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A PESQUISA CIENTÍFICA COMO FOMENTO AO PROFESSOR DE

GEOGRAFIA EM FORMAÇÃO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SAGRADO NO


SERTÃO DO RIBEIRÃO - FLORIANÓPOLIS/SC

Matheus Valmir Sagaz


Graduando de Geografia pela Universidade do Estado de Santa Catarina
E-mail: matheusvsagaz@gmail.com

Ana Paula Nunes Chaves


Professora do Departamento de Geografia da Universidade do Estado de Santa Catarina
E-mail: ana.chaves@udesc.br

Introdução

O presente texto objetiva refletir sobre a prática da pesquisa como percurso formativo
para o futuro professor de geografia. O acompanhamento e a participação em um projeto de
pesquisa, durante a graduação, oportuniza a estudantes uma aproximação com procedimentos
de trabalho que podem ser futuramente utilizados em sala de aula no exercício da docência. O
levantamento bibliográfico acerca do objeto de estudos, a seleção das fontes de pesquisa, o
planejamento de instrumentos para coleta de dados, o planejamento dos trabalhos de campo, a
organização dos dados e interpretação e análise dos resultados, são ações que nos possibilitam
ler a realidade com lentes analíticas que extrapolam o senso comum. O estudante que
participa ativamente dessas etapas de trabalho se familiariza com um prisma científico de
análise de dados e, consequentemente, da realidade.
Para tanto, o artigo apresenta alguns resultados do projeto de pesquisa “Experiências
educativas da paisagem: uma cartografia do Parque Municipal da Lagoa do Peri,
Florianópolis/SC”. A pesquisa retratada neste artigo foi realizada durante os anos de 2017 e
2018, no que diz respeito à tônica do sagrado na comunidade Sertão do Ribeirão, núcleo de
população tradicional situado na área de Paisagem Cultural do Parque.
Os procedimentos de pesquisa foram divididos em duas frentes de investigação: a
primeira, com o levantamento bibliográfico na Plataforma Pergamum da Universidade do
Estado de Santa Catarina, da Universidade Federal de Santa Catarina e de universidades
privadas de Santa Catarina sobre o Sertão do Ribeirão, bem como o aprofundamento teórico
acerca do valor simbólico do sagrado amparado em autores como Zeny Rosendahl e Denis
Cosgrove; a segunda, com a realização de trabalhos de campo, apoiados em observação e
entrevistas com os moradores da comunidade. A observação in loco contou com o apoio de
registro fotográfico, e as entrevistas semiestruturadas foram realizadas com treze moradores.
As questões propostas nas entrevistas giravam em torno da temática de elementos culturais
marcantes na paisagem sertaneja e das festividades religiosas realizadas pelos moradores da
comunidade.
Assim, o presente texto trará à tona em primeiro plano, a importância da participação e
integração de estudantes de graduação em pesquisas científicas e, em seguida, a apresentação
do Parque Municipal da Lagoa do Peri e do Sertão do Ribeirão, e algumas reflexões acerca da
cultura, da paisagem e da territorialidade religiosa, em especial, a representação simbólica do
sagrado na comunidade.

Importância da realização de pesquisa científica na graduação

Os componentes presentes numa instituição de ensino superior normalmente incluem o


tripé do ensino, da pesquisa e da extensão. Cada qual com seus objetivos, mas que, em
comum, agregam conhecimento ao acadêmico, à academia e, consequentemente, à sociedade.
Ao ingressar na instituição, tanto em um curso de bacharelado quanto em um curso de
licenciatura, já de início o estudante adentra as atividades de ensino, as quais se dão através
das aulas, podendo acontecer em salas de aula, bem como em laboratórios. Entretanto, o
envolvimento do acadêmico em atividades de pesquisa e extensão, muita das vezes fica a
cargo do interesse do estudante ao optar por participar de atividades desenvolvidas em um
laboratório ou em um grupo de pesquisa.
Dessa forma, ao entrar em contato com atividades de pesquisa em laboratório ou
grupos de pesquisa, o estudante em formação adquire conhecimentos além da sala de aula,
para futuramente utilizá-los em sua atuação na educação básica. Dado que a pesquisa “nos
cursos de formação docente e na prática pedagógica vem sendo associada à concepção de
professores reflexivos e críticos [...] considerada um processo aglutinador de reflexão e
crítica, uma facilitadora da prática crítico-reflexiva [...]” (PONTUSCHKA, 2007, p. 95).
No entanto, nem sempre a pesquisa precisa ser executada sozinha, dissociada das
atividades de ensino. Por vezes, a pesquisa e o ensino podem estabelecer uma parceria juntos,
somando conhecimento, como sugere Callai (1995, p. 41):
o próprio curso de graduação deve permitir aos licenciados que
exercitem uma prática de sala de aula que não seja a mera repetição de
conteúdos transmitidos a cada semestre, mas sim com linha
metodológica que articule o ensino e a pesquisa.
De acordo com Pontuschka (2007), a pesquisa, realizada juntamente com o ensino,
desperta no professor em formação novos pontos de vista para metodologias de ensino. No
entanto, ao realizar uma pesquisa, a autora irá lembrar que o estudante deve portar consigo um
questionamento básico a fim de buscar respostas para dar corpo ao projeto: “O que fazer? Por
que fazer? Para que fazer? Como fazer? Onde fazer? Com quê? Quando?” (2007, p. 101 e
102).
No entanto, Cavalcanti (2011) faz uma crítica ao sistema de ensino superior ao se
referir ao ensino e a pesquisa. A autora aponta que ainda há ocorrências de práticas
recorrentes e consolidadas nos cursos de profissionalização das universidades, e reitera que
uma dessas práticas se dá pela “separação entre as atividades de ensino e pesquisa” (p. 6). Os
cursos de licenciatura contam ainda com um déficit na área do ensino, haja visto que “trata-se
de uma licenciatura inspirada em um curso de bacharelado, em que o ensino do conteúdo
específico prevalece sobre o pedagógico e a formação prática assume, por sua vez, um papel
secundário” (Cavalcanti, 2011, apud Pereira, 1999, p.113).
Todavia, a partir da década de 2000, houve reformulações nos currículos a fim de
articular prática e teoria:
os cursos de Geografia se reestruturaram aumentando significativamente as
horas da formação destinadas aos estágios e às disciplinas pedagógicas,
atividades formativas iniciadas efetivamente na segunda metade do curso e,
de fato, os estágios passaram a se realizar ao longo dos cursos e não mais
como atividade de sua finalização. (CAVALCANTI, 2011, p. 6).

Tendo em vista essa reformulação, as licenciaturas em geografia desafiam-se a trazer


para os educandos das escolas, a partir do profissional egresso da universidade, um propósito
mais significativo ao estudante, devido ao docente ter compreensão epistemológica e
pedagógica através de sua experiência formativa. (MARTINS, 2013).
Nesse sentido, estamos de acordo com o que Callai diz a respeito sobre se manter
atualizado, principalmente o profissional da educação: “a atualização é condição necessária
para o exercício de qualquer profissão, e no caso do professor é muito importante refletir a
própria prática, pois formar cidadãos requer como condição que seja exercida a própria
cidadania” (1995, p. 39).
Perante o exposto, o presente texto demonstra em seus próximos planos um relato de
experiência da participação discente em um projeto de pesquisa, durante os anos de 2017 e
2018, visando tal atuação como um fomento ao professor de geografia em formação. O
referido projeto intitula-se Experiências educativas da paisagem: uma cartografia do Parque
Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis/SC e, dentre seus objetivos, elegemos descrever
sobre algumas considerações acerca do sagrado em uma comunidade tradicional residente no
Parque.

O Parque Municipal da Lagoa do Peri

De acordo com o Decreto Presidencial nº 30.443, de 25 de janeiro de 1952, é


declarado remanescentes as florestas e vegetação que vão desde a Lagoa do Peri, até o
extremo sul da Ilha de Santa Catarina. Por meio do Decreto Municipal nº 1.408 de 1976, a
bacia hidrográfica da Lagoa do Peri é tombada como Patrimônio Natural de Florianópolis e,
com a lei de tombamento, uma área de 20,3 km² é destinada à criação do futuro parque (IPUF,
1978).
Institucionalizado em 03 de dezembro de 1981, pela Lei Municipal nº 1.828, o Parque
Municipal da Lagoa do Peri é, atualmente, uma das nove Unidades de Conservação (UC)
presente na capital catarinense. Seus objetivos são a proteção do manancial hídrico da Bacia
da Lagoa do Peri como forma de garantir o
abastecimento de água; a preservação do
patrimônio representado pela fauna e flora; o
desenvolvimento social crescente da
comunidade nativa e a promoção de atividades
educativas, de lazer e recreação
(FLORIANÓPOLIS, 1981).
A regulamentação do Parque deu-se
pelo Decreto Municipal nº 91 de 01 de junho de
1982. Atualmente, é administrado pelo
Departamento de Unidades de Conservação
(DEPUC), da Fundação Municipal do Meio
Ambiente (FLORAM). Dentre os seus limites,
inclui áreas residenciais dos bairros Morro das
Pedras e Ribeirão da Ilha. Sua sede está situada
na Rodovia Francisco Thomaz dos Santos,
3150, no bairro Armação do Pântano do Sul
Figura 1 - Mapa de localização do Parque Municipal da
(Figura 1). Lagoa do Peri. Fonte: Pereira, 2001.

Conforme o zoneamento do Parque


(IPUF, 1978), sua área é dividida em três grandes subáreas: a área de Reserva Biológica, a
área denominada Paisagem Cultural e a área de Lazer. A área de Reserva Biológica destina-
se, exclusivamente, à preservação do ecossistema e de seus recursos, tendo seu uso somente
para fins científicos. A área de Lazer destina-se a conciliar a utilização do Parque para
objetivos científicos, educacionais, de lazer e recreação. E a área de Paisagem Cultural
destina-se ao desenvolvimento social da população descendente da colonização açoriana na
Ilha, juntamente com a conservação da paisagem resultante das atividades tradicionais na
área, como atividades agrícolas e artesanato (FLORIANÓPOLIS, 1981).
O marco inicial da ocupação do entorno da lagoa inicia-se na Freguesia de Nossa
Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha, estabelecida em 1761. Naquela época, a região tornou-
se o centro de atividades comerciais e extrativas do sul da Ilha (IPUF, 1978). Anos mais tarde,
surge a comunidade do Sertão do Ribeirão, localidade eleita para a realização do presente
estudo.
A área de Paisagem Cultural, onde está localizado o Sertão do Ribeirão, “abrange 518
hectares, circunscrevendo o 'Sertão do Peri' (sertões de Fora, de Dentro, de Cima, do Indaiá,
Peri de Cima e Peri de Baixo)” (PEREIRA, 2001, p. 76). A importância de preservação e
conservação desta área se justifica tanto pelos aspectos socioculturais ali existentes, como
pela presença de população tradicional que vivia da pesca, da produção da farinha e da
cachaça (BATISTA, 2004).
De acordo com Plano Diretor do Parque (1978, p. 159), a área de Paisagem Cultural se
delimita da seguinte forma:
ao Norte, com os limites meridionais das Reservas Biológicas 1 e 3; ao Leste, com o
Divisor de águas do Morro do Travessão, com o limite setentrional da Reserva
Biológica 2, e, ao Sul, com o divisor das águas entres as vertentes do Ribeirão
Grande e da Baia Sul.

Em 1978, quando o Plano Diretor do Parque Municipal da Lagoa do Peri foi


finalizado, a área destinada às atividades agrícolas, de forma rudimentar, e às pastagens,
representavam 20,2% do Parque. Entretanto, precisava-se de uma orientação agrônoma aos
moradores, resultando benfeitorias tanto para a população, quanto aos objetivos do Parque, já
que ainda ocorria a prática de coivara e derrubada de matas (IPUF, 1978).
Segundo Sbroglia e Beltrame (2012), desde a criação do Parque em 1981 até os dias
atuais, são perceptíveis os conflitos oriundos da deficiente institucionalização do mesmo. Em
seus primeiros anos de criação, os fiscais do Parque advertiam os moradores com base na
nova legislação local e, como consequência, foram iniciados diversos conflitos entre a
comunidade e os gestores. Por esses motivos, tanto pela falta de alternativas para a
substituição das atividades agrícolas até então realizadas, quanto às punições dos fiscais,
diversos moradores abandonaram suas propriedades e se dirigiram às áreas centrais da cidade.
Em vista disso, muito do que se produzia, e que era legado ao local, foi deixando de existir.
Ao longo das últimas quatro décadas, costumes locais tornaram-se quase extintos e,
atualmente, alguns moradores acreditam que a forma de união da comunidade se dá através do
envolvimento religioso entre os moradores, principalmente pelas festividades cristãs, tais
como a Festa da Santa Cruz, a Festa de Nossa Senhora de Lourdes, o Terno de Reis e do
Divino Espírito Santo.
No próximo tópico, pretendemos explorar algumas marcas do sagrado e sua
representação simbólica na comunidade do Sertão do Ribeirão.

Das imagens do sagrado no Sertão do Ribeirão: cultura, paisagem e


territorialidade religiosa

Durante os trabalhos de campo realizados semanalmente no Parque, em particular, na


comunidade do Sertão do Ribeirão, foram entrevistadas 13 principais lideranças da
comunidade, desde moradores nativos até os novos moradores que intervém no cotidiano.
Durante as entrevistas, buscávamos conhecer sobre a religiosidade local, em especial, a
edificação da capela e da cruz localizadas na região central da comunidade, as festas
religiosas e os símbolos religiosos dispostos nas residências.
A fixação da Santa Cruz, no local onde
se encontra atualmente, foi feita há mais de 90
anos. Em 06 de outubro de 1923 foi realizada a
primeira novena aos pés da cruz. A Santa Cruz
está localizada próxima à esquina de duas ruas
centrais da comunidade, em um patamar acima
do nível da rua, em um local deveras visível e
de destaque na comunidade. Na época em que a
Santa Cruz foi instalada, os moradores
almejavam ter um símbolo religioso de
proteção contra seres sobrenaturais, como
bruxas e lobisomens, e de devoção, sendo altar Figura 2 - Santa Cruz à frente da Capela de Nossa
Senhora de Lourdes. Fonte: Matheus Sagaz, 2017.
para novenários e celebrações diversas.
Atrás da Santa Cruz, encontra-se a Capela de Nossa Senhora de Lourdes. A Capela foi
erguida há cerca de 20 anos pelos próprios moradores (Figura 2). A construção da Capela foi
idealizada pelos moradores, pois as missas eram realizadas no colégio da comunidade, na
antiga Escola Desdobrada Municipal Sertão do Ribeirão e, até mesmo, na rua. A comunidade
almejava um espaço destinado exclusivamente para a realização das cerimônias e isso se
tornou possível com a construção da capela.
Sobre as festas religiosas da comunidade, podemos citar a festa de Santa Cruz e de
Nossa Senhora de Lourdes. A festa de Santa Cruz ocorre todos os anos no mês de outubro,
mês em que a cruz foi fixada pela primeira vez. Durante a festa, a novena é realizada em
frente à Santa Cruz e proferida em latim. No sábado à noite, após a novena, é realizado um
baile no salão da comunidade. No domingo de manhã ocorre a missa na Capela e, em seguida,
o almoço no salão comunitário com alguns alimentos oriundos do próprio Sertão. O dinheiro
arrecadado com os almoços custeia os gastos da festa, o restante destina-se ao caixa da
associação de moradores. Na edição de 2017, a festa contou com a presença de cerca de 300
pessoas da própria comunidade e de bairros vizinhos, como a Armação do Pântano do Sul e o
Ribeirão da Ilha.
A festa de Santa Cruz é realizada há algumas décadas, todavia, não era realizada na
mesma configuração dos dias de hoje. Noutros tempos, anterior à construção da Capela e do
salão comunitário, a missa era realizada na escola da comunidade e a novena era realizada ao
redor da cruz. Há cerca de 30 anos, a comunidade confraternizava num baile na casa de Seo
França (in memoriam). A confraternização gastronômica também se dava de forma distinta da
atual. Antigamente, cada morador ficava responsável por montar sua barraca de comida ou
bebida e, nesse caso, o dinheiro arrecadado ficava para o morador. Ao final do festejo, os fiéis
tinham como tradição doar um dinheiro à Santa Cruz, como forma de agradecimento.
Apesar das mudanças vividas ao longo dos anos, alguns costumes se mantêm como
antigamente. Um deles é a decoração da Capela, feita com lanternas, toalhas, cestas e flores
durante a realização das festividades. Outro costume que também se mantém é a queima de
fogos de artifícios na semana que antecede as festividades e, inclusive, durante as celebrações.
Os fogos anunciam que está próximo o início das festas.
A comemoração da festa de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira da Capela, ocorre
nos primeiros semestres dos anos e, em 2018, foi realizada na última semana do mês de abril.
Na semana anterior à festa, a estátua de Nossa Senhora de Lourdes é passada na casa dos
moradores que querem recebê-la para realização da novena.
Durante a festa, a estátua parte da
residência de moradores em procissão com
velas até a Capela da comunidade. Para a
ocasião, a Capela foi decorada com
bandeiras e bambus, e a procissão
acompanhada por aproximadamente 40
fiéis da própria comunidade e de bairro
próximos como da Costeira do Ribeirão, da
Armação do Pântano do Sul, do Campeche Figura 3 – Fiéis em procissão na Festa de Nossa Senhora de
Lourdes. Fonte: Almerinda de Souza, 2018.
e do Canto da Lagoa (Figura 3). Após a
novena, a comunidade confraternizou no salão comunitário. No segundo dia de festa, houve a
missa na Capela e a venda de almoço no salão. Em seguida, o esperado baile.
Outro exemplo de festividade na comunidade do Sertão do Ribeirão é a passagem da
Bandeira do Divino Espírito Santo, a qual ocorre no final de semana posterior à Festa de
Nossa Senhora de Lourdes.
A Bandeira do Divino é uma bandeira decorada com uma pomba branca, que
representa o Espírito Santo, junto a fitas brancas e vermelhas. Essa bandeira é fixada a um
mastro de madeira e levada em cortejo às casas dos fiéis. A passagem da bandeira acontece
aos sábados e domingos, começa pela manhã e se estende até o final da tarde, passando por 12
pontos da comunidade. Os devotos, responsáveis por carregar a bandeira e entoar os hinos,
vestem roupas vermelhas durante o ritual. Antigamente, a bandeira era conduzida por todas as
casas do Sertão, mas, atualmente, precisaria de mais dias visto o aumento do número de
residências.
Além das cantorias nas casas, há o pagamento de promessas. Muitas das oferendas no
pagamento são produtos locais, como ovos e queijos. Os alimentos ofertados são leiloados e
parte da quantia em dinheiro arrecadada destina-se à matriz, localizada na Freguesia do
Ribeirão da Ilha. A outra parte da arrecadação é destinada à Capela da comunidade.
Na comunidade, há também a passagem do festejo Terno de Reis. O evento ocorre no
final do ano, durante a semana do Natal, adentrando a semana de Ano Novo e indo até o dia 6
de janeiro, dia em que é comemorado o Dia de Reis. Os participantes desta celebração
irrompem pelas ruas do Sertão, param nas casas dos moradores que abrem suas residências
para recebê-los e cantam junto aos moradores em momentos de bênçãos e gratidão. Alguns
fiéis avançam a noite realizando esse ritual. Para Dona Elaine, moradora da comunidade, as
festas religiosas que ocorrem no Sertão do Ribeirão são expressões da união da comunidade.
Nesse sentido, conferimos que na prática de ritos,
como as cerimônias religiosas e/ou orações coletivas,
tem-se a apropriação de um território visando o
significado do sagrado para cada indivíduo, mas
também a união conjunta de um grupo com as
mesmas crenças. A partir disso, constitui-se uma
territorialidade religiosa, por meio de um conjunto de
práticas desenvolvidas onde o sagrado reflete uma
identidade de fé e sentimentos mútuos.
Apesar das festas religiosas realizadas na
comunidade serem símbolos imateriais do sagrado,
ainda há outros símbolos materiais que são de
extrema importância na constituição da paisagem Figura 4 - Minicapela presente no jardim de
entrada de uma moradora. Fonte: Susana Barbosa,
religiosa expressa no local. Um exemplo do que 2018.
estamos querendo dizer é a presença marcante de diversos objetos sagrados em diferentes
cômodos das residências, ou até mesmo, fora delas. Um desses símbolos presente nas
residências é a minicapela, em geral, situada nos jardins de entrada das casas. Por vezes,
encontramos velas ou estátuas de santos no interior das capelinhas. As minicapelas presentes
naquele espaço denotam a crença de proteção às residências (Figura 4).
Ao adentrar algumas moradias, foi possível visualizar outros símbolos religiosos
notáveis, como a presença da imagem da Pomba do Divino Espírito Santo (Figura 5), ou
relógios de parede com a imagem de santos ao
fundo. Havia também a presença de estátuas
em patamares dedicados exclusivamente aos
santos, numa espécie de territorialidade
sagrada. Junto aos santos, acompanhavam
velas, terços e outras imagens religiosas
(Figura 6). Esses objetos, comumente, estavam
situados em cômodos mais íntimos ou,
também, na sala de estar das residências.
Figura 5 - Imagem da Pomba do Divino Espírito Santo na
sala de estar da casa de um dos moradores. Fonte: Matheus
Sagaz, 2017.
Geertz (apud Rosendahl, 2014, p.190) afirma que
“a ideia de religião seria um sistema cultural com
símbolos que torna as coisas humanas”. Nesse sentido,
conferimos que uma das formas de integração entre os
moradores da comunidade do Sertão do Ribeirão dá-se
através da religiosidade local. Uma mostra disso pode
ser constatada na construção da Capela Nossa Senhora
de Lourdes, construída pelos moradores da comunidade.
“A comunidade religiosa constrói a Igreja e esta, em
função de comunhão social, sustenta a própria
comunidade” (ROSENDAHL, 2014, p. 206).
Para Cosgrove (1989, p. 105), “todas as Figura 6 - Altar composto por santos, terços,
velas e outras imagens religiosas no quarto de
paisagens são simbólicas, apesar da ligação entre o um dos moradores. Fonte: Matheus Sagaz,
2018.
símbolo e o que ele representa (seu referente) poder
parecer muito tênue”. Assim, podemos conceber que locais sagrados funcionam como uma
paisagem simbólica demarcada pelas festas religiosas da comunidade, mas, também, em
objetos estáticos de afeição como as minicapelas, as cruzes cravadas no chão ou objetos
pessoais, como terços e estátuas de santos. Portanto, por meio desses símbolos, a comunidade
assegura seu território, sua cultura e sua territorialidade religiosa.

Considerações finais

A pesquisa realizada na comunidade do Sertão do Ribeirão, no Parque Municipal da


Lagoa do Peri, foi um exercício formativo para o futuro professor de geografia. Com o
desenvolvimento da pesquisa, foi possível perceber a relação simbólica existente entre cultura
e espaço conferida nas paisagens religiosas, a qual mantém viva o tradicionalismo sacro no
cenário desta pequena comunidade.
Acerca da questão do sagrado, em particular, conferimos a forte presença de símbolos
religiosos no local. Os símbolos sagrados presentes na comunidade do Sertão do Ribeirão
definem a comunidade como uma paisagem religiosa, desde as festas de Santa Cruz, de Nossa
Senhora de Lourdes, do Terno de Reis e do Divino Espírito Santo que reúnem pessoas de
outros locais unidas por uma crença, a objetos sagrados localizados nas casas dos moradores.
As residências também se atrelam ao credo, devido a presença de altares, imagens, terços e
estátuas de santos nos cômodos, além das minicapelas nos jardins.
Em suma, os resultados evidenciam que a tônica do divino pode ser conferida desde as
festividades realizadas pelos moradores, como na disposição de objetos religiosos pela
comunidade, na organização dos jardins de entrada das moradias e, também, nas
territorialidades religiosas dos cômodos mais íntimos das residências. Dessa forma, podemos
pensar que o local constituído por uma comunidade religiosa não é somente onde se
encontram rituais e símbolos, mas, também, como um local de práticas que vivem e se
afirmam identidades. Visto isso, podemos concluir que trabalhos como esse dão visibilidade a
territorialidades religiosas e enfatizam o papel do sagrado na organização espacial, muitas das
vezes ignorados pela geografia.
Por meio da pesquisa, estudantes de graduação foram capazes de indagar sobre sua
realidade, de aprofundar conhecimentos teóricos acerca de determinado tema, de desenvolver
e aplicar procedimentos de pesquisa, para então, poderem experimentá-los futuramente em
sala de aula.
A pesquisa como atividade curricular não deve estar restrita apenas ao trabalho de
conclusão de curso (TCC) do estudante, ou a cursos de mestrado e doutorado, mas pode e
deve ser uma constante em seu percurso formativo.
Por fim, a partir dos procedimentos de pesquisa realizados, almejamos emergir uma
gama de possibilidades metodológicas para a educação geográfica, como as propostas de
saída de estudos que geram uma leitura mais acurada do cotidiano e da realidade do estudante.
Assim, ações como estas podem vir a corroborar para pensar uma educação geográfica
articulada ao exercício teórico e prática imanente na profissão.

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