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VIEIRA, Alberto (2006),

Do mundo insular atlântico

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (2006), Do mundo insular atlântico, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em:
http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2009-mundoinsular.pdf, data da visita: / /

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DO MUNDO INSULAR ATLÂNTICO
ALBERTO VIEIRA
avieira@inbox.com

O Atlântico não é só uma imensa massa de água, polvilhada de ilhas, pois a ele associa-se
uma larga tradição histórica que remonta à Antiguidade, donde resultou o nome de
baptismo. Aqui deparamo-nos com um conjunto polifacetado de ilhas e arquipélagos que
se tornaram relevantes no processo histórico do Oceano, quase sempre como
intermediários entre o mar-alto e os portos litorais dos continentes europeu, africano e
americano. As ilhas anicham-se, de um modo geral, junto da costa dos continentes africano
e americano, pois apenas os Açores, Santa Helena, Ascensão e o grupo de Tristão da
Cunha se distanciam dela. Desde o pioneiro estudo de Fernand Braudel(1) que às ilhas foi
atribuída uma posição chave na vida do oceano e do litoral dos continentes. A partir daqui
a Historiografia passou a manifestar grande interesse pelo seu estudo. Note-se ainda que,
segundo Pierre Chaunu(2), foi activa a intervenção dos arquipélagos da Madeira, Canárias e
Açores, que designou Mediterrâneo Atlântico, na economia castelhana dos séculos XV e
XVII(3).
Para o Atlântico português a conjuntura foi diversa, pois a actuação em três frentes
-- Costa da Guiné, Brasil e Índico -- alargou os enclaves de domínio ao sul do oceano.
Neste contexto surgiram cinco vértices insulares de grande relevo -- Açores, Canárias,
Cabo Verde, Madeira e S. Tomé -- imprescindíveis para a afirmação da hegemonia e defesa
das rotas oceânicas dos portugueses. Aí assentou a coroa portuguesa os principais pilares
atlânticos da sua acção, fazendo das ilhas desertas, lugares de acolhimento e repouso para
os náufragos, ancoradouro seguro e abastecedor para as embarcações e espaços agrícolas
dinamizadores da economia portuguesa. No primeiro caso podemos referenciar a Madeira,
Canárias, Cabo Verde, S. Tomé, Santa Helena e Açores, que emergem, a partir de
princípios do século XVI, como os principais eixos das rotas do Atlântico. Aqui há
necessidade de diferenciar as ilhas que se afirmaram como pontos importantes das rotas
intercontinentais, como foi o caso das Canárias, Santa Helena e Açores, e as que se filiam
nas áreas económicas litorais, como sucedeu com Arguim, Cabo Verde, e o arquipélago do
Golfo da Guiné. Todas vivem numa situação de dependência em relação ao litoral que as
tornou importantes. Apenas a de S. Tomé, pela importância da cana de açúcar, esteve fora
desta subordinação por algum tempo.
O protagonismo das ilhas das Canárias e dos Açores é muito mais evidente no
traçado das rotas oceânicas que se dirigiam e regressavam das Índias ocidentais e orientais,
resultado da sua posição às portas do oceano. Elas actuaram como via de entrada e de saída
das rotas oceânicas, o que motivava a maior incidência da pirataria e corso na região
circum-vizinha. Mas os dois arquipélagos não foram apenas áreas de apoio, uma vez que o
solo fértil permitiu um aproveitamento das potencialidades por meio das culturas europeio-
mediterrâneas. Foi esta última vertente que os projectou para um lugar relevante na
História do Atlântico.
Atente-se que a valorização sócio-económica dos espaços insulares não foi
unilinear, dependendo da confluência de dois factores. Primeiro, os rumos definidos para a
expansão atlântica e os níveis da sua expressão em cada um, depois as condições
propiciadoras de cada ilha ou arquipélago em termos físicos, de habitabilidade ou da
existência ou não de uma população autóctone. Quanto ao último aspecto é de salientar
que apenas as Antilhas, Canárias e a pequena ilha de Fernão do Pó, no Golfo da Guiné,
estavam já ocupadas quando aí chegaram os marinheiros peninsulares. As restantes
encontravam-se abandonadas ---- não obstante falar-se de visitas esporádicas às ilhas dos
arquipélago de Cabo Verde e S. Tomé por parte das gentes costeiras ---- o que favoreceu o
imediato e rápido povoamento, quando as condições do ecossistema o permitiam. Se na
Madeira esta tarefa foi fácil, não obstante as condições hostis da orografia, o mesmo não se
poderá dizer dos Açores ou de Cabo Verde, onde os primeiros colonos enfrentaram
diversas dificuldades. Para as ilhas já ocupadas as circunstâncias foram diferentes, pois
enquanto nas Canárias os castelhanos defrontaram-se com os autóctones por largos anos
(1402/1496). Já em Fernão do Pó e nas Antilhas foi mais fácil vencer a resistência indígena.
Nos séculos XV e XVI este conjunto variado de ilhas e arquipélagos firmou um lugar de
relevo na economia atlântica, distinguindo-se pela função de escala económica ou mista: no
primeiro caso surgem as ilhas de Santa Helena, Ascensão, Tristão da Cunha, para o
segundo as Antilhas e a Madeira e no terceiro as Canárias, Os Açores, Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe. Neste grupo emergem a Madeira e as Canárias pelo pioneirismo da
ocupação que, por isso mesmo, se projectaram no restante espaço atlântico por meio de
portugueses e castelhanos. Daqui resulta a evidente vinculação económica e institucional da
Madeira ao espaço atlântico português, como o é das Canárias com as índias de Castela.
Daí também a importância que assume para o estudo e conhecimento da História do
Atlântico a valorização da pesquisa histórica sobre ambos os arquipélagos(4).
Em síntese, as ilhas jogaram um papel fundamental na estratégia de afirmação
colonial no Novo Mundo, pois que são pilares destacados do complexo que começou a
construir-se a partir do século XV. Elas foram, primeiro a imagem do Paraíso, para depois
se afirmarem como espaços de rica exploração económica, escalas retemperadoras e de
apoio aos intrépidos marinheiros. Paulatinamente ganharam a merecida posição na
estratégia colonial, projectando-se nos espaços continentais próximos e longínquos. Elas
abriram as portas do Atlântico e mantiveram-se até a actualidade como peças
fundamentais. Foram portas abertas à descoberta do oceano como para a afirmação e
controlo dos mercados continentais vizinhos, como sucedeu em Cabo Verde e S. Tomé.
Nos séculos XVIII e XIX não foi menor o protagonismo insular. As ilhas passam
de escalas de navegação e comércio a centros de apoio e laboratórios da ciência. Os
cientistas cruzam-se com mercadores e seguem as rotas delineadas desde o século XV. A
estes juntaram-se os "turistas", que afluem às ilhas desde o século XVIII na busca de cura
para a tísica pulmonar ou à descoberta. Este movimento foi o início do turismo nas ilhas
que só adquiriu a dimensão actual na década de cinquenta da presente centúria.
Todo o protagonismo das ilhas, acima referenciado, abona a ideia de que os
portugueses criaram um império anfibio. As ilhas foram o principal pilar e o mar o traço de
união. A omnipresença do mar está patente num provérbio chinês: os portugueses são como
peixes, que morrem quando se lhes tira a água(5).

Desde o século dezoito que a literatura científica e de viagens definiu de modo claro este
conjunto de ilhas como uma unidade merecedora de atenção. São as Western Islands que
encabeçam os títulos das publicações(26). Aqui entendia-se quase sempre os Açores, mas
muitas vezes associava-se as Canárias, a Madeira e, raramente Cabo Verde. Esta unidade
ficou estabelecida na designação de Macaronésia, dada às ilhas, de acordo com a mais
antiga designação da Antiguidade Clássica. Note-se que o mais antigo testemunho que se
conhece da vida vegetal e animal aparece nas volumosas Saudades da Terra de Gaspar
Frutuoso (1522-1591), escritas no último quartel do século XVI. Aliás, ele pode ser
considerado precursor dos naturalistas do século XVIII. Aí é possível fazer um percurso
por todas as ilhas e constatar a riqueza natural e a que resultou da acção do colono
europeu. Mesmo assim o rastreio não é exaustivo tornando-se difícil ao cientista saber com
exactidão quais os elementos vegetais e animais indígenas e os que resultaram da ocupação
europeia. Esta descoberta é tardia, como veremos. Apenas o homem do século XVIII
sentido necessidade de o fazer e é a partir de então que temos notícia do quadro natural das
ilhas. Mas. Entretanto haviam passado mais de três séculos de presença europeia em que as
espécies do velho continente se haviam mesclado com as do novo.
As ilhas entraram rapidamente no universo da ciência europeia dos séculos XVIII e
XIX. Ambas as centúrias foram momentos de assinaláveis descobertas do mundo através
de um estudo sistemático da fauna e flora(27). Daqui resultou dois tipos de literatura com
públicos e incidências temáticas distintas. Os textos turísticos, guias e memórias de viagem,
que apelavam o leitor para a viagem de sonho à redescoberta deste recanto do paraíso que
se demarca dos demais pela beleza incomparável da paisagem, variedade de flores e plantas.
Já os tratados científicos apostam na divulgação através daquilo que o identifica. As
técnicas de classificação das espécies da fauna e flora têm aqui um espaço ideal de trabalho.
Algumas colecções foram feitas para deleite dos apreciadores, que figuram em lista que
antecede a publicação.(28).
O século XX anuncia-se como o momento ecológico. As preocupações com a
preservação do pouco manto florestal existente e da recuperação dos espaços ermos eram
acompanhadas da crítica impiedosa aos responsáveis. Não será inoportuno recordar que as
preocupações ambientalistas que vão no sentido de estabelecer um equilíbrio do quadro
natural e travar o impulso devastador do homem não são apenas apanágio do homem do
século XX. Na Madeira como nas demais ilhas sucedem-se regimentos e posturas que
regulamentam esta relação. Nas Canárias e nos Açores a situação das diversas ilhas não foi
uniforme. Os problemas de desflorestação fizeram-se sentir com maior acuidade nas do
primeiro arquipélago, Assim em Gran Canaria já em princípios do século XVI a falta de
madeiras e lenhas era evidente, assim o testemunham as posturas e intervenção permanente
das autoridades locais e a coroa(29). A solução estava no recurso às demais ilhas,
nomeadamente Tenerife e La Palma. Mas mesmo nestas começaram a fazer-se a sentir as
mesmas dificuldades. Nos Açores o facto de a cultura da cana não alcançar o mesmo
sucesso da Madeira e Canárias salvou o espaço florestal deste efeito predador.
No século XVIII desvendou-se uma nova vocação: as ilhas como campo de ensaio
das técnicas de experimentação e observação directa da natureza. A afirmação da Ciência
na Europa fez delas escala para as constantes expedições científicas dos europeus. O
enciclopedismo e as classificações de Linneo (1735) tiveram nas ilhas um bom campo de
experimentação. Tenha-se em conta as campanhas da Linnean Society e o facto de o próprio
presidente da sociedade, Charles Lyall, ter-se deslocado em 1838 de propósito às Canárias.
O homem do século XVIII perdeu o medo ao meio circundante e passou a olhá-lo
com maior curiosidade e, como dono da criação, estava-lhe atribuída a missão de perscrutar
os segredos ocultos. É este impulso que justifica todo o afã científico que explode nesta
centúria. A ciência é então baseada na observação directa e experimentação. A insaciável
procura e descoberta da natureza circundante cativou toda a Europa, mas foram os ingleses
quem entre nós marcaram presença, sendo menor a de franceses e alemães(30). Aqui são
protagonistas as Canárias e a Madeira. Tudo isto é resultado da função de escala à
navegação e comércio no Atlântico. Foi também na Madeira que os ingleses estabeleceram
a base para a guerra de corso no Atlântico. Se as embarcações de comércio, as expedições
militares tinham cá escala obrigatória, mais razões assistiam às científicas para a paragem
obrigatória. As ilhas, pelo endemismo que as caracteriza, história geo-botânica, permitiram
o primeiro ensaio das técnicas de pesquisa a seguir noutras longínquas paragens. Também
elas foram um meio revelador da incessante busca do conhecimento da geologia e botânica.
Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew Gardens, enviaram
especialistas para proceder à recolha das espécies. Os estudos no domínio da Geologia,
botânica e flora são resultado da presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus.
Esta moda do século XVIII levou a que as instituições científicas europeias ficassem
depositárias de algumas das colecções mais importantes de fauna e flora das ilhas: o Museu
Britânico, Linnean Society, Kew Gardens, a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de
História Natural de Paris. E por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de
realçar John Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. Darwin esteve nas Canárias e
Açores (1836) e mandou um discípulo à Madeira. Mas no arquipélago açoriano o cientista
mais ilustre terá sido o Príncipe Alberto I do Mónaco que aí aportou em 1885. James Cook
escalou a Madeira por duas vezes em1768 e 1772, numa réplica da viagem de circum-
navegação apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam
intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a classificação e
depois revelação à comunidade científica. Em 1775 o navegador estava no Faial e no ano
imediato em Tenerife.
Os Arquipélagos da Madeira e Canárias, devido à posição estratégica na rota que
ligava a Europa ao mundo colonial, foram activos protagonistas nos rumos da Ciência dos
séculos XVIII e XIX. Já aos Açores estava, ao contrário, reservado o papel de ancoradouro
seguro antes de se avistar a Europa. Este papel desempenhado pelo arquipélago desde o
século XVI catapultou para uma posição privilegiada na história de navegação e comércio
do Atlântico. Nas Canárias a primeira e mais antiga referência sobre a presença de
naturalistas ingleses é de 1697, ano em que James Cuningham esteve em La Palma. Os
Séculos XVIII anunciam-se como de forte presença, nomeadamente dos franceses. O
contacto do cientista com o arquipélago açoriano fazia-se quase sempre na rota de regresso
de Africa ou América. Para os americanos as ilhas eram a primeira escala de descoberta do
velho mundo. Por outro lado os Açores despertaram a curiosidade das instituições e
cientistas europeus. Os aspectos geológicos, nomeadamente os fenómenos vulcânicos
foram o principal alvo de atenção. Mesmo assim o volume de estudos não atingiu a
dimensão dos referentes à Madeira e Canárias pelo que Maurício Senbert em 1838 foi
levado a afirmar que a "flora destas ilhas [fora]por tanto tempo despresada", o que o levou
a dedicar-se ao seu estudo(31).
As ilhas recriavam os mitos antigos e reservavam ao visitante um ambiente
paradisíaco e calmo para o descanso, ou, como sucedeu no século dezoito, o laboratório
ideal para os estudos científicos. O endemismo insular propiciava a última situação. As
ilhas forram o principal alvo de atenção de botânicos, ictiólogos, geólogos. A situação é
descrita por Alfredo Herrera Piqué a considera-las "a escala científica do Atlântico"(32). Os
ingleses foram os primeiros a descobrir as qualidades de clima e paisagem e a divulga-las
junto dos compatriotas. É esta quase esquecida dimensão como motivo despertador da
ciência e cultura europeia desde o século XVIII que importa realçar
Na Madeira aquilo que mais os emocionou os navegadores do século XV foi o
arvoredo, já para os cientistas, escritores e demais visitantes a partir do século XVIII o que
mais chama à atenção é, sem duvida, o aspecto exótico dos jardins e quintas que povoam a
cidade. Nas Canárias a atenção está virada para os milenares dragoeiros de Tenerife. O
Funchal transformou-se num verdadeiro jardim botânico e segue uma tradição secular
europeia. Eles começaram a surgir na Europa desde o século XVI: em 1545 temos o de
Pádua, seguindo-se o de Oxford em 1621. Em 1635 o de Paris preludia a arte de Versailles
em 1662. Em todos é patente a intenção de fazer recuar o paraíso(33). As ilhas não tinham
necessidade disso pois já o eram. Diferente é a atitude do homem do século XVIII. Aliás,
desde a segunda metade do século XVII que o relacionamento com as plantas mudou. Em
1669 Robert Morison publica Praeludia Botanica, considerada como o principio do sistema
de classificação das plantas, que tem em Carl Von Linné (Linnaeus) (1707-1778) o principal
protagonista. A partir daqui a visão do mundo das plantas nunca foi a mesma.
Contemporâneo dele é o Comte de Buffon que publicou entre 1749 e 1804 a "Histoire
Naturelle, Générale et Particuliére" em 44 volumes. Perante isto os jardins botânicos do
século XVIII deixaram de ser uma recriação do paraíso e passaram a espaços de
investigação botânica. O Kew Gardens em 1759 é a verdadeira expressão disso. Note-se que
Hans Sloane (1660-1753), presidente do Royal College of Physicians, da Royal Society of London e
fundador do British Museum, esteve na Madeira no decurso das expedições que o levaram às
Antilhas inglesas(34).

A definição dos espaços políticos fez-se, primeiro de acordo com os paralelos e, depois,
com o avanço dos descobrimentos para Ocidente, no sentido dos meridianos. A expressão
real resultava apenas da conjuntura favorável e do acatamento pelos demais estados
europeus. Mas o oceano e terras circundantes podiam ainda ser subdivididos em novos
espaços de acordo com o seu protagonismo económico. Dum lado as ilhas orientais e
ocidentais, do outro o litoral dos continentes americano e africano.
A partilha não resultou dum pacto negocial, mas sim da confluência das reais
potencialidades económicas de cada uma das áreas em causa. Neste contexto assumiram
particular importância as condições internas e externas de cada área. As primeiras foram
resultado dos aspectos geo-climáticos, enquanto as últimas derivam dos vectores definidos
pela economia europeia. A partir da maior ou menor intervenção de ambas as situações
estaremos perante espaços agrícolas, vocacionados para a produção de excedentes capazes
de assegurar a subsistência dos que haviam saído e dos que ficaram na Europa, de produtos
adequados a um activo sistema de trocas inter-continentais, que mantinha uma forte
vinculação do velho ao novo mundo. O açúcar e o pastel foram os produtos que deram
corpo à última conjuntura.
De acordo com isso podemos definir múltiplos e variados espaços agro-mercantis:
áreas agrícolas orientadas para as trocas com o exterior e assegurar a subsistência dos
residentes; áreas de intensa actividade comercial, vocacionadas para a prestação de serviços
de apoio, como escalas ou mercados de troca. No primeiro caso incluem-se as ilhas
orientais e ocidentais e a franja costeira da América do sul, conhecida como Brasil. No
segundo merecem referência as ilhas que, mercê da posição ribeirinha da costa (Santiago e
S. Tomé), ou do posicionamento estratégico no traçado das rotas oceânicas (como sucede
com as Canárias, Santa Helena e Açores), fizeram depender o processo económico disso.
A estratégia de domínio e valorização económica do Atlântico passava
necessariamente pelos pequenos espaços que polvilham o oceano. Foi nos arquipélagos
(Canárias e Madeira) que se iniciou a expansão atlântica e foi neles que a Europa assentou
toda a estratégia de desenvolvimento económico em curso nos séculos XV e XVI.
Ninguém melhor que os portugueses entendeu a realidade que, por isso mesmo, definiram
para o empório lusíada um carácter anfíbio. Ilhas desertas ou ocupadas, bem ou mal
posicionadas para a navegação foram os verdadeiros pilares do empório português no
Atlântico.
A definição dos espaços económicos não resultou apenas dos interesses políticos e
económicos derivados da conjuntura expansionista europeia mas também das condições
internas, oferecidas pelo meio. Elas tornaram-se por demais evidentes quando estamos
perante um conjunto de ilhas dispersas no oceano. No conjunto estávamos perante ilhas
com a mesma origem geológica, sem quaisquer vestígios de ocupação humana, mas com
diferenças marcantes ao nível climático. Os Açores apresentavam-se como uma zona
temperada, a Madeira como uma réplica mediterrânica, enquanto nos dois arquipélagos
meridionais eram manifestas as influências da posição geográfica, que estabelecia um clima
tropical seco ou equatorial. Daqui resultou a diversidade de formas de valorização
económica e social.
Para os primeiros europeus que aí se fixaram a Madeira e os Açores ofereciam
melhores requisitos, pelas semelhanças do clima com o de Portugal, do que Cabo Verde ou
S. Tomé. Nos dois últimos arquipélagos foram inúmeras as dificuldades de adaptação do
homem e das culturas europeio-mediterrânicas. Aí deu-se lugar ao africano e as culturas
mediterrânicas de subsistência foram substituídas pelas trocas na vizinha costa africana. A
preocupação pelo aproveitamento dos recursos locais surge num segundo momento.
Por fim é necessário ter em conta as condições morfológicas, que estabelecem as
especificidades de cada ilha e tornam possível a delimitação do espaço e a forma de
aproveitamento económico. Aqui o recorte e relevo costeiro foram importantes. A
possibilidade de acesso ao exterior através de bons ancoradouros era um factor importante.
É a partir daqui que se torna compreensível a situação da Madeira definida pela excessiva
importância da vertente sul em detrimento do norte. E nas ilhas do Golfo da Guiné o facto
de Fernando Pó ser preterida em favor de S. Tomé. De um modo geral estávamos perante
a plena dominância do litoral como área privilegiada de fixação ainda que, por vezes, o não
fosse em termos económicos. Nas ilhas em que as condições orográficas propiciavam uma
fácil penetrar no interior, como sucedeu em S. Miguel, Terceira, Graciosa, Porto Santo,
Santiago e S. Tomé, a presença humana alastrou até aí e gerou os espaços arroteados. Para
as demais a omnipresença do litoral é evidente e domina toda a vida dos insulares, sendo aí
o mar a via privilegiada. Os exemplos da Madeira e S. Jorge são paradigmáticos.
De acordo com as condições geo-climáticas é possível definir a mancha de
ocupação humana e agrícola das ilhas. Isto conduziu a uma variedade de funções
económicas, por vezes complementares. Nos arquipélagos constituídos por maior número
de ilhas a articulação dos vectores da subsistência com os da economia de mercado foi mais
harmoniosa e não causou grandes dificuldades. Os Açores apresentam-se como a expressão
mais perfeita da realidade, enquanto a Madeira é o reverso da medalha.
A mudança de centros de influência foi responsável porque os arquipélagos
atlânticos assumissem uma função importante. A tudo isso poderá juntar-se a constante
presença de gentes ribeirinhas do Mediterrâneo, interessadas em estabelecer os produtos e
o necessário suporte financeiro. A constante premência do Mediterrâneo nos primórdios
da expansão atlântica poderá ser responsabilizada pela dominante mercantil das novas
experiências de arroteamento aqui lançadas.
Certamente que os povos peninsulares e mediterrânicos, ao comprometerem-se
com o processo atlântica, não puseram de parte a tradição agrícola e os incentivos
comerciais dos mercados de origem. Por isso na bagagem dos primeiros cabouqueiros
insulares foram imprescindíveis as cepas, as socas de cana, alguns grãos do precioso cereal,
de mistura com artefactos e ferramentas. A afirmação das áreas atlânticas resultou deste
transplante material e humana de que os peninsulares foram os principais obreiros. Este
processo foi a primeira experiência de ajustamento das arroteias às directrizes da nova
economia de mercado.
A aposta preferencial foi para uma agricultura capaz de suprir as faltas do velho
continente, quer os cereais, quer o pastel e açúcar, do que o usufruto das novidades
propiciadas pelo meio. Aqui estamos a lembrar-nos de Cabo Verde e São Tomé onde a
frustração de uma cultura subsistência europeia não foi facilmente compensada com a
oferta dos produtos africanos como o milho zaburro e inhames. Em Cabo Verde, cedo se
reconheceu a impossibilidade da rendosa cultura dos canaviais. Mas tardou em valorizar-se
o algodão como produto substitutivo, tal era a obsessão pelo açúcar e pelas trocas da costa
da Guiné.
A sociedade e economia insulares surgem na confluência dos vectores externos
com as condições internas dos multifacetado mundo insular. A concretização não foi
simultânea nem obedeceu aos mesmos princípios organizativos pelo facto de a mesma
resultar da partilha pelas coroas peninsulares e senhorios ilhéus. Por outro lado a economia
insular é resultado da presença de vários factores que intervêm directamente na produção e
comércio.
Não basta dispor de um solo fértil ou de um produto de permanente procura, pois
a isso deverá também associar-se os meios propiciadores do escoamento e a existência de
técnicas e meios de troca adequados ao nível mercantil atingido pelos circuitos comerciais.
Deste modo, para conhecermos os aspectos produtivos e de troca das economias insulares
torna-se necessária a referência aos factores que estão na sua origem. Ao nível do sector
produtivo deverá ter-se em conta a importância assumida, por um lado, pelas condições
geofísicas e, por outro, pela política distributiva das culturas. É da conjugação de ambas
que se estabelecia a necessária hierarquia. Os solos mais ricos eram reservados para a
cultura de maior rentabilidade económica (o trigo, a cana de açúcar, o pastel), enquanto os
medianos ficavam para os produtos hortícolas e frutícolas, ficando os mais pobres como
pasto e área de apoio aos dois primeiros. A esta hierarquia, definida pelas condições do
solo e persistência do mercado, podemos adicionar para a Madeira outra de acordo com a
geografia da ilha e os microclimas que a mesma gerava.
O arquipélago açoriano e as demais ilhas na área da Guiné surgem numa época
tardia, sendo o processo de valorização económica atrasado mercê de vários factores de
ordem interna a que não são alheias as condições mesológicas. O clima e solo áridos, num
lado, sismos e vulcões, no outro, eram um cartaz pouco aliciante para os primeiros
povoadores. Em ambos os casos o lançamento da cultura da cana sacarina esteve ligado aos
madeirenses. A Madeira, que se encontrava a pouco mais de meio século de existência
como sociedade insular, estava em condições de oferecer os contingentes de colonos
habilitados para a abertura de novas arroteias e ao lançamento de novas culturas nas ilhas e
terras vizinhas. Assim terá sucedido com o transplante da cana-de-açúcar para Santa Maria,
S. Miguel, Terceira, Gran Canária, Tenerife, Santiago, S. Tomé e Brasil.
A tendência uniformizadora da economia agrícola do espaço insular esbarrou com
vários obstáculos que, depois, conduziram a um reajustamento da política económica e à
definição da complementaridade entre os mesmos arquipélagos ou ilhas. Nestas
circunstâncias as ilhas conseguiram criar os meios necessários para solucionar os problemas
quotidianos ---- assentes quase sempre no assegurar os componentes da dieta alimentar --, à
afirmação nos mercados europeu e atlântico. Assim sucedeu com os cereais que,
produzidos apenas nalgumas ilhas, foram suficientes, em condições normais, para satisfazer
as necessidades da dieta insular, sobrando um grande excedente para suprir as carências do
reino.
Um dos primeiros objectivos que norteou o povoamento da Madeira foi a
possibilidade de acesso a uma nova área produtora de cereais, capaz de suprir as carências
do reino e depois as praças africanas e feitorias da costa da Guiné. A última situação era
definida por aquilo a que ficou conhecida como o "saco de Guiné". Entretanto os
interesses em torno da cultura açucareira recrudesceram e a aposta na cultura era óbvia.
Esta mudança só se tornou possível quando se encontrou um mercado substitutivo. Assim
sucedeu com os Açores que a partir da segunda metade do século dezasseis passaram a
assumir o lugar da Madeira. O cereal foi o produto que conduziu a uma ligação harmoniosa
dos espaços insulares, o mesmo não sucedendo com o açúcar, o pastel e o vinho, que
foram responsáveis pelo afrontamento e uma crítica desarticulação dos mecanismos
económicos. A par disso todos os produtos foram o suporte, mais que evidente, do
poderoso domínio europeu na economia insular. Primeiro o açúcar, depois o pastel e o
vinho exerceram uma acção devastadora no equilíbrio latente na economia das ilhas.
Diferente foi o que sucedeu aos colonos portugueses quando chegaram a Santiago e
S. Tomé. Deste modo houve necessidade de estruturar de forma diversa o povoamento das
ilhas e as culturas a implantar. O recurso aos africanos, como escravos ou não, foi a
solução mais acertada para transpor o primeiro obstáculo. Eles tinham uma alimentação
diferente dos europeus, baseada no milho zaburro, no arroz e inhame, culturas que aí, nas
ilhas ou vizinha costa africana, medravam com facilidade. Perante isto os poucos europeus
que aí se fixaram estiveram sempre dependentes do trigo, biscoito ou farinha, enviados das
ilhas ou do reino, ou tiveram que se adaptar à dieta africana. Junto ao cereal plantou-se
também os bacelos donde se extraia o saboroso vinho de consumo corrente ou usado nos
actos litúrgicos.
Esta extrema dependência dos espaços continentais, com especial destaque para o
europeu, não foi apenas apanágio dos primórdios da ocupação das ilhas. A situação
persistiu por mais de quatro séculos. Deste modo continuam na periferia da economia
europeia e do mercado colonial actuando de acordo com os ditames que regem a política
colonial. As culturas dominantes quase sempre em sistema de monocultura obedecem a
estes requisitos. Sucedeu assim com os panos e a cana sacarina em Cabo Verde, com o
cacau em S. Tomé e Príncipe, com a laranja nos Açores e o vinho na Madeira.
A segunda metade do século XIX pode ser considerada como uma das fases mais
conturbadas da economia insular. É evidente aqui a capacidade manifestada pela ilha de S.
Miguel no reajustamento da economia. Assim a crise da laranja é prontamente suplantada
com uma variedade de culturas(batata doce, chá tabaco, e ananás) e industrias(tabaco,
álcool). Note-se que este momento é de aceso debate. O reajustamento do processo de
exploração agrícola é parceiro de uma discussão política sobre a forma de acabar com os
entraves ao desenvolvimento económico. As orientações vão desde a discussão do sistema
tradicional de propriedade ao novo regime de portos francos.

NOTAS

1.1. O Mediterrâneo e o Mundo Maditerrânico na época de Filipe III, 2 vols., Lisboa, 1984 (1ª edição em 1949).
2.2. Sevilla y América. siglos XVI y XVII, Sevilha, 1983.
3.3 . Confronte-se nossos estudos: Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987; Portugal y las islas del
Atlántico, Madrid, 1992.
4.4 . Cf. Alan L. Kanas e J. R. Manell, Atlantic american societies-from Columbus through abolition 1492-1886, London, 1992; Alfred W. Crosby,
the Columbian exchange, biological and cultural consequences of 1492, Westport, 1972; S. Mintz, Sweetness and power, N. York, 1985. Michael
Meyerr, "The price of the new transnational history", the American Historical Review, 96, nº 4, 1991, 1056-1072; D.W. Meinig, Atlantic
America 1492-1800, New Haven, 1980: Lan Stelle, The english atlantic, 1675-1740 - An exploration & communication and community, N. Y. 1986.
5.5 . Urs Bitterli, Los "Selvajes" y los "civilizados"El encuentro de Europa y Ultramar, Mexico, 1981
26.26 . Victor Morales Lezcano, Los Ingleses en Canarias. Libro de Viajes e Historias de Vida, Las Palmas de Gran Canaria, 1986, p.124
27.27. Mary L. Pratt, Imperial Eye.Travel Writing and Transculturation, N.Y., 1993; STAFFORD, B. M., Voyage into Substance - Science, Nature and
the Illustrated Travel Account 1770-1840, Cambridge, Mass., 1984, pp. 565-634
28.28. Estampas, Aguarelas e desenhos da Madeira Romântica, Funchal, 1988.
29.
29 . Francisco Morales Padron, Ordenanzas del Concejo de Gran Canaria(1531), Las Palmas, 1974; José Peraza de Ayala, Las Ordenanzas de

Tenerife, Madrid, 1976; Pedro Cullen del Castilho, Libro Rojo de Gran Canaria o Gran Libro de Provisiones y Reales Cédulas, Las Palmas, 1974.
Alfredo Herrera Piqué, La Destrucción de los Bosques de Gran Canaria a comienzos del siglo XVI, in Aguayro, nº.92, 1977, pp.7-10;
James J. Pearsons, Human Influences on the Pine and Laurel Forests of the Canary Islands, in Geographical Review, LXXI, nº3, 1981,
pp.253-271.
30.30 Cf. "Algumas das Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram a Madeira", in Revista Portuguesa, 72, 1953; A. Lopes de Oliveira,
Arquipélago da Madeira. Epopeia Humana, Braga, 1969, pp. 132-134.
31.31 . "Flora Azorica", in Archivo dos Açores, XIV(1983), pp.326-339.
32.32 .Las islas Canarias, Escala Científica en el Atlántico Viajeros y Naturalistas en el siglo XVIII, Madrid, 1987.
33.33. Richard Grove, Ecology, climate and Empire. Studies in colonial enviromental. History 1400-1940, Cambridge, 1997, p. 46; J. Prest, The
Garden of Eden: The Botanic Garden and the Re-creation of Paradise, New Haven, 1981.
34.34 Raymond R. Stearns, Science in the British Colonies of America, Urban, 1970

BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL

BITTERLI, URS, (1981):Los "Salvages" y los "Civilizados" El Encuentro de Europa y Ultramar, Mexico
DUNCAN. T. B., (1972): Atlantic Islands in the Seventeenth Century: Madeira, the Azores and the Cape Verdes in
Seventeenth Century Commerce and Navigation, Chicago,
HERRERA PIQUE, A. (1987): Las Islas Canarias, escala científica en el Atlántico. Viajeros y natutralistas del siglo
XVII, Madrid.
PEREIRA, F. J. (1991): Estudos sobre História da Madeira, Funchal.
RUMEU DE ARMAS, A. (1945-1950): Ataques Navales y Piraterías contra las Islas Canarias, Madrid, 5 vols.
VIEIRA, A. (1987): O Comércio Inter-Insular nos Séculos XV e XVI, Funchal.
(1992): Portugal y las Islas del Atlántico, Madrid.
(1999): Do Éden à Arca de Noé, Funchal,

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