Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Brasília
2016
BRUNA MAURY AMERICANO DO BRASIL
Brasília
2016
BRUNA MAURY AMERICANO DO BRASIL
Brasília
2016
AGRADECIMENTOS
Por ter feito todos os esforços possíveis e impossíveis para que eu chegasse até
aqui, ter me apoiado e confortado nos momentos em que tudo parecia ruim e por
outros incontáveis momentos de gratidão, agradeço à minha melhor amiga: minha
mãe. Por ter me apresentado à paixão pelo cinema, agradeço à professora Carolina
Assunção. Por ter me orientado com paciência e atenção, agradeço à professora
Ursula Diesel. Por ter aceitado o convite para fazer parte da minha banca muito
antes dela acontecer, no quinto semestre de faculdade, agradeço ao professor
Guilherme Di Angellis. Por ter reacendido o meu interesse pelo jornalismo quando
eu estava desiludida, agradeço ao melhor professor do Centro-Oeste, Luiz Claudio
Ferreira.Por ter me dado forças quando eu estava sem energias para continuar,
agradeço ao meu melhor amigo e namorado. Por compartilharem das dores e
delícias de fazer um Trabalho de Conclusão de Curso, agradeço aos meus amigos e
colegas de faculdade, em especial a melhor pessoa que conheci nesses três anos e
meio, Carolina Sousa.
RESUMO
Cold War is the denomination used to refer to the struggle between the capitalist and
socialist ideologies and had most prominent two blocks, United States and the Soviet
Union. The conflict lasted 46 years and its main feature of ideological propaganda,
which took place, among other ways, through cultural events, such as movies. In
American cinema, you can identify elements that were part of the American rhetoric
and were used as propagation messaging tools. For the identification and
categorization of such elements, the method used is the film analysis, taking into
account the concept of the Cultural Industry, typical of American culture. Additionally,
the historical facts are considered permeating the productions to be analyzed, which
are From Russia with Love (1963), The Hunt for Red October (1990) and Bridge of
Spies (2015). Contemplating the three films, it is possible to trace a timeline of the
Cold War in film and verify if the information used as an ideology tools are constant in
all productions.
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9
1 A GUERRA FRIA................................................................................................................12
2 INDÚSTRIA CULTURAL, IDEOLOGIA E CINEMA COMO LINGUAGEM.........................19
3 METODOLOGIA..................................................................................................................26
4 ANÁLISE DOS FILMES......................................................................................................29
4.1 MOSCOU CONTRA 007..................................................................................................30
4.1.1 Meios de persuasão no discurso...............................................................................32
4.1.2 A história como recurso de convencimento.............................................................35
4.1.3 Os artifícios técnicos como instrumentos de significação.....................................36
4.1.4 James Bond, 53 anos depois de “Moscou Contra 007”..........................................39
4.2 CAÇADA AO OUTUBRO VERMELHO............................................................................40
4.2.1 A relação entre realidade, história, representação da realidade e ficção..............41
4.2.2 A dicotomia herói/vilão...............................................................................................44
4.2.3 A relação entre os blocos capitalista e socialista....................................................45
4.3 PONTE DOS ESPIÕES....................................................................................................47
4.3.1 A história como recurso de convencimento.............................................................48
4.3.2 A desconstrução de um estereótipo..........................................................................49
4.3.3 O papel do herói e as fases da retórica capitalista..................................................50
4.3.4 Os artifícios técnicos como instrumento de significação.......................................52
4.3.5 O lado “quente” da Guerra Fria..................................................................................56
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................57
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................60
9
INTRODUÇÃO
À medida que o tempo passava, mais e mais coisas podiam dar errado
política e tecnologicamente, num confronto nuclear permanente baseado na
suposição de que só o medo da ‘destruição mútua inevitável’
(adequadamente expresso na sigla MAD, das iniciais da expressão em
inglês – mutually assured destruction) impediria um lado ou outro de dar o
sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização. Não aconteceu,
mas por cerca de quarenta anos pareceu uma possibilidade diária. A
peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não existia
perigo iminente de guerra mundial. (HOBSBAWN, 2003, p. 224)
A Guerra Fria que de fato tentou corresponder à sua retórica de luta pela
supremacia ou aniquilação não era aquela em que decisões fundamentais
eram tomadas pelos governos, mas a nebulosa disputa entre seus vários
serviços secretos reconhecidos e não reconhecidos, que no Ocidente
produziu esse tão característico subproduto da tensão internacional, a
ficção de espionagem e assassinato clandestino. Nesse gênero, os
britânicos, com o James Bond de Ian Fleming e os heróis agridoces de John
le Carré - ambos tinham trabalhado nos serviços secretos britânicos -,
10
Para isso, foram escolhidos três filmes que representam o ponto de vista
norte-americano do conflito. Moscou Contra 007 (YOUNG, 1963) é o primeiro e,
apesar de não ser um longa-metragem de origem estadunidense, espelha as
inclinações e interesses da potência capitalista em plena Guerra Fria. O segundo
filme a ser analisado é Caçada ao Outubro Vermelho (MCTIERNAN, 1990) cuja
produção data do final do embate, logo após a queda do Muro de Berlim. O enredo,
no entanto, se passa no ano de 1984. E, por fim, o longa-metragem Ponte dos
Espiões (SPIELBERG, 2015), cuja história, baseada em fatos reais, ocorre no ano
de 1960. Apogeu. Desfecho. Pós-guerra. A escolha de três momentos históricos
distintos, em relação à produção dos filmes, tem por finalidade determinar a
existência de elementos discursivos que se repitam nas três produções, fazendo da
indústria cultural, conceito de Adorno e Horkheimer, instrumento para a
disseminação de princípios, valores e filosofias.
1
Os termos “socialista” e “comunista”, apesar de não significarem exatamente a mesma coisa, são utilizados
indiscriminadamente por historiadores e estudiosos do período. O mesmo ocorre com as referências à Rússia e
a União Soviética. Portanto, tais termos serão utilizados como sinônimos no presente trabalho.
12
1 A GUERRA FRIA
Nenhuma guerra do passado, por mais longa e cruel que tenha sido,
colocou em perigo toda a história da humanidade; não se diz que em
seguida ao desencadeamento de uma guerra termonuclear aquilo que até
agora não ocorreu possa ocorrer. (BOBBIO, 2003, p. 60)
O período conhecido como Guerra Fria foi assim chamado pelos historiadores
pela falta de embates entre exércitos e bombardeios a países inimigos - um conflito
em que “a paz era impossível, mas a guerra era improvável” (ARBEX JÚNIOR, 2004,
p. 7). O combate físico era improvável, pois boa parte dos países influentes no
mundo havia acabado de sair de uma temporada sangrenta, a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Por isso, as potências inimigas evitariam a todo custo o
confronto, que poderia eliminar de uma vez por todas a humanidade. Ao mesmo
tempo, a paz era impossível. A tensão entre os blocos comunista e capitalista era
constante e crescente. A sombra da bomba atômica pairava sobre as populações
tanto da União Soviética quanto dos Estados Unidos. “Nem paz nem guerra, e sim
13
capitalismo e sonhava em ser livre para comprar o produto que desejassem. Não
levavam em conta, no entanto, as mazelas que o capitalismo desigual traz.
José Arbex Júnior (2004) chega à conclusão de que a humanidade está ainda
muito longe de desenvolver o sistema político-econômico ideal, que seja capaz de
suprir as necessidades de todos, sem corrupção ou desigualdade. Nem o
capitalismo dos Estados Unidos, nem o socialismo Soviético puderam cumprir essa
demanda. Hoje, a Guerra Fria, 24 anos depois, ainda produz consequências na
sociedade moderna, e, justamente por isso, é difícil medir a real proporção.
Para Arbex Júnior (2004, p. 208), uma das decorrências da Guerra Fria é
certa. Uma vez que os 46 anos foram marcados pela disputa ideológica entre os
dois blocos, acentuou-se “a antiga e perigosa lógica da exclusão do Outro, do
diferente”. A crença de que o inimigo é inferior, por vezes até inumano, foi legitimada
pelo bombardeio ideológico promovido pela mídia, através do cinema, do rádio e da
televisão. Tais opiniões se refletem até hoje, principalmente em produções
cinematográficas que abordem o período da guerra. Bobbio (2003) destaca o caráter
autodestrutivo da Guerra Fria. Para ele, um conflito termonuclear seria uma
concepção tão distorcida, enquanto decisão de autoridades, que chegaria ao ponto
de perder o objetivo.
A guerra termonuclear não convém ao objetivo. O primeiro objetivo da
guerra é a vitória. (...) Mas à medida que a potência das armas aumenta, no
caso de a guerra explodir com toda a sua virulência, torna-se cada vez mais
difícil distinguir o vencedor do vencido. (BOBBIO, 2003, p. 61)
18
Como abordado no primeiro capítulo deste trabalho, “persuasão” era uma das
palavras-chave na guerra de concepções entre capitalismo e socialismo, que, por
meio da exposição midiática e de elementos culturais, como o rádio, a televisão e o
cinema, transmitiam princípios e valores condizentes com os respectivos interesses.
Para Citelli (2002, p. 6), “o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele
ao corpo”.
20
Cada um deles concorre para este resultado único da maneira que lhe é
própria. O aparelho político sujeitando os indivíduos à ideologia política de
Estado, a ideologia democrática, indirecta (parlamentar) ou directa
(plebiscitária ou fascista). O aparelho de informação embutindo, através da
imprensa, da rádio, da televisão, em todos os cidadãos, doses quotidianas
de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo, moralismo, etc. O mesmo
acontece com o aparelho cultural. (ALTHUSSER, 1980, p. 63)
Não é nunca o fluir do mundo que Eisenstein mostra, mas sempre, como ele
disse, o fluir do mundo refratado através de um “ponto de vista ideológico”,
inteiramente pensado, significante de fio a pavio. O sentido não basta,
precisa acrescentar a significação. (METZ, 1972, p. 52).
Para Aumont (2009), o discurso no cinema vai além: está atrelado a qualquer
tipo de representação. Até mesmo a simples exibição de um objeto é “um ato de
ostentação que implica que se quer dizer algo a propósito desse objeto” (AUMONT,
2009, p. 90). Ainda mais profundamente, o autor cita o cinema como o veículo das
representações que uma sociedade tem de si mesma, comparável às narrativas
míticas. Na verdade, uma substituição ou versão moderna das mesmas. Ainda
assim, o elemento “realidade” na representação cinematográfica é dubitável. Para o
autor, qualquer filme, ainda que busque retratar fatos, não deixa de ser ficcional.
Essa consideração é importante ao levar em conta que diversas produções, ao
longo dos anos, pretendiam delinear a verdade histórica do que ocorreu durante a
Guerra Fria.
levando em conta o que diz sobre determinado tema. No caso do presente trabalho,
o tema geral é Guerra Fria. Serão interpretadas três produções: Moscou Contra 007
(From Russia with Love, 1963, Terence Young), Caçada ao Outubro Vermelho (The
Hunt for Red October, 1990, John McTiernan) e Ponte dos Espiões (Bridge of Spies,
2015, Steven Spielberg). No capítulo a seguir, será abordada a metodologia do
trabalho, em que é possível entender como foi feita a escolha dos filmes e qual será
o trajeto de análise das produções.
26
3 METODOLOGIA
realização da análise. Além disso, um dos filmes deve datar da primeira metade da
Guerra Fria (MOSCOU, 1963); um do período do fim da guerra (CAÇADA,1990); e
um que tenha sido lançado nos últimos dez anos (PONTE, 2015).
Ao analisar tais produções específicas, o objetivo é traçar uma linha do tempo
da manifestação cultural na Guerra Fria, uma vez que os filmes foram divulgados em
datas marcantes da disputa entre os blocos capitalista e socialista, e verificar quais
são os elementos da ideologia norte-americana nas produções, como eles se
apresentam como ferramentas e sua constância – ou não - nos períodos de
lançamento dos filmes.
O icônico personagem James Bond, o agente secreto da Grã-Bretanha, faz a
primeira aparição nos cinemas na segunda década da Guerra Fria, em 1962, no
filme 007 Contra o Satânico Dr. No. Mas é no ano seguinte, em Moscou Contra 007,
que o personagem marca a memória da população. Caçada ao Outubro Vermelho,
uma adaptação de fatos ocorridos na década de 1980, estreou nas telas de cinema
em 1990, época em que a União Soviética encontrava-se enfraquecida, pouco antes
de anunciar seu fim, no ano seguinte. Também uma leitura de acontecimentos da
Guerra Fria na década de 1960, Ponte dos Espiões propõe uma visão dos fatos sob
a ótica moderna, 24 anos depois do fim do conflito, em 2015. Além do tema geral, os
filmes também têm em comum o fato de representarem a ideologia e o discurso do
lado capitalista do embate, apesar de não serem necessariamente produções norte-
americanas. Moscou Contra 007, por exemplo, é de origem britânica, nacionalidade
que apoiava os princípios capitalistas da época.
Para que sejam identificados os elementos que compõem a retórica
capitalista no cinema, a análise cinematográfica é a metodologia mais adequada,
apesar de não haver uma só metodologia mais eficaz. Dentre os tipos de análise
cinematográfica propostos por Manuela Penafria (2009), a mais indicada para o
objetivo do trabalho é a de conteúdo, em que o principal fator considerado na
produção é o tema. No caso, o tema geral a ser analisado é a Guerra Fria. Dessa
forma, as análises dos três filmes ocorrerão separadamente e por ordem cronológica
de lançamento (1963, 1990 e 2015). Algumas etapas constituem-se importantes
para que a análise seja realizada: a identificação do tema do filme, a realização de
um breve resumo sobre a produção e a decomposição da mesma, tendo em mente
o tema do filme. Assim, a análise consiste em observar a obra, identificar os
componentes relevantes em relação à retórica capitalista na Guerra Fria e interpretá-
28
los sob a ótica da teoria da Indústria Cultural, além de levar em conta o poder do
cinema como discurso e linguagem.
Dentro das análises fílmicas, serão levados em conta os seguintes aspectos:
de que forma são apresentadas as figuras do herói e do vilão e/ou do
Bem e do Mal;
as representações físicas, psicológicas e de personalidade do
personagem capitalista e do personagem soviético;
a relação entre capitalistas e socialistas;
as noções técnicas, como ângulos e enquadramentos de câmera, que
são significativas para a transmissão de mensagens nas produções;
os fatos apresentados nos filmes, sob a ótica de fontes da história da
Guerra Fria, de acordo com os períodos históricos correspondentes ao
ano de lançamento da produção e ao ano em que se passa o enredo
do filme.
4.1 Moscou Contra 007 (From Russia With Love, Terence Young, 1963)
● Ficha Técnica:
○ Direção: Terence Young
○ Elenco: Sean Connery, Lotte Lenya, Daniela Bianchi, Pedro
Armendariz, Robert Shaw, Bernard Lee
○ Adaptação: JohannaHardwood
○ Roteiro: Richard Maibaum
○ Trilha sonora: John Barry, Lionel Bart
○ Produção: Albert R. Broccoli, Harry Saltzman
31
“James Bond é um filho direto da Guerra Fria” (ARBEX JÚNIOR, 2004, p. 66).
Mais do que direto, é herdeiro legítimo dos valores capitalistas presentes no embate.
Não por acaso, mencionar espionagem implica, na maioria das vezes, citar o famoso
agente 007 do serviço secreto britânico. O personagem consagrou-se no cinema,
mas é do universo literário a sua origem. Ian Fleming (1908-1964) apresentou ao
mundo o personagem em doze romances, mas não viveu para presenciar o impacto
que o herói da Guerra Fria exerceu quando adaptado para o cinema. O personagem
James Bond talvez tenha sido baseado no próprio criador: Fleming foi, também,
agente do serviço secreto britânico em Moscou, durante os anos 1950 (ARBEX
JÚNIOR, 2004). Por isso, James Bond não é apenas filho direto da Guerra Fria, mas
serviu também para representar, endossar e reforçar os ideais do país de origem, a
Grã-Bretanha. Apesar de o país líder do bloco capitalista ser os Estados Unidos, e
não a Grã-Bretanha, ambos compartilhavam da mesma ideologia, unidos contra o
pretendido comunismo na União Soviética. E a espionagem funcionou como
conceito-chave na divulgação dos ideais capitalistas por meio dos filmes de James
Bond.
Ligada ao mistério, a espionagem é tema que atrai, até hoje, o interesse da
população. Não por acaso, é o assunto mais explorado nas produções que ilustram
as aventuras do agente 007, permeadas por instrumentos mortais e altamente
tecnológicos, além de belas e indefesas mulheres, perfeitas reféns.
Todos os movimentos têm estilo: o sorriso, o andar, até o modo como joga o chapéu
no cabide. No caso dos oponentes, a rigidez tem presença constante.
No entanto, há uma exceção: o agente Grant, designado especialmente para
matar Bond. Loiro, de olhos claros e sotaque russo, Grant é um homem de
semblante sério e poucas palavras. O personagem mantém o padrão até ter o
encontro com o agente 007, no final do filme. A partir daí, Grant revela-se irônico,
sarcástico e ofensivo, em comportamento que beira a psicopatia. Parece uma
verdadeira máquina de matar, até ser derrotado pelo britânico. O comportamento
doentio dos agentes da SPECTRE é reforçado até mesmo pela fala de Bond, aos 90
minutos de filme: “é uma coleção de mentes doentias para bolar um plano assim”.
É nessa situação que Bey e Bond presenciam uma discussão entre o diretor
da Inteligência Militar comunista, o chefe da segurança, um agente secreto e um
assassino profissional. O clima no consulado, entre os comunistas, é de desacordo.
A presença de um assassino profissional entre os líderes de Estado cria esfera
sobrecarregada e negativa sobre a imagem do governo russo. O mercenário é a
primeira vítima fatal de 007 no filme. A morte do assassino marca também a primeira
ação hostil do lado capitalista paracom o lado comunista, avançados 50 minutos no
longa-metragem. A partir daí, uma série de eventos hostis partem do agente 007:
36
uma bomba no consulado britânico, um refém russo. Mas apesar do tom de ameaça,
os britânicos não são violentos nem sangrentos. O comportamento passa longe da
hostilidade dos russos contra os britânicos, explícita em diversos outros momentos
do filme.
Figura 2: o movimento do trem, aliado à trilha sonora, confere ar de suspense à cena. Enquadramento
aparece aos 72 minutos de filme.
Figura 3: ângulo plongée no personagem James Bond, em momento em que está dominado pelo inimigo.
A cena ocorre aos 88 minutos de filme.
Figura 7: ângulo contra-plongée do vilão Grant, ao dominar fisicamente o agente Bond, aos 88 minutos.
Figura 8: ângulo contra-plongée do agente Grant, enquanto ameaça James Bond, aos 88 minutos.
Figura 9: o posicionamento dos personagens (Bond em pé, olhando para baixo. E grant, sentado,
olhando para cima) indica qual dos dois domina a situação. No caso, é o agente Bond. Essa cena é
seguida de ângulos plongée e contra-plongée de ambos, aos 83 minutos.
Apesar do uso dos ângulos plongée e contra-plongée não ser tão significativo
para a transmissão dos ideais capitalistas, ajuda a entender em que posição o
agente 007 estava colocado dentro da narrativa da produção: de superior ao inimigo,
o herói que salva o planeta de uma guerra nuclear mortal.
Moscou Contra 007 foi o primeiro filme da sequência a reforçar, por meio dos
recursos cinematográficos - trilha sonora, diálogos e ângulos de câmera -, a
ideologia capitalista e anticomunista. Mas não foi o último. As produções mantêm
40
● Ficha Técnica:
○ Direção: John McTiernan
○ Elenco: Sean Connery, Alec Baldwin, Scott Glenn, Sam Neill
○ Roteiro: Larry Ferguson
○ Trilha sonora: Cecelia Hall, George Waters II
○ Produção: James Turner, DanaLynne Taylor
filme levou mais dois prêmios e foi indicado a seis, em três festivais. O enredo tem
data em 1984. Pouco antes de Mikhail Gorbachev subir ao poder na União Soviética,
o submarino Outubro Vermelho parte em direção aos Estados Unidos, sob o
comando do Capitão Marko Ramius (Sean Connery). A ordem, no entanto, não
partiu do governo soviético. Na verdade, o Capitão Ramius e parte da tripulação são
desertores, que se arriscam em um plano perigoso para viver na América. Mas há
um detalhe que dificulta mais ainda a execução do objetivo: o Outubro Vermelho,
altamente tecnológico, é indetectável aos sonares de outros submarinos. Ramius
conta com o auxílio de Jack Ryan (Alec Baldwin), um agente da CIA, para que os
russos consigam chegar ao destino pretendido.
e o oficial Vassily e constitui um dos pontos altos do filme. “Acha que vão me deixar
viver em Montana?”, pergunta Vassily. “Eu diria que eles o deixariam viver onde
quisesse”, responde Ramius. “Ótimo. então vou viver em Montana. Vou casar com
uma americana gorda e criar coelhos. E ela os cozinhará para mim. E eu vou ter
uma pick-up. E talvez mesmo um carro de passeio para viajar de um estado a outro.
Será que é permitido? Sem documentos? No inverno viverei no Arizona”.As
aspirações do oficial Vassily são o perfeito “sonho americano”. O enquadramento em
primeiro plano, focado no personagem, e a trilha sonora conferem apelo sentimental
à cena. O diálogo ocorre aos 78 minutos.
Figura 11: diálogo entre Vassily e o capitão Ramius. Cena ocorre aos 78 minutos.
Figura 12: diálogo entre Vassily e o capitão Ramius. Cena ocorre aos 78 minutos.
Figura 13: diálogo entre Vassily e o capitão Ramius. Cena ocorre aos 78 minutos.
Figura 14: Nos primeiros segundos do filme, lê-se: "de acordo com os governos soviético e americano,
nada do que você verá aconteceu".
As diferenças entre Jack Ryan e James Bond começam a ficar visíveis a partir
daí. Ryan é um homem correto e honesto que, apesar de considerar-se pouco
qualificado, abraça a missão e faz de tudo para que seja cumprida, inclusive arriscar
a própria vida ao pular de um avião para chegar a um submarino. E, embora
autoridades e demais personagens acreditem no contrário, Ryan persiste em crer na
boa-fé do Capitão Ramius e se esforça para proteger sua vida e do resto da
tripulação. No fim das contas, é Ryan o grande responsável pela resolução do
conflito e a prevenção de uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União
Soviética.
Em outras produções que abordam o tema, a oposição herói/vilão e Bem/Mal
era bem delineada, nos padrões capitalista/comunista e Estados Unidos/União
Soviética. Em Caçada ao Outubro Vermelho, a contraposição ocorre de forma
diferente. O herói permanece na pele do norte-americano capitalista e o Bem ainda
é representado pela nação estadunidense, enquanto o Mal, pelo bloco soviético. A
diferença reside, dessa vez, na figura do russo comunista. Em Moscou Contra 007, o
russo é retratado como frio, calculista e racional, às vezes psicopata. Para o
espectador, a representação não é de uma pessoa real e palpável. Já no filme de
McTiernan, o aspecto humano é explorado na figura russa. A começar pelo desejo
de Marko Ramius e outros oficiais de traírem a própria nação em prol da felicidade
pessoal. Um russo pertencente ao universo de 007 jamais faria tal coisa. O retrato
da personalidade russa ainda é de homens sérios, mas com um pouco mais de
humanidade. Agora, eles deixam transparecer inseguranças, preocupações, sonhos.
Esse tipo de representação pode estar atrelado ao fato de que, em primeiro lugar,
tais pessoas pretendem desertar. Para a ideologia norte-americana, pode ser esse o
motivo pelo qual elas são mais sensíveis e humanas, e por isso mesmo são
recebidas “de braços abertos” pela nação.
Figura 15: o submarino americano é tomado pela coloração vermelha, que representa acor do governo
soviético. O quadro ocorre aos 98 minutos.
Figura 16: o submarino soviético, por outro lado, apresenta a coloração azul, que é uma das cores da
bandeira norte-americana. O quadro ocorre aos 98 minutos.
Figura 17: o título em russo aparece antes do título em inglês, apesar de ser uma produção norte-
americana. Os títulos aparecem aos 3 minutos de filme.
Figura 18: o título em russo aparece antes do título em inglês, apesar de ser uma produção norte-
americana. Os títulos aparecem aos 3 minutos de filme.
● Ficha Técnica:
○ Direção: Steven Spielberg
○ Elenco: Tom Hanks, Mark Rylance, Amy Ryan, Austin Stowell
○ Roteiro: Matt Charman, Joel Coen, Ethan Coen
○ Trilha sonora: Thomas Newman
○ Produção: Marc Platt, Steven Spielberg, KristieMarcoskoKrieger
Mais uma vez, o recurso a fatos históricos do período aparece como uma
ferramenta para garantir à produção confiabilidade e veracidade. Dessa forma, é
ainda mais fácil conquistar o público consumidor.
José Arbex Júnior. (2004) coloca que o mundo nunca conhecerá o que de
fato ocorreu nessa lacuna da história da Guerra Fria. Mas, é exatamente isso que
Ponte dos Espiões se propõe a fazer. A produção, ainda que reafirme alguns
preconceitos e estereótipos, surpreende ao desconstruir padrões impostos em
outros filmes com a mesma temática. Nesse sentido, é comparável a Caçada ao
Outubro Vermelho, que, ao adicionar elementos como humanidade, fraqueza,
preocupações e sonhos à equação da figura russa, desconstrói um estereótipo.
Ponte dos Espiões repete a fórmula da obra de 1990, ao retratar Rudolf Abel, um
espião russo que agia ilegalmente em território norte-americano, como um
personagem de quem os espectadores podem gostar.
Ao contrário do que é mostrado em Moscou Contra 007, dessa vez são os
norte-americanos os primeiros a serem hostis, ao invadir de forma brusca o
apartamento do russo, nos primeiros minutos do filme. O espião russo é, sim, um
homem peculiar, frio e rígido, como foi reafirmado em Moscou Contra 007. Mas não
se mostra violento em momento algum, até mesmo quando tem a privacidade da
sua casa invadida pela polícia norte-americana - o que é curioso para quem assiste,
que, acostumado aos estereótipos, fica na expectativa de o espião mostrar sinais de
maldade a qualquer momento. Apesar da expressão dura estampada no rosto,
Rudolf Abel é um homem de fala tranquila, boas maneiras e disposto a cooperar
com o governo norte-americano.
Aqui, “cooperar” não significa ser um agente-duplo, prática comum na Guerra
Fria, como colocou Arbex Júnior. (2004), e servir às duas potências ao mesmo
tempo. No caso, Abel continua leal ao país de origem, sem ceder às ofertas das
autoridades norte-americanas nem vazar os segredos de Estado de que
provavelmente tinha conhecimento. Mas, conformado, não mostra resistência às
orientações que recebe na prisão. Também não tenta lutar contra a possibilidade de
pena de morte. Por meio do personagem, Ponte dos Espiões, em vários momentos,
51
As informações que colherem podem nos dar o controle num confronto termonuclear
com a União Soviética. Ou poderiam evitar um”.
Figura 20: A ausência de trilha sonora e o uso do primeiro plano conferem peso e significação à cena,
que ocorre aos 24 minutos de filme.
A simulação da realidade em Ponte dos Espiões ganha mais força ainda sob
o ponto de vista da retratação do Muro de Berlim. A produção busca, em detalhes,
fazer referência ao início da construção do muro, que foi definitivamente erguido em
1961, durante a “era Khrushev” no governo alemão. “Ao longo do Muro foram
construídos vários postos de vigília policial. Além disso, em suas imediações foram
colocadas minas explosivas e barricadas de arame farpado” (ARBEX JÚNIOR, 2004,
p. 100). Nesse aspecto, o filme toma um rumo peculiar, diferente das outras
produções analisadas, em que expõe o lado mais quente da Guerra Fria, em que há
violência, tortura e morte. O Muro de Berlim foi construído no intuito de impedir o
êxodo de milhares de pessoas do lado socialista para o capitalista. Após o término
54
de sua construção, qualquer um que tentasse atravessar seria morto, a tiros, por
seguranças do local. É exatamente essa imagem que Ponte dos Espiões traz na
segunda metade do filme. Aos 105 minutos, Jim Donovan presencia, da janela de
um trem, três pessoas serem mortas ao tentarem cruzar o muro.
Figura 22: Aos 105 minutos de filme, pessoas são mortas ao tentarem atravessar o Muro de Berlim.
Figura 23: a prisão soviética, onde Powers é torturado, é suja, desconfortável e mal-iluminada. Cenas
ocorrem aos 94 minutos.
Figura 26: a prisão americanatem paredes brancas e é bem-iluminada. Abel é bem tratado. Cena ocorre
aos 95 minutos
.
56
O termo Guerra Fria foi criado com base no aspecto ideológico que permeava
o conflito. Ao contrário das Guerras Mundiais, a competição entre Estados Unidos e
União Soviética, que representavam estilos de vida completamente diferentes, não
resultou em batalhas físicas ou milhões de mortes. Por isso, existe uma tendência
perigosa e errônea à crença de que a Guerra Fria não teve vítimas, nem violência ou
sangue. Ponte dos Espiões consegue, para olhos treinados, desconstruir este grave
preconceito. Mais do que isso, o filme convida o espectador a perceber que uma
guerra, fria ou não, é uma guerra. É um conflito que envolve seres humanos, em que
não há linhas tão definidas para mocinhos e vilões, Bem ou Mal. Muitas vezes, os
papéis se confundem. O filme traz para a contemporaneidade fatos antigos, mas que
possuem, de alguma forma, ligação com a formação geopolítica mundial de hoje.
Afinal, “a Guerra Fria não deve ser vista apenas como um dado que a história
relegou ao esquecimento. Ao contrário, é impossível entender o mundo hoje sem
refletir sobre esse período tão complexo”. (ARBEX JÚNIOR, 2004, p. 108)
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Guerra Fria foi um conflito longo, árduo e cansativo. Durante as quase cinco
décadas que durou, a população mundial foi bombardeada por propaganda política
diária, que estava presente em muitas horas e lugares, para todos verem. A eficácia
da propagação de mensagens e ideologias foi garantida através do meio pelo qual
ocorreu: a cultura. É na cultura onde mora a receita para dominação mundial por
uma ideologia. E foi a cultura, especificamente a Indústria Cultural, que diferenciou
as estratégias políticas dos Estados Unidos e da União Soviética. Apesar dos
esforços do governo comunista de fazer uma propaganda anticapitalista, os Estados
Unidos possuíam armas mais fortes: os seriados de televisão, os vídeos educativos
que eram transmitidos nas escolas, os programas e novelas de rádio, os filmes nos
cinemas.
O embate encerrou-se à custa da dissolução de uma decadente União
Soviética e da ilusão de milhares de pessoas, que depositavam no capitalismo
esperanças de um mundo livre e igualitário. Não demorou muito para que a fantasia
sucumbisse sob o peso do desemprego, da fome e da desigualdade social. Mais de
duas décadas depois do fim da Guerra Fria, é impossível medir as decorrências: não
há número oficial de mortos ou torturados. Diferentemente das outras guerras, não
foi o aspecto quantitativo que definiu o conflito. As consequências são outras: basta
observar o atual cenário geopolítico mundial. Os Estados Unidos seguem como
soberanos em mercado, economia, política e cultura. Mas agora, o discurso
capitalista tem outros inimigos, dessa vez do Oriente Médio. Atualmente, a
multiplicação de imagens que “endemonizam” os chamados “terroristas”,
responsáveis pelo ataque de 11 de setembro de 2001, é massiva e cada vez maior.
As características de discurso autoritário (CITELLI, 2002) são claras, mas estão
disfarçadas de “democracia da informação” (ARBEX JÚNIOR, 2004), em que o
consumo diário de informação sob a forma de imagens e vídeos é alimentado e
incentivado o tempo todo.
O incentivo ao consumo de imagens, seja na televisão ou no cinema, cresce
proporcionalmente ao avanço da tecnologia, que é uma consequência direta da
Guerra Fria. A maior invenção do século XX, conhecida como Internet, foi
decorrência da tentativa do governo norte-americano de espionar a União Soviética
58
REFERÊNCIAS
007 contra Spectre. Direção de Sam Mendes. Produção de Barbara Broccoli, Daniel
Craig, CallumMcDougall. Inglaterra: Metro Goldwyn Mayer, 2015.
ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
ARBEX JÚNIOR, José. Guerra Fria: Terror de Estado, Política e Cultura.São Paulo:
Moderna, 2004.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2003.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
PONTE dos Espiões. Direção de Steven Spielberg. Produção de Marc Platt, Steven
Spielberg, KristieMarcoskoKrieger. Estados Unidos, Alemanha, Índia: DreamWorks
SKG, 2015. 1 DVD.