Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Palhoça, 2006
2
Palhoça, 2006
3
DEDICATÓRIA
Aos meus pais e a minha irmã que são os sustentáculos de minha força,
motivos do meu orgulho e responsáveis pela satisfação com a qual concluo este trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Lenimar e Regina pelo amor que me dedicam todos os dias de suas
vidas e sem os quais a minha jamais teria sentido.
A minha irmã Alessandra por todo seu amor, confiança e cumplicidade que me dão
forças para lutar por tudo que sonho.
Aos meus avós Mário e Helena exemplos de uma vida bem vivida e de amor.
Aos meus tios Ângelo e Adelina pelo carinho, apoio e orientação.
A minha querida prima Juliana e querida amiga Bertha, pelo carinho e amor que
despenderam durante todo esse período.
As minhas grandes amigas Adriana, Cristiane e Celinha sem as quais teria sido
impossível, mas com as quais custou muito mais tempo.
Aos meus colegas de orientação Gisely, Joana, Monique, Josiane, Paula, Fernanda e
Rodrigo, os quais contribuíram com seus olhares e sugestões para a construção da pesquisa.
A minha orientadora Esther por toda a paciência, consideração, auxílio e incentivo
durante todo o processo.
A banca examinadora por ter dado valorosa atenção a minha pesquisa.
As três técnicas de enfermagem que solidariamente participaram e contribuíram com
as suas experiências.
6
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo principal identificar a existência de fatores e fases de
estresse presentes na rotina de trabalho de técnicas de enfermagem no cuidado do paciente
oncológico. Para o referente estudo se utilizou o método quanti-qualitativo, realizando – se
uma pesquisa do tipo exploratória, com o delineamento de um estudo de caso. Os
instrumentos usados na coleta de dados foram: o inventário de sintomas de stress para adultos
– ISSL e um roteiro de entrevista individual semi-estruturada. Os dois instrumentos foram
aplicados em três técnicas de enfermagem que trabalham na área oncológica há mais de um
ano, em hospitais da grande Florianópolis.
Na análise dos dados utilizou-se a técnica da análise de conteúdo classificados pelo método de
categorias, que foi analisado e fundamentado baseando se no referencial teórico. As temáticas
criadas a partir do roteiro de entrevista semi-estruturado foram: a doença câncer; suporte
organizacional, o perfil profissional desejável, o estresse ocupacional.
Apesar de ter sido identificado um alto nível de estresse, em apenas umas das pesquisadas,
constatou-se que todas estão sujeitas à fatores desencadeadores de estresse ocupacional
advindos principalmente do sofrimento psíquico e da falta de suporte organizacional para
lidar com este tipo de paciente.
Acredita-se que se não houver uma atenção a estes riscos, os mesmos inevitavelmente irão
levar o adoecimento das trabalhadoras que atuam na área oncológica.
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10
1.1 Problema.............................................................................................................................11
1.2 Justificativa.........................................................................................................................11
1.3 Objetivos.............................................................................................................................12
1.3.1 Objetivo Geral..................................................................................................................12
1.3.2 Objetivos específicos.......................................................................................................12
2 REFERÊNCIAL TEÓRICO...............................................................................................13
2.1 O estresse ocupacional e o sofrimento psíquico.................................................................13
2.2 A atividade de enfermagem................................................................................................19
2.3 O profissional de enfermagem e o paciente oncológico.....................................................22
3 MÉTODO.............................................................................................................................25
3.1 Caracterização da pesquisa.................................................................................................26
3.2 Participantes........................................................................................................................27
3.3 Técnicas de coleta de dados................................................................................................27
3.4 Plano de análise dos dados..................................................................................................28
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................49
REFERÊNCIAS......................................................................................................................52
APÊNDICE..............................................................................................................................54
10
1 INTRODUÇÃO
Quando o trabalho é prazeroso, torna-se uma das razões de grande importância na vida
do trabalhador, fazendo com que este não perca sua motivação para continuar produzindo. A
forma como o indivíduo produz está ligada a sua possibilidade de reconhecimento de que ele
é alguém que existe e tem importância para o outro. Uma das situações que podem
transformar o trabalho em algo penoso e que podem levar ao sofrimento são as condições em
que este trabalho é efetuado. Este sofrimento acontece quando há o confronto da subjetividade
do trabalhador com as restrições das condições socioculturais e ambientais. Logo, o trabalho
pode proporcionar prazer e sofrimento ao mesmo tempo, ou seja, o trabalhador busca o prazer
e evita o sofrimento tentando, assim, manter-se em homeostase.
O modo como o trabalho é organizado exerce uma influência no comportamento e no
funcionamento psíquico do trabalhador, que pode ser tanto positiva quanto negativa.
Para analisar a problemática do estresse e as suas fases, o presente trabalho utilizará a
compreensão da Dra. Marilda Lipp, que desenvolveu diversas pesquisas nesta área desde
1985. A autora é professora titular de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, onde teve uma sólida formação acadêmica norte-americana nas áreas de Psicologia,
Epidemiologia e Ciências Humanas. Segundo a definição da pesquisadora, o estresse seria
uma reação psicofisiológica muito complexa que contém, em sua base, o caráter
imprescindível do organismo humano e as dificuldades desses indivíduos ao lidar com o
prenúncio de algum perigo que ameace seu equilíbrio interno. Atualmente, Lipp é uma das
principais pesquisadoras na área de estresse do cenário nacional. (O´GATTA apud LIPP,
2004).
A análise sobre o conteúdo do trabalho do profissional técnico de enfermagem será de
grande relevância para a contextualização desse processo. A pesquisa bibliográfica buscará
entender a atividade do profissional da saúde segundo a ótica de diversos especialistas, bem
11
1.1 Problema
1.2 Justificativa
1.3 Objetivos
2 REFERÊNCIAL TEÓRICO
Como o mundo do trabalho, nos últimos anos, tem sofrido diversas modificações em
seu desenho, tipo e em suas exigências, essas transformações levaram o campo da Saúde
Mental no Trabalho a se interessar e olhar cada vez mais para essa realidade. Esta evolução,
em curto prazo, trouxe benefícios, como o aumento da produtividade, com redução de custos,
e conseqüente aumento econômico. Já em longo prazo, as mudanças poderão gerar
insatisfação, alienação e baixa da qualidade de saúde dos trabalhadores, produzindo
repercussões e possíveis desequilíbrios econômicos. Discorrendo sobre esse aspecto,
15
Levy –Leboyer (1994) afirma que as pessoas precisam do trabalho pra entender as
necessidades econômicas, necessidades sociais, e quando o trabalho se transforma
em fonte de mal estar, uma parte do esqueleto social é fragmentada. Ressalta ainda
que no ambiente de trabalho as pessoas querem ser respeitadas, enquanto
indivíduos e valorizados por suas realizações, lealdade e dedicação. (INOCENTE e
GUIMARÃES apud GUIMARÃES e FREIRE, 2004,p.130)
tarefas e dos limites impostos para a realização das mesmas pode, muitas vezes, ocasionar o
sofrimento durante a execução do trabalho. Assim sendo, pode-se dizer que:
Dejours (1987), afirma que, para analisar as condições de trabalho deve-se prestar a
devida atenção ao ambiente físico, químico, biológico, às condições de higiene, de segurança
e às características antropométricas do posto de trabalho a que este trabalhador está sujeito
diariamente. O autor estuda o comportamento do indivíduo antes e depois de ser incluído na
organização do trabalho. Descreve como o comportamento do trabalhador recém chegado na
organização sofre mudanças e tolhimento de seus desejos, que ele denominou “anulação muda
e invisível”, adquirindo comportamento estereotipado de outros trabalhadores já sujeitados a
essa organização autoritária e padronizadora.
Para que o trabalhador consiga equilibrar os seus desejos ou necessidades pessoais
dentro de uma organização, será necessário que ele busque compreender a realidade
organizacional que o circunda. E, também, que a organização do trabalho possibilite ao
trabalhador espaços para novas aquisições de responsabilidade ou de atividades que
proporcionem e agreguem algum significado ao seu contexto pessoal e profissional. Esses
fatores são requisitos imprescindíveis para a manutenção da saúde mental do trabalhador, que
busca a diminuição do sofrimento psíquico pelo mecanismo da sublimação. (DEJOURS,
1999). Conforme o autor,
Estas estratégias são tão eficazes para o trabalhador que, quando questionado sobre os riscos
da atividade, em seu discurso não se verifica nenhum traço de medo ou insegurança quanto
aos mesmos. Esta estratégia de defesa psíquica e emocional, requer um intenso desgaste
somático do sujeito, que poderá se evidenciar por disfunções de sono, do humor, além de
lesões musculares, dores crônicas e manifestações de ansiedade. Em outras palavras,
do estresse nos referidos profissionais, principalmente naqueles que atuam com pacientes
oncológicos.
O tipo de relação que o individuo estabelece com o seu trabalho passa a ser decisiva
para o estabelecimento ou não de conflitos, que influenciarão diretamente no equilíbrio da
manutenção de sua saúde mental. (VIEIRA et alli in GUIMARÃRES e GRUBITS, 2003).
Os autores Rodrigues e Gasparini ( apud GUIMARAES, 1992) destacam que, dentre
as diversas patologias que a Medicina do Trabalho procura compreender, na grande maioria,
há uma correlação com o desgaste a que os trabalhadores estão sujeitos nos ambientes e nas
suas relações de trabalho. E destacam igualmente que, se essas condições forem inadequadas,
desencadearão cada vez mais o aprisionamento desse sujeito e uma desatenção aos programas
de prevenção e promoção a sua saúde.
Diversos estudiosos na área de saúde do trabalhador concordam com a afirmação de
que o trabalho está intimamente ligado ao adoecer do sujeito. Isso ocorre por entenderem que
as profissões da área da saúde, em particular, a atividade de enfermagem, são algumas das
profissões mais estressantes para a saúde dos trabalhadores. A carga emocional intensa a que
estes sujeitos estão expostos é decorrente das relações interpessoais (enfermeiro-paciente),
exigências físicas, equipes de trabalho deficitárias, jornadas de trabalho noturnas e extensas,
horas extras, outros vínculos empregatícios. (VIEIRA et alli apud GUIMARÃRES e
GRUBITS, 2003).
A função singular do profissional de enfermagem é dar assistência ao indivíduo
saudável ou adoecido, utilizando, para isso, instrumentos técnicos com a finalidade de zelar
pelo bem-estar do paciente. (HENDERSON apud SILVA in D´ASSUMPÇÃO, 1984).
A assistência do profissional da enfermagem é muito abrangente e se norteia por um
conjunto de técnicas alicerçadas em princípios científicos, sendo desempenhadas e
desenvolvidas por uma equipe composta por diversas categorias de profissionais: enfermeiro,
técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e atendente.
Entretanto, a qualidade para o desempenho dessas técnicas ultrapassa a simples
execução de suas funções, alcançando principalmente a atenção e o amparo do atendimento
fornecido ao paciente, com o intuito de auxiliar a conservação de suas necessidades humanas
básicas. Para o efetivo desempenho desse atendimento é necessário que a equipe de
profissionais perceba e identifique este sujeito em sua individualidade e subjetividade,
estabelecendo comunicação eficiente, interagindo e acolhendo os seus anseios e sofrimentos.
“Desse modo se estabelece um relacionamento efetivo entre enfermeiro e o paciente,
21
(...)o toque, outro aspecto da comunicação não verbal, é, talvez, uma das mais
importantes facetas da comunicação não verbal, pois, através deste podemos, por
exemplo, indicar para a pessoa que fique onde está, que se aproxime, que “estamos
com ela” em uma dada situação. É um dos meios mais concretos de transmitir
nossos sentimentos de empatia e confiança. (STEFANELLI, 1993, p.38).
Para que essa interação seja exitosa, o profissional de enfermagem não poderá valer-se
da linguagem diária ou de seu cotidiano pessoal quando se relacionar com o paciente,
necessitando recorrer aos seus instrumentos técnicos de comunicação denominados pela
22
Um fato que potencializa ainda mais as dificuldades de lidar com a doença, é que o
câncer, na maioria das vezes, provoca a diminuição severa da qualidade de vida do paciente
em razão da forte dor provocada. (LOPES, 2005). Em conformidade com Silva e Zago (2001,
p.6),
3 MÉTODO
Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, pois busca tornar mais
familiar o problema proposto, objetivando uma melhor compreensão ou construção de
hipóteses sobre o fenômeno estudado. A pretensão principal é o aperfeiçoamento de idéias e
intuições, visto que sua construção é muito flexível e proporciona uma abertura maior para a
visualização de vários aspectos a serem estudados (GIL, 2002). Esse modelo de pesquisa
utiliza, para a sua realização, levantamentos bibliográficos, entrevistas individuais que trazem
fatos baseados nas experiências práticas vivenciadas e análises de exemplos sobre o problema
que estimulem uma melhor percepção sobre o mesmo (SELLTIZ et alli apud GIL, 2002).
Com base nessa breve explicação é que se justifica a proposta escolhida de buscar
explorar a possibilidade da existência de fatores estressores no processo de relação
interpessoal mantido entre o profissional da enfermagem e o paciente oncológico durante a
rotina de trabalho destes profissionais da saúde.
O delineamento da pesquisa consiste em um estudo de caso, que visa buscar um
aprofundamento de um grupo específico de profissionais de enfermagem. Destaca-se que,
nas ciências, durante muito tempo, o estudo de caso foi encarado como pouco
rigoroso que serviria apenas para estudos de natureza exploratória. Hoje, porém, é
encarado como o delineamento mais adequado para a investigação de um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto real, onde os limites entre o fenômeno e o
contexto não são claramente percebidos. (YIN apud Gil, 2002, pg.54)
Este estudo de caso deseja clarificar e abranger os mínimos detalhes deste problema de
pesquisa proposto, com a pretensão de trazer à tona resultados abertos e uma visão mais
ampla sobre a realidade do profissional técnico de enfermagem, ou seja, elucidar hipóteses e
não conclusões fechadas sobre a mesma.
27
3.2 Participantes
O objetivo geral desta pesquisa foi identificar a existência de fatores e fases de estresse
presentes na rotina de trabalho dos técnicos de enfermagem no cuidado com do paciente
oncológico. Para a realização da mesma, foram entrevistados três técnicos de enfermagem,
todos do sexo feminino, residentes na Grande Florianópolis. Toda a amostra trabalha há mais
de um ano na área oncológica, em hospitais da Região da Grande Florianópolis, sendo duas
no atendimento com crianças e uma com adultos.
Para melhor visualização das características e dados pessoais de cada participante da pesquisa,
utilizou-se um quadro com os dados de cada sujeito, um segundo que mostra a experiência
dos participantes da pesquisa e um terceiro que contém dados laborais dos técnicos, como se
verá logo a seguir.
Neste capitulo serão abordados os resultados obtidos por meio das entrevistas e da
aplicação do inventário de sintomas.
Para isso, foram criadas quatro temáticas a partir das perguntas elaboradas no roteiro de
entrevista, conforme o Apêndice A.
As temáticas criadas foram: a doença câncer; suporte organizacional; perfil
profissional desejável; o estresse ocupacional. A partir das temáticas apresentadas
anteriormente, foram construídas categorias. E essas categorias, foram desmembradas em
subcategorias que foram estabelecidas a partir das falas das participantes.
Esta primeira temática utilizou como base de análise as perguntas número 04, 05 e 06
do roteiro de entrevista. As categorias construídas para esta temática foram: a percepção da
doença; trabalhar com o paciente oncológico; o preparo do profissional para lidar com a
doença;
A partir das categorias apresentadas acima serão descritas as subcategorias originadas dessa
construção.
“O câncer pra mim é um terror, algo horrível. Que vai te comendo, te fazendo
sentir muita dor, desfigurando o paciente. É como um demônio, é tudo de
ruim.(...)”. Sujeito1
A doença câncer, segundo Lopes (2005), traz um estigma social de dor, sofrimento e
morte que permeia a sociedade há anos. Esse estigma contribui para um agravamento do
sofrimento psíquico do paciente e, conseqüentemente, do cuidador que está implicado nesse
processo diariamente. Quando os sujeitos entrevistados trazem, nas suas falas, a visão da
doença como sendo algo terrível, horrível, uma doença extremamente ruim, percebe-se o
sofrimento implícito no discurso de cada entrevistado ao lidar com esse contexto diário. O
câncer é uma doença que traz consigo muita dor, com características negativas que
ultrapassam a visão meramente científica do sujeito. A construção dessa percepção da doença
vem se estabelecendo muito anteriormente à entrada desse profissional da enfermagem na
área oncológica, na verdade, ela vem sendo estabelecida nas trajetórias do cotidiano pessoal
de cada sujeito (relações intrapessoal e interpessoais) e edificando-se com os outros
conhecimentos científicos apresentados no seu contexto de trabalho.
As fortes dores, as degenerações físicas e até o desenrolar do processo de morte são
características que acompanham o cotidiano do profissional da enfermagem que lida com essa
33
doença, evidenciando a dificuldade em lidar com as limitações de alguns quadros clínicos que
se apresentam e com a sensação de incapacidade para aliviar as dores e para poder realmente
levar o paciente à cura.
Segundo Silva e Zago (2001), algumas profissionais trazem, em seus discursos, essa
sensação de que as suas ações terapêuticas são limitadas pela falta de conhecimento em lidar
com as esferas afetivas do paciente oncológico, gerando uma sensação de incapacidade e
desconfiança no tratamento aplicado.
Essa visão que as autoras citadas anteriormente trazem sobre o sentimento de incapacidade
que o profissional tem foi descrita em uma outra subcategoria denominada “a doença câncer
atrelada ao sentimento de impotência”, e se evidencia na fala do sujeito 1 a seguir:
(...) “ Eu me sinto uma inútil, de mãos e pés amarrados. Você sabe que não tem
volta e se voltar você sabe que é só para prolongar o sofrimento do paciente.”(...).
Sujeito 1
Durante a entrevista, percebeu-se que esse profissional tem uma noção de limitação
das suas ações dentro de determinados quadros clínicos, tendo em vista que diversas vezes
simplesmente aguardou o desenrolar da doença e só lhe restou acolher o máximo possível o
paciente e reduzir as suas dores até ele chegar ao falecimento. Havia um sofrimento claro nas
expressões comportamentais do profissional enquanto relatava o fato de que se deparou
diversas vezes com pacientes que tinham possibilidades de melhora, mas que, por questões
psicológicas, acabaram desistindo de lutar pela própria vida e chegando ao óbito. O sujeito 1
demonstra essa sensação de incapacidade para ajudar o paciente nessa esfera psicológica, se
frustrando e sofrendo com essa limitação, e também o sujeito 2, cuja fala é transcrita a seguir:
(...)“É um sentimento de incapacidade, muitas vezes aquela criança luta tanto pela
vida durante dias e meses após iniciar tratamento e acaba morrendo.” (...)Sujeito 2:
Já a última subcategoria percebida na fala dos sujeitos foi a da “doença câncer atrelado
ao conhecimento científico.” Apesar de apenas um sujeito trazer esta subcategoria em seu
discurso, considerou-se relevante a sua análise. Apesar de os sujeitos terem que utilizar
diariamente diversos conhecimentos técnicos e científicos para cuidar do paciente oncológico,
evidenciou-se mais uma visão relacionada aos estigmas sociais e ao sofrimento por lidar com
a doença câncer do que a percepção da doença câncer atrelada aos conhecimentos técnicos. A
seguir, apresenta-se a única fala relativa a essa subcategoria:
34
(...)“A doença câncer é o nome dado a mais de 100 doenças que tem em comum o
crescimento de células que envolve tecidos e órgãos. È uma doença genética e não
hereditária, podendo também existir câncer hereditário.”(..)Sujeito 3
: (...)“Hoje sim, mas quando entrei você não imagina como a realidade a coisa é
muito mais feia. Teu lado emocional nem pensar, tu cai preparada pra tudo, e o que
você vai ver é muita dor e sofrimento.” Sujeito 1
35
Apesar de se colocar como alguém preparado para lidar com essa realidade, durante a
entrevista o sujeito se percebe como alguém que tem de adotar uma postura de força e pouca
emotividade. Nota-se também que o preparo do técnico de enfermagem vem da experiência
prática e não porque é preparado pela instituição antes de assumir o cargo em questão.
Segundo os autores Carvalho e Merighi (2005), o profissional da enfermagem está exposto
diariamente ao contato com o sofrimento humano, que vai da manutenção das dores até o
falecimento do indivíduo. Tal proximidade evidencia o quanto o técnico está sujeito ao
envolvimento pessoal e profissional, pois fala desse mesmo sujeito que se percebe preparado
para lidar com essa realidade, trazendo uma reflexão sobre esse envolvimento, que está tão
intrínseco na sua atividade, que nem mesmo é percebido como sofrimento:
(...)“Você sente vontade de chorar, mas sabe que não pode se expor. Você tem que
se manter firme e forte.” (...)“Uma vez aconteceu um episódio de uma paciente
bem carente, ingerir detergente de cozinha de tanto sentir dor. Ela veio para o
tratamento se dizendo aliviada. Fiquei chocada! Nunca tinha imaginado ouvir isso
de alguém, imagina quanto desespero ela estava para fazer iss!. Fiquei muito triste
nesse dia.”(...) Sujeito 1
Continuando a análise dessa categoria, a outra subcategoria adotada foi “não se sente
preparada para lidar com dor e morte”, que obteve o maior número de respostas.
Segundo as autoras Silva e Zago (2001), apesar dos profissionais da enfermagem
serem instrumentalizados para lidar com o paciente oncológico, eles encontram bastante
dificuldade quando se deparam com situações de dor e sofrimento muito graves. Mostrando
que esses profissionais normalmente apresentam a necessidade e solicitam o auxílio de outros
profissionais, como por exemplo, o psicólogo, para ajudar na relação cuidador e paciente, a
fala a seguir exemplifica esta categoria:
além do sofrimento psíquico que a dor do paciente ou a sua perda podem desencadear no
trabalhador.
Para essa categoria foram determinadas as três subcategorias descritas anteriormente. Para
a subcategoria “não foi iniciativa própria”, observou-se que todos os sujeitos entrevistados
não escolheram ir para a área oncológica. Em sua totalidade, migraram de outros setores por
apresentarem habilidades e atitudes, consideradas adequadas pelas organizações em que
trabalham, para desempenhar a atividade ou por necessidade da organização de repor pessoal
diante da abertura de vaga por motivo de demissão de outros funcionários. Todos
apresentaram muito medo em ir trabalhar na área oncológica, sendo que alguns foram até
insistentemente coagidos a não desistir. Descreveram o sofrimento que passaram ao entrarem
na organização e comentaram que, atualmente, conseguem perceber, nas técnicas de
enfermagem recém contratadas, o quanto estas sofrem quando iniciam o trabalho na área
oncológica. Algumas recém contratadas já exercem outra atividade dentro do hospital, mas
quando são remanejadas de área ou setor, costumam mudar muito o seu desempenho laboral.
Segundo uma das entrevistadas, muitas vezes, as técnicas mais antigas na área oncológica são
responsáveis por encorajar os novos integrantes da equipe, relembrando-os de que já sabem
realizar aquela tarefa, mas que, na verdade, estão bloqueados pelo medo de lidar com aquele
paciente.
Os sujeitos relataram que encontram muito sofrimento humano e que encaram o fato de
trabalhar nesta área como um desafio profissional e também como uma atitude humanitária,
tentando, assim, ajudar ao menos um pouco a melhorar o sofrimento daqueles indivíduos
enfermos. A fala de um dos sujeitos exemplifica bem essa categoria, como se pode verificar a
seguir:
“Não foi uma escolha minha. Fui convidada, mas não queria. Tive muito medo e
relutei muito em aceitar, com o passar dos anos aprendi a trabalhar na
oncologia.” (...) Sujeito 3
(...) Tem algumas mães que cobram da gente chorar junto com elas, é uma situação
muito delicada e complicada de lidar.”(...) Eu costumo dormir muito. Será que isso
pode ser considerado uma fuga?Acho que é uma fuga.(...).Sujeito 3
(...) me piquei com uma seringa duas vezes no último mês, uma por descuido meu e
outra por acidente provocado por outra funcionária que eu auxiliava. Quando
comentei com as outras técnicas que ia contar para o meu marido, elas insistiram
muito para que eu não contar, dizendo que não ia dar em nada e não deveria
contar porque ele ia ficar preocupado a toa.(...) As meninas (técnicas de
enfermagem), dizem que as crianças são sadias, não tem porque se
preocupar(...)Sempre tive uma ótima relação de confiança e diálogo com o meu
marido, contei a primeira vez que me piquei, mas agora a segunda acabei ficando
com medo e seguindo o conselho das outras técnicas. (...) Estou me sentindo muito
mal em mentir para ele”.(...).Sujeito3
Conforme Dejours, essas estratégias são tão eficazes que, mesmo quando o
trabalhador é questionado a respeito do risco a que está sujeito, em seu discurso não se
percebe nenhum traço de medo ou insegurança, como se constata em uma das falas das
técnicas para o sujeito 3: “As meninas (técnicas de enfermagem), dizem que as crianças são
sadias, não tem porque se preocupar”. Porém, essa estratégia de defesa psíquica e emocional
pode custar muito caro para o sujeito, promovendo um grande desgaste somático como, por
exemplo, no caso desses sujeitos, disfunções do sono, desgastes musculares e problemas de
ordem sexual no relacionamento com cônjuge.
Esse comportamento estereotipado ou, como o próprio autor denomina, essa “anulação
muda e invisível” ficou visível no comportamento da equipe de trabalho diante dos acidentes
e do sofrimento psíquico da técnica.
Segundo Bulhões ((apud GONÇALVEZ, 2002), os riscos encontrados nessa realidade
hospitalar em que ocorreu o acidente descrito anteriormente, seriam entendidos como riscos
latentes, pois, apesar das técnicas de enfermagem estarem munidas de conhecimento e dos
equipamentos de segurança, em decorrência das exigências organizacionais, elas ignoram os
riscos que sofrem, deixando de lado a preservação da sua integridade física e mental para
manter o seu emprego. Muitas vezes, o objetivo da técnica é auxiliar o paciente da melhor
maneira possível, com rapidez e conforto, mas para isso abrem mão da sua segurança pessoal.
Autores como Rodrigues e Gasparini (1992) alertam a respeito das diversas patologias
que a Medicina do Trabalho vem buscando compreender nos últimos anos. E fazem
igualmente uma relação entre os desgastes físicos e psicológicos e as relações de trabalho,
uma vez que se essas esferas vieram apresentando um funcionamento inadequado e
desencadearam cada vez mais o aprisionamento desses profissionais e a desatenção aos
programas de prevenção e promoção da sua saúde.
A terceira e última subcategoria foi “realizada em poder ajudar” e apenas uma técnica
apresentou fala representativa, como se verá a seguir:
A fala do sujeito 1: “Sinto- me realizada porque sei que estou dando de mim para
diminuir o sofrimento e a dor do paciente.(...). Apesar de outras pessoas verem
como um trabalho”sujo”, eu vejo como uma chance de melhorar aquele pouco de
vida, numa hora tão difícil da vida de alguém, que é a doença terminal.”
A fala do sujeito 2: “Não, não temos suporte da instituição. (...) Somente agora
estamos realizando ginástica laboral, nem sempre podemos realizar, pois a
unidade é agitada. Temos muito serviço e uma grande sobrecarga de trabalho e
poucos funcionários para realizar.”(...).
40
Nota-se, pela fala do sujeito 1, que ele se percebe amparado por sua equipe de trabalho,
pois destacou, inclusive, que tem um ótimo relacionamento com os seus superiores, que lhe
41
dão liberdade de ação e propiciam trocas de folgas quando é necessário. Com base no
referencial teórico e nas análises anteriores realizadas durante a pesquisa, percebe-se que essa
possibilidade de compreender e agir, dentro desse contexto laboral, é fator importante para os
bons relacionamentos e para a redução do estresse ocupacional.
Já os outros sujeitos relatam a sua sensação de desamparo e de desmotivação
relacionada com a equipe de trabalho. Cabe ressaltar que os dois sujeitos, 2 e 3, trabalham no
mesmo hospital, e que ambos compartilham de visões semelhantes a respeito dessa categoria:
A fala do sujeito 3: “Não, não tenho apoio dos médicos, chefias ou responsáveis.
“(...).
Para exemplificar essa categoria, foi ressaltada a seguinte fala significativa de um dos
sujeitos entrevistados;
(...)“ Deve ser forte. Em termos de tudo: emocional, estômago, calma, paciência,
tranqüilidade, ser humana, empática, habilidosa, rapidez , agilidade, bem
motivada e atenção a tudo.”(...) Sujeito 1
: (...) “Ser bem capacitado, ter ética e bom equilíbrio emocional. E acima de tudo
realmente querer trabalhar com oncologia, ser uma escolha do profissional da
enfermagem e não uma imposição da instituição como normalmente acontece.”(...)
Sujeito 3
Diminuição da libido S - S
Sensação de incompetência em todas as áreas M - -
Vontade de fugir de tudo M M M
Sensibilidade emotiva excessiva - S -
Dúvida quanto a si própria - S -
Irritabilidade excessiva - S -
45
Pesadelos - M -
Apatia - M -
Depressão ou raiva prolongada - M -
Cansaço excessivo - M M
Irritabilidade sem causa aparente - M -
Angústia ou ansiedade diária - M M
Hipersensibilidade emotiva - M -
Perda do senso de humor - M -
LEGENDA
V: para sintomas psicológicos apresentados nas últimas 24 horas; S: para sintomas
psicológicos apresentados na última semana; M: para sintomas psicológicos apresentados
no último mês.
Tensão muscular - V V
Hipertensão arterial - V/S/M -
Mudanças de apetite - V -
Problemas com memória - S -
Mal-estar generalizado sem causa específica - S -
Sensação de desgaste físico constante - S S
Cansaço constante - S S
Aparecimento de úlcera - S -
Tontura e sensação de estar flutuando freqüente - S/M -
Dificuldades sexuais - M S
Insônia - M -
46
Tiques - -
Mudança extrema de apetite - M -
LEGENDA
V: para sintomas físicos apresentados nas últimas 24 horas; S: para sintomas físicos
apresentados na última semana; M: para sintomas físicos apresentados no último mês.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1996.
GUIMARÃES, L.A.M.; GRUBITS, S.(Org.) Série saúde mental e trabalho. 1.vol..3.ed. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
___________ (Org.). O stress no Brasil: pesquisas avançadas. 1. ed. São Paulo: Papirus,
2004.
LOPES, V.L.B. Doutor, estou com câncer? conduta médica e familiar nas comunicações
dolorosas. 2. ed. Porto Alegre: Age, 2005.
STEFANELLI, M. C. Comunicação com o paciente: teoria e ensino. 2. ed. São Paulo: Robe,
1993.
54
APÊNDICE
55
Apêndice A
Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada
Dados de Identificação
Idade:_____________ Sexo: M ( ) F( )
Estado Civil: Casado ( ) Solteiro ( ) Divorciado ( ) Viúvo ( )
Tem filhos: Não ( ) Sim ( ) Quantos?______________________________________
Escolaridade: 1º grau ( ) 2º grau ( ) 3º grau ( ) Pós Graduação ( )
Função:_____________________________________________________________
Tempo de exercício da função:____________Data de admissão:________________
Vínculo com a empresa:________________________________________________
Outros vínculos empregatícios, turnos de trabalho e a área de
atuação:_____________________________________________________________
Curso de qualificação: _________________________________________________
Qual o turno de trabalho? Manhã ( ) Vespertino ( ) Noturno ( ) Alternado ( )
Carga horária semanal:_________________________________________________
Roteiro de entrevista
1. Há quanto tempo trabalha neste setor ou área?
2. Foi uma escolha sua?
3. Como é a sua rotina de trabalho?
4. O que é a doença câncer para você?
5. Como você se sente trabalhando com este tipo de paciente?
6. Você se acha preparada para lidar com situações de dor e morte?
7. Você se sente apoiada pela sua equipe de trabalho?
8. De que forma a instituição lhe dá suporte técnico e psicológico para enfrentar a sua rotina
de trabalho?
9. Quais são as características que um profissional de enfermagem deve ter para trabalhar no
cuidado do paciente oncológico?
56