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Arte e Educação

Organizado por Universidade Luterana do Brasil

Arte e Educação

Miguel Augusto Pinto Soares


Rejane Reckziegel Ledur
Renato Garcia dos Santos
Rozimeri Pereira Ranzolin

Universidade Luterana do Brasil – ULBRA


Canoas, RS
2018
Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.
Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores
a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da
ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei
nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Dados técnicos do livro


Diagramação: Marcelo Ferreira
Revisão: Ane Sefrin Arduim
Apresentação

V ocê está recebendo o livro da disciplina de Arte e Educação, que


é uma área de conhecimento muito importante a ser desenvolvida
na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Nós sabemos que não foi
sempre assim, que durante muito tempo as aulas de Arte consistiam em um
“deixar-fazer”, sem a necessidade de fazer um planejamento e trabalhar
com conteúdo específico.

Ainda é comum nas escolas as aulas de Arte serem confundidas com o


momento de descanso das disciplinas sérias, de lazer, de terapia, de pintar
desenhos prontos, o momento de fazer a decoração das festas da escola,
os trabalhos para as datas comemorativas como dia das mães, dos pais,
da Páscoa, entre tantas outras atividades descontextualizadas das especifi-
cidades das linguagens artísticas, que hoje não dizem mais respeito a essa
área de conhecimento.

Para mudar esse pensamento sobre o ensino da Arte na escola, os


professores de Arte se organizaram e lutaram para terem o espaço da dis-
ciplina reconhecido como área de conhecimento e expressão no currículo
escolar. A arte é um patrimônio cultural da humanidade. Por ser um conhe-
cimento construído pelo homem através dos tempos, todo o ser humano
tem direito ao acesso a esse saber. Assim, a arte é importante na escola
principalmente porque é importante fora dela, na vida.

Neste material, você encontrará os fundamentos teóricos e metodoló-


gicos para compreender a importância da arte na educação e conhecer a
história do ensino da Arte no Brasil e a Proposta Triangular que fundamenta
o processo de ensino e aprendizagem da Arte na atualidade. No decorrer
do estudo, será enfatizada a importância de compreender as linguagens
artísticas, as imagens da Arte e da cultura visual dentro de uma perspectiva
Apresentação  v

multiculturalista, a prática de ensino por meio dos projetos de trabalho e a


importância da avaliação em arte. Também será convidado a conhecer o
desenvolvimento gráfico infantil e os estágios de compreensão estética das
obras de Arte pelos quais a maioria das pessoas passa.

Esperamos que no decorrer desse percurso de estudo, você possa se


apropriar deste referencial teórico, refletir sobre a importância de fazer arte
na escola, de ler imagens e contextualizar o conhecimento da arte no tem-
po e espaço em que foi produzido. Sendo assim, ensinar Arte significa
articular esses três campos conceituais: a produção/criação, a leitura de
imagem/apreciação e o conhecimento da produção artístico–estética da
humanidade, compreendendo-a histórica e culturalmente.

Tratar a arte como conhecimento é o ponto fundamental e condição


indispensável para o enfoque de ensino de Arte que apresentamos neste
livro. Como o professor é o mediador do conhecimento da arte na escola,
é importante que ele também tenha vivências de arte, visite exposições, as-
sista a bons filmes, vá ao teatro, ouça música e leia muito para que possa
mobilizar esses saberes com competência na escola. Desejamos um bom
estudo!
Sumário

1 Arte e formação humana.......................................................1


2 História, tendências, legislação e perspectivas do ensino de
artes visuais no Brasil...........................................................22
3 Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e
metodologias.......................................................................50
4 Desenvolvimento Gráfico Infantil.........................................71
5 História da Arte e contextos culturais....................................95
6 Artes Integradas. Vivências interdisciplinares: artes visuais,
dança, música e teatro......................................................114
7 Leitura de imagem e compreensão estética........................139
8 Especificidade da linguagem visual: elementos formais e
compositivos. Superfícies e Pigmentos................................162
9 Projeto de Ensino das Artes Visuais....................................187
10 Portfólio e avaliação em arte..............................................212
Rozimeri Pereira Ranzolin1

Capítulo 1

Arte e Formação
Humana

1 Graduada em Belas Artes com Licenciatura em Desenho e Plástica (Feevale),


Mestre em Educação (PUCRS), professora do Curso de Pedagogia (ULBRA Cano-
as) e coordenadora do Laboratório de Ensino-Aprendizagem e Brinquedoteca da
ULBRA.
2   Arte e Educação

Introdução

Se a Arte é reflexo de minha alma, por onde a minha alma


transita.

Neste capítulo, veremos a importância da arte enquanto


possibilidade de entrarmos em contato com o mundo vivido
através de várias linguagens, formas e manifestações. A arte,
nesse sentido, revela a singularidade natural do ser humano
enquanto representações e significados, pois ao desenhar, mo-
delar, pintar, esculpir e registrar está dando forma ao que senti-
mos, percebemos e compreendemos do mundo que nos rodeia.

Para compreender o universo da Arte nos contextos antropoló-


gico, social, cultural, político, filosófico e pedagógico, estabeleci-
dos no tempo-espaço, é fundamental reconhecer os movimentos
do homem em relação à arte, buscando compreender quem ele
é, o que pensa e sente, como vive, convive, ama, pesquisa, edu-
ca, percebe, apreende, enfim, como está aberto para o mundo.

No processo de construção do conhecimento, seja artístico


ou em qualquer outra área de saber, as relações humanas en-
quanto subjetividade (Eu/Comigo), intersubjetividade (Eu/Ou-
tro) e transubjetividade (Eu, Outro/Mundo) são alicerces para
as interações de saberes.

Por subjetividade humana, na relação Eu/Comigo, Schmitz


(1984) afirma “que ser sujeito é precisamente assumir-se total-
mente, com todas as suas características, valores, aspirações,
medos, ansiedades, problemas e carências”. Esse espaço de
contato subjetivo é importante no processo educativo, pois o
aluno, ao dar forma visual aos pensamentos, poderá expressar
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   3

como está se sentindo e como percebe o mundo. Portanto, a


Arte na dimensão subjetiva é espaço de autoconhecimento em
que é possível, através de desenhos, modelagens, colagens,
pinturas, entre outros, expressar sensações, sentimentos e co-
nhecimentos que fazem parte do mundo vivido do aluno.

Na relação professor/aluno se revela a intersubjetividade


(Eu/Outro), como sendo aquele que pensa no outro. Como
afirma Levinas (2005), quando “eu me coloco: eu me vejo a
partir do outro, exponho-me a outrem, tenho contas a prestar”.
Nesse processo, ambos tornam-se apreendentes por meio da
mediatização da arte, na qual o professor oportuniza vivências
artísticas em que poderá compreender a singularidade dos
seus alunos. O aluno, por sua vez, expressa e constrói sua lin-
guagem em forma de diálogo e poderá comunicar o que está
sendo feito, como está sendo feito e porque está sendo feito.

Todas essas informações são oferecidas ao professor que


terá a oportunidade de perceber o seu aluno não através de
formas verbais, mas plásticas, que são espontâneas, livres,
sem filtros, portanto verdadeiras, sendo a Arte um recurso im-
portante para o professor conhecer a realidade do seu aluno.

Em relação à transubjetividade (Eu/Outro/Mundo), Schmitz


(1984) destaca que “quanto mais o homem assumir consciente
e intencional as suas ações, mais ele se torna moral, e mais ele
se transcende e ultrapassa o domínio das ações e iniciativas
meramente naturais, físicas ou orgânicas”.

Nessa perspectiva, o ser humano, inserido no contexto que


vive, terá oportunidade de criar projetos de intervenção social,
nos quais o professor e o aluno poderão estabelecer redes que
4   Arte e Educação

transcendem as paredes da sala de aula. Sendo assim, seria


interessante desenvolver projetos que estejam vinculados à re-
alidade da comunidade escolar, tais como projetos ambientais,
culturais e sociais como uma forma de conscientização no co-
letivo e para o coletivo.

Desse modo, é fundamental, nos processos de ensino da


arte, compreender que os alunos possuem a subjetividade en-
quanto seres expressivos, únicos e inéditos que se constroem
com a mediatização do professor ao oportunizar vivências e
aprender com seu aluno enquanto intersubjetividade. A partir
dessa relação é possível fazer intervenções socioeducativas por
meio da transubjetividade.

Para dar forma a essa ideia da relação Arte e Homem, apre-


sentamos a seguinte imagem, que simboliza essas dimensões.

Figura 1  Homem Vitruviano (1487- 1490), de Leonardo da Vinci.


Fonte: Da Vinci Vitruve Luc Viatour.
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   5

1 Arte e significado

Significado é aquilo que a língua expressa e nos faz entender.


Ex.: para dizer a alguém que vou para o lugar onde moro, eu
falo “casa” (significante). Ao ouvir ou ler a expressão, o inter-
locutor relaciona o som ou a palavra “casa” a um lugar que
alguém possa habitar. (QUEIROZ, 2003, p. 223)

A Arte acompanha o homem desde os primórdios quan-


do vivia nas cavernas, acompanhado de suas fantasias, feti-
ches, medos, ansiedades, felicidades, enfim, sentimentos. Já
naquele tempo o homem era imbuído por um sentimento e
necessidade de dar formas às ideias e buscava através da Arte
a possibilidade de manifestar o significado ou a falta de sig-
nificado de sua vida. Essa ideia o acompanha até os tempos
atuais. Ou seja, esse humano que deseja, sente, ama, educa,
convive, faz, apreende, percebe é convidado a todo o momen-
to, de alguma maneira, a entrar nos conceitos e vivências da
Arte – sejam eles individuais ou coletivos.

Esse convite pode estar vinculado à Arte pragmática e dire-


tiva, isto é, a Arte como alicerce de uma postura funcionalista,
como se fosse possível usar a argila, por exemplo, somente
como possibilidade de fazer cinzeiro, tijolo, pote, ou poderá
ter uma postura expressiva em que a mesma argila poderá ser
modelada e explorada enquanto recurso artístico e contextu-
alizado.

Na sala de aula esse conceito funcionalista se apropria do


ensino da Arte como algo que deve ser feito para um único
fim, sem um sentido artístico, estético ou reflexivo. Isso aconte-
6   Arte e Educação

ce, por exemplo, quando o professor utiliza a Arte para ocupar


um tempo ocioso de aula, oferecendo um desenho xerocado
estereotipado, em que cabe ao aluno somente pintar o dese-
nho proposto. Nesse caso, o professor não considerou o sen-
timento, a percepção, o significado, a realidade da criança,
somente lançou uma atividade diretiva e estereotipada, e o
aluno perdeu a oportunidade de criar sua forma de represen-
tatividade para perceber o mundo.

O ensino da Arte está vinculado ao espaço humano sen-


sível, criativo, perceptivo, onde cada pessoa, a partir de suas
experiências de vida, irá elaborar suas formas significativas.
Fayga Ostrower (1990, p.48) ressalta que “as formas expres-
sivas da Arte só podem originar-se nas vivências reais da pes-
soa como uma personalidade integral, o trabalho artístico e
os conteúdos expressivos fazendo parte da sua postura ante o
viver”.

A partir da ideia de Ostrower, vamos apreciar duas obras,


uma delas o Nascimento de um Novo Mundo (Birth of a New
World), do artista Salvador Dali (1904-1989), que revela as-
pectos do nascimento humano em uma perspectiva surrealista,
e a outra O Nascimento de Vênus (The Birth of Venus), de Bot-
ticelli (1445-1510). Embora ambas tratem aparentemente do
tema nascimento de formas distintas, elas revelam significados
completamente diferentes.

Nesse sentido, o artista cria a obra revelando formas que


lhe são significativas e ao analisarmos uma obra poderemos
destacar formas que nos são significativas.
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   7

Convidamos você a analisar a obra, observando a compo-


sição das formas, como elas estão posicionadas, a dinâmica,
os ritmos, como foi abordada a temática, as semelhanças e
diferenças entre as obras, enfim, um olhar sensível e aberto
aos elementos das obras.

Figura 2  Criança Geopolítica Observando o Nascimento do Homem


Novo. Salvador Dali, 1943.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Crian%C3%A7a_geopol%C3%ADtica_
observando_o_nascimento_do_homem_novo.jpg
8   Arte e Educação

Figura 3  O Nascimento de Vênus. Sandro Botticelli, 1485.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sandro_Botticelli_-_La_nascita_di_
Venere_-_Google_Art_Project_-_edited.jpg

A partir da apreciação dessas duas obras, reflita sobre o


seu significado.

ÂÂQual é o significado dessas imagens?

ÂÂQual é a imagem que você mais se identificou? Por quê?

ÂÂQual é o contexto de cada imagem?

ÂÂQuais são os sentimentos envolvidos?

Durante a apreciação, seria interessante contextualizar con-


ceitos de Arte no tempo e no espaço. Por exemplo: no período
Clássico, a Arte tinha uma função mimética, isto é, deveria
enaltecer o conceito humano, em uma “imitação” perfeita do
homem, sob formas de esculturas em mármore. Porém, no pe-
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   9

ríodo Medieval, a Arte tinha como função enaltecer a vontade


de Deus, sob formas teocêntricas, explorando imagens sacras
e beatificadas. Já na Idade Moderna o artista buscava encon-
trar sua identidade através de rupturas e alternativas contextu-
alizadas. Sendo assim, a Arte desvela significados, cujo mundo
vivido será repleto de subjetividades e manifestações.

A partir dessas reflexões seria interessante, pesquisar obras


em revistas, jornais, internet, livros, periódicos, outdoor, que
transitam no tempo-espaço e que revelam aspectos da Arte na
dimensão de significados.

Feita a pesquisa de obras e contextualizado o significado


de cada uma delas, convidamos o pensador francês Merleau-
-Ponty (2006) para apresentar o conceito de percepção. Ele
compreende que “o mundo é aquilo que percebo” e dá con-
tinuidade quando completa: “e estou indubitavelmente aberto
para ele”. Isso significa que as leituras e as releituras de mun-
do estão impregnadas de mundo vivido, caminhos e trajetó-
rias e que esse percurso tangencia o subjetivo (eu/comigo), o
intersubjetivo (eu/outro) e o transubjetivo (eu/outro/mundo),
impregnado de vivências.

Quando nos revelamos a partir de uma obra, que pode ser


uma música, texto, escultura, filme, instalação ou pintura, na
verdade estamos dialogando e revelando conceitos, valores,
posturas frente ao mundo vivido, conectando as nossas per-
cepções, o nosso sentido, isto é, o significado dado a nossa
aproximação seja de uma música, texto, corpo, Arte visual...

Por exemplo, quando nos aproximamos de algo podemos,


através dos nossos sentidos, ver ou olhar; digerir ou degustar;
10   Arte e Educação

tocar ou sentir; escutar ou ouvir; inalar ou inspirar. Isso signi-


fica que a percepção está profundamente religada ao sentido
dado ao sentido, ou melhor, o sentido dado a nós mesmos e,
portanto, a percepção é a relação que estabelecemos com o
mundo no qual vivemos. Quando escutamos a música “Ma-
luco Beleza” (1974), de Raul Seixas, abrimos espaço para re-
flexões repletas de significados, de sentido dado ao sentido. A
letra dessa música pode ser encontrada no site http://letras.
terra.com.br/raul-seixas/84/.

Portanto, o significado expressa aquilo que nos faz dar sen-


tido as formas e que, a partir da arte, reflete concepções de
mundo vivido revelados através das formas criadas e/ou for-
mas apreciadas, nas quais cada elemento manifesto (linha,
forma, cor, tema, palavra, gesto, código, símbolo) revela en-
tendimentos subjetivos estabelecidos em diferentes contextos.

1.1 Arte e formatividade


Forma é a realização concreta de um conceito ou o jeito de
apresentar uma noção, ideia, ação, é a expressão do conheci-
mento humano, a manifestação do pensamento, da sensação.

(QUEIROZ, 2003, p. 124)

O processo criativo da Arte se revela através de três dimen-


sões, a Formatividade, a Expressividade e a Representativida-
de, conceitos esses que serão desdobrados neste capítulo. O
processo criativo da criança, ao construir uma forma, seja na
linguagem da música, do teatro, da dança ou das artes visu-
ais, transitará entre formas e ideias, manifestadas por meio das
notas musicais, do corpo, do movimento ou das tintas.
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   11

Porém, independentemente da etapa de produção, essas


três dimensões serão sinalizadoras para o professor, pois ao
acompanhar o processo de criação do seu aluno terá ferra-
mentas para compreendê-lo melhor, no modo como a criança
cria e interage com sua produção.

Por exemplo, na Formatividade ficará evidente como o alu-


no irá fazer a sua forma, na Expressividade se revelará o que
será a sua forma, e na Representatividade o porquê da sua
forma vinculado às suas experiências de vida. Nesse momen-
to essas três dimensões serão aprofundadas para subsidiar a
prática de sala de aula.

Sabemos que forma é a manifestação que cristaliza o pen-


samento, ocupando o tempo e o espaço e que dialoga com
as intencionalidades, seja qual for a linguagem artística esco-
lhida. Para Luigi Pareyson, no livro Estética: Teoria da Forma-
tividade (1993, p.13), a formatividade é entendida como “a
união inseparável de produção e invenção”. Formar significa
“fazer” inventando ao mesmo tempo “o modo de fazer”, ou
seja, “realizar” só procedendo por ensaio em direção ao re-
sultado e produzindo, desse modo, obras que são “formas”.
Portanto, para o autor, a forma revela o pensamento, e a for-
matividade é a capacidade do criador de compreender cons-
cientemente seu processo de construção, o modo pelo qual se
dá a forma, como ela é construída, suas etapas, suas escolhas,
o seu tempo e seu espaço.

Em sala de aula, o professor ao desenvolver uma atividade


terá contato com o processo criativo do seu aluno, podendo
perceber como interage com os materiais, seja com as super-
12   Arte e Educação

fícies ou com os pigmentos, suas dificuldades, suas facilida-


des, o movimento do gesto enquanto psicomotricidade fina
ou ampla, os desafios de cada linguagem, o contato com seu
desenvolvimento gráfico, enfim, a forma como se expressa.
Essa experiência pela qual o aluno transita é “ferramenta” de
observação para o professor, uma vez que revela a forma pela
qual o aluno explora o seu processo criativo.

Para compreender o processo formativo, é importante tran-


sitar por conceitos estéticos definidos por Pareyson (1993), os
quais estão descritos a seguir, pois subsidiam a ação pedagó-
gica, no propósito da “arte como vida e na vida como arte”,
em uma dimensão de ensino-aprendizagem.

ÂÂForma: é o organismo que goza de vida própria e tem


sua própria legalidade intrínseca; é a totalidade irrepetí-
vel de sua singularidade, independente em sua autono-
mia, exemplar em seu valor, ao mesmo tempo fechada
e aberta, finita e encerrando um infinito, perfeita na har-
monia e na unidade de sua lei de coerência, inteira na
adequação recíproca entre partes e o todo.

ÂÂMatéria: é a matéria propriamente dita, matéria pura


e autêntica, isto é, a matéria física e resistente. Fazer
uma obra de arte, e não há Arte que não se exercite
adotando uma matéria física, é se utilizar de palavras,
sons, cores, mármore, argila, pedras e do próprio corpo
humano, como ocorre na mímica ou dança. Na sala de
aula, a matéria está vinculada ao material utilizado, seja
em superfície tais como, papéis, CD, papel reciclado,
folhas de árvores, pigmentos como lápis de cor, guache,
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   13

tintas orgânicas, giz, que o aluno irá usar para produzir


suas formas.

ÂÂProcesso: o artista não tem outra lei a não ser a regra in-
dividual da obra que vai fazendo, nem outro guia a não
ser o presságio do que vai obter, de tal sorte que a obra
é, ao mesmo tempo, lei e resultado de um processo de
formação. Nesse contexto, o processo são os momen-
tos pelos quais o aluno cria a sua forma que inicia no
pensamento, transita pela forma em si, até a concepção
final, que poderá ser ressignificada.

A partir desses conceitos, na dimensão formativa, podemos


compreender que o ensino da Arte é constituído pelo pensa-
mento subjetivo estabelecido no mundo vivido. Através da for-
ma, seja visual, musical ou corporal estamos “falando” das
questões pessoais e como transito por elas. Nesse sentido, a
Arte é percepção de mundo, em que os códigos são visitados
e revisitados a todo instante: na rua, em um outdoor, em uma
propaganda, em um jardim colorido, no cinema, em um ro-
teiro articulado, na obra de arte, no museu, em um artigo, na
festa folclórica, no jornal, na escola.

Dessa maneira, independentemente do cenário, o ensino


da Arte possibilita expressar um olhar contemplativo, interpre-
tativo e crítico da realidade. O aluno poderá encontrar a sua
maneira de dar forma à forma a partir das vivências e contato
com os materiais que o professor oportunizar. Nesse sentido, é
fundamental o papel do professor ao oportunizar experiências
através da diversidade temática, de experimentos de materiais,
dos conhecimentos da história da arte e de saídas pedagógi-
14   Arte e Educação

cas a espaços culturais, em que o aluno se perceba protago-


nista do seu modo de fazer.

1.2 Arte e expressão


Ação de se exprimir, de mostrar os pensamentos, as ideias ou
sentimentos por meio de gestos ou palavras, de forma oral,
escrita ou outra forma qualquer de manifestação artística.

(QUEIROZ, 2003, p. 115)

A arte, entre as possibilidades comunicativas, possui a ca-


pacidade de manifestar pensamentos, dimensões, essências,
tendências, sentimentos e comportamentos que revelam as-
pectos do comportamento humano no tempo-espaço. Nesse
sentido, a Arte enquanto expressão, utiliza a cultura e vivências
para explorar aspectos revelados ou velados que fazem parte
do cotidiano e da compreensão humana. A Arte se cristali-
za sob forma ao ser desvelada pela “mão do artista”, que se
apropria de múltiplos recursos materiais para dar forma a sua
ideia, como: pincel, superfícies, argila, resina, pigmentos, fil-
madoras, instrumentos musicais, enfim, palavras ou códigos.

Vale-se dizer que a palavra forma reporta uma ideia de


repetição modular, modelos, “receitas”, estereótipos, assim
como, por exemplo, a forma de um bolo. Já a forma, como
já foi visto, acolhe a ideia da invenção, da criatividade, da
intuição, da capacidade de poder abstrair de conceitos pré-
-estereotipados, dando espaço à construção pessoal.

Nessa dimensão da Arte enquanto expressão cultural, sua


manifestação redimensiona conceitos de arte, como podemos
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   15

entender com Campbell e Dickinson (2000, p.101) que di-


zem “todos somos artistas”, e isso sinaliza que a Arte está em
toda parte, principalmente dentro de nós. Nessa perspectiva, o
conceito de Arte somente como espaço de museu, intangível,
efêmero, distante, elitista, sitiado a um pequeno grupo de es-
tetas consagrados, afasta conceitos de Arte que movimentam
pensamentos, produções culturais, formas de entendimento
de vida, manifestações criativas que impulsionam movimentos
de vida. Sendo assim, a arte em uma perspectiva integrativa,
outorga o poder criador e criativo para todas as pessoas que
intencionalmente desejam manifestar-se enquanto concepções
de mundo, independentemente da matéria, conteúdo ou ide-
ologia contemplada.

Portanto, a Arte como expressão ocupa espaço manifesto


e, seja qual for o material utilizado, é forma, movimento de
tempo-espaço fomentado por dimensões vividas, quais sejam:
culturais, sociais, econômicas, políticas, que transitam entre
“arte popular” e a “arte erudita”. Portanto, o objeto de criação
cultural identifica a realidade do criador, seja ele artesão e/
ou artista, pois no seu processo de criação irá resgatar toda
a identidade regional contextualizada nas diversas dimensões
vividas.

1.3 Arte e representação


Ação de representar, de reproduzir aquilo que se pensa. Tornar
palpável um objeto ausente, um conceito abstrato, por meio de
uma imagem, de uma linguagem, de um sinal, etc.

(QUEIROZ, 2003, p. 215)


16   Arte e Educação

O conceito de representação está atrelado aos conceitos


de vida quando de alguma forma são manifestados através de
crenças, culturas, valor, moral e ética. Nesse sentido, a forma
é revelada a partir das trajetórias percorridas, onde cada esco-
lha revela um modo de ser, agir, criar, pensar, educar. A arte,
por ser uma área de conhecimento, possibilita liberdade para
viagens sem roteiros, nas quais o caminho se faz caminhando,
e também somente termina quando encerrado – como já dizia
Michelangelo, ao ser questionado pelo Papa Júlio II a respeito
de quando terminaria a Capela Sistina, no Vaticano. Dessa
forma, o criador possui a liberdade de criação, e se apropria
consciente ou inconscientemente do pensamento, mediante
forma, matéria, conteúdo para torná-lo manifesto.

O artista plástico suíço Paul Klee disse que “o pintor não


reproduz o visível, ele torna visível”. Sendo assim, a Arte ex-
plora a capacidade humana de dialogar através de imagens,
sons, palavras, expressões corporais que revelam questões vin-
culadas ao mundo vivido de cada ser humano que ousa ma-
nifestar ideias em formas, por meio da linguagem ou matéria
escolhida, como a pintura, o desenho, a poesia, o drama, o
canto. A Arte sempre estará falando do homem criador inseri-
do no seu contexto de criação, o homem que fala do homem.

A psicóloga Sara Païn (1996, p. 44) define a representação


como “processo de construção de pensamento, fundado sobre
a objetivação das representações [...] a obra criativa repre-
senta seu autor, uma época, uma cultura, na representação
vê-se como um outro”. Portanto, para Païn, a obra representa
códigos carregados de vivências pessoais, experiências pre-
coces, projeções inconscientes e, desse modo, representa por
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   17

meio dos códigos morfológicos (organização das partes), dos


códigos simbólicos (organização iconográfica) e dos códigos
subjetivos (organização biográfica) histórias de mundo vivido.
Nesse sentido, o artista, na perspectiva de Campbell que con-
sidera que todos somos artistas, sempre estabelecerá relação
dialógica entre pensamento e imagem, forma e representa-
ções.

Recapitulando

Compreender os movimentos criativos do ser humano oportu-


niza o encontro consigo, com o outro e com o mundo. Com
isso, quando se tem consciência do seu processo criador, ao
mesmo tempo em que se consolida enquanto presença é pos-
sível desenvolver a capacidade criadora a todo instante e a
todo o momento enquanto algo que lhe é natural, espontâ-
neo, infinito. A criatividade é uma capacidade inesgotável e
atemporal.

Nesse sentido, a sala de aula é um espaço de criação, ex-


ploração de materiais, de gestos, de sensibilidade, de criativi-
dade. O educador ao oportunizar vivências significativas para
seus educandos estará oportunizando o contato com teorias
e práticas artísticas, tais como pinturas, desenhos, esculturas,
instalações, objetos, arquiteturas, vídeos de arte, enfim lin-
guagens plásticas que oportunizam a alfabetização perceptiva
sensível dos sentidos, em uma perspectiva crítica e reflexiva.
18   Arte e Educação

Portanto, o ensino da Arte oportuniza o aprendizado infor-


mativo vinculado aos conceitos, teorias e práticas, mas tam-
bém ao aprendizado formativo que revela as questões subje-
tivas, no “Eu” como se representa, se forma e se expressa a
partir do mundo vivido. O professor pesquisador irá observar
a sua prática de sala de aula e irá ressignificar sua ação pe-
dagógica diante dos movimentos de ensino e aprendizagem,
percebendo a diversidade de cada turma e de cada aluno,
propondo ações interventivas que oportunizem o desenvolvi-
mento de competências durante os processos artísticos.

Referências

CAMPBELL, L.; CAMPBELL, B.; DICKINSON, D. Ensino e


aprendizagem por meio das inteligências múltiplas.
Porto Alegre: Artmed, 2000.

LEVINAS, E. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis:


Vozes, 2005.

OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petró-


polis: Vozes, 1987.

______. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campus,


1990.

PAÏN, S.; JARREAU, G. Teoria e técnica da arte-terapia. Por-


to Alegre: Artes Médicas, 1996.

PAREYSON, L. Estética: teoria da formatividade. Petrópolis:


Vozes, 1993.
Capítulo 1   Arte e Formação Humana   19

QUEIROZ, T. D. Dicionário Prático de Pedagogia. São Pau-


lo: Rideel, 2003.

SCHMITZ, E. F. O homem e sua educação: fundamentos da


filosofia da educação. Porto Alegre: Sagra, 1984.

Atividades

1) A partir dos estudos do primeiro capítulo, aprofundamos


conceitos de Arte e formação em que foi destacada a im-
portância das relações humanas nos processos de criação,
em subjetividade, intersubjetividade e transubjetividade. É
correto afirmar que:

a) A subjetividade instrumentaliza o educador para com-


preender as zonas de significado do educando.

b) A intersubjetividade são relações mediatizadas nos


processos de construção de conhecimento.

c) As relações subjetivas revelam as manifestações repre-


sentativas da criança.

d) Somente as alternativas a e b estão corretas.

e) Todas alternativas estão corretas.

2) A artista plástica e professora Fayga Ostrower apresenta


a ideia de que “as formas expressivas da Arte só podem
originar-se nas vivências reais da pessoa como uma per-
sonalidade integral, o trabalho artístico e os conteúdos
20   Arte e Educação

expressivos fazendo parte da sua postura ante o viver”. A


autora nos afirma que:

a) a sala de artes é um espaço de conhecimento, mas


também de autoconhecimento.

b) o professor deve ter uma postura de observação e pes-


quisa em sala de aula.

c) o aluno, ao explorar suas manifestações artísticas, en-


tra em contato com seus sentimentos e emoções.

d) a sala de aula é um espaço de criação e produção,


cuja preocupação é o produto final.

e) Todas as alternativas estão corretas.

3) O processo criativo da Arte se revela através de três di-


mensões, a Formatividade, a Expressividade e a Represen-
tatividade. Destaque três ideias importantes dessas dimen-
sões apresentadas no Capítulo 1 do livro.

Formatividade Expressividade Representatividade


Capítulo 1   Arte e Formação Humana   21

4) O conceito de representação está atrelado aos conceitos


de vida, quando de alguma forma são manifestados atra-
vés de crenças, culturas e valores. Nesse sentido, as formas
artísticas são reveladas a partir das trajetórias percorridas,
onde cada escolha expressa um modo de ser, agir, criar,
pensar, educar, portanto a representação está vinculada a
história de vida. Resgate de sua memória uma atividade
de artes desenvolvida na sua trajetória escolar em que foi
explorada a ideia da representação.

5) Durante o estudo deste capítulo foi citada a ideia de Cam-


pbell e Dickinson de que “todos somos artistas”, e isso
sinaliza que a Arte está em toda parte, principalmente
dentro de nós. Se a Arte está em todo lugar, isto revela a
importância do professor enquanto incentivador de com-
petências e habilidades artísticas em sala de aula. Qual a
sua compreensão da ideia de que todos somos artistas?
Rejane Reckziegel Ledur1

Capítulo 2

História, Tendências,
Legislação e
Perspectivas do Ensino
de Artes Visuais no Brasil

1
..

1 Doutora em Educação (UFRGS, 2013), Mestre em Educação (UFRGS, 2005)


e Licenciada em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas (UFRGS, 1992).
Professora do Curso de Artes Visuais e Pedagogia EAD da ULBRA Canoas/RS e da
Rede Municipal de Canoas. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação e Arte –
GEARTE/UFRGS.
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    23

Introdução

Neste capítulo, vamos analisar as diferentes tendências pe-


dagógicas que nortearam o ensino no Brasil e as influências
dessas concepções no ensino da Arte na escola. Ferraz e Fu-
sari (2009) apontam duas vertentes pedagógicas: a tendência
idealista liberal e a tendência realista progressista.

Na tendência idealista liberal acreditava-se que a educa-


ção sozinha poderia garantir a construção de uma sociedade
mais igualitária e democrática. Nessa perspectiva inclui-se a
concepção de Ensino Tradicional, da Escola Renovada e da
Escola Tecnicista.

Na tendência realista progressista, que surgiu nos anos 60


no Brasil, passou-se a discutir as contribuições da escola para
a conscientização do povo, como a Escola Libertadora, a Es-
cola Crítico-Social dos Conteúdos, Escola Construtivista, entre
outras.

Ao analisarmos o ensino da Arte na escola, vamos perce-


ber que essas diferentes tendências pedagógicas estão pre-
sentes nas práticas dos professores, que trazem influências
dessas abordagens de ensino nas aulas de arte. Portanto, é
importante conhecermos as concepções que fundamentam es-
sas diferentes tendências pedagógicas para podermos rever as
concepções de ensino que norteiam a nossa prática docente,
conectando-as com as propostas pedagógicas da contempo-
raneidade.

Para nos acompanhar nesse percurso, vamos nos apoiar


nos estudos de Maria Heloísa Ferraz e Maria de Rezende Fusari
24   Arte e Educação

(2010, 2009), Ana Mae Barbosa (2011, 2008, 1991), Rosa


Iavelberg (2003), entre outros autores que são referências nes-
se tema no Brasil.

1 A História do Ensino de Arte

Como vimos na introdução deste capítulo, as práticas de en-


sino vinculam-se a uma pedagogia, ou seja, a uma teoria de
educação escolar. Ao mesmo tempo, as nossas práticas e teo-
rias educativas estão impregnadas de concepções ideológicas
e filosóficas que influenciam tal pedagogia. Quando aprofun-
damos nosso conhecimento sobre a articulação das práticas
de ensino e as teorias e proposições da Arte em cada mo-
mento histórico, conseguimos compreender melhor o processo
educacional e a relação com a nossa vida.

Para iniciarmos esse tema vamos partir da sua história indi-


vidual enquanto estudante da educação básica: qual é a lem-
brança que você tem das aulas de Arte no Ensino Fundamental
ou Médio? O que era ensinado nessas aulas? Você teve aces-
so ao conhecimento da arte, artistas, obras, ou era enfatizado
apenas o fazer técnico e experimentação de materiais, o arte-
sanato, a reprodução de modelos ou cópia de obras?

Para contextualizar sua experiência de ensino na disciplina


de Arte é necessário que compreendamos que essa forma de
ensino está intimamente ligada às mudanças sociais, filosófi-
cas, artísticas e estéticas pelas quais passamos. Assim sendo, o
ensino da Arte no Brasil não obedece a uma única tendência,
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    25

mas registra, sim, diversas formas de ensino provenientes das


várias influências que sofreu.

A Arte faz parte da história da humanidade desde a pré-


-história quando o homem deixou sua marca nas paredes das
cavernas. No entanto, o ensino da Arte na escola é algo mais
recente na nossa cultura e coincide com as transformações
educacionais que caracterizam o século XX em várias partes do
mundo. Nesse período ocorreu uma mudança significativa na
educação que deslocou o foco de atenção da educação tradi-
cional, centrada apenas na transmissão de conteúdo, para o
processo de aprendizagem do aluno.

Para conhecer a história do ensino da Arte no Brasil, vamos


retroceder no tempo e voltar para o século 19, quando inicia
o ensino formal de arte. Esse início é marcado pela vinda da
Missão Artística Francesa, em 1816, trazendo o modelo ne-
oclássico de cunho elitista que estava em moda no país de
origem. Em 1826 é criada a Escola Imperial das Belas-Artes
no Rio de Janeiro, que se tornou um lugar de convergência de
uma elite cultural que se formava no país para movimentar a
corte, dificultando, assim, o acesso das camadas populares à
produção artística.

Segundo conta Barbosa (2011, p.8), até 1870 pouco se


contestou o modelo de ensino da Arte da Academia Imperial
das Belas Artes, que foi em parte utilizado pela escola secun-
dária. Nas escolas secundárias particulares para meninos e
meninas, imperava a cópia de retratos de pessoas importantes,
de santos e a cópia de estampas, em geral europeias, repre-
26   Arte e Educação

sentando paisagens desconhecidas aos nossos olhos acostu-


mados ao meio ambiente tropical.

A partir de 1870, e principalmente na década de 1880,


alguns liberais contrários ao uso da Arte na escola como ador-
no cultural defenderam a ideia de que uma educação popular
para o trabalho deveria ser o principal objetivo da Arte na
escola e iniciaram uma campanha para tornar o desenho obri-
gatório no ensino primário e secundário. No Brasil, como na
Europa, o desenho era a base de todas as artes, e objetivava
ser útil para desenvolver as habilidades gráficas e técnicas.
Buscava-se a formação de bons profissionais dentro das re-
gras do pensamento dominante, fundamentadas na estética
da “beleza e do bom gosto” (FERRAZ e FUSARI, 2009).

Diante do exposto, podemos perguntar: o ensino da Arte


no Brasil foi sempre igual? É claro que não, por isso vamos
explicitar os principais aspectos das tendências pedagógicas e
suas manifestações nas aulas de arte.

2 O Ensino Tradicional

O Brasil é um país muito jovem e marcado pela influência de


várias culturas que ao longo dos séculos para ele emigraram,
estabeleceram-se e nele fizeram história. Não há como lançar
um olhar sobre a história do ensino de Arte em nosso país, sem
analisarmos como se deu a influência desses estrangeiros em
nossa forma de ver e ensinar. Tomemos como exemplo dessa in-
terferência, a presença, no ensino brasileiro da escola tradicional
com uma pedagogia voltada para a mimese – cópia de modelos
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    27

– que se originou nos padrões neoclássicos, introduzidos pela


Missão Francesa, trazida por Dom João VI no século XIX.

Sendo assim, o ensino de artes na educação escolar bra-


sileira se configura de modos distintos, conforme o momen-
to histórico, político e social vivido no país. No século XIX a
abordagem tradicional no ensino das artes visuais priorizava
a cópia fiel de modelos, o desenho decorativo, a iniciação ao
design, enfim, o treinamento para o trabalho nas indústrias.

Na primeira metade do século XX, as disciplinas de Dese-


nho, Trabalhos Manuais, Música e Canto Orfeônico faziam
parte dos programas das escolas primárias e secundárias,
concentrando o conhecimento na transmissão de padrões e
modelos das culturas predominantes. Depois de cerca de trinta
anos de atividades em todo o Brasil, o Canto Orfeônico foi
substituído pela Educação Musical, criada pela Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Brasileira de 1961, vigorando efeti-
vamente a partir de meados da década de 60.

Figura 1  Modelos de atividades do ensino tradicional – Caderno de


desenho década de 50.
Fonte: acervo da autora.
28   Arte e Educação

2.1 Q
 ual é o papel do professor de artes dentro
de perspectiva de ensino tradicional?
O papel do professor de Arte dentro da metodologia tradi-
cional de ensino é bastante autoritário. Centra sua ação na
atividade de transmitir conteúdos reprodutivistas que não se
relacionam muitas vezes com o cotidiano e realidade dos su-
jeitos. Ele procura preparar seus alunos para o mercado de
trabalho e por essa razão encaminha programas de ensino
voltados para o desenvolvimento de destrezas e não para a
liberdade de criação.

O objetivo do ensino tradicional, conforme Ferraz e Fu-


sari (2010, p.27), é exercitar a vista, a mão, a inteligência, a
memorização, o gosto e o senso moral. Os conteúdos traba-
lhados correspondem aos desenhos decorativos, do natural e
geométrico onde são enfatizadas as questões de proporção,
perspectiva, luz e sombra e o traçado geométrico. Nessa mo-
dalidade de ensino é incentivado o trabalho centrado na có-
pia. Os conteúdos e a nota – avaliação – são de suma impor-
tância.

2.2 O Ensino Renovado ou Escola Nova


Durante a primeira metade do século XX passamos pelo perí-
odo modernista, com a ênfase na livre-expressão e na valo-
rização da criatividade e da espontaneidade infantil. Entre os
anos 20 e 70, as escolas brasileiras viveram outras experiên-
cias no âmbito do ensino e aprendizagem de arte, fortemente
sustentadas pela estética modernista e com base na tendência
escolanovista.
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    29

O ensino de Arte volta-se para o desenvolvimento natural


da criança, centrado no respeito às suas necessidades e aspi-
rações, valorizando suas formas de expressão e de compreen-
são do mundo. As práticas pedagógicas, que até então eram
diretivas, com ênfase na repetição de modelos e no professor,
são redimensionadas, deslocando-se a ênfase para os proces-
sos de desenvolvimento do aluno e sua criação.

As aulas de Desenho e Artes Plásticas assumem concep-


ções de caráter mais expressivo, buscando a espontaneidade
e valorizando o crescimento ativo e progressivo do aluno. As
atividades de artes plásticas mostram-se como espaço de in-
venção, autonomia e descobertas, baseando-se principalmen-
te na autoexpressão dos alunos. Os conhecimentos de Arte
acumulados pela humanidade não precisariam ser transmiti-
dos aos alunos, pois se acreditava que as imagens pudessem
influenciar a espontaneidade das crianças.

Figura 2  Livre-expressão da criança.


Fonte: Ledur, 2017
30   Arte e Educação

O que caracteriza a Escola Nova?


No decorrer da década de 1930, surge no Brasil o que cha-
mamos de Movimento da Escola Nova. Tinha como ideal a
livre-expressão e surgiu como uma tentativa de oxigenar e
transformar um sistema educacional deficiente. Os educado-
res brasileiros comprometidos com essa corrente, como Nereu
Sampaio, defendiam uma educação através da Arte que privi-
legiasse a imaginação, a intuição e a inteligência da criança,
ou seja, o trabalho centrado na criança.

Todas essas questões se relacionam com um ensino focado


na educação através da Arte e, também, com a Teoria da Livre
Expressão, ou seja, o aluno expressa-se com inteira liberdade
sem qualquer tipo de interferência do professor. 

Outro grande incentivador da livre expressão foi o artista


Augusto Rodrigues, que em 1948 criou no Rio de Janeiro a Es-
colinha de Arte do Brasil. O espaço funcionava como Atelier
onde as crianças criavam livremente, reafirmando o expressio-
nismo dominante no pós-guerra.

Os principais teóricos que deram origem a essa corrente


metodológica foram: Dewey, Viktor Lowenfeld, Herbert Read,
entre outros. Os escritos de Lowenfeld sobre a expressão cria-
dora da criança influenciaram significativamente os arte-edu-
cadores brasileiros entre as décadas de 1960 e 1980.

Qual é o papel do professor na Escola Nova?


Na Escola Nova, o professor considera o ensino e aprendiza-
gem basicamente como processo de pesquisa individual ou
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    31

no máximo em pequenos grupos, em um “aprender fazendo”.


Do ponto de vista dessa pedagogia, os conhecimentos já são
obtidos pela ciência e acumulados pela humanidade não pre-
cisariam ser transmitidos para os alunos, pois se acreditava
que a partir desse método eles seriam naturalmente encontra-
dos e organizados. Resumindo, na Pedagogia Nova, a aula de
Arte traduz-se mais por proporcionar condições metodológicas
para que o aluno possa “exprimir-se” subjetiva e individual-
mente.

2.3 O Ensino Tecnicista


Nos anos de 1970, sob a denominação Educação Artísti-
ca, são incluídas atividades artísticas no currículo escolar, mas
ainda sem configurar-se como disciplina. Os professores de
Desenho, Música, Trabalhos Manuais, Canto Coral e Artes
Aplicadas, viram os conhecimentos específicos de cada lin-
guagem repentinamente transformados em “meras atividades
artísticas”. O Parecer nº 540/77, na sua redação referia-se
a Arte dizendo: “não é uma matéria, mas uma área bastante
generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das ten-
dências e interesses”.

Neste período, o ensino de Arte sofre influência da tendên-


cia tecnicista de educação que visava a um acréscimo de efi-
ciência da escola com o objetivo de preparar indivíduos mais
competentes e produtivos para o mercado de trabalho. Enfa-
tizavam-se os planejamentos de aulas em que os objetivos,
conteúdos, métodos e avaliações deveriam estar bem claros.
32   Arte e Educação

O que é uma Escola Tecnicista?


É uma escola comprometida com o sistema capitalista que visa
apenas preparar para o trabalho. Um de seus principais obje-
tivos é ensinar a fazer. A figura central dessa forma de ensino
não é nem o professor e nem o aluno, mas sim o sistema téc-
nico de organização da aula. É uma modalidade pedagógica
totalmente diretiva.

A escola tecnicista surge no Brasil a partir de 1960 e desen-


volve-se fortemente também na década de 1970. Sua origem
encontra-se nos EUA (1950). Os objetivos, conteúdos dos es-
tudos e as estratégias de ensino relacionam-se com processos
mecânicos. Os professores trabalham com música, desenho,
trabalhos manuais, canto coral e artes aplicadas como se fos-
sem atividades artísticas e não área de conhecimento.

Nas situações de ensino-aprendizagem são utilizados am-


plamente os audiovisuais e recursos tecnológicos, visando dar
à prática uma aparência de modernidade. No entanto, ao co-
nhecimento das linguagens artísticas é dada importância me-
nor.

2.4 O Ensino Interacionista


Devemos lembrar que hoje as aulas de Arte ainda apresentam
influências das três pedagogias citadas – tradicional, novista e
tecnicista – em maior ou menor grau, e essas pedagogias na
prática se imbricam. Segundo Ferraz e Fusari (2010), desde a
década de 1960 muitos educadores, preocupados com os ru-
mos da educação escolar, têm discutido as reais contribuições
da escola, sobretudo da escola pública, pensando em uma
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    33

melhoria das práticas sociais. Essas discussões contribuíram


para mobilizar novas propostas pedagógicas que apontam
para uma educação conscientizadora e crítica.

As abordagens interacionistas de ensino da atualidade,


que dialogam com a tendência realista progressista, como a
Escola Crítico Social dos Conteúdos e a Escola Construtivista,
entre outras, enfatizam no processo de ensino e aprendizagem
o diálogo do aluno com aluno, do aluno com professor e va-
lorizam o diálogo com a cultura acumulada historicamente.
Partem do interesse do aluno, respeitam o ritmo de aprendiza-
gem e o desenvolvimento psicológico dos estudantes, aliada
a sistematização lógica dos conhecimentos. Buscam, assim,
construir uma cidadania consciente, crítica participante.

Nessa tendência, a partir dos anos 80, com a mobilização


dos professores de arte, constitui-se o movimento de Arte-Edu-
cação que ampliou as discussões sobre a importância da disci-
plina no currículo escolar, a valorização e o aprimoramento do
professor que reconhecia o seu isolamento dentro da escola e
a insuficiência de conhecimentos e competência na área.

Os professores passam a se organizar em torno de asso-


ciações, a participar de encontros e eventos com o intuito de
rever e propor novos andamentos à ação educativa em Arte,
reivindicando a inclusão da área de Arte como conhecimento
na escola, com conteúdos próprios ligados à cultura artística e
não apenas como atividade.

No ensino das artes visuais são introduzidas novas abor-


dagens metodológicas como a Proposta Triangular que inclui,
além da criação nas linguagens artísticas, a leitura da Arte pro-
34   Arte e Educação

duzida pela humanidade e pelos próprios alunos, bem como


a contextualização da proposta em diálogo com trabalhos da
Arte e da mídia.

O que é a Proposta Triangular?


Na década de 1980 podemos constatar no ensino em geral
uma busca por ações que valorizem as vivências dos alunos,
que se relacionem com as questões sociais e, principalmente,
que favoreçam o desenvolvimento de uma consciência crítica.
Nessa perspectiva o ensino da Arte busca resgatar os conteú-
dos da área com o intuito de marcar a disciplina como área de
conhecimento no currículo escolar.

A Arte-Educadora Ana Mae Barbosa foi de vital importân-


cia para a mudança na forma de ensinar Arte no Brasil nessa
época. Comprometida com a democratização do saber em
arte, com a possibilidade de tornar os conteúdos artísticos
acessíveis a todos os alunos – da rede pública e particular –
passou a estudar maneiras de conduzir um trabalho conectado
com as realidades pessoais e sociais dos alunos. Inseriu, tam-
bém, no universo do ensino da Arte a “Abordagem Triangular”,
proposta metodológica que enfoca de forma integrada:

ÂÂo fazer artístico, 

ÂÂa leitura de imagens e 

ÂÂa contextualização

Essa modalidade de ação pedagógica vem sendo estuda-


da desde a década de 1980 e iniciou em São Paulo, no Museu
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    35

de Arte Contemporânea da USP. Na atualidade, os arte-edu-


cadores mais comprometidos com a causa da arte entendem
que precisam trabalhar uma Arte na escola que possibilite
às crianças o vivenciar e compreender as linguagens da Arte
a partir da experiência de fazer formas artísticas e tudo que
entra em jogo no percurso criador; valorizando a diversidade
das manifestações culturais, a pesquisa de meios, materiais e
técnicas, que possibilite um trabalho centrado na percepção,
na imaginação e na reflexão crítica.

Enfim, como nos diz Mirian Celeste Martins (1998), o que se


pretende nas aulas de arte, nessa perspectiva, é a interação da
criança com o campo da arte e o seu contato direto com ela,
tal como é previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, lan-
çados pelo Ministério da Educação no final da década de 90.

Figura 3  Crianças interagindo com a arte.

Fonte: LEDUR, 2017.


36   Arte e Educação

Os arte-educadores, considerando as mudanças estabele-


cidas, implementaram em suas classes um ensino que passou
a contemplar a apreciação, a reflexão e o fazer. Também, a
partir dos PCNs, preocuparam-se em encaminhar propostas
de ensino da Arte comprometidas com os temas transversais:
pluralidade cultural, ecologia ou meio ambiente, orientação
sexual, ética, trabalho, consumo e saúde.

Nessa perspectiva pedagógica, os questionamentos a res-


peito dos vários temas suscitam uma abordagem que inclui
a resolução de problemas. Os estudos são encaminhados a
partir dos conhecimentos prévios do aluno com vistas à cons-
trução de novas aprendizagens. O papel do professor é muito
importante, na medida em que ele é o planejador/executor/
observador das estratégias utilizadas.

3 L egislação e perspectivas do ensino da


arte

A Lei 5.692/71, regulamentadora do então denominado ensi-


no de 1º e 2º graus, introduziu a obrigatoriedade da disciplina
de Educação Artística no currículo das escolas. Essa obriga-
toriedade estava prevista pelo artigo 60 que afirmava: “Será
obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação
Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos
plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus”.

Com a Lei 9.394/96, revogam-se as disposições anteriores


e Arte é considerada obrigatória nos diversos níveis da educa-
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    37

ção básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural


dos alunos (art. 26, § 2 o). Na sequência, o MEC divulga os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Arte que
contempla as linguagens de Artes Visuais, Teatro, Música e
Dança.

Em 2003, a Lei 10.639 alterou a LDB (Lei 9.394/96) para


incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatorieda-
de do estudo da história e cultura afro-brasileira. No ano de
2008, a Lei 11.645 alterou novamente a LDB para incluir no
currículo a obrigatoriedade do estudo da história e cultura dos
povos indígenas. Assim, a legislação passou a exigir a inclusão
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do
estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena em todas
as disciplinas, incluindo a Arte, e em todos os níveis de ensino.

Em 2008, a Lei 11.769 inclui o ensino de música como


conteúdo obrigatório, mas não exclusivo no componente cur-
ricular ensino da arte.

Em 2016, a Lei 13.278/2016, altera o parágrafo quarto


da LDB – Lei  9.394/1996, incluindo a obrigatoriedade das
artes visuais, da dança, da música e do teatro nos currículos
dos diversos níveis da educação básica. Estabelece o prazo de
cinco anos para que os sistemas de ensino promovam a for-
mação de professores para implantar esses componentes cur-
riculares no ensino infantil, fundamental e médio. A legislação
prevê que o ensino da arte, especialmente em suas expressões
regionais, seja componente curricular obrigatório na educa-
ção básica, “de forma a promover o desenvolvimento cultural
dos alunos”.
38   Arte e Educação

Recapitulando

CORRENTES PEDAGÓGICAS E ARTE EDUCAÇÃO

1. Concepção Idealista Liberal

Pedagogia Tradicional

Pedagogia Renovada

Pedagogia Tecnicista

PEDAGOGIA TRADICIONAL

ÂÂProcesso de aquisição de conhecimentos com base em


modelo.

ÂÂConcepção estética: imitar o padrão de beleza.

ÂÂModelos vinham de fora do país (missão artística fran-


cesa, 1816).

ÂÂÊnfase em um fazer técnico e artístico.

ÂÂConteúdo reprodutivista.

ÂÂPreocupação com o produto (aplicável na sociedade).

ENSINO TRADICIONAL DE ARTE

ÂÂEntre os anos 30 e 70 os programas dos cursos de dese-


nho abordavam basicamente as seguintes modalidades:

ÂÂDesenho natural (observação, representação e cópias


de objetos);
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    39

ÂÂDesenho decorativo (faixas ornatos, redes, gregas, estu-


do de letras);

ÂÂDesenho geométrico (estudo de construções geométri-


cas);

ÂÂDesenho “pedagógico” nas escolas normais (ilustrar au-


las).

PEDAGOGIA RENOVADA

ÂÂExperiência cognitiva deve ser progressiva.

ÂÂConcepção estética = experiência individual.

ÂÂRevelações de emoções, insight, motivação interior, pro-


cesso é fundamental, produto não interessa.

ENSINO ESCOLA NOVA – HERBERT READ (1893 – 1968)

ÂÂLiberdade individual.

ÂÂLivre expressão: atingir o centro da criação.

ÂÂ1948 – Escolinhas de Arte do Brasil, por Augusto Rodri-


gues- RJ.

“Correntes inatistas ou aprioristas = a indivíduo já traz


dentro de si o conhecimento que vai colocar para fora”.

PEDAGOGIA TECNICISTA

ÂÂIndivíduo competente e produtivo.

ÂÂSintonia com o interesse da sociedade industrial –


Mercado de trabalho.
40   Arte e Educação

ÂÂDesenho decorativo, geométrico e módulos.

ÂÂApoio em livros didáticos.

ÂÂLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Nº


5.692/71.

ENSINO DA ARTE TECNICISTA

ÂÂÉ introduzida no Brasil entre 1960 e 1970.

ÂÂEducação é considerada ineficiente no preparo de pro-


fissionais para atender o mundo tecnológico em expan-
são.

ÂÂVisava à preparação de indivíduos mais “competentes”


e produtivos conforme a solicitação do mercado de tra-
balho.

ÂÂProfessor passa a ser considerado um “técnico” respon-


sável por um competente planejamento dos cursos es-
colares.

ÂÂObjetivos, conteúdos, estratégias, técnicas, avaliação


apresentam-se interligados.

ÂÂDestaque para a organização racional e mecânica dos


componentes curriculares.

2. Concepção Realista Progressista

Escola Libertadora

Escola Libertária

Escola Crítico Social dos Conteúdos


Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    41

Escola Construtivista

ABORDAGEM INTERACIONISTA

ÂÂDiálogo do aluno com aluno, aluno com professor, va-


lorizar diálogo com a cultura acumulada historicamente.

ÂÂInteresse do aluno + ritmo de aprendizagem + desen-


volvimento psicológico + sistematização lógica dos co-
nhecimentos.

ÂÂCidadania consciente, crítica participante.

ÂÂPreocupação com a leitura de imagem.

Referências

BARBOSA, Ana Mae (Org.). Ensino da arte: memória e histó-


ria. São Paulo: Perspectiva, 2008.

______. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspec-


tiva, 1991.

______. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max


Limonad Ltda, 1984.

BARBOSA, Ana Mae e COUTINHO, Rejane Galvão. Ensino de


Arte no Brasil: Aspectos históricos e metodológicos. Rede
são Paulo de Formação Docente. Unesp/Redefor – Módulo I –
Disciplina 02. São Paulo, 2011. Disponível em: https://acer-
vodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40427/3/2ed_
art_m1d2.pdf (Acessado em 22/10/2017)
42   Arte e Educação

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fun-


damental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Ter-
ceiros e quartos ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.

______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais: arte. Primeiros e segundos ciclos.
Brasília: MEC/SEF, 1997.

FERRAZ, Maria H. C. de; FUSARI, Maria F. de Rezende e. Arte


na educação escolar. São Paulo: Cortez, 2010.

______. Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Cortez,


2009.

IAVELBERG, Rosa. Para Gostar de aprender arte. Sala de


aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed,
2003.

MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Te-


rezinha Telles. Didática do Ensino da Arte: A língua do
Mundo. São Paulo: FTD, 1998.

Atividades

Leia atentamente as situações de ensino descritas abaixo e re-


lacione com as modalidades de ensino que foram apresenta-
das neste texto. Escolha a alternativa que corresponde à abor-
dagem de ensino em cada situação:

Situação 1:
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    43

A professora entra na sala, dá bom dia a todos e pede para


que os alunos retornem às suas classes, que estão organizadas
em fila. Em seguida, coloca sobre a mesa existente na frente
das classes um arranjo com frutas e solicita que os alunos
o reproduzam fielmente, observando, com muita atenção, o
jogo de luz e sombra. Enfatiza que a tarefa será recolhida e
avaliada no final da aula. Os alunos irão trabalhar em folhas
de tamanho ofício e lápis macio. A professora senta-se ao lado
da mesa com o arranjo, deslocando-se algumas vezes pelo
espaço da sala para olhar o trabalho dos alunos. Ocasional-
mente, assessora aqueles com maior dificuldade na execução
mais apropriada para a reprodução do modelo exposto. Bate
o sinal e a tarefa é recolhida pela professora, a qual se des-
pede, informando que os desenhos serão devolvidos com as
notas na aula seguinte.

Enquadro a Situação 1 na:

a) Concepção Tradicional.

b) Concepção da Escola Nova.

c) Concepção Tecnicista.

d) Proposta Triangular.

e) Nenhuma das alternativas.

Situação 2:

A professora entra em uma sala de aula, portando esqua-


dro, régua, compasso, slides e um projetor. Um menino a aju-
da. Aguarda o silêncio dos alunos e avisa: Hoje vamos criar
um desenho para o bordado em cruz. Inicialmente assistiremos
44   Arte e Educação

a um audiovisual que apresenta a técnica que será desenvol-


vida.

Para evitar conversas paralelas a fim de que haja concen-


tração nas instruções contidas no audiovisual, a professora so-
licita que separem as classes, originalmente agrupadas duas a
duas, em filas. A professora aguarda durante 10 min para que
todos se acomodem e inicia a apresentação do audiovisual.
Ao finalizar, a professora diz: Agora que todo mundo já conhe-
ce a técnica, vou colocar no quadro um desenho que deverá
ser copiado por vocês, a fim de ser depois passado com papel
especial para os tecidos a serem bordados, conforme foi visto
no audiovisual.

Faz no quadro o traçado e pede que os alunos façam o


mesmo em seus cadernos. Lembra que cada seguimento deve
ter um número x de cm e recorda outras instruções, sempre
referindo o que foi visto anteriormente no audiovisual. Termina
a aula e a professora avisa que no próximo encontro farão a
passagem do desenho para o tecido e após o bordarão em
ponto de cruz.

Enquadro a Situação 2 na:

a) Concepção Tradicional.

b) Concepção da Escola Nova.

c) Concepção Tecnicista.

d) Proposta Triangular.

e) Nenhuma das alternativas.


Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    45

Situação 3:

Entrando na sala a professora inicia uma conversa pergun-


tando o que os alunos mais gostam de usar, como gostam de
se vestir? A professora, então, propõe a temática a ser desen-
volvida:

Proponho que iniciemos nosso próximo bloco de estudos


pela análise da indumentária ao longo dos tempos. Sapatos
e chapéus, por exemplo, foram sempre usados? Tiveram, ao
longo de nossa história, um caráter de ordem mais prática ou
foram mais ostentados como adorno?

Uma aluna comenta que a sua avó usava um chapéu que


tinha um véu na frente. Outras duas disseram que as suas
mães usam chapéus, mas só na praia. Um aluno comentou
que acha horrível “estas coisas todas na cabeça! O legal é
só um boné e fim”! Nesse momento a professora mostra uma
reprodução e informa que aquele quadro intitula-se “Mãe e Fi-
lhas”, pintado por Pierre Auguste Renoir, em 1875, e pergunta:

Os chapéus que estão sendo usados pela moça e suas fi-


lhas ainda são usados nos dias de hoje? Vocês acham que este
chapéu teria alguma utilidade? Qual?

Os alunos foram respondendo às questões, enfocando


aspectos diferentes, trazendo, ainda, outras questões que, de
imediato, foram incentivadas pela professora.

Eu trouxe cinco livros de Arte da nossa biblioteca, com re-


produções de obras pintadas por diferentes artistas, que retra-
taram diferentes períodos de nossa história. Peço que vocês se
organizem em cinco grupos e que cada grupo pegue um destes
46   Arte e Educação

livros. Selecionem, então, reproduções que retratem chapéus


e/ou sapatos e comentem, depois, para os colegas dos de-
mais grupos, aquilo que conseguiram identificar nessas obras,
a exemplo do que fizemos a pouco com a pintura de Renoir.

Ao concluírem, os alunos apresentaram as suas observa-


ções para os demais, o que acabou gerando vários outros co-
mentários, incluindo questões sobre os costumes de cada épo-
ca. A professora incentivou a discussão, introduzindo novas
perguntas que pudessem enriquecê-la. Propõem uma ativida-
de prática, na qual os alunos deveriam retratar uma situação
envolvendo o uso de chapéus e/ou sapatos como elementos
de adorno ou profissionais.

Finalizando, comenta que em Novo Hamburgo há um Mu-


seu do Calçado e que, se houver interesse, poderá ser visitado
pelo grupo para fazer outras pesquisas relacionadas ao assun-
to.

Enquadro a Situação 3 na:

a) Concepção Tradicional.

b) Concepção da Escola Nova.

c) Concepção Tecnicista.

d) Proposta Triangular.

e) Nenhuma das alternativas.


Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    47

Situação 4:

Objetivos

ÂÂPossibilitar às crianças uma vivência expressiva junto a


materiais diversos;

ÂÂPossibilitar, aceitar e valorizar a expressão criadora;

ÂÂIncentivar o desenvolvimento da imaginação e da fan-


tasia;

ÂÂPropiciar a integração com os pares de trabalho.

Ação pedagógica

Os alunos são recebidos na sala por uma professora que


os convida a trabalhar a partir dos materiais disponíveis. A
professora não interfere nos projetos dos alunos. O trabalho
passa a surgir dos próprios alunos, que estão sentados em
grupos. Eles ficam tão absortos em suas tarefas que se estabe-
lece um clima de tranquilidade e silêncio, o qual só é interrom-
pido quando os alunos trocam ideias e materiais entre si para
desenvolver seus projetos.

Alguns alunos pintam sobre o chão com pincéis, outros o


fazem com as mãos. Há ainda os que rasgam os papéis e os
colam criando uma textura diferente. Um menino usa o papel
para fazer aviões e fica tão interessado na tarefa que passa a
fazer vários aviões criando um aeroporto. Seu colega interes-
sa-se pelo projeto e passa a criar os hangares onde estarão
guardados alguns aviões. Há um grupo que passa a montar
chapéus e pensa em criar uma encenação.
48   Arte e Educação

Ao final da aula a professora gratifica-os dizendo que os


trabalhos estão todos muito ricos e expressivos e pede que os
alunos os conduzam às prateleiras onde ficarão expostos, ou
colados às paredes para que possam vê-los no próximo en-
contro. Solicita que as crianças ajudem a organizar o material.

Ao saírem, alguns alunos levam o produto do trabalho e há


um clima alegre de despedida.

Enquadro a Situação 4 na:

a) Concepção Tradicional.

b) Concepção da Escola Nova.

c) Concepção Tecnicista.

d) Proposta Triangular.

e) Nenhuma das alternativas.

Situação 5:

A professora do 3º ano do Ensino Fundamental propõe


aos alunos o projeto de artes “Conhecendo Romero Brito”
para que aprendam a pintar no estilo do artista. Ela apresenta
para a turma uma reprodução impressa e colorida da obra
“O gato” para os alunos verem. Em seguida, distribui para a
turma um modelo pronto, retirado da internet, da referida obra
para os alunos colorirem. Explica que deverão pintar a folhi-
nha reproduzindo as mesmas cores utilizadas pelo artista, sem
poderem fazer alterações. A avaliação final do trabalho vai
considerar a semelhança do trabalho dos alunos em relação à
obra original do artista e o capricho na pintura.
Capítulo 2    História, Tendências, Legislação e Perspectivas ...    49

Enquadro a Situação 5 na:

a) Concepção Tradicional.

b) Concepção da Escola Nova.

c) Concepção Tecnicista.

d) Proposta Triangular.

e) Nenhuma das alternativas.


Rejane Reckziegel Ledur1

Capítulo 3

Fundamentos das Artes


Visuais: Epistemologias
e Metodologias

1 Doutora em Educação (UFRGS, 2013), Mestre em Educação (UFRGS, 2005)


e Licenciada em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas (UFRGS, 1992).
Professora do Curso de Artes Visuais e Pedagogia EAD da ULBRA Canoas/RS e da
Rede Municipal de Canoas. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação e Arte –
GEARTE/UFRGS.
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    51

Introdução

Não apoio o “deixar fazer” que caracterizou o modernismo da


arte-educação, mas busco uma abordagem que torne a Arte
não só instrumento do desenvolvimento das crianças, mas prin-
cipalmente um componente de sua herança cultural. Para isso,
precisamos da apreciação, da história e do fazer artístico asso-
ciados desde os primeiros anos do ensino fundamental.

(BARBOSA, 1991, p. 3.)

Como vimos no Capítulo 2, as concepções de ensino de


Arte Tradicional, Escola Nova e Tecnicista ainda estão pre-
sentes em muitas de nossas escolas, influenciando as práticas
de ensino por meio dos modelos estereotipados, das técni-
cas artísticas descontextualizadas, do desenho-livre, das folhas
mimeografadas, dos trabalhos artesanais para as datas co-
memorativas, entre outras atividades expressivas no currículo
escolar.

Essas práticas de ensino de Arte geralmente se limitam ao


fazer artístico e que, em função das precárias condições físi-
cas e de material da escola, foram se esvaziando na sua fun-
damentação teórica original, tornando o ensino de Arte uma
disciplina secundária, sem importância e sem conteúdo e, por-
tanto, desnecessária no currículo escolar.

A partir da década de 1980, houve uma grande mobiliza-


ção dos professores da área de Arte para desenvolver a Arte
na escola com competência, considerando-a uma disciplina
com linguagem, com história, com um domínio, trazendo a
contemporaneidade para o ensino por meio do uso da ima-
52   Arte e Educação

gem, influenciada principalmente pelas mudanças no campo


da Arte e da estética.

Neste capítulo, vamos estudar a Abordagem Triangular de


ensino de Arte que foi sistematizada pela professora Dra. Ana
Mae Barbosa, que é uma importante referência teórica para
o ensino de Arte no Brasil. Como afirma Imanol Aguirre, no
prefácio escrito para a edição revisada do livro A imagem no
ensino da Arte (2009), “Ana Mae busca diversificar os focos de
ensino das artes e impulsionar, mediante sua proposta, uma
articulação equilibrada entre o fazer e o conhecer”.

1 A Proposta Triangular de ensino de arte

A Arte e Educação é epistemologia da arte. É a ciência do


ensino de Arte (BARBOSA, 1998). Nesse sentido, a Arte e Edu-
cação tem se caracterizado como um campo amplo de co-
nhecimento que, durante a sua trajetória histórica e socioepis-
temológica, vem agregando diferentes estudos, os quais são
frutos de pesquisas científicas na área da Arte e seu ensino,
pesquisas artísticas e da produção de conhecimento/saberes,
através da prática de ensino experimental de arte, na educa-
ção escolar e não escolar.

Ao analisarmos as práticas de ensino da Arte na escola va-


mos encontrar diferentes tratamentos conceituais, didáticos e
metodológicos, tais, como: atividades artísticas livres de dese-
nho e pintura; realização de dramatizações didáticas; pintura
de desenhos e figuras mimeografadas; preparação de apre-
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    53

sentações artísticas e objetos para comemoração de datas co-


memorativas e festivas; cantar músicas da rotina escolar e/
ou o canto pelo canto; leitura e releitura de obras de grandes
artistas; pesquisa sobre a vida e obra de artistas famosos; entre
outros.

A partir dessa constatação, podemos compreender que por


trás de cada atividade dessas existe uma concepção de ensi-
no de arte que teve sua origem ao longo da história da Arte
e Educação no Brasil. Essas práticas vêm se afirmando e se
cristalizando na educação escolar, sem haver um olhar crítico
para essas atividades. As práticas denotam diferentes concep-
ções de Arte que enfatizam a Arte como atividade livre, Arte
como técnica, como atividade ilustrativa de datas comemora-
tivas por meio da dança, do teatro e do artesanato, Arte como
reprodução de obras de arte.

Atualmente, uma das abordagens mais contemporâneas


de Arte/Educação na qual estamos mergulhados no Brasil é
a associada ao desenvolvimento cognitivo. Essa mudança,
como já referimos anteriormente, foi fortemente impulsionada
pela fundamentação teórica introduzida no Brasil, no final dos
anos 80, pela doutora Ana Mae Barbosa, denominada Pro-
posta Triangular que, segundo a autora, deriva de uma dupla
triangulação:

A primeira é de natureza epistemológica, ao designar os


componentes do ensino/aprendizagem por três ações
mentalmente e sensorialmente básicas, quais sejam: cria-
ção (fazer artístico), leitura da obra de Arte e contextuali-
zação. A segunda triangulação está na gênese da própria
54   Arte e Educação

sistematização, originada em uma tríplice influência, na


deglutição de três outras abordagens epistemológicas: as
Escuelas al Aire Libre mexicanas, o Critical Studies inglês
e o Movimento de apreciação Estética aliado ao DBAE
(Discipline Based Art Education) americano. (BARBOSA,
1998, p.34)

A proposta enfatiza a Arte como área de conhecimento no


currículo escolar e não apenas uma atividade expressiva ou
técnica, caracterizando uma mudança de paradigma no ensi-
no de arte. A autora ressalta que essa integração dos compo-
nentes do ensino/aprendizagem corresponde à epistemologia
da Arte, aos modos como se aprende arte.

Um currículo de Arte que interligasse o fazer artístico, a


história da Arte e a análise da obra de Arte estaria se or-
ganizando de maneira que a criança, suas necessidades,
seus interesses e seu desenvolvimento estariam sendo res-
peitados e, ao mesmo tempo, estaria sendo respeitada a
matéria a ser apreendida, seus valores, sua estrutura e
sua contribuição específica para a cultura. (BARBOSA,
1998, p.35)

Nessa abordagem, compreende-se que a construção do


conhecimento em Arte acontece quando há a interseção da
experimentação com a codificação e com a informação a par-
tir de três ações básicas que executamos quando nos relacio-
namos com a arte: produzimos arte, apreciamos Arte e procu-
ramos compreender a Arte no seu contexto histórico e cultural.
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    55

1.1 O fazer artístico


O fazer artístico refere-se ao domínio da prática artística,
como, por exemplo, o trabalho de atelier. Esse fazer é impres-
cindível para a aprendizagem da Arte e para o desenvolvimen-
to do pensamento/ linguagem presentacional, que é diferente
da linguagem verbal e científica, por exemplo, pois capta e
processa a informação através da imagem.

No processo de produção artística é importante considerar


o espaço, os materiais e estímulos para a produção visual.
Como os materiais e técnicas artísticas possuem sua história
em conexão com a história da arte, é recomendável que o
professor observe e investigue novos materiais, linguagens, su-
portes e meios utilizados na Arte contemporânea, desafiando
os alunos a pensar a Arte a partir das proposições artísticas da
atualidade.

Para planejar a criação, em especial desenvolver a lingua-


gem do desenho, o professor precisa conhecer o desenvolvi-
mento cognitivo e expressivo da criança. Foi a partir de meados
do século XIX que se descobriu o desenho infantil como fonte
de estudo psicológico da criança, sendo que as principais teo-
rias sobre o desenvolvimento expressivo da criança datam do
início do século XX.

Luquet é um desses teóricos que é reestudado hoje, tendo


como referência seu estudo publicado em 1927 (O desenho
infantil, Civilização, 1979). O autor enfatiza o caráter do dese-
nho pautado na semelhança e classifica o desenho das crian-
ças tendo como referência a representação do real. A teoria
desse autor será estudada no Capítulo 4 deste livro.
56   Arte e Educação

Os estágios sequenciais do desenho infantil também foram


estudados por Viktor Lowenfeld, no livro Desenvolvimento da
capacidade criadora, obra escrita em 1947 e traduzida para o
português em 1977, que serviu de referência para pais e pro-
fessores na compreensão do desenvolvimento da criatividade
infantil.

Há muitos outros teóricos que desenvolveram estudos nesta


área, como Rhoda Kellogg (1970) que ampliou a possibili-
dade de olhar para as diferenças nas garatujas das crianças,
assim como Brent e Marjorie Wilson que apontaram novas
formas de ver e ensinar o desenho, assim como Florence de
Mèredieu, entre outros, sendo que nem todos estão traduzidos
para o português.

No Brasil, destacam-se as publicações de Edith Derdyk,


Formas de pensar o desenho (Scipione, 1990) e O desenho da
figura humana (Scipione, 1990), e de Analice Dutra Pillar, De-
senho e construção do conhecimento na criança e Desenho &
escrita como sistema de representação (Artes médicas, 1995),
que recomendamos a leitura.

No desenvolvimento da capacidade expressiva da criança,


Barbosa (1991, p. 34) ressalta a importância de o fazer artísti-
co ser alimentado pela leitura de imagens.

A produção de Arte faz a criança pensar inteligentemente


acerca da criação de imagens visuais, mas somente a
produção não é suficiente para a leitura e o julgamento
de qualidade das imagens produzidas por artistas ou do
mundo cotidiano que nos cerca.
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    57

1.2 A leitura de imagem


A leitura da obra de Arte envolve o questionamento, a busca,
a descoberta e o despertar da capacidade crítica dos alunos.
Como afirma Mirian Celeste Martins (1998, p.74): “Ler é pro-
duzir sentido”. Portanto, não existe certo e errado nas interpre-
tações feitas pelos alunos nesse processo de leitura, tendo em
vista que cada um lê uma obra a partir das suas vivências e ex-
periências pessoais. A professora Maria Helena Rossi, no livro
Imagens que falam (2003), entende que leitura e interpretação
são sinônimos de compreensão. Ela afirma que:

Ler é fazer implicitamente perguntas ao texto. Mesmo


quando não nos damos conta de que estamos interpre-
tando um texto, estamos lhe perguntando algo. Com-
preender um texto é ter as perguntas respondidas por
ele. Fazemos perguntas, sempre, mesmo que inconscien-
temente. Fazemos para significar o mundo, pois o ser
humano tem necessidade de interpretar tudo, desde a
mais tenra idade. (ROSSI, 2003, p. 18)

Para trabalhar com a leitura de imagem na escola é impor-


tante que o professor compreenda como as crianças entendem
os quadros, que ideia possuem a respeito das obras e como as
sentem. Michael Parsons é um dos autores que mais tem con-
tribuído para o conhecimento a respeito de como as pessoas
se relacionam com as obras de arte. Ele apresenta os estágios
de desenvolvimento estético comum a todas as pessoas, que
se manifesta de acordo com as oportunidades de acesso às
obras. No Capítulo 7 deste livro enfatizamos o estudo desse
autor.
58   Arte e Educação

1.3 A contextualização
A contextualização implica na ação de estabelecer relações
sobre a obra de Arte que permitam conhecer seu contexto his-
tórico, agregando outras áreas de conhecimento necessárias
para a compreensão daquela proposta artística, assim como
identificar os elementos e princípios formais que constituem a
produção artística, tanto de artistas como dos próprios alunos.
Busca-se nessa experiência refletir sobre a Arte como objeto de
conhecimento inserido em uma cultura. Como afirma Barbosa
(1998, p. 38):

Contextualizar é estabelecer relações. Nesse sentido, a


contextualização no processo de ensino-aprendizagem é
a porta aberta para a interdisciplinaridade. É através da
contextualização que se pode praticar uma educação em
direção à multiculturalidade e à ecologia, valores curri-
culares que definem a pedagogia pós-moderna.

No processo de ensino e aprendizagem da Arte na escola,


o professor é um mediador entre a Arte e a criança, promo-
vendo entre eles um encontro sensível e instigante. Para isso,
é necessário escolher cuidadosamente as obras, levando em
conta a idade das crianças, o conteúdo curricular e o foco de
aprendizagem.

É importante propor leituras de trabalhos dos artistas e das


crianças com a mesma profundidade e promover o acesso a
artistas contemporâneos brasileiros vivos nas diferentes lingua-
gens artísticas, como desenho, pintura, escultura, gravura, ob-
jeto, entre outros. Entender que nem sempre a leitura da obra
precisa gerar releituras, elas podem ampliar a referência para
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    59

outros trabalhos em um contexto mais amplo. E sempre que


possível promover o contato com obras originais em visitas
a museus e exposições de arte, assim como o contato com
artistas.

2A
 rte como conhecimento na educação
escolar

Falamos muito nesse capítulo na concepção de Arte como co-


nhecimento. Mas poderíamos nos perguntar: qual é o conhe-
cimento de Arte que deve ser trabalhado na escola?

O conhecimento a ser enfatizado nas aulas de artes deve


aproximar as crianças “do legado cultural e artístico da hu-
manidade, permitindo, assim que tenham conhecimento dos
aspectos mais significativos de nossa cultura, em suas diversas
manifestações” (FERRAZ e FUSARI, 2010, p. 51).

Para tanto, é importante que o professor ou professora que


atua com essa área de conhecimento na educação infantil e
nas séries iniciais aprofunde seus estudos para ampliar o seu
saber estético e artístico, com o objetivo de trabalhar a Arte na
escola vinculada à vida pessoal e ao conhecimento da cultura
artística local, regional, nacional e internacional.

Consequentemente, para ampliar nosso conhecimento


sobre Arte e desenvolvermos nosso trabalho com eficiência
e competência, precisamos estudar arte, participar de cur-
sos, aprofundar reflexões e práticas com os colegas docentes
e visitar exposições e mostras de arte. Caso não tenhamos
60   Arte e Educação

na nossa localidade espaços de cultura e arte, podemos nos


apropriar desse conhecimento por meio da internet, que hoje
nos conecta com os principais museus, artistas, obras de Arte
e com a produção artística das diferentes culturas e etnias.
Encontramos na web imagens em alta definição e vídeos que
documentam a produção artística e o próprio artista falando
sobre o seu trabalho.

Como a imagem se tornou um elemento fundamental no


ensino das artes visuais, é importante que o professor também
comece a criar o seu próprio acervo de imagens fixas para
serem usadas na sala de aula, tendo em vista que nem sempre
dispomos de um projetor multimídia na escola para esse fim.
Essas reproduções devem ser de boa qualidade, coloridas e
reproduzidas e, de preferência, na dimensão A3 para que pos-
sam ser visualizadas por todos os alunos na sala.

Em tempos que proliferam nas escolas reproduções de Ro-


mero Britto e Tarsila do Amaral para colorir, por serem colo-
ridas, alegres e de fácil leitura, recomendamos que o acervo
de imagens instigue a percepção estética das crianças. Isso
é possível ao oportunizar aos alunos o acesso obras de dife-
rentes culturas e períodos históricos, enfatizando a produção
artística com enfoque no multiculturalismo e na valorização da
diversidade cultural.
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    61

3A
 Arte e o ensino da arte em uma
perspectiva multiculturalista

As mudanças de paradigma no ensino da arte em uma con-


cepção contemporânea levam-nos a questionar o conheci-
mento de Arte presente nas escolas que geralmente privilegia a
Arte hegemônica, compreendendo principalmente os grandes
mestres do período do Renascimento à Arte Moderna e alguns
artistas do modernismo brasileiro.

Observa-se que a Arte das diferentes culturas, como indí-


gena, africana e popular, assim como as propostas artísticas
contemporâneas, dificilmente é visualizada nos currículos es-
colares. A professora Miriam Celeste Martins reflete sobre o
conhecimento de Arte que entrou na escola e as concepções
de Arte que fundamentam os currículos e as propostas de en-
sino, ao questionar:

Mas, a Arte entrou mesmo na escola? Ou seria melhor


perguntar: que Arte entrou na escola? Ou ainda, qual o
olhar sobre a Arte que está na escola? Miró, Van Gogh,
Picasso, Monet, Tarsila e Volpi? Pensariam os alunos que
Arte é apenas pintura e que todos os artistas já estão
mortos? (MARTINS, 2002, p.53-54)

Nesse sentido, as teorias críticas e pós-críticas também têm


influenciado as reflexões no campo da educação ao conside-
rar o currículo como um artefato social e cultural que é carac-
terizado pelas relações de poder que o constituem. O currículo
constitui-se como resultado de uma escolha em um universo
amplo de conhecimentos e saberes. Quando elencamos uma
62   Arte e Educação

obra de Arte ou artista devemos nos questionar: “Por que esse


conhecimento e não outro? Quais interesses fazem com que
esse conhecimento e não outro esteja no currículo? Por que
privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade
e não outro?” (SILVA, 2001, p.16).

Ao selecionar os conteúdos e privilegiar um tipo de conhe-


cimento de arte, os professores exercem uma relação de po-
der, determinando também uma concepção de arte. O ensino
da arte em uma concepção contemporânea deve ser eclético
e pluralista em sua mistura de formas culturais diversas. Nesse
sentido, deve questionar a concepção de Arte modernista que
supervalorizava o novo e impunha uma estética ocidental, dita
universalista, produto de uma elite intelectual artística e procu-
rar incluir a diversidade das representações culturais.

Para pensar a diversidade cultural temos que compreender


o significado dos termos: multiculturalismo, pluriculturalismo e
interculturalidade. “Enquanto os termos ‘multicultural’ e ‘plu-
ricultural’ significam a coexistência e mútuo entendimento de
diferentes culturas na mesma sociedade, o termo ‘intercultural’
significa a interação entre as diferentes culturas” (BARBOSA,
1998, p.14).

Barbosa exemplifica que multiculturalidade não é apenas


fazer cocar no “Dia do Índio”, nem tampouco fazer ovos de
Páscoa ucranianos ou dobraduras japonesas ou qualquer ou-
tra atividade clichê de outra cultura. Uma proposta de ensino
multicultural deve preocupar-se em compreender os objetos
estéticos dentro de sistemas simbólicos culturais mais amplos,
dando lugar às abordagens contextualistas, instrumentalistas e
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    63

interdisciplinares para o estudo da arte. Obras de arte, nessa


perspectiva, são representações sociais, portanto, constitutivas
de visões de mundo de determinados grupos sociais (HER-
NÁNDEZ, 2000).

Para Barbosa (1998), uma proposta de ensino da arte em


uma visão multicultural desmentiria muitos preconceitos cultu-
rais que só reforçam o código hegemônico, como, por exem-
plo, a ideia de que a melhor Arte é a produzida pelos europeus
e a ideia de que a pintura a óleo e a escultura em mármore
são as mais importantes formas de arte.

Outra ideia preconceituosa de que a melhor Arte tem sido


produzida por homens também seria desmentida se a con-
textualizássemos em relação ao papel secundário que as so-
ciedades têm determinado para as mulheres, assim como a
diferença hierárquica entre artesanato e arte seria contestada
se analisássemos o valor dos saberes dos pobres e dos ricos
auferido pela cultura dominante.

A autora apresenta a necessidade de discutir alguns tópicos


para chegarmos à desmistificação de muitos preconceitos:

1. A função da Arte em diferentes culturas;

2. O papel do artista em diferentes culturas;

3. O papel de quem decide o que é Arte e o que é Arte de


boa qualidade em diferentes culturas;

Essas discussões contribuiriam para:

1. O respeito às diferenças;
64   Arte e Educação

2. O reconhecimento de manifestações culturais que não se


encaixam no sistema de valores que subscrevemos;

3. A relativização de valores em relação ao tempo.

Nesse sentido, propor atividades como identificar as for-


mas de Arte que importam em uma variedade de culturas seria
uma estratégia que poderia levar a uma educação multicultu-
ralista que permitiria ao aluno lidar com a diferença de modo
positivo na Arte e na Vida.

Nessa direção estaríamos construindo um ensino da Arte


como um poderoso instrumento para revitalizar e resgatar a
identidade, a diversidade e as singularidades culturais. Esta-
ríamos também nos propondo a rejeitar a sonegação cultural
e a lutar para romper as históricas barreiras criadas em torno
desse campo, através de uma concepção de arte-educação
multicultural e crítica que nos remeterá necessariamente à
educação para a cidadania, entendida como um exercício de
viver compartilhado e democrático, considerando a diversida-
de humana.

Recapitulando

Vimos neste capítulo a importância de trabalhar a Arte como


conhecimento na escola a partir da concepção de ensino de
Arte que foi sistematizada no Brasil por Ana Mae Barbosa,
na década de 80, conhecida como Proposta Triangular. Essa
abordagem tem por base um trabalho pedagógico integrador
que parte de três ações: fazer, ler e contextualizar.
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    65

Para tanto, é necessário que o professor possibilite condi-


ções na sala de aula de aula para que a criança possa explorar
formas e materiais por meio da experimentação de diferentes
modos da linguagem visual, como: desenho, pintura, escultu-
ra, gravura, modelagem, histórias em quadrinhos, colagens,
fotografia, instalação, vídeo, entre outras práticas artísticas.

Também é importante alimentar esteticamente o olhar da


criança com muitas e diferentes imagens para que ela desen-
volva um olhar sensível para a produção artística. Sabemos
que o olhar da criança já vem carregado de referências pesso-
ais e culturais, mas é importante instigar esse olhar com novas
percepções e compreensões sobre a arte.

Nesse processo de fazer e ver arte é significativo conhe-


cer os contextos da produção do trabalho das crianças e das
obras apresentadas a partir de uma visão multicultural e crítica
da arte, que evidencie o respeito à diversidade cultural e suas
manifestações artísticas.

Referências

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dança”. In: BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da
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FTD, 1998.

SILVA, T. T. da. Documentos de Identidade: uma introdução


às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

Atividades

1) A Abordagem Triangular de ensino de Arte sistematizada


pela Doutora Ana Mae Barbosa propõe três ações básicas
a serem trabalhadas nas aulas de arte. Cite quais são es-
sas ações e o que caracteriza cada uma delas.

2) A ênfase na leitura de imagem é uma das ações que carac-


terizam as propostas contemporâneas de ensino de arte.
Observe a pintura Jogos Infantis (1560) de Pieter Bruegel
e descreva: O que as pessoas estão fazendo? Qual é a
época retratada na imagem? Onde se passa a cena?
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    67

Figura 1  Jogos Infantis (1560) de Pieter Bruegel.

Fonte: https://goo.gl/hS54kW

3) Observe as imagens abaixo e descreva alguns conteúdos


que possam ser abordados com as crianças da Educação
Infantil e Séries Iniciais nas aulas de arte em uma perspec-
tiva multiculturalista:
68   Arte e Educação

Figura 2  Danças indígenas.

Fonte: https://www.flickr.com/photos/agenciabrasilia/26442196862/in/photostre-
am/

Figura 3  Pintura corporal.

https://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/20189299276
Capítulo 3    Fundamentos das Artes Visuais: Epistemologias e ...    69

4) Em 2016 foi instalado na Zona Portuária do Rio de Janei-


ro o mural Etnias, que é o maior grafite do mundo feito
por um só artista. A obra do grafiteiro Eduardo Kobra tem
3 mil metros quadrados e foi inspirada nos cinco arcos
olímpicos, que representam, em rostos coloridos, os cinco
continentes. Considerando que o grafite é uma linguagem
contemporânea de Arte que apresenta a expressão da cul-
tura juvenil em espaços urbanos, observe a imagem e crie
uma proposta de ensino de Arte com ênfase na multicultu-
ralidade a ser trabalhado com as crianças na escola.

Figura 4  Mural Etnias – Eduardo Kobra.

Fonte: Por Fernando Frazão/Agência Brasil – http://agenciabrasil.ebc.com.br/rio-


2016/foto/2016-07/eduardo-kobra-pinta-mural-com-etnias-dos-cinco-continen-
tes, CC BY 3.0 br, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=50328901

5) As culturas indígenas criam padronagens geométricas com


grafismos simbólicos inspirados na natureza e nos seus
70   Arte e Educação

mundos mitológicos. Observe os exemplos de padrões de


grafismo com temas de animais usados por indígenas de
várias etnias das Américas e descreva uma atividade de
criação de padrões que pode ser proposta para um grupo
de alunos das séries iniciais.

Figura 5  Exemplos de padrões de grafismo com temas de animais.

Fonte: http://journals.openedition.org/jsa/6693
Rejane Reckziegel Ledur1

Capítulo 4

Desenvolvimento
Gráfico Infantil

1 Doutora em Educação (UFRGS, 2013), Mestre em Educação (UFRGS, 2005)


e Licenciada em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas (UFRGS, 1992).
Professora do Curso de Artes Visuais e Pedagogia EAD da ULBRA Canoas/RS e da
Rede Municipal de Canoas. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação e Arte –
GEARTE/UFRGS.
72   Arte e Educação

Introdução

Minha tarefa pode ser comparada a obra de um explorador


que penetra em uma terra desconhecida. Descobrindo um
povo, aprendo sua língua, decifro sua escrita e compreendo
cada vez melhor sua civilização. Acontece o mesmo com todo
o adulto que adentra na Arte infantil.

(ARNO STERN)

Figura 1  A criança e o desenho – Júlia (3 anos).

Fonte: Ledur, 2011.

Neste capítulo, vamos estudar o desenvolvimento gráfico


infantil. Todas as crianças, por volta dos dois anos de ida-
de, começam a desenhar. Em primeiro lugar, desenham pelo
prazer motor de deixar uma marca ou pelo prazer de imitar o
adulto, mas logo em seguida o fazem também pelo estímulo
Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   73

visual provocado pelos traços que vão deixando em diferentes


superfícies, como no papel, nas paredes, na areia, no piso.

Ao desenhar, a criança amplia as possibilidades do olhar e


exprime o que conhece do objeto. É possível observar a repre-
sentação mental que tem construída dos objetos no momento
que desenha. Para a criança, o desenho é uma forma de co-
municar, expressar e deixar marcas no mundo.

O olhar teórico sobre o desenho da criança é recente no


Brasil, pois começamos a estudar o desenvolvimento expressi-
vo infantil no início do século XX. Muitos teóricos se dedicaram
a estudar o desenho infantil e entre eles se destacam Henri Lu-
quet (1927), Viktor Lowenfeld (1947), Rhoda Kellogg (1970),
Florence de Mèredieu, entre outros. Entre os autores nacionais,
destacam as publicações de Edith Derdyk, Formas de pensar
o desenho (Scipione, 1989) e o Desenho da figura humana
(Scipione, 1990), e os livros de Analice Dutra Pillar, Desenho
e construção de conhecimento na criança e Desenho & escrita
como sistema de representação (Artes Médicas, 1995).

O professor que conhece as fases do desenvolvimento grá-


fico infantil pode potencializar essa linguagem artística na es-
cola ao vislumbrar possibilidades de desdobramentos das ati-
vidades que propõe nas aulas de artes. Sabemos que as fases
não são estanques nem separadas umas das outras. Entretan-
to, conhecer essas fases facilita a compreensão do movimento
de evolução do desenho da criança.

Para nos ajudar nesse estudo, vamos nos apoiar nas fases
do desenvolvimento gráfico de Georges-Henri Luquet (1876-
74   Arte e Educação

1965), publicadas no livro O desenho infantil (Civilização,


1969).

1A
 evolução do desenho infantil –
Georges-Henri Luquet (1876-1965)

LUQUET consagrou a sua vida ao estudo do desenvolvimento


da comunicação humana pela imagem. Ele é um dos pioneiros
do estudo do desenho infantil e suas teses foram integralmente
retomadas por Jean Piaget. Elas marcaram profundamente a
psicologia do desenvolvimento e forneceram numerosas con-
cepções tanto aos psicólogos quanto aos pedagogos. Suas
pesquisas sobre o desenvolvimento gráfico das crianças foram
influenciadas pelos seus trabalhos em antropologia e, recipro-
camente, também os influenciaram.

O autor desenvolveu uma teoria baseada na preocupação


com o realismo que imperava nas academias de Arte da épo-
ca. O seu estudo enfatiza o caráter do desenho pautado na
semelhança e busca classificar o desenvolvimento da criança
a partir de sua possibilidade de representação mais fiel da
realidade. “Realismo é o termo mais conveniente para carac-
terizar em seu conjunto o desenho infantil... O desenho infantil
é essencialmente e voluntariamente realista” (LUQUET, 1969,
p.123).

O desenho infantil é realista pela natureza dos motivos e


dos sujeitos que trata. A criança não usa o desenho não figu-
Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   75

rativo. Para ela é inconcebível que um desenho não represente


nada.

2 Fases do desenho infantil

Luquet destaca que o desenho infantil não mantém as mes-


mas características do princípio ao fim. Portanto, convém fazer
sobressair o caráter distintivo das suas fases. “Se, como disse-
mos, o desenho é do princípio ao fim essencialmente realista,
cada uma dessas fases será caracterizada por uma espécie
determinada de realismo” (LUQUET, 1969, p. 135).

2.1 Primeira Fase: Realismo Fortuito (Casual)


No início, a criança ao traçar não busca fazer uma imagem,
é um traçado feito simplesmente por riscar, traçar linhas. “A
criança pode chegar por si mesmo a ideia de traçar e a inten-
ção de fazê-lo”.

Os traços resultam em um consumo espontâneo de ener-


gia neuromuscular acompanhado de um prazer que convida a
criança a repeti-la. Repete a ação e os traços que no início são
FORTUITOS (CASUAIS), tornam-se INTENCIONAIS.

Mas chega um dia que a criança nota uma certa semelhan-


ça entre alguns dos seus traçados e um objeto real, considera-
-o então como uma representação do objeto e enuncia a re-
presentação, dizendo, por exemplo, é um rato, um cachorro...
76   Arte e Educação

Luquet (1969, p. 141) ressalta que “a passagem da pro-


dução de imagens involuntárias para a execução de imagens
premeditadas faz-se por intermédio de desenhos em parte in-
voluntários e em parte voluntários”. Quando o desenho da
criança reúne todos os elementos do traçado propriamente
dito: intenção, execução e interpretação correspondentes à in-
tenção, a criança adquire a faculdade gráfica total.

FACULDADE GRÁFICA

O traçado reúne todos os elementos do desenho propria-


mente dito: (fase inicial do desenho propriamente dito está ter-
minada).

“A 1ª fase do desenho infantil é um realismo fortuito (Ca-


sual), que se transforma em realismo intencional por uma série
contínua de transições” (LUQUET, 1969, p. 145).
Capítulo 4 Desenvolvimento Gráfico Infantil 77

Figura 2 Garatujas infantis.

Fonte: acervo da autora.

2.2 Segunda Fase: Realismo Falhado ou


Incapacidade Sintética
Nessa fase o desenho da criança pretende ser realista, mas
não chega a sê-lo. A característica essencial do desenho é a
imperfeição geral, a que chamamos de incapacidade sintética.

O primeiro obstáculo é de ordem física: direção e limites


dos movimentos gráficos da criança pequena não são preci-
sos, isso faz com que os primeiros desenhos sejam absoluta-
mente incompreensíveis, ao que podemos chamar de imperí-
cia gráfica.

O segundo obstáculo é de ordem psíquica: a atenção da


criança tem características de descontinuidade e de limitação.
Por isso se explica que nos seus primeiros desenhos, ela só
reproduz um número muito restrito de elementos do objeto re-
78   Arte e Educação

presentado, destacando-os pelo grau de importância que lhes


atribui.

Figura 3  Figura humana.

Fonte: acervo da autora.

A imperfeição geral do desenho manifesta-se por meio das


seguintes relações:

1. RELAÇÕES DE PROPORÇÕES: as dimensões relativas dos


elementos não demonstram nenhuma correspondência
com a realidade.
Capítulo 4 Desenvolvimento Gráfico Infantil 79

2. RELAÇÕES DE SITUAÇÃO: a situação espacial relativa


dos elementos do desenho não corresponde à realidade.

 Tangência: elementos que são tangentes aparecem se-


parados.

 Inclusão: olhos fora do rosto.

 Especiais: nariz embaixo da boca, cavalos e cavaleiros


afastados...

Figura 4 Relação de Tangência.

Fonte: acervo da autora.


80 Arte e Educação

Figura 5 Relação de Proporção.

Fonte: acervo da autora.

Figura 6 Relação de Proporção sem relação com a realidade.

Fonte: acervo da autora.


Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   81

2.3 Terceira Fase: Realismo Intelectual


Na representação dos objetos pela criança já figuram seus
detalhes e as relações recíprocas no conjunto constituído pela
sua reunião. Mas o realismo do desenho infantil não é de
modo algum o do adulto. O realismo da criança é INTELEC-
TUAL e o realismo do adulto é VISUAL.

Realismo Intelectual da criança: um desenho para ser


parecido com o real tem que conter todos os elementos reais
do objeto, mesmo que não sejam visíveis.

Realismo Visual do adulto: um desenho para ser pareci-


do deve ser como uma fotografia do objeto, pois deve repro-
duzir todos os detalhes visíveis do local onde o objeto é visto,
ou seja, deve ser representado em perspectiva.

Procedimentos ditados pelo Realismo Intelectual

1) Destaque a cada um dos detalhes do desenho quando


na realidade se misturam.

2) Transparência: figuram elementos como se os que o ta-


pam na realidade fossem transparentes, permitindo vê-los.

3) Plano: o objeto é representado projetado no solo, como


se fosse visto de cima.

4) Rebatimento: fazer com que os elementos que ficariam


escondidos apareçam; aplicado aos pés dos móveis e ani-
mais, rodas de carros e consiste em rebatê-los de cada
lado do corpo.
82 Arte e Educação

MUDANÇA DE PONTO DE VISTA: quando usa todos esses


procedimentos simultaneamente em um mesmo desenho.

Figura 7 Diferentes planos.

Fonte: acervo da autora.

Figura 8 Transparência.

Fonte: acervo da autora.


Capítulo 4 Desenvolvimento Gráfico Infantil 83

Figura 9 Mudança de ponto de vista.

Fonte: acervo da autora.

2.4 Quarta Fase: Realismo Visual


É marcado pela descoberta da perspectiva e a submissão às
suas leis. Observa-se um empobrecimento e um enxugamento
progressivo do grafismo que tende a se juntar as produções
adultas. Nessa fase a criança passa a excluir os procedimentos
ditados pelo realismo intelectual:

1) A TRANSPARÊNCIA é substituída pela OPACIDADE (o que


é invisível é suprimido).

2) O REBATIMENTO E A MUDANÇA DE PONTO DE VISTA


são substituídos pela PERSPECTIVA (ponto de fuga para as
linhas horizontais, retas e circulares, objetos representados
em ¾ e em escorço).
84 Arte e Educação

3) Do que resulta o abandono da EXEMPLARIDADE.

Figura 10 Representação de detalhes e perspectiva.

Fonte: acervo da autora.

3 A Arte no universo infantil

Além de conhecer as etapas gráficas do desenho infantil, tam-


bém é importante o professor conhecer as fases do desenvolvi-
mento cognitivo da criança e sua relação com a arte.
Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   85

3.1 A criança de 0 a 3 anos


A criança em sua primeira infância se relaciona com o mundo
através do corpo, por meio do qual vive plenamente suas per-
cepções e sensações.

As atividades propostas pelos educadores nessa fase de-


vem ter como objetivo proporcionar uma gama variada de
experiências sensoriais que permitam ampliar o conhecimento
que as crianças têm do ambiente e de sua capacidade de agir
sobre os materiais e objetos.

Elas precisam manusear diferentes materiais, explorando


suas qualidades: o macio e o áspero, o grande e o pequeno,
o seco e o molhado, o quente e o frio, etc. Explorar diversas
possibilidades de riscar, marcar, modelar, pintar, sobre diferen-
tes superfícies: chão, madeira, papel, papelão, parede, tecido,
areia, terra, etc. É importante que as atividades possibilitem a
movimentação do corpo e a experiência do tato.

Quanto mais oportunidades de desenhar forem dadas à


criança, mais extensa será sua pesquisa gráfica para que de-
senvolva seu controle motor e faça as descobertas estéticas
acerca de seu estilo pessoal e de sua capacidade de desenhar.

3.2 A criança de 3 a 7anos


Essa é uma fase do desenvolvimento cognitivo marcado pelo
surgimento do jogo simbólico, a fase do faz-de-conta na qual
a criança cria, através de brincadeiras e também do desenho,
representações internas do mundo em que vive. Pensa poeti-
86   Arte e Educação

camente e descobre que tudo no mundo tem nome, tem um


significado e tem um por quê.

Nessa fase, surge o desenho da figura humana que vai


reinventando de inúmeras maneiras. As cores usadas não são
as cores reais dos objetos representados, um homem pode
ser verde e uma árvore roxa, o mundo da cor interessa pelo
aspecto visual. O professor deve ajudar a criança a vivenciar
sua própria possibilidade de criação. Nessa fase a criança é
capaz de observar o resultado de seu trabalho e o dos colegas
e conversar sobre eles.

Nesse período, a apreciação de trabalhos de artistas, atra-


vés de ilustrações ou contato com obras originais, deve ser
estimulada para favorecer a ampliação do repertório visual e
cultural e para conhecer diferentes formas de representação,
alimentando sua imaginação.

Ao apreciar imagens com a turma o professor pode fazer


perguntas para tornar o olhar dos alunos mais atento, deve
introduzir os conceitos sobre o que é pintura, desenho, escul-
tura, traçado forte ou fraco, relações de tamanho, de posição,
enfim os elementos básicos da linguagem visual.

3.3 A criança de 7 a 12 anos


Essa fase é caracterizada pela capacidade de lidar com regras,
com o surgimento do pensamento lógico. A realidade é o pon-
to de partida para o seu imaginário. As cores agora passam a
obedecer às convenções, árvores com copas verdes, telhados
vermelhos. Os desenhos em si passam a contar histórias.
Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   87

É um período em que os alunos comparam sua produção


com o mundo real e torna-se comum ouvi-los dizer que não
sabem desenhar, ou então que ficou feio, rasgarem um dese-
nho ou ainda não conseguirem nem pensar em desenhar sem
régua ou a borracha ao lado para apagar tudo o que consi-
deram “errado”.

O papel do educador é fundamental para que essa crise


não emperre o processo de desenvolvimento do desenho do
aluno. Nessa fase, deve-se ampliar as referências visuais da
turma, por meio de apreciações de trabalhos de artistas, de
representações artísticas de diversas culturas e estilos, oportu-
nizar visitas a museus e exposições, fazendo-os perceber que
o realismo não é a única forma válida de desenhar. O plane-
jamento das aulas de Arte deve priorizar a continuidade do
desenvolvimento gráfico dos alunos nesse período com pro-
postas desafiadoras que estimulem os alunos a encontrar solu-
ções que coloquem em jogo todo o seu potencial de organizar,
narrar, construir, inventar.

4 Combatendo o estereótipo

O estereótipo é a palavra (imagem) repetida fora de toda


a magia, de todo entusiasmo: como se fosse natural,
como se por milagre, essa palavra (imagem) que retorna
fosse a cada vez, adequada por razões diferentes, como
se imitar pudesse deixar de ser sentido como uma imita-
ção. (Roland Barthes, in: O prazer do texto).
88 Arte e Educação

Na citação acima foi acrescentada pela autora Maria


Letícia Vianna, a palavra (imagem) na introdução do artigo
“Estereótipo, essa erva daninha” por ser mais adequada para
ilustrar o conceito de estereótipo no desenho infantil. Segundo
a autora, é muito comum as crianças repetirem desenhos a
partir de modelos que são aceitos na cultura escolar como
“bonitos” e são reproduzidos como clichês pelos alunos sem
ninguém questionar. “Sempre os mesmos, enfadonhamente
repetidos, eles estão em todos os lugares, mas principalmente
nas escolas. Os vemos nos murais, nas janelas, nas portas,
nas paredes, nos materiais didáticos, nos trabalhos das crian-
ças...” (VIANA, 1995).

Figura 11 Exemplos de desenhos com estereótipos.

Fonte: acervo da autora.


Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   89

A escola reproduz à exaustão os estereótipos sob o pre-


texto de tornar o ambiente ou a aprendizagem mais atraente,
agradável, interessante para a criança. É necessário evitar os
estereótipos tão presentes no contexto escolar, na decoração
das salas de aula, nas folhas mimeografadas para colorir e
combater os desenhos estereotipados de sol, nuvens, árvore
com maçãs vermelhas, gaivotas, coqueiros, corações, entre
tantos outros, que são adotados pelos alunos e reproduzidos
sucessivamente e que limitam a expressão artística das crian-
ças. Cabe ao professor estimular a transformação desses este-
reótipos em um desenho pessoal.

Recapitulando

Neste capítulo, vimos algumas ideias sobre o processo de de-


senvolvimento gráfico infantil a partir do estudo de Luquet. Os
estágios apresentados servem como referência para compre-
ender o processo de aprendizagem da criança. Esse processo
acontece progressivamente, mas isso não significa que as con-
quistas que a criança faz em um determinado estágio a levem
a abandonar o que aprendeu em etapas anteriores.

O interesse pela expressão artística das crianças cresceu


com os primeiros estudos da psicologia experimental, nos fins
do século XIX. A partir desses estudos, a imagem que se tinha
da criança modificou-se progressivamente. Se antes a criança
era vista como miniatura do adulto, agora a criança é reco-
nhecida em seu modo de ser e de se expressar próprio à sua
idade.
90   Arte e Educação

A partir das influências de Rousseau em Pedagogia, passou-


-se a distinguir diferentes estágios no desenvolvimento gráfico
e escultórico da criança. Contudo, a produção artística das
crianças ainda tinha como modelo os adultos. Mesmo que a
criança se desenvolva no meio adulto, sua produção não pode
ser reduzida a uma “falta de atenção” ou “imitação.

No século XX, diferentes teóricos desenvolveram pesquisas


sobre as produções artísticas das crianças. Lowenfeld e Brit-
tain, Arnheim, Kellogg e Read analisaram o desenho da crian-
ça, tratando os aspectos gráficos, perceptivos e psicológicos.
Já Luquet, Piaget, Gardner e Freeman abordaram a expressivi-
dade das crianças como sistema de linguagem. Analice Dutra
Pillar, em sua pesquisa de doutorado, chama a atenção que
tais estudos trazem a visão do adulto, não o que as crianças
pensam sobre a sua produção (2005, p. 22).

Numa perspectiva construtiva é inegável a importância dos


estudos de Piaget e de seus seguidores. Luquet, por exemplo,
buscou entender os mecanismos da expressão infantil a par-
tir do desenho. Para a expressão escultórica, os registros ma-
teriais e as pesquisas teóricas são mais raros. Mas Arnheim,
em seu livro Arte e Percepção Visual, dispõe uma importante
contribuição ao definir etapas no desenvolvimento escultórico.
Você pode conhecer um pouco mais sobre o desenvolvimento
escultórico infantil acessando a aula virtual número 4.
Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   91

Referências

CADERNO DO PROFESSOR. Santander Cultural. Maio de


2009.

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. São Paulo:


Scipione, 1989.

______. Desenho da figura humana. São Paulo: Scipione,


1990.

IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte. Porto Ale-


gre: Artmed, 2003.

LUQUET, Georges-Henri. O desenho infantil. Porto: Minho,


1969.

MARTINS, Mirian Celeste. Didática do ensino de arte: a lín-


gua do mundo. São Paulo: FTD, 1998.

MÈREDIEU, Florence. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix,


1979.

PILLAR, Analice Dutra. Desenho e construção de conheci-


mento na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

PILLAR, Analice Dutra. Desenho & escrita como sistema de


representação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

VIANA, Maria Letícia. Desenhos estereotipados: um mal neces-


sário ou é necessário acabar com este mal? Revista ADVIR
nº 5. Associação dos Docentes da UERJ. Abril, 1995.
92   Arte e Educação

Atividades

Vamos revisar os conceitos que fundamentam o desenho in-


fantil, proposto por Luquet. Assinale as alternativas corretas:

1) O termo que melhor sintetiza o desenho infantil para Lu-


quet é:

a) Garatuja.

b) Realismo.

c) Esquema.

d) Grafismo.

e) Rabisco.

2) Luquet ressalta que a criança adquire a faculdade gráfica


quando reúne todos os elementos do traçado propriamen-
te dito que são:

a) execução, representação e expressão livre.

b) intenção, execução e reprodução da imagem.

c) intenção, execução e interpretação correspondente à


intenção.

d) intenção, execução e interpretação diferente da inten-


ção.

e) representação, execução e intenção correspondente à


representação.
Capítulo 4   Desenvolvimento Gráfico Infantil   93

3) A primeira fase do desenho infantil caracteriza-se pela


repetição da atividade de produzir traços que resultam
em um consumo espontâneo de energia neuromuscular
acompanhado de um prazer que leva a criança a repetir o
gesto. Luquet nominou essa fase de:

a) realismo visual.

b) realismo falhado ou incapacidade sintética.

c) realismo intelectual.

d) realismo fortuito (casual).

e) realismo gráfico.

4) Na fase do realismo intelectual, a criança representa todos


os elementos que conhece dos objetos, mesmo aqueles
que não são visíveis. Para isso, utiliza-se de alguns recur-
sos gráficos que caracterizam essa fase, com exceção de:

a) destaque a cada um dos detalhes.

b) transparência.

c) plano.

d) rebatimento.

e) garatuja controlada.

5) A MUDANÇA DE PONTO DE VISTA é um recurso utilizado


pela criança na fase do realismo intelectual para a repre-
sentação do espaço no desenho. No realismo visual esse
recurso é substituído:
94   Arte e Educação

a) pela perspectiva.

b) Pela opacidade.

c) pelo rebatimento.

d) pelo uso da linha de chão e céu.

e) pela transparência.
Miguel Augusto Pinto Soares1

Capítulo 5

História da Arte e
Contextos Culturais

1  Mestre em História e professor de História da Arte na Universidade Luterana do


Brasil (ULBRA).
96   Arte e Educação

Introdução

A Origem da Imagem
Desde os tempos mais remotos, o implacável acontecimento
da morte provoca a criação de inúmeros rituais e objetos que
possuem a função de integrar o trabalho de luto. Dentre eles,
a construção de diversas representações do morto, como as
máscaras, as efígies e as pinturas executadas ao longo dos
séculos de diferentes formas, e, atualmente, a própria fotogra-
fia. Todas essas imagens que têm a função de retratar o morto
invocam uma presença material e visual que toma o espaço
abandonado pelo finado.

Determinados artefatos ligados ao “desaparecido” também


se tornam objetos de valor afetivo e, por consequência, pas-
sam a ser veneradas, constituindo-se em elementos de culto
e de devoção, dentre os quais as efígies do morto ocupam
lugar de evidência, sendo relevante lembrar que os retratos
surgem do habitual culto aos antepassados, ou seja, o culto
aos mortos.

Nesse sentido, compreende-se que a morte gera inúme-


ras questões ligadas à memória, tanto a individual quanto a
coletiva. Assim, cabe pensar que a necessidade de se con-
servar a imagem do morto, produzindo a sua representação,
seu retrato, deriva principalmente do intento de confrontar a
dor da perda. A representação imagética avoca o papel de
ferramenta de apoio para o apropriado trabalho de luto, com-
pletando um vazio a partir do afastamento do corpo, e, ainda,
apresenta-se como uma maneira de resistir contra o prenúncio
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    97

que cerca a todos os seres humanos, a aterrorizante iminência


do esquecimento.

1 O Nascimento do Retrato

Na origem da imagem identifica-se a morte, a ausência, a


lembrança, a dor e a separação dos que se amam. No ensaio
de Marisa Strelczenia (STRELCZENIA, 2005. p. 24) sobre a sé-
rie de imagens Arqueología de la Ausencia, de Lucila Quieto,
a autora escreve que “a categoria fundadora da imagem não
é a necessidade de figurar ou de imitar algo que existe, mas
sim a necessidade de prolongar o contato, a proximidade, o
desejo de que o vínculo persista. Inclusive e fundamentalmente
quando o adeus é definitivo”. Que se faça presente, através da
imagem, o ausente.

Uma decisiva questão que surge, relacionada à origem da


imagem, é o caráter de representação existente na mesma.
Chartier (CHARTIER, 2002. p. 165) destaca como Louis Marin
define representação, alocando-a como um apoio importante
para se trabalhar as diversas relações que os indivíduos ou os
grupos mantêm com o mundo social. Refere Chartier que:

[...] a imagem que remete a ideia e a memória dos obje-


tos ausentes, e pinta tais como são. Neste primeiro sen-
tido, a representação mostra o ‘objeto ausente’ (coisa,
conceito ou pessoa), substituindo por uma ‘imagem’ ca-
paz de representá-lo adequadamente. (CHARTIER, 2002.
p. 166)
98   Arte e Educação

Conclui o autor que “representar é, pois, fazer conhecer


as coisas mediatamente ‘pela pintura de um objeto’, ‘pelas
palavras e pelos gestos’, ‘por algumas figuras, por marcas’
– como enigmas, emblemas, as fábulas, as alegorias” (CHAR-
TIER, 2002. p.166).

Sobre a relação primordial entre imagem e representação,


Régis Debray (DEBRAY, 1992. P. 24) destaca que em língua
litúrgica representação indica um caixão vazio sobre o qual se
abre uma mortalha para um cerimonial fúnebre. Na longínqua
Idade Média, ao invés de uma mortalha eram figuras molda-
das ou pintadas que, nos funerais, representavam o defunto.
Trata-se, nesse sentido, de uma das primeiras definições do
termo. Debray destaca que a imagem nasce da morte como
forma de negação do fim, do nada, e para prolongar a vida,
de tal maneira que entre o representado e sua representação
haja uma transferência de alma.

Segundo Fernando Catroga (CATROGA, 1999. p. 9), a


tradição ocidental conserva uma velha cultura que recomen-
da o escamoteamento da morte por ela ser um problema. A
imagem, sendo assim, seria um instrumento capaz de ajudar o
homem a coexistir com a morte? Seria o modo de enfrentá-la?
Esse costume aponta uma das respostas do homem à consci-
ência e a rejeição da sua finitude.

Já Regis Debray (DEBRAY, 1992. p. 11) expande essa com-


provação para todas as sociedades arcaicas ao citar que a
imagem arcaica nasce dos túmulos, com a função de repelir o
nada e prolongar a vida. A plástica seria um terror controlado,
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    99

pois a representação do morto a conserva, ao contrário do


corpo que irá se de compor.

As teorias alusivas à origem da imagem sobressaem o


sentido mágico atribuído a ela tanto na antiguidade como na
Idade Média, intercedendo entre os vivos e os mortos e cum-
prindo uma função metafísica com relação à morte. Se para
muitas coletividades antigas os mortos alcançavam status de
divindades no cerne familiar, é de se imaginar a importância
das representações imagéticas advinda deles. Às efígies, nessa
conjuntura, era conferido poder de intercessão com o mundo
divino, sendo adoradas e dignas de oferendas diárias, além
de serem símbolo de elevação social, como ocorria no Im-
pério Romano, pois apenas a elite apresentava condições de
encomendá-las.

Outro desempenho que a imagem exerceu nesse período,


pertinente aos exemplos expostos nos parágrafos precedentes
– de tornar presente o ausente –, foi o de dar continuação ao
sentimento de pertencimento em relação ao morto. Segundo
Kern:

Para Hans Belting, o fenômeno da presença/ausência


concede à imagem um caráter enigmático que se expli-
ca, em parte, pela relação contraditória entre imagem
e suporte, o qual conduz o autor a sua natureza de ser
corporal. Isso significa que a relação entre ausência que
compreende a invisibilidade, e presença, que se enten-
de como visibilidade e cuja origem se situa no próprio
corpo. O historiador da Arte alemão, a partir de uma
abordagem antropológica, identificou o corpo como su-
100   Arte e Educação

porte da imagem, sustentando que o homem produz na


sua memória corporal uma presença muito especifica
daquilo que ele sabe estar ausente e que lhe permite a
elaboração de imagens mentais e semelhantes ao mun-
do visível (corpo). (KERN, 2005. p. 9)

Kern, ao citar Belting, sugere que ao trabalhar com ima-


gens é necessário não esquecer de considerar a compreensão
de corpo como modo de preparação da mesma, indicando o
valor da consciência de seu corpo e do outro corpo represen-
tado.

Quando se estuda a complexa representação do morto


através da imagem, existe o entendimento de que se aborda
apenas da questão do retrato enquanto “gênero”, ou seja, en-
quanto elemento clássico das artes visuais, com a produção
de um objeto que seja parecido aos atributos do corpo que
será consumido pela terra. Contudo, a questão do retrato não
pode ser vista apenas através desse significado. Como escre-
ve Didi-Huberman (DIDI-HUBERMAN, 1998. p. 62), o retrato
deve ser analisado primeiramente como um “nó antropológi-
co”, do qual surge a teoria de um espaço do humano, ou seja,
uma ação de humanização, “A misteriosa resposta do lugar à
indagação do rosto ausente”.

Devido à fabricação de máscaras mortuárias feitas de cera,


imagens que datam do século I a.C, a origem dos retratos era
creditada até recentemente aos romanos. Afirma Sorlin (SOR-
LIN In KERN, 2000. p. 8) que as máscaras eram prendidas
nas paredes e removidas habitualmente para participarem de
cerimônias, expressando o elevado status social e a tradição
familiar do finado.
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    101

Presentemente, descobertas arqueológicas em sítios pré-


-históricos2 do período paleolítico assinalam para o que Geor-
ges Didi-Huberman entende ser a origem dos retratos. Afirma
o autor

Um lugar que se marca, um lugar que se colore: será ne-


cessário, pois, bem antes de todo “nascimento da arte”,
levar em consideração e pôr em andamento os meios
fundamentais da própria figurabilidade “artística” (dese-
nho, cor) para situar a questão do rosto que desapare-
ce. Está aí como um receptáculo quase vazio – marcado
exatamente com alguns furos e exatamente salpicado de
pigmento vermelho – para que formule um dia, bem mais
tarde, a questão do retrato enquanto tal. (DIDI-HUBER-
MAN, 1998. p. 1)

Através das temáticas sobre o retrato e a sua ligação com


a morte, Didi-Huberman tira proveito das representações ico-
nográficas e dos crânios estilizados descobertos em diferen-
tes lugares do planeta Terra alegando que, através do estudo
dessas peças, evidencia-se a tentativa de representar o mor-
to, de conservar sua presença. Sendo assim, pode-se pensar
que foi esse a origem do retrato do morto (DIDI-HUBERMAN,
1998. p. 1).

Nesse sentido, já no período paleolítico, percebe-se o ar-


tifício de humanização – na sua natureza antropológica –, já
que, segundo Didi-Huberman (DIDI-HUBERMAN, 1998. p.
68), o retrato não se prende apenas em evidenciar a repre-

2  Os sítios arqueológicos de Paviland, a gruta do Placard, as sepulturas de Grimal-


di, o sítio de Ofnef e a gruta de Trou-Violet.
102   Arte e Educação

sentação plena dos rostos, ele também lança uma articulação


entre a representação e a dor da perda, que motiva uma con-
dição de esvaziamento interior. Esse esvaziamento é comple-
tado pela terra no rosto escavado pela morte, ou pelo barro
que ocupa os espaços vazios do crânio, ali aplicados pelas
mãos de outrem. O retrato paradoxalmente nasceu do vazio,
de uma caixa esburacada que é o crânio.

A identificação de crânios pré-históricos moldados como


sendo retratos é defendida por Didi-Huberman (DIDI-HUBER-
MAN, 1998. p. 71), a partir de um crânio magdalense encon-
trado no Mas d’Azil. Duas lâminas ovais, talhadas no osso, fo-
ram colocadas nas cavidades das órbitas simulando um olhar,
sinalizando, assim, o rosto por cima do crânio, evidenciando
já a questão do retrato.

Era através de crânios trabalhados que os vivos mantinham


“contato” com os mortos, seus rostos tinham poderes de pro-
teção e o objeto em que se transformavam era repleto de sig-
nificados e envolto em inúmeros rituais, enfatizando o autor
(DIDI-HUBERMAN, 1998. p. 72), que cada peça possuía um
caráter individual, embora o método de modelagem utilizado
fosse o mesmo para todos.
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    103

Figura 1  Cabeça tatuada e preenchida com barro de chefe maori.


Origem: Nova Zelândia. Acervo do Museu do Homem, Paris.

Fonte: Didi-Huberman, 1998. p. 76.

Desde então, o retrato adotou caminhos diferentes ao lon-


go da história. O modo social dessa forma de representação
manifestou diversos aspectos da memória visual em diversas
coletividades.

No território egípcio do Fayum, onde existia forte entra-


da de cultura greco-romana, foram achados sarcófagos com
inúmeras pinturas na altura da cabeça da múmia, que repre-
sentavam o finado ali mumificado. Esses retratos cumpriam a
função de individualizar as múmias ali sepultadas, condição
104   Arte e Educação

essencial para que a alma pudesse ser admitida pelo mundo


dos mortos.

Os rituais relacionados aos antepassados eram importan-


tes para a disposição civil, tanto entre os gregos quanto entre
os romanos. As habitações tinham altares consagrados aos
mortos, associados aos quais as máscaras mortuárias dos an-
tepassados eram posicionadas. Nesses recintos sagrados, de-
positários de diversos retratos, a identidade e a memória fami-
liar eram reafirmadas todos os dias. Segundo Walter Benjamin
(BENJAMIM, 1985. p. 94), a obra de Arte continuamente per-
maneceu unida a um valor de culto e, nesse sentido, as mais
remotas expressões artísticas nasceram a serviço de um ritual,
primeiramente mágico e depois religioso. Esses significados
cerimoniais da arte, afirma o autor, continuaram e adquiriram
sentidos diversos segundo as tradições dos povos que a execu-
tavam (BENJAMIM, 1985. p. 94).

Possivelmente, as máscaras mortuárias induziram os ro-


manos a fabricar retratos que foram precursores na tarefa de
representar a pessoa com grande fidelidade, atentos a cada
detalhe do retratado. A semelhança desses objetos com a
composição física do rosto do morto foi atestada pelo reco-
nhecimento do crânio realizado no final do século XIX.

Afirma Castelnuovo (CASTELNUOVO, 2006. p. 20), que


o uso da máscara mortuária tem procedência no desejo de
preservar a imagem fiel e semelhante aos traços do modelo,
mas também permanece um artifício de preservação de sua
vida interior e do seu status social. Segundo o autor, os retratos
do imperador Frederico II, criados no século XIII, são o mais
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    105

perfeito exemplo de representações que se voltam para o su-


jeito, tratando-se de obras cuja exposição clássica trazia uma
acepção política precisa, adotando, assim, um enorme valor
cultural. Castelnuovo escreve que:

O episódio de Frederico II teve curta duração, mas deixa


traços capitais na história do retrato; manifesta-se nesse
momento uma profunda transformação da ideia de natu-
reza, da função e do aspecto da imagem. Poucas déca-
das depois aparece uma série de retratos caracterizados
por uma impressionante semelhança fisionômica, que já
eram vistos desde o fim do sistema figurativo clássico.
Trata-se de imagens que fazem parte de monumentos fu-
nerários, obtidas graças à prática da máscara moldada
diretamente sobre o rosto do defunto. O emprego desse
procedimento, conhecido na Idade Clássica e em segui-
da completamente abandonado, esquecido em meio às
migrações dos povos e à profunda e súbita modificação
no conceito de retrato, revela que vai aumentando o in-
teresse preciso pela individualização. (CASTELNUOVO,
2006. p. 20)

Segundo Castelnuovo, perante essas imagens o obser-


vador não está apenas em frente ao imperador, mas sim do
homem particular que, em um determinado tempo, ocupou
aquele papel social. Nesse mesmo período, aconteceu a dis-
seminação de retratos dos vivos, mas eles não têm a atitude
direta e natural existentes nos símbolos funerários. Seguramen-
te, isso se deve à falta da máscara como ponto de partida para
a concepção do retrato, e também devido a uma diferença de
papéis. Castelnuovo escreve que os simulacros retratando os
106   Arte e Educação

papas desse tempo, apresentados nas igrejas para a admira-


ção dos fiéis como ferramentas de amparo mágico, possuem
um caráter que prescinde das particularidades psicológicas e
físicas do homem limitado e fortuito. No mausoléu fúnebre,
contrariamente, esses atributos são justamente aqueles bus-
cados, no anseio de apontar, individualizar, representar o in-
divíduo como algo único por si mesmo e não por outra coisa
(CASTELNUOVO, 2006. p. 24).

Os retratos gravados em medalhas e moedas antigas são


igualmente importantes maneiras de representação. O costu-
me de moedas representarem animais remonta ao reinado do
rei lídio Creso. A cultura dos lídios tinha elementos gregos, frí-
gios, hititas e sírios e, devido a isso, muitas moedas produzidas
por esse povo, em prata e ouro, vêm sendo descobertas em
diversas regiões que vão do Oriente Médio à Grécia.

Os retratos da Antiguidade eram fundidos em metais como


o cobre, o bronze, a prata e o ouro. Na Grécia, o método
de produção das moedas era muito progredido, aproveitando
a imagem das divindades como as mais evidenciadas, sendo
que os gravadores também retratavam os hábitos e os costu-
mes do povo grego. Foi apenas com os romanos que as repre-
sentações dos deuses foram sendo trocadas pelas efígies dos
guerreiros consagrados e imperadores. Após o falecimento de
César, todas as moedas sobrevieram a apresentar os retra-
tos dos governantes. A partir de enormes coleções de retratos,
com registros em dígitos romanos e criadas no metal, pôde-se
identificar bustos de personalidades históricas como Calígula,
Trajano, Júlio César, entre outros. Essa tarefa de identificação
transcorreu de uma análise atenta da numismática romana.
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    107

Na Idade Média, as representações dos mortos mais valo-


rizadas eram aquelas relacionadas aos monarcas, e tinha um
sentido político e jurídico. Escreve Chartier (CHARTIER, 2002,
p. 165) que essa definição se fundamenta na significação an-
tiga e material da representação, entendida como o retrato, a
efígie, e alocada no lugar do monarca falecido em seu leito
mortuário. Assim, esse retrato tomava o lugar do rei morto, e
a ele eram confiados adoração e poderes.

Recapitulando

As diversas maneiras de se criar essas imagens adotaram um


caminho dirigido pelas novidades técnicas, sem, contudo, es-
vanecerem os antigos meios de produção. Se no período pré-
-histórico o barro acobertava o osso, na antiguidade o gesso
preenchia a carne. Depois, a máscara de gesso começou a
ser usada para modelar a pedra que se transformava em um
vistoso busto. No início da Idade Moderna era possível achar
máscaras mortuárias, esculturas, desenhos e pinturas coexis-
tindo juntas e exercendo simultaneamente a tarefa de repre-
sentar os mortos.

A repetição dessa prática, por si só, é capaz de confirmar


a ideia de legitimação da mesma. Seus usos e funções, abor-
dados neste capítulo, comprovam a importância confiada aos
retratos mortuários em tempos passados. Esses objetos (arte-
fatos), independentemente do suporte a partir dos quais são
constituídos, possuem um enorme valor simbólico. Esse valor
decorre do fato de serem eles produzidos a partir do corpo de
108   Arte e Educação

um ente querido que em breve não fará mais parte do mundo


dos vivos.

Atualmente, percebe-se uma enorme profusão de imagens


nas mais diferentes mídias, como, por exemplo, no cinema, na
televisão, nos computadores, nos outdoors, entre outros tantos
suportes. No caso do retrato, o gênero imagético mais produ-
zido e mais popular, a disseminação é total em perfis existentes
nas diferentes redes sociais, nas revistas em geral, nos outdo-
ors, nos documentos pessoais, nos inúmeros registros, entre
outros. Cabe então duas importantes reflexões: a primeira que
aquilo ao qual denominamos “arte” e o seu entendimento en-
quanto “arte” foi se constituindo lentamente, séculos após a
humanidade ter criado as imagens; a segunda é a reflexão
fundamental e fascinante apontada por todos os teóricos que
estudam a imagem, a qual entendem que a imagem e o retra-
to nasceram juntos e de uma única “mãe”, a morte.

Referências

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, Arte e política: ensaios


sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense,
1985.

CASTELNUOVO, Enrico. Retrato e sociedade na Arte italia-


na: ensaios de história social da arte. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 2006.
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    109

CATROGA, Fernando. O céu da memória – cemitério ro-


mântico e culto cívico dos mortos em Portugal – 1756-
1911. Coimbra: Coimbra, 1999

CHARTIER, Roger. Poderes e limites da representação. Marin, o


discurso e a imagem. In: À beira da falésia: a história entre
certezas e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002.

DEBRAY, Regis. Vida, y muerte de la imagen. Historia de la


mirada en occidente. Barcelona: Paidós, 1992.

DIDI-HUBERMAN, Georges. “O rosto e a terra. Onde começa


o retrato, onde se ausenta o rosto”. Revista Porto Alegre,
Porto Alegre, v. 9, n. 16, p. 62, maio 1998.

KERN, Maria Lúcia Bastos. “Tradição e modernidade: a ima-


gem e a questão da representação”. Revista de Estudos
Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUCRS, v. XXXI, n. 2,
2005.

SORLIN, P. Persona. Du Portrait em peinture. In: KERN, Maria


Lúcia Bastos (Org.). Tradição e modernidade: a imagem e
a questão da representação. Revista de Estudos Ibero-
-Americanos, Porto Alegre: PUCRS, v. XXXI, n. 2, 2000.

STRELCZENIA, Marisa. Ojos Crueles, temas de fotografía y


sociedad Nº 1, Buenos Aires, mar. 2005. Comunicação
apresentada nas II Jornadas de Fotografía y Sociedad,
Facultad de Ciencias Sociales (UBA), set. 2001. Publicada
em CD-Rom.
110   Arte e Educação

Atividades

1) Após o estudo do conteúdo, o qual abordou as teorias de


Régis Debray, podemos afirmar que o autor, em relação à
imagem, entende que:

a) As imagens produzidas na Pré-História e na Antiguida-


de são verdadeiras obras de arte, com usos e funções
estéticas, buscando proporcionar o prazer que advém
da beleza dessas obras. Muitas pinturas rupestres do
período Pré-escrita e, esculturas e pinturas da Antigui-
dade, evidenciam esse entendimento.

b) O autor entende que o abstracionismo levou muitas


civilizações a repetir as mesmas composições das for-
mas, mesmo sem contato entre esses povos.

c) Que é um entendimento equivocado acreditar que as


imagens tiveram algum poder de convencimento reli-
gioso nas civilizações da Antiguidade.

d) O autor afirma que a imagem nasce como uma ne-


cessidade estética da humanidade, presente desde os
tempos mais remotos, buscando assim representar as
belezas existentes na natureza.

e) O autor evidencia que a criação de imagens e ído-


los, na Pré-História e na Antiguidade, nasce da ne-
cessidade de representar (o reconhecido “conceito de
representação” da imagem) os mortos. A partir desse
processo as produções imagéticas adquirem um poder
Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    111

mágico, religioso e sociocultural, intermediando a re-


lação entre o metafísico e o real.

2) A identificação de crânios pré-históricos moldados como


sendo representações dos mortos é defendida por Didi-
-Huberman, a partir de um crânio magdalense encontra-
do no Mas d’Azil. Duas lâminas ovais, talhadas no osso,
foram colocadas nas cavidades das órbitas simulando um
olhar, sinalizando, assim, o rosto por cima do crânio, evi-
denciando já a questão do............................................

a) Paisagismo que evidencia o naturalismo.

b) Abstracionismo, onde o figurativo é deixado de lado.

c) Figurativo em confronto com a estilização.

d) O “poder mágico” da imagem através do Retrato.

e) Construtivismo dos elementos imagéticos (a composi-


ção)

3) Após a leitura deste capítulo, podemos afirmar que a ima-


gem e o retrato nasceram juntos, já que as primeiras ima-
gens eram retratos. Todos os teóricos apresentados são
unânimes em afirmar que a imagem se originou devido a:

a) Busca pela beleza estética, pelo prazer da contempla-


ção que as imagens (arte) oferecem.

b) Necessidade de reafirmar aquilo que a humanidade


percebia, a exuberância e a majestoso encanto da na-
tureza.
112   Arte e Educação

c) A finitude do ser humano. Nesse sentido, a origem da


imagem estava relacionada à necessidade de repre-
sentar o morto. Dessa maneira, a imagem tornaria
presente o ausente, ou seja, o ente querido partira.

d) Necessidade de usar as imagens para realizar vendas


abundantes nas diferentes formas de comércio.

e) Todas as alternativas acima estão incorretas.

4) Afirma Castelnuovo (CASTELNUOVO, 2006. p. 20) que o


uso da máscara mortuária tem procedência no desejo de
preservar a imagem:

a) que representasse a beleza dos corpos humanos.

b) que fosse fiel e semelhante aos traços do modelo (mor-


to), permanecendo um artifício de preservação de sua
vida interior e do seu status social.

c) que representasse, de forma estilizada e, de certa for-


ma, enaltecendo o modelo retratado.

d) que representasse o modelo no intuito de poder publi-


car um retrato produzido especialmente para as redes
sociais.

e) todas as alternativas acima estão incorretas.

5) Na Idade Média, as representações dos mortos mais valo-


rizadas eram aquelas relacionadas aos:

a) cavaleiros medievais.

b) agricultores, também denominados servos.


Capítulo 5    História da Arte e Contextos Culturais    113

c) cardeais, que compunham a igreja, a instituição mais


poderosa na idade média.

d) bobos da corte.

e) monarcas.
Rejane Reckziegel Ledur1

Capítulo 6

Artes Integradas.
Vivências
Interdisciplinares: Artes
Visuais, Dança, Música
e Teatro

Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares:

1 Doutora em Educação (UFRGS, 2013), Mestre em Educação (UFRGS, 2015)


e Licenciada em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas (UFRGS, 1992).
Professora do Curso de Artes Visuais e Pedagogia EAD da ULBRA Canoas/RS e da
Rede Municipal de Canoas. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação e Arte –
GEARTE/UFRGS.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    115

Introdução

A atual legislação educacional brasileira reconhece a impor-


tância da Arte na formação e desenvolvimento de crianças
e jovens, incluindo-a como componente obrigatório da edu-
cação básica. Em 1997 e 1998, o Ministério da Educação
elaborou e distribuiu nas escolas os Parâmetros Curriculares
Nacionais com a intenção de revisar os currículos e ampliar o
debate educacional, visando a uma transformação positiva no
sistema educativo brasileiro. Esse documento circunscreveu as
artes no ensino fundamental, destacando quatro linguagens:
Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.

Ao considerar o universo da Arte como um tipo particular


de conhecimento que o ser humano produz a partir dos ques-
tionamentos que sempre fez em relação ao seu lugar no mun-
do, os PCNs Arte (1997, p.28) enfatizavam que “as formas
artísticas apresentam uma síntese subjetiva de significações
construídas por meio de imagens poéticas (visuais, sonoras,
corporais, ou de conjuntos de palavras, como no texto literário
ou teatral)”.

No documento, o professor encontrava questões relativas


ao ensino e à aprendizagem de cada linguagem artística e a
escola era orientada a considerar, na oferta das modalidades
artísticas a serem trabalhadas em cada ciclo, a presença de um
profissional habilitado para atuar com Artes Visuais, Dança,
Música e Teatro. Ressaltava, assim, o respeito à especificidade
de cada área de conhecimento. Conforme orienta o PCN Arte:
116   Arte e Educação

É desejável que o aluno, ao longo da escolaridade, te-


nha oportunidade de vivenciar o maior número de for-
mas de arte; entretanto, isso precisa ocorrer de modo
que cada modalidade artística possa ser desenvolvida e
aprofundada. (PCN Arte, 1997, p. 4)

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), que


é um documento de caráter normativo que define o conjunto
orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos
os alunos devem desenvolver ao longo das etapas de ensino,
reconhece a Arte como uma área do conhecimento e patrimô-
nio histórico e cultural da humanidade.

O documento referenda que no Ensino Fundamental o


componente curricular Arte está centrado nas seguintes lingua-
gens: as Artes visuais, a Dança, a Música e o Teatro. Conside-
ra que essas linguagens articulam saberes referentes a produ-
tos e fenômenos artísticos e envolvem as práticas de criar, ler,
produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas artísticas.

Considerando os PCNs e a legislação atual, que enfatizam


a especificidade de cada linguagem no ensino da Arte com
profissional habilitado na docência, é de consenso entre os
arte/educadores o combate a tão temida polivalência, ou seja,
um professor trabalhando com todas as linguagens da arte,
sem formação específica. Mesmo na Educação Infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, recomenda-se o especia-
lista para atuar na disciplina de Arte. Caso não seja possível a
presença desse profissional habilitado na escola, é desejável
que o professor generalista se aproprie do conhecimento espe-
cífico de cada linguagem e o aprofunde.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    117

Neste capítulo, vamos conversar sobre as especificidades


de cada linguagem e propor situações em que a linguagem
das Artes Visuais possa ser integrada às linguagens da Música,
do Teatro e da Dança, por exemplo, em uma proposta integra-
dora que respeita a especificidade de cada área.

1B
 ase Nacional Comum Curricular: Arte
e suas linguagens

A BNCC propõe que a abordagem das linguagens articule seis


dimensões do conhecimento que, de forma indissociável e si-
multânea, caracterizam a singularidade da experiência artísti-
ca: Criação, Crítica, Estesia, Expressão, Fruição e Reflexão. Tais
dimensões perpassam os conhecimentos das Artes Visuais, da
Dança, da Música e do Teatro e as aprendizagens dos alunos
em cada contexto social e cultural.

A referência a essas dimensões busca facilitar o processo


de ensino e aprendizagem em Arte, integrando os conheci-
mentos do componente curricular. Apresentamos a seguir as
caracterizações das linguagens artísticas, conforme estão refe-
rendadas na BNCC (2017, p. 193 a 194):

As Artes visuais são os processos e produtos artísticos


e culturais, nos diversos tempos históricos e contextos
sociais, que têm a expressão visual como elemento de
comunicação. Essas manifestações resultam de explora-
ções plurais e transformações de materiais, de recursos
tecnológicos e de apropriações da cultura cotidiana.
118   Arte e Educação

A Dança se constitui como prática artística pelo pensa-


mento e sentimento do corpo, mediante a articulação
dos processos cognitivos e das experiências sensíveis im-
plicados no movimento dançado. Os processos de inves-
tigação e produção artística da dança centram-se naqui-
lo que ocorre no e pelo corpo, discutindo e significando
relações entre corporeidade e produção estética.

A Música é a expressão artística que se materializa por


meio dos sons, que ganham forma, sentido e significado
no âmbito tanto da sensibilidade subjetiva quanto das
interações sociais, como resultado de saberes e valores
diversos estabelecidos no domínio de cada cultura.

O Teatro instaura a experiência artística multissensorial


de encontro com o outro em performance. Nessa expe-
riência, o corpo é lócus de criação ficcional de tempos,
espaços e sujeitos distintos de si próprios, por meio do
verbal, não verbal e da ação física. Os processos de
criação teatral passam por situações de criação coletiva
e colaborativa, por intermédio de jogos, improvisações,
atuações e encenações, caracterizados pela interação
entre atuantes e espectadores.

Ainda que na BNCC as linguagens artísticas das Artes visu-


ais, da Dança, da Música e do Teatro sejam consideradas em
suas especificidades, as experiências e vivências dos sujeitos
em sua relação com a Arte não acontecem de forma compar-
timentada ou estanque.

Assim, o documento destaca a importância do componente


curricular Arte levar em conta o diálogo entre essas lingua-
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    119

gens, além de possibilitar o contato e reflexão acerca das for-


mas estéticas híbridas, tais como as artes circenses, o cinema
e a performance.

Nesse contexto, é necessário olharmos para as manifes-


tações da Arte da atualidade que rompem com as formas
tradicionais de Arte como pintura, escultura e gravura. Arte
contemporânea é o termo com o qual vem sendo definida a
produção artística realizada a partir dos anos de 1960 e que
melhor define essa Arte que abarca todo o universo de obras,
objetos, performances, vídeo arte, instalações, happenings,
entre outros, que caracteriza a produção artística hoje.

2A
 rte contemporânea e ensino de Arte
na escola

A Arte contemporânea, enquanto proposta artística, absorve


e representa de forma visual e discursiva as características da
pós-modernidade, constituindo-se como intertextual, multicul-
tural, histórica, tecnológica, sincrética. As propostas artísticas
da atualidade estão relacionadas com a vida cotidiana, social
e cultural, e rompem com as questões da estética tradicional
e moderna, solicitando uma forma diferente de interação e
apreensão das obras.

Celso Favaretto (2000),2 professor de Filosofia da USP,


considera que as mudanças no conceito da arte, na figura do

2  Comentário extraído da palestra apresentada no vídeo Isto é Arte, da Ação Edu-


cacional Itaú Cultura (2000).
120   Arte e Educação

artista e no modo da Arte se apresentar socialmente são os


pontos-chave para pensar em uma concepção de Arte con-
temporânea que rompe com a concepção tradicional de obra
de Arte como obra-prima, fundamentada na categoria da be-
leza, aliada às categorias de harmonia, perfeição, acabamen-
to e unicidade. Ressalta que o campo da Arte contemporânea
abriga experimentações das mais diversas, em que a categoria
do feio passa a ser tão importante quanto a do belo, não ten-
do elas valor absoluto.

Favaretto (2010), ao refletir sobre a relação entre Arte con-


temporânea e educação, salienta a necessidade de se enfati-
zar a Arte na escola a partir das transformações contemporâ-
neas. Considera um imperativo pensar como compatibilizar os
dois termos da equação: educação e arte, tendo em vista que
as propostas consensuais sobre Arte e educação vigentes até
pouco tempo atrás não satisfazem mais.

O autor destaca que “o essencial é o acesso à experiência


estética a partir do contato e o trabalho dos artistas” (FAVA-
RETTO, 2010, p.225), e acredita que as respostas para essas
questões estão com os profissionais da educação e da arte,
sendo que esse fato pode ser confirmado ao examinarmos as
concepções e projetos de ensino à disposição em livros e pro-
postas elaborados para as redes de ensino.

As propostas artísticas contemporâneas também se diferen-


ciam pela diversidade de temas e realidades sociais e culturais
presentes na estruturação discursiva das obras. Como afirma
Kátia Canton:
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    121

Artistas contemporâneos buscam sentido. Um sentido


que pode estar alicerçado nas preocupações formais que
são intrínsecas à Arte e que se sofisticaram no desenvol-
vimento dos projetos modernistas do século 20, mas que
finca seus valores na compreensão (e apreensão) da rea-
lidade, infiltrada dos meandros da política, da economia,
da ecologia, da educação, da cultura, da fantasia, da
afetividade. (CANTON, 2001, p.30)

Para ilustrar esse pensamento, apresento uma experiên-


cia que vivenciei no final de 2009, descrita na minha tese de
doutorado (LEDUR, 2013), quando acompanhei um grupo de
alunos das séries finais do Ensino Fundamental de uma escola
pública de Canoas/RS, em uma visita à 7ª Bienal do Mer-
cosul.3 Posteriormente, eu os entrevistei sobre a experiência
vivenciada com a Arte contemporânea naquele evento. Des-
taco, dessa experiência, a fala de uma aluna que ilustra a
concepção interdisciplinar da Arte contemporânea como uma
das possibilidades da obra de Arte ser uma ferramenta que
permite uma experiência cognitiva e que lança uma série de
intercâmbios intelectuais e sensíveis.

A experiência foi vivenciada na interação com a videoins-


talação A boca do jarro, da artista Ana Gallardo, na mostra
Ficções do Invisível, no espaço visitado do Cais do Porto.

3  A Bienal do Mercosul é uma mostra internacional de Arte Contemporânea que


ocorre em Porto Alegre/RS desde 1997. A sétima edição da Bienal do Mercosul
ocorreu em 2009.
122   Arte e Educação

Figura 1  Vídeo instalação a Boca de Jarro (Ana Gallardo).

Fonte: LEDUR, 2013, p. 57.

Sabrina (14 anos, 7ª série): O que me chamou atenção


era uma obra de um vídeo e eu parei para prestar atenção.
Tinha uma mulher de vermelho e a música que estava legen-
dada falava sobre “um pai, um vizinho”, sobre o estupro.
Foi o que me chamou atenção, a música dava o ritmo. Daí
eu parei, prestei atenção e fiquei olhando e eu achei bem
interessante a proposta. A mulher de vermelho cantando um
tango, só que o tango falava de uma realidade, o que eu li
era que sempre um familiar, uma pessoa próxima da família,
do abuso infantil. E tinha um sofá e uma cadeira para a gen-
te sentar e realmente prestar atenção à realidade. Eu gostei,
desse eu gostei.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    123

O importante, na experiência estética com as propostas ar-


tísticas da atualidade, é se permitir ser provocado pelo encon-
tro, estar aberto para o diálogo e a interação para que a Arte
possa fazer sentido. As marcas dessa experiência com a Arte
contemporânea vão ficando na memória dos estudantes e fa-
zendo parte da história de cada espectador, que constrói suas
próprias significações e referências na interação com as obras.

Mirian Celeste Martins ressalta o papel fundamental do


professor como mediador do conhecimento de Arte na escola:

Independente das possibilidades físicas e materiais, no


encontro com a Arte enquanto objeto de conhecimento,
haverá sempre a necessidade de um educador sensível,
capaz de criar situações em que possa ampliar a leitu-
ra e a compreensão de homens e mulheres sobre seu
mundo, sua cultura. Capaz ainda de abrir diálogos in-
ternos, enriquecidos pela socialização dos saberes e das
perspectivas pessoais de cada produtor/fruidor/aprendiz.
(MARTINS, 2002, p. 57)

É ancorada nessa percepção de educador/professor sen-


sível que entendo a importância e abrangência da ação pe-
dagógica como possibilitadora de brechas de acesso para
que a experiência estética com a Arte aconteça e produza
sentidos.

Considero o professor o principal mediador do conhe-


cimento da Arte na escola, para tanto precisa assumir esse
compromisso com um ensino de Arte qualificado, agregar a
124   Arte e Educação

sua função os adjetivos de pesquisador, reflexivo, intelectual4


e, principalmente, artista, ao criar situações e pensar desafios
instigadores e estéticos, que caracterizam o processo criativo
voltado para o ensino da arte.

Em relação à mediação, seja a escolar que é realizada


pelo professor de Arte ou aquela que acontece nas institui-
ções culturais e museus, é importante perceber a influência
dessa prática na experiência estética dos alunos com a arte.
Segundo Martins (2002, p.56), “a mediação pode provocar a
disponibilidade e a empatia, mas também o rebaixamento da
sensibilidade e o distanciamento de uma experiência estética
e artística”.

Com a Arte contemporânea, essa ação torna-se um gran-


de desafio, pois ela vai se consolidando na prática, na obser-
vação atenta e sensível da forma como a interação com a obra
acontece. É importante, nesse processo, permitir o diálogo en-
tre o sujeito e a obra, tangenciando aproximações possíveis
que estimulem o público a estabelecer suas próprias relações
com a obra, na e pela experiência, sem induzir a uma leitura
formal ou conceitual pré-determinada.

Para Fernando Cocchiarale, a Arte na educação tem um


valor disruptivo na atualidade, em que o aprendizado surge
por meio da investigação, ao buscar interpretar os significados
da experiência de algo que se mostra estranho ao primeiro

4  Autores como Giroux, Perrenoud, Schön, Tardif e Zeichner têm problematizado


os saberes profissionais e a formação docente, detendo-se a analisar as práticas
pedagógicas diante dos desafios da contemporaneidade, ressaltando as caracterís-
ticas desse professor como intelectual, pesquisador e reflexivo.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    125

olhar. O autor segue seu pensamento, considerando que “a


experiência com a Arte e a sua possível função na educação
não está na compreensão e nem no adestramento artístico for-
mal, perceptivo, embora possa conter tudo isso” (COCCHIA-
RALE, 2006, p. 232).

Por isso, enfatiza a necessidade de se olhar para a Arte


que surge da atitude dos artistas, para as imagens que resul-
tam desse deslocamento subjetivo sobre o que é conhecido,
para as experimentações mais diversas que funcionam como
“interruptores da percepção”, para ativar o conhecimento e a
imaginação das crianças.

Apresento a seguir uma proposta de articulação entre as


linguagens das artes visuais, do teatro, da música e da dança
em que a especificidade de cada linguagem é respeitada e
contribui para a produção de sentidos com a arte.

2.1 A
 rtes Visuais e a Dança: O corpo em
movimento na arte
Muitos artistas retrataram nas suas pinturas o corpo em movi-
mento por meio da representação da dança. Entre esses artis-
tas se destaca o artista Edgar Dégas (1834 – 1927), que foi
um pintor, gravurista, escultor e fotógrafo francês. É conhecido
principalmente pelas suas pinturas e esculturas de bailarinas
em que as representa em cenas e movimentos de dança. Foi
um dos fundadores do Impressionismo, e o movimento lhe pro-
porcionava a matéria-prima qualificada para o seu empenho
artístico, pois amava a realidade e o real está em movimento.
126   Arte e Educação

Figura 2  A aula de dança, Museu d’Orsay. Por Edgar Degas.

Fonte: domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.


php?curid=150059

Henri Matisse (1869 – 1954) foi outro artista francês, co-


nhecido por seu uso da cor e sua Arte de desenhar, fluida e
original, que também representou o tema da dança nas suas
pinturas. A dança pode se referir a duas pinturas de mesmo
nome feitas pelo artista entre 1909 e 1910. A primeira delas,
que atualmente se encontra no Museu de Arte Moderna de
Nova York, serviu de estudo para a segunda versão.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    127

Figura 3  A dança – Henri Matisse.

Fonte: https://culturageralsaibamais.files.wordpress.com/2009/08/danca-matisse.
jpg

Poderíamos mostrar muitas outras obras de artistas que


representaram essa temática na arte, mas queremos trazer
nesse nosso diálogo interdisciplinar a Arte de Hélio Oiticica
(1937-1980), artista brasileiro que foi um pintor, escultor, artis-
ta plástico e performático de aspirações anarquista que criou
o Parangolé, ou melhor, foi descoberto (como ele próprio em-
pregava) em 1964.

O artista gostava de dizer que o Parangolé é “antiarte por


excelência”. Trata-se de uma espécie de capa, lembra ainda
bandeira, estandarte, tenda, que não agita plenamente seus
tons, cores, formas, texturas, grafismos ou as impregnações
dos seus suportes materiais como pano, corda senão a partir
dos movimentos – da dança – de alguém que a vista.
128   Arte e Educação

Figura 4  Parangolé, Hélio Oiticica.

Fonte: https://goo.gl/iSYKgF

O Parangolé tem o efeito de liberar a pintura dos seus an-


tigos padrões, mas a pintura do Parangolé já não é só pin-
tura. Trata-se de algo que, em determinado momento, Hélio
descreveu como “transobjeto”. O transobjeto é feito com as
mais diversas técnicas, dos mais diversos materiais (plásticos,
panos, esteiras, telas, cordas etc.) que, no entanto, parecem
se esquecer do sentido de suas individualidades originais ao se
refundirem na totalidade da obra.

O Parangolé não pode ser exposto como uma pintura con-


vencional, deve ser não apenas visto, mas tocado: e não ape-
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    129

nas tocado, mas vestido. O corpo compõe com o Parangolé


que veste uma unidade sempre nova. A dança de quem o ves-
te não apenas o revela ao espectador que o não veste, mas
principalmente ao dançarino mesmo que, nesse processo, se
revela a si próprio.

Ele em si constitui o começo e o fim do círculo, a partir do


qual o corpo se faz obra e o dançarino, espectador. Talvez pos-
samos dizer que quando alguém veste um Parangolé compõe
com ele um novo transobjeto. Assim, o Parangolé rompe com
a pintura. Nem o seu modo de produção, nem o seu modo de
exposição, pertence a qualquer das belas artes tradicionais.

Para concluir essa reflexão, sugiro que você escute a música


Parangolé Pamplona, da artista Adriana Calcanhoto. (Disponí-
vel no link: https://www.youtube.com/watch?v=1bY1Zejo86s)

O parangolé pamplona você mesmo faz

O parangolé pamplona a gente mesmo faz

Com um retângulo de pano de uma cor só

E é só dançar

E é só deixar a cor tomar conta do ar

Verde

Rosa

Branco no branco no peito nu

Branco no branco no peito nu

O parangolé pamplona
130   Arte e Educação

Faça você mesmo

E quando o couro come

É só pegar carona

Laranja

Vermelho

Para o espaço estandarte

“Para o êxtase asa-delta”

Para o delírio porta aberta

Pleno ar

Puro

Hélio

Mas

O parangolé pamplona você mesmo faz

Diante do exposto, observa-se a integração das Artes Vi-


suais e da Dança na construção das obras, assim como se
juntou a performance e a música para ampliar a compreen-
são da proposta artística. Destaca-se, assim, a importância de
contemplar nos diferentes níveis e etapas da educação básica,
o ensino de Arte que garanta a presença das artes visuais, da
dança, do teatro e da música como componentes curriculares,
respeitando a especificidade de cada linguagem.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    131

Para tanto, há a necessidade de os professores de edu-


cação infantil e anos iniciais de se apropriarem dos conheci-
mentos e especificidades de cada linguagem, oportunizando a
experiência com a Arte na escola nas suas diferentes manifes-
tações artísticas e culturais.

Recapitulando

Neste capítulo, enfatizamos as experiências de Arte que inte-


gram diferentes linguagens artísticas e proporcionam vivências
interdisciplinares. A LDB, os PCNs e a BNCC enfatizam as qua-
tro linguagens artísticas no ensino da arte: artes visuais, dança,
música e teatro.

A Arte contemporânea, que resulta das transformações


ocorridas no mundo da Arte a partir de 1960, caracteriza-se
por desconstruir as formas tradicionais da Arte como desenho,
pintura, escultura e gravura, introduzindo novos meios, mate-
riais e processos artísticos. A historiadora e crítica de Arte Ro-
salind Krauss, no texto A escultura no campo ampliado (1979),
discute as transformações ocorridas no campo da Arte em que
categorias como escultura e pintura foram moldadas, estica-
das e torcidas em uma demonstração extraordinária de elasti-
cidade a ponto de incluir quase tudo.

Na contemporaneidade, a produção artística não é defi-


nida em relação a um determinado meio de expressão, como
no caso a escultura, mas sim em relação a operações lógicas
132   Arte e Educação

dentro de um conjunto de termos culturais em que vários meios


(fotografias, livros, linhas, espelhos ou esculturas propriamente
ditas) podem ser utilizados na produção das obras.

Nessa perspectiva, inclui-se o trabalho de Erwin Wurm


(Áustria, 1954), um artista contemporâneo conhecido sobretu-
do pela série de esculturas conhecidas por One Minute (escul-
turas de um minuto). A proposta do artista é uma mistura de
performance e escultura que se tornou, ao longo dos últimos
20 anos, uma referência na obra do austríaco, sendo levada a
museus, como o Tate Modern, de Londres, ou inspiração para
a banda Red Hot Chili Peppers, no videoclipe da música Can’t
Stop. “Apenas aconteceu de eu começar a fazê-las. Eu me per-
gunto como ficaram tão famosas”, brinca o artista.

Na exposição O Corpo é a Casa, curada por Marcello Dan-


tas, com cerca de 40 obras, que esteve no CCBB em Brasília,
São Paulo e Belo Horizonte em 2017, os brasileiros puderam
seguir as instruções do artista para participar das performan-
ces One Minute Sculptures: ações e poses absurdas e, muitas
vezes, ridículas, envolvendo itens do dia a dia e referência a
pensadores – de Sigmund Freud a Baruch de Spinoza – que
desafiam a mesmice do cotidiano e teorias absolutas.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    133

Figura 5  One Minute Sculptures – Erwin Wurm.

Fonte: LEDUR, 2017

A proposta do artista expande o conceito tradicional de es-


cultura ao usar o corpo e objetos do cotidiano na elaboração
das suas “Esculturas de um minuto”, integrando as linguagens
das Artes Visuais e Performance que caracteriza a Arte contem-
porânea.

As questões da Arte contemporânea que foram trabalha-


das no Capítulo 6 enfatizaram a importância do ensino da
Arte estar conectado com as questões da Arte na atualidade e
articular de forma interdisciplinar diferentes linguagens artísti-
134   Arte e Educação

cas nas propostas de ensino. Considerando a obra do artista


Erwin Wurm, pode-se propor um projeto de ensino, seguindo
as atividades abaixo:

1) Pesquise sobre o artista e as obras One Minute Sculptures


na internet.

2) Assista ao videoclipe da música Can’t Stop da banda Red


Hot Chili Peppers no Youtube.

3) Planeje uma aula de Arte interdisciplinar que envolva a


performance e artes visuais a partir da criação de escultu-
ras de um minuto a serem realizadas pelas crianças, utili-
zando o corpo e objetos do cotidiano.

4) Registre as performances em fotos.

Referências

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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum


Curricular. Proposta preliminar. Terceira versão revista.
Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacional-
comum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.pdf. Aces-
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res Nacionais: Arte. Primeiros e segundo ciclos. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    135

CANTON, Kátia. Novíssima Arte brasileira contemporâ-


nea: um guia de tendências. São Paulo: Iluminuras, 2001.

COCCHIARALE, Fernando. Quem tem medo da Arte con-


temporânea? Recife: Fundação Joaquim Nabuco – Mas-
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FAVARETTO, Celso F. Arte contemporânea e educação. Revis-


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FAVARETTO, Celso F. Isto é Arte? Vídeo da Ação Educacional


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LEDUR, Rejane Reckziegel. Arte Contemporânea e Produ-


ção de Sentidos no Ensino da Arte: a experiência esté-
tica dos alunos na Bienal do Mercosul sob o olhar da
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Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Gradu-
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Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e terminologia. Aquecen-


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______. (Org.) Mediação: Provocações estéticas. São Paulo:


UEP, v. 1, n.1, outubro de 2005.
136   Arte e Educação

Atividades

1) A atual legislação (LDB 9.394/96, artigo 26, parágrafo


2º) regulamenta que o ensino de arte, especialmente em
suas expressões regionais, constituirá componente curricu-
lar obrigatório da educação básica. No parágrafo 4 da
lei, define as linguagens que constituirão o componente
curricular de que trata o artigo, que são:

a) o desenho, a pintura, a escultura e a gravura.

b) as artes visuais, a dança, a música e o teatro.

c) o teatro, a performance e o happening.

d) a expressão motora fina e ampla.

e) as artes plásticas, cênicas e musicais.

2) A Arte produzida na atualidade se caracteriza por abarcar


todo o universo de obras, objetos, performances, vídeo
arte, instalações, happenings, entre outras manifestações
artísticas. Qual é o termo usado hoje que melhor defi-
ne essa produção artística realizada a partir dos anos de
1960?

a) Arte moderna.

b) Arte medieval.

c) Arte contemporânea.

d) Arte clássica.

e) Arte erudita.
Capítulo 6    Artes Integradas. Vivências Interdisciplinares: ...    137

3) No documento da Base Nacional Curricular Comum, a


linguagem das artes visuais é caracterizada como sendo:

a) Os processos e produtos artísticos e culturais, nos di-


versos tempos históricos e contextos sociais, que têm a
expressão visual como elemento de comunicação.

b) A prática artística pelo pensamento e sentimento do


corpo, mediante a articulação dos processos cogniti-
vos e das experiências sensíveis implicados no movi-
mento dançado.

c) A expressão artística que se materializa por meio dos


sons, que ganham forma, sentido e significado no âm-
bito tanto da sensibilidade subjetiva quanto das intera-
ções sociais.

d) A experiência artística multissensorial de encontro com


o outro por intermédio de jogos, improvisações, atua-
ções e encenações, caracterizados pela interação en-
tre atuantes e espectadores.

e) O diálogo entre as diferentes linguagens artísticas que


possibilitam o contato e reflexão acerca das formas
estéticas híbridas.

4) Ainda que considere no ensino da Arte as linguagens artís-


ticas das Artes Visuais, da Dança, da Música e do Teatro,
em suas especificidades, a BNCC também entende que as
experiências e vivências dos sujeitos em sua relação com
a Arte podem não acontecer de forma compartimentada
ou estanque. Quais das manifestações artísticas abaixo
138   Arte e Educação

podem ser consideradas formas de artes integradas por


dialogar com diferentes linguagens?

a) O desenho, a pintura e a escultura.

b) A dança de salão e o balé clássico.

c) Encenações teatrais, performances e esquetes.

d) As artes circenses, o cinema e a performance.

e) A música erudita e popular.

5) São consideradas formas estéticas híbridas as expres-


sões artísticas que levam em contato o diálogo entre as
diferentes linguagens. Nas artes visuais encontramos
manifestações que dialogam com outras linguagens
da Arte como a dança e a performance. São exemplo
de expressões artísticas integradas:

a) o pintura Noite estrelada, de Vincent van Gogh.

b) o Ballet Bolshoi, da Rússia. 

c) o Teatro Épico de Bertolt Brecht.

d) a 5° Sinfonia de Ludwig Van Beethoven.

e) os Parangolés, de Hélio Oiticica e as Esculturas de um


minuto, de Erwin Wurm.
Rejane Reckziegel Ledur1

Capítulo 7

Leitura de Imagem e
Compreensão Estética

1 Doutora em Educação (UFRGS, 2013), Mestre em Educação (UFRGS, 2015)


e Licenciada em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas (UFRGS, 1992).
Professora do Curso de Artes Visuais e Pedagogia EAD da ULBRA Canoas/RS e da
Rede Municipal de Canoas. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação e Arte –
GEARTE/UFRGS.
140   Arte e Educação

Introdução

Atualmente é muito comum nas escolas de educação infantil


e do ensino fundamental a leitura de imagem ser trabalhada
com as crianças, apresentando-lhes seus trabalhos e repro-
duções de obras de arte. Por isso, é importante entender esse
processo de leitura feito pelas crianças, buscando compreen-
der como a criança lê as imagens, o que mais lhe chama a
atenção, como ela interpreta e julga o que vê nas imagens.

1 Trabalhando imagens com as crianças

O que se entende por leitura?

O que é ler?

O que está implicado no ato de ler?

É possível ler uma imagem?

Maria Helena Martins (1994, p.31-32), no livro O que é


leitura? (1994), destaca duas definições sobre a leitura: a pri-
meira refere-se à leitura como decodificação mecânica e a
segunda entende a leitura como um processo de compreen-
são mais amplo que envolve a dimensão sensível, cognitiva e
social. Ambas são necessárias à leitura, pois o ato de ler é um
processo de compreensão de símbolos, é atribuir significados
a uma imagem ou texto.

Paulo Freire (1995, p. 8) considera que aprender a ler, es-


crever, alfabetizar-se é, antes de tudo, aprender a ler o mundo,
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    141

compreender o seu contexto. “A leitura do mundo precede a


leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele.”

A partir do final da década de 80, o ensino de Arte na


escola passa a ser pensado em novas bases conceituais que
têm buscado contemplar a produção do aluno, a leitura dessa
produção e de outras imagens e a contextualização dos traba-
lhos. A leitura da obra de Arte é uma dimensão importante a
ser trabalhada na escola. Segundo Aumont (1995, p.259), a
obra tem “uma inventividade nitidamente superior à de qual-
quer outra imagem”.

Fundamentados nas concepções contemporâneas de en-


sino de arte, os professores passaram a trabalhar não só a
produção da criança e do adolescente, mas também a leitura
da imagem e a contextualização histórica. A arte-educadora
Ana Mae Barbosa, que sistematizou a Abordagem Triangular
de ensino de arte, ressalta que:

O que a Arte na escola principalmente pretende é formar


o conhecedor, o fruidor, decodificador da obra de arte.
Desse modo, é necessário começar a educar o olhar da
criança desde a educação infantil, possibilitando ativi-
dades de leitura para que além do fascínio das cores,
das formas, dos ritmos, ela possa compreender o modo
como a gramática visual se estrutura e pensar criticamen-
te sobre as imagens. (BARBOSA, 2008, p.81)

Na atualidade, há um entendimento equivocado entre mui-


tos professores de que ler uma obra de Arte implica na reali-
zação de uma releitura, em que a releitura é entendida como
142   Arte e Educação

cópia. Sendo assim, é importante explicar que reler é ler no-


vamente, é reinterpretar, é criar novos significados. Segue uma
ilustração para definir melhor o sentido de cada ação:

CÓPIA: aprimoramento técnico, sem transformação, sem


interpretação, sem criação.

Figura 1  Cópia da obra Abaporu, da Tarsila do Amaral.

Fonte: https://www.flickr.com/photos/abaporu/589310311/

RELEITURA: há transformação, interpretação, criação com


base em um referencial, em um texto visual que pode estar
explícito ou implícito na obra final.
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    143

Figura 2  Releitura da obra Abaporu.

Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/20598-gustavo-
-rosa#foto-336030

O artista gráfico, gravador e desenhista Gustavo Rosa


(1946, São Paulo) desenvolve desde 1985 uma série intitu-
lada Abadogu, com releituras da obra Abaporu, de Tarsila
do Amaral. Em 2011 a série ganhou uma nova tela, feita em
homenagem a ex-presidente Dilma Rousseff.

A releitura é apenas uma das possibilidades de se traba-


lhar com a Arte na escola e não deve ser a única. Para Ana
Mae Barbosa (1998, p. 39), “o erro mais grave é restringir o
fazer artístico, parte integrante da triangulação, à releitura de
obras”. A autora considera que a releitura como procedimento
constante pode transformar o fazer artístico em mero exercício
escolar e que a insistência na releitura acaba por provocar a
cópia pela cópia.
144   Arte e Educação

É importante que o aluno tenha acesso às imagens da arte,


da cultura visual, do cotidiano e de diferentes culturas para
ampliar seu repertório visual. Ao mesmo tempo, deve ser de-
safiado a criar as suas próprias imagens, utilizando procedi-
mentos variados em suas pesquisas visuais, a partir da sua
percepção de mundo e da sua forma de se expressar.

Considerando que a imagem é um elemento central da


nossa cultura e que as crianças desde pequenas recebem a
maior parte de suas informações por meio delas, preparar as
crianças para ler essas imagens é um dos grandes desafios do
ensino de Arte na atualidade, pois, como afirma Ana Mae, ao
prepararmos os alunos para compreensão da gramática visual
de obras de arte, estaremos preparando-os para compreender
e avaliar todo tipo de imagem.

Para tanto, é necessário que os professores conheçam os


níveis de desenvolvimento cognitivo e estético dos seus alunos
para que possam criar situações de aprendizagem que respei-
tem as especificidades de cada idade. Entre os teóricos que
têm se debruçado a estudar o desenvolvimento estético das
crianças, destaca-se o trabalho de Michael Parsons, que ire-
mos aprofundar neste capítulo. Conhecer os estágios de com-
preensão estética pode ajudar o professor a mediar as leituras
dos alunos, levando-os a ampliar as suas ideias sobre a arte.
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    145

2 Compreender a arte – Michael Parsons

Michael Parsons é um dos autores que mais tem contribuído


para o conhecimento a respeito de como as pessoas se rela-
cionam com as obras de arte. Na obra Compreender a Arte
(1992), ele se propõe a abordar o modo como as pessoas
entendem a pintura com enfoque na psicologia do desenvol-
vimento cognitivo. O autor parte dos seguintes questionamen-
tos:

Como as pessoas entendem os quadros?

O que procuram neles?

O que sentem?

Para Parsons, pode haver reações muito diferentes a uma


mesma obra de arte. O estudo apresenta os estágios de de-
senvolvimento que são comuns a todos os indivíduos, que se
manifestam ou não de acordo com as oportunidades às quais
eles têm acesso. No livro, o autor apresenta algumas leituras
de imagens de estudantes a partir de obras apresentadas para
eles. Observe como se diferenciam a leitura da obra Mulher
chorando, de Picasso, de uma menina de 8 anos e de um ra-
paz de 15 anos:
146   Arte e Educação

“Era mais triste, se fosse mais


bem desenhado, com mais
pormenores, em vez de ter
aqueles olhos esquisitos.
Devia mostrar lágrimas de
verdade, assim já se perce-
bia que ela estava mesmo a
chorar”. (Menina, 8 anos)

“O artista exagerou tudo e é


assim que desperta os nos-
sos sentimentos. Parece que
os olhos lhe saltam da cara,
Figura 3  Mulher em lágrimas (1937) – está a morder o lenço, e tudo
Picasso.
isso dá ao quadro mais for-
Fonte: Warncke, 2006, p.150. ça do que se ele tivesse feito
como uma fotografia”. (Ra-
paz, 15 anos)

O autor parte da tese fundamental de que as pessoas re-


agem de forma diferente aos quadros porque os entendem
de forma diferente. Têm concepções diferentes quanto ao que
deveria ser, de um modo geral, a pintura, quanto às carac-
terísticas que um quadro deve apresentar e quanto à forma
correta de julgá-lo; e tais concepções afetam profundamente
sua forma de reagir.

O estudo de Parsons define algumas formas de entender a


pintura:

ÂÂSurgem organizadas em uma sequência de desenvolvi-


mento;
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    147

ÂÂSão adotadas por uma determinada ordem;

ÂÂCrianças pequenas começam todas pela mesma forma


e vão reestruturando esse entendimento à medida que
crescem;

ÂÂResulta em uma sequência comum de desenvolvimento


baseada em uma série de intuições sobre as possibilida-
des da arte.

A partir dessas percepções, o autor define os estágios de


compreensão estética. Os estágios são aglomerados de ideias
e não propriedades de uma pessoa; cada aglomerado é uma
configuração, ou estrutura, de pressupostos relacionados entre
si. Descrever um estágio não é descrever uma pessoa, mas um
conjunto de ideias; as pessoas se servem de ideias de um ou
mais estágios para compreender a pintura.

Os estágios de desenvolvimento foram definidos a partir


da observação das ideias que as pessoas utilizam na compre-
ensão estética: tema, estrutura, pela forma ou pela expressão
de emoções. O estudo foi organizado com base em quatro
ideias:

– o tema (ideias acerca da beleza e do realismo);

– expressão das emoções;

– o meio da expressão;

– a forma e o estilo; a natureza dos juízos.

A pesquisa envolveu mais de trezentas pessoas entrevista-


das ao longo de quase 10 anos. No livro, o autor cita as inter-
148   Arte e Educação

pretações feitas pelas pessoas de oito quadros, que resultaram


nos seguintes estágios:

2.1 Primeiro estágio: preferência


- É a cor que eu mais gosto!

- Gosto por causa do cão. Nós temos um cão que se chama


Toby.

Nesse estágio, há um gosto intuitivo pela maioria dos qua-


dros, uma forte atração pela cor e uma reação ao tema do
quadro consistindo em uma série de associações livres. As
crianças pequenas raramente encontram defeitos nos quadros,
seja qual for seu tema e estilo; aceitação de tudo sem distin-
ção. Adoram a cor, quanto mais melhor. Do ponto de vista psi-
cológico, é o estágio onde praticamente não há consciência
do ponto de vista de outro. Tudo quanto existe manifesta-se
através da experiência. Do ponto de vista estético, os quadros
constituem um estímulo para uma experiência agradável.

2.2 Segundo estágio: beleza e realismo


- Vê-se que ele pintou com todo o cuidado. Ficou mesmo
bem!

- São só uns rabiscos. Até o meu irmão bebê era capaz de


fazer a mesma coisa.

A ideia dominante nesse estágio é a do tema. O segundo


estágio organiza-se em torno da ideia de representação. O
objetivo fundamental da pintura é representar alguma coisa.
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    149

Um quadro será tanto melhor quanto mais cativante for o tema


e mais realista a representação. Admira a habilidade, a pa-
ciência e o trabalho meticuloso. Reconhece implicitamente o
ponto de vista do outro, e o espectador já consegue distinguir
aspectos relevantes em termos estéticos. A beleza, o realismo e
a habilidade são os fundamentos do juízo estético.

2.3 Terceiro estágio: expressividade


- É um quadro impressionante!

- Vê-se que o artista teve realmente pena dele, conseguiu


expressar o sentimento dele.

A perspectiva em torno da qual se organiza o terceiro está-


gio tem relação com a expressividade. Observamos os quadros
em função da experiência que podem proporcionar, e quanto
mais intensa e interessante for a experiência melhor será o
quadro. A beleza do tema escolhido torna-se secundária em
relação àquilo que se exprime. A criatividade, a originalidade,
a força dos sentimentos, são agora particularmente valoriza-
das. Há uma nova consciência a respeito da interioridade da
experiência dos outros.

2.4 Quarto estágio: estilo e forma


- O modo como o artista aplicou a tinta, de forma a deixar
transparecer a cor do fundo é realmente magnífico!

- A perspectiva é basicamente frontal, mas os olhos estão


representados à maneira cubista.
150   Arte e Educação

A nova perspectiva reside no fato de se considerar que a


significação de um quadro é mais social do que individual.
Integra-se em uma tradição, criada por um conjunto de pesso-
as que ao longo do tempo foram observando e comentando
um conjunto de obras de arte. Manifesta-se a capacidade de
relacionar diferentes obras e estilos, e há uma história da sua
representação. A significação da obra consiste naquilo que o
grupo consegue dizer discursivamente acerca dela, e que é
mais do que aquilo que cada pessoa é capaz de apreender
individualmente em um dado momento. Do ponto de vista es-
tético apresenta um avanço porque considera relevante o meio
de expressão, a forma e o estilo, e alarga a gama de sentidos
que a pintura pode exprimir.

2.5 Quinto estágio: autonomia


- Parece-me que o quadro transcende as limitações do estilo
ao sublinhar a bidimensionalidade da superfície.

- No fundo o estilo é demasiado frouxo, demasiado auto-


complacente. Não me agrada, acho que é preciso um maior
autodomínio.

A perspectiva fundamental nesse estágio é a de que o in-


divíduo deve julgar os conceitos e valores através dos quais a
tradição constrói a significação das obras de arte. A essência
desse estágio é a busca de fundamentos para as interpretações
e os juízos que devem estar acessíveis a toda a gente. É quan-
do é distinguido mais claramente o juízo da interpretação. O
indivíduo deve julgar os conceitos e valores através dos quais
a tradição constrói a significação das obras de arte. Esses con-
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    151

ceitos evoluem com a história, e devem ser continuamente re-


ajustados para se adaptarem a situação atual.

3 Metodologias de leitura de imagem

Vários estudiosos do ensino das artes visuais refletiram sobre as


suas práticas de leituras de imagens com grupos de estudantes
e chegaram a construir alguns métodos de ensino específicos.
Robert Ott apresenta cinco estágios que têm sido usados em
museus: 1) descrevendo; 2) analisando; 3) interpretando: 4)
fundamentando; e 5) revelando, quando o leitor é convidado
a também se expressar.

Abigail Housen também desenvolveu um estudo em que


propôs níveis de desenvolvimento estético em que as habilida-
des de leitura crescem cumulativamente à medida que o leitor
vai evoluindo através dos estágios. Sua classificação também
propõe cinco estágios: Estágio I Narrativo; Estágio II Construti-
vo; Estágio III Classificativo; Estágio IV Interpretativo; e Estágio
V Re-criativo.

Edmund Feldman, no livro Becoming Human through Art


(1970), propôs um método comparativo de análise da ima-
gem que envolve a descrição, a análise, a interpretação e o
julgamento da obra de arte. Na Aula Virtual 7 você encontra
um resumo do estudo de Feldman e uma atividade prática de
leitura de imagem para ser realizada com base nesse método.
152   Arte e Educação

3.1 E
 stágios de leitura de imagem de Robert
William Ott (Image Watching)
O processo é desenvolvido em cinco categorias:

1. Descrevendo

O aluno observa a obra a ser estudada e essa observação


deve ser de um olhar cuidadoso, de certa forma deixando a
Arte falar primeiro. Em seguida, o aluno fará uma lista, de
forma verbal, do que percebe da obra de Arte que está sendo
estudada criticamente, partilhando suas percepções com os
demais alunos.

2. Analisando

Aqui se investiga como foi executado o que foi percebido,


os elementos da composição, as técnicas e formas da obra de
arte.
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    153

3. Interpretando

É considerada a mais criativa das categorias, pois forne-


ce dados para as respostas pessoais e sensoriais dos alunos.
Permite a eles expressarem como se sentem. Ott sugere uma
preparação antes para que os alunos possam externar suas
emoções.

4. Fundamentando

Essa categoria está relacionada com o conhecimento ar-


tístico que está sendo armazenado pelo aluno. Nessa etapa,
pode-se convidar o artista para uma fala ou usar vídeos com
as falas dos mesmos, utilizar catálogos de exposições, publi-
cações acadêmicas, textos de reportagem de jornal ou revista.

5. Revelando

É o ato de expressão artística, o momento da produ-


ção, o fazer artístico. Todas as outras categorias culmi-
nam nela. Aqui uma nova obra é criada pelo aluno (OTT,
1997).

3.2 O
 s Estágios do desenvolvimento estético
segundo ABIGAIL HOUSEN
Nível 1- Narrativo

Visitantes de Museus são contadores de histórias usando


observações concretas, seus sentidos e associações pessoais
para criar uma narrativa. As suas avaliações sobre a obra de
Arte são baseadas no que eles gostam e no que eles possam
saber sobre a arte.  À medida que os visitantes parecem entrar
154   Arte e Educação

na obra de arte, seus comentários são entremeados por termos


emocionais, tornando-se parte do desenrolar de um drama.

Nível 2 – Construtivo

Os indivíduos criam uma estrutura para observar as obras


de arte, usando as suas próprias percepções, conhecimento do
mundo natural, valores morais e sociais e visões convencionais
do mundo. Se a obra não parece ser do jeito que “deveria”
(por exemplo, uma árvore ser alaranjada em vez de marrom)
então, o indivíduo julga a obra “estranha”, sem valor. A habi-
lidade, a técnica, o trabalho árduo, a utilidade e a função não
são evidentes. Respostas emocionais desaparecem à medida
que os indivíduos se distanciam da obra de Arte e focam ape-
nas as intenções do artista.

Nível 3 – Classificatório

Os indivíduos descrevem a obra usando terminologia ana-


lítica e crítica similar a dos historiadores. Eles classificam a
obra de acordo com o lugar, a escola, o estilo, o tempo e a
proveniência. Eles decodificam a superfície da tela em busca
de indícios, usando o seu cabedal de fatos e figuras. Uma vez
separado em categorias, o indivíduo explica e racionaliza o
significado e mensagem da obra.

Nível 4 – Interpretativo

Os indivíduos buscam criar algum tipo de relação pessoal


com a obra de arte. Eles exploram a tela, permitindo que in-
terpretações da obra lentamente se revelem; eles apontam su-
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    155

tilezas da linha, forma e cor. Sentimentos e intuições precedem


a percepção crítica, à medida que esses indivíduos permitem
que os símbolos e significados da obra se manifestem. Cada
novo encontro com uma obra de Arte evoca novas compara-
ções, percepções e experiências. Eles aceitam a ideia de que o
valor e identidade da obra estão sujeitos à reinterpretação, e
veem uma possível interpretação passível de mudança. 

Nível 5 – Recriativo

Os indivíduos, depois de terem estabelecido uma longa


história de observação e reflexão sobre obras de arte, estão
agora prontos para suspender a incredulidade. Uma pintu-
ra familiar é como um velho amigo – imediatamente conheci-
da, mas ainda cheia de surpresas, que necessita de atenção
diária e plena. Em todas as amizades significativas, o tempo
é um elemento-chave. Conhecer a ecologia da obra – o seu
tempo, a sua história, as suas questões, as suas viagens e as
suas complexidades – e desenvolver a sua própria história com
a obra, em particular, e com a observação, em geral, per-
mitem a esses indivíduos combinar uma contemplação mais
pessoal com uma que abarca preocupações mais universais. 
Aqui a memória mistura a paisagem da pintura, combinando
as visões pessoais e universais.

Os estágios de leitura de imagem de Feldman estão dispo-


nibilizados na aula virtual do Capítulo 7. Convidamos você a
acessar essa aula e continuar seus estudos.
156   Arte e Educação

Recapitulando

Neste capítulo, vimos que há muitos modos de propor a leitura


de imagem e que a releitura não deve ser a única maneira de
trabalhar com a produção na sala de aula. Reler significa ler
de novo, em outro código, interpretar e recriar a obra.

Também observamos que a partir da década de 70 co-


meçam a surgir estudos sobre o processo de leituras de obras
de Arte que nos auxiliam a trabalhar com imagens na sala de
aula. Nesse sentido, é necessário compreender como a crian-
ça lê essas imagens, o que mais lhe chama a atenção, como
interpreta e julga tais imagens.

Entre os referenciais teóricos destaca-se o estudo de Mi-


chael Parsons, que define os estágios de compreensão esté-
tica, que são aglomerados de ideias e não propriedades de
uma pessoa; cada aglomerado é uma configuração, ou estru-
tura, de pressupostos relacionados entre si. Esses estágios de
desenvolvimento foram definidos a partir da observação das
ideias que as pessoas utilizam na compreensão estética: tema,
estrutura e pela forma ou pela expressão de emoções.

Outros autores como Ott, Housen e Feldman também de-


senvolveram métodos de leitura de imagem que podem orien-
tar o trabalho do professor com leitura de imagens na escola.
Para tanto, o professor precisa se apropriar desses referenciais
para começar a educar o olhar da criança desde a educação
infantil, propondo atividades de leitura de imagem para que
ela possa compreender, além do fascínio das cores, das for-
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    157

mas e dos ritmos, o modo como a gramática visual se estrutura


e começar a pensar criticamente sobre as imagens.

OBS.: lembre-se de acessar a Aula Virtual 7 para realizar


um exercício de leitura da obra O quarto em Arles, de Vincent
van Gogh e, após, compartilhar suas percepções no fórum de
integração.

Referências

AUMONT, Jacques. A Imagem. São Paulo: Papiros, 1995.

BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino


da arte. São Paulo: Cortez, 2002.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo:


Cortez, 1995.

IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte. Porto Ale-


gre: Artmed, 2003.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasi-


liense, 1994.

OTT, R. W. Ensinando crítica nos museus. In: BARBOSA, A.


M. (Org.). Arte-Educação: leitura no subsolo. São Paulo:
Cortez, 1997.

PARSONS, Michael J. Compreender a arte. Lisboa: Presença,


1992.
158   Arte e Educação

PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar no ensino da arte.


In: BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no
ensino da arte. São Paulo: Cortez: 2002.

ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam: leitura da


Arte na escola. Porto Alegre: Mediação, 2003.

WARNCKE, Carsten-Peter. Picasso. Colonia: Benedikt Tas-


chen, 2006.

Atividades

1) Na atualidade, há um entendimento equivocado entre


muitos professores de que ler uma obra de Arte implica na
realização de uma releitura, em que a releitura é enten-
dida como cópia. No que se refere ao termo releitura no
ensino da arte, podemos afirmar que:

I. Releitura é a atividade de ler novamente, é reinterpre-


tar, é criar novos significados.

II. Releitura é o aprimoramento técnico, sem transforma-


ção, sem interpretação, sem criação.

III. Releitura é um procedimento constante nas aulas de


Arte que, quando mal encaminhado, pode transformar
o fazer artístico em mero exercício escolar e que a in-
sistência na releitura acaba por provocar a cópia pela
cópia.

a) Apenas a alternativa I está correta.


Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    159

b) Apenas a alternativa II está correta.

c) Apenas a alternativa III está correta.

d) As alternativas I e III estão corretas.

e) As alternativas I, II e III estão corretas.

2) No estudo sobre a compreensão estética da Arte observou-


-se que pode haver reações muito diferentes a uma mesma
obra de arte. O autor parte da tese fundamental de que as
pessoas reagem de forma diferente aos quadros porque os
entendem de forma diferente. Essas reações foram agru-
padas em estágios de desenvolvimento que são comuns a
todos os indivíduos e que se manifestam ou não de acordo
com as oportunidades às quais as pessoas têm acesso. O
estudo foi realizado por:

a) Robert Ott.

b) Michael Parsons.

c) Abigail Housen.

d) Edmund Feldman.

e) Edith Derdik.

3) As crianças pequenas raramente encontram defeitos nos


quadros, seja qual for seu tema e estilo; aceitando tudo
sem distinção. Nesse estágio há um gosto intuitivo pela
maioria dos quadros, uma forte atração pela cor, e uma
reação ao tema do quadro consistindo em uma série de
associações livres. Segundo Parsons, essas são caracterís-
ticas do:
160   Arte e Educação

Primeiro estágio: preferência.

a) Segundo estágio: beleza e realismo.

b) Terceiro estágio: expressividade.

c) Quarto estágio: estilo e forma.

d) Quinto estágio: autonomia.

4) As crianças, ao analisarem os quadros destacam a criativi-


dade, a originalidade e a força do sentimento em função
da experiência que podem proporcionar, e quanto mais
intensa e interessante for a experiência, melhor será o qua-
dro. Michael Parsons define essas ideias como sendo do:

Primeiro estágio: preferência.

a) Segundo estágio: beleza e realismo.

b) Terceiro estágio: expressividade.

c) Quarto estágio: estilo e forma.

d) Quinto estágio: autonomia.

5) Abigail Housen desenvolveu um estudo em que propôs ní-


veis de desenvolvimento estético em que as habilidades de
leitura crescem cumulativamente à medida que o leitor vai
evoluindo através dos estágios. Sua classificação também
propõe os estágios que são:

a) A descrição, a análise, a interpretação e o julgamento


da obra de arte.
Capítulo 7    Leitura de Imagem e Compreensão Estética    161

b) Estágio I Narrativo; Estágio II Construtivo; Estágio III


Classificativo; Estágio IV Interpretativo; Estágio V Re-
-criativo.

c) Preferência, beleza e realismo, expressividade, estilo e


forma, autonomia.

d) Descrevendo, Analisando, Interpretando, Fundamen-


tando, Revelando.

e) Nenhuma das alternativas está correta.


Renato Garcia dos Santos1

Capítulo 8

Especificidade da
Linguagem Visual:
Elementos Formais
e Compositivos.
Superfícies e Pigmentos 1

Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...

1  Bacharelado em Desenho (UFRGS, 1992) e Mestrado em Poéticas Visuais pela


(UFRGS, 1997). Atualmente é instrutor de artes da Prefeitura Municipal de Porto
Alegre e professor adjunto da Universidade Luterana do Brasil.
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    163

Introdução

Toda criança desenha. Tendo um instrumento que deixe uma


marca: a varinha na areia, a pedra na terra, o caco no cimento,
o carvão nos muros e calçadas, o lápis, o pincel com tinta no
papel, a criança brincando vai deixando sua marca, criando
jogos, contando histórias.

(ALBANO, 2002, p.15)

Neste capítulo apresentaremos algumas linguagens da


arte. Além de alguns aspectos básicos e aspectos formais des-
sas linguagens, procuraremos destacar situações nas quais
elas se misturam entre si ou podem ser pensadas a partir de
outras práticas. O desenho, a pintura, a escultura e a gravura
aparecerão misturados entre si e, também, misturados com
outras manifestações como a dança, a pintura corporal, as
máscaras africanas. Optamos em tratar essas linguagens des-
sa forma para apresentá-las em uma perspectiva mais ampla e
que, também, possam sugerir práticas lúdicas e criativas tanto
para os professores quanto para as crianças.

O desenho e o corpo
A definição de desenho deve ser entendida para além dos
materiais e ferramentas utilizados. Mais do que um encontro
entre lápis e papel, o desenho também se define pela rela-
ção entre um gesto realizado no espaço produzindo uma li-
nha, que pode ser constituída de qualquer material. Qualquer
instrumento serve para a criança contar uma história através
do desenho, que funciona como sua “primeira escrita”. Lá-
164   Arte e Educação

pis, caneta e giz de cera tornam-se uma extensão do corpo


da criança quando ela está vivendo a experiência que é o
ato de desenhar. “A criança desenha pelo prazer do gesto”
(ALBANO, 2002, p.28), registrando o movimento através da
garatuja. Uma criança desenhando com o dedo na areia é um
bom exemplo para entendermos isso. Toda criança desenha,
inclusive antes de aprender a escrever. Esse fato é importante,
pois ele prova que todo adulto já desenhou. Alguns perde-
ram a prática pelos caminhos da vida, e outros a mantiveram
até virarem adultos. Hoje com as novas tecnologias, a criança
também tem no computador outra ferramenta para suas ex-
periências criativas em um outro tipo de postura gestual, de
tal modo que é possível falar em garatuja digital. Podemos
imaginar que a garatuja sobrevive no desenho dos adultos,
também como prazer da descoberta, na etapa do esboço, na
qual o olhomãomentecorpo tateia a forma. O agrupamento
das palavras olho, mão, mente e corpo se justifica pelo tipo
de atitude de integração vivenciada durante a execução de um
desenho. Quando analisamos alguns desenhos produzidos
por artistas de diferentes épocas, como, por exemplo, Leonar-
do da Vinci (1452-1519), artista italiano do Renascimento que
atuou por volta de 1500, Alberto Giacometti (1901-1966),
escultor modernista suíço, ou Masahi Kishimoto (1974), escri-
tor, desenhista de mangás (histórias em quadrinhos japonesas)
e criador do personagem Naruto, percebemos que os três ar-
tistas acima, mesmo que produzindo desenhos em diferentes
épocas, mantêm uma característica em comum. De Leonardo
escolhemos o desenho de um cavalo, o qual possui mais de
quatro pernas e várias cabeças indefinidas, como se o cavalo
estivesse girando a cabeça para todos os lados. De Giacometti
Capítulo 8 Especificidade da Linguagem Visual: Elementos... 165

escolhemos um retrato executado com uma grande sobrepo-


sição de linhas, como um novelo, e de Kishimoto, escolhemos
uma imagem do mangá Naruto na qual o artista apresenta
uma página totalmente esboçada, diferente das demais pági-
nas, que são finalizadas.

Figura 1 Da Vinci – Desenho de cavalo.

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6d/Leonardo_da_
vinci%2C_Rearing_horse.jpg
166 Arte e Educação

Figura 2 Giacometti – Detalhe de Desenho.

Fonte: Yann Caradec-https://flickr.com/photos/la_bretagne_a_


paris/20159619671/in/album-72157656158255680/

Figura 3 Kishimoto.

Fonte: Naruto. Vol. 5, p.162. Barueri. SP: Panini Brasil, 2007.


Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    167

A característica em comum é que os três desenhos são de-


senvolvidos utilizando, inicialmente, um emaranhado de linhas
que aos poucos vai estruturando as formas a serem criadas.
Os artistas vão acumulando linhas sobrepostas que, além de
mapear uma ideia, também registram seu gesto no papel.
Essa etapa inicial de qualquer desenho é utilizada e funciona
para que os artistas realizem seus desenhos, mas também é
necessária para qualquer pessoa que queira desenhar alguma
forma. Enquanto não se tem certeza do que será desenhado,
vai se acumulando linhas sem apagá-las para que uma linha
sustente a outra linha, e sirva de referência para a próxima
que será riscada. Esta etapa importantíssima do desenho é,
em alguns casos, desvalorizada por alguns educadores que a
chamam de rabiscalhada, desenho cabeludo e outras expres-
sões pejorativas, as quais, quando dirigidas ao desenho da
criança, podem inibí-la ou traumatizá-la, pois para a criança,
principalmente nas primeiras experiências gráficas, o desenho
é uma extensão do que ela é. Ele é um registro dos seus dese-
jos, vivências e invenções.

Em entrevista à Fernando Chuí, Edith Derdik fala que o


desenho, no Brasil foi influenciado pelo Neoclassicismo fran-
cês, que nos legou, através das Escolas de Belas Artes, um
aprendizado de desenho baseado na cópia do real, e com isso
a linha é submetida à função de representação. No entanto,
conforme Derdik:

A partir do momento que você percebe que a relação do


seu olhar não é mais cartesiana, não é mais iluminista,
nem neoclássica, mas uma visão multifacetada, cacofô-
nica, transitiva, transitória, rizomática, o desenho deixa
168   Arte e Educação

de ser submisso à ideia de representação, de duplo do


real. (CHUÍ, 2010, p.134)

O desenho, para Derdik, por não precisar de ferramentas


complexas para ser executado, funciona, mais do que outras
linguagens da arte, como o registro do gesto de cada um, no
que ele tem de único e particular, sem grandes interferências.
É como uma partitura que anota os movimentos do corpo atra-
vés da linha, que é o elemento definidor do Desenho. Para
Edith Derdik a linha é

[...] elemento essencial da linguagem gráfica, não se su-


bordina a uma forma que neutraliza suas possibilidades
expressivas. A linha pode ser uniforme, precisa e instru-
mentalizada, mas também pode ser ágil, densa, trepi-
dante, redonda, firme, reta, espessa, fina, permitindo
infindáveis possibilidades expressivas. (DERDIK, 1989,
p.24)

Ainda, para Derdik, dos três elementos (ponto, linha e pla-


no) que geram a forma, a linha é a única que nos conta uma
história ao longo da sua trajetória. Para uma criança, essas
histórias, em um primeiro momento, nos são contadas através
de garatuja.

A garatuja não é simplesmente uma atividade sensório-


-motora, descomprometida e ininteligível. Atrás desta
aparente “inutilidade contida no ato de rabiscar estão
latentes segredos existenciais, confidências emotivas, ne-
cessidades de comunicação. (DERDIK, 1989, p. 52)
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    169

A americana Heather Hansen e o Tony Orrico são dois


artistas contemporâneos que também possuem formação em
dança. Ambos realizam trabalhos artísticos nos quais o movi-
mento, o improviso e o corpo inteiro em ação deixam sobre o
papel, o registro dessa experiência. Os dois artistas “dançam”
sobre papéis estendidos no chão, segurando barras de grafite
ou carvão. Os desenhos de Hansen se estruturam de modo
mais improvisado e intuitivo. Assista a um vídeo com uma per-
formance da artista em http://www.heatherhansen.net/film/.
Já os desenhos de Orrico seguem uma ordenação mais de-
finida decorrente de movimentos repetidos. Assista ao vídeo
Penwald: 7: 4 3/4 turns left | 2011 em http://tonyorrico.com/
penwald-drawings/archive/

Assim como o desenho é realizado a partir do corpo, ele


também pode ser feito no próprio corpo. É o que ocorre com
a Arte corporal de diversos grupos indígenas, cuja expressão
gráfica segue regras antigas que fazem parte da cultura daque-
les povos, através de padrões de desenhos que se modificam
conforme sexo, idade e atividade social. A pintura corporal
indígena bem como sua Arte plumária são, talvez, as manifes-
tações estéticas mais originais do Brasil, já existindo antes da
invasão portuguesa. Escolhemos destacar os desenhos de dois
grupos.

Os Kadiwéus habitam a fronteira do estado do Mato Gros-


so do Sul com o Paraguai, e possuem um padrão gráfico for-
mado por pontos alinhados e linhas curvas, que formam dese-
nhos com muitas variações geométricas e cheios de detalhes.
Os padrões filigranados, com curvas e arabescos em simetria,
lembram em alguns momentos a pintura oriental, e se diferen-
170   Arte e Educação

ciam de grande parte da Arte corporal de outros grupos indí-


genas brasileiros, nas quais predomina uma geometrização,
não raro decorrente de elementos observados na natureza.

Figura 4  Padrões decorativos Kadiwéus para pintura facial.

Fonte: Vidal, 2000, p.273

Já a pintura dos Kayapós Xikrin é feita pelas mulheres adul-


tas, mas desde pequenas as meninas a praticam. Os Kayapós
habitam a Amazônia entre o Mato Grosso e o Pará. Para Lux
Vidal, a pintura corporal dos Kayapós funciona como uma “se-
gunda pele, constituída de padrões estandartizados” (VIDAL,
2000, p.143). Ainda, referindo-se aos Kayapós, ela afirma
que sua pintura:

Possui as características de um sistema de comunicação


visual rigidamente estruturado, capaz de simbolizar even-
tos processos, categorias e status, e dotado de estreita re-
lação com outros meios de comunicação, verbais e não
verbais. (VIDAL, 2000, p.144)

A tinta é feita a partir da fruta de jenipapo misturado com


água e carvão. A aplicação é feita com estiletes feitos com
nervura de folha de babaçu, e com os dedos da mão.  Ainda,
conforme Vidal, os motivos dos desenhos “são sempre geo-
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    171

métricos com linhas retas”. É uma atividade exclusivamente


feminina, e, por ser contínua, as mulheres sempre apresentam
uma mão preta (que serve de paleta) e uma mão branca (que
segura).

Figura 5  Pintura corporal Kayapós Xikrin.

Fonte: Vidal, 2000, p.154.

Ao escrever sobre Arte corporal, os autores ora se referem


a ela como “pintura” ou “desenhos” e “grafismos”. De uma
maneira geral, desenho pode ser entendido como uma mani-
festação artística na qual predomina o uso da linha, indepen-
dentemente do material que constitui essa linha. Já Pintura está
mais associada ao uso da mancha ou área de cor.

Linha e cor
Na história da arte, a cor teve uma atenção privilegiada dentro
do Impressionismo, cujo nome do movimento deve-se a pin-
172   Arte e Educação

tura “Impressão, nascer do sol”, pintada em 1872 pelo artista


francês Oscar Claude Monet (1840-1926). No impressionis-
mo, a cor perdeu sua função mimética, presa à representação
do real, e vários artistas a experimentaram das mais diversas
maneiras. A cor ganha autonomia e sua pesquisa é uma das
marcas do início da Arte moderna. Um pouco mais adiante,
mas ainda dentro da Arte moderna, um artista que trabalhou
as noções de linha e cor, misturando desenho e pintura, de
modo simultâneo e articulado, foi o artista francês Henri Ma-
tisse (1869-1954), quando desenvolveu a série “Jazz”, através
de trabalhos artísticos feitos com papéis pintados e recortados.

Matisse era profundamente interessado pela cor, e ao lon-


go de sua vida dedicou-se a pesquisá-la em suas criações. Já
no final da vida, afetado por uma doença que lhe dificultava a
prática de pintura, Matisse descobriu no recorte um novo meio
de expressão. Com uma tesoura ele desenhou linhas e formas
em papeis coloridos com guache, realizando um desenho na
própria cor. Matisse atingiu uma síntese entre o desenho e a
pintura, entre a linha e a cor, assunto que foi objeto de interes-
se durante toda sua vida. Conforme Matisse:

O papel recortado permite desenhar diretamente na cor.


Trata-se para mim de uma simplificação. Em vez de dese-
nhar o contorno e colocar aí a cor, desenho diretamente
na cor [...]. (NÉRET, 1998, p.10)

Na fala do próprio Matisse, fica clara a relação entre linha


e cor. Este trecho também serve para destacar um equívoco
comum quando algumas pessoas usam a expressão “pintar”
no lugar de colorir, ao se referirem ao ato de preencher um es-
paço limitado por linhas, com cor produzida com lápis de cor.
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    173

Figura 6  Henri Matisse – Tristeza do rei, 1952. Guaches recortados.

Fonte: NÉRET, 1998, p.14

Passando do plano para o espaço tridimensional


Os recortes produzidos por Matisse diferem da colagem cubis-
ta. O Cubismo foi um Movimento artístico ocorrido em Paris
que teve seu início em 1907, com a pintura Les Demoiselles
d’Avignon, do artista espanhol Pablo Picasso (1881-1973).
Nas telas de Picasso e de Georges Braque, outro artista cubis-
ta, cubos, volumes e planos geométricos entrecortados recons-
troem formas que se apresentam, simultaneamente, em vários
ângulos nas telas. Inicialmente, o cubismo foi um movimento
artístico surgido na pintura, mas também foram produzidos tra-
balhos tridimensionais que modificaram o entendimento que
se tinha de escultura até aquele momento. O Cubismo divide-
-se em duas fases. Até 1912, no chamado cubismo analítico, e
entre 1912 e 1913, no cubismo sintético, no qual recortes de
174   Arte e Educação

jornais, pedaços madeira, cartas de baralho, caracteres tipo-


gráficos, entre outros – são agregados à superfície das telas,
dando origem às colagens dentro do universo da pintura. O
procedimento de combinar pedaços de imagens diferentes já
existia, mas no Cubismo a introdução de materiais variados na
superfície da tela é considerada a “mais importante invenção
da Arte moderna” (TASSINARI, 2001, p.38), e trouxe para a
Arte todo um universo de possibilidades.

Vejamos a obra Guitarra (1912-13) do artista Picasso.


Esta obra se afasta dos limites bidimensionais da pintura e,
ao mesmo tempo, contradiz a tradição da escultura até então
praticada, a qual se dedicava a representar, principalmente, o
corpo humano através de materiais duros e maciços (pedra,
madeira) os quais eram modelados.

Figura 7  Pablo Picasso. Guitarra 1912-13. Folha de metal e arame.

Fonte: Tassinari, 2001, p.45


Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    175

A Guitarra de Picasso não é nem pintura nem escultura,


mas um pouco de cada. Nessa e em outras obras similares
realizadas pelo artista foram utilizados materiais simples e rea-
proveitados como lâminas de metal ou lâminas de papelão em
um objeto que, em alguns livros, é chamado de “construção”
ou assemblage.

O cubismo, além de introduzir materiais simples na cons-


trução da obra de arte, também serviu para chamar a aten-
ção para a Arte africana, principalmente as máscaras, as quais
apresentavam um uso da geometria e uma livre combinação
de diferentes materiais, diferente da Arte europeia, e que teve
grande influência nas primeiras criações cubistas de Picasso.

Figura 8  Máscara, povo Isoko, Nigéria. Madeira, fibras vegetais,


conchas, pigmentos, metal.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:IsokoMask.jpg
176   Arte e Educação

No Brasil, o Cubismo será uma forte influência entre os


primeiros artistas modernistas reunidos em 1922.

Já para outros artistas brasileiros contemporâneos, como


Rubem Valentim (1922-1991) e Emanoel Araújo, o sincretis-
mo religioso influenciado pela cultura afro serve de referência
para os seus trabalhos. Emanoel realizou várias obras tridi-
mensionais nas quais predominava o uso da geometria e de
cores puras. Nesses relevos, realizados nos anos 80, ele co-
lava pedaços de madeira pintados, criando formas tridimen-
sionais que também tinham relação com uma geometria que,
assim como no início do Cubismo, não eram resultado de uma
geometria matemática.

O artista americano Alexander Calder (1898- 1976) rea-


lizou uma mistura de desenho e escultura. Com materiais va-
riados, construiu, entre 1926 e 1930, um circo em miniatura,
que era acionado manualmente pelo próprio artista. Interessa-
do pelo movimento, alguns de seus primeiros trabalhos eram
acionados manualmente pelo observador. Também chegou a
usar pequenos motores, mas depois adotou formas suspen-
sas em equilíbrio, de modo que elas se movimentavam com o
vento. A elas se deu o nome de Móbiles, e eram construídos
com objetos comuns como latas, pedaços de vidro colorido,
arame, madeira.
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    177

Figura 9  Calder. Domador de leões (do Circo Calder) 1926-30. Arame,


madeira, metal, tecido.

Fonte: Baal-Teshuva, 2004, p. 19.


178   Arte e Educação

Figura 10  Calder. Móbile 1952-53. Metal pintado.

Fonte: Baal-Teshuva, 2004, p. 46.

O que é Monotipia?
Já falamos um pouco de desenho, de pintura e de escultura
procurando misturar, um pouco, todas essas manifestações.
Ainda não falamos de gravura. O termo gravura designa dife-
rentes processos em que, a partir de uma imagem desenhada
(gravada) em uma superfície (matriz), são retiradas uma ou
mais cópias (impressões), as quais normalmente são invertidas
em relação à imagem que existe na matriz. A reprodução é o
que caracteriza a gravura. Assim quando se imprimem várias
imagens a partir de uma mesma matriz, tem-se uma tiragem.
Existem diferentes tipos de gravura, definidas a partir do tipo
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    179

de material utilizado na confecção da matriz. Assim xilogra-


vura é feita a partir de uma matriz de madeira na qual
a imagem é cavada. A litogravura é feita a partir de uma
matriz de pedra calcária na qual a imagem é desenhada,
sem haver incisão ou relevo. A gravura em metal utiliza
uma chapa de metal e nela a imagem é sulcada de diversas
maneiras.

A seguir falaremos da monotipia (mono – única, tipia – im-


pressão). É uma técnica de impressão que se coloca na fron-
teira entre diferentes linguagens, misturando desenho, pintura
e gravura, na qual se obtém uma cópia única e irrepetível. Da
gravura ela guarda a possibilidade da impressão e a imagem
espelhada. Um procedimento simples de monotipia pode ser
feito passando-se, com um rolinho de pintura, tinta guache
sobre uma mesa ou superfície lisa. Em seguida, a tinta é aberta
ou modificada pela criança através de um desenho realizado
com o dedo, por exemplo.
180   Arte e Educação

Figura 11  Oficina de monotipia com tinta guache.

Fonte: Santos, 2016

O artista brasileiro Carlos Vergara realiza monotipias utili-


zando recortes de papelão sobre os quais deposita areias co-
loridas. Após ele passa cola sobre um tecido e o coloca sobre
os recortes de papelão com a areia. A areia colorida adere no
tecido resultando em uma imagem única.

Vergara também realizou várias monotipias em diferentes


regiões do Brasil. Nesses trabalhos, ele utilizava terras do lu-
gar e criava obras que possuíam relação com alguma carac-
terística típica daquela região. Ele desenvolveu trabalhos no
pantanal, em Ouro Preto e nas missões, no Rio Grande do Sul.
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    181

Recapitulando

Neste capítulo, estudamos que o desenho pode ser bem mais


do que uma relação entre o lápis e o papel. O desenho é ges-
to. Cada pessoa tem um gesto único e intransferível e isso apa-
rece tanto nas garatujas quanto na etapa inicial do esboço. A
linha é o elemento que caracteriza o desenho e ela pode ser
constituída de qualquer material: grafite, carvão, arame, lã...

Ao entrarmos em contato com as produções artísticas de


grupos indígenas, percebemos uma riqueza simbólica e es-
tética que merece ser estudada na escola, como indica a Lei
11.645/2008, que estabelece as diretrizes e bases da educa-
ção nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática História e cultura afro-brasileira
e indígena.

Em Matisse, encontramos uma síntese entre linha e cor,


através de recortes de papéis coloridos. Ele criou uma combi-
nação entre desenho e pintura, atingindo uma síntese poética
do assunto que pesquisou durante toda sua vida.

Vimos também que a colagem cubista, derivada da pintu-


ra, deu origem a um novo tipo de escultura, na qual materiais
cotidianos como madeiras, tecidos, papéis podiam ser utili-
zados. Parte das soluções adotadas pelos cubistas deve-se à
influência da Arte africana no que se refere à geometrização,
mas também ao uso de materiais diversificados.

Por fim, falamos sobre gravura e monotipia, encerrando


este capítulo. Pensamos, com esta abordagem, propiciar al-
gumas sugestões de exercícios criativos e lúdicos, nos quais
182   Arte e Educação

importa menos a definição ou se o que está ocorrendo é um


desenho ou uma pintura, mas sim estimular a invenção, a pes-
quisa, o uso de diferentes materiais e a curiosidade em conhe-
cer manifestações artísticas de outros grupos culturais.

Referências

ALBANO, Ana Angélica. O espaço do desenho: a educação


do educador. 16. ed. São Paulo: Loyola. 2002.

BAAL- TESHUVA, Jacob. Calder. Colônia: Benedikt Taschen,


2004.

CUBISMO. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e


Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017.
Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
termo3781/cubismo>. Acesso: 02 de out. 2017. Verbete
da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

CARLOS Vergara. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte


e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017.
Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
pessoa9534/carlos-vergara>. Acesso: 03 de out. 2017.
Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

CHUÍ, Fernando. Uma história íntima do desenho: sobre


experiências de deformação do desenho & dos desenhis-
tas. 2010. 201 f. Dissertação (mestrado) – Universidade
Estadual Paulista, Instituto de Artes de São Paulo, 2010.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/86911>.
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    183

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. São Paulo:


Scipione,1989.

NÉRET. Gilles. HENRI Matisse: Recortes. Colônia: Benedikt


Taschen, 1998.

RICHTER, Sandra. Criança e pintura: ação e paixão do co-


nhecer/ Sandra Richter. Porto Alegre: Mediação, 2004.

TASSINARI, Alberto. O espaço moderno. São Paulo: Cosac


& Naify, 2001.

VIDAL, Lux (Org.). Grafismo indígena: estudos de antropolo-


gia estética. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: USP,
2000.

Atividades

1) Neste capítulo, após a introdução, os conteúdos são apre-


sentados em sequência. Assinale a alternativa que indica a
sequência apresentada.

a) Monotipia. O desenho e o corpo. Linha e cor. Do pla-


no ao tridimensional.

b) Do plano ao tridimensional. O desenho e o corpo.


Linha e cor. Monotipia.

c) Linha e cor. O desenho e o corpo. Do plano ao tridi-


mensional. Monotipia.
184   Arte e Educação

d) O desenho e o corpo. Linha e cor. Do plano ao tridi-


mensional. Monotipia.

e) Linha e cor. Do plano ao tridimensional. Monotipia. O


desenho e o corpo.

2) A sequência dos conteúdos do capítulo apresenta algumas


reflexões. Assinale a alternativa que indica qual reflexão
não aparece no capítulo.

a) Cada pessoa tem um gesto único e intransferível.

b) Em Matisse encontramos uma síntese entre linha e cor.

c) A colagem cubista, derivada da pintura, deu origem a


um novo tipo de escultura.

d) Parte das soluções adotadas pelos cubistas deve-se à


influência da Arte africana no que se refere à geome-
trização, mas também no uso de materiais diversifica-
dos.

e) A gravura oriental influenciou o Impressionismo.

3) Qualquer instrumento serve para a criança contar uma


história através do desenho, que funciona como sua “pri-
meira escrita”. Toda criança desenha, inclusive antes de
aprender a escrever. Esse fato é importante, pois ele prova
que todo adulto já desenhou. Alguns perderam a prática
pelos caminhos da vida, e outros a mantiveram até virarem
adultos. É interessante notar que a perda dessa prática
ocorre, às vezes, nos primeiros anos escolares, quando a
criança é demandada e aprender noções de outras lin-
guagens, e com isso algumas escolas acabam reduzindo o
Capítulo 8    Especificidade da Linguagem Visual: Elementos...    185

tempo para uma experimentação lúdica com a imagem. É


também quando a criança começa a ser obrigada a pintar
folhas de papel com imagens xerocadas ou copiar ima-
gens estereotipadas.

Com base na leitura acima, assinale a alternativa correta:

a) pintar folhas xerocadas é um excelente exercício.

b) o uso de imagens estereotipadas é uma metodologia


que auxilia no desenvolvimento da capacidade gráfica
infantil.

c) o adulto só começa a desenhar após os primeiros anos


na escola.

d) a escola deve promover um ensino amplo, que envol-


va diferentes linguagens e contemple diferentes inteli-
gências.

e) o desenho é um dom, e só quem o tem consegue de-


senhar.

4) A Lei 11.645/2008:

a) determina o regulamento do uso dos estereótipos em


sala de aula.

b) indica a obrigatoriedade do ensino da temática his-


tória e cultura afro-brasileira e indígena no currículo
oficial da rede.

c) define os conteúdos de artes, dança e artes cênicas


para o curso de Pedagogia.
186   Arte e Educação

d) altera a carga horária dos cursos de formação de pro-


fessores.

e) institui a obrigatoriedade das atividades de extensão.

5) Na história da arte, a cor teve uma atenção privilegiada


dentro do Impressionismo. No impressionismo, a cor per-
deu sua função mimética, presa à representação do real,
e vários artistas a experimentaram das mais diversas ma-
neiras. A cor ganha autonomia e sua pesquisa é uma das
marcas do início da Arte moderna, aparecendo de modo
destacado nas pinturas de alguns artistas. Assinale qual a
alternativa apresenta dois artistas: um é o artista cuja pin-
tura influenciou o surgimento do Fauvismo e o outro é o
criador dos recortes da série Jazz:

a) Vincent Van Gogh e Edward Munch.

b) Paul Cezane e Pablo Picasso.

c) Paul Gauguin e Henri Matisse.

d) Claude Monet e Piet Mondrian.

e) Manet e Degas.
Rejane Reckziegel Ledur1

Capítulo 9

Projeto de Ensino das


Artes Visuais

1 Doutora em Educação (UFRGS, 2013), Mestre em Educação (UFRGS, 2005)


e Licenciada em Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas (UFRGS, 1992).
Professora do Curso de Artes Visuais e Pedagogia EAD da ULBRA Canoas/RS e da
Rede Municipal de Canoas. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação e Arte –
GEARTE/UFRGS.
188   Arte e Educação

Quando falamos de projetos, o fazemos pelo fato de ima-


ginarmos que possam ser um meio de ajudar-nos a repen-
sar e refazer a escola. Entre outros motivos, porque, por
meio deles, estamos reorganizando a gestão do espaço,
do tempo, da relação entre os docentes e os alunos, e,
sobretudo, porque nos permite redefinir o discurso sobre
o saber escolar (aquilo que regula o que se vai ensinar e
como devemos fazê-lo).

Fernando Hernández

Um Projeto na Escola não pode ser comparado a um sim-


ples planejamento de atividades que deverão ser cumpri-
das, mas a certas intenções e possibilidades, em cons-
tante avaliação e replanejamento, aproveitando acasos,
caminhando opostamente por outros caminhos em tenta-
tivas investigadoras e ousadas, sem nunca perder de vista
os focos centrais que fizeram nascer o projeto.

Miriam Celeste Martins

Introdução

Neste capítulo, vamos apresentar alguns tópicos que possam


ajudar na organização e no planejamento metodológico das
práticas de ensino. A metodologia do ensino e aprendizagem
de Arte refere-se aos encaminhamentos pedagógicos coloca-
dos em prática, que são de autoria e criação do professor.
Inclui as escolhas pessoais e profissionais do professor quanto
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    189

aos conteúdos de Arte que são contextualizados para que o


aluno possa fazer, apreciar, conhecer e refletir sobre a arte.

Para fundamentar a reflexão em torno dos projetos de en-


sino em arte, vamos nos apoiar nas proposições de Fernando
Hernández e Mirian Celeste Martins, autores que têm discuti-
do essa temática nos seus livros. É importante que o profes-
sor tenha conhecimento desses referenciais para que possam
auxiliá-lo e acompanhá-lo no momento de planejar e executar
a sua prática docente.

Independentemente do nome que receba, os projetos de-


vem abranger:

ÂÂUma outra atitude pedagógica que valoriza a constru-


ção do conhecimento.

ÂÂUma intenção que precisa ser continuamente avaliada e


replanejada. Pode ser transformada durante a sua con-
cretização, na medida em que novas ações precisem ser
inseridas a fim de que os objetivos e os conteúdos pos-
sam ser alcançados.

Na palavra projeto está contida uma intencionalidade,


que ainda é um vir-a-ser. algo que, como a arte, citando
[...] Pareyson (1989: 32), é ‘um tal fazer, que enquanto
faz, inventa o por fazer e como fazer’.

Miriam Celeste Martins


190   Arte e Educação

1P
 rojetos de Trabalho de Fernando
Hernández2

Fernando Hernández sistematizou a ideia de Projetos de Tra-


balho não como um modismo educacional, mas como uma
forma de organizar os conhecimentos escolares.

Os Projetos de Trabalho estão conectados com um fenô-


meno mais geral que tem a ver com o papel da escolarização
na sociedade da informação e da comunicação, e com a ne-
cessidade de oferecer alternativas para que os alunos possam
aprender a se orientar e a encontrar referências e pontos de
ancoragem para avaliar, selecionar e interpretar as informa-
ções que recebem diariamente.

O que o autor persegue “é o ensino do estabelecimento


de conexões entre as produções culturais e a compreensão
que cada pessoa, os diferentes grupos (culturais, sociais, etc.)
elaboraram” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 49). O núcleo desse en-
foque são as diferentes manifestações da cultura visual, não só
das obras canônicas, mas do universo simbólico que compre-
ende os objetos do passado e do presente, vinculados à pró-
pria cultura e com a de outros povos. Esse universo abrange
as obras que estão nos museus, os cartazes publicitários, os
anúncios, na internet e os trabalhos que são produzidos pelos
docentes e pelos alunos, ampliando os saberes escolares.

2  Doutor em Psicologia e professor de História da Educação Artística e Psicologia


da Arte na Universidade de Barcelona. Há mais de 20 anos se dedica a lutar pela
inserção dos projetos didáticos na escola. Escreveu Transgressão e Mudança na
Educação; Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho (Artmed).
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    191

1.1 O que é um Projeto de Trabalho


– Projeto: sentido que o arquiteto dá a uma ideia que
não tem fim, que vai se organizando, uma ideia de
transformação.

– Trabalho: noção de que você está envolvido e implica


esforço.

– Objetivo: resgatar o desejo de aprender. Não negar


aos alunos a possibilidade de aprender.

Projeto de Trabalho não é uma metodologia, nem uma se-


quência de passos. É uma maneira diferente de organizar a
escola.

1.2 Nem tudo o que parece é um projeto...


– Um caminho descrito por um tema.

– Uma apresentação do que sabe o professor.

– Um caminho expositivo, sem problemas e sem um fio


condutor.

– Uma apresentação linear de um tema, sequência está-


vel e única de passos.

– Uma atividade em que o docente dá as respostas so-


bre o que já sabe.

– Pensar que os alunos devam aprender o que queremos


ensinar-lhes.

– Uma apresentação de matérias escolares.


192   Arte e Educação

– Transformar em matéria de estudo aquilo de que nos-


sos alunos gostam e que lhes apeteça.

1.3 P
 rimeira caracterização de um projeto de
trabalho
– Inicia-se um processo de pesquisa;

– Buscam-se e selecionam-se fontes de informação;

– São estabelecidos critérios de organização e interpre-


tação das fontes;

– São estabelecidas relações com outros problemas;

– Representa-se o processo de elaboração do conheci-


mento vivido;

– Recapitula-se (avalia-se) o que se aprendeu;

– Conecta-se com um novo tema ou problema.

1.4 Um Projeto de Trabalho...


– Começa através de uma pergunta difícil;

– Não há uma única resposta;

– Há a necessidade de pesquisa;

– Ter um eixo norteador (aonde se quer chegar);

– Transgredir;
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    193

– As salas de aula devem representar um espaço vivo de


contínua transformação, onde a pesquisa fica aparen-
te.

– Espaço para livros, trabalhos, recortes...;

– Aprendemos melhor se há uma necessidade de pes-


quisa;

– Para pesquisar deve haver um problema.

1.5 C
 oncepção de Fernando Hernández para
Projeto de Trabalho
Significam um enfoque do ensino que tenta ressituar a concep-
ção e as práticas educativas na escola, e não simplesmente
readaptar uma proposta do passado, atualizando-a.

Um meio de ajudar-nos a repensar e refazer a escola, re-


organizando a gestão do espaço, do tempo, da relação entre
os docentes e os alunos, redefinindo o discurso sobre o saber
escolar.

Uma forma de propor como ensinar a interpretar as infor-


mações e relacioná-las criticamente com outras fontes.

Objetivos
Formar indivíduos com uma visão mais global da realidade,
vincular a aprendizagem a situações e problemas reais, tra-
balhar a partir da pluralidade e da diversidade, preparar para
que aprendam durante toda a vida, etc.
194   Arte e Educação

Como isso se dá na prática?


Vamos ver um exemplo...

Fernando Hernández, no livro Cultura Visual, Mudança


Educativa e Projeto de Trabalho (2000), nos apresenta três pro-
jetos. Vamos, aqui, acompanhar um deles, que foi realizado
em uma turma de primeira série do Ensino Fundamental, na
Espanha. O nome desse projeto é:

O QUE SE PODE APRENDER DE UM QUADRO?

Com a intenção de continuar explorando com os dois gru-


pos dessa série outras formas de aproximação às obras de
Arte para aprender a compreendê-las, em uma trajetória que
vai desde a descrição (o que se vê) à interpretação (as ideias,
os significados), mostrou-se aos alunos duas reproduções de
obras que não tinham visto no ano anterior: O Angelus arqui-
tetônico de Millet, de Dali (1933), e Haupt-UndNebenweg, de
Paul Klee (1920).
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    195

Figura 1  Dali.

Fonte: Neret, 2011, p. 46.

Diante delas, perguntamos:

- O que foi pintado pelo pintor?

- De que falam essas obras?

- O que podemos estudar e aprender de um quadro?

Essa última era a questão nova, a que refletia a intenção


educativa que guiaria o novo percurso que se tratava de ex-
plorar no projeto. Tratávamos de fazer com que começassem
a compreender que podemos aprender de uma obra de Arte
“coisas” que não vemos. Para isso, necessitamos saber sobre
as ideias, as intenções e as fontes de inspiração do pintor, o
196   Arte e Educação

que os outros artistas estavam fazendo nesse momento, o que


os outros disseram sobre essa obra.

Cada criança respondeu por escrito às três perguntas, e,


depois, as respostas foram comentadas em grupo. No por-
tfólio do projeto, encontramos o texto em que se reflete essa
conversa:

O que vemos neste quadro de Dalí?

– Vemos umas formas diferentes e algumas montanhas.


– Uma pomba.
– Um homem de casaco e algumas árvores.
– Uma estátua.
– Figurativo.
– Algumas nuvens e umas rochas.
– Uma cascata e algumas nuvens.
– Quase abstrato.
– Uma estátua.
– Um bosque com duas estátuas, um menino e um “salão”.
– Uma estátua e um bosque.
– É como se fosse uma escultura abstrata.
– Acho que tem um homem que está pintando um quadro.
– Ele pinta uma cadeira com uma menina de estátua.
– Seu sonho.

Diante dessas respostas que, por um lado, demonstram


que as crianças continuam prestando atenção ao que “veem”,
começa a demonstrar-se um interesse, uma intenção educativa
nas professoras: a importância de que aprendem a ver o
tema das obras.
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    197

Isso significaria, por exemplo, começar a compreender a


diferença e a relação entre o título e o tema de um quadro, de
uma escultura, etc.

Para aprender de uma obra, é necessário observá-la de


fora, a partir daquilo que se possa “saber” sobre o quadro.
Saber o que disseram outras pessoas que se manifestaram so-
bre a obra. Relacioná-la com outras obras, textos e opiniões.

A primeira decisão tomada foi de centrarmo-nos em uma


só reprodução. Escolhermos a de Dalí. Mas, sobretudo, por-
que se quiséssemos ensinar os alunos a interpretar, no sentido
de ir além do que se vê, seria necessário recorrer a outros
textos (inclusive do próprio Dalí) que falassem sobre a obra.

Pesquisa:

A partir das respostas, demo-nos conta de que nos falta


informação, documentação, vocabulário e instrumentos para
poder interpretar. Decidimos centrar nossa pesquisa no quadro
do Angelus porque sobre ele podemos encontrar um maior
número de interpretações e estudos feitos por Dali e por outros
autores.

Inicia-se o processo de pesquisa, e a primeira coisa em que


pensamos foi analisar o significado do título que Dali deu ao
quadro. A busca iniciou-se com uma conversa:
198   Arte e Educação

Arquitetônico. Um menino disse que quer ser arquiteto,


além disso, “essa estátua foi feita por um arquiteto”, disse
outro.

Millet. Uma menina comenta: – Deve ser o sobrenome de


um senhor. Isto Dali copiou o quadro de um arquiteto que
se chamava Millet.

P.: – Tem certeza de que ele copiou?

– Sim, porque a estátua foi feita por um arquiteto.

P: – Você acha que as estátuas são feitas por arquitetos?

– Sim.

P: – O que mais fazem os arquitetos?

– Projetos de casas, de praças, de edifícios.

P: – Todos acham que as estátuas são feitas pelos arquite-


tos?

– Não, são feitas pelos escultores.

Primeiro exploramos o significado do título: para isso, utili-


zamos o dicionário para procurar o que quer dizer Angelus. O
dicionário diz que é uma prece.

Então, cada criança escreve o significado de Angelus e faz


um desenho sobre esse termo. (Hoje nos damos conta que
seria interessante, naquele momento, mostrar-lhes diferentes
representações, na história da pintura, desse tema religioso e
símbolo cultural, e perguntar-lhes por que esse tema aparece
em tantas obras.)
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    199

O caminho a que leva essa exploração reflete-se na mani-


festação de Berta, que escreve:

“Angelus: quer dizer rezar pelo anjo que anunciou que ia


nascer o filho da Mãe de Deus”.

Também pesquisamos quem era Millet, e, sobre o que foi


lido em uma enciclopédia, escreveram:

“Millet, Jean François. Nasceu em 1814 e morreu em


1875. Era francês. Os temas de suas pinturas eram pessoas
e paisagens e o campo, porque viveu em uma aldeia.”

Vimos também que Millet pintou um quadro que se cha-


mava O Angelus. Então perguntávamos se esse quadro tinha
alguma coisa a ver com o Dali.

Figura 2  O Angelus, de Millet.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Angelus_(pintura)
200   Arte e Educação

O que se explorava era a maneira de os alunos estabe-


lecerem relações entre o conteúdo de uma obra artística e
diferentes evidências que ajudassem a explorar os significados
da obra em questão. Nesse momento, as relações foram esta-
belecidas entre duas obras que tinham em comum a referência
ao Angelus. A resposta dada apontou para outro lugar, para o
autor de uma das obras: Millet. Recolhemos, em uma enciclo-
pédia de História da Arte, o seguinte texto:

O Angelus (Museu do Louvre, Paris).

Possivelmente essa composição seja o testemunho mais


exato do espírito religioso que impregna a produção de Mil-
let, na qual o artista reflete seu amor para com a gente sim-
ples do campo. Os personagens, estáticos e monumentais,
são recortados com grande vigor plástico sobre um sombrio
fundo de paisagem, que, por sua desnudez, acentua a so-
lidão das figuras. A iluminação crepuscular confere melan-
colia à cena, que se vê dominada por uma certa unção mís-
tica advinda da interpretação bíblica do tema, valorizando
a realidade como uma permanência imutável que acha sua
melhor expressão na evocação da alma campesina.

Depois de ler a informação sobre o pintor em uma enciclo-


pédia, voltamos a olhar a reprodução e falamos sobre o tema,
os personagens, etc. e, em conjunto, fomos construindo um
registro que nos permitisse organizar o que estávamos apren-
dendo sobre o quadro.
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    201

Tema: o campo e a religião.

Personagens: uma mulher rezando e um homem.

Objetos: um carrinho, um cesto, uma bolsa, uma forquilha


e sacos.

Lugar: o campo, ao fundo se vê um povoado pequeno e


uma igreja.

Cores: quentes e apagadas.

Épocas do ano: é outono. Vê-se a cor amarela e seca. As


pessoas não estão muito agasalhadas. É de manhã quando
o sol sai.

Estilo: figurativo e realista.

Material: pintura a óleo.

Época: há mais de cem anos.

Daqui surge uma nova noção que será chave neste projeto.
A noção de tema, que em princípio identificavam só com o tí-
tulo do quadro. Essa noção será a chave para o início de uma
aproximação à interpretação.

Não é preciso ocultar que o texto é de difícil compreensão


para um grupo de meninas e meninos de sete anos. Depois
de lê-lo em voz alta, perguntamos às crianças o que lhes cha-
mava a atenção. Destacaram algumas palavras. Mas o impor-
tante foi a zona de desenvolvimento em que se situaram. Não
conseguiram entender tudo, mas se posicionaram no caminho
202   Arte e Educação

da ideia de que havia outras palavras e significados que pode-


riam vir a aprender.

Interpretação:

Já sabíamos quem era Millet e tínhamos lido uma interpre-


tação do quadro em que Dalí havia se inspirado. Ampliamos
as possibilidades de aprendizagem e lhes perguntamos, diante
da reprodução do quadro de Millet: por que acham que es-
tão rezando e estão tristes?

Berta recolhe em seu portfólio a seguinte resposta:

Porque alguém de sua família morreu, ou porque algum


dos dois está doente, ou porque são muitos pobres.

Essa frase tem o valor de ser uma hipótese que agora pode
ser contrastada com outras versões sobre o significado do
quadro de Millet. Então, fomos a outros textos que falam so-
bre o quadro de Dalí: um do próprio autor, e outros de dois
historiadores.

Depois de uma rápida leitura desses textos, centramo-nos


no que havíamos extraído do livro El mito del Angelus de Millet
(O mito do Angelus de Millet), de Salvador Dalí. Foram feitas
cópias de uma série de parágrafos. No portfólio final, aparece
um trecho sublinhado:
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    203

Esse grande tema místico da morte do filho, sentimento


essencial que se desprendia do meu “Mito trágico do An-
gelus de Millet”, me foi confirmado, uma vez determinada
minha tese, sem que pudesse verificá-lo pessoalmente nos
últimos tempos. Informaram-me de que, com efeito, Millet
havia pintado, entre os dois campesinos piedosamente re-
colhidos, um ataúde que continha seu filho morto, à direita,
próximo aos pés da mãe.

Voltamos ao livro de Dalí e, em um novo texto buscamos as


fontes de inspiração que podiam ser as preocupações do pin-
tor que o levaram a “conectar-se” com a obra de Millet. Agora
lhes fica clara esta noção de “inspiração”. Esse texto, além de
ter sido sublinhado pelos alunos, foi bem entendido por eles.

No final, Berta escreveu:

“Tudo fazia ele lembrar do quadro de Millet. As pedras da


praia, a paisagem das rochas do cabo de Créus e o sonho
do museu.”

Chegando a esse ponto, cada aluno escreveu sobre as se-


melhanças e as diferenças entre dois quadros. Recolhemos do
portfólio de Berta o que se segue:
204 Arte e Educação

Figura 3 Semelhanças e diferenças (LEDUR, 2016).

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Angelus_(pintura) e NERET, 2011, p. 46

Avaliação:

Para que tomassem consciência do que haviam aprendido,


foi-lhes pedido que comparassem o que haviam dito de princí-
pio e no final sobre o quadro de Dalí.

Também lhes foi sugerido que, com o material que qui-


sessem, realizassem sua versão do Angelus de Millet. Depois
deveriam explicar em que se haviam inspirado.

Berta, que nos serve de guia para esta narrativa, inspirou-


-se em Sean Scully, um artista da nova abstração, em uma ex-
posição que haviam visitado durante a realização do projeto.
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    205

Ao final, fizemos uma conversa coletiva que foi aberta com


a seguinte pergunta:

O que podemos aprender e estudar quando observamos


um quadro?

Estas foram algumas das respostas:


206   Arte e Educação

ÂÂPodemos aprender o ano, em que ano foi pintado e


quando viveu o pintor. (Charles)

ÂÂSe faz muito ou pouco tempo que foi pintado. (Ge-


rard)

ÂÂOs símbolos que utiliza. (Joaquim)

ÂÂAs técnicas utilizadas para pintar. (Armand)

ÂÂSe se inspirou em um quadro. (Eloy)

ÂÂOlhar as diferenças que existem entre o quadro que


pinta e a época em que vive o autor. (Gemma)

ÂÂOlhando os rostos também podemos saber como


são os personagens. (Laura)

ÂÂConforme a luz, podemos saber que momento do


dia é. (Berta)

ÂÂPodemos aprender as fontes de inspiração. (Lídia)

ÂÂOnde e em que época viveu. (Júlia)

ÂÂOs pintores nem sempre pintam no mesmo estilo,


mudam. (Sérgio)
A essa altura, é importante comparar o que os alunos di-
zem nessa conversação e o que assinalavam no início do pro-
jeto, quando lhes era perguntado sobre o que se podia apren-
der de um quadro. Este bem-sucedido exemplo de projeto de
aprendizagem, acreditamos, dá uma clara ideia da concepção
que se pretende para o ensino de artes.
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    207

Recapitulando

Em relação aos projetos de ensino na escola, podemos obser-


var na literatura que alguns autores utilizam o termo pedago-
gias de projetos, outros projetos de trabalho, ou ainda projetos
em ação. Neste capítulo, enfatizamos o estudo dos projetos de
trabalho na concepção de Fernando Hernández, que apresen-
ta um enfoque de ensino que busca ressituar a concepção e
as práticas educativas na escola e não apenas readaptar uma
proposta do passado, atualizando-a.

O autor parte do princípio que os tempos estão mudando,


as possibilidades de acesso das crianças à informação na atu-
alidade vão além dos professores e livros textos. Sendo assim,
é necessário ensinar às crianças como aprender a selecionar
e a interpretar a informação de que dispomos, relacionando-a
criticamente com outras fontes de informação.

Hernández reforça a ideia de que o projeto não é uma me-


todologia didática, mas uma forma de entender o sentido da
escolaridade baseado no ensino para a compreensão. Nessa
forma de conceber a educação, as crianças participam de um
processo de pesquisa que tem sentido para elas, no qual estão
envolvidas participando do processo de planejamento.

A finalidade do ensino é promover nos estudantes a com-


preensão dos problemas que pesquisam. “Compreender e ser
capaz de ir além da informação dada, é poder reconhecer
as diferentes versões de um fato e buscar explicações, formu-
lando hipóteses sobre as consequências dessa pluralidade de
pontos de vista” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 183).
208   Arte e Educação

Essa atitude diante do conhecimento, na qual o professor


não possui todas as respostas, mas faz as perguntas, instiga os
alunos à pesquisa, repensa a gestão do tempo e do espaço,
e provoca transgressões na escola ao desconstruir as práticas
tradicionais de ensino. Tudo isso, com certeza dá muito traba-
lho!

Fica o convite para aprofundar os estudos desse autor atra-


vés da leitura dos livros Transgressão e mudança na educação:
os projetos de trabalho (Artmed, 1998) e Cultura Visual, Mu-
dança Educativa e Projeto de Trabalho (Artmed, 2000).

Referências

HERNÁNDEZ, Fernando. Os projetos e o processo de tomada


de decisões: quatro exemplos de projetos, quatro exemplos
de problemas. In: A organização do currículo por pro-
jetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

______. Transgressão e mudança na educação: os projetos


de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

______. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de


Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Didática e ensino de


arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer Arte /
Mirian Celeste Martins, Gisa Picosque, M. Terezinha Telles
Guerra, São Paulo: FTD, 1998.
Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    209

NERET, Gilles. Dali. São Paulo: Taschen, 2011.

Atividades

1) Conforme estudamos no Capítulo 9, Fernando Hernández


sistematizou a ideia de Projetos de Trabalho não como um
modismo educacional, mas como uma forma de organizar
os conhecimentos escolares. Em relação aos Projetos de
Trabalho, é correto afirmar:

I. Os Projetos de Trabalho estão conectados com um fe-


nômeno mais geral que tem a ver com o papel da
escolarização na sociedade da informação e da co-
municação.

II. Os Projetos de Trabalho são uma apresentação linear


de um tema, sequência estável e única de passos.

III. Os Projetos de Trabalho partem da necessidade de ofe-


recer alternativas para que os alunos possam aprender
a se orientar e a encontrar referências e pontos de an-
coragem para avaliar, selecionar e interpretar as infor-
mações que recebem diariamente.

Assinale a alternativa correta:

a) Apenas a alternativa I está correta.

b) Apenas a alternativa II está correta.

c) Apenas a alternativa III está correta.


210   Arte e Educação

d) Apenas as alternativas I e III estão corretas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

2) Dos itens elencados abaixo, qual não caracteriza um pro-


jeto de trabalho:

a) Inicia-se um processo de pesquisa.

b) Buscam-se e selecionam-se fontes de informação.

c) Realiza-se uma atividade em que o docente dá as res-


postas sobre o que já sabe.

d) São estabelecidos critérios de organização e interpre-


tação das fontes.

e) Representa-se o processo de elaboração do conheci-


mento vivido.

3) Na concepção de Hernández, um Projeto de Trabalho co-


meça com uma pergunta difícil; não há uma única respos-
ta; há a necessidade de pesquisa. Assinale a pergunta que
apresenta essas características:

a) O que podemos saber sobre um artista a partir da sua


obra?

b) Quem foi Pablo Picasso?

c) Qual é a cor preferida de Vincent van Gogh?

d) Quem pintou a Mona Lisa?

e) Qual é a nacionalidade de Romero Brito?


Capítulo 9    Projeto de Ensino das Artes Visuais    211

4) Abordagem metodológica concebida não como um mo-


dismo educacional, mas como uma forma de organizar
os conhecimentos escolares para que os alunos possam
aprender a se orientar e a encontrar referências e pontos de
ancoragem para avaliar, selecionar e interpretar as informa-
ções que recebem diariamente. A descrição refere-se:

a) à Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa.

b) aos Projetos de Trabalho, de Fernando Hernández.

c) à Epistemologia Genética, de Jean Piaget.

d) à Zona de Desenvolvimento Proximal, de Vygotsky.

e) às Escolinhas de Arte do Brasil, de Augusto Rodrigues.

5) Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho


(2000) é um livro que enfatiza o ensino do estabelecimento
de conexões entre as produções culturais e a compreensão
que cada pessoa, os diferentes grupos culturais e sociais
elaboraram. O (A) autor (a) do livro é:

a) Mirian Celeste Martins.

b) Ana Mae Barbosa.

c) Rosa Iavelberg.

d) Imanol Aguirre.

e) Fernando Hernández.
Rozimeri Pereira Ranzolin1

Capítulo 10

Portfólio e Avaliação em
Arte 1

1 Graduada em Belas Artes com Licenciatura em Desenho e Plástica (Feevale),


Mestre em Educação (PUCRS), professora do Curso de Pedagogia (ULBRA Cano-
as) e coordenadora do Laboratório de Ensino-Aprendizagem e Brinquedoteca da
ULBRA.
Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    213

Introdução

No ensino de Arte, a avaliação gera muitas dúvidas por se


tratar de um processo de expressão da subjetividade. Muitos
professores até questionam a necessidade de avaliar, afirman-
do que a disciplina de Arte não deveria ter essa incumbência.
No entanto, outros professores encontram na avaliação uma
forma de poder, de pressionar os alunos desinteressados a re-
alizar as atividades mediante a obtenção da nota. Nesse meio,
ficam os questionamentos: como avaliar o produto, o trabalho
final apresentado pelo aluno? Como evitar o uso de critérios
subjetivos, calcados no gosto pessoal do professor?

Sem dúvida, esses são alguns equívocos que procurare-


mos tratar nesta temática de estudos. Vamos agora, então, nos
concentrar nas questões da avaliação no ensino de arte.

1 O que avaliar em arte?

Quando devemos avaliar?

Existe um momento mais apropriado?

O que devemos avaliar?

Como avaliar?

Vimos anteriormente, na temática que tratou dos Projetos


de Trabalho, um exemplo proposto por Fernando Hernández
no qual o processo avaliativo se dá ao longo de todo o seu
percurso. Podemos perceber, também, que foram os momen-
214   Arte e Educação

tos de avaliação que indicaram novos caminhos a serem per-


corridos em busca do objetivo proposto inicialmente.

Como afirma Fernando Hernández (2000, p. 144), “uma


das crenças que cercam a Arte na educação, em relação aos
conhecimentos vinculados às artes visuais, é a de que não se
possa, que não tenha sentido, avaliá-los”. Em função de tal
crença, a avaliação das propostas de ensino em Arte tem sido
muito polemizada, principalmente quando pensamos sobre os
critérios que se referem à produção expressiva, tanto nas artes
visuais, como na expressão dramática, corporal ou musical.

Seguindo adiante, podemos refletir, por exemplo, a partir


da seguinte afirmação:

Com referência ao ensino e aprendizagem de arte, o ato


avaliativo não pode ser uma simples mensuração de pro-
dutos finalizados. Isso porque nem sempre o resultado de
um trabalho em Arte reflete os procedimentos e as moti-
vações presentes em seu surgimento. (FERRAZ; FUSARI,
1999, p.123)

O valor de uma experiência, portanto, deve ser avaliada


por todo um processo, não somente no seu final. Faz-se ne-
cessário, então, recolher ao final de um projeto tudo o que foi
construído: escritas, desenhos, anotações sobre começo, meio
e fim. Assim, podemos avaliar todo o processo vivido, tanto
pelos educadores como pelos alunos.

Segundo Hernández (2000, 148), em uma perspectiva mais


ampla desse conceito, entende-se por avaliação a realização
de um conjunto de ações direcionadas ao recolhimento de
Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    215

uma série de dados sobre uma pessoa, fato, situação ou fenô-


meno, a fim de emitir um juízo sobre a mesma. O autor ainda
nos propõe três fases de avaliação, que sintetizamos aqui:

Fase 1- A avaliação inicial

Etapa na qual a intenção é detectar os conhecimentos que


os estudantes já possuem ao iniciarem um curso ou estudo
de tema. O autor alerta, para que nessa fase, não se enfatize
aquilo que os alunos “não sabem”. Deve-se, sim, “tentar cole-
tar evidências sobre as formas dos alunos aprenderem” (2000,
p.149). Hernández propõe perguntas-chave sobre os temas a
serem estudados. Exemplo: “Que possibilidades de represen-
tação a aquarela abriu?” (2000, p.149).

Fase 2 – A avaliação formativa

Tem a finalidade de ajudar os estudantes a progredirem


no caminho do conhecimento. Necessita-se aqui de ajustes
constantes entre o processo de ensino e o de aprendizagem.

Fase 3 – A avaliação somativa

É proposta como um “processo de síntese de um tema,


de uma série ou um nível educativo, sendo o “momento” que
permite reconhecer se os estudantes alcançaram o resultado
esperado” (2000, p.150). Também serve para os professores
avaliarem a sua tarefa e o processo ou dificuldades dos alu-
nos.

Existem diversas formas possíveis de organizar o que foi


aprendido. A avaliação pode ajudar a rever caminhos de pro-
jetos, alterar métodos, buscar novas alternativas, reforçar con-
216   Arte e Educação

teúdos. Assim, podemos pensar nessa união entre organização


de conteúdos e avaliação na forma de trabalhos, cadernos ou
livros sobre uma determinada temática, escritos /produzidos
em grupo, subgrupos ou individualmente.

ÂÂtextos coletivos ou individuais;

ÂÂexposições de trabalhos;

ÂÂdevoluções do educador.

Importante lembrar o que afirma Hernández (2000, p. 153)


a respeito daquilo que se pensa sobre avaliação na atualida-
de:

A afirmação do autor nos leva a pensar, por um lado, em


alguns antigos critérios de avaliação que se restringiam a con-
siderar que os “bons produtos” dos alunos seriam aqueles que
copiavam fielmente as imagens fornecidas pelo professor. Por
outro, nos remete àqueles professores que concentram as inú-
meras possibilidades somente ao desenvolvimento de “algu-
mas técnicas” como proposta de trabalho. As múltiplas pers-
pectivas possibilitam ao aluno soluções diferentes para uma
mesma proposta de trabalho.

Reproduzimos aqui alguns quesitos que Hernández (2000)


nos apresenta em resposta à questão:

ÂÂO conhecimento e a compreensão sobre os fenômenos


e problemas relacionados com a arte;

ÂÂA argumentação que apoia temas e questões relativas


à arte;
Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    217

ÂÂA capacidade de dar forma visual às ideias;

ÂÂA descrição, análise e interpretação das obras de Arte e


de seus significados;

ÂÂA curiosidade, a inventividade, a inovação, a reflexão e


a abertura a novas ideias.

Hernández (2000) afirma que a avaliação é necessária na


educação, entre outras coisas, porque valoriza o programa de
ensino que se realiza. E, mais, também porque os estudantes
necessitam saber como eles estão aprendendo. E, finalmente,
porque – dentro da concepção de avaliação explicitada – tem-
-se mais uma oportunidade para informar sobre a arte.

Assim, conscientes da importância da avaliação – também


no ensino de arte–, vamos seguir nos estudos, situando, breve-
mente, a prática do portfólio, como um importante instrumento
do processo educacional.

2 O portfólio

Segundo Hernández, (2000, p.166),

poderíamos definir o portfólio como um continente de


diferentes tipos de documentos (anotações pessoais,
experiências de aulas, trabalhos pontuais, controles de
aprendizagem, conexões com outros temas fora da es-
cola, representações visuais, etc.) que proporciona evi-
dências do conhecimento que foram sendo construídos.
218   Arte e Educação

No livro Manual de Portfólio: um guia passo a passo para o


professor, de Shores e Grace, é definido o portfólio como

Uma coleção de itens que revela, conforme o tempo


passa, os diferentes aspectos do crescimento e desen-
volvimento de cada criança... Essas coleções podem ser
iniciadas como um único tipo de item, como amostras de
trabalhos, e gradualmente ser amplificada, de modo que
incluam mais tipos de itens, que podem ser particulares,
aprendizagem ou demonstrativos. (SHORES; GRACE,
2001)

Por exemplo: o professor lança um tema significativo de


acordo com a fase evolutiva da criança, e todo o material
construído por ela será colocado no portfólio, o que desenca-
deará um consciente temporal no processo de ensino-apren-
dizagem tanto para o educando quanto para o educador.
Segundo Hernández, o portfólio em uma dimensão avaliativa
para o educador

permite aos professores considerarem o trabalho dos


alunos não de uma forma pontual e isolada, como apa-
rece com as provas avaliadoras tradicionais, mas sim
no contexto do ensino e como uma atividade complexa
baseada em elementos e momentos de aprendizagem
que se encontram relacionados [desta forma o portfó-
lio vincula a forma ao pensamento em uma discussão
temporal, que irá subsidiar a avaliação do professor de
maneira contextualizada e processual, já para o educan-
do] permite que os alunos sintam aprendizagem como
algo próprio, pois cada um decide trabalhos e momentos
Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    219

representativos de sua trajetória, enquanto os relaciona


em uma tentativa de dotar de coerência as atividades de
ensino e suas finalidades de aprendizagem que havia de
proposto. (HERNÁNDEZ, 2000, p. 165)

Assim, podemos identificar questões relacionadas ao modo


como os estudantes e os educadores refletem sobre quais os
reais objetivos de sua aprendizagem, quais foram cumpridos e
quais não foram alcançados, onde, quando e por que houve
um enfoque inadequado, tanto em relação ao esforço, quanto
às estratégias de aprendizagem de cada estudante, e aponta a
direção para a qual será promissor a projeção de um enfoque
futuro (HERNÁNDEZ, 2000, p.166).

Essa forma de refletir sobre o que se aprende através de


um portfólio nos proporciona uma avaliação mais dinâmica.
Ou seja, o próprio estudante – enquanto faz suas anotações,
desenhos, colagens – enxerga o desenvolvimento de sua traje-
tória em um semestre de trabalho, ou durante um ano letivo.
A organização do conhecimento através do portfólio dialoga
com o pensamento de Libâneo (1992), quando o autor nos
lembra que a avaliação é uma tarefa didática permanente em
nosso trabalho docente. A ação de escrever, anotar e desenhar
impulsiona o aluno a fazer novas reflexões, a se autoavaliar.
Ele tem mais instrumentos para se questionar e questionar o
professor.

Como salienta Analice Pillar (1993, p. 10), a avaliação


“cumpre a função de diagnóstico e encaminhamento do traba-
lho, tanto do professor como do aluno”. A autora argumenta
que a unidade ensino-aprendizagem-avaliação só se realiza
220   Arte e Educação

no ensino de arte quando se considera, além da linguagem da


arte, também o processo do aluno.

O uso de um portfólio é perfeito nesse sentido. Ele funcio-


naria como documento que esboça esse processo de maneira
reflexiva e dinâmica.

Mas quais seriam os componentes de um portfólio?

Não há uma resposta única para essa pergunta, mas re-


produzimos a seguir, como exemplo, o que Hernandez (2000
p.170-172) nos aponta como componentes básicos para a
sua concepção.

O Propósito
Cada exemplo selecionado pelo estudante que dê evidência se
seu progresso deve ser recolhido, criado e organizado de uma
determinada forma para demonstrar sua avaliação em relação
às finalidades estabelecidas. Isso implica, além do fio condutor
do portfólio, que cada estudante deva especificar o porquê de
ter selecionado cada uma das evidências que o compõem.

Tipos de evidências que constituem “conteúdo”


do portfólio
Os artefatos são documentos produzidos durante o traba-
lho do curso e vão desde as atividades de sala de aula até
os distintos trabalhos realizados por iniciativa própria ou por
sugestão do docente. Também podem ser incluídas aquelas
evidências que fazem parte de outra disciplina, se considerar
Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    221

que tiveram um papel relevante no processo de aprendizagem


e compreensão do tema do portfólio.

As reproduções são documentos que constituem exemplos


do trabalho na disciplina, série ou programa, mas que incluem
acontecimentos que normalmente não se recolhem em sala
de aula, por exemplo, a gravação de uma conversa com um
especialista ou alguém diretamente implicado no tema do tra-
balho, as anotações de uma visita a uma exposição, a grava-
ção de um documento audiovisual que tenha significado uma
ajuda para a compreensão do tema ou problema, a impressão
de uma página de Internet em que se tenha encontrado in-
formação relevante, a correspondência mantida em torno do
tema via correio eletrônico, etc.

Os atestados são documentos sobre o trabalho do aluno


preparados por outras pessoas. Por exemplo: comentários re-
alizados pelo docente, por outros professores, ou por pesso-
as envolvidas no processo formativo dos estudantes, sempre e
quando esses os considerarem valiosos.

As produções são documentos especificamente prepara-


dos para dar forma e sentido ao portfólio e incluem três tipos
de materiais: explicação de metas, reflexões e cabeçalho ou
títulos.

[...] a explicação de metas deve ser realizada no início do


curso. Isso não significa que deva ser algo estático e imóvel.
Pelo contrário, podem ser revisadas no processo de ensino e
aprendizagem e modificadas convenientemente, sempre com
a apresentação das argumentações necessárias. Sua princi-
pal função é possibilitar ao estudante exemplificar, de maneira
222   Arte e Educação

pessoal, o propósito específico do portfólio que vai realizar e


servir de quadro de referência e dotação de sentido para as
atividades que realizar.

As reflexões acontecem enquanto se elabora, organiza-


-se ou se revisa o portfólio, e apresentam-se as estratégias de
diálogo com a informação que o estudante utiliza.

As anotações são pequenos informes que acompanham


cada documento, descrevem o que é, por que é uma evidência
e de que é evidência.

O continente
Ainda que a expressão não seja muito feliz, reflete a sua fi-
nalidade. Uma vez selecionadas e argumentadas cada uma
das evidências que mostram seu processo de aprendizagem e
incorporam a reflexão sobre sua trajetória, o estudante deverá
pensar em um “lugar” onde colocar o material para que possa
ser compartilhado com os outros e receber a avaliação do do-
cente (ou do grupo). Esse continente pode adquirir diferentes
modalidades. Desde uma “caixa” em que se colocam todas as
evidências, um classificador de documentos, um cartaz em que
se apresente sua trajetória ao longo do curso ou período letivo
e o lugar de cada documento, etc.

Nos últimos anos, a proliferação e generalização das tec-


nologias da informação e da comunicação levaram à explo-
ração de novas formas de recolher, organizar e recuperar o
conteúdo dos portfólios dos alunos.

E como se dá a avaliação de um portfólio?


Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    223

Em resposta, podemos afirmar que não seria diferente da


avaliação de qualquer outro saber explicitado pelo aluno, seja
pela forma de um exame ou prova, de um trabalho de pesquisa
ou de um projeto de aprendizagem apresentado. É, no entan-
to, mais trabalhoso, em função da quantidade e diversidade
de informação nele contida. Mas, não há dúvida sobre o seu
valor educativo e isso vale o esforço de alunos e professores.

Os critérios:

Referenciamos mais uma vez Hernández (2000, p.173),


que nos alerta para a necessidade de estabelecermos crité-
rios de avaliação antes mesmo de sua montagem, e sugere a
proposição de Barton e Collins (1993), que os estabelecem a
partir de dois aspectos: um técnico e o outro qualitativo.

Assim, vejamos... O critério técnico pode responder às per-


guntas:

ÂÂTem algumas metas e reflexões explícitas?

ÂÂCada documento tem um cabeçalho que lhe dê sentido?

Por sua vez, o critério qualitativo tenta responder às seguin-


tes perguntas:

ÂÂAté que ponto o estudante evoluiu para as metas esta-


belecidas?

ÂÂO que aprendeu?

ÂÂÉ suficiente ou deve aprofundar algum aspecto?

ÂÂQue qualificação lhe corresponde em função do critério


estabelecido pela escola ou sistema escolar?
224   Arte e Educação

Recapitulando

É importante ressaltar que quando falamos em artes na escola,


muitas vezes a identificamos como a exposição dos projetos ou
dos trabalhos desenvolvidos durante um determinado tempo.
Mas um cuidado deve estar sempre presente na consciência
do educador, quando ao se propor a apresentar os trabalhos
dos seus alunos: todos os trabalhos devem estar expostos, sem
exceção, pois grandes marcas pedagógicas são determinantes
diante da atitude docente.

Explicamos: quando o trabalho da criança não é exposto,


e todos os trabalhos dos outros colegas foram expostos, ela
pode pensar que não existe nenhum talento diante de suas
expressões artísticas, o que pode desencadear desinteresse,
constrangimento e problemas de estima. Assim, atitudes como
essas para serem revertidas pode-se levar um bom tempo, os
problemas então se acumulam. Para evitar esse tipo de situ-
ação, todos os trabalhos devem estar expostos devidamente
etiquetados.

Uma proposta interessante em artes que pode reconstruir a


trajetória de um determinando tema seria a criação de portfó-
lio, que identifica uma “coleta” de materiais a respeito de um
assunto significativo.
Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    225

Referências

HERNÁNDEZ, Fernando. A organização do currículo por


projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidos-
cópio. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

______. Transgressão e mudança na educação. Porto Ale-


gre: ARTMED, 1998.

______. Cultura Visual: mudança educativa e projeto de tra-


balho. Porto Alegre: ARTMED, 2000.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1992.

MARTINS, Mirian Celeste F. Dias. Projetos em ação no ensino


de arte. In: Avaliação e planejamento: a prática edu-
cativa em questão. Instrumentos metodológicos II. Série
Seminário. Espaço Pedagógico: São Paulo, 1997.

MARTINS, Mirian Celeste F. Dias; PICOSQUE, Gisa; GUERRA,


Maria T. Didática do ensino da arte: a língua do mundo:
poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

PILLAR, Analice D. Arte-educação: unidade ensino-aprendi-


zagem-avaliação. In: Cadernos do DEC. UFRGS/ Facul-
dade de Educação/ Departamento de ensino e currículo
(DEC). Novembro /1993, n.2. Porto Alegre.
226   Arte e Educação

Atividades

1) No capítulo 10, vimos a importância do portfólio enquanto


coleta e pesquisa sistêmica dos registros de sala de aula.
Shores, no livro Manual do portfólio, identifica este recurso
didático como sendo:

a) uma coleção de itens que revela os diferentes aspectos


do crescimento e desenvolvimento de cada criança.

b) uma maneira processual que permite a aprendizagem


como algo individual, pois somente o aluno decide os
trabalhos da sua trajetória.

c) amostras de trabalhos específicos que podem ser parti-


culares ou demonstrativos.

d) discussão temporal, que irá substituir a avaliação do


professor de maneira contextualizada e processual por
uma avaliação específica temática.

e) Todas as alternativas estão corretas.

2) O portfólio, segundo Hernández, é um recurso didático


que possibilita a coleta de diferentes tipos de documentos
(anotações pessoais, experiências de aulas, trabalhos pon-
tuais, controles de aprendizagem, conexões com outros te-
mas fora da escola, representações visuais, etc.), propor-
cionando evidências do conhecimento que foram sendo
construídos. Nesse sentido, a coleta de materiais estaria
vinculada:
Capítulo 10    Portfólio e Avaliação em Arte    227

a) aos recursos temáticos para ampliar o horizonte de es-


tudo.

b) à zona de significância do contexto de sala de aula.

c) à fase evolutiva da criança

d) ao espaço de pesquisa do professor e do aluno.

e) Todas as alternativas estão corretas.

3) A organização do conhecimento através do portfólio na


avaliação dialoga com o pensamento de Libâneo, quando
o autor apresenta que a avaliação é uma tarefa didática
permanente no trabalho docente. A ação de escrever, ano-
tar, desenhar, impulsiona o aluno a fazer novas reflexões,
se autoavaliar. Ele tem mais instrumentos para se questio-
nar e questionar o professor, e nesse cenário não poderá
ser considerada a avaliação do portfólio enquanto uma
vivência:

a) sistêmica.

b) interdisciplinar.

c) conteudista.

d) dialógica.

e) de pesquisa.

4) Quais são as fases da avaliação a partir do referencial de


Hernandez?

a) Fase 1 – A avaliação somativa; Fase 2 – A avaliação


formativa; Fase 3 – A avaliação final.
228   Arte e Educação

b) Fase 1- A avaliação inicial; Fase 2 – A avaliação for-


mativa; Fase 3 – A avaliação somativa.

c) Fase 1– Sondagem inicial; Fase 2 – Produção; Fase


3 – Resultados

d) Fase 1– Pesquisa inicial; Fase 2 – Sistematização; Fase


3 – A avaliação conclusiva.

e) Nenhuma das alternativas está correta.

5) Na composição de um portfólio podem ser incluídos di-


ferentes tipos de evidência que demonstrem a relação da
avaliação com às finalidades estabelecidas na aprendiza-
gem. Como exemplo, Hernandez (2000) nos aponta al-
guns componentes básicos, com exceção de:

a) artefatos.

b) reproduções.

c) produções.

d) provas.

e) anotações.
Gabarito  229

Gabarito

Capítulo 1
Questões objetivas: 1) e, 2) d

Questões discursivas:

3) As ideias poderão ser selecionadas a partir da leitura do subcapítulo


2.

4) Fazer a leitura do livro subcapítulo 4 e resgatar da memória uma ati-


vidade de artes que tenha sido realizado um encaminhamento que
promoveu um contato intencional com as questões pessoais.

5) No subcapitulo 3, a leitura irá oportunizar o referencial teórico sobre


como a Arte é espaço de criação, acessando a potência artística e
liberdade expressiva. A ideia é regatar da memória uma vivência onde
as construções artísticas foram valorizadas, assim como na situação
inversa, compreendendo como foi a construção e valorização da Arte
no seu processo de aprendizagem.

Capítulo 2

Resposta da Situação 1:

(a) Metodologia Tradicional – os alunos não têm liberdade de criação.


Compõe-se de exercícios para desenvolver a vista, a habilidade da
mão, a “inteligência”, a memorização, o “gosto” e/ou senso moral.

Resposta da Situação 2:

(c) Metodologia Tecnicista – o objetivo é ensinar a fazer alguma atividade


técnica, seguindo processos mecânicos. A atividade é estanque e não
se configura em área de conhecimento.

Resposta da Situação 3:
230  Gabarito

(d) Proposta Triangular – propõe que se trabalhe de forma a possibilitar


às crianças a vivência e a compreensão das linguagens da arte, a
partir da experiência de ver arte, saber e refletir sobre ela, do seu fazer,
incluindo tudo que entra em jogo no percurso criador. Uma proposta
que, além de valorizar os recursos pessoais, a pesquisa de materiais e
técnicas, possibilita um trabalho centrado na percepção, na imagina-
ção e na reflexão.

Resposta da Situação 4:

(b) Escola Nova – ensino focado na educação através da Arte ou na Livre


Expressão, na qual o aluno se expressa com inteira liberdade sem
qualquer tipo de interferência ou contribuição do professor. Parecen-
do, em princípio, uma situação ideal de ensino, essa aula, no entanto,
pouco acrescenta no educando o conhecimento sobre a arte. Tende a
caracterizar-se como exercícios de arte-terapia, o que, decididamente,
não é a meta desejável para o ensino de Arte nas escolas formais.

Resposta da Situação 5:

(a) Metodologia Tradicional – os alunos não têm liberdade de criação.


Compõe-se de exercícios para desenvolver a vista, a habilidade da
mão, a “inteligência”, a memorização, o “gosto” e/ou senso moral.
Reprodução de modelos.

Capítulo 3
1) As ações são o fazer, a leitura de imagem e a contextualização. As
características de cada ação estão descritas nos itens 3.1.1, 3.1.2 e
3.1.3 do livro.

2) As respostas são de cunho pessoal, pois a atividade de leitura de ima-


gem considera a percepção de cada leitor a partir de suas experiên-
cias de vida.
Gabarito  231

3) Podem ser trabalhadas as manifestações artísticas das diferentes cul-


turas indígenas, como as danças, os rituais, a pintura corporal, os
artefatos e costumes de cada povo ou nação.

4) A proposta de ensino em uma perspectiva multiculturalista deve consi-


derar as manifestações artísticas de cada etnia. Podem ser realizadas
por meio de projetos de pesquisas individuais ou estudos em grupos.

5) A atividade deve enfatizar a observação das padronagens indígenas


que se inspiram nos animais e na natureza, propondo a criação de
novas padronagens a partir dessa observação detalhada da natureza.

Capítulo 4
1) b,  2) c,  3) d,  4) e,  5) a

Capítulo 5
1) e,  2) d,  3) c,  4) b,  5) e

Capítulo 6
1) b,  2) c,  3) a,  4) d,  5) e

Capítulo 7
1) d,  2) b,  3) a,  4) c,  5) b

Capítulo 8
1) d,  2) e,  3) d,  4) b,  5) c

Capítulo 9
1) d,  2) c,  3) a,  4) b,   5) e

Capítulo 10
1) a,  2) e,  3) c,  4) b,  5) d

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