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Departamento de História

A crítica dos Estudos Subalternos ao conceito tradicional de História


Universal1

Aluno: Sergio Renato Victor Villela Filho2 (Bolsista PIBIC/CNPq)


Orientador: Marcelo Gantus Jasmin

Agradecimentos
Agradeço ao professor e orientador da pesquisa Marcelo Jasmin pela oportunidade
apresentada, pelo apoio e pela bibliografia que ele nos apresentou durante a pesquisa. Ao
PIBIC/CNPq pela bolsa, tanto por seu valor financeiro quanto pelo estímulo acadêmico que ela
proporciona. Finalmente, ao grupo de alunos que participou comigo desta pesquisa, por seus
comentários e contribuições.

Itinerário breve:

I. Objetivos da pesquisa realizada


II. Introdução
III. Pós-colonialismo e Estudos Subalternos: uma explanação
IV. História Universal (Weltgeschichte): apresentação do problema
V. A crítica subalterna: Ranajit Guha e Dipesh Chakrabarty
VI. Vivek Chibber: a crítica da crítica
VII. Conclusões
VIII. Referências bibliográficas

Objetivos

O objetivo da pesquisa é investigar formas historiográficas contemporâneas,


nomeadamente a teoria pós-colonial sustentada pelo grupo de pesquisa Estudos Subalternos
(doravante também E.S.) e pensar como este grupo de estudiosos procede na construção de sua
narrativa, visando a desvencilhar-se das armadilhas evidenciadas pela crise do conceito
filosófico de História Universal e apontar seus limites.

Introdução

A pesquisa liderada pelo professor Marcelo Gantus Jasmin tem como objetivo a reflexão
sobre a crise, em nosso tempo, de grandes narrativas históricas. A partir da análise dos conceitos
de História e de universal, sob a luz de recentes teorias pós-coloniais, pudemos verificar que
tentativas pregressas de elaboração de uma narrativa de tal monta não eram de fato universais,
mas representações da Weltanschauung de uma fração de nosso ecúmeno, e que se afigurava
como ocidental e eurocêntrica.

1
As traduções presentes nesse texto foram feitas por mim; pelos erros, respondo sozinho.
2
Graduando do curso de História, PUC-RIO
Departamento de História

O pensamento pós-colonial, mais especificamente o que alimenta os pensadores


reunidos no grupo chamado Estudos Subalternos (Subaltern Studies), surge como objeto de
estudo pois se inscreve, à sua maneira, na tradição historiográfica da História Universal, mais
precisamente em sua crítica.

Resumidamente, o papel deste trabalho é analisar uma parte da produção desse grupo e
em que bases é realizada a crítica à História Universal. Será empreendida, outrossim, "a crítica
da crítica", isto é, serão apontados certos limites que esse pensamento subalterno encerra.

Pós-colonialismo e Estudos Subalternos: uma explanação

O pós-colonialismo pode ser definido como um movimento intelectual de caráter


marcadamente crítico, cujas teorias tem por objeto povos e sociedades cuja história foi (ou
ainda é) marcada por um processo de colonização. Usualmente, eles surgem como uma
manifestação intelectual de uma contestação historiográfica, mas também política, acerca do
passado, do presente e de projetos para o futuro de sociedades portadoras de uma experiência
colonial.

A experiência colonial tem como consequência uma precipitação para uma crise
identitária e –mal comparando- existencial, na qual esse povo colonizado se vê diante de
questões fulcrais como, por exemplo, "no que consiste ser latino-americano, africano, etc.",
"quem somos nós em relação aos outros", i.e., uma identidade construída a partir da diferença
e da alteridade, "como podemos agir politicamente no mundo", entre outras. Implícito nessas
perguntas está uma relação assimétrica, uma hegemonia e dominação que, na teoria e na
prática, o pós-colonialismo almeja problematizar.

Os Estudos Subalternos se encaixam nessa escola pós-colonialista como uma fração


representativa dessa experiência pós-colonial, como um "grupo de pensadores indianos que se
opunham ao que consideravam uma visão colonialista e elitista sobre a história da Índia". Na
contramão dessa visão elitista, os olhos dos estudiosos dos Estudos Subalternos voltaram-se
para os grupos marginalizados e subalternizados da história da Índia; desse modo, a produção
intelectual desse grupo deu ensejo ao debate sobre exilados e excluídos também em outras
regiões do mundo. (CHAKRABARTY, 2000, p. 13) (WEINSTEIN, 2003, p. 208)

O movimento pós-colonial (e, consequentemente, os Estudos Subalternos) são


permeados pelas teorias marxistas, com forte aporte gramsciano. De fato, o próprio conceito
de subalterno é extraído de Antonio Gramsci; ele significa qualquer grupo social que se
encontra marginalizado em relação à uma estrutura de poder hegemônica. Embora possa ser
caracterizado dessa forma, não há um consenso, na literatura dos Estudos Subalternos, sobre a
univocidade ou a equivocidade do termo subalterno – muitas vezes utilizado de forma
intercambiável com "oprimido" ou "proletário".3 Os autores trabalhados – Guha, Chakrabarty
e Chibber – tendem à uma generalidade.

História Universal (Weltgeschichte): apresentação do problema

O título desta parte, bem como seus primeiros parágrafos, devo-os ao texto As
armadilhas da história universal, do professor Marcelo Jasmin. Cito-o:

3
Gayatri Spivak, que pode ser ligada – embora de forma frouxa – aos Estudos Subalternos, defende a
manutenção de uma diferença entre subalterno e outras categorias análogas.
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"Podemos compreender a história universal como uma forma moderna de


crença. Tomemos como ponto de partida a suposição, compartilhada por
grande parte dos habitantes do Ocidente moderno, de que a História é um
processo ordenado de desenvolvimento da humanidade no tempo. Apesar das
suas muitas variações, a forma genérica deste processo é a de um percurso
iniciado num passado remoto que já deixamos para trás – as “cavernas” –,
que atravessa o presente atual experimentado como um instante breve,
momento de passagem em direção a um tempo novo, heterogêneo, o futuro. Em
muitas versões dessa crença imaginou-se que, com bons instrumentos
científicos, seria possível conhecer antecipadamente o futuro, apreender o que
faz a História mover-se e, de posse de tais conhecimentos, acelerar ou retardar
o processo histórico universal pela ação consciente na direção em que este se
dá. Tais crenças viabilizaram afirmações como a de que o homem faz a
história ao planejar o seu futuro, ou a da História – com H maiúsculo e
enunciada no singular – como o verdadeiro tribunal e a última instância para
ajuizar o valor das coisas humanas.

A partir desse desenho inicial, que se não me engano pode ser reconhecido por
qualquer um que tenha vivido as décadas anteriores aos anos 1980, eu
gostaria de trabalhar três hipóteses. A primeira delas é a de que essa
perspectiva sobre a história se difundiu tão amplamente no Ocidente moderno
que foi naturalizada e passou a operar como uma crença constitutiva da
autorreferência humana, servindo para responder perguntas relevantes como
o que somos, de onde viemos e para onde vamos. A segunda hipótese, de
caráter mais historiográfico, é a de que essa crença numa história universal
passível de ser conhecida em seus fundamentos e dirigida pela ação humana
só foi possível a partir de uma concepção particular, histórica e culturalmente
situada, concebida paulatinamente pelo mundo europeu entre os séculos XVI e
XVIII, e que adquiriu as suas formulações mais sistemáticas e representativas
nas filosofias históricas dos séculos XVIII e XIX. A terceira e última hipótese é
a de que os acontecimentos catastróficos do século XX, em particular os
experimentados na Segunda Guerra Mundial, e de lá até a Queda do Muro de
Berlim em 1989, fizeram com que não pudéssemos mais crer com a
naturalidade moderna no esquema universal e progressivo do tempo histórico,
o que ensejou a percepção de que aquilo que nos parecia uma dimensão
intrínseca à existência e natural à consciência humana era somente uma
dentre as formas culturalmente possíveis de se ordenar o tempo e engendrar a
autorreferência humana. O que em algum momento recente se chamou pós-
modernismo é, neste quadro hipotético, apenas um sintoma de que os modos
modernos de lidarmos com a história estão no limite de sua validade e
persuasão, o que propõe ao pensamento a tarefa de elaborar formas
alternativas de lidarmos com a estrutura temporal da história, as relações
entre o passado, o presente e o futuro."4

O trecho citado acima apresenta três hipóteses e uma concepção particular sobre o
conceito de História Universal. Ao longo desta seção, veremos como muito do que foi
exposto por Jasmin encontra eco nos Estudos Subalternos. Vale dizer que todas as hipóteses

4
In: Adauto Novaes (org.) Mutações: a invenção das crenças. Ediçoes SescSP, 2011, pp. 377-378.
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apresentadas perpassarão, em alguma medida, todo o texto que se segue (mas principalmente
nas críticas).

A primeira hipótese, sobre a difusão dessa crença, se verifica no Ocidente, mas não
somente nele; de fato, a hipótese poderia ser ampliada de modo a abarcar também o Oriente
(no caso particular, a Índia). A tradução-translação desse conceito, bem como do capitalismo,
sob a égide do colonialismo acarretou precisamente em uma mudança de autorreferencial não
só nesse sentido amplo, da ordem do gênero humano, explicitado pela passagem, mas também
em um escopo menor, nacional.
A segunda hipótese também se encontra em sintonia com os pressupostos dos Estudos
Subalternos, e abrange várias camadas de interpretação. Em um primeiro momento, o mundo,
até então largamente "europeu" (no limite, eurasiano) se viu, pela primeira vez, diante de
novos povos, "povos sem história", e da necessidade de caracterizá-los e classifica-los. Num
segundo momento, há a ascensão e a "conquista do mundo" pela burguesia. Finalmente, como
um reluzente ponto na história do pensamento europeu, o estabelecimento das filosofias
históricas do XVIII e XIX, com particular ênfase em Kant, Hegel e na Weltgeschichte, a
História Universal. Evidentemente, por sua universalidade, essas "armas" do pensamento
rapidamente transbordaram a circunscrição europeia.

A terceira hipótese é a mais problemática. Embora os acontecimentos do século XX


certamente tenham influenciado na desnaturalização dessa crença, penso que essa influência
se aplica muito mais ao Ocidente quanto ao Oriente. Isto porque, acredito, tal naturalização
nunca se deu lá da mesma forma que se deu no mundo ocidental. A diferença entre as culturas
e suas respectivas visões de mundo parecem apontar para uma recalcitrância por parte dos
elementos subalternos da Índia em relação a essa naturalização do tempo e da história. A
universalização, pois, já parecia ameaçada. Contudo, foram essas vozes subalternas e o
próprio passado da Índia que a Weltgeschichte tratou de silenciar – é esse silêncio que
preocupa tanto Chakrabarty quanto Guha.

Antes de terminar esta parte, vale trazer algumas palavras de François Jullien acerca
do universal e a sua universalidade. De acordo com ele, o universal é um conceito da razão,
de caráter necessário e prescritivo, que invoca um dever-ser. Trazendo Kant como um
exemplo paradigmático desse universal, Jullien ressalta a universalidade peculiar da filosofia
histórica de Kant, na qual "toda conduta humana é submetida por princípio à mesma lei, esta
concebida a partir da universalidade característica das leis da natureza." (JULLIEN, 2009, p.
23) Kant, pois, como outros representantes do pensamento iluminista, não se dava conta da
existência de um sujeito cultural. Mais do que isso, Kant não levantou uma questão fulcral
que é, segundo Jullien, se "esse universal não consagraria realmente a supremacia, hoje
vacilante e ainda mais inabordável, da razão ocidental e, sob ela, o imperialismo de uma
civilização?" (JULLIEN, 2009, p. 28) Ora, essa questão é precisamente um dos pontos
contenciosos dos Estudos Subalternos.

A crítica subalterna: Ranajit Guha e Dipesh Chakrabarty

Resumidamente, Guha e Chakrabarty apresentam duas perspectivas sobre a história


que apresentam clivagens que, embora de teor diferente, acabam por cindir a história de forma
semelhante. Guha apresenta a prosa da história cerceando a prosa do mundo e a
historicalidade; Chakrabarty apresenta o que ele denomina História 1 cerceando uma História
2. Tanto a História 1 quanto a prosa da história partem de categorias ou "universais
sociológicos" como o Capitalismo ou a Modernidade. No decurso da história, o passado, a
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linguagem e seus modos de integração na prosa de seus mundos (ou em sua História 2) são
subjugados, pela força e pela persuasão de um colonialismo informado por uma história
universal-europeia.

Eis uma fissura inerente ao edifício filosófico dos séculos XVIII-XIX e à História
Universal, qual seja, ao tentar construir uma narrativa dotada de uma universalidade "forte",
baseada numa necessidade de princípio, ela acaba por representar apenas a consciência
europeia, a qual não suspeita que alguns conceitos e categorias não são universais, não são
pensados por outras culturas. Segundo Guha:

"O que é apresentado5 como o sujeito da Weltgeschichte é na verdade, após


uma mirada cautelosa, não mais do que uma região pretendendo falar pelo
mundo como um todo. Consequentemente, a história que a segue se mostra
altamente reducionista em escopo – uma historieta de pretensões épicas. Tal
história desmente o seu título6 ao negligenciar grandes porções de
historicality7." (GUHA, 2002, pp. 34-35)

Chakrabarty diz, de forma semelhante:

"Provincializar a Europa é precisamente buscar como e em que sentido ideias


europeias universais foram também, a um tempo, derivadas de tradições
intelectuais e históricas muito particulares, que não podiam reivindicar
qualquer validez universal." (CHAKRABARTY, 2000, Prefácio)

O conceito de historicality é central para a compreensão da crítica de Guha. De difícil


tradução – optarei por historicalidade – ele me pareceu significar algo como "uma
experiência humana dotada de uma abertura ou possibilidade de ser narrada ou integrada à
história (universal) que não se realiza, ou seja, potência em lugar de ato." Guha vai defini-la
como "a verdadeira existência histórica do homem no mundo." (GUHA, 2002, p. 3) Todavia,
a historicalidade, suprimida pela narrativa da filosofia histórica da História Universal pode ser
definida também pela sua negação, isto é, a historicalidade é o que reside fora dos limites da
História Universal, é algo que não está em seu escopo ou fim – e é ela que Guha quer
reabilitar.8

A divisão do espaço histórico entre a História Universal e o que não se encaixa – a


historicalidade – pode ser dita de outra forma pela distinção entre duas distintas condições de
ser – a prosa da história e a prosa do mundo9. A prosa do mundo diz respeito a um passado
preexistente, a um "espaço de experiências" que, in potentia, poderia abarcar toda a
experiência humana e de todos os povos e sociedades. A história e a historiografia poderiam,
pois, abrigar toda essa ampla coleção de experiências.

Contudo, com o projeto imperialista e world-historical perpetrado pela Europa, no


qual o único sujeito cultural (e histórico) era o homem europeu, o próprio tempo histórico
5
No caso, a filosofia histórica de Hegel.
6
Isto é, seu título de universal.
7
Grifo meu.
8
Daí o título do livro; é esta história, no limite da História Universal que Guha busca.
9
Essa nomenclatura –prosa- é utilizada pois, segundo Guha, à poesia cabe o que é originário e primordial, é o
lugar do misticismo e da santidade. A linguagem da prosa é outra, que vai se assemelhar muito ao tempo
histórico como descrito por Chakrabarty, na qual esses valores são descartados, seus valores serão mundanos e
modernos e seu tempo é o quotidiano. (GUHA, 2002, pp. 12-13)
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passou a ser ditado e definido por ele. O tempo torna-se "vazio, secular, homogêneo e
desencantado" (CHAKRABARTY, 2000, p. 15) – o mundo mergulha num mesmo regime de
historicidade – e começam a ser sentidas tensões temporais de retardamento e aceleração. Este
é, outrossim, o ambiente da prosa da história.

Subscrevendo-nos ao conceito de História Universal posto pelo Iluminismo em diante,


fraco e eurocêntrico, outras armadilhas vêm à tona. Numa perspectiva progressiva,
quintessência do Iluminismo, como definir e o que fazer com o que não está de acordo com
seu telos e com a razão que faz mover o progresso?

Guha responde à essa pergunta via Hegel. Segundo sua filosofia histórica, a prosa do
mundo dá origem à prosa da história, em um processo no qual "formas mais avançadas são
produzidas a partir da transformação de formas pretéritas e menos avançadas." (GUHA,
2002, p. 24). Como uma continuação do postulado renascentista que identificava a falta de
escrita com a falta de história, Hegel identificará a ausência de um Estado com a falta de
história. Em sua tipificação, o Oriente (Índia aí inclusa) é um exemplo de civilização sem
história. A filosofia histórica vai, pois, "legitimar políticas e a atualidade do mundo ao
concebê-lo filosoficamente." (GUHA, 2002, p. 39) Essa legitimidade, de fato espúria, relega o
não-Ocidental à Pré-história, lugar do "apolítico".

Como grande exemplo desse descompasso entre as atuais vivências e experiências de


um indivíduo ou grupo e uma narrativa histórica, Chakrabarty diz:

"Um assunto secular como a história encontra certos problemas ao lidar com
práticas nas quais deuses, espíritos e o sobrenatural apresentam agência no
mundo. Trabalho, a atividade de produzir, é raramente uma atividade
completamente secular na Índia; geralmente ela envolve, por meio de rituais
grandes ou pequenos, a invocação de presenças divinas ou sobre-humanas.
Histórias seculares são produzidas ignorando os sinais dessas presenças; para
a escrita da história, o sistema secular traduz o outro em si mesmo."
(CHAKRABARTY, 2000, p. 72)

O que está em jogo aqui é a imposição de um tempo histórico específico, moderno,


homogêneo, secular e desencantado sobre um tempo ainda marcado por valores provenientes
da religião, tradição, comunidade, etc. Implícito nisso está uma outra diferença relativa, qual
seja, o colonizado (no caso, o indiano) possui um olhar e um lebenswelt específico, no qual
deuses e práticas adversas ao modelo europeu persistem. A história do capital e de sua
universalização – a História 1 – teria sempre de lidar com as particularidades dessa História 2,
que versa sobre elementos que não pertencem ao "processo vital do capital." Nesta contenda,
o que é posto em xeque é o caráter universal do capitalismo.

Mais do que isso, essa Weltgeschichte que se arroga como única, como uma história
objetiva da humanidade, tem como uma característica estrutural o que Koselleck chama de "a
contemporaneidade do não contemporâneo" (KOSELLECK, O Conceito de História, 2013, p.
39), isto é, a coexistência de diferentes estratos temporais numa mesma contemporaneidade.
Dito de outro modo, e tendo sempre a perspectiva do progresso e o tempo histórico
desencantado em mente, é como se as diversidades sociais e culturais do globo pudessem ser
interpretadas sob a ótica de um relativo atraso ou modernidade.
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O subalterno reside precisamente nessa temporalidade que se aproxima de um futuro


ou modernidade que nunca chega realmente a tocar, e é precisamente a partir dessa tensão que
eles reivindicam uma equalização de experiências em relação ao Ocidente moderno,
remediação de injustiças sociais ou uma autodeterminação historiográfica, para que a Índia
siga o seu próprio decurso histórico.

Em outras palavras, um insidioso historicismo encontra-se enraizado nessa


Weltgeschichte, percebido tanto por Guha ao criticar Hegel e sua teoria do Estado quanto por
Chakrabarty e sua interpretação da história do capital. Este último, por exemplo, argumenta
que "há casos de revoltas camponesas na Índia nas quais os campesinos afirmam terem sido
inspirados à rebelião por exortação dos deuses." (CHAKRABARTY, 2000, p. 89)

Um evidente exemplo da tensão existente entre a História 1 e a História 2, mas como


a História vai construir uma narrativa sobre esta experiência? Claramente não poderá
inscrever esse movimento em um registro divino; este foi removida da História. Ela tentará
compreendê-lo – ou melhor, traduzi-lo - por suas próprias categorias universais, o que leva a
uma deformação e falsificação. Os revoltosos teriam se insuflado não por um literal
enthusiasmós, mas por causas que se apresentam como mais palatáveis para essa linguagem
histórica universal, como por uma melhor condição de trabalho, como parte da luta de classes,
etc. É a realidade desses eventos que os pensadores dos estudos subalternos, em geral, querem
resgatar do oblívio aos quais foram lançados pela Weltgeschichte – ou seja, a já citada
autodeterminação historiográfica.10

Ao serem "esquecidos" – por terem sua causa real falseada – esses fenômenos que
vão na contramão do capitalismo são situados fora da História. O próprio pensamento de
Marx é um exemplo de uma filosofia da história que carrega consigo certos conceitos
universalizantes e que engendra uma narrativa específica que vai relegar o mundo colonial ou
não-europeu o lugar da pré-história ou semelhante. Segundo o Manifesto Comunista, Anexo
1, como resposta à pergunta "Quais foram as consequências imediatas da revolução industrial
e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?":

"O antigo sistema de manufatura ou da indústria baseada no trabalho manual


foi completamente destruído, em todos os países do mundo[...] Todos os países
semibárbaros, que até então tinham permanecido mais ou menos à margem do
desenvolvimento histórico e cuja indústria ainda se baseava na manufatura,
foram violentamente arrancados do seu isolamento. Países que após milhares
de anos não tinham feito qualquer progresso – a Índia, por exemplo – foram
completamente revolucionados[...] Desse modo, a grande indústria
estabeleceu ligações entre todos os povos da terra, uniu num único mercado
mundial todos os pequenos mercados locais, preparou em todas as partes a
civilização e o progresso e criou uma situação na qual tudo o que ocorre nos
países civilizados repercute necessariamente nos demais países."11

10
A autodeterminação historiográfica, bem como os "desvios de tradução" de uma história para a outra são
explicitados como problema (e índice de sujeição/posição de subalterno) por Chakrabarty, ao dizer: Que a
Europa opera como um referencial tácito no conhecimento histórico se torna óbvio por uma maneira muito
simples. Historiadores pertencentes ao terceiro mundo têm a necessidade de sempre se voltarem para trabalhos
da história europeia; historiadores europeus, por sua vez, não precisam reciprocar. (CHAKRABARTY, 2000,
pp. 27-28)
11
Grifo meu.
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Esse trecho tem muito a revelar, tanto explícita quanto implicitamente. Ele expõe
claramente o historicismo enquanto uma narrativa de transição12, bem como sustenta
Chakrabarty (CHAKRABARTY, 2000, p. 30). Também fica patente como o capitalismo é um
"espectro" que ronda toda a produção dos Estudos Subalternos, visto que o desenvolvimento
histórico, pelo viés marxista, se dá por meio da luta de classes e, principalmente, pela
ascensão da burguesia, cuja trajetória foi trabalhada extensivamente por Guha.

De qualquer forma, essa passagem também resume de forma ampla a História 1, e


como o que deveria compor a História 2 (ou, em termos de Guha, uma outra historicalidade) é
excluída a priori pelo olhar histórico-universal que emana da Europa. A ascensão da
burguesia e do capital são, a um tempo, sinal para os povos colonizados ou subalternos de sua
próxima etapa evolutiva e também um projeto imperialista e colonizador que, legitimado
filosoficamente, conquista as margens da História em nome da civilização e do progresso.

Ademais, a presença (ou ausência) do Estado também deve ser ressaltada. O caminho
do capitalismo seguirá apoiado largamente por uma iniciativa estatal, de modo que, se o
percurso histórico é medido pela disseminação e difusão do capital e de um lebenswelt
europeu específico para todo o mundo, bem como pela mudança na estrutura (no sentido da
teoria de Marx) econômica, tais medidas só podem ser tomadas integralmente tendo em vista
esse sustentáculo que é o Estado-nação.

É a partir da Humanidade – vale dizer, humanidade europeia – que se mede o progresso;


ela é sua pedra de toque. Caso um elemento de algum sujeito cultural que esteja fora ou às
margens da esfera europeia, ou pertencente à historicalidade de Guha, seja visto sob uma luz
positiva, será cooptado para a narrativa europeia. Hegel parece proceder desta forma, mas
opta pela exclusão: "A Índia não apenas tem antigos livros religiosos e esplêndidas obras
poéticas, mas também antigos livros de Direito...; apesar disso, ela ainda não tem uma
história." (GUHA, 2002, p. 9) Os elementos negativos, contudo, são calados e seus
apreciadores, durante o XVIII e o XIX, podem muito bem ser chamados, como Heródoto foi
em sua época, de filobarbaros.

Retomando a reivindicação de Guha, qual seja, a da autodeterminação historiográfica


e da busca por uma expansão do "material" historiográfico em busca de uma valoração da
historicalidade dentro de um contexto de sujeição historiográfica, a História (Geschichte)
passa a ser, por um lado factível, e por outro exerce um superpoder sobre os homens.13 A
crítica de Guha incide precisamente sobre a historiografia, no sentido de que, ao ancorar no
subcontinente, a História (disciplina e prática eminentemente europeia) modificou, ou melhor,
colonizou a mentalidade dos historiadores indianos, os quais passaram a produzir narrativas
que prescindiam das idiossincrasias da Índia. Em vez de versarem sobre as diferentes
maneiras de estar no mundo que a Índia podia apresentar, escreveram uma história à europeia,
preocupada com questões como o Estado e a nação indiana (conceitos estes também
importados) ou por meio de categorias europeias; seu passado é, pois, alienado.

Outro comentário que podemos tecer sobre essa constrição da história e da


historicalidade está ligada – fazendo uma ponte com Chakrabarty – com a ascensão do

12
Como digressão, a questão da transição nos traz à mente outras teorias, como a teoria da dependência de
meados do XX (cujo sujeito tácito também é uma Europa ou um Ocidente), a partir da qual o centro se sustenta
pela exploração dos países periféricos, que tem como saída dessa dependência a ruptura com esse centro. De
certa maneira, é também uma forma de "provincializar a Europa".
13
KOSELLECK, Reinhart. Op cit., p. 216.
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capitalismo e da burguesia, i.e., da Modernidade, e com o historicismo. De acordo com a


lógica do historicismo, os países não-modernos ou incivilizados sempre estariam situados em
uma "sala de espera da História"14, sempre olhando para o Ocidente como o farol de seu
destino. Nesse processo, se perde a especificidade da modernidade pós-colonial da Índia, e
que seu presente, bem mais do que um estágio em um processo maior, é uma atualidade sui
generis; o eurocentrismo inerente à Weltgeschichte desvaloriza a diferença. Se o historicismo
estabelece um modelo ou pelo menos um conjunto de parâmetros a serem seguidos pelos
países "atrasados" e suas instituições sociais (CHIBBER, 2013, p. 241), o próprio conteúdo
passível de narração pela historiografia também é limitado. Nas palavras de Marx em sua obra
O dezoito Brumário, "Os homens fazem a sua própria História, mas não a fazem
livremente[...]" E ao faze-la, relegam os elementos recalcitrantes aos silêncios da História.

Vivek Chibber: a crítica da crítica

A crítica de Chibber, também de bases marxistas, almeja "criticar a crítica" realizada


pelos teóricos dos Estudos Subalternos – incluindo Chakrabarty e Guha – a partir de três
"frentes" principais apresentadas por esse grupo de estudos. Elas são:

 Uma crítica ao liberalismo15;


 Uma crítica ao eurocentrismo;
 Uma crítica às teorias universais/totalizantes, mas que são em verdade
paroquiais, como a própria História Universal;

Ao mesmo tempo, os Estudos Subalternos sustentam, segundo Chibber, duas teses:

 A diferença entre o Ocidente e o Oriente (ou entre uma esfera capitalista vs.
esfera colonial ou pós-colonial)
 Quase como corolário da tese acima, afirmam que teorias europeias, ao
serem traduzidas para o Oriente resultam em um quadro distorcido.

Chibber enceta sua crítica distinguindo entre uma história, chamada de "história
convencional" e a história que os Estudos Subalternos pretendem construir. Essa história
convencional16 versa sobre a formação e o advento da era moderna, a Neuzeit. Da experiência
das navegações, já mencionadas, até o supremo e expansivo poder do Capitalismo, tais
momentos da "biografia" europeia contribuíram para a formação do par antinômico Ocidente
– Subalterno.

14
Expressão de Chakrabarty; (CHAKRABARTY, 2000, p. 8)
15
Essa crítica é exposta por Guha em sua obra Dominance without Hegemony, que infelizmente não será coberta
extensivamente por esse trabalho. Porém, ela vale pelo que ela representa, uma força universalizante/totalizante e
por salientar uma aparente diferença essencial entre Ocidente e Oriente, e sobre a reprodutibilidade do "caminho
histórico" europeu.
16
Que podemos relacionar com a prosa da história de Guha ou com a História I de Chakrabarty exatamente pela
limitação à historicalidade ou à historicidade do lebenswelt colonial.
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É sobretudo o capitalismo o leitmotiv dessa história convencional – daí o irônico17


título da obra de Chibber, no qual o capitalismo é como um espectro assombrando a mente do
pensador colonizado. É desta forma que ele começa a pintar o quadro:

"A sociedade moderna18 foi o produto da ascensão desse sistema econômico e


de seu subsequente espraiamento no mundo. O capitalismo lançou suas raízes
inicialmente na Europa, vindo à luz por meio de uma luta – uma luta política
contra o poder feudal, que constituía um obstáculo ao desenvolvimento da
burguesia." (CHIBBER, 2013, p. 10)

Nesse sentido, é lançada uma crítica ao liberalismo, este sendo portador de uma
ideologia, um defensor ideológico de uma estrutura de poder hegemônica. A intelligentsia do
século XIX ocidental engendrava conceitos e pressupostos sobre a cultura política e sobre como
o mundo, o tempo e a história operam – resumidamente, a crença das filosofias históricas – num
afã nomotético, que emanavam da realidade da Europa, e que tais conceitos ou pressupostos
poderiam ser transplantados ou traduzidos para a esfera extra-europeia.

Essa dimensão nomotética vai chocar-se diretamente com as peculiaridades locais dos
povos colonizados. No caso da Índia, a ubíqua religiosidade pode ser contemplada como um
exemplo de obstáculo à essa "nomoticidade", pois vai contra o tempo histórico, agora vazio,
secular, homogêneo e desencantado. A relevância da religião para a compreensão "correta" da
Índia já foi salientada por Chakrabarty em um exemplo supracitado; para Guha, ela está "do
outro lado da cerca" que a História Universal construiu sobre o que é digno de historicidade e
o que não é – ela é uma expressão da historicalidade e da prosa do mundo.

Uma dimensão na qual essa atitude europeia é problemática é propriamente histórica,


no sentido de que o Ocidente e o Oriente tiveram processos históricos diferentes que produziram
condições diferentes, nas quais os termos europeus não se encaixariam. Retomando a história
convencional, com a "conquista do mundo" pela burguesia e pelo capital, duas classes que eram
antes distintas – a elite e a subalterna – tiveram de conviver, agora sob uma nova cultura política,
na qual a burguesia se arrogava o direito de falar pelo subalterno. (CHIBBER, 2013, p. 12)

Na Índia, a experiência capitalista-colonialista manteve separados elite e subalterno, o


que não transformou ou "modernizou" a cultura política de forma homogênea, de modo que o
subalterno continuou atrelado à tradição e à religiosidade – não houve uma classe que pudesse
"modernizar" o seu discurso, tingindo-o com cores liberais e capitalistas. Novamente a revolta
citada por Chakrabarty se faz sentir: levantes desse gênero não eram feitos, prima facie, com
base em uma redistribuição da riqueza ou por meio de uma retórica proletária-marxista
qualquer. Essa é a defasagem explicitada, a inadequação da tradução de uma maneira de
concepção do mundo (no caso, a teoria marxista aplicada à Índia). Essas manifestações são
movidas por deuses e espíritos, não por uma luta de classes ou "mãos invisíveis" europeias. Ao
mesmo tempo esses eventos, exatamente por se basearam nesse fragmento imprevisto pela
lógica europeia, são caracterizados como pré-políticos ou pré-capitalistas; dito de outra forma,
atrasados. Todavia, para os revoltosos isto se dava num registro positivamente político, apenas
em outros termos e em outro registro.

A crítica de Chibber aqui incide sobre o caráter consensual da cultura política. Não havia
uma especificidade na experiência capitalista da Índia. Tanto na Europa quanto fora dela, o que

17
Levando em conta, evidentemente, a frase de Marx na abertura do Manifesto Comunista.
18
Nesse caso, também com o sentido de contemporânea.
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imperava eram dominações e hegemonias por parte da elite, de modo que o mundo parecia
caminhar pari passu. O que permeia toda esta questão é, ao fim e ao cabo, se o capitalismo ele
mesmo é um universal válido ou não. Ao tentar apontar uma diferença entre a história do
capitalismo no Ocidente e no Oriente, os teóricos subalternos minam sua universalidade e põem
em xeque um viés eurocêntrico da história. Chibber, por sua vez, aponta para sua
universalidade.19

De fato, é difícil atualmente não compreender o capitalismo como um universal.


Segundo Chakrabarty, "o capitalismo se globalizou mas não se universalizou.20"
(CHAKRABARTY, 2000, p. 71) Ele se espalhou pelo globo mas não universalizou seus traços
fundamentais, como o estabelecimento de uma cultura política consensual (alusão à Guha), na
qual o capitalismo governa mentes e corpos com a aquiescência das classes subalternas e, como
já mencionado, burgueses e subalternos partilham uma língua política comum. As insatisfações
da classe subalterna, nesse contexto, passam a ser entendidas já sob uma lógica do capitalismo.
Por exemplo, eles exigirão melhores condições de trabalho, hora extra, organizar-se-ão em
uniões e sindicatos; na Índia, como já vimos, serão evocados espíritos e deuses.

Ao lidar com experiências de resistência nesse registro “pré-capitalista”, algumas


questões podem vir à luz. Deve o capitalismo ultrapassá-las, destruí-las ou modificá-las ou deve
ser ele modificado por elas? A primeira sugestão, mais marxiana, é sustentada por Chibber, ao
passo que a segunda é defendida por Chakrabarty, devendo ser compreendida sob a lógica de
um ágon eterno entre o que ele chama de História 1 e História 2, sendo esta responsável pela
modificação e obstaculização da universalidade da História 1, ou seja, na negação da
caracterização do capitalismo como um universal (CHAKRABARTY, 2000, p. 65). Além
disso, somos instados a pensar sobre a força do capitalismo e, apresentando o outro lado da
moeda, quão forte é essa resistência a ele, bem como a cultura que a informa? Parece-me que o
capitalismo é preponderante, visto que muitos desses exemplos ou “fragmentos da história” que
a História 2 apresenta não colocam em xeque o próprio sistema capitalista e suas bases.

Chibber dirá, por sua vez, que para se universalizar, o único princípio capitalista que
deve ser observado é o da mudança na economia, isto é, na estrutura, nos modos de produção.
Nesse caso, de fato é apenas uma questão de tempo até que eles se alinhem com os modelos
ocidentais (CHIBBER, 2013, p. 243). A tensão proposta por Chakrabarty entre a História e a
História 2 é equívoca pois ele confunde a universalização com sua uniformização; para ele a
História 1 deve erradicar todas as Histórias 2, não tolerando as diferenças as práticas e costumes
locais. (CHIBBER, 2013, p. 237)

Podemos concluir, pois, que a superestrutura, portanto, vem à reboque e em posição


secundária; “artigos” da superestrutura podem e são mobilizados pelo capitalismo para seu
proveito próprio. Nessa perspectiva, o capitalismo parece universalizável, visto que sua
universalização não carece da eliminação dos elementos recalcitrantes da História 2 (ou da
historicalidade); ela pode continuar existindo e se reproduzindo, desde que não interrompa os
"processos vitais" do capital, como a acumulação.

19
Como uma pequena digressão, é curioso notar como a crítica marxista é flexível. A contenda aqui encerrada se
dá precisamente entre dois lados ambos de inclinação marxista. Ademais, retomando o próprio Marx, no
Manifesto Comunista o capitalismo parece que varreria todo o globo (é, propriamente, a História 1 de
Chakrabarty), de modo que as diferenças seriam solapadas - daí, por exemplo, a célebre frase "tudo que é sólido
se desmancha no ar." Podemos conjeturar, portanto, que ao apontar para essa universalidade do capital, Chibber
se aproxima de Marx, enquanto que os Estudos Subalternos, ao acenarem para a especificidade da história do
capital na Índia, se distanciaria do pensamento, digamos, "ortodoxo" de Marx.
20
É a distinção entre o universalismo "fraco" e o "forte" exposta por Jullien.
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François Jullien também parece formular ideias que se prestam para uma crítica dos
Estudos Subalternos. Elas vão de encontro à suposição dos E.S. que há uma diferença quase
inefável, essencial, entre o Oriente e o Ocidente. Ao questionar-se sobre a questão da cultura, e
se seu plural (culturas) é pertinente, ele diz:

"Não tende ele a constituir, falaciosamente, como entidades separadas – como


seres próprios ou mesmo essências – o que na realidade não se manifesta senão
enquanto fluxo contínuo, enlaçando-se e misturando-se, hibridizando-se e
metamorfoseando-se incessantemente? Mas justamente, misturando-se a partir
de que, se não é sempre de uma pluralidade? O que nos faz pensar que a cultura
só pode existir no singular, e que o plural, longe de abrir apenas uma variação
dela, lhe é efetivamente consubstancial." (JULLIEN, 2009, p. 179)

Aqui, Jullien aponta parece construir, comparando com Koselleck, um conceito de


cultura que é Cultura, um singular coletivo. Não seria essa gana pela sustentação de uma
diferença cultural inconciliável entre Ocidente e Oriente, por um projeto cultural autônomo ou
autêntico por parte dos estudiosos do grupo E.S. precisamente uma "licença para a exoticidade
e celebração de um orientalismo"? (CHIBBER, 2013, pp. 237-238)

Jullien afirma, outrossim, que:

"Uma cultura e, portanto, também o pensamento que nela se desenvolveu, não


é mais verdadeira que outra[...] Mas uma cultura (um pensamento) segundo o
possível por ela explorado, é mais ou menos fecunda; dependendo dos filões
percorridos, vai mais ou menos longe em uma ou outra direção. Uma cultura,
um pensamento, não e avaliado, então, em termos de verdade, mas de
desenvolvimento e produtividade: o totemismo ou o animismo que os
antropólogos nos descrevem não são mais falsos que outras "concepções de
mundo", mas sua influência sobre o mundo "objetivo", segundo a categoria
europeia, tem menor efeito[...] por ter separado a "natureza" de um eu-sujeito
e tê-la constituído como objeto cognoscível, o "naturalismo" europeu verificou-
se de uma operatividade inaudita: acarretando subitamente uma violenta
defasagem com as outras culturas e precipitando a humanidade num novo
curso." (JULLIEN, 2009, p. 192)

Além de ecoar também para a "conquista do mundo" e da História pelo Ocidente, Jullien
aponta para uma dimensão que o E.S. não vai muito à fundo. É exatamente questionar-se sobre
o porquê dessa defesa da diferença, da historicalidade, da História 2. Com a globalização e a
universalização de uma visão de mundo europeia, não seriam esses passados e historicalidades,
embebidos (supostamente) no que é mais próprio e idiossincrático da Índia, pouco produtivos
para a interpretação e compreensão de um mundo que é, a olhos vistos, cada vez mais algo
novo, fruto de um cadinho com ingredientes europeus (em sua maioria) e indianos? Nessa
perspectiva, ela é pouco produtiva em relação ao que as lentes europeias nos podem
proporcionar.

Como o próprio Chakrabarty diz, lançando encômios: "o pensamento europeu é uma
dádiva para todos nós. Podemos provincializá-lo apenas em um espírito de gratidão
anticolonial." (CHAKRABARTY, 2000, p. 255) Como exemplo mais próximo, em um
contexto de justiça social e luta democrática, temos a célebre frase de Sobral Pinto: "Não existe
democracia à brasileira.[...] a democracia é universal."
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Conclusões
Esta parte da pesquisa teve como foco apresentar o grupo de pesquisas denominado
Subaltern Studies, seus traços gerais e principalmente sua crítica. Esta crítica é feita tendo
alguns conceitos fundamentais como o de eurocentrismo e o de diferença (ou defasagem,
segundo Jullien), por exemplo, inseridos em um contexto que não pode prescindir de uma
estrutura de poder hegemônica na qual estão, sobranceiros, o capitalismo e a modernidade.

O conceito de diferença, principal reivindicação de Guha e Chakrabarty, surge da tensão


do discurso europeu que se pretende universal, (derivado profundamente da filosofia da história
hegeliana) com elementos de uma vida social que não se encaixam nas categorias europeias, a
partir das quais se constrói uma visão de mundo totalizante.

Contra essa perspectiva, na qual há uma conjunção entre História Universal e história
europeia, sendo esta última respónsavel por um papel condutor duplo - no sentido de
perscrutador e guia do processo histórico, sondando o futuro para si e informando os elementos
subalternos que este é o caminho a ser seguido – Chakrabarty atacará o historicismo e Guha a
filosofia histórica de Hegel, principalmente pela preponderância do Estado no seu sistema, cuja
falta é percebida no mundo Oriental.

Contudo, podemos concluir que apesar das novas perspectivas apresentadas pelos autores,
eles não refletiram sobre o que o arcabouço analítico pode perder ao recusarmos a “lente
ocidental”. O argumento deles parece se fundamentar na suposição de que o Oriente deve ser
analisado por suas próprias “lentes”, pois somente assim o exame seria adequado. Eles também
não sondaram os limites dessa nova outillage, e a bem da verdade, não fazem uma proposta
concreta de qual seria seu conteúdo exceto por alguns traços, como a indispensabilidade da
religião para essa nova perspectiva. Chibber afirmará, como crítica, que o desejo arrebatador
de querer sublinhar as diferenças entre Ocidente e Oriente acaba por trazer um essencialismo
ao debate.
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Referências bibliográficas:
1. CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and
Historical Difference. Princeton University Press, 2000.
2. CHIBBER, Vivek. Postcolonial Theory and the specter of Capital. Verso Books,
2013.
3. GUHA, Ranajit. History at the limit of World-History. Columbia University Press,
2002.
4. JULLIEN, François. O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
5. KOSELLECK, Reinhart. O Conceito de História. Belo Horizonte: Autêntica Ed.,
2013.
6. WEINSTEIN, Barbara. História sem causa? A nova história cultural, a grande narrativa
e o dilema pós-colonial. História, Franca, v. 22, n. 2, p. 185-210, 2003.

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