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nos termos do art. 7º da Lei 9.307/96. Portanto, a simples existência de uma cláusula
compromissória já impõe ao contratante o dever de firmar, caso necessário,7 o
compromisso arbitral, que é a convenção pela qual as partes irão organizar as regras da
arbitragem, a matéria que será objeto do litígio, decidindo, em linhas gerais, como
transcorrerá a lide no juízo privado (v. arts. 9º, 10, 11 e 12, Lei 9.307/96). Por outro lado, se
um dos contratantes que assinou o pacto de arbitragem recusar-se, recalcitrante, a integrá-
lo, sofrerá os efeitos da revelia, pois o total desinteresse e alheamento de uma das partes
(inclusive no que diz respeito à formação do tribunal arbitral), bem como a ausência de sua
participação efetiva em qualquer um dos atos do processo, não serão fatores impeditivos da
prolação da sentença arbitral,8 o que demonstra a sujeição das partes à arbitragem entre
elas convencionada.
O liame obrigacional-vinculativo, no entanto, deve ser visto cum grano salis; quer
dizer, existem limites a essa obrigatoriedade, de natureza contratual e processual, que
devem ser observados.9 Trataremos a seguir de dois pontos controvertidos concernentes à
limitação do poder vinculante da arbitragem. O primeiro deles diz respeito à possibilidade
de as partes contratualmente elegerem o juízo arbitral como mera opção ao autor da ação,
enquanto que a segunda controvérsia abrangerá questão atinente à capacidade de
vinculação da arbitragem em relação a terceiros, sobretudo quando o litígio instar a
composição de um litisconsórcio necessário.
Com efeito, não basta a simples existência da convenção de arbitragem para ensejar
a extinção precoce da ação judicial, é preciso que ela contenha cláusula claramente
vinculante, conforme acentua, embora doutrinando em contexto diverso, TERESA ARRUDA
ALVIM WAMBIER: "Como se viu acima, a convenção arbitral é expressão que abrange tanto a
cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral. O compromisso arbitral consiste
num acordo realizado entre as partes, no sentido de que comporão um determinado conflito
de interesses, prescindindo do Poder Judiciário; acordo esse em que as partes deferem a
função, que àquele caberia, a um terceiro. Trata-se, pois, de um contrato, por meio do qual
se renuncia à atividade jurisdicional, relativamente a um controvérsia específica, e não
simplesmente passível de individuação, caso em que de cláusula compromissória tratar-se-
ia. Só pode ser alegado pela parte, a título de exceção, em sentido amplo, se for um
compromisso em que se estabelecia a exclusividade do juízo arbitral e não a possibilidade
de as partes optarem pela atividade jurisdicional (facultatividade). Nesse último caso, o
fato de a parte ter se socorrido do judiciário tem valor jurídico de opção, opção essa que
7
CARLOS ALBERTO CARMONA, sobre a necessidade de firmar o compromisso arbitral, leciona: "O compromisso
será mera formalidade se a cláusula compromissória for completa: neste caso, por conta do disposto no art. 5º
da nova Lei, bastará acionar os mecanismos predeterminados pelas partes na convenção de arbitragem para
que se instaure o juízo arbitral, que se considera instituído com a aceitação, pelo árbitro, do encargo,
independentemente de compromisso, repita-se!" (op. cit., p. 29).
8
Cfr. CARLOS ALBERTO CARMONA, op. cit., p. 219.
9
Um desses limites é imposto pela própria Lei 9.307/96, qual seja, a ação anulatória da sentença arbitral, que
somente poderá ser proposta perante o juízo estatal, nos termos do art. 33, in verbis: "A parte interessada
poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral nos
casos previstos nesta Lei".
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os próprios termos do compromisso permitem. Trata-se de efeito semelhante ao da
prevenção”10.
Assim, embora a lei tenha atribuído à arbitragem caráter de obrigação, o que fez
com imensa lógica e acerto, por outro lado não olvidou que as partes estão livres, também,
para contratá-la da forma que melhor lhes aprouver,13 para ser utilizada se e quando o
contratante, interessado na propositura do litígio, pretender.
Advirta-se, por oportuno, que o juiz ou o árbitro, na pesquisa da vontade das partes
no que diz respeito à extensão da vinculação da cláusula de arbitragem, deverão estar
atentos que nas declarações de vontade se atenderá mais a sua intenção que ao sentido
literal da linguagem (art. 85, CC/16; art. 112, CC/02). Porém, havendo dúvida entre o juízo
arbitral e o estatal, ou seja, sobre a vinculação e o caráter optativo da arbitragem, deverá
prevalecer, sempre, o Poder Judiciário, pois este, por determinação constitucional (art. 5º,
XXXV, CF), é o lugar comum a ser resolver litígios e controvérsias.
Ousamos, por essa razão acima, discordar de PEDRO A. BATISTA MARTINS, para o qual
em caso de dúvida impera a arbitragem.14 Sem embargo dessa posição, não é possível
10
Nulidades do Processo e da Sentença, 4ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 64. Na página seguinte a
processualista observa, ainda, que “descabe, no caso em tela, falar-se da falta de jurisdição, porque, em ultima
ratio, o Poder Judiciário tem sempre jurisdição para decidir sobre sua competência e, bem assim, sobre a
'competência' do juízo arbitral", após ter dito também que "se uma delas (partes) aforar uma ação, e a outra
silenciar, a marcha do processo seguirá normalmente (...)”, assim entendendo, portanto - como N. Nery e R.
M. Andrade Nery -, que tal matéria não pode ser conhecida de ofício pelo juiz.
11
Agravo de Instrumento nº 123.567-4/9, 3ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Alfredo
Migliore, j. em 31/08/99, v.u..
12
Não apenas o "poder de contratar" justifica o direito das partes de elegerem a arbitragem apenas como uma
faculdade do autor - restringindo seus efeitos vinculantes, previstos na lei. Parece-nos que a optatividade
significa um minus em relação ao direito que elas possuem, qual seja, de excluir do Judiciário a apreciação da
lide surgida. Assim, se podem as partes fazer o mais, que é retirar do Poder Judiciário a apreciação de sua
lide, conclui-se que poderão fazer o menos, para elegerem o juízo arbitral apenas como mais um meio – à
escolha do autor – para solucionar as controvérsias eventualmente oriundas do contrato entre elas firmado.
13
Em sentido semelhante, v. TARCÍSIO ARAÚJO KROETZ, Arbitragem - Conceito e pressupostos de validade, Ed.
Revista dos Tribunais, 1998, p. 66.
14
Segundo o citado doutrinador, baseado na lição estrangeira de MICHAEL F. HOELLERING, "em havendo
controvérsia quanto à submissão da matéria à arbitragem, seja por falha ou dupla interpretação da cláusula
4
afastar-se do alcance da norma constitucional, estabelecida no inciso XXXV do art. 5º da
Constituição Federal, que integra o due process of law. Cabe observar, por fundamental,
que ao Poder Judiciário "sempre coube ser o recurso último para todas as lesões de direito,
provenham de onde provierem".15 Portanto, há de se compreender que, inexistisse pacto de
arbitragem entre as partes, a solução de seus conflitos de interesse seria necessariamente
conduzida ao Judiciário, possibilitando concluir, seguramente, que, na dúvida entre a
arbitragem e o juízo estatal, deve-se optar por este.
a) O contrato poderá estipular o juízo arbitral apenas como uma opção ao autor de
eventual demanda (jurisdição facultativa), coexistente com o Poder Judiciário, não
redundando isso em qualquer ofensa à lei (arts. 1º, 4º, 6º, 7º et alii, Lei 9.307/96 c/c arts.
267, VII e 301, IX, § 4º, CPC), porquanto as partes, na arbitragem, estão livres para dispor
sobre o rumo de seus direitos.
Visto, portanto, com base nestas duas hipóteses acima, que o efeito vinculante da
arbitragem está sujeito a limites, não devendo ser entendido de forma estanque e rigorosa.
__________________________
compromissória, a tendência moderna dos doutrinadores e das cortes estatais é a de conferir ao órgão arbitral
competência para a apreciação e o julgamento da questão" (Cláusula Compromissória, in "Aspectos
Fundamentais...", loc. cit., p. 216).
15
Cfr. CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Constitucional, 13ª ed., Ed. Saraiva, 1990, p. 197.