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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

UAB

Curso de História

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA

Autores:
Prof. Ms. Fábio Martinelli Casemiro
Prof. Ms. Adriano Augusto Sgrignero

JUNHO
2010

1
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
03

Introdução 05
1.A História hoje 07
UNIDADE 1
2.Um presente dos gregos 16
(O hoje e nossas
origens) 3.Uma outra Antiguidade: os Romanos. 30

4.O tempo e o Sagrado: A Idade Média 35

UNIDADE 2 1.O Nascer do documento e sua crítica: Eruditos &


00
(Uma história das Antiquários.
fontes)

1.Para além dos gigantes: os filósofos da História 00


UNIDADE 3
(A Disciplina
Contemporânea) 2.Nasce a disciplina: A Escola Metódica 00

1.Entre palavras e trincheiras: o século XX e a Escola


UNIDADE 4 dos Annales
00

(Trincheiras e
Fronteiras) 2."Um museu de grandes novidades"? 00

Livros utilizados e recomendados para alunos e 00


BIBLIOGRAFIA professores

APRESENTAÇÃO:

2
Iniciaremos nosso estudo com uma breve reflexão sobre o significado da história
no mundo contemporâneo, apresentando conceitos e ferramentas fundamentais para seu
primeiro contato com o estudo de nossa componete curricular: a História.
É importante lembrá-lo: respeite a ordem das unidades e de suas respectivas
partes! Como historiadores que somos, (e logo você entenderá isso) a linearidade deste
trabalho, desta narrativa, é muito importante: ela implica num processo de
desenvolvimento desta nossa componente curricular, a HISTÓRIA. Acontece que nós,
os autores, não nos contentamos em simplesmente enumerar definições ou fórmulas:
para que você entenda os significados de nosso estudo, faz-se necessário que mostremos
para você como nasceu o conhecimento histórico e como ele foi se transformando ao
longo dos séculos, até os dias atuais.
Nosso objetivo aqui, contudo, não é resumir toda a história do pensamento
histórico ocidental! Não desejamos que você fique preso aos infinitos detalhes, aos
incontáveis fatos históricos que contribuiram para a construção desta nossa componente
curricular. Queremos apenas que você compreenda de verdade como, nos dias atuais, a
civilização ocidental construiu nossa concepção sobre a disciplina História. Por isso,
cada parte terá, em sua abertura, um box de apresentação sobre os objetivos a serem
alcançados; da mesma forma, ao final de cada unidades encontramos outro box: nele
veremos a síntese dos principais conceitos e ferramentas apresentados.
Assim, não se assuste! Ao contrário, divirta-se! O conhecimento é uma viagem
saborosa! Encare as novidades não como obstáculos, mas como surpresas... Este mesmo
conteúdo será novamente abordado mais adiante, com outros enfoques e a partir de
reflexões mais profundas, nas disciplinas de Teoria da História I e II. Aproveite bem a
viagem! (Ela é a primeira de tantas outras).

Nosso material está dividido em UNIDADES e cada uma está subdividida em


TÓPICOS. Cada tópico possui um box de abertura intitulado "Estudaremos agora...":
nele você irá encontrar os principais pontos que alí serão trabalhados. Ao final de cada
tópico, um conjunto de exercícios é apresentado. Não deixe de realizar com atenção
cada um deles! Em caso de dúvidas, procure um colega de curso, reflitam em grupo
sobre a questão. Não abra mão de, da mesma maneira, tirar suas dúvidas com os tutores
que o acompanham neste estudo.

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Ao final de cada UNIDADE, você também encontrará:

• Considerações Finais:
Nesta parte temos a conclusão, ou seja, o que denominamos "amarração" de tudo
o que estudamos na Unidade. Veja que, para compreendermos melhor todo o
conteúdo, nós os dividimos em "tópicos". Nesta etapa é chegada a hora de
juntarmos tudo aquilo que vimos em cada tópico, a fim de compreendermos a
totalidade proposta pela unidade.

• Resumindo:
Nesta parte você encontrará uma síntese dos principais conceitos aprendidos no
estudo da unidade.

• Atividade Final:
Se ao longo da unidade você já realizou um conjunto de atividades, nesta etapa
será oferecida uma atividade de conclusão, na qual espera-se do estudante a
capacidade de relacionar todos os conceitos desenvolvios ao longo da unidade.

• Saber mais:
Nesta parte temos a indicação de sites, livros, revistas que tratam dos temas
desenvolvidos na unidade. Não deixe de conferir nossas indicações, nem
tampouco espere atividades de seu tutor ou professor: busque, se interesse!
Quanto mais você pesquisa, busca, lê, mais você se torna preparado para dar
comtinuidade aos estudos.

Seja bem vindo!


Bons estudos,
Os autores.

4
UNIDADE 1
(O hoje e nossas origens)
~0O0~

Nesta unidade você irá estudar:

Tópicos Conteúdo do tópico


Conceitos-chave para a compreensão da
1. A História hoje componente curricular que denominamos
"História"
Como nasce a escrita da História com os
2. Um presente dos Gregos gregos: Homero e Tucídides

Como os Romanos se apropriam do fazer


3. Uma outra antiguidade: Os Romanos da História, trazido da Grécia

Como a História e a fé andam de mãos


4. O Tempo e o Sagrado: A Idade Média dadas (e como isso foi importante para
nossa profissão)

Objetivos desta unidade:


• Conhecer sobre como é a prática da pesquisa e da escrita da história hoje.
• Compreender como a escrita da história (liberta do mito, na Grécia Antiga) ruma
para a política em Roma e atrela-se à mentalidade religiosa ocidental na Idade
Média.
• Embasar o aluno para compreender a próxima unidade: a modernidade da história

INTRODUÇÃO:

5
Esta unidade compreende quatro tópicos: o primeiro fala sobre o que é a História,
sobre o modo pelo qual se organiza a pesquisa e a escrita da história; do segundo tópico
até o último começaremos uma espécie de "viagem" que parte do surgimento da escrita
da História (na Grécia antiga) e culmina com o surgimento da "filosofia da história", ao
final da Idade Média.
O aluno irá perceber que as demais unidades que compõem este material didático
dão Continuidade à viagem no tempo aqui iniciada: nas próximas unidades partiremos
da Idade Moderna (a época dos Descobrimentos e do Renascimento cultural) e
chegaremos até o começo do século XX, de nossa era.
Nosso objetivo é entender como surgiu a escrita da história. Acreditamos que é
assim que pensamos os historiadores: compreendemos nossas práticas, os
procedimentos que realizamos em nosso dia-a-dia porque compreendemos de onde eles
vem. É inevitável para o historiador um certo desejo pela busca das origens: escavamos
o passado para encontrarmos o que fomos e, assim, o que nos tornamos.

Boa viagem!

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I. A História hoje

Estudaremos agora...
• O que é História?
• O Método da História
• Fontes Primárias
• Fontes Secundárias (Bibliografia)
• O Objeto da História
• Recorte Historiográfico
• Eventos em Diacronia e em Sincronia

1. O que é História?

A história é uma narrativa sobre o passado, cujo protagonista (personagem


principal) é o homem e/ou tudo aquilo que por ele é inventado (ou reinventado). Mas
sempre quando tentamos definir o que é a História temos, automaticamente, uma
sensação de ausência ou imprecisão. E pensamos: "Parece que eu poderia ter definido
de outro modo, com outras palavras..."
Alguns historiadores definem história como a "ciência que estuda o passado do
homem e das sociedades humanas". E daí já surge uma grande discussão: podemos
denominar a história uma ciência? Alguns defendem que sim e outros que não. Como
pode ser ciência se a história não gera um conhecimento quantificável, se não podemos
dela extrair um procedimento metodológico único, específico? Diferentemente da
sociologia de Emille Durkheim (cujo objeto de estudo é o fato social), a história se
caracteriza pela narrativa histórica que a constitui, ou seja: se o historiador realiza uma
pesquisa de documentos e de fontes bibliográficas para pensar o passado, sua tarefa não
se completa somente por essa etapa; é necessário que ele narre, que ele materialize esta
pesquisa em um texto escrito que conte a história. Veja que o fazer da história tem
pesquisa e, assim, apresenta-se como uma atividade próxima a do cientista; entretanto
ao mesmo tempo que pesquisa, investiga, o historiador conta a história, como se fosse
um contador de histórias, um verdadeiro escritor (semelhante ao escritor de romances
ficcionais ou às novelas que você assiste na TV!).

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Atividade 01 :

Como diferentes pessoas compreendem o que é história? Será que todos os dias as pessoas
usam a palavra "história" com o mesmo sentido que o historiador usa?

Realize uma breve pesquisa:


1. Entreviste pessoas mais velhas e pessoas mais novas; pessoas com maior escolaridade e
com menor escolaridade: pergunte para cada grupo de pessoas "O que é a História para você?"
2. Colha, ou seja, anote as diferentes respostas obtidas com as entrevistas (Não precisa
anotar o nome das pessoas, só a idade, a profissão e qual o grau de escolaridade de cada um!)
3. Procure definições de História em dicionários e em enciclopédias (tanto em livro quanto
em internet): compare-as.
4. Ao final, elabore um texto no qual você reflita sobre a importância e o significado da
História para cada diferente grupo de pessoas.

Dicas:
• Você pode até, antes de escever seu texto, elaborar uma apresentação (pode ser
em cartolina, ou em powerpoint) na qual você mostre quais grupos você pesquisou
(Exemplo: Grupo 1 (homens com mais de 60 anos), Grupo 2 (homens com nível superior
de escolaridade), Grupo 3 (Mulheres, Donas de casa), Grupo 4 (Mulheres com nível
superior de escolaridade).
• Nessa apresentação você pode comparar as falas dos membros de cada grupo,
procurando afirmações e opiniões em comum. Aí você compara as opiniões dos
diferentes grupos entre si.
• O objetvo não é chegar a um ou outro resultado, mas sim de investigar como a
disciplina História é vista por diferentes grupos da sociedade.
• Seu texto, sua reflexão de conclusão será muito importante para você: Ao final
desta disciplina compare as falas das pessoas pesquisadas com sua opinião de jovem
estudante de história. O significado e a importância sobre "O que é e qual a importância
da História?" mudou para você do começo ao final do curso?

Mãos à obra!!

– Então o historiador "narra"? (Pergunta você, achando estranho).


E nós respondemos: "Sim, o historiador narra, ele conta uma história sobre
eventos que ocorreram no passado, analisando-os, dando a eles significados políticos e
culturais." (Chamemos estes significados de "significado histórico").
– Então o historiador é como se fosse um romancista? (Você pergunta, curioso).
– Sim e não. Nós respondemos e continuamos:
Sim, o historiador narra e por isso lança mão das formas narrativas de
composição textual. O historiador domina o código da escrita, desenvolve seu estilo de
análise histórica... Mas, ao mesmo tempo não é como um romancista porque não

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possuia a mesma liberdade do escritor de novelas, não possui suas possibilidades
ficcionais. O historiador narra como um romancista, mas sua narrativa está
fundamentada num conjunto de análises textuais extremamente rigorosas.

O historiador, para escrever seu texto historiográfico faz:

• Levantamento das fontes primárias


• Crítica documental (das fontes primárias)
• Levantamento das fontes secundárias (denominadas também de fontes
bibliográficas ou bibliografia)
• Crítica bibliográfica
• Cotejamento entre fontes primárias e fontes secundárias, elencando eventos,
processos históricos e disso tudo extraindo conclusões e análises.

Feito tudo isso, finalmente o historiador:

• Estabelece sua narrativa, sua trama de eventos e de análises históricas sobre


eventos específicos, revelando conclusões, interpretações, realizando estimativas,
vislumbrando diálogos com o presente e rumos para o futuro.

Nessa dúvida, nessa ambigüidade sobre a confecção da história, alguns


historiadores já chegaram a definir a História como a "Ciência do particular" (porque
diferente das demais ciências ela não estabelece generalizações: ao contrário ela capta
especificidades nos eventos que recorta). É igualmente famosa a afirmação de que a
História seria uma narrativa que funde "arte e ciência" (já que é arte na escrita e ciência
em seus procedimentos investigativos).
Difícil chegar a uma conclusão que satisfaça a todos os historiadores e que
contemple todos os possíveis modos de se fazer história. Curioso é que toda vez que
pensamos sobre "O que é a História", nós sempre aprendemos mais sobre ela e, veja:
mesmo que titubeante, você não se sente mais próximo dela agora, do que antes de
nossa conversa?
Mas não deixamos você sozinho ou perdido. Deixamos você, por hora, com uma
das definições que mais gostamos, do historiador Paul Veyne:

"A história é um Romance Real"


(VEYNE, Paul. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. 4ª
edição, reimpressão – Brasília: Editora da UNB, 2008, p. 12 9
O que todos os historiadores concordamos é que o historiador narra, pesquisa
fontes, compara (coteja) documentos históricos, seleciona (recorta) eventos históricos
que estabelecem relações com outros eventos no tempo, quer em sincronia, quer em
diacronia.

Pronto... e agora você está perdido com tantos termos complicados!! Por isso,
este tópico inicial irá se dedicar a explicar cada terminologia empregada no cotidiano do
fazer da escrita e da pesquisa históricas.
Vamos à prática?

A. Método da História

Qual é o método da História? A história se faz a partir de uma pesquisa.


Primeiro o historiador elege, dentre o tema que irá pesquisar, as fontes (tanto primárias
quanto secundárias), depois ele as compara, ele confirma sua autenticidade, ele cruza
informações colhidas em uma fonte e em outra para tecer sua narrativa histórica.
A questão que há um conjunto de coisas a se fazer numa pesquisa histórica, mas
não há um método específico: alguns historiadores começam primeiro das fontes, outros
escolhem primeiro o tema e o assunto. Aí é que entra a beleza do fazer da história: é o
historiador que faz seu próprio método!
Existem, entretanto, alguns procedimentos metodológicos comuns aos mais
diferentes historiadores realizam. Contudo, o método empregado costuma estar
diretamente relacionado ao objeto de estudo abordado pela pesquisa. Exemplo: um
historiador econômico que decidiu estudar os ciclos da mineração no Brasil setecentista
pesquisa de modo bastante diferente que um historiador da literatura brasileira do século
XIX...
Mas todos buscam em comum: fontes, recortes, método e bibliografia. Assim,
vamos entender melhor o que estes termos significam...

B. Fontes (primárias)

As fontes primárias são os documentos históricos que o historiador se utiliza


para buscar o passado. Documentos históricos são vestígios do passado.

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Exemplo: Se estamos pesquisando sobre a identidade cultural das famílias
escravas africanas no Brasil do século XVIII, as certidões de batismo nas capelas e
paroquias brasileiras são importantes documentos para compreendermos como se
formavam aquelas famílias: alí temos escrito os nomes dos pais, dos padrinhos, da
criança, a data, o nome da paróquia, o padre que realizou a cerimônia, etc.
Agora, se eu não estou estudando isso, se estou estudando a influência da cultura
indígena na alimentação dos portugueses da Capitania de São Vicente em 1690, os
documentos de batismo das paróquias brasileiras do século XVIII não são minhas
fontes. Servem para outro pesquisador, não para mim.

Então você já aprendeu rapidamente duas coisas:

• Os arquivos e museus são muito importantes porque estão repletos de possíveis fontes
primárias para as suas futuras pesquisas.
• Um documento, um artefato não nasce fonte histórica. É o historiador que, em seu
processo de pesquisa, dá a ela o estatuto, a condição de fonte histórica (de fonte
primária).

C. Bibliografia (ou fonte secundária)

A bibliografia é o corpus bibliográfico que ampara a discussão que você vai


empreender em sua pesquisa/narrativa histórica.
A disciplina história é uma disciplina acadêmica, ela se estrutura numa
comunidade de pesquisadores que compõe o corpo de professores e de pesquisadores de
uma universidade (como a que você estuda), de um núcleo de estudo, de um arquivo, de
um museu, etc. Assim, a história é feita de debates. Se você quer estudar sobre um tema
específico, (exemplos: "Família Escrava", "Movimento Operário", "Independência do
Brasil", etc) você deve primeiramente buscar se alguém já estudou sobre isso antes. Se
já foi estudado, ótimo! Você tem com quem debater suas descobertas, você tem de onde
começar, você irá, certamente, concordar com alguns argumentos desse autor mais
antigo e irá, necessariamente, discordar de outros argumentos.

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Suponhamos que você resolveu estudar por exemplo, "As tribos urbanas na
cidade de Goiânia, na década de oitenta": se você não encontrou ninguém que "rezasse"
sobre o seu assunto escolhido, então você irá desmembrar o tema para, indiretamente,
encontrar sua bibliografia de apoio.
Vejamos:
• Quais autores escrevem sobre "tribo urbana"?
• Quais autores escrevem sobre a cidade de Goiânia na década de 80?
• Quais autores tratam sobre movimento social nesse período, nessa cidade?
• Quais fontes primárias você elegeria para dar suporte à sua pesquisa: inquéritos
policiais, recortes de jornais, vídeos da internet, noticiários de televisão, leis
orgânicas do município, imagens fotográficas, depoimentos, fanzines, etc.

Definição de bibliografia:
O Conjunto de obras, de história ou não, que dão base para o
diálogo acadêmico que fundamentam sua pesquisa.

D. Objeto da História

O objeto da pesquisa é sobre o que você pesquisa. Na sua pesquisa "As tribos
urbanas na cidade de Goiânia, na década de oitenta", o objeto é "as tribos urbanas da
cidade de Goiânia no período da década de 1980". Veja, você está usando, como título,
o próprio objeto. Isso é obrigatório? Não. Mas nós historiadores costumamos primar
pela clareza e, assim, muitas vezes propomos um título que já esclarece sobre o que a
pesquisa irá tratar.
Assim, usemos o mesmo exemplo para entendermos bem: o objeto da sua
pesquisa não é "Tribo urbana". Temos certeza de que quando você for comunicar seu
orientador [Professor responsável pelo encaminhamento de sua pesquisa] que você quer
estudar tribos urbanas, o professor dirá, certamente, algo assim:
– Mas quando? Onde? Com qual fonte? Você já tem uma bibliografia?
E você, assustado, talvez responda:
– Não professor! Eu pensei em fazer um trabalho usando os artigos de jornal
antigos, que estão no arquivo da faculdade... E pensei em usar o livro da Helena

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Abramo, Cenas Juvenis: Punks e Darks no Espetáculo Urbano... Mas no resto eu não
pensei não!
Aí o orientador diz:
– É. A fonte você já tem (falava dos artigos e jornal antigos), uma primeira obra
para bibliografia você também tem (ele falava do livro de Helena Abramo Cenas
Juvenis)... Mas e o período? Tribos urbanas quando? Hoje? Os capoeiras do XIX?...
Você precisa recortar melhor teu objeto, rapaz!

Saber mais...
ABRAMO, Helena W. Cenas Juvenis: Punks e Darks no Espetáculo Urbano.
São Paulo: Editora Página Aberta. 1994.
(Livro muito bom, da área de ciências sociais, para que gosta de movimentos
sociais urbanos!)

Veja que curioso: "recortar o objeto". Recortar o objeto é delimitar com clareza
sobre o qual você irá pesquisar, para confeccionar sua trama histórica. Veja:

Como fazer um recorte histórico, para a pesquisa?

• Qual é o evento histórico (o acontecimento central sobre o qual irá se


pesquisar)
• Qual são as fontes primárias (quais os documentos irão informar sobre o
evento que se irá pesquisar)
• Qual é o período histórico abordado (em que momento se desenvolve o
evento que será estudado)
• Quais são os atores históricos envolvidos (quem são os agentes, os seres
humanos do passado que participam e contribuem para o desenvolvimento da história)
• Quais são os processos históricos que, canonicamente, já são reconhecidos no
período (ou seja, em que momento do passado ocorre? Renascimento? Primeira
República? Era Vargas? Brasil Colônia? Transição da República democrática para a
militar de 64?, etc)

E. Diacronia x Sincronia.
Não poderíamos deixar passar estas duas palavras que, aqui, você já ouviu (ou
melhor, já "leu").

Diacronia:
É quando estudamos fenômenos ou fatos tomando-os a partir sua evolução no tempo.

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Sincronia:
É quando estudamos, relacionamos fenômenos ou fatos históricos que se desenvolem em
um mesmo tempo.

Assim, fica fácil entender que a história busca compreender os eventos do


passado, quer em diacronia, quer em sincronia, cujos autores são os seres humanos.
Vejamos os exemplos:

Eventos relacionados à História do Brasil


Evento 1: Descobrimento do Brasil.
Evento 2: Apresentação da peça Auto da Visitação (ou
Monólogo do Vaqueiro), de Gil Vicente, para a corte portuguesa.
Evento 3: Colonização do Brasil pelos portugueses.
Evento 4: Independência do Brasil por D. Pedro.

Observemos que os eventos 1 e 2 estão em SINCRONIA, ou seja: relacionam-se


um ao outro pelo fato de serem simultâneos, de estarem acontecendo ao mesmo tempo.
Observe: o Brasil foi "descoberto" por Pedro Álvares Cabral no ano de 1500 e, na
mesma época, em 1502, o escritor português Gil Vicente apresentou para a corte (Rei,
Rainha e nobreza) de portugal, sua peça de teatro de cunho religioso e que se tornaria
um marco para a literatura e para o teatro português.
Observemos, também, que os eventos 3 e 4 estão em DIACRONIA, ou seja:
relacionam-se um com o outro pelo fato de ambos constituirem importantes capítulos da
História do Brasil, entretanto o evento 3 (Colonização do Brasil pelos portugueses) é
anterior ao evento 4 (Independência do Brasil por D. Pedro). Veja que não se trata
apenas de um evento acontecer antes do outro: ambos estão distantes no tempo, mas
estão tão intimamente ligados que você não poderia compreender a Independência
proclamada por D. Pedro, sem compreender primeiramente que o Brasil foi colonizado
por europeus oriundos de Portugal!
Pronto!
Com todos estes conceitos você já pode começar a pensar sobre o que é a prática
do historiador, sobre o que é o fazer da história. Entretanto...

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...seria muito fácil passarmos para você estudante, jovem e futuro historiador, um
conjunto de conceitos e fórmulas sobre "como se deve escrever a história", ou ainda
"regras para se compreender o que é a história".
Nós não faremos isso!
Preferimos mostrar como surge e como se desenvolve o sentido de história que
temos hoje, traçando uma breve viagem desde o nascimento dessa forma de escrita (com
os gregos no século V a. C.) até os dias atuais.
Ao final, traçaremos uma breve conclusão que aponta para a historicidade de
cada um dos muitos procedimentos que constitui a prática do historiador. De onde
surgiu nossa necessidade por fontes escritas? Desde quando começamos a deixar de
lado o ouvir dizer e optamos por tomar como "verdadeiro" aquilo que diz o documento
escrito? Podemos acreditar cegamente no que "diz" o documento escrito? Como o
significado de "fonte", "rigor", "método" mudam ao longo dos séculos?

É assim que se explica o que é história. É assim que se ensina a pensar


historicamente. Fazendo história, historicizando.

Vamos para Grécia Antiga?

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2. Um presente dos gregos...

Estudaremos agora...
• Como surge a História com Heródoto.
• Como Tucídides interpreta a História.
• Qual o contexto histórico da Grécia para o nascimento da
História.
• Como a História é uma narrativa distinta da poesia (Homero).
• Como Heródoto e Tucídides compreendem as fontes históricas.

Nosso ponto de partida é a Antiguidade Ocidental, ou seja, iniciamos nossa


trilha a partir do mundo grego. A preocupação com o passado, entretanto, não é
privilégio da antiguidade helênica: desde os tempos imemoriais as sociedades humanas,
de Leste a Oeste, sempre se preocuparam com a consciência de suas origens, com a
preservação de seus costumes, de sua cultura, associando sempre o destino dos homens
com a vontade de seus deuses. Ora, então por que começar pela Grécia Antiga?

Estátua de Nakhthorheb ajoelhado em oração. Período Antigo, 26a Dinastia, reinado de


Psammetichus II (595-589 a.C.) In: http://www.louvre.fr .

Se a Hélade (como os gregos a chamavam) não foi a única a se preocupar com o


passado, ela foi a primeira a torná-la independente da mitologia e da poesia (literatura).

16
Falar do passado, das tradições remotas para os demais povos da antiguidade, sempre
foi falar dos homens e dos deuses, trazendo sempre uma compreenção de que a vida
nessas civilizações foi sempre um contínuum. Como assim? Vejamos os Egípcios, por
exemplo, para eles o tempo da vida cotidiana era marcado pela alternância de cheia e de
seca do rio Nilo: o deus Hórus fecundava a deusa Ísis e o nascimento de Osíris indicava
o período das cheias, da fertilidade do Nilo, da fecundidade para o plantio em suas
margens... tempos de alegria para os egípcios, de felicidade para os phelás
(camponeses). Seth, o deus do vento quente do deserto, corpo de homem e cabeça de
águia, enciumado da união, mataria Hórus, despedaçando seu corpo e o espalhando pelo
deserto: eis o período da seca do Nilo. Desesperada, Osíris devoraria os restos do
amante, fecundando-o em seu ventre para, em seguida, dar a luz ao seu filho Osíris
(novamente a fecundidade do rio trazendo plenitude aos egípcios). Veja como o tempo
da natureza é o tempo dos deuses (essa fusão entre o religioso e a natureza
denominamos animismo). Assim, a visão de todos os povos antigos sobre suas origens e
sobre sua cultura, cada uma à sua maneira, estava sempre marcada pelo universo
lendário, mítico, divinal; sempre belamente cantada por sacerdotes e poetas (e daí sua
natureza "literária"). Dos pré-colombianos (Astecas, Maias e Incas) aos Mesopotâmicos,
Persas e Chineses, as civilizações mantinham suas histórias contadas de geração a
geração, compreendendo a realidade de seu mundo a partir de aspectos ora religiosos,
ora mágicos ou místicos. Tomando suas histórias como verdade, como tradição, essas
civilizações fundavam sua visão de mundo no ritmo da natureza: veja, no exemplo dos
egípcios que acabamos demonstrar, como a temporalidade de suas narrativas eram
circulares. Este modo de conceber o tempo, este continuum, denominamos tempo
cíclico.

... Mas, voltemos aos gregos.


Pensando sobre a palavra História:

Procuremos, primeiramente, definir a palavra História. Sua origem vem do grego


O que fizeram os helenos (habitantes da Hélade) de tão diferente, de tão único a
antigo historie, oriunda da raiz indo-européia cujo significado é “ver”: no sentido de
ponto de pensarmos
testemunho neles
(aquele que como osgrego
viu). No "paisantigo,
da história"?
a visão tornou-se a fonte do conhecimento
e fonte do saber, pois “quem vê sabe”. Assim, historie é “investigar”, “procurar saber” e ou
“informar-se”. Nas línguas românicas história exprimiria “as realizações dos homens” e o
seu objeto seria “o que os homens realizaram”. Mas história teria também, o sentido de
narração, a questão ainda não se debruçou se essa História seria uma narração
ficcional/imaginaria ou uma narração verdade/realidade histórica. Encontramos esta
distinção em outras línguas. No inglês se distingue o ficcional e a realidade histórica com
as palavras history e story; no italiano se distingue a produção da ciência história por
storiografia; na língua alemã, se estabeleceu uma distinção entre a atividade do historiador
Gechichetschreiburg e a ciência histórica Geschichtswissenchaft. No século XIX se definiu a 17
história como um saber verdadeiro da realidade (o que realmente aconteceu) que foi
chamado historicismo e uma categoria para o real, a historicidade. (LE GOFF, Jacques.
História e Memória. p. 18-19).
Os gregos também tinham suas narrativas sobre o passado, cantadas pelo
universo mítico e literário. A Ilíada e a Odisséia, ambas atribuídas ao poeta Homero,
são bons exemplos dessas histórias. Observemos um trecho da epopéia (poema do
gênero épico) de Odisseu:

“Todos os gregos que haviam lutado na cidade de Tróia tinham regressado à pátria. Tendo
sobrevivido às batalhas da guerra ou às tempestades da viagem, os heróis estavam de volta as suas
casas. Apenas Odisseu, filho de Laertes, príncipe de Ítaca, ainda errava pelos mares, perseguido por
um destino insólito. Após muitas aventuras, os ventos levaram-no para uma ilha deserta e rude,
coberta por florestas, chamada Ogígia. Uma ninfa, a deusa Calipso, filha de Atlas, manteve-o
prisioneiro numa gruta porque desejava tê-lo como marido. Ele, porém, apesar das promessas de
imortalidade e eterna juventude, permaneceu fiel á sua esposa, a nobre Penélope. Finalmente ele
despertou a compaixão dos deuses do Olimpo; apenas Posídon, o velho inimigo dos gregos,
continuou irreconciliável. Não ousava matar o herói, mas sempre que podia lhe dificultava a viagem:
fora ele quem o desviara para aquela ilha inóspita.” 1

As histórias mitológicas, repletas de criaturas sobrenaturais (ninfas, ciclopes,


sereias) transformavam os homens, diante da ação dos deuses (Zeus, Atenas, Posídon),
em coadjuvantes da história. Veja no trecho acima, como os desejos e caminhos
traçados por Ulisses (Odisseu) são perpassados pelas vontades e rigores dos deuses e
demais seres mitológicos da cultura grega: Posídon (deus do mar) apresenta-se como

1
SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da antiguidade clássica, Os mitos da Grécia e de
Roma. 11

18
inimigo; já Calíope (musa de todos os poetas) o impediria de cumprir seus itinerários
pela sedução, pela promessa de prazeres eternos.

A Apoteose de Homero - Jean Auguste Dominique Ingres, 1827


Musée du Louvre (Paris)
Image from Joconde: Ministère de la Culture (France)
© Musée du Louvre, © Direction des Musées de France, 1999

Entretanto, com Heródoto de Halicarnasso (484-420 a. C), denominado por


Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) como “o pai da História”, a narrativa histórica, pela
primeira vez, se afastou da maneira mítica de tratar com a realidade. Heródoto propunha
a realização de uma investigação que não deixasse para o esquecimento as obras
realizadas pelos homens. E buscava ainda mais: analisava as possíveis causas dos
conflitos militares que envolviam sua civilização (...e conflitos não faltavam: haviam
desde guerras entre diferentes cidades gregas, como confrontos entre povos vizinhos.
Estes, denominados por Heródoto de "bárbaros"). Para atingir seu propósito, após ser
expulso de sua cidade, Heródoto percorreu muitas regiões do mundo Grego, indo até
mesmo ao Egito. Todo o material que acumulou, tudo o que viu e ouviu por intermédio
de suas viagens, foi primeiramente exposto oralmente em praças públicas, e, depois, foi
por ele reunido na obra: Histórias. (Isso mesmo, "Histórias", no plural!). Este grego
atribuiu um sentido para a História, muito diferentemente da mitologia. Suas reflexões
partiam do testemunho das ações humanas e, independentemente da vontade dos deuses,
buscavam preservar estas ações, impedindo que fossem apagadas da Memória grega.

19
Buscando as causas dos acontecimentos, a partir do confronto de diferentes pontos de
vista, ele organizou na forma de um relato escrito e racional (e não mítico ou
"literário"), tudo aquilo que viu e ouviu, tanto de uns quanto de outros.

Heródoto
In: http://pt.wikipedia.org

Estes foram os parâmetros de Heródoto para a construção de seu discurso


histórico em Histórias, obra que, dividida em nove livros, trata tanto dos antecedentes
das Guerras Médicas, como das viagens que realizou. Tais viagens lhe possibilitaram
por em dúvida, principalmente, as histórias contadas e cantadas pelos seus pares (as
poesias, sempre mitológicas, cantadas pelos aedos e rapsodos gregos). Com Heródoto
de Helicarnasso a História seria algo que se distinguia do mito, devendo ser
comprovada pelo ver, e caso não fosse possível, pelo ouvir dizer.
Observemos alguns trechos extraídos da obra Histórias de Heródoto. Identifique
conosco os métodos do autor grego para a escrita da História: o ver, e o ouvir dizer.

I — Os Persas mais esclarecidos atribuem aos Fenícios a causa dessas inimizades.


Dizem eles que esse povo, tendo vindo do litoral da Eritréia para as costas do nosso
país, empreendeu longas viagens marítimas, logo depois de haver-se estabelecido no
país que ainda hoje habita, transportando mercadorias do Egito e da Assíria para
várias regiões, inclusive para Argos. Esta cidade era, então, a mais importante de
todas as do país conhecido atualmente pelo nome de Grécia. Acrescentam que alguns
fenícios, ali desembarcando, puseram-se a vender mercadorias, e que cinco ou seis
dias após sua chegada, quase concluída a venda, grande número de mulheres dirigiu-
se à beira-mar. Entre elas estava a filha do rei. Esta princesa, filha de Inaco,
chamava-se Io, nome por que era conhecida pelos Gregos. Quando as mulheres,
postadas junto aos barcos, compravam objetos de sua preferência, os fenícios,
incitando uns aos outros, atiraram-se sobre elas. A maior parte delas logrou fugir,
mas Io foi capturada, juntamente com algumas de suas companheiras. Os fenícios
conduziram-nas para bordo e fizeram-se à vela em direção ao Egito.

20
II — Eis como, segundo os Persas — nisto pouco de acordo com os Fenícios — Io veio
parar no Egito. Essa questão foi o início de todas as outras. Acrescentam os Persas
que, pouco depois, alguns gregos, cujos nomes não gravaram, vieram Tiro, na Fenícia,
e raptaram Europa, filha do rei. Eram, sem dúvida, Cretenses. Ficaram, assim, quites
os dois povos, mas os Gregos tornaram-se depois culpados de uma segunda ofensa.
Dirigiram-se num grande navio a Aea, na Cólquida, sobre o Faso, e, ultimados os
negócios que ali os levaram, arrebataram Medéia, filha do rei, e tendo esse príncipe
enviado um embaixador à Grécia para exigir a entrega da filha e a reparação da
injúria, responderam-lhe que, como os Colquidenses não haviam dado nenhuma
satisfação pelo rapto de Io, eles não o dariam absolutamente pelo de Medéia.

III — Dizem ainda os Persas que na geração seguinte, Páris, filho de Príamo, tendo
ouvido falar no caso, quis também raptar e possuir uma mulher grega, persuadido de
que se outros não foram punidos, não o seria também. Raptou, então, Helena; mas os
Gregos resolveram, antes de qualquer outra iniciativa, enviar embaixadores para
exigir a devolução de Helena e pedir satisfações.

XV — Os Iônios têm uma opinião muito particular com relação ao Egito. Acham eles
que não se deve dar esse nome senão ao delta, desde o Echangueto de Perseu, ao longo
do litoral, aos Tariqueus de Pelusa, numa distância de quarenta esquenos. Para o
interior, o Egito se estende em terras cultivadas até a cidade de Cercasoro, onde o Nilo
se divide em dois braços, um dos quais se dirige para Pelusa e o outro para Canopo. O
resto do Egito, dizem os Iônios, pertence à Líbia ou à Arábia. Admitindo essa opinião,
poderíamos supor que em tempos remotos os Egípcios não tiveram um país próprio,
pois o delta estava coberto pelas águas, como eles mesmos afirmam e como observei.
Se, pois, os Egípcios não possuíam outrora território próprio, como pretendem ser o
povo mais antigo do mundo? Que necessidade tinham de fazer aquela experiência com
os recém-nascidos para saber qual seria sua língua natural?
Quanto a mim, não sou de opinião que os Egípcios tenham começado a existir com a
região denominada Delta pelos Iônios. Penso que eles sempre existiram, desde que há
homens sobre a terra, e que, à medida que o país crescia com as aluviões do Nilo, parte
dos habitantes se transferia para o Baixo Egito, permanecendo a outra em suas terras
de origem. Daí chamar-se outrora Egito à Tebaida, cuja superfície é de seis mil cento e
vinte estádios.

CVI — A maior parte das colunas que Sesóstris mandou erigir nos países por ele
subjugados não mais subsiste. Cheguei, todavia, a vê-las na Palestina e na Síria, e
observei as partes genitais das mulheres, assim como as inscrições a que me referi. 2

Dessa forma, se os poemas de Homero cantam (a partir do fantástico e do


maravilhoso) as aventuras dos heróis diante dos caprichos de deuses e de musas, as
Histórias de Heródoto concebem a história como um relato verdadeiro, construído pela
investigação. Tal diferença pressupõe, na obra de Heródoto, a substituição das autorias
dos relatos, quando as comparamos às narrativas de Homero: na Ilíada e Odisséia os
seres míticos interferem na própria construção dos relatos, enquanto na obra de
Heródoto se introduziu, pela primeira vez, a figura do histor (o historiador). O
historiador apresenta-se como um narrador privilegiado: narra a história, mas não
participa dela. Observe no trecho a seguir, onde são postos os objetivos primeiros da

2
Heródoto, Histórias, 1, 1-5.

21
obra: Heródoto procurou se distanciar do fato narrado, como se ele estivesse isento, ou
melhor, como se ele fosse somente um expectador:

“Ao escrever a sua História, Heródoto de Halicarnasso teve em mira evitar


que os vestígios das ações praticadas pelos homens se apagassem com o
tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gregos, assim como
as dos bárbaros, permanecessem ignoradas; desejava ainda, sobretudo, expor
os motivos que os levaram a fazer guerra uns aos outros.”

Temos, com Heródoto, algo novo e não experimentado ou almejado pelas


narrativas míticas: o desejo pela neutralidade da narrativa, à medida que aquele que
narra ausenta-se do fato, protege-se do erro, porque se distancia do evento narrado. Com
o primeiro historiador da Grécia, rompeu-se o predomínio da oralidade, da narrativa
oral: ganha força de verdade a produção escrita (mesmos os relatos orais, colhidos por
esse historiador, foram devidamente confrontados pela investigação e, em seguida,
transcritos e transmitidos por meio da escrita).

Saber mais...
www.greciantiga.org
(Aqui um site muito bom para você conhecer um pouco sobre a
Antiguidade Clássica)

Existem algumas maneiras para compreendermos o término do olhar mítico


sobre a realidade. Podemos atribuir que as mudanças nas formas de pensamento
decorreram de um refinamento da vida política da polis grega. Novas dimensões da
organização da vida social e das práticas políticas e jurídicas exigiram mudanças nas
ações coletivas, o que convidou à passagem da compreensão do mundo estruturado em
narrativas épicas para uma consciência política. Ou seja, diante do exercício da
democracia o homem grego torna-se consciente de sua importância política, já que,
cidadão, começa a se perceber como agente de seu próprio destino.

22
Tucídides
In: http://pt.wikipedia.org

Mas Heródoto não foi o único a pensar a História: Tucídides, o jovem que um
dia ouviu os relatos das Histórias do próprio Heródoto, levado às lágrimas pela
narrativa, também produziu sua narrativa sobre os eventos da Grécia. Tucídides foi
importante historiador grego: assim como Homero, ousou escrever sua obra História da
Guerra do Peloponeso, sem a interferência dos mitos e dos deuses. Mas não seguiu
Heródoto às cegas.
Tucídides discordava de seu mestre, de seu "pai intelectual" Heródoto:
desconfiava de sua imparcialidade. Para Tucídides o pai da História era também o "pai
das mentiras". Para o novo historiador, Heródoto não haveria se separado
suficientemente do mito: Tucídides aproxima-se do que, hoje, denominamos de
investigação judicial, já que narra a história como testemunha ocular.
Observemos o seu método, ou seja, observemos como Tucídides vê o que
aconteceu, ou seja, notemos suas preocupações com a objetividade, com o real, com a
verdade da história para com o seu presente. Ele buscava contar sobre determinado
evento sempre a partir de um conjunto de provas: visava, com isso, distinguir sua
narrativa das narrativas míticas, das fábulas:

“20. Ora, descobri que assim foram os tempos antigos, sendo difícil crer sistematicamente em
todo indício, pois os homens recebem uns dos outros, sem provas, as tradições do passado,
mesmo as de sua própria terra. (...) Há ainda muitas e diversas coisas que ainda hoje existem e
não foram apagadas pelo tempo, das quais os outros gregos não fazem idéia correta: por
exemplo, que os reis dos lacedemônios não dispõem de um só voto, mas de dois, e que entre
eles há um batalhão de Pitane, o qual jamais existiu. Assim isenta de fadiga é a pesquisa da
verdade para a maioria, que se volta para o que é mais fácil.

21. Mas, a partir dos referidos indícios, não erraria quem considerasse que essas coisas
aconteceram como expus, não acreditando em como os poetas as cantaram, adornando-se para
torná-las maiores, nem em como os logógrafos as compuseram, para serem mais atraentes

23
para o auditório, em vez de mais verdadeiras, já que é impossível comprová-las e a maior
parte delas, sob a ação do tempo, acabou forçosamente por tonar-se fábula que não merece fé.
Deve-se considerar, porém, que foram reveladas suficientemente, a partir dos sinais mais
evidentes que há para as coisas antigas. Quanto a esta guerra – ainda que os homens sempre
julguem como maior a presente, em que lutam e, uma vez terminada, admirem mais as coisas
antigas – para quem examinar os próprios feitos ficará evidente que foi a maior de todas.

22. De quando foi dito em discurso por cada um, a ponto de entrar em guerra ou já estando
nela, era difícil recordar com exatidão cada palavra, tanto para mim, quando eu próprio as
escutei, quanto para os que me informavam a partir de alguma outra fonte, Como me parece
que cada um teria falado o que devia sobre a situação do momento, atendo-me o mais próximo
possível ao sentido geral do que foi verdadeiramente dito, é assim que tudo se dirá. Quanto aos
feitos realizados na guerra, difícil escrever não recolhendo informações junto de qualquer um,
nem como me pareciam ser, mas os que eu próprio presenciei, tendo ainda checando cada um
deles, com a maior exatidão possível, junto de outros. Com muito trabalho eles se descobriram,
porque os presentes a cada um dos feitos não diziam as mesmas coisas sobre os mesmos, mas
de acordo com a simpatia ou lembrança que tinham. Para o auditório, também a ausência dos
fabulosos nos fatos relatados parecerá desagradável; mas se todos os que quiserem examinar
com clareza o que aconteceu (e o que porventura, conforme o humano, será de novo igual ou
semelhante ao acontecido) os julgarem úteis, será o suficiente. Trata-se de aquisição para
sempre, mais que de uma peça para um concurso, a ser ouvida de momento.

23. (...) E também o que antes se dizia por ouvir dizer, mas raramente era comprovado pelos
fatos, não mais parecia incrível; terremotos que atingiram a maior extensão de terra e, ao
mesmo tempo, foram os mais forte; eclipses do sol, que aconteceram mais freqüentemente,
considerando-se o que se recordava de tempos anteriores; também grandes secas, acontecidas
em alguns lugares, a partir dos quais houve fome; e o que provocou não poucos prejuízos e, em
parte, destruição: a epidemia da peste. Tudo isso, portanto, a um só tempo, coincidiu com esta
guerra. Começaram-na os atenienses e peloponésios, quando romperam a trégua e trinta anos
que celebraram depois da tomada da Eubéia. Quanto ao motivo por que a romperam, comecei a
escrever primeiro as causas e os diferendos, para que, no futuro, não se fique procurando de
onde se formou essa guerra para os gregos. Com efeito, o motivo mais verdadeiro – que menos
se manifesta nos discursos – julgo ser o fato de os atenienses terem-se tornado grandes e
provocado medo nos lacedemônios, forçando-os a em guerra, já as causas admitidas claramente
por cada um, a partir dos quais romperam a trégua e entraram em guerra, são as seguintes.” 3

Se com Heródoto vimos um narrador distante do evento que narra, utilizando-se


de seus conhecimentos e dos de outros expectadores para compor sua narrativa
verdadeira, com Tucídides a história só pode ser verdadeira por que ele, historiador, fala
sobre aquilo que efetivamente viu e, por isso, garante a “comprovação pelos fatos”. Se
Heródoto poderia nos parecer um compilador de narrativas desejoso por encontrar a
verdade, Tucídides nos parece escrever como nossos modernos correspondentes de
guerra: ao narrar sobre aquilo que observa ele cria uma outra concepção para a verdade
histórica, a História como visão do real. Sua grande contribuição à constituição daquilo
que hoje denominamos disciplina histórica, consiste na invenção de uma escrita cujo
narrador é contemporâneo ao evento narrado e que, em seu desejo pela verdade, ele se
oculta da narrativa para deixar os fatos falarem por si.
3
Tucídides, história da guerra do Peloponeso, 1, 1-23.

24
Permitindo-nos aqui uma reflexão, talvez seja correto observar um movimento
crescente de distanciamento do narrador, se compararmos as narrativas míticas de
Homero, a narrativa da pesquisa (compiladora de relatos) de Heródoto e a narrativa do
fato por si mesmo em Tucídides. E talvez você se sinta com vontade de escolher uma
delas...
Aqui vamos pedir: calma. Não se trata de escolher este ou aquele. Trata-se de
conhecer como se desenvolveu a percepção da tradição, da realidade e da verdade, em
diferentes momentos da civilização que fundou o nosso Ocidente: a Grécia antiga. Se
você, caro aluno, realizar um esforço de extrapolação do pouco, (mas bastante
profundo), estudo que realizamos até aqui, você poderá facilmente fazer para si mesmo
uma pergunta ainda mais assustadora: "Se já na Grécia antiga, já no século V a.C.,
diferentes concepções sobre o que é História e o que é verdade foram concebidas,
quantas outras tantas diferentes concepções sobre o fazer histórico não foram criadas e
quantas destas concepções não se debatem hoje, no cotidiano das práticas dos
historiadores?".
E, feita esta pergunta, damos os nossos parabéns! Essa é uma das perguntas (se
não a mais interessante) que nos move rumo à compreensão da História da História (ou
historiografia). Não a tome como algo desesperador, mas como uma "pulga atrás da
orelha", como uma inquietação gostosa de quem quer saber as respostas, mas,
ambicioso, quer degustar com calma para compreender a importância das perguntas.
Lancemos esta questão como quem lança o anzol na busca de, pacientemente, fisgarmos
futuras e saborosas respostas. Por hora, voltemos aos gregos a partir de outra questão
mais direta: "Que tinha a Grécia clássica que criava, fartamente, diferentes concepções
sobre a escrita da história?"

Assim, o estudo da vida e da obra de Homero e de Tucídides nos leva a buscar


certos questionamentos: qual o contexto histórico próprio da Grécia à época destes
primeiros historiadores? Ou ainda, o que ocorreu naquela época que impeliu estes
gregos a partirem de suas cidades, de suas realidades políticas, para buscar a
compreensão de outras sociedades e de determinados conflitos? Por que suas histórias
almejavam tão intensamente a verdade, a ponto de discordarem uma da outra e, juntas,
recusarem a voz dos mitos e dos deuses? O fato de ambos terem sido desenraizados de
suas cidades, um como viajante e outro como exilado, talvez tenha impedido que eles

25
mantivessem vínculos com os regimes políticos de suas poleis4. Ou, talvez, nem
exatamente romperam, nem simplesmente aceitaram passivamente suas realidades:
Heródoto e Tucídides parecem ter ultrapassado os particularismos de suas cidades-
estado e o egoísmo do cidadão grego, justamente pelo posicionamento crítico frente às
ameaças políticas que rondavam a Hélade: Heródoto respondia atentamente às Guerras
Médicas; Tucídides observava, detalhadamente, a Guerra do Peloponeso. Não se
tratava, nem por parte de um nem por parte de outro historiador, da negação das culturas
políticas nas quais foram criados, ao contrário, desejavam, ambos, afirmá-las sobre os
demais conflitos que os circundavam. Entretanto, os distanciamentos assumidos por
cada um deles, inda que expressos de modo bastante diferentes acabaram por fecundar o
olhar crítico, necessário para a construção desse tipo de escrita investigativa que
denominamos História.
Assim, o século V a.C. foi considerado o momento em que os helenos passaram
a compreender o mundo não mais a partir do mito, mas pelo uso da razão. A poesia
mitológica, que explicaria as origens foi perdendo força e a palavra cada vez mais
racional ganhou espaço e foros verdade. Com esta mudança e diante de desafios
impostos pela vida, das dúvidas profundas sobre sua origem e ou sobre seus destinos,
homens como Heródoto e Tucídides construíram uma forma peculiar de se fazer e
conceber a História.

Heródoto e Tucídides
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Atividades:
4
A Cidades-Estado grega era denominadas Pólis. Em grego, o plural é Poleis.

26
1) Releia as citações extraidas das obras de Heródoto e Tucídides que se
encontram no corpo do texto do modulo I, que você acabou de estudar.
A partir dessa leitura, desenvolva um texto no qual você compare as
narrativas históricas de Tucídides e de Heródoto. (Ou seja, compare o
significado do fazer histórico para os dois historiadores: compare o método
pelo qual utilizam-se das fontes. O que é fonte histórica para cada um?)

2) Leia o trecho abaixo da obra Guerra do Peloponeso, de Tucídides:

“A ausência de estorinhas em minha História irá, temo, tirar um


pouco do seu interesse. Contudo, se for considerado útil pelos
pesquisadores que desejarem um conhecimento preciso do
passado, como ajuda para interpretar o futuro, ficarei contente.
Escrevi esta obra não como um relato não para receber o apoio
do monumento, mas como uma aquisição para tudo o sempre.”

a. Segundo o trecho, identifique e explique qual tipo de História Tucídides


pretendia escrever.

b. Quando Tucídides anunciou a ausência de "estorinhas" em sua História,


com qual antecessor seu ele estaria dialogando e quais os critérios
deste para a escrita de uma história?

3. Uma outra Antiguidade: os Romanos.


27
Estudaremos agora...
• O que era a História para os Romanos.
• Como os Romanos lançam mão da tradição herdada de Grécia (Heródoto e
Tucídides).
• Como a História estava vinculada às ideologias políticas da Roma Antiga.
• O que era, para os Romanos, a História mestra da Vida (e como isso é
importante para a concepção de história para o Ocidente).
• Como os Romanos compreendem as "fontes" históricas.

Romulo e Remo
In: http://www.louvre.fr

Você já percebeu que falamos bastante de Tucídides e de Heródoto e talvez você


já tenha, até, tomado seu partido: "Gosto mais desse" ou "Gosto mais daquele". Pois é,
esse efeito é bastante comum no estudante de história: apaixonar-se pelos pontos de
vista, pelas análises críticas e cheias de verdade (ou de vontade de verdade) de cada um
dos pais desse conhecimento que denominamos História.
E foi isso mesmo que aconteceu com os demais historiadores da antiguidade...
Heródoto, o pai da história também começa a ser tomado como "o pai da
mentira". Era o que pensava Plutarco no 1º século depois de Cristo: para o romano, o
escritor de Histórias estava ainda muito próximo do mito. Ao que tudo indica era o
modelo tucidideano (história como testemunho ocular) que interessaria como concepção
da "verdade" sobre o passado.
É com Políbio (200 – 118 a.C.), que viveu na Grécia no tempo da conquista
Romana), que encontramos a preocupação com a utilidade da História: ela (a história)

28
teria a função de dar aos homens do presente um cabedal de exemplos (daquilo que
deveria ou não deveria ser feito), ou como muitos dos leigos em história costumam
dizer (até hoje, em nosso século XXI): aprender com os erros do passado para construir
o futuro. (E você começa a ver agora, que muitas das frases que antes pareciam tão
originais, são apenas ecos de pensamentos muito, muito antigos...).
Veja que essa história como "repertório das experiências humanas" será a tônica
do pensamento de Cícero (106 – 46 a. C.) e, pela sua influência na Roma Antiga, dos
grandes políticos e prensadores romanos em geral. Esse modo de compreender a história
é o que o próprio Cícero denominava História magistra vitae ("história mestra da
vida").

Jovem Cícero Lendo. Wallace Collection, London ib :


http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/f/foppa/y_cicero.html

Compreender a história como mestra da vida nos é algo muito importante, e isso
justamente porque nos historiadores não pensamos mais desse modo hoje. A história
mestra da vida, construída durante a antiguidade, fundou aquilo que denominamos de
concepção clássica de história. E por que "clássica"? Clássica por que foi,
genericamente, o modo da civilização ocidental pensar (e escrever) a história, até
meados do século XVIII. Veja, então, a importância de compreendermos como surge o
pensamento histórico na Antiguidade: a concepção de história surgida na Grécia e
pensada por Roma irá dar suporte ao modo de compreensão do passado ocidental até o
século XVIII d.C.! Mas atenção: não significa então acreditar que da Roma antiga até a
Revolução Francesa o homem pensou do mesmo modo suas origens, seu tempo
passado. Como veremos, muitas concepções, práticas de leitura e de escrita, irão fundir-

29
se à escrita da história concebida pela antiguidade, gerando assim não uma homogênea
visão clássica de história, mas uma visão clássica repleta de variações. E não se trata de
coincidência: trata-se do translatio imperii, ou seja, a continuidade do império romano
que será impressa ao longo de toda a história ocidental; do Império Carolíngeo (séc. IX)
à Rússia Czarista (séc. XX) nód podemos observar quão poderosa foi a representação
do Império Romano para a construção do Ocidente.
Assim sendo, voltemos para os romanos...

Foro Romano
In: http://www.thais.it/citta_italiane/roma/introduzione/pag_01.htm

Para os romanos, essa história mestra da vida tinha como "função" exaltar o papel
de Roma no mundo e assim justificar, inevitavelmente, a força de suas instituições
políticas republicanas (e, posteriormente de seu Império). Os primeiros romanos a
escreverem uma narrativa de cunho histórico em Roma, Fábius Pictor e Cincius
Alimentus, o fizeram no século II d. C., ou seja, ao final das guerras contra Cartago, as
famosas Guerras Púnicas. E, veja, não se trata de coincidência: as Guerras Púnicas
foram um divisor de águas na história de Roma; vencendo Cartago a expansão romana
tornou-se desenfrada; o próprio Mar Mediterrâneo, base para pesca, comércio e
conquistas de outros povos da antiguidade, recebeu o apelido romano de "Mare
Nostrum" (ao pé da letra: "nosso mar").
A história seria, portanto, o lugar de narração das experiências passadas, cujo
grande atributo seria o de ensinar aos homens o seu destino e, obviamente, o destino de

30
todo o mundo comandado por Roma. Para os romanos, a História sempre teria um
personagem principal: ROMA.
Com a história a serviço das glórias do império, vemos que a escrita dessa história
ganha um caráter bastante diferente do que vimos anteriormente com os gregos. Com os
romanos, a história cultivada por Tito Lívio (Ab Urbe condita libri), no século I de
nossa era, e por Tácito (Histórias), já no século II d.C., até Ammien Marcellin (Rerum
Gestarum Libri) já no final do Império, no século IV d.C., podemos observar a escrita
de uma história para a leitura pública, uma história que tem a função de cativar seus
leitores, seus ouvintes: a história romana é sempre uma história a serviço da urbe
romana e, assim, sempre alicerçada na retórica, sempre moralizante.
A história em Roma não voltou à mitologia, não desfez o desejo grego de falar da
verdade do passado, entretanto, sempre se manteve ligada umbilicalmente ao retórico e
a narrativa dos grandes feitos daqueles que Tito Lívio denominou de "o primeiro povo
da terra". Sendo guerreira e a serviço da grandeza imperial, nunca se esquivou de sua
constituição heróica, ou seja, épica. Teriam os romanos recolocado a história, dentro
dos fazerez da "literatura"? Essa é uma questão para outro momento... Deixemos tais
perguntas aos especialistas em Roma.
Cabe a nós compreendermos agora a continuidade cristã das narrativas históricas
herdadas de Roma. Vejamos a escrita da história em alguns momentos da Idade Média.

Saber mais...
Visite o site do Louvre. Conheça as coleções de imagens e de obras de arte do
mundo todo: http://www.louvre.fr

Atividades:
1. Explique a relação entre narrativa Histórica e Imperialismo romano.

2. O que era, para os romanos da antiguidade clássica, a "História Mestra da


Vida"?

4. O tempo e o Sagrado: A Idade Média


31
Estudaremos agora...
• O que era a História para o Ocidente medieval.
• Afinal, aqui nasce Ocidente e Oriente?
• Como a Idade Média funde pensamento religioso e pensamento histórico.
• O que eram as chamadas hagiografias e as Vidas dos Santos.
• Como as transformações no final do medievo (séc. XII) apontam para novas
concepções cristãs de história: a teleologia cristã e a filosofia da história.

Se na Antiguidade, como vimos, surgiu a "História", ou seja, uma narrativa sobre


o passado que se distanciava do mítico e do literário; na Idade Média veremos o advento
de outras concepções sobre o tempo passado. Entretanto, já iniciamos este capítulo com
um problema, com um detalhe que não podemos deixar passar: você não deve se
esquecer que a Idade Média foi um período, um momento da história (e você vai dizer:
"Ah, mas isso é óbvio!").
Ótimo que você ache óbvio, entretanto você não pode deixar de lado as
implicações que surgem desta observação, ou seja: quando anteriormente falávamos de
Grécia, de Heródoto e de Tucídides, nós falávamos de uma cultura respectiva a uma
única civilização. Correto lembrarmos que as civilizações estão sempre passando por
transformações, e que a Grécia do século V a. C. estava sendo analisada, criticada por
seus próprios representantes, mas, ao mesmo tempo, havia um sentido de unidade entre
as diferentes cidades-estado que compunham a civilização grega: quando falávamos do
nascimento da História, falávamos do lugar de uma cultura grega, helênica. Quando
falávamos da história para os romanos, falávamos da escrita dos eventos passados por
romanos e que, como vimos, tomavam como certo sua superioridade cultural e política
frente os povos vizinhos (sempre bárbaros, colonizados ou não).
Observe a grande diferença do que estudaremos a partir de agora: a Idade Média
foi um período da história, ou seja, não foi uma única cultura, não implicava na visão
histórica de uma única civilização... Ao contrário, foi o encontro de diferentes culturas,
de diferentes civilizações. Aliás, neste aspecto, a Idade Média é muito mais próxima de
nossa realidade do que as civilizações grega e romana... O historiador Georges Duby,
por exemplo, sempre gostou de traçar interessantes paralelos entre nossa realidade e a
do medievo.

32
Assim, a Idade Média é o período da história que se encontra entre os séculos V e
XV depois de Cristo; ela basicamente engloba a cultura islâmica, a judaica e a cristã.
Foi na Idade Média que as concepções de Ocidente e de Oriente ganharam sentido
(Curioso não? Não havia mundo Ocidental e Oriental antes da Idade Média... Ou, como
dizemos os historiadores, a divisão entre Ocidente e Oriente foi uma invenção histórica
advinda da Idade Média).
Mas se a Idade Média era um caldeirão de culturas, como compreender o que
significou a História para os homens da Idade Média? (E é chegada a hora de você
compreender o que significa fazer um "recorte historiográfico").

In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Lichtenstein.jpg

Recorte historiográfico é toda a seleção, toda delimitação que o historiador realiza


para empreender sua pesquisa, sua narrativa histórica. Tomemos nossa história da
compreenção sobre o passado na Idade Média (ou seja, a história da história na Idade
Média): Sabemos que o Ocidente medieval surge com a queda do Império Romano do
Ocidente; sabemos que a invasão bárbara e a oficialização do Cristianismo pelo
Imperador Constantino, em 313 d.C., constróem, ambas, uma idéia de mundo romano-
cristão que fecundará parte do Oriente e de todo o Ocidente medievais. (Viu como ficou
mais difícil? A partir de agora é como se tivéssemos que pensar em dois mundos: o
Ocidental e o Oriental).

33
Voltemos: o fato de a Idade Média ocidental estar fundada na fusão política e
cultural entre Império Romano e religiosidade cristã, não nos dá o direito de concluir
que todas as diferentes culturas medievais pensavam da mesma forma. Os muçulmanos
pensavam o passado e sua história, durante a Idade Média, exatamente da mesma forma
que os cristãos pensavam? ... E agora você entenderá, na prática, o recorte que
realizamos para a confecção deste texto:

Não iremos aqui generalizar o sentido de história para todas as culturas que
compunham a Idade Média. Nosso recorte atende à compreensão do significado da
narrativa histórica para o Ocidente cristão medieval. Obviamente, as diferentes
culturas medievais se relacionavam e fecundavam-se umas as outras, o que nos permite
compreender, inclusive, as mútuas contribuições e circulações culturais de uma
civilização para outra... Entretanto,

Recortamos aqui, no esforço de entendermos nossa própria


civilização hoje, as possíves concepções sobre história que
caracterizavam o Ocidente Medieval.

Ufa... tanto esforço não foi em vão. Agora podemos caminhar sem atropelos pela
"historiografia" do Ocidente medieval.

"Charlemagne and the Pope"


In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Charlemagne_and_Pope_Adrian_I.jpg

O que basicamente caracterizava as sociedades medievais, inclusive a ocidental, é


a religiosidade cristã e a tradição política romana. Quer a Oriente, quer a Ocidente o

34
cristianismo foi a grande amálgama, o grande fundamento que organizou o decadente
Império Romano, arrebentado pelas invasões bárbaras. Enquanto o Oriente preservou
bastante as estruturas políticas do Império Romano, formando o que conhecemos como
Império Romano do Oriente ou Império Bizantino, o Ocidente foi retalhado em
diferentes reinos bárbaros. No século IX, Carlos Magno será coroado pelo Papa como
Imperador do Império Romano do Ocidente: conhecido também por Império
Carolíngeo.
Deixemos de lado, por hora, os detalhes factuais sobre a Idade Média (ficaríamos
páginas e páginas conversando sobre os detalhes): a medida que se fizer necessário,
detalharemos os contextos históricos... Entremos na produção historiográfica medieval.

Santo Agostinho.
In: http://www.30giorni.it/us/articolo.asp?id=3553

A Idade Média é o período das biografias como Vida dos doze Césares (escrita
por Suetônio no século I da era Cristã, ou seja, ainda sob a égide da Roma antiga) e
Vida de Carlos Magno de Éginhard; e das autobiografias como as Confissões de Santo
Agostinho e Histórias de minhas desventuras de Santo Abelardo. Se ela (a história para
o Ocidente medieval), não é mesmo a história do tempo mítico, e nisso ela é herdeira de
Heródoto e de Tucídides, ela não está livre do biblico, do religioso: a concepção de
história para a Idade Média ocidental toma a experiência humana, o passado da
humanidade a fim de compreender a revelação divina. Se, para Heródto e Tucídides a
história revelava detalhes e explicava causas e consequências das atitudes humanas,
para o homem medieval os eventos históricos eram totalmente independentes entre si
35
(sem a concepção de causa/consequência): o estudo da história caminhava, sempre, para
a compreenção dos desígnios de Deus.
Alguns historiadores, como François Dosse em História, por exemplo, preferem
compreender o pensamento medieval como "an-histórico". Aqui, por hora, evitaremos o
posicionamento tão rígido e compreerenderemos, sim, que esse modo de ver o passado,
pelos homens do medievo era mesmo muito distinto do nosso e, de qualquer modo,
trouxe-nos contribuições muito importantes: com o pensamento cristão-medieval
veremos, pela primeira vez, surgir aquilo que podemos denominar de filosofia da
história5. Mas antes de tratarmos das filosofias da história, voltemos à compreenção
sobre o sentido da história para os homens da primeira metade da história medieval
ocidental: do século V ao X d.C. temos o momento do medievo que denominamos de A
Alta Idade Média.
Para o homem da primeira metade medieval, a história não era um local de
resposta sobre o tempo, sobre os homens, mas uma ferramenta para auxiliar a exegese:
ou seja, a compreensão litúrgica (bíblica) dos desígnios de Deus. Quanto ao tipo de
escrita, não havia na Idade Média ocidental um tipo de escrita que se denominasse, com
em Heródoto, Histórias. O que denominamos de texto histórico medieval é
denominado, a rigor de Hagiografia.

Mas, afinal, o que era a Hagiografia?

A hagiografia se confunde com a história na Idade Média, mas ambas são muito
diferentes: enquanto a história se prende à cronologia e à sucessão de eventos humanos,
a hagiografia tinha como núcleo a vida dos santos e utilizava-se das provas para
confirmar sua santidade e, com isso, a liturgia católica. Se a hagiografia não negava por
completo a história, por outro lado ela não era escrita para a compreensão dos eventos
humanos em sua universalidade, mas para a constatação de como os eventos da
humanidade revelavam os desígnios de Deus, do sagrado. (Repare: a história é sempre
escrita para alguém. Em Roma, era escrita para os romanos, na Idade Média Ocidental
para os cristãos. Isso pode parecer óbvio, mas nos mostra o modo daquele que escreve a
história decompreender o outro, o ser humano diferente dele. Se para gregos e romanos
havia um "vizinho" indesejável denominado bárbaro, para os cristãos do medievo
5
Filosofia da História: ver Hegel, Haiden White. Quando formos falar de hegel e marxismo
(semana que vém!!!!) tomamos a ponta deixada pela Idade Média e fechamos o tema "filosofia da
História".

36
haviam dois tipos de "vizinhos": o pagão que deveria ser convertido e o infiel que
deveria ser conquistado).
É no século XII (já na baixa Idade Média, ou seja, entre os séculos X e XV d.C.)
que veremos a cristandade elaborar um raciocínio propriamente histórico. A teologia da
baixa Idade Média (a sucessora da Patrística, denominada então de Escolástica) começa
a representar o movimento da cristandade rumo à salvação. Temos aí algo muito
próximo da história, uma narrativa dos eventos passados que desembocam para o
presente, tendo como certo um final, um momento futuro: a salvação. Em outros
momentos quando estudarmos mais calmamente aquilo que denominamos de filosofia
da história, veremos que esste final pressuposto à narrativa histórica, já em seus
primeiros momentos, em suas primeiras tramas, nós denominamos de teleologia.
Ou seja, é no século XII que nasce aquilo que denominamos de filosofia da
história. Se até o século XII podemos ainda obsevar a permanência da concepção de
tempo cíclico, com ele surge uma nova visão acerca do tempo: o homem começa a
superar sua submissão frente ao tempo da natureza e começa a se compreender a partir
de uma nova temporalidade que toma a sua própria atuação, sua maneira de criar e de
modificar o mundo como ponto de partida. É o homo faber, o homo artifex impondo sua
arte sobre a realidade, sobre o mundo natural.

O homem da baixa Idade Média, este homem então bastante


religioso começa então a admitir a idéia de processo e de
transformação. Esse homem da Baixa Idade Média começa a
experimentar a compreensão do tempo como um movimento linear e
determinado rumo à salvação divina.

Se para nós, homens e mulheres do XXI, isso poderia passar despercebido como
algo sem importância, para os homens e mulheres dos tempos finais da Idade Média,
isso significava uma importante transformação no modo de ver e de participar do
mundo. A noção de que o homem ele mesmo é capaz de transformar e, agindo em sua
realidade, transformar a história (dele mesmo e de seu povo ou comunidade) surgirá
apenas muitos séculos depois... Mas perceba: ao final do medievo a cristandade
(conjunto de todos os fiéis que compõem o período em questão) passa a ter importância
numa série linear de acontecimentos: com a expulsão de Adão e de Eva do paraíso, a
cristandade segue guiada pelos representantes de Deus rumo ao julgamento final. Se

37
para nós, hoje, tal narrativa pode não parecer muito animadora, ela era sim, fundamental
para a metalidade do homem medieval: cabia a ele participar desse rebanho que rumava
para a salvação (durante a Baixa Idade Média, essa consciência de linha histórica e de
processo não havia ganhado tal configuração, tal sentido).
Gostamos sempre de citar, como exemplo, a alegoria que melhor exemplifica esta
visão de mundo. Umberto Eco, linguista e romancista italiano, em seu romance
histórico O Nome da Rosa, descreve, pela boca do monge beneditino Guilherme de
Baskerville, o que era para o homem medieval a vida e a história de sua sociedade:

"Tu tens clara a visão da constituição do povo de Deus. Um grande rebanho,


ovelhas boas, e ovelhas más, refreadas por cães mastins, os guerreiros, ou o poder
temporal, o imperador e os senhores, sob a direção dos pastores, os clérigos, os
intérpretes da palavar divina. A imagem é plana."
(ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, s/d, p.234).

Veja que a sociedade medieval é representada como sendo um grupo de ovelhas,


guiadas por um pastor, protegidas por cães, rumando à terra prometida. Veja como a
imagem é perfeita: as ovelhas são os servos, os cães a nobreza (classe guerreira) e o
pastor o clero. Note que todo o grupo nesta alegoria caminha rumo à Terra Prometida,
rumo à salvação. Há, intrínsecamente nesta alegoria, a consciência por parte do narrador
de um movimento (caminhada) que é executada por todos os personagens. Como
poucos, o escritor Umberto Eco, em sua obra ficcional, compreende que para o homem
da Baixa Idade Média, havia um caminho, um processo histórico (inda que pré-
determinado, inda que teleológico) a ser cumprido pela sociedade cristã medieval:
diferentemente dos eventos díspares descritos pelas hagiografias, ao fim da Idade Média
a cristandade se concebe imersa em uma concepção de história processual, num
encadeamento de eventos, passível de ser narrada de forma linear.
Note:
E nasce aqui o que podemos denominar de a primeira forma
de compreensão de uma filosofia da história. Ou seja, um sistema
de pemsamento, um mecanismo organizado que dá sentido e
encadeamento aos eventos passados de uma civilização. Tal
encadeamento é construído por um mecanismo tão perfeito, por
um sistema tão bem direcionado, que o fim da narrativa da filosofia
da história já está inscrito, pré-determinado pela própria essência
da trama. Este fim "pré-determinado" (e que, no pensamento
38
medieval era o dia do julgamento) é o que denominamos de
teleologia. (Na próxima Unidade compreenderemos um pouco como se
desenvolve a filosofia da história na história contemporânea)
O século XII é, assim, o momento que o mundo urbano começa a florescer
novamente, é o momento em que a salvação pode ser observada ao longo dos atos da
humanidade: havia que se conhecê-los, compreendê-los em suas causas e consequências
(obviamente sabendo o início e o fim da humanidade: Deus). O século XI já havia dado
início à grande caminhada cristã contra o "mal": as Cruzadas haviam sido convocadas
pelo papa Urbano II. Nos séculos XII e XIII vemos o surgimento do Gótico, uma
arquitetura urbana e religiosa, própria às catedrais (Notre-Damme, por exemplo), mas
também ao mundo privado dos ascendentes burgueses.
Estamos a poucos passos do advento da Idade Moderna, do Renascimento e do
Humanismo. Um mundo bastante religioso como o medieval, mas diferentemente do
anterior, bem mais seguro das possibilidades, potências e belezas oriundas da razão
humana.
No século XIII Dante Alighieri escreve a Divina Comédia (obra religiosa e
política, simultaneamente), no XVI Luis de Camões reinventa a Ilíada, fecundando a
epopéia Os Lusíadas para a glória de nossa língua portuguesa.

"Cessem tudo o que a Musa antiga canta,


Que outro valor mais alto se alevanta"
(CAMÕES, Luis Vaz de. Os Lusíadas.
–Canto Primeiro, 3ª estrofe)

Estamos a um passo do Novo Mundo. O que acontecerá com a escrita da história?

Atividades:
1. O que foram as hagiografias produzidas pelos homens a Alta Idade Média?

39
2. a. Explique o que é e qual a importância da filosofia da história para o
desenvolvimento da escrita da história no Ocidente.

b. Qual a importância do conceito de teleologia para compreendermos a


filosofia da história?

Considerações Finais

40
Ufa! Podemos dizer que já percorremos boa parte de nosso caminho. É muito
importante você não deixar de fazer as atividades propostas! Elas garantem que você
realmente compreenda com clareza cada passo desta "história da História" que aqui
estamos estudando.
Não deixe de buscar no Glossário (ao final deste material didático) as palavras
que você não entender. Claro que ainda assim, muitas das palavras você não as
encontrará explicadas aqui... Então mãos à obra: procure um bom dicionário (já
indicamos aqui o dicionário Priberam que você pode encontrar on-line; mas você pode
consultar os impressos que você já deve ter em casa como Aurélio, Luft, Michaelis,
Silveira Bueno, etc.).
O que é inportante você ter entendido até aqui é que a História (hoje uma
disciplina, uma carreira que engloba tanto o pesquisador quanto o professor da
componente curricular) não nasceu como uma técnica específica já pronta, acabada. O
que denominamos História é na verdade um conhecimento que veio ganhando forma,
que veio sendo contruída ao longo do tempo.
Por isso estamos aqui visitando os principais momentos das sociedades ocidentais,
nos quais surgiram diferentes modos compreender o passado. Não é nenhum exagero
dizer que nosso modo de olhar para o passado, nossa maneira de comprender a história
é na verdade herdeira direta das muitas diferentes maneiras de compreender a história
(desde a Grécia Antiga até hoje).
Assim, nas próximas unidades, daremos continuidade a nossa "viagem": como as
sociedades do passado ocidental pensaram a própria história? Que tecnologias
inventaram a fim de trazer à tona o passado tal qual ele realmente aconteceu? Como
evitar as mentiras, as possíveis falsificações sobre o que ocorreu no passado? Como
manter separado duas as maneiras de narrar o passado que nasceram unidas: a História e
a Literatura?
Essas questões mobilizaram os esudiosos de história no passado e os mobilizam
até hoje. Compreender tais questões e respondê-las é o que você fará como historiador,
de certa forma, toda vez que você for realizar sua escrita da história.
Vamos continuar nossa viagem?

Resumindo:

41
• A história é uma disciplina que estuda eventos do passado,
cujos atores são os homens e as mulheres. A história analisa
estes eventos do passado a partir de relações de diacronia e de
sincronia.
• A história é uma disciplina que funde a arte (escrita) à ciência
(pesquisa em documentos escritos).
• A História nasce na Grécia antiga, quando a narrativa do
passado foi separada da poesia e da mitologia.
• Heródoto e Tucídides fundam a escrita da história no Ocidente.
• Para Heródoto, a história deveria ser escrita a partir daquilo que
ele mesmo viu e também daquilo que ouviu dizer (relatos).
• Para Tucídides a história deveria ser escrita somente a partir
daquilo que o historiador viu. (testemunho).
• A história para a Roma antiga, era uma escrita à serviço da
política romana.
• A concepção de história para os Romanos é o que podemos
denominar de História mestra da Vida.
• Na Alta Idade Média, o passado era compreendido não
propriamente por uma escrita da história, mas sim pelo que
podemos denominar de hagiografias e Vidas dos Santos.
• Na Baixa Idade Média (século XII) surge um novo modo de
pensar a história: um modo processual, linear, contínuo e
teleológico denominado Filosofia da história.

Atividade Final:

42
1. Explique o que é Diacronia e Sincronia.
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2. Você estudou as formas de se pensar a história tanto na Roma


antiga quanto na Idade Média. Compare essas diferentes abordagens
históricas entre si: quais suas semelhanças, quais suas diferenças.

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43
UNIDADE 2
(Uma história das fontes)
~0O0~

Nesta unidade você irá estudar:

Tópicos Conteúdo do tópico

1. O Nascer do documento e sua crítica: Conceitos chave para a compreensão da


disciplina que denominamos "História"
Eruditos e Antiquários.

Objetivos desta unidade:

• Compreender como as transformações culturais do início da Idade


Moderna contribuiram para o desenvolvimento da crítica documental (e,
consecutivamente, da história).
• Compreender que, na Idade Moderna, a fé valia-se da razão para a
compreensão do passado e das tradições religiosas.
• Compreender como é importante, até hoje, para o ofício do historiador, o
conhecimento sobre crítica das fontes.

INTRODUÇÃO:

44
Bem vindos à Idade Moderna!
Você acabou e aterrissar da unidade anterior, na qual estudávamos como a escrita
da História, inventada pelos gregos antigos, transformou-se, ao final da Idade Média,
em uma técnica a serviço da sensibilidade religiosa.
Hoje, você sabe, o historiador não é um monge (você não precisa entrar para uma
ordem religiosa para estudar história... Ao contrário, você estuda numa Universidade!).
Será que o estudo da história deixou de ser uma atividade exclusivamente religiosa na
Idade Moderna? Porque será que a história deixou de ser uma preocupação estritamente
religiosa e se tornou uma preocupação de leigos, ou seja, de pessoas comuns?
Estas perguntas começam a ser respondidas nesta Unidade (mas se estenderão
mais um pouco, até a próxima, quando estudaremos o século XVIII). Neste momento
você irá compreender que fé e razão, antes fundidas uma na outra no pensamento
medieval, agora irão funcionar de modo independente. Curiosamente, a busca pela
verdade, pelo passado real irá fecundar no mundo religioso práticas racionais,
empíricas, ávidas por revelar questões importantes do passado ocidental.
Se pensar o passado, na Idade Média, era buscar a Deus, na Idade Moderna, tal
estudo implica na busca pela origem e pela autenticidade dos documentos religiosos
(Veja como, na Idade Moderna, fé e política mostram-se eventos inseparáveis).

Quando falamos que uma pessoa é disciplinada em seus estudos, dizemos que ela
possui uma "disciplina monástica", ou seja: a pessoa possui a disciplina de um
verdadeiro monge. Discplina monástica, autenticidade dos documentos, crítica das
antiguidades... são algumas das expressões mais representativas desse capítulo de nossa
história da História.

Deixemos de mistério...
e investiguemos mais esta unidade.

1. O Nascer do documento e sua crítica:


45
Eruditos & Antiquários.

Estudaremos agora...
• Como a Idade Moderna com seus acontecimentos importantes (humanismo, renascimento,
reformas religiosas) são frutos de uma "revolução literária" da Idade Moderna.
• Como a Idade Moderna funde religiosidade e razão (e como isso influencia na historiografia
da Idade Moderna).
• A importância dos Humanistas e da imprensa de Gutemberg.
• O que foram os Eruditos para o desenvolvimento da história na Idade Moderna.
• O que foram os Antiquaristas para o desenvolvimento da história na Idade Moderna.
• Como nasce a concepção de "fonte histórica" e como surge a noção de crítica documental.

Eis a Idade Moderna e, com ela, outros desafios!


É que até agora o modo pelo qual periodizávamos esta nossa história do modo
mesmo que você aprendeu no colégio... Reparou? Veja: começamos na Idade Antiga
(com Grécia e Roma) e depois vimos as narrativas sobre o passado ocidental pela
percepção da mentalidade religiosa da Idade Média. Agora, seguindo a linha de
raciocínio que traçamos, você esperaria encontrar na Idade Moderna um modo
específico, um único sistema de compreensão do passado histórico que fosse
compartilhado pelos atores históricos (homens e mulheres) que viveram entre os
séculos XV e XVIII.
A partir de agora, você irá notar uma pequena diferença: nossa história, esta
viagem que estamos fazendo juntos irá se apresentar, aos seus olhos, mais detalhada,
povoada de diferentes tendências e contradições.
Quando tratamos da confecção da narrativa histórica na Idade Moderna, sentimos
a necessidade de entrarmos mais fundo nos detalhes e, por isso, lançamos mão de uma
particularidade desta nossa disciplina, deste nosso ofício: a história é a ciência do
particular.
– Quer dizer que quando falamos de história, cada evento do passado é único e,
além disso, vários eventos (conflitantes por vezes) podem ocorrer ao mesmo tempo?
[Você pergunta]
– Exatamente! [Nós respondemos]. Quando estudamos pelas lentes da história,
nós descobrimos que quanto mais estudamos um período, mais especificidades

46
encontramos e, assim, acabamos por encontrar em um único período da história, um
universo rico e complexo, cheio de diferentes tendências, características e forças
políticas: tantas vezes unidas e paralelas, outras vezes, divergentes e excludentes entre
si.
– E porque toda esta reflexão?

Esta discussão inicial serve para preparar você para a riqueza de detalhes que você
irá encontrar no estudo da historiografia a partir de agora. Neste período da história
iremos encontrar não uma única maneira de narrar historicamente sobre o passado, ao
contrário, iremos nos deparar com uma simultaneidade de posturas "historiográficas"
diferentes.

Vale ressaltar que o "historiográfico" está entre áspas porque este é um termo
muito posterior à Idade Moderna. Dizer historiografia implica em renhocer a
história como uma área o conhecimento distinta das demais, ou seja, como uma
disciplina. Como veremos, isso só irá ocorrer o XIX.

Primeiramente devemos alertar você quanto às continuidades históricas. Ou seja,


você deve compreender que a Idade Moderna responde às contingências, às visões de
mundo que herdou da Idade Média: essa resposta ao passado, à tradição herdada, acaba
por apresentar-se ora de modo afirmativo, ora negativo. Assim, superficialmente
falando,

toda vez que percorremos a história, observamos novos períodos,


novas organizações e novas estruturas políticas, sociais e culturais que
respondem ao passado, simultaneamente afirmando-o e negando-o. A
estes fenômenos de afirmação e negação do passado, denominamos,
respectivamente, continuidades
Apliquemos históricas e rupturas
tudo o que vimos, então! históricas.

Assim, a Idade Moderna ocidental preserva da Idade Média, a religiosidade cristã.


Neste aspecto, temos aí uma importante continuidade histórica para a compreensão de
certas preocupações modernas frente à escrita da história. Por outro lado, o advento do
protestantismo [Reformas Protestantes], da descoberta da América, do culto à razão e à
filosofia da antiguidade clássica implicam em importantes rupturas históricas frente à
mentalidade medieval que acarretarão em outras formas de narrar o passado, de se
posicionar frente às tradições herdadas.

47
Por outro lado, a Idade Moderna não é tão homogênea como o aluno gostaria que
fosse. Note, no parágrafo acima, quão importantes e complexos foram alguns dos
eventos históricos que polvilharam a Idade Moderna. Caberia aqui o aluno relembrar,
em suas anotações de segundo grau, as muitas transformações culturais, políticas,
estéticas e religiosas que ocorreram ao longo dos 4 séculos da Idade Moderna (do XV
ao XVIII). As mais importantes, nós apontaremos neste material.

E nasceu o documento....

Você aprendeu no colégio que a Idade Moderna se inicia em 1453, com a tomada
de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, pelos Turcos Otomanos... [e
você deve ter perguntado: "Por que isso seria importante?"]

Monge Copista Medieval


In: http://www.educacional.com.br

Bom, o fim do Império Bizantino com a invasão turca é mesmo uma grande
ruptura histórica numa das tradições romanas que perdurou ao longo de toda Idade
Média oriental. Mais que isso, a invasão dos turcos nos aponta para a diáspora [fuga,

48
migração] de religiosos da cidade Bizantina de Constantinopla para as demais cidades
da Europa ocidental.

– Mas que isso importa?

Esses religiosos (principalmente os que pertenciam ao clero regular, ou seja, os


monges) eram os "intelectuais" do Império Bizantino. Eram eles que organizavam,
preservavam, catalogavam, copiavam e traduziam os livros que eram obtidos pelas
bibliotecas religiosas nos monastérios (os mosteiros eram, na Idade Média o lugar de
conhecimento por excelência).
A diáspora de bizantinos com a invasão turca significou a dispersão de novo
fôlego literário e filosófico por toda a Europa. Muitos destes homens eram copistas e
leitores de grego: graças a eles o movimento denominado humanismo se espalha por
todo o Ocidente Cristão.
Não se trata o humanismo de um movimento meramente leigo, cultuando a
raconalidade e deixando de lado a fé: ao contrário, o culto dos textos gregos e latinos, o
conhecimento da filosofia (surgem novas traduções e novas leituras para textos de
Platão e de Sócrates), permitem que a fé seja compreendida pela razão humana. O
humanista do século XV é um erudito que conhece os textos religiosos e que domina os
textos e os conhecimentos oriundos da Antiguidade Clássica.

Processo de Impressão
In : http://commons.wikimedia.org/wiki/File:German_book-trade_in_the_16th_century.jpg

49
Some todo essa movimentação intelectual do início da Idade Moderna à
possibilidade da reprodução do texto em grande escala: em 1440 nasce nas mãos de
Johannes Gutemberg, na cidade de Estrasburgo a imprensa de tipos móveis. Com
Gutemberg temos um importante passo para a democratização do conhecimento e,
certamente, uma verdadeira revolução para a história do pensamento, da literatura e,
consecutivamente, da historiografia.

Vejamos:
Tomemos o famoso caso do humanista Lorenzo Valla. Através de um profundo
conhecimento em filologia (aqui, destaquemos seus conhecimentos em história da
língua latina) Valla descobre a falsidade de um documento antigo: A Doação de
Constantino. Este documento anuncia que Constantino, imperador do Império Romano
do Oriente teria doado ao Papa Silvestre I, no ano 315 d.C. determinados territórios em
Roma (atualmente tais territórios corresponderiam ao que, desde 1929, se denominou de
Cidade do Estado do Vaticano). Vejamos um trechinho do documento original:

CONSTITUTUM CONSTANTINI

1. In nomine sanctae et individuae trinitatis patris scilicet et filii et spiritus sancti.


Imperator Caesar Flavius Constantinus in Christo Iesu, uno ex eadem sancta trinitate salvatore domino
deo nostro, fidelis mansuetus, maximus, beneficus, Alamannicus, Gothicus, Sarmaticus, Germanicus,
Britannicus, Hunnicus, pius, felix, victor ac triumphator, semper augustus, sanctissimo ac beatissimo
patri patrum Silvestrio, urbis Romae episcopo et papae, atque omnibus eius successoribus, qui in sede
beati Petri usque in finem saeculi sessuri sunt, pontificibus nec non et omnibus reverentissimis et deo
amabilibus catholicis episcopis eidem sacrosanctae Romanae ecclesiae per hanc nostram imperialem
constitutionem subiectis in universo orbe terrarum, nunc et in posteris cunctis retro temporibus
constitutis, gratia, pax, caritas, gaudium, longanimitas, misericordia a deo patre omnipotente et Iesu
Christo filio eius et spiritu sancto cum omnibus vobis.
2. Ea quae salvator et redemptor noster dominus deus Iesus Christus, altissimi patris filius, per suos
sanctos apostolos Petrum et Paulum, interveniente patre nostro Silvestrio summo pontifice et universali
papa, mirabiliter operari dignatus est, liquida enarratione per huius nostrae imperialis institutionis
paginam ad agnitionem omnium populorum in universo orbe terrarum nostra studuit propagare
mansuetissima serenitas. Primum quidem fidem nostram, quam a praelato beatissimo patre et oratore
nostro Silvestrio universali pontifice edocti sumus, intima cordis confessione ad instruendas omnium
vestrum mentes proferentes et ita demum misericordiam dei super nos diffusam annuritiantes.
[...]
20. Huius vero imperialis decreti nostri paginam propriis manibus roborantes super venerandum corpus
beati Petri, principis apostolorum, posuimus, ibique eidem dei apostolo spondentes, nos cuncta
inviolabiliter conservare et nostris successoribus imperatoribus conservanda in mandatis relinqui,
beatissimo patri nostro Silvestrio summo pontifici et universali papae eiusque per eum cunctis
successoribus pontificibus, domino deo et salvatore nostro Iesu Christo annuente, tradidimus perenniter
atque feliciter possidenda.
Et subscriptio imperialis:
Divinitas vos conservet per multos annos, sanctissimi ac beatissimi patres.
Datum Roma sub die tertio Kalendarum Aprilium, domino nostro Flavio Constantino augusto quater et
Gallicano viris clarissimis consulibus.

50
(In: http://www.thelatinlibrary.com/donation.html)

O reconhecimento do documento acima como falsificação, foi de grande


importância política e historiográfica. Implicou, primeiramente, numa maior
relativização do poder da Igreja. Sem dúvida o controle político da Igreja católica ainda
era poderosíssimo, mas já havia, como nos mostra o exemplo de Valla, a possibilidade
de vislumbre para além de seus muros. Mais que isso, para o desenvolvimento de nosso
estudo vale observar que:

a autenticidade pela autoridade (pregada pela Igreja Católica


medieval), começava a ser substituída pela autoridade baseada na
verdade (e a verdade agora começa a ser reconhecida pela crítica à
autenticidade do documento histórico).

Veja, que verdadeira revolução foi para a historiografia o exemplo de Valla: o


humanista, esse pensador entusiata do Ocidente moderno, é um crítico de fontes
históricas; ou seja, ele é um erudito capaz de reconhecer um documento escrito em seu
valor histórico, sabe validá-lo em sua autenticidade. O que presenciamos neste
momento da história, através do exemplo de Lorenzo de Valla é o nascimento do
documento escrito como fonte primária à confecção da narrativa histórica. Este
processo não irá terminar no Renascimento, ele continuará se fortalescendo (com
alguma interrupção no século XVIII, como veremos) rumo aos dias atuais.
Entretanto, mostrando por este prisma, temos a impressão que a história tal qual a
conhecemos hoje [técnica, disciplina] já se apresentava no Renascimento, no início da
Idade Moderna... E não é verdade. Veja que a história começa a ser compreendida a
partir das fontes escritas, mas não está suficientemente apartada da religiosidade nem da
tradição feudal.
Ao contrário, se você se lembra dos estudos de história, nas aulas do colégio, o
renascimento foi a época dos mecenas, ou seja dos nobres e dos burgueses que,
desejosos pela ostentação de seu poder político e/ou econômico financiavam os artistas
e pensadores deste nascente mundo moderno. No caso do estudo da história, o mecenato
ainda ocorre: o estudioso da história não é um "historiador" a professar um disciplina
autônoma (como a que você está estudando agora). A história é escrita e lida por
autoridades, por políticos, por homens de letras a serviço de autoridades e de homens

51
públicos. Você se lembra que com a Idade Moderna temos o nascimento dos Estados
Modernos: Portugal, Inglaterra, França, Espanha, etc. Estes pensadores, (não
historiadores, mas historiógrafos) são homens próximos aos poderosos dos nascentes
estados (e sustentados por eles, veja: Lorenzo de Valla era historiógrafo de Afonso de
Nápoles, por exemplo). O humanista Maquiavel, ícone do pensamento político
moderno, escreveu O Príncipe em homenagem ao seu protetor Lourenço de Médici,
intitulado "o Magnífico".
A história nos primeiros séculos da Idade Moderna é uma erudição a serviço da
busca pelas "antiguidades" nacionais ao tempo mesmo que se motivavam, também,
pelas disputas teológicas: não se esqueça que em 1517 o monge agostiniano Martinho
Lutero prega nos portões da Igreja de Wittemberg as 95 teses, que são consideradas o
marco da Reforma Protestante.

Carta de Constantino (In: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/81/95Thesen.jpg)

Hoje costumamos pensar nossa necessidade de compreensão do passado como


algo independente de nossas motivações religiosas... Mas não era assim no século XVI.
Frente ao desmanche da tradição que representou a modernidade (novas expressões
religiosas dentro da fé cristã, a descoberta de novos continentes com culturas
completamente diferentes e alheias aos padrões culturais europeus), fazia-se necessário
ter certeza da fé e da salvação da alma. Se tais preocupações levaram a intensos debates
teológicos (como os das teses de Lutero expostas acima), da mesma forma implicaram
na busca do passado histórico como justificação da verdadeira fé cristã. Crescia a
necessidade sobre a legitimidade e a verdade expressa nos documentos. A análise de
Lorenzo Valla à Doação de Constantino é sintoma dessa nova maneira de compreender
e de acreditar na fé cristã. O trabalho desse especialista antecipa uma prática, também a

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serviço da religiosidade, que, na Idade Moderna (no século XVII) será denominada de
"Os Antiquaristas".

Não é nenhum exagero dizer que os debates religiosos do seçulo XVII, na Idade
Moderna, contruibuem para o aprofundamento de uma importante prática
historiográfica: a busca pela verdade do documento. É fundamental compreendermos os
diferentes papéis do documento histórico na Idade Média e na Idade Moderna: não é
que o documento na Idade Média não fosse compreendido como verdadeiro ou não,
válido ou não... Mas o que se julgava não era o texto em si, mas a autoridade daquele
que o produziu. Eis porque, até Valla, a Doação de Contantino não havia sido
comprovadamente tomada como falsa. A revolução da escrita da história nos três
primeiros séculos da Idade Moderna é brilhantemente expressa pelas palavras do
historiador François Dosse em A História:

"Os textos tornam-se iguais em direito e, portanto, submetidos ao olhar crítico. O efeito dessa
descoberta é considerável tanto no plano jurídico quanto no teológico, porque o questionamento de
um texto que pertence ao direito canônico inaugura a discussão possível dos textos sagrados até então
subtraídos do debate da controvérsia". (DOSSE, François. A História. SP, EDUSC, 2003, p.32)

Assim essa busca pela autenticidade do documento sagrado cria a partir das
primeiras décadas do XVII uma personagem muito importante para historiografia: o
antiquarista.
Os antiquarismo é um tipo de movimentação intelectual que surge no mundo
religioso do século XVII, iniciado na Congregação beneditina de Saint-Maur. Muitos
destes monges dedicavam-se ao arquivamento, catalogação dos documentos sempre
com o intuito de organizar e selecionar documentos antigos sobre a vida dos santos,
sobre as relíquias, sobre os eventos importantes do passado, que envolvessem a Santa
Sé e, principalmente, a própria ordem religiosa.
A ordem se Saint-Maur se torna assim, um reduto de estudiosos, especialistas em
numismática, patrologia, antiguidades clássicas, antiguidades nacionais, etc. É no seio
da congregação beneditina de Saint-Maur que um de seus antiquaristas deixará
sistematizado o método de crítica documental que ficará conhecida como a diplomática.
No dicionário Priberam (http://www.priberam.pt/dlpo/) temos uma das definições de
diplomática: arte de conhecer e ler os antigos manuscritos. É verdade sim, mas mais do
que isso, a Diplomática é um método de crítica textual, ou seja ela realiza aquilo que

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podemos denominar de crítica interna (determinar o tipo de escrita empregada, estilo,
localizar o uso de termos específicos à épocas particulares) e de crítica externa
(reconhecer em que contexto se encontram as informações do texto, datações, etc).
Jean Mabillon em 1681 evidencia seu método de crítica textual (a diplomática) a
fim de combater a crítica de autenticidade realizada pelo jesuíta Daniel van Papebroeck,
que havia questionado a autenticidade de certos documentos antigos arquivados na
abadia (beneditina) de Saint-Denis. Veja que a defesa realizada por Mabillon deixa de
lado a justificação da verdade do documento a partir da autoridade de quem o produziu
(como se faria no período medieval) e parte para a crítica documental (seu método era
tão detalhista que, lançava mão de análises do próprio suporte [tipo de papel e/ou tecido
sobre o qual foram escritas as informações do documento] do texto e das tintas
utilizadas para sua confecção).

Considerações Finais:

O estudante de história agora deve estar pensando que o próximo passo consiste
em um aprimoramento da experiência da crítica documental, construída pelo
pensamento moderno (e, certamente, religioso) de especialistas que, dos primeiros
renascentistas aos antiquaristas do XVII (chegando ao método da Diplomática) atinge
mais um degrau, sofre mais um aperfeiçoamento no século XVIII.

Não exatamente.

Nossa próxima unidade será breve, mas não menos importante para o
desenvolvimento da historiografia.
O século XVIII não avançou rumo às disciplinas e práticas que se alicerçavam na
erudição, na crítica pericial que incidia sobre o documento, como vimos como na
técnica de Mabillon. O século XVIII direcionou suas atenções, suas energias àquilo que
podemos denominar de filosofias da história.
Se a filosofia da história não é história propriamente dita... Isso é uma longa
dicussão, que não nos cabe aprofundar, entretanto, as energias, os valores carregados
pelas filosofias da história são de uma importância inquestionável quando o que
buscamos são as repostas para as seguintes questões:

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1. Como diferentes momentos do passado davam sentido ao seu próprio passado?
(Ou seja, o que era a "história" para cada período da história?)
2. Esta disciplina que hoje denominamos história: ela tem seu passado, ela resulta
de diferentes concepções de "história" herdadas do passado que, entrelaçadas,
amalgamaram-se, mesclaram-se. De que é formada (e como é formada) essa mistura,
essa amálgama?

Compreender como se desenvolvem as filosofias da história ao longo do século


XVIII é compreender o desenvolvimento da disciplina histórica numa direção que,
certamente, você não estava esperando... Ótimo. Provamos, assim, que a experiência
histórica é, sempre, o lugar da indeterminação.

A História é o Campo da Indeterminação

O que isso quer dizer? Quer dizer que não existe regra para o que aconteceu no passado,
para o que aconteceu na História? [Você pergunta].
– Sim e não [Nós respondemos].
Nós historiadores podemos compreender a história, mas não podemos prevê-la,
mensurá-la como uma reação química que irá reagir da mesma maneira sempre que forem
respeitadas as proporções estequiométricas e as condições de temperatura e pressão.
Vejamos: nós historiadores, podemos compreender como as coisas aconteceram no
passado, mas não podemos delas extrair uma fórmula que nos permita seguir com segurança
em todos os momentos, em todos os séculos do passado. Quantas vezes compreendemos um
evento histórico e esperamos que determinado acontecimento ocorra como esperamos...
Entretanto, sabemos que não podemos imprimir ao passado aquilo que desejamos. O evento
passado independe de nossas vontades ou ideologias (o que pode sim mudar é o modo como
diferentes historiadores dão significados políticos e históricos para os eventos históricos que
estudam).

Resumindo:

• A história é a ciência do particular.


• Na Idade Média a importância histórica de um documento era dada pela
autoridade de seu autor.
• Na Idade Moderna a preocupação nasce a preocupação com a
autenticidade do documento histórico.
• Lourenzo Valla prova a não autenticidade da Doação de Constantino.
• Mabillon cria, no século XVII, a Diplomática.

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• Os Antiquaristas determinam um método crítico de interptretação e
significação de textos e de antiguidades.

Atividade Final:

1. Por que podemos dizer que o pensamento renascentista e o humanismo foram


frutos de uma verdadeira "revolução literária" na Idade Moderna?
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2. Por que podemos dizer que essa "revolução literária" foi fundamental para o
desenvolvimento da escrita da história na Idade Moderna?
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3. Qual a importância dos Antiquaristas para o desenvolvimento da historiografia


na Idae Moderna? (Teça seus comentários tomando como modelo os Estudos
documentais produzidos por Lorenzo Valla).
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4. Compare o modo de se escrever a história para: a. Especialistas e


Antiquaristas; b. Gregos e Romanos. (Ou seja, compare como era a escrita da história
para a Antiguidade Clássica e para a Idade Moderna, destacando, principalmente, como
era o uso das "fontes" para cada uma dessas diferentes civilizações).
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