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OP SSAO BUROCRATICA:
o Ponto de Vista do Cidadão*
-Trab&1ho orilin.Jm...... . 1*La22',do na ui lnu:matianal Confua'ICC M lhe Criticai AnIlyÃl 01 Bwa.ucn.c:y, Goalicb
DunWCIiJ.c:rFoundation. Ru.chikonflurieh, 1984.
AJ;radoço • M',;n Peirano " TIIIIia Sal"", pela crllicaI e.upt6es quando da elabouçlo dClte artigo.
No... Eata tnduçio é de Fnnc:iaco de Cuuo Azevedo..
por empresas. associações e outras entida número significativo extrapola essa situa
des coletivas, nossa amostra abrangeu ape ção individual, apresentando alternativas
nas cartas de pessoas ffsicas. para lidar com a administração de proble
O item a seguir usa as cartas para ilustrar mas específicos.
as características opressivas da burocracia Não obstante, a correspondência não se
pública que são relatadas com maior fre limita a matérias estritamente burocráticas:
qüência pelos correspondentes. No item 3 muitos enviam cartas pleiteando emprego,
são tratadas as representações sociais da casa e até mesmo mudança na grafia de
burocracia e outras noções políticas básicas palavras correntes, para que, como mais de
que emergem do discurso dos correspon um sugere, "o português, escrito da maneira
dentes. Em vez de considerar as propostas como se fala, se tome menos burocrático".
específicas apresentadas, concentramo-nos Outros apresentam sugestões específicas
nos valores e crenças relativos ao universo para melhorar os serviços da previdência,
político que o discurso escrito revela. O reguiar os direitos do consumidor, mudaros
item seguinte é dedicado ao exame das falas crilérios de taxação, aumentar a produtivi
do ministro, a fim de remontar o diálogo dade econômica, regular os bancos pri va
entre ele e o público. Finalmente, concluí dos, e assim por diante. Se aqueles que
mos com alguns comentários gerais sobre adiantam sugestões tendem a generalizar
as implicações do diálogo em questão e mais e a escrever de maneira mais impes
com algumas observações sobre as pers soal, muito comumente eles também rela
pectivílS de se substituir os padrões opres tam experiências pessoais a partir das quais
sivos da administração por práticas sugerem mudanças ou inovações.
administrativ;lS mais democráticas. Pelo exposto, observa-se que os corres
pondentes definem como pertencente ao
domínio da burocracia não apenas questões
administrativas correntes, mas ainda tudo o
"
2. O cldad30 oprimido fala que pensam que a autoridade pode mudar.
Além disso, eles percebem as normas buro
Atendendo ao apelo do ministro, as pes cráticas, as prescrições legais e as regula
soas escreveram para relatar problemas ções de políticas como matér ias
particulares que enfren taram com a buro relacionadas. Identificam, ainda, não ape
cracia pública e apresentar sugestões de nas O efeito combinado desses elementos
mudança nas rotinas administrativas. Em sobre suas oportunidades concretas de vida,
suas cartas, elas reclamam de problemas como também as tensões e contradições
relacionados a assuntos como aposentado freqüentes dentre e entre as leis, os progra
ria, fundos de pensão, hospitalização e as mas e as nQnnas administrativas.
sistência médica, fundo de garantia por O que os correspondentes percebem co
tempo de serviço, impostos, aquisição de mo "problemas burocráticos" são sobretu
casa própria, obtenção de documentos pes do incidentes ou situações em que se vêem
soais etc. O que elas relatam são normal como vítimas de normas, exigências ou
mente s i t u a ções e m q u e n o r m a s e comportamentos a que estão expostos
exigências irracionais, burocratas desinte quando tratam com órgãos públicos. As
re&sados, falta de recursos financeiros ou narrativas escritas são muito freqüentemen
simplesmente ineficiência administrativa te relatos dramáticos de choques rotineiros
as impedem de ter acesso a direitos legal entre os cidadãos e o aparelho do estado.
mente adquiridos. Mas, se a maioria trata a Embora verdadeira, a dramatização pode
questão como um problema pessoal, um ser um recurso que o correspondente mani-
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co para dizer oficialmente que ainda não "Os documentos que eu tive de juntar
morri!" para consegwr o empresumo que o go-
" .
.
com que o cidadão venha a se deparar em trabalho e não vê outra alternativa senão
seus contatos com a burocracia pública. implorar a intervenção da autoridade para
poder exercer seu direito de ganhar a vida
Em outros casos, simplesmente é posta
trabalhando. Os pobres que pedem casa são
do para o ministro um formulário burocrá
mais um exemplo do recurso à autoridade
tico de uso corrente, mas particularmente
para a garantia de exercício de um direito
longd e difícil de ser preenchido,juntamen
natural. Na mesma direção, sugestOes para
te com a mensagem lacônica: "Por favor,
a introdução de programas de bem-estar
livre-nos deste absurdo!"
social ou propostas de mudança na política
Pela correspondência são inúmeros os
tributária, por exemplo, vão de encontro, no
exemplos de contatos com a burocracia pú
fundo, a um anseio de se ter regcas mais
blica experimentados como humilhação e
justas e igualitárias,
frustração:
Embora a consciência dos direitos hu
manos ou da cidadania não emerja clara
"Fiquei na fila durante .12 horas, sob mente, como se discutiIá no item seguinte,
chuva pesada, para receber o abono sa as cartas atestam inequivocamente que, em
larial de que eu precisava desesperada geral, os correspondentes indicam soluçiles
mente.. sem qualquer resultado. Por que individuais ou coletivas para as sitU3ÇileS
"os trabalhadores· têm que ser submetidos opressivas a que o cidadão brasileiro está
a tratamento tão desumano?" submetido. E mesmo que algumas dessas
situaçiles não se restrinjam propriamente à
"Já juntei 425 documentos para atender administração burocrática SlriCIO sonsu,
as exigências feitas pelo governo federal ainda assim as pessoas as identificam como
na tentativa de conseguir uma deClara- pertencentes ao domínio comum da bW'O
.
ção de que cumpri corretamente com as cracia, da 'lei e da ordem, e como conse
obrigações fiscais de minha pequena fir qüências de ações ou omissiles nesses
ma!" . terrilórios conúguos.
•
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Para concluir este item, deve-se lembrar certas noções ideológicas aparecem de ma
.
que nem a violação burocrática dos direitos neira bastante genérica na correspondência,
nem qualquer outra circunstância opressiva constituindo elementos de um imaginário
e injusta para as quais os correspondentes social. Assim, a idéia aqui não é apreender
chamam a atenção constituem realidades as representações ideológicas de um "cida
desconhecidas do público. Evidências dire dão médio" artificial nem calcular uma "vi
tas ou indiretas surgem diariamente de uma são média do mundo". Aquilo a que nos
enorme quantidade de situações em que as referimos como cognições. valores e cren
pessoas são desrespeitadas como cidadãos ças sociais típicos são simplesmente repre
e como seres humanos em seus contatos sentações positivas e normativas típicas,
com o aparelho estatal. Mas as narrativas expressas nas cartas.
pessoais das cartas conseguem transmitir o Com as qualificações feitas acima em
sentido existencial de experiências que, nas mente, quatro aspectos emergem claramen
reportagens da imprensa, perdem seu con te como noções bastante genéricas entre os
teúdo dramático em razão do anonimato e correspondentes:
da impessoalidade que, no fundo, são a a) o mito da "boa" autoridade;
tradução burocrática de dramas essencial b) burocracia como um "mal" absoluto;
mente humanos. c) carisma da autoridade versus regras
burocráticas; \
d) "direitos" como "favores".
A seguir, comentamos cada um desses
3. 51mbolos e mitos nos discursos aspectos, com exemplos tirados da corres
escritos pondência.
priaçDo do papel de aulOridade com o obje "Por favor, resolva meu problema com
tivo de coloca( imeresses particulares aci sua boa vontade para com os direitos dos
ma daqueles gerais. E inversamente, o que trabalhadores."
impede o abuso do poder político é o com
promisso como um imperativo moral que "Apelo para a sua generosidade no scn
idealmente constiwi a pauta-chave para as tido de ajudar o pobre."
decisões da autoridade. O imperativo moral
é a proteçlio da sociedade como um IOdo, "Estou-lhe pedindo um favor porque sei
que Vossa Excelência é dotado de "um
por meio de benefícios compensatórios pa
coração generoso."
ra os desafortunados em qualquer situação
per�bida como socialmente desigual. A
"Por favor, resõ1va este problema com a
desigualdade é vista como natural, mas
atenção e o interesse que o senhor tem
igualmente natural é a força da aUlOridade
demonstrado em favor dos brasileiros
para compensar aqueles que são "mais (ra-
• tAo carentes de atenção e ajuda!"
coso e/ou coibir os "mais fortes". E a uni-
versalidade do princípio da autoridade que "Eu louvo seu maravilhoso trabalho em
a compele a proteger O pobre, o fraco, o prol de uma vida melhor em nossa pá
desprivilegiado, porque essa proteção re tria! ..
concilia a sociedade consigo mesma. Em
um mundo social percebido como dicotô No entanlO, embora as pessoas acredi
mico, a misslio da autoridade é neutralizar tem na conformidade do ministro aos pa
as divisões sociais que surgem da desigual drOes éticos da boa autoridade, elas também
dade, reforçando, assim, os interesses do temem que ele possa se sentir tentado a
IOdo social ameaçado pelo egoísmo dos desviar-se da rota moral. E caso isso venha
mais bem situados na vida. . a acontecer, elas não vêem outra saída a não
Entre as cartas da amostra, apenas duas ser a condenação moral para punir o deten
se mostram céticas quanto à conformidade IOr faltoso do poder. Assim, advertem ao
do ministro aos padrOes do arquétipo da ministro contra a dor do remorso que angus
tia aqueles que negligenciam as preocupa
aulOridade. A gl8nde maioria dos que escre
çOes morais da aulOridade. Nas palavras de
vem obscurece explicitamente a distinção
um dos correspondentes: "Eu o aconselho
entre a noçlio ideal e sua encarnação na
a não fazer pouco caso do pobre e do fraco.
figura do ministro. A maioria dos apelos à
De outra forma, O senhor sentirá vergonha
sua intervenção lança mlio do imperativo
de olhar nos olhos de seus nelOs!"
moral antes mencionado.
Alguns poucos exemplos, a título de b) Burocracia como um mal absolUlo
i1ustraÇlio:
O que é "burocracia" do ponto de vista
"Peço-lhe ajuda porque acho que o se de quem envia cartaS? E claro que'a noção
•
nhor é uma pessoa de boa vontade, que ideal de um corpo de servidores públicos
tenta melhorar um bocado a vida dos que implementam decisões tomadas por au
pobres." IOridades políticas nlio tem lugar no univer
s o da política r e p r e s e n t a d o p e l o s
"O senhor é o ministro dos fracos, o missivistas. Sintomaticamente, a expressão
senhor que fez tanto em favor daqueles "servidor público" jamais é utilizada em
que precisam de proteção..... seu disc urso. Ao contrário, a burocracia
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"Nossa única esperança é Deus e Vossa "Suplico a Vossa Excelência que mostre
Excelência" simpatia para com minha pobre mãe,IlI0
velha, 1lI0 doente. Ela deu duro para
"Louvo sua santa cruzada contra a buro ganhar a vida; e agora, ao término de sua
cracia." jornada, merece proteção e segurança."
"Somente o senhor, doutor, pode livrar Nesse exemplo, como em muitos outros,
nos do vampiro burocrático." a pessoa pela qual o correspondente inter-
•
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re que está nas mãos da generosidade do calões sAo vistas como a melhor maneira de
minisuo tomar efetivo esse direito. se escapar da opressAo burocrática. As pa
Também não existe correspondência lavras de um dos correspondentes ilustram
clara entre os direitos e as obrigaçOes do bem esse ponto:
cidadão na percepçllo de muitos dos corres
pondentes. Para estes, obrigaçOes sAo sinô "Trabalho para um gIande jornal, de mo
nimo de conduta apropriada frente a pais e do que tenho acesso a um canal poderoso
superiores que demonstram respeito ou para dar voz a um protesto vigoroso.
conformidade aos princípios morais em ge T odavia, acredito que seja mais eficiente
rai. Assim, para validar suas demandas por e mais democrático dirigir-me - como
direitos/favores, eles afirmam: "Sempre fui um cidadão comum - ao ilustre minis
um bom pai." "Sou um homem honesto." tro.
''Trabalhei duro a vida toda." "Sou um bom
filho."
Todavia, se as provas morais legitimam
o apelo a um direito, elas não sAo percebi 4. O diálogo entre autoridade e
das como um meio adequado para pagar o cldadAos
favor solicitado. Para retribuir a generosi
dade da autoridade que lhes garante seus Os valores e crenças que identificamos
direitos, os correspondentes devem fazer nos discursos escritos têm sido freqüente
uma oferta pessoal. Como podem retribuir? mente inteJpretados na literatwa como ex�
Poder-se-ia pensar em "trocas" pessoais va pressões de visoes tradicionais do mundo,
lorizadas na esfera política como as ofertas como remanescências culturais condena
mais prováveis. Todavia, das trezentas car das a serem gradualmente substituídas por
tas examinadas, apenas uma menciona representaÇões ideológicas mais afmadas
"quauo votos para o partido do governo em com uma ordem política moderna.
troca da generosa ajuda do ministro". O que Sintomaticamente, esses valores e cren
normalmente se promete é pedir a bênção ças têm sido, de maneira geral, tomados
de Deus para o minisuo e sua famOia: "Pe como expressões de grupos marginais, co
direi a Deus pela sua saúde." "Rezarei aos munidades rurais e regiões atrasadas. Nossa
santos pelo bem-estar de sua família." posição é avessa a semelhante interpreta
Resumindo, essas representações so ção, pois a persistência de "legados" cultu
ciais apontam para a imagem de um univer rais merece explicação tanto quanto o seu
so político em que os recursos de autoridade desaparecimento. Se a visAo da política ex
pressa nas páginas anteriores está enraizaila
. .
consecução dos direitos. Uma perspectiva em tradições longínquas, ela foi de alguma
rousseauniana extremada acaba colocando forma recriada e revita1izada ao longo do
a autoridade muito acima das leis, nonnas processo de modernizaçãO.
e práticas que regulam a sociedade. O re O que é que preserva a capacidade dessa
curso à patronagem é colocado acima de visão política para seguir conferindo senti
quaisquer tentativas de se garantir direitos do a experiências políticas cotidianas? Em
por meio de estratégias sociais de solidarie outras palavras, consideramos as percep
dade. çOes expressas nas cartas aqui examinadas
Conseqüentemente, nenhuma percep - mesmo que se suponha serem elos pecu
ção crítica da centralização do poder emer- liares a segmentos particulares da socieda-
ESTIJOOS IDsroRlCOS · 1990/6
Além das conseqüências empúicas que Todavia, na maioria das vezes a justifi
tentam produzir, os correspondentes estão caÇA0 alegada para o envio da carta sao as
lOdos envolvidos em uma atividade política mensagens do ministro nos meios de comu
de intercâmbio discursivo. E, intercam nicação:
biando palavras, eles também se engajam
,
na reprodução ativa de valores, crenças e "Estou lhe contando meu problema por
cognições. que o senhor disse na TV que qualquer
O próprio minislro demonstrou explici pessoa poderia denunciar-lhe as distor
tamente seu compromisso com o diálogo ao ções burocráticas" ."
determinar que toda carta recebida tivesse
,
resposta individualizada. Entretanto, essas "Li nos jornais que o senhor está enco
respostas nAo são um instrumento efetivo rajando as pessoas a entrar em cootato
de diálogo. Elas valem sobretudo como com o senhor caso enfrentem dificulda
uma reafmnação simbólica do valor dado des ao lidar com a administração públi
ao diálogo. O intercâmbio real de palavras ca."
significativas ocorre entre as falas públicas
do minislro e as cartas dos cidadãos. Nas "Tive a oponunidade de ouvi-lo no rádio
respostas individuais enviadas pelo progra dizendo que aqueles que eslão com pro
ma, o aspecto-chave é a identidade do des blemas para receber a aposentadoria p0-
tinatário que, sendo personalizada, se diam escrever-lhe."
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a complicaçDo, o formalismo e a descon mento muito mais radical, que vem a ser
fiança; contrariamente, o brasileiro é ge uma "mudança revolucionária". Nilo se tra
ralmente simples, informal e confiante. ta do tipo de revolução que acarreta violên
Essas três manchas culturais, que per cia e subversão da ordem política vigente,
manecem vivas na administtação. não mas, como ele diz, "( ...) a revoluçllo que o
permeiam a mentalidade do brasileiro povo brasileiro deseja. A única cujas pro
comum. Vivemos , assim, uma situação postas são inspiradas pelo bom senso co
inaigante: uma burocracia formalista e mum e pelo respeito à dignidade h umana
desconfiada divide o espaço com um que é a razão de ser do Estado". 11 Trata-se
poVO S .lm pI es, InIQrm
. r al e coof'lante.,,15 de uma revolução dirigida para a abolição
dos males burocráticos , unindo os cidadllos
Claramente, os sinais OPOSIOS atribuídos entre si e com a autoridade estabelecida:
à autoridade e à burocracia encontram res uma revolução consensual, cuja vitória nDo
sonância no discurso oficial: a aUloridade é conduz a uma ruptura radical, mas a "mu
associada a valores positivos e a burocracia danças lentas , graduais e seletivas",
•
•
•
mente colocada sobre os fatos de que "nin cidadãos por meio da patronagem do Esta
guém, nem mesmo os burocratas, são bene do.
ficiários da burocracia existente", e de que
as metas do Programa Nacional de Desbu
IOC13IÍVlçãO são consensuais, também re
força o mito da sociedade como uma 5.
hierarquia harmoniosa.
O discurso oficial reconhece o significa O diálogo entre o público e o ministro da
do político de burocracia, conforme atesta Desburocratização revela grandes seme
a it:'sistência do ministro em afirmar que seu lhanças no que diz respeito tanto à identifi
programa nAo se reduz a uma "mera refor cação da opressão sistemática e às viola
ma administrativa". Todavia, na medida em ções de direitos inerentes às práticas buro
que diferencia tlio nitidamente entre autori cráticas correntes quanto às representações
dade e burocracia, ele acaba reservando um ideológicas do universo político. Esses
lugar para o poder político acima do poder pontos de identidade entre as partes em
administrativo. Isso explica, até certo pon conversação nAo devem surpreender-nos.
to, por que seus argumentos sobre a neces Armal de contas, para angariar o apoio po
pular, o ministro deliberadamente se serve
sidade de descentraliVlçlio são de certa
da linguagem popular e das representações
forma ambíguos. A descentralização que
sociais que dela emergem. Como ele afirma
ele propõe limita-se apenas ao domínio da
explicitamente "C...) para nós, o povo eslá
administração. A autoridade decide quan ,
sempre certo.'''
''
do, como e até que ponto desburocratizar;
Devemos entlio concluir com a asserção
além disso, ela é a única a assegurar a
simples e trivial de que o discurso oficial
responsabilidade administrativa, uma vez
traduz oportunismo e manipulação políti
que nenhum papel é reservado a canais
cos? Não podemos endossar uma conClusão
institucionalizados do controle por parte da
tlio simplista sobre as implicações e poten
cidadania.
cialidades do discurso político como diálo
Assim, o cidadão permanece como
go. Antes de mais nada, é necessário
cliente do Estado. E se a burocracia age em
observar-se que a audiência a que o minis
seu detrimento, SÓ lhe resta relatar o fato à
Ira se dirige é diversificada. Apesar de seus
autoridade e esperar pela iniciativa desta.
apelos a uma sociedade consensual, que
Em outras palavras, a autonomia dos cida- • sofre dos mesmos males burocráticos, ele
dãos frente à burocracia pressupõe um po- fala a diferentes grupos sociais, inclusive
der mais alto. E é por isso que as ligações autoridades políticas competidoras e os
diretas com O programa substituem os ins próprios burocratas. Assim, na tentativa de
trumentos autônomos de controle político evitar dissensões, suas mensagens etlfati
da sociedade. Nesse contexto, a imagem VIm valores e cognições amplamente parti
curiosa do ministro da DesburocratiVlção lhados na sociedade brasileira.
como "o ombudsman do governo militar" Nesse contexto, nAo importa sequer co
adquire seu significado. A expressão - que mo o ministro se relaciona pessoalmente
aparece em uma das cartas da amostra - com as diversas representações sociais. A
exprime a idéia contraditória de um gover primeira conclusão importante a ser eXlraí
no autorilário que procura implementar a da aqui é que as imagens normativas e
democracia de cima para baixo. E aponta positivas discutidas nas páginas anteriores
também em direção às ambigüidades en não constituem uma subcultura típica dos
volvidas na promoção da autonomia dos setores atrasados e marginais da população,
OPRESSÃO BUROCRÁTICA 177
riam segundo a natureza dos regimes, sendo trabalho apresentado no xn Congress of the
mais provável que alternativas para a orga Intemational Political Science Association, Rio
nização burocrática da vida social swjam de Janeiro, 1982.
denuo de contexlOS políticos que concedem 8. O conceito de ideologia usado aqui refere
13. Hélio Behrão. "Desburocratização, des· 18. Hélio Beltrão, "A pequena e média em
centralização e liberdade", palestra proferida em presa..." , p 5 . .
São Paulo a 3 de dezembro de 1980, p. 5. Uma 19. Hélio Beltrão, "Descentralização admi·
coletânea dediscursos do ex·ministro Hélio Bel nisO'ativa e federação", palestra proferida em
trão foi recent.emente publicada sob o titulo de Salvador a 1 7 de março de 1981, p. 3:
DescenlraJizaçdp e liberdade (Rio de Janeiro, 20. Hélio Beltrão. conferência na Escola Su
Record, 1984). Mas todas as citações de seus perior de Guerra em 12 de jwtho de 1981, p. 4.
discursos aqui são tiradas das publicações feitas 21. Hélio Beltrão, no I Encontro Nacional
pelo Programa Nacional de Desburocratização para a Desburocratização, Brasília. 1 5 de julho
em Brasilia. de 1981, p. 10.
14. Idem, p. 5 . 22. Edelman, op. dI.. p. 121.
15. Idem, p. 4. 23. Maurice Cranstol1, "Are there any human
16. Hélio Beltrão, "A pequena e média em· rights?", Daedai..." v. 112, n. 4, 1983, p. 1·17. O
presa como fator de estabilidade política. econô trecho citado é tirado das p. 12·13.
mica e socia]", palesb'8 proferida no Rio de
Janeiro a 1 1 de novembro de 1981, p. 2.
17. Hélio Belb'ão, no I Encontro Nacional
Elisa P. Reis é professora do Instinno Univer
para a Desburocratização, BrasOia, 1 5 de julho
sitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e
de 1981, p. 9. do InstitulO de Medicina Social da UERJ.