E N T REVIS TA

PROFESSOR
RAFAEL
STRAFORINI
Com vivência profissional na Educação Básica e na Superior, além de experiência de pesquisa em
diferentes instituições universitárias nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, o professor
Rafael Straforini pode ser considerado uma das novas vozes importantes na área do Ensino de
Geografia. Assim como na edição anterior, uma vez mais utilizamo-nos de plataforma digital e, na
conexão direta Rio-Campinas, tivemos a oportunidade de abordar questões como a Geografia
na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o currículo e a formação de
professores, além de aproveitar um pouco para conversar sobre Geografia Histórica e a Revista
Brasileira de Educação em Geografia. Agradecemos a Straforini pela oportunidade e deixamos
o leitor com o resultado desse encontro virtual.

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GIRAMUNDO: Fale-nos um pouco sobre a sua traje-
tória como pesquisador e o seu interesse pelo
ensino de Geografia.
PROF. STRAFORINI: Falar da minha trajetória de
pesquisador é falar um pouco das escolhas que
eu fiz no magistério e para o magistério, digo,
para essa profissão que eu tomei para a minha
vida antes mesmo da graduação, pois eu cursei
magistério já no Ensino Médio (antigo 2° grau). Na
ocasião do término da então oitava série do 1° grau,
já sabia que a docência seria a minha profissão e,
por isso, me inscrevi em dois processos seletivos
(vestibulinhos) para o 2º grau profissionalizante,
ambos para o curso de Magistério. Então, optei
pelo CEFAM (Centro Específico de Formação e
Aperfeiçoamento do Magistério) de Sorocaba, que
era um curso que tinha uma proposta inovadora
para a época (final dos anos 1980), para formar
professores na perspectiva crítico-construtivista,
fundamentada no construtivismo piagetiano. De
fato, nós falávamos e estudávamos muito pouco
do sócio-interacionismo vigotskiano. No CEFAM o
curso era integral, com 10 horas/aula por dia, em
que na parte da manhã tínhamos aulas teóricas e
à tarde aulas práticas, na maioria das vezes organi-
zadas em projetos ou resolução de problemas. Hoje
em dia, essa discussão de PBL está muito em voga,
mas, lá no final dos anos 1980, a gente já fazia isso,
articulando as questões teóricas discutidas no turno
da manhã, de forma interdisciplinar ou integrada
entre as diferentes áreas do conhecimento. Eu
comecei a fazer muitas pesquisas, então, minha
identidade de professor-pesquisador começou lá
atrás, no CEFAM, num curso de 2° grau ou atual
Ensino Médio. Um dia eu encontrei um trabalho que
era da disciplina metodologia de Estudos Sociais,
no qual a professora desenvolveu um projeto de
investigação local, em que cada um pesquisaria
o seu bairro e a cada bimestre nós tínhamos um
objetivo demarcado da pesquisa para ser realizado.
Comecei a olhar esse trabalho e pensar que eu
já tinha uma “pegada” bem geográfica, eviden-
temente, e também da pesquisa. Do magistério,
eu fui fazer graduação em Geografia na UNESP
de Rio Claro... Fiz o bacharelado e a licenciatura.
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Na graduação, eu pesquisei Geografia Histórica,
tendo como tema de TCC e de investigação na
iniciação científica o tropeirismo e a feira de muares
de Sorocaba e o desenvolvimento urbano da
cidade. No mestrado, eu fui para a UNICAMP (ou
melhor, vim para a UNICAMP, afinal estou aqui...),
num programa de Pós-Graduação em Geociências
aplicadas ao ensino, mas eu vim para a UNICAMP
porque também não passei em outros programas.
Na época eu queria ter continuado a pesquisa de
Geografia Histórica lá na UNESP de Rio Claro, mas,
como eu não fui aprovado naquele programa, vim
para a UNICAMP com o projeto de ensino que foi
resultado da minha prática pedagógica com os
anos iniciais, porque quando terminei a graduação
e voltei para Sorocaba, eu atuava na Educação
Básica, nos anos iniciais. Trabalhando com o
meu próprio planejamento, com o meu currículo
praticado, eu comecei a perceber que tinha um
hiato muito grande entre aquilo que eu tinha
estudado na Geografia sobre as relações escalares
múltiplas, numa perspectiva miltoniana, com o meu
programa curricular, porque ele era extremamente
linear, hierarquizado ou concêntrico. De fato, eu
estava trabalhando em meu currículo praticado
com os círculos concêntricos: primeiro apresentava
o lugar e o espaço imediato e, lá na parte final do
Ensino Fundamental, o aluno estaria trabalhando
com a ideia de mundo, ou seja, o aluno precisaria
cursar oito anos de escola para que a dimensão
mundo fosse introduzida como um conteúdo
escolar. Foi então que comecei a perceber que
havia um problema em meu currículo e comecei a
me questionar: “Como é que você, um miltoniano,
elabora um currículo para trabalhar com crianças
com essa estrutura escalar tão hierarquizada?”
Uma amiga, também professora dos anos iniciais,
me fez uma pergunta na época que se somou a
essa questão-problema que estava começando
a visualizar. Ela perguntou: “Rafael, você que é
geógrafo, por favor, me explique, eu devo trabalhar
do lugar para o todo ou do todo para o lugar?”. Eu
pensei: “essa questão não é só minha, é de todos
os colegas que trabalham nos anos iniciais”. Foi aí
que eu pensei no projeto de pesquisa problemati-
zando o conceito de totalidade-mundo nos anos
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iniciais. Era um tema que não tinha nada a ver com GIRAMUNDO: Em certo momento, você dedicou
Geografia Histórica, e eu apresentei o projeto a suas pesquisas ao ensino de Geografia nas séries
esse programa da UNICAMP, do Instituto de Geoci- iniciais. Como você avalia a Geografia ensinada
ências. Do mestrado para o doutorado, também, neste segmento?
foi um salto grande no que diz respeito à inversão
temática. Há que se considerar a contigenciali- PROF. STRAFORINI: Nos últimos anos eu tenho
dade de também não ter sido aprovado para fazer pesquisado um pouco mais do que se produz nas
o doutorado e dar continuidade na pesquisa de séries iniciais apoiado na categoria da alteridade.
mestrado nesse mesmo programa da Unicamp. Quando eu trouxe essa categoria para funda-
Então, o Maurício de Abreu, que conhecia a minha mentar meu olhar para os anos iniciais, comecei
pesquisa de graduação porque eu tinha publicado a perceber que havia uma certa desruptura de
um livro na época (STRAFORINI, 2001), me mandou quem olha para quem se olha. O que quero dizer
um e-mail perguntando se eu queria fazer mestrado é que nós geógrafos temos um olhar extremamente
com ele. Quando eu vi aquele e-mail eu quase disciplinarizado, e concebemos o mundo a partir
caí morto. Afinal trata-se de Maurício de Almeida da Geografia, o que não é um problema. Porém,
Abreu me mandando um e-mail me convidando quando olhamos para os anos iniciais, que têm
pra fazer mestrado! Eu pensei, “meu Deus, vou uma cultura muito própria, tentamos enclausurar
responder a ele que sim!”. Lembro que respondi: sua cultura com toda a sua dinâmica e riqueza
“professor, o mestrado eu já tenho; eu preciso de na perspectiva da disciplinaridade. O que venho
um doutorado!” Ele retornou: “Se é esta a questão, trabalhando são os limites de se impor esse olhar
venha fazer o doutorado.” Bom, como a vida é feita disciplinarizado (Geografia) para um segmento de
de escolhas... me exonerei do cargo de professor escolarização (os anos iniciais) que tem uma outra
da Prefeitura, pedi a conta de duas faculdades cultura e, pior, que não é a nossa área de formação.
privadas da região e fui para o Rio de Janeiro Isso implica fazer escolhas metodológicas para
fazer pesquisa na área de Geografia Histórica. No desenvolver um olhar mais apurado, sem que
doutorado eu não pesquisei nada de educação haja aí um juízo de valor, porque o grande risco
(nem falo a palavra Educação), mas sim a temática é, a partir da disciplinaridade, construirmos um
da circulação na colônia, no século XVIII. Bom, essa olhar reducionista a partir de afirmações de que os
foi a minha trajetória da pesquisa que tem também professores dos anos iniciais não sabem trabalhar
um pouco a ver com a minha trajetória profissional. Geografia, que não conhecem seus fundamentos,
Enquanto eu fazia o doutorado, apareceram dois isto é, não têm domínio dos conceitos de lugar,
concursos na UERJ, o primeiro na Faculdade de território e região. E nós ficamos sempre julgando
Educação e o segundo na Geografia, para trabalhar o professor porque ele não sabe geografia. Ora,
com práticas de ensino de Geografia. Como não a questão é que o professor dos anos inicias, na
havia no Rio de Janeiro professores doutores na sua formação, não tem a formação do geógrafo.
área de ensino, os concursos foram abertos para Então, é como olhar pra um professor que tem uma
mestre. Eu prestei e passei, primeiro na Educação formação específica, que atua de maneira mais
depois na Geografia. Então, eu tinha uma vida integrada na perspectiva curricular, e querer que
muito dupla, pois eu pesquisava no doutorado na tal professor ou professora tenha domínios especí-
área de Geografia Histórica e atuava no ensino ficos de uma área. Nós sabemos da dificuldade que
superior na área de ensino, apoiado naquilo que é trabalhar Geografia quando nós somos formados
eu tinha pesquisado no Mestrado. Com isso, eu fui nela, quiçá esse professor que não tem essa pers-
levando essas duas linhas, essas duas áreas nesse pectiva formativa. Então, acho que a primeira coisa
período de formação e também de constituição da é o limite de quem fala e para quem se fala. Outra
identidade docente. coisa que eu tenho percebido é que, em virtude
da nossa formação disciplinar, a gente olha para

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os anos iniciais em uma perspectiva um pouco
anacrônica, no sentido da história da educação,
da história das disciplinas escolares. Nas nossas
pesquisas em que buscamos, no cotidiano dos
professores, compreender as suas práticas curri-
culares, temos percebido que o professor dos
anos iniciais trabalha numa perspectiva mais
integrada, em que os componentes curriculares
História e Geografia não estão sendo operaciona-
lizados separadamente no campo discursivo e no
campo das suas práticas pedagógicas, mas na
perspectiva dos Estudos Sociais. No entanto, nós
pesquisadores da geografia e da área ensino de
geografia, defendemos a Geografia como compo-
nente curricular nesse nível de escolarização. Por
que estou falando que é anacrônico? Porque para
nós da Geografia, os Estudos Sociais têm um
sentido muito negativo a partir da década de 1970,
quando História e Geografia são transformadas
em Estudos Sociais, a partir do que é hoje o 2º
segmento do Ensino Fundamental (EF). Então, na
ditadura, os Estudo Sociais entram no 2º segmento
do EF, mas ele já existia nos anos iniciais desde
os anos 1920, 1930. Ao analisar os documentos
curriculares, os livros didáticos, os documentos do
MEC, encontramos o Anísio Teixeira e Delgado de
Carvalho falando de um conhecimento trabalhado
de forma integrada, naquilo que eles chamam de
Estudos Sociais. Veja: qual é o problema disso?
A crítica aos Estudos Sociais, a partir dos atos
normativos da LDB de 1971, está para a Geografia
do 2º segmento, mas não está para o conheci-
mento geográfico e histórico dos anos iniciais.
Isso é anacrônico. Eu posso observar, por ter feito
Geografia Histórica, que não se pode fazer transitar
alguns discursos e/ou variáveis de um contexto
para outros contextos discursivos, porque eles são
datados e dizem respeito ao espaço-tempo em
que são produzidos. Praticamente todos os textos
e trabalhos de pesquisas produzidos na geografia
repetem ou reproduzem o discurso de que Estudos
Sociais se circunscrevem nessa perspectiva do
período da ditadura militar brasileira, de alienação
etc, para todos os níveis de escolarização, o que
não é verdade. Acho que é preciso repensar um
pouco isso. Mas nisso tudo, nós temos que pensar
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também, embora a gente deva olhar para esse
segmento com a alteridade, sobre o processo de
formação dos professores que é deficiente, não
porque os cursos de pedagogia tenham muitas
deficiências, mas porque o processo de escolari-
zação do Ensino Fundamental e do Médio tem sido
muito insuficiente também. O professor que atua
nesse segmento e se forma em Pedagogia hoje não
teve uma boa escolarização, com raras exceções,
em sua própria formação básica. Então, quando ele
chega na escola para trabalhar com matemática
e língua portuguesa mal sabe fazer uma regrinha
de 3, diferenciar análise sintática de morfológica.
Mas isso está onde? Não está na formação do
professor, está na escolarização básica. Há uma
deficiência muito grande que resulta de todo o
processo de escolarização desses professores
que estão atuando nos anos iniciais. Há também
o impacto das políticas educacionais mais atuais
que estão, de uma forma ou de outra, produzindo
impactos severos para algumas áreas de conheci-
mento trabalhadas nesse segmento, sobretudo as
políticas que estabelecem uma relação de avaliação
dos estudantes com bonificação docente. Aqui em
São Paulo, tem a provinha Brasil, tem SARESP, as
prefeituras municipais também têm seu próprio
sistema de avaliação e isso tudo vai resultar em
bonificação. O que cai nessas provas? Sobretudo
Português e Matemática. Se tem uma estrutura
escolar com um plano de carreira extremamente
desvalorizado e um achatamento salarial, é de
se esperar que o professor privilegie muito mais
as áreas que são contempladas nos sistemas de
avaliação dos que áreas que não são contempladas.
Quanto ao que o professor trabalha de Geografia
na sua rotina diária? Ele trabalha naquele tempo
que lhe resta entre 11h45 e meio dia, quando ele faz
a fila das carteiras já esperando pelo sinal. Então,
é nesses 15 minutos, para os alunos ficarem em
silêncio, que entra um conteúdo de Geografia,
entra uma atividade mimeografada ou xerocada
para o aluno preencher, para pintar, fazer bolinha
de papel crepon e colar na árvore e depois colocar
na caderneta que trabalhou com meio ambiente.
Então, a Geografia, a História e as Artes acabam
entrando nesses momentos que sobram de aula
 RAFAEL STRAFORINI

para ocupar um vazio, um hiato entre uma coisa e técnicos. Hoje, o professor lida com um mundo em
outra, e não resultado de um objetivo e um plane- que as escalas se sobrepõem, e as crianças dos
jamento. anos iniciais e da Educação Infantil também estão
Isso eu já escrevi em algum texto, que completamente inseridas nesse meio técnico-cien-
me parece que a Geografia, nesse contexto das tífico-informacional. Eu costumo dizer que alunos
políticas educacionais e da estrutura como está na dos anos iniciais sabem distinguir a seleção da
escola, ela é uma Geografia escolar mimeográfica Alemanha do time do Flamengo. Na Copa do Mundo
e efêmera, pois não está dentro do planejamento de 2014 as crianças brasileiras foram bombarde-
do professor, não está dentro do pensamento do adas por informações de diferentes seleções e de
currículo, não está dentro de uma discussão mais seus respectivos países. Então, quando ela fala e
ampla de formação do aluno, mas entra nesses pensa sobre a seleção da Alemanha, ela sabe que
espaços muito fluidos, muito voláteis, na rotina a Alemanha é um país que fica num lugar longe,
diária do professor (STRAFORINI, 2012a; 2012b). que sua população fala uma outra língua, mesmo
sem saber quanto é longe e que está num outro
GIRAMUNDO: Temos uma pergunta que seria um continente, ou ainda, que é um país economi-
desdobramento desta segunda, e que tem muito camente central. O que nós professores temos
a ver com parte da resposta da primeira, em que que ter em mente é que, em virtude dos meios
você falou sobre a totalidade-mundo e a pesquisa tecnológicos digitais, as crianças já têm algumas
resultou no livro “Ensinar Geografia”. Nele você informações que lhes possibilitam transitar com
tenta justamente trazer as categorias do Milton alguma autonomia na manipulação desse conhe-
Santos para ver as possibilidades de diálogo cimento, mesmo que com uma certa dificuldade
entre a obra dele e o que se pratica no Ensino de compreensão mais complexa das relações
Fundamental. E agora você falou de uma série de econômicas, políticas e culturais que possibilitam
problemas abordando formação de professores e à Alemanha ser um país central na geopolítica
políticas. Suas pesquisas parecem não somente mundial contemporânea. Então, não temos que
ter levantado problemas, mas também apontado trabalhar com os alunos toda a complexidade de
alguns caminhos possíveis. Então, você poderia um conceito ou tema, mas aquilo que responde
desenvolver um pouco mais o que abordou na às suas questões e nas fases em que estão, na
pesquisa envolvendo a questão das escalas, da perspectiva do que nos traz o conceito de Zona
totalidade-mundo. Pensamos que talvez ela traga de Desenvolvimento Proximal (ZDP) de Vygotsky.
alguns aspectos a trilhar como caminho alternativo Então, ainda utilizando o exemplo dado da seleção
para educação geográfica nas séries iniciais do da Alemanha, o professor deveria problematizar em
Fundamental. suas práticas pedagógicas elementos e informa-
ções sobre esse país e que estão por aí, em nosso
PROF. STRAFORINI: A questão principal da totalida- dia-a-dia, impressos nas mercadorias, empresas,
de-mundo a partir da obra do Milton Santos são times de futebol e, evidentemente, na sociedade
as relações escalares, pois em virtude do advento brasileira, pois tivemos um grande fluxo migratório
do meio técnico-científico-informacional e da de alemães para o Brasil e que imprimiu caracterís-
consequente unicidade das técnicas, convergência ticas marcantes na sociedade brasileira. Isso não
dos momentos, cognoscibilidade planetária e da quer dizer que o professor tenha que abandonar
mais-valia universal é central que a gente consiga o “lugar de vivência”, a “realidade dos alunos”, o
visualizar com mais clareza as sobreposições “próximo: (bairro, cidade)”, mas compreender que
escalares. Quando você se volta para o passado, nessa escala do viver também estão ali impressos
lá atrás, essas escalas também já existiam, havia as relações com a tal “seleção da Alemanha”...
sobreposições, mas talvez não estivessem tão que as escalas do longe e do próximo estão se
evidentes assim, em virtude dos condicionantes sobrepondo. O professor Milton nos ensinava que

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o mundo é uma abstração, que ninguém consegue
pensar o mundo com todos os seus elementos
e em relação num instante de pensamento. O
que a gente consegue pensar são recortes desse
mundo, ou seja, o mundo precisa do lugar para
se materializar, se concretizar. Ou então, o mundo
precisa de flashes de memória para se materia-
lizar no nosso pensamento. O que existe no nosso
pensamento enquanto coisa é o planeta Terra, na
sua forma esférica e azul, mas o mundo não. Então,
se o mundo não existe, ele precisa de recortes,
logo, quando eu manipulo o conceito de totalida-
de-mundo, necessariamente a minha escala da
totalidade-mundo não precisa se chegar no mundo
como ecúmeno, mas de recortes. Então, a totalida-
de-mundo vai depender dos recortes necessários
para uma compreensão de um dado fenômeno.
Nos anos iniciais e na Educação Infantil, de repente,
a totalidade-mundo pode ser o bairro, o local, a
creche, a escola de Educação Infantil e o centro
da cidade. Se você sai da unidade escolar e vai
para o centro da cidade, e o aluno consegue esta-
belecer relações de distância, de deslocamento,
de tempo, de mobilidade urbana, enfim, há vários
elementos dentro dessa perspectiva. Pode, de
repente, estabelecer relações do lugar ou do bairro
com o Nordeste. Lembro que na minha pesquisa,
numa das atividades, a escala mundo chegou ao
Sertão do Ceará, quando uma aluna falou “nós
estamos morando nesse bairro porque meus pais
vieram do Ceará, fugidos da seca”. Ou seja, ela
já estava operacionalizando relações socioespa-
ciais entre o Ceará e um bairro de Sorocaba-SP.
Então, se o Piaget nos fala da centração espacial,
focada no aluno, quando ocorre essa descentração
escalar, e a criança percebe que ela está num
determinado bairro em virtude de relações com a
sua família e com um outro lugar, isto é totalidade-
-mundo, porque a totalidade-mundo são relações.
Eu acho que os professores dos anos iniciais
deveriam focalizar mais nas relações escalares
entre os fenômenos que estão acontecendo. Isso
está na pesquisa de mestrado que fiz. A gente faz
os recortes necessários para a pergunta que temos.
GIRAMUNDO: Você já chegou a abordar aqui um
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pouco sobre o processo que culminou na sua tese
de doutorado orientada pelo professor Maurício
Abreu, em que é enfatizada a produção do território
brasileiro no século XVIII a partir dos sistemas de
circulação e transporte. Com base nessa expe-
riência, você pode nos falar um pouco sobre a
Geografia Histórica presente na Geografia Escolar?
PROF. STRAFORINI: Não tem Geografia Histórica na
Geografia Escolar. Faço essa afirmação a partir de
um texto de Maurício Abreu extremamente interes-
sante, no qual ele dialoga com Milton Santos para
falar sobre os fundamentos e a metodologia da
Geografia Histórica (ABREU, 2000). Nesse texto, o
professor Maurício nos diz que a Geografia Histórica
padece com a concepção de que a Geografia é a
ciência do presente, ou ainda, que nós vivemos
“uma ditadura” da geografia do presente”. Bom,
se existe uma ditadura da geografia do presente,
aquilo que é historiográfico na Geografia Escolar
tem por fundamento último ser marco contextual...
Não passam de marcos contextuais históricos para
a geografia do presente, tratados de forma linear ou
diacronicamente. E por que são assim? Agora sou
eu que estou afirmando e não o professor Maurício,
porque nós também vivemos numa ditadura meto-
dológica da Geografia Crítica, que está começando
a ser questionada, evidentemente, mas que
tem como fundamento materialismo histórico e
dialético como método para a compreensão da
formação socioeconômica e suas macrocategorias,
modo de produção e relações de trabalho, que
fundamentam toda a concepção de produção do
espaço. Ora, se nós temos o materialismo histórico
e dialético como método na Geografia, a história
entra, então, na Geografia como um marco contex-
tual. Mas para qual fim? Para compreendermos
os nossos objetos de estudo do presente, ou seja,
uma Geografia do tempo presente. Ao fim e ao
cabo, os contextos históricos buscam legitimar
um discurso da geografia do presente. Por outro
lado, o que o professor Maurício nos ensinava era
que os estudos de geografia histórica deveriam
se fixar no seu próprio tempo do acontecer ou no
passado, ou seja, num recorte temporal sincrô-
nico, e tentar encontrar a geografia que estava
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sendo produzida naquele momento. Lógico que GIRAMUNDO: Realmente a lógica econômica está
para se fazer esse recorte sincrônico não devemos presente como estruturante no discurso do conhe-
abandonar o tempo diacrônico, até porque cimento escolar. Mas como isso é pouco proble-
estamos lendo aquele tempo passado aos olhos matizado, a gente toma isso como verdade...
do presente e a contextualização é fundamental.
A questão é, então, o peso da mão metodológica PROF. STRAFORINI: Exato... Para finalizar, eu penso
que se dá ao tempo, pois, presa na “ditadura do que a Geografia Histórica na Geografia Escolar é
presente”, a geografia encapsula todas as possibi- inexistente no sentido metodológico do termo, e
lidades de uma observação mais rica da Geografia quando a historiografia aparece é para legitimar,
Histórica, da compreensão de espacialidades que como marcos contextuais diacrônicos e lineares,
estavam sendo produzidas no passado, ou, como uma geografia do presente, que além de ser preju-
o próprio Maurício de Abreu dizia, em “um presente dicial para a Geografia também é para a História,
de então”, nas suas múltiplas possibilidades e na pois esta história entra na geografia de modo linear
riqueza daquele tempo. E como nós estamos muito – diacronicamente – sem pensar na perspectiva das
presos a esses marcos contextuais na perspectiva rupturas, dos hiatos. A gente sempre observa isso.
da Geografia Crítica, do materialismo histórico e
dialético, tudo é encapsulado numa perspectiva GIRAMUNDO: Uma das suas preocupações como
econômica do presente. pesquisador tem sido compreender as conver-
Um exemplo clássico de leitura terri- gências e divergências entre os textos curriculares
torial marcada nessa perspectiva de geografia oficiais e os currículos praticados na Educação
como ciência do presente e economicista é que Básica. Como você vê esta relação no contexto
em quase todos os livros didáticos, em todo o atual em que se discute efetivamente a criação
material didático e até mesmo textos acadêmicos de uma base nacional curricular comum? E outra
a história do território brasileiro ainda está muito pergunta que, se quiser, pode responder junto: o
presa à ideia de “ciclos econômicos” e “ocupação que pensa sobre o ENEM como texto curricular?
em arquipélago”. Isso, na minha perspectiva, é Como você vê o ensino de Geografia praticado
um equívoco, porque só é em arquipélago numa nesse contexto?
perspectiva econômica, fixada no conceito de
integração econômica do território a partir de PROF. STRAFORINI: Uma coisa que nós não podemos
variáveis do século XX. Os historiadores sociais negar é que as políticas curriculares apresentam
há muito tempo abandonaram essa perspec- impactos nas práticas docentes, tanto para o
tiva do arquipélago e o meu próprio trabalho de bem quanto para o mal. Aquilo que se produz
graduação, que virou um livrinho sobre tropeirismo, em escala nacional, estadual ou municipal tem
para compreender a importância das feiras de de fato um impacto nas práticas docentes. Eu
muares que ocorriam em Sorocaba, já mostrava estou colocando isso porque num determinado
relações sociais, e até mesmo econômicas, entre momento das minhas pesquisas, eu trabalhava
Norte-Sul, entre diferentes capitanias e depois muito na perspectiva do currículo praticado e
províncias do Brasil. As relações territoriais são ficava muito focalizado nas individualidades, nas
muito mais ricas do que as relações de integração práticas individuais dos docentes, e pouco arti-
econômica. Não é possível falar de mineração na culadas com contextos mais amplos da política
porção central da América portuguesa sem levar curricular, da política educacional. Então elas têm,
em consideração o que estava acontecendo na sim, um impacto muito forte. Um exemplo disso
região meridional da América do Sul, tão pouco do é a lei 11.645, que torna obrigatório o ensino de
que estava acontecendo nos sertões de dentro e “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Eu
de fora da atual Região Nordeste... Não vejo nada não creio que nós, nessa sociedade extremamente
de arquipélago nisso! preconceituosa, racista, teríamos acrescentado

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essas discussões e levado isso para a sala de aula
se os movimentos sociais não tivessem lutado há
algumas décadas para que a sua pauta tenha se
tornado um ato normativo curricular. Não é uma
benesse do Estado que impõe, mas resulta da
ação dos movimentos sociais, dos movimentos
populares afro e indígenas que essa pauta está
no currículo e que todas as atuais políticas de
educação levam isso em consideração, a exemplo
dos editais do PNLD que indicam reprovação da
coleção se essas temáticas não forem contem-
pladas, ou se revelarem preconceitos, visões
deturpadas. Eu não tenho dúvidas de que se não
houvesse isso, essas temáticas não apareceriam
de fato no currículo, ou apareceriam de forma
extremamente preconceituosa. Acho que é um
dado positivo e nós temos outras temáticas inte-
ressantes que também podem ser trazidas.
Mas também as políticas curriculares
têm impactos negativos. Aqui no Estado de São
Paulo, o currículo introduz um novo elemento para
os anos iniciais, que é a organização da rotina
diária do professor em hora-aula, e aí estabelece
quantas horas-aula são destinadas à Língua Portu-
guesa, quantas horas-aula para Matemática, para
Geografia... O objetivo da Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo é que os professores
trabalhem mais com “Português” e “Matemática”,
porque é isso que cai na “Provinha Brasil”, que
cai no “Saresp”, que cai no PISA (Programme for
International Student Assessment – Programa Inter-
nacional de Avaliação de Estudantes) e, a depender
desses resultados, é que a escola vai receber mais
ou menos dinheiro, que os professores serão boni-
ficados pontualmente. Lógico que com isso há um
impacto negativo porque algumas áreas não vão
ser ensinadas, caso de Geografia, História, Artes...
Hoje nós estamos vivendo um retrocesso também
no campo da política, em que algumas questões
foram tiradas da pauta dos movimentos sociais, a
exemplo da questão de gênero – que estavam no
texto inicial do Plano Nacional de Educação – e
que passou a ser retirada dos planos estaduais
e dos planos municipais de educação sistemati-
camente. Isso tem um impacto forte também na
sala de aula. Qual é a segurança que o professor
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vai ter em trabalhar questões de gênero com seus
alunos quando o ato normativo o impede e, pior,
o criminaliza? Não se trata de introduzir um tema
novo, mas de se trabalhar algo que sempre esteve
dentro da escola que é a questão de gênero. Vejam
que a gente está passando por processo muito
severo de retrocesso e com grandes impactos na
sala de aula.
Bom, o que eu vejo também é que todos
esses documentos curriculares, todas essas
políticas, têm um discurso que os une: o discurso do
“novo” num sentido messiânico, isto é, salvacionista
do sistema educacional. A Alice Casemiro Lopes,
em seus textos, trabalha muito essa questão. Um
documento curricular que sempre aparece como
sendo “novo” e que vai salvar a educação. Então,
a Base Nacional Curricular Comum, me parece
estar sendo colocada e usada no campo discur-
sivo como um elemento que vai salvar o sistema
educacional brasileiro, porque o documento por
si só tem esse caráter messiânico. Isso a gente
percebe em todos os documentos. Eu agora estou
mudando até a terminologia – não estou mais
trabalhando com convergências e divergências,
mas, sim, permanências e mudanças... Todos
os documentos curriculares, nas suas primeiras
páginas de apresentação sempre aparece esse
discurso do novo com o sentido messiânico. Mas,
por outro lado, quando a gente analisa e começa
a mergulhar nesses documentos, a gente percebe
muito mais permanências ou convergências do que
mudanças ou divergências, porque, ao fim, eles
não estão sendo escritos sobre uma base vazia,
mas sobre uma tradição escolar e pedagógica que
não foi produzida da noite para o dia. A própria tese
da Carolina Vilela é reveladora disso, por mais que
o documento tente trazer uma nova geografia, ao
fim e ao cabo, sempre tem uma geografia regional
anunciada e fixando a forma como se estrutura
o currículo de geografia (VILELA, 2013). É lógico
que em cada tempo, em cada documento, as
palavras revelam sentidos próprios que pertencem
àquele tempo e àquela escola. Mas, no campo
das equivalências discursivas, eu tenho percebido
que os documentos curriculares têm muito mais
permanências do que mudanças. Então, quando
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alguém fala: “ah, o currículo novo...” Eu pergunto está no documento prescritivo, mas também com
“o que há de novo nesse documento curricular?” as concepções de educação, as suas concepções
Pouquíssima coisa. de mundo, os Projetos Político-Pedagógicos (PPP)
das escolas. Isso é um elemento importante. De
GIRAMUNDO: E que novidade ele gera nas práticas, uma forma ou de outra, eu penso que as políticas
não é? têm de valorizar o docente, para que ele possa
fazer essa articulação de forma mais coerente, de
PROF. STRAFORINI: Exatamente. Esse é um outro forma mais crítica, e encontrar naquilo que está
elemento. Que novidade ele vai gerar nas práticas? prescrito enquanto uma Base Nacional Comum,
Isso é uma outra pesquisa, é um outro elemento que seria o universalismo, com os contextos mais
que tem de ser pensado. particularistas, que diz respeito à sua realidade, ao
O que eu tenho pensado a partir dos funda- seu local, à sua escola, ao seu município, ao seu
mentos geográficos, das pesquisas realizadas pelo estado. Agora, para fazer isso, o professor tem de
meu grupo e, sobretudo, de leituras que estamos estar aparelhado intelectualmente. Senão ele não
fazendo da produção dos grupos de pesquisas consegue perceber o que está em jogo nesses
de currículo da UFRJ e da UERJ, é que quando a conflitos e como ele pode operacionalizar tudo isso.
gente coloca sobre a mesa a Base Nacional Curri- Daí a importância da formação do professor, tanto
cular Comum e a ideia de currículos escolares a formação inicial quanto a formação continuada.
autônomos – nessa discussão da autonomia escolar No que diz respeito ao ENEM, não tenho
–, acho que o que é muito marcado é a contradição dúvidas que ele influencia as práticas curricu-
do sistema educacional brasileiro a partir do pacto lares no Ensino Médio, inclusive desconstruindo
federativo, isto é, do sistema de colaboração entre um pouco da hegemonia curricular existente ao
os entes federados. O governo federal propõe uma longo de décadas no sistema educacional brasi-
Base Nacional Comum, mas o sistema nacional de leiro, de uma educação conteudista e mnemônica,
educação trabalha em colaboração com os entes em que se privilegia os alunos melhor adestrados
federados – estados e municípios, que têm também para responder ao vestibular. Então, o ENEM, por
certa autonomia na produção de seus currículos. trabalhar uma perspectiva um pouco mais integrada
Me parece que há aí um conflito entre aquilo que e contextualizada do conhecimento, ressignificou
quer ser universal, com discursos universalistas um pouco essa tradição que eu acabei de falar.
vindos do governo federal, com aquilo que é muito Por outro lado, o fato é que o ENEM também
particularista ou dos estados ou dos municípios foi capturado pelo capital privado do sistema
ou até mesmo das escolas, com suas demandas educacional e também por políticas educacionais
particulares múltiplas. Esse conflito entre universa- voltadas para o Ensino Médio. Estando estruturado
lismo e particularismo, presentes nos textos curri- na metodologia da Teoria de Resposta ao Item (TRI),
culares, sempre aparece e está presente. De que em que avalia as expectativas de aprendizagem a
forma a gente pode resolver isso? Não creio que partir de habilidade e competências previamente
consigamos nunca dar uma resposta final a esse divulgados em sua matriz de referência, o que vem
problema, porque trata-se da própria essência do ocorrendo hoje – e eu tenho uma aluna pesquisando
debate político-curricular: o conflito entre o que se isso – é que há uma substituição do antigo adestra-
pretende ser universal ou hegemônico com o parti- mento para responder ao vestibular (conteudismo),
cular. Eu penso que as escolas e os professores por um adestramento para responder ao ENEM e
poderiam buscar nesse jogo escalar, nesse jogo de uma organização curricular a partir dessa matriz
universalismo e particularismo que se tenta colocar de referência do ENEM. Assim, seria ingenuidade
entre estados e municípios, aquilo que são as equi- a gente achar que o ENEM está favorecendo aos
valências para as suas práticas curriculares. E no alunos da escola pública, pois ele não está. Ele
jogo das equivalências não só operam aquilo que continua segregando da mesma forma que o antigo

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vestibular segregava, pois as escolas e os sistemas
privados de educação por terem mais agilidade
em se apropriar desse novo discurso impresso
no ENEM, passaram a organizar seus currículos a
partir das expectativas de aprendizagem, prepa-
rando agora os seus alunos a responderem de uma
outra forma aos itens de prova que são solicitados.
No campo da Geografia eu tenho percebido
que o ENEM também está fixando um sentido para
a própria Geografia Escolar no Ensino Médio. Se o
ENEM tem como um discurso forte o conhecimento
integrado e a contextualização dos conteúdos
escolares com a vida dos estudantes, dentre as
disciplinas que compõe o currículo escolar no
Ensino Médio, a Geografia é aquela que, num
primeiro momento, mais se aproxima, que mais
dá condições dessa aproximação dos conteúdos
com a contextualização. E qual é o sentido que tem
sido fixado para a Geografia Escolar? O sentido
de atualidades. Então, a Geografia, enquanto um
campo de conhecimento (com as suas categorias e
métodos) que poderia contribuir para fazer a leitura
de mundo a partir do seu próprio método, está
sendo capturada pela geografia da atualidade ou,
pior, por uma “geografia jornalística”. Isso é um
problema sério, quando a Geografia é chamada no
Ensino Médio somente para responder aquilo que
está acontecendo no campo das atualidades. Ao
invés de termos professores leitores do mundo com
as suas ferramentas metodológicas, nós estamos
multiplicando os “Williams Bonners” nas salas de
aula e nos cursinhos preparatórios. Nós temos que
ficar atentos a isso e vigilantes. O ENEM pode ser
uma camisa de força, pode simplificar demais um
campo de conhecimento que é a Geografia.
GIRAMUNDO: Tendo atuado em diferentes cursos
de formação de professores de Geografia, como
você analisa os cursos de licenciatura? Quais são
os principais desafios?
PROF. STRAFORINI: Creio que há uma diversidade
muito grande de estruturas de cursos de licencia-
tura não só de Geografia, mas também das demais
áreas. Mas como circulo mais na Geografia, eu
tenho verificado uma diversidade muito grande
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de organização curricular dos cursos de licen-
ciatura. Elas não são únicas, são diversificadas,
muitas vezes contraditórias, muitas vezes retró-
gradas, muitas vezes progressistas... Nós temos
um mosaico muito grande de cursos de Geografia.
Por exemplo, a UERJ e a UFRJ, que são as duas
universidades que eu trabalhei no Rio de Janeiro,
responderam àquela resolução de 2002, que trata
das “Diretrizes Curriculares para os cursos de
Geografia”1, criando disciplinas específicas para
compor aquele conjunto de horas das práticas peda-
gógicas com componentes curriculares. Na UERJ,
me parece que eram quatro ou cinco disciplinas;
eu atuei em quase todas elas, além dos estágios
supervisionados e além das disciplinas pedagó-
gicas fornecidas pela Faculdade de Educação. A
mesma coisa com a UFRJ, que respondeu com as
oficinas didáticas (oficinas didáticas de Geografia
Humana, de Geografia Física, Cartografia...). Já, na
maioria dos cursos de Geografia no Brasil, essa
resposta às práticas pedagógicas como compo-
nentes curriculares foi diferenciada dessas duas
universidades, pois o que fizeram foi a distribuição
dessas quatrocentas horas dentre as disciplinas da
grade curricular, ou seja, deram “de presente” aos
professores mais horas-aula para continuarem a
trabalhar da mesma forma que já trabalhavam. Aqui
na Unicamp as práticas também foram diluídas
dentro das disciplinas e associadas às práticas
já existentes, como trabalho de campo e labora-
tório, que estavam ligadas a algumas práticas de
algumas disciplinas dentro dos currículos. Então,
a gente tem cursos muitos diversificados, e acho
que essa é a riqueza. Seria muito ruim se nós tivés-
semos apenas um único desenho de formação
de professores de Geografia. Eu tenho um aluno
de doutorado que está estudando o currículo de
Licenciatura em Geografia de sua própria univer-
sidade, Universidade Estadual da Bahia, que tem
um perfil mais “rizomático”. Nesse currículo, os
alunos têm de cumprir porcentagens por área, e
nessas porcentagens eles escolhem disciplinas
que querem fazer, assim os desenhos curriculares
possuem as formas mais diversas para cada aluno.
Uma coisa interessante é que essas
políticas de formação de professor, presentes
 RAFAEL STRAFORINI

na escala nacional, sobretudo, as do Conselho de Geografia? Nos referimos a essas políticas curri-
Nacional de Educação, tiveram poucos impactos culares que vêm sendo estudadas para integrar
aqui no Estado de São Paulo, porque as univer- o currículo por áreas. O que tem a dizer sobre a
sidades paulistas, na sua arrogância, pouco formação de professores nesse contexto?
respondem àquilo que é do Conselho Nacional
de Educação, porque elas estão sob o julgo do PROF. STRAFORINI: Acho que voltamos àquele
Conselho Estadual de Educação, que até então conflito perene entre os discursos universalistas
não tinha uma portaria ou uma resolução específica e particularistas que estão sempre em movimento
para os cursos de formação de professores nos quando se fala em produção de currículo. Se tenho
moldes dessa do Conselho Federal. Para dirimir uma estrutura curricular extremamente flexibilizada,
esse problema, recentemente o Conselho Estadual isso entrará em conflito direto com a formação
de Educação estabeleceu uma Portaria2 em que do professor. Se na escola o currículo estiver
os cursos das universidades paulistas devem ter integrado em Ciências Humanas e suas Tecnolo-
trinta por cento da carga horária total de disciplinas gias, a questão é: a Geografia, enquanto um campo
didático-pedagógicas, excetuando os estágios. de conhecimento, tem condições de formar um
Isso criou um campo de disputas enorme dentro professor capaz de dialogar com a História e com
dos cursos, porque quando se coloca trinta por a Sociologia? Já tratamos numa das perguntas
cento, ou você faz uma reforma curricular, dimi- anteriores sobre o fato de não termos Geografia
nuindo a carga didática total do curso (e para Histórica como conteúdo escolar, até porque
diminuir a carga didática você tem de mexer com nós geógrafos não sabemos História. Então, se
coisas estabilizadas), ou você tem de aumentar o lemos pouco de História e tudo termina em Celso
tempo de permanência do aluno de quatro para Furtado -, como vou realizar essa integração curri-
seis anos, e contratar professores para a área cular? Essa flexibilização entra em conflito com a
de ensino. E contratar professor na universidade formação do professor. Estamos lidando com uma
é, também, uma disputa de poder. Imagina que questão bem complexa, porque, mais do que o
um departamento contrate seis professores para professor se formar em uma disciplina e depois
área de ensino, significa que vai criar um outro atuar com outro professor na escola, de forma
núcleo de poder dentro de seu departamento, integrada, ele teria que ter uma formação integrada.
pois esses professores vão colocar suas pautas Falo isso com muita tranquilidade porque no meu
no jogo das políticas internas. O que eu acho que Ensino Médio tive uma formação integrada. Tinha
foi rico desse movimento todo, dessa portaria do seis aulas teóricas de manhã e, à tarde, “resolução
Conselho Estadual de Educação [de São Paulo], de problemas”, em que trabalhávamos com uma
é que ela colocou em movimento algumas coisas questão-problema que transitava pelas diferentes
que estavam estabilizadas. Mas acho que os disciplinas. Isso nos fazia enxergar aquela questão
desafios continuam os mesmos, que é formar bons na perspectiva da própria Educação, na da Língua
professores-pesquisadores numa articulação esco- Portuguesa, na da Matemática, da Física, da
la-universidade. O grande desafio na formação do História. Agora, para que isso ocorra é preciso
professor é fazer, de fato, essa integração entre reconstruir, refazer a concepção de formação de
saberes acadêmicos e saberes escolares, não de professores. O currículo integrado tem um impacto
forma a hierarquizá-los, mas de forma a contextu- muito grande na formação porque ele precisa
alizá-los nos seus devidos campos. criar um novo pacto na relação sujeito-conheci-
mento. Ora, por mais que a gente diga tudo isso,
GIRAMUNDO: Muitas das políticas curriculares hoje vivemos em uma sociedade moderna e positivista.
apontam para uma flexibilização das estruturas do A universidade reproduz, praticamente, o positi-
currículo na escola. De que modo você percebe o vismo comteano, com as áreas, os departamentos,
impacto disso sobre a formação dos professores as disciplinas, cada qual com suas pós-gradua-

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ções, com pouca coisa que se integra. Ninguém
passa por uma formação dessa “impunemente”.
Inspirado em uma propaganda que há alguns anos
atrás problematizava: “onde é que você esconde
o seu racismo?”, passei a perguntar aos alunos:
“onde é que você esconde o seu positivismo?” Bem,
eu sei onde escondo os meus...
GIRAMUNDO: ...e a gente muitas vezes nem esconde,
nem tem como esconder! E o mundo não nos pede
tanto pra esconder...
PROF. STRAFORINI: É impossível! Se a gente passa
por uma formação positivista, como é que a gente
vai refazer na cabeça e atuar na perspectiva de
um currículo integrado? Currículo integrado é uma
coisa extremamente rica! O interessante é que lá
no meu magistério, entre final dos anos 80 e início
dos 90, essa era questão central na formação que
era pensar em uma formação holística. Quando
isso vai virando política, a gente começa a criticar.
O fato é que tem uma riqueza e uma potência no
currículo integrado, e que nós não conseguimos
estruturar o nosso pensamento abandonando o
positivismo. Isso significa refundar o pensamento,
refundar nosso olhar do mundo e do método.
GIRAMUNDO: E como fica a identidade da Geografia
dentro desse pensamento?
PROF. STRAFORINI: Se queremos refundar o pensa-
mento e o conhecimento, não é a Geografia
enquanto disciplina que está em tela. A pergunta
passa a ser como trabalhamos com o conheci-
mento geográfico. Algo muito mais amplo do que
a disciplina Geografia.
GIRAMUNDO: O Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência (PIBID) tem por objetivo
antecipar vínculos entre licenciandos e as salas
de aula da rede pública. Quais são os principais
impactos desse programa na formação desses
futuros professores? Há alterações na articulação
da Universidade com a Escola Básica? Quais têm
sido os principais desafios para a execução do
programa?
154
PROF. STRAFORINI: Acho que todas as avaliações
têm mostrado que o PIBID, em escala nacional,
trouxe alguns impactos bem positivos, sobretudo
no que diz respeito à aproximação dos discursos e
da cultura escolar e acadêmica. Porque, até então,
o que nós tínhamos, eram estágios supervisio-
nados, que consistiam em ir para a escola, falar e
pensar sobre ela, ver o que nela acontecia, voltar
para universidade e relatar isso. O PIBID tenta
romper com isso ao introduzir a ideia de “escola
parceira” e também do professor-supervisor na
escola como um sujeito parceiro do projeto. Assim,
tem conseguido aproximar de forma qualitativa
essas culturas, escolar e acadêmica, não só no
final do curso, nos estágios supervisionados, mas
desde o início do curso, porque há muitos projetos
envolvendo alunos dos primeiros períodos, com
alunos universitários acompanhando, ao longo da
sua formação, essa vivência na escola. Também
vejo, a partir do projeto PIBID que eu coordeno aqui
na Unicamp, que nossos alunos têm vivenciado e
possibilitado algumas experiências diversificadas
na escola, porque a sala de aula, no contexto da
precarização do trabalho docente atual, pouco
possibilita momentos de rupturas ou de subversão.
É lógico que há subversão dos docentes: os
pesquisadores que trabalham com práticas curri-
culares, com cotidiano escolar verificam muitas
ações inovadoras acontecendo. Mas isso ocorre
nas brechas, nos hiatos da opressão, porque a
estrutura escolar quase impossibilita que essas
subversões ocorram mais frequentemente ao longo
dos 200 dias letivos. O PIBID é uma força a mais
que entra junto ao professor. Os alunos não estão
só estagiando, eles estão compartilhando com
os professores e, ao compartilhar, eles acabam
levando também propostas, discussões e um olhar,
por vezes, diferenciado daquele que já tinha o
professor, o que enriquece as aulas. Acho que esse
é outro fato positivo. Outra coisa interessante é que
em alguns cursos em que prevalecem os discursos
de legitimação do bacharelado em detrimento da
licenciatura, o PIBID, com a sua movimentação, a
sua dinâmica, o seu acontecer na Universidade,
tem criado aquilo que eu tenho chamado de uma
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 RAFAEL STRAFORINI

nova “paisagem de licenciatura”. Ao criá-la no diretores da Capes têm colocado que o PIBID deve
espaço acadêmico, ressignifica também esse ir para o MEC, porque ele é um projeto de Estado,
espaço, porque a licenciatura passa a existir nessa não de um órgão do governo. E deveria estar no
paisagem: tem ali trabalhos dos alunos, maquetes, ministério geral. Como os programas de pós têm
banners, professor da escola básica entrando na hegemonia dentro das universidades, é muito fácil
universidade. Isso em um sentido mais material, convencer de que a Capes deveria focalizar seus
mas também tem uma paisagem que opera em esforços na pós-graduação, sobretudo mandando
sentido imaterial, ou uma psicoesfera da licencia- os alunos para a França, para os Estados Unidos,
tura, que inclui os discursos dos alunos universitá- via Ciência sem Fronteiras, e não gastar dinheiro
rios, suas falas e vivências, sua identificação com com formação de professores.
a escola, em detrimento daqueles discursos muito
fortes em torno do bacharelado. Agora, quais são GIRAMUNDO: A próxima pergunta é de troca, de
os problemas do PIBID? Um deles é o de ser, ainda, editor para editor [risos]. Você é o editor da Revista
um programa seletivo. Ele distingue os alunos da Brasileira de Educação em Geografia. Como foi o
licenciatura que podem e que não podem ter bolsa, processo de criação da revista? Depois de diversos
aqueles que passarão por essa vivência, e outros números publicados, que avaliação já é possível
que não. Ao fazer essa seleção o programa cria fazer sobre o periódico?
dois mundos no campo da formação inicial: o do
aluno que terá que se limitar ao estágio supervi- PROF. STRAFORINI: Na época, meados dos anos
sionado e o aluno do PIBID. O programa acaba 2000, éramos um grupo de jovens pesquisadores
também sendo segregador dentro dos cursos de na área de ensino da Geografia e percebíamos
formação. Mas, no geral, como disse, tem boas que não havia um periódico temático para a área
avaliações, tem impactado profundamente alguns e que o tema do Ensino disputava espaço nos
cursos, com destaque a alguns que apresentam demais periódicos de Geografia. Muitas vezes, ao
baixa demanda na procura por licenciaturas. No submetermos nossos trabalhos a esses periódicos,
ENALIC [V Encontro Nacional das Licenciaturas obtínhamos respostas (eu mesmo recebi algumas
– 2014], que aconteceu em Natal, eu assisti a assim), dizendo que nossos artigos deveriam ser
algumas apresentações em que alunos informavam publicados em um periódico de Educação e, não,
que, não fosse o PIBID, o curso fecharia. No projeto de Geografia. Ou seja, um forte enunciado discur-
de expansão das universidades brasileiras para o sivo de que ensino de Geografia não é Geografia.
interior, o PIBID, em algumas pequenas cidades, Era essa visão um pouco preconceituosa com
é também uma política de permanência. Por isso a área de pesquisa, e isso era recorrente. Por
tem possibilitado a existência de alguns cursos outro lado, começamos a perceber que algumas
de licenciatura que eram muito demandados em outras áreas da Geografia estavam criando seus
algumas áreas do território nacional, o que é mais periódicos temáticos que, pareciam fortalecê-
um dado a ser colocado. Agora tudo isso está em -las enquanto campo de investigação, uma vez
xeque, com cortes de recursos e ameaça até de que um periódico cria um espaço de sistemati-
extinção do PIBID. zação, de divulgação das pesquisas realizadas
Outra questão importante é que o PIBID e um prenúncio de temas de fronteiras a serem
disputa recursos com aquilo que tem prestígio pesquisados. Então, quando nos reuníamos num
social na universidade, que é a pós-graduação. congresso aqui, outro acolá, começamos a pensar,
E a pós-graduação, por sua vez, vem recebendo trocar algumas ideias sobre a criação de um
cortes gigantescos. E aí, veja, estamos em um periódico só de Ensino de Geografia. E como nós
campo de disputas discursivas, de significação: a somos muito arrogantes [rindo], a gente falou, “vai
Capes tem que focalizar seus recursos na formação ser a Revista Brasileira de Educação em Geografia”.
inicial ou na pós-graduação? Alguns dos mentores, Como não tinha nenhuma revista conclamando

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 E N T R E V I S TA
em seu título o “Brasileira”, concluímos: “é isso
que nós precisamos para empoderá-la!” Nada
melhor como dimensionar a escala nacional para
lhe conferir um sentido discursivo de empode-
ramento! Nossos primeiros rabiscos práticos de
como seria a Revista começaram em 2008 e, em
abril de 2009, no EGAL de Montevidéu [XII Encontro
de Geógrafos da América Latina], nos reunimos
eu, Antonio Carlos Pinheiro, o Denis Richter e
começamos a pensar na estrutura da Revista. Em
agosto daquele mesmo ano, durante o Encontro
Nacional de Prática de Ensino de Geografia de
Porto Alegre, juntaram-se a nós três o Sérgio Luiz
Miranda, da Universidade Federal de Uberlândia,
e o Vanilton Camilo de Souza, da Universidade
Federal de Goiás. Nos reunimos, traçamos os
objetivos, a estrutura, as políticas e algumas metas
e, em 2010, começamos a trabalhar mesmo na
Revista. Queríamos que ela tivesse um regimento,
até porque um dos princípios dela é que não seja
institucional, mas que seja interinstitucional. Não
queríamos que ela ficasse presa a um departa-
mento, a uma unidade, sabendo do risco que isso
poderia ter, ou seja, ela poderia ser “capturada”
por um editor, que não tivesse nada a ver com
ensino e fizesse dela o que bem entendesse. Então,
criamos um regimento de modo que a Revista não
esteja fixada em uma universidade ou um programa
de pós-graduação específico. Ela precisa ter um
endereço, o que não significa que ela está ligada
a um departamento e/ou a uma universidade. Eu
fiz um curso no Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia (IBICT) sobre editoração
de periódicos na plataforma Open Journal Sistems
(OJS) e começamos a testar a plataforma. Fizemos
uma chamada de artigos e, em 2011, lançamos
o primeiro número durante o Encontro Nacional
de Prática de Ensino de Geografia que ocorreu
na Universidade Federal de Goiânia. Para nossa
surpresa tivemos um apoio muito grande de toda
comunidade da área de ensino, sobretudo das
pessoas que têm uma longa trajetória na área de
Ensino de Geografia, como a Lana Cavalcanti, Nídia
Pontchuska e tantas outras pessoas que poderí-
amos citar aqui. Todas nos apoiaram e nenhuma
recusou o convite para compor a Comissão Cientí-
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fica. Aliás, consideramos nossa comissão científica
a menina dos olhos da Revista, pois todos têm
contribuído enormemente nos pareceres, sempre
muito bem consubstanciados. Também tivemos
uma recepção muito grande dos leitores, porque
sendo a primeira revista específica de Ensino
de Geografia, ficou muito fácil para aqueles que
trabalham na área buscar referências e fontes para
suas pesquisas, suas práticas. A revista tem uma
seção que é de práticas educativas, que é extre-
mamente procurada pelos professores. A gente
percebe que as práticas são mais baixadas do que
alguns artigos, porque têm um apelo da prática,
que os professores buscam como inspiração para
suas aulas, e isso é bem bacana. E a revista tem
crescido muito, ano a ano. Hoje nós estamos com
mais de cinquenta e cinco artigos em avaliação
para o próximo número e essa quantidade só vai
aumentando. Temos alguns dossiês agendados.
Alguns grupos de pesquisa têm nos procurado
para publicarmos dossiês. Publicamos um sobre
imagens, que foi muito bem aceito, outro sobre
livros didáticos. O próximo dossiê vai ser sobre a
educação geográfica no segmento infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Agora, sobre
os temas, a Revista revela um pouco o que a área
tem sido hoje: muito diversa quanto aos temas
e metodologias de pesquisa. Talvez, há uns dez
ou quinze anos atrás, teríamos uma coesão muito
maior dos artigos publicados quanto à temática.
Hoje os temas caminham e transitam da cartografia
escolar às questões sobre história do pensamento
geográfico, por exemplo.
GIRAMUNDO: Para concluir, que recado você deixaria
para licenciandos e professores da nossa disci-
plina?
PROF. STRAFORINI: Vou usar uma frase que sempre
uso em todas as vezes que me chamam pra
falar alguma coisa. É uma frase da professora
Mara Adélia Aparecida de Souza, que foi aqui da
Unicamp, agora é professora aposentada da USP.
Ela publicou um artigo que já não tenho mais a
referência dele, mas que me marcou muito nas
minhas leituras de mestrado, que diz algo assim:
 RAFAEL STRAFORINI

no atual estágio de globalização, ensinar Geografia NOTAS

é um privilégio. E acrescento que ser professor
no atual contexto político que vivenciamos, de 1 Resolução CNE/CES 14, de 13 de março de 2002.

retorno dos discursos conservadores, de ataques 2 Portaria Conselho Estadual de Educação de São Paulo 126/2014.

às conquistas sociais das últimas décadas... ser

professor nesse contexto, é mesmo um privilégio.
Nós temos que estar fortes e vigilantes. Então, Entrevista realizada pelo Conselho Editorial da Giramundo
acho que a mensagem é essa, sou um otimista.
Carolina Lima Vilela
Mesmo nesse retorno ao conservadorismo ainda Demian Garcia Castro
podemos produzir discursos contrários aos que Márcio Ferreira Nery Corrêa
estão tentando impor para as escolas. Pedro Paulo Biazzo

REFERÊNCIAS

ABREU, Maurício de Almeida. Construindo uma geografia do passado: Rio de Janeiro, cidade portuária, século XVII. GEOUSP,
São Paulo, n. 7, p.13-25, 2000.

STRAFORINI, Rafael. No caminho das tropas. Sorocaba: TCM, 2001.

_______. Alteridade e Geografia Escolar: uma leitura das práticas curriculares nos primeiros anos do ensino fundamental.
Revista de Geografía Espacios, v. 2, n. 3, p. 57-72, jul. 2012a.

_______. O ensino de Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental: um olhar a partir dos registros de classes de seus
sujeitos praticantes. In: BENTO, Izabella Peracini; OLIVEIRA, Karla Annyelly Teixeira de. (Org.). Formação de professores:
pesquisa e prática pedagógica em geografia. Goiânia: Editora PUC-Goiás, 2012b. p.79-101.

VILELA, Carolina Lima. Currículo de Geografia: analisando o conhecimento escolar como discurso. 201 f. Tese (Doutorado
em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

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