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0 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)


Biogeografia... desde a América Latina - 1

Organizadores
Leonice Seolin Dias
José Manuel Mateo Rodríguez
Jorge Luis Fontenla Rizo

BIOGEOGRAFIA
...desde a América Latina

1a Edição

TUPÃ/SP
ANAP
2016
2 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Editora

ANAP - Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista


Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos
Fundada em 14 de setembro de 2003
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América,
Cidade de Tupã, Estado de São Paulo.
CEP 17.605-31

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Presidente: Sandra Medina Benini
Vice-Presidente: Allan Leon Casemiro da Silva
1ª Tesoureira: Maria Aparecida Alves Harada
2ª Tesoureiro: Jefferson Moreira da Silva
1ª Secretária: Rosangela Parilha Casemiro
2ª Secretária: Elisângela Medina Benini

Diretoria Executiva da Editora


Sandra Medina Benini
Allan Leon Casemiro da Silva
Leonice Seolin Dias

Suporte Jurídico
Adv. Elisângela Medina Benini
Adv. Allaine Casemiro

Revisão Ortográfica
Lúcia Maria Pacheco

Contato: (14) 3441-4945


www.editoraanap.org.br
www.amigosdanatureza.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Capa: Sierra Madre Occidental (Chepe), perto das “Barrancas del Cobre” (uma zona com uma topografia cheia
de rios encaixados com gargantas que chegam até os 1800 m de profundidade, habitada por um pequeno
grupo de indígenas chamados “Raramiri” ou “Tarahumara". A vegetação dominante é a “selva baixa
caducifólia” (um tipo de vegetação que perde quase todas as folhas no período anual das secas). Como outubro
é o final do período chuvoso, na fotografia aparecem as árvores com muitas folhas. Apesar das declividades
íngremes de toda essa região, os Raramuris conseguem praticar agricultura de sobrevivencia, principalmente a
cultura do milho. Os habitantes dessa região vivem em condições de pobreza, contrastando com a importante
atividade turística das “Barrancas del Cobre” e a importância que têm as atividades de mineração em locais
relativamente próximos Foto: Huerta (2009).
Biogeografia... desde a América Latina - 3

Organizadores

Leonice Seolin Dias

Possui graduação em Ciências pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Tupã-SP; graduação
em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de Araraquara-SP; Habilitação em Biologia pelas
Faculdades Adamantinenses Integrada de Adamantina-S; Especialização em Ciências Biológicas e
Mestrados em Ciências Biológicas e em Ciência Animal pela Universidade do Oeste Paulista de
Presidente Prudente-SP; Doutorado em Geografia pela Faculdade de Ciencias e
Tecnologia/Universidade Estadual Paulista – Campus de Presidente Prudente-SP (2016).

José Manuel Mateo Rodríguez


Possui licenciatura em Ciências Geográficas pela Universidade de Havana em 1970; Doutor em
Ciências Geográficas pela Universidade Estadual de Moscou, em 1979; Doutor em Ciências pela
Universidade de Havana em 2007; Professor titular consultor da Universidade de Havana, membro
titular da Academia de Ciências de Cuba desde 2002; Presidente da Sociedade Cubana de Geografia
desde 2010; Prêmio Nacional de Geografia de Cuba, em 2015.

Jorge Luis Fontenla Rizo

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Faculdade de Biologia da Universidade de Havana;


Doutorado em Biologia pela Universidade de Havana, em 1998. Especialista em Ecologia e
Biogeografia de insetos.
4 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Conselho Editorial Interdisciplinar

Profª Drª Alba Regina Azevedo Arana – UNOESTE


Profª Drª Angélica Góis Morales – UNESP – Campus de Tupã
Prof. Dr. Antônio Cezar Leal – FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira – UFAM
Prof. Dr. Antonio Fluminhan Jr. – UNOESTE
Prof. Dr. Arnaldo Yoso Sakamoto – UFMS
Prof. Dr. Daniel Dantas Moreira Gomes – UPE – Campus de Garanhuns
Profª Drª Daniela de Souza Onça – UDESC
Prof. Dr. Edson Luís Piroli – UNESP – Campus de Ourinhos
Prof. Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto – UEFS
Prof. Dr. Erich Kellner – UFSCAR
Profª Drª Flávia Akemi Ikuta – UFMS
Profª Drª Isabel Cristina Moroz Caccia Gouveia– FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto – UEA / CEST
Prof. Dr. Joao Osvaldo Rodrigues Nunes– FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente
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Prof. Dr. José Carlos Ugeda Júnior – UFMS
Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba
Prof. Dr. José Mariano Caccia Gouveia – FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia – UFPR
Profª Drª Jureth Couto Lemos – UFU
Profª Drª Kênia Rezende – UFU
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Profª Drª Marcia Eliane Silva Carvalho – UFS
Prof. Dr. Marcos Reigota – Universidade de Sorocaba
Profª Drª Maria Betânia Moreira Amador – UPE – Campus de Garanhuns
Profª Drª Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profª Drª Martha Priscila Bezerra Pereira – UFCG
Profª Drª Natacha Cíntia Regina Aleixo – UEA
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Prof. Dr. Rafael Montanhini Soares de Oliveira – UTFPR
Profª Drª Regina Célia de Castro Pereira – UEMA
Profª Drª Renata Ribeiro de Araújo – FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Ricardo Augusto Felício – USP
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino – UNICAMP
Profª Drª Roberta Medeiros de Souza – UFRPE – Campus Garanhuns
Prof. Dr. Roberto Rodrigues de Souza – UFS
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani – Unifal
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho – UFGD
Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araújo – UFMA
Profª Drª Rosa Maria Barilli Nogueira – UNOESTE
Profª Drª Simone Valaski – Universidade Federal do Paraná
Profª Drª Silvia Cantoia – UFMT – Campus Cuiabá
Profª Drª Sônia Maria Marchiorato Carneiro – UFPR
Biogeografia... desde a América Latina - 5

D541b Biogeografia... desde a América Latina / Leonice Seolin Dias, José


Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo. Tupã: ANAP,
2016.
160 p ; il. Color. 21,0 cm

ISBN 978-85-68242-31-5

1. Biogeografia 2. Paisagem 3. Ecossistema. 4. América Latina


I. Título.

CDD: 900
CDU: 911/47

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Geografia
6 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Sumário

Prefácio 08

Apresentação 12

Capítulo 1 13
A BIOGEOGRAFIA COMO DISCIPLINA CIENTÍFICA
José Manuel Mateo Rodríguez
Maira Celeiro Chaple

Capítulo 2 20
A PAISAGEM GEOGRÁFICA: NATUREZA, TEMPO E SOCIEDADE NA SERRA DA
BODOQUENA-MS
João Cândido André da Silva Neto
Natacha Cíntia Regina Aleixo

Capítulo 3 37
SOBRE COMPONENTES PANBIOGEOGRÁFICOS Y COMPONENTES ECOLÓGICOS
Jorge Luis Fontenla
Zehnia Cuervo

Capítulo 4
UMA ABORDAGEM CONCEITUAL DO POTENCIAL FITOGEOGRÁFICO E A 54
ATIVIDADE APÍCOLA EM SERGIPE
Edimilson Gomes da Silva
Maria do Socorro Ferreira da Silva
Rosemeri Melo e Souza

Capítulo 5 69
ECOLOGIA DA PAISAGEM DA PLANICIE ENTRE MARES –FLORIANÓPOLIS – SC
Talita Laura Góes
Angela da Veiga Beltrame

Capítulo 6
AVALIAÇÃO DAS PERDAS DE ÁREAS DE DISTRIBUIÇÃO NATURAL E O ESTADO 91
DE CONSERVAÇÃO DAS LAELIAS (ORCHIDACEAE) NO MÉXICO
Héctor Miguel Huerta Espinoza
Andrea Juárez Sánchez
Gerardo Adolfo Salazar Chávez
Biogeografia... desde a América Latina - 7

Capítulo 7
LOS PAISAJES DE LA CUENCA HIDROGRÁFICA ARIGUANABO, SU EVALUACIÓN 110
Y CARACTERÍSTICAS DE SU PAISAJE NATURAL PROTEGIDO “RÍO ARIGUANABO”
Alberto E. García
Bárbara Liz Miravet
Eduardo Salinas
Elizabeth Cruañas
Ricardo Remond
Adrían Martínez

Capítulo 8 125
ESTUDOS DE SUCESSÃO ECOLÓGICA APLICADOS À AVALIAÇÃO DAS
DINÂMICAS NATURAIS E ANTRÓPICAS, E SEUS NÍVEIS DE REGENERAÇÃO E/OU
DEGRADAÇÃO
João Baccarin Xisto Paes
José Mariano Caccia Gouveia

Capítulo 9 145
A EXPANSÃO DAS FLORESTAS ATLÂNTICAS ENTRE O RIO DE JANEIRO (RJ) E
JUIZ DE FORA (MG): UMA ÍNTIMA RELAÇÃO COM OS POVOS INDÍGENAS
Matheus Cavalcanti Bartholomeu
8 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Prefácio

Sueli Angelo Furlan1

Temos nesta coletânea um conjunto de artigos que representam um leque. Essa é a


figura que me vem à mente ao concluir a leitura de artigos com múltiplos enfoques da
Biogeografia. Um leque pelo espectro aberto e amplo de temas, métodos e articulações
conceituais com os estudos da Paisagem. Como um leque ao se fechar recompõe uma
unidade em torno de melhor conhecer a espacialidade das biotas visando sua proteção. Um
leque que se movimenta em torno de estudos da Ecologia da Paisagem, da Biogeografia
ecológica e modelagens de nicho, da Ecologia humana em seus múltiplos aspectos
socioambientais que se entrelaçam na discussão sobre desenhos de conservação, pressões
humanas, perda de habitats, etc. Um movimento interessante que é revelador para o campo
investigativo da Biogeografia. Entendo esse campo como uma busca de compreensão da
espacialidade das biotas em suas dimensões evolutivas da biodiversidade, e dos processos
que se desenvolvem entrelaçando o entendimento de muitas camadas do tempo ecológico.
Neste movimento do leque a paisagem geográfica orienta diversas metodologias
investigativas. Vários artigos enfatizam a importância da conservação da natureza diante da
extensiva degradação ambiental, mas concluem que as ações e as estratégias são
trabalhosas e se apoiam em diferentes matrizes conceituais e teóricas. Isto ocorre porque é

1
Professora Assistente Doutora de Geografia, Depto. de Geografia - FFLCH-USP desde 1986; Mestre e Doutora
em Geografia Física pela Universidade de São Paulo, Bacharel e licenciada em Biologia e Geografia pela mesma
Universidade. Desenvolve pesquisas socioambientais em Conservação de Florestas tropicais coordenando o
Grupo de Pesquisa - Paisagem e territorialidades na Serra do Mar, que está vinculado ao Laboratório de
Climatologia e Biogeografia/ Departamento de Geografia - FFLCH-(USP). Pesquisadora Principal do Projeto
História da energia elétrica no Estado de São Paulo (1890-1960): Patrimônio Industrial, Paisagem e Meio
Ambiente, denominado Eletromemória II, pela FAPESP. Credenciada no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais da USP/PROCAM e Coordenadora do NUPAUB - USP. Coautora dos PCNs de Geografia,
MEC/SEF-BRASIL. Autora das Orientações Curriculares do Município de São Paulo, currículo do estado do Acre,
da cidade de São Luís (MA) e Indaiatuba (São Paulo). Especialista no Programa de Educação Ambiental em
Paragominas (PA) desenvolvido pelo CEDAC. Autora de vários livros e no campo da Educação Ambiental.
Organizadora dos Atlas Ambientais Municipais da Editora Geodinâmica/Programa Meio Ambiente
Pertencimento Ação (MAPA). Desenvolvo pesquisa de Pós-doutorado em Florestas Culturais na Amazônia.
Coordenou a elaboração de planos de manejo de áreas protegidas na Mata Atlântica. Atualmente coordena a
elaboração dos Planos de Manejo dos Parques Naturais do Rodoanel Trecho Sul através de Convênio técnico
científico entre a DERSA e o Departamento de Geografia- USP. Membro do Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado – CONDEPHAAT. Vice Presidente do SIGAP- Sistema de
Informação e Gestão de Áreas Protegidas e de Interesse Ambiental do Estado de São Paulo. Coordendora do
Grupo de trabalho Àreas Verdes e Reservas Ecológicas para elaboração do Plano de Gestão Ambiental da USP e
Vice Chefe de Departamento eleita em 2015.
Biogeografia... desde a América Latina - 9

preciso levar em consideração necessidades complexas da espacialidade da biodiversidade e


das populações humanas que coabitam mesmos territórios explorando os recursos de modo
distinto e conflitivo. A espacialidade e temporalidade dos habitats e a concorrente
territorialidade humana é um aspecto central. Para diferentes espacialidades temos
diferentes significados que precisam ser pactuados. Este vem sendo o enfoque de estudos
biogeográficos no âmbito da Geografia.
Após décadas de produções acadêmicas em diversas áreas do conhecimento
objetivando avançar em proposições sobre o tema da Conservação da Natureza, um número
crescente de autores tem se dedicado a elucidar a funcionalidade dos habitats naturais
através de conceitos e métricas da Ecologia de Paisagens, do estudo dos Geossistemas, da
análise das fragilidades potenciais, entre outros. De outra parte estudos geográficos
demonstram a necessidade de compreender como as comunidades humanas vêm o uso e
proteção de recursos que exploram em distintos territórios.
Em Geografia, o tema da proteção da paisagem não aparece isolado da cultura,
particularmente do modo como as sociedades se inscrevem nas paisagens. A leitura da
paisagem está, de certo modo, presente em diferentes enfoques das pesquisas biogeográficas.
Há interesse crescente em pesquisas relacionadas a Áreas Protegidas que buscam elaborar os
melhores desenhos de proteção da paisagem, considerando articuladamente aspectos da
Ecologia de Paisagens e Geografia Cultural. Ambos os enfoques são rigorosos quanto ao
reconhecimento da importância da manutenção dos habitats valorizando práticas das
comunidades indígenas e das populações tradicionais, como se apresenta nesta coletânea o
estudo de História Ambiental sobre a expansão da Mata Atlântica entre o Rio de Janeiro e Juiz
de Fora (BARTHOLOMEU; RUA). As evidencias da distribuição cultural de espécies é um campo
instigante para a Biogeografia. O olhar estrito senso para a distribuição natural dos
ecossistemas pode estar ocultando as contribuições dos povos indígenas neste processo.
Ainda há muito a se investigar neste campo e o estudo sobre a contribuição das migrações dos
povos tupi e de antigas tradições culturais, como os Sambaquieiros na Mata Atlântica. Esses
estudos podem revelar como o manejo das espécies de interesse da cultura influenciaram as
biotas remanescentes. A conservação da natureza se enriquece quando compreendemos que
as paisagens que julgamos pristinas podem não ser tão “primitivas” quando adentramos na
arqueologia das paisagens. Por outro lado a paisagem atual permite ao “geógrafo acessar o
mundo das representações sociais e da natureza, que siga na direção de uma relação
multidirecional e interativa entre o natural e o social” como bem coloca ao artigo que trata dos
estudos da Serra da Bodoquena (SILVA NETO; ALEIXO).
10 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Ainda nessa linha das análises multireferenciais as paisagens atuais apresentam


uma sobreposição de registros difíceis de decifrar. Não bastasse a complexidade dos
sistemas nativos (florestas tropicais, Caatingas, Cerrados, etc.) a intensa degradação e
supressão dos ecossistemas torna a tarefa do Biogeógrafo ainda mais desafiadora. O estudo
do potencial apícola em Sergipe nos traz essa reflexão (SILVA; SILVA; SOUZA). Os redutos ou
fragmentos de habitats que ainda restam contém o precioso registro fitogeográfico de valor
biológico e também social, uma vez que os apiários sustentam uma atividade econômica em
expansão na região. As abelhas em particular dependem do potencial fitogeográfico para
produzir. “O potencial fitogeográfico está ligado ao uso dos territórios detentores de
biodiversidade”. Em Sergipe, ainda há muito que fazer para proteger os remanescentes
florestais da Caatinga de modo efetivo, como afirmam os autores. O mapeamento dos
remanescentes com potencial fitogeográfico para a apicultura é uma excelente aproximação
entre a proteção dos remanescentes da cobertura vegetal e a uma atividade econômica de
baixo impacto e socialmente adequada como tendência econômica. Apesar da importância
desse potencial fitogeográfico o mapeamento de remanescentes demonstra a intensa
fragmentação em todas as fitofisionomias no Estado de Sergipe.
Na dimensão sistêmica da paisagem essa coletânea traz um conjunto de artigos
alinhados a ideia de paisagem-geossistema como um sistema-temporal complexo e aberto
como demonstra o estudo sobre a paisagem natural protegida do Rio Ariguanabo - Cuba
(GARCIA; MIRAVET;SALINAS; CRUAÑAS; REMOND; MARTINEZ).
Na linha dos estudos de Ecologia da Paisagem uma vasta produção tem se colocado
a disposição dos pesquisadores. Destaca-se sua importância na definição de localização e
desenhos da conservação que incluem a conectividade. Afinal mapear os fluxos e a
permeabilidade na paisagem pode constituir a chave para a sobrevivência de muitas
espécies num mundo de intensa fragmentação. No entanto estabelecer corredores de fluxo
nos parece complexo uma vez que a configuração e composição de fragmentos ainda
predominam nas pesquisas. O estudo das Florestas úmidas e aluviais em Santa Catarina nos
traz uma possibilidade de reflexão sobre uma proposta baseada na configuração dos
fragmentos (GÓES; BELTRAME).
Biogeografia... desde a América Latina - 11

Na mesma linha sistêmica temos um importante trabalho que discute a base de


dados que precisam ser estudos para alcançar resultados plenos em projetos de
regeneração de florestas por sucessão secundária (PAES; GOUVEIA). Análises integradas dos
sistemas ecológicos são essenciais. Os autores do estudo de caso sobre Ilha Comprida – SP
discutem a importância de componentes geomorfológicos e climáticos através de um estudo
comparativo da morfologia e sua interação com a biota. Concluem que os processos de
regeneração natural ou induzida podem ter maior ou menor sucesso se não considerarmos a
integração biogeofísica.
As modelagens bióticas vêm ganhando evidencia já algumas décadas. Nesta coletânea
temos uma bem cuidada pesquisa sobre distribuição de Orquídeas (Laelia spp.) realizada no
México a partir do uso de dois algoritmos de estimativa de nicho (HUERTA, JUÁREZ; SALAZAR). A
engenharia de dados necessários para esses modelos constitui o maior desafio de aplicabilidade.
Métodos estatísticos e modelagens por algoritmos preditivos auxiliam a avaliar a distribuição e
vem sendo muito úteis no planejamento sistemático da conservação.
Apesar de amplas definições a Biogeografia constitui mesmo um campo complexo de
síntese e interação com ciências da natureza e humanas. Para concluir diante de uma amostra
múltipla num leque de produções muito interessante refletimos com os autores que discutem
o papel da Biogeografia como campo que contribui no conhecimento dos diferentes sistemas
geoeocológicos (RODRÍGUEZ; CHAPLE). Neste destacamos o artigo sobre a aplicação do
método panbiogeográfico de Leon Croizat e seu entendimento de que “Gea e biota evoluíram
juntas” (FONTENLA; CUERVO). A panbiogeografia “significa mais que uma estreita relação
entre a história da vida e da terra”, uma busca em compreender a resposta das espécies em
seus habitats às mudanças ambientais. Essa é uma visão que se pode estender para as demais
abordagens escolhidas pelos autores desta coletânea. Vale pena conhecer!
12 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Apresentação

Biogeografia é uma disciplina que tem como objetivo compreender os fenômenos da


localização, distribuição e organização espacial das espécies biológicas e seus conjuntos no
contexto da superfície do planeta Terra. Ela tomou duas direções científicas básicas: biológica
e geográfica. A primeira atende à distribuição genética e evolucionária fundamental dos
fatores das espécies. A segunda atende ao estudo da biota em todo o ambiente natural e
social, tentando entender a lógica da distribuição espacial das espécies e seus conjuntos.
Atualmente está se formando a direção geoecológica, tentando assumir dialeticamente ambos
os sentidos, para ter uma visão mais abrangente da distribuição da biota.
Na América Latina, a Biogeografia subordina-se à ciência mãe (Biologia e Geografia),
não tendo um corpo próprio, sendo relegada ao contexto do saber científico.
No entanto, dado o enorme grau de humanização do planeta e à necessidade não
só de preservar e proteger a biodiversidade e a geodiversidade, é necessário priorizar a sua
reabilitação e regeneração. Nenhum projeto que tem a ver com o ordenamento ambiental,
territorial, com a sustentabilidade, ou com o uso racional das condições e recursos naturais,
pode colocar de lado os problemas biogeográficos. No entanto, não precisamos de uma
biogeografia enclausurada em fenômenos específicos e isolados a partir de seus dois ramos
principais (biológico e geográfico), senão de uma biogeografia ampla e abrangente, multi e
até transdisciplinar que permita compreender a vida no contexto não só de fenómenos
biológicos, mas de aspectos geossistêmicos e até mesmo geopolíticos e geoeconômicos que
levem à humanização do meio.
Temos que resgatar Biogeografia na América Latina. E este livro é uma tentativa de
dar a devida importância à Biogeografia na América Latina (Brasil, México e Cuba), contendo
artigos de estudos realizados nos três países.

Leonice, Mateo e Jorge

Tupã-SP, 2016.
Biogeografia... desde a América Latina - 13

Capítulo 1

A BIOGEOGRAFIA COMO DISCIPLINA CIENTÍFICA

José Manuel Mateo Rodríguez2


Maira Celeiro Chaple3

INTRODUÇÃO

A Biogeografia nasceu como disciplina científica no contato entre a Biologia e a


Geografia nos finais do século XIX. Na sua formação tiveram um papel fundamental os
trabalhos de Aleksander von Humboldt (TIMASHEV, 1999).
A Biogeografia é considerada como a ciência das regularidades e leis de
distribuição das biocenoses e das plantas, dos animais e dos micro-organismos. Inclui a
Geografia das plantas, dos animais, dos micro-organismos, das comunidades vegetais e das
comunidades de animais. Além das questões relacionadas com a distribuição, a
Biogeografia estuda as causas dessa distribuição e as relações dos organismos com o meio
ambiente (PREOBRAZHENSKII et al., 1982).
Desde o seu surgimento a Biogeografia adotou o planeamento básico sobre a
unidade complexa da biota com o seu meio, que foi pela primeira vez enunciado pelo
cientista Clements no começo do século XX (MALJAZOVA et al., 2008).
Na realidade, a Biogeografia teve muito a ver com o processo de formação de
disciplinas científicas no começo do século XX, algumas das quais tentaram ser independentes. A
Biogeografia, na realidade, nunca se tornou independente por completo das ciências matrizes (a
Biologia e a Geografia), existindo no mínimo duas tendências: uma biogeografia como parte de
Geografia e outra como parte de Biologia (PREOBRAZHENSKII et al., 1982).
A visão biológica da Biogeografia parte de considerar como essencial a noção de
biocenose. Esse é um conceito biocêntrico e considera como o sistema natural limitado no

2
Facultad de Geografía - Universidad de La Habana. E-mail: mateo@geo.uh.cu
3
Doctora en ciencias geográficas Instituto de Geografia Tropical - Ministerio de Ciencia, Tecnologia y Medio
Ambiente.
E-mail: mairac@ceniai.inf.cu
14 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

espaço, e que é homogêneo no seu interior e se forma como resultado da interação dos
organismos vivos (plantas, os micro organismos, e a população animal). Foi um conceito
proposto pelo cientista alemão Karl August Möbius em 1877, que também fez a proposta da
criação de uma disciplina científica particular considerada como Biocenologia. Essa disciplina
considerou-se como a ciência sobre a inter-relação e a interação dos complexos da natureza
viva e da natureza não viva. Preocupar-se mais que tudo de pesquisar a circulação e a
produtividade biológica (SOLNTSEV, 2008).
Essa visão biológica tem desenvolvido ultimamente outros conceitos. O cientista
russo Sukachev fez a proposta do conceito de biogeocenose e defendeu a ideia sobre a
integridade e a interdependência da biocenose e seu meio (biótopo) abiótico (indireto). Ele
considerava a biocenose como o centro do sistema natural.
Nos últimos anos, a biogeocenose conceitua-se como um tipo de ecossistema no
qual o núcleo biótico está representado não por um organismo individual, mas pela
biocenose, ou seja, pelo conjunto dos diferentes organismos que se relacionam
estreitamente entre si, e o meio é representado pelo biótopo que é uma totalidade
organizada e limitada espacialmente.
Ou seja, a biogeocenose é considerada como a cela fundamental da diferenciação
da cobertura biótica, que é interpretada como ecossistema nos limites da fitocenose. A
biogeocenose nunca existe isolada, mas em uma relação espacial e funcional com as
comunidades vizinhas (MALJAZOVA et al., 2008).
A interpretação biológica da biosfera considera-a como o conjunto dos organismos
terrestres. Segundo esta visão, a proteção da natureza deve estar focada na proteção dos
organismos vivos. É definida assim como uma das esferas da Terra, que surgiu no transcurso
da evolução do planeta e que se caracteriza pela presença da vida.
O biótopo, por outra parte, é considerado como as condições homogêneas da vida,
de determinadas espécies de vegetação ou de animais, ou de ambos, para a formação de
uma determinada biocenose em uma área do espaço.
Na visão biológica, todos os conceitos reduzem-se em definir o ecossistema como a
noção mais geral que permite entender a distribuição da vida na Terra. O ecossistema é o
sistema ecológico, ou seja, o sistema no qual o elemento fundamental é por uma parte os
organismos, seus grupos ou o conjunto (espécies, grupos, populações, cenosis); e por outra
parte o meio, ou seja, o conjunto de fatores de seu habitat.
Biogeografia... desde a América Latina - 15

No ecossistema, o fundamental é determinar o centro do sistema, ou seja, o organismo


biológico, e as relações entre esse centro do sistema com o meio tem um caráter biocêntrico, ou
seja, tenta-se entender fundamentalmente as características do órgão biológico. Também o
conceito de ecossistema não tem um limite espacial, e esse fator tem levado a procurar noções
que vieram da geografia (como o conceito de paisagem) para garantir a especialidade. Surgiu
assim a Ecologia da Paisagem, que tem como objetivo estabelecer a especialidade do
ecossistema usando a paisagem como o fundo da distribuição (RODRÍGUEZ, 2011).
Na visão biológica, às vezes, predomina uma concepção mais restrita que é um
enfoque em populações e espécies. Esse enfoque fundamenta-se em assumir que cada
espécie é um sistema genético fechado menor, que tem um fundo genético que não se
repete. Então, desde a Biogeografia biológica tem como tarefa atrelar essa visão genética
fechada a uma posição ecossistêmica (MALJAZOVA et al., 2008).
A visão geográfica insiste em estudar a espacialidade da vida na superfície do
globo terrestre mediante o uso de três dimensões básicas: localização, distribuição e
organização espacial.
Na visão geográfica, a biota, considera-se como parte do geosistema, que é a
variante curta do termo “sistema geográfico” introduzido por V. B. Sochava em 1963. Ou
seja, na visão geográfica, a biota (o conjunto de espécies e/ou as comunidades associadas)
considera-se como um subsistema aberto de um sistema natural mais complexo (a
paisagem, o geossistema) (MALJAZOVA et al., 2008).
O geosistema é “uma classe particular de sistemas ordenados, e o espaço
terrestre de todas as dimensões, onde os diferentes componentes da natureza
encontram-se em relações sistêmicas uns com os outros e, como uma definida
integridade, interagem com a esfera cósmica e a sociedade humana” (SOCHAVA, 1978, p.
202). Essa é a interpretação sistêmica do conceito de paisagem natural elaborada já
desde finais do século XIX (Quadro 1).
16 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Quadro 1. Representação formalizada do ecossistema e do geossistema.

Organização: Autores (2015).

Assim, a visão de geosistema dá atenção preferencial à inter-relação e interação de


todos os componentes naturais, e dessa totalidade com a ação humana, para considerar
como se manifesta na superfície no globo terráqueo. Trata-se de entender a espacialidade
natural, e como essa espacialidade é usada e transformada pela ação humana. A biota forma
parte desse conjunto, depende dessas interações, e, no final das contas, é transformada em
dependência das ações humanas, sendo subordinada às novas modificações da paisagem o
meio natural produzido (NIKOLAIEV, 2006).
As duas unidades limites, a biosfera e a fácies e o geótopo, são definidas na
interpretação geográfica da seguinte maneira:
- A biosfera é uma das geoesferas que formam parte da esfera geográfica da
superfície do planeta Terra, junto com a atmosfera, a litosfera e a hidrosfera, mas que se
distingue delas por estar ocupada por organismos vivos (cobertura vegetal e mundo animal, e
a esfera das biocenoses) sendo considerados como os produtos de sua atividade vital. Assim, a
visão geográfica do conceito de “biosfera” distingue-se não só pela alta concentração de
organismos vivos, mas porque se coloca em primeiro termo o papel particular da vida na
formação da superfície do globo terrestre e seu rol de regulador sistêmico. Assim, o conceito
de biosfera desde uma posição geográfica centra a atenção no papel ativo da sustância viva
(RODRIGUEZ et al., 2004).
Biogeografia... desde a América Latina - 17

- A facie, termo proposto desde 1935 pelos cientistas rusos Ramenskiy e Berg, é a
paisagem ou o geosistema natural menor. Em toda a sua extensão é ocupado por uma
composição litológica das rochas, o mesmo caráter (mesoforma) do relevo, o tipo de
drenagem e umedecimento, o igual microclima, a variante dada de solos e uma mesma
biocenose. Pode considerar-se como sinônimo do termo geotopo, mas este é utilizado para
designar a situação do conjunto dos componentes naturais (morfotopo, litopo, pedotopo,
hidrotopo, climatopo e biotopo) de um sítio ou lugar (RODRIGUEZ; SILVA, 2013).
Existe toda uma classificação já assumida internacionalmente (VERSTAPPEN, 1983;
ZONNELVELD, 1995) sobre a hierarquia dos sistemas que se estendem desde a escala
planetária (a biosfera) até a escala topológica (a fácies). Essa classificação toma duas
variantes: a tipológica e a individual, ou seja, as características lógicas de repetitividade e
semelhança e as características próprias de singularidade e não repetição. Ambas as
sistematizações são fundamentais para entender as duas formas de distribuição da biota:
pela origem das características semelhantes em relação ao meio natural e pelas
características próprias da individualidade mais envolvida com relações filo genéticas.
Na realidade, quando se comparam ambos os enfoques percebe-se que o enfoque
biológico é mais centrado nos fatores genéticos e nas inter-relações entre os organismos
vivos e os diferentes fatores que formam o meio natural. O enfoque geográfico presta mais
atenção à distribuição dos organismos vivos no contexto da espacialidade, tendo em conta
as inter-relações dos componentes naturais e sua reação às ações humanas. E lógico que
este enfoque responde ao espírito original da formação da Geografia como uma ciência, e
neste sentido a Biogeografia seria parte da Geografia Física, que tem a paisagem e o
geossistema natural como seu conceito de gênero; e a Geografia como um nível hierárquico
visando entender a humanização do espaço natural e o uso de categorias geográficas gerais
(espaço, paisagem, território, meio) (Quadro 2).
18 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Quadro 2. Categorias analíticas da Geografia.

Organização: Autores (2015).

Mas qualquer interpretação geográfica não pode deixar de lado a análise dos
fatores biológicos. Essa posição está levando ao surgimento do contacto entre a Geografia e
a Ecologia (termo foi introduzido em 1869 por E.Haeckel, como uma das ciências biológicas
que investiga as inter-relações entre os organismos e o meio) de uma visão científica
particular conhecida como geoecologia.
A Geoecologia considera-se como uma direção cientifica da Geografia das
Paisagens, que estuda os complexos naturais, antropos naturais e culturais da Terra, no nível
global, regional e local, e como se fosse o meio de habitat dos organismos, do homem e da
sociedade em inter-relação com as atividades socieconômicas (TIMASHEV, 2007). De acordo
com essa interpretação, o papel da Biogeografia seria entender como a biota contribui na
formação dos diferentes sistemas geoeocológicos, e como a distribuição da biota associa-se
a essas regularidades.
Então, partir-se-ia em assumir que a condição ecológica das combinações espaciais
da biota fundamenta-se na ideia de que a estrutura da cobertura biótica por essência, é um
reflexo da estrutura ecológica do espaço geográfico (MALJAZOVA et al., 2008).
Biogeografia... desde a América Latina - 19

Para isso, então, seria interessante assumir uma posição evolutiva, em que,
como resultado do processo de humanização da natureza, forma-se o espaço e a
paisagem geográfica. A biota tem um papel fundamental em entender essas duas
formas de manifestação do sistema ambiental: o cripto sistema e o feno sistema
(GONZALEZ BERNALDEZ, 1981).

REFERÊNCIAS

BERNALDEZ, F. G. Ecología y Paisaje. Madrid: H. Blume Ediciones, 1981, 250 p.

MALJAZOVA, S. M., E. G. MALO; G. N. OGUREVA; N. B. Leonova. Escuela Biogeografica; Concepciones científicas


de base. In: KASIMOV, N. S.- (Red.Principal). Escuelas científicas geográficas de la Universidad de Moscu.
Moscou: Editorial Gorodiets, 2008, p. 305-314.

MATEO RODRÍGUEZ, J. M. Paisajes Naturales. Geografía de los Paisajes. La Habana: Editorial Félix Varela,
2011, 198 p. (Primera Parte).

MATEO RODRIGUEZ, J. M., SILVA, E. V. da. Planejamento e Gestão Ambiental. Subsidios da Geoecologia das
Paisagens e da Teoria Geossistemica, Fortaleza: Edições UFC, 2013. 370 p.

MATEO RODRIGUEZ, J. M., SILVA, E. V. da., CAVALCANTI, A. P. B. Geoecologia das Paisagens. Uma visão
geossistémica da analise ambiental. Fortaleza: Edições UFC, 2004, 222 p.

NIKOLAEV, V. A. Ciencias del Paisajes. Seminarios y Tareas prácticas. (en ruso), Facultad de Geografía de la
UEM, 2006. 208 p.

PREOBRAZHENSKII, V. S (Red. principal), ALEKSANDROVA,T.V., M.DANEVA, G.HAASE,IA.DROSH.(Colegio de


redacción). Protección de los paisajes. Diccionario interpretativo. (en ruso), Moscú, Editorial “Progress”,
Moscú, 1982, 272 p.

SOCHAVA, V. B. Introducción a la Teoría de los Geosistemas (en ruso), Rusia: Editorial Nauka, Novosibirsk,
1978, 319 p.

SOLNTSEV, V. Historia de la Cátedra de Geoecologia (en ruso). Moscú: Universidad Estatal de Moscu, Editorial
GEOS, 2008, 118 p.

TIMASHEV, I. E. Diccionario de Referencias en Geoecología ruso – inglés (en ruso), Editorial Gai – Muravei,
1999, 167 p.
20 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Capítulo 2

A PAISAGEM GEOGRÁFICA: NATUREZA, TEMPO E SOCIEDADE NA SERRA DA


BODOQUENA-MS4

João Cândido André da Silva Neto5


Natacha Cíntia Regina Aleixo6

INTRODUÇÃO

A noção de paisagem surge com os geógrafos alemães no século XIX, mas com um
conceito principalmente fisionômico ligado principalmente ao método de observação
(MENDONÇA, 2001).
Alexander Von Humboldt iniciou as primeiras tentativas de abordagens da paisagem
numa perspectiva da relação homem e natureza. Segundo Moraes em sua obra “A gênese da
Geografia Moderna” (1989), para Humboldt a paisagem deveria ser analisada pelo presente
e passado, buscando a explicação da sua configuração atual com os fenômenos e fatos
pretéritos, relacionando a individualidade local com os fenômenos universais.
Posteriormente a Geografia francesa, a partir da segunda metade do século XX,
tornou-se uma expoente, ao introduzir aos estudos da paisagem as relações sociais e inicia
uma aproximação entre as distantes Geografias Física e Geografia Humana.
Entre os responsáveis diretos por essa aproximação, podemos destacar Jean Tricart
e sua obra de 1977 com uma proposta de análise do ambiente de forma integrada por meio
das aplicações de metodologias em estudos de casos, como por exemplo, a Ecodinâmica.
Merece destaque do mesmo modo, as obras de 1968 e 1972 do também francês
George Bertrand, que desenvolveu a noção de paisagem da escola alemã e o

4
O presente texto é parte da tese de doutorado do primeiro autor, apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Geografia da UNESP – Campus de Presidente Prudente.
5
Geógrafo, Doutor em Geografia pela FCT/UNESP. Professor do curso de Geografia da Universidade do Estado
do Amazonas (CEST/UEA). Líder do Grupo de pesquisa Geotecnologias e análise da Paisagem. E-mail:
joaokandido@yahoo.com.br
6
Geógrafa, Doutora em Geografia pela FCT/UNESP. Professora do curso de Geografia da Universidade do
Estado do Amazonas (CEST/UEA). Vice-Líder do Grupo de pesquisa Geotecnologias e análise da Paisagem. E-
mail: natachaaleixo@yahoo.com.br
Biogeografia... desde a América Latina - 21

desenvolvimento da noção dos geossistemas, na qual a inserção da ação antrópica passou a


ser vista como um elemento integrante das dinâmicas das paisagens (MENDONÇA, 1998).
Cabe lembrar que a discussão sobre a categoria paisagem, inicia-se anteriormente,
induzindo-nos ao processo de institucionalização da Geografia como ciência, que escolhe a
superfície da terra em seus aspectos físicos e humanos como objeto de estudo (VITTE, 2007).
Para Bertrand e Bertrand (2007) a paisagem nasce quando um olhar percorre um
território, sob esse olhar a paisagem pode ser considerada na sua essência, um produto de
interface entre natureza e sociedade, bem como, a expressão do trabalho das sociedades
humanas sobre a natureza, ao mesmo tempo com e contra ela, estabelecendo assim uma
relação dialética.
Rodriguez et al. (2007) consideraram necessário analisar a paisagem a partir de uma
visão dialética; isto significaria aceitar sua existência e sua organização sistêmica como uma
realidade objetiva, considerando-a como um sistema material e concebendo-a como uma
totalidade, que se apresenta como um fenômeno integrado, não podendo entendê-la nem
tratá-la de forma fragmentada.
Desse modo, a ciência geográfica tem por finalidade estudar as inter-relações entre
sociedade e natureza, de modo intrínseco, estabelecendo-se relações dialéticas das categorias
estudadas. A sociedade não deve ser apresentada apenas como um elemento dentro de um
suposto sistema, mas há a necessidade de diferenciar as sociedades que exploram a natureza,
buscando evidenciar os diferentes processos de apropriação social da natureza.
Assim, o objetivo deste trabalho é analisar a transformação da paisagem na bacia
hidrográfica do Rio Salobra na Serra da Bodoquena associada à cobertura vegetal e ao uso da
terra que possibilitam o entendimento da relação entre o tempo, a sociedade e a natureza.

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A área da Bacia Hidrográfica do Rio Salobra está inserida no Parque Nacional da


Serra da Bodoquena, primeira unidade de conservação de proteção integral federal
implantada no Estado de Mato Grosso do Sul/Brasil.
Destaca-se que na área da Serra da Bodoquena ainda há uma grande carência de
informações e estudos que possibilitem um diagnóstico cuidadoso, que permitam fazer as
devidas restrições e indicações de usos adequados para a área. Portanto, enfatiza-se a
necessidade de se conhecer melhor a dinâmica e limitações dessa área, para se estabelecer
22 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

perspectivas de utilização, manejo, medidas conservacionistas dos recursos naturais e, se


fazer restrições mais seguras quanto ao uso da terra.
Além disso, tem-se a intenção da criação de um Geopark Bodoquena e Pantanal,
englobando a Serra da Bodoquena e parte do Pantanal Sul-mato-grossense, conforme
proposta apresentada a UNESCO, no Dossiê de candidatura à rede global de Geoparks7
(ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, 2010).
A área do Geopark abrange “a Serra da Bodoquena e entorno imediato, bem como
áreas do Pantanal do Jacadigo-Nabileque e da região de Corumbá”. (ESTADO DO MATO
GROSSO DO SUL, 2010, p. 12).
Para Bacci et al. (2009, p. 8) “a criação de um geoparque pretende estimular a
sustentabilidade econômica das comunidades locais”, assim, o objetivo fundamental é o
desenvolvimento econômico das regiões em harmonia com a proteção ao patrimônio
geológico local, destacando-se o geoturismo como uma atividade econômica representativa.
A proposta de geopark da Serra da Bodoquena deve-se principalmente às
particularidades geoecológicas da área, como por exemplo, as tufas calcárias verificadas ao
longo da rede de drenagem da Bacia Hidrográfica do Rio Salobra como a cachoeira da Boca
da Onça e Cânion, e a diversidade de espécies da fauna e flora no ambiente.
O presente estudo é de suma importância por abordar uma área cuja paisagem
caracteriza-se por apresentar peculiaridades geológicas, ecológicas e geomorfológicas
que segundo Boggiani et al. (1999) caracterizam-se como “conjuntos paisagísticos de
inusitada beleza”.
Destaca-se ainda que essa área apresenta uma configuração de paisagens
vulneráveis, nas quais alguns tipos de uso da terra podem desencadear processos de
degradação dessa paisagem. Uma porção significativa da Bacia Hidrográfica do Rio Salobra é
caracterizada como um ambiente vulnerável de acordo com suas características físico-
ambientais (SILVA NETO; NUNES, 2011).
Segundo Ross (2006) não é possível trabalhar com o presente e o futuro das
relações que se constituem entre sociedade e natureza, sem se estabelecer uma abordagem

7
Geopark é uma marca atribuída pela UNESCO a uma área onde ocorrem excepcionalidades geológicas que são
protegidas e aproveitadas como elementos indutores de educação ambiental e de desenvolvimento
sustentável. Um Geopark deve ter limites bem definidos; envolver uma área suficientemente grande para
possibilitar o desenvolvimento sustentável; abarcar um determinado número de sítios geológicos de especial
importância científica, raridade ou beleza e deve ter um papel ativo no processo de educação ambiental e,
através do geoturismo, no desenvolvimento econômico. Aspectos arqueológicos, ecológicos, históricos e
culturais, também são componentes importantes.Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – Serviço
Geológico do Brasil/CPRM – SGB, Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional/IPHAN 2010.
Biogeografia... desde a América Latina - 23

das questões no âmbito social, cultural e econômico. A paisagem permite ao geógrafo


acessar ao mundo das representações sociais e da natureza, que siga em direção a uma
relação multidirecional e interativa entre o natural e o social.
Portanto, a paisagem deve ser entendida como implicação das conexões
realizadas entre sociedade e natureza, do ponto de vista da sinergia decorrente dessa
relação. Então, a paisagem da Serra da Bodoquena-MS pode ser entendida como uma
intersecção entre natureza e sociedade, estabelecendo-se uma ligação direta dessas
duas categorias, dificultando a delimitação exata das influências da sociedade sobre a
natureza e as resposta da natureza sobre os processos de apropriação social, pois as
respostas de uma influenciarão diretamente na outra.
Nesse sentido a presente pesquisa abordou como objeto de estudo a Bacia
Hidrográfica do Rio Salobra, localizada na Serra da Bodoquena, região Sudoeste do
Estado de Mato Grosso do Sul, sendo considerada uma das principais áreas relacionadas
aos fluxos concomitantes de matéria e energia para bacia do Rio Miranda no Pantanal
sul-mato-grossense (Figura 1).

Figura 1. Localização da Bacia Hidrográfica do Rio Salobra-MS.

5 7° 5 5 ° 30' 5 4°

5 6° 26 ' 3 0" W

2 0° 08 ' 54 " S
1 8°

1 9°

2 0°

2 1°
N
M A P A D O B R A S IL
0 1 5 7 km
40 ° W

2 2°
0 °

P A N TA NAL
S U L -M A T O -G R O S S E N S E

N
30 ° S
E SC ALA: 80 ° W

0 1 000 2 00 0 km

5 0 5 10 KM

( F O N T E : M IN IS T É R IO D A S M IN A S E E N E R G IA , P R O JE T O
R A D A M B R A S IL : F O L H A S F .2 1 C A M P O G R A N D E , 1 9 8 2 e
E M B R A P A , 1 9 9 9 ).

( O R G A N IZ A Ç Ã O : S IL V A N E T O , J .C .A . 2 0 0 8 ).

2 0° 5 9' 5 5" S
5 7° 0 0' 0 0" W B A C I A H I D R O G R Á F I C A D O R IO S A L O B R A -M S

Organização: Silva Neto (2008).


24 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

A ESTRUTURA E DINÂMICA DA PAISAGEM GEOGRÁFICA

Para Troll (1982) ao se analisar a estrutura interna da paisagem, compreende-se o


caráter de conjunto e de totalidade, não apenas de um elemento da paisagem, mas sim do
contexto no qual esse elemento está inserido.
Os estudos ligados à paisagem possibilitam o entendimento das relações recíprocas
resultantes entre sociedade e natureza, onde cada elemento envolvido nessa inter-relação
desempenha um papel significativo no todo, e o todo por sua vez reflete essas influências
nas suas variáveis.
Assim, Bolós (1992) considerou que:

Para poder ofrecer análisis útiles a los poderes de decisión (…)se ha tenido que
recurrir a los estudios de paisaje integrado, en donde los múltiples componentes
del medio (topografía, roca, clima, vegetación, etc.), no quedan convertidos en
simples inventarios o en elementos de una naturaleza totalmente desintegrada e
incomprensible, sino como un conjunto o sistema que funciona en bloque donde es
posible captar el papel y la importancia que en él pueden causar los impactos
procedentes de un determinado proyecto y por consiguiente tomar decisiones en
contra o a favor. (BOLÓS, 1992, p.17).

A autora destaca a importância dos estudos da paisagem de maneira integrada,


observando que a fragmentação na análise não alcança resultados significativos, do ponto
de vista do entendimento da dinâmica sócio-ambiental.
Necessita-se ainda abordar a relação da estrutura natural da paisagem com as
diversidades de uso associadas aos diferentes tipos e graus de utilização, que são
procedimentos elementares na análise da paisagem. Esta análise deve resultar em
estimativas que devem relacionar-se com a análise funcional e a evolutiva da paisagem.
As melhores condições do ordenamento espacial da paisagem resultam da procura
de proporção adequada das áreas, para os tipos e intensidade de usos, que dependem das
características da estrutura e dos indicadores da paisagem.
Nesses termos, a análise da paisagem pode ser interpretada como as conexões e
inter-relações recorrentes das relações estabelecidas entre sociedade e natureza.
Na análise da paisagem de forma integrada, remete-se a abordagem metodológica
da Ecodinâmica (TRICART, 1977), cuja proposta norteou diversas propostas de abordagem
da paisagem, que visassem compreender as relações das variáveis da paisagem, objetivando
definir as unidades morfodinâmicas em Meios Estáveis, Meios Intermediários ou Intergrades
e Meios Fortemente Instáveis.
Biogeografia... desde a América Latina - 25

A ecodinâmica enfatiza as relações recíprocas entre os múltiplos elementos da


paisagem do ponto de vista da dinâmica e dos fluxos de energia e matéria no meio ambiente.
Vitte (2007) considerou que a categoria paisagem permite-nos refletir de um lado,
sobre as bases de fundamentação do conhecimento geográfico como projeto da
modernidade, mas, inserindo-se no debate a complexidade da abordagem integrada entre a
natureza e a cultura nas ciências sociais.
A compreensão da paisagem deve superar a simples concepção de estudos dos
elementos, incorporando na organização sistêmica da paisagem e a análise dialética, que
reestruturará essa organização por meio dos movimentos de contradições das sociedades na
natureza (RODRIGUEZ et al. 2007).
Assim, para os autores a concepção científica de Geoecologia da Paisagem tem
como propósito a obtenção de um conhecimento sobre o meio natural, com os quais pode-
se estabelecer um diagnóstico funcional.
Desse modo, a caracterização dos aspectos físicos da paisagem tem por objetivo
estabelecer diretrizes que permita uma utilização dos recursos naturais numa perspectiva de
longo prazo, de maneira que não ocorra a degradação deste ambiente.
O conhecimento das bases naturais obtidas por meio da análise da paisagem
serve de subsídio para a formulação de diagnóstico funcional, que permitirá o uso mais
adequado dos recursos, bem como, o maior aproveitamento numa perspectiva de tempo
e espaço.
Rodriguez et al. (2007) consideraram que a análise da paisagem é o conjunto de
métodos e procedimentos técnico-analíticos que permitem conhecer e explicar a sua
estrutura, estudar suas propriedades, índices e parâmetros sobre a dinâmica, a história do
desenvolvimento, os estados, os processos de formação, transformação e a pesquisa das
paisagens naturais, como sistemas manejáveis e administráveis.
Os autores ainda ressaltam que a análise da paisagem a partir de sua estrutura
espacial, compõe o modo como ocorre o ordenamento espacial, sendo o espaço
conceituado como reflexo das ações da sociedade, resultando nas formas produzidas na
paisagem. O conhecimento da estrutura espacial objetiva os interesses práticos e por sua
vez a avaliação quantitativa do grau de complexidade da paisagem.
26 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Segundo Lang e Blaschke (2009) o conceito de estrutura da paisagem é definido por:

[...] trata-se de um mosaico da paisagem que aparece como padrão e o


ordenamento espacial específico das unidades de paisagem numa determinada
seção de pesquisa. Trabalha com as feições observáveis e mensuráveis na paisagem
e caracteriza as suas condições, seu desenvolvimento e sua mudança temporal.
(LANG; BLASCHKE, 2009, p. 104).

Lang e Blaschke (2009) consideram ainda, que os processos e estruturas das


paisagens relacionam-se num jogo alternado de causa e efeito, resultando assim em padrões
e estruturas da paisagem, que simultaneamente recebem influências e são conduzidos pelas
estruturas espaciais dominantes.
Um papel significativo na composição da estrutura paisagística é a noção de
dominância espacial da paisagem, concebida como o predomínio de um determinado tipo na
estrutura espacial (RODRIGUEZ et al., 2007).
A estrutura da paisagem por meio dos procedimentos metodológicos e científicos
busca determinar a diversidade geoecológica, portanto, é impossível separar as suas
características de estrutura e geodiversidade.
Conforme Lang e Blaschke (2009) o desenvolvimento do conceito de estrutura da
paisagem apoia-se em ferramentas como os Sistemas de Informações Geográficas (SIG), com
objetivo de avaliar analiticamente a estrutura da paisagem por meio do processamento,
descrição e análise de dados espaciais.
Esse conjunto de métodos é designado como medidas da estrutura da paisagem,
considerado o principal elemento metodológico da sua estrutura (LANG; BLASCHKE, 2009).
Quando se modifica a estrutura da paisagem, cria-se uma variação e este processo
se conhece como transformação antropogênica mesma e seu resultado é a formação da
paisagem antrópica.
Desse modo, o desenvolvimento dos SIG’s, busca estruturar os sistemas ambientais
em Planos de Informações (PI’s), direcionados passa a garantir as informações necessárias à
utilização racional e proteção dos recursos naturais e do meio ambiente.
Neste sentido, a análise do uso da terra e cobertura vegetal por meio de SIG´s
auxilia na identificação da transformação da paisagem pela dinâmica social de uso e
ocupação da terra na área estudada.
Biogeografia... desde a América Latina - 27

USO DA TERRA E COBERTURA VEGETAL NA BACIA DO RIO SALOBRA ENTRE 1979 E 2009.

O principal problema ao se tratar do uso da terra são as áreas de incompatibilidade


do uso, que correspondem às áreas utilizadas de maneira inadequada, para fins de pecuária
extensiva e atividades agrícolas, em que não são respeitadas as limitações físico-naturais de
ambientes vulneráveis, como exemplo, áreas com relevo fortemente dissecado ou áreas de
solos rasos suscetíveis à erosão, ou ainda as Áreas de Preservação Permanente8 (APP’s),
prejudicando o meio biótico e abiótico.
Esse cenário é visualizado de modo cada vez mais frequente, visto que,
historicamente na Bacia Hidrográfica do Rio Salobra impõe-se um processo de apropriação
da natureza, de uma maneira em que esta é concebida apenas como uma mercadoria. Logo,
passível de uma superexploração, de forma inconsequente e sem planejamento adequado.
O uso da terra na bacia hidrográfica do rio Salobra revela por si, parte da dinâmica
sócio-econômica da região, em que a pecuária é a atividade econômica que se caracteriza
como a mais representativa na região sudoeste de Mato Grosso do Sul, onde está localizada
a área estudada.
A análise do uso da terra em uma perspectiva multitemporal possibilita a
visualização das transformações provocadas pela atuação antrópica em uma determinada
porção da superfície da Terra. Nessa perspectiva, optou-se por analisar dois anos de 1979 e
2009, no sentido de comparar as condições de uso da terra nas últimas décadas.
Para isso, foram utilizadas as imagens de satélite Landsat 2 MSS, de 21/08/1979, e
do Landsat 5 TM de 07/09/2009, obtidas gratuitamente no site do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE). Na elaboração do mapa de uso da terra e cobertura vegetal
utilizou-se o software SPRING.
Foram coletados pontos de controle distribuídos ao longo da área da bacia
hidrográfica estudada. O erro admitido para os pontos de controle foi de 3 “pixels”,
tratando-se de imagem Landsat com resolução de 30 metros.
Realizou-se o processo de segmentação de imagens por região com base na análise
dos níveis de cinza e posteriormente a classificação de imagem utilizando o classificador com
supervisão Bhattacharya. Neste classificador se mede a distância média entre as
distribuições de probabilidades de classes espectrais. Por fim, transformaram-se as imagens
classificadas em mapas temáticos “raster”.

8
Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o
fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
28 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

A escolha do ano de 1979 se justifica por apresentar um processo de ocupação


ainda pouco intenso, pois o uso das terras da área da Serra da Bodoquena por
assentamentos rurais e indústrias de exploração mineral para produção de cimento, ganhou
maior força a partir de meados da década de 1980 (ALMEIDA, 2005), acontecimentos esses
que podem ser atribuídos a uma nova configuração da dinâmica socioeconômica e
ambiental na área abordada.
A implantação de fazendas de criação gado, assentamentos rurais em algumas porções
da Bacia do Rio Salobra ocorreu sem estudos ambientais prévios, que resultou na ocupação de
áreas impróprias para o desenvolvimento de atividades agrícolas, observando-se que a pecuária
extensiva se configura como a principal atividade econômica na área (ALMEIDA, 2005).
A pecuária extensiva se caracteriza pela criação de gado solto em extensas áreas de
pastagens, exigindo-se assim, maiores áreas desmatadas. Essa atividade normalmente não
apresenta qualquer tipo de barreira ao pisoteio do gado, que atinge as margens dos rios e
vertentes acentuadas, o que pode ser considerado um fator potencializador da
intensificação dos processos erosivos.
Conforme a classificação realizada para o ano de 1979, observou-se que as áreas de
pastagem correspondem a 29% do total e, as áreas de culturas não foram verificadas de
forma representativa na imagem de satélite utilizada (Gráfico 1 e Mapa 1).
Nesse contexto, verificou-se que grande porção da bacia apresentou áreas de
Floresta, como a principal classe de uso da terra e cobertura vegetal, ou seja, cerca de
70% do total da área.

Gráfico 1. Classes de uso da terra e cobertura vegetal na bacia hidrográfica no ano de 1979.

Organização: Autores (2013).


Biogeografia... desde a América Latina - 29

Mapa 1. Uso da terra e cobertura vegetal da Bacia Hidrográfica do Rio Salobra-MS em 1979.

Organização: Silva Neto (2012).

No ano de 2009, verificou-se que 40% da área total da bacia foi utilizada para o
desenvolvimento da pecuária extensiva.
As áreas de Floresta representam ainda a maior extensão de área, ocupando 48%
da bacia hidrográfica. As áreas denominadas Culturas foram observadas em 10% da área,
correspondendo aos setores com cultivos predominantemente de arroz, milho e feijão
(Mapa 2 e Gráfico 2).
30 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Gráfico 2. Classes de uso da terra e cobertura vegetal na Bacia Hidrográfica do Rio Salobra no ano de 2009.

Organização: Autores (2013).

Mapa 2. Uso da terra e cobertura vegetal da Bacia Hidrográfica do Rio Salobra-MS em 2009.

Organização: Silva Neto (2012).


Biogeografia... desde a América Latina - 31

A análise comparativa do uso da terra entre os anos de 1979 e 2009 indica uma
diminuição significativa das áreas de Floresta de aproximadamente 22% da área da Bacia do
Rio Salobra (Gráfico 3). As áreas de Pastagem apresentaram aumento de 11% no total da
bacia hidrográfica no período analisado. Outro aumento significativo foram as áreas de
Culturas, que no ano 1979 não foi verificada e, em 2009 abrangia 10% da área da bacia.

Gráfico 3. Uso da terra e cobertura vegetal na Bacia Hidrográfica do Rio Salobra nos anos de 1979 e 2009.

Organização: Silva Neto (2013).

A análise comparativa, dos anos de 1979 e 2009, aponta para uma prática
recorrente na região: o desmatamento. Essa prática é utilizada como um artifício para
exploração de novas áreas para pecuária extensiva. (Figuras 2 e 3).

Figura 2. Desmatamento em vertente com declividade acentuada, na sub-bacia do Rio Salobra, denominada
Campina, próximo da fábrica de cimento.

Fonte: Autores (2007).


32 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Figura 3. Desmatamento de vertente para desenvolvimento de pecuária extensiva, local próximo da ponte
sobre o Rio Salobra na estrada Bodoquena-Sumatra

Fonte: Autores (2012).

Quanto à análise temporal do uso da terra e cobertura vegetal da Bacia Hidrográfica


do Rio Salobra nos anos de 1979 e 2009, verificou-se que no período analisado, 40% da área
total da Bacia manteve-se preservada com Floresta. Comparando-se as áreas ocupadas por
Floresta no ano 1979 com o ano de 2009 essas mesmas áreas haviam sido ocupadas por
pastagem ou algum tipo de cultura, verificou-se que as áreas de desmatamento
representaram 31% da área estudada.
Verificou-se que 8% da área da Bacia do Rio Salobra foram reflorestadas9, isso
significa que as áreas que em 1979 eram classificadas como pastagem ou solo exposto, e em
2009 nas mesmas áreas foram classificadas como florestas. Essas áreas de reflorestamento
podem ser atribuídas à regeneração natural das florestas de áreas que possivelmente
haviam sido pastagens abandonadas (Mapa 3).
As Áreas Agrícolas são definidas como as que se mantiveram com a utilização tanto
com pastagem ou com culturas no período analisado, essas áreas foram verificadas em 21%
do recorte espacial estudado.
Com relação às Áreas de Preservação Permanente (APP´s) verificou-se que
aproximadamente 170 km², o que corresponde a 72% das APP’s, estão localizadas nas
bordas de tabuleiros e escarpas. Aproximadamente 66 Km², que corresponde à 28% das
APP’s, estão localizadas nas margens de canais de drenagem e em áreas de nascentes.

9
Áreas que apresentaram regeneração das florestas, ou deixaram de ser utilizadas para desenvolvimento de
atividade agrícola ou pecuária.
Biogeografia... desde a América Latina - 33

Observa-se que as encostas com declividade superior a 100% ou 45º na linha de


maior declive apresentou área pouco representativa, menos de 0,1% da área total da bacia.
A Bacia Hidrográfica do Rio Salobra segundo os critérios avaliados, conforme o Art.
3° da RESOLUÇÃO CONAMA nº 303, de 20 de março de 2002, apresentou 236,69 Km² de
Áreas de Preservação Permanente, o que corresponde à 9% de sua área. Desse total, 82,18
Km² das APP’s, ou seja, 35% apresentaram incompatibilidade entre o uso definido pela
legislação e o uso da terra.

Mapa 3. Análise temporal do uso da terra e cobertura vegetal da Bacia Hidrográfica do Rio Salobra dos anos de
1979 e 2009.

Organização: Silva Neto (2012).


34 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

A incompatibilidade entre uso da terra e APP’s, é apresentada como um problema


de ordem legal, cujo processo de uso da terra deveria estar respaldado na legislação
vigente, objetivando a preservação das áreas que se caracterizam como ambientes
vulneráveis no contexto ambiental, cujo objetivo maior é assegurar a riqueza de espécies e
a preservação da biodiversidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente investigação demonstrou a intensificação do processo de uso da


terra, caracterizado pela substituição das áreas de floresta por áreas de pastagem ou
áreas agrícolas, ocasionando o aumento da vulnerabilidade da paisagem e perda da
riqueza de espécies da flora e fauna.
Esse processo de uso da terra pode ser explicado pela lógica de apropriação da
natureza que ocorre na Bacia Hidrográfica do Rio Salobra, que pode ser definida como um
imperativo da racionalidade econômica, cujo objetivo primordial é tornar qualquer área
explorável para fins produtivos, independente das características ambientais dessas paisagens.
Na área da Bacia do Rio Salobra e na região da Serra da Bodoquena destacam-se
algumas medidas que refletem uma preocupação de cunho ambiental na área, como a
criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena criado em 2000, o Decreto nº 10.633, de
24 de Janeiro de 2002 do Estado de Mato Grosso do Sul, no qual “Estabelece regime especial
para pesca e navegação no Rio Salobra...”, e mais recentemente em 2010, a proposta de
candidatura do Geopark Bodoquena-Pantanal submetida à UNESCO.
A proposta do Geopark Bodoquena-Pantanal apresenta importante preocupação
socioambiental, como também possibilidades de desenvolvimento econômico das
comunidades locais. Observou-se que atualmente os proprietários de pequenos lotes em
assentamentos rurais, como por exemplo, o Canaã que se localiza nos limites da Bacia
Hidrográfica do Rio Salobra, estão alheios às possibilidades que as atividades turísticas
podem proporcionar do ponto de vista econômico, pois, essas atividades são dominadas por
empreendimentos particulares, cujos proprietários normalmente não tem nenhum tipo de
vínculo ou comprometimento com as comunidades locais.
Nesse sentido, a preservação das paisagens vulneráveis da Bacia Hidrográfica do Rio
Salobra assume um papel importante no caráter socioeconômico da área, uma vez que o
Biogeografia... desde a América Latina - 35

desenvolvimento de atividades econômicas como o turismo ecológico, necessita da


preservação e conservação das paisagens, cujas comunidades locais residentes nos limites
da área estudada podem se beneficiar dessas atividades.
Além disso, a preservação da paisagem na Serra da Bodoquena contribui para evitar a
perda na riqueza das espécies da fauna e flora, a criação de barreiras e efeitos de borda
prejudiciais ao habitat e a vida das espécies e colaborando para a manutenção da biodiversidade.

REFERÊNCIAS

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Biogeografia... desde a América Latina - 37

Capítulo 3

SOBRE COMPONENTES PANBIOGEOGRÁFICOS Y


COMPONENTES ECOLÓGICOS

Jorge Luis Fontenla Rizo10


Zehnia Cuervo Reinoso11

A definição da biogeografia pode ser simples - o estudo da distribuição geográfica dos


organismos - mas esta simplicidade esconde a grande complexidade do tópico (CRISCI, 2001).
Holloway (2003) indicou que a biogeografia deve desconsiderar cismas, como a
dicotomia padrão (história)-processo (ecologia). Enquanto isso, Crisci et al. (2006)
enfatizaram a necessidade de integrar ecologia e história na biogeografia. No seu critério, a
biogeografia ecológica baseia-se em grupos funcionais de espécies e constrangimentos
ambientais, enquanto que a biogeografia histórica estuda grupos taxionômicos e eventos
históricos biogeográficos. Estes últimos seriam dispersão (expansão espacial de um táxon
através de uma barreira preexistente), vicariância (divisão espacial da distribuição de um
táxon resultante da aparição de uma barreira) e extinção.
Crisci et al. (2006) propuseram que as duas perspectivas da biogeografia devem ser
localizadas no contexto da análise espacial. Assim, os processos espaço-temporais de
interesse para a biogeografia incluiriam, tanto eventos históricos, como restrições ecológicas
na utilização do espaço disponível. Nas suas palavras, ecologia e história exibem uma reta
comum: a compreensão dos padrões distribucionais.
De forma congruente, Morrone (2007) mostrou que as biotas representam
mosaicos complexos, os que, por necessidade, devem ser estudados por meio da integração
de diferentes metodologias. Esse autor opinou que a distinção entre biogeografia ecológica
(análise de padrões a escalas espaciais e temporais pequenas) e biogeografia histórica
(análise a escalas espaciais e temporais maiores) seria artificial. Isso implicaria dividir um
contínuo, onde os extremos são identificáveis como “ecológico” ou “histórico”, mas que em
sua parte média resulta difícil justificar tal distinção.

10
Dr. En Ciencias Biológicas. Instituto de Ecologia y Sistematica, Cuba. E-mail: fontenla@ecologia.cu
11
Máster en Ecología. Instituto de Ecologia y Sistematica, Cuba. E-mail: zehnia@ecologia.cu
38 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Nessa base, nas seguintes reflexões se propõe aplicação de métodos “históricos”,


particularmente da panbiogeografia, em sistemas ecológicos locais, com o objetivo de
destacar relações de conectividade entre seus componentes ecológicos.

PANBIOGEOGRAFIA

A panbiogeografia é um enfoque biogeográfico proposto por Croizat (1964) para


ilustrar sua tese de que “Gea e biota evolucionam juntas”. O prefixo “pan” descarta, de forma
muito acertada, a divisão entre “fitogeografia” e “zôo geografia”. Segundo Arana et al. (2012),a
panbiogeografia define um sistema geobiótico único que evoluciona no tempo, no qual
mudanças tectônicas induzem mudanças bióticas. Por sua parte, Echeverry e Morrone (2013)
sugeriram que a panbiogeografia significa mais que uma estreita relação entre a história da vida
e da terra; em lugar disso, significa que as duas histórias são realmente a mesma.
Contudo, o próprio Morrone (2015) reconheceu que a afirmação de Croizat sobre
que “terra e vida evolucionam juntas”, é mais complexa, porque a história biótica é
reticulada com relação às áreas. Ou seja, que a presença de um conjunto de organismos
numa dada área pode dever-se a uma história composta por eventos de dispersão,
vicariância, especiação e extinção. Por outro lado, não todas as linhagens respondem de
igual forma ante as mudanças espaciais e ambientais. Estas considerações resultam de igual
modo, aplicáveis a todas as outras asseverações anteriores.
Para Grehan (2001), a panbiogeografia significa a “geografia da vida”, e sua
aplicação gera evidência sobre a evolução no espaço e no tempo, com independência da
geologia, a sistemática ou a genética. Deste modo, os dados geológicos não constituiriam
evidências mais “fortes” que as biológicas para compreender a evolução da vida, como
também admitiram Echeverry e Morrone (2013).
O método panbiogeográfico consiste em traçar a distribuição e convergências
espaciais de táxons individuais ou conjuntos dos mesmos sobre mapas, com o objetivo de
estabelecer uma interpretação dos padrões observados. Em outras palavras, a
panbiogeografia é um enfoque que se executa através da análise de traços (MORRONE,
2015). Os princípios e aplicações da panbiogeografia têm sido pormenorizados por autores
diversos; entre eles, Craw et al. (1999), Grehan (2001, 2011) e Morrone (2015).
Os princípios básicos da panbiogeografia são os seguintes:
Biogeografia... desde a América Latina - 39

1. Construção de traços individuais (TI) para dois ou mais táxons;


2. Obtenção de traços generalizados (TG) onde dois ou mais TI se superpõem;
3. Identificação de nódulos nas áreas de interseção ou convergência de dois ou mais
TI ou TG.

Um TI se traça mediante a conexão das localidades ou coordenadas geográficas de


um táxon através de sua distância mínima, da forma que se estrutura uma árvore de redes
mínimas que se ilustra sobre um mapa. O número de conexões possíveis dessa árvore é n-1.
As localidades assim conectadas constituem vértices, que podem ser primários, secundários,
terciários ou de maior grau, segundo o número de conexiones que apresentem com outros
vértices. As áreas com densidade elevada de vértices de primeiro grau poderiam indicar a
periferia na distribuição de um táxon ou os limites geográficos de dois ou mais táxons.
Um TG representa as coincidências espaciais de um conjunto de TI, determinadas
mediante a superposição parcial ou total destes últimos. Craw et al. (1999) explicaram que
um TG poderia implicar: 1. Traço coletivo de uma biota ancestral dividida espacialmente por
eventos vicariantes. 2. Via de dispersão concordante utilizada de forma concorrente por
diversos táxons. 3. Eventos dispersivos separados. 4. Combinação desses cenários.
Da interpretação anterior, eclética e contextual, tem-se passado a um consenso mais
restritivo, o qual não quer dizer que seja o mais acertado. Por exemplo, Llorente et al. (2000)
afirmaram que um TG é um conjunto de distribuições congruentes, consideradas evidências
primárias em contra de que a dispersão tenha causado esse padrão. Na atualidade, predomina
a concepção de que um TG evidencia a existência de uma biota ancestral fragmentada pelas
consequências de eventos geológicos ou climáticos, onde os TI atuais seriam fragmentos ou
remanentes (CRISCI, 2003; MORRONE, 2004, 2005, 2009; 2015).
Outros autores interpretam os TG, simplesmente, como padrões de congruência
espacial (GREHAN, 2001; HUNN; UPCHURCH, 2001). Fontenla e López (2008)
argumentaram que um TG é o resultado de uma emergência entre história e ecologia.
Desta perspectiva, a interpretação de um TG não pode ser universal, senão só aqu ela
congruente com o sentido e o contexto das congruências observadas. Por seu lado,
Morrone (2015) aceitou que a panbiogeografia tem recebido críticas por sua quase total
dependência de explicações vicariantes.
40 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Como se apresentou anteriormente, os nódulos biogeográficos são áreas de


interseção ou convergência de dois ou mais TI ou TG. Pelo geral, se interpretam no mesmo
sentido que os TG, quer dizer, como fragmentos ancestrais geológicos e bióticos (CRISCI,
2003; MORRONE, 2004, 2009; RÍOS et al., 2012; TALONIA; ESCALANTE, 2013) ou centros de
convergência geobiótica (ARANA et al. 2012). De igual forma, os nódulos visualizam-se como
áreas compostas ou complexas, que podem apresentar endemismo e diversidade biológica
elevada, assim como constituir limites ou zonas de transição biogeográficas (FERRO;
MORRONE, 2014). Por tudo isso, resultam áreas interessantes para a conservação
(MORRONE, 2014a, 2015). Segundo Fontenla e López (2008), os nódulos representam,
diante de tudo, espaços de conectividade elevada.

OBTENÇÃO NÃO MANUAL DE TRAÇOS GENERALIZADOS

Existem vários programas especializados na determinação de TG e nódulos,


como são Traços (ROJAS-PARRA, 2007), Croizat (CAVALCANTI, 2009) e Martitracks
(ECHEVERRÍA-LONDOÑO; MIRANDA-ESQUIVEL, 2011). Apesar disso, os métodos mais
usados para os primeiros consistem na construção manual sobre um mapa e a Análise de
Parcimônia do Endemismo (PAE), considerado este último como o método mais
adequado (MORRONE, 2014a, 2015).
A aplicação do PAE - síntese em Morrone (2014a)- requer a construção de uma
matriz onde as áreas ou localidades encontram-se em filas e os táxons em colunas. Para
enraizar o cladograma esperado, acrescenta-se uma primeira fila consistente numa área
hipotética codificada com zeros para todas as espécies involucradas. Depois, se escolhe
algum algoritmo de parcimônia e optimização cladista. Obtendo-se mais de um cladograma
igualmente parcimonioso, se aplica um consenso rígido.
Os TG determinam-se mediante a visualização de grupos “monofiléticos” de áreas
delimitados por ao menos dois táxons compartidos de forma exclusiva entre as mesmas. Os táxons
compartidos entre grupos de áreas (sinapomorfias) diferentes interpretam-se como eventos
vicariantes. A ocorrência de táxons em áreas não monofiléticas (paralelismos) seriam considerados
Biogeografia... desde a América Latina - 41

eventos de dispersão, enquanto que uma ausência precedida de uma presença (reversão)
constituiria uma extinção nessa área. Os TG assim identificados se representam sobre um mapa.
Uma variante do PAE é a chamada “eliminação progressiva de caracteres” o PAE-
PCE. Neste caso, quando se consegue o cladograma, eliminam-se os táxons que delimitam
grupos de monofiléticos de áreas, com a intenção de determinar outros possíveis TG,
delimitados por outros táxons.

Figura 1. Traços generalizados (TG) de 10 táxons hipotéticos em Cuba. Cada TG está estruturado pela
coincidência espacial de dois táxons. Círculos representam nódulos. SOR: Sierra dos Órganos. SRO: Sierra do
Rosario. HAM: Alturas da Habana-Matanzas. GUA: Macizo de Guamuhaya. SMA: Sierra Maestra. NSB: Macizo
de Nipe-Sagua-Baracoa.

Organização: Os autores.

A Figura 1 ilustra a análise de traços de um conjunto de 10 táxons hipotéticos de


Cuba. A distribuição coincidente de seu TI demarca a existência de cinco TG: SOR-SRO, SRO-
HAM, HAM-GUA, GUAM-SMA e SMA-NSB. Onde convergem dois desses TG se delimitam os
seguintes quatro nódulos: SRO, HAM, GUA e SMA. A Tabela 1 mostra a matriz de
conectividade de áreas por táxons, com a presença de uma área hipotética codificada com
zeros para enraizar o cladograma.
42 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Tabela 1. Matriz de conectividade de áreas e táxons hipotéticos. AH: área hipotética. As conexões ressaltadas
em cinza representam nódulos biogeográficos.

Áreas T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T10

AH 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

SOR 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0

SRO 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0

HAM 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0

GUA 0 0 0 0 1 1 1 1 0 0

SMA 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1

NSB 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1

Organização: Os autores.

À matriz de conectividade aplicou-se o algoritmo de busca heurística TBR (tree


bisection and reconnection) e a optimização de Fitch com o programa Past 2.17.
Obtiveram-se três árvores igualmente parcimoniosas (AIP), com índice de consistência
(IC) de 71% e de retenção (IR) de 60%, cujo consenso rígido mostra-se na Fig. 2. Esse
consenso mostra três pares de “áreas monofiléticas”, que representam TG identificados
no mapa. De igual modo, o consenso evidencia um conflito nas relações entre as áreas
mais ocidentais e orientais, respectivamente.
Deve-se sinalar que o PAE não mostra os TG SRO-HAM e GUA-SMA. O anterior é
consequência do conflito entre a estrutura hierárquica e dicotômica do cladograma com a
natureza reticulada dos traços. As áreas “invisíveis” exibem relações, não só entre elas, senão
também com outras áreas; por exemplo, SRO com SOR, HAM com GUA e SMA com NSB.
Ao “desconectar” os táxons T5 e T6 se obtiveram 38 AIP, com IC= 71 e IR= 60. Em
um destes AIP se mostram os TG “faltantes”, SRO-HAM e GUA-SMA. O consenso rigoroso
destes 38 AIP mostra uma irresolução total de todas as áreas, pelo qual não é ilustrado.
Biogeografia... desde a América Latina - 43

Figura 2. Esquerda. Árvore de consenso estrito dos traços da Fig. 1. Direita. Um dos AIP sem os táxons T5 e T6.

Organização: Os autores

AVALIAÇÃO ESTATÍSTICA DE TRAÇOS GENERALIZADOS

Em algumas oportunidades, tem-se insistido que um TG resulta da superposição


significativa estatisticamente de um conjunto de TI. A avaliação estatística se faria mediante
a geração de matrizes de conectividade do mesmo tamanho que a matriz original. Quanto
maior seja o número de matrizes geradas aleatoriamente que apresentem cliques (traços
compatíveis) iguais ou maiores que os obtidos a partir dos dados originais, menor será a
significação estatística dos TG (ESPINOSA et al., 2002, MORRONE, 2004, 2015).
A significação estatística da superposição espacial de um conjunto de áreas, segundo
suas espécies compartidas, é possível realizar mediante o paquete EcoSim ver. 7.0 (GOTELLI;
ENTSMINGER, 2010), selecionando a opção “niche overlap”. Esta opção inclui os coeficientes
respectivos de Pianka e Czekanowski. Para efetuar os cálculos, o programa realiza vários
algoritmos de modelos nulos, dos quais vamos nos centrar em três deles, a seguir:
O primeiro passo seria a construção de uma matriz com as áreas nas filas e as
espécies nas colunas. Com o algoritmo RA3 (largura da utilização das áreas retidas e estados
zeros embaralhados), retém-se o número de espécies por área e se permite o uso de cada
área por cada espécie. Uma área não ocupada por uma espécie na matriz original poderá
estar ocupada em alguma matriz simulada. Com o algoritmo RA4 (largura da utilização das
áreas retidas e estados zeros retidos), se uma espécie não utilizou uma área dada na matriz
original, tampouco o fará na matriz simulada.
A decisão sobre o padrão dos estados zeros nas matrizes simuladas dependerá de
considerar se os mesmos representam ausências obrigadas nas áreas estudadas. Essas
44 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

ausências poderiam estar determinadas por constrangimentos ambientais (requerimentos


ecológicos insuficientes) ou históricos (áreas de endemismos ou vicariantes), não por
interação de exclusão entre espécies ou fatores aleatórios, como a dispersão. Por não ter
uma certeza fundamentada, deve-se optar pela randomização dos zeros nas matrizes
simuladas. A retenção de estados zeros é possível também mediante a opção “zeros duros”,
explicada depois.
O algoritmo RA3 é pouco propenso a erros de tipo I, ao detectar de forma mais
eficiente os padrões de superposições espaciais não aleatórias. Por sua parte, o algoritmo
RA4 representa mais a estrutura dos dados reais; consequentemente, não sempre detecta
padrões não aleatórios em casos onde RA3 o faz. Assim, resulta mais predisposto a cometer
erros de tipo II. Por outra parte, de produzir também padrões de superposição significativos,
seria possível afirmar que a estrutura não aleatória (superposição espacial das áreas superior
ou inferior do esperado por superposições aleatórias) da matriz de dados é muito marcada.
Os chamados “zeros duros” permitem demarcar limites de utilização espacial na
simulação. Estes estados representam espaços muito pouco prováveis, ou não factíveis, de
ser ocupados por uma espécie ou um conjunto delas, com independência do possível efeito
de interação biótica. Os zeros duros constituem-se mediante a entrada, em lugar de “0”, de
“x” nas locações pertinentes da matriz. O algoritmo que se deve utilizar é RA3, o qual
conservará essa codificação nas matrizes simuladas, embora o resto dos zeros presentes seja
aleatório. Só se codificam com “x” os “0” que se consideram “duros”, segundo os critérios
expressados. Assim, a matriz poderia ter todos seus estados zeros codificada com “x” ou só
uma parte dos mesmos.
Esta opção pode se aplicar na análise da superposição espacial de organismos em
gradientes ecológicos ou mosaicos de habitats, onde se conclui que em algumas zonas do
gradiente, ou algum habitat em específico, não é possível a presença de algumas espécies.
De igual modo, é possível usá-la nas análises históricas que envolvem áreas de endemismo
diferentes e as ausências não sejam interpretadas como resultantes de extinções.
Uma vez selecionado o coeficiente de superposição espacial e o algoritmo de
modelo nulo, cria-se um número desejado de matrizes aleatórias (1000-10 000). O valor
observado conseguido da superposição na matriz original se compara com o valor médio
Biogeografia... desde a América Latina - 45

simulado. A significação estatística se alcança pela probabilidade de erro (5%) que o valor
observado seja menor, igual ou maior que os valores médios simulados.
O seguinte exemplo (Tabela 2) mostra uma matriz de conectividade de táxons
hipotéticos em diferentes áreas. Conforme com a compatibilidade ou coincidência dos TI de
cada táxon, o TG resultante está formado pelas áreas NG-AU-NZ. Os resultados da avaliação
estatística da superposição espacial dessa matriz se apresentam na Tabela 3.

Tabela 2. Matriz de conectividade de Crisci et al. (2006) de quatro táxons hipotéticos. NG: Nova Guiné, AU:
Austrália, NZ: Nueva Zelândia, CH: Chile, BR: Brasil.

Áreas Taxón 1 Taxón 2 Taxón 3 Taxón 4

NG 1 1 0 1

AU 1 1 1 1

NZ 1 1 1 0

CH 1 0 0 0

BR 0 0 1 0

Organização: Os autores.

Tabela 3. Avaliação estatística (5000 matrizes) da matriz de conectividade da Tabela 2. Valor observado (Ob).
Valor médio simulado (Msi). Número de matrizes onde o valor observado é menor que o simulado (Ob<Si),
igual (Ob=Si) ou maior (Ob>Si). Probabilidade de erro (P) que o valor observado seja menor (ob<=Si) ou maior
(ob>=SI) que o simulado.

Indicadores RA3 RA4 CD

Ob 0.513 0.513 0.513

Msi 0.546 0.513 0.513

Ob<Si 4022 4998 5000

Ob=Si 0 0 0

Ob>Si 978 2 0

P(ob<=Si) 0.197 0.000 0.000

P (ob>=SI) 0.802 1.000 1.000

Organização: Os autores
Nos três modelos, os valores observados de superposição (índice de Pianka) são
semelhantes à média dos simulados. Com o modelo RA3, a diferença entre todas as matrizes
simuladas com respeito à original não resultou significativa. No entanto, com os modelos
46 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

RA4 e os zeros duros, o valor absoluto de superposição na maioria (RA4) ou em todas (CD) as
matrizes simuladas, resultaram superiores ao valor observado de forma significativa. Por
conseguinte, a superposição espacial ou conectividade da matriz resultou mais baixa que o
esperado aleatoriamente. Se as ausências dos táxons em cada área é considerada
consequência de fatores históricos (nunca tem se distribuído nas mesmas) as opções RA4 e,
sobretudo, a opção CD, puderam se considerar as mais adequadas.
Com o exemplo dos traços em Cuba (Figura 1, Tabela 1), os modelos RA3 e CD
mostram uma conectividade matricial significativamente baixa. Pelo contrário, com o
modelo RA4, a conectividade matricial torna-se significativamente elevada. De igual modo
que no caso anterior, se a ausência dos táxons numa área dada é devido a fatores históricos,
a opção mais adequada seria utilizar o modelo CD. Esta opção parece lógica, porque cada
táxon só se distribui em duas das seis áreas possíveis (Figura 1, Tabela 1).

Tabela 4. Avaliação estatística da matriz de conectividade da Tabela 1. Siglas iguais que na Tabela 3.

Indicadores RA3 RA4 CD

Ob 0.194 0.194 0.194

Msi 0.324 0.194 0.324

Ob<Si 4999 0 5000

Ob=Si 0 0 0

Ob>Si 1 5000 0

P(ob<=Si) 0.0002 1.000 0.000

P (ob>=SI) 0.999 0.000 1.000

Organização: Os autores.

LÓGICA ESPACIAL

Craw et al. (1999) expuseram que o traço, seja TI ou TG, outorga forma ou
expressão ao espaço e ao tempo. Este último deve se subentender como o espaço e o tempo
Biogeografia... desde a América Latina - 47

dos organismos em seu desenvolvimento ontológico e evolutivo. Esses autores consideram


que os traços encarnam uma “lógica espacial”, no sentido de uma congruência entre forma,
distribuição espacial e associação espaço-temporal entre conjuntos de organismos.
O anterior, extensivo, obviamente, aos nódulos biogeográficos, denota um
significado heurístico que transcende à própria biogeografia. Por exemplo, Salthe (1996)
analisou que, a cada indivíduo, é factível lhe traçar um contorno, linha ou mapa. Por sua
parte, Thom (2000) postulou que “o primeiro objetivo de uma ciência seria caracterizar a
fenomenologia que estuda como forma, precisamente, espacial”. De igual modo, expressou:
“a cientificidade de um conceito comprova-se na possibilidade de sua descrição mediante
uma determinada forma geométrica num espaço substrato”.
Fontenla e López (2008) caracterizaram ao espaço substrato dos organismos
como emergência dinâmica do espaço geográfico e do espaço ecológico. O espaço
biogeográfico seria a expressão dessa emergência a escalas geográficas maiores,
enquanto que a análise de traços e nódulos a forma de lhe conceder teor a esse espaço,
sua geometria espacial, no sentido de Thom (2000).
Aliás, Craw et al. (1999) descreveram aos TG como a expressão geográfica de
componentes bióticos. Sobre essa base, os TG têm se definido no sentido de componentes
bióticos ancestrais fragmentados por eventos geológicos (Morrone, 2004; Echeverry e
Morrone, 2013). De forma particular, um componente biótico seria um conjunto de táxons
integrados espaço-temporalmente (coexistentes) em áreas dadas, os quais simbolizariam
unidades biogeográficas básicas (MORRONE, 2009, 2014b).
As semelhanças ou correlação entre estruturas ou funcões de organismos
diferentes devido a relações ancestrais comuns são chamadas homologias (HALL, 1994;
BOLKER; RAFT, 1996). O reconhecimento de homologias resulta crucial para o
estabelecimento de relações genealógicas ou evolutivas. Morrone (2004, 2014a) sugeriu a
possibilidade de considerar aos TG -componentes bióticos- como homologias biogeográficas
primárias (congruência espacial) ou conjeturas de homologias. Estas hipóteses devem ser
verificadas como homologias biogeográficas secundárias ou verdadeiras (história comum),
mediante a congruência de relações filogenéticas entre espécies e hipóteses de relações
históricas entre áreas.
No entanto, Williams (2007) considerou que esse ponto de vista resulta errôneo, ao
não existir enunciados de homologias primárias ou secundárias, senão enunciados de
relações, que puderam algumas delas constituir homologias, enquanto que outras poderiam
não ser de jeito nenhum.
48 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

O fundamento das ideias expostas consiste em ressaltar que os TI, TG e nódulos


estruturam um padrão de conectividade entre paisagens, uma “lógica espacial” emergente
das interações dos organismos em seus ecossistemas e arranjos locais. Em palavras de Crisci
et al. (2006), os organismos interagem porque coincidem no espaço e no tempo, o que
resulta um processo biogeográfico. Assim, limites entre processos biogeográficos e
ecológicos nos apresentam-se difusos, como acontece normalmente entre sistemas
complexos. De fato, Blandin e Bergardin sugeriram considerar as paisagens eco-complexas.
Na sua parte, Halfter (2003) ressaltou que as comunidades são arranjos de organismos
delimitados pela sua interconectividade, sendo esta um rasgo fundamental da complexidade
ecológica (CADENASSO et al. 2006).
Segundo Artzy-Randrup e Stone (2012), os componentes de conectividade espacial se
relacionam de igual forma com a complexidade e estabilidade dos ecossistemas locais. De tudo
isso, pode-se inferir a possibilidade de pensar em termos de componentes bióticos ecológicos,
ou “traços generalizados ecológicos”, representados por grupos de espécies coincidentes num
espaço ecológico comum, já por serem ecossistemas, sistemas de habitats ou paisagens. O
espaço de conectividade ou traço de cada espécie seria um “traço individual ecológico”.
Talonia e Escalante (2013) opinaram que os processos ecológicos podem ser também
explicações para nódulos na escala mais local. Assim, a convergência de componentes
ecológicos, individuais ou generalizados, demarcariam nódulos ecológicos locais. Desde nossa
perspectiva, tais componentes puderiam representar a “homologia ecológica” de sistemas locais
de índole diversa, no sentido de constituir elementos coincidentes em espaço e tempo;
conectando espaços desses sistemas resultantes da sua congruência ecológica.
Em palavras de Luque et al. (2012), constitui um desafio a identificação dos
elementos chaves da paisagem que mantêm ou restauram a conectividade do mesmo. A
análise de traços, o desentranhamento da “lógica espacial” dos componentes ecológicos dos
sistemas locais, poderia ser uma via para enfrentar o reto planteado.
O exemplo seguinte pode ser ilustrativo. A Tabela 5 mostra as espécies de plantas
compartidas entre as quatro zonas topográficas do gradiente do sistema dunar num setor de
Praias do Este da Havana, entre Santa Maria e Boca Ciega (dados inéditos). As diferenças no
Biogeografia... desde a América Latina - 49

número de espécies compartidas entre zonas resultaram marginalmente significativas,


segundo a prova t de uma mostra (t= 2.88, p= 0.060).

Tabela 5. Espécies compartidas num setor do sistema de dunas Praias do Este, Havana. Base da duna frontal
(BDF), pendente da duna frontal (PDF), cara posterior da duna (CPD), pós duna (PDU). Tipo estrutural (TE).
Intervalo de confiança (95%) de espécies compartidas entre zonas (4.3, 23), calculado mediante a opção
persentis ajustado (9 999 réplicas de bootstrapping) do programa PAST 3.0.

TE
ESPECIES BDF PDF CPD PDU
Geófito rizomatoso
Sporobolus virginicus 1 1 1 1
Sesuvium Hemicriptófito rastrero
portulacastrum 1 1 1 1
Hemicriptófito rastrero
Canavalia rosea 0 1 1 1
Hemicriptófito rastrero
Ipomoea pes-caprae 0 1 1 1
Geófito rizomatoso
Panicum amarum 0 1 1 1
Sphagneticola Geófito rizomatoso
trilobata 0 1 1 1
Terófito
Cenchrus tribuloides 0 1 1 1
Terófito
Bidens alba 0 1 1 1
Megafanerófito
Coccoloba uvifera 0 1 1 1
Hemicriptófito rastrero
Ipomoea imperati 0 1 1 0
Hemicriptófito rastrero
Uniola paniculata 0 1 1 0
Hemicriptófito
Cynodon dactylon 0 0 1 1
Terófito
Spilanthes urens 0 0 1 1
Megathyrsus Geófito rizomatoso
maximus 0 0 1 1
Geófito rizomatoso
Eustachys petraea 0 0 1 1
Megafanerófito
Sabal palmetto 0 0 1 1
Terófito
Crotalaria pumula 0 0 1 1
Hemicriptófito rastrero
Tribulus cistoides 0 0 1 1
Sporobolus Geófito rizomatoso
domingensis 0 0 1 1
Sporobolus Geófito rizomatoso
pyramidatus 0 0 1 1
Terófito
Waltheria americana 0 0 1 1
Megafanerófita
Dichrostachys cinerea 0 0 1 1
Terófito
Lantana involucrata 0 0 1 1
Liana herbácea
Vigna marina 0 0 1 1
Total 2 11 24 22
Organização: Os autores

Duas das espécies se distribuem através de toda a gradiente e um grupo de sete espécies se
encontra na maioria das zonas, exceto na BDF. Este conjunto de nove espécies poderia representar o
50 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

componente ecológico generalizado desse sistema. A maioria dessas plantas encontra-se também
entre as mais frequentes do sistema (dados inéditos).
É possível representar os componentes ecológicos do sistema da seguinte forma: I. BDF-
PDF-CPD-PDU (2 espécies). II. PDF-CPD-PDU (7). III. PDF-CPD (2). IV: CPD-PDU (13).
A zona CPD encontra-se envolvida em todos os componentes e, aliás, representa o nodo
ecológico do sistema, ao constituir a zona de intercepção dos componentes III e IV. O número de
espécies compartidas dessa zona sobrepassou o limite superior do intervalo de confiança, o qual é de
esperar pela sua condição de zona de conectividade elevada.
Crisci et al. (2006) definirama homologia espacial como o conjunto de elementos comuns
espaço-temporais com história biogeográfica comum. Do mesmo modo, insistiram que existem tipos
ou grupos funcionais de espécies, estruturados em componentes com atributos morfológicos e
fisiológicos semelhantes que compartem um papel ecológico comum. Congruentemente com o
anterior deve-se sinalar que os tipos estruturais das nove espécies dos componentes ecológicos
principais, quer dizer, os que se distribuem através de mais zonas do sistema dunar (I e II) se
concentram em hemicriptófitos rastreiros e geófitos rizomatosos.
A avaliação estatística da superposição espacial desse sistema de gradiente mostra-se
na Tabela 6.

Tabela 6. Avaliação estatística da matriz de conectividade da Tabela 5. Siglas iguais que na Tabela 3.

Indicadores RA3 RA4 CD

Ob 0.546 0.546 0.546

Msi 0.518 0.546 0.546

Ob<Si 805 1 2

Ob=Si 0 0 0

Ob>Si 4195 4999 4998

P(ob<=Si) 0.839 0.999 0.999

P (ob>=SI) 0.161 0.0002 0.0004

Organização: Os autores

Com o modelo RA3, a maioria das matrizes simuladas exibe um valor menor de
superposição que o observado, mas essas diferenças não se afastam do esperado
Biogeografia... desde a América Latina - 51

aleatoriamente. Em resumo, a superposição espacial ou conectividade deste não resulta


significativa. Pelo contrário, com os modelos RA4 e CD, a superposição espacial ou
conectividade exibiu valores muito significativos.
Num sistema de gradientes, fatores como a topografia restringem a distribuição
das espécies (BROENNIMANN et al., 2012). De fato, as zonas do sistema dunar
representam variáveis topográficas e tem sido chamadas “zonas biótopográficas”
(MORENO-CASASOLA; VÁZQUEZ, 2006).
Baseados no anterior, a aplicação de um modelo nulo que restrinja a presença de
estados zeros nas matrizes simuladas traz uma solução adequada.

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54 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Capítulo 4

UMA ABORDAGEM CONCEITUAL DO POTENCIAL FITOGEOGRÁFICO


E A ATIVIDADE APÍCOLA EM SERGIPE

Edimilson Gomes da Silva12


Maria do Socorro Ferreira da Silva13
Rosemeri Melo e Souza14

INTRODUÇÃO

Os recursos naturais no Brasil vêm sendo dilapidados desde o período colonial de


forma que a utilização de tais recursos sempre ocorreu de forma desigual. No cerne desta
questão, está o uso dos recursos minerais; dos solos, levando ao seu esgotamento; e da
exploração dos recursos florestais (PORTO-GONÇALVES, 2006). Viadana (2007) acrescenta
que os domínios paisagísticos do país estão sendo devastados pela incompreensão dos
poderes responsáveis em criar mecanismos e permitir, cada vez mais, que as gerações
presentes e futuras dos cientistas possam focar seus esforços em conhecimentos
adequados, para que de fato possam contribuir para melhorar a qualidade de vida da
população, contribuindo também para diminuir os impactos causados ao ambiente onde a
vida se desenvolve.
O Estado de Sergipe merece destaque neste cenário, visto que sofreu um intenso
processo de ocupação territorial restando-lhe, na contemporaneidade, reduzidos
remanescentes florestais. Contudo, apesar dessa devastação ainda dispõe de territórios
detentores de potencial fitogeográfico capazes de subsidiar o aumento da produção apícola,
contribuindo para o desenvolvimento territorial local.

12
Doutor em Geografia pelo PGEO/UFS e Pesquisador do GEOPLAN/UFS/CNPq. dimil10@hotmail.com
13
Doutora em Geografia pelo PGEO/UFS, Profª Adjunta da UFS dos Cursos de Graduação em Geografia e do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) e Pesquisadora do
GEOPLAN/UFS/CNPq. ms.ferreira.s@hotmail.com
14
Pós-Doutora em Biogeografia e Profª Associada da UFS dos Cursos de Graduação Engenharia Ambiental e de
Pós-Graduação em Geografia/NPGEO/UFS e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA). Líder do GEOPLAN/UFS/CNPq, e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
rome@ufs.br
Biogeografia... desde a América Latina - 55

Entretanto, apesar de possuir uma baixa produção quando comparado a outros


Estados, a atividade apícola encontra-se em fase de crescimento. Um dos fatores que
justifica a baixa produção é a carência de estudos visando conhecer o potencial
fitogeográfico dos territórios de Sergipe.
O conceito de potencial fitogeográfico está fortemente ancorado à definição
de recursos naturais. Para Venturi (2008) um elemento da natureza é considerado
recurso natural quando existe demanda por ele, ou seja, quando este elemento é
usado direta ou indiretamente.
O potencial fitogeográfico está ligado ao uso dos territórios detentores de
biodiversidade, tanto para atender às necessidades do presente como reservados para usos
futuros. Todavia, esse potencial não envolve somente a proteção dos recursos naturais, pois
abrange simultaneamente a defesa de interesses e das condições de vida dos atores sociais
que dependem direta e/ou indiretamente da conservação de tais recursos (SILVA; MELO E
SOUZA, 2009). Esse potencial está vinculado à necessidade de conservação da
biodiversidade para o uso na apicultura.
Com a menor extensão territorial, 21.915,116 km² (BRASIL, 2012), Sergipe,
apresenta uma grande diversidade fisionômica, a saber: a) Formações das Regiões Úmidas:
Manguezal, Floresta Atlântica, Associações de Praias e Dunas, Associações de Restinga,
Campos de Restinga, Associações de Várzeas, Campos de Várzeas, Matas de Terra Firme; b)
Formações Mistas Estacionais: Floresta Atlântica, Associações Subperenifólias, Associações
Subcaducifólias, Associações Cadudifólias – Mistas com a Caatinga, Associações Secundárias,
Campos Antrópicos e Cerrado; c) Formações das Regiões Áridas: Caatinga, Caatinga
hipoxerófila, Caatinga Hiperxerófila, e Associações Rupestres (FRANCO, 1983).
Porém, grande parte dessa fisionomia foi modificada pela ação antrópica, dando
lugar a novas paisagens, a exemplo do que ocorreu nos territórios abrangidos pelo o
Domínio de Mata Atlântica. Originalmente, essa vegetação ocupava toda faixa litorânea
sergipana, até a chegada dos europeus, no início do século XVI, com os objetivos de explorar
o pau-brasil, criar gado e cultivar a cana-de-açúcar.
A Caatinga, que representava 49% da vegetação, apresenta uma rica biodiversidade
vegetal e animal, onde muitas espécies ainda não foram catalogadas, além da existência de
espécies endêmicas (BORTOLOTO, 2011). É comum o uso do potencial fitogeográfico dessa
vegetação para usos medicinais, alimentícios, lenhosos e para a produção de mel.
56 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Desse modo, a ocupação territorial do Estado de Sergipe tem sido caracterizada


pela substituição da vegetação original por pastagens e lavouras desde a época colonial,
restando na atualidade apenas remanescentes florestais, parte dos quais, especialmente no
semiárido sergipano, cujo potencial fitogeográfico vem sendo aproveitado para a apicultura
a qual contribui para sua proteção mediante a polinização das flores que garante a
perpetuação das espécies.
Essa pesquisa visa analisar o potencial fitogeográfico para atividade apícola no Estado
de Sergipe. Esse trabalho contemplou seis Territórios de Planejamento cujos municípios vêm
sendo usados e/ou têm potencial fitogeográfico para a atividade apícola: Alto Sertão, com
destaques para os municípios de Canindé de São Francisco, Poço Redondo, Porto da Folha,
Nossa Senhora da Glória e Nossa Senhora de Lourdes; Agreste Central (Frei Paulo); Sul
Sergipano (Estância); Centro Sul (Lagarto, Poço Verde e Tobias Barreto); e, Baixo São Francisco
(Brejo Grande) (Figura 01).

Figura 01: Territórios de Planejamento de Sergipe e Municípios pesquisados.

Organização: Silva et al. (2011).


Biogeografia... desde a América Latina - 57

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa ocorreu através de levantamento bibliográfico e documental;


pesquisa de campo nos municípios que praticam a apicultura; aplicação de técnicas
cartográficas para elaboração dos mapas; ordenamento e tabulação dos dados; e, análise
e interpretação das informações.
Durante a pesquisa de campo foram realizadas visitas em seis apiários
localizados nos Municípios de Lagarto, Poço Verde, Poço Redondo, Canindé de São
Francisco e Brejo Grande. Nas visitas contou-se com o acompanhamento dos apicultores
que contribuíram para a identificação das principais espécies vegetais visitadas pelas
abelhas, considerando-se o nome popular. Nessa fase, foram observados os aspectos
ambientais, em especial o nível de conservação da flora, a disponibilidade de água e o
uso do território do entorno para outras atividades. Essas observações possibilitaram
conhecer o potencial fitogeográfico, as condições de acesso a esses ambientes e aos
aspectos relacionados ao manejo e produção.
No município de Lagarto foram feitas visitas em dois apiários em outubro de 2010 e
2011, onde na primeira ocorreu o acompanhamento da coleta de mel pela manhã e o
beneficiamento no período da tarde na sede da APISTREZE.
Durante a segunda visita, no apiário do Município de Lagarto, coletou-se amostras
de espécies vegetais visitadas pelas abelhas. Os procedimentos utilizados para essa coleta
foram baseados nas recomendações de Furlan (2005) que abordam a importância da
observação, registro, coleta e organização dos dados enfatizando os procedimentos
metodológicos no campo em pesquisas de Biogeografia. Também foi consultado o Manual
de Prática de Coleta e Herborização de Material Botânico (ROTTA, BELTRAMI; ZONTA,
2008:9) o qual especifica os “equipamentos, materiais e procedimentos de campo e de
laboratório a serem utilizados na coleta, armazenamento e preparação de material
botânico para sua identificação e a incorporação destas amostras de plantas em
herbários”. Contudo, é importante esclarecer que em função da forte estiagem ocorrida
entre janeiro 2010 e maio de 2013, só foi possível realizar uma coleta de espécies vegetais
utilizadas como fonte de coleta de néctar.
58 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

As espécies não identificadas foram coletadas com flores, folhas, e raízes (a


depender do seu porte). No momento da coleta foram seguidos os seguintes
procedimentos: georeferenciamento da espécie com uso de aparelho de GPS; registro em
máquina fotográfica; identificação das características dos vegetais via anotação em ficha de
identificação; e, acondicionamento em jornais, intercalando-as com folha de papelão (Figura
2). Após o término da coleta, as amostras foram prensadas em prensas de madeira e
transferidas para o Herbário da Universidade Federal de Sergipe, onde foi realizada a
classificação taxonômica.

Figura 2. Coleta e acondicionamento de espécies vegetais em Lagarto em 2011, para posterior identificação no
Herbário da UFS.

Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Em novembro de 2011 foram feitas visitas aos apiários de Canindé de São


Francisco, onde foi visitado o apiário modelo no Assentamento Nova Canadá, em Poço
Redondo no Assentamento Barra da Onça, e em Poço Verde para conhecer o potencial
fitogeográfico existente.
Foram visitados e analisados os territórios com potencial fitogeográfico que ainda
não estão sendo usados para a apicultura em Sergipe, como o Território Sul Sergipano,
especificamente o município de Santa Luzia do Itanhy, em novembro de 2010.
Biogeografia... desde a América Latina - 59

O GEOPROCESSAMENTO COMO SUBSÍDIO PARA A ANÁLISE DA ATIVIDADE APÍCOLA

A atual conjuntura de desenvolvimento tecnológico torna o geoprocessamento um


instrumento de grande importância aos pesquisadores e planejadores com propósitos de
sugerir políticas voltadas para o ordenamento territorial e desenvolvimento local,
mostrando caminhos e apontando a forma menos impactante de uso do território,
identificando as principais aptidões, limites e possibilidades de uso.
Neste sentido, o geoprocessamento é indispensável para atividade apícola, uma vez
que através do mapeamento e monitoramento dos locais com potencial fitogeográfico para
a prática da atividade, objetiva-se um aproveitamento ideal dos recursos disponível num
determinado território.
No ordenamento territorial voltado para a atividade apícola, o geoprocessamento
ganha relevância à medida que pode ser utilizado para o mapeamento dos pastos apícolas,
bem como das estações em que há o florescimento de determinadas espécies de plantas
melíferas. Esses levantamentos servem para avaliar a produção em relação às floradas
existentes, com intuito de melhorar o aproveitamento dessas áreas por parte dos
apicultores. Outras informações biofísicas são de grande relevância, tais como: geologia,
geomorfologia, pedologia, climatologia e hidrologia são básicas para um estudo dessa
natureza.
Para a elaboração dos mapas foram usadas tanto informações empíricas como da
base cartográfica disponibilizadas pela Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) do Estado de
Sergipe, a partir do uso do software ArcGis 9.3.
As análises e interpretação das informações obtidas subsidiaram a elaboração desse
artigo cujas considerações finais contemplam sugestões visando melhorar o aproveitamento
do território com potencial para o desenvolvimento da atividade apícola em Sergipe.

O POTENCIAL FITOGEOGRÁFICO E A APICULTURA

A biodiversidade é considerada a base ecológica para a vida e, principalmente como


o “capital natural” para dois terços da humanidade que investe na biodiversidade como
forma de produção visando desenvolver as atividades agrícolas, pesqueiras, de saúde e
produção de utensílios (SHIVA, 2005) assim como as atividades ligadas à pecuária.
60 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Apesar da importância do potencial dos recursos naturais, concentrado nos países


megadiversos, grande parte de suas florestas continua sendo sistematicamente destruída,
resultando na perda da biodiversidade, genética, de populações e de ecossistemas.
Para Venturi (2008) um elemento da natureza é considerado recurso natural,
quando existe demanda por ele, ou seja, quando este elemento é usado direta ou
indiretamente. Por esse viés, a natureza é vista como um aglomerado de recursos naturais a
ser explorada a curto ou a longo prazo (SANTOS, 2006). Assim, os recursos naturais são
apropriados e usados pelos atores sociais15 para o desenvolvimento de várias atividades,
dentre elas a apicultura.
Nesses aspectos para Silva (2012) o potencial fitogeográfico está relacionado ao uso
indireto e direto dos territórios que possuem formações vegetais nativas. Quanto aos usos
indiretos, a autora considera a distribuição da vegetação para importante para: a evolução
ecológica das espécies de fauna e flora; o uso como refúgio dos animais; a manutenção dos
recursos hídricos e do lençol freático, especialmente para o abastecimento de água, a
produção de energia e o transporte fluvial; a proteção do solo e encostas; a regulação das
condições climáticas (temperatura, chuva e vento) e dos gases emitidos para a atmosfera; a
função estética, com ênfase para o valor paisagístico nas cidades e nas áreas rurais, como o
uso do território para criação de parques ecológicos, jardins botânicos e zoológicos bem
como outros serviços ambientais prestados gratuitamente a sociedade.
No caso do uso direto o potencial fitogeográfico está atrelado ao uso dos recursos
florestais para a exploração madeireira no que condiz as mais variadas atividades
(aquecimento de fornos de indústrias, padarias, produção de móveis, etc.), e através do uso
da “floresta viva” para atender as demandas da indústria alimentícia e da biotecnologia,
especialmente a farmacêutica (princípio ativo de plantas, animais e microrganismos), a
indústria de cosméticos (essências, óleos), a agricultura (controle biológico de pragas) além
dos usos atribuídos para a prática do extrativismo vegetal (frutos16, resina, óleos, fibras,
látex, entre outros), a criação de banco de sementes nativas; a produção de plantas
ornamentais; o desenvolvimento da atividade apícola; a pesquisa científica; a recreação e
lazer; dentre outros usos (SILVA, 2012).

15
São considerados como participantes ativos, que processam informações e utilizam estratégias nas suas
relações com outros atores locais, assim como com instituições e pessoas externas (LONG; PLOEG, 1994).
16
Castanha-do-pará, cupuaçu, babaçu, açaí, pupunha, cacau, guaraná, murici, jenipapo, mangaba, dentre
outros, a depender das potencialidades fitogeográficas da região.
Biogeografia... desde a América Latina - 61

Nesse arcabouço, as variedades de espécies dos ecossistemas que fazem parte da


Mata Atlântica e da Caatinga, por exemplo, desempenham inúmeras funções ecológicas,
sendo base de manutenção dos demais elementos biofísicos, como a geologia,
geomorfologia, pedologia, hidrologia, aspectos climáticos e a fauna.
De modo similar, as florestas tanto são fonte de geração de riqueza para diversos
atores que usa direta e/ou indiretamente seu potencial numa perspectiva mercadológica,
como são usadas como substrato de vida, no caso de comunidades extrativistas que usam os
recursos que dela provém como subsistências.
Nesse viés, os recursos naturais são apropriados e usados para o desenvolvimento
de várias atividades, dentre elas a apicultura. Entretanto, a realização de determinadas
atividades depende da conservação desse potencial fitogeográfico, como bem ressaltam
Silva; Melo e Souza (2009) quando enfocam que efetivamente, a questão de potencial não
está ligada somente a proteção dos recursos naturais, pois envolve a defesa de interesses e
das condições de vida daqueles atores que depende direta e/ou indiretamente da proteção
desses recursos considerados como fonte de renda ou de subsistência.
Há diversas possibilidades de uso dos recursos naturais, principalmente para o
aproveitamento múltiplo dos territórios que possuem floresta tropical, através da utilização
de práticas de manejo adequadas, comumente usadas pelas populações tradicionais e locais,
permitindo dessa maneira, a regeneração seletiva de seus recursos naturais e o cultivo de
produtos diversificados.
Considerando-se a formação original, a Caatinga estava distribuída em 9,92% do
território nacional, abrangendo dez Estados, a saber: Ceará (100%), Rio Grande do Norte
(95%), Paraíba (92%), Pernambuco (83%), Piauí (63%), Bahia (54%), Alagoas (48%), Sergipe
(49%), Minas Gerais (2%) e cerca de 1% do Maranhão (BORTOLOTO, 2011).
Entretanto, ao contrário do que se aparenta, a Caatinga apresenta uma rica
biodiversidade vegetal e animal, onde muitas espécies ainda não foram catalogadas, além da
existência de espécies endêmicas (BORTOLOTO, 2011). É comum o uso do potencial
fitogeográfico dessa vegetação para usos medicinais, alimentícios, lenhosos e para a
produção de mel.
62 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Dentre as diversas espécies que representam o potencial biodiverso dessa


vegetação pode-se citar: o angico (Anadenanthera macrocarpa Benth), o pau-ferro
(Caesalpinia ferrea Mart. ex. Tul.), a catingueira (Caesalpinia pyramidalis Tul.), a
catingueira rasteira (Caesalpinia microphylla Mart.), a canafistula (Senna spectabilis var.
excelsa (Sharad) H. S. Irwine & Barnely), o mororó (Bauhinia sp.), o sabiá (Mimosa
caesalpinifolia Benth.), o rompe-gibão (Pithecelobium avaremotemo Mart.), o juazeiro
(Zizyphus joazeiro Mart.), a jurema preta (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poiret), o engorda-
magro (Desmodium sp), a marmelada de cavalo (Desmodium sp), o feijão bravo
(Phaseolus firmulus Mart.), o mata-pasto (Senna sp), as mucunãs (Stylozobium sp),
dentre outras (DRUMOND et al., 2000).
No que concerne às espécies para o aproveitamento frutífero destacam-se o
umbu (Spondias tuberosa Arruda - Anacardiaceae), araticum (Annona glabra L., A.
coriacea Mart., A. spinescens Mart. - Annonaceae), jatobá (Hymenaea spp.-
Caesalpinaceae), juazeiro (Ziziphus joazeiro Mart. - Rhamnaceae), o Licuri, (Syagrus
coronata (Mart.) Becc. Arecaceae), comumente exploradas de forma extrativista pela
população local, além do uso medicinal. No uso medicinal são usadas várias espécies, tais
como: a aroeira (adstringente), araticum (antidiarréico), quatro-patacas (catártica), pau-
ferro (antiasmática e anticéptica), catingueira (antidiarréica), velame e marmeleiro
(antifebris), angico (adstringente), sabiá (peitoral), juazeiro (estomacal), jericó
(diurético), dentre outras (DRUMOND et al., 2000).
A apicultura é uma atividade econômica praticada em diversos países e que se
encontra em expansão, especialmente naqueles países que dispõe de potencial
fitogeográfico. Contudo, as floradas silvestres e livres de pesticidas estão cada vez mais
escassas. Os motivos dessa escassez estão atrelados ao intenso desmatamento nas mais
variadas escalas geográficas para dar lugar as pastagens e as lavouras; e, os usos
indiscriminados de produtos químicos para combater pragas e doenças que afetam os
cultivos. Entretanto, esses produtos são nocivos à saúde humana e aos insetos que têm
grande contribuição para a produção agrícola e para a perpetuação de espécies vegetais, em
função da polinização.
Essa atividade é considerada como conservadora das espécies, pois é uma das
poucas atividades agropecuárias que preenche os requisitos básicos do tripé da
sustentabilidade: o econômico porque gera renda para os agricultores; o social porque
utiliza a mão de obra familiar no campo, diminuindo o êxodo rural; e o ecológico porque não
há necessidade de retirada da vegetação para criação de abelhas (GUIMARÃES, 1989).
Biogeografia... desde a América Latina - 63

O POTENCIAL FITOGEOGRÁFICO EM SERGIPE

O potencial fitogeográfico existente no território sergipano está representado


por manchas de floresta ombrófila densa, floresta estacional, vegetação de mangue, de
restinga, Caatinga arbustiva, Caatinga Arbórea, mata ciliar, campos de várzeas e
vegetação secundária (Figura 03).
Nos municípios abrangidos pela Caatinga tem-se estabelecido um aproveitamento
dos remanescentes para a apicultura, gerando renda aos pequenos produtores da região,
especialmente nos assentamentos rurais. O aproveitamento dos remanescentes florestais
para a produção de mel também tem contribuído para a conscientização dos apicultores que
ajudam a conservar os remanescentes face à necessidade do uso da floresta em pé.
No que concerne ao domínio de Mata Atlântica percebe-se que Brejo Grande (Figura
03) ainda apresenta manchas contínuas de vegetação de mangue e de restinga as quais
ainda são pouco exploradas para a produção apícola. Contudo, embora ainda incipientes,
vem sendo realizados projetos experimentais para a produção da própolis vermelha a partir
da vegetação de uma espécie vegetal de mangue popularmente conhecida como Rabo de
Bugio (Dalbergia ecasthophilum) e Aroeira Vermelha (Schinus molle L).
No tocante aos remanescentes de Caatinga, Tobias Barreto, se destaca entre os
municípios analisados nesta pesquisa (Figura 03) face aos fragmentos contínuos ainda
existentes dessa vegetação, cujas espécies são visitadas pelas abelhas para produção de mel.
Em Sergipe, embora ainda não se tenha despertado o interesse pela conservação dos
remanescentes florestais da Caatinga de modo efetivo, são esses fragmentos os mais
procurados e aproveitados para a produção apícola, o que demonstra o potencial
fitogeográfico dessa vegetação para essa atividade.
Considerando-se as formações vegetais originais na Figura 03 pode-se perceber o alto
grau de fragmentação em todas as formações florestais de Sergipe o que tem provocado
perdas substanciais para a biodiversidade.
É importante esclarecer que a espacialização de alguns dos fragmentos florestais
representado na Figura 3, cujas informações são oriundas da base de dados da Secretaria
dos Recursos Hídricos, já sofreram alterações, a exemplo do Município de Aracaju onde não
há mais vegetação de restinga. Outra informação adicional é que parte do Município de
Capela possui resquícios de Mata Atlântica, como a UC Refúgio de Vida Silvestres da Mata.
64 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Itaporanga D’Ajuda (Figura 03) é um dos poucos municípios envolvidos da pesquisa


que possui fragmentos de floresta vegetação ombrófila densa. Vale ressaltar nesse
município a atividade apícola vem sendo praticada desde 2009.
No que concerne ao semiárido sergipano nota-se a presença de duas manchas
significativas de Caatinga Arbustiva no Alto Sertão, em Porto da Folha e Gararu e no Centro
Sul em Tobias Barreto, Riachão dos Dantas e Poço Verde (Figura 03). Nessas áreas a
atividade apícola já vem sendo realizada, especialmente em Poço Verde, Tobias Barreto e
Porto da Folha onde há indicativos de aumento na produção.
O potencial fitogeográfico da Caatinga Arbórea está representado em sua maioria
por fragmentos desconectados, com destaque para os municípios de Poço Redondo, e
Canindé de São Francisco no Alto Sertão os quais concentram maior parte das manchas
maiores (Figura 03).
Os remanescentes de floresta estacional estão mais concentrados em São Cristóvão,
Salgado, Itaporanga D’Ajuda, Areia Branca, São Domingos e Campo do Brito. Embora
disponham de potencial fitogeográfico, com exceção de Salgado e Itaporanga D’Ajuda, esses
municípios não apresentam indicativos de produção de mel.
A vegetação nativa, especialmente a do sertão, por se localizar distante das lavouras
agrícolas que utilizam defensivos químicos, tem as características essenciais para
proporcionar à produção de mel orgânico. Entretanto, é necessário receber manejo
adequado para adquirir o selo de produção orgânica por entidade especializada.
O semiárido sergipano, por questões naturais, possui como principal aptidão apícola
a exploração de mel. Elaborado a partir da coleta de néctar de grande variedade de plantas
melíferas existente neste ecossistema, o mel produzido é do tipo multifloral silvestre, ou
seja, a composição nectarífera é originária de uma rica e diversa florada. No entanto,
apicultores do Município de Porto da Folha estão desenvolvendo um projeto com caixas
pilotos para produzir à própolis marrom a partir de resinas de plantas como o angico e
velame, sinalando que os produtores querem diversificar a produção, o que isso, certamente
aumentará seus ganhos, pois o preço da própolis é bem superior ao do mel.
A apicultura nos municípios que fazem parte do agreste sergipano se caracteriza
por ser praticada próxima ao cultivo de laranjas. Apesar das abelhas serem aliadas dessa
cultura agrícola, através dos serviços de polinização, que comprovadamente aumenta a
produtividade com geração de melhores frutos, esse cultivo em Sergipe, especialmente
Biogeografia... desde a América Latina - 65

no Município de Lagarto e Salgado, onde foi desenvolvida a pesquisa, não tem dado à
contrapartida as abelhas, pois tem causado a mortandade desses insetos pelo excessivo
uso de agrotóxicos.

Figura 3: Potencial fitogeográfico dos remanescentes florestais para a apicultura em Sergipe

Fonte: Elaborado a partir da base de dados da Secretaria dos Recursos Hídricos (SERGIPE, 2011).

Os produtores de laranja ainda não se conscientizaram da importância desses


insetos para suas lavouras em razão dos benefícios oferecidos para o aumento da
produtividade, consequentemente melhorando os ganhos financeiros. Para que ocorra essa
conscientização é necessário que os apicultores, juntamente com técnicos de órgãos
institucionais, promovam palestras aos produtores de laranja sobre os benefícios que as
abelhas podem gerar as suas lavouras. Depois do trabalho de divulgação, seria interessante
firmar parcerias entre apicultores e produtores de laranja para aproveitar as áreas cultivadas
na intenção de produzir mel, proporcionando ganhos para ambos os produtores, e para
biodiversidade tendo em vista o menor uso de agrotóxicos nos laranjais.
66 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Nos territórios litorâneos, onde predominantemente destaca-se o cultivo de coco,


os apicultores têm aproveitada essa característica para a produção de pólen, principalmente
nos Municípios de Brejo Grande e Estância. O aproveitamento dessa lavoura para atividade
apícola é de grande importância, pois de um lado o apicultor terá uma renda obtida a partir
desse aproveitamento, do outro o proprietário das lavouras, têm ganhado em produtividade
gerada por essa simbiose, o que vem se evidenciando em Brejo Grande, onde, conforme
depoimento de uma apicultura que exerce sua atividade no território desse município, os
produtores de coco tem notado um aumento na produtividade naquelas propriedades em
que há apiários, e consequentemente, firmando ainda mais parcerias com os apicultores.
Desse modo, os produtores de coco do município de Brejo Grande têm-se
beneficiados por um serviço gratuito prestado pelas abelhas, o que não ocorre em outras
localidades do país e do mundo, onde os apicultores alugam suas colmeias a diversas
atividades agrícolas dependentes da polinização com o objetivo de aumento na
produtividade. Na Região Nordeste esse tipo de serviço vem sendo realizado nas plantações
de melão, no estado do Rio Grande do Norte, gerando ganhos significativos em
produtividade e qualidade dos frutos; por outro lado, os apicultores vêm acumulando uma
renda extra com as colmeias.
Para que o serviço de polinização em Sergipe gere benefícios a ambos os atores
envolvidos, é interessante que os apicultores se organizem em associações e que estas
estejam federadas, estabelecendo redes coesas para este setor, e com as práticas de
governança, juntamente com estímulos ao aumento do capital social, obterão êxitos, não
somente com ganhos gerados pelo serviço de polinização, mas também todos os benefícios
que a apicultura pode proporcionar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora bastante fragmentada, a vegetação do Estado de Sergipe apresenta


potencial fitogeográfico que vem sendo aproveitado pelos pequenos apicultores,
principalmente na região do semiárido que dispõe de remanescente de caatinga como fonte
alternativa de renda para os apicultores, melhorando sua qualidade de vida além de ajudar
na conservação ambiental.
Biogeografia... desde a América Latina - 67

Apesar do alto grau de desmatamento até então concebido, a apicultura vem sendo
desenvolvida nesses remanescentes florestais, evidenciando sinais de crescimento,
principalmente os Território de Planejamento do Centro Sul Sergipano e do Alto Sertão
Sergipano, com destaque para os Municípios de Poço Verde, Tobias Barreto, Porto da Folha,
Nossa Senhora da Glória e Canindé de São Francisco.
O Estado possui potencial fitogeográfico que pode ser explorado, tanto nos
municípios produtores como naqueles que não ainda não registraram produção de mel, mas
que possuem fragmentos florestais em bom estado de conservação, cujos territórios podem
ser usados para tal finalidade. A exemplo do Território Sul Sergipano, tais como: Santa Luzia
do Itanhy e Indiaroba.
Dentre as formações florestais existentes no Estado de Sergipe, merecem destaque
os territórios que dispõem de vegetação da Caatinga cujo potencial fitogeográfico tem
propiciado a produção de mel. Entretanto, vale frisar que os três estratos vegetativos
(arbóreo, arbustivo e herbáceo) apresentam potencialidades específicas aproveitando as
sazonalidades a partir de suas fenologias.
É de suma importância criar e implementar alternativas que possibilitem o acesso
à terra, como áreas comunais que possam ser usadas por aqueles apicultores que
enfrentam essas dificuldades. Ademais, outras opções que podem ser usadas pelos
apicultores são as terras da União e os Espaços Territoriais Legalmente Protegidos (ETPs),
dentre elas as Unidades de Conservação e as Áreas de Preservação Permanentes (APPs)
localizadas distantes de espaços densamente ocupados. Todavia, a criação, gestão e
implementação devem estar atreladas à política conservacionista. Em outras palavras, é
preciso fortalecer a política de conservação ambiental e que a mesma possa ser
implementada na prática.
Outra estratégia pertinente está ligada á realização de convênios e/ou parcerias via
órgãos oficiais com proprietários de terras, cujos territórios que têm potencial fitogeográfico
possam ser disponibilizados para o uso da atividade apícola. Outrossim, é fundamental a
realização de campanhas educativas com os proprietários e funcionários das propriedades
para evitar desmatamento e o uso intensivo de agrotóxicos em áreas que apresentam
potencial para a apicultura.
68 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

REFERÊNCIAS

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nov. 2012.

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sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade do bioma Caatinga. Estratégias para o Uso
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Biogeografia... desde a América Latina - 69

Capítulo 5

ECOLOGIA DA PAISAGEM DA PLANICIE ENTRE MARES –FLORIANÓPOLIS – SC

Talita Laura Góes17


Angela da Veiga Beltrame18

INTRODUÇÃO

As paisagens são moldadas e transformadas ao longo dos tempos por processos


naturais, como a influência do clima, da vegetação e, ainda pela ação do homem, estando
em constante transformação. Contudo, cada vez mais, elas estão sendo modificadas e
alteradas mais intensamente pela ação do homem, havendo assim, um aumento da
velocidade na sua transformação.
As transformações na paisagem se refletem normalmente na devastação de
florestas, para dar lugar a estradas, moradias, comércios, indústrias entre outros. De acordo
com Dean (1995), ao longo da história do território brasileiro a Mata Atlântica sempre foi o
bioma com a floresta mais atingida, a própria história do “descobrimento” começou com o
domínio da Mata Atlântica. Muitos dos recursos florestais foram extraídos e não
replantados, o que levou praticamente à extinção de espécies como o Pau-brasil já no
primeiro século da exploração. Ciclos como o da cana-de-açúcar e do café também
contribuíram para o aumento da devastação da floresta.
Uma das maiores causas da perda da biodiversidade na Mata Atlântica atualmente
é a sua fragmentação, devido ao adensamento urbano e a disseminação de espécies exóticas
(REASER et al. 2005).

17
Geógrafa, mestra em Utilização e Conservação dos Recursos Naturais pela Universidade Federal de Santa
Catarina. E-mail: talita_ambiental@hotmail.com
18
Agrônoma, doutora em Geografia Física pela Universidade de São Paulo. Profa da Universidade de Santa
Catarina. E-mail: angelavbeltrame@gmail.com
70 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

No Estado de Santa Catarina, e mais especificamente no município de Florianópolis,


onde predomina a Floresta Ombrófila Densa, há um intenso processo de fragmentação
florestal e os remanescentes de vegetação têm cada vez mais ficado isolados. Conectar estes
remanescentes através de corredores biológicos e/ou ecológicos de vegetação natural
constitui-se numa estratégia para mitigar os efeitos desta ação, e garantir a biodiversidade
dos mesmos (VALERI; SENÔ, 2004).
No Brasil, a partir da segunda metade do século XX, devido ao uso excessivo dos
recursos da natureza e à crescente urbanização, têm-se criado algumas medidas para tentar
conservar e preservar as florestas, como a criação de Unidades de Conservação para
proteger áreas ainda preservadas em seu território. As Unidades de Conservação preveem
zonas de amortecimento e corredores ecológicos, mas na realidade da Ilha de Santa Catarina
isto não vem ocorrendo.
A Planície Entre Mares, a maior área plana da Ilha de Santa Catarina, tem sido uma
região atrativa para a urbanização devido aos espaços planos ainda “vazios”. No entanto, estes
espaços possuem fragmentos de vegetação de ecossistemas frágeis como restingas e
manguezais, além de uma formação florestal quase extinta na Ilha, a Floresta Ombrófila Densa
de Terras Baixas. Esta floresta só se encontra hoje em pequenos fragmentos isolados nesta
planície e ao norte da Ilha. Na Planície Entre Mares constitui-se a possibilidade de conexão
terrestre entre o maciço sul da Ilha que compreende uma Unidade de Conservação, o Parque
Municipal da Lagoa do Peri (PMLP) e o Maciço Central que compreende também uma Unidade
de Conservação, o Parque Municipal do Maciço da Costeira (PMMC), além de possibilitar a
conexão com o Manguezal que também faz parte de outra Unidade de Conservação, a Reserva
Extrativista Marinha do Pirajubaé (RESEX Pirajuabé). A conservação e conexões entre estas áreas
podem viabilizar corredores biológicos e/ ou ecológicos para a fauna e a flora.
A Ilha de Santa Catarina, por se tratar de território insular, apresenta riscos maiores de
fragmentação se relacionarmos com a Teoria de Biogeografia de Ilhas. Ainda que a Ilha de Santa
Catarina seja uma ilha costeira, estando não muito afastada do continente, não existem ligações
terrestres entre a ilha e o continente o que dificulta algumas trocas genéticas tanto da fauna
como da flora, e para alguns animais, como os mamíferos terrestres, ou seja, impossibilita o
trânsito, sendo que as espécies da Ilha encontram-se isoladas num território insular, e ainda em
ilhas de habitat em meio aos fragmentos de vegetação.
Biogeografia... desde a América Latina - 71

Diante disso, surgiram as indagações: Quais são as condições que comprometem a


biodiversidade nos fragmentos de vegetação da Planície Entre Mares? Quais são as
possibilidades de corredores biológicos e/ou ecológicos para a conexão dessas áreas? Para
responder a estas questões se teve como objetivo a análise da ecologia da paisagem na
Planície Entre Mares para a compreensão da fragmentação e as possibilidades de
conectividade da vegetação, considerando a pressão humana sobre a paisagem.

OS ELEMENTOS DA PAISAGEM

Os elementos ambientais que compõem a paisagem são: efeitos do clima,


geomorfologia, geologia, solos, hidrografia, vegetação e fauna. Da interação e imbricamento dos
diferentes elementos e a ação do homem é que resultam as paisagens. Portanto, a paisagem é
um mosaico onde, individualmente, os constituintes ambientais desempenham o seu papel
deixando a sua impressão e tornando cada espaço único (SANTOS; PEREIRA, 2005).
Para a ecologia da paisagem, a paisagem é feita de mosaicos, estes podem ser
compostos de três elementos principais: matriz, manchas e corredores da paisagem.
Segundo Odum e Barret (2008), Matriz de paisagem é uma área grande com tipos
de ecossistemas ou vegetação similares na qual estão embutidas as manchas e os corredores
de paisagem. Trata-se da unidade da paisagem funcionalmente (e em geral, espacialmente)
dominante, ou seja, é a unidade que controla a dinâmica da paisagem.
Mancha é uma área relativamente homogênea que difere da matriz que a cerca.
Uma mancha de paisagem difere da matriz circundante e pode ser referida como uma
mancha de baixa qualidade ou de alta qualidade dependendo de sua cobertura vegetal,
qualidade da planta e composição especifica (ODUM; BARRET, 2008).
Corredor de paisagem é uma faixa do ambiente que difere da matriz em ambos os
lados e com frequência conecta (de forma natural ou planejada), duas ou mais manchas de
paisagem de habitat similar.
Pensando na conectividade algumas propostas de corredores foram construídas:
- Corredor Biológico: refere-se à conectividade estrutural ou física, de habitats
íntegros, entre áreas de conservação priorizadas (essencialmente, mas não só de vegetação)
(FORMANN; GODRON, 1986; BENNETT, 2004).
72 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

- Corredor Ecológico: refere-se à restauração de funções ecológicas nos espaços de


conexão. Não é necessário ter conexões físicas evidentes, mas sim que a paisagem permita
conectividade para o desenvolvimento de processos ecológicos. Podem-se combinar
corredores contínuos ou descontínuos e realizar intervenções para a restauração ecológica
(FORMANN; GODRON, 1986; BENNETT, 2004).
- Corredores de Conservação: refere-se à soma de diferentes estratégias de
planejamento regional de proteção em um determinado território, selecionado como uma
entidade para o planejamento e implementação de ações de conservação e preservação em
grande escala, onde a conservação pode conciliar a demanda de uso do solo e
desenvolvimento econômico.
Portanto, existe um aparato legal para a criação desses corredores de
biodiversidade e se faz necessário e urgente a conectividade dos remanescentes florestais
da Ilha de Santa Catarina.
A conectividade faz referência à conexão existente entre restos de sistemas
ecológicos facilitando a dispersão e migração de espécies (fluxos de entrada e saída das
mesmas) através da paisagem, para satisfazer requisitos básicos de habitat. Uma paisagem
com alta conectividade é aquela em que os indivíduos de uma espécie determinada podem
movimentar-se com liberdade entre habitats requeridos para alimentar-se e proteger-se
(BENNETT, 2004). Alguns exemplos são os canais fluviais, as linhas de cumes de montanhas,
as rotas migratórias e as cercas vivas em pastos (ODUM; BARRETT, 2008).
Segundo Odum e Barret (2008), esses corredores podem ser classificados em cinco
tipos básicos, segundo sua origem:

1. Corredor remanescente: ocorre quando a maior parte da vegetação original é


removida de uma área, mas uma faixa de vegetação nativa é mantida sem corte.
Incluem a vegetação preservada ao longo de córregos, declives e limites de
propriedades (BIOLÓGICO).
2. Corredores de perturbação: ocorrem quando há uma perturbação linear na
matriz da paisagem. Os corredores de linha de transmissão que cortam uma
paisagem são um exemplo de corredor de perturbação (ANTRÓPICO)
3. Corredores plantados: faixas de vegetação plantadas por razões econômicas ou
ecológicas (ECOLÓGICO)
Biogeografia... desde a América Latina - 73

4. Corredores de recurso: faixas estreitas de vegetação natural que se estendem


por longas distâncias na paisagem (como uma mata em forma de galeria ao longo
de um curso d’água) (BIOLÓGICO).
5. Corredor regenerado: resulta do reestabelecimento de uma faixa de vegetação
em uma matriz de paisagem (ECOLÓGICO).

Já na classificação de Forman e Godron (1986) os corredores podem ser divididos


em três tipos:

1. Linhas: com forma linear (estradas, trilhas, cercas, diques, canais e outros). São
estreitos não permitindo a dispersão de espécies do interior dos ecossistemas, mas
apenas a dispersão das espécies de borda (ECOLÓGICO).
2. Faixas: com forma mais larga que as linhas e usualmente com presença de
vegetação (ou ainda autoestradas, sistemas de torres de energia etc.) permitem a
manutenção da fauna no interior dos ecossistemas (ECOLÓGICO).
3. Cursos d’água: principalmente considerando a vegetação ciliar formada por
árvores variadas ao longo dos mesmos (BIOLÓGICO).
Segundo Dajoz (2005), os corredores também são divididos em três, sendo estes,
lineares, faixa e fluviais, ou seja, classificação similar a de Forman e Godron (1986).
A classificação adotada para esta pesquisa faz uma mescla entre estas classificações

A PLANÍCIE ENTRE MARES

O Município de Florianópolis possui uma parte continental e outra insular, a Ilha de


Santa Catarina, que possui área de 423 Km², sendo 54 km de comprimento e 18 km de largura
média, apresentando 172 km de orla marítima (CECCA, 1999).
A Planície do Campeche ou Planície Entre Mares (Figura 1) ocupa uma área de 65 km²,
e está localizada entre as coordenadas 48º28’16’’ a 48º30’39’’ de longitude Oeste e 27º38’48’’ a
27º42’47’’ de latitude Sul, na porção Sul da Ilha de Santa Catarina abrangendo a leste os bairros
(Campeche, Rio Tavares, Morro das Pedras) e a oeste (Tapera, Ribeirão da Ilha e Carianos).
74 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Figura 1: Delimitação da planície Entre Mares.

Fonte: Google Earth (2014) adaptado por Góes (2015).

As principais unidades de paisagem na Planície Entre Mares podem ser verificadas


no quadro 1.

Quadro 1. Principais Unidades de Paisagem da Planície Entre Mares.

Unidade de Área Observação


Paisagem

Manguezal da 52,2 hectares Menor manguezal da Ilha protegido pela Lei. Mun.2193/ 1985 -
Tapera APP

Lagoa da Chica 5,351 hectares Localizada no Campeche protegida pelo Dec. Mun.135/1 988 -
APP

Lagoa pequena 35,495 hectares Localizada no Campeche protegida pelo Dec. Mun.135/1 988 -
APP

Dunas do 136,459 hectares Dentro do Parque Municipal Dunas da Lagoa da Conceição


Campeche protegidas pelo Dec. Mun.112/1 985 - APP

Manguezal do 7 40 hectares Dentro da Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé criada pelo


Rio Tavares Dec nº 533 de 20 de maio de 1992

Morro do 96,56 hectares Existe uma proposta de projeto de lei a fim de transformá-lo num
Lampião Refúgio da Vida Silvestre.

Fonte: Tamanho das áreas: Ferretti (2013) Elaborada por Góes (2014).
Biogeografia... desde a América Latina - 75

Também fazem parte da Paisagem: o Morro do Ribeirão e o Parque Municipal


Maciço da Costeira, delimitando a planície.
Outras unidades de paisagem são os fragmentos de Floresta de Planície Quaternária
– Floresta Ombrófila Desna de Terras Baixas, que se encontram em meio às áreas de
pastagem que estão sofrendo a especulação imobiliária.
Segundo o IBGE (2012), a Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, caracteriza-
se por ser uma formação que ocupa terraços antigos das planícies quaternárias.
Apresenta com frequência dossel emergente. Entretanto, devido à exploração,
principalmente para fins madeireiros, a sua fitofisionomia tornou-se bastante aberta. É
uma formação com muitas palmeiras no estrato intermediário. Esta formação equivale à
Floresta Tropical de Planícies Quaternárias, descrita por Klein (1978). É esta a principal
fitofisionomia dos remanescentes de vegetação da Planície Entre Mares nas áreas do
entorno do Rio Tavares e Ribeirão da Fazenda.
Segundo o Cecca (1999), a Floresta de Planície Quaternária é protegida pelos
mesmos dispositivos legais de defesa da Mata Atlântica. Porém, na Ilha não possui nenhum
outro amparo legal específico, não estando inserida também em nenhuma Unidade de
Conservação. Esta floresta é uma das principais formações vegetais originais da Ilha.

O MÉTODO

Para a análise integrada da Ecologia da Paisagem da Planície Entre Mares, a


pesquisa seguiu três etapas que se subdividem em outras menores. A primeira etapa se
constituiu nos levantamentos bibliográficos, a segunda nos levantamentos cartográficos e a
análise de imagens e a terceira etapa nas atividades de campo.
Após o levantamento bibliográfico e algumas reflexões sobre as categorias
analisadas que dialogam com a pesquisa, foi realizada uma análise de uso e cobertura da
terra com fotografias aéreas do ano de 2010, na escala de 1:5000, cedidas pela
Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDS) de Santa
Catarina, por meio do programa de levantamento aerofotogramétrico do Estado para a
Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF). As imagens estão disponíveis por meio de
um ortofotomosaico na escala de 1:5000 e também no site do Geoprocessamento
Coorporativo da Prefeitura de Florianópolis).
76 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Para delimitação da área de estudo, utilizou-se o shapefile de bacias


hidrográficas da EPAGRI/CIRAM 19. O limite da área de estudo são três bacias
hidrográficas: Bacia hidrográfica do Rio Tavares com 49.238,504 km2 e 36.997 m de
perímetro, Bacia hidrográfica do Morro das Pedras com 10.798,994 km2 e 23.747 m de
perímetro e Bacia Hidrográfica da Tapera com 7.607,564 km2 e 11.715m de perímetro.
(FLORIANÓPOLIS, 2009).
Com as mesmas imagens aéreas foi gerado um segundo mapa com as áreas de
preservação permanente da Planície: nascentes, rios, lagoas, restingas, manguezais e topos
de morro. Para os topos de morro foi utilizado o Modelo Digital do Terreno (MDT) de
Florianópolis do ano de 2010 na resolução espacial de 1 metro.
Para realizar a análise de uso e cobertura da terra foi utilizado o programa
ArcGIS. Depois de processadas as imagens aéreas foram criadas classes temáticas para o
uso e cobertura da terra tais como: Corpos d’ água, vegetação de encosta, vegetação de
restinga, vegetação de áreas úmidas, áreas inundáveis, pastagens, dunas e áreas
urbanizadas. Após o mapeamento das classes temáticas na área de estudo, foi possível
caracterizar e mapear os elementos da paisagem. Para compreender a dinâmica da
paisagem na Planície Entre Mares, além da análise dos próprios mapas temáticos
gerados, também foram elaboradas tabelas e gráficos para melhor visualização. As
tabelas e gráficos mostram a área em km² ocupada por cada classe mapeada e o
percentual em relação à área total. As tabelas e gráficos subsidiaram o debate com
relação à ocupação da Planície juntamente com a análise dos zoneamentos do Plano
Diretor do município de Florianópolis para a Planície Entre Mares.
Uma vez já mapeadas as classes de paisagem, a análise dos fragmentos foi feita com
base no mapa de uso e cobertura da terra obtendo-se o número de fragmentos existentes, a
relação de tamanho, o formato de tais fragmentos e o grau de proximidade entre eles por
meio dos índices de ecologia da paisagem.
Para finalizar, foi mapeada uma proposta de corredores ecológicos para a Planície
Entre Mares.

19
EPAGRI - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
CIRAM - Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina
Biogeografia... desde a América Latina - 77

OS RESULTADOS

Com a análise de área total da paisagem constatou-se que a matriz predominante


ainda se constitui de uma matriz natural como pode ser observado na tabela 01.

Tabela 01: Relação de área e porcentagem das classes da paisagem.

Classes da paisagem Área k m² Porcentagem

Corpos d'água artificiais 0,00757 0%


Corpos d'água 0,2458 0%
Vegetação de áreas úmidas 0,3381 1%
Praia 0,34512 1%
Dunas 0,48161 1%
Solo exposto 0,69319 1%
Espécies exóticas 1,54319 2%
Restinga Arbustiva 0,8201 1%
Áreas Urbanizadas 12,99334 20%
Floresta Ombrófila Densa Submontana 14,89746 23%
Floresta Ombrófila Densa de Terras
Baixas 7,43 11%
Manguezal 7,65116 12%
Pastagem 8,7459 13%
Áreas inundáveis 8,9962 14%
Total 65,18874 100%

Fonte: Góes (2014).

Dos 65,18874 km² de área total da paisagem, 49,95145 km² corresponde às classes
de paisagens naturais, ou seja, 64% da paisagem da Planície Entre Mares ainda se constitui
por uma matriz natural, onde a classe que mais predomina são as vegetações de encosta
(Floresta Ombrófila Densa Submontana) que corresponde a 23%.
No que diz respeito à paisagem alterada, a classe predominante são as áreas
urbanizadas, que correspondem a 20%. Somados a esta classe, estão a área ocupada pelo
Aeroporto da cidade e a área de mineração. Também se constituem como alterações na
paisagem, solos expostos, espécies exóticas e pastagens.
Quanto às espécies exóticas, dentro da área que pertence à base aérea de
Florianópolis existe uma grande concentração de Pinus da década de 1970. A área coberta
por Pinus no interior da base aérea corresponde a 0.5363 km². Além da base aérea, dentro
da fazenda experimental da UFSC e adjacências, tem-se a segunda maior concentração de
espécies exóticas (pinus e eucaliptos), com uma área de aproximadamente 0.2796 km².
Somadas as duas áreas tem-se um total de 0.8159 km². A soma das duas áreas juntas totaliza
78 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

mais da metade de áreas da paisagem da Planície Entre Mares coberta por vegetação
exótica, perfazendo 53% das espécies exóticas da planície apenas nestas duas localidades.
Essa concentração pode vir a ser um problema para as outras áreas naturais do entorno. Na
RESEX-Pirajubaé, por exemplo, já encontramos alguns exemplares de Pinus brotando na
borda do manguezal. É sabido que as sementes aladas do Pinus se espalham com facilidade
e viajam longas distâncias. Logo, as demais unidades de conservação como o Parque
Municipal do Maciço da Costeira e Parque Municipal da Lagoa do Peri e até mesmo o Morro
do Lampião podem ter os seus brotamentos de Pinus advindos destes locais.
As áreas de pastagem da planície, em sua maioria, localizam-se em áreas alagáveis,
porém muitas destas áreas estão com grandes camadas de aterro e pasto por cima. Tal
pastagem em áreas alagáveis são os focos da especulação imobiliária para esta região.
Na tabela 2 pode-se visualizar a relação da porcentagem entre áreas naturais e
áreas urbanas e/ou alteradas na paisagem da Planície Entre Mares.

Tabela. 2. Porcentagem de áreas naturais e alteradas

% porcentagem Natural Urbana


Alterada

36 % x

64 % X

Fonte: Góes (2015).

Segundo Múgica de La Guerra et al. (2002), quando se tem de 10 a 40 % do habitat


destruído, tem-se uma paisagem pontilhada. Assim, a Planície Entre Mares ainda não se
apresenta fragmentada, pois segundo o mesmo autor a fragmentação se dá quando se tem
entre 40 e 60 % do habitat destruído. Tratando-se de uma paisagem pontilhada, isso
representa que ainda existem possibilidades de conectividade.
O percentual de 64% de paisagem natural se deve ao fato de contabilizar a
vegetação de encosta do Maciço da Costeira e o morro do Alto Ribeirão. As encostas entram
como parte da área de estudo, pois a delimitação da área se dá a partir do limite das bacias
hidrográficas do Rio Tavares, Tapera e Morro das Pedras. No entanto, se pensarmos apenas
nas classes da paisagem que se encontram somente na área plana, este porcentual diminui,
de forma que podemos considerar a paisagem já fragmentada.
Biogeografia... desde a América Latina - 79

Pode-se dividir a paisagem em dois seguimentos. No local onde a Rodovia SC 405


passa, fragmenta a paisagem dividindo-a de forma que ao lado direito da Rodovia se tem o
predomínio de uma matriz urbana e do outro lado uma matriz natural.
Todavia, apesar do predomínio dessa matriz natural, observando o zoneamento da
Planície feito pelo Plano Diretor do Município de Florianópolis, a planície provavelmente terá
um grande aumento de ocupação urbana nos próximos anos.
Com o mapeamento realizado nesta pesquisa, pode-se observar que grande parte
desta Planície é constituída de áreas sujeitas a inundações. Isso, devido ao lençol freático
alto e pela forte influência das marés. Os terrenos também são baixos, e com cotas entre um
e três metros além da proximidade com os dois manguezais. Esta área deveria ser prioritária
para a conservação por se tratar de área úmida. Além disso, uma vez que os assentamentos
humanos se instalarem nesta área, ela também se tornará área de risco de enchentes e
alagamentos, como já ocorre em outra área da Planície onde o assentamento urbano
encontra-se em APP nas imediações das areias do Campeche. Diversas ruas no entorno da
lagoa da Chica e adjacências alagam em eventos de muita chuva.
Segundo o WWF (2015), são zonas úmidas, manguezais, estuários, lagoas, lagos,
pântanos e etc. Ao todo são classificados 42 diferentes tipos de zonas úmidas.
Segundo dados do MMA (2015), 64% das áreas úmidas do mundo desapareceram
desde 1900. Este declínio dificulta o acesso à água doce para 192 bilhões de pessoas no
mundo e deterioriza outros serviços ecossistêmicos como o controle de inundações. Ainda
de acordo com o MMA a perda destas áreas se dá, pois são vistas como áreas abandonadas
que deveriam ser aterradas ou drenadas para outros fins. Isto é exatamente o que
observamos nas áreas úmidas da Ilha. Na Planície, outro exemplo de área úmida que foi
drenada é na localidade da Lagoa Pequena quando foi construído, nas proximidades o
Loteamento Novo Campeche. Muitos eucaliptos também foram plantados para secar o
terreno em volta da Lagoa Pequena na década de 80.
De acordo com o MMA (2015), as áreas úmidas são zonas importantes, pois unem
ecossistemas costeiros, previnem erosões, retardam elevações bruscas do nível da água,
aumentam a resiliência dos ambientes às mudanças climáticas, asseguram a disponibilidade
de água e ajudam a recarregar água de aquíferos.
As áreas úmidas na Planície correspondem a um total de 26 %, ou seja, parte
expressiva da Planície.
80 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Comparando com o mapeamento do Plano Diretor - Lei Complementar número 482


de 17 de janeiro de 2014, a maioria destas áreas, aparece como Área de Urbanização
Especial (AUE) – que de acordo com o Plano Diretor são:

Áreas urbanizáveis a partir de projeto amplo, que reserva setor predominante para
preservação ambiental e adensa a área remanescente, criando novas centralidades
caracterizadas pela mescla de funções e espaços humanizados
(FLORIANÓPOLIS, 2014).

Outra parte da Planície que também abrange áreas alagadas encontra-se no local onde
estão sendo executadas obras de acesso ao novo terminal do Aeroporto Hercílio Luz. Esta área é
mapeada como Área Comunitária Institucional (ACI) – de acordo com o Plano Diretor:

São aquelas destinadas a todos os equipamentos comunitários ou aos usos


institucionais, necessários à garantia do funcionamento satisfatório dos demais usos
urbanos e ao bem estar da população (FLORIANÓPOLIS, 2014).

Ou seja, áreas que terão um adensamento urbano alto, e que as vias de acesso
terão grande fluxo de veículos.
No mapeamento de uso e cobertura da terra da Planície mapeou-se 17 classes
temáticas diferentes, de forma que cada uma dessas classes constitui uma mancha na paisagem
em maior ou menor área. No entanto, a mancha da paisagem que mais chamou a atenção
devido a sua grande fragmentação foi a da Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas ou
Floresta de Planície Quaternária. Esta mata está quase extinta na Ilha, já que ocupa as áreas
planas que são aquelas suscetíveis à urbanização. Foram identificados 90 fragmentos de restinga
arbórea na Planície Entre Mares. Estes fragmentos de restinga arbórea, embora alguns fiquem
bem próximos uns aos outros, ainda assim se encontram fragmentados por outras classes da
paisagem, normalmente pela urbanização, de forma que não conseguem manter conectividade
entre si. No geral são todos fragmentos muito pequenos.
Todavia, em torno do Ribeirão da Fazenda, um fragmento de proporções maiores
que os demais se destaca. Com 1,2 km², este fragmento forma um corredor remanescente
de restinga arbórea acompanhando o rio até ser fragmentado pela Rodovia Aparício Ramos
Cordeiro. Este fragmento, apesar de seu tamanho mais expressivo, apresenta um efeito de
borda grande devido ao seu perímetro (18 km) e sua forma bastante alongada como pode
ser visto no recorte do mapa na figura 2.
Biogeografia... desde a América Latina - 81

Figura 2. Recorte do mapa de uso e ocupação da terra com foco no


fragmento de restinga arbórea mais expressiva na paisagm.

Fonte: Góes (2014).

Aplicando-se o Índice de circularidade se tem a forma aproximada do fragmento. A


forma é uma importante característica no estudo de fragmentos florestais, pois está
relacionada com o efeito de borda. Os fragmentos considerados arredondados possuem
valores próximos de 1 e fragmentos alongados possuem valores mais próximos de 0.
Fragmentos mais arredondados são preferíveis, pois estão menos sujeitos ao efeito de borda
já que o centro da área fica mais distante das bordas, desta forma ficando mais protegido de
fatores externos. Logo, mesmo que tenhamos fragmentos de tamanhos iguais, serão as
formas geométricas do fragmento que irão conferir um efeito de borda pequeno ou
acentuado. No caso do Fragmento em questão, visualizando a sua imagem já fica evidente a
sua forma alongada o que lhe confere um efeito de borda maior. Tal forma pode ser
confirmada aplicando o cálculo do Índice de Circularidade ou Índice de borda.
A fórmula para o cálculo do índice de Circularidade com base na metodologia
proposta por NASCIMENTO et al., (2006) é :
IC = 2 . √ π . S / P
Onde:
π = 3,1416
S= área do Fragmento
P= Perímetro do fragmento
82 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Com a aplicação do cálculo chegou-se a um valor de IC= 0,222, ou seja, valor mais

próximo de zero, conferindo uma forma alongada.

Do outro lado da Rodovia Aparício Ramos mais um fragmento de restinga

arbórea acompanha o rio, mas este é um fragmento de proporções menores. O índice de

circularidade para este fragmento é de 0.634, ou seja, o valor já é mais afastado do zero,

intermediário, conferindo à geometria do fragmento uma forma levemente alongada.

À direita deste fragmento tem-se mais um fragmento de restinga arbórea, este, um

pouco maior que o segundo e menor que o primeiro. O índice de circularidade é de 0.456.

Ao fim deste trabalho, tal fragmento apresenta-se um pouco mais fragmentado, devido ao

avanço das obras do acesso ao novo terminal do Aeroporto Hercílio Luz.

De acordo com o novo Código Florestal, Lei número 1265 de 25 de maio de 2012

são Área de Preservação Permanente - APP:

Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar
o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012).

São consideradas áreas de preservação permanente de acordo com o Código Florestal


e que se aplicam à área de estudo e ao mapeamento gerado de APPs para a Planície:

 Faixas marginais de qualquer curso d’água variando de 30 a 500 metros


dependendo da largura do curso d’água, no caso da área de estudo nenhum rio
ultrapassa 10 metros, logo as faixas de preservação são de no mínimo 30 metros;

 No entorno de lagos ou lagoas, no caso das zonas urbanas 30 metros;

 No entorno das nascentes faixas mínima de 50 metros;

 Encostas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na
linha de maior declive;

 Restingas como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

 Manguezais em toda a sua extensão.


Biogeografia... desde a América Latina - 83

Uma consideração importante a se fazer com relação às APPs restinga é que o Código
Florestal não faz menção à área de proteção das restingas conforme a resolução CONAMA nº
303 de 29 de março de 2002. Esta resolução se refere às áreas de preservação permanente de
Restinga em faixa mínima de trezentos metros a partir da linha de preamar máxima.

Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada: IX - nas restingas:


a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar
máxima (BRASIL, 2002).

Se deixarmos de lado este limite de trezentos metros a partir da preamar máxima


para a conservação das restingas, torna-se ainda mais complicado garantir que estas se
mantenham preservadas.
Portanto, o mapa de APPs (figura 03) desta pesquisa se pauta na resolução do
CONAMA nº 303 para mapeamento da APP restinga e não apenas no Código Florestal. Preservar
restingas apenas quando recobertas por vegetação como fixadora de dunas deixa muitas
brechas para a especulação e destruição de tal ecossistema. Torna-se muito fácil explorar,
retirar, ou mesmo atear fogo nas restingas para descaracterizar o ambiente e conseguir se
instalar com a justificativa de não haver ali vegetação e, portanto não caracterizar restinga.
É sabido que o termo restinga vai além do biológico. Restinga é um termo,
sobretudo geológico e por consequência a vegetação que se instala em cima desses cordões
arenosos de origem marinha e eólica se denomina vegetação de restinga. A mesma
resolução do CONAMA 303 em seu segundo artigo define desta forma.

Art. 2º Para os efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições: VIII -
restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmente alongada,
produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades
que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por
dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas
restingas ocorre em mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e
depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo,
arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado (BRASIL, 2002).

Ou seja, diante disso, para todos os efeitos, continuou-se considerando os trezentos


metros no mapeamento desta pesquisa.Com a intenção de desfragmentar ambientes, não
faz sentido algum conservar apenas retalhos. Por sorte e para o bem desta Unidade de
Paisagem da Planície, podemos contar agora com a ampliação dos limites do Parque Natural
Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, que incorporou estas restingas e as duas lagoas
em meio a estas. São poucas as áreas de restinga na Planície que mantêm ainda essa faixa de
trezentos metros conservada.
84 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Com relação às APPs de topo de morro, o zoneamento do Plano Diretor traz alguns
questionamentos por parte da população, pois transformou antigas APPs em APLs – Área de
Preservação com Uso Limitado, e antigas APLs em ARP – Área Residencial Predominante.
No mapa de APPs podemos observar na classe APPs Rios dois principais rios mapeados
na Planície. E, é através deles que são os principais contribuintes da bacia Hidrográfica do Rio
Tavares, que se propõe a criação do principal corredor ecológico da paisagem.
Analisando toda a ecologia da paisagem da Planície Entre Mares, ficou evidente a
necessidade de um corredor ecológico de ligação entre os maciços do Alto Ribeirão que se
conectam com o Parque Municipal da Lagoa do Peri e a conexão com os maciços centrais do
Parque Municipal do Maciço da Costeira. Pelas características analisadas, o corredor mais
viável é um corredor Natural do tipo linear através dos cursos d’água dos dois rios principais
da bacia hidrográfica do Rio Tavares. Além de se aproveitar a conexão natural que estes rios
fazem entre um maciço e outro atravessando toda a Planície, também se utilizam e
preservam o remanescente de vegetação de tamanho maior, composta pela fitofisionomia
de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas. Esta vegetação acompanha boa parte do
Ribeirão da Fazenda. A conectividade através dos rios também conecta com outra unidade
de conservação, a RESEX- Pirajubaé que conserva o manguezal do Rio Tavares.
Figura 3: Mapa de APPs.

Fonte: Góes (2015).


Biogeografia... desde a América Latina - 85

Apenas a preservação das espécies vegetais já justificaria uma conectividade entre estas
três Unidades de Conservação: PMMC, RESEX e PMLP. Mas ainda assim, temos uma fauna que ainda
utiliza este espaço e um dos fragmentos de floresta em vias de extinção na Ilha – a Floresta
Ombrófila Densa de Terras Baixas. Portanto, um corredor linear, recuperando a mata ciliar dos rios
principais da bacia hidrográfica do Rio Tavares e englobando a área de 1,2 km² de fragmento de
vegetação remanescente de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, irá cumprir a tripla função de
corredor ecológico e biológico para a fauna, para a flora e conectar três Unidades de Conservação.
A sugestão é recuperar a mata ciliar destes rios, pois além de estarem preservados
legalmente como APP, estarão estabelecendo a função de corredor ecológico e biológico, com a
possibilidade de reconhecimento diante do Plano Diretor municipal na qualidade de Parque Linear.

Parque linear: áreas que deverão seguir o conceito de recuperação


ambiental das Áreas de Preservação Permanente, compatibilizadas com
as atividades de lazer e recreação, são áreas contínuas com capacidade
de interligar fragmentos florestais e outros elementos de uma paisagem,
como corredores ecológicos, com a agregação de funções de uso
humano compondo, agregando também princípios do desenvolvimento
sustentável (FLORIANÓPOLIS, 2014).

No entanto, o ideal é recuperar as margens dos rios quando possível, mantendo no mínimo
100 metros com vegetação nativa. Esta é a largura mínima para corredores de acordo com a
Resolução Conama nº 09/1996. A proposta de corredor que se faz (Figura 4) é englobando os
fragmentos mais significativos de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas e quando esta
vegetação estiver ausente, ainda Assim recuperar a vegetação mantendo, quando possível, a faixa de
100 metros para cada lado do rio. Ao todo, o corredor principal da Planície (corredor1), percorre
cerca de 12 km na Planície até se encontrar com o corredor 2.
86 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Figura 4: mapa dos corredores ecológicos da Planície Entre Mares.

Organização: Góes (2015).

Desta forma, teremos um corredor biológico conectando áreas de vegetação. No


entanto, ao longo do caminho, estes rios são fragmentados em alguns pontos por estradas e
manchas de urbanização, principalmente perto da ponte do Rio Tavares. Assim, o que
teremos é um corredor com partes contínuas e descontínuas. É ai que se coloca a finalidade
do corredor ecológico.
De acordo com Forman e Gordon (1986), não é necessário termos conexões físicas
evidentes para constituir um corredor ecológico, mas que se permita à paisagem a
conectividade para o desenvolvimento de processos ecológicos. Assim, podemos combinar
os dois tipos de corredores e fazer restauração ou recuperação ambiental para se ter esta
conectividade efetivada.
Outra fragmentação se dá pela nova estrada de acesso ao Aeroporto. Esta fragmenta o
Ribeirão da Fazenda em um ponto, e em outro o mesmo é fragmentado pela Rodovia Aparício
Ramos Cordeiro. Na Rodovia Baldicero Filomeno, este aparece apenas de um lado desta, de
forma que neste ponto, ao lado oposto, se perde em meio às casas na encosta. Apenas pode-se
observar uma “boca de lobo” por onde escorrem as águas do rio passando por debaixo da
estrada, ressurgindo do lado oposto, estando bastante coberto por vegetação.
Biogeografia... desde a América Latina - 87

Neste trecho do rio é importante a realização de limpeza do canal para retirada da


vegetação que o recobre e realizar plantio de árvores nativas para recompor a mata ciliar.
Ao longo de todo o trajeto do Rio Tavares, após a ponte, até chegar à Pedreira no
bairro de mesmo nome, apenas em mais dois pontos se encontram algumas casas. Devido a
à proximidade destas com o rio, não é possível uma margem preservada contemplando os
30 metros de APP. No entanto, entre estas duas concentrações de casas, existe uma área de
pastagem que é interrompida apenas pela Rodovia Luiz Moura Gonzaga - SC 406 e depois
pela Avenida Campeche. Estes pastos conectam o Parque Municipal do Maciço da Costeira
até a Lagoa Pequena e áreas que pertenceram aos novos limites do Parque Municipal das
Dunas da Lagoa da Conceição. E é neste ponto que se pensou em um segundo corredor
ecológico com a função de conectividade entre estas duas Unidades de Conservação.
A necessidade deste corredor se faz não apenas pelo fato de poder conectar duas
UCs, mas porque ainda é a única área da Planície que pode fazer esta ligação antes que fique
estrangulada pela crescente urbanização, pois está sendo construído às margens destes
pastos um shopping, o que mudará bastante a paisagem.
Através dos estudos da fauna da Planície, ficou constatado que este já é um
corredor utilizado pela fauna, principalmente pelo cachorro do mato (Cerdocyon thous).
Propõe-se este segundo corredor ecológico, antes que esta área se perca, e devido à
importância de se manter uma conectividade entre estas duas unidades de paisagem.
A importância deste corredor se dá não apenas pelo fato de ser a única conectividade
possível atualmente entre estas duas UC, mas também porque conecta duas unidades de
paisagem distintas, a Floresta Ombrófila Densa Submontana e a Vegetação de Restinga.
As restingas possuem pouca fauna endêmica, de forma que os animais que vivem
na floresta visitam com frequência a restinga em busca de alimento. Um destes animais é o
cachorro do mato (Cerdocyon thous), que além dos relatos e pesquisas bibliográficas, foi
avistado durante a pesquisa realizando travessias neste local.
Ao todo, o corredor terá uma área de 0,398 km² e um perímetro de 5,068km.
Aplicando-se o índice de circularidade tem-se o valor de IC= 0.441. Visualmente também se
pode perceber que não é um ideal de área para conservação, pois é bastante afetada pelo
efeito de borda. No entanto, independente de tal efeito, este local servirá mais como
travessia do que abrigo de fauna. A Conservação se dará nas duas unidades de paisagem,
Vegetação de Restinga e Floresta Ombrófila Densa Submontana, com a garantia da travessia
da fauna entre um ambiente e outro sem riscos de atropelamento, e estabelecendo-se assim
um corredor plantado do tipo faixa.
88 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Recomenda-se a recomposição da cobertura florestal da área com espécies nativas


de restinga e construção de passagens para a fauna na Rodovia Luiz Moura Gonzaga e
Avenida Campeche, evitando o atropelamento da fauna.

CONSIDERAÇÕES

Esta pesquisa confirmou a hipótese inicial de que há possibilidade de Conectividade


na Planície Entre Mares entre os Maciços do Sul e o Maciço Central. Também propôs uma
nova alternativa de conectividade entre duas Unidades de Conservação que também são
unidades de paisagem distintas. Assim, temos um corredor principal na paisagem do tipo
linear de curso d`água, aproveitando também uma faixa de vegetação remanescente. Um
segundo corredor do tipo faixa em meio as pastagens que deverá ser plantado. Este, além de
manter a conectividade entre duas UC e unidades de paisagem distintas, possibilita a
travessia de animais silvestres como o graxaim identificado nesta pesquisa.
A Planície Entre Mares ainda mantém uma matriz natural com um total de 64% das
classes da paisagem ainda naturais, o que ainda não indica uma paisagem fragmentada, mas
pontilhada. No entanto, deve-se atentar para o fato de que este risco está muito próximo. Se
desconsiderarmos as vegetações de encostas levando em conta apenas as áreas planas
temos uma paisagem já fragmentada.
Os fragmentos da Planície são pequenos, alongados, estando sob intenso efeito de
borda e vulneráveis às pressões antrópicas.
Analisando os índices de circularidade dos fragmentos de vegetação, chegou-se a
conclusão que nenhuma destas áreas isoladamente seria o ideal para conservação, pois
apresentam um efeito de borda muito elevado. No entanto, estas áreas ainda mantêm
vizinhança com outros fragmentos que interligados através de um corredor ecológico,
manteriam a conectividade entre unidades de paisagem e de conservação diferentes.
Este trabalho reforça a premissa citada por Zimmermann & Bierregaard (1986)
apud Pires et al (2006), de que a disponibilidade de habitats favoráveis à reprodução é mais
importante do que a área da reserva em si. Por isso, são tão importantes estes corredores,
fazendo a conectividades entre unidades de paisagem diferentes, visto que aumenta as
possibilidades de deslocamento, reprodução e alimentação da fauna.
Biogeografia... desde a América Latina - 89

Também reforça a premissa da Teoria de Biogeografia de Ilhas (MAC ARTHUR;


WILSON, 1967), de que quanto maior o isolamento, e menor o fragmento, menor a taxa de
imigração e maior a taxa de extinção das espécies. Portanto, a conectividade é importante
para manter as populações de fauna da Planície Entre Mares, citadas nessa pesquisa.
Para a manutenção da diversidade vegetal, ressalta-se a importância do controle de
espécies exóticas principalmente do gênero Pinus na base aérea e na fazenda experimental
já que podem se dispersar para as unidades de paisagem circundantes.
Enfim, os corredores ecológicos nem sempre terão condições de abrigar populações
no seu interior, mas elevam as possibilidades de sobrevivência das espécies. Portanto, é
necessário e urgente a conectividade das unidades de paisagem enquanto ainda há matriz
natural que possibilita tal conectividade.

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Biogeografia... desde a América Latina - 91

Capítulo 6

AVALIAÇÃO DAS PERDAS DE ÁREAS DE DISTRIBUIÇÃO NATURAL E O ESTADO


DE CONSERVAÇÃO DAS LAELIAS (ORCHIDACEAE) NO MÉXICO

Héctor Miguel Huerta Espinoza20


Andrea Juárez Sánchez21
Gerardo Adolfo Salazar22

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre mudanças de cobertura e uso do solo (CCUS -pe A sig A em


espanhol) para o México são abundantes, particularmente para bosques tropicais e florestas
temperadas (BOCCO et al., 2001; DÍAZ GALLEGO; MAS, 2008; DIRZO; GARCÍA, 1991; TREJO;
HERNÁNDEZ, 1996; TREJO; DIRZO, 2000). Isto não resulta estranho, por serem os bosques
tropicais, seguidos pelas florestas temperadas, os ecossistemas mais afetados pelo
desmatamento (MANCERA et al., 1997; apud BOCCO et al., 2001). É importante analisar essa
situação, devido a que a maior concentração da diversidade florística se concentra nos dois
ecossistemas (21 000 das 27 000 espécies para o México, segundo Rzedowski, 1993), além de
que representam quase 50% das cobertas vegetais originais do México (RZEDOWSKI, 1990).
Assim, cartografar e quantificar a partícula de conversação humana sobre as coberturas
naturais por efeito das atividades antrópicas resulta importante para o entendimento das
causas que motivam a mudança, as consequências destas, assim como para realizar propostas
para atender a referida problemática.
Para isso, como indicador ambiental, usaram-se sistemas de informação
geográfica (SIG) em conjunto com o modelado de distribuição das espécies (SDM, por suas
siglas em inglês), que é uma ferramenta que permite converter pontos individuais do
espaço geográfico, tal como os registros das coleções biológicas (denotados por uma
20
Posgrado en Geografía, Universidad Nacional Autónoma de México. E-mail: hectormhe@gmail.com
21
Posgrado en Geografía, Universidad Nacional Autónoma de México. E-mail: andjs15@gmail.com
22
Prof. Dr. do Instituto de Biología, Universidad Nacional Autónoma de México. E-mail: gasc@ib.unam.mx
92 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

coordenada geográfica) em distribuições espaciais das espécies sob modelação, ao


procurar uma relação matemática ou lógica entre os dados disponíveis sobre a distribuição
de uma espécie e diferentes variáveis que descrevem as condições ambientais nas quais
vivem, extrapolando essa relação ao resto da área de estudo (PETERSON et al., 2011) com
o propósito de predizer áreas de distribuição potencialmente adequadas para a presença
de espécies do gênero Laelia (H.B.K.) Lindley. Esse é um grupo de orquídeas epífitas cuja
presença está vinculada intrinsecamente à existência de cobertas arbóreas original; com a
finalidade de calcular o tanto que essas áreas de distribuição potencial têm sido
perturbadas ou destruídas pelo CCUS, além de avaliar seu estado de conservação e risco
de extinção, sob dois sistemas: o Método de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies
Silvestres no México (MER–pelas siglas em espanhol-) conteúdo na NOM-059-SEMARNAT-
2010 (SEMARNAT, 2011) e segundo os critérios da União Internacional para a Conservação
da Natureza (UICN, 2012).
Elegeu-se como grupo biológico modelo as espécies do género Laelia (no sucessivo
também referido como laelias; L. albida, L. anceps subsp. anceps, L. anceps subsp. dawsonii ,
L. aurea, L. autumnalis, L. crawshayana, L. eyermaniana, L. furfuracea, L. gouldiana, L.
halbingeriana, L. rubescens, L. speciosa e L. superbiens) por: a) ser um grupo de orquídeas
com flores conspícuas e essencialmente pertencentes só ao México, b) ser um gênero bem
conhecido biologicamente, c) pelo aproveitamento que se faz das suas flores, que faz da
Laelia o gênero de orquídeas mais explorado no México e devido d) aos diversos usos desse
gênero em grande parte do território mexicano.
Este trabalho é novo, porquanto não existem trabalhos deste tipo em escala
nacional nos quais se tome como caso de estudo as espécies vegetais. No entanto, essa
metodologia tem sido aplicada previamente a outros grupos biológicos e a outras escalas
geográficas no México, particularmente para mamíferos e aves (SÁNCHEZ CORDERO et al.,
2005; PETERSON et al., 2000; PETERSON et al., 2006; RÍOS MUÑOS; NAVARRO SIGÜENZA,
2009). Este estudo pretende gerar informação básica que ajude como base para o
planejamento de programas de conservação e/ou restauração eficiente, particularmente
aplicável ao gênero Laelia, mas extrapoláveis a outros grupos de organismos que partilhem
os habitats onde se desenvolve este gênero de plantas (principalmente bosques de carvalho
ou pino-carvalho e bosques tropicais perenifólios, sub-caducifólios e caducifólios
(HALBINGER; SOTO, 1997).
Biogeografia... desde a América Latina - 93

MATERIAIS E MÉTODOS

Dados da presença das espécies

Recorreu-se a distintas fontes de informação com a finalidade de obter o maior


número de registros documentados dos tipos das espécies de Laelia no México. A base de
dados ficou construída principalmente a partir dos registros depositados nas distintas
coleções biológicas (herbários AMO e MEXU), embora de forma complementar foi obtida
informação de bases de dados públicas disponíveis on-line (Global Biodiversity Information
Facility (GBIF), http://www.gbif.org; Missouri Botanical Garden-Tropicos,
http://www.tropicos.org; Red Mundial de Información sobre Biodiversidad (REMIB),
http://www.conabio.gob.mx), assim como da literatura (HALBINGER; SOTO, 1997;
McVAUGH, 1985).
A base de dados construída foi depurada geograficamente e de forma
taxinômica, com a finalidade de trabalhar com dados da melhor qualidade possível. Por
essa razão eliminaram-se os registros que não conseguiram ser georreferenciados
mediante uma coordenada geográfica e aqueles nos quais a identidade taxinômica não
logrou ser definida com clareza, isso com o apoio de especialistas nessas espécies.
Adicionalmente, se excluíram os registros duplicados com a finalidade de evitar vieses
nas modelações sobre representação de localidades e dos exemplares procedentes de
cultivo, já que o local onde é cultivado não necessariamente corresponde com a área de
distribuição natural da espécie.
A exceção foi Laelia gouldiana, da qual se usaram os registros existentes, embora
todos procedem de material cultivado, devido a que é uma espécie extinta no meio silvestre
e cuja distribuição natural desconhece-se (HALBINGER; SOTO, 1997), mas que sobrevive
graças a essa prática. Deve-se chamar a atenção aqui que os resultados referentes a esta
espécie em particular devem se tomar com precaução pela situação. A base de dados final
obtida após, esteve constituída por 483 registros únicos de laelias no México. Houve
notáveis diferenças quanto ao número de registros por espécie, já que mudou de quatro no
caso de L. aurea e L. gouldiana a 137 para L. autumnalis.
94 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Variáveis ambientais

Como variáveis ambientais se usaram as coberturas climáticas e topográficas de


WorldClim (HIJMANS et al., 2005). Sua eleição foi por ser um recurso gratuito e sua
resolução espacial (aproximadamente 1 km no equador) é coerente com a escala geográfica
do trabalho e as variáveis têm um sentido biológico por ter una influência direta sobre a
distribuição de plantas (AUSTIN, 2007), uma vez que não só reflete precipitações e
temperatura, mas também mostra suas variações ao longo do ano.
Das vinte e duas variáveis disponíveis só se usaram nove (isotermalidade,
oscilação anual da temperatura, precipitação anual, estacionariedade da precipitação,
precipitação do quadrimestre mais cálido, precipitação do quadrimestre mais frio, altura,
orientação de encostas e inclinações; as últimas duas foram construídas a partir do
processamento em SIG do modelo digital de elevação obtido de WorldClim) uma vez qu e
foram submetidas a uma análise estatística de correlação (r de Pearson), onde foram
provadas as correlações por duplas de variáveis e selecionadas só aquelas que não
sobrepassaram o limite de 0.7, independentemente do sentido da correlação. Este
umbral de correlação foi selecionado seguindo os padrões encontrados na literatura
(PLISCOFF; FUENTE CASTILLO, 2011; SILLERO et al., 2010; YÁÑEZ ARENAS et al., 2012).

Modelado de distribuição de espécies

Com as diferenças entre o número de registros por espécies, justifica-se o uso de


dois algoritmos preditivos: Maxent (PHILLIPS et al., 2006) e GARP (genetic algorithm for rule-
set production; STOCKWELL; NOBLE, 1992). Isso se deve a que autores como Papes e
Gaubert (2007) e Batista et al. (2014) apontam que o algoritmo GARP é mais eficiente que
Maxent para modelar distribuições potenciais quando o número de registros é pequeno.
Aliás, ambos são os mais frequentemente utilizados em trabalhos desse tipo, pelas robustas
predições que arrojam (PETERSON et al., 2000, 2006; PHILLIPS et al., 2006; SÁNCHEZ
CORDERO et al., 2005; YÁÑEZ ARENAS et al., 2012).
O processo de modelado de todas as espécies se realizou com os dois algoritmos e
com partições de dados (percentagem de pontos de treinamento / percentagem de pontos
de prova) de 100/0 para Laelia anceps subsp. dawsonii, L. aurea, L. crawshayana, L.
gouldiana, L. halbingeriana e L. superbiens, devido aos poucos registros obtidos para as
primeiras (n≤ 12) e de 50/50 para o resto das espécies. Para os dois algoritmos e para todas
Biogeografia... desde a América Latina - 95

as espécies se realizaram 100 réplicas com a amostragem, com as quais se construiu um


modelo consenso para cada taxa.
Os modelos de Maxent se apresentaram num formato binário (igual que os de
GARP), mediante a eleição do umbral que tolera até 10% de erro de omissão. Os demais
parâmetros se deixaram do mesmo jeito como foram sugeridos por cada um dos algoritmos.
Só se selecionaram os melhores modelos para cada espécie em função da avaliação
estatística (valor AUC) e a valoração crítica das distribuições previstas por parte de
especialistas na história natural das espécies.

Utilização dos modelos

Antes de obter os modelos preditivos, estes foram processados em SIG com o


objetivo de reduzir as áreas de múltipla predição. Para isso se procedeu a excluir aquelas
áreas prognosticadas que não se encontravam dentro das províncias biogeográficas
(CONABIO, 1997) que tinham localidades de colheita confirmadas para cada uma das
espécies; este proceder é apoiado por autores como Soberón e Peterson (2005). Os modelos
processados para cada taxa foram denominados: áreas de distribuição potencial (ADP).
Já que os modelos preditivos fazem inferências da distribuição das espécies sob um
cenário de um território não explorado de modo antrópico de nenhuma forma, em consequência
as coberturas vegetais se encontram em seu estado original e o pretendido aqui é conhecer o
impacto que têm as ações humanas sobre as laelias, empelou-se a cartografia de Uso do Solo e
Vegetação, Série IV (INEGI, 2009) para conhecer quais coberturas atuais não são compatíveis com
os requerimentos das espécies. Por isso, se procedeu a gerar um mapa com duas categorias de
informação dentro de SIG: área adequada e área não adequada para a presença de laelias. Ao se
tratar de um gênero de orquídeas que vivem sobre as árvores que lhes dão suporte, é lógico
pensar que em ausência de coberturas arbóreas (florestas e bosques) as espécies epífitas
especificamente também estarão ausentes. Ante essa circunstância, foram classificados como
coberturas adequadas os distintos tipos de vegetação considerados florestas e bosques primários,
assim como seus estados secundários de tipo arbóreo, segundo a classificação de Velázquez et al.
(2002). A eleição dos tipos de vegetação a considerar guiou-se pelo reportado na literatura como
ambientes adequados para a presença das espécies de Laelia (HALBINGER; SOTO, 1997).
Consequentemente e para cada uma das espécies, se procedeu a realizar aritmética
de mapas: ao ADP lhe foi extraída a área não adequada, resultado denominado áreas de
distribuição existente (ADE); seguidamente à ADP lhe foi extraída a ADE, resultado
denominado área de distribuição destruída (ADD). Além de contabilizar a superfície das ADP,
96 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

ADE e ADD e com a finalidade de avaliar a efetividade do sistema de áreas naturais


protegidas (ANP) de administração federal, estatal e municipal (CONANP, 2013; BEZAURY
CREEL et al., 2009a, 2009b) na proteção das laelias, se quantificou as ADE que são
resguardadas atualmente pelas ANP (as de índole estatal e municipal foram trabalhadas
como uma unidade só, denominada ANP não federais).
Por último se avaliou o risco de extinção a todas as laelias mexicanas de acordo às
disposições marcadas pelo Método de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies Florestais
no México (MER) contido na NOM-059-SEMARNAT-2010 (SEMARNAT, 2011), já que não
todas as espécies de Laelia têm sido avaliadas e as que já foram avaliadas e sistematizadas
em essa norma, foi a partir da sua valoração com uma versão do MER anterior. Aliás, se
avaliou o risco de extinção de acordo com os critérios da União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN, 2012).

RESULTADOS

Modelo de distribuição de espécies

O processo do modelado com os dois algoritmos usados mostrou que, como outros
autores afirmam, o GARP tem um melhor desempenho que o Maxent, quando a
disponibilidade de registros por espécies é baixa (PAPES; GAUBERT, 2007; BATISTA et al.,
2014). Deste modo, segundo a avaliação do estatístico AUC e o critério de especialistas em as
espécies, os melhores modelos para Laelia anceps subsp. dawsonii, L. aurea, L. crawshayana,
L. gouldiana, L. halbingeriana e L. superbiens proviam de GARP (AUC≥ 0.777), no entanto,
Maxent foi melhor para L. albida, L. anceps subsp. anceps, L. autumnalis, L. eyermaniana, L.
furfuracea, L. rubescens e L. speciosa (AUC≥ 0.977).

Perda de áreas de distribuição natural

Segundo os resultados obtidos, referidos ao ano 2007 da cartografia existente


(INEGI, 2009), um exame das cifras absolutas da Tabela 1, deixa ver uma clara correlação
entre a área de distribuição potencial (ADP) e a porcentagem de perda: as espécies que
apresentaram uma maior ADP foram as que mostraram uma maior área de distribuição
destruída (ADD), no entanto, as de menor ADP tiveram uma menor redução da sua
superfície (r= 0.88). Em porcentagem se tem uma perda média de 58.57% do ADP das laelias,
mas em nível de espécie se tem importantes mudanças, ao igual se fosse expresso em
termos espaciais dentro do México (tabela 1).
Biogeografia... desde a América Latina - 97

As laelias de zonas montanhosas temperadas (segundo a sociedade do Huerta e


Salazar, 2013) coincidem espacialmente em grande medida entre elas. Laelia eyermaniana
no sul de Durango, este de Nayarit e norte de Jalisco (Mapa 1) é simpática com L. speciosa
e L. albida em áreas onde existem importantes extensões de bosques primários (ou
existiam até 2007) e vegetação secundária em estado arbustivo e com relativamente
pouca destruição das coberturas naturais. Laelia speciosa é a única espécie desse grupo
que se propaga até a Sierra Madre Oriental por meio do eixo vulcânico transversal; a forma
de sua distribuição faz um “U”, amplia e bordeia as províncias biogeográficas Altiplano
Norte e Altiplano Sul (CONABIO, 1997). Visivelmente a fração ocidental de ocupação dessa
espécie tem sido a menos afetada, seguida pela seção oriental, que tem sido alterada
medianamente nos estados de Tamaulipas e Hidalgo, embora é na Sierra Madre Oriental
onde se conta com as principais superfícies de distribuição contínua sobre vegetação
primária (Tamaulipas e San Luis Potosí) (Mapa 1 ).

Tabela 1. Cálculo da redução de áreas de distribuição das laelias para 2007 no México e da área que é
resguardada pelos distintos sistemas de áreas naturais protegidas. ADE: área de distribuição existente total,
ADEp: área de distribuição existente em vegetação primária, ADEs: área de distribuição existente em vegetação
secundária, ADP: área de distribuição potencial, ANP: área natural protegida.

Fonte e Organização: Huerta (2014).


98 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Mapa 1. Distribuição das laelias resultante das mudanças de cobertura e usos dos solos (CCUS) [esta página e a
seguinte]. A superfície vermelha representa áreas de distribuição existentes (ADE), de vegetação primaria tanto
como de vegetação secundaria de tipo arbóreo e as áreas azuis as áreas de distribuição destroidas (ADD). A
escala gráfica é a mesma para todos os casos. A: L. albida, B: L. anceps subsp. anceps, C: L. anceps subsp.
dawsonii, D: L. aurea, E: L. autumnalis, F: L. crawshayana, G: L. eyermaniana, H: L. furfuracea, I: L. gouldiana, J:
L. halbingeriana, K: L. rubescens, L: L. speciosa, M: L. superbiens. Fotografías de Gerardo Salazar.

Organização: Huerta (2014).

Ao sudoeste da distribuição de Laelia speciosa e sul da de L. eyermaniana, ao este e


centro do estado de Jalisco e sul de Nayarit, também se localizam outras três espécies: L.
anceps subsp. dawsonii, L. autumnalis e L. crawshayana. Aqui, embora a existência de diversas
ANP, existe uma importante perda da cobertura vegetal original dentro delas, devido a sua
transformação principalmente em coberturas secundárias arbustivas, seguidas pelas
coberturas agrícolas – pecuárias - florestais. Das laelias de zonas montanhosas, o táxon que
Biogeografia... desde a América Latina - 99

mais resultou afetado percentualmente pelas mudanças de cobertura e uso do solo (CCUS)
foi L. anceps subsp. dawsonii, seguidas por L. autumnalis e L. albida e ocupam o 2°, 3° e 4°
lugar em perda de ADP, respectivamente. Ao continuar ao sudeste, no limite meridional de
L. eyermaniana e principal zona de distribuição para L. speciosa, L. autumnalis e L. anceps
subsp. dawsonii e uma importante porção para L. albida, se aprecia uma ampla porção do
território mexicano sem coberturas originais, dada sua transformação em áreas de
produção agrícola – pecuária - florestal.
Essas laelias, ao terem preferência pelas florestas temperadas não estão
representadas na região biogeográfica da Depresión do Balsas e sua continuidade ao sul se
deu através da província do eixo vulcânico (L. autumnalis e L. speciosa) ou a Sierra Madre do
Sur (L. albida, L. anceps subsp. dawsonii e L. furfuracea). Porém pode-se indicar de forma
generalizada, que as duas províncias estão fortemente desflorestadas graças a que só
existem vestígios de vegetação primária nas partes altas das montanhas presentes nas duas.
As principais causas da transformação, de forma descendente são CCUS a coberturas
agrícolas - pecuárias - florestais, coberturas vegetais secundárias em estado arbustivo e
vegetação induzida, situação particularmente acentuada na região centro do estado de
Oaxaca; não é estranho que as três espécies que habitam esse estado (L. albida, L. anceps
subsp. dawsonii e L. furfuracea) pressentem perdas superiores à media para as espécies do
gênero. Aliás, no caso de L. furfuracea seus ADE se encontram, em sua maior parte, sobre
coberturas de bosque secundário (só o 32% localiza-se nas coberturas vegetais primárias).
Para as laelias de zonas tropicais úmidas o principal motivo da redução de seus
habitats tem sido as atividades agrícolas – pecuárias – florestais (Tabela 2), onde o caso mais
significativo de mudanças foi para L. anceps subsp. anceps, já que essas atividades afetaram
o 63.67% do seu ADP no país. No caso da L. halbingeriana e L. superbiens as atividades agro-
pecuárias também foram determinantes na redução dos seus ambientes naturais nos
57.03% e 39.27%, respectivamente.
A segunda mais importante transição de coberturas na distribuição das laelias de
zonas tropicais úmidas foi na vegetação secundária em estado arbustivo, que em seu
conjunto com as coberturas agrícolas – pecuárias - florestais provocaram pelo menos 78%
da perda em cada uma das espécies. A transformação da vegetação natural é tal nessa
100 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

região do país, que o ADE da Laelia halbingeriana localiza-se principalmente sobre


coberturas secundárias em estado arbóreo, precisamente em 52.75% e 47.87% para o caso
de L. superbiens; em L. anceps subsp. anceps representa 27.03%, provavelmente
explicados por sua mais ampla distribuição (em comparação com as outras duas espécies),
existindo uma significativa diferença do grau de degradação entre as porções norte e sul
da sua área de distribuição na região sul e menor na norte).
Entre as laelias de zonas tropicas sub-úmidas, L. rubescens apresenta a maior
redução da área de distribuição em termos de superfície; aliás, o fato de que, igual a
espécies como L. halbingeriana e L. furfuracea, seu ADE se espalhe em maior parte sobre
coberturas secundárias em estado arbóreo (uns 65.29%). A causa dessa redução, como
sucede em todas as demais espécies do gênero Laelia, é o CCUS para coberturas agrícolas
– pecuárias - florestais. Porém, Laelia áurea resultou estar entre as espécies melhores
situadas quanto à redução de seu ADP, já que percentualmente e na ordem decrescente,
foi a penúltima de todo o gênero (L. eyermaniana é a última). As duas espécies desse
grupo coincidiram na segunda causa de perda de superfícies, a transformação das florestas
para vegetação em estado secundário arbustiva. Esta perda representou os 27.41% em
Laelia aurea e o 30.53% em L. rubescens. Quanto à sua distribuição de vegetação em
estado secundário arbóreo, para L. áurea essa superfície representou 26.85%, muito
inferiores ao cálculo para L. rubescens (65.29%); contudo, para as duas existiu uma clara
concentração das mencionadas áreas em regiões particulares do México. A presença L.
áurea se acentuou na porção central e sua distribuição, no centro norte de Nayarit e sul de
Sinaloa; e em L. rubescens basicamente em toda a península de Yucatán (Tabela 2).
Biogeografia... desde a América Latina - 101

Tabela 2. Três principais coberturas antrópicas resultantes da transformação de áreas de distribuição potencial
(ADP) em áreas de distribuição destruída (ADD) por espécie, segundo a carta de uso do solo e vegetação (INEGI,
2
2009). Os números superiores indicam porcentagens e os inferiores milhares de km .

Agrícola, Floresta
Arbustos Selva sec. Vegetação Perda
Espécie pecuária, sec. Outras
xerófilos arbustiva induzida total
florestal arbustivo
39.41 29.09 17.42 14.08 100
L. albida
21.25 15.69 9.39 7.59 53.92
L. anceps 63.67 17.34 8.78 10.21 100
subsp. anceps 7.95 2.16 1.09 1.27 12.49
L. anceps
39.85 28.59 18.49 13.07 100
subsp.
8.87 6.36 4.11 2.91 22.26
dawsonii
45.73 14.48 27.41 12.37 100
L. aurea
3.76 1.19 2.25 1.01 8.22
48.92 23.48 13.16 14.44 100
L. autumnalis
14.82 7.11 3.98 4.37 25.93
L. 22.16 52.99 18.39 6.45 100
crawshayana 0.43 1.04 0.36 0.12 1.97
L. 30.44 27.01 16.93 25.62 100
eyermaniana 17.25 15.31 9.59 14.52 56.69
28.52 43.57 24.00 3.92 100
L. furfuracea
2.88 4.40 2.42 0.39 10.11
17.84 20.41 32.79 28.96 100
L. gouldiana
1.12 1.29 2.07 1.83 6.32
L. 57.03 30.06 7.23 5.69 100
halbingeriana 1.35 0.71 0.17 0.13 2.37
46.42 8.41 30.53 14.63 100
L. rubescens
51.30 9.29 33.74 16.17 110.51
35.21 26.36 12.45 25.98 100
L. speciosa
16.37 12.26 5.79 12.08 46.51
39.27 39.36 11.69 9.68 100
L. superbiens
5.14 5.15 1.53 1.26 13.09
41.18 22.14 0.56 12.65 7.45 17.20 100
Pérdida total
152.560 82.01 2.07 46.86 27.60 63.71 370.46
Fonte e Organização: Huerta (2014).

A situação da Laelia gouldiana é complicada de interpretar por distintos fatores.


Segundo os resultados obtidos, é a espécie de Laelia que mais viu reduzida a sua área de
distribuição, além de ser uma das espécies com menor ADP. Mas ao examinar qual foi a
principal cobertura que substituiu a área preestabelecida como a original (a partir dos
registros exemplares cultivados, pois não se conhecem grupos naturais), observa-se que esta
transição é impossível (para matagal xerófilo primário). Isto reflete primeiro a importância
102 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

de se trabalhar exclusivamente com registros procedentes de espécimes procedentes do


meio natural e resulta evidência que a modelação levada a cabo aqui só representa uma
simples especulação sobre o provável ADP.

Estado de conservação

Os dados mostram (Tabela 3) que todas as espécies do gênero se encontram


representadas dentro de alguma ANP federal e em 12 dos 13 casos, dentro de alguma ANP
não federal. Desse modo, indicam uma maior relevância às ANP de índole federal que ás
que não são federais na proteção de todas as espécies de Laelia. Por exemplo, L.
eyermaniana foi a espécie com a maior superfície de ADE dentro de ANP federais com uma
área de 15. 272 km2, no entanto, a espécie melhor resguardada em ANP não federais (L.
rubescens) tem uma superfície protegida de 4.435 km 2. Em termos percentuais as
diferenças são também notórias: L. halbingeriana foi a melhor situada neste item, com
26.26% de ADE em ANP federais; contudo, também foi a pior posicionada em ANP não
federais ao não ter presença alguma dentro delas. Percentualmente e segundo o gênero,
pode-se observar uma clara diferença na relevância das ANP federais e das não federais.
As primeiras resguardam os 14.95% de ADE (3.481,94 km 2) enquanto na segunda só os
2,70% (650.64 km2) de todo o gênero (Tabela 3).
Na avaliação do risco de extinção para as espécies de Laelia segundo os quatro
critérios considerados pelo atual Método de Avaliação do Risco de Extinção de Plantas no
México (SEMARNAT, 2010), características da distribuição geográfica, características do
habitat, vulnerabilidade biológica intrínseca e impacto da atividade humana), obteve-se que
a maior parte das espécies do gênero devem ser consideradas em alguma categoria de risco
de extinção (Tabela 3). Os critérios mais determinantes nesta avaliação, e de fato
diretamente interpretados dos resultados deste trabalho foram as características da
distribuição geográfica (que toma em consideração a área de distribuição existente (ADE), o
número de localidades conhecidas, presença em distintas províncias biogeográficas, etc.) e o
impacto da atividade humana (que avalia a fragmentação, modificação, destruição do ADP,
etc.). É importante destacar o caso de Laelia speciosa, que segundo a avaliação realizada,
deveria ser excluída da listagem de espécies em risco de extinção; enquanto a L. superbiens
deveria ser marcada com um nível menor de risco.
Biogeografia... desde a América Latina - 103

Tabela 3. Risco de extinção das espécies do gênero Laelia no México. De maior ao menor risco de acordo ao
MER, E: provavelmente extinta no meio silvestre, P: em perigo de extinção, A: ameaçada, Pr: sujeita a proteção
especial. De maior ao menor risco segundo a UICN, EW: extinta em estado silvestre, CR: em perigo crítico, EN:
em perigo, VU: Vulnerável.

MER UICN

Espécie Categoria Categoria


Categoría atual
proposta proposta

L. albida
L. anceps subsp. anceps VU
L. anceps subsp. dawsonii P P CR
L. aurea PR VU
L. autumnalis PR VU
L. crawshayana A EN
L. eyermaniana
L. furfuracea PR VU
L. gouldiana E E EW
L. halbingeriana PR EN
L. rubescens
L. speciosa PR

L. superbiens A PR VU

Fonte e Organização: Huerta (2014).

De acordo com os critérios estabelecidos pela União Internacional para a


Conservação da Natureza (UICN, 2012), são nove espécies que devem figurar em alguma
categoria de risco de extinção, a qual avalia cinco aspectos (redução do tamanho
populacional, tamanho da distribuição geográfica, pequeno tamanho da população e sua
diminuição, populações muito pequenas ou restringidas e uma análise quantitativa). Aqui o
critério que teve maior relevância na proposta de categorização que se apresenta foi o
reduzido tamanho das distribuições geográficas das espécies para seis dentre as nove
espécies. De modo geral, aprecia-se que existe correspondência entre o nível de risco das
espécies para os dois métodos, segundo a hierarquia que tem cada categoria. Para o caso
dos critérios da UICN, evidência-se a situação da L. anceps subsp. anceps, a qual cumpre os
parâmetros para ser inclusa na listagem vermelha da UICN.
104 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

No presente trabalho se utilizaram modelos de distribuição de espécies (SDM) para


predizer a distribuição de um grupo de plantas epífitas com a finalidade de avaliar a
diminuição das superfícies de distribuição como consequência da mudança de cobertura e
uso de solo (CCUS); estudos anteriores fizeram análises similares sobre mamíferos e aves
(SÁNCHEZ CORDERO et al., 2005; PETERSON et al., 2006; RÍOS MUÑOZ; NAVARRO SIGÜENZA
2009; YÁÑEZ ARENAS et al., 2012). Os procedimentos usados aqui não diferem em grande
medida dos trabalhos citados; porém, o grupo biológico considerado como caso de estudo
aqui, é totalmente distinto e, segundo a revisão de literatura realizada, este trabalho é o
primeiro com esse enfoque aplicado às orquídeas, por isso foi preciso realizar algumas
adequações de acordo com a história natural particular dessas plantas.
No trabalho do Yáñez Arenas et al., (2012) avalia-se o grau de fragmentação do
habitat de duas espécies de mamíferos e qualifica-se a quantidade e superfície das
manchas de vegetação adequada para a permanência das espécies, descartando aqueles
cuja superfície não alcança o patamar definido por especialistas. Para o caso das laelias
não foi possível estabelecer uma superfície umbral, por causa da falta de existência de
propostas na literatura sobre essa superfície e a causas inerentes da própria história
natural dessas espécies, como sua estreita dependência da presença de árvores que
constituem seus suportes. A existência de só uma árvore restante pode representar a
unidade espacial mínima para a existência de muitas espécies de orquídeas, ao poder essa
árvore suportar a vários indivíduos de epífitas, os quais podem servir como fontes para a
colonização de outras árvores presentes nas áreas perto graças às sementes diminutas,
produzidas em grandes quantidades e dispersadas pelo vento. Aqui se considerou uma
área 1 km2 (o tamanho de um pixel na cartografia digital utilizada).
A origem da cartografia utilizada pela avaliação da redução das áreas de distribuição
pelo CCUS também divergem da utilizada nos trabalhos anteriores. Yáñez-Arenas et al., (2012)
encontraram o mesmo inconveniente que foi encontrado aqui referente à antiguidade da
cartografia das coberturas vegetais e do uso do solo. A Série IV das cartas de Uso de Solo e
Vegetação do INEGI foi publicada no ano de 2009, mas faz referência ao estado que teve a
superfície do país no ano de 2007 e é quase seguro que o CCUS, nos dias de hoje, seja ainda
maior em muitas regiões de México onde habitam as laelias.
Biogeografia... desde a América Latina - 105

Uma situação que é abordada nos trabalhos anteriores (SÁNCHEZ CORDERO et al.,
2005; PETERSON et al., 2006; RÍOS MUÑOZ; NAVARRO SIGÜENZA 2009; YÁÑEZ ARENAS et al.,
2012) é a importância das áreas naturais protegidas (ANP). As ANP exercem um papel crucial
na conservação da biodiversidade; contudo, a concessão desse título a um local em particular
não tem garantido, em muitos casos, a contenção do processo de CCUS dentro delas, como
demonstra Figueroa et al. (2011). Junto com o anterior, tem que se considerar a problemática
adicional que representa a extração de indivíduos das espécies de Laelia do meio natural para
o comércio ilegal (HÁGSATER et al., 2005).
As laelias distribuem-se de distintas formas ao longo dos pouco mais de 500.000
km2 no México e, portanto, a redução de sua distribuição tem sido afetada de maneira
diferenciada, sem mencionar que os esforços para a conservação da biodiversidade
(refletidos no sistema de áreas naturais protegidas) resguardam de modo distinto a distintas
espécies de Laelia no território mexicano. A ocupação humana do centro e sul do país
sempre tem acontecido com maior intensidade que nas outras regiões. Por outro lado, a
melhor conservação de coberturas vegetais originais no norte da distribuição do gênero,
pode acontecer em parte à declividade acentuada que tem limitado a fixação dos centros de
população e ao desenvolvimento de grandes superfícies agropecuárias; só ver o caso da
Sierra Madre Occidental, devido a que existem muito poucas vias de comunicação terrestres
para atravessar. Apesar de não ser atrativa para estabelecer atividades agropecuárias ou
localidades urbanas, a declividade acentuada não é impedimento para o estabelecimento
das atividades florestais e minerais. Muito provavelmente, grande parte das áreas de
coberturas naturais perdidas nesta serra, assim como a porção norte da Sierra Madre
Oriental, são produto da atividade florestal, pois os estados de Chihuahua e Durango
concentram 45% deste tipo de exploração no país (SEMARNAT, 2012), embora não se pode
negar o papel da, sempre presente, atividade agrícola de subsistência.
A situação particular experimentada pelas espécies próprias de ambientes tropicais
(Laelia anceps subsp. anceps, L. halbingeriana, L. rubescens e L. superbiens) não difere em
grande medida do conjunto de espécies de ambientes temperados. A situação de L. anceps
subsp. anceps é crítica nas áreas de distribuição do estado de Veracruz (o principal estado
onde se distribuía originalmente), já que a magnitude da transformação das coberturas
vegetais originais é considerável. SEMARNAT (2009) aponta que esse estado só conserva
19% de sua vegetação original. A perda das coberturas naturais nas regiões tropicais do país,
106 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

em grande parte, é consequência das políticas governamentais das décadas passadas ao


sudeste, basicamente pelos Programas de Desenvolvimento Agropecuário do trópico úmido
mexicano, que em grande medida é responsável da destruição da vegetação arbórea para
abrir espaço a atividades agropecuárias; isto representa quase 50% da superfície original
para o caso das florestas na região sudeste do país (aproximadamente nove milhões de
hectares entre 1940 e 1980; CHALLENGER, 1998).
A província biogeográfica do Eixo Vulcânico resultou ser a que alberga a maior
diversidade de laelias, mas, ao mesmo tempo, é uma das províncias biogeográficas que mais
superfície de coberturas vegetais naturais perdeu. Isto significa que as espécies presentes no
Eixo Vulcânico tiveram reduzidas as suas áreas de distribuição significativamente; porém
esta situação é mais relevante se falamos de espécies com distribuição restrita nessa
província, como seria o caso da Laelia crawshayana. Apesar disso, a perspectiva de
permanência parece ser boa dado a localização das suas populações nas serras de difícil
acesso, além do fato de que uma superfície importante da sua distribuição encontra-se
protegida nos ANP federais.
Numa circunstância distinta encontra-se a Laelia furfuracea, e em menor medida a
L. halbingeriana, outras das espécies consideradas endêmicas; as duas presentes no estado
de Oaxaca, estado com a maior biodiversidade do país, porém, com a menor superfície
protegida no ANP. O fato de que uma espécie seja endêmica a uma área reduzida a faz
intrinsecamente vulnerável à extinção; por essa razão, o planejamento das estratégias de
conservação, incluindo propostas de ANP, deve considerar a inclusão da maior quantidade
possível de espécies nessa situação.
Dos resultados obtidos conclui-se que a transformação da vegetação original no
México é uma problemática alarmante e generalizada em todo o território, quando se trata
do planejamento da conservação e que estas transformações estão significativamente mais
acentuadas sobre as associações vegetais arbóreas. A afetação sobre as espécies de Laelia
deu-se de forma diferenciada ao longo da sua distribuição no México; contudo, as maiores
áreas destruídas corresponderam à região onde se concentra a mais alta diversidade do
gênero, como é a província biogeográfica do Eixo Vulcânico, que ao mesmo tempo é a região
mais densamente povoada do país.
Adicionalmente, as restantes áreas com alta diversidade não estão contidas
significativamente dentro do sistema nacional de áreas naturais protegidas, nem de caráter
Biogeografia... desde a América Latina - 107

federal nem mesmo de ordem estatal ou municipal. Observou-se que aconteceu perda de
cobertura de bosques e florestas ainda dentro das áreas protegidas, o que pode sugerir que
não se estão acatando em totalidade os objetivos para os quais foram estabelecidas.
Adicionalmente, a constante extração de plantas para o comércio ilegal constitui um fato
que compromete negativamente a várias espécies de Laelia, particularmente a L. speciosa e
L. furfuracea (HÁGSATER et al., 2005).
A maior parte das espécies mexicanas de Laelia devem se classificar em alguma
categoria de risco de extinção, de acordo com as avaliações do risco de extinção realizada
neste trabalho. No entanto, os esforços de conservação adicionais à conservação das
populações naturais em situações como a propagação artificial, têm o potencial para ter
sucesso, ao ser esse gênero altamente apreciado no setor hortícola (HALBINGER; SOTO,
1997) e são necessárias para garantir a viabilidade das espécies em médio e longo prazo,
devido às distintas pressões a que estão submetidas as espécies.
Este tipo de investigações devem melhorar e ampliar-se a outros grupos de
organismos, com a finalidade de contar com um melhor marco de referência para aqueles que
tomam decisões, encarregados da conservação da diversidade biológica, pois desta forma os
recursos e esforços investidos em resolver esta problemática poderão ser mais efetivos.

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110 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Capítulo 7

LOS PAISAJES DE LA CUENCA HIDROGRÁFICA ARIGUANABO, SU EVALUACIÓN Y


CARACTERÍSTICAS DE SU PAISAJE NATURAL PROTEGIDO “RÍO ARIGUANABO”

Alberto E. García23
Bárbara Liz Miravet24
Eduardo Salinas25
Elizabeth Cruañas26
Ricardo Remond27
Adrían Martínez28

INTRODUCCIÓN

El paisaje geográfico o geosistema, como categoría científica general de carácter


transdisciplinario, se concibe como “un sistema espacio-temporal, complejo y abierto, que
se origina y evoluciona justamente en la interfase naturaleza-sociedad, en un constante
estado de intercambio de energía, materia e información, donde su estructura,
funcionamiento, dinámica y evolución reflejan la interacción entre los componentes
naturales (abióticos y bióticos), técnico-económicos y socio-culturales” (RODRÍGUEZ, 2008;
SALINAS, 1991; CEN, 1987).
Por el término de paisaje muchos investigadores y público en general entienden:
naturaleza, territorio, área geográfica, medio ambiente, hábitat, escenario, etc. Sin embargo,
se considera este término siempre que se hace referencia a una manifestación externa, a
indicadores o procesos que corresponden al ámbito natural o humano.
Los paisajes como unidades de integración de carácter holístico y sistémico
constituyen la base para la realización de diversas investigaciones de carácter ambiental, que
van desde la realización de los diagnósticos ambientales hasta el ordenamiento ambiental y
territorial. Esto se concibe a partir del estudio de las propiedades y características de las
unidades de paisajes, lo que permite proponer las formas de utilización más adecuadas bajo

23
Prof. Dr. da Faculdade de Geografia, Universidade de La Habana, Cuba. E-mail: alberto.kike2014@gmail.com
24
Dra. INEL, Ministerio de Energía y Minas, Cuba.
25
Prof. Dr. da Faculdade de Geografia, Universidade de La Habana, Cuba. E-mail: esalinasc@yahoo.com
26
Lic. INEL, Ministerio de Energía y Minas, Cuba.
27
Prof. Dr. da Faculdade de Geografia, Universidade de La Habana, Cuba. E-mail:remond@geo.uh.cu
28
Lic. Centro de Investigaciones Marinas, Universidade de La Habana, Cuba
Biogeografia... desde a América Latina - 111

un enfoque de uso racional y diversificado (BASTIAN; STEINHARDT, 2002; BERTRAND;


BERTRAND, 2009; BUSQUET; CORTINA, 2009; SALINAS et al., 1993).
La delimitación, clasificación y cartografía de los paisajes se convierte entonces en
herramienta muy importante para el análisis y diagnóstico posterior de estas unidades,
para diversos propósitos.
El Mapa de Paisajes está considerado como un mapa temático principal en el cual se
representan las características fundamentales de los Complejos Territoriales Naturales
(SALITCHEV, 2005). Es el producto final de la etapa de caracterización, el mapa principal del
que se pueden derivar otros mapas muy diversos, que sirven de base o plataforma para
cumplimentar el resto de las etapas del ordenamiento ambiental y territorial. Hoy en día
existen diversos procedimientos para la realización de mapas de paisajes, entre los cuales
están aquellos que, a partir del uso de los Sistemas de Información Geográfica (SIG),
permiten la obtención de una tipificación del territorio según la manifestación de las
relaciones entre los componentes naturales y la intervención humana. De este modo se
generan mapas preliminares en el gabinete, que posteriormente son comprobados en el
campo y se convierten en herramienta para la gestión del territorio.

LOS PAISAJES DE LA CUENCA ARIGUANABO

La cuenca Ariguanabo se encuentra en la parte occidental de Cuba, tiene una extensión de


192,18 km2 y abarca parte de cuatro municipios: San Antonio de los Baños, Bauta, Caimito (provincia
de Artemisa) y Bejucal (provincia de Mayabeque), con una población aproximada de unos 92 000
habitantes (ONE, 2013) (Mapa 1).
112 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Mapa 1. Situación de la cuenca Ariguanabo.

Organización: los autores (2015).

Esta cuenca constituye una de las principales fuentes de abasto de agua potable
para las provincias de La Habana y Artemisa, con un promedio anual de extracción de
alrededor de 155 millones de m3 de agua.
Sus características, con un predominio del carso (karst) su naturaleza de cuenca
cerrada y su comunicación subterránea con la cuenca Vento – Almendares, hacen de la
cuenca Ariguanabo una unidad de alta complejidad desde el punto de vista hidrogeológico,
por lo cual ha sido incluida entre las cuencas de importancia nacional.
El mapa de paisajes elaborado en la primera fase de esta investigación, que puede
ser apreciado en la Figura 2, quedó constituido por 4 unidades de primer orden a nivel de
localidades, que a continuación se describen:
 Unidad I - Llanuras medias (45-80 m) cársico-acumulativas, de planas a inclinadas (0-
10°), sobre calizas, calizas margosas, margas y areniscas con suelos Ferralítico Rojo,
Pardo, Ferrálico Rojo, Fersialítico Pardo Rojizo, Rendzina, Protorrendzina, Gley
Nodular Ferruginoso, Lithosol, sedimentos lacuno palustres y fluviales con
formaciones arbustivas palustres, vegetación secundaria, cultivos varios y
plantaciones de cítricos y frutales (98.58 km2).
Biogeografia... desde a América Latina - 113

 Unidad II - Llanuras altas (80-120 m) cársicas sobre calizas y margas, de plana a


pendiente (0-35°), con suelos Ferralítico Rojo, Ferralíco Rojo, Pardo, Rendzina, Gley
Nodular Ferruginoso, Lithosol, Fersialítico Pardo Rojizo y con Vegetación secundaria,
Cultivos , plantaciones de cítricos y frutales y Bosque semideciduo con diverso grado
de alteración y vegetación acuática asociada a los cauces permanentes (66.69 km2).

 Unidad III - Alturas bajas estructuro-denudativas y erosivas (120-200 m),


predominantemente sobre margas, con suelos Pardo, Ferralítico Rojo y Lithosol con
vegetación secundaria y restos de bosque semideciduo degradado (15.01 km2).

 Unidad IV - Alturas medias estructuro-cársicas (120-260 m), sobre calizas y calizas


margosas, con suelos Ferralítico Rojo, Pardo y Lithosol, con Vegetación secundaria y
Bosque semideciduo y matorral arbustivo (7.25 km2).

ANÁLISIS Y DIAGNÓSTICO DE LOS PAISAJES DE LA CUENCA DEL RÍO ARIGUANABO

A partir del mapa de paisajes de la cuenca Ariguanabo (Cruañas, 2012), que se


muestra en la figura 2, se llevó a cabo el proceso de análisis y diagnóstico de los paisajes
siguiendo la propuesta metodológica establecida desde hace algunos años por el Grupo de
Geoecologia y Paisajes de la Facultad de Geografía, de la Universidad de la Habana (ACEVEDO,
1996; RAMÓN; SALINAS, 2009; SALINAS, 2013). El resultado puede apreciarse el Mapa 2.
La evaluación de la estructura funcional de las unidades de paisaje de la cuenca
permitió definir los patrones generales del funcionamiento local, así como los tipos
funcionales y las geocorrientes dominantes en el territorio y establecer el carácter de la
estructura del funcionamiento de los paisajes.
La cuenca presenta una organización funcional con una clara dependencia e
interacción entre los paisajes y un dominio de las relaciones horizontales regidas por el
relieve y estrechamente relacionadas con la acción hidrodinámica de las corrientes fluviales
permanentes y estacionales. Acorde con la distribución de las unidades de paisaje, se
establece una estrecha relación entre las unidades más altas y las que se encuentran a
menor altitud, siendo evidente que los flujos de sustancias y energía se establecen desde las
unidades situadas en los niveles altos hacia los niveles bajos.
114 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Mapa 2. Clasificación de los Paisajes de la Cuenca Ariguanabo.

Fuente: Cruañas (2012) y Miravet et al. (2014).

En el territorio de estudio está clara la existencia de un predominio de estructuras


funcionales en cuencas de formación paragenéticas, la cual se asocia con el proceso
evolutivo del carso en la región, que conformó las llanuras existentes, donde se
acumularon gran parte de los materiales acarreados fundamentalmente por los ríos y
arroyos desde las partes más altas (la mesa de Anafe y las alturas de Bejucal). El resultado
fue un predominio del intercambio de sustancias y energía en el sentido del movimiento
hídrico, es decir, desde zonas con niveles hipsométricos más altos (alturas bajas y medias),
hasta zonas en niveles más bajos, como el valle fluvio-cársico del río Ariguanabo y la
antigua laguna de igual nombre, llanuras medias y altas y superficies de planas a
ligeramente inclinadas.
Teniendo en cuenta la inexistencia de información detallada para profundizar y
caracterizar los diferentes fenómenos funcionales, en cada unidad de paisaje se decidió
estudiar los eventos que causan stress en las mismas, para los diferentes estados de la
dinámica funcional.
Biogeografia... desde a América Latina - 115

De ese modo fueron identificados tres estados teniendo en cuenta su duración:

 Estado de corto tiempo, al cual se asocia la ocurrencia de tormentas severas,


huracanes e incendios. En este aspecto los paisajes más vulnerables lo
constituyen las zonas boscosas y de matorrales, así como las superficies
agropecuarias con pastos.

 Estado de mediano tiempo, que para el área de estudio se vincula con la existencia
o alternancia de sequías y los cuales están motivados por niveles de precipitación
muy inferiores a las medias históricas y que se manifiestan en un stress hídrico de la
vegetación, la disminución de los niveles de las aguas subterráneas y por ende la
limitación de su uso para las actividades agropecuarias.

 Eventos a largo plazo, que pueden tener como base el efecto de la variabilidad
climática, en sinergia con la fuerte actividad antrópica a la cual ha estado
sometida casi toda la cuenca.

Según el grado de antropización del paisaje la mayor parte del territorio (alrededor
del 85%) se encuentra fuertemente modificado y un reducido grupos de unidades están en
la categoría de modificado (I4, II5, III1, III2 y III3), mientras que solo las unidades de paisaje
II2 y II3, correspondientes al cauce, valle y laderas del río Ariguanabo pueden considerarse
como paisajes medianamente modificados.
Lo anterior ejemplifica el fuerte proceso de asimilación socioeconómica a que ha
estado sometida gran parte de la cuenca desde la etapa colonial hasta el presente (Cuadro 1).
116 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Cuadro 1. Esquema metodológico para el ordenamiento ambiental y territorial sobre la base de los paisajes.

Fuente: Ramón y Salinas (2009).


Biogeografia... desde a América Latina - 117

La estabilidad potencial natural es predominantemente baja, debido a la presencia


de un importante desarrollo de la actividad cársica, que condiciona ciertas limitaciones a los
componentes naturales. Existe un balance en cuanto a las unidades de paisaje con
estabilidad media y alta; en este último rango se destacan las zonas no cársicas y la
depresión lacuno-palustre ocupada por la antigua laguna de Ariguanabo.
La estabilidad tecnogénica desde el punto de vista espacial presenta un balance
entre las categorías de baja y media, debido al alto grado de modificación antrópica
presente en el área, ninguna de las unidades clasifica con categoría alta.
Los paisajes de la cuenca son predominantemente sensibles, con excepción de los
no cársicos y la depresión lacuno-palustre, que se clasifican como muy poco sensibles, y los
paisajes asociados al escarpe cársico de Anafe y las zonas de transición, que aparecen como
muy sensibles (Tabla 1).
Tabla 1. Características del grado de Sensibilidad de los paisajes

Organización: los autores (2015).


118 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Del análisis de la relación potencial/uso actual se identifican muy pocas unidades con alto
conflicto, predominando un grado bajo o muy bajo del mismo. Una de las actividades que está
involucrada en un mayor número de casos de conflictos (Tabla 2 a y b) es la actividad porcina, por su
alta agresividad en cuanto a producción de residuos, en un área con una alta vulnerabilidad del
acuífero debido al predominio del carso.

Tabla 2a. Conflictos de Uso en las Localidades de paisaje I y II

Organización: los autores (2015).

Tabla 2b. Conflictos de Uso en las Localidades de paisaje III y

Organización: los autores (2015).


Biogeografia... desde a América Latina - 119

La evaluación del estado geoecológico de los paisajes (Mapa 3) se realizó a partir de


una matriz de doble entrada, donde se relacionan las unidades geoecológicas con los tipos
de procesos geoecológicos degradantes y el resultado de la evaluación de los conflictos de
uso, distinguiéndose las clases siguientes:
 Paisajes estables: la superficie plana con carso estabilizado (I3c), las colinas
residuales cársicas (I4), el cauce y plano de inundación del río Ariguanabo (II2), las
cañadas intermitentes de Bejucal (III1) y las laderas inclinadas de Bejucal (III2).

Mapa 3. Estado Geoecológico de los Paisajes de la cuenca Ariguanabo

Organización: los autores (2015).

 Paisajes medianamente estables: el cauce y valle del río Govea (I1), la superficie
plana con carso cubierto por una delgada capa de suelo (I3b), el cauce y valle del
río Govea (II1), las ladera y zona de transición del río Ariguanabo (II3), la
superficie plana con carso estabilizado (II4c), la superficie plana con carso
cubierto por depósitos potentes (II4d), la superficie plana no cársica (II4e) y las
cimas (110-260m) de Anafe.
 Paisajes inestables: la depresión lacuno–palustre (I2), la superficie plana con
carso desnudo y semidesnudo (I3a), la superficie plana con carso desnudo y
semidesnudo (80-120m) (II4a), la superficie plana con carso cubierto por una
delgada capa de suelo (II4b), la superficie de transición (II5), las cimas (120-200m)
(III3) y el escarpe cársico de Anafe (IV1).
 Paisajes críticos: la superficie plana con carso cubierto por depósitos potentes (I3d).
120 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

De forma general, en el territorio existe un claro predominio de los paisajes


inestables y medianamente estables, en los que se reflejan los cambios en su estructura,
existiendo en ellos algunos problemas ambientales, asociados al uso inadecuado de los
potenciales de los paisajes.

PRINCIPALES CARACTERÍSTICAS DEL PAISAJE NATURAL PROTEGIDO RÍO ARIGUANABO

En el sector centro-sur de la cuenca se encuentra el paisaje natural protegido río


Ariguanabo, asociado a la corriente superficial más importante de la misma. Esta área
protegida, perteneciente al Sistema Nacional de Áreas Protegidas de la República de Cuba
(SNAP) está compuesta fundamentalmente por las comarcas: cauce y plano de inundación
del río Ariguanabo (II2) y las laderas y zonas de transición del propio río (II3), ambas
unidades presentan muy bajo o ausencia de conflicto de uso y desde el análisis de la
estabilidad geoecológica son estable y medianamente estable. Sin lugar a dudas desde el
punto de vista geoambiental esta área es la de mayor importancia para su protección y
conservación en toda la cuenca, por lo cual se le dedica un análisis especial sobre la
estructura y conservación de su área boscosa (Foto 1).

Foto 1. Área del sector rural donde se aprecia el bosque de galería.

Fuente: los autores (2015).

El levantamiento cartográfico del área boscosa se realizó a partir del procesamiento


de una imagen Geo Eyes multiespectral de 2013, recorridos de campo para
georreferenciación y procesamiento en un SIG, lo que permitió definir con gran precisión los
límites del bosque y las principales afectaciones que este presenta.
Biogeografia... desde a América Latina - 121

Esta área está compuesta por dos asociaciones vegetales principales, las cuales se
diferencian entre sí debido a la litología y el suelo. Estas son, por una parte, la Erythroxyletum
havanense que corresponde con el carso desnudo (con un recubrimiento de suelo menor al
10%) que se encuentra en las cimas y pendientes del cañón del río Ariguanabo y la Cupanietum
glabrae que coincide con el carso parcialmente desnudo (con recubrimiento de suelo entre el
40% y 50%) que aparece en el fondo de los valles. Dentro de la asociación Erythroxyletum
havanense se determinaron dos subasociaciones que se diferencian fundamentalmente por su
composición florística. Estas subasociaciones son: Ouratietosum que corresponde a las cimas y
la Anthurietosum a las pendientes. (Suarez, 1983).
Como se puede apreciar el Mapa 4 y la Tabla 3, el bosque del sector rural es el tipo
definido que ocupa mayor extensión, con 201,3 ha, seguido del sector periurbano con 35,7
ha. En ambos sectores están presentes lugares donde la franja de bosque es
extremadamente estrecha (menor que 50 m) y por lo general colinda con zonas de
desarrollo agrícola, lo cual ha motivado que el cauce se encuentre parcialmente colmatado
por los sedimentos arrastrados por la escorrentía en presencia de fuertes o prolongadas
lluvias (Foto 2). La presencia del bosque en el sector urbano se reduce a unas pocas
hectáreas que se encuentran con muy baja densidad de ejemplares.
Mapa 4. Área actual del bosque ribera (de galería) en cada uno de los sectores.

Organización: los autores (2015).


122 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Tabla 3. Resumen de las áreas ocupadas por cada uno de los sectores de bosque y comparación con un área
buffer propuesta de 250 m a ambos lados del cauce.

Organización: los autores (2015).

Foto 2. Áreas del cauce con alto grado de sedimentación y crecimiento de vegetación acuática y terrestre.

Fuente: los autores (2015).

Teniendo en cuenta la situación anterior, se ha recomendado emprender la


reforestación o la readecuación de las actividades productivas de un área buffer o de
amortiguamiento en ambas márgenes con un ancho de 250 m. En la Tabla 3 se resume la
información relacionada con las áreas de bosques existentes, las que implicarían completar
la referida área buffer y el área que sería necesario reforestar para cumplimentar la misma.
Biogeografia... desde a América Latina - 123

CONCLUSIONES

1. La clasificación de los pisos altimétricos utilizada en el Nuevo Altas Nacional de Cuba


y el reconocimiento de los procesos formadores del relieve permitió la delimitación
de 4 unidades de paisajes de primer orden (localidades). Posteriormente el análisis
de la altimetría e inclinación de la pendiente posibilitó dividir las unidades anteriores
en 14 subunidades (comarcas). Finalmente la inclusión de los subtipos de carso
como índices de diagnóstico en la diferenciación de las subunidades permitió
delimitar 10 subcomarcas, lo cual resulto algo novedoso para nuestro país.
2. El diagnóstico ambiental de los paisajes de Ariguanabo permitió obtener la
evaluación del grado de modificación y sus aptitudes o potenciales como base para la
adecuada gestión de la cuenca.
3. Los paisajes de la mayor parte del territorio (alrededor del 85%) se encuentran
fuertemente modificados: un reducido grupos de unidades tienen la categoría de
modificado; mientras que, sólo las correspondientes al cauce, valle y laderas del río
Ariguanabo pueden considerarse como medianamente modificados. Lo anterior
confirma el fuerte proceso de asimilación socioeconómica a que ha estado sometida
gran parte de la cuenca desde la etapa colonial hasta el presente.
4. Los paisajes de la cuenca son predominantemente sensibles, con excepción de los no
cársicos y la depresión lacuno-palustre, que clasifican como muy poco sensibles, y los
paisajes asociados al escarpe cársico de Anafe y las zonas de transición, que aparecen
como muy sensibles.
5. Las unidades de paisajes asociadas al paisaje natural protegido río Ariguanabo,
presenta muy bajo o ausencia de conflicto de uso y desde el análisis de la estabilidad
geoecológica son estable y medianamente estable. Sin lugar a dudas desde el punto
de vista geoambiental esta área es la de mayor importancia para su protección y
conservación en toda la cuenca.
6. El principal problema ambiental del paisaje natural protegido río Ariguanabo es la
pérdida progresiva del área boscosa y de su densidad y su influencia en el deterioro
de las condiciones del cauce por el aumento sostenido de la sedimentación.
124 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

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Biogeografia... desde a América Latina - 125

Capítulo 8

ESTUDOS DE SUCESSÃO ECOLÓGICA APLICADOS À AVALIAÇÃO DAS


DINÂMICAS NATURAIS E ANTRÓPICAS, E SEUS NÍVEIS DE
REGENERAÇÃO E/OU DEGRADAÇÃO

João Baccarin Xisto Paes29


José Mariano Caccia Gouveia30

INTRODUÇÃO

Um importante aliado daqueles que atuam no estabelecimento e manejo de


plantios de revegetação, ou na recomposição de cobertura vegetal nativa é,
indubitavelmente, o processo de sucessão natural das espécies. Tanto quanto a aquisição ou
produção de boas mudas ou sementes, a escolha apropriada de cada local de plantio em
relação às características ecológicas das espécies escolhidas, a melhoria das características
do solo pela utilização de insumos químicos quando necessária, o manejo adequado até o
início do desenvolvimento do plantio; o processo natural de colonização, expansão e
substituição contínua de espécies atua na constante melhoria das características
microclimáticas, edáficas e biológicas locais.
Da mesma maneira, conhecer as espécies características de cada fase do processo de
sucessão ecológica de uma determinada área pode fornecer importantes elementos para subsidiar
análises acerca de diversos atributos locais, tais como: o tempo transcorrido desde o início do
processo, a disponibilidade ou escassez de nutrientes químicos e orgânicos do solo e seus níveis de
compactação, o conjunto de fatores limitantes que exercem maior influência no local, os níveis de
degradação da área no início do processo de sucessão, e até mesmo a presença ou ausência de
pressões antrópicas influenciando positiva ou negativamente o processo.
Tão importante quanto o conhecimento das espécies, compreender também as
diferentes interações entre atributos físicos e bióticos em cada momento do processo,
também se constitui em elemento primordial da análise. Nesse sentido, torna-se importante
explicitar certos elementos fundamentais do processo.

29
Bacharel em Geografia e Mestrando Profissional – FCT/UNESP – Presidente Prudente - SP.
30
Professor Assistente Doutor – FCT/UNESP – Presidente Prudente - SP.
126 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

ALGUNS ASPECTOS CONCEITUAIS

Os componentes abióticos da superfície terrestre exercem forte influência sobre os


organismos vivos, condicionando, entre outros aspectos, o conjunto de adaptações que
estes desenvolveram ao longo de seu processo evolutivo.
Nos ambientes terrestres, fatores climáticos (temperaturas médias e amplitudes,
radiação solar, sazonalidade, umidade, torrencialidade, precipitação sólida, direção
predominante e intensidade dos ventos etc.), fatores geomorfológicos (declividades,
altitudes, orientação de vertentes, geometria dos segmentos de vertentes, profundidade do
nível hidrostático, etc.), e fatores pedológicos (disponibilidade de nutrientes,
acidez/alcalinidade, porosidade, permeabilidade, compactação etc.), entre outros;
condicionam a distribuição da vida pela superfície, a partir do momento em que favorecem a
fixação, desenvolvimento e reprodução de espécies adaptadas às características locais,
enquanto inibem as mesmas possibilidades para espécies menos adaptadas.
Da mesma forma, ao se fixarem em um determinado local, os organismos vivos
gradativa e lentamente alteram algumas características físicas locais, transformando-o de tal
maneira que este passe a apresentar algumas qualidades até então escassas, favorecendo a
fixação e desenvolvimento de espécies mais exigentes em relação a determinados atributos.
Tome-se como exemplo uma área de solo exposto em uma média vertente no
oeste do estado de São Paulo. Com clima tropical quente e úmido, com período chuvoso
no verão e estação seca no inverno (NIMER, 1989), predominam os solos dos tipos
latossolos, argissolos ou cambissolos, com texturas geralmente arenosas a médias. Ainda
como exercício de análise, pode-se pressupor como características superficiais do solo sua
alta permeabilidade, alta porosidade, baixa coesão, e elevada fragilidade em função de sua
susceptibilidade a processos erosivos laminares e lineares, principalmente no exemplo,
visto estar desprotegido pela ausência de cobertura vegetal. Com tais características,
pode-se inferir para o local uma grande amplitude térmica no nível do solo, e baixa
capacidade de retenção de umidade por conta da alta permeabilidade e elevada
temperatura superficial. Esse local apresenta, portanto, sérias restrições à fixação e
desenvolvimento de espécies mais exigentes em termos de limites térmicos no solo e
disponibilidade hídrica, entre outros fatores.
Biogeografia... desde a América Latina - 127

Se, ao longo do tempo, o local for ocupado por uma cobertura vegetal pioneira, ainda
que de baixo porte e diversidade como, por exemplo, gramíneas com 20 ou 30 centímetros de
altura, o microclima no nível do solo sofrerá sensíveis alterações: esse estreito manto de
vegetação funcionará como isolante térmico, reduzindo significativamente sua amplitude;
propiciará maior disponibilidade hídrica pela redução na velocidade da evaporação e na
fixação de umidade pelas raízes, retardando a infiltração; além de fornecer matéria orgânica e
favorecer a atividade dos microrganismos decompositores, contribuindo para uma maior
disponibilidade de nutrientes. Os processos erosivos terão sua intensidade reduzida, e a
menor mobilidade das partículas superficiais do solo também irá contribuir para melhorar a
fixação dos vegetais. E, graças a essas transformações nas características locais, espécies
vegetais que originalmente não encontrariam condições adequadas à germinação e ao
desenvolvimento passam a se fixarem na área.
Com o aumento da diversidade e do porte da cobertura vegetal, as mudanças
ambientais locais se intensificam: aumenta o isolamento térmico, a retenção de umidade, a
oferta de nutrientes orgânicos, e o sombreamento no nível do solo. Assim, as espécies
pioneiras, que em um primeiro momento foram as responsáveis pela melhoria dos atributos
locais, não mais encontram condições favoráveis ao seu desenvolvimento e findam por
serem eliminadas da área. Essa é, na essência, a dinâmica que regula o processo de sucessão
ecológica, como adiante se detalha.
Segundo Mellinger & Mc Naughton (1975), sucessão ecológica pode ser definida
como “o processo ordenado de mudanças no ecossistema, resultante da modificação do
ambiente físico pela comunidade biológica, culminando em um tipo de ecossistema
persistente – o clímax.” (p.161).
O processo de sucessão ecológica pode iniciar-se em duas situações distintas:
- Sucessão Primária: Ocorre em áreas recém-disponibilizadas à ocupação, ou seja,
uma área que não tenha sido anteriormente ocupada, ou cuja biota original tenha sido
eliminada. São exemplos as áreas devastadas por erupções vulcânicas, lava vulcânica
recém solidificada, blocos rochosos expostos por movimentos de massa, ou, como
abordaremos em maior detalhe nas páginas seguintes, “nos terrenos rejuvenescidos pelas
seguidas deposições de areias marinhas nas praias e restingas.” (IBGE, 2012, p.136). No
Manual Técnico da Vegetação Brasileira, são áreas definidas como “Sistemas edáficos de
primeira ocupação” (IBGE, 2012, p.136).
128 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

- Sucessão Secundária: Corresponde a áreas que já foram anteriormente ocupadas


por alguma comunidade que foi suprimida, seja através de algum evento natural ou por
intervenção humana, por exemplo, incêndios, deslizamentos, exploração florestal ou uso
agrícola. Consequentemente, ainda pode conter alguma matéria orgânica. Ainda segundo o
IBGE (2012), corresponde a “áreas onde houve intervenção humana para o uso da terra, seja
com finalidade mineradora, agrícola ou pecuária, descaracterizando a vegetação primária.
Assim sendo, essas áreas, quando abandonadas, reagem diferentemente de acordo com o
tempo e a forma de uso da terra.” (IBGE, 2012, p.149). Entretanto, independentemente do
tempo e da intensidade do uso da terra, o processo de sucessão instalado tende sempre a
refletir, de maneira uniforme, os parâmetros ecológicos do ambiente, ainda que seja
necessário um período prolongado de tempo para sua regeneração.
A velocidade com que se instala e evolui o processo de sucessão ecológica em cada
local está intimamente relacionada a três grupos de variáveis, que atuam simultaneamente e
que podem se apresentar com diferentes arranjos. São eles:
- Características climáticas locais: Como se manifestam as associações entre
elementos climáticos como a temperatura (médias, amplitudes diárias e anuais, extremos),
pluviosidade (volume anual, distribuição anual, sazonalidade, torrencialidade), ventos (direção
predominante e intensidade), e luminosidade (oferta de radiação solar ao longo do ano).
Apoia-se no princípio de que quando elevadas a temperatura e a umidade em
conjunto, e mais frequentemente estiverem presentes essas condições ao longo do ano em
um determinado ambiente, mais favorecidos estarão os ciclos biogeoquímicos bem como
dinâmicas naturais propícias à fixação e desenvolvimento dos organismos vivos. Como
exemplo, são esses elementos climáticos favoráveis que possibilitam processos de
intemperismo químico mais eficazes. Assim, sob outros condicionantes também favoráveis
(rocha matriz, posição no relevo, ação biológica), além de possibilitar um maior espessamento
do solo, o substrato poderá apresentar maiores teores de minerais secundários que, em
grande parte, aumentam a disponibilidade de nutrientes inorgânicos aos vegetais.
- Características edáficas e geomorfológicas: Quanto aos solos, como já apresentado,
seus atributos físicos e químicos podem favorecer ou limitar a fixação e desenvolvimento dos
organismos, dessa forma atuando como agentes que aceleram ou retardam o aumento da
biodiversidade e da biomassa, também selecionando as espécies vegetais que passam a
compor aquele ambiente em cada momento do processo de sucessão.
Biogeografia... desde a América Latina - 129

O componente geomorfológico, da mesma maneira, através da orientação de


vertentes, e das diferentes altitudes e feições que podem apresentar em cada trecho, define
dois aspectos fundamentais na distribuição dos vegetais: disponibilidade de radiação solar e
umidade. Como exemplo, ao compararmos em uma mesma vertente um segmento côncavo
e um convexo sob condições climáticas semelhantes, o primeiro tende a apresentar maior
umidade no solo associada a uma menor incidência de radiação solar (favorecendo espécies
higrófilas), enquanto o segundo, menor umidade e maior insolação (favorecendo espécies
xerófilas e inibindo as espécies higrófilas).
- Características biológicas (ecológicas): Entre as variáveis deste grupo que podem
influenciar a velocidade de instalação e evolução do processo de sucessão ecológica, pode-
se destacar: a maior ou menor proximidade de fragmentos de vegetação de diferentes
estágios sucessionais, que possam atuar como de bancos de sementes; a diversidade
genética das espécies instaladas nos fragmentos próximos, que implicam melhor potencial
germinativo e sanidade das sementes oferecidas à dispersão; presença e eficiência do
trabalho de agentes de dispersão de sementes próximas, principalmente elementos de
avifauna e pequenos mamíferos; grau de isolamento do terreno disponibilizado ao processo
de sucessão; presença de espécies vegetais fixadoras de nitrogênio, melhorando a qualidade
do solo, entre outras variáveis.
O processo gradativo de colonização do ambiente, no qual a composição das
comunidades vai se alterando com o tempo, apresenta certo ordenamento onde as
comunidades mais simples, à medida que vão modificando as condições do ambiente, vão
sendo gradualmente substituídas por comunidades mais complexas até que se estabeleça
um equilíbrio entre comunidade e ambiente, resultando no que se define como
“comunidade clímax”. Para que se atinja esse estágio, três fases se sucedem, e podem ser
assim resumidas:
- Comunidade Pioneira ou “Ecese”: Corresponde àquela que se instala em primeiro
lugar em uma área despovoada, e é geralmente constituída de indivíduos dotados de grande
tolerância a condições adversas do ambiente. Formada por organismos autótrofos com
grande capacidade de modificar as condições ambientais apresenta, no conjunto, baixa
diversidade de espécies. Quanto ao balanço energético, a produção primária bruta (PPB) é
superior ao próprio consumo, ou seja, a atividade fotossintética supera a atividade
respiratória. Como exemplos de espécies de comunidades pioneiras podemos destacar:
Líquens (associações de algas e fungos) e briófitas, que crescem na superfície de rochas ou
130 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

de solos muito compactados, de onde absorvem a pouca umidade existente. Seus


metabolismos produzem ácidos que reagem com os minerais das rochas, favorecendo o
intemperismo químico e permitindo um maior acúmulo de água e o estabelecimento de
outros vegetais de pequeno porte; e, gramíneas, pteridófitas e outras herbáceas heliófitas, e
algumas espécies arbustivas também heliófitas que conseguem suportar o calor, a escassez
de água e o solo pouco estável, colonizando inclusive dunas de areia.

Figura 01: Exemplo de comunidade pioneira (ECESE) em área de restinga no litoral Sul do estado de São Paulo.

Fotografia: GOUVEIA (2008).

As comunidades pioneiras executam importante papel nas alterações ambientais


locais, possibilitando significativa redução nas bruscas variações da temperatura do solo a
partir do momento em que sua fixação desempenha a função de isolamento térmico, o
que também possibilita o aumento na umidade superficial, o aumento na deposição de
matéria orgânica, aumento na disponibilidade de nutrientes, aumento na retenção de
água. Esse conjunto de transformações finda por favorecer a decomposição das rochas,
permitindo a instalação e desenvolvimento do processo pedogenético, bem como a
estabilização e/ou fixação do solo. Entretanto, como a proteção da cobertura vegetal é
ainda incipiente, esses terrenos podem ser categorizados como unidades ecodinâmicas
fortemente instáveis (TRICART, 1977).
Comunidades Intermediárias ou “Séries”, ou “Seres”: Correspondem às
comunidades que se sucedem à comunidade pioneira, favorecidas pelas modificações
ambientais propiciadas por esta. Possuem comparativamente uma biodiversidade um pouco
Biogeografia... desde a América Latina - 131

maior, que tende a ampliar-se com o passar do tempo. A instalação de espécies herbáceas
de maior porte e de arbustivas (ainda heliófitas) reduz a oferta de radiação solar no nível do
solo, aumentado a competição por luminosidade e nutrientes e levando à gradativa redução
na densidade de gramíneas e herbáceas de menor porte. Nestes estágios surgem e se
desenvolvem comunidades de animais e, em fases mais avançadas começam a se
desenvolverem as comunidades arbóreas.

Figura 02: Exemplo de diferentes momentos do processo de sucessão ecológica na Região Metropolitana de
São Paulo (Cotia/Embu-SP). Em primeiro plano, comunidade pioneira com predomínio de gramíneas (Poaceae);
em seguida, diferentes estágios de comunidades intermediárias, desde o predomínio de espécies herbáceas e
arbustivas, até espécies arbóreas mais ao fundo da imagem.

Fotografia: GOUVEIA (2010).

Nestes estágios, quanto ao balanço energético, a produção primária bruta (PPB) é


ainda superior ao próprio consumo, com a atividade fotossintética superando a atividade
respiratória. As alterações ambientais se intensificam levando, ao nível do solo, a uma
significativa redução na amplitude térmica e maior retenção de umidade também por conta
da redução na ação do vento e maior sombreamento. Ocorre também maior disponibilidade
de nutrientes orgânicos em função da disponibilização de matéria orgânica eliminada pela
vegetação, que passa a ser decomposta mais rapidamente graças à fixação e proliferação de
microrganismos decompositores que encontram agora condições mais favoráveis. O
132 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

processo pedogenético favorecido resulta em espessamento dos horizontes superficiais,


possibilitando a fixação e desenvolvimento de espécies vegetais mais exigentes.
Comunidade Clímax ou “Clímaces”: Corresponde ao último degrau da sucessão
ecológica, no qual ocorre a estabilidade das espécies e seu equilíbrio com o ambiente.
Compreende conjuntos de espécies que estabelecem múltiplas e complexas relações
ecológicas entre si, contendo nichos ecológicos variados e altamente especializados,
apresentando elevada biodiversidade. Assim, “o clímax exibe a mais completa forma de
exploração de recursos ambientais e a ocupação de todos os nichos disponíveis.” (MIRANDA,
2009, p.32). Ou seja, é uma biocenose na qual o ecossistema, mantendo a velocidade e
intensidade de seus fluxos de energia e matéria, apresenta equilíbrio dinâmico.

Figura 03: Exemplo de comunidade clímax (clímaces) no Parque Estadual do Jurupará, estado de São Paulo.
Destaque para a densidade, diversidade e rugosidade da cobertura vegetal.

Fotografia: GOUVEIA (2009).

Com tais características, em uma comunidade clímax o processo pedogenético é


dinamizado e predomina sobre os processos erosivos, configurando-se em uma unidade
ecodinâmica estável (TRICART, 1977). Quanto ao balanço energético, são comunidades que
apresentam produtividade líquida próxima a zero, ou seja, todo alimento produzido pelos
autótrofos é consumido pelos heterótrofos, bem como todo oxigênio produzido na
fotossíntese é consumido na respiração.
Em síntese, ao longo da sucessão ecológica ocorre:
Biogeografia... desde a América Latina - 133

 Aumento da produtividade energética bruta compreendida como o total de


matéria orgânica produzida pela comunidade através da fotossíntese, e aumento
no consumo energético;
 Diminuição da produtividade líquida, compreendida como o saldo obtido da relação
entre a produção através da fotossíntese e o consumo pela respiração na comunidade;
 Aumento da biomassa total da comunidade com aumento da diversidade de
espécies e de nichos ecológicos;
 Aumento na competição e no tamanho das cadeias alimentares, bem como na
complexidade das teias alimentares; e,
 Extinção de algumas espécies e surgimento de outras.
A partir da compreensão das dinâmicas e interações entre os atributos físicos e
bióticos em processos de sucessão ecológica, é possível estabelecer correlações que permitem
identificar e avaliar fatores externos à área que possam estar favorecendo ou inibindo sua
eficiência. Estes últimos, geralmente de origem antrópica, quando evidenciados, podem ser
objeto de ações que busquem eliminar ou minimizar sua influência, favorecendo os processos
de regeneração natural de áreas de interesse ecológico, ou áreas potencialmente instáveis
cuja cobertura vegetal possa atuar como fator de redução de risco. Neste sentido, apresenta-
se a seguir um estudo de caso ilustrativo de algumas dessas possibilidades.

ESTUDO DE CASO NA RESTINGA DE ILHA COMPRIDA-SP

A costa brasileira possui “mais de 8000 km de extensão” (TESSLER; CAZZOLI Y GOYA,


2005, p. 01) e de acordo com Tommasi (2003), apresenta uma grande variedade de sistemas
costeiros, como

[...] campos de dunas, ilhas, recifes, costões rochosos, baías, rios, estuários,
lagunas, manguezais, marismas, baixios, brejos, falésias, praias e restingas. Nestes,
por sua vez, uma grande variedade de ecossistemas abriga uma rica biodiversidade,
infelizmente seriamente ameaçada, degradada e destruída pela expansão urbana,
portuária, especulação imobiliária, falta de saneamento ambiental, derrames de
petróleo, aumento da turbidez da água costeira devido ao desmatamento, obras de
engenharia, etc. (p. 557-558).

O litoral do estado de São Paulo (Figura 04) por sua vez, possui cerca de 400 quilômetros
de extensão, localizando-se entre as latitudes 23º 30’ – 25º S e as longitudes 44º 30’ – 48º W.
134 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Figura 04: Litoral do estado de São Paulo.

Fonte: TESSLER et al. (2006, p. 299).

O município de Ilha Comprida (Figura 05), localizado no extremo sul do litoral


paulista, limita-se entre as coordenadas 25º03’13.05”S e 47°52’55.12”W no extremo sul, e
24°40’42.55”S e 47°25’23.99”W na porção norte, estendendo-se “de NE para SW, desde a
desembocadura lagunar de Icapara, a sul da foz do rio Ribeira de Iguape, até a desembocadura
de Cananéia” (NASCIMENTO JR., 2006, p. 01). A ilha apresenta largura de 3 a 5 km e sua
extensão é de 63 km, segundo Nascimento Jr. (2006, p. 01) e Guedes (2009, p. 01).

Figura 05: Mapa de localização de Ilha Comprida.

Elaboração: Paes (2015).


Biogeografia... desde a América Latina - 135

A ilha é “constituída predominantemente de sedimentos arenosos quaternários,


dispostos em sua maior parte na forma de alinhamentos de cordões litorâneos, que são
expressão geomorfológica de uma barreira progradante” (NASCIMENTO JR, 2006, p. 01). De
acordo com Lima e Oliveira (2012, p. 910), “com exceção do Morrete (único embasamento
cristalino presente em toda a ilha) com 40m de altura, suas cotas altimétricas raramente
ultrapassam os 5 metros”.
De acordo com Nascimento Jr. (2006, p. 11), o clima predominante em Ilha
Comprida, “é, na classificação de Köppen, o CFa (subtropical úmido com verão quente), com
umidade relativa do ar média superior a 80% e a ausência de uma estação seca bem
definida”. Conforme o autor,

Dados de registro das estações meteorológicas adjacentes à Ilha Comprida


(Cananéia e Iguape) adquiridos entre 1900 e 1990 indicam uma precipitação média
anual de 1611 mm (4,14 mm/dia), variando de 7.0 mm/dia, entre dezembro e
fevereiro, a 1,39 mm/dia, entre junho e agosto (IPCC-DDC, 1990). A temperatura
média no mesmo período, 20,7ºC por ano, varia entre 23,1ºC, no trimestre mais
quente, e 17,7ºC, no mais frio [...] Os ventos mais fortes e frequentes são de SSE,
transversais à costa (Geobrás, 1966), favorecidos pela atividade regular de frentes
frias. (NASCIMENTO JR., 2006, p. 11)

Para Nascimento Jr. (2006, p. 14-15), agem na região de Ilha Comprida,

Dois sistemas de trem de ondas subordinados aos mecanismos de circulação


atmosférica do Atlântico Sul [...]: um de NE, associado aos ventos alísios, e outro de
SE, relacionado a frentes frias (TESSLER, 1988) [...] Os dois sistemas de ondas são
responsáveis pela geração de direções opostas de corrente de deriva ao longo da
costa, com transporte predominante para NE evidenciado pelo desvio de pequenas
desembocaduras lagunares e pelos padrões de variação de propriedades
sedimentologias (TESSLER, 1988; SOUZA, 1997). A deriva litorânea ao longo da
costa para NE, somada ao meandramento da desembocadura de Icapara sob o
efeito de correntes de maré vazante, explicariam o crescimento da Ilha Comprida
para esta direção, simultânea à erosão da ilha de Iguape na margem oposta da
desembocadura (praia do Leste).

Giannini et al. (2003; 2006) e Guedes (2003) apud Nascimento (2006, p. 80)
elaboraram o modelo morfodinâmico de crescimento de Ilha Comprida, onde “os autores
usam associação de informações obtidas de fotointerpretação, descrição de perfis em
transectos, análises texturais e mineralógicas e datações por luminescência opticamente
estimulada e 14C” (NASCIMENTO JR., 2006, p. 80).
Neste modelo “conclui-se pela evolução holocênica da ilha dividida em quatro fases
principais, onde duas componentes de crescimento, uma longitudinal e outra transversal,
alternam-se em importância relativa” (NASCIMENTO JR., 2006, p. 80).
136 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Segundo o autor,

[...] na fase 1 predominou crescimento para NE, pela adição de cordões litorâneos
curvados para esse rumo, com pronunciado componente de “engorda” rumo SE
(tempos 1 a 3). Na fase 2, haveria crescimento mais pronunciado para NE, tornando
subordinada a componente de alargamento (rumo SE) da ilha (tempos 4 a 5). Na fase 3,
o crescimento para NE teria sido temporariamente interrompido pelo morro de
Icapara, que funcionou como obstáculo para a corrente de deriva litorânea longitudinal
e assim propiciou fase dominada por alargamento (tempo 7). Por fim, na fase 4, a
“engorda” da ilha atingiu o ponto em que o morro de Icapara não mais funcionava
como obstáculo para a corrente de deriva litorânea longitudinal. A barreira retomou
assim seu crescimento rumo NE, como pode ser observado hoje em dia com a migração
da desembocadura de Icapara (tempo 8). (NASCIMENTO JR., 2006, p. 80).

Em complemento a esse modelo e com base em estudos morfológicos e


sedimentológicos de Ilha Comprida, Nascimento Jr. (2006) desenvolveu esse modelo
morfodinâmico (Figura 06).

Figura 06: Modelo morfodinâmico de Ilha Comprida.

Fonte: NASCIMENTO Jr. (2006, p. 82).


Segundo o autor,
Biogeografia... desde a América Latina - 137

[...] Os resultados apontam para a existência de duas células de deriva litorânea


principais. A predominante engloba 53 km da barreia e possui sentido NE. A
subordinada ocorre com deslocamento oposto (SW), englobando os restantes 10
km da barreira. Assim, a região a 10 km A partir do extremo sudoeste da Ilha
Comprida pode ser considerada de divergência entre as duas células de deriva
litorânea. Isto implica vocação erosiva, ou seja, de fornecimento sedimentar para
áreas vizinhas nesta região. (NASCIMENTO JR., 2006, p. 81)

Esse modelo apresenta a predominância da deriva rumo NE, além de nos mostrar
que “a deriva litorânea geral não deve ter-se alterado de maneira significativa durante seu
crescimento nos últimos milênios” (NASCIMENTO JR., 2006, p. 82).
O crescimento morfológico de Ilha Comprida “se mantém no rumo geral da ilha
exceto pela extremidade que apresenta uma rotação para norte. Em contrapartida, a ilha de
Iguape apresenta um processo erosivo acentuado” (TESSLER et al., 2006, p. 319). Em estudo
realizado pela Geobrás (1966, apud TESSLER et al., 2006, p. 319), apontou-se que o
crescimento de Ilha Comprida é da ordem de 35m/ano e que há um recuo na ilha de Iguape
de aproximadamente 32 m/ano. Esse processo de crescimento morfológico de Ilha Comprida
foi acelerado por conta da construção do Canal do Valo Grande em Iguape.
Aberto em 1830 com o intuito de facilitar e acelerar o escoamento da produção
de arroz no baixo Vale do Ribeira de Iguape, o Canal do Valo Grande encurtaria o
percurso em 50 quilômetros, não mais havendo a necessidade de percorrer o trecho final
do curso do rio Ribeira de Iguape e o trecho do canal que separa Ilha Comprida do
continente, até o porto de Iguape.
Concluídas as obras, o canal foi inaugurado possuindo três quilômetros de extensão
e 4,40 metros de largura, mas após alguns anos, passou para 100 metros de largura e
atualmente, 185 anos depois, apresenta 300 metros de largura.
Segundo Mahiques (apud ANDRADE, 2014), “[...] as águas desviadas do rio,
carregadas de sedimentos lamosos, aos poucos provocaram intenso assoreamento e
inviabilizaram o Porto de Iguape, já que as embarcações não mais podem atracar”. Além
disso, “como resultado do alargamento do canal, aproximadamente 60% do fluxo do rio foi
transferido para o sistema lagunar, de água salobra, provocando a diminuição drástica da
salinidade e seu assoreamento” (MAHIQUES apud ANDRADE, 2014).
Como resultado da abertura do canal, “o rio Ribeira de Iguape adotou o valo como
seu leito principal, escavando e carreando grandes volumes de material em suspensão e
sedimentos para o Mar Pequeno” (TESSLER et. al., 2006, p. 320).
138 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

O processo fez com que a extremidade NE de Ilha Comprida apresentasse dois


pontos de instabilidade que influenciam as mudanças morfológicas. São eles, a
desembocadura de Icapara, influenciada pela construção do canal do Valo Grande, e a
desembocadura do rio Ribeira de Iguape, que separa as ilhas de Iguape e Juréia.
A Ilha Comprida, “é caracterizada neste local por um pontal arenoso em
processo de agradação, pelo menos desde o final do século XIX” (TESSLER et al., 2006, p.
319). Nesse ponto, apesar do rumo de crescimento geral ser para o norte, a extremidade
cresce rumo NE.
Diante das informações apresentadas sobre o intenso processo de agradação
costeira na extremidade NE de Ilha Comprida, e da relativa estabilidade de sua porção SW,
ao menos no período recente de pouco mais de 150 anos, despertou-nos a curiosidade em
saber como os processos de sucessão ecológica respondem a essas dinâmicas. Ou seja, se
pensarmos em sucessão ecológica, a extremidade NE (mais recente), por hipótese, possuirá
espécies vegetais em estagio inicial de sucessão assim como a porção SW. Entretanto,
pressupõe-se certa diferenciação entre espécies nas duas áreas, e uma menor diversidade
no primeiro caso (NE), fruto do menor tempo de evolução nas características
microclimáticas, edáficas e biológicas.
Para avaliar a hipótese levantada, realizamos trabalho de campo em junho de 2014,
com o objetivo de mensurar e analisar a diversidade florística da extremidade NE e comparar
com os dados obtidos em campo, com aqueles coletados para a extremidade SW. Para a
realização dos trabalhos de campo, utilizamos para os levantamentos florísticos o método de
parcelas fixas, por ser utilizado, segundo Furlan (2005, p. 119),

[...] para medir a densidade e a frequência de espécies numa determinada


formação vegetal. A utilização de formas geométricas [...] para delimitar amostras
no campo é um recurso que consegue destacar e visualizar uma parcela da
comunidade. O quadrado é ideal para análises estatísticas e designa a menor área
da comunidade que contém uma adequada representação.
Foram delimitados dois quadrantes de 2x30 m, sendo o primeiro (doravante
denominado “Q1”) na extremidade NE e o segundo (designado “Q2”) no extremo SW, para
permitir a comparação da diversidade florística, conforme podemos observar na figura 07.
Biogeografia... desde a América Latina - 139

Para tanto, mantivemos a mesma distância de 78,5 m em relação à linha da água do mar.
Neste sentido, tomou-se o cuidado de estabelecer uma correlação da altitude da maré nos
diferentes dias em que os trabalhos foram realizados, como forma de reduzir a margem de
erro no tocante à distância das parcelas fixas em relação ao ambiente marinho. Os
quadrantes foram subdivididos em três setores de 20 m² cada.
Figura 07: Localização dos quadrantes.

Elaboração: PAES (2015).

Para a definição da localização exata de cada quadrante, procurou-se locá-los em áreas


cuja cobertura vegetal fosse bastante representativa da cobertura do entorno, evitando ao
máximo a avaliação de uma realidade atípica em relação ao padrão vegetacional dominante.
Em cada um desses quadrantes os espécimes vegetais receberam numeração
individual, foram localizados em croqui e fotografados para posterior identificação.
Salienta-se que, como adiante se apresenta, o atributo biogeográfico considerado
para este trabalho consiste na diversidade de espécies vegetais, e não sua densidade.
Portanto, para atingir tal objetivo, mais importante que a identificação das espécies
presentes é a quantificação de sua diversidade.
No quadrante 1 – Q1 (figura 08) foram encontradas onze espécies vegetais
diferentes, das quais conseguimos identificar oito espécies. Foram elas assim
denominadas: Poaceae sp. 1 e 2; Andropogon bicornis (L.); Hydrocotyle bonariensis Lam.;
Ipomea pes-caprae; Ageratum conyzoides L.; Dalbergia ecastaphyllum (L.) Taub; e,
140 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Polygala cyparissias. As outras espécies não identificadas (n.i.) foram denominadas


genericamente de herbáceas.

Figura 08: Quadrante 1 – Pontal NE

Fotografia: PAES (2014).

No Quadrante 1, podemos observar a distribuição de cada espécime vegetal


encontrado. Dentre as onze espécies, oito foram localizadas no subquadrante Q1a, sete no
Q1b e sete no Q1c. Apenas três espécimes não foram localizados em mais de um quadrante.

Figura 09: Quadrante 2 – Pontal SW.

Fotografia: PAES (2014).


O Quadrante 2 – Q2 (figura 09), por sua vez, apresenta características distintas se
comparado ao Q1. Nele foram catalogadas quarenta e uma espécies, porém apenas nove
foram identificadas. Dessas, vinte e seis apareceram apenas no Q2a, dezenove unicamente
no Q2b e quinze exclusivamente no Q2c. Assim, constata-se que apesar da elevada
Biogeografia... desde a América Latina - 141

biodiversidade local se comparada aos resultados obtidos no quadrante Q1, a densidade da


vegetação é relativamente menor e as espécies encontradas apresentam maior
distanciamento entre si.
As nove espécies identificadas no quadrante foram denominadas: Poaceae sp. 1;
Poaceae sp. 3; Poaceae sp. 4; Poaceae sp. 5; Hydrocotyle bonariensis Lam.; Tibouchina
grandiflora; Avicenia sp.; Psidium cattlyanum e Andropogon bicornis L.
É importante destacar que apesar do número de espécies ser maior que o Q1, a
área do Q2 tem muito mais interferência antrópica, como podemos perceber pela figura 10.

Figura 10: Marcas de pneu de carro sobre o Quadrante 02.

Fotografia: PAES (2014).

Após a realização desse estudo, pudemos perceber que a extremidade NE de Ilha


Comprida apresenta características muito distintas em relação à extremidade SW.
Se analisarmos os espécimes identificados, relacionando-os com a Resolução
CONAMA nº 07 de 1996 (BRASIL, 1996), entendemos que a vegetação na porção NE
apresenta características da formação de praias e dunas, onde os espécimes Polygala
cyparissias (pinheirinho-da-praia) e Hydrocotile bonariensis (acariçoba) são indicadoras.
A extremidade SW por sua vez, apresenta características de formação de escrube.
Nela, os espécimes Tibouchina holosericea (orelha-de-onça), o Psidium cattleyanum (araçá),
Cordia verbenácea (erva-baleera), os líquens Usnea barbata, Parmelia spp, Cladonia spp.
Confrontando os dados presentes nas duas áreas amostrais, pudemos perceber que
apenas três espécimes encontram-se nos dois quadrantes. São elas duas Gramineae
(Poaceae sp. 1 e Andropogon bicornis L.) e uma Umbelliferae (Hydrocotyle bonariensis Lam.).
142 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Comparando-se os dados de diversidade florística entre as duas extremidades,


pudemos concluir que a extremidade SW (substrato mais antigo) apresenta quarenta e uma
espécies, enquanto na outra extremidade encontram-se apenas onze espécimes. Vale a
pena destacar que obtivemos esse resultado de trinta espécimes a mais no Q2 mesmo sendo
o local apresentando um maior nível de degradação antrópica do que no pontal NE. Essa
degradação manifesta-se na presença de marcas de pisoteio sobre a areia e a vegetação
impressas por pessoas e veículos, no lixo descartado em meio à vegetação, e nos vestígios
de vandalismo e coleta de espécimes vegetais.
Analisando a estrutura vegetal dos espécimes encontrados, percebemos que no Q1 os
indivíduos vegetais possuem uma estrutura mais simples e robusta, por serem do complexo
edáfico de primeira ocupação. Por outro lado, o Q2 apresenta uma vegetação com maior
diversidade de espécies, estas mais exigentes quanto aos aspectos climato-edafológicos, em um
ambiente mais adequado, resultante de processo sucessional mais desenvolvido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos biogeográficos sobre os processos de Sucessão Ecológica ajudam a


compreender diferentes interações entre os atributos bióticos e abióticos que ocorrem na
natureza. Tal interação fica clara quando nos deparamos com casos como o de Ilha
Comprida, por exemplo.
As informações apresentadas sobre o intenso processo de crescimento morfológico
na extremidade NE de Ilha Comprida, e da relativa estabilidade da porção SW, evidenciam
como o processo de Sucessão Ecológica ocorre de maneira diferenciada.
O quadrante da extremidade NE (área mais recente) possui espécies vegetais em
estágio inicial de sucessão, apresentando apenas 11 espécies vegetais. Enquanto o
quadrante SW apresentou 41 espécies, resultando em 71,2% de espécies a mais, alem de
apresentar características fisionômicas diferentes da outra porção.
Nele, encontramos maior diversidade de espécies, sendo mais exigentes quanto aos
aspectos climato-edafológicos, em um ambiente mais adequado, resultante de processo
sucessional mais desenvolvido, enquanto o Quadrante 1 apresentou indivíduos vegetais com
uma estrutura mais simples e robusta.
Biogeografia... desde a América Latina - 143

A vegetação de restinga “por estar localizada ao longo da costa brasileira, está sob
intensa pressão da ocupação humana e consequente alteração da paisagem original”
(BRIZOTTI; COSTA FARIA; OLIVEIRA, 2009, p. 01).
De acordo com os autores (op. cit., p. 01) “no estado de São Paulo, os ecossistemas
de restinga vêm sendo degradados desde a colonização e encontram-se reduzidos a
pequenas manchas remanescentes [...] constituindo o conjunto de ecossistemas mais
ameaçado do estado”.
Isso não é diferente em Ilha Comprida, como podemos perceber pela forte
degradação que ocorre, como por exemplo, evidenciada pela presença de marcas de
pisoteio impressas por pessoas e veículos.
A pesquisa apresentada, demonstra a importância da Biogeografia para
diagnósticos ambientais. O estudo de sucessão ecológica da vegetação pode contribuir tanto
para análises de processos e dinâmicas naturais, como é o caso do processo de progradação
que ocorre na Ilha Comprida, como indicador de níveis de instabilidade morfodinâmica,
como para análises e avaliações acerca da ação antrópica, constituindo-se em um indicador
de níveis de degradação.

REFERÊNCIAS

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Biogeografia... desde a América Latina - 145

Capítulo 9

A EXPANSÃO DAS FLORESTAS ATLÂNTICAS ENTRE O RIO DE JANEIRO (RJ) E


JUIZ DE FORA (MG): uma íntima relação com os povos indígenas31

Matheus Cavalcanti Bartholomeu32

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar as principais características da expansão das


florestas atlânticas originalmente encontradas desde a cidade do Rio de Janeiro (RJ) até Juiz
de Fora (MG), evidenciando sua íntima relação com os povos indígenas que habitam as
planícies sul-americanas há aproximados 13 mil anos. Entender esse processo de evolução
físico-biológica e humana até a chegada dos europeus é importante para que se possa
compreender como a atual paisagem foi gerada e se apresenta hoje.
É importante esclarecer que efetuamos este estudo com base nas abordagens da
História Ambiental, que tem uma ênfase especial no processo histórico de formação e
transformação da paisagem. De acordo com Oliveira e Engemann (2011, p. 10), cabe à
História Ambiental, como “campo de convergência de saberes ligados ao meio ambiente, a
difícil tarefa de interpretar a paisagem do presente à luz das escolhas e ações feitas pelas
populações do passado”.

Em uma perspectiva histórica é evidente que a paisagem que nos chegou até hoje é
produto das relações de populações com o seu ambiente. Nesse particular é
conveniente lembrar que muitos pesquisadores ainda concebem os sistemas
ecológicos como “naturais”, desconectados das atividades humanas que se
passaram em diversas escalas de tempo. Há, portanto, a necessidade de se incluir o
legado da atividade humana como parte do enfoque ecológico nas investigações
sobre a paisagem e, portanto, não se limitar a interpretar a sua estrutura e
33
funcionamento a partir de um ponto de vista exclusivamente “natural” .
(OLIVEIRA; ENGEMANN, 2011, p. 10).

31
As considerações presentes neste trabalho são resultado de modificação de parte do Trabalho de Conclusão
de Curso (Bacharelado e Licenciatura em Geografia) do autor (BARTHOLOMEU, 2014), cujo orientador foi o
Prof. Dr. João Rua, a quem se agradece pelas contribuições, fundamentais para a elaboração deste capítulo. O
trabalho aqui publicado foi apresentado pela primeira vez no XV Encontro de Geógrafos de América Latina,
ocorrido em abril de 2015, em Havana, Cuba (BARTHOLOMEU, 2015).
32
Bacharel e licenciado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre
e doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPG) da mesma universidade.
Integrante do Grupo de Estudos Urbanos e Rurais (URAIS). E-mail: matheuscb@live.com.
33
Em citação a García-Montiel (2002).
146 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Este trabalho está dividido em três partes, além desta introdução e das
considerações finais. Na primeira, uma pequena seção, fazemos um breve panorama sobre a
região de estudo, sua geologia e sua geomorfologia, para que o leitor possa entender melhor
o contexto do desenvolvimento integrado entre a floresta e os indígenas. Na segunda parte,
nosso interesse é caracterizar as florestas tropicais atlânticas da área de investigação e falar
dos fatores paleoclimáticos e paleoecológicos relacionados a sua origem. Na terceira seção
do trabalho, procuramos fazer um histórico arqueoecológico da região, mostrando
finalmente o significativo vínculo entre o desenvolvimento humano e natural nas florestas
atlânticas estudadas.

A REGIÃO ENTRE O RIO DE JANEIRO E JUIZ DE FORA E SUA GEOLOGIA E GEOMORFOLOGIA

A cidade do Rio de Janeiro, capital do estado brasileiro homônimo, é hoje a segunda


maior cidade do país em termos populacionais, com mais de seis milhões de habitantes. Em
linha reta, a distância entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora – localizada na Zona da Mata
mineira, com cerca de 550 mil habitantes – é apenas de aproximados 130 km, mas nas duas
horas de viagem de automóvel entre as cidades é possível ver pela janela variações
significativas do relevo, como podemos perceber na figura 1.
Biogeografia... desde a América Latina - 147

Figura 1. Mapa hipsométrico de localização das principais rodovias de ligação entre Rio de
Janeiro (RJ) e Juiz de Fora (MG) – Os cursos hídricos e as feições geomorfológicas mais notáveis
aparecem destacados.

Elaboração: Matheus Cavalcanti Bartholomeu (2013).

As principais feições geomorfológicas responsáveis pelas acentuadas diferenças de


relevo no perfil topográfico são, a saber: os maciços costeiros do litoral fluminense; a Baía de
Guanabara e a Baixada Fluminense; a Serra dos Órgãos, setor da Serra do Mar nas
proximidades de Petrópolis; o Vale do Rio Paraíba do Sul; e, finalmente, as porções da Serra
da Mantiqueira próximas a Juiz de Fora.
148 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

A razão disso é que a paisagem foi controlada por um sistema de falhamentos em


Horst e Graben, onde nas planícies e depressões foram alojadas várias sequências
sedimentares cenozoicas em bacias. A origem das rochas, estruturas e formações da área está
relacionada principalmente a três eventos tectônicos: o Ciclo Orogênico Brasiliano-Pan-
Africano, no Neoproterozoico e no Cambriano; a sequência de rifteamento continental do
Gondwana e abertura do Oceano Atlântico Sul, na passagem do Jurássico Superior para o
Cretáceo Inferior; e a deformação da superfície de erosão Japi com a elevação da cadeia
montanhosa dos Andes, no Cretáceo Superior.
A Orogênese Brasiliana-Panafricana (ca. 590-492 Ma) foi composta por uma série de
colisões que levou à amalgamação do paleocontinente Gondwana Ocidental (HEILBRON et al.,
1995, p. 249), desenvolvendo a Província Mantiqueira. Tal província geológica é um sistema
orogênico situado na região atlântica sul e sudeste do Brasil, que “engloba os orógenos
Araçuaí, Ribeira, Brasília meridional, Dom Feliciano e São Gabriel, que se distribuem desde o
sul do Estado da Bahia até o Estado do Rio Grande do Sul” (HEILBRON et al., 2004, p. 203). A
área de estudo está situada inteiramente no Segmento Central da Faixa Móvel Ribeira –
conforme delimitação de Heilbron et alii (1995) –, na borda sul do Cráton do São Francisco e
apresenta trend estrutural NE-SW (HEILBRON et al., 2004, p. 212).
As rochas se distribuíram no orógeno de uma maneira que apresentaremos aqui de
modo generalizado, mas que, para os fins a que nosso trabalho se propõe, é suficiente. Nas
cercanias de Juiz de Fora é comum a presença do ortogranulito Juiz de Fora, enquanto ao
Vale do Rio Paraíba do Sul foram transportadas rochas alóctones – o paragnaisse Paraíba do
Sul e o ortognaisse Complexo Quirino – que formaram a Klippe Paraíba do Sul. Logo mais a
sul se encontra a Central Tectonic Boundary (CTB), que marca a divisão entre os terrenos
ocidentais, que pertenciam ao paleocontinente do São Francisco, e os terrenos orientais
antes da Orogenia Brasiliana. Seguindo no sentido N-S, chega-se ao Complexo Rio Negro,
sobre o qual hoje está a Serra dos Órgãos, cuja principal rocha metamórfica é o ortognaisse
Rio Negro, derivado das rochas magmáticas do Arco Magmático do Rio Negro, comprimido
na orogênese. Por fim, no Terreno Costeiro, próximo ao litoral, a predominância é do
paragnaisse Costeiro, metamorfizado exatamente dos sedimentos de back-arc. Além disso,
espalhados por todo o orógeno estão granitoides em plútons sin, tardi e pós-tectônicos
derivados da fusão parcial, com destaque para o Batólito Serra dos Órgãos, cujos granitos
hoje afloram em grande parte dessa serra.
Biogeografia... desde a América Latina - 149

Encerrado o Ciclo Brasiliano, ocorreu um período de aproximadamente 250 Ma de


relativa estabilidade crustal na região em estudo, durante quase todo o Paleozoico e
também o início do Mesozoico. Isso fez com que os agentes exógenos do relevo
conseguissem erodir bastante o Orógeno Ribeira, exumando as rochas mais profundas, de
alto grau metamórfico, e os granitoides plutônicos. Tal condição começou a ser abalada a
partir do Jurássico (ca. 200 Ma), com vulcanismo intenso de caráter anorogênico (CORDANI,
1970, p. 59). É mais precisamente a partir do Cretáceo Inferior (ca. 150-120 Ma) que o
rifteamento continental do Gondwana começa a efetivamente ocorrer, ocasionando a
separação entre a América do Sul e a África e a consequente abertura do Oceano Atlântico
Sul. Esse movimento divergente rúptil gerou e reativou inúmeras fraturas e falhas em toda a
costa leste sul-americana (ALMEIDA; CARNEIRO, 1998, p. 136). Seguido a ele, houve
vulcanismo alcalino significativo no Brasil meridional, entre 90-40 Ma (ALMEIDA; CARNEIRO,
1998, p. 139), inclusive na região estudada.
Ao longo desse processo, em especial no fim do Cretáceo Superior (ca. 70 Ma),
Almeida e Carneiro (1998, p. 136-140) explicam que se desenvolveram diversas superfícies
de aplainamento, sendo a mais antiga e importante a Superfície Japi. No entanto, a elevação
da Cordilheira dos Andes detonou forte movimento epirogênico e de compensação
isostática, deformando a Superfície Japi e reorientando rios ao Atlântico. Esse processo
levou ao soerguimento e abatimento relativo de diversos blocos falhados num sistema de
Horste e Gräben. Na área estudada neste trabalho, destacam-se como elevações os Horste
das Serras da Mantiqueira e do Mar e, como depressões intermediárias, os semi-Gräben do
Paraíba do Sul e da Guanabara – respectivamente, nas proximidades de Juiz de Fora (onde já
é bastante dissecado), Petrópolis, Três Rios e Baixada Fluminense.
Toda essa elucidação sobre os fatores geológicos, geomorfológicos e
hidrográficos da área de estudo, embora sequer tenham ocorrido contemporaneamente
ao desenvolvimento do ser humano, é importante, porque situa o leitor no contexto
deste trabalho e porque lhe dá mais ferramentas para compreender os outros processos
sobre os quais ainda falaremos. Dessa maneira, compreender melhor como foi essa
evolução do relevo faz com que fujamos ao senso comum e à superficialidade do
conhecimento, dando o devido peso a essa dimensão do real e evitando tratá-la como
mero palco das ações humanas.
150 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

OS FATORES PALEOCLIMÁTICOS E PALEOECOLÓGICOS NA ORIGEM DAS FLORESTAS


ATLÂNTICAS

É sobre e em interação com esse complexo mosaico geológico-geomorfológico que


se desenvolveu o Domínio de Natureza Tropical Atlântico, onde nossa região de estudo está
completamente inserida e cujo domínio morfoclimático análogo, segundo Ab’Sáber (2011, p.
16-17), seriam as “áreas mamelonares tropical-atlânticas florestadas”, ou, mais
simplesmente, o “Domínio dos ‘Mares de Morros’ Florestados” (figura 2).Claramente, o que
Ab’Sáber busca é uma caracterização geral, na escala nacional, desses domínios; ele mesmo,
entretanto, reconhece que existem inúmeras diferenças internas a cada um deles. No caso
do Domínio dos “Mares de Morros” Florestados, cita, além dos morros em formato de meia
laranja, a presença de serras escarpadas, florestas de diferentes biotas, enclaves de bosques
de araucária e de cerrados etc.

Figura 2. Domínios morfoclimáticos brasileiros, segundo suas áreas nucleares.

Fonte: Ab’Sáber (2011, sem paginação).


Biogeografia... desde a América Latina - 151

Ab’Sáber toma as florestas tropicais atlânticas como predominantemente


azonais em sua distribuição, isto é, presentes em latitudes e ambientes
significativamente diferentes, havendo “florestas tropicais recobrindo níveis de morros
costeiros, escarpas terminais tipo ‘Serra do Mar’ e setores serranos mamelonizados dos
planaltos compartimentados e acidentados do Brasil de Sudeste.” (2011, p. 16) Quando
da chegada dos europeus nas terras brasileiras, o contínuo florestal se espalhava por
quase toda a costa leste, com 40 a 50 km de extensão média para o interior. Observando
a faixa do norte em direção ao sul,

É somente a partir do vale do Rio Doce que as florestas densas dos tabuleiros
costeiros revestem a Serra do Mar espírito-santense e se adentram pelos
largos compartimentos do vale, em território mineiro, abrangendo centenas
de quilômetros para o interior, até as fraldas orientais da Serra do Espinhaço.
Por sua vez, a porção sul e sul-oriental de Minas Gerais apresentava um
quadro tão contínuo de florestas tropicais em áreas geomorfológicas típicas
de “mares de morros”, que foi denominada Zona da Mata mineira. Um espaço
de florestas tropicais que se estendia desde a porção ocidental das serranias
fluminenses até Santos Dumont, Juiz de Fora e Manhuaçu, sofrendo
modificações drásticas nos altiplanos campestres, dotados de ecossistemas
híbridos ocorrentes entre Tiradentes e Barbacena. O nível de interiorização
das matas atlânticas no Sul de Minas/ Interior Fluminense perfaz de 500 a
600 quilômetros para o interior, comportando sempre florestas tropicais de
planaltos dotados de clima mesotérmico, com 18° a 20°C de temperatura e
1300 a 1 600 mm [sic] de precipitações anuais. Com fortes acréscimos de
chuvas e nevoeiros na fachada atlântica da Serra do Mar e da Serra da
Mantiqueira. (AB'SÁBER, 2011, p. 49).

Antes de prosseguir com a história de formação destas florestas, precisamos


eliminar eventuais ambiguidades entre os conceitos de bioma e de domínio. Assim,
salientamos, coadunando Coutinho (2006, p. 16), que

Os Zonobiomas têm grandes dimensões, distribuindo-se pelo globo terrestre


através dos continentes. Já os domínios morfoclimáticos e fitogeográficos de
34
Ab’Sáber têm dimensões subcontinentais, de milhões até centenas de milhares
35
de quilômetros quadrados . Os biomas podem restringir-se a pequenas áreas ou
36
chegar até mais de 1 milhão de quilômetros quadrados . Um mesmo tipo de
bioma é representado por uma ou mais áreas, distintas geograficamente,
constituindo, cada qual, uma unidade daquele tipo de bioma.

34
Em citação a obra de 1977.
35
Em citação a Watanabe (1997).
36
Em citação a Walter (1986).
152 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

Além da escala de extensão espacial, os domínios não necessariamente têm de


apresentar um ambiente uniforme. Os biomas, por sua vez, possuem

[...] por características a uniformidade de um macroclima definido, de uma


determinada fitofisionomia ou formação vegetal, de uma fauna e outros
organismos vivos associados, e de outras condições ambientais, como a
altitude o solo, alagamentos, o fogo, a salinidade, entre outros. Estas
características todas lhe conferem uma estrutura e uma funcionalidade
peculiares, uma ecologia própria.
[…] No domínio atlântico, encontra-se a Mata Atlântica, também chamada de
37
“mata de encosta”, um outro bioma de floresta tropical pluvial do Zonobioma I ;
a floresta de restinga inundável, um bioma de floresta tropical pluvial do psamo -
hidrobioma I; a floresta de restinga não inundável, um bioma de floresta tropical
pluvial do psamobioma I; os manguezais, um bioma de floresta tropical pluvial,
paludosa, marítima do helo-halobioma I; os campos de altitude, geralmente
acima de dois mil metros sobre o nível do mar, um bioma campestre do
Orobioma I; as formações rupestres sobre afloramentos rochosos dos picos das
serras, um bioma desse tipo de formação, do litobioma I ou lito-orobioma I. […]
38
aqui encontra-se um mosaico de biomas, como mostram Porembski et al. e
39
Scarano . (COUTINHO, 2006, p. 18).

Apesar dessa diferenciação, o bioma Mata Atlântica ocasionalmente assume, em


textos científicos e no vocabulário do senso comum, o sentido que deveria ser atribuído ao
domínio atlântico. Essa confusão conceitual ocorre, inclusive, na legislação que delimita o
denominado Bioma Mata Atlântica. A partir da figura 3, que mostra esses limites e a
cobertura vegetal em seu interior, percebemos claramente certa falta de rigor no tocante a
essas nomenclaturas científicas. Todavia, o uso do termo Mata Atlântica numa acepção mais
geral está deveras consagrado – também em parte da literatura usada neste artigo –, de
modo que evitaremos que o texto se alongue demais e não faremos ressalvas quanto a sua
utilização toda vez que aparecer.

37
De acordo com Walter (1986 apud COUTINHO, 2006, p. 17), o Zonobioma I tem como respectivo clima o
“equatorial, úmido e quente, cujas variações térmicas maiores ocorrem dentro de períodos diários” e
vegetação zonal as “florestas pluviais tropicais sempre verdes”. Ainda nesta citação o número romano “I” que
segue outros tipos de biomas indica que eles também fazem parte do Zonobioma I.
38
Em citação a obra de 1998.
39
Em citação a obra de 2002.
Biogeografia... desde a América Latina - 153

Figura 3. Cobertura vegetal na área de aplicação da Lei da Mata Atlântica (Brasil).

Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica e INPE (2011, p. 7).


154 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

A origem das florestas tropicais atlânticas brasileiras como encontradas pelos


navegadores europeus interliga fatores paleoclimáticos, paleoecológicos e arqueoecológicos
que se sucederam após a última glaciação, no Pleistoceno Superior (ca. 126-12 ka). De
acordo com Ab’Sáber (2011, p. 52-53), no período Würm IV, o mais recente desta era glacial,
formaram-se enormes geleiras sobre as regiões polares e as altas montanhas, fazendo o
nível do mar descer até 100 metros em relação o nível atual. As temperaturas médias globais
caíram 3°C a 4°C, e as terras baixas entre os trópicos, as terras baixas subtropicais e
temperadas e as montanhas e planaltos em latitudes intertropicais se tornaram mais frias,
nesta gradação. Além disso, correntes marítimas frias passaram a se projetar para norte até
a altura da Bahia e contribuíram para evitar a entrada da umidade do Atlântico, uma vez que
as massas de ar quente se atomizaram. Sendo assim, expandiram-se os climas semiáridos ao
longo do litoral recuado e de sua retroterra.

Foram processos que se fizeram atuar, progressivamente, por alguns milhares


de anos, provavelmente 23 000 anos A.P. até 12 700 anos A.P. (Antes do
Presente). Nesse interespaço de tempo, nos “corredores” da semiaridez em
processo, feneceram as coberturas florestais anteriores, processou -se uma
generalizada dessoalagem dos horizontes superficiais dos solos preexistentes
e um extraordinário avanço das caatingas por muitos setores dos planaltos e
terras baixas interiores do Brasil. Concomitantemente com a progressão da
semiaridez, houve recuo e fragmentação dos espaços anteriormente
florestados, permanecendo matas biodiversas apenas nas “ilhas” de umidade
da testada de algumas escarpas voltadas para os ventos úmidos de exceção,
tendo as florestas anteriores ao avanço da semiaridez permanecido em
40
redutos sob a forma de um ecossistema espacialmente minoritário . […] a
redução fragmentária das florestas ocorreu junto a uma refugiação
progressiva da fauna ombrofílica, com densificação de população em espaço
relativamente restrito. (AB'SÁBER, 2011, p. 53, grifo do autor).

Nesses fragmentos florestais, separados por uma matriz de caatingas por milhares
de anos, ocorreram processos de especiação e o surgimento de diversas subespécies. Isso
explica, evidentemente, a distribuição geográfica desigual da fauna e flora no domínio
tropical atlântico, “já que durante o que chamamos de (re)tropicalização não aconteceu uma
coalescência integral e homogênea a partir dos redutos e refúgios em processo de
(re)expansão ou (re)emendação” (AB'SÁBER, 2011, p. 54). Se não podemos ignorar esse
histórico paleoclimático e paleoecológico da formação das florestas atlânticas, tampouco
devemos fazê-lo com relação a seu histórico arqueoecológico, isto é, aquele que contempla
a presença do ser humano: tema do próximo tópico.

40
Em citação a Ab’Sáber; não há indicação de data da obra.
Biogeografia... desde a América Latina - 155

A EXPANSÃO DAS FLORESTAS ATLÂNTICAS E SUA RELAÇÃO COM OS POVOS INDÍGENAS

De acordo com Dean (2011, p. 39-44)41, há aproximados 13 mil anos, o homem,


provavelmente migrando através do Istmo do Panamá, chegou às planícies da América do
Sul. Há evidências arqueológicas que apontam para idades ainda mais antigas, mas as mais
fortes e numerosas afirmam que essa presença se iniciou ao fim da última glaciação. Esses
imigrantes tinham pouco interesse pela floresta, sendo mais atraídos pela possibilidade de
caça nos cerrados. Aquele ambiente, apesar de ser palco de expedições esporádicas em
busca de peixes, possuía animais menos numerosos e mais difíceis de encontrar. Todavia, a
caça em excesso parece ter contribuído para a rápida extinção da megafauna durante a fase
de recuo das geleiras, o que levou a uma crise entre os primeiros imigrantes, por volta de
oito mil anos atrás, e ao consequente abandono de muitos sítios de ocupação.
Os caçadores-coletores ainda assim não desapareceram, principalmente no que se
refere às regiões de montanha, onde buscavam herbívoros de pequeno e médio porte. Uma
prática possivelmente utilizada consistia em atear fogo nas matas, para apanhar mais facilmente
as presas do dossel e para substituir a vegetação lenhosa por outras que atrairiam melhor
determinados animais. Talvez essas queimadas periódicas tenham retardado a reconquista da
floresta sobre os campos do interior, uma vez que o fogo recorrente favorece a vegetação de
cerrado a ele adaptada. Esse fator em si já mostra a íntima vinculação entre a evolução das
florestas atlânticas e a ocupação e prática humanas da qual falamos.
Alguns grupos humanos que sofreram mais com o declínio da caça migraram
para o litoral – cujas baixadas eram mais extensas que atualmente em virtude da
transgressão marinha que ainda se iniciava –, onde encontraram mangues ricos em
ostras e outros moluscos. O descarte das carapaças em grandes pilhas formou diversos
montes ainda presentes na costa sudeste brasileira, os sambaquis. Essa economia foi
capaz de perdurar por mais de sete mil anos, embora constantes batalhas entre tribos
em busca dos recursos acontecessem.
Enquanto isso, os caçadores-coletores das serras passavam gradualmente da coleta
das plantas para seu plantio e cultivo. Um fator humano altamente associado à composição
da Mata Atlântica na região é a disseminação, intencional ou não, e geralmente em
agrupamentos, de sementes interessantes para as tribos, como o pinhão de araucárias

41
Esta citação se refere a este e aos próximos três parágrafos.
156 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

(Araucaria angustifolia). São datados de a partir de 3.900 anos atrás os vestígios já


encontrados de uma agricultura mais intensa, como o milho (Zea mays), a mandioca
(Manihot esculenta), o inhame (Dioscorea trifida), a abóbora (Abobra tenuifolia), o abacaxi
(Ananas spp.) e o amendoim (Arachis hypogaea). Duas razões combinadas aparentam ter
levado os indígenas a recorrer à cultura agrícola: o aumento da densidade populacional das
tribos e a escassez dos recursos de caça e coleta outrora abundantes.

A adoção da agricultura transformou radicalmente a relação dos homens com


a floresta. O que havia sido um recurso residual, produto inferior para os
caçadores-coletores, queimado por descuido ou acidente quando se tocava
ou atraía a caça, agora se tornava seu principal hábitat. Descobriram que os
solos do cerrado eram demasiado arenosos, secos, ácidos e saturados de
alumínio para cultivar. A agricultura era muito mais viável na região da Mata
Atlântica. Desde o começo, a agricultura na região da Mata Atlânt ica – de
fato, em todas as áreas de baixada do continente – exigiu o sacrifício da
floresta. (DEAN, 2011, p. 44).

Dean (2011, p. 44-45) conta que a técnica mais comum era a da agricultura de
queimada, da qual a coivara foi a principal variante: cortava-se a macega de
aproximadamente um hectare de floresta e fazia-se o anelamento dos troncos maiores,
deixando secar. Antes das chuvas, queimava-se a vegetação, de modo que a biomassa
caísse. As chuvas, então faziam os nutrientes infiltrarem no solo, neutralizando-o e
fertilizando-o. Depois de alguns ciclos de cultivo, a área era deixada em repouso por cerca de
20 a 40 anos, até que o processo sucessional atingisse o estágio secundário – cuja vegetação
era chamada pelos índios de “capoeira” – e a análoga estabilização dos solos, para, só então,
haver o replantio.
Oliveira (2007, p. 43-45) explica que a imprescindibilidade do uso do fogo nestas
formas rudimentares de agricultura está ligada ao fato de os solos da Mata Atlântica serem
deficientes em fósforo, estando este nutriente concentrado na biomassa. Ainda segundo ele,
a “utilização do fogo para a abertura de áreas de cultivos de subsistência é responsável pela
geração de um tipo particular de paisagem florestal, dominante no Sudeste brasileiro” (p.
44). Além disso, em escalas temporal e espacial mais amplas, a agricultura nômade ou
seminômade indígena pode ser entendida como um dos grandes reguladores, da seleção de
espécies e da composição faunística e, principalmente, florística da Mata Atlântica
encontrada pelos europeus. José Augusto Drummond (1997, p. 38-39, grifos do autor) trata
a importância da coivara em paralelo com a importância do domínio do fogo:
Biogeografia... desde a América Latina - 157

Pelo que consta, […] todos os povos ameríndios tinham pelo domínio do fogo,
que usavam para numerosos fins, todos eles com poder de modificar os meios
naturais em pequena ou grande escala: limpeza de áreas para aldeias, plantações
e áreas de caça; auxílio direto à caça, para cercar ou espantar animais em
direções desejadas; estímulo ao crescimento de certas plantas resistentes ao
fogo e que atraem herbívoros especialmente valorizados como animais de caça;
festas e rituais; arma de guerra; cerâmica; iluminação noturna, aquecimento e
segurança contra animais predadores; e, por último, o cozimento, a preservação
e a defumação de alimentos, um dos traços distintivos mais marcantes da
42
espécie humana em relação aos demais animais .

Dean (2011, p. 47-48) complementa ao dizer que foi perto do ano 400 d.C. que
grupos de agricultores das regiões montanhosas desceram às baixadas em busca dos
recursos da mariscagem e da pesca, mas sem abandonar o cultivo de vegetais. O principal
desses grupos foi o tupi, cujo sucesso notadamente se atribui ao domínio da navegação e à
agressividade em guerras, parte do seu ritual típico. À expulsão dos povos indígenas
sambaquieiros (a última evidência arqueológica de um sambaqui data de cerca de 1100 d.
C.) seguiram-se guerras entre as próprias tribos tupis pelo território, tendo os perdedores de
migrar para áreas menos produtivas, como as serras.
Os tupis não intensificaram muito suas práticas agrícolas, ao passo que dispunham
de uma grande variedade de frutos, peixes e mariscos, além de caçarem alguns herbívoros,
insetos e outros animais terrestres.

Embora diversificadas e sazonalmente abundantes, essas fontes de proteína


provavelmente representavam o fator crítico no abastecimento alimentar. Isto
quer dizer que é possível que os tupis tenham sentido a escassez de caça e peixe
mais cedo que a de seus produtos agrícolas básicos. Esse desequilíbrio talvez tenha
salvo [sic] a floresta de ser reduzida a uma formação inteiramente secundária.
(DEAN, 2011, p. 49).

Outra coisa que possivelmente contribuiu para a proteção das florestas foi o caráter
embrionário do comércio entre as aldeias litorâneas e interioranas, cujas mercadorias não
eram agrícolas. Os tupis, entretanto, mantinham uma rede de trilhas estratégicas e
migratórias em direção às serras do Atlântico; muitas das quais aproveitadas para traçar a
rota de rodovias modernas (DEAN, 2011, p. 49). Também era exercida pressão seletiva sobre
a floresta, preferindo os tupis retornar a áreas já queimadas a derrubar novas áreas de
floresta, em razão da falta de segurança à medida que se distancia da aldeia e à dificuldade
de corte e queima em matas virgens. No espaço entre as aldeias das baixadas não

42
Em citação a Pyne (1988) e Dean (1995, cap. 2-3)
158 - Leonice Seolin Dias, José Manuel Mateo Rodríguez e Jorge Luis Fontenla Rizo (Orgs)

costumava haver ocupação, sendo por isso pouco utilizado para as práticas agrícolas
(DRUMMOND, 1997, p. 43). Ao longo de suas fronteiras nas montanhas, por sua vez, as
pressões sobre a floresta podem ter sido reduzidas, pois com as guerras, os grupos serranos
na defensiva precisariam abandonar suas plantações e tornar-se para a caça e a coleta
(DEAN, 2011, p. 53).
Sendo assim, Drummond (1997, p. 48) sintetiza três suposições. A primeira diz que as
alterações ambientais causadas pelas populações indígenas se concentraram em menos de
um terço do território atual do estado do Rio de Janeiro, em especial sua planície litorânea.
A segunda é de que tais pressões foram principalmente sobre recursos naturais renováveis,
o que leva à terceira suposição: a escala de exploração foi compatível à escala de renovação
natural das florestas, ainda que as técnicas fossem potencialmente transformadoras. Essas
características conseguem mostrar bem como homem e natureza se tornam cada vez mais
interagentes e, por que não interdependentes?

A região da Mata Atlântica, então, apresenta duas ou talvez três categorias de


fronteira: aquela entre a floresta e o cerrado, com temperatura gradualmente
mais quente e precipitação pluviométrica maior favorecendo a floresta, que
desintoxicava o solo à medida que avançava e abrigava os microclimas
adequados para sua posterior consolidação e desenvolvimento; aquela da
primeira leva de homens que confrontavam a floresta ao longo de sua orla do
interior do continente e consistentemente se aliavam com o cerrado; e aquela
entre os tupis e seus adversários caçadores-coletores. O elenco era
extraordinariamente diversificado, mas agora um outro personagem [o
europeu] seria acrescentado, e o próprio roteiro passaria a ser radicalmente
reescrito (DEAN, 2011, p. 58).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dessa análise, pudemos verificar como é verdadeira a afirmação de que os


povos indígenas e as florestas na região estudada se desenvolveram em conjunto e de forma
íntima e indissolúvel desde aproximados 13 mil anos até a chegada dos europeus, no século
XVI. As práticas tanto dos índios caçadores-coletores como dos agricultores, entre outras
coisas, foram responsáveis por estabelecer pressões ecológicas sobre determinadas espécies
vegetais e animais, enquanto outras tinham sua perpetuação mais garantida, ou mesmo
assistida – como as plantas interessantes ao cultivo, cujas sementes os próprios índios
disseminavam –. Não somente, também tais ações retardaram ou facilitaram a conquista (ou
reconquista) das florestas úmidas sobre os campos secos do interior, por meio do uso ou
não do fogo, etc.
Biogeografia... desde a América Latina - 159

Embora hoje em dia os vestígios da ocupação indígena sejam praticamente


irrelevantes em comparação com o domínio da técnica, o mesmo não se pode dizer para
uma ou duas centenas de anos atrás. Exemplo disso é a própria citação a Dean há alguns
parágrafos, que fala sobre as trilhas tupis e o aproveitamento de seus tra çados para a
construção de estradas, ainda que esses mesmos caminhos já tenham também sido
condicionados pelo relevo. Ademais, os índios deixaram um grande legado linguístico e
de costumes para a população brasileira, de modo que não podemos desconsiderá -los
neste trabalho. Fora isso, as florestas também não podem ser esquecidas, afinal, de
acordo com Lamego (2007, p. 87), foram elas, e não as serras, o grande obstáculo à
interiorização no sudeste brasileiro.

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Biogeografia... desde a América Latina - 161

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