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CAPÍTULO III.

SOBRE A INDIVIDUALIDADE COMO UM DOS ELEMENTOS DO BEM-


ESTAR.

São essas as razões que nos mostram impreterível que os seres humanos
deveriam ser livres para formar opiniões e expressá-las sem reservas, e tais
são as consequências nefastas para o intelectual e, por isso, para a natureza
moral do homem a não ser que essa liberdade seja concedida ou afirmada
apesar da proibição. Deixe-nos agora examinar se as mesmas razões não
requerem que o homem deva ser livre para agir de acordo com suas opiniões—
para concretizar isso em suas vidas sem obstáculos, sejam eles físicos ou
morais, de seus colegas homens, contanto que assumam o risco e o perigo.
Essa última ressalva, é claro, é indispensável. Ninguém está dizendo que as
ações deveriam ser tão livres quanto as opiniões. Ao contrário, até as opiniões
perdem sua imunidade quando as circunstâncias em que elas são expressas
são tais que constituem à expressão uma incitação positiva para com algum
ato malicioso. Uma opinião como a de que comerciantes de milho são
responsáveis pelo problema da fome, ou de que a propriedade privada é roubo
deve passar incólume quando simplesmente circulada pela imprensa, mas
pode justamente incorrer numa punição quando dita em voz alta para uma
multidão exaltada reunida perante a casa do comerciante de milho ou quando,
entre a mesma multidão alguém exibisse a opinião numa placa. Atos de
quaisquer tipos que, sem uma causa justificável, causam sofrimento aos
outros, podem ser (e nos casos mais importantes são absolutamente
requeridos que sejam) controlados pelos sentimentos desfavoráveis, e, quando
necessário, pela interferência ativa da humanidade. A liberdade do indivíduo
deve ser, então, extremamente limitada; ele não deve incomodar outras
pessoas. Mas, se ele se abstivesse de molestar os outros acerca do que
concerne a estes, e agir meramente de acordo com sua própria inclinação e
julgamento sobre as coisas que interessam apenas para si mesmo, as mesmas
razões que mostram que a opinião deveria ser livre também provam que ele
deveria ter permissão, sem penalizações, de colocar suas opiniões em prática
a suas próprias custas. Que a humanidade não seja infalível, que suas
verdades, a maior parte do tempo, sejam meias verdades; que a unidade de
opinião, a não ser que seja resultado da mais livre e completa comparação de
opiniões opostas, não é desejável, e que a diversidade não é um mal, mas ao
contrário, um bem. Até que a humanidade seja muito mais capacitada do que
no presente para reconhecer todos os lados da verdade, os princípios são
aplicáveis não menos para os modos de ação dos homens do que para suas
opiniões. Como é útil o fato de que enquanto a humanidade é imperfeita, deve
haver opiniões diferentes, também o é o fato de que deve existir diferentes
experiências do viver. Esse escopo livre deve ser referido a variedades de
caráter que tem dano reduzido a outrem; e os valores dos diferentes modos de
vida devem ser provados de maneira prática quando qualquer pessoa ache
válido tenta-los. É desejável, resumidamente, que quando se tratando de
coisas que não interessam primariamente a outros, a individualidade deveria
afirmar-se. Onde não é o próprio caráter da pessoa, mas as tradições ou
costumes de outros que são a regra de conduta, há carência de um dos
principais ingredientes da felicidade humana e praticamente o ingrediente
fundamental do progresso individual e social.

Na manutenção desse princípio, a maior dificuldade a ser encontrada não


reside na apreciação dos meios em direção a um fim designado, mas na
indiferença das pessoas em geral para com os fins. Se fosse sentido que o livre
desenvolvimento da individualidade é um dos elementos essenciais do bem-
estar; que não é apenas um elemento coordenado com tudo o que é designado
nos termos da civilização, instrução, educação, cultura, mas é, por si mesmo,
uma parte e condição necessária para todas essas outras coisas; não haveria
perigo sobre ser o caso da liberdade ser subestimada, e o ajustamento dessas
fronteiras entre ela e o controle social não representaria nenhuma dificuldade
extraordinária. Mas o mal é que a individualidade espontânea é raramente
reconhecida pelos modos comuns de pensamento como tendo qualquer valor
intrínseco ou merecimento de consideração sobre suas próprias _____. A
maioria, sendo satisfeita com os meios da humanidade como eles estão agora
(pois são eles quem a mantém como ela está), não pode compreender porque
aqueles meios não deveriam ser bons o suficiente para todos. E mais, formas
espontâneas não compartilham do ideal de maioria dos reformadores morais e
sociais, mas são olhados com inveja, como problemáticas e talvez como uma
obstrução rebelde à aceitação geral do que esses reformadores, em seu
próprio julgamento, pensam que seria o melhor para a humanidade. Algumas
pessoas da Alemanha até compreenderam o significado da doutrina que
Wilhelm von Humboldt, tão eminente como ambos sábio e político, usou na
elaboração de um tratado—que “o fim dos homens, ou aquele que é prescrito
pelos eternos e imutáveis ditames da razão, e não sugerido por vagos e
transitórios desejos, é o mais elevado e harmonioso desenvolvimento dos seus
poderes para um todo completo e consistente;” e que, dessa forma, o objeto
“em direção do qual todo ser humano deve incessantemente direcionar seus
esforços , e em cujo especialmente aqueles homens que tem como projeto
influenciar seus colegas humanos deveram manter em vista, é a
individualidade do poder e do desenvolvimento;” que para isso há dois
requisitos, “liberdade, e variedade de situações;” e que da união destes surge
“vigor individual e diversidade multiforme,” que se combinam na
“originalidade.”[11]

Entretanto, pouco como as pessoas estão habituadas a uma doutrina como


essa de Van Humboldt, e surpreendente como pode ser para elas achar um
valor tão alto atrelado à individualidade, a questão que se deve colocar pode
ser apenas a de grau. A ideia de excelência de ninguém sobre conduta é a de
que as pessoas deveriam fazer absolutamente nada além de copiar umas às
outras. Ninguém afirmaria que as pessoas não devem colocar em seus modos
de vida, e na condução de seus interesses, qualquer impressão de seu próprio
julgamento, ou de seu caráter individual. Por outro lado, seria absurdo fingir
que as pessoas deveriam viver como se não houvesse nada de conhecimento
no mundo antes de elas chegarem a ele, como se a experiência ainda não
tivesse feito nada em relação a mostrar que um modo de existência, ou de
conduta, é preferível a outro. Ninguém nega que as pessoas deveriam ser
ensinadas e treinadas em sua juventude para conhecer e se beneficiar dos
resultados constatados da experiência humana. Mas é o privilegio e a própria
condição de ser humano que atingiu a maturidade de suas faculdades, usar e
interpretar a experiência a seu próprio modo. Ele que há de descobrir qual
parte da experiência memorizada é aplicável apropriadamente as suas próprias
circunstâncias e caráter. As tradições e os costumes das outras pessoas são,
numa certa medida, evidência do que sua experiência as ensinou; evidência
que é passível de conjectura e que, como tal, traz um apelo a sua
consideração: mas, em primeiro lugar, suas experiências poderiam ser muito
estreitas; ou elas podem não ter interpretado corretamente. Em segundo lugar,
as suas interpretações da experiência podem até ser corretas, mas se
mostrarem inadequadas para elas especificamente. Costumes são produzidos
para circunstâncias e índoles habituais: e suas circunstâncias ou sua índole
pode ser não habitual. Em terceiro lugar, apesar de os costumes serem ambos
bons como costume, e adequados a elas, ainda assim, se conformar ao
costume meramente como costume não educa nem desenvolve nelas
nenhuma das qualidades que são o dote distintivo de um ser humano. As
faculdades humanas da percepção, julgamento, sentimento discriminatório,
atividade mental, e até preferências morais são postas em exercício apenas
quando se faz uma escolha. Aquele que faz qualquer coisa pelo fato dela ser
um costume, não escolhe. Ele não adquire prática nem em discernir nem em
desejar o que for melhor. O mental e o moral, como os poderes musculares,
são aperfeiçoados apenas quando usados. As faculdades não se submetem a
exercício algum ao fazer algo meramente porque outros o fazem, não vai além
de acreditar em algo só porque outros acreditam. Se os fundamentos de uma
opinião não são conclusivos para a razão da própria pessoa, sua razão não
pode ser fortalecida, mas é provável que será enfraquecida por adotá-la: e se
as induções para um ato não têm relação consensual para com seus próprios
sentimentos e índoles (onde afecções ou os direitos alheios não são
envolvidos), ele será muito mais direcionado a uma rendição dos seus
sentimentos e caráter numa inércia e entorpecimento, ao invés de direcionar-se
ao ativo e enérgico.

Ele, quem deixa o mundo, ou sua porção dele, escolher o plano de sua vida pra
si, não tem necessidade de nenhuma outra faculdade além da macaquice que
é a imitação. Aquele que escolhe um plano para si mesmo, emprega todas as
suas faculdades. Ele deve usar da observação para ver, da racionalização e
julgamento para antecipar, atividade para reunir materiais para decisão,
discriminação para decidir, e, quando ele houver decidido, firmeza e
autocontrole para conferir credibilidade a sua decisão deliberada. E essas
qualidades, as quais são requeridas e exercitadas exatamente nas proporções
da parte de sua conduta a qual ele determina de acordo com seu próprio
julgamento e sentimento, são grandiosas. É possível que ele possa ter sido
guiado por um caminho bom e se manteve fora de perigo, sem nenhuma
dessas coisas. Mas qual será seu valor comparativo como ser humano? É
realmente da maior importância não apenas o que os homens fazem, mas
também de qual maneira eles fazem e são. Por entre os trabalhos do homem,
em que a vida é corretamente empregada no aperfeiçoamento e
embelezamento, o primeiro em importância é a humanidade em si. Supondo
que fosse possível construir casas, cultivar milho, travar lutas, tentar causas, e
até erigir igrejas e rezar por meio de máquinas—por autômatos de forma
humana—seria uma perda considerável substituir esses autômatos até pelo
homem e a mulher que no presente habitam as partes mais civilizadas do
mundo, e que certamente não são nada além de espécimes famintos do que a
natureza pode e irá produzir. A natureza humana não é uma máquina para ser
construída através de um modelo e programada para fazer exatamente o
trabalho prescrito para ela, mas uma árvore que requer seu crescimento e
desenvolvimento de si para todos os lados, de acordo com uma tendência das
forças internas que a produzem como uma coisa viva.

Será provavelmente reconhecido que é desejável que as pessoas devam


exercitar suas compreensões, e que seguir de maneira inteligente o costume,
ou até, ocasionalmente, ser desviante em relação ao costume de maneira
inteligente, é melhor do que uma adesão cega e simplesmente mecânica. Até
certo ponto, é admitido que nossa compreensão deveria ser nossa
propriedade: mas não existe a mesma disposição para admitir que nossos
desejos e impulsos deveriam ser nossa propriedade analogamente; ou que
possuir impulsos próprios, e de qualquer força, não é nada além de perigoso e
traiçoeiro. Entretanto, desejos e impulsos fazem parte de um ser humano
perfeito assim como crenças e restrições: e impulsos fortes são perigosos
apenas quando não balanceados apropriadamente; quando um conjunto de
objetivos e inclinações é desenvolvido pela força, enquanto outros, os quais
devem coexistir com eles, permanecem fracos e inativos. Não é porque os
desejos dos homens são fortes que eles atuam de maneira doente, é porque as
consequências são fracas. Não há conexão natural entre impulsos fortes e uma
consciência fraca. A conexão natural é o inverso. Dizer que os desejos e
sentimentos de uma pessoa são mais fortes e mais variados do que aqueles de
outra é meramente dizer que a primeira tem mais do material cru da natureza
humana, e é, portanto, capaz, talvez de mais maldade, contudo, certamente de
maior bondade. Impulsos fortes são simplesmente outro nome para energia. A
energia pode se voltar para maus usos, porém um bem maior poderá ser
produzido sempre através de uma natureza enérgica em contraponto com uma
natureza indolente e indiferente. Aqueles que têm os sentimentos mais naturais
são sempre aqueles cujos sentimentos cultivados podem ser os mais fortes. As
mesmas suscetibilidades à força que produzem os impulsos pessoais vívidos e
poderosos são também a fonte de onde são gerados o mais apaixonante amor
à virtude, e o mais firme autocontrole. É através do cultivo destes que a
sociedade faz o seu dever e protege seus interesses: não por meio da rejeição
da substancia da qual os heróis são feitos, pois ela não sabe como fazê-los. É
dito de uma pessoa cujos desejos e impulsos são os seus próprios—são a
expressão de sua própria natureza, assim como ela foi desenvolvida e
modificada por sua própria cultura—que ela possui caráter. Aquele cujos
desejos e impulsos não são os seus próprios não tem caráter, não mais do que
uma máquina a vapor tem caráter. Se, além de possuir seus próprios impulsos,
estes são fortes e estão sob o governo de uma disposição forte, ele tem um
caráter enérgico. Quem quer que pense que a individualidade dos desejos e
impulsos não deveria ser encorajada para desenvolver a si mesmo, deve
sustentar que a sociedade não tem necessidade de naturezas fortes—que ela
não é muito boa em manter muitas pessoas de muito caráter—e que uma alta
média geral de energia não é desejável.

Em alguns estados primitivos da sociedade, essas forças deveriam ser, e


foram, muito além do poder que a sociedade possuía para disciplinar e
controla-las. Houve um tempo em que o elemento da espontaneidade e
individualidade eram em excesso, e o princípio social teve dificuldade para lidar
com eles. A dificuldade, então, era a de induzir homens de corpos ou mentes
fortes a obedecer a quaisquer regras que os exigissem o controle de seus
impulsos. Para superar essa dificuldade, lei e disciplina, como os Papas
conflitando contra os Imperadores, declararam um poder sobre o homem como
um todo, reivindicando o controle de toda a sua vida a fim de controlar seu
caráter—pois a sociedade não teria encontrado nenhum outro meio suficiente
para fazê-lo. Mas a sociedade não tirou o melhor da individualidade até então,
e o perigo que assola a natureza humana não é o excesso, mas a deficiência
de impulsos e preferências pessoais. As coisas mudaram muito desde que as
paixões daqueles que eram fortes por ocasião ou por talento pessoal estavam
em um estado de habitual rebelião contra as leis e a ordem, o que demandou,
rigorosamente, suas prisões para garantir às pessoas a sua volta aproveitar um
pouco de segurança. Nos dias de hoje, da classe mais alta da sociedade até a
mais baixa, todos vivem como se estivessem sob os olhos de uma censura
amedrontadora e hostil. Não apenas no que diz a respeito aos outros, mas no
que concerne apenas a eles mesmos—o que eu prefiro? ou, o que seria
adequado ao meu caráter e disposição? ou, o que permitiria o melhor e o mais
elevado em mim ter uma chance e capacitar-me a desenvolver e prosperar?
Eles se perguntam, o que é adequado na minha posição? o que é geralmente
feito pelas pessoas na minha posição e circunstâncias pecuniárias? ou (ainda
pior), o que é feito geralmente pelas pessoas de posição e circunstâncias
superiores às minhas? Eu não quero dizer que eles escolhem o que é
costumeiro em detrimento do que se adequa a sua inclinação. Não ocorre a
essas pessoas que poderiam ter inclinações que sejam exceção ao costume.
Dessa forma, a mente em si é fortemente constrangida: até nos momentos de
prazer, o conformismo é a primeira coisa que vem à mente; eles curtem em
multidão, se exercem a escolha, é apenas entre coisas já feitas comumente:
peculiaridade de gosto e condutas excêntricas são banidas como se fossem
crimes: até que haja um esforço de não seguir sua própria natureza, eles não
têm natureza para seguir: suas capacidades humanas estão secas e
atrofiadas: elas se tornam incapazes de quaisquer desejos que sejam fortes ou
prazeres natais e não tem, geralmente, opiniões e sentimentos nem de sua
casa nem de si mesmos, propriamente. Agora, isso é ou não é a condição
desejável da natureza humana?

Segundo a teoria Calvinista, é sim. De acordo com ela, o grande crime do


homem é a vontade própria. Todo o bem do qual a humanidade é capaz está
comprometido com a Obediência. Você não tem escolha; então você deve
fazer e não há alternativa: “o que não for um dever é um pecado.” A natureza
humana sendo radicalmente corrompida, não há redenção para ninguém até
que a natureza humana esteja morta dentro dele. Para alguém que mantém
essa teoria da vida, destruir qualquer uma das faculdades humanas,
capacidades, e suscetibilidade não é mal algum: o homem não precisa de
capacidades para além da capacidade de se render à vontade de Deus, e se
ele usa qualquer uma das suas faculdades para outros propósitos que não
sejam realizar aquela suposta vontade de forma mais efetiva, ele seria uma
pessoa melhor sem elas. Esta é a teoria do Calvinismo, e ela é mantida de
forma atenuada por muitos que não se consideram Calvinistas. Essa
atenuação consiste em dar uma interpretação menos ascética para a alegada
vontade de Deus, declarando ser a sua vontade que a humanidade deveria
satisfazer algumas de suas inclinações, claro que não da maneira que eles
mesmos preferissem, mas pelo caminho da obediência, isto é, pelo caminho
prescrito a eles por uma autoridade e, portanto, pelas condições necessárias
do caso: o mesmo para todos.

De alguma forma subliminar, essa estreita teoria da vida da vida atualmente


apresenta-se como uma tendência forte, assim como o tipo oprimido e inflexível
de caráter que ele apadrinha. Muitas pessoas, sem dúvida, pensam
sinceramente que o ser humano limitado e eclipsado são assim como seu
Criador os projetou para ser. Assim como muitos acreditam que as árvores
sejam uma coisa muito mais elegante quando podadas, ou esculpidas em
figuras de animais, agora como a natureza os fez. Mas, se é parte de qualquer
religião acreditar que o homem foi criado por um Deus bom, seria mais
consistente, com essa fé, acreditar que esse Deus nos presenteou com todas
as faculdades humanas que poderiam ser cultivadas e descobertas, e não
enraizadas e consumidas, e que ele sente alegria em todas as formas e
tentativas de aproximação, por parte das criaturas, da concepção ideal,
materializada nelas mesmas, de toda evolução em quaisquer de suas
capacidades de compreensão, de ação, de apreciação. Existe um tipo diferente
de excelência do homem que difere da Calvinista, uma concepção de que a
humanidade tem sua natureza outorgada em outros propósitos que não se
abnegar. “Autoafirmação pagã” é um dos elementos do valor do homem, assim
como “Autonegação cristã”. [12] Há um ideal Grego de autodesenvolvimento ao
qual os ideais Platônico e Cristão de autogoverno se mesclam, mas não
superam. Talvez seja melhor ser um John Knox do que um Alcibiades, mas é
melhor ser um Péricles do que ambos. Mas Péricles não seria, se tivéssemos
um nos dias atuais, qualquer coisa diferente do que é bom em John Knox.

Não se trata de desgastar numa uniformidade tudo o que é individual neles


mesmos, mas de cultivar e suscitar, dentro dos limites impostos pelos direitos e
interesses de outros, que seres humanos possam vir a se tornar um objeto
nobre e belo de contemplação, e como os trabalhos dizem respeito ao caráter
de quem os realiza, pelo mesmo processo a vida humana também se torna
rica, diversa, e animadora, provendo a nutrição aos pensamentos e
sentimentos elevados, e fortalecendo os laços que amarram todos os
indivíduos à raça ao torna-la infinitamente mais válida de se pertencer.
Proporcionalmente ao desenvolvimento da individualidade, cada pessoa se
torna mais valiosa para si mesma e capacita-se para ser admirado pelos
outros. Há, então, uma maior completude em relação à vida e sua própria
existência, e quando há mais vida nas unidades, há mais vida na massa
composta delas. Tanta compressão quanto seja necessária para prevenir os
espécimes de natureza humana mais forte de invadir os direitos dos outros,
não pode ser dispensada. Mas, para isso, há uma compensação ampla até no
ponto de vista do desenvolvimento humano. Os meios para se desenvolver em
que o indivíduo perde ao se prevenir de satisfazer suas inclinações à injúria de
outros, são obtidos certamente em detrimento do desenvolvimento de outras
pessoas. E até para si mesmo há um equivalente completo do melhor
desenvolvimento da parte social de sua natureza, rendido, provavelmente, às
restrições direcionadas a sua parte egoísta. Para que os valores da justiça
sejam mantidos pelo bem dos outros, desenvolvem-se sentimentos e
capacidades que têm o bem do outro como seu objeto. Mas, para se limitar às
coisas que não afetam os outros, pelo mero desprazer do outro, não se
desenvolve nada de valor, a não ser que tal força de caráter se desdobre para
resistir a esse limite. Se tolerado, ele insensibiliza e torna grosseiro a natureza
como um todo. Dar oportunidade a natureza de cada um é essencial para que
pessoas diferentes possam levar vidas diferentes. De maneira proporcional a
como essa proposta vem sendo exercitada em qualquer época, está a
notoriedade a qual ela adquire para a posteridade. Até o despotismo não
produziria seus efeitos negativos caso a individualidade existisse no pano de
fundo, sendo que o despotismo destrói a individualidade quaisquer sejam os
nomes que se queira dá-lo, esteja ele declarando reforçar a vontade de Deus
ou a ordem dos homens.

Tendo dito que a individualidade e desenvolvimento são a mesma coisa, e que


apenas o cultivo da individualidade que produz, ou pode produzir, seres
humanos bem desenvolvidos, eu devo concluir aqui meu argumento: o que
mais ou melhor pode ser dito acerca de qualquer condição humana, do que o
fato de que ela leva os seres humanos para mais próximo da melhor coisa que
eles poderiam ser? ou, que mal pode ser dito acerca de alguma obstrução ao
bem para preveni-la? Entretanto, não há dúvidas de que essas considerações
não são suficientes para convencer aqueles que mais precisam ser
convencidos, então se faz necessário mostrar que esses seres humanos
desenvolvidos também fariam bem aos não desenvolvidos—apontar aqueles
que não desejam a liberdade e que não se aproveitariam dela, que eles
poderiam, de alguma forma, ser recompensados por permitir que as outras
pessoas se aproveitem dela sem interferências.

Em primeiro lugar, eu sugeriria que eles poderiam possivelmente aprender algo


com eles. Não será negado por ninguém o fato de que a originalidade é um
elemento valioso nas relações humanas. Sempre há a necessidade das
pessoas não só de descobrir verdades novas e apontar quando o que foram
verdades não são mais, mas também para dar início a novas práticas e servir
de exemplo para uma conduta mais esclarecida e gosto e sentido melhorados
na vida humana. Isso não é algo que possa ser contrariado facilmente por
alguém que não acredita que o mundo já atingiu a perfeição em todos os
modos e práticas. É verdade que esse benefício não pode ser reproduzido por
todos de forma parecida: existem apenas poucas pessoas na humanidade
cujos experimentos, se adotados por outros, poderiam, provavelmente, servir
para alguma melhora numa prática estabelecida. Mas esses poucos são o sal
da terra. Sem eles, a vida humana se tornaria uma piscina estagnada. Eles não
são apenas quem introduz coisas positivas que não existiam anteriormente,
são eles que mantém vivas as coisas que já existiam. Se não houvesse nada
novo para se fazer, será que o intelecto humano não seria mais necessário?
Seria essa uma das razões pelas quais aqueles que fazem as coisas antigas
deveriam esquecer o porquê delas serem feitas e fazê-las como gado, não
como seres humanos? Há uma enorme tendência nas melhores crenças e
práticas a degenerar-se e cair na mecanicidade, o que acontece a não ser que
haja uma sucessão de pessoas cuja originalidade recorrente previna as bases
dessas crenças e práticas de se tornarem meramente tradicionais. Tal matéria
morta não resistiria ao choque com qualquer coisa realmente viva, e não vejo
porque uma civilização não haveria de morrer, assim como o Império Bizantino.
Pessoas de gênio são, e essa é a tendência, uma minoria, isso é verdade.
Porém, para estas existirem é necessário preservar o solo no qual eles
crescem. Os gênios podem respirar livremente apenas numa atmosfera de
liberdade. Pessoas de gênio são, ex vi termini, mais individuais do que
qualquer outra pessoa—menos capazes, consequentemente de se encaixar
sem que haja dolorosos obstáculos entre qualquer um do baixo número de
moldes os quais a sociedade provém para salvar seus membros das
dificuldades trazidas pela formação de seu caráter. Se na timidez eles
consentirem à coerção de assumirem um desses moldes, e deixarem toda
aquela parte deles mesmos que não podem se expandir sob pressão,
impassíveis, a sociedade não se importará com o gênio deles. Se eles tiverem
força de caráter e quebrarem suas algemas, se tornarão uma marca para a
sociedade, que não foi bem-sucedida a reduzi-los ao lugar comum, a aponta-
los com avisos solenes de “selvagem”, “errático”, ou algo parecido. Como se
alguém devesse reclamar do rio Niágara por não fluir suavemente por entre as
beiradas como um canal Holandês.

Então, insisto enfaticamente na importância do gênio e na necessidade de


permiti-lo descobrir-se livremente em ambos, no pensamento e na prática,
estando bem alerta de que ninguém irá negar sua posição na teoria, mas
sabendo também que quase todos, na realidade, são totalmente indiferentes a
ela. As pessoas pensam que a genialidade é uma coisa nobre caso ela
capacite um homem para escrever um poema interessante, ou uma pintura.
Mas no seu verdadeiro sentido, aquele da originalidade de pensamento e ação,
embora ninguém diga que isso é uma coisa a ser admirada, a maioria, no
fundo, pensa que poderia viver muito bem sem ela. Infelizmente isso é muito
natural de ser imaginado. Originalidade é a única coisa na qual as mentes
ordinárias não veem utilidade. Eles não podem ver o que ela faz por eles: como
deveriam? Se eles pudessem, não seria original. O primeiro serviço ao qual a
originalidade tem que prestar a eles, é o de abrir seus olhos: tarefa que, uma
vez completa, os daria a chance de ser, eles mesmos, originais. Enquanto isso,
sabendo que nada de novo foi feito sem que alguém fosse o primeiro a fazê-lo,
e que todas as coisas boas que existem são frutos da originalidade, deixe-os
ser modestos o suficiente para acreditar que há alguma coisa a mais para eles
fazerem e se assegurarem de que eles estão precisando mais da originalidade
quando são menos conscientes desse desejo.

Na verdade crua, qualquer que seja a homenagem proferida, ou até paga, para
a real ou suposta superioridade, a tendência geral das coisas ao redor do
mundo é a de prestar à mediocridade o poder ascendente entre os humanos.
Na história da antiguidade, na idade média, e em grau reduzido durante a longa
transição do feudalismo para o tempo presente, o indivíduo era um poder em si
mesmo, e se ele obtivesse grandes talentos ou uma posição social alta, ele era
um poder a ser considerado. No presente, os indivíduos estão perdidos na
multidão. Na política é quase uma trivialidade dizer que a opinião pública rege
o mundo. O único poder que merece essa atribuição é o das massas, e dos
governos enquanto eles se mostrem como um órgão das tendências e instintos
das massas. Isso é verdade tanto nas relações morais e sociais da vida
privada, quanto em transações públicas. Aqueles cujas opiniões se reivindicam
em nome da opinião pública não são sempre o mesmo tipo de público: nos
Estados Unidos da América eles são toda a população branca; na Inglaterra
são majoritariamente de classe média. Mas, sempre há uma massa, isto é,
uma mediocridade coletiva. E, o que é uma inovação ainda maior, as massas
agora não tomam suas opiniões baseando-se na Igreja ou no Estado, de
líderes pomposos, ou de livros. Seu pensamento é feito por homens muito
parecidos com eles, que se dirigem a eles e falam em seu nome no calor do
momento através dos jornais. Não estou reclamando de tudo isso. Eu não
afirmo que qualquer melhoria é compatível com o presente estado da mente
humana como regra geral. Mas isso não impede o governo da mediocridade de
ser um governo medíocre. Nenhum governo que seja de uma democracia ou
de uma numerosa aristocracia poderia superar a mediocridade nas opiniões,
qualidades, e nos tons de mentalidade os quais ele fomenta, exceto quando
tratando dos soberanos. Muitos deixaram-se guiar (o que eles sempre fizeram
em seus melhores governos) pelos conselhos e pelo influência de uma ou
poucas pessoas mais dotadas e instruídas. A iniciação de todas as coisas
sábias e nobres vêm e deveriam vir dos indivíduos, geralmente primeiro de
alguém individual. A honra e glória dos homens ordinários é o fato de que ele é
capaz de seguir essa iniciativa, de que ele pode responder internamente coisas
sábias e nobres, e ser guiado a elas com os olhos abertos. Não me
contraponho, aqui, a essa espécie de endeusamento do herói que aplaude o
homem forte e de gênio por forçosamente apoderar-se do governo do mundo e
fazer valer sua ordem apesar dele. Tudo o que ele pode alegar é a liberdade de
mostrar o caminho. O poder de coagir os outros não é inconsistente com a
liberdade e com o desenvolvimento de todo o resto, mas sim um poder que
corrompe esse homem forte, propriamente. Nos aparenta, entretanto, que
quando as opiniões ordinárias das massas se tornaram, ou estão se tornando,
em todo lugar, o poder dominante, uma contraposição e correção dessa
tendência seria cada vez mais e mais a evidenciação da individualidade
daqueles que têm um pensamento que se destaca. É especialmente nessas
circunstâncias que indivíduos excepcionais, ao invés de ser desencorajados,
deveriam ser incitados a agir de maneira diferente da massa. Em outras
circunstâncias não seria interessante para eles agir dessa maneira a não ser
que agissem não apenas diferentemente, mas também melhor. Nessa era, o
mero exemplo do inconformismo, a mera recusa a dobrar os joelhos aos
costumes já é um serviço. Precisamente porque a tirania da opinião se dá
através da censura da excentricidade, é desejável que as pessoas sejam
excêntricas para destruir a tirania. A excentricidade sempre foi abundante onde
a força de caráter também foi, e a quantidade de excêntricos em uma
sociedade tem, geralmente, sido proporcional à quantidade de genialidade,
vigor mental e coragem moral nela contida. O fato de que poucos ousam ser
excêntricos marca o grande perigo do nosso tempo.

Eu tenho dito sobre a importância de se trabalhar com o escopo mais livre o


possível quando se tratando de coisas não costumeiras, porque com o tempo
deve nos ser revelado quais delas seriam adequadas para a conversão em
costume. Mas, a independência de ação e o desapego dos costumes não
merecem ser encorajados exclusivamente pela chance que eles nos dão de
poder deixar de lado melhores modos de ação e costumes mais válidos da
adoção geral. Não são apenas as pessoas decididamente superiores
mentalmente que tem uma alegação justa de levar suas vidas da sua própria
forma. Não há razão pela qual toda a existência humana deveria ser construída
a partir de alguns ou de um pequeno número de padrões. Se uma pessoa
possui uma quantidade tolerável de senso comum e experiência, seu próprio
modo de colocar na vida é o melhor, não porque é o melhor em si mesmo, mas
porque é o seu próprio modo. Seres humanos não são como ovelhas, e até
mesmo ovelhas não são indistinguíveis umas das outras. Um homem não pode
pegar para si um casaco ou um par de botas sem que estes tenham seito feitos
sob medida ou sem que ele tenha todo um depósito do qual escolher: seria
mais fácil encontrar uma vida que sirva para ele do que um casaco, ou os
humanos são seres mais parecidos uns com os outros em toda sua
conformação física e espiritual do que no tamanho de seus pés? Se fosse
apenas o fato de que as pessoas têm uma diversidade de gostos, isso já seria
razão suficiente para não tentarmos produzi-las a partir de um modelo. Porém,
pessoas diferentes requerem condições diferentes para seu desenvolvimento
espiritual, e não têm maiores dificuldades sob a mesma moral do que a
variedade de plantas que sobrevivem de maneira saudável no mesmo
ambiente, atmosfera e clima. As mesmas coisas que ajudam uma pessoa em
direção ao cultivo de sua natureza mais alta, são obstáculos para outra. O
mesmo modo de vida é animado e saudável para uma pessoa, mantendo todas
as suas faculdades de ação e apreciação no seu melhor estado, enquanto para
outra pessoa é um fardo, uma distração que suspende ou destrói toda a sua
vida interna. Tanto são as diferenças entre as formas de prazer dos humanos,
as suscetibilidades à dor, e entre as operações dos diferentes agenciamentos
físicos e morais sobre eles, que, a menos que haja uma diversidade
correspondente em seus modos de vida, eles não obtém nem sua parte justa
em felicidade, nem em crescimento do moral, mental e da estatura estética da
qual suas naturezas são capazes. Por que deveria a tolerância, então, assim
como o sentimento público se concerne a ela, se estender apenas para os
gostos e modos de vida que extorquem o consentimento da multiplicidade de
seus seguidores? Em lugar algum (exceto em algumas instituições monásticas)
a diversidade de gosto não é reconhecida inteiramente. Uma pessoa pode,
sem culpa, gostar ou não de canoagem, de fumar, de música, ou atletismo,
xadrez, cartas ou estudar, porque ambos, os que gostam de cada uma dessas
coisas como os que não gostam, são muitos para se contar. Mas o homem, e
ainda mais a mulher, que pode ser acusada de fazer “o que ninguém mais faz”
ou de não fazer “o que todo mundo faz”, é o alvo de comentários difamatórios
como se ele ou ela tivesse cometido alguma delinquência moral grave. As
pessoas devem possuir um título, ou alguma outra posição, ou a consideração
das pessoas bem posicionadas para serem capaz de desfrutar de alguma
forma da luxúria de agir como quiserem sem impacto algum em sua estima.
Para satisfazer de alguma forma, repito: pois qualquer um que se permita muito
dessa indulgência, corre um risco pior do que desacreditar discursos—eles
estão na perigosa condição de lunáticos—a posição onde poderiam ter suas
coisas confiscadas e doadas aos seus associados.[13].

Existe uma característica da direção atual da opinião pública particularmente


calculada para gerar intolerância em relação a qualquer demonstração de
individualidade. A média geral da humanidade não é apenas moderada em
intelecto, mas também moderada em inclinações: os homens não possuem
gostos ou desejos fortes o suficiente para os inclinar para algo não-usual, e
eles consequentemente não compreendem aqueles que o possuem,
classificando-os de maneira selvagem e intemperada como aqueles os quais
estão acostumados a menosprezar. Agora, para além desse fato que é geral,
nós podemos apenas supor que um movimento forte tem se programado em
direção ao avanço da moral, e que é evidente o que nos aguarda. Nos dias de
hoje, em que tal movimento já se iniciou, muito se transformou, de fato, no
caminho para a maior regularidade de conduta, desencorajamento dos
excessos e existe, também, um espírito filantrópico no exterior para o exercício
do qual não há campo mais instigante do que o do desenvolvimento da moral e
da prudência das nossas conhecidas criaturas. Essas tendências históricas
fazem com que o público se disponha mais do que nunca a prescrever regras
gerais de conduta, e se empenhe para reafirmar com todos qual a conduta
aprovada. E essa conduta, expressa ou tácita, é a de não desejar em excesso.
Sua ideia de caráter é a de não ter nenhuma característica marcante, é a de
mutilar por compressão, como se fosse os pés de uma moça Chinesa, toda
parte da natureza humana que se destaque e marque a pessoa como diferente
em relação à humanidade do lugar comum. Como geralmente é o caso de os
ideais excluírem uma metade do que é desejável de fato, a conduta atual de
aprovação produz apenas uma imitação inferior da outra metade. Ao invés de
energias grandiosas guiadas pela razão revigorada e sentimentos fortes
controlados por uma vontade consciente e robusta, tem como resultado
sentimentos e energias fracas, as quais, portanto, podem ser mantidas para
fora das conformidades, reguladas sem o uso de nenhuma força nem da
vontade nem da razão. O caráter enérgico já se mostra, em qualquer escala
grande, como uma mera tradição. Há pouca energia nesse país que não seja
direcionada aos negócios, e este gasto de energia ainda deve ser tomado
como considerável. O pouco que sobra para além do trabalho é gasto em
algum hobby, o qual deve ser útil e até filantrópico, mas sempre será uma coisa
individual. Geralmente é algo de pequenas proporções. A grandeza da
Inglaterra agora é coletiva: individualmente coletiva. Só nos parece possível
realizar algo por vias do nosso hábito de nos combinarmos e, com isso, nossa
filantropia moral e religiosa já está perfeitamente satisfeita. Porém, homens de
outra estirpe que fizeram da Inglaterra o que ela é, e serão, ainda, necessários
homens de outra estirpe para prevenir seu declínio.

O despotismo dos costumes é, por todos os lados, o obstáculo para o avanço


da humanidade. Ele está, incessantemente, antagonizando a disposição de ter
como objetivo algo melhor do que o de costume, e que é chamado, de acordo
com as circunstâncias, de espírito da liberdade, ou do progresso ou do avanço.
O espírito do progresso nem sempre é um espírito de liberdade, já que ele
pode ir em direção a uma melhoria imposta a pessoas que não a desejavam. E
o espírito da liberdade, enquanto não investir em tais estratégias, deve se aliar
aos oponentes do progresso localmente e temporariamente, pois a única fonte
de progresso permanente e infalível é a liberdade, desde que dela surja a
possibilidade de estabelecer um número de centros independentes de
desenvolvimento que sejam, no limite, equivalentes ao número possível de
individualidades. O princípio progressista, entretanto, seja na forma de amor à
liberdade ou ao progresso, é antagonista dos costumes, e envolve, no mínimo,
emancipação desse jugo. Essa disputa é da maior importância para a história
da humanidade. A maior parte do mundo não tem história propriamente dita,
pois o despotismo dos costumes está completo. Este é o caso de todo o
Oriente. Lá, o costume é o argumento derradeiro em todos os assuntos, Justiça
e Direitos são sinônimos de conformidade com o costume. Ninguém pensaria
em resistir aos argumentos que evoquem o costume, a não ser algum tirano
intoxicado pelo poder. E vemos o resultado. Aqueles países devem ter tido
originalidade, eles não surgiram como populosos, letrados, e versados em
muitas das artes da vida. Eles se construíram nisso tudo e foram, então, as
maiores e mais poderosas nações do mundo. O que eles são agora? São
subordinados ou dependentes de tribos cujos antepassados vagavam pelas
florestas quando possuíam templos e palácios luxuosos, mas sobre os quais o
costume não exercia mais do que um papel dividido com a liberdade e com o
progresso. Parece-me que um povo pode progredir por certo período de tempo
e depois estagnar: quando o povo estagna? Quando não possui mais
individualidade. Caso uma mudança similar assolasse as nações europeias, ela
não se sucederia exatamente da mesma forma: o despotismo dos costumes
pelos quais essas nações estão ameaçadas não é precisamente estacionário.
Ele prescreve singularidade, mas não inviabiliza a mudança, proporcionada
coletivamente. Nós descartamos os costumes inabaláveis de nossos
antepassados; todos devem se vestir como outras pessoas, mas a moda ela
mesma poderá mudar uma ou duas vezes ao ano. Então, tomamos o cuidado
para que quando haja uma mudança, ela se justifique apenas pelo ato de
mudar em si, e não por alguma ideia acerca da beleza ou da conveniência, pois
a mesma ideia de beleza e de conveniência não poderia ter êxito no mundo
todo num momento e ser, simultaneamente, deixada de lado por todos em
outro momento. Mas, tal como progressistas, somos mutáveis: continuamente
produzimos invenções na área da mecânica e as conservamos até que sejam
superadas por algo melhor. Estamos ansiosos por avanços nos campos da
política, da educação e até da moral, embora, a respeito desta última, nossa
ideia de avanço consista em persuadir ou coagir outras pessoas para que elas
sejam tão boas quanto nós. Não temos objeções ao progresso, ao contrário,
nos gabamos de sermos as pessoas mais progressistas que já viveram.
Travamos uma luta é com a individualidade: pensamos que faríamos milagres
quando fôssemos todos parecidos, esquecendo que a diferença entre as
pessoas é, geralmente, a primeira pista a chamar a atenção de ambos para a
própria imperfeição de seu tipo e a superioridade de um outro, ou a
possibilidade de combinar as vantagens dos dois, de produzir algo melhor do
que ambos. Temos um exemplo alarmante na China—uma Nação de muito
talento e, em alguns pontos, até sabedoria, devido à sorte rara de que seus
costumes tradicionais são particularmente bons desde a antiguidade. O
trabalho de homens cujo título de sábios e filósofos seria, sob certas limitações,
reconhecido até pelo europeu mais esclarecido. Também é memorável a
excelência dos aparatos chineses de impressão do melhor conhecimento que
eles possuem em todas as mentes da comunidade, aparatos que vão tão longe
quanto for possível e asseguram que aqueles que possuem mais conhecimento
devem ocupar os postos então merecedores de honra e poder. Certamente as
pessoas que realizaram esse trabalho haviam descoberto o segredo do
progressismo humano e se mantiveram firmemente à frente de um movimento
global. Ao contrário, eles acabaram por se tornar estagnados—e assim tem
sido por centenas de anos e, se existem meios para avanços, esses meios
devem ser estrangeiros. Eles tiveram sucesso apesar de toda a esperança
naquilo que os ingleses filantrópicos tem trabalhado de maneira industrial—na
produção de um povo todo igual, todos governando seus pensamentos e
conduta pela via das mesmas máximas e regras, e esses são os frutos. O
regime moderno da opinião pública é, de uma forma desorganizada, o que os
sistemas educacionais e políticos da China são de maneira organizada e, a não
ser que a individualidade se torne capaz de se reafirmar com sucesso contra
essa tendência, a Europa, não obstante seus antecedentes nobres e seu
cristianismo confesso, poderá se tornar mais uma China. O que protegeu a
Europa de tal destino até agora? O que tornou a família das nações Europeias
um avanço, ao invés de outra porção estagnada da humanidade? Não foi
nenhuma excelência superior deles, a qual, quando existe, existe como efeito e
não como causa, mas sua diversidade de caráter e cultura notável. Indivíduos,
classes e nações que foram extremamente diversos entre si: eles corrigiram
uma vasta variedade de caminhos, cada um levando a algo valioso, e apesar
de que em todos os períodos aqueles que levavam caminhos diferentes foram
intolerantes uns com os outros, e de que cada um teria achado uma excelente
ideia se todo o resto fosse compelido a tomar seu caminho, suas tentativas de
frustrar o desenvolvimento alheio raramente tiveram algum sucesso
permanente, e todos têm, então amadurecido para reconhecer o que há de
bom nas propostas de outrem. A meu ver, a Europa deve muito a essa
pluralidade de caminhos pelo seu desenvolvimento multifacetado e
progressista. Porém, ela já começa a possuir menos desse privilégio
qualitativamente. Está decididamente avançando para o ideal chinês da
produção de um povo todo igual. Alexis Tocqueville, em seu último trabalho
importante, observa como os homens franceses do presente se parecem muito
mais uns com os outros do que se pareciam até na geração anterior. A mesma
observação deve ser feita em relação à Inglaterra num grau mais elevado. Em
uma passagem já citada de Wilhelm von Humboldt, ele aponta duas coisas
como condições necessárias ao desenvolvimento humano pois são
necessárias para proporcionar pessoas que sejam diferentes umas das outras,
é dito: liberdade e variedade de situações. A segunda condição está em
declínio cada vez mais nesse País. As circunstâncias que perpassam
diferentes classes e indivíduos e moldam seus caráteres estão cada dia mais
assimiladas. Formalmente, escalões diferentes, vizinhanças diferentes, ofícios
diferentes e profissões diferentes, vividas no que poderíamos chamar de
mundos diferentes, no presente tem muito em comum qualitativamente.
Comparativamente falando, agora eles leem as mesmas coisas, ouvem as
mesmas coisas, veem as mesmas coisas, vão aos mesmos lugares, têm seus
medos e esperanças depositados nos mesmos objetos, têm os mesmos
direitos e liberdades e os mesmos meios de reivindicação. Grandes como as
diferenças de posição que se mantém, elas não são nada para aqueles que
estão estagnados. E a assimilação ainda está acontecendo. Todas as
mudanças políticas dessa era a promovem, já que elas todas tendem a
valorizar o fraco e a rebaixar o forte. Em toda a sua extensão, a educação a
promove, pois a educação traz pessoas sob influências comuns e as dá acesso
ao estoque geral de fatos e sentimentos. O aperfeiçoamento dos meios de
comunicação a promovem, ao trazer habitantes de lugares distantes ao contato
pessoal, mantendo um fluxo rápido de mudanças de residência entre um lugar
e o outro. O aumento do comércio e da manufatura a promove, ao difundir mais
abertamente as vantagens das circunstâncias mais fáceis, e ao abrir todos os
objetos de ambição, até os mais elevados, à competição geral, por meio da
qual o desejo de crescimento se torna não mais um traço de uma classe
particular, mas de todas as classes. Uma agência mais poderosa do que todas
essas em ocasionar uma similaridade geral à humanidade é o estabelecimento
completo, nesse e em outros países livres, da autoridade da opinião pública no
Estado. Conforme as variadas eminências sociais que possibilitaram que
pessoas a elas arraigadas pudessem desconsiderar a opinião da multidão são
gradualmente niveladas como uma ideia propriamente de resistência à vontade
do público, quando for positivamente sabido que elas têm uma vontade, elas
desaparecerão mais e mais das mentes dos praticantes da política, cessando,
assim, qualquer suporte social para a não-conformidade—qualquer poder
substantivo na sociedade que se oponha à autoridade dos números está
interessado em proteger opiniões e tendências que diferem das do público.

A combinação de todas essas causas forma uma massa tão grande de


influências hostis à Individualidade, que não é fácil de visualizar como ela ainda
se mantém. E isso se dará como dificuldade crescente, a não ser que a parte
inteligente do público possa sentir seu valor—ver que é bom que haja
diferenças, ainda que elas não sejam sempre boas, apesar de, como deve
parecer para o público, algumas sejam para pior. Se há algum tempo para as
demandas da Individualidade serem invocadas, esse tempo é hoje, enquanto
ainda falta muito para essa assimilação forçada se completar. É somente nos
estágios iniciais onde qualquer posicionamento pode obter sucesso contra essa
usurpação. A demanda de que todos os outros devam parecer-se conosco vale
o quanto pesa. Se a resistência aguardar até que a vida se reduza
praticamente a um tipo uniforme, todo desvio desse tipo virá a se tornar
considerado ímpio, imoral e até monstruoso ou contrário à natureza. A
humanidade rapidamente se torna incapaz de conceber a diversidade quando
está desacostumada a vê-la por certo período de tempo.

NOTAS

[11] Esfera e Deveres do Governo, tradução em alemão do Barão Wilhelm von


Humboldt, pp. 11-13;

[12] Ensaios e contos, de John Sterling;

[13] Há algo de desprezível e de ameaçador no tipo de evidências sobre as


quais qualquer pessoa pode ser declarada judicialmente incapaz de gerenciar
seus próprios bens. Depois de sua morte, suas decisões acerca de sua
herança são deixadas de lado caso haja dinheiro suficiente para pagar o litígio
—o qual é cobrado com base na própria propriedade. Se intrometem em todos
os detalhes de sua vida pessoal através de um viés incriminador que descreve
a pior das piores faculdades para o júri, criando uma aparência de desviante do
senso comum que é posta como evidência de insanidade e, geralmente, obtém
sucesso. O júri sendo breve, se possível menos vulgar e ignorante do que as
testemunhas, enquanto os juízes com sua extraordinária ânsia pelo
conhecimento da natureza humana e da vida que ainda nos impressiona nos
advogados Ingleses acabam por induzi-lo. O que esses julgamentos nos
mostram tem relação ao estado da opinião e dos sentimentos entre o povo em
geral em relação à liberdade. Longe de estabelecerem valor à liberdade—longe
de respeitarem os direitos de cada indivíduo de agir com indiferença baseado
em seu próprio julgamento e inclinação. Juízes e júris jamais conceberiam o
fato de que uma pessoa sã pode desejar tal liberdade. Há algum tempo,
quando fora proposto queimar ateístas, as pessoas mais carismáticas
costumavam sugerir que os colocassem em hospícios em vez disso: não seria
surpreendente encontrarmos isso em prática hoje em dia, e quem pratica se
aplaude, pois, ao invés de perseguir a religião, eles adotaram um modo
humano e cristão de tratar esses desafortunados, não sem uma satisfação
silenciosa por obterem suas renúncias.

CAPÍTULO IV

DOS LIMÍTES DA AUTORIDADE DA SOCIEDADE SOBRE O INDIVIDUAL

Qual é, então, o limite adequado da soberania do indivíduo sobre si mesmo?


Onde começa a autoridade da sociedade? Quanto da vida humana deveria ser
canalizado à individualidade e quanto para a sociedade?

Ambas irão receber sobre sua própria demanda se cada uma tem aquela que
mais lhe concerne. A individualidade pertenceria àquela parte da vida na qual o
interesse acerca do individual predomina, analogamente à sociedade onde
predomina os interesses da sociedade.

Apesar de a sociedade não se fundar num contrato e de não haver propósito


bom em inventá-lo com a finalidade de deduzir obrigações sociais dele, todos
aqueles que recebem proteção da sociedade devem algo em troca desse
benefício, e o fato de que a vida em sociedade demanda que as pessoas sejam
obrigadas a respeitar certo tipo de conduta em detrimento de outros. Essa
conduta consiste, primeiramente, em não ferir o interesse alheio,
especialmente certos interesses que, seja por expressão de uma cláusula legal
ou por um entendimento tácito, são, então, considerados direitos; e, em
segundo lugar, na premissa de que cada pessoa deverá arcar com sua parte (a
ser fixada baseando-se em algum princípio equitativo) dos trabalhos e
sacrifícios decorrentes da defesa da sociedade ou de seus membros de
alguma injúria e moléstia. A sociedade se justifica reforçando essas condições
à todo custo para aqueles que buscam completude. E isso não é tudo o que ela
faz. Os atos de um individuo podem afligir outros ou podem ser carentes
quando se considera seu bem-estar, sem que violem quaisquer direitos
constitucionais. O infrator será, então, justamente punido pela opinião e não
pela lei. Assim que uma parte de sua conduta afete negativamente os
interesses de outros, a sociedade tomará jurisdição sobre ela, e a questão
sobre se o bem-estar geral será ou não promovido através da interferência
torna-se então uma discussão aberta. Mas não há espaço para esse tipo de
questionamento quando a conduta da pessoa afeta apenas seus próprios
interesses, ou quando não afetaria outros se eles não quisessem (todos aos
quais me refiro sendo maiores de idade e de uma quantidade ordinária de
conhecimento). Em todos esses casos, deveria haver liberdade plena,
legalmente e socialmente, para agir e se responsabilizar pelas consequências.

Seria muita falta de compreensão supor que essa é uma das doutrinas da
indiferença egoísta que imagina que os seres humanos não têm relação uns
com os outros no que diz respeito a suas condutas, e que eles não deveriam se
preocupar com o bem-estar uns dos outros a não ser que seus próprios
interesses estejam envolvidos. Ao invés desse retrocesso, é necessário investir
num esforço desinteressado para promover o bem. Porém, essa benevolência
desinteressada pode utilizar-se de outros instrumentos, que não o chicote e o
flagelo, para convencer as pessoas a fazerem o bem para si mesmas, seja
metaforicamente ou literalmente. Eu seria a última pessoa a subestimar as
virtudes que dizem respeito ao individual, elas vêm em segundo lugar em
relação às do social. Cabe igualmente à educação o dever de cultivar ambas,
mas até a educação funciona tanto por convicções e persuasão como por
compulsão, e é pelos primeiros, apenas, que, quando o período destinado à
educação tem seu fim, essas virtudes que dizem respeito ao individual
deveriam ser inculcadas. Os seres humanos devem ajuda uns aos outros para
distinguir o que é melhor do que é pior, e coragem para escolher o primeiro em
detrimento do pior. Eles deveriam estar sempre se estimulando para
exercitarem suas mais altas faculdades e os direcionamentos de seus
sentimentos e objetivos para opções sábias ao invés de tolas, grandiosas ao
invés de degradantes, objetivos e contemplações. Mas ninguém, e certamente
nenhum grupo, se garante ao dizer para outra criatura humana em idade
madura que ela não deveria fazer com a sua vida o que ela quisesse para seu
próprio benefício. Ela é a pessoa mais interessada em seu próprio bem estar:
os interesses os quais qualquer outra pessoa, exceto em casos de forte apego
emocional, podem vir a ter em relação a isso são mínimos quando comparados
ao interesse da pessoa sobre si mesma. O interesse que a sociedade tem em
relação a isso individualmente (exceto sobre sua conduta para com os outros)
é fracionário, e, em suma, indireto: enquanto, no que diz respeito aos seus
sentimentos e circunstâncias, o mais ordinário dos homens ou mulheres têm
meios de se informar que superam imensuravelmente os meios de quaisquer
outros. A interferência da sociedade em rejeitar seus julgamentos e propósitos
a respeito de si mesmo deve basear-se em pressupostos gerais, os quais
podem vir a mostrar-se completamente errados e, mesmo se corretos,
provavelmente não seriam aplicáveis corretamente em casos individuais por
pessoas que não estão mais familiarizadas com as circunstâncias destes casos
do que aqueles que meramente os observam de fora. Neste departamento,
portanto, dos assuntos humanos, a Individualidade tem seu próprio campo de
ação. Na maior parte da conduta dos seres humanos uns para com os outros, é
necessário que regras gerais sejam observadas com o intuito de informar às
pessoas quais expectativas devem ter. Porém, no que cabe somente à pessoa,
a sua espontaneidade individual é designada o exercício livre. Considerações
para guiar seu julgamento e exortações para fortalecer sua vontade podem ser
oferecidas a ela, e até mesmo impostas a ela por outros, mas ela sozinha é o
juiz, afinal. Todos os erros que ela provavelmente irá cometer, à revelia de
conselhos e avisos, compensam de longe quando comparados ao mal de
permitir que os outros a restrinjam ao que eles julgam ser bom.

Não quero dizer que os sentimentos com os quais uma pessoa se depara em
relação aos outros não é afetado de alguma forma pelas suas qualidades e
deficiências. Isso não é nem possível, nem desejado. Se ela mostrar
proeminência em quaisquer qualidades que conduzam ao seu próprio bem, ela
é, até então, digna de admiração. Está muito próxima do ideal de perfeição da
natureza humana. Se ela se mostra grosseira e deficiente nestas qualidades,
um sentimento oposto à admiração segue. Há um grau de loucura e do que
poderia ser chamado (apesar de a frase não passar isenta de censura) de
baixeza ou de depravação de gosto os quais, embora não justifiquem violência
contra as pessoas que as manifestem, as apresentem como necessariamente
e devidamente como objeto de aversão ou, em casos extremos, até de
desprezo: uma pessoa não poderia ter qualidades opostas a estas na sua
devida força sem despertar esses sentimentos. Apesar de não fazer mal a
ninguém, uma pessoa pode agir de forma que nos compele a julgá-la e
percebe-la como insensata ou como sendo de uma ordem inferior: e, já que
esses julgamentos e percepções são fatos os quais ela desejaria evitar,
fazemos um favor avisando-as com antecedência sobre eles, assim como
sobre quaisquer outras consequências desagradáveis às quais ela se expõe.
Com certeza seria ótimo que esse exercício fosse tratado de maneira mais livre
do que as noções de etiqueta nos permitem até o presente e que uma pessoa
pudesse apontar honestamente defeitos que ache em outras sem ser
considerado inadequado ou inquisidor. Nos também temos o direito de agir de
várias formas sobre as opiniões desfavoráveis de qualquer pessoa. Não no
sentido de oprimir sua individualidade, mas, sim, pelo exercício da nossa. Não
temos a obrigação de almejar a sociedade como ela, por exemplo. Nós temos o
direito de evita-la (apesar de não podermos promover um boicote), pois temos
o direito de escolher a sociedade que mais se adeque a nós mesmos.
Possuímos o direito, e talvez o dever, de alertar os outros sobre si mesmos se
acharmos que seu exemplo ou seu discurso têm efeito negativo sobre as
pessoas com as quais ele se relaciona. Poderíamos dar preferência a outros ao
oferecer bons empregos, a não ser aqueles que os levem ao amadurecimento.
Dessas formas variadas, uma pessoa poderia sofrer sérias penalidades pelas
mãos de outrem sobre falhas que só dizem respeito a ela mesma. Porém, ela
sofre essas penalidades apenas enquanto consequência natural e, como a
tratamos, espontânea de seus próprios erros, e não por serem
propositadamente impostas a ela com o intuito da punição. Uma pessoa que
demonstre dureza, obstinação, autossuficiência—que não pode conviver dentro
de meios moderados—que não seja moderada em relação à complacência—
que persegue prazeres animalescos às custas dos prazeres do sentido e do
intelecto— já deve esperar que seja rebaixada na opinião dos outros, e que
tenha uma parcela menor dos sentimentos favoráveis. Mas estes ela não tem o
direito de reivindicar, a não ser que ela tenha a seu favor o merecimento de
uma excelência especial de relações sociais e tenha, então, estabelecido um
status para seus serviços de qualidade, os quais não seriam afetados por seus
deméritos pessoais.

O que eu defendo é o fato de que as inconveniências que são estritamente


inseparáveis de um julgamento desfavorável do outro são as únicas às quais
uma pessoa deveria ser submetida pela porção de sua conduta e caráter que
concerne ao seu próprio bem, mas que não afeta os interesses de outros em
suas relações com ela. Atos de injúria requerem um tratamento totalmente
diferente. Violação de direitos, danos ou perdas causados a outrem que não se
justifiquem por seu próprio direito, falsidade ideológica, abuso de privilégios,
abstenção egoísta da defesa dos direitos alheios—todos estes são objeto da
reprovação moral e, em casos graves, da retaliação e punição moral. E não
apenas esses atos, mas as próprias disposições das quais eles se originaram
são imorais e objetos de desaprovação que pode levar ao repúdio. A
disposição à crueldade; a malícia e a doença; a paixão mais odiosa e
antissocial, a inveja; dissimulação e desonestidade; o exagero sem causa
justificável, e o ressentimento descabido à provocação; o amor à dominação
alheia; o desejo de levar mais do que sua parte dos privilégios (do Grego:
pleonexia); o orgulho do qual a gratificação por humilhar outrem deriva; o
egoísmo de pensar que seus problemas são maiores do que os das outras
pessoas e que todas as questões deveriam ser resolvidas em sua função;--
esses são vícios morais e constituem um caráter ruim e odioso: diferentemente
dos defeitos pessoais aos quais me referi anteriormente, que não são
estritamente imorais e que, quaisquer que sejam os vieses, não constituiriam
perversão. Eles podem ser prova de algum grau de loucura ou da falta de
dignidade e autoestima, mas apenas são objeto de reprovação moral quando
envolvem a violação dos direitos de outrem, pelos quais o indivíduo tem a
obrigação de zelar. O que chamamos de deveres não são socialmente
obrigatórios a não ser que as circunstâncias os levem ao mesmo dever em
relação a outrem. O termo “dever” para o indivíduo, quando ele não significa
nada mais do que prudência, significa autoestima e autodesenvolvimento e, por
estas ninguém é responsabilizado, no que diz respeito aos seus colegas, seres
humanos, pois ninguém se responsabiliza então pelo bem da humanidade.

A distinção entre a falta de consideração na qual uma pessoa pode incorrer por
falta de prudência ou de dignidade pessoal, e a reprovação que ela acarreta
pela infração dos direitos dos outros, não é uma distinção meramente nominal.
Ela faz muita diferença tanto no que diz respeito aos nossos sentimentos
quanto nas nossas atitudes em relação a ela, se ela deixa a desejar em
assuntos nos quais acreditamos que temos controle sobre ela, ou em assuntos
nos quais nós sabemos que não o temos. Se ela nos desagrada, podemos
expressar nosso desgosto, e podemos ficar alheios à pessoa ou à coisa que
nos desagrada. No entanto, não devemos nos sentir impelidos a tornar sua
vida desagradável. Devemos refletir sobre o fato de que ela já desenvolve, ou
desenvolverá total responsabilidade sobre seus erros; se ela estraga sua
própria vida devido ao mau gerenciamento, por esta mesma razão, não
deveríamos estraga-la mais ainda: ao invés de desejar sua punição,
deveríamos empreender a atenuação de sua punição, mostrando como ela
poderia evitar ou curar os males que sua conduta tende a trazer à tona. Para
nós, ela pode ser alvo de pena, talvez de desaprovação, mas não de raiva ou
ressentimento. Não deveríamos trata-lo como inimigo da sociedade: se não
interferimos benevolentemente demonstrando interesse ou preocupação por
ela, a pior coisa justificável que poderíamos pensar em fazer é deixa-la
sozinha. Se ela infringiu as regras necessárias para a proteção dos colegas
humanos, individualidade ou coletividade, estamos num outro extremo. As
consequências nefastas de seus atos não recaem sobre ela mesma, mas sobre
os outros, e a sociedade, como protetora de todos os seus membros, a deve
retaliação, deve afligir-lhe dor com o proposito expresso de punição, e deve
cuidar para que ela seja suficientemente severa. Neste caso, ela é uma
infratora em nosso bar, e nós somos responsabilizados não apenas de sentar e
julgá-lo, mas, de uma forma ou de outra, de executar nossa própria sentença:
em outro caso, não cabe a nós afligir-lhe sofrimento algum, exceto no que
poderia se seguir do nosso uso dessa mesma liberdade na gerência de nossos
próprios negócios, coisa que permitimos que ele faça.

Muitos irão recusar admitir a distinção que aponto aqui entre a parte da vida de
uma pessoa que interessa apenas a ela mesma, e aquela que concerne a
outros. Como (deve-se perguntar) poderia qualquer parte da conduta de um
membro da sociedade ser matéria de indiferença para os outros membros?
Ninguém é inteiramente isolado, é impossível uma pessoa fazer algo realmente
ou permanentemente destrutivo para si mesma sem ser importunada por suas
relações mais próximas e, com frequência, muito além delas. Se ela causa
dano a sua propriedade, ele causa dano a todos aqueles que direta ou
indiretamente contavam com seu apoio, e comumente diminuem, pouco ou
muito, os recursos gerais da comunidade. Se ela deteriora suas faculdades
corporais ou mentais, ela não apenas faz mal a todos que dependem dela para
alguma porção de sua felicidade, como também perde sua credibilidade para
prestar os serviços que ela deve a suas colegas criaturas em geral. Talvez ela
se torne um peso sobre as afecções e a benevolência de outros, e se tal
conduta for muito frequente, dificilmente alguma infração cometida desviaria
mais ainda a soma geral do bem na sociedade. Por fim, se uma pessoa não
causa danos diretos a outrem com seus vícios e desvario, todavia ela é (se
poderia afirmar) nociva por seu exemplo, e deverá ser compelida a controlar-
se em nome daqueles que poderiam corromper-se ou ser mal direcionados por
tal visão ou conhecimento acerca de tais fatos.
E, mesmo que (acrescento) as consequências dos desvios de conduta
pudessem ser confinados ao indivíduo viciado ou negligente, a sociedade
deveria abandonar sob seus próprios jugos aqueles que são manifestamente
inadequados a ela? Se a proteção contra eles mesmos é destinada às crianças
e menores de idade, a sociedade não é igualmente obrigada a lidar com
pessoas maiores de idade que são igualmente incapazes de gerenciar sua
própria vida? Se o vício no jogo, se o alcoolismo, ou a incontinência ou o ócio
são tão prejudiciais à felicidade, e um obstáculo ao desenvolvimento tão
grande como a maioria das condutas proibidas por lei, por que (deve-se
perguntar) a lei não deveria as reprimir, também, se ela for consistente com a
praticabilidade e com a conveniência social? E, como um suplemento às
imperfeições inevitáveis da lei, a opinião não deveria, pelo menos, organizar
políticas poderosas contra esses vícios e responder com penalidades sociais
rígidas àqueles que sabemos que os praticam? Não estou pondo em questão
(devo dizer) a restrição da individualidade ou o impedimento de novas
tentativas e experimentações originais. As únicas coisas que procuro prevenir
são as coisas que foram tentadas e condenadas desde o início dos tempos até
agora, coisas que a experiência mostrou serem inúteis e inadequadas para
qualquer individualidade. Deve haver algum período de tempo ou quantia de
experiência sob os quais a verdade moral ou prudente podem ser reconhecidas
como estabelecidas, e é simplesmente desejável prevenir que caiamos no
mesmo princípio que tem sido fatal, geração após geração, para nossos
predecessores.

Admito que o transtorno que uma pessoa causa para si mesma pode afetar
seriamente, devido à sua simpatia ou seus interesses, aqueles que estão a sua
volta e, em grau menor e no limite, afetar a sociedade amplamente. Quando,
devido a uma conduta desse tipo, uma pessoa é levada a violar uma obrigação
distinta e imputável dela perante outro ou outros, o caso está agora fora da
categoria individual e se torna, então, passível de desaprovação moral no
sentido próprio do termo. Se um homem, por exemplo, por extravagância e
intemperança, se vê incapaz de pagar suas dívidas ou, tendo assumido a
responsabilidade por sua família, se torna, pela mesma causa, incapaz de
apoia-la e educa-la, ele se torna, de maneira justa, reprovável e deve ser
punido. Porém, apenas pela violação dos direitos de sua família e
dependentes, e não pela extravagância. Se os recursos os quais foram
destinados a eles fossem utilizados num investimento prudente, a culpabilidade
moral seria idêntica. George Barnwell assassinou seu tio para conseguir
dinheiro para sua amante, mas, se ele houvesse roubado para se beneficiar
nos negócios, ele seria enforcado da mesma forma. Novamente, no caso
recorrente onde um homem causa sofrimento para sua família devido ao vício
dos maus hábitos, ele merece censura por sua ingratidão e falta de empatia.
No entanto, o mesmo deve ocorrer caso ele cultive hábitos que não são
violentos em si, mas que causam algum sofrimento àqueles com os quais ele
passa sua vida, ou àqueles que dependem dele para seu conforto. Qualquer
um que falhe em considerar os interesses e sentimentos dos outros, em geral,
e que não seja compelido por alguma obrigação mais imperativa ou justificável
por uma preferência permitida, torna-se objeto de desaprovação moral por essa
falha, não por sua causa, não pelos seus erros simplesmente pessoais os
quais podem ter levado a ela. De maneira parecida, quando uma pessoa se
torna incapaz de, por uma conduta puramente egoísta, performar algum dever
definido para ele em relação ao que é público, ele é culpado por uma infração
social. Ninguém deve ser punido simplesmente por estar bêbado, mas um
soldado ou um policial bêbado em serviço deve ser punido. Em resumo,
quando há, claramente, dano ou risco de danos seja a um indivíduo ou coletivo,
o caso é retirado do reino da liberdade e posto no reino da moralidade ou da
lei.

Mas, em relação à mera contingência, ou, como poderia chama-la, a injúria


construtiva a qual uma pessoa causa para a sociedade por condutas que não
violam qualquer direito civil específico, nem ocasionam dor para qualquer
indivíduo que não seja ela mesma, esta conveniência é uma das que a
sociedade pode se dar ao luxo de possuir em prol do bem da liberdade
humana. Se os adultos fossem punidos por não tomarem conta de si mesmos,
eu preferiria que isso se desse em prol deles mesmos do que sob a pretensão
de preveni-los de emparelhar suas capacidades de prestar benfeitorias à
sociedade as quais a sociedade não simula ter direito de extorquir. Porém, não
posso colocar esse ponto como se a sociedade não tivesse meios de trazer
seus membros mais fracos de volta ao padrão de conduta ordinário e racional
para além da vigilância e patrulha, na espera de algo irracional para, então,
puni-los por isso legalmente ou moralmente. A Sociedade tem tido poder
absoluto sobre estes durante grande porção de sua existência: ela tem tido
toda sua infância e menoridade para experimentar se poderia torna-los
capazes de tomar condutas racionais perante a vida. A geração atual têm
dominância sobre ambos o treinamento e toda a circunstância possível para as
gerações futuras. Ela com certeza não pode produzi-las de modo perfeitamente
correto e sábio, pois ela mesma é lamentavelmente deficiente de bondade e
sabedoria, e suas melhores tentativas nem sempre são, nos casos
individualmente, as mais efetivas. Porém, ela está perfeitamente capacitada
para fazer com que a próxima geração como um todo seja tão boa quanto, e
um pouco melhor do que ela mesma. Se a sociedade permitir que um número
considerável de seus membros cresçam como crianças, incapazes de agirem
baseando-se em considerações racionais e planejamento de longo prazo,
quem tem a culpa por essas consequências é a própria sociedade. Armada não
apenas com todos os poderes da educação, mas também com o imperativo
que a autoridade de uma opinião recebida sempre exerce sobre as mentes
daqueles que estão menos aptos de julgar por si mesmos e, auxiliados pelas
penalidades naturais, as quais não se pode evitar que recaiam sobre aqueles
que recorrem ao repúdio ou desprezo dos que os conhecem. Não deve-se
permitir que a sociedade finja que precisa, para além de tudo isso, do poder de
comandar e reforçar a obediência nas questões pessoais dos indivíduos nas
quais, sobre todos os princípios da justiça e da política, as decisões devam ser
feitas por aqueles que suportarão as consequências. Nem existe algo que
tenda mais ao descrédito e frustre os melhores meios de influenciar a conduta,
do que recorrer ao que há de pior. Se houver, entre aqueles que serão
coagidos à prudência ou temperança, algum material do qual o vigor e a
independência de caráter são feitos, eles certamente irão se rebelar contra este
fardo. Ninguém, nunca irá achar que os outros têm o direito de controlá-lo no
que diz respeito a sua vida pessoal, assim como não irá achar que eles devem
preveni-lo de molestá-los no que diz respeito às deles. E, facilmente, o ato de
zombar da cara de tal autoridade usurpada vem a ser considerado como uma
marca de espírito e coragem e ostentar, resultando, então, no exato oposto do
que ela prega, como ocorreu na moda de mau gosto que se sucedeu no tempo
de Carlos II, à intolerância moral fanática dos Puritanos. A respeito do que foi
dito sobre a necessidade de proteger a sociedade dos maus exemplos dos
violentos ou dos autocomplacentes, é verdade que esses exemplos podem ter
efeitos nefastos, especialmente o exemplo de fazer mal aos outros com
impunidade. Mas agora estamos falando de uma conduta que, enquanto não
faz mal algum a outrem, supostamente faz muito mal ao agente que a conduz:
e não vejo como aqueles que acreditam nisso poderiam pensar de outra forma
que não a do exemplo. No geral, deve ser mais vantajoso do que prejudicial já
que, se ela demonstra má conduta, ela também demonstra consequências
dolorosas e degradantes às quais, se a conduta for censurada razoavelmente,
supostamente deveriam estar presentes em todos os casos correspondentes.

Porém, o mais forte de todos os argumentos contra a interferência daquilo que


é puramente conduta pessoal no público é que, quando há interferência, há
maior probabilidade que interfira da maneira errada, no lugar errado. Sobre
questões acerca da moralidade social, dos deveres, entre outros, a opinião do
público, isto é, de uma maioria que comanda apesar de, ocasionalmente,
comandar errado, provavelmente ainda estará, com frequência, correta. Por
isso, dela é requerido que parta de seus próprios interesses para pensar sobre
a maneira como alguns modos de conduta, caso tenham sua prática
autorizada, a afetariam. Mas a opinião de uma maioria similar imposta na forma
de leis sobre uma minoria acerca de condutas individuais está tão passível de
erro quanto de erro, pois, nesses casos, a opinião pública significa, no melhor
das hipóteses, as opiniões de algumas pessoas sobre o que é bom e o que é
ruim para as outras, enquanto muitas vezes nem isso significa. O público, com
a mais perfeita indiferença, passando por cima do prazer ou da conveniência
daqueles cuja conduta censura e considerando apenas suas próprias
preferências. Muitos consideram uma injúria contra si quaisquer condutas as
quais eles não gostem, e têm rancor a elas como um ultraje a seus
sentimentos, como um fanatismo religioso que, quando cobrado para que
desconsidere a religiosidade dos outros, sabe-se que contrapõe o argumento
de que ele desconsidera a religiosidade alheia ao abominar persistentemente
seu culto e credo. Mas não há mais paridade entre uma pessoa e seus
sentimentos por sua própria opinião, e o sentimento de uma pessoa que foi
violentada pelo fato dela ter mantido essa opinião, e entre o desejo de um
ladrão de roubar uma bolsa e o desejo do dono de mantê-la. E os gostos de
uma pessoa são tão pessoais quanto suas opiniões ou sua bolsa. É fácil, para
qualquer um, imaginar o público ideal, o qual não perturbaria a liberdade e
escolha dos indivíduos de forma alguma, e apenas os requereria que se
abstivessem de modos de conduta que a experiência universal tivesse
condenado. Porém, aonde há um público que estabelece limites para sua
vigilância? Ou, quando o público se preocupa com a experiência universal? Em
suas interferências para com as condutas pessoais, ele geralmente não pensa
em nada além da gritante diferença das ações e sentimentos de suas próprias,
e esse julgamento padronizado, levemente disfarçado, é visto pela humanidade
como imperativo da religião e da filosofia por nove décimos de todos os
moralistas e escritores especulativos. Estes ensinam que as coisas são certas
porque elas são certas, porque achamos que elas sejam. Eles nos dizem para
procurarmos em nossas próprias mentes e corações pelas leis de conduta que
nos liga uns aos outros. O que poderia esse público pobre, se não colocar
essas instruções em prática e tornar, então, seus próprios sentimentos “do
bem” ou “do mal”, se ele é suportavelmente unânime para eles e obrigatório
para todo o mundo?

O mal apontado aqui não é aquele que existe apenas na teoria, e pode ser que
esperem que eu deva especificar as instâncias nas quais o público dessa era e
país investe inapropriadamente suas próprias preferências ao caráter das leis
morais. Eu não escrevo um ensaio sobre as aberrações do sentimento de
moral existente. Esse tema é muito amplo para ser tratado de maneira rápida e
o faço no sentido de ilustração. Ainda assim, exemplos se fazem necessários
para mostrar que o princípio que mantenho diz respeito a um momento sério e
prático, e que não pretendo erigir uma barreira contra males imaginários. E não
é difícil demonstrar, por instâncias abundantes, que alargar as fronteiras do que
se pode chamar de política moral até que ela invada a mais inquestionável e
legítima liberdade do indivíduo é uma das inclinações humanas mais
universais.

Em primeira instância, considere as antipatias que os homens cultivam em


solos não melhores do que o daquelas pessoas cujas opiniões religiosas são
diferentes de suas próprias, não praticam as observações religiosas,
especialmente no que diz respeito ao ascetismo. Para citar um evento trivial,
nada no credo nem na prática dos cristãos atiça mais o ódio muçulmano do
que o fato deles comerem porco. Há poucas ações às quais cristãos e
europeus se refiram com mais nojo do que essa restrição mulçumana no que
diz respeito a essa forma de satisfazer a fome. Isto é, em primeiro lugar, uma
infração contra sua religião, mas, de forma alguma, explica o grau nem a
qualidade da sua repugnância, já que beber vinho também é proibido por sua
religião, ato considerado errado, porém não abominável pelos muçulmanos.
Sua aversão pela carne da “besta suja” é, ao contrário, do seu caráter peculiar,
lembrando uma antipatia instintiva, cuja ideia de sujeira, uma vez que está
intrincada aos sentimentos, parece sempre aparecer mesmo naqueles cujos
hábitos de higiene pessoal não são os melhores, nos quais o sentimento de
impureza religiosa, tão intenso nos hindus, é um exemplo memorável.
Supondo, agora, que, num povo que tem como maioria muçulmanos, essa
maioria insista em não permitir que se coma porco dentro dos limites do país.
Isso não seria nenhuma novidade nesses países muçulmanos. [14] Tratamos
aqui do exercício legítimo da autoridade moral da opinião pública? Caso não o
seja, por que não? A prática é, realmente, revoltante para esse público. Eles
também acreditam sinceramente que ela é proibida e rechaçada por sua
deidade. Tampouco poderia essa proibição ser censurada como perseguição
religiosa. Pode ser que tenha origem religiosa, mas não seria perseguição
religiosa já que nenhuma religião obriga ninguém a comer porco. O único
terreno viável para fins de condenação seria o qual o público não deveria
interferir nos gostos pessoais e que dizem respeito somente ao indivíduo.

Para nos aproximarmos, de alguma forma, de casa: a maioria dos espanhóis


consideram uma impiedade grosseira, a ofensa mais grave possível contra o
Ser Supremo, louvá-lo de qualquer outra maneira que não seja a Católica
Apostólica Romana, e nenhuma outra forma de religiosidade tem leis a seu
respeito em solo espanhol. As pessoas de todo o sul da Europa veem um
clérigo casado não apenas como não-religioso, mas também como carnal,
indecente, nojento. O que pensam os protestantes acerca desses sentimentos
perfeitamente sinceros, e da tentativa de força-los contra não Católicos? Ou,
ainda, se a humanidade se justifica ao interferir na liberdade um do outro em
assuntos que não interessam a outrem, sob qual princípio seria possível
consistentemente excluir estes casos? Ou, quem poderia culpar as pessoas
por desejarem suprimir o que elas tratam como escândalo aos olhos de Deus e
do Homem? Não há caso mais forte para mostrar que proibir qualquer coisa
que seja referente à imoralidade pessoal do que o que produzimos ao suprimir
essas práticas aos olhos daqueles que as veem como impiedosas e, a não ser
que estejamos dispostos a adotar a lógica dos inquisidores e a afirmar que
podemos perseguir as pessoas por estarmos corretos, e que eles não devem
nos perseguir por estarem errados, nós devemos nos cuidar para não admitir
um princípio que nos pareceria uma grande injustiça caso fosse aplicado para
nós mesmos.

As instâncias antecedentes podem ser contrapostas, embora sem razão, como


provenientes de contingências impossíveis entre nós: a opinião, nesse País,
não tendendo a reforçar a abstinência de carnes, nem a interferir no culto nem
no casamento das pessoas com passe em suas crenças ou inclinações. No
entanto, o próximo exemplo deve ser tomado de uma interferência na liberdade
a qual de maneira alguma conseguimos nos livrar de seus perigos. Onde quer
que os puritanos tenham sido suficientemente poderosos, como na Nova
Inglaterra, e na Grã-Bretanha no período de comunidade, eles se esforçaram,
com sucesso considerável, para rebaixar todo entretenimento público e quase
todo o privado, especialmente a música, dança, jogos públicos e outras
reuniões que têm como propósito a diversão, e o teatro. Há ainda, nesse País,
grupos grandes de pessoas cujas noções de moralidade e de religião
condenam tais recreações, e essas pessoas, que pertencem majoritariamente
à classe média, e que têm o poder dominante na atual condição política e
social do reinado, não é, de forma alguma, impossível que pessoas com esses
sentimentos devam, uma hora ou outra, comandar uma maioria no parlamento.
Como a porção que sobra da comunidade gostaria do entretenimento permitido
por essa moral religiosa e por esses sentimentos estritamente Metodistas e
Calvinistas? Eles não, devido a consideráveis obrigatoriedades, desejariam que
esses membros piedosos e invasivos da sociedade cuidassem de suas
próprias vidas? É precisamente isso que deveria ser dito a todo governo e todo
público que tenha a pretensão de que nenhuma pessoa deva aproveitar
quaisquer prazeres que eles pensam que seja errado. Porém, se o princípio
dessa pretensão for admitido, ninguém poderia objetar razoavelmente que ela
seja realizada tendo base na maioria ou em outro poder preponderante do
País. E que todas as pessoas deveriam estar prontas para se conformar à ideia
de comunidade cristã como compreendida pelos primeiros ocupantes da Nova
Inglaterra caso um ofício religioso similar aos delas deva ter sucesso em
reconquistar seu terreno como sabe-se que religiões em dito estado de
decadência costumam fazer.

Imaginar uma outra contingência, talvez mais propensa a se realizar do que a


última mencionada. Há uma forte tendência confessa no mundo moderno em
direção a uma constituição democrática da sociedade acompanhada, ou não,
por instituições políticas populares. Afirma-se que no país onde essa tendência
se vê mais implementada—onde ambos, o governo e a sociedade são os mais
democráticos—os Estados Unidos da America—o sentimento da maioria, á
qual qualquer aparição de estilo de vida mais chamativo ou caro, contra os
quais eles possam esperar competir é discordante, opera como leis suntuárias
suportavelmente efetivas, o que, em muitas partes da União Europeia, é muito
difícil, para uma pessoa que possui uma fonte alta de renda, achar um modo de
gastá-la que não incorra na desaprovação popular. Apesar de tais afirmações
como essas serem, sem dúvida, muito exagerados como representação de
atos reais, o estado das coisas que elas descrevem não é apenas possível de
conceber, mas um resultado provável do sentimento democrático combinado
com a noção de que o público tem o direito a vetar as maneiras como os
indivíduos devem gastar seu dinheiro. Nós só podemos supor uma difusão
considerável das opiniões Socialistas, e que o ato de possuir mais do que uma
pequena quantia de propriedade, ou qualquer fonte de renda que não seja
garantida por trabalho manual, pode vir a se tornar infame aos olhos da
maioria. Opiniões similares a essas, a princípio, prevalecem fortemente entre
as classes artesãs, e pesam opressivamente sobre aqueles que têm uma
opinião amena em relação a essa, principal de sua classe, é dito, de seus
próprios membros. Sabe-se que a péssima mão-de-obra que forma a maioria
dos operários de vários ramos da indústria mantem, com certeza, a opinião de
que eles devam ganhar os mesmos salários que a boa mão de obra, e que a
ninguém deveria ser permitido, seja por meio do trabalho ou outro, receber
mais do que os outros possam por ser mais qualificado ou empresariado. E
eles aplicam uma política moral, ocasionalmente física, para impedir que
trabalhadores qualificados recebam, e que os patrões deem melhor
remuneração por um serviço mais útil. Se o público tiver qualquer jurisdição
sobre assuntos privados, não vejo como se essas pessoas estivessem em
débito, ou que qualquer público particular a um indivíduo poderia ser culpado
por fazer valer a mesma autoridade sobre sua conduta individual que o público,
em geral, faz valer sobre as pessoas.

Porém, para não cairmos em achismos, existem, hoje em dia, usurpações


grosseiras sobre a liberdade da vida privada de fato praticada, usurpações
mais gritantes ainda ameaçadas por alguma expectativa de sucesso, e
opiniões propostas que afirmam um direito ilimitado do público não apenas de
proibir por meio da lei tudo o que ele achar errado, mas também, e com o
intuito de chegar ao que ele considera errado, de proibir um número arbitrário
de coisas as quais ele admite ser inocentes.

Sob o signo da prevenção das intempéries o povo de uma colônia inglesa, e de


aproximadamente metade dos Estados Unidos da América, tem sido impedido
de fazer uso de qualquer bebida fermentada por lei, exceto que por propósitos
medicinais: pois a proibição de sua venda é, de fato, a intenção de proibir seu
uso. E, apesar da impraticabilidade da lei ter causado muita desconfiança em
vários estados que a adotaram, incluindo aquele do qual seu nome deriva,
ainda não houveram tentativas de agitação de leis similares nesse País, e elas
são motivo de perseguição para muitos de nossos filantropos confessos. A
associação, ou “Aliança” como é chamada, que tem se formado por esse
propósito adquiriu alguma notoriedade através da publicidade promovida em
correspondência com secretarias e com alguns dos poucos homens públicos
ingleses que defendem que um político deve basear suas opiniões em
princípios. A parte da responsabilidade que cabe ao Lorde Stanley
nesse quesito é calculada para fortalecer as expectativas já existentes sobre
ele daqueles que sabem quão raras são as qualidades manifestadas em
algumas de suas manifestações públicas, infelizmente entre aqueles que
formam a vida política. O órgão da Aliança, o qual iria “denegrir profundamente
o reconhecimento de qualquer princípio que possa ser utilizado para justificar a
intolerância e a perseguição,” empreende a objeção de que a “enorme e
intransponível barreira” que divide tais princípios daqueles da associação.
“Toda matéria relacionada ao pensamento, opinião, consciência, aparecem
para mim”, ele diz, “como estando fora da esfera da legislação, todas
pertencentes ao ato, hábito, à relação social, sujeitas apenas ao poder
arbitrário do próprio Estado, e não do individuo.” Não há qualquer alusão a uma
terceira classe diferente de ambas de ações e hábitos que não são
particularmente sociais, mas individuais, apesar de ser a essa classe, com
certeza, que o ato de beber bebidas fermentadas pertence. Vender bebidas
fermentadas, no entanto, é um ato de troca e, portanto, um ato social. Mas a
limitação de que reclamam não é a da liberdade do vendedor, mas a do
comprador e consumidor, já que o Estado deveria tanto proibi-lo de beber como
de comprar vinho. Porém, o secretário diz “Eu clamo, como um cidadão, pelo
direito de legislar caso meus direitos civis sejam invadidos por atos sociais de
outrem.” E, agora, com o intuito de definir esses “direitos civis.” “Se algo invade
meu direito a equidade, certamente isso seria o tráfico de bebidas alcoólicas,
que destrói meu direito a segurança ao criar e estimular constantemente a
desordem social. Invade meu direito a equidade ao derivar o lucro da miséria,
meu apoio é cobrado. Ele infringe meu direito ao desenvolvimento moral e
intelectual livre ao fazer-me deparar com perigos e ao enfraquecer e
desmoralizar a sociedade, da qual eu tenho o direito de demandar apoio mútuo
e intercâmbios.” Uma teoria dos “direitos civis,” um capricho que provavelmente
nunca encontrou o caminho para uma linguagem distinta—o que não está em
falta—que é direito civil absoluto de todo indivíduo que todos os outros devam
agir exatamente como queiram em relação a tudo. Que, quem quer que seja
que falhe nisso, seja num pequeno detalhe, viola meu direito civil e me exige
que eu demande a remoção da queixa da legislatura. Um princípio tão
monstruoso é, de longe, mais perigoso do que qualquer interferência à
liberdade; não há violação da liberdade que ele não justifique. Ele não diz
respeito a qualquer direito a liberdade, exceto, talvez, por aquele de guardar
opiniões em segredo, sem nunca revela-las: no momento em que uma opinião
que considero nociva sai da boca de alguém, ela invade todos os “direitos civis”
garantidos a mim pela Aliança. A doutrina confere a toda a humanidade um
interesse adquirido na perfeição moral, intelectual e até física a ser definida por
cada requerente de acordo com seu próprio padrão.

Um outro exemplo importante de interferência ilegítima na liberdade ideal de


um indivíduo não apenas ameaçou, mas há muito tempo tem trazido efeito
triunfante, é a legislação sabática. Sem dúvidas, abster-se de um dia da
semana, de sua ocupação costumeira o quanto as exigências da vida
permitirem, apesar de não ser uma obrigação religiosa de ninguém exceto os
judeus, é um costume altamente benéfico. E, na medida em que esse costume
não poderia ser observado sem um consentimento geral de seu efeito entre as
classes industriais, portanto, no limite alguns trabalhadores imporiam sua
mesma necessidade aos outros, seria tolerável e correto que a lei deva garantir
a cada um suas particularidades de costume, suspendendo, então, a maioria
das operações industriais nesse dia em particular. Mas essa justificativa
baseada no interesse direto que os outros têm em cada particularidade
individual das práticas, não se aplica àquelas ocupações individualmente
escolhidas às uma pessoa acha que podem se adequar ao seu ócio, nem
mantém-se válida, em grau algum, para restrições legais do entretenimento. É
verdade que o entretenimento de alguns é o trabalho de outros, mas o prazer,
para não dizer a recreação útil, de muitos, vale o trabalho de poucos e, dada a
ocupação como livre escolha, ela poderia ser livremente abdicada. Os
operadores estão perfeitamente corretos quando pensam que, se todos
trabalhassem nos domingos, os salários de seis dias seriam dados por sete
dias de trabalho: mas, enquanto a grande massa de empregos fosse suspensa,
o pequeno número que, para o prazer de outros, ainda deveriam trabalhar,
obteria um aumento proporcional de sua renda, e eles não seriam obrigados a
seguir tais ocupações se preferirem o ócio à gratificação. Caso seja almejado
um remédio melhor, ele poderá ser encontrado no estabelecimento de um
feriado em algum outro dia da semana, por costume, para aquelas classes de
pessoas em particular. O único solo no qual as restrições às ocupações nos
domingos poderiam ser defendidas é, portanto, que elas sejam religiosamente
incorretas, um motivo para a legislação que nunca poderia ser seriamente
contraposto pelo protesto. “Deorum injuriæ Diis curæ." Ainda há de se provar
que a sociedade ou quaisquer que sejam seus funcionários que estão
incumbidos de vingar qualquer suposta ofensa à onipotência, a qual também
não é errada para nossos camaradas humanos. A noção de que a religiosidade
de uma pessoa é responsabilidade de outra foi o que fundou toda perseguição
religiosa que já houve, e se admitida iria justifica-la totalmente. Apesar de o
sentimento que brota de repetidas tentativas de parar as ferrovias aos
domingos, com o intuito de resistir à abertura de museus e, como se a
crueldade dos velhos inquisidores não bastasse, o estado da mentalidade
indicado por ela é fundamentalmente o mesmo. É uma determinação que os
atos alheios que sejam permitidos por sua religião não sejam tolerados, por
não serem permitidos pela religião inquisidora. Há a crença de que Deus não
apenas abomina os atos do descrente como também não irá nos absolver caso
o ignoremos.

Não posso me abster de adicionar a estes exemplos do pouco caso feito da


liberdade humana a linguagem da perseguição vertical que aflora na imprensa
desse País, quando se trata do importante fenômeno da religião Mórmon. Muito
pode ser dito sobre o fato inesperado e instrutivo de que uma suposta nova
revelação, e a religião fundada nela, o produto de uma impostura palpável,
nem, ao menos, assistida pelo prestígio das qualidades extraordinárias de seu
criador, seria a crença de centenas de milhares de pessoas, e tem fundado
uma sociedade na era dos jornais, ferrovias e do telégrafo. O que nos interessa
aqui é que essa religião, assim como outras religiões melhores, tem seus
mártires, que seu profeta e fundador, para seu aprendizado, foi atirado para a
morte por uma multidão e que outros de seus seguidores perderam suas vidas
devido a mesma violência inconstitucional; que eles foram expulsos à força, em
conjunto, do país de onde originaram enquanto, agora que eles têm sido postos
em um recesso solitário no meio de um deserto, muitos desse país declaram
abertamente que seria correto (só que não conveniente) mandar uma
expedição contra eles e pô-los em conformidade com as opiniões de outras
pessoas. O artigo da doutrina Mórmon que é predominantemente provocante à
antipatia que, então, aparece nas restrições ordinárias da tolerância religiosa, é
a sanção da poligamia, a qual, apesar de permitida aos muçulmanos, hindus e
chineses, parece excitar uma hostilidade insaciável quando praticada por
pessoas que falam inglês e se declaram como cristãos. Ninguém desaprova
mais profundamente do que eu essa instituição mórmon, pois ela é uma
infração direta do princípio de liberdade, longe de estar contida nesse princípio,
sendo uma mera curiosidade sobre as correntes de metade da comunidade, e
uma emancipação das outras formas de reciprocidade de obrigações em
relação a eles. Ainda, deve-se lembrar de que essa relação é tão voluntária por
parte das mulheres interessadas nela, e que devem ser, então, condenadas
aos sofrimentos causados por ela como no caso de qualquer outra instituição
do casamento, e, tão surpreendente quanto esse fato possa nos parecer, ele
tem suas justificativas entre as ideias e costumes comuns do mundo, os quais
ao educar mulheres a pensar no casamento como uma coisa necessária, torna
inteligível o fato de muitas mulheres preferirem ser uma entre várias esposa do
que não o serem. Não há demanda para que outros países reconheçam tais
uniões, ou que permitam que uma porção de seus habitantes atuarem segundo
as opiniões mórmons dentro de sua legalidade. Mas, quando os dissidentes
concederam aos sentimentos hostis dos outros muito mais do que poderia ser
demandado de maneira justa, quando eles deixaram os países nos quais suas
doutrinas não são aceitáveis e se estabeleceram num canto remoto da terra o
qual foram os primeiros humanos a habitar, se faz difícil a visualização de que
princípios, que não os da tirania, poderiam impedi-los de viver como bem
entenderem desde que não cometam agressão alguma a outras nações e
permitam plena liberdade para a saída dos habitantes que estejam
desgostosos com suas leis. Um escritor contemporâneo de mérito considerável
em determinados assuntos propõe (nas suas palavras) não uma cruzada, mas
uma “civilizada” contra essa comunidade poligâmica para por um fim no que
aparenta, para ele, ser um passo retrógrado para a civilização. Também me
parece, mas eu não tenho ciência de que alguma nação possa ter o direito de
forçar outra a ser civilizada. Enquanto os afetados pelas péssimas leis não
demandarem ajuda de outras comunidades, eu não posso admitir que pessoas
que não tem conexão alguma com eles se afirmem e requeiram que aquela
condição das coisas onde todos os diretamente afetados nos parecem
satisfeitos deva ter um fim, pois ela é escandalosa para pessoas que vivem
milhares de quilômetros de distância e que não têm parte alguma nela. Deixe-
os enviarem missionários para pregarem contra ela, se desejarem, e deixe-os,
por quaisquer meios possíveis (dentre os quais silenciar os professores não
esta incluído), se oporem ao progresso de doutrinas similares entre seu próprio
povo. Se a civilização tem o que há de melhor na barbárie quando ela tomou
conta do mundo sozinha, é demais dizer que deveríamos ter medo da barbárie,
tendo sido ultrapassada, reviver e conquistar a civilização. Uma civilização que
pode, então, sucumbir para seu inimigo já derrotado, já deve ter se degenerado
tanto que nem seus padres, nem professores, nem ninguém tem a capacidade
ou ninguém irá tomar a responsabilidade de lutar por ela. Se isso é verdade,
quanto antes tal civilização decidir desistir, melhor. Só poderia ir de mal a pior
até ser destruída e regenerada (como o império ocidental) por bárbaros
enérgicos.

NOTAS:

[14] O caso de Bombaim Parsis é curioso. Quando essa tribo industrial e


empreendedora, os descendentes dos adoradores do fogo Persas, voando de
seu país nativo perante os califas, chegou à Índia oriental, foi exigido sua
tolerância pelos estrangeiros hindus com a condição de que não comecem
carne de vaca. Quando essas regiões foram dominadas pelos conquistadores
muçulmanos, posteriormente, os Parsis obtiveram deles a continuidade da
indulgência, sob a condição da proibição do porco. O que primeiramente era
obediência à autoridade se tornou uma segunda natureza e os Parsis até hoje
se abstêm da carne de vaca e de porco. Apesar de não requerida por sua
religião, a dupla restrição teve tempo de se desenvolver como um costume de
sua tribo. E o costume, no Oriente, é uma religião.

CAPÍTULO V.

PROPOSTAS.

Os princípios invocados nestas paginas devem ser admitidos de forma mais


genérica como a base para discutir detalhes antes que uma aplicação
consistente deles possa ter lugar nos vários departamentos do governo e da
moral com alguma prospecção e vantagem. As poucas observações que
proponho quando se tratando de detalhes, tem o intuito de ilustrar os princípios,
mais do que segui-los até suas consequências. Não ofereço uma aplicação,
mas tipos de aplicação possíveis, os quais devem servir para clarear o
significado e os limites de duas máximas que, juntas, formam toda a doutrina
contida nesse Ensaio, e, para ajudar-nos a a compreender a necessidade de
balanceá-las nos casos onde tenhamos dúvidas sobre qual das duas seria
aplicável.

As máximas são, em primeiro lugar, que o indivíduo não deve ser


responsabilizado pela sociedade por seus atos enquanto estes não dizem
respeito aos interesses de outrem que não ele mesmo. Conselho, instrução,
persuasão e a prevenção em relação às outras pessoas caso seja necessário
para sue próprio bem, são as únicas réguas pelas quais a sociedade pode
expressar seu descontentamento ou desaprovação de sua conduta de maneira
razoável. Em segundo lugar, como tais ações são prejudiciais ao interesse
alheio, o indivíduo é responsável e pode estar sujeito a ambas as punições
sociais ou morais caso a sociedade seja da opinião de que ou um, ou outro,
demanda sua proteção.

Primeiramente, de forma alguma deve se supor que, devido ao dano ou


probabilidade de dano aos interesses alheios isso justificaria, sozinho, a
interferência da sociedade, essa interferência sempre se justifique. Em muitos
casos, um indivíduo, ao perseguir um objetivo legítimo, necessariamente e,
portanto, de forma legítima, acaba causando dor ou perdas a outrem ou
cooptando algo bom que alguém esperou razoavelmente obter. Com
frequência, tais oposições de interesse entre indivíduos surgem de péssimas
instituições sociais, mas são incontornáveis enquanto estas durarem. Alguns
seriam incontornáveis independentemente das instituições. Quem quer que
obtenha sucesso numa profissão superlotada ou num exame competitivo,
quem quer que seja preferido em qualquer competição por algo que ambos
desejem, ceifa, de alguma forma, esse privilégio dos outros agora cansados
desnecessariamente e desapontados. Mas é melhor para o bem comum da
humanidade, pelo senso comum, que as pessoas busquem seus objetivos sem
serem detidas por tais consequências. Em outras palavras, a sociedade não
reconhece um direito aos competidores desapontados, seja ele moral ou legal,
à imunidade a este tipo de sofrimento, e se vê na responsabilidade de interferir
apenas quando os meios para o sucesso que, são contrários àquilo que o
interesse geral permite tiverem sido empregados—notadamente, fraude,
traição e a força.

Novamente, a troca é um ato social. Qualquer um que se empenhe para fazer


propaganda sobre o bem do público afeta os interesses de outras pessoas e da
sociedade em geral. A princípio, portanto, sua conduta está sob a jurisdição da
sociedade: e, em conformidade, fixar preços e regular os processos da
manufatura já foi responsabilidade dos governos em todos os casos onde fosse
importante. Porém sabe-se, hoje em dia, e apesar disso não ter sido possível
sem uma longa luta, que ambos os baixos preços e a boa qualidade das
commodities são providas mais facilmente através da garantia da liberdade dos
produtores e vendedores, sob o solo da igualdade plena para os compradores
renovarem seus estoques onde bem entenderem. Essa é a, assim chamada,
doutrina do livre-comércio, a qual pertence a um terreno bem diferente, apesar
de igualmente sólida, do princípio da liberdade individual que defendo neste
ensaio. Restrições de trocas ou da produção por propósito da troca são, com
certeza, limitações, e como toda limitação, negativas: porém, as restrições de
que tratamos afetam apenas aquela parte da conduta que a sociedade
consegue limitar competentemente, e estão erradas simplesmente porque não
produzem os resultados esperados. Como o princípio da liberdade individual
não tem relação com a doutrina do livre-comércio, ela também não se relaciona
com a maioria das questões que surgem a respeito dos limites dessa doutrina,
por exemplo: quanto controle público é admissível para a prevenção da fraude
por adulteração; até onde precauções sanitárias ou acordos para a proteção do
trabalhador em situações insalubres deveriam ser forçados aos trabalhadores.
Tais questões envolvem considerações sobre a liberdade apenas enquanto
compreende-se que seja sempre melhor deixar as pessoas decidirem por si
mesmas, cæteris paribus, do que controla-las: porém, o fato de que elas
possam ser controladas legitimamente para estes fins é um princípio inegável.
Por outro lado, essas questões dizem respeito à interferência nas trocas, que
são, em essência, questões relativas à liberdade como na já mencionada Lei
Maine; na proibição da importação de ópio na China; a restrição da venda de
venenos; em suma, onde o objetivo da interferência é tornar impossível, ou
difícil, a obtenção de uma commodity em particular. Essas interferências são
passíveis de questionamento não como infrações contra a liberdade do
produtor ou do vendedor, mas do consumidor.

Um desses exemplos, o da venda de venenos, traz um novo questionamento


sobre os próprios limites do que pode-se chamar de funções de policiamento.
Quão longe pode ir a invasão legítima da liberdade para a prevenção do crime
ou de acidentes. É uma das funções do governo onde não há disputas tomar
precauções contra crimes antes que estes sejam cometidos, assim como a
detecção e punição posteriormente. A função preventiva do governo, no
entanto, está muito mais suscetível ao abuso, em detrimento da liberdade, do
que a função punitiva, pois dificilmente alguma parte da liberdade de ação
legítima de um ser humano se recusaria a admitir sua representação, e,
também, de maneira justa, como facilitando os meios de alguma forma de
delinquência. No entanto, se uma autoridade pública, ou até uma pessoa
privada, vir qualquer um se preparando para um crime, ela tem a
responsabilidade não de observar impassíveis até que o crime seja
consumado, mas de interferir para preveni-lo. Se os venenos nunca fossem
comprados ou usados para outro propósito que não o de cometer um
assassinato, seria correto proibir sua manufatura e sua venda. Contudo, deve
haver uma demanda não apenas para propósitos inocente como também úteis,
e as restrições não podem ser impostas em um caso sem operar no outro.
Novamente, a precaução contra acidentes é um ofício próprio da autoridade
pública. Se um funcionário público, ou qualquer um, visse uma pessoa
tentando cruzar uma ponte a qual se sabe insegura e não houvesse tempo
suficiente para avisá-la do perigo, ele poderia interpela-la sem infringir sua
liberdade, pois a liberdade consiste no ofício daquilo que se deseja, e ela não
deseja cair no rio. Ainda assim, quando não há certeza, mas apenas um perigo
inoportuno, ninguém além da própria pessoa está apto a julgar se o motivo pelo
qual ela assumiu o risco é justificável: assim, nesse caso (a não ser que ela
seja uma criança, esteja delirando, ou em algum estado de excitação ou
absorção incompatível com a capacidade do uso de suas faculdades
reflexivas), eu imagino que ele deva apenas ser avisado do perigo, e não ser
forçadamente proibido de ser expor a ele. Considerações similares, aplicadas
em tais questões como a venda de veneno, devem permitir-nos decidir qual,
dentre os modos de regulação possíveis, somos ou não somos contrários a
princípio. Tal precaução, por exemplo, como a de rotular a droga com alguma
palavra que expresse seu caráter perigoso, pode ser reforçada sem que haja
violação da liberdade: o comprador não poderia sonhar com não saber que
algo que ele possui tem qualidades venenosas. Porém, requerer que haja, em
todos os casos, a certificação de um médico profissional, talvez a torne
impossível, mas sempre cara, a obtenção de um artigo para uso legítimo. Me
parece que o único modo no qual as dificuldades possam se impor ao crime
cometido por estes meios, sem qualquer infração que se valha tomar em conta
sobre a liberdade daqueles que desejam a substância venenosa para outros
propósitos, consistiria em prover o que, nas hábeis palavras de Bentham, é
chamado de “evidências pré-estabelecidas.”, as quais são familiares a qualquer
contratante. É comum e correto que, quando um contrato é redigido, a lei deva
requerer como condição para sua execução que algumas formalidades sejam
respeitadas como assinaturas, declaração das testemunhas e coisas do tipo,
para que, no caso de uma disputa subsequente, haja evidências para provar
que o contrato realmente foi efetivo e que não houveram circunstâncias que o
levaram a invalidez legal: sendo que seu efeito tem a finalidade de colocar
vários obstáculos no caminho dos contratos fictícios ou de contratos feitos sob
circunstâncias as quais, caso descobertas, destruiriam sua validade.
Precauções de natureza similar podem ser aplicáveis na venda de artigos que
possam funcionar como armas. Do vendedor, por exemplo, exige-se que
registre o tempo exato da transação, o nome e endereço do comprador, a
quantia e a qualidade precisa daquilo que foi vendido, que pergunte o propósito
da compra, e que, novamente, registre todas as respostas. Quando não houver
prescrição médica, a presença de um terceiro deve ser requerida para intimar o
comprador caso haja razão, posteriormente, para acreditar que o artigo tenha
sido utilizado com propósitos criminosos. Tal regulação não seria, em geral,
impedimento material para a obtenção do artigo, porém seria uma forma muito
considerável de detectar o uso impróprio.

O direito inerente à sociedade de evitar crimes contra si tomando precauções


antecedentes, sugere uma limitação óbvia à máxima de que um desvio de
conduta que seja puramente referente ao próprio indivíduo não poderia ser
propriamente interpelado em prol da prevenção ou da punição. O alcoolismo,
por exemplo, não é objeto de interferência legislativa, geralmente. Porém devo
considerar perfeitamente legítimo que uma pessoa que tenha causado
qualquer ato de violência a outrem sob a influência do álcool, deva ser
colocada sob uma restrição legal e individual de forma que, se ela for
encontrada, posteriormente, bêbada, ela deveria estar passível de penalidades
e que, se ela cometer outra infração sob a influência, a severidade de sua
punição seria passível de mudança. O ato de embebedar-se, para uma pessoa
cuja bebedeira provoca danos a outrem, é um crime. Portanto, de novo, a
insolência, exceto de uma pessoa que receba suporte público, ou exceto
quando se constitua uma quebra de contrato, não pode ser objeto de punição
legal sem tirania. Porém, se, seja devido à insolência ou qualquer outra causa
desnecessária, um homem falhar na performance de seus deveres legais para
com os outros, como por exemplo o apoio aos seus filhos, não há tirania em
obriga-lo a cumprir tais deveres até por meio do trabalho compulsório caso não
haja outros meios disponíveis.

Novamente, existem muitos atos que não deveriam ser interditos legalmente
por serem prejudiciais apenas aos próprios agentes, mas que, se realizados
publicamente, violam as boas maneiras estando, portanto, entre a categoria
das ofensas a outrem, tornando-se passíveis de proibição. Nessa categoria
estão as ofensas contra a decência, sobre as quais não é necessário me
alongar tendo em vista que elas estão apenas indiretamente conectadas ao
nosso assunto, sendo que a objeção pública é tão forte quanto no caso de
várias ações que não são, nem deveriam ser condenáveis por si só.

Há outra questão consistente com os princípios aqui apresentados ainda sem


resposta. Nos casos onde a conduta pessoal é supostamente condenável, mas
cujo respeito pela liberdade inviabiliza a punição ou prevenção por parte da
sociedade, pois o mal resultante recai inteiramente sobre o agente. Outras
pessoas deveriam ser igualmente livres para assessorar ou instigar tal
liberdade de ação? Esse questionamento não vem sem maiores dificuldades. O
caso onde uma pessoa demanda uma ação de outra não é estritamente o caso
de uma conduta que se encerra em si mesma. Dar conselhos ou oferecer
direcionamentos a qualquer um é um ato social e, por isso, assim como as
ações que afetam outrem em geral, deveria ser acessível ao controle social.
Mas, um pouco de reflexão corrige nossa primeira impressão ao mostrar que,
mesmo que o caso não esteja estritamente relacionado ao princípio da
liberdade individual, as razões que o fundam ainda são aplicáveis. Caso seja
permitido às pessoas agirem de acordo com o que lhes parece melhor para si,
sob seu próprio risco, naquilo que diz respeito apenas a elas mesmas. Elas
deveriam ser igualmente livres para se consultarem umas com as outras sobre
o que é adequado fazer, trocar opiniões e dar e receber sugestões. Deve-se
permitir que se debata sobre qualquer coisa que se permita fazer. Essa
questão é passível de questionamento apenas quando o conselho se mostra
um privilégio pessoal, quando sua ocupação, por subsistência ou ganho
pecuniário, é a promoção daquilo que a sociedade e o estado consideram
males. Então um novo elemento com certeza é adicionado à complexidade: a
existência de uma classe de pessoas que possuem interesses opostos àqueles
considerados como do bem-comum, e cujo modo de vida está fundado na
contestação deste. Deveríamos interferir, ou não? A fornicação, por exemplo,
deve ser tolerada assim como o vício no jogo. Mas uma pessoa deveria poder
ser livre para ser cafetão ou possuir um cassino? O caso não é um daqueles
onde nos vemos no limite de dois princípios e não conseguimos distinguir a
qual dos dois ele pertence? Há argumentos dos dois lados. No lado da
tolerância devo dizer que o ato de seguir algo como uma ocupação e viver do
lucro desta prática não torna criminal aquilo que, de outra forma, seria
admissível. Que o ato deva ser ou constantemente permitido ou proibido. Que,
se os princípios que defendemos até agora são verdadeiros, a sociedade,
como sociedade, não deva legislar a respeito daquilo que concerne apenas o
individual. Que ela não pode ir além do convencimento, e que uma pessoa
deveria ser tão livre para persuadir como aquela que age pelo convencimento.
Em oposição deve-se contemplar o fato de que apesar de o público, ou do
Estado, não terem garantidos a deliberação autoritária, por propósito de
repressão e punição, de que tais condutas que afetam apenas ao próprios
indivíduos são boas ou ruins, eles se justificam totalmente quando assumem,
caso se refiram a elas como ruins, que o fato de elas serem ou não é, no
mínimo, um questionamento razoável: que, partindo dessa suposição, eles não
agiriam de maneira errada no esforço de excluir a influência de solicitações que
não estejam desinteressadas, de investigadores que não podem ser imparciais
de modo algum—os quais tem um interesse direto e pessoal pelo seu viés, o
qual o Estado considera errado e que a promovem apenas com objetivos
pessoais. Certamente, pode-se contestar que nada foi perdido, nenhum
sacrifício por um bem maior, pela demanda de matérias sobre as quais as
pessoas devam escolher, seja de maneira sábia ou tola, sob sua própria
vontade, tão livre das artes das pessoas que promovem suas inclinações por
propósitos escusos e pessoais quanto possível. Então, (devo dizer), apesar de
o estatuto que diz respeito a jogos ilegais ser indefensável—embora todos
devêssemos ser livres para jogar em nossa própria casa ou em qualquer lugar
destinado à reunião pelo nosso próprio direcionamento, e abrir apenas para
membros e visitas—ainda assim cassinos públicos não deveriam ser
permitidos. É verdade que a proibição nunca é efetiva, e que seja qual for a
quantia de poder tirânico que se dê a polícia, os cassinos sempre podem ser
mantidos sob outras pretensas, porém tendendo a manutenção de certo grau
de segredo e mistério para que ninguém saiba nada sobre eles exceto aqueles
que os procuram. E, mais do que isso, a sociedade não deveria tê-los como
alvos. Há uma potência considerável nesses argumentos. Eu não irei me
aventurar acerca de sua suficiência em justificar a anomalia moral que é a
punição do desnecessário enquanto aos mais importantes é permitido (e deve
ser) que saiam impunes; multar ou encarcerar o consumidor, mas não a
prostituta, o dono do cassino, mas não os apostadores. As operações comuns
de compra e venda deveriam sofrer menos intervenções ainda em terrenos
análogos. Quase todo artigo que é comprado ou vendido pode ser utilizado em
excesso, e os vendedores têm interesses pecuniários na promoção de tais
excessos, porém isso não deve basear nenhum argumento a favor, por
exemplo, da Lei Maine, pois a classe dos vendedores de bebidas fortes, apesar
de interessada nos seus abusos, é indispensável para que seu uso seja
legítimo. No entanto, o interesse desses vendedores na promoção da
intemperança é um mal real, e justifica a imposição de restrições e o
requerimento de garantias por parte do Estado o que, a não ser por essa
justificativa, seria uma infração à liberdade legítima.

Uma questão que vai além é a de que, se, enquanto o Estado for permissivo,
ele deveria, afinal de contas, desencorajar diretamente a conduta a qual ele
contraria para interesse do agente. Se, por exemplo, ele deveria tomar medidas
para aumentar o preço da bebida, ou dificultar seu acesso limitando o número
de lugares onde ela pode ser vendida. Muitas distinções devem ser feitas para
tratarmos dessa questão, assim como na maioria das outras questões práticas.
Taxar os estimulantes com o propósito de apenas tornar mais difícil sua
obtenção é uma medida que difere apenas em grau de sua total proibição, e
seria justificável apenas se a última também o fosse. Todo aumento de preços
é uma proibição àqueles cujos meios não dão conta da inflação, e, para
aqueles que conseguem, é uma penalização por serem dotados de tal gosto
particular. A escolha de seus prazeres e do modo de gastar sua renda após
terem satisfeito suas obrigações morais e legais em relação aos indivíduos e
ao Estado, diz respeito somente a eles mesmos e estão sob seu próprio jugo. A
primeira vista, pode parecer que essas considerações condenam a seleção de
estimulantes como objetos especiais de taxação em prol do rendimento. Mas,
sabe-se que a tributação com propósitos fiscais é absolutamente inevitável,
tanto que na maioria dos países se faz necessário que uma parte importante da
taxação seja indireta. Que, portanto, o Estado não pode evitar a imposição de
penalidades sobre o uso de alguns artigos de consumo que, para algumas
pessoas, deveria ser proibitório. Consequentemente, é dever do Estado
considerar, na taxação de impostos, quais commodities deveriam estar mais
disponíveis aos consumidores, e, com muito mais razão, selecionar
preferencialmente aquelas que, se utilizadas para além de uma quantidade
moderada, podem, positivamente, ser danosas. Portanto, a taxação de
estimulantes até o ponto em que ela produz o máximo de rendimento (supondo
que o Estado precisa de todo rendimento que estiver a seu alcance) não é
apenas admissível como aprovável.

A questão sobre a transformação da venda dessas commodities num privilégio


mais ou menos exclusivo deve ser respondida de maneira diferente de acordo
com os propósitos aos quais a restrição está servindo. Todo lugar público
requer a contenção policial, pois infrações contra a sociedade estão
especialmente aptas a se originarem, assim como em qualquer lugar que
corresponda a essa peculiaridade. Portanto, faz sentido confinar o poder de
venda dessas commodities (pelo menos para o consumo no lugar) a pessoas
de sabida, ou garantida, respeitabilidade de conduta; conduzir tais regulações
respeitando o horário comercial como deve ser requerido pela vigilância
pública, e de retirar a licença caso haja repetidas violações da paz sob a
responsabilidade ou incapacidade do dono da casa, ou se ela se tornar uma
reunião para criação e preparação de infrações à lei. Não considero
justificáveis quaisquer restrições para além dessas. A limitação numérica, por
exemplo, da cerveja ou das casas espíritas com o propósito de dificultar-lhes o
acesso e diminuir as ocasiões de tentação, não apenas expõe a grande
inconveniência que é o fato de que a algumas pessoas seria permitido o uso,
mas é cabível para um estado da sociedade onde as classes trabalhadoras são
declaradamente tratadas como crianças ou selvagens e colocadas sob uma
educação restritiva que os prepararia para uma admissão futura do privilégio da
liberdade. Esse não é o princípio sob o qual as classes trabalhadoras têm sido,
de forma declarada, governadas em qualquer país livre, e nenhuma pessoa
que deposite tal valor à liberdade apoiaria tal governo, a não ser que tenham
sido efetuadas exaustivas tentativas para educa-las para a liberdade e
governa-las como pessoas livres e tenha sido provado definitivamente que elas
só podem ser governadas como crianças. Essa alternativa, por si só, já
demonstra o quão absurdo seria supor que tais esforços tenham sido feitos em
quaisquer casos que precisem ser considerados aqui. É apenas pelo fato de as
instituições desse país serem uma massa de inconsistências que coisas como
essa encontram aceitação na nossa prática que pertence ao sistema despótico
ou, assim chamado, governo paternal, enquanto a liberdade das nossas
instituições, em geral, inviabiliza o exercício da quantia de controle necessária
para proporcionar qualquer restrição de eficácia real como uma educação
moral.

Foi apontado anteriormente neste Ensaio que a liberdade do indivíduo, dentre


as coisas que concernem ao indivíduo apenas, implica uma liberdade
correspondente para um número de indivíduos com fins de regular, pelo acordo
mútuo, tais coisas que os cabem conjuntamente e responsabilizar penas eles
mesmos. Essa questão não apresenta maiores dificuldades enquanto a
vontade de todas as pessoas atingidas permaneça inalterada, porém, quando
essa vontade se alterar, será recorrentemente necessário que eles entrem em
engajamento uns com os outros até em relação às coisas que dizem respeito
somente a eles mesmos. E, quando eles assim fizerem, é tido como regra
geral que tais engajamentos devam durar. Ainda assim, nas leis de,
provavelmente, todos os países, essa regra geral tem algumas exceções. As
pessoas não são somente impedidas de se engajar quando violam os direitos
de terceiros, como também o fato de elas causarem danos a si mesmas é
considerado razão suficiente para afastá-las de seus esforços. Neste e na
maioria dos países civilizados, por exemplo, um contrato que estabeleça que
uma pessoa deva se vender ou que dê permissão para que a vendam como
escrava seria nulo e inválido, seja ele reforçado por opinião ou por lei. Assim, o
terreno para limitar seu poder de se dispor voluntariamente de seu próprio
destino em vida é aparente, e é visto claramente nesse caso extremo. A razão
para a não interferência, a não ser que em prol dos outros, nos atos voluntários
de uma pessoa é a consideração por sua liberdade. Sua escolha voluntária é
evidencia de que aquilo que ele escolheu é desejado ou, pelo menos,
suportável para ele, e seu bem é, no final das contas, melhor provido ao
permiti-lo escolher seus próprios meios para persegui-lo. Porém, ao vender-se
como escravo, ele abdica de sua liberdade. Ele renuncia de qualquer uso dela
a partir desse ato em particular. Portanto, seu próprio caso erradica o próprio
propósito que justifica sua permissão de fazer uso de seu próprio corpo. Ele
não é mais livre, mas está, a partir de então, numa posição que não assume, a
seu favor, aquilo que o seria proporcionado caso ele voluntariamente a
mantivesse. O princípio da liberdade não pode requerer que ele seja livre para
não ser livre. Não há liberdade em ter permissão para alienar-se de sua própria
liberdade. Essas razões de força tão evidente neste caso em particular têm,
evidentemente, aplicações muito mais abrangentes. Apesar de, em todos os
lugares, limites serem estabelecidos a elas pelas necessidades da vida, as
quais requerem, continuamente, não que devamos abdicar de nossa liberdade,
mas que devíamos consentir a isso e a outras limitações. No entanto, o
princípio que demanda liberdade descontrolada de ação em todos os âmbitos
que digam respeito apenas as próprios agentes, requer que aqueles que se
tornaram sócios em algo não relacionado a terceiros devam ser capazes de se
libertarem de tal contrato: e, mesmo que essa liberdade não seja voluntária,
talvez não existam contratos ou negócios, exceto por aqueles que dizem
respeito apenas a transações monetárias, os quais alguém possa dizer que
não devam ser rompidos. O Barão Wilhelm von Humboldt, em seu excelente
ensaio já citado, afirmar como sua convicção que quaisquer engajamentos que
envolvam relações pessoais ou de serviços não deveriam, nunca, promover
uma obrigação legal que não estabeleça um período de tempo, e que para a
mais importante dessas sociedades, o casamento, há a peculiaridade de que
seus objetivos são frustrados a não ser que ambas as partes estejam em
harmonia; deveria, então, requerer apenas que seja declarada a vontade de
dissolve-la por ambos. Este tema é muito importante e muito complicado para
ser discutido num parêntese, e toco nele apenas o quanto for necessário para
ilustração. Se a precisão e generalidade da dissertação de Barão Humboldt
não o obrigassem a se contentar, nessa instância, com o enunciado de sua
conclusão sem discutir as suas premissas, ele haveria, sem sombra de
dúvidas, reconhecido que essa questão não pode ser travada em matéria tão
simples como aquela com a qual ele se contenta. Quando uma pessoa, seja
por promessa expressa ou por conduta, encoraja outra a contar com a
continuidade de uma ação de uma forma determinada—construir expectativas,
cálculos e apostar qualquer parte de seu plano de vida naquela suposição, uma
nova série de obrigações morais surge por sua responsabilidade em relação
àquela pessoa que podem ser, possivelmente, anuladas, mas não ignoradas.
E, novamente, se a relação entre duas partes contratantes segue-se de
consequências a outrem, se ela colocou terceiros em qualquer posição em
particular ou, como no caso do casamento, até se referiu à existência de
terceiros, obrigações surgem para ambos os lados dos contratantes em relação
com terceiros, a concretização, ou o modo de se concretizar, para todo caso,
deve ser afetada consideravelmente pela continuidade ou interrupção da
relação entre as partes originais do contrato. Não segue, e nem posso admitir,
que essas obrigações se alarguem para a exigência do cumprimento do
contrato sob o custo de toda a felicidade da parte relutante dos contratantes.
Porém, elas são um elemento necessário para a questão e, até, como Von
Humboldt defende, não fariam diferença para a liberdade legal das partes de se
libertarem do contrato (e também de manter sua posição de indiferença), mas
fariam muita diferença quando se tratando da liberdade moral. Uma pessoa é
obrigada a levar todas essas circunstâncias em conta antes de partir para um
passo que pode afetar tais interesses importantes de terceiros, e, caso ele não
dê a devida atenção para esses pontos, ele se torna, então, moralmente
responsável pelo erro. Fiz essas colocações óbvias para melhor ilustrar o
princípio geral da liberdade, e não porque elas sejam necessárias nessa
questão particular, a qual, ao contrário, é geralmente discutida como se o
interesse das crianças fosse tudo e o dos adultos nada..

Já constatei que, devido à falta do reconhecimento de princípios gerais, a


liberdade é, com frequência, garantida aonde ela deveria ser subtraída, assim
como suspensa onde deveria ser garantida, e um dos casos em que, no mundo
europeu moderno, o sentimento da liberdade é o mais forte, é um caso onde,
no meu ponto de vista, ele está completamente equivocado. Uma pessoa
deveria ser livre para fazer o que quiser no que diz respeito a ela mesma,
porém ela não deve ser livre para fazer o que quiser quando agir por outrem
sob o pretexto de que seus negócios agora a pertencem. Enquanto o Estado
respeita a liberdade de cada um sobre si mesmo, tem a obrigação de manter
um controle da vigilância sobre o exercício de qualquer poder que o permita
possuir em detrimento de outros. Essa obrigação é quase inteiramente
ignorada no caso das relações familiares, um caso, devido a sua influência
direta sobre a felicidade, mais importante do que todos os outros juntos. O
poder quase despótico dos maridos sobre as esposas não deve crescer por
aqui, pois não precisamos de mais nada, além dos mesmos direitos para as
esposas e proteção da lei na mesma medida que seus maridos para completar
a destituição dos males. E, porque, nesse caso, aqueles que defendem essa
injustiça já estabelecida não se beneficiam dos fundamentos da liberdade, mas
se afirmam abertamente como paladinos do poder. É no caso das crianças
onde as noções mal aplicadas da liberdade são um obstáculo real para o
cumprimento das obrigações do Estado. Alguém poderia até pensar que o filho
de um homem deveriam ser, literalmente e não metaforicamente, uma parte
dele mesmo, tão invejosa a opinião que defende a menor interferência das leis
junto ao absoluto e exclusivo controle sobre elas. Mais invejosa do que quase
toda interferência em sua própria liberdade de ação: a humanidade, em geral,
valoriza a liberdade muito menos do que o poder. Considere, por exemplo, o
caso da educação. Não é um axioma quase auto evidente que o Estado
deveria requerer e impor a educação, até um certo padrão, de todo ser humano
nascido como seu cidadão? Porém, quem não tem medo de reconhecer e
afirmar essa verdade? Dificilmente alguém negaria que é um dos deveres mais
sacros dos pais (ou, como na lei e uso correntes, o pai), após convocar um ser
humano para o mundo, dar àquele ser uma educação que o capacite para uma
boa performance de suas responsabilidades em relação aos outros e a si
mesmo na vida. Mas, enquanto declara-se unanimemente que isso é
responsabilidade do pai, raramente alguém ouvirá falar de algo que o obrigue a
fazê-lo neste país. Ao invés de requerer que ele se esforce ou sacrifique pela
educação da criança, o deixamos aceitar, ou não, quando ela é provida
gratuitamente! Ainda permanece desconhecido o fato de que criar uma criança
sem grandes expectativas de ser capaz não apenas de prover comida para seu
corpo, como instrução e treino para sua mente, é um crime moral contra ambos
a infeliz criança e contra a sociedade. E que, se os pais não cumprirem tais
obrigações, o Estado deveria, de graça, tão longe deles quanto pudesse.

Se a obrigação de se impor uma educação universalista fosse aceita, as


dificuldades acerca do que o Estado deveria ensinar e como deveria ensinar
teriam um fim, as quais, agora, tornam esse assunto um mero campo de
batalha ideológico e partidário, gastando o tempo e o trabalho, que deveriam
ser investidos em educação, numa disputa sobre educação. Se o governo
decidisse requerer uma boa educação para toda criança, talvez se safasse de
da responsabilidade de provê-la. Ele deveria deixar para os pais obterem a
educação onde e como eles preferirem, e se contentarem em ajudar a pagar os
impostos relativos à educação das crianças das classes mais pobres, e custear
todas as despesas daqueles que não têm quem pague. As objeções que são
feitas, com razão, contra a educação estatal não se aplicam a promoção de
uma educação pelo Estado, mas pela responsabilização, por parte do Estado,
da direção dessa educação, o que são coisas totalmente diferentes. Se a
totalidade ou uma parte considerável da educação das pessoas deva estar nas
mãos do Estado, eu iria tão longe quanto a depreciação. Tudo o que foi dito
sobre a importância da individualidade de caráter, da diversidade de opiniões e
de modelos de conduta envolve, com a mesma importância inenarrável, a
diversidade da educação. Uma educação estatal generalista é um mero
aparelho para moldar as pessoas a serem exatamente umas como as outras,
e, como o molde que se impõe a elas e aquele que satisfaz o poder dominante
do governo, seja uma monarquia, um sacerdócio, uma aristocracia, ou a
maioria das gerações existentes, em proporção com sua eficiência e sucesso,
estabelece um despotismo sobre a mente, levando, por uma tendência natural,
a um que assola o corpo. Uma educação controlada e estabelecida pelo
Estado deveria existir apenas, e isso caso devesse, como uma dentre muitos
experimentos concorrentes, levados a cabo com o propósito de estimular e de
fornecer exemplos para manter os outros sobre um certo padrão de excelência.
Claro, exceto quando a sociedade em geral estiver em um estado tão atrasado
que ela não possa prover ou não proviria para si mesma qualquer instituição
própria para a educação, a não ser que o governo assuma a responsabilidade,
então, o governo deveria, para o menos pior, tomar para si os assuntos das
escolas e das universidades assim como ele deve em relação às empresas de
capital compartilhado, quando uma empresa privada em moldes para
responsabilizar-se de grandes obras na indústria, não existe no país. Mas, em
geral, se o pais contém um número suficiente de pessoas qualificadas para
prover educação sob os auspícios do governo, as mesmas pessoas seriam
capazes e desejariam dar uma educação igualmente boa no princípio
voluntário, sob a cautela da remuneração estatal assegurada por lei e que
apresente a educação como compulsória, combinada com o auxílio do Estado
àqueles incapazes de arcar com tais despesas.

O instrumento para a implementação da lei não poderia ser outro além do


exame público que se estenderia para todas as crianças e começaria nos
primeiros anos de vida. Deve-se estabelecer uma idade na qual toda criança
deveria ser submetida a exame para conferir se ele (ou ela) sabe ler. Caso uma
criança prove ser incapaz, o pai, a não ser que ele tenha boas desculpas, deve
ser interpelado por uma multa moderada a ser paga, se necessário, com o seu
trabalho, e a criança deve frequentar a escola sob suas custas. Uma vez por
ano o exame deveria ser renovado com um leque gradualmente aumentado de
matérias no sentido de promover uma aquisição universal, e, mais ainda,
contenção de um certo mínimo de conhecimentos gerais virtualmente
compulsórios. Para além desse mínimo, deveria haver exames voluntários de
todas as matérias, dos quais todos que atingirem certo padrão de proeficiência
deveriam reivindicar um certificado. Para prevenir que o Estado exerça uma
influência imprópria sobre a opinião através desses arranjos, o conhecimento
requerido para passar num exame (para além das partes meramente
instrumentais do conhecimento, como as línguas e seus usos) deveria, até
mesmo nos níveis mais avançados de avaliação, restringir-se aos fatos e à
ciência positiva exclusivamente. As avaliações sobre religião, política, ou outros
tópicos onde há disputa não deveriam tratar da verdade ou falsidade das
opiniões, mas sim no material factual sobre o qual as opiniões são construídas,
em que terreno, por quais autores ou escolas ou igrejas. Sob esse sistema, a
geração nascente não estaria em condições melhores do que as do presente,
no que diz respeito às disputas das verdades. Eles seriam criados como
religiosos assíduos ou como dissidentes como eles o são agora, com o Estado
apenas se precavendo para que eles sejam religiosos ou dissidentes
instruídos. Não haveria nada que dificultasse seu acesso à religião nas
mesmas escolas onde aprendem as outras matérias caso seus pais
escolhessem. Todas as tentativas, por parte do Estado, de enviesar as
conclusões dos cidadãos em assuntos disputados são para o mal, mas podem
oferecer de maneira adequada de averiguar e certificar que uma pessoa possui
o conhecimento requerido para tomar conclusões acerca de qualquer assunto
dado que valha a pena. Um estudante de filosofia estaria melhor capacitado
caso tomasse duas avaliações, uma sobre Locke e uma sobre Kant,
independente de com qual autor ele se identifica ou se não se identifica com
nenhum: e não há objeção razoável a se fazer contra a avaliação de um ateísta
sobre as evidências do cristianismo, dado que ele não é obrigado a confessar
crença nela. Concebo que as avaliações das matérias mais elevadas do
conhecimento deveriam, no entanto, ser inteiramente voluntárias. Seria
entregar ao governo um poder muito perigoso, caso se permitisse que ele
afastasse qualquer um de sua profissão, até mesmo da profissão de professor,
por alegar deficiência de qualificação: e eu acho que, com Wilhelm von
Humboldt, essa graduação, ou outros certificados públicos de capacitação
científica ou profissional, deveria ser oferecida a todos que se apresentarem ao
exame e fizerem a avaliação, mas o fato de que tais certificados não deveriam
conferir vantagem alguma sobre os competidores, a não ser a vantagem do
peso que se lhe conferem o testemunho da opinião pública.

Não somente em matéria de educação que noções errôneas de liberdade


impedem que as obrigações morais por parte dos pais sejam reconhecidas, e
que obrigações legais sejam impostas, onde elas sempre são o solo mais
proeminente para os antepassados e, em muitos casos, até hoje em dia. O
fato propriamente dito de dar à luz a existência de um ser humano é uma das
ações entre as possibilidades da vida humana onde assumimos mais
responsabilidade. Levar a sério essa responsabilidade—conceber uma vida
que pode ser uma maldição ou uma bênção—a não ser que a pessoa da qual
ele foi concebido tenha, pelo menos, a sorte ordinária de prover uma existência
agradável, configura crime contra este ser. E, num país ambos sobre povoado
ou sob essa ameaça, dar à luz um número de crianças que não seja limitado,
com o efeito de reduzir a contribuição pelo trabalho por sua competição, é uma
infração séria contra todos aqueles que vivem da remuneração de seu próprio
trabalho. As leis que, em muitos países do continente, proíbem o casamento a
não ser que as duas partes demonstrem que possuem meios para sustentar
uma família, não excedem os poderes legítimos do Estado: e se essas leis são
convenientes, ou não (uma questão que depende majoritariamente de
circunstâncias e sentimentos locais), não são passíveis de crítica como se
violassem a liberdade. Tais leis são interferências do Estado para proibir um
ato malicioso—um ato que cause dano a outrem, que deveria ser objeto de
reprovação e estigma social, mesmo quando não considerem vantajoso aplicar
punição legal. Contudo, as ideias correntes a respeito da liberdade, as quais
cedem tão facilmente às infrações reais da liberdade do indivíduo em assuntos
que dizem respeito apenas a ele mesmo, rechaçariam a tentativa de impor
qualquer restrição sobre suas inclinações quando as consequências de sua
complacência são vidas ou uma vida, de depravação e miséria para seus filhos,
com múltiplos males aqueles próximos o suficiente de serem, de alguma forma,
afetados por suas ações. Quando comparamos o estranho respeito da
humanidade pela liberdade, com seu desejo estranho de respeitá-la, devemos
imaginar que o homem teria um direito indispensável de causar dor a outrem, e
nenhum direito de agradar a si mesmo sem causar dor a ninguém.

Guardei para o último lugar uma larga classe de questões a respeito dos limites
da interferência do governo, as quais, apesar de estreitamente relacionadas ao
assunto desse Ensaio, não pertencem a ele estritamente. Esses são casos
onde as razões contrárias à interferência não contradizem com o princípio da
liberdade. A questão não é sobre restringir as ações de indivíduos, mas sobre
ajuda-los: perguntamos se o governo deveria fazer ou forçar uma benfeitoria
para eles ao invés de abandoná-los para o fazerem sozinhos, individualmente
ou combinando voluntariamente.

As objeções em relação às interferências do governo, quando elas não


envolvem a infração da liberdade, podem ser de três tipos.

A primeira é quando a coisa a ser feita seria, provavelmente, melhor realizada


por indivíduos do que pelo governo. De maneira geral, não há ninguém melhor
para conduzir qualquer assunto, ou para determinar como ou por quem ele
deva ser conduzido, do que aqueles que se interessam pessoalmente por ele.
Esse princípio condena a interferência, antes tão comum, da legislação ou dos
oficiais do governo, nos processos ordinários da indústria. Mas, essa parte do
assunto tem sido suficientemente tratada por economistas políticos, e não se
relaciona particularmente aos princípios desse Ensaio.

A segunda objeção se aproxima mais do nosso objeto. Em muitos casos,


apesar dos indivíduos não fazerem alguma coisa particularmente bem, na
média, como os oficiais do governo, é desejável, não obstante, que eles devam
fazê-la em detrimento do governo em prol de sua própria educação mental—
um jeito de reforçar suas faculdades ativas, exercitando o julgamento e
fornecendo a eles um conhecimento familiar das matérias nas quais eles são,
então, levados a lidar. Essa é a principal, apesar de não ser a única,
recomendação para avaliação jurídica (em casos que não sejam políticos), de
instituições locais e municipais livres e populares, da conduta de empresas
filantrópicas e industriais por associações voluntárias. Estas não são questões
sobre a liberdade, e se conectam com tal objeto apenas por tendências
remotas, mas são questões acerca do desenvolvimento. Elas pertencem a uma
ocasião diferente do presente de insistir nessas coisas como parte da
educação nacional, como sendo, na verdade, o treino particular de um cidadão,
a parte prática da educação política de um povo livre, que os tira do círculo
raso do egoísmo pessoal e familiar, e os habitua à compreensão de interesses
compartilhados, da gerência de negócios em sociedade—familiarizando-os a
agir por motivos públicos e semi-públicos, e guiando sua conduta por objetivos
que unem ao invés de isolá-los uns dos outros. Sem esses hábitos e poderes,
uma constituição livre não pode ser nem constituída nem preservada, como se
exemplifica pela natureza muito frequentemente transitória da liberdade política
nos países onde ela não se baseia em liberdades locais suficientes. O
gerenciamento de negócios puramente locais pelas localidades, e das grandes
empresas da indústria pela união daqueles que, voluntariamente, investiram os
meios pecuniários, é recomendado por todas as vantagens que têm sido
apresentadas nesse Ensaio como pertencendo à individualidade de
desenvolvimento, e diversidade de modos de ação. Operações governamentais
tendem a ser parecidas em qualquer lugar. Associações voluntárias e
individuais, ao contrário, tendem a conter uma variedade de experimentos e
uma infindável diversidade de experiências. O que o Estado poderia fazer de
maneira útil seria tornar-se um depósito central e difusor ativo da experiência
resultante de muitas tentativas. Sua responsabilidade é a de permitir que
aqueles que experimentam possam se beneficiar dos experimentos de outrem
ao invés de tolerar apenas seus próprios experimentos.

A terceira razão, e mais convincente quando se tratando de restringir a


interferência do governo, é o grande mal de aumentar seu poder sem
necessidade. Cada função acrescida àquelas que já estão em exercício pelo
governo difunde mais sua influência sobre as esperanças e medos e converte,
mais e mais, a parte ativa e ambiciosa do público em cabides do governo ou de
algum partido que tem o governo como objetivo. Se as estradas, as ferrovias,
os bancos e os escritórios de seguros, as grandiosas companhias de capital
compartilhado, as universidades e as caridades públicas fossem todas ramos
do governo, se, ainda por cima, as corporações municipais e os conselhos
locais, com tudo o que é a eles delegado, se tornarem departamentos de uma
administração central, se os patrões de todas essas empresas diferentes
fossem escolhidos e pagos pelo governo, e procurassem qualquer
possibilidade de avanço apenas no governo, nem toda a liberdade de imprensa
e constituição popular da legislação faria esse ou qualquer outro país livre a
não ser pelo nome. E os males seriam ainda maiores conforme a eficiência e
cientificidade da máquina administrativa—quanto mais hábeis os arranjos para
obtenção da melhor mão de obra bruta e intelectual para o trabalho. Na
Inglaterra tem sido proposto ultimamente que todos os funcionários públicos
deveriam ser selecionados via exame competitivo, para obter, desses
empregados, os mais instruídos e inteligentes o possível, e muito tem sido dito
a favor e contra essa proposta. Um dos argumentos mais utilizados pelos
oponentes é que a ocupação de um funcionário público oficial não apresenta
perspectiva de lucro e importância para atrair os melhores talentos, os quais
sempre serão capazes de encontrar um carreira mais atraente em sua área, ou
em serviço de empresas e outros corpos públicos. Ninguém se surpreenderia
se esse argumento fosse usado pelos apoiadores dessa proposta como uma
resposta para sua principal dificuldade. Vindo dos oponentes já é estranho o
suficiente. O que é mobilizado como objeção é a válvula de escape do sistema
proposto. Se todos os maiores talentos do país realmente pudessem ser
recrutados a serviço do governo, uma proposta que tenda a esse resultado
deve inspirar preocupações. Se toda parte dos negócios da sociedade que
requerem uma consonância organizada ou uma visão ampla e compreensiva,
estivesse nas mãos do governo, e se os gabinetes governamentais fossem
universalmente preenchidos pelos homens mais hábeis, toda cultura ampliada
e inteligência praticada no país, exceto aquela puramente especulativa, se
concentraria numa burocracia numerosa, à qual, sozinha, o resto da
comunidade procuraria para todas as coisas: a multiplicidade de
direcionamentos e orientações em tudo que tivessem que realizar, a
capacidade e aspiração pelo desenvolvimento pessoal. Ser admitido nos
padrões dessa burocracia, e quando autorizado, crescer internamente seria o
único objeto de ambição. Sob esse regime o público externo não é apenas
deficiente por falta de experiência prática, mas, mesmo que os acidentes do
natural ou despótico esforço das instituições populares ocasionalmente
crescesse ao ápice de eleger um governante, ou governantes, de tendências
reformistas, nenhuma reforma que fosse contrária aos interesses da burocracia
seria efetivada. Tal é a condição melancólica do império Russo, como vista
sob o testemunho daqueles que tiveram a oportunidade de observar. O próprio
Czar se vê impotente perante esse corpo burocrático. Ele pode enviar qualquer
um deles para a Sibéria, mas ele não pode governar sem eles ou contra sua
vontade. Eles têm um veto tácito sobre todo decreto que pata dele, ao
simplesmente abster-se de leva-lo a cabo. Em países de civilização mais
avançada e de espírito mais revolucionário, o público, acostumado a esperar
que tudo seja feito para ele pelo Estado, ou, ao menos, a não fazer nada por si
próprios sem conferir com o Estado se podem e como poderiam fazê-lo,
naturalmente responsabilizam o Estado por todos os males que eles
conheçam, e quando os males passam dos limites da sua paciência, eles se
revoltam contra o governo e fazem o que é chamado de revolução. Após
alguém com autoridade legítima, ou não, da nação, saltar para o assento, emitir
suas ordens à burocracia, e tudo continuar como já era antes, a burocracia
intocada e insubstituível.

Um espetáculo muito diferente acontece entre um povo acostumado a exercer


seus próprios negócios. Na França, tendo grande parte da população se
alistado no serviço militar, muitos os quais ocuparam no mínimo cargos não
comissionados, há em toda insurreição popular diversas pessoas competentes
para liderar e improvisar alguns planos de ação toleráveis. O que os franceses
são em relação aos assuntos militares, os americanos são no que diz respeito
a todo tipo de negócio civil. Deixe-os abandonados, sem um governo, e todos
os americanos são capazes de improvisar um, e leva-lo a cabo, assim como
qualquer negócio público com inteligência, ordem e decisão suficientes. Isso é
o que todo povo livre deveria ser: e um povo capaz disso, com certeza, é livre.
Nunca se deixará escravizar por ninguém ou nenhum grupo pois eles estão
hábeis a romper e influenciar os reinos da administração central. Nenhuma
burocracia pode esperar comandar um povo como esse a fazer coisa alguma.
Porém, onde tudo é realizado por meio da burocracia, nada que se oponha a
ela pode ser realizado. A constituição de tais países é uma organização da
experiência e habilidade prática da nação em um corpo disciplinado com o
propósito de governar todo o resto, e quanto mais perfeita essa organização
for, mais sucesso ela terá em educar e retratar por si mesma as pessoas mais
capazes de todos os nichos da comunidade, mais completa é a servidão de
todos, incluindo os membros burocratas. Pelos governos serem escravos de
sua organização e disciplina tanto quanto são os próprios governados. Um
mandarim Chinês é uma ferramenta e criação de um despotismo tanto quanto
o mais humilde agricultor. Um jesuíta em particular é, em última instância de
rebaixamento, um servo de sua ordem, apesar dela propriamente existir em
prol do poder coletivo e da importância de seus membros. Também não
devemos esquecer que a absorção de toda a principal habilidade do país pelo
corpo governamental é fatal, cedo ou tarde, para a atividade mental e
progressismo desse corpo. Afinados conjuntamente como eles estão—
trabalhando em prol de um sistema que, como, necessariamente, todos os
sistemas, funciona, em grande medida, por regras fixadas—o corpo oficial está
sobre a tentação constante de afundar em uma rotina preguiçosa, ou, se eles
abandonarem de vez em quando aquele giro mecânico de moinho, de se
apressar em direção a alguma grosseria parcialmente avaliada a qual tem
atingido os interesses de alguns membros que lideram o corpo: e o pagamento
daqueles fortemente aliados, apesar de aparentemente tendências opostas, o
único estimulo que pode manter a habilidade do corpo, ele mesmo, em altos
padrões, é a passibilidade em relação ao criticismo atento de capacidades
iguais externas ao corpo. Portanto, é indispensável que tais meios existam
independentemente do governo, da formação de tal habilidade, e da sua
nutrição com as oportunidades e experiências necessárias para um refinado
julgamento de medidas práticas. Se possuíssemos permanentemente um corpo
de funcionários eficiente e capacitado –acima de tudo, um corpo passível de
criação e que esteja disposto a adotar melhorias. Se nossa burocracia não se
degenerasse numa pedantocracia, esse corpo não deve assimilar todas as
ocupações que formam e cultivam as faculdades requeridas para o governo da
humanidade.

Para determinar o ponto em que o mal, tão formidável à liberdade humana e ao


desenvolvimento, começa, ou melhor, que ele começa a predominar em
detrimento dos benefícios presentes na aplicação coletiva da força da
sociedade sobre seus chefes declarados para o afastamento dos obstáculos
que estão no caminho do seu bem-estar, para prevenir o quanto das vantagens
do poder e da inteligência centralizada o quanto for possível sem se
transformar num canal governamental muito amplo em relação à atividade em
geral, é uma das questões mais difíceis e complicadas na arte de governar. É,
em grande medida, uma questão de detalhe, na qual muitas e variadas
considerações devem ser mantidas a vista, e não se pode estabelecer regras
absolutas. Porém, acredito que o princípio prático no qual a segurança reside,
o ideal para ser mantido em conta, o padrão segundo o qual se testa todos os
arranjos que pretendam superar dificuldade, pode ser expresso nessas
palavras: a maior disseminação de poder consistente com a eficiência; porém,
junto da maior centralização e difusão de informação de seu centro possível.
Então, na administração municipal haveria, como nos Estados da Nova
Inglaterra, uma divisão ínfima entre ofícios separados, escolhidos pelas
localidades, que, de todos os negócios, não seria melhor deixado para aqueles
diretamente interessados, mas haveria, ao contrário, em cada departamento de
assuntos locais uma superintendência central formando um nicho do governo
em geral. O órgão de superintendência concentraria, como num foco, a
variedade de informação e experiência derivada da conduta daquele nicho dos
assuntos públicos dentro todas as localidades, de tudo que seja análogo e que
seja realizado em países estrangeiros, e dos princípios gerais da ciência
política. Esse órgão central deveria ter o direito de saber tudo o que é feito e
seu dever particular deveria ser o de fazer com que todo o conhecimento
adquirido em um local esteja disponível para os outros. Emancipado dos
preconceitos mesquinhos e dos pontos de vista rasos de uma localidade
através de sua posição elevada e esfera de observação compreensiva, seu
conselho naturalmente carregaria muita autoridade, mas seu poder real como
instituição permanente deveria, penso eu, se limitar a coerção de dos oficiais
locais para a obediência das leis promulgadas por seu direcionamento. Em
todos os assuntos onde não há regra geral, tais oficiais deveriam ser deixados
sob seu próprio jugo sob a responsabilidade de seus constituintes. No caso de
violação das regras, eles deveriam ser responsáveis pelas leis e estas
deveriam, então, ser instituídas pela legalidade, com a autoridade
administrativa central apenas cuidando de sua execução e, caso elas não
sejam efetuadas corretamente, apelando, de acordo com a natureza do caso,
ao tribunal para reforçar as leis ou para demitir os funcionários que não as
executaram de acordo com seu espírito. Tal é, na concepção geral, a
superintendência central que as Poor Law Board pretendem exercer sobre a
administração do Poor Rate através do país. Seja quais foram os poderes que
a câmara exerça além de seu limite, foram necessários e corretos neste caso
em particular, pois a cura para hábitos enraizados de mal administração de fato
afetaram não apenas as localidades, mas a comunidade como um todo, já que
não há localidade com o direito moral de se tornar, por mau planejamento, um
ninho de miséria que necessariamente transborda a outros locais e prejudica a
condição moral e física de toda a comunidade trabalhadora. Os poderes da
coerção administrativa e legislação subordinadora que a Poor Law Board
possui (mas os quais, devendo para o estado das opiniões acerca dessa
matéria, são muito escassamente exercitados por eles), apesar de
perfeitamente justificável no caso de interesse nacional, estaria completamente
deslocado na superintendência dos interesses puramente locais. Mas um órgão
central de informação e instrução para todas as localidades seria igualmente
valioso em todos os departamentos administrativos. Um governo não pode ter
muito de um tipo de atividade que ele não restringe, mas auxilia e estimula a
desenvolvimento e o esforço individual. O erro começa quando, ao invés de
reivindicar a atividade e o poder de indivíduos e coletivos, ele substitui sua
própria atividade pela deles; quando, ao invés de informar, aconselhar e,
dependendo da ocasião, denunciar, ele os faz trabalhar com grilhões, ou os
coloca de lado e faz seu trabalho ao invés de seu próprio. O valor de um
Estado, no final das contas, é o valor dos indivíduos que o compõe, e o Estado
que posterga os interesses relativos à expansão e elevação mental em
detrimento de capacidades administrativas ou semelhantes àquela que a
prática proporciona nos detalhes dos negócios. Um Estado que atrofia seus
homens para que eles se tornem instrumentos dóceis em suas mãos até para
propósitos benéficos, descobrirá que nada grandioso pode vir a ser realizado
por mãos pequenas, e que a perfeição maquinal pela qual tudo foi sacrificado
não será, por fim, de proveito nenhum e porque carece da força vital
necessária para um funcionamento mais suave de suas máquinas, preferiu se
extinguir.

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