES) com o apoio do ministério da educação
(MEC) objetiva aproximar as teorias estudadas com a realida-
de educacional praticada no território rural, assim:
O projeto busca enfrentar o histórico distanciamento
que há entre o curso de pedagogia e a realidade das
escolas do meio rural, através da inserção dos futuros
pedagogos no cotidiano vivido em instituições de en-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

sino instaladas naquele ambiente, de modo a propor-


cionar-lhes um olhar mais abrangente sobre a quali-
dade, o alcance e as finalidades das políticas públicas
de educação ofertadas aos povos do campo. (CRUZ e
RAMOS, 2013, 01).

O meio rural é contextualizado no processo histórico


da luta pela terra, de um lado grandes proprietários de terra
garantindo a manutenção do latifúndio, do outro, pequenos
colonos garantindo sua sobrevivência através da agricultura fa-
miliar tendo uma ligação direta com a natureza; neste cenário
o campo vem se configurando desde o período da colonização
até os dias atuais, que perspectiva finalizar o conflito da luta
pela terra com a efetivação da reforma agrária com a primazia
da terra para todos. Se tratando de luta pela terra, gostaríamos
de explicitar que o conflito exposto envolve não somente a luta
por grãos de areia, mas por meios de sua sobrevivência que
neste caso, provém da terra. Em meio a tudo isso o campo con-
tinua lutando contra o paradoxo “ Poucos com muito e muito
com poucos”. Na perspectiva de acontecer a descentralização
de terras minimizando as situações conflituosas no meio rural
será necessário que os direitos dos sujeitos do campo sejam
garantidos, como diz Reis (2011, p. 17):

Nessa perspectiva, os diversos movimentos sociais do


campo, têm se articulado, principalmente para fazer
valer os seus direitos, merecendo o devido respeito
por parte do governo federal e da sociedade nas suas
justas reivindicações, que dentro da legalidade preci-
sam ser atendidas.

Estes conflitos expostos anteriormente refletem dire-


tamente na educação, pois, educação praticada no meio rural
vivenciou e vivência um modelo de educação rural, aquele que
não contempla a realidade do aluno e nem permite que o edu-
cando reflita sua própria participação na vida da comunidade,
na medida que os educandos do campo são filhos de agricul-
tores, de extrativistas, quilombolas, ribeirinhos e demais que

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

vivem no campo. Isso causou um campo sem perspectivas de


estudo, trabalho e quiçá de vida, sentenciando sujeitos a um
único modo de vida. Tal situação é reflexo de contextos histó-
ricos que prepondera um modelo de sociedade planejada por
uma classe dominante.
Diante disso, apresentamos a proposta de educação
do campo por ser uma abordagem que se contrapõe a prática
de ensino que emana nos territórios rurais, a educação do
campo caracteriza-se por uma educação não diferenciada, mas
que exige um olhar conscientizado dos que efetivam o processo
educativo nos territórios rurais. A proposta emerge a partir de
lutas de movimentos sociais visando uma educação pautada na
realidade e nas vivências dos educandos do meio rural para que
de fato contemple as reais necessidades dos povos do campo,
promovendo que o sujeito seja capaz de refletir sua participação
no contexto em qual está inserido frente as situações que são
apresentadas durante nossa existência. A reivindicação de uma
educação que atendesse as necessidades dos sujeitos do campo,
surgiu dos próprios moradores do campo que não se sentiam
incluídos no processo educacional de suas próprias escolas tão
pouco de suas localidades, estas exigências foram apresentadas
principalmente por pessoas da sociedade civil em uma grande
organização denominada “ Por uma educação do campo”.

Desde o final da década de 1990, entretanto, existe no


Brasil um forte movimento denominado “Por uma
Educação do Campo”, integrado por diversos atores
representantes da sociedade civil e de setores do Es-
tado, que busca recolocar a educação das populações
que vivem no meio rural no centro das atenções dos
governos e da sociedade (CRUZ, 2010.p 22).

É importante ressaltar, que este movimento“ Por uma


Educação do Campo”, almeja uma educação que seja pensada
a partir do lugar onde vive, que esteja vinculada diretamente a
sua realidade local, contemplando sua cultura, identidade e ca-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

racterísticas políticas, econômicas e sociais (CALDART, 2002).


Além do movimento buscar recolocar a educação realizada
no meio rural na agenda política do país, contribui também
na construção de saberes para educadores e educadoras que
atuam no território rural.
A realização deste estudo se referenciam nas conside-
rações direta do educador Paulo Freire diante do eixo temático
o educador do campo e o processo conscientizador, posterior-
mente explicitamos a peculiaridade dos educadores entrevis-
tados, no qual um propõe toda sua prática ligada as propostas
políticas e pedagógica ao Movimento Sem Terra (MST), o ou-
tro evidencia sua prática diretamente aos elementos da natu-
reza.
As realidades educacionais vivenciadas por educadores no
meio rural frente ao processo conscientizador freireano

Ao ouvir pela primeira vez, a palavra conscientização,


percebi imediatamente a profundidade de seu signifi-
cado, porque estou absolutamente convencido de que
a educação, como prática de liberdade, é um ato de
conhecimento, uma aproximação crítica da realidade
(FREIRE, p.25. 1980).

É nesta perspectiva que compreendamos que seja as


vivências dos educadores do meio rural, a aproximação com
os saberes locais que constitui o educando. Deste modo, as
percepções e atuações dos professores do meio rural são
fundamentais na concretude da educação do campo; apreciar
o educador e educadora do campo deverá considerar esta
tarefa peculiar e dizer que, para atuar no ambiente rural
o educador deverá exercer sua nobre função, de maneira
sensível as condições de luta e de modo de sobrevivência do
cidadão do campo. Perceber como está a realidade do cenário
educacional rural brasileiro pelos próprios educadores do
campo nos permitirá avançar juntamente com eles sobre que
meios projetar para uma educação igualitária para todos.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

Compreender a realidade rural deverá ser o eixo fundante


na solidificação de conhecimentos acerca desta abordagem.
Lançar-se a conhecer a realidade de qualquer segmento exige
primeiramente o exercício da conscientização. Conscientizar-
se significa entender, em qual situação estamos? Por que
estamos? O que precisamos mudar nesta situação e quais os
processos adotados para mudar? Abordaremos a visão da
conscientização freireana, que propõe a partir da vivência dos
educadores uma prática ação-reflexão frente a realidade que
deparamos, neste caso, o encontro da abordagem educador do
campo ao olhar da conscientização de Paulo Freire, possibilita
relacionar a quão importância na tomada de consciência no
processo educativo.
Ao realizar uma entrevista com um professor do es-
paço rural de Barcarena-PA, e com a professora do município
de Castanhal-PA, observou-se em seus depoimentos o vasto
conhecimento sobre educação do campo, especificamente no
espaço em que atuam como educadores, neste contexto são
abordados temas relevantes como: desafios do contexto rural,
práticas pedagógicas e concepção sobre suas atuações no pro-
cesso educacional como podemos veremos a seguir:
"(...) Bom em geral a minha concepção sobre o pro-
fessor ela é muito vasta mais seca porque o professor
do campo ele não atende o currículo original do que
poderia ser um professor real no campo, falando no
campo eu tô falando também do professor ribeirinho,
o professor da floresta, porque muitos falam no cam-
po mais tem concepção de campo, onde haja estradas
e os caminhos e as auto – pistas mais existe muita gen-
te no meio da floresta que também necessita de estu-
dos e que muitas vezes não tem esse estudo porque
não tem incentivos (...)." (Professor entrevistado do
Município de Barcarena/PA).

Podermos evidenciar aqui, a visão crítica deste educa-


dor frente aos desafios do contexto rural o qual ele vive, neste
mesmo momento estamos retratando a diversidade de campos

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
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que, ainda com os progressos na política educacional, alguns


espaços a educação ainda não conseguem contemplar. O edu-
cador somente consegue realizar a autocrítica consistente do
seu contexto no qual é atuante, mediante sua própria partici-
pação no contexto que está inserido. Nisso também se baseia
o conceito de conscientização de Paulo Freire, na qual cons-
cientizar-se é tomar posse da própria realidade, porém não po-
demos refletir a nossa realidade apenas na base teórica, mas
na base da concretude. Quando o educador entrevistado diz
que sua concepção é vasta e ao mesmo tempo seca, destacamos
que é vasta compreendida do meio que ele vive, neste caso, da
floresta, mas ao mesmo tempo, é seca pois seus conhecimentos
não conseguem abranger as outras realidades contidas no meio
rural. Assim, é a partir de uma reflexão concreta sobre sua rea-
lidade que o homem se constrói como sujeito.
Tratando da relevância de conhecermos o contexto
espaço-temporal de nossas raízes, destacamos a fala da profes-
sora que afirma o local onde vive, qual contexto e sua proposta
educacional. Vejamos a seguir:
“A gente tá num assentamento agrário então não faz
sentido eu sempre dá aula dentro de sala, então eu
costumo sair muito ás vezes eu tenho uma autocrí-
tica assim comigo e fico me questionando será que
realmente tá surtindo efeito, se eles estão avançando
em uma questão mais política assim ,será que eu tô
conseguindo fazer essa práxis entre a realidade e o
conteúdo que eu tô trabalhando será que eles estão
assimilando bem o conhecimento científico de re-
pente criando uma militância um sem – terrinha, que
questione que lute pelos seus direitos.” (Professora en-
trevistada do Município de Castanhal-PA).

Novamente voltamos ao conceito da conscientização,


em que a professora reflete sua própria prática a partir de sua
realidade local. Um dos elementos do Movimento Sem Ter-
ra (MST), como princípio pedagógico que a educadora busca
fortalecer é a luta, que propõe além das reivindicações de seus

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

direitos e busca o fortalecimento da identidade “ sem terrinha”


dos educandos. O ato pedagógico da educadora, não permi-
te que o educar limite-se apenas na sala de aula, em seguida,
prioriza a ação de associar a prática com o conteúdo estudado
e com realidade vivenciada, assim o ato pedagógico realizado
baseia-se em um ato comprometido com o contexto histórico
destes educandos. Com efeito desta prática, associamos ao pro-
cesso de conscientização, que institui o ato da ação-reflexão, na
perspectiva de fazer e refazer o mundo. Freire (1980) nos diz
que quanto mais refletimos sobre situações conhecidas, mais
tomamos consciência. Nesta abordagem trataremos sempre do
conceito conscientização relacionado com o termo situações
conhecidas, porque podemos refletir somente sobre as coisas
que conhecemos.
É no conhecer da realidade que denunciamos os desa-
fios que os educandos enfrentam e que impactam diretamente
no trabalho do professor. Na condição de denúncia o professor
relata que:
“(...). Muitos alunos não têm condição de estudar por-
que a família necessita de ajudar financeira e através
dos frutos colhidos, vamos colocar como exemplo o
açaí, o buriti, o a bacaba o óleo do patauá, o pinduá o
caraná e muitas outras frutas é necessita de tempo e é
por safra então muitas vezes este aluno ele é forçado a
deixar de estudar por algum período de tempo. (...)."
(Professor entrevistado Barcarena-PA)

São nestes desafios que buscamos respostas, para so-


lucionar o problema citado, segundo o professor entrevistado,
uma das soluções estaria em manter um período de estudos
flexível as situações dos alunos, consideramos a resposta deste
educador autêntica, á medida que somente ele vivência esta si-
tuação e, portanto, é compreensível que este começa a recriar
uma nova realidade. Na perspectiva da denúncia e do anún-
cio apresentada por Paulo Freire, e confirmada pela entrevista
acima, caracterizamos neste momento, a produção de cultu-

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

ra, pois fazedor de respostas também è ser fazedor de história.


Ainda no contexto das respostas como mudança do cenário
que nos inquieta (Freire, 1980), concorda que, que o homem
se constrói enquanto sujeito, quando o mesmo cria resposta
diante de suas situações enfrentadas, porque dele são exigidos,
reflexão, eleição, decisão, organização e ação.
Este processo refere-se a uma educação crítica, como
ferramenta de transformação do ser humano e a continuida-
de da vida no campo. No contexto da criticidade, citaremos
o processo educativo das palavras geradoras, explicitada no
processo freireano da conscientização, que objetivam criar e
recriar atos geradores, deste modo, a professora entrevistada
declara suas atitudes sobre o método das palavras geradoras.
“Eu trabalho aquilo que veio das minhas origens minhas raízes
é o método Paulo Freire, a partir das palavras geradoras”. O
método das palavras geradoras admite um valor educativo que
é construído diretamente do conhecimento espaciais e sociais
alimentado pelo professor, compreender o método gerador é
pensar a realidade do educando a prática diante desta reali-
dade. Por isso Alarcão (2004) descreve que o conhecimento
dos contextos é essencial. Por isso, veremos a seguir relato do
professor entrevistado do município de Barcarena, que expõe
sua indignação no fato de alguns professores não conhecerem
a realidade em que os mesmos atuam.
(...) Os principais desafios é as pessoas urbanas passa-
rem no mínimo uma temporada originalmente como
as pessoas que moram lá no campo, as pessoas que
moram lá no ribeirinho as pessoas que moram na flo-
resta é a pessoa que acostuma andar descalço, pessoa
acostuma a não passar o rolon embaixo do braço e
sim o limão e daí sucessivamente, sentir a realidade
pra saber o que é a necessidade é através é desse de-
safio as pessoas aprenderem com os ribeirinhos, com
os da floresta, com os do campo como se anda como
se fala como se vesti como se alimenta todo um costu-
me, porque quebrando indo um professor do urbano
ele vai quebrar todo o costume toda uma linguagem

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

toda um cultura das pessoas que matem de gerações


em gerações ali guardado passado oralmente as suas
histórias seus dogmas né e toda essas situação se for
desta maneira nós vamos conseguir chamar atenção
das pessoas porque vai o professor urbano daqui com
palavras difíceis, os próprios natos não tem condições
de saber o que ele estar falando, se eu colocar a pra vo-
cês aqui situações de palavras de linguagem do campo
nós não vamos conseguir é nos comunicar, porque a
linguagem do campo é muito diferente da linguagem
da cidade (...).

O educador atuante no espaço rural apresenta situa-


ções diretamente ao processo da conscientização, absorvemos
elementos básicos neste processo, como a criticidade frente as
situações apresentadas, a partir da criticidade devolver o ato
da concretização acerca das situações que nos propomos agir
correspondente a uma ação libertadora.
Para a concretude do ato de educar o professor pau-
ta-se nos conhecimentos técnicos, científicos e sociais, o qual
constitui seus atos educativos como profissional e com seu es-
paço de trabalho, dispondo de um saber que acompanhe as
mudanças ocorridas na sociedade e que contemple novos estu-
dos acerca da educação. Porém antes de difundir sobre a per-
cepção dos educadores do campo algumas questões precisam
ser levantadas em relação a formação destes:
“Em meio a toda essa efervescência nas mobilizações
em prol de uma educação verdadeiramente voltada
para o atendimento das necessidades da vida do ci-
dadão e da cidadã do campo, surge uma inquietação:
as instituições de ensino superior, principalmente as
que se propõem a formar professores para atuar nesse
contexto, têm se sensibilizado às especificidades con-
cernentes à realidade do campo? (BARAÚNA, p, 294,
2009)

Os cursos superiores em educação, nos apresenta a


ausência de uma proposta curricular para quem almeje atuar
no espaço campesino, assim a deficiência na formação inicial

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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ISSN 2448-2072

implica diretamente na atuação docente. Deste modo, situa-


mos a inevitável função do professor na efetivação da proposta
educação do campo, é importante dizer que, não cabe somente
ao professor ser responsável pela garantia do direito á educa-
ção com qualidade, porém sua prática de ensino reflete direta-
mente nas atuações dos educandos podendo libertá-los ou até
mesmo escraviza-los em suas possibilidades de ação e refle-
xão. Portanto, seguindo a fala de Baraúna (2009), afirmamos
que além de um projeto educacional diferenciado é necessário
de profissionais que atuem efetivamente na realidade rural.
"(...) Às vezes eu me sinto muito só, mais isso não
me desanima porque a minha formação é muito cla-
ra, que me diz que a escola é um espaço em disputa,
quando tem as crianças em que os pais levam uma
vida nada fácil e isso me dá forças eu tenho que con-
tinuar assim baseada em teóricos em correntes filo-
sófica concretas, tem pensadores que que embasam
minha pratica docente e a partir disso eu garanto di-
reito a aprendizagem fortalecendo a identidade desse
aluno (...)" (Professora entrevistada do Município de
Castanhal-PA).

O relato da professora, surge de um cenário em que


a escola que a mesma atua, nasce da luta dos militantes do
Movimento Sem Terra, e atualmente a escola vai perdendo o
processo histórico deste movimento, além disso, a maioria dos
educadores que trabalham na escola são do espaço urbano.
Neste caso, este espaço torna-se um local em disputa, á medi-
da que cada um age de acordo com suas necessidades, sendo
assim as necessidades do educador que vive no campo, poderá
não ser as mesmas necessidades dos que vivem na cidade. Na
fala da professora, destacaremos a utopia, que indica o sinal de
uma esperança possível de ser alcançada, a utopia nesta oca-
sião seria o não se sentir sozinha quando almeja garantir a
aprendizagem e o fortalecimento da identidade deste aluno.
Diante da fala da educadora, Freire (1980) afirma que “ a cons-
cientização está evidentemente ligada a utopia. Quanto mais

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para


ser anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de
transformação.
Considerações
Tratar da educação do campo nas palavras de Paulo
Freire, indicou-nos o quanto a educação deste segmento ainda
vivência o quadro da opressão, mas também realiza significa-
tivamente o processo da conscientização. A correlação das fa-
las dos educadores entrevistados com o pensamento de Paulo
Freire, nos apresentam processos em que um esclarecimento
constitui o outro. Primeiramente nos deparamos com o fato
que podemos somente refletir sobre situação a partir de como
conhecemos a realidade. Assim como poderá um professor re-
fletir scerca da educação do campo sem o conhecimento do
contexto em que atua? No segundo momento foram significa-
tivos os anúncios e as denúncias pronunciadas neste estudo e
terceiro comtemplamos que o a utopia deve ser um processo
vivo permanentemente.
Ser professor é se lançar-se aos desafios conhecidos
do cotidiano que são frequentes no meio educacional em que
estão inseridos, o educador precisa buscar alternativas que
contribuam para aprendizagem do aluno e além disso, pensar
estratégias da articulação de saberes necessários para sua prá-
tica docente. O estudo em questão apresenta peculiaridades
na abordagem educador do campo, primeiro os educadores
entrevistados permitem uma ampla discussão acerca do fazer
educação do campo, ambos levantam a questão do desconten-
tamento de profissionais da educação que residem no espaço
urbano atuarem no espaço rural. Pois, é preciso considerar que
alguns profissionais da educação ignoram conhecer a realidade
educacional do próprio país e isso interfere significativamente
na qualidade de nossa educação. Em minha construtiva con-
cepção, o professor pode até não vivenciar o contexto rural,
mas se este for sensível a realidade educacional e buscar ter o

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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conhecimento das suas necessidades em suas ações pedagógi-


cas, acreditamos ser possível atender as precisões educacionais
das escolas do campo. Mas acreditamos que para educadores
que pretendem atuar ou já atuam no meio rural é imprescindí-
vel que estes não se ausentem das leituras de Paulo Freire, de-
vido ser o alimento do educador em marcha para a libertação
dos educandos por meio da educação.
Em todos espaços e tempos existirá contradições, mas
também sempre haverá flores, as flores são os educandos que
nos fazem sentir importantes no momento em que somos ins-
trumentalizadores do direito à educação, portanto a educação
não pode ser concretizada de qualquer jeito, mas com quali-
dade.
“Sejamos coerentes já é tempo”
(FREIRE, p.9. 1985)

Referências
Alarcão, Isabel. Professores reflexivos em uma escola
reflexiva. 3. ed. São Paulo, Cortez, 2004.
BARAÚNA. Rosemeire Silva. Formação de Professores e
Educação do Campo: análise de uma proposta de formação
superior e repercussões em um município baiano. Gestão
Educacional nos Municípios: entraves e perspectivas.
Salvador: EDUFBA, 2009. 366 p. ISBN 978-85-232-0586-7.
CRUZ, Carlos Renilton Freitas. Trabalho e Educação no
meio rural da Amazônia: A família e a escola como agentes
formadores. Tese de Doutoramento em Educação, ramo
de conhecimento Sociologia da Educação. Universidade do
Minho Instituto de Educação, 2010.
FREIRE, Paulo. Conscientização: Teoria e prática da
libertação: Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire.
3.ed.São Paulo: Moraes, 1980.
FREIRE, Paulo. Virtudes do educador. Centro de estudos em
educação.1985.

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
Educação Popular em Debate
ISSN 2448-2072

ANÁLISE SOBRE AS METODOLOGIAS DE


ENSINO DE BOTÂNICA NO TERCEIRO
ANO DO ENSINO MÉDIO DA ESCOLA
ESTADUAL NOSSA SENHORA DE NAZARÉ,
MANACAPURU-AM

ROSA-OSMAN, Sônia Maciel da


SANTOS, Edney Denes dos
Introdução
A palavra Botânica vem do grego botané, que significa
planta, que deriva, por sua vez, do verbo boskein, “alimentar”.
É o ramo das Ciências Biológicas que estuda as plantas (MI-
NHOTO, 2002). De acordo com Raven et al. (2007), a Botânica
ou biologia vegetal é a parte da biologia que lida com as plantas
e, por tradição, dos seres procariontes e as algas.
Desde cedo temos a aproximação com os conheci-
mentos botânicos, seja no dia-a-dia, quando muitas vezes pre-
paramos um chá de ervas ou algum remédio natural, ou quan-
do comemos algum alimento, estamos sempre em contato com
algo de procedência vegetal. Segundo Menezes et al. (2008), o
ensino de Botânica, atualmente, é marcado por diversos pro-
blemas, destacando-se a falta de interesse não só dos alunos,
mas também dos professores.
Para Ceccantini (2006) e Trivelato (2003), muitos
professores de Biologia fogem das aulas de Botânica alegando
dificuldades em desenvolver atividades que despertem a curio-
sidade dos alunos e mostrem a utilidade daquele conhecimen-
to no seu dia-a-dia, verificando a pouca importância que é atri-
buída aos conteúdos da área, além disso, os métodos de ensino

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Anais do I Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire da Região Norte:
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atuais, muitas vezes contribuem para o afastamento do aluno


aos conteúdos relacionados ao ensino de botânica.
Krasilchik (2008) afirma que dentre as modalidades
didáticas existentes, tais como aulas expositivas, demonstra-
ções, excursões, discussões, aulas práticas e projetos, como for-
ma de vivenciar o método científico, as aulas práticas e projetos
são mais adequados.
Nos dias atuais, com tantas opções de pesquisa e ins-
trumentos de ensino que contribuiriam e muito no ensino de
botânica em sala de aula, há um retrocesso nos métodos e nas
práticas de ensino, onde o livro e o quadro branco ainda im-
peram, em meio a tantas opções. Nestes livros, não há uma
adequação a realidade do aluno, que não tem total conheci-
mento na área, onde se verifica constantemente o uso de uma
linguagem muito formal e técnica, não havendo uma síntese
mais resumida e convincente que possibilite o aluno entender
o que é enunciado, tornando assim, o professor o principal me-
diador do conhecimento e a fonte esclarecedora das dúvidas
dos alunos.
Para Santos e Ceccantini (2006) o livro didático não
deve ocupar o lugar do professor. O que se verifica em sala de
aula é que na grande maioria das vezes, não se tem a preocupa-
ção por parte do professor em extrair ao máximos o potencial
de seus alunos, de modo que aflore o seu pensamento crítico
e investigativo, ficando sempre na tradicional “decoreba”, com
pergunta formulada com sua resposta devidamente pronta e de-
corada pelos alunos, fazendo com que o conhecimento seja para
o aluno como os versos de uma música, em que de tanto ouvi-la
acaba assimilando mesmo sem entender do que se trata.
Dentro de sala de aula o que se vê é que há certa bar-
reira entre professor e aluno, onde o professor é o centro de
todo o saber e onde muitas vezes não gosta de ser questionado,
e o aluno é tido como um mero receptor de informações, não
lhes dando as possibilidades para pensar, agir, expor suas ideias
e pontos de vistas, de ser também um centro de conhecimento,

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Educação Popular em Debate
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facilitando a aprendizagem e o entendimento do que é abor-


dado.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
nas ciências naturais e na educação contemporânea o conheci-
mento científico é fundamental, mas não suficiente, e não deve
estar restrito somente a conceitos, mas antes, possibilitar o acesso
à observação e à percepção do mundo real (MEC, 1999).
As experiências vividas por cada aluno e adquiridas
ao longo da vida, que poderiam ser mais bem trabalhadas, não
são levadas em consideração, nem a realidade de cada um, den-
tro de suas dificuldades e limitações. Não há uma preocupação
por parte do professor em se avaliar o conhecimento prévio de
cada aluno antes de se iniciar uma aula, nem ao menos se cada
um entendeu de forma clara e concisa, estando na consciência
do professor que tudo anda tranquilamente durante sua aula.
Ainda se tem a questão das práticas no ensino de botânica que
poderiam ser mais bem trabalhadas, atuando em conjunto
com a aula teórica, como forma de facilitar a compreensão dos
alunos e despertar o seu interesse pelo conteúdo. No entanto,
muitas vezes se estabelece barreiras para a realização de tais
aulas práticas, tendo como justificativas a falta de tempo para
sua realização, de materiais e de espaço adequados.
Nesse sentido, uma aula de campo, não se refere ape-
nas a fazer excursão na mata ou em parques, mas qualquer am-
biente diferente de sala de aula, podendo inclusive ser o pátio
da escola, as ruas do bairro ou os parques; que são lugares onde
os estudantes podem ser motivados a participar ativamente das
ações (PEREIRA; PUTZKE, 1996). O trabalho objetivou co-
nhecer a real situação do ensino de botânica dentro da disci-
plina de biologia nas turmas de terceiro do ensino médio da
Escola Nossa Senhora de Nazaré, bem como avaliar o interesse
e dificuldades dos alunos.
Metodologia
A presente pesquisa foi realizada na Escola Estadual
Nossa Senhora de Nazaré, localizada na Praça da bandeira, no

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município de Manacapuru-AM / Centro – SN, em dezembro


de 2014, inicialmente, foram feitas algumas abordagens com
alguns alunos do turno matutino e vespertino através de um
questionário, com questões relacionadas ao ensino de botânica
em sala de aula, as metodologias utilizadas, como são aborda-
dos os conteúdos, a compreensão e afinidade dos alunos pela
área, além de avaliar quais as dificuldades enfrentadas para o
entendimento de botânica.
De acordo com Gil (1999), o questionário se constitui
em uma técnica de investigação composta por questões apre-
sentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conheci-
mento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expecta-
tivas e situações vivenciadas, não sendo obrigatória a identifi-
cação dos sujeitos, o que proporciona uma maior liberdade de
respostas.
Após a aplicação desse questionário, foram então sele-
cionadas 5 turmas de terceiro ano da escola, sendo 2 turmas do
turno matutino (3° ano 01 e 3° ano 03) e 3 turmas do turno ves-
pertino (3º ano 05, 3° ano 09 e 3° ano 10), onde foram escolhidos
16 alunos de cada turma, totalizando 80 alunos entrevistados,
que foram escolhidos de forma aleatória para responderem ao
questionário. Sendo que o questionário foi entregue e respon-
dido em sala de aula pelos alunos, mediante a aprovação do
professor ministrante de biologia. A partir disso, foram quan-
tificados todos os resultados obtidos na amostragem, dividin-
do-se os alunos por turma e faixa etária, tirando-se todas as
porcentagens das respostas de cada pergunta do questionário
para posteriores análises.
Resultados e Discussão
No total foram entrevistados 80 alunos distribuídos
na faixa etária de 15 a 20 anos (Tabela-1). Os alunos concluin-
tes da Escola Estadual Nossa Senhora De Nazaré, estão em sua
grande maioria, dentro da faixa etária considerada adequada,
próximo dos 17 anos, supondo que inicie o ensino fundamen-

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tal aos 6 anos e demore 11 anos para chegar no terceiro ano do


Ensino Médio.
TABELA 1 – RESULTADO EM NÚMERO E PORCENTAGEM DE
IDADE DOS ALUNOS FORMANDOS

FAIXA ETÁRIA PORCENTAGEM


15 ANOS 1%
16 ANOS 1%
17 ANOS 22%
18 ANOS 51%
19 ANOS 24%
20 ANOS 1%
Quando questionados se os conteúdos relacionados à
área de botânica são abordados na disciplina de Biologia 70%
(n=56) dos alunos afirmam que sim e o restante 30% (n=30),
que às vezes. Neste aspecto, segundo as Orientações Curricula-
res para o Ensino Médio, tendo em vista a elevada importância
das plantas, a Botânica é reconhecida como uma das discipli-
nas da Biologia que deve ser ensinada no ensino fundamen-
tal e Médio, favorecendo a compreensão das relações do ser
humano com a natureza e da importância das plantas para o
ecossistema (BRASIL, 2006).
O que se nota é que os conteúdos de botânica são
de certa forma, abordados em sala de aula pelo professor, no
entanto, deixa uma dúvida por parte do aluno, de como estes
conteúdos são trabalhados, revelando uma indecisão sobre se
a quantidade de conteúdo que é ministrado é suficiente para
atender a demanda e os anseios dos educandos pela área. A
Botânica, embora pouco notória no ensino fundamental nas
escolas, é uma disciplina constitucionalizada dentro da Biolo-
gia, sendo considerada uma área interdisciplinar, cujos obje-
tos de estudos também contribuem a outras áreas biológicas
(SANTOS; CECCANTINI, 2006).

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Os conteúdos da área de botânica na escola, quase


sempre são abordados de forma superficial e normalmente
junto com os conteúdos de ecologia, que são abordados no
final do quarto bimestre. Isso se justifica pelo fato de que, os
assuntos dentro da área de botânica não estão incluídos na
grade curricular do terceiro ano da Escola, sendo antão abor-
dados juntamente com ecologia, por iniciativa dos próprios
professores, para que não deixe de se abordado em sala de
aula, tais conteúdos que por via das regras, deveria ser traba-
lhado nas turmas.
Para Backes e Irgang (2002), em plena era de globa-
lização de um mundo sem fronteiras, e da massificação eco-
nômica e cultural, a valorização e o resgate da nossa flora é
fundamental para a preservação do imenso patrimônio am-
biental e cultural do Brasil. Trazendo a discussão para a sala
de aula, onde muitas vezes o aluno se pergunta qual a impor-
tância do estudo de botânica, o que se justifica pelo interesse
cada vez maior em se conhecer a flora nacional, com a sua
biodiversidade e as várias aplicações que facilitem a vida do
homem.
A respeito da utilização de aulas práticas no conteú-
do de Botânica verificou-se que 26% dos alunos afirmam que
sim e 74% dizem que não. As Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para os Cursos de Ciências Biológicas preconizam que o
ensino de Biologia deva privilegiar as atividades obrigatórias
de campo, laboratório e a adequada instrumentação técnica.
No entanto, isso nem sempre ocorre em se tratando das meto-
dologias utilizadas em sala de aula, em que muitas vezes se es-
barram nas dificuldades físicas das próprias escolas, ou então
nas dificuldades de deslocamento para uma prática realizada
fora do ambiente escolar.
Uma das metodologias que podem ser utilizadas nas
aulas de Botânica são as aulas práticas ou experimentais. Exis-
te uma crença muito forte, por parte de alguns professores, de
que as mesmas constituem atividades excelentes para facilitar

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a aprendizagem de Botânica, pois despertariam um maior inte-


resse e participação dos alunos (BIZZO, 2007).
Neste sentido, as aulas práticas contribuiriam para fa-
cilitar no processo de aprendizagem, no entanto, como pode
ser visto pelos dados da tabela, as respostas dos alunos são bem
contraditórios sobre a utilização deste tipo de metodologia na
escola, cabendo à maioria afirmar que não há a utilização de
alguma prática distinta da tradicional forma de ensino vigente
na maioria das escolas.
Em grande parte, estas contradições se justificam pelo
fato de que muitas vezes o aluno não considere algumas ativi-
dades realizadas em salas de aula, como sendo aula prática, pela
crença de que aulas práticas só ocorrem fora da sala de aula,
seja no laboratório, parque e excursão. Sendo assim, os alunos
demonstram desconhecer sobre o significado de uma aula prá-
tica, embora haja até um esforço do professor em oferecer algo
diferenciado.
Ao abordar que tipos de metodologia são utilizadas na
sala de aula pelo professor 24% dos alunos citam as aulas exposi-
tivas, 42% comentam de aulas dinâmicas com debates, 34% das
feiras de ciências e nenhum deles citam aulas em laboratório.
Amaral (2006) afirma que as metodologias utilizadas pelos pro-
fessores de Biologia do Ensino Médio são aulas expositivas, com
utilização de livros e com avaliação em forma de prova escrita.
O livro didático é um instrumento importante para o
ensino formal e apesar de não ser o único material que possa
ser utilizado em sala de aula, é uma ferramenta decisiva para a
qualidade do aprendizado advindo do ambiente escolar (LAJO-
LO, 1996). Entretanto, o professor não deve ser refém do livro
didático, procurando sempre se atualizar e buscar novas infor-
mações, seja em revistas cientificas ou na internet, uma vez que
em se tratando de ciências, as regras, as classificações e os con-
ceitos e definições não são imutáveis, cabendo ao professor estar
atento a estas mudanças que surgem ao longo dos anos, com as
novas descobertas e pesquisas.

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Foram verificadas uma diversidade de formas de me-


todologias, que vão desde aulas expositivas, com a utilização
do livro, apostilas e a internet, como instrumentos para pesqui-
sa e fonte de informação, além das frequentes feiras de ciências
que ocorrem anualmente, onde os alunos da escola têm que
apresentar e discutir sobre determinado tema, juntamente com
uma prática.
Neste contexto, Vasconcelos et al. (2002), relata que
vivemos no Brasil uma situação paradoxal quanto ao ensi-
no de Ciências e Biologia, pois, apesar de ninguém ser capaz
de negar a importância social de abordar, em todos os níveis
pedagógicos, o conhecimento científico e biotecnológico, na
prática cotidiana das escolas este ainda tem sido o mais au-
sente.
É importante que o professor, além das aulas formais,
utilize aulas práticas, como recurso para desenvolvimento da
atitude criadora do aluno (VASCONCELOS; SOUTO, 2003).
O que já é observado na escola, com as já mencionadas feiras
de ciências, incentivando a pesquisar sobre o assunto, desen-
volvendo uma prática dentro disso, possibilitando conhecer
um pouco mais sobre as plantas.
Também foram consultados sobre a compreensão
dos conteúdos de botânica e 100% dos alunos afirmam que
entendem e nenhum deles responderam que não compreen-
de. A atuação do professor é extremamente necessária, pois é
ele quem vai guiar o aluno por um determinado caminho a
ser percorrido até a obtenção por parte dele do conhecimento
(KRASILCHIK, 2008).
Neste quesito, se nota uma unanimidade por parte
dos alunos quanto à compreensão dos conteúdos referentes à
botânica que é trabalhado em sala de aula. Na maioria das ve-
zes o professor se utiliza de alguns instrumentos que facilitam
a compreensão daquilo que é ministrado. Dentro de sala, são
utilizados, projetores, notebook e ilustrações que facilitam o
processo ensino-aprendizagem.

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Além disso, a Escola Estadual Nossa Senhora de


Nazaré, abriga alguns projetos de formação de professores,
dentre os quais se destaca o PIBID (programa de bolsa de
iniciação à docência), que abrange vários alunos universi-
tários dos cursos de Biologia e geografia, e estes trabalham
em sala de aula com os alunos, desenvolvendo aulas com
metodologias de ensino diferenciadas, com aulas práticas,
que se constitui em um mecanismo de apoio ao professor
e contribui para a aprendizagem de botânica por parte dos
alunos.
Quando questionados sobre a afinidade ou se o aluno
se identificava com os conteúdos que eram ensinados na área
de botânica verificou que 82% responderam que sim e 18%
afirmam não gostar da área. A afinidade pela área é um fator
importante para despertar no aluno o interesse pelo conheci-
mento. A maioria dos alunos demonstraram haver um interes-
se pela área de botânica, evidenciando que existem todos os
motivos para não serem incluídos na grade curricular, dada a
sua importância bastante ressaltada e os anseios por parte dos
alunos para a abordagem deste assunto.
O fato desses seres não interagirem diretamente com
o homem e serem estáticos, ao contrário dos animais, pode
justificar o distanciamento dos estudantes (KINOSHITA et.
al., 2006). Nota-se que uma parcela dos educandos, manifesta
pouco interesse pela área, o que talvez se justifique pelo pouco
conhecimento ou então por simplesmente não se identificarem
com a área, levando a crer que se trata de um grupo de seres
vivos que não tem toda a importância que é atribuída aos inte-
grantes do reino animal.
Os alunos também foram questionados se existe al-
guma dificuldade por parte do aluno para o entendimento e
aprendizagem de botânica, e quais são essas dificuldades que
fazem com que a compreensão dos conteúdos se torne mais
difícil. Nesse quesito 74% dos alunos responderam não ter di-
ficuldade e o restante 26% afirmam que possuem, justificando

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pela ausência de aulas práticas, linguagem difícil, falta de vín-


culo com a realidade e excesso de conteúdo (Tabela 2).
TABELA 2 – QUESTÃO A RESPEITO DA DIFICULDADE DE
APRENDIZAGEM.

RESPOSTA PORCENTAGEM
NÃO 74%
AUSÊNCIA DE AULAS PRÁTICAS 4%
LINGUAGEM DIFÍCIL 15%
SIM
FALTA DE VÍNCULO COM A REALIDADE 1%
EXCESSO DE CONTEÚDO 6%

De modo geral, há uma dificuldade em se ensinar Bo-


tânica e isso também é refletido nos alunos como dificuldade
de assimilação do conteúdo (PINTO, 2009), apesar disso, se
notou que os alunos em sua grande maioria, afirmam entender
sobre o que é ensinado em sala de aula sobre os conteúdos bo-
tânicos. No entanto, se verifica que uma parcela dos estudantes
ainda tem certa dificuldade para compreender a botânica.
Por outro lado, o ensino de Botânica utiliza-se de uma
lista de nomes científicos e palavras da qual não fazem parte da
realidade dos alunos e professores da educação básica (CRUZ
et al., 2009). Se destacando como o principal motivo para a
dificuldade no entendimento de botânica, em que muitas vezes
os conteúdos presentes nos livros didáticos são repletos de ter-
mos e expressões pouco conhecidos pelos alunos, não se ade-
quando a sua realidade.
A aquisição do conhecimento em Botânica é preju-
dicada não somente pela falta de estímulo em observar e in-
teragir com as plantas, como também pela precariedade de
equipamentos, métodos e tecnologias que possam ajudar no
aprendizado (ARRUDA; LABURÚ, 1996).
Ainda se nota que 4% dos alunos relatam não haver
aulas práticas, 6% relatam que há um excesso de conteúdo den-
tro de botânica, enfatizando que estes conteúdos deveriam ser

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resumidos. E em 1% dos casos, pelo fato de não haver um vín-


culo com a realidade do aluno, em que muitas vezes, são apre-
sentadas plantas de outros locais do Brasil, que não ocorrem
aqui na região Amazônica.
Conclusão
O ensino de Botânica atualmente, enfrenta uma série
de desafios que vão desde problemas estruturais da escola, que
não propiciam uma prática adequada para os alunos, como
também pela metodologia apresentada pelo professor, e até
mesmo na dificuldade em se encaixar tais conteúdos na grade
curricular da disciplina, enfim, são inúmeros desafios que sur-
gem para o ensino de Botânica, cabendo ao professor o papel
de mediador para estimular o aluno a aprender e querer saber
mais sobre a botânica, com suas aplicações e benefícios para a
humanidade.
Diante desta realidade é extremamente importante
que os conteúdos de botânica, especialmente o estudo relacio-
nado às Briófitas, Pteridófitas, Gimnospermas, Angiospermas
e Reprodução das Plantas, sejam abordados em sala de aula
com mais intensidade, destacando-se a necessidade de que es-
tes conteúdos fossem incluídos na grade curricular da Escola
Estadual Nossa Senhora de Nazaré. Isto contribuiria na forma-
ção dos estudantes, proporcionando um conhecimento em que
muitos só terão acesso no Ensino Médio, facilitando assim, a
compreensão destes conteúdos essenciais para o conhecimen-
to de nossa flora e dos Ecossistemas Amazônicos e o interesse
pela área de Botânica.
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de ensino superior no Brasil inteiro, fun-
damentalmente no norte do país. A obra
do autor Paulo Freire é fonte inspiradora
para desenvolver uma educação de quali-
dade e socialmente comprometida com a
transformação social na nossa visão.

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