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Frank B. Holbrook, Editor

Estudos sobre
Apocalipse
temas introdutórios
1

6
Série

Santuário e profecias
apocalípticas
Frank B. Holbrook, Editor

Centro Universitário Adventista de São Paulo


Fundado em 1915 — www.unasp.edu.br
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Estudos sobre
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Apocalipse
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temas introdutórios
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6
Série
Imprensa Universitária Adventista
Editor: Renato Groger
Santuário e profecias
Editor Associado: Rodrigo Follis apocalípticas
Conselho Editorial:
José Paulo Martini, Afonso Cardoso, Elizeu de Sousa, Francisca Costa, Adolfo Suárez, Emilson dos
Reis, Renato Groger, Ozeas C. Moura, Betania Lopes, Martin Kuhn
1ª edição — 2012
A Unaspress está sediada no Unasp, campus Engenheiro Coelho, SP.

Imprensa Universitária Adventista


Estudos sobre apocalipse: temas introdutórios

Imprensa Universitária Adventista 1ª edição – 2013


5.000 exemplares
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(19) 3858-9055

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Capa: Flávio Luís, Marcio Trindade tado segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Revisão: Matheus Cardoso Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde
Normatização: Felipe Carmo, Giulia Pradela janeiro de 2009.

sumário
Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
7 Princípios fundamentais de interpretação
43 As oito
61 Cenas da “Introdução Vitoriosa”
85 Interpretando o simbolismo do Apocalipse
117 Tipologia do santuário
157 Relações entre Daniel e Apocalipse
173 O uso de Daniel e Apocalipse por Ellen G. White
193 O intérprete e o uso dos escritos de Ellen G. White
207 Debates contemporâneos sobre o Apocalipse
217 Selos e trombetas: algumas discussões atuais
235 Os sete selos
Índices para catálogo sistemático:
285 Os santos selados e a grande tribulação
321 O anjo forte e sua mensagem
369 Profecias de tempo de Daniel 12 e Apocalipse 12-13
Princípios fundamentais
1
de interpretação
Kenneth A. Strand

Esboço do capítulo
1. Abordagens interpretativas ao Apocalipse
2. Exegese, teologia e hermenêutica
3. Regras gerais de interpretação
4. Regras especiais para a interpretação apocalíptica
5. Propósito e tema do Apocalipse
6. Estrutura literária do Apocalipse

Sinopse editorial. Os cristãos


conservadores creem que a men-
sagem da Bíblia transcende seu tem-
po e cultura. Consequentemente, en-
quanto os anos passam e a distância
dos séculos se amplia entre o mundo
antigo e o moderno, torna-se cada vez
mais importante que os estudantes
das Escrituras se comprometam com
sólidos princípios de interpretação
para que não interpretem erronea-
mente a Palavra de Deus. Isto é espe-
cialmente verdade quanto à descober-
ta das verdades expressas nos livros
apocalípticos de Daniel e Apocalipse.
Neste importante capítulo, o
autor explica em detalhes as carac-
terísticas da profecia apocalíptica,
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

destaca o propósito e o tema do livro de Apocalipse, explora a natureza do Historicismo. O método histórico pode seguir uma ou outra das duas
seu simbolismo e aponta o caminho para determinar o seu significado. abordagens básicas: (1) a abordagem “linear” vê o Apocalipse retratando uma
Todos os sistemas de interpretação do Apocalipse devem começar local- sequência de acontecimentos que se inicia na Era Apostólica e continua passo
izando seus diversos segmentos nas estruturas de tempo presente, passada e a passo até o grandioso ponto culminante escatológico;2 (2) a abordagem da
futura. Depois de anos de estudo, é a profunda convicção do presente autor que “recapitulação” interpreta as várias visões do Apocalipse como percorrendo o
uma clara compreensão do arranjo literário do Apocalipse provê o fundamento mesmo terreno desde os dias do profeta até o fim dos tempos. Este último tipo
necessário sobre o qual se pode erigir uma sólida interpretação de suas visões. de interpretação tem sido modelo para os adventistas do sétimo dia.3 Em um
O próprio livro profético proporciona a chave para explicar sua estrutura. ou outro caso as profecias são compreendidas como tendo seu cumprimento no
Os dados indicam que o Apocalipse é composto de oito visões internamente li- tempo histórico entre os dias de João e o estabelecimento do reino eterno.
gadas para formar quatro pares. A profecia se divide naturalmente em duas seções: Preterismo. Por outro lado, o preterismo tem se inclinado a interpretar ou todo
capítulos 1 a 14 e capítulos 15 a 22. Quatro visões precedem esta linha divisória natu- o livro de Apocalipse ou virtualmente todo ele como história antiga. A maioria dos
ral (fim do capítulo 14), e quatro visões concluem o livro. As quatro primeiras visões eruditos preteristas considera as profecias do Apocalipse como refletindo eventos e
(série histórica) encontram cumprimento na Era Cristã, preparando o caminho para condições relacionadas à Igreja Cristã e ao Império Romano no próprio tempo de
o Segundo Advento. As últimas quatro visões (escatológicas — série de julgamentos) João, possivelmente alcançando também um breve período além daquele tempo para
cobrem acontecimentos após o encerramento do tempo da graça. Sendo que uma abranger acontecimentos antecipados por João. Há, porém, algumas exposições pre-
compreensão correta da organização do Apocalipse é vital para a interpretação de suas teristas que admitiriam que as profecias do Apocalipse chegassem até Constantino, o
visões, os dois próximos capítulos também tratarão deste assunto com alguns detalhes. Grande, no início do quarto século, com a seção de 19:11 em diante possivelmente
O livro de Apocalipse tem sido mal compreendido e mal usado mais do que pertencendo a um período posterior que é ainda futuro em nossos dias.4
qualquer outro livro da Bíblia. Mesmo um olhar de relance para o grande número
8 de comentários sobre o Apocalipse revela um amplo cortejo de equívocos, inter- 9
2
  Vários intérpretes bem-conhecidos de uma geração anterior foram partidários deste ponto de
pretações errôneas e conclusões que não são apenas contraditórias, mas também vista, tais como Albert Barnes, Adam Clarke, E. B. Elliott e Alexander Keith. Barnes, por exemplo,
com frequência altamente especulativas. Em assinalado contraste com a profusão trata os sete selos como pertencendo a uma sequência de eventos da Era pós-Apostólica, as sete
de material expositivo sobre o Apocalipse, está a virtual ausência de abordagem trombetas como se iniciando com o saque de Roma pelos visigodos em 410 d.C., o livrinho ab-
à magnífica teologia do livro. Até o momento, não existe nenhuma abordagem erto de Apocalipse 10 como a Bíblia aberta no tempo da Reforma do século 16, e as sete últimas
pragas como refletiva da Revolução Francesa do final do século 18.
completa e abrangente à teologia do livro de Apocalipse, e mesmo discussões de 3
  O exemplo que ainda é talvez o mais bem conhecido é Thoughts on Daniel and Revelation
limitados assuntos ou temas teológicos específicos do Apocalipse são relativa- de Uriah Smith (múltiplas edições e impressões, inclusive a atualmente disponível “edição
mente raras e frequentemente superficiais e indignas de confiança.1 revisada” primeiramente publicada em 1944 pela Southern Publishing Association, em Nash-
ville, Tennessee). Outros escritores adventistas do sétimo dia, inclusive S. N. Haskell e R. A.
Abordagens interpretativas ao Apocalipse Anderson, têm usado a mesma abordagem. O mais recente e completo comentário exibindo-
a é a excelente publicação de C. Mervyn Maxwell (1985, v. 2) God Cares. Entre os escritores
Os comentários sobre o Apocalipse geralmente são classificados nestas não adventistas, não tenho encontrado nenhum que use a abordagem da maneira como a
usam os adventistas, mas repetições de sequências parciais ou incompletas são apresentadas,
grandes categorias: historicismo, preterismo e futurismo. por exemplo, por S. L. Morris (1928) e William Hendriksen (1940).
4
  A origem da opinião preterista é geralmente atribuída a Luis de Alcazar (falecido em 1613),
jesuíta espanhol, em sua monumental Investigation of the Hidden Sense of the Apocalypse [Inves-
1
  Artigos “tópicos” frequentemente representam exegese de uma passagem mais do que uma tigação do Sentido Oculto do Apocalipse] (publicada postumamente em 1614). Juntamente com
teologia do Apocalipse como um todo ou mesmo a teologia da própria passagem. Pode haver al- ele e alguns outros antigos expositores católicos, vários comentaristas protestantes de séculos pos-
gumas exceções em algumas áreas, tais como, por exemplo, cristologia, pneumatologia e eclesio- teriores (por ex., I. T. Beckwith, Moses Stuart e H. B. Swete) têm tido a tendência de admitir um
logia. Também a ser notado é o capítulo sobre “Doutrina” em H. B. Swete (1908, p. clix-clxxiii). cumprimento de partes do Apocalipse atingindo os primeiros séculos cristãos pós-apostólicos.
Este trata os assuntos de monoteísmo, a doutrina de Deus, cristologia, pneumatologia, eclesiolo- Os comentaristas preteristas de “tradição liberal”, quer sejam eles católicos ou protestantes, inter-
gia, soteriologia e angelologia, mas basicamente apenas faz um levantamento dos dados. pretam o livro como refletivo do próprio tempo de João.
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

Futurismo. O sistema futurista de interpretação vê o cumprimento da maioria Leon Morris) ou reinterpretar o historicismo em um estilo futurista (particu-
do Apocalipse restrito a um breve período de tempo ainda futuro em nossos dias. larmente notável em exposições de alguns adventistas do sétimo dia que atual-
Uma classe secundária de futurismo — em que muitos futuristas e mesmo mui- mente estão publicando suas opiniões particulares).
tos evangélicos se encontram — é o pré-tribulacionismo/dispensacionalismo.5 Esta Não é o meu propósito neste capítulo ilustrar ainda mais ou avaliar as várias
abordagem específica normalmente interpreta Apocalipse 4:1–19:10 como ocorren- abordagens. Isto eu tenho feito brevemente em outros estudos com referência
do em um período de sete anos ainda futuro para nós — período que se inicia com às três tradicionais, algo que também tem sido feito por vários outros escritores
um “arrebatamento” secreto e assinalado em seu final pelo glorioso e visível apareci- recentes (ver STRAND, 1979, p. 11–16; TENNEY, 1957, p. 135–146). No devido
mento de Cristo. Os pré-tribulacionistas/dispensacionalistas consideram esse período tempo, serão discutidos certos princípios básicos que irão auxiliar o leitor na
de sete anos como a setuagésima semana de anos da profecia de Daniel 9:24–27, em- separação de métodos interpretativos infundados daquilo que é são e válido.
bora a sexagésima-nona semana tenha terminado no início da Era Cristã.6 Por enquanto, será suficiente apenas salientar que qualquer abordagem baseada
Outras abordagens. Além das três grandes escolas de interpretação e em critérios e opiniões externas (em vez de emergir do Apocalipse em si) deve ser
sua subdivisões, há hoje uma variedade de outras abordagens interpretativas considerada altamente suspeita. De fato, as confusões tão desenfreadas em muitos
ao Apocalipse. Algumas destas se sobrepõem ou abraçam em parte uma ou comentaristas, qualquer que seja o seu ponto de vista interpretativo, encontram sua
mais das abordagens tradicionais, mas todas tendem a colocar sua principal causa básica na eisegese — isto é, ler no texto algo que não está ali — em vez de pro-
ênfase em alguma outra direção. Há, por exemplo, várias interpretações não ceder com base na sã exegese — extraindo do texto o que está ali.
históricas. Estas veem o Apocalipse como retratando um drama mitológico, Esta armadilha eisegética revela-se de várias maneiras. Estas frequente-
maravilhosos ideais, filosofia de valores ou algo semelhante, sem tocar ab- mente parecem plausíveis porque aparentemente se utilizam do válido princí-
solutamente na história real e/ou genuína escatologia.7 pio interpretativo de comparar passagem com passagem. O leitor deve ter em
Finalmente, deve ser notado que em anos recentes tem havido uma tendên- mente, porém, que não é a soma de passagens citadas, aludidas ou justapostas o
10 cia em torno da amalgamação de abordagens. Talvez o mais notável ao longo que realmente importa. O que tem valor é a eficiência do procedimento que está 11
desta linha sejam as tentativas de misturar preterismo em futurismo, sendo o sendo usado. De acordo com 2 Pedro 3:16, havia na era do Novo Testamento
primeiro um pano de fundo para o último (por exemplo, George Eldon Ladd e aqueles que deturpavam as Escrituras para a “própria destruição deles”. Esta
prática, infelizmente, ainda prevalece muitíssimo em nossos dias, e a interpre-
tação do Apocalipse parece especialmente inclinada a isto.
5
  Entre um bom número de exemplos, estão os comentários de John Wolvoord (1966) e Hal
Lindsay (1973). O primeiro é um tipo de produção erudita, e o último é uma obra de estilo Exegese, teologia e hermenêutica
popular.
6
  Literatura prolífica tem sido produzida pelos expoentes do ponto de vista, começando com A título de introdução, observamos que há diferenças e semelhanças entre
o seu originador J. N. Darby, da Irlanda, que reuniu a essência do pré-tribulacionismo/dispen- as abordagens teológica e exegética ao livro de Apocalipse. A exegese lida com
sacionalismo durante o final de 1820 e a década de 1830. Darby era muito conhecido por sua um texto ou passagem específica e procura extrair a mensagem pretendida pelo
atividade na Inglaterra (ele é geralmente considerado como sendo o fundador do movimento autor nesse texto ou passagem específica. Isto envolve todas as preocupações
dos “Irmãos de Plymouth”), mas pessoalmente promulgou suas opiniões também no Continente
Europeu e na América do Norte, para a qual fez seis viagens. Na América, a Bíblia de Referên-
que um exegeta normalmente tem em lidar com qualquer trecho literário (sig-
cia de Scofield (publicada no Brasil como Bíblia Anotada) tem tido considerável influência em nificado de palavras, relações sintáticas etc.), contextos históricos e literários
popularizar a opinião, realçada em anos recentes por publicações de Hal Lindsay. As “teologias gerais, e qualquer outra informação que possa esclarecer o significado da pas-
sistemáticas” de Alva McClain e L. S. Chafer também defendem este ponto de vista. Entre uma sagem, inclusive declarações relevantes que o autor faz em outro lugar.
série de boas pesquisas e avaliações do pré-tribulacionismo/dispensacionalismo, deve ser tomada
O estudo teológico utiliza as mesmas ferramentas e princípios her-
em consideração a crítica justa e muito legível dada por George Eldon Ladd (1956).
7
  Entre os expositores que têm escrito na Inglaterra, os seguintes provavelmente podem ser in- menêuticos. Mas enquanto o estudo exegético normalmente significa o são
cluídos (embora talvez com alguma sorte de preterista ou outro tipo de ajuste “histórico” envolvi-
do): E. W. Benson, Raymond Calkins, William Milligan, Paul S. Minear, S. L. Morris e D. T. Niles.
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

e cuidadoso exame de um texto ou passagem específica, o estudo teológico As passagens bíblicas, porém, não devem ser reunidas de uma forma indevida.
geralmente abrange os seguintes: Uma sólida abordagem leva em consideração os seguintes fatos: (1) As Escrituras
Primeiro, utiliza os resultados exegéticos de vários textos ou passagens não são apenas verdade em um sentido global, mas também contém muitas ver-
relacionadas. Segundo, procura colocá-los na devida relação uns com os dades individuais. (2) Portanto, ao se lidar com qualquer passagem das Escrituras, é
outros. Finalmente, empenha-se em relacionar esta síntese a evidências e importante verificar precisamente o que trata essa passagem específica e qual é a sua
exposições bíblicas mais amplas dos mesmos assuntos, temas, ou perspecti- própria mensagem específica em seu próprio contexto específico. (3) Enquanto a re-
vas teológicas (do Antigo e do Novo Testamento). união de duas ou mais passagens bíblicas que têm relevância para o mesmo assunto
Assim, a exegese no Apocalipse faz a pergunta básica fundamental: O que iluminará nossa compreensão da verdade divina que está envolvida, a combinação
nos diz esta passagem específica do Apocalipse? O estudo teológico, por outro enganosa de dois ou mais itens que são absolutamente verdadeiros em si mesmos
lado, faz a pergunta mais ampla: Que temas ou assuntos teológicos são ilumi- pode muito bem levar a uma síntese que é totalmente infundada e errônea.
nados e elucidados por esta passagem, e como a apresentação destes temas e O último ponto precisa de ênfase especial. Por exemplo, se tentarmos fundir
assuntos por este livro se encaixa no contexto mais amplo da teologia do Novo uma biografia totalmente correta de César Augusto com uma biografia totalmente
Testamento e da teologia bíblica como um todo? correta de George Washington (cada um desses indivíduos foi chamado “pai do seu
Por causa das espécies de interpretações errôneas do Apocalipse que têm país”), obviamente teríamos um relato combinado cheio de erros. Assim seria tam-
surgido em anos recentes, não somente de escritores não adventistas, mas tam- bém o caso se intrometêssemos um relato factual da carreira militar de Napoleão
bém dentro de certos círculos adventistas, em primeiro lugar reiteramos breve- Bonaparte em um relato factual da Segunda Guerra Mundial.
mente os bem-conhecidos e geralmente aceitos princípios de interpretação Jogar solto deste modo com peças individualmente verdadeiras e comple-
bíblica. Então daremos atenção mais detalhada a certos assuntos vitalmente tamente exatas de informação histórica parece ridículo, e certamente é assim.
importantes concernentes ao Apocalipse que são muitas vezes desconhecidos No entanto, este mesmo tipo de metodologia é similar hoje em determinados
12 ou negligenciados por expositores atuais. O presente capítulo não se sobreporá esquemas interpretativos aplicados ao livro de Apocalipse.8 Quer o campo seja 13
indevidamente ao que é apresentado em outro lugar na série Santuário e Profe- historiografia geral ou teologia bíblica (ou, a propósito, qualquer outro campo),
cias Apocalípticas sobre este tema, mas o assunto de uma sã hermenêutica é tão o resultado final não é verdade, mas confusão e erro.
essencial que alguma reformulação pode até mesmo ser proveitosa (JOHNS- Usar todas as ferramentas disponíveis
SON, 2010, p. 259–287; ver HASEL, 2010, p. 288–322). Os bereanos são mencionados como sendo “mais nobres” do que os de Tessalôni-
ca, porque eles prontamente recebiam a palavra dos apóstolos e então estudavam as
Regras gerais de interpretação Escrituras para verificar se a mensagem dos apóstolos era verdadeira (At 17:11). A
procura pela verdade divina deve ser cuidadosa, diligente e equilibrada.
As regras gerais para a interpretação de qualquer livro da Bíblia obviamente Tal estudo envolve uma comparação adequada de passagem com passagem,
devem também se aplicar ao livro de Apocalipse. Donde alguns comentários tendo cuidado de que o máximo conhecimento possível seja obtido de cada pas-
sobre estas seguem imediatamente abaixo. sagem bíblica utilizada. Isto sugere um uso sério e apropriado das ferramentas
As Escrituras como seu próprio intérprete que estão disponíveis: comentários bíblicos, dicionários bíblicos, manuais bíblicos,
Os adventistas do sétimo dia creem firmemente que as Escrituras não são
de particular interpretação, mas que homens santos de Deus falaram ao serem
movidos pelo Espírito Santo (2Pe 1:20–21). Este fato da divina inspiração as-
segura que as Sagradas Escrituras são verdade totalmente confiável. Leva à con-
8
  Os adventistas do sétimo dia tendem a ficar surpresos de que os evangélicos dispensacion-
alistas possam mudar a setuagésima semana da profecia de Daniel 9:24–27 da era do Novo Tes-
clusão de que as Escrituras são o seu próprio e melhor intérprete, um princípio
tamento para um tempo ainda futuro em nossos dias, e que eles tornam Apocalipse 4:1 a 19:10
interpretativo já mencionado acima. virtualmente uma exposição da chamada “setuagésima semana” de Daniel. Todavia, certos escri-
tores adventistas recentes de inclinação futurista revelam esse mesmo tipo de método em suas
exposições privadas do Apocalipse.
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

obras de referência sobre história e arqueologia bíblicas, mapas e tratados da geo- Disposição de fazer a vontade de Deus
grafia das terras bíblicas, léxicos e outros auxílios com referência às línguas bíblicas. Outra regra geral de interpretação se relaciona com a atitude do leitor no que
Se possível, o texto bíblico deve ser lido em suas línguas originais. tange à verdade. Conforme declarado por Cristo, “se alguém quiser fazer a vontade
Conquanto devamos ser cautelosos com o que é simplesmente tradição hu- dele [de Deus], conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus” (Jo 7:17).
mana — algo que muito frequentemente inclui o erro —, devemos reconhecer O próprio livro de Apocalipse é muito incisivo em enfatizar que nada deve
que a utilização adequada e criteriosa de relevantes materiais de pesquisa de ser acrescentado e nada deve ser tirado do que está escrito nele. Realmente,
fundo histórico e arqueológico, léxicos, e ajudas similares podem ser muito pronuncia uma bênção sobre aqueles que ouvem a mensagem do livro, e uma
úteis e esclarecedores na busca e descoberta da verdade bíblica. maldição sobre aqueles que a distorcem (veja Ap 1:3; 22:7b, 18–19).
Os indivíduos que não são especialistas em relação às várias disciplinas
mencionadas acima não devem desesperar. Informação confiável está pron- Estudo com oração
tamente disponível para qualquer um que esteja disposto a estudar. Quer O estudo das Escrituras com oração é um princípio da máxima importân-
tais estudantes da Bíblia percebam isto ou não, sua própria leitura das Es- cia. O mesmo Espírito Santo que inspirou os escritores da Bíblia para registrar
crituras em português ou em outra língua moderna implica em reconheci- a verdade divina deve também estar presente a fim de iluminar nossa mente
mento para com eruditos instruídos nas línguas bíblicas e em conhecimen- para essa verdade. Este princípio específico poderia ter sido declarado primeiro
tos históricos e outros conhecimentos relevantes para a Bíblia. Felizmente, entre nossos princípios gerais por causa de sua extrema importância. Em vez
também estão disponíveis várias traduções da Bíblia (ao menos em portu- disto, preferi colocá-lo na conclusão, porque abrange todos os outros quando é
guês) que podem ser comparadas entre si. experimentado conscienciosamente.
É bom notar que os estudantes da Bíblia que estão realmente buscando a Estudo com oração significa estudo que usa um método idôneo em comparar
verdade não farão simplesmente selecionar traduções ou fórmulas tradicion- passagem com passagem, que se aproveita de todas as ferramentas disponíveis em
14 ais para satisfazer sua própria fantasia sobre pontos controvertidos. Preferiv- efetuar estudo diligente, e é caracterizado por uma disposição de fazer a vontade de 15
elmente, eles buscarão a preponderância da evidência quanto ao que é correto. Deus e seguir os resultados do estudo aonde quer que eles possam conduzir.
As traduções da Bíblia diferem na escolha das palavras e na maneira de ex-
pressão, embora a verdade divina seja geralmente apresentada em quase todas Regras especiais para a interpretação apocalíptica
as traduções tão acurada e adequadamente que ninguém precisa se desviar —
ao menos em assuntos vitais para a salvação. Impacto da forma literária
É verdade, porém, que algumas traduções são em geral mais confiáveis do que A verdade bíblica é multifacetada, e os escritores da Bíblia utilizavam uma
outras. Como regra, em estudos mais aprofundados, uma tradução do tipo mais grande variedade de tipos literários a fim de transmitir a mensagem divina. É
“literal” deve ser preferida ao tipo “livre” ou “paráfrase”.9 Com frequência as pessoas fundamental reconhecer que a verdade expressa através de uma forma literária
falarão do último tipo de tradução como a que elas preferem, porque tal tradução específica manifesta as características dessa forma e é compreendida somente
“é muito clara”. A real questão, porém, deve ser esta: Nessas traduções livres, o que é quando é dada a devida consideração àquelas características. Narrativas históricas,
tão claro — a palavra de Deus ou a opinião do tradutor? prescrições legais, palavras de sabedoria, cartas, reflexões e aclamações poéticas
estão entre os numerosos e variados tipos de literatura incluídos na Bíblia. Tam-
bém às vezes aparecem em combinação uns com os outros.
9
  Exemplos de traduções “literais” ou “formais” são: King James, New King James, Revised Stand- Para a maioria dos leitores, a diferença entre prosa e poesia é talvez a mais
ard Version, New American Standard Bible etc. [Em português: Almeida Revista e Atualizada e fácil de reconhecer. Por exemplo, no relato em prosa do Êxodo nos é dito que
Bíblia de Jerusalém. — Nota do tradutor.] Exemplos de traduções “livres” ou método dinâmico Deus enviou “um forte vento oriental” para afastar as águas do mar (Êx 14:21).
de tradução: New English Bible, Today’s English Version, Philips Translation, Living Bible etc. [Em
português: Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Nova Bíblia Viva e A Mensagem. — Nota do
No relato poético é feita a declaração de que “com o resfolgar das tuas [de Deus]
tradutor.] narinas, amontoaram-se as águas” (Êx 15:8).
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

A qualidade figurativa da expressão poética é imediatamente evidente. A para retratar o final grande Dia do Senhor. A apocalíptica tem, em vez
maioria dos leitores não visualizaria Deus como realmente agachado nas mãos disto, como sua própria urdidura e trama, o elemento de alcance cósmico
e joelhos e resfolegando pelas narinas nas águas do mar! E, contudo, esta de- ou escopo universal. A profecia apocalíptica aborda o grande conflito en-
scrição pitoresca adiciona legítima ênfase e eficiência ao expor uma verdade tre o bem e o mal, não dentro de uma estrutura histórica local e contem-
divina quando é lida adequadamente como a linguagem figurativa que ela é. porânea (como é descrita nas mensagens dos profetas maiores e menores),
O livro de Apocalipse representa um tipo de literatura e estilo singu- mas do ponto de observação que descerra a cortina, por assim dizer, em
lar entre os livros do Novo Testamento. Seu paralelo bíblico mais próximo todo o mundo e por toda a extensão da história humana.
é o livro de Daniel, no Antigo Testamento. Estes dois livros da Bíblia são Por exemplo, Daniel 2 e 7 tratam dos impérios mundiais em sucessão
geralmente classificados como “profecia apocalíptica”, em contraste com a pelo restante da história terrestre desde o tempo de Daniel até a consumação
“profecia clássica” (às vezes chamada “profecia geral”), sendo a última repre- final e o estabelecimento do eterno reino de Deus. O Apocalipse, semel-
sentada por tais livros como os profetas maiores e menores. hantemente, explora grandes desenvolvimentos históricos desde os dias de
Ambas as espécies de literatura profética ensinam a verdade divina, João até e inclusive uma descrição do grandioso final escatológico.
como fazem todos os outros tipos de literatura da Bíblia. Mas precisa- Ênfase escatológica. Às vezes os profetas gerais ampliam o escopo dos oráculos
mente como no caso de outros tipos literários, as características peculiares de condenação ou “juízos do Dia do Senhor” — quer seja dirigidos contra Israel,
a este tipo de literatura devem ser levadas em consideração pelo estudante. Judá, Nínive, Babilônia, Moabe, Edom, ou qualquer entidade que poderia ser —
Infelizmente, a distinção entre profecia clássica e profecia apocalíptica é para retratar brevemente um julgamento final no fim da história terrestre. Contudo,
frequentemente obscurecida por expositores da Bíblia. o principal objetivo de seus escritos é para a situação de seus próprios dias.
Nos parágrafos abaixo, primeiro comentaremos brevemente algumas das Por outro lado, a profecia apocalíptica, embora trate a história através do
características da apocalíptica mais geralmente reconhecidas. Em seguida, tra- fluxo do tempo, tem um enfoque especial nos acontecimentos do fim dos tempos.
16 taremos com mais detalhes de algumas características dessa literatura às quais A apocalíptica descreve uma luta contínua entre o bem e o mal na história, uma 17
geralmente não é dada a devida consideração. história que tende a degenerar-se ao prosseguir no tempo. Mas é uma história que
está realmente se movendo em direção de um fim em cujo tempo o próprio Deus
Características da literatura apocalíptica intervirá diretamente para destruir o mal e estabelecer a justiça.
Vários autores têm salientado características comuns ao gênero de literatura Em um sentido, podemos afirmar que os profetas gerais consideravam
conhecido como apocalíptica. A lista seguinte, baseada em grande parte em a história do ponto de vista de sua própria posição no tempo, ao passo que
meu livro Interpreting the Book of Revelation [Interpretando o Livro de Apoc- os profetas apocalípticos visualizam uma extensão da história com um
alipse], pode ser considerada representativa (ver STRAND, 1979, p. 18–20). enfoque especial no ápice final da história.
Assinalados contrastes. A profecia apocalíptica faz uma clara e invariável linha Origem em tempos de angústia e perplexidade. Em seu ambiente histórico,
de demarcação entre o bem e o mal, entre as forças de Deus e as forças de Satanás, a apocalíptica bíblica, como Daniel e Apocalipse, surgiu em tempos de angústia,
entre os justos e os ímpios, entre salvação para os filhos de Deus e perdição para perplexidade e perseguição. Assim, parece que a profecia apocalíptica surge quando
os seus inimigos. Entre os numerosos e notáveis contrastes no livro de Apocalipse, horrendas circunstâncias para o povo de Deus poderiam muito bem levá-los a ques-
estão o selo de Deus e a marca da besta, a testemunha fiel e verdadeira e a serpente tionar se Deus está ainda ativo e no controle. E ensina clara e convincentemente que
que engana o mundo, a virgem de Apocalipse 12 e a prostituta de Apocalipse 17, os Deus ainda é, de fato, o Senhor da história, que Ele está com o seu povo, e que os
exércitos do Céu e os exércitos da Terra, o fruto da árvore da vida e o vinho do furor vindicará plenamente em um magnífico e glorioso ponto culminante escatológico.
da ira de Deus, a Nova Jerusalém em glorioso esplendor e Babilônia em flamejante A profecia apocalíptica é uma espécie de literatura especialmente apropriada para
destruição, e o mar de vidro e o lago de fogo. proporcionar conforto e esperança aos oprimidos e humilhados servos de Deus em
Alcance cósmico. A profecia clássica lida com a situação local e con- seu tempo de necessidade crítica de precisamente tal conforto e esperança.
temporânea como seu enfoque primário, com certo grau de ampliação
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

Base em visões e sonhos. Uma comparação da profecia apocalíptica com a Continuidade vertical. A antiga mentalidade semita via o Céu e a Terra em
profecia clássica e outra literatura bíblica indica que a apocalíptica é caracteri- íntimo contato um com o outro. Infelizmente, esta é uma perspectiva que nós, em
zada por referência mais frequente a visões e sonhos do que é verdade quanto nossa moderna civilização de orientação científica, temos perdido em grande parte.
a qualquer outro tipo de literatura encontrada na Bíblia. Além disso, o apareci- A mente moderna tende a separar o Céu e a Terra, não simplesmente no sentido
mento de anjos para interpretar tais visões e sonhos não é incomum. físico ou espacial, mas também espiritualmente. Mesmo como cristãos, nos encon-
Extenso uso de simbolismo. Embora a profecia clássica use simbolis- tramos frequentemente fora de sintonia com os referenciais e conceitualizações car-
mo em certa medida, a apocalíptica pode ser distinguida por isto. O livro acterísticas dos escritores da Bíblia e seus ouvintes originais.
de Apocalipse está permeado de símbolos de várias espécies; seu rep- Deus comunica, é claro, através da linguagem da humanidade. Isto, obviamente,
ertório de imagens é particularmente rico. significa mais do que vocabulário, sintaxe, e coisa semelhante. Envolve toda a estrutu-
Uso de simbolismo complexo. Além disso, seja qual for o simbolismo ra conceitual das pessoas com quem a comunicação está sendo estabelecida.
que os profetas clássicos usem, ele tende a seguir padrões fiéis à realidade, Nós, modernos, cremos que nossos referenciais científicos do século 20
ao passo que a apocalíptica frequentemente se afasta das formas convencio- são muito melhores do que as conceitualizações dos antigos, e indubitavel-
nais. Retrata, por exemplo, animais inexistentes na natureza, tais como o mente em alguns sentidos os nossos são mais “atualizados” e exatos. Todavia,
dragão de sete cabeças e a besta do mar de Apocalipse, o leão alado e o ani- quer a cosmovisão seja antiga ou moderna, ela fica muito abaixo das reali-
mal de quatro cabeças de Daniel etc. O simbolismo complexo era comum, é dades supremas do Universo de Deus. Sua condescendência em comunicar-
claro, na arte e na literatura do antigo Oriente Próximo. se conosco em nossa linguagem — através de nossa estrutura conceitual — é
Resumo. Embora a classificação baseada em tais critérios tenha sido questionada tão grande que qualquer diferença humana criada por dois ou três milênios
(ver HANSON, 1975, p. 6–7), muitos eruditos ainda dão peso a estes elementos como não faz virtualmente nenhuma diferença.
sendo características básicas da profecia apocalíptica. Em todo caso, o simples fato Foi para nós, porém, que a Bíblia foi escrita nos tempos antigos. Por-
18 é que há um conjunto de antiga literatura que manifesta em maior ou menor grau tanto, aqueles referenciais relativos aos escritores e ouvintes antigos de- 19
muitos destes elementos; portanto, para fins descritivos e práticos uma classificação vem ser tidos em mente por nós ao procurarmos compreender hoje a men-
baseada neles parece útil e justificada. Conhecer e compreender tais características sagem de Deus através de sua Palavra escrita. 10
especiais da apocalíptica é, sem dúvida, um primeiro passo na interpretação correta. Conquanto as modernas conceitualizações científicas da realidade tenham
Também deve ser notado que todas as características apresentadas acima provido alguns importantes ganhos ou corretivos, em outras ocasiões elas têm le-
não são, necessariamente, completamente exclusivas da literatura apocalíptica. vado a sério prejuízo. A comprovação científica empírica é simplesmente impossível
A extensão em que elas aparecem e a maneira como são usadas na apocalíptica para todas as esferas da realidade (de fato, pode estar limitada a uma parte um tanto
é, porém, muito distinta e serve para prover um significativo contraste com a pequena da realidade total, como os próprios cientistas estão vindo mais e mais a
dinâmica evidenciada na profecia clássica. perceber). Sugiro que uma das maiores perdas da antiga conceitualização semítica
da realidade é este assunto que estamos considerando: a “continuidade vertical” que
Continuidade vertical e horizontal vê o Céu e a Terra em íntimo contato um com o outro.
Por mais útil que seja a lista anterior de características, ela não nos leva comple- Esta “continuidade vertical” é básica e axiomática para todo o acervo bíblico,
tamente ao “coração” da profecia apocalíptica. Talvez não sejamos capazes de com- tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Em nenhuma parte, porém, ela é
preender e apreciá-la suficientemente a menos que possamos pôr de lado nossas mais notavelmente exposta do que na apocalíptica. Não é sem motivo, por exemplo,
“lentes do século 20” e colocar-nos honestamente dentro da perspectiva bíblica. que o livro de Apocalipse repetidamente apresente cenários celestiais em conexão
Aqui voltamos nossa atenção especificamente para dois elementos abso-
lutamente vitais a compreender se quisermos captar a verdadeira dinâmica
da apocalíptica. Neste estudo, serão denominadas dimensões de “continui-
dade vertical” e “continuidade horizontal”. 10
  Uma excelente discussão da natureza da inspiração é dada por Ellen G. White (2005) em sua
“Introdução” ao Grande Conflito.
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com sua descrição de atividades que ocorrem na Terra. Realmente, a profecia apoc- e como tinta em uns alternadamente 12 períodos claros e escuros, chegando
alíptica ilustra e dramatiza este elemento vital da perspectiva bíblica. finalmente à consumação escatológica. E também há vários outros exemplos,
A essência e importância deste conceito de “continuidade vertical” con- inclusive uma visão da águia de muitas asas em 4 Esdras, capítulos 11 e 12, e o
forme aplicável às mensagens do livro de Apocalipse tem sido apropriadamente sonho-visão de touros e ovelhas (mais uma tropa de outros animais) no Enoque
expressa nas palavras seguintes escritas por Ellen G. White (2000, p. 114): “Uma Etiópico, capítulos 85 a 90.
coisa compreender-se-á certamente do estudo do Apocalipse — que a ligação Desenvolvimentos ou processos históricos sequenciais são também
entre Deus e seu povo é íntima e decidida.” evidentes no Apocalipse de João. Certamente podemos pensar nos impres-
Se quisermos compreender a verdadeira beleza e receber a eficácia das sionantes exemplos dentro das sequências dos sete selos e das sete trombe-
mensagens de Deus para nós em Sua Palavra, devemos retornar a esse con- tas, os selos sendo abertos em sucessão e as trombetas sendo tocadas em
ceito da realidade que põe o Céu em íntimo contato espiritual com a Terra. sucessão. Igualmente, a descrição da animosidade do dragão do capítulo
Esta verdade é decisiva para nossa compreensão das mensagens dos livros 12 abrange uma sequência, porque ele primeiro ataca o filho varão, depois a
apocalípticos de Daniel e Apocalipse. mulher, e finalmente o remanescente da descendência da mulher. Também
Continuidade horizontal. A segunda característica central da apocalíp- indicativa deste tipo de perspectiva sequencial é a referência em 17:10 às
tica, a dimensão da “continuidade horizontal”, também precisa de cuidadosa sete cabeças da besta como sendo sete reis, dos quais “caíram cinco”, “um
consideração. Da mesma forma que a profecia apocalíptica ilustra e drama- existe [no tempo de João]”, e “o outro ainda não chegou”.
tiza uma continuidade vertical de atividade entre o Céu e a Terra, assim ela Temos propositalmente enfatizado esta dimensão de “continuidade hori-
também ilustra e dramatiza uma continuidade horizontal em sua perspec- zontal” da apocalíptica por duas razões: (1) ela é absolutamente fundamental
tiva para a frente. A história é um contínuo sob o controle de Deus, que se para a descrição apocalíptica dahHistória como uma sucessão de eventos; e (2)
aproxima cada vez mais da gloriosa consumação quando o próprio reino em escritos recentes por certos notáveis eruditos evangélicos (como G. E. Ladd
20 divino de justiça será estabelecido para a eternidade. e Leon Morris), a visão apocalíptica da história tem sido confundida com a 21
Este tipo específico de previsão profética que delineia incrementos dentro de um abordagem da profecia clássica de “duplo cumprimento” ou “dois focos”.
contínuo histórico é uma característica que está em assinalado contraste com a pro- Por exemplo, Ladd (1972, p. 13; 1960, p. 53) apresenta a ideia de que o livro
fecia clássica. Como já mencionado, a última focaliza o próprio tempo do profeta, de Apocalipse visualiza a besta do mar semelhante ao leopardo do capítulo 13
e então pode oferecer uma expansão para um cumprimento ulterior e mais amplo como um símbolo tanto do antigo Império Romano dos dias de João (preter-
de alcance cósmico no final do tempo. É apropriado, portanto, falar em um sentido ismo) como de um Anticristo ainda por vir (futurismo). Mas esta espécie de
cósmico de dois pontos focais ou “dois focos” da profecia clássica. procedimento interpretativo de dois pontos focais transpõe erroneamente as
Em contraste, a profecia apocalíptica não procede absolutamente nessa base. características de um tipo de descrição profética para outro tipo, onde ele sim-
Antes, a profecia apocalíptica vê um continuum, uma progressão ou sequência plesmente não se ajusta. De fato, quando o modelo de dois focos é imposto aos
na história. Não olha apenas em dois pontos focais — o tempo do profeta e o livros apocalípticos de Daniel e Apocalipse, ele traz distorção para as próprias
final do tempo — com um intervalo entre eles. O estilo apocalíptico é clara- mensagens que Deus pretende transmitir nessas profecias.
mente ilustrado, por exemplo, nas sequências da cena da estátua de Daniel 2 e A profecia clássica, com sua ênfase nos próprios dias do profeta e uma per-
os quatro animais e seus chifres de Daniel 7. spectiva ocasional de “dois focos”, nunca descreve detalhadamente os eventos
Mas esta espécie de abordagem apocalíptica não é exclusiva de Daniel. Os que conduzem ao final e grande “dia do Senhor”. Não há, por exemplo, nenhuma
apocalipses não canônicos têm indicações da mesma. Por exemplo, o breve referência na profecia clássica a um vindouro poder do Anticristo do fim dos
“Apocalipse das semanas” do Enoque Etiópico (capítulos 9:12–17 e 93:1–10) tempos. Ladd chega a este tipo de Anticristo, como temos notado, impondo
divide a história em 10 períodos sucessivos, o último dos quais abrangendo erroneamente a modalidade de profecia clássica de dois focos ao livro de Apoc-
o juízo final e introduzindo a era eterna. Outra ilustração é a parábola de Ba- alipse, onde o Anticristo realmente é encontrado. Mas em Apocalipse (bem
ruque nos capítulos 53 a 74, de uma nuvem de trovoada que chove águas claras como em Daniel), o Anticristo aparece dentro de uma estrutura conceitual
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totalmente diferente, a saber, dentro de um continuum histórico, como um seg- sobre o antigo período ou o ponto culminante escatológico ou ambos. Os comentar-
mento da continuidade horizontal em processo contínuo no Apocalipse. istas que desejam combinar preterismo e futurismo como a melhor abordagem ao
Resumindo, a própria natureza da profecia apocalíptica descarta preterismo, fu- Apocalipse desvalorizam a própria natureza do livro em si como um apocalipse. 12 É
turismo e qualquer combinação deles, em favor da abordagem historicista. Este fato é vital que sejamos fiéis à real perspectiva histórica do Apocalipse se quisermos extrair
vital e tem importantes implicações teológicas para nosso estudo do Apocalipse. conclusões corretas acerca das importantes mensagens desse livro.
Mais um ponto precisa ser aqui esclarecido. Por que este conceito de con-
tinuum histórico surge na apocalíptica em distinção do conceito de “dois fo- Debates contemporâneos
cos” da profecia clássica? Sugiro que um fundo específico da própria literatura Nesta conjuntura, surgem duas perguntas especiais, principalmente
bíblica serve como o modelo para esta característica da apocalíptica, a saber, as em vista do que foi dito acima a respeito da “continuidade horizontal” da
narrativas históricas do Antigo Testamento. A profecia apocalíptica projeta no apocalíptica: (1) Na profecia apocalíptica existe tal coisa como cumprimen-
futuro uma continuação do relato histórico da Bíblia. tos repetidos?; (2) A descrição histórica da apocalíptica visualiza uma in-
A soberania de Deus e o constante cuidado por seu povo estão sempre definição ou condicionalidade, de sorte que se as condições devessem mu-
na vanguarda da descrição bíblica do continuum histórico, quer seja ele de- dar, os cumprimentos históricos mudariam igualmente?
scrito em acontecimentos passados (livros históricos) ou em eventos futuros Cumprimentos repetidos? Em discussões anteriores sobre a apocalíptica,
(profecia apocalíptica). Daniel e Apocalipse revelam uma divina soberania tenho observado que há certa perspectiva de “filosofia da história” nesta espécie
e domínio no que concerne ao movimento progressivo da história além do de profecia (STRAND, 1979, p. 14–16; 1975, p. 29–32). Por “filosofia da história”,
próprio tempo do profeta — uma história futura que culminará quando o porém, eu não quero dizer a abordagem da “filosofia de valores” que apresenta
Deus do Céu estabelecer o reino eterno que encherá toda a Terra e durará fatores ou “ideais” filosóficos sem tocar na realidade histórica. Deve ser en-
para sempre (Dn 2:35, 44–45; ver Ap 21, 22.). fatizado que a profecia apocalíptica lida com fatos e desenvolvimentos reais no
22 Em resumo, a mais notável das características geralmente reconhecidas da continuum histórico desde o tempo do profeta até o fim dos tempos. Qualquer 23
apocalíptica é o seu uso de simbolismo. Há, obviamente, uma elevada ênfase sobre abordagem que separe o cumprimento das previsões apocalípticas da história
esta característica, e muitos dos símbolos são de natureza complexa. Além disso, os real é contrária à própria essência da descrição histórica apocalíptica.
simbolismos refletem os assinalados contrastes tão evidentes na apocalíptica, e eles A espécie de “filosofia da história” para a qual eu chamo a atenção tem certo tipo
frequentemente proveem evidência de amplo alcance ou alcance cósmico. de aplicação recorrente. Primeiro, procuraremos evidências e/ou ilustrações do fenô-
Determinar a fonte dos símbolos empregados, averiguar sua extensão de meno; e segundo, anotaremos o tipo de material ao qual o fenômeno é aplicável.
significado e seu enfoque específico no contexto imediato do Apocalipse são Embora a evidência não seja tão nítida, esta espécie de literatura contém
fatores vitais para o intérprete. O assunto é discutido em outra parte deste vol- algumas indicações do conceito de que “a história se repete”.
ume.11 Indubitavelmente, a mais mal compreendida e impropriamente usada Nos apocalipses não canônicos, por exemplo, a parábola de Baruque sobre a
faceta da apocalíptica se relaciona com sua continuidade horizontal. Muitas das nuvem de trovoada divide seu continuum histórico em períodos alternadamente
características geralmente reconhecidas da apocalíptica às vezes aparecem em “claros” e “escuros”. Há, de fato, um modelo quase “monótono” de repetição histórica.
outras literaturas proféticas da Bíblia. Mas a continuidade horizontal da pro- No livro canônico de Daniel, o surgimento e queda dos reinos transmite o mesmo
fecia apocalíptica é uma característica que está em assinalado contraste com a pensamento com respeito à repetitividade da história, especialmente em vista da
abordagem à história dada na profecia clássica. declaração fortalecedora de que Deus “remove reis e estabelece reis” (Dn 2:21).
A interpretação teológica do Apocalipse, a fim de ser eficiente, deve ser compatív-
el com essa perspectiva histórica. O Apocalipse abrange, como faz o livro de Dan-
iel, uma progressão passo a passo através da história, não um enfoque polarizado ou
  Expositores que aceitam um cumprimento historicista de certas visões de Daniel e Apoc-
12

alipse no passado, mas que então optam por um segundo e primário cumprimento das mesmas
  Veja o capítulo 4 deste volume, “Interpretando o simbolismo do Apocalipse”.
11
no fim dos tempos, também estão incluídos.
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O conceito é expressivo do formulário das “bênçãos e maldições” de Deu- Quando são feitas afirmações de que Ellen G. White apoia cumprimentos repeti-
teronômio (27–28) e encontra vívida ilustração na própria história de Israel. dos nos livros de Daniel e Apocalipse,13 o contexto do que ela diz deve ser observado
Isto é bem ilustrado, por exemplo, no livro de Juízes. Sempre que Israel fal- cuidadosamente e que tipo de “repetição da história” está envolvido. Não há um só
hava em seu compromisso com a aliança, resultava em opressão por nações exemplo em que ela indique duplos ou múltiplos cumprimentos do chifre pequeno
estrangeiras. Vinha o livramento sempre que Israel se voltava para o Senhor ou de qualquer dos animais de Daniel ou Apocalipse e seus períodos de tempo.
em sincero arrependimento. Embora cada exemplo fosse um episódio diferente, Essas entidades vêm à existência uma vez, e somente uma vez. Contudo,
com um diferente juiz dirigindo o livramento, o tipo de fenômeno histórico em sua espécie de serviço como veículos do ataque de Satanás contra Deus e os
cada caso era o mesmo. Assim, pode ser dito que “a história” israelita “se repetia” santos de Deus pode prontamente, porém, levar a uma repetição dos proces-
em princípio, embora não em detalhes específicos. sos gerais usados, quer estes sejam enganos ou perseguições (veja João 8:44).
No livro de Apocalipse, encontramos sugestões similares de modelos repeti- Mas nenhuma profecia apocalíptica é compreendida como incorporando
tivos, como na quádrupla-tríplice divisão dentro de vários septetos. Alguém pode duplos ou múltiplos cumprimentos em si.
pensar, por exemplo, nas impressionantes similaridades encontradas nas cartas a Condicionalidade na apocalíptica? Em recentes escritos privados entre al-
Éfeso e Sardes e outra vez naquelas a Esmirna e Filadélfia (a primeira e quinta igre- guns adventistas do sétimo dia, é feita a afirmação de que há condicionalidade
jas e a segunda e sexta igrejas, respectivamente, em Apocalipse 2–3). nas previsões históricas de livros apocalípticos como Apocalipse. O argumento
Além disso, a própria maneira em que o simbolismo é usado em Apoc- é que tais cumprimentos foram apenas parciais — se foram cumprimentos —,
alipse implica às vezes uma repetida (e possivelmente uma contínua) apli- porque certas condições não foram satisfeitas. Portanto, podemos aguardar um
cação. Particularmente impressionante é a expressão de Apocalipse 11:8: “A cumprimento ainda futuro. Itens que têm sido colocados nesta categoria são o
grande cidade que, espiritualmente, se chama Sodoma e Egito, onde também grande terremoto, o Dia Escuro e a queda das estrelas (Ap 6:12–17), o final da
o seu [das duas testemunhas] Senhor foi crucificado.” Aqui encontramos três profecia dos 2.300 dias de Daniel em 1844, outros períodos de tempo em Daniel
24 lugares (Sodoma, Egito e Jerusalém) reunidos e identificados de tal maneira a e Apocalipse, e a descrição apocalíptica da história ainda mais geralmente. 25
levar nossa mente de volta ao passado distante e em tempo muito mais próxi- O que deve ser dito em resposta a esta abordagem é que os princípios enuncia-
mo. Esses eventos estavam também separados geograficamente. dos acima concernentes à descrição histórica da profecia apocalíptica são verda-
O que este texto nos diz não é que haverá um segundo ou mesmo um deiros para esta questão, bem como para aquela de “cumprimento repetido”. Esses
terceiro cumprimento de Sodoma ou múltiplos cumprimentos do antigo princípios não permitem nenhum espaço para qualquer falha no cumprimento ou
Egito que oprimiu a Israel. Antes, a mensagem é que estas três entidades adiamento da previsão apocalíptica por causa de condicionalidade.
distintas podem ser identificadas em uma espécie de “junção” quanto ao seu Resumindo, a profecia apocalíptica apresenta uma progressão histórica que
caráter essencial de impiedade e opressão. Donde, elas podem adequada- não oferece espaço para variabilidade, quando Deus prevê o que “deve breve-
mente servir de uma maneira simbólica para a “grande cidade” que person- mente acontecer” (Ap 1:1, KJV). Não há, por exemplo, nenhuma dúvida se os
ifica e repete um caráter similar de impiedade e opressão. quatro cavaleiros de Apocalipse 6 estão indo cavalgar; eles realmente irão sair
Também Ellen G. White (2006, p. 588), comentando sobre a visão de João, na progressão indicada. O mesmo é verdade quanto às advertências das trom-
faz algumas declarações indicativas deste tipo de repetição histórica. Podemos betas, as pragas da condenação, a destruição de Babilônia etc. São estas todas
notar, por exemplo, esta declaração: “Olhando através dos longos séculos de as coisas que foram mostradas a João e lhe foi dito que aconteceriam. Simples-
trevas e superstições, o exilado encanecido viu multidões sofrendo o martírio mente não está envolvido nenhum elemento de condicionalidade!
por causa de seu amor pela verdade. Mas viu também que Aquele que sustinha
suas primeiras testemunhas não abandonaria seus fiéis seguidores durante os
séculos de perseguição por que deviam passar antes do fim dos tempos.”
  Para uma discussão deste quiasmo, veja o panfleto “Ellen G. White and the Interpretation
13

of Daniel and Revelation” (Instituto de Pesquisa Bíblica, Associação Geral dos Adventistas do
Sétimo Dia).
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Alguém pode argumentar, porém, que há um elemento de condicion- confrontados pela profecia apocalíptica, devemos reconhecer nesse tipo de lit-
alidade nas cartas às sete igrejas. Isto é de fato assim. Todo o conceito des- eratura uma preponderância de uso simbólico. Assim, nossa abordagem tem de
sas cartas tem a condicionalidade como um referencial inerente. Mas esta ser invertida a fim de que possamos encontrar razões para uma interpretação
condicionalidade específica não se relaciona com a descrição histórica da literal de muitas passagens.
situação das igrejas, mas como as igrejas e os indivíduos que nelas estão Em qualquer caso, existem considerações específicas que devemos ter em
responderão ao apelo de Cristo, como eles decidirão estar no futuro no que mente quando indagamos: Por que há tanto simbolismo na profecia apocalíp-
concerne à sua relação de aliança com o Senhor. tica, e, quais são algumas diretrizes para determinar quando esperar o uso sim-
A natureza exortatória da literatura epistolar apresenta-se aqui. O fato bólico? Com exceção do fato de que o simbolismo é uma característica básica
de que o livro de Apocalipse é uma carta bem como uma profecia apoc- desse tipo de literatura, vêm à mente as seguintes razões:
alíptica confere-lhe certo sabor de exortação. Mas essa exortação, deve-se 1. Descrição eficaz. O símbolo é com frequência a mais conveniente ou vigoro-
enfatizar, está limitada a apelos (onde quer que se encontrem no livro, veja sa maneira de descrever uma mensagem. “Um quadro pode substituir mil palavras”,
16:15, para um exemplo) e não se aplica ao tipo específico de previsão e frequentemente o faz, mais exata e eficazmente do que uma prolongada descrição
profética que é parte e parcela da natureza da literatura apocalíptica. Tam- verbal. Mapas rodoviários, fórmulas químicas, esboços do artista, projetos do ar-
bém o livro de Daniel tem elementos de condicionalidade em suas seções quiteto, retratos e esculturas são exemplos de “uso simbólico” que expressam o que
históricas e em quaisquer apelos que são feitos. as próprias palavras nunca poderiam retratar adequadamente.
Contudo, nem no livro de Daniel nem em Apocalipse está a previsão profética No caso da literatura apocalíptica, que retrata a grande luta entre o bem e o
em si sujeita a condicionalidade. Os eventos são fixados e os períodos de tempo mal, deve-se esperar o uso de símbolos e imagens. Assuntos de alcance cósmico
prescritos são definidos e invariáveis. Esses elementos se ajustam aos padrões do não poderiam ser apresentados eficientemente pela expressão literal. Aqui está
que disse Daniel ao rei Nabucodonosor: “Deus fez saber ao rei o que há de ser fu- o caso em que a incapacidade humana de compreender as complexidades do
26 turamente. Certo é o sonho, e fiel, a sua interpretação” (Dn 2:45). conflito moral dá motivo para o uso de símbolos. 27
2. Descrição do futuro. A história futura em si seria um fenômeno difícil de
Simbolismo em Apocalipse descrever literalmente de qualquer maneira inteligível para os leitores e ouvintes
Como foi notado antes, entre as características gerais da profecia apocalíp- da profecia. A revelação alega, é clara, desvendar o futuro, e surge então a pergunta:
tica está o seu extenso uso de simbolismo, principalmente simbolismo com- Como poderia o futuro ser mais bem retratado do que em termos simbólicos?
plexo. O livro de Apocalipse está cheio de simbolismo e imagens, um fato que 3. Símbolos do reservatório comum. Outra explicação para o uso de sim-
causa muita consternação e confusão aos intérpretes. Parte do problema é que bolismo é o fato de que certas expressões simbólicas eram uma parte do vocabu-
os expositores modernos frequentemente inserem seus próprios significados lário de Israel, um reservatório do uso simbólico comum. Assim, por exemplo,
nos símbolos em vez de determinar a extensão bíblica do significado. as expressões Egito e Babilônia seriam prontamente compreendidas em seu sig-
Ao estudar alguém o Apocalipse, torna-se evidente que a vasta maioria de suas nificado simbólico no livro de Apocalipse.
alusões em simbolismo e imagens é do Antigo Testamento.14 Este assunto é tratado Fluidez do simbolismo. Por sua natureza, os símbolos são fluidos. Eles são
em detalhes em outro capítulo deste volume. A esta altura simplesmente adicion- figuras de linguagem. Alguns elementos dessa fluidez podem ser notados:
aremos alguns comentários sobre algumas outras considerações. 1. O mesmo símbolo pode significar coisas diferentes em diferentes contex-
Função literária do simbolismo. Uma regra válida de interpretação das Es- tos. Por exemplo, o leão pode ser usado para se referir a Cristo (Leão da tribo de
crituras é que uma determinada passagem deve ser interpretada literalmente a Judá em Ap 5:5), ao diabo (“leão que ruge” em 1Pe 5:8), a Judá (“leãozinho” em
menos que esteja presente evidência de linguagem simbólica ou figurativa. Este Gn 49:9), e à Assíria e Babilônia (“leões”em Jr 50:17).
princípio funciona bem para a maior parte da literatura bíblica. Mas quando 2. Símbolos diferentes podem representar a mesma coisa. Por exemplo, o
leão e o cordeiro representam Cristo em Apocalipse 5.
  Veja o capítulo 4, “Interpretando o simbolismo do Apocalipse”.
14
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

3. Pode haver uma variação de símbolos retratando a mesma coisa dentro 1. Os símbolos das “duas testemunhas” (Ap 11) têm antecedentes de Zac-
do mesmo contexto. Por exemplo, Cristo é descrito como sendo tanto o pastor arias 4 e de Moisés, Elias, Jeremias e outros profetas.
quanto a porta do aprisco em João 10; as sete cabeças da besta de Apocalipse 17 2. Na porção central do livro de Apocalipse (8:2–18:24) acha-se uma dupla
são declaradas ser tanto sete montes quanto sete reis. descrição do que poderia ser chamado o tema “Êxodo-do-Egito”/Queda-de-
4. Os detalhes podem variar no que são evidentemente os mesmos símbolos. Babilônia”. As primeiras cinco trombetas têm como sua fonte antecedente as
Por exemplo, os quatro seres viventes de Ezequiel 1 formam o fundo para a cena pragas no antigo Egito, enquanto com a sexta trombeta a cena muda de an-
do trono de Apocalipse 4. Na primeira passagem cada criatura tem quatro ros- tecedente para o rio Eufrates, o rio de Babilônia (9:14). Semelhantemente, as
tos, ao passo que na última passagem cada criatura tem apenas um rosto. Mas primeiras cinco pragas são outra vez baseadas nas pragas do Egito; ao passo que
as descrições dos rostos são a mesma em ambos os exemplos. Outros exemplos com a sexta praga a cena muda novamente para o rio Eufrates (16:12).
seriam os cavalos de Zacarias 1:8 (compare também com 6:2–3) e Apocalipse 6, 3. O que poderia ser denominado um tema “Queda-de-Babilônia/”Elias-no-
e as oliveiras em relação aos candelabros conforme apresentados em Zacarias Monte-Carmelo ocorre na sexta praga (16:12–16) (ver SHEA, 1980, p. 157–163).
4 e Apocalipse 11. O leitor ocidental moderno é inclinado a desejar a exatidão Aqui os antecedentes do Antigo Testamento proveem uma realidade
matemática com respeito ao uso simbólico, mas tal coisa é contrária à própria para a comunidade cristã que sobrepuja os significados originais. Nota-
natureza do simbolismo. Quando a natureza fluida do símbolo é compreendida, mos dois aspectos de interesse:
conforme ilustrada acima, as variações e variabilidade não devem nos inco- 1. O constante cuidado de Deus por seu povo nos tempos anteriores con-
modar. De fato, esta natureza fluida deve ela mesma ser para nós um impedi- tinua com a comunidade cristã, para quem Jesus Cristo é “o mesmo ontem e
mento contra o excesso de literalismo na interpretação. hoje e para sempre” (Hb 13:8). O conceito está inerente na afirmação de Cristo
É importante, contudo, que permaneçamos dentro dos limites do uso con- de ser o Alfa e o Ômega (1:8; 22:13). De fato, a nova comunidade cristã, inclu-
vencional de símbolos. Ao interpretarmos qualquer símbolo específico do livro sive aquele segmento representado pelas congregações da Ásia que constituíam
28 de Apocalipse, por exemplo, devemos pensar em termos da extensão dos sig- a paróquia de João, era uma continuação na linhagem das pessoas a quem Deus 29
nificados convencionais. Então fazemos nossa interpretação sobre a base de um tinha escolhido e sustido em face da adversidade e dos ardis do diabo.
significado que se harmoniza com o contexto específico do Apocalipse. 2. A igreja cristã representa uma intensificação de tudo o que Deus tem feito
Realidade interna do simbolismo. Um motivo por que os símbolos são por seu povo no passado. Não somente essa comunidade está na linhagem da
fluidos é que eles retratam uma realidade interior que funciona além do fé, mas representa uma culminação dos propósitos e planos de Deus para o seu
significado do item ou itens específicos que servem como sua fonte. Minear povo. Donde, todas as significativas experiências na história do trato de Deus
explica esta função como segue: com o seu povo escolhido no Antigo Testamento podem ilustrar, ao menos em
um ponto, a experiência que pode ser esperada pelos cristãos. E a experiência
Este é um modo abrangente em vez de disjuntivo de ver e pensar. Apreende cristã, como já foi notado, transcenderá aquelas experiências ou eventos origi-
eventos em termos de sua estrutura interna como respostas à ação divina. A ação nais nos quais se baseiam as representações simbólicas.
divina em cada época levava a um reconhecível modelo de reações, e o profeta Partindo da discussão anterior, vemos que os antecedentes simbólicos estão fre-
procurava discernir esse modelo por causa de seus leitores. “Egito” permaneceu quentemente fundidos ou misturados. Essa mistura de simbolismo para as imagens do
um nome distintivo, mas transmitia uma riqueza simbólica de significado não
Apocalipse é, realmente, característica do livro. Portanto, enfatizamos novamente que
limitada pelo contexto original nem desprezadora dele. Por trás desse modo de
ver estava uma postura ontológica distintiva, à qual devemos dar mais atenção em cada caso os significados originais dos materiais antecedentes não foram destruí-
do que geralmente fazemos (MINEAR, 1965–1966, p. 95–96). dos. Nem há uma negação ou minimização dos eventos ou situações históricas alu-
didas nas imagens. Antes, esta mistura de antecedentes simbólicos retrata uma nova
Exemplos dessa dinâmica podem ser facilmente supridos no livro de Apocalipse.
De fato, não seria incorreto declarar que isto representa a maneira básica em que
o simbolismo funciona dentro do Apocalipse. Por exemplo:
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

realidade que transcende qualquer antecedente individual, ou mesmo a combinação deveria ser a aplicação da mensagem; antes, deixe que a própria mensagem seja
de antecedentes, de sorte que o todo excede a soma das partes.15 o guia para o cumprimento histórico.
Sugestões para a interpretação do simbolismo do Apocalipse. Como uma 9. Não procure achar uma aplicação para cada detalhe de um extenso sim-
questão de conveniência, provemos a seguinte lista de sugestões para a interpretação bolismo; em vez disto, obtenha a imagem ou lição principal. Partes de apresen-
dos símbolos do Apocalipse. Esta lista não é abrangente; além disso, o intérprete não tações simbólicas muitas vezes simplesmente completam o quadro.
deve usá-la desajeitadamente, mas deve considerá-la um guia sugestivo para o leitor 10. Reconheça que a extensão de uma apresentação simbólica pode variar
confrontado pelo vasto e enigmático uso de linguagem simbólica no Apocalipse.16 de uma simples metáfora para uma extensa alegoria e que o significado de um
1. Compreenda o símbolo pelo que ele é: uma figura ou sinal que é fluido e símbolo específico pode variar em diferentes contextos.
de natureza representativa.
2. Reconheça as razões para o uso de símbolos na passagem e contexto es- Propósito e tema do Apocalipse
pecífico em estudo.
3. Descubra tanto quanto possível a fonte ou fontes do simbolismo, obser- Determinar o propósito e tema de determinado livro da Bíblia é um dos pro-
vando o significado original e quaisquer significados derivados para a comuni- cedimentos básicos da eficiente interpretação bíblica. Isto é verdade para o Apoc-
dade que agora o está usando. alipse, bem como para qualquer outro escrito da Bíblia. Como regra, os comentaris-
4. Considere o símbolo do ponto de vista do tipo de literatura onde ele tas são cuidadosos em anotar pistas indicando o propósito do escritor e o tema. Mas
ocorre (apocalíptico para o livro de Apocalipse, uma literatura que é caracteri- também tem havido com muita frequência cuidado insuficiente a este respeito com
zada por uma cósmica ênfase escatológica, assinalados contrastes etc.). o livro de Apocalipse. Vejamos o que nos diz o próprio Apocalipse.
5. Note a relação do símbolo com o principal tema que está sendo tratado.
Propósito do Apocalipse
Por exemplo, a mensagem de qualquer uma das sete trombetas deve ser com-
30 O propósito do livro de Apocalipse é apresentado claramente em seu preâm- 31
patível com o tema mais amplo de toda a visão das sete trombetas.
bulo: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos
6. Considere o símbolo dentro do seu contexto literário imediato ou a con-
as coisas que em breve devem acontecer” (1:1).
figuração textual. Também deve haver compatibilidade neste nível.
Em vista desta declaração explícita, é notável que alguns comentaristas
7. Interprete o símbolo em relação com o seu uso convencional. Seu signifi-
afirmem que o Apocalipse não tem nada a dizer acerca de eventos futuros para
cado preciso (dentro do âmbito de sua utilização convencional) deve ser deter-
o tempo de João. Sugerem que o Apocalipse é simplesmente um belo retrato de
minado pelo tema que está sendo tratado e em harmonia com a configuração
Cristo e dos ideais que surgem desse retrato. Um belo retrato de Cristo é real-
textual imediata — os princípios enunciados nos números 5 e 6 acima.
mente apresentado ao longo do Apocalipse, mas negar o propósito declarado do
8. Quando estiver procurando a aplicação histórica, tome cuidado para não
livro em desvendar eventos futuros contradiz sua própria asserção.
tomar a história sob medida a fim de se ajustar a ideias preconcebidas do que
Duplo tema do Apocalipse
O duplo tema do Apocalipse explica mais detalhadamente o propósito da
profecia. Conforme declarado no prólogo e no epílogo, o tema é o seguinte:
15
  Em todo este processo tem ocorrido algo que, usando a terminologia de Austin Farrer, po-
deria ser chamado “um renascimento de imagens”. (Este, de fato, é o título do seu comentário;
Eis que [Cristo] vem com as nuvens, e todo o olho o verá […]. Eu sou o Alfa
ver FARRER, 1970) Contudo, há mais do que renascimento. Conquanto renascimento pudesse
referir-se simplesmente a imagens individuais e também possivelmente a combinações, a fusão e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-
ou mistura para a qual tem sido chamada a atenção envolve uma dinâmica na qual amplas rep- -poderoso (1:7–8).
resentações gráficas levam-nos ao centro das grandes realidades ontológicas e soteriológicas da
teologia do Novo Testamento que são vitais e de interesse para a vida contínua e serviço da Igreja
Cristã.
16
  Esta listagem é quase textual de Strand (1979, p. 29).
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

Eis que venho sem demora, e comigo está o galardão, que tenho para retribuir Um quiasma literário
a cada um segundo as suas obras. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Últi- Devemos permitir que o próprio livro nos dê as indicações para o seu esboço.
mo, o Princípio e o Fim (22:12–13). Quando é seguido este procedimento, um belo e amplo modelo literário para todo
o livro realmente surge do texto. Toma a forma de um quiasma, isto é, um modelo
Segundo Advento. Um importante foco do livro de Apocalipse é o segundo ad- de paralelismo inverso. Os dados de suporte para o esboço não podem ser dados em
vento de Cristo. Nosso Senhor virá para pôr fim ao reino do pecado e tristeza, dor e detalhes aqui, mas algumas observações exigem menção.18
sofrimento, enfermidade e morte. E quando Ele vier, seu galardão estará com Ele — Existe uma importante divisão estrutural entre os capítulos 14 e 15. Um
um justo galardão para recompensar todas as pessoas segundo as suas obras. prólogo e quatro importantes visões precedem essa linha divisória, e qua-
Seu retorno trará a erradicação final do pecado e suas horríveis consequên- tro importantes visões e um epílogo a seguem. O prólogo e o epílogo são
cias de miséria e aflição, destruirá os destruidores da Terra (11:18), e garantirá paralelos um ao outro. Há um paralelismo similar (em ordem inversa) das
uma herança eterna àqueles que têm seguido lealmente em Seus passos. visões da primeira divisão do livro com as visões da última divisão. Veja o
Sempre presente. Mas Cristo também é retratado no Apocalipse como estando diagrama do capítulo 2 deste volume.
sempre presente com seus fiéis seguidores durante toda a sua tribulação no presente. Vemos que as visões antes da pausa no final do capítulo 14 tratam principal-
Ele é o Alfa e o Ômega, Aquele que foi morto, está agora vivo, vive para sempre, e mente da Era Cristã. As visões depois da pausa estão focalizadas na era do juízo
tem as chaves da morte e do Hades (veja 1:17–18). Sua vitória é também nossa escatológico. As visões da primeira parte do livro revelam que a igreja é defeituosa.
vitória, mesmo em face da morte (ver Ap 12:11). Ou como é dito tão formosamente Os santos de Deus são perseguidos, e as forças do mal estão tendo um período de
no livro de Hebreus, Jesus é o “autor e consumador de nossa fé” (Hb 12:2). grande sucesso. Contrastando, as visões que se iniciam com o capítulo 15 revelam
uma mudança radical, de sorte que há gloriosa vitória para os santos de Deus e
Estrutura literária do Apocalipse ruína para os poderes que outrora dominavam sobre eles.
32 Os expositores da Bíblia geralmente tentam determinar não somente o As visões até o capítulo 14 podem ser caracterizadas como a “era histórica”, e 33
propósito e tema de um determinado escritor, mas também o seu procedi- aquelas depois disso como a “era do juízo escatológico”. Na primeira, sai o clamor
mento em desenvolver esse tema. Assim, os comentaristas frequentemente das almas debaixo do altar: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro,
incluem um esboço do livro em estudo. não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (6:9–10). Na
Os comentários do Apocalipse geralmente incluem esboços. Mas quando os última encontramos uma contrapartida na aclamação: “pois [Deus] julgou a grande
comparamos, descobrimos que a maioria é incoerente uns com os outros e fre- meretriz […] e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos” (Ap 19:2).
quentemente incompatíveis com o próprio texto do Apocalipse. Alguns esboços Nas cenas da primeira grande parte de Apocalipse, as visões 2, 3 e 4 revelam
que diferem entre si são, não obstante, mutuamente compatíveis, como tenho sa- uma sucessão de eventos ou desenvolvimentos que alcançam e incluem o segundo
lientado em outra parte, enquanto outros esboços (a maioria deles) simplesmente advento de Cristo. Assim, o último item de cada série nos leva ao ponto culmi-
não se ajustam em um modelo coerente (ver STRAND, 1979, p. 33–41).17 nante escatológico final. Contudo, os eventos antes desse ponto culminante lidam
Não é o nosso propósito chamar a atenção para a variedade de esboços especificamente com a era histórica. Por causa dessa ênfase primária eles podem ser
disponíveis nos comentários de hoje. Antes, desejamos focalizar um esboço corretamente designados como visões da “era histórica”.
específico que surge diretamente do próprio texto do Apocalipse. Subsequente- Na segunda metade do livro as próprias visões manifestam coerentemente a
mente, verificaremos outros padrões literários com uma importante referência perspectiva do juízo escatológico. Todavia, elas incluem duas espécies de mate-
sobre como o Apocalipse deve ser interpretado. rial que pertencem à era histórica: (1) explicações, que necessariamente devem

18
  Para um estudo mais extenso do arranjo literário do Apocalipse e seu impacto sobre a inter-
  Uma variedade de esboços chama a atenção do leitor. Veja também os ensaios do Apêndice
17
pretação, veja os dois próximos capítulos do mesmo autor, “As oito visões básicas”; e “Cenas da
(p. 65, 75–79). ‘Introdução vitoriosa’” (ver STRAND, 1979, p. 43–52; 1983, p. 22–23).
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

ser do próprio ponto do profeta no tempo a fim de serem compreendidas por Seções paralelas. Embora o leitor seja remetido a outro lugar para os dados
ele e seus leitores; e (2) apelos, que obviamente devem ser aplicados no período que apoiam o esboço que temos apresentado (ver STRAND, 1979, p. 45–47),
antes do encerramento da graça humana para que sejam ouvidos. Estes não algumas observações devem ser feitas aqui.
são “encruzilhadas” nas próprias visões, porque o cenário das visões do juízo Primeira, a fim de serem correlativos genuinamente paralelos, as visões de-
escatológico é invariável, começando com as sete últimas pragas e continuando vem apresentar evidência de marcante semelhança em itens mencionados, em
através dos eventos subsequentes até que seja atingido o glorioso ponto culmi- amplos contextos básicos ou configurações. Semelhanças isoladas não são im-
nante na descrição da Nova Jerusalém e da nova Terra. portantes neste aspecto. Mas quando há grupos de semelhanças, então levamos
Quando consideramos esta estrutura quiástica do Apocalipse, imediatamente a sério a possibilidade de correlativos quiásticos.
vemos que ela bem se alinha com o duplo tema declarado no prólogo e no epílogo. Por exemplo, vários expositores têm notado tais grupos entre o prólogo e o
A primeira grande parte do livro (caps. 1–14) lida com a era em que o Alfa e o epílogo. Em cada uma dessas breves seções encontramos menção da mensagem
Ômega é o protetor e mantenedor do Seu povo a despeito das provas e perseguições do livro como sendo enviada por um anjo e referindo-se às coisas que em breve
que podem vir em seu caminho. A segunda grande parte do livro, começando com devem acontecer (1:1; 22:6), referência a João como o receptor da visão (1:9;
o capítulo 15, lida com os juízos escatológicos que se agrupam em torno e se cen- 22:8), menção das “igrejas” (1:4–6; 22:16), e pronúncia de uma bênção sobre
tralizam na consumação da era: o segundo advento de Cristo. aqueles que ouvem as mensagens (1:3; 22:7), bem como a declaração do duplo
tema observado anteriormente (1:7–8; 22:12–13).
Determinando o arranjo literário do Apocalipse Muitos expositores reconhecem que a descrição da Nova Jerusalém-nova
A ampla estrutura quiástica que abrange todo o livro de Apocalipse é vital em Terra nos capítulos finais de Apocalipse evoca (como cumprimento) as promes-
suas implicações teológicas Em primeiro lugar, enfatiza o duplo tema da profecia reg- sas feitas aos vencedores nas mensagens às sete igrejas nos capítulos iniciais.
istrado acima. Ainda mais importante, o esquema habilita o intérprete a reconhecer a Semelhanças entre as visões “parelhas” (o que temos chamado de tema “Êxodo-
34 localização adequada e a ênfase a ser dada aos temas específicos ou principais ideias do-Egito/Queda-de-Babilônia”) frequentemente têm sido notadas tais como alvos 35
teológicas do livro. Consequentemente, podemos examinar mais de perto os procedi- similares para as trombetas e pragas (terra, mar, rios, e fontes etc.), e tema e paralelis-
mentos pelos quais essa estrutura quiástica foi determinada, um procedimento que mos verbais entre os capítulos 12 a 14 e 17 a 18 (uma mulher em cada um; animais
deve guiar na descoberta de todos os padrões literários bíblicos. de sete cabeças e dez chifres; pronunciamentos da queda de Babilônia etc.). Apesar
Derivado do texto. O ponto de fundamental importância, que não pode ser do reconhecimento de tais semelhanças, os estudiosos do Apocalipse geralmente não
enfatizado demais, é que o próprio texto deve ser a fonte e o guia para determi- têm discernido como elas são paralelas umas às outras de uma maneira quiástica.
nar a estrutura literária. No desenvolvimento do modelo esboçado acima, nen- Menos frequentemente observado pelos comentaristas é o paralelismo quiás-
huma outra consideração estava envolvida, porque a hermenêutica adequada tico entre Apocalipse 4:1 a 8:1 e 19:1 a 21:4. Mas estas duas seções também têm gru-
requer que retiremos do texto o seu modelo. Mesmo a existência do principal pos de similaridades. Ambas têm um cenário em que Deus está assentado sobre um
quiasma tinha de ser vista no próprio texto do Apocalipse. trono, circundado por quatro seres viventes e vinte e quatro anciãos. Nesse cenário
Muitos estudiosos não tinham considerado a possibilidade de uma estrutura ambas têm aclamações e antífonas semelhantes de louvor a Deus e ao Cordeiro.
quiástica em Apocalipse até minha própria descoberta ao longo de um período Na última visão vem a resposta ao clamor dos mártires da primeira visão,
de vários anos durante a década de 1950. Hoje, vários pesquisadores estão agora relacionando-se a Deus como “julgando” e “vingando-os”. Um cavaleiro em um
alerta a isto, inclusive C. M. Maxwell, que tem utilizado meu esboço com ligeiras cavalo branco é retratado em ambas as visões. Desgraça vem aos “reis da terra”
adaptações como a estrutura básica do Apocalipse no volume 2 da sua obra (ver n. e a outros grupos especificados. É feita referência às bênçãos da habitação de
3). No processo da descoberta, certos paralelismos no próprio texto continuaram Deus com o Seu povo e ”enxugando todas as lágrimas de seus olhos” etc.
me confrontando; estes finalmente levaram ao esboço descrito acima. Certamente tal abundância de semelhanças significativas entre duas visões
indica que elas são correlativas. Quando colocadas em posição com outros
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pares de visões que têm relações semelhantes (conforme indicadas no próprio capítulo 14. Este modelo quádruplo (ou série de modelos) pode ser ilustrado
texto bíblico), aparece a estrutura quiástica geral do Apocalipse. como no gráfico da página 34.
Nas primeiras três visões da série da era do “juízo escatológico” (Ap 15–
Outros quiasmas em Apocalipse 21:4), existe um tipo semelhante de modelo quádruplo, adaptado, é claro, ao
O Apocalipse, além disso, contém outros modelos quiásticos literários além que é apropriado para essa era específica. Embora esteja além do nosso escopo
dos principais que temos discutido. Estes podem abranger capítulos múltiplos, esquematizar essas visões, notamos que a segunda seção delas pode ser denom-
cobrir um capítulo (Ap 18, por exemplo), ou ocorrer em seções ainda mais inada “A progressão julgadora”, e a terceira seção provê “Apelos”.19
breves. Aqui apresentamos um destes como exemplo. Abrange certos itens e Resumindo, concluímos que o Apocalipse tem um notável equilíbrio em
uma dinâmica específica nos capítulos 12 a 20. seus padrões literários. Como nota final, devemos observar que as cenas
Muitos expositores creem que uma linha divisória básica no Apocalipse introdutórias às oito visões são colocadas em um contexto do templo ou
ocorre entre os capítulos 11 e 12. Um motivo é que os capítulos 12 e 13 intro- abrangem imagens do templo. Basta salientar que este “cenário do templo”
duzem o que parece ser um novo elemento, a saber, a trindade antidivina do para as cenas da “Introdução vitoriosa” provê um dos meios pelos quais é
dragão, a besta do mar e a besta da terra. Portanto, deve o livro ser dividido retratada a forte “continuidade vertical” do Apocalipse.
neste ponto em vez de entre os capítulos 14 e 15?
Está claro do texto bíblico que as visões até o capítulo 14 são de fato da Estrutura literária e interpretação
“era histórica” (com três delas culminando no segundo advento de Cristo), en- Embora outros fatores além da estrutura literária do Apocalipse exerçam
quanto as visões subsequentes são colocadas em um cenário depois do término impacto sobre sua interpretação, um eficiente procedimento de estudo não
da graça humana. Contudo, a própria descrição da trindade antidivina mais deve excluir a sua entrada. De fato, a estrutura básica e outros padrões que te-
“Babilônia” e os adoradores da besta revela um quiasma. mos indicado acima proveem importantes diretrizes para a interpretação.
36 Nesta série as entidades descritas entram em cena durante a era histórica Primeira, a estrutura literária indica que qualquer interpretação que faz 37
na ordem de: as mensagens do Apocalipse ou inteiramente históricas ou inteiramente es-
1. O dragão (cap. 12). catológicas é incorreta, porque o livro está dividido em grandes partes que
2. A besta do mar e a besta da terra ou “falso profeta” (cap. 13). são históricas e escatológicas, respectivamente.
3. Babilônia (14:8). Segunda, absolutamente nenhum método linear de interpretação expondo uma
4. Os adoradores da besta (14:9–11). cadeia de eventos ou desenvolvimentos completamente sequencial é válida, quer
Eles encontram sua condenação durante a era do juízo escatológico na exa- isto seja do ponto de vista preterista, contínuo histórico (historicista), ou futurista.
ta ordem inversa de: Porque se o livro deve ser realmente dividido no final do capítulo 14 em divisões
4. Os adoradores da besta (16:2). históricas e escatológicas, esse arranjo literário quiástico torna suspeita qualquer
3. Babilônia (16:19–18:24). interpretação que cruza a linha divisória com uma contínua sequência de eventos
2. A besta do mar e o falso profeta (19:20). em “fileira cerrada”. Isto é verdade quer a sequência seja considerada como tendo
1. O dragão (20:1–10). cumprimento no mundo antigo, em uma contínua corrente de eventos ao longo da
O ponto significativo a notar aqui é que a linha divisória entre a era quando Era Cristã, ou em uma série de eventos ainda futura.
eles têm soberania e quando eles encontram sua condenação vem precisamente Terceira, as evidências para recapitulação em Apocalipse (compare as estruturas
quando ocorre a pausa quiástica para todo o livro no final do capítulo 14. literárias em paralelo mencionadas acima) tornam razoável admitir que dentro de
cada parte principal do Apocalipse o mesmo terreno geral é coberto em sequências
Padrões que revelam sequência repetidas (ao menos de alguma maneira recapitulacionista ou sobreposta). Assim,
Na seção da era histórica do livro de Apocalipse há um padrão literário
repetido no mínimo três vezes. Inicia-se com o capítulo 4 e termina com o
  Veja os caps. 2 e 3 deste volume com seus diagramas anexos.
19
Estudos selecionados em interpretação profética Princípios fundamentais de interpretação

a mesma era ou cenário histórico é visto de diferentes perspectivas ou em aspectos _____________. Apocalyptic, Apocalypse. In: HARRISON, E. F. (Ed.). Baker’s dictio-
divergentes nas quatro visões que formam a primeira divisão do livro. nary of theology. Grand Rapids: Baker Book House, 1960.
Quarta, devemos interpretar uma dada seção de materiais segundo sua
localização na principal estrutura quiástica do livro. Por exemplo, o chamado
_____________. The blessed hope: a biblical study of the second advent and the rapture.
ponto de vista “amilenarista”, que equipara o período de mil anos de Apocalipse
Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1956.
20 com a Era Cristã, é refutado pelo fato de que João o coloca diretamente den-
tro da série de visões do “juízo escatológico”.
Finalmente, não deve ser ignorado que a divisão do livro em duas grandes LINDSAY, H. There’s a New World Coming. Santa Ana: Random House, 1973.
partes com subseções análogas pode guiar-nos em torno de uma adequada in-
terpretação de passagens específicas. Além disso, sempre que uma passagem em
uma das divisões do Apocalipse é compreendida, ela pode fornecer pistas com MAXWELL, C. M. God cares: the message of Revelation to you and your family. Boise:
respeito ao significado da passagem correlativa na outra divisão do livro. Pacific Press Publishing Association, 1985. v. 2.

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_____________. Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Pu-


blicadora Brasileira, 2000.

O livro de Apocalipse é uma


40 peça literária notavelmente bem
construída, contendo uma multi-
plicidade de padrões perfeitamente
entrelaçados. Tais padrões são
mais do que simplesmente demon-
strações de gosto estético e ha-
bilidade de composição, e também
transcendem o propósito útil de
servir como artifícios mnemônicos.

1
  Reimpresso com permissão da Andrews
University Seminary Studies (v. 25 de 1987),
sob o título “The Eight Basic Visions in
the Book of Revelation.”
Estudos selecionados em interpretação profética As oito

Diagrama 1. A estrutura Quiastica do livro de Apocalipse

III IV V VI
II 8:2 - 11:18 11:19 - 14:20 15:1 - 16:17 16:18 - 18:24
VII
Anúncio das Poder do mal “Taças da Poderes do
I 4:1 - 8:1 19:1 - 21:4 VIII
trombetas se opondo a ira de Deus” mal julgados
O trabalho Deus e os seus por Deus Julgamento
Prólogo 1:10b - 3:22 21:5 - 22:5 Epílogo
contínuo santos final de Deus
“Igreja (As últimas 7 “A Igreja
1:1 - 10a de Deus na (7 Trombetas) 22:6-21
Militante” pragas) triunfante”
Salvaçao (2º advento de
“Êxodo” | “Queda de Babilônia” “Êxodo” | “Queda de Babilônia” Cristo, o milênio, (“Novo céu e
(Igreja na (7 selos) o julgamento do Nova Terra”;
terra: as 7 trono branco) Cidade santa e
igrejas) nova Jeusalém)

Realmente, de maneira direta e eficaz, enfatizam vários aspectos da mensagem sete, como têm defendido vários intérpretes. 3 Concernente ao segundo
42 teológica do livro. item, várias ressalvas devem ser notadas: da segunda à quarta visões, cada
43
Em escopo mais amplo, todo o Apocalipse está estruturado em um modelo sequência histórica conclui com uma seção que retrata o tempo do juízo
quiástico geral em que prólogo e epílogo são correlativos e em que as grandes escatológico; e nas visões subsequentes, que em sua essência provê uma
sequências ou visões proféticas intervenientes são também emparelhadas em ampliação sobre a era do juízo escatológico, há dois tipos de material que
uma ordem quiástica ou inversa. Esta ampla estrutura quiástica e seu signifi- pertencem à era histórica — explicações (que obviamente devem ser fei-
cado eu tenho tratado em várias ocasiões anteriores (ver STRAND, 1969, p. 43- tas em termos da própria perspectiva do profeta na história) e exortações
51; 1979; 1983, p. 22-23),2 e elas não precisam de detalhes para nossos propósi- ou apelos (que têm valor somente antes do juízo escatológico e que, é
tos aqui, exceto a menção de duas características específicas: (1) Com exceção claro, seriam sem sentido no próprio tempo do juízo final escatológico).
do prólogo e do epílogo, há oito grandes sequências proféticas — quatro que Estas ressalvas concernentes às “exceções” ao principal objetivo ou alcance
precedem e quatro que seguem uma linha traçada entre os capítulos 14 e 15. (2) das visões em cada lado da linha divisória quiástica não devem, porém,
As visões que precedem a linha divisória quiástica têm basicamente uma per-
spectiva histórica (isto é, elas se relacionam com a Era Cristã), e as visões que
seguem a linha divisória quiástica retratam a era do juízo escatológico. 3
  Tais intérpretes têm evidentemente chegado à conclusão de que sendo que “sete” é um núme-
ro-símbolo significativo no Apocalipse — ocorrendo, por exemplo, em quatro septetos explícitos
Com respeito ao primeiro item acima, deve ser enfatizado que exis-
(as igrejas, selos, trombetas e taças) — também supostamente existe um total de sete visões bási-
tem realmente oito grandes sequências proféticas no Apocalipse, e não cas. Para exemplos da abordagem das sete visões, veja Ernst Lohmeyer (1926), John Wick Bow-
man (1955; 1981, v. 4) e Thomas S. Kepler (1957). Lohmeyer e Bowman também acham septetos
dentro de todas as suas sete principais visões, embora não haja acordo entre eles mesmo quanto
2
  Veja especialmente a discussão o diagrama em 52 no Livro Interpreting the Book of Revelation. a essas sete visões. Kepler, por outro lado, acha apenas um total de dez subseções (chamadas
As divisões exatas entre blocos de texto no Apocalipse em vários exemplos têm sido ligeiramente “cenas”) dentro de suas sete grandes visões (grandes visões cujos limites textuais variam apenas
modificadas no presente artigo da maneira como elas têm sido dadas em publicações anteriores. ligeiramente das sete grandes visões esboçadas por Bowman).
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Diagrama 2. Estruturas paralelas nas 8 maiores visões de Apocalipse


I II III IV V VI VII VIII
Victorious- Victorious- Victorious- Victorious- Victorious- Victorious- Victorious- Victorious-
introduction introduction introduction introduction introduction introduction introduction introduction
A scene scene scene scene scene scene scene scene A

Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic
Description Description Description Description Description Description Description Description
B B

Interlude Interlude Interlude Interlude Interlude Interlude

D
C

Eschatological Eschatological Eschatological Eschatological Eschatological Eschatological


44 Culmination Culmination Culmination Culmination Culmination Culmination 45
E D

ser consideradas como materiais de “cruzamento”. Esses dados são partes ensaio analisa brevemente alguns modelos paralelos nas oito grandes visões
importantes de suas próprias sequências, estão na devida posição e falam do livro de Apocalipse. Então um estudo acompanhante4 focalizará um pou-
significativamente aos contextos em que são encontrados. Além disso, co mais intensamente os específicos blocos de texto que introduzem essas
são unidades distintas e significativas quanto à natureza, colocação e/ou oito visões e que podem ser designados como “cenas da introdução vito-
propósito, dentro de suas próprias visões específicas. riosa”, na medida em que provêem para cada visão um ambiente que retrata
Por razões práticas, a estrutura quiástica abrangente de Apocalipse em de forma dramática o presente cuidado de Deus por seu povo e dá certeza
prólogo, epílogo e oito visões é apresentada em forma de esboço no dia- da vitória final para os “santos” ou “leais” de Cristo. Para fins de identi-
grama 1, que inclui também minhas sugestões quanto aos limites textuais ficação no presente artigo, os algarismos romanos (I, II etc.) continuarão
e assuntos gerais das várias visões. Neste diagrama e ao longo do restante sendo usados, como no diagrama 1, para designar as oito visões. Cada visão,
da discussão neste artigo, o termo “visões” se referirá a estas oito sequên- porém, tem ou duas ou quatro principais seções ou blocos de texto, e letras
cias proféticas completas, não a experiências visionárias individuais de maiúsculas (A, B etc.) servirão como identificadores para estes.
menor extensão. Outrossim, os algarismos romanos serão usados para
identificar as visões em sequência.
O presente estudo tem duas grandes finalidades, e os dados pertencentes
a cada uma destas serão apresentados em artigos separados. Primeira, o   Isto aparece como capítulo 3 neste volume.
4
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1. Análise dos padrões dentro das oito visões As visões históricas


A primeira e a visão final (I e VIII) do Apocalipse são compostas de uma “Cena
da introdução vitoriosa” (A), mais outro grande bloco de texto (B) que pode ser Visão I, 1:10b–3:22
chamado a “descrição profética básica”. As outras seis visões (II-VII) têm estes mes- Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 1:10b-20. Cristo aparece a João em
mos dois blocos, mas com a adição de dois outros blocos (C e D). Patmos como o que vive para sempre e Todo-poderoso, que caminha entre os
Neste ensaio, os terceiros blocos de texto da segunda até a sétima visões sete candeeiros de ouro que representam as sete igrejas.
são fornecidas as legendas básicas do “Interlúdio” — um termo muito reg- Bloco B, descrição profética básica, capítulos 2 e 3. Cristo dá mensagens
ularmente aplicado pelos exegetas para estas seções específicas nas visões de aprovação, reprovação, advertência e exortação a igrejas individuais como
II, III e IV, mas igualmente aplicáveis às correspondentes (porém muito necessitam suas variadas condições.
mais breves) seções nas visões V, VI e VII. Deve ser notado, porém, que
embora o termo “interlúdio” frequentemente sugira uma interrupção ou Visão II, 4:1–8:1
hiato dentro do fluxo do pensamento, o que fazem estes terceiros blocos Bloco A, cena da introdução vitoriosa, capítulos 4 e 5. João vê um trono
de material nas visões IV-VII do Apocalipse é realçar ou intensificar o armado no Céu, com um mar de vidro e sete lâmpadas de fogo diante do trono,
objetivo do material que precede imediatamente. 5 O quarto bloco pode ser e com quatro seres viventes e vinte e quatro anciãos ao redor do trono. Em
designado como a “culminação escatológica”; e em certo sentido, ele e o uma cena dramática e repleta de suspense é feita a declaração de que somente
“interlúdio” precedente são realmente uma extensão da “descrição profé- o Cordeiro morto é digno de tomar da mão dAquele que estava assentado no
tica básica” iniciada no segundo bloco. trono um livro selado com sete selos e abrir o livro e desatar os selos. Então o
Embora seja necessário posteriormente neste artigo adicionar certos Cordeiro toma o livro, e antífonas de louvor ascendem dos quatro seres viventes,
46 refinamentos para a análise básica precedente, a esta altura devemos re- dos vinte e quatro anciãos e de todo o Universo. 47
sumir em forma de diagrama os resultados alcançados até aqui. Tal re- Bloco B, descrição profética básica, capítulo 6. Os primeiros seis selos
sumo é provido no diagrama 2. do livro são abertos, com o resultado de que saem os quatro cavaleiros, almas
debaixo do altar pronunciam um clamor de “Até quando” até que há julgamento
e vindicação para elas, e são dados sinais na Terra e no céu do juízo iminente.
2. Resumo dos conteúdos das visões
Bloco C, interlúdio, capítulo 7. A sequência é “interrompida” para fo-
Nesta conjuntura é útil ter uma visão geral do conteúdo de cada uma calizar o selamento dos 144.000 durante o fim dos tempos.
das oito visões. Os resumos aqui apresentados seguem as linhas gerais Bloco D, culminação escatológica, 8:1. O sétimo selo é aberto, ante o qual
há “silêncio no céu” pela duração de meia hora.
da estrutura indicada acima. Deve ser enfatizado que estes são realmente
sumários, e o leitor pode preencher os detalhes consultando os textos in- Visão III, 8:2–11:18
dicados para cada uma das visões. Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 8:2-6. Aparecem sete anjos com
trombetas, e outro anjo se dirige ao altar de ouro e ali oferece incenso cuja
fumaça, misturada com as orações dos santos, ascende a Deus. Em seguida, o
anjo enche um incensário com brasas vivas do altar e o lança sobre a Terra, re-
sultando nos símbolos de juízo de vozes, trovões, relâmpagos e terremoto.
Bloco B, descrição profética básica, 8:7–9:21. As primeiras seis trombetas
são tocadas e liberam forças devastadoras que abrangem os simbolismos de
5
  Paul S. Minear (1968, p. 150) tem falado acerbamente sobre este assunto em conexão com o
uma tempestade de saraiva sobre a Terra, uma grande montanha que ardia em
“interlúdio” que ocorre em 16:15.
chamas foi atirada no mar, etc. As primeiras cinco dessas trombetas evocam
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imagens das pragas sobre o antigo Egito, mas a sexta trombeta muda o cenário Bloco D, Culminação Escatológica, 14:14-20. É ceifada a dupla seara
para Babilônia pela menção do “grande rio Eufrates” em 9:14.6 da terra — (1) a colheita do trigo, e (2) as uvas que são lançadas no grande
Bloco C, interlúdio, 10:1–11:13. Um anjo segurando um livrinho aberto lagar da ira de Deus.
anuncia (10:6) que “já não haverá demora.”7 João recebe a ordem de comer o
livro e assim o faz, achando-o doce na boca e amargo no estômago; o profeta As visões do juízo escatológico
é então instruído a medir o templo, o altar e o povo (uma alusão direta, como
tenho mostrado em outro lugar, ao ritual do Dia da Expia- ção do final de ano
Visão V, 15:1–16:17
na antiga religião judaica (STRAND, 1984, p. 317-325); e são descritos o teste-
Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 15:1–16:1. Os santos vitoriosos estão
munho e o ministério das duas testemunhas.
sobre o mar de vidro e cantam o Cântico de Moisés e do Cordeiro, e quando o “san-
Bloco D, culminação escatológica, 11:14-18. É tocada a sétima trombeta,
tuário do tabernáculo do testemunho” é aberto no Céu, sete anjos saem e recebem
resultando no anúncio de que “o reino do mundo se tornou de nosso Senhor e
sete taças “cheias da ira de Deus”, a fumaça enche o templo de sorte que ninguém
do seu Cristo”, então se ergue uma antífona de louvor, enfatizando, entre outras
pode entrar até que as sete pragas dos sete anjos fossem cumpridas, e finalmente é
coisas, que chegou o tempo para o julgamento dos mortos, para o galardão dos
dada instrução aos anjos para que saíssem e derramassem as sete taças.
santos, e para destruir “os que destroem a terra.”
Bloco B, descrição profética básica, 16:2-14. São derramadas as primeiras seis
Visão IV, 11:19–14:20 taças da ira, com efeitos devastadores sobre a terra, mar, rios e fontes etc. (Nova-
Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 11:19. “O templo de Deus foi aber- mente, como no septeto das trombetas, as imagens para as cinco primeiras taças são
to no céu”, tornando visível “a arca da sua Aliança”; então ocorrem “relâmpagos, modeladas segundo as pragas do antigo Egito, com a cena mudando para Babilônia
vozes, trovões, terremoto e grande saraivada.” ao se referir a sexta taça ao “grande rio Eufrates em 16:12.)
48 Bloco B, descrição profética básica, capítulos 12 e 13. O dragão, a Bloco C, interlúdio, 16:15. Na descrição da sexta taça — a secagem do rio Eu- 49
besta do mar semelhante ao leopardo e a besta da terra de dois chifres frates e a presença de espíritos demoníacos que enganam os reis da Terra e os con-
perseguem o povo de Deus. duzem à “batalha do grande dia do Deus Todo-poderoso” (16:12-14) — é inserido
Bloco C, interlúdio, 14:1-13. João vê (1) o Cordeiro e os 144.000 santos um impressionante macarismo no verso 15: “Eis que venho como vem o ladrão.
vitoriosos em pé sobre o monte Sião, e (2) três anjos voando no céu e procla- Bem-aventurado aquele que vigia.” Então segue-se um comentário acrescentado no
mando mensagens de advertência. sentido de que o local da batalha é chamado “Armagedom” (v. 16).
Sendo que mudamos para a seção do Apocalipse que provê visões do juízo
escatológico, em vez de pertencer à era histórica, é óbvio que um novo tipo de
“interlúdio” pode ser esperado, como é realmente o caso aqui. Os interlúdios an-
teriores foram descrições de eventos ou condições um tanto detalhadas durante
uma porção final da era histórica. Os interlúdios que ocorrem nas visões V-VII
6
  O fenômeno aqui encontrado pode ser denominado o tema “Êxodo-do-Egito”/”Queda-de- são antes de uma natureza incisiva, exortatória.
Babilônia”. Ocorre duas vezes, em cada exemplo abrangendo duas visões completas. A primeira Pode surgir a pergunta: Por que tais interlúdios aqui? Para este especial de
ocorrência é Ap 8:2–14:20 inclusive, e a segunda é Ap 15:1–18:24 inclusive (ver STRAND, 1981,
p. 128-29). Apocalipse 16:15, Paul S. Minear tem salientado apropriadamente: “A afirmação
7
  A diferença na tradução não é realmente tão significativa como a princípio poderia parecer. A revela o terrível perigo em que está o cristão desavisado. Se alguém pergunta com
passagem é uma óbvia alusão ao livro de Daniel que deveria permanecer selado até “o tempo do R. H. Charles: ‘Como poderia alguém dormir durante os terremotos cósmicos que
fim” (Dn 12:4; cf. Ap 10:2) e a interrogação feita por Daniel, “Até quando...?” (Dn 12:6). Qualquer estavam acontecendo?’ pode-se responder: ‘Isto é apenas o ponto.’ Havia cristãos
tradução desta declaração específica em Ap 10:6 bem se ajusta como uma resposta à pergunta
dormindo, assim João acreditava, muito imperturbáveis por barulho ou destru-
feita por Daniel, e realmente é uma proclamação enfática da chegada do período do fim do tempo
projetado — “um tempo, dois tempos, e metade de um tempo” (Dn 12:7). O grego desta última ição, inconscientes do que estava acontecendo que poderia ameaçar o seu tesouro
cláusula de Ap 10:6 diz, hoti kronos ouketi estai. (Cf. o “até quando” de Dn 8:13.) ou deixá-los expostos e nus. Estar dormindo era estar inconsciente da urgente
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necessidade do momento. (Compare com os discípulos em Getsêmani — Mc Babilônia pelo fogo; e a seção final do capítulo (v. 21-24) enfatiza a condenação de
14:26-42.) A beatitude era designada para sentinelas que haviam se esquecido de Babilônia e sua condição inteiramente desolada após o juízo divino sobre ela.
que uma guerra estava sendo travada” (MINEAR, 1968, p. 150).
Bloco D, Culminação Escatológica, 16:17. É derramada a sétima taça da Visão VII, 19:1–21:4
ira, e sai do trono no templo do céu a declaração: “Está feito!” Bloco A, Cena da Introdução Vitoriosa, 19:1-10. N cenário celestial que
é paralelo ao cenário dado no capítulo 4, antífonas sobem em louvor a Deus
Visão VI, 16:18–18:24 por ter Ele julgado a grande prostituta Babilônia e vindicado o povo de Deus;
Bloco A, Cena da Introdução Vitoriosa, 16:18–17:3a. Ocorrem os sinais então é feita referência à esposa do Cordeiro estando pronta para as bodas, e
tradicionais de juízo (vozes, trovões, relâmpagos, terremoto e saraivada) e a uma bênção é pronunciada sobre aqueles que são “convidados para a ceia das
“grande Babilônia” entra em “lembrança julgadora” diante de Deus. João é então bodas do Cordeiro.” (Deve ser notado que embora o cenário do templo celestial
levado ao deserto para ver esse julgamento contra Babilônia. dos capítulos 4 a 5 e do capítulo 19 seja o mesmo, há diferença com respeito à
Bloco B, Básica Descrição Profética, 17:3b–18;3. A descrição de Babilônia atividade e perspectiva — um fato também deixado claro pelo conteúdo das
como uma prostituta e também da besta cor de escarlate com sete cabeças e dez antífonas nas duas visões. A primeira visão pertence claramente à era histórica,
chifres sobre a qual ela se assenta é introduzida nos primeiros versos do capítulo e esta se refere da mesma forma claramente à era do juízo escatológico.
17 (v. 3b-8). Esta cena descritiva é seguida por considerável detalhe explicativo Bloco B, Básica Descrição Profética, 19:11–20:5. O segundo advento de
(v. 9-18) que culmina em uma referência à devastação da prostituta pelos dez Cristo é dramaticamente retratado, e são dadas as consequências dele. Ente os
chifres da besta (v. 16-17) e a identificação dessa meretriz como a grande cidade resultados negativos enumerados estão o banquete das aves consistindo dos in-
que reina sobre os reis da terra (v. 18). Nos primeiros três versos do capítulo 18, imigos de Deus (19:17-18), a sorte do lago de fogo para a besta e o falso profeta
uma narração de vários aspectos da corrupção de Babilônia prepara o terreno (19:19-20), e o aprisionamento de Satanás no “abismo” por mil anos (20:1-3).
50 para o apelo do interlúdio e a descrição da destruição que segue. Do lado positivo está a primeira ressurreição, em que ressurgem os santos mar- 51
Bloco C, Interlúdio, 18:4-8, 20. Antes da descrição real da devastação de tirizados. Eles então vivem e reinam com Cristo durante mil anos (20:4-5).
Babilônia pelo fogo, é feito um apelo ao povo de Deus para “sair” de Babilônia, Bloco C, Interlúdio, 20:6. “Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte
para que não se tornem participantes de seus pecados e receptores de suas pra- na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade...”
gas. Nesta conexão há também uma reiteração, de forma detalhada, do decreto Bloco D, Culminação Escatológica, 20:7–21-14. São apresentados os
divino de juízo contra Babilônia.Visto que na estrutura quiástica do material do eventos culminantes do final dos mil anos. Do lado negativo estão a soltura de
capítulo 18, verso 20 há um correlativo quiástico dos versos 4-8 (SHEA, 1982, Satanás, o ressurgimento de sua obra enganadora, o vão esforço de sua confed-
p. 249-256; STRAND, 1982, p. 53-60), ambos estes “interlúdios” dentro deste eração maligna para se apoderar do “acampamento dos santos”, e a destruição
quiasmo específico devem provavelmente ser considerados como o “interlúdio” final dessa confederação no fogo. Do lado positivo está a visão de João de “novo
total para a maior sequência de 17:3b–18:24. O verso 20 faz um chamado ao re- céu e nova terra”, com a cidade santa, a Nova Jerusalém descendo do Céu para
gozijo pelo fato de que Deus tem proclamado o juízo contra a própria Babilônia a Terra, e o próprio Deus habitando com o Seu povo.
que havia se imposto sobre o povo de Deus (ver STRAND, 1981, p. 55-59).8
Bloco D, Culminação Escatológica, 18:9-19, 21-24. A seção central do capítulo Visão VIII, 21:5–22:5
18 (v. 9-19) retrata, através de uma tríplice lamentação, a desolação completa de Bloco A, Cena da Introdução Vitoriosa, 21:5-11a. É feita a proclamação
de que os vitoriosos de Cristo herdarão todas as coisas, e João vê a cidade santa,
a Nova Jerusalém, descendo do Céu para a Terra. (Como um pano de fundo, a
seção final da visão precedente já retratou a condição da Terra depois da desci-
8
  Para uma tradução atualizada e mais literal de Apocalipse 18:20b, veja Strand (1986, p. 43-45). da da Nova Jerusalém (21:1-4).
No contexto de Apocalipse 18:4-8 e o v. 20 está a lei do testemunho malicioso (ver Dt 19:16-19;
veja também Et 7:9-10).
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Bloco B, Básica Descrição Profética, 21:11b–22:5. A santa cidade, Nova Quanto aos terceiros blocos de texto (C), nas visões II-IV a designação
Jerusalém, é descrita em detalhes. básica de “Interlúdio” pode igualmente ser complementada com uma frase
adicional — “Projetando os Últimos Eventos” (significando antes do segundo
3. OUTRA ANÁLISE DOS BLOCOS DE TEXTO A, B, advento de Cristo), visto que o “Interlúdio” em cada exemplo se estende sobre
CeD o período de tempo pouco antes da culminação escatológica. Para as visões V-
VII a frase adicional “Exortação ou Apelo’ é apropriada, porque os terrores das
Com o fundo anterior, podemos agora proceder a algumas outras gen- cenas do juízo final são “interrompidos” a fim de prover breves blocos de texto
eralizações sobre a natureza das respectivas seções (A, B, etc.) dentro das apresentando incentivo à fidelidade e/ou apelos ao arrependimento. (Em dois
oito visões. Além disso, podemos sugerir anotações adicionais para as desses exemplos de exortação ou apelo, o interlúdio é lançado, como já temos
legendas para estes blocos de texto, além do que já tem sido indicado nas visto, basicamente na forma de um macarismo — 16:15 e 20:4.)
seções anteriores deste artigo e no diagrama 2. As seções sobre “Culminação Escatológica” (os blocos D), todas pertencem à
Ao considerarmos a “Cena da Introdução Vitoriosa” para cada uma das consumação escatológica final, como foi observado antes, mas aquelas seções con-
oito visões, descobrimos que há sempre um cenário básico do templo e/ou clusivas para as visões II-IV provêem uma conclusão climática para as séries que se
algum tipo de imagem de fundo do templo.9 Portanto, nossas legendas de relacionam com a era histórica, enquanto que aquelas para as visões V-VII tratam
“Cena da Introdução Vitoriosa” (bloco A) pode agora ser complementada especificamente da porção final ou terminal da série juízo escatológico já em de-
com a frase “Com o Cenário do Templo”. senvolvimento nas seções anteriores daquelas visões. Os blocos D para as visões
Quanto ao segundo até o quarto blocos de texto (blocos B, C e D), II-IV podem, portanto, ser designados como “Culminação Escatológica: Clímax na
a diferença em perspectiva deve ser notada entre as visões que precedem a História; e os blocos D para as visões V-VII podem ser denominados “Culminação
linha divisória quiástica (visões I-IV) e a visão que a segue (visões V-VII). Escatológica: O Juízo Final”. O diagrama 3 (da página seguinte) incorpora os refi-
52 Com respeito às primeiras, a “Básica Descrição Profética” está dentro da namentos acima mencionados para os dados fornecidos no diagrama 2, e também 53
arena histórica; no tocante às últimas, o material da visão básica dos blocos inclui minhas sugestões quanto aos limites textuais para os blocos de material con-
B pertence ao juízo final ou escatológico. Portanto, para as visões I-IV a forme apresentados na segunda seção do presente artigo.
“Básica Descrição Profética” necessita a qualificação adicional “na História”;
e para as visões V-VIII esta qualificação seria “no Juízo Final”. 4. CONCLUSÃO
Neste artigo, temos observado que há uma muito coerente e equilibrada es-
trutura literária no livro de Apocalipse. Essa estrutura não tem somente valores
9
  Em alguns casos o templo celestial é mencionado explicitamente, como nas cenas introdu-
tórias às visões IV e V; e em outros casos, a alusão ao mobiliário do templo fornece evidência de ou qualidades estéticas e mnemônicas, mas também apela significativamente
um cenário do templo, embora a palavra “templo” não ocorra, como nas cenas para as visões I, para a mensagem teológica do livro. Vários aspectos da teologia serão trata-
II e III. As únicas cenas introdutórias que não têm um indício tão óbvio às imagens do templo dos em um artigo subsequente que explorará com mais detalhes as “cenas da
são aquelas para as visões VI e VIII. No caso da primeira, existe, porém, no verso precedente introdução vitoriosa” para as oito visões, mas um significativo foco teológico
(16:17, a taça da praga final, mas também um “um elemento oscilante” ao que segue) a menção
de uma voz “do templo do céu, do trono.” Com respeito à visão VIII, há referência Àquele que
pode ser aqui mencionado. A ampla estrutura quiástica em si enfatiza um du-
“se assentava sobre o trono” — identificado anteriormente como Deus em Seu templo (cf., ex., plo tema que inclui e apóia as várias mensagens do livro — (1) que Cristo é o
4:2-11; 19:1-5); e além disso, o bloco de texto imediatamente precedente (novamente um tipo Alfa e o Ômega, e (2) que Ele retornará no final da era para recompensar todas
de “elemento oscilante”) se refere a Deus como “habitando” na “Nova Terra”/”Nova Jerusalém” as pessoas segundo as suas obras (Ap 1:7-8 e 22:12-13). Em outras palavras,
com Seu povo (21:3). Adicionalmente deve ser notado que o bloco de texto seguinte, ou “Básica
Descrição Profética” para a visão VIII, declara que o templo na cidade santa Nova Jerusalém “é o
Senhor Deus Todo-poderoso e o Cordeiro” (21:22). Meu segundo artigo desta série explicará com
mais detalhes a natureza e o significado teológico das imagens do templo que aparece nas cenas
introdutórias às oito grandes visões do Apocalipse.
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Diagrama 3. Visão geral da estrutura e conteúdo do Apocalipse

Historical-Era Visions Eschatological-Judgment-Era Visions

I II III IV V VI VII VIII


Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
A cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo A

(1:10b-20) (caps. 4 e 5) (8:2-6) (11:19) (15:1 - 16:1) (16:18 - 17:3a) (19:1-10) (21:5-11a)
Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição
profética na profética na profética na profética na profética no profética no profética no profética no
B história história história história julgamento final julgamento final julgamento final julgamento final B

(caps. 2 e 3) (cap. 6) (8:7-9:21) (caps. 12 e 13) (16:2-14,16) (17:3b - 18:3) (19:11 - 20:5) (21:11b - 22:5)
Interludio Interludio Interludio Interludio Interludio Interludio
Enfoque nos Enfoque nos Enfoque nos Exortação Exortação Exortação
D enventos finais enventos finais enventos finais ou apelo ou apelo ou apelo C
54 (cap. 7) (10:1 - 11:13) (14:1-13) (16:15) (18:4-8, 20) (20:6) 55
Culminação Culminação Culminação Culminação Culminação Culminação
escatológica: escatológica: escatológica: escatológica: escatológica: escatológica:
E Clímax para a história Clímax para a história Clímax para a história Final julgador Final julgador Final julgador D

(8:1) (11:14-18) (14:14-20) (16:17) (18:9-19, 21-24) (20:7 - 21:4)

Ele é um auxílio e apoio coerente, fidedigno e sempre presente para Seus fiéis proféticas que precedem a linha divisória quiástica tratam principalmente do
durante esta era de adversidade para eles (cf. Ap 1:17-18; Mt 28:20b; Jo 16:33; primeiro aspecto, e as quatro grandes visões subsequentes a essa linha divisória
Hb 12:2a; 13:8); e Ele retornará pessoalmente para anunciar a série de even- são dedicadas principalmente ao segundo aspecto.
tos que destruirá os “destruidores da terra” e que proverá para Seus seguidores No encerramento, um item adicional pode também ser brevemente in-
leais a herança da “nova terra” e o cumprimento de todas as boas promessas troduzido aqui: Vale ressaltar que nas cenas introdutórias das oito visões, as
feitas a eles (veja Ap 11:15-18; 21:1-4, 7, 22-27; 22:1-5).10 As quatro sequências imagens do templo revelam um padrão primeiro de um local terreno na visão
I (castiçais que representam igrejas na Terra) seguido por um local celestial nas
  É digno de nota que os itens da promessa feita aos “vencedores” nas sete igrejas (2:7b, 11b,
10

17b, 26-28; e 3:5, 12, 21) são na maior parte mencionados outra vez especificamente em 21:5–22:5
como cumpridos (ex., 21:27; 22:2, 4), bem como sendo mencionados de um modo geral na de- claração de que os vencedores herdarão “estas cousas” (21:7).
Estudos selecionados em interpretação profética As oito

visões II-VII (ou [a] uma menção do “templo no céu” ou o seu mobiliário e/ _____________. Interpreting the Book of Revelation: hermeneutical guidelines. 2. ed.
ou [b] um fundo que indica este cenário celestial),11 e seguido finalmente por Naples: Worthington, 1979.
um retorno outra vez a um local terrestre na visão VIII (Deus habitando na
“Nova Terra”/Nova Jerusalém” [cf. 21:3, 22]). Este é um impressionante fenô-
_____________. Open Gates of Heaven. Washington: Ann Arbor, 1969.
meno, cujo significado teológico e cuja correlação com ênfase na teologia geral
do Novo Testamento será apresentado no artigo subsequente desta série.
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  No que concerne à evidente exceção no caso da visão VI, veja o n. 12, acima.
11
3
Estudos selecionados em interpretação profética

Cenas da “Introdução
Vitoriosa”*
Kenneth A. Strand

58
Este capítulo é uma continu-
ação do meu capítulo anterior so-
bre a estrutura literária básica das
oito visões do livro de Apocalipse
(STRAND, 1987, p. 107-121). Por
conveniência, o diagrama 3 do meu
artigo anterior é aqui reproduzido
(nas páginas seguintes) como dia-
grama 1 para o presente artigo.
Os blocos de texto nos quais
concentramos nossa atenção neste
estudo são designados como “A”
neste diagrama; a saber, aqueles que
levam o título “Cena da introdução
vitoriosa com ambiente do templo”.
Primeiro, vamos dar uma visão ger-
al do conteúdo dessas cenas para as
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

Diagrama 1. Visão geral da estrutura e conteúdo do Apocalipse

Historical-Era Visions Eschatological-Judgment-Era Visions

I II III IV V VI VII VIII


Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
A cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo A

(1:10b-20) (caps. 4 e 5) (8:2-6) (11:19) (15:1 - 16:1) (16:18 - 17:3a) (19:1-10) (21:5-11a)
Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição
profética na profética na profética na profética na profética no profética no profética no profética no
B história história história história julgamento final julgamento final julgamento final julgamento final B

(caps. 2 e 3) (cap. 6) (8:7-9:21) (caps. 12 e 13) (16:2-14,16) (17:3b - 18:3) (19:11 - 20:5) (21:11b - 22:5)
Interludio Interludio Interludio Interludio Interludio Interludio
Enfoque nos Enfoque nos Enfoque nos Exortação Exortação Exortação
D enventos finais enventos finais enventos finais ou apelo ou apelo ou apelo C
(cap. 7) (10:1 - 11:13) (14:1-13) (16:15) (18:4-8, 20) (20:6)
60 61
Culminação Culminação Culminação Culminação Culminação Culminação
escatológica: escatológica: escatológica: escatológica: escatológica: escatológica:
E Clímax para a história Clímax para a história Clímax para a história Final julgador Final julgador Final julgador D

(8:1) (11:14-18) (14:14-20) (16:17) (18:9-19, 21-24) (20:7 - 21:4)

visões de I a VIII, e então considerar alguns dos fenômenos específicos e suas contudo, precedendo os próprios resumos, são apresentadas as referências
implicações teológicas. bíblicas apropriadas (como também apresentadas no diagrama 1), e o leitor
pode ir ao próprio texto bíblico para um quadro mais completo.
1. Resumo das “cenas da introdução vitoriosa”
Introdução à visão I
Provendo a seguinte visão geral do conteúdo das oito cenas da in- Texto: Apocalipse 1:10b-20
trodução vitoriosa, forneço aqui um resumo do próprio material textual e Resumo: Na Ilha de Patmos (1:9), o Cristo ressuscitado, celestial, aparece a João
alguns comentários preliminares concernentes a esse material. Deve ser no- em gloriosa visão, revelando-se como Aquele que foi morto, agora vive, está vivo
tado nesses resumos que nem todos os detalhes das cenas estão incluídos;1 para sempre, e tem as chaves do Hades e da morte. João vê Cristo segurando

*  Reimpresso com permissão, AUSS 25 (1987), 267-88, sob o título “As Cenas da Introdução geralmente muito breves, resumos providos na obra de Strand (1987, p. 112-117) The eight basic
Vitoriosa no livro de Apocalipse”. visions in the Book of Revelation (ver também os resumos dos conteúdos dos blocos B, C e D das
1
  Aqui os resumos estão, contudo, em vários exemplos mais extensos do que os análogos, mas várias visões).
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

sete estrelas em sua mão direita e caminhando entre os sete candeeiros de ouro. As entre os quais Cristo manifesta sua presença são igrejas na Terra. O fato de que
sete estrelas são definidas como “os anjos das sete igrejas” (v. 20), e os sete a próxima visão indica uma transição para o Céu, como veremos em nossa at-
candeeiros são definidos como “as sete igrejas” (1:11) — a saber, Éfeso, Esmirna, enção a essa visão, pode ser considerada uma terceira evidência apontando na
Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia (v.11). direção do local terrestre desta primeira cena introdutória.
Comentário: O fato de que os candeeiros são imagens do templo é geral- Outro detalhe digno de nota é que esta cena da introdução vitoriosa funcio-
mente reconhecido pelos exegetas, embora tenha havido diferença de opinião na para prover conforto e segurança aos fiéis seguidores de Cristo: sua presença
quanto ao antecedente exato. A interrogação geralmente feita é se esse ante- está entre eles ao enfrentarem as poderosas forças do engano e perseguição.4
cedente é aquele do candelabro do “lugar santo” (primeiro compartimento) do Um aspecto positivo desta espécie é realmente característico de todas as oito
antigo tabernáculo do deserto (Êx 26:35; no templo de Herodes também havia cenas introdutórias para as principais visões do Apocalipse.
um candelabro) ou os dez castiçais do primeiro compartimento do Templo de
Salomão (1 Reis 7:49). Uma terceira alternativa, geralmente omitida pelos co- Introdução à visão II
mentaristas, é o simbolismo do candelabro de Zacarias 4, que desempenha um Texto: 4:1–5:14
papel muito óbvio como antecedente para uma visão posterior do Apocalipse — Resumo: João vê uma porta aberta “no Céu” e ouve uma voz chamando-o
Apocalipse 11, “o templo e as duas testemunhas”.2 Ou talvez tenha havido múlti- a “subir para aqui”. Ele então “acha-se em espírito” e vê “um trono” “no Céu”,
plos antecedentes intencionais.3 O principal detalhe para nós aqui, em qualquer estando um assentado sobre o trono (a saber, Deus, como o próprio contexto e
caso, é que o cenário desta visão e sua imagem do templo está na Terra, não no também outras visões do Apocalipse deixam claro; cf. 4:9-11; 7:10; 19:1-5). Ao
Céu. Este fato está claro a partir de duas principais considerações: que o Cris- redor do trono estavam vinte e quatro anciãos assentados em tronos; diante
to celestial se encontra com João na Terra (em Patmos), e que os “candeeiros” do trono estavam “sete lâmpadas de fogo” e um “mar de vidro” semelhante ao
cristal; e “no meio” e “à volta” do trono estavam quatro seres viventes. Depois
62 de uma antífona de louvor a Deus por sua condição de Criador, a cena volta-se 63
2
  Há implicações teológicas que favorecem considerar o “candelabro” de Zacarias como no mínimo para um livro em sua mão selado com sete selos — um livro que “ninguém” no
uma fonte provável para a imagem (ver STRAND, 1981, p. 127-35 e 131-34; 1982, p. 257-61). Não
somente devem ser notadas certas afinidades teológicas, mas também deve ser dada consideração a
Céu, na terra, ou debaixo da terra era capaz de abrir. Todavia, na progressão
outros antecedentes (além de Zacarias 4) para as imagens das oliveiras/candeeiros de Ap 11:4 — a sab- do drama, um Ser foi achado digno de abrir aquele livro — a saber, o Cordeiro
er, as colunas do templo Jaquim-e-Boaz (cf. 1Rs 7:21; também 2Rs 11:12-14 e 23:1-2), e além delas a “como tendo sido morto”. Ao tomar o Cordeiro o livro da mão direita do que
“coluna de nuvem” em que o Senhor apareceu a Moisés e Josué na “entrada” do tabernáculo do deserto estava assentado sobre o trono, seguiu-se uma série de antífonas de louvor.
(Dt 31:14-15). Se o antecedente para os sete candeeiros na visão I de Apocalipse está nesta direção, é
Comentário: A primeira característica impressionante com que nos de-
o pátio, em vez de um ou outro dos dois compartimentos do próprio tabernáculo/templo, que estaria
em foco aqui (uma possibilidade que é realçada por uma consideração das implicações teológicas de frontamos nesta cena é a dupla referência a um novo local — Céu, em contraste
Ap 11:2 concernente ao “átrio exterior” do templo). Todavia, não devemos negligenciar a possibilidade com o ambiente terrestre da cena introdutória da visão I. Esse ambiente celestial
de que há múltiplos antecedentes para este simbolismo dos sete candeeiros, bem como para as outras é, de fato, realçado pela dupla referência ao “Céu” — a porta aberta “no Céu”
imagens do livro de Apocalipse. Cf. nota 4, abaixo.
3
  Paul S. Minear (1965/1966, p. 96) tem chamado a atenção para este tipo de fenômeno de anteced-
ente múltiplo em que ele faz alusão como um “modelo trans-histórico” e “um inclusivo em vez de
disjuntivo modo de ver e pensar.” Tanto neste artigo quanto em seu I Saw a New Earth, Minear (1968, 4
  Engano e perseguição são as duas armas básicas manifestadas pelas forças adversárias ao longo
p. 102) faz referência a Ap 11:8, onde há uma aglutinação de várias entidades —Sodoma, Egito, e Je- do livro de Apocalipse, precisamente como no Evangelho de João estas duas más características
rusalém — em uma imagem, a “grande cidade”. Minear sugere que essa “única cidade tinha se tornado resumem a atitude do diabo e seus seguidores (ex., em João 8:44 o diabo é chamado de “homi-
em termos proféticos todas as cidades — Sodoma, Egito, Babilônia, Nínive, Roma”. cida desde o princípio” e “pai da mentira”). Encontramos preeminente ilustração em Apocalipse
Em vários documentos e ensaios eu tenho me aprofundado no fenômeno, referindo-me a ele como a nas mensagens às sete igrejas, onde há advertência contra o engano (quer seja externo ou que se
“mistura” ou “fusão” de imagens. Veja, por exemplo, An Overlooked Old Testament Background to Rev- auto-impôs) nas cartas a Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodiceia; e onde o perigo da perseguição é
elation 11:1 (STRAND, 1984, p. 318-19), onde eu não somente faço alusão às perceptivas observações particularmente destacado nas cartas a Esmirna e Filadélfia. As atividades da trindade antidivina
de Minear (esp. N. 6 na p. 319), mas também forneço alguns exemplos adicionais (ver também a em Apocalipse 12–13 exemplificam ainda mais vigorosamente essas armas demoníacas (note, por
discussão de Strand [1981, p. 130-131] Two Witnesses, onde ainda outra ilustração tem sido provida). exemplo, os “sinais” enganadores e as atividades de morte e embargo mencionadas em 13:13-17).
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

e o trono “no Céu”. As “sete lâmpadas de fogo” localizariam o ambiente mais Introdução à visão III
especificamente como o “lugar santo” ou compartimento exterior do templo Texto: 8:2-6
celestial (o termo “templo no Céu” é usado especificamente em 11:19 e alguns Resumo: São vistos por João sete anjos com sete trombetas; mas antes
outros textos).5 Se o “mar de vidro” é imagem baseada no “lavador” ou bacia de que eles procedam do templo (no Céu) para soar suas trombetas, outro anjo
bronze do tabernáculo do deserto (Êx 30:18; 38:8) ou o “mar de fundição” e/ou aparece com um incensário diante do altar de ouro de incenso. Misturado com
dez lavadores ou pias de bronze do Templo de Salomão (1Rs 7:23-39), como as orações dos santos está o incenso subindo diante de Deus no trono. Então o
sugerem vários comentaristas, nos parece ter imagens do “pátio exterior” em incensário é atirado à Terra, seguido pelos símbolos típicos da presença e juízo
vez de imagens do “primeiro compartimento”. Isto em si não apresentaria um divinos: “trovões, vozes, relâmpagos, e um terremoto.”
problema com respeito ao mar sendo designado como estando “diante do trono”, Comentário: O cenário desta visão é mais uma vez aquele do templo no
porque todas as facetas da construção do templo poderiam ser consideradas a Céu, e também é ainda dentro do compartimento exterior ou “lugar santo”. Mas
partir dessa perspectiva. Mais provavelmente, porém, a base simbólica para esse a atividade agora se mudou para mais perto do santuário exterior, porque o
“mar de vidro” é o firmamento sobre a cabeça dos seres viventes e sob o trono de áureo altar de incenso é onde ocorre a ação.8 Esta cena, como aquelas das visões
Deus em Ezequiel 1:22-28 e 10:1.6 I e II, contém o elemento típico da segurança, da certeza — neste caso, a de-
Esta cena celestial de Apocalipse 4–5 obviamente tem uma ênfase positiva. scrição das orações dos santos misturadas com incenso ascendendo à presença
Os temas duplos de criação (4:11) e redenção (cap. 5) concedem esperança e de Deus. Contudo, agora além do aspecto positivo, também há pela primeira
certeza aos seguidores de Cristo, especialmente ao reconhecerem que o Cord- vez um negativo. O uso dos símbolos julgadores de vozes, trovões, relâmpagos e
eiro é julgado digno de desatar os selos e abrir o livro — um livro que tem sido terremoto, ao ser o incensário com brasas vivas atirado à Terra.
apropriadamente chamado “livro do destino”.7
Introdução à visão IV
64 Texto: 11:19 65
5
  A imagem do mobiliário do templo fornece pistas quanto à localidade e ao movimento que foram Resumo: João vê aberto o “templo de Deus no Céu”, com a arca do
abordados nos resumos do meu capítulo anterior, mas que se tornarão mais evidentes ao continuar-
mos aqui para prosseguir através das cenas da introdução vitoriosa. Embora os dois compartimen-
testamento ou aliança de Deus em vista. Então há “relâmpagos, vozes, tro-
tos não sejam especificamente mencionados em combinação com esse “templo no céu” arquétipo vões, um terremoto e grande saraivada”.
do antigo tabernáculo e templo israelitas, o “mobiliário” que é mencionado se relaciona com os dois
“compartimentos” — conforme são conhecidos não somente do Antigo Testamento e de tradicionais
fontes judaicas, mas também da descrição no livro de Hebreus no Novo Testamento (veja Hb 9:1-5; pleno relato do que Deus em sua soberana vontade tem determinado como o destino do mundo”.
cf. Êx 25:8; 26:30-35). Talvez pareça que a presença do trono no contexto da imagem do “comparti- Todavia, permanece uma questão fundamental: O que significa o termo “destino”? É a futura
mento exterior” em Apocalipse 4 reduz o templo celestial a apenas um compartimento “arquitetural- história da Terra a partir da perspectiva de João? Por outro lado, são as recompensas escatológi-
mente” (embora não funcionalmente), mas tal não é necessariamente o caso (ou em todo caso, não é cas distribuídas na terminação da história terrestre? Ou é possivelmente uma combinação de
de importância fundamental). Veja mais na nota 11, abaixo. Para uma discussão muito proveitosa da ambas? William Hendriksen (1940, p. 109), parece ter optado pela terceira possibilidade. O rolo,
imagem do “templo celestial” no livro de Hebreus (discussão que tem um elevado grau de relevância se deixado não aberto, sugeriria para ele “nenhuma proteção para os filhos de Deus nas horas de
também para o Apocalipse), veja Richard M. Davidson (1981, p. 336-367), Typology in Scripture: A amarga provação; nos juízos sobre um mundo perseguidor; nenhum triunfo final para os crentes;
Study of Hermeneutical ΤYIIΟΣ Structures. nenhum novo céu e nova terra; nenhuma herança futura!” Mounce (1977, p. 141), tem optado
6
  Robert H. Mounce (1977, p. 136-137), tem apropriadamente notado isto, e também tem chamado pela primeira alternativa. Juntamente com Thiele (1959, p. 97-98), eu adoto a alternativa do meio.
a atenção para 2 Enoque 3:3 e Salmo 104:3, embora não esteja claro se o próprio Mounce realmente Minha base para isto é a distinta probabilidade (em minha opinião) que o antecedente para o
considera a imagem dessas passagens como fundo ou antecedente para o “mar de vidro” de Apocalipse. livro selado com sete selos deve ser encontrado em uma das formas de uma antiga vontade ou
Para uma recente, detalhada e abrangente análise das imagens de Ap 4–5, veja R. Dean Davis (1986). testamento romano e também no título de propriedade de Jeremias (Jr 32). Thiele (1959, p. 95-
7
  “Rolo do destino” e “livro do destino” são termos aplicados por vários exegetas e comentaristas 96), tem chamado a atenção para a documentação para o conceito do antecedente do testamento
a esse documento selado com sete selos. Muitos que não usam esta exata terminologia indicam romano; e, além disso, podemos acrescentar aqui uma referência específica a tal testamento que
o mesmo conceito em suas discussões do rolo. Edwin R. Thiele (1959, p. 97), utiliza especifica- foi traduzido para o inglês por Naphtali Lewis and Meyer Reinhold (1955, v. 2, p. 279-80).
mente o termo “livro do destino”. Charles M. Laymon (1960, p. 77), refere-se à cena de Apocalipse 8
  Para um estudo da perspectiva do Novo Testamento da relação do altar de ouro com o comparti-
5 como a “preparação para o destino”; e Mounce (1977, p. 142), fala do rolo como contendo “o mento mais interior (Lugar Santíssimo), veja, ex., a discussão de Harold S. Camacho (1986, p. 5-12).
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

Comentário: Esta cena da introdução vitoriosa leva-nos a um novo com fogo” aqueles que haviam obtido a vitória sobre a besta, sobre sua imagem,
cenário dentro do “templo do Céu”: a saber, dentro do santuário ou “Lugar e sobre o número do seu nome. Esse grupo entoa “o cântico de Moisés [...] e
Santíssimo”.9 Ali o enfoque de João está sobre a arca do testamento ou alian- o cântico do Cordeiro”. Na segunda seção desta cena, João observa “o templo
ça de Deus. Com base na analogia do tabernáculo terrestre, os dois aspectos do tabernáculo do testemunho no Céu” aberto, e sete anjos com as taças da ira
mais significativos relacionados a essa arca seriam a lei dos Dez Mandamen- saindo dali. O templo se torna cheio “da fumaça procedente da glória de Deus
tos e o propiciatório (cf. Êx 40:20). É, portanto, interessante notar que na e do seu poder”, de sorte que “ninguém podia entrar no templo” até que fossem
“descrição profética” seguinte a luta significativa que o “remanescente” trava cumpridas as sete pragas. Então uma voz do templo ordenou aos sete anjos que
contra o dragão é sobre o que é representado por estas duas características saíssem e derramassem sobre a Terra as sete taças da ira de Deus.
da arca: os “mandamentos de Deus” e o “testemunho de Jesus” (Ap 12:17). Comentário: Mais uma vez o cenário para a visão é o do Céu — ou mais es-
pecificamente, o templo do Céu. Daquele templo emergem os sete anjos com as
Introdução à visão V taças da ira. É em combinação com esse templo que um “mar de vidro” tinha sido
Texto: 15:1–16:1 visto anteriormente (Ap 4). E é esse templo que agora está cheio de fumaça. Há uma
Resumo: João vê sete anjos tendo as sete últimas pragas da “ira de Deus”. ênfase positiva no fato de que os santos sobre o mar de vidro entoam o cântico de
Na primeira seção desta cena ele observa sobre “um mar de vidro misturado Moisés e do Cordeiro, precisamente como os israelitas haviam cantado o cântico de
Moisés depois do livramento do antigo cativeiro egípcio (Êx 14 e 15). E há um duplo
aspecto negativo na cena: primeiro, em que os anjos saem do templo com as taças
9
  Concernente à possível “arquitetura” do “templo do céu”, podem ser feitas as seguintes ob- da ira a fim de derramá-las sobre a Terra; e segundo, em que o templo está cheio de
servações (cf. também n. 6, acima): (1) É uma noção típica entre os exegetas que o trono de fumaça durante o tempo das pragas, de sorte que “ninguém podia entrar no tem-
Deus está confinado ao Lugar Santíssimo do templo, de sorte que a imagem do compartimento plo” — uma sugestão, indubitavelmente, de que nenhum ministério de misericórdia
66 exterior em Apocalipse 4 evidenciaria que no arquétipo celestial do antigo tabernáculo/templo procederia do templo naquela ocasião.10 67
israelita a estrutura de dois compartimentos do último está aglutinada em um compartimento.
Um exemplo desta linha geral de pensamento é o excelente estudo de Mario Veloso (1981, p.
3924-419), The Doctrine of the Sanctuary and the Atonement as Reflected in the Book of Revelation.
Introdução à visão VI
(2) Sobre a base de uma possível analogia com o pensamento expresso concernente ao “véu” ou Texto: 16:18–17:3a (com 16:17 como fundo)
“cortina” em Hb 10:20 (com seu muito frequentemente negligenciado pano de fundo histórico Resumo: Após o sétimo anjo ter derramado sua taça de ira pelo ar, uma grande
do “véu rasgado de alto a baixo em MT 27:51), poderia estar em Apocalipse um conceito subja- voz “do templo, do trono” declara: “Está feito” (16:17). (Isto pode ser considerado
cente de um compartimento no templo celestial, mas o significado funcional do modelo de dois
como uma espécie de elemento transicional ou “oscilante” que conclui a sétima pra-
compartimentos está, contudo, presente em Apocalipse na dinâmica que é evidente de cena para
cena. (3) Uma alternativa sugerida por C. Mervyn Maxwell (1985, v. 2, p. 171), merece atenção: ga e apresenta esta nova cena da introdução vitoriosa.)11 Então seguem imediata-
“A suposição de que o trono celestial de Deus está localizado somente no lugar santíssimo celestial
omite o fato de que nos tempos do Antigo Testamento a presença divina não estava sempre con-
finada ao lugar santíssimo, mas era às vezes patenteada no lugar santo.” Maxwell cita Êx 33:9 e Ez 10
  Esta conclusão é fortalecida também pelos fatos de que (1) as próprias sete pragas são descri-
9:3, e também se refere ao pão da Presença no compartimento exterior. (Em outro lugar no pre- tas em 15:1 como as “últimas” e como consumando a “ira de Deus”, (2) a descrição no capítulo
sente ensaio eu chamo a atenção para Êx 40:34 e Dt 31:14-15, que amplia ainda mais a localização 16 do derramamento dessa ira divina nas próprias taças não revela nenhum efeito salvífico, mas
da presença divina.) (4) Deve ser reconhecido que localizar o símbolo do “trono” no Apocalipse antes o oposto (cf. ex., 16:6, 9, 10, 14), e (3) o julgamento de Babilônia é descrito em 16:19 como
peca contra o fato de que o próprio uso do símbolo no livro como um tipo de símbolo difuso sendo uma “lembrança” de Deus que a faz “esvaziar o cálice do furor da sua ira”.
(ex., a utilização revelada em Ap 6:16 e 22:3 conforme comparada e/ou contrastada com a que é 11
  A mais nítida divisão entre sequências na primeira grande parte de Apocalipse (visões I-IV)
apresentada em Ap 4–5). (5) O detalhe de fundamental importância é que o tema do “trono de abre caminho na segunda grande parte do livro (visões V-VIII) para a presença dos elementos
Deus” em Apocalipse significa a divina presença e autoridade, e não é basicamente um indicador “oscilantes”. Isto, curiosamente, parece corresponder ao fato de que a natureza recapitulacionista
de uma localidade específica (e certamente não é confinamento geográfico!). O conceito não é das próprias sequências em ambas as grandes partes também difere de certa forma em que as
que o “trono” fixa a localização de Deus, mas antes o inverso: Onde Deus está, ali está o trono! (6) estruturas “cronológicas” ou “sucessão” são menos distintas na segunda grande parte. Note, por
Finalmente, o antecedente dos capítulos 1 e 10 de Ezequiel, com um trono de Deus que se move, exemplo, as implicações que fluem das breves visões gerais dadas em Kenneth A. Strand (1979, p.
não deve ser desconsiderado quando se interpreta a cena de Ap 4–5. 48-49) em Interpreting the Book of Revelation: Hermeneutical Guidelines, With Brief Introduction
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

mente os sinais do juízo divino: “E sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões, e ocor- (v. 8) é reminiscente, é claro, das imagens similares na visão II com respeito aos
reu grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra; mártires do quinto selo e da grande multidão da seção “refletor” (6:9-11 e 7:9-
tal foi o terremoto, forte e grande.” A cidade de Babilônia é dividida, as cidades das 17, respectivamente). Também deve ser notado que a sequência na visão VII
nações desmoronam, e grande saraivada do céu, “com pedras que pesavam cerca conclui, muito interessantemente, com outra referência à “esposa” — a saber, a
de um talento”. Depois disso, um dos sete anjos tendo as sete taças da ira falou com visão joanina da Cidade Santa, Nova Jerusalém, descendo do céu, da parte de
João, levando-o para ver o julgamento da grande meretriz (Babilônia, como deixa Deus “como noiva adornada para o seu esposo” (Ap 21:2).
claro a descrição profética que vem a seguir).
Comentário: À primeira vista, pareceria que somente um aspecto negativo é Introdução à visão VIII
enfatizado nesta cena da introdução vitoriosa, porque utiliza imediatamente os sim- Texto: 21:5-11a (e referência aos versos 1-4 como fundo)
bolismos julgadores — neste exemplo outra vez salientado, com uma ênfase sobre a Resumo: No contexto do “novo Céu” e “nova Terra”, com “a santa cidade, Nova
excessivamente furiosa natureza do terremoto e da saraivada. Embora haja somente Jerusalém”, tendo descido do Céu da parte de Deus, João agora contempla Aquele
juízo negativo na devastação a vir sobre Babilônia por causa do “cálice do vinho do que está assentado sobre o trono. Esse Ser divino — o próprio Deus em visões ante-
furor da sua [de Deus] ira” (16:19; veja também 17:1-2), contudo há implicitamente riores — declara: “Eis que faço novas todas as coisas.” Então Ele fala a João, dizendo:
uma certeza positiva para os santos de Deus nessa cena — em que a abominável “Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras”, e além disso declara a João:
atividade de Babilônia agora terminou, sofrendo ela mesma o juízo divino por suas “Está feito! Eu sou o Alfa e o Ômega.” Um duplo decreto é declarado: herança de
más ações. (Cf. 18:20 para um chamado ao “regozijo”.) todas as coisas para o vencedor; mas destruição no lago de fogo, “que é a segunda
morte”, para aqueles que não são vencedores. Então um dos anjos com as sete taças
Introdução à visão VII da ira leva João a uma alta montanha, mostrando-lhe a grande cidade, a santa Je-
Texto: 19:1-10 rusalém, descendo do Céu da parte de Deus e tendo a glória de Deus.
68 Resumo: No ambiente do trono, os vinte e quatro anciãos e os quatro seres Comentário: Em contraste com as cenas introdutórias para as visões II-VII, 69
viventes (cf. cap. 4), João ouve a voz de “uma grande multidão no Céu” louvando a onde o cenário estava em cada exemplo claramente ainda no Céu, agora há um
Deus por ter julgado a grande meretriz e ter vingado dela o sangue de seus servos. pano de fundo que tem um cenário terrestre — uma analogia à situação com
São entoadas outras antífonas de louvor, e é feito o anúncio de que chegaram as bo- respeito à visão I. Na visão VIII, esta cena introdutória lida realmente com um
das do Cordeiro,“cuja esposa a si mesma já se ataviou”. É pronunciada uma bênção cenário de tabernáculo ou templo, mas se a cena em si conforme dada em 21:5-
sobre aqueles que são convidados “à ceia das bodas do Cordeiro”. 11a objetiva ser basicamente a partir da perspectiva terrestre ou ser uma transi-
Comentário: A cena aqui é uma que é obviamente paralela àquela de Apoc- cional do Céu para a Terra não está absolutamente claro (nem é de importância
alipse 4:5 — com o trono, quatro seres viventes, vinte e quatro anciãos, e antí- essencial para o nosso estudo). Em 21:3 é feita a declaração, é claro, de que o
fonas de louvor sendo básicas para ambas (para um estudo sobre as antífonas tabernáculo de Deus está na Terra depois da descida da Cidade Santa (v. 2), e
em ambas as passagens, ver SHEA, 1984, p. 249-257). Contudo, enquanto em esta porção final da visão VII pareceria prover o cenário para nossa cena de
Apocalipse 4:5 há um “livro do destino” ainda a ser aberto, e também enquanto abertura da visão VIII (que em si, contudo, também reproduz uma descrição da
durante a real abertura dos selos daquele livro no capítulo 6 havia um brado de descida da Nova Jerusalém; 21:10). Em qualquer caso, o principal detalhe é que
“Até quando?” até que viesse a vindicação dos mártires de Deus (veja 6:9-11), há o foco desta cena introdutória mudou do templo celestial de tal modo a pôr ên-
no capítulo 19 uma impressionante reversão: há aqui louvor e aclamação a Deus fase mais uma vez sobre um local terrestre. A imagem real do templo utilizada
por ter Ele agora ocasionado essa vindicação. será tratada mais plenamente ainda neste artigo.
Na introdução da visão VII, há, além disso, uma ênfase sobre a “ceia das bo-
das do Cordeiro” (v. 9) e reverência à “esposa” do Cordeiro (v. 7). A veste branca 2. Algumas implicações bíblicas
Os resumos providos na seção precedente deste capítulo têm trazido
to Literary Analysis. à atenção vários elementos concernentes às cenas introdutórias das oito
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

visões principais do Apocalipse. Preeminentes entre aquelas características muito diretamente esta cena do capítulo 7 com a abertura dos selos.12 Os
estão as seguintes: a difusão da imagem do templo nos ambientes dessas ce- 144 mil selados de Deus são protegidos das devastações dos cavaleiros dos
nas, (2) ênfases positivas e negativas dentro das cenas, (3) certa dinâmica ou primeiros quatro selos,13 e mesmo na espécie de martírio descrita no quinto
movimento tanto em imagens através do templo quanto no simbolismo de selo eles podem repousar na plena certeza do cuidado divino (para um es-
juízo negativo que aparece nas visões III-VI, e (4) uma similaridade especial tudo abrangente do quinto selo, ver MUSVOSVI, 1986). Esta ênfase sobre
estruturalmente e de conteúdo entre a primeira e oitava visões. Agora va- o cuidado de Deus é realçada ainda mais na descrição das seções b e c do
mos dar um pouco mais de atenção a esses elementos, mas como uma etapa capítulo 7 (v. 9-17) da grande multidão que vem da grande tribulação (estes,
preliminar vamos primeiro observar brevemente o tipo de relação que as como os mártires do quinto selo, têm vestiduras brancas!).
cenas introdutórias mantêm com suas próprias sequências proféticas. O precedente ilustra a maneira em que há estreita correlação entre as ce-
nas da introdução vitoriosa e o restante das respectivas visões que essas cenas
Cenas introdutórias e sequências proféticas introduzem, e não será necessário entrar em detalhes aqui além dessas duas
Em qualquer análise das cenas introdutórias para as oito grandes visões do amostras. De fato, uma rápida revisão do principal conteúdo de cada visão
livro de Apocalipse, a primeira consideração lógica e básica é o fato de que há pode ser obtida consultando-se a seção 2 do capítulo 2 deste volume. A única
uma estreita relação entre essas cenas e o restante das sequências proféticas observação adicional que deve ser feita aqui é que embora todas as cenas da
que elas introduzem. Assim, para a visão I a descrição de Cristo caminhando introdução vitoriosa tenham uma nota positiva de segurança para os fiéis de
entre os sete candeeiros/igrejas precede adequadamente seus conselhos àque- Cristo, algumas — especialmente aquelas para as visões III-VI (a dupla série
las igrejas, e para a visão II a cena em que o Cordeiro é proclamado digno de com o tema “Êxodo-do-Egito”/”Queda-de-Babilônia”) — também retratam as-
abrir o livro selado com sete selos e então realmente tomando esse livro da mão pectos negativos. Este assunto receberá mais atenção abaixo.
dAquele que está assentado sobre o trono provê um pano de fundo apropriado
70 para a real abertura dos selos pelo Cordeiro. A imagem do templo e seu significado 71
Essas cenas introdutórias proveem neste sentido um cenário positiva- Como já temos observado, a imagem do templo é difusa nas cenas introdutóri-
mente orientado — uma mensagem de confiança, por assim dizer — que as às oito principais sequências proféticas do Apocalipse. Para as visões II-VII, os
se relaciona com a sequência que segue. No primeiro exemplo, Cristo as- cenários estão no “templo do Céu”, e o “mobiliário” daquele templo torna-se visível.
segura ao seu povo a certeza de sua presença com eles em suas lutas contra Na visão I, porém, a imagem do templo é aquela dos candeeiros que representam
o engano e a perseguição — lutas que precisam dele palavras de conselho e “as sete igrejas” na Terra. E na visão VIII há outra vez um local terrestre — mas
encorajamento, e frequentemente repreende (caps. 2 e 3). desta vez no contexto da Santa Cidade, a Nova Jerusalém e a “nova terra”, estando o
Igualmente, na segunda visão há certeza de que as forças liberadas pela
abertura dos selos estão dentro da estrutura redentora da obra que o Cord-
eiro morto efetua no Céu que finalmente resultará na abertura do livro do 12
  Os léxicos e dicionários teológicos (tais como Theolofical Dictionary of New Testament) e
destino eterno para os fiéis do Cordeiro (ver nota 8). Os selos são abertos obras de referência similares (verbete σøραγις ou sphragis) têm elucidado amplamente o sig-
nificado do processo ou prática do “selo” e do “selamento” no mundo antigo. Para uma referência
sucessivamente nos capítulos 6 e 8:1, intensificando em cada passo a pro- sucinta a seis possíveis significados, veja J. Massyngberde Ford (1975, p. 116-17; também a detal-
gressão, até que ocorre um silêncio dramático quando o livro em si deve ser hada abordagem de FORD, 1981, v. 4, p. 254-59).
finalmente aberto. O interlúdio no capítulo 7 é muito visivelmente um ap- 13
  Os comentaristas geralmente omitem esta ligação por causa de uma falha em ser suficiente-
ropriado “enfoque nos últimos eventos” para esta sequência específica. Por mente atenciosos em anotar o antecedente de Zc 6, onde cavalos de várias cores saem para “per-
correrem a terra” (v. 7) e onde, em resposta à indagação profética quanto à identidade dos quatro
seu destaque do selamento dos servos de Deus, há nesse “interlúdio” uma
grupos de cavalos, um anjo define-os como os quatro ruhôt (ventos) do céu que saem da presença
espécie de trocadilho sobre a terminologia do “selo”. Mas todo o conceito de do Senhor de toda a terra (v. 4-5). Comentaristas que têm feito a conexão incluem G. R. Beasley-
propriedade e preservação inerente no simbolismo do “selo” também liga Murray (1974, p. 142) e Leon Morris (1969, p. 113). Infelizmente, a RSV neste exemplo distorce
o significado do hebraico por seu fraseado, “Estes [os grupos de cavalos] estão saindo para os
quatro ventos do céu”, quando em realidade são os ventos ( = cavalos ) que estão saindo.
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

próprio Deus “habitando” diretamente com o Seu povo (21:3-4) e “Deus e o Cord- fundamental — da presença divina — que igualmente penetra as cenas in-
eiro” são descritos como o “templo” da Nova Jerusalém (21:22). trodutórias às oito visões do Apocalipse. O Cristo divino e sempre vivo é,
É imediatamente evidente que todas as três principais aplicações do Novo no primeiro exemplo, descrito como presente com o seu povo na Terra, sus-
Testamento à imagem do templo entram em jogo nessas cenas introdutórias. tendo-os e provendo-lhes mensagens através do Espírito Santo (visão I),15
Na primeira visão vemos o conceito neotestamentário da Igreja Cristã como o então a cena muda para o santuário celestial, onde Cristo está ativamente
“novo templo”. Os textos clássicos para o conceito são indubitavelmente 1 Co- ministrando em favor do seu povo (visões II-VII); e finalmente, quando
ríntios 3:16-17 e 2 Coríntios 6:16-17, mas certamente há reflexão disto também Deus e o Cordeiro habitam com os seres humanos redimidos na “nova terra”
em 1 Pedro 2:5, e também na proclamação de Tiago no concílio de Jerusalém e na “Nova Jerusalém” é trazia para a Terra a própria causa fundamental na
mencionada em Atos 15:13-18. Na última referência mencionada, Tiago faz intimidade e tangibilidade da presença divina (visão VIII).
aplicação da profecia de Amós 9:11-12 fazendo alusão ao retorno de Deus para
reedificar o “tabernáculo de Davi” que havia caído, como sendo diretamente Elementos positivos e negativos nas cenas introdutórias
aplicável à afluência dos gentios à igreja apostólica. Como foi notado anteriormente, as cenas da introdução vitoriosa para as
A mais próxima analogia do Novo Testamento ao uso refletido nas cenas in- visões I e II contêm apenas uma ênfase positiva, mas a terceira cena introdu-
trodutórias para as visões II-VII no livro de Apocalipse é aquilo que é encontrado tória adiciona também um elemento negativo. Nessa terceira cena a ênfase
no livro de Hebreus. Ali se fala de Cristo como “sumo sacerdote, que se assentou à positiva é encontrada na fumaça do incenso misturada com as orações dos
destra do trono da Majestade nos céus, como ministro do santuário e do verdadeiro santos subindo a Deus, e o aspecto negativo é descrito em termos do anjo
tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem” (Hb 8:1-2; veja também o v. 5).14 atirando à Terra um incensário de brasas vivas, com os resultantes sinais de
Finalmente, o que é sem dúvida a mais básica e central aplicação da ima- juízo de vozes, trovões, relâmpagos e um terremoto.
gem neotestamentária do templo é aquela ilustrada na cena introdutória e na No artigo anterior desta série eu ressaltei que as visões de III a VI con-
72 descrição profética da visão VIII do Apocalipse: isto é, uma referência à di- sistem de um tema duas vezes repetido que pode adequadamente ser desig- 73
reta presença divina. No prólogo ao Evangelho de João é declarado que Cristo nado como o tema “Êxodo-do-Egito”/Queda-de-Babilônia”. (Veja diagrama
“habitou entre nós” (compare com a situação na Nova Terra depois da descida 2 na página seguinte para ilustração do tema.) É interessante que é pre-
da Jerusalém celestial, em que é declarado que Deus agora habita com a hu- cisamente em combinação com estas quatro visões que ocorre a mais forte
manidade [21:3]). Talvez uma referência ainda mais vigorosa seja aquela em referência ao juízo negativo. Há também uma progressão de intensidade no
que Jesus declarou: “Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei.” Os simbolismo do juízo, como observaremos em breve.
judeus compreenderam isto como se referindo ao templo de Herodes, mas o As cenas introdutórias para as visões VII e VIII retrocedem parcialmente
Evangelista deu a explicação de que “Ele [Cristo] se referia ao santuário do seu para a ênfase positiva das seções comparáveis das visões I e II. Contudo, há
corpo” e que quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, “lembraram-se no mínimo uma referência oblíqua (entretanto, vigorosa) ao juízo negativo em
os seus discípulos de que Ele dissera isto” (Jo 2:19-22). cada uma dessas duas visões finais, embora sua ênfase primária seja positiva.
A presença divina era o foco central da antiga economia do templo/tab- Para a visão VII, há aclamação a Deus por ter julgado a meretriz e ter vindicado
ernáculo de Israel (RODRIGUEZ, 1986, p. 127-145). Foram dadas a Moisés os santos. Todavia, a bem-aventurança da salvação é a nota tônica das antífonas
instruções para que construísse “um santuário, para que Eu [Deus] possa de louvor; e especialmente nas referências à noiva do Cordeiro e à ceia das bo-
habitar no meio deles [de Israel]” (Êx 25:8). E quando estava concluída das do Cordeiro há o máximo de alegria. Para a visão VIII, há inserido dentro
a construção do tabernáculo, “a nuvem cobriu a tenda da congregação, e
a glória do Senhor encheu o tabernáculo” (Êx 40:36). É este pensamento
15
  É interessante observar que cada uma das sete mensagens é introduzida por Cristo e então é
resumida em cada exemplo como “o que o Espírito diz às igrejas” — sendo análoga às declarações
  Veja outra vez a excelente dissertação em Davidson (1981, v. 2, 336-367); também “Excursus”
14
do Quarto Evangelho no sentido de que o Paracleto apresentaria as palavras de Cristo (veja, por
de Davidson (1981, v. 2, 367-388) sobre estruturas de tupos em Êx 25:40. exemplo, João 14:25-26; 15:26; 16:12-15).
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

de um quadro geralmente ditoso (21:5-11a), um verso que descreve aqueles final e a glorificação aguardam os santos de Cristo, mas onde também há os
que enfrentarão a condenação no “lago de fogo” (v. 8) — uma declaração obvia- “não salvos” cuja condenação agora foi plenamente selada. Esses “não salvos”
mente apresentada de maneira a contrastar com o galardão dos conquistadores não podem ser ignorados na apresentação de um quadro completo, porque
ou vencedores mencionados anteriormente (v. 7).16 como tem salientado G. E. Mendenhall (1973, p. 83) em um contexto diferente,
a vindicação dos santos de Deus tem dos lados “da moeda”: o anverso que rep-
Diagram 2. The “Exodus-from-Egypt”/ “Fall-of-Babylon” Motif in revelation resenta salvação para os santos tem um lado reverso que significa condenação
para aqueles que têm sido os opressores dos santos.17

“Movimento” na descrição da imagem


Além de uma impressionante dimensão vertical manifesta nas visões do Apoc-
alipse, há certo tipo de movimento horizontal evidente na utilização simbólica den-
tro da sequência das oito cenas da “introdução vitoriosa”. Já temos observado, de
outra perspectiva, o movimento no cenário do templo de um local terrestre para
um local celestial e outra vez de volta para um novo local terrestre (isto é, “nova Ter-
ra”). Mas as próprias cenas do templo celestial (nas visões II-VII) mostram uma in-
teressante progressão no simbolismo que ocorre. Consideraremos isto brevemente,
seguido por observação sucinta também de uma progressão que ocorre na imagem
do juízo negativo utilizada nas visões III-VI.
Imagem do templo celestial. Na visão II, as sete lâmpadas ou tochas de
74 (This diagram is an enlargement of the one in Kenneth A. Strand, “The Two fogo sugerem um primeiro compartimento ou ambiente do lugar santo. Em 75
Witnesses of Revelation 11:3-12,” AUSS 19 [1981]: 129. The discussion of this seguida, a visão III nos leva ao altar de ouro de incenso, diante do trono, e então
motif on p. 128 of that article should also be noted.) a visão IV expõe à vista a arca da aliança de Deus no santuário interior ou Lugar
Santíssimo (ver nota 11). Isto parece correlacionar-se com uma crescente ênfase
sobre o tempo do fim nas respectivas “descrições proféticas básicas” e interlú-
Concernente a esta ênfase positiva e negativa da abertura e fechamento das dios, apesar de todas essas sequências abrangerem a era a partir do tempo do
cenas da introdução vitoriosa, parece que as ênfases totalmente positivas das profeta até o fim. (Este fenômeno tem sido tratado suficientemente no capítulo
cenas nas visões I e II não são mantidas plenamente paralelas ou equilibradas anterior e, portanto, não precisa de mais detalhes aqui.)
em seus correlativos quiásticos nas visões VII e VIII, e isto é por boa razão: a Depois da linha divisória quiástica, a imagem do templo não mais
primeira se refere especificamente aos processos salvíficos em andamento, uma abrange o mobiliário do templo, porque as funções representadas por tal
grande preocupação teológica durante a era histórica; mas a última, a título de mobiliário — ou as atividades salvíficas indicadas por meio disso — não
contraste, pertence a um tempo na era do juízo escatológico quando a salvação existem mais. Ao contrário, a fumaça enche o templo de sorte que nen-
hum ministério de misericórdia continua (15:8); ocorrem os sinais da proc-
lamação e/ou juízo, com apenas referência geral à sua fonte no templo, do
trono, e/ou no céu (cf. 16:17ss.; 19:1-5; 21:5).
16
  Não deve ser despercebido que da mesma forma que 21:7 declara amplamente a recompensa
final para os vencedores nas sete igrejas dos capítulos 2 e 3, 21:8 reflete inclusivamente a conde-
nação dos “não vencedores” daquelas sete igrejas. Os termos “covardes”, “incrédulos”, “impuros”,
“feiticeiros”, “mentirosos” etc., em 21:8, são rememorativos das descrições e conselhos nas sete
mensagens concernentes à fidelidade até à morte (Esmirna), ao perigo dos ardis de Balaão e Jeza-   Isto está no contexto de um excelente estudo de NQM (o tema da “vingança”/”vindicação”)
17

bel (Pérgamo e Tiatira), e ao falso testemunho contra os fiéis discípulos de Cristo (Filadélfia) etc. na literatura bíblica e outra literatura do antigo Oriente Próximo.
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

Imagem do juízo negativo. As quatro visões centrais do Apocalipse — isto presença desse mesmo Jesus com sua igreja na Terra. Sua própria vitória
é, III a VI — têm introduções que apresentam forte simbolismo de juízo negativo. durante a encarnação tem assegurado a existência de sua própria comuni-
Uma característica interessante é a intensificação da ênfase negativa. Os sinais dade da aliança, e sua própria presença divina permanece verdadeiramente
na visão III são trovões, vozes, relâmpagos, e um terremoto (8:5); a estes, a visão com o seu povo ao longo da era histórica (por meio do Espírito Santo) (ver
IV adiciona “grande saraivada” (11:19); e finalmente, a visão VI apresenta esses nota 21). No quarto Evangelho, o prólogo se refere a Cristo “habitando entre
mesmos arautos do juízo mas intensifica consideravelmente o terremoto (“como nós” (Jo 1:14), mas o Discurso Sobre o Paracleto indica que mesmo depois
nunca houve igual desde que há gente sobre a terra”, 16:18) e a saraivada (com pe- da partida de Jesus para o Céu, Ele e seu Pai viriam fazer “habitação” com os
dras “que pesavam cerca de um talento”, 16:21). A visão V omite esta série especí- fiéis discípulos de Jesus (veja João 14:15-21, 23).
fica de símbolos do juízo, possivelmente porque ao iniciar sua descrição do juízo O correlativo dessa divina presença no “aqui e agora” é a plenitude da experiên-
escatológico, sua principal ênfase já transmite um pesado fardo de condenação: a cia da divina presença dependente do segundo advento de Jesus para trazer rec-
plenitude da ira de Deus sendo exposta à vista a partir do templo nas sete taças e ompensas a todas as pessoas segundo as suas obras (Ap 22:12). Nos estágios finais
do próprio templo cheio de fumaça e desocupado (15:5-8). dessas recompensas — isto é, na experiência do “novo Céu”/”nova Terra”/Nova Je-
Em todo caso, o primeiro par de visões com o tema “Êxodo-do-Egito”/”Queda- rusalém —, Deus e o Cordeiro outra vez ”habitam” com o seu povo, mas agora essa
de-Babilônia” (visões III e IV) se inicia com cenas introdutórias que já mostram habitação é uma presença direta e imediata (veja 21:3, 22; e 21:1-4).
uma progressão de intensidade de juízo. Esta intensidade é então ainda mais re- Assim, nas cenas da introdução vitoriosa iniciais e finais encontramos, em
alçada pelas descrições simbólicas do segundo par (visões V e VI). O significado certo sentido, um aprimoramento do duplo tema do Apocalipse (chamado à
teológico aqui parece ser o conceito de que o aumento das calamidades é com- atenção em meu artigo anterior): a presença de Cristo com o seu povo na era
patível com um padrão de contínua e mais flagrante rejeição da oferta de salvação presente como o ”Alfa e o Ômega”, e o seu retorno no final da era histórica para
de Cristo. Como tal, seria uma espécie de comentário ampliado sobre o princípio introduzir aqueles eventos que culminarão em sua presença com o seu povo
76 enunciado por Jesus ao declarar que a condenação do juízo sobre Betsaida, Cora- através da eternidade (cf. Ap 1:7-8 e 22:12-13). 77
zim, Cafarnaum, e outros rejeitadores de Sua misericórdia excederia a de Sodoma Mas, para que função, pois, servem as cenas introdutórias para as visões inter-
e Gomorra (cf., por exemplo, Mt 10:14-15 e 11:20-24). venientes? Enquanto imanência é a ênfase das visões I e VIII, inclusive suas cenas
da introdução vitoriosa, transcendência é a ênfase das outras visões. Essas seis visões
Relação das introduções para as visões I e VIII destacam atividade no Céu, enquanto o povo de Deus está na Terra. Mas essa tran-
Já temos analisado o significado teológico da imagem do templo nas oito cenas scendência não é de forma alguma indiferença, nem qualquer falta de preocupação
introdutórias do Apocalipse. Permanece aqui chamar atenção mais específica para e contato entre o Céu e a Terra. Ao contrário, todas essas visões (através de suas ce-
uma característica especial — a saber, a estrutura envolvente em que a introdução nas da introdução vitoriosa, e também de suas subsequentes sequências descritivas)
à visão I e à visão VIII encerram, por assim dizer, as seis introduções intervenientes. revelam uma muito resoluta continuidade vertical. O que é feito no templo do Céu é
A característica primária do esquema de inclusão é aquela do local — terrestre para feito para o benefício do povo de Deus na Terra e, portanto, a atividade celestial de-
as visões I e VIII, e celestial para as visões II-VII. Assim, a ênfase tanto no início scrita nas cenas da introdução vitoriosa acham um correlativo imediato nas forças
quanto no final do livro está sobre uma imanência da presença divina. liberadas sobre a Terra a fim de realizar o propósito de Deus para o seu povo.
Há aqui uma sugestão, talvez, dos dois adventos de Cristo e de seus re-
sultados finais? Na primeira cena introdutória, João vê o Cristo que tinha Amplas “estruturas envolventes”
vindo como Deus encarnado em seu primeiro advento — que foi morto e Breve menção deve ser feita ao fato de que na análise e discussões precedentes
então ressuscitou, e que ascendeu ao Céu depois de 40 dias. Agora essa mes- temos encontrado duas amplas “estruturas envolventes”.18 Uma destas já temos dis-
ma Pessoa divina aparece a João como aquele que foi morto, mas vive para
sempre (Ap 1:17-18) e está presente, caminhando entre Suas igrejas/candee-
iros. Esta cena da introdução vitoriosa assim evidencia a contínua e próxima 18
  “Estruturas envolventes” ou “inclusões” são comuns nos padrões literários do Apocalipse.
(ver, por exemplo, SHEA, 1985, p. 33-54, 44-45); para duas evidentes ilustrações deste fenômeno.
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

Local terrestre O capítulo anterior e o presente têm esboçado certas estruturas literárias do
Apocalipse e dado atenção em particular às cenas da introdução vitoriosa para as
oito principais visões do livro de Apocalipse. É óbvio, em primeiro lugar, que o
Local celestial Apocalipse é uma peça literária muito nitidamente organizada. Contudo, os pa-
I VIII
II - IV V - VII drões literários representam mais do que gosto estético e interesse mnemônico; eles
destacam, de maneira muito real, certos grandes temas e idéias teológicas. Esses são
1.Locais Terrestres e Celestiais temas e ideias que se assemelham e aperfeiçoam aspectos da teologia geral do Novo
Testamento, e que são especialmente valiosos ao falarem de esperança e certeza aos
leais seguidores de Cristo em sua luta contra as forças do engano e perseguição.
Ênfase Ênfase de
inteiramente predominância
positiva positiva
Referências
Ênfases tanto positivas como negativas
I & II BEASLEY-MURRAY, G. R. The Book of Revelation: based on the Revised Standard
VII & VIII
III & IV V & VI Version. London: Wipf & Stock Publisher, 1974.

2. Ênfases positivas e negativas do juízo CAMACHO, H. S. The Altar of Incense in Hebrews 9:3-4. Andrews University Semi-
nary Studies, v. 24, p. 5-12, 1986.
cutido ao tratar do local da imagem do templo para as visões I e VIII, um local
78 terrestre (presente histórico e nova terra, respectivamente); e para as visões II-VII,
79
DAVIDSON, R. M. Typology in Scripture: a study of hermeneutical ΤYIIΟΣ Structu-
um cenário no ”templo do Céu”. A outra estrutura envolvente se relaciona com a
res. Berrien Springs: [S.n.], 1981. (Andrews University Doctoral Dissertation Series, 2).
“imagem do juízo negativo” e inclui as severas ênfases do juízo negativo das cenas in-
trodutórias para as visões III a VI dentro da única ênfase positiva das cenas análogas
para as visões I e II, por um lado, e a ênfase predominantemente positiva das cenas DAVIS, D. The heavenly court scene of Revelation 4–5. Tese. (Doutorado em Teolo-
para as visões VII e VIII, por outro lado.19 (Estas duas amplas estruturas envolventes gia). Andrews University, Berrien Springs, 1986.
são apresentadas em forma de esboço no diagrama 3.)
Os dois exemplos de inclusio são de interesse do ponto de vista da arte literária,
é claro. Mas sempre devemos ter em mente que essa arte não era utilizada como um FORD, J. M. Seals and Scarabs. In: BUTTRICK, G. A.; CRIM, K. R. (Eds.). Interpreter’s
fim em si mesmo; antes, era incorporada por causa de, e em relação com sua fun- Dictionary Bible. [S.l.]: Abingdon Press, 1981. v. 4.
cionalidade para transmitir vigorosamente a perspectiva e temas teológicos que são
fundamentais no Apocalipse e que constituem o interesse primário do livro.
_____________. Revelation. Garden City: Random House Incorporated, 1975. (The
Ancor Bible, 38).
3. Resumo e Considerações finais
HENDRIKSEN, W. More than conquerors: an interpretation of the book of Revelation.
19
  Com respeito ao assunto dos aspectos positivo e negativo, nossa referência é, sem dúvida, a Grand Rapids: Baker Book House, 1940.
unicamente as cenas da introdução vitoriosa — os blocos designados por “A” no diagrama 1. Nos
outros blocos de material nas visões I, II e VII, há realmente muitos elementos negativos, mas este
fato não afeta o padrão distintivo que temos notado nas cenas introdutórias.
Estudos selecionados em interpretação profética Cenas da “Introdução Vitoriosa”

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4
Estudos selecionados em interpretação profética

Interpretando o
simbolismo do Apocalipse
Jon Paulien

Esboço do capítulo
1. O Livro de Apocalipse: Sua Natureza
2. Interpretando o Apocalipse
3. Considerações Finais

82
Sinopse editorial. Embora o
apóstolo João nunca cite direta-
mente o Antigo Testamento em sua
profecia, é evidente que ele se uti-
liza consideravelmente de suas ima-
gens. Estas alusões, formando um
verdadeiro mosaico da fraseologia
do Antigo Testamento, podem ser
classificadas sob dois formatos: (1)
ecos e (2) alusões diretas.
Através dos séculos, muitos
conceitos do Antigo Testamen-
to se separaram de suas raízes
bíblicas para formar um acervo
de ideias simbólicas comumente
usadas e compreendidas por to-
dos. A utilização desses símbo-
los comuns por João pode ser
Estudos selecionados em interpretação profética Interpretando o

denominada “ecos” (do Antigo Testamento); eles transmitem seu próprio Deus falou a cada um dentro da sua linguagem e ambiente cultural a fim de comu-
significado, além de sua matriz original do Antigo Testamento. nicar uma mensagem acerca de Seus planos para o futuro.
Por outro lado, João às vezes modela determinada porção de sua profe- As palavras que as pessoas usam e os significados que essas palavras
cia por uma seleção do Antigo Testamento que ele pretende que seus leitores transmitem são o produto da experiência passada de uma pessoa. A lin-
notem. Designadas como “alusões diretas”, essas passagens do Antigo Tes- guagem está limitada em expressão ao que é familiar às pessoas em um de-
tamento podem esclarecer o significado daquela porção do Apocalipse em terminado tempo e lugar. Mesmo o futuro só pode ser descrito na linguagem
que João usa as imagens emprestadas. da experiência passada e presente de uma pessoa.
Neste capítulo, o presente autor classifica as “alusões diretas” segundo sua Quando o Êxodo de Israel do Egito é descrito no Antigo Testamento, por ex-
utilidade na interpretação do Apocalipse e sugere os critérios pelos quais elas emplo, a linguagem usada faz lembrar ao leitor a fraseologia pela qual a poderosa
podem ser identificadas como “alusões diretas”. atividade divina na Criação e no Dilúvio é descrita no livro de Gênesis. Por exemplo,
tanto Noé como Moisés foram livrados por uma “arca” calafetada com betume (Êx
Que ninguém pense que por não poder explicar o significado de cada símbo- 2:3; cf. Gn 6:14). No Êxodo, como na Criação, a presença divina trouxe luz para as
lo do Apocalipse, é-lhe inútil pesquisar este livro numa tentativa de conhecer trevas e um divisor das águas (Êx 13:21; cf. Gn 1:3-5; Êx 14-21; cf. Gn 1:6-8). Co-
o significado da verdade que ele contém. Aquele que revelou estes mistérios a mum a todas as três descrições é o uso de “terra seca” (Js 4:18; Êx 14:21, 29; cf. Gn
João dará ao diligente pesquisador da verdade um antegozo das coisas celestiais.
8:11, 13; 1:9, 10) e “sede frutíferos e multiplicai-vos” (Êx 1:7; cf. Gn 9:7; 1:28).
Aqueles cujo coração está aberto à recepção da verdade serão capacitados a com-
preender seus ensinos, e ser-lhes-á garantida a bênção prometida àqueles que
Precisamente como a descrição do Êxodo se utiliza das descrições de ações
“ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas” divinas anteriores, assim o exílio para Babilônia e a restauração de Babilônia são
(WHITE, 2007, p. 584-585). descritos nos profetas pela linguagem da Criação e do Êxodo. A Criação, por
exemplo, é o modelo para Isaías 65:17-19. O Êxodo provê o modelo para vários
84 dos profetas (Os 2:8-15; Mc 7:15-20; Is 4:2-6; 11:15-16; 43:16-19). 85
Embora não devamos esquecer o conselho acima, os guias de estudo
sugeridos neste capítulo habilitarão o sério estudante da Bíblia a explorar Da mesma maneira, as profecias concernentes ao Messias foram proclamadas em
com maior precisão os veios da verdade espiritual por baixo da superfície termos de um profeta como Moisés, um filho de Davi e um sacerdote segundo a or-
desta superior profecia das Escrituras. dem de Melquisedeque. Deus, em cada caso, usou a linguagem do passado como uma
ferramenta para comunicar Sua vontade presente e/ou Seu plano para o futuro.
O livro de Apocalipse: sua natureza Portanto, não deve ser nenhuma surpresa descobrir que as visões do Apocalipse
não estão cheiras de helicópteros, espaçonaves, computadores e bombas nucleares.
Deus tem considerado apropriado em cada estágio da produção das Escrituras Em vez disto, elas estão expressas nas imagens do passado da igreja do Novo Testa-
oferecer Sua revelação em linguagem apropriada ao tempo, local e circunstâncias mento. Embora se originando no trono de Deus, o Apocalipse foi comunicado em
do escritor original. Deus não ignora a cultura, formação, estilo literário ou ma- linguagem apropriada ao tempo, lugar e circunstâncias do autor humano, João.
neiras de pensar dos indivíduos a quem Ele se revela. Em vez disto, Ele procura “A Bíblia não nos é dada em elevada linguagem sobre-humana. A fim de chegar
diligentemente encontrá-los onde eles estão a fim de que possam compreender, o aos homens onde eles se encontram, Jesus revestiu-Se da humanidade. A Bíblia pre-
máximo possível, Suas revelações a eles e por intermédio deles (cf. 1Co 9:19-23). cisa ser dada na linguagem dos homens” (WHITE, 2008, v. 1, p. 20). Embora uma pro-
Por exemplo, Deus apresentou a mesma mensagem básica a Nabucodonosor fecia de eventos futuros a partir da perspectiva do autor, a linguagem da experiência
em Daniel 2 como Ele fez ao profeta em Daniel 7. Mas para o rei pagão as nações anterior da igreja proveu a linguagem com a qual descrever esse futuro.
foram retratadas na forma de um ídolo. Isto é natural, sendo que ele compreendia as Conquanto a Bíblia possa frequentemente descrever nosso futuro, é
nações como gloriosas e brilhantes representações dos deuses a quem elas serviam. importante ter em mente que a linguagem por meio da qual tais profecias
Para o profeta hebreu, por outro lado, as nações foram retratadas como ele as via: foram comunicadas era a linguagem de outro tempo e lugar que não os nos-
animais devoradores e ferozes que estavam escravizando e destruindo o seu povo. sos. É muito fácil impor ao texto significados mais apropriados ao nosso
Estudos selecionados em interpretação profética Interpretando o

tempo e lugar do que à situação em que Deus originalmente falou. Desco- temas, vocabulário e teologia do Novo Testamento.3 Embora o livro tenha um
brir o significado original da linguagem do^texto nos guarda contra nossa diferente estilo, vocabulário e assunto, não devemos esperar, portanto, que sua
tendência natural de recriar o texto bíblico à nossa própria imagem.1 teologia seja radicalmente diferente do que encontramos em outros textos do
Quando falamos de “significado original”, é claro, não devemos supor que o au- Novo Testamento (HALVER, 1969, v. 32, p. 58).
tor original ou a audiência original compreendia plenamente o propósito divino na
revelação a eles comunicada. O que estamos afirmando é que o propósito divino foi Uma revelação divina
plena e adequadamente representado na frágil e localizada expressão de um falível Segundo o prefácio (1:1-3), o autor compreende sua obra como sendo a de trans-
escritor humano.2 Portanto, o significado original da linguagem do texto é decisivo mitir à igreja uma mensagem visionária de Deus. Ele repetidamente aponta para uma
para uma correta compreensão das Escrituras. Aplicar à linguagem do texto signifi- origem sobrenatural as cenas descritas em seu livro (Ap 1:10-20; 2:7, 11, etc. ; 4:1-2;
cados mais apropriados ao nosso tempo e lugar é lançar-nos em uma jornada para 10:11; 17:1-3; 19:9-10; 22:6-10). Ele se considera um profeta e sua obra uma profecia.
todos os tipos de destinos fantásticos que, embora possam parecer bíblicos, são de Sua autoridade é igual à dos apóstolos e dos profetas do Antigo Testamento. As “pala-
fato contrários à intenção divina para essa passagem. vras da profecia” devem ser obedecidas (1:3). Sua autoridade é tão inquestionável que
Portanto, nosso estudo do método se iniciará com um cuidadoso exame da nenhuma palavra deve ser adicionada ou subtraída (22:18-19).
linguagem do Apocalipse a fim de determinar que procedimentos são mais ap- Por outro lado, há considerável evidência (esboçada abaixo) de que uma multi-
ropriados para o estudo do livro. Somente se formos pacientes o suficiente para dão de alusões à literatura anterior com a qual João estava familiarizado são bor-
estudar o Apocalipse em seus próprios termos compreenderemos corretamente rifadas através das visões. Até que ponto o livro é visionário e até que ponto é ele
as visões concedidas ao seu autor (FIORENZA, 1976, p. 13). pesquisado, desenvolvido e escrito pelo autor humano? Felizmente, não precisamos
fazer tão difícil distinção. Quer as alusões venham de Deus quer sejam o resultado da
Um livro cristão meditação de João sobre as visões, isso não faz nenhuma diferença para o resultado.
86 É evidente pela primeira frase (“revelação de Jesus Cristo”) que o Apocalipse Se, como ressaltamos acima, Deus sempre fala no tempo, lugar e circunstâncias do 87
é um livro cristão (1:1). Jesus Cristo está presente em toda parte, tanto explicita- escritor original, o produto final (o texto) fala adequadamente em nome de ambos!
mente (Ap 1:1, 2, 5, 9; 11:15; 12:10, 17; 14:12; 17:6; 19:10; 20:4, 6; 22:16, 20, 21) Por amor à conveniência e facilidade de expressão, porém, neste capítulo falaremos
quanto em símbolos (Ap 1:12-16; 5:5-7; 7:17; 12:5, 11; 14:1-3). Há referências a geralmente em termos de “a intenção do autor” ou “intenção de João” sem, através
igrejas (Ap 1–3; 22:16) e à cruz (Ap 1:18; 5:6, 9, 12; 11:8; 12:11). O leitor atento disso, pretender insinuar que o livro é meramente um produto humano.
também se torna consciente de dezenas, se não centenas, de ecos recordando Para os adventistas do sétimo dia, talvez seja instrutivo relembrar a ex-
periência de Ellen G. White, que teve visões das coisas celestiais semelhantes
àquelas de João. Recentes estudos têm indicado, porém, que ela pesquisou lon-
1
Embora um conhecimento do grego e do hebraico não seja imprescindível para a compreensão da ga e arduamente para encontrar a melhor maneira de expressar o que ela havia
Bíblia (veja a conclusão deste capítulo), a leitura do texto na língua original nos ajuda a fugir das as- recebido na linguagem que seria apropriada aos leitores em seu tempo e lugar.
sociações familiares que as palavras em nosso idioma têm com nosso ambiente moderno. Na tradução Visões e pesquisa podem trabalhar juntas dentro de um simples ser humano
é mais fácil importar inconscientemente significados contemporâneos para nossa leitura do texto.
2
”A Bíblia foi escrita por homens inspirados, mas não é a maneira de pensar e exprimir-se de
para produzir um livro que transmita comunicações da mente de Deus.
Deus. Esta é da humanidade. Deus, como escritor, não se acha representado. Os homens dirão A presença do elemento divino no Apocalipse indica que o significado
muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não se pôs à prova na Bíblia final do livro frequentemente vai além do que o autor humano poderia ter
em palavras, em lógica, em retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não compreendido. Isto, porém, não autoriza intérpretes a procurar indiscrimi-
sua pena. Olhai os diversos escritores. Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os
nadamente no livro todos os tipos de ampliados significados. Precisamente
homens é que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões,
mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos. As
palavras, porém, recebem o cunho da mente individual. A mente divina é difusa. A mente divina,
bem como sua vontade, é combinada com a mente e a vontade humanas; assim as declarações do 3
  Para listas de paralelos à linguagem e temas do Novo Testamento, veja Rudolf Halver (1964, v.
homem são a Palavra de Deus” (WHITE, 2008, v.1, p. 21). 32, p. 58-70), William Milligan (1892, p. 42-70) e Henry B. Swete (1906, p. cli-cliii).
Estudos selecionados em interpretação profética Interpretando o

como Deus limitou-se a si mesmo quando assumiu a natureza humana na se às vezes o livro usa símbolos e conceitos que ocorrem na literatura não bíblica
encarnação, assim também se limitou quando escolheu expressar-se na Es- e na mitologia. O autor não pesquisou, necessariamente, esses símbolos; eles lhe
crituras através da linguagem de autores humanos.4 vieram como expressões vivas que seriam familiares a qualquer um que vivesse
Conquanto a intenção de Deus possa transcender a compreensão do autor na época na Ásia Menor (MORANT, 1969, p. 19).
humano, sua intenção é expressa por meio da linguagem escolhida pelo autor Conquanto em princípio possamos estar um tanto desconfortáveis com
humano. Portanto, qualquer que seja a intenção divina percebida na passagem, a ideia de que um escritor bíblico possa ter empregado em seu livro algumas
ela deve ser uma extensão natural da própria linguagem e propósito do autor.5 figuras mitológicas (por exemplo, animais de sete cabeças), devemos lembrar
a natureza profética do Apocalipse. Os profetas usavam a linguagem comum
Um livro profético da época para comunicar eficazmente. Assim, os estudiosos que têm encon-
Relacionada com a questão da intenção divina é a reivindicação do livro de trado antigas analogias para várias partes do Apocalipse podem nos ajudar a
prover informação verdadeira em relação ao futuro. O Apocalipse diz respeito compreender melhor a intenção das imagens do livro (ver BETZ, 1969, p. 155;
às coisas que “em breve devem acontecer” (1:1); coisas que “hão de acontecer HEDRIK, 1971, p. 94-95; SWEET, 1979, p. 41).7
depois destas” (1:19). Fala do regresso de Cristo e dAquele que “há de vir” (1:7-
8; 4:8). Promete recompensas ao vencedor (2:7, 11 etc.). Linguagem apocalíptica
O Apocalipse aponta para um futuro tempo de selamento (7:1-3); para É imediatamente evidente que o livro de Apocalipse não está escrito em pro-
uma futura “hora da provação” (3:10; 7:14); para uma futura multidão sa comum. Logo no início o livro é declarado ser “revelado em símbolos” (1:1,
redimida (7:9-11; 19:1-3); para uma grande proclamação final do evan- tradução literal). Uma águia fala, gafanhotos ignoram a vegetação, um grande
gelho (10:8-11; 14:6-12); para um juízo final (11:18; 20:11-15); e para uma dragão vermelho persegue uma mulher através do céu, um leão é transformado
grande batalha final (12–20) culminando na vinda de Cristo (14:14-20; em um cordeiro que vence tudo. Esta não é a linguagem típica do Novo Testa-
88 19:11-13.), introduzindo o final e universal domínio de Deus (11:15-17; mento (HALVER, 1964, v. 32, p.156). O Apocalipse é tão simbólico que o leitor 89
21–22:5). Assim, o Apocalipse está preocupado principalmente com even- precisa evitar ser demasiado literal na interpretação (MAURO, 1925, p. 23).8
tos que são futuros a partir da perspectiva do autor. Contudo, tal simbolismo cósmico era uma forma um tanto comum de
procedimento literário naqueles dias. Livros como Enoque Etiópico, 4 Esdras
Ambiente da Ásia Menor e 2 Baruque expressam sentimentos e teologia no que tem sido denominada
O texto do Apocalipse esclarece que o livro foi dirigido a sete igrejas da ”linguagem apocalíptica” (ver CHARLESWORTH, 1983-1984, v. 1). Assim, em-
província romana da Ásia (1:4; cf. 22:16).6 Portanto, não nos deve surpreender bora a linguagem do Apocalipse seja frequentemente estranha e simbólica, sua
mensagem está fundamentada firmemente na realidade. Muito provavelmente
o leitor cristão do primeiro século tinha relativamente pouca dificuldade em
4
  “A Escritura Sagrada, com suas divinas verdades, expressas em linguagem de homens, apresenta compreender os principais símbolos do livro (BARR, 1984, p. 40-41).9
uma união do divino com o humano. União semelhante existiu na natureza de Cristo, que era o Filho
de Deus e Filho do homem. Assim, é verdade com relação à Escritura, como o foi em relação a Cristo,
que ‘o Verbo [ou Palavra] se fez carne e habitou entre nós’ (Jo 1:14)” (WHITE, 2005, p. vi).
5
  Os escritores inspirados nem sempre compreendiam o conteúdo da revelação divina (veja
Daniel e 1Pe 1:10-13). Mas eles retinham o controle do texto (veja nota 8). No caso do Apocalipse, mente para outras congregações cristãs (cf. Cl 4:16).
o texto objetivava fazer sentido para seus leitores originais (Ap 1:3-4, 9-11; 22:16) bem posteriores. 7
  De especial auxílio é o comentário sobre Apocalipse de David Aune da série Word Biblical
  Nota editorial: A opinião de que o Apocalipse “fazia sentido” para seus leitores originais não Commentary. Aune é um especialista tanto no Apocalipse como no antigo mundo romano.
significa que os últimos viam ou esperavam cumprimentos imediatos da profecia total em seus 8
  Não há dúvida de que muitos assuntos em Apocalipse se destinam a ser tomadas literalmente (as
dias (opinião preterista). Muitos aspectos da visão estavam no futuro distante. As profecias sete igrejas, Cristo, João, guerra, e morte etc.), mas a declaração clara no início (1:1) combinada com os
messiânicas também “faziam sentido” para os profetas do Antigo Testamento, mas eles sabiam fenômenos do livro indica que simbolismo é a ferramenta principal do idioma usado no livro.
que seu cumprimento seria futuro para os seus tempos (1Pe 1:10-12). 9
  A construção grega em Ap 1:3 (αкоυō no acusativo) indica que os leitores e ouvintes deveriam
6
  Como com qualquer comunicação apostólica inspirada, a profecia teria tido significado igual- ter suficiente compreensão do livro para obedecê-lo.
Estudos selecionados em interpretação profética Interpretando o

Portanto, o intérprete do Apocalipse dos dias modernos precisará levar em À medida que o leitor obtém maior familiaridade com o Apocalipse, torna-
consideração a literatura apocalíptica dos tempos, que o ajudará a compreender se claro que a estrutura do livro está estritamente relacionada com o seu sig-
como a linguagem apocalíptica era entendida no primeiro século d.C. nificado. Há sete igrejas, sete selos, sete trombetas e sete cálices ou taças. Mui-
tos temas e símbolos que reaparecem em intervalos regulares (BARR, 1984, p.
Importância do Antigo Testamento 43). Quase cada passagem tem analogias em outro lugar do livro. O Apocalipse
Embora possam aparecer algumas alusões a fontes não bíblicas, é certo que o contém tal complexidade de entrelaçadas analogias que determinada passagem
Apocalipse não pode ser compreendido sem contínua referência ao Antigo Testa- pode estar mais estreitamente relacionada com material da outra extremidade
mento (BULLINGER, 1970, p. 17; FEUILLET, 1959, p. 55; SCROGGIIE, p. 22). Ele do livro do que com passagens vizinhas (THOMPSON, 1985, p. 16-17). Assim,
é “um perfeito mosaico de passagens do Antigo Testamento” (MILLIGAN, 1892, p. o intérprete precisa ter um bom conhecimento da estrutura e conteúdo de todo
72). A total infiltração do Antigo Testamento no Apocalipse indica que ele é a princi- o livro e estar ciente do impacto do todo sobre a passagem em estudo.12
pal chave para desvendar o significado dos símbolos do livro. Os ouvidos da audiên-
cia de João estavam muito melhor sintonizados para assimilar as alusões ao Antigo Um ambiente de adoração
Testamento do que é o caso hoje com muitas congregações cristãs (LINDARS, 1976, Uma das mais impressionantes características do Apocalipse é a sua repeti-
p. 65). O Antigo Testamento fornecia um meio de “descodificar” a mensagem do da descrição de cenas de adoração no Céu, geralmente no contexto de ima-
Apocalipse que não estava disponível ao observador externo (HOYT, 1953, p. 7).10 gens relacionadas com o santuário do Antigo Testamento (Ap 4; 5; 7:9-12; 8:2-
Nosso estudo do Apocalipse deve, portanto, incluir uma completa com- 6; 11:15-19; 15:5-8; 19:1-8). Não somente há um grande número de hinos no
preensão da história, poesia, linguagem e temas do Antigo Testamento. Sem tal livro (Ap 4:11; 5:9, 10, 12, 13; 7:10, 12; 11:15, 17), mas as próprias bênçãos e
compreensão, o significado do livro permanece oculto em grande parte. maldições sobre aqueles que lêem e ouvem o Apocalipse indicam uma leitura
pública do livro em um ambiente de adoração (1:3; 22:18-19).
90 Problema de alusões Estes fatos sugerem que precisa ser dada atenção às práticas cristãs de 91
Afirmar que o Apocalipse está saturado de conceitos do Antigo Testamento por adoração do primeiro século, às imagens do santuário do Antigo Testamento,
si só não aborda a questão de como eles são usados no livro. O leitor totalmente aos serviços religiosos da sinagoga judaica e aos targuns aramaicos que se de-
familiarizado com o Antigo Testamento percebe rapidamente que o Apocalipse senvolveram nas sinagogas judaicas.
jamais cita o Antigo Testamento.11 Antes, alude a ele com uma palavra aqui, um
conceito ali, uma frase em outro lugar (HASEL, 1982, v. 1, p. 105; SWEET, 1979, p. Conclusão
39). Conquanto esteja claro que o Antigo Testamento é básico para qualquer com- As características do livro de Apocalipse já examinadas chamam a at-
preensão do Apocalipse, nem sempre está claro a que parte do Antigo Testamento enção para o método. O método adequado para o estudo do Apocalipse re-
está se fazendo alusão em um dado verso (VOS, 1965, p. 18). fletirá estas características e as utilizará para esclarecer a intenção do autor.
Um método exegético que desvendará os símbolos do Apocalipse deve Volvemo-nos agora para um método proposto a fim de “decifrar o código”
incluir diretrizes para determinar quando e de que maneira o autor está deste fascinante livro, com ênfase especial sobre como descobrir e validar
aludindo ao Antigo Testamento. alusões feitas por João a fontes do Antigo Testamento.

Estrutura repetitiva

10
  Embora a autora sem dúvida tivesse experiências visionárias, o que ela escreveu é também
claramente o produto de interpretação e reflexão teológica.
11
  Das dezenas de estudiosos que fazem esta asserção, alguns importantes personagens serão suficientes,   Algumas das melhores estruturas de Apocalipse incluem as apresentada pelos seguintes
12

como: Kurt Aland (1975, p. 903), Adela Yarbro Collins (1984, p. 42), Elizabeth Schüssler Fiorenza (1980, autores: John Wick Bowman (1955, p. 440-43), Elisabeth Schüssler Fiorenza (1977, p. 358-66),
p. 108), Halver (1964, v. 32, p. 11-12), Pierre Prigent (1981, p. 368) e H. Barclay Swete (1902, p. 392). Leroy C. Spinks (1978, p. 211-22) e K. A. Strand (1972, p. 48).
Estudos selecionados em interpretação profética Interpretando o

Interpretando o Apocalipse resumo em favor de alguma “chave” externa limitaria, em vez de realçar, a com-
preensão de sua intenção.
As realidades previamente observadas no texto de Apocalipse sugerem que O Apocalipse é singular por sua estrutura incrivelmente entrelaçada. Isto
o intérprete deve seguir quatro passos fundamentais em seu estudo: (1) Fazer é tanto assim que a chave para o material em uma extremidade do livro pode
uma exegese básica (ou exposição) da passagem que está sendo estudada. (2) frequentemente ser encontrada na extremidade oposta. O contexto imediato de
Examinar analogias relevantes em outras partes do Apocalipse. (3) Encontrar as qualquer passagem pode ser tão vasto como todo o livro. Exemplos de óbvias
fontes das imagens do Antigo Testamento. (4) Descobrir se o Novo Testamento estruturas paralelas em Apocalipse incluem as trombetas e as taças, e o cava-
expande o significado desses símbolos à luz do evento-Cristo. leiro do cavalo branco nos capítulos 6 e 19.
O exame de tais estruturas paralelas habilita o estudante a aplicar às pas-
Exegese básica sagens difíceis ideias obtidas das mais claras. Por exemplo, muitos exegetas con-
O primeiro passo em torno da compreensão da mensagem do Apocalipse cordam que as sete taças ou pragas (cap. 16) são juízos de Deus sobre aqueles
é determinar o que o autor estava dizendo aos seus leitores originais em seu que o rejeitaram. Pareceria razoável, portanto, esperar um tema similar nas sete
tempo, lugar e circunstâncias. O termo “exegese” é uma palavra derivada do trombetas, um segmento em que há pouca concordância.
grego que significa “extrair”. Assim isto veio designar o processo de permitir
que o texto bíblico fale por si mesmo, em vez de impor à passagem um signifi- A fonte do Antigo Testamento
cado que se origina com o leitor. Consequentemente, a exegese básica dá aten- O próximo passo importante é determinar a que texto(s) do Antigo Testa-
ção ao significado das palavras (pelo uso de léxicos e dicionários teológicos), à mento João está aludindo.
sintaxe (como as palavras se relacionam umas com as outras em uma sentença), Enquanto nos movemos para esta seção decisiva, o leitor é lembrado
à estrutura da passagem e seu contexto imediato e à relação que a passagem tem da discussão anterior sobre a autoria divino-humana do Apocalipse. A im-
92 com sua situação contemporânea. pressão deixada pelo livro é de visões celestiais escritas por alguém que 93
A situação contemporânea é esclarecida aprendendo-se o que pode ser con- pesquisou cuidadosamente suas expressões nas Escrituras do Antigo Tes-
hecido acerca dos primeiros ouvintes e seu ambiente social, as preocupações tamento. Sendo que João em Patmos talvez não tenha tido acesso ao An-
que estimularam o autor a escrever e a literatura paralela da época, se disponível. tigo Testamento, é possível que ele possa ter “pesquisado” sua memória ou
Prestimosas introduções ao Apocalipse podem ser encontradas em muitos co- tivesse as alusões trazidas à sua mente diretamente por Deus.
mentários e em “introduções ao Novo Testamento”. Para o Apocalipse, um ex- Todavia, quer as alusões surgissem na mente de Deus quer na de João,
ame de outros escritos apocalípticos é especialmente proveitoso. elas refletem a mente de Deus e a mente de João à qual Deus se revelou.
Tais métodos de exegese, cuidadosamente efetuados, produzem uma compreen- Como salientamos anteriormente, expressões tais como “o autor”, “o intento
são razoavelmente clara da maioria dos livros do Novo Testamento. Mas no Apoc- de João” ou “o autor cita” não devem ser compreendidas como significan-
alipse eles produzem um resultado insatisfatório. É possível em Apocalipse conhecer do que o livro de Apocalipse é meramente um produto humano. Tais ex-
plenamente bem o que João está dizendo e ainda não ter absolutamente nenhuma pressões são apenas uma maneira conveniente de se referir à complexidade
ideia do que ele tem em vista (HALVER, 1964, v. 32, p. 7). Assim, é necessário um da autoria divino-humana do livro em sua totalidade.
método mais amplo, mais teológico de exegese para fazer justiça ao Apocalipse. Torna-se cada vez mais evidente para aqueles que estudam em profundidade
o Apocalipse que as expressões do livro estão inteiramente saturadas da linguagem,
Paralelos dentro do Apocalipse história e ideias do Antigo Testamento. Assim, é impossível compreender correta-
O próximo passo é examinar como os símbolos e estruturas de uma dada mente o Apocalipse se o seu antecedente veterotestamental não for levado a sério.
passagem são usados em outros lugares no Apocalipse. Quando o autor tem “Podemos dizer de uma forma geral, que até que tenhamos sucesso em expor
claramente definido sua intenção no contexto, é sem propósito procurar inter- a fonte do Antigo Testamento para uma profecia apocalíptica, não temos inter-
pretações criativas fora do livro. Por exemplo, em 3:21 e 11:18 o autor fornece pretado essa passagem” (KRAFT, 1974, v. 16a, p. 16).
um resumo interpretativo em adiantamento do material a seguir. Ignorar esse
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Somente quando é compreendida a base ou antecedente do Antigo Testa- uma lista de analogias do Antigo Testamento ao Apocalipse deve ser digna de
mento se pode esperar que o Apocalipse revele segredos que podem ter sido alguma coisa (BLACK, 1976, p. 135). É interessante observar que dez impor-
perfeitamente claros para o leitor do primeiro século (CORSINI, 1983, v. 5, p. 33; tantes comentaristas sobre o livro de Apocalipse apresentam listas amplamente
HOYT, 1953, p. 1-2, 7; MOUBCE, 1977, v. 17, p. 39; TENNEY, 1957, p. 112). O divergentes de alusões ao Antigo Testamento no Apocalipse (ver PAULIEN,
problema é como saber que texto(s) do Antigo Testamento João tinha em mente 1988, v. 11, p. 121-154). Isto demonstra que a tarefa não é fácil.
quando ele escreveu (GUNDRY, 1967, p. 4-5; TENNEY, 1957, p. 101; TRUDIN- Duas espécies de alusões. Antes de esboçar um método para determinar a pre-
GEN, 1963, p. 40; VOS, 1965, p. 18-19, 112). Contudo, o profeta jamais cita o An- sença de uma alusão ao Antigo Testamento, devemos distinguir entre duas espécies
tigo Testamento; meramente alude a ele.13 O problema de identificar uma alusão de alusões. Uma espécie assume a intenção do autor em apontar para o leitor uma
torna-se mais complicado quando descobrimos que em muitas ocasiões João obra anterior como um meio de expandir os horizontes do leitor. A porção do texto
parece ter citado imprecisamente de memória (JOHNSON, 1896, p. 29; SMITH em estudo só pode ser compreendida à luz da alusão em seu contexto original.15
JR., 1972, p. 61; TOY, 1884, p. xx), ou adaptado à linguagem do Antigo Testa- Uma alusão intencional como esta é chamada “alusão direta”.
mento para se ajustar à sua necessidade (COLLINS, 1984, p. 42; CORSINI, 1983, O outro tipo de alusão, que chamaremos de “eco”, não depende da atenta con-
v. 5, p. 32; FEED, 1965, p. 129; PERMAN, 1941, p. 53; PRESTON; HANSON, sciência de um uso literário anterior (HOLLANDER, 1981, p. 95). Muitas das figu-
1949, p. 35; STAGG, 1975, p. 333-334; STENDAHL, 1954, p. 159; VANHOYE, ras literárias do Apocalipse eram incertas no ambiente em que João vivia (ALTICK,
1962, p. 461-472; VOS, 1965, p. 23-32). É também muito possível que ele tenha 1975, p. 94). Embora ele utilize um “símbolo vivo” mencionado em dezenas de lu-
usado uma tradição textual diferente da que temos à nossa disposição (NICOLE, gares do Antigo Testamento, ele não está necessariamente ciente de sua história.
1940, p. 9-11; TENNEY, 1957; TRUDINGER, 1963, p. 17). Antes, ele extrai de um fundo comum de linguagem prontamente compreendido
Para complicar as coisas ainda mais, o Antigo Testamento é escrito em uma por seus leitores (HEDRIK, 1971, p. 17; EZELL, 1977, p. 21).
língua diferente da do Novo Testamento. Assim, expressões do Antigo Testamento Um eco está assim divorciado de seu contexto original. Enumerar passa-
94 em hebraico são encontradas na “tradução grega” do Novo Testamento (NICOLE, gens do Antigo Testamento em que um eco é encontrado não é proveitoso. O 95
1940, p. 11-12). Simplificaria grandemente as coisas se o autor do Apocalipse sem- que importa é o significado básico do eco. Um bom exemplo de eco é a figura
pre tivesse citado da tradução grega do Antigo Testamento como a Septuaginta. de vegetação como um símbolo para o povo de Deus. Usado com tal regulari-
Mas estudos recentes têm mostrado que o Apocalipse diverge amplamente da Sep- dade parece ter atingido um significado fixo nos tempos do Antigo Testamento
tuaginta. É muito possível que João fizesse sua tradução (CHARLES, 1920, v. 1, p. (compare Sl 1:3; Is 5:1-7; Jr 2:21 com Ap 8:7; 9:4). Isto de modo algum exclui,
lxvi) e às vezes se utilizasse de tradições textuais que nos são relativamente descon- porém, a possibilidade de que um eco de significado bastante fixo pudesse ser
hecidas, tais como os targuns aramaicos e a tradição textual hebraica representada aplicado diferentemente em diferentes contextos.16
em Qumran (TRUDINGER, 1966a, p. 82-88). Resumindo, referências alusivas ao Antigo Testamento podem entrar no
Assim, a busca de alusões não pode ser considerada cientificamente com- Apocalipse de duas maneiras. João pode usar uma fonte do Antigo Testa-
pleta sem um exame muito mais amplo das fontes do Antigo Testamento do que mento direta e conscientemente tendo em mente o seu contexto original. Tal
tem sido possível no passado.14 Felizmente, não é necessário identificar cada alusão é “vontade de ser” (BAKER, 1984, p. 7-8). João está plenamente con-
alusão à Bíblia Hebraica a fim de responder ao Apocalipse (COLLINS, 1984, sciente da fonte bem como sua relevância para sua composição. Ele admite
p. 44, 48). No entanto, controles cuidadosos devem ser postos em prática se

15
  Note as palavras de John Hollander (1981, p. 95) em seu The figure of Echo: A Mode of Allusion
13
  Contraste Apocalipse com o Evangelho de Mateus, que geralmente identifica a fonte de suas in Milton and After: “O texto ao qual se faz referência não está totalmente ausente, mas é parte da
citações do Antigo Testamento (Mt 2:17, 19; 33:3 etc) (VANHOYE, 1962, p. 436). biblioteca portátil partilhada pelo autor e sua audiência ideal. A intenção de aludir reconhecida-
14
  Além da Sptuaginta, traduções gregas tais como Áquila, Símaco e Teodocião; Targuns Ar- mente é esencial para o conceito.”
amaicos tais como Neofiti I e Pseudo-Jônatas sobre o Pentateuco, e as traduções massoréticas, 16
  Contraste Apocalipse 7:1-3 e 9:4, onde os vegetais são protegidos dos juízos divinos por uma
Qumran e Samaritana do hebraico deveriam ser consultadas. marca, com Ap 8:7, onde a vegetação é destruída pelos juízos divinos.
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o conhecimento do leitor tanto da fonte quanto da intenção do autor em conjunções menores são normalmente excluídos) são paralelas entre uma pas-
recorrer àquela fonte (HOLLANDER, 1981, p. 106). sagem do Apocalipse e uma passagem da Septuaginta ou de outra versão do
Por outro lado, o profeta pode “ecoar” ideias do Antigo Testamento, cuja primeiro século d.C.17 Estas duas importantes palavras podem ser acopladas em
origem não o preocupa. Em um eco ele não aponta ao leitor uma fonte de fun- uma frase, ou podem até mesmo ser separadas — desde que estejam em clara
do específico; meramente utiliza um “símbolo vivo” que geralmente será com- relação entre si em ambas as passagens do paralelo sugerido.
preendido por seus leitores contemporâneos. Os paralelos verbais são descobertos colocando-se o texto de Apocalipse lado a
A distinção entre alusões diretas e ecos é muito significativa para o estudo lado com o texto-fonte em potencial. O fraseado que é exato ou semelhante é enfati-
do Apocalipse. Deixando de fazer esta distinção, os comentaristas às vezes têm zado, e a relação em potencial entre as passagens é avaliada em uma base preliminar.
interpretado ecos como se o autor tivesse a intenção de que seu leitor incorpo- Um bom exemplo de paralelo verbal é encontrado em Apocalipse 9:2: “E a fu-
rasse o contexto de uma fonte em sua compreensão do Apocalipse. A distinção maça do poço subiu como a fumaça de uma grande fornalha” (tradução do autor).
entre alusões e ecos realmente exigem duas diferentes abordagens à interpre- Isto tem uma notável semelhança com o fraseado de Êxodo 19:18 na Septuaginta.18
tação, dependendo da natureza da relação do autor com uma fonte específica Um exemplo de um paralelo verbal onde duas palavras-chave não estão ligadas
em uma determinada passagem (ALTICK, 1975, p. 95-96). gramaticalmente pode ser visto comparando-se Apocalipse 9:2 com Gênesis 1:2.19
Alusões diretas. A presença de uma alusão direta requer que o intérprete as- Quanto mais palavras importantes que são encontradas em comum, maior a proba-
socie o material à sua fonte (HOLLANDER, 1981, p. 106). João assume que a fonte bilidade de que uma alusão direta esteja presente. Uma alusão direta não deve ser
de literatura é conhecida e que o leitor pode extrair ideias do contexto da fonte que assumida com todo paralelo verbal; a observação de fraseado comum é apenas
melhorem sua compreensão da profecia do Apocalipse. Mas a fim de lidar adequ- parte do processo de acumular evidência para uma alusão direta.
adamente com alusões diretas é necessário identificar corretamente suas fontes. 2. Paralelos temáticos. Muitas vezes o profeta claramente tem em mente
O procedimento para a identificação de alusões diretas opera por um pro- uma passagem do Antigo Testamento, mas usa uma diferente palavra grega da
96 cesso de eliminação. Analogias sugeridas podem ser recolhidas de comentários, Septuaginta, ou usa apenas uma simples palavra para fazer a conexão. Isto não 97
referências marginais e listas de alusões ao Antigo Testamento. Estas são en- deve surpreender. As alusões por sua própria natureza não são obrigadas a
tão examinadas para ver se satisfazem um ou mais dos três critérios para uma reproduzir o fraseado preciso do original (VOS, 1965, p. 112). Podem envolver
alusão direta (veja abaixo). Quanto mais critérios uma referência satisfaz, mais ideias bem como fraseado, e incluir semelhança de tema e deliberado contraste
provável é que João tinha em mente essa passagem específica do Antigo Testa- (BAKER, 1984, p. 10; TENNEY, 1957, p. 101). Tais paralelos de uma só palavra
mento quando escreveu essa porção do Apocalipse. são distinguidos dos “ecos” em que há uma evidente relação temática entre os
Os três critérios são os seguintes: contextos em que as palavras paralelas são encontradas.
1. Paralelos verbais. O termo “citação” não está claramente definido na litera- Os paralelos temáticos podem ser encontrados não somente pela com-
tura (TRUDINGER, 1963, p. 12-15; 1966b). Todavia, uma boa definição é dada por paração com a Septuaginta, mas também comparando-se o intento do gre-
Trudinger (1966a, p. 82): “Alguém pode dizer que está citando quando usa combi- go do Apocalipse com o hebraico e o aramaico do Antigo Testamento (ver
nações de palavras de uma forma em que não poderia usá-las se não fosse por um
conhecimento de sua ocorrência nesta forma específica em outra fonte.”
Por esta definição é evidente que o termo “citação” só pode raramente, se algu- 17
  As versões existents na Héxapla de Origenes (FIELD, 1964) provavelmente reflete ao menos
ma vez, ser aplicado ao uso do Antigo Testamento pelo profeta. Apenas ocasional- algumas versões correntes quando o Apocalipse foi escrito. Os paralelos verbais não operam na
tradução a menos que a transliteração esteja envolvida. Exemplo: “Messias” é claramente um
mente João usa mais de três ou quatro palavras na mesma sequência em que elas são
paralelo verbal do hebraico meshiach.
encontradas no Antigo Testamento (TENNEY, 1957, p. 101). Assim, os paralelos 18
  Ap 9:2, kai anebē kapnos ek tou phreatos ōs kapnos kaminou megalēs; Êx 19:18 na LXX, kai
verbais podem ser compreendidos em um sentido mais amplo do que as citações. anebainen ho kapnos, hōsei kapnos kaminou.
Um paralelo verbal, portanto, é definido como ocorrendo sempre que pelo 19
  As conexões principais são os termos “trevas” (substantivo, skotos; verbo, skotoō) e “abismo”
menos duas palavras de mais do que menor significado (artigos, preposições e (abussos). Gn 1:2, LXX, kai skotos, epanō tēs abussou [...] Ap 9:2, kai ēnoixen to phrear tēs abussou
[...] kai eskotōthē ho hēlios kai ho aēr.
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MCNAMARA, 1978, v. 27a; TRUDINGER, 1966a). Tais equivalentes greco- Os paralelos estruturais não estão limitados às passagens paralelas. Às vezes
semíticos são colocados em uma categoria separada por causa do maior eles ocorrem em relação com estruturas históricas ou teológicas mais amplas
nível de incerteza quanto à intenção do autor. que vão além de passagens específicas do Antigo Testamento. Por exemplo, as
Um exemplo de paralelo temático é dado por Tenney (1957, p. 102). Ele sete trombetas bem como as sete últimas pragas de Apocalipse são inquestiona-
nota que embora o termo “todo-poderoso” ocorra muitas vezes no Antigo velmente paralelas às pragas de Êxodo descritas explicitamente em Êxodo 7–12
Testamento, somente em Amós 4:13 (LXX) ele é usado em um contexto que e outras porções do Antigo Testamento (Sl 78, 105, 135, 136) e implicitamente
é paralelo a Apocalipse 1:8. O conceito de contextos paralelos provê uma em uma multidão de referências nos profetas. Os relatos veterotestamentais da
salvaguarda conta a seleção indiscriminada. Criação, da queda de Babilônia e da conquista de Jericó são vistos como estando
Outro paralelo temático pode ser encontrado comparando-se Apocalipse na base do material das sete trombetas.
9:4 e Ezequiel 9:4. Em ambos os casos é colocado um sinal na testa com a finali- O que está acima pode parecer semelhante aos paralelos temáticos, mas ali
dade de proteção contra os juízos divinos. As duas passagens são claramente pa- há uma sutil e importante diferença. Um paralelo temático está limitado a uma
ralelas, embora seja usada uma palavra grega diferente para “marca”.20 Contudo, ideia específica em Apocalipse que tem um antecessor em potencial em uma
não se deve supor automaticamente apenas deste paralelo que o revelador está passagem específica do Antigo Testamento. Juntamente com os paralelos ver-
apontando para Ezequiel 9:4. Mas a observação deste tema semelhante é parte bais, os paralelos temáticos constituem os básicos blocos de construção pelos
do processo de acumular evidência para determinar a intenção de João. quais podem ser tomadas decisões concernentes à influência.
3. Paralelos estruturais. Às vezes o profeta de Apocalipse usa o Antigo Testa- Contrastando, os paralelos estruturais ocorrem se uma seção de Apocalipse
mento construindo sobre a estrutura literária ou teológica de seções inteiras sem baseia-se ou em um antecessor literário (como Joel 2:1-11 para Apocalipse 9:1-
necessariamente seguir o fraseado exato (BEALE, 1984, p. 307; HEDRIK, 1971, p. 11) ou em uma grande estrutura teológica como o tema de Êxodo. Tais paralelos
17; VANHOYE, 1962, p. 440-441).21 Ocorre um paralelo estrutural quando João estruturais normalmente compreendem vários paralelos verbais e/ou temáticos.
98 modela uma determinada passagem em um texto do Antigo Testamento, utilizando Resumo de critérios. A fim de se qualificar como uma alusão direta ao An- 99
sua linguagem e temas em aproximadamente a mesma ordem. tigo Testamento, uma palavra ou frase de Apocalipse deve satisfazer no mínimo
Um bom exemplo de tal paralelo estrutural pode ser visto comparando-se um dos critérios acima. Muitos satisfarão mais do que um.
Apocalipse 9:1-11 com Joel 2:1-11. Note que ambas as passagens começam com um Dos três, os paralelos verbais são frequentemente o critério mais fraco. Seu
toque de trombeta, mencionam trevas, um exército de gafanhotos, uma descrição valor como evidência aumenta, porém, quando as várias palavras paralelas au-
daquele exército e finalmente uma referência ao líder daquele exército. Outros pa- mentam e ao ponto em que as palavras paralelas são ordenadas de um modo
ralelos entre as duas passagens incluem a ansiedade daqueles que são afligidos pelo semelhante em ambas as passagens. Sendo que os paralelos estruturais consis-
exército de gafanhotos, o escurecimento do sol e um ruído de carros.22 tem de vários paralelos verbais e temáticos integrados, eles normalmente con-
stituem a mais forte evidência para uma alusão direta.
Quanto mais critérios uma alusão direta específica se ajusta, mais certo é que o
autor conscientemente moldou sua passagem tendo em mente o contexto do An-
20
  Ez 9:4, LXX, semeiōn; Ap 9:4, sphragida. tigo Testamento (DODD, 1952, p. 126). A certeza é também afetada pelas várias
21
  Este critério inclui o que Morton Smith (p. 78, 115) chama “paralelos de forma literária” e “pa- passagens da literatura anterior em que palavras, conceitos e estruturas específicas
ralelos em tipos de associação”. Lars Hartman (1966, p. 126, 95, 118, 137) parece estar sugerindo algo são encontrados. Quando determinado paralelo é singular em literatura anterior, a
semelhante ao meu conceito de “paralelo estrutural” em seu uso da frase “padrões de pensamento”. Ele
probabilidade de que João está dirigindo nossa atenção àquela passagem específica
também observa que Zc 12:2-4 provê a “estrutura” para 1 Enoque 56:5-8 (HARTMAN, 1966, p. 89).
22
  Outros exemplos de paralelos na estrutura literária podem ser vistos comparando-se Apoc- é correspondentemente aumentada (HARTMAN, 1966, p. 85, 115).
alipse 1:12-18 com Daniel 7:9-13, e Daniel 10; Apocalipse 13 com Daniel 3 e 7; Apocalipse 18 com
Ezequiel 26-28; e Apocalipse 19:11-16 com Isaías 63:1-6. Alguns até mesmo sugerem que todo
o livro de Apocalipse está estruturado para se assemelhar ao livro de Ezequiel (ver GOULDER,
1981, p. 343-50; VANHOYE, 1962, p. 436-76).
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Classificação de alusões diretas Em Isaías 30:30, fogo e saraiva são derramados como juízos sobre os as-
Nossa lista de alusões diretas ao Antigo Testamento em Apocalipse são ap- sírios. Contudo, embora a primeira trombeta contenha um paralelo verbal e
enas probabilidades. Aquele que cria a lista de alusões deve, portanto, indicar o um paralelo temático a Isaías 30:30, não se pode falar em nenhum paralelo
nível de incerteza envolvido e, onde possível, as razões para essa incerteza. estrutural, e os outros paralelos são relativamente fracos. Assim, é possível que
As alusões em potencial podem ser classificadas em cinco categorias de João tivesse em mente essa passagem do Antigo Testamento quando escreveu a
probabilidade: alusões certas, alusões prováveis, alusões possíveis, alusões in- primeira trombeta, mas não há suficiente evidência para uma certeza razoável.
certas, e não alusões. Tal paralelo pode ser instrutivo para o intérprete, mas nunca deve ser usado
Alusões certas. Estas existem quando a evidência para dependência é tão deci- como a única evidência para uma interpretação.
siva que o intérprete está certo ou praticamente certo de que João estava apontando Alusões incertas. Estas parecem ter algumas ideias paralelas, mas as alusões
para um texto antecedente. Um exemplo de alusão certa é a referência à sétima são muito fracas. Entretanto, o intérprete não pode conclusivamente negar que
praga do Egito na primeira trombeta (cf. Êx 9:23-26; Ap 8:7). As pragas do Êxodo elas são alusões diretas.
são um paralelo estrutural subjacente às sete trombetas como um todo. Na margem da vigésima-sexta edição do Novo Testamento Grego de
Assim, esperaríamos que João refletisse pragas específicas em vários pon- Nestle-Aland, Ezequiel 5:12 está enumerado como paralelo para a primeira
tos da narrativa. A ação tanto da primeira trombeta quanto da sétima praga trombeta. A ausência de paralelos verbais e temáticos indica que é incerto
se origina no Céu, envolve uma mistura de saraiva e fogo caindo sobre a Terra, que João aqui tivesse especificamente em mente Ezequiel 5:12, embora a
e resulta em destruição para a vegetação da Terra. Há também um paralelo expressão “terça parte” esteja presente em ambas as passagens. Mas se o con-
temático: ambos os lances são juízos divinos sobre aqueles que se opõem a Deus ceito de uma “terça” foi extraído do Antigo Testamento, foi provavelmente
e ao seu povo. Esta afluência de evidência leva esta alusão direta a um alto nível baseado em Ezequiel 5:1-4 ou Zacarias 13:8-9 em vez de nessa passagem.23
de certeza que é raro em Apocalipse. O contexto de uma alusão incerta não deve ser usado na interpretação do
100 Alusões prováveis. Essa classificação é atribuída a uma passagem quando Apocalipse, mas pode ser uma fonte para definir um ou mais “ecos”. 101
a evidência de sua relação é considerável, mas fica aquém da certeza absoluta. Não alusões. A categoria de “não alusão” é relevante somente quando se
Um exemplo de alusão provável é a relação entre a primeira trombeta e Ezequiel avalia as listas de alusões sugeridas. Depois de examinar, o intérprete conclui
38:22. Os paralelos verbais e temáticos são virtualmente tão extensos como é o que não há nenhuma evidência de que o autor tinha em vista um paralelo en-
caso com Êxodo 9:23-26. Não somente isso, mas a combinação de saraiva, fogo tre os dois textos. Eugen Hühn, por exemplo, achava que a primeira trombeta
e sangue que está sendo usada em juízo é exclusiva para Ezequiel 38. fazia referência a Isaías 2:13, em que árvores são usadas como um símbolo do
Todavia, as sete trombetas são uma porção do Apocalipse que tem soberbo e altivo a quem Deus humilhará (HÜHN, 1900, p. 247). A ausência de
apenas referências mínimas a Ezequiel, de sorte que o paralelo estrutural está um paralelo verbal no grego, e de quaisquer paralelos temáticos ou estruturais,
ausente. Assim, existe incerteza suficiente no tocante a essa alusão direta para nega a esse paralelo sugerido a condição de uma alusão direta. A definição de
levá-la a ser classificada como “provável” em vez de “certa”. Contudo, sendo árvores por Isaías, porém, pode ser “ecoada” por João na primeira trombeta.
que as alusões tanto certas quanto prováveis são consideradas suscetíveis de ter A conclusão de tal estudo deve, é claro, permanecer um tanto experimental. Mas
estado na mente do revelador quando ele escreveu, o intérprete deve levar em não é necessário traçar cada paralelo ao Antigo Testamento a fim de compreender
consideração o contexto original do texto de origem na interpretação da pas- a mensagem básica do livro (COLLINS, 1984, 44, 48). Conquanto o intérprete deva
sagem de Apocalipse que contém a alusão. ser receptivo a nova evidência que possa levar paralelos específicos a serem reavali-
Alusões possíveis. Em uma alusão possível, há evidência suficiente para in- ados de vez em quando, o procedimento acima coloca em uma base mais objetiva a
dicar que João pode ter estado fazendo uma alusão direta à passagem do Antigo interpretação de alusões diretas ao Antigo Testamento em Apocalipse.
Testamento, mas não suficiente para ser razoavelmente certa. Um exemplo de
uma alusão possível é a relação entre a primeira trombeta e Isaías 30:30.
23
  Ezequiel 5:12 poderia concebivelmente ser relacionado com 5:1-4, que é uma provável alusão,
mas isto não acrescentaria nada à nossa compreensão da primeira trombeta.
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O Novo Testamento Jesus Cristo é um novo Moisés (Jo 5:45-47), que é ameaçado em seu nas-
Já temos notado que o livro de Apocalipse é um livro cristão e está repleto de cimento por um rei hostil (Mt 2), passa 40 dias jejuando no deserto, impera
uma multidão de paralelos a outros livros do Novo Testamento. O que temos no sobre 12 e ordena 70, dá a lei de um alto monte (Mt 5:1-2), alimenta seu
Apocalipse é uma declaração de Jesus em “muitas, muitas telas” (SCHMIDT, 1947, p. povo com o pão do céu (Jo 6:28-35) e ascende ao Céu depois da ressurreição.
177). Como um verdadeiro resumo da mensagem do Novo Testamento, ele é com Ele é o novo Israel, que sai do Egito (Mt 2), passa pelas águas (Mt 3:13-17),
razão colocado no final do cânon neotestamentário (HALVER, 1964, v. 32, p. 58). é levado pelo Espírito ao deserto, passa pelas águas uma segunda vez (Lc
Traçar paralelos de ambos os Testamentos sugere que o livro de Apocalipse é 12:50 — batismo na cruz) e entra na Canaã celestial.
praticamente uma declaração sumária dos temas de toda a Bíblia (MOLATT, 1984, Tais exemplos poderiam ser multiplicados. No Novo Testamento, Jesus é o novo
p. 30). Um estudioso chama o Apocalipse de “o final da sinfonia bíblica” (MOLATT, Isaque, o novo Davi, o novo Salomão, o novo Eliseu, o novo Josué e o novo Ciro. Os
1984, p. 30). Outro declara: “Neste livro todos os outros livros da Bíblia terminam e escritores do Novo Testamento veem a vida, morte e ressurreição de Jesus como
se encontram” (JAMIESON; FAUSSET; BROWN, 1961, p. 1526).24 cumprindo toda a experiência do povo de Deus desde Adão até João Batista.
Portanto, o autor do Apocalipse não usa a linguagem e ideias do Antigo Testa- Como deveria o cristão se relacionar com esta história? Cumprindo todo
mento de um modo insipidamente literal (VOS, 1965, p. 36-40). O significado sug- o Antigo Testamento em Sua própria experiência, Jesus estava atualizando essa
erido pelas alusões ao Antigo Testamento para os símbolos do Apocalipse deve ser experiência para todos os que estão “nEle”. NEle o crente se torna um verdadei-
visto à luz do evento Cristo (EZELL, 1977, p. 23; FORD, 1982, p. 98; KRAFT, 1974, v. ro israelita (Gl 3:29; At 13:32-33; 2Co 1:20) quando confessa que Jesus é o Mes-
16a, p. 85; LESTRINGANT, 1942, 152). A vitória de Jesus Cristo é o novo princípio sias (Jo 1:47-50), Aquele que deveria realizar as esperanças de Israel. Assim todo
organizador da história no Apocalipse (SCHLIER, 1964, p. 361). o Antigo Testamento torna-se relevante para a experiência do cristão. Quem
É claro que sua experiência com Jesus e a inspiração do Espírito Santo (1:10) crê em Cristo é parte de um novo Israel (LARONDELLE, 1983, p. 121). “Não
levou João a cristianizar os materiais do Antigo Testamento com os quais ele es- há nenhuma mudança na fraseologia empregada no Novo Testamento, mas há
102 tava trabalhando (BARR, 1984, p. 42). Assim, nós também devemos interpretar positivamente uma mudança concernente ao povo a quem essas profecias e des- 103
esses conceitos através do prisma do evento-Cristo (EZELL, 1977, p. 23; FORD, ignações agora se aplicam. No Novo Testamento, fala-se da igreja na linguagem
1982, p. 98). A melhor maneira de fazer isto é procurar paralelos do Novo Tes- empregada no Antigo Testamento concernente a Israel” (WERE, 1977, p. 30).
tamento para as expressões do Antigo Testamento no livro de Apocalipse. Este A transferêndcia do Novo Testamento do termo “Israel” da nação judaica
processo pode ocorrer por meio do mesmo método usado para determinar para a igreja tem um profundo impacto sobre a maneira como a história e a pro-
alusões ao Antigo Testamento no Apocalipse. fecia do Antigo Testamento é colocada a serviço da igreja. O Novo Testamento
Os escritores do Novo Testamento compreendiam a Cristo como cumpri- universaliza as promessas da aliança (PAULIEN, 1984, p. 375). Israel não deve
mento do intento básico do Antigo Testamento.25 Isto é verdade não apenas de ser mais visto em termos étnicos ou geográficos (1Pe 2:4-10; Tg 1:1). O Shekiná
escolhidas profecias messiânicas, mas de todo o espectro da história do Antigo é visto na reunião daqueles que creem em Jesus (Mt 18:20). O verdadeiro temp-
Testamento. Jesus é a nova criação (2Co 5:17), nascido por meio do Espírito que lo na Terra é espiritual e mundial, modelado segundo o verdadeiro tabernáculo
envolve Maria (cf. Lc 1:35 com Gn 1:2). Ele é o novo Adão (Rm 5 e 1Co 15); dos lugares celestiais (2Co 6:14-18; Gl 4:26; Hb 8:1-2). Babilônia e Egito são
feito à imagem de Deus (2Co 4:4; Cl 1:15), casado com uma nova Eva (Ef 5:32- também espiritualizados e representam os inimigos da igreja.
33 — a igreja), e em pleno domínio sobre a Terra (Jo 6:16-21), sobre os peixes Assim, as imagens do Antigo Testamento não devem ser insipidamente apli-
do mar (Lc 5:1-11; Jo 21), e sobre todos os seres vivos (Mc 11:2). cadas ao livro de Apocalipse. Como os autores do Novo Testamento, João está
plenamente cônscio do impacto do evento Cristo sobre as realidades espirituais.
A menos que o significado de Jesus Cristo e a cruz sejam deixados a permear os
24
  Note a aprovação de Ellen G. White (2007, p. 585) a esta declaração em Atos dos Apóstolos
(paralelo verbal e temático!).
25
  João 5:39-40; Lucas 24:25-27, 44-47. Um escelente estudo partindo de uma perspectiva ad-
ventista é Hans K. LaRondelle (1983).
Estudos selecionados em interpretação profética Interpretando o

símbolos do Apocalipse, a interpretação resultante não será cristã, não importa imagens apocalípticas são certamente estranhas, mas para aqueles que estão famil-
quão frequentemente Cristo possa ser nomeado em sua explicação.26 iarizados com o Antigo Testamento, o livro perde bastante de sua estranheza.
Deve-se admitir, é claro, que as habilidades acadêmicas e o preparo do especial-
Considerações finais ista podem salvaguardá-lo de opiniões falhas baseadas em informação inadequada.
Todavia, indivíduos não familiarizados com as línguas originais ou com antigos
Por causa das limitações de espaço, este capítulo é demasiado breve para materiais básicos podem contribuir grandemente para o contínuo crescimento da
mostrar todas as implicações de um método exegético para o estudo do Apoc- igreja nesta área pela aplicação de outras salvaguardas como as seguintes:
alipse. Assim, os aspectos do método que poderiam ser pertinentes para o espe- 1. Em todas as oportunidades para o estudo, o estudante do Apocalipse deve
cialista foram deixados de lado. Aqueles que gostariam de explorar em profun- orar fervorosamente por uma atitude de aprendizagem e uma abertura à di-
didade os problemas envolvidos na aplicação do método para as complexidades reção do Espírito Santo. Sem oração e a iluminação do Espírito Santo, a obra até
das línguas originais seriam aconselhados a examinar o meu livro mais técnico mesmo do mais excelente erudito pode sutilmente se desviar. A intenção divina
sobre o assunto (ver PAULIEN, 1988, v. 11). não é controlada por mentes seculares. O testemunho unido das Escrituras é
O método não pode ser aprendido pela mera leitura deste capítulo. Deve que os “pensamentos [de Deus] não são os vossos pensamentos” (Is 55:8) e as
ser descoberto em experiência interativa com o texto. Quanto mais tempo se coisas espirituais “se discernem espiritualmente” (1Co 2:14).
gasta examinando os paralelos verbais, temáticos e estruturais, mais se tem a 2. O uso de várias traduções pode proteger o estudo da Bíblia da aberração
sensação da dinâmica envolvida no uso da linguagem pelo autor. ocasional introduzida por tradução defeituosa ou por erros na transmissão
Para examinar onde o autor está fazendo uma alusão direta, temos de manuscrita. Estas podem ser complementadas pelo uso de uma concordância
lidar com probabilidades. Onde não temos certeza se João está fazendo uma analítica, como a de Strong ou de Young, que levará o estudante de volta ao fra-
alusão direta, seria melhor deixar o contexto do Antigo Testamento fora da seado original sem a necessidade de aprender um alfabeto desconhecido.
104 discussão deste texto específico do Apocalipse. 3. A maior parte de um período de estudo da Bíblia deve ser gasta nas seções 105
Embora não seja irrazoável, não é^historicamente certo^que^o^autor^do das Escrituras que são razoavelmente claras. É através de passagens claras das Es-
Apocalipse tivesse acesso a qualquer dos documentos do Novo Testamento. Seu con- crituras que as passagens obscuras, tais como os selos e as trombetas do Apocalipse,
hecimento do ensino do Novo Testamento pode ter vindo através de experiência di- podem ser compreendidas mais exatamente. A fascinação excessiva por textos e as-
reta com Cristo, com a tradição oral e/ou documentos agora perdidos para a história. suntos problemáticos pode resultar em distorção gradual da compreensão, levando
Assim, é geralmente mais seguro admitir que João se baseia em uma tradição comu- a opiniões estreitas e frequentemente fanáticas que dividirão a igreja.
mente compreendida do que em documentos específicos do Novo Testamento. 4. Os resultados do estudo detalhado, como pesquisas de concordância e análise
Sem dúvida, o não especialista que ler este capítulo se sentirá desanimado acerca de alusões, devem ser comparados com muita leitura geral das Escrituras para que a
das possibilidades de usar tal método. Com pouca experiência na prática da exegese, obsessão com detalhes não desvie ninguém da ênfase central da passagem que está
pouca ou nenhuma experiência da apocalíptica judaica ou do ambiente cultural da sendo estudada. É possível provar quase tudo com uma concordância. Este perigo é
Ásia Menor do primeiro século, nenhum conhecimento do grego, hebraico, ou ara- minimizado, porém, quando cada passagem é compreendida à luz de muita leitura
maico, muitos leitores serão tentados a levantar as mãos em desespero. geral das Escrituras no contexto, preferivelmente em uma tradução clara e atual-
Felizmente, embora esse conhecimento e habilidades sejam extremamente izada onde o contexto mais amplo pode ser visto a surgir.
proveitosos, eles são raramente decisivos para a interpretação do livro de Apoc- 5. Os métodos eficientes devem ser aplicados às contribuições que Ellen
alipse. Por exemplo, a vasta maioria de alusões ao Antigo Testamento no livro de White oferece para a compreensão de textos difíceis.27 Muito dano pode ser feito
Apocalipse é claramente evidente até mesmo nas traduções em nosso idioma. As quando sua autoridade na igreja é usada de uma maneira irregular, resultando

26
  Uma excelente aplicação deste princípio pode ser encontrada em Hans K. LaRondelle (1987, 27
  Veja neste volume, capítulo 7, “Uso de Daniel e Apocalipse por Ellen G. White”, e capítulo 8,
p. 108-145). “O uso dos escritos de Ellen G. White pelo intérprete”.
Estudos selecionados em interpretação profética Interpretando o

em uma distorção da intenção do escritor das Escrituras. Corretamente com- BLACK, M. Some Greek Words With ‘Hebrew’ Meanings in the Epistles and Apocalypse. In:
preendida, a inspiração se harmoniza consigo mesma. Os princípios 3 e 4 acima MCKAY, J. R.; MILLER, J. F. (Eds.). Biblical Studies: Essays in Honour of William Barcaly.
se aplicam também aos escritos do Espírito de Profecia. Londres: Collins, 1976.
6. É prudente que os intérpretes individuais estejam abertos às críticas
BOWMAN, J. W. The Revelation to John: Its Dramatic Structure and Message. Interpretation, v.
construtivas de seus colegas, principalmente daqueles que discordam deles.
9, n. 4, p. 453-456, 1955.
Aqueles que discordam de nós frequentemente podem apontar para reali-
dades no texto que temos omitido por causa de nossas estreitas perspectivas. BULLINGER, E. W. The Apocalypse. Londres: Attic Press, 1935.
Tal crítica é particularmente valiosa quando vem de indivíduos que são do-
tados de capacidade invulgar e/ou com recursos, como o conhecimento das CHARLES, R. H. The Revelation of St. John. Edimburgo: [s. n.], 1920. v. 1.
línguas originais, que pode ajudar na exegese.
Concluindo, a tarefa delineada neste capítulo não é fácil, mas é emocion- CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). The Old Testament Pseudepigrapha. Garden City:
ante. Por meio de uma cuidadosa aplicação do método, os estudantes da Bíblia Doubleday, 1983. v. 1.
podem obter uma compreensão mais profunda da mensagem do Apocalipse.
COLLINS, A. Y. Crisis and Catharsis: the power of the Apocalypse. Philadelphia: Westminster
Ao serem tais percepções partilhadas dentro do corpo da igreja, correção mútua
Press, 1984.
pode ocorrer. Juntos, podemos crescer em nossa compreensão do Apocalipse e
caminhar em direção daquele grande reavivamento prometido.28 CORSINI, E. The Apocalypse: the perennial revelation of Jesus Christ. Wilmington: Veritas
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  Ellen G. White (2002, p. 113) alega que: “Quando nós, como um povo, compreendermos o
28

que este livro [Apocalipse] para nós significa, será visto entre nós grande reavivamento.”
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5
Estudos selecionados em interpretação profética

Tipologia do santuário
Richard M. Davidson

Esboço do capítulo
1. Tipologia Bíblica
2. Compreendendo a tipologia do Santuário
em Apocalipse
3. Tipologia do Santuário no arranjo literário
4. Considerações finais
5. Gráficos 1-4

112
Sinopse editorial. Até mesmo
uma leitura casual das Escrituras
revela que Deus fala ao seu povo
em uma variedade de maneiras.
Tipologia é um dos métodos pelos
quais o Espírito Santo explicou de
uma maneira concreta ou gráfica as
várias facetas da verdade espiritual.
A mente apreende a representação
simbólica mais prontamente do
que o faz com o raciocínio abstrato.
Neste capítulo, o escritor define a
tipologia bíblica como “prefigu-
rações divinamente designadas (na
forma de pessoas/eventos/institu-
ições) que apontam para o seu cum-
primento antitípico em Cristo e nas
realidades do evangelho produzidas
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

por Cristo”. Uma porção significativa das Escrituras repousa sobre esta sube- Tipologia bíblica
strutura tipológica do Antigo Testamento e o cumprimento neotestamentário.
O culto israelita centralizava-se nos ritos e festividades do sistema do templo-san-
Introdução
tuário. Mais do que ritual, porém, o sistema em si compunha uma integrada tipologia
Em anos recentes, vários estudiosos têm ressaltado a importância da
que prefigurava o evento Cristo e a completa realização do plano da salvação.
tipologia para os escritores do Novo Testamento. O gráfico 1 exemplifica
O Novo Testamento reconhece um triplo cumprimento de todos os tipos
algumas dessas modernas avaliações e resumos comparando as duas prin-
do Antigo Testamento — inclusive o da instituição do santuário. Assim, a
cipais opiniões de tipologia bíblica que têm disputado a atenção no mundo
tipologia do santuário encontra no Novo Testamento (1) um cumprimento
erudito: a tradicional e a “pós-crítica”.1
cristológico — em que Cristo é percebido como o verdadeiro templo (Jo 1:14;
Em minha tese publicada, procurei determinar a verdadeira natureza da tipo-
2:21); (2) um cumprimento eclesiológico — em que a igreja é compreendida
logia bíblica. Suas características básicas surgiram de uma análise de passagens es-
como o templo de Deus (1Co 3:16, 17; 2Co 6:16); e (3) um cumprimento
criturísticas representativas. Estas eram claramente tipológicas porque os escritores
apocalíptico — em que Cristo ministra os méritos do Seu sacrifício por nós
da Bíblia empregaram os termos hermenêuticos tupos (tipo) ou antitupos (antítipo)
no antitípico santuário celestial, na presença de Deus, um ministério que
(DAVIDSON, 1981, v. 2). Os seguintes elementos básicos têm consistentemente
conclui com o julgamento final (Hb 8:1, 2; 9:24; Ap 3:5).
surgido desse estudo (ver DAVIDSON, 1981, v. 2; 1984, p. 16-19, 30).
Não é de surpreender, portanto, descobrir que as visões de João das re-
alidades celestiais centralizam-se no templo-santuário celestial. O enfoque Elementos básicos
nesse santuário como o local de toda a atividade divina redentora é parte Elemento histórico. O elemento histórico salienta o fato de que a tipologia
integrante do arranjo literário do Apocalipse. Cada uma das suas grandes está arraigada na história. Três aspectos decisivos estão envolvidos. (1) O tipo
sequências visionárias (quer seja sete ou oito, os eruditos diferem quanto ao e o antítipo são realidades históricas cuja historicidade é assumida e é essencial
114 número) se inicia com um cenário do templo-santuário celestial que afeta a 115
para o argumento tipológico. Por exemplo, personagens históricas (Adão e out-
interpretação da profecia subsequente. ros), eventos (Êxodo, Dilúvio) ou instituições (santuário) são usados como pre-
O Apocalipse apresenta progressões lineares e recapitulação. Embora as sequên- figurações. (2) Seus antítipos no Novo Testamento são igualmente realidades
cias individuais — tais como igrejas, selos e trombetas — sigam um movimento de históricas. Há uma correspondência histórica entre tipo e antítipo que vai além
recapitulação (como as quatro visões de Daniel), as cenas introdutórias do templo- de situações paralelas gerais para detalhes específicos correspondentes. (3) Há
santuário parecem aludir aos importantes temas do santuário de uma maneira linear. uma escalada ou intensificação do tipo para o antítipo.
Duas progressões têm sido identificadas: (1) temas ligados ao ciclo anual de festivi- Elemento profético. O aspecto profético da tipologia bíblica envolve três pon-
dades são mencionados em sua sequência normal do calendário: Páscoa/Festa dos tos essenciais: (1) O tipo do Antigo Testamento é uma apresentação antecipada ou
Pães Asmos, Pentecostes, Trombetas, Dia da Expiação e Festa dos Tabernáculos; e (2) prefiguração do correspondente antítipo do Novo Testamento. (2) O tipo é divina-
temas ligados ao serviço sacerdotal são também mencionados em sua sucessão natu- mente designado para prefigurar o antítipo do Novo Testamento. (3) Há uma quali-
ral do ministério diário (tamîd) e do ministério anual (Dia da Expiação) do juízo final. dade de dever-necessidade acerca do tipo do Antigo Testamento, dando-lhe a força
Estas descrições da tipologia do santuário elucidam o duplo e antitípico ministério de um prenúncio preditivo do cumprimento no Novo Testamento. Por exemplo,
sumo sacerdotal de Cristo no templo-santuário celestial. Adão é visto como um tipo dAquele “que havia de vir” (Rm 5:14).
Assim, a tipologia do santuário no livro de Apocalipse oferece uma Elemento escatológico (do fim dos tempos). Este elemento da tipologia
importante chave para a interpretação integral de suas mensagens para a esclarece ainda mais a natureza da correspondência e intensificação profética
igreja, e especialmente no fim dos tempos.

1
  Para discussão mais detalhada do material deste gráfico (com referências bibliográficas para
citações), veja Richard M. Davidson (2009, p. 125-128).
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

entre tipo e antítipo. As realidades do Antigo Testamento não estão apenas li- Apocalipse. Em toda a tipologia bíblica, tanto horizontal quanto vertical, a realidade
gadas a quaisquer realidades semelhantes, mas a um cumprimento do fim dos histórica do tipo e do antítipo são indispensáveis para o argumento tipológico.
tempos. Três possíveis espécies de cumprimento escatológico podem ser vistas A veracidade da continuidade histórica entre tipo e antítipo é dupla-
sob este tópico: (1) inaugurado, ligado ao primeiro advento de Cristo; (2) apro- mente enfatizada na tipologia do santuário. O santuário celestial não é so-
priado, focalizando a igreja enquanto ela vive em tensão entre o “já” e o “ainda mente o cumprimento antitípico neotestamentário do santuário terrestre
não”; e (3) consumado, vinculado à apocalíptica segunda vinda de Cristo. do Antigo Testamento, mas é também o protótipo original e preexistente, se-
Elemento cristológico-soteriológico (centralizado em Cristo e na salvação). gundo o qual é modelado o santuário terrestre.
Este aspecto da tipologia salienta seu foco e ênfase essenciais. Os tipos do Antigo Nas primeiras instruções concernentes à construção do santuário terrestre
Testamento não são meramente realidades “nuas”, mas realidades de salvação. Eles está implícito que a realidade do terrestre é derivada da realidade do celestial.
encontram seu cumprimento na pessoa e obra de Cristo e/ou nas realidades do Êxodo 25:40 (cf. Hb 5:8) é a passagem fundamental afirmando a continuidade
evangelho trazidas por Cristo, o qual é, portanto, o ponto de orientação final dos básica entre os santuários terrestre e celestial.3 O que está implícito em Êxodo
tipos do Antigo Testamento e suas realizações no Novo Testamento. 25 torna-se explícito através do restante do Antigo Testamento.
Elemento eclesiológico (relacionado com a igreja). Esta característica da Passagens dos gêneros cultual, narrativo, poético/sapiencial, profético e
tipologia bíblica aponta para três possíveis aspectos da igreja que podem estar apocalíptico concorrem para designar a realidade espaço-temporal do san-
envolvidos no cumprimento tipológico: os adoradores individuais, a comuni- tuário celestial (ver DAVIDSON, 1976; 1981, v. 2, p. 382-383; SHEA, 2007, p.
dade corporativa e/ou as ordenanças (batismo e Ceia do Senhor). 5-8; ANDREASEN, 1981, p. 67-86). Cenas da assembleia divina, da liturgia ce-
Reunindo tudo isto, podemos definir tipologia bíblica como um estudo leste, da corte celestial em sessão4 convergem em atribuir realidade literal a um
neotestamentário das realidades históricas da salvação do Antigo Testamento, lugar no Céu conhecido como santuário ou templo celestial. Fortalecendo estas
ou tipos (pessoas, eventos, instituições), que Deus designou para corresponder surpreendentemente numerosas referências ao santuário celestial está a con-
116 e prefigurar profeticamente seus intensificados aspectos de cumprimento an- sistente cosmovisão bíblica que se recusa a dicotomizar a realidade em literal/ 117
titípico (inaugurado, apropriado, consumado) na história da salvação do Novo terrestre por um lado e não literal/celestial por outro.
Testamento. Em resumo, o ponto de vista tradicional de tipologia, não a posição Por todo o Novo Testamento é mantida esta mesma cosmovisão bíblica.
pós-crítica, é confirmado pelos dados das Escrituras (veja gráfico 1). A despeito de algumas afirmações contrárias, a evidência é persuasiva de
Estes cinco elementos básicos da tipologia reforçam toda a extensão de que o autor de Hebreus rejeita a alegorização dualista e filônica do mundo
referências e alusões ao santuário no livro de Apocalipse, indicando assim a celestial a favor de um santuário celestial e liturgia reais. Como o expressa
natureza tipológica deste material.2 Um olhar mais atento para as implicações William Johnsson, “sua preocupação [do autor de Hebreus] em todo o ser-
extraídas dos elementos característicos da tipologia bíblica ajuda a esclarecer a mão é estabelecer a confiança cristã em fatos objetivos[...]. Divindade real,
natureza da tipologia do santuário no Apocalipse. humanidade real, sacerdócio real — e podemos acrescentar, um ministério
real em um santuário real” (JOHNSSON, 1979, p. 91, grifo nosso).
Compreendendo a tipologia do santuário no Apocalipse É nesta mesma trajetória bíblica que devemos colocar o livro de Apocalipse.
Não se pode desmistificar a realidade do santuário celestial, descartando-o
como imagem dentro de um mundo simbólico da literatura apocalíptica. As
Implicações do elemento histórico
O elemento histórico da tipologia bíblica é decisivo, porque enfatiza a reali-
dade literal e espaço-temporal do santuário celestial conforme descrito no livro de
3
  Veja minha exegese de Êxodo 25:40 para prova deste detalhe (DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 336-388).
4
  Sobre o concílio ou assembleia divina, veja E. C. Kingsbury (1964, p. 279-86), Whybray (1971) e
Andreasen (1981, p. 77-78). Sobre a correspondência entre a liturgia do templo terrestre e celestial, veja
esp. J. C. Matthews (1902, p. 65-80), Richard Preuss (1958, p. 181-84) e Hans Strauss (1970, p. 91-102).
  Isto se tornará evidente ao prosseguirmos examinando o material do santuário no Apocalipse.
2
Sobre o tribunal celestial em sessão, veja Arthur Ferch (1989, p. 157-76) e William Shea (2011).
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passagens de controle do Antigo Testamento, que claramente formam o pano terrestre. De novo, “abriu-se no Céu o templo de Deus” (Ap 11:19), e ele olhou
de fundo para as descrições do santuário em Apocalipse, em todo o seu múlti- para dentro do véu interior, ao lugar santíssimo. Ali viu “a arca do seu concerto”,
plo testemunho de diferentes escritores usando gêneros diferentes (inclusive o representada pelo receptáculo sagrado, construído por Moisés, para guardar a
apocalíptico), harmoniosamente confirmam a realidade objetiva do santuário lei de Deus (WHITE, 2005, p. 414-415).
celestial. O elemento histórico e a dimensão vertical da tipologia não admitem
uma conclusão diferente no que concerne ao Apocalipse. Em uma varredura rápida através do testemunho bíblico, ela resume o consist-
Devemos nos apressar em acrescentar, no entanto, que o santuário celestial ente quadro bíblico: “Moisés fez o santuário terrestre segundo o modelo que lhe foi
não é exatamente como o santuário terrestre. O Antigo Testamento já aponta mostrado. Paulo ensina que aquele modelo era o verdadeiro santuário que está no
para uma intensificação vertical entre terrestre e celestial bem como uma in- Céu. E João dá testemunho de que o viu no Céu” (WHITE, 2005, p. 415).
tensificação horizontal entre a sombra do Antigo Testamento e a substância do A tese do teólogo sistemático Fernando Canale5 mostra como os grandes
Novo Testamento. Como o expressa Ellen G. White: sistemas teológicos do pensamento cristão tradicional (protestante, católico e
ecumênico pós-moderno) têm construído sobre o paradigma platônico da “in-
O esplendor sem-par do tabernáculo terrestre refletia à vista huma na as glórias temporalidade” de Deus. Todavia, a doutrina escriturística do santuário revela
do templo celestial em que Cristo, nosso Precursor, ministra por nós perante que este paradigma fundamental é uma distorção da realidade bíblica.
o trono de Deus. A morada do Rei dos reis, em que milhares de milhares o Segundo as Escrituras, Deus não é essencialmente incompatível com
servem, e milhões de milhões estão em pé diante dEle (Dan. 7:10), sim, aquele espaço e tempo; Ele é o próprio Deus que tem habitado “desde o princípio”
templo, repleto da glória do trono eterno, onde serafins, seus resplandecentes (Jr 17:12) em um palácio ou templo celestial; que realmente habitava no
guardas, velam a face em adoração — não poderia encontrar na estrutura mais santuário do deserto e no Templo de Jerusalém; que, na contínua obra de
magnificente que hajam erigido as mãos humanas, senão pálido reflexo de sua
redenção, está agora empenhado em uma atividade real, histórico-temporal
118 imensidade e glória (WHITE, 2005, p. 414). 119
em um santuário celestial real e espaço-temporal.
Assim, o santuário integra e constitui todo o fluxo da história da redenção. Ele
Mas a diferença entre o santuário terrestre e o celestial não é que o celestial é o único fundamento para a teodiceia — a vindicação de Deus. E com a redenção
seja menos literal, menos real, como nossa overdose ocidental de dualismo grego concluída o santuário atingirá o seu objetivo quando Deus literalmente — em es-
poderia levar-nos insuspeitamente a supor. Talvez C. S. Lewis aponte o caminho em paço e tempo — “habitar” conosco para sempre (Ap 21:3). As implicações da apli-
torno de um antídoto para esta equação de celestial com não literal. Em seu livro cação consistente de Canale do paradigma bíblico conforme revelado na realidade
The Great Divorce, ele eficientemente comunica a mensagem de que as realidades espaço-temporal do santuário são realmente profundas.
celestiais não são menos, porém mais reais (LEWIS, 2010). Outra parte do problema em lidar com a natureza do santuário celestial deriva
Segundo o testemunho de João, o santuário celestial não é uma metáfora para de uma incursão adicional do dualismo grego em nosso pensamento. O dualismo
o Céu, mas um lugar no Céu (Ap 11:19; 14:17; 15:5). Ellen G. White, também aqui, grego promove uma dicotomia entre literal e simbólico. Segundo o ponto de vista
parece estar correta e em harmonia com o testemunho cumulativo das Escrituras bíblico, porém, muitas realidades concretas são ao mesmo tempo literais e simbóli-
quando toma muito literalmente a visão joanina do santuário celestial: cas. Podemos ilustrar este detalhe com a tipologia do Dilúvio e o batismo em 1
Pedro 3 e a tipologia Êxodo/sacramental de 1 Coríntios 10. Tanto o tipo quanto o
Sendo, em visão, concedido ao apóstolo João vislumbrar o templo de Deus nos
antítipo destes exemplos são realidades históricas. Mas notemos o fato de que o ba-
Céus, contemplou ele, ali, “sete lâmpadas de fogo” que “diante do trono ardiam”
(Ap 4:5). Vi um anjo, “tendo um incensário de ouro; e foi-lhe dado muito in- tismo e a Ceia do Senhor (antítipos) são entidades literais, muito reais. Contudo, ao
censo para o pôr com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que
está diante do trono” (Ap 8:3). Foi permitido ao profeta contemplar o primeiro
compartimento do santuário celestial; e viu ali as “sete lâmpadas de fogo”, e o “al- 5
  Para sua crítica fundamental dos grandes sistemas teológicos vistos à luz dos dados bíblicos,
tar de ouro”, representados pelo castiçal de ouro e altar de incenso, do santuário veja Fernando Canale (1983). A explicação de Canale do básico paradigma bíblico centralizado
na realidade espaço-temporal do santuário é o assunto do seu vindouro livro.
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mesmo tempo eles simbolizam ou apontam para importantes verdades espirituais cumprimento básico das expectativas escatológicas do Antigo Testamento cen-
além de si mesmos. Do mesmo modo as Escrituras confirmam a realidade literal tralizando-se na vida terrestre e obra de Jesus Cristo em Seu primeiro advento;
do santuário celestial e sua liturgia, e ao mesmo tempo essas mesmas realidades (2) o derivado cumprimento espiritual pela igreja, o corpo de Cristo no tempo
apontam além de si mesmas para supremas verdades espirituais (por exemplo, as de tensão entre o “já” e o “ainda não”; e (3) a consumação apocalíptica e a in-
lâmpadas representando o Espírito Santo, Ap 4:5). trodução final da era vindoura no segundo advento de Cristo e além.
Dois perigos devem ser evitados. Podemos concentrar-nos exclusivamente Esses três aspectos de cumprimento podem ser denominados respectiva-
na “geografia celestial” e perder as mensagens espirituais que são comunicadas. mente escatologia inaugurada, apropriada e consumada. Ou, por conveniência,
Mas podemos também espiritualizar a realidade espaço-temporal e por meio eles podem ser designados como cristológico, eclesiológico e apocalíptico.6
disso perder a substância literal e a verdade espiritual. Deve ser enfatizado (conforme ilustrado no gráfico 3) que a subestrutu-
ra escatológica descrita acima é sobrepujada por uma dimensão vertical-
Implicações do elemento profético celeste. Durante toda a história do Antigo Testamento, durante toda a “hab-
O elemento profético da tipologia bíblica é importante ao ressaltar a natureza itação” de Cristo na Terra e durante toda a existência da Igreja Cristã como
prospectiva/preditiva da tipologia do santuário. João não “reinterpretou” o san- o corpo de Cristo, devemos reconhecer a realidade cósmica do governo de
tuário do Antigo Testamento em um tipo de santuário celestial. Em vez disso, o Deus. Há uma continuidade vertical durante toda a história da salvação; a
Antigo Testamento prefigurou os aspectos redentores do último. ligação entre o Céu e a Terra é próxima e decidida.
Visto que os tipos bíblicos são divinamente designados para servir como pre- Ao mesmo tempo, até o ponto culminante final, há uma tensão vertical. O
figurações prospectivas/preditivas, alguma indicação da existência e qualidade homem experimenta as coisas celestiais pela fé, espiritualmente; mas ele ainda
preditiva dos vários tipos do Antigo Testamento deve ocorrer antes do seu cum- está na Terra. Não antes da consumação apocalíptica — quando os santos forem
primento antitípico. Este aspecto da tipologia não tem sido amplamente recon- para o Céu no Segundo Advento, e depois do milênio quando o trono de Deus
120 hecido, mas tal é o modelo coerente que surge ao longo das Escrituras: os tipos for transportado para a Terra, e “o tabernáculo de Deus estiver com os homens” 121
do Antigo Testamento mencionados pelos escritores do Novo Testamento já — a tensão entre o terrestre e o celestial encontrará completa solução.
foram identificados como tipológicos antes do cumprimento antitípico. Uma importante implicação para a tipologia do santuário logicamente
O gráfico 2 ilustra este modelo. A coluna do meio salienta os indicadores se segue a partir da perspectiva escatológica que temos resumido. Esper-
verbais da tipologia do Antigo Testamento. Com respeito à tipologia do san- aríamos que o cumprimento antitípico da tipologia do santuário do An-
tuário, note o item 2 (espaço em negrito no gráfico). As realidades do santuário tigo Testamento correspondesse a uma ou mais das três manifestações es-
terrestre já estão indicadas como tipológicas em numerosas passagens do Anti- catológicas neotestamentárias do reino de Deus — inaugurada, apropriada,
go Testamento e estão em relação com as realidades celestiais. João está, portan- ou consumada. Visto que estas “manifestações do reino” são apenas difer-
to, simplesmente anunciando o cumprimento dos tipos e sombras do santuário entes aspectos de um reino escatológico, não seria surpreendente se o cum-
do Antigo Testamento que apontavam para a substância do santuário celestial e primento antitípico da tipologia do santuário do Antigo Testamento devesse
a morte expiatória e sacerdócio de Cristo. regularmente abranger todos os três aspectos.
O exemplo na parte inferior do gráfico 3 mostra ser este o caso. Cristo é
Implicações do elemento escatológico visto como o templo antitípico (Jo 1:14; 2:21; Mt 12:6). A igreja é designada
O elemento escatológico (fim dos tempos) da tipologia bíblica é uma chave para
compreender como a tipologia do santuário é cumprida através do livro de Apoc-
alipse. O gráfico 3 resume a subestrutura escatológica da tipologia do Novo Testa- 6
  Conforme notado em Typology in Scripture (DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 394): “Usamos estes
mento (ver DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 390-394; LADD, 1974; LARONDELLE, 1983).
três termos com cautela, porque todos os três termos poderiam ser interpretados como se apli-
Resumindo, podemos dizer que as profecias e tipos do reino do An- cando a todos os três aspectos. Mas tendo em vista seu óbvio ponto de ênfase, acreditamos que es-
tigo Testamento têm um cumprimento escatológico com três aspectos: (1) o sas distinções ‘abreviadas’ dos aspectos no cumprimento histórico-escatológico da salvação será
útil para uma discussão mais aprofundada”.
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como o templo do Espírito Santo (1Co 3:16, 17; 2Co 6:16). O templo celestial Uma chave importante para a interpretação
sobrepuja todo o cumprimento do fim dos tempos e adquire destaque especial Esses critérios hermenêuticos para os diferentes modos de cumprimento
no momento da consumação apocalíptica (Ap 3:12; 7:15; 11:19; 21:3, 22). na tipologia do santuário nos ajudam a conciliar adequadamente nossa con-
clusão anterior a respeito de um real e literal santuário celeste com várias
Implicações dos elementos Cristo/salvação/igreja alusões aparentemente figurativas/espirituais ao santuário. Observe o seguinte:
Uma vez tenhamos reconhecido a existência da subestrutura escatológi- os sete castiçais que representam as sete igrejas (Ap 1:12, 20), as almas debaixo
ca dos cumprimentos antitípicos do Novo Testamento, é importante per- do altar do holocausto clamando por vingança (Ap 6:10-11) e o “átrio exterior
ceber os três diferentes modos de cumprimento nesta subestrutura. Estes do santuário” dado às nações (Ap 11:2). Estas referências militam contra uma
diferentes modos de cumprimento surgem das características da tipologia compreensão literal das cenas do santuário celeste no restante do livro? Ao con-
envolvendo Cristo, salvação e a igreja. trário! Uma compreensão da subestrutura escatológica da tipologia do Novo
O reino de Deus é cristocêntrico. Cristo não é o centro de forma abstrata, Testamento fornece uma explicação para desvendar o uso consistente e coer-
mas em relação salvífica com o seu povo. O reino de Deus partilha a mesma ente da tipologia do santuário encontrada no Apocalipse.
modalidade que a ligação de Cristo com o seu povo. Assim o cumprimento dos Notamos (veja gráfico 3, coluna do meio que na era da igreja os antítipos terres-
tipos partilha o mesmo caráter que a natureza da presença de Cristo. tres do reino espiritual da graça encontram um cumprimento espiritual (não literal),
Por exemplo, no primeiro advento o reino (o governo) de Deus é literal- parcial (não final) e universal (não geográfico/étnico), sendo que eles estão espirit-
mente incorporado em Jesus (Mt 12:28). Os tipos são cumpridos literal e lo- ualmente (mas não literalmente) relacionados com Cristo no Céu. Assim, devemos
calmente nEle. Depois da ascensão de Cristo, seu reino ou “domínio” é par- esperar que quando a imagem do santuário/templo no Apocalipse é aplicada a um
tir do Céu e seus súditos por todo o mundo se relacionam com Ele apenas ambiente terrestre na era da igreja, haverá uma interpretação espiritual e não literal,
espiritualmente, pela fé. Através do seu Espírito eles recebem as primícias, o sendo que o templo é espiritual aqui na Terra.
122 cumprimento parcial dos dons básicos que Ele prometeu (Rm 8:23). Assim, Em harmonia com este princípio hermenêutico, os castiçais antitípicos na Terra 123
a natureza do cumprimento na igreja sobre a Terra é espiritual, universal, em Apocalipse 1 não são literais, mas espirituais. A igreja que vive entre “o já e o
e parcial. Ao mesmo tempo os tipos do santuário têm um cumprimento ainda não” é retratada em outros textos das Escrituras como o templo antitípico
literal no santuário celestial, sendo que Cristo está literalmente presente ali. eclesiológico. O Apocalipse é consistente com isto na utilização da terminologia
Na consumação final Cristo está literalmente reunido com o seu povo, e os dos castiçais do santuário para aplicar ao corpo espiritual da igreja terrestre. Jesus
tipos têm um cumprimento glorioso, final, universal, literal.7 (através do Espírito) está espiritualmente presente na igreja na Terra.
Mas em Apocalipse 4:1 a cena muda para o Céu, e João é convidado: “Sobe
para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas.” Então
7
  Para uma sucinta apresentação desta subestrutura escatológica de uma perspectiva cristocên- se segue a cena no santuário celestial, onde Cristo reina como rei-sacerdote.
trica, veja Ellen G. White (1996, p. 15-22). Veja também LaRondelle (1979, p. 308-14), embora Como temos visto, durante a era da igreja, o reino espiritual terrestre é sobrepu-
todo o livro esclareça este ponto. Também deve ser notado que a aplicação dos tipos do Antigo
Testamento ao Israel espiritual poderia ter sido inteiramente diferente tivesse o Israel nacional
jado pelo reinado literal de Cristo no Céu. Consistente com esta perspectiva
permanecido fiel a Deus e aceitado a Jesus como o Messias. Israel teria sido a maior nação da do Novo Testamento, a tipologia do santuário de Apocalipse, quando focaliza
Terra (Dt 28:1, 13; WHITE, 2000, 288), em prosperidade (Dt 28:3, 11-13), intelecto (4:6-7), saúde o santuário celestial, participa da mesma modalidade que a presença de Cristo,
(7:13, 15), e espiritualidade (28:9). Isto teria sido um testemunho para outras nações (Dt 28:10; isto é, um cumprimento antitípico literal.
WHITE, 2000, p. 232; Is 43:10); Jerusalém tria sido o centro missionário para a espiritualmente
dinâmica nação judaica. Outras nações se uniriam a Israel (Zc 8:21-23) até que o reino de Israel
abrangesse o mundo Is 27:6; 54:3; WHITE, 2000, p. 290). O templo de Jerusalém teria permane-
cido para sempre (Jr 7:7; WHITE, 2000, p. 19). Em seguida a uma rebelião final de insurgentes de Deus teria sido dentro do Israel nacional de um modo geográfico, literal. Mas sendo que o
(Zc 12:2-9) e sua destruição (14:12, 13), o Senhor seria rei sobre toda a Terra, e todos seriam Israel nacional rejeitou o Messias e separou-se da teocracia, todas as promessas da aliança serão
seguidores do Senhor (Zc 14:3, 8, 9, 13, 16; Jr 31:34 etc.). Cristo ainda teria morrido como o cumpridas com o “Israel espiritual” (WHITE, 2007, p. 714). Para um resumo detalhado do plano
homem representativo e o israelita representativo, mas o cumprimento dos tipos com o povo original de Deus para Israel, veja Nichol (1976, v. 4, p. 25-38).
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Logo consideraremos estas cenas do santuário celestial. Mas aqui notamos mente para a Terra. Em seguida ao juízo final e à purificação da Terra pelo fogo, o
que no meio das cenas do santuário celestial em Apocalipse, há breves mu- átrio (uma Terra recriada segundo o modelo do Éden) estará unido ao seu centro, o
danças para alusões ao santuário terrestre. Por exemplo, em Apocalipse 6:9-11 literal tabernáculo de Deus, em uma Nova Jerusalém literal.
encontramos menção do altar (do holocausto).8 Sendo que esse altar estava no Com estas considerações hermenêuticas gerais da natureza da tipologia do
pátio exterior do santuário terrestre, e sendo que de acordo com Apocalipse santuário em mente, voltemos agora mais diretamente para a função da tipolo-
11:1-2 o átrio exterior simboliza coisas terrestres e não celestiais, devemos in- gia do santuário no fluxo estruturado do livro de Apocalipse.
terpretar isto como uma mudança para a esfera terrestre.9 Em harmonia com
o aspecto eclesiológico do cumprimento tipológico, devemos interpretar estas Tipologia do santuário no arranjo literário
referências terrestres de uma maneira espiritual, não literal.
A cena de “almas debaixo do altar” clamando por vingança alude ao sangue A análise literária do Apocalipse por Kenneth Strand tem demonstrado
(isto é, “a vida”, Lv 17:11) dos sacrifícios do santuário derramado à base do altar o arranjo básico literário quiástico do livro (ver STRAND, 1979, p. 43-52). C.
(Lv 4:7). O simbolismo ecoa uma referência ao sangue Abel clamando a de Deus Mervyn Maxwell segue em geral o mesmo esboço quiástico, com ideias adicio-
da terra (Gn 4:10; ver Hb 12:24). João torna esta conexão entre o martírio dos nais sobre certos detalhes (MAXWELL, 1985, p. 54-62). Estas análises revelam
santos e o derramamento do sangue do sacrifício mais explícita em Apocalipse as metades pares do livro: histórica (Ap 1–14) e escatológica (Ap 15–22), bem
16:6, em que é dito ter os ímpios “derramado” (екcheō) o sangue dos santos e como a correlação quiástica de suas correspondentes subseções.
dos profetas. Assim, não um altar literal, não “almas” literais debaixo do altar,
Cenas introdutórias do santuário
estão à vista, mas antes um cumprimento eclesiológico nos santos e profetas
Dentro deste arranjo geral do Apocalipse ocorrem muitas das imagens do san-
martirizados cujo sangue clama espiritualmente pela vindicação de Deus.
tuário nas cenas que introduzem as várias sequências de visões. Recentes estudos
Igualmente, não um “átrio” literal está em vista no cenário terrestre de
124 têm indicado o significado decisivo dessas cenas do santuário. Maxwell afirma cor- 125
Apocalipse 11:2, mas um “calcar aos pés” ou perseguição da “cidade santa”
retamente que “o santuário celestial é um eixo central da mensagem do Apocalipse”,
terrestre/espiritual, os santos, pelos “gentios”, os inimigos espirituais de
e que as “cenas do santuário são pontos de referência que nos guiam ao significado
Deus, por 42 meses proféticos.
do Apocalipse” (MAXWELL, 1985, p. 164). Strand mostra como o Apocalipse está
Ao chegarmos às cenas finais do Apocalipse, o cumprimento apocalíptico da
dividido em uma série de sequências visionárias e como cada uma das visões se ini-
tipologia do santuário resolve a tensão entre terrestre e celestial. Na era da igreja, o
cia com uma cena introdutória do santuário (STRAND, 1987a, p. 107-121; 1987b, p.
Israel espiritual está espiritualmente reunido na Jerusalém celestial sobre o monte
267-288).11 Assim, todo o livro está estruturado pela tipologia do santuário.
Sião (Hb 12:22-24). Mas quando “o tabernáculo de Deus estiver com os homens”
Alusões ao ministério no primeiro compartimento. Talvez a descoberta
(Ap 21:3 , o Israel de Deus de todos os séculos terá sido literalmente reunido à sua
mais significativa nestes recentes estudos seja a demonstração de como as cenas
Nova Jerusalém. Depois de mil anos literais,10 a Jerusalém celestial descerá literal-
introdutórias do santuário destacam a progressão da história da redenção den-
tro do livro de Apocalipse. As primeiras três cenas do santuário (Ap 1:12-20;
8
  Para evidência de que este é o altar de holocaustos, e não o altar de ouro, veja Jon Paulien (1988, v.
11, p. 315-318).
9
  Veja Hebreus 13:10 (e subentendido em Hb 8:1-5) para colocação do altar na Terra, cristologica- referências ao tempo são espirituais (isto é, tempo profético, usando-se o princípio dia-ano).
mente cumprido na cruz. O cumprimento eclesiológico em conexão com os mártires cristãos que Mas depois que os santos estiverem literalmente reunidos a Cristo na Parousia, então as
seguiram os passos de Jesus seria uma extensão natural da tipologia. Veja também Paulien (1988, v. referências ao tempo pertencerão àquela mesma modalidade. Assim, o milênio é um período
11, 316), para comprovação do detalhe adicional de que “a apocalíptica judaica leva em conta apenas de mil anos literais, e o simbólico princípio dia-ano não mais se aplica.
um altar no Céu (excluindo o altar de holocausto que ficava no pátio exterior do santuário israelita).” 11
  Maxwell (1985, p. 164) chega a conclusões similares com respeito às primeiras cinco cenas do
10
  A tríplice subestrutura da tipologia do Novo Testamento também esclarece quanto a santuário. Jon Paulien, no capítulo 10 deste volume, reduz as oito cenas de Strand a sete, elimi-
interpretar os períodos de tempo do Apocalipse simbólica ou literalmente. Antes do Seg- nando a sexta cena de Strand (16:18–18:24) que tem uma voz do templo mas não uma real cena
undo Advento, enquanto Cristo está apenas espiritualmente relacionado com o seu povo, as do santuário. O esquema das sete cenas é seguido aqui.
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

4–5; 8:2-5) centralizam-se, ou se relacionam com o lugar santo do santuário. 1. Limpeza do candelabro (m. Tamîd 3.9; cf. Ap 1;12-20).
Assim, elas servem para situar o ambiente temporal das cenas dentro do tempo 2. Abrir a grande porta (m. Tamîd 3.7; cf. Ap 4:1).
do ministério diário (tamîd) de Cristo no lugar santo. 3. Cordeiro imolado (m. Tamîd 3.7; 4.1-3; 4:1-3, cf. Ap 5:6).
A primeira cena (1:12-20) está na Terra, e não no santuário celestial. Em 4. Sangue derramado à base do altar de bronze (m. Tamîd 4:1; cf. Ap 6:9).
nenhuma outra parte do livro se encontra tão concentrada ênfase na morte 5. Incenso oferecido no altar de ouro (m. Tamîd 5.4; cf. Ap 8:3, 4).
terrestre e ressurreição de Cristo. Ao mesmo tempo, a menção explícita dos 6. Pausa no cântico (m. Tamîd 7:3; Ap 8:1).
sete castiçais lembra o candelabro de sete braços ardendo continuamente 7. Toque de trombetas para assinalar a conclusão do sacrifício (m. Tamîd
(tamîd) no lugar santo do santuário. 7:3; ver 8:2-6).
A segunda cena (4:1–514) se muda explicitamente para o santuário celestial Conclui Paulien (1993, p. 13): “Não somente esta porção do Apocalipse
(cf. 4:1). Jon Paulien (nos capítulos 10 e 11) mostra como a mistura completa contém todos os grandes detalhes da liturgia do tamîd, mas alude a eles em
de imagens de todo o santuário, mas sem a linguagem do juízo, aponta para um essencialmente a mesma ordem. Assim o material que constitui os septetos das
cenário de investidura (MAXWELL, 1991, p. 147-148). Cristo, não presente em igrejas, selos e trombetas está sutilmente associado com as atividades no tem-
Apocalipse 4, está em Apocalipse 5 instalado em sua contínua (tamîd) obra no plo relacionadas ao serviço contínuo ou tamîd.”
lugar santo12 do santuário celestial como resultado de sua vitória na cruz. Alusões ao ministério no segundo compartimento. Em contraste com o
A terceira cena do santuário (8:2-5) revela que o foco básico do con- foco sobre o serviço diário na primeira parte do livro, Apocalipse 11 muda a ên-
tínuo (tamîd) ministério de Cristo é intercessão. A referência à oferta de fase para a liturgia anual do Dia da Expiação. O tema do Yom Kippur é mantido
incenso no altar de ouro indica claramente um ministério intercessório através da última porção do livro até o capítulo 20.15
diário (tamîd) no lugar santo (PAULIEN, 1990, p. 9).13 Strand (1984, p. 317-325) mostra como a medição do templo, do altar
Ritual diário no Segundo Templo. O ambiente diário (tamîd) de Apocalipse e adoradores (Ap 11:1) tem sua mais completa temática e analogia sequen-
126 1–8 é ainda mais confirmado quando estes capítulos são comparados com a cial na descrição dos rituais do Dia da Expiação (Lv 16). 16 Isto vem ime- 127
ordem dos rituais diários no Segundo Templo do século em que João escreveu. diatamente após o término do tempo profético de Daniel em Apocalipse
Estudos recentes têm exposto os impressionantes paralelos entre a ordem de 10:5-6 (ver Dn 12:7) (Ver SHEA, cap. 13 desse volume).
alusões ao santuário em Apocalipse 1–8 e a descrição dos rituais diários (tamîd) A quarta cena do santuário (Ap 11:19) retrata explicitamente a abertura do
descritos na Mishnah.14 Resumimos a seguir: “templo interior” (naos) ou Lugar Santíssimo e focaliza a arca da aliança. O con-
texto do juízo imediato desta cena (ver 11:18) apoia o cenário do Dia da Expi-
ação, e também o contexto mais amplo aponta nesta direção.
12
  Embora haja uma completa mistura de imagens do santuário em Apocalipse 4–5 visto que todo o Recentes estudos têm demonstrado como o livro de Apocalipse frequente-
santuário está envolvido na investidura, todavia o foco primário da cena de intronização/investidura mente segue a estrutura básica e a descrição detalhada de Ezequiel (ver VAN-
em Ap 4–5 parece ser o lugar santo (ver STRAND, no cap. 3 deste volume; e WHITE, 2005, p. 414-15). HOYE, 1962, p. 436-476; VOGELSANG, 1985; LUST, 1980, p. 179-183), e o mod-
13
  A nota 32 fornece evidência de que esta cena no altar de incenso é uma parte do ministério
diário (tamîd) no lugar santo, e não o ministério anual do Dia da Expiação (Yoma). Na cena de Ap
elo de Ezequiel é decisivo em Apocalipse 10–11. É dado a Ezequiel um rolo para
8:2-6, (1) o altar de incenso é central como no tamîd, não ultrapassado como no Yoma (Mishnah comer (Ez 2:9–3:3) e então ele é imediatamente chamado para dar uma men-
Tamîd 6.2, 3; ver m. Yoma 5.1); (2) o sacerdote oficiante recebe o incenso, como no tamîd, e não sagem de um juízo investigativo do Lugar Santíssimo do santuário (3:4–8:18) (ver
reúne o seu próprio, como no Yoma (m. Tamîd 6.2, 3; ver Yoma 5.1); e (3) o incenso é oferecido no SHEA, 1989, 283-291; DAVIDSON, 1987, p. 12-14; 1991, p. 97-100). De modo
altar de ouro, como no tamîd, não na Arca, como no Yoma (m. Tamîd 6.3, ver Yoma 5.5).
14
  Para a descrição básica da ordem de serviços diários nos tempos do segundo Templo, veja
o tratado Tamîd na Mishnah judaica. Paulien (no cap. 10 deste volume; 1993, p. 12-13), resume
os paralelos. D. T. Niles (1961, p. 112-14), observa a conexão entre Ap 1–8 e o tratado Tamîd da 15
  Isto será discutido com mais detalhes na seção deste capítulo que trata do “Ciclo anual
Mishnah, mas como Paulien observa corretamente, Niles tenta sem sucesso continuar os parale- de festividades” em Apocalipse.
los do tamîd ao longo do restante do Apocalipse. Um olhar cuidadoso para a evidência revela que 16
  Observe especialmente como o “medir” de Ap 11:1 e a “expiação/purificação” de Lv 16
a liturgia do tamîd fornece paralelos estruturais somente até Apocalipse 8. abrange os mesmos aspectos do santuário na mesma ordem (templo, altar e adoradores).
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

semelhante é ordenado a João que coma um rolo (Ap 10:8-11) e então é imediata- Fluxo linear/sequências de recapitulação. Esta lógica progressão tempo-
mente dada uma mensagem para medir o templo, o altar e adoradores (Ap 11:1- ral das cenas do santuário — cruz, investidura, intercessão, juízo — não implica,
2), com um foco sobre o Lugar Santíssimo do santuário celestial (11:19). porém, que a primeira metade do Apocalipse prossegue cronologicamente verso
A quinta cena do santuário (15:5-8) assinala o fechamento ou “desinaugu- por verso. Juntamente com o plano linear básico destacado pelas cenas introdu-
ração” do santuário. Ele está cheio da fumaça procedente da glória de Deus, e tórias do santuário, encontra-se o esquema de recapitulação semelhante às visões
ninguém pode entrar: terminou a provação ou o tempo da graça. Seguem as de Daniel (Dn 2, 7, 8). Uma progressão histórica segue cada cena introdutória do
sete últimas pragas, a ira de Deus sem mistura de misericórdia (16:1-21). santuário e se move ao longo da Era Cristã para terminar em um refletor sobre
A sexta cena do santuário (19:1-10) descreve a adoração no santuário — os últimos eventos e uma descrição do glorioso clímax (STRAND, 1979, p. 48).17
louvor a Deus por seus justos juízos — mas não há nenhuma menção explícita Assim a estrutura geral do Apocalipse é ao mesmo tempo linear e recapitulatória,
do santuário. A função salvífica do santuário deu lugar à doxologia. como uma “espiral cônica” (FIORENZA, 1985, p. 171), ou melhor, como uma
A cena final do santuário (21:1–22:5) retorna à Terra. Agora a tensão “escala musical, que evolui continuamente em uma direção linear ao rever os tons
entre o celestial e o terrestre é desmoronada: “o tabernáculo [skēnē] de anteriores em vibrações cada vez mais ricas” (PAULIEN, 1990, p. 20).
Deus está com os homens” (Ap 21:3). Relações temáticas entre introduções e mensagens do santuário. As cenas in-
Assim, as cenas introdutórias do santuário estruturam o livro de Apoc- trodutórias do santuário não somente estruturam o livro de Apocalipse e demonstram
alipse e provêem as chaves para determinar a progressão do livro. O fluxo sua progressão espaço-temporal, mas também servem para realçar a mensagem das
espaço-temporal das cenas do santuário da Terra para o Céu e de volta para principais seções que elas introduzem (MAXWELL, 1991, p. 164-166).18
a Terra, e do ministério diário para o anual até a cessação de todas as fun- Antes de ser dada a João a mensagem para as sete igrejas, ele vê a Cristo
ções de salvação, pode ser resumido como segue: vestido como sacerdote, caminhando entre os sete castiçais (as sete igrejas, Ap
1:20). Cristo, o sumo sacerdote antitípico, está supervisionando as lâmpadas do
128 santuário. Ele está desempenhando sua responsabilidade tamîd (contínua ou 129
1:12-20 (1) Terra | Focaliza a obra terrestre de Cristo diária) de manter as lâmpadas ardendo brilhante e continuamente.
(combinada com imagens do lugar santo)
Os detalhes simbólicos empregados para descrever o Cristo sacerdotal
4–5 (2) Inauguração do santuário celestial | (completa mistura
de imagens do santuário, mas focaliza o lugar santo) em Apocalipse 1:10-20 são enfatizados em Apocalipse 2 e 3 ao serem apli-
8:3-5 (3) Intercessão no santuário celestial | (Lugar santo) cados à situação de cada igreja individual. Por meio disso é revelada uma
11:19 (4) Juízo no santuário celestial | (Lugar Santíssimo) íntima ligação entre o Sacerdote celestial e suas mensagens às sete igrejas.
15:5-8 (5) Cessação do ministério no santuário celestial A conexão significa segurança e conforto. Cristo está no meio dos castiçais
19:1-10 (6) Doxologia no Céu | (ausência de explícitas imagens (1:12), caminhando entre eles (2:1). Ele conhece sua condição e cuida. Mas
do santuário) há também advertência: Cristo anuncia as maldições da aliança contra as
21:1—22:5 (7) De volta à Terra | “Tabernáculo de Deus está com igrejas se elas continuarem na desobediência.
os homens.” Mudando para os sete selos, Kenneth Strand mostracomo eles “representam os
passos ou meios pelos quais Deus através de Cristo prepara o caminho na história
Na metade histórica do Apocalipse, as cenas introdutórias do san-
tuário naturalmente fluem da morte e ressurreição de Cristo (Ap 1:5, 17,
18; cf. 5:6, 9, 12) para a inauguração do ministério de Cristo no santuário 17
  Strand esquematiza o quádruplo modelo básico de (1) visão vitoriosa do santuário; (2) pro-
feita possível por sua morte e ressurreição (Ap 5), para o seu ministério gressão histórica; (3) focalização dos últimos eventos; e (4) clímax glorioso como aparece nas ce-
intercessório em seguida à sua investidura (Ap 8:3, 4), e prosseguindo até nas dos selos (Ap 4:1–8:1), trombetas (Ap 8:2–11:18), e as forças competidoras (Ap 11:19–14:20).
à obra do juízo no final dos tempos (Ap 11:18, 19). Veja também os capitulos 2 e 3 deste volume.
18
  É proveitoso em salientar a íntima relação entre as cenas do santuário e as seções que as
seguem no Apocalipse.
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

para a abertura e leitura do grande livro do destino no juízo na consumação es- Na quarta seção do Apocalipse, a cena introdutória em Apocalipse 11:19
catológica” (STRAND, 1979, p. 57). Strand (1979, p. 57) intitula esta seção “Deus aponta claramente para o Lugar Santíssimo do santuário celestial, e em par-
trabalha para a salvação do homem”. Ela é apropriadamente introduzida em uma ticular para a celestial arca da aliança que ali se encontra. A atenção é assim
cena do santuário celestial revelando Deus em seu trono (Ap 4) tendo a Cristo em chamada para a lei de Deus (contida na arca) como a base do juízo (o Dia da
sua presença realmente qualificado para desatar os selos e abrir o livro (Ap 5). Expiação) e para o propiciatório como a fonte de certeza ou confiança no juízo.
A despeito das provas e tribulação do povo de Deus e a aparente demora Estes temas são então desenvolvidos ao longo da seção. É proclamado o anúncio
divina na vindicação dos perseguidos e martirizados (6:9, 10), segundo Apoc- do juízo do fim dos tempos (14:6, 7), e as marcas do povo de Deus são enfatiza-
alipse 4, Deus está no controle. Como em Salmo 2:4 e Habacuque 2:20, o Senhor das como a guarda dos mandamentos e a fé de Jesus (14:12; cf. 12:17).
Deus todo-poderoso, o Criador, se assenta serenamente em seu trono, Aquele Com a quinta cena introdutória do santuário em Apocalipse 15, mudamos
que era, que é e que há de vir para pôr as coisas em ordem. Além disso, segundo da metade histórica para a metade escatológica (pós-tempo de graça) do livro.
Apocalipse 5, “o título de propriedade, por assim dizer, da perdida herança do Assim a cena do santuário é realmente dupla.
homem [...] foi readquirido por Cristo, o Cordeiro” (STRAND, 1979, p. 55). O Primeira, encontramos nos versos 2-4 um quadro daqueles que são vence-
Cordeiro pascal foi morto e pelo seu sangue Ele resgatou o homem para Deus. dores na luta contra a besta e sua imagem e o número do seu nome, em pé (epi)
Ele digno, portanto, de tomar o livro e desatar os selos: estará presente com o no mar de vidro celestial (parte da cena do santuário celestial de Apocalipse 4:6;
seu povo e trabalhando por ele durante o tempo de sua aflição. o antitípico “mar de fundição”?)20 cantando o cântico de Moisés e o cântico do
A estreita relação temática entre a cena introdutória do santuário e sua men- Cordeiro (um tema tipológico do tema do Êxodo, Êx 15).
sagem que vem a seguir é encontrada também na terceira grande seção do livro. Segunda, nos versos 5-8, é aberto “o templo do tabernáculo do testemu-
Na introdução à série de trombetas (Ap 8:2-6) o anjo-mediador mistura incen- nho no céu” par liberar os anjos das sete pragas e então é fechado. Da mesma
so com as orações dos santos sobre o altar de ouro no santuário celestial, uma forma que a glória do Senhor encheu o santuário/templo na Terra no final da
130 descrição da “contínua mediação de Cristo no santuário celestial”.19 provação de Judá e o início do juízo executivo sobre ele (Ez 10:3-4),21 assim 131
Segundo a análise de Jon Paulien (1988, p. 311-323) desta passagem e sua aqui em Apocalipse a fumaça procedente da glória de Deus, enchendo o templo
relação com o quinto selo (Ap 6:9-11), as ”orações dos santos” se referem par- para que ninguém possa entrar, parece assinalar o final do tempo da graça e o
ticularmente às orações imprecatórias dos santos perseguidos e martirizados começo do juízo executivo sobre os inimigos de Deus.
(recebidas pelo anjo ministrador do terrestre “altar de holocausto” e então min- Estas duas cenas do santuário em Apocalipse 15 são prelúdios das recom-
istradas em um contexto celestial no altar de ouro do santuário celestial). pensas finais para os santos e punições finais para os ímpios; elas são apropri-
O incenso (um símbolo dos méritos de Cristo) torna essas orações aceitáveis, adamente seguidas (em ordem inversa) por um enfoque sobre punição e recom-
e “as sete trombetas são a resposta de Deus às orações dos santos por vingança pensa no restante do livro (ver MAXWELL, 1991, p. 425).
sobre aqueles que os têm perseguido e martirizado” (PAULIEN, 1988, p. 320).
Na tipologia do santuário celestial, o altar de ouro e o incenso, as fontes de me-
diação no tipo terrestre, se fundem com uma descrição do juízo que cai sobre 20
  Mais estudo é necessário para confirmar se a tipologia aqui vai além do tema do “Mar Ver-
os rejeitadores da mediação celestial. O incensário é cheio de fogo e atirado à melho” do Êxodo para incluir uma alusão ao “lavatório” antitípico do santuário. Embora a pala-
Terra, em harmonia com a descrição do juízo executivo divino procedente do vra represente em kiyyōr (significando “lavatório” e “algo em que se manter”) e o paralelo verbal
santuário em Ezequiel 10:1-6 e reminiscente da experiência de Nadabe e Abiú de thalassa (a mesma palavra grega para “mar” em Ap 15:2 e na descrição do “mar de fundição”
do templo de Salomão, 2Cr 4:2, LXX), torna tentador aceitar tal interpretação, a falta de clara
(Lv 10:1-3) (ver PAULIEN, 1988, p. 320-322). Como o expressa Paulien (1988, p.
evidência no texto, e o ambiente do pátio exterior para o lavatório (que o ambiente do pátio em
322) “o incensário de oração e o incensário de juízo têm se tornado um”. Ap se refere às coisas terrestres) torna tal opinião problemática.
21
  Muitos têm apontado para as passagens paralelas do Antigo Testamento onde a glória do
Senhor enche o santuário/templo em sua inauguração: Êxodo 40:34-35; 1Rs 8:10-11; 2Cr 5:13-
  Paulien (1988, p. 312-13) apresenta várias linhas de evidência que apoiam a equação de Cristo
19
14; 7:1-2. Contudo, a passagem de Ezequiel 10, frequentemente ignorada, parece prover um mais
com o anjo ou ao menos indicam que o incenso é dado por Cristo. próximo paralelo temático e estrutural em seu contexto de “fim da provação” e juízo executivo.
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A sexta cena do santuário (Ap 19:1-10) focaliza o louvor celestial pelos jus- Grandes festividades de Israel. A Páscoa parece estar identificada com
tos juízos de Deus que são em grande medida passados e a ceia das bodas do o início da história da salvação de Israel: “Este mês vos será o principal dos
Cordeiro que está adiante. Durante os crescendos da doxologia, estão ausentes meses; será o primeiro mês do ano” (Êx 12:2).
explícitas descrições do santuário/templo. A seção que segue esta cena é transi- A Festa dos Tabernáculos, a última festividade do ciclo religioso anual,
cional. Com a obra de salvação de Cristo completa, o santuário como o centro parece estar identificada com a consumação apocalíptica da história da sal-
da atividade redentora desaparece de vista. As fases finais do juízo (a serem dis- vação de Israel. O plano original de Deus para o desfecho do grande conflito
cutidas abaixo) são levadas a cabo, e o caminho é preparado para ser resolvida entre o bem e o mal deveria ser através da agência do Israel nacional e lit-
a tensão Terra-Céu na história da salvação. eral (se tivesse permanecido fiel a Deus). Neste contexto Zacarias descreve
Na sétima cena do santuário (21:1–22:5), a Nova Jerusalém desce para a como em seguida à batalha apocalíptica final e à restauração de Jerusalém
Terra, e é feito o pronunciamento: “Eis que o tabernáculo [skēnē] de Deus está e da Terra, os habitantes da Terra viriam de ano em ano à grande festa es-
com os homens” (Ap 21:3). O propósito supremo para o qual o santuário ter- catológica por excelência, a Festa dos Tabernáculos (Zc 14:16).
restre foi construído na Terra, “para que eu possa habitar no meio deles” (Êx Assim, a primeira e a última festa do calendário religioso de Israel
25:8), está agora consumado. “Deus habitará com eles” (Ap 21:3). O supremo parecem vinculadas respectivamente à inauguração e consumação da
enfoque teocêntrico/cristocêntrico do santuário celestial é enfatizado ao João história da salvação de Israel.
escrever: “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Pode ser afirmado que as três grandes festas de Israel prefiguram a tríplice
todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21:22). subestrutura da história da salvação no Novo Testamento.24 Deus ordenou a Israel:
O foco de atividade na cidade é agora doxológico22 — todos os redimidos se “Três vezes no ano me celebrareis festa” (Êx23:14). Estas são identificadas como a
reúnem em redor do trono na cidade para adorá-Lo, seu Templo supremo (22:3).23 Festa dos Pães Asmos (ligada à Páscoa), a Festa da Sega (Pentecostes) e a Festa da
Colheita (Tabernáculos), nos versos 14-16. Estas são as únicas vezes de reunião no
132 Ciclo anual de festividades calendário religioso realmente chamadas de “festas” (hag) nas Escrituras. 133
Outra importante área da tipologia do santuário parece estar embutida Relacionadas com a história da salvação no Novo Testamento. O sig-
no arranjo literário geral do Apocalipse. Esta é a tipologia das festividades nificado e a precisão destas três festas correlacionam-se bem com a dinâmi-
religiosas israelitas (Lv 23). ca da história da salvação no Novo Testamento. O tempo da primeira Páscoa
Já no Antigo Testamento há indícios de que o calendário religioso anual de e Pães Asmos trouxe redenção temporal a Israel. Eles foram “redimidos pelo
Israel prefigura a amplitude da história da salvação. O autor de Hebreus afirma sangue do cordeiro” (cf. Êx 12:21-23). Eles foram libertados do cativeiro,
esta verdade quando diz que o sistema sacrifical era “uma sombra dos bens mas não tinham ainda chegado a Canaã. A história da salvação para eles
vindouros” (Hb 10:1). Havia uma realidade genuína para a qual cada um dess- estava inaugurada, mas não ainda consumada.
es tipos apontava. O fato de que as cerimônias precisavam ser repetidas “ano No deserto eles estavam vivendo na tensão entre o “já” e o “ainda não”. Está
após ano” revelava sua própria inadequação e instabilidade, mas enfatizava a em harmonia com os dados bíblicos, e mantidos pela tradição judaica, que a
suficiência e estabilidade das realidades vindouras. entrega da lei no monte Sinai ocorreu no tempo do Pentecostes original.25 Nessa
ocasião a aliança com Israel foi ratificada. Assim, a nação foi incorporada como
povo da aliança de Deus. Por 40 anos o período de viver “entre os tempos” con-
tinuou, e Israel se apropriou das bênçãos da aliança.
Finalmente Israel chegou a Canaã, e sua redenção temporal foi consumada.
22
  Na consumação da história da salvação, o santuário ou templo celestial aparentemente re-
torna à sua função doxológica original. Em harmonia com esta sugestão, Ellen White (2006, p. A nação podia agora celebrar a Festa dos Tabernáculos, uma jubilosa lembrança
368) escreve que ao longo da eternidade os redimidos adorarão de sábado a sábado “no santuário”.
23
  Tem sido sugerido por alguns que o formato cúbico da Nova Jerusalém (Ap 21:16) indica que toda
a Nova Jerusalém se torna o “Lugar Santíssimo” da Nova Terra e o lugar de adoração para os redimidos 24
  Veja gráfico 3.
ao redor do trono na cidade (Ap 22:1-3) (ver LADD, 1972,p. 282; MOUNCE, 1977, p. 380). 25
  Êx 19:1; cf. Bab Talmud, Pes. 68b; Zohar, Ytro, 78b.
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da proteção divina durante o período de vagueação no deserto, e uma ocasião “Não temas; Eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto,
de regozijar-se sobre a consumação da história de sua salvação temporal. mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte
Os adventistas do sétimo dia geralmente estão familiarizados com a ma- e do inferno” (1:17-18). Anteriormente no capítulo a graça é vista como
neira como o Novo Testamento encontra o cumprimento antitípico dessas três vindo de Jesus Cristo, “a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos [...] e,
festas na história da salvação escatológica produzida por Cristo, o qual morreu pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados” (1:5).
por ocasião da Páscoa, como o Cordeiro pascal antitípico (1Co 5:7), com ossos Paulien (1990, p. 15) observa que “o escrutino das igrejas por Cristo
não quebrados (Jo 19:36; Êx 12:46). Ele ressurgiu no terceiro dia como o molho lembra a busca do fermento pela família judaica pouco antes da Páscoa (ver
movido antitípico, primícias da futura colheita (1Co 15:23; Lv 23:10-11). Cin- Êx 12:19; 13:7)”.27 M. D. Goulder (1981, p. 355) aponta para “uma antiga
quenta dias depois o Pentecostes antitípico é plenamente chegado. Como no tradição de cada igreja ter um círio pascal ardendo no culto desde a Páscoa
Pentecostes original no monte Sinai, agora vem ali fogo, terremoto e uma rajada até o Pentecostes”, e sugere isto como um fundo para a cena dos sete candee-
de vento (At 2:1-3; ver 4:31). Como Deus tinha escrito a lei em tábuas de pedra iros que representam as sete igrejas. Goulder também fornece interessante
com o seu próprio dedo, Ele novamente escreve a lei com o dedo do Espírito evidência de que outros importantes temas de Apocalipse 1 estão intimam-
(ver Lc 11:20; Mt 12:28), desta vez sobre o coração dos homens (Jr 31; Hb 8; 10). ente ligados à Páscoa.28 E o ambiente terrestre é compatível com a Páscoa, a
E como Israel se tornou o povo especial da aliança de Deus, assim o novo Israel única festividade com seu cumprimento primário no Cristo terrestre.
torna-se a igreja da nova aliança de Cristo. 2. Temas do Pentecostes. A cena introdutória do santuário de Apocalipse
As festas da Primavera encontram esse cumprimento no começo da história 4–5 parece mais provável retratar a cerimônia de investidura do Cordeiro no
da salvação no Novo Testamento. Da mesma forma, as principais festividades templo celestial,29 um evento que ocorreu durante os dez dias em seguida à
do outono (Trombetas e Dia da Expiação) levando até e incluindo Tabernáculos ascensão de Cristo, atingindo seu ponto culminante no dia de Pentecostes.30 Se
no final do calendário religioso encontram cumprimento em conexão com a esta interpretação está correta, então a segunda grande seção do Apocalipse
134 consumação apocalíptica da história da salvação no Novo Testamento. Este é pode ser considerada como intimamente ligada ao Pentecostes antitípico. No 135
o foco especial do livro de Apocalipse que está no âmago da autocompreensão tempo da visão de João, a Páscoa e o Pentecostes antitípicos eram eventos pas-
adventista como um movimento profético/apocalíptico. sados tendo consequências contínuas. Na liturgia celestial Jesus, o Leão/Cord-
Tipologia das festividades. A estrutura geral do livro de Apocalipse pode eiro é declarado digno de abrir os selos, para dar início à sua celestial obra de
ser vista seguindo-se a extensão da história da salvação conforme apresentada salvação preparatória para a abertura do livro do destino no juízo final.
na tipologia das festividades do Antigo Testamento. O esquema geral do Apoc- Não é sem significado que as leituras tradicionais do lecionário judaico para o
alipse parece evoluir sequencialmente através das festividades do Antigo Testa- Pentecostes sejam Êxodo 19:1–20:23 e Ezequiel 1.31 Que a visão do trono de Apoc-
mento. Contudo, embora um tipo do Antigo Testamento encontre cumprimen-
to básico em um dos três aspectos da história da salvação (Cristo, igreja, clímax
final), ao mesmo tempo implicações do mesmo tipo podem ser encontradas tinha sido morto, indicando que sua morte precedeu a cena do trono de Ap 5.
27
  Paulien (1990, p. 15) também documenta a conexão entre o maná (Ap 2:17) e a Páscoa no
nos outros aspectos de cumprimento escatológico. Tal parece ser o caso na tipo- Judaísmo primitivo, e nota a alusão a uma “refeição de comunhão mútua” em Ap 3:20.
logia da festividade do santuário, conforme ilustrada no gráfico 4, e portanto 28
  Goulder (1981, p. 355) salienta que o tema do retorno de Cristo sobre as nuvens seria iden-
não se deve esperar que cada seção sucessiva do Apocalipse tenha referência tificado pelos leitores do primeiro século com a Páscoa, visto que “era na Páscoa que a igreja
exclusiva à festividade correspondente. primitiva muito amplamente esperava o retorno de Cristo.” (veja n. 24 para evidência judaica e
cristã). Ele além disto (p. 356) afirma que o “dia do Senhor” (Ap 1:10) nos dias de João se refere à
1. Temas da Páscoa. Na cena introdutória do santuário de Apocalipse
Páscoa. Parece mais provável, contudo, que esta frase se refere ao sábado semanal, embora
1, há uma forte ênfase sobre os temas pascais. Somente aqui no livro há tão isto pudesse ao mesmo tempo ser um grande sábado.
forte concentração sobre a morte e ressurreição de Cristo.26 Ele diz a João: 29
  Veja n. 24 acima.
30
  Veja Ellen G. White (1996, p. 834; 2010, p. 38-39) para apoio deste ponto de vista. Básica evidência
bíblica fortalecendo esta posição inclui passagens como Dn 9:24; At 1:8; 2:32-33; Hb 1:8, 9; Sl 133:2.
  Embora a referência ao Cordeiro morto seja encontrada em Ap 5:6, ele é um Cordeiro que
26 31
  Veja Goulder (1981, p. 356, n. 33-34). Goulder salienta que a tentativa rabínica de proibir a
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

alipse 4 é extraída grandemente de Ezequiel 1 é inconfundível com suas descrições do restante do livro: as nações se enfurecem, a ira divina, o julgamento dos mortos,
similares do trono, do arco-íris e dos quatro seres viventes. Vários detalhes também a recompensa dos santos, a destruição dos ímpios (PAULIEN, 1988, p. 337-339).
parecem aludir a Êxodo 19. Note especialmente as vozes e os relâmpagos (Ap 4:5; Temas do Dia da Expiação. A cena introdutória do santuário da quarta
ver Êx 19:16-19) e o chamado “sobe para aqui” (Ap 4:1; ver Êx 19:24). grande seção do Apocalipse (Ap 11:19) nos conduz ao Lugar Santíssimo para o
A conexão com Êxodo 19 não é surpreendente sendo que, como já temos nota- início do mais sagrado dia antitípico do ano religioso, o dia da expiação (Yom
do, a entrega da Torá (Lei) no monte Sinai provavelmente coincidiu com o primeiro Kippur). As sete cenas do grande conflito que se seguem destacam o anúncio de
Pentecostes. Se modelado segundo a experiência do Sinai, Apocalipse 5 pode ser que “é chegada a hora do seu juízo” (14:7).
visto em um sentido de apresentar a Cristo como o Moisés antitípico, recebendo de O Yom Kippur típico incluía não somente (1) a obra do juízo investiga-
Deus a nova Torá. No primeiro Pentecostes Moisés ofereceu o sacrifício sangrento tivo, a expiação final e a purificação do santuário (Lv 16), mas também (2)
para ratificar a aliança sinaítica da redenção (Êx 24:8; cf. Êx 20:2; Dt 9:11), e Israel o juízo retributivo/executivo sobre os pecadores impenitentes do acampa-
foi investido como um “reino de sacerdotes” (Êx 19:6). De igual modo o Cordeiro mento (Lv 23:29-30) e (3) o rito de eliminação por meio do bode Azazel que
morto, por Seu “sangue da aliança” (Mt 26:28 = Êx 24:8), redimiu os homens para era enviado para o deserto (Lv 16:10, 20-22).
Deus (Ap 5:6, 9) e investiu-os como um “reino e sacerdotes para Deus” (Ap 5:10). Igualmente, no antítipo, o Dia da Expiação em Apocalipse nos leva através
3. Temas das trombetas. Na terceira grande seção do Apocalipse, as sete trom- do juízo investigativo (11:1, 2, 19; 14:7); através das sete últimas pragas (caps.
betas lembram as sete festividades mensais da Lua Nova que formam uma transição 15–16), e o juízo de Babilônia (17:1–19:4); e sucessivamente através do envio
entre as festas da primavera e do outono e chega ao ponto culminante na “Festa” milenial de Satanás para o “deserto”/abismo e o concomitante juízo de revisão
das Trombetas (Nm 10:2, 10; 29:1). Da mesma forma que a Festa das Trombetas pelos santos (20:1-10) ao culminante trono branco do juízo e à eliminação final
(também chamada Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico) convocava o antigo Israel a do pecado na segunda morte (20:11-15). O Dia da Expiação, portanto, abrange
se preparar para o vindouro dia de juízo, Yom Kippur, assim as trombetas de Apoc- as fases do juízo de investigação, de revisão e executiva do juízo final.34
136 alipse destacam especialmente a aproximação do antitípico Yom Kippur. Temas da Festa dos Tabernáculos. Em Apocalipse 21 o antitípico Dia da 137
Enquanto os selos veem a extensão da história a partir da perspectiva da in- Expiação (Yom Kippur) cessou, o “acampamento está limpo”, e a antitípica Festa
vestidura de Cristo e para a frente, as trombetas parecem retroceder na história dos Tabernáculos pode começar. É surpreendente notar o quanto da seção final
da salvação como indícios ao longo da Era Cristã de que Deus “se lembrará” do Apocalipse (e os refletores sobre as recompensas finais dos redimidos das
(isto é, agirá em favor de) de seu povo e como advertências para o preparo para seções anteriores) é expresso na imagem dos tabernáculos.
o antitípico Dia da Expiação.32 Os chamados de trombetas ao arrependimento A Festa dos Tabernáculos era também chamada a Festa da Colheita, vin-
vêm através de sucessivos juízos de alerta e atinge o seu ponto culminante no do depois que a ceifa tinha sido armazenada no celeiro. Igualmente, a festa
interlúdio após a sexta trombeta (Ap 10–11). É de acordo com as imagens da antitípica segue a ceifa da Terra (Ap 14:14-20) e constitui a colheita final do
Festa das Trombetas que o enfoque sobre os últimos acontecimentos (neste in- povo de Deus para o seu lar da colheita. O Israel do passado ia a Jerusalém
terlúdio entre a sexta e a sétima trombetas) detalha o tempo do Grande Desa- na “revolução (teqûpah) do ano” (Êx 34:22) para celebrar a festa por sete
pontamento e o início do juízo investigativo em 1844.33 dias (mais um oitavo, Lv 23:33-37). No antítipo, o Israel apocalíptico entra
A sétima trombeta leva à consumação a extensão histórica desta seção do Apoc- na Nova Jerusalém na revolução dos séculos (“as primeiras coisas passaram.
alipse com uma descrição do glorioso clímax: “O reino do mundo se tornou de
nosso Senhor e do seu Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11:15).
Então a reação dos vinte e quatro anciãos (11:18) resume antecipadamente o fluxo
34
  Várias alusões a passagens do Antigo Testamento nestas seções realmente constituem ima-
gens do juízo investigativo/Dia da Expiação. Por exemplo, a referência a Satanás como “acusador
leitura de Ez 1 ocorre no tempo de João (p. 357). de nossos irmãos” (Ap 12:10) relembra a cena do juízo investigativo de Zacarias 3 (ver White,
32
  Ver Paulien (1998, cap. 3) para uma descrição mais completa do significado das trombetas. 2005, p. 484; 2002, p. 38-41). Para uma análise do juízo investigativo sobre Babilônia nos termos
33
  Veja a discussão do “modelo Ezequiel” acima, p. 114-15; e Maxwell (1991, p. 269-280). da lei do falso testemunho de Dt 19:16-21, veja Kenneth Strand (1982, p. 53-60).
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

[...] Eis que faço novas todas as coisas” [Ap 21:4, 5]) para celebrar e “adorar discussão geral do tema do santuário dentro da estrutura geral do Apocalipse.
pelos séculos dos séculos” (7:9-17; 22:3-5). Algumas dessas alusões são explícitas, outras referências são mais indefiníveis.
Na festa histórica do Antigo Testamento os israelitas habitavam em “tab- O “maná escondido” (2:17) certamente pertence ao tema do Êxodo, mas tam-
ernáculos” (sukkôt) de onde a festa derivava seu nome. No final antitípico, “o bém pode se referir ao maná “escondido” dentro da arca no Lugar Santíssimo (cf.
tabernaculo” [skēnē, como em Lv 23:42 LXX) de Deus está com os homens, e Êx 16:32-34; Hb 9:4). A promessa aos vencedores de Sardes de que eles seriam
Ele habitará [skēnoō] com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará vestidos de vestiduras brancas (3:4) pode simbolizar mais do que pureza/justiça.
com eles” (Ap 21:3). Foi ordenado ao antigo Israel que “se alegrasse perante o O símbolo pode também apontar para sua função como sacerdotes antitípicos
Senhor” (Lv 23:40) na festa. Na prática, isto significava o agitar dos ramos de com Cristo (tal função torna-se explícita em 1:6; 5:10). As várias referências aos
palmeira, o cântico, o toque de instrumentos musicais e uma grande festa.35 No vinte e quatro anciãos (4:4) podem aludir ao sacerdócio levítico e seus vinte e
cumprimento apocalíptico, há novamente o agitar dos ramos de palmeira (Ap quatro turnos de sacerdotes levitas (1Cr 24:1-19).
7:9), gloriosas antífonas de louvor (7:10; 14:3; 15:2-4), harpistas tangendo suas Os quaro seres viventes, mencionados repetidamente ao longo do Apocalipse
harpas (14:2) e a grande ceia das bodas do Cordeiro (19:9). (4:6-9) são quase idênticos aos seres de Ezequiel 1 e 10. Na última passagem eles são
Durante a festa típica, os adoradores deveriam se lembrar do seu tempo de identificados como “querubins”. Esses seres podem ser considerados como os corre-
peregrinação no deserto (Lv 23:43). Na prática, isto se desenvolvia em duas ce- spondentes antitípicos para os querubins sobre a arca do santuário terrestre.37
rimônias impressionantes: (1) “a água da efusão” simbolizando a água da rocha Finalmente, em uma disposição semelhante, as numerosas alusões aos
que havia nutrido Israel no árido deserto e (2) a “cerimônia das luzes”, comemo- Salmos e outras passagens hinológicas do Antigo Testamento na liturgia
rando a coluna de fogo que os havia guiado através do deserto.36 Ambas estas celestial de louvor podem ser vistas na relação antitípica aos salmos litúr-
cerimônias por volta do primeiro século d.C. tinham sido reconhecidas por sua gicos terrestres no santuário do antigo Israel.38
significação messiânica. Jesus apontou claramente para o seu cumprimento Não seria exagero concluir que o último livro do Novo Testamento reúne
138 cristológico em si mesmo como a luz do mundo e a água da vida (Jo 7:37; 8:12) todos os grandes fios da tipologia do santuário do Antigo Testamento e tece-os 139
(ver BROWN, 1966, p. 326-330, 343-345). em um complexo e formoso tapete para formar o pano de fundo de todo o livro.
No final e glorioso cumprimento apocalíptico da festa, a festividade da água No processo, o profeta revela a centralidade e importância do tema do santuário
presente. Não apenas um cálice do tanque de Siloé, nem mesmo água brotando para desvendar a estrutura, mensagem, e significado do Apocalipse.
de uma rocha, mas um “rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do
trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22:1). E a cerimônia das luzes está ali. Não Referências
candelabros no pátio das mulheres, nem mesmo a coluna de fogo, nem mesmo
o deslumbrante Sol, mas a “glória de Deus é a sua luz, e o Cordeiro é a sua lâm-
ANDREASEN, N. E. The Heavenly Sanctuary in the Old Testament. In: WALLENKAMPF, A.
pada” (21:23). O apelo final de Jesus no livro parece continuar a imagem dos V.; LESHER, W. R. (Eds.). The Sanctuary and the Atonement. Silver Spring: Biblical Research
tabernáculos “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água Institute, 1981.
da vida” [a água dos Tabernáculos perfeitos] (22:17).
BALENTINE, G. Death of Christ as a New Exodus. Review and Expositor. v. 59, 1962.
Considerações finais
Ao concluirmos esta pesquisa da terminologia do santuário, devemos no-
tar algumas relacionadas imagens tipológicas adicionais não mencionadas na 37
  Interessantemente, Ellen G. White (1870, v. 1, p. 399) indica que “quatro anjos celestiais sem-
pre acompanhavam a arca de Deus em todas as suas jornadas, para guardá-la de todo perigo, e
para cumprir qualquer missão deles exigida em conexão com a arca”.
  Para a prática rabínica, veja Mishnah, Sukkah 5.1-4.
35 38
  Veja acima, n. 7; importantes comentários sobre Apocalipse para exemplos das copiosas
  Para uma descrição destas cerimônias, veja Mishnah, Sukkah 4.9; 5.1-3.
36
alusões aos Salmos nos hinos litúrgicos de Apocalipse.
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Adventist Bible Commentary. Washington: 1976. v. 4.
Gráfico 1 Tipologia bíblica: visão geral

WHITE, E. G. Atos dos apóstolos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010.


I. Significado da interpretação Tipológica do AT pelo NT
     . O desejado de todas as nações. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1996. A. Avaliações modernas:
     . O grande conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005. 1. Leonard Goppelt: Tipologia “é a maneira central e distintiva de compreender
as Escrituras”.
2. G. Ernest Wright: “A única palavra que talvez melhor do que qualquer outra
     . Parábolas de Jesus. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000.
descreve o método da Igreja primitiva de interpretar o AT é ‘tipologia.’”
3. Robert G. Grant: “O método do Novo Testamento de interpretar o Antigo
     . Profetas e reis. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007. era geralmente o da tipologia.”
4. E. Earle Ellis (citando W. G. Kümmel): “A interpretação tipológica expres-
     . Testemunhos para igreja. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2006. v. 6. sa muito claramente ‘a atitude básica do Cristianismo primitivo para com o
Antigo Testamento.’”
     . Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Publicadora
B. Crítica: As asserções acima podem exagerar o caso, mas certamente a
Brasileira, 2002.
tipologia provê um importante estudo de caso na hermenêutica do NT.
     . The Spirit of Prophecy: the great controversy between Christ and his angels and II. Duas modernas visões de tipologia bíblica: tradicional e “pós-crítica”
Satan and his angels. Battle Creek: Steam Press, 1870. v. 1.
A. Tipologia Tradicional é o estudo da prefiguração divinamente designada (na
142 forma de pessoas/eventos/instituições) que apontam para o seu cumprimento 143
WHYBRAY, R. N. The Heavenly Councellor in Isa. XI 13-14. Cambridge: [s.n.], 1971.
antitípico em Cristo e nas realidades do evangelho produzidas por Cristo.
B. “Neotipologia Pós-crítica”: Tipologia é o estudo das correspondências
históricas entre pessoas, eventos e instituições do AT e NT, retrospectiva-
mente reconhecidas dentro da consistente revelação de Deus na História.
C. Principais elementos de diferença:

Tradicional Crítico-Histórica
1. Firmada em realidades históricas 1. Historicidade não essencial.
(historicidade essencial).
2. Prefiguração divinamente designada 2. Analogias/correspondências dentro de
modos de atividades similares de Deus.
3. Prospectiva/preditiva. 3. Retrospectiva (pouco ou nenhum
elemento preditivo).
4. Prefigurações se estendem a detalhes 4. Envolve somente “situações paralelas”
especiais. gerais.
5. Inclui tipologia vertical (santuário). 5. Rejeita vertical como estranha à perspec-
tiva bíblica. (Hebreus = mítico/dualista).
6. Envolve princípios consistente de 6. Nenhum sistema ou ordem — liber-
interpretação dade do Espírito.
Estudos selecionados em interpretação profética Tipologia do santuário

1 23

(1 Co 3:16 e 17; 2 Co 6:16) (Ap 3:12; 7:15; 11:19; 21:3 e 22)


Escatologia Consumada
Gráfico 2 - Interpretação Tipológica do Antigo Testamento:Identificando os Tipos

Cumprimento literal
Segundo advento

Êxodo apocalíptico
Israel apocalíptico
Segundo advento

Templo supremo
Templo celeste/
Reino da Glória

glorioso e final
(Apocalíptico)
Clímax Final
de Cristo

(Ap 15:1-3)
(Mt 25:31)

(Ap 7:4)
Tipo do Antigo Testamento Indicador Verbal de Tipologia Anúncio do Antítipo no
(Pessoa/Evento/Instituições) no Antigo Testamento Novo Testamento

Resolução
da tensão
1. Êxodo: Novo Êxodo1 Êxodo Antitípico2

Antitipos do Novo Testamento


Livro de Êxodo; Os 2:14-15; 12:9, 13; 13:4-5; Mt 1:5; Lc 9:31, etc.
Oséias 11:1, etc. Jr 23:4-8; 16:14-15; 31:32;

Tensão entre “Já” e “Ainda

Escatologia Apropriada

Cumprimento parcial
espiritual e universal

Igreja como templo


Is 11:15-16; 35; 40:3-5;

(Hb 4; 2 Co 6:17)
Êxodo espiritual
não” (Mt 16:19)

(Eclesiológico)

Israel de Deus
Espírito Santo
41:17-20; 42:14-16; 43:1-3,

(Gl 6:16)
A Igreja
14-21; 48:20-21; 49:8-12;

Gráfico 3 - Quádrupla subestrutura escatológica da tipologia

Igreja
51:9-11; 52:3-6, 11-12;

Irrompimento de poderes
55:12-13

da era vondoura
Dimensão vertical abrangente

Pentecostes
2. Santuário Original Celeste3 Original Celeste
Êxodo 25–40 Êx 25:40; Sl 11:4; 18:6 ; Hb 8:5; 9:24; Ap 8:1-5;

Escatologia Inaugurada

(Jo 1:14; 2:21; Mt 12:6)


Cristo como Templo
Primeiro advento
60:6; 63:2; 68h35min; 96:6; 11:19; 16:1; etc.

(Mt 12:28; Hb 4:16)


Primeiro advento

(Mt 1-5; Lc 9:31)


Êxodo de Cristo
Reino da Graça

Cumprimento
(Cristológico)
102:19; 150:1; Is 6; Jn 2:7;

literal e local
Novo Israel
de Cristo

Tipologia

(Mt 2:15)
Mq 1:2; Hc 2:20; etc.

Cristo
144 145
3. Jonas Novo Jonas Jonas Antitípico
O Livro de Jonas Os 6:1-3 (=Israel); Is 41–53 Mt 12:40; etc.
(Messias representa e

(governo direto de Deus ou


seu representante terrestre)
recapitula a experiência de

Santuário / Templo
Israel: Is 41:8; 42:1; 44:1;

Antigo Testamento

Tipos do Antigo
do fim dos tempos
Antigo testamento

Predições verbais
Reino Teocrático

Pessoas, eventos

Nacional, étnico
49:3-6; 52:13–53:11, etc.)

Testamento

e instituições

Êxodo
Israel
4. Elias Novo Elias Elias Antitípico
1Rs 17–19 Ml 4:5, 6 Mt 11:14; Mc 9:11; Lc 1:17

5. Moisés Novo Moisés Moisés Antitípico

Modos de cumprimento
cumprimento tipológico
Na linguagem do Reino
Pentateuco Dt 18:15-19 Jo 1:21; 6:14; 8:40; etc.

Na linguagem

(2)
Exemplos (1)

(3)
1
Veja C. H. Dodd, According to the Scriptures: The Substructure of New Testament Theology

escatológica

Aspectos do
(Londres, 1952), esp. 75-133.
2
Veja George Balentine, “The Concept of the New Exodus in the Gospels,” (diss. Th.D., Southern Bap-
tist Theological Seminary, 1961); cf. id.., “Death of Christ as a New Exodus,” RevExp 59 (1962): 27-41.
3
Veja Davidson, Typology in Scripture, 367-88; id., Issues in the Book of Hebrews, 156-69.
146
Gráfico 4 - Festividades de Levítico 23: Aspectos Tipológicos no Novo Testamento
A. Primavera: ** *** AT Festividade Cristológico* Eclesiológico* Apocalíptico*
1 Festa do Cordeito
1 (NISÃ) 14 Páscoa (Pesach) Crucifixão (Mt 26:27- Ceia do Senhor
(Lc 22:15-16; Mt 26:29;
(Lv 23:4 e 5; Êx 12:1-14) 28; 27:46; Jo 19:31-37) (1 Co 5:7; 11:23-26)
Ap 19:7-9; 15:1-3)
1 (NISÃ) 15-21 Festa dos pães asmos Provisão para remoção do Remoção do pecado Remoção do pecado
(Lv 23:5-8; Êx 12:8-20) pecado (1 Co 5:6-8) (1 Co5:6-8) (1 Co 15:22 e 53; Ap 14:4-5)

1 (NISÃ) 16 Primícias Ressurreição Primícias do Espírito 144.000 como primícias


(Lv 23:4-14) (1 Co 15:23) (Rm 8:23) (Ap 14:4)
2 Unção com o Espírito “Chuva Temporã” “Chuva Serôdia”
3 (SIVÃ) 6 Pentecoste (Shavout)
(Lv 23:15-22) (Mt 3:16 e 17; At 10:38) (Jl 2:23; At 2) (Joel 2:23; Ap 18:1)
B. Outono: **
Trombetas
Chamado ao Juízo Chamado ao Juízo Chamado ao Juízo
7 (TISHRI) 1 (Rosh Hashaná)
(Jo 12:31) (Ap 8 e 9; 1 Pe 4:17) (Ap 14:6 e 7; Jl 2:1)
(Lv 23:23-25)
Bode do Senhor (Hb 9:25-26;
1844 ao fim do Milênio
7 (TISHRI) 10 Dia da expiação DTN 24 e 275; AA 33) Cristo purifica o templo da
Estudos selecionados em interpretação profética

(Dn 8:14; Ap 11:19; 14:6-8 e 20)


(Yom Kippur) Cristo vem subtamente para alma (Ml 3:3; 2 Co 6:16-17;
Cristo purifica o Templo celestial
(Lv 16; 23:26-31) purificar Seu templo. 1 Co 3:16 e 17; DA 161)
(Ml 3:1-3; GC 424-426)
(Ml 3:1-3; Jo 2:13-22; DA 161)
3 Cristo “habita” (Jo 1:14); Observar a festa hoje PP
7 (TISHRI) 15-22 Tabernáculos
Cêrimônia da água antitípica 540-541, água antitípica Nova Terra (Zc 14:16; Ap 7:9-12;
(Sukkoth)
(Jo 7:37) e cerimônia das luzes (Jo 7:37) e Luz (Mt 5:14- 14:1-5; 19:6-12 e 21-22)
(Lv 23:33-36)
(Jo 8:12a) 16; Jo 8:12b)

*Espaços sombriamente delineados = Cumprimento primário na extensão da história da salvação.


**Nas datas para as festas, o primeiro número se refere ao mês e o segundo número(s) ao dia(s) do mês.
***Os números indicam as três festividades (Páscoa/Pães Asmos, Pentecostes, Tabernáculos) realmente designadas como hag (festa) nas Escrituras.
1. Introdução
Esboço do capítulo

3. Alusões a Daniel em Apocalipse


4. Por que estudar Daniel e Apocalipse?
2. Uso de Daniel pelo Novo Testamento

extensão da Era Cristã.

suntos” (WHITE, 2002, p. 117).


dos e aprimorados em Apocalipse

encadernados juntos, Apocalipse


“Era minha ideia ter os dois livros
rpretes historicistas, os adventistas

esses livros, mostrando que ambos


seguindo a Daniel, oferecendo mais
Alguns assuntos, apresentados pela

na medida em que ambos cobrem a


sempre reconheceram a estreita
Richard Lehmann
Relações entre Daniel e
Apocalipse

Em 1902 Ellen White escreveu:

sentados em Daniel. O alvo é unir


ligação entre Daniel e Apocalipse.

se relacionam com os mesmos as-


primeira vez em Daniel, são repeti-
Sinopse editorial. Como inté-

ampla luz sobre os assuntos apre-


6
Estudos selecionados em interpretação profética Relações entre Daniel e Apocalipse

Sendo que a moderna erudição liberal nega a possibilidade da profecia e re- A erudição crítico-histórica considera o livro de Daniel como restrito ao
stringe Daniel e sua mensagem a um ambiente da Palestina do segundo século Judaísmo do segundo século a.C. Somente alguns versículos são aceitos como
a.C., o presente autor sugere que a igreja de hoje precisa de razões adicionais de natureza profética. Consequentemente, é necessário estabelecer a partir das
para justificar seu estudo de Daniel e Apocalipse em conjunto. Escrituras se Daniel tinha uma mensagem apocalíptica que se estendia além
Além dos vínculos de gênero literário comum (apocalíptico) e tema co- daquela época. Podemos legitimamente perguntar aos escritores do Novo Tes-
mum, ele sugere outra linha de evidência: referências do Novo Testamento a tamento se Daniel menciona eventos do fim dos tempos e se eles viam o cum-
Daniel 2, 7 e 9. Os escritores do Novo Testamento não eram “futuristas” no primento de suas profecias como ocorrendo em pontos futuros para seus dias.
moderno sentido religioso do termo. Antes, eles reconheciam que as partes Se podemos responder afirmativamente a essas interrogações, temos então
escatológicas de Daniel não tinham ainda se cumprido — em seu tempo ou o direito de ligar Daniel e Apocalipse sobre a base de uma interpretação comum.
antes do seu tempo, mas se destinavam a ter cumprimento em algum ponto Além disso, se podemos estabelecer que as profecias de Daniel eram percebidas
do tempo que era futuro para eles. Consequentemente, é legítimo ligar Dan- nos tempos do Novo Testamento como tendo precisas aplicações históricas, en-
iel a Apocalipse em seus pontos de interesse comum da Era Cristã. tão seremos capazes de interpretar os dois livros como lidando com a história
Partindo de uma perspectiva mais ampla, o autor sugere que preocu- contínua deste mundo em relação com o plano da salvação.
pações éticas comuns, períodos de tempo cronológicos, bem como a ên-
fase sobre o Filho do homem messiânico em Daniel e Apocalipse de tal Uso de Daniel pelo Novo Testamento
modo se complementem e suplementem um ao outro que as duas profe-
cias devam ser estudadas em conjunto.
A pedra que destrói
A profecia de Daniel 2 é uma narração de uma sucessão de poderes políticos
Introdução que se estendem desde os dias de Daniel até o fim dos tempos (Dn 2:36-45).
148 149
É procedimento tradicional entre os adventistas do sétimo dia analisar os Viam os autores do Novo Testamento a profecia já cumprida? É verdade que os
livros de Daniel e Apocalipse segundo suas relações mútuas (ver WHITE, 2002, Evangelhos se referem apenas à última parte dela — a pedra que fere a imagem
p. 116; 1957, v. 7, p. 971). Por exemplo, deve ser evidente para qualquer leitor metálica em seus pés. Mas é de interesse ver se eles percebiam a ação destrutiva
que os animais de Daniel 7 devem ser outra vez encontrados na besta do mar da pedra como um evento passado ou futuro.
de Apocalipse 13, que as fases milenial e executiva do juízo final em Apocalipse Duas referências são feitas à profecia de Daniel 2. Em Lucas 20:18 e Ma-
20 não estão sem conexão com a descrição do juízo pré-advento de Daniel 7, e teus 21:44, é feita referência a uma pedra. “Todo o que cair sobre esta pedra
que a permanência da mulher no deserto em Apocalipse 12:6, 14 é idêntica à ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó” (Mt
perseguição dos santos mencionada em Daniel 7:25. 21:44). A leitura desses dois textos poderia sugerir que eles estão aludindo
Mas nem todos os pesquisadores veem a ligação do mesmo modo. Certos a Salmo 118:22-23 em vez de Daniel 2, sendo que a primeira passagem lida
teólogos preferem ver Isaías e Ezequiel como o pano de fundo para Apocalipse com a pedra rejeitada pelos construtores, que se tornou a pedra angular do
(COMBLIN, 1965, p. 11). Portanto, torna-se necessário hoje — muito mais do Templo. Contudo, por várias razões cremos que nesse caso Jesus combina
que no passado — justificar nossa escolha e nossa interpretação do livro de ambas as referências (Sl 118 e Dn 2) em sua declaração.
Apocalipse em conexão com o livro de Daniel. Que razões podemos sugerir Ambos os textos do Evangelho parecem lembrar a dupla ação declarada
para alinhar Apocalipse especialmente com o livro de Daniel? em Daniel 2:34-35. A pedra, foi dito, quebra os reinos em pedaços e os es-
Se vemos um elo relacionado entre as duas profecias, é essencialmente palha como “a palha das eiras no estio”. Em outras palavras, a pedra esmaga
porque encontramos nelas a mesma descrição, periódica e contínua, da história e tritura. Nos Evangelhos, pessoas que caem sobre a pedra são esmagadas ou
do mundo e da igreja. Cremos que esses livros tratam da nossa história do mun- são trituradas se a pedra cai sobre elas.
do e armam seus principais cenários em conexão com a história da redenção.
Estudos selecionados em interpretação profética Relações entre Daniel e Apocalipse

Além disso, Mateus e Lucas usam o mesmo verbo grego que a LXX (Teod.) é de surpreender que Mateus seja aqui mais detalhado e preciso do que Lucas.
em Daniel 2:44 para “esmagar” ou “triturar. “Triturar” (grego, likmaō), ocorre Portanto, ele registra a declaração de Jesus: “O reino de Deus [...] será entregue
na LXX (Teod.) somente em Daniel 2:44 e Rute 3:2. a um povo que lhe produza os respectivos frutos” (v. 43). Além disso, Jesus não
Parece evidente que quando Mateus e Lucas declaram que aquele que cai faz sua referência a Daniel 2 após a citação de Salmo 118, mas imediatamente
sobre a pedra será esmagado e aquele sobre o qual a pedra cai será triturado — a depois de mencionar a vinda de outra “nação”.
mesma ordem verbal que em Daniel —, eles têm Daniel 2 em mente. Temos, portanto, em ordem sucessiva: o verso 42 e o Salmo 118; o verso 43
Vale a pena saber como Jesus e os escritores dos Evangelhos compreendiam e a transferência do reino; o verso 44 e Daniel 2. A referência à igreja (reino de
essa referência à pedra de Daniel. Olhavam eles para os eventos do primeiro século Deus) é posta entre as duas referências a uma pedra. O verso 42 está ligado ao
como cumprimento da profecia? Alguns acham que sim; mas eu penso que não. verso 43 por meio de uma conjunção — “portanto” (dia touto) — a qual mostra
Lucas 20:18. Analisemos o contexto imediato da referência extraída de Lu- que se Jesus é a pedra angular, Ele é a pedra angular da igreja.
cas 20. Ele segue a parábola dos lavradores maus (Lc 20:9-16) e prediz o jul- O verso 44 está ligado ao verso 43 por meio de um pronome demonstrativo
gamento de Israel. Quando se aproxima o tempo da colheita, o proprietário de proximidade (houtos, “esta”) em vez do pronome demonstrativo de distân-
quer receber o fruto de sua vinha. Mas a impiedade dos lavradores o compele a cia (ekeinos, “aquela”) encontrado em Lucas. Tivesse Mateus desejado omitir
exercer juízo sobre eles e alugar a vinha a uma nova turma de lavradores. a referência à igreja (v. 43) a fim de ligar o verso 44 ao verso 42 (as duas de-
Seus ouvintes mentalmente recusaram tal resultado. Como poderia Deus clarações sobre pedra), ele teria simplesmente usado “aquela [ekeinos] pedra” de
escolher outra nação? Assim Jesus — falando para a questão silenciosa — per- Lucas. Essa linha de raciocínio significa que a igreja está edificada sobre Jesus
gunta-lhes: “Que quer dizer, pois, o que está escrito: A pedra que os constru- Cristo (v. 42) e que ela participa de sua vitória (v. 43). A atitude dos judeus para
tores rejeitaram, esta veio a ser a principal pedra, angular?” (v. 17). Ele então com a igreja é semelhante àquela que eles têm para com Cristo.
traz à baila a referência a Daniel 2 (v. 18). Significa isso que a igreja é o reino predito na profecia de Daniel? Não, ab-
150 Uma leitura superficial poderia levar o leitor a imaginar que Jesus vê sua solutamente. Por três razões, a pedra não deve ser identificada com a igreja no 151
rejeição pelos judeus como o cumprimento por Israel da profecia de Daniel 2. primeiro advento de Cristo. Primeira, há o tempo futuro do verso 44 conforme
Uma leitura mais cuidadosa mostra que este não é o caso. observado antes (“todo o que cair sobre esta pedra ficará em pedaços”). So-
O futuro escatológico do verso 18 deve ser notado (ficará em pedaços, ficará mente o juízo final revelará e demonstrará a vitória da igreja.
reduzido a pó). Os efeitos da pedra são projetados para um futuro indeterminado. Segunda, existe a distinção que Jesus faz na parábola entre a primeira e a seg-
Além disso, se a designação “construtores” aponta para os dirigentes de Is- unda vinda do dono de casa ou pai de família. Quando ele envia seu filho, o tempo
rael ou para a própria nação, o “todo o que” do verso 18 sugere uma aplicação da colheita não é ainda chegado. Como disse Mateus, ele apenas “se aproximava” (v.
universal. O juízo a cair sobre Israel em 70 d.C. é apenas um exemplo histórico 34, KJV). Mas quando o dono de casa vier para executar justiça sobre seus ímpios
apontando para o que acontecerá a “todo o que” rejeita o Messias. lavradores (v. 40), é também com uma intenção de receber os frutos em seu tempo.
Essa interpretação é confirmada pela passagem de Mateus, que é mais Assim, segundo a parábola, há somente um tempo de colheita; quando Jesus esteve
detalhada do que a de Lucas. na Terra esse tempo estava apenas “se aproximando”.
Mateus 21:44. Este verso não tem sido retido por todos os exegetas. Creio, Uma razão adicional está no fato de que Mateus fornece um detalhe (v. 41)
porém, juntamente com o The Seventh-Day Adventist Bible Commentary, que que não aparece em Lucas: os novos lavradores “lhe produzirão os respectivos
ele pode ser mantido. O verso aparece em importantes manuscritos; e sua omis- frutos em seu devido tempo”, isto é, no tempo da colheita. E só então sua fi-
são em outros pode ser explicada como um erro de copista devido à palavra delidade será demonstrada. Esta involuntária alusão à igreja pelos fariseus pode
final semelhante nos versos 43 e 44 (autēs/auton) no texto grego. Além disso, o ser explicada em termos da parábola e do registro pelo método semítico da
verso 44 se ajusta perfeitamente à linha de raciocínio do contexto. inclusão. Esse método consiste em repetir no final de uma história (v. 41) o
O Evangelho de Mateus é fortemente orientado para a igreja. Beda Rigaux tema do início (v. 34) a fim de dar coerência ao relato (ver Mt 7:16, 20; 12:39, 45;
afirma que entrar no Evangelho de Mateus é como entrar numa catedral. Não 15:2, 20; 16:6, 12; 18:1, 4 etc.). A função adequada dos novos lavradores lembra
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o propósito da história, seu principal objetivo. No tempo da colheita o Senhor quem confere o reino aos santos para que possam reinar com Ele (Lc 22:29, 30;
virá para receber o fruto. Há, portanto, um tempo no futuro quando o Senhor cf. Ap 5:9-10). Os conceitos de Daniel 7:18, 22 são combinados em uma simples
virá à sua vinha; naquele tempo Ele será recebido por sua propriedade. declaração de Jesus em Mateus 19:28 — “Na regeneração quando o Filho do
A profecia de Daniel 2 diz respeito ao fim do tempo. A pedra (rei- homem se assentar no trono da sua glória, vós também vos assentareis sobre
no) que “trilharia” (trituraria) as nações, segundo as palavras de Cristo, era doze tronos, julgando as doze tribos de Israel.” Notemos que essas predições não
futura em seus dias e pertence ao vitorioso estabelecimento do eterno reino se referem a um evento do passado, mas são orientadas para o futuro.
de Deus. Isso acha confirmação também no fato de que a igreja dos crentes Observemos que estas referências a Daniel na interpretação adventista têm
genuínos não é plenamente manifestada até “o tempo da colheita”, “quando um caráter escatológico futuro. É o mesmo no uso feito delas pelo Novo Testamen-
Ele [Cristo] virá para ser glorificado em seus santos, e ser admirado em to- to. E essas não são as únicas. Outras poderiam ser acrescentadas. Por exemplo,
dos os que creem [...] naquele dia” (2Ts 1:10, KJV). Daniel 12:2/Mateus 25:46; Daniel 12:3/Mateus 13:43.
Concluamos esta parte do nosso estudo examinando a referência explícita de Je-
O Filho do Homem e a abominação da desolação sus à “abominação da desolação” (Mt 24:15). Os judeus estavam familiarizados com
Depois de Daniel 2, não é surpreendente ver o Novo Testamento dar ainda o livro de Daniel. Eles evidentemente viam no sacrilégio perpetrado por Antíoco
mais atenção a Daniel 7. C. H. Dodd acha que esse capítulo do Antigo Testa- Epífanes o cumprimento de uma de suas profecias (1 Macabeus 1:54; 6:7). Como
mento “pertence aos próprios fundamentos do pensamento neotestamentário” poderia ter sido de outro modo para um povo afligido que tentava compreender os
(DODD, 1968, p. 69). Esse capítulo serviu como ponto de referência para Jesus eventos contemporâneos à luz da profecia? Tudo o que eles ainda aguardavam era
bem como para os apóstolos. A mais óbvia referência (embora não citada dire- “a consumação, e o que está determinado será derramado sobre o assolador” (Dn
tamente) é Daniel 7:13 — a profecia do Filho do homem vindo nas nuvens. 9:27) e o aparecimento do Messias. O advento do Messias e o fim do mundo eram
Outra vez, segundo Dodd, ”obviamente temos de lidar com uma daque- um e o mesmo acontecimento em sua estimativa (Mt 24:3).
152 las passagens que desde o início guiou de uma maneira decisiva o pen- O que é impressionante acerca da referência de Jesus à “abominação da des- 153
samento e o vocabulário da igreja concernente ao que tinha a ver com um olação de que falou o profeta Daniel” é que Ele corrige a interpretação que os
dos pontos essenciais do Kerygma, o retorno de Cristo como juiz e Salvador judeus davam a isto. Para Ele, “a abominação da desolação” não tinha ainda
da humanidade” (DODD, 1968, p. 67). chegado! Jesus projetou no futuro além do seu tempo o que o pensamento judaico
O Filho do homem nas nuvens é mencionado por Jesus em seu discurso es- considerava ter ocorrido. Certamente, é a Judeia, e mais precisamente Jerusalém,
catológico: “E então eles verão”, disse Ele, “o Filho do homem vindo nas nuvens com diz Lucas, que vê o início desses eventos, mas eles se estenderão universalmente,
grande poder e glória” (Mc 13:26, KJV). Diante do Sinédrio, Ele incluiu com a porque os justos têm de ser reunidos dos quatro ventos, da extremidade da
alusão a Daniel uma referência a Salmo 110:1. “E vereis o Filho do homem assen- Terra até a extremidade do céu (Mc 13:27).
tado à mão direita do poder, e vindo nas nuvens do céu” (Mc 14:62). Uma referência Podemos concluir esta seção observando que até onde temos pesquisa-
implícita a Daniel 7 é apresentada nas palavras dos anjos aos apóstolos na ascensão do as profecias de Daniel interpretadas no Novo Testamento, nenhuma é
de Jesus quando uma nuvem o encobriu dos seus olhos. “Esse Jesus que dentre vós vista como tendo tido uma aplicação no passado ou no presente pelos escri-
foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” At 1:11). O apóstolo Paulo tirou tores do Novo Testamento. Cada vez que o material é interpretado escato-
disto uma conclusão óbvia: no retorno de Cristo os redimidos serão arrebatados logicamente, é parte das profecias de Daniel que lida com o fim dos tempos.
“entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares” (1Ts 4:17). Portanto, temos todos os motivos para pensar que o livro de Daniel é visto
É possível que quando Paulo afirma que os santos julgarão o mundo (1Co pelos escritores do Novo Testamento como um livro cujo cumprimento é
6:2), ele esteja pensando em Daniel 7:22, onde diz que o “juízo foi dado aos san- esperado no futuro além deles, isto é, no fim da era.
tos” (KJV) e eles possuem o reino (veja também Ap 20:4). Daniel 7:18 também Significa isto que os escritores do Novo Testamento estão adotando um
declara que os santos do Altíssimo receberão o reino. Essa alusão ao reinado método futurista de interpretação? Não, porque como temos visto, eles es-
dos santos é refletida em 2 Timóteo 2:12. Finalmente Jesus afirma que é Ele tão citando aquelas porções das profecias de Daniel 2 e 7 que em si mesmas
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estão lidando com o fim dos tempos. Referências ao texto de Daniel 9 nos derramado por muitos” (KJV). Philip Mauro faz a observação de que as pala-
mostrarão que a igreja primitiva lia as profecias de Daniel em uma estrutura vras de Cristo não poderiam estar em mais perfeito acordo com as da profecia:
cronológica e contínua. Para Jesus e os autores do Novo Testamento, o livro “E ele confirmará a aliança com muitos” (MAURO apud FORD, 1978, p. 201).
de Daniel (especificamente os capítulos 2 e 7) não deve ser interpretado Assim o Novo Testamento confirma que a profecia das setenta semanas
em um sentido preterista. Nessas grandes cenas delineadas estamos lidando concernente ao Ungido encontra seu cumprimento na pessoa de Jesus. Sua
muito mais com o tempo porvir. vinda e morte eram dependentes de um programa conhecido e anunciado
há muito tempo pela profecia.
Jesus, o Ungido de Daniel 9 Podemos acrescentar que a relação entre os livros de Daniel e Apocalipse está
A profecia das setenta semanas (Dn 9) tem sido objeto de considerável também nesta área da profecia messiânica. A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem
estudo. Nossa interrogação é: via a igreja primitiva a profecia das setenta se- bons motivos para estar interessada em ambos os livros proféticos. Como profecias
manas como a vemos? Isto é, via ela em Jesus o cumprimento dessa profecia? apocalípticas, eles apresentam a história em seu desdobramento associando-a com
Eles a consideravam como tendo um caráter cronológico? Temos razão para o foco central do Céu — a pessoa e a obra de Jesus Cristo.
dizer sim a essas indagações.
Por unanimidade, os historiadores afirmam que no primeiro século de Alusões de Apocalipse a Daniel
nossa era a expectativa messiânica de Israel estava em efervescência. Te-
mos algumas evidências disso no Novo Testamento. Por exemplo, o apóstolo Que lugar ocupa o livro de Daniel em Apocalipse? Se esses dois livros têm
Paulo justifica seu apelo a César diante dos principais dos judeus em Roma uma estreita relação, devemos procurar alguns aspectos do livro de Daniel li-
por causa da “esperança de Israel” (At 28:20). gados ao Apocalipse. H. B. Swete fez uma análise do vocabulário de Apocalipse.
Essa esperança só podia ser a do Messias (1Tm 1:1). Lucas observa que Embora sua obra seja muito antiga (a data da segunda edição que eu consultei é
154 quando João Batista apareceu, o povo estava na expectativa, “discorrendo 1907 [SWETE, 1907]) ela nos será útil para nosso propósito. 155
todos no seu íntimo a respeito de João, se não seria ele, porventura, o próp- Embora certos livros da Bíblia sejam usados mais do que outros em Apoc-
rio Cristo” (Lc 3:15). Para Paulo, o assunto é claro. “No devido tempo”, diz alipse, há uma ausência total de citações formais. Mais da metade das referên-
ele, “Cristo morreu pelos ímpios” (Rm 5:6,). cias são extraídas os Salmos, das profecias de Isaías e Ezequiel, e do livro de
O próprio Jesus parece estar ciente do elemento tempo dessa profecia Daniel. Mas segundo Swete, proporcional à sua extensão, o livro de Daniel é de
que prediz o aparecimento e morte do Messias (Dn 9:25-26; cf. Mc 1:15). O longe o mais usado (SWETE, 1907, clii). Segundo P.-M. Bogaert, “implícita ou
evangelista João, que presta grande atenção à questão da cronologia, sub- explícita, a referência a Daniel constitui uma das mais certas características da
linha essa ênfase quando relata a repetida observação de Jesus de que sua literatura de origem apocalíptica” (BOGAERT, 1980, p. 36). Seria tedioso apre-
hora ainda não era chegada (Jo 7:6, 8; 2:4; 7:30). No cenáculo, pouco antes sentar todas as referências, porque há mais de 30. Mas notemos várias.
de ser preso, Jesus orou: “Pai, é chegada a hora” (Jo 17:1). Primeiro, imagem de Daniel 2. Esta profecia de Daniel diz respeito ao
Neste contexto devemos compreender as palavras do apóstolo Paulo: “Vin- “que há de ser futuramente” (Dn 2:45). João usa este vocabulário em algumas
do, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho” (Gl 4:4). E quando seções não descritivas para especificar que suas visões se relacionam com
ele declara precisamente que Jesus foi “nascido de mulher, nascido sob a lei”, é “coisas que em breve devem acontecer” (1:1; 22:6) ou “depois destas coisas”
porque ele pensa na vinda de Jesus como situada na história. (4:1). Segundo Daniel 2:28, o profeta declarou que o Deus que revela misté-
É provável, portanto, assumir que a igreja primitiva reconhecia Jesus como rios fez saber ao rei o que há de ser nos últimos dias. Agora, segundo João,
sendo o Cristo, quer dizer o Ungido, porque via seu determinado aparecimento é o próprio Jesus que lhe pede que escreva as coisas que hão de acontecer
e execução como um cumprimento de Daniel 9. Uma importante declaração de depois destas, o mistério das sete estrelas (Ap 1:19, 20).
Jesus indica muito bem que Ele se considerava o Ungido predito pela profecia. Estas alusões a Daniel 2 provêem mais do que imagens linguísticas. Elas
Disse Ele em Mateus 26:28: “Este é o meu sangue do novo testamento, que é são escritas nas séries de eventos que se sucedem uns aos outros. O uso do
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vocabulário de Daniel não é feito por acaso. Por exemplo, a visão de Dan- Por que estudar Daniel e Apocalipse?
iel (cap. 2) termina com o juízo de Deus simbolizado por uma pedra que
esmiúça a estátua e espalha seus pedaços em tal extensão que “o vento os Notamos agora três características que especialmente justificam o estudo
levou, que nenhum lugar foi achado para eles” (Dn 2:35, KJV). De maneira comum de Daniel e Apocalipse em nosso tempo.
idêntica, a visão dada a João acerca do mundo presente finaliza com a cena Qualidade ética. Escreve Ellen G. White concernente a Daniel e Apocalipse:
do juízo final de “um grande trono branco, e aquele que se assentava sobre “Quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, terão os
ele, de cuja face a terra e o céu fugiram; e não foi achado nenhum lugar para crentes uma experiência religiosa inteiramente diferente” (WHITE, 2002, p. 114).
eles” (Ap 20:11, KJV). Há uma clara correspondência entre o fim da visão de E outra vez: “Precisamos estudar a realização dos propósitos de Deus na história
Daniel e o fim do presente mundo segundo João. das nações e na revelação de coisas vindouras, para que possamos estimar em seu
O capítulo de Daniel mais citado em Apocalipse é o capítulo 7. Veja verdadeiro valor as coisas visíveis e as invisíveis” (WHITE, 1952, p. 184).
as 12 referências enumeradas abaixo. 1 Alusões a Daniel parecem às vezes Destes livros apocalípticos brotam importantes consequências éticas. H.
fazer mais do que prover fraseologia. Antes, são escritas na perspectiva de H. Rowley (1944, p. 12) reconhece esta verdade quando escreve: “As visões
uma interpretação linear, de conformidade com o que temos encontrado de Daniel e do livro de Apocalipse merecem nossa atenção não somente
em outro lugar no Novo Testamento. Por exemplo, Jesus vem com as nu- pelos detalhes de sua forma, mas pelo grande princípio espiritual que eles
vens (Ap 1:7; Dn 7:13), e Ele se mostra a João como um semelhante ao mantêm por toda parte.” A convicção geral concernente a esta característica
Filho do homem (Ap 1:13; Dn 7:13). ética é tal que certos escritores pensam que ela é a única. P. Fruchon, por
Como em Daniel, a ação do chifre pequeno termina na guerra que ele trava exemplo, declara que a compreensão da apocalíptica deveria ser psicológica
contra os santos (Dn 7:21-22, 25), assim em Apocalipse é o mesmo para a besta ou sociológica, até mesmo estética (FRUCHON, 1977, p. 96).
do mar que profere blasfêmias e faz guerra contra os santos (Ap 13:1-10). Sem É de fato notável observar que Daniel e Apocalipse se iniciam com re-
156 dúvida, o Apocalipse é uma obra original, e não uma cópia de Daniel. Os dois latos eminentemente éticos (Dn 1:6-21; Ap 1:9). Através das visões é apre- 157
livros são assinalados, porém, por similaridades que justificam sua interpre- sentada ali uma escolha entre fidelidade à vontade de Deus ou recuo ante
tação mútua como faz a Igreja Adventista do Sétimo Dia. a terrível pressão dos poderes malignos. As visões simbólicas não propõem
Além das muitas alusões a Daniel a serem encontradas em Apocalipse, está simplesmente denunciar os inimigos de Deus, mas chamar os crentes à
o fato de que ambos os livros proféticos partilham as características comuns completa fidelidade Àquele que reina e que vem para fazer justiça.
da literatura apocalíptica.2 A profecia apocalíptica apresenta uma abrangência O conteúdo ético da profecia apocalíptica lhe confere um caráter eterno.
cósmica do grande conflito entre o bem e o mal, assegurando ao crente quanto Lembra que o conteúdo profético diz respeito ao grande conflito entre Satanás
ao controle de Deus na História e a certeza da vindicação do seu povo em um e Deus em que a vitória divina está garantida. Assim, a atenção se volta para a
glorioso ponto culminante escatológico. Assim, o desdobramento do seu tema vitória final de Deus e o seu significado para o crente.
comum serve para esclarecer as respectivas profecias de cada um deles. O fiel leitor de Daniel e Apocalipse não se perde em especulação acerca do fu-
turo, antes acha nestes dois livros uma clara compreensão do tempo em que vive e
um motivo para a ação. Como o apóstolo Paulo, que anunciou a futura vinda do
Senhor nas nuvens do céu e depois avançou para a ética do casamento, atitudes
políticas, relações sociais, e assim por diante, certamente os escritores da apocalíp-
tica também fazem soar uma dimensão ética convidando ao exercício da fé e obe-
diência. Nada pode prover um melhor fundamento para a ética do que a expectativa
1
  Dn 7:3/Ap 11:7; Dn 7:4-6/Ap 13:2; Dn 7:7/Ap 12:3; Dn 7:9/Ap 1:14; Dn 7:10/Ap 20:12; Dn
7:10/Ap 5:11; Dn 7:13/Ap 1:7; Dn 7:13/Ap 1:13; Dn 7:18/Ap 22:5; Dn 7:20/Ap 13:5; Dn 7:21/Ap de um Salvador que virá e a certeza que Daniel e Apocalipse proporcionam pelo
13:7; Dn 7:25/Ap 12:14. metódico e sucessivo cumprimento de suas profecias.
2
  Para uma revisão abrangente destes, veja neste volume, Kenneth Strand, “Princípios Funda-
mentais de Interpretação”, cap. 1.
Estudos selecionados em interpretação profética Relações entre Daniel e Apocalipse

Característica cronológica. A cronologia é um elemento importante nos livros de Sendo que Daniel e Apocalipse cobrem os mesmos períodos da história, eles cer-
Daniel e Apocalipse. Esta é a segunda característica semelhante que consideraremos. tamente merecem ser estudados em conjunto. Em pontos seus dados cronológicos so-
Embora J. Moltmann não dê à escatologia o mesmo significado que os ad- brepõem-se uns aos outros, expressos às vezes nos mesmos termos (Ap 12:14; Dn 7:25).
ventistas, ele diz com razão: “O cristianismo é completamente escatológico, é Finalmente, notemos um último elemento comum.
esperança, visão e orientação com antecedência, portanto também uma partida A natureza cristocêntrica da apocalíptica. Não podemos deixar de ligar
e uma mudança a partir do presente. [...] A perspectiva escatológica não é um Daniel e Apocalipse quando descobrimos em cada um a figura central do Filho
aspecto do cristianismo, é em todos os aspectos o centro da fé cristã. Há segu- do homem que vem nas nuvens do céu. “A visão cristã da história que nos vem
ramente apenas um problema real na teologia cristã; é apresentado a ela por sua de Patmos é primeiramente esta: uma visão de Cristo e de sua indivisível, mas
finalidade, e através disto, é colocado para a humanidade e para o pensamento certa e irresistível parte na história” (FERET, 1943, p. 98). A primeira palavra
humano: é o problema do futuro” (MOLTMANN, 1970, p. 2). profética de Apocalipse diz respeito à vinda do Filho do homem nas nuvens
U. Vanni, também, reconhece que “o Apocalipse seria, além de sua roupagem (1:7). Todo o livro está centralizado nesta vinda. É dada como um ponto de
literária, um livro de profecia” (VANNI, 1980, p. 27). E P. Prigent, que não sim- referência para quase todas as igrejas (2:5, 16, 25; 3:3, 11, 20). É dada como um
patiza com uma interpretação do Apocalipse no estilo adventista do sétimo dia, ponto terminal: “Certamente, venho sem demora” (22:20).
tem de admitir que “não é uma questão de reduzir a mensagem do Apocalipse
à afirmação de um eterno presente”. “O livro”, diz ele, “está cheio de declarações Considerações finais
relativas ao tempo e até mesmo à cronologia. Devemos fazer justiça a elas.”
Essas ideias são arranjadas em Daniel e Apocalipse em uma maneira de Muitas relações entre Daniel e Apocalipse são evidentes. Por exemplo, a
composição recorrente. J. Lambrecht, que analisou a estrutura do Apocalipse, adoração da imagem de ouro em Daniel 3 e da imagem da besta em Apoc-
declara que repetição e progressão constituem as características essenciais da alipse 13; a visão de Cristo em Daniel 10 e Apocalipse 1; a queda de Ba-
158 composição do livro (LAMBRECHT, 1980, p. 103). bilônia em Daniel 5 e Apocalipse 14 e 18; o Deus que vem para livrar os Seus 159
Ora, se estas características relacionam Daniel e Apocalipse um ao em Daniel 3 e 6 e Apocalipse 14; as bestas de Daniel 7 e Apocalipse 13 e 17;
outro, relaciona-os também no método do discurso ritual. De acordo com os tempos de Daniel 7 e Apocalipse 11, 12, etc. Ambos os livros proféticos
Levi-Strauss (apud PICARD, 1976), esse discurso é o oposto do mito e ten- coincidem em seus dados cronológicos e preocupações éticas.
ta “refazer uma continuidade a partir de uma descontinuidade”. Aplicada à O próprio Jesus chamou a atenção de seus contemporâneos para a pedra
história, poderia mostrar que forma uma entidade e tende para um objetivo. de Daniel 2 e para o Filho do homem de Daniel 7. Os evangelistas aponta-
Cada seção é uma retomada sequencial da mesma história global a fim de vam para o Ungido de Daniel 9. O lugar central de Cristo na apocalíptica
adicionar detalhes e progredir em direção à explicação. bíblica, a ênfase colocada em Sua vinda; todos estes justificam para cada
Temos citado várias referências, mas elas bem mostram que os pesquisa- cristão o estudo mútuo de Daniel e de Apocalipse.
dores de todos os matizes de opinião às vezes admitem, a despeito de si mes-
mos, que a profecia apocalíptica exige ser orientada para o futuro de uma forma Referências
bastante diferente dos profetas clássicos. “Ao clamor dos profetas: ‘Até quando,
ó Senhor, até quando?’ os escritores apocalípticos dão o ano, o dia, e a hora” BARR, J. Biblical Words for Time. Londres: [s. n.], 1962. v. 33.
(RUSSEL apud FRUCHON, 1977, p. 435), por assim dizer. “Em outras palavras,
a profecia é compreendida não mais como uma promessa que desvenda o futuro, BOGAERT, P.-M. Les Apocalypses contemporaines de Baruch, d’Esdras et de Jean. In:
mas como uma predição de eventos que têm de ser cumpridos. Ao mesmo tem- LAMBRECHT, J.; BEASLEY-MURRAY, G. R. (Eds.). L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique
po, a interpretação apocalíptica se entende e se cumpre como acerto de contas e dans le Nouveau Testament. Gembloux: J. Duculot, 1980.
previsão” (FRUCHON, 1977; ver BARR, 1962, v. 33, p. 29).
COMBLIN, J. Le Christ dans l’Apocalypse. Tournai: [s. n.], 1965.
7
Estudos selecionados em interpretação profética

DODD, C. H. Conformément aux Ecritures. Paris: [s. n.], 1968.

FERET, H. M. L’Apocalypse de saint Jean: vision chrétienne d’histoire. Paris: Corrêa, 1943. O uso de Daniel e
FORD, D. Daniel. Nashville: [s. n.], 1978.
Apocalipse por
FRUCHON, P. Sur l’interprétation des apocalypses. In: MONLOUBOU, L. (Ed.). Apocalypses et
Ellen G. White
théologie de l’espérance. Paris: Éditions du Cerf, 1977. George E. Rice

LAMBRECHT, J. A Structuration of Revelation 4, 1-22, 5. In: LAMBRECHT, J.; BEASLEY- Esboço do capítulo
MURRAY, G. R. (Eds.). L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique dans le Nouveau Testament.
Gembloux: J. Duculot, 1980. 1. Introdução
2. Princípios pioneiros de interpretação profética
MOLTMANN, J. Théologie de l’espérance. Paris: [S.n.], 1970. 3. A perspectiva histórica
4. Declarações acerca de Jerusalém
PICARD, J. C. Trois instances narratique, symbolique et idéologique: propositions d’analyse
5. Usos não exxpositivos da linguagem profética
applicables à un texte comme l’apocalypse. Foi et vie, v. 75, n. 4, p. 12-25, 1976.
6. Um expositor
ROWLEY, H. H. The Relevance of Apocalyptic: a study of Jewish and Christian apocalypses 7. Considerações finais
from Daniel to the Revelation. Londres: Association Press, 1944.

160 VANNI,U. L’Apocalypse johannique: Etat de la question. In: LAMBRECHT, J.; BEASLEY-
MURRAY, G. R. (Eds.). L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique dans le Nouveau Testament.
Sinopse editorial. Alguns ad-
Gembloux: J. Duculot, 1980.
ventistas que propõem um duplo
WHITE, E. G. Comments. In: NICHOL, F. D. (Ed.). The Seventh-Day Adventist Bible
cumprimento para determinadas
Commentary. Washington: Review And Herald Publishing Association, 1957. v. 7. profecias de Daniel e Apocalipse
afirmam que encontram endosso
_____________. Educação. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007. para essa abordagem nos escritos
de Ellen G. White. Alguns aban-
_____________. Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Publicadora donaram completamente o método
Brasileira, 2002. historicista a favor de uma forma
futurista de interpretação. Mas não
há nenhuma evidência de que Ellen
G. White achava que a igreja deve-
ria seguir qualquer outro método
de interpretação dessas profecias a
não ser o método historicista.
Em seus próprios escritos, as
profecias de Daniel e Apocalipse
se desenrolam em tempo histórico
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

desde os dias de Daniel e João até o estabelecimento do reino eterno de Deus. A finalidade deste estudo é examinar a compreensão de Ellen G. White acer-
Por exemplo, ela reconhece o cumprimento sequencial das profecias de Apoc- ca de como as profecias de Daniel e Apocalipse devem ser estudadas, e como ela
alipse através da Era Cristã em uma importante declaração: mesma usava passagens desses livros em seus próprios escritos.

No Apocalipse são pintadas as coisas profundas de Deus. [...] Suas verdades são di- Princípios dos pioneiros sobre interpretação profética
rigidas aos que vivem nos últimos dias da história da Terra, como o foram aos que
viviam nos dias de João. Algumas das cenas descritas nesta profecia estão no passado Ellen G. White é muito clara em que os pioneiros adventistas que estuda-
e algumas estão agora tendo lugar; algumas apresentam-nos o fim do grande confli- vam as mensagens de Daniel e Apocalipse foram guiados por Deus ao usarem
to entre os poderes das trevas e o Príncipe do Céu e algumas revelam os triunfos e o o método historicista para interpretar a profecia apocalíptica. Concernente à
regozijo dos remidos na Terra renovada (WHITE, 2010, p. 584, ênfase acrescentada). experiência de Guilherme Miller, diz ela:

Neste capítulo o autor demonstra a perspectiva historicista dos pioneiros Elo após elo da cadeia da verdade recompensava seus esforços, enquanto passo a
e de Ellen G. White. Ele examina várias citações extraídas de seus escritos passo divisava as grandes linhas proféticas. Anjos celestiais estavam a guiar-lhe
que supostamente ensinam o princípio de um duplo cumprimento que pode o espírito e a abrir as Escrituras à sua compreensão.
ser aplicado às profecias de Daniel e Apocalipse. O estudo focaliza particu-
larmente o significado de sua frase frequentemente repetida, “a história se Tomando a maneira por que as profecias se tinham cumprido no passado como
repetirá”, e seus comentários concernentes à profecia de Cristo acerca da critério pelo qual julgar do cumprimento das que ainda estavam no futuro, che-
gou à conclusão de que o conceito popular acerca do reino espiritual de Cristo -
destruição de Jerusalém e do fim do mundo.
o milênio temporal antes do fim do mundo - não é apoiado pela Palavra de Deus
(WHITE, 2005, p. 321).
162 Introdução 163
Desde a formação da Igreja Adventista do Sétimo Dia, tem havido uma Achar defeitos no método historicista não é um novo desenvolvimento
tendência da parte de alguns de se afastar da abordagem historicista de inter- entre os adventistas. Reconhecendo que existiam aqueles em seus dias que
pretação profética adotada já pela Reforma do século 16. Enquanto os advent- desejavam reinterpretar esses dois livros, Ellen G. White (2008, v. 2, p. 111)
istas têm se voltado para a história em busca do cumprimento da profecia e a salienta que essas pessoas não compreendiam que Deus estava dirigindo os
fim de compreender a direção da mão divina nos negócios das nações, alguns próprios homens que efetuavam uma obra especial em apresentar a verdade
creem que essa abordagem à profecia é uma hermenêutica defeituosa. no tempo designado. “Mas o Senhor não põe sobre os que não tiveram uma
Apontando para o Grande Desapontamento de 1844 como um excelente ex- experiência em sua obra a responsabilidade de fazer uma nova exposição
emplo, alguns críticos do método historicista insistem em que os adventistas de das profecias que, por meio de seu Espírito Santo, Ele moveu seus escolhi-
hoje têm fechado a porta da verdade progressiva perpetuando a errônea hermenêu- dos servos a explicar” (WHITE, 2008, v. 2, p. 112).
tica dos pioneiros adventistas. A verdade não pode ser vista pelo uso desse método, Concernente à interpretação historicista pioneira das profecias de Daniel
dizem eles, porque Satanás tem falsificado e manipulado a história secular para o e Apocalipse, diz Ellen White: “Repito: Ele [Deus] não está dirigindo ninguém
expresso propósito de desencaminhar aqueles que interpretam a profecia pelo mé- por seu Espírito Santo a arquitetar uma teoria que vai perturbar a fé nas solenes
todo historicista. Em vez disto, os estudantes de Daniel e Apocalipse devem com- mensagens que deu a seu povo para apresentar ao mundo” (WHITE, 2008, v.
preender que as profecias de ambos os livros têm seu cumprimento em uma sim- 2, p. 112). Em 1907, ela escreveu a A. G. Daniells: “Temos pesquisado as Es-
ples geração — a última geração do fim dos tempos. Assim, há alguns que olham crituras; temos construído solidamente; e não temos tido de arrancar nossos
para o futuro em busca do cumprimento da maior parte de Daniel e Apocalipse. fundamentos e colocar novas vigas” (WHITE, 1981, v. 1, p. 54).
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

Em benefício das gerações posteriores, para que elas não esqueçam, deve ser O livro de Apocalipse abre ao mundo o que tem sido, o que é, e o que há de vir; é
repetida a experiência daqueles que esquadrilharam as profecias e que tiveram para nossa instrução sobre quem são chegados os fins dos séculos. [...] Nesse livro
uma parte na proclamação da primeira e da segunda mensagens angélicas. são descritas cenas que estão agora no passado, e algumas de interesse eterno que
estão ocorrendo ao nosso redor; outras de suas profecias não terão seu cumprimen-
O Senhor declarou que a história do passado repetir-se-á ao entrarmos na to completo até o final do tempo, quando ocorrer o último grande conflito entre os
obra finalizadora. Toda verdade que Ele deu para estes últimos dias deve ser poderes das trevas e o Príncipe do Céu (WHITE, 1957, v. 7, p. 954; 2010, p. 584-585).
proclamada ao mundo. Toda coluna por Ele estabelecida deve ser fortalecida.
Não podemos desviar-nos agora do fundamento estabelecido por Deus. Não
podemos agora entrar em nenhuma nova organização; pois isto significaria Nem tudo é futuro
apostasia da verdade (WHITE, 2008, v. 2, p. 390). É dentro do contexto desse conceito de cadeia profética que as declarações
de Ellen G. White acerca do capítulo 11 de Daniel devem ser compreendidas. “A
profecia do décimo primeiro capítulo de Daniel quase já alcançou seu completo
A perspectiva historicista cumprimento” (WHITE, 1948, v. 9, p. 14; 1981, v. 13, p. 394). A profecia é de
fato uma cadeia, apresentando elo por elo os eventos que ao longo da história
Embora Ellen G. White não use o termo “historicista”, é claro que ela com- afetam a experiência do povo de Deus até o fim dos tempos. A ênfase de Ellen
preendia que a única maneira adequada de interpretar Daniel e Apocalipse era G. White é que temos agora atingido os elos finais da cadeia.
pesquisar o desdobramento de suas profecias dentro dos eventos históricos que Que ela compreende a profecia como tendo cumprimento dentro da su-
haviam ocorrido ao longo dos séculos. Em vez de uma ferramenta nas mãos cessiva história das nações é visto pela próxima sentença da Carta 103, 1904:
de Satanás para desviar e confundir o povo de Deus, a história humana, tanto “Muito da história que tem ocorrido no cumprimento desta profecia se repe-
secular quanto religiosa, é a base para interpretar a profecia. “Na história das tirá.” A história está relacionada aos acontecimentos da vida da humanidade e
164 165
nações o estudante da Palavra de Deus pode contemplar o cumprimento literal da ascensão e queda das nações. Sendo que a profecia prediz o surgimento e a
da profecia divina” (WHITE, 2007, p. 501). queda das nações e os eventos que ocorrerão, é lógico que devemos olhar para
Concernente ao rolo de Apocalipse 5, diz Ellen White: “Ali em sua mão ab- a história a fim de compreendermos a profecia.
erta está o livro, o rolo da história das providências divinas, a história profética das Cada elo na cadeia profética deve nos preparar para compreender a próxi-
nações e da igreja [...] e a história de todos os poderes que governam as nações” ma série de acontecimentos que em si mesmos devem se tornar história. “Cada
(WHITE, 1981, v. 9, p. 7; v. 12, p. 296). Elo após elo a história da raça humana con- período do cumprimento da história profética é uma preparação para a luz pro-
forme delineada por Deus em sua Palavra, formam uma cadeia profética. Dentro gressiva que sucederá cada período. Ao chegar a profecia ao fim, há de ser um
dessa cadeia podemos reconhecer “onde nos achamos hoje, no prosseguimento dos todo perfeito” (WHITE, 1981, v. 13, p. 15).
séculos” (WHITE, 1997a, p. 178). Elo após elo, Deus revela a história “desde a eter- Ter em mente que a história é o desdobramento de uma cadeia profética
nidade no passado até à eternidade no futuro” (WHITE, 1997a, p. 178; 2007, p. 536). nos guardará do erro de colocar o cumprimento de toda a profecia apocalíp-
Ela fala de modo semelhante das profecias de Daniel e Apocalipse ao exortar os tica dentro de uma única geração — a última geração do final dos tempos.
ministros e o povo igualmente a identificar as linhas da profecia para que pudessem Declarações como a seguinte serão compreendidas dentro do contexto desta
ter “inteligente compreensão dos perigos e conflitos diante deles” (WHITE, 2010, cadeia: “A luz que Daniel recebeu de Deus foi dada especialmente para estes
583; ver 1889; 1870; 2008, v. 1, p. 56). últimos dias. As visões que ele viu às margens do Ulai e do Hidéquel, os
Concernente à natureza da profecia apocalíptica em geral, diz ela: “As pro- grandes rios de Sinear, estão agora em processo de cumprimento, e logo
fecias apresentam uma sucessão de acontecimentos que nos levam ao início do ocorrerão todos os acontecimentos preditos” (WHITE, 2002, p. 112-113).
juízo. Isso se observa especialmente no livro de Daniel” (WHITE, 2005, p. 356). Essa declaração dificilmente pode significar que nenhuma das profecias de
E no que concerne às profecias de João, ela escreve: Daniel será cumprida antes dos eventos culminantes da história.
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

O próprio Daniel nos diz que certos símbolos do livro se referem a Babilônia, específicas destes dois livros serão repetidas, mas que eventos semelhantes
Pérsia e Grécia. É nessas profecias, retomadas por João no Apocalipse, que al- àqueles que as cumpriram no passado serão vistos novamente.
cançam seu cumprimento a pregação da primeira, segunda e terceira mensa- Esses eventos serão vistos dentro de um contexto diferente, dentro de um perío-
gens angélicas, por meio das quais Daniel “está em sua sorte”: “Daniel estará em do de tempo diferente, e com atores diferentes. Assim eles não são os mesmos even-
sua sorte no fim dos dias (Dn 12:13). João vê o pequeno livro não selado. Então tos que cumpriram as profecias, mas eventos semelhantes. Os problemas, porém,
as profecias de Daniel têm o seu devido lugar na primeira, segunda e terceira serão os mesmos que aqueles que conduziram aos acontecimentos históricos que
mensagens angélicas a serem dadas ao mundo” (WHITE, 1957, v. 7, p. 971). originalmente cumpriram certas profecias no conflito entre o bem e o mal.
Ellen G. White adverte contra a má aplicação da profecia. Ela diz que tais
experiências “começam por se desviar da luz que Deus já deu” (WHITE, 2008, v. O Senhor me apresentou assuntos que são de premente importância para
2, p. 111-112). Parte do perigo contra o qual ela adverte é o desejo por parte de o tempo presente, e que se estendem ao futuro. Numa exortação foram-me
alguns de achar um futuro cumprimento para profecias que já tiveram cumpri- proferidas estas palavras: “Escreve num livro as coisas que tens visto e ouvi-
mento. “Alguns há que estão pesquisando as Escrituras em busca de provas de do, e deixa que vá a todas as pessoas; pois está próximo o tempo em que se
que estas mensagens [dos três anjos] estão ainda no futuro. Eles concluem pela repetirá a história do passado” (WHITE, 2008, v. 3, p. 113).
veracidade cumulativa das mensagens, mas deixam de assinalar-lhes o devido
lugar na história profética” (WHITE, 1997b, p. 613). Circunstâncias semelhantes àquelas que cumpriram a profecia no passado po-
A serva do Senhor adverte: dem existir no presente. As circunstâncias presentes não são, porém, um cumpri-
mento da profecia, porque a profecia foi cumprida historicamente pela série origi-
Os grandes sinais demarcadores da verdade, mostrando-nos a direção na história nal de circunstâncias. Mas a geração presente pode ser informada pelo estudo da
profética, devem ser cuidadosamente observados, para que não sejam derribados, e profecia e pelo registro histórico dos eventos que a cumpriram, e assim estar pre-
166 substituídos por teorias que trariam confusão em vez de genuíno esclarecimento. [...] parada para desempenhar um papel inteligente nas similares e atuais circunstâncias. 167
Assim é que a profecia, previamente cumprida, pode neste sentido ser “aplicada” a
Alguns tomarão a verdade aplicável a seu tempo, e pô-la-ão no futuro. Acontecimen- uma situação presente. Isaías 58:12-14 pode ser citado como um exemplo.
tos, na sequência da profecia, que tiveram seu cumprimento no distante passado, são
considerados futuros, e assim, por essas teorias, a fé de alguns é solapada. Desta maneira indica o profeta a ordenança que tem estado esquecida: “Le-
vantarás os fundamentos de geração em geração; e chamar-te-ão reparador
Segundo a luz que o Senhor quis conceder-me, estais em risco de fazer a mesma das roturas, e restaurador de veredas para morar.” [...] Esta profecia também
obra, apresentando perante outros verdades que tiveram seu lugar e fizeram sua obra se aplica a nosso tempo. A rotura foi feita na lei de Deus, quando o sábado
específica para o tempo, na história da fé do povo de Deus. Reconheceis como ver- foi mudado pelo poder romano. Chegou, porém, o tempo para que esta ins-
dadeiros esses fatos na história bíblica, mas os aplicais ao futuro. Eles têm sua força tituição divina seja restabelecida. A rotura deve ser reparada, e levantado o
ainda em seu devido lugar, na cadeia dos acontecimentos que nos tornaram, como fundamento de geração em geração (WHITE, 2005, p. 452-453).
um povo, o que somos hoje, e como tal, eles devem ser apresentados àqueles que se
encontram nas trevas do erro (WHITE, 2008, v. 2, p. 101-103). Aqui vemos que o problema é o mesmo — o conflito entre o bem e o mal.
As circunstâncias são semelhantes. O povo que professava grande justiça nos
dias de Isaías estava “calcando a pés os preceitos divinos”. Mas temos contextos
A história — não a profecia — se repetirá diferentes — a nação judaica e a igreja cristã; um período de tempo diferente —
Ellen G. White repetidamente afirma que ao mover-se o conflito ente Cristo o sétimo século a.C. e o século 20 d.C.; atores diferentes — o povo judeu/Isaías
e Satanás em direção ao seu clímax, cenas de páginas anteriores da história se e a igreja cristã/o povo remanescente de Deus. Um estudo da profecia de Isaías
repetirão. Assim é que ela diz: “Estudai o Apocalipse em ligação com Daniel; e o seu cumprimento podem ser aplicados à experiência do povo remanescente
pois a história se repetirá” (WHITE, 2002, p. 116). Ela não diz que profecias
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

de Deus para ajudá-los a ver sua função como reparadores de uma rotura se- As profecias que predisseram o sofrimento do Messias tiveram seu cumprimen-
melhante feita na lei de Deus na Era Cristã. to. Elas não serão repetidas, mas as cenas de abuso que Cristo sofreu serão repetidas
Retornando à declaração de Ellen G. White acerca de Daniel 11, vemos nas experiências de Seus seguidores, e assim a história será repetida.
como este princípio pode ser aplicado. “A profecia do undécimo [capítulo] de Noé, Sodoma e Gomorra. “A história será repetida. Cristo declarou que antes
Daniel tem quase atingido seu completo cumprimento. Muito da história que de Sua segunda vinda o mundo estaria como foi nos dias de Noé, quando os ho-
tem ocorrido no cumprimento desta profecia será repetido” (WHITE, 1981, v. mens atingiram tal condição em seguir sua própria imaginação pecaminosa que
13, p. 394). Eventos da história já têm cumprido certas predições deste capítulo. Deus os destruiu por um dilúvio” (WHITE, 1981, v. 12, 413, grifo do autor).
Todavia, circunstâncias semelhantes serão outra vez desenvolvidas no término
do grande conflito, e nessa luta cósmica a história será vista como se repetindo. “E Judas diz: “Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se
Ellen G. White não sugere que aquelas profecias de Daniel 11 que já se cum- corrompido como aqueles, e ido após outra carne, foram postas por exemplo,
priram receberão um segundo cumprimento. sofrendo a pena do fogo eterno.” “Aqui nos é apresentado um estado de coisas
Note os vários contextos, proféticos e não proféticos, dentro dos quais Ellen que tem sido, e a história se repetirá” (WHITE, 1981, v. 19, p. 105, grifo do autor).
G. White diz que a história será repetida. Também note que ela não está suger-
indo que uma determinada profecia em si deve ser repetida. Quarto cavalo (Ap 6:7-8). Em Apocalipse 6, o quarto cavalo simboliza a
Grandes impérios da profecia de Daniel. “A profecia delineou o levanta- intolerância religiosa e perseguição que existiu na Europa sob o poder papal.
mento e queda dos grandes impérios mundiais - Babilônia, Média-Pérsia, Gré- “O mesmo espírito é visto hoje que é representado em Apocalipse 6:6-8. A
cia e Roma. Com cada um destes, assim como com nações de menos poder, história se repetirá. O que tem sido será outra vez” (WHITE, 1981, v. 9, p.
tem-se repetido a história. Cada qual teve seu período de prova, e cada qual 7, grifo do autor). Mais uma vez, é evidente que a declaração trata de uma
fracassou; esmaeceu sua glória, passou-se-lhe o poder e o lugar foi ocupado por repetição da história, não um segundo cumprimento da profecia. Em cada
168 outra nação” (WHITE, 1997a, p. 177, grifo do autor). caso, o contexto, o tempo e os atores são diferentes. 169
As profecias concernentes a essas nações da Antiguidade tiveram seu Nabucodonosor. “É uma coisa terrível para qualquer alma colocar-se ao
cumprimento. Circunstâncias semelhantes têm sido vistas na história de lado de Satanás na questão, pois tão logo ela faz isto uma mudança passa por
outras nações, grandes e pequenas. Cada uma tem sido provada, cada uma ela, como é dito do rei de Babilônia, que seu semblante mudou para com os três
tem falhado, cada uma tem perdido sua glória e poder, e cada uma tem sido fiéis hebreus. A história passada se repetirá. Os homens rejeitarão a operação
substituída por outra. Assim a história de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia do Espírito Santo, e abrirão a porta da mente para os atributos satânicos que os
e Roma tem se repetido. Mas a profecia que se relaciona com estes reinos separam de Deus” (WHITE, 1981, v. 19, p. 122, grifo do autor).
específicos tem se cumprido apenas uma vez. Assim, Ellen G. White não fala em termos de uma determinada profe-
Perseguição do povo de Deus. “Estamos no limiar de grandes e solenes cia receber um segundo cumprimento. Isso necessitaria o mesmo contexto
acontecimentos. Muitas das profecias estão prestes a se cumprir em rápida suc- histórico, o mesmo período de tempo e os mesmos atores. Todavia, ela fala
essão. Cada elemento de poder está prestes a ser posto a operar. A história pas- em termos de circunstâncias similares, mas um contexto, período de tempo
sada será repetida; velhos conflitos despertarão para nova vida, e perigos assedi- e atores diferentes. Dentro dessas circunstâncias semelhantes, os aconteci-
arão o povo de Deus de todos os lados” (WHITE, 1897, grifo do autor). mentos históricos originais que uma vez cumpriam a profecia serão repeti-
Mais especificamente, “as cenas de perseguição promulgadas durante a vida dos, tais como a ascensão e queda das nações, perseguição etc.
de Cristo serão promulgadas por religiosos falsos até o fim do tempo. Os ho- Algumas declarações mal compreendidas. Antes de deixarmos este assunto,
mens pensam que têm o direito de tomar sob sua responsabilidade as consciên- há duas declarações que devem ser notadas. Ambas podem ser facilmente mal-
cias dos homens e elaborar suas teorias de apostasia e transgressão. A história se compreendidas chegando-se à conclusão de que Ellen G. White defendia a ideia
repetirá” (WHITE, 1981, v. 13, p. 394; 2010, p. 84-85). de que o cumprimento de uma profecia apocalíptica pode ser repetido. Diz ela:
“Algumas profecias Deus tem repetido [...].” O contexto não está sugerindo que
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

algumas profecias terão um múltiplo cumprimento, mas que algumas profecias Em Mateus 24, em resposta à pergunta dos discípulos relativa aos sinais de Sua vinda
dadas em Daniel são de tal importância que Deus achou por bem que João as e do fim do mundo, Cristo indicara alguns dos acontecimentos mais importantes da
reafirmasse em seu livro. Tanto a profecia de Daniel quanto a de Apocalipse terá história do mundo e da igreja, desde o seu primeiro advento até ao segundo, a saber:
um só cumprimento (WHITE, 1981, v. 9, p. 8). a destruição de Jerusalém, a grande tribulação da igreja sob a perseguição pagã e
papal, o escurecimento do Sol e da Lua, e a queda de estrelas. Depois disto, falou a
Há a seguinte conhecida declaração:
respeito de Sua vinda em seu reino, e expôs a parábola que descreve as duas classes
de servos que lhe aguardam o aparecimento (WHITE, 2005, p. 393; 2003, p. 320).
A grande obra do evangelho não deverá encerrar-se com menor manifestação do
poder de Deus do que a que assinalou o seu início. As profecias que se cumpriram
no derramamento da chuva temporã no início do evangelho, devem novamente 3. A destruição de Jerusalém é um tipo profético da destruição do mundo. “A
cumprir-se na chuva serôdia, no final do mesmo (WHITE, 2005, p. 611-612). ruína de Jerusalém era um símbolo da ruína final que assolará o mundo. As profe-
cias que tiveram seu parcial cumprimento na queda de Jerusalém têm mais direta
Pareceria à primeira vista que aqui está um caso em que Ellen G. White aplicação aos derradeiros dias” (WHITE, 2009, p. 120-121, grifo do autor).
fala de uma simples profecia tendo um duplo cumprimento. Contudo, deve- Assim, a destruição de Jerusalém torna-se um tipo de futuros acontecimen-
mos lembrar que as profecias que ela cita nesta passagem que prediz a chuva tos (WHITE, 2005, p. 25-26, 351; 2002, p. 232).
temporã também predizem um segundo acontecimento, a chuva serôdia. 4. À semelhança de Daniel, algumas das profecias da cadeia profética de
No contexto, Ellen G. White cita Oseias 6:3, que diz: “E Ele descerá sobre Mateus são retomadas por João e repetidas em Apocalipse.
nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra”, e Joel 2:23, que
afirma: “Ele fará descer, como outrora, a chuva temporã e a serôdia.” Assim Disse Jesus: “As estrelas cairão do céu” (Mt 24:29). E João, no Apocalipse, decla-
rou, ao contemplar em visão as cenas que deveriam anunciar o dia de Deus: “E
as simples declarações de Oseias e Joel aguardam dois eventos separado: as
as estrelas do céu caíram sobre a Terra, como quando a figueira lança de si os
170 dotações da chuva temporã e serôdia do Espírito sobre a igreja. seus figos verdes, abalada por um vento forte” (Ap 6:13). Essa profecia teve cum- 171
primento surpreendente e impressionante na grande chuva meteórica de 13 de
Declarações sobre Jerusalém novembro de 1833 (WHITE, 2005, p. 333).
Declarações feitas por Ellen G. White concernentes às profecias de Ma-
As categorias precedentes resumem as declarações de Ellen G. White sobre
teus 24 são muito frequentemente tomadas como prova para duplos/múlti-
o sermão apocalíptico de Jesus. O tempo e o espaço não permitirão um exame
plos cumprimentos ou para futuros cumprimentos de todas as profecias.
de cada declaração, mas referências representativas são dadas acima.
Contudo, devemos ter em mente o seguinte quando estamos lidando com a
Contudo, há uma declaração que precisa ser examinada, porque ela tem
profecia apocalíptica de nosso Senhor:
sido usada como prova para cumprimento múltiplo.
1. O discurso trata de dois grandes acontecimentos, não apenas de um.
Na profecia da destruição de Jerusalém, Cristo disse: “Por se multiplicar a iniqüidade,
Jesus não respondeu aos discípulos falando em separado da destruição de Je-
o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até ao fim será salvo. E este
rusalém e do grande dia de sua vinda. Misturou a descrição dos dois aconte-
evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gen-
cimentos. [...] Por misericórdia com eles, Jesus misturou a descrição das duas
tes, e então virá o fim” (Mt 24:12-14). Essa profecia terá outra vez seu cumprimento.
grandes crises, deixando aos discípulos o procurar por si mesmos a significação
A abundante iniquidade daquela época encontra seu paralelo nesta geração. Assim
(WHITE, 2000, p. 628-631).
será quanto à predição referente à pregação do evangelho (WHITE, 2000, p. 633).
2. Mateus 24 é uma cadeia profética.
Deve ser notado o seguinte: (1) A declaração de Ellen G. White leva em con-
sideração que esta é uma profecia de duas partes que trata dos acontecimentos
em torno da destruição de Jerusalém e do fim do mundo. (2) A destruição de
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

Jerusalém é um tipo de profecia do que aguarda o mundo, como pode ser visto
nas palavras: “Na profecia da destruição de Jerusalém [...]. A abundante iniqui- Enquanto Satanás estava insistindo em suas acusações e procurando destruir
dade daquela época encontra seu paralelo nesta geração.” (3) O tipo profético é esse grupo, santos anjos, invisíveis, estavam passando de um lado para outro,
aplicado à perda do amor e à pregação do evangelho. colocando sobre eles o selo do Deus vivo. Estes são os que estão com o Cordeiro
Duas profecias distintas e separadas estão sendo tratadas. A primeira sobre o monte Sião, tendo o nome do Pai escrito na fronte. Eles cantam o novo
cântico diante do trono, aquele cântico que ninguém pode aprender senão os
não pode ter um cumprimento duplo ou múltiplo, porque o templo teria
cento e quarenta e quatro mil (WHITE, 1948, v. 5, p. 475-476).
de ser reconstruído e a cidade cair uma segunda vez. O cumprimento da
primeira parte desta profecia foi um acontecimento de uma vez por todas.
Ellen G. White não está escrevendo uma exposição sobre os 144.000, nem
Este cumprimento profético, porém, foi em si um exemplo dos mais exten-
está tentando identificá-los. Ela simplesmente usa Apocalipse 14:1 para finali-
sos eventos que cumprirão a segunda parte da profecia.1
dades descritivas e então completa a cena citando Apocalipse diretamente:
“Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá”.
Aplicações não expositivas da linguagem profética
Ellen G. White usou passagens de Daniel e Apocalipse tanto quanto usou Propósitos ilustrativos
outras porções das Escrituras. Seguem vários exemplos. Este exemplo é um tanto semelhante ao exemplo acima. Contudo, onde Ellen
G. White usa passagens para realçar sua descrição no exemplo anterior, usa breves
Propósitos descritivos sentenças de Daniel e Apocalipse para ilustrar o que ela tem dito. Por exemplo, ela
Isso pode ser visto claramente em O Grande Conflito, onde ela de- reforça sua declaração de que alguns sobre a Terra permanecem fiéis a Deus citando
screve o Segundo Advento (WHITE, 2005, p. 632-652). Versículos e partes Apocalipse 14:12: “Nem todos neste mundo tomaram partido com o inimigo contra
de versículos são entrelaçados livremente em seu relato descritivo, pro- Deus. Nem todos se tornaram desleais. Há uns poucos fiéis que são leais a Deus;
172 173
duzindo uma narrativa fluente do acontecimento. porque João escreve: ‘Aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de
Ao descrever a final e “desesperada luta” entre as forças do bem e do mal, Jesus’ (Ap 14:12)” (WHITE, 1948, v. 9, p. 15).
ela diz: Novamente, ao descrever os chuveiros de graça que virão na chuva serôdia,
ela usa Apocalipse 18:1 para ilustrar o que acabara de apresentar:
O poder do Espírito Santo deve estar sobre nós, e o Capitão das hostes do Senhor es-
tará à frente dos anjos do Céu para dirigir a batalha. Solenes acontecimentos à nossa Devemos esperar pela chuva serôdia. Ela virá sobre todos os que reconhecem e
frente ainda estão para ocorrer. Trombeta após trombeta deve soar, taça após taça se apropriam do orvalho e chuveiros de graça que caem sobre nós. Quando reu-
derramada uma após outra sobre os habitantes da Terra (WHITE, 1957, v. 7, p. 982). nimos os fragmentos de luz, quando nos apropriamos das firmes misericórdias
de Deus, o qual ama que tenhamos confiança nEle, então todas as promessas
serão cumpridas. Toda a deve ser cheia da glória de Deus” (WHITE, 1948, v. 7,
Obviamente, a referência a trombetas não é uma tentativa para interpretar seu
p. 984).
significado, nem ligá-las às sete últimas pragas. Seu intento, em vez disto, é impres-
sionar o leitor com a magnitude e as devastadoras consequências da luta final.
Ao descrever as provações e vitórias do povo de Deus do fim dos tempos, ela Incorporação de linguagem
tece em Apocalipse 14:1: Reiteradamente, Ellen G. White incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse
em sua descrição de uma cena a ela dada pelo Senhor, ou em sua narrativa de um
evento bíblico. Isso é semelhante ao exemplo citado acima em que ela usa as Escrit-
1
  O contexto sugere que Ellen G. White está lidando com uma repetição da história em vez de
uma repetição da profecia específica pertencente a Jerusalém. A iniquidade do fim dos tempos e uras ou a linguagem escriturística para descrever uma cena. Aqui, porém, notamos
a pregação mundial do evangelho são preditas por outras profecias do Novo Testamento (ver 2 que ela frequentemente incorpora a linguagem escriturística em seu próprio uso
Tm 3:1-5; Ap 14:6).
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

das palavras. Citamos, como um exemplo, uma visão do juízo investigativo a ela que o caráter da obra de cada um será determinado antes da retorno de Jesus “para
dada em 23 de outubro de 1879 (WHITE, 1948, v. 4, p. 384-387). dar a cada um segundo a sua obra” (WHITE, 1999, p. 310).
Ao longo do seu relato ela incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse. As
frases usadas incluem: “dez milhares vezes dez milhares”, “vários livros estavam di- Conselho pastoral
ante dEle”, “outro livro foi aberto”, “fostes pesados na balança e achados em falta”, ‘Por Frequentemente Ellen G. White mostra uma preocupação pastoral pelo
que não lavastes vossas vestes de caráter e as branqueastes no sangue do Cordeiro?”, povo de Deus. As Escrituras são livremente usadas, inclusive Daniel e Apoc-
“Quem é injusto faça injustiça ainda”. No livro O Grande Conflito, Ellen G. White dá alipse, nessas passagens de admoestações pastorais. Daniel 8:14 forma a base de
uma descrição de Adão e seus descendentes sendo introduzidos na Cidade Santa. um apelo pastoral quanto ao preparo para o solene tempo do juízo.
Novamente podemos ver como ela incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse
em sua própria linguagem (WHITE, 2005, p. 648-649). Qual é nosso estado neste terrível e solene tempo? [...] Não pesquisaremos as Es-
crituras, para sabermos onde nos encontramos na história deste mundo? Não nos
Expansão tornaremos esclarecidos quanto à obra que se está efetuando por nós neste tempo,
Ocasionalmente Ellen White, tendo citado uma passagem, se expande sobre e a atitude que nós como pecadores devemos ter enquanto esta obra de expiação
está em andamento? Se temos qualquer consideração pela salvação de nossa alma,
ela. Por exemplo, ela cita Apocalipse 5:11, “Olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao
precisamos fazer decidida mudança. Precisamos buscar ao Senhor com genuíno ar-
redor do trono.” Ela então explica em detalhes a citação descrevendo como os anjos rependimento; importa que, com profunda contrição de alma, confessemos nossos
se unem a Jesus na obra do ministério em favor daqueles que devem receber o selo pecados, para que sejam apagados (WHITE, 2008, v. 1, p. 125).
de Deus. Conta como os anjos são um poder que restringe as forças do mal, como
eles circundam a Terra, negando a Satanás sua reivindicação sobre o povo de Deus, Exemplos semelhantes a este são abundantes nos escritos de Ellen White.
e como eles são os ministros de Jeová (WHITE, 1957, v. 7, p. 967).
174 Às vezes Ellen G. White inicia um capítulo citando uma passagem das Escrituras; Uso extensivo 175
por exemplo, ela começa o capítulo 38 de O Grande Conflito (“O último convite di- O uso extensivo das Escrituras é visto frequentemente no Novo Testamento e
vino”) citando Apocalipse 18:1, 2, 4. O capítulo então se torna uma expansão desta nos escritos de Ellen White. Isso ocorre quando um escritor inspirado confere um
passagem. Seguindo imediatamente a citação há várias linhas de interpretação. significado a uma passagem que está além do que o escritor original pretendia. Por
exemplo, Ellen G. White escreve: “A mistura do estratagema da igreja e do estratage-
Esta passagem indica um tempo em que o anúncio da queda de Babilônia, con- ma do estado é representada pelo ferro e o barro” (WHITE, 1957, v. 4, p. 1168-1169),
forme foi feito pelo segundo anjo do capítulo 14 do Apocalipse, deve repetir-se
uma declaração baseada na visão da imagem metálica por Nabucodonosor (Dn
com a menção adicional das corrupções que têm estado a se introduzir nas vá-
2:43). Isso vai além da simples interpretação baseada no contexto, palavras, sintaxe
rias organizações que constituem Babilônia, desde que esta mensagem foi pela
primeira vez proclamada, no verão de 1844 (WHITE, 2005, p. 603). etc. Aqui um escritor inspirado dá um novo significado a uma passagem conhecida,
tanto quanto Paulo faz em Gálatas 3:16, com Gênesis 22:18.
Essa breve interpretação é então seguida pela expansão descritiva no restante Outro exemplo pode ser visto no qual Ellen G. White estende Apocalipse
do capítulo. “Descreve-se aqui uma terrível condição do mundo religioso.” 1:7 (uma referência ao Segundo Advento) para o final do milênio. “Então ao
final dos mil anos, Jesus, com os anjos e todos os santos, deixa a Cidade Santa,
Uso didático e enquanto Ele está descendo com eles para a Terra, os ímpios mortos são res-
O ensino espiritual é fortalecido pelo uso de passagens de Daniel e Apocalipse. suscitados, e então aqueles mesmos que ‘o traspassaram’, ao serem ressuscitados,
Por exemplo, depois de citar Daniel 12:1, Ellen G. White trata do selamento e o fim vê-lo-ão à distância em toda a sua glória, com Ele os anjos e os santos, e se
do tempo da graça enquanto introduz o conselho da Testemunha Verdadeira de lamentarão por causa dEle” (WHITE, 2011, p. 53).
Apocalipse 3:18 (WHITE, 1948, v. 5, p. 212-215). No decorrer da interpretação da
parábola, o homem sem as vestes nupciais, ela cita Apocalipse 22:12 para ensinar
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

Uma expositora destruição de Jerusalém e o fim do mundo; (2) mas ainda é uma cadeia profé-
tica; e (3) apresenta a destruição de Jerusalém como uma profecia da destruição
Alguns são relutantes em dizer que Ellen G. White interpreta as Escrit- do mundo, contudo ambos os acontecimentos são separados e distintos.
uras. É verdade que ela não trabalhou como um exegeta faria hoje — fazen- 6. Além de suas exposições objetivas das profecias ao longo das lin-
do estudos de palavra e examinando em detalhes a sintaxe de passagens nas has historicistas, Ellen G. White às vezes empregava sua fraseologia e
línguas originais etc. Todavia, não há dúvida de que ela por vezes interpreta imagens de uma maneira pastoral, não técnica.
as Escrituras, inclusive as profecias de Daniel e Apocalipse. Como notamos
anteriormente, as profecias básicas foram estudadas e explicadas pelos pio- Referências
neiros do movimento adventista sob a orientação do Espírito Santo. Essas
interpretações são endossadas por Ellen G. White em sua própria apresen-
tação desses assuntos, por exemplo, em O Grande Conflito. WHITE, E. G. Atos dos apóstolos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010.
Contudo, Ellen G. White edifica sobre a obra dos pioneiros expandindo sua
obra anterior com extensos detalhes interpretativos. Essa obra de interpretação
     . Cast not away our confidence. Bible Echo and Signs of the Times, v. 4,
pode ser vista nos detalhes adicionais que tratam de (1) o papel das forças sobre- n. 11, 3 jun. 1889. Disponível em: <http://bit.ly/RWryVf>. Acessado em: 15 jan. 2012.
naturais do mal no conflito final (WHITE, 2005, p. 492-562), (2) especialmente a
descrição da tentativa de Satanás para personificar Jesus (WHITE, 2005, p. 624), (3)
a tríplice união entre protestantismo, catolicismo e espiritualismo (WHITE, 2005,      . Comments. In: NICHOL, F. D. (Ed.). The Seventh-Day Adventist Bible
p. 588), (4) condições sobre as quais a marca da besta será recebida etc. (WHITE, Commentary. Washington: Review And Herald Publishing Association, 1957. v. 7.
2005, p. 624). Aqui estão apenas alguns exemplos dos muitos que mostram Ellen G.
176 White em ação como uma intérprete da profecia. 177
     . Comments. In: NICHOL, F. D. (Ed.). The Seventh-Day Adventist Bible
Commentary. Washington: Review And Herald Publishing Association, 1957. v. 4.
Considerações finais
Como resultado deste estudo, podemos tirar as seguintes conclusões:
1. Ellen G. White endossa a abordagem historicista para a interpretação da      . Educação. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997a.
profecia. Este método de interpretação profética foi usado pelos pioneiros nos
anos formativos de nossa igreja.
     . Evangelismo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997b.
2. Embora Ellen G. White não usasse o termo “historicista”, é claro que ela
compreendia esta abordagem à profecia como sendo o único método correto
para sua interpretação.      . História da redenção. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2003.
3. Ellen G. White opina que existe um perigo muito real em olhar ao futuro
para todo cumprimento profético.
4. Eventos semelhantes àqueles que cumpriram uma determinada profecia      . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 1.
podem surgir. Assim, a história é repetida — não o cumprimento da profecia.
Se a profecia devesse ser cumprida outra vez isto exigiria o mesmo contexto
     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 9.
histórico, o mesmo período de tempo e os mesmos atores.
5. Quando se lida com as declarações de Ellen G. White sobre o discurso
apocalíptico de Jesus registrado nos evangelhos sinópticos, deve ser lembrado      . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 12.
que este discurso (1) centraliza-se em torno de duas grandes predições — a
Estudos selecionados em interpretação profética O uso de Daniel e

     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 13.      . Testimonies. Mountain View: [S.n.], 1948). v. 9.

     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 19.      . What the revalations means to us. Review and Herald, v. 74, n. 35, 31
ago. 1897. Disponível em: <http://bit.ly/XaqKJu>. Acessado em: 15 jan. 2012.

     . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 2.


     . O maior discurso de Cristo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2009.

     . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 1.

     . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 3.

     . O desejado de todas as nações. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000.

     . O grande conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005.

178      . Parábolas de Jesus. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1999. 179

     . Practical remarks. Review and Herald, v. 35, n. 15, 29 mar. 1870. Dispo-
nível em: <http://bit.ly/VHrh9A>. Acessado em: 15 jan. 2012.

     . Primeiros escritos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011.

     . Profetas e Reis. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.

     . Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Publi-


cadora Brasileira, 2002.

     . Testimonies. Mountain View: [S.n.], 1948). v. 4.

     . Testimonies. Mountain View: [S.n.], 1948). v. 5.


8
Estudos selecionados em interpretação profética

O intérprete e o uso
dos escritos de
Ellen G. White
Jon Paulien

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Princípio básicos
3. Princípios ilustrados
4. Considerações finais

180
Sinopse editorial. À semelhan-
ça do apóstolo João, Ellen G. White
estava impregnada pela linguagem
bíblica. Embora ela e os demais
pioneiros adventistas acreditassem
que o Espírito Santo lhe havia con-
cedido o dom profético, ela sempre
reconheceu a autoridade das Sagra-
das Escrituras (Antigo e Novo Tes-
tamento) como a regra suprema de
fé e prática. Escreveu ela:

Em Sua Palavra, Deus conferiu


aos homens o conhecimento
necessário à salvação. As San-
tas Escrituras devem ser acei-
tas como autorizada e infalível
revelação de Sua vontade. Elas
Estudos selecionados em interpretação profética O intérprete e o uso

são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da expe- Bíblia como um todo.1 Assim, os acadêmicos adventistas não poderiam ignorar a
riência religiosa (WHITE, 2005, p. vii). perspectiva dela sobre os símbolos e a teologia do livro de Apocalipse.
Devemos lembrar também que os escritos de Ellen White podem ser mal em-
Para Ellen G. White, sua função especial, sob o Espírito, era iluminar e pregados; em resultado, o texto bíblico terá seu sentido obscurecido e será usado
aplicar as verdades e os princípios bíblicos à vida dos crentes e promover a como base para as opiniões preconcebidas do intérprete.2 Observações incidentais
missão da igreja. feitas em contextos específicos podem ser universalizadas ou aplicadas de tal forma
que contradigam as implicações do texto bíblico em si.3 Em realidade, tal uso im-
Recomendo-lhe, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de sua fé e prática. Por plica em abuso e diminui a autoridade de Ellen White em vez de realçá-la.4
essa Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar visões nos “últimos dias”; Os escritos inspirados são tratados com respeito somente quando permitimos
não para uma nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que que a intenção do profeta seja apresentada pelo do texto em seu contexto original (ex-
se desviam da verdade bíblica (WHITE, 2011, p. 78, ênfase no original). egese). Devemos evitar introduzir no texto nossos próprios interesses e pressuposições
(eisegese). Mensagens de profetas vivos poderiam ser esclarecidas mediante solicitação.
Tal como um pastor, Ellen White emprega as Escrituras de várias maneiras Mas, sendo que isso não é mais possível, estamos em condições mais seguras quando
diferentes. Às vezes, ela apresenta uma exposição abrangente, como pode ser vis- usamos cuidadosa exegese para compreender a intenção da mensagem escrita. O de-
to em obras como O Maior Discurso de Cristo (sobre o Sermão da Montanha) e sejo de estabelecer um ponto de vista particular não oferece nenhuma licença para
Parábolas de Jesus. Outras vezes, ela adapta a linguagem das Escrituras para apresen- que o intérprete use o texto da maneira que for conveniente.5
tar um quadro teológico mais amplo ou aplicar os ensinamentos bíblicos de forma
homilética. Esse uso da linguagem bíblica expressa uma verdade universal, embora
talvez não se harmonize com o contexto do qual a fraseologia foi retirada.
182 Por causa desse uso variado (embora adequado) das Escrituras, o intérprete 1
  “No Apocalipse, todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem. Ali está o complemento 183
da Bíblia às vezes se defronta com certa ambiguidade na citação de passagens do livro de Daniel” (WHITE, 2010, p. 585).
bíblicas por Ellen White. A mensagem geral e sua intenção serão claras, mas
2
  “Os que não estão andando na luz da mensagem podem reunir declarações dos meus escritos
que por acaso os agrada e que concordam com seu discernimento humano. Separando essas
surge a seguinte questão: se o texto bíblico citado está sendo usado e explicado declarações do seu contexto e colocando-as ao lado do raciocínio humano, fazem parecer que
em seu contexto, ou se a linguagem dele foi apenas emprestada para expressar meus escritos apoiam o que eles condenam” (Ellen G. White, Carta 208, 1906).
algo diferente do ele significa em seu contexto original. 3
  O fato de que Ellen White recomendou que Daniel e Apocalipse fossem publicados juntos
Neste capítulo, o autor sugere regras fundamentais para serem usadas pelo num livreto, sem comentários, indica a importância que ela atribuía ao estudo textual e com-
parações cuidadosas (WHITE, 2002, p. 117).
intérprete da Bíblia quando confrontado com tal ambiguidade, para que não 4
  O estudo “Ellen G. White e a Interpretação de Daniel e Apocalipse”, do Instituto de Pesquisa
compreende de modo incorreto a intenção de uma declaração de Ellen White, o Bíblica (Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia), trata do uso e do mau uso das de-
texto bíblico usado, ou ambos. Usados corretamente, os escritos de Ellen White clarações de Ellen White sobre Daniel e Apocalipse.
continuam iluminando os ensinos e as profecias das Sagradas Escrituras. 5
  “Muitos dentre nosso próprio povo me escrevem pedindo com ansiosa determinação o privilégio
de usarem meus escritos para dar força a certos assuntos que desejam apresentar ao povo de modo a
deixar sobre eles profunda impressão.
Introdução “É verdade que há razão para que alguns desses assuntos devam ser apresentados; mas não me ar-
riscaria a dar minha aprovação ao uso dos testemunhos dessa maneira, ou a sancionar que ponham
Os intérpretes adventistas do Apocalipse possuem uma profunda apreciação matéria, em si mesma boa, pela maneira por que eles propõem.
pelos escritos de Ellen G. White. As observações dela sobre o livro de Apocalipse es- “As pessoas que fazem essas propostas, quanto eu saiba, podem ser capazes de conduzir o empreendi-
timulam uma percepção muito produtiva, particularmente para o “grande quadro”, mento acerca do qual escrevem com prudência; não obstante, não ouso dar a mínima permissão para
ou seja, como as visões simbólicas do Apocalipse contribuem para a perspectiva usarem meus escritos na maneira que elas propõem. Tomando em consideração tal empreendimento,
há muitas coisas a serem levadas em conta; pois servindo-se dos testemunhos para apoiar algum as-
cósmica do “grande conflito”. Ellen White estava ciente de que o Apocalipse reúne
sunto que possa impressionar a mente do autor, os extratos poderão dar uma impressão diferente
linguagem, ideias e tipos de toda a Bíblia, formando uma conclusão apropriada da daquela que dariam, fossem eles lidos em sua relação original” (WHITE, 2008, v. 1, p. 58).
Estudos selecionados em interpretação profética O intérprete e o uso

Intérpretes com fortes ideias preconcebidas às vezes utilizam as citações Uso: exegese, teologia ou homilia? Quando Ellen White claramente dirige a
bíblicas feitas por Ellen White de tal modo que distorce o sentido claro do texto atenção do leitor a uma passagem bíblica, o leitor deve indagar como ela está usan-
em seu contexto bíblico.6 Às vezes, inferências extraídas do texto do Apocalipse do a passagem. Está ela usando-a exegeticamente – fazendo uma declaração acerca
são criativamente combinadas com inferências retiradas dos escritos de Ellen do significado da passagem no contexto do autor? Está ela usando-a teologicamente
White, e as conclusões não podem ser demonstradas por meio de uma leitura – discutindo a implicação que a passagem tem para uma teologia mais ampla ba-
natural do Apocalipse ou dos escritos de Ellen White.7 seada nas Escrituras como um todo? Ela a está usando homileticamente – usando a
Embora geralmente bem-intencionados, esses desvios afastam os lei- linguagem bíblica para mover as pessoas à ação, como um pastor?8
tores do claro sentido do texto e incentivam métodos inapropriados de in- Interpretar um uso homilético como se fosse uma declaração exegética dis-
terpretação que podem prejudicar a igreja. Com o objetivo de salvaguardar torcerá não somente a intenção de Ellen White em tal uso, mas também o sig-
a intenção de Ellen White, sugerimos agora algumas diretrizes para o uso nificado da declaração bíblica. Embora precise ser feito mais estudo sobre esse
dos escritos de Ellen White no estudo do Apocalipse. assunto, penso que Ellen White raramente usa as Escrituras exegeticamente
(isto é, explanando o intento do escritor bíblico).9 Como era o caso com os pro-
Princípios básicos fetas clássicos do Antigo Testamento, a principal preocupação dela é falar para a
situação contemporânea. Isso geralmente a levará a usar as Escrituras de forma
Citação ou eco? É importante determinar se Ellen White está pretendendo teológica e homilética, em vez de exegética.
citar um texto bíblico específico ou está meramente “ecoando-o”. O mesmo pro- Afirmar isso não é limitar a autoridade de Ellen White. A intenção dela em
cedimento que aplicamos às alusões do Apocalipse ao Antigo Testamento seria uma determinada declaração deve ser levada a sério ao máximo. Ao mesmo
proveitoso também aqui. Quando ela simplesmente ecoa um texto, não está tempo, devemos ser cuidadosos para não limitar a autoridade do escritor bíbli-
expressando um julgamento sobre a intenção do escritor bíblico. Talvez ela co. Não devemos negar ao escritor bíblico o significado primário sobre a base
184 esteja extraindo uma lição espiritual válida quando ecoa as Escrituras, mas essa de uma utilização homilética de sua passagem. Precisamos respeitar a própria 185
não é necessariamente a mesma lição com que o escritor bíblico tratou de im- intenção de Ellen White em seu manuseio do material bíblico. Sendo que ela
pressionar seus leitores no contexto original. frequentemente usa as Escrituras de maneiras não exegéticas, as declarações
que citam o Apocalipse devem ser examinadas com grande cuidado antes de
serem aplicadas dogmaticamente na exegese do livro.10
6
  Por exemplo, quando Ellen White aplicou ao uso de chá, café, álcool e fumo a frase “não
Intenção coerente? A própria Ellen White faz uma distinção entre seus escritos
toques, não proves, não manuseies” (WHITE, 2007, p. 335), ela estava ecoando a linguagem de
Colossenses 2:21, mas esse certamente não é o sentido original do texto bíblico. Para ela, a frase publicados e outros materiais.11 Assim, podemos compreender melhor sua intenção
tinha um uso positivo em relação à abstenção de substâncias prejudiciais, ao passo que a frase,
no contexto original, representava um ascetismo prejudicial que desviava a atenção de Cristo (Cl
2:18-23). Quando Ellen White aplicou à necessidade de boa postura a frase “Deus fez o homem 8
  Veja a ilustração acima acerca do uso de Colossenses 2:21.
reto” (WHITE, 1997, p. 198), ela não pretendia insinuar que o autor de Eclesiastes estivesse 9
  Uma elevada percentagem de suas declarações exegéticas são provavelmente encontradas no livro
discutindo postura em Eclesiastes 7:27-29. Em Patriarcas e Profetas, por outro lado, ela usou a Atos dos Apóstolos, que contém discussões específicas de livros do Novo Testamento em seu contexto
frase em harmonia com a intenção moral do autor bíblico (WHITE, 2009, p. 49) original; também Parábolas de Jesus e O Maior Discurso de Cristo (ver OLSON; JAMES, 1990, p. 17).
7
  Um exemplo de tal “teologia híbrida” pode ser encontrado no livro Give Glory to Him, de Robert 10
  Nos textos em que Ellen White parece usar um texto exegeticamente, e, contudo, ainda per-
Hauser (1983, p. 30-32). Comparando declarações da Bíblia e de Ellen White, o autor tenta provar manece uma tensão entre seu uso de um texto e o evidente intento da linguagem do autor, duas
que a cena de Apocalipse 4:1–5:6 ocorre no Lugar Santo do santuário celestial, que 5:8-14 ocorre no possibilidades devem ser conservadas em mente: (1) é possível que o intérprete tenha compreen-
Lugar Santíssimo, e que, em Apocalipse 5:7, Jesus se muda do Lugar Santo para o Lugar Santíssimo. dido mal o intento do escritor bíblico ou de Ellen White, ou de ambos; ou (2) uma pessoa in-
Por mais criativa que seja a sugestão, ela torna-se extremamente improvável pelo simples fato de que spirada pode aplicar uma passagem bíblica à sua situação contemporânea em um sentido local
nenhum movimento como esse entre os compartimentos é detectável no próprio texto de Apocalipse sem exaurir a intenção básica do escritor original (note o uso de Pedro de Joel 2:28-32 em Atos
4–5, e Ellen White jamais descreveu tal movimento em termos de Apocalipse 5. A sugestão do autor 2:16-21 e o uso de Jesus de Daniel 7:13-14 em Mateus 9:6.)
transcende a intenção de João e de Ellen White. Assim, o uso das Escrituras por Ellen White é usado 11
  ”E agora a todos os que têm um desejo pela verdade eu diria: Não deem crédito a relatos não
de modo equivocado para demonstrar algo que nem ela nem João pretendiam. autenticados quanto ao que a irmã White tem feito ou dito ou escrito. Se vocês desejam conhecer
Estudos selecionados em interpretação profética O intérprete e o uso

teológica nos escritos que foram mais cuidadosamente escritos e editados por ela. que um conceito é repetido está em proporção direta à preocupação da escri-
Comentários de improviso em cartas ou reproduzidos estenograficamente de ser- tora de que o conceito seja claramente compreendido pelo leitor. Não é um pro-
mões podem não refletir sua opinião estabelecida sobre assuntos universais. Com- cedimento seguro basear uma interpretação em uma só passagem. Uma ideia
pilações de seus escritos reunidos por pastores ou leigos precisam ser usados ainda que é repetida em uma variedade de circunstâncias e por diferentes expressões
mais cautelosamente, sendo que a disposição do material pode apresentar o tema não é facilmente mal-compreendida ou usada impropriamente.
de maneira tendenciosa. Se algo é encontrado somente em cartas e manuscritos, Problema de ambiguidade. O principal motivo para a sugestão destas di-
principalmente se ocorre apenas uma vez, o intérprete precisa determinar se isso retrizes básicas em determinar seu intento é o problema da ambiguidade nos
está de acordo com considerado e coerente intento. escritos de Ellen White. Suas declarações são às vezes suscetíveis de mais de
Fundamental para o argumento? Deve ser feita a interrogação: É o uso de El- uma interpretação.14 Isso não é necessariamente devido à confusão ou falta de
len White de determinado texto bíblico essencial para a conclusão a que ela chega clareza da sua parte; é devido ao fato de que com frequência ela não trata dire-
em dada porção de seus escritos? Se o uso é periférico para o tema central, ele pode tamente das questões que hoje mais nos preocupam. Leitores imparciais podem
não estar baseado no uso exegético do texto. Como no caso das Escrituras, estamos achar declarações que respondem às nossas preocupações com menos clareza
em terreno mais firme quando aludimos à passagens em que o assunto específico do que preferiríamos. O leitor parcial, porém, ao defrontar-se com uma de-
está sendo discutido. Sendo que a maior parte do Apocalipse nunca é fundamental claração ambígua, escolhe a opção que melhor se ajusta às suas ideias preconce-
para qualquer das discussões de Ellen White, devemos exercer cuidado em extrair bidas e critica severamente aqueles que poderiam discordar.
firmes conclusões de empregos periféricos do Apocalipse.12 A realidade é que muitas questões exegéticas não podem ser esclarecidas por
Esclarecimento posterior? Deve-se permitir que os escritos posteriores de El- meio dos escritos de Ellen White. O procedimento mais sábio é evitar o uso de de-
len White esclareçam pontos de vista assumidos em escritos anteriores. Ao aumentar clarações ambíguas como evidência definitiva para provar um argumento. É sempre
suas habilidades como escritora, aumentava correspondentemente sua capacidade apropriado, sem dúvida, destacar as possibilidades inerentes em tais declarações.
186 de expressar de maneira acurada e clara os pensamentos recebidos de Deus. Ao se 187
tornarem declarações anteriores opostas ou sujeitas a controvérsia, ela apresentava Princípios ilustrados
afirmações esclarecedoras para tornar clara sua intenção. Um exemplo disso é en-
contrado em Primeiros Escritos, onde ela apresenta uma série de esclarecimentos de Para ilustrar o uso desses seis princípios, pode ser proveitoso examinar a
declarações anteriores e descrições visionárias (WHITE, 2011, p. 85-96).13 seguinte declaração de Ellen G. White em Primeiros Escritos:
Frequência de conceito. Quão frequentemente Ellen White utilizava uma
Um anjo com um tinteiro de escrivão ao lado voltou da Terra, e informou a Jesus
passagem bíblica de determinada forma? Geralmente, o número de vezes em
que sua obra estava feita, e os santos estavam numerados e selados. Então vi Je-
sus, que estivera ministrando diante da arca, a qual contém os Dez Mandamen-
tos, lançar o incensário. Levantou as mãos e com grande voz disse: “Está feito.” E
o que o Senhor tem revelado por meio dela, leiam suas obras publicadas. Há alguns pontos de
interesse concernentes ao que ela não tem escrito, não apanhem avidamente e relatem rumores
quanto ao que ela tem dito” (WHITE, 2006, v. 5, p. 696; ver 2008, v. 1, p. 66; 2002, p. 33).
12
  O Apocalipse é fundamental para a discussão do capítulo 57 de Atos dos Apóstolos (WHITE, 14
  Um exemplo de uma declaração ambígua é encontrado em Testemunhos para Ministros
2010, p. 578-592) e para muito da última parte do livro O Grande Conflito. (WHITE, 2002, p. 445). Nesse texto, ela declara que “esse selamento dos servos de Deus é o mes-
13
  Um exemplo teológico de sua amadurecida clareza de expressão é a sua compreensão da mo que foi mostrado em visão a Ezequiel. João também fora testemunha dessa tão assustadora
divindade de Cristo. A plena divindade de Cristo é expressa em declarações posteriores (ver revelação”. Ela segue com vários itens que são comuns a ambos os livros. Sendo que as visões
WHITE, 2008, v. 1, p. 296; 1996, p. 530; 1906; 1899). Mas declarações anteriores a 1888 (ver de João e Ezequiel são análogas, mas certamente não idênticas, surgem duas possibilidades de
WHITE, 1870, v. 1, p. 17-18), são ambíguas o suficiente para serem lidas como semi-arianas se as interpretação: (1) Os acontecimentos ocorridos em torno de 600 a.C. compartilham dos mesmos
declarações posteriores são ignoradas. (Ela atualiza e esclarece The Spirit of Prophecy, [WHITE, princípios que se manifestarão na crise final descritos em Apocalipse 7; (2) Ezequiel não descreve
1870, v. 1, p. 17-18] em Patriarcas e Profetas [WHITE, 2009, p. 37-38]). Extrair seu ponto de vista eventos de 600 a.C., mas eventos do fim dos tempos. Conquanto uma ou outra interpretação seja
de The Spirit of Prophecy (WHITE, 1870, v. 1, p. 17-18), enquanto ignorando as declarações es- considerada mais provável, baseado nas pressuposições que um leitor leva ao texto, uma ou outra
clarecedoras posteriores, é distorcer desesperadamente sua intenção. é possível com base na linguagem que ela preferiu usar no contexto.
Estudos selecionados em interpretação profética O intérprete e o uso

todo o exército dos anjos tirou suas coroas quando Jesus fez a solene declaração: o contexto de Apocalipse 8. A fraseologia — lançar o incensário — poderia ser
“Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é omitida sem afetar o conteúdo teológico da declaração.
justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda” (WHITE, 2011, Quinto, a declaração é uma das primeiras referências de Ellen White ao
p. 279-280). tema. Assim, o intérprete que desejar compreender a utilização dela deve estar
preparado para a possibilidade de que uma declaração posterior possa decisi-
O assunto dessa passagem é o fim do tempo da graça. Ellen White utiliza vamente esclarecer esta. As possíveis implicações desta declaração não devem
alusões à linguagem de Ezequiel 9 (“Um anjo com um tinteiro de escrivão ao lado... ser pressionadas diante de uma posterior, principalmente se a última declaração
informou”), Apocalipse 8:5 (“lançar o incensário”), Apocalipse 16:17 (“Grande voz... modifica significativamente o material em questão.
“Está feito”), e então cita Apocalipse 22:11. Os dois últimos textos (Ap 16:17; 22:11) Finalmente, a alusão ocorre apenas uma vez em todas as suas obras dis-
claramente pertencem a um contexto do “fim do tempo da graça”. Nosso interesse poníveis. Mesmo se o significado do texto parecesse claro a todos os intérpretes,
diz respeito ao significado de seu uso da linguagem de Apocalipse 8:5 neste con- poderia ser questionado se a intenção de Ellen G. White na alusão tinha sido
texto. Na passagem de Primeiros Escritos, Ellen White interpreta o ato de atirar o compreendida corretamente. Ao longo de seu ministério, ela jamais tentou es-
incensário descrito em Apocalipse 8:5 como sendo uma referência ao fechamento clarecer a relação de Apocalipse 8:5 com o fechamento da porta da graça.
da porta da graça no fim dos tempos? Aplicaremos as diretrizes delineadas acima Resumindo: por mais que possamos desejar ter auxílio exegético em de-
em uma tentativa para determinar corretamente a resposta. terminar o significado de Apocalipse 8:5 e seu contexto, Primeiros Escritos
Em primeiro lugar, não está claro que ela pretendia que o leitor percebesse (WHITE, 2011, p. 279-280), embora bem possa aludir a Apocalipse 8:5, não
uma alusão a Apocalipse 8:5 em sua declaração de Primeiros Escritos. A frase deve ser usado para este propósito. Não é exegético ou fundamental para o as-
“lançar o incensário” é certamente inconfundível. Se há absolutamente uma sunto em seu contexto, nem é razoavelmente certo que fosse intenção de Ellen
alusão às Escrituras quando em visão ela vê Jesus “lançando o incensário”, é White que o leitor percebesse uma alusão a Apocalipse 8:5.
188 claramente uma alusão a Apocalipse 8:5. Mas várias indicações demonstram De grande interesse para este assunto é o fato de que a declaração é posterior- 189
que ela não estava aludindo a Apocalipse 8:5 de maneira exegética. Note suas mente repetida (quase em sua inteireza) em O Grande Conflito (WHITE, 2005, p.
observações. É Jesus quem ministra o incenso, não um anjo. Jesus ministra di- 613). Esta declaração é citada abaixo com a ênfase em itálico representando todas as
ante da arca, não no altar de incenso. Jesus lança o incensário diante da arca, palavras que são idênticas à passagem de Primeiros Escritos.
não na Terra. Assim, sua declaração meramente ecoa a linguagem de Apoc-
alipse 8:5, sem remeter o leitor ao texto. É inseguro extrair informação exegética Um anjo que volta da Terra anuncia que a sua obra está feita; o mundo foi submetido
específica de um eco da linguagem bíblica. à prova final, e todos os que se mostraram fiéis aos preceitos divinos receberam “o
Segundo, nenhuma tentativa de fazer exegese de Apocalipse 8:5 é evi- selo do Deus vivo” (Ap 7:2). Cessa então Jesus de interceder no santuário celestial.
dente na passagem. A declaração é parte de uma descrição visionária de um Levanta as mãos e com grande voz diz: “Está feito” (Ap 16:17); e toda a hoste angélica
acontecimento futuro: o fim do tempo da graça. Como tal, é um emprego depõe suas coroas, ao fazer Ele o solene aviso: “Quem é injusto, faça injustiça ainda; e
teológico ou homilético de Apocalipse 8:5. Não é tratado o significado de quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja
Apocalipse 8:5 no contexto original. santificado ainda” (Ap 22:11) (WHITE, 2005, p. 613, grifo do autor).
Terceiro, a declaração ocorre em uma obra publicada que foi editada com
considerável cuidado. Todavia, sendo que o eco é excepcional nesta declaração, O assunto desta passagem e dois terços do seu fraseado são idênticos a
ele é incerto para determinar se ela estabeleceu compreensão associada a Apoc- Primeiros Escritos (WHITE, 2011, p. 279-280). Mesmo onde o fraseado está
alipse 8:5 com o fechamento da porta da graça no fim dos tempos. modificado, o significado básico é o mesmo. Mas ocorreram duas mudan-
Quarto, conforme mencionado anteriormente, a exegese de Apocalipse 8:5 ças significativas no uso das Escrituras por Ellen G. White. A linguagem de
não é fundamental para o texto de Primeiros Escritos (WHITE, 2011, p. 279- Ezequiel 9 e Apocalipse 8:5 foi abandonada. Em lugar de Apocalipse 8:5, está a
280). O assunto tratado é uma descrição do fechamento da porta da graça, não declaração de que Jesus “cessa Sua intercessão no santuário celestial”.
Estudos selecionados em interpretação profética O intérprete e o uso

O texto de O Grande Conflito esclarece o significado da citação ante- _____________. Mensagens escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 1.
rior. Evidentemente, Ellen G. White não quis deixar a impressão de que sua
alusão devia ser considerada como uma exposição de Apocalipse 8:5 em seu
contexto. Portanto, na última descrição ela empregou terminologia explícita _____________. O desejado de todas as nações. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1996.
em vez de um eco de Apocalipse 8:5.
Essa ilustração indica que aplicar estas diretrizes exige paciência e tempo. _____________. O Grande Conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005.
Provavelmente, em muitos casos, a compreensão de Ellen White pode ser obti-
da por uma leitura atenta de suas declarações. Torna-se, porém, essencial seguir
cuidadosamente estas diretrizes sempre que uma declaração específica ou série _____________. Patriarcas e profetas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2009.
de declarações se torna controvertida, geralmente devido à ambiguidade. Em
tais exemplos, o ônus da prova está em demonstrar que Ellen G. White (se es-
tivesse viva) apoiaria seu uso específico de uma determinada declaração. _____________. Primeiros escritos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011.

Considerações finais _____________. Testemunhos Para a Igreja. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2006. v. 5.
Depois de meticuloso estudo do texto bíblico, será útil para o intérprete advent-
ista examinar o uso de Ellen White de Apocalipse em busca de ideias proveitosas.
A compreensão inspirada dela sobre os assuntos universais para os quais aponta o _____________. Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Pu-
blicadora Brasileira, 2002.
livro de Apocalipse torna suas declarações de grande interesse e importância.
190 Todavia, sua contribuição para o debate não deve ser expandida além de 191
sua própria intenção. Fazer isso distorceria sua intenção e a de João, solapando _____________. The Spirit of Prophecy: the great controversy between Christ and his
assim a autoridade da inspiração. As diretrizes acima podem ajudar a prover angels and Satan and his angels. Battle Creek: Steam Press, 1870. v. 1.
salvaguardas contra tal uso não intencional.

Referências _____________. The word made flesh. Review and Herald, v. 83, n. 14, abr. 1906. Dis-
ponível em: <http://bit.ly/ZxjdWA>. Acessado em: 10 jan. 2013.

HAUSER, R. Give Glory to Him. Angwin: Robert W. Hauser, 1983.


_____________. The word made flesh. Signs of the Times, v. 25, n. 18, mai. 1899. Dis-
ponível em: <http://bit.ly/VNyZyq>. Acessado em: 10 jan. 2013.
OLSON, R. W.; JAMES, D. C. Olson Discusses the Veltman Study. Ministry, dez.1990.

WHITE, E. G. A ciência do bom viver. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.

_____________. Atos dos Apóstolos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010.

_____________. Educação. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997.


9
Estudos selecionados em interpretação profética

Debates contemporâneos
sobre o Apocalipse
Relatório da Comissão*

192
A estrutura distintiva que mantém
unido o quadro da verdade bíblica con-
forme ensinada pelos adventistas do
sétimo dia é a sua compreensão das
profecias de Daniel e Apocalipse. Nes-
tas profecias o povo adventista tem en-
contrado seus tempos, sua identidade
e sua tarefa. Jesus Cristo está no centro
da Palavra profética e sua dinâmica na
fé adventista (Jo 14:29; 2Pe 1:19).
Os adventistas do sétimo dia che-
garam à sua interpretação da profecia
bíblica empregando os princípios
da escola histórica de interpretação
profética, às vezes chamada método
historicista ou método histórico-con-
tínuo. O método historicista aceita a
ideia de que as profecias de Daniel
Estudos selecionados em interpretação profética Debates contemporâneos sobre o Apocalipse

e Apocalipse são destinadas a se desdobrar e encontrar cumprimento no tempo a tendência de alterar a metodologia e empregar princípios não sólidos a fim de
histórico — no espaço de tempo entre os profetas Daniel e João, respectivamente, encontrar soluções satisfatórias. Duas seções de Apocalipse especificamente caem
e o estabelecimento final do reino eterno de Deus. O princípio dia-ano (um dia nesta categoria: os selos (Ap 4:1–8:1) e as trombetas (Ap 8:2–11:17). Embora a
simbólico equivale a um ano literal) é uma parte integrante do método, porque fun- igreja talvez jamais compreenda plenamente estas porções da profecia mais ampla,
ciona para desenrolar os períodos de tempo simbólicos, habilitando-nos a localizar podemos delas aprender importantes lições, e encorajamos o seu estudo pessoal.
os eventos preditos ao longo do caminho da história. A comissão a esta altura não tem desenvolvido uma interpretação satisfatória
Jesus empregou o método historicista quando anunciou o tempo do seu destas profecias que resolva todos os problemas inerentes a elas, mas tem chegado
ministério como um cumprimento da profecia (Mc 1:15; cf. Dn 9:25), e poste- a acordo em alguns princípios gerais e algumas ideias específicas. Se quisermos
riormente quando se referiu à profetizada ruína de Jerusalém e do templo (Mt preservar a verdade e assegurar uma verdadeira interpretação dessas profecias de-
24:15; cf. Dn 9:26). Os mileritas, nossos ancestrais imediatos, eram historicistas, safiadoras, devemos fazer nosso estudo dentro dos parâmetros dos sólidos princí-
como eram também os reformadores protestantes do século 16. pios de interpretação. A comissão concorda nos seguintes pontos e os submete aos
Em seu esforço para enfrentar as interpretações protestantes, a Igreja Católi- nossos pastores e membros para sua consideração com oração.
ca Romana introduziu o preterismo e o futurismo como métodos opostos de in-
terpretação. Estes dois métodos formam a base de duas escolas dos dias atuais Princípios gerais
de interpretação de Daniel e Apocalipse. A posição preterista/crítico-histórica A comissão conclui que:
considera as profecias de Daniel como tendo cumprimento nos tempos e acon- 1. A estrutura literária divide o livro de Apocalipse em duas grandes
tecimentos da Palestina do segundo século a.C., e restringe o Apocalipse aos seções: (1) uma seção histórica (Ap 1–14), que enfatiza a experiência da ig-
primeiros séculos d.C. O futurismo remove a setuagésima semana da profecia reja e eventos relacionados durante a Era Cristã, e (2) uma seção escatológi-
das setenta semanas de Daniel, colocando-a no final da era, onde também es- ca ou do final dos tempos, (Ap 15–22) que focaliza principalmente os even-
194 pera o cumprimento da maior parte do livro de Apocalipse. Hoje os adventistas tos do fim dos tempos e o fim do mundo. 195
do sétimo estão virtualmente sozinhos como expoentes do método historicista, Embora os estudantes da Bíblia possam diferir de certa forma sobre o ponto
sendo que grupos não católicos em geral têm abandonado esta abordagem a exato onde deve ser colocada a linha divisória, estudo sério feito por eruditos
favor de um dos outros dois métodos mencionados. Como se poderia esperar, a adventistas (ver STRAND, 1979; MAXWELL, 1985, v. 2) confirmam plena-
mudança de método tem inevitavelmente ocasionado mudanças de conclusões. mente esta divisão literária e seu consequente efeito sobre a interpretação.
A Comissão de Daniel e Apocalipse deseja reafirmar para a igreja mundial a 2. As séries dos selos e das trombetas ocorrem na seção histórica de
validade da abordagem historicista a estes dois livros apocalípticos. A comissão Apocalipse. Consequentemente, seu cumprimento deve ser procurado no
o vê como o único método sólido e correto a ser usado. Nossos pioneiros não tempo histórico, a Era Cristã.
seguiram “fábulas artificialmente compostas” quando pesquisaram e pregaram 3. As profecias dos selos e das trombetas têm apenas um cumprimento
as verdades destas profecias. Eles nos transmitiram uma valiosa herança. Con- profético.
vidamos nossos membros a renovado estudo destes grandiosos livros proféticos a. O modelo de Daniel da profecia apocalíptica é claro sobre este ponto: cada
que continuam dando certeza e estabilidade à nossa fé pessoal em Cristo e sua metal, animal e chifre tem somente um cumprimento. (Até mesmo o “chifre
vinda e ao esforço mundial do povo adventista nesta era solene da atividade do pequeno” de Daniel 8, usado como um símbolo para Roma em suas duas fases,
juízo divino no santuário celestial (Ap 14:6-14; Dn 7:9, 10, 13, 14). tem apenas um cumprimento: Roma.) Não há nenhuma evidência contextual
Nem todos os segmentos de Daniel e Apocalipse são tão claramente compreen- de que deve ser dado às profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse duplos
didos como outros. Existe uma tendência de algumas pessoas sinceras em focalizar ou múltiplos cumprimentos. Esta última proposição foi examinada detalhad-
as porções menos compreendidas a tal ponto que negligenciem a grandiosa exten- amente e rejeitada pela Comissão Revisora do Santuário (representantes das
são das passagens mais claras e das importantes verdades teológicas que elas apre- Divisões mundiais) em 1980 (ver GENERAL CONFERENCE OF SEVENTH-
sentam para nossos tempos. O desejo de revelar essas porções obscuras estimula DAY ADVENTIST CHURCH, 1980). A Comissão de Daniel e Apocalipse a tem
Estudos selecionados em interpretação profética Debates contemporâneos sobre o Apocalipse

igualmente rejeitado (ver HASEL, 2010, v. 3, p. 288-322). Cumprimentos dup- Entre estas duas cenas do trono estão os eventos dos selos de Apocalipse 6. As-
los ou múltiplos de Daniel e Apocalipse também deixam de encontrar apoio em sim, os selos de Apocalipse 6 devem ser localizados entre a vitória de Cristo na
Ellen White (veja o panfleto do Instituto de Pesquisa Bíblica, “Ellen G. White e cruz e a vitória dos redimidos, isto é, na Era Cristã.
a Interpretação de Daniel e Apocalipse”).
b. O cumprimento duplo pode estar presente em algumas profecias ge- a Pregação do evangelho (Mt 24:14). a Primeiro selo: cavalo branco (Ap 6:2).
rais ou clássicas em que há marcadores contextuais indicando tal — por b Guerras, fomes, pestilências, ter- b Segundo ao quarto selos: guerra, fome,
exemplo, a profecia do derramamento do Espírito Santo, Joel 2; a profecia remotos (v. 6-8). pestilência (v. 3-8).
do nascimento virginal, Isaías 7. Mas nenhum dos tais marcadores está pre- c Período de grande tribulação/ c Quinto selo: clamor dos mártires para
sente nas profecias de Daniel e Apocalipse. perseguição (v. 21). serem vingados (v. 9-11)
c. Em relação às trombetas, o próprio Apocalipse faz um aplicação para o fim d Sinais no sol, lua, estrelas (v. 29). d Sexto selo: grande terremoto; sinais no
dos tempos da linguagem das trombetas em sua descrição das sete últimas pragas. sol, lua, estrelas (v. 12, 13).
É, portanto, uma pressão desnecessária dessas passagens colocar as trombetas e as e Segunda Vinda (v. 30, 31). e Sexto selo: “é vindo o grande dia da sua
ira” (v. 14-17).
pragas em um cumprimento simultâneo pós-tempo da graça.
f Juízo (Mt 25:31-46). f Sétimo selo: “silêncio no céu” (Ap 8:1),
possivelmente fases milenial ou executiva
I. Os selos — Apocalipse 4:1–8:1
do juízo final (Ap 20: 4, 11-15).
A comissão concorda no seguinte:
1. Cenário
1. Apocalipse 4–5 é uma unidade, descrevendo a mesma cena (Ap 4:2; 5:1). III. Observações gerais sobre os selos
2. Apocalipse 4–5 descreve uma cena do trono no santuário celestial (cf. Ap 1. A imagem dos quatro cavalos e suas cores é extraída de Zacarias 1:8-
196 4:3; 8:3). 11; 6:1-6; 10:3, mas é empregada por João para simbolizar uma mensagem 197
3. A ênfase da cena do trono é sobre a morte expiatória de Cristo, sua obra diferente daquela transmitida por Zacarias.
perfeita na cruz (Ap 5:6, 9, 12). 2. Os selos são sequenciais, representando eventos sucessivos através da Era
4. A cena do trono não é o juízo investigativo de Daniel 7:9, 10. Cristã. Isto é evidenciado pela ordem da visão: Os selos são abertos um após
a. A cena de Apocalipse não é designada a um juízo; a cena de Daniel, outro, não todos ao mesmo tempo (Ap 6:1, 3, 5, 7, 9, 12; 8:1).
sim (Dn 7:10, 26). 3. Os selos apresentam uma progressão geral da história em vez de uma
b. A cena de Apocalipse tem apenas um livro: está na mão do Pai; está fecha- cronologia detalhada; sua interpretação, portanto, não está ligada especifica-
do e selado; nenhum ser no Universo exceto o Cordeiro pode abri-lo; o livro mente à profecia das sete igrejas.
nunca é aberto na visão. Contrastando, na cena de Daniel há dois ou mais livros. 4. Os selos são um desenvolvimento paralelo de Mateus 24 e 25 (o apocalipse
Eles são abertos, e está subentendido que eles foram abertos para o Ancião de sinóptico). Este vínculo é outra evidência para o seu cumprimento na Era Cristã.
dias pelos seres santos assistentes (Dn 7:10). 5. Conquanto haja semelhanças entre os selos e o apocalipse sinóptico, há
também diferenças. Em alguns exemplos o simbolismo parece estender o sig-
II. Estrutura do tempo nificado além de uma simples repetição de Mateus 24. Por exemplo:
1. A cena do trono está no começo da Era Cristã. a. Se o primeiro selo simboliza, inicialmente, o envolvimento apostólico
a. É mostrada a João (pela abertura sequencial dos selos) “o que deve acon- com o evangelho (cf. Zc 10:3), então as cores mutáveis dos cavalos (branco, ver-
tecer depois destas coisas” (Ap 4:1; cf. Ap 1:1, 19). melho, preto e amarelo) sugerem apostasia progressivamente aprofundada.
b. O trono do Pai (Ap 4), a vitória de Cristo (Ap 5:5) e sua junção ao Pai no b. Os sinais físicos tais como guerra, fome e pestilência seriam alterados
trono (v. 6; cf. Ap 3:21) são temas fundamentais nesta cena do trono (Ap 4 e 5). pelo simbolismo para retratar as características adicionais através das quais o
Os redimidos vitoriosos juntam-se à cena do trono em Apocalipse 7 (v. 9, 10).
Estudos selecionados em interpretação profética Debates contemporâneos sobre o Apocalipse

povo de Deus teria de viver: agitação por causa das diferenças religiosas, fome 4. Apocalipse 10:1–11:14 é um interlúdio entre a sexta e a sétima trom-
pela verdade de Deus, severa perseguição de cristãos por cristãos. betas (precisamente como Apocalipse 7 é um interlúdio entre o sexto e o
c. Sendo que a apostasia cristã parece estar presente do segundo ao quar- sétimo selos) e pertence à sexta trombeta (exceto o retrospecto ao período
to selos, os acontecimentos funestos retratados nestes selos podem refletir a de 1260 anos [Ap 11:3]).
imagem das desgraças/maldições da aliança preditas para ocorrer quando a 5. Os eventos das trombetas ocorrem no tempo histórico, tempo da graça.
aliança é violada (Lv 26:14-39). a. Introdução (Ap 8:2-6). Funcionando como um anúncio das vindouras
6. Embora cada um dos primeiros quatro selos tenha um princípio inicial, sete trombetas, os versos 2 e 6 são marcadores para formar uma inclusão lit-
a ação uma vez começada pode prosseguir com variados graus de intensidade. erária em torno dos dois processos descritos nos versos 3-5:
a. Primeiro selo: embora iniciada pelos apóstolos, a pregação do evan- (1) O contínuo ministério intercessório de Cristo (v. 3, 4).
gelho continua através da era. É dito aos mártires sob o quinto selo que mais (2) A cessação do ministério intercessório de Cristo e o fim da provação
ainda serão mortos (Ap 6:11). humana ou fim da graça (v. 5; cf. Ez 10:1-7).
b. Modelos apocalípticos para o tipo de simbolismo: (1) a influência dos Este artifício literário, uma inclusão-introdução, definitivamente liga
quatro animais se prolonga depois de um domínio sequencial inicial (Dn a série de eventos das trombetas à era da intercessão sumo sacerdotal de
7:12); (2) as mensagens sequenciais dos três anjos continuam depois do seu Cristo, tempo da graça.
anúncio inicial (Ap 14:6-12). b. Sétima trombeta: o soar da sétima trombeta está ligado à finalização do
7. O primeiro selo representa o início da mensagem do evangelho no “mistério de Deus” (Ap 10:7). “O mistério de Deus” é o evangelho e sua proc-
primeiro século (Ap 6:2). O quinto selo representa as perseguições da Idade lamação (Ef 3:4; 6:19; Cl 4:3; Rm 16:25, 26). Se a sétima trombeta está ligada à
Média (v. 9-11). O sexto selo se relaciona com os sinais da segunda vinda de conclusão da obra do evangelho, a dispensação evangélica, então as seis trom-
Cristo (v. 12-17). O sétimo selo se relaciona com algum acontecimento de sig- betas precedentes devem necessariamente soar durante o tempo da graça.
198 nificado cósmico depois da Segunda Vinda (8:1). c. Altar de ouro: referência ao altar de ouro de incenso no começo da sexta 199
8. A atividade do selamento de Apocalipse 7:1-8 está incluída no período de trombeta é um marcador na profecia, indicando que a intercessão sacerdotal de
tempo do sexto selo e é a resposta à indagação “É vindo o grande dia da sua ira; Cristo ainda está em andamento (Ap 9:13; cf. 8:3, 4).
e quem poderá subsistir?” (Ap 6:17). d. Interlúdio (veja nº 4 nesta seção): a obra do evangelho continua avante
9. O grande terremoto e os sinais no sol, na lua e nas estrelas do sexto selo sob a sexta trombeta.
são literais, e o sexto selo se inicia com o terremoto de Lisboa. (1) A igreja (simbolizada por João) deve pregar “outra vez [a] muitos povos,
10. Os sinais celestiais do sexto selo podem ter causas físicas/naturais (cf. e nações, e línguas, e reis” (Ap 10:11).
abertura do Mar Vermelho, Êx 14:21); contudo, eles são eventos significativos (2) As pessoas podem se arrepender e dar glória a Deus (Ap 11:13; cf. 16:9).
porque ocorrem no tempo certo em conexão com o final do período de 1260 e. Períodos de tempo: a presença de períodos de tempo na quinta e sexta
anos de supremacia papal e perseguição (cf. Mc 13:24). trombetas são marcadores indicando que essas trombetas aparecem no tempo
histórico antes do final do tempo da graça aos seres humanos.
As trombetas
A comissão conclui que: Referências
1. As trombetas são sequenciais, conforme se evidencia por sua ocorrência
uma após outra na visão.
2. As trombetas aparecem como advertências ou anúncios de acontecimen- HASEL, G. F. Cumprimento de profecia. In: HOLBROOK, F. B. (Ed.). Setenta Semanas:
Levítico e a Natureza da Profecia. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2010. (Série Santuá-
tos adversos por vir (cf. Nm 10:1-10).
rio e Profecias Apocalípticas, 3).
3. Um evento específico das trombetas pode ocupar um extenso período de
tempo (Ap 9:5, 15; 10:7).
10
Estudos selecionados em interpretação profética

STRAND, K. A. Interpreting the Book of Revelation: Hermeneutical Guidelines, with


Brief Introd. to Literary Analysis. 2. ed. [S.l.]: Ann Arbor Publ., 1979.
Selos e trombetas:
MAXWELL, C. M. God Cares: The Message of Revelation for You and Your Family.
algumas discussões atuais
[S.l.]: Pacific PressPub Assn, 1985. v. 2. Jon Paulien

GENERAL CONFERENCE OF THE SEVENTH-DAY ADVENTIST CHURCH. Sta-


tement on Desmond Ford Document. Ministry, out. 1980. Disponível em: <http://bit.
ly/11jOW32>. Acessado em: 10 jan. 2013.
Esboço do capítulo
1. Questões no debate atual
2. A “grandiosa estratégia” do Apocalipse
3. O historicismo e os sete selos
4. O historicismo e as sete trombetas
5. Considerações finais

200
Sinopse editorial. Em anos re-
centes, os eruditos adventistas têm
focalizado a estrutura literária do
livro de Apocalipse. Esses estudos
têm confirmado o consenso dos
pioneiros adventista de que os cum-
primentos das linhas paralelas da
profecia (por exemplo, os sete selos
e as sete trombetas), se estendem
ao longo da Era Cristã, iniciando-
se nos dias de João, e alcançando a
Segunda Vinda.
Hoje alguns estão defendendo
dois cumprimentos distintos dos
selos e trombetas (e outras porções
do Apocalipse, inclusive os períodos
de tempo). Eles veem um segundo
(primário para eles) cumprimento do
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

fim dos tempos dos selos e das trombetas, comumente ligando o primeiro ao juízo A segunda divisão do Apocalipse era compreendida como abrangendo prin-
investigativo de Daniel 7. As trombetas são colocadas ou no final dos tempos pouco cipalmente os eventos ligados à própria Segunda Vinda. Embora seguido hoje
antes da Segunda Vinda, ou imediatamente depois do fim do tempo da graça. em detalhe exato por alguns, Daniel and Revelation, de Uriah Smith, continua
Neste capítulo o autor resume a evidência embutida nas introduções a es- como uma expressão desse consenso básico modelado cerca de cem anos atrás
sas séries, bem como nos modelos do santuário e das festividades refletidos no por nossos pais espirituais (SMITH, 1897).
livro. Os dados coletados endossam claramente a compreensão historicista de
que estas séries se estendem através da Era Cristã e jamais foram destinadas Novas interpretações particulares
(como séries inteiras) a encontrar um segundo cumprimento no final da era. Em anos recentes, vários adventistas do sétimo dia têm explorado a pos-
sibilidade de que a perspectiva do fim dos tempos do Apocalipse poderia
Questões no debate atual ser muito mais ampla do que os adventistas têm imaginado. Em geral, esses
intérpretes concordam com o consenso histórico concernente às igrejas (Ap
1–3) e a última metade do livro (Ap 13–22).
Consenso dos pioneiros Todavia, eles comumente defendem um futuro segundo cumprimento de
Por volta do final do século 19, preeminentes adventistas do sétimo dia certas porções de Apocalipse, inclusive seus períodos de tempo. Um importante
estudiosos da Bíblia chegaram a um consenso sobre como aplicar as várias ponto de desacordo jaz em como os selos e as trombetas (Ap 4–11) devem ser
partes do livro de Apocalipse à história da Era Cristã. compreendidos. Esses “intérpretes do fim dos tempos”1 creem que os selos e as
Eles compreenderam as cartas às sete igrejas (Ap 1–3) como sendo dirigi- trombetas (Ap 4–11) retratam acontecimentos associados ao fim dos tempos,
das inicialmente a sete igrejas do primeiro século sobre as quais João tinha um em vez de à extensão global da Era Cristã. Os selos (Ap 4–6) são geralmente
interesse supervisor. O significado destas cartas se estendia também (por repre- compreendidos como retratando aspectos do juízo investigativo que começou
202 sentação simbólica) aos sete grandes períodos da história cristã. em 1844, e as trombetas (Ap 8–11) são compreendidas como vindo em seguida 203
Os pioneiros adventistas do sétimo dia compreendiam os selos, as trom- ao fechamento da porta da graça pouco antes do retorno de Cristo. Para alguns,
betas e o capítulo 12 (Ap 4–12) como apresentando três linhas paralelas que estes são vistos como um segundo cumprimento.
abrangem toda a Era Cristã. (1) Os sete selos se dispunham em posição paralela O que tem surgido desses estudos e resultantes discussões é a percepção de
às sete igrejas como um esboço dos grandes períodos da história cristã. (2) As que os adventistas do sétimo dia não têm investido a espécie de energia criativa
sete trombetas continham primariamente os juízos divinos sobre as porções sobre os selos e trombetas que habilitaria a posição historicista, ou qualquer
ocidental e oriental do Império Romano. (3) O capítulo 12 retratava o grande outra posição, a ser declarada firmemente estabelecida. Os adventistas têm tido
conflito no Céu e seu resultado na experiência da igreja na Terra. a tendência de supor que os selos e trombetas são duas séries históricas, se es-
Os pioneiros também concordavam em que a maior parte dos aconteci- tendendo dos dias do profeta até o fim, mas não têm estabelecido este ponto de
mentos descritos nos capítulos 13–19 dizia respeito ao fim dos tempos, con- vista sobre a base de cuidadosa exegese do texto.2 Se as interpretações emergen-
duzindo até a segunda vinda de Cristo. Apocalipse 20–22, por outro lado, tes do fim dos tempos dos selos e das trombetas se demonstrarem corretas, os
era visto como se situando além da Segunda Vinda.
A corrente principal do adventismo, portanto, veio a afirmar que o livro de
Apocalipse se divide naturalmente em duas partes. A primeira cobre os grandes 1
  Eles são frequentemente rotulados como “futuristas”, mas embora esta designação seja
acontecimentos da história profética entre os dois adventos de Cristo, embora descritiva até um ponto, eles geralmente recusam qualquer aceitação do sistema dispensa-
cada série conduza ao fim. Essa abordagem interpretativa de Apocalipse 1–12, cionalista futurista de interpretação.
conhecida como historicismo, baseia-se no modelo de Daniel e do próprio Jesus 2
  Em apoio desta asserção, note o comentário de Uriah Smith sobre Apocalipse 8:7–9:21. Ses-
retratando o futuro em termos de uma série de eventos históricos que vão desde senta e dois por cento dos comentários de Smith são diretamente citados de comentaristas não
adventistas do sétimo dia. A maior parte do restante é parafraseada. Dificilmente há um exemplo
o tempo do profeta até o estabelecimento do reino eterno (ver Dn 2). em que é feita referência ao texto. A posição historicista é assumida como um dado, nunca é ar-
gumentada a partir do texto das trombetas.
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

autores destas interpretações estimularam o estudo chamando a atenção para 4–7 com o capítulo 19, como sugere Strand. Encontrei, na língua original,
estas porções mais obscuras do Apocalipse. quatro grupos de ideias paralelas entre os selos e o capítulo 19, dois dos
Conquanto uma compreensão dos selos e trombetas possa não ser decisiva quais se relacionam diretamente com o assunto em questão.4
para a salvação, as realidades atuais exigem que lhes seja dada mais cuidadosa 1. Nos capítulos 4 e 5, as cenas de adoração descrevem o louvor ofereci-
atenção do que tem sido o caso no passado. Este capítulo, portanto, descreve do a Deus pela Criação e pela cruz. Contudo, cenas paralelas nos capítulos
várias realidades do livro de Apocalipse que precisam ser levadas em conta 7 e 19 descrevem o louvor a Deus por redimir o seu povo da Babilônia do
quando se trata de como os selos e as trombetas devem ser interpretados. fim dos tempos. Esta observação sugere que a melhor colocação dos capí-
tulos 4 e 5 está no início da Era Cristã.
A “grandiosa estratégia” do Apocalipse 2. Apocalipse 6:10 descreve um tempo em que Deus não está ainda julgando.
Apocalipse 19:2 vem após estar concluído o juízo. O juízo não ocorre nos capí-
tulos 4 e 5, quando os selos ainda têm de ser abertos. É óbvio que o juízo deve
Função do arranjo literário
ocorrer algum tempo entre a abertura do quinto selo (em que os mártires pedem
Uma das principais evidências citadas em defesa de uma compreensão his-
julgamento) e o pronunciamento do juízo concluído em Apocalipse 19:2.
toricista dos selos e trombetas baseia-se na observação de que o livro de Apoc-
Essas duas observações coincidem com o que se poderia esperar se a
alipse está estruturado como um “quiasma” (STRAND, 1979, p. 43-59). Uma
primeira parte do Apocalipse diz respeito a toda a Era Cristã e a última
“estrutura quiástica” ocorre quando as palavras e ideias são paralelas umas às
parte ao fim dos tempos.
outras na ordem inversa do início ao fim de um livro.
No caso de Apocalipse, o material antes de Apocalipse 15 é, no conjunto, Função do santuário em Apocalipse
confrontado no sentido inverso pelo material que vem depois do capítulo 15. Cenas introdutórias do santuário. As pesquisas mostram uma série de
204 Kenneth Strand considera a primeira (e maior) metade como estando relacio- indicações de que o próprio João compreendia os selos e as trombetas como 205
nada com toda a Era Cristã. O conteúdo do Apocalipse posterior ao capítulo 15 abrangendo o vasto alcance da história cristã em vez de somente o fim dos
diz respeito quase exclusivamente ao tempo após o fim do tempo da graça, um tempos. Por exemplo, as cenas do santuário que introduzem várias partes do
evento que ainda está no futuro. O “quiasma” e seus resultados são evidentes Apocalipse demonstram uma progressão significativa (Ap 1:12-20; 4:1–5:14;
por si mesmos quando se compara os três primeiros capítulos do Apocalipse 8:2-6; 11:19; 15:5-8; 19:1-8; 21:1–22:5).
quando os dois últimos.3 Os intérpretes do fim dos tempos, porém, têm resis- A primeira cena do santuário (1:12-20). Aqui a visão usa as imagens do
tido a esta compreensão do arranjo literário do Apocalipse, sendo que ela tem santuário para retratar a presença de Cristo entre as igrejas na Terra; no entanto,
impacto negativo sobre suas interpretações dos selos e trombetas. não é um olhar para o santuário celestial. A cena ocorre em Patmos, e os sete
Tenho procurado esclarecer a aplicabilidade do esboço de Kenneth candeeiros representam as sete igrejas. O convite explícito “sobe para aqui” para
Strand aos selos e às trombetas comparando cuidadosamente os capítulos o reino celestial vem posteriormente em Apocalipse 4:1.
A segunda cena do santuário (4:1–5:14). O foco agora muda para o san-
3
  Note os seguintes paralelos:
tuário no Céu. A maior coleção de imagens do santuário no livro se encontra
1:1 ………………. “que em breve devem acontecer” ……………… 22:6 nesta introdução aos selos. A cena contém uma completa mistura de imagens
1:3 ................ “bem-aventurados aqueles que [...] guardam” ............... 22:7 de quase todos os aspectos do ritual hebraico.
1:3 ................................. “o tempo está próximo” ................................. 22:10 No santuário israelita somente duas ocasiões tinham contato com quase
1:4 ......................................... “as sete igrejas” ........................................ 22:16
todos os aspectos do seu culto: o serviço de inauguração em cujo momento o
1:17 .................................. “o primeiro e o último” ................................. 21:6
2:7 ......................................... “árvore da vida” ......................................... 22:2
2:11 ....................................... “segunda morte” ....................................... 21:8
3:12 ...................................... “nova Jerusalém” ..................................... 21:10 4
  Para uma discussão mais completa destes grupos paralelos, veja o capítulo 11 deste vol-
ume, “Os sete selos”.
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

santuário foi dedicado (cf. Êx 40) e o Dia da Expiação. A cena do santuário nos (1) Ap 1:12-20 Terra
capítulos 4–5 é a primeira visão do santuário celestial no livro. É mais bem iden-
(2) Ap 4 e 5 (Inaguração)
tificado com a inauguração ou serviço de dedicação do antigo santuário. O foco
(3) Ap 8:2-6 (Intercessão)
central é sobre as consequências da cruz, uma das quais foi o estabelecimento
(4) Ap 11:19 (Julgamento) Céu
do reinado de Cristo no santuário celestial. (5) Ap 15:5-8 (Cessação)
A descrição não é certamente uma cena de juízo como se poderia esperar se o (6) Ap 19:1-10 (Abstenção)
Dia da Expiação estivesse em vista. De fato, a linguagem explícita do juízo está to-
talmente ausente da cena.5 A única ocasião em que uma palavra grega para “julgar” (7) Ap 21:1 - 22:5 Terra
aparece na primeira metade do livro está em Apocalipse 6:10, e ali a asserção é que
Deus ainda não começou a julgar! Sendo que a cena do santuário em Apocalipse 5
precede a abertura dos selos, a evidência de que o quinto selo ocorre em um tempo
de “não julgamento” é decisiva na localização dos selos na Era Cristã em geral.
A terceira e a quarta cenas do santuário (8:2-6 e 11:19). Estas continuam no
santuário celestial. A primeira (8:2-6) apresenta uma visão explícita do primeiro
compartimento com seus serviços de intercessão. A última (11:19) retrata uma Nesta progressão, o primeiro dia explícito da cena de expiação-juízo ocorre
visão explícita do segundo compartimento no contexto de juízo (cf. 11:18). somente em 11:18-19. A primeira metade do livro focaliza inauguração e inter-
A quinta cena do santuário (15:5-8). Esta visão retoma outra vez a lin- cessão; a última metade move-se para juízo e rejeição. Isso apoia o consenso dos
guagem da inauguração (a glória enchendo o templo), mas realmente descreve pioneiros e a compreensão básica de Kenneth Strand de que o livro de Apoc-
um fechamento do santuário, sua desinauguração ou cessação do seu ministério. alipse está dividido em uma metade histórica e uma escatológica.
206 A sexta cena do santuário (19:1-10). A linguagem de trono, adoração e 207
O modelo diário/anual. Quando o livro do Apocalipse como um todo é exam-
Cordeiro é característica da segunda cena, mas todas as imagens explícitas do inado à luz do santuário, são feitas descobertas de natureza mais implícita. Partindo
santuário estão ausentes. O santuário celestial desapareceu de vista. das fontes históricas, nos tornamos familiarizados com a maneira como os serviços
A sétima cena do santuário (21:1–22:5). O foco da visão retorna à Terra, o diários e anuais do santuário eram conduzidos no primeiro século da Era Cristã.
equivalente ao capítulo 1. O Senhor Deus e o Cordeiro são o templo da Cidade Uma comparação de Apocalipse 1–8 com essas fontes sugere que esta seção de
Santa (21:22). Deus está agora com seu povo na Terra (21:3). Apocalipse reflete os serviços diários do santuário que prenunciavam a cruz.6
Estas cenas introdutórias do santuário mostram duas linhas definidas de O primeiro ato importante no serviço sacrifical diário (tāmîd) do Templo
progressão. Primeira, é chamada a atenção do leitor da Terra para o Céu, e de era que um sacerdote escolhido entrava no lugar santo e punha em ordem o
volta novamente à Terra. Segunda, ele é levado da inauguração do santuário ce- candelabro certificando-se de que cada uma das lâmpadas estava ardendo bril-
lestial para a intercessão, para o juízo, para a cessação do santuário, e finalmente hantemente e tinha um novo suprimento de azeite (cf. Ap 1:12-20). Em seguida
para sua ausência. Esta progressão é ilustrada a seguir. a este ministério a grande porta do Templo era aberta (cf. Ap 4:1). Então um
cordeiro era morto (cf. Ap 5:6), e o seu sangue derramado à base do altar do
holocausto no pátio exterior do Templo (cf. Ap 6:9). Depois do derramamento
do sangue, era oferecido incenso no altar de ouro do lugar santo (cf. Ap 8:3-4;

6
  A fonte para a descrição do sacrifício diário é o tratado Tamid da Mishnah, uma coleção de
  As palavras gregas para “juízo”, krisis, krima e krinô, são muito comuns na segunda metade do livro.
5
tradições mais antigas pertencentes às leis, tradições e práticas do judaísmo primitivo.
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

Lc 1:8-10). Então, durante um intervalo no cântico (cf. Ap 8:1), eram tocadas as Páscoa. As cartas às sete igrejas são rememorativas da Páscoa, a festa primária
trombetas para indicar que o sacrifício estava concluído (cf. Ap 8:2, 6). da estação primaveril. Por exemplo, em nenhuma outra parte do Apocalipse há
Não somente a primeira parte de Apocalipse reflete todos os importantes de- tão fortes concentrações de referências à morte e ressurreição de Cristo (cf. Ap 1:5,
talhes do sacrifício diário no Templo, mas também alude a eles essencialmente na 17-18).8 O intenso escrutínio de Cristo nas igrejas nos lembra a procura por fer-
mesma ordem. Assim, o material que constitui as igrejas, selos e trombetas parece mento em cada família judaica para removê-lo pouco antes da Páscoa (Êx 12:19;
estar habilmente associado com as atividades do Templo relacionadas ao serviço 13:7). Sendo que a Páscoa é a única festividade cumprida pelo Cristo terrestre
diário (tāmîd). Os adventistas do sétimo dia compreendem esses serviços diários (1Co 5:7), é apropriado que ela estivesse associada com esta porção do livro onde
como sendo típicos da fase intercessora do ministério de Cristo iniciado no san- Ele é retratado em seu ministério às igrejas na Terra.
tuário celestial por ocasião de sua ascensão em 31 d.C. O fato de que as cenas in- Pentecostes. Como a inauguração do santuário celestial, a cena do trono
trodutórias aos selos e às trombetas estão associadas à inauguração e intercessão do de Apocalipse 4–5 está adequadamente associada ao Pentecostes. O primeiro
santuário é certamente compatível com esta descoberta. Pentecostes ocorreu durante o tempo em que a lei foi dada a Moisés no monte
É interessante, portanto, descobrir no capítulo 11 que o livro muda para a Sinai (Êx 19–20). Como o novo Moisés, Cristo recebe de Deus, por assim dizer,
linguagem explícita dos serviços anuais do Dia da Expiação. Kenneth Strand a nova Torá (Ap 5). Êxodo 19 também envolvia a inauguração de Israel como
salienta que Apocalipse 11:1-2 contém uma clara alusão ao Dia da Expiação, o povo de Deus (Êx 19:5-6; cf.Ap 5:9-10). A liturgia judaica para a festa de
que vem imediatamente depois da referência ao término das profecias de tem- Pentecostes incluía a leitura de não apenas Êxodo 19, mas também de Ezequiel
po de Daniel (Ap 10:5, 6) (STRAND, 1984, p. 317-325). Em Levítico 16 — o 1, importante base literária para Apocalipse 4–5.
grande capítulo do Dia da Expiação —, é feita expiação pelo sumo sacerdote, o Festa das Trombetas e Dia da Expiação. O soar de sete trombetas — perto
santuário, o altar e o povo. O único outro lugar nas Escrituras onde os termos do centro do livro (Ap 8–9, 11) — lembra ao leitor as sete festas mensais da lua
santuário, altar e povo estão combinados é em Apocalipse 11:1-2. Sendo que nova que culminavam na Festa das Trombetas, assinalando a transição entre
208 o Sumo Sacerdote do Novo Testamento, Jesus Cristo, não precisa de expiação, as festas da primavera e do outono. A própria Festa das Trombetas, caindo no 209
a referência comum a santuário, altar, e povo sendo medidos parece ser uma primeiro dia do sétimo mês (correspondendo à sétima trombeta) introduzia
deliberada recordação do Dia da Expiação como o dia em que estes eram avali- solenemente a hora do juízo que preparava o caminho para o Dia da Expiação
ados ou “medidos” (cf. 2Sm 8:2; Mt 7:2). Essa tênue alusão ao Dia da Expiação (cf. 11:18-19). Há uma crescente focalização sobre o conceito do juízo deste
vem pouco antes da mais explícita de Apocalipse 11:18-19. ponto em diante no livro (Ap 14:7; 16:5, 7; 17:1; 18:8, 10, 20; 19:2 etc).
Concluindo, podemos inferir que o modelo diário/anual embutido nas Festa dos Tabernáculos. A última das cinco festas básicas do sistema levítico
imagens do santuário de Apocalipse sugere que a primeira porção do livro (cf. Lv 23) era a Festa dos Tabernáculos que seguia o Dia da Expiação. A colheita
(Ap 1–10) foi escrita tendo em mente o ministério intercessório de Cristo. No havia terminado (cf. Ap 14–20). Deus estava agora “habitando” com o seu povo (cf.
capítulo 11, a imagem que se relaciona com os serviços diários é substituída Ap 21:3). As celebrações de Apocalipse do fim dos tempos estão repletas de imagens
por alusões ao ministério orientado para o juízo do Dia da Expiação. Isso é de festividades, ramos de palmeira, música, e regozijo diante do Senhor (ver Ap
o que esperaríamos se a primeira metade do livro focaliza principalmente os 7:9ss. e Ap 19:1-10, bem como Ap 21–22). As imagens principais da festa — água e
grandes acontecimentos da Era Cristã e a última metade os eventos finais desta luz — encontram seu cumprimento final em Apocalipse 22:1, 5.
era quando o juízo trará um fim ao pecado e aos pecadores. Dentro do adventismo, as festas da primavera têm sido associadas à cruz de
Festas anuais em Apocalipse. Igualmente impressionante é a evidência Cristo e sua investidura e ministério no santuário celestial. As festas do outono en-
de que o livro de Apocalipse parece estar modelado também segundo as contram seu cumprimento no tempo do fim e no juízo pré-advento e acontecimen-
festas anuais do ano judaico.7 tos que envolvem a segunda vinda de Cristo. O que tem sido ignorado é o fato de

7
  Sou grato a Richard Davidson, do Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia, por muitas 8
  Embora o cordeiro morto seja mencionado na próxima parte de Apocalipse (Ap 5:6), ele mor-
das analogias aqui descritas. reu antes da cena de Apocalipse 5 (Ap 5:5-6; cf. 3:21).
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

que a Festa das Trombetas vem como o clímax de sete festas da lua nova (Nm 10:10) Assim, pode ser assumido que toda a cena é uma descrição do Dia da Expiação.
e forma a ponte entre as festas da primavera e do outono. Ela está, portanto, nas sete Estes argumentos certamente merecem investigação, mas não revertem o quadro
trombetas do Apocalipse em que se encontra a ponte cronológica entre as festas da mais amplo delineado brevemente acima.
primavera e do outono, entre um foco sobre a cruz e o início da Era Cristã, e um Em primeiro lugar, as analogias a Ezequiel e Daniel são informativas, mas
foco sobre o fim dos tempos em Apocalipse. não contam toda a história. João alude também a outras importantes passagens
Assim, a primeira metade de Apocalipse, baseada nos sacrifícios diários e nas do Antigo Testamento (Is 6; 1Rs 22:19-22; Êx 19). O denominador comum en-
festas da primavera, apresenta uma ênfase sobre a cruz e seus efeitos; ao passo que tre todas as cinco passagens do Antigo Testamento não é juízo, mas uma de-
a última metade do livro, baseada nos sacrifícios anuais e nas festas do outono, fo- scrição do trono de Deus. De fato, João seleciona a imagem da sala do trono de
caliza o fim. A Festa das Trombetas (o primeiro dia do sétimo mês) introduzia a Daniel 7 e Ezequiel 1–10, mas evita empregar seus aspectos de juízo.11
época do ano em que ocorria o juízo e o santuário era purificado (Ap 11:18-19). Especialmente impressionantes são as acentuadas diferenças entre Apocalipse
4–5 e Daniel 7. Em Daniel são postos uns tronos (Dn 7:9); em Apocalipse os tronos
Resumo já estão lá (Ap 4:2-4). Em Daniel muitos livros são abertos (Dn 7:10); em Apocalipse
O material acima sobre os antecedentes do santuário no Apocalipse indica que um livro está selado (Ap 5:1). Em Daniel a figura central é “o filho do homem” (Dn
o quiasma de Kenneth Strand é bem apoiado por amplas tendências que abrangem 7:13; um termo com o qual o Apocalipse certamente está familiarizado — 1:13);
o livro de Apocalipse como um todo. Estas tendências sugerem que João compreen- em Apocalipse ele é o Cordeiro (Ap 5:6; um termo mais apropriado para o serviço
dia os selos e as trombetas como cobrindo toda a dimensão da história cristã desde diário do que para o Dia da Expiação em qualquer caso).
os seus dias até o Segundo Advento (não importa quão longa João compreendia Como foi notado acima, a linguagem de juízo nas cenas de Apocalipse
que esta fosse). O principal ponto de diferença com Strand diz respeito a se o ponto 4–5 está totalmente ausente12 até 6:10, onde está claro que o juízo ainda não
central do livro é Apocalipse 11–12 ou 14–15. havia começado. Parece inconcebível que Apocalipse 4–5 pudesse ser a cena
210 Este assunto não é, porém, uma diferença essencial. O material de Apocalipse do juízo do fim dos tempos quando o juízo ainda não tem começado mesmo 211
12–14 é de transição. Seu objetivo e foco estão sobre a ira final das nações contra no tempo em que o quinto selo é aberto!
o remanescente (12:17; 13). Mas gasta muito tempo recapitulando a história que Conquanto haja algumas alusões ao santuário em Apocalipse 4–5 que po-
levaria até esse clímax, preparando o terreno para as operações finais de caracteres dem estar relacionadas ao Dia da Expiação, há muito mais que se relacionam
que têm estado funcionando na maior parte da era. Começando com o capítulo 15, com outros aspectos do santuário e seus serviços. A impressão geral dada por
o foco quase exclusivo é sobre o próprio término do tempo do fim. esta passagem não pertence a qualquer compartimento ou serviço, mas sugere
uma lista abrangente de quase todos os aspectos do antigo ministério.
O historicismo e os sete selos As séries de observações acima concernentes ao santuário na estrutura
O espaço não permite uma resposta ponto por ponto aos argumentos daque- literária do Apocalipse indicam fortemente que Apocalipse 4–5 é uma de-
les que acham que a profecia dos selos (Ap 4–8) tem em vista retratar os eventos scrição simbólica do serviço de inauguração no santuário celestial que ocor-
do fim dos tempos.9 O mais decisivo argumento bíblico para esta posição, porém, reu em 31 d.C. O que segue à cena de inauguração tem a ver com toda a Era
brota de duas observações: (1) É claro que Apocalipse 4 e 5 contém analogias a Cristão, não apenas o seu fim.
Daniel 7, Ezequiel 1–10 e Apocalipse 19. Sendo que o juízo é o tema principal des-
tas passagens paralelas, infere-se que a cena de Apocalipse 4–5 deve ser a do juízo
investigativo que se iniciou em 1844. (2) Também está claro que algumas das do Antigo Testamento (também pode se usada para outras aberturas dentro do santuário). O
imagens de Apocalipse 4–5 lembram aspectos dos rituais do Dia da Expiação.10 trono pode lembrar o propiciatório sobre a arca da aliança. As três pedras da primeira parte de
Apocalipse 4 podem ser encontradas no peitoral do sumo sacerdote, que ministrava no Dia da
Expiação. Os quatro seres viventes lembram os quatro querubins do Templo de Salomão.
11
  Escritores bíblicos posteriores frequentemente usam escritos inspirados mais antigos para um
9
  Para uma discussão da profecia dos selos, veja o capítulo 11 deste volume. propósito diferente do principal intento do escritor original.
10
  A “porta” de 4:1 pode se referir à porta entre os compartimentos do tabernáculo terrestre 12
  Em grego, as palavras são krima, krisis e krinō.
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

Tentativas recentes para localizar Apocalipse 4 no primeiro compartimento do durante o tempo da graça, que evidência existe na série para indicar que a porta
santuário celestial e Apocalipse 5 no segundo compartimento são refutadas sobre da graça ainda está aberta para a humanidade?
a absoluta falta de evidência no texto para qualquer movimento do trono entre os Quando examinamos as cenas introdutórias às séries de sete visões do
dois capítulos. Os dois capítulos retratam uma simples localização visionária. Apocalipse, descobrimos que elas não somente precedem as cenas subse-
quentes, mas permanecem à vista por toda parte. Por exemplo, nas sete
O historicismo e as sete trombetas igrejas a visão introdutória precede as cartas no arranjo literário do livro,
Os argumentos para a interpretação da série de trombetas no fim dos tempos mas cada carta remete para as características de Cristo registradas nessa in-
(Ap 8–11) são um tanto mais fortes do que aqueles apresentados para a série dos trodução. Sendo que as cartas são escritas em prosa ordinária, elas proveem
selos. Afirma-se que o atirar do incensário (Ap 8:5) retrata o fim do tempo da uma clara indicação da estratégia literária do autor.
graça. Assim, a série de trombetas que se segue (8:7ss.) deve ter cumprimento Cada um dos sete selos é aberto durante a incessante atividade do Cordeiro
depois do fim da graça. Mais evidência para um cumprimento pós-fechamento na sala do trono celestial (Ap 5–6). Esta cena, começando com a inauguração
da porta da graça deve ser visto no fato de que os objetos destruídos pelas duas do santuário celestial, continua ao longo da abertura dos selos até a Segunda
primeiras trombetas — a terra, mar e árvores — não devem ser danificados até Vinda e até o tempo em que toda a criação louva a Deus (Ap 5:13).
depois que esteja completo o selamento do capítulo sete (Ap 7:1-3). A terceira A cena introdutória às sete taças (Ap 15:5-8) retrata um tabernáculo
peça de evidência para uma interpretação das trombetas pós-fechamento da vazio no Céu, o que é certamente apropriado para todo o período depois do
porta da graça é o fato de que a praga dos gafanhotos/escorpiões da quinta fechamento da porta da graça.
trombeta não tem permissão de afetar os selados, sugerindo assim um cenário Assim, cada visão introdutória provê o cenário para a atividade subsequente
depois do fechamento da porta da graça (Ap 9:4). e permanece ativa em segundo plano até a conclusão da visão. Sendo que este é
Estes argumentos, é claro, contrariam frontalmente a evidência acima de que tão claramente o caso para três das quatro séries de sete visões, o ônus da prova
212 João tinha uma preocupação pela Era Cristã como um todo na primeira metade do está sobre qualquer um que deseja argumentar que Apocalipse 8:2-6 é uma ex- 213
Apocalipse e apenas focalizou especificamente o fim dos tempos na última metade ceção. É mais provável que João pretendia que o leitor visse a intercessão no
do livro. Sob exame mais atento, porém, torna-se evidente que os argumentos para altar de ouro como estando disponível até o instante em que soa a sétima trom-
um cenário pós-fechamento da porta da graça para as trombetas baseiam-se mais beta, levando à finalização do “mistério de Deus” (Ap 10:7), isto é, à conclusão
em suposições do que na real evidência do texto bíblico. do evangelho (Rm 16:25-27; Ef 3:2-7; 6:19).
Cena introdutória do santuário: Apocalipse 8:2-6 Outras evidências do tempo da graça
A principal suposição que está por trás do primeiro argumento é que a cena O exposto acima é apoiado por abundante evidência de que a porta da graça
introdutória do santuário que retrata simbolicamente o ministério sacerdotal permanece aberta ao longo da sexta trombeta. A sexta trombeta equivale ao “seg-
de intercessão de Cristo é concluída antes do início das trombetas. Assim, o undo ai” e como tal vai claramente de Apocalipse 9:12 a 11:14. Em Apocalipse 9:13,
atirar do incensário (o final da provação humana) precede os eventos que se há uma voz “dos quatro ângulos do altar de ouro que se encontra na presença de
seguem no capítulo. Como resultado, todas as sete trombetas são compreendi- Deus”, uma clara referência ao altar de ouro de Apocalipse 8:3, 4. Isto sugere que a
das como vindo depois do fechamento da porta da graça. intercessão ainda está em andamento no tempo do soar da sexta trombeta.
A suposição de que a cena introdutória é concluída antes do início das trom- Em Apocalipse 9:20-21, aqueles que experimentam a praga da sexta trombeta
betas pode ser testada de duas maneiras. Primeira: As outras cenas introdu- não se arrependem, o que pode indicar que o arrependimento ainda é uma opção.
tórias (que precedem as sete igrejas, os sete selos e as sete taças) concluem antes Em Apocalipse 10:11, o profeta é informado de que ele deve profetizar outra
do começo de cada sétima série? Ou elas continuam permanecendo na base de vez, algo que faria pouco sentido depois do fechamento da porta da graça.
toda a sequência visionária? Segunda: Se as trombetas em grande parte ocorrem O que é mais importante, um grupo de pessoas descrito em Apocalipse
11:13 quando o “resto” ou os “restantes” (hoi loipoi — a mesma palavra aplicada
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

para o remanescente de Apocalipse 12:17)13 “ficaram sobremodo aterrorizadas sétima, a sexta trombeta é o exato correlativo histórico de Apocalipse 7:1-8.
e deram glória ao Deus do Céu”. Qualquer ponto da história que possamos levar É a última oportunidade para salvação pouco antes do final.
isto a ser, é claramente uma resposta apropriada ao evangelho proclamado pelo Portanto, as sete trombetas não seguem os acontecimentos de Apocalipse 7 em
primeiro anjo de Apocalipse 14:6-7 — “Temei a Deus e dai-lhe glória.”14 ordem cronológica. Em vez disso, as trombetas aproveitam a sugestão e o início, a
Assim é evidente que a porta da graça continua aberta, e a intercessão partir da visão introdutória de Apocalipse 8:2-6. O principal tema dessa visão é in-
de Apocalipse 8:3, 4 continua até o fim da sexta trombeta. As sete trombe- tercessão no altar de incenso. Este é um suplemento apropriado para a inauguração
tas como um todo não são claramente compreendidas como sendo depois do santuário celestial conforme descrito em Apocalipse 5.
do fechamento da porta da graça. O livro de Apocalipse flui naturalmente, como foi mostrado acima, desde uma
visão da cruz (Ap 1:5, 17, 18; ver 5:6, 9, 12) a uma visão da inauguração do minis-
São as trombetas sequenciais ao selamento (Ap 7)? tério de Cristo à luz da cruz (Ap 5), a uma descrição do ministério intercessório
Outro argumento para a interpretação das sete trombetas no fim dos tem- que resulta (Ap 8:3, 4), e finalmente ao juízo que precede o fim (Ap 11:18, 19). Essa
pos nota a semelhança de linguagem entre Apocalipse 7:1-3 e Apocalipse 8:7-9. ordem de acontecimentos é característica de todo o Novo Testamento.
Segundo Apocalipse 7, a terra, mar e árvores não devem ser danificados até que
esteja concluída a obra do selamento. Sendo que são estes os próprios objetos O selo de Deus (Ap 9:4)
afetados pela primeira e segunda trombetas, sugere-se que essas trombetas de- O importante argumento final para uma interpretação das trombetas no fim
vem seguir cronologicamente o selamento e, portanto, ocorre em tempos poste- dos tempos repousa sobre a observação de que a quinta trombeta não afeta aqueles
riores ao fechamento da porta da graça. que estão selados (Ap 9:4). Argumenta-se que se o selamento é o último aconteci-
Contudo, deve ser notado que Apocalipse 8:2 introduz uma nova série; conse- mento antes do fechamento da porta da graça, então os eventos da quinta trom-
quentemente, é necessário demonstrar que a série de trombetas segue cronologica- beta devem ocorrer depois do fim da graça. Esse argumento, porém, assume vários
214 mente a seção literária que a precede. Os capítulos 4 e 12 certamente retornam a um pontos que precisam ser demonstrados. Assume que o “selamento” significa exata- 215
estágio anterior da história. Por que não também o capítulo 8? mente o mesmo em ambos os contextos. Assume que o “selamento” está limitado ao
Embora seja verdade que os objetos para destruição nas primeiras duas trom- fim dos tempos. Assume que as opiniões de Ellen G. White sobre o selamento em
betas são protegidos em Apocalipse 7:1-3, eles são também protegidos na quinta Apocalipse 7:1-3 se aplicam também a Apocalipse 9:4.
trombeta (Ap 9:4). Esse fato suscita sérias interrogações sobre se a série de trombe- Se alguém aborda Apocalipse 9:4 dentro do contexto mais amplo do Novo Tes-
tas deve estar relacionada como uma sequência imediata à visão do capítulo 7. tamento, estas suposições são difíceis de suster. As palavras gregas para selamento
Ainda mais decisivo, porém, é o fato de que o mais forte paralelismo (sphragis, sphragizō) são múltiplas em significado. Por exemplo, quando um selo é
entre a primeira parte de Apocalipse 7 e as sete trombetas está em Apoc- colocado sobre um documento, mensagem, ou túmulo sua finalidade pode ser oc-
alipse 9:14, 16. Em ambas as sessões, “segurar” e “soltar” estão relacionados ultar ou confinar, demarcar, delimitar (Mt 27:66; Ap 5:1, 2, 5, 9; 6:1, 3, 5, 7, 9, 12; 8:1;
aos quatro anjos. Em ambas as seções, um povo está sendo numerado: em 10:4; 20:3; 22:10). Um significado alternativo é certificar que algo ou alguém é con-
Apocalipse 7, o povo de Deus; em Apocalipse 9, seus correlativos demonía- fiável (Jo 3:33; 6:27; Rm 15:28; 1Co 9:2). Mas quando relacionado ao povo de Deus,
cos. E são estes os dois únicos lugares em Apocalipse contendo as palavras o significado predominante de selamento é posse e aceitação por Deus (“o Senhor
enigmáticas: “Eu ouvi o número [ēkousa ton arithmon].” Se a porta da graça conhece os que lhe pertencem”) (2Tm 2:19; cf. 2Co 1:22; Ef 1:13; 4:30). Neste sen-
continua aberta ao longo da sexta trombeta e então se fecha com o soar da tido ele já era uma realidade presente no tempo de Abraão (Rm 4:11).
Se em uma determinada passagem o contexto indica que estamos antes
do fim da graça, o conceito de um povo selado deve ser compreendido no
13
  Também em deliberado contraste com os impenitentes hoi loipoi de Ap 9:20. sentido geral daqueles que pertencem a Deus em qualquer época. Assim,
14
  Em direto contraste estão aqueles de Ap 16:9 que preferem rejeitar o arrependimento e blas- não deve ser assumido que o selamento de Apocalipse 7:1-3 é necessari-
femam contra Deus em vez de dar-lhe glória. Note que a impenitência tem avançado em 16:9, 11 amente idêntico àquele de Apocalipse 9:4.
além do estágio de 9:20, 21.
Estudos selecionados em interpretação profética Selos e trombetas

Também não deve ser assumido que o selamento de Apocalipse 7:1-3 está Referências
limitado ao fim dos tempos. Apocalipse 7:1-3 não limita explicitamente o se-
lamento ao fim dos tempos; meramente focaliza o significado da obra de se-
SMITH, U. Daniel and the Revelation. Battle Creek: [S.n.], 1897.
lamento em um ambiente do fim dos tempos. Relacionado a isso existe a ob-
servação de que seja o que for que Ellen White compreendia por Apocalipse
7:1-3, ela nunca citou Apocalipse 9:4 em um contexto do fim dos tempos; assim STRAND, K. A. Interpreting the Book of Revelation. 2. ed. Naples: [Sn.], 1979.
é imprudente assumir o que ela mesma jamais declarou.

Resumo _____________. An Overlooked Old-Testament Background to Revelation 11:1. An-


Portanto, está claro que os argumentos utilizados por muitos para colocar drews University Seminaries Studies, v. 22, p. 317-325, 1984.
as trombetas em um ambiente do fim dos tempos não conduz o peso necessário
para subverter a perspectiva mais ampla delineada na primeira parte deste capí-
tulo de que as trombetas cobrem toda a Era Cristã.

Conclusões
Neste breve capítulo, combinamos várias observações textuais para demon-
strar que o profeta João tinha em mente duas grandes perspectivas quando es-
creveu suas visões. Na primeira parte do livro, ele focalizou a Era Cristã como
um todo, movendo-se do seu tempo até o fim. Na segunda metade do livro, ele
216 delineou principalmente os eventos do fim. 217
Esta percepção é análoga ao modelo de outras duas grandes passagens “apoc-
alípticas” do Novo Testamento: Mateus 24 (e suas similares, Lucas 21; Marcos 13)
e 2 Tessalonicenses 2. Cada uma dessas passagens contém uma seção que focaliza
primeiro a Era Cristã como um todo (ver Mt 24:3-14 e 2Ts 2:3-7). Essas seções
são então seguidas por atenção especial ao clímax no fim (2Ts 2:8-12; Mt 24:23-51;
especialmente os versos 27 a 31).15 Assim o livro do Apocalipse, corretamente com-
preendido, está em perfeita harmonia com a teologia e as práticas literárias do Novo
Testamento, embora sua linguagem seja muito singular.
O peso da evidência produzida neste capítulo é o reconhecimento de que o con-
senso dos pioneiros adventistas do sétimo dia sobre os selos e trombetas, embora
desfigurado por algumas inexatidões históricas e percepções exegéticas limitadas,
todavia era correto em sua percepção de que os selos e as trombetas deviam, na con-
cepção inspirada de João, abranger toda a Era Cristã e não apenas o fim desta era.

15
  Deve ser notado que esta dupla perspectiva está particularmente clara em Lucas onde os
“tempos dos gentios” (Lc 21:24) formam uma ponte entre a descrição de 70 d.C. e as realidades
gerais da Era Cristã (Lc 21:7-23) e a descrição do fim dos tempos (Lc 21:25ss.).
11
Estudos selecionados em interpretação profética

Os sete selos
Jon Paulien

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Exegese geral
3. Cena introdutória do Santuário
4. Abrindo os selos
5. Tabelas de alusões

218
Sinopse Editorial. Conforme
observado no Relatório DAR-
COM (capítulo IX deste volume),
as cenas descritas na Terra na ab-
ertura sequencial dos primeiros
seis selos ocorrem ao longo da
Era Cristã. Uma cena do trono no
santuário celestial — descrição
do Apocalipse da investidura de
Jesus em Sua ascensão como um
“Príncipe e Salvador” ao lado do
Pai (Atos 5:31, KJV) — é o cenário
histórico para a recepção, por
Cristo, do livro selado. A partir
deste ponto no tempo Ele começa
a abrir os selos, um por um.
Uma chave importante para
desvendar o simbolismo do livro de
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Apocalipse são as imagens que João extrai do Antigo Testamento para descrever orientação para estudo futuro. Sendo que nenhuma interpretação dos selos tem de
o conteúdo das visões. O presente escritor provê uma ferramenta proveitosa a forma tão decisiva resolvido as questões quanto a ser auto-evidente para todos os
este respeito anexando três tabelas de alusões ao Antigo Testamento que têm pesquisadores honestos, nenhuma interpretação dos selos (inclusive esta) deve se
impacto sobre a profecia dos selos. Uma quarta tabela, comparando Apocalipse tornar um centro de controvérsia teológica.
6 com o sermão apocalíptico de Jesus nos Evangelhos, está também incluída.
Embora o livro selado nunca seja aberto no tempo da graça, sua identi- Exegese Geral
dade é importante para a interpretação desta seção da profecia geral. O pre-
sente escritor sugere que o livro deve ser compreendido como relacionado A passagem se inicia com um convite a João para “subir para aqui” através
ao próprio livro do Apocalipse. Assim, o livro que o Pai entrega ao Cordeiro de uma porta aberta no próprio Céu (4:1). Ali lhe é permitido ver o trono de
vitorioso para ser aberto e lido (5:1-7) é o mesmo que a “revelação” dada Deus circundado pela corte celestial (4:2-8). Em uma cena de inexprimível lou-
por Deus a Cristo das “coisas que em breve devem acontecer” (1:1, KJV; vor e devoção (4:8-11), “Aquele que se acha assentado no trono” é adorado por
ver 1:19). Neste caso o livro contém não somente a história e o destino do Sua santidade e Sua função na criação de todas as coisas.
mundo e da igreja, mas também o plano de Deus para livrar o Seu povo e A cena de adoração é interrompida por um momento de crise. Um livro
para resolver o conflito moral que tem rasgado a unidade de Sua Criação. de grande importância na mão do Monarca entronizado não pode ser aberto a
A linguagem dos selos contém fortes alusões às maldições ou juízos da menos que uma pessoa “digna” seja encontrada para desatar os seus sete selos
aliança que ameaçavam Israel mediante sua rejeição de Deus. Ao mesmo tempo (5:1-4). Cristo, descrito como um “cordeiro morto” e declarado digno, se apre-
as experiências que ocorrem na abertura de cada selo se assemelha de uma ma- senta e toma o livro da mão direita do que estava assentado no trono (5:5-7).
neira impressionante aos acontecimentos preditos por nosso Senhor no monte Esse ato evoca um crescendo ainda maior de louvor ao Cordeiro e ao que está
das Oliveiras (Mt 24–25; Mc 13; Lc 21) — eventos que ocorreriam antes da assentado no trono (5:8-14). É deixada a impressão de que este é, talvez, o mo-
220 queda de Jerusalém e antes da Sua volta e do fim do mundo. mento mais decisivo na história do Universo. 221
Assim, a bem-sucedida pregação do evangelho (cavalo branco) resulta não A cena se volta agora para a sucessiva abertura dos sete selos do livro pelo
somente em vitórias para o reino, mas é seguida por perseguições, divisões, e Cordeiro (6:1-17). Conquanto um livro selado não possa ser lido até que todos
por aqueles que rejeitam Sua graça, aumentando a fome e o declínio espiritual). os selos sejam abertos, a ação de abrir cada selo provoca eventos assustadores
O quinto selo registra o clamor dos mártires por justiça divina, enquanto que o na Terra. A abertura dos primeiros quatro resulta no aparecimento de cava-
sexto abandona o simbolismo, por assim dizer, e esboça em nítidas pinceladas leiros em cavalos cujas ações produzem crescente desunião e angústia sobre a
os eventos que apontam para a aproximação do grande “dia do Senhor”. Terra (6:1-8). A abertura do quinto e do sexto selos destaca o sofrimento dos
Embora a profecia dos selos inspecione brevemente os sucessos e provações mártires e os sinais cósmicos que precedem o fim (6:9-17). O capítulo conclui
da “igreja militante”, conserva presente diante do olho da fé as grandes verdades com uma solene interrogação em face do grande dia da ira de Deus e do Cord-
de que o Cordeiro de Deus, o Leão de Judá, tem prevalecido no Calvário sobre eiro: Que ser humano “pode suster-se” (6:17)?
as forças do mal e atualmente está reinando com Seu Pai. Todas as coisas estão A resposta é apresentada no capítulo 7. Quando os ventos da agitação so-
sob Seu controle. Em Suas mãos está o destino da humanidade. pram sobre a Terra, aqueles que estão selados na fronte com o selo do Deus
vivo serão abrigados (7:1-3). Esses que estão “em pé” são descritos por um par
de imagens: 144.000 compostos de 12.000 de cada uma das 12 tribos de Israel
Introdução
(7:4-8), e uma multidão inumerável de todas as tribos da Terra (7:9-17). Quer
Em anos recentes a profecia dos sete selos de Apocalipse tem estimulado cres- estas duas designações representem um grupo ou dois, elas claramente retratam
cente interesse entre os pastores e os leigos adventistas do sétimo dia. Neste capítulo a totalidade daqueles que são protegidos no grande dia da ira. Eles se unem à
examinamos os principais problemas que surgem do texto de Apocalipse 4–6. Es- corte celestial em louvor (7:9-12) e em serviço diante do trono (7:14-17).
pera-se que esta breve introdução estimule cuidadosa análise da passagem e forneça
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Selos no Contexto experiência contínua,3 mas o seu assentar no trono de Cristo é futuro (dōsō). A
título de contraste, a vitória de Cristo (enikēsa) e estar assentado (ekathisa) são
Declarações de introdução e conclusão são de grande importância específicos eventos em tempo passado.4
na compreensão de qualquer livro bíblico. É particularmente importante no O trono do Pai (4:2ss.), a vitória de Cristo (enikēsen, 5:5), e a junção de
que diz respeito ao Apocalipse. O profeta João tem uma técnica de encaixar Cristo ao Pai em Seu trono (5:6ss.) são os temas centrais de Apocalipse 4 e 5.
engenhosamente cada um dos seus resumos introdutórios na seção precedente, Somente em Apocalipse 7 é explicitamente permitido aos redimidos se unir
geralmente no ponto culminante. no regozijo e na adoração da corte celestial (7:9-12). Da mesma forma que a
Por exemplo, embora o sofrimento das almas debaixo do altar (6:9-11) forneça recompensa dos santos está relacionada com a de Cristo em Apocalipse 3:21, as-
um incisivo clímax para a guerra, fome e pestilência na sequência dos quatro cava- sim as duas cenas do trono de Apocalipse 5 e 7:9ss. estão relacionadas, embora
leiros, a resposta ao seu clamor “Até quando, ó Senhor?” aguarda as pragas das sete igualmente separadas cronologicamente.5
trombetas (ver 8:3-5, 13). Igualmente, os cinco conceitos centrais de 11:18 se tor- A cena introdutória dos selos (Ap 4–5) é, portanto, um aprimoramento da
nam o princípio ordenador dos capítulos 12 a 22.1 A mensagem do terceiro anjo última parte de 3:21 (concernente à vitória e entronização de Cristo). A cena de
(14:9-12) chega ao clímax na resposta de Deus ao ataque do dragão e seus aliados. louvor de 7:9-17 cumpre a promessa de que o vencedor se juntará a Cristo em
Ao mesmo tempo, porém, a linguagem aponta para 15:1 que introduz as taças das Seu trono. Entre as duas cenas do trono está o capítulo 6. Portanto, os selos do
pragas. Apocalipse 21:1-8 funciona como o ponto culminante da visão dos mil anos capítulo 6 correspondem à asserção de 3:21 (“ao vencedor”); eles abrangem o
e como a introdução à descrição detalhada da nova Jerusalém. tempo desde a vitória do Cordeiro à recompensa dos selados.
Passagem trampolim: Apocalipse 3:21. A chave para o significado mais Os selos do capítulo 6 tem a ver com o período contínuo em que o povo de
amplo de muitas porções do Apocalipse está, portanto, frequentemente locali- Deus está em processo de vencer. Sendo que as muitas promessas ao vencedor (2:7,
zada em uma declaração culminante precedente. Tendo isto em mente, não deve 11, 17, 26; 3:5, 12, 21) são oferecidas às sete igrejas da Ásia Menor do primeiro sécu-
222 vir como nenhuma surpresa que o melhor ponto de partida para um estudo dos lo, o período de sua vitória já havia começado nos dias de João e continuará até que 223
selos e seu contexto é Apocalipse 3:21. Embora a passagem funcione como o todo o povo de Deus tenha se juntado a Jesus em Seu trono.
ponto culminante de todas as promessas ao vencedor (Ap 2–3), sua linguagem Localização dos selos. Que evento o profeta tinha em mente para o
fornece uma visão geral resumida do conteúdo dos sete selos. ponto de partida dos selos? As expressões “eu venci”, “me sentei”, “ele venceu”
provêem marcadores que nos apontam de volta para a morte, ressurreição,
Ao vencedor,
dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono,
assim como também eu venci 3
  O particípio presente grego expressa a ação como um processo contínuo.
e me sentei com meu Pai no seu trono.2 4
  Ambos os verbos são aoristos gregos indicativos e expressam ação passada como pontos no
tempo em vez de um processo.
Neste texto Cristo promete uma recompensa ao vencedor (ho nikōn) com
5
  Note as analogias literárias entre as duas cenas:
Ap 5:12 Ap 7:12
uma participação em Seu trono. Uma analogia a esta ação (“assim como” — hōs)
Digno é o Cordeiro que foi morto de Amém. O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as
é a vitória (enikēsa) de Cristo que resultou em Sua junção ao Pai em Seu trono. receber o poder, e riqueza, e sabedo- ações de graças, e a honra, e o poder, e a for-
Do ponto de vista do profeta, a vitória do crente é descrita como uma presente ria, e força, e honra, e glória, e lou- ça sejam ao nosso Deus , pelos séculos dos
vor. séculos.
Ap 5:13 Ap 7:10
Àquele que está sentado no trono e Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao
1
  Isto é desenvolvido com mais detalhes em meu livro Decoding Revelation’s Trumpets (1988, p. ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, Cordeiro, pertence a salvação.
337-339). e a glória, e o domínio pelos séculos
2
  A menos que seja de outro modo especificada, todas as citações do texto do Novo Testamento dos séculos.
são a tradução do próprio autor.
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

e investidura de Cristo como Sumo Sacerdote no santuário celestial.6 A na- estreitamente relacionados com 21:3, 4).10 Construindo sobre a obra de Stand, com-
tureza desta vitória centralizada na cruz é confirmada pelo “novo cântico” parei cuidadosamente a linguagem dos capítulos 4–7 com a do capítulo 19.11 Ali
dos quatro seres viventes e dos 24 anciãos (5:9, 10): parece estar quatro principais grupos de palavras e ideias paralelas.
Cenas de adoração. O primeiro grupo envolve as cenas de adoração. A
Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, única passagem que combina os quatro seres viventes, os 24 anciãos, o trono de
porque foste morto Deus, e cenas de louvor e adoração são encontradas em Apocalipse 4, 5, 7 e 19.12
e com o teu sangue compraste para Deus Outros elementos comuns destes capítulos incluem as palavras escolhidas para
os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação louvar a Deus13 e as vestimentas que se usavam.14
e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; Nos capítulos 4 e 5, Deus e o Cordeiro são louvados por sua atividade na
e reinarão sobre a terra. Criação e na cruz (4:11; 5:9, 12). Mas nos capítulos 7 e 19 eles são louvados por
redimir a grande multidão no final de sua tribulação (7:9-14) e por destruir a
Neste cântico o tempo grego dos verbos7 remete ao evento Cristo e suas grande Babilônia do fim dos tempos (19:1-8). Isto confirma o ponto de vista de
consequências. É o Cordeiro morto que, por meio do Seu sangue, compra a hu- que a cena de Apocalipse 4–5 pertence principalmente ao início da Era Cristã,
manidade e lhe oferece nEle uma nova condição. É a cruz que tem feito Cristo mas aquelas de Apocalipse 7 e 19 focalizam o final desta era.
“digno” (5:2; cf. 5:9) de assumir Sua obra para nossa salvação no santuário celes- Cenas dos cavalos. O segundo grupo principal liga as atividades dos
tial. É a morte de Cristo que provê a base para a vitória do crente (12:11). quatro cavaleiros (6:1-8), principalmente o primeiro, ao cavalo e o cavaleiro
Sendo que os eventos de Apocalipse 7 caem no final da história terrestre,8 en- de 19:11-15. Os elementos comuns incluem o cavalo branco, a coroa e a
quanto que a ênfase da cena do trono em Apocalipse 5 está sobre a morte de Cristo, espada.15 A analogia mais impressionante é a do cavalo branco, um símbolo
é evidente que Apocalipse 6 é uma descrição visionária dos eventos sobre a Terra que não aparece em nenhuma outra parte do Apocalipse. A imagem em
224 entre a cruz e a Segunda Vinda. Há um foco especial sobre o evangelho de Jesus ambos os casos tem a ver com conquista. 225
Cristo e sobre as pessoas que aceitam e proclamam esse evangelho. Em 6:2, porém, a palavra grega para “coroa” (stephanos) implica uma rec-
ompensa pela vitória. Mas a palavra grega em 19:12 (diadēmata) indica uma
Paralelos Estruturais coroa real, implicando o direito de reinar.16
É essencial que o intérprete do Apocalipse seja sensível às outras Em seu contexto (veja abaixo) 6:2 destaca a vitória sobre a cruz e suas
partes do livro que podem se relacionar com a passagem em estudo. No consequências, ao passo que 19:11-15 realça a subjugação final do mal na
livro do Apocalipse a chave para o significado de uma passagem pode segunda vinda de Cristo, quando Cristo literalmente assume o Seu reino.
estar na extremidade oposta da profecia.
Kenneth Strand tem concluído que os primeiros 14 capítulos do livro funcion-
am como um paralelo quiástico aos últimos oito capítulos.9 A escolha da linguagem 10
  Veja o gráfico mais detalhado de Strand (1972, p. 46). Há outros pontos de ligação com os selos em
por João sugere-lhe que Apocalipse 4–7 está disposto em posição paralela princi- Apocalipse, principalmente no cap. 14, mas estes são muito menos explícitos do que aqueles do cap. 19.
11
  Embora vários escritores adventistas tenham procurado encontrar analogias aos caps. 18, 20
palmente pelo material de Apocalipse 19 (embora elementos de 7:15-17 estejam e 21, estes têm tendido focalizar as analogias temáticas que não chegam a ser demonstrações
convincentes da intenção de João. Apocalipse 6 e 19 contêm uma multidão de analogias verbais e
temáticas sobre as quais construir nossa investigação.
12
  Ap 4:6-11; 5:8-14; 7:9-14; e 19:4.
6
  Os verbos gregos (enikōsa, ekathisa, “eu venci . . . me sentei”, 3:21; enikēsen, “ele venceu”, 5:5) 13
  Ver a linguagem de Ap 4:8, 11; 5:12, 13; 7:10, 12; 19:1, 6, 7.
são aoristos indicativos, indicando eventos específicos no tempo passado. 14
  Palavras diferentes são usadas para descrever vestimentas essencialmente semelhantes em
7
  ”Foste morto” (esphagēs), “compraste” (ēgorasas), “fizeste” (epoiēsas). 4:4; 6:11; 7:9, 13; 19:8, 14.
8
  Eles estão no contexto do grande dia do Senhor (Ap 6:12-17) e do selamento (Ap 7:1-3). 15
  A palavra usada em 19:15, 21 para “espada” é hromphaia, e somente em 6:8, mas não
9
  Para um diagrama de como isto funciona para todo o livro veja Kenneth A. Strand (1972, p. em 6:4 (machaira).
52). Para uma compactação mais limitada da análise de Strand, veja os caps. 1–3 deste volume. 16
  O termo é plural (muitas coroas).
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Esta analogia sinaliza a mudança de estabelecer o direito de Cristo de reinar Centralizada no Trono
nos lugares celestiais (caps. 4–5) para demonstrar esse direito de reinar so- A palavra “trono” (thronos) representando o direito de reinar, é indubitavel-
bre a Terra em Seu retorno (19:11-15). mente a palavra-chave de Apocalipse 4. Aparece 14 vezes. Ainda fundamental
O cavalo branco do capítulo 6 simboliza a vitória de Cristo na propa- para a atividade da cena, aparece cinco vezes no próximo capítulo. Quase desa-
gação do Seu reino invisível através da pregação do evangelho. O cavalo parece de vista no capítulo 6 (uma vez), mas retorna em 7:9-17 com uma ênfase
ou cavalos brancos do capítulo 19 simboliza a subjugação total do mal por comparável à sua posição no capítulo 4 (sete vezes em apenas nove versos).
Cristo em Sua segunda vinda. Assim, o capítulo 4 arma o cenário para a atividade celestial do capítulo 5,
Juízo. O terceiro grupo de analogias liga o quinto selo (6:9-11) a Apocalipse enquanto 7:9-17 é uma extensão dos capítulos 4 e 5 em seu foco renovado sobre
19:1, 2. O primeiro é um chamado ao juízo (krineis) e vingança (ekdikeis) sobre o trono. O trono quase desaparece de vista no capítulo 6 porque este capítulo
aqueles que habitam na Terra. O último proclama que o juízo (kriseis, ekrinen) e a está preocupado com os eventos na Terra.18
vingança (exedikēsen) têm sido executados sobre Babilônia, o equivalente do fim O trono, portanto, é claramente fundamental para a descrição visionária
dos tempos daqueles que atormentaram os mártires ao longo da Era Cristã. (Ap 4–5) (SCHMITZ, 1964, p. 165). É a primeira coisa que João vê no Céu;
A hora do juízo e vingança mencionada em Apocalipse 19 não se refere dire- depois disto, toda atividade é orientada para ele.19 Embora a palavra “trono”
tamente a nada nos selos, mas resume o conteúdo explícito de Apocalipse 18, que normalmente esteja ligada a Deus no livro de Apocalipse, também pode
por sua vez edifica sobre Apocalipse 17 e 14:8-11. Assim, o surgimento da Babilônia estar associada a Satanás e seus aliados.20 Assim, a centralidade do trono
do fim dos tempos e o seu juízo e destruição caem entre o tempo do quinto selo e a nesta porção do Apocalipse realça a preocupação com o conflito entre Cris-
proclamação de Apocalipse 19:2. Dos quatro principais grupos de analogias entre to e Satanás sobre o domínio do Universo (FORD, 1975, p. 76).
os selos e Apocalipse 19, o terceiro é o mais direto e abrangente, com sete analogias Os versos iniciais de Apocalipse 5 retratam um ponto de crise no desenvolvi-
verbais entre 19:2 sozinho e 6:10-11 (dez se 19:1 está incluído).17 mento dessa controvérsia. O restante do capítulo afirma que a morte de Cristo tem
226 Dia da ira. Finalmente, o quarto grupo envolve um paralelo ou analogia garantido o resultado dessa controvérsia, e que o Cristo exaltado agora compartilha 227
entre aqueles que são aterrorizados no dia da ira (6:15-17) e aqueles que são o trono de Deus (SCHMITZ, 1964, p. 166-167; ver Ap 3:31; 5:6-14; 7:15, 17; 22:1, 3).
consumidos no banquete de Deus do fim dos tempos (19:17-18). Sendo que
estes dois acontecimentos parecem ser o mesmo, pode ser seguro concluir que Som de Cântico
o sexto selo culmina com a pavorosa destruição descrita em 19:17-21. Há deliberada progressão de pensamento nos cinco hinos desta cena introdu-
O exame acima apóia a observação geral (Strand) de que a profecia dos se- tória. Dois hinos são dirigidos ao Pai (4:8, 11). Os dois seguintes são dirigidos ao
los cobre a vasta extensão da história cristã, ao passo que o material do capítulo Cordeiro (5:9-10, 11-12). O quinto e final hino é dirigido ao Pai e ao Cordeiro (5:13).
19 focaliza os acontecimentos finais que precedem a consumação dessa história. Que a igualdade de louvor é o realce explícito deste pano de fundo é
Isto não exclui o fato óbvio de que os elementos desta sequência histórica po- evidente do sempre crescente volume dos participantes. O hino de 4:8 é
dem em sua ordem focalizar o fim como parte dessa extensão histórica. A evi-
dência sugere que o quinto e o sexto selos definitivamente “inclinam-se para o
fim” e apontam para o mesmo clímax mencionado em Apocalipse 19. Por outro 18
  Um forte vínculo literário, contudo, liga o cap. 6 aos caps. 4 e 5 em que tudo o que ocorre
lado, os quatro cavaleiros (6:1-8) tomam seu exemplo da cruz e suas consequên- no cap. 6 está ligado à abertura do livro selado pelo Cordeiro e freqüentes referências são
cias, com ênfase na primeira parte da Era Cristã. feitas aos quatro seres viventes.
19
  A atividade ocorre “no trono” (epi ton thronon — 4:2, 4, 9, 10), “ao redor [kuklothen e
kuklō] do trono” (4:3, 4, 6), “do [ek] trono” (4:5), “diante do [enōpion] trono” (4:5, 6, 10), e
Cena Introdutória do Santuário “no meio [en mesō] trono” (4:6).
20
  Ap 2:13; 13:2; 16:10. A palavra é também aplicada aos 24 anciãos (4:4 [duas vezes] e 11:16)
e aos mártires (20:4). Embora o grego de 20:4 seja difícil, os tronos parecem estar ali para o uso
  Sendo que 19:1 tem nove analogias verbais de si próprio com 7:9-12, a relevância de 19:1-2
17
dos mártires em uma obra de juízo (krima). Tal tarefa de julgamento não é dada aos anciãos nos
para os selos é certamente indiscutível. capítulos 4 e 5; eles se empenham, contudo, em algum tipo de tarefa intercessória (5:8).
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

cantado somente pelos quatro seres viventes. O hino de 4:11 é cantado pe- nos lembra os querubins associados com a arca da aliança (Êx 25:18-20; 1Rs
los 24 anciãos. O hino de 5:9-10 é cantado pelos seres viventes e os anciãos. 6:23-28). Os querubins eram, porém, visíveis também no lugar santo (Êx
Com o hino de 5:11-12, dezenas de milhões de anjos unem-se ao coro celes- 26:1, 31-35). A tradição judaica também associa o leão, novilho, homem e
tial. O hino quinto e final (5:13) é cantado por toda a Criação. Esta sempre águia às quatro bandeiras ou estandartes em torno dos quais Moisés organ-
crescente participação indica que a maior alegria do Céu é exaltar a Jesus izou o acampamento israelita no deserto (ver Nm 2).
Cristo da mesma forma que Seu Pai é exaltado (cf. Jo 5:23). No capítulo 5 muitas destas imagens são repetidas, com algumas adições.
A super-abrangente linguagem de 5:13 sugere que esse hino final é profético O Cordeiro morto (5:6), recordativo de Isaías 53:7, nos lembra os sacrifícios da
(descrito antecipadamente): todo o Universo em louvor a Deus (ver Fp 2:9-11) manhã e da tarde (Êx 29:38-42) ou o Sacrifício da Páscoa (1Co 5:7). O sangue
(FORD, 1975, p. 95). Portanto, embora a cena do capítulo 5 destaque a entroni- do Cordeiro (5:9) provê os meios para comprar as pessoas da Terra para Deus.
zação de Cristo no início da era, também aponta para o universal regozijo no final. Elas, por sua vez, servem a Deus em analogia aos sacerdotes do santuário do
Antigo Testamento (5:10). Os 24 anciãos seguram taças de ouro de incenso que
Cena do Santuário são interpretadas como as orações dos santos (5:8). O incenso e as orações dos
Nem um só elemento de Apocalipse 4 é extraído explicitamente do santuário santos estão associados aos contínuos sacrifícios matutinos e vespertinos do
do Antigo Testamento; todavia, o efeito cumulativo de alusões reflete uma forte santuário (ver Sl 141:2; Êx 29:38-43; 30:7-8; Lc 1:9-10). Nenhuma passagem do
reminiscência daquele santuário e seus rituais. Enumeramos a evidência. Apocalipse contém uma quantidade maior ou uma variedade mais ampla de
A palavra para “porta” (thura, 4:1) aparece mais de 200 vezes no grego do An- alusões ao santuário do que esta cena introdutória do santuário.
tigo Testamento (LXX), dezenas das quais se relacionam diretamente ao santuário.21 Havia apenas duas ocasiões no ritual hebraico em que todo o santuário es-
Trombetas (4:1) eram usadas no culto bem como na batalha (Nm 10:8-10). É pos- tava envolvido: o Dia da Expiação e o serviço de inauguração (cf. Êx 40). Visto
sível que o trono (4:2) visava lembrar a arca da aliança (ver 11:19; Sl 99:1), mas isto que Apocalipse 4–5 apresenta tão forte cena do santuário, a qual desses ritos
228 não pode ser assumido. Poderia corresponder à mesa dos pães da proposição do deve estar ligado? Sendo que 3:21 associa esta cena com a cruz e a entronização 229
lugar santo (MAXWELL, 1985, p. 163-167),22 sendo que a mesa é o único artigo do de Cristo, sendo que a linguagem de “templo” (naos) e “juízo” (cf. 11:18-19) está
mobiliário do santuário não mencionado explicitamente em Apocalipse. ausente, e sendo que a estrutura implícita de Apocalipse coloca o Dia da Expi-
As três pedras preciosas (4:3) são também encontradas no peitoral do ação na última metade do livro,25 a melhor identificação para a cena introdu-
sumo sacerdote (Êx 28:17-21).23 Os 24 anciãos nos lembram os 24 turnos tória do santuário nos capítulos 4–5 é o serviço de inauguração.
de sacerdotes no Templo (1Cr 24:4-19). As sete lâmpadas (lampades, 4:5) Assim, concluímos que a cena é mais bem compreendida como uma de-
podem lembrar o candelabro do lugar santo, embora uma palavra grega scrição da inauguração de todo o santuário celestial em 31 A.D. Em 8:3-5 o
diferente seja usada.24 O mar de vidro (4:6) faz uso da palavra grega (tha- autor focaliza mais especificamente o serviço diário associado ao primeiro
lassa) aplicada ao “mar de fundição” do Templo de Salomão (1Rs 7:23-24). compartimento do santuário. Posteriormente, em 11:19 a arca do Segundo
A proximidade dos quatro seres viventes (4:6-8) do trono em Ezequiel 1 e 10 Compartimento é claramente trazida à vista.

Alusões ao Antigo Testamento


21
Ver Êx 29:4, 10-11; Lv 1:3, 5; 1Rs 6:31-32, 34. Como mostra uma leitura das passagens registradas, a Em um apêndice a este capítulo há uma série de tabelas. Incluídas na
palavra em si não dá nenhuma informação sobre que porta do santuário poderia estar à vista. tabela 1 estão passagens do Antigo Testamento que João provavelmente
22
Maxwell designa o trono de 4:2, “o trono-mesa”. tinha em mente ao descrever a cena de Apocalipse 4. Um exame da tab-
23
  A ligação com o peitoral do sumo sacerdote é realçada pelo fato de que o sárdio era a primeira
ela 1 indica repetidas analogias às três grandes visões do trono do Antigo
pedra registrada no hebraico de Êx 28 e o jaspe a última. Assim todas as tribos estão representa-
das nas pedras dos mais velhos e os mais jovens filhos de Jacó (Ford, 71, 85). No grego (LXX) de Testamento: Isaías 6; Ezequiel 1–10; e Daniel 7:9-14. De fato, somente dois
Êx 28:21, o peitoral é dito estar “selado” (sphragidōn) com os nomes das 12 tribos.
24
  A palavra grega do Antigo Testamento para o candelabro é luchnia, a palavra usada em
Ap 1:12, 13, 20.   Veja o precedente cap. 10, “Selos e Trombetas: Algumas Discussões Atuais”.
25
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importantes elementos da cena do Apocalipse não são encontrados nelas, a abertos antes que o Filho do homem apareça em cena; em Apocalipse o livro
saber, os 24 anciãos e o hino da criação (4:4, 11). As três visões do Antigo (singular) nunca é aberto na visão.
Testamento são aproximadamente iguais em sua importância a Apocalipse 4, Embora João esteja familiarizado com o termo de Daniel “Filho do
com Ezequiel 1 mantendo uma pequena margem em influência. homem” para Cristo (Ap 1:13), ele deliberadamente evita usá-lo aqui. An-
Há também uma relação com as duas passagens anteriores do Antigo Testamen- tes, ele prefere usar os títulos Cordeiro, Leão de Judá e Raiz de Davi em vez
to direcionadas para o trono; a visão de Micaías (1Rs 22:19; 2Cr 18:18) e a aparição disto. Em realidade, a despeito de algumas semelhanças gerais, menos de
de Deus no Sinai (Êx 19:16-24). Além disso, vários elementos presentes nesta cena um quarto de Apocalipse 5 é extraído de Daniel 7.
não são encontrados em nenhuma das “visões do trono” do Antigo Testamento.26 O mais impressionante de tudo, porém, é o fato de que João intencionalmente
Portanto, embora Ezequiel e Daniel sejam de maior significado para Apocalipse 4, evita a linguagem do juízo nesta cena do trono. Na língua grega juízo é geralmente
apenas cerca de um terço do material do capítulo os reflete. Apocalipse 4 é paralelo expresso pelos substantivos krisis e krina, e o verbo krinō30 Como as referências
a uma ampla variedade de fontes em sua descrição da corte celestial.27 indicam, João está muito familiarizado com a linguagem do juízo mas deliberada-
O capítulo 5 edifica sobre a cena do capítulo 4. Portanto, muitas das pas- mente evita usá-la na primeira metade do livro de Apocalipse. A aparente exceção
sagens-chave do Antigo Testamento sobre o trono contribuem com pouco ou (6:10) não é uma descrição do juízo, mas um pedido para que esse juízo se inicie.
nada de novo para a cena.28 Daniel 7, porém, fornece o mais importante parale- Em contraste com o resto do novo testamento, onde a linguagem do
lo estrutural. Por exemplo, Daniel 7 descreve Deus sobre o trono, livros abertos julgamento é, por vezes, aplicada à cruz (cf. Jo 12:31; Rom 8:3) e à pre-
para o juízo, a vinda do “filho do homem”, a concessão de domínio sobre a Terra, gação do evangelho,31 a linguagem do julgamento no apocalipse se atem a
a presença dos santos, bem como múltiplas miríades do exército celestial. descrições dos eventos finais (Ap 12-20)
Apocalipse 5:9-14 parece estar estruturado em importantes movimentos Portanto, devemos resistir à tentação de presumir que sendo que Daniel 7 e
de Daniel 7:13-27. Primeiro, o Filho do homem recebe domínio (Dn 7:13- Ezequiel 1–10 envolvem juízos investigativos, Apocalipse 4–5 deve igualmente ser
230 14; cf. Ap 5:6-9). Então povos, nações, e homens de todas as línguas são uma cena de juízo investigativo. João, de fato, geralmente evita aquelas partes de 231
mencionados (Dn 7:14; cf. Ap 5:9). Então os povos recebem domínio (Dn Daniel e Ezequiel que envolvem juízo. Antes, ele se concentra naquelas partes que
7:18, 22, 27a; cf. Ap 5:10); e finalmente, o controle sobre todas as coisas é oferecem linguagem familiar com que descrever a sala do trono celestial.
devolvido a Deus (Dn 7:27b; cf. Ap 5:13-14). Por exemplo, a cena do trono de Ezequiel (Ez 1, 10) é repetidamente con-
Há, porém, diferenças significativas entre Daniel 7 e Apocalipse 5. Mui- frontada em Apocalipse 4. Mas porções do juízo, como Ezequiel 9 (sinal na tes-
tos elementos intervenientes de Daniel são excluídos e muitos outros el- ta), entram em ação não na cena introdutória, mas em 7:1-8, um claro cenário
ementos são adicionados em Apocalipse.29 Em Daniel os livros (plural) são do fim dos tempos. É dada aos 24 anciãos uma tarefa intercessória (5:8), mas
não uma julgadora (como os mártires de 20:4). A crise do capítulo 5 é resolvida
não por juízo, mas pela morte do Cordeiro.
26
  Estes incluem “que deve acontecer depois destas cousas”; as três pedras do verso 3; os 24 Falar deste modo não é negar que a própria cruz foi um ato de juízo (Jo 12:31-
anciãos; os sete candeeiros; a frase “Senhor Deus, o Todo-poderoso” (usada no grego do Antigo
Testamento para o hebraico “Senhor, Deus dos Exércitos”); a frase “o que vive pelos séculos dos
32; Rm 8:3). Se João tivesse desejado enfatizar os aspectos de juízo da cruz, lhe teria
séculos”; e a proclamação de Deus como o Criador de todas as coisas. sido fácil fazer isto. Mas João deliberadamente evita usar este tipo de linguagem.32
27
  É também possível que João estava ciente de 1 Enoque 14:8-25, uma passagem cerca de 200
anos mais antiga do que Apocalipse que também é recordativo de Ezequiel e Daniel. Para o texto
de 1 Enoque em inglês veja James Charlesworth (1983-1985, p. 13-89). respondem a outros cenários do Antigo Testamento. Um conceito-chave “digno” não pode ser
28
  Veja tabela 2 para uma lista de alusões diretas ao Antigo Testamento em Ap 5. Uma possível baseado de modo algum no Antigo Testamento.
contribuição de Ez 1–10 é o livro escrito por dentro e por fora, que pode ser encontrado em Ez 30
  Krisis, Ap 14:7; 16:7; 18:10; 19:2; krima, Ap 17:1; 18:20; 20:4; crinō, Ap 6:10; 11:18; 16:5; 18:8,
2:9-10. Êxodo 19 contribui com o conceito do povo de Deus como um reino de sacerdotes (Ap 20; 19:2, 11; 20:12-13.
5:10). Isaías 6 e 1Rs 22 não têm absolutamente nenhuma contribuição adicional. 31
  Ver João 3:18-21; 5:22-25; 9:35-41.
29
  Elementos significativos do cap. 5 tais como o Leão de Judá, a Raiz de Davi, o Cordeiro morto, 32
  Há realmente poucas passagens do Antigo Testamento que não estão associadas a juízo em
os sete olhos, o incenso que sobe, o novo cântico e o Universo de três camadas (Ap 5:13) cor- algum sentido. João, embora se inspirando em algumas destas, tem saído do seu caminho para
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Portanto, por mais significativos que sejam para esta cena os paralelos estruturais recebe somente aquelas apropriadas à sua condição. Desta forma, a cena introdu-
a Daniel e Ezequiel, eles não exigem de nós que sugira que qualquer porção dos tória permanece no fundo da consciência do leitor ao longo das cartas às igrejas.
eventos celestiais de Apocalipse 4–5 retrata o juízo pré-advento, do tempo do fim. Muitas características do Apocalipse lembram os dramas do antigo mundo
Esta pesquisa dos antecedentes do Antigo Testamento para a primeira cena greco-romano (BOWMAN, [s. d.], v. 4, p. 58-71). As cenas do santuário no início
introdutória do santuário no livro demonstra a extensão em que o Apocalipse da maioria das seções do Apocalipse funcionam como as configurações do palco
extrai dos elementos de sua base literária. Também demonstra como o Espírito para os respectivos atos do drama (BOWMAN, [s. d.], v. 4, p. 63-64; Ap 1:9-20; 4:5;
Santo adapta esses elementos de maneiras criativas, resultando em um produ- 8:2-6; 11:19; 15:1-8). Cada um, portanto, é destinado a estar constantemente em
to novo e original. O intérprete deve, portanto, evitar uma busca aleatória de vista durante a seção que ele introduz. As cenas fornecem o sustento teológico
fontes de fundo para símbolos que podem estar conectados à vontade. para tudo o que segue nesta seção do livro. Não devem ser compreendidas como
Os símbolos por sua variada natureza são flexíveis em significado. Seu significa- prontas antes de se iniciar o bloco de material seguinte.
do específico deve ser determinado pelo contexto imediato, e não necessariamente Um padrão literário similar pode ser encontrado na seção dos selos do livro
pelo seu uso em um contexto anterior. Onde o ponto do autor não está claro a partir (4:1–8:1). A cena introdutória (Ap 4–5) é repetidamente lembrada no capítulo 6
do contexto imediato, o intérprete pode procurar pistas nos temas e contexto de através da abertura dos selos (6:1, 3, 5, 7, 9, 12) e menção dos seres viventes (6:1-
passagens de fundo; mas nunca se deve permitir a tais “pistas” desfazer o significado 8). Os acontecimentos do capítulo 6 resultam dos sucessivos atos de abertura
de textos que são razoavelmente claros por si mesmos. dos selos. Sendo que o cântico de 5:13 só pode ser realmente cumprido na Nova
Terra (Ap 21–22), a cena introdutória é contemporânea a todo o período de
Série Igreja Define os Rumos tempo coberto pelos selos (6:1–8:1).
Antes do início de uma análise mais detalhada da visão introdutória aos O foco central de Apocalipse 5 é a cruz de Cristo (5:1, 6, 9, 12; cf. 3:21). A
selos pode ser proveitoso considerar o papel e função das cenas introdutórias vitória de Cristo na cruz forneça a base teológica para os eventos do capítulo 6,
232 no Apocalipse. O melhor ponto de partida para tal análise é a introdução às sete que se relaciona com o povo de Deus ao procurarem vencer por Seu sangue (cf. 233
igrejas (1:9-20). Ela define o padrão, em linguagem relativamente clara, para o 12:11). Assim, os selos se estendem da cruz e entronização de Cristo até o fim
que João irá fazer de maneira mais enigmática do capítulo 4 em diante. do grande conflito entre Cristo e Satanás quando todo o Universo estará cheio
A cena introdutória às sete igrejas fornece a base teológica para as car- de completa harmonia de louvor a Deus (5:13; cf. 7:9-17).
tas às sete igrejas (Ap 2–3). Jesus vem para confortar João com uma rev-
elação de Si mesmo (1:17-18). O que Ele tem feito por João fará por todas O Deus Criador
as igrejas que João representa (1:19-20).33
Cristo se apresenta a cada igreja em termos das características registradas no
primeiro capítulo.34 A nenhuma igreja é oferecida todas as Suas características; ela Depois destas cousas, olhei, e eis não somente uma porta aberta no céu,
como também a primeira voz que ouvi,
como de trombeta ao falar comigo,
ajudar o leitor a evitar tirar conclusões erradas dessa linguagem. dizendo: Sobe para aqui, e te mostrarei
33
  Note o significado do “portanto” (oun) no v. 19 no texto grego, ligando o ministério de Jesus o que deve acontecer depois destas cousas.
ao ministério de João às sete igrejas através do livro que João escreverá para Ele. Ap 4:1
34
  Por favor note o seguinte:
Éfeso 2:1 cf. 1:13, 16
Esmirna 2:8 cf. 1:17, 18 Cena do Santuário Celestial. A profecia dos selos se inicia com uma cena
Pérgamo 2:12 cf. 1:16
Tiatira 2:18 cf. 1:14-15 introdutória em que João ascende ao santuário celestial. A porta aberta (thura
Sardes 3:1 cf. 1:4, 16 ēneōgmenē) é recordativo da porta aberta (thuran ēneōgmenēn) de acesso a Cristo
Filadélfia 3:7 cf. 1:18
Laodiceia 3:14 cf. 1:5
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que fortalece a igreja de Filadélfia em sua fraqueza (3:8) (COLLINS, 1979, p. 27, 34). e relâmpagos, sete lâmpadas, um mar de vidro semelhante ao cristal, e 24
A voz como de trombeta lembra a aparição anterior de Jesus a João (1:10). anciãos que se assentam em tronos ao redor do trono vestidos de branco e
A frase “o que deve acontecer depois destas cousas”35 deliberadamente lem- usando coroas (stephanoi) de ouro em suas cabeças.
bra o propósito de Apocalipse (1:1, 19).36 Jesus declara que as “as cousas que Quem são esses 24 anciãos? Eles são mencionados 12 vezes em Apocalipse.41
são, e as que hão de acontecer depois destas” são a substância do livro de Apoc- O fato de que o numeral 24 é a soma de duas séries de 12 pode sugerir um elo
alipse (1:19). Apocalipse 1:1 indica que a ênfase está sobre a última. com as 12 portas da Nova Jerusalém que têm os nomes das doze tribos de Is-
A ausência das “cousas que são” em 4:1 nos diz duas coisas: (1) as cartas às rael e 12 fundamentos que têm os nomes dos 12 apóstolos do Cordeiro.42 Uma
igrejas focalizam principalmente a situação original do tempo de João em vez da ligação com os 144.000 (12 vezes 12) pode ser também indicada.
história posterior,37 e (2) com o capítulo 4 estamos caminhando para a principal Os 24 anciãos evidentemente representam a humanidade exaltada e red-
ênfase do livro — os eventos que devem ocorrer depois do tempo da visão.38 Vistos imida. Os crentes vencedores partilham o trono de Deus, não anjos (3:21). As
nesta luz, a conexão literária entre a “porta aberta” de 3:8 e 4:1 não pressupõe um vestes brancas são normalmente usadas pelos santos em Apocalipse.43 E as
cenário do fim dos tempos para a cena do trono de Apocalipse 4–5. coroas de ouro não são coroas reais (diadēmata, cf. 19:11) mas coroas de vitória
A porta aberta, através da qual João ascende às cortes celestiais, o habilita a (stephanoi), particularmente apropriadas para os redimidos e Cristo.44
“ver” a “revelação de Jesus Cristo” que resultará na produção do seu livro. Não é, Esta evidência de sua humanidade é ainda apoiada pela evidência de fundo.
portanto, deformar o texto sugerir que o capítulo 4 provê uma introdução não Anjos nunca se assentam em tronos em lugar algum na Bíblia ou na primitiva
somente para os selos mas para o restante do livro de Apocalipse. literatura judaica (FEUILLET, 1958, p. 7). Os cristãos, por outro lado, que têm
“Em espírito” (4:2) parece ser a maneira de João de introduzir uma sequência funções reais45 podem ser assim descritos.46 A palavra para “coroas de vitória”
visionária (cf. 1:10; 17:3; 21:10). O tempo do verbo grego traduzido na NASB, (stephanoi) é usada para a coroa de espinhos de Cristo47 e para a dos crentes e
“estava em pé” (ekeito),39 atesta que o profeta não compreende o trono como
234 estando recentemente posto ou armado, mas antes ter estado continuamente 235
naquele lugar até aquela ocasião. Isto está em contraste com Daniel 7:9 onde 41
  Ap 4:4, 10; 5:5, 6, 8, 11, 14; 7:11, 13; 11:16; 14:3; 19:4.
tronos são “postos” ou “levantados”,40 um claro sinal de que João não percebe 42
  É interessante notar que os muros e fundamentos são mencionados duas vezes, e cada vez
esta cena como sendo uma duplicata daquela encontrada em Daniel. em relação um ao outro (21:12-14, 19-21). Isto evidentemente tem em vista chamar a atenção do
A visão do santuário celestial apresenta uma série de imagens que desta- leitor para a relação entre as duas séries de 12.
43
  Ap 3:4, 5, 18; 6:11; 7:9, 13, 14. Nisto, é claro, eles seguem o modelo de Cristo (Ap 1:14). Uma
cam a glória da cena (Ap 4:3-6a). Há pedras preciosas, um arco-íris, trovões
possível exceção é Ap 19:14, onde aqueles que acompanham a Cristo em Sua Parousia estão vesti-
dos de branco. A palavra grega para “branco” não é usada em Ap 19:8, embora este texto indubi-
tavelmente apóie as referências anteriores aos crentes em vestiduras brancas.
35
  Uma importante analogia verbal a Dn 2:28, 29, 45, em dois diferentes Antigos Testamentos 44
  Ap 2:10; 3:11; 12:1; 14:14. E também para Sua falsificação ver Ap 9:7. Pode ser de especial
gregos, a Septuaginta (LXX) e Teodocião. interesse para os leitores adventistas do sétimo dia de que haja várias conexões literárias con-
36
  Em Ap 1:1 a frase “coisas que devem acontecer” (ha dei genesthai) é seguida não pelo “depois trastantes entre os 24 anciãos e a carta aos laodiceanos. Os anciãos estão em uma relação de
disto” (meta tauta) mas por “brevemente” ou “logo” (em tachei). Em Ap 1:19 “deve” (dei) é sub- adoração com Jesus nos lugares celestiais, os terrestres laodiceanos são repulsivos para Jesus. Os
stituído por “prestes a” (mellei): “coisas que estão prestes a acontecer depois disto.” anciãos usam vestes brancas, os laodiceanos estão nus e são convidados a comprar tais vestes. Os
37
  Que as cartas às igrejas tenham um intento primário na situação original de modo algum exclui anciãos usam ouro, os laodiceanos têm falta dele. Os anciãos se uniram a Deus em Seu trono, tal
a validade de seu simbolismo profético de certos aspectos da história da igreja ao longo da Era Cristã. condição é prometida aos laodiceanos se vencerem. Os anciãos estão totalmente focalizados em
38
  A futura orientação de Ap 4 e capítulos subsequentes não exclui retrospectos aos eventos Deus, os laodiceanos estão satisfeitos consigo mesmos. Os anciãos estão dentro de uma porta
do passado (como o nascimento de Cristo, 12:1-5) ou a descrições dos terrenos sobre os aberta com Jesus, os laodiceanos estão dentro de uma porta fechada, estando Jesus em pé lá
quais Cristo agirá no futuro (como a descrição de Ap 5). fora. O impacto literário desta comparação expressava um chamado aos laodiceanos a ultra-
39
  Um imperfeito indicativo grego de keimai (encostar-se, reclinar). O tempo expressa ação con- passar a porta aberta para os lugares celestiais em Cristo Jesus.
tínua, como o tempo presente, mas no tempo passado. 45
  1Pe 2:9-10; Ap 1:6; 5:9-10.
40
  O Antigo Testamento Grego não usa ekeito em Dn 7:9, mas emprega a forma aoristo de tithēmi 46
  Mt 19:28; Lc 22:30; Ap 20:4.
(montar, levantar, instalar, estabelecer ou colocar), implicando o ato de colocar os tronos na posição. 47
  Mt 27:29; Mc 15:17; Jo 19:2, 5.
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sua recompensa.48 Anjos jamais as usam (FEUILLET, 1958,p. 7). Nem os anjos Os anciãos atribuem dignidade suprema a Deus baseados em que, como Cria-
são chamados anciãos, embora esta seja uma designação comum para os di- dor, Ele é a fonte para a existência de toda a criação (COLLINS, 1979, p. 37). Assim
rigentes tanto da sinagoga quanto da igreja (FEUILLET, 1958, 9-14). o capítulo 4 é levado ao seu glorioso clímax sem nenhum indício da crise a seguir.
Os 24 anciãos, portanto, parecem ser seres humanos exaltados ao Céu antes
da consumação de todas as coisas. Eles devem provavelmente ser identificados Crise e Resolução
com os indivíduos ressuscitados na ressurreição de Cristo.49 Eles simbolizam o Apocalipse 5 move-se da descrição geral da sala do trono e suas ativi-
que todos os crentes podem se tornar em Cristo.50 dades para um ponto específico no tempo quando se desenvolve uma crise.
Seres viventes. O pleno significado dos quatro seres viventes (4:6b-8) tor- A crise é um evento único, decisivo. Mas é vencida pela morte do Leão/
na-se evidente apenas quando eles são vistos à luz da formação literária de João, Cordeiro, resultando em universal regozijo.
um assunto que não pode ser explorado aqui por falta de espaço. Como criatu- Embora o trono esteja presente, ele é mencionado menos frequente-
ras do trono celestial, eles introduzem o primeiro hino cantado na sala do trono, mente do que no capítulo 4.51 Agora o enfoque literário é sobre um livro
o tríplice “santo” (4:8). Esse hino é fortemente recordativo de 1:4, 8. (biblion), seus selos (sphragidas), o Cordeiro (arnion) e o assunto de quem é
“Sempre que” (hotan) os quatro seres viventes louvam ao Pai que se encontra digno (axios) de tomar o livro e abrir-lhe os selos.
sentado no trono, os 24 anciãos prostram-se em adoração, lançam suas coroas O livro com sete selos. Um grande problema para a interpretação desta seção
diante do trono, e cantam um cântico próprio (4:9-11). A expressão “sempre de Apocalipse (4:1–8:1) é a identidade e significado do livro selado com sete selos.52
que” deixa claro que esta cena do capítulo 4 não é um ponto específico no tem- Quando pessoas são seladas (em Apocalipse), o selamento funciona
po (como 31 A.D. ou 1844). Antes, retrata a natureza contínua da adoração como uma marca de proteção ou um sinal da propriedade, posse ou do
celestial. O capítulo 4 não é um evento único, mas o cenário básico para toda a domínio de Deus (7:2; 9:4; ver 14:1) (FITZER, 1964, p. 951). Mas quando
atividade da sala do trono celestial. um livro ou uma mensagem é selada, a ocultação ou segredo normalmente
236 No capítulo 5, por outro lado, uma grande crise atinge a corte celestial. está em vista (22:10; ver 10:4) (FITZER, 1964, p. 950). 237
O cântico dos anciãos em 4:11 se inicia com uma palavra que se tornará Qual é o misterioso conteúdo do livro? Parece que tem a ver com o propósi-
central para a resolução dessa crise: to global do livro de Apocalipse (1:1-2):

Tu és digno, Revelação de Jesus Cristo,


Senhor e Deus nosso, que Deus lhe deu
de receber a glória, para mostrar aos seus servos
a honra as cousas que em breve devem acontecer
e o poder, e que ele,
porque todas as cousas tu criaste, enviando por intermédio do seu anjo,
sim, por causa da tua vontade notificou ao seu servo João,
vieram a existir o qual atestou
e foram criadas. a palavra de Deus

51
  Deus continua sentado sobre (epi) o trono (5:1, 7, 13), o Cordeiro aparece no meio do (en
mesō) trono (5:6), e uma hoste de anjos ao redor do (kuklō) trono (5:11) juntam-se aos anciãos e
48
  Fp 4:1; 1Ts 2:19; 2Tm 4:8. aos quatro seres viventes em louvor ao Cordeiro.
49
  Mt 27:52-53; Ef 4:8. 52
  O livro selado com sete selos é claramente um rolo (ver 6:14 não um códice, onde as páginas
50
  Ap 3:21; 12:11; cf. Ef 2:6. são alinhavadas juntas em uma encadernação central.
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e o testemunho de Jesus Cristo, de Jeremias os rolos escritos garantem que sua compra de terra segundo a lei do
quanto a tudo o que viu. go’e57será válida mesmo depois do retorno do exílio babilônio (32:6-15).
Ambas as ideias são atraentes. Como um testamento, o livro pôde ser
O livro do Apocalipse veio à existência por um triplo processo. Deus entregou a aberto e suas instruções cumpridas por causa da morte sacrifical de Cristo
“revelação” a Jesus Cristo, que a transmitiu em símbolos por intermédio de um anjo (SCHRENK, 1964, p. 618-619). Como uma escritura de compra, o livro rep-
a João. João então o transmitiu à igreja, em forma de um “livro [biblion] de profecia” resentaria o título de propriedade para o mundo. O choro de João (4:4) re-
(22:7, 10, 18, 19), as coisas que ele tinha visto.53 Assim, é uma impressionante analo- fletiria o confisco dessa herança como resultado do pecado. Através de Sua
gia quando no capítulo 5 Deus entrega um ”livro” (biblion) a Jesus. morte o Cordeiro redime a herança confiscada e, assim, é digno de abrir os
O conteúdo da transmissão é resumido particularmente em 1:1 pela selos e restaurar a posse legal (ver WATERHOUSE, 1983, p. 33).
frase “as cousas que em breve devem acontecer”, isto é, eventos futuros. Es- Por mais atraentes que sejam estas ideias, e por mais fiéis ao conceito
tas considerações, combinadas com o número de analogias entre 1:4-8 e neotestamental da cruz, elas não são realizadas consistentemente no livro
4:1-8,54 deixam a impressão de que o livro do capítulo 5 é o conteúdo do de Apocalipse. Se em mente aqui, elas podem funcionar apenas como um
Apocalipse em si. Assim, pode ser inferido que o livro selado contém o des- artifício literário (FITZER, 1964, p. 950).
tino do mundo, e o propósito e plano de Deus para livrar o Seu povo no fim Outro livro selado encontra-se no livro de Isaías (29:11, 18; 30:8).
dos tempos, e para resolver a controvérsia moral no Universo. Como o Apocalipse, o livro de Isaías contém as mensagens do próprio
Esta futura ação de Deus está fixada em Seu propósito (anotado em um profeta. A ausência de uma forte analogia estrutural entre Isaías 29–30 e
documento legal), mas está removido do conhecimento humano (selado) Apocalipse 5 torna menos do que certo, porém, que João estava extraindo
(SCHRENK, 1964, p. 619); donde o choro de João. Felizmente, ele pode ser de Isaías para sua descrição do livro selado.
aberto como resultado da cruz. A imagem da entronização do capítulo 5 é muito compatível com outro con-
238 Possíveis alusões ao Antigo Testamento. Significativa informação de fundo ceito do Antigo Testamento. Como a coroação de um novo rei israelita, o livro 239
oferece outras perspectivas sobre o significado do livro.55 Dois cenários do Antigo da aliança (Deuteronômio) seria apresentado a ele (WATERHOUSE, 1983, p.
Testamento colocam os rolos em um contexto de juízo. O rolo desenrolado escrito 32; ver Dt 17:18-20; 2Rs 11:12-17; 23:2-3). A recepção do livro e a capacidade
dos dois lados em Ezequiel contém palavras de “lamentações, suspiros e ais”, uma de abri-lo e lê-lo demonstrava o direito de reinar e lidar com qualquer crise que
ameaça dos juízos prestes a cair sobre Judá (2:9-10). O gigantesco rolo voante de pudesse ocorrer. Teria sido proveitoso para nossa compreensão, porém, se a
Zacarias escrito dos dois lados contém as maldições de Deus contra os notórios possível alusão a Deuteronômio tivesse sido mais explícita.
pecadores da terra (5:1-4). Os rolos, porém, já estão abertos quando os profetas os Alguns têm afirmado que o livro selado deve ser identificado com o livro da
vêem, de sorte que as analogias não são plenamente convincentes. vida do Cordeiro (13:8; 21:27). Sendo que este é o único livro em Apocalipse cujo
Dois outros possíveis antecedentes se relacionam com questões de herança. Os conteúdo é claramente identificado, isto é digno de consideração. O conteúdo do
testamentos romanos eram selados por seis testemunhas e o testador.56 E no tempo livro selado, porém, parece ser mais amplo do que o do livro da vida.
Possíveis alusões ao Novo Testamento. Um fundo mais promissor, talvez,
é o conceito neotestamental de “mistério” (mustērion). No Novo Testamento o
53
  Embora o termo “livro da profecia (tēs prophēteias tou bibliou) não seja usado no contexto termo “mistério” é sempre usado em um sentido escatológico.58 Ele seria rev-
imediato de Ap 1:1-2, o v. 3 fala acerca “das palavras desta profecia” que estão escritas, e o verso elado somente nos últimos dias. Mas sendo que Jesus é o Messias, os últimos
11 fala acerca de “escreve em um livro o que tens visto.” De sorte que o livro de Apocalipse foi
mediado por um processo movendo-se de Deus para Cristo para João para o livro escrito.
54
  Ex., tais analogias como Aquele que “é e que era e que há de vir”, o Todo-poderoso, e os sete
espíritos diante do trono. 57
  Segundo essa lei, uma pessoa em perigo de perder a sua herança podia apelar para um parente
55
  Veja Schrenk (1964, p. 618-619) para outro resumo das considerações de fundo ao livro se- mais próximo a fim de comprar a propriedade e com isso conservá-la na família até tal tempo em
lado. Ver também Douglas Waterhouse (1983, p. 32-35). que pudesse arcar com as despesas para comprá-la de volta. Veja a história de Rute.
56
  Ver exemplo em: Fitzer (1964, p. 950); Schrenk (1964, p. 618-619); Strand (1982, p. 55). 58
  Para uma discussão completa desta palavra veja Günther Bornkamm (1964, p. 802-828).
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dias já vieram.59 O reino apocalíptico tem se tornado uma realidade presente.60 Dinastia davídica restabelecida. O simbolismo do Leão de Judá é, sem
Portanto, a plenitude do evangelho, embora oculta durante séculos, agora se dúvida, baseado na promessa de domínio para a tribo de Judá (Gn 49:9-10).
tornou um mistério manifesto, revelado.61 Anunciar o mistério de Deus (1Co Combinar isto com o simbolismo da “Raiz de Davi” dá a ideia de que a en-
2:1) é pregar a Cristo crucificado (1Co 1:23; cf. 2:2). tronização do Cordeiro implica o restabelecimento da eterna dinastia davídica
Mas embora o mistério esteja aberto aos seguidores de Jesus, ele é fechado prometida no Antigo Testamento.65 O Cordeiro é o Messias prometido. Assim,
para aqueles que não O conhecem (Mt 13:11; Mc 4:11;Lc 8:10). Além disso, cer- Jesus é compreendido como tendo restabelecido a dinastia davídica quando Ele
tos aspectos desse mistério não estão ainda plenamente revelados mesmo para proclamou a chegada do Seu reino (Mt 12:28; Lc 17:20-21).
o crente.62 Embora em um sentido os últimos dias já vieram no evento Cristo, A primeira impressão é que o Cordeiro tinha sido morto (v. 6, hōs esphag-
em outro sentido, eles também ainda estão no futuro.63 O Apocalipse partilha a menon). Contudo, o Cordeiro se move para tomar o livro, deixando claro que
tensão do Novo Testamento entre o que já tem sido revelado em Cristo, e o que Sua morte tem sido vencida (v. 7; ver 1:18). O Cordeiro então prossegue para
pode ser tornado conhecido somente no final.64 Nos “dias” da sétima trombeta juntar-se a Deus em Seu trono, receber a adoração da hoste celestial, e assumir
o “mistério de Deus” será cumprido (10:7). o governo do mundo (5:12-14; 17:14; 19:16; 22:3). Finalmente, na conclusão
A crise no Universo (5:1-4) é precipitada pela combinada rebelião de Satanás da profecia, o Cordeiro desposa a Nova Jerusalém, simbólica da comunidade
e suas hostes no Céu e a família humana na Terra. O livro é o celestial livro do cristã (19:6-8; 21:9ss) (JEREMIAS, 1964, p. 341).
destino, contendo a substância do ordenado plano divino para enfrentar essa crise. Não pode haver dúvida de que para João, o Cordeiro é o exaltado Cristo de
Como tal, ele incluiria toda a informação revelada em Apocalipse, Daniel, e mais. Apocalipse 1–3, que está qualificado para tomar o livro, não somente por causa do
Por causa de Sua morte sacrifical, o Cordeiro é capaz de pôr em funcionamento ac- que Ele tinha feito (Sua morte na cruz), mas por causa do que Ele é. Assim, está im-
ontecimentos que levarão a História à sua conclusão preordenada (COLLINS, 1979; plícita no texto a plena divindade e humanidade que o Cordeiro tinha de incorporar
STRAND, 1982, p. 55; MOUNCE, 1977, p. 142-143). a fim de realizar a tarefa redentora. A humanidade do Cordeiro é evidente em que
240 A série dos sete selos, contudo, retrata um período em que o propósito divi- Ele foi morto. Sua divindade é evidente em que Ele é exaltado ao trono de Deus para 241
no permanece, em grande medida, oculto da visão terrestre (cf. 6:9-11). Mas do receber a adoração de toda a criação (Ap 3:21; 5:7-14).
capítulo 10 em diante, o propósito deve ser claramente revelado por intermédio Os sete chifres do Cordeiro lembram imagens do Antigo Testamento de
das mensagens dos três anjos e os acontecimentos visíveis da consumação. poder político e/ou militar (COLLINS, 1979, p. 41; Dt 33:17; Dn 7:8, 21, 22,
As qualificações do Cordeiro. Que o Universo está em crise torna-se evi- 24; 8:3-12). Os sete olhos do Cordeiro lembram a visão de Zacarias (4:10)
dente da descrição desta passagem. Deus tem um livro em Sua mão que só em que o próprio Senhor tem sete olhos para percorrer toda a Terra (COL-
pode ser aberto por uma pessoa digna. Mas não é encontrada nenhuma tal LINS, 1979, p. 41). Por estes dois símbolos a todo-poderosa e onisciente
pessoa, levando o profeta a chorar. A interrogação: “Quem é digno?” requer divindade do Cordeiro é claramente estabelecida.
qualificações singulares (FOERSTER, 1964, p. 379). De acordo com 5:9, 10, 12 Alguns sugerem que quando Jesus toma o livro da mão do Pai, isto implica que
as qualificações singulares do Cordeiro derivam do fato de que Ele foi morto e Ele se mudou do primeiro compartimento para o Segundo Compartimento do san-
assim habilitado a redimir a humanidade com o Seu sangue. tuário celestial. Mas não há nenhum indício em algum lugar na visão imediata de
que o trono de Deus é movido. Nem são os movimentos do Cordeiro significativos
para a cena, sendo que Ele já está “no meio do trono” (5:6). É melhor compreender
59
  Hb 1:2; 9:26; 1Pe 1:20; 1Jo 2:18. a visão dos capítulos 4 e 5 como uma única cena em um único lugar no santuário
60
  Mt 12:22-28; 13:24-26, 31-33; Lc 11:20-22; 17:20-21.
celestial. A localização exata não parece ser decisiva para a interpretação da visão.
61
  Rm 16:25-27; 1Co 2:7-10; Ef 3:3-10; 6:19; 1Tm 3:16.
62
  Rm 11:25; 1Co 13:2; cf. 12: Ef 1:9-10. Um novo cântico. A ideia de cantar um “novo cântico” de louvor a Deus
63
  Mt 6:10; 25:1ss.; 31-46; Lc 13:28-29; 19:11; Jo 6:39, 40, 44, 54; 11:24; 12:48; 2Tm 3:1; 1Pe 1:5; 2Pe 3:3. é comum no Antigo Testamento. Novos cânticos são cantados para louvar a
64
  Um relacionado conceito do Novo Testamento é aquele das duas eras. A prometida era porvir no
Antigo Testamento é compreendida como uma realidade presente em Cristo (Mt 28:20; Rm 12:2; 2Co
4:4; Gl 1:4) embora sua plenitude seja consumada somente na futura era vindoura (Ef 2:7; Hb 6:5).   2Sm 7; 2Cr 17; Dn 9:24-27; Lc 1:32-33.
65
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Deus por um recente livramento (Sl 40:1-3; 144:9-10; Is 42:10-13), por atos As maldições da aliança de Levítico 26:21-26 contêm muitas analogias aos
de salvação e juízo (Sl 96:1-2; 98:1-2; 149:1-9), ou por Seu poder criador que quatro cavaleiros de Apocalipse 6:
é manifesto continuamente na Terra de novas maneiras (Sl 33:1-9; Is 42:5, 10).
Tal novo cântico é inteiramente apropriados como resultado do maior ato de E, se andardes contrariamente para comigo
Deus de todos os tempos, a morte expiatória de Jesus Cristo (5:8-10). e não me quiserdes ouvir,
O sacerdócio real (v. 10) baseia-se na declaração de Deus a Israel de que a trarei sobre vós pragas sete vezes mais,
nação iria ter uma especial função sacerdotal (veja Êx 19:5-6). Por intermédio segundo os vossos pecados.
de Israel, Yahweh planejava levar a bênção de Abraão a todas as nações (Gn Porque enviarei para o meio de vós as feras do campo, . . .
12:1-3; 22:18). Em Cristo esse privilégio é transferido para a igreja (Mt 21:43; Trarei sobre vós a espada vingadora
1Pe 2:9-10; Gl 3:29; 6:15-16). Assim, Apocalipse 5:9-10 declara os seguidores da minha aliança . . . .
de Cristo como sendo um Novo Israel, com uma função mundial de domínio e enviarei a peste para o meio de vós,
bênção. Esse domínio é uma conseqüência do domínio de Cristo que foi esta- e sereis entregues na mão do inimigo.
belecido como resultado da cruz (Ap 5:3; cf. Mt 28:18). Quando eu vos tirar o sustento do pão,
Nos versos 11-14 o crescendo de louvor atinge um clímax magnífico. Toda dez mulheres cozerão o vosso pão num só forno
a criação inteligente louva ao Cordeiro e ao Pai que está sentado no trono. Con- e vo-lo entregarão por peso.
quanto apropriado no contexto da entronização de Cristo em Sua ascensão, o Lv 26:21-26
hino final se estende além do desterro do pecado e seus efeitos para o dia em
que toda a criação viverá para louvar a Divindade (cf. Fp 2:9-11). Guerra, fome, pestilência e animais selvagens são juízos preliminares de
Deus, tendo em vista produzir o arrependimento (v. 27, 40-42), para que as
242 Abrindo os Selos bênçãos de Deus possam ser restauradas.68 Mais rebelião, porém, resultará em 243
desolação e exílio, as maldições finais da aliança (v. 28-39).
No capítulo 6 o trono, o livro, e mesmo o Cordeiro desaparecem grande- Deuteronômio 32 tem muitas analogias a Levítico 26. Os versos 23-25 falam de
mente de vista. O ponto de ligação com a cena introdutória do santuário é a punição para a idolatria de Israel. Os versos 41-43, porém, vão além de Levítico 26.
abertura dos sete selos que selam o livro. Os eventos delineados não revelam Aqui a espada do Senhor e Suas setas são exercidas para vingar o Seu povo:
os conteúdos do livro. Mas ao Cordeiro abrir cada selo, certos acontecimentos
ocorrem na Terra. Se eu afiar a minha espada reluzente,
E a minha mão exercitar o juízo,
Analogias Estruturais ao Antigo Testamento
tomarei vingança contra os meus adversários
Maldições da aliança. Encontramos as principais analogias estrutur-
e retribuirei aos que me odeiam.
ais aos capítulos 4 e 5 nas visões do trono do Antigo Testamento. Por outro
Embriagarei as minhas setas de sangue
lado, o capítulo 6 lembra as maldições da aliança no Pentateuco e sua ex-
ecução no contexto do exílio babilônico.66
O conceito de “guerra, fome e pestilência” se originaram nas bênçãos e mandamentos detalhados relacionados à vida diária à luz da aliança entre Deus e Israel. Levítico
maldições que atingiram o clímax nos Códigos de Santidade67 do Pentateuco. 26 oferece recompensas e punições (bênçãos e maldições) para a obediência e desobediên-
cia às estipulações do Código de Santidade. Uma seção paralela de material pode ser encon-
trada em Dt 12–30, onde uma série de mandamentos detalhados (12–26) é também seguida por
66
  Veja tabela 3 para uma lista de possíveis alusões diretas ao Antigo Testamento em Ap 6. Os bênçãos e maldições (27–30). Embora não seja tecnicamente parte das bênçãos e maldições, os
itens assinalados por um asterisco são citados por no mínimo três grandes comentaristas. Os cânticos de Moisés em Dt 32 e 33 continuam aqueles temas com muitas analogias a Lv 26.
outros são adicionados pelo autor porque eles lançam alguma luz sobre a linguagem de Ap 6. 68
  Em termos práticos, guerra, fome e pestilência são a linguagem de um cerco com sua
67
  Levítico 17–26 é conhecido dos eruditos como o Código de Santidade. Contém uma série de resultante fome, epidemia e morte.
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

(a minha espada comerá carne), . . . Deus havia entregue Judá em suas mãos como punição por seus pecados.
Louvai, ó nações, o seu povo, Mas os pagãos exageraram em sua função de juízo. Deus agora está prestes
porque o SENHOR vingará o sangue dos seus servos. a agir em resposta ao apelo da aliança, “Até quando?”
Dt 32:41-43. Particularmente significativa para os sete selos é a equação dos quatro cava-
los com os quatro ventos [espíritos] do céu” (Zc 6:5). Isto pode indicar que os
Quando exercidas sobre o Seu povo, a espada, fome e pestilência são quatro ventos de Apocalipse 7:1-3 são os cavalos do capítulo 6 desatrelados em
juízos preliminares tendo em vista levá-los ao arrependimento. Quando uma reversão da aliança como aquela de Deuteronômio 32.70
exercidas sobre as nações que têm derramado o sangue do Seu povo, são As alusões ao Antigo Testamento assim indicam que os selos focalizam princi-
juízos de vingança (cf. o quinto selo). palmente a experiência do povo de Deus no mundo. A espada, fome e pestilência
Guerra, fome e pestilência tornam-se imagens estereotipadas nos profetas, que as dos cavalos são calamidades da aliança pelas quais Deus pune aqueles que rejeitam
usam, como ameaças para impedir a crescente apostasia de Israel e Judá.69 Deixando de ou desobedecem à Sua aliança., com o intento de levá-los ao arrependimento.
se arrepender, ambas as divisões da nação ceifaram a maldição final — exílio. No contexto do Novo Testamento, é claro, a aliança deve ser compreendida
Com o Exílio, porém, a atenção de Deus é dirigida cada vez mais para as em termos da proclamação do evangelho do que Deus tem feito em Cristo. O
nações que estão afligindo o Seu povo. Os juízos que tinham sido dirigidos con- Novo Israel em Cristo (5:9-10) vence quando se inclui na vitória do seu coman-
tra eles agora se voltam contra seus inimigos. O grande ponto de virada neste dante, o Cordeiro morto. Mas a falha em apropriar-se do evangelho produz
processo é dramatizado em Zacarias (1:8-17; 6:1-8). O cenário é um plangente consequências inevitáveis e sempre crescentes.
clamor por socorro da parte do anjo do Senhor: Quando o povo de Deus clama a Ele em sua angústia (6:9-11), Ele se volta con-
tra aqueles que os perseguem. Os cavalos evidentemente têm seu correlativo ou
“Ó SENHOR dos Exércitos equivalente nos ventos destruidores do capítulo 7. Estes se voltam contra aqueles
244 até quando não terás compaixão que não têm o selo de Deus. Os juízos dos cavalos afetam somente quartas partes da 245
de Jerusalém e das cidades de Judá, Terra (6:8); eles são preliminares e parciais. Seus correlativos do fim dos tempos, os
contra as quais estás indignado ventos dos juízos (7:1-3) afetam toda a Terra com finalidade.
faz já setenta anos?”
Respondeu o SENHOR com palavras boas, palavras consoladoras, Apocalipse Sinóptico
ao anjo que falava comigo. Analogias. No Apocalipse Sinóptico71 Jesus parece ter combinado as
Zc 1:12-13. calamidades da aliança do Antigo Testamento com os sinais celestiais do
Novo Testamento do “Dia do Senhor”. As analogias entre o Apocalipse
Os cavalos de Zacarias. É muito provável que a visão dos selos tira suas Sinóptico e os selos não estão sempre na mesma ordem, mas a multidão de
principais imagens da combinação de Zacarias de quatro cavalos coloridos elos verbais e temáticos torna virtualmente certo que João pretendia que o
de patrulha com o plangente “Até quando, ó Senhor?” A cena se relacio- leitor percebesse uma clara analogia entre eles.72
na com o final do exílio de Judá em Babilônia. Os ímpios estão tranqüilos. Da mesma forma que no caso do Apocalipse Sinóptico, assim há uma pro-
gressão geral no tempo quando percorremos os selos. A linguagem dos quatro
cavaleiros se assemelha à linguagem usada por Jesus ao descrever o caráter geral
  Jr 15:2-3; Ez 5:12-17; 14:12-23; e Hc 3:2-16 têm suficientes analogias aos sete selos para sug-
69

erir a possibilidade, mas não a certeza, de que o revelador estava ciente delas ao escrever Ap 6.
A certeza de espada, fome e pestilência entre as maldições da aliança em Levítico e Deuteronô- 70
  Nota editorial: Esta hipótese, contudo, exigiria que o cavalo branco e seu cavaleiro invertessem os
mio parece ter levado a um uso estereotipado no tempo do exílio babilônico (Jr 14:12-13; 21:6-9; papéis e se tornassem uma força destruidora tão terrível como as outras três, uma inferência duvidosa.
24:10; 29:17-18; Ez 6:11-12; 33:27). Guerra, fome e pestilência se tornaram termos técnicos para 71
  O sermão apocalíptico de Jesus registrado em Mt 24–25, Mc 13 e Lc 21.
as calamidades da aliança pelas quais Deus pune a apostasia da aliança. 72
  Veja tabela 4.
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da Era Cristã entre o Seu tempo e o Segundo Advento. É um tempo de proc- A conexão entre a passagem dos selos e 3:21, conforme esboçada em de-
lamar o evangelho, e de guerra, fome, pestilência e perseguição.73 Depois da talhes acima, implica que a cena introdutória (Ap 4–5) retrata simbolicamente
queda de Jerusalém/Judá, o olhar profético de Cristo se fixou brevemente em a entronização de Cristo no santuário celestial em Sua ascensão. O capítulo 7
um período de intensificadas aflições e perseguição.74 termina com o povo de Deus na sala do trono. Portanto, os selos do capítulo 6
Essa era de perseguição seria seguida pelos enganos do tempo do fim e retratam eventos na Terra desde a cruz até a Segunda Vinda, com foco particu-
os sinais no céu que precedem a própria Segunda Vinda.75 Deve ser notado lar no evangelho e na experiência do povo de Deus.
que os enganos do tempo do fim são omitidos pela breve descrição de João Embora a cena introdutória tire imagens de Daniel 7, grandes diferenças
dos eventos que ocorrem na abertura do sexto selo. Contudo, estes são reto- tornam-se óbvias quando as duas visões são comparadas. Por exemplo, a at-
mados posteriormente com grandes detalhes em Apocalipse 13–17.76 Assim, enção é dirigida para um livro em contraste com vários em Daniel. O trono
os eventos do sexto selo devem ser compreendidos como contemporâneos não foi posto recentemente. O livro está selado em vez de aberto. Aquele que
daqueles descritos nesta porção do Apocalipse. se aproxima do trono é simbolizado como o Cordeiro, não como o Filho do
Significado das analogias. Portanto, as analogias entre os selos e o Apoc- homem. Assim, é evidente que as duas cenas não são as mesmas. É mais natural
alipse Sinóptico não são apenas enormes em quantidade, mas partilham um no- compreender a cena introdutória como a inauguração do santuário celestial em
tável agrupamento ao longo das linhas cronológicas. Esse agrupamento enfatiza vez do seu grande dia da expiação do tempo do fim.
dois pontos principais. Primeiro, os selos são paralelos ao Apocalipse Sinóptico Esta conclusão é apoiada por várias outras observações. Há uma ausência
como uma descrição de toda a Era Cristã, não apenas seu tempo final. Segundo, total da linguagem explícita do juízo em toda a seção. A única exceção a isto
realça o que foi observado anteriormente na comparação de Apocalipse 6 com é 6:10, onde o juízo é compreendido como estando ainda no futuro! Embora
o capítulo 19. Quer dizer que os quatro cavaleiros expressam as realidades de alguns achem que o conceito de juízo está presente no capítulo 6 (WATER-
toda a Era Cristã com ênfase no seu início. O quinto e o sexto selos tratam de HOUSE, 1983, p. 6), ele não está fora de lugar no contexto da pregação do evan-
246 eventos que preparam o caminho para o fim da era. gelho (Jo 3:18-21; 5:22-25). O juízo do tempo do fim, porém, somente se torna 247
explícito na linguagem do livro de 11:18 em diante.
Interpretação de Apocalipse 6 As analogias ao capítulo 19 e ao Apocalipse Sinóptico também salientam
Tempo dos selos. Reconhecemos, a despeito da discussão acima, que vários a colocação de Apocalipse 4–6 na porção histórica do quiasmo de Strand.
elementos de Apocalipse 4–6 sugerem para alguns que a passagem envolve o Esta colocação é ainda mais realçada pela estratégia maior de João para a
juízo investigativo conforme descrito em Daniel 7:9-14. Insiste-se que a cena primeira metade do livro de Apocalipse.78
introdutória é extraída das imagens de Daniel 7. Assim o trono poderia estar Concluímos, portanto, que a cena introdutória do santuário é uma de-
associado ao Lugar Santíssimo do santuário celestial.77 Além disso, acredita-se scrição da entronização de Cristo e a inauguração do santuário celestial em 31
que o sexto capítulo baseia-se na linguagem do juízo. Contudo, devemos reagir A.D. Esse evento tornou-se possível por Sua vitória na cruz. O capítulo 6 retrata
observando que este não é o caminho mais natural de ler os selos. as consequências sobre a Terra desde aquele tempo até a Segunda Vinda. Seu
foco é sobre o evangelho e sobre o processo histórico dentro do qual o povo de
Deus vence assim como Cristo venceu.
73
  Mc 13:5-13; Mt 24:4-14; Lc 21:8-9, 12-19. Primeiro selo (6:1-2). O primeiro ser vivente (Leão, com uma voz como
74
  Mc 13:19-20; Mt 24:21-22; ver Dn 7:25; Ap 6:9-11; 12:6, 13-14. a de trovão!) faz surgir um cavalo branco cujo cavaleiro carrega um arco e sai
75
  Mc 13:24-27; Mt 24:23-31; Lc 21:25-28; cf. Ap 6:12-17.
para vencer. A interpretação deste selo é decisiva para a compreensão de todos
76
  Analogias entre Mt 24:23-27e Ap 12–17 incluem tais conceitos como sinais miraculosos destina-
dos a enganar (Ap 13:13-14; 16:13-14); falsos cristos (veja besta); falsos profetas (besta que subiu da os quatro cavaleiros. Há três importantes pontos de vista.
terra; cf. 16:13); desertos (Mt 24:26; cf. Ap 12:14; 17:3), e o nascer do sol (Mt 24:27; cf. Ap 16:12).
77
  Tem sido sugerido que sendo que Jesus está no lugar santo em Ap 1:12-20 (note a menção dos
castiçais), Ap 4–6 retrata uma mudança para o Santíssimo. Todavia, em Ap 1 Jesus não está no lu-
gar santo; Ele está entre as igrejas na Terra. Somente em Ap 4 o santuário celestial aparece à vista.   Veja o cap. 10, Selos e trombetas: algumas descobertas atuais, neste volume.
78
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

A maioria dos eruditos preteristas preferem compreender os selos como descre- e é análogo a 9:1 onde Deus permite que o anjo do abismo dirija suas hordas
vendo em linguagem literal eventos prestes a ocorrer no Império Romano.79 Nesta demoníacas contra a humanidade. (5) Embora o cavalo branco de 6:2 seja uma
interpretação o cavaleiro do cavalo branco simboliza conquista militar.80 analogia verbal exata ao cavalo branco de 19:11, há muitas diferenças notáveis
Outros eruditos vêem no cavalo branco um retrato do futuro anticristo, uma entre os dois relatos;82 assim, eles não devem ser equiparados.
paródia do Cristo retratado no capítulo 19. Nesta interpretação, os selos retratam a Estes argumentos a favor da hipótese do anticristo não são tão fortes como
atividade do reino de Satanás nos acontecimentos que precedem o fim. possam a princípio parecer.
Um terceiro grupo de eruditos compreende os quatro cavaleiros dos a. Embora o arco seja usado para retratar o poder dos inimigos de Deus
selos como uma descrição simbólica da vitoriosa propagação do evangelho e as no antigo Testamento, ele é em cada caso introduzido para que possa ser
consequências de sua rejeição. Cada um destes será retomado por sua vez. esmagado pelo poder superior de Yahweh (Jr 51:56; Ez 39:3; Os 1:5). Em
1. A opinião preterista. Embora os adventistas não aceitem as pressu- um número ainda maior de casos, os arcos e flechas representam as armas
posições dos estudiosos preteristas, é possível que a guerra, fome e pestilên- de Yahweh dirigidas contra Seus inimigos.83
cia dos selos devam ser entendidas em seu significado natural como é o caso b. Embora a palavra grega para “vencer” seja usada para se referir às
com as imagens paralelas do Apocalipse Sinóptico. Se é assim, a mensagem dos bestas e sua perseguição dos santos, o contexto mais imediato de 6:2 é a
selos corresponderiam exatamente àquelas do Apocalipse Sinóptico, uma de- “vitória” de Cristo na cruz (5:5, 6, 9; cf. 3:21), que provê a substância básica
scrição das calamidades naturais e da perseguição que caracterizam a Era Cristã da proclamação do evangelho.
e precedem os sinais no céu que assinalam o seu fim. Contudo, vários fatores c. O dragão, a besta e o falso profeta realmente falsificam a Trindade.
sugerem uma abordagem mais simbólica aos selos. Seu mau caráter é claramente retratado em sua oposição à mulher e aos san-
Primeiro, todo o livro do Apocalipse é “significado” (esēmanen, 1:1). Muitas de tos. Por outro lado, no caso de 6:2 João não apresenta nenhuma sugestão de
suas imagens fariam pouco sentido se tomadas literalmente. Segundo, os próprios que a cor branca deva ser tomada em um sentido negativo.84 E com apenas
248 cavalos nunca são interpretados como literais. Terceiro, sendo que os capítulos 4 e uma exceção no Novo Testamento, uma stephanos (coroa de vitória) está 249
5 estão repletos de linguagem simbólica, que indicação existe de que é de qualquer sempre associada a Cristo ou ao Seu povo.85
forma diferente? Certamente nenhum adventista interpretaria literalmente o quinto d. Embora seja verdade que a atividade divina deva ser vista por trás dos juízos
selo. Finalmente, as imagens detalhadas dos quatro cavaleiros fazem sentido coer- da quinta trombeta, a entrega da chave em 9:1 e poder em 9:3, 5 indicam que Deus
ente quando compreendidas à luz de significados figurativos e espirituais conheci- está permitindo, com limitações, que a atividade de Satanás se espalhe rapidamente.
dos das pessoas no tempo em que o Apocalipse foi escrito. Mas no capítulo 6 a atividade dos quatro cavalos não é permitida; é “ordenada.”86
2. A opinião futurista. Muitos estudiosos interpretam os selos de uma for- Ordena Deus ao anticristo que se comporte da maneira como ele o faz?
ma simbólica, mas argumentam que o cavaleiro do cavalo branco é o anticristo
por vários motivos. (1) O “arco” representa o poder de Gogue e Babilônia no
Antigo Testamento, e estes são tipos do anticristo. (2) as bestas satânicas dos com características que se assemelham ao Pai, Filho e Espírito Santo.
82
  Ex., duas diferentes palavras gregas são usadas para a coroa (Ap 6:2 — stephanos; Ap 19:12 —
capítulos 11 e 12 “vencem” os santos (11:7; 13:7, nikaō, o mesmo verbo que é diadēmata) usadas pelos cavaleiros respectivamente.
usado em 6:2). (3) Há uma contínua interação em Apocalipse entre o verda- 83
  Dt 32:41-43; Sl 7:13; Lm 2:4; 3:12; Hc 3;8-9. É significativo que o revelador estava provavel-
deiro e o falsificado.81 (4) O “foi-lhe dada” (edothē, 6:2) é um “passivo divino” mente intencionalmente aludindo a Dt 32, e possivelmente também a Hc 3.
84
  Note as seguintes associações de “branco” no livro de Apocalipse:
Com Cristo, 1:14; 14:14; 19:11, 14. Com os crentes, 2:17; 3:4, 5, 18; 7:9, 13, 14; 15:6; 19:8. Com os
seres celestiais, 4:4; 19:14. Com Deus, 20:11.
79
  Tal como uma invasão dos partas vindos do oriente que o revelador acha que prenunciará as 85
  Ver exemplo Mt 27:29 e análogas; 1Co 9:25; 1Tm 4:8; Tg 1:12; Ap 2:10; 3:11; 14:14. A exceção
conseqüências celestiais do dia do Senhor (ver COLLINS, 1979, p. 44-45). a esta regra é Ap 9:7 onde as stephanoi são colocadas nas cabeças dos cavaleiros demoníacos pro-
80
  Os quatro cavaleiros, segundo esta interpretação, retratam guerra, rixa, fome e pestilência, cedentes do Abismo. Mesmo aqui, porém, a aplicação é qualificada pelo uso de “como que” (hōs).
sendo as três últimas a conseqüência da primeira. Os cavaleiros demoníacos realmente não usam stephanoi, apenas parecem usar.
81
  Note que o dragão, a besta e o falso profeta de Apocalipse 12 e 13 são uma trindade falsificada 86
  Ver a repetida ordem “vem” (erchou).
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e. As diferenças entre os capítulos 6 e 19 são explicáveis em termos da difer- Sendo que a frase “vencendo e para vencer” expressa um aumento progressivo
ença entre a igreja militante e a igreja triunfante. Cristo usa o diadema87 em de vitória, o cavalo branco não termina com o primeiro século. Antes, o símbolo
19:12 porque Sua atividade vencedora88 está concluída. Ele usa a coroa de vitória retrata de um modo geral o progresso do evangelho durante toda a Era Cristã.
(stephanos) em 6:2 porque o reino celestial conquistado na cruz ainda está no Segundo selo (6:3-4). Na abertura do próximo selo o segundo ser
processo de estabelecer o seu domínio na Terra. vivente (novilho, 4:7) faz surgir um cavalo vermelho. Seu cavaleiro recebe
3. A opinião historicista. A natureza positiva do cavalo branco é apoiada uma grande espada e lhe é permitido tirar a paz da Terra, resultando em
pelo fato de que o primeiro cavaleiro não produz aflições como os outros três. guerra e mútua destruição humana.
Não há nenhum indício de falsificação no texto em si. E se o cavaleiro do cavalo O cavalo não é “vermelho” no sentido técnico. O adjetivo é extraído
branco simboliza o evangelho, a analogia com o Apocalipse Sinóptico é mais da palavra grega para “fogo” (pur). O fogo no livro do Apocalipse está fre-
completa do que seria de outro modo.89 quentemente associado às coisas celestiais (8:5; 14:18) mas sempre para o
Parece melhor, portanto, compreender o cavalo branco como simbolizando propósito de juízo (8:7; 20:10, 14, 15).90
o reino de Cristo e sua conquista gradual do mundo através da pregação do Embora as imagens desta passagem lembrem guerra militar, a única out-
evangelho por Sua igreja. O que foi ratificado no Céu na entronização do Cord- ra menção de “paz” em Apocalipse é de natureza espiritual (1:4). A palavra
eiro é agora ativado na experiência do Seu povo no decorrer da história humana. grega para “matar” é normalmente usada para a morte de Cristo e de Seus
Este quadro está provavelmente baseado no tema israelita da realeza em santos.91 Consequentemente, é improvável que o segundo selo se refira pri-
Salmo 45:3-7: mariamente a conflito militar. Antes, pode representar perseguição, a perda
da paz espiritual, e divisão por causa do evangelho.
Cinge a tua espada no teu flanco, herói; No Salmo 45 o mesmo cavaleiro que arremessa setas contra seus inimi-
cinge a tua glória e a tua majestade! gos também carrega uma espada enquanto cavalga. A mesma mensagem do
250 E nessa majestade cavalga prosperamente, evangelho que é um cheiro de vida para a vida também pode se tornar um 251
pela causa da verdade e da justiça; cheiro de morte para aqueles que a rejeitam (2Co 2:14-16; ver Is 26:3; 57:19-
e a tua destra te ensinará proezas. 21). Isto nos faz lembrar as palavras de Jesus:
As tuas setas são agudas, penetram o coração dos inimigos do Rei;
os povos caem submissos a ti. Todo aquele que me confessar diante dos homens,
O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus;
cetro de equidade é o cetro do teu reino. mas aquele que me negar diante dos homens,
Amas a justiça e odeias a iniqüidade; também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus.
por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria, Não penseis que vim trazer paz à terra;
como a nenhum dos teus companheiros. Não vim trazer paz, mas espada.
Pois vim causar divisão
O Salmo 45 combina esta imagem militar com aquela de um casamento entre o homem e seu pai;
real (Sl 45:10-15). Quando a vitória está completa, o casamento pode ocor- entre a filha e sua mãe e
rer. Mas em Apocalipse 6:2 a vitória está apenas a caminho, o casamento entre a nora e sua sogra.
deve aguardar um tempo futuro (19:6-8; 21:9ss.).

90
  Para uma discussão mais completa do “fogo” como um conceito simbólico veja meu Decoding
87
  A coroa real de autoridade reinante. Revelation’s Trumpets (1988, p. 248-249, 368-369).
88
  Simbolizada pela coroa de vitória (stephanoi) de Ap 6:2. 91
  Ap 5:6, 9, 12; 6:9; 13:8; 18:24. A única exceção a isto é Ap 13:3 onde a besta do mar é descrita
89
  No Apocalipse Sinóptico é a pregação do evangelho que precipita os eventos do eschaton. como uma contrafação de Cristo.
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Mais uma vez a linguagem do selo sugere uma aplicação espiritual em
Mt 10:32-36 vez de literal. Se o cavalo branco representa o evangelho, o cavalo preto rep-
resentaria o seu oposto, doutrina errônea.
Sempre que o evangelho é pregado ocorrem vitórias, mas ainda mais Embora em Apocalipse 14 a ceifa de cereais represente os justos e a colheita
frequentemente vem divisão e perseguição como resultado de sua rejeição de uvas os ímpios, neste exemplo o contexto de fome implica que todos os três
(Mt 10:34-39). A paz que vem da união com Cristo não deve ser confundida produtos alimentares representam benefícios espirituais. Assim, o selo essencial-
com a paz que vem do favor dos outros. mente retrata uma fome da Palavra de Deus (cf. Am 8:11-12), mas uma fome que
Terceiro selo (6:5-6). Na abertura do terceiro selo o terceiro ser vivente está limitada pela ordem do Céu de forma que não remova os recursos da graça.93
(presumivelmente, o que tem o rosto de um homem) faz surgir um cavalo O evangelho tem sido obscurecido, mas seus benefícios ainda estão disponíveis.
preto. Seu cavalo segura uma balança. Quarto selo (6:7-8). Ao ser aberto o quarto selo, o quarto ser vivente (provav-
A cor “preta” não é de outra forma simbólica nas Escrituras Gregas. É nor- elmente a águia ou abutre) faz surgir um cavaleiro sobre um cavalo de cor amarelo-
malmente usada para a cor do cabelo ou pele por um lado e para “tinta” por esverdeada. Esse cavaleiro, Morte, é seguido pelo Hades, e tem autoridade sobre a
outro. Seu significado nesta passagem provavelmente deriva de seu contraste quarta parte da Terra para matar com a espada,94 fome, pestilência (morte),95 e as
com o cavalo branco do primeiro selo. feras da terra. Esta intensificação das perniciosas atividades do segundo e terceiro
A “balança” (zugon) é frequentemente usada como um símbolo de Deus cavaleiros é aumentada pelos outros dois elementos do juízo da aliança: pestilência
julgando as pessoas (Jó 31:6; Dn 5:27). Neste caso seria juízo segundo o (morte) e animais selvagens (ver Ez 14:20-21; 5:12, 17; Jr 14:12; 29:17-18).
evangelho (Jo 3:18-21; 5:22-25). Se o selo deve ser compreendido em termos espirituais, ele retrata de longe
O cavaleiro do cavalo preto, diferente dos primeiros dois cavaleiros, a mais grave decadência espiritual já descrita no livro (o clímax vem em 18:2-
aparentemente não se empenha em nenhuma ação. Uma voz no meio dos 3). É uma pestilência de alma. Estas pragas caem sobre aqueles cuja rejeição do
252 quatro seres viventes proclama: evangelho tem endurecido ao ponto de quase desespero. 253
Em 1:18 a morte e o Hades (sepultura) estão claramente sob o controle de
Uma medida de trigo por um denário; Cristo. Em 20:14 eles estão associados com o conceito da “segunda morte”. Esta
três medidas de cevada por um denário; tríplice analogia apresenta evidência de que o quarto selo envolve a ameaça de
e não danifiques o azeite e o vinho. permanente exclusão da misericórdia.
Este selo, porém, por mais terrível que seja, não deve ser equiparado com o
Cereais, azeite e vinho eram as três principais culturas da antiga Palestina. Como final término da graça do fim dos tempos do qual ele é claramente uma anteci-
tais, elas representavam a bênção de Deus (Dt 7:13; Os 2:8; Jl 2:19, 24). Sendo que pação. Como foi o caso com o terceiro cavaleiro, esse ginete não “sai”, limitando
os cereais são raso-enraizados, eles são muito mais facilmente danificados em uma assim a praga. Nos textos de fundo de Levítico 26 e Deuteronômio 32 estas
seca do que azeitonas e uvas. Um denário era a antiga designação para o salário de
um dia. Sob estas circunstâncias, os ganhos de um dia podiam apenas prover trigo
suficiente (o cereal de preferência) para a sobrevivência de uma pessoa. A imagem 93
  Nesta interpretação o azeite poderia representar o Espírito e o vinho o sangue de Cristo. Na
é de uma fome induzida pela seca que ainda não progrediu para o nível em que as parábola do Bom Samaritano estes foram remédios curadores.
plantas de raízes profundas e as árvores são afetadas.92 94
  A espada do segundo selo é uma palavra grega diferente (machaira) daquela do quarto selo
(rhomphaia). Machaira é a palavra usada em Lv 26 e Dt 32. A aplicação nas passagens de “espada,
fome e pestilência” de Jeremias e Ezequiel está dividida entre as duas palavras; assim elas parecem
aqui essencialmente idênticas em significado.
95
  No grego do Antigo Testamento a palavra para “morte” (thanatos) traduz a palavra hebraica
para “pestilência” nas passagens principais da maldição da aliança. Ver exemplo em Jr 14:12;
92
  De acordo com Lv 26:26, que fica no fundo desta passagem, distribuir pão por peso é 24:10; Ez 5:12, 17. Sendo que thanatos é seguida pelo Hades (a habitação dos mortos no pen-
um sinal de grave fome. samento hebraico), ambas as ideias parecem combinar, embora personificadas separadamente.
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

pragas não são finais, mas são destinadas a evocar o arrependimento. Juízos Cristandade. Assim a progressão de pensamento bem pode ser cronológica, ao
adicionais sobre os ímpios estão adiante no quinto e sexto selos. menos no primeiro aparecimento de cada mudança.99
Quatro cavaleiros. Os quatro cavaleiros provavelmente devem ser compreen- Este ponto de vista é apoiado pelo fato de que os quatro seres viventes nunca
didos mais como uma progressão de pensamento do que como uma rígida sequên- estão separados nas Escrituras exceto nos quatro cavaleiros. Seu sucessivo envolvi-
cia histórica. Em primeiro lugar, a virtual ausência de qualquer referência a tempo mento (6:1-8) é um indício de que certa progressão cronológica é paralela à pro-
está em evidente contraste, por exemplo, com as sete trombetas.96 Além disso, as gressão de pensamento. Os quatro cavalos, portanto, delineiam tanto a tendência da
desgraças refletidas nos selos 2–4 são ordenadas em uma ampla variedade de ma- História no início da Era Cristã quanto as realidades gerais da Era Cristã.100
neiras no Antigo Testamento.97 Uma variedade semelhante de uso pode ser vista A pregação do evangelho e suas consequências — vitórias para o reino,
comparando-se as três versões do Apocalipse Sinóptico (Mt 24; Mc 13; Lc 21), onde perseguição, divisão, e (para aqueles que rejeitam), crescente fome e declínio espirit-
essas desgraças constituem o caráter geral da Era Cristã. ual — tem comprovado ser realidades tanto no nível corporativo quanto individual.
A descrição do cavaleiro do cavalo branco — “vencendo e para vencer” A saída final do cavaleiro do cavalo branco é atestada pela mensagem do selamento
— sugere uma atividade contínua em vez de um período da História a ser no capítulo 7 e as mensagens dos três anjos no capítulo 14
seguido por outro período. Conforme mencionado anteriormente, aos dois primeiros cavaleiros é dito
Assim, os quatro cavaleiros muito provavelmente representam uma que “saiam”, ao passo que os dois últimos são apenas vistos. Cada um afeta so-
descrição geral da propagação do evangelho (cavalo braço), a resultante mente uma quarta parte da Terra (6:8). Assim, os “juízos” dos cavaleiros são
perseguição e divisão (cavalo vermelho), e as crescentes consequências da parciais e reprimidos. O terceiro e quarto cavaleiros em si não são eventos finais.
rejeição desse evangelho (cavalos preto e amarelo).98 O tema central é que Eles são preliminares e antecipações parciais do grande colapso de vida e com-
a pregação do evangelho e a chegada de uma nova era em Cristo não inter- preensão espiritual do fim dos tempos. Historicamente, eles se ajustam melhor
rompe a propagação do mal no mundo. Isto bem expressa a tensão entre as à Idade Média, um tempo de declínio espiritual e perseguição.
254 duas eras tão características do Novo Testamento como um todo. Quinto selo (6:9-11). A abertura do quinto selo revela um quadro de pes- 255
Contudo, tendo dito isto, é digno de atenção que a progressão temática dos soas justas mortas “debaixo do altar” que clamam:
quatro cavalos combina bem com a história dos primeiros mil anos da Era Cristã.
Primeiro, houve a rápida expansão inicial da igreja através da maior parte Até quando, ó Soberano Senhor,
do mundo então conhecido. O período seguinte trouxe divisão e transigência santo e verdadeiro,
em face da perseguição. Seguiu-se a perda de uma clara compreensão do evan- não julgas, nem vingas o nosso sangue
gelho quando a igreja estabeleceu um reino terrestre nos anos depois de Con- dos que habitam sobre a terra?
stantino. Finalmente, a Idade Escura de declínio e morte espiritual afundou a
A cena está simbolizando crentes que foram sacrificados por sua fé em tem-
pos anteriores à abertura deste selo. Depois de receber vestiduras brancas esses
mártires são informados de que eles devem repousar por pouco tempo até que
96
  Note os ais sucessivos das trombetas (Ap 8:13; 9:12; 11:14); os cinco meses (9:5, 10), os seus conservos e seus irmãos, que estão prestes a ser mortos como eles foram,
quarenta e dois meses (11:2), e os três dias e meio (11:9). estejam “completos” ou “consumados”.
97
  Uma dúzia de passagens do Antigo Testamento registram no mínimo três das imagens tipo-ai
dos quatro cavaleiros (setas, espada, fome, pestilência, e animais selvagens). Quatro das cinco são
encontradas em Lv 26:21-26; Dt 32:23-25; Jr 15:2-3; Ez 5:12-17; 14:13-19, 21; mas em nenhuma
destas duas elas estão na mesma ordem. Da tripla listagem, quatro apresentam a mesma sequên- 99
  Um exemplo paralelo a isto são as três mensagens angélicas. Elas são cronológicas em ordem
cia que em Ap 6: guerra, fome e pestilência (praga): Jr 14:12-13; 24:10; 29:17-18; Ez 6:11-12; mas de comando; daí em diante, elas são proclamadas lado a lado até o fim.
duas mudam a ordem: Jr 21:6-9; Ez 33:27. 100
  Uma analogia a esta dupla ênfase pode ser encontrada em Dn 7:11-12. Cada um dos animais
98
  Na linguagem da aliança, o cavaleiro do cavalo branco oferece bênção; ao passo que os outros de Dn 7 tem um apogeu de atividade, contudo o espírito de cada animal continua existindo até
três distribuem as maldições da aliança devido à rejeição do evangelho. o fim.
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

A imagem dos mortos debaixo do altar representa a frustração do povo grande tribulação da Idade Média, Apocalipse 6:10 apropriadamente repre-
de Deus para quem o conteúdo do livro selado ainda está oculto. Embora sua senta um “clamor” de protesto dos mártires dessa mesma era.
confiança em Deus não seja abalada, eles anseiam pelo juízo final quando seus É evidente que o clamor dos mártires ocorre antes do real tempo do juízo
nomes serão absolvidos em um tribunal mais elevado. O quinto selo representa e da crise final. Os temos “julgas” e “vingas” indicam um rogo de duas partes.
o conhecimento divino dos sofrimentos do povo de Deus, e Ele responderá no Os mártires desejam ser vindicados e vingados.103 Partindo da perspectiva do
devido tempo. A preocupação de Deus por Seu povo sofredor é o escopo da clamor “Até quanto?” o juízo e a vingança são futuros. A dádiva de vestiduras
passagem; ela não tem por objetivo explicar o estado dos mortos.101 brancas (v. 11) simboliza a vindicação dos mártires no juízo investigativo (cf.
A frase “até quando?” é usada frequentemente no Antigo Testamento, 3:5). Contudo, a execução desse juízo ainda está no futuro.
principalmente em relação à destruição de Jerusalém pelos babilônios (Hc A comparação entre 6:10 e 19:2 (veja acima) indica que 6:11 alude ao início
1:2). O Salmo 79 é de interesse: do juízo investigativo, enquanto o capítulo 18 descreve sua conclusão pouco
antes do Segundo Advento.104 Assim, o quinto selo está dividido cronologica-
Até quando, SENHOR? Será para sempre a tua ira? mente em duas partes: (1) o clamor dos mártires é antes do juízo investigativo
Arderá como fogo o teu zelo? (v. 10). A dádiva das vestiduras brancas assinala o início desse juízo.
Derrama o teu furor sobre as nações Portanto, o quinto selo bem se ajusta entre as grandes perseguições da Idade
que te não conhecem Média e a conclusão do juízo investigativo. O fim tem sido protelado. A tarefa
e sobre os reinos do evangelho não está ainda completa quando este selo se aproxima de um fim.
que não invocam o teu nome [...] Sexto selo (6:12-17). A abertura do sexto selo desencadeia gigantes-
Por que diriam as nações: cos fenômenos celestiais e terrestres. Há um grande terremoto (evidente-
Onde está o seu Deus? mente antes e distinto daquele de 16:18), uma série de sinais celestiais, e
256 Seja, à nossa vista, manifesta entre as nações um terremoto ainda maior que move todas as montanhas e ilhas dos seus 257
A vingança do sangue que dos teus servos é derramado. lugares (provavelmente o terremoto de 16:18).
Versos 5, 6, 10 O terremoto final leva ao grande terror da humanidade não salva, que
se utiliza das cavernas e rochas das montanhas em uma fútil tentativa de se
No quinto selo vemos os resultados das perseguições às quais se faz esconder da presença daquele que se aproxima e que está assentado sobre o
alusão nos cavaleiros, principalmente o segundo. Assim, o quinto selo rep- trono e da ira do Cordeiro. Os perdidos bradam:
resenta um ponto posterior no tempo do que os quatro cavaleiros em si.102
Sendo que a frase “Até quando?” é aplicada em Daniel 7:21, 25; 12:6-7 à Porque é vindo o grande dia da sua ira;
e quem poderá subsistir?
101
  O altar em estudo aqui é o altar do holocausto, não o altar de incenso. Frequentemente no
ritual do santuário do Antigo Testamento, o sangue era derramado (ekcherō, Lv 4:7, 18, 25, 30, 34;
Os sinais celestiais e terremotos deste selo não são exclusivos a esta passagem.
8:15; 9:9, LXX) à base do altar do holocausto, ao passo que nada jamais acontecia à base do altar Eles lembram uma longa história de fenômenos semelhantes nas passagens do
de incenso. Em Ap 16:6 o sangue dos santos e profetas foi “derramado” (exechean) pelos ímpios, “dia do Senhor” do Antigo Testamento.105 Talvez, ainda mais importante para
uma evidente referência ao santuário. Como poderiam os martirizados serem mencionados em João é o uso por Jesus dos sinais celestiais em Mt 24:29 —
termos do ritual do santuário? “Vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar
culto (latreian prospherein) a Deus” (Jo 16:2). A morte dos mártires é parte de uma grande batalha
sobre a devida maneira de servir a Deus. Sendo que o altar de holocausto nunca é retratado no
Céu, antes é simbólico do sacrifício de Cristo na Terra, essas almas debaixo do altar não estão no 103
  O verbo krinō (julgar) se aplica ao juízo investigativo bem como ao juízo executivo.
Céu, elas estão em suas sepulturas terrestres. Elas não “voltam à vida” até a Segunda Vinda (Ap 104
  Veja Strand (1982, p. 53-60) para uma excelente discussão de Ap 18.
20:4). Assim o clamor de 6:10 é apenas simbólico, como o clamor do sangue de Abel em Gn 4. 105
  Ver Ez 32:7-8; Am 8:8-10; Jr 4:23-27; Is 34:4; 13:10-13; Na 3:12; Ez 38:19-20; Ag 2:6-9; Is
102
  O evento correspondente no Apocalipse Sinóptico é a grande tribulação (cf. Mt 24:21-22). 50:1-7; Jl 2:28-32; Sl 102:25-27.
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Logo em seguida à tribulação daqueles dias, Por amor de Sião, me não calarei e,
o sol escurecerá, por amor de Jerusalém, não me aquietarei,
a lua não dará a sua claridade, até que saia a sua justiça como um resplendor,
as estrelas cairão do firmamento, e a sua salvação, como uma tocha acesa.
e os poderes dos céus serão abalados. As nações verão a tua justiça,
e todos os reis, a tua glória.
A analogia com o Apocalipse Sinóptico argumenta que alguns, pelo menos, Is 62:1-2
destes fenômenos caem logo após o período da grande tribulação a que alude
o quinto selo. Que os sinais celestiais devem ser compreendidos como literais Outras possibilidades para interpretar o silêncio deste selo incluem o
é indicado pelo fato de que cada um é seguido por um “como” (hōs) que nesta equivalente do fim dos tempos ao silêncio no princípio (Gn 1:2; cf. 4 Es-
construção introduz uma analogia figurativa a um evento real.106 dras 7:26-31); o silêncio do Universo ao observar a destruição do mal (em
O sexto selo, portanto, abarca o período desde o clamor dos mártires até nítido contraste com a celebração de Apocalipse 5); e o silêncio da sala do
o fim dos tempos. Sendo que os sinais celestiais de 1780 e 1833 tiveram um tribunal quando o livro é finalmente aberto.108
grande impacto sobre o interesse em desenvolvimento no estudo da profecia, o Sendo que o sexto selo retrata os eventos que envolvem a própria Se-
terremoto de Lisboa de 1755 é o melhor candidato para o terremoto de 6:12.107 gunda Vinda (6:15-17) e descreve a presença dos redimidos diante do
Apocalipse 6:14 aponta adiante para a queda final de todas as coisas terrestres e trono (7:9-17), o sétimo selo pode ser melhor compreendido ou como um
celestiais à medida que elas pertençam a este planeta (cf. 2Pe 3:9-12). precursor enigmático do milênio ou a paz universal que resulta da con-
Sétimo selo (8:1). A abertura do sétimo selo resulta em apenas uma sim- sumação no final do milênio (cf. Ap 20:9-15).
258 ples declaração no sentido de que um breve silêncio ocorre no céu. O silêncio 259
funciona como uma calma depois da tempestade de destruição ocasionada pela Considerações finais
segunda vinda de Cristo. Várias explanações têm sido apresentadas para expli-
car o significado desse silêncio, mas nenhuma se tem demonstrado decisiva. Embora nenhuma tentativa fosse feita para alinhar as interpretações deste
Uma possibilidade é que o silêncio é um anúncio de que a justiça capítulo com as de Urias Smith (1897, p. 384-434) suas opiniões sobre os selos
divina tem sido plenamente executada. Isto se baseia em declarações são notavelmente semelhantes às conclusões deste capítulo. Embora às vezes
textuais que em face da injustiça Deus recusa guardar silêncio até que a ele mesmo não se batesse contra o texto,109 suas conclusões devem ser levadas a
justiça tenha sido satisfeita (cf. Sl 50:3-6; Is 65:6-7). sério pelos adventistas quando ele o fez.
Que diferença faz para o viver cristão diário que tenhamos obtido uma melhor
compreensão desta profecia? De grande importância é o fato de que nossa pas-
sagem descerra a cortina que oculta o mundo invisível da realidade espiritual de nós
106
  Note o seguinte arranjo: que vivemos na Terra. A grandiosa cena introdutória (Ap 4–5) nos impressiona de
  O sol se torna negro .........................................como (hōs)....... saco de crina.
  Toda a lua se torna ............................................como (hōs)...... sangue.
que as cenas que se seguem são uma visível e terrestre expressão do conflito invisível
  As estrelas do céu caem sobre a Terra ............como (hōs)...... deixa cair os seus figos. e celestial entre Cristo e Satanás (STOTT, 1986, p. 247).
  O céu se recolhe ................................................como (hōs)...... um pergaminho quando se enrola.
107
  Muitos têm rejeitado o Dia Escuro e a queda das estrelas como um cumprimento desta profe-
cia porque eles têm sido compreendidos como eventos naturais. Contudo, Deus frequentemente   Ver o intenso silêncio quando o conteúdo de um testamento está prestes a ser revelado!
108

usa eventos naturais para realizar Seus propósitos (ver Êx 14:21 e a abertura do Mar Vermelho   Um exemplo é o material sobre as trombetas, onde nenhuma observação é feita concernente
109

para Israel). O significado do terremoto de Lisboa, do Dia Escuro e da queda das estrelas em sua ao texto, mas páginas da História são citadas de outros escritores. Veja ibid., 455-87. Note a res-
época apropriada, seu aparecimento em conexão com os anos finais dos 1260 anos de opressão salva na página 455 onde ele indica que mesmo isto foi extraído de uma publicação anônima da
papal antes e depois de 1798. Review and Herald escrita originalmente por Tiago White em 1859.
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

O mesmo Cristo que protege as igrejas (Ap 1–3) também se assenta no tro- Tabela de Alusões (1-4)
no de Deus nos lugares celestiais (Ap 4–5). Ele sabe e cuida quando Seu povo
sofre ou é forçado a percorrer esta vida sozinho por causa de sua fé nEle. Não
é surpreendente, portanto, que o povo de Deus ao longo da Era Cristã tenha Tabela 1 — O Antigo Testamento em Apocalipse 4
encontrado significado para a vida na estranha coleção de imagens que con- Ap 4:1 Ez 1:4, 13, 14
stituem as porções apocalípticas do livro.
Êx 19:24 Ez 10:6-7
Os selos do capítulo 6 fornecem uma impressionante descrição da vida cristã
neste mundo entre a cruz e a Segunda Vinda. O povo sofredor de Deus pode às vez- Ez 1:1, 4 Dn 7:9
es indagar se a realidade não prova ser sua fé uma ilusão. A glória e o brilho parecem Ez 3:12-13 Zc 4:2
residir com os inimigos do evangelho. Mas o fato de que horríveis realidades da Ez 8:1-4
história e experiência terrestres seguem a abertura dos selos no Céu demonstra que Ez 11:1, 24 Ap 4:6-7
essas realidades estão sob o controle do Cordeiro, que já está reinando (Ap 5) e cujo Dn 2:28, 29, 45 (Teod) Sl 18:10-11
reino perfeito logo será consumado (11:15-18) (STOTT, 1986, p. 248).
Dn 7:6-7 Ez 1:5, 6, 10, 13, 18, 22
Para os santos assediados um tratado teológico é muito menos eficiente do
que as imagens apocalípticas de um cordeiro morto que alcança uma vitória Ez 10:1, 12, 14
irreversível. Através da contemplação pela fé desse Cordeiro e Sua vitória, os Ap 4:2-3 Dn 7:2, 3, 10
sofredores e perturbados obtêm coragem para completar sua carreira. Depois Êx 28:17-21
de citar porções de Apocalipse 5 e 7, diz Ellen White (2008, p. 45): 1Rs 22:19 Ap 4:8
2Cr 18:18 Êx 3:14
260 Compreendereis a inspiração da visão? Permitireis que vossa mente se demore 261
no quadro? Não estareis realmente convertidos, e então saireis para trabalhar em Is 6:2 Sl 99:1
um espírito inteiramente diferente do espírito em que tendes trabalhado no pas- Ez 1:26-28 Is 6:2, 3
sado, desalojando o inimigo, demolindo cada obstáculo ao avanço do evangelho, Ez 28:13 Ez 1:6, 18
enchendo os corações com a luz e paz e alegria do Senhor?
Dn 7:9 Ez 10:12
Se permitíssemos que nossa mente se demorasse em Cristo e no mundo celestial, Am 3:13; 4:13 (LXX)
acharíamos um poderoso incentivo e apoio para combater as batalhas do Senhor. Ap 4:4
O orgulho e o amor do mundo perderão seu poder ao contemplarmos as glórias 1Cr 24:4-9 Ap 4:9-10
daquele país melhor que tão logo deverá ser o nosso lar. Comparadas com a amabili-
Is 24:23 1Rs 22:19
dade de Cristo, todas as atrações terrestres parecerão de pouco valor (WHITE, 1887).
Dn 7:9 2Cr 18:18
Há mais uma idéia de decisiva importância. Estamos na História entre Is 6:1, 3
dois terremotos e duas séries de fenômenos celestiais (Ap 6:12-14). Os pressá- Ap 4:5 Dn 4:34; 6:27; 12:7 (Teod)
gios do fim dos tempos já estão em andamento. Embora a aparente demora do Êx 19:16-18
Advento leve muitos a dizer “Até quando?” é confortante saber que do ponto de Êx 25:37 Ap 4:11
vista do Pai, que vê o fim desde o princípio, estamos quase no lar!
Is 6:6 Dn 4:37 (LXX)
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Tabela 2 — O Antigo Testamento em Apocalipse 5 Tabela 3 — O Antigo Testamento em Apocalipse 6


Ap 5:1 Ap 5:8 Ap 6:1-2 Jr 21:6-9* Ez 38:19-20
1Rs 22:19 Sl 141:2 Sl 45:3-7 Jr 24:10 Jl 2:10*
2Cr 18:18 Is 24:23 Hc 3:8-9 Jr 29:17-18 Jl 2:28-31
Is 6:1 Ez 1:5, 10 Zc 1:8-17* Ez 5:12, 17* Am 8:8, 10*
Is 29:11 Dn 7:18, 22, 27 Zc 6:1-8* Ez 14:15-21* Na 1:5-8*
Dn 8:26 Ez 29:5-8 Ag 2:6-9*
Dn 12:4, 9 Ap 5:9-10 Ap 6:3-4 Ez 33:27*
Ez 2:9-10 Êx 19:6 Êx 32:27 Os 8:1 Ap 6:15-17
Sl 33:3 Dt 7:22-25 Os 13:14* Gn 3:8*
Ap 5:2-3 Sl 40:3 Dt 9:1-5 1Rs 22:19*
Êx 20:4 Sl 96:1 Jz 7:20-22 Ap 6:9-11 2Cr 18:18*
Dt 5:8 Sl 98:1 Sl 45:3-4 Gn 4:10-11 Sl 2:2*
Dn 7:10 Sl 144:9 Is 19:2 Êx 29:12 Sl 33:16
Dn 12:4, 9 Sl 149:1 Is 26:3-4 Lv 4:7* Sl 34:15-18
Is 42:5, 10 Is 57:19-21 Lv 17:11* Sl 46
262 Ap 5:4-5 Dn 7:14, 27 (v. 9) Zc 14:13 Dt 32:43* Sl 47:8* 263
Gn 49:9-10 Dn 7:18, 22, 27 (LXX) 2Rs 9:7* Sl 76:4-10
Is 11:1, 10 Ap 6:5-6 Sl 79:5, 10* Is 2:10-11*
Dn 7:10 Ap 5:11-12 Lv 26:26 Is 6:1ss* Is 2:17-21*
Is 24:23 Dt 7:13 Is 57:1-2 Is 6:1*
Ap 5:6 Ez 1, 5, 10 Dt 11:14 Dn 8:13 Is 24:21-23*
Is 24:23 Dn 7:10 Dt 28:51 Dn 12:6, 7, 13 Is 34:12*
Is 53:7 2Rs 7:1 Os 4:1* Jr 4:20*
Jr 11:18, 19 Ap 5:13 Jr 2:3 Hc 1:2 Os 10:8*
Ez 1:5, 10, 13 Êx 20:4 Ez 4:16-17* Jl 1:15
Zc 3:9 1Rs 22:19 Dn 5:27 Ap 6:12-14 Jl 2:1
Zc 4:2, 6, 10 2Cr 18:18 Os 2:8, 22 Sl 102:25-26 Jl 2:11
Is 6:1 Am 8:11-12 Is 13:10-13* Jl 2:31*
Ap 5:7 Dn 7:27 Is 34:4* Na 1:6*
1Rs 22:19 Ap 6:7-8 Is 50:1-7* Sf 1:14, 15, 18*
2Cr 18:18 Ap 5:14 Pv 5:5 Is 54:10 Sf 2:2-3*
Is 6:1 Is 24:23 Jr 14:12* Jr 4:23-27* Ml 3:2*
Dn 7:13 Ez 1:5, 10 Jr 15:2-3* Ez 32:7-8*
Estudos selecionados em interpretação profética Os sete selos

Tabela 4 — Apocalipse Sinóptico e Apocalipse 6 Referências

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Ap 6:3-4 Mt 24:6, 7, 10 Guerra


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of the Bible, 4).
Lc 21:9, 10, 16, 25

Ap 6:5-6 Mc 13:8 Fome


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MOUNCE, R. H. The book of Revelation. Grand Rapids: Eerdmans Publishing, 1977.

Os santos selados e
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of the New Testament. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1964, v. 3. Esboço do capítulo
1. Introdução
SCHRENK, G. biblion. In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. (Eds.). Teological Dictionary 2. Temas/alusões à aliança
of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans Publishing, 1964. v. 4. 3. Correlativo quiástico
4. A grande tribulação
5. O selamento
SMITH, U. Daniel and the Revelation. Battle Creek; Review and Harold, 1897.
6. Comentário sobre Apocalipse 7
7. Os 144 mil e a grande multidão
STOTT, J. W. The cross of Christ. Downer’s Grove: InterVarsity, 1986. 8. Características dos selados
9. Algumas preocupações teológicas
266 STRAND, K. A. Interpreting the Book of Revelation. Naples: Ann Arbor Publ., 1972.
Sinopse editorial. Apocalipse 7
é um dos mais importantes segmen-
     . Two aspects of Babylon’s judgment portrayed in Revelation 18. Andrews
University Seminary Studies. v. 20, p. 53-60, 1982.
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Ocorre como um interlúdio entre
o sexto e o sétimo selos. Sendo que
WATERHOUSE, D. The opening of the seven seals, Rev 4:1–8:1. (trabalho não publi- os eventos dos sexto selo se esten-
cado) Berrien Springs: Andrews University, 1983. dem além do fechamento da porta
da graça, incluindo a segundo vinda
de Cristo, é óbvio que o período de
WHITE, E. Review and Herald, v. 64, n. 45, 1887. tempo do interlúdio teria de cobrir a
última porção do tempo de prova no
sexto selo. Ele responde à pergunta
     . Testemunhos para igreja. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 8.
dos lábios relutantes dos impeni-
tentes: Chegou o grande dia da ira
divina, “e quem é que pode suster-se?”
Os adventistas têm geralmente
acreditado que o anjo do selamento
de 7:2-3, que sela o povo de Deus do
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fim dos tempos (enquanto as outras forças angélicas seguram os ventos do distúrbio da aliança até que Deus finalmente intervém e domina. Apocalipse 7 desenvolve
e agitação), deve ser identificado com a obra do terceiro anjo de 14:9-11. Ambos os temas da aliança anunciados nos capítulos precedentes.
têm uma mensagem mundial, ambos apresentam essa mensagem no mesmo seg-
mento de tempo — antes do retorno de Cristo, e ambos lidam com a verdade do As sete igrejas: alusões à aliança
sábado. Um o anuncia como o selo da lei de Deus dos Dez Mandamentos; o outro As mensagens às sete igrejas introduzem o tema da aliança, tendo Jesus
adverte contra a aceitação de um falso sábado, a marca da besta. como suserano (“O Soberano dos reis da Terra”, 1:5) exortando as igrejas
Neste estudo a autora se expande sobre o que está envolvido na obra de se- a serem fiéis ao seu Soberano mesmo até a morte (2:10).2 As promessas
lamento, as características dos selados e o período de tribulação que enfrenta às igrejas podem ser vistas como bênçãos da aliança, e as ameaças como
os santos selados (os 144 mil) quando os ventos da agitação e perseguição maldições da aliança. A grande violação contra a qual se adverte é a apos-
forem soltos, seguidos finalmente pelas sete últimas pragas. Embora os ad- tasia (perda do amor, 2:4; apatia, 3:1; e mornidão, 3:16; ou em termos da
ventistas tenham geralmente separado os 144 mil da grande multidão vista aliança de um matrimônio, fornicação, 2:14, 20; cf. 14:8; 17:1-2).
diante do trono na cena final do interlúdio, a evidência favorece a crença de Punições por violação da aliança incluem excomunhão (2:5; 3:16), guerra (2:16)
que eles são um e o mesmo grupo. Isto é, os 144 mil selados simbolizam a e morte (2:23). As bênçãos da aliança incluem a dádiva das vestiduras brancas (3:5),
grande multidão de todas as nações, tribos e línguas que permanecerão leais livramento da hora da provação (3:10), um lugar no templo de Deus (3:12) e o
a Deus no conflito final da grande controvérsia entre Deus e Satanás. Estes nome de Deus na fronte (3:12) — todos evidentes no capítulo 7.
finalmente estarão vitoriosos diante do trono de Deus e do Cordeiro.
Embora os santos selados estejam expostos à “ira” do dragão e de suas Bênçãos/maldições da aliança como predições
agências associadas, eles são sustidos e protegidos por Deus que, selando-os, os Tanto no Pentateuco quanto em Apocalipse as bênçãos e as maldições da
reconhece como sua própria e valiosa possessão. Sua virtude principal será uma aliança são, de certa forma, predições, descrevendo as futuras nsequências da
268 fé imbatível e inflexível que está firmada na pessoa e nas promessas de Cristo. obediência ou desobediência. A Torá narra a dádiva da aliança; o restante do 269
Antigo Testamento é o relato do que acontecia a Israel quando eles obedeciam
ou violavam a aliança. O livro do Apocalipse segue um padrão semelhante.
Introdução
A primeira unidade, como a Torá, esclarece a aliança,3 enquanto o restante
Apocalipse7 retrata a segurança dos servos de Deus no meio da crise final do livro fala do que ocorreria em consequência da adesão à aliança ou violação
da Terra. Este segmento da série dos selos ocorre como um interlúdio entre da mesma. Os 144 mil das 12 tribos de Israel (isto é, a igreja) em pé com o
os eventos cataclísmicos do sexto selo e o silêncio do sétimo. A fim de com- Cordeiro sobre o monte Sião (Ap 14:1) são os fiéis; a prostituta Babilônia é Israel
preender o seu significado, exploraremos várias áreas neste estudo.

Temas/alusões à aliança 2
  Como tem salientado William H. Shea, todos os elementos da aliança são encontrados no
Apocalipse: identificação do rei suserano (1:5), recital dos seus atos de benevolência conferin-
O livro de Apocalipse (em comum com a literatura apocalíptica não in- do-lhe o direito à lealdade de seus vassalos (v. 5), estipulações ou ordens exigindo lealdade a
spirada) mostra como as promessas da aliança de um glorioso futuro serão fi- ele somente (2:10), provisões para depositar o documento do tratado e lê-lo (1:3), e bênçãos e
nalmente cumpridas para o povo de Deus.1 Revela a história como um conflito maldições sobre aqueles que guardam ou violam a aliança (as promessas e ameaças às sete igrejas).
Shea (1983, p. 71-84) analisa a estrutura das mensagens da aliança às sete igrejas. Mais estudo
entre as forças do bem e do mal, a última causando grande devastação ao povo precisa ser dedicado ao desenvolvimento do tema da aliança no restante do Apocalipse.
3
  A maior parte de Apocalipse 1 lembra a entrega da aliança no Sinai. Jesus “nos libertou dos
nossos pecados” (v. 5) como Ele libertou Israel do cativeiro; “pelo seu sangue” sugere o sangue do
1
  O problema que a literatura apocalíptica enfrenta é o aparente fracasso da aliança. A aliança cordeiro pascal na véspera do livramento de Israel. Ele “nos constituiu reino, sacerdotes para o seu
entre Deus e Israel estipulava que se eles observassem os mandamentos seriam recompensados; se Deus” (v. 6) como Israel deveria ser “reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19:6). Jesus apareceu a
não o fizessem, seriam punidos. Mas muitas vezes parecia que os mais fiéis eram perseguidos. Veja João com uma “grande voz, como de trombeta” (v. 10) recordativo do clangor de trombeta no Sinai
a discussão de D. S. Russell (1964, p. 181-183) da relação da apocalíptica com a profecia que falhou. (Êx 19:18). A reação de João prostrado lembra o temor de Israel diante da esmagadora teofania.
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(simbolizando novamente a igreja) em apostasia.4 O livro narra em vívidos de- sido fiéis à aliança, mas que têm sofrido perseguição da igreja apóstata. “Até
talhes o conflito resultante entre o fiel e o apóstata Israel. quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o
nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (6:10).
Os selos: alusões à aliança Esses fiéis clamam ao seu Suserano por justiça. Como “Soberano Sen-
A unidade dos selos, de que o capítulo 7 é o clímax, descreve o resultado das hor, santo e verdadeiro”, Ele se comprometeu a ser fiel às suas promessas da
bênçãos e maldições sobre as igrejas. Primeiro é visto o Suserano em seu trono, aliança.7 O clamor urgente dos mártires por justiça se torna essencial para
circundado pelo arco-íris da aliança, merecedor de adoração porque Ele criou o restante do livro.8 À sua indagação, “Até quando?” é dada a resposta, “até
todas as coisas (4:2-11). O Cordeiro também é digno de adoração por causa do que seus conservos e seus irmãos que haviam de ser mortos como eles mes-
seu supremo ato de benevolência — morrer para redimir o seu povo (5:6, 9, 12). mos tinham sido estivessem completos” (6:11, grego).
Sendo que Ele os tomou de todas as nações e tribos e os constituiu um reino, Do texto não está claro se o seu número ou caráter deve ser feito comple-
eles respondem em adoração e lealdade à aliança (5:9-10). to, sendo que a palavra número não está no texto grego. Em qualquer caso
O Cordeiro então toma o livro dAquele que está “sentado no trono” (5:1, 7-8) e é tentador ver em Apocalipse 7 o cumprimento desta promessa. Os servos
abre os seus selos um por um. Ao fazê-lo, o futuro da igreja se desdobra nas bênçãos de Deus estão completos em número (144 mil) e em caráter (eles estão sela-
e maldições da aliança. O cavalo branco personifica a bênção da aliança da conquis- dos na lealdade da aliança a Deus). A grande multidão diante do trono está
ta: a igreja vitoriosa saindo para vencer (6:2; cf. Lv 26:7-8 — a bênção da aliança da vestida de vestiduras brancas (7:9). Eles experimentam a bênção suprema
vitória sobre os inimigos). Aqui estão representadas as conquistas da igreja apostólica. da aliança, habitando com Deus em seu santuário (cf. Êx 25:8), isto é, eles
Os cavalos vermelho, preto e amarelo são personificações simbólicas das servem a Deus “no seu santuário” (en tō naō autou) enquanto Ele estende o
maldições da aliança resultantes da apostasia: espada, fome, pestilência, e morte seu tabernáculo sobre eles (skēnōsei ep’ autou, 7:15; cf. 21:3).
pelas feras selvagens (6:3-8; note o resumo no final do verso 8).5 Sendo que as Assim, Apocalipse 7 realça o fato de que no meio da apostasia Deus tem o
270 igrejas não têm ouvido as advertências de Cristo (Ap 2–3), elas têm se tornado seu verdadeiro Israel, leal a Ele, que resistirá no conflito com o mal e receberá 271
sujeitas às ameaças da espada e da morte (2:16, 23).6 as bênçãos finais da aliança.
Sempre que as maldições da aliança entram em efeito, o remanescente
justo também sofre (como Daniel e seus amigos durante o cativeiro). Sob o Correlativo quiástico
quinto selo, o clamor ressoa das “almas debaixo do altar” — aqueles que têm
A unidade nos selos na primeira parte de Apocalipse (4:1–8:1) é ecoada por
uma unidade correspondente perto do fim do livro (19:1–21:8). A primeira po-
deria ser chamada os selos históricos, a última poderíamos denominar os “selos”
4
  Para a figura da prostituta Babilônia, João inspira-se expressivamente no quadro do Antigo Testa-
mento de Israel como a mulher prostituta de Yahweh. A linguagem da aliança é usada para mostrar escatológicos. Os “selos históricos” são numerados de um a sete; igual número
a violação do voto matrimonial por Israel. Zacarias retrata a “impiedade” de Israel como uma oc- dos “selos escatológicos” é assinalado pela fórmula “e eu vi” (kai eidon). Donde
ulta mulher babilônica (Zc 5:5-11). Isaías (1:21), Oséias (2:2, 4), Jeremias (3:1-3; 8-9), e especialmente é possível combiná-los exatamente. Dentro desta estrutura há uma visão pa-
Ezequiel (16:15-34) descrevem o apóstata Israel que, como a esposa de Yahweh, se tornou a maior ralela ao capítulo 7 que lança luz sobre ela. Este diagrama é adaptado do arranjo
prostituta da Terra, sujeita à ira de Deus da aliança. Também dois dos poderes da “falsa trindade” — o
dragão, a besta e o falso profeta, que parodiam a Trindade celestial — são cristãos apóstatas, imitando
literário desenvolvido por William H. Shea (1988):
Jesus Cristo e o Espírito Santo. “A besta”, à semelhança do Cordeiro, foi ferida de morte, e curada ou
ressuscitada (13:3). A terceira besta era semelhante a um cordeiro e tinha poder para comunicar vida a
uma imagem. Por estas figuras João está dizendo que estes poderes hostis eram pseudocristãos.
5
  Ver Ez 14:21 — os “quatro maus juízos” de Deus baseados nas maldições da aliança de Lv 26:22, 25, 26.
6
  As maldições estão inerentes na própria apostasia, sendo que desviar-se de Deus leva à 7
  O significado veterotestamentário de verdadeiro e verdade “lealdade a uma palavra penhorada
discórdia, fome, fome pela palavra de Deus (o trigo e a cevada), à pestilência da heresia, e ou propósito, fidelidade” (CHARLES, 1920, v. 1, p. 85-86).
à morte por animais selvagens, posteriormente descritos em Apocalipse 12, 13 e 17 como 8
  O brado do altar mostra a justiça de fazer seus perseguidores beber sangue (16:4-7). Estas
perseguição dos fiéis por uma trindade de animais ferozes. mesmas pessoas eventualmente se assentarão sobre tronos para julgar seus perseguidores (20:4).
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Estrutura quiástica dos selos 6:9-11 5 20:4-6 5


Almas debaixo do altar mortas por seu Almas mortas pelo testemunho de Jesus
Os sete selos históricos Os sete “selos” escatológicos testemunho para Jesus clamam a Deus voltam à vida e são elevadas ao trono
Capítulos 4–5 Cena do santuário 19:1-10 Cena do santuário para que vingue o seu sangue dos ha bi- onde elas mesmas efetuam o juízo.
tantes da Terra. É-lhes dito que es perem;
Um trono com Deus sobre ele. Quatro Vinte e quatro anciãos e quatro seres viventes recebem vestiduras brancas.
seres viventes e 24 anciãos o adoram. Lou- adoram o que está assentado sobre o trono.
vam ao Cordeiro. Voz do trono, trovão. Bodas do Cordeiro. Voz do trono, trovão. Observações: As almas debaixo do altar são finalmente elevadas e se assentam sobre tronos. Os
que clamavam a Deus para que julgasse seus perseguidores recebem eles mesmos o poder de julgar.
Observações: Inicialmente Deus é louvado pela criação; no fim do tempo por sua obra de juízo.
A princípio o Cordeiro é louvado por resgatar o seu povo; no final sua esposa é louvada por se 6:12-17 6 20:11 6
preparar para as bodas do Cordeiro. O céu recolhe-se como um pergaminho Terra e céu fogem da presença dAquele
6:1-2 1 19:11-16 1 que se enrola. Reis, generais, povos, se es- que se assenta no grande trono branco.
condem da face dAquele que se assenta
Cavalo branco com cavaleiro que tinha Cavalo branco com cavaleiro que tem espa- no trono e do Cordeiro.
arco e coroa. Ele sai vencendo. da, faz guerra. Tem diadema sobre a cabeça.
Observações: Antes da segunda vinda de Cristo a abóbada do céu desaparece, expondo o mun-
Observações: No início da Era Cristã, Jesus conduz sua igreja a vitórias iniciais. No final do
do ímpio à presença de Deus no Seu trono e à ira do Cordeiro. No fim dos mil anos o mundo
tempo Jesus consuma a vitória sobre seus inimigos.
ímpio outra vez é levado a juízo diante do trono de Deus.
6:3-4 2 19:17-18 2 Capítulo 7 Interlúdio 20:12-15 7
Ser vivente convida “Vem”. Cavaleiro so- Anjo convida “Vem” às aves para comer 144 mil de Israel são selados. Grande multi- Mortos estão diante do trono; livros são
272 bre o cavalo vermelho tira a paz da Ter- a carne de capitães, cavalos e cavaleiros. dão está diante do trono louvando a Deus abertos. É aberto o livro da vida. Mortos 273
ra; os homens se matam uns aos outros. pela salvação. Não mais fome, sede; Deus julgados pelo que está escrito nos livros.
Cavaleiro tem espada. enxuga as lágrimas dos olhos. Cordeiro Morte e Hades lançados no lago de fogo.
Observações: A igreja em apostasia (vermelho, cor do pecado) introduz contenda. No final, conduz às águas vivas. Deus habita com eles.
aqueles que mataram são eles mesmos mortos e comidos pelos abutres.
8:1 7 21:1-8; 22:1 Interlúdio
6:5-6 3 19:19-21 3
Cordeiro abre o sétimo selo (tornando Nova Jerusalém desce. Deus habita com
Cavaleiro do cavalo preto tem balança na Besta e falso profeta que enganaram os possível abrir o livro. Há silêncio no céu o Seu povo; enxuga as lágrimas; não mais
mão. Trigo e cevada vendidos por preço adoradores da besta são lançados no lago por meia hora. morte, pranto, dor. Água da vida para os
exorbitante; azeite e vinho em perigo. de fogo. sedentos. O tabernáculo de Deus está
Observações: A igreja apóstata que causou uma fome pela Palavra (trigo e cevada),e ameaçou ob- com os homens.
scurecer o Espírito e o evangelho (azeite e vinho), é finalmente lançada no lago de fogo. Observações: A abertura do sétimo selo remove a última barreira à abertura do livro. O silêncio no
6:7-8 4 20:1-3, 7-10 4 céu por meia hora poderia se aplicar ao silêncio do Céu ao serem os vivos levados a juízo diante de
Cristo em sua segunda vinda. (Isto parece ser uma cena de juízo porque o seu correlativo quiástico
Ser vivente convida “Vem”. Morte so bre Anjo com chave e corrente segura o dragão, é uma cena de juízo.) No fim dos mil anos mortos são levados a juízo diante do trono e julgados se-
o cavalo amarelo, seguida pelo Hades, re- lança-o no abismo, e sela-o para que não gundo os livros de registro. O livro da vida também é aberta, revelando quem está salvo e quem está
cebe poder para matar a quarta parte da possa mais enganar as nações. perdido. (Os interlúdios.) A julgar pelos contextos, o período de tempo de cada interlúdio parece
terra à espada, pela fome, pestilência e claro. Apocalipse 7 descreve a segurança dos santos durante as cenas ligadas à segunda vinda, ao
animais selvagens. passo que Apocalipse 21 mostra a segurança dos santos no final dos mil anos. Apocalipse 7 descreve
as 12 tribos do Israel fiel; Apocalipse 21 descreve a noiva/cidade (assinalada com os nomes das 12
Observações: Satanás, cavalgando a igreja apóstata, intensifica a obra de destruição enquanto seu tribos). Em ambos os eventos Deus habita com eles. Eles não têm fome nem sede, porque Deus dá-
cúmplice, Hades, engole os mortos. No final o próprio Satanás é lançado no abismo e confinado ali. lhes água viva. Dor, pranto e morte não mais existem. Deus enxuga as lágrimas de seus olhos.
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Os selos históricos parecem começar na ascensão/glorificação de Cristo (5:6, 9) tribulação daqueles dias o sol escurecerá, [...] Então, aparecerá no céu o sinal do
e terminar com a Segunda Vinda (6:16-17; 8:1) Os “selos” escatológicos começam Filho do homem (ver Mt 24:15-30; Mc 13:14-20).
no Segundo Advento (19:11ss.) e terminam no final dos mil anos (21:1-8). Há cenas
de juízo tanto no Segundo Advento quanto no fim dos mil anos, em que o mundo Daniel identifica três ocasiões em que o “sacrilégio desolador” invadiria a terra
rebelde está sendo levado a juízo diante de Deus em seu trono. santa ou o templo e atacaria o povo da aliança: (1) a destruição de Jerusalém (Dn
Por ocasião de cada evento os justos estão seguros. No Segundo Advento 9:24-27); (2) a opressão do povo da aliança quando eles cairiam “pela espada e pelo
eles já estão selados (7:3); no juízo executivo, eles são achados escritos no liv- fogo, pelo cativeiro e pelo roubo” pelo “tempo, dois tempos e metade dum tempo”
ro da vida (20:12, 15). Ambos os “interlúdios” retratam alívio da angústia. No (11:31-35; 7:25); e (3) um ataque final no “tempo do fim” (11:40–12:1).
primeiro caso, da grande tribulação (7:14); no último, de todas as aflições da Jesus parece misturar estes dois eventos, referindo-se claramente à destru-
vida (21:4). Cada vez Deus provê alívio habitando com o seu povo, enxugando ição de Jerusalém (Mt 24:15-20; cf. Lc 21:20) e a um mais longo período de
as lágrimas de seus olhos, e saciando-lhes a sede com a água da vida. perseguição posterior (Mt 24:21, veja também a “apostasia” dos versos 9-10,
uma alusão a Dn 11:34b-35). Da mesma forma que a presença dos romanos nas
A grande tribulação áreas sagradas de Jerusalém assinalou um tempo para a fuga do povo de Deus
nos tempos apostólicos, e o anticristo se assentando no templo/igreja de Deus
Apocalipse 7:1-3 descreve um tempo em que os quatro ventos da terra estão (2Ts 2:3-4) assinalou um tempo de grande perseguição na Idade Média, assim o
prestes a serem soltos para danificar a terra, o mar e as árvores. O verso 14 se ataque final de Satanás contra a igreja do fim dos tempos (Ap 12:17; 13:15-17)
refere à “grande tribulação” — presumivelmente o mesmo evento. precipitará a grande tribulação dos últimos dias.
A grande tribulação é primeiramente mencionada em Daniel 12:1 no con- Outra referência a “tempo de angústia” está em Jeremias 30:5-7: “Ah!
texto do ato final do “rei do norte”, que sai com grande furor para “destruir e Que grande é aquele dia, e não há outro semelhante! É tempo de angústia
274 exterminar a muitos” enquanto se prepara para atacar o “glorioso monte santo” para Jacó; ele, porém, será livre dela.” 275
(Dn 11:44-45). Isto é o que desata o tempo de angústia ou tribulação (thlipsis Jeremias estava predizendo os horrores do cativeiro babilônico quan-
em Daniel 12:1, Septuaginta, e Apocalipse 7:14). to a afligir os judeus, em termos da angústia de Jacó quando ele enfren-
tou um ataque pelo exército de Esaú. A angústia de Jacó, quando ele
Sairá com grande furor, para destruir e exterminar a muitos. Armará as suas ten- lutou com um anjo, tem vindo a simbolizar o tempo de angústia que o
das palacianas entre os mares contra o glorioso monte santo. [...] Nesse tempo, se
povo de Deus experimentará nos últimos dias.
levantará Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo, e haverá
Assim, a tribulação final é tipificada por várias tribulações anteriores: o
tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo;
cativeiro babilônico (descrito em termos da angústia de Jacó), o ataque dos
mas, naquele tempo, será salvo o teu povo. (Dn 11:44–12:1).
romanos contra Jerusalém, e a perseguição durante o “tempo, dois tempos e
metade dum tempo” do período medieval (538-1798). Todos esses eventos,
João usa simbolismo semelhante para descrever os santos que estão com o
mencionados no livro de Daniel, são caracterizados por ataques inimigos
Cordeiro sobre o monte Sião tendo sido anteriormente atacados por poderes
contra o santuário e o povo de Deus.
hostis do mar e da terra que os havia condenado à morte (Ap 14:1; 13:1, 11, 15).
A grande tribulação final é também mencionada como a “hora da provação
Jesus também se referiu à tribulação mencionada por Daniel, aplicando-a
que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a
à destruição de Jerusalém e a um subsequente longo período de perseguição.
terra” (Ap 3:10). Os habitantes da Terra poderiam ser os ímpios em geral, mas
Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, pode representar mais especificamente os cristãos apóstatas (veja nota de ro-
no lugar santo [...] então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes. dapé 23). Estes serão provados e achados em falta.
[...] porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do Um estudo de Apocalipse 7 revela que Deus tem feito amplas provisões
mundo até agora não tem havido, nem haverá jamais. [...] Logo em seguida à para proteger, nutrir e confortar o Seu povo durante esse tempo. A grande
Estudos selecionados em interpretação profética Os santos selados e

tribulação pode ser um tempo de intimidade especial com Deus se o seu Propriedade
povo tiver formado o hábito de achegar-se “confiadamente, junto ao trono O selamento ou marcação de animais, objetos e homens, indicava posse ou
da graça” e louvá-lo durante as crises da vida. propriedade. As pessoas eram frequentemente selados por marcas sobre o cor-
po: a orelha de um servo era furada para mostrar que ele pertencia ao seu senhor
O selamento para sempre (Êx 21:6); a circuncisão era uma marca sobre o corpo mostrando
que Israel pertencia a Yahweh (Gn 17:9-12). O sumo sacerdote no santuário
Antes de vir a grande tribulação sobre o mundo, um anjo é comissionado a israelita usava uma mitra com uma lâmina sobre sua testa gravada com as pala-
selar o povo de Deus na fronte. vras “Santidade ao Senhor” (Êx 28:36-38), indicando sua consagração especial
a Deus. Sendo que os santos são chamados sacerdotes em Apocalipse (1:6; 5:10;
Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo, e clamou
20:6), a marca em sua fronte sugere esta consagração a Deus.
em grande voz aos quatro anjos, aqueles aos quais fora dado fazer dano à terra
e ao mar, dizendo: Não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até Isaías descreveu a alegria de ser marcado por Deus: “Um dirá: Eu sou do
selarmos na fronte os servos do nosso Deus. (7:2-3) Senhor; outro se chamará do nome de Jacó; o outro ainda escreverá na própria
mão: Eu sou do Senhor, e por sobrenome tomará o nome de Israel” (44:5). In-
Enquanto os santos recebem o selo de Deus, seus inimigos recebem uma marca versamente, Deus grava Sião nas palmas das suas mãos (49:16).
sobre a mão direita ou sobre a fronte, conhecida como “a marca da besta” (16:2). O selamento, portanto, é um assinalamento do povo como pertencente a
Deus, Sua possessão (FITZER, 1971, p. 939-953). Semelhantemente, aqueles
A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, que são marcados com o nome da besta são a propriedade da besta.
faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte, para que
ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da Proteção
276 besta ou o número do seu nome (13:16-17). O selamento era um sinal não somente de posse, mas também de pro- 277
teção. Tudo o que é chamado pelo nome de alguém se encontra sob a pro-
Selar ou marcar as pessoas e as coisas tinha os seguintes significados nos teção bem como a autoridade do proprietário. O conceito de uma marca ou
tempos bíblicos: selo para indicar proteção é tão antigo como o sinal em Caim (Gn 4:15). O
sangue do cordeiro pascal aspergido sobre as ombreiras da porta dos lares
Semelhança de caráter israelitas era um sinal para o anjo destruidor de que ele deveria passar por
O selo de Deus consiste do nome de Deus sobre a fronte. “Ao vencedor, alto seus lares (Êx 12:7, 12-13). A visão do juízo de Ezequiel mostra um es-
[...] gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, [...] e o meu novo nome” critor com um tinteiro colocando uma marca sobre os fiéis para protegê-los
(3:12). “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com Ele cento e da morte pelo executor (Ez 9:4-5) (BETZ, 1971, p. 657-664).
quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai” O selo de Deus destina-se a proteger os santos dos poderes demoníacos
(14:1). “Contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele” (22:4). que torturam os homens de sorte que eles procuram a morte em vez da vida
A marca da besta consiste do nome da besta sobre a fronte ou sobre a mão (Ap 9:4-6). Também os santos são protegidos das sete últimas pragas, que
(13:17). Na Antiguidade, um nome significava muito mais do que um rótulo. Repre- caem apenas sobre os adoradores da besta (16:2). O selo, portanto, protege
sentava o caráter. Quando Deus proclamou o seu “nome” a Moisés, Ele descreveu o os santos da derrota pelo inimigo e dos juízos de Deus. Não os protege da
seu caráter: misericordioso, compassivo, longânimo (Êx 34:5-7). Assim, a recepção ira da besta (13:15, 17). Semelhantemente, a marca da besta protege seus
da marca da besta e do selo de Deus, consistindo dos nomes da besta e de Deus, seguidores da perseguição da besta, mas não da ira de Deus (14:9-11).
denota conformidade com o caráter de Satanás ou de Deus. No conflito final, todos
portarão a imagem do demoníaco ou do divino (ver NEALL, 1983, p. 149-153).
Estudos selecionados em interpretação profética Os santos selados e

Genuinidade Questão: obediência/desobediência. No Apocalipse, aqueles que têm a marca


O selamento também indica genuinidade. No mundo antigo, vasos, casas, da besta são postos em contraste com “os que guardam os mandamentos de Deus”
sepulturas e documentos eram selados como uma garantia contra violação (14:9-12). Donde parece que o ponto de debate marca-selo tem a ver com a violação
ou alteração (FITZER, 1971, p. 939-953). O selo denota confiabilidade (Jo dos mandamentos de Deus por um lado, e a observância deles por outro.
6:27). Os santos são selados para torná-los a própria possessão inviolável Poder do anticristo em oposição à lei de Deus. O poder do anticristo é citado
de Deus (2 Co 1:22; Ef 1:13-14; 4:30). O selo sobre os santos garante sua frequentemente como sendo oposto à lei de Deus. “Cuidará em mudar os tempos e
imunidade à apostasia e sua segurança eterna durante a grande tribulação a lei” (Dn 7:25); ele lança a verdade por terra (8:12) e odeia a “santa aliança” (11:28,
(HOEKSEMA, 1969, p. 259). Seu caráter está fixado em lealdade a Deus. 30, 32), que se baseia nos Dez Mandamentos (Dt 4:13). Em 2 Tessalonicenses 2, ele
Como vencedores, levando o nome de Deus em sua fronte, eles nunca mais é repetidamente chamado “o iníquo” ou “mistério da iniquidade” (v. 3, 7-9).
saem do Seu templo (Ap 3:12). Sendo justos, eles são justos ainda (22:11). Quarto preceito envolvido. A ordem no capítulo 13 para adorar a besta e rece-
ber a sua marca é contrariada pela ordem no capítulo 14 para adorar “Aquele que fez
Significado de fronte e mão o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (v.7), uma alusão ao quarto manda-
A fronte e a mão como os lugares para receber a marca e o selo são significativos. mento: “Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles
Estes termos são primeiramente mencionados no Pentateuco (Êx 13:9, 16; Dt 6:5-8; há” (Êx 20:11). A maneira de adorar a Deus como Criador é observar o seu sábado
11:18, 20) em conexão com os mandamentos de Deus: “Também as atarás como em memória de sua obra da criação (Gn 2:1-3).
sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos” (Dt 6:8). Sábado: selo da lei de Deus. O sábado no coração da lei corresponde ao
O contexto indica que isto significa a resposta total da mente, emoções, carimbo ou selo do suserano no centro de antigos documentos de tratados.
e comportamento. “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, O sábado é um sinal ou selo da autoridade de Deus como Criador, sendo
de toda a tua alma e de toda a tua força” em todas as atividades da vida, quer a esfera de Sua autoridade “os céus e a terra” (Êx 31:17; 20:11; Gn 2:1-3).
278 ensinando ou conversando, assentado ou andando, deitando-se ou se levan- A observância do sábado torna-se assim um selo sobre aquele que tem a 279
tando (Dt 6:5-8). A fronte simboliza a mente, o pensamento-vida; e a mão imagem de Deus, proclamando a absoluta soberania de Deus sobre ele e sua
direita indica os feitos ou ações. consagração à aliança de Deus (Kline, 1963, p. 18-19).
Ambos os poderes rivais desejam controlar a mente e o comportamento. To- Sábado: um sinal que distingue. O sábado é chamado o sinal de Deus
dos os seguidores do Cordeiro têm o nome de Deus sobre a fronte, ao passo que (sinal e selo são sinônimos, como em Romanos 4:11). Sua observância pelo
os seguidores da besta têm a marca sobre a fronte (indicando crença, lealdade) povo de Deus os distingue daqueles que estão fora da aliança.
ou somente na mão (indicando obediência forçada sem assentimento mental).
Certamente, guardareis os meus sábados; pois é sinal entre mim e vós nas vossas
Os mandamentos de Deus na controvérsia da marca-selo gerações; para que saibais que eu sou o Senhor, que vos santifica. [...] Entre mim
Um estudo da marca da besta (Ap 13 e 14) e do selo ou nome de Deus (7:2- e os filhos de Israel é sinal para sempre; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus
3; 14:1) revela que os mandamentos de Deus são um assunto básico no conflito. e a terra, e, ao sétimo dia, descansou, e tomou alento (Êx 31:13-17).
A lei de Deus substituída pela da besta. A marca sobre a mão direita ou
sobre a fronte (13:16) é uma alusão a Deuteronômio 6:6-8, onde Deus ordenou Também lhes dei os meus sábados, para servirem de sinal entre mim e eles,
a Israel que atasse os seus mandamentos (especialmente os Dez Mandamentos para que soubessem que eu sou o Senhor que os santifica. [...] Santificai os
já revistos, Dt 5) “como sinal na tua mão, e [...] por frontal entre os olhos”. Essa meus sábados, pois servirão de sinal entre mim e vós, para que saibais que
injunção os judeus cumpriam literalmente no uso de filactérios. Donde a marca eu sou o Senhor, vosso Deus (Ez 20:12, 20).
sobre a mão ou fronte significa a escrita das leis de Deus na mente e no compor-
tamento do seu povo. O uso da fronte e da mão pela besta sugere uma paródia
da ordem de Deus: a substituição da lei de Deus pelas leis da besta.
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Reforma do sábado no tempo do fim. O livro de Apocalipse aponta para Preparação para o selamento do fim dos tempos
uma grande obra de reforma do sábado nos últimos dias.9 Enquanto o anjo A melhor preparação para o selamento está contida na mensagem à igreja de
do selamento de Apocalipse 7:2-3 imprime sobre os fiéis o sinal externo de Filadélfia, que correlaciona de perto com o capítulo 7.11 A esta igreja é dado o priv-
sua fidelidade a Deus —a observância do verdadeiro sábado —, o primeiro e o ilégio da porta aberta (3:8) — a porta para a sala do trono e o seu sempre vivo sumo
terceiro anjos de Apocalipse 14 exortam o mundo a adorar o Criador e evitar sacerdote (Hb 4:14-16; 7:25). É difícil para eles “subir para lá”, eles presumem que a
a marca da besta, isto é, guardar o verdadeiro sábado e não o dia substituto cidade celestial desce para eles (3:12), dando-lhes fácil acesso a Deus.
de adoração (v. 6-12).10 Esta é a prova final que determinará o destino de todo Esta é uma maneira pitoresca de descrever uma vida devocional ativa. As
ser humano. O próximo acontecimento é o aparecimento do Filho do homem qualidades que eles têm que lhes asseguram que serão guardados da hora da
sobre as nuvens para ceifar a seara da Terra (Ap 14–20). provação (v. 10) são que eles amam a palavra, não negam a fé (v.8), e suportam
pacientemente (v. 10). São exortados a conservar estas qualidades, para que não
Tempo do selo percam sua coroa (v. 11), e estar entre os vencedores (v. 12). Nenhum conselho
Quando o povo de Deus é selado? Ao longo de toda a história, o povo de Deus melhor poderia ser dado hoje aos servos de Deus.
tem tido o seu selo. Jesus tinha o selo de Deus (“porque Deus, o Pai, o confirmou
com o seu selo”, Jo 6:27). Deus tem posto o seu selo sobre o seu povo (2Co 1:22); o Comentário sobre Apocalipse 7
Espírito Santo é o agente que sela, e a posse do Espírito é a garantia de vida eterna Precedendo Apocalipse 7, está um quadro de um mundo aterrorizado
(Ef 1:13-14). O propósito do selamento é tornar alguém seguro para a eternidade, o levado a juízo diante do trono de Deus e do Cordeiro, clamando: “É vindo
“dia da redenção”; mas alguém pode perder esta segurança entristecendo o Espírito o grande dia da sua ira; e quem poderá subsistir?” (o sexto selo, 6:16-17).
(Ef 4:30). Assim, parece que os santos de todas as eras têm sido selados. Qual, então, O capítulo 7 consiste de dois segmentos que contrastam a preparação dos
é o significado e o propósito do selamento de Apocalipse 7? santos com o pânico do mundo condenado. O primeiro segmento ou visão
280 Embora o povo de Deus através dos séculos tenha sido selado, Ele tem tido (7:1-8) mostra que somente aqueles que estão selados subsistirão no dia da 281
selos especiais para crises especiais. Por exemplo, o sangue nas ombreiras dos ira prestas a irromper sobre o mundo. O segundo (7:9-17) mostra o triunfo
lares israelitas no tempo do Êxodo era, em certo sentido, um selamento espe- dos redimidos ao saírem da grande tribulação.
cial. Exatamente assim, o anjo do nascente do Sol sela os servos de Deus a fim
de prepará-los para a maior tribulação da história (7:1-3). O selo em sua fronte Versos 1-3
garante sua estabilidade de caráter: justo, eles serão justos ainda (22:11). O selo Significado dos símbolos. Inicialmente, quatro anjos são descritos como
escatológico é a sua proteção especial durante a crise final. O conflito sobre a estando nos quatro cantos da Terra segurando os quatro ventos até que os ser-
marca-selo nos últimos dias tem a ver com um conflito entre os poderes de vos de Deus estejam selados em sua fronte (7:1, 3). No pensamento apocalíptico,
Cristo e do anticristo. Cada indivíduo terá o selo de Deus ou a marca da besta, os anjos têm controle sobre os elementos (aqui sobre os ventos; também sobre
indicando fixidez de caráter à imagem de Deus ou de Satanás. o fogo e a água, 14:18; 16:5). Os quatro ventos representam guerras e contendas
permitidas por Deus e produzidas por agentes humanos.12 É dito que os ventos

11
  Note as analogias: guardados “da hora da provação” (3:10); “vêm da grande tribulação” (7:14). “Eu
escreverei sobre ele o nome do meu Deus” (3:2); “selados . . . na fronte” (7:3). Feito “coluna no santuário
do meu Deus, e daí jamais sairá” (3:12); “o servem de dia e de noite no seu santuário” (7:15).
9
  A reforma do sábado do tempo do fim pelo povo de Deus em um mundo dominado pela 12
  Jeremias usou os quatro ventos como símbolos de destruição — o mal, a espada e o furor
Babilônia espiritual pode ser vista como um paralelo à reforma do sábado do antigo Israel da ira de Deus — desencadeados contra as nações por Nabucodonosor (Jr 49:35-37). Daniel
liberto do exílio babilônico (Is 58:12-14). descreve quatro ventos agitando o mar grande — uma figura do tumulto entre as nações quando
10
  Urias Smith (1897, p. 466-467) acreditava que o anjo do selamento de Ap 7 e o terceiro os quatro grandes poderes estavam para surgir (Dn 7:2). Às vezes as nações eram destinadas a
anjo de Ap 14 eram idênticos. serem espalhadas para os quatro ventos do céu (Dn 11:4), isto é, estarem à mercê dos poderes
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ameaçam a terra, o mar e as árvores (v. 1, 3), sendo as árvores especialmente Propósito do selamento. A finalidade do selamento não é proteger os
mencionadas por causa de sua vulnerabilidade às tempestades. servos de Deus do perigo ou da morte, sendo que muitos morrerão sob as
Simbolicamente, quando a terra e o mar estão justapostos, terra frequente- perseguições do anticristo (14:13; 17:6). Mais propriamente é protegê-los da
mente representa o mundo ordenado, ou mesmo a terra de Israel, ao passo que mar força destruidora das sete últimas pragas (16:1-2; cf. Ez 9:6).
se refere às nações gentílicas que a ameaçam, como o mar ameaça a terra.13 Árvores Os selados já são “servos de [...] Deus” (v. 3), mas seu caráter precisa
em simbolismo se referem a indivíduos e nações poderosas; erva à vida humana ser fixado para que sendo justos, sejam justos ainda (22:11), incapazes
transitória.14 Ambas são vulneráveis às calamidades prestes a ocorrer; todavia a erva de compromisso com os poderes do anticristo (13:15-17; 14:1). É por
verde e as árvores sob a proteção divina não podem ser danificadas (9:4). meio da obra do selamento que a promessa a Filadélfia é cumprida: “Eu
A esta altura outro anjo sobe do nascente do Sol (significando oriente) com te guardarei da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro,
a ordem de segurar os ventos até que os servos de Deus estejam selados (7:2-3). para experimentar os que habitam sobre a terra” (3:10).
A glória divina é frequentemente manifestada no oriente.15 Em contraste com Nesta passagem os ventos são retidos — o dia do Senhor é adiado — porque
os anjos que descem do céu iluminando a Terra com a sua glória (10:1; 18:1-2; uma obra deve ser feita na vida do povo de Deus (cf. 2Pe 3:8-10). Aqui está um
20:1), este sobe do Sol nascente, sugerindo que a obra de selamento que ele inicia fator que contribui para a aparente demora do Advento.17
na obscuridade da aurora e aumenta em esplendor como o sol da manhã ir-
rompendo sobre o horizonte. O caráter de Deus, transformando secretamente o Versos 4-8
coração de seus servos, finalmente é enaltecido em sua fronte (14:1), dando ao Em sua visão João ouviu o número dos selados: 144 mil de todas as tribos de
mundo sua última revelação da glória de Deus.16 Israel, 12 mil de cada tribo. O nome Israel lembra a noite de luta de Jacó com o anjo
e o novo nome que lhe foi dado, “lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste”
(Gn 32:28). Israel é, portanto, um nome adequado para os santos do Apocalipse,
282 destruidores. Assim os ventos de Ap 7 vindos dos quatro da Terra eram destrutivos. frequentemente chamados vencedores (2:7, etc.; 15:2; 21:7). O Israel de Deus vence 283
13
 Para terra como a terra santa, veja Êx 20:12; Sl 37:11 (cf. Mt 5:5). O mar no pensamento completamente o pecado de dentro e o inimigo de fora.
antigo tornou-se a incorporação da esfera de calamidades sendo que está ligado ao abismo
(heb. tehôm, gr. abussos). É o habitat do dragão (Is 27:1; 51:9; Sl 74:13-14) e animais predatórios
A igreja: Israel espiritual. Israel deve se referir ao Israel espiritual — a ig-
surgem dele (Dn 7:2-3; Ap 13:1) (BÖCHER, 1978, p. 982-985). Águas significam multidões, reja — em vez de os judeus ou somente os cristãos judeus, sendo que os que de-
nações e línguas (Ap 17:15). No mar o poder da água hostil a Deus e aos homens se opõe ao vem ser selados são os “servos do nosso Deus” (v. 3), aqueles que são de Cristo
povo de Israel. O rugir do mar e das ondas significa o tumulto das nações (Sl 65:7; ver Lc 21:15). (1:1), judeus e não judeus igualmente. Semelhantemente, em 14:1 os 144 mil
O Apocalipse divide os inimigos de Deus em dois grupos: habitantes da terra e do mar (12:12),
são os seguidores do Cordeiro, todos os que têm o seu nome na fronte. O Novo
os primeiros (chamados “aqueles que habitam sobre a terra”) sendo o professo povo de Deus
mas realmente cristãos apóstatas, e os últimos o vasto mundo não cristão. Testamento afirma repetidamente que a herança de Israel pertence à igreja.18
14
  Árvores (também videiras) nas Escrituras são usadas como parábolas do povo. Israel é uma
árvore da plantação de Deus (Ez 17:5ss.; Is 65:22; Os 14:5-6; Lc 13:6-9; Mt 21:19; Rm 11:16ss.). O
Egito era uma árvore florescente a ser derrubada (Ez 31:2-11); Deus é contra os elevados cedros
do Líbano e os carvalhos de Basã. Ambos, os justos e o ímpios florescem como árvores (Sl 1:3; ostentada exteriormente e o nome divino que foi escrito em segredo pelo Espírito de Deus em seu
37:35=36), embora os ímpios sejam cortados. Nabucodonosor foi comparado a uma grande ár- coração é agora imprimido abertamente em sua fronte pelo próprio anel de sinete do Deus vivo. No
vore (Dn 4:10ss.) Veja também Juízes 9:7-15, a parábola das árvores. reinado do anticristo bondade e maldade, justiça e pecado, entram em sua mais plena manifestação e
A vida humana é transitória como a erva (2Rs 19:26; Sl 90:5-6; 103:15-16; Mt 6:30; Tg 1:10-11; 1Pe antagonismo. O caráter finalmente entra no estágio da finalidade” (1:206). Ellen White (1999, p. 415-
1:24. A erva verde de Ap 9:4 se refere àqueles que têm o selo de Deus (ver HILLYER, 1976, p. 210-211). 416) escreve de um modo semelhante: “Os últimos raios da luz misericordiosa, a última mensagem
15
  O Éden está localizado ali (Gn 2:8); a glória de Deus retornou do oriente ao templo (Ez de graça a ser dada ao mundo, é uma revelação do caráter do amor divino. Os filhos de Deus devem
43:2); o Sol da Justiça surge trazendo cura nas suas asas (Ml 4:2); Jesus em Seu segundo ad- manifestar Sua glória. Revelarão em sua vida e caráter o que a graça de Deus por eles tem feito”.
vento vem do oriente (Mt 24:27; Ap 16:12). 17
  Em resposta à pergunta “Até quando?”, Apocalipse 6:11 sugere que um número deve ser con-
16
  Charles comenta decididamente: “Nas vésperas desta epifania de Satanás, Deus sela seus servos na stituído. Lucas 14:23 sugere que Deus quer que sua casa esteja cheia. Mateus 24:14 diz que o
fronte para mostrar que eles são sua própria possessão. [...] Em seu mais profundo sentido este sela- evangelho será proclamado a todo o mundo antes de vir o fim.
mento significa a manifestação exterior do caráter. A bondade oculta dos servos de Deus é finalmente 18
  Veja Mt 21:43; Rm 8:28-29: Gl 3:29; 6:15-16; Tg 1:1; 1Pe 2:9-10.
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Segue-se que Israel é coextensivo com toda a igreja — o povo da aliança, fiel a grande multidão saindo dela (v. 9-14); mas não há nenhuma descrição da tribu-
Deus em um mundo hostil de cristãos apóstatas e não cristãos. lação em si. Esta é descrita posteriormente no livro onde a guerra (12:17), um
Número simbólico: 144 mil. O número 144 mil (12 x 12 x 1000) baseia-se decreto de morte (13:15-17, e muito martírio são mencionados (17:6).
no número 12 do reino. O número sugere perfeita simetria e completude bem
como a vastidão da multidão dos selados. Doze é o número do antigo Israel, Versos 9-12
baseado nas 12 tribos. É também o número da igreja, construída sobre os 12 A grande multidão. No segundo segmento do capítulo 7 João vê uma
apóstolos. A Nova Jerusalém, estruturada para representar o Israel do Antigo grande multidão em pé diante do trono, louvando a Deus. Em contraste com os
e do Novo Testamento, tem 12 portas com os nomes dos 12 patriarcas, e 12 precisamente numerados 144 mil, este grupo não pode ser numerado. Em lugar
fundamentos contendo os nomes dos 12 apóstolos (21:12-14; cf. Ef 2:20-21). As das 12 tribos de Israel estão pessoas de todas as nações, tribos, povos e línguas.
dimensões da cidade estão em múltiplos de 12 (21:16-17). A grande multidão está diante do trono e do Cordeiro cantando: “Ao nosso
A grande cidade quadrada é projetada para acomodar o “quadrado vazio” Deus, [...] e ao Cordeiro, pertence a salvação” (v. 9-10).
de santos que entrarão por suas portas pelos nomes de suas respectivas tribos, A multidão contrasta com os reis da terra, grandes homens, generais, e seus
12 mil por cada porta. Isto sugere que todos os que entram pelas portas de exércitos (6:15-17). A primeira se deleita em estar diante do trono e do Cord-
pérolas serão designados para uma tribo, talvez com base no caráter (veja Gn eiro; a última não pode suportar a visão. A primeira está vestida de vestiduras
49 para uma descrição preliminar dos seus traços). A mistura das tribos e dos brancas; a última procura se cobrir com as rochas e montanhas.
apóstolos na estrutura da cidade sugere a unidade da igreja de Deus. Judeus e Fonte da tribulação. Ao desenvolver João os pensamentos iniciais intro-
gentios unidos em um (Ef 2:14, 18-22). O número 144 mil deve assim ser com- duzidos aqui, torna-se evidente que os reis e generais são os que guerreiam con-
preendido como um símbolo da unidade, perfeição e completude da igreja de tra o Cordeiro e o seu povo (17:12-14; 19:18-19). Eles têm causado a “grande
Deus — completa porque o número se completou (6:11). tribulação” — os ventos destruidores contra os quais os servos de Deus foram
284 Listagem tribal. A listagem das tribos por João é diferente de qualquer out- selados. Nessa batalha o Cordeiro combate — “o Cordeiro os vencerá” (17:14; 285
ra das Escrituras (7:5-8). Os nomes não são dados de acordo com a idade ou cf. 19:15). O papel principal dos fiéis é estar com Ele (17:14c). Portanto eles
posição social ou origem por parte de mãe (cf. 35:22-26). Judá toma a posição clamam: “A salvação pertence ao nosso Deus [...] ao Cordeiro!” (7:10).
principal, sem dúvida porque Jesus tem sido apresentado como “o Leão da tribo Ante este clamor, a hoste celestial que circunda o trono prostra-se e adora
de Judá” (Ap 5:5). Dã é omitido, possivelmente por causa do caráter de Dã — a Deus com uma sétima atribuição de louvor (7:11-12). A salvação dos peca-
uma serpente mordendo os calcanhares do cavalo (Gn 49:17), e porque Dã se dores, custosa como tem sido, leva de volta a Deus uma ceifa de bênção, glória,
tornou um centro de idolatria no reino do norte (1Rs 12:29-30). Estes pecados, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força. A efusão de amor que esvaziou
porém, eram comuns a todo o Israel. Na literatura judaica não inspirada, Dã os recursos do Céu retorna em uma onda excepcionalmente grande de louvor.
está associado ao pecado e a Satanás.19 Para compensar a omissão de Dã da O trono, que se acha no centro do Universo, está para sempre seguro porque
lista, João insere Manassés, embora ele devesse ser incluído em José. Realmente, somente o amor tem poder e força supremas.
então, o nome de José está simbolizando a tribo de Efraim, os descendentes do
seu filho mais novo. As irregularidades na listagem das tribos confirmam a con- Versos 13-14
clusão de que as tribos não deveriam ser compreendidas literalmente. A grande multidão: marcas de identificação. Um dos 24 anciãos pede a
Assim, a primeira visão de Apocalipse 7 retrata os servos de Deus prestes João que identifique a grande multidão e diga como ela atingiu a sala do trono
a entrar na tribulação (simbolizados pelos 144 mil, v. 4-8), e a segunda uma de Deus. João não tem nenhuma ideia. A pergunta é significativa, e o ancião
prossegue respondendo à sua própria pergunta, sendo que o grupo jamais havia
surgido antes na sala do trono. Nos capítulos 4 e 5, é descrita a disposição da sala
 Em Testamentos dos Doze Patriarcas (Dã 5:5-6), Dã fala de seus filhos que eles praticaram o mal
19 do trono: o trono de Deus no centro, circundado pelos quatro seres viventes, os
porque seu príncipe é Satanás. Esta pode ser a origem da lenda patrística primeiramente proposta por Iri- 24 anciãos, e as hostes de anjos.
neu, e depois por Hipólito, de que o anticristo viria da tribo de Dã (ver CHARLES, 1920, v. 1, p. 208-209).
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Os 24 anciãos haviam anteriormente louvado a Deus pelas multidões 51:7. Mas usar sangue para alvejar é exclusivo de João. Talvez um contraste
de todas as tribos e nações que tinham sido redimidas pelo Cordeiro (5:8- possa ser visto aqui: Jesus manchou suas vestes em nosso sangue — Ele se
9). Agora a vasta multidão aparece diante do trono, um novo elemento no tornou pecado por nós —para que nossas vestes pudessem se tornar bran-
templo de Deus. O ancião explica a João: ”Estes são os que vieram da grande cas em seu sangue — nele nos tornamos justiça de Deus (2Co 5:21).22
tribulação” (7:14), em outro lugar chamada “um tempo de angústia, qual
nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo” (Dn 12:1). Eles su- Verso 15
portam a ira de todos os poderes do inferno; eles vencem no conflito final “Razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de
entre os exércitos do Céu e os exércitos da Terra (19:14, 19-20). noite no seu santuário.” Suas vestes brancas os habilitam a ministrar dia e noite
Para estar no templo diante do trono de Deus, eles devem usar brancas vesti- no templo de Deus.23 Assim é cumprida a promessa a Filadélfia: “Ao vencedor,
mentas sacerdotais. Eles são, realmente, sacerdotes para Deus (1:6; 5:10; 20:6). A fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá” (3:12).
veste branca, simbolizando caráter justo,20 quer seja vestido ordinário (himatia leu- “E aquele que se assenta no trono estenderá sua tenda sobre eles” (v. 15, NIV).24
ka, 3:18), vestes sacerdotais (stolas leukas, 7:9, 13-14, sendo stolē a palavra preferida Esta é uma renovação da promessa da aliança de que Deus habitaria no meio do seu
na Septuaginta (LXX) para a veste sacerdotal) (WEIGELT, 1975, p. 316-317), ou a povo (Lv 26:11; Zc 2:10-11; cf. Êx 25:8). “Meu tabernáculo [tenda] estará com eles;
veste nupcial da esposa do Cordeiro (bussinon lampron katharon, 19:8). Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Ez 37:27). Mas em Apocalipse 7:15 a
A veste é obtida durante esta vida (3:18). No juízo ela assegura a retenção figura é um pouco diferente: Ele estenderá sobre eles a sua tenda.
do nome de alguém no livro da vida (3:5). É outorgada como vindicação para O termo “estender sua tenda” em hebraico está relacionado com a palavra Shek-
aqueles que foram injustamente condenados pelos tribunais terrestres (6:9-11). inah, a glória ou presença de Deus que repousa sobre o seu povo como o sinal de
A veste conservada imaculada nesta vida será retida na era vindoura. “Andarão Ssua presença, como a coluna de nuvem e de fogo os abrigava em suas vagueações no
de branco junto comigo, pois são dignos” (3:4). Todos devem lavar suas vestes a deserto (Êx 13:21). Isaías descreve a coluna de nuvem e de fogo como uma coberta
286 fim de entrar na cidade pelas portas (22:14). ou pavilhão estendido sobre o povo de Deus para protegê-los da tempestade (4:5-6) 287
Lavados pelo sangue. A grande multidão “lavaram suas vestiduras e (BEASLEY-MURRAY, 1974, p. 148). Davi expressou um ponto de vista semelhante
as alvejaram no sangue do Cordeiro (7:14). João se deleita em tão impres- em Salmo 27:4-5 no dia da adversidade enquanto exércitos estavam acampados
sionantes contrastes.21 Vestes lavadas no sangue são mencionadas no Antigo contra ele e malfeitores o assaltavam. Deus o esconderia em seu pavilhão, sob a
Testamento: o Senhor vem em vestes carmesim, Ele pisa sozinho o lagar e proteção de sua tenda. Ali no templo de Deus ele contemplaria a beleza do Senhor
mancha suas vestes no sangue (Is 63:1-3). A ideia de lavar pecados escarlates (como faz a grande multidão diante do trono). As fontes veterotestamentárias de
a fim de que sejam brancos como a neve é encontrada em Isaías 1:18 e Salmo Apocalipse 7:15 falam de estar com Deus durante a tribulação. O verso sugere então
em retrospecto que Deus estenderá Sua glória sobre Seu povo como uma tenda para
protegê-los da tempestade, a grande tribulação.
20
  Ver Is 61:10; Dn 11:35; 12:10; Zc 3:3-4; Mt 22:11-12; Ap 19:8.
21
  Algumas das outras impressionantes imagens de João são as seguintes: O Filho do homem apas-
centará (poimanei — cuidará ternamente de, 7:17). Seus inimigos com um cetro de ferro como vasos
de oleiro são despedaçados (19:15) — acentuada ironia tem-se em vista. Outras contradições 22
  O sangue do Cordeiro é um agente poderoso, capaz não somente de lavar as vestes de alguém
aparecem com a designação de Jesus como Cordeiro: o Leão da tribo de Judá é um cordeiro morto e branqueá-las, mas libertar-nos dos nossos pecados (1:5), pagar o preço da redenção (5:9) e
(5:5-6). Os grandes e os pequenos da Terra pedem para serem escondidos da ira do Cordeiro (6:16). vencer as acusações de Satanás (12:11).
Semelhantemente, os adoradores da besta serão atormentados com fogo e enxofre na presença do 23
  Note que quando Arão e seus filhos foram consagrados ao sacerdócio suas vestes foram as-
Cordeiro (14:10). O Cordeiro apascentará o seu povo (7:17). Uma besta semelhante a um cordeiro fala pergidas com sangue (Lv 8:30). Lavar as vestes com sangue era assim parte do ritual sacerdotal.
como um dragão (13:11). Os dois principais antagonistas do livro, o Cordeiro e a besta, são ambos 24
  Do verbo skēnoō (acampar, armar uma tenda).O verbo grego, coincidentemente, tem as mesmas
formas diminutivas em grego (arnion de arēn e thērion de thēr, donde “pequeno cordeiro” e “pequena consoantes do equivalente hebraico škn, da qual a palavra Shekinah (a presença de Deus) é derivada. A
besta”). Embora os termos possam ter perdido o seu sentido diminutivo quando João os usou, há pos- ideia é que Deus arma Sua tenda, ou habita, com o Seu povo. O uso neotestamentário do verbo está limi-
sivelmente um traço de ironia nos termos: isto é, “pequeno cordeiro ou cordeirinho indica o poder da tado aos escritos joaninos. A palavra acampa na carne humana (Jo 1:14); Deus estende sua tenda sobre
suavidade, e “pequena besta” a fraqueza da força. o Seu povo (Ap 7:15); finalmente a tenda de Deus está com a humanidade e Ele habita com eles (21:3).
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Versos 16-17 Mas enquanto o Filho de Deus serve o seu povo, o próprio Pai realiza
Estes versos são derivados de Isaías 49:10, descrevendo o retorno de Israel um comovente serviço. Embora Ele sempre tenha parecido remoto, sentado
do exílio babilônico:25 sobre o trono, aqui Ele se inclina para enxugar as lágrimas dos olhos do Seu
povo (7:17; cf. 21:4). Esta declaração é extraída da seção apocalíptica de
Jamais terão fome, nunca mais terão sede, Isaías (caps 24-26), descrevendo a devastação da Terra sob a ira de Deus, e o
não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum, seu amor protetor para o Seu povo: “Tragará a morte para sempre, e, assim,
pois aquele que se compadece deles os conduzirá, enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos” (25:8).
e os guiará para as fontes da água da vida.
Os 144 mil e a grande multidão
A fome, sede e calor sugerem a agonia da anterior marcha da morte de Is-
rael para o exílio babilônico. A grande multidão experimenta uma marcha da Tem havido muita especulação sobre a identidade dos 144 mil e a grande
morte semelhante ao longo da tribulação, tendo sede de Deus no horror de sua multidão de Apocalipse 7. O seguinte é uma análise das principais opiniões.
aparente ausência. Então o Cordeiro parece guiá-los como um pastor para as
fontes da água viva, um tema favorito joanino (Jo 4:14; 6:35; 7:37). Opinião 1 — judeus literais celibatários com gentios
Beber água viva significa satisfazer a sede espiritual indo a Cristo para o A opinião do Israel literal é mantida grandemente pelos dispensacionalis-
preenchimento do Espírito (Jo 4:13-14; 7:37-39; Ap 22:17). Disse Jesus: “O que vem tas. Eles creem que depois do arrebatamento da igreja, 144 mil judeus se con-
a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” (Jo 6:35). Em Apoc- verterão ao cristianismo e evangelizarão o mundo levando a grande multidão
alipse as fontes de água viva se revelam ser o rio da água da viva (22:1ss.). para Cristo. Os 144 mil serão protegidos da tribulação pelo selo, mas a grande
João relembra as ricas fontes ao retratar Cristo como pastor.26 “O Senhor multidão será martirizada, suas almas aparecendo diante do trono de Deus
288 é o meu pastor; nada me faltará. [...] Leva-me para junto das águas de descan- depois de terem eles “saído da grande tribulação” (PENTECOST, 1958, p. 214, 289
so” (Sl 23:1, 2); “Como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os seus braços 297-298, 300; WALVOORD, 1966, p. 143-146).
recolherá os cordeirinhos e os levará no seio; as que amamentam Ele guiará Há sérias dificuldades com este ponto de vista. Tal distinção entre cristãos
mansamente” (Is 40:11). No quarto evangelho, Jesus chama a si mesmo o bom judeus e gentios não é extraída de outra parte do Apocalipse. Todos os “servos
pastor cujas ovelhas o seguem porque lhe reconhecem a voz (Jo 10:4ss.). de [...] Deus” devem ser selados (v. 3), quer sejam judeus ou gentios. Os 144
O texto contém mais surpresas. “O Cordeiro no meio do trono serão seu mil são identificados como aqueles que seguem o Cordeiro (14:1, 4), de sorte
pastor, e [...] os guiará para as fontes de água viva.” A posição do Cordeiro no que todos os fiéis devem ser incluídos. Todos os vencedores têm o selo em sua
trono fala de glória e majestade; sua obra em guiar as ovelhas fala de suavidade, fronte (3:12; 22:4). O selo deve ser coextensivo com o perigo, e deve, portanto,
serviço e abnegação. Jesus revela a majestade do serviço humilde. abranger toda a comunidade cristã (CHARLES, 1920, v. 1, p. 200). Além disso,
quando João escreveu, a maioria das tribos não mais retinha sua identidade.
A ideia de que as almas dos mártires gentios (que se imagina ser a grande
multidão) vão para o Céu por ocasião da morte não é apoiada pelo Apoc-
alipse. Os mártires não voltam à vida até o início dos mil anos (20:4). Até
25
  Muitas das fontes literárias do Antigo Testamento para Apocalipse 7 são extraídas de refer-
ências aos cativeiros egípcio e babilônico. O horror do exílio de Israel e a alegria do livramento, então eles “descansam das suas fadigas” (14:13).
do Egito e de Babilônia, se tornam tipos da tribulação final e livramento do povo de Deus. As ex-
periências Egito/Babilônia eram tal parte da mentalidade do autor que proveram uma importante Opinião 2 — santos da última geração contrastados com redimidos de todas
fonte das imagens de todo o livro. Por exemplo, as pragas, o cântico de Moisés (15:2), e sustento as épocas
no deserto (12:6) são alusões ao êxodo do Egito, ao passo que a secagem do rio Eufrates (16:12) Alguns mantêm a opinião de que os 144 mil são os fiéis que são selados ao lon-
e o chamado para sair de Babilônia (18:4) alude ao êxodo de Babilônia.
26
  A figura de um Cordeiro apascentando seu rebanho não é tão incongruente como parece, sendo que
go da crise final, ao passo que a grande multidão são os salvos de todas as eras (por
às vezes as ovelhas e o gado são treinados para conduzir o rebanho (BEASLEY-MURRAY, 1974, p. 149).
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exemplo MOUNCE, 1977, p. 171; SMITH, 1897, p. 470-471). Embora esta seja uma depois de ter seguramente chegado ao Céu. Eles raciocinam que no primeiro seg-
compreensão razoável do texto, o exame cuidadoso revela alguns problemas. mento (v. 1-8) João ouve o número dos selados, mas no segundo (v. 9-17) ele vê que
Urias Smith pensava que a pergunta do ancião, “Quem são estes [...]?” do eles realmente são uma grande multidão que ninguém pode enumerar. O número
verso 13 se refere aos 144 mil em vez de à grande multidão. Ele afirma que João 144 mil é simbólico da vastidão da inumerável multidão.
já conhecia a identidade da grande multidão — os fiéis de todas as nações, res- A nação de Israel com suas 12 tribos significa a multidão do Israel espir-
suscitados dos mortos na segunda vinda de Cristo. Assim a descrição feita pelo itual de todas as nações e tribos. A obra de selamento é análoga a lavar as ves-
ancião dos santos de vestiduras brancas que vieram da grande tribulação deve tiduras e as alvejar no sangue do Cordeiro. Os ventos soltos sobre o mundo são
se aplicar aos 144 mil (SMITH, 1897, p. 471-472). 27 a figura da grande tribulação. Assim o segundo segmento da visão não é um
Smith divide o capítulo em três partes: os 144 mil, versos 1-8; a grande multidão, contraste do primeiro, mas uma explicação dele. Em outras palavras, a primeira
versos 9-12; e os 144 mil, versos 13-17. Assim, os que vêm da grande tribulação (v. cena (v. 1-8) descreve a igreja sobre a Terra prestes a experimentar a tribulação;
14) são os 144 mil que estão selados contra os ventos. A grande multidão, conforme a segunda cena (v.9-17) a descreve no Céu depois de passada a tribulação.
descrita nos versos 9-12, pode então se aplicar aos fiéis de todas as épocas. Esta opinião é lógica e fiel ao texto. Resolve o problema que surge com
A maioria dos estudiosos, porém, vê somente dois segmentos no capí- uma opinião rigidamente literal dos 144 mil: a arbitrariedade do número
tulo: os 144 mil (v. 1-8) e a grande multidão (v. 9-17). Isto é porque a per- 144 mil dividido em 12 partes iguais, a pequenez do número em vista do
gunta e a descrição do ancião claramente se aplicam à grande multidão — tamanho da igreja mundial, a identidade das tribos perdidas de Israel, e a
eles são aqueles com vestiduras brancas que estão diante do trono de Deus natureza do grupo como machos celibatários (14:4). Positivamente, faz uma
(ver v. 14-15 com o v. 9). Esta compreensão introduz o problema de que a poderosa declaração de que Israel equivale à igreja.
grande multidão não é mais os fiéis de todos os séculos, mas está limitada
àqueles que experimentam a grande tribulação. Opinião 4 — A igreja em tribulação: espiritualmente diante do trono30
290 Para acomodar este problema, alguns redefinem “a grande tribulação” como a Há um problema que a opinião anterior não resolve. Se a segunda cena do capí- 291
perseguição da igreja cristã através dos séculos (HOEKSEMA, 1969, p. 265-266),28 tulo 7 mostra a igreja no Céu depois da vinda de Cristo, então os fiéis de todos os
ou especificamente a perseguição dos mártires de 6:9-11 (cf. Mt 24:21-22). A multi- séculos devem estar presentes ao redor do trono, não somente a geração final. Mas
dão de vestiduras brancas então completa o número dos mártires de vestiduras parece evidente que a grande multidão são apenas santos da tribulação. Por que en-
brancas (7:14; 6:11). Esta acomodação enfraquece o significado de a “grande tribu- tão são os outros ignorados? Além disso, eles servem a Deus “dia e noite dentro do
lação” (específico em grego), uma alusão ao “tempo de angústia, qual nunca houve, seu templo” (v. 15), embora na eternidade não haja noite nem templo (21:22, 25).31
desde que houve nação até àquele tempo” de Daniel (Dn 12:1). Também o ancião não diz (no texto grego) “eles [...] têm vindo”, mas “eles [...] estão
saindo da grande tribulação”.32 A tribulação ainda está em andamento ao ocorrer
Opinião 3 — o mesmo grupo sob diferentes circunstâncias esta cena. Há aqui uma dinâmica que tem sido omitida?
Numerosos eruditos têm concluído que os 144 mil e a grande multidão são o
mesmo,29 sendo o primeiro a igreja militante do fim dos tempos empenhada em
luta sobre a Terra, ao passo que a grande multidão é o mesmo grupo triunfante
30
  A seguinte opinião representa a compreensão pessoal da autora, não o consenso da Comissão de
Daniel e Apocalipse, e é impressa aqui para um estudo mais vasto sem tentar prover contra-argumentos.
27
 Em O Grande Conflito (2005), Ellen White usa os versos 14 a 17 para descrever os 144 mil 31
  Alguns poderiam argumentar que o templo não desaparece até o final dos mil anos.
(648-49). Não está claro se ela acha que o ancião está realmente descrevendo os 144 mil, ou se ela Em qualquer caso parece que quando Deus e seu povo usufruem comunhão face a face, a
assume que os 144 mil são idênticos à grande multidão (descrita na opinião 3 abaixo). imagem do templo não é mais usada.
28
 O SDA Bible Commentary (NICHOL, 1957, v. 7, p. 785) se refere a esta opinião. 32
  A utilização grega do particípio presente, hoi erchomenoi, em vez do aoristo, hoi elthontes.
29
  Alguns dos muitos cujos comentários mantêm este ponto de vista são Beasley-Murray, Caird, Para uma construção semelhante, veja também 15:2 — os que estão em pé no mar de vidro estão
Charles, Kiddle, Ladd, Lenski, Summers, and Swete. O SDA Bible Commentary (NICHOL, 1957, vencendo (tous nikōntas) a besta e sua imagem, não têm vencido. Eles estão ainda empenhados na
v. 7, p. 784)apresenta um caso convincente para este ponto de vista sem assumir uma posição. luta conta a besta quando enquanto estão em pé no mar de vidro.
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Parece ser um modelo recorrente nos escritos joaninos que expõe mais dos famosos pelo double entendre (duplo significado). Por exemplo, Jesus disse: “Em
surpreendentes paradoxos de João. O quarto evangelho é conhecido por seu verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos
conceito de escatologia inaugurada (vida eterna agora).33 O que é literal e real ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” (Jo 5:25). O signifi-
no futuro entra no presente como uma experiência espiritual. O mesmo modo cado futuro está claro — na vinda de Cristo os mortos serão ressuscitados. Mas
de pensamento aparece em Apocalipse. o significado presente está também ali — pessoas espiritualmente mortas são
Os santos reinarão para todo o sempre (22:5), mas mesmo no exílio João agora trazidas à vida por ouvir a voz de Jesus.
participa do reino (1:9). O rio flui através da cidade santa (22:1-2), mas o sed- Se um double entendre for compreendido em Apocalipse 7, a passagem tor-
ento pode beber dele agora (v. 17). Deus habitará com o seu povo face a face na-se pungente de significado. Sendo que a grande multidão ainda está vindo
(21:3; 22:4), mas agora Cristo entra pela porta para cear com eles (3:20). Cristo da tribulação (v. 14), eles ainda não chegaram no Céu; estão ali em espírito.
logo virá com sua recompensa (22:12), mas Ele vem agora à sua igreja (2:5, 16, Sua exclamação, “A Deus pertence a salvação!” (v. 10), torna-se um clamor por
25). A cidade santa descerá do Céu para a Nova Terra (21:2), mas ela desce ajuda. Deus responde estendendo seu tabernáculo sobre eles (v. 15). Enquan-
agora mesmo para aquele que vence (3:12).34 to estão sob o tabernáculo de Deus eles são protegidos dos furiosos ventos da
Em harmonia com este pensamento, João se refere coerentemente aos in- destruição (v. 1) e o calor abrasador da quarta praga (v. 16; ver 16:8).
imigos de Deus como aqueles que “habitam sobre a terra” (13:8), ao passo que Enquanto os habitantes da Terra são batidos pela tempestade e consumidos
a comunidade oposta de santos é chamada “os que habitam no céu” (13:6).35 pela seca, o Cordeiro leva seus seguidores para as fontes de água viva, e enxuga
Morar no Céu é portanto uma experiência presente. Ele também tem frequentes as lágrimas de seus olhos (v. 17). Para os habitantes do Céu, a tribulação é de-
visões dos santos no Céu “diante do trono”, “com o Cordeiro sobre o monte Sião”, spojada de seus terrores. Eles estão “diante do trono de Deus”, e “o servem” por
“sobre o mar de vidro” onde o contexto de cada passagem indica que o conflito seu constante louvor “dia e noite” durante a tribulação (v. 15). A passagem segue
final ainda está em andamento.36 Ele casualmente menciona os santos adorando assim sua fonte do Antigo Testamento: no dia da angústia quando as guerras se
292 no templo durante os 42 meses de opressão (11:1; cf. 7:15). enfurecem contra ele, o crente habita na casa do Senhor, contemplando a beleza 293
A maioria dos intérpretes vê essas como visões “prolépticas” (antecipatóri- do Senhor. “Pois, no dia da adversidade, Ele me ocultará no seu pavilhão; no
as) da bem-aventurança celestial. Certamente elas são. Haverá um dia em que recôndito do seu tabernáculo me acolherá” (Sl 27:3-5, cf. Is 4:5-6).
os fiéis estarão diante do trono louvando a Deus. Mas os escritos joaninos são Como se compreende comumente, a primeira cena de Apocalipse 7 descreve o
preparo para a tribulação, e a segunda cena, o livramento da tribulação, sem nen-
huma menção da tribulação em si. Mas se tem em vista um duplo significado, o
33
  O quarto evangelho fala repetidamente das bênçãos futuras ocorrendo agora: absolvição capítulo diz como os cristãos lidam com a tribulação quando no calor dela — como
no juízo (5:2), ressurreição da morte (5:25), vida eterna (6:47), a vinda de Cristo (14:1 — eles são guardados da hora da provação que virá sobre todo o mundo (3:10).
futuro; 18, 23 — presente). Deus tem posto diante deles a porta aberta para a sala do trono (3:8). Através
34
  Outra vez, um particípio presente, hē katabainousa. de cada crise, como sacerdotes eles correm para o Lugar Santíssimo à própria
35
  “Aqueles que habitam sobre a terra” são sempre os inimigos do povo de Deus. Eles derramam
o sangue dos mártires (6:10), são alvos dos ais das trombetas (8:13), regozijam-se com a morte
presença de Deus e do Cordeiro (7:9). Suas brancas vestes sacerdotais lavadas
das duas testemunhos (11:10), adoram a besta e se maravilham ante ela (13:8, 12; 17:8), são enga- no sangue do Cordeiro os habilitam à plena aceitação por Deus (7:14). Com
nados pelo falso profeta (13:14), e se embriagam com o vinho da prostituta (17:2). A comunidade oração e louvor eles o servem dia e noite no Seu templo (v. 15). Vencem o temor
oposta são chamados “aqueles que [habitam] no céu” (12:12; 13:6). Ao descrever a batalha final, e o desespero bradando os louvores de Deus (v. 10-12). Quando o mundo está
João descreve dois exércitos se enfrentando mutuamente, os exércitos do céu e os exércitos da
queimado pela seca, eles seguem o Cordeiro para as fontes de água viva (v.17b).
terra (19:14, 19). Os exércitos do céu são constituídos dos “chamados e eleitos e fiéis” (17:14), isto
é, os santos. Os exércitos da terra são os inimigos de Deus. Quando eles estão feridos pela tristeza, a mão de Deus enxuga suas lágrimas (v.
36
  Pessoas adoram no templo durante os 42 meses de opressão (11:1-3); os 144 mil estão no 17c). Eles superam suas angústias em vez de serem esmagados por ela porque
monte Sião enquanto a marca da besta está sendo emitida e se adverte conta ela (14:1-5); os vêem os devastadores males da Terra a partir da perspectiva do trono e da so-
vencedores da besta cantam no mar de vidro antes de as pragas serem derramadas (15:2-4); os berania de Deus.
eleitos estão com o Cordeiro quando os reis da terra pelejam contra Ele (17:13-14).
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Características dos selados apascentará e os guiará para as fontes da água da vida.” A liderança solícita de
Jesus em contraste com o cruel domínio da besta.
Apocalipse 14:1-5 apresenta mais uma descrição dos 144 mil santos selados: Sendo que os textos acima indicam um relacionamento Pastor-ovelha, eles
trazem à mente a descrição de Jesus do relacionamento entre Ele e o seu rebanho:
Nome divino na fronte
Eles têm o nome do Cordeiro e do Pai em sua fronte (v. 1). Anteriormente ob- Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas [...]; as ove-
servamos que estar selado com o nome de Deus sobre a fronte significava refletir lhas ouvem a sua voz, Ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as con-
o caráter de Deus; pertencer a Ele como seu servo; ser protegido da ira de Deus; duz para fora [...]; vai adiante delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem
ser genuíno, não sujeito a mudança; ser obediente aos mandamentos; e observar o a voz; mas de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque
sábado como o sinal exterior de fidelidade a Deus como Criador e Redentor. não conhecem a voz dos estranhos. (Jo 10:2-5).

Cantar um novo cântico O “estranho” nos últimos dias é o poder da besta. As ovelhas não o ouvem,
Eles cantam um novo cântico diante do trono (v. 3). Um novo cântico nas mas seguem somente o seu Pastor. Há conforto aqui a despeito da ameaça de
Escrituras indica júbilo pelo livramento de Deus e a vitória. “Cantai ao Senhor morte. As ovelhas são conscientes de que estão sendo cuidadas embora possam
um cântico novo, porque Ele tem feito maravilhas; a sua destra e o seu braço estar sofrendo extrema adversidade.
santo lhe alcançaram a vitória” (Sl 98:1; ver também Sl 98:2-3; 33:3; 40:2-3; 96:1-
4; 149:1-4; Is 42:10). Um novo cântico foi cantado pelos quatro seres viventes e Primícias
os 24 anciãos por ocasião da vitória do Cordeiro (Ap 5:8-10; ver v. 5). “São os que foram redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para
O cântico dos 144 mil é descrito em 15:2-3 como o cântico de Moisés e do o Cordeiro” (v. 4). Nos tempos antigos, antes de uma cultura agrícola ser ceifada,
294 Cordeiro, e celebra a vitória deles sobre a besta e sua imagem. Embora enfrentando os primeiros frutos eram dedicados ao Senhor como reconhecimento de que 295
o decreto de morte do anticristo, eles louvam a Deus pela vitória. Seu cantar é tão o todo pertencia a Ele (Lv 23:9-14). As primícias eram levadas ao templo para
poderoso como o rugido de muitas águas e de grande trovão (14:2). “Ninguém po- uso sagrado (Êx 23:19; Ne 10:35-37). Israel era chamado “santo ao Senhor, as
dia aprender o cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil” (v. 3) porque nin- primícias da sua colheita” (Jr 2:3). Embora todas as nações pertencessem a Deus,
guém experimentou tão grande provação e tão grande vitória como eles. Israel era o seu tesouro especial, sacerdotes para o mundo (Êx 19:5-6). Semel-
hantemente, os santos do fim dos tempos de Apocalipse são o povo especial de
Redimidos da Terra Deus, consagrado a Ele para o serviço do templo (Ap 7:15).
Eles foram redimidos da Terra (v. 3). Sua redenção foi assegurada pelo Há duas possibilidades para a interpretação da expressão “primícias” desta
sangue do Cordeiro (5:9). passagem. Uma é que o Israel de Deus, os 144 mil, estão em contraste com o
mundo em geral (as primícias foram redimidas da humanidade, 14:4).37 A outra
Virgens espirituais é que os 144 mil, como a geração final de santos trasladados na vinda de Cristo,
Eles não se macularam com mulheres, porque são castos (v. 4). As “mul- são contrastados com os fiéis das gerações anteriores que são ressuscitados.38
heres” são posteriormente identificadas como a prostituta Babilônia e suas fil-
has (ver 14:8; 17:4-5; 2:20-23, Jezabel e seus filhos), e representam a religião
apóstata. Ser casto significa guardar-se da apostasia, recusar adorar a besta ou
receber a sua marca, mesmo sob pressão de morte.
37
  Lenski argumenta que os 144 mil foram “comprados dentre os homens”, os habitantes da
Seguidores do Cordeiro Terra que não querem nenhum outro lar. Ele nega que haja qualquer santidade especial ou sal-
Eles são “os seguidores do Cordeiro por onde quer que vá” (v. 4). Aonde ele vação especial deste grupo sobre quaisquer outros crentes (p. 425).
conduz é descrito em 7:17. “O Cordeiro que se encontra no meio do trono os
38
  Este parece ser o ponto de vista de Ellen White (2005, p. 649): “Estes, tendo sido trasladados
da Terra, dentre os vivos, são tidos como as primícias para Deus e para o Cordeiro”.
Estudos selecionados em interpretação profética Os santos selados e

Este ponto de vista também pode ser apoiado pelo texto, sendo que a ceifa dos Os 144 mil, tendo o selo de Deus na fronte, assim refletem diante do mundo
justos é descrita nos versos 14-16.39 sua harmonia de alma com Deus e sua lei.

Verdadeiros e leais Algumas preocupações reológicas


“E não se achou mentira na sua boca” (v. 5). Esta descrição é usada várias vezes
nas Escrituras, quer seja com a palavra dolos (engano, astúcia, traição) ou pseudos Várias preocupações teológicas vêm à tona deste estudo, nem todas as quais
(mentira, falsidade). O salmista descreve o homem justo como sendo sem malícia. podem ser definitivamente esclarecidas.
O que habita no santo monte de Deus (como os 144 mil no monte Sião) “de coração,
fala a verdade” e “não difama com sua língua” (Sl 15:1-3; cf. 32:1-2). Jesus reconhe- Um só povo
ceu Natanael como tal israelita “em quem não há dolo!” (Jo 1:47). Os dados do Apocalipse apoiam o ponto de vista de que Deus tem dois
A ausência de dolo é também uma característica messiânica (1Pe 2:22-23; ex- povos separados na Terra, o Israel étnico e a igreja? A resposta é não. Nosso
traída de Is 53:9). É significativo que mentira em Apocalipse pode significar mais do estudo favorece a opinião de que os 144 mil (selados das tribos de Israel) e a
que falsidade comum, da mesma forma que parthenoi (virgens) significa mais do grande multidão (de todas as nações) do capítulo 7 são idênticos e simboli-
que castidade comum. Uma das características dos poderes do anticristo é o engano zam a última fase da igreja. Em outro lugar no livro João indica que ele tem
(13:14). Os santos são leais ao Deus que é verdadeiro (19:11). em mente apenas um povo, não dois. A mulher vestida do sol (Ap 12) tem
duas funções. Como mãe do Messias, ela é Israel; como povo perseguido, ela
Irrepreensíveis é a igreja. Contudo, há uma mulher, não duas. A Nova Jerusalém combina
“Não têm mácula” (14:5). Imaculado (amōmos) literalmente significa sem os símbolos das 12 tribos (Israel) e os 12 apóstolos (a igreja) em uma cidade
mancha ou defeito. Vem da Septuaginta (LXX) a tradução do adjetivo hebraico (21:9-14). A noiva, a esposa do Cordeiro, é uma. Tudo isso se harmoniza
296 tamîm, significando sem mancha, são, ou saudável quando aplicado aos animais com o ensino de Paulo de que Deus tem derribado a parede da separação 297
sacrificais. Posteriormente a palavra mudou de significado da perfeição ritual entre judeus e gentios e feito deles “um novo homem em vez de dois” (Ef
para a irrepreensibilidade moral e ética (HAUCK, 1967, p. 829; TRENCH, 1948, 2:14-16). A igreja é composta de judeus e gentios convertidos que confiam
p. 379). Ser irrepreensível significava andar com Deus (como Noé e Abraão, igualmente nos méritos do Messias (Gl 3:26-29) e apropriadamente desig-
Gn 6:9; 17:1), e assim experimentar íntima comunhão com Ele. Os Salmos de- nado como “o Israel de Deus” (Gl 6:15-16).
screvem o homem irrepreensível como obedecendo às leis de Deus, andando
em seus caminhos, buscando-o de todo o coração, e deleitando-se em sua von- Nenhuma mudança no plano da salvação
tade (119:1-3, 14; 18:22-23). Onde está a singularidade dos 144 mil — a geração final de santos? Eles não
O uso de amōmos no Novo Testamento segue um modelo semelhante. Jesus são os primeiros a serem selados; santos foram selados nos dias de Paulo. Não
foi o cordeiro sacrifical, sem mácula e sem mancha (1Pe 1:18-19;Hb 9:14). Os são os primeiros a estarem sem engano e irrepreensíveis. Não são os primeiros
santos devem ser o mesmo (2Pe 3:14). “Manchas e máculas” são deleites, bebe- a serem perseguidos, ou seguir o Cordeiro, ou serem redimidos da Terra, ou
deiras, adultério, e cobiça (2:13-14). Um óbvio significado de amōmos, portanto, “cantarem um novo cântico ao Senhor”. A óctupla descrição joanina dos 144
é a libertação dos pecados da carne e paixão que caracterizam os mundanos. mil encontrada em Apocalipse 14:1-5 indica que eles partilham uma herança
Cristo deseja purificar a igreja para que possa apresentá-la a Si mesmo “gloriosa, comum com os santos de todas as eras.
sem mácula, nem ruga, [...] porém santa e sem defeito” (Ef 5:25-27). O que, então, é singular quanto a eles? A geração final de santos atinge um
nível de santidade nunca alcançado antes? Há dois níveis de santidade: um para
a ressurreição e um para a trasladação?
A esta altura é importante esclarecer algumas diferenças entre justifi-
39
  A maioria dos estudiosos concorda que a ceifa dos versos 14-16 significa os justos, ao passo
cação e santificação. Em todas as gerações tem havido apenas um método
que a vindima das uvas dos versos 17-20 se aplica aos ímpios. de salvação: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem
Estudos selecionados em interpretação profética Os santos selados e

de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9). Circunstâncias do conflito final
Deus tem apenas um critério para a salvação: fé nos méritos de um Salvador O que é singular acerca da grande tribulação? O que a torna pior do que qualquer
crucificado. Apenas justificação é o nosso título para o Céu. Pois Deus mu- uma anterior (Dn 12:1)? Ellen White enfatiza dois fatores: viver à vista de um Deus
dar os requisitos na última geração seria injusto. santo sem intercessor com o temor de que nem todos os pecados estão perdoados,
Tendo dito isso, devemos reconhecer que através dos séculos os servos de Deus e a perseguição que culmina no decreto de morte — o segundo causando menos
têm experimentado diferentes níveis de crescimento e experiência. Alguns, como ansiedade do que o primeiro. Descrevendo a aflição do tempo de angústia, ela se
José e Daniel, viveram vidas de extraordinária virtude e influência, não havendo inspira expressivamente na experiência de Jacó quando lutou com o anjo (WHITE,
nenhum pecado registrado contra eles. Outros, como Sansão e Manassés, come- 2005, p. 614-619). Sua ênfase é sobre a luta. Apocalipse 7, contrastando, dá ênfase à
teram crimes horríveis, se arrependendo somente no fim da vida. Alguns serviram saída vitoriosa dos santos da tribulação.
fielmente através do calor do dia, outros apenas na última hora. Nenhum foi salvo Embora as duas descrições pareçam diametralmente opostas uma à outra,
por sua santidade — a santificação não é o meio, mas o resultado da salvação. elas são realmente dois lados da mesma moeda. Em tempos de crise ou angús-
Não deve ser um assunto de preocupação teológica se Deus ergue uma geração tia o maior horror é experimentar a ausência de Deus. Quando Deus não salva,
inteira a uma altura de santidade raramente atingida antes a fim de dar ao mundo quando Ele não faz sentir sua presença, quando sua única resposta às nossas
a última revelação do amor de Deus. Os 144 mil em pé sobre o monte Sião com o interrogações é o silêncio, então a alma é esmagada de dúvida, desespero e tre-
selo de Deus lhes iluminando a fronte são aquele testemunho final a um mundo vas. A grande luta do tempo de angústia é ter fé na simples palavra de Deus sem
chamado a escolher entre a adoração de Deus e a adoração da besta (14:1-12). Em qualquer evidência externa ou interna para apoiá-la. Esta foi a luta de Cristo
vez de um lamentável remanescente — os oito de Noé, os 7 mil de Elias —, Deus quando clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Seu brado
terá um conjunto completo de santos convidando o mundo a sair de Babilônia. triunfante, “Está consumado!”, foi uma vitória de pura fé sem qualquer evidên-
A questão concernente a um estado de impecabilidade depende de o pecado ser cia exceto a palavra de Deus para apoiá-la.
298 definido como ato ou natureza. A última geração viva do povo de Deus certamente Se a nossa interpretação de Apocalipse 7 está correta, ela retrata a el- 299
deve estar isenta de atos pecaminosos voluntários como rebelião contra Deus; toda- evação da alma a Deus por meio da fé. Se podemos nos erguer acima dos
via, eles não perdem sua natureza pecaminosa e corruptível até que sejam revestidos horrores da Terra para a presença de Deus, podemos achar apoio de toda
de incorruptibilidade no Segundo Advento (1Co 15:53). a hoste celestial — ali Jesus conduz às fontes de água viva e Deus enxuga
No livro do Apocalipse os santos estão sempre vencendo (assinalado pelo tempo as lágrimas dos olhos. A ausência ou presença da fé faz a diferença entre
presente no grego); somente Cristo tem vencido (o tempo aoristo).40 Mesmo du- as trevas do Jaboque e a glória da sala do trono. Exercitar esta fé sob a mais
rante as sete últimas pragas os santos ainda estão vencendo a besta e sua imagem extrema pressão é a experiência singular da geração final.
(15:2, grego). Eles ainda contendem com o inimigo de dentro e de fora. Seu maior
pecado, que eles devem vencer durante a tribulação, é falta de fé.41 Contudo, eles Objetivo da visão
estão vencendo, não sendo vencidos. Eles são vitoriosos na luta contra o mal. São Qual é o propósito geral do capítulo 7 no livro de Apocalipse? Sem dúvida ele
perfeitos no caráter — escolheram somente a vontade de Deus — embora ainda es- tinha em vista alertar a igreja para a necessidade de estar pronta para o conflito
tejam cônscios de que têm de vencer sua natureza pecaminosa. Contudo, eles estão final. Os ventos da contenda estão prestes a iniciar sua obra de devastação. Não há
selados e imaculados através dos méritos do Cordeiro (7:14). tempo para adiamento. Ao mesmo tempo a repressão dos ventos mostra a miser-
icórdia de Deus em dar ao seu povo tempo para se preparar. Há também segurança
na mensagem do selamento. O próprio selo é a garantia de que os santos estão seg-
uros. Uma vez estejam eles selados, seu caráter é inviolável, não sujeito a mudança,
40
  Numerosas promessas são feitas “ao que continua vencendo” (o significado linear do tempo pre-
sente) como nas mensagens às igrejas e na reiteração final de 21:7. Contrastando, Cristo venceu (3:21). não importa quão severa a tentação. A perfeição matemática e simétrica dos 144
A única vez em que é dito que os santos venceram é depois que eles estão mortos (12:11). mil indica que o plano de Deus para o seu Israel está perfeitamente concretizado, a
41
  “Tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Aqueles que nunca aprenderam a con- despeito dos eventos que abalam a igreja e o mundo (6:12-17).
fiar em Deus sofrerão a maior aflição durante o tempo de angústia (veja WHITE, 2005, p. 622).
Estudos selecionados em interpretação profética Os santos selados e

Quer alguém aceite o conceito de double entendre [duplo sentido] ou KLINE, M. G. Treaty of the Great King: the covenant structure of Deuteronomy. Grand
não, a visão da grande multidão diante do trono implica em face da sua lin- Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1963.
guagem que Deus abriga e alimenta e conforta o Seu povo durante a grande
tribulação. E embora Apocalipse 7 lide com o conflito final, ele indubitavel-
MOUNCE, R. H. The book of Revelation. Grand Rapids: Eerdmans Publishing, 1977.
mente pode ser aplicado em princípio às provações menores que assaltam o
povo de Deus durante toda a sua jornada terrena.
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13
Estudos selecionados em interpretação profética

WHITE, E. O grande conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005.

O anjo forte e
     . Parábolas de Jesus. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1999.
sua mensagem
William H. Shea

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Descrição e identificação
3. Os sete trovões
4. O juramento

302
Sinopse editorial. Apocalipse
10 abrange o primeiro segmento
de uma passagem parentética que
ocorre entre os relatos da sexta e
sétima trombetas. Esta figura “en-
voltório” é semelhante àquela de
Apocalipse 7 que está entre a apre-
sentação do sexto e sétimo selos.
Em ambos os exemplos os “lados”
(sexto, sétimo selos; sexta, sétima
trombetas) do envoltório literário
lançam luz sobre a localização dos
eventos retratados entre eles.
Importantes ideias para a inter-
pretação desta profecia são desc-
obertas quando ela é comparada
com as imagens e tema de Daniel
12:4-12. Sobre esta base o livrinho
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

aberto na mão do anjo é identificado como o outrora selado livro de Daniel; o Apocalipse 10. Como acontece com Apocalipse 7, é razoável esperar que
juramento concernente à cessação do tempo é visto lidando com tempo profé- a passagem parentética de Apocalipse 10–11 seja encontrada em um contexto
tico; e a estrutura do tempo histórico para esses eventos — retratados simboli- literário apropriado aos seus conteúdos. Seus dois grandes segmentos ocorrem
camente — é determinada. entre a descrição da sexta trombeta no final do capítulo 9 e a sétima trombeta
Sete relações cronológicas, extraídas do contexto imediato do juramento do no final do capítulo 11.
anjo bem como de Daniel, proveem uma base sólida para identificar a espécie Apocalipse 11 provê um contexto profético mais específico para Apocalipse
de “tempo” acerca do qual o anjo jura e para localizar no século dezenove os 10 do que o capítulo 9, porque se refere ao tempo em que “os reinos do mundo”
eventos retratados na profecia. A cena está especialmente ligada ao ano decisivo tornar-se-ão de nosso Senhor e do seu Cristo, e seu domínio sobre esse reino
de 1844 e o final do grande período de tempo dos 2.300 anos (Dn 8:14). eterno será assumido (11:15, 17). Embora a sexta trombeta seja mais difícil de
Esclarecida a natureza do elemento tempo no juramento do anjo e deter- interpretar, ainda se espera que prepare o caminho — de uma forma ou de outra
minado o tempo histórico para sua ação, o cumprimento na vida real da igreja — para o clímax da história que é anunciado sob a sétima trombeta.
pode ser visto no movimento milerita — baseado no livro de Daniel — e o Podemos esperar, portanto, que os eventos profetizados em Apocalipse
surgimento do povo adventista do sétimo dia com a incumbência de “profetizar 10 (e 11) devam conter alguma ligação com os eventos do fim dos tempos.
outra vez” a partir das profecias de Daniel a “povos”, “nações”, “línguas” e “reis”. Esta conexão torna-se explícita em 10:7 onde é declarado que a mensagem
proclamada pelo anjo forte se relaciona diretamente com o tempo em que a
Introdução trombeta do sétimo anjo deve soar.
R. H. Mounce (1977, p. 205) apreende o propósito desta relação entre o
capítulo 10 e seu contexto observando que interlúdios parentéticos como este
Uma passagem parentética: seu contexto
são “artifícios literários pelos quais a igreja é instruída no que concerne à sua
304 Apocalipse 10 compreende o primeiro segmento de uma passagem parenté- 305
função e destino durante o período final da história do mundo”.1 A ênfase do
tica que ocorre entre os relatos da sexta e sétima trombetas (Ap 9:13-21; 11:15-
capítulo 10 neste arranjo literário também pode ser vista da observação de
17). O outro segmento consiste de uma ordem ao profeta para avaliar o templo
Mounce (1977, p. 205) de que “cada série numerada nos leva para mais perto do
celestial e a profecia das duas testemunhas (Ap 11). Um padrão literário similar
fim, não tanto porque segue em sequência a série precedente, mas porque realça
coloca Apocalipse 7 como uma passagem parentética entre o sexto e o sétimo
e intensifica o confronto final e culminante de Deus e as forças do mal”.
selos (Ap 6:12-17; 8:1). As conexões entre estas passagens parentéticas e seus
contextos provêem um auxílio para sua interpretação. Estrutura literária
Apocalipse 7. A passagem parentética de Apocalipse 7 lida primeiro com Apocalipse 10 divide-se em três grandes seções. A primeira (v. 1-4) contém
um evento do fim dos tempos: o selamento dos 144 mil (v. 1-8). Segue-se então duas partes: a descrição de um anjo forte (v. 1-3a); sua primeira mensagem e os
um acontecimento que ocorrerá depois da segunda vinda de Cristo: a reunião sete trovões (3b-4). A segunda seção relata o juramento do anjo forte concer-
dos redimidos ao redor do trono de Deus (v. 9-17). A descrição destes dois nente ao tempo em que o mistério de Deus será cumprido (v. 5-7). A terceira
eventos, um ocorrendo pouco antes e um depois da vinda de Cristo, são postos seção descreve a experiência visionária de João com o livrinho que ele toma do
em uma conjuntura textual apropriada à história da salvação do fim dos tempos. anjo forte (v. 8-11). No entanto, antes de prosseguir através de um estudo de
Como um parêntese, estas duas cenas são descritas em ordem depois do sexto cada seção, devemos fazer algumas observações adicionais sobre as característi-
selo e retrata a vinda de Cristo, mas elas são realmente uma parte integrante do cas gerais temáticas e literárias do capítulo.
sexto selo. Assim, a atividade do selamento descreve a aceitação daqueles que, na
geração final da história terrestre, serão recebidos por Cristo em sua vinda. A de-
scrição da grande multidão dos redimidos segue naturalmente depois, uma cena
que ocorrerá ao redor do trono de Deus em seguida à vinda de Cristo.   Ver Beasley-Murray (1978, p. 170): “Em sua visão João está perto do fim do período dos juízos
1

messiânicos — seis trombetas já soaram”.


Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

Uma ligação temática que atravessa as três seções é o anjo forte, seus Esta feição literária secundária não dá uma importante contribuição para a
atos e suas palavras. Ele é descrito fisicamente na primeira seção e sua interpretação do episódio, mas complementa muito bem a reversão que o pro-
descida à Terra é mencionada. Isto é seguido por seu brado desferindo os feta teve com o livrinho nesta experiência simbólica. A seção final é, ademais,
sete trovões. Assim, no primeiro segmento deste capítulo, encontramos a estruturada por uma voz do céu que fala com João no início da experiência (v.
aparência, as ações e um anúncio do anjo forte. 8) e uma voz que lhe fala novamente no final dizendo-lhe que profetize outra
O juramento do anjo forte é o assunto da segunda seção. Nesta também encon- vez às nações (v. 11).
tramos palavra e ação. A ação descrita é a de levantar a mão e fazer um juramento. As relações literárias e temáticas mencionadas brevemente têm uma in-
As palavras do juramento tratam de um fim do tempo em que o mistério de Deus fluência sobre a unidade deste capítulo. Uma metodologia crítica mais antiga,
será cumprido. Na terceira seção o anjo forte fala e age outra vez. Sua ação é a de dar sustentada especialmente por J. Wellhausen e seus seguidores, dividia este
o livrinho aberto ao profeta para que ele o coma e digira. Suas palavras ordenam ao capítulo em fontes múltiplas. Nisto, Wellhausen foi coerente durante todo o
profeta que coma e descreve sua reação subsequente ao estranho alimento. caminho de Gênesis a Apocalipse. R. H. Charles (1920, p. 256-258) respondeu a
Desta breve análise é evidente que o anjo forte é fundamental para este capí- este procedimento com uma revisão completa e persuasiva da evidência léxica
tulo do princípio ao fim. Nenhuma importante seção está fora do domínio de sua e gramatical a favor da unidade do capítulo.
atividade. É muito apropriado, portanto, designar este capítulo como pertencen- Para nossos presentes propósitos, portanto, o capítulo pode ser compreen-
do ao anjo forte, embora a direção de suas palavras e ações varie. No episódio cen- dido como uma composição unificada e analisada a partir deste ponto de vista.
tral (v. 5-7), suas palavras e ações são dirigidas ao Céu, ao passo que na primeira e Esta é a posição aceita pela maioria dos modernos comentaristas do Apocalipse.
última seções suas palavras e atos são dirigidos à Terra (v. 1-4, 8-11). As breves observações que temos feito sobre as ligações literárias e temáticas
Várias ideias literárias ligam a primeira e terceira seções, mas somente uma dentro da narrativa apontam na mesma direção de um só autor conforme evi-
ideia específica liga a seção central e as outras duas. Por exemplo, o “livrinho ab- denciada pela unidade de composição global do capítulo.
306 erto” é mencionado uma vez na primeira seção (v. 2) e três vezes mais na terceira 307
seção (v. 8-10). O anjo é também descrito em ambas as seções como estando “so- Descrição e identificação
bre o mar” e “sobre a terra” (v. 2, 8). A terceira conexão é a voz do céu. Ela é ouvida
no final da primeira seção (v. 4) e no início da terceira (v. 8). No primeiro exemplo
Descrição
a voz diz a João que não escreva o que os sete trovões falaram (v. 4), enquanto que
Os três primeiros versos de Apocalipse 10 dão uma descrição detalhada do
a terceira seção começa com uma referência à “voz que ouvi, vinda do céu” (v. 8).
anjo que João vê descendo do céu. São dadas seis características. Primeira, um
O livrinho não aparece na segunda seção, nem é ouvida a voz do céu. A
par de modificadores descritivos que se referem ao anjo como “outro” e “forte”.
principal ligação entre esta seção e as outras duas está na descrição do anjo
Então, duas frases que descrevem o ornamento do anjo: uma vestimenta de nu-
como “em pé sobre o mar e a terra” (v. 2, 5, 8).
vem em torno do seu corpo e um arco-íris sobre sua cabeça. Finalmente, duas
Uma característica da estrutura literária da terceira seção pode-se notar de
frases descrevem-lhe o rosto e os pés (pernas?).
passagem. As duas referências à doçura do livrinho na boca do profeta e seu
Outro anjo. A identificação desse anjo de Apocalipse 10 como outro (allos)
subsequente amargor são dados, como tem notado J. M. Ford (1975, p. 165), em
anjo não é especialmente significativa, mas contrasta esse anjo com aqueles que
uma ordem quiástica:
o têm precedido. O termo é aplicado a anjos em outro lugar do livro em vári-
as ocasiões. “Outro” anjo em 8:3 contrasta diretamente com os sete anjos que
A ele será amargo ao teu estômago (v. 9a). tomaram as trombetas em 8:2. O segundo e o terceiro anjos portando mensa-
B mas, na tua boca, doce como mel (v. 9b). gens em Apocalipse 14 é cada um mencionados como “outro” em contraste com
B’ na minha boca, era doce como mel (v. 10a) o anjo portador da primeira mensagem (14:6, 8). ”Outro” anjo desce à Terra em
A’ o meu estômago ficou amargo (v. 10b). 18:1, em contraste com os sete anjos que derramaram suas taças em Apocalipse
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

16. Sendo que esse anjo de 10:1 é “outro” anjo seguindo os seis primeiros que refletindo sobre a nuvem em que ele está envolto. Como observou Charles, “o arco-
tocaram suas trombetas (caps. 8–9), há um contraste aqui com eles. íris é devido à luz do rosto do anjo sobre a nuvem” (CHARLES, 1920, p. 259).
Um anjo forte. Contudo, o anjo de 10:1 não é apenas outro anjo; ele é outro Os pés do anjo. A descrição dos “pés” (podes) do anjo parece apresentar um
anjo “forte” (iskuros). Assim, ele contrasta não tanto com os precedentes anjos paradoxo, porque a palavra “colunas” (stuloi) é usada para descrevê-los. Sendo que
das trombetas como faz com o anjo forte de 5:2 que chamou à cena alguém dig- as colunas se estendem para cima de suas bases, alguns acham que isto se refere às
no de abrir o livro selado da mão direita de Deus. O adjetivo “forte” é aplicado pernas do anjo, não aos seus pés. Charles observa que “stuloi conforme aplicado aos
a outro anjo em Apocalipse, aquele que arroja para dentro do mar uma grande pés parece ininteligível” (CHARLES, 1920, p. 259). Sendo que a palavra hebraica
pedra de moinho como sinal da queda da Babilônia espiritual (18:21). para “pé” tem um extensivo significado secundário de “perna”, Charles (1920, p.
Dos três anjos de Apocalipse mencionados como “fortes”, esse do capítulo 260) sugere que o último significado tem sido retomado no grego aqui. Mas mesmo
10 é o mais centralmente localizado na estrutura global do livro. Ele é também o próprio Charles nota a fraqueza de sua própria solução.
o único cuja aparência pessoal é descrita em temos específicos. Esta palavra para “pés” ocorre no mínimo meia dúzia de vezes em outros
O rosto do anjo. Quando João olha para o rosto desse poderoso anjo ele lugares em Apocalipse (Ap 1:13, 15; 2:18; 3:9; 13:2, e 22:8). Em todos os exem-
parece “como o sol”. A comparação mais direta com este tipo de linguagem é plos a referência claramente é a “pés”, não “pernas”. A linguagem usada aqui se
encontrada na descrição de Cristo no início do Apocalipse (1:16), e no relato da aproxima especialmente da descrição dos pés de Cristo e Suas vestes em Apoc-
transfiguração de Cristo em Mateus (Mt 17:2). alipse 1:13, 15. Assim, não há nenhuma justificativa léxica para a tradução desta
Como observa J. M. Ford (1975, p. 158), “em Apocalipse 1:16 o semblante palavra como “pernas”, como faz a RSV. Deve ser traduzida como “pés”.
(opsis, não prosōpon) de um semelhante a filho de homem parecia como o sol Nosso interesse não está na compreensão da anatomia do anjo, mas em
na sua força, mas o fraseado da descrição difere consideravelmente daquele de determinar o local histórico e literário do qual esta espécie de linguagem se
10:1. No relato da transfiguração de Jesus, Mateus diz que o seu rosto brilhava originou. Vários comentaristas têm proposto uma ligação entre essas colunas e
308 como o sol (Mt 17:2), mas os outros evangelistas não fazem esta comparação”. aquelas colunas de nuvem e de fogo que conduziram os israelitas durante suas 309
A descrição do rosto do ser de aparência divina dada em Daniel 10:5 menciona vagueações no deserto depois da saída do Egito. Ford (1975, p. 162), por exem-
sua glória em termos de relâmpago e fogo, mas o sol não é mencionado. Ezequiel plo, observa que “os pés do anjo que são como colunas de fogo são rememora-
1:27 descreve a glória do torso superior da pessoa de Deus como se assemelhando a tivos da coluna de fogo da narrativa do Êxodo”. G. B. Caird (1966, p. 125) con-
bronze polido e labareda de fogo, mas a aparência do seu rosto não é indicada. tribui com uma observação semelhante. H. B. Swete (1909, p. 126) sugeriu uma
Arco-íris. João vê um arco-íris sobre a cabeça do anjo. O único outro lugar relação textual específica: “Em stuloi puros há talvez uma referência a Êxodo
em Apocalipse onde aparece um fenômeno semelhante é na cena do trono em 14:19, 24.” Sendo que a Presença inclusa dentro da coluna de nuvem e de fogo
que João vê um arco-íris circundando o trono sobre o qual Deus se assenta no era o próprio Deus, o emprego deste tipo de descrição para esse anjo enfatiza
Céu (4:3). Assim, o uso deste símbolo para descrever o anjo pode indicar algo mais uma vez o seu caráter de aparência divina.
acerca da sua natureza de aparência divina. As vestes do anjo. O uso da imagem do Êxodo não pára com uma consideração
Nenhum arco-íris aparece na visão de Cristo em Apocalipse 1, nem é um dos pés do anjo. Prossegue em uma consideração das vestes do anjo. Ele é descrito
visto em torno do personagem de aparência divina da visão de Daniel (Dn 10:5- como estando “envolto em uma nuvem”. Depois de serem descartadas referências a
6). Contudo, um arco-íris acompanha a pessoa de Deus ao ser Ele transportado nuvens atmosféricas normais, descobrimos muitos exemplos em que nuvens estão
por Seu trono móvel na visão de Ezequiel (Ez 1:28). O uso do arco-íris como um ligadas com a pessoa de Deus.2 Nuvens são uma parte da linguagem da teofania.
sinal da fidelidade de Deus à sua aliança com Noé é notável entre os empregos do Assim, esta espécie de descrição enfatiza a natureza de aparência divina
arco-íris no Antigo Testamento (Gn 9:12-17). Sua presença em Apocalipse 10 pode do anjo. Mas a conexão de nuvens e a Divindade pode ser mais específica. Por
enfatizar a extensão desta fidelidade para incluir a aliança do Novo Testamento.
Fazendo uma comparação com fenômenos naturais, podemos inferir que
a produção desse arco-íris resulta da glória do anjo, especialmente o seu rosto,
2
  Isto se aplica ao Antigo Testamento (Sl 97:2; 104:3; 1Rs 8:11; Ez 1:4; Dn 7:13), ao Novo Testa-
mento (Mt 17:4; 24:30; At 1:9; 1Ts 4:17) e ao livro de Apocalipse (1:7; 14:14).
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

exemplo, juntamente com a coluna de fogo (no Êxodo) estava a coluna de nu- indicação de que eles descem à Terra para soar seus instrumentos. Os anjos que
vem — semelhante àquela em que o glorioso anjo estava envolto. Esta asso- derramam as taças das pragas (Ap 16) estão mais diretamente ligados à Terra,
ciação torna fácil ver uma referência à coluna de fogo e à coluna de nuvem na mas mesmo este ponto não é declarado tão diretamente como é em Apocalipse
descrição desse anjo. Ambas as características vêm da revelação de Deus de si 10:1. Os anjos que pregam as três mensagens do tempo do fim (Ap 14) voam
mesmo a Israel durante sua vagueação no deserto. pelo meio do céu; os outros três anjos descritos no final do capítulo estão mais
O verbo usado para o envoltório da veste de nuvem em torno do anjo de diretamente ligados com a Terra por meio de sua participação no ceifa.
Apocalipse 10 (peribeblēmenon de periballō, “vestir, usar — de vestuário”) não é O paralelo mais direto em Apocalipse à descida do anjo do capítulo 10
usado no relato do Êxodo, quer para Deus envolvendo a coluna de nuvem ou de é o anjo do início de Apocalipse 18:1, que vem à Terra para proclamar sua
fogo em torno de si mesmo ou em volta do monte Sinai. É usado, porém, duas mensagem especial do fim dos tempos acerca de Babilônia. No caso do anjo
vezes na LXX de Daniel 12:6, 7 para se referir à maneira como a veste de linho de Apocalipse 10, é uma mensagem pré-fim dos tempos que ele anuncia. Esta
estava envolta em torno da figura de aspecto divino ali descrita, e é usado ali em atividade direcional enfatiza a importância das mensagens de ambos esses an-
essencialmente da mesma forma (peribeblēmenō). jos. Como declarou Mounce (1977, p. 208), “o aparecimento dramático de uma
O uso específico deste mesmo verbo de um modo semelhante, ligado com uma figura autorizada do Céu está em assinalado contraste com o imediatamente
figura similar que faz coisas semelhantes às coisas que o anjo de Apocalipse 10 faz, precedente retrato da rebelde idolatria e imoralidade do homem”.
é um dos motivos por que os comentaristas têm feito uma ligação direta entre estas O uso do particípio presente “descendo” (katabainonta) indica que João ob-
duas passagens. Estas conexões são revistas mais abaixo. Para o presente podemos servava esse anjo descendo (MOUNCE, 1977, p. 207). Isto não somente enfatiza
simplesmente observar que esse anjo já demonstra relações com a coluna de fogo e que o anjo veio em um tempo específico para dar uma mensagem específica,
de nuvem do Êxodo e com a figura de aspecto divino de Daniel 10 e 12. também diz algo acerca da perspectiva da qual o profeta viu esta cena. Vários
comentaristas mantêm que de 4:1 a este ponto João viu as cenas em mudança
310 Ações como se ele estivesse no Céu. Eles geralmente concordam que ele agora vê esta 311
Seis importantes ações do anjo forte são identificadas: cena (Ap 10) de uma perspectiva terrestre.3
1. Ele desce do Céu à Terra. Tendo um livrinho aberto. A segunda ação do anjo é a de segurar em sua
2. Ele segura em sua mão um livrinho aberto. mão um livrinho aberto. Quando ele posteriormente faz o seu juramento (v. 6)
3. Ele coloca um pé sobre a terra e o outro sobre o mar. ele levanta sua mão direta para o Céu. Assim, podemos admitir que ele segu-
4. Ele brada com grande voz que se assemelha ao rugido de um leão (e isto rasse o livrinho em sua mão esquerda. Nenhum significado específico precisa
desfere os sete trovões). estar ligado a esse uso das mãos exceto para notar que provavelmente a mão
5. Ele ergue a mão e faz um juramento pelo Deus criador. direta estava normalmente levantada para fazer um juramento.4
6. Ele dá o livrinho aberto ao profeta para que o “coma”. A natureza desse livrinho e o seu significado são de óbvia importância para
As três últimas ações formam uma parte íntima das grandes declarações esta profecia. É comumente salientado que a palavra usada para “livrinho” ou
proféticas da narrativa. Elas são discutidas em seções sucessivas. A esta altura “livro” difere da que é usada em Apocalipse 5:1. Esta é uma observação correta
recapitularemos brevemente apenas as três primeiras. porque em Apocalipse 5:1 a palavra usada é biblion (livro, rolo), uma forma
Descendo à Terra. Sendo que o anjo proclama uma mensagem especial diminutiva de biblos (livro), ao passo que em Apocalipse 10 a palavra usada qua-
após a sua descida do Céu, é evidente que ele é enviado em um tempo específico tro vezes é biblaridion (livrinho), uma forma diminutiva de biblarion (livrinho).
para proclamar uma mensagem especial na Terra; ele é um mensageiro especial.
A singularidade da obra desse anjo pode ser enfatizada comparando-se
sua atividade com a dos outros anjos do Apocalipse. Por exemplo, os anjos da 3
  Para uma expressão de comentário deste ponto de vista veja Ladd (1971, p. 141): “Desde 4:1, ele
cena do tribunal (Ap 4–5) estão restritos ao Céu nessa descrição. As trombetas tem estado escrevendo como se estivesse no Céu, mas sua posição agora mudou de volta para a Terra.”
tocadas por sete anjos (Ap 8–9) têm efeitos terrestres, mas não há nenhuma 4
  Para um exemplo de um juramento feito por um homem a outro , veja Gn 14:22. Para
exemplos de juramentos feitos por Deus a homens, veja Êx 6:8; Nm 14:30; Ez 20:15, 28
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Biblion é a palavra comum usada para “livros” ou “rolos” em Apocalipse, desta narrativa. É preferível, portanto, ver a linguagem de terra e mar como
ocorrendo 20 vezes. A forma mais padrão de biblos ocorre somente duas retratando aqui um quadro de universalidade.
vezes (3:9; 20:15). Biblaridion (livrinho) ocorre em outro lugar nas Escrit-
uras além de Apocalipse 10. Portanto, apesar da distinção entre biblos (livro) Identificação específica
e biblion (livro, rolo), o contraste entre biblaridion (livrinho) em Apocalipse Duas opiniões. Há dois grandes pontos de vista sobre a identificação do
10 e biblion (livro, rolo) no restante de Apocalipse é muito assinalado e dis- anjo de Apocalipse 10. Um é que esse é um anjo especial de exaltada hierarquia.
tinto e certamente deve ser intencional.5 O “livro” de Apocalipse 10 está as- A outra é que esta é uma representação angélica de Deus, mais especificamente
sim em contraste com o de Apocalipse 5:1 e não identificado com ele. de Cristo. J. A. Seiss (1865, p. 223) está entre aqueles comentaristas que têm
Deve-se notar que o livrinho já está aberto quando o anjo desce. O livro é identificado esse anjo como Cristo. Fazendo comparações com a glória do anjo,
mencionado antes de o anjo colocar os pés sobre a terra e o mar. Isto significa a veste de nuvem e a cobertura de arco-íris, D. G. Barnhouse (1971, p. 179)
que o livro foi aberto, presumivelmente no Céu, antes que o anjo fosse enviado também tem identificado essa figura como Cristo. Ford (1975, p. 163) tem es-
com sua missão e mensagem baseadas em seus conteúdos. pecialmente recorrido a comparações com elementos da narrativa do Êxodo
Dada a ênfase de que esse livrinho está agora aberto, é razoável admitir que, para identificar essa figura como provavelmente “o Anjo da Aliança, às vezes
como aquele de 5:1, ele estava selado ou fechado até o aparecimento do anjo. O identificado com Yahweh”. Em sua obra mais antiga E. B. Elliott (1846, p. 123)
uso do particípio perfeito para descrever essa abertura enfatiza não somente tem estimulado o intérprete de Apocalipse 10 a “considerar também a pessoa
que o livrinho tinha sido previamente aberto, mas que deveria permanecer ab- que o está anunciando; o mesmo divino Anjo da Aliança, Jeová-Jesus”.
erto daí em diante (MOUNCE, 1972, p. 207). Defendendo o ponto de vista alternativo, Charles (1920, p. 258) tem propos-
A esta altura a discussão do livrinho pode ser deixada incompleta sem fazer to que esse anjo pode ser Gabriel. Ele argumenta que esse anjo não é Cristo
uma identificação final dele. Examinaremos este assunto mais plenamente depois. porque o uso de um juramento pelo próprio Deus é inapropriado. G. E. Ladd
312 Em pé sobre o mar e a terra. O anjo coloca o seu pé direito sobre o mar e o (1972, p. 141) sustenta que essa é uma figura puramente angélica sobre o funda- 313
esquerdo sobre a terra. Isto significa, incidentalmente, que a mão com o livrin- mento de que em Apocalipse anjos são apenas anjos, e Deus não é representado
ho estava estendida sobre a terra; a mão estendida para fazer o juramento estava como um anjo em nenhum lugar no livro de Apocalipse.
sobre o mar. Assim, a terra e o mar (combinados em paralelismo sintético) po- Estas duas objeções não são por demais formidáveis como poderiam
dem ser compreendidos como representando toda a Terra. Esta ação angélica, parecer. Há exemplos no Antigo Testamento onde é declarado que Deus
e a linguagem que a descreve, se refere à extensão mundial da proclamação da fez juramentos. Três destes têm sido citados acima (Êx 6:8; Nm 14:30; Ez
mensagem e à autoridade desse anjo.6 20:15, 28). É verdade que a palavra “anjo” é usada não especificamente
A opinião minoritária expressa por Barnhouse vê o mar e a terra como se para Deus em Apocalipse, mas a figura de Miguel em Apocalipse 12 é
referindo às nações gentílicas e a Israel respectivamente (BARNHOUSE, 1971, tanto angélica quanto própria de Cristo em caráter.
p. 181). Se fosse este o caso, então o simbolismo resulta em uma metáfora con- Também se deve levar em conta a origem da imagem empregada aqui.
fusa: terra representando um país (Israel) e águas representando outros países A imagem da coluna de fogo e de nuvem é extraída especialmente do relato
(gentios). Todavia, a conclusão do capítulo concernente à pregação de João out- de Êxodo. Neste relato Yahweh é Aquele que é dito ter habitado a coluna
ra vez a todas as nações indica que nenhuma tal distinção se pretendia no início de nuvem e agido a partir dela (Êx 13:21). Em no mínimo uma ocasião,
porém, é dito que foi “o anjo” de Yahweh quem fez isto (Êx 14:19). Este tipo
de conexão poderia ter sido transportado para o imaginário do Apocalipse
juntamente com outros elementos do relato de Êxodo.
5
 Embora biblion (livro, rolo) ocorra uma vez em Ap 10:8, a ênfase dominante sobre biblaridion Evidência para uma figura própria de Cristo. Em favor da identificação
(livrinho) [quatro vezes] indica que esse livro é diferente do livro de Ap 5. com Cristo, observamos que as quatro principais características deste anjo
6
  Como representante deste ponto de vista, veja Mounce (1977); Morris (1983, p. 137); estão muito comumente ligadas com representações de Deus. Isto se aplica à
Ladd (1972, p. 142); Caird (1966, p. 125).
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aparência de seus pés como colunas de fogo, à vestimenta de nuvem envolta em Além de tais conexões gerais, os comentaristas também têm feito conexões
torno dele, à glória vista irradiando do seu rosto, e ao arco-íris visto sobre sua específicas entre estas duas passagens em termos de seus detalhes. Em suas ob-
cabeça. Todas as quatro características ocorrem em conexão com descrições de servações sobre Daniel 12:7 A. Clarke (1938, p. 618) notou, “esta é muito semel-
Deus em outros lugares na Bíblia. Nenhuma delas é usada exclusivamente para hante à descrição do anjo (em) Apocalipse 10:5”. Elliott (1846, p. 123) observou
anjos. Se esta é apenas uma figura angélica, ele certamente tem sido dotado de que em Apocalipse 10 “o mesmo Anjo da Aliança, Jeová-Jesus, que agora trouxe
extensas características de aspecto divino. consigo, como sua própria e adequada investidura, a mesma glória que o Deus-
Um detalhe adicional deriva de uma consideração de passagens similares dis- homem da visão anterior de Daniel”.
poníveis para comparação. São estas: Apocalipse 1, Daniel 10 e 12, e Ezequiel 1. Juramento. A ação do anjo de Daniel 12 e do anjo de Apocalipse 10 pode
Nestas passagens a principal figura é divina. Em Apocalipse 1 ela é Cristo. Ezequiel ser comparada em termos de seu juramento muito semelhante. Sobre esta
1 identifica seu personagem central como Yahweh. A figura presente em Daniel 10 é relação, escreveu Elliott (1846, p. 124): “Além de tudo o que, é mais importante
certamente divina e mais exaltada do que os anjos presentes na narrativa. (como em breve irá aparecer em nossa entrada na história) que assinalamos o
Sendo que estas comparações mais se aproximam da descrição do anjo paralelismo do ato e juramento, com o outro apenas, em alusão a Daniel; um
de Apocalipse 10, e sendo que estas Pessoas são divinas, estas comparações paralelismo tão marcante que parece incrível, mas que a alusão a ele deve ter
sugerem que a figura presente em Apocalipse 10 é própria de Cristo, e não sido tencionada, e um bônus na mente de S. João.”
simplesmente um anjo. Ford (1975, p. 162) também comenta sobre o juramento e a ação que o acom-
panha: “O juramento feito em Apocalipse 10:6-7 reflete Daniel 12:7-9 onde o anjo
Identificação geral vestido de linho jura com a mão direita e a esquerda para o céu que haverá ‘um
Comparação com Daniel 10:6; 12:7. Pela expressão ”identificação geral”, pre- tempo, dois tempos, e metade de um tempo’ antes do fim das maravilhas.”
tendo evocar outra relação ou vínculo com o anjo ou figura de aspecto divino de Caird está preocupado especialmente com o conteúdo do juramento. Ele nota
314 Daniel 10 e 12. Muitos comentaristas têm notado uma relação. Embora alguns a o que Apocalipse tem adicionado ao juramento conforme encontrado em Daniel: 315
tenham descrito em mais detalhe do que outros, uma análise dos comentários têm “O anjo de João faz um importante acréscimo às palavras do anjo de Daniel. Ele jura,
deixado de revelar algum exemplo em que esta relação tenha sido negada.7 não simplesmente pelo Deus eterno, mas por aquele que criou o céu, a terra, e o
Em seu comentário sobre Apocalipse 10 Elliott (1846, p. 121) referiu- mar, e tudo o que neles há [ênfase do autor]” (CAIRD, 1966, p. 129). Kiddle (1940, p.
se a Daniel como “um profeta e profecia aqui evidentemente aludida”. Da 172) também se refere mais às palavras do juramento do que às ações ligadas a ele
relação entre os anjos encontrados nestas duas passagens Charles (1920, p. quando observa, “o juramento do anjo é um eco de Daniel 12:7”.
259) observa, “nosso autor (de Ap 10) tinha o anjo descrito em Dan 10:6; Selamento. Há também uma referência a uma obra de selamento em
12:7 diante de sua mente”. Conduzindo à sua citação de Daniel 12:6-7, Caird ambas as passagens. O selamento em Apocalipse 10 envolve os sete trovões;
(1966, p. 127) liga Apocalipse 10:5-6 com esta passagem observando que “a em Daniel 12 envolve o livro do profeta. Contudo, tem sido notado que o
esta altura João começa a adaptar aos seus próprios propósitos uma pas- uso deste tipo de linguagem no contexto de um juramento parece ter sido
sagem do Antigo Testamento que figurará preeminentemente em muitas de tomado a cargo da passagem anterior para a última.
suas visões subsequentes. [...] João acreditava que esta profecia de Daniel, T. F. Glasson (1965, p. 67) tem notado esta conexão: “O selamento aqui (em
juntamente com outras profecias do Antigo Testamento, estava prestes a ter Apocalipse 10:5) mostra a influência de Daniel 12:4 e 9. [...] O mesmo capítulo
um novo e mais profundo cumprimento”. Em seu comentário sobre esta pas- de Daniel tem sem dúvida sugerido a linguagem aqui (em Apocalipse 10:6), um
sagem de Apocalipse, Mounce (1977, p. 210) observa: “É Daniel 12:7, porém, homem vestido de linho, claramente um anjo (cita Daniel 12:7).”
que supre a base interpretativa para esta seção.” Ford (1975, p. 159) tem feito uma declaração semelhante acerca do uso
desta fraseologia e tem observado que Swete considerava esta frase como
vindo de Daniel 12:4: “Mas a aplicação da metáfora a declarações não es-
7
  Alguns exemplos daqueles que têm notado esta correlação em termos gerais: Elliott, critas é uma ousada inovação.”
Charles, Caird e Mounce.
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Tempo profético. Finalmente, outra importante ligação entre estas duas esses trovões como tendo soado do Céu. Sendo este o caso, eles muito
passagens envolve o fato de que ambos os personagens juram em seus jura- provavelmente teriam soado ante a ordem de Deus. Assim, Deus ocasionou
mentos acerca do tempo profético. Sendo que este elemento pertence a uma esses trovões em resposta ao brado do anjo.
discussão da passagem central do capítulo, sua discussão está reservada até che- O uso do número 7 implica que — como nas sete igrejas, selos, trombetas
garmos a este ponto em nosso estudo. e pragas — estes sete trovões soaram sucessivamente e não todos juntos. Para
descobrir o que estes sete trovões poderiam representar precisamos examinar
Os sete trovões os empregos da palavra “trovão” em outro lugar no Apocalipse.
Além das três vezes em que a palavra ocorre na passagem sob consideração,
ela aparece em outras sete passagens do Apocalipse. Três provêem pouco com-
Mensagem singular
preensão; as outras quatro são de mais importante significado.
Um exame da passagem dos sete trovões revela um problema de consid-
Nas três ocorrências de menor importância a palavra é usada para finali-
erável magnitude (v. 3-4). Quando o anjo forte bradou, os sete trovões soaram.
dades comparativas e descritivas: uma vez para a voz de um dos seres viventes
Quando eles soaram, o profeta os ouviu e compreendeu. Depois de cessar o tro-
(6:1); e duas vezes para o som de grandes multidões de redimidos no Céu ao
vejamento, o profeta começou a registrar sua mensagem. A esta altura, porém,
entoarem cânticos de louvor (14:2; 19:6).
ele é instruído a não escrever, mas a selar sua mensagem. Deparamos, portanto,
Nas quatro passagens restantes a palavra para “trovão” pode espalhar mais luz
com uma mensagem que foi dada, mas tomada de volta.
nossa pesquisa. Em todos os quatro exemplos é descrito o templo de Deus no Céu.
Brado como o rugido de leão. Analisando a passagem, devemos primeiro no-
Além disso, essas descrições do templo celestial servem ou como uma introdução
tar que os trovões soam em resposta a um grande brado do anjo forte. O brado é
ou uma conclusão para uma das importantes linhas da profecia do livro.
descrito como soando “como ruge um leão”. A figura de um leão rugidor é usada
No primeiro exemplo, a cena do trono serve como uma introdução à série
316 ocasionalmente no Antigo Testamento para transmitir a ideia de juízo iminente. 317
de selos (4:5). No segundo exemplo, os trovões ocorrem no templo como parte
Amós advertiu Israel acerca de juízos vindouros com este tipo de linguagem:
da introdução às trombetas (8:4-5). No terceiro exemplo, os trovões ocorrem
“Rugirá o leão no bosque, sem que tenha presa? [...] Rugiu o leão, quem não te-
com a descrição do templo que serve como a introdução às grandes profecias de
merá? Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?” (Am 3:4, 8). O inimigo que
Apocalipse 12–14 (11:19).8 Na ocorrência final deste tipo de linguagem os tro-
cerca o servo sofredor de Deus no Salmo 22 é descrito primeiro como um “leão
vões que procedem do trono e do templo servem como a conclusão à sequência
que despedaça e ruge” (v. 13). Depois de ter o animal atacado, o servo implora
das taças-pragas de Apocalipse 16 (16:18).
por livramento “das fauces do leão” (v. 21).
Nestes quatro exemplos apara para “trovão” é encontrada em uma série de
Mounce (1977, p. 208) observa que o brado ou “rugido” é proporcional ao
palavras com outros fenômenos associados. A lista completa inclui relâmpagos,
tamanho do anjo forte; o brado é dado com uma profunda voz ressoante que
vozes ou grandes ruídos, trovões, terremoto, e grande saraivada. Como pode
demanda atenção. Ford (1975, p. 159) focaliza a qualidade da declaração do
ser visto prontamente nesta lista, todas estas palavras se referem a diferentes
anjo transmitida pela palavra do Novo Testamento, “mukatai ‘rugido’ somente
fenômenos que podem acompanhar uma tempestade.
aqui na Bíblia. Som baixo, rugido de trovão. Alto em volume e extremamente
Portanto, estas representações são em essência descrições de uma teofania
profundo, mas não palavras reais”.
de Deus, agindo como o Deus da tempestade em ocasiões especiais descritas
Dadas as comparações com este tipo de linguagem empregado em outro lugar na
nestas passagens. A interrogação é: O que é comum a todas as quatro dessas
Bíblia, é razoável esperar que o brado do anjo transmita aqui uma conotação de juízo.
ocasiões que provocam este tipo específico de resposta de Deus?
Simbolismo do trovão
Em resposta ao alto brado do anjo forte, sete trovões rugiram. Não nos
é dito de onde eles saíram ou quem os causou. Todavia, com base em analo- 8
  Concordo com a opinião de K. Strand (capítulo 3 desta obra) que coloca Ap 11:19 como a
gias encontradas em outra parte do Apocalipse, é razoável compreender introdução aos caps. 12–14, em vez de com a conclusão do cap. 11
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Antes de lidar com essa questão fundamental, algumas outras características Destas analogias encontradas em outra parte do Apocalipse teríamos de esperar
dessas cenas devem ser assinaladas. Por exemplo, há uma progressão na elaboração que os sete trovões tivessem anunciado uma série de juízos se sua mensagem tivesse
dos elementos presentes nestas listas ao serem relatados sucessivamente ao longo do sido transmitida sem interrupção. Contudo, o profeta foi instruído a selar as mensa-
livro de Apocalipse. A primeira cena contém três elementos; a segunda tem quatro; gens e não registrá-las. O que isto significa? Se nada devia ser conhecido sobre elas,
e as duas últimas enumeram cinco. Assim, o leitor se torna ciente de um crescendo então pareceria totalmente estranho ter feito qualquer anúncio sobre elas.
no acúmulo desses elementos ao prosseguir através do livro. Seu anúncio seguido por seu selamento deve, portanto, ter algum sig-
Embora haja inversões ocasionais, esses elementos tempestuosos são nificado profético e explanação. Diversas teorias têm sido propostas para
enumerados de certa forma na mesma ordem em todas as passagens. No explicar essa virada de circunstâncias. Uma ideia é que isto constitui um
primeiro e último exemplos afirma-se que esses elementos procedem do artifício literário para inserir uma sequência que já é bem conhecida dos lei-
trono de Deus no Céu; nos outros dois casos simplesmente é dito que eles tores. Outra explicação localizaria esses trovões no Céu; portanto, nenhuma
ocorrem sem uma conexão tão direta. Nenhuma das quatro passagens de- explicação era necessária ser dada na Terra. A explanação preferível, até
screve os fenômenos como procedendo diretamente da pessoa do próprio aqui, é a de Caird (1966, p. 126) que sugere que esses sete trovões anunci-
Deus, embora eles estejam obviamente sob Seu controle. avam juízos de condenação, mas que a condenação foi cancelada.
O denominador comum que parece permear estas quatro cenas é o de
juízo. Os fenômenos são vistos como procedendo do trono de Deus nas Selando os trovões
ocasiões em que Ele envia seus juízos. Isto é muito evidente no caso das O uso do verbo para selamento a fim de descrever o encobrimento da men-
trombetas (8:4-5) e das pragas (16:18). sagem dos sete trovões é incomum. Em outro lugar no livro de Apocalipse o
O conceito de juízo é provável em 11:19, o verso que introduz as cenas selamento se relaciona diretamente com o que esta ação exigia: colocar um selo
proféticas da guerra entre o dragão e a mulher (Ap 12–13), conduzindo para sobre um objeto ou documento. Por exemplo, nos é mostrado o selamento dos
318 o juízo anunciado em Apocalipse 14. Sendo que a cena do trono de Apoc- servos de Deus em sua fronte (7:3); o selamento do livro com sete selos (5:1); e 319
alipse 4–5 também serve para introduzir a série de selos (Ap 6), e sendo que temos a instrução de selar a mensagem do livro profético de João (22:10).
os selos podem ser vistos como contendo também elementos de juízo, o Em Apocalipse 10:4, porém, é dito ao profeta que não escreva o que os sete
aparecimento do trovão e seus elementos associados de tempestade também trovões tinham anunciado, e deste modo ele devia selar o que eles tinham dito. O
podem ser vistos como ligados à ideia de juízo. problema aqui é que normalmente alguém não “sela” uma comunicação oral.
Se os trovões que procedem do trono de Deus nestas quatro passagens Uma explanação especialmente pronta para esta circunstância incomum
estão ligados aos juízos divinos, então se pode esperar que os sete trovões surge de Daniel 12, a importante analogia para a cena de Apocalipse 10. Em
ouvidos em Apocalipse 10 também estejam relacionados ao tema de juízo. Daniel, o profeta olha no verso 5: o glorioso anjo aparece no verso 6; e o
Esta conexão tem sido notada por alguns dos comentaristas. Barnhouse anjo faz o seu juramento no verso 7. Se retornarmos à introdução que
(1971, p. 182), por exemplo, se refere aos sete trovões como o registro de precede imediatamente esses versos encontramos a ordem ao profeta para
juízos contra os rebeldes. Ladd (1972, p. 142) se refere a esses trovões como “encerrar as palavras” e “selar o livro” (v. 4).
premonições dos juízos vindouros da divina ira de Deus. O mesmo tipo de linguagem é usado na cena do Apocalipse; mas de uma
Tanto Barnhouse quanto Ladd tem chamado a atenção para a analogia forma dinâmica, não congelada. Em Daniel 12 o profeta encerra as palavras
entre esses trovões e o sétuplo trovejamento da voz de Yahweh na tempesta- quando ele sela o livro. Em Apocalipse 10 o profeta sela as palavras quando ele
de descrita no Salmo 29. Nesta conexão deve ser notado que o Salmo 29 as encerra não as escrevendo. Instruções semelhantes são dadas em um contex-
também é um salmo de juízo, e que o juízo é enviado do trono de Deus no to semelhante, mas elas são cumpridas de uma maneira diferente para se ajustar
santuário celestial (v. 1-2, 9-11). Que os cananeus são o alvo do juízo trazido ao novo cenário do Apocalipse. Assim, a solução para o problema proposto pela
pela tempestade é evidente do fato de que, segundo as referências geográfi- tensão entre as duas espécies de ações descritas em Apocalipse 10:4 (selar; não
cas do Salmo, a tempestade jamais toca o território israelita. escrever) parece ser provida pela fonte original da qual esta imagem é derivada.
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Trovões substituídos por pragas? de que a mão direita era levantada para fazer este juramento (RSV) indica que
Alguns comentaristas vêem uma ligação entre os sete trovões e as sete pra- o livrinho aberto ainda era segurado em sua mão esquerda.
gas de Apocalipse 16. Glasson (1965, p. 63) fala em linguagem que sugere que as
sete últimas pragas tomam o lugar do que os sete trovões teriam provido: O livrinho aberto
Embora o livrinho aberto não seja mencionado outra vez nestes versos (v. 5-7),
A referência aos sete trovões poderia levar alguém a esperar outra série de ais: o primei- sua presença deve ser assumida como sendo uma parte importante desta cena. O
ro trovão, o segundo, e assim por diante. Mas esta ideia não está desenvolvida; e confor- fato de que o anjo levanta uma das mãos para fazer o juramento e ao mesmo tempo
me veremos, as sete trombetas são no devido tempo seguidas pelas sete taças (cap. 16). segura o livrinho aberto na outra indica que o juramento deve estar relacionado
com o conteúdo do livrinho. Isto torna a identificação do livrinho um assunto de
Mounce (1977, p. 209) se refere aos sete trovões como “outra série de pragas considerável importância se devemos compreender a mensagem da visão.
de advertência”. Anteriormente observamos que a palavra grega usada para “livrinho” no
As sete taças são mencionadas como as sete últimas pragas, porque elas são os capítulo 10 difere daquela usada em 5:1 e em outro lugar no Apocalipse. Donde,
juízos finais a cair antes de Cristo vir pela segunda vez (15:1). Em Apocalipse 10, en- o livrinho de Apocalipse 10 deve ser considerado como distinto daqueles outros
contramos sete trovões: juízos ou pragas que evidentemente viriam muito perto do livros. A distinção nos diz o que esse livrinho não era, mas não o que ele é.
fim do tempo, porque eles teriam ocorrido no tempo em que o sétimo anjo deveria
soar a sua trombeta e o mistério de Deus deveria ser cumprido (10:7). Analogia em Daniel
Tivessem os trovões soado no tempo em que eles foram anunciados — e A melhor maneira de identificar esse livrinho é comparar o seu contexto com
não selados —, eles bem poderiam ter sido o julgamento final — as próprias analogias encontradas em outro lugar na Bíblia. Quando isto é feito, a analogia en-
pragas. Como isto funcionou, este não devia ser o caso. Seu lugar foi tomado tre esta passagem e a de Daniel 12 torna-se evidente. Várias semelhanças já foram
320 pelas pragas de Apocalipse 16. Podemos expressar esta relação de outro modo: mencionadas acima. A estas podemos adicionar a ação de fazer um juramento. 321
estes penúltimos juízos dos sete trovões foram anunciados, mas cancelados, ap- Daniel 12 e Apocalipse 10 são as únicas duas passagens na Bíblia que se
enas para serem substituídos pelos juízos finais comunicados nas sete últimas referem a anjos fazendo juramentos. Ambas ocupam posições relativamente
pragas. Há um tempo na história profética e da salvação quando tais juízos pre- semelhantes. O anjo de Daniel 10/12 está sobre o rio Tigre, enquanto que o
liminares teriam sido anunciados, mas cancelados? Esta interrogação nos leva anjo de Apocalipse 10 está com um pé na Terra e no mar. Ao jurarem, ambos
à próxima seção da profecia. levantam as mãos ao Céu. Em Daniel 12, ambas as mãos são levantadas para o
Céu; em Apocalipse 10, somente a mão direita é levantada.
O juramento Notamos de passagem que a mão direita é mencionada primeiro em
Daniel 12 ao passo que a mão direita é a única mão mencionada em Apoc-
alipse 10. A explanação óbvia para esta diferença é que o anjo de Daniel 12
A posição do anjo não tinha um livrinho em sua mão; assim ele pôde levantar ambas as mãos.
A passagem central deste capítulo são os versos 5-7. É central não somente O anjo de Apocalipse 10 tinha um livrinho em sua mão esquerda, de sorte
em termos de estrutura literária, mas também em termos de importância que ele podia levantar somente a mão direita.
temática.
O primeiro elemento mencionado é a posição do anjo com um pé sobre o Identidade do livrinho aberto
mar e o outro sobre a Terra. Observamos que este tipo de simbolismo repre- A diferença provê um meio direto pelo qual identificar o livrinho aberto segu-
senta a extensão mundial da mensagem do anjo forte. rado pelo anjo forte. Precedendo imediatamente a descrição do juramento do anjo
A nova ação introduzida é o anjo levantando sua mão direita para fazer o de Daniel 12, é feita referência ao livro do profeta Daniel (12:4). Daniel é instruído
juramento. Sendo que esta era a maneira em que os juramentos eram feitos no a encerrar as palavras de suas profecias escritas enrolando seu livro e selando-o.
tempo de João, o simbolismo é extraído da experiência humana normal. O fato O selamento não era um selamento literal para autenticar seu escrito concluído.
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

Antes, representava simbolicamente o fato de que em um tempo posterior — “o primeiro anjo em 14:6. O vínculo com o primeiro é de natureza mais dinâmica;
tempo do fim” — as profecias do seu livro seriam abertas à compreensão daqueles o vínculo com o último é mais diretamente léxico.
que esquadrinhariam o livro por causa de sua importante mensagem. Alguns comentaristas têm chamado a atenção para esta parte do juramento
Agora vamos ao anjo de Apocalipse 10 que tem na mão um livrinho aberto. e o seu significado. Observou Ladd (1972, p. 144):
A ênfase sobre a condição aberta deste livro está em contraste com a condição
fechada do livro de Daniel naquela ocasião anterior. Esta ênfase também diz O anjo anuncia a iminência do fim em nome do Deus eterno, que é também
algo sobre o tempo em que o livrinho de Apocalipse 10 foi aberto. Sua abertura, Criador e Senhor de toda a criação. Em outras palavras, o fim iminente ocor-
indicada por Apocalipse 10:7, ocorreria no tempo em que o anjo da sétima e rerá porque Deus é o eterno e soberano que, em última análise, governa e
última trombeta estivesse prestes a tocar sua trombeta. Em outras palavras, a domina todas as coisas em seu Universo.
ação do anjo com o livrinho aberto é um evento do tempo do fim ou um evento
que deveria ocorrer no “tempo do fim”. Em um case (Dn 12:4), temos um livro Caird (1966, p. 129), notando a ênfase que é posta sobre a Criação, sustenta
que é selado até “o tempo do fim”. No outro caso (Ap 10:2, 5-7), temos um que o propósito secreto de Deus mencionado em seguida envolve retorno à Cri-
livrinho que tem sido aberto no fim do tempo. ação original. Ford (1975, p. 160) salienta que “há um eco dos mandamentos”
Embora seja usado de diferentes maneiras nas duas passagens, o verbo “se- (Êx 20:11) no juramento. Esta é uma observação exata, porque o quarto manda-
lar” fortalece o vínculo entre elas, porque é encontrado no contexto imediato mento contém os mesmos três elementos de céu, terra e mar na mesma ordem.
dos juramentos dos anjos. Esta evidência, e mais a que vem abaixo, nos aponta A frase qualificativa “e tudo quanto neles existe” é adicionada somente depois
na direção de identificar o livrinho aberto na mão do anjo com o livro do pro- do terceiro item em Êxodo 20, mas aqui no juramento do anjo ela é adicionada
feta Daniel que ele foi instruído a selar e encerrar até “o tempo do fim” (Dn 12:4). depois de cada uma das três áreas nomeadas.
Resumindo esta parte da discussão do juramento dois pontos principais
322 Jurando pelos títulos de Deus podem ser feitos: Primeiro, há semelhança suficiente entre as partes iniciais dos 323
Depois de levantar as mãos, o anjo de Daniel 12 e o de Apocalipse 10 juramentos em Daniel 12 e Apocalipse 10 para indicar que eles estão direta-
começam com uma identificação do Deus por quem estão jurando. A esta altu- mente relacionados. Segundo, uma ênfase tem sido acrescentada sobre Deus
ra há uma semelhança direta entre os juramentos. Isto pode ser demonstrado como Criador no juramento de Apocalipse, e a linguagem usada nessa ênfase
pondo-se lado a lado as partes iniciais dos juramentos: vem mais diretamente do quarto preceito dos Dez Mandamentos.

Daniel 12:7 Apocalipse 10:6 A mensagem do anjo forte


E ouvi-o jurar por aquele que vive e jurou por aquele que vive pelos
Introdução
eternamente . . . séculos dos séculos, o mesmo que
criou o céu, a terra, o mar e tudo Em seguida à identificação de Deus em cujo nome é feito o juramento, o
quanto neles existe: . . . anjo de Apocalipse 10 faz uma declaração acerca do tempo. Em versões mais
antigas suas palavras são traduzidas por “não haveria mais tempo” (KJV); em
versões mais recentes é traduzido por “não haveria mais demora” (RSV).
Em uma ou outra tradução é evidente que o juramento solene do anjo lida
Ambos os juramentos iniciam identificando a Deus como eterno, mas, além
com tempo. A fim de determinar o intento desta expressão ser-nos-á necessário
disso, o juramento do Apocalipse reconhece a Deus como Criador. Assim, ex-
examinar sua fraseologia partindo de vários pontos de vista diferentes: léxico,
iste aqui uma relação direta, mas há também uma elaboração no último ex-
contextual, paralelos ou analogias, e cumprimento histórico-profético.
emplo. A elaboração acerca do Criador tem vínculos com outras passagens do
Apocalipse, mais notavelmente o hino ao Criador em 4:11 e a mensagem do
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

Pronunciamento profético acerca do tempo Apocalipse 10. Três destas aparecem. Uma precede imediatamente no capítulo
9, e uma segue no capítulo 11. A terceira declaração ocorre no quinto selo do
Definição e uso de chronos (tempo) capítulo seis. A ligação neste último caso é feita pelo tema e linguagem usada.
A palavra traduzida por “tempo” na KJV e “demora” na RSV é chronos (tem- Apocalipse 6:11. Esta passagem retrata simbolicamente um grupo de mártires
po). A ideia de que esta ocorrência de chronos deve ser traduzida por “demora” debaixo do altar após a abertura do quinto selo. Eles têm uma veemente interro-
é encontrada não somente em algumas versões modernas, mas de forma con- gação, e esta interrogação é: Até quando o atual estado de coisas irá continuar? “Até
siderável na literatura de comentários atuais. Ladd (1972, p. 144) observa, por quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso
exemplo: “O que o anjo anuncia é que não haverá mais tempo interveniente an- sangue dos que habitam sobre a terra?” Em resposta a esta interrogação e apelo é
tes da vinda do fim. A consumação não será mais adiada; as orações dos santos dada a cada um deles uma vestidura branca e lhes é dito que esperassem por pouco
estão prestes a ser respondidas.” Barnhouse (1971, p. 185) adiciona a ideia de tempo (chronos) até que se completasse o número de seus irmãos.
que não haverá mais demora até o toque da sétima trombeta. Dada a notorie- Discutindo a declaração feita acerca do “tempo” ou “demora” no capítulo
dade deste ponto de vista acerca da tradução de chronos, devemos perguntar a 10, Barnhouse (1971, p. 183) sugere que a resposta à interrogação dos mártires:
nós mesmos qual é a maneira mais correta de tratá-la? “Até quando?” (6:10-11), é dada pelo anjo forte (10:6). Ladd (1972, p. 144) igual-
Um básico ponto de partida para determinar a tradução de chronos deve mente acha que a declaração feita em 10:6 indica que “as orações dos santos (em
começar com o seu uso em Apocalipse. Além desta ocorrência em 10:6, 6:10-11) estão prestes a ser respondidas”.
chronos é encontrada em outras três passagens do Apocalipse. Em 2:21, se Uma boa defesa pode ser feita para este ponto de vista com bases léxicas. A
refere ao tempo dado a Jezabel para se arrepender. Em 6:11, se refere ao palavra usada em ambas as passagens é chronos. Em 6:11, é dito aos santos que
tempo adicional em que os mártires deveriam repousar sob o quinto selo. repousem um pouco mais chronos; em 10:6, o anjo declara que não haverá mais
Em 20:3, se refere ao pouco tempo que é dado a Satanás depois da sua soltu- chronos. Se estas duas declarações estão ligadas, então a primeira daria algo de
324 ra no final do milênio. Nos dois últimos casos, esta palavra para “tempo” é uma estrutura de tempo para a segunda. 325
modificada pela palavra mikros para “pouco”. Nos outros cinco exemplos em A cena dos mártires ocorre sob o quinto selo, e parece se referir à grande
Apocalipse onde ocorre a palavra portuguesa “tempo”, a palavra traduzida perseguição da Idade Média. Segundo a escola historicista de interpretação esta era
do grego é kairos, não chronos (Ap 1:3; 11:18; 12:12; 12:14; 22:10). de perseguição se encerrou por volta do final do século 18. A abertura do sexto
Assim, nenhum dos exemplos onde chronos é usada em Apocalipse fornece selo que segue se refere à segunda vinda de Cristo e aos sinais que imediatamente a
a ideia de demora. Empregar este significado em 10:6 carece de apoio na utili- precedem. Portanto, a declaração do anjo de Apocalipse 10 concernente ao “tempo”
zação do autor e só pode ser visto como um caso arbitrário de súplica especial. deve cair em algum lugar entre estes dois pontos (o fim da perseguição medieval e
Um detalhe adicional contra este tipo de tradução pode ser extraído da maneira o Segundo Advento) elaborada sob o quinto e o sexto selos.
em que esta palavra funciona em sua própria língua. Como salientou Elliott Deve-se tomar nota quanto ao pedido dos mártires (6:10). Eles pergun-
(1846, p. 121) muito tempo atrás, o verbo chronizo pode significar “demorar”, tam quanto tempo passará antes que Deus julgue e lhes vingue a morte. É
mas o substantivo chronos não é usado deste modo. possível que o juízo e a vingança sejam uma e a mesma ação. A alternativa
A partir destas considerações parece que a mais popular e recente tradução é que eles são sucessivos. Neste caso o julgar seria de caráter judicial, ao
e interpretação desta palavra como “demora” não é justificada em 10:6. A passo que a vingança seria de caráter executivo.
tradução mais antiga deve ser retida (“não haveria mais tempo,” KJV). Uma sugestão em apoio de uma sequência bifásica pode ser encontrada no
final do verso 11 onde o processo de completar o número dos santos é sug-
Elementos contextuais de tempo erido. A complementação de tal número exigiria algum tipo de processo de
Nós nos referimos aos elementos de tempos encontrados em Apocalipse tomada de decisão. Assim o tempo aqui mencionado (que eles deviam repousar,
fora do capítulo 10. Estes estão localizados ou declarados de tal maneira a literalmente, “por pouco tempo”) pode ser o tempo para o começo e duração
prover uma espécie de estrutura para nossa declaração acerca do tempo em
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

do processo de tomada de decisão. Tal juízo finalmente resultaria em vingar o que ajudou a Renascença, e a queda daquela cidade foi considerada um evento
sangue dos santos e em introduzi-los no eterno reino de Deus. memorável pelos cristãos que viviam na Europa na época. Isto ocorreu em 1453.
Apocalipse 9:15. Se alguém está procurando declarações acerca do tempo no Trezentos e noventa e um anos a partir desta data nos leva a 1844. Este foi o ano
contexto imediato de Apocalipse 10, então a mais próxima declaração quantificada em que a Sublime Porta emitiu seu edito de tolerância proibindo os cidadãos do
precedente desta natureza é encontrada com a profecia de tempo sob a sexta trom- império turco de perseguir ou matar os cristãos por causa de sua fé. Sendo que
beta, em Apocalipse 9:15. Sendo que a especificada quantidade de tempo mencio- este foi um período profético durante o qual membros da espécie humana deve-
nada ali é aplicada a eventos sob a sexta trombeta, o anjo de Apocalipse 10 não riam ser mortos, a cessação deste tipo de atividade (pelo poder que anteriormente
poderia ter dito que o tempo —literal ou profético — não seria mais até depois da havia efetuado esta espécie de atividade) se ajusta muito bem às especificações
conclusão desse período de tempo. Isto suscita a questão do período histórico ao desta profecia. O período de tempo também se ajusta muito bem à natureza deste
qual esse espaço de tempo profético deveria ser aplicado. evento, de 1453 quando a matança começou em Constantinopla até 1844, 391
Vários comentaristas adventistas do sétimo dia têm encontrado nesta profecia anos depois, quando este tipo de matança veio a ser proibida.
uma descrição do ataque dos turcos otomanos contra a cristandade.9 Os detalhes A conclusão reforça a impressão da correção geral desta interpretação
destas aplicações não podem ser explorados aqui, mas basta dizer que em geral o da profecia, com respeito à sua aplicação ao poder político envolvido e com
princípio presente nestas aplicações parece correto, o poder político previsto tem respeito à exatidão do período de tempo a ele concedido para fazer a obra
sido identificado corretamente. O período de tempo associado a esta profecia, que lhe era designada. Tudo isto chegou a um fim em 21 de março de 1844.
porém, ainda não parece ter sido identificado corretamente. Uma avaliação mais Não até este ponto poderia o anjo de Apocalipse 10 dizer que não haveria
exata disto pode emprestar mais apoio à correção desta interpretação geral. mais tempo, porque o período de tempo profético e histórico de Apocalipse
A aplicação do princípio dia-ano10 ao período de tempo encontrado em 9:15 ainda estava em andamento até então.
Apocalipse 9:15 provê 360 anos históricos para o ano profético (comparar Qualquer tempo depois da conclusão deste período de tempo profético,
326 com Apocalipse 11:2-3; 12:6, 14 para o fato de que um ano profético con- porém, teria sido apropriado para o anjo ter feito tal declaração de acordo com 327
siste de 360 dias), mais 30 anos históricos para o mês profético, e um ano esta parte da estrutura cronológica que envolve a profecia de Apocalipse 10. Neste
adicional para o dia profético nesta declaração de tempo. Isto dá um total caso a palavra chronos usada em 10:6 é também particularmente apropriada. Se
de 391 anos históricos com os quais se lidar até aqui. A pergunta então é o alguém mencionasse novamente os dias, meses e anos de 9:15 (a fim de dizer que
que fazer com “a hora” com que se inicia esta declaração acerca do tempo. não haveria mais deles futuramente), isto teria levado a uma declaração um tanto
Sendo que a palavra para “hora” pode não ser tão específica em termos de complexa. Em vez disto, todos estes elementos de tempo estão incluídos sob o
cumprimento histórico, em outro lugar no Apocalipse, ela não precisa ser cabeçalho de chronos, e isto inclui todos eles coletivamente.
tomada aqui como parte da equação cronológica. Aqueles outros elementos Apocalipse 11:2-3, 9, 11. A principal narrativa de Apocalipse 11 está em-
de tempo nos levam ao tempo ou “hora” em que está profecia culminaria. parelhada com a de Apocalipse 10 para formar o material parentético entre as
Se procurarmos o principal evento com que começou o assalto dos turcos apresentações da sexta e sétima trombetas. Porque estas duas unidade estão
otomanos contra a Cristandade, certamente veremos a queda de Constantinopla emparelhadas desta maneira, podemos esperar alguma espécie de relação entre
como o evento que assinalou o início da inundação de turcos contra o Continente os conteúdos de suas profecias e a maneira como elas tratam o tempo profético.
Europeu, e que esta inundação finalmente chegou até as portas de Viena. A queda Os períodos de tempo dados em Apocalipse 11 são específicos. Há um período
de Constantinopla levou a uma distribuição de obras escritas através da Europa longo e um período breve. O período de tempo longo é dado duas vezes: como 42
meses (11:2) e como 1260 dias (11:3). O período de tempo breve é dado duas vezes
posteriormente no capítulo como 3 dias e meio (11:9, 11). O elemento de tempo
9
  Para opiniões representativas sobre este assunto na literatura adventista do sétimo dos comen- simbólico mais longo é de mais importância para nós porque obviamente repre-
tários, veja Uriah Smith (1944, p. 497-517) e Nichol (1957, v. 7, p. 792-796). senta um período de tempo muito mais longo do que o símbolo 3 dias e meio.
10
  Para uma discussão do princípio dia-ano na interpretação das profecias apocalípticas de tem-
po veja W. H. Shea (2007, p. 63-107).
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De importância fundamental para esta narrativa e o elemento tempo mais longo 1260 anos como futuro, ‘isto será por um tempo, tempos, e metade de um tempo’; ao
é a condição das testemunhas de Deus testificando em pano de saco. Em termos de passo que o outro o expressa como passado — “não haverá mais tempo”.
cumprimento histórico isto se ajusta bem à Idade Média, durante a qual a verdade
de Deus foi obscurecida em trevas espirituais enquanto os santos de Deus experi- Observou P. S. Desprez (1854, p. 226) em 1854: “Ambas as predições se rela-
mentaram a perseguição predita também para o mesmo período de 1260 dias no cionam com o mesmo tempo; uma é apenas o eco da outra.” Escreveu P. W.
próximo capítulo (Ap 12:6, 14). O princípio dia-ano aplicado a este espaço de tem- Grant (1889, p. 267) em 1884:
po provê um período de 1260 anos para essa era de trevas espirituais e perseguição.
Isto se ajusta muito bem aos marcadores históricos que têm sido propostos para O juramento, também, é totalmente da mesma natureza — além disso, como já su-
demarcar esse período: estendendo-se de meados do sexto século ao final do século gerido, é o mesmo juramento, apenas se referindo em um caso a todo o tempo da
opressão anticristã, [...] e se referindo no outro ao final do mesmo triste período.
dezoito, ou 538 a 1798 em termos cronológicos mais específicos.11
Para nosso propósito realmente não importa se os 3 dias e meio ou anos ocor-
O comentário de Clarke (1938, p. 618) é mais hesitante: “Isto é muito semel-
rem no final desse período de tempo ou logo depois. O efeito líquido é o mesmo, a
hante à descrição do anjo. Apocalipse 10:5, 6, e no sétimo verso parece haver
saber, que os dois períodos de tempo de Apocalipse 11 chegam ao fim por volta do
uma referência a esta profecia, ‘um tempo e tempos, e uma metade.”
início do século dezenove. Apocalipse 11 provê assim um marcador antes do qual o
Esta relação também tem sido notada por comentários mais recentes.
anjo de Apocalipse 10 não poderia ter feito seu juramento de que “não haveria mais
Em sua obra publicada em 1940 M. Kiddle (1940, p. 172-173) escreveu,
tempo” (KJV). Os períodos de tempo de Apocalipse 11 ainda estavam transcor-
“em realidade o anjo está falando precisamente do mesmo período como
rendo no relógio profético. Somente em algum ponto depois que eles tivessem ter-
aquele mencionado em Daniel”.
minado poderia realmente o anjo declarar sob juramento o seu anúncio.
Embora modernos comentaristas continuem notando a relação entre estas
328 duas declarações acerca do tempo, eles têm, em alguns casos, virado a relação 329
Tempo paralelo
ao contrário. Eles afirmam que o anúncio em Apocalipse 10 indica que os 3
Daniel 12. Comparações têm sido feitas entre Daniel 12 e Apocalipse 10
tempos e meio de perseguição de Daniel deve começar, não terminar. Caird
em vários pontos na discussão precedente. Chegamos agora a mais uma com-
(1966, p. 127-128) expressa este ponto de vista:
paração: seu interesse mútuo no “tempo”. Por exemplo, o anjo de Apocalipse
12 jura que “a destruição do poder do povo santo” viria ao fim depois de “um
João acreditava que a profecia de Daniel, juntamente com outras profecias do
tempo, dois tempos, e metade de um tempo” (Dn 12:7, RSV). Por outro lado, o Antigo Testamento, estava prestes a ter um novo e mais esplêndido cumpri-
anjo de Apocalipse 10 jura que não haveria mais tempo. Sendo que tantos out- mento. Os três anos e meio estavam prestes a se iniciar [...]; e ele interpretou
ros aspectos destas narrativas correspondem, seria apenas natural esperar que a última sentença das palavras do anjo a Daniel como significando que com
estes elementos de tempo estejam de alguma forma relacionados. a destruição do perseguidor o propósito secreto de Deus terá sido cumprido
A relação tem sido notada por vários comentaristas. Entre as obras mais [ênfase do autor]. A perseguição da igreja é assim a arma secreta pela qual
antigas, M. Habershon (1841, p. 208) escreveu em 1841: Deus pretende alcançar sua vitória sobre os perseguidores da igreja e execu-
tar seu propósito de redenção. É também o conteúdo do livrinho.
Isto expressaria agora minha convicção pessoal de que a afirmação aqui apresentada
se relaciona com a mesma coisa, a única diferença é que um expressa este período de O ponto de vista mais antigo, que coloca o anúncio do anjo de Apocalipse
10 no final do período de tempo anunciado pelo anjo de Daniel 12, parece ser
superior à opinião moderna que inverteria estas relações. A opinião mais re-
cente é baseada em parte sobre a aplicação da profecia de Daniel ao tempo de
  Para apresentações amostras das datas de 538-1798 para o período de 1260 dias-anos de
11 Antíoco Epifênio (segundo século a.C.). Assim, o uso deste período de tempo
perseguição na profecia, veja as obras mencionadas Uriah Smith (1944, p. 143-145, 533-534, 551- em Apocalipse torna-se uma reaplicação, não o intento original da profecia.
558) e Nichol (1957, v. 4, p. 833-834).
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Na opinião historicista, porém, a profecia de Daniel vê mais distante no de tempo de Daniel 12, chronos se ajusta bem como um termo abrangente, cobrin-
tempo do que simplesmente o segundo século a.C. Realmente, ela se estende na do ambas as unidades de tempo dadas em kairos e aquelas dadas em “dias”. Assim,
Era Cristã quando esta perseguição deveria ocorrer. A aplicação do princípio a distinção para chronos em Apocalipse 10:6 é que ela funciona para incorporar os
dia-ano a este período de tempo indica que um anúncio sobre isto em Apoc- três períodos de tempo de Daniel 12 em seu referencial.
alipse deve se referir à sua conclusão em vez do seu começo. Sendo que o juramento do anjo (10:6) parece incluir as três profecias de tempo
O mesmo ponto é confirmado pelo contexto de Apocalipse 10. O juramento de Daniel 12, alguma atenção deve ser dada ao seu cumprimento histórico. Os 3
ali expresso deveria encontrar seu cumprimento no tempo em que o sétimo tempos e meio (v. 7) se referem à mesma era conforme dada em Daniel 7:25. Ambas
anjo estava prestes a tocar sua trombeta, claramente um evento do tempo do as passagens encontram seu cumprimento na perseguição que se estendeu através
fim. Assim, a conclusão dos mais antigos comentaristas historicistas sobre este da Idade Escura — de 538 a 1798 (Ap 1:13, 15; 2:18; 3:9; 13:2; 22:8).
ponto parece mais acertada do que a abordagem da crítica moderna. A “abominação da desolação” (v. 11) deveria ser estabelecida pelo mesmo poder
Esses comentaristas, quer tenham escrito no século 19 ou no século 20, têm que levaria a cabo esta perseguição (cf. Dn 11:31; 8:11-12). Sendo que o domínio
feito uma ligação direta entre o fim do tempo de Apocalipse 10:6 e os 3 tempos e desse poder deveria chegar a um fim temporário no tempo em que terminasse a
meio de Daniel 12:7. Embora esta conclusão geral esteja indubitavelmente correta, perseguição (7:25), assim também nesta profecia paralela (12:11) a manifestação
há uma falha em tornar a aplicação tão específica. Este defeito tem surgido de uma da abominação desoladora terminaria no mesmo tempo que a perseguição. Isto é
falha em dar atenção à palavra grega específica que é empregada. Na Septuaginta de apenas outra maneira de dizer que os 3 tempos e meio ou 1260 dias deveriam termi-
Daniel 12:7 (a tradução grega do 3º/2º século a.C. da Bíblia Hebraica, comumente nar juntamente com os 1290 dias, ambos em 1798. Calculando para trás, não para
designada como a LXX) a palavra usada para 3 “tempos” e meio é kairos, enquanto frente, significa que a manifestação desse poder começou em 508.
que a palavra usada em Apocalipse 10:6 é chronos. As Bíblias em nosso idioma não O período de tempo final de Daniel 12, os 1335 dias, é dado no mesmo tipo de
salientam a distinção que está presente nestes termos gregos. unidade de tempo como o imediatamente precedente 1290 dias. É razoável, portan-
330 Este é um exemplo em que podemos estar muito certos de que uma distinção to, assumir que ambos caminham juntos. Isto significa que os 1335 dias se estendem 331
era tencionada pelo autor. Isto é evidenciado pelo fato de que o período de tempo 45 dias-anos além do final dos 1290 dias-anos em 1798, ou para 1843.
idêntico, extraído de Daniel 12:7, aparece em Apocalipse 12:14 e emprega a mesma Deve ser notado aqui que estamos tratando de eventos históricos da Europa
palavra kairos conforme encontra na LXX de Daniel. Parece claro, portanto, que ocidental que são medidos pelo calendário romano juliano-gregoriano que
João pretendia usar uma palavra diferente em Apocalipse 10:6 do que ele usou em começa cada ano em janeiro e termina em dezembro.
12:14 ou a LXX usada em Daniel 12:7. Mas João ainda usou uma palavra que se As profecias de tempo de Daniel 8 e 9, porém, têm sido calculadas de acor-
referia a tempo (chronos). Por que deveria esta distinção estar presente no texto? do com o calendário judaico de outono a outono porque este era o calendário
Uma resposta a esta pergunta pode ser inferida de outros dados de Daniel 12. Em que estava funcionando no local e tempo quando começaram estes períodos de
seguida ao juramento acerca dos 3 tempos e meio, o anjo assume o assunto da abomi- tempo (Ne 1:1; 2:1). Portanto, quando chegamos ao 1335º dia-ano de Daniel
nação da desolação. Sua duração, disse ele, seria de 1290 dias (v. 11). E ele continua 12:12, seu ano de janeiro a dezembro de 1843 coincidiu com o 2300º dia-ano
pronunciando uma bênção sobre aqueles que chegam aos 1335 dias (v. 12). de Daniel 8:14 que se estendia do outono de 1843 ao outono de 1844. Para fins
Assim, no final de Daniel 12 são mencionados dois períodos de tempo adicio- práticos, portanto, podemos dizer que os 1335 dias nos levam ao mesmo ano de
nais pelo mesmo anjo. Nos últimos exemplos, porém, os períodos de tempo são 1844 como faz o período de tempo profético de Daniel 8:14.
dados em unidades diferentes; em vez de “tempos”, a unidade empregada é “dias”. Este discurso do glorioso anjo de Daniel 12 fornece três períodos de tempo:
Se o anjo de Apocalipse 10 tivesse pretendido se referir somente aos 3 tempos os 3 tempos e meio, os 1290 dias e os 1335 dias. Historicamente, estes terminam
e meio de Daniel 12, ele teria usado a palavra kairos. Mas Daniel 12 contém dois respectivamente em 1798, 1798 e 1844. Nossa referência a tempo chronos parece
períodos de tempo proféticos mais longos além dos 3 e meio kairoi. Para acomodar levar em conta todos os três destas profecias, não somente o primeiro deles. Isto
estas outras referências ao tempo (dado em “dias”), uma palavra diferente de kairos significa que a declaração do anjo de Apocalipse 10 — de que “não haveria mais
teria de ser usada. Enquanto kairos podia se referir somente a um dos três períodos tempo” (KJV) — não poderia ter sido pronunciada antes de ter sido concluído
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o terceiro e último dos três períodos. Isto ocorreu em 1844. Em qualquer tempo mesmo quando Ele conduzia os filhos de Israel no deserto. Os pés desse anjo
depois disto, esta declaração poderia ter sido pronunciada. forte tinham a aparência de colunas de fogo. A coluna de fogo que é mais bem
Daniel 8:14. Não há nenhuma conexão léxica direta entre Apocalipse 10 conhecida na Bíblia é a coluna de fogo que conduzia os filhos de Israel no
e Daniel 8:14, mas bem pode haver uma conexão temática entre eles. Esta deserto. Assim, em termos de imagens, o anjo forte de Apocalipse 10 apresenta
conexão tem a ver com as unidades de tempo de Daniel 8:14, as 2300 tardes- os dois principais elementos que demonstravam a presença do Deus de Israel
manhãs (dias). O que é uma tarde-manhã? O uso sucessivo deste tipo de fraseo- sobre seu santuário e sobre seu povo: a coluna de nuvem e a coluna de fogo.
logia para os dias da criação de Gênesis 1 indica que se tinha em vista um dia de Essa mesma coluna de nuvem e coluna de fogo é mencionada indiretamente
24 horas, uma expressão de significado cronológico somente. Pode haver algum em Daniel 8, se as tardes-manhãs do verso 14 são realmente dias do santuário.
significado teológico para o uso de tardes-manhãs em Daniel 8:14? Sendo que o anjo que aparece desta maneira está lidando com tempo profético, e
Daniel 8 é acima de tudo uma profecia acerca do santuário. Uma luta a res- sendo que este elemento específico do dia do santuário é usado em uma profe-
peito do santuário ocorre entre o Príncipe do exército e o chifre pequeno. Pala- cia de tempo especial, pode ser sugerida uma conexão entre essa linguagem de
vras hebraicas para santuário ocorrem três vezes nesta narrativa (v. 11, 13, 14). Daniel 8:14 e essa imagem de Apocalipse 10.
A palavra tāmîd (diário, contínuo) encontrada nesta passagem (v. 13-13) ocorre Tal conexão em potencial com a profecia de Daniel 8:14 também deve ser
30 vezes em outros lugares no Antigo Testamento ligados com o santuário. Os levada em conta quando se considera o que o anjo forte de Apocalipse 10 quer
dois anjos de 8:13 são chamados “santos”, um termo raro para anjos no Antigo dizer quando ele afirma que “não haveria mais tempo”, Conforme compreendi-
Testamento; mas aqui esses “santos” são mencionados no contexto do “lugar do pelos adventistas do sétimo dia, aquelas tardes-manhãs se estendiam — em
santo” ou “santuário”. O carneiro e o bode usados como símbolos no início do cumprimento histórico — de 457 a.C. a 1844 d.C.
capítulo eram também usados como animais sacrificais no santuário. Assim, é Assim, esta linha da profecia de tempo também apresenta a data de 1844 como
evidente que Daniel 8 é uma completa profecia do santuário. o momento oportuno antes do qual o anjo não poderia ter feito sua declaração
332 É nesta luz que as “tardes-manhãs” do seu elemento tempo devem ser acerca do tempo, mas depois do qual ele poderia justificadamente ter feito isto. 333
examinadas. Há um aspecto específico do ritual do santuário que ocorria de
tarde e de manhã. De tarde o sacerdote queimava incenso e acendia as lâm- Relações intra-juramento
padas; de manhã ele arrumava as lâmpadas e queimava incenso novamente. Nos dias do anjo da sétima trombeta (v.7). O brado do anjo forte de
Estas atividades deveriam ser realizadas “desde a tarde até pela manhã, de que “não haveria mais tempo” (KJV) está especialmente relacionado com
contínuo [tāmîd], perante o Senhor” (Lv 24:3). duas declarações que seguem imediatamente (os dias do sétimo anjo e o
Pelo uso de Sua coluna de nuvem e coluna de fogo, o próprio Deus assi- cumprimento do mistério de Deus). Ambas as declarações incidem sobre
nalava o tempo em que estas atividades deveriam ser realizadas. Uma mudava a questão do tempo, a primeira mais do que a segunda. A mais direta de-
para a outra no pôr-do-sol e nascer do sol, marcando assim o tempo em que o claração de tempo ocorre na próxima frase que se refere ao toque da trom-
sacerdote devia realizar estas atividades no tabernáculo. Esta era a maneira em beta do sétimo anjo. É importante traduzir esta frase precisamente em or-
que o Senhor dirigia, guiava e protegia o Seu povo e o Seu santuário de tarde e dem a fim de determinar o que ela diz acerca do tempo.
de manhã durante os 40 anos de sua vagueação no deserto Nm 9:15, 21). Literalmente, a frase se traduz como “mas nos dias do som/voz do séti-
Dado este significado especial do santuário para a sequência da tarde e da mo anjo quando ele está prestes a soar a trombeta”. Esta porção da passagem
manhã, pode ser sugerido que as tardes e as manhãs na profecia de Daniel as- consiste de uma frase prepositiva seguida por uma cláusula dependente
sumem um significado adicional. Uma tarde-manhã não é simplesmente um qualificativa. Se tivéssemos apenas a frase prepositiva, poderíamos admitir
período de 24 horas — é um “dia do santuário”. que o som ou voz (phōnēs) do sétimo
Retornando a Apocalipse 10, devemos notar outra vez o simbolismo do ves- anjo se referia ao toque da sua trombeta, precisamente como os anjos an-
tuário e aparência do anjo forte. Discutimos acima a nuvem envolta em torno teriores tocaram suas trombetas (8:7-8, 10, 12; 9:1, 13). A frase qualificativa
do anjo. Pode estar relacionada com a nuvem de Deus envolta em torno de Si
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

“quando/sempre que ele está prestes a soar a trombeta”, porém, indica que isto é da voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta, cumprir-se-á, então,
antes um período de tempo que conduz ao real toque da trombeta. o mistério de Deus, segundo ele anunciou aos seus servos, os profetas” (10:7).
Esta distinção tem sido notada por vários comentaristas. Ladd (1972, p. 141), Sendo que as profecias de Daniel têm estado à vista ao longo desta passagem,
por exemplo, primeiro traduz esta frase transpondo a cláusula qualificativa para é natural que ele deve ser considerado um daqueles profetas que anunciaram este
frente na frase prepositiva: “Nos dias do soar da trombeta a ser tocada pelo sétimo mistério. A conexão de Daniel é notada por alguns comentaristas. Observa Caird
anjo.” Ele então passa a notar o significado do verbo mellō (estar prestes a fazer al- (1966, p. 125): “Poderia parecer evidente por si mesmo que isto se refere às profe-
guma coisa) e cita seu uso em outros lugares no Apocalipse (3:2; 8:13; e 10:4 nesta cias do Antigo Testamento, e particularmente Daniel.” Ford (1975, p. 163) diz que
mesma passagem). Em Apocalipse 10:4, ele se refere a João ao estar prestes a escrever este tipo de linguagem tem sido usada em Daniel: “A palavra hebraica raz, ‘mistério’,
a mensagem dos sete trovões, mas lhe foi dito que não o fizesse. é frequente em Daniel e nos rolos de Qumran e se refere principalmente ao segredo
Ladd (1972, p. 145) também chama a atenção para a unidade de tempo dos tempos, e à sequência de eventos e à consumação.”
(nos dias) que combina com o uso do verbo “estar prestes a”. “Isto ocorrerá Várias sugestões têm sido feitas acerca da natureza precisa do mistério que está
não quando o sétimo anjo soar, mas ‘nos dias’ do soar da sétima trombeta.” Sua sendo discutido. Bousset sugere que ele se refere à derrota de Satanás. Embora este
conclusão acerca das implicações destes dois fatos do texto é, “O verso não diz, elemento bem possa ser incluído, ele não estaria limitado a apenas este evento. Out-
‘quando a trombeta soar’, mas ‘nos dias do soar da trombeta.’ Isto sugere clara- ra ideia proposta tem sido que isto se refere ao nascimento do Messias (Vischer).
mente que o soar da sétima trombeta não deve ser cogitado como um simples Isto parece improvável em vista do enfoque do fim dos tempos desta profecia.
ato; ele incorpora um período de tempo” (LADD, 1972, p. 145). Barnhouse Uma sugestão mais amplamente fundamentada é que o “mistério” envolve tudo
(1971, p. 184) nota o mesmo fator como operativo aqui: “A voz do sétimo men- acerca do propósito de Deus no mundo (Charles). A natureza geral desta sugestão
sageiro é ouvida por algum tempo considerável, ‘nos dias da voz’. Não é um torna difícil discordar dela. Olhando para o contexto deste juramento, Caird (1966,
lancinante grito agudo, mas um juízo longo e contínuo.” p. 129) tem sugerido que o mistério tem a ver com o retorno à criação original.
334 O quadro descrito e ao qual se alude na passagem mais longa de Apocalipse Ladd (1972, p. 145) tem recorrido a analogias com Daniel (especialmente Daniel 335
10 parece ser o seguinte: O sexto anjo tocou a trombeta (9:13). Em seguida ao 2:29-30, referindo-se a Deus como um revelador de mistérios proféticos) para sug-
seu toque, os eventos que deviam ocorrer se desenrolam no período de tempo erir que outro mistério da profecia está aqui envolvido. O mistério, porém, parece
destinado a eles. Quando aqueles dias e eventos concluírem, o tempo é entregue lidar mais com a real conclusão do plano da salvação do que o faz com o anúncio de
ao sétimo anjo, mas ele realmente ainda não tocou sua trombeta; ele está apenas outros mistérios proféticos que conduzem a esta conclusão.
se preparando para fazer isto (“prestes a”). É neste intervalo da sétima trombeta Uma sugestão alternativa sobre a natureza do mistério a ser cumprido pode ser
que o anjo forte de Apocalipse 10 diz que não haveria mais tempo. feita a partir do seu contexto em Apocalipse. O evento que precede imediatamente
Sendo que o tempo histórico continua, obviamente a referência do anjo não a referência a este mistério é o toque da sétima trombeta. Sua menção forma parte
é a esta espécie de tempo. Alguma outra espécie de tempo está envolvida. Além da sentença. Sendo este o caso, é razoável considerar os eventos a ocorrer sob a
disso, neste intervalo não há nenhum calibrado tempo simbólico ou profético sétima trombeta (Ap 11:15-18) para determinar que espécie de mistério será “cum-
como havia sob a sexta trombeta (cf. 9:15). Assim, o anjo forte parece estar de- prido” naquela ocasião. Os eventos são essencialmente de natureza tríplice.
clarando sob juramento que todos os períodos de tempo proféticos terminaram. Primeira, o toque da sétima trombeta manifesta o pleno estabelecimento
Os acontecimentos que ocorrem quando o anjo toca sua trombeta (descritos do domínio de Deus e seu reino eterno (11:15-17). Isto tem sido algo de um
em Apocalipse 11:15-18) são eventos da grande finalização. A história humana mistério até o tempo presente, porque esse reino é atualmente espiritual, não
chega ao fim, e o domínio direto de Deus em Seu reino é estabelecido. Os santos plenamente visível ao olho natural. Quando soar a sétima trombeta, porém, a
são galardoados, e os ímpios são destruídos. natureza real do eterno reino de Deus se tornará completamente evidente.
O mistério de Deus. A frase final dos três elementos que constituem o jura- Segunda, quando o sétimo anjo toca, significa que chegou o tempo para os
mento do anjo tem a ver com o cumprimento do mistério de Deus. “Mas, nos dias ímpios receberem sua justa recompensa (11:18). Isto, também, tem sido algo
de um mistério. Por exemplo, a identificação dos ímpios. Em alguns casos isto
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

pode ser prontamente evidente; mas em outros casos a distinção não está ainda Que o fim do tempo histórico não se entende pelo juramento do anjo está
clara aos nossos olhos. Então, há o assunto que tem confundido homens e mul- claro do próprio conteúdo de Apocalipse 10. O anúncio do anjo forte deve as-
heres durante séculos: Por que os ímpios prosperam e os justos sofrem? Agora a sim ser considerado como lidando com tempo profético simbólico. Com as
resposta a estas interrogações será plena e finalmente revelada. conhecidas linhas do tempo profético convergindo para concluir em 1844, este
Terceira, com o toque da trombeta do sétimo anjo os justos receberão sua detalhe provê a mais apropriada ocasião para ser feito este anúncio do anjo. O
recompensa, especialmente sua recepção no eterno reino de Deus (11:18). Isto anúncio do anjo forte tem sido compreendido então como um anúncio do fim
tem sido um mistério escondido dos olhos humanos. Mas então isto se tornará das profecias de tempo apocalíptico simbólico em 1844.
claro. Assim, o soar da sétima trombeta termina e responde perguntas acerca do
plano da salvação que anteriormente tinham parecido ser mistérios.
A maior parte deste tipo de informação parece girar em torno do domínio Relações cronológicas de “não mais tempo” (profético)
do reino eterno de Deus. Três coisas específicas sobre ele serão reveladas naquele (Ap 10:6)
tempo: o grande e divino Soberano dele, os cidadãos que o habitarão e aqueles que
I. Gerais
serão excluídos dele. Estes segredos espirituais específicos do mistério do plano da
salvação serão revelados claramente quando o sétimo anjo tocar sua trombeta e “os A. Como uma resposta à pergunta Aponta para o juízo vindouro e recom-
“Até quando?” (Ap 6:10). pensas para os santos.
reinos do mundo se tornarem o reino de nosso Senhor e do seu Cristo” (11:15).12
B. “Nos dias em que o sétimo anjo No intervalo entre o fim da trombeta
está prestes a soar” (Ap 10:7). do sexto anjo e o soar da sétima.
Resumo sobre “tempo”
A discussão acima se tem centralizado nas relações cronológicas de várias
II. Específicas
declarações de tempo com o juramento do anjo (“não haveria mais tempo”, 10:7,
336 A. Depois dos 1260 dias (Ap 12:6) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1798 337
KJV). Três áreas diferentes têm sido examinadas para determinar estas relações:
B. Depois do período de dia-mês-ano (Ap 9:15) . . . . . . . . Findou em 1844
(1) o contexto imediato da profecia de Apocalipse 10, (2) o contexto próximo do C. Depois dos 1290 dias (Dn 12:11) . . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1798
livro de Apocalipse, e (3) analogias de Daniel. Esta investigação tem produzido D. Depois dos 1335 dias (Dn 12:12) . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1844
um total de sete relações cronológicas para exame. E. Depois das 2300 tardes e manhãs (Dn 8:14) . . . . . . . . . Findaram em 1844
Se olharmos para estas linhas da profecia a partir de uma perspectiva his-
toricista, vemos que duas têm fornecido períodos gerais de tempo para análise,
mas cinco têm provido específicas regulações de tempo que se relacionam com
esta declaração juramentada de Apocalipse 10. Esta informação pode agora ser
resumida conforme mostrada na página seguinte. O livro agridoce
A partir do gráfico pode ser visto que estas linhas de tempo profético Passemos agora a examinar a terceira e última seção da narrativa (v. 8-11).
não se estendem além de 1844. Nenhuma outra profecia apocalíptica de Esta seção descreve a experiência do profeta com o livrinho. Ele é instruído a
porções específicas de tempo simbólico é conhecida que atinja além deste tomar o livrinho da mão do anjo e comê-lo. A refeição simbólica demonstrou-
ponto. Consequentemente, pode ser dito corretamente que em 1844 o tem- se doce em sua boca, mas amarga em seu estômago. Em seguida a esta experiên-
po profético simbólico chegou ao fim. cia, foi-lhe dito que profetizasse outra vez a muitos povos, nações e línguas.
A extensão do simbolismo é considerável. Examinaremos seus detalhes di-
vidindo a passagem em várias seções.

  Esta opinião não é hostil ao fato de que o toque da sétima trombeta vê também a terminação
12

do “mistério do evangelho” (Ef 6:19); donde, o fim da provação humana. Isto é clara evidência de
que a série de eventos das trombetas ocorre no tempo de prova histórico. – Ed.
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

Descrição do anjo Antes de examinar o assunto da doçura e amargor do livrinho, podemos


A dscrição do anjo forte é dada outra vez, porém mais brevemente. Mounce fazer a pergunta mais geral: O que significa comer o livrinho? Barnes (1852,
(1977, p. 214) chama isto de um “artifício retórico”. É empregado para interligar p. 263) assim interpreta: “O significado aqui, então, está claro. Ele devia
as seções iniciais e finais da narrativa e para enfatizar os vínculos entre o anjo e apoderar-se do conteúdo do livro; recebê-lo em sua mente; como o fazemos
o livrinho aberto naquelas duas cenas. com a comida, para nutrição espiritual.”
O anjo é outra vez descrito como estando em pé sobre o mar e sobre a Terra, Mas o consumo do livrinho não é somente para assimilação interna, é tam-
um sinal da universalidade de sua mensagem. Esta universalidade é agora com- bém para proclamação pública. Como se expressa Barnes (1852, p. 263): “O
plementada nesta terceira seção pelas orientações dadas a João para profetizar significado é, que, como uma consequência de se tornar possuído do pequeno
uma nova mensagem a “muitos povos e nações e línguas e reis” (v. 11). volume e seu conteúdo, ele seria chamado a proclamar a verdade divina, ou
O livrinho aberto na mão do anjo é notado mais uma vez. Este elemento é tornar a mensagem de Deus conhecida para a humanidade.”
fundamental para a experiência do profeta. A primeira voz ouvida vem do céu Mounce (1977, p. 214) também enfatiza os fatores de assimilação e
e provavelmente é a voz do próprio Deus falando (10:8). Mounce (1977, p. 213) comunicação envolvidos aqui: “[Isto] simboliza a apropriação completa
dá ênfase ao significado da origem da comunicação: “Que a voz é uma voz do da revelação profética. João deve assimilar o conteúdo do livrinho antes
céu enfatiza a natureza autorizada da ordem.” de comunicá-lo a outros.”
A intenção do anjo em dar o livrinho aberto ao profeta tem sido enfatizada
O fator tempo por Barnes (1852, p. 263): “E ele me disse: ‘Toma-o’, como se ele tivesse esperado
Barnes é um comentarista que tem realçado os fatores tempo envolvi- esta solicitação; ou tivesse descido para entregar-lhe esse pequeno volume, e tivesse
dos nesta seção. Ele observa no início: “A passagem aqui (v.8) introduz um antecipado que o pedido seria feito. Não houve nenhuma relutância em abrir mão
novo símbolo, o do ‘comer o livro’, e evidentemente se refere a algo que deveria dele.” Assim, a narrativa dá a impressão de que o anjo forte estava vindo do Céu na
338 ocorrer antes [grifo do autor] do ‘mistério ser cumprido’; isto é, antes de soar a hora em que fez isto a fim de dar o livrinho aberto ao agente ou agentes (a quem 339
sétima trombeta” (Barnes, 1852, p. 262). João representa) que deviam estar envolvidos com ele desta forma íntima.
Na conclusão desta seção o profeta é instruído a profetizar outra vez.
Isto também envolve um fator tempo, como observa Barnes (1852, p. 263): “A Gosto doce e amargo
expressão aqui deve se referir a algo que ocorreria depois [grifo do autor] da Há várias passagens bíblicas citadas nos comentários como paralelas à experiên-
ação simbólica de ‘comer’ o livrinho, ou a alguma consequência de comê-lo.” cia profética de gosto aqui descrita (Jó 20:12-14; Pv 9:17-18; Sl 19:10; 119:103; Jr
Mounce (1977, p. 216) concorda: “É depois [grifo do autor] de comer o livro 15:16; e Ez 2:8–3:3). Provérbios 9:17-18 e Jó 20:12-14 falam quão doce é a má ação
que é dito a João que ele deve profetizar outra vez.” para o malfeitor, mas torna-se em amargura e morte onde seus efeitos são sentidos.
O significado cronológico de ambas as atividades descritas no início e no A doçura da palavra de Deus é enaltecida em Salmos 19:10 e 119:103. No meio de
final desta passagem (comer, profetizar) é que ambas ocorrem no intervalo du- sua biografia profética Jeremias exclama: “Achadas as tuas palavras, logo as comi;
rante o qual o sétimo anjo está se preparando para tocar sua trombeta. as tuas palavras me foram gozo e alegria para o coração.” É claro, sua experiência
se tornou em amargura quando experimentou a rejeição e perseguição do povo ao
Comendo o livrinho levar essa palavra para eles (Jr 15:16; ver v. 17-18).
O profeta é instruído pela voz do céu a aproximar-se do anjo e tomar o Contudo, a mais direta e frequentemente citada analogia ao que é descrito
livrinho da sua mão. Em sua experiência visionária o profeta assim o faz. Em em Apocalipse 10, vem da experiência semelhante de Ezequiel com um rolo de
resposta, o anjo o instrui a tomar e comer o livrinho. Isto o profeta também faz. livro (Ez 2:8-10; 3:1-4). Ezequiel ouviu uma voz instruindo-o a comer o que
Na visão a ação agora muda para o profeta. Até este ponto o profeta tem sido lhe foi dado. Então ele viu uma mão estendendo-lhe um rolo. O rolo foi esten-
um observador. Agora ele se torna um participante. dido diante dele, e o profeta leu as palavras de luto e lamentação, obviamente
representando a destruição que iria se abater sobre o seu povo. Então foi dito a
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

Ezequiel que comesse o rolo e fosse e falasse à casa de Israel. Ele comeu e o rolo Parte do amargor do profeta no estômago pode ter vindo através da desatenção
tinha o sabor de doce em sua boca. de sua audiência, mas não parece sábio limitar esta figura de linguagem somente a
Esta experiência de Ezequiel fornece o mais direto modelo bíblico para o isto. E não há nada na narrativa em si para identificar o amargor com perseguição.
que é descrito em Apocalipse 10. Contudo, ele falha em um detalhe: o result- A perseguição descrita por Apocalipse 12:17; 13:13-17 parece ser a perseguição final
ante amargor no estômago. Tampouco as experiências dos ímpios descritas que deve recomeçar depois de o profeta ter profetizado outra vez às nações.
em Jó e Provérbios fornecem uma analogia completa. Elas têm ambos os A doçura desta passagem não é difícil de compreender, mas o amargor é mais
elementos de doce e amargo, mas estas são as experiências dos ímpios, não difícil de interpretar. As analogias do início do capítulo podem oferecer alguma ajuda.
dos justos como encontramos em Apocalipse 10. No início do capítulo, depois que o poderoso anjo falou pela primeira vez,
Mesmo embora seja tratado aqui um grupo diferente, estas experiências sete trovões soaram; mas sua mensagem foi selada (v. 3-4). Foi sugerido que es-
dos ímpios podem prover alguma espécie de analogia geral. O problema real ses sete trovões podem ter representado sete julgamentos finais antes do fim, e
entre o doce e o amargo é que a ação em si (que é doce) não provê os resultados que seu lugar pode ter sido tomado pelas sete últimas pragas.
antecipados (portanto, causando amargor). O mesmo pode ser dito do profeta e No fim do capítulo o anjo forte é descrito novamente, seguido agora pela ex-
a igreja que ele representa em Apocalipse 10. A doçura da mensagem da palavra periência do profeta com o livrinho. A experiência é de amargura e desapontamento.
de Deus torna-se amargor quando o resultado antecipado não se materializa. Ambos os elementos da narrativa parecem estar descrevendo situações se-
A doçura e o amargor têm sido vistos de várias maneiras pelos comen- melhantes, mas partindo de pontos de vista diferentes. Se a mensagem ligada
taristas. Por exemplo, Ford (1975, p. 164) vê o amargor de Ezequiel no fato ao anjo descendo com o livrinho (no início do capítulo) era de julgamento final
de que “lhe é dito que Israel não lhe dará ouvidos”. Para Mounce (1977, que não veio, então desapontamento ou amargor que João (representando a
p. 215), estas figuras de linguagem indicam que “o livro doce que torna o igreja) experimentou (no final do capítulo) bem pode ter acontecido através do
estômago amargo é uma mensagem para a igreja. Antes do triunfo final os não cumprimento desta mensagem de julgamento final.
340 crentes irão passar por uma formidável provação”. O amargor apresentado pela profecia parece derivar de uma experiência in- 341
Kiddle (1940, p. 173) tem uma opinião semelhante: terna, de desapontamento com um resultado antecipado, em vez de fatores ex-
ternos tais como a não aceitação da mensagem pela audiência, ou perseguição
João, porém, logo acha o livrinho amargo para digerir. Sua mensagem é para o ver- dos que estavam dando a mensagem.
dadeiro Israel, a igreja cristã: e embora ele termine com o triunfo do povo de Deus,
também fala de uma formidável provação que deve preceder sua vindicação. O novo Nova missão
conhecimento agridoce ele deve transmitir às igrejas em todos os países. O verbo plural legousin (eles dizem, estão dizendo [a mim]) no início do
verso 11 tem ocasionado algum comentário. Ordinariamente teríamos espera-
Barnhouse (1971, p. 190) chega mais perto do caráter profético de Apocalipse 10 do aqui um verbo singular (ele diz [a mim]). Seguindo Charles, Ford (1975, p.
quando declara, “o conhecimento do futuro é doce, mas o que ele contém é amargo”. 160) sugere que a função deste plural é suprir um sujeito indefinido. Mounce
Alguma avaliação destes pontos de vista deve ser dada aqui. Embora seja (1977, p. 216) sugere que ele pode funcionar aqui com um significado passivo.
verdade que a experiência de João é uma mensagem para a igreja da Era Cristã, Todavia, a voz do anjo forte e a voz do céu poderiam estar falando aqui de
não parece justificado limitar essa mensagem a apenas a igreja em si. No final comum acordo. Ou, os anjos com as trombetas poderiam estar falando. Outra
do episódio é dito ao profeta que profetize outra vez a muitos povos, nações, lín- possibilidade seria os anciãos e os seres viventes no Céu ao redor do trono. Esta
guas e reis. Parece improvável que estes elementos sejam todos cristãos antes do questão não pode ser resolvida com finalidade; todavia, ela não afeta direta-
tempo em que ele deve profetizar-lhes. De modo semelhante, o profetizar ante- mente o significado do conteúdo da mensagem ao profeta.
rior pela igreja (a que se faz referência pelas palavras “outra vez”, v. 11) também O profeta deve ser considerado aqui, e anteriormente, como simboli-
deve ter uma ampla audiência semelhante em seu impulso missionário. zando os seres humanos que constituiriam o movimento que transmite essa
mensagem final. João viveu no início da Era Cristã quando ele recebeu esta
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

visão. Mas a cena profética em si olha em direção do fim dos tempos, muito Cumprimento histórico
tempo depois da morte de João. Ele deve, portanto, ser compreendido como O tempo e o espaço impedem uma análise aprofundada da história da in-
representante daqueles que levarão esta mensagem final, a parte que ele terpretação deste capítulo ou um registro completo dos detalhes históricos da
estava desempenhando sob aquelas circunstâncias. Teria sido fisicamente aplicação feita aqui. Contudo, alguns breves comentários devem ser feitos com
impossível para João ter levado sua mensagem a todos os grupos a quem base nos conhecimentos exegéticos obtidos a partir do nosso exame do capítulo.
lhe foi dito se dirigir (v. 11). Podemos, portanto, procurar um grupo ou A ênfase central da narrativa é que uma mensagem especial deve ser le-
movimento para cumprir esta incumbência no fim dos tempos. vada ao mundo no fim dos tempos. Esta verdade é representada simbolica-
A conexão desta profecia com o fim dos tempos é enfatizada por suas mente por um anjo forte descendo do Céu à Terra (v. 1). A mensagem deve
conexões com as outras profecias do fim dos tempos de Apocalipse através da ser de extensão mundial. Este fato é representado simbolicamente no início
linguagem que ela usa para os grupos a serem abordados (povos, nações, lín- do capítulo (v. 2), e é declarado literalmente em seu fim (v. 11).
guas, reis (v. 11). Observou Charles (1920, p. 269): A mensagem especial para este tempo está relacionada ao livrinho aberto na
mão do anjo. Das várias analogias entre este capítulo e Daniel 12 podemos concluir
É interessante que esta enumeração, que ocorre sete vezes no Apocalipse [...] é aqui que o livrinho — agora aberto — é o mesmo livro que o profeta Daniel recebeu
dada uma forma diferente, e basileusin (reis) é posto no lugar de phulais (tribos). Os ordem de selar, seu próprio livro de profecias. Assim, no fim dos tempos uma men-
reis são especialmente aqueles mencionados em 17:10, 12. O profeta está reformu- sagem especial deve ser dada ao mundo, e esta mensagem está relacionada direta-
lando esta frase característica com vista ao conteúdo de suas visões posteriores. mente com as profecias do livro de Daniel, a ser aberto, estudado, e proclamado.
A comunicação do anjo é vista envolvendo uma mensagem de juízo. Esta
A extensão em que esta mensagem deve ser dada é também enfatizada pelo é representada pelos sete trovões. Sendo que em outro lugar no Apocalipse os
termo pollois (muitos). Como observa Ford (1975, p. 161): “Pollois, ‘muitos’, se trovões do trono de Deus acompanham juízos, esses trovões também podem
342 refere à vastidão do campo missionário, referindo-se não somente a um impé- ser compreendidos como representando juízos. Sua mensagem, porém, devia 343
rio, mas a uma multidão de raças e reinos e cabeças coroadas.” ser selada ou temporariamente removida. Seu lugar parece ser tomado pelas
Também devemos comentar brevemente sobre o uso do verbo “pro- sete últimas pragas de Apocalipse 16, a próxima sequência de sete do livro, e
fetizar”. Alguns comentaristas abrandam a força deste verbo, interpretando- uma sequência que está ligada a julgamentos finais. A apresentação e selamento
o como significando um mero falar por Deus. Todavia, a narrativa, como imediato dos sete trovões parecem ser um anúncio preliminar de juízo que é
um todo, vem lidando com uma mensagem profética. Consequentemente, a removido ou adiado para uma ocasião posterior, segundo este simbolismo.
apresentação de uma mensagem inteiramente profética outra vez ao mundo O segundo ponto importante feito na mensagem do anjo forte lida com
se ajustaria melhor ao significado deste verbo aqui. tempo profético. Ele anuncia com um solene juramento que “não haveria
O juramento/mensagem do anjo forte baseia-se ou está relacionada com mais tempo”. A partir do contexto deste juramento está claro que o tempo
o livrinho aberto em sua mão. Sendo que esse livrinho pode ser identificado histórico não está sendo aludido, porque o tempo histórico continua através
como o livro profético de Daniel, mais uma razão é dada aqui para ver esta de outra série de eventos proféticos. O tempo deve, portanto, ser profético
mensagem final como realmente de caráter profético. ou tempo apocalíptico simbólico. É esta espécie de tempo que é encontrada
Mounce (1977, p. 217) tem dado alguma ênfase à natureza profética especialmente nas profecias apocalípticas de tempo de Daniel e Apocalipse.
desta mensagem final: Elas deveriam chegar ao fim com o juramento desse anjo.
Nosso estudo das profecias de tempo, especialmente aquelas que podem
É o ato final do grande drama da atividade criadora e redentora de Deus. O sig- estar ligadas direta ou indiretamente com Apocalipse 10, leva à identificação
nificado da história entra em um enfoque nítido no ponto final do tempo. [...]
do ano de 1844 como o ponto final para várias destas linhas de tempo profé-
Sua profecia é a culminação de todas as profecias anteriores na medida em que
leva à destruição final do mal e à inauguração do estado eterno. tico. Nenhuma profecia de tempo de Daniel e Apocalipse se estende além desse
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

ponto. Esta junção cronológica fornece a localização apropriada para ser feito o trombeta, sua tarefa terá alcançado seu cumprimento. Desta vez não haverá
anúncio do anjo forte acerca da cessação do tempo profético. nenhum amargo sabor de desapontamento. Esta é realmente a tarefa que os
Esta importante junção cronológica no meio da narrativa forma um pivô herdeiros espirituais do movimento milerita vêem que está sendo cumprida
em torno do qual os eventos profetizados em outras partes da narrativa se agru- em sua obra e mensagem do seu movimento mundial.
pam. Isto se aplica ao julgamento adiado anunciado no início do capítulo; se
aplica à experiência do amargo desapontamento em seguida ao meio do capí- Considerações finais
tulo; e se aplica à nova profecia a ser dada no fim do capítulo. Apocalipse 10 se divide sobre a declaração do divisor de águas acerca do fim
Na passagem que lida com a experiência doce e amarga do profeta, João do tempo profético. A declaração localiza a descrição das cenas da visão no âmbito
(representando os cristãos do fim dos tempos) primeiro prova a doçura da men- da história da igreja nos séculos dezenove e vinte. Os vários aspectos da profecia
sagem derivada do livro de Daniel quando ele é estudado, absorvido, e proclam- podem ser esquematizados em sua ordem sucessiva em torno do ponto focal do
ado. Mas depois da doçura inicial, provada por aqueles que experimentaram a juramento do anjo acerca do tempo profético na seguinte forma resumida:
alegria e esperança que encontraram nestas profecias, sua experiência se trans- 1. Uma nova mensagem deve ser dada ao mundo — representada pela
formou em amargor quando o cumprimento antecipado não se concretizou. descida do anjo forte que está sobre a Terra e o mar com um livrinho aberto
A junção cronológica central deste capítulo também apresenta um período em sua mão.
de tempo em que se deve procurar a ocorrência histórica desta experiência. Du- 2. A mensagem dada é de juízo, mas esse juízo será adiado — representado
rante o transcorrer da história da Igreja Cristã no século dezenove, desenvolveu- pelos sete trovões e o selamento de sua mensagem.
se uma grande expectativa de que a segunda vinda de Cristo e o fim do mundo 3. É feito um solene juramento de que não haveria mais tempo (profético) —
estavam próximos. Na América do Norte isto foi incorporado especialmente no cumprido pelas linhas das profecias de tempo que convergem para 1844.
movimento milerita, proclamando o advento de Cristo ao longo das décadas de 4. Uma experiência de desapontamento ocorreria nesse tempo — represen-
344 1830 e 1840, até o amargo desapontamento de outubro de 1844. tada pelo gosto amargo do livrinho quando o fim do mundo não ocorreu. 345
Os mileritas baseavam suas convicções em um cuidadoso estudo das profe- 5. Uma mensagem profética deve ser proclamada outra vez a todo o mundo:
cias do agora aberto livro de Daniel. Sobre esta base os mileritas determinaram
corretamente que o tempo profético chegaria ao fim em 1844, conforme jurado O fim do tempo profético é agora compreendido.
no juramento do anjo forte. Apesar de doce como era para eles esta mensagem, Essa pregação ocorre no “tempo do fim’.
O fim de todas as coisas está próximo.
eles identificaram incorretamente o evento que ocorreria no final desses pe-
O sétimo anjo logo soará sua trombeta,
ríodos de tempo proféticos. Como resultado, eles sofreram um amargo desa- E então os reinos deste mundo se tornarão o
pontamento quando a doce esperança do retorno do seu Salvador deixou de reino de nosso Senhor e do seu Cristo!
materializar-se. O amargor desta experiência foi tão grande que adeptos con- Trad. do autor
temporâneos do movimento e seus posteriores herdeiros espirituais têm se
referido a essa reviravolta como o Grande Desapontamento.
Mas os membros desse movimento (representado simbolicamente pelo
profeta) não deveriam permanecer nesta desalentada condição. Ao contrário,
Referências
eles devem aceitar o desafio de um novo chamado para profetizar outra vez ao
mundo. Jesus ainda voltará e o plano da salvação ainda será concluído. BARNES, A. Notes on the book of Revelation. Londres: [s. n.], 1852.
Eles vivem e profetizam agora, por todo o mundo depois do final de to-
das as profecias de tempo, como o anjo tinha dito. Eles devem dar esta nova
BARNHOUSE, D. G. Revelation: an expository commentary. Grand Rapids: Zonder-
mensagem em um tempo em que o sétimo anjo está chegando mais e mais
van Publishing House, 1971.
perto de soar o som da trombeta final. Quando ele finalmente tocar sua
Estudos selecionados em interpretação profética O anjo forte e

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14
Estudos selecionados em interpretação profética

Profecias de tempo
de Daniel 12
e Apocalipse 12-13
William H. Shea

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Daniel 12
3. Apocalipse 12
4. Apocalipse 13
5. Considerações finais

348
Sinopse editorial. Como
suporia o leitor, a escola crítico-
histórica preterista localiza estes
períodos de tempo no passado
(segundo século a.C. para Dan-
iel; primeiro século d.C. para
Apocalipse). A escola futurista
projeta os mesmos para o fim da
era. Ambas consideram os perío-
dos como expressões de tempo
literais. A escola historicista, por
outro lado, aceita estes períodos
de tempo como simbólicos de
extensões de anos mais longas
segundo o princípio dia-ano e
os localiza no fluxo da história
humana no ponto indicado pela
profecia. Os adventistas do sétimo
Estudos selecionados em interpretação profética Profecias de tempo

dia se identificam com este último método de interpretação profética, a her- anuncia seu futuro reavivamento. Os versos 5-10 apresentam o segundo membro
menêutica da Reforma Protestante. do pensamento paralelo. É a seção explanatória e explica as atividades da besta antes
Em anos recentes alguns historicistas começaram a argumentar que Daniel da sua ferida. O período destas atividades específicas (42 meses ou 1260 anos) é
12:5-13, com seus três períodos de tempo (três tempos e meio, 1290 dias e 1335 parte da explanação. Informa o leitor quanto ao período de tempo durante o qual a
dias), é uma profecia independente (ou, ao menos sujeita a um duplo cumpri- besta cumpriria o seu domínio perseguidor e blasfemo até a sua ferida quase fatal.
mento) focada no fim dos tempos. Alega-se encontrar apoio para isto no perío- Então segue com mais informação sobre seu reavivamento. Os indicadores bíblicos
do de tempo de Apocalipse 13:1-10, em que os 42 meses da besta semelhante ao são claros de que 13:1-10 é uma unidade e fala acerca do mesmo período de tempo
leopardo são mencionados depois (v. 5) da referência concernente à sua ferida conforme dado em Daniel 12 e Apocalipse 12.
(v. 3). Disto infere-se que a besta terá outro reinado perseguidor no futuro, um Não há nenhuma evidência nos dados bíblicos que sugira que estes perío-
reinado de 42 meses ou 1260 dias literais. Consequentemente, à semelhança dos de tempo devem ter um cumprimento duplo — um no passado e outro nos
do futurismo clássico, os períodos de tempo de Daniel 12 e Apocalipse 13 são dias finais da história humana. Tal ponto de vista das visões apocalípticas de
interpretados como sendo períodos de tempo literais que devem ser localizados Daniel e Apocalipse é desprovido de apoio escriturístico.
nos últimos poucos anos da história humana.
Estas propostas futuristas se baseiam essencialmente em uma compreensão Introdução
errônea dos padrões de pensamento da profecia hebraica. Representam uma
leitura do idioma hebraico com as lentes ocidentais. O resultado é que as con- Duas dúzias de profecias de tempo encontradas na Bíblia são identificadas como
clusões extraídas são falsas para o propósito das respectivas profecias. pertencentes aos profetas clássicos. Os expositores concordam que estas devem ser
Não é o propósito do escritor dar uma exposição destes capítulos específicos interpretadas como tempo literal. Cerca de duas dúzias mais são encontradas nos
com aplicação histórica. Em vez disso, ele se propõe a descobrir em cada profecia livros proféticos especializados classificados como apocalípticos: Daniel e Apoc-
350 os indicadores bíblicos que apontam para onde estes períodos de tempo foram des- alipse. Existem mais diferenças de opinião quanto a interpretar esses elementos de 351
tinados a ser localizados pelo profeta inspirado. A evidência é clara em cada caso. tempo. Os intérpretes historicistas, inclusive os adventistas do sétimo dia, defendem
Os dados bíblicos indicam que Daniel 12:5-13 não é uma profecia inde- que essas expressões de tempo são simbólicas e representam períodos mais longos
pendente. Seus três períodos de tempo formam a conclusão da quarta visão do real tempo histórico. Outros intérpretes, das escolas preterista e futurista, creem
de Daniel com 10:5-21 servindo como introdução e 11:1–12:4 como o corpo que elas devem ser aceitas simplesmente como tempo literal.
da própria visão. Além disso, seus 3 tempos e meio e 1290 dias estão ligados Em outro lugar tenho discutido a natureza dos períodos de tempo apocalíp-
linguística e subjetivamente ao corpo da visão (Dn 11:31-35). Estando li- ticos e o princípio dia-ano (SHEA, 2007, p. 63-99). Neste capítulo me proponho
gado à passagem dos 1290 dias, o período de 1335 também tem o seu ponto a fazer um estudo contextual e de conteúdo de alguns períodos de tempo apoc-
de partida nos mesmos versos do corpo da visão. alípticos para descobrir as características que indicarão quando eles devem ter
Isto significa que os três períodos de tempo de Daniel 12 não podem ser cumprimento. Isto não é um estudo histórico em profundidade. É antes um es-
projetados para um cumprimento no fim da era. Eles estão encerrados no fluxo tudo textual para ver o que diz o texto em si acerca da aplicação destas profecias
da história humana onde Daniel 11:31-35 os colocou — isto é, no passado, e em seus próprios termos. Obviamente, o texto deve ter algo a dizer acerca de
para o período do papado medieval e seu domínio. O arranjo literário de Apoc- qual escola de interpretação se alinha mais de perto com seus dados.
alipse 12, com sua dupla referência ao período de 1260 anos, confirma a mesma
Mesmo período de tempo
localização desta era frequentemente mencionada.
Um motivo para a escolha destas três passagens (Dn 12; Ap 12–13) é que
O princípio organizador da visão de Apocalipse 13:1-10 é o paralelismo de pen-
elas têm vários elementos em comum. Todas as três passagens descrevem
samento. Esta é uma expressão idiomática comum da poesia hebraica que também
o período de tempo idêntico. Em Daniel 12:7, ele é dado (em hebraico)
se estende à prosa e profecia hebraica. Os versos 1-4 são os aspectos descritivos da
como 3 tempos e meio. A mesma fraseologia de 3 tempos e meio aparece
visão que descreve em frases concisas o surgimento e carreira da besta, sua ferida, e
em Apocalipse 12:14 (em grego). Este, por sua vez, está correlacionado com
Estudos selecionados em interpretação profética Profecias de tempo

os 1260 dias do verso 6. Finalmente, Apocalipse 13:5 repete este mesmo outro lado, compreendem estas unidades de tempo como símbolos e, portanto, sig-
período de tempo, neste exemplo como 42 meses. Assim, um fio condutor nificando períodos mais longos do real tempo histórico.
comum numérico passa por estes três textos em que os 3 tempos e meio Abordagens preteristas. Para ilustrar primeiro a abordagem preterista, o
equivalem a 42 meses e os 42 meses equivalem a 1260 dias. comentário padrão de J. A. Montgomery da série International Critical Com-
mentary pode ser citado. Montgomery (1927, p. 477) credita ao grande crítico
Mesmos eventos da forma Herman Gunkel pelo ponto de vista que ele adota em seu comentário.
Estas passagens não somente se referem ao mesmo período de tempo,
mas também descrevem os mesmos eventos que ocorreram durante esse A sugestão de Gunkel [...], aceita por (outros comentaristas) é aqui seguida, de
período. Daniel 12:7 identifica isto como um período para a “destruição” do que os dois versos [12:11, 12] são glosas sucessivas destinadas a prolongar o
poder do povo santo. Apocalipse 12:6 e 14 o identificam como um tempo período de 1.150 dias anunciado em 8:14; este período não foi cumprido e estas
em que a mulher, que representa a igreja, é forçada a fugir do seu persegui- glosas, que devem ser muito precoces, sucessivamente estendem o tempo para
dor, o dragão-besta motivado pelo diabo, e esconder-se no deserto. A pas- 1.290 e 1.335 dias. Para as dificuldades no caminho da assimilação dos três nú-
sagem final, em Apocalipse 13:5, identifica esse período como um tempo meros contraditórios basta olhar para outros trabalhos sobre esse ponto.
em que o poder da besta exerce sua autoridade contra os santos.
Assim, temos um período de tempo comum nestas passagens (1260 dias e Vários problemas com essa interpretação podem ser notados no início.
equivalentes) e um evento comum: a perseguição dos santos. Há, é claro, outros Montgomery divide os 2.300 dias de Daniel 8:14 de acordo com um sacrifí-
elementos nestas passagens. As características mencionadas acima juntamente com cio da tarde e um da manhã, mas esta separação e divisão não é justificável
estas têm sido assuntos de interpretação polêmica. Portanto, um novo exame das (SCHWANTES, 1978, p. 375-385. Os números não são contraditórios, porque
passagens do ponto de vista do seu contexto e conteúdo pode ser proveitoso para se eles não lidam com as mesmas coisas. O verso 7 fala acerca da perseguição dos
352 obter uma melhor compreensão em torno de sua interpretação. santos; o verso 11 fala sobre a abominação da desolação; e o verso 12 enfatiza 353
uma característica positiva: uma bênção. O próprio Montgomery nota as di-
Daniel 12 ficuldades envolvidas com o trabalho com estes números deste modo.
Uma declaração mais recente deste ponto de vista comum é apresentada no
comentário sobre Daniel de E. Heaton (1956, p. 250):
Três períodos de tempo
São estes realmente três períodos de tempo nesta parte da profecia de Dan- Muitos eruditos consideram que estes dois versos são glosas sucessivas adicio-
iel. O verso 7 menciona os 3 tempos e meio para a destruição do poder do povo nadas quando a Nova Era ainda tardava depois da terminação dos 1.150 dias
santo. O verso 11 menciona um período de 1290 dias em conexão com a tirada de 8:14. A nova datação do v. 11 — 1290 dias — é o valor mais longo que pode
do “diário” ou “contínuo” e o estabelecimento da abominação desoladora. O ser dado aos três anos e meio encontrados em 7:25. A outra extensão do período
verso 12 menciona um período de 1335 dias até que certa bênção seja conce- para 1335 dias no v. 12 deixa todos conjecturando.
dida. Todas as três profecias de tempo precisam ser estudadas juntas aqui.
Os comentaristas têm prestado atenção a estes períodos de tempo, e suas expli- Assim, a interpretação padrão destes três períodos de tempo de Daniel 12
cações refletem as diferentes escolas de interpretação profética. A escola preterista segundo a escola preterista é que o autor pseudepigráfico (ou um redator pos-
considera estes períodos como tempo literal, referindo-se a acontecimentos do re- terior) adicionou estes três períodos de tempo em sucessão em um apêndice
inado de Antíoco Epifânio (segundo século a.C.). Os intérpretes futuristas inter- do livro quando os eventos esperados não ocorreram. Ele teve de continuar
pretam estes mesmos períodos de tempo como estando relacionados com o fim da alongando os supostos 1150 dias quando uma após outra de suas predições
era, ainda futura para o nosso próprio tempo agora enquanto isto está sendo escrito. não aconteceram (1150, 1260, 1290 e 1335). Essa interpretação obviamente
Também os veem como unidades de tempo literal. Os intérpretes historicistas, por exige uma opinião muito diferente daquela das Escrituras sobre a natureza de
revelação e inspiração. Isso não é a verdadeira presciência divina revelada ao
Estudos selecionados em interpretação profética Profecias de tempo

profeta. Antes, como ser humano, o “profeta” simplesmente conjectura errado. por vários julgamentos divinos tais como o julgamento das nações (Mt 25:31-
Não há nenhum auxílio divino. 46), e o reagrupamento e julgamento de Israel (Ez 20:34-38). Esses grandes jul-
Há, é claro, outras opiniões sobre períodos de tempo mesmo dentro da escola gamentos começando com os vivos sobre a Terra e purgando-a dos incrédulos
preterista. A. Lacocque (1979, p. 250), por exemplo, considera estas datas como as que adoraram a besta, embora tratados de forma rápida, vai exigir tempo. Pelos
1.335 dias, ou setenta e cinco dias depois do Segundo Advento, esses grandes jul-
ocasiões em que edições sucessivas do livro foram compostas e distribuídas.
gamentos terão sido realizados e o reino milenial formalmente lançado. Aqueles
que atingem este período são obviamente aqueles que foram julgados dignos de
Portanto 1.290 dias = três anos e meio mais um mês. Pode ser que este mês extra re-
entrar no reino. Portanto, eles são chamados “bem-aventurados”.
presente o período de composição da grande visão de Dn 10–12. (d) ‘1.335 dias’ de
Dn 12:12 adicionando outro mês e meio ao número precedente. Podemos ver aqui
o atraso antes da publicação final do livro de Daniel em sua inteireza (= dois meses Leon Wood segue a mesma abordagem em seu comentário de orientação
e meio depois da purificação do Templo em 12 de dezembro, 164, ou fevereiro, 163). futurista sobre Daniel, mas ele é um pouco mais específico sobre isto.

Nem todos os comentaristas dentro da escola preterista consideram a Uma ideia de como eles (os 30 dias extras dos 1290) se ajustam a essa semana (de
ideia de sucessivas glosas estendendo o tempo satisfatório. Hartman e Di Tribulação) é encontrada em Mateus 25:31-46, que descreve um tempo de juízo
por Cristo imediatamente depois que Ele vem com poder para encerrar esse
Lella criticam essa opinião, porque os números não se ajustam aos perío-
período. O propósito do juízo é determinar os que terão permissão de entrar e
dos históricos que são conhecidos:
usufruir a bem-aventurança do período milenial (WOOD, 1973, p. 328).
O problema com esta teoria é que de acordo com 1 Macabeus, o Templo foi profana-
do em 6 de dezembro de 167 a.C. (1 Mac 1:54), um período de três anos e oito dias Sobre os 1.335 dias, Wood (1973, p. 328) observa:
no Calendário Juliano, ou uma soma de 1.103 dias — (365 x 3) + 8 — um tanto me-
354 nos do que os 1.150 dias preditos em 8:14, e os três anos e meio ou 1.260 dias. [...] Em É assim sugerido o pensamento de que isto será o real ponto de partida do Milênio. 355
vista destas circunstâncias, parece melhor admitir que o que os glossaristas tinham Aqueles que serão aprovados no juízo de Cristo, durante os trinta dias precedentes,
em mente como acontecendo no final dos 1.290 dias em 12:11 e 1.335 dias em 12:12 seriam aqueles que o atingissem, depois destes quarenta e cinco dias adicionais. Qual
simplesmente não pode ser verificado com alguma confiança. Somente conjecturas será a necessidade destes quarenta e cinco dias? Pode ser o tempo necessário para
são possíveis (HARTMAN; DI LELLA, 1978, p. 313-314). estabelecer a máquina governamental para o exercício do domínio de Cristo. A ver-
dadeira e plena fronteira de Israel [...] terá de ser estabelecida, e feitas as nomeações
daqueles que permanecerão no governo. Um período de quarenta e cinco dias pare-
Abordagens futuristas. Voltando-nos da confusão dos comentaristas pre-
ceria outra vez razoável para tratar destes assuntos.
teristas, notamos que se torna mais fácil para os intérpretes futuristas. Sendo
que eles colocam estes eventos no futuro (nenhum ainda ocorreu), o intérprete
Tendo estes períodos de 30 e 45 dias se estendendo além da segunda vinda
não tem nenhum dado histórico com que testar ou falsificar esta teoria. Con-
de Cristo e alcançando ou avançando até o milênio parece uma situação incô-
tudo, existem desacordos entre os estudiosos desta escola sobre como estes pe-
moda. Cria uma espécie de vácuo entre a vinda de Cristo e o início do milênio,
ríodos de tempo devem ser aplicados e o que eles significam.
sendo que os dois acontecimentos devem realmente ser simultâneos.
J. Walvoord (1971, p. 295-296) vê estes períodos de tempo adicionais como
Abordagem historicista. Os intérpretes historicistas têm considerado os pe-
se referindo a um pequeno tempo de atraso entre a segunda vinda de Cristo e o
ríodos de tempo destes versos como simbólicos e têm aplicado a eles o princípio
estabelecimento do seu reino milenial:
dia-ano. Isto provê períodos mais longos do real tempo histórico: 1260, 1290 e
1335 anos. Para um exemplo de como estes períodos de tempo têm sido inter-
Embora Daniel não explique variadas durações, é óbvio que a segunda vinda de
Cristo e o estabelecimento do seu reino milenial requer tempo. O período de pretados por um comentarista, a obra de Uriah Smith pode ser citada.
1.260 dias ou precisamente quarenta e dois meses de trinta dias cada, pode ser Smith (1944, p. 320) identifica o primeiro período declarando, “os
considerado como culminando com o próprio segundo advento. Isto é seguido 1260 anos assinalam o período de supremacia papal”. Em outro lugar, em
Estudos selecionados em interpretação profética Profecias de tempo

seu comentário sobre Daniel 7:25, Smith (1944, p. 145) explica este pe- É a conclusão (12:5-13) simplesmente um apêndice, algo da natureza de um
ríodo como se estendendo de 538 d.C. a 1798. adendo ou uma adaptação? Ou é uma parte integrante da profecia como um todo?
A primeira opinião é a proposta preterista; a última é a posição defendida aqui.
A partir deste ponto [538, a data em vigor do decreto de Justiniano], o pa- Localização dos períodos de tempo. Uma maneira de abordar as pas-
pado manteve a supremacia por mil duzentos e sessenta anos? Exatamente. sagens dos períodos de tempo do capítulo 12 é observar a posição de suas
Visto que 538 + 1260 = 1798; e no ano de 1798 Berthier, com um exército paralelas nas outras profecias do livro. Por exemplo, Daniel 7 descreve suas
francês, entrou em Roma, proclamou uma república, levou o papa prisionei- visões nos versos 1 a 14. O período de tempo (para as atividades do chifre
ro, e infligiu no papado uma ferida mortal. pequeno na visão) é então dado no verso 25. O mesmo tipo de fenômeno
ocorre em Daniel 8. A visão abrange os versos 1-12. No final do verso 12, a
Passando aos 1290 dias, assinala Smith (1944, p. 323-324), “os dois períodos, visão se interrompe e ali começa uma audição. O profeta escuta enquanto
portanto, os 1290 e os 1260 dias, terminam juntos em 1798, o último começan- dois anjos conversam acerca do que tem sido mostrado a Daniel. É nesta
do em 538, e o primeiro em 508, trinta anos antes.” A vitória de Clóvis dos fran- audição que é dada a linha de datas acerca dos 2300 dias.
cos sobre os visigodos arianos a favor do papado é então citada como o evento Em outras palavras, o método padrão em Daniel para apresentar os pe-
significativo de 508 (SMITH, 1944, p. 324-332). ríodos de tempo é primeiro apresentar a visão ou a própria profecia; depois
Retomando os 1335 dias de Daniel 12:12, Smith calcula em seguida: “A é dado o período de tempo. Mas o elemento tempo é compreendido como
partir deste ponto eles se estenderiam a 1843, porque 1335 adicionados a 508 se relacionando diretamente com a descrição anterior da visão. O mesmo
formam 1843.” Smith (1944, p. 331) cita o reavivamento milerita desse tempo modelo pode ser aplicado à quarta visão relatada em Daniel 10–12. Neste
como o bem-aventurado acontecimento que deveria então ocorrer: caso os períodos de tempo declarados no capítulo 12 (a conclusão da visão)
se relacionam diretamente com os eventos históricos descritos no capítulo
356 Cerca do ano de 1843, houve uma grandiosa culminação de toda a luz que havia sido 357
11 (o corpo da visão). Isto demonstraremos linguisticamente depois, mas
derramada sobre temas proféticos até aquele momento. A proclamação foi divulga-
da com poder. A nova e empolgante doutrina do estabelecimento do reino de Deus aqui resumimos em forma de gráfico a relação (em termos de localização)
abalou o mundo. Nova luz foi comunicada aos verdadeiros discípulos de Cristo. Os entre a própria visão e seu(s) período(s) de tempo acompanhante(s):
incrédulos foram condenados, as igrejas foram provadas, e foi despertado um espíri-
to de reavivamento que não tem tido paralelo desde então.
Tabela 1

Daniel 7 Daniel 8 Daniel 10-12


Relações contextuais
Tendo investigado estes três pontos de vista para sua interpretação dos pe- A própria visão v. 1-14 v. 1-12 11:1 e 12:4
ríodos de tempo de Daniel 12, podemos agora tratar do assunto contextual. Isto Elementos do tempo v. 25 v. 13-14 12:5-13
é especialmente pertinente para o ponto de vista preterista, porque as escolas
preteristas tratam esta seção (12:5-12) com as datas como um apêndice, glosas A exceção a esta regra é a profecia encontrada em Daniel 9:24-27. Há pro-
adicionadas depois que o corpo principal da profecia foi escrito. É esta real- vavelmente um motivo para esta exceção. A natureza desta profecia é diferente.
mente a natureza de Daniel 12:5-12? Daniel 7, 8 e 11 são o que podemos chamar de profecias de esboço, profecias
Arranjo literário da quarta visão. Em primeiro lugar, a estrutura geral que descrevem a ascensão e queda de nações e seus governantes. Daniel 2 é tam-
de toda a visão deve ser notada. Este segmento do livro abrange Daniel 10– bém desta natureza, mas não contém quaisquer períodos de tempo específicos.
12. Estes três capítulos constituem uma profecia completa. Basicamente, o Daniel 9:24-27, porém, é uma profecia mais local e limitada.
capítulo 10 é a introdução; o capítulo 11:1–12:4 é o corpo, a porção didática Gabriel diz a Daniel que esta é uma profecia para “o teu povo e a tua santa
da profecia de Gabriel; e 12:5-13 é a sua conclusão. cidade”. Esta não é uma profecia de esboço, mas uma que concentra a atenção
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nos judeus e sua capital em Jerusalém de Judá. O período de tempo é dos santos é descrita no corpo da profecia e isto está em Daniel 11:32-35. Segundo a
dado no início e distribuído através da profecia. Esta é também outra maneira natureza do conteúdo da passagem, singular em todo o capítulo 11 de Daniel, isto é
de demonstrar que a profecia de Daniel 9 está ligada à precedente. A profecia onde o período de tempo de Daniel 12:7 deve ser aplicado. Os elos linguísticos entre
anterior (Dn 8) terminou com um período de tempo, e esta começa com um, Daniel 11:32-35 (corpo) e Daniel 12:7-10 (conclusão) demonstrando a direitura de
mostrando assim que o ligado assunto de tempo está sendo retomado. sua conexão, podem ser esquematizados a seguir:
Deixando de lado esta situação singular de Daniel 9, podemos dizer que
a distribuição dos períodos de tempo de Daniel 12 se ajusta ao mesmo pa- Tabela 2
drão em relação a Daniel 11, que encontramos no caso das profecias e seus
elementos de tempo em Daniel 7 e 8. Não há nenhuma base literária estru- A grande perseguição*
tural para deixar Daniel 12 além do corpo principal da profecia como um
apêndice ou série de glosas. Tomado em conexão com as outras críticas do Daniel 11:32-35, NIV Daniel 12:7-10, NIV
ponto de vista preterista mencionado acima, este aspecto da teoria preter- 1. “Aqueles que têm violado [maršî’ê] a
ista repousa sobre uma base realmente muito fraca. aliança” (v. 32).
Ligações verbais. Passamos agora para a questão dos vínculos linguísti- 2. “Aqueles que são sábios[ûmaśkîlê] in-
struirão a muitos [yābînû” (v. 33).
cos específicos e diretos da conclusão da visão (12:5-13) com o corpo da visão
(11:1–12:4). Se a evidência literária estrutural enfraquece a interpretação pre- 3. “Alguns dos sábios [hammaśkîlîm]
tropeçarão para que possam ser refinados
terista, pode ser dito que os elos linguísticos enfraquecem a interpretação fu- [lişrôp],”
turista. Esses elos não deixam nenhuma margem para os períodos de tempo de
4. “purificados [ûlebārēr]” 4. “Muitos serão purificados [yitbārarû],”
Daniel 12 serem aplicados depois do levantamento de Miguel (12:1). Ao con-
358 trário, estes períodos devem ser aplicados antes deste ponto na profecia. Assim,
5. “e feitos imaculados [welalbēn]” 5. “feitos imaculados[weyitlabbenû]” 359
eles não podem ser localizados no intervalo entre a segunda vinda de Cristo e o 6. “até o tempo do fim” (v. 35). 3. “e refinados [weyişşārepû]” [v.10]
início do milênio. Trataremos estes períodos de tempo em ordem. 1. “mas os ímpios [rešā’îm] continuarão
sendo ímpios [wehiršî’û].”
1. Daniel 12:7. O primeiro, consistindo de três tempos e meio, ocorre em
Daniel 12:7. Esta passagem está inextricavelmente entrelaçada com uma pas- 2a. “Nenhum dos ímpios [rešā’îm] en-
tenderá [welō’ yābînû],”
sagem específica e conjuntura na profecia de Daniel 11 de acordo com os verbos
2b “mas aqueles que são sábios
e substantivos usados para expressar essas ideias. Os vínculos formados deste
[wehammaśkîlîm] entenderão [yābînû]”
modo são demasiado firmes para serem quebrados. Disto se pode concluir que (v. 10).
Daniel 12 não pode ser desligado de Daniel 11. Veja gráficos 2 e 2a.
*Nota: As cláusulas citadas ocorrem em suas respectivas passagens na ordem em que elas são numeradas.
Deve ser lembrado que Daniel 12:7 é uma resposta dada a uma interrogação. A
pergunta obviamente tinha a ver com a profecia que Daniel tinha acabado de rece- Seis paralelos verbais são aqui documentados. Em Daniel 11:32-35, cinco
ber (11:1–12:4). Daniel havia perguntado: “Quanto tempo será até o fim destas mar- desses termos são usados uma vez e um deles é usado duas vezes. Em Daniel
avilhas?” (Dn 12:6, RSV). Em resposta a isto o anjo respondeu sob juramento, “isto 12:7-10, quatro desses termos são usados uma vez e um é usado duas vezes e
seria por um tempo, dois tempos, e metade de um tempo; e que quando a destru- outro é usado três vezes. Não pode haver dúvida sobre o fundamento destes
ição do poder do povo santo viesse a um fim, todas estas coisas se cumpririam” (v. fortes elos linguísticos de que estas duas passagens estão falando acerca da mes-
7). A menos que esta pergunta e resposta estejam completamente desvincu- ma coisa. Assim, o período de tempo de Daniel 12:7 deve ser aplicado para datar
ladas do que Gabriel estivera previamente dizendo ao profeta, deve haver alguma a extensão da perseguição descrita em Daniel 11:32-35.
evidência no corpo da profecia acerca de quando essa destruição do poder do povo Este é o lugar no corpo da profecia onde este período de tempo profé-
santo ocorreria. Realmente existe. Há precisamente um lugar onde a perseguição tico pertence. Não pertence a uma era após o fim da profecia. Ao contrário,
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pertence ao coração do corpo da profecia, diretamente dentro de sua cor-


rente predominante através do tempo e acontecimentos. O gráfico 2a re-
sume estes mesmos elos e pode ser proveitoso para o leitor não familiari-
zado com o hebraico. Note que embora as formas possam variar nas duas
passagens, estes seis paralelos verbais são das mesmas raízes.

Tabela 2a

Resumo dos seis paralelos hebraicos para Daniel 11:32-35 e 12:7-10


Formas Formas Tradução
Raiz
Daniel 11:32-35 Daniel 12:7-10 (ideia da raiz)
1. *rš’ maršî’ê rešā’îm “procede impiamente”
wehiršî’û
O mesmo tipo de tabulação que fizemos para Daniel 12:7-10 em conjunto
rešā’îm com Daniel 11:32-35 pode agora ser montado para Daniel 12:11 e Daniel 11:31.
2. *śkl ûmaśkîlê wehammaśkîlîm “ter ideia” Há cinco paralelos verbais diretos em hebraico entre estas duas passagens. A
hammaśkîlîm welō’ yābînû
principal diferença entre estas duas passagens é que Daniel 11:31 está escrito na
voz ativa e 12:11 está escrito na passiva. A primeira conta quem faria as coisas
3. *byn yābînû yābînû “entender” mencionadas, enquanto a última enfatizava o que deveria ser feito. Os elos lin-
360 guísticos, contudo, são tão fortes que não pode haver dúvida de que as duas pas- 361
4. *şrp lişrôp weyişşārepû “refinar” sagens estão falando precisamente acerca da mesma coisa. Isso significa que os
1290 dias fornecidos por Daniel 12:11 devem ser aplicados a Daniel 11 naquele
5. *brr ûlebārēr yitbārārû “purificar”
ponto em que ocorrem os eventos descritos no verso 31. Este período de tempo
6. *lbn welalbēn weyitlabbenû “embranquecer” está claramente ligado com os eventos de 11:31. Não pode ser colocado poste-
riormente na sequência da profecia ou em algum tempo futuro além do fim da
2. Daniel 12:11. Avançando em seguida para Daniel 12:11, observamos que profecia. Estas relações estão tabuladas no gráfico 3a para mostrar as mesmas
não pode haver dúvida sobre onde pertence este período de tempo. Ele está cinco raízes que aparecem em ambas as passagens.
ligado diretamente com Daniel 11:31. As frases mais importantes destas duas
passagens podem ser citadas lado a lado, e os mais importantes elos verbais em Tabela 2a
hebraico podem ser mostrados na transliteração. Veja gráfico 3.
Resumo dos paralelos hebraicos para Daniel 11:31 e 12:11
Formas Formas Tradução
Raiz
Daniel 11:31 Daniel 12:11 (ideia da raiz)
1. *swr wehēsîrû hûsar “desviar-se”
2. tāmîd hattāmîd hattāmîd “contínuo”
3. ntn wenātenû welātēt “dar”
4. šiqqûş haššiqqûş šiqqûş “abominação”
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“estar apavorado, suas conexões linguísticas eles devem preceder, não seguir, o tempo do fim. Das
5. šmm mešōmēm šōmēm relações intratextuais, portanto, os 1260 e 1290 dias de Daniel 12 não têm lugar
desolado.”
no tempo de Antíoco Epifênio no segundo século a.C., como sustentam os pre-
Podemos agora resumir as relações que se têm desenvolvido de nossa com- teristas; nem pertencem ao fim do tempo, como mantêm os futuristas; mas eles
paração destas duas séries de passagens. Segundo suas características linguísticas, estão mais bem ligados com o âmago do fluxo da história conforme encontrado
pode ser determinado que os 3 tempos e meio de Daniel 12:7 devem ser usados em Daniel 11:31 e 11:32-35 como sustenta a opinião historicista. Detalhadas
para datar a perseguição de Daniel 11:32-34. É também evidente que os 1290 dias aplicações históricas disto devem ser reservadas para outra ocasião e os comen-
de Daniel 12:11 devem ser usados para datar a tirada do diário ou contínuo e o taristas historicistas já têm abordado estes períodos de tempo.
estabelecimento da abominação da desolação de Daniel 11:31. Estas são as locali- 4. Daniel 12:12. O anjo não diz nada acerca do período de 1335 dias além
zações no fluxo de eventos em Daniel 11 onde estes períodos de tempo devem ser de pronunciar uma bênção sobre “o que espera e chega” ao fim deste período.
localizados. Os períodos de tempo não têm seu lugar posteriormente na profecia Não é explicado por que o tal deve ser bem-aventurado. Paralelos linguísticos,
nem depois do seu fim, como um acréscimo ou reflexão tardia. Eles estão intima- tais como ligar os 3 tempos e meio e os 1290 dias a locais definidos em Daniel
mente vinculados e ligados à profecia precedente nestes pontos. 11, não estão disponíveis. Por outro lado, ninguém argumenta que o período
3. Daniel 11:40. De especial importância nesta conexão é a referência ao de 1335 dias deve ser separado do período de 1290 dias. Todas as escolas de
“tempo do fim” em Daniel 11:40. No livro de Daniel o tempo do fim não é o fim interpretação concordam ao menos neste ponto: os três períodos de tempo de
do tempo, como se fosse um ponto no tempo quando todas as coisas chegam à Daniel 12 devem ser estudados em conjunto.
sua conclusão. Ao contrário, o tempo do fim no livro de Daniel é um período de O sentido óbvio dos versos 11-12 une os períodos de 1290 e 1335 dias em
tempo (cf. 8:17; 11:35; 12:4). Ocorrem eventos nesse período de tempo, e alguns uma relação especial. Sendo que pode ser demonstrado com bases linguísticas
desses eventos são descritos em Daniel 11:40-45. que o período de 1290 dias está bloqueado na localização do tempo para os
362 eventos de Daniel 11:31, podemos concluir que o período de 1335 dias começa 363
Agora surge a interrogação: Qual é a relação dos períodos de tempo de Daniel
12 com “o tempo do fim” profetizado no final de Daniel 11. A resposta já foi dada no mesmo tempo com os mesmos eventos. A opinião historicista expressa por
acima. Eles ocorrem antes dele. Não são períodos de tempo que têm seu lugar no Uriah Smith (1944, p. 331) de que estes períodos se iniciam em 508 d.C. e termi-
tempo do fim. Não medem eventos que ocorrem no tempo do fim. Eles ocorrem nam em 1798 e 1843 respectivamente bem se ajusta aqui com os dados bíblicos.
antes dessa era. Sabemos isto porque os 1290 dias de Daniel 11:31 e os 1260 dias Quanto à “bênção” no final dos 1335 dias de Daniel 12:12, podemos pro-
de Daniel 11:32-35 ocorrem nesta profecia antes de aparecer o tempo do fim em curar conexões apocalípticas em outra parte. É interessante notar que é pro-
Daniel 11:40. Isso torna impossível ligar os períodos de tempo 1260 e 1290 com algo nunciada uma bênção no livro de Apocalipse para certo grupo do tempo do
que tem a ver com a segunda vinda de Cristo e o início do milênio, como tem sido fim. Refiro-me à bênção pronunciada sobre aqueles que morrem no Senhor em
defendido por intérpretes futuristas ou dispensacionalistas. conexão com as três mensagens angélicas. As próprias mensagens são encontra-
Este estudo não é uma abordagem de aplicações históricas em detalhe. É das em Apocalipse 14:6-12 e a bênção que as acompanha é encontrada no verso
antes um estudo contextual e de conteúdo das relações destes períodos de tem- 13. A segunda vinda de Jesus é descrita em seguida no verso 14.
po no texto de Daniel 11 e 12. Quando o texto é estudado cuidadosamente, Aqui está então uma bênção que se aproxima, mas precede a vinda de Je-
pode ser visto que a interpretação preterista não se ajusta bem. As aplicações sus. É pronunciada em relação com o juízo que é anunciado em Apocalipse
históricas propostas para estes períodos de tempo não condizem com nosso 14:6. Esse juízo deve ser identificado pelas profecias acerca do juízo na corte
conhecimento de sua extensão de tempo a partir das fontes históricas. Daniel 12 celestial em Daniel 7–8. O juízo é descrito no capítulo 7 e o seu tempo
não é um desencaminhado apêndice com uma sempre alongada série de profe- (1844) é anunciado no capítulo 8. Seria natural e lógico para essa bênção
cias que falharam. Nem esses eventos se ajustam bem com acontecimentos que encontrada no final de Daniel achar uma conexão com esse juízo, cuja con-
seguem a segunda vinda de Cristo e precedem o milênio como têm mantido clusão é também descrita anteriormente em Daniel 12:1-4.
os intérpretes futuristas. Do ponto na profecia em que eles começam segundo
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Destas ligações em potencial pode ser sugerido que a bênção pronunciada ser incluídos na imagem das estrelas em volta de sua cabeça.” Ela generaliza
em Daniel 12:12, em conexão com um juízo profeticamente datado, está ligada em seu comentário sobre a unidade de tempo. A mulher é alimentada por 3
à bênção que é pronunciada no livro de Apocalipse depois do início do juízo, tempos e meio ou 1260 dias, “talvez significando até o final da perseguição, [...]
mas antes que ele termine com a vinda de Cristo. A sugestão aqui então é que é um tempo de provação que vem antes do começo final do reino de Deus. Tam-
a bênção de Daniel 12:12 pode provavelmente ser vista como suplementando a bém representa o oposto de eternidade. Mas pode, além disso, ser um número
bênção de Apocalipse 14:13 no Novo Testamento. A primeira abençoa aqueles messiânico” (FORD, 1975, p. 202).
privilegiados que vivem para ver o início do julgamento final no Céu, que rec- Abordagem futurista. No outro extremo da escala, encontramos o in-
onciliará todas as coisas. A última abençoa aqueles crentes que podem morrer térprete dispensacionalista J. F. Walvoord. Neste sistema a mulher não é a
durante o tempo e pregação desse juízo. igreja, mas Israel, como ela existirá nos últimos dias durante a grande tribu-
lação. O elemento de tempo (1260 dias) é tempo literal, mas o período
Apocalipse 12 ocorre na extremidade oposta da Era Cristã de onde os intérpretes preteris-
tas o localizariam. Walvoord (1966, p. 191) admite a grande lacuna que deve
O mesmo período de tempo profético encontrado em Daniel 12:7 aparece existir entre esta aplicação do fim dos tempos do período de 1260 dias e o
duas vezes em Apocalipse 12. No verso 14, ele aparece como 3 tempos e meio; início da era (com Israel como a mãe do Messias):
no verso 6, ele equivale a 1260 dias.
Sua interpretação segue os mesmos padrões que geralmente encontramos A atenção é então dirigida, porém, para a mãe do filho varão, outra vez representada
na literatura sobre Daniel e Apocalipse. Os preteristas localizam os eventos deste como Israel. Aqui ela é vista no tempo da grande tribulação como fugindo para o de-
capítulo e seus períodos de tempo no primeiro século da Era Cristã. Os futur- serto a um lugar preparado por Deus onde por 1.260 dias ela é cuidada (novamente
istas, especialmente os futuristas dispensacionalistas, colocam este período de a extensão exata de três anos e meio. Há obviamente um tremendo lapso de tempo
364 tempo e a perseguição associada a ele no final da era, no tempo de uma grande entre os versos 5 e 6, mas isso não é uma ocorrência incomum na profecia; a primei- 365
perseguição que ocorre na segunda metade dos últimos sete anos da história ra e segunda vindas de Cristo são frequentemente citadas na mesma sentença. Na
terrestre. Os historicistas, por outro lado, consideram esta profecia como utili- medida em que Israel está em comparativa tranquilidade e segurança nos primeiros
três anos e meio da setuagésima semana de Daniel (Dn 9:27), a referência deve ser à
zando tempo simbólico (= 1260 anos) e a aplicam à grande perseguição da ver-
preservação de uma parte da nação de Israel do começo ao fim da grande tribulação
dadeira igreja durante a Idade Média e Moderna (538-1798). As diferenças en-
para aguardar a segunda vinda de Cristo.
tre estas abordagens podem ser notadas por alguns comentários de intérpretes.
Abordagens preteristas. Falando da perseguição descrita em Apocalipse
Um comentário e uma aplicação semelhantes são feitos dos três tempos e
12, Mounce (1977, p. 234) retrocede, por assim dizer, para determinar “a causa
meio do verso 14, sendo que ele os considera como delimitando o mesmo pe-
subjacente para a hostilidade prestes a desencadear-se sobre a igreja”. Ele aborda
ríodo de perseguição conforme mencionado no verso 6:
um tanto geralmente o assunto da perseguição neste capítulo, mas interpreta o
verso 6 como segue: “A mulher foge para o deserto para ser alimentada ali por
O elemento de tempo do sofrimento de Israel é descrito como “um tempo, e tempos,
Deus durante 1260 dias. A fuga da mulher pode em parte refletir a fuga da ig- e metade de um tempo”. Isto novamente parece ser uma referência aos três anos e
reja da Palestina para Pela ao irromper a guerra judaica em 66 d.C. Os filhos de meio, sendo a menção de tempo uma unidade, a segunda referência a tempos, sen-
Deus frequentemente têm estado em fuga” (MOUCE, 1977, p. 239). do duas unidades, que a adição da metade de um tempo formariam três unidades
J. M. Ford (1975, p. 200) apresenta uma ênfase semelhante do primei- e meia. Uma referência paralela é encontrada em Daniel 7:25 e 12:7 referindo-se ao
ro século interpretando a mulher como sendo a comunidade de cristãos do mesmo período de grande tribulação (WALVOORD, 1966, p. 195).
primeiro século, e uma comunidade um tanto restrita nesse ponto: “Se a mulher
é a comunidade fiel, tal como se encontra em Qumran, é uma comunidade que Abordagem idealista. Em contraste com os preteristas, que colocam este
vive, trabalha, ora, e luta, na companhia dos bons anjos que podem até mesmo período de tempo (3 tempos e meio, 1260 dias) no início da era, e os futuristas,
Estudos selecionados em interpretação profética Profecias de tempo

que os põem no final da era, há aqueles que os generalizam mais do que isso. que um “tempo” é um ano, 360 dias; dois “tempos, dois anos, ou 720 dias; e “metade
Os idealistas aplicam o período à Era Cristã em geral. As observações de P. E. de um tempo”, meio ano, ou 180 dias, constituindo tudo 1260 dias. Estes dias, sendo
Hughes (1990, p. 137) representam esta abordagem: simbólicos, significam 1260 anos literais (SMITH, 1944, p. 558).

Ali, alimentada por Deus, ela é habilitada a sobreviver por mil duzentos e sessenta Assim, o padrão que encontramos entre os expositores é o mesmo que aquele
dias, de outra forma definida no verso 14 abaixo, como “um tempo, e tempos, e que encontramos no caso de Daniel na seção anterior do nosso estudo. Os intér-
metade de um tempo” e, em 13:5, como “quarenta e dois meses”, isto é, por um pretes preteristas colocam estes períodos de tempo proféticos em tempos passados;
período de duração limitada que é breve em comparação com a ilimitada eter- os futuristas os põem ainda no futuro; e os historicistas os aplicam como se esten-
nidade de paz e liberdade que seguirão no novo céu e nova terra. [...] O simbo- dendo ao longo da história, desde os tempos passados até os tempos modernos. A
lismo na visão de João retrata a história do povo de Deus para quem o deserto é
interrogação é: Qual destas opiniões o texto favorece? Que elementos estão na pas-
o mundo em sua decadência e sua hostilidade para com a verdade.
sagem que conferem apoio a uma ou outra destas interpretações?
Nosso estudo neste capítulo é sobre estrutura literária, contexto e conteúdos
Hughes segue isso com um comentário sobre os 3 tempos e meio do verso para ver de que forma esses aspectos das passagens sob exame lidam com esta per-
14. Ele afirma mais claramente que os elementos de tempo (v. 6, 14) simples- gunta. Assim, uma vez mais nos ocupamos primeiro da estrutura literária. Eu diria
mente simbolizam toda a Era Cristã: que este é um elemento essencial na compreensão do texto de Apocalipse 12.
Uma vez compreendida a estrutura, o modelo que ela apresenta empre-
Este período denota três anos e meio e é o mesmo que os 1.260 dias do verso
sta forte apoio à opinião historicista, que vê este texto e seus períodos de
6 e os quarenta e dois meses de 13:5. Simboliza o tempo, limitado por Deus,
da perseguição da igreja por Satanás na Terra, o tempo, isto é, entre as vindas tempo como se estendendo ao longo da Era Cristã. Na realidade, quando
de Cristo (HUGHES, 1990, p. 141). este aspecto do texto é apreciado, ele revela quão notável passagem esta é,
366 abrangendo a era da igreja desde o primeiro advento de Cristo até a fase 367
Abordagem historicista. A escola historicista, seguindo o princípio dia-ano, final da igreja antes da sua segunda vinda em 17 versículos.
delimita os 1260 dias a certa porção da Era Cristã, não à era em sua totalidade. A Tenho abordado a estrutura literária de Apocalipse 12 em outro estudo
parte da Era Cristã à qual este período de tempo profético é aplicado é a Idade Mé- anterior (SHEA, 1985, p. 37-54). Por causa da relevância deste estudo para
dia e pouco depois, quando membros da verdadeira igreja de Deus tiveram de fugir nosso presente empreendimento, uma porção significativa daquele ensaio
para lugares remotos por causa das perseguições lançadas contra eles. é repetida aqui textualmente. Isto deve dar uma imagem clara da estrutura
Representativo desta opinião é o comentário de Uriah Smith sobre literária presente em Apocalipse 12.
Daniel 11–12, já citado acima. Smith (1944, p. 553) afirma claramente esta
posição em seu comentário sobre Apocalipse 12:6: A estrutura literária de Apocalipse 12
Não obstante quaisquer dificuldades na interpretação, a progressão de pen-
A igreja fugiu para o deserto no tempo em que o papado foi firmemente estabe- samento em Apocalipse 12 é objetiva. Como ilustram os esboços dos comen-
lecido em 538, onde foi alimentada pela palavra de Deus e o ministério dos anjos tários, as transições entre as principais unidades de pensamento ou seções deste
durante o longo, escuro, e sangrento domínio desse poder por 1260 anos. capítulo são relativamente bem demarcadas.
A narrativa se inicia com uma seção de cinco versos retratando um con-
Ele reitera este ponto de vista em seu comentário sobre Apocalipse 12:14: flito entre uma mulher glorificada (v. 1-12) — comumente interpretada como
a igreja (ou Israel como uma fase anterior da igreja) — e o dragão (v. 3-4) —
A menção do período durante o qual a mulher é alimentada no deserto como “um comumente interpretado como o diabo e/ou seus agentes terrestres. O ponto
tempo, tempos e metade de um tempo”, fraseologia semelhante àquela usada em específico deste conflito gira em torno do filho varão que a mulher dá à luz.
Daniel 7:25, fornece uma chave para a explicação da última passagem. O mesmo Sendo que esse filho varão foi arrebatado até o trono de Deus e há de reger todas
período é chamado em Apocalipse 12:6 “mil duzentos e sessenta dias”. Isto mostra
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as nações com cetro de ferro (v. 5), ele é comumente — embora não universal- ineficaz (v. 16). A extensão de tempo em que a mulher habitou no deserto é dada
mente — identificado pelos comentários como representando Jesus Cristo. As- outra vez, neste exemplo como “um tempo, tempos e metade de um tempo” (v.
sim, podemos identificar esta seção inicial de cinco versos do capítulo 12 como 14), que é equivalente aos 1260 dias mencionados anteriormente no verso 6.
descrevendo a primeira fase do conflito entre o dragão e a mulher. Para fins literários estruturais, é importante notar quão de perto o conteúdo
O próximo verso desta narrativa (v. 6) deve ser visto como de transição para do versículo 14 corresponde ao do versículo 6:
uma seção intermediária que lida mais com o conflito entre o dragão e a mul-
her. Este verso de transição indica que tendo dado à luz o filho varão, a mulher, Apocalipse 12:6 Apocalipse 12:14
agora mais definidamente identificada com a igreja, achou necessário fugir para “E a mulher “Mas foram dadas à mulher
o deserto com a finalidade de autopreservação. Ali ela permaneceu, protegida duas asas da grande águia para que
por Deus, durante um período de tempo específico —1260 dias. fugiu ela pudesse fugir da serpente
A esta altura, o fluxo da narrativa que trata do conflito entre o dragão e a para o deserto, para o deserto,
mulher é interrompido para incluir uma seção parentética (v. 7-12) que explica onde ela tem um lugar ao lugar
a origem da inimizade do dragão contra a mulher. Esta seção da narrativa é em preparado por Deus,
parte descritiva (v. 7-9) e em parte hínica (v. 10-12). A primeira porção desta em que deve ser alimentada onde ela deve ser alimentada
seção central descreve um conflito no Céu entre o dragão (“a antiga serpente, por mil duzentos e sessenta dias.” por [três tempos e meio].”
que se chama diabo e Satanás [v. 9]) e seus anjos contra Miguel, o dirigente dos
anjos do lado de Deus. Miguel e seu exército saíram vitoriosos, e o dragão e seu Uma comparação da fraseologia grega encontrada nestes dois versículos
exército foram lançados para a Terra. A segunda parte desta seção central cele- indica que as mesmas palavras são usadas neles para “para o deserto” e o
bra a derrota do dragão e adverte os habitantes da Terra acerca de sua inimizade. “lugar” para o qual a mulher fugiu. A mesma raiz verbal para “alimentar” é
368 Várias diferentes interpretações têm sido dadas a esta seção central. Alguns usada de formas diferentes em suas duas ocorrências. Embora os verbos “fu- 369
intérpretes a veem como a descrição de um conflito no Céu em que o mal se gir” e “voar” não sejam os mesmos, eles transmitem uma ideia semelhante.
originou antes da criação da espécie humana. Outros o veem como uma de- Finalmente, ambos os versos terminam com um período de tempo, e estes
scrição da vitória ganha por Deus sobre o diabo no tempo da encarnação de períodos de tempo devem ser equacionados.
Cristo. Ainda outros o veem como uma descrição da vitória ganha por Deus Destas relações léxicas específicas, e também das relações temáticas ge-
através da expiação de Cristo na cruz. Nossa finalidade aqui não é dar uma rais presentes, é evidente que o conteúdo destes dois versículos faz uma
exegese detalhada ou interpretação desta passagem. É antes ver onde estes ver- ligação direta entre eles e que de fato o verso 6 e os versos 13-16 formam um
sos se ajustam na estrutura literária do capítulo. Este ponto é claro, embora os inclusio em torno da seção central dos versos 7-12. Especificamente, o verso
comentaristas possam diferir em sua interpretação do texto em si. Estes versos 6 provê uma declaração inicial acerca da fuga da mulher para o deserto, en-
fornecem um bloco central de material do capítulo; e o principal fluxo da nar- quanto os versos 13-16 fornecem uma amplificada e conclusiva declaração
rativa, que está mais diretamente relacionado com o conflito entre o dragão e a sobre o mesmo assunto. Assim, a declaração completa ou geral acerca do
mulher, recomeça após esta digressão. período intermediário do conflito entre o dragão e a mulher foi dividida, e
A próxima seção da narrativa, versos 13-16, retorna, então, ao assunto da suas duas partes foram utilizadas para formar ou incluir a declaração central
mulher no deserto, sob ataque do dragão. No verso 6, que temos notado acima, acerca da guerra no Céu entre Miguel e o dragão.
é principalmente as ações da própria mulher que estão em estudo. Este assunto O versículo final do capítulo, verso 17, se refere à terceira e final fase do conflito
é agora tratado novamente no verso 14. Mas o verso 15 então continua com o entre o dragão e a mulher. Neste caso, no final dos 1260 dias, é contra o remanes-
outro aspecto do assunto — as ações do dragão contra a mulher durante sua cente de sua semente ou descendência que o dragão objetiva fazer guerra. A na-
habitação no deserto. Ele a perseguiu ali e arrojou sobre ela uma grande cor- tureza deste conflito final é esclarecida com mais detalhes nos dois capítulos subse-
rente a fim de arrebatá-la. A terra, porém, ajudou a mulher, e tornou a corrente quentes, que contribuem na formação do bloco de profecias de Apocalipse 12–14.
Estudos selecionados em interpretação profética Profecias de tempo

Há certa ligação temática entre o início e o final de Apocalipse 12. Ambos É ao mesmo tempo evidente que a extensão da história da igreja não se
tratam do ataque do dragão contra a descendência da mulher. No primeiro caso, é o encaixa bem com qualquer interpretação preterista ou futurista. Se apoiasse a
seu principal descendente, o filho varão, que é atacado; e no último caso, é o rema- interpretação preterista, deveria ter se concentrado somente na primeira fase da
nescente de sua descendência que é o seu alvo. Além disso, o filho varão no início da história da igreja, no período do Império Romano, onde os preteristas locali-
narrativa deve ser interpretado como se referindo a Jesus, com o remanescente no zam tudo isto. Mas sua visão se estende para além desse ponto, muito além dele.
final da narrativa dando testemunho para Jesus. E finalmente, no verso 4, o dragão Se apoiasse a opinião futurista da profecia, deveria ter se concentrado apenas
“se deteve” em frente da mulher quando ela estava prestes a dar à luz o seu filho, e no na fase final da história da igreja. Em vez disto, começa com o início da história
final da narrativa o dragão “se pôs em pé” sobre a areia do mar. (A mesma raiz ver- da igreja, quando o Cristo dessa igreja veio ao mundo e então ascendeu ao Céu
bal está presente nestas duas passagens. Alguns mantêm que esta declaração final para ministrar por ela. A evidência é clara de que a narrativa apresenta um con-
deve estar ligada com Apocalipse 13, mas esta correlação léxica sugere que ela pode tínuo fluxo histórico ao longo da Era Cristã; assim, é mais compatível em sua
estar corretamente localizada no final de Apocalipse 12.) perspectiva com a opinião historicista ou histórica contínua.
Desta análise de Apocalipse 12, o conteúdo deste capítulo pode agora ser Localização dos períodos de tempo. Podemos também fazer a pergunta:
reduzido a um esquema básico: Onde estão localizados os períodos de tempo neste capítulo? São eles encontra-
Aplicações históricas gerais. Tendo esquematizado desta maneira a pas- dos na primeira fase, média, ou na fase final da peregrinação da mulher sobre a
sagem, podemos fazer algumas aplicações históricas gerais.1 Detalhes específi- Terra? Se os períodos de tempo fossem encontrados no primeiro segmento, eles
cos não precisam ser tratados aqui, mas o amplo alcance do capítulo pode ser favoreceriam a posição preterista. Se fossem encontrados na fase final, favoreceriam
dado em visão geral. Tomando o lado da maioria dos comentaristas (mesmo a posição futurista. Mas eles não são encontrados em nenhuma das duas. Antes, os
alguns daqueles citados acima) que veem a mulher como a igreja, podemos ver períodos de tempo estão localizados no segmento médio da história da igreja. Eles
retratadas três fases do conflito envolvendo a mulher ou a igreja. são encontrados em conexão com o segmento que se estende através do centro da
370 A primeira fase do conflito com o diabo (v. 1-5) deve se referir aos era. Isto é mais compatível com a opinião histórica desta profecia. 371
primórdios da igreja. O conflito final (v. 17) deve se referir à fase final da De fato, estas duas declarações acerca do tempo combinadas e ligadas (v. 6, 14)
igreja na Terra. Entre estes dois pólos encontramos a igreja no deserto, a caminham juntas para moldar a característica central do capítulo, o grande conflito
igreja perseguida. Dada a posição intermediária desta fase da igreja na nar- no Céu. O escritor apresenta sua primeira declaração acerca do tempo no verso 6.
rativa, esta deve ser a igreja da Idade Média, isto é, a verdadeira ou pura Ele segue, então, com uma descrição (v. 7-12) da guerra no Céu entre Miguel e o
igreja desse período. A igreja que foi perseguida e impelida para o deserto e dragão. Ele então retorna outra vez ao assunto do tempo, reafirmando em palavras
para as partes mais remotas da Terra em busca de proteção. quase idênticas o mesmo período de tempo previamente mencionado (v. 14).
Assim, a narrativa do capítulo nos apresenta a igreja primitiva, a igreja pura Assim, do ponto de vista de linguística vinculados, e do ponto de vista
da Idade Média, e a igreja dos últimos dias. Em uma breve extensão de 17 ver- da estrutura literária, estas declarações pares acerca do tempo pertencem ao
sículos, a narrativa cobriu estas três principais fases da história da igreja. meio da narrativa, no meio da história que o capítulo narra e, portanto, à
No centro deste panorama, o capítulo projeta a luta entre Cristo e Satanás, a Idade Média da história da igreja. Elas não pertencem, qualquer uma delas,
controvérsia que está por trás de tudo. O princípio que tem operado nestas fases ao fim do tempo. A história da igreja do fim dos tempos não é assumida até
da história da igreja é o antagonismo do diabo e suas forças malignas dispostas o último versículo do capítulo (v. 17).
contra a igreja. Esta não é uma luta nova. Começou mesmo antes que existisse
uma igreja. Colocando esta cena no centro de sua pesquisa, João, sob inspiração, Apocalipse 13
identificou o princípio que vem operando ao longo desta era da igreja. Chegamos agora a uma terceira grande declaração do tempo profético se-
melhante àquelas apresentadas em Daniel 11–12 e Apocalipse 12. Naquelas nar-
rativas anteriores o período de tempo foi dado como ou 1260 dias ou 3 tempos e
meio. Nesta nova narrativa ele é dado como 42 meses (13:5). Pode haver pouca
1
  A parte do meu artigo citada acima vem de Shea (1985, p. 39-42).
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dúvida de que estamos falando acerca do mesmo período de tempo profético dragão, inicia sua carreira. Deste poder a igreja sofre guerra e perseguição por um
e histórico, sendo que 42 meses, usando um mês profético esquemático de um longo período de 1260 anos.” Este período de 1260 anos é, sem dúvida, o mesmo
número uniforme de 30 dias, fornece um período de tempo que da mesma for- que tem sido descrito acima com as profecias anteriores.
ma é igual a 3 anos e meio ou 1260 dias. A posição, portanto, das três escolas interpretativas é como as temos en-
contrado nas profecias anteriores. Os preteristas veem Apocalipse 13:1-10 no
Interpretações dos expositores início da Era Cristã, os futuristas no final da era, e os historicistas no transcor-
Abordagem preterista. Novamente encontramos a mesma distribuição de in- rer da era, interpretando as unidades de tempo aqui como simbólicas e não de
terpretações que encontramos anteriormente em conexão com as outras duas pas- natureza literal. Para uma mais definitiva identificação do poder da besta en-
sagens estudadas acima. Os preteristas colocam estes eventos no primeiro século volvido, o estudante precisa trabalhar naturalmente através de suas característi-
d.C., no período de Roma Imperial. Como afirma claramente J. M. Ford (1975, p. cas simbólicas. Isto já tem sido feito nos comentários e não precisa ser repetido
218), “os monstros representam o Império Romano e aqueles que cooperam com aqui. Nosso interesse está mais localizado à profecia de tempo ligada com essa
ele”. Quanto aos 42 meses da autoridade dessa besta, Ford relaciona-o, por analogia, besta. Onde deve esse período de tempo ser aplicado?
com a perseguição dos judeus sob Antíoco Epifânio. Assim, torna-se “simbólico de
um período de terror e mal demoníaco antes da vitória final de Deus” (FORD, 1975, Localizando o período de tempo
p. 222). Neste caso específico, pode também estar relacionado com a profanação do Por que surge esta interrogação? Alguns intérpretes, mesmo alguns que op-
templo de Jerusalém por Calígula ou Tito (ou ambos) (FORD, 1975, p. 223). eram a partir do ponto de vista historicista, sugerem que este período de tempo
Abordagem futurista. Os dispensacionalistas concordam que esse é o Im- deve ser localizado depois de ser recebida a ferida mortal pela besta, e não antes.
pério Romano, mas é o Império Romano revivido do fim do tempo, não o impé- Localizar o período de tempo antes da ferida mortal e conduzir a ela tem sido a
rio dos dias de Jesus e os apóstolos. Assim observa Walvoord (1966, p. 197-198): abordagem mais comum entre os escritores historicistas dos tempos passados.
372 Uriah Smith (1944, p. 565) coloca a relação da seguinte maneira: 373
A identidade dessa besta é muito clara em sua referência ao Império Romano
revivido, como a descrição é semelhante àquela encontrada em Daniel 7:7-8 No final do mesmo período [os 1260 anos], a besta semelhante ao leopardo de-
e em Apocalipse 12:3 e 17:3, 7. O estágio do império retratado pela besta é veria ser levada “em cativeiro.” Apocalipse 13:10. Ambas as especificações foram
o período depois do surgimento do chifre pequeno, o futuro governante do cumpridas no cativeiro e exílio do papa, e a subversão temporária do papado
mundo, destituindo três dos chifres (Dn 7:8). A descrição se ajusta ao tempo pela França em 1798.
do império durante a grande tribulação.
Assim é evidente que é a cabeça papal que foi ferida de morte, e cuja ferida mortal
Sua posição sobre os 42 meses é como deve ser esperada em conexão com foi curada. Essa ferida é o mesmo que ir par o cativeiro. (Apocalipse 13:10) Ela foi
esta interpretação: “Sua autoridade [aquela do futuro anticristo pessoal] con- infligida quando o papa foi levado prisioneiro pelo general francês Berthier, em 1798,
tinua por quarenta e dois meses” (WALVOORD, 1966, p. 200). e o governo papal foi durante certo tempo abolido (SMITH, 1944, p. 567).
Abordagem historicista. Os intérpretes historicistas permanecem coerentes
aqui também. A besta é também identificada como Roma em sua escola de pen- O ponto de vista representado pela interpretação de Smith, secundado por
samento. Contudo, por causa dos aspectos distintamente religiosos do seu caráter muitos outros intérpretes historicistas, é que os 42 meses da profecia, ou 1260
e atividades, ela é identificada como a fase religiosa da atividade romana, resumida anos históricos reais, conduziram à ferida mortal que pôs um fim ao período
no papado. Neste caso Roma Imperial (simbolizada em um papel secundário pelo papal de dominação e autoridade religiosa.
dragão vermelho [cap. 12]), precede a besta semelhante ao leopardo (cap. 13). A Mais recentemente, tem sido defendida a opinião oposta: que os 42 meses
última recebe da primeira seu “poder, trono, e grande autoridade” (v. 2). Como se devem seguir algum tempo depois da ferida mortal. A base para esta interpre-
expressa brevemente Uriah Smith (1944, p. 562): “No verso 1 de Apocalipse 13, so- tação é a ordem do texto. A ferida mortal é mencionada no verso 3 e os 42 meses
mos levados de volta ao tempo quando a besta semelhante a leopardo, sucessora do são mencionados no verso 5. Na hipótese de que os eventos desta passagem
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estejam em ordem cronológica, o período de tempo de 42 meses deve seguir passagem termina de um modo semelhante, com todos os que habitam sobre
depois da ferida mortal da besta. a Terra adorando a besta (v. 8). Os dois temas estão inter-relacionados e ocor-
Sequências repetidas. Isto suscita a interrogação: São os eventos descritos rem em posições semelhantes em suas respectivas passagens. Eles devem estar
nesta passagem dados em estrita ordem cronológica? A evidência da passagem relacionados um ao outro, não separados.
em si indica que este não é o caso. Seguir uma estrita ordem cronológica cria Temos descrito vários aspectos deste texto para demonstrar a maneira em
algumas dificuldades na interpretação. que seus termos têm sido distribuídos. Temos escolhido nesta passagem ter-
Por exemplo, o verso 1 nota que a besta tinha um nome de blasfêmia sobre mos chaves, temáticos, ou teológicos. Eles incluem “blasfêmia”, “autoridade” e
suas cabeças. O verso 5 observa que foi dada à besta uma boca para proferir “adoração”. As mesmas palavras gregas são usadas em cada um destes casos onde
palavras blasfemas. Se estes dois episódios são estritamente cronológicos e con- são empregadas passagens correlacionadas.
secutivos, a blasfêmia que a besta profere no verso 5 não tem nenhuma relação Paralelismo hebraico. Pode agora ser feita a pergunta: Por que a passagem op-
com a blasfêmia sobre suas cabeças no verso 1. A conexão lógica é, porém, que era desta maneira? Por que ela volta repetidamente a alguns destes temas? Por que
as cabeças do verso 1 são de tal caráter que elas proferem as palavras blasfemas não trata apenas de cada tema uma vez e depois passa para outro de forma linear? A
do verso 5. As duas referências estão ligadas por natureza e ação; elas não de- matéria de estudo neste contexto é novamente uma de estrutura literária. O princí-
vem ser separadas com uma posta no passado e a outra no futuro. pio organizador é paralelismo de pensamento. Isto é muito comum na Bíblia.
Isto também pode ser notado no caso da palavra “autoridade”. Esta é encon- Um terço do Antigo Testamento é escrito em poesia; toda a poesia hebraica
trada no verso 2, onde o dragão confere à besta do mar várias coisas, inclusive exerce paralelismo de pensamento. Não se pode ter poesia hebraica sem ele.
“grande autoridade”. Então, no verso 5, é declarado que é permitido à besta do Também transborda na prosa bíblica, tanto no Antigo quanto no Novo Testa-
mar exercer autoridade por 42 meses. Se seguirmos a abordagem estritamente mento. Os exemplos disto são demasiado numerosos para se mencionar. Por-
cronológica, então temos aqui duas autoridades diferentes. A conexão mais tanto, não é inesperado encontrar este mesmo princípio operando aqui. É im-
374 lógica é que a autoridade dada no verso 2 é a mesma autoridade que é permitida portante, portanto, notar as palavras-chave que são repetidas na passagem. 375
continuar por 42 meses, segundo o verso 5. Duas seções distintas. Vamos dividir esta parte da profecia em suas duas
Um problema semelhante surge no caso da blasfêmia entre o verso 5 e o verso seções principais antes de trabalhar com ela em detalhes. Os versos 1-4 for-
6. O verso 5 diz que é dada à besta do mar uma boca para proferir blasfêmias. Então, mam a primeira seção; os versos 5-10 formam a segunda. A mudança no uso
no final deste verso, os 42 meses de sua autoridade são mencionados. O verso 6 de verbos entre estas duas passagens é um indicador de que elas são distintas; a
começa identificando o que é blasfemado: o nome de Deus, seu santuário no Céu e natureza dos conteúdos descritos é também diferente.
aqueles da Terra que têm posto sua fé ali. Se estes dois versos forem lidos em uma A primeira seção descreve o que João viu — a própria visão. A segunda
ordem estritamente cronológica, então a blasfêmia do verso 6 ocorre 42 meses ou descreve ações que ocorreram desde então. O verbo “eu vi” (eidon) ocorre duas
1260 anos mais tarde do que a blasfêmia proferida no verso 5. vezes na primeira seção (v. 1-2); ele não ocorre absolutamente na segunda. Am-
Mas este não é realmente o caso. O verso 1 nota que o nome de blasfêmia bas as seções terminam com um verso que fala sobre a adoração do mundo di-
estava sobre as cabeças da besta; o verso 5 nota que foi dada à besta uma boca ante da besta. Isto ocorre no verso 4 na primeira seção e no verso 8 na segunda
para proferir aquelas blasfêmias; e o verso 6 dá o conteúdo de algumas daquelas seção. Eles são comparados mais adiante abaixo.
blasfêmias. Estas são todas ações contemporâneas e inter-relacionadas; elas não Enquanto a primeira seção desta passagem é descritiva (visual) em ênfase,
são separadas e distintas e ocorrendo mais tarde no tempo do que as anteriores. a segunda seção é didática em sua ênfase. Este arranjo faz estas duas seções se
O desenvolvimento sobre o tema de amplificar o assunto da blasfêmia é suple- relacionarem entre si como visão e audição, ou visão e explanação. Quando esta
mentado por cada referência adicional. relação funcional é compreendida, pode ser visto que a segunda seção explica o
Mais uma vez o assunto da adoração pode ser tomado para ilustrar o mes- que foi visto na primeira seção.
mo tipo de fenômeno desta passagem. O final da primeira seção desta passagem A descrição da visão (v. 1-4). A descrição da besta na primeira seção começa
descreve homens adorando o dragão e a besta (v. 4). A segunda seção desta com seu surgimento do mar. As primeiras partes a aparecer são suas cabeças e
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chifres. Uma descrição adicional é dada destas características. Os chifres têm dia-
demas e as cabeças têm o nome de blasfêmia sobre elas. A descrição continua ao Vínculos entre as seções. Voltamos agora a examinar os vínculos entre
subir a besta ainda mais do mar. Seu corpo, que se assemelha ao do leopardo, é as duas seções, entre a descrição e a explicação. Já temos notado alguns
visto em seguida; e seus pés, que são como os de urso, são vistos por último. A destes de uma forma negativa, para demonstrar que não podemos seguir
atenção do profeta é então voltada para a boca da besta. Era semelhante à boca de uma abordagem estritamente cronológica a esta passagem. Agora examina-
um leão. O motivo pelo qual a atenção do profeta é voltada para a boca é porque mos estas relações segundo suas pretendidas funções.
sua fala é um elemento importante na subsequente seção explanatória da visão. A primeira palavra de ligação é ”boca” (stoma), e sua palavra associada,
A cena agora muda para descrever o que o dragão do capítulo 12 fez por essa “blasfêmia” (blasphēmia). A boca da besta é descrita como a boca de um leão (v.
besta do mar do capítulo 13. Ele deu-lhe três coisas: poder, um trono e grande au- 2). Quando a boca entra em operação (v. 5), ela fala palavras arrogantes (contra
toridade. A atenção de João é então chamada para uma das cabeças. Seis das sete o Altíssimo, cf. Dn 7:25) e blasfêmia. A boca do verso 5 está funcionalmente
cabeças pareciam saudáveis, mas uma delas tinha sido ferida. Realmente, a ferida ligada à boca vista previamente no verso 2, e a blasfêmia ouvida aqui (v. 5) está
se mostrava tão grave que parecia ter sido fatal. Mas a ferida já havia cicatrizado ligada ao nome de blasfêmia visto escrito sobre as cabeças (v. 1). O verso 6, em
e a cabeça também estava viva novamente. A passagem conclui com declarações seguida, retoma novamente o tema da blasfêmia e diz exatamente o que é blas-
sobre a adoração do dragão e da besta pelo mundo. femado: Deus, o seu nome e o santuário celestial.
A explicação da visão (v. 5-10). A segunda seção é distinta em termos de seus Um par de frases que começam “e foi lhe dada” (kai edothē autō) ocorre no
conteúdos verbais. Ela contém quatro frases que se iniciam em exatamente a mes- verso 7. Ali elas descrevem dois grupos de pessoas. O primeiro consiste dos
ma forma no original grego, kai edothē autō (“e foi-lhe dada”). A frase ocorre duas santos. Foi permitido à besta fazer guerra contra eles e derrotá-los. O segundo
vezes no verso 5 e duas vezes no verso 7. Cada vez a frase apresenta alguma coisa grupo consiste do restante da população mundial. Em contraste com os santos
que é dada à besta. O primeiro “dada” é uma boca que proferia grandes coisas e blas- que tentaram resistir à besta, este grupo concordou com ela e finalmente irá tão
376 fêmias. O segundo é autoridade. A terceira coisa dada é a capacidade de fazer guerra longe a ponto de adorá-la. Daí o contraste entre os dois grupos: os que se opõem 377
aos santos. A quarta “dada” é autoridade sobre as nações. Então a passagem conclui, a ela e aqueles que concordam em pôr-se ao lado dela e mesmo adorá-la.
como fez a primeira, com uma declaração de adoração pelo mundo. A maneira em que a perseguição dos santos é formulada é interes-
Deve estar claro deste esboço das duas seções que nos deparamos primeiro sante em vista da declaração anterior sobre o tempo dado à besta para sua
com a visão da besta e em seguida a descrição de suas ações a título de ex- autoridade — 42 meses. Estas duas linhas de texto devem ser comparadas
planação. Ambas as seções terminam do mesmo modo: com a descrição de em uma tradução literal e em transliteração:
adoração pelo mundo. Esta dupla descrição de adoração não apenas serve para
dividir a passagem, mas também para enfatizar a unidade da profecia. Este v. 5b “E foi dada a ela autoridade para fazer (X) meses, quarenta e dois.”
breve esboço pode ser representado por um gráfico: kai edothē autō exousia poiēsai mēnas 40 kai 2
v. 7a kai edothē autō poiēsai polemon meta tōn hagiōn kai nikēsai
“E foi dado a ela fazer guerra contra os santos e derrotá-[los”]
Apocalipse 13:1-10
Duas Seções
A frase do verso 7a é apenas uma destas quatro frases de doação em que se
inverte a ordem das palavras. Normalmente, depois da frase de doação introdu-
Descrição Explicação tória, o substantivo que se refere ao objeto doado é declarado em seguida. Este
v. 1-3 v. 5-7 não é o caso aqui em 7a. Ao contrário, é um verbo (poiēsai) “fazer” que segue.
Adoração Adoração
Mas este é o mesmo verbo que é encontrado no verso 5b. Este é normalmente
v. 4 v. 8
traduzido de tal modo a usar a palavra “autoridade” que o precede como um
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objeto. Mas este não é realmente o caso. Foi dada autoridade à besta para fazer reino celestial são aqueles que não estão escritos no livro do Cordeiro que foi
alguma coisa, não para exercer autoridade. “morto” (ferido) desde a fundação do mundo (13:8). A mesma palavra é usada
Mas o que lhe foi dada autoridade para fazer? Isso é deixado para a próxima em ambas as passagens, e assim se traça um contraste entre a besta e o “Cord-
frase de doação dizer. Segundo o verso 7a essa autoridade era fazer guerra aos san- eiro”. Ambos receberam uma ferida que era mortal, mas voltaram à vida — um
tos. Assim o arranjo linguístico e estrutural e as relações aqui indicam que a au- para trabalhar pela redenção da humanidade, a outra para sua destruição.
toridade da besta devia ser exercida especialmente em fazer guerra contra os santos. Na seção descritiva (v. 1-4), a ferida da besta vem mais para o final da
Esta característica do texto o harmoniza com as passagens que temos discutido aci- passagem (v. 3). Na seção explicativa (v. 5-10) essa ferida é também men-
ma — Daniel 11–12 e Apocalipse 12. Em ambas as passagens este mesmo período cionada no final da passagem (“se alguém matar à espada, necessário é que
de tempo foi especialmente e acima de tudo um período de perseguição dos santos. seja morto à espada”, v. 10; cf. v. 14, “a besta que foi ferida pela espada”). Em
Os vínculos da palavra “autoridade” (exousia) entre estas duas passa- ambos os casos a estrutura literária e as relações envolvidas indicam que a
gens também devem ser notados. Segundo 13:2, o dragão deu à besta do autoridade que a besta exerce vem antes dessa ferida.
mar poder, trono e grande (megalēn) autoridade (exousia). Então, segundo Existe também uma ligação natural e lógica da doação de autoridade para o
o verso 5, a besta do mar continua para exercer esta autoridade (exousia) seu exercício entre a primeira passagem (v. 2) e a segunda (v. 5).
por quarenta e dois meses. Realmente, a extensão de tempo em que a besta Como mostram as muitas relações literárias estruturais apresentadas aqui e
exerce esta autoridade é um motivo por que ela é grande. os vínculos linguísticos entre as seções, um paralelismo de pensamento é reali-
É também de interesse que estas duas palavras (grande/autoridade) estejam zado por João, ao descrever a visão da besta que ele vê e a explicação da visão
correlacionadas no verso 2, mas são então distribuídas no verso 5. No verso que ele recebe. As duas partes formam um todo.
2, é a autoridade que é grande (exousian megalēn). No verso 5, a palavra para A leitura estritamente cronológica desta passagem não pode ser aplica-
grande (megala) é usada independentemente para se referir às grandes coisas da, porque este procedimento não faria qualquer sentido fora dos paralelos
378 ou “arrogantes” (RSV) palavras que a besta fala contra Deus; então na próxima múltiplos aqui. A compreensão mais lógica das duas seções é que a segunda 379
frase a palavra autoridade (exousia) aparece. O que aparece como um par de é uma explicação da primeira e que coloca o período de tempo dos 42 me-
palavras na primeira passagem é dividido e distribuído a frases sucessivas no se- ses em relação com os eventos da primeira passagem que ocorreram antes
gundo exemplo, apontando assim para uma relação direta entre as duas seções. de ser vista a ferida mortal. A ordem tradicional e as relações comumente
Há duas outras interessantes ligações de palavras presentes aqui. Uma é o seguidas pelos intérpretes historicistas é a correta do ponto de vista dessas
verbo “adorar” (proskuneō). No verso 4 (da primeira seção), ele é usado em uma relações contextuais recentemente observadas.
forma aoristo, mas no verso 8 (a segunda seção), ele é usado em uma forma Isto significa que os 42 meses da profecia de tempo devem conduzir à ferida
futura. A última tem sido comumente considerada como um hebraísmo para mortal, não seguir. Também significa que a ocorrência da ferida mortal faz um
um verbo que equivale a um tempo imperfeito ou presente. Contudo, o inverso excelente demarcador para o fim deste período de tempo. Em termos do fluxo
poderia ser considerado por sua ocorrência no verso 4. Se alguém considera o da história, isto bem se ajusta com a terminação deste período em 1798 como
aoristo do verbo 4 como refletindo um “perfeito profético” hebraico conforme tem sido descrito pelo comentarista historicista Smith citado acima.
usado pelos profetas do Antigo Testamento (um tempo passado para descrever
um evento futuro), então isto bem se ajustaria com a natureza visionária desta Considerações finais
passagem (“homens [...] adorarão o dragão [...] e eles adorarão a besta”). Se esta
explicação está correta, ela harmonizaria o versículo 4 com o versículo 8, colo- Neste capítulo examinamos três passagens bíblicas que contêm elementos de
cando esta ação no futuro do tempo de João na era especificada pela profecia. tempo proféticos: Daniel 12, Apocalipse 12 e Apocalipse 13. Um período de tempo
A outra palavra de nota aqui é a palavra para “ferida” que a cabeça da besta é comum a todas as três. Os 3 tempos e meio de Daniel 12:7 equivalem aos três
recebe de uma forma “mortal” segundo o verso 3 (sphazō). A mesma palavra é tempos e meio de Apocalipse 12:14, que por sua vez equivalem aos 1260 dias de
usada para Cristo como o cordeiro morto (5:6, 9, 12). Os que são excluídos do
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Apocalipse 12:6 e finalmente aos 42 meses de Apocalipse 13:5. Além disso, mais Neste exemplo, a segunda seção, que fornece a explanação, inclui o pe-
dois períodos de tempo são encontrados em Daniel 12: os 1290 e os 1335 dias. ríodo de tempo. Não podemos ver um período de tempo, mas podemos ver
Não temos procurado fazer neste estudo muito estritas aplicações as ações que a besta levou a cabo, como perseguir, proferir blasfêmias, e
históricas destes períodos de tempo. Nosso intento é outro. Nosso objetivo exercer autoridade sobre os habitantes da Terra. Somos informados sobre
era ver que informação o próprio texto forneceara localizar estes períodos quanto tempo estas coisas deveriam durar. Por este motivo o período de
de tempo na extensão da História. tempo ocorre na parte do texto que lida com a explicação.
A localização dos períodos de tempo de Daniel 12 não pode ser determinada O lugar onde o período de tempo se liga com a descrição precedente indica que
apenas sobre a base da narrativa. Esses versículos formam somente a conclusão da ele pertence àquelas atividades da besta que deveriam ocorrer antes que esse poder
quarta visão de Daniel. A comparação deve ser feita com Daniel 11, o corpo desta recebesse sua ferida mortal. Mesmo embora essa ferida mortal devesse ser curada,
mesma visão. Quando esta comparação é levada a cabo, pode ser visto que as datas este período de tempo mediu os anos até a ferida, não depois.
de Daniel 12 não representam uma desejada extensão do tempo que o profeta adi- Mostrando que os 3 tempos e meio (e os 1290 dias) de Daniel 12 pertencem ao
vinhou (opinião preterista). Ao contrário, elas estão ligadas cada uma com eventos meio do fluxo histórico de Daniel 11, mostrando que os dois períodos de tempo
específicos narrados no fluxo da História descritos no corpo da visão. de perseguição de Apocalipse 12 (3 tempos e meio; 1260 dias) pertencem ao meio
Os 3 tempos e meio e os 1290 dias têm seu lugar in loco (Dn 11:31-35) antes do da Era Cristã, e mostrando que os 42 meses da besta pertencem ao tempo antes da
tempo do fim que é mencionado em Daniel 11:40. O período de 1335 dias também recepção de sua ferida, temos demonstrado que a interpretação historicista destas
tem suas raízes no mesmo local de Daniel 11. Isto significa que a opinião historicista, profecias de tempo está corretamente baseada nas características das passagens. A
que coloca estes períodos de tempo como representando simbolicamente muito opinião preterista que coloca tudo isto de volta no mais remoto passado — com
mais longos períodos de tempo histórico no fluxo do processo histórico, se ajusta Antíoco Epifênio (segundo século a.C.) ou os Césares (primeiro século d.C.) — e
melhor ao conteúdo da passagem de Daniel 12. a compreensão futurista que situa todos eles no ainda não cumprido futuro não
380 A situação em Apocalipse 12 é um tanto diferente. Aqui os dois períodos de obtêm sólido apoio do texto e são, portanto, indefensáveis. 381
tempo (3 tempos e meio; 1260 dias) são encontrados em relação um ao outro na
estrutura da própria narrativa. Eles são colocados no meio ou núcleo da narra- Referências
tiva acerca da igreja; não fazem parte de um ou outro pólo desta história. Assim
eles são mais bem aplicados à Idade Média.
FORD, J. M. Revelation. Garden City: Doubleday, 1975.
Aqueles períodos de tempo (os dois símbolos na realidade denotam a mes-
ma era) transpõem esse período e levam a narração da história da igreja até o
início do seu período final, o tempo em que a semente remanescente da mulher HARTMAN, L. F.; DI LELLA, A. A. The book of Daniel. Garden City: [s. n.], 1978.
ocupa o palco para a ação. Outra vez, a construção envolvente desta narrativa
e os pontos específicos em que os períodos de tempo estão localizados apoiam
certamente a interpretação historicista. Os dados não apontam para uma inter- HEATON, E. Daniel. Londres: [s. n.], 1956. (Torch Bible Paperbacks).
pretação preterista ou futurista.
A estrutura literária de Apocalipse 13 com seu período de tempo de 42 me-
ses retrata ainda outro modelo de pensamento hebraico. Aqui opera o paralelis- HUGHES, P. E. The book of Revelation. Grand Rapids: Eerdmans, 1990.
mo de declarações. A visão da besta é descrita na primeira seção dessa narrativa
(v. 1-4) e isto é seguido pela explicação desta visão (v. 5-10). Isto significa que LACOCQUE, A. The book of Daniel. Atlanta: John Knox Press, 1979.
esta narrativa (v. 1-10) não pode ser lida em reta sequência linear; antes, deve
ser compreendida como passando pelo mesmo terreno duas vezes.
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Estudos selecionados em interpretação profética

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