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Américas”
Ed Caliban
Aug 4, 2017 · 7 min read
Quando você faz esta pergunta, eu me recordo daquela colocação magnifica… Eu que,
recentemente traduzi trechos da Bíblia Hebraica e muitas vezes me via confrontando
com a pergunta como é que alguém pode, do ponto de vista laico, traduzir uma obra
clássica da religião tanto cristã, quanto hebraica, ou seja, o poeta laico traduzir o texto
religioso. Eu dizia que entre poeticidade e sacralidade não há incompatibilidade e
lembrava o grande poeta alemão, Novalis, que colocava que “a poesia é o único real
absoluto. Quanto mais poético, mais verdadeiro”.
Certamente. A poesia é uma saudade, em muitos momentos, daquilo que poderia ter
sido e que não foi, como dizia Manuel Bandeira. Mas ela também, muitas vezes, é uma
previsão do futuro, é o resgate do passado. A poesia trabalha em várias dimensões do
tempo.
O Oswald foi marginalizado por sua opção política, ou por que o país desconhecia
a sua poesia?
O Oswald tinha uma coisa um pouco irônica, um pouco amarga sobre o Brasil. Ele diz
que o Brasil padece de “incompetência cósmica”. Mas não foi pôr esta incompetência
cósmica que ele foi marginalizado. É claro que a opção política dele contribuiu muito
porque já nos anos 30 ele fez uma opção pelo Partido Comunista e lá ficou com a Pagu,
só saindo do partido nos anos 50 fazendo uma crítica severa ao stalinismo na tese A
crise da filosofia messiânica, em que ele criticava todos os autoritarismos. Mas, por
outro lado, não podemos esquecer que o Oswald foi um tremendo polemista. Ele, às
vezes, preferia perder um amigo, mas fazer uma boa piada. Embora ele tivesse
pessoalmente um comportamento muito civilizado. Ele não era uma pessoa de guardar
rancor, polemizava violentamente com um escritor e depois simplesmente esquecia,
entregava aos céus e fazia as pazes. Foi o caso, por exemplo, de Tristão de Athaíde. Ele
foi muito atacado por Oswald, na época em que Tristão era simpatizante do
integralismo; depois, no final da vida de Oswald, Tristão fez uma visita a ele e se
reconciliaram. Agora, sem dúvida, muitas pessoas atingidas pela mordacidade e pela
virulenta polêmica de Oswald fizeram o possível para que ele fosse esquecido.
Você traduziu trechos bíblicos, a cena da origem, com o título Bere’shith. Qual a
sua versão da cena da origem?
Pois não, vou dizer um pequeno trecho do Bere’shith que significa “no começar, no
começo”. E dá uma explicação de como eu fiz a tradução para o português. Vou citar o
primeiro versículo da Bíblia Hebraica, do Gênesis ou Thorá, que diz assim em hebraico:
“No começar/ Deus criando / O fogoágua/ e a terra”. As pessoas acostumadas na
tradução que diz “ Deus criou o céu e a terra” ficarão surpresas em esse meu
“fogoágua”. A palavra em hebraico é shamáyim. Segundo o mais importante dos
intérpretes hermeneutas do texto bíblico hebraico, Rashi de Troyes, ela é composta de
duas palavras: esh e máyim, ou seja fogo e água. Achei que essa metáfora
extraordinária, embutida na palavra que é abstrata, deveria ser resgatada em sua
concretude e traduzida para fogoágua.
Eu me sentiria honrado se fosse. Desejaria sê-lo, mas esta é a sua opinião. Fico muito
contente que você tenha lembrado esta tríade que realmente é extraordinária na minha
admiração. O meu livro Galáxias é uma espécie de poema, fica entre a prosa e a poesia,
ao invés de ser narrativo, ele é visionário. Diz respeito à visão. E, de fato, entre as
influências que me ajudaram na composição deste trabalho estariam desde James
Joyce até Oswald de Andrade. A prosa dos dois foi muito importante, como foram
importantes as estruturas narrativas de Ezra Pound.
. . .
Pedro Maciel é autor dos romances “A noite de um iluminado”, (ed. Iluminuras 2016),
“Previsões de um cego”, (ed. LeYa 2011), “Retornar com os pássaros”, (ed. LeYa 2010),
“Como deixei de ser Deus”, (ed. Topbooks 2009) e “A hora dos Náufragos”, (ed.
Bertrand Brasil 2006)
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