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“Não basta ensinar direitos humanos. É preciso criar umacultura prática desses
direitos. As palavras voam. Os escritospermanecem. Os exemplos arrastam. O
caminho é avançar no exercício da solidariedade” – André Franco Montoro.
Sumário:
1.Introdução - 2.Direitos humanos e direitos fundamentais - 3.Fundamentação dos
direitos humanos - 4.Evolução histórica dos direitos humanos - 5.Conclusão
1. Introdução
dade humana". 4
na dignidade". 6
A doutrina indica este rol de direitos por intermédio das expressões "liberdades
públicas", "direitos humanos", "direitos fundamentais", "direitos subjetivos públicos",
"direitos do homem", "direitos naturais", "valores superiores" e "direitos fundamen-
tais". Existe uma grande quantidade de palavras que trazem a idéia da categoria de
direitos que pretendemos abordar. Todos os termos são análogos, suscetíveis de
inúmeros sentidos que guardam semelhança entre si, mas cada um com significado
próprio. É preciso distinguir claramente cada um desses significados. Primeiramente,
cumpre distinguir direitos humanos e direitos fundamentais.
Os direitos humanos são aquelas cláusulas básicas, superiores e supremas que todo
indivíduo deve possuir em face da sociedade em que está inserido. Os direitos
humanos são oriundos das reivindicações morais e políticas que todo ser humano
almeja perante a sociedade e o governo. Nesse prisma, os direitos humanos dão
ensejo aos denominados direitos subjetivos públicos, sendo em especial o conjunto
de direitos subjetivos que em cada momento histórico concretiza as exigências de
dignidade, igualdade e liberdade humanas. Essa categoria especial de direito
subjetivo público (direitos humanos) é reconhecida positivamente pelos sistemas
jurídicos nos planos nacional e internacional.
textos normativos". 9
"A expressão direitos humanos faz referência aos direitos do homem em nível
supranacional, informando a ideologia política de cada ordenamento jurídico,
significando o pré-positivo, o que está antes do Estado, ao passo que os direitos
fundamentais são a positivação daqueles nos diferentes ordenamentos jurídicos,
Direitos humanos é expressão afeta ao direito natural, ao passo que direitos funda-
Em suma:
Nessa linha, podemos enumerar algumas definições trazidas por Flávia Piovesan: 13
"Os direitos fundamentais são centrais aos direitos e liberdades individuais e formam
a base de um Estado Democrático. Os direitos fundamentais são considerados como
essenciais ao processo democrático (Villiers. The socio-economic consequences of
directive principles os state policy: limitations on fundamental rights, 1992).
Os direitos humanos são aqueles válidos para todos os povos, em todas as épocas,
se constituindo daquelas cláusulas mínimas que o homem deve possuir em face da
sociedade em que está inserido.
Os direitos civis são aqueles inerentes ao homem enquanto ser social, isto é, como
indivíduo vivendo em sociedade (civil rights, na terminologia da common law). A
diferença entre direitos civis e direitos políticos corresponde à distinção entre
sociedade e Estado. Ora, os direitos civis são reconhecidos a todos aqueles que estão
sob o manto protetor do Estado. Os direitos políticos são inerentes ao cidadão, ou
seja, aquele que participa da vida política do Estado. Os direitos do homem surgem
da simples existência do ser, ao passo que os direitos civis e políticos correspondem,
respectivamente, ao membro de uma sociedade ou Estado.
Os direitos humanos são aquelas cláusulas mínimas para que o homem viva em
sociedade com dignidade. Na relação indivíduo-sociedade, sempre se verificou a
existência de normas que garantissem os aludidos direitos em face da sociedade ou
do Estado em que está inserido o indivíduo. Os direitos humanos são limitações
contra o forte intervencionismo estatal. O contorno do que hoje se denomina direitos
humanos tem sua origem no direito natural e posteriormente pela luta histórica
contra os regimes de opressão, o que desencadeou uma série de valores que,
segundo o consenso contemporâneo, devem estar presentes em qualquer sociedade.
19
racional do ser humano. 20A laicização do direito natural é fruto da razão humana ou
razão natural que surge como novo fundamento dos direitos humanos em lugar do
embasamento religioso. A secularização do direito natural se difundiu nos séculos
XVII e XVIII como fundamento laico dos direitos humanos, ou seja, um rol básico de
direitos, independentemente da crença religiosa, reconhecido por todos os homens.
21
1. Jusnaturalista; e
2. Culturalista (histórico-axiológico).
Esses dois prismas não são encarados como compartimentos estanques; pelo
contrário, na sua completude se vislumbra o que hoje identificamos como direitos
humanos. "Certo que, na doutrina, dividem-se os estudiosos ao tentar discernir a
natureza dos chamados direitos humanos. Travieso, em respeitável obra, afirma ser
impossível negar-se a influência do jusnaturalismo na sociedade ocidental, já que a
reelaboração da doutrina dos direitos naturais pelos jusnaturalistas dos séculos XVII
e XVIII embasa a doutrina do que hoje denominamos direitos humanos. Por outro
lado, a positivação desses postulados do jusnaturalismo não retirou, mas, ao
contrário, acentuou a sua natureza, da mesma forma que não entra em choque com
a concepção historicista dos direitos humanos. Afinal, não se pode igualmente negar
a interação dialética entre a idéia de direito natural e direitos decorrentes da
evolução da sociedade. Por isso conclui o autor afirmando a necessidade de integrar-
Em linhas gerais, podemos afirmar que a noção de direitos humanos tem sua origem
no direito natural e ganha força e contorno próprios após os horrores perpetrados na
Segunda Guerra Mundial. Do direito natural surge a noção de direitos humanos. Mas
esse rol de direitos foi evoluindo pari passu com a sociedade.
3.1 Jusnaturalismo
direito das gentes (ius gentium) e o direito civil (ius civile). 24"O jus gentium e os
jus civile correspondem à nossa distinção entre direito natural e direito positivo, visto
que o primeiro se refere à natureza (naturalis ratio) e o segundo às estatuições do
populus. Das distinções ora apresentadas, temos que são dois os critérios para
distinguir o direito positivo (jus civile) do direito natural (jus gentium):
a) o primeiro limita-se a um determinado povo, ao passo que o segundo não tem
limites;
b) o primeiro é posto pelo povo (isto é, por uma entidade social criada pelos
Nas Institutas de Gaio não havia a classificação tricotômica, mas uma dicotomia, em
que ao jus civile se contrapunha o jus naturale, confundido com o jus gentium.
Assim, podemos afirmar que para o direito romano o direito natural era o jus
naturale e o jus gentium, o direito conhecido por todos os povos, em oposição ao jus
civile, ou seja, aquele direito posto e imposto pelo Estado.
Cícero encarava o direito natural como uma norma jurídica, dotada de obrigatorieda-
de pela natureza, universal, imutável e eterna ( Est quaedam vera lex, naturae
congruens, diffusa in omnes, constans, sempiterna).
No direito romano já se verificava uma série de interditos, que tinha como finalidade
tutelar os direitos individuais em face do direito estatal.
No mundo grego havia a distinção entre aquilo que é natural ( physis) e aquilo que é
estabelecido por convenção humana (thésis). Na Grécia houve o desenvolvimento
das idéias de um direito natural e de direitos humanos básicos, como a participação
política dos cidadãos (democracia direta de Péricles). Já se despontava a existência
Platão vislumbrava a lei natural como fonte de produção da lei positiva. Para
Aristóteles, se a lei positiva não consagra a Justiça, devem-se buscar a lei natural e a
eqüidade. Na retórica, Aristóteles estabelece uma distinção entre lei particular e lei
comum. A primeira é aquela inerente a cada povo. A segunda é aquela comum a
todos, conforme a natureza.
Mosaica e nos Evangelhos. 30A própria lei escrita por Deus no coração dos homens.
Nessa época, o direito natural passou a ser considerado superior ao positivo, na
medida em que não era mais visto como um simples direito comum, mas como
norma fundada na vontade divina. Desta visão teológica do direito natural derivou a
tendência permanente no pensamento jusnaturalista, de ver o direito natural
superior ao direito positivo, em oposição ao positivismo jurídico, que considera que
não existe outro direito senão o positivado.
Santo Agostinho pregava a existência do direito natural fundado por Deus, imutável
e universal. Esse teólogo afirmava a existência de duas leis:
Para John Locke, todos os homens possuem, por natureza, os direitos inerentes,
devendo o Estado apenas tutelar tais prerrogativas naturais por intermédio do direito
positivo. Dessa forma, podemos distinguir o direito natural do direito positivo, sendo
o primeiro os direitos inatos ao homem e, o segundo, os direitos adquiridos.
1. A origem dos direitos do homem não é o direito positivo, mas uma ordem jurídica
superior e suprema, denominada direito natural.
direito positivo. 32
postas, impostas pelo Estado ( jus positum)". 33O direito natural é constituído pelos
princípios que servem de fundamento ao direito positivo. São os preceitos de
convivência criados pela própria natureza e que, portanto, precedem o direito
positivo. Na história verifica-se claramente que os sistemas jurídicos que não foram
embasados no direito natural trouxeram conseqüências desastrosas.
3.2 Culturalismo
O núcleo básico 35dos direitos humanos é algo absoluto. São direitos universais,
imutáveis e que surgem da própria natureza humana. Nesse sentido, três correntes
filosóficas devem ser afastadas de pronto: o relativismo, o subjetivismo e o pragma-
tismo.
Desse modo, como verificamos, nada é absoluto, tudo é relativo. Segundo nosso
entendimento, existem valores absolutos e universais, por esse motivo o relativismo,
o subjetivismo e o pragmatismo devem ser afastados de plano. Na Crítica da razão
prática, Kant procurava nada menos do que a lei moral fundamental, que seria o
preceito básico para todos. No imperativo categórico, o citado filósofo afirma: "Aja
somente de acordo com um princípio que desejaria que fosse ao mesmo tempo uma
lei universal". Narra a literatura que o filósofo tinha como satisfação vislumbrar o
retorno de um pássaro que cantava do lado de fora da janela de seu jardim. Os
Humanos." 38
O Papa João Paulo II na celebração do Dia Mundial da Paz (1.º.01.1999) afirma que:
"a dignidade da pessoa humana é um valor transcendente, como tal sempre reco-
nhecido por todos aqueles que se entregaram sinceramente à busca da verdade".
41Marcio Sotelo Felippe afirma que: "quem pensa o Direito hoje tem que pensar em
indivíduos livres e iguais. E quem pensa em liberdade e igualdade pensa na dignida-
de dos homens (...). Pode-se ter dignidade sem ser feliz, mas não é possível ser feliz
sem dignidade". 42
um ser com dignidade. 44A pessoa possui um valor em si, que é absoluto, que
constitui sua dignidade e se exterioriza pelos direitos humanos.
semelhança de Deus (Gn. 1:27). 45Esse fato dota a vida humana de um valor
fundamental e superior - Dignidade da pessoa humana. A vida humana é o axioma
básico de qualquer sociedade. Sempre existiu uma sanção para a violação da vida
humana. A dignidade da pessoa humana é o pressuposto axiológico de todos os
outros bens e direitos.
bem comum. 50
A evolução histórica dos direitos humanos teve início na Inglaterra, 54sendo certo
que os valores que consagram os direitos humanos foram sendo construídos como
fruto de um longo processo histórico.
Após o hiato histórico da Idade Média, 55conhecida como "noite das trevas", a
Europa dos séculos XII e XIII possibilitou o surgimento de uma nova classe, a
burguesia. No plano político a Idade Média foi marcada pela concentração do Poder,
fazendo surgir o sentido da liberdade, 56sentimento este que mais tarde é resgatado
na luta contra o absolutismo, vindo a ser efetivamente declarado no século XVIII.
57No século XIV, o progresso econômico das cidades, dominado pela rica burguesia,
interessada nas letras, nas artes e no estudo da antiga cultura greco-romana, fez
surgir o humanismo. Os séculos XV e XVI foram marcados pelo renascimento. No
século XVI surge a reforma religiosa, movimento que teve desdobramentos
religiosos, econômicos e políticos. O século XVII foi caracterizado pelo nascimento do
iluminismo, que teve seu apogeu no século XVIII. Em suma, a burguesia como nova
classe dominante e todos os movimentos da idade moderna colocaram em xeque a
sociedade estamental da Idade Média.
A primeira geração dos direitos humanos teve seu ponto de sustentáculo na Revolu-
ção Francesa. O ícone da história dos direitos humanos é a Revolução Francesa e a
conseqüente Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que represen-
tou o fim do antigo regime ( Ancien Régime), com a queda da monarquia absoluta e
dos privilégios feudais. Os direitos humanos também tiveram destaque na Inglaterra
com a transição da monarquia absoluta para a monarquia constitucional. Mas os
momentos inolvidáveis na materialização dos direitos humanos foram a Revolução
América. 60
Estado social. 67
reafirmação dos direitos humanos. 69Busca-se então o ideal entre o Estado Liberal e
o Totalitário. A história demonstrou que a não-intervenção e a intervenção excessiva
cimento de direitos humanos do século XX. 71Mas podemos citar também três
instrumentos de real importância para a reafirmação dos direitos humanos, que são:
1.º Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembléia das
Nações Unidas para ratificação e adesão pela Resolução 2.200 (XXI), em
16.12.1966; 2.º Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
também adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16.12.1966 -
Resolução 2.200 (XXI); e 3.ª Convenção Americana sobre direitos humanos - Pacto
de San José de Costa Rica, de 22.11.1969.
A evolução histórica dos direitos humanos está adstrita à luta da humanidade pela
afirmação da dignidade da pessoa humana. Essa luta encontrou fundamento
respectivamente no campo religioso, filosófico e científico.
5. Conclusão
O direito como instrumento de atuação do Estado deve se pautar pelos dois pontos
basilares da concepção dos direitos humanos: 1. dignidade da pessoa humana e 2.
limitação da atuação estatal.
(1) COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed.
rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 1: "O que se conta, nestas páginas, é a
parte mais bela e importante de toda a história: a revelação de que todos os seres
humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem
entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar,
descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão
dessa radical igualdade, ninguém - nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social,
grupo religioso ou nação - pode afirmar-se superior aos demais".
(3) LOPES, Ana Maria D'Ávila. Os direitos fundamentais como limites ao poder de
legislar. Porto Alegre: Fabris, 2001. p. 35.
(4) MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998.
p. 39.
(5) MORAES, Alexandre de. "Direitos humanos das vítimas". Folha de S. Paulo, 15
fev. 2002, p. A3: "Os direitos humanos devem ser entendidos como aqueles direitos
fundamentais da pessoa humana, considerados tanto em seu aspecto individual
como comunitário, que correspondem a esta em razão de sua própria natureza (de
essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual, social) e que devem ser reconhecidos
e respeitados por todo poder e autoridade, e relacionando-se diretamente com a
consagração da dignidade humana. O respeito aos direitos humanos é pilastra
mestra na construção de um verdadeiro Estado de Direito Democrático e sua
constitucionalização não significa mera enunciação formal de princípios, mas a plena
positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela
ante o Poder Judiciário, para concretização do Estado Democrático de Direito. A
previsão dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente para a
proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo, que se manifesta singu-
larmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz
consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo um
mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar".
(6) RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos em juízo: comentários aos casos
contenciosos e consultivos da corte interamericana de direitos humanos. São Paulo:
Max Limonad, 2001. p. 27; DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania.
São Paulo: Moderna, 1998. p. 7: "Direitos humanos representam uma forma
abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos
são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue
existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida".
(11) Noberto Bobbio, ao tratar do assunto, indica a distinção clássica entre direito
positivo e direito natural ou na diferença entre moral rights e legal rights, comum na
linguagem da filosofia anglo-saxônica ( A era dos direitos, p. 78-79).
(12) FAVOREU, Louis, et al. Droit constitutionnel. 3. ed. Paris: Dalloz, 2000. p. 812 e
814: "Les droits et libertés fondamentaux désignent donc simplement les droits et
libertés protégés par des normes constitucionelles ou (et) européennes et internatio-
nales. Ni plus ni moins. (...) Droits fondamentaux et principes fondamentaux
(notamment dans l'expression 'principes fondamentaux reconnus par les lois de la
República') ne se confondent pas: les droits et libertés fondamentaux sont les droits
et libertés protégés par les normes de niveau constitucionnel ou international, dont
certaines peuvent effectivement être contenues dans des 'principes fondamentaux' à
valeur constitutionalle comme les principes fondamentaux reconnus par les lois de la
Repúblique".
(14) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 56-57: "Mas nada assegura que falsos
direitos humanos, isto é, certos privilégios da minoria dominante, não sejam também
inseridos na Constituição, ou consagrados em convenção internacional, sob a
denominação de direitos fundamentais. O que nos conduz, necessariamente, à busca
de um fundamento mais profundo do que o simples reconhecimento estatal para
vigência desses direitos (...). É irrecusável, por conseguinte, encontrar um funda-
mento para a vigência dos direitos humanos além da organização estatal. Esse
fundamento, em última instância, só pode ser a consciência ética coletiva, a convic-
ção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da
condição humana exige respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância,
ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos
internacionais. Ora, essa consciência ética coletiva, como se procurou mostrar nestas
páginas, vem se expandindo e se aprofundando no curso da história".
(16) BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil: parte geral. 5. ed.
rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 1967. p. 58-59: "A palavra pessoa advém do latim
persona, emprestada à linguagem teatral na antiguidade romana. Primitivamente,
significava máscara. Os atores adaptavam ao rosto uma máscara, provida de
disposição especial, destinada a dar eco às suas palavras. Personare queria dizer,
pois, ecoar, fazer ressoar. A máscara era uma persona, porque fazia ressoar a voz de
uma pessoa. Por curiosa transformação no sentido, o vocábulo passou a significar o
papel que cada ator representava e, mais tarde, exprimiu a atuação de cada
indivíduo no cenário jurídico. Por fim, complementando a evolução, a palavra passou
a expressar o próprio indivíduo que representava esses papéis. Nesse sentido é que
a empregamos atualmente. A palavra em questão pode ser tomada em três acep-
ções diferentes: vulgar, filosófica e jurídica. Na acepção vulgar, pessoa é sinônima de
ente humano. Essa acepção não se adapta à técnica jurídica. Efetivamente, há
instituições que têm direitos e por isso são reconhecidas como pessoas e, no
entanto, não são entres humanos (as pessoas jurídicas). Por outro lado, já existiram
entes humanos que não foram pessoas (os escravos). Na acepção filosófica, pessoa é
o entre que realiza seu fim moral e emprega sua atividade de modo consciente.
Nesse sentido, pessoa é o homem, ou qualquer coletividade, que preencha aquelas
condições. Na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos
e obrigações".
(18) SALVETTI NETO, Pedro. Curso de teoria do Estado. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
1984. p. 164; LOPES, Ana Maria D'Ávila. Op. cit., p. 43: "Direitos públicos subjetivos
surgiram dentro da concepção liberal do Estado como uma alternativa técnica à
noção de direitos naturais, sendo utilizados para indicar a posição jurídica do cidadão
em relação ao Estado. García de Enterría distingue dois tipos de direitos públicos
subjetivos: 1. típicos ou ativos: são os que incorporam pretensões ativas do cidadão
perante o Estado, abrangendo as prestações de que ele precisa para o desenvolvi-
mento pleno de sua existência individual e identificando-se com os atuais direitos
econômicos, sociais e culturais; 2. reacionais ou impugnatórios: surgem para
defender a esfera vital do particular perante qualquer atividade estatal ilegal,
assistindo-lhe o direito subjetivo de público da paralisação do dano e do restabeleci-
mento da situação anterior e correspondendo aos atuais direitos individuais" GARCÍA
DE ENTERRÍA, Ernesto. Sobre los derechos públicos subjetivos. Madrid: Redá, 1975.
p. 445.
(19) MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais, cit., p. 19: "Os direitos
humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como
produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civiliza-
ções, até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos, das idéias surgidas com
o cristianismo e com o direito natural. Essas idéias encontravam um ponto funda-
mental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder
próprio dos Estados e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípi-
os básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e
contemporâneo".
(20) DORNELLES, João Ricardo W. O que são direitos humanos. São Paulo: Brasilien-
se, p. 14-15: "As origens mais remotas da fundamentação filosófica dos direitos
fundamentais da pessoa humana se encontram nos primórdios da civilização
humana. No mundo antigo, diversos princípios embasavam sistemas de proteção aos
valores humanos marcados pelo humanismo ocidental judaico-cristão e greco-
romano e pelo humanismo oriental, através das tradições hindu, chinesa e islâmica.
Assim é que diferentes ordenamentos jurídicos da Antiguidade, como as leis hebrai-
cas, previam princípios de proteção de valores humanos através de uma leitura
religiosa. Durante o feudalismo europeu se constituiu o jusnaturalismo cristão,
principalmente a partir do pensamento de filósofos como Santo Tomás de Aquino. A
lei humana e os poderes políticos estavam subordinados ao direito divino, segundo o
qual a proteção do indivíduo seria exercida pela vontade de Deus expressa nas ações
do soberano em seu exercício absoluto do poder".
(21) LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensa-
mento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 37-41.
(23) Em Roma o direito positivo era o direito civil. O direito que cada povo estabele-
cia para si chamava-se direito civil, porque é o direito da cidade. Em contraposição, o
direito das gentes ( jus gentium), que é o direito de todas as nações.
(24) D 1.1.1.3 "Ius naturale est, quod natura omnia animalia docuit: nam ius istud
non humani generis proprium, sed omnium animalium, quae in terra, quae in mari
nascuntur, avium quoque commune est. Hinc descendit maris atque feminea
coniunctio, quam nos matrimonium appellamus, hinc liberorum procreatio, hinc
educatio: videmus etenim cetera quoque animalia, feras etiam istius iuris peritia
censeri" (O direito natural é o que a natureza ensinou a todos os animais. Pois este
direito não é próprio do gênero humano, mas de todos os animais que nascem na
terra ou no mar, comum também das aves. Daí deriva a união do macho e da fêmea,
a qual denominamos matrimônio; daí a procriação dos filhos, daí a educação.
Percebemos, pois, que também os outros animais, mesmo as feras, são guiados pela
experiência deste direito). D 1.1.1.4 "Ius gentium est, quo gentes humanae utuntur.
Quod a naturali recedere facile intellegere licet, quia illud omnibus animalibus, hoc
solis hominibus inter se commune sit". STEINER (O direito das gentes é aquele do
qual os povos humanos se utilizam. O que permite facilmente entender que ele se
distancia do natural, porque este é o comum a todos os animais e aquele é comum
somente aos homens entre si). D.1.1.6 "Ius civile est, quod neque in totum a
naturali vel gentium recedit nec per omnia ei servit: itaque cum aliquid addimus vel
detrahimus iuri communi, ius propium, id est civile efficimus" (O direito civil é o que
não se afasta no todo do direito natural ou do direito das gentes, bem como não
serve a este em todas as coisas. Assim, quando acrescentamos ou subtraímos algo
do direito comum, tornamo-lo um direito próprio, isto é, um direito civil). MADEIRA,
Hélcio Macial França. Digesto de Justiniano, liber primus: introdução ao direito
romano, p. 18-20.
(27) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
p. 128: "(...) o ponto crucial da filosofia estóica era uma ética do consolo através da
identificação com a ordem moral imparcial e inevitável do universo. É uma ética da
serenidade auto-suficiente e benevolente, em que a paz do homem sábio o deixa
indiferente à pobreza, à dor e à morte, assemelhando-se assim à paz espiritual de
Deus (...)". COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 15-16: "Muito embora não se
trate de um pensamento sistemático, o estoicismo organizou-se em torno de
algumas idéias centrais, como a unidade moral do ser humano e a dignidade do
homem, considerado filho de Zeus e possuidor, em conseqüência, de direitos inatos e
iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individu-
ais e grupais. Foi, justamente, para explicar essa unidade substancial do ser
humano, distinta da aparência corporal, ou das atividades que cada qual exerce na
sociedade, que os estóicos lançaram mão dos conceitos de hypóstasis e de prósopon.
O primeiro, correlato de ousía, que na língua latina traduziu-se por substantia,
significava o substrato ou suporte individual de algo". LAFER, Celso. Op. cit., p. 119:
"Na vertente grega da tradição cabe mencionar o estoicismo, que na época helenísti-
ca, com o fim da democracia e das cidades-estado, atribui ao indivíduo que tinha a
qualidade de cidadão, para se converter em súdito das grandes monarquias, uma
nova dignidade. Esta dignidade resultou do significado filosófico conferido ao
universalismo de Alexandre. O mundo é uma única cidade - cosmo-polis - da qual
todos participam como amigos e iguais. À comunidade universal do gênero humano
corresponde também um direito universal, fundado num patrimônio racional comum,
daí derivando um dos precedentes da teoria cristão da lex aeterna e da lex naturalis,
igualmente inspiradora dos direitos humanos".
(28) SÓFOCLES. Antígona. 3. ed. Trad. Millôr Fernandes. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996. p. 22: "Tu o compreendeste. A tua lei não é a lei dos deuses; apenas o
capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força
que possa substituir as leis não escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos
deuses. Porque essas não são leis de hoje, nem de ontem, mas de todos os tempos:
ninguém sabe quando apareceram. Não, eu não iria arriscar o castigo dos deuses
para satisfazer o orgulho de um pobre rei. Eu sei que vou morrer, não vou? Mesmo
sem teu decreto. E se morrer antes do tempo, aceito isso como uma vantagem.
Quando se vive como eu, em meio a tantas adversidades, a morte prematura é
grande prêmio. Morrer mais cedo não é uma amargura, amargura seria deixar
abandonado o corpo de um irmão. E se disseres que ajo como louca eu te respondo
que só sou louca na razão de um louco".
(29) "Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor
de todos, rico para com todos os que o invocam" (Rm. 10:12). "Dessarte, não pode
haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque
todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl. 3:28).
(31) D 1.1.10 "Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique
tribuendi" (Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito).
"Iuris praecepta sun haec: honeste vivere, alterum no laedere, suum cuique
tribuere". D 1.1.10.1 (Os preceitos de direito são estes: viver honestamente, não
lesar outrem, dar a cada um o seu). MADEIRA, Hélcio Maciel França. Op. cit., p. 21.
(34) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 36-37 e 54. Fábio Konder Comparato
ressalta a tese de sofrimento e surgimento dos direitos humanos. "Pois bem, a
compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso
da história, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A
cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomí-
nia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas,
as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz
nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida
mais digna para todos (...). Ao emergir da Segunda Guerra Mundial, após três
lustros de massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o fortalecimento do
totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade compreendeu, mais do que em
qualquer outra época da história, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimen-
to como matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa
da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos".
(36) MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos: sua história, sua
garantia e a questão da indivisibilidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 15.
(38) FRANCO MONTORO, André. "Cultura dos direitos humanos". Temas de direito
constitucional. São Paulo: Adcoas; Ibap, 2000. p. 18-19.
(39) LAFER, Celso. Op. cit., p. 124: "É sabido, no entanto, que o processo de
positivação das declarações de direitos não desempenhou esta função estabilizadora,
pois do século XVIII até nossos dias o elenco dos direitos do homem contemplados
nas constituições e nos instrumentos internacionais foram se alterando com a
mudança das condições históricas. É difícil, conseqüentemente, atribuir uma
dimensão permanente, não-variável e absoluta para direitos que se revelaram
historicamente relativos".
(41) SEREJO, Lourival. Direito constitucional da família. Belo Horizonte: Del Rey,
1999. p. 30.
(42) FELIPPE, Marcio Sotelo. Razão jurídica e dignidade humana. São Paulo: Max
Limonad, 1966. p. 54 e 108.
(43) LAFER, Celso. Op. cit., p. 117: "A afirmação kantiana de que o homem, e
apenas ele, não pode ser empregado como um meio para realização de um fim, pois
é fim de si mesmo, uma vez que apesar do caráter profano de cada indivíduo ele é
sagrado, já que na sua pessoa pulsa a humanidade. Contesta igualmente, e de
maneira frontal, o processo de objetivação histórica que, de acordo com Miguel
Reale, levou a uma conquista axiológica: a do reconhecimento do valor da pessoa
humana enquanto 'valor fonte' de todos os valores sociais e, destarte, o fundamento
último da ordem jurídica, tal como formulado seja pela tradição jusnaturalismo
moderno, seja pela deontologia, no âmbito do paradigma da filosofia do direito. O
valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a sua
expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem".
(45) Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e
mulher os criou (Gn 1:27).
(46) LAFER, Celso. Op. cit., p. 126: "Num primeiro momento, na interação entre
governantes que antecede a Revolução Americana e a Revolução Francesa, os
direitos do homem surgem e se afirmam como direitos do indivíduo face ao poder do
soberano no Estado absolutista. Representavam, na doutrina liberal, através do
reconhecimento da liberdade religiosa e de opinião dos indivíduos, a emancipação do
poder político das tradicionais peias do poder religioso e através da liberdade de
iniciativa econômica e emancipação do poder econômico dos indivíduos do jugo e do
arbítrio do poder político".
(47) ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 64-65.
(48) LOPES, Ana Maria D'Ávila. Op. cit., p. 63; Anderson Cavalcante Lobato. "O
reconhecimento e as garantias constitucionais dos direitos fundamentais. CDCCP
22/146.
(49) LAFER, Celso. Op. cit., p. 127: "Os direitos individuais exercidos coletivamente
incorporam-se, no correr do século XIX, à doutrina liberal, que neles reconheceu um
ingrediente fundamental para a prática da democracia".
(50) ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Op. cit., p. 65: "Os
direitos fundamentais de segunda geração são os que exigem uma atividade
prestacional do Estado, no sentido de se buscar a superação das carências individu-
ais e sociais. Por isso, em contraposição aos direitos fundamentais de primeira
geração - chamados de direitos negativos - os fundamentais de segunda geração
costumam ser denominados direitos positivos, pois, como se disse, reclamam não a
abstenção, mas a presença do Estado em ações voltadas à minoração dos problemas
sociais".
(55) A Idade Média é o período histórico compreendido entre o ano de 476 d.C.
(queda do Império Romano) e de 1453 d.C. (queda de Constantinopla). Os historia-
dores costumam dividir a Idade Média em dois períodos (Baixa e Alta), cuja linha
divisória situa-se na passagem do século XI ao século XII.
(56) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 43: "Toda a Alta Idade Média foi
marcada pelo esfacelamento do poder político e econômico, com a instauração do
feudalismo. A partir do século XI, porém, assiste-se a um movimento de reconstru-
ção da unidade político perdida. Duas cabeças reinantes, o imperador carolíngio e o
papa, passaram a disputar asperamente a hegemonia suprema sobre todo o
território europeu. Ao mesmo tempo, os reis, até então considerados nobres de
condição mais elevada que os outros ( primi inter pares), reivindicaram para as suas
coroas poderes e prerrogativas que, até então pertenciam de direito à nobreza e ao
clero. Foi justamente contra os abusos dessa reconcentração do poder que surgiram
as primeiras manifestações de rebeldia: na Península Ibérica, com a Declaração das
Cortes de Leão de 1188, e sobretudo, na Inglaterra, com a Magna Carta
(LGL\1988\3) de 1215".
(57) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 46: "Durante os dois séculos que
sucederam a era que se convencionou denominar Idade Média, a Europa conheceu
um extraordinário recrudescimento da concentração de poderes. Foi a época em que
se elaborou a teoria da monarquia absoluta, com Jean Bodin e Thomas Hobbes, e em
que se fundaram os impérios coloniais ibéricos ultracentralizadores. A crise da
consciência européia fez ressurgir na Inglaterra o sentimento de liberdade, alimenta-
do pela memória da resistência à tirania, que o tempo se encarregou de realçar com
tons épicos".
(58) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 47-48: "O artigo I da Declaração que 'o
bom povo da Virgínia' tornou pública, em 12.06.1776, constitui o registro de
nascimento dos direitos humanos na história".
(59) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 99-105: "A característica mais notável
da Declaração da Independência dos Estados Unidos reside no fato de ser ela o
primeiro documento a afirmar os princípios democráticos, na história política
moderna. A própria idéia de se publicar uma declaração das razões do ato da
independência, por um 'respeito devido às opiniões da humanidade', constitui uma
novidade absoluta. Doravante, juízes supremos dos atos políticos deixavam de ser os
monarcas, ou os chefes religiosos, e passavam a ser todos os homens indiscrimina-
damente. (...) A importância histórica da Declaração de Independência está justa-
mente aí: é o primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade da
soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independen-
temente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social. (...)
Juntamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada
pela Assembléia Nacional francesa em 1789, as declarações de direitos norte-
americanas constituem as cartas fundamentais de emancipação do indivíduo perante
os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o estamento, as
organizações religiosas".
(60) LAFER, Celso. Op. cit., p. 126: "Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e
da Declaração Francesa de 1789 são, neste sentido, direitos humanos de primeira
geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não-Estado,
fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como
direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem
o contrato social".
(61) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 119: "O individualismo e o abstencionismo ou
neutralismo do Estado liberal provocaram imensas injustiças, e os movimentos
sociais do século passado e deste especialmente, desvelando a insuficiência das
liberdades burguesas, permitiram que se tivesse consciência da necessidade da
justiça social".
(62) LAFER, Celso. Op. cit., p. 127: "A primeira geração de direitos viu-se igualmente
complementada historicamente pelo legado do socialismo, vale dizer, pelas reivindi-
cações dos desprivilegiados a um direito de participar do 'bem-estar social', entendi-
do como os bens que os homens, através de um processo coletivo, vão acumulando
no tempo. É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração,
previstos pelo welfare state, são direitos de crédito do indivíduo em relação à
coletividade. Tais direitos - como o direito do trabalho, à saúde, à educação - têm
como sujeito o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a
coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los".
(64) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 184: "A Carta Política mexicana de 1917
foi a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos
fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos (arts.
5.º e 123). A importância desse precedente histórico deve ser salientada, pois na
Europa a consciência de que os direitos humanos têm também uma dimensão social
só veio a se afirmar após a grande guerra de 1914-1918, que encerrou de fato o
'longo século XIX; e nos Estados Unidos, a extensão dos direitos humanos ao campo
socieconômico ainda é largamente contestada. A Constituição de Weimar, em 1919,
trilhou a mesma via da Carta mexicana, e todas as convenções aprovadas pela então
recém-criada Organização Internacional do Trabalho, na Conferência de Washington
do mesmo ano de 1919, regularam matérias que já constavam da Constituição
mexicana: a limitação da jornada de trabalho, o desemprego, a proteção da materni-
dade, a idade mínima de admissão de empregados nas fábricas e o trabalho noturno
dos menores na indústria".
(65) A Constituição dita de Weimar, cidade da Saxônia onde foi elaborada e votada,
surge após a Primeira Guerra Mundial e institui a Primeira República Alemã.
(66) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 198-199: "A Constituição de Weimar
exerceu decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o
Ocidente. O Estado da Democracia Social, cujas linhas mestras já haviam sido
traçadas pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma
estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico
interregno nazifascista e a Segunda Guerra Mundial. A democracia social representou
efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao
complementar os direitos civis e políticos - que o sistema comunista negava - com
direitos econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os
dois grandes Pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assembléia
Geral das Nações Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionaliza-
ção da democracia social, iniciado por aquelas duas Constituições no início do
século".
(67) MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Op. cit., p. 30-31: "A Constituição de
Weimar 1919 marca o início do Estado Social alemão, servindo de modelo para
diversos outros Estados europeus. Será a Primeira Guerra Mundial reflexo de todas
as tensões sociais internas causadas pela incontrolável miséria em vários países
europeus, sendo decisiva para a Revolução Russa em 1917 e quase um ano depois,
para o movimento popular de marinheiros, soldados e operários que proclamou a
república na Alemanha. Percebe-se neste momento que o Estado deveria deixar
aquela sua conduta abstencionista e passa a garantir os direitos sociais mínimos da
população. Para que realmente os direitos individuais pudessem ser usufruídos por
toda população, deveriam ser garantidos os meios para que isto fosse possível.
Desta forma, se o liberalismo fala em liberdade de expressão e consciência, deve
toda população ter acesso ao direito social à educação, para formar livremente sua
consciência política, filosófica e religiosa e ter meios ou capacidade de expressar esta
consciência".
(68) RAMOS, André de Carvalho. Op. cit., p. 31: "Com base nas diversas correntes
de pensamento socialista, estruturou-se a defesa de direitos sociais pelo Estado. De
fato, reconhecia-se que o indivíduo só exercitava realmente sua autonomia caso
houvesse garantia de um mínimo de dados sociais concretos. Sem o acesso à saúde,
habitação, emprego e outros dados sociais, a aspiração à autonomia individual se
transformava em exercício de retórica. Com crescente crítica à teoria liberal dos
direitos fundamentais, estrutura-se a dita teoria social, pela qual os direitos funda-
mentais seriam todos os direitos de liberdade acrescido dos direitos de intervenção
do Estado, capazes de assegurar materialmente o respeito à dignidade da pessoa
humana".
(69) FRANCO MONTORO, André. "Cultura dos direitos...", cit., p. 14: "O desastre da
segunda guerra e a experiência totalitária, com os horrores do nazismo e do
stalinismo provocam não apenas a reação negativa de protesto, mas, pela primeira
vez na história, uma resposta afirmativa em escala mundial: a Declaração Universal
dos Direitos Humanos".
(70) MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Op. cit., p. 34: "Após a Segunda Guerra
Mundial, sente-se a necessidade de criar mecanismos eficazes que protejam os
direitos fundamentais do homem nos diversos Estados. Já não se podia mais admitir
o Estado nos moldes liberais clássicos de não intervenção. O Estado está definitiva-
mente consagrado como administrador da sociedade e convém, então, aproveitar
naquele momento os laços internacionais criados no pós-guerra para que se estabe-
leça um núcleo fundamento de Direitos Internacionais do Homem".
(71) FRANCO MONTORO, André. "Cultura dos direitos...", cit., p. 11: "A Declaração
Universal é o maior documento do século XX e afirma - contra o subjetivismo ético e
a pretensa neutralidade das ciências humanas - um valor fundamental, universal e
objetivo: a pessoa humana, isto é: 'o reconhecimento da dignidade inerente a todos
os membros da família humana' (preâmbulo). O desrespeito aos direitos humanos
fundamentais resulta - como lembra a Declaração - em atos bárbaros que revoltam a
consciência da humanidade. E o respeito a esses direitos constitui o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz, na família, na cidade, no país e no mundo".