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(P-213)

GIGANTES NO
PÓLO SUL
Autor
H. G. EWERS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
Quando se encontrava no centro da Galáxia, a nave-
capitania de Perry Rhodan entrou desprevenidamente no campo
de sucção da rota de transmissores que levava para Andrômeda.
Da estação de Gêmeos, a Crest II foi arremessada pelo guardião
moribundo — bem para o interior de Horror, um mundo artificial
oco.
Lutando sempre, os terranos conseguiram passar de um
nível a outro, até chegar à superfície do planeta artificial, em
torno do qual circulam três sóis. Alcançaram a segurança do
espaço cósmico, mas sacrificam esta segurança, voltando a
aproximar-se da superfície do planeta Horror.
Dessa forma entraram no campo de ação de uma arma
secreta chamada horror — e ficaram sujeitos a um processo de
redução, que diminuiu em mil vezes o tamanho de seus corpos e
de tudo que os cercava.
Os terranos encontram-se numa situação desesperadora, já
que o processo de redução também fez com que todas as
instalações atômicas e hiperfísicas existentes a bordo da Crest
falhassem.
Mas os micro-homens não abandonam a luta contra o
destino cruel que os atingiu. Suas possibilidades de ação são
extremamente reduzidas, mas apesar disso resolvem enfrentar os
Gigantes no Pólo Sul!

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Atlan — O lorde-almirante que se sente como um micróbio.
Melbar Kasom — Especialista da USO que vive pensando nas
delícias gastronômicas.
Icho Tolot — Um halutense que excepcionalmente fica nervoso.
Tenente Finch Eyseman — O homem que salvou Rhodan.
Tenente Ray Burdick — Astronauta e alpinista.
Taka Hokkado — Um homem que enfrenta gigantes.
1

Os homens de outras épocas diriam que ele era um monstro.


O gigante de aspecto grosseiro e desajeitado, com seus dois metros e meio de altura,
estava apoiado sobre um par de pernas muito compridas, que antes pareciam colunas. A
pele escamosa esverdeada lembrava os descendentes de répteis de Topsid. As duas
cabeças que assentavam sobre os ombros, bem juntas, reforçavam a impressão estranha.
Acontece que Ivã Ivanovitch Goratchim não era nenhum tópsida, nem pertencia a
qualquer raça não humanóide.
Era um mutante humano.
Ivã Ivanovitch Goratchim estava parado na sombra de uma rocha e com seus quatro
olhos fitava o céu preto-azulado do planeta Horror. Usava o uniforme verde-oliva da
Frota Espacial terrana, tal qual o homem magro que se encontrava a seu lado e falava
bem baixo com ele.
Goratchim ouvia as palavras, mas não as compreendia. Seu espírito encontrava-se
em outra parte — estava num tempo e num mundo diferente.
Uma aldeia siberiana habitada por madeireiros, com as casinhas de madeira
grudadas nas margens elevadas de um rio, as matas da Taiga que se estende ao infinito
farfalhando à tempestade primaveril, a camada de gelo rangendo no rio, o burburinho da
água embaixo da mesma.

1.973.
Cinco homens, quatro deles soldados, tangem um menino de treze anos. Afastam-no
da comunhão das pessoas simples e sinceras, entre os quais encontrara proteção e
respeito, desde que seus pais tinham morrido no exílio voluntariamente escolhido.
Era noite, quando Ivã tinha voltado à aldeia, só e com uma bala alojada na perna.
Não respondera às perguntas dos lenhadores. Mas havia um brilho ameaçador em seus
olhos. Pela primeira vez na vida o sentimento do ódio surgira em sua ingênua alma de
russo, ingênua e cheia de grandeza. E ele era capaz de nutrir um ódio violento e
selvagem.
Ivã notou que os desconhecidos estavam voltando.
Conhecia o instante exato em que estavam passando por cima da colina. Tratava-se
de uma colina que não se podia ver na noite da Taiga, pois ficava a dez quilômetros de
distância. Mas Ivã sabia onde ficava essa colina. Estava sentado sobre uma tora, com o
corpo inclinado para a frente e os quatro olhos fechados, mantendo o busto ligeiramente
inclinado na direção do objetivo.
De repente o lampejo de uma explosão surgiu lá ao longe, no meio da mata,
formando uma bola de fogo em cima da qual uma nuvem de vapores e fumaça subia ao
céu, espalhando-se sob a forma de um cogumelo, que emitia uma luminosidade pouco
intensa.
O ar quente deslocado pela explosão, que dali a pouco passou furiosamente sobre a
aldeia, fez balançar os casebres. O que restava de neve derreteu-se e o gelo que cobria o
rio gemeu e soltou alguns estrondos, abrindo-se em fendas largas.
Uma eternidade parecia separar esse acontecimento inesquecível dos dias atuais —
uma eternidade formada por 428 anos e um abismo de 900.000 anos-luz.
2.401.
Ivã Ivanovitch Goratchim era um dos poucos homens que usavam um ativador
celular, um aparelho deixado por um ser incompreensível no momento em que se retirou
do Universo conhecido. Goratchim tornara-se imortal.
Fora contemplado com o dom da imortalidade por ser muito valioso para a
Humanidade, isto porque possuía uma capacidade que lhe fora conferida tanto pelo
código genético transmitido por seus pais, e que sofrera uma alteração em virtude da
exposição à radioatividade, como também por seu aspecto pouco humano. Ivã Ivanovitch
Goratchim era uma espécie de detonador. Sempre que concentrava os fluxos mentais
emanados de ambos os cérebros em determinado alvo e formulava em pensamento o
comando adequado, ocorria a liberação de um impulso parafísico, que exercia sua
influência sobre os átomos de cálcio e carbono e os compostos dos mesmos, produzindo
o efeito de um detonador numa bomba de fusão em base catalítica. E os átomos de
carbono eram encontrados em quase todas as substâncias do Universo...
Naquele momento estava parado na sombra lançada por uma rocha do planeta
Horror, um prisioneiro daquele mundo de terror juntamente com os outros dois mil
tripulantes da Crest II, que era a nave-capitânia do Império Solar.
— O senhor nem está ouvindo, Ivã! — Havia um tom de recriminação nestas
palavras.
Goratchim virou as duas cabeças para o homem que se encontrava a seu lado. Teve
de olhar para baixo, mas nem por isso experimentou uma sensação de superioridade face
ao seu interlocutor. Não eram somente os olhos de Rhodan, capazes de penetrar todas as
coisas, que irradiavam autoridade; era também a voz, a postura, a expressão do rosto e os
movimentos. Os distintivos do Administrador-Geral eram simples exterioridades. Além
de respeitar Rhodan. Goratchim o amava, pois Rhodan fora o único ser humano que, num
tempo em que todos o consideravam um monstro, o tratara de igual para igual. Dali em
diante Goratchim passara a pertencer ao Exército de Mutantes de Rhodan.
— Queira perdoar, senhor. Estava pensando na Sibéria...
Um sorriso triste apareceu no rosto de Rhodan.
— Os velhos tempos... — Suspirou. — Gostaria de voltar para lá, Ivã?
— Não senhor! — De repente a voz de Goratchim adquiriu um tom áspero. — Não
existe nada dentro de mim que anseie pelos tempos passados. Acontece que preferiria a
Terra em seu estado atual a Horror.
O rosto de Rhodan adquiriu uma expressão dura.
— Se não conseguirmos superar esta armadilha na rota de Andrômeda, nunca mais
vamos rever nosso planeta!
— É verdade, senhor. Poderia fazer o favor de repetir o que eu...
— Pois não. Preste muita atenção, Ivã! Está vendo esta árvore solitária no alto do
penhasco?
— Estou, sim senhor. — Goratchim hesitou alguns segundos e prosseguiu. — Um
átomo de carbono sempre é um átomo de carbono, senhor. Se há pouco não consegui com
um tufo de capim, certamente também não conseguirei com a árvore.
— Ora! — disse Rhodan em tom decepcionado. — Vejo que não entendeu nada do
que eu disse. Bem, não posso acusá-lo por isso, Ivã. Quero pedir-lhe que desta vez não
tente detonar os átomos de carbono isolados, mas todos ao mesmo tempo. É possível que
uma massa maior de átomos detonáveis lhe dê maiores chances que apenas uns poucos.
As duas cabeças de Goratchim voltaram-se para Rhodan, mas somente aquela
conhecida como Ivanovitch, o velho, falou.
— Se eu fizer detonar todos os átomos de carbono existentes nesta árvore será o fim
de um mundo, senhor. Não se esqueça de que a árvore se encontra a cinco quilômetros de
distância, no máximo.
— São cinco metros, Ivã, cinco metros...! — Uma criatura de pêlos cinza, que mal
chegava aos quadris de Rhodan, meio castor, meio rato gigante, aproximou-se sobre duas
pernas, e pôs as mãos nos quadris, num gesto provocador. — Não se esqueça de que você
está vendo tudo isso com os olhos de um ser que tem somente dois milímetros e meio de
altura, Ivã. O que lhe parece serem cinco quilômetros, na verdade são apenas cinco
metros.
— Guck! — havia um tom de recriminação na voz de Rhodan.
O simples fato de não ter chamado o rato-castor de Gucky, como costumava fazer,
mostrava que se sentia contrariado.
O rato-castor estremeceu e piscou para Rhodan como quem tem consciência da
própria culpa. Os homens que se encontravam na Crest observavam uma lei não escrita,
segundo a qual a redução de tamanho produzida pelo processo de condensação potencial
só deveria ser mencionada quando isso se tornasse absolutamente necessário. Tratava-se
de uma espécie de defesa psicológica, pois nem todo mundo suportava a idéia de ter
apenas dois milímetros de altura.
Goratchim deu uma risada áspera.
— Ora veja, irmãozinho. Se para você são apenas cinco metros, por que não
teleporta para lá? Sempre acreditei que fosse um teleportador sofrível...
— Um teleportador sofrível...? — piou Gucky com a voz estridente. — Sou o
melhor teleportador, telepata e telecineta que existe no Universo. Além disso... além
disso...
— Que houve, irmãozinho?
— Além disso eu já o teria colocado no galho mais alto dessa arvore podre, se
pudesse. Dá vontade de chorar! Se você é capaz de fazer detonar a árvore, grandalhão,
faça logo. Afinal, ninguém vai se importar com uns anões inúteis como nós, que com um
simples pigarro de um homem de verdade são arrastados sobre as montanhas!
— Quer que lhe dê umas palmadinhas, senhor? — Ralf Marten, o teleótico,
contornou a rocha e parou ao lado de Gucky. — Pela primeira vez na vida este
camundongo Mickey seria capaz de me deixar pendurado no ar por uma coisa dessas.
Rhodan fez um gesto negativo.
— Não se preocupe — observou Goratchim. — Não levei o baixinho a sério.
Mesmo que tivesse levado... — De repente sua voz atropelou-se e a fala do gigante foi
interrompida.
— Então... nada? — perguntou Rhodan.
— Não houve a menor reação, senhor. Comecei com átomos isolados e passei a
concentrar-me num número cada vez mais elevado dos mesmos, mas o insucesso sempre
foi igual. Além de transformar-nos em insetos insignificantes, o condensador potencial
neutralizou as capacidades psiônicas que possuímos.
Rhodan baixou a cabeça. Quando voltou a erguê-la, seus sentimentos se ocultavam
atrás de uma máscara rígida e impenetrável.
— Acho que seu relato não será diferente — disse, dirigindo-se a Ralf Marten.
O teleótico acenou com a cabeça.
— Não poderia ter havido uma falha mais completa, senhor.
— Era o que eu esperava. Foi por isso que nossas experiências foram mantidas em
segredo. Não podemos sobrecarregar demais a psique dos tripulantes. Acho que os
senhores compreendem.
— Onde está Wuriu? — perguntou Gucky com a voz triste.
Goratchim estendeu o braço.
— Ali vem ele. Geco está com ele.
Gucky encolheu-se. Parecia um monte de peles sujas e amarrotadas. Rhodan fitou-
o. Tinha pena dele. Compreendia o rato-castor. Em seu estado normal era um excelente
telepata, mas na situação em que se encontrava nem sequer conseguira constatar a
proximidade de um outro rato-castor chamado Geco.
Wuriu Sengu aproximou-se em silêncio. Mantinha a cabeça abaixada, pois havia
muitas pedras soltas pelo caminho. Qualquer passo em falso poderia produzir dolorosas
contusões. Geco, o segundo rato-castor pertencente à expedição, que era o discípulo mais
bem sucedido de Gucky, caminhava atrás do mutante-espia. Geco era conhecido porque
gostava de fazer-se de importante. Mas nesse momento caminhava tristemente atrás de
Sengu. A cauda larga em forma de colher era arrastada sobre as pedras.
Sengu parou quando ainda se encontrava a três passos de Rhodan. Levantou a
cabeça e Rhodan teve a atenção despertada. Um fogo escuro parecia brilhar nos olhos do
mutante, mas o rosto amarelo continuava impassível.
— Oficial especializado Sengu de volta da missão especial, senhor. Experiência
teve êxito parcial.
— Teve êxito? Conte logo, Sengu!
— Perdão, senhor: teve êxito parcial. Ainda sou capaz de enxergar através da
matéria sólida, mas tenho de aproximar bem os olhos. Além disso meu campo de visão
sofreu uma redução proporcional à redução de meu tamanho, e infelizmente preciso de
mais tempo que de costume para concentrar-me.
— Nas condições em que nos encontramos já é muito, Sengu! — Rhodan riu
aliviado. Mas seu rosto logo adquiriu uma expressão pensativa. — Tenho a impressão de
que isso já serve para alguma coisa...
— Pelo amor de Deus, Perry! — piou Gucky. — Você só pode estar brincando.
Rhodan virou-se como se tivesse sido atingido por um raio.
— Por que diz que estou brincando, Gucky?
— Por causa das cúpulas. O que podemos fazer contra as cúpulas de... Oh!
— Gucky! — Havia um tom alegre na voz de Rhodan. — Você conseguiu ler meus
pensamentos?
— Acho... acho que li um pouco, Perry. — O rato-castor cruzou os braços sobre o
peito. — Mas já passou. Percebo que está com pensamentos alegres, mas não consigo
isolar os impulsos individuais.
— Vejo que é capaz de captar pensamentos muito intensos, impregnados de
emoções. É melhor que nada, Gucky. Até é possível que ainda acabemos saindo desta
armadilha. Já tenho um pouco mais de esperança.
— Mas desse jeito, Perry...?
— Precisamos tentar.
Gucky suspirou.
— Se sobrevivermos a isso, eu me aposento...
***
O Dr. Spencer Holfing retirou os braços do protetor de pó do manipulador mestre-
escravo.
— Que inferno de uma construção primitiva!
Levantou os punhos e agitou-os ameaçadoramente na direção em que ficava a
parede com revestimento de chumbo. Duas veias grossas e violetas apareceram em sua
testa.
O Dr. Reinhard Anficht fez avançar a chave fixável do manipulador esférico. Com
uma expressão que quase chegava a ser carinhosa pôs-se a contemplar, através da parede
de vidro-chumbo, o objeto cilíndrico que se encontrava no interior da câmara
hermeticamente fechada. Depois disso lançou um olhar de recriminação para o físico-
chefe.
— Que é isso, colega? Permite que chame sua atenção para o fato de que não
firmou suficientemente a carga de plutônio superior? Se alguém balançar isso, a mola
salta e a carga penetra no núcleo de plutônio. Neste caso o comando de tempo se tornaria
inútil.
O Dr. Holfing praguejou baixinho e enfiou as mãos nas luvas de proteção de pó.
Quando voltou a retirá-las, havia grossos pingos de suor em sua testa.
— O senhor tem razão, Dr. Anficht. Mas continuo a pensar que estamos
trabalhando em vão. Se nem os reatores plasmáticos nem as bombas de fusão estão
funcionando, acho que a bomba de desintegração nuclear não terá a menor chance.
— O senhor está suando de medo, doutor. Por quê?
Escarneceu uma voz áspera. O engenheiro Dr. Bert Hefrich, que apesar dos seus 33
anos já ocupava o cargo de engenheiro-chefe da Crest II, bateu com os dedos na parede
revestida de chumbo. — Se tem tanta certeza de que vai fracassar, por que não faz
detonar logo sua obra-prima? Será que tem medo do estrondo de uma reação nuclear?
Neste caso posso tranqüilizá-lo. O senhor não ouviria nada.
— O senhor é um sádico! — falou o Dr. Holfing para o engenheiro-chefe.
Hefrich sorriu.
— Vamos aos fatos, doutor! — Olhou para o relógio. — O Chefe marcou a
experiência para as 13:15 horas. Ainda temos meia hora para montar a bomba na cabeça
do foguete e disparar este.
O Dr. Holfing respirou profundamente. Finalmente fez um gesto de resignação.
— O.k.! O ar da câmara de trabalho já foi purificado. Onde estão os trajes
protetores?
O Major Hefrich atirou um pesado traje protetor contra radiações para o Dr. Holfing
e outro para o Dr. Anficht. Ele mesmo vestiu um. Depois disso fez descer a parede de
vidro-chumbo.
A figura inconfundível de uma bomba nuclear de tipo rudimentar apareceu diante
deles. O envoltório era de bismuto. Em seu interior havia uma carga subcrítica de
plutônio, cercada por um refletor de berílio. A chamada carga detonadora encontrava-se
num tubo, embaixo de uma mola muito forte. Era mantida na posição somente por uma
trava. Uma vez decorrido o tempo introduzido no mecanismo-relógio, este ativaria o
dispositivo de destravamento e a mola comprimiria a carga detonadora para dentro do
núcleo de plutônio, dando início à reação espontânea em cadeia. Haviam decidido
construir uma arma rudimentar como esta, porque os processos mais complicados que se
realizavam nas armas nucleares mais modernas eram inibidos pelo campo de redução que
cobria o hemisfério sul do planeta Horror.
Os três homens colocaram a bomba num carro, usando um pequeno guindaste
adaptado à operação manual. Empurraram o carro e fizeram-no sair para o corredor largo.
As esteiras transportadoras estavam paradas. A penumbra gerada pela iluminação de
emergência chegava a ter um aspecto fantasmagórico e um silêncio deprimente, rompido
apenas pelo ruído do carro e pelos passos dos homens, enchia o sistema de corredores da
Crest II.
Dois sargentos suados abriram manualmente a porta blindada que dava para a
posição de artilharia CR IV, isso depois que o carro com a bomba atômica tinha batido
ruidosamente contra a parede blindada.
— Calma! — advertiu o Major Hefrich. — Isto é uma bomba, não um saco de
batatas. Vamos ter um pouco mais de cuidado!
— Queiram interromper a conversa por alguns minutos! — disse uma voz em que
vibrava um tom sarcástico, saída do interior da posição de artilharia.
A voz era do Lorde-Almirante Atlan, que queria assistir à experiência e estava ao
lado do Major Cero Wiffert, oficial de artilharia, que também estava à espera no mesmo
lugar.
— Que carreta usaremos, Wiffert? — perguntou o Major Hefrich.
Wiffert, que era um homem calado, apontou com o polegar para um lança-foguete
que já estava em posição.
— Coloque na ranhura, Wiffert! — disse entredentes.
Os dois sargentos que tinham aberto a escotilha vieram correndo e levaram o carro
em direção ao lança-foguetes. Puseram-se a parafusar a bomba com movimentos ágeis.
Depois firmaram o revestimento da carga explosiva.
O Major Wiffert fez um gesto distraído, passando a mão pela cabeça. Depois
esfregou a cicatriz que tinha do lado esquerdo do rosto.
— Está com o alvo na mira, Wiffert? — perguntou Atlan em tom impaciente.
— Estou, sim senhor.
— Quantas vezes testou os foguetes químicos?
— Oito vezes.
— Quero um relatório decente, major! — gritou Atlan. — Diga se os foguetes
químicos funcionam perfeitamente.
— Funcionam perfeitamente, senhor.
Atlan suspirou e desistiu.
Os dois sargentos já tinham concluído os preparativos. O foguete esguio, de nove
metros de comprimento, foi girado com a carreta e foi entrando lentamente no tubo,
adaptado para funcionar com ar comprimido.
O sargento Rille ficou em posição de sentido e anunciou com a voz exaltada:
— Tubo lança-foguetes um pronto para disparar!
O Major Wiffert virou a cabeça, fez um sinal para o sargento e encostou os olhos à
mira provisória. A mira positrônica não estava funcionando, tal qual os outros aparelhos
da Crest que trabalhavam na quinta dimensão.
— Tudo bem — disse Wiffert. Olhou para o relógio.
Atlan ligou uma pequena tela de observação, para a qual o comandante. Coronel
Rudo, tinha concedido a energia necessária. Os contornos confusos de um setor do vale
com as gigantescas montanhas Torta de Areia — que na verdade eram tão pequeninas —
no plano dos fundos.
— Fogo! — ordenou.
O Major Wiffert moveu uma alavanca. O ar comprimido chiou ao penetrar no tubo
de lançamento. Ouviu-se um estrondo surdo.
O foguete prateado apareceu na tela. Por enquanto estava voando devagar e em
silêncio. De repente viu-se um lampejo na popa. Nuvens esbranquiçadas saíram dos
bocais de jato. O projétil acelerou abruptamente. Por enquanto não se ouvia nada, pois os
microfones externos tinham sido desligados. Era necessário economizar energia na Crest.
Nenhum gerador de fusão estava funcionando. As turbinas de gás que trabalhavam em
base química forneciam uma quantidade mínima de eletricidade.
As pessoas que se encontravam na posição de artilharia prenderam a respiração
quando o foguete se precipitou em direção à saída do vale.
O Dr. Reinhard Anficht olhou para o relógio.
— É agora! — cochichou.
Mas não aconteceu absolutamente nada. O foguete prosseguiu em seu vôo,
transformou-se num pontinho insignificante e acabou batendo na planície, onde levantou
uma nuvem de pó.
— Nada! — disse Atlan em tom decepcionado. — Até mesmo os processos
nucleares mais simples são inibidos. Este campo de condensação só pode ser arte do
demônio.
— Ele transformou o inferno numa fortaleza absolutamente segura — escarneceu o
Major Hefrich, que estava com o rosto pálido.
Atlan fitou-o com os olhos vermelhos de arcônida, dando a impressão de que estava
olhando através dele. Finalmente mostrou um sorriso frio.
— Se necessário abriremos caminho para o inferno com as unhas, major!
2

Três aviões esguios subiram do campo de pouso precário, zumbindo como um


bando de marimbondos enfurecidos.
Rhodan, Atlan, Icho Tolot, Melbar Kasom e Cart Rudo estavam parados sobre uma
rocha amarelenta, gasta pela água, e acompanhavam a decolagem dos antiquados aviões a
jato.
Tinham-lhes dado o nome de Oldtimers. Eram aeronaves com corpo esguio e asas
em flecha, em cujas pontas tinham sido colocados os jatos-propulsores e os bocais dos
jatos direcionais. A designação oficial do tipo era F-913 G.
Rhodan usava um telecomunicador alimentado a pilha para manter contato
ininterrupto com o comandante do grupo que realizava o teste, o Capitão Sven
Henderson.
— Primeira fase da transição concluída, senhor! — disse a voz distorcida saída do
receptor.
Rhodan acenou com a cabeça. Podia acompanhar perfeitamente pelo binóculo a
decolagem vertical dos três aparelhos.
— Continue, capitão!
— Fase de transição! — rugiu a voz potente de Melbar Kasom. — Daqui a pouco
vou estourar de rir. Que nome pomposo para esta subida lenta.
— Acontece que se trata de um nome objetivamente adequado — ponderou
Rhodan. — O senhor é jovem demais para lembrar os tempos antigos. Cada setor da
decolagem vertical, até que se iniciasse o vôo horizontal, costumava ser designada como
uma fase de transição. O processo inteiro formava uma transição. Foi graças a este velho
linguajar dos aeronautas que os saltos pelo hiperespaço também passaram a ser
designados pelo nome de transição.
Os jatos-propulsores foram girando para a frente. Por enquanto os eixos
longitudinais dos aviões estavam sendo estabilizados pelos rotores da popa, mas dentro
em pouco a própria velocidade do avião deveria ser suficiente ao funcionamento do leme
direcional.
Henderson voltou a chamar.
— Ultima fase de transição concluída, senhor!
— Pode dar início ao vôo horizontal, Henderson! — exclamou Rhodan. — Boa
sorte!
Até parecia que uma corda invisível estava catapultando as máquinas. Depois de
prosseguir um pedaço em linha reta, os pilotos os fizeram subir num ângulo bem fechado.
O rugido surdo dos propulsores químicos transformou-se num zumbido agudo. Os aviões
passaram em formação cerrada rente à cúpula polar superior da Crest II.
— Por enquanto tudo bem — disse Atlan em tom desconfiado. — Resta saber se os
aparelhos de tamanho reduzido serão capazes de atingir velocidades supersônicas.
A figura monstruosa do halutense Icho Tolot girou em sua direção.
— Quanto a isso não tenha a menor dúvida, arcônida. Afinal, eu sei fazer cálculos.
Naturalmente a resistência do ar fará com que a potência real seja ligeiramente inferior à
potência nominal, mas os aviões devem ser capazes de atingir pelo menos mach dois.
Rhodan sorriu.
— Faço votos que sim, Tolot.
— Lá vêm eles! — berrou Melbar Kasom, entusiasmado.
Atlan tapou os ouvidos.
— Parece que a redução de tamanho não o afetou nem um pouco. Alguém deveria
arrancar sua laringe, Kasom!
Rhodan engoliu em seco. Não achava nenhuma graça na observação de Atlan,
embora visse Kasom esboçar mais um de seus sorrisos grosseiros. Observava atentamente
os aviões que corriam a cinco mil metros de altura. Não se ouvia nada. De repente um
estrondo encheu o vale. Rhodan logo notou o zumbido agudo dos propulsores. Os aviões
estavam voando junto às montanhas que limitavam o vale. O estrondo foi ainda mais
forte.
Três vozes berraram ao mesmo tempo no receptor. Finalmente a voz de Henderson
conseguiu impor silêncio aos outros.
— Mach dois, senhor.
— Meus parabéns! — disse Rhodan. — Faça mais uma ronda. Mas não se arrisque.
Para o que queremos, mach dois é suficiente. Espero-o no campo de pouso.
— Sim senhor.
Rhodan pôs-se a refletir intensamente e sobressaltou-se. No fim a voz de Henderson
parecera embaraçada, isso depois de ele ter comunicado que iria pessoalmente ao campo
de pouso. No mesmo instante lembrou-se de que uma das três vozes que soltavam gritos
de triunfo lhe parecera estranhamente familiar. Não era de Henderson, nem de Eyseman
ou Nosinsky, que eram os outros pilotos de teste. Será que Henderson contrabandeara
outra pessoa para dentro de seu grupo? Quem poderia ser?
Rhodan saltou por cima da borda da rocha e começou a descer os doze metros que o
separavam da superfície.
— Vamos! — disse. — Vamos felicitar os pilotos de teste pelo êxito que
alcançaram, e que também é nosso sucesso.
“Além disso estou interessado em saber de quem é essa voz gutural, que me
pareceu tão familiar”, acrescentou em pensamento.
***
Quando Rhodan chegou ao campo de pouso, os três aviões de teste já se
aproximavam, ficaram parados por uma fração de segundo, balançando ligeiramente, e
desceram na vertical, com os jatos bramindo fortemente.
Em formação impecável, com as asas quase se tocando, chegaram à superfície.
As coberturas deslizaram silenciosamente para trás. De cada aparelho saiu um
piloto que trajava o uniforme amarelo com o capacete de rádio preto. Dois pilotos
ficaram plantados em postura militar à frente de seus aparelhos. O terceiro aproximou-se
até que se encontrava a três passos de Rhodan. Era o Capitão Sven Henderson, chefe do
comando de caças espaciais da Crest II um tipo louro e arrojado que só tinha 28 anos.
Henderson fez continência.
— Senhor, comunico respeitosamente que grupo de teste acaba de concluir vôo
experimental. Não houve, incidentes.
— Obrigado, capitão!
Rhodan olhou para o homem que se encontrava do lado esquerdo, atrás da figura
atlética de Henderson, e cuja figura esbelta era pouco mais alta que a do capitão.
— Capitão Henderson — disse em tom contrariado. — Não me recordo de ter
autorizado a participação do Capitão Redhorse...
Henderson empalideceu, mas fitou diretamente os olhos do Chefe, que estavam fitos
nele.
— O senhor me deu carta branca na escolha do grupo, senhor. Quando soube que o
Dr. Artur julgou o Capitão Redhorse capaz de entrar em ação, pedi ao capitão que
participasse do primeiro teste de vôo.
— Capitão Redhorse! — Havia uma expressão severa no rosto de Rhodan.
Redhorse aproximou-se no típico andar felino dos índios cheiene de boa estirpe. Seu
rosto marcante não demonstrava nenhuma emoção. Parou ao lado de Henderson.
— Pois não, senhor.
O coração de Rhodan bateu um pouco mais forte, enquanto fitava o capitão com o
rosto impassível.
“Que sujeito formidável é este cheiene”, pensou. “A pele mal cicatrizada ainda se
entesa sobre as feridas mal curadas, que arranjou nas lutas em Llalag, e vejam só que
porte varonil! Os olhos que brilham num fogo reprimido, a boca estreita, reveladora de
um extraordinário autodomínio, o nariz nobre, ligeiramente encurvado, a postura
descontraída, igual à de um puma prestes a saltar...”
— Quando foi que o doutor Artur disse que o senhor estava em condições de entrar
em ação, capitão?
— Há meia hora, senhor.
— Ele sabia que logo depois de ter alta o senhor correria ao campo de pouso para
deixar-se convidar a participar do teste de vôo?
— Não senhor.
Rhodan exibiu um sorriso que exprimia respeito e uma ligeira repreensão.
— Capitão Redhorse, alegro-me porque o senhor tem tanta consciência do dever.
Não há necessidade de ressaltar que gostaria muito que participasse da próxima operação.
Mas o senhor sabe perfeitamente o que será exigido dos participantes. Não me atrevo a
formar um juízo sobre suas condições psíquicas de atender às exigências extraordinárias
dessa operação, e acho que também não deveria tentar.
— Capitão Redhorse!
— Pois não, senhor!
— Apresente-se dentro de dez minutos ao Dr. Artur e peça que faça mais um exame
cuidadoso. Se o resultado for positivo, poderei pensar em solicitar sua participação.
Entendido, capitão?
Os olhos de Redhorse iluminaram-se.
— Sim senhor! Muito obrigado!
Rhodan pôs a mão no boné.
— Pode ficar à vontade.
Redhorse saiu correndo e desapareceu atrás da rocha mais próxima. Rhodan dirigiu-
se a Atlan.
— Então, arcônida, ainda duvida de que conseguiremos resolver mais esta situação?
Atlan suspirou.
— Pensava que já soubesse avaliar os terranos, Perry, mas vejo que nunca
aprenderei. Acho que sempre os subestimarei. Mas é terrivelmente cansativo conviver
com vocês.
***
Vinte e cinco homens encontraram-se para discutir os detalhes da operação.
Rhodan estava um tanto afastado dos outros, ao lado do cérebro matelógico-
positrônico que os homens da Androtest I tinham entregue ao mecânico-chefe da Crest II,
ao estabelecer a primeira ligação numa distância de 900.000 anos-luz.
O Dr. Hong Kao ainda não tinha concluído seus cálculos. O pequeno sino-terrano
de cabelos negros vivia introduzindo dados novos no setor de entrada, por meio de
movimentos rápidos dos dedos sobre o teclado. Quem o visse teria a impressão de que se
tratava de um bruxo moderno manipulando sua aparelhagem, dada a rapidez tremenda
dos seus movimentos e a incrível agilidade de seu espírito.
O matemático-chefe ergueu a cabeça por um instante. Um sorriso fugaz cobriu seu
rosto amarelo.
— Só mais alguns minutos, senhor — cochichou como quem pede desculpas.
— Temos tempo — disse Rhodan com a voz tranqüila.
O Dr. Kao nem estava ouvindo mais. Rhodan virou a cabeça e passou os olhos pelas
pessoas reunidas. Os homens conversavam em voz baixa. Alguns fumavam, enquanto
outros tentavam resolver palavras cruzadas, no que mostravam um interesse que parecia
um tanto forçado.
O peito de Rhodan contraiu-se.
Qual destes homens ainda estaria com eles depois de concluída a operação?
Icho Tolot e Cart Rudo estavam entretidos numa conversa. Gesticulavam
fortemente. Atlan parecia querer explicar alguma coisa ao gigantesco ertruso Melbar
Kasom. Este escutava em silêncio. De vez em quando enfiava na boca um pedaço enorme
de carne assada, que tirava dos bolsos profundos de seu uniforme.
Perto dali o Capitão Sven Henderson parecia descrever uma batalha de caças
espaciais. Usava ambas as mãos para descrever os movimentos. O Capitão Redhorse, que
estava parado a seu lado, ouvia como quem entende do assunto. Só vez por outra fazia
uma ligeira observação. Rhodan não pôde deixar de sorrir. O Dr. Artur, médico-chefe da
Crest II, declarara que o cheiene estava em perfeitas condições de entrar em ação. No
íntimo Rhodan fizera votos de que fosse assim, mas não acreditara muito nisso. O índio
devia ser incrivelmente rígido e possuir um tremendo condicionamento físico. Bastava
lembrar em que estado se encontrava ao voltar de Llalag...
Llalag...!
Era a gigantesca cidade-fortaleza construída no topo das montanhas Torta de Areia,
que não podia ser vista do lugar em que se encontravam. Seus habitantes formavam o
remanescente dos antigos habitantes da superfície do planeta. Seus corpos já se tinham
deteriorado, mas apesar disso conseguiram sobreviver por séculos — ou até milênios —
por terem confiado seus cérebros a corpos robotizados especialmente construídos para
este fim. Por isso Don Redhorse lhes dera o nome de cabeças-de-cúpula.
Os cabeças-de-cúpula tinham derrubado o avião em que viajava Redhorse, isto num
momento em que nem se desconfiava de sua existência. Redhorse tornou-se prisioneiro
desses seres, juntamente com quatro pessoas que ele escolhera para acompanhá-lo.
Voltou com dois homens, depois de ter atravessado um verdadeiro inferno. Mas depois
disso a fortaleza de Llalag já não representava uma ameaça para ninguém. Redhorse
conseguira destruir o cérebro que comandava os lança-foguetes instalados nas cúpulas de
artilharia dos cabeças-de-cúpula. Por enquanto Rhodan deu-se por satisfeito com isso.
Limitou-se a determinar que Llalag ficasse sob observação.
— Pronto, senhor — anunciou o Dr. Kao. Rhodan confirmou com um gesto e
caminhou à frente do matemático-chefe, para perto do grupo de homens que estava à sua
espera. As conversas cessaram. Os homens dispuseram-se em semicírculo. Tiveram de
ficar de pé, pois na sala de comando da Crest não havia tantas poltronas de reserva. A
fala de Rhodan não foi muito extensa.
— Todos sabem qual é a tarefa. Partiremos com dez aviões. O destino é a estação
do pólo sul, que segundo os cálculos gera o mesmo campo de condensação de tristes
efeitos que a estação do pólo norte. Segundo revelam os testes, os aviões a jato não
atingem a velocidade nominal de 3,2 mach, mas chegam a 2 mach, ou seja, o dobro da
velocidade do som. Segundo o Dr. Kao, trata-se de um fenômeno de superposição
relativa. Com isso a distância relativística de 10,8 milhões de quilômetros que nos separa
do pólo sul é reduzida ao valor normal de 10.841 quilômetros. Dessa forma as cúpulas
ficam dentro de nosso raio de ação.
Cinco dos aviões serão usados exclusivamente no transporte de explosivos
químicos. Os cinco aparelhos restantes levarão combustível. Teremos de encontrar uma
nesga de terra para pousar. Uma vez concluída a missão, usaremos o combustível
suplementar e voltaremos com cinco aviões. Não estarei dizendo nada de novo ao
ressaltar que a operação é um comando suicida. Mas isso não vem ao caso.
— Dr. Kao, queira apresentar os resultados dos cálculos sobre a potência dos
explosivos químicos que poderemos levar.
O matemático-chefe pigarreou. Parecia embaraçado.
— Receio ter que desapontá-lo, senhor. Utilizando ao máximo a capacidade de
carga dos aviões, e considerando que o explosivo terá de ser carregado os últimos
quilômetros, chega-se à conclusão de que não será possível levar mais de um quilograma
— trata-se de um quilograma normal — de explosivo de alta potência. Para conseguir
alguma coisa, as cargas explosivas terão de ser colocadas nos pontos mais sensíveis da
estação do pólo sul.
— Muito obrigado, doutor — disse Rhodan. Fitou os membros do comando com
uma expressão séria. — Espero que compreendam o que isso significa para nós. Não
basta chegar à estação do pólo sul. Teremos de entrar nela. Também já devem ter
compreendido a importância de nossa missão. Os cientistas que se encontram a bordo da
Crest são de opinião e os cálculos realizados pelo Dr. Kao confirmam que com a
destruição do condensador potencial instalado no interior da estação do pólo sul ou sua
paralisação o processo de redução de tamanho deve inverter-se. Sem isso as unidades
geradoras atômicas da nave, que estão paralisadas, não voltarão a funcionar.
— Mais alguma pergunta?
Não houve nenhuma. Rhodan viu pelos rostos dos homens que os mesmos estavam
decididos a fazer qualquer coisa para pôr fora de ação a máquina infernal instalada no
pólo sul.
— Capitão Henderson!
O chefe da equipe de pilotos ficou em posição de sentido.
— Pois não, senhor!
— Os aviões foram carregados e preparados para a decolagem?
— Aviões carregados e preparados para a decolagem, senhor.
— Pois então...! — Rhodan levantou o braço. — Vamos aos aviões!
***
Quando o penúltimo dos homens estava entrando em seu avião, Rhodan virou a
cabeça para a esposa.
— Não fique triste, Mory. Nossa vida está na mão de Deus Todo-Poderoso. Não
sabemos qual foi o destino que ele traçou para nós, mas tentaremos fazer o melhor
possível.
Um sorriso valente apareceu no rosto de Mory Rhodan-Abro.
— Não se preocupe, Perry. Afinal, desde o começo o perigo sempre foi nosso
companheiro fiel. Ah, quase ia me esquecendo. Hoje começa um novo ano. Faço votos
que 2401 lhe traga toda a sorte de que precisa.
Rhodan engoliu em seco. Bateu com a mão na testa.
— Será possível? — cochichou. — Descul... Mory pôs a mão sobre sua boca.
— Nada disso, Perry! Ninguém teve tempo para lembrar-se disso ou registrar datas.
Se não tivesse olhado por acaso para meu relógio-calendário.
— Preciso ir andando — disse Rhodan. — Tudo de bom no Ano Novo, Mory. Que
seus desejos se cumpram.
— Que nossos desejos comuns se cumpram — retificou Mory com um sorriso.
Perry Rhodan apertou sua mão.
— Até a vista, Mory! Coragem!
Rhodan saiu caminhando sem olhar para trás. Dirigiu-se a um avião que trazia o
seguinte prefixo: TJP-1 — Tilting Jet Propulsion. O Capitão Sven Henderson sorriu com
uma expressão que quase chegava a ser travessa. Atlan, que também se encontrava a
bordo do T-l, designação abreviada que se costumava dar ao avião, ajudou Rhodan a
entrar na cabine apertada.
Todos os assentos, com exceção do piloto, tinham sido removidos. Rhodan segurou-
se a uma barra presa à parede e ajoelhou assim que a cobertura da cabina se fechou.
Encostou fortemente o queixo à parede e ligou o rádio-capacete.
— Tudo em ordem, Capitão Henderson?
— Tudo, sim senhor.
— O.k! Vamos à decolagem e a seguir ao vôo à altura previamente combinada.
Henderson confirmou. Feito isso, transmitiu a permissão de decolar aos outros
pilotos. Dali a pouco os jatos-propulsores, que tinham feito um giro de noventa graus,
uivaram. Lá fora o capim de meio metro de altura que cobria o pequeno campo de pouso
foi comprimido contra o solo. O avião desprendeu-se do chão sem o menor solavanco e
subiu na vertical. A sua direita estendia-se a fileira dos nove aviões restantes, que até
parecia ter sido traçada a régua.
Rhodan olhou para a esquerda.
Mory continuava parada na extremidade do campo de pouso. O ar expelido pelos
jatos-propulsores brincava com seus cabelos e agitava o conjunto-uniforme. Rhodan
encostou a mão à parede transparente da cabina. Mory retribuiu, agitando fortemente os
braços. Nesse momento o grupo descreveu uma curva e Mory desapareceu do campo de
visão de Rhodan.
A esfera cintilante que era a Crest II foi diminuindo rapidamente. A saída do vale
aproximou-se vertiginosamente. As encostas íngremes das montanhas Torta de Areia
passavam de ambos os lados. “Pensando bem”, refletiu Rhodan sem motivo aparente, “a
designação montanhas Torta de Areia pode levar a um engano.” Antes da queda da Crest
eram apenas colinas de oito metros de altura, mas agora, aos olhos dos seres humanos
cujo tamanho tinha sido reduzido em mil vezes, pareciam montanhas de oito metros de
altura. Mas de qualquer maneira originariamente tinham formado uma serra com a altura
média de oito mil metros, pois como tudo que se encontrava na superfície do planeta
Horror tinham sido atingidas pelo processo de redução.
Voando a apenas vinte metros de altura os aviões a jato, acelerando continuamente,
corriam na direção da saída sul do vale. Pouco antes de chegarem ao terreno plano, seus
ocupantes avistaram o rio gigantesco, de cinco quilômetros de largura, ao qual fora dado
o nome de rio do Sul. A superfície do rio, que era coberta por cabeças de espuma e fortes
redemoinhos, foi agitada pelo deslocamento do ar provocado pelos aviões. De repente
faixas largas e brilhantes atravessavam a superfície da água em todas as direções. No
mesmo instante o rugido dos jatos-propulsores cessou. Os aviões acabavam de romper a
primeira barreira do som.
Rhodan ergueu-se ligeiramente e, olhando por cima do ombro de Henderson.
procurou distinguir o que havia pela frente. Assistiu a um fenômeno estranho. Os grupos
de colinas espalhados pela superfície aproximaram-se como projéteis, os contornos da
paisagem que deslizava embaixo deles foram-se desmanchando, enquanto o céu, que já
era escuro, assumiu uma tonalidade quase negra. Só os três sóis continuavam a dardejar
seus raios. Pareciam olhos de animais selvagens.
— Que é isso? — perguntou Atlan, assustado. — Há algo de errado. Que
velocidade estamos desenvolvendo?
Como se quisesse dar uma resposta, o avião sacudiu-se ligeiramente e voltou à
posição de repouso.
— Acabamos de ultrapassar a marca de mach dois, senhor — anunciou Henderson
pelo rádio.
— Pelos deuses de Árcon! — gemeu Atlan. — Tive a impressão de que estávamos
desenvolvendo metade da velocidade da luz.
Rhodan refletira o tempo todo sobre o fenômeno. Respirou aliviado.
— Não é nada disso. Se fosse assim, o atrito do ar já nos teria transformado numa
nuvem de pó incandescente. Nossa velocidade é pouco superior a mach dois. Acontece
que nossas dimensões e os pontos de referência sofreram uma alteração na proporção de
um por mil. Aos nossos olhos deslocamo-nos à velocidade de mach dois mil.
— Meu Deus! — Atlan soltou uma risada forçada. — O senhor desconfiava disso,
Henderson?
— Não senhor. Simplesmente calculei. Afinal, recebi uma formação especial.
Atlan empalideceu.
— Perry. Receio que neste momento os antigos bárbaros tenham superado o
representante mais antigo de uma raça infinitamente superior como a dos arcônidas.
Rhodan deu uma risada.
— Não se preocupe, arcônida, eles apenas usaram sua cabeça para pensar.
***
Rhodan sentiu um formigamento pelo corpo de tão nervoso que estava. A paisagem
que passava a uma velocidade relativa inimaginável, comparada com os sóis que se
mantinham praticamente inalterados no firmamento. transmitia uma sensação de
irrealismo, misturada à consciência da própria insignificância.
De vez em quando alguns ruídos ranhentos se misturavam ao farfalhar da
comunicação radiofônica permanente. Isso acontecia quando um dos pilotos pigarreava.
Era o que estava acontecendo naquele momento. Logo se ouviu uma voz, na qual vibrava
um nervosismo contido à força.
— T-3, Tenente Nosinsky, chamando T-l. Capitão, quero fazer a comparação do
tempo.
— T-l, Capitão Henderson falando — respondeu o chefe do grupo. — São 18:34
horas, tempo da Terra. Confiram os relógios.
— Que diabo! Até aqui! — praguejou Nosinsky em tom exaltado.
— Queira fazer a conferência exata, Tenente Nosinsky.
— Informo que não há nenhuma discrepância, senhor. — Nosinsky respirava
ruidosamente. Alguma coisa parecia arrastar-se nos fones de ouvido. — Há algo de
errado, capitão. Não é possível que estejamos viajando há apenas uma hora.
Henderson pigarreou como quem quer recriminar alguém. Depois entrou em contato
com os outros pilotos e pediu a conferência geral do tempo. Eram mesmo 18:34 horas.
— Já está mais tranqüilo, Tenente Nosinsky?
— Queira desculpar, senhor. Tenho a impressão de que já faz um dia que estou
viajando.
— Queira desculpar a intromissão — disse uma voz forte e grave. As membranas
dos fones de ouvido rangeram. — Tolot falando. Trata-se de uma ilusão dos sentidos
ligada ao efeito de superposição relativa dos jatos-propulsores. Como sabem, o empuxo
diminuiu somente em um terço do empuxo relativo em comparação com o tamanho atual
dos aviões. Acontece que tudo aquilo que o olho humano costuma usar para orientar-se
está submetido aos efeitos do campo de condensação. Cada talo de capim, cada colina
qualquer nuvem de pó sofreu uma redução de mil vezes. Não percebemos isso, porque
nosso tamanho também foi reduzido em mil vezes. Para nós um talo de capim continua a
ser um talo de capim, uma colina de vinte metros de altura sempre será uma colina de
vinte metros de altura e a distância de dez quilômetros, por exemplo, que separa uma
colina da outra para nós continua a representar os mesmos dez quilômetros. Mas isso não
se aplica à velocidade dos aviões. Duas colinas que para nós ficam a dez quilômetros de
distância, em relação à velocidade dos aviões ficam a apenas dez metros uma da outra, e
não chega a demorar um segundo até que um trecho de cem quilômetros passe diante de
nossos olhos. Trata-se tão-somente de um problema psicológico. Diria que é um
problema psicológico muito interessante.
— Quero danar-me todo se vejo algo de interessante nisso — exclamou Nosinsky
em tom exaltado.
Tolot soltou uma estrondosa gargalhada.
— Em nosso mundo de origem — disse — uma pessoa que fala sobre coisas
interessantes costuma ser chamada de tagarela.
— Está satisfeito com a informação, Tenente Nosinsky? — perguntou o Coronel
Cart Rudo.
— Estou, sim senhor — respondeu Nosinsky.
Percebia-se pelo tom de sua voz que já tinha superado a crise nervosa. — Vou
fumar um cigarro. Se o mesmo não queimar a metade da velocidade da luz, posso ao
menos orientar meu sentido do tempo pelo mesmo.
Rhodan sorriu ao ouvir as risadas generalizadas em seu fone de ouvido. Mas seu
rosto logo voltou a assumir uma expressão séria. Fechou os olhos por alguns segundos,
para esquecer por algum tempo a imagem do avião que se deslocava a uma velocidade
vertiginosa.
Mais uma crise psicológica fora superada; tratava-se de uma crise relativamente
inofensiva. Mas sem dúvida ainda surgiriam inúmeras crises. E era possível que nem
todas fossem tão fáceis de superar...
***
A crise seguinte manifestou-se quando o tempo de vôo total mal tinha ultrapassado
cinco horas.
Os pilotos foram informando um após o outro que os indicadores de combustível de
seus aviões se aproximavam inexoravelmente da marca zero. Isso era de esperar, pois o
raio de ação dos aparelhos era, em condições normais, de somente 13.400 quilômetros, e
os mesmos já haviam percorrido 10.800 quilômetros, isso em condições que ninguém
seria capaz de considerar normais. Ninguém se preocupou com essa informação.
A causa do nervosismo generalizado foi uma coisa totalmente diferente.
Fazia alguns minutos que estranhos fenômenos luminosos tinham sido observados
na linha do horizonte, para o lado do sul. Rhodan não se manifestara sobre as mesmas,
embora não desse muito crédito à opinião geral segundo a qual devia tratar-se de um
fenômeno semelhante à da luz polar terrana.
Mas assim que foram transmitidas as informações sobre o combustível, os
rastreadores das máquinas passaram a reagir ao estranho fenômeno. Por alguns instantes
um silêncio constrangedor reinou na faixa de freqüência pela qual os homens se
comunicavam. Mas esse silêncio logo foi substituído por um grito de pavor saído de
muitas bocas.
Os fenômenos luminosos tinham-se tornado mais intensos. No mesmo instante
todos tiveram certeza de que de forma alguma se tratava de luzes polares, conforme
provavam os resultados apresentados pelos rastreadores. Os lampejos e as manchas muito
luminosas apareciam numa superfície maciça. Tratava-se de uma superfície que cobria
todo o horizonte e parecia estender-se espaço a fora — a uma distância de exatamente
dez mil quilômetros, conforme mostravam os rastreadores.
E os dez aviões corriam exatamente na direção dessa superfície, desenvolvendo
uma velocidade que para seus tripulantes devia ser equivalente a metade da velocidade da
luz.
Até mesmo Rhodan, que compreendeu imediatamente o que era isso que se
encontrava à sua frente, sentiu um calafrio. Seu coração contraiu-se dolorosamente. Ficou
com a boca bem aberta. Não parecia haver uma gota de sangue em seu rosto.
A muralha que parecia demarcar o fim do mundo era simplesmente a parede de uma
das quatro cúpulas pertencentes à estação do pólo sul.
Rhodan sabia que cada cúpula tinha “somente” dez quilômetros de altura, possuía
formato de sino e que o diâmetro da base circular também era de dez quilômetros.
Naturalmente procurara imaginar que tamanho uma cúpula como esta devia ter aos olhos
de seres humanos que tinham apenas dois milímetros de altura. Naquele momento
percebeu que a tentativa ultrapassava a capacidade de processamento do cérebro humano.
Esperavam encontrar uma coisa gigantesca, mas nunca acreditariam que se sentiriam tão
insignificantes diante de uma construção.
Rhodan recuperou-se do choque e olhou pelo vidro da carlinga. A formação
rigorosa até então mantida pelos aviões se havia desmanchado. Os aviões afastavam-se
cada vez mais um do outro.
Fragmentos confusos das conversas enchiam os fones de ouvido.
Rhodan sabia que, se não lhe ocorresse logo uma idéia salvadora, tudo estaria
perdido. A voz do halutense berrava ininterruptamente com seu pessoal, mas na situação
em que se encontravam isso só contribuía para aumentar a confusão.
Ligou o radiofone e inclinou-se para a frente. Sacudiu o Capitão Henderson pelo
ombro.
Henderson virou a cabeça. Seu rosto pálido estava desfigurado, mas a expressão dos
olhos era mais ou menos normal.
— Capitão! — ordenou Rhodan em tom enérgico. — Transmita pelo sistema de
emergência do grupo o sinal de alerta geral da Frota.
— Senhor! — fungou Henderson. — Isso... isso só é a cúpula.
— Pois é! — respondeu Rhodan. — Sem dúvida acha que enlouqueci, não é
mesmo?
— Sim senhor...! Oh, queira perdoar, senhor. Não foi bem o que eu quis dizer. Na
situação em que nos encontramos, seria completamente inútil dar o alarme geral.
Ninguém a não ser nós mesmos poderá ou...
— É claro que não! — interrompeu Rhodan. — Espero que o sinal provoque em
todos as mesmas reflexões que o senhor acaba de desenvolver. Com isso pelo menos
reinará silêncio no rádio até que eu consiga comunicar-me.
Henderson compreendeu. Esboçou um sorriso forçado. Não perdeu mais tempo.
Acionou a chave lacrada vermelha, encontrada a bordo de todos os veículos do Império
Solar, e que fazia soar em toda parte o mesmo sinal. Era bem verdade que havia penas
rigorosas para o uso indevido do alarme.
Rhodan enxugou o suor da testa ao ouvir o ruído rítmico enervante, que
normalmente servia para anunciar uma ameaça direta ao Império Solar, vinda de forças
inimigas superiores.
O resultado foi imediato.
Quando o sinal terminou num uivo, só se ouvia o farfalhar do éter.
Rhodan ligou seu transmissor de capacete para o volume máximo.
— Perry Rhodan falando. Como já perceberam, uma das cúpulas do pólo sul acaba
de surgir à nossa frente. Seu tamanho aparente é exatamente aquele que seria de esperar
pelos cálculos. Infelizmente não fomos capazes de imaginar uma dimensão relativa desta
ordem. Mas já tivemos bastante tempo. Qualquer pessoa normal já deveria ter-se
recuperado do choque. Pousaremos dentro de alguns minutos. Quando isso acontecer, só
as pessoas capazes de controlar-se poderão ser-nos úteis. Qualquer outra pessoa
representaria um perigo para o êxito da operação. Por isso peço que qualquer pessoa que
não se sinta capaz de superar este choque e outros que teremos pela frente me avise. Estas
pessoas voltarão para a Crest num dos aviões que serão descarregados. Repito: Quero ser
informado!
As informações vieram bem depressa. Depois que o piloto do décimo avião
informou que havia uma falha, Atlan sacudiu a cabeça.
— Vocês bárbaros estão mostrando mais uma vez que são muito esquentados.
Primeiro fazem uma gritaria tremenda, e depois vem a ducha fria. Isso é uma
manifestação de desequilíbrio psicológico, meu caro.
Rhodan virou a cabeça para o amigo e ficou com os olhos semicerrados.
— Ah, é? Não venha me dizer que você não se abalou nem um pouco ao ver as
cúpulas pela frente, arcônida!
— Não me abalei mesmo! Desde o início fui de opinião que não teríamos a menor
chance contra esta estação mamute. Ou será que você realmente acredita ser capaz de
com um quilograma de explosivo químico dar conta de uma cúpula de dez quilômetros de
altura?
Rhodan mordeu o lábio.
— Isso depende do lugar em que seja colocado o explosivo, arcônida. Dinastias
planetárias já foram derrubadas exclusivamente pela força da palavra. Se você não
acredita no êxito da missão, por que veio conosco?
Um sorriso cansado e sábio ao mesmo tempo apareceu no rosto de Atlan.
— Porque sei que vocês são uns bárbaros muito esquentados, Perry. É possível que
um velho, que já não tem ilusões, consiga manter o controle na situação, para mostrar aos
amigos onde fica o calcanhar de Aquiles da estação.
— Os rastreadores não indicam a presença de campos defensivos em torno da
estação, senhor — informou o Capitão Henderson.
— Está vendo? — Atlan fez um gesto para Rhodan. Os dois estavam com os
microfones desligados. — Ali já temos um calcanhar de Aquiles. Tornamo-nos tão
pequenos que nem sequer produzimos um reflexo nos rastreadores automáticos da
estação.
— Você tem um jeito de encorajar a gente! — disse Rhodan, falando entre os
dentes. — Sei perfeitamente o que quer dizer. Diante da estação não passamos de dez
bactérias trazidas pelo vento e...
— As bactérias podem ser mortais, meu caro — concluiu Atlan.
***
Rhodan esforçou-se para conservar o sangue-frio enquanto levantava os olhos pela
montanha de aço que estava cada vez mais perto, dando a impressão de que a qualquer
momento poderia tombar para a frente, soterrando os minúsculos aviões.
Não conseguiu.
Mas ao menos foi capaz de reprimir o pânico. Mas o formigamento nervoso
continuou, especialmente na região cervical. A isso juntou-se um sentimento depressivo
de desânimo ao notar que a estação do pólo sul não esboçava a menor reação diante da
aproximação dos aviões.
Mas nem por isso Rhodan tornou-se imprudente. Deu ordem para que o Capitão
Henderson fizesse o grupo de aviões, que já voltara a entrar em forma, descesse abaixo
da velocidade do som e reduzisse para cinco metros a distância que separava um aparelho
do outro.
A seguir imaginou como seriam dez mosquitos voando a cinco milímetros de altura,
que tentassem atacar um supercouraçado da Frota Solar.
Fez a comparação diante de Atlan, num acesso de humor fúnebre.
O arcônida exibiu um sorriso sábio.
— Você compreendeu, bárbaro. Uma pergunta. Será que os rastreadores de um
supercouraçado terrano, que certamente não são de má qualidade, reagiriam à
aproximação de dez mosquitos?
— Não registrariam, mesmo que eles passeassem sobre as antenas dos rastreadores
— respondeu Rhodan em tom irônico.
Os olhos de Atlan pareciam chispar fogo.
— Pois então, Perry! Quer a estação do pólo sul seja guarnecida por robôs,
conforme é de supor, quer seus ocupantes sejam seres orgânicos, o pouso dos aviões nem
sequer será registrado. E com mais razão deixará de ser registrada a presença dos seres
que saírem desses mosquitos, pois os mesmos são bem menores que estes. Quer dizer que
podemos rastejar por seus dutos de ventilação sem assumir o menor risco. O que mais
você pode querer?
— Só uma coisinha. Queremos pôr alguns ovos, e isto nos lugares em que possam
fazer mais estragos. Você seria capaz de dizer que lugares são estes?
— Wuriu Sengu!
— Vamos fazer votos de que o espia nos possa ajudar. Mas vejo que já podemos
pousar.
O Capitão Henderson devia ter tido a mesma idéia. Os aviões estavam parados no
mesmo lugar. Desceram na vertical entre duas colinas e pousaram num prado florido.
— Vamos esperar cinco minutos — decidiu Rhodan. — Se depois disso não houver
sinal de vida na cúpula, vamos iniciar a operação de descarga-
O Capitão Henderson levantou o rádio-capacete.
Olhou para trás e fitou Rhodan com um sorriso embaraçado.
— Receio ter dado ordem de pousar antes do tempo, senhor. Acontece que a cúpula
parecia estar tão perto que a qualquer momento iríamos bater nela. Segundo indicam os
rastreadores, ainda nos encontramos a dez quilômetros da mesma.
— Na verdade estes dez quilômetros são apenas dez metros — disse Atlan.
Henderson sacudiu o corpo.
— O pior pesadelo não pode ser mais pavoroso que a realidade do planeta Horror,
senhor. Receio que serei perseguido por isso até a hora da morte.
— Pois eu receio a mesma coisa — disse Atlan em voz baixa, para que só Rhodan o
entendesse. — Nem que ainda viva alguns milhares de anos...
***
Vinte e cinco soldados de elite do Império Solar saíram em silêncio dos aviões.
Foram recebidos pelo perfume inebriante das flores e do capim fresco. Uma leve
brisa passava sobre o capim e fazia com que os talos descrevessem ondulações morro
acima e abaixo. Insetos minúsculos voavam zumbindo de uma flor para outra. Alguns
deles eram parecidos com as abelhas produtoras de mel encontradas na Terra e em mais
alguns mundos da galáxia conhecida. Os três sóis estavam no sudoeste e espalhavam um
calor que parecia animar a vida.
Mas apesar disso os vinte e cinco homens que participavam do comando estavam
sentindo frio.
Foi inútil olhar ostensivamente para o norte. Sabiam o que havia atrás de suas
costas, onde uma muralha fria e fosca, ameaçadora como um mau presságio, feita de
metal, se estendia bem acima do céu.
Havia outra coisa que continuamente fomentava a inquietação entre eles.
O chão em que pisavam balançava e tremia constantemente. Até parecia que se
encontravam na beira de uma pista pela qual corriam fileiras de tanques superpesados.
Além disso um ruído profundo e uniforme enchia o ar.
Tudo isso os lembrava de que se encontravam aos pés de um gigante da técnica,
concebido por seres que tinham travado e perdido uma guerra devastadora, e que tinham
degenerado na superfície do planeta Horror.
O tempo fizera sarar as feridas produzidas pela tormenta atômica. O ar que se
respirava não estava mais impregnado de veneno, grandes pradarias e até matas
estendiam-se entre as montanhas nuas e os desertos desolados, havia pequeno mamíferos
e insetos e peixes nos rios e lagos — e além de tudo isso havia uma máquina do pavor
que obrigava tudo, as formas da superfície, as plantas e os animais, com uma força brutal,
que se mantinha há milênios, a assumir um tamanho mil vezes menor. Essa máquina do
pavor era a única coisa que tinha conservado o tamanho normal.
Vinte e cinco Davis microscópicos tinham vindo para derrotar Golias...
***
O Tenente Finch Eyseman abaixou-se, olhou para uma abelha que saía voando e
arrancou uma flor esférica cor-de-rosa.
Inalou seu perfume e atirou-a para longe, dando um suspiro profundo.
— Não está gostando? — disse uma voz robusta vinda de trás.
Eyseman virou-se abruptamente.
Melbar Kasom, um ertruso gigantesco, estava parado atrás dele e se abria num largo
sorriso. Se tivesse olhado mais atentamente, Eyseman certamente teria percebido que o
sorriso de Kasom não passava de um disfarce mantido a custo, com o qual pretendia
camuflar seus sentimentos reais.
Eyseman soltou violentamente o ar pelo nariz.
— Acho que para o senhor só existem duas coisas, não é mesmo? Gosta ou não
gosta...!
Kasom lambeu os lábios.
— Hum! Se penso num quartinho de rês assado... — Suspirou gostosamente.
— Bem que eu gostaria de oferecer-lhe um quarto de rês de verdade, seu guloso!
Kasom parecia não perceber a entonação especial com que tinham sido
pronunciadas estas palavras.
— Dentro de dez minutos o senhor só encontraria ossos, Eyseman.
— Eu não encontraria mais nada, Kasom — do senhor, quero dizer. A gulodice
faria seus dentes avançarem para dentro da própria pele, feito um bicho que entra no
toicinho. Depois de trinta dias só sobrariam alguns gramas do senhor. Acho que não
conseguiria mais que isso — com um quarto de rês normal.
Kasom sobressaltou-se, mas logo deu uma risada.
— Boa idéia. Eyseman. Meu Deus! Mil quartinhos de rês reunidos num só!
Eysemanzinho, daqui a cem anos ainda estarei sonhando com isso!
— Ele sempre sonhou com comida — observou outra voz.
Melbar Kasom virou a cabeça e ficou em posição de sentido.
— Perdão, senhor — disse, dirigindo-se a Atlan. — O que posso fazer se tenho que
trabalhar com pessoas que com os restos tirados de um dos meus dentes ocos fazem um
picadinho para todos os oficiais da Crest?
— O senhor está partindo para a grossura, Kasom — advertiu Atlan, levantando o
dedo.
Uma gargalhada estrondosa se fez ouvir atrás de suas costas. Atlan deu alguns
passos cambaleantes, enquanto Eyseman tapava desesperadamente os ouvidos.
Icho Tolot cruzou os quatro braços e sacudiu-se de tanto rir.
— Pelos grupos de lavadores de Halut! Os terranos são formidáveis. Ali estão eles,
reduzidos a anões microscópicos na frente de uma parede de aço insuperável — e o que
fazem? Vivem fazendo piadas em torno da redução de tamanho que sofreram. Ora essa!
Vocês são mesmo a raça mais vigorosa que já encontrei.
— E daí? — perguntou o Tenente Conrad Nosinsky, que estava chegando naquele
instante. — O senhor tinha alguma dúvida?
— E também a raça mais arrogante — completou Tolot.
***
Uma ordem enérgica de Rhodan pôs fim à cena humana que se desenvolvia junto ao
palco dos acontecimentos apavorantes.
Cada um dos vinte e cinco homens sabia o que tinha que fazer.
Melbar Kasom, o ertruso adaptado ao ambiente, o epsalense Cart Rudo e Icho
Tolot, o não-humano vindo de Halut, que em comparação aos outros eram verdadeiros
gigantes, já tinham retirado antes de partir para o vôo os pesos que substituíam os
microgravitadores, conformando a seus corpos a sensação de gravitação a que estavam
habituados. Em vez disso carregaram pacotes de explosivos até o limite de sua resistência
física.
Enquanto isso Rhodan e Atlan ajudavam na descarga dos explosivos restantes. As
cargas guardadas em embalagens à prova de água foram colocadas em carros pequenos,
retirados dos mais diversos setores da Crest. Tratava-se de armações muito leves,
construídas com tubos de aço especial, equipadas com eixos articulados que
proporcionavam um ótimo molejo e rolamentos de plástico fluorizados que não exigiam
nenhum cuidado.
Quando estava tudo preparado. Henderson mandou que o grupo de comando
entrasse em forma. Enquanto isso Rhodan e Atlan voltaram mais uma vez para junto dos
nove homens que ficariam para trás, sob o comando do Tenente Orsy Orson.
Orson era um tipo bonachão. Apesar dos vinte anos já seguia uma conhecida
diretriz: O que importa é que estejamos passando bem. A proximidade ameaçadora da
cúpula não parecia incomodá-lo muito. Mas os olhos penetrantes de Rhodan não
deixaram de notar o ligeiro tremor de seu queixo, quando Orson se apresentou com o
rosto radiante.
— Sabe o que tem que fazer, não sabe, tenente?
— Sei, sim senhor. Abastecer os cinco aviões que deverão regressar à nave com o
combustível trazido nos tanques dos aviões de abastecimento e fazer uma revisão geral
dos mesmos.
— Não subestime sua tarefa, tenente — advertiu Rhodan. — A vida de todos nós
talvez dependa da execução rápida e precisa desse trabalho. Enquanto estivermos no
interior da cúpula, dificilmente haverá perigo, mas quando tivermos detonado as cargas
explosivas, haverá um alarme geral na estação. Quando isso acontecer, o senhor deverá
estar preparado para decolar, de tal forma que a única coisa que tenhamos de fazer ao
voltar seja entrar nos aviões. A propósito, tenente. Não se esqueça de que destruímos
quatro cúpulas absolutamente idênticas situadas no pólo norte com um simples
bombardeio pelos canhões da Crest.
Orson suspirou.
— Quando isso aconteceu nós e a Crest éramos um pouco maiores do que somos
hoje, senhor.
Rhodan acenou com a cabeça. Seu rosto assumiu uma expressão séria.
— Acontece que nosso intelecto funciona tão bem quanto antes, meu chapa. E é o
que realmente importa.
— Sim senhor.
Rhodan virou-se e saiu caminhando na direção do grupo de comando, que estava
pronto para sair.
— Você acha que o bebê será capaz de controlar os nervos? — perguntou Atlan.
Rhodan olhou-o de lado.
— Ele é tenente de uma tropa de elite da Frota. Faça o favor de não esquecer este
detalhe, arcônida. Quanto aos seus nervos, acho que ele só mostrará o que os mesmos são
capazes de agüentar quando a situação se tornar crítica.
Uniram-se ao grupo de comando.
Perry Rhodan voltou a examinar cada um dos homens enfileirados.
Icho Tolot, Melbar Kasom e Cart Rudo mantiveram-se em posição ligeiramente
afastada. Estavam carregados com as cargas explosivas já preparadas. Bastaria acoplá-las
para que pudessem ser detonadas.
O Capitão Don Redhorse era o primeiro da fileira de dez homens. O cheiene parecia
uma estátua de pedra de seus antepassados belicosos. A única coisa que se movia eram os
longos cabelos preto-azulados agitados pelo vento. Depois dele vinha o Tenente Ray
Burdick, um homem magro, que parecia ser feito unicamente de pele, ossos e músculos.
A ele seguia-se o Tenente Finch Eyseman. Como sempre, seus olhos castanhos tinham
uma expressão sonhadora. Mantinha a boca entreaberta, como quem se sente espantado
com o lado grotesco da situação. Ao lado dele o corpo grosseiro de Anatol Kyofy parecia
antes um cão de aldeia. Naquele momento comprimira fortemente os lábios sensuais.
Acter Burrol e Haduy Lam mantinham a posição desleixada que já se estava acostumado
a ver neles. Os dois tenentes eram conhecidos como os escutas, por causa de suas grandes
orelhas salientes, que na verdade só eram sinal da origem comum do mundo colonial
Naesdnik. Seria impossível levar apenas um deles, pois os dois escutas eram
inseparáveis. Perto deles o japonês baixinho e redondo chamado Taka Hokkado parecia a
corporificação sorridente do espírito pacato. Quem olhasse para o sargento, nem
desconfiaria da força e agilidade que se escondia em seu corpo. Se não fosse
incrivelmente relaxado com seus uniformes, já poderia ser capitão. Hokkado era o melhor
piloto de destróieres espaciais da Crest e além disso detinha há seis anos o título de
campeão invicto de karatê e dagor, a velha técnica arcônida de luta a pequena distância.
No fim da fila vinha um homem robusto, de cabelos escuros. Era o Tenente Conrad
Nosinsky, cujo rosto grosseiro se contraíra como de costume num sorriso arrogante.
Tratava-se de uma máscara que não conseguia esconder o brilho fanático de seus olhos.
O comando era formado por quinze homens, incluindo o Capitão Henderson, Atlan,
Wuriu Sengu e Rhodan.
Rhodan exibiu um sorriso frio.
— Acho que diante dos senhores não preciso perder tempo com palavras difíceis.
Mas gostaria de dizer mais algumas palavras sobre o comportamento que devemos
adotar. Espero que cada um dê o máximo em força e coragem e mantenha uma disciplina
férrea e um autocontrole inabalável. Ninguém deve dançar em desacordo com a música,
nem mesmo para dar mostras de coragem e capacidade de sacrifício. É só. Capitão
Henderson, leve o grupo ao local em que deverá entrar em ação.
Henderson correu para a frente da fileira. Estava tão carregado quanto os outros,
inclusive Rhodan e Atlan. E da mesma forma que os outros pegou a barra de tração de
um pequeno carro.
Um comando enérgico se fez ouvir. O grupo saiu marchando em fila indiana.
Rhodan e Atlan também penduraram suas cargas de explosivo sobre os ombros e
ataram os cintos que as prendiam. Também empurraram pequenos carros de duas rodas.
Seguiram o grupo bem de perto. Atrás deles iam os três gigantes que levavam mais carga
que os outros: Tolot, Kasom e Rudo.
E diante deles a parede de aço subia ao céu...
3

O zumbido profundo vindo debaixo do chão tornou-se mais forte. Sempre que
algum homem tirava o pé de cima de um lugar em que não havia capim, via-se dançar os
grãos de areia como se um gigante os estivesse agitando numa peneira.
O zumbido pacífico dos insetos parecia ter algo de irreal, da mesma forma que o
balanço das flores coloridas, que pareciam abaixar-se e soerguer-se. Mas o mais irreal de
tudo era a coisa cinzenta que fechava o mundo para o lado do sul, até onde atingia a vista.
Rhodan tinha de lembrar constantemente que só estavam vendo uma única cúpula.
E nem mesmo esta uma entre quatro eram capazes de abranger com a vista.
Alguns metros à frente de Rhodan o carro de Taka Hokkado saltitava sobre os
acidentes do terreno. À frente dele caminhava o japonês arredondado a passos curtos e
uniformes. Os pacotes de explosivos amarrados com cordas de nylon escorregavam de
um lado para outro em suas costas. A cada passo o último deles batia ruidosamente no
traseiro carnudo do sargento. Rhodan sentiu um calafrio ao lembrar-se que uma única
dessas cargas explosivas seria suficiente para transformar o pequeno grupo numa nuvem
de poeira, ainda mais quando viu Hokkado puxar despreocupadamente o carro quando as
rodas se prendiam entre as pedras.
Os cabelos negros do japonês estavam grudados à cabeça redonda. Os pingos de
suor desciam ininterruptamente pela nuca musculosa.
Fazia muito calor.
— Trinta graus centígrados — observou Atlan, como se tivesse adivinhado os
pensamentos de Rhodan. — Que temperatura para uma região polar, não é mesmo?
— Daqui a pouco sentiremos mais calor ainda — trovejou a voz de Tolot. — O
metal certamente não será muito frio.
Rhodan fitou o halutense com uma expressão pensativa.
Quando olhava para Icho Tolot, tornava-se difícil acreditar que este gigante na
verdade só tinha três milímetros e meio de altura. Perguntou-se o que estaria acontecendo
nos dois cérebros daquela criatura monstruosa vinda de um mundo antiqüíssimo. Os
halutenses já não eram os seres agressivos que a cinqüenta mil anos do calendário terrano
tinham dominado grandes setores da galáxia de origem, a Via Láctea. Se os outros
fossem como Tolot, os membros de sua raça deveriam ser seres pacatos, alegres, muito
humanos e dotados de uma grande inteligência, embora tivessem o aspecto de monstros.
Tolot só se juntara a Rhodan porque, tal qual acontecia com os membros de sua raça
a intervalos regulares, ele se sentira dominado por uma sede incontrolável de aventuras.
Por isso mesmo chamara a atenção de Rhodan para o transmissor solar galatocêntrico,
formado por sete gigantescos sóis azuis situados no centro da Via Láctea. O transmissor
era obra de uma raça incrivelmente poderosa, que numa demonstração de respeito
costumava ser designada como a raça dos mestres da galáxia, mais precisamente, da
galáxia de Andrômeda...
Essa raça criara há muitos milênios uma rota de transmissores que levava para a
galáxia Andrômeda, formada por constelações solares artificiais.
O avanço da Crest através do transmissor solar galatocêntrico levara a nave para a
rota de Andrômeda. A Crest voltara ao espaço normal no interior do receptor solar de
Gêmeos. Se não fosse o auxílio de Tolot, a expedição já ali teria encontrado um fim
inglório. Os senhores da galáxia sabiam como proteger sua rota de transmissores. Em
toda parte tinham sido colocadas armadilhas sofisticadas. Até então o sistema de Horror
tinha sido a mais perigosa dessas armadilhas, e talvez fosse mesmo a última. Ali não
estava em ação somente o dispositivo criado pelos misteriosos senhores; duas das raças
degredadas para Horror tinham travado uma guerra de extermínio, durante a qual
chegaram a exceder até mesmo a fantasia cruel de seus senhores. Estas raças, ou uma
delas, instalou condensadores potenciais e com isso condenara os objetos existentes na
superfície de Horror e todas as formas de vida que ali aparecessem em ver seu tamanho
reduzido em mil vezes — ao que parecia, para todo o sempre.
— Pelo que vejo, os senhores estão interessados em saber se minha sede de
aventuras foi satisfeita em Horror — disse a voz retumbante de Tolot. — Acho que não
compreenderão a resposta que vou dar. Para mim a aventura mal começou. Só chegará ao
fim depois que tivermos esclarecido completamente o segredo dos mestres da ilha. É bem
verdade que, se tivesse desconfiado do que estava à nossa espera, dificilmente teria me
arriscado em acompanhá-los para o transmissor dos seis sóis.
— Isso acontece quando o ovo quer ser mais inteligente que a galinha — disse
Rhodan em tom sarcástico. — O senhor sabia que mesmo nos tempos em que sua raça
era mais agressiva nunca se atreveu a desvendar o mistério do transmissor dos seis sóis...
Tolot balançou os dois braços preênseis, enquanto as grossas pernas levantavam
grandes nuvens de areia.
— Senhor, mesmo nos seus melhores tempos minha raça não possuía a coesão, o
arrojo e o bom-senso que distingue os terranos. Pensei que a união de minhas
potencialidades mentais e as características de vocês nos tornaria invencíveis.
— E acabou por sofrer uma decepção amarga, não foi mesmo?
Os três olhos vermelhos do halutense pareciam chispar fogo.
— Não foi a primeira, senhor. Superestimei a mim mesmo e aos senhores no que
diz respeito ao curso dos acontecimentos. Todo espetáculo depende do fim, e neste ponto
continuo otimista.
— O senhor com seu otimismo e eu com o estômago roncando! — exclamou
Melbar Kasom com um gemido. — Dificilmente assistirei ao final feliz, se tiver de passar
fome enquanto me arrasto pela rota de Andrômeda.
Atlan deu uma risada estridente.
— É pouco maior que um mosquito, mas sua fome continua a ser a de um
dinossauro!
Icho Tolot emitiu um som alegre, mas interrompeu-se de repente.
Seu grito de alarme foi trombeteado em halutense, mas produziu o efeito de um
choque elétrico nos homens.
Dali a um segundo o único sinal de que alguns seres vivos tinham tentado transpor a
colina baixa que os separava de um rio eram algumas nuvens finas de areia e poeira.
Em virtude da camuflagem de manchas de seus trajes e dos pacotes de explosivos
pintados da mesma forma, não passavam de pequenas elevações em meio à paisagem
natural intocada. A única exceção eram os carrinhos aparentemente abandonados.
Rhodan rolou para junto de Tolot.
— O que houve?
— Um edifício — respondeu o halutense e estendeu o braço preênsil. — Ali na
frente, senhor, entre as rochas que margeiam o rio.
***
Rhodan encostou o binóculo aos olhos.
No primeiro instante não viu nada além das rochas bizarras que se erguiam à
margem do rio, formando um conjunto de formas de cor cinza-apagada que se
enfileiravam uma ao lado da outra e uma sobre a outra. Finalmente descobriu o cone
achatado que subia obliquamente ao céu, ou melhor, notou o contraste entre sua
regularidade e as rochas irregulares.
“Acho que só mesmo quem possui os olhos aguçados de um halutense é capaz de
ver nisso um edifício, ao menos a uma distância destas.”
Mal concebeu este pensamento, o conhecimento da realidade o tocou com a força
de um choque elétrico.
Era uma espaçonave!
— Atenção! — gritou. — Vamos retirar-nos com os equipamentos para trás da
colina. Eyseman, Hokkado, Tolot! Coloquem suas cargas no chão e acompanhem-me
para lá. Atlan, você poderia fazer o favor de ficar aqui?
— Está bem, bárbaro! — respondeu Atlan em tom indiferente. — Mais uma vez
você está mostrando que não confia num velho arcônida.
— Não diga bobagens! — retrucou Rhodan em tom indignado. — Você sabe
perfeitamente por que quero que fique aqui.
Atlan deu uma risadinha.
— Sei, sim. Vá embora e dê uma olhada nos destroços da nave. Parece que seus
ocupantes tiveram mais azar que nós.
— Quer dizer que você sabe que é uma nave...?
— Vivo dizendo que você não sabe dar o devido valor a um velho como eu.
Rhodan não conseguiu disfarçar totalmente o embaraço que estava sentindo.
Permaneceu calado até que todos se tivessem retirado, com exceção do grupo de
reconhecimento. Depois levantou.
— Não vamos exagerar nas cautelas, minha gente. Venha comigo.
Os três terranos e o halutense desceram a colina com passos elásticos e animados de
uma estranha leveza depois que tinham tirado os pacotes de explosivos. A muralha de aço
cinzento continuava a cobrir todo o horizonte, mas eles não lhe deram atenção.
Levaram cinco minutos para atingir as rochas que margeavam o rio.
Nesse lugar a cortina sonora permanente formada pelo zumbido subterrâneo foi
substituída pelo rugido, burburinho e farfalhar das águas que deslizavam a uma
velocidade tremenda. Véus cintilantes de espuma levantavam-se em meio à água, quando
uma onda mais alta se desfazia numa das colunas de pedra naturais. Uma cobertura de
algas ou liquens estava grudada nas rochas, dando a impressão de que se tratava de pêlos
cinzentos. Todos os homens, com exceção de Tolot, tropeçavam constantemente.
De repente viram-se diante da parte da espaçonave que se erguia acima da
superfície. Ninguém seria capaz de dizer se era a proa ou a popa. Ninguém conhecia esta
forma de veículo espacial. Além disso o metal estava completamente coberto pelas algas.
Rhodan, Eyseman e Hokkado entreolharam-se um tanto perplexos. Já Tolot parecia
dominado por um forte nervosismo, que os outros não sabiam explicar. Seus quatro
braços giravam como asas de moinho de vento. Suas mãos arrancaram pedaços enormes
do revestimento de algas e os atiraram para trás.
Finalmente emitiu um rugido vindo bem de dentro e parou. Tomou impulso com o
punho fechado e golpeou o casco da nave. Ouviu-se o rangido do metal que cedia ao
impacto.
— O que é isso...? — perguntou Rhodan em tom de curiosidade.
Tolot soltou uma estrondosa gargalhada.
— Fui um idiota, senhor. No auge de sua evolução os halutenses construíram naves
como esta. Mas eu deveria ter visto logo que esta nave não pode ser halutense. Nossos
arquivos não têm lacunas, e neles não se encontra nenhuma referência a qualquer
expedição através do transmissor solar.
— Talvez seja uma nave que pertencia à raça dos habitantes da superfície, já
desaparecidos — disse Eyseman.
Rhodan pôs-se a refletir.
— O senhor acha que há uma possibilidade de entrar ali, Tolot?
— Lá em cima existe uma eclusa — disse Tolot, apontando para uma parede que se
erguia a cerca de quinze metros de altura. — Vou abri-la.
***
Tolot abriu os braços preênseis, enquanto as juntas de saltar das pernas se dobraram
e as mãos presas aos braços também dotados de robustas juntas de saltar tocavam o chão.
Saltou, usando braços e pernas.
Subiu feito um projétil. Foi um salto muito bem calculado. Quando se encontrava a
uns dez ou onze metros de altura, Tolot fez avançar os braços preênseis. Houve um ruído
surdo quando se agarrou ao revestimento de algas.
Apoiado somente sobre os pés, começou a arrancar grandes pedaços de algas do
casco da nave. Uma chuva de plantas malcheirosas desceu sobre os terranos que
esperavam no solo. Enojados, estes recuaram alguns passos.
“Tolot parece um monstro quando está fazendo isso”, pensou Rhodan. “Mas
ninguém melhor que ele para saber quanta inteligência há nesse monstro com aspecto de
urso.”
— Pronto! — gritou Tolot para os que estavam embaixo. — Podem subir.
Taka Hokkado soltou um assobio. Deu mais um passo para trás, impeliu-se com o
pé encostado a uma rocha e saiu correndo, subindo pela parede escorregadia. Correu pelo
casco ligeiramente inclinado com a agilidade de um macaco e agarrou-se à beira do
buraco pelo qual Tolot tinha desaparecido.
Antes que Rhodan pudesse impedi-lo, Fynch Eyseman seguiu seu exemplo. O
tenente conseguiu subir uns cinco metros. Depois passou a escorregar
descontroladamente.
Rhodan apoiou-o na queda.
— Atire sua corda, Hokkado — gritou. — Nem todo mundo sabe fazer essas
escaladas tão bem quanto o senhor.
O rosto largo e sorridente de Hokkado apareceu na eclusa.
Uma corda de nylon fina, mas muito resistente, desceu com um chiado e foi parar
bem aos pés de Rhodan.
— Faça o favor de colocar o pé no laço e segurar-se, senhor! — gritou Hokkado.
Rhodan seguiu a recomendação. No mesmo instante a parede coberta de algas
começou a deslizar à sua frente. Numa questão de segundos chegou à eclusa. Os braços
musculosos de Hokkado acolheram-no. Depois disso o japonês puxou Eyseman para
cima.
Rhodan examinou atentamente as paredes internas da eclusa, que pareciam estar
intactas. Não descobriu a menor indicação de como poderia ter funcionado o mecanismo
da eclusa. Bastante desconfiado, deu mais um passo para o interior da nave e inclinou-se
sobre uma calha lisa como um espelho, que descia em espiral. Viu um raio de luz que
caminhava de um lado para outro.
— Tolot...? — gritou.
— Um instante, senhor! — disse a voz profunda do halutense. — Estou removendo
alguns destroços pontudos. Depois que eu tiver terminado, poderá vir para cá.
Lá embaixo alguma coisa batia e rangia. Até parecia uma estrutura de aço com
concreto que estivesse desabando.
— Pronto! — gritou Tolot.
— Acha que podemos descer por esta calha?
Tolot deu uma risada. O som sofreu uma terrível distorção em virtude da acústica da
nave dos mortos.
— Não tenha dúvida. Vim pelo mesmo caminho, senhor. É bem verdade que teria
ficado espetado em algumas travessas pontudas, se meu metabolismo não fosse
modificável. Mas os obstáculos já foram removidos. Além disso eu os receberei aqui
embaixo.
Rhodan ligou a lâmpada alimentada a pilha que balançava sobre seu peito e sentou
cuidadosamente na calha estreita, que lhe comprimia o corpo. Finalmente soltou-se.
O material de que tinha sido feita a calha era liso como gelo. Paredes reluzentes,
tubos arrancados e objetos diversos agitavam-se quando eram atingidos pelo feixe de luz
de sua lâmpada.
Finalmente foi freado suavemente.
Tolot colocou-o numa viga larga.
— Pelo deus Júpiter! — gritou Rhodan em tom de surpresa. — Que seres estranhos
não devem ter sido estes que usaram uma espiral como subida!
Tolot deu uma risada que antes parecia o burburinho da água, enquanto colocava
Hokkado ao lado de Rhodan.
— Estes seres pensariam a mesma coisa, se tentassem descer por uma das escadas
de emergência da Crest.
Colocou novamente o corpo no poço e voltou com o Tenente Eyseman sobre o
braço.
— É só imaginar um molusco sem esqueleto tentando subir uma escada feita de
tubos de aço.
— Muito obrigado. Quer os seres que viajavam nesta nave tenham sido moluscos,
quer não tenham sido, só estou interessado pelo que há por aqui se puder descobrir
alguma indicação sobre a vulnerabilidade ou invulnerabilidade da estação instalada na
cúpula. O resto pode esperar.
— Infelizmente terei que decepcioná-lo, senhor — disse Tolot. — Já estive lá
embaixo. O comprimento total da nave era de cerca de cento e vinte metros terranos. Não
descobri o menor sinal de seus ocupantes. É possível que os mesmos se tenham
transformado em pó.
Rhodan ergueu-se cautelosamente, retirou a lanterna da bolsa em que estava
guardada e fez girar a mesma.
— Tenha cuidado, senhor! — advertiu Tolot. — Com exceção de uns poucos
lugares, surgiu uma confusão tremenda no interior da nave quando a mesma penetrou na
rocha.
Rhodan dirigiu o feixe de luz para baixo. Os raios passaram sobre travessas
entortadas, paredes esfaceladas e estranhos maquinismos de aspecto bizarro. Um dos
objetos enrugados encontrava-se a somente alguns metros do lugar em que estava
Rhodan. Estava apoiado sobre os restos inclinados de uma parede divisória que tinha sido
arrancada. Rhodan voltou a guardar a lanterna e dirigiu-se ao lugar em que estava o
conjunto, equilibrando-se sobre várias travessas.
O aparelho parecia uma mala amarrotada, enfiada à força num recipiente de muitas
facetas. Rhodan agachou-se à procura de apoio e casualmente pôs uma das mãos sobre o
aparelho.
Por pouco não se espatifou nas profundezas. A superfície do aparelho cedeu como
se fosse um tanque de plástico deformável.
Retirou a mão, assustado, e ouviu um ruído borbulhante.
Uma travessa de aço vergou bem a seu lado, rangendo fortemente. Rhodan levantou
os olhos e viu o halutense pendurado na travessa, segurando-se com os braços preênseis.
Os outros braços tateavam em direção ao estranho recipiente.
— Tem uma idéia do que possa ser isso, senhor? — perguntou Tolot.
— Uma idéia eu tenho...! — Rhodan sacudiu o corpo. — Abra, se puder. Tenha
cuidado!
Tolot grunhiu em tom de desprezo. Apertou o objeto enrugado com um dos dedos.
Fez um esforço e o dedo perfurou a parede. Quando Tolot o retirou, um esguicho verde-
amarelado saiu do furo, caiu sobre si mesmo e formou uma poça gelatinosa na superfície
do objeto.
Tolot enfiou o dedo na boca.
— Não há dúvida de que se trata de uma substância orgânica, senhor. — Seus olhos
iluminaram-se numa expressão de espanto, quando alguns sons sufocados se fizeram
ouvir no lugar em que deveria estar Eyseman — Perdão! — disse o halutense. — Eu
tinha esquecido de que os terranos são muito sensíveis.
— Está bem — respondeu Rhodan. — Procure controlar-se, Eyseman!
— Sim senhor — respondeu a voz apagada do tenente.
Mas o mesmo ruído logo se fez ouvir.
— Tenente! — gritou Rhodan em tom zangado.
— Não... não fui eu... — respondeu uma voz apagada. — Hokkado...
Rhodan sentiu seu estômago contrair-se.
— Vamos deixar em paz o corpo de molusco decomposto — ordenou. — Tolot,
leve-nos para cima. Temos necessidade premente de ar puro.
***
Estavam com o rosto pálido quando voltaram a pisar o chão embaixo da nave
destroçada.
Icho Tolot era o único que parecia não sentir nada. Isso não era de admirar,
considerando que em virtude de um metabolismo que podia ser modificado praticamente
à vontade, o halutense era capaz de alimentar-se com qualquer substância imaginável.
Um ser como este não poderia saber o que significava sentir-se enojado.
— Quem dera que eu estivesse em Halut — disse Tolot. — Nesse caso...
— Ora veja! — disse Hokkado com a voz rouca. — Será que ele também já está
saturado? — Cuspiu algumas vezes e respirou aliviado.
— O senhor não deixou que eu concluísse — respondeu Tolot em tom
compenetrado. — O que eu quis dizer é que nesse caso faria uma pesquisa nos arquivos
de minha raça. Tenho a impressão de já ter recebido uma informação sobre moluscos
inteligentes que construíam naves deste tipo. Infelizmente nossos arquivos registram
muitas raças deste tipo, e na oportunidade não tinha nenhum interesse por esse tipo de
informação. Só por isso não gravei na memória as características de todas as naves
construídas pelas diversas raças de moluscos.
Foram voltando devagar para a colina atrás da qual os outros membros do comando
estavam à sua espera.
— Deve ser uma raça muito pacata — disse Finch Eyseman em tom pensativo.
— O que lhe deu essa idéia? — perguntou Rhodan.
— Sua nave encontra-se nas imediações da abóbada, senhor. Apesar disso não
encontramos sinal de que tivesse havido uma luta. Provavelmente desceram aqui na
esperança de encontrar inteligências tão pacatas como eles e foram atingidos pelo campo
de condensação. É a única explicação que consigo encontrar.
— Certamente é uma tese muito interessante, tenente. Acontece que o senhor
esqueceu um detalhe. Alguém que queira chegar ao planeta Horror e, mais que isso,
quem possa atingir a superfície deste mundo diabólico, certamente já enfrentou algumas
batalhas mortais. Uma raça que seja tão ingênua como o senhor acredita que foram estes
moluscos certamente não teria chegado a Horror, pois malograria ao chegar ao sistema de
Gêmeos.
— Ou num outro receptor — acrescentou Tolot.
Rhodan pôs-se a refletir. Finalmente a expressão de seus olhos mostrou que estava
compreendendo.
— Quer dizer que em sua opinião é perfeitamente possível que estes moluscos
tenham vindo de Andrômeda?
— Um dia saberemos, senhor.
— Muito obrigado, Tolot.
— Por que, senhor?
— Por seu otimismo. Bem que eu gostaria de ser tão otimista quanto o senhor.
— Então, o que foi? — perguntou Atlan, assim que chegaram perto dele. Os
homens que tinham ficado à espera levantaram-se e fitaram o Administrador-Geral com
uma expressão de curiosidade.
— É uma nave pertencente a uma raça de moluscos que realizou um pouso forçado
— respondeu Rhodan. — No momento não sabemos mais que isso. Acho que vamos
prosseguir em nossa caminhada. De qualquer maneira o rio acarretará uma demora
desagradável.
A fileira de homens carregados de explosivos saiu andando em silêncio.
Pararam quando atingiram a margem do rio agitado e espumante.
— E agora? — perguntou o Capitão Henderson.
— Vamos atravessar o rio a nado — respondeu o Tenente Nosinsky.
— Não custa tentar — observou Tolot. — Sempre poderei tirá-lo da água.
Rhodan fez um gesto de desaprovação.
— Não devemos desperdiçar nossas forças. Ninguém conseguiria atravessar este rio
a nado, salvo talvez o senhor, Tolot, Kasom e Rudo. Vamos amarrar nossas cordas de
nylon uma à outra. Tolot, o senhor poderia fazer o favor de atravessar o rio a nado para
estender a corda?
— Para mim não há nenhum problema, senhor.
— E se os explosivos ficarem molhados? — objetou Atlan.
Os homens entreolharam-se com uma expressão de perplexidade.
— Vamos acondicioná-los à prova de água — disse Rhodan. — Você tem razão,
arcônida. Na situação em que nos encontramos não podemos assumir nenhum risco.
Tirem os pacotes e reúnam os mesmos em pilhas. Os explosivos terão que ser puxados
separadamente pela corda.
Quando tudo estava preparado, Tolot saltou nas águas agitadas, segurando a ponta
da corda. As águas espumaram em tomo de seu corpo robusto. Os redemoinhos tentaram
arrastá-lo para baixo.
De repente o halutense desapareceu.
Antes que alguém tivesse tempo de dizer qualquer coisa, Taka Hokkado saltou atrás
dele.
— Que idiota! — esbravejou Rhodan.
— Ora essa, senhor! — exclamou Eyseman. — Não podemos permitir que o
halutense morra afogado.
Melbar Kasom soltou uma estrondosa gargalhada.
— O senhor se comporta como uma criança, Eyseman! Tolot não pode morrer
afogado. Só mesmo uma pessoa que não conhece as faculdades do halutense poderia ter a
idéia de ajudá-lo, como por exemplo um sujeito metido a atleta como Hokkado.
— É verdade — confirmou Rhodan. — Tolot fará a coisa certa. Atravessará o rio
caminhando pelo fundo. Para ele isto não é problema, pois pode viver várias horas sem
oxigênio.
— Acontece que Hokkado não será capaz de imitá-lo — completou Kasom. —
Tenho a impressão de que terei de tirá-lo de lá.
A dez metros do lugar em que se encontravam um esguicho de água subiu para o ar.
Depois veio o corpo largo de um homem. Era Hokkado. Fora arrastado três metros pela
corrente. Não era muito, mas o rio devia ter cerca de seiscentos metros de largura...
— Kasom, siga-o junto à margem — ordenou Rhodan. — Se necessário, tire-o de
lá.
O ertruso saiu andando, com um sorriso de deboche no rosto. Hokkado atravessava
a água a braçadas vigorosas. Deixou uma esteira como se fosse uma lancha, mas via-se
que estava avançando relativamente devagar.
Depois de dez metros a corda foi esticada. Tolot devia ter atingido a margem
oposta. Mas teriam de esperar mais um pouco, pois para organizar o serviço de travessia,
haveria necessidade de mais uma corda.
— Perdi-o de vista! — gritou Kasom.
Encontrava-se uns cem metros rio abaixo e agitava violentamente os braços. Dali a
pouco saltou para dentro da água.
— Quem vai tirá-lo se ele também afundar? — perguntou Atlan em tom
preocupado.
— Kasom? Não se preocupe com ele — disse Rhodan.
Mas os minutos foram passando. Não havia o menor sinal de Kasom ou de
Hokkado. Tolot subiu à margem, trazendo de volta a ponta da corda. Os outros tinham
construído com três carros algo parecido com uma plataforma de transporte. Tolot
examinou a obra e, sem dizer uma palavra, enfiou mais três carros embaixo do braço.
— Tolot! — gritou Rhodan atrás do halutense.
— Assim que chegar do outro lado, dê uma olhada para ver se descobre Hokkado e
Kasom.
— Farei isso, senhor! — Mal acabou de proferir estas palavras, Tolot voltou a
mergulhar.
— Que coisa fantástica! — exclamou Eyseman.
— Acho que qualquer um de nós não chegaria à metade do rio. Talvez o Coronel
Rudo.
Rhodan acenou com a cabeça. De repente viu que o Capitão Redhorse estava
tirando a roupa.
— O que houve com o senhor? — perguntou em tom áspero.
Redhorse entesou-se.
— Ele me ofendeu, senhor. — o cheiene fitou Eyseman com uma expressão furiosa.
— Vou atravessar o rio a nado para provar do que um índio cheiene é capaz.
— Retiro as palavras irrefletidas que acabo de proferir, capitão. Sei perfeitamente
que o senhor conseguiria, mas peço-lhe encarecidamente que não se esqueça de que
estamos em situação difícil. Ainda poderemos precisar do senhor, caso Kasom ou
Hokkado tenham algum problema.
Redhorse fitou-o mais alguns segundos com uma expressão sombria, mas seu rosto
logo voltou a ficar alegre. Apertou a mão de Eyseman.
— Muito obrigado, tenente. Senhor — passou a dirigir-se a Rhodan. — Queira
avisar-me assim que precisar de mim.
— Está bem, capitão.
Rhodan mordeu o lábio. De repente começou a imaginar por que homens que
costumavam ser sensatos e disciplinados de repente começavam a agir como adolescentes
teimosos e malcriados. Ao que parecia, precisavam de uma espécie de auto-afirmação
diante da parede da cúpula que enchia todo o céu e parecia insuperável.
— Oooi! — Um grito apavorante atravessou o rio.
— Só pode ser Tolot — ou Kasom. Ninguém mais seria capaz de fazer sua voz
chegar de um lado do rio ao outro.
Quem disse isto foi Atlan.
O Coronel Cart Rudo pôs as mãos em funil à frente da boca. As veias das têmporas
incharam tanto que até se poderia ter a impressão que iriam estourar.
— Ooi! Tolot! Como estão as coisas?
Os homens taparam os ouvidos. Seus rostos estavam crispados de dor. Rhodan foi o
único que esboçou um sorriso. Viu confirmada sua teoria.
— Os dois estão aqui! — respondeu a mesma voz. — Hokkado chegou quatro
segundos antes de Kasom.
— Caramba! — exclamou Ray Burdick. — Nunca pensei que ele fosse capaz disso.
Por enquanto o assunto foi encerrado.
A manobra de travessia foi realizada sem maiores incidentes. Dentro de trinta
minutos homens e materiais estavam na margem oposta.
Melbar Kasom não dava sinais de cansaço, mas o rosto de Taka Hokkado se
contraía de dor a cada movimento que fazia. Rhodan preferiu não pregar um sermão.
Limitou-se a recomendar pressa.
Transpuseram uma colina de trezentos metros de altura. Depois disso os minúsculos
seres estavam a apenas dois quilômetros da cúpula.
Nessa altura ninguém era capaz de suportar aquele quadro. Caminhavam
cabisbaixos, mudos e obstinados, em direção à corporação da loucura, da qual parecia
partir um vento frio que queria agarrar seus corações.
***
Os últimos cem metros foram um verdadeiro martírio.
Sabiam que para um ser normal esses cem metros eram apenas cem milímetros, e
que se até então não foram descobertos, era praticamente impossível que isso acontecesse
dali em diante. Mas apesar disso sentiram-se dominados pelo pânico.
De vez em quando dois ou três homens deixavam-se cair no chão e apontavam as
carabinas automáticas.
Rhodan tremia diante da idéia de que alguém poderia ser louco a ponto de puxar o
gatilho. As carabinas estavam carregadas com minifoguetes. Cada magazin em tambor
continha sessenta tiros. Normalmente cada projétil tinha sete centímetros de comprimento
e era capaz de pulverizar um abrigo de concreto. Só depois de algum tempo Rhodan
lembrou-se de que em virtude da redução de tamanho o sistema de rastreamento da
cúpula provavelmente nem registraria um ataque com projéteis de carabina providos de
cargas químicas, ou então nem o interpretaria como um verdadeiro ataque.
Apesar disso respirou aliviado quando atingiram a cúpula.
Constatou que visto dali o paredão nem parecia tão deprimente. Bastava que a gente
tentasse esquecer que ela subia a uma altura tão grande. Já não se notava isso. A parede,
que de longe parecia bem polida, quando vista bem de perto parecia antes uma paisagem
coberta de crateras do que uma parede de metal. Não se via uma superfície lisa.
Atlan soltou um gemido.
— Eu nunca seria capaz de sonhar com uma coisa dessas, bárbaro, nunca! Se me
lembro que estamos mais ou menos na mesma situação de um micróbio que sobe pelos
poros de ferrugem de um balde que para nós é bem polido...
— Procure não pensar nisso, amigo! — cochichou Rhodan. — Estou me esforçando
há bastante tempo para não pensar nessas coisas.
Deu ordem para que fosse feita uma pausa de vinte minutos. Queria que os homens
tivessem tempo para distanciar-se um pouco das impressões deixadas pela marcha e
familiarizar-se com o problema que os desafiava. Como entrar na cúpula?
— Então, senhor, o que pretende fazer em seguida? — perguntou Tolot, deixando-
se cair no chão, fazendo com que o solo, que já estava vibrando, estremecesse ainda mais.
Atlan respirou profundamente.
— Se fosse você, proibiria perguntas ingênuas como esta.
Rhodan suspirou.
— Nesta altura nem sou capaz de exaltar-me com ninharias desse tipo, arcônida. —
Olhou atentamente para Tolot. — Sugiro que recue cem metros para tomar impulso e
atravesse a parede. Se usar seu metabolismo para que seu corpo fique duro como aço
terconite, isso não será difícil.
— Acho que o senhor está debochando de mim. — Tolot deu uma risadinha. —
Cem metros de impulso. Como sabe, em relação à cúpula seriam apenas dez centímetros.
Além disso, por maior que seja o impulso, e mesmo que o material de que é feita a cúpula
seja menos duro que o aço terconite, minha corrida chegaria ao fim no interior da camada
corroída. Esta é a realidade, senhor.
— A mesma coisa disse a pulga ao picar o pé do elefante — observou Melbar
Kasom, que acabara de aproximar-se.
Rhodan protegeu os olhos com a mão e jogou a cabeça para trás, para ver o paredão
coberto de depressões de dois metros de profundidade. Os raios do sol B, que já estava no
poente, misturaram-se à luz ainda vigorosa dos outros sóis do planeta Horror, produzindo
um jogo colorido e inebriante de luzes e sombras. Em meio à paisagem de crateras que se
estendia na vertical. No momento Rhodan não tinha olhos para isso. Fechou-os, sacudiu a
cabeça e voltou a abri-los.
— Não sei — disse em tom hesitante. — Tenho-a impressão de que lá em cima
existe uma abertura da qual estão saindo vapores.
— É verdade, senhor — disse Kasom em tom alegre. — A abertura é a cabeça do
cachimbo do Tenente Burdick, e os vapores são a fumaça de seu tabaco malcheiroso. Este
sujeito de carne e osso escolheu justamente o alpinismo como seu hobby. Imagine! Um
astronauta...! De qualquer maneira, há pouco eu o vi escalar um poro de ferrugem após o
outro. Ainda existe gente que tem o sentido do romântico.
Rhodan levantou e empertigou o corpo.
— Kasom, o homem que está lá em cima deveria ser condecorado. Sabe por quê?
— N... não senhor.
— Mas eu sei — disse Tolot. — Porque sua atitude significa a atitude humana
diante da natureza aparentemente indomável. É justamente por isso que os halutenses
sentem tanta admiração pela raça humana.
Nesse momento ouviu-se um rugido surdo. Os homens sobressaltaram-se.
Melbar Kasom parecia embaraçado.
— Queiram desculpar. Meu estômago está roncando.
4

Wuriu Sengu estava parado à frente de Rhodan, com uma expressão de indiferença
no rosto. Sabia controlar-se muito bem.
— Sengu! — disse Rhodan em tom enfático. — Sua hora chegou. Depende
exclusivamente do senhor que encontremos ou não o calcanhar de Aquiles desta estação.
— Se é que o mesmo se encontra justamente nesta estação — acrescentou Atlan
com o rosto sério.
Os lábios de Rhodan estreitaram-se.
— Arcônida — disse em tom contrariado. — No momento não queremos previsões
pessimistas. Você já deve ter compreendido que não estamos em condições de atingir
uma das outras cúpulas. As mais próximas ficam a quarenta quilômetros. Para nós são
quarenta mil quilômetros.
Atlan colocou a mão sobre o ombro do amigo.
— Está bem, meu jovem. Não quero deixar ninguém desanimado.
— Mesmo que quisesse, não conseguiria! — disse Sengu. Uma expressão de
orgulho apareceu em seus olhos. — Se desistíssemos facilmente, nem estaríamos aqui.
Atlan deu um passo para trás. Parecia contemplar atentamente a parede de aço
acidentada.
Rhodan foi o único que viu o sorriso sábio que brincou em torno dos lábios do
arcônida. Sabia que Atlan acabara de aplicar mais um de seus truques psicológicos para
que a determinação dos membros do comando se tornasse ainda mais inquebrantável.
— Quer que eu vá na frente? — perguntou Sengu. — Ou preferem acompanhar-
me?
— Daqui o senhor não vê muita coisa, não é mesmo? — perguntou Rhodan.
— Não vejo absolutamente nada, senhor.
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça, sem demonstrar a decepção que estas
palavras tinham provocado nele. Em condições normais o mutante-espia era capaz de
enxergar através da matéria sólida, mesmo a grande distância. Acontece que o campo de
condensação inibia as faculdades parafísicas dos mutantes. Em alguns casos essa inibição
chegava a cem por cento. Seria esperar muito que Sengu não fosse afetado pelo mesmo.
— Tenente Burdick!
Ray Burdick aproximou-se. Calçara luvas resistentes e já enrolara a corda de
alpinista em torno do corpo e dos ombros, para proteger estes segundo as regras de sua
arte. O laço duplo de auto-proteção balançava nas curvas dos joelhos.
Rhodan não pôde deixar de sorrir.
— É verdade que pratica o alpinismo como hobby?
— Sim senhor.
— Gostaria que me dissesse uma coisa. Onde encontra oportunidade para praticar
seu hobby, se permanece meses e até anos a fio a bordo da Crest?
Burdick ficou vermelho. Lançou um olhar embaraçado para o Coronel Cart Rudo.
— Senhor, nas paredes do hangar de naves auxiliares existem numerosas saliências
e reentrâncias. São plataformas de reparos e de vigilância, rampas de testes, travessas,
etc. Quando estava de folga...
— Tenente...! — exclamou Rudo em tom indignado: — Quer dizer que resolveu,
sem minha permissão...
— Faça o favor de por enquanto deixar de lado os regulamentos de bordo! —
Rhodan fitou o comandante da Crest com uma expressão de súplica. — No momento só
estou interessado em saber se o condicionamento do Tenente Burdick basta para
superarmos a etapa de escalada. Tenente Burdick, o senhor fica incumbido de comandar
o grupo durante a escalada. Providencie para que todos atem as cordas corretamente e se
protejam durante a escalada. Entendido?
Ray Burdick ficou em posição de sentido.
— Sim senhor! Permite que transmita imediatamente minhas instruções?
— Faça o favor.
Rhodan virou a cabeça e fitou Cart Rudo com uma expressão de satisfação,
enquanto o Tenente Burdick começava sem o menor constrangimento a comandar os
homens do grupo e dar-lhes instruções sobre o comportamento que deveriam adotar
durante a escalada.
— O senhor tinha um mestre em sua arte a bordo e nem desconfiava — disse com
uma risada.
— Ainda lhe darei um puxão nas orelhas de carneiro. Não tenha a menor dúvida,
senhor! — disse Rudo em tom zangado.
Estava rindo com os olhos e Rhodan sabia perfeitamente que Ray Burdick desta vez
escapara.
Ray Burdick realmente se esforçou ao máximo e, conforme logo se viu, realmente
entendia de alpinismo. Quando começou a subir pela parede, nome que deu ao paredão da
cúpula, seus movimentos eram tão ágeis e seguros como os de qualquer outra pessoa que
se locomove numa superfície horizontal. Icho Tolot era o único que talvez poderia
excedê-lo. Mas Tolot não era terrano, e nunca seria capaz de conduzir os homens tão bem
quanto Burdick, pois era simplesmente incapaz de prever as dificuldades que os mesmos
iriam enfrentar.
“Até parecemos moscas subindo numa parede”, pensou Rhodan dali a dez minutos,
ao olhar para baixo.
Felizmente Tolot, Kasom e Rudo não precisavam do auxílio de Burdick, e a mesma
coisa acontecia com Don Redhorse, que se recusava terminantemente a amarrar-se numa
corda. Taka Hokkado percorreu rapidamente os primeiros quinze metros, mas quando
não pôde tomar mais nenhum impulso, falhou por completo. Em compensação o Tenente
Eyseman, que de início sempre se mantivera bem perto de Burdick, logo pôde
desempenhar as funções de assistente do mesmo. O que mais atrapalhava eram
naturalmente os pacotes de explosivos, tanto os que os homens traziam sobre o próprio
corpo como aqueles presos às plataformas dos carros. As rodas dos mesmos tinham sido
desmontadas. Apesar disso as armações muitas vezes ficavam presas a saliências
pontudas, fendas e reentrâncias e tinham de ser cuidadosamente afastadas dessas
irregularidades, para evitar que alguma das cargas se derramasse.
Finalmente Sengu soltou um grito de alívio. Rhodan já esperava por isso há muito
tempo e imediatamente deu sinal para que os homens se reunissem.
Os membros do comando foram chegando um após o outro e penduraram-se nas
saliências e reentrâncias existentes no interior dos poros de ferrugem. Wuriu Sengu
estava de pé no interior de um poro mais profundo, com o rosto comprimido contra a
parede.
Um silêncio profundo passou a reinar em torno dele. Ray Burdick acendeu o
cachimbo e aspirou gostosamente a fumaça, deixando as pernas balançarem sobre a borda
do abismo que tinha centenas de metros de profundidade, mas que na realidade deveria
ser medido em centímetros.
Finalmente, quando para Rhodan os minutos já se tornavam martirizantes, Sengu
virou a cabeça. A pele de seu rosto se tornara cinzenta.
— Então...? — perguntou Atlan, aflito.
Sengu mostrou um sorriso resignado, que revelava um cansaço infinito.
— Consegui olhar para dentro, mas... — aspirou profundamente o ar... — não sei o
que vi. Aos meus olhos as máquinas que se encontram nesta cúpula são grandes demais.
Só enxergo uma pequena fração de um conjunto que talvez só tenha dez metros de altura.
Não devemos esquecer que para mim — ou melhor, para nós — dez metros se
transformaram em dez quilômetros. Vi uma coisa que deve ser o visor de um distribuidor
de energia sem fio. O mesmo preencheu totalmente meu campo de visão, embora
normalmente talvez tenha dez centímetros de diâmetro. À direita do mesmo vi o começo
de uma parede energética brilhante. Provavelmente trata-se de um condutor de campo ao
ar livre. — Deixou cair o ombro.
Todos viraram-se abruptamente quando de repente ouviram fortes pancadas.
Conrado Nosinsky, que estava parado num poro de ferrugem, com os punhos
ensangüentados erguidos, procurava resistir em vão aos braços de Ray Burdick que o
enlaçavam. Burdick voltou a golpear com a mão aberta. O rosto de Nosinsky ficou muito
vermelho, mas dali a pouco um véu parecia cair de cima dos olhos do tenente.
Este baixou os punhos.
— Muito obrigado, Burdick.
— O que houve? — perguntou Rhodan, embora imaginasse o que era.
— Ele começou de repente a bater na parede com os punhos — respondeu Burdick.
Estendeu as mãos e sorriu. — Isto aqui ainda é a terapia de choque mais eficiente, senhor.
— Queira desculpar, senhor — disse Nosinsky em tom embaraçado.
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Depois voltou a dirigir-se ao grupo.
— Como vêem, muitas surpresas nos estão reservadas. A fantasia humana
praticamente só vive das experiências colhidas pela Humanidade e por isso não é capaz
de imaginar qualquer coisa que fique fora do campo destas experiências. Por isso a
situação em que nos encontramos constantemente nos reserva novas surpresas, muito
embora o problema básico seja conhecido de todos. Alguém tem uma sugestão de como
levar a operação a um final feliz, apesar da pequenez a que estamos reduzidos?
— Posso falar, senhor? — perguntou a voz retumbante de Tolot, superando o ruído
das máquinas instaladas na cúpula, que vinha do alto.
— Ora veja! — observou Atlan em tom sarcástico. — O homem que traz consigo
um computador orgânico vai oferecer a solução numa bandeja.
Tolot não respondeu à observação.
— Quando nos aproximávamos da cúpula, vi algumas aberturas que só podem ter
por finalidade a ventilação. Circundam a cúpula a intervalos relativamente reduzidos.
Estes anéis continuam para cima. Acho que deveríamos entrar em uma dessas aberturas
de ventilação e tentar descobrir lá dentro alguma máquina importante embaixo da qual
possamos colocar nossas cargas.
— Quer dizer que em sua opinião devemos confiar num acaso feliz — observou
Atlan.
— Em minha opinião — disse Rhodan em tom compenetrado, na situação em que
nos encontramos não existe outro plano praticável além do de Tolot. Se o cérebro
programador de Tolot não conseguiu chegar a uma solução melhor, então nós também
não poderemos. A que altura se encontra o primeiro círculo de aberturas de ventilação,
Tolot?
— Pelos meus cálculos — respondeu o halutense com a voz mais baixa que de
costume — a três metros de altura, para seres que conservem o tamanho normal...
Atlan suspirou profundamente.
— O senhor tem todo motivo para suspirar — disse Rhodan em tom sarcástico e
com uma ponta de amargura. — São três mil metros de uma parede íngreme, quando por
enquanto não subimos mais de quatrocentos metros...!
***
Quando chegaram a dois quilômetros de altura, fizeram a quinta pausa.
Os homens quiseram entrar no canto mais profundo do poro de ferrugem em que se
encontravam e deitar para dormir, mas Rhodan deu ordem para que a pausa só fosse
aproveitada para um pequeno lanche. Receava que uma parada mais prolongada e uma
descontração total pudessem pôr em risco o resto da subida.
Lançou um olhar para Ray Burdick, e este limitou-se a acenar com a cabeça. Era um
alpinista experimentado, e por isso compartilhava as preocupações de Rhodan.
Dessa forma o grupo voltou a pôr-se em movimento depois de dez minutos de
descanso. Quase ninguém se arriscava a olhar para o abismo formidável que se abria
diante deles. Fazia uma diferença enorme flutuar no espaço, num teste de exercício, ou
estar pendurado num paredão íngreme, a dois mil metros acima do solo e sob os efeitos
da gravidade.
As conversas já tinham cessado há muito tempo. Os homens subiam metro após
metro, com uma raiva obstinada. Estavam próximos ao esgotamento total, ainda mais que
sabiam que na verdade cada metro era somente um milímetro. Até mesmo a respiração de
Kason e Rudo era mais rápida e ruidosa que de costume.
Icho Tolot era o único que nem parecia importar-se com a escalada. O halutense
estava arrastando quatro carros e se incumbira de carregar parte da bagagem de Hokkado.
Bem que Rhodan também gostaria de aliviar a carga de um dos companheiros. Mas até
ele tinha de fazer constantemente um grande esforço para não sucumbir a um acesso de
fraqueza e soltar a corda. O sangue aquecido martelava dolorosamente em sua cabeça.
Além disso o rugido e as vibrações tornavam-se cada vez mais fortes.
— Faltam cinqüenta metros! — informou Tolot quando mais uma eternidade se
tinha passado.
— Vamos fazer a última pausa! — disse Rhodan.
Sabia que não era conveniente fazer um descanso quando se encontravam tão perto
do destino, mas simplesmente não agüentava mais. Névoas vermelhas agitavam-se à
frente de seus olhos.
Dali a dez minutos, quando pretendiam partir de novo, Rhodan percebeu que a
fraqueza física lhes salvara a vida.
De repente o rugido cresceu, transformando-se num estrondo e num chiado infernal.
O barulho foi tamanho que até se poderia pensar que uma espaçonave que se encontrava
nas imediações estivesse acionando seus propulsores a plena potência.
O ar ficou aquecido. Os dedos de Rhodan agarraram-se a uma fenda produzida pela
corrosão. Respirava com dificuldade. Uma chuva de fragmentos aquecidos passou por ele
e precipitou-se para baixo. Eram minúsculas partículas de ferrugem que o furacão
desprendera da parede.
O canto da fenda em que estava agarrado quebrou quando um objeto pesado caiu
sobre seus braços. A corda de segurança cedeu. Rhodan percebeu que estava
escorregando inexoravelmente para baixo. Cuspiu, tossiu e fungou quando um líquido
quente lhe entrou pela boca. O cheiro de suor, poeira, ferrugem e sangue enchia o ar.
De repente sentiu um forte solavanco.
Ouviu vozes que pareciam vir de longe. O rugido do furacão cessou. Mas parecia
estar escuro.
— Aqui! Segure-se! — disse a voz de Eyseman.
Voltou a ficar claro. Rhodan foi subindo centímetro após centímetros, aos
solavancos, até que se viu agachado novamente no interior de seu poro de ferrugem. Só
então percebeu que ficara suspenso sem o menor apoio sobre o abismo. Passou a mão
pelo rosto e contemplou com uma expressão de espanto a luva que se tingira de
vermelho.
Ao lado dele um passo produziu um rangido.
— Quebrou o nariz, amigo? — perguntou a voz preocupada de Atlan.
Só nesse momento Rhodan voltou a enxergar perfeitamente. Reconheceu o Tenente
Finch Eyseman, Atlan e um corpo sem vida que estava sendo puxado para cima em duas
cordas.
— Quem é? — perguntou.
— Redhorse — respondeu Atlan. — Foi atingido por pedaços de ferrugem. Caiu
sobre você de quatro metros de altura. Se não fosse assim, a esta hora estaria deitado três
quilômetros mais embaixo.
Rhodan estremeceu.
— Está muito ferido?
— Está sendo examinado por Haduy Lam — respondeu Atlan. — Se não fosse
Eyseman, você e ele estariam deitados lá embaixo. Estava a dois ou três metros quando
Redhorse caiu sobre você e a corda que o segurava se desprendeu. Teve tanta presença de
espírito que se deixou balançar em sua corda e segurou você e Eyseman na corda que
prendia você, até que conseguimos chegar mais perto.
Rhodan levantou-se cambaleante.
— Tenho de agradecer-lhe. Onde está?
Lançou um olhar perplexo para o lugar em que ainda há pouco estivera sentado o
jovem tenente. Atlan deu uma risada áspera.
— Ele desconfiava de que você iria agradecer e deu o fora.
Rhodan limpou o sangue que ainda estava grudado em seus lábios. Notou que os
mesmos estavam rachados. O nariz parecia inchado e estava dormente.
— Só agora você ostenta a verdadeira pintura do guerreiro! — observou Atlan em
tom irônico.
Rhodan não deu nenhuma resposta. Sabia perfeitamente que o arcônida estava
próximo ao esgotamento psíquico e por isso procurava refugiar-se no cinismo.
Sacudiu a fraqueza.
— Venha, lorde-almirante! Vamos ver como vai Redhorse. Depois verificaremos
qual foi a causa do furacão.
Felizmente os ferimentos de Redhorse não eram perigosos. Os ombros e braços do
capitão estavam cheios de estilhaços de ferrugem, mas o enfermeiro do grupo, Haduy
Lam já tinha removido os maiores. Era bem verdade que a perda de sangue enfraquecera
bastante o cheiene. Ele não seria capaz de locomover-se com suas próprias forças.
Quando Lam concluiu o tratamento precário de Redhorse, Icho Tolot apareceu. Só
então Rhodan notou a ausência prolongada do mesmo.
— Alguma novidade? — perguntou.
— Nada de bom, senhor. A abertura não tem por finalidade a insuflação de ar, como
acreditava, mas a exaustão. Ao que parece, o sistema de exaustão não funciona
ininterruptamente. O ar aquecido é expelido pelo canal a intervalos regulares. Quando a
coisa começou, encontrava-me cerca de cinco metros abaixo do mesmo. Se fosse um ser
humano...
Não concluiu a frase, mas os que o ouviram sabiam perfeitamente o que queria
dizer.
— Realmente é uma notícia desagradável — disse Rhodan depois de uma ligeira
pausa.
— Sugiro que aguardemos a próxima fase de funcionamento do sistema de
exaustão. Só assim poderemos saber quanto tempo dura cada pausa.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Talvez tivéssemos de esperar um dia inteiro. Durante a subida só notamos uma
única vez os fenômenos que acompanham a exaustão. Dali se conclui que os intervalos
são grandes. Vamos partir imediatamente!
***
Os últimos cinqüenta metros de percurso antes pareciam uma fuga. Os homens
fugiam do pavor que lhes inspirava o abismo de três quilômetros de profundidade e da
impressão deprimente de estarem rastejando como micróbios pelos poros de ferrugem da
estação que queriam destruir.
Mas ninguém pode ignorar os fatos. A abertura do canal de exaustão poderia causar
por um breve espaço de tempo a ilusão de que se deslocavam como homens normais num
túnel muito grande. Os intervalos de cerca de dez metros que existiam entre as colunas de
aço de três metros de espessura pareciam ser uma grade, e a semelhança tomava-se cada
vez mais acentuada à medida que os homens se afastavam das mesmas.
Com isso voltou a sensação de vazio interior e a tensão psíquica.
Um canal de ventilação de vinte e cinco centímetros de diâmetro, situado a três
metros de altura e coberto por tela de arame de três milímetros de espessura, que o
protegia contra as plantas e os insetos maiores passara a ser, para os homens que tiveram
seu tamanho reduzido de forma tão cruel, um gigantesco túnel de duzentos e cinqüenta
metros de diâmetro, revestido com uma estrutura em favos feita de colunas de aço de três
metros de espessura e situado três mil metros acima do solo que oferecia uma segurança
relativa...
E a tudo isso se juntava o ruído causado pelos átomos liberados...
Este último inconveniente já era esperado. Os tapa-ouvidos tirados das salas de
máquinas da Crest absorveram boa parte do rugido infernal. Mas o que restava era
suficiente para forçar ao máximo os nervos dos homens, cuja tensão quase atingia o
limite de resistência.
Mas pelo menos não tinham que subir verticalmente, de um poro de ferrugem para
outro. Deslocavam-se num terreno relativamente plano. Os gases das gigantescas
unidades geradoras, expelidos a intervalos regulares, tinham impedido completamente a
corrosão. Só havia algumas ranhuras retilíneas, retas e bem polidas, que corriam ao longo
da parede, que mostrava um abaulamento quase imperceptível.
Os quinze homens que formava no comando entraram correndo no túnel, impelidos
pela coragem do desespero e numa revolta surda contra a impotência física.
Levaram apenas quinze minutos para chegar pouco acima do primeiro pavimento da
cúpula. Atordoados, olharam para uma sala de geradores, que parecia estender-se ao
infinito.
O recinto tinha dez quilômetros de diâmetro, e para aqueles homens estes dez
quilômetros transformaram-se em dez mil quilômetros, o equivalente de um quarto da
circunferência da Terra na altura do Equador...
Era um mundo estranho e apavorante, formado por aço, barulho infernal e
luminosos condutos aéreos, além de constantes descargas de raios, que causavam uma
alternância ininterrupta de penumbras e de lampejos explosivos acompanhados de fortes
estrondos.
Se no primeiro instante Rhodan acreditara que poderia realizar uma operação de
busca em grande estilo para descobrir o ponto mais sensível da estação, ele teve de
abandonar seu plano no mesmo instante.
O mundo cheio de pavor indescritível em que se encontravam era cheio de
surpresas. Nuvens de poeira de vários metros de altura dançavam num ritmo louco, ao
som das vibrações, formando um véu opaco que cobria o chão do recinto. Os lampejos
ofuscavam os homens e faziam lacrimejar seus olhos. Os membros do comando tiveram
de fazer um grande esforço para permanecer de pé.
Mas o pior era o barulho. Além de praticamente tornar impossível a comunicação
por meio de sinais acústicos e provocar uma surdez total numa questão de segundos, as
vibrações sonoras pareciam agulhas incandescentes que perfuravam os corpos frágeis,
principalmente a parte mais sensível dos mesmos: os cérebros.
Até parecia uma série de bombas atômicas explodindo em rápida seqüência.
Rhodan permaneceu num estado de rigidez que durou alguns segundos. Nestes
segundos experimentou sofrimentos psíquicos mais cruéis que os que normalmente lhe
estavam reservados no curso de vários decênios. Compreendeu que eram homenzinhos
minúsculos, insignificantes demais para produzir qualquer dano a este mundo abrigado
embaixo da cúpula com as forças violentas liberadas em seu interior.
Mas apesar de tudo a chama quente da esperança continuava acesa atrás das
ponderações que lhe apresentava a razão. Esperava que ainda seria capaz de fazer alguma
coisa contra o destino que se afigurava imutável.
Fez alguns sinais com a mão, para comunicar seu plano desesperado aos outros.
Saltou os dois metros que o separavam das poeiras agitadas.
Feito isso, saiu correndo imediatamente. O coração batia em seu peito com a força
de um martelete mecânico. Respirava com dificuldade em meio às densas nuvens de pó,
foi empurrado para a frente pelas ondas do tremor, atirado para cima e arremessado para
trás, esbarrou em outros membros de seu grupo, agarrou-se à barra de tração trêmula de
um carrinho e num minuto perdeu quase por completo o senso de orientação.
Lágrimas de raiva corriam por seu rosto. Viu lágrimas iguais no rosto de Atlan, que
apareceu por alguns segundos como um fantasma em meio ao cinza trêmulo e logo voltou
a desaparecer.
De repente bateu numa rocha em meio às ondas de barulho, poeira e luzes.
Uma mão de ferro agarrou seu braço. Sentiu-se empurrado para junto de outras
pessoas. Quando conseguiu lançar um olhar em meio às lágrimas, viu que Tolot estava
reunindo o grupo.
O halutense dirigia todo o comando juntamente com os suprimentos de
combustível, com exceção de Don Redhorse, que fora deixado junto à saída. Levava os
homens para junto de um inferno barulhento de campos condutores com suas ondas de
energia deslocando-se ora num sentido, ora noutro.
Na opinião de Rhodan devia tratar-se de um gigantesco centro de distribuição de
energia, que conduzia ao ar livre, e ligava os geradores de parte da cúpula com os mais
variados centros de consumo, ou desligava o suprimento, conforme a necessidade.
Sentiram-se um pouco menos ofuscados quando chegaram embaixo de um telhado
baixo que cobria um enorme pavilhão de cerca de dez metros de altura, situado no
interior do pavilhão maior. “Mas é provável”, pensou, “que só se trata da chapa de fundo
do conjunto, e a distância que separa a mesma do piso da cúpula corresponde a
dispositivos amortecedores de alguns centímetros de espessura.”
A visibilidade ficou maior e Rhodan viu Kasom e Rudo ao lado de Tolot. Os dois
ajudavam o halutense a manter unido o grupo. Mas também viu suas bocas abertas e os
rostos vermelho-azulados e concluiu que isso lhes custava um esforço quase sobre-
humano. Procurou localizar Acter Burrol no meio a confusão. Era o homem que tinha
preparado os pacotes de explosivos e que os acoplaria uns aos outros. Depois de algum
tempo Atlan descobriu o naesdniquense. Foi quando Atlan tropeçou num obstáculo e
descobriu que se tratava do corpo de Burrol. Sentiram-se aliviados ao perceber que o
receio de que o técnico de explosivos pudesse estar inconsciente era infundado. Acter
Burrol simplesmente preferira andar de quatro. Os outros logo o imitaram. Rhodan
chegou à conclusão que dessa forma realmente se tornava mais fácil suportar as
vibrações.
Finalmente Burrol concluiu seu trabalho, exceto a regulagem final do detonador.
Perguntou a Rhodan por meio de gestos qual deveria ser a regulagem.
Rhodan levantou a mão direita e abriu os dedos. Viu Burrol regular o detonador de
tempo para cinco horas e fitá-lo com uma expressão indagadora. Rhodan acenou
fortemente com a cabeça.
Dali a instantes Burrol desapareceu. Rhodan só compreendeu o que tinha
acontecido com o mesmo quando ele mesmo se sentiu arrastado. Alguém — devia ser
Tolot e os outros dois gigantes — tinha ligado todos os membros do grupo por meio de
cordas de nylon. No seu íntimo Rhodan disse que a pessoa que tinha feito isso era seu
anjo da guarda, pois não tinha a menor dúvida de que de outra forma a fuga conjunta
seria praticamente impossível.
Dali em diante qualquer atraso poderia representar a morte...
Às vezes os homens corriam, às vezes arrastavam-se uns aos outros. Lutavam para
atingir a saída, fungando sem que ninguém os ouvisse, em meio ao inferno que
estrondava, bramia, trovejava, relampejava e trepidava, formando um mundo que nas
dimensões e nas direções não era o seu mundo. Sentiam-se martirizados por tremendas
dores físicas e psíquicas.
Em algum lugar, embaixo do suporte de um conjunto, tiquetaqueava o relógio de
um detonador de tempo. O momento da explosão aproximava-se inexoravelmente.
O que viria depois...?
5

Os homens foram saindo um após o outro do oceano de nuvens de pó. Eram


arrastados para cima e juntavam-se aos que já estavam à espera.
Rostos indelevelmente marcados pela dor e pelo medo passavam por Rhodan feito
uma procissão de fantasmas. As bocas abertas eram um sinal dos gritos emitidos pelas
criaturas martirizadas e torturadas até o limite da resistência.
Rhodan virou o rosto para outro lado e inclinou-se sobre Haduy Lam que, ajudado
por Ray Burdick, estava transformando Don Redhorse, que continuava inconsciente, num
pacote que pudesse ser transportado.
Numa atitude indagadora aproximou seu rosto da face de Lam, coberta de crostas de
poeira. Um par de olhos injetados de sangue fitou-o. Finalmente Haduy Lam acenou
debilmente com a cabeça.
Redhorse ainda estava vivo!
Tolot foi o último a emergir do oceano de pó que se estendia junto ao piso.
Gesticulava furiosamente, para que os homens se apressassem.
Enquanto corria, carregando uma das pontas da maca provisória feita com dois
carrinhos, Rhodan lançou um olhar ligeiro para o relógio.
Já tinha passado mais de meia hora.
Só faltavam quatro horas e meia...
Aos poucos, enquanto as pernas executavam mecanicamente seu trabalho, o barulho
ensurdecedor foi diminuindo. De repente tiveram de interromper a corrida vertiginosa.
Acabavam de atingir a grade que ficava no fim do túnel.
Ray Burdick, o alpinista amador que até então se mostrara inabalável, foi o primeiro
a dirigir-se ao abismo de três mil metros de profundidade. Fez um sinal com a mão — e
caiu ao chão, contorcendo-se num acesso de choro.
Foi o Tenente Finch Eyseman, um idealista de cabelos castanhos, que antes parecia
um menino grande e sonhador, e que era considerado humanitário demais para saber
impor-se, que segurou Burdick, puxou-o para junto de si e o amarrou à sua corda.
Ninguém pôs em dúvida a autoridade de Eyseman quando o mesmo começou a
dividir o comando em grupos de descida. Sem perder uma palavra, Eyseman incumbiu-se
da tarefa de Burdick.
Icho Tolot, Melbar Kasom e Cart Rudo desceram sozinhos. Como eram as pessoas
que possuíam maiores reservas de energia, espalharam-se entre os diversos grupos, para
interferir se alguém não agüentasse mais.
O pior do barulho já tinha ficado para trás e os fugitivos foram recuperando a
audição. Apesar disso quase não falavam. Já não possuíam fôlego para dizer uma palavra
inútil que fosse.
Rhodan fez Don Redhorse descer numa corda, ajudado por Haduy Lam, Acter
Burrol e Atlan. O rosto do cheiene inspirava compaixão. Costumava ser de um vigoroso
bronzeado, mas naquele momento parecia pálido e transparente como uma peça de
porcelana chinesa. O sangue coagulado cobria o conjunto-uniforme, a jaqueta
esfarrapada, estava grudada nos cabelos negro-azulados e espalhava-se pela mão. Se não
fosse o peito de Redhorse que se erguia e baixava suavemente, Rhodan teria a impressão
de que estava transportando um cadáver.
Durante a descida Rhodan olhou uma única vez para o relógio. Viu que ainda
dispunham de duas horas e quinze minutos. O resto da descida antes parecia um pesadelo
febril.
Quando tocou o solo firme, Rhodan caiu.
Tolot soltou um berro e fez com que todos se pusessem de pé.
— Falta uma hora e meia! — gritou o halutense. Rhodan parecia enxergar através
de um véu vermelho. Viu que Tolot acabara de colocar Redhorse e Burdick sob os braços
preênseis. — Corram o mais que suas pernas agüentarem.
— É somente um quilo de explosivo! — gritou Atlan ofegante, enquanto tentava
acompanhar Rhodan. — Nem sequer chegaremos a ouvir a explosão.
— Mas a mesma colocará em alarme todas as defesas da estação! — resmungou
Melbar Kasom.
Rhodan não fez nenhum comentário. Acabara de lembrar-se do rio caudaloso que se
interpunha entre eles e o avião que estava à sua espera...
***
Um zumbido uniforme que parecia vir de todos os lados, as pisadas de inúmeros
pés, o rangido leve da areia, as pulsações martelando nas têmporas.
Quinze homens imundos, marcados pelo pavor e pelas canseiras, dois deles
inconscientes, enfiados embaixo dos braços de um monstro, estavam fugindo.
O rio largo e agitado parecia um obstáculo insuperável a interpor-se em seu
caminho.
Mais uma vez o halutense correu para a margem oposta pelo fundo do rio e instalou
um precário serviço de travessia. Desta vez os homens foram obrigados a nadar, pois os
carros que por ocasião da primeira travessia haviam sido transformados em mastros
provisórios com rolos de corda tinham ficado na estação.
Cada um dos homens arrastou-se penosamente para o outro lado, usando a corda
que Tolot segurava de um lado do rio, e Melbar Kasom. Cart Rudo e Taka Hokkado na
margem oposta. Todos esperavam que essa corda fosse sua salvação.
A fuga desabalada prosseguiu por entre as rochas espalhadas junto à margem do rio.
Passaram pela proa da nave dos moluscos, que se erguia como um sinal de advertência, e
ultrapassaram a colina de duzentos metros de altura.
De repente, quando o último homem cambaleou por cima do topo da colina e
iniciava a descida em direção ao vale, o horizonte do lado do sul parecia arder num
ofuscante fogo branco-azulado.
Relâmpagos foram subindo ao céu preto-azulado do planeta Horror.
Rhodan, que se atirara ao chão tal qual os outros homens, viu por entre os olhos
entreabertos que parte da sombria parede de aço entrou numa incandescência vermelha.
No início era apenas uma pequena mancha, mas esta foi-se espalhando. Cascatas de fogo
desciam para a planície. A gigantesca mancha incandescente abaulou-se e desmanchou-se
num sem número de fragmentos incandescentes.
No mesmo instante teve-se a impressão de que um gigante acabara de expelir seu
hálito escaldante. De início a areia formulou ondulações sobre o topo da colina, subiu em
espirais e a violenta onda de pressão atravessou o ar feito uma parede, comprimiu os
homens contra o chão e expeliu o ar de seus pulmões. O bramido causado pela fúria dos
elementos foi-se precipitando sobre os homens em ondas sucessivas. Fragmentos
incandescentes passavam sobre o vale como projéteis e peças de metal entortado e
amolecido chiavam ao penetrar no solo.
Quando tudo passou, um buraco que aos olhos dos minúsculos humanos tinha
muitas centenas de quilômetros de extensão abria-se na cortina de aço que cobria o
horizonte ao sul.
Os homens entreolharam-se, remexeram o capim ralo, olharam para o céu e fitaram
a parede infinitamente grande da cúpula rasgada. Finalmente apalparam seus corpos.
Baixaram a cabeça.
As canseiras, as horas de pavor, as esperanças, tudo tinha sido em vão. Ainda
estavam submetidos aos efeitos do campo de redução gerado pelo condensador potencial.
Este campo não os derrotara, mas também não os liberava desde o momento em que,
depois da estação do pólo norte, tinham sido dominados pelo campo situado daquele lado
e obrigados a penetrar na área do campo gerado pela estação do pólo sul.
Rhodan levantou-se no mesmo instante que Icho Tolot. Os dois seres de aspecto tão
diferente entreolharam-se em silêncio.
Rhodan abriu a boca para soltar uma observação amarga.
Não chegou a proferi-la.
No momento da decepção mais cruel um uivo apavorante encheu a paisagem. Até
parecia que o senhor de todos os seres convocava todos para o juízo final.
Era a estação que estava dando o alarme!
***
O Tenente Orsy Orson olhou para o relógio de pulso.
— Não se apressem, minha gente — disse. — O Chefe não voltará tão depressa. Só
falta abastecer um dos aviões.
Alguns dos homens sorriram. Sabiam perfeitamente o que pensar do chefe. Não os
apressava. Mas ai deles se o trabalho não fosse concluído em tempo.
Os dois sargentos que acabavam de abastecer o penúltimo avião soltaram as roscas
da mangueira e colocaram a tampa do tanque. Arrastaram a mangueira para junto do
último aparelho, atarracharam-na e ligaram a bomba-motor. O cilindro de contagem do
medidor de combustível tiquetaqueava ao girar.
Enquanto isso sete homens estavam procedendo à revisão técnica dos cinco aviões
que seriam usados na viagem de volta, a fim de reparar eventuais avarias. Não omitiram
praticamente nada, desde o giroscópio até o gerador de vapor e o manômetro do
lubrificante. Nem mesmo os pára-quedas foram deixados de lado.
— O número dois está pronto, senhor — anunciou o chefe técnico do grupo de
manutenção.
Orson acenou com a cabeça, calçou cuidadosamente as luvas de couro amarelo e
entrou na carlinga do T-l. Num gesto que quase chegava a ser carinhoso passou a mão
pelo manche e pelo leme de altitude, lançou um olhar cuidadoso para o visor reflexivo e
com o cotovelo limpou uma impressão digital da tela de radar, que deu causa a um olhar
de desaprovação. Abriu com as pontas dos dedos a tampa de inspeção das ferramentas,
lançou um olhar para dentro da caixa e voltou a fechar a tampa com o joelho. Depois
limpou cuidadosamente as pontas das luvas com seu cachecol de seda.
Pôs-se a refletir por algum tempo. De repente seu rosto assumiu uma expressão
radiante. Enfiou-se no nicho que servia de toalete, arrancou um pedaço de papel e
levantou a tampa do vaso sanitário.
— Ah! — disse, satisfeito. — Era mais ou menos o que eu imaginava.
Demonstrando uma pressa que não combinava com sua pessoa, foi até a entrada da
carlinga e pôs a cabeça para fora.
— Sargento Kimash! — gritou em tom indignado. — Venha cá.
O indiano moreno atirou um pano sobre o nariz de radar do T-3 e saiu andando sem
demonstrar muita pressa.
— Não pode andar mais depressa? — resmungou Orson.
— Sinto muito, senhor — retrucou Kimash. — Neste caso não estaria andando, mas
correndo.
— Entre! — ordenou Orson.
Kimash obedeceu a contragosto. Orson levou-o à toalete, apontou para o assento
com calefação e fitou o sargento com uma expressão curiosa.
— Então...?
Kimash inclinou-se sobre o assento.
— Não vejo nada. senhor.
— Era o que eu imaginava — gritou Orson, furioso. — Qual foi o porco que andou
por aqui?
— Não faço a menor idéia, senhor.
— É claro que não faz. Olhe, por favor! — Orson estendeu o dedo indicador,
apontando para o assento. — Que é isso?
Muito obediente, Kimash aproximou-se mais um pouco.
— São manchas de gordura — constatou. — Algumas fibras de carne e... —
assobiou entre os dentes.
— Está espantado? — gritou Orson. — E veio me dizer que o dois estava pronto.
— Senhor! — respondeu Kimash, indignado. — Nossa competência limita-se à
revisão técnica.
— Mas se alguém andou botando seus dedos gordurosos nisso, esse alguém pelo
menos deveria deixar o lugar como o encontrou. Quem poderia sentir-se bem por aqui
se...
— Não acredito que durante o vôo de volta alguém dê atenção a uma ninharia como
esta, senhor. Além disso acabo de me lembrar de quem pode ser responsável por esta
mancha de gordura...
— Quem é? Quero pegar esse porcalhão pessoalmente pelas orelhas e arrastá-lo até
aqui. Vou...
— Foi o Coronel Melbar Kasom, senhor. Fui eu que pilotei o número dois e sei que
a parte superior do corpo do ertruso foi enfiada na toalete, porque não havia outro lugar
para colocá-lo. E Kasom tinha consigo quantidades enormes de carne assada. Deve ter
tomado um lanche, senhor.
— Kasom...? — disse Orson em tom de perplexidade.
— Sim senhor. Quer que quando ele voltar eu o mande procurar o senhor, para que
possa pegá-lo pelas orelhas e...
— Não. Nada disso! Deixe para lá — disse Orson com um gesto apressado. — Não
vamos criar caso por causa de uma ninharia destas. — Deu uma risada embaraçada. —
Volte ao trabalho, sargento.
O sargento Kimash sorriu ao sair da carlinga.
O Tenente Orson tentou imaginar como eram as mãos enormes de Kasom.
Empalideceu. Com uma pressa suspeita, dispôs-se a usar o recinto que provocara tanta
celeuma.
Nem perdeu tempo para remover as manchas de gordura.
Quando o céu adquiriu uma tonalidade vermelha para o lado do sul e foi preenchido
por gigantescas descargas elétricas, o Tenente Orson começou a lamentar-se.
— As coisas sempre acontecem no pior momento. Sempre esse desassossego. O que
será desta vez?
Mas o comportamento de Orsy Orson contrastou com suas palavras. Sua ação foi
rápida e precisa. Enquanto voltava a fechar o conjunto-uniforme, já estava saltando da
carlinga. Com os olhos semi-cerrados observou o furor dos elementos desencadeados.
Finalmente tirou o apito de sinalização e soprou fortemente no mesmo.
— Alarme! Interromper inspeção. Os mecânicos ocuparão os assentos dos pilotos e
colocarão em funcionamento os motores. O abastecimento de combustível deve ser
concluído quanto antes. Quem não tenha nada que fazer pegará lança-foguetes e ficará
em posição no terreno, mantendo-se afastado dos aviões. Preparem-se para receber fortes
ondas de pressão vindas do sul.
***
Parecia que o concerto enervante das sereias não queria terminar nunca.
Os homens pertencentes ao comando foram dominados pelo pânico.
O que aconteceu depois do alarme já não foi uma retirada executada em boa ordem,
mas antes uma fuga descontrolada do próprio medo instintivo.
Até mesmo Perry Rhodan teve de fazer um grande esforço para reprimir o pânico.
Ofegante, lutou com os instintos primitivos que todo ser vivo traz consigo. Finalmente a
razão saiu vencedora. Rhodan Viu o rosto desfigurado de Atlan bem à sua frente. O
arcônida ora crispava as mãos, ora as esticava. O lábio inferior sangrava com as mordidas
e os olhos estavam fechados.
A expressão de seu rosto modificou-se de um instante para outro. Fitou Rhodan
com os olhos vidrados. Finalmente os músculos da face, que estavam crispados,
descontraíram-se.
— Foi duro, bárbaro! — A voz de Atlan era oca como a de um fantasma. — Quase
passei vergonha diante de você.
— Diante de um bárbaro? — Rhodan esboçou uma risada.
Assustou-se com o tom estridente de sua voz. De repente notou um movimento no
topo da colina.
— Eyseman! — gritou. — Vamos, arcônida! — disse, dirigindo-se a Atlan. — Este
sujeito está correndo para a morte. Vamos trazê-lo de volta.
Mal acabou de proferir estas palavras, saiu correndo.
Quando estava atravessando o topo da colina, enxergou tarde demais os dois corpos
jogados ali para esboçar qualquer reação. Prendeu o pé e deu uma cambalhota. Mas não
demorou nem um pouco para pôr-se a levantar-se. Mas antes que pudesse intervir na luta,
Atlan separou os dois homens.
Finch Eyseman cambaleava. Marcas vermelhas produzidas por uma mão que queria
estrangulá-lo apareciam em seu pescoço. Enquanto isso Anatol Kyofi rosnou como um
buldogue, baixou a cabeça e saiu correndo na direção de Atlan. O arcônida aplicou seu
golpe dagor e pôs fim à luta.
— O que houve? — perguntou, dirigindo-se a Eyseman.
— Ten... tentei segurá-lo, senhor. — Eyseman respirava com dificuldade. — Se não
fizesse isso, Kyofi teria corrido para a morte. Não queria que eu o ajudasse.
— Meus parabéns, tenente! — disse Rhodan em tom de elogio. — Agora temos
mais um para carregar. Faça o favor de dar uma mão, Atlan.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Mande-o andar! — Ajoelhou ao lado de Kyofi segurou a cabeça do mesmo com
ambas as mãos e pôs-se a fazer uma massagem no ponto.
Kyofi não demorou a recuperar os sentidos. Atlan o pôs sobre as próprias pernas e
impeliu-o para a frente.
— Vá andando! E não faça mais bobagens.
Kyofi não deu nenhuma resposta, mas também não voltou para trás. Foi descendo a
colina feito uma máquina, seguindo os outros fugitivos. Rhodan e Atlan seguraram
Eyseman pelos braços e seguiram Kyofi.
Viram bem de longe que Tolot, que parecia incansável, mantinha unido o comando
como um cão pastor que junta seu rebanho. Parecia que o pânico estava diminuindo.
Mas tudo isso tinha sido apenas um prelúdio.
Antes que Rhodan, Atlan e Eyseman chegassem ao fundo do vale, uma parede
chamejante voltou a surgir para o lado dó sul. Desta vez o céu cobriu-se totalmente com
uma parede incandescente crepitante e cintilante, fina como uma pele.
— O campo defensivo! — gritou Atlan. — A estação ativou seu campo defensivo.
Rhodan pôs-se a mexer no rádio-capacete. Levou alguns segundos para colocar o
microfone que se deslocara no devido lugar e ligar o mesmo.
— Rhodan chamando todo o comando. Pro...
O resto da mensagem foi engolida por um rugido primitivo. Os três homens viram-
se arrastados como folhas secas ao serem atingidos pela onda do ar comprimido aquecido
deslocado pelo campo defensivo. Os fios metálicos dos distintivos presos aos uniformes à
prova de calor desprenderam-se que nem serpentes de fogo. Os homens viram-se
envolvidos por uma cinza negra. Finalmente a tempestade de areia comprimiu-os contra o
solo.
Rhodan mal conseguia respirar. Sentiu a areia quente que cobria seu corpo. Os
grãos bateram em seu rádio-capacete com um ruído crepitante, como se fossem pedras de
granizo.
De repente tudo ficou preto diante de seus olhos.
***
O Tenente Orsy Orson corria todo abaixado em direção à colina mais próxima,
carregando o bastão que servia de apoio ao lança-foguetes portátil, além de uma caixa de
projéteis.
Não chegou lá.
A primeira onda de pressão obrigou-o a ficar de joelhos. De repente sofreu uma
terrível pancada no braço direito. Deu um gemido e saiu rolando. O leme de direção de
um avião a jato, que fora arrancado pela onda de pressão, passou perto dele.
Quando bateu no chão e abriu uma vala no meio do capim, os olhos lacrimejantes
de Orson reconheceram a peça. Assustou-se e virou apressadamente a cabeça. A dor que
sentia no ombro provocou um grito estridente, mas Orson cerrou os dentes.
A onda de pressão seguinte arremessou uma nuvem de areia em seu rosto. No
mesmo instante sentiu cheiro de queimado. Rangeu com os dentes, de raiva por não poder
fazer nada. Viu o avião em chamas. Um fragmento incandescente vindo não se sabia de
onde devia ter arrebentado o avião como se fosse um martelo batendo na bigorna.
Felizmente era um dos aviões que seriam deixados para trás. Por isso mesmo queimava
lentamente. O combustível e as munições haviam sido colocados em outro aparelho.
Mas de onde tinha vindo o fragmento incandescente...?
O sargento Kimash passou por Orson. Deu uma risada estridente, que soava
desagradavelmente.
— A estação explodiu! — gritava constantemente. — Rhodan conseguiu!
— Deite no chão! — gritou Orson. — O que houve com o senhor?
Perplexo, Kimash deixou-se cair no chão no lugar em que estava. Virou a cabeça e
olhou fixamente para Orson.
— O que está fazendo por aqui?
Orson suspirou fortemente, para abafar a dor que sentia no ombro.
— Não fale tanto, cara! Cuide dos meus sofrimentos.
Kimash aproximou-se rastejando de quatro e examinou o ombro de Orson. O
uniforme estava rasgado em cima do mesmo, e o sangue vermelho-escuro saía de uma
ferida profunda. Isto fez Kimash voltar à realidade. Tirou um pacote de ataduras e aplicou
um curativo no ombro de Orson.
— Será que a estação foi destruída, senhor?
— Vamos aguardar! — disse Orson. — Não se exalte. Isso faz mal aos nervos.
— Tive a impressão de que não sobrou quase nada da estação, senhor — insistiu
Kimash.
Orson gemeu e apalpou a atadura colocada em seu ombro.
— Quem dera que já estivéssemos novamente na Crest. Por aqui o desconforto é
muito grande. Não acha?
Examinou atentamente os arredores. Viu que a estação ao menos devia estar
avariada. Mas acabou dizendo a si mesmo que um homem que assumiu o estado de um
micróbio não pode ter uma visão de conjunto que lhe permita formar um juízo a este
respeito.
— Se a estação não existisse mais, já deveríamos ter recuperado nosso tamanho
normal. O senhor já percebeu alguma coisa, sargento?
Kimash abanou a cabeça.
— Quer dizer que não é nada disso, senhor?
— Acho que estamos nos entretendo com teorias. Ajude-me a levantar. Vamos ver
onde está o Chefe. Deve chegar a qualquer momento.
O sargento Kimash confirmou com um gesto. Apoiou Orson e subiram juntos a
colina mais próxima.
Deveriam ter esperado mais um pouco antes de fazer isso.
No momento em que atingiram o topo da colina, as sereias da estação do pólo sul
fizeram ouvir seu uivo penetrante. Os dois homens estremeceram. O campo defensivo
mais gigantesco que já tinham visto acendeu-se no horizonte. Mas ainda não havia sinal
de Rhodan e seu grupo de comando.
Orsy Orson e o sargento Kimash foram tomados de surpresa pela onda de pressão.
Quando recuperaram os sentidos, a cinza negra e a areia quente cobria seu corpo até
a altura dos quadris. Estavam deitados embaixo do trem de pouso de um avião, coberto
de areia. Sentiam o cheiro do combustível e da borracha queimada. Uma fumaça ardente
penetrava em seu nariz.
Dois mecânicos cobertos de fuligem, que tossiam constantemente, ajudaram-nos a
sair da posição desconfortável.
— Já estava na hora! — resmungou Orson. — Isto já estava começando a ficar
desconfortável. — De repente mudou de assunto. — E os aviões?
— Dois aviões de abastecimento foram... — principiou um dos homens.
Orson interrompeu-o com um gesto.
— Não estamos interessados nos aviões de abastecimento. Quero saber o que
aconteceu com os cinco aviões que deverão levar-nos de volta.
— Um deles tombou de lado, mas já conseguimos endireitá-lo. Os trens de pouso de
todos eles estão mais ou menos cobertos de areia. Acho que teremos problemas na
decolagem.
O Tenente Orson franziu a testa.
— Dê-me seu radiofone! — Estendeu a mão. — O meu está cheio de areia. Rápido!
— Segurou apressadamente o aparelho e ligou a pilha. — Tenente Orson chamando
pilotos! Façam as máquinas rolar de um lado para outro até que as rodas estejam livres de
areia. Depois subam um metro, nada mais que isso. Receio que, quando o Chefe voltar,
será tudo uma questão de segundos. Não se esqueçam. Desligo.
— Muito bem! — disse, dirigindo-se aos outros.
— Vamos ao encontro do Chefe. É possível que alguém precise de ajuda.
— Já cuidamos disso! — disse a voz retumbante de Tolot, vinda por cima da colina.
— Peça aos pilotos que se apressem, Orson. Os outros vêm logo atrás de mim.
Orson proferiu um palavrão cabeludo, que se misturou ao rugido dos propulsores de
duplo circuito que estavam entrando em funcionamento.
6

Foi Anatol Kyofi quem os desenterrou da areia com as mãos.


Icho Tolot, que apareceu dali a cinco minutos, porque os procurara bem mais à
frente, provavelmente teria chegado tarde.
Assim que a respiração dos homens começou a voltar ao normal e os mesmos
tinham tossido a areia e poeira que haviam engolido. Rhodan, Atlan e Eyseman puderam
prosseguir na retirada com suas próprias forças. Até então Tolot tivera de carregá-los. O
halutense aludia a acessos de loucura, ao fato de que alguém subestimava o perigo e aos
terranos que eram muito fracos. Ao que parecia, estava bastante preocupado.
Sem querer, Rhodan foi contaminado pelo nervosismo do halutense, embora a
estação ainda não tivesse usado nenhuma arma ofensiva. O campo defensivo recém-
instalado só podia ser considerado uma forma de defesa passiva.
Quando acabou de transpor a colina que até então impedira a visão sobre os aviões
que se mantinham à espera, Rhodan levou um susto. Viu o esqueleto de um aparelho que
ia se desmanchando na incandescência e outro aparelho quebrado no meio.
Felizmente não demorou a descobrir os cinco aviões que realmente eram
importantes, e que rolavam de um lado para outro, com os propulsores ligados. Icho
Tolot já tinha começado a distribuir os membros do comando entre os cinco aviões, à
medida que os mesmos iam voltando.
Rhodan saiu correndo para junto do Tenente Orson, que se encontrava ao lado de
Tolot, com uma atadura sobre o ombro.
— Tudo bem com o senhor, Orson?
— Sim senhor, mas a situação ficou um pouco desagradável.
— Diga-lhe que pare de taxiar os aparelhos — resmungou Tolot. — Estamos
perdendo nosso precioso tempo.
— Os trens de pouso foram cobertos de areia! — justificou Orson em tom
indignado. — Se decolarmos antes que estejam livres, poderemos perder algumas rodas.
— Até parece que isso importa! — Tolot olhava constantemente para o céu preto-
azulado, como se esperasse ver alguma coisa por lá. — Se necessário sairemos sem os
trens de pouso.
— Faça o que Tolot está dizendo! — disse Rhodan, dirigindo-se ao tenente. — Se
bem que... — voltou-se a dirigir-se ao halutense — ... não sei por que toda essa pressa.
— O senhor logo descobrirá!
Mal acabou de proferir estas palavras, Tolot afastou-se.
Atlan deu uma risada.
— Ele ficou zangado, Perry.
— Não sei por que — disse Rhodan — mas o fato é que a inquietação de Tolot me
contagiou. Realmente ficarei muito satisfeito se pudermos dar o fora.
— Mesmo voltando de mãos vazias...?
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão sombria. Pensou em Mory e lembrou-se
de que toda a tripulação da Crest II vira na operação de comando sua última esperança.
Não seria fácil informá-los de que a operação falhara completamente sem deixá-los
desesperados.
— Pronto, senhor! — anunciou Orson. — Todos se encontram nos aviões. Para o
senhor reservamos novamente o número um.
— Obrigado, Orson. — Só então Rhodan levantou os olhos. — Vamos logo!
Procure entrar no avião. O que foi mesmo que bateu em seu ombro?
— Um leme de avião, senhor — respondeu Orson com a voz desfigurada pela dor.
— A situação por aqui ficou bastante desagradável.
— Se foi só isso...! — disse Atlan em tom de desprezo.
Orson estremeceu e saiu correndo.
Só depois disso Rhodan e Atlan entraram no avião que lhes estava destinado. O
Capitão Henderson já estava sentado na carlinga. Assim que Rhodan e Atlan acabaram de
entrar, fechou a cobertura, segurou o manche com a direita e pôs a esquerda na alavanca
do acelerador.
Rhodan fez um sinal para ele.
— Permissão de decolagem para todos os aparelhos!
Os instrumentos tilintaram quando os jatos-propulsores que haviam feito um giro de
noventa graus, bramiram. O Capitão Henderson falava ininterruptamente para dentro do
microfone de seu rádio-transmissor, por meio do qual entrava em contato com os pilotos
dos outros aviões. Corrigia constantemente a velocidade ascencional, até que todos os
aviões tivessem entrado em formação.
Quando o grupo passou para o vôo horizontal, a voz de Tolot se fez ouvir em todos
os alto-falantes.
— Já está mesmo na hora. Acho que é um milagre que até agora nos deixaram em
paz.
— Não precisa espalhar isto aos gritos — observou Atlan em tom contrariado.
Henderson pôs-se a praguejar violentamente.
— Já aconteceu, senhor!
Rhodan esteve a ponto de perguntar o que tinha acontecido, mas logo ele mesmo
viu.
A luz do sol foi obscurecida por uma figura gigantesca. Tratava-se de uma roda
voadora que cobria a terça parte da extensão do céu, e cujo cubo apontava num ângulo de
noventa graus para o solo. Descrevendo movimentos lentos de rotação, a roda voava na
direção da estação do pólo sul, abrigada sob o campo defensivo.
Rhodan ouviu Atlan gemer baixinho e ranger os dentes. Imaginava os sentimentos
que deviam estar agitando a mente do amigo. Quando, antes de destruir a estação do pólo
norte, a Crest II foi atingida pelo condensador potencial, Atlan e Tolot estavam viajando
num jato espacial. Talvez pudessem salvar a Crest e seus tripulantes, se não tivesse
aparecido a estação espacial em forma de roda e derrubado o jato espacial.
Era bem verdade que para Atlan, que ainda não sofrerá o processo de redução, fora
um objeto voador espacial perfeitamente normal, cujo cubo cilíndrico tinha duzentos
metros de comprimento e cinqüenta de diâmetro. Possuía oito raios de cinqüenta metros
de comprimento, cada um com dez cúpulas de canhões de dois metros de diâmetro.
Agora mesmo para ele o cubo da roda se transformara num cilindro de duzentos mil
metros de comprimento e cinqüenta mil de diâmetro. Seus raios tinham cinqüenta
quilômetros de comprimento e as cúpulas de canhões eram esferas imensas de dois
quilômetros de diâmetro...
— Capitão — disse Rhodan, dirigindo-se a Henderson — instrua os pilotos para no
caso de um ataque, voarem em diversas direções. Mas a direção que leva ao lugar em que
está pousada a Crest será tabu.
Enquanto Henderson transmitia a ordem, Rhodan olhava para o céu. Estava com o
rosto muito pálido e mantinha os lábios fortemente cerrados.
Sabia que ninguém teria qualquer chance de sobrevivência se as cúpulas de
armamentos da roda que surgira sobre eles resolvessem despejar seus raios energéticos.
A única coisa que sobraria deles seria uma pequenina nuvem de pó, que logo seria
desfeita pelo vento...
***
O fenômeno que durante o vôo de ida causara os primeiros problemas psicológicos
voltou a manifestar-se.
Em virtude do processo de redução, os homens tiveram a impressão de que a
velocidade de mach dois com que se deslocavam seus aviões correspondia à metade da
velocidade da luz.
O solo que deslizava apenas alguns metros embaixo dos aparelhos transformou-se
numa substância branco-acinzentada, em meio à qual todos os detalhes se apagavam.
Somente quando os aviões se aproximavam de uma colina, os homens viam esta
aproximar-se a uma velocidade vertiginosa.
Mais uma vez parecia que, ao contrário da paisagem, os três sóis do planeta Horror
estavam paralisados no espaço.
O deslocamento em relação à fortaleza espacial também era bastante reduzido.
A gigantesca construção ficou suspensa sobre os aparelhos que se deslocavam em
alta velocidade que nem uma espada de Dâmocles. Girou lentamente em torno do próprio
eixo e foi-se deslocando em direção ã estação do pólo sul, aparentemente centímetro após
centímetro.
— Ainda bem! — disse Henderson com um suspiro. — Parece que não estão atrás
de nós.
— Acho que somos muito pequenos para eles. — Atlan rangeu os dentes.
Era um arcônida velhíssimo, que já fora imperador de um gigantesco império estelar
e atualmente exercia as funções de lorde-almirante da United Stars Organisation, que
também lhe conferiam um poder muito grande. Ao que parecia, não conseguia
conformar-se com a idéia de ser considerado uma coisa mais insignificante que a poeira
que cobria seus sapatos.
— Afinal, em tudo existem luzes e sombras — filosofou Rhodan. — Neste
momento estou pensando para descobrir qual é a relação entre a estação e a fortaleza
espacial.
— Logo perceberemos — disse Tolot pelo rádio-capacete.
— Talvez eles se matem uns aos outros e nós ficaremos de camarote — interveio
Kasom.
Tolot deu uma estrondosa gargalhada.
— O senhor acha que existe uma ligação entre as duas estruturas? — perguntou
Rhodan.
— É a conclusão final a que chegou meu cérebro programador, senhor. Isto
explicaria por que os geradores atômicos da roda gigante ainda estão funcionando.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Atlan. — O setor lógico de meu
cérebro confirma sua conclusão, mas o mesmo não chega a ser um computador completo.
— Nem chega a ser um computador, Atlan. Preste atenção para ver o que vai
acontecer. Se nem a cúpula nem a fortaleza der início às hostilidades, será porque foram
construídas pelos seres do terceiro nível e têm por finalidade exterminar os seres que
habitam a superfície do planeta.
— Os seres que construíram isso deveriam ter instalado pelo menos algum
dispositivo de segurança! — esbravejou Kasom. — Por que será que estas máquinas
infernais continuam funcionando depois de terem cumprido sua finalidade?
— Certamente os seres que habitam o terceiro nível teriam tido a possibilidade de
paralisar a fortaleza e a estação, desde que tivessem sobrevivido aos seus inimigos —
disse Tolot. — Geralmente uma guerra como esta leva à destruição de ambas as partes.
— Não se nota o menor movimento, nem em cima, nem embaixo — disse Rhodan.
— Logo, a fortaleza não teve seu tamanho reduzido em mil vezes.
— A conclusão a que cheguei não é diferente — observou Tolot. — Seu tamanho
não foi reduzido de forma alguma.
— Gostaria de saber como fez isso... — disse Rhodan em tom pensativo.
— Ora veja! — disse Atlan em tom sarcástico. — O bárbaro nunca desiste.
Rhodan fitou o arcônida com uma expressão séria. Seus olhos iluminaram-se.
— Nunca! — confirmou.
***
Achavam que já estavam em segurança, mas viram que se tinham regozijado antes
da hora.
Quando os cinco aviões só haviam percorrido metade dos 10.841 quilômetros que
os separavam do lugar em que estava a Crest, os homens que se encontravam em seu
interior de repente começaram a contorcer-se de dor. Os aviões vibraram como se
estivessem sido sacudidos sobre uma enorme peneira.
Os vidros dos instrumentos tilintaram e se arrebentaram. Luzes de alerta
acenderam-se sem motivo, para apagar-se logo em seguida, algumas travessas do
revestimento interno vergaram e as antenas quebraram.
Rhodan ficou tão surpreso quanto os outros homens do comando. Foi somente
graças à sua vontade férrea que não perdeu os sentidos. Tentou levantar e rastejar até a
carlinga. Foi em vão. Além de martirizá-lo a dor o mantinha preso em seu lugar.
— Tolot! — conseguiu dizer com muito esforço.
— Pelos sábios de Halut! — gritou Tolot. Uma raiva impotente vibrava em sua voz.
— Não posso fazer nada pelo senhor. Não posso fazer nem por mim. Se descontrair
minha estrutura celular, ficarei sujeito aos mesmos efeitos.
— Será que é ultra-som...?
— Só pode ser, senhor. Isso também prova que ainda não fomos localizados, pois
do contrário certamente usariam uma arma cujo raio de ação não fosse tão grande.
Rhodan mordeu os lábios quando mais um terrível acesso de dor sacudiu seu corpo.
Sua boca encheu-se de sangue. Nem percebeu. Também não sentiu que um sangue
vermelho-claro lhe saía dos ouvidos e do nariz. Só sabia que era o fim. Desesperado,
lutou contra a dor.
— Ainda consegue ouvir-me? — gritou Icho Tolot em tom de desespero.
A cobertura da carlinga arrebentou com um estrondo. O vento uivou ao penetrar na
cabina e assobiou ao quebrar-se nos objetos e nas pessoas.
Rhodan quis dizer alguma coisa, mas não conseguiu. Viu através de um véu
vermelho um dos sóis amarelos no visor reflex que balançava de um lado para o outro
sobre o painel de instrumentos.
— O que está havendo com seu avião, senhor? — A voz de Tolot parecia vir de
muito longe e era afetada pelo farfalhar de um marulhar imaginário.
De repente a dor passou.
Mas demorou alguns minutos até que os homens pudessem movimentar-se de novo,
até que voltassem a enxergar e sentir.
Rhodan conseguiu passar por Henderson e entrar na carlinga. Naquele momento o
capitão estava recuperando os sentidos. Numa questão de segundos reagiu com a rapidez
de uma máquina automática. Fez avançar o manche e tateou com o pé, à procura do
acelerador.
O sol foi saindo do visor reflex.
Completamente exausto, Rhodan sentou numa das caixas do banco de controle do
lado direito, segurou-se na alavanca que controlava a cobertura da carlinga, transformada
numa peça decorativa, e olhou para fora com os lábios cerrados.
O aparelho devia estar pelo menos a dez mil metros de altura. Naquele momento o
Capitão Henderson o fez descrever uma curva para a esquerda, levando-a para baixo. O
uivo do vento, que tinha diminuído um pouco, voltou a crescer.
— Que houve? — perguntou uma voz estranha.
Rhodan virou a cabeça. Atlan acabara de levantar e olhava fixamente em torno, com
os olhos injetados de sangue. Seu rosto estava coberto de sangue incrustado, e nos lugares
em que aparecia a pele, esta tinha um tom branco-azulado.
— Você parece um fantasma — disse Atlan.
Na opinião de Rhodan estas palavras aplicavam-se muito melhor a Atlan. Mas
preferiu não dar nenhuma resposta. Havia coisa muito mais importante a fazer.
— Fomos atacados com ultra-som — disse.
— Mas ainda estamos vivos, não estamos?
O estrondo da voz de Kasom se fez ouvir nos fones de ouvido.
— Parece que ainda não sabem onde estamos. Certamente estão cobrindo a
superfície do planeta Horror com uma esfera de ultra-som, na base de simples suspeitas.
Ainda bem que a passagem é bem rápida.
— Quem está fazendo isso? — perguntou Atlan.
— A fortaleza ou a estação, ou sei lá o quê! — resmungou Kasom em tom
contrariado. — Receio que a máquina em que estava viajando Tolot tenha caído.
— O quê? — perguntou Rhodan, assustado. — Henderson, entre em contato
imediatamente com todos os aviões. Preciso saber se houve... alguma baixa.
O Capitão Henderson obedeceu à ordem. Três aviões responderam ao chamado. Os
pilotos foram unânimes em dizer que seus aviões dificilmente seriam julgados em
condições de voar numa inspeção, mas haviam conseguido levá-los à rota correta e
prosseguir viagem.
Um avião não respondeu — o de Tolot.
— Quem é o piloto? — perguntou Rhodan. Henderson pôs-se a refletir por um
instante.
— Hokkado — disse.
— Capitão, volte e vasculhe a área em que fomos atingidos pelas emissões de ultra-
som.
— Isso não é necessário, senhor — disse uma voz fanhosa. Rhodan mal conseguiu
reconhecer a voz de Tolot. O halutense devia encontrar-se fora do alcance normal dos
rádio-capacetes, pois sua voz era praticamente inaudível.
— Que houve com o senhor? — gritou Rhodan para dentro do microfone.
— Fizemos um pouso de emergência, senhor. Um dos propulsores desprendeu-se do
avião. Mal e mal consegui tomar as medidas necessárias, depois de entrar por assim dizer
milímetro após milímetro na carlinga.
— Iremos buscá-lo, Tolot. Transmita um raio vetor.
— Nada disso, senhor. Não há lugar para mim em seu avião. Além disso Hokkado
conseguiu colocar novamente no ar nosso aparelho. — O volume da voz de Tolot foi
aumentando. — Meus respeitos, senhor. É um piloto de verdade!
— Será que ainda conseguirão chegar em casa? — perguntou Rhodan.
Tolot deu uma risada. Até parecia que não queria parar mais.
— Em casa, senhor? Que em casa é esse? Halut? Ou Opposite? Ou nossa galáxia de
origem? Ou uma esfera de um metro e meio de diâmetro na qual está pintado o nome
Crest II...? — De repente sua voz assumiu um tom estranho.
“Será que o monstro está fraquejando?” pensou Rhodan.
— Não se preocupe, senhor — prosseguiu Tolot. — Vamos demorar um pouco,
mas conseguiremos. Tratem de chegar em casa.
— Está bem! — disse Rhodan. — Capitão Henderson, siga novamente na direção
da Crest.
***
Os quatro aviões a jato foram descendo devagar, muito devagar, em direção ao
fundo do vale. De vez em quando o fragmento de uma frase era transmitido com a voz
desfigurada por um dos alto-falantes sobrecarregados, em meio ao estrondo dos jatos-
propulsores alimentados com combustível químico.
Rhodan lançou um olhar para fora da carlinga e descobriu o motivo.
Quase toda a tripulação da Crest II estava reunida em torno do campo de pouso.
Os homens estavam recuando um pouco. Rhodan sentiu-se orgulhoso. Não
recuavam porque alguém os estivesse afastando à força. Era a simples mensagem
transmitida pelos alto-falantes que os levava a agir assim. O pavor que tinham sentido, as
decepções, inclusive a última, resultante do insucesso da missão do Chefe, tudo isso não
conseguira afetar sua disciplina.
Rhodan procurou localizar Mory. Não a viu. Logo percebeu por quê. Alguns turbo-
carros aproximavam-se. Eram do tipo que qualquer espaçonave de maiores dimensões
levava ao lado dos veículos antigravitacionais, e atravessavam a faixa que os homens
deixaram livre. Rhodan reconheceu as bandeiras com a cruz vermelha e os jalecos
brancos do pessoal da clínica. Era claro que o Tenente Brent Huise, que estivera no
comando em sua ausência, também sabia raciocinar. Acreditava que havia feridos. Carros
pintados de vermelho, com acréscimos cinzentos e tubos reluzentes, descreveram uma
curva e entraram no campo de pouso. Eram carros de bombeiros improvisados.
“Graças a Deus!” pensou Rhodan. “Não precisamos dos bombeiros.”
Mal esse pensamento acabara de atravessar sua cabeça, quando um dos aviões saiu
cambaleante da fileira e caiu tão rapidamente que seria impossível acompanhá-lo com os
olhos.
Rhodan viu o aparelho cair de vinte metros de altura e cair ao chão. Usou seu
raciocínio frio e a experiência abundante.
— Aviões intactos arremeterão! — gritou para dentro do microfone do rádio-
capacete. — Liberar o espaço aéreo acima do campo de pouso.
O Capitão Henderson calcou a alavanca do acelerador. O aparelho deu um
solavanco e subiu rapidamente, seguido de perto pelos outros. Apesar do forte vento,
Rhodan inclinou-se para fora da carlinga. Lá embaixo um montão de pessoas vestidas de
branco cercou por alguns segundos um veículo arrebentado. Mas os dois veículos com a
bandeira da cruz vermelha logo se aproximaram, e largas trilhas de espuma saíram dos
carros de bombeiros.
Rhodan respirou aliviado.
— Ainda bem que o combustível não pegou fogo! — disse em tom de alívio.
— Certamente já não tinham nenhum combustível — respondeu Henderson. — É o
que está acontecendo conosco neste momento.
— Faça pousar o avião! — ordenou Rhodan em tom apressado.
Deu a mesma ordem aos outros aviões.
— Será que ainda conseguiremos? — perguntou Atlan.
— Aí você está perguntando demais — disse Henderson, enquanto fazia descer
cuidadosamente o avião. — Faz cinco minutos que os indicadores de combustível estão
na marca zero.
O rosto de Atlan contraiu-se. A crosta de sangue embaixo da boca foi caindo. Mais
do que nunca o arcônida se parecia com um cadáver movimentado por fios invisíveis.
De repente ficou tudo em silêncio.
Seguiu-se uma forte pancada. Rhodan sentiu-se impelido para o chão. Ouviu-se o
rangido e o estalo dos metais. Depois foi tudo silêncio.
Rhodan, Atlan e Henderson levaram alguns segundos para compreender que mais
uma vez tinham sido favorecidos pela sorte. Deviam ter caído de um ou dois metros de
altura, no máximo. Ao que parecia, somente o trem de pouso se quebrara na queda.
— Vão andando! — gritou Rhodan para os homens de jaleco branco que corriam
em direção ao T-l, carregando maças. — Verifiquem os outros aviões! Por aqui está tudo
em ordem.
Até parecia que queria provar que acabara de dizer a verdade, pois saltou de flanco
sobre a borda da carlinga. Dobrou os joelhos, e Atlan, que quis imitá-lo, rolou por cima
dele.
Um turbo-carro aproximou-se e fez ranger os pneus ao frear. Rhodan reconheceu o
Tenente Brent Huise. Pôs-se de pé às pressas e num gesto absurdo tentou limpar a poeira
do uniforme.
Brent Huise desceu do carro e aproximou-se dos homens.
Rhodan notou a perplexidade e a expressão hesitante estampada no rosto do oficial.
— Que tal se quisesse apresentar-se na devida forma, tenente? — perguntou em tom
de espanto.
Brent Huise arregalou os olhos. Fitou Rhodan como quem vê um fantasma. Atlan
deu uma risadinha.
— Ficou espantado por ele não nos ter reconhecido, Perry?
Só então Rhodan lembrou-se de que seu aspecto certamente não era melhor que o
de Henderson e Eyseman, que permanecera tão quieto durante a turbulenta viagem de
volta: uniforme rasgado, rosto sujo de sangue, cinzas pretas e poeira cinzenta.
— Senhor, quero anunciar que a bordo da Crest II não houve nenhuma ocor...
Rhodan aproximou-se dele.
— Deixe para lá, Huise! Acho que podemos dispensar as formalidades. — Estendeu
a mão e o imediato apertou-a com força.
Rhodan ouviu um suspiro atrás de suas costas. Virou a cabeça.
O Tenente Eyseman acabara de cair ao chão.
Uma ruga que exprimia contrariedade surgiu na testa de Huise. Ao que tudo
indicava, o oficial não admitia que alguém pudesse cair ao chão na presença do
Administrador-Geral.
Rhodan esforçou-se para esboçar um sorriso.
— Não se zangue com ele, Huise. Eyseman fez mais do que outras pessoas que
costumam ser consideradas grandes combatentes. Mande-o levar para dentro da nave
antes dos outros.
***
Perry Rhodan agüentou pacientemente os primeiros socorros. Um enfermeiro
passou-lhe pelo rosto uma esponja molhada, que cheirava a desinfetante, para remover as
crostas de sangue.
Depois disso Rhodan e Atlan ficaram de pé no turbo-carro aberto de Brent Huise e
atravessaram as fileiras de homens silenciosos, que ficaram em posição de sentido e
fitavam ansiosamente seu chefe.
Nesta oportunidade não lhe escapou o desespero mudo estampado nos rostos dos
dois mil homens, mantidos sob controle a grande custo. Estes homens tinham atravessado
com ele os perigos da rota de transmissores, para serem vitimados na superfície de Horror
pela arma de uma raça há muito extinta.
Sem dizer uma palavra, encostou a mão ao rádio-capacete. Seu cumprimento
dirigia-se à postura daqueles homens, à sua autodisciplina — e também ao brilho de
esperança imorredoura que ardia atrás dos dois mil pares de olhos.
Os homens responderam ao cumprimento também em silêncio. Compreendiam o
Chefe e sabiam que não havia necessidade de perder palavras.
Quando o turbo-carro acabou de atravessar a rampa e atingiu a câmara da eclusa,
Rhodan caiu silenciosamente sobre o assento.
Adormeceu no mesmo instante. Só escapou à ironia mordaz do arcônida porque
Atlan já estava dormindo profundamente há trinta segundos — de pé, com a mão
crispada sobre o encosto do assento dianteiro.
Quando acordou, Rhodan viu diante de si o rosto sorridente do Dr. Ralph Artur,
médico-chefe da Crest.
— Respire profundamente, senhor, e procure descontrair-se — ordenou o Dr. Artur
em tom enérgico. Viu que os músculos de Rhodan se entesaram.
Rhodan submeteu-se às ordens do médico. Mas não demorou a sair de vez da cama.
Desta vez o Dr. Artur em pessoa ajudou-o a levantar.
— Não deveria ter adormecido, doutor — disse Rhodan, contrafeito. — Deveria ter
cuidado primeiro do avião de Tolot. Tem notícias do halutense?
— Não se exalte, senhor! — O Dr. Artur voltou a sorrir. — O senhor só dormiu
uma hora. Conheço os problemas psicológicos que teriam surgido se o senhor não tivesse
acompanhado a expedição até o fim. Por isso mesmo resolvi contrariar as regras da
medicina, aplicando-lhe uma injeção de estimulante.
Rhodan fitou o médico magro, calvo e que costumava andar com o rosto fechado.
Estava estupefato. Finalmente deu uma risada.
— Nunca pensaria que o senhor fosse capaz disso, doutor. Não me leve a mal, meu
caro. Se todo mundo acha que o senhor é um ranzinza, a culpa é sua.
— Talvez seja mesmo, senhor. — O Dr. Artur segurou o pulso de Rhodan. —
Gostaria de saber por que no seu caso não fui tão duro como costumo ser! — disse.
— Porque o senhor se teria saído mal, doutor.
A porta abriu-se repentinamente. Mory Rhodan-Abro entrou correndo. Rhodan viu
o que ela mais gostaria de fazer. Mas parecia sentir-se inibida diante do médico magro
com a pele do rosto seco. Por isso limitou-se a estender a mão para Rhodan.
— Bem-vindo em casa, Perry!
Rhodan retribuiu o aperto de mão. Um sorriso triste surgiu em seus lábios.
— Bem que eu gostaria que nosso reencontro não fosse assim, Mory.
Mory sacudiu fortemente a cabeça.
— Sinto-me tão feliz por termos tido a graça do reencontro — cochichou.
De repente Rhodan notou, espantado, que o médico se retirara silenciosamente,
fechando a porta à saída.
Abraçou Mory.
Mas dentro de alguns segundos voltou a desvencilhar-se da mesma.
— Preciso saber o que houve com o avião de Tolot, Mory! Tiveram de fazer um
pouso de emergência, quando fomos atingidos pelo ultra-som.
— Não sei. Ainda não voltaram, Perry.
— Vamos indo! Tomara que eles consigam. Vamos ver se podemos fazer alguma
coisa por eles.
***
Mais um dos homens tinha se recuperado do cansaço.
Era Melbar Kasom.
O ertruso cruzou o caminho de Rhodan e Mory no último trecho do corredor que
levava à eclusa inferior. Usava uniforme amarelo de piloto novinho em folha.
— Olá, Kasom. Aonde vai com tanta pressa? — gritou Rhodan.
Kasom estava radiante.
— Senhor...! Mandei preparar um dos aviões que não participaram da expedição.
Tolot continua lá fora.
— Que bom! Irei com o senhor. — Rhodan espantou-se ao notar que o rosto do
ertruso estava cada vez mais fechado. — O que houve, Kasom? Não gosta que eu o
acompanhe?
— Senhor! — O corpo de Kasom entesou-se.
— Gostar eu gosto, mas... — Ficou vermelho e apalpou a atadura que trazia na
cabeça.
— Sente dores? — perguntou Rhodan. — Está muito ferido?
Kasom resmungou; parecia zangado.
— Não é nada grave, senhor. A pele está arrebentada. Estava no avião que caiu.
Acontece que o doutor Artur raspou minha cabeleira por causa de uma ferida ridícula.
Mory deu uma risada estridente.
— Ora veja! O paquiderme resolveu mostrar seu lado mais sensível.
Rhodan sorriu. Sabia que Kasom se orgulhava de sua cabeleira. Sem o enfeite
capilar, o ertruso devia sentir-se como um touro sem chifres.
— Seus cabelos vão crescer de novo — disse para consolá-lo. — Vamos andando
logo!
Quando Rhodan, Mory e Kasom chegaram, os técnicos já tinham feito um ensaio
com o aparelho.
— Tudo em ordem, senhor! — anunciou um deles.
Rhodan agradeceu. Depois dirigiu-se a Mory.
— Você vai ficar aqui. Não temos lugar para levá-la.
Mory parecia ressentida.
— São ordens superiores! — Rhodan deu uma risada. Deixou que Kasom o puxasse
para dentro da carlinga. Pelo menos pretendia deixar, quando o ertruso estendeu o braço
em sua direção. Mas em vez de puxá-lo, Kasom empurrou-o suavemente. No mesmo
instante ligou os jatos-propulsores, que estavam funcionando em ponto morto.
— O que...? — principiou Rhodan em tom zangado.
Kasom não deixou que concluísse.
— Ouço o avião de Tolot, senhor.
Rhodan virou-se abruptamente. O rugido surdo atingiu seus ouvidos. Protegeu os
olhos com a mão e espiou para o lado do sul.
De início só viu um lampejo, quando os raios do sol se refletiram no metal do avião.
Mas o aparelho foi crescendo. Pendia para um lado e cambaleava como se estivesse
sendo dirigido por uma pessoa embriagada.
Um dos propulsores falhou — observou o Tenente Huise, que se aproximara sem
que ninguém o notasse.
— Além disso falta parte da asa direita. Devem ter perdido o propulsor durante o
pouso de emergência. — constatou Kasom. — É um verdadeiro milagre que isso ainda
esteja voando.
O avião sobrevoou algumas rochas a uma altura extremamente baixa. De repente o
propulsor que ainda restava começou a ratear, falhou de vez — e rugiu novamente com
toda força.
Naturalmente não havia possibilidade de fazer o pouso vertical. O piloto preferiu
não fazer sair o trem de pouso. Fez descer o aparelho, e quando o corpo da mesma
começava a tocar as pontas do capim, puxou o nariz pontudo para cima.
Talos de capim e grãos de areia subiram ao ar enquanto o avião abria um sulco no
chão. Rhodan viu que o poder de frenagem ainda era muito reduzido. A máquina
fatalmente se esfacelaria nas rochas que limitavam o campo de pouso. Naquele instante o
propulsor voltou a rugir mais uma vez. As colunas de gases chamejantes mostraram que o
piloto invertera o sentido do jato. Em virtude da súbita frenagem unilateral, o avião foi
violentamente puxado para a esquerda. O abalo foi tão forte que a asa esquerda quebrou,
depois que o aparelho tinha girado duas vezes em torno do próprio eixo.
Mas finalmente aquilo que restava de um elegante avião a jato se imobilizou.
Uma mão gigantesca estendeu-se de dentro para fora, quebrando os restos da
cobertura da carlinga como se fossem uma cobertura de açúcar. A cabeça semi-esférica
de Tolot apareceu. O halutense voltou a desaparecer no interior da carlinga, mas logo deu
um enorme salto e foi parar no meio do capim. Segurava o Capitão Don Redhorse e Ray
Burdick embaixo dos braços.
Rhodan saiu correndo ao encontro do halutense. Kasom ultrapassou-o. Quando
Rhodan chegou ao lugar em que estava Tolot, o ertruso estava tirando Taka Hokkado da
carlinga do avião. Tako era o homem que fizera descer os destroços de um avião num
genial pouso de emergência.
Os freios de uma ambulância chiaram quando a mesma parou ao lado de Rhodan.
Homens que carregaram maças saltaram da mesma e encarregaram-se de Redhorse e
Burdick. Rhodan notou que um dos homens era o médico-chefe, que imediatamente se
dedicou aos dois homens inconscientes, ao mesmo tempo que transmitia instruções aos
subordinados.
Enquanto a maca em que estava Burdick foi transportada imediatamente num
segundo carro, Redhorse continuou no mesmo lugar. O Dr. Artur fez uma transfusão de
sangue.
Rhodan aproximou-se do médico.
— Como vai ele, doutor?
— Não faça tantas perguntas! — respondeu o doutor Artur em tom ranzinza. Com
movimentos seguros introduziu o fio do marca-passo no peito do capitão, em direção ao
coração, enquanto um dos assistentes aspergia continuamente uma névoa amarela no fio.
— É um milagre ele ainda estar vivo — disse o médico. — No estado em que se
encontra, deveria estar morto há tempo.
Rhodan contemplou o rosto encovado do cheiene. De repente sentiu como se
afeiçoara a esse homem modesto e valente.
Parecia que o Dr. Artur estava percebendo.
— Não se preocupe, senhor! — resmungou em tom contrariado. — Quem cai nas
minhas mãos não morre mais, se agüentou tanto tempo.
Rhodan respirou aliviado e virou o rosto para outro lado, enquanto a maca sobre a
qual estava deitado Redhorse era colocada na ambulância.
Viu os rostos de mais de cem homens dispostos em semicírculo em torno dele, e viu
uma pergunta muda estampada em seus olhos.
— Sei que até parece deboche se eu lhes disser que não devemos desanimar —
disse em tom cansado. — Eu mesmo não estou imunizado contra o desânimo. Tive de
enterrar mais uma esperança. Mas nem tudo está perdido. O Coronel Pawel Kotranow já
deve ter chegado à nossa galáxia, levando minhas ordens. O Marechal Solar Tifflor não
perderá um segundo que seja. Quanto a isso não devemos ter a menor duvida. A segunda
espaçonave de quatro estágios, a Androtest II, não deverá demorar a chegar.
— Perdão, senhor! — Um homem idoso separou-se do grupo. — Tem certeza de
que Kotranow e sua equipe conseguirão chegar aqui uma segunda vez?
Rhodan seguiu com os olhos o carro que estava levando Don Redhorse para a Crest.
— Tenho! — respondeu com um sorriso orgulhoso. — Os homens que voarão na
Androtest II serão pessoas como o Capitão Redhorse — pessoas como vocês...

***
**
*
Conseguiram chegar ao centro do pavor,
pois possuíam a coragem do desespero! Mas
tiveram de reconhecer que os recursos de que
dispunham eram insuficientes para danificar
seriamente os gigantes. Por isso só lhes resta
uma esperança: a operação de salvamento a ser
realizada pela Androtest II.
Enquanto Rhodan e seus companheiros
estão presos no planeta Horror, à espera da
nave de quatro estágios, em outro lugar, bem
longe dali, o planeta Kahalo é redescoberto
pelos terranos — e A Luta Pelas Pirâmides é
travada... História do próximo volume da série
Perry Rhodan.

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