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PROBLEMA DO ESQUECIMENTO DA
NATUREZA EM VICO E HORKHEIMER *
Sertório de Amorim e Silva Neto **
Abstract: Either anticipated or exactly delayed, as much Vico how much the
Critical Theory if had occupied with the project of the Enlightment. For
Horkheimer, the result of this was the disenchantment of the world, the dissolution
of the mythical-religious images of world and the development of an egoistic
human behavior: the dictatorship of the self-conservation. Already for the Italian
thinker, the absolutize of the Cartesian solipsism produced a solitude of spirits
and wills, inexhaustible source of disagreement and separation of the individuals.
Keywords: Vico. Horkheimer. Nature. Modernity. Barbarity.
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philosophica . R. Fil. Hist. Modern., São Cristóvão, n. 7, p. 11-xx, Março 2006
SILVA NETO, Sertório de Amorim e. As desventuras da civilização: o
problema do esquecimento da natureza em Vico e Horkheimer
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philosophica. R. Fil. Hist. Modern.,
I.
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Quanto à afirmação de Vico como um pensador retrógrado, um católico convicto,
é preciso antes tomar alguns cuidados. Nos últimos anos, os estudos viquianos
têm discutido muito acerca do verdadeiro valor da retórica na filosofia de Vico.
Não nos esqueçamos que ele foi durante quarenta anos professor dessa disciplina
na Universidade de Nápoles. Dentre outros usos, a retórica vale, para Vico, como
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problema do esquecimento da natureza em Vico e Horkheimer
um recurso expositivo. Ele escreve sua Ciência nova (1744) para os doutos do
mundo e não para aqueles da academia. Assume um perfil muito semelhante ao
Discurso do método (1637) de Descartes. Para expressar as verdades relativas
aos primitivos, que são acessíveis igualmente ao vulgo, Vico se apropria também
de uma linguagem primitiva e vulgar, rica em imagens. Isso refuta a afirmação
do Vico católico, no sentido de que ele recorre à mística cristã em função de suas
imagens e possíveis vínculos metafóricos.
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urrando e resmungando explicavam as suas paixões,
transformaram o céu em um imenso corpo
animado, que por tal aspecto chamaram de Júpiter
(VICO, 1992, SN44, § 377).
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disse Vico: “Os homens que não sabem a verdade das coisas,
procuram ater-se ao certo, porque, não podendo satisfazer o inte-
lecto com a ciência, que ao menos a vontade repouse sobre a
consciência” (VICO, 1992, SN44, § 137). É o senso comum a
sabedoria que perpassa e reproduz a sociabilidade humana. O
princípio desse juízo iletrado não é o de satisfazer o intelecto com
a verdade, mas sim o de orientar e educar a vontade, que é o
objeto de estudo da moral: “O arbítrio humano, de natureza
incertíssima, certifica-se e determina-se com o senso comum dos
homens” (VICO, 1992, SN44, § 141).
O poder das divindades na mente dos primeiros homens
desencadeou um processo que levou um ser torpe e bárbaro a
viver com justiça e a celebrar a igualdade no Estado. Desperta-
dos, alguns homens fixaram-se, reduzindo a selva a campos culti-
vados. Com certas mulheres, eles estabeleceram matrimônios so-
lenes e engendraram filhos legítimos, fundando assim as famílias.
De uma estrutura simples, as famílias foram assumindo formas
mais complexas, assimilando em seu seio os fâmulos, que eram
aqueles homens que ainda viviam como feras e que, pelas como-
didades oferecidas, tornaram-se clientes do pater familias. Essa nova
organização das famílias foi também o que permitiu o surgimento
da primeira entre as formas de governo: a aristocracia. Com o
passar do tempo e com as conveniências da convivência com os
Hércules, os fâmulos se humanizaram, se sublevando contra os
seus senhores. Daí que, para resistirem a essas sublevações, os
pais de família se reuniram formando as cidades heróicas, basea-
das na divisão entre nobres e plebeus, e das quais posteriormente
surgiram as repúblicas e a igualdade civil. Para Vico, a república é
o ápice do processo civilizatório, nela se atinge aquele estágio
superior de suma delicadeza que ele chamará de “idade dos ho-
mens”.
Na república livre estão dadas as condições para que os
cidadãos possuam direitos iguais, participem dos assuntos públi-
cos e gozem de leis justas. Em certo sentido, ela reaproxima a
humanidade das circunstâncias que reinavam no Paraíso
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(BERGEL, 1977, p. 183-5). Entretanto, essa é sempre uma con-
quista efêmera; é o que nos confirma a brevidade dos ápices das
civilizações. Apesar dos homens desejarem se elevar da terra aos
céus, eles serão sempre incapazes de recriar o Paraíso, e a razão
de uma tal incapacidade é óbvia. Não é possível ao homem supe-
rar a queda da justiça, a decadência original. Por isso, tão logo
atinge as comodidades da civilização, logo inicia também o pro-
cesso de queda. É o que Vico constata na história mesma das
repúblicas. A liberdade obtida no Estado liberava os instintos
egoístas e anárquicos, gerando guerras não só entre nobres e ple-
beus, mas entre os vários grupos, pondo fim às repúblicas popu-
lares. Mas a providência atua mais uma vez. A fim de prolongar o
progresso humano, os direitos políticos dos indivíduos são trans-
feridos ao imperador, fazendo surgir as monarquias. Mas mesmo
assim o destino é irrefreável. As monarquias também não conse-
guem se sustentar, tornam-se tiranias, as cidades viram selvas e
os homens retornam ao isolamento ferino.
Vico apontou alguns fatores dessa necessidade. Junto com
o progresso humano está o progresso do seu pensamento. Assim
como foi próprio aos primitivos a fantasia e a retórica, ao civiliza-
do é comum a razão e a lógica. Enquanto os primitivos entendem
o mundo através do senso comum, os civilizados o fazem através
da ciência e da verdade. Vico não foi contra essas conquistas,
mas apontou para os perigos daqueles momentos em que elas flo-
rescem. A verdade seduz o espírito, desviando seus esforços de
todas aquelas questões que não dizem respeito à ciência. O itali-
ano dirige essa argumentação principalmente à figura de Descar-
tes. Vico se situa no contexto otimista do início do século XVIII,
entretanto, alerta para os perigos de um modernismo que se apega
absolutamente à razão, esquecendo-se da fantasia e do engenho,
do senso comum. Na mesma medida em que abandona o senso
comum, acusando-o de mera superstição, perde-se de vista a ver-
dadeira natureza humana: a sociabilidade. Para Vico, esse tipo de
juízo não é algo dispensável do ponto de vista da convivência em
comunidade. As religiões não são somente falsas, mas são tam-
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Para Vico, a história se desenrola segundo um modelo ba-
seado na sucessão de ciclos qualitativamente diferentes. Neste
modelo, a barbárie ocupa uma posição de destaque. Ela é a situa-
ção primeira da humanidade, o início da caminhada que a condu-
zirá à civilização, mas é ainda um fator recorrente no processo
histórico. Em todo curso histórico persiste necessariamente um
momento de decadência dos valores conquistados a duras penas
e, por conseguinte, de recurso à condição primeira da humanidade,
a de barbárie. Segundo Vico, “a natureza dos povos é primeiro
cru, depois severa, a seguir benigna, depois delicada, finalmente
dissoluta” (VICO, 1992, SN44, § 242). Assim como todas as coi-
sas criadas, faz parte da história o nascer, o se desenvolver ao
máximo e perecer. Não há aqui nenhum pessimismo da parte de
Vico, pois retornar aos inícios é reiniciar o processo de civiliza-
ção, de soerguimento do homem caído. Se a decadência indicava
o fim de um curso histórico, por outro lado, indicava o começo de
um novo ciclo, de um novo curso qualitativamente diferente.
II.
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conceitos fundamentais entre coisas e pessoas, inanimado e ani-
mado, entre objetos que podem ser manipulados e agentes a que
atribuímos ações e manifestações lingüísticas” (HABERMAS,
1990, p. 116). É contra essa concepção da unidade entre o huma-
no e natureza que se insurge, com toda sua radicalidade, o desen-
cantamento: “O processo do Iluminismo conduz à dessocialização
da natureza e à desnaturalização do mundo humano”
(HABERMAS, 1990, p. 116).
Desencantar o mundo é romper com o animismo e separar
o Eu do seu outro, a natureza. No tocante ao homem, essa sepa-
ração teve o sentido do despertar da subjetividade: o Eu afirma
sua identidade a partir do momento em que rompe com a nature-
za e passa a ver nela algo de distinto; já no tocante à natureza,
esse processo ocasionou a eliminação dos seus conteúdos simbó-
licos: “A natureza desqualificada torna-se a matéria caótica para
uma classificação” (ADORNO/HORKHEIMER, 1985, p. 24).
É bem verdade que a natureza encontra-se em uma posição des-
favorável, mas não em uma posição mais problemática que a dos
sujeitos. No mundo encantado pelo animismo, a produção da exis-
tência estava presa a forças que ultrapassavam os sujeitos e que
eram imanentes à realidade, tornando irresistível o destino. Mas
isso muda radicalmente. Em substituição ao papel ordenador da
mitologia, será agora o Eu isolado que deverá deliberar e garantir
a sobrevivência do indivíduo. O homem encerra-se assim numa
subjetividade atomizada e que só pode contar com a sua astúcia
para garantir a autoconservação. Tal como disse Horkheimer: “O
ego dentro de cada sujeito tornou-se a personificação do líder. [...]
Assim como o líder [...] planeja e demarca o futuro, o ego classifi-
ca as experiências em categorias e espécies, e planeja a vida do
indivíduo” (HORKHEIMER, 2000, p. 110).
Abandonados à sua própria sorte, os seres humanos trans-
formaram-se em escravos do cálculo, isto é, são cegamente con-
duzidos a sacrificar todos os seus valores em favor do cálculo frio
dos meios. Os padrões normativos cedem espaço à única autori-
dade: o desejo ávido em garantir a qualquer preço a sobrevivên-
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azar, extirpou também definitivamente do espírito humano o po-
tencial semântico: “Só o pensamento que faz violência a si mes-
mo é suficientemente duro para destruir os mitos” (ADORNO/
HORKHEIMER, 1985, p. 20). Estaria na mitologia o princípio
intelectual que possibilita os conceitos e a significação mesma da
realidade. É o que nos evidencia, no seu plano etimológico, o
termo alemão para a palavra conceito. A palavra Begriff retém o
mesmo sentido do verbo greifen, que é o de pegar ou agarrar e,
graças à conservação desse sentido, confere ao trabalho do con-
ceito a função específica de apanhar as coisas com o intelecto, a
tarefa de captá-las em sua objetividade (JAY, 1977, p. 295). A
idéia de que o conceito não é senão uma cópia da realidade en-
contra suas raízes profundas no tipo de exposição peculiar à mi-
tologia: “A doutrina dos sacerdotes era simbólica no sentido de
que nela coincidiam o signo e a imagem. Como atestam os hieró-
glifos, a palavra exerceu originalmente também a função da ima-
gem” (ADORNO/HORKHEIMER, 1985, p. 30).
O que se vê no processo de desencantamento do mundo é
a acusação daquele aspecto semântico, comum tanto ao mito e as
religiões quanto à filosofia, como um vestígio indesejável de su-
perstição e, conseqüentemente, a sua eliminação. A razão agride
a si mesma, torna-se impotente diante do sentido e, com isso,
impotente diante dos valores morais e da distinção entre o certo e
o errado. Ela não consegue conceber nenhuma escala objetiva de
valores éticos e morais a partir da qual pudesse avaliar e julgar a
atividade humana, assim como orientar sua ação futura:
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III.
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Para a civilização, a vida no estado natural puro, a
vida animal e vegetativa, constituía o perigo absoluto.
Um após o outro, os comportamentos mimético,
mítico e metafísico foram considerados como eras
superadas, de tal sorte que a idéia de recair neles
estava associada ao pavor de que o eu revertesse à
mera natureza, da qual havia se alienado com esforço
indizível e que por isso mesmo infundia nele
indizível terror (ADORNO/HORKHEIMER,
1985, p. 42).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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