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Carpe diem”

– por Antônio Cícero*

UM DOS poemas mais famosos do poeta romano Horácio é a ode 1.11. Nela, dirigindo-se a
uma personagem feminina, Leucônoe, o poeta lhe diz que não procure adivinhar o futuro:

Não interrogues, não é lícito saber a mim ou a ti

que fim os deuses darão, Leucônoe. Nem tentes

os cálculos babilônicos. Antes aceitar o que for,

quer muitos invernos nos conceda Júpiter, quer este último

apenas, que ora despedaça o mar Tirreno contra as pedras

vulcânicas. Sábia, decanta os vinhos, e para um breve espaço de tempo

poda a esperança longa. Enquanto conversamos terá fugido despeitada

a hora: colhe o dia, minimamente crédula no porvir.

[Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi

finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios

temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.

seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,

quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare

Tyrrhenum: sapias, vina liques, et spatio brevi

spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida

aetas: carpe diem quam minimum credula postero.]

A frase “carpe diem” tornou-se um aforismo epicurista e um tema poético a que inúmeros
poetas recorrem. No Brasil, por exemplo, Gregório de Matos, imitando um famoso poema de
Góngora, diz, em soneto dedicado a uma “discreta e formosíssima Maria“:

Discreta e formosíssima Maria,

Enquanto estamos vendo a qualquer hora


Em tuas faces a rosada Aurora,

Em teus olhos e boca o Sol, e o Dia:

Enquanto com gentil descortesia

O ar, que fresco Adônis te namora,

Te espalha a rica trança voadora,

Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,

Que o tempo trata a toda ligeireza

E imprime em toda flor sua pisada.

Ó não aguardes que a madura idade

Te converta essa flor, essa beleza,

Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

O soneto mencionado de Góngora, uma obra-prima, é o seguinte:

Mientras por competir con tu cabello,

oro bruñido al sol relumbra en vano;

mientras con menosprecio en medio el llano

mira tu blanca frente el lilio bello;

mientras a cada labio, por cogello,

siguen más ojos que al clavel temprano;

y mientras triunfa con desdén lozano

del luciente cristal tu gentil cuello;

goza cuello, cabello, labio y frente,

antes que lo que fue en tu edad dorada

oro, lilio, clavel, cristal luciente,


no sólo en plata o viola troncada

se vuelva, mas tú y ello juntamente

en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada.

O poeta Mário Faustino escreveu o seguinte belíssimo soneto chamado “Carpe Diem“:

Que faço deste dia, que me adora?

Pegá-lo pela cauda, antes da hora

Vermelha de furtar-se ao meu festim?

Ou colocá-lo em música, em palavra,

Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra?

Força é guardá-lo em mim, que um dia assim

Tremenda noite deixa se ela ao leito

Da noite precedente o leva, feito

Escravo dessa fêmea a quem fugira

Por mim, por minha voz e minha lira.

(Mas já de sombras vejo que se cobre

Tão surdo ao sonho de ficar — tão nobre.

Já nele a luz da lua — a morte — mora,

De traição foi feito: vai-se embora.)

Mas Horácio, em outra ode igualmente famosa, a 3.30, afirma que suas Odes sobreviverão às
milenàrias pirâmides:

Erigi um monumento mais duradouro que o bronze,

mais alto do que a régia construção das pirâmides

que nem a voraz chuva, nem o impetuoso Áquilo

nem a inumerável série dos anos,

nem a fuga do tempo poderão destruir.


Nem tudo de mim morrerá, de mim grande parte

escapará a Libitina: jovem para sempre crescerei

no louvor dos vindouros, enquanto o pontífice

com a tácita virgem subir ao Capitólio.

Dir-se-á de mim, onde o violento Áufido brama,

onde Dauno pobre em água sobre rústicos povos reinou,

que de origem humilde me tornei poderoso,

o primeiro a trazer o canto eólio aos metros itálicos.

Assume o orgulho que o mérito conquistou

e benévola cinge meus cabelos,

Melpómene, com o délfico louro.

[Exegi monumentum aere perennius

regalique situ pyramidum altius,

quod non imber edax, non aquilo impotens

possit diruere aut innumerabilis

annorum series et fuga temporum.

non omnis moriar multaque pars mei

vitabit Libitinam: usque ego postera

crescam laude recens, dum Capitolium

scandet cum tacita virgine pontifex:

dicar, qua violens obstrepit Aufidus

et qua pauper aquae Daunus agrestium

regnavit populorum, ex humili potens

princeps Aeolium carmen ad Italos

deduxisse modos. sume superbiam

quaesitam meritis et mihi Delphica

lauro cinge volens, Melpomene, comam.]

A própria admiração que a ode continua a suscitar, parecendo confirmar o vaticínio de


Horácio, aumenta essa admiração.
Ou seja, enquanto na ode 1.11 o poeta recomenda ignorar o futuro, na ode 3.30 ele exalta o
futuro dos seus poemas. Que haja uma contradição aqui não é nenhum problema.
Diferentemente dos textos teóricos, os poéticos podem contradizer-se, ainda que sejam do
mesmo autor, sem que, com isso, sofram o menor arranhão.

Se ambos forem bons, então, ao ler o primeiro, concordamos inteiramente com ele; ao ler o
segundo, é com este que concordamos inteiramente, sem deixar de continuar a concordar
com o primeiro. Ambos podem ser profundamente verdadeiros ou reveladores. Um poema é
capaz de contradizer a si próprio e ser uma obra-prima: ele pode até ter que se contradizer,
como o “Odeio e Amo” (“Odi et amo”), de Catulo, para vir a ser uma obra-prima.

De todo modo, o poeta Haroldo de Campos escreveu um magnífico poema, intitulado “Horácio
Contra Horácio”, que diz:

ergui mais do que o bronze ou que a pirâmide

ao tempo resistente um monumento

mas gloria-se em vão quem sobre o tempo

elusivo pensou cantar vitória:

não só a estátua de metal corrói-se

também a letra os versos a memória

— quem nunca soube os cantos dos hititas

ou dos etruscos devassou o arcano?

o tempo não se move ou se comove

ao sabor dos humanos vanilóquios —

rosas e vinho — vamos! — celebremos

o instante a ruína a desmemória

Não só, portanto, aos poetas é lícito contradizerem-se uns aos outros ou a si próprios, tanto
em diferentes poemas quanto no mesmo poema, como tais contradições podem constituir o
motivo de um poema.
Observo, porém, que a ode 1.11 pode também ser lida de modo que não necessariamente
contradiga a ode 3.30. Digamos que a concepção de poesia subjacente à ode 3.30 seja que,
dado que o grande poema vale por si, ele é, em princípio, indiferente às contingências do
tempo. Sendo assim, não se concebe um tempo em que tal poema venha a caducar.

Logo, mesmo reconhecendo a possibilidade de que os textos se percam, talvez a verdadeira


razão do orgulho de Horácio seja o fato de que suas odes intrinsecamente merecem existir.
Isso quer dizer que elas merecem existir AGORA.

E merecem existir agora, seja quando for agora: seja quando for que alguém diga ou pense:
“agora”. É desse modo que, precisamente ao celebrar “o instante a ruína a desmemória”, o
poema se faz eterno agora. Nesse sentido, apreciá-lo é colher o dia: “carpere diem”.

*Artigo do poeta Antônio Cicero foi originalmente publicado 6 de fevereiro de 2010, na coluna
do autora na “Ilustrada”, da Folha de São Paulo. Está disponível no blog Acontecimentos.

Poeta romano Horácio

Quinto Horácio Flaco (latim: Quintus Horatius Flaccus – 65 a.C.-8 a.C.). Poeta lírico, satírico e
filósofo latino. Horácio nasceu em Venúsia, Itália, no ano 65 a. C. Filho de um escravo liberto
que exercia a função de cobrador de impostos, fez seus estudos em Roma onde foi aluno de
Lucio Orbílio Pupilo. Aperfeiçoou seus estudos literários em Atenas.

Estabeleceu-se em Roma como escriba de questores. Foi amigo do poeta Virgílio, que o
apresentou a Caio Mecenas que o levou para integrar os círculos literários, tornando-se o
primeiro literato profissional romano. Cultivou diversos gêneros literários principalmente a
ode, em que utilizou os moldes gregos. Procurou sempre imprimir um cunho nacional às suas
produções.

Seu primeiro livro conhecido foi “Sátiras” (35 a.C.). Sua obra prima, são os três livros de
poemas líricos, “Odes” (23 a.C.), complementados por um quarto volume escrito em 13 a.C.
Gozou de grande prestígio junto ao imperador Augusto e para ele compôs “Carmem
Saeculare” (20 a.C.), um hino epistolar de caráter litúrgico dedicado a Apolo e Diana. Sua
poesia escrita em forma de sentença teve muitas delas transformadas em provérbios. Faleceu
em Roma, Itália, no ano 8 a.C.

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