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O ensino das ciências sociais nas escolas médicas:


revisão de experiências

The teaching of social sciences in medical schools:


revision of experiences

Everardo Duarte Nunes 1


Elida Azevedo Hennington 1
Nelson Filice de Barros 1
Miguel Ângelo Montagner 1

Abstract This paper describes and analyses Resumo O presente artigo descreve e analisa a
the literature about teaching social sciences in literatura sobre o ensino das ciências sociais nas
medical schools in different countries during escolas médicas em diferentes países, durante
1960-2000. The methodology is based on doc- o período de 1960 a 2000. A metodologia ba-
umental/bibliography analyses of both system- seia-se na análise documental/bibliográfica de
atized studies and information raised in the estudos já sistematizados sobre o tema e de le-
following database: Lilacs, Medline, Sociolog- vantamento realizado nos bancos de dados Li-
ical Abstracts. The data of 1980-2000 from 21 lacs, Medline e Sociological Abstracts. Com re-
articles point out: objectives of courses – stress- ferência às experiências de 1980 a 2000, os da-
ing the relationship teaching/social changes/ dos levantados de 21 artigos assinalam: obje-
health care needs/community needs; teaching/ tivos – acompanhar e atender às mudanças so-
learning methods – increasing activities meth- ciais, às ocorridas na prestação de serviços de
ods, working with small student’s groups, start- saúde, às necessidades da população; técnicas
ing from problems, field works, researches, use de ensino – ênfase no processo de ensino-apren-
of audio-visual resources, dramatization, etc.; dizagem ativo, atividades em pequenos grupos,
content of courses – there are a great diversi- problemas como ponto de partida, trabalhos de
ty corroborating the results of prior decades and campo, pesquisas, uso de material audiovisual,
variable with each medical school. The aim dramatização e outros; conteúdos – grande di-
questions are related to personal and inter- versidade temática comprovando os resultados
personal behavior, medical behavior, commu- das décadas anteriores e variando de acordo com
nity and environment, care health organiza- as diferentes escolas médicas: comportamento
tion, health-society relations, medical-patient pessoal, interpessoal, médico, comunidade e
relationship, diagnostic and prognostic social ambiente, organização do cuidado à saúde; re-
1 Departamento de variables, illness-family relations. The con- lações saúde-sociedade; relação médico-pacien-
Medicina Preventiva clusions present some general aspects and the te; aspectos histórico-sociais da prática médi-
e Social, Faculdade main results. ca; variáveis sociais no diagnóstico, prognóstico
de Ciências Médicas,
Universidade Estadual
Key words Social sciences, Behavioral sci- e tratamento; relações doença-família. As con-
de Campinas. ences, Medicine, Teaching, Curriculum, Cur- clusões apresentam alguns aspectos gerais e os
Cidade Universitária riculum reforms, Teaching methodology principais resultados encontrados na pesquisa.
Zeferino Vaz, 13083-970
Distrito de Barão Geraldo,
Palavras-chave Ciências sociais, Ciências do
Campinas SP. comportamento, Medicina, Ensino, Currículo,
evernunes@uol.com.br Reformas curriculares, Metodologias de ensino
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Introdução de Renée Fox (1989) e Samuel W. Bloom (1963),


cujas carreiras têm sido inteiramente dedicadas
Dentre as inúmeras questões que atravessam o a essa área, com pesquisas sobre estudantes, en-
campo das ciências sociais em saúde, pratica- sino e os mais diversos temas no campo da so-
mente desde as suas origens, uma das mais ins- ciologia médica/saúde. O que estamos tentando
tigantes é a do ensino. Assim, embora o princi- ressaltar é que, embora o corpo teórico da dis-
pal objetivo deste trabalho seja situar o desen- ciplina tenha sido limitado em suas origens, há
volvimento das diversas experiências de ensino destaques importantes. É esse o caso de Parsons
nos últimos vinte anos, sentimos a necessidade (1951), Goffman (1961), Becker (1961), cujas
de destacar alguns aspectos que marcaram a in- contribuições pioneiras marcaram, dentro de
trodução do ensino em décadas anteriores aos seus quadros de referência, ou seja, as do fun-
anos 80. cionalismo ou do interacionismo simbólico, as
A metodologia básica é documental/biblio- origens da área, sem deixar de lado precursores
gráfica, utilizando estudos já sistematizados (em como Stern (1927) e Sigerist (1929), que trouxe-
especial os que datam de 1960-1979) e de levan- ram para o campo, o primeiro, a perspectiva do
tamentos nos bancos de dados Lilacs, Medline, materialismo histórico e, o segundo, da histó-
Sociological Abstracts (1980-2000), totalizan- ria social da medicina.
do 21 documentos que relatam experiências de Antes de avançarmos em relação ao ensino,
ensino e em cuja seleção foram utilizadas as é necessário que se esclareçam alguns pontos
seguintes palavras-chave: “medical education”, referentes à terminologia do próprio campo.
“behavioral sciences”, “social sciences”, “social Em realidade, nos Estados Unidos, a denomi-
aspects of health”, “sociology”, “teaching”, “me- nação inicial não foi de ciências sociais, mas de
dical teaching”. Além desse material, foram con- ciências da conduta. Na década de 1950, a Fun-
sultados outros artigos e livros que tratam do dação Ford usou o termo como uma descrição
tema desde as suas origens nos anos 60. abreviada de seu programa que visava ao estu-
do do comportamento individual e das relações
humanas, tendo financiado diversas pesquisas.
Aspectos gerais Em 1946, a Universidade de Harvard organi-
zou um departamento de Relações Humanas
Ao tomarmos o pós-Segunda Guerra e esten- para a investigação sobre o comportamento e,
dermos o período até os primeiros anos da dé- em 1950, a Universidade de Chicago iniciou es-
cada de 1960, como período que delimita as ori- tudos sobre a teoria geral do comportamento.
gens modernas das ciências sociais em saúde, Em 1952, a Fundação Ford cria o Centro para
verificamos que, nos Estados Unidos, há conco- Estudos Avançados em Ciências do Comporta-
mitância entre o esforço de construção de um mento, em Palo Alto, Califórnia e, em 1964, o
quadro de referência para o estudo das relações Instituto Rockefeller inicia, com um grupo de
saúde/doença/medicina/sociedade como cam- especialistas em ciências do comportamento,
po de produção do conhecimento, e as tentati- a relação destas com as disciplinas biomédicas
vas de introduzir esse conhecimento como prá- (Nunes, 1985). Berelson (1968) aponta dois mo-
tica pedagógica. Na América Latina e Europa, tivos presentes na adoção desta expressão: 1)
os desenvolvimentos sobre o ensino são poste- integrar a antropologia, a sociologia e a psico-
riores e trazem as marcas específicas dos movi- logia social numa tentativa de formulações in-
mentos que caracterizaram as reformas curri- terdisciplinares; e 2) evitar confusões e equívo-
culares, discutidas a partir da segunda metade cos entre as ciências sociais e o socialismo. Para
dos anos 50, mas adotadas nos anos 60 (Nunes, críticos latino-americanos, como Gaete e Tapia
1985). (1970), a construção teórica que orientava essa
É interessante ressaltar que nos Estados Uni- postura era a de uma dissociação do comporta-
dos a questão da educação médica, em especial mento individual da sua base social, tendo co-
os estudos sobre os estudantes de medicina, foi mo objetivo, explícita e implicitamente, obter o
alvo da atenção de sociólogos que se dedica- máximo de ajuste da medicina à sociedade. Pos-
ram ao campo, como é o caso de Robert Merton teriormente, Riska e Vinten-Johansen (1981),
(1957), Howard Becker (1961), que, tendo reali- ao fazerem uma revisão dos debates sobre as re-
zado pesquisas nesse campo, não viriam, poste- formas na educação médica, que apareceram no
riormente, a desenvolver trabalhos no campo da The Journal of American Medical Association,
sociologia médica. Bem diferente, por exemplo, entre 1945 e 1975, e das relações dessas refor-
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mas com as ciências do comportamento, foram Outra questão que também estava nas ori-
bastante incisivos ao declararem que “estas re- gens da introdução de caráter mais sistemático
formas em educação médica incorporaram o das ciências sociais, tanto do ensino, quanto da
ethos da medicina holística somente superficial- pesquisa, foi a sua localização em determinados
mente”, considerando-se que o interesse maior espaços da escola médica e das ideologias que
da profissão médica era o de “expandir e afir- acompanharam a sua emergência. Assim, nos
mar sua autoridade científica”. Para os autores, Estados Unidos, sob os auspícios do National
a perspectiva pluralista da medicina, que tinha Institute of Mental Health, a aliança inicial da
vigorado no período colonial e em boa parte sociologia médica com a medicina foi com a psi-
do século 19, centrada no paciente, iria perder quiatria, uma especialidade médica que estava
a sua força frente ao cientificismo que seria a enfrentando uma luta dentro do próprio campo,
marca da profissão, expandindo o paradigma buscando status profissional no interior de sua
flexneriano a fim de garantir a autonomia pro- disciplina mais ampla (Cockerham, 1983). Ini-
fissional no controle da prestação de serviços de cia-se, assim, uma base colaborativa entre psi-
saúde. Nesse sentido, os autores apontam que quiatras e sociólogos. Além dessa questão, que
os cientistas do comportamento tiveram papel foi fundamental para a introdução das ciências
importante na fase de transição para uma me- sociais no campo médico, as reformas curricu-
dicina científica, pois forneceram, para o rela- lares, em muitas ocasiões, enfatizaram a neces-
cionamento com o paciente, além da “dimen- sidade do ensino dessas ciências. Em relação aos
são humanística e humanitária”, certas técnicas Estados Unidos, Christakis (1995) analisa 19
científicas que os futuros médicos podiam em- relatórios sobre Reformas da Educação Médi-
pregar no “manejo do paciente”, tornando-se ca, no período de 1910-1993, apontando a exis-
“agentes de reprodução ideológica” da profis- tência de oito objetivos básicos que emergem
são médica (Riska e Vinten-Johansen, 1981). das propostas de reforma. Os objetivos centrais,
Os próprios autores assinalam que a ênfase no que, segundo o autor, refletem “a obrigação so-
“modelo clínico” e a tentativa de generalizá-lo cial das escolas médicas”, são os seguintes: ser-
para a sociedade como um todo seriam fatores vir melhor os interesses públicos, orientar o
que teriam levado a expressar confiança que os médico para as necessidades da força de traba-
problemas sociais da prestação dos serviços de lho, enfrentar o crescente avanço do conheci-
saúde podiam ser resolvidos pelos cientistas do mento médico e incrementar o caráter genera-
comportamento que seriam capazes de “prescre- lista da educação médica. São os seguintes os
ver” soluções científicas para problemas associa- objetivos secundários: aplicar novos métodos
dos com a prática da medicina científica (Riska educacionais, equacionar a educação às novas
e Vinten-Johansen, 1981). demandas da prática e das mudanças no perfil
Embora, na atualidade, a expressão “socio- epidemiológico do adoecimento e aumentar a
logia médica” continue a ser empregada, já nos qualidade e os padrões de educação. Para o au-
anos 50 Straus (1957) apontava que a presença tor, por aproximadamente um século, apesar das
da sociologia no campo da medicina podia ser dramáticas mudanças no contexto no qual a me-
dividida em sociologia na medicina e sociologia dicina é praticada (em termos do impacto da do-
da medicina, partilhando, portanto, a idéia de ença nos Estados Unidos, do diagnóstico e arma-
um campo mais específico para os estudos so- mentarium terapêutico, da organização do cui-
ciais. Hoje, embora a expressão sociologia mé- dado médico), os relatórios sugerindo reformas
dica seja de uso nos Estados Unidos e Europa, é da educação médica norte-americana têm sido
mais considerada pelos autores como uma for- notavelmente similares na estrutura, conteúdo e
ma tradicional de se referir ao campo, pois, co- tom (Christakis, 1995). Essa similaridade pode-
mo escreve Cockerham (2001), os estudos es- ria ser explicada de três maneiras: 1) que os
tendem-se além da prática médica para a tota- problemas são insolúveis ou que a educação
lidade social em suas relações com a saúde e a médica não pode ser mudada. Isto não se com-
doença. No caso da França, como analisa Herz- prova, considerando-se que significantes mu-
lich (1985), não ocorreu o problema se a socio- danças ocorreram na educação médica. De ou-
logia deveria ser na ou da medicina, sendo que tro lado, há problemas inerentes a esse campo
os sociólogos foram “escassamente implantados de educação que são estruturais e, em si mes-
no mundo médico” e “livres para buscar uma mos, constantes, por exemplo, que o conheci-
abordagem especificamente da ciência social mento médico é teórica e praticamente sem li-
para a saúde, doença e medicina”. mites; ou, da persistência da questão de quan-
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tos e que tipos de médicos devem ser forma- rios, análises sociolingüísticas etc. Para ela, de-
dos; 2) também não se aplica que os proponen- partamentos de Medicina Social, os primeiros a
tes das reformas são os próprios educadores receberem sociólogos nos estabelecimentos médi-
que apóiam reformas específicas; 3) que as re- cos, influenciaram de modo considerável o enca-
formas não levam a mudanças, pelo fato de que minhamento da pesquisa, e certos métodos eram
as manifestações da missão humanística são pou- aprovados como cientificamente aceitáveis, en-
co mais do que um manto para a missão de pes- quanto outras características [metodológicas]
quisa, que é o principal interesse da estrutura colocadas à disposição da disciplina eram seleti-
social da instituição, que aparecem num estudo vamente negligenciadas (Reid, 2002). Escrito no
de Bloom (1988) e com as quais Christakis não final dos anos 70, o texto de Reid [1976] (2002)
concorda. Pare ele, talvez, tanto a similaridade lembrava que, enquanto a pesquisa no campo
dos relatórios e sua repetida promulgação podem da sociologia médica estava se desenvolvendo,
ser vistas como derivadas do fato de que os relató- o ensino caminhava de forma mais lenta. Dizia
rios têm outras duas importantes funções do que que as políticas aprovadas pelo General Medi-
simplesmente explicitar a reforma: a afirmação cal Council vieram a favorecer o ensino e assim,
de certo core de valores profissionais e a auto-re- em 1974, 52 escolas médicas ofereciam cursos
gulação da profissão (Christakis, 1995). Sem dú- de sociologia médica, mas os estudantes de so-
vida, cumpre-nos destacar que em nove relató- ciologia encontravam poucas oportunidades
rios, referentes aos anos de 1932, 1965, 1966, de cursos à sua disposição. Estudos mais recen-
1970, 1972, 1983, 1984, 1992 e 1993, é apontada tes (Annandale e Field, 2001) têm mostrado al-
a necessidade de aumento do ensino das ciên- guma expansão no ensino de graduação, mas é
cias sociais. na pós-graduação, especialmente no mestrado,
De maneira geral, em outros países, como que tem ocorrido maior desenvolvimento.
na Inglaterra, pode-se sentir que a adesão a um Na América Latina, a origem das ciências
projeto pedagógico de incorporação das ciên- sociais caminhou junto com as motivações en-
cias sociais também caminhou, em alguns mo- gendradas pelos seminários sobre as reformas
mentos, junto com as reformas curriculares. curriculares dos anos 50 (Viña del Mar – Chile,
Lembre-se, porém, que neste país, como anali- 1955 e Tehuacán – México, 1956), que estrutu-
sam Annandale e Field (2001), as origens de raram os aspectos doutrinários e de organiza-
uma sociologia médica foram altamente tensio- ção do ensino da medicina preventiva e social
nadas pela interação entre os interesses acadê- para o continente. A filosofia dessa proposta era
micos e os das práticas políticas. A questão da a de atenção integral ao indivíduo e sua família,
inserção das ciências sociais aparece no Relató- na formação biopsicossocial, na prática da me-
rio Goodenough, de 1944, quando se faz menção dicina integral, preventiva, curativa e de reabi-
à sociologia e outras ciências sociais como “dig- litação, na ação participativa na solução dos
nas de atenção médica” (Reid, 2002). Mas, co- problemas da comunidade. É interessante citar,
mo relata Reid (2002), havia baixa aceitação de do documento de 1956, em que há o detalha-
sociólogos em departamentos de medicina social mento do programa a ser desenvolvido, os dois
e, mais tarde, na onda do Relatório Todd (1968), pontos básicos que devem proporcionar ao es-
ocorre a introdução dos sociólogos em postos de tudante conhecimentos: a) do indivíduo como
ensino no currículo das escolas médicas. Segundo unidade biológica, em que se incluirá o ensi-
a análise dessa autora, a perspectiva desse rela- no da biologia, genética, psicologia; b) do ho-
tório era limitada quando definia qual deveria mem como unidade social, tendo presentes as
ser o objetivo do ensino da sociologia: Introdu- relações recíprocas com o meio ambiente físi-
zir (para o estudante de medicina) a natureza da co-químico, biológico, sociológico e social, por
observação e análises sociológicas, a natureza das meio do ensino de aspectos de sociologia geral,
teorias sociológicas sobre as regras que governam ecologia, antropologia social, saneamento, epi-
o comportamento do grupo, e o plano de pesquisa demiologia e bioestatística (OPS, 1976). A con-
empírica para testar tais teorias e isto demonstra- seqüência mais imediata foi a criação dos De-
rá que o comportamento humano e as institui- partamentos de Medicina Preventiva e Social e,
ções sociais podem ser investigados pelos métodos neles, de disciplinas que abordassem o social.
estabelecidos pela ciência. Ao destacar essa pas- Essas disciplinas começam a aparecer na se-
sagem, a autora lembrava que tal abordagem ig- gunda metade dos anos 60 e, em muitas escolas,
norava a existência de outros métodos válidos estenderam-se até os dias atuais. Assim, não se-
da pesquisa sociológica, como entrevistas, diá- rá incomum a associação das ciências sociais à
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medicina social, saúde pública, saúde coletiva, a de modelos de saúde orientados à comunida-
medicina comunitária, medicina de família, de (community oriented) e a da metodologia de
saúde da família, etc. As questões do ensino mé- aprendizagem baseada em problemas (problem
dico se estenderiam ao longo das décadas, co- based learning – PBL) serão fundamentais no
mo mostra Almeida (2001), ao recuperar a tra- equacionamento do processo de reformas do
jetória histórica das conferências, que a partir ensino médico. Como salienta Almeida (2001),
de 1957 realizaram-se na América Latina: 1957 as décadas de 1970 e 1980 foram repletas de
– México; 1960 – Uruguai; 1962 – Chile; 1964 – acontecimentos e de processos no terreno da edu-
Brasil; a partir de 1966, a Fepafem (Federação cação médica, nos campos teórico e prático (...)
Pan-Americana de Associações de Faculdades e prepararam o terreno para o desenvolvimento,
[Escolas] de Medicina) iniciou a convocação de nos anos 90, de novas propostas de mudança da
conferências bianuais de educação médica, sen- educação médica latino-americana. Não vamos
do que também a Udual (União das Universi- relatar a série de eventos que ocorreram nos
dades da América Latina) continuou a patroci- anos 90, mas um ponto a ser destacado refere-se
nar conferências bianuais. Em 1984, é eleita a às críticas que são feitas, quando da realização
primeira diretoria da Alafem (Associação Lati- da 2a Conferência Mundial de Educação Médi-
no-Americana de Faculdades e Escolas de Medi- ca, realizada em Edimburgo (Escócia), em 1993,
cina), constituindo, junto com a Fepafem, duas em documento da OPS/Fepafem. Nesse docu-
associações que irão discutir o movimento de mento são feitas críticas ao modelo de integra-
educação médica na América Latina e que, des- ção docente-assistencial, ressalvando a exis-
de seu início, caracterizam-se por serem polê- tência de algumas experiências que caracteri-
micas e conflituosas (Almeida, 2001). Sem en- zam um compromisso global da universidade
trarmos em detalhes, é importante assinalar al- com os serviços e com a população. Outro pon-
guns aspectos que se destacaram nas décadas de to abordado é que A “aprendizagem baseada em
1970 e 1980 e que subsidiaram tentativas de re- problemas” e o “ensino orientado à comunidade”
formas do ensino médico. Nos anos 70, as dis- são vistos como abordagens mais integradoras
cussões encaminharam-se no sentido de consi- que as tradicionais, mas insuficientes e sujeitas a
derar que o ponto de partida para o processo for- distorções, pois (...) o ensino orientado à comu-
mativo reside no processo de atenção à saúde; de- nidade não pode significar uma medicina dife-
ve haver a superação das dicotomias teoria/práti- renciada, de médicos para pobres, para popula-
ca, básico/clínico e preventivo/curativo; precisam ções pobres (...) nem substituir um imprescindí-
existir a integração multidisciplinar e a inserção vel arsenal científico, teórico, metodológico, ne-
do processo de ensino em toda a rede de serviços cessário para permitir que os estudantes conhe-
(Almeida, 2001). Como é apontado por Almei- çam as realidades sócio-sanitárias pelo mero con-
da (2001), diversas propostas, como as de “me- tato com a comunidade, como se este, por si só, ti-
dicina integral” e “medicina comunitária”, serão vesse o poder de revelar a dinâmica social. Quan-
desenvolvidas ao longo da década de 1970, apre- to à aprendizagem baseada em problemas, é res-
sentando-se como movimentos racionalizadores saltado que esta não pode restringir-se às ma-
de reforma da educação médica, com potencial nifestações superficiais de fenômenos isolados,
para introduzir modificações parciais, mantendo mas devem, necessariamente, aprofundar as ex-
o essencial dos modelos hegemônicos de formação plicações dos problemas de saúde, discutindo-
e de prática. Como diz o autor, a “medicina in- os em sua integralidade, o que requer a incor-
tegral“ permaneceu no âmbito da retórica e a poração e fortalecimento das ciências básicas e
“medicina comunitária” será substituída pela sociais (Almeida, 2001).
IDA (Integração Docente-Assistencial) como Assim, quando, em 1991, a Cinaem (Comis-
forma de substituir os chamados “laboratórios são Interinstitucional Nacional de Avaliação do
de comunidade”, adotados pelos departamen- Ensino Médico) iniciou seus trabalhos, tendo
tos de medicina preventiva e social para colo- como objetivo a transformação da educação mé-
car os estudantes de medicina em contato com dica na perspectiva da formação de profissionais
a realidade social de bairros urbanos pobres da adequados a demandas sociais praticada nas es-
periferia. Idéias desenvolvidas em âmbito inter- colas médicas brasileiras, muitas discussões, se-
nacional, como a da Saúde para Todos no Ano minários, conferências e projetos de reformas já
2000, que data de 1977, a da Atenção Primária à tinham sido realizados nos níveis nacional e in-
Saúde, lançada em 1978 e a proposta dos Siste- ternacional. Em nível nacional, sem dúvida, o
mas Locais de Saúde, nos anos 80, assim como projeto Cinaem será a experiência mais impor-
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tante no campo das reformas curriculares, pela adequado a necessidades de saúde de indivíduos
profundidade e extensão da experiência; con- e populações (grifo dos autores).
sidere-se que, em 1999, a Oficina realizada em Quando se analisa a introdução das ciências
Campinas contou com a presença de 75 esco- sociais na saúde, verifica-se que os cursos de
las médicas. Como consta do documento Cina- medicina foram a porta de entrada e para isso
em (2000), a reformulação do ensino médico re- foi muito importante toda a discussão realizada
quer hoje mais do que a revalorização do traba- a partir dos seminários dos anos 50 e da incor-
lho criativo do clínico geral. O médico contem- poração, via departamentos de medicina pre-
porâneo deve ser capacitado para acolher, com- ventiva e social, das primeiras experiências nos
preender, responsabilizar-se e resolver a maior anos 60 e da posterior adoção por muitas esco-
parte das necessidades e demandas de saúde dos las médicas brasileiras. A experiência desse en-
indivíduos e das populações; além de dirigir e or- sino nos cursos de pós-graduação inicia-se nos
ganizar equipes de saúde nos diferentes níveis em anos 70 e intensifica-se nas décadas seguintes.
que se desenvolve o exercício profissional (primá- Lembramos que a preocupação em introduzir a
rio, secundário e terciário). A crescente impor- sociologia na área da saúde tem alguma antece-
tância dos aspectos psicológicos, sociológicos e dência, quando, em 1946, a Faculdade de Saú-
antropológicos da medicina torna a inclusão de Pública da Universidade de São Paulo criou
destes conteúdos uma prioridade para os novos um curso de Problemas de Sociologia Aplicada
currículos. Da mesma forma, seria uma temeri- à Higiene. Este curso, originalmente de dezoito
dade deixar fora dos currículos conteúdos de his- horas, no final dos anos 50 evoluiu para uma
tória da medicina que mostram a constituição disciplina chamada Técnicas de Saúde Pública,
dos saberes e técnicas médicas ao longo do tem- incluindo ciências sociais (Nunes, 1992).
po, permitindo melhor compreensão do presente
e redimensionamento do futuro. Ressalta, ainda,
que o ensino médico deverá priorizar a integra- As primeiras avaliações do ensino
ção e a coordenação de conteúdos, modulando os
conhecimentos e as práticas, evitando com isso a Desde a década de 1960, houve uma preocu-
fragmentação curricular; chama a atenção para pação de avaliar o estado da arte do campo das
a manutenção da excelência em educação con- ciências sociais e saúde, quer seja a da produ-
tinuada e métodos de documentação e difusão ção científica, quer seja a relacionada ao ensi-
científica; destaca a iniciação científica eficaz e no. Assim, o primeiro estudo foi realizado em
o contato do estudante com populações, indiví- 1965 e publicado por Badgley (1966). Há mui-
duos e pacientes desde o início do curso e do es- tos aspectos desenvolvidos neste trabalho, mas,
tudo integral do ser humano em suas dimensões atendo-se ao ensino, verifica-se que, em 1964,
bio-psico-sociais, utilização de métodos ativos aproximadamente 25% das faculdades de me-
de aquisição do conhecimento, revalorização da dicina ofereciam cursos de antropologia, socio-
semiologia como base do raciocínio clínico, ênfa- logia ou psicologia aos estudantes de medici-
se no compromisso ético-humanista da medicina na. Comprovou-se a falta de homogeneidade
e incorporação racional de tecnologias médicas, dos conteúdos e das disciplinas que se relacio-
para superar o modelo atual fragmentado e tec- navam com as ciências sociais, tendo denomi-
nicista. Nesse texto, é importante a perspecti- nações que eram bastante diversificadas, inti-
va adotada em relação à educação do século 21, tulando-se de ciências sociais, ciências da con-
quando diz que, se anatomia e a fisiologia foram duta, sócio-antropologia, psicologia social, so-
fundamentos da medicina clássica, a física e quí- ciologia.
mica foram as disciplinas básicas da medicina do Reportando-nos à história da introdução
século 19, as disciplinas sociais ou ecológicas se- das ciências da conduta/ciências sociais na Amé-
rão essenciais para a medicina do terceiro milê- rica Latina, não podemos deixar de fazer refe-
nio. Antropologia Médica, História da Medici- rência à pesquisa realizada por García (1972)
na, Psicologia e Pedagogias Sociais, Sociologia e em 1967, quando verificou que 79% das facul-
Epidemiologia, Estatística e Ética Médicas, den- dades de medicina ensinavam as ciências da
tre outras, serão fundamentais para erigirmos conduta, definidas como o agrupamento da so-
uma nova teoria da medicina, preocupada com ciologia, antropologia social e psicologia social.
as tarefas curativa, preventiva e reabilitadora, Em 100 escolas pesquisadas, o autor encontrou
mas também com a melhoria da natureza huma- que 78% do ensino era dedicado aos conceitos
na e o bem-estar social, através do atendimento básicos; 58% ao ensino da etiologia e meio am-
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biente; 55% à conduta tanto no estado de saú- O ensino no período 1980-2000


de como de doença; 39% aos aspectos psicos-
socioculturais da atenção médica. Uma outra Conforme a proposta deste trabalho, analisare-
constatação desse estudo refere-se ao fato de mos como se desenvolveu o ensino no período
que 66% das horas/aluno eram de ensino teó- de 1980 a 2000, tomando como referência os es-
rico e as aulas práticas, quando existiam, eram tudos que se dedicaram à questão do ensino em
dedicadas a visitas a bairros pobres, instituições diversos países, situando os objetivos, os con-
e na participação em censos de alguma popula- teúdos e a metodologia do ensino. No quadro
ção marginal sobre condições sanitárias, habi- 1, apresentamos os trabalhos pesquisados de
tacionais, sem nenhuma elaboração teórica. acordo com o ano de publicação, autor e país de
Os trabalhos que se seguiram ao elabora- origem. A apresentação dos resultados será fei-
do por García (1972) não foram tão abrangen- ta citando o país de origem da experiência.
tes. Ainda da década de 1970, Coe (1975) rela-
ta a visita realizada em oito escolas médicas na
América Latina, que ensinavam “ciências do Objetivos do ensino
comportamento”, tendo constatado que o ensi-
no estava extremamente vinculado à medicina Quando analisamos os objetivos do ensino, ve-
social em sala de aula e à medicina comunitá- rificamos que nem sempre é possível estabele-
ria, quando da sua aplicação. Outro estudo foi cer de forma clara a divisão entre o que se de-
o realizado por Villanueva e Quintana (1981), nomina ciências do comportamento das ciên-
que revisaram os planos de estudo de 25 esco- cias sociais, especialmente nas experiências de-
las e faculdades de medicina. Dessas, os autores senvolvidas nos Estados Unidos. Nesse sentido,
ofereceram informações de 12 programas, dos é importante destacar dentre as pesquisas reali-
quais 11 continham dados sobre o ensino de as- zadas nos Estados Unidos, a que tomou como
pectos sociais, sendo que em seis escolas a pro- referência a pesquisa de 50 escolas médicas ran-
porção no currículo era de 1 a 3%; quatro esco- domicamente selecionadas, em 1978, sobre o
las de 3 a 4% e uma escola com 12,5%, do total ensino das ciências do comportamento. Hurs-
de ensino ministrado. ter (1981), realizador dessa pesquisa, que teve
Em relação aos estudos brasileiros sobre o um retorno de 45%, assinala que em 11 escolas
tema, destacam-se os realizados por Campos e o ensino era oferecido pelo departamento de
Nunes (1976, 1985, 1999), Marsiglia e Spinelli psiquiatria, seis pelo departamento de medici-
(1995). na comunitária e, nos seis restantes, por depar-
Na pesquisa realizada em 1970, primeira in- tamentos nomeados como: Psiquiatria e Ciên-
vestigação global sobre o ensino das ciências cia do Comportamento, Seção de Ciências do
sociais no setor saúde, os dados referem-se a 50 Comportamento, Medicina Comportamental e
faculdades de medicina (67% do total), 29 es- Psiquiatria, e Medicina Comunitária e Admi-
colas de enfermagem (80% do total), 37 facul- nistração Hospitalar. Os objetivos apontados
dades de odontologia (80% do total) e seis es- pelas escolas destacam que as ciências do com-
colas de saúde pública (100% do total). Do to- portamento deveriam ser estabelecidas como
tal das instituições, 69,9% informaram que ofe- ciências básicas em todas as áreas ou campos
reciam cursos que incluíam temas de ciências médicos, estender-se pelos anos de formação do
sociais ou do comportamento em seus planos médico e nas fases de educação continuada, e
de estudo, nas seguintes proporções: 80% das serem desenvolvidas em conjunto com as áreas
faculdades de medicina; 89,7% das escolas de clínicas e biológicas.
enfermagem; 43,2% das faculdades de odon- Quanto aos objetivos que se destacaram nas
tologia e 50% das escolas de saúde pública. Na diversas experiências investigadas, verificamos
ocasião, nas faculdades de medicina eram ofe- que há uma grande pluralidade de propósitos,
recidos 127 cursos que incluíam o ensino men- que, sem dúvida, refletem o espaço institucio-
cionado, mas desse total somente 23,8% po- nal e as características profissionais que deram
diam ser considerados especificamente de ci- origem ao ensino. Dessa forma, optamos por
ências sociais (Campos e Nunes, 1976). sumarizar esses objetivos, conservando os seus
aspectos essenciais.
• Carr (1981), nos Estados Unidos, refere que
existe a necessidade de oferecer os conteúdos
das ciências do comportamento de maneira
216

Quadro 1
Trabalhos pesquisados

Ano Autor País


1981a Carr J EUA
1981b Gessner PK, Katz LA, Schimpfhauser FT EUA
1981c Hurster M EUA
1981d McGuire FL & Friedmann CTH EUA
1981e Petersdorf RG & Feinstein AR EUA
1983 Taylor KM, Shapiro M, Kelner M Canadá
1984 Sachs LA, McPherson C, Knopp W EUA
1985 Kegeles SM, Jonsen AR, Jameton A EUA
1985 Nunes E D Brasil
1985 Osei Y Gana
1985 Weller RO Inglaterra
1986 Wells KB, Benson C, Hoff PA EUA
1988 Field D Reino Unido
1988 Priel B & Rabinowitz B Israel
1990 Pescosolido BA EUA
1992 Hernández M & Quevedo E Colômbia
1992 Joseph A, Abraham S, Bhattacharji S, Índia
Muliyil J, John KR, Mathew S, Norman G
1993 Orbell S & Abraham C Escócia
1994 MacLeod SM & McCullough HN Canadá
1995 Ojanlatva A, Rautava P, Hyssälä L, Finlândia
Koivusilta L, Nikolakaros G, Rimpelä M
1998 Fernandes ME & Oliveira JED Brasil

mais aprofundada e de forma a estabelecer uma ferentes objetivos para a sociologia no campo
relação mais direta e adequada à prática médica. médico a partir dos rótulos dados a essa disci-
• Gessner, Katz e Schimpfhauser (1981), rela- plina, que variam de acordo com o enfoque, por
tando experiência dos Estados Unidos, assina- exemplo: estudar as relações existentes entre fe-
lam que um dos objetivos da atual formação nômenos sociais e a doença (sociology in medi-
médica é capacitar o profissional para dar res- cine); estudar o mercado de trabalho (sociology
postas aos problemas que afetam a saúde hu- of medicine); utilização de metodologias da pes-
mana, incluindo aqueles que envolvem e se re- quisa social (sociology for medicine); estudar a
lacionam com questões interdisciplinares, de educação, comportamento e estilo de vida do
cunho demográfico, social e econômico, ou se- profissional médico (sociology from medicine);
ja, aos chamados problemas sociomédicos. Su- estudar criticamente as orientações políticas e
perar as dificuldades de inserção dessas temá- ideológicas da medicina (sociology at medicine);
ticas num currículo já bastante tomado pelos estudar a interação de diversas disciplinas e a
conhecimentos biomédicos e também ensejar medicina, além da sociologia (sociology around
uma mudança de atitude frente às questões so- medicine).
ciomédicas, tanto pelo corpo docente quanto • Taylor, Shapiro e Kelner (1983), relatando
pelos alunos, são os desafios que se colocam. sobre uma experiência no Canadá, apontam: o
• McGuire e Friedmann (1981) relatam que a principal objetivo é integrar a teoria das ciên-
experiência implementada na Universidade da cias do comportamento à experiência clínica
Califórnia, EUA, pretendeu abordar os conteú- de modo a salientar sua importância na prática
dos inerentes ao campo das ciências sociais de médica. Nessa experiência, foi iniciado um cur-
forma a apresentá-los de maneira mais direta- so intitulado “Médicos, pacientes e famílias: o
mente relacionada à prática médica, aumentan- caso do câncer”, visando à discussão precoce do
do o interesse dos estudantes e sua aceitação. tema e das variadas situações clínicas e formas
• Petersdorf e Feinstein (1981), analisando as de abordagem desta doença, buscando ainda
experiências nos Estados Unidos, assinalam di- incorporar a discussão de questões éticas rele-
217

vantes, tais como eutanásia, consentimento in- cia clínica; estender esses conhecimentos pré-
formado, revelação do diagnóstico e outros, vios para as disciplinas psicossociais; sensibili-
contribuindo também para reduzir o estresse zar os estudantes para os aspectos psicossociais
dos estudantes no trato do assunto. das doenças; demonstrar os benefícios do cui-
• Sachs, McPherson e Knopp (1984) situam dado integral ao paciente; melhorar a formação
em uma experiência nos Estados Unidos a in- relacionada ao processo de interação médico-
trodução no currículo médico de um programa paciente; fornecer uma oportunidade para os
modular, inicialmente eletivo, sobre diversos estudantes discutirem livremente suas reações
temas médicos, focalizando conteúdos das ciên- emocionais às experiências durante o interna-
cias do comportamento e aprofundando os co- to; contribuir para preparação e apresentação
nhecimentos que já vinham sendo oferecidos, de casos em sessões clínicas.
sem a necessidade de alocar novos professores • Pescosolido (1990), nos Estados Unidos, as-
ou de onerar o orçamento da escola. sinala que o ensino deverá demonstrar a rele-
• Osei (1985), ao relatar a experiência de Ga- vância da sociologia e persuadir os estudantes
na, aponta como objetivos do curso: identificar de que a imaginação sociológica fornece uma
e descrever os fatores pessoais, familiares, so- perspectiva-chave para entender a arena médi-
ciais e culturais que afetam o comportamento ca; apresentar a medicina e o cuidado médico
ou são desencadeados por distúrbios de com- como fenômenos socialmente e culturalmente
portamento, contribuindo para o planejamen- construídos.
to e execução de ações que visem minimizar os • Ao relatar a experiência em uma escola mé-
seus efeitos. São objetivos, ainda, habilitar o es- dica na Índia, Joseph et al. (1992) apontam co-
tudante a conduzir uma entrevista diagnóstica mo objetivos: oferecer aulas teóricas expositivas
e dar o devido encaminhamento ao caso, bem de psicologia médica e sociologia e práticas de
como avaliar as implicações legais e sociais en- vivência comunitária no primeiro ano do curso
volvidas, desenvolvendo também um papel edu- básico; nos anos clínicos, aprofundar o estudo
cativo na comunidade. sobre determinado problema de saúde, desen-
• Para Weller (1985), em uma experiência in- volver estudos de conhecimentos, atitudes e ha-
glesa, o objetivo é o de propiciar a aquisição de bilidades e programas de educação em saúde;
conhecimentos teóricos e práticos em medici- no internato – aplicar os conhecimentos adqui-
na, incluindo os sociomédicos, através de um ridos em visitas domiciliares e práticas de atua-
programa desenvolvido na região de Wessex – ção comunitária.
community-based learning. • Orbell e Abraham (1993), na Escócia, apon-
• Field (1988), referindo-se ao ensino no Rei- tam: desenvolver o entendimento da contribui-
no Unido, assinala como objetivos: levar aos es- ção das variáveis sociais e psicológicas na cau-
tudantes o conhecimento das estruturas sociais sação das doenças, prognóstico e utilização dos
e sua relevância para a saúde-doença; conheci- serviços; fornecer aos estudantes um esquema
mentos dos aspectos da saúde-doença e sua re- de referência conceitual com o qual possam en-
levância para a relação médico-paciente; incul- tender a interação médico-paciente.
cação e avaliação das atitudes, crenças e valores • MacLeod e McCullough (1994), no Cana-
que sustentam uma boa prática médica. dá, referem que os objetivos das ciências sociais
• Wells, Benson e Hoff (1986) relatam na ex- devem ser tomados num sentido amplo, de for-
periência norte-americana que os principais ma a reconhecer a importante inter-relação en-
objetivos eram capacitar o futuro profissional tre as ciências sociais e do comportamento e a
para compreender o adoecimento e as variadas medicina curativa e preventiva.
formas de enfrentamento e de adaptação à do- • Ojanlatva et al. (1995), discorrendo sobre o
ença, levando em consideração tanto fatores in- ensino na Finlândia, assinalam: desenvolver o
dividuais como ambientais e também conhecer entendimento de conceitos básicos no estudo
o papel da atenção médica primária e a influên- das relações saúde-doença-diagnóstico; estudar
cia dos diferentes settings de cuidados à saúde a relação médico-paciente; estudar as relações
sobre médicos e pacientes. família-trabalho-ambiente e aspectos éticos da
• Priel e Rabinowitz (1988), escrevendo so- profissão.
bre o ensino em Israel, pontuam: fornecer uma • Para Fernandes e Oliveira (1998), o ensino
oportunidade para os estudantes aplicarem o no Brasil aponta que o objetivo é situar o estu-
conhecimento e habilidades em ciências sociais, dante frente à realidade social, à diversidade
aprendidos nos anos pré-clínicos, na experiên- das culturas humanas, à pluralidade e singula-
218

ridade das formas de comunicação, levando-o • abuso infantil (EUA, 1981e; EUA, 1986)
a compreender as condições de produção da • suicídio (EUA, 1981e)
saúde e da doença e seu contexto. • violência doméstica (EUA, 1986)
• fatores sociais e psicológicos (Brasil, 1985;
Reino Unido, 1988; Escócia, 1993, Finlân-
Conteúdos dia, 1995)
• problemas específicos do paciente (EUA,
As experiências de ensino mostram uma grande 1981c)
diversidade de conteúdos, que foram agrupados
em algumas categorias, como relatado abaixo. c) respostas ao adoecimento

1) Comportamento pessoal • detecção de doenças genéticas (EUA, 1981e;


Inglaterra, 1985)
a) vida cotidiana • estilo de vida (Canadá, 1983)
• valores étnicos e culturais (EUA, 1981e; Bra-
• impacto das variáveis psicossociais nas cren- sil, 1985; EUA, 1986; Finlândia, 1995)
ças de pacientes e médicos (EUA, 1981a)* • respostas ao estresse (cognitivas, emocio-
• influência das crenças na apresentação de nais, psicológicas e comportamentais) cau-
sintomas e no diagnóstico (EUA, 1981a; sadas pelo adoecimento (EUA, 1986)
EUA, 1981e; Índia, 1992) • percepção do sistema (EUA, 1981e)
• nutrição (EUA, 1981e; EUA, 1984; Brasil, • adesão ao tratamento (EUA, 1981e)
1985) • doença crônica e incapacidade (EUA, 1981e)
• hábitos alimentares (Índia, 1992) • depressão (EUA, 1981e; Israel, 1988)
• crescimento e desenvolvimento (EUA, 1981e; • atitudes e comportamentos em relação a
Canadá, 1994) doenças (Inglaterra, 1985; EUA, 1986; Is-
• status de saúde (EUA, 1981e) rael, 1988)
• sexualidade (EUA, 1981e; EUA, 1986) • componentes psicológicos do comporta-
• contracepção (EUA, 1981e) mento humano (EUA, 1981c)
• aborto (EUA, 1981e) • atitudes em relação a doenças específicas
• delinqüência (EUA, 1981e) (câncer, insuficiência renal crônica e diabe-
• orientação e aconselhamento (EUA, 1981e) tes (EUA, 1981e; Canadá, 1983)
• cultura, valores (Brasil, 1985) • comportamento normal e doença mental
• saber popular (Brasil, 1985) (EUA, 1990)
• comportamento desviante e poder social
b) causas de doença (EUA, 1990)
• práticas de cuidados com crianças (Índia,
• câncer (EUA, 1981b; Canadá, 1983) 1992)
• deficiências (EUA, 1981b; Inglaterra, 1985) • práticas preventivas (Índia, 1992)
• mortalidade infantil (EUA, 1981e; Brasil,
1985) 2) Comportamento interpessoal
• problemas perinatais (EUA, 1981e)
• deformações na infância (EUA, 1981e) • relação médico-paciente (EUA, 1981d; Ca-
• doença mental (Gana, 1985; Inglaterra, 1985) nadá, 1983; EUA, 1984; Brasil, 1985; EUA,
• retardo mental (EUA, 1981e) 1986; Israel, 1988; Reino Unido, 1988; EUA,
• envenenamento (EUA, 1981e) 1990; Escócia, 1993; Finlândia, 1995)
• acidentes (EUA, 1981e; EUA, 1990) • estrutura, função e dinâmica familiar (EUA,
• alcoolismo e abuso de drogas (EUA, 1981b; 1981e; Canadá, 1983; EUA, 1984; Inglater-
EUA, 1981e; Inglaterra, 1985; EUA, 1986) ra, 1985; Finlândia, 1995)
• estilo de vida (EUA, 1981e) • nascimento (EUA, 1981e)
• doenças venéreas (EUA, 1981e) • relações de parentesco (EUA, 1981e)
• abuso infantil (EUA, 1981e)
• deformações na infância (EUA, 1981e)
* As datas citadas referem-se ao ano de publicação do arti- • falhas no desenvolvimento (EUA, 1981e)
go e a letra anexada foi utilizada para distinguir o texto,
considerando-se que todos se referem ao mesmo país e ao • adoção (EUA, 1981e)
mesmo ano de publicação, conforme o quadro 1 • problemas escolares (EUA, 1981e)
219

• gravidez na adolescência (EUA, 1981e) • recursos comunitários (EUA, 1981e)


• envelhecimento (EUA, 1981e; EUA, 1990) • centros de cuidados infantis (EUA, 1981e)
• relações interpessoais (Reino Unido, 1988) • cuidados de saúde no Terceiro Mundo (EUA,
• relação aluno-paciente (Escócia, 1993) 1981e; Inglaterra, 1985)
• atenção primária (EUA, 1981e)
3) Comportamento do médico • planejamento em saúde (EUA, 1981e)
• distribuição dos médicos (EUA, 1981e)
• cuidado médico como fenômeno sociológi- • papel da enfermagem (EUA, 1981e)
co (EUA, 1981a) • equipe de saúde (EUA, 1981e)
• comunicação com os pais do paciente (EUA, • análise custo-benefício (EUA, 1981d; Cana-
1981e) dá, 1994)
• comportamento dos estudantes de medici- • avaliação tecnológica (EUA, 1981e)
na (EUA, 1981e) • custo da doença e outras questões econômi-
• estresse profissional (EUA, 1981e) cas (EUA, 1981e)
• envelhecimento (EUA, 1981e; EUA, 1984; • história do diagnóstico no Ocidente (Co-
Canadá, 1994) lômbia, 1992)
• morte e morrer (EUA, 1981e; EUA, 1986) • sistemas nacionais de saúde (Brasil, 1985;
• enfrentamento da doença e da dor (Canadá, Reino Unido, 1988; Colômbia, 1992; Fin-
1983; EUA, 1986) lândia, 1995)
• incerteza do tratamento e cura (Canadá, • promoção de saúde (Finlândia, 1995)
1983) • seguridade social (Escócia, 1993; Finlândia,
• envolvimento com paciente terminal (Ca- 1995)
nadá, 1983) • mercado de trabalho no setor saúde (Brasil,
• luto familiar (Canadá, 1983) 1985)
• fracasso médico (Canadá, 1983) • hospital como instituição social (Brasil, 1985)
• formação e prática médicas (Brasil, 1985;
Colômbia, 1992) 6) Organização e estratificação social
• saber médico (Brasil, 1985)
• estrutura e estratificação social (Inglaterra,
4) Comunidade e meio ambiente 1985; Brasil, 1985)
• status e papel social (Brasil, 1985)
• perspectivas em saúde ambiental e ocupa- • modo de produção capitalista (Brasil, 1985)
cional (EUA, 1981b; Inglaterra, 1985; EUA, • mudança social (Brasil, 1985)
1990; Canadá, 1994; Finlândia, 1995) • medicina na sociedade de classes (Brasil,
• influência na comunidade dos componen- 1985)
tes físicos, psicológicos e sociais do adoeci- • interação social (Inglaterra, 1985)
mento (Inglaterra, 1985) • classes sociais (Reino Unido, 1988)
• participação da comunidade (Brasil, 1985) • sistemas de castas (Índia, 1992)
• proteção à criança (EUA, 1981e) • status socioeconômico (Índia, 1992)
• atendimento/atendimento domiciliar do • status educacional (Índia, 1992)
idoso (EUA, 1981e)
• riscos relacionados a animais domésticos 7) Políticas de saúde
(EUA, 1981e)
• processo educativo, educação e nível de saú- • ciência e política de nutrição (EUA, 1981b)
de (Brasil, 1985) • questões e tendências políticas (EUA, 1981b)
• população e saúde (Brasil, 1985) • ambiente político e doença (EUA, 1990; Ca-
• educação ambiental (Canadá, 1994) nadá, 1994)
• políticas sociais e de saúde (Brasil, 1985)
5) Organização do cuidado à saúde
8) Ética e bioética
• papel das instituições sociais (EUA, 1981a)
• padrões de prestação de cuidados à saúde • dimensão ética da prática médica: aspectos
(EUA, 1981e; Canadá, 1983; EUA, 1990) gerais (EUA, 1981b; EUA, 1981e; Canadá,
• serviços sociais; aconselhamento; grupos de 1983; EUA, 1984; Colômbia, 1992; Canadá,
auto-ajuda (Canadá, 1983) 1994; Finlândia, 1995; Brasil, 1998)
220

• tomada de decisão em condições de incerte- • ciências sociais e construção de um nova se-


za (EUA, 1981e; Canadá, 1983) miologia médica (Colômbia, 1992)
• consentimento informado (Canadá, 1983) • medicina e ciências sociais (Colômbia, 1992)
• eutanásia: questões psicológicas, médicas, • medicina e história (Brasil, 1985; Colômbia,
morais e sociológicas (EUA, 1990) 1992)
• políticas de saúde (Colômbia, 1992)
9) Diversos • sociologia das profissões de saúde (Finlân-
dia, 1995)
• aspectos sociológicos da medicina (EUA,
1981c)
• antropologia e sociologia médica (EUA, Metodologias de ensino
1981a; Gana, 1985; Inglaterra, 1985)
• medicina psicossocial (Gana, 1985) A revisão bibliográfica realizada descortinou
• visão histórica do cuidado e da medicina uma variedade de experiências pedagógicas e a
(EUA, 1981a; EUA, 1984; Brasil, 1985; In- adoção de diferentes métodos e técnicas, utili-
glaterra, 1985; Colômbia, 1992) zados em conjunto ou isoladamente, conforme
• surgimento da medicina e a crítica moder- quadro 2.
na (EUA, 1981b)
• medicina folclórica e biomedicina ociden-
tal e o papel profissional (EUA, 1981a) Conclusões
• humanidades na medicina (EUA, 1981b)
• fases do desenvolvimento humano (EUA, Agrupamos as conclusões deste estudo em as-
1981d; EUA, 1986) pectos gerais e específicos, isto porque, como
• relação mente-corpo (EUA, 1981e) pôde ser visto, a questão do ensino das ciências
• técnicas de entrevista (EUA, 1981e; EUA, sociais está profundamente atravessada pelas
1986) circunstâncias históricas que levaram a sua in-
• linguagem e comunicação (EUA, 1981c; clusão no campo da educação médica e pelas
EUA, 1981e; Canadá, 1984; Finlândia, 1995; ideologias que sustentaram a sua permanência.
Brasil, 1998) Assim, embora nas propostas desenvolvidas
• aspectos psicossociais do envelhecimento nos Estados Unidos continuem a ter presença
(EUA, 1984) marcante as chamadas “ciências do comporta-
• emergências médicas e o impacto psicosso- mento”, percebe-se a crescente importância da
cial (EUA, 1984) sociologia e da antropologia e, em menor grau,
• aspectos filosóficos, jurídicos, sociológicos da economia política nos cursos de graduação
e econômicos relacionados à medicina em medicina. Os diversos estudos que tratam
(EUA, 1985) especificamente das “ciências do comportamen-
• lazer, esporte e saúde (Inglaterra, 1985) to” (Huster, 1981; Nathan e Allen, 1982; Black-
• conceito de ideologia (Brasil, 1985) well e Torem, 1982) apontam que a sua visibili-
• introdução à metodologia científica (Brasil, dade foi dada, principalmente, como compo-
1985) nente da psiquiatria e poucas escolas estabelece-
• ensino médico (Brasil, 1985) ram departamentos separados para tratar desse
• processos culturais da vida e morte (Brasil, ensino. Assinalam também a diversidade de
1985) conteúdos e de carga horária dos cursos. Ainda
• iniqüidade em saúde (Inglaterra, 1985) que a tônica dos cursos seja sobre aspectos psi-
• teoria dos papéis sociais (Reino Unido, 1988; quiátricos e psicológicos relacionados à doença,
EUA, 1990) verifica-se a presença de conteúdos que se vol-
• relação biografia e história social (EUA, tam de forma mais específica aos “aspectos so-
1990) ciológicos da medicina” que envolvem aspectos
• relação sociedade-medicina (Reino Unido, sociais e culturais da prática médica, relações
1988; Colômbia, 1992; Brasil, 1998) medicina e sociedade e medicina comunitária.
• conceitos de saúde pública, medicina so- Parece-nos importante transcrever um tre-
cial, medicina integral e preventiva (Brasil, cho da análise feita por Renée Fox (1989), quan-
1985) do, ao tratar do percurso das reformas curricu-
• história do corpo no Ocidente (Colômbia, lares, nos Estados Unidos, aponta que de 1950
1992) até a década de 80, as escolas americanas move-
221

Quadro 2
Metodologias de ensino

Metodologias Experiências
EUA EUA EUA EUA EUA Canadá EUA
1981a 1981b 1981c 1981d 1981e 1983 1984
1. Aulas teóricas (palestras, X X X X X X
conferências, seminários, debates)

2. Atividades em pequenos grupos


Estudos de casos clínicos X X X X X
Tutorias X X X
ABP (aprendizagem baseada
em problema)
Atividades comunitárias
Dramatização
(“role playing games”)
Clube de revista X
Leitura X

3. Visitas/Pesquisas de campo/ X X X X X
Entrevistas

4. Utilização de recursos audiovisuais X X X

Metodologias Experiências
EUA Brasil Gana Inglaterra EUA Reino Unido Israel
1985 1985 1985 1985 1986 1988 1988
1. Aulas teóricas (palestras, X X X X X X X
conferências, seminários, debates)

2. Atividades em pequenos grupos


Estudos de casos clínicos X X X X X
Tutorias X
ABP (aprendizagem baseada X
em problema)
Atividades comunitárias X X
Dramatização X X
(“role playing games”)
Clube de revista
Leitura X

3. Visitas/Pesquisas de campo/ X X X X
Entrevistas

4. Utilização de recursos audiovisuais X X


continua
222

Quadro 2
continuação

Metodologias Experiências
EUA Colômbia Índia Escócia Canadá Finlândia Brasil
1990 1992 1992 1993 1994 1995 1998
1. Aulas teóricas (palestras, X X X
conferências,seminários, debates)

2. Atividades em pequenos grupos


Estudos de casos clínicos X X
Tutorias X X
ABP (aprendizagem baseada X X X
em problema)
Atividades comunitárias X X X X
Dramatização X
(“role playing games”)
Clube de revista
Leitura

3. Visitas/Pesquisas de campo/ X X X
Entrevistas

4. Utilização de recursos audiovisuais X X

ram-se da psiquiatria para a ciência comporta- refreamento dos custos e a ênfase da medicina
mental, para a bioética e para as humanidades acadêmica no uso do aparato tecnológico no diag-
em sua perene busca para um currículo que mais nóstico e tratamento, entre a responsabilidade por
efetivamente desenvolvesse nos estudantes a com- um grande número de casos e o desejo de focali-
preensão das dimensões emocionais, culturais e zar sobre “casos” para o ensino médico, entre os
sociais do comportamento humano na saúde e extraordinários benefícios dos poderosos novos
doença e promovesse neles atitudes humanas e va- medicamentos ou procedimentos e seus potenciais
lores específicos, condutores deste entendimento. danos. Outro ponto levantado é sobre como so-
Em estudo que realizamos, revisando esse ciólogos e educadores médicos podem benefi-
largo período da sociologia da educação médi- ciar-se do ressurgimento de estudos longitudi-
ca, apontamos a série de pesquisas que enfati- nais em educação médica, enfatizando a neces-
zaram, de um lado, os aspectos psicossociais da sidade de serem comparativos e de caráter mais
formação dos estudantes de medicina e, de ou- estruturais do que os realizados no passado. São
tro lado, os estudos que deram relevância à es- inúmeras as possibilidades que se abrem aos
cola como instituição social (Merton, Reader e estudos nesta área, e que clamam a presença de
Kendall, 1957; Becker, Geer, Hughes e Strauss, enfoques sociológicos, tanto aqueles que se vol-
1961 e Bloom, 1971). Os estudos que focaliza- tem para as pesquisas dos papéis do médico e
ram os aspectos psicossociais destacaram no- do paciente, em especial dos pacientes ambu-
ções que foram reiteradas em muitas pesquisas latoriais, ou das investigações sobre a própria
e trataram, dentre outros aspectos, do “destino profissionalização e, em particular, do papel da
do idealismo”, do desenvolvimento de uma au- mulher no cenário médico-assistencial, ou re-
to-imagem profissional, do treinamento para a visando conceitos que foram amplamente usa-
incerteza, do treinamento para a neutralidade, dos nos estudos da profissão médica, como é o
do enfrentamento do árduo trabalho médico e caso da “autonomia profissional”, limitada pe-
de como manejar os erros (Nunes, 1999). las atuais perspectivas culturais, pelos protoco-
Light (1988), ao revisar o campo da socio- los clínicos, pela informática médica, em suma,
logia da educação médica, lembra que, nos anos pelo quadro organizacional que contextualiza a
80, alguns estudos dedicaram-se a aspectos es- prática médica. Outro ponto destacado refere-
truturais, visando conhecer as relações entre o se ao fato de que um novo quadro abre-se em
223

relação à especialização, no momento em que a) o ensino continua tendo um papel funda-


ela se supermultiplica, mas também de como mental na reprodução do conhecimento das ci-
responder nessa situação às demandas dos pa- ências sociais em saúde;
cientes num quadro no qual a organização dos b) embora persistam diferenças entre as várias
serviços enfrenta diferentes formas de paga- experiências pedagógicas, o ensino das ciências
mentos. Dois outros temas são lembrados por sociais tem procurado estabelecer uma intera-
Light (1988): o que se dirige para a análise dos ção entre os conhecimentos biomédicos e so-
processos socializatórios dos médicos e da bus- ciomédicos;
ca das suas identidades – nos quais médicos e c) em sua grande maioria, as experiências de
educadores parecem estar lutando para dar sig- ensino situam-se nos anos pré-clínicos;
nificado ao seu trabalho e dar sentido de engaja- d) em relação aos objetivos, observa-se que há
mento profissional e o que se refere às relações en- uma preocupação em aplicar os aportes teóri-
tre especialização e cuidado primário, entre cen- cos das ciências sociais a diferentes situações,
tros médicos acadêmicos e profissionais na comu- tanto na clínica quanto na comunidade;
nidade, quando se observa a defasagem que se e) em relação aos conteúdos, percebe-se uma
estende entre a espécie de cuidado que a maioria grande dispersão temática que se estende desde
da população necessita e o desejado pelos cost- o ensino de conceitos básicos de ciências sociais
conscious buyers e a espécie de medicina ensina- a assuntos específicos da área da saúde;
da pela medicina acadêmica. Sem dúvida, o des- f) para fins analíticos, os conteúdos foram clas-
taque é a necessidade cada vez maior de enfati- sificados nos seguintes grupos temáticos: com-
zar os estudos que levem em consideração as portamento pessoal, comportamento interpes-
relações entre as redes comunitárias e as insti- soal, comportamento do médico, comunidade e
tuições que fazem parte do contexto onde se lo- meio ambiente, organização do cuidado à saú-
calizam os centros médicos acadêmicos. de, organização e estratificação social, políticas
Como pode ser observado, essas análises de saúde, ética e bioética e diversos;
transcendem o seu espaço de origem – os Esta- g) persistem as aulas expositivas, mas tem
dos Unidos –, se estendem e podem ser impor- ocorrido uma crescente adoção dos métodos
tantes para outros países, tanto em relação ao ativos de ensino em pequenos grupos, assim co-
ensino propriamente dito, quanto à pesquisa mo atividades de pesquisa e entrevistas;
dos aspectos sociais da educação médica. h) saliente-se, em algumas experiências, a im-
Com referência às experiências relatadas portância da adoção de recursos audiovisuais,
neste trabalho, chegamos às seguintes conclu- especialmente filmes.
sões:

Agradecimentos
Para Marcus Vinicius Campos, Marcelo Eduardo Pfeiffer
Castellanos, Silvio Silveira do Amaral, pela colaboração
no levantamento bibliográfico e resumo de artigos.
224

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