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1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, lei maior de nosso país, em seu art. 5°, inciso LXVII,
dispõe:
“Art. 5°. .....................
LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;”
O Código Civil de 1916 regulava o depósito nos arts. 1265 a 1287. O revogado
artigo 1287 previa:
“Art. 1287. Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário, que o não
restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo, mediante prisão não
excedente a 1 (um) ano, e a ressarcir os prejuízos (art. 1.273).”
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU, ratificado pelo Brasil
em 24/01/1992, em seu art. 11, dispõe:
“ARTIGO 11
Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação
contratual. “
E, por fim, o Código Civil de 2002, que trata da matéria de forma semelhante ao
Código anterior:
“Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o
restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não
excedente a 1 (um) ano, e ressarcir os prejuízos.”
Esses são os diplomas legais em que nos basearemos. Passemos para a jurisprudência do
STF sobre a matéria.
matéria por aqueles Pactos Internacionais. Porém, não foi esta a tese que prevaleceu, à
época, no STF.
O STF, no HC 72.131-11, confirmou a legitimidade da prisão do depositário infiel
mesmo após a ratificação dos tratados supracitados.
O STF manteve-se a posição de constitucionalidade e também de vigência da prisão
do depositário infiel no ordenamento brasileiro adotando dois principais argumentos:
a) não revogação do Decreto-Lei 911/69 por se tratar de norma especial; e
como o tratado seria norma geral não revogaria norma especial;
b) não aplicação do art. 5º, LXVII nem do tratado, pois a prisão de
depositário não se trata de prisão por dívida propriamente dita, mas sim
um meio processual coercitivo para obrigar a devolver bem alheio.
O redator do acórdão, Ministro Moreira Alves, ao se pronunciar sobre o Pacto de
São José da Costa Rica assim se manifestou:
“...........................
Por fim, nada interfere na questão depositário infiel em matéria de alienação
fiduciária a Convenção de San José da Costa Rica..... Com efeito é pacífico na
jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam no nosso
ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária...Sendo, pois,
mero dispositivo legal ordinário esse § 7°, do art. 7º da referida Convenção
não pode restringir o alcance das exceções previstas no art. 5º, LVII (sic), da
nossa atual Constituição(...) até para o efeito de revogar por interpretação
inconstitucional do seu silêncio no sentido de não admitir o que a Constituição
brasileira admite expressamente, as normas sobre a prisão civil de depositário
infiel, e isso sem ainda se levar em consideração que, sendo o art. 7º, § 7º,
dessa Convenção norma de caráter geral, não revoga ele o disposto, em
legislação especial, como é a relativa à alienação fiduciária em garantia, no
tocante à sua disciplina do devedor como depositário necessário, suscetível de
prisão civil se se tornar depositário infiel.”
Observamos que não foi objeto de deliberação o Pacto de Direitos Civis e Políticos,
já em vigor.
3 HC 87585 / TO - TOCANTINS
../jurisprudencia/l HC87585 / TO - T
5 Art. 5º.................
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
6 “Artigo 25............
As normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte integrante do
direito federal. Elas prevalecem sobre as leis e produzem diretamente direitos e
deveres para os habitantes do território nacional. “
Quanto à vigência dos arts. 11, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, e do art. 7º, 7, do Pacto de São José de Costa Rica, aceita a tese de equiparação
entre lei ordinária e tratado internacional, deve-se concluir pela revogação destes, no que
se refere à sua vigência interna, quanto à prisão civil de depositário infiel prevista no art.
652 do atual Código Civil. Porém, o mesmo não se pode dizer quanto à prisão do
depositário infiel prevista no Decreto-Lei 911/69, posto que os dispositivos em que se
fundavam foram revogados pelos tratados supracitados e não vemos como aplicá-los sem
incorrer no fenômeno da repristinação, que não é aceito no direito brasileiro9.
Não podemos aceitar a teoria de que o Decreto-Lei 911/69 seria uma lex
specialis, posto que a sua validade dentro do ordenamento jurídico baseia-se no
enquadramento na figura do depositário infiel prevista no art. 5º, LXVII, da CF, que tem
por referência o instituto previsto no antigo Código Civil e também presente no atual
Código.
Mas tal revogação no campo interno não isenta o Estado brasileiro de sua
responsabilidade no campo internacional, posto que se obrigou, ao ratificar o tratado, a não
instituir prisão por dívida (salvo no caso de inadimplemento voluntário e inescusável de
obrigação alimentícia) nem por decorrência de descumprimento de uma obrigação
contratual. Conforme dispõe o art. 27, 1, da Convenção de Viena sobre Tratados (ratificado
pelo Brasil em 25/10/2009) um Estado não pode invocar disposições de seu direito interno
para justificar a não execução de um tratado (Observamos que tal regra de Direito
Internacional vigorava antes como Costume Internacional). Portanto, mantém-se a
responsabilidade internacional do Brasil perante as Organizações Internacionais e perante
os outros Estados celebrantes, conforme as regra de Direito Internacional ou do próprio
tratado.
A nosso ver a partir da vigência do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (que entrou em vigor antes do Pacto de São José da Costa Rica) até a entrada em
vigor do atual Código Civil não seria possível a prisão civil do depositário infiel (no caso
de prisão decorrente de dívida ou obrigação contratual). E, após a entrada em vigor do
novo Código Civil, esta se tornou possível apenas nos casos e forma ali dispostos.
defendendo a interpretação da Constituição a partir das leis, mas a observância dos valores
e institutos inseridos na cultura jurídica no grupo social.
Por isso entendemos que diante da Constituição Federal é possível a prisão
civil do depositário decretado infiel nas condições previstas no Decreto-Lei 911/69. Porém,
deve ser observada a devida proporcionalidade entre os bens jurídicos em conflito. E, no
caso, ao nosso ver, há uma violação do Princípio da Proporcionalidade na regulação da
prisão civil do depositário infiel tanto no caso de alienação fiduciária quanto a prevista no
Código Civil. Explico.
A cominação prevista no art. 902, § 1º, do Decreto-Lei 911/69 é de prisão
de até 1 (um) ano. O mesmo está previsto no art. 652 do Código Civil. O Código de
Processo Civil, ao regular a prisão do inadimplente de obrigação alimentar dispõe que a
pena será de 1 (um) até 3 (três) meses.10 Ora vejamos, se a prisão em caso de obrigação de
caráter alimentar, ainda inquestionavelmente vigente em nosso ordenamento porque
decorrência do direito à vida, fixa um prazo máximo de três meses como pode o legislador
fixar o prazo máximo de um ano quando se trata de conflito de um direito patrimonial com
o direito à liberdade. Entendemos totalmente desarrazoado. Mesmo porque a prisão civil é
mera coação de natureza processual e não penal (o sujeito pode ainda ser acionado
penalmente). Por isso, entendemos que o prazo cominado no art. 652 do Código Civil
(observe-se que acima defendemos revogação dos dispositivos do Decreto-Lei 911/69 que
tratam da prisão civil) é inconstitucional, pois viola o Princípio da Proporcionalidade ao
não ponderar de forma razoável os bens jurídicos (direito de propriedade x direito à
liberdade) em conflito.
deposito judicial não possui natureza contratual, trata-se de depósito necessário nem se
pode falar de dívida posto que o depositário não assume uma dívida perante o magistrado.
Portanto há total compatibilidade da prisão civil do depositário judicial tanto com a
Constituição Federal quanto com os tratados de direitos humanos supracitados.
BIBLIOGRAFIA