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Canto V
Estância 96
Vai César, sojugando toda França,
E as armas não lhe impedem a ciência;
Mas, numa mão a pena e noutra a lança,
Igualava de Cícero a eloquência.
O que de Cipião se sabe e alcança,
É nas comédias grande experiência.
Lia Alexandro a Homero de maneira
Que sempre se lhe sabe à cabeceira.
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Estâncias 95 e 96
. Não possuem “aqueles dões / Cuja falta os faz duros e robustos” (vv. 3-4, est.
95): o Poeta censura os guerreiros/heróis portugueses seus contemporâneos, a
quem falta cultura e dons artísticos.
. Ideal de herói
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Os Lusíadas”, de Luís de Camões Canto V Narração da viagem, desde Lisboa
a Melinde. Episódio do gigante Adamastor e conclusão da narração da viagem
até Melinde. O poeta põe em destaque a importância das letras e lamenta o
facto de os portugueses nem sempre lhes darem valor: “Porque quem não
sabe arte não na estima.”, aliando a força e a coragem ao saber e à
eloquência. (V, 92-100)
Camões faz referência à sua passagem pela guerra e argumenta que,já canta,
há muito tempo os feitos dos portugueses.
Sempre esteve sujeito a trabalho e sofrimentos: ingratidões, perigos no mar e
na guerra, errância pelo Mundo, pobreza no oriente, esperança, desilusões…
A pena significa escreita e a espada significa guerra.
Diz-se que, nos remotos anos salazaristas, não se podia dizer em Coimbra que
Camões era um poeta maneirista, porque isso daria a entender que ele era
amaneirado, o que por sua vez corria o risco de resvalar também para «outra
coisa». Quando Vítor Manuel Aguiar e Silva apresentou aqui a sua tese sobre
Maneirismo literário na literatura portuguesa (isto antes do 25 de Abril), o
catedrático de Literatura Portuguesa avisou-o de que, em relação a Camões,
não poderia contar com o seu apoio. Para o antigo catedrático do tempo do
salazarismo, Camões definitivamente não era maneirista. Era o cantor da gesta
portuguesa, da glória dos Descobrimentos. Ponto final.
No entanto, Camões está longe de ser aquilo que os Ministros da Educação de
Salazar quiseram ver nele. A poesia de Camões está cheia de situações que,
se virmos o que elas são por baixo da superfície, nos deixam de boca aberta
perante o facto de a Inquisição ter autorizado a publicação d' Os Lusíadas.
Hoje fala-se em tons acesos sobre se um homem se pode sentir uma mulher
ou se uma mulher se pode sentir um homem. Camões estava muito à frente de
tudo isso.
Todos conhecemos o famoso verso do Canto VII d' Os Lusíadas: «numa mão
sempre a espada e noutra a pena», com que Camões se descreve a si
próprio.
A maior parte da pessoas pensa: ah, pois! O grande herói da Índia, dos
Descobrimentos, do Império! A espada e a pena, as armas e as letras!
Só que não é nada disso. A espada de que fala Camões é outra espada. É a
espada dada por um pai à filha para ela se suicidar. Porquê? Porque ela
engravidou do próprio irmão.
Leiamos a citação toda: «Qual Cânace que à morte de condena, / Numa
mão sempre a espada e noutra a pena».
Tudo está em percebermos quem é esta Cânace, a quem Camões se compara.
Ora Cânace é uma figura das «Heróides» do poeta romano Ovídio, muito lido e
imitado por Camões em toda a sua obra. Os versos de Camões são uma
recriação dos seguintes versos de Ovídio: «na mão direita segura o cálamo; na
outra segura a espada impiedosa» (Heróides 11,3).
Com estas palavras, pois, Camões está a colocar-se na pele de:
1) uma mulher;
2) apanhada numa situação tão extrema da sua vida;
3) grávida do próprio irmão;
4) que acaba de receber do pai a espada para se suicidar.
Mas a questão complica-se ainda mais. Temos de ver agora que os versos do
Canto VII d' Os Lusíadas retomam, por sua vez, os seguintes versos do Canto
V: «numa mão a pena e noutra a lança».
Quem é aqui o alter-ego de Camões? Júlio César. Basta ir ver a estância 96 do
Canto V. E não é difícil percebermos que Camões tem gosto em se identificar
com a figura de Júlio César, pois também César era um autor de quem se dizia
que salvara os seus escritos a nado.
No entanto, este mesmo Júlio César também era referido nas biografias
antigas romanas, conhecidas na época de Camões, como homem de todas as
mulheres e mulher de todos os homens.
Juntemos a isto o Canto III d' Os Lusíadas, em que Camões se compara a
Orfeu, por sua vez explicitamente referido no Canto X das «Metamorfoses» de
Ovídio como autor (em latim «auctor») de amores homossexuais.
Dizem que, nas sociedades repressivas como era o Portugal de Camões
dominado pela Inquisição, quanto mais inteligentes os textos menos os
censores os vão entender. Felizmente, o poema de Camões é tão inteligente
que, em 2017, ainda estamos a tentar entendê-lo.
Canto V (est. 92 – 100)
Reflexões do poeta
Síntese:
Ao apresentar os exemplos anteriormente referidos Camões compara-os
consigo próprio para mostrar que os soldados portugueses consideram que
lhes basta serem bons militares para serem considerados heróis sem
necessidade de serem homens cultos.