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A Arte do Diagnóstico

O rouxinol de Lacan
JAOUES·ÃLAIN MILLER

Dada a atualidade do tema do diagnóstico em psicanálise, recentemen­


te analisada no Encontro Americano em Buenos Aires, a Carta de São
Paulo publica este texto, voltando a publicar a entrevista exclusiva de
Jacques-Alain Miller a Jorge Forbes e Mareio Peter de S. Leite no pró­
ximo número.

este lado do ensino: as referências.


Isto está na vertente da acumulação
ou da erudição e se trata de estar atuali­
zado ou bem informado, sem descartar
duas vertentes do ens;no, - quando repetimos - a seleção.
a acumulação e a investigação Mas há outra vertente do ensino, já
Uma parte de todo ensino é repetição. que não se ensina somente repetindo.
Esta parte não deve ser descartada nem Esta outra vertente é a investigação.
desprezada: repetir o que já foi dito e Investigação é pesquisa. pesquisa do
acumulado por aqueles que vieram an­ novo. É verdade que para ter a idéia do
tes de nós. novo é necessário conhecer o acumula­
Sabemos da importância de estabele­ do. Pesquisar é buscar, espera� o novo.
cer bibliografias. atualmente facilitado pela Sendo assim, há uma dialética entre es­
informática. tanto que existe um disquete tas duas vertentes. Costuma-se dizer:
com toda a literatura psicanalítica america­ "espere o novo". procure o bom encon­
na. Este disquete, que encontrei no Con­ tro. o achado. Isto obedece a um outro
gresso da IPA, contém todos os números regime diferente da repetição docente
do The lnternational Journal do Journal of pois naquela vertente estamos na con­
American Psychoanalysis Asociation. Além tingência onde não há segurança.
disso, graças a este disquete ou num site Na repetição temos segurança, mas
da Internet. é possível pesquisar sobre um na vertente da pesquisa não. Esta somen­
termo ou conceito da psicanálise e em te pode ser tratada, como nas "ciências
poucos segundos ter as referências neces­ duras", organizando lugares e produzindo
sárias. Isto é, a prática da bibliografia se encontros, lugares onde idéias e pesso­
torna mais fácil mas, ao mesmo tempo, as se cruzam e se manifestam ao azar.
cada vez menos é uma disciplina própria Isto é tão importante como tudo aquilo
de cada um. Porém, é preciso respeitar que diz respeito ao sistemático.
É a esta vertente que me dirijo deixan­ reconquistar a cristandade. Por extensão,
do de lado todo o sistemático, o funda­ a partir deste sentido moderno. tomou o
mental que sustenta toda a atividade, mas sentido geral de ser o lugar onde os jo­
que somente interessa na medida em que vens são formados. Tudo isto o encontrei
dá lugar ao a-sistemático e ao singular. num dicionário da língua francesa que se
deteve em detalhar este ponto.
A pesquisa de Lacan Podemos continuar a história da pala­
vra seminário no seu sentido moderno:
Começarei falando de uma singulari­ na Universidade um Seminário é distinto
dade. Da busca de Lacan sob a forma de de um Curso Magistral. Naquele, os alu­
seu Seminário, que era seu aparelho de nos apresentam trabalhos e o professor
ensino. Nunca teve outro e nunca o des­ ou mestre os orienta ou corrige e con-
cartou como aparelho, mesmo A Clínica de Agnew (1889) de Thomas Eakins
que tenha tido sua Escola.
A seguir farei algumas refle­
xões sobre o singular como tal,
sobre algumas generalidades
sobre o singular. Para preservar
este aspecto darei à palestra
desta noite um título borgeano:
O rouxinol de Lacan (há um tex­
to de J. L. Borges, ao qual aludi­
rei, que se chama: O rouxinol de
Keats).
Lacan, na verdade, teve ape­
nas somente um aparelho de
ensino: seu Seminário. Provavel­
mente a existência durante trinta
anos do seminário de Lacan tenha contri­ versa publicamente com eles. Os alunos
buído para fixar este conceito na língua são "trabalhados", dirigidos a partir de
francesa. No latim clássico, seminarium, uma ordem superior. É isto o que se cha­
é uma horta. Seminare vem de sêmen. O ma de Seminário no âmbito universitá­
sentido moderno da palavra Seminário rio. Creio que esta forma de ensino. o
tem sua origem na Contra-reforma (ou Seminário, vem da Alemanha. Creio ter
seja, um lugar, uma instituição da religião lido, nas memórias de um historiador, que
onde os jovens são preparados para rece­ foi introduzido na França depois da guer­
ber as ordens religiosas). O moderno sen­ ra (contra a Alemanha, que a França per­
tido do Seminarium é criado no Concílio deu) de 1870, mas que imediatamente
de Trento, na Contra-reforma, quando a depois os franceses começaram a rou­
Igreja católica buscava os aparelhos para bar idéias da Alemanha com a finalidade
de fortalecer as estruturas francesas de Tratava-se de um procedimento? Era um
tal modo que em muitos campos do en­ método? Não parece. Penso que foi um
sino os métodos alemães se impuseram. grande sucesso porque não se tratava nem
É o que Renaud ou Renault (?) (1) acon­ de um procedimento nem de um método.
selhava à França: ser aluna dos alemães. Uns podem classificá-lo como procedimen­
Coisa que se impôs em muitos campos to, avaliar seus resultados, como se fosse
da intelectualidade. uma técnica mas, claramente, o Seminário
Consideremos agora o Seminário não era uma técnica de Lacan.
como forma de ensino. Começou como um Seminário de lei­
Não podemos dizer que as interven­ tura da obra de Freud. Os dez primeiros
ções dos alunos tivessem um grande lu­ têm sempre como referência um ou dois
gar no Seminário de Lacan. Estas inter­ livros de Freud. O ponto de inflexão foi o
venções apresentam mais um caráter Seminário XI quando Lacan avalia os qua­
residual. No entanto, periodicamente tro grandes conceitos freudianos. apre­
Lacan tratava de reanimar os participan­ sentados de uma nova maneira. Mais
tes e os incitava a perguntar ou a apre­ tarde se afastou um pouco do estilo de
sentar alguma comunicação, mas, fun­ Seminários de leitura.
damentalmente, no seu Seminário é Lacan teve um modelo. Não de todo
Lacan, o mestre, quem fala. Isso produ­ original. Este modelo, penso eu, teria sido
ziu. na França quase que uma mudança o Seminário de leitura de Hegel que
de sentido ou pelo menos afrouxou o li­ Kojêve animara nos anos trinta. Já nessa
mite do que seja um Seminário. época, o Seminário de leitura de Kojêve
Mas é preciso também dizer que o era uma recriação de Hegel. Era uma lei­
Seminário de Lacan está bem nomeado turó criativa, uma escanção, uma pontu­
porque foi um sementeiro de psicanalis­ ação da Fenomenologia do Espírito a par­
tas, um lugar de formação para a psicaná­ tir da dialética do Amo e do Escravo. Uma
lise e para as formações do inconsciente. leitura criativa que foi pregnante até o
Pode-se dizer: um lugar de formação para ponto que somente agora os
o inconsciente e para o tratamento do in­ comentadores tratam de se desprender
consciente pela psicanálise, e, com resul­ da força da interpretação de Kojêve.
tados, por assim dizer, famosos, porque A leitura de Freud feita por Lacan tam­
dentre os psicanalistas formados no Se­ bém foi uma leitura criativa, uma leitura
minário de Lacan, há muitos presentes em a part:r do campo da linguagem e da fun­
todas as sociedades analíticas da França. ção da palavra, ou seja, a partir do que
Se considerarmos sua publicação, pode­ pareci3 ser uma ciência piloto para as di­
se dizer que foi um sucesso de formação tas "ciências humanas" nos anos 50: a
intelectual e da prática. Isso implica na lingüística estrutural. Desta forma, o pon­
necessidade de que olhemos como com to de partida foi uma leitura de Freud a
uma lupa o que foi esse maravilhoso dis­ partir de Saussure revisado E! reeditado
positivo de Lacan. por Jakobson. É verdade, é urna fórmula
inventada por Lévi-Strauss e não por minho em direção à cientifização da psi­
Lacan. Então, para sintetizar, o Seminário canálise; e no esforço de Lacan havia algo
de Lacan foi inicialmente um seminário disso, mas a perspectiva da re-invenção
de leitura, teve como modelo Kojéve e desloca esta. a da cientifização.
funcionou como leitura criativa a partir da Lacan obteve um extraordinário efei­
lingüística estrutural. to de formação, de disseminação e de
Porém, o Seminário de Lacan era ou­ fecundação da psicanálise mostrando-se
tra coisa. a si mesmo em luta com um objeto e
Foi, dia após dia, ou semana após se­ com uma dimensão que não dominava
mana, o discurso de alguém que se agi­ totalmente. Uma dimensão que tem sua
tava em torno do inconsciente. Alguém consistência e sua resistência própria. À
que manifestava que a psicanálise era, primeira vista, pode-se pensar que Lacan
ao mesmo tempo, sua prática e sua difi­ demonstra seu domínio do tema, mas
culdade, sua preocupação. Alguém que não, ao perceber sua continuidade, se
expunha como ele tratava de fazer com demonstra, ao contrário, a resistência do
esta disciplina e este objeto; como se saber e um certo fracasso no domínio de
embrulhava e tratava de se desembara­ um real. Parece-me patente esta de­
çar. O que se captava era precisamente monstração do fracasso do domínio.
este movimento de se embrulhar, de se Lacan sempre remodela. mobiliza e nun­
atrapalhar e de se desembaraçar. É evi­ ca diz "está pronto" sobre ponto algum.
dentemente que se está muito longe de Quando algumas vezes o diz. desmente
qualquer idéia de método de ensino. pouco depois.
No Seminário, Lacan dava conta, a par­ O que se trata de preservar é esta di­
tir dos textos de Freud e de outros, de mensão de insatisfação. Embora possa
sua maneira de fazer. a qual claramente estar justificado, não vamos acrescentar
mudava à medida que o tempo passava. um setor especial: o setor da insatisfa­
Ele modificava sua maneira de fazer, de ção. Seria o setor onde se diz que não há
tal modo que conseguia transmitir a psi­ nada satisfatório no programa, nem nos
canálise como disciplina mas a métodos nem no que se consegue. Se­
reinventava à sua maneira. É claro, nem ria o setor onde nunca se diz: "está pron­
sempre foi assim. Nos primeiros tempos to". A insatisfação deve estar por toda
de seu ensino o apresentava à maneira parte, por isso não precisamos criar um
estruturalista, ao modo do "é desta for­ setor específico para ela.
ma. " Mas agora, nós que temos uma
visão de conjunto da totalidade de seu Justificar-se como analista
caminhar, podemos perceber na evolu­ e o trabalho do desejo
ção de suas proposições o caráter de re­
invenção, de uma maneira particular de O Seminário de Lacan não era um
fazer. Com certeza, seria mais confortá­ método. Podemos ir mais longe quanto
vel apresentar seu ensino como um ca- a isto. Este seminário, assim o creio, era
feito por alguém que se justificava. Era pósito, foi recopilado, tornou-se para nós
ministrado por alguém que quiçá quises­ o O utro ao qual ele se dirigia.
se ser perdoado por exercer a psicanáli­ A via régia para aceder ao inconscien­
se. Às vezes, isto se perde no pós-analí­ te foi o sonho, segundo Freud. O Semi­
tico dos analistas, mas para Lacan havia nário de Lacan, para várias gerações, foi
um certo pecado em praticar a psicanáli­ a estrada real para aceder à psicanálise,
se·: de pretender, no profissional, ter um na medida em que não era um procedi­
domínio de um real que não se presta a mento, não era um método, mas na pro­
ser dominado. dução do seminário se jogava algo do
De tal maneira que, a psicanálise desejo e da culpa.
como impostura, que Lacan enunciou no Ao mesmo tempo Lacan criou uma lín­
final de sua vida. é o que o anima a apre­ gua especial para falar do inconsciente da
sentar-se toda semana frente à audiên­ psicanálise, uma língua especialmente ade­
cia, frente ao grande Outro. para defen­ quada para captar e circunscrever os fenô­
der sua causa. menós da psicanálise. Esta língua especial
É preciso não esquecer que foi ele se impõe agora como máximas da psica­
mesmo quem inventou o conceito de nálise; fora do círculo dos alunos imedia­
grande Outro. É preciso pensar que ele tos de Lacan. Esta língua, a criou a partir
tinha uma certa relação com o não seme­ de elementos que tomou do discurso ci­
lhante a quem alguém se dirige e que, ao entífico, porém, reconstruídos para torná­
mesmo tempo que é o lugar para onde a los conforme ao objeto do qual se trata.
mensagem se dirige, é também, em cer­ A idéia de Lacan, com segurança, era
to modo, o autor. O grande O utro tem a de fazer uma transcrição da obra de
duas caras. Por um lado, ao ser distinto Freud que pudesse reanimar o campo da
do pequeno outro é uma função que pa­ psicanálise e obter, assim, uma língua
rece anônima, universal e abstrata. Mas, mais adequada à psicanálise. Pode ser
ao mesmo tempo, o que Lacan sublinha que isso tenha sido um dos sonhos dele,
no Seminário \!, As formações do insciente uma língua quase matematizada.
(a propósito do chiste), este grande O u­ Acredito que o ensino e a pesquisa
tro não funciona sem uma limitação de não são realmente efetivos se um docen­
seu espaço, sem uma limitação do seu te não está animado também por um
campo à dimensão da paróquia. sonho.
Lacan a criou com seu Seminário a
paróquia que precisava para falar, A criou Fazer pacotes
falando. Isto é, criou o O utro da paróquia.
Dirigiu-se aos analistas, os formou e, pelo Passo agora a dar algumas idéias ge­
fato de se dirigir ao O utro que a comuni­ rais sobre o singular.
dade dos analistas constitui, o próprio Abordei o ensino a partir de um caso
discurso que dirigia a eles se transformou muito singular: o de Lacan. Creio que esta
em O utro. O discurso de Lacan fez de- perspectiva se impõe na nossa clínica
também. E na transmissão da nossa clí­ de para exaltar a verdade eterna, divina.
nica devemos dar a primazia ou Hoje é um argumento generalizado que
prevalência ao singular mais do que ao a verdade não é outra coisa senão efeito.
geral ou universal. É justamente por esse Que sempre é verdade de um tempo par­
motivo que não apresentei idéias gerais ticular, de um projeto particular.
sobre o ensino mas um caso particular No tempo em que se confiava mais
de um docente que foi importante para na semiologia psiquiátrica. por exemplo,
muitos, pelo menos por estes lados. temos as construções de Chaslin (2),
Ta_lvez sejamos clínicos pós-modernos. psiquiatra francês, semiólogo por exce­
Se privilegiamos o caso particular, o deta­ lência, que podia dar exemplos de ma­
lhe, o não generalizável, é na medida em neira confusa ou caótica no primeiro ca­
que não mais acreditamos em classes, pítulo de seu tratado. Começava com
nas classes dos sistemas de classificação. exemplos, ou seja, com casos que ti­
Podemos classificar a Lacan. Podemos nham uma descrição diagnóstica. Em
dizer que fez como Kojêve ou como Lévi­ primeiro lugar, a desordem dos exem­
Strauss mas me parece que isso não dá plos. No segundo capítulo vem o
conta do fenômeno. enquadramento perfeitamente ordenado
Sabemos hoje, ao final do século, que da nosografia que demonstra que, se por
nossas classes e que nossos sistemas de um lado há signos, por outro há classes
classificação são mortais e que as classes e que através do diagnóstico vamos dos
que utilizamos são históricas. Temos nos­ signos à classe. Ou seja, a partir dos sig­
so sistema de classificação das doenças nos e do enquadramento nosográfico é
mentais, sabemos o que é uma psicose, possível localizar a classe à qual esses
neurose ou perversão, etc. Sabemos que signos patológicos se referem. Toda prá­
nossa classificação tem algo de relativo, tica do diagnóstico - não que se funda­
de artificial ou artificioso, em suma, que mente nela - tem como inerente a idéia
são somente semblant. Isto é, as classes de que o indivíduo é um exemplar de uma
não têm um fundamento na natureza, nem classe. Digo isto de maneira geral.
na estrutura e nem no real. Parece-me que Precisamente por esta razão a prática
as classes aparecem hoje como fundamen­ do diagnóstico repugna, digamos assim,
tadas somente na verdade. ao individualismo contemporâneo. O in­
Porém, a verdade tem variações, o divíduo contemporâneo resiste à idéia de
que Lacan exprimiu com seu neologis­ tornar-se apenas um exemplar e todas
mo: varité, varidade. Este neologismo diz as vezes que lhe colocamos uma classi­
ao mesmo tempo verdade e variedade. ficação, a resposta é: "não, sou apenas
Nossas classes produzem efeitos de eu, não sou um número, não sou um
verdade mas o fundamento, na verdade, exemplar".
não se fundamenta no real. Já antigamen­ Hoje em dia dúvidas são lançadas so­
te Pascal dizia que sabia e ilustrava seus bre as classificações. Vivemos numa cul­
argumentos com a variedade da verda- tura do historicismo. Esta nos ensina que
qualquer categoria utilizada no cotidiano posição de que todo corvo é preto (em­
tem urna históíia. A continuidade da ma­ bora se encontramos dez corvos já
neira cotidiana de pensar tem uma estamos no universo de Hitchcok e nos
historia, ou seja, nem sempre as coisas provoca medo). Para nós, o encontro de
foram pensadas assim como hoje o são. um corvo preto confirma a proposição
A mesma palavra queria dizer outra coi­ universal de que todo corvo é preto. No
sa antes. São linhas de força e tudo o entanto, Hempel demonstra - isso teria
que pensamos não é senão resultante, encantado a Borges embora suponha
resultado de um processo anterior, his­ que ele não teria conhecido isto - de
tórico. maneira correlata que todo objeto que é
· Temos toda uma indústria do "não preto" e ao mesmo tempo "não
historicismo que se aplica a todos os ní­ corvo", confirma a proposição de que
veis da vida. Existe o historicismo da vida todo objeto "não preto" é "não corvo".
privada; nos ensinam que a vida privada Cada vez que os senhores vêm um cor­
tem sua historia especial. Cada objeto vo preto dizem: "bom, apenas um a
tem seu historiador. Enfim, faço burla mais". Mas logicamente, a mesma con­
disso porém também me fascina. Com­ firmação se obtém toda vez os senhores
prei recentemente um livro que ainda não encontram algo que é "não corvo" e ao
o li, somente olhei as imagens. Conta a mesmo tempo "não preto", e demons­
história do packaging (fazer pacotes, em­ tra, com as pequeninas letras da lógica,
pacotar), uma magnífica historia da que não é possível sair disso.
maneira como se empacotam as coisas Ou seja, a proposição universal "todo
que compramos. Por exemplo, há um corvo é preto" é confirmada também
americano que inventa pôr textos nos quando os senhores encontram o verde
embrulhos, coisa que antes não era feito de uma planta, o branco de um sapato,
até que ele faz esse achado para incenti­ uma camisa azul, o sangue vermelho, o
var as vendas. Nosso mundo é um mun­ púrpura de um cardeal, ou um sorvete
do pulverizado pelo historicismo. De cer­ de maracujá. Este paradoxo, que provo­
ta maneira, as classes também são um ca riso, foi um tema importante para a
tipo [intelectual] de fazer pacotes. lógica e, para ela, é um argumento que
se levou muito a sério.
A indução e o pragmatismo Também comentei no meu curso o
paradoxo de um predicado de classe, que
Se existe o historicismo, há também provém de Hempel mas que foi forjado
o logicismo. E também os paradoxos da pelo lógico Nelson Goodman. Este criou
lógica que ridicularizam a indução. Dedi­ um predicado de classe que integra o
quei um tempo do meu curso para estu­ fator tempo. Isto é, se considera o mo­
dar o famoso paradoxo de Hempel, tão mento em que a observação se dá, mas
importante para nossa clínica. quando esta pára, o que ocorre depois?
Achar um corvo preto confirma a pro- Ele demonstra que quando se integra
o fator tempo nada impede que amanhã incompletos. Goodman diz que é o pas­
as esmeraldas sejam azuis e que tam­ sado que nos avaliza a possibilidade de
bém as galinhas possam ter dentes. No "projetar". Ou seja, nestes casos temos
mundo de Goodman nada impede que um certo tipo de percurso que vai de "da­
isso amanhã seja verdade. dos incompletos" ao "todo". Não se tra­
O que estes paradoxos demonstram ta de uma garantia absoluta mas de uma
me permite propor respostas à questão garantia especificamente pragmática.
de porquê utilizamos alguns predicados
de classe e não outros. Nominalismo e pragmatismo
Goodman responde que, ao final das no diagnóstico
contas, utilizamos os predicados que fun­
cionam, isto é, aqueles que não nos re­ Por que fazer esta reflexão?
servam demasiadas surpresas. Só util i­ Porque todo diagnóstico se refere à
zamos os predicados que funcionam com classe e nossas classes diagnósticas têm
base no que já foi estabelecido a partir um passado impressionante que pode ser
de uma prática. O que equivale a dizer seguido através dos séculos. Nossas clas­
que a nível puramente teórico os ses não têm um fundamento nem na na­
predicados não têm nenhum fundamen­ tureza nem na observação. Nem a psico­
to e que as classificações não são se nem a neurose são espécies naturais.
construídas somente ao nível da teoria e Parece-me que o que nos distingue dos
da contemplação. Ao nível contemplativo que nos antecederam é que sabemos do
deixamos as portas abertas a todos es­ artifício das nossas categorias. Sabemos
tes paradoxos. Finalmente, as classifica­ que nossas categorias têm como funda­
ções se referem sempre a uma prática mento a prática lingüística dos que são
efetiva preexistente. Isto é, temos con­ concernidos pelo tema do qual se trata.
fiança nos predicados que permitiram Isto é, o fundamento das classes é a con­
fazer predições e que já foram verifica­ versação dos praticantes. É precisamen­
dos ao longo do tempo, ou seja, as es­ te por isso que fazemos conferências
meraldas continuarão verdes. onde há perguntas e respostas, fazemos
A partir dos paradoxos se demonstra Jornadas de Trabalho, Colóquios, etc. Fa­
que não temos tantas escolhas. Nossas lar uns com os outros, no nosso tempo,
teorias de classificação são escolhidas já se tornou uma indústria internacional
nem tanto em função dos dados mas em do falar. É isso o que surg e agora que já
função de nossa prática lingüística, da se sabe do caráter artificial e conver­
maneira em que falamos ou como nos sacional das categorias, pelo menos as
falamos uns aos outros. O que equivale a mais assentadas. Se as classes fossem
dizer que essencialmente temos confian­ espécies naturais não haveria necessida­
ça nos termos e nas categorias costumei­ de de Jornadas de trabalhos ou Colóqui­
ras, nos termos já empregados, para for­ os. Cada um poderia ficar em sua casa
mular induções a partir de dados sempre acomodado à frente da televisão.
Lacan diz: " há urn a clínica, há si ntomas " baralho" . O jogo consi sti a em defini r a
típicos" (3 ) mas quando o diz, faz enten­ pri mei ra pela segunda. Se bem me re­
der que isso não vai muito longe, faz en­ cordo. poderi a se dizer: " um ovo é um
tender que a semelhança não é ci ênci a baralho onde somente exi ste o amarelo
(ressemblant ce n' est pas science. em e o branco" . . . e misturar as cartas seri a
francês). É exatamente o que Wi llard V. fazer uma omelette (risos). E ra um jogo
O . Quine, o lógico, di z quando afi rma que que permiti a fazer ver que não havi a
é duvidoso o est atuto científico da noção melhor manei ra de defini r um ovo senão
geral de " semelhança" . Di z que é muito a parti r disso. O que demonstra o cará­
di fíci l ou quase i mpossível definir cienti fi ­ ter artifici al da semelhança e que t orna
camente uma noção tão geral como a obri gatóri a para toda di sci pli na que se
" semelhança" . O cito: " nada é mai s fun­ quer científi ca a explicitação dos padrões
damental para o pensamento e para a li n­ que uti li za para fazer simi laridades. De­
guagem que nosso sentimento de simila­ pendendo do critéri o que é escolhi do, tal
ridade (our sense of similarity)" . É i mpor­ forma " natural" pode ser locali zada de
tante ressaltar o que di z: " senti mento de um lado ou de outro.
simi laridade" , algo que está no li mite e Podemos segui r na obra de Mi chel
que n ão se pode organizar faci lmente. Foucault o percurso que vai do estatuto
Qui ne evi denci a que uti li zamos ter­ da semelhança i nt uiti va i magi nári a até as
mos gerai s tai s como substanti vos co­ semelhanças artifi ci osas puramente ope­
muns, verbos, adjeti vos. Podemos agru­ rat óri as da ordem si mbóli ca que são
par " homem" , " mesa" , " peixe" em fun­ semblant. Ou seja, podemos brincar de
ção de cert as semelhanças entre seus construi r classes de semelhanças segun­
elementos, porém, se a espéci e natural do os critérios escolhi dos.
é um conjunto, no sent i do da teori a dos Aqui o nomi nali smo vai lado a lado
conjuntos, duas coi sas, quaisquer que com o pragmat i smo. A ali ança do
sejam, poderi am ser tomadas como ele­ nomi nalismo com o pragmati smo defi ne,
mentos de uma espéci e mai s extensa. podemos di zer assi m, o espíri to pós­
Por exemplo, há o conjunto dos " ani ­ moderno.
mai s" , dos " humanos" e das " plant as" , Me parece, quiçá, que é este o espíri ­
mas se construímos o conjunto dos " se­ to do DSM porque nele a classifi cação
res vi vos" , aqueles conjuntp s se juntam nosográfi ca é avaliada em f unção dos
neste novo conjunto, de tal manei ra que mei os de atuação dos médi cos. O u seja,
sempre é possível transbordar qualquer a si ncroni a do enquadramento depende
espéci e formando um conjunto mai s es­ da di acroni a da ação e dos i nventos dos
tendi do. mei os de ação, de t al f orma que, o i n­
Os surreali stas exploraram este vei o, vento de uma nova molécula ou a i denti ­
por exemplo, através de um jogo: ao azar fi cação de um novo neurotransmi ssor.
tomava-se uma palavra qualquer, " ovo" por exemplo, i mediatamente tem reper­
por exemplo, e a segui r outra, a palavra cussão na reparti ção das classes.
É uma devastação. É a devastação de da espécie, do gênero, do geral ou do
toda nossa aparelhagem que ficou redu­ univers al. É algo que é preciso recordar
z ida ao s emblant. a uma caricatura de na c línic a quando utilizamos nossas ca­
fazer rir. Há um artificialis mo absoluto e tegorias , não exatamente para descarta­
um pragmatis mo constante. las [ as categorias e as c lass es] mas para
manejá-las tendo ciência do c aráter prag­
O efeito de sujeito mático e art ific ial delas e ass im não es ­
magar o s ujeito c om as c lasses que utili­
Que c ons eqüências interess antes z amos.
podem ter para nós este nominalis mo, Não posso tomar melhor exempl o do
pragmatismo, artificialismo e redução das que me oferece Borges no seu livro Otras
classes ao semblant? inquisiciones onde s e encontra o peque­
Disso não escapa pois é a cultura de no texto, de não mais que três pá ginas ,
hoje. É o mal-estar na civiliz ação de hoje. chamado E/ ruiseflor de Keats. R eli tan­
Mes mo assim, penso que há conseqü­ tas vezes este texto c omo s e houvesse
ências interess antes para nós . E é por­ um mis tério nele. Finalmente dec idi
que existe o artificialismo das classes que utilizá -lo. É Li ma utilização entre outras
o indivíduo se encontra afas tado do j ogo, possíveis porque també m pode s er to­
se encontra afastado do domínio deste mada como um apólogo do aparel ho do
jogo de c lasses artificiais . O jogo artifici­ s ignificante, c omo o fazem os lógicos .
al, nominalista e pragmá tico s egue s eu EI ruisel'i or de Keats é o rouxinol es ­
curs o irresistível como resultado de um cutado uma vez por Keats no jardim de
grande movi mento his tóric o que não Hampstead em 1 8 1 9 e que, s egundo o
pára, porém, o resultado é que o indiví­ poeta, é o mes mo rouxinol de O vídio e
duo está disjunto do jogo. O indivíduo faz de Shakespeare. Borges ass im o apre­
s eu jogo e s uas cois as ao lado, lateral­ s enta. Provém da O de a um rouxinol, que
mente a este caos artificial. John K eats c ompôs num jardim de
O universal da class e, s eja ela qual for, Hampstead na idade de 23 anos numa
nunc a está c ompletamente pres ente noite de abril de 1 8 1 9. Escreve Borges :
num indivíduo. Como indivíduo real pode Keats no jardim do s ubúrbio, escutou o
s er exemplar de uma c lasse mas é s em­ eterno rouxinol de O vídio e Shakespeare
pre um exemplar com uma lacuna. Há e s entiu s ua própria mortalidade e fez o
um déficit da ins tânc ia da classe num contras te com a tênue voz imperecível
indivíduo e é justamente por c aus a des­ do invisível páss aro.
te traço que o indivíduo pode s er s ujeito, Alguns críticos ingleses dizem: "É um
por nunca poder ser exemplar perfeito. erro de Keats. O rouxinol que escutou em
Depois de ter falado das classes. agora Hampstead em 1 8 1 9 c laramente não é o
podemos tomar a perspectiva do sujeito. mesmo rouxinol de Ovídio e Shakespeare".
Do nosso ponto de vista, há s ujeito É um erro mas também é a confusão en­
toda vez que o indivíduo se afasta s eja tre o indivíduo e a classe. Borges cita os
comentários de S id ney Calvin. Transcre­ Por fim, o que Borges explica neste
vo dele, diz, "su a curiosa declaração: com texto é qu e ele mesmo e Keats são pla­
um erro lógico que ao meu ver é também tônicos e que, para eles, as classes, as
uma falha poética, K eats opõe à ordens, os gêneros, são realidades de um
fugacidade da vida humana, o que ele cosmos no qual cada um tem seu lugar
entende como a vida do indivíduo, a per­ e esclarece que é precisamente por esta
manê ncia da vida do pássaro, e ntendida razão qu e Ke ats não é e ntendido pelos
como a vida da espécie". E também Amy ingleses, porque para os ingleses o real
Lowell escreveu : "O leitor qu e tenha a não é feito de conceitos abstratos mas
ce ntelha do sentido imaginativo ou poéti­ de indivídu os. Para estes, a linguagem
co intuirá imediatamente que Keats não não é nada mais que um aproximativo
se refere ao rou xinol que nesse momen­ jogo de símbolos. O inglê s, se gundo
to cantava mas à espécie. " Borges, rejeita o genérico porque sente
Borge s se opõe ao comentário dos in­ que o individual é irredutível, inassimilável
glese s e diz: "não é isso o qu e Keats diz". e ímpar.
Escreve: "Nego a oposição qu e se postu la O curioso de tudo é que Borges. que
e ntre o efêmero rouxinol dessa noite e o era totalmente anglófilo, era também pla­
rouxinol genérico". E diz que, por fim. a tôn ico. Para Borges. cad a um é um rou­
chàve da estrofe se encontra nu m texto xinol. Neste texto diz que há raças de
posterior de Schopenhauer, desconhecido homens que retornam através dos sécu­
para Keats que faleceu antes de seu apa­ los como sendo os mesmos. Os platôni­
recimento e localiza o verdadeiro sentido cos v oltam indefinidamente como
do rouxinol de Keats nu m parágrafo de O Parménides, Platão, Spinoza, K ant.
mundo como vontade e representação de Francis Bradley, etc. É sempre o mesmo
Schopenhauer que fala o seguinte: rouxinol que retorna. Mas há outro rouxi­
"Pergu ntemo-nos com sincerida de se a nol. o aristotélico, que não acredita nas
andorinha deste verão é outra diferente da classes nem nos gêneros, etc.
do primeiro e se realmente entre as duas O platonismo é central na obra de
o milagre de sacar algo do nada ocorreu Borges. É através desse platonismo que
milhões de vezes para ser burlado outras pôde dar um eco infinito a suas frases
tantas pela aniquilação absoluta. Quem me como se fosse um eco do eterno retorno.
ouvir assegurar qu e esse gato qu e está aí Porém, para nós. quem está com a razão?
brincando é o mesmo que brincava e que Está com K eats. O canto do rouxinol
fazia travessuras nesse lu gar há trezentos o divide como sujeito, o faz experimen­
anos poderá pensar de mim o que quiser, tar sua mortalidade, o devolve a sua falta
ma s a lou cura mais estranha é imaginar em ser. Claro, porque o exemplar de ani­
qu e fu ndame ntalmente é outro". Borges mal é a espécie. Aqui. o verdadeiro do
comenta: "Ou seja, o indivíduo é, de al­ platonismo é verdade ao nível do animal
gu m modo, a espécie e o rouxinol de Keats porque, efetivamente, um animal realiza
é também o rouxinol de R uth. " totalmente a espécie.
É o que proponho, pois para mi m essa O diagnóstico do nosso tempo
é a pers pectiva lacani ana. Pode-se dizer
que o animal reali za exaustivamente s ua Tal como tratamos de elabora-la e de
es pécie em tanto exemplar. Porém, o s er trans mi ti-la nos noss os dis pos i ti vos de
falante, o sujei to ou s er de li nguagem, ensi no, na nossa prá ti ca apontamos ao
nunca reali za da manei ra clara e exaus ti­ "ponto sujeito" do i ndivíduo. Ao fazê-lo
va nenhuma classe e s omente pode i ma­ nos afastamos tanto da dimensão da na­
gi nar-s e confundi do com a es pé ci e hu­ tureza como da dimensão das operações
mana quando se i magi na mortal, tal como da ciênci a. Introduzimos a conti ngênci a e
Keats neste exemplo. com ela um mundo que não é nem o cos­
É i mportante notar que a própri a lógi­ mos nem um universo. Inversamente, s e
ca pode tentar apagar esta vontade de trata de um mundo que não é um todo e
morte que separa os s eres humanos dos que está em sus penso dependendo do
outros . Pode fazê -lo com o s egui nte acontecimento, do que vai s e produzi r.
si logismo: "Todos os homens s ão mor­ Estamos num mundo onde as ovelhas são
tai s ". "Sócrates é um homem", log o: clonadas e, assi m sendo, não é nada i m­
"Sócrates é mortal". Este si logis mo faz poss ível que as gali nhas tenham dentes .
pens ar que S ócrates morre porque per­ É a clíni ca para nosso tempo. Pode­
tence à espé ci e humana. Ou s eja, a lógi­ mos experi mentar a s urpres a e a volta
ca nesta proposi ção universal apaga jus­ da conti ngê nci a. Nes te mundo, um caso
tamente o que é específi co. É como s e particular jamais é um caso exemplar de
estivéss emos falando d e espécies natu­ uma regra ou de uma classe. Somente
rais quando precisamente Sócrates foi há exceções à regra. Ess a é a fórmula
algué m que teve uma outra relação com universal, paradoxal, é claro.
a morte, di ferente da pura "morte natu­ Agora podemos voltar a falar do di ag­
ral" própri a també m à es pé ci e humana. nós ti co tal como o estou pensando. Tra­
Ele desejou a morte, o que é di ferente ta-se de elaborá-lo e de prati cá -lo no novo
de morrer porque é mortal. De certo Instituto Clínico: o di agnós ti co como uma
modo, ao se di ri gi r ao Outro, colocou s ua arte. Como uma arte de julgar um cas o
vida em risco. s em regra e s em classe preestabeleci da.
Dizendo de outra maneira, chamamos de Isto é mui to di ferente de um di agnósti co
"sujeito" ao efeito que desloca, sem para­ automá ti co que refere um i ndi víduo a
da, o indivíduo da espécie, o particular do uma cl ass e patológi ca.
universal e o caso da regra. Ou seja, o que Esta última é a utopi a do DSM, é o
denominamos "sujeito" é essa disjunção que es tá no s eu horizonte: o di agnós ti co
que faz com que Keats não seja Ovídio ou automá ti co. També m faz parte do hori­
Shakespeare. No entanto, o rouxinol de Keats zonte da nossa é poca, ou s eja, um di ag­
é o mesmo que o rouxinol de Ovídio e de nósti co que poderi a s er formulado s em
Shakespeare mas, precisamente nem Keats que s e necessi te pensar, onde s eri a ne­
é Ovídio nem Shakespeare. cessá rio a penas reg ist ra r alg uns da dos ,
sistematiza-los e a limentar uma máqui­ na regra ou na classe ou no universal.
na com eles, que esta daria o diagnósti­ Não vejo como superar este argumen­
co. Uma máquina par a diagnosticar. to assim resumido. Hegel criticaria isto
estamos quase nisso. Busca-se o progra­ mas Goldman diria: finalmente é a práti­
ma qu e realizaria o diagnóstico automá­ ca a que resolve o problema todos os
tico. Seria uma máquina digna do Pai dias. O que é verdade, pois não é na ver­
Ubu. E. ao m esm o tempo, é uma utopia tente do puro conceito que isto se resol­
porq ue sutura o momento do j ulgamen­ ve, mas do lado do que se faz. É precisa­
to. no sentido de Kant, o momento de mente isso que se trata de transm itir. por
j ulgar, que é logicamente necessário. O exemplo, na supervisão: o tato que cada
juízo ou julgamento que é toda prática caso requer. O t ato se elabora com a
que nã o é um conhecimento nem uma experiência. Se nos começos da experi­
teoria, mas uma arte. Nesta dimensão, a ência se esperam mais dados para con­
prática não é a aplicação da teoria. cluir sobre a hipotética orientação do tra­
Claro, é preciso fazer a teoria desta tamento, com o tempo [de experiência)
hiância. Creio que O Seminário de Lacan se conclui com m enos.
se aloj ava neste ponto de fazer a teoria Logo, entre o universal e o particular
dessa hiâ ncia entre a teoria e a prática. é sempre necessário inserir o ato de jul­
A prática não é a aplicação da teoria. gar, sendo que est e at o não é
Esta é a dimensã o mais interessante da universalizável.
prática. Quando funciona apartada, ne­ Dizia Kant, se a lógica queria mostrar
cessita da teoria, mas existe uma dimen­ como subsumir um caso a uma regra, isto
sã'o onde a prática funciona lateralmente é, se algo pertence ou não a uma classe,
à quela. Isso o sabemos muito bem . É somente poderia faze-lo mediante uma re­
precisamente a prática que deve desco­ gra, ou seja, para poder dizer que tal caso
brir ou re-descobrir em cada caso parti­ responde a tal regra, seria necessária uma
cular que se apresenta aqui e agora. os regra que o prescreva. Julgar, isto é, utili­
princípios que poderiam governar o caso. zar categorias universais num caso parti­
Trata-se de descobrir os princípios do cular, não é o mesmo que aplicar uma re­
caso em cada um deles. gra, mas é decidir se uma regra se aplica.
Kant o esclarece m uito bem. Até ago­ E esta decisão, este ato. não é capaz de
ra me parece insuperável o que diz: é ser automatizado. Se se quer automatizá­
evidente que entre a teoria e a prática se lo, tem os uma regressão ao infinito. Lewis
necessita de um intermediário que per­ Carroll demonstra isso no apólogo de
mita a conexão de uma com a outra, "Aquiles e a tartaruga", quando a tartaru­
mesm o que a teoria sej a completa, por­ ga demonstra a Aquiles uma regressão ao
que é sempre necessário - assim escre­ infinito. É o mesm o que re-descobriu
ve - acrescentar ao conceito que contém Wittgenstein e que Saul Kripke ressalta no
a regra, um ato de julgar que permitiria seu comentário de Wittgenstein: a neces­
aos praticantes decidir se o caso cabe sidade deste intermediário.
Há uma dimensão que ultrapassa a É um universal muito particular: é a
regra, uma dimensão d iferente, a da de­ ausência de uma regra . É isto o univer­
cisão. A dimensão da prática pura, dife­ sal . É um universal negativo. É o univer­
rente do que se entende ou do que se sal que é ele. por si mesmo, um buraco.
conceitua liza . É uma fórm ula não escrita, fórm ula que
A utopia do DSM faz curto-circuito sobre não se inscreve . É a ausência de u m pro­
este momento logicamente necessário. grama (como na informática ) . a ausêncin
Mas é este momento que permite de um programa sexual . Lacan o chamou
fundamentar a perenidade da clínica do de " não relação sexual " . É o único uni­
diagnóstico e a perenidade da prática . versal que vale para um sujeito, porém é
Estas clínicas não são secundárias ou um universa l negativo q u e significa a
subsidiárias mas são clínicas de pleno ausência de uma regra. que perm ite a
exercício lógico. A cl ínica do DSM jamais passagem ao limite o fato de que. dife­
fará desaparecer esta dimensão da cl íni­ rentemente de outras espécies animais,
ca do j u lgamento nem a cl ínica do tato, o modo de relação entre os membros da
que é a clínica que tentamos transmitir. espécie humana é especialmente aber­
to à variação. Aberto à verdade e à men­
A invenção do sintoma tira. Aberto à variação, à contingência e
à invenção.
Por que tudo isso ? Com o que nos afastamos dos rouxinóis.
Há um buraco no universo das regras O que se pôde acumular da experiên­
e das classes . Lacan denom ina : S de A cia freudiana nos conduz a isto: o sujeito
barrado. Significa o universo do discurso está sem pre obrigado a inventar seu
designado no exato ponto em que se modo de relação ao sexo sem ser guia­
fundamenta e se desfaz. É neste ponto do por uma programação natura l . O modo
em que a invenção das regras e das clas­ de relação inventado, particular, peculiar
ses é necessárias. e sempre manco, é o sintoma. O sinto­
Em psicanálise, quais são as regras e ma vem no lugar da programação natu­
as classes inventadas? ral que não existe . O que quer dizer que
Podemos perguntar aos teóricos da o ser humano. o ser falante (parlêtre),
psicanálise mas, na verdade, deveríamos nunca pode simplesmente subsumir-se
olhar ao sujeito ana lisante. Neste lugar a s i mesmo a penas como u m caso da
do S de A barrado é o sujeito analisante regra da espécie h umana . O sujeito sem­
quem inventa . O sujeito inventa a ma­ pre se constitui como exceção à regra e
ne i r a s e g undo a q u a l e l e . s u j e i t o , seu sintoma é sua invenção ou re-inven­
subsume s e u caso sob a regra válida na ção da regra que lhe falta .
suposta espécie dos sujeitos. Claro que há sintomas típicos porém,
E qual é a regra universal da espécie m es m o que tenham a mesma forma.
dos sujeitos sob a qual cada analisante cada u m deles é peculiar e particular por­
subsume seu caso ? que. como assinala Lacan. o sentido do
me smo sintoma em di versos sujeitos é da psic análise como a rte. Espero ter-l he
dif erente. Em termos kanti anos. o sujei­ respondido esta noite.
to se atri bui sua própria l ei em seu sinto­
ma ou graças ao seu sintoma. Neste sen­ Tradução do espanhol por
tido. o sintoma seria a regra própri a de Carlos Genaro G. Fernandez
distribui ção da l i bido de cada sujeito.
Desde o início da experiência anal íti ­
ca, e no transcorrer da mesma, o sinto­ Notas: ( * ) Conferência de Abertura do
ma se purifica. se esclarece e, ao térmi­ ICBA. Instituto Cl íni co de Buenos Aires.
no da mesm a. é desi nvesti do. O que
ocorre com o sintoma? Desaparece? ( 1 ) N.T. Poderia ser Louis R enaul t, pro-
Não desaparece. Sempre permanece prietário da famosa fábrica de veícul os
um resíduo do sintoma. um resíduo in­ na França. Introduziu métodos racionai s
vestid o del e. o que Lacan denominava na produção em massa. Durante a ocu­
objeto a. pação al emã na l i Guerra M undial , sua
Mas al ém disso - estou no l imite do fábrica foi obrigada a produzir para os ale­
que posso formul ar a respeito disso - mães. Ao final del a, foi nacional izada e
p er manec e a f or ma . a a rt ic ul a ç ão el e ac us ado de c ol aborac ioni st a. Não
significante do sintoma. A cota de i nves­ chegou a ser julgado pois morreu antes.
timento ou de super-investimento, como (2) N.T. Phill ippe Chasl in, médico em
diz Freud, retirou-se del e, mas a forma Bicêtre. Em 1 9 12 publ icou Él éments de
f ica. Ou seja, ainda que a f inali dade do sémiol ogie et de cl inique mental e.
sintoma tenha se desvanecido. persiste ( 3 ) N.T. Na lntroduction a / 'édition
o el emento formal do sintoma. E é por allemande des Écrits de J. Lacan. "Car
esta raz ão e correl ativamente ao l a question commence à partir de ceei
desinvestimento. que se produz. qui çá qu' il y a des types de sym ptôme. qu' il y
( dÍgo "quiç á" p orque devo trabal har so­ a une cl inique".
bre isto) necessariamente uma estética
do sintoma. Se torna uma final idade sem
. \ f i m. que é a defini ção kantiana da arte:
: \ uma final idade sem fim. Isto havia si do

r
. \ antevisto por Freud na sua Conferência
l XXII/ das Conferências Introdutórias so-
i<:'.'.'.l­
' bre Psi canálise, Os c ami nhos da f orma-
/ ç ão de sintomas que conclui sobre o uso
\ do fantasma com o componente do sin-
, toma para produzir arte.
R ecentemente um col ega me disse
que pensava que eu era tão lógi co que
não poderia me acomodar junto à idéi a

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