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Democracia e crise
Estudos de Direito Constitucional e Filosofia Política
1ª edição
2017
Copyright © 2017 por Juliana Cristine Diniz Campos, Raquel Coelho de Freitas e Rômulo Richard Sales Matos
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CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Equipe Cia do eBook
ISBN
9788555850912
Capa
Espelho
Página de créditos
Apresentação
Juliana Cristine Diniz Campos
Instabilidade democrática e “autoritarismo” brasileiro na década de 1930: a “imagem de crise” na fundamentação teórica do estado novo
Natália Pinheiro Alves Batista
A estrutura estamental da política brasileira como elemento de deslegitimação democrática
Demítrius Bruno Farias Valente
A função da lei segundo a perspectiva do realismo jurídico: entre a política e o direito no estado democrático segundo a proposta de Javier
Hervada
Antonio Jorge Pereira Júnior, Lucas Silva Machado
Hobbes e a questão do estado laico: a disputa moderna entre ordem e liberdade
Rafael Cronje Mateus
Estado e mídia: da proibição à associação indevida. Uma defesa à promoção do pluralismo previsto na CF/88
Henrico Perseu Benício Rodrigues, Seledon Dantas de Oliveira Júnior
A democratização dos meios de comunicação como forma de acesso à cidadania
Ana Taís Pinho Camurça, Eulália Emília Pinho Camurça
Autodeterminação indígena e a constituição brasileira à luz da “teoria do reconhecimento” da escola de Frankfurt
Brunna Grasiella Matias Silveira, Rodrygo Rocha Macedo
Os refugiados sírios na sociedade mundial e a tensão intercultural: inclusão ou exclusão?
Silvana Paula Martins de Melo, Rômulo Richard Sales Matos
A violência contra a mulher na política: uma análise jurídica à luz dos debates emergentes na américa latina e do quadro empírico
brasileiro de 2016
Jéssica Teles de Almeida
Mulheres muçulmanas no Brasil: retirando o véu do preconceito
Silvana Paula Martins de Melo, Jéssica Teles de Almeida
Processo de avaliação no ensino jurídico: um mecanismo de formação e de facilitação do desenvolvimento discente?
Carla Marques Diógenes, Cristhianne Tavares Pinheiro
O direito de resistência no processo de ocupação das escolas públicas de São Paulo em defesa do direito à educação
Ana Giselle Parente Rebouças
A efetividade do direito social à educação no Brasil: uma análise crítica do panorama da educação básica
Paloma Costa Andrade
Cidadania e ressocialização: a educação prisional das mulheres presas
Andrea de Boni Nottingham, Semiramys Fernandes Tomé
Desenho universal educacional: como o direito à educação inclusiva se articula nas políticas públicas nacionais
Luana Adriano Araújo
O efetivo exercício do trabalho no serviço público pelas pessoas com deficiência através do mandado de injunção
Milena Sousa de Oliveira
Organizadores
APRESENTAÇÃO
O Direito Constitucional das democracias recentes internalizou, quase como uma categoria de análise, a temática da crise e de seus reflexos sobre a
interpretação e aplicação do direito positivo. Antes recolhida nas discussões sobre o poder constituinte e sobre a exceção, hoje a crise irradia para os mais
variados campos e se manifesta não só como crise política e econômica, mas como uma tensividade subjacente ao tecido das relações sociais agora
marcadas pela coexistência de modos de vida muitas vezes antagônicos e conflitantes. Vivencia-se uma normalização da crise como permanente tensão
entre o ideal de um Estado de Direito caracterizado pela estabilidade e previsibilidade do regramento jurídico e os inúmeros projetos políticos em disputa
na sociedade. O que se questiona hoje, em última análise, é a viabilidade da organização democrática fundada nos ideais de um republicanismo igualitário,
onde a constituição tem um papel fundamental a desempenhar.
A vivência da crise põe em debate a legitimidade de uma carta constitucional que pretende uma unidade política possível em uma sociedade de
desiguais e diferentes, e também transforma as práticas tradicionais de interpretação. Discute-se a amplitude de proteção de direitos e a consciência dos
deveres públicos, assim como o próprio fazer jurídico manifesto na atividade jurisdicional. Entender a crise como uma tensão sistêmica das democracias
recentes tem como consequência dissociá-la do cenário da exceção e desenvolver mecanismos de proteção institucional que permitam a reprodução das
práticas políticas sem o colapso do sistema. Esse o desafio a ser enfrentado pela sociedade brasileira hoje.
Os artigos reunidos nesta coletânea espelham a temática da crise e sua relação com a teoria constitucional contemporânea, sendo frutos dos debates da I
Jornada de Direito Constitucional e Filosofia Política, evento promovido em dezembro de 2016 pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Ceará. Organizados em três blocos temáticos, os artigos se debruçam sobre tópicos de história do direito constitucional brasileiro,
algumas reflexões sobre teoria do direito e os fundamentos filosóficos do estado moderno, além de estudos sobre os desafios de efetividade relacionados à
aplicação e ao reconhecimento dos direitos fundamentais a grupos minoritários ou vulneráveis.
O trabalho de Natália Batista abre a coletânea com uma análise histórica do discurso de legitimação do autoritarismo no Estado Novo a partir da crise,
demonstrando que a temática da exceção e seus efeitos antidemocráticos parece permear a história constitucional brasileira desde a origem. Demitrius
Valente enfrenta a estrutura estamental da política brasileira como instrumento de deslegitimação democrática, também se utilizando do referencial
histórico de análise, sempre com a finalidade de refletir sobre a arquitetura institucional contemporânea e as propostas de mudança em pauta.
Um segundo bloco de estudos se concentra na teoria do direito e na filosofia política para discutir a relação existente entre a formação do estado
moderno, a opção pelo estado de direito e a defesa do pluralismo na democracia hoje. O trabalho de Antônio Jorge Pereira Júnior e Lucas Machado debate
o conflito entre política e direito a partir da contribuição de Javier Hervada; Rafael Cronje interpreta a dimensão da laicidade do estado em Hobbes; seguido
pelos estudos de Henrico Perseu, Seledon Dantas, Ana Taís Camurça e Eulália Camurça, que se dedicam, em dois trabalhos distintos, a enfrentar a relação
entre mídia, regulação, democracia e pluralismo.
A coletânea é fechada com o conjunto mais extenso de textos, dedicado à reflexão sobre as minorias, sua relação com a crise e os desafios enfrentados
na efetivação de seus direitos. Os trabalhos de Rodrygo Macedo, Brunna Silveira, Rômulo Richard, Jéssica Teles, Silvana de Melo, Christianne Pinheiro,
Carla Marques, Ana Giselle Rebouças, Paloma Andrade, Semiramys Tomé, Andrea de Boni, Luana Adriano e Milena Oliveira abordam distintos aspectos
relacionados aos direitos fundamentais, sua crise de efetividade e a proteção normativa das minorias em democracias recentes.
A função social da universidade pública em tempos de crise é a de promover uma discussão profunda e cuidadosa de suas causas sem deixar de, com
isso, apontar caminhos que permitam a preservação da democracia e o reforço da legitimidade constitucional. Os trabalhos reunidos neste livro buscam
contribuir para o debate na esfera pública e no meio acadêmico, pautando-se no diálogo como método e na difusão do conhecimento como única saída. Boa
leitura!
INSTABILIDADE DEMOCRÁTICA E “AUTORITARISMO” BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1930: A “IMAGEM DE CRISE” NA
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO ESTADO NOVO.
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta como proposta analisar o discurso político dos principais teóricos do Estado Novo, Francisco Campos (1891 – 1968) e
Oliveira Vianna (1883 – 1951), por intermédio de suas obras “O Estado Nacional”, “Populações Meridionais do Brasil” e “O idealismo da Constituição”.
As obras foram selecionadas pelo momento histórico em que foram escritas e publicadas, período que é contemporâneo ao fortalecimento de Vargas e à
ascensão do Estado Novo.
Na proposta de análise que se apresenta, será estudado, no discurso de Campos e Vianna, a utilização da imagem de crise como fundamento propulsor
de uma proposta contramajoritária ou contrarrevolucionária. Dessa forma, trata-se de um breve estudo acerca de como a imagem de crise do modelo liberal
de democracia fundamentou a solução de Estado Nacional forte e centralizado apresentada pelos autores.
Inicia-se a análise com noções introdutórias do conceito de crise, em sentido amplo, e do conceito de crise restrito ao âmbito social e político. Para
tanto, utiliza-se como referencial teórico a proposta de “crisiologia” de Edgar Morin e a noção de “imagem de crise” como mobilizador social proposta por
Marilena Chauí.
Adiante, analisa-se o uso da “imagem de crise” no discurso político de Campos, por intermédio da obra “O Estado Nacional”; bem como o uso da
“imagem de crise” no discurso político de Oliveira Vianna, por intermédio das obras “Populações Meridionais do Brasil” e “O idealismo na Constituição”.
A partir do caminho metodológico exposto, conclui-se há presença, ou não, da “imagem de crise” nos discursos dos autores, bem como eventuais
semelhanças de premissas e conclusões no pensamento político dos principais teóricos do Estado Novo.
4 “AUTORITARISMO” E TEÓRICOS DO ESTADO NOVO: A IDEIA DE CRISE NO PENSAMENTO POLÍTICO DE OLIVEIRA VIANNA
Oliveira Vianna, na configuração político-jurídica do Estado Novo, é o responsável pela organização constitucional e pela execução da política
corporativista. O modelo de Estado corporativo é o centro do pensamento político do autor, a partir do qual desenvolve o conceito de “democracia
corporativa” e a defesa do Estado Novo (DOS SANTOS, 2010).
Assim como Francisco Campos, é a partir da crítica ao modelo de democracia liberal que Vianna desenvolve sua defesa da participação democrática
direta, por intermédio do movimento organizado de classes e categorias. A ideia de crise da democracia liberal, para Vianna, por sua vez, residiria na
ausência de uma opinião pública brasileira organizada, ao contrário do que acontece nos moldes anglo-saxões.
Para analisar como Vianna estrutura seu pensamento político a partir da ideia de crise do modelo liberal, toma-se como base as obras “Populações
Meridionais no Brasil” e “O idealismo na Constituição”, as quais consagram o autor como teórico do Estado Novo.
É em “Populações Meridionais do Brasil” que Vianna dá continuidade aos estudos de Alberto Torres, diferindo-se do precursor quanto à suposição de
uma realidade nacional única e homogênea (BRESCIANI, 2007), pressuposto fundamental para compreender a sua proposta de democracia corporativa.
Embora não corresponda à principal proposta da obra, em “Populações Meridionais no Brasil”, Vianna ensaia sua crítica ao regime parlamentar liberal
tratando-o como um “cataclismo” que teria espalhado subversão e desordem no País. Para o autor, a obediência dos povos europeus aos representantes do
poder público significa que esses povos conseguem distinguir, pela formação de sua consciência política, a diferença entre o poder público e a autoridade
que o exerce. Capacidade essa que nunca fora alcançada pela formação política brasileira. Dessa forma, confundindo-se os representantes da autoridade
com a autoridade própria, o Estado e o governo são enfraquecidos pelas crises inevitáveis dos partidos políticos no modelo representativo (VIANNA, 2005,
p. 364-365).
A ideia de “perigo” no discurso de Vianna está associada às forças dispersivas representadas pelo idealismo utópico do partido liberal que buscam
impor ao país uma organização estranha a sua formação social e política. São as ideias “exóticas”, como liberalismo e parlamentarismo, que intensificam,
de acordo com o autor, a desagregação nacional (ODALIA, 1997, p. 144-145).
Partindo da crítica ao modelo de Estado liberal, pautado na representatividade, como figura de “perigo nacional”, Vianna constrói a ideia de Estado
enquanto instrumento de unificação nacional, ciente da condição continental e das diferenças geográficas do País.
Já em “O idealismo da Constituição”, Vianna defende que a democracia nunca teria sido institucionalizada no Brasil porque, conforme pensada pelo
modelo de Estado liberal, não encontra fundamento na realidade nacional. Para o autor, o problema político fundamental do País encontrava-se na ausência
de opinião pública organizada. Nesse sentido, o modelo liberal de democracia, pautado unicamente na representatividade e no sufrágio, acarretaria, em
última análise, o nominalismo constitucional.
É também a partir da crítica ao modelo representativo, que o autor propõe o conceito de democracia corporativa enquanto modo de organização da
opinião pública capaz de intervir na atuação estatal impedindo o desvio para a ditadura. Para Vianna, deve ser a opinião pública, organizada e incentivada a
participar da vida pública, o limite à ação do Estado (ODALIA, 1997, p. 156).
Na proposta de uma racionalidade para contrapor a irracionalidade do modelo liberal, importado indiscriminadamente dos povos europeus, Oliveira
Vianna não chega a utilizar expressamente o discurso de crise, como o faz Campos. No entanto, na construção de suas propostas para a atuação estatal,
Vianna utiliza conceitos associados à imagem de crise como premissas para defender uma substituição do modelo de Estado no Brasil.
O uso da imagem de crise em Vianna, para a construção do seu argumento antiliberal, está também associado a sua dimensão econômica. Ao tratar do
“papel político das classes econômicas”, o autor faz referência à grave “crise de numerário” que atingiu seu auge nos Estados Unidos, em 1929, e que
interferiu diretamente nos interesses da indústria e do comércio locais.
De acordo com o autor, diante da crise, era necessário levar o governo a mudar sua política financeira. O caminho natural, de acordo com o modelo
representativo, seria a atuação das classes produtoras por intermédio de seus representantes no Parlamento. Contudo, as medidas emergenciais para a crise
foram tomadas por meio do debate direto entre os interessados, os técnicos e o “Poder”. De acordo com o autor, esse movimento das classes industriais e
comerciais abriu caminho para uma nova fase da democracia brasileira12.
A solução da crise econômica sem passar por processo de deliberação parlamentar é, para Vianna, um exemplo de como o Poder Legislativo não é
capaz, de forma realista, de representar os interesses da Nação. O parlamentarismo liberal, na realidade local, limitar-se-ia, portanto, a um colegiado de
prepostos das oligarquias locais que se mantinham no poder pelo sistema eleitoral. A imagem de crise surge, nesse ponto do argumento de Vianna, como
uma espécie de falácia da representatividade. Partindo dessa imagem, que o discurso do autor constrói as premissas para uma teoria de estado forte e
concentrado na atuação de um líder.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A noção de crise adotada no discurso político das correntes teóricas que fundamentaram e legitimaram a constituição de um Estado Nacional
materializado pelo Estado Novo varguista não está atrelada à compreensão sistêmica da sociedade. Não há no discurso de Francisco Campos e Oliveira
Vianna, teóricos analisados nesse breve estudo, a identificação clara de perturbações internas ao sistema político brasileiro capaz de gerar uma situação
transitória de desregulação sistêmica.
A noção de crise que se apresenta no discurso de Campos e Vianna aproxima-se, contudo, do conceito pertencente “ao social e ao político”. Percebe-se
na construção dos argumentos de ambos os autores uma premissa que parte da imagem de crise do Estado liberal. Essa imagem, quando analisada
conjuntamente com as soluções propostas, revela-se instrumento de mobilização social pautado na pretensão de substituição de racionalidades ideológicas.
Campos e Vianna comungam, em seus discursos, de um diagnóstico de Estado Liberal falido que, independente de ser real, assume a função de aferir
ao sistema posto o caráter de irracionalidade. Nesse sentido, o modelo de Estado Nacional proposto em Campos e em Vianna apresenta-se como a
racionalidade que verdadeiramente se aproxima da realidade social e política do País. Em outros termos, tem-se nos discursos de Campos e Vianna um
diagnóstico de dever-ser contrariado e materializado pela desordem social e política seguido de uma proposta de ordem materializada no Estado forte e
concentrado.
O pensamento de Campos e Vianna aproximam-se não somente na formação lógica do argumento fundamentado na imagem de crise, mas na própria
construção dessa imagem. Para Campos, de discurso mais corrosivo, a imagem de crise do Estado reside na dispersão dos poderes e na irracionalidade do
método de democracia liberal.
A maior representação de crise, no pensamento de Campos, corresponde ao Parlamento e ao modelo representativo os quais subtraem a governabilidade
e instauram uma situação de instabilidade constante e generalizada decorrente das crises sucessórias e dos conflitos entre partidos políticos.
As premissas de Vianna não são diferentes. Apesar de não trabalhar expressamente com a noção de crise do modelo liberal, o autor constrói sua teoria
de Estado Nação também a partir de uma imagem de crise. Para Vianna, o modelo liberal não se adequa ás realidades nacionais, de modo que o modelo
representativo não representa de fato os anseios sociais. A imagem de crise de representatividade no discurso de Vianna, contudo, conta com a constatação
de ausência de opinião pública organizada, noção que não é tratada na crítica ao Parlamento de Campos.
Partindo de premissas próximas e servindo à mesma racionalidade ideológica, as soluções apontadas por Campos e Vianna para a reconstrução da
ordem social chegam ao mesmo ponto: o Estado Nacional forte e concentrado. Para Campos, o Estado Nacional apresenta-se como solução às
instabilidades advindas do sistema eleitoral, sem, contudo, implicar abdicação da democracia manifesta em assuntos de natureza política relevante. Para
Vianna, o Estado Nacional apresenta-se como instrumento de uniformização nacional e propulsão da opinião pública, significando o fortalecimento
democrático pela substituição da representatividade falida pela democracia corporativa.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1937). Constituição de 1937. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 10 nov. 1937.
BRESCIANI, Maria Stella. O charme da ciência e a sedução da objetividade. Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Ed.
Unesp/Fapesp, 2005 (2007).
CAMPOS, Francisco Luís da Silva. O Estado nacional: sua estrutura, seu conteúdo ideológico. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, (1930-
1937) 2001.
CHAUI, Marilena. Manifestações Ideológicas do Autoritarismo Brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica Editora, São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2013.
DOS SANTOS, Rogerio Dultra. Francisco Campos e os Fundamentos do Constitucionalismo Antiliberal no Brasil. Locus: Revista de Ciências Sociais,
Rio de Janeiro, v. 50, n. 2, 2007, p. 281-323.
______. Oliveira Vianna e o Constitucionalismo no Estado Novo: corporativismo e representação política. Locus: Seqüência, n. 61, dez. 2010, p. 273-
307.
DOS SANTOS, Marco Antonio Cabral. Francisco Campos: um ideólogo para o Estado Novo. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 13, n. 2,
2007, p. 31-48.
MORIN, Edgar. Pour une crisologie. Locus: Communications. La notion de crise, 25, 1976, p. 149-163.
ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira Vianna. São Paulo: Fundação Editora da
UNESP, 1997.
SALDANHA, Nelson. História das idéias políticas no Brasil. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2001.
STARN, Randolph. Métamorphoses d’une notion. Locus: Communications. La notion de crise, 25, pp. 4-18, 1976.
VIANNA, Francisco José de Oliveira. O Idealismo da Constituição. Rio de Janeiro: Edição de Terra de Sol, 1927.
______. Populações meridionais do Brasil. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, (1920) 2005.
A ESTRUTURA ESTAMENTAL DA POLÍTICA BRASILEIRA COMO ELEMENTO DE DESLEGITIMAÇÃO DEMOCRÁTICA
INTRODUÇÃO
As concepções mais atuais de democracia reconhecem a liberdade, a igualdade (TOCQUEVILLE, 2004), a representação (KELSEN, 2000), o
pluralismo (ARON, 1968) e a participação (HABERMAS, 2003) como seus elementos. Desses, destacar-se-á a igualdade, por ser fundamental a qualquer
teoria democrática, visto que, não obstante suas diversas ressignificações, esta é uma constante desde a experiência grega, quando as decisões políticas
eram deliberadas diretamente pelo povo por meio de assembleias, onde o voto de cada cidadão tinha exatamente o mesmo valor. Dahl (2001, p. 20) afirma
que na antiguidade surgia tendências democráticas sempre que em uma determinada comunidade existia uma espécie de “lógica da igualdade”.
A igualdade (isegoria), verificada através da possibilidade de manifestação, era um imperativo na ágora grega, não importando a posição que qualquer
dos cidadãos ocupasse na sociedade, sendo também garantido a todo indivíduo a possibilidade de acesso a cargos políticos (isocracia) e a igualdade perante
a lei (isonomia). É necessário destacar que a cidadania era bastante restrita, excluindo as mulheres, os estrangeiros e os escravos, não obstante, entre
aqueles considerados cidadãos, a igualdade era assegurada.
Por volta do século XVII D.C, período das revoluções burguesas, as democracias já não se caracterizavam pela participação direta de seus cidadãos, e
sim pela eleição de representantes. A representação passou a ser considerada condição sine qua nom para o exercício da democracia. Ainda que essa
concepção seja em alguma medida questionável, é amplamente majoritária a compreensão de que, devido à complexidade e ao tamanho das sociedades
modernas, o exercício da democracia só é viável através da eleição de representantes.
Entretanto, mesmo em uma democracia indireta, a igualdade é um imperativo, de tal forma que os representantes eleitos devem ser parte do povo, não
podendo em hipótese alguma compor uma classe deslocada da sociedade, sob pena de descaracterizar o sistema como democrático. O presente artigo se
destina a demonstrar que tal fenômeno é visualizado no Brasil, onde a classe política se apresenta como uma entidade deslocada do povo, tendo em vista
diversos fatores, dentre os quais se destacará: o da perpetuação no poder; o da formação de dinastias políticas; o econômico e o institucional. Dessa forma,
buscar-se-á demonstrar a completa cisão entre o povo brasileiro e a classe política, bem como a tendência desta de apropriar-se da máquina pública através
de sua perpetuação no poder. Far-se-á, para isso, uma análise do perfil dos deputados e senadores brasileiros, demonstrando tal fenômeno.
Tal concepção baseia-se na ideia do autor de que a democracia é a forma de governo em que os cidadãos participam da criação das leis, de modo que
não haveria limites à atividade estatal, já que todas as decisões seriam tomadas por representantes diretamente eleitos pelo povo. O pragmatismo do autor é
tamanho ao ponto de afirmar que, tendo em vista a democracia estar subordinada ao princípio majoritário14, a liberdade seria um atributo somente daqueles
que coadunassem com a maioria (e enquanto não mudassem de opinião) (KELSEN, 2000, p. 30-31). É claro que Kelsen visualiza as limitações do modelo
majoritário, afirmando, inclusive, que melhor seria que as decisões fossem tomadas por maioria absoluta ou mesmo por unanimidade, permitindo o
exercício da liberdade a um número maior ou mesmo à totalidade das pessoas (2000, p.29).
Mas também a liberdade dos modernos, compreendida como a autonomia do indivíduo de viver e procurar a forma de vida que aprecia, só é compatível
com uma noção de igualdade, tendo em vista o imperativo segundo o qual a liberdade de cada indivíduo é o limite da dos demais. A sabedoria popular
parece ter acertado ao determinar o “limite da limitação” da liberdade individual através da máxima: “A minha liberdade termina onde começa a do outro”.
Em perfeita harmonia com o dito popular, Popper (2001, p. 123) anuncia que: “se eu for livre de fazer tudo o que quiser, então também sou livre para
privar os outros da liberdade”. Tais ideias podem ser perfeitamente complementadas por Machado Segundo com a afirmação de que: “somente são
admissíveis restrições à liberdade quando essas restrições tiverem por finalidade resguardar a própria liberdade de outras pessoas” (2009, p. 132).
Em suma, as limitações à liberdade só podem ser justificadas quando forem meio proporcional para garantir igual liberdade aos demais membros da
sociedade (2009, p. 133). Por esse motivo, qualquer concepção apta a limitar a liberdade individual acima do estritamente necessário deve ser julgada
incompatível com a própria dignidade humana, uma vez que pode restringir a sua capacidade de autodeterminação. Salienta-se, entretanto, que a
necessidade de alguma limitação é decorrente exatamente da igualdade: já que todos são igualmente livres, a liberdade de um indivíduo não pode servir
para tolher a de outro.
A obra de Tocqueville nos ensina exatamente sobre a importância da igualdade para o florescimento das sociedades democráticas. O autor demonstra
que nas sociedades americanas do norte, onde os homens eram livres e se tratavam como iguais, o trabalho era tido como um valor fundamental,
imprimindo rápido desenvolvimento. Do outro lado, as sociedades do sul estavam fadadas ao fracasso, por serem formadas por pessoas preguiçosas, que
apoiavam a produção no trabalho escravo, claramente menos eficiente que o de homens livres (2005, P. 394-419).
Mas a liberdade dos modernos, ao conferir autonomia ao indivíduo em seu âmbito privado, também lhe garante o direito à diversidade, posto que lhe é
direito optar pela forma de vida que entende conveniente desde que isso não importe em prejuízo aos demais. Cria-se então o imperativo democrático do
convívio com a diferença.
Vê-se, dessa forma, que todos os elementos da democracia listados fundam-se na liberdade. É da “lógica da igualdade” que decorre a liberdade, posto
que somente indivíduos iguais deparam-se com o dever de não tolher a liberdade uns dos outros. Da liberdade dos antigos, tida como a liberdade política,
decorre o direito à participação (ou o dever de participação), já da liberdade dos modernos advém o direito à diversidade. Do mesmo modo, quando
considera-se a representatividade como condição sine qua nom para o exercício da democracia15, tem-se que o poder político deve ser exercido por
representantes do povo, os quais, ao mesmo tempo, sejam parte do povo, posto que em uma democracia não podem existir estamentos ou castas, já que a
igualdade se funda no imperativo de que todos são absolutamente iguais em dignidade (COMPARATO, 2006, p. 570). Retirada a “lógica da igualdade”,
nenhuma sociedade compõe uma democracia real.
A existência de estamentos sistematicamente fechados para a entrada de novos membros é um veneno para a democracia. Nenhuma democracia se
funda sobre a ignorância de um povo, renegado à infantilidade, refém de suas lideranças políticas. Para que exista democracia, os representantes do povo
devem necessariamente ser parte do povo, e qualquer indivíduo, através do esforço pessoal, deve poder ocupar qualquer posição.
Quando os políticos não são parte do povo, eles não são seus representantes, mas sim verdadeiros gestores de negócios, apropriando-se do Estado para
fins próprios, surgindo daí a figura do político profissional. É a partir desse momento que os representantes se perpetuam no poder, para após criarem
verdadeiras dinastias políticas. O governo parece ser a vocação dos nascidos nas famílias de políticos tradicionais, dando origem a um verdadeiro
estamento, completamente deslocado da realidade social do povo, por não o representar ou sequer conhecer seus anseios e sua realidade16.
A classe política brasileira, completamente distante do povo, é a responsável pela administração do Estado e pela criação das leis. Procuram, dessa
forma, regular a vida daqueles que vivem em uma realidade sobre a qual somente ouviram falar. Não obstante sua distância, a cada quatro anos saem em
campanha eleitoral, procurando parecer parte do povo como forma de garantir-lhes mais um mandato.
O presente artigo tem o intuito de demonstrar que essa cisão entre os cidadãos e a classe política se dá por diversos aspectos, alguns dos quais assinalar-
se-á de forma objetiva. O primeiro dos problemas que se destacará será o da profissionalização da classe política.
O relatório demonstra a perpetuação dos políticos no poder, bem como a dificuldade de qualquer renovação efetiva. No Senado, por exemplo, 26 dos 27
eleitos já ocuparam cargos eletivos. O único que jamais ocupara cargo eletivo é o apresentador de programa televisivo Lasier Martins, eleito pelo Rio
Grande do Sul21.
O fechamento estrutural da classe política demonstra-se ainda mais lesivo quando se verifica a existência de verdadeiras dinastias políticas. Com isso,
os herdeiros de políticos tradicionais ocupam os cargos públicos eletivos de tal forma a tornar a renovação um fenômeno ainda mais aparente.
Por conta desses fenômenos de apropriação da coisa pública, uma pesquisa desenvolvida pela “Transferência Brasil”24 em 2014 aponta que 49% dos
Deputados Federais Eleitos têm parentes na política, número 5 pontos percentuais superior ao verificado pela mesma agência em 201025. No nordeste, o
percentual é ainda maior, uma vez que 95 dos 151 deputados (63%) possuem parentes na política. O relatório aponta dado assustador: “Os cinco estados
com percentuais mais elevados são nordestinos: Rio Grande do Norte (100%), Paraíba (92%), Piauí (80%), Alagoas (78%) e Pernambuco (76%)”.
A situação dos jovens deputados, assim considerados aqueles com menos de 35 anos, é ainda mais sintomática, uma vez que, destes, 85% são herdeiros
de famílias políticas26. O relatório ainda destaca que mais de 1/3 desses jovens políticos já havia sido eleito em outros cargos, mostrando a tendência de
manutenção da cultura do político profissional. Por esses motivos o relatório destaca que:
A transferência de poder de uma geração a outra de uma mesma família tanto é uma forma de manter no cenário política figuras tradicionais já desgastadas – muitas das
quais chegam a ser rejeitadas pelas urnas – como uma maneira de perpetuar práticas políticas arcaicas, que garantem a defesa dos interesses de determinados grupos locais
e dificultam mudanças27.
Um caso paradigmático é o do Deputado Federal Bonifácio José Tamm de Andrada. Deputado Federal desde 1979, ele está em seu décimo mandato
consecutivo e ocupa cargos eletivos praticamente de forma ininterrupta desde 1954, quando fora vereador de Barbacena-MG. O deputado é filho de José
Bonifácio Lafayette de Andrada (1904-1986), também político e Deputado Federal por 8 mandatos consecutivos, de 1946 a 1979. Até ai, sua linhagem já
soma 70 anos ininterruptos na Câmara dos Deputados. Mas o deputado também é neto do Diplomata José Bonifácio de Andrada e Silva (1871-1954),
Deputado Federal de 1899 a 1930. É bisneto de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1835-1893), Deputado Geral do Império Brasileiro de 1885 a 1886. É,
ainda, trineto de Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775-1844), por duas vezes Presidente da Câmara dos Deputados, Ministro da Fazenda de D.
Pedro I e irmão do Patriarca da Independência José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). O site pessoal do deputado faz a apresentação de sua
decendência:
O Deputado Bonifácio de Andrada é descendente direto do Patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva e, ainda bisneto do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira,
sobrinho neto do Presidente Antônio Carlos, representando a 5ª Geração de Parlamentares Brasileiros da Família Andrada, que de pai para filho servem o Parlamento
Nacional desde 1821, com a interrupção apenas de 8 anos no século passado. Em 1996, comemoraram o centenário de atuação parlamentar na República.28
No senado, a situação é ainda pior. O relatório afirma que 6 em cada 10 senadores fazem parte de “famílias políticas”. O número (60%), apesar de alto,
é quatro pontos percentuais menor que o verificado no levantamento realizado com os representantes eleitos em 2006 e 201029. No nordeste, 16 dos 27
senadores possuem parentes na política.
Dessa forma, o Congresso Nacional permanece alheio ao povo, sendo formado quase inteiramente por herdeiros de dinastias políticas, milionários,
pessoas com grande visibilidade na mídia ou líderes religiosos (sobretudo de igrejas evangélicas).
Em levantamento feito pelo “Congresso em Foco”31 à partir dos dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral através do sistema
“Divulgacand”, verifica-se que 220 dos 567 deputados e senadores eleitos em 2010 declararam patrimônio superior a um milhão de reais. Não obstante, a
declaração de renda de diversos deputados eleitos causa algum estranhamento. À título exemplificativo, destacaremos o caso do Deputado Tiririca, um dos
17 que declararam não ter patrimônio.
Tiririca faz parte do grupo de deputados que não pertence a “famílias políticas”. Está, entretanto, no núcleo de artistas que tiveram sua eleição
possibilitada pela ampla visibilidade adquirida através da mídia. Mesmo antes de ser deputado, Tiririca já era um homem público, cantor de diversas
músicas de sucesso e com participação em programas nas principais emissoras de TV do país. Ainda assim o deputado declarou não possuir qualquer
patrimônio ao se candidatar em 201032. Porém, ou demonstrando a inconsistência das informações apresentadas em 2010 ou a lucratividade decorrente da
atividade política, quando de sua reeleição em 2014, o deputado declarou possuir patrimônio no valor de R$ 531.913,67.
A situação de Tiririca é paradigmática, pois demonstra que mesmo aqueles candidatos que não declaram grande patrimônio quando de suas
candidaturas (considerando que tais declarações sejam consistentes), após eleitos passaram por um processo de enriquecimento, que é, de fato, possível já
que os deputados e senadores brasileiros certamente são bem remunerados.
Enquanto, segundo estimativa de 2013, 66% dos brasileiros sobrevivem com renda familiar de até R$2.034,0033, o subsídio atual de um deputado
federal ou de um senador em 2016 é de R$ 33.763,0034. Tais vencimentos claramente estão bem acima da média nacional e por si só seriam suficientes para
distanciar a classe política da realidade de seu eleitorado, mas não para por aí. Um congressista brasileiro vive drasticamente destacado da realidade social
do povo, tendo em vista que seus vencimentos sequer são atingidos pelas suas despesas básicas, já que eles têm direito a: auxílio-moradia, ajuda de custo, o
famigerado cotão, auxílio-combustível, despesas de telefonia, despesas médicas ilimitadas, dentre outras mordomias. À título exemplificativo, o deputado
cearense Domingos Neto recebeu R$ 499.886,56 de cota parlamentar no ano de 2015, uma média de R$ 41.657,21 por mês35. Também a título
exemplificativo, em 2015, a senadora VANESSA GRAZZIOTIN recebeu R$515.107,20, uma média de R$ 42.925,6 mensais.
A condição financeira dos deputados e senadores reflete de forma clara a total cisão da classe política com a realidade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo foi dividido em duas grandes partes. A primeira, de natureza teórica, procurou demonstrar a igualdade como pressuposto principal da
democracia, servindo como ponto comum de origem de seus demais elementos. A igualdade se caracteriza pela noção de que todos são absolutamente
iguais em dignidade40, tornando existência de estamentos ou castas incompatível com o seu exercício.
O artigo não teve o objetivo de adentrar na discussão acerca da caracterização ou não da representatividade como condição sine qua nom para o
exercício da democracia nas sociedades contemporâneas. Reconheceu, entretanto, que esta tem sido a opção dos estados democráticos desde a
modernidade. Partindo desse fato, procurou-se demonstrar que o representante deve fazer parte da estrutura da sociedade, não podendo compor classe
social diversa e hermeticamente fechada em relação ao restante da população.
Na segunda parte, o artigo procurou falar especificamente da realidade brasileira, demonstrando com a maior objetividade possível o distanciamento
entre a classe política e o povo. Para tanto, utilizou-se como objeto de estudo dados acerca dos congressistas brasileiros eleitos em 2014 e em 2010.
Concluiu-se pela existência de uma forte tendência de enraizamento no poder por parte de políticos profissionais, através de sucessivos mandatos, bem
como de projeção de familiares para a política, de forma a criar verdadeiras dinastias. Verificou-se uma classe hermeticamente fechada, onde grande parte
dos congressistas são oriundas de famílias com políticos profissionais, bem como que, com raríssimas exceções, aqueles parlamentares que não vinham de
dinastias políticas eram milionários, celebridades ou líderes religiosos.
Também conclui-se pelo distanciamento da realidade financeira dos congressistas em relação a maior parte dos brasileiros, uma vez que uma grande
fatia dos eleitos em 2014 é composta por milionários (de acordo com suas próprias declarações de patrimônio feitas à justiça eleitoral) bem como em
decorrência da lucratividade da atividade parlamentar, em virtude de seus altos salários e de suas mordomias.
Apontou-se ainda outras vantagens atribuídas pela Constituição Federal aos deputados e senadores como garantias institucionais para o exercício do
mandato. Tais garantias, sob o aspecto oportunamente abordado, caracterizam mais uma forma de apartamento da classe política em relação ao cidadão
comum.
O presente artigo teve o objetivo de aliar uma proposta teórica a dados práticos, demonstrando a urgente necessidade de uma reforma política, apta a
conferir real representatividade ao cidadão brasileiro, trazendo a figura do político de volta ao povo. Aqui não se buscou trazer as soluções, que
demandariam um estudo baseado em outros critérios, mas tão somente evidenciar a existência de problemas, fomentando o debate.
REFERÊNCIAS
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SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Fundamentos do ordenamento jurídico: liberdade, igualdade e democracia como premissas necessárias à
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TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e emoções-de uma profusão de sentimentos e opiniões que o estado social
democrático fez nascer entre os americanos. Martins Fontes, 2004.
______. A democracia na América: leis e costumes. Martins Fontes, 2005.
A FUNÇÃO DA LEI SEGUNDO A PERSPECTIVA DO REALISMO JURÍDICO: ENTRE A POLÍTICA E O DIREITO NO ESTADO
DEMOCRÁTICO SEGUNDO A PROPOSTA DE JAVIER HERVADA.
INTRODUÇÃO
A ideia de cidadania em relação ao que se convencionou chamar por Estado Democrático de Direito deve necessariamente observar a máxima segundo
a qual a pessoa é titular de direitos justamente em razão de sua natureza humana. Por mais óbvia que possa parecer tal afirmação, cuida-se em frisá-la com
o objetivo de estabelecer como premissa no âmbito deste trabalho que a lei tem função determinada em um sistema jurídico que se paute pela democracia.
Isso porque o cidadão, concebido como o indivíduo capaz de participar politicamente em um Estado Democrático, goza de legitimidade como agente
político por motivos ontológicos, não culturais. Ou seja, a raiz está em sua condição de pessoa humana antes de qualquer consideração de índole mental ou
ideológica. Ora, a condição de ser titular de direitos implica uma série de consequências práticas para além da seara individual, porquanto repercute
mormente na possibilidade de atuação no que se refere à coletividade.
É certo que um ordenamento jurídico pode conter enunciados que consagram direitos específicos, condicionando, de certa forma, efeitos da cidadania
segundo cada realidade. Entretanto, tendo em vista que a lei tem uma função precípua, seus dispositivos devem estar em consonância com o fundamento
ontológico da titularidade de direitos da pessoa. Há, portanto, limites para a lei.
Explicando essa devida harmonia entre a natureza humana e suas respectivas previsões em um sistema legal, o jusfilósofo espanhol Javier Hervada
propõe-se a investigar se essa posição de titular de direito é de origem positiva ou natural. Não se trata de questão meramente abstrata ou sem
aplicabilidade prática, senão de ponto de partida para que se possa vislumbrar, em verdade, os direitos que podem guardar relação com a cidadania e como
se manifestam numa realidade democrática.
Nesse contexto, este trabalho pretende diferenciar as funções política e jurídica da lei, com o fito de evitar que tais papéis sejam tratados com confusão,
além de esclarecer o que é a lei positiva e para que serve. Ainda, faz-se necessário apresentar os limites hermenêuticos a respeito de normas que cuidam da
cidadania, na medida em que o direito posto como fenômeno cultural não deve ignorar o seu próprio fundamento, qual seja, a juridicidade natural. Essa foi,
por sinal, a alternativa para justificar a reação aos abusos de poder realizados institucionalmente pela ordem normativa na Alemanha do III Reich.
Aponta-se a moção do já citado autor no que tange à harmonização entre Direito Natural e Direito Positivo, o qual, evitando a dicotomia ou
confrontação entre tais perspectivas de direito evidenciada a partir do século XVIII, reafirma o primeiro como parte ou componente necessário do direito
vigente. Vê-se que o Direito Natural é dotado de verdadeira juridicidade, recordando a tradição clássica para apresentá-lo como atual e pertencente à
mesma ordem jurídica da qual faz parte o Direito Positivo. A partir dessa perspectiva de harmonização e necessária interdependência, torna-se possível
construir noções de universalidade, importante para o conceito de direitos humanos.
Por outro lado, reconhece-se também na confecção legislativa limites não expressos de ditames jusnaturalistas, na medida em que pelas leis se pretende
a realização do justo, sendo tal parâmetro invocado para além da própria redação legal, como régua de apreciação.
Nesse sentido, a indagação avançada por teóricos como Javier Hervada pretende colaborar para a missão própria do jurista, qual seja, interpretar as leis
para sua correta aplicação, tendo em vista que sua função se desenvolve, como regra, a partir do sistema legal. Sua perspectiva aponta para essa correção
em se aplicar as leis com base na existência da relação entre o justo – “o direito” – e a norma.
O trabalho em questão avalia a adequação e serventia de tal pensamento à situação contemporânea, tendo por enfoque sua aplicação em relação aos
conceitos de cidadania e democracia, especialmente no que tange à possibilidade de participação política do indivíduo considerando o vínculo jurídico que
o une ao Estado.
Parte-se da proposição segundo a qual o papel do agente político, enquanto confeccionador de leis, consiste em verdadeira situação de direito. Sendo
assim, porquanto cuidam da estruturação da sociedade, as regras emanadas pelos órgãos de governo não decorrem de seu mero alvedrio, mas precisamente
da relação jurídica existente entre o corpo social e seus representantes.
A análise da democracia a partir das considerações acerca da lei natural evidencia que o caráter obrigatório e vinculativo da norma jurídica decorre do
ato de razão que lhe dá origem. Isso porque, conforme será visto, uma regra arbitrária e irracional, inobstante preencha os requisitos do processo
legiferante, trata-se de ato corrupto em sua forma e essência, de modo que sequer enseja vinculação ou obrigatoriedade ao corpo social.
Nesse ponto, a manifestação dos interesses da coletividade, bem como sua participação na vida política e a interação com os órgãos regentes encontram
sentido justamente no reconhecimento da juridicidade natural, que não procede da vontade individual, mas que se trata de verdadeiro direito dado e
objetivo, conhecido a partir da razão prática humana.
Nesse sentido, fixa-se a juridicidade natural – aquela descoberta a partir da racionalidade humana – como fundamento da lei positiva, na medida em que
se trata do corpo social regulando a si mesmo, independentemente do procedimento adotado. Assim, o legislador positivo não ocupa uma posição
hierarquicamente superior à sociedade, como se tivesse atribuição para elaborar normas tão somente conforme sua vontade. Trata-se de órgão em situação
especial, é verdade, mas justamente em atenção aos fins que lhe são próprios.
Ao realizar esse mister, o legislador positivo representa a soberania popular na comunidade política sem se apartar da estrutura social. Portanto, suas
decisões procedem de vontade e razão – como qualquer ato propriamente humano –, de sorte que o direito natural embasa o processo de criação do
ordenamento positivo.
Tratando especificamente do processo legislativo, Hervada (2006, p. 122) sustenta que a lei procede da razão prática na medida em que esta atua
descobrindo, discutindo e aperfeiçoando em um procedimento previamente estabelecido as possíveis regras do agir humano e da coletividade para que
então possa haver a promulgação daquele texto projetado e sua consequente obrigatoriedade.
De todo modo, faz-se importante esclarecer que a lei promulgada apresenta distintas repercussões na ordem social conforme o papel particular de seu
texto. Em razão do alcance e da proposta desse estudo, destaca-se as funções política e jurídica que uma mesma legislação pode assumir segundo a visão do
realismo jurídico sobre o tema.
CONCLUSÃO
Discorreu-se acerca da função da lei, da função do direito, da confusão entre ambas, da missão do jurista e respectivo dever de identificar o justo, e
como a consideração do direito natural pode auxiliar nessa tarefa. Mostrou-se como, para além da questão de perspectiva de oposição, acima de tudo
prevalece harmonia entre as duas perspectivas, salientando o alcance e limite de cada uma para efeitos jurídicos e políticos, estando reservado o extenso
âmbito de atuação discricionária da atividade política.
O realismo jusnaturalista adotado e desenvolvido por Javier Hervada aporta relevantes contribuições para ponderações e revisões teóricas de conceitos
fundamentais ao Direito, como a distinção entre a função política e jurídica da lei, a fixação do objeto próprio da atividade do jurista, o esclarecimento da
relação harmônica entre o direito natural e o positivo, salvaguardando-se as utilidades e as especificidades de cada um no sistema jurídico.
As distinções e aproximações conceituais apresentadas permitem reforçar a categoria dos direitos fundamentais nos Estados Democráticos, bem como a
universalidade dos direitos humanos, desafio de nossa era. Verifica-se desse modo que a função da lei segundo a perspectiva do realismo jurídico situa-se
entre a política e o direito no Estado Democrático.
A teoria jusnaturalistas clássica, defendida por Javier Hervada, permite compreender a composição e harmonia entre as categorias de direito positivo e
natural, e esclarece o espaço oportuno de consideração de cada uma das dimensões do Direito, quando da elaboração e da aplicação das leis. Recupera-se,
desse modo, o fundamento que legitima a universalidade dos denominados direitos humanos, isentando-o do reducionismo inevitável de quando se
restringe o jurídico ao positivo e este ao ideado e deliberado sem fundamento na natureza humana, com ditames permanentes e perduráveis.
A proposta de Javier Hervada mostra-se, por todo o exposto, digna de consideração por quem se dedica a estudar os fundamentos da ordem normativa
do Estado Democrático.
REFERÊNCIAS
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Internacionales de Derecho Natural y III de Filosofía del Derecho. Primera edición, julio. p. 187-218. Lima: Palestra Editores, 2014.
HOBBES E A QUESTÃO DO ESTADO LAICO: A DISPUTA MODERNA ENTRE ORDEM E LIBERDADE
INTRODUÇÃO
Hobbes sabia que a organização da sociedade é impossível sem a base estruturante de uma religião, e seu trabalho é, em última instância, uma tentativa
de direcionar a refundação iminente da comunidade inglesa, que culminou na Revolução Gloriosa de 1688.
Esse artigo busca compreender a análise de Hobbes no Leviatã à luz da obra de Eric Voegelin, principalmente, trazendo à superfície o tema mesmo da
filosofia política: a organização do homem em sociedade. Necessariamente, o tema da religião civil – há tempos esquecido no Brasil – ressurge como
consequência da busca pela base organizacional proposta por Hobbes, sendo, portanto, o objeto do presente artigo.
Se seguido corretamente, o artigo deve concluir mostrando de onde vem nossa ideia de liberdade religiosa e de Estado secularizado. Para isso o artigo
começa revelando o problema da relação ordem e liberdade e a solução de Hobbes; segue introduzindo os conceitos que Voegelin usa em sua análise, com
uma breve noção da ideia de religião civil – ou teologia civil; continua com uma análise da solução de Hobbes à luz dos conceitos elaborados na segunda
parte e, por último, pretende mostrar a natureza religiosa da organização do Estado moderno e a exclusão da religião da vida pública como outro lado da
moeda do direito de liberdade religiosa.
A auto interpretação ou simbolização da sociedade – que a ilumina de dentro, revelando sua estrutura semelhante a do cosmos – é, portanto, parte
fundamental da constituição de um povo, pois “por meio de dessa simbolização os membros da sociedade a experimentam como mais do que um acidente
ou uma conveniência; eles a experimentam como se fosse parte da sua essência humana” (VOEGELIN, 2000, p. 109)51.
Essa percepção progride na história de um povo, e a articulação também. A sociedade passa então a buscar consolidação frente às outras e a resolver
problemas que se tornam evidentes no processo. Ao tipo de representação que serve aos fins vitais – “defesa do reino” e administração da justiça – de uma
sociedade, Voegelin chama de Representação Existencial.
Para compreender propriamente a articulação, Voegelin recorre ao Sir John Fortescue (1394-1479), que em sua obra The Governance of England
analisa a existência da sociedade como a de um corpo, e que não satisfeito com a divisão corpo (o reino) e cabeça (rex, o rei), toma do cristianismo a noção
de corpus mysticum, o corpo místico que é a união dos cristãos, que forma a Igreja52. Assim era necessário, pois ele percebia que existia um vínculo mais
profundo entre Rei e reino do que meramente a ligação física, assim como um corpo humano precisa do espirito para dá-lo unidade e existência.
O vínculo encontrado para o reino e o rei, para Fortescue, coloca Voegelin, não era o Logos de Cristo ou um Logos pervertido, presente nos
movimentos totalitários atuais, mas a intencio populi, que tem sentido diverso do usado hoje, não sendo meramente a vontade popular, mas o termo tem,
como explica o autor, populi, povo, como a “substância mística que emerge (como em erupção) na articulação”, ou seja, o povo é a essência mística, como
que o coração da sociedade e que surge no momento da organização da mesma; e intencio, “intenção”, como “o clamor ou o impulso dessa substância em
emergir e se manter em existência articulada tal qual uma entidade que, por meio da articulação, pode prover o seu bem estar” (p. 123), portanto é o
princípio ativo e interno ao povo que o guia na direção de preservar sua existência organizada.
Essa colocação de Fortescue tem particular importância, pois como diz Voegelin, ela é sintomática da forma de organização social que estava surgindo
no século XV. A nova forma era fechada em si mesma e continha em si um significado último, e viria para substituir não apenas o império (poder
temporal), mas a igreja (poder espiritual). Essa forma é o Estado Moderno.
O segundo tipo de representação é a transcendental, na qual não estão em jogo as questões necessárias para a existência histórica da sociedade, mas o
papel da sociedade enquanto representante de uma verdade transcendente.
Voegelin retoma a ciência política platônica e aristotélica, e para isso traz à superfície o princípio do Homem como Medida da Sociedade, ou melhor,
“a polis é o homem escrito maior” (PLATÃO, 1999, p. 53).
Brevemente, a conclusão desse princípio é que a sociedade é construída a imagem dos homens que a constituem (VOEGELIN, 2000, p. 137). A medida
que o homem tem para si mesmo é comunicada à sociedade. Daí vem os padrões de moralidade e o direito. É assim que toda sociedade humana se
organiza, e dependendo de como o homem se percebe, assim também perceberá a sociedade; e o tipo predominante de homem na sociedade a determinará
– que é a continuação do processo: o homem forma a Polis, que agora forma os homens.
Portanto, esse tipo de representação, além de um princípio geral de interpretação da sociedade, é também um princípio de crítica social, pois uma
percepção diferente de como o homem deve ser implicará numa tentativa de reorganização da sociedade, e isso é particularmente conflituoso, como o
exemplo da Revolução Gloriosa demonstra, e de forma mais radical, o da Revolução Americana, da Francesa e da Comunista na Rússia.
O primeiro tipo de verdade, a cosmológica, se insere na percepção da sociedade como representante da ordem do cosmos, e nela há uma indiferenciação
entre o homem, a natureza, a sociedade e a transcendência – o todo está compactado e é percebido como um.
No segundo tipo de verdade, o homem se diferencia da natureza, da sociedade e da divindade, e percebe seu lugar distinto na existência - o lugar de
entremeio entre a matéria e o espírito. Por isso o segundo tipo se chama antropológico, pois pela primeira vez o homem tem percepção de si enquanto
indivíduo e passa a ter a si mesmo como medida da sociedade. O homem maduro de Aristóteles, o spoudaios, é o que consegue ter a medida do cosmos em
si, e por isso é a medida verdadeira para a sociedade – e nisso vemos que uma verdade não anula a outra, mas descompacta, diferencia o que já estava
presente, mas que não era percebido.
E a verdade soteriológica, trazida pela cristandade, é a verdade que alarga as experiências diferenciadas pela verdade antropológica de Platão e
Aristóteles (VOEGELIN, 2000, p. 150). Isso porque a relação entre homem e Deus, que antes era apenas daquele para este, agora é experimentada como
um movimento de Deus para o homem. Junte-se a isso a encarnação do Logos em Cristo e a promessa de um Paraíso fora do tempo e da história, e a
diferenciação entre Civitas Dei e Civitas Terrena de Santo Agostinho surge. Com isso, a história passa a ser vista como mero hiato dramático entre o
Jardim do Éden, com a queda do homem da graça divina, e a Cidade de Deus com a redenção humana e a suplantação da vida terrena pela vida celestial.
“O homem medieval contemplava a existência como um drama cósmico, já pronto e acabado em ideia antes de ser atualizado em fato. A vida na terra seria tão somente
uma prova temporal. A cidade terrestre se extinguiria no tempo designado por Deus” (LEHMANN, 2016, p. 68)
Isso perdura durante toda a Idade Média e só muda na modernidade, com a Reforma Protestante e as Revoluções.
Esse processo pode ser apropriadamente chamado de doutrinação, no sentido de que a doutrina do Estado, explicitada em um documento que
fundamenta a existência da sociedade e do Estado, será sistematicamente ensinada aos futuros cidadãos, restringindo toda disputa futura a notas de rodapé
da constituição, ou seja, sem que haja real ameaça à ordem social estabelecida.
A ideia é, então, a de que uma vez marginalizada as religiões e as ideologias, e, estabelecida a regra de fé social, a ordem e a paz serão atingidas.
“Hobbes discernira na falta de uma theologia civilis a fonte das dificuldades sofridas pelo estado inglês durante a crise puritana. Os vários grupos envolvidos na guerra
civil estavam tão fanaticamente empenhados em conseguir que a ordem pública representasse o tipo correto de verdade transcendente que a ordem existencial da sociedade
corria o risco de desmoronar em meio à confusão. Este era certamente o momento apropriado para redescobrir a visão platônica de que a sociedade deve existir como um
cosmion ordenado, como representante da ordem cósmica, antes que se possa permitir o luxo de também representar a verdade da alma. A representação da verdade da
alma no sentido cristão é função da igreja, e não da sociedade civil. Caso diversas igrejas e seitas comecem a lutar pelo controle da ordem pública, se nenhuma delas for
suficientemente forte para obter uma vitória inequívoca, o único resultado lógico é que, pela autoridade existencial do representante público, todas serão relegadas à
posição de associações privadas dentro da sociedade” (VOEGELIN, 2000, p. 220)55
Isso também é percebido pelo crítico literário René Girard, também considerado por Eugene Webb, um Filósofo da Consciência:
“Para evitar a catástrofe, aliás iminente, o Eu esforça-se por conviver com seus rivais. Não renuncia ao individualismo, porém se esforça por neutralizar suas
consequências. Tenta assinar um pacto de não agressão metafísica com o Outro. No final do século XVIII, os homens lançavam-se todos nos braços uns dos outros, como
para retardar o grande furor da Revolução e o triunfo livre concorrência; mas essa ternura é de origem puramente egoísta, não tem nada a ver com o verdadeiro amor”
(2013, p. 2)
Essa necessidade de ordem fazia com que Hobbes considerasse como ilegítimo qualquer governo religioso:
“Tal como as facções familiares, assim também as facções que se propõem o governo da religião, como os papistas, os protestantes, etc., ou o do Estado, como os patrícios
e plebeus dos antigos tempos de Roma, e os aristocráticos e democráticos dos antigos tempos da Grécia, são injustas, pois são contrárias à paz e à segurança do povo, e
equivalem a tirar a espada de entre as mãos do soberano” (1999, p. 189)
O governo legítimo é o que traz a paz, e como só o soberano pode trazê-la, retirar poder do soberano é ser contra a paz; logo é ilegítimo.
Para Hobbes, portanto, a religião civil é a única forma de atingir o fim do Estado, sendo a única religião permitida de “habitar” a vida pública da
sociedade.
CONCLUSÃO
Hobbes, na sua tentativa de impedir a iminente destruição da Inglaterra pelo embate entre as forças religiosas da sua época buscou fundar um novo
modelo se sociedade, que não se preocupa com os aspectos transcendentes, mas antes busca sua própria existência em detrimento da busca da Verdade. E
sua solução é paradigmática, tanto que é inspiradora do Estado moderno, desde a sua constituição, agora sempre positivada, até da forma como estabelece
direitos para o cidadão, buscando a todo custo a paz social, mesmo que isso implique em deliberadamente moldar os cidadãos à sua imagem e semelhança
através de um sistema educacional.
Seguimos esse modelo e nos distanciamos da busca pela Ordem verdadeira do homem e da sociedade, e com isso boa parte da história humana deixa de
ser propriamente compreendida.
Tornou-se claro, também, que a laicidade do Estado significa meramente uma substituição religiosa, que não abole as outras doutrinas, mas as
marginaliza e ignora suas reclamações na vida pública, o que impele os religiosos a cederem externamente – se quiserem participar da política e das
discussões acadêmicas.
Entender nossa forma de funcionamento é o primeiro passo para qualquer ação de qualquer natureza; e o contrário é permitir que a sociedade perca a
capacidade de auto compreensão, e degenere, como tem acontecido, em um caos disruptivo. No presente, o nosso destino está na balança.56
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ESTADO E MÍDIA: DA PROIBIÇÃO À ASSOCIAÇÃO INDEVIDA. UMA DEFESA À PROMOÇÃO DO PLURALISMO PREVISTO NA
CF/88.
INTRODUÇÃO
A utilização da mídia como instrumento de efetivação e aprofundamento da democracia é algo bem recente na história da própria democracia. Com
base nisso, muito se tem dito sobre a adequação da mídia de uma forma geral a estas finalidades. O constitucionalismo atual reverbera esta constante,
trabalhando questões que envolvem o embate entre regulação estatal, com o escopo de garantir o pluralismo na produção e acesso da informação e a
liberdade ampla de funcionamento de todos os tipos de mídia (permitindo a criação de oligopólios com enorme poder social).
No que toca à liberdade ampla de expressão, destaca-se o constitucionalismo norte-americano como grande produtor de doutrina sobre o tema. Há duas
grandes correntes sobre a finalidade primordial da defesa da liberdade de expressão. A primeira, encabeçada por Sunstein (1995)59, entende que a liberdade
de expressão deve servir mais como um meio de garantia e aprofundamento da democracia, ao defender uma postura estatal mais ativista no controle desta
atividade, dando uma outra interpretação à Primeira Emenda à constituição americana. A segunda, liderada por Dworkin (2005, p. 199-201), aponta para a
liberdade de expressão como uma forma de expressão da autonomia individual, ao não prever qualquer controle quanto à atividade da imprensa, mas
garantir reparação e respostas em casos de utilização indevida desta.
Cumpre destacar que tais correntes, emboras apresentem um bom panorama sobre o tema, foram talhadas para o direito norte-americano, considerando
suas disposições legais e constitucionais, mormente a discussão havida com relação à interpretação da primeira emenda à constituição norte-americana60.
No Brasil, a lição apresentada por Sarmento (2007), que manda seguir por um caminho que comungue das duas correntes acima descritas, sendo que “a
intervenção do Estado, no que tange à promoção do pluralismo interno, deve ser sempre a posteriori, e deve estar submetida a amplo controle social e
jurisdicional”, deve ser algo a ser observado e investigado profundamente, já que calcada no papel que a Constituição Federal atribui à comunicação social.
É fato inegável que os grupos ocupantes do poder, valeram-se, de formas distintas, dos meios de comunicação então existentes para aumentar ou manter
o poder que já concentravam. Muito embora as relações simbióticas entre poder e mídia ocorram desde o início da existência desta, poucos autores, no
Brasil, dignaram-se a enfrentar o tema.
Nas palavras de Miguel (on line), “afirmar a importância política dos meios de comunicação está se tornando um lugar comum entre cientistas sociais.
No entanto, trata-se mais de um reconhecimento pro forma, com pouca repercussão na pesquisa e na reflexão acerca da realidade”. Nos dias de hoje, cresce
exponencialmente a presença dos meios de comunicação no cotidiano de todas as civilizações ditas modernas, de forma que se faz necessário um estudo
sobre os efeitos que um eventual controle deste meios teria no espectro político.
No decorrer do século XX, período de consolidação da dominância da mídia no Brasil por grandes conglomerados nacionais, não houve uma produção
acadêmica relevante voltada ao estudo destes fatos, notadamente analisando os aspectos jurídicos e constitucionais relacionados à construção deste
verdadeiros impérios. Destacamos, como obra que tocou questões jurídicas (fáticas) importantes, ainda que não elaborada por jurista, o trabalho de Daniel
Herz (1991), intitulado “A história secreta da Rede Globo”, fulcrado em documentos oficiais, que analisa a história da obtenção da dominância da citada
rede de televisão.
Antes da existência do infinito manancial de mídias que vislumbramos hoje, houve um tempo, notadamente na segunda metade do século XX, que, no
Brasil, o grande meio de comunicação era a televisão, atingindo quase que a totalidade de uma população pouco instruída. Durante grande parte deste
período, como é sabido, o Brasil viveu sob o denominado Regime Militar (1964-1985).
Destaca-se, no vintênio mencionado, a ascensão e consolidação, como maior grupo de mídia no país e um dos maiores do mundo, da Rede Globo,
alcançando papel bem distante daquele que ocupava antes da implantação do regime. Tal ascensão deveu-se unicamente aos aspectos de mercado e à boa
gestão empresarial ou houve, em dado momento (ou por um razoável lapso temporal) a obtenção de benefícios advindos da estrutura estatal?
Se, nos dias atuais, há uma forte corrente que aponta para um entendimento de que a mídia de massa é um instrumento fundamental para a efetivação e
o aprofundamento da democracia no Estado Democrático de Direito, esta não era uma preocupação vigente à época da criação e ascensão de grande parte
dos grupos empresariais que compõe este tipo de mídia. O funcionamento deste tipo de empresa na forma atual e desconsiderando o histórico para
obtenção de uma preponderância com relação às demais é uma atitude que fortalece a democracia, promovendo o pluralismo preconizado na Carta Magna
sobre o tema (CANOTILHO, 2013, p. 2038)?
No presente trabalho, buscar-se-á apresentar, por meio de pesquisa bibliográfica, exemplificadamente, no cenário brasileiro, que elementos históricos e
jurídicos possibilitariam uma eventual utilização de um grupo de mídia como instrumento de manutenção de um grupo de poder, bem como as implicações
que tal relação tem para a não efetivação dos direitos previstos na Constituição Federal no que toca à comunicação social.
Inicialmente, far-se-á um apanhado sobre a evolução histórica da mídia e sua relação com o poder político no Brasil, para, uma vez lançado este pano
de fundo, que se possa tratar da medida constitucional (historicamente analisada) conferida à comunicação social e à liberdade de expressão.
Passar-se-á a apontar, a título exemplificativo, a relação simbiótica e, muita vez, alheia a norma máxima vigente, entre o grupo político ocupante do
poder e os grandes grupos de mídia, como tentativa de demonstrar como tais relações, nos dias atuais, contribuem para o não atendimento das disposições
constitucionais vigentes para a comunicação social.
A ideia de pluralização reforça o esforço constitucional em promover uma liberdade de expressão exercida de modo democrático e amplo. Não há
liberdade de expressão plena sem acesso à informação, e esta não poderá ser eficaz quando é seletiva, ou seja, quando expõe somente as opiniões e
informações que integram o campo de interesse dos detentores dos meios de comunicação. Por sua vez, não se pode pensar em acesso aos diversos tipos de
opiniões e informações sem que haja meios democráticos e plurais de fazê-lo.
Deve-se, para isso, partir-se do fato de que a atividade de televisão e rádio voltam-se ao serviços público, dos quais são permissionários ou
concessionários os grupos privados detentores dos meios de comunicação. Como serviços públicos, “(...) quando explorados por particulares, têm por
finalidade servir ao público, e não aos seus concessionários ou permissionários privados” (SARMENTO, 2007, p. 35).
Destarte, a mídia deve atender à sua responsabilidade social no que tange ao exercício de sua atividade. Permitir aos diversos grupos, que representem
interesses plurais da sociedade, acesso à grande mídia traduz-se em um direito fundamental difuso, correspondente a um dever dos detentores dos meios de
comunicação. Dessa forma, garantir a ampla informação, a apresentação de opiniões plurais dos segmentos sociais, a manifestação de grupos diversos,
veiculações de notícias imparciais, a preferência por assuntos de interesse nacional, entre outros, são formas de garantir a democratização e pluralização
interna dos meios de comunicação.
Ainda nesse sentido, destaca-se o direito de resposta, que deve ser compreendido não somente como garantia individual diante de uma ofensa à honra, à
imagem e ao direito, ou em face de uma informação falsa atribuída a uma pessoa ou grupo particular. Para além disso, ensina-nos Binenbojm (2006, p. 14)
que o direito de resposta deve ser compreendido como garantidor de uma função pública e democrática, abarcando fatos que envolvam interesse de toda a
sociedade, garantindo ao pública acesso a visões diferentes ou que visem corrigir ou suprir informações falsas ou parciais.
A pluralização dos meios de comunicação deve ser tomada também sob o âmbito externo. A Constituição veda que os meios de comunicação possam
ser, de maneira direta ou indireta, objeto de monopólio ou oligopólio (art. 220, § 5º). Não obstante a realidade brasileira faça questionar a efetividade da
norma, esta busca incentivar a criação e manutenção de mídias alternativas aos grandes meios de comunicação de massa.
Para que o acesso à informação seja amplo, imparcial e democrático, o Estado deve buscar meios que facilitem e mantenham a comunicação daqueles
grupos que não integram os detentores da grande mídia. Plurificar e democratizar a informação passa também por incentivar as mídias alternativas e
diminuir os entraves que inviabilizam sua criação e manutenção. Nessa linha, é que Binenbojm (2006, p. 17) defende que “(...) no aspecto positivo ou
participativo da liberdade de expressão, que impõe um dever ao Estado de reconhecimento e promoção de fenômenos como as rádios comunitárias, cujo
papel é o de dar voz a grupos tradicionalmente alijados do debate público e condenados à invisibilidade social”. Não se pode esquecer, evidentemente, o
importante papel que tem exercido a internet na pluralização dos meios de comunicação e no acesso amplo à informação.
Portanto, a liberdade de expressão e o acesso à informação de forma plena, quanto se transfere tais questões para os meios de comunicação de massa,
pressupõe, necessariamente a pluralização e democratização destes meios, sob pena de se manter uma mídia comprometida unicamente com os interesses
de seus detentores e apoiadores, transmitindo, pois, informações parciais ou deturpadas para a sociedade e impedindo, em última linha, que esta ingresse
exerça os direitos que o pluralismo lhe facultaria exercer. Ter-se-ia, nesse caso, liberdade de expressão tão somente de parcelas restritas da elite e
manipulação da sociedade. É justamente nesse problema que surge a relação promíscua entre mídia e governos.
A atuação estatal se faz imperiosa na busca desse pluralismo democrático da mídia. A normatização da atividade midiática, como projeção da dimensão
objetiva da liberdade de expressão e do acesso à informação, imprescinde da atuação promocional do Estado, cuja inércia mantém e favorece o monopólio
e o oligopólio dos meios de comunicação. Essa foi, portanto, a preocupação do Constituinte de 1988, ao estabelecer os preceitos basilares da comunicação
social, dos quais tratamos acima.
Reitere-se que, ao se falar em atuação do Estado, deve-se ter muito cuidado e restrições, porquanto não se pode conceber uma atuação que imponha
censuras e restrições à liberdade de imprensa e que possa, por conseguinte, gerar autoritarismo. A atuação que se defende e prevê a Constituição diz
respeito à atividade promocional da democratização e pluralização dos meios de comunicação, bem como de estabelecimento de normas que atendam ao
interesse social que devem ser respeitadas pela grande mídia.
Necessário que também haja controle amplo controle entre poderes do Estado (judiciário e legislativo em relação ao executivo, bem como daquele em
relação à atuação legislativa deste), em conjunto com o controle social, de modo a coibir excessos do Poder Público em relação à liberdade de expressão e
na regulamentação dos meios de comunicação, seja impedindo interferências ou atuações que violem os preceitos constitucionais daquele direito nas suas
dimensões subjetiva e objetiva (SARMENTO, 2007, p. 37).
A partir deste ponto, e até quando o dito Regime Militar possuía alguma força relevante, a repercussão do regime deu-se, via de regra, de forma positiva
na emissora (MIGUEL, p. 8, on line), que só expandia sua atuação.
Exemplo desta relação, pode ser visto na cobertura patriótica conferida a eventos esportivos, como a Copa do Mundo de Futebol de 1970, ainda de
acordo com o que apresenta Skidmore, ao afirmar uma das técnicas utilizadas para promoção do Governo Militar era ligar futebol, música popular,
progresso do país ao Governo Médici, conforme projeto definido na Assessoria Especial de Relações Públicas (SKIDMORE, 1998, p. 111) no auge da
repressão ditatorial, ou, já quase que no ocaso do Regime, a (não) cobertura da passeata das Diretas Já, no ano de 1984.
Já após o fim do Regime Militar, alguns autores citam exemplos de abuso da posição dominante de alguns grupos de mídia, entre eles a Rede Globo,
valendo-se da grande audiência e penetração que possuía no território nacional, no sentido de manipular pleitos eleitorais, seja por meio de edições de
debate para favorecer determinados candidatos, seja adaptando a pauta de noticiários à estratégia de campanhas eleitorais de determinados partidos
políticos (MIGUEL, p. 13, on line). Além de não promover, atualmente, o pluralismo, conforme previsto na constituição, a TV Globo, teria,
historicamente, utilizado-se da concessão pública da qual era beneficiária para interferir em disputas políticas, fato alardeado pelo seu próprio fundador, já
em 198766, em entrevista ao jornal The New York Times ao referir-se ao então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola: “He transformed the
marvelous city that is Rio into a patio of beggars and peddlers. I came to consider Mr. Brizola harmful and dangerous, and I fought. I really used all
possibilities to defeat him in the election”.
O artigo 5º da CF/88 também traz garantias relacionadas à informação, seja garantindo a liberdade de pensamento ou a liberdade de manifestação
artística, seja outorgando ao cidadão o direito ao acesso à informação (inciso XIV).
Além da definição do pluralismo como fundamento do Estado e dos direitos e garantias atribuídos no artigo 5º, a CF/88 inovou ao trazer todo um
capítulo voltado ao tema, denominado “da comunicação social”, no qual, além de reiterar os direitos e garantias acima delineados, aprofundou o assunto,
proibindo a edição de leis que visem a embaraçar a liberdade de informação jornalística e vedou qualquer censura política, ideológica e artístic.
Toda esta preocupação, ainda de acordo com Sarmento, deriva de dois fatores principais: as garantias à liberdade de expressão como uma reação aos
sucessivos desrespeitos a estes direitos praticados nos anos do Regime Militar e a ideia de que, em uma sociedade injusta e desigual como a brasileira, não
seria a melhor solução deixar o manuseio do respeito aos direitos e garantias elencados na “mão invisível” do mercado.
Ainda de acordo com o referido autor, o Constituinte fez uma escolha clara por uma postura ativista do Estado e este deveria não apenas abster-se de
violar estes direitos, mas agir positivamente, “seja para protegê-los diante de ameaças representadas pela ação de terceiros, seja para assegurar as condições
materiais mínimas necessárias à viabilização do seu exercício pelos mais pobres” (SARMENTO, 2007).
Há de se entender, neste ponto, que a Constituição Federal de 1988 representa uma ruptura com o status quo da comunicação social, sendo lógica,
assim, uma interpretação que aponte para um combate as estruturas existentes que afrontem aos seus objetivos e não cumpram, ou pior, obstem o
cumprimento dos direitos e garantias expressos no seu texto.
CONCLUSÃO
Dentre as correntes existentes com relação ao exercício da liberdade de expressão e a relação do Estado com a comunicação social, conforme
apresentadas neste trabalho, pode-se apontar que o constituinte de 1988 optou por um caminho que aponta para um “meio termo” entre as duas. Seja
porque assume a desigualdade da nossa sociedade e vê o estado como instrumento para efetivação do pluralismo previsto na CF e, consequentemente,
alcance dos demais direitos e garantias previstos na CF com relação à comunicação, seja porque não admite qualquer tipo de controlo prévio ou limitação a
esta liberdade.
Neste sentido, fica claro que a comunicação é, sem soçobro de dúvida, partindo de uma leitura da nossa constituição, um elemento fundamental para o
exercício de uma cidadania plena no Estado Democrático de Direito em que vivemos, sendo, pois, a proteção a esta constelação de direitos uma
preocupação do nosso constituinte, como afirmou-se.
Em muitos casos, como no exemplificado e detalhado no presente trabalho, percebe-se que o nascimento do poder dos grandes grupos de mídia está
atrelado a benesses concedidas pelo Estado, que, por sua vez, utilizava-se do grupo de mídia dominante em troca da promoção de seu projeto político ou,
ainda, impossibilitando ou mitigando a promoção do discurso do seu adversário.
Dentro deste cenário, é difícil imaginar uma alteração neste quadro, com escopo de efetivar as disposições constitucionais. Atualmente, todas as
tentativas de regular a mídia68 no Brasil foram bruscamente atacadas pelos próprios meios de comunicação dominantes em nosso território, mantendo-se os
privilégios obtidos, nem sempre por vias escorreitas, pelos grupos de mídia dominante em nosso país.
Não foi possível sequer estabelecer um debate sério sobre o assunto, sendo qualquer tentativa de imposição desta pauta tratada de forma genérica como
censura ou controle de conteúdo por parte do governo e das forças políticas que o apoiavam.
Na América do Sul há exemplos da aprovação de leis que regulamentam as “mídias”, como ocorre no Uruguai, no Chile e na Argentina. No caso
argentino, restou claro que apenas uma grande movimentação popular foi capaz mover as forças políticas para que alcançassem este propósito69.
Sem pretender transplantar o modelo lá aplicado à realidade brasileira, importa destacar que a denominada Ley de Medios70 tem quatro grandes marcos:
a) objetiva mais participação democrática; b) reserva de um terço do espectro de transmissão para mídias não comerciais; c) regras e limites para a
existência de propriedade cruzada e limites à venda de frequência de radiodifusão; d) estrutura regulatória independente, não vinculada ao Executivo.
No caso argentino, os maiores opositores à aprovação da referida lei foram políticos ligados ao Grupo Clarin, maior grupo de mídia do país, com
liderança igualmente consolidada durante os anos de governos ditatoriais na Argentina. No caso, a mobilização popular para aprovação da lei derivou de
questões internas da política platina71, bem como da forte ligação do modelo de mídia vigente com o governo militar, sendo condição sine qua non para o
seguimento e aprovação no parlamento do projeto apresentado no Governo Cristina Kirchner.
Seria ingênuo imaginarmos que, no Brasil, repentinamente, as pessoas investidas de poder passassem a ter preocupação pelo urgente cumprimento das
disposições constitucionais, mormente as que demandam atuação positiva do Estado, enfrentando verdadeiras forças políticas entrincheiradas nos grandes
conglomerados de mídia no país, exemplificadas no presente trabalho.
O surgimento de novas mídias teoricamente mais acessíveis, derivadas do avanço tecnológico e do aprimoramento da internet em nosso território
constitui uma das saídas apontadas para mudança deste quadro, mas não representa, a nosso ver, uma força capaz de enfrentar o poder social da “grande
mídia”. Isto se dá, ainda, pela relação muito passiva com que nossa população acessa às informações, recebendo-as diretamente da TV, do rádio e agora
dos portais de internet, desconsiderando o contexto e os interesses envolvidos na divulgação de determinada notícia.
A atuação do Estado, não para censurar ou coibir qualquer divulgação de notícias, mas para fazer com que todas as informações possam ser divulgadas
e repassadas aos cidadãos, para que os fóruns da vida pública possam sempre conhecer todos os lados envolvendo qualquer assunto é fundamental para
garantir o pluralismo à constituição social, sendo este um de seus grandes desafios atuais.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. (Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.
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SKIDMORE, Thomas. The politics of military rule in brazil 1964-85. New York: Oxford University Press, 1988.
SUNSTEIN, Cass. Democracy and the Problem of Free Speech. New York: The Free Press, 1995.
A DEMOCRATIZAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO FORMA DE ACESSO À CIDADANIA
INTRODUÇÃO
O direito social à informação envolve questões humanas complexas e, ao mesmo tempo, sutis. Por meio da comunicação social é possível construir o
mundo simbolicamente e isso demanda campos de diversidades conceituais. O presente artigo pretende realizar uma reflexão acerca da questão da
cidadania a partir do processo de acesso aos meios de comunicação, sob uma perspectiva de democratização midiática e informacional. Pesquisas e estudos
comprovam a disparidade no acesso aos meios de comunicação no cenário brasileiro, o que pode dificultar o exercício pleno da cidadania.
Por mais que a Constituição Federal de 1988 assegure e reconheça a importância dos direitos relacionados à comunicação, tais como o direito a
informação e a liberdade de expressão, percebe-se que a capacidade de se comunicar livremente ainda é desafiadora e não pode ser considerada plena para
grande parte dos brasileiros.
Levando em conta o importante papel dos meios de comunicação na formação cultural, na propagação de informações e na construção da realidade,
nota-se que a apropriação desigual por alguns entes nesse âmbito fere fortemente os ideais de democracia e de cidadania buscado pela sociedade.
A existência de uma legislação específica que regulamente o setor, porém, não foi suficiente para garantir a regularização de muitas rádios
comunitárias, segundo estudo da ONG Artigo 19 (2014, on-line). O estudo ressalta a grande quantidade de rádios que aguardam um período muito longo
para serem legalizadas e que muitas das que solicitam autorização são recusadas. O estudo cita como exemplo que, em abril de 2006, no estado de São
Paulo, de um total de 2.568 rádios que solicitaram permissão para operar, apenas 250 obtiveram autorização.
Além disso, outro grande problema se emerge quando se têm em vista as rádios comunitárias: a grande burocracia por parte do Ministério das
Comunicações em regularizar a situação dessas rádios, por meio da análise dos vários pedidos de outorga. Uma diminuição na demora em relação a essa
regulamentação representaria um grande avanço no que diz respeito a evitar processos criminais contra elas.
A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, on-line), em seu relatório anual de 2014,
estabeleceu que sanções penais para punir violações ao regime de radiodifusão são problemáticas ante a Convenção Americana de Direitos Humanos. A
relatoria ressalta que “sancionar criminalmente o exercício de radiodifusão, seja comunitária ou comercial, é uma reação desproporcional do Estado”.
Difunde-se a falsa idéia de que quaisquer pessoas que defendam a democratização do acesso a informação ou qualquer forma de regulação dos meios
de informação são “autoritários”, querem uma “censura” e são “inimigos da liberdade de imprensa”. Sobre isso, o relator da ONU, David Kaye (2014, on-
line), aborda sobre como a regulamentação da mídia pode, inclusive, favorecer a liberdade de expressão:
Ao aumentar o número de lugares onde indivíduos podem encontrar informação e se expressar. Se jornais competem por histórias, há mais incentivos para se investigar
algo que pode não ser positivo para o Estado, mas que é uma informação de interesse público. A diversidade é importante por essa perspectiva, mas também para haver
uma multiplicidade de visões no espaço público. Quando a imprensa é controlada por poucos veículos, isso reduz a quantidade de vozes às quais as pessoas têm acesso.
Quando houver uma proposta concreta de regulamentação no Brasil, é preciso garantir que ela encoraje a multiplicidade de veículos de imprensa (KAYNE, 2014, on-line).
Ao passo dos desafios da radiodifusão, a internet transformou as formas de comunicação, que ficaram ainda mais amplas. No início do século XXI,
mudanças tecnológicas, seguidas das econômicas, sociais e culturais desenvolveram um novo modelo de negócio e de comunicação, uma vez que o público
não é mais um consumidor passivo de mídia, mas um participante ativo na criação de conteúdo. Tendo em vista essa mudança no processo de produção do
conteúdo informativo, Zanotti (2010, p. 31) esclarece que em outros tempos “já era possível, a qualquer leigo, produzir e editar informações de interesse
noticioso, mas não as distribuir por meios próprios”.
A arquitetura aberta da internet e o desenvolvimento de ferramentas para compartilhar experiências romperam as mais variadas hegemonia de governos
e dos meios de comunicação. Afinal, o leitor passou a ter poder (Smith, Oliveira e Fialho, 2008, p. 1). Castells (2010, p.30) ressalta que os usuários da
internet decidiram se apropriar dos novos formatos de comunicação e “construíram seus próprios sistemas pessoais de comunicação de massa, por meio de
SMS, blogs, vlogs, podcasts, wikis entre outros recursos”.
Hoje, a internet é o segundo meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros, perdendo apenas para a televisão, mas à frente do rádio, conforme a
Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 – Hábitos de Consumo de Mídia pela População Brasileira (2015, on-line). O estudo mostra que pelo menos 65% dos
brasileiros com até 25 anos de idade são usuários diários deste meio. Porém, ainda há um grande número de pessoas que são consideradas “analfabetas
digitais”, pois não têm acesso à rede.
Assim, a web possibilita uma nova forma de comunicação e mecanismos de produção de cidadania. Para Schimitt, Oliveira e Fialho (2008, p. 07), “a
rede permitiu que os receptores de informação se convertessem em protagonistas, geradores e distribuidores”. Os autores destacam que a Internet concedeu
poder de participação e criação ao usuário.
Francisco Karan (2014, p.18) ressalta que a diversidade de fontes que expressem pluralidade social é indispensável para formar a compreensão do
presente e permitir uma intervenção diferenciada do futuro. O autor acrescenta que o direito à comunicação inclui a “diversidade de significação do mundo,
e dele fazem parte a palavra e a imagem”. E acrescenta:
Direito de expressão, liberdade de informação, direito de comunicação, direito de informação, direito à informação, direito social à informação sintetizam formulações
conceituais expressivas dos vários momentos e situações sociais e políticas da trajetória humana. E em cada uma dessas expressões e em cada momento da luta pela
afirmação do direito de as pessoas falarem, pública ou privadamente, assim como se der ouvidas, esteve refletida, igualmente, alguma concepção sobre o mundo, sobre as
relações sociais, sobre o indivíduo. (KARAN, 2014, p.19).
Ao analisar a metamorfose do público na era da informação, Jesús Martin-Barbero (2002, p. 49) alerta sobre a necessidade de reflexão latino-americana
em definir o caráter público, a partir do que chama experiência-limite enfrentada por países que foram dominados por ditaduras. “isto é, a partir dos modos
nos quais a sociedade se comunica quando o poder rompe as regras mínimas de convivência democrática e estrangula a liberdade e os direitos dos
cidadãos, censurando, destruído e amordaçando a mídia até converterem em caixa de ressonância”.
Barbero (2002, p. 50) considera que as pessoas redescobrem a capacidade comunicativa contida nas práticas cotidianas e nos canais subalternos ou
alternativos. “Nessa situação, a sociedade descobre a competência comunicativa, coo capacidade de convocação e integração da sociedade civil”. O autor
relembra Hanan Arendt que sublinhava o caráter público como o espaço em que as pessoas se juntam para intercambiar informações e opiniões e para
perambular ouvindo e se entreter polemizando.
Além de tudo isso, é sabido que a democracia é um dos mais fortes ideários que regem a ordem constitucional brasileira, e, tendo isso em vista,
percebe-se que a existência de artigos que regulem a liberdade e a independência dos meios de comunicação é essencial para um bom desenvolvimento da
democracia. Uma vez que o intercâmbio de indivíduos com perspectivas e visões de mundo diversas é essencial para que a sua cidadania seja exercida de
forma efetiva.
3 COMUNICAÇÃO E CIDADANIA
Buscar vínculos entre o campo comunicacional e cidadania é um dos desafios da contemporaneidade. Sgotti e Josgrilberg (2015) lembram que a
comunicação perpassa por todas as três dimensões da cidadania. Uma das dimensões constitui-se em direito civil por meio do direito à comunicação e a
informação, e em direito político, por meio do direito à uma política pública democrática de comunicação que assegure pluralidade e diversidade na
representação de ideias e opiniões.
O direito à comunicação e à informação já foram reconhecidos pela humanidade encontra-se expresso na Declaração dos Direitos Humanos de 1948,
um esforço mundial para a preservação do direito à cidadania.
É sabido que o conceito de cidadania foi e é frequentemente associado à idéia de vida em sociedade. Sua própria origem, no desenvolvimento das polis
gregas, já denotavam essa relação. Tornando-se, assim, esse conceito, parâmetro e referência para numerosos estudos que versam sobre as relações sociais
e políticas. Assim, à medida que ocorrem mudanças nas relações interpessoais, nas condições das estruturas socioeconômicas e nas práticas políticas, a
idéia de cidadania também passa por processos de redefinição de conceitos, tornando-se, de novo e de novo, objeto de estudos que analisam sua evolução e
moldagem juntamente a evolução da sociedade.
Marshall (1967) afirma a cidadania moderna como uma agregação de direitos e obrigações e compreendem os três tipos de direitos consagrados pelo
tempo: os direitos civis, os direitos políticos e os direitos sociais. Nessa perspectiva, o sociólogo nos revela um desenvolvimento do conceito e da prática de
cidadania intimamente relacionado com a questão dos conflitos e relações entre as classes sociais antagônicas. Logo, para ele, as diferenças entre essas
classes teria relação entre os direitos consagrados e a camada que os teria fomentado.
O conceito de cidadania destacado por Guarinello (2003) sublinha o conjunto de elementos como democracia, participação popular nos destinos da
coletividade, soberania do povo, liberdade do indivíduo, elementos essenciais para que os indivíduos possam efetivamente participar na vida do governo e
do povo no qual está inserido. De forma a entender-se que um indivíduo que não exerça ou não tenha cidadania, será, facilmente, privado ou marginalizado
da vida e das relações em sociedade.
Becker (2011) destaca que, se a cidadania implica em direitos e deveres, a participação, torna-se, entre os deveres, o que permite o exercício da
cidadania e acrescenta:
A prática da cidadania pressupõe, destarte, uma sociedade organizada dedicada não só a reinvidicação de seus direitos e à luta pela apropriação de espaços, mas também ao
esforço de divulgar a toda a população o seu direito inafiançável de reinvidicar direitos. Nesse sentido, a mídia comunitária, com seus erros e acertos, e ainda co vícios de
origem, configura-se como o espaço onde se mantém viva a noção de direito de acesso aos meios (como direito de cidadania) e ao mesmo tempo co, um instrumento a
serviço da implantação dos direitos e deveres do cidadão. (BECKER, 2011, p. 89)
Em face desses conceitos, nota-se que, o exercício a cidadania e o acesso à comunicação também caminham em patamares próximos. Venício de
Lima(2006), já estabelecia, no mesmo sentido: “Diversidade que não deve ser confundida com diferença ou segmentação mercadológica, mas diversidade
na representação de distintos interesses da sociedade”. Vicente Barreto (1993, p.15) afirma o de cidadania moderna como elemento essencial à sociedade
igualitária e fraterna a qual a Carta Magna de 1988 aspira:
É bastante claro que a cidadania moderna diferencia-se da cidadania clássica e da cidadania liberal. Mas a cidadania do estado democrático de direito exige uma
complementação, tanto legislativa (uma nova lei partidária e eleitoral), como política (a utilização em todos os níveis de governo dos instrumentos previstos na carta
magna para a prática da democracia direta), para atender ao que pretende a Constituição de 1988 (art. 1 §, único). A prática da democracia é que irá criar uma nova cultura
cívica e um novo regime político, garantindo a plena eficácia da ordem constitucional.
O autor destaca que a cidadania moderna exige participação de segmentos sociais na sua definição e implementação. Assim, os mecanismos
constitucionais definidores da cidadania no estado democrático de direito têm implícita a participação como condição política para sua implementação.
Barreto (1993, p.36) Constituição de 1988 consagra os direitos civis e sociais a serem implementa-dos pelo exercício de direitos políticos, mas adverte
que o texto constitucional, entretanto, não é suficiente para moldar uma realidade social obediente à norma. “A tradição brasileira da lei, ineficaz e
inconseqüente, mesmo a constitucional, aponta para dificuldades intrínsecas à própria organização social, que explicariam o alto nível de diferentes formas
de desobediência civil e o grande número de diplomas legais”.
Aqueles que não têm acesso a informações revestidas de veracidade, ou ainda, que têm acesso a informações que foram pensadas a partir do consenso
de minorias poderosas que possuem maior poder sobre os meios, terão seu poder de decisão, de escolha e sua determinação de vontade afetados, o que
pode causar prejuízos no momento em que participam de decisões que envolvem democracia, como o momento de exercer o direito de voto.
Daudt Bandeira (2011, p. 573), afirma que é por meio da difusão da informação que os temas restritos à esfera privada ganham contornos de esfera
pública. “A publicitação torna-se então fundamental para o desencadeamento do debate público possível na comunicação compartilhada, que resultará em
novas demandas sociais ao Estado”.
Além disso, destaca-se também a necessidade de uma postura ativa daqueles que almejam uma democratização da comunicação, pois, exercer a
cidadania também é, também, ter consciência plena da sua responsabilidade como agente nos meios e processos de comunicação. Porquanto uma efetiva
reivindicação de socialização dos meios comunicativos só será possível com uma base consciente da necessidade da participação e da interferência ativa
dos cidadãos na vida política da sociedade.
4 OS OLHARES INTERNACIONAIS
Para entender a questão da cidadania e da comunicação, é importante traçar um olhar panorâmico para as experiências e pensamentos internacionais.
Faz-se necessário ressaltar a posição de diversos órgãos de direitos humanos de âmbito internacional já se manifestaram em sentido de apoio à mídia mais
independente e plural no sentido de democratização para a livre circulação de idéias e fortalecimento do exercício da cidadania.
A Unesco (2011, on-line) realizou o estudo “O ambiente regulatório para a radiodifusão: uma pesquisa de melhores práticas para os atores-chave
brasileiros” e posicionou-se de maneira favorável a uma maior regulação de conteúdo que circula nos meios comunicativos, de forma a estimular uma
maior pluralidade de culturas e de idéias, principalmente a nacional, de proteger os alcançados por esses meios de conteúdos inadequados, como aqueles
que incitam preconceito e discriminação, além de proteger o público infanto-juvenil de quaisquer conteúdos que possam afetar seu desenvolvimento sócio-
cognitivo.
Também a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU) têm demonstrado
manifestações nesse sentido de democratização midiática. A ONU já declarou que o acesso à internet pertence a uma categoria dos direitos humanos
porque se relaciona com a liberdade de expressão. Por meio de seus relatores, que quando participando de uma série de debates em um seminário
“Mordaças Invisíveis: Novas e Velhas Barreiras à Diversidade na Radiodifusão” defenderam:
Ao longo do século XX, a ampliação da comunicação de massa constituiu um ambiente que trouxe novas barreiras à efetivação da liberdade de expressão. Tão importante
quanto poder falar, passou a ser fundamental ter os meios para se expressar em condições de ser efetivamente ouvido no debate público, feito sobretudo pela mídia. Com
esta nova configuração da política e da cultura, aprofundada nas últimas três décadas, o conceito de liberdade de expressão tem de ser ampliado, incorporando
especialmente a necessidade de garantia da pluralidade e da diversidade dos e nos meios de comunicação (INTERVOZES, on-line).
O estudo da Unesco (2016, on-line) “Tendências mundiais sobre liberdade de expressão e desenvolvimento da mídia” destaca que respeitar a liberdade
de expressão e a mídia é essencial tendo em vista a busca por sociedades do conhecimento inclusivas e um século mais justo e pacífico. “A convergência
das normas internacionais de liberdade de expressão – em todas as regiões do mundo – pode ser vista na prevalência de garantias constitucionais e
declarações regionais sobre liberdade de imprensa, na adoção de legislações, como leis de proteção à liberdade de informação e de fontes jornalísticas, e na
descriminalização da difamação”.
Contudo, apesar do que é estabelecido na Constituição, o País enfrenta uma realidade bastante diversa, a qual fere a Constituição em alguns aspectos,
levando em consideração que nossa Carta Magna prima por uma sociedade inclusiva e democrática. Estudo da ONG Artigo 19 (2011, on-line) analisa que
regulamentação da radiodifusão desafia a muitos países da América Latina. Isso ocorre por questões que vão dos interesses políticos aos comerciais, que
impuseram agendas sobre as políticas e legislações de comunicação na maioria, se não em todos os países da região:
Razões históricas desenharam diferentes cenários em diferentes países, mas é possível dizer que os sistemas de radiodifusão da América Latina se caracterizam pela
presença de um forte setor comercial, um setor público frágil ou inexistente (ou ainda, algumas vezes, deflagrado em sistema estatal) e um setor comunitários que sofre
com sérias dificuldades que vão desde demoras injustificadas e burocracia excessiva até a violência física. Para modificar essa situação é preciso planejar estratégias
holísticas que promovam o florescimento de setores de radiodifusão independentes e plurais (ARTIGO 19, 2011, on-line).
A Declaração Americana dos Direitos do Homem determina, no artigo 4º: “Toda pessoa tem direito à liberdade de investigação, de opinião e de
expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio”. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, prescreve em seu artigo 19 que ninguém será
molestado pelas suas opiniões; toda pessoa terá direito de procurar, receber e difundir informações idéias por qualquer meio de sua escolha. Um exercício
que comporta deveres e responsabilidades especiais, além de poder sem submetido a restrições não só para garantir o respeito e reputação dos outros como
proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde e a moral públicas.
Vários países, hoje, já têm legislação própria para regulação e democratização de meios de comunicação (BBC, on-line). Na Inglaterra, a rainha
Elizabeth II iniciou um sistema regulador da mídia, com finalidade de coibir abusos de grandes jornais e revistas por meio da fiscalização de um órgão do
governo, o qual tem permissão para adotar medidas gerais para a proteção do cidadão, inclusive a aplicação de multas e a obrigação de publicação de
correções de matérias e até, de pedidos de desculpas, por parte de certas revistas, jornais e sites jornalísticos.
Na Argentina (BBC, on-line), uma lei que define uma série de regras para emissoras de TV e de rádio e propõe medidas para o estímulo a
desconcentração, a descentralização e a competição. Nos canais da TV aberta, por exemplo, a legislação define porcentagens definidas para a exibição de
produção nacional, produção própria que inclua noticiários locais e produção local independente.
Nos Estados Unidos (BBC, on-line), emissoras públicas têm apoio do governo. Isso é feito para tentar dar garantias de que exista uma voz
independente, além dos veículos privados. É vedado, ainda, que donos de empresas atuantes em âmbito jornalístico também atuem controlando canais
midiáticos de TV ou rádio. Além disso, existe regulado um percentual máximo de audiência que uma empresa de comunicação pode ter em um mesmo
âmbito, para evitar um impacto desproporcional no que diz respeito a poder político e influência.
CONCLUSÕES
A comunicação é um território de formação de cidadania. Veículos de comunicação cumprem um papel importante para a efetivação do direito à
liberdade de expressão na medida em que criam campos a difusão das opiniões e idéias de grupos sociais. O pluralismo de vozes não deve ser uma dádiva
legislativa, mas uma obrigação social para fortalecer os exercícios democráticos e propiciar diálogo entre as diferenças.
Quanto mais comunicação, mas possibilidade de se exercer uma cidadania mais qualificada dentro de uma relação horizontalizada entre os indivíduos.
Discutir temas, dar visibilidade de demandas sociais, por meio de debate público contribui para a consolidação dos direitos de cidadania. Por isso, é
importante assegurar a diversidade, com medidas que estabeleçam porcentagens devidas para produções nacionais, regionais e independentes, como as
rádios comunitárias.
Para que medidas sejam tomadas, demanda-se um processo de conscientização de base da sociedade, que deve ser abarcado pelo Estado. Torna-se
importante que os cidadãos tenham plena consciência de seu direito a liberdade de expressão, do caráter publico dos meios de comunicação, da importância
da participação popular na divulgação e circulação de informações e da reivindicação por uma mídia mais democrática.
Ressalta-se que os meios de comunicação assumem papel importante na divulgação de assuntos que permeiam o campo social em todas as suas esferas
e na forma com que os indivíduos passam a conceber o mundo e a se relacionar com ele. Por isso, é territórios compartilhados em que os todos expressem
opiniões acerca de quaisquer assuntos políticos e possam contribuir efetivamente para a construção de um futuro favorável a coletividade alimentando o
ideário democrático de uma sociedade justa e fraterna.
REFERÊNCIAS
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AUTODETERMINAÇÃO INDÍGENA E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA À LUZ DA “TEORIA DO RECONHECIMENTO” DA ESCOLA
DE FRANKFURT
INTRODUÇÃO
As populações indígenas da América Latina empreenderam, a partir dos anos 1970, auxiliados por setores da Igreja Católica e antropólogos de estratos
acadêmicos, um movimento articulado para o estabelecimento de uma identidade própria, a partir da qual reivindicavam direitos que pudessem preservar
seu modus vivendi. Dava-se início ao processo de conceituação de um “ser-índio” oriundo da própria perspectiva de uma coletividade autóctone,
confluindo para que o indivíduo índio adquirisse status de sujeito jurídico, posição historicamente negada a ele até então, uma vez que ele era considerado
pessoa incapaz e elemento marginal a ser tutelado pelo Estado76.
Os povos indígenas, experimentando a autoconsciência de suas comunidades em um contexto econômico e político que lhes dificulta manter
características próprias, passaram a operar o seu ingresso no mundo do Direito. No Brasil, o ápice dessa trajetória vivenciada pelos Movimentos Indigenista
e Indígena veio com a derrocada do regime ditatorial e a mobilização em torno da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988.
Sob a perspectiva jurídica, as populações indígenas atualmente reivindicam direitos que atendam a demandas que lhe são específicas. Contudo, suscita-
se a pergunta: tal movimento emancipatório pode ser classificado como uma “luta por reconhecimento” nos termos definidos por Axel Honneth e Jürgen
Habermas? O índio exige agora ser protagonista de seu próprio processo histórico. Todavia, convém questionar se ele está preenchendo os requisitos de
uma atualização de sua consciência-de-si pelo reconhecimento dentro de um contexto social no qual a subjetividade sofre deformações de acordo com
interesses econômicos e jurídico-políticos. Tal quadro promove uma segunda questão: este processo de emancipação está surtindo efeitos legais favoráveis
ao índio?
A proposta deste artigo é analisar, a partir do conceito de “reconhecimento” elaborado pelos integrantes da Escola de Frankfurt Jürgen Habermas e
Axel Honneth, se o movimento indígena pode ser conceituado como um movimento por reconhecimento, com ganhos efetivos de direitos. Segundo os
autores, para que uma comunidade possa exigir autonomia frente a outra comunidade, ela necessita possuir a representação simbólica (linguagem), o
processo do trabalho e a interação (ética) que tem lugar com base na reciprocidade (HABERMAS, 2009, p. 11). Outrossim, uma convivência pacífica entre
índios e não-índios finda o estado precário de uma luta por sobrevivência de todos contra todos, indicando que as exigências indígenas devem ser
externadas para as instituições, mesmo em um contexto “pacífico” (HONNETH, 2003, p. 48).
A consulta das obras Técnica e ciência como ideologia e Luta por reconhecimento (para compor a perspectiva conceitual da Escola de Frankfurt) foi
confrontada com a leitura comparativa de pontos importantes dos textos acima citados com passagens da Constituição Brasileira de 1988 e de registros da
intensa reivindicação dos índios por seus direitos.
CONCLUSÃO
A Carta Política de 1988 representa um marco importante na mudança da compreensão dos direitos indígenas, tendo em vista a renúncia ao caráter
integracionista observado nos preceitos normativos anteriores e o reconhecimento da diversidade cultural destes povos, asseguradas a demarcação de suas
terras e o respeito à sua organização social, costumes, tradições, enfim, às suas especificidades enquanto coletividades diferenciadas.
Essas “vitórias normativas” não foram repentinas, mas resultado da mobilização do Movimento Indígena a partir da década de 1970. Como visto, a
emancipação indígena foi fomentada pela Igreja Católica e por outros setores do Movimento Indigenista, e propiciada pelo próprio interesse dos índios em
compor articulação política própria, fator determinante para, na época da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88, reivindicar garantias
constitucionais mais condizentes com as necessidades dos povos indígenas.
Analisando-se a atuação do Movimento Indígena, bem como das disposições constitucionais que foram, em grande medida, resultado desta atuação,
verifica-se uma “luta por reconhecimento”, tendo em vista que parte-se de uma experiência de desrespeito social, de um ataque à identidade individual e
coletiva - a relação dos índios com o Estado foi marcada pela pela inferiorização e opressão de sua identidade, pautada por um indigenismo assimilacionista
- em busca de um reconhecimento.
Quanto à aproximação que o presente trabalho empreendeu realizar com o universo jurídico a partir dos tratados das discussões registradas pelas
confederações e organizações indígenas aqui referenciados, pôde-se identificar que os grupos indígenas alcançaram uma autopercepção de si enquanto
grupo humano negligenciado pela sociedade civil e pelo Estado. Havendo compreendido a exclusão institucional e social a que foram submetidos, eles
conseguiram criar instâncias, a partir do trabalho, da interação e da força da linguagem, que lhe permitiram posicionar-se enquanto sujeitos de direito,
utilizando-se de ferramentas jurídicas para se fazerem representativos e promoverem uma reconfiguração normativa em prol de políticas públicas que lhe
sejam favoráveis. Dessa forma, resta materializada uma luta pela aceitação legal de suas identidades.
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Acesso em: 29 dez. 2016.
OS REFUGIADOS SÍRIOS NA SOCIEDADE MUNDIAL E A TENSÃO INTERCULTURAL: INCLUSÃO OU EXCLUSÃO?
INTRODUÇÃO
As relações sociais e a interdependência global passaram por uma intensificação que transformou significativamente a sociedade moderna. A tensão
entre sistemas sociais no panorama do direito internacional dos refugiados, especialmente entre os sistemas político, jurídico e cultural, assim como o forte
influxo do sistema da mídia, sem qualquer dúvida, não se restringem aos limites geográficos dos Estados soberanos diretamente envolvidos.
No que se refere a essa alteração é necessário sobrelevar a noção de que a sociedade moderna é entendida, com suporte na Teoria dos Sistemas
Sociais81, como sociedade mundial (LUHMANN, 1985, p. 154-165), apresentando-se como uma formação social que se desvincula das organizações
políticas territoriais, embora estas, na forma de Estados, constituam uma das dimensões fundamentais à sua reprodução, logo, as relações sociais entre os
sistemas (econômico, jurídico, político, cultural etc.) se dão e se intensificam transpostas às fronteiras do Estado nacional (NEVES, 2013, p. 26-31).
Sobressalta-se que a sociedade mundial é multicêntrica, policontextural e hipercomplexa, pois não há um centro da sociedade que possa ter uma
posição privilegiada, ou seja, não há um mecanismo ou sistema social a partir do qual todos os outros possam ser compreendidos. Assim, qualquer forma
de “autismo”82 desenvolvido em um sistema pode ter efeitos destrutivos nos outros sistemas sociais e, por fim, também sobre a integração social e sistêmica
de uma sociedade (LUHMANN, 2006, p. 560; NEVES, 2013, p. 24-44).
Na contextura da sociedade mundial hipercomplexa, os sistemas político e jurídico não devem apresentar uma postura “autista” em relação ao sistema
cultural. Quanto às informações vinculadas no sistema da mídia ou meios de comunicação em massa, essas não devem ser consideradas como válidas
imediatamente, isto é, as reproduções não devem ser acríticas, sobretudo, quando se trata da situação dos refugiados, que passou a constituir um problema
de alcance e consequências globais, ou seja, não circunscrito aos sistemas sociais dos Estados, tendo em vista, entre outras, questões sobre reconhecimento
do status de refugiado, inclusão e tolerância da alteridade. Essa realidade, cada vez mais intensa, se destacou após o início da guerra civil na Síria83.
Antes de abordar tais pontos, cercados por descompassos e polêmicas, faz-se indispensável discorrer, brevemente, sobre a origem e ascensão da guerra
na Síria que ensejou, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a “maior crise humana da nossa Era”84 (SÍRIA, 2017, on line), obrigando um
número de pessoas, jamais visto desde a 2ª Guerra Mundial, a deixar suas casas e buscar auxílio em outros países.
Inicialmente, ocorreram apenas manifestações pacíficas contra o governo do presidente Bashar al-Assad, pois inúmeros sírios questionavam os altos
índices de desemprego, corrupção, falta de liberdade política e repressão. Porém, alguns manifestantes foram presos e torturados pelas forças de segurança
do país. Situação que provocou novos protestos (7 PERGUNTAS, 2017, on line).
O conflito bélico iniciou em 2011 quando o governo sírio, em resposta, dizimou vários protestantes. Assim, as tensões se elevaram e mais
manifestantes foram às ruas para requerer a saída do presidente Assad. Por sua vez, o governo intensificou as respostas violentas, enquanto o grupo
antigoverno passou a utilizar armamentos, a princípio para se defender e depois para expulsar as forças de segurança de suas regiões. A violência
aceleradamente se expandiu no Estado e grupos rebeldes se reuniram para combater as forças governistas (7 PERGUNTAS, 2017, on line).
No entanto, em 2012 o combate sofreu alterações ideológicas, passando a se limitar ao confronto entre apoiadores e opositores de Assad, com
contornos de guerra sectária entre muçulmanos sunitas e xiitas85, atuação de grupos terroristas – principalmente o DAESH86, popularmente conhecido no
Ocidente como Estado Islâmico e seus seguidores como jihadistas) - e interesses latentes das potências regionais e internacionais87 que possibilitou uma
maior duração do embate, em virtude do apoio militar, financeiro e político tanto para o governo quanto para a oposição. Dessa forma, o conflito adquiriu
uma dimensão brutal e sangrenta que afeta a população local, potências regionais e internacionais (7 PERGUNTAS, 2017, on line).
Não há cifras precisas para estabelecer o número de mortos no conflito sírio. Porém, se evidencia o êxodo de milhões de pessoas do país. Segundo o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a maioria é de mulheres e crianças (DADOS, 2017, on line). Essas pessoas temem
permanecer na Síria e arriscam as próprias vidas e, de igual forma, a vida de seus familiares, em busca de auxílio junto aos países mais próximos, bem
como junto aos países ocidentais.
Em relação à tentativa de ingresso nos países ocidentais, muitas vezes, no entanto, esses indivíduos não alcançam o objetivo, pois há um grande índice
de mortes por afogamento no Mar Mediterrâneo durante o processo de evasão da zona de conflito. Em relação aos que conseguem êxito na fuga, inúmeros
encontram dificuldades para integração, sobretudo, burocráticas e sociais. Percebe-se o medo dos nacionais em relação aos refugiados, principalmente,
quanto às possíveis modificações econômicas e culturais. Some-se a isso o fato da maioria dos refugiados sírios ser muçulmano, isto é, professar a fé
islâmica (DEMANT, 2014, p. 14) e a intensa atividade midiática no sentido de atrelar os atos terroristas ao Islã. Levando para a terminologia sistêmica, o
sistema da mídia ou dos meios de comunicação exerce um grande influxo nos demais sistemas, agravando as tensões.
A temática proposta, em síntese, busca refletir as vicissitudes decorrentes da tensão intercultural e do medo ante a crise de refugiados sírios no
panorama da sociedade mundial hipercomplexa. Dessa forma indaga-se: Quais os mecanismos internacionais para proteção dos refugiados sírios? A
compreensão de forma estática, isto é, sem considerar a diversidade do sistema cultural e os influxos do sistema da mídia, pode ensejar uma massa de
pessoas em situação de exclusão social?
Justifica-se esta investigação pela importância do tema em estudo nas relações internacionais, pois, inquestionavelmente, os problemas contemporâneos
relacionados aos refugiados sírios, não se encontram circunscritos aos limites geográficos dos Estados nacionais diretamente envolvidos.
A metodologia que se pretende utilizar é no que concerne aos fins dos objetivos, exploratória. No respeitante às fontes ou procedimentos, bibliográfica
e documental. No que se refere à abordagem do problema, qualitativa. No que diz respeito à natureza, teórica (FERRAREZI JR., 2011).
Assim, este ensaio se estrutura em dois tópicos, afora Introdução e Conclusão. Inicialmente, faz-se uma exposição necessária sobre os institutos do
Direito Internacional Público que compartilham o objetivo de proteção de indivíduos perseguidos, para o fim de conceituar e caracterizar o refúgio. Por
fim, examinam-se, no contexto da sociedade mundial hipercomplexa, a tensão intercultural e os temores dos nacionais dos países receptores em relação aos
refugiados sírios, bem como se há inclusão ou exclusão social dessas pessoas. Com tais premissas, passa-se ao estudo de alguns aspectos sobre apátridas,
asilados, deslocados internos, migrantes e refugiados.
Os principais documentos fundamentais que disciplinam o refúgio são a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951) e o Protocolo sobre o
Estatuto dos Refugiados (1966). O Brasil é signatário da referida convenção, bem como do protocolo, e membro do ACNUR. Em 1997, foi editada a Lei
nº. 9.474, que adota mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, define o solicitante de refúgio88 e instituiu o Comitê Nacional para
Refugiados (CONARE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, responsável pela análise do pedido e declaração de reconhecimento da condição de
refugiado, bem como a cessação e perda da referida condição. Segundo do ACNUR, as solicitações de refúgio no Brasil cresceram 2.868%, aumentando
em 127% o número de refugiados reconhecidos, totalizando aproximadamente 9 mil refugiados no país (BRASIL, 2016, on line).
A mencionada situação não é distinta em outros países. Na Europa, a Alemanha, segundo dados do ACNUR, é o país que recebe o maior número de
solicitações de refúgio, aproximadamente 477 mil pedidos, registrando um total de 1,1 milhão de pessoas (ALEMANHA, 2016, on line; PAÍSES, 2015, on
line). Contudo, o tratamento do número crescente de pessoas em necessidade proteção aos solicitantes de refúgio não é uniforme entre os Estados da
modernidade central. A título ilustrativo, destacamos a recente medida tomada pelo governo dos EUA, que, mediante decreto, suspendeu por tempo
indeterminado a entrada de refugiados e de imigrantes muçulmanos no país89.
Oportuno registrar, por fim, que os refugiados não se confundem com os deslocados internos e os migrantes. Os deslocados internos (internally
displaced people) são pessoas que deixaram suas residências por motivos alheios à sua vontade, entretanto, não ultrapassaram as fronteiras do seu país para
buscar acolhimento em outro Estado. Os migrantes, por sua vez, são pessoas que deixaram seu país em busca de melhores condições de vida por
dificuldades econômicas, sociais ou, em decorrência de desastres ambientais. Inexistem tratados ou convenções que disciplinem os deslocados internos,
bem como os migrantes.
CONCLUSÃO
Como visto acima, a sociedade mundial, entendida “como uma conexão unitária de uma pluralidade de âmbitos de comunicação em relações de
concorrência e simultaneamente, de complementariedade” (NEVES, 2009, p. 26), enfrenta hoje a pior crise global de refugiados, desde a 2ª Guerra
Mundial, em decorrência, notadamente, do conflito armado na região da Síria, que completa seis anos no ano de 2017. O problema concentra-se não apenas
na Europa e na América, países da modernidade central, mas principalmente nos países situados na África e na Ásia, países da modernidade periférica, que
recebem inúmeros solicitantes do reconhecimento da condição de refúgio por ano.
O que se percebe é que, desde a eclosão da crise, os países têm adotado soluções políticas temporárias e unilaterais para o aumento do fluxo de
migrantes em seus territórios. Contudo, tais medidas não serão satisfatórias para atenuar e resolver a referida crise, uma vez que a complexidade e a
gravidade do problema exigem um plano internacional cooperativo e solidário que institua medidas políticas humanitárias adequadas para todos os sujeitos
envolvidos.
Isso porque milhões de solicitantes da declaração da condição de refúgio ao redor do mundo enfrentam sérias dificuldades, especialmente, nos países da
modernidade central, devido ao choque cultural entre os valores do ocidente e o do mundo islâmico, bem como pela repressão e combate ao terrorismo,
sendo injustamente penalizados e, muitas vezes, vítimas de preconceito e intolerância.
Essa crescente exclusão social impede centenas de refugiados de ter acesso à educação, saúde e trabalho, o que pode ocasionar grave instabilidade
social, fomentando, a intensificação de conflitos armados. Para assegurar proteção e a efetiva inclusão dos refugiados, bem como prevenir o preconceito e a
intolerância, deve-se buscar soluções duradouras não apenas no plano normativo, mas também oferecer assistência e políticas capazes de integrar a pessoa
em situação de vulnerabilidade.
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A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA POLÍTICA: UMA ANÁLISE JURÍDICA À LUZ DOS DEBATES EMERGENTES NA AMÉRICA
LATINA E DO QUADRO EMPÍRICO BRASILEIRO DE 2016.
INTRODUÇÃO
Nos últimos 30 anos, principalmente em face do compromisso internacional assumido no âmbito das Nações Unidas, o mundo vem testemunhando
postulações cada vez maiores por um incremento da participação da mulher no âmbito político.
Porém, o que se verifica no Brasil é o drama da sub-representação política feminina, vez que, inobstante as mulheres serem 51% do eleitorado, apenas
9% dos espaços formais de poder são ocupados por elas. (ONU, 2015).
Desde meados da década de noventa, pensa-se numa solução com vistas a incrementar e a fomentar a participação feminina na política, não só por que
a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma pauta de valores de inspiração democrática e igualitária, como também por que o Brasil ratificou
convenções internacionais que se predispunham a combater toda forma de discriminação e violência contra a mulher, inclusive no âmbito político.
Várias medidas afirmativas, como as cotas de candidatura de gênero, foram adotadas pelos mais diversos países, assim como pelo Brasil, no intuito de
fomentar a participação feminina na política, principalmente à luz do princípio da igualdade de sexos insculpido na Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988).
Inobstante todos os esforços, o que se continua a verificar é uma ausência de mulheres no espaço político, de modo que as ações afirmativas na
modalidade de cotas de candidatura não foram suficientes para incrementar e fomentar, a contento democrático e igualitário, a participação da mulher na
política, o que nos conduz a realizar uma série de indagações e questionamentos sobre as razões pelas quais a política ainda é um espaço pouco permeável à
atuação feminina.
Assim, a proposta do artigo a ser desenvolvido é, primeiramente, analisar os debates jurídicos travados em alguns países da América Latina acerca do
fenômeno da violência contra a mulher na política, o qual foi enquadrado por especialistas da área como uma “tática emergente para dissuadir a
participação política das mulheres” (KROOK; SANÍN, 2016, p. 127).
Empós, visa-se contribuir com a formulação de um conceito, a partir de uma ótica jurídica, do que seria essa violência contra a mulher que se manifesta
no exercício da função política, apresentando alguns exemplos de suas formas empíricas de manifestação e demonstrando que esse tipo de violência, que
transborda para a arena política, apresenta grandes desafios para implementação do Estado Democrático de Direito e para concretização dos direitos
humanos das mulheres, concluindo-se pela imperiosidade de o direito brasileiro proibir esse tipo de violência a fim de garantir que tanto os homens como
as mulheres possam exercer seus direitos políticos em sua amplitude, visando-se concretizar, ao menos nesse âmbito, o princípio constitucional da
participação política e da igualdade material entre os sexos.
É importante que se frise que alguns países da América Latina, como Bolívia, Peru e México, já possuem legislação específica que visa reprimir a
violência contra a mulher na política, e que esse debate, apesar de ainda não ter ganhado fôlego no Brasil, país no qual manifestações de violência
simbólica e moral praticadas contra a ex-presidenta Dilma Rousseff quando do seu processo de afastamento ocorreram recentemente, precisa ser discutido
e analisado sob a perspectiva jurídica, a fim de se resguardar princípios constitucionais como a igualdade e a liberdade da mulher no exercício da função
pública/política.
Destarte, para o desenvolvimento dos problemas lançados no presente trabalho, contaremos com o desenho metodológico a seguir apresentado. Para a
elaboração da primeira parte do artigo, foi realizada uma abordagem preponderantemente histórica, mas também bibliográfica e normativa.
Para o desenvolvimento da segunda parte do trabalho e sem dispensar a metodologia anteriormente apresentada, primou-se pela análise documental da
legislação (Constituições, legislação internacional e infraconstitucionais, decretos, etc.).
Sem dúvidas, os debates travados em outros países, assim como a dedicação que é dada ao estudo desses fenômenos por várias disciplinas acadêmicas,
nos permite pensar no problema que também afeta a sociedade brasileira para que possamos pensar soluções, incluindo a criação de leis para reprimir e até
mesmo criminalizar essa conduta.
Primeiro é preciso que se conceitue e se teorize o que seria a violência contra a mulher na política, a diferenciando da violência eleitoral.
Para Krook e Sanín (2016, p.130) “La violencia y el acoso político contra las mujeres describe comportamientos dirigidos específicamente contra las
mujeres por ser mujeres con el propósito de que abandonen la política, presionándolas para que renuncian a ser candidatas o a un cargo político en
particular.”.
Advertem as autoras que esse conceito apareceu pela primeira vez na Bolívia no ano de 2000, quando houve um seminário na Câmara dos Deputados
para que fosse discutida a prática desse tipo de violência nos municípios rurais.
Em 2012, La Asociación de Concejalas de Bolivia (Acobol) havia colhido mais de quatro mil demanadas de mulheres eleitas, que denunciaram o
impacto negativo desse tipo de violência quando exerciam sua função política (KROOK; SANÍN, 2016, p. 131).
Após intensos trabalhos e tendo como estopim a morte da paralmentar Juana Quispe, foi aprovada a Lei 243 que em seus 25 artigos definiu tanto o que
era perseguição política, como violência contra a mulher na política, assim como estabeleceu outras providências legais no sentido de reprimitir essa prática
social e juridicamente reprovável.
La ley define “acoso político” como “al acto o conjunto de actos de presión, persecución, hostigamiento o amenazas” y la “violencia política” como “las acciones,
conductas y agresiones que causen daño físico, psicológico o sexual” que tengan como propósito reducir, suspender, impedir o restringir el ejercicio de las funciones de su
cargo a una mujer política, o inducirla, en contra de su voluntad, a actuar de una manera particular, o dejar de hacerlo, en relación con su mandato político. (KROOK;
SANÍN, 2016, p. 131).
O artigo 8º da referida lei, enumera os atos que constituiriam a perseguição e esses atos específicos de violência, como impor tarefas que não estão
relacionados com a função, dar informações enganosas ou imprecisas que faça com que as mulheres exerçam o seu trabalho indevidamente, impedir que as
mulheres eleitas ou nomeadas participem de reuniões e outras atividades relacionadas com a tomada de decisões, restringir o direito das mulheres a falar
em reuniões, comissões ou outras reuniões que são parte do seu trabalho, divulgar informação pessoal e privada para forçar uma mulher a renunciar ou
pedir uma licença, e forçar mulheres eleitas para assinar documentos ou tomar decisões contra a sua vontade pela força ou intimidando-as. (KROOK;
SANÍN, 2016, p. 132).
Esses debates travados na Bolívia abriram uma nova fase para discussões desse problema na América Latina, tanto que já existem leis nesse mesmo
sentido no Peru e no México (BIROLI, 2016, p. 563).
Receconhe-se que tanto homens como mulheres podem ser vítimas de violência eleitoral quando postulam cargos eletivos, ou seja, de campanhas
difamatórias, o que a doutrina eleitoral e a jurisprudência do TSE vem chamando de propaganda negativa (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, online).
Mas a violência contra a mulher na política, de forma tênue, ultrapassa essa barreira da propaganda negativa simples para assumir uma forma
qualificada, que é o esteriótipo de gênero, ou seja, é um tipo de propaganda difamatória, portanto, negativa, que incluem a intimadação familiar nos espaços
privados, discursos sexistas, perseguição para intimidar candidatas mulheres e ativistas mulheres, como também ataques verbais e simbólicos que
questionam a capacidade das mulheres de ocuparem o espaço público.
A violência contra a mulher na política, contudo, é mais ampla do que a propaganda negativa qualificada pelo gênero, pois pode acontecer tanto antes,
como depois do processo eleitoral, ou seja, quando do exercício da função política.
Embora se reconheça que a liberdade de expressão é um direito fundamental numa sociedade democrática, Krook e Sanín (2016, p. 139) entendem que
algumas condutam extrapolam a margem da legitimidade do exercício dessa liberdade quando as críticas são dirigidas às mulheres por serem mulheres, ou
seja, numa tentativa de fazer com que elas se retirem da vida política, uma clara discriminação de gênero.
Desta feita, quando as mulheres são atacadas apenas por suas ideias e projetos, sem que se apele para esteriótipos de gênero, sem que se enfoque em
seus corpos e na visão tradicional dos papeis das mulheres e dos homens na sociedade, os quais sugerem que as mulheres não pertencem ao mundo político,
não se vislumbra qualquer violência qualificada neste tocante. Ao revés, as críticas fazem parte do discurso sério e legítimo que deve haver nas sociedades
democráticas marcadas pela pluralidade e diversidade de seus membros.
Krook e Sanín (2016, p. 140) alertam ainda que a violência contra a mulher na política tem similitude com os crimes de ódios, que são praticadas contra
pessoas com identidades particulares. Ou seja, seria um “delito mensagem” na medida em que visa negar o acesso igualitário às mulheres ao exerício das
funções políticas.
As mulheres, portanto, são castigadas por desafiarem os esteriótipos de gênero e adetrarem a política, um ambiente secularmente marcado pela presença
exclusiva de homens.
Frise-se ainda que a violência contra a mulher na política também pode assumir outras qualificadoras, principalmennte quando se leva em consideração
que a mulher não é apenas mulher, já que fatores interseccionais incidem sobre sua identidade, como a raça, a classe social, a religião, etc.
Assim, analisando as recentes produções acadêmicas a respeito do assunto e buscando aporte nos estudos e na legislação já desenvolvida pelo direito
comparado, principalmente a Lei n.º 243 boliviana, é que se pretende colaborar com a conceituação da violência contra a mulher na política.
Em nosso entender ela pode ser definida como toda ação ou omissão praticada, antes ou depois da assunção do cargo político, com a finalidade de
reduzir, suspender, impedir, desmerecer ou restringir o exercício das funções políticas pela mulher, afetando seu capital político, pelo fato de ela ser
mulher, ou seja, valendo-se direta ou indiretamente do apelo a esteriótipos de gênero, de práticas sexuais discriminatórias, de recurso ao poder patriarcal ou
às característiscas biológicas da mulher, de ameaças e/ou perseguições que lhe cause dano físico, moral, sexual, simbólico, psicologico e/ou político.
O conceito acima que se apresenta é fruto de pesquisas e de estudos ainda em fase inicial a respeito da temática, o qual foi apresentado neste artigo de
forma preliminar com vistas a coloborar academicamente com o debate, o qual é emergente, em face da crise persistente de representatividade política
feminina e da violência contra a mulher, a qual se perpetua em todos segmentos e setores nos quais as mulheres ousem adentrar.
1.2 O processo de impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff e violência contra a mulher na política escancarada
Flávia Biroli, em seu artigo intitulado “Political violence against women in Brazil expressions and definitions” (2016, p. 558) analisa manifestações
empíricas que possam ser classificadas como violência contra a mulher na política, assim como abordagens teóricas dessa violência e leis e documentos
internacionais que a tematizam.
Segundo a autora, uma das formas de manifestação dessa violência no Brasil, atualmente, pode ser analisada nas reações contrárias aos direitos das
mulheres já conquistados por parte de membros do Congresso Nacional, citando como exemplos retrocessos na legislação atinente ao aborto, referente à
família, ideologia de gênero, etc., assim como pode ser verificada no processo de afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff, o qual foi denunciado pela
própria como sexista e misógino.98
Destaca ainda que não existe um conceito de violência política contra a mulher na legislação brasileira, assim como no meio acadêmico.
Analisando o processo de afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff, primeira presidenta brasileira, Biroli (2016, p. 576) destaca que o principal
slogan do impeachment foi “Tchau, querida”, em nítida ironia às formas como as mulheres se tratam, reforçando-se estereótipos de gênero.
Segundo análise realizada pela referida cientista política da Universidade de Brasília (BIROLI, 2016, p. 575), a ideia de uma mulher perdendo o
controle, bem como de uma mulher rude e oprimida era evocada constantemente pelos meios de comunicação (impresso, falado e digital), tendo sido a
violência sexual um dos componentes usados contra Dilma Rousseff para reduzir seu valor como “política” e para estigmatizar a participação das mulheres
em geral na vida pública.
A própria ex-presidenta não calou diante dos acontecimentos e denunciou o sexismo e misoginia do seu processo de afastamento.
Percebe-se, assim que, em que pese todos esses últimos acontecimentos na política brasileira, o tema da violência contra a mulher na política não entrou
na agenda de debates acadêmicos brasileiros.
Assim como Dilma Rousseff, Cristina Kirchner foi alvo dessa modalidade de violência, tendo sido retratada pelo jornalismo argentino que colocou seu
equilíbrio emocional em xeque em muitas ocasiões, assim como a revista Isto é fizera com Dilma.
Conforme destacado por Mariana Bastos (online, 2016):
Um levantamento feito pelo Labic (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo) durante a semana da votação final do
impeachment comparou os adjetivos atribuídos a Temer (ver quadro abaixo à esquerda) e a Dilma (quadro à direita) em comentários no Twitter. Ambos foram alvos de
muitos insultos, mas enquanto o atual presidente foi classificado, entre tantos outros termos pejorativos, de “golpista”, “perdedor”, “usurpador” e “canalha”, Dilma foi alvo
de xingamentos específicos, dirigidos a mulheres políticas em geral (“puta”, “louca”, “vaca” e “amélia”).
Corroborando a análise feita por Biroli (2016), acreditamos que a violência contra a mulher na política ficou clara nesse contexto, vez que envolveu
práticas de violência simbólica e psicológica que visou afastar ou assustar as mulheres da vida política, amedrontá-las para negá-las como agentes da vida
política/pública, pondo em xeque a legitimidade do próprio feminismo e a luta histórica das mulheres por igualdade de gênero, inclusive no âmbito político.
A violência contra a mulher nega a condições de igualdade entre os sexos na política, visando sempre manter a mulher numa condição subalterna,
enfraquecendo a própria democracia e o Estado Democrático de Direito.
A sua dimensão simbólica visa reafirmar os papeis tradicionais de gênero, retirando a chances das mulheres de serem as agentes políticas de mudança
da sua própria história e do seu empoderamento.
Nota-se que o fenômeno encerra um ciclo que precisa ser rompido, qual seja: sem representação suficiente e adequada e desprotegidas pelo aparato
jurídico-estatal, as mulheres, enquanto grupo, tem enfrentado sérios desafios para ocupar os espaços formais de poder; e quando elas adentram esses
espaços são constantemente alvo de perseguições e vítimas de atos de violência que questionam suas capacidades de participar da tomada de decisões
políticas do país através de apelos a estereótipos de gênero, como foi o caso do processo de afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff.
Por isso que se defende que interpretar e buscar explicar o Brasil também deve ensejar uma abordagem que tente decifrar e esclarecer as bases
históricas, políticas e culturais do patriarcalismo e das desigualdades de gênero – no âmbito público e privado -, até mesmo por que “A superação do
patriarcalismo envolveria não apenas a eliminação de suas bases materiais, iniciada com o fim da escravidão, mas também o combate às suas expressões
políticas e intelectuais.” (SALLUM JÚNIOR, 1999, apud REZENDE, 2015, p. 18).
A presente análise faz-se necessária, haja vista que é preciso compreendermos e tomarmos consciência de que o sistema político ainda reflete o sistema
patriarcal cuja legitimação jurídica foi abolida recentemente, de forma que remanesce na prática e no imaginário do senso comum a ideia de que a mulher
não tem habilidades nem equilíbrio emocional para participar das decisões políticas do país101, sendo este, portanto, mais um dos estereótipos de gênero
forjados durante a história que se precisa descontruir e reprimir, vez que constantemente usado para deslegitimar a atuação política das mulheres, sendo
pólvora para a prática da violência que ora se estuda e insumo fértil para o ciclo de autoexclusão política feminina.
Reconhece-se, a nível internacional, que relações históricas desiguais entre homens e mulheres foram estabelecidas culturalmente, as quais se
manifestam através da discriminação contra a mulher que viola, como destacado pela convenção acima, os princípios da igualdade de direitos e do respeito
da dignidade humana, dificultando a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política.
A Constituição Federal, no mesmo azo, proclamou pela primeira vez expressamente a igualdade entre homens e mulheres em seu art. 5º, I, daí por que a
referida constituição pode ser considerada um marco axiológico nas lutas pela igualdade formal e material de gênero.
Assim, vislumbra-se que a preocupação com a igualdade entre homens e mulheres na esfera política existe tanto na esfera internacional como nacional,
sendo, portanto, o acesso e exercício de cargos políticos em igualdade de condições um direito humano e fundamental da mulher.
Porém, aspectos fáticos culturalmente existentes e persistentes, como a disseminação da ideia forjada de que as mulheres não têm habilidades para
tomar decisões racionais políticas e a perpetuação do uso de estereótipos de gênero na política são artifícios utilizados deliberadamente ou não e que minam
a participação política da mulher, os quais se manifestam em sua maioria das vezes de forma violenta.
A Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - “Convenção De Belém Do Pará” (1994) reconhece que “a
eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua plena igualitária participação em
todas as esferas da vida”.
Em seu art. 1º definiu como violência contra mulher “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual
ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.”
Já o art. 3º estabelece que “Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado.”, destacando o art. 4º que
“o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões” é um direito
humano da mulher.
No cenário brasileiro, a igualdade gênero no âmbito político é um princípio ainda não concretizado, do modo que é imperioso ao Estado fomente a
participação mais ativa e direta das mulheres nas tomadas de decisões por meio do aperfeiçoamento das conquistas já alcançadas (voto feminino, igualdade
entre homens e mulheres constitucionalmente previstas, cotas de gênero nos partidos políticos) e adote novos instrumentos jurídicos que afastem os
obstáculos fáticos culturalmente estabelecidos em desfavor das mulheres e que minam sua participação na política brasileira.
O estabelecimento das cotas de candidatura - estabelecidas pelas Leis Federais nº 9.100/95 (BRASIL, 1995) e 9.504/97 (BRASIL, 1997), esta
posteriormente alterada pela Lei Federal nº 12.034/2009 (BRASIL, 2009) - já assinala que o Estado brasileiro reconhece que existem desigualdades de
gênero no âmbito político e que medidas políticas inclusivas são necessárias para promoção do acesso das mulheres aos espaços decisórios de poder.102
Para Leda de Oliveira Pinho (2005, p.155): “É fato incontroverso que o poder esteve, e ainda está, concentrado nas mãos dos homens. E é esse poder
que tem permitido a construção de sistema normativo pela óptica masculina, mantenedor dele mesmo, portanto.”
Entende-se, nesta perspectiva, que se o desafio da inclusão política da mulher for enfrentado, o Brasil caminhará para consolidação não só da ordem
constitucional estabelecida em 1988 no plano jurídico, como também para a construção de um espaço público mais igualitário no plano sociopolítico.103
Encarar a subrepresentatividade da mulher no âmbito político indica que o Estado brasileiro deve estar atento a todos os fatores que de uma forma ou de
outra cerceiam ou minam a participação feminina nos espaços formais de poder.
E é nesse contexto que se busca por uma maior inserção feminina na política brasileira, não só por que as mulheres são mais da metade do eleitorado,
devendo, por isso, ter mais voz e vez nos órgãos de representação, mas também por que é preciso romper com dominação de uma elite masculina que
concentra historicamente o poder através da inclusão das minorias, encaixando-se aqui as mulheres no processo de discussão política.
Acredita-se que é por esse caminho que a democracia poderá livrar-se das amarras e da dominação de uma pequena parcela dominante do poder. Para
Bonavides (2001, p.41), a teoria da democracia é a teoria do constitucionalismo de emancipação. Não há democracia participativa sem participação. É a
participação que vitaliza a democracia e lhe confere legitimidade.
Neste azo é salutar, outrossim, rememorar que o conceito de igualdade no paradigma no Estado Democrático de Direito não mais pode ser encarado
como a mera igualdade jurídica, devendo-se avançar para compreender também a igualdade fática, como pontua Robert Alexy (2015, p. 416), alertando
que para promovê-la deve-se reconhecer e aceitar a existência das desigualdades jurídicas, em uma relação que muito possui de dialética.
No Estado Democrático de Direito compreender a igualdade como sendo apenas a perante a lei pode gerar o que Robert Alexy, ao comentar o art. 3º,
§1º da Constituição Alemã, designou de “paradoxo da igualdade” ao chegar à conclusão de que cumprir cegamente a igualdade formal ou jurídica pode
gerar a desigualdade material ou fática e vice-versa.
A igualdade que a Constituição de 1988 proclama é, pois a igualdade material, princípio que deve ser interpretado considerando não só os aspectos
jurídicos, mas também a práxis constitucional brasileira, bem assim a tradição e a história institucional do Brasil.
Para entender a igualdade política de gênero que se busca atingir, é necessário que antes se compreenda o que o horizonte histórico nos revela: é fato
que grupos foram escamoteados do processo de participação política, deles se destacando as mulheres que apenas obtiveram o direito de voto em 1932.
Foram, portanto, séculos de dominação política masculina até que as mulheres obtivessem autonomia eleitoral e pudessem, enfim, manifestar sua opção
de voto através do sufrágio, sendo hoje a maioria dos eleitores segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL,
2014).
Daí por que qualquer ação ou omissão praticada, antes ou depois da assunção do cargo político, com a finalidade de reduzir, suspender, impedir,
desmerecer ou restringir o exercício das funções políticas pela mulher, afetando seu capital político, pelo fato de ela ser mulher, ou seja, valendo-se direta
ou indiretamente do apelo a esteriótipos de gênero, de práticas sxuais discriminatórias, de recurso ao poder patriarcal ou às característiscas biológicas da
mulher, de ameaças e/ou perseguições que lhe cause dano físico, moral, sexual, psicologico e/ou político, devem ser reprimidas pelo ordenamento jurídico,
já que afrontam diretamente principios constitucionais como o da participação política e da igualdade entre os sexos.
3.1 Da necessidade de adoção de providências pelo Estado brasileiro de medidas jurídicas com vistas a punir a violência contra a mulher na
política
O art. 7º da Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - “Convenção De Belém Do Pará” (1994) dispõe
que os Estados-Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora,
políticas orientadas a prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em:
a. abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas se
comportem conforme esta obrigação;
[...]
c. incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso;
Note-se que a prática de violência contra a mulher na política quando praticada por agentes que representam o Estado, é gravíssima na medida em que o
Estado e seus agentes assumiram o compromisso internacional e constitucional de reprimir qualquer forma violência praticada contra a mulher baseada no
gênero.
Revela algo bastante sintomático, na medida em que aqueles que falam e agem em nome do Estado a praticam quando do exercício e da busca pelo
acesso a esses cargos, numa tática que viola dois direitos humanos e fundamentais da mulher, que é o direito a participar das tomadas de decisões políticas
do país e de não ser violentada, por ser mulher, durante esse exercício.
Assim como outros países da América Latina que avançaram no sentido de mover o arcabouço jurídico estatal para expressamente colocar na zona do
ilícito condutas violentas praticadas com a finalidade de reduzir, suspender, impedir, desmerecer ou restringir o exercício das funções políticas pela mulher,
afetando seu capital e sua credibilidade na política, é preciso que o Brasil avance e reconheça que essas práticas acontecem na política brasileira e, por
violarem pactos internacionais e a Constituição Federal, devem ser alvo de reprimenda por parte do aparelho jurídico.
A problemática e os debates são emergentes na medida em que o processo de impedido de afastamento da primeira presidenta eleita pelo povo
escancarou ao Brasil e ao mundo este tipo de violência que já era comum no dia a dia da política brasileira.
CONCLUSÃO
Inobstante todas as medidas já adotadas pelo Estado brasileiro no sentido de fomentar a participação política das mulheres, o que se verifica ainda no
Brasil é o drama da sub-representação política feminina, vez que, inobstante as mulheres serem 51% do eleitorado, apenas 9% dos espaços formais de
poder são ocupados por elas.
Esse cenário é inquietante e instiga pesquisas acadêmicas das mais diversas áreas a procurarem compreender os fatores que minam o incremento nessa
participação.
Neste trabalhou se analisou o fenômeno da violência na política, que está sendo alvo de estudos por ser considerado por estudiosos como uma “tática
emergente para dissuadir a participação política das mulheres” (KROOK; SANÍN, 2016, p. 127), tendo se dado destaque para a Lei nº 241 da Bolívia.
Destacou-se que as práticas violentas contra a mulher remetem às relações patriarcais de gênero e que elas estão presentes em todas as esferas em que
as mulheres ousem adentrar, como a esfera pública, que é majoritariamente masculina, sendo, portanto, uma ambiência fértil para que elas sejam
executadas.
Apresentou-se um conceito de violência contra a mulher na política, o qual pode ser defenido como toda ação ou omissão praticada, antes ou depois da
assunção do cargo político, com a finalidade de reduzir, suspender, impedir, desmerecer ou restringir o exercício das funções políticas pela mulher,
afetando seu capital político, pelo fato de ela ser mulher, ou seja, valendo-se direta ou indiretamente do apelo a esteriótipos de gênero, de práticas sexuais
discriminatórias, de recurso ao poder patriarcal ou às característiscas biológicas da mulher, de ameaças e/ou perseguições que lhe cause dano físico, moral,
sexual, simbólico, psicologico e/ou político.
Como manifestação empírica desse tipo de violência, deu-se destaque para o mais recente caso brasileiro, que foi o processo de afastamento da primeira
mulher eleita para ocupar a presidência da República Federativa do Brasil.
Demonstrou-se ainda que defender e interpretar e buscar explicar o Brasil também deve ensejar uma abordagem que tente decifrar e esclarecer as bases
históricas, políticas e culturais do patriarcalismo e das desigualdades de gênero – no âmbito público e privado -, até mesmo por que o âmbito politico foi
construído com a exclusão das mulheres.
Por fim, defendeu-se que assim como outros países da América Latina que avançaram no sentido de mover o arcabouço jurídico estatal para
expressamente colocar na zona do ilícito condutas violentas praticadas com a finalidade de reduzir, suspender, impedir, desmerecer ou restringir o exercício
das funções políticas pela mulher, afetando seu capital e sua credibilidade na política, é preciso que o Brasil avance e reconheça que essas práticas
acontecem na política brasileira e que, por violarem pactos internacionais e a Constituição Federal, devem ser alvo de reprimenda por parte do aparelho
jurídico.
É indene de dúvidas, que a violência de gênero transborda para a arena política e apresenta grandes desafios para consolidação do Estado Democrático
de Direito e para a concretização dos direitos humanos das mulheres e a proibição desse tipo de violência tem por fim de garantir que tanto os homens
como as mulheres possam exercer seus direitos políticos em sua amplitude.
Para além das medidas afirmativas que visem garantir às mulheres reserva de vagas no Parlamento - contribuição de amparo constitucional104-, é
preciso que se enfrente o fenômeno da violência contra a mulher na política, não só por ser uma obrigação internacional assumida pelo Brasil, mas também
por ser uma decorrência lógica dos princípios constitucionais à participação política (art. 1º, caput, e parágrafo único, da CF/88), da não discriminação (art.
3º, IV, da CF) e da igualdade entre os sexos (art. 5º, I, da CF).
O compromisso, portanto, resta ser concretizado pelos poderes estatais mediante políticas e leis infraconstitucionais que garantam que os direitos
constitucionais sejam respeitados e que a igualdade pretendida seja, de fato, alcançada.
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MULHERES MUÇULMANAS NO BRASIL: RETIRANDO O VÉU DO PRECONCEITO
INTRODUÇÃO
Propaga-se a noção de que ao longo da História da Humanidade as mulheres se apresentaram em condição desigual à dos homens. A tradicional
justificativa para a autoridade do homem sobre a mulher é herança religiosa (O, 2016b, on line). Na visão de Costa (2015, p. 193), a Bíblia demonstra a
posição social da mulher como auxiliar e companheira do homem no Jardim do Éden, o que contribuiu para a formação de sociedades eminentemente
patriarcais. Em outras palavras, essa visão influenciou diversas culturas na sociedade que foram construídas com base no conceito patriarcal de família,
inclusive na sociedade moderna, entendida na terminologia da Teoria dos Sistemas Sociais107, como sociedade mundial108, multicêntrica ou policontextural,
em outras palavras, uma sociedade hipercomplexa (LUHMANN, 2006, p. 560; NEVES, 2013, p. 24).
De acordo com a Bíblia, no episódio denominado pecado original109, descrito em sede do Novo Testamento, o mal foi introduzido na humanidade por
Eva, ao aceitar comer o fruto da árvore proibida e convencer Adão a fazer o mesmo. Ocasião em que Deus disse a mulher: “Multiplicarei grandemente a
tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, ele te dominará” (BÍBLIA, Gênesis 3;16). Assim, com uma imagem
de sedutora e enganadora, e recebendo como uma das punições a submissão ao homem, Eva deixou um legado negativo para as mulheres por meio do
Judaísmo e do Cristianismo.
No entanto, com a divulgação dos feitos de Jesus e com o advento do Novo Testamento, houve uma modificação no olhar lançado sobre a mulher.
Consoante destacam Coutinho, Lopes e Albuquerque (2015, p. 242) “essa mudança se inicia com o prestígio conferido a Maria, mãe de Jesus, por meio de
quem foi possível a vinda do Salvador”.
Indispensável destacar que mesmo no Novo Testamento é possível encontrar, ainda, passagens que acentuam a situação de subordinação da mulher, isto
é, a influência da sociedade patriarcal. Entretanto, a contribuição histórica de Jesus foi fundamental para que a mulher começasse a obter papel de destaque.
Não se desconhece que o papel da mulher também foi delineado por outras sociedades, como a grega e a romana. Aristóteles (1985, p. 1252b), por
exemplo, entendia que mulher e escravo ocupavam a mesma posição. Entretanto, tais aspectos não serão abordados detalhadamente devido à exiguidade
deste escrito.
O consenso em torno do pressuposto de inferioridade da mulher em relação ao homem atravessou praticamente intacto e sem muitos questionamentos
toda a História das relações humanas já documentada, até que a teoria da incapacidade natural da mulher, a qual preconizava que as mulheres eram muito
emotivas e instáveis e, por isso, não tinham capacidade de tomar decisões racionais e serem sujeitos de direitos, começou a ruir na Europa (BARBOSA;
MACHADO, 2012, p. 91).
Essa desigualdade natural passou a ser contestada pelo mundo ocidental através do movimento feminista que remonta ao século XVII e que buscou,
nesse primeiro momento, a igualdade formal e legal entre os sexos (RABENHORST, 2009, p. 26).
A sobredita situação de subordinação, atualmente, é considerada pelo senso comum como presente e agravada no contexto do Islã, com supostas
violações dos direitos humanos. No entanto, é indispensável destacar que o papel histórico da mulher é bastante controverso, sobretudo, quando se trata da
mulher muçulmana que, no imaginário ocidental, alterna entre o aspecto sensual presente nos contos das Mil e uma noites e a submissão na utilização dos
véus.
Desse modo, há que se analisar se o alegado quadro de submissão realmente se materializa ou se o que ocorre é uma mera generalização decorrente do
desconhecimento das assimetrias do Islã, assim como se os casos de violação aos direitos humanos, especificamente em relação às mulheres, decorrem,
unicamente, de aspectos religiosos ou se questões históricas e culturais interferem nesse cenário. Tais pressupostos teóricos fazem-se indispensáveis para,
posteriormente, abordar o tratamento dispensado a mulher muçulmana no Brasil.
O tema em estudo é importante, em virtude da ascensão do número de mulheres muçulmanas no Brasil, ocasionado pela imigração, descendência,
assim como pela adesão de brasileiras aos ensinamentos do Islã. Questões sobre inclusão e tolerância da alteridade, são cercadas por mitos, polêmicas e
descompassos. Assim, é necessário vencer o estranhamento e a ignorância, para que se possa refletir adequadamente esses dilemas, pois não parece
adequado propor soluções simplistas e generalizantes. Portanto, impõe-se a superação de estigmas disseminados pelo senso comum na sociedade ocidental.
Antes de se abordar o tratamento dispensado a mulher muçulmana no Brasil, faz-se indispensável esclarecer a grande confusão terminológica110 que
cerca o tema, bem como destacar o papel da mulher e o surgimento do feminismo no contexto islâmico.
O Islã é, primariamente, uma religião (DEMANT, 2014, p. 14), podendo também ser entendido como uma doutrina ideológica completa, que rege a
vida de muçulmanos (seguidores da fé islâmica) e não-muçulmanos. Seus adeptos, anteriormente, eram politeístas, até que Muhammad (Maomé),
considerado por eles como profeta, disseminou a ideia da existência de um só deus, Allah, ensejando o surgimento do Islã no sentido religioso no século
VII na Península Arábica, e sua posterior expansão111 (LE GOFF, 1990, p. 293).
As manifestações de Muhammad formaram o livro sagrado do Islã, conhecido como Corão ou Alcorão, que se tornou o fundamento escrito da fé
muçulmana, bem como da legislação dos países islâmicos. Depreende-se o fato de que há síntese entre fé religiosa e organização sociopolítica em diversos
países. É uma doutrina em ascendência, considerada a segunda crença religiosa de maior elevação no mundo (DEMANT, p. 25, 2014; LE GOFF, 1990, p.
293; CENTRO, 2009, p. 5; ONU, 2016, on line).
As expressões Mundo islâmico e Mundo muçulmano112 são plurívocas, podendo ser expressas em sentido religioso (relacionado àqueles que aderem
aos ensinamentos do Islã), geopolítico moderno (indica nação islâmica que, geralmente, se refere coletivamente à maioria muçulmana em países, estados,
distritos ou cidades) e cultural (LE GOFF, 1990, p. 312). Demant (2014, p. 14) é mais preciso ao relatar que o termo muçulmano refere-se a um fenômeno
sociológico, enquanto islâmico diz respeito especificamente à religião. No presente escrito, utiliza-se a expressão Mundo islâmico para tratar dos países
muçulmanos, ou seja, aqueles em que os muçulmanos representam mais de 50% da população.
Recorrendo-se a terminologia da Teoria dos Sistemas Sociais, pode-se dizer que a diferenciação funcional entre os sistemas sociais no Mundo islâmico
se desenvolveu de forma extremamente complexa, tendo em vista que há um sistema jurídico-religioso total na maioria dos países, isto é, verifica-se uma
relativa não diferenciação entre os sistemas religioso, político e jurídico. A complexidade da interpenetração religião-política se prolonga até hoje. Mesmo
sendo um exagero afirmar que não há nenhuma diferença entre religião e política, o Islã inclui em seu bojo muito mais do que um corpo de crenças
(DEMANT, 2014, p. 35-36), além disso, há um grande influxo do sistema cultural nos outros sistemas. A temática proposta, dessa forma, se insere na
abordagem dos aspectos histórico-religioso, político, jurídico e dos influxos culturais no Mundo islâmico e seus reflexos no Direito da mulher muçulmana
no Brasil.
A pesquisa desenvolvida neste escrito, de acordo com os objetivos propostos, é no que concerne aos fins, exploratória. No respeitante às fontes ou
procedimentos, é bibliográfica e documental. No que se refere à abordagem do problema, qualitativa. No que diz respeito à natureza, teórica (FERRAREZI
JR., 2011).
Dentro dessa contextura, e sem desconsiderar que esta pesquisa se desenvolve através de um locus de pré-compreensão de autoras ocidentais, buscou-se
ter o cuidado “de distinguir as deturpações e o imperialismo cultural das críticas normativamente justificáveis” (NARAYAN, 1997, p. 150), principalmente
ao analisar qualitativamente quais práticas seriam prejudiciais para a concretização dos direitos das mulheres mulçumanas no Brasil.
Assim, este ensaio se estrutura em quatro tópicos, inclusivas a introdução e a conclusão. Na segunda parte, faz-se uma exposição acerca das mulheres
muçulmanas, buscando desfazer alguns mitos e abordar o surgimento do feminismo islâmico. Em seguida, examinam-se, no contexto da sociedade
mundial, as assimetrias dos países islâmicos e a visão ocidental sobre a mulher muçulmana. Por fim, se analisa reflexos no Direito da mulher muçulmana
no Brasil, seguindo-se a conclusão. Com tais premissas iniciais, passa-se ao breve estudo de alguns aspectos sobre o papel da mulher no Islã.
CONCLUSÃO
De todo esse contexto, se objetiva com este escrito acadêmico, chamar a atenção para o fato de que a mulher muçulmana é plural, pois reflete suas
condições e posições de acordo com vários fatores, como situação social e país de origem, vivendo os dilemas modernos entre a liberdade e a opressão.
Além disso, constatou-se a existência de vários “Islãs”, em outras palavras, os aspetos históricos, culturais, políticos, sociais etc. exercem influência na
materialização do direito islâmico em cada país, caracterizando as assimetrias nos países islâmicos. Portanto, é necessário vencer o estranhamento e a
ignorância, para que se possa refletir esses dilemas, pois a propositura de soluções simplistas e generalizantes, muitas vezes disseminadas pelo senso
comum ocidental, não se mostra adequada.
Além disso, na sociedade mundial inclusão e tolerância da alteridade devem ser estimuladas. Assim sendo, as ideias de Voltaire, sobre a necessidade de
boa convivência entre pessoas de crenças diferentes, dialoga perfeitamente com este escrito. Para ele, a tolerância é uma expressão positiva de aceitação do
diferente e de uma boa convivência (DETTI, [s.d], p. 19). Porém, muito mais do que tolerância, busca-se a verdadeira inclusão social das mulheres
muçulmanas no Brasil, ideia que vai de encontro aos ensinamentos de Habermas (2002).
Como visto, as mulheres mulçumanas não estão assistindo passivamente a reformulação de conceitos jurídicos, políticos e religiosos em todo o mundo,
tanto que se organizaram em torno do feminismo islâmico, que é um movimento que objetiva a recuperação da ideia de ummah (comunidade muçulmana)
como um espaço compartilhado entre homens e mulheres através de uma metodologia que preza pela releitura das escrituras do Islã por meio das práticas
de ijtihad (livre interpretação das fontes religiosas) e da formulação analítico-discursiva de busca pela justiça e pela emancipação das mulheres, que seriam
expostas nas releituras dos textos sagrados numa perspectiva feminista.
Viu-se ainda que as discriminações de gênero, culturais e religiosas se entrelaçam e se somam na realidade das mulçumanas brasileiras e que uma
análise do problema pelo mundo ocidental deve ser realizada sob a perspectiva do feminismo descolonial e da intersecionalidade entre religião e gênero,
que viabiliza a compreensão, pelos autores e operadores do direito, de que é necessário que se desconstrua o mito de que o direito deve trabalhar com
categorias universais e abstratas de sujeitos e que a singularidade, ou seja, a gama de preconceitos e obstáculos enfrentados pela mulher mulçumana no
Brasil para concretizar/exercer seus direitos fundamentais básicos, como o acesso ao mercado de trabalho, à educação, à integridade física e psicológica, à
associação religiosa, etc., em face do pertencimento à religião islâmica, são situações de fato que devem ser levadas em consideração, sob pena de se
assistir dispositivos da Constituição Federal de 1988, principalmente os concernentes à liberdade de crença, à não identificação entre Estado e Religião e à
igualdade de gênero serem sistematicamente violados.
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PROCESSO DE AVALIAÇÃO NO ENSINO JURÍDICO: UM MECANISMO DE FORMAÇÃO E DE FACILITAÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO DISCENTE?
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca examinar a questão do processo de avaliação no ensino jurídico e sua interferência no desenvolvimento do discente.
Inicialmente, será abordado o conceito de avaliação como instrumento utilizado no processo de aprendizagem do aluno. Mostrar-se-á que o conceito se
encontra associado a uma concepção pedagógica mais moderna, isto é, a uma visão de educação diferente da tradicional. Além do conceito, serão
apresentados alguns pressupostos da avaliação.
Em seguida, discorrer-se-á sobre as principais funções da avaliação, bem como suas modalidades. De forma sucinta, será feita a distinção entre
“avaliação formativa” e “avaliação somativa ou certificatória”.
Serão destacados também alguns aspectos acerca da avaliação nos cursos de Direito no Brasil. Será abordado o conceito de “educação bancária”, na
visão de Paulo Freire, e sua aplicação no ensino superior brasileiro.
Nessa esteira, serão tratadas perspectivas diversas para a avaliação como mecanismo de formação e facilitação do desenvolvimento do aluno. Busca-se
demonstrar que mecanismos avaliativos mais tradicionais, como as provas, podem ser facilitadores do desenvolvimento dos alunos.
Por fim, pretende-se fazer uma análise crítica acerca do atual processo avaliativo adotado nos cursos jurídicos, visando a uma modificação na atitude do
corpo docente quanto à forma de avaliar em sala de aula. Sugere-se, portanto, um modelo de avaliação que se vivifique, ao máximo, o processo de
aprendizado, facilitando o desenvolvimento dos discentes.
Como leciona Haydt (2011, p. 216), em uma concepção pedagógica tradicional, a educação é considerada como mera transmissão de informações
prontas, transferidas para o aluno. Nesse contexto, a avaliação se restringe a medir a quantidade de informações retidas. Sob essa perspectiva, o termo
avaliar tem sido constantemente associado à aplicação de prova e à atribuição de nota, propiciando um clima seletivo e competitivo entre os alunos.
Por outro lado, explica a autora, de acordo com uma concepção pedagógica mais moderna, baseada na Psicologia Genética, a educação é concebida
como a vivência de experiências múltiplas e variadas tendo em vista o desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social do educando. Considerando esse
conceito de educação, a avaliação assume dimensões mais abrangentes.
Ultrapassando a mera função de atribuição de notas, busca-se, por meio da avaliação, verificar em que medida os alunos estão alcançando os objetivos
propostos para o processo ensino-aprendizagem. Referidos objetivos se traduzem em mudança e aquisição de comportamentos motores, cognitivos,
afetivos e sociais. Conclui, portanto, a professora (HAYDT, 2011, p. 216):
Se o ato de ensinar e aprender consiste em tentar realizar esses objetivos, o ato de avaliar consiste em verificar se eles estão sendo realmente atingidos e em que grau se dá
essa consecução, para ajudar o aluno a avançar na aprendizagem e na construção de seu saber. Nessa perspectiva, a avaliação assume um sentido orientador e cooperativo.
Destarte, observa-se que o conceito de avaliação se encontra associado a uma concepção pedagógica mais ampla, isto é, a uma visão de educação. Ele
depende, portanto, da postura filosófica adotada pelo educador.
De forma objetiva, esclarece Haydt (2011, p. 217) que a “[...] avaliação é um processo de coleta e análise de dados, tendo em vista verificar se os
objetivos propostos foram atingidos”.
Destaca, ainda, a autora alguns pressupostos da avaliação. Afirma que a avaliação é um processo contínuo e sistemático inserido em um sistema mais
amplo, qual seja o processo ensino-aprendizagem. Não podem as avaliações, portanto, ser esporádicas ou improvisadas, mas sim constante e planejada.
Nessa égide, a avaliação é funcional, porque se realiza em função dos objetivos previstos, os quais são os elementos norteadores da sua realização.
Assim, avaliar o aproveitamento do aluno consiste em verificar se ele está alcançando os objetivos estabelecidos. Para a mencionada autora, a avaliação
também é orientadora, porque indica os avanços e dificuldades do aluno, ajudando-o a progredir na aprendizagem, orientando-o no sentido de atingir os
objetivos propostos. (HAYDT, 2011, p. 217)
Tecendo essa análise, a autora ressalta, por fim, que a avaliação é integral, pois considera o aluno como um todo. Dessa forma, o avaliador deve
analisar e julgar todas as dimensões do comportamento do avaliado, incidindo sobre os elementos cognitivos e também sobre o aspecto afetivo e o domínio
psicomotor. (HAYDT, 2011, p. 217)
Ainda segundo Haydt (2011, p. 219), são vários os propósitos da avaliação na sala de aula, dentre os quais se podem elencar alguns. É o que se faz,
com esteio na teoria da autora em comento.
a. Conhecer os alunos. A avaliação serve para medir o conhecimento prévio dos alunos. Tem função diagnóstica e ajuda a detectar o que cada aluno
aprendeu ao longo dos períodos anteriores.
b. Identificar as dificuldades de aprendizagem. A avaliação tenta identificar e caracterizar as possíveis causas de tais problemas, que podem ser,
além de causas cognitivas, também de ordem emocional.
c. Determinar se os objetivos propostos para o processo ensino-aprendizagem foram ou não atingidos. O professor aplica a avaliação para saber
se o aluno assimilou ou deixou de assimilar o conteúdo proposto. Essa forma de avaliar é denominada “avaliação formativa” e sua função é verificar se os
objetivos estabelecidos para a aprendizagem foram atingidos. Assim, o propósito fundamental da avaliação com caráter formativo é verificar se o aluno
está conseguindo dominar gradativamente os objetivos previstos, expressos sob a forma de conhecimentos, habilidades e atitudes.
Para Ghirardi (2012, p. 68/69), na dimensão formativa, “o objetivo da avaliação é, antes de tudo, avaliar para o aluno, isto é, oferecer-lhe a ocasião de
perceber em que estágio se encontra dentro da dinâmica de progressão estabelecida pelo curso”. Acrescenta o autor:
A exemplo do que ocorre na avaliação certificatória, ela pode ser expressa, também, por uma nota ou conceito, mas, à diferença daquela, ela supõe, para seu
funcionamento, uma oportunidade de análise crítica ou reflexão sobre o modo como cada um respondeu aos desafios propostos pelo avaliador. Ela propõe que, ao permitir
que o próprio aluno pondere sobre suas estratégias de enfrentamento das diferentes questões e problemas, o processo avaliativo se potencialize como ferramenta para
conduzir ao objetivo pedagógico desenhado pelo professor.
d. Aperfeiçoar o processo ensino-aprendizagem. Quando avalia o progresso de seus alunos na aprendizagem, o professor pode obter informações
valiosas sobre seu próprio trabalho. Nesse contexto, a avaliação tem uma função de retroalimentação dos procedimentos de ensino (ou feedback), porque
fornece dados ao professor para repensar e replanejar sua atuação didática, visando aperfeiçoá-la, para que seus alunos obtenham mais êxito na
aprendizagem.
e. Promover os alunos. A avaliação é utilizada com o fim de promover o aluno de uma série para outra e de um grau ou curso para outro, de acordo
com o aproveitamento e o nível de adiantamento alcançado nos componentes curriculares estudados. Sua importância é de atribuir ao aluno uma nota ou
conceito final para fins de promoção, sendo denominada “avaliação somativa”. Este tipo de avaliação tem função classificatória, pois consiste em
classificar os resultados obtidos pelos alunos ao final de um semestre, ano ou curso, tendo por base os níveis de aproveitamento preestabelecidos.
A avaliação somativa, também chamada de “certificatória”, supõe uma comparação, porque o aluno é classificado de acordo com o nível de
aproveitamento e rendimento atingido, geralmente em comparação com os colegas, isto é, com a classe. A ênfase no aspecto comparativo é própria da
escola tradicional.
Quanto à avaliação somativa ou certificatória, destaca Ghirardi (2012, p. 67):
Nesse olhar, a função da avaliação é, em primeiro lugar, verificar qual o grau de aprendizagem atingido pelos diferentes alunos para, depois, certificar que alguns estão
aptos a prosseguir, que alguns atenderam satisfatoriamente aos requisitos do curso e outros não. Essa proposta restringe, assim, o objeto da avaliação à mensuração do
desempenho do aluno. Ela não se destina a medir a eficácia do processo, nem a qualidade da contribuição docente, mas sim o grau de resposta discente.
Reforça o citado autor que essa dimensão certificatória da avaliação é muito importante. Denota, contudo, que, “transformada em dimensão única,
entretanto, tal perspectiva pode empobrecer substancialmente a potencialidade educativa da avaliação”. (GHIRARDI, 2012, p. 67)
Isso é o que acontece também no ensino superior brasileiro e, de igual modo, no ensino jurídico.
Dessa forma, as aulas são ministradas com base na metodologia de ensino tradicional, utilizando-se, predominantemente, da avaliação somativa ou
certificatória, ou seja, daquela que busca atribuir ao aluno uma nota ou conceito final para fins de promoção de uma série para outra e de um grau ou curso
para outro.
Com efeito, inúmeras críticas são apontadas para os cursos de Direito no Brasil. Podemos, portanto, citar o currículo das universidades, o corpo
docente, a busca crescente por aprovação em concursos públicos, a proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade, dentre outras.
Segundo Almeida, Souza e Camargo (2013), os currículos jurídicos, em geral, têm a grade curricular engessada, reproduzindo na forma de disciplinas
estanques os conteúdos exigidos pelas Diretrizes em uma perspectiva interdisciplinar. Com isso, “isolam” as disciplinas que poderiam potencializar a
compreensão crítica e interdisciplinar do Direito (a Sociologia, a Filosofia, a Economia etc.), atribuindo a elas carga horária reduzida, em geral alocadas
nos primeiros semestres do curso, sem maior integração com as demais disciplinas especificamente jurídicas.
Outrossim, há forte crítica quanto ao quadro de professores, o qual, em sua maioria, não tem formação pedagógica e não atua em regime de dedicação
exclusiva. Na verdade, grande parte dos professores exerce, além do magistério, outra atividade profissional, como promotores, magistrados e advogados.
Para Zugman e Bastos (2013, pp. 114 e 115):
“(...) o simples fato de existirem professores atuantes em outras carreiras jurídicas não autoriza afirmar que há um ganho na formação prática dos estudantes. Pelo
contrário: o fato de essa categoria de professores ser a predominante na maioria nas faculdades reflete a função certificatória das escolas de Direito. Esses docentes são
utilizados como cases de sucesso para atrair e inspirar os jovens estudantes que almejam êxito nas diversas carreiras jurídicas”.
Poucos são os professores que optam por lecionar nos cursos jurídicos em regime de dedicação exclusiva e integral, o que, pelo menos em tese, pode
comprometer a qualidade do ensino.
Outros fatores relevantes, que se encontram interligados, são a busca crescente por concursos públicos e a proliferação de cursos jurídicos de baixa
qualidade.
Os alunos, ainda durante a graduação, direcionam seus objetivos para os concursos públicos. Tal interesse vem acarretando em um crescimento
desordenado de cursos de Direito no País, e, o mais grave, de pouca qualidade.
Merecem destaque os altos índices de reprovação nos exames realizados pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Conforme o resultado do XVIII
Exame Unificado da OAB, ocorrido no começo do ano de 2016, dos 124.000 inscritos, foram aprovados 26.051 candidatos, o equivalente a um percentual
de 21% dentre o total de inscritos.118 Nessa égide, o resultado do exame da OAB nos últimos anos reflete somente um ponto negativo quanto ao nível dos
cursos jurídicos em funcionamento no Brasil.
Tendo em vista todo esse panorama da educação bancária que, embora não se possa generalizar, é patente que consiste no formato preponderante no
ensino jurídico brasileiro, impende recorrer, novamente, à lição de Freire ao aduzir que “Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que
demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto.” (FREIRE, 2001, p.
264)
Por meio da análise de dados obtidos com professores, Bernadete Gatti assevera que não há uma maneira universal que possa ser considerada melhor
para avaliar os alunos. O certo é que a maioria dos docentes se vale de provas como mecanismo único para medir o conhecimento, “[...] ficando a avaliação
restrita apenas a um processo de verificação que se baseia em concepções nem sempre claras sobre o que julga que os alunos devam ter retido, sintetizado
ou inferido dos conteúdos tratados”. É restrito o percentual de professores que visualiza nas provas um instrumento que deve ser destinado também ao
aprendizado. (GATTI, 2009, p. 62-63)
Duas posturas extremas são corriqueiras nos docentes diante do processo avaliativo:
Muitos professores se orgulham da dificuldade de suas provas e não sentem que deram uma boa prova se muitos alunos tiraram nota alta. No outro extremo, temos os
professores que tornam suas provas tão simples que não chegam a suscitar no aluno nenhum comportamento de empenho pessoal para realizá-Ias. No primeiro caso,
desenvolve-se nos alunos um grau de ansiedade, de frustração ou de sentimento de injustiça que interfere negativamente em seu processo de aprendizagem. No segundo,
criam-se condições de indolência e nenhum empenho para aprender, muitas vezes associadas a sentimentos relativos ao desinteresse do professor pelos alunos e pelo seu
trabalho. (GATTI, 2009, p. 65)
Ambas as atitudes, diametralmente opostas, são equivocadas, não enxergando a avaliação dotada de suas verdadeiras funções, já expostas neste
trabalho. Quando avaliam seus alunos, os professores avaliam a si mesmos, não obstante muitos não tenham consciência dessa reciprocidade, ou mesmo
não queiram admiti-la. (GATTI, 2009, p. 74)
Na esteira da indissociabilidade entre ensino e aprendizagem, em que a avalição cumpre funções intrínsecas a esse processo, ela não pode ser aplicada
meramente para cumprir uma formalidade burocrática, centrada em aprovar ou reprovar o discente, como se dá em muitos casos. O processo avaliativo
deve se utilizar de instrumentos e técnicas diversificadas, de forma a auxiliar na própria promoção do aprendizado. (GATTI, 2009, p. 74)
Balizados o conceito e as funções da avaliação e estudada sua realidade no ensino jurídico brasileiro hodierno, passar-se-á à abordagem prescritiva de
perspectivas diversas, com esteio no que a doutrina expõe como um processo avaliativo voltado, efetivamente, ao desenvolvimento dos estudantes.
Nessa égide, a fim de avaliar os mais variados domínios de aprendizado, reitera-se a importância de diversificar as modalidades utilizadas. O ideal,
portanto, é utilizar diferentes tipos de prova (discursivas, objetivas, orais), além das técnicas que escapam à tradicionalidade já mencionadas.
Outra perspectiva significativa se expressa pela continuidade da avaliação. Ao passo que os alunos são submetidos a avaliações contínuas, constrói-se
um sistema de feedback que possibilita a identificação dos conteúdos cujo aprendizado precisa ainda ser aprimorado para que se atinja os objetivos do
curso ou da disciplina. (GIL, 2005, p.107). Interessante, assim, serem utilizadas técnicas diversas de avaliação o mais corriqueiramente possível,
abrangendo as atividades realizadas em sala e aquelas feitas em casa e entregues na aula, ao longo de todo o curso.
Corroborando com as diretrizes mencionadas até então, Rogéria Freire salienta:
Avaliação é um círculo de retroalimentação do processo de ensino-aprendizagem para o professor e para o aluno. Portanto, na relação pedagógica esse círculo deve ocupar
um espaço de desenvolvimento do conhecimento e nunca instrumento de coerção. É um processo permanente de reflexão para os protagonistas da relação pedagógica. A
avaliação dinamiza as oportunidades de aprendizagem. Ela é um instrumento de investigação, um termômetro da mudança. Sendo assim, pede uma relação colaborativa
entre professor e aluno. (FREIRE, 2016, p. 41)
Dando encadeamento a tais ideias, a autora mencionada destaca que é preciso ir além da burocratização, transformando o processo avaliativo em uma
ação libertadora capaz de romper com o autoritarismo historicamente erguido no que tange à avaliação. Deve-se desconstruir esse paradigma, a fim de
reconstruir a ideia de avaliação como formativa e reguladora, a fim de caracterizar a ação pedagógica dialógica. (FREIRE, 2016, p. 42)
Nada obstante a impossibilidade de se mensurar com precisão a eficácia dos formatos avaliativos, as diretrizes ora apresentadas almejam, não de forma
isolada, mas sim adotadas em conjunto, tracejar um modelo de avaliação que vivifiquem, ao máximo, o processo de aprendizado, facilitando o
desenvolvimento dos discentes.
CONCLUSÃO
O trabalho que ora se perfaz teve, como escopo, conceber um panorama do processo avaliativo no ensino superior brasileiro, mormente no ensino
jurídico, a fim de analisar se a avaliação tem sido utilizada, nesse contexto, com um mecanismo de formação e de facilitação do desenvolvimento dos
alunos no processo de aprendizagem.
Tal análise, constituidora do cerne do estudo, foi precedida por uma elucidação do conceito e das funções da avaliação. Ademais, sucedeu-se de uma
evidenciação, de caráter prescritivo, de algumas diretrizes que permitam o melhor uso da avaliação para efetivamente promover o aprendizado.
Detectou-se que a avaliação é aplicada, majoritariamente, como uma mera formalidade, cujo intuito é apenas auferir uma nota ao discente, e não
auxiliá-lo em seu desenvolvimento ao longo do curso ou da disciplina.
Faz-se necessária, embora a postura supracitada não possa ser generalizada, uma modificação no olhar do docente sobre o processo avaliativo, a fim de
enxergar e utilizar este com o fito, prioritariamente, de promover o aprendizado, atentando às reais funções da avaliação.
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UNICESUMAR – Centro Universitário Cesumar, Editora CESUMAR Maringá – Paraná – Brasil.
SPAZZAFUMO, Andréa Vale; ANDRADE, Denise Almeida de. A andragogia como uma proposta de incremento à pedagogia tradicional no ensino
superior. In: LIMA, Gretha Leite Maia Correia; TEIXEIRA, Zaneir Gonçalves. Ensino jurídico: os desafios da compreensão do Direito. Fortaleza: LCR,
2012.
O DIREITO DE RESISTÊNCIA NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE SÃO PAULO EM DEFESA DO DIREITO
À EDUCAÇÃO
INTRODUÇÃO
A educação é um direito fundamental que visa garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o
trabalho. Aparecendo como um direito social de ampla relevância na ordem jurídica brasileira, conforme preceitua art. 6º e 205º da Constituição Federal de
1988.
No entanto, a precariedade na prestação do serviço público na área de educação é um problema que vem se alastrando década após década trazendo um
déficit preocupante na qualidade do ensino120 o que tem servido para perpetuar as desigualdades sociais existentes no país.
Nesse sentido, ganhou destaque nacional, o processo de ocupação das escolas públicas estaduais em São Paulo pelos estudantes secundaristas no final
de 2015. Em setembro do referido ano, os estudantes e professores das escolas pública paulistas foram surpreendidos com a notícia de que 94 escolas do
estado seriam fechadas para implementação do programa de reestruturação escolar. O projeto atingiria, em média, 300 mil alunos e 78 mil professores.
A medida foi recebida como uma ameaça ao direito fundamental à Educação e diante dessa circunstância, em dezembro de 2015, após realizarem uma
série de manifestações e de recorrerem a outras instâncias de poder, os alunos ocuparam diversas escolas públicas numa manifestação de protesto e
resistência contra o programa de reorganização escolar do Governo e para reivindicar melhorias de condições na educação. O lema utilizado pelos alunos
no processo de ocupação das escolas foi “Ocupar e resistir”.
Estariam, pois, os estudantes obrigados a obedecer a uma ordem imposta pelo Estado de forma unilateral e contrária aos seus interesses? Haveria um
direito de resistência legítimo neste presente caso?
O presente artigo busca compreender a importância do direito de resistência no processo de luta e efetivação do direito fundamental à educação pública
diante do quadro de ocupação das escolas da rede estadual de ensino em São Paulo.
Parte-se do pressuposto que a ocupação escolar em estudo se constitui como um legítimo meio de desobediência civil, modalidade do direito de
resistência, utilizado como meio de defesa do direito à educação.
No que diz respeito aos aspectos metodológicos, as hipóteses são investigadas através, sobretudo, de uma pesquisa bibliográfica. Em relação à tipologia
da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, do tipo pura, visto ser realizada com o intuito de aumentar conhecimentos, visando, entretanto, a
contribuir com os debates empreendidos em relação ao tema. Segundo a abordagem, a pesquisa é qualitativa, na medida em que se pretende aprofundar a
compreensão das ações e relações humanas e das condições e frequências de determinadas situações sociais com repercussão no mundo jurídico. Quanto
aos objetivos, a pesquisa é exploratória, almejando aprimorar as ideias através de informações sobre o tema em foco.
3 DIREITO À EDUCAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 reintroduziu o regime democrático no País, elencando uma série de avanços e conquistas civilizatórias no tocante aos
direitos e garantias fundamentais. De acordo com Barroso (2002, p. 288): “A constituição brasileira de 1988 tem, antes e acima de tudo, um valor
simbólico: foi ela o ponto culminante do processo de restauração do Estado democrático de direito e da superação de uma perspectiva autoritária e não
pluralista de exercício do poder”.
A categoria dos direitos e garantias fundamentais, e dentre eles os direitos sociais122, é inequivocamente uma grande conquista civilizatória da
humanidade e representa um importante passo no longo e árduo caminho que o homem vem trilhando na luta existencial pela emancipação humana; pois,
além de proteger o indivíduo frente ao poderio exercitável ou veiculável pelo Estado, figura como instrumento comprometido com uma existência pessoal e
social pautada pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
De acordo com o art. 6º da CF/1988: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando garantir o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho, conforme preceitua o art. 205 da CF/88. De acordo com Vidal
(2005, p. 24):
A educação é a maior aliada do progresso do Estado, contra a fome, a miséria, a marginalidade, a corrupção, os desníveis sociais e econômicos. Somente uma população
consciente da sua cultura, história, valores e tradição é capaz de se posicionar como sujeito de direitos e deveres, reconhecendo que as autoridades constituídas do Estado
nada mais são do que seus representantes.
Assim, a construção de uma educação pública de qualidade deve estar comprometida com o processo de emancipação humana123 e de transformação
social, “uma educação como prática da liberdade” de acordo com Paulo Freire. Nesse mesmo sentido, afirma Bonavides (2014, p. 13): “É impossível ser
livre quando não se tem acesso à educação de qualidade que permita o espírito crítico e a formação de critérios de escolha tão afetos à democracia. ”
Além dos dispositivos constitucionais referentes a matéria, o direito a educação é protegido também pela ordem jurídica interna do Estado, como a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9.394/96), Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8069/90), Plano Nacional de Educação, bem
como pelos direitos previstos em tratados internacionais no qual o Brasil seja signatário, como a Convenção americana dos direitos humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), de 1969, que foi promulgada, no Brasil, pelo Dec. 678, de 1992.
Assim, pode-se concluir que o direito a educação, por estar também assegurada por tratados internacionais supralegais, reveste-se de uma proteção
normativa reforçada. Referidas normas convencionais detêm ainda efeito paralisante em relação a toda legislação infraconstitucional que porventura
disponha em sentido diverso. Conta, ademais, em casos de violação, com a possibilidade de responsabilização do Estado brasileiro tanto no plano nacional
como internacional.
No entanto, apesar de todo esse aparato normativo referente à matéria, a precariedade na prestação do serviço público na área de educação é um
problema que vem se alastrando década após década trazendo um déficit preocupante na qualidade do ensino o que tem servido para perpetuar as
desigualdades sociais no país. Dentre os problemas verificados, destaca-se: a baixa remuneração dos professores, estrutura física precária das escolas,
merenda de qualidade duvidosa, plano de ensino distante da realidade social dos alunos, falta de material escolar etc. Toda essa realidade mostra que a
escola que queremos e precisamos está bem longe de ser materializada.
Por oportuno, vale destacar que os direitos sociais são classificados, de acordo com a proposta apresentada por Karel Vasak, como direito da segunda
geração. Sendo, portanto, direitos que exige uma prestação positiva do Estado. E de acordo com a tradicional classificação de Georg Jellinek, direitos e
garantias fundamentais dessa natureza, asseguram um status positivo (status positivus ou status civitatis), que denota a capacidade do cidadão de exigir do
Estado uma atuação concreta e eficaz por parte do mesmo.
Não obstante saber que existe barreiras econômicas para a efetivação desses direitos prestacionais, veda-se o retrocesso social124. Não dá para mensurar
com exatidão que o projeto de reestruturação iria representar, de fato, um retrocesso na área educacional, porém, a medida foi vista de forma bastante
negativa por aqueles que iria sofrer os impactos do programa, por que o fechamento de 94 escolas, poderia gerar diversos problemas para os estudantes,
como: a possibilidade de estudar numa escola distante de sua residência, lotação de sala de aula, mudança de turno, etc. De acordo com O STF:
A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO,
DE DIREITOS PRESTACIONAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as
conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado
(como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos,
obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em
consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de
transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados”. (STF - ARE:
639337 SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 21/06/2011, Data de Publicação: DJe-123 DIVULG 28/06/2011 PUBLIC 29/06/2011)
Preceitua ao § 1º do art. 5º da CF, além disso, que o direito à educação é um direito público subjetivo, impedindo, dessa maneira, a escusa de que as
normas referentes à educação, seriam normas de caráter programático. Nesse sentido, afirma Vidal (2005, p. 17): “A educação, como direito público
subjetivo não pode pertencer ao universo das normas meramente programáticas que dependem da vontade de seus aplicadores”.
Sem querer adentrar no mérito do programa de reestruturação escolar apresentada pelo governo paulista, mesmo por que, conforme apresentado
anteriormente, não se tem informações suficientes para fazer uma análise aprofundada da questão, o que se pretende aqui é evidenciar que o caminho
percorrido para a implementação da medida violou vários dispositivos constitucionais e legais do ordenamento jurídico pátrio, conforme será mostrado
adiante. Um plano dessa magnitude, precisaria ser implementado de forma gradual e de forma democrática e não da maneira drástica e imediatista como a
que pretendiam fazer, gerando naqueles em quem iria recair a medida um grande temor.
Inicialmente, a Constituição Federal apresenta uma série de princípios que deve ser observados em relação ao ensino no Brasil, dentre outros, destaca-
se: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade (art.206 da
CF/88). (grifo nosso).
A gestão democrática do ensino público requer organização e participação de alunos, professores, diretores, familiares, conselheiros e gestores públicos
no processo de tomada de decisão e construção do mundo escolar de forma a contar com a contribuição de diversos atores sociais em sintonia com o
princípio da soberania popular, do pluralismo e da cidadania.
Também vale destacar o art. 214125 da Constituição de 1988, que exige um prévio planejamento nas políticas educacionais, refutando, portanto, medidas
imediatistas e mudanças drásticas na área, afirmando que lei estabelecerá Plano Nacional de duração decenal com o objetivo de articular o sistema nacional
de educação em regime de colaboração e também definir as diretrizes de ensino.
Por sua vez, a Constituição de São Paulo de 1989, no seu art. 241, dispõe que: “O Plano Estadual de Educação, estabelecido em lei, é de
responsabilidade do Poder Público Estadual, tendo sua elaboração coordenada pelo Executivo, consultados os órgãos descentralizados do Sistema Estadual
de Ensino, a comunidade educacional, e considerados os diagnósticos e necessidades apontados nos Planos Municipais de Educação.”
Na mesma vertente democrática e participativa, o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) dispõe no art. 53, § único: “É direito dos pais ou
responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais”.
Assim, pode-se concluir que o programa em questão, além de ter violado o princípio da transparência, violou também o princípio da gestão democrática
e de participação popular, o que não passou despercebido pelo Juiz de Direito Luís Felipe Ferrari Bedendi, da 5ª Vara de Fazenda Pública da Capital, que
determinou a suspensão do programa de reorganização escolar:“(...) a condução do governo, num Estado Democrático, pressupõe a participação do povo,
do qual emana o Poder e ao qual esse mesmo Poder se volta. Essa é a essência da democracia, que não se resume ao exercício do voto direto e periódico”
Assim, num Estado democrático de direito, práticas autoritárias não podem persistir, principalmente quando se trata da Educação, que é um direito de
fundamental importância para a efetividade da cidadania e para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivos da República Federativa do
Brasil.
Ao serem excluídos do processo decisório e por não concordarem com o conteúdo da medida feita a portas fechadas, a resistência foi o meio
encontrado para a defesa de seus direitos. No próximo tópico, será analisado aspectos relacionados ao Direito de resistência.
4 DIREITO DE RESISTÊNCIA
Historicamente o direito de resistência esteve a serviço da luta pela liberdade humana e contra a opressão estatal, podendo qualquer um resistir contra
qualquer ordem que ofenda seus direitos e garantias fundamentais. Assim, de acordo com Buzanello (2006, p.21): “Toda vez que a autoridade pública
desleixar de sua função ou a liberdade e a dignidade humana forem espezinhadas, cabe o direito da resistência, assim considerado como implícito nas
instituições jurídicas”.
O direito de resistência está associado a proteção dos direitos fundamentais e da ordem jurídica estabelecida. É um instrumento de luta e de contestação
contra a violação de direitos, abusos, arbitrariedades e injustiças sociais. Para Bobbio (1992, p. 95): “Juridicamente, o direito de resistência é um direito
secundário, do mesmo modo como são as normas secundárias as que servem para proteger as normas primárias”.
Analisando os principais atributos ontológicos do direito de resistência, conceitua Rodrigues (2008, p.141): “[...] uma instituição jurídico-política,
positivada ou não no ordenamento jurídico, de caráter subsidiário, secundário e não-jurisdicional, atribuível ao indivíduo, isolada ou coletivamente, com o
objetivo de garantir os direitos, princípios e valores da ordem constitucional”.
Dessa forma, o direito de resistência justifica-se como um meio de defesa diante da falta de legitimidade da ordem, ato ou lei do poder público que se
pretende impor aos cidadãos. Nesse sentido, afirma Tavares (2003, p. 3):
[...] todo cidadão, assim como tem o direito subjetivo material à vida, à liberdade, à segurança, tem também o direito de resistir e de desobedecer, em decorrência da
igualdade formal preconizada em nossa Carta Magna e da desigualdade material que fundamenta a nossa constituição sociológica.
Machado Paupério, por sua vez, justifica a necessidade do Direito de Resistência diante da insuficiência de sanções jurídicas organizadas contra o
abuso do poder e para conter a injustiça da lei ou dos atos dos governantes. Assim, ainda de acordo com o autor, o Direito de resistência aparece como um
meio disponível e exercitável a todos aqueles que se veem diante de uma opressão. Tendo, no entanto, que ser visto com muita seriedade e prudência e
devendo ser sempre uma medida necessária, útil e proporcional e ser exercida apenas em último ratio. De acordo com Paupério (1978, p. 19-20): “A
resistência à opressão adquire, assim, características de autêntica proteção da ordem estabelecida, deixando de ser o ataque insólito contra a autoridade que
o individualismo libertário fomenta e desenvolve”.
Por sua vez, John Rawls no livro “Uma Teoria de Justiça” afirma que a desobediência civil, espécie do direito de resistência, numa sociedade
democrática quase justa, pode ser utilizada quando os meios legais disponíveis se mostraram inúteis ou quando as tentativas de revogação da lei foram
ignoradas. Não sendo necessário, no entanto, que os meios jurídicos tenham sido exauridos. De acordo com Rawls (2000, p. 413-414):
Se as ações anteriores mostrarem que a maioria está impassível e apática, pode-se razoavelmente pensar que outras tentativas seriam infrutíferas, e temos assim uma
segunda condição para a desobediência civil justificada. Essa condição é, porém, uma hipótese. Alguns casos podem ser tão radicais a ponto de dispensarem o dever de
usar primeiro apenas os meios legais de oposição política.
Apesar de alguns autores questionarem a necessidade de se ter o direito de resistência numa democracia, por terem meios institucionais de controle e de
defesa de direitos disponíveis, defende-se, neste trabalho, que não há incompatibilidade, pois o direito de resistência aparece como mais um espaço de
interlocução com a realidade social e um excelente campo para o exercício da cidadania ativa e de participação popular cumprindo um relevante papel na
efetivação dos direitos fundamentais e de concretizar a própria democracia. Ademais, serve também como mais um meio de controle dos atos públicos pela
sociedade e serve, de acordo com Rodrigues (2008, 159), para: “Manter sempre viva a eterna busca pela legitimação, sentido e legalidade do domínio do
homem sobre o homem ou da equação historicamente tensa entre comando e obediência”.
No Brasil, onde o positivismo jurídico exerceu uma forte influência na Ciência do Direito prevalecendo a Constituição formal em detrimento da
Constituição material, o direito de resistência ganha especial relevância servindo como um meio de amadurecimento democrático e de fortalecimento das
bases práticas e materiais para que a sociedade encontre motivos de adesão afetiva a Constituição. E diante da crise de representatividade por que passam
as democracias na atualidade e da falta de credibilidade de algumas Instituições Públicas como o Poder Judiciário, os mecanismos de participação não
formais e não institucionalizados devem ser fortalecidos, abrindo espaço para a aproximação entre Estado e sociedade.
Neste sentido, diante da urgência que a situação impunha e da falta de canais de diálogo com o poder público, resistir foi um meio encontrado pelos
alunos para, pacificamente, mostrarem a insatisfação com a medida e agir em defesa do direito fundamental à educação.
Resta-nos saber, se o direito de resistência encontra guarita no ordenamento jurídico pátrio e se este aparece como um meio legítimo de manifestação.
Sendo assim, mesmo não positivado, existe uma ampla margem interpretativa da Constituição federal para garantir seu status de direito fundamental. É
admissível o direito de resistência em função do princípio constitucional da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, CF/88) que é fundamento do Estado
democrático de direito bem como através do princípio do pluralismo político (art. 1º, IV, CF/88) e da cidadania (art. 1º, II, CF/88). Nesse sentido, destaca
Buzanello (2005, p. 23):
A Constituição, ao reconhecer o direito de Resistência, age dentro de uma unidade de valor de defesa do sistema de direitos fundamentais e também da concordância
prática estrutural com a ordem constitucional, que se assenta na defesa do regime democrático e dos direitos fundamentais.
Além do mais, há também a previsão da cláusula constitucional aberta no §2 do art. 5º: in verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais, em que a República federativa do Brasil seja
parte”.
Nesse sentido, o catálogo de direitos e garantias fundamentais expresso na Constituição não são exaustivos integrando também outros direitos, como os
direitos advindos de tratados internacionais subscritos pelo Brasil e os direitos implícitos.
Por outro lado, os direitos e garantias fundamentais, não consagram regimes de proteção de caráter absoluto, sendo possível, portanto, em casos tópicos,
a limitação circunstanciada e justificada de seu exercício, que deve estar em sintonia com os princípios democráticos, decorrência do predicado de
relatividade ou limitabilidade. Para Buzanello (2001, p. 24):
A defesa do direito de resistência em nenhuma hipótese pode ser interpretada como escudo de proteção de atividades ilícitas, nem como argumento para afastamento da
responsabilidade civil ou penal128 por atos criminosos. Os crimes constitucionais foram criados na Constituição de 1988, verbis “art. 5º, XLIV- constitui crime
inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”. Dessa forma, o direito de resistência
dentro do limite constitucionais, estabelece os limites da ação política, que deve estar em conformidade com os princípios democráticos, constituindo crime apenas a ação
armada contra a ordem constitucional.
Dessa forma, o direito de resistência é considerado um direito fundamental consagrada na ordem jurídica brasileira aparecendo como uma forma de
participação popular no processo decisório, na perspectiva de fortalecer a democracia e defesa dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, a ocupação escolar pode ser vista como um meio legítimo e constitucionalmente garantido tanto pela presença da clausula aberta contida
no art. 5º, § 2º da CF/88 quanto pela interpretação dos princípios da soberania popular, do pluralismo político e pela cidadania, todos pautados pelo
princípio da dignidade da pessoa humana. Tendo os estudantes, portanto, o direito fundamental de resistir e de se contrapor a uma ordem considerada
injusta pelo Estado.
Segundo Maria Garcia, a desobediência civil pode ser classificada como um direito fundamental, pois está diretamente ligada à concretização da
cidadania. Constrói a justificativa da desobediência, baseada na ideia de que a cidadania requer instrumentalização ampla e efetiva; portanto, o seu
exercício não se exime de direitos e garantias expressamente expostos na Constituição. Ademais, devido a previsão da cláusula constitucional aberta no §2
do art. 5º, CF, admite-se também a inclusão de novos direitos, conforme apresentado anteriormente.
Quanto a classificação, a desobediência civil pode ser do tipo direta- quando as leis do Estado são abertamente desafiadas, como exemplo tem-se a luta
contra a descriminação racial liderada por Nelson Mandela na África e as “Diretas Já” no Brasil, e do tipo Indireta, quando as estratégias do Estado são
desafiadas através de ataques a leis isoladas. A desobediência civil indireta é executada com o fim imediato de mostrar publicamente a injustiça da lei e
com o fim mediato de induzir o legislador a revogá-la. Como exemplo, tem-se o Movimento de ocupação das escolas em São Paulo e o Movimento dos
Sem-Terra (MST).
Dizer que o direito de resistência é um direito fundamental não garante, por si só, que ele seja visto de forma positiva pela sociedade e pelos órgãos
públicos, conforme se verá adiante, é possível identificar uma repulsa e uma tendência a criminalização da utilização de atos de resistência em nossa
sociedade e vê-se ainda, uma dificuldade em identifica-lo como um legítimo meio de defesa da ordem estabelecida, principalmente ao que diz respeito a
desobediência civil, pelo seu forte caráter contestador. O mesmo pode-se dizer do direito de greve130 e de revolução.
Machado Paupério ao analisar o pouco reconhecimento expresso do direito de resistência nas constituições contemporâneas, afirma que, ao contrário
disso, o que se percebe é o aprimoramento progressivo dos processos de repressão aos movimentos de resistência. De forma geral, o direito de resistência
tem recebido uma conotação negativa e é associado, por vezes, à desordem, à transgressão e à instabilidade, justificando, assim, a punição a esses
movimentos de resistência. De acordo com Tavares (1996, p.24): “Os atos de desobediência civil não raro são identificados como atos terroristas, dado o
conteúdo de protesto que a desobediência civil assume”.
Por oportuno, é valido discorrer, mesmo que de forma breve, sobre a biografia dos grandes desobedientes da história mundial, pois serve de testemunha
de que a desobediência civil, em diferentes contextos históricos, recebeu um tratamento negativo e criminalizador por parte do Estado.
Visto como um subversivo por se recusar a pagar os tributos ao Estado norte-americano, por não querer patrocinar um Estado que não agia em defesa
dos interesses da população e que instituía a escravidão e a guerra, Henry David Thoreau foi preso. Enclausurado escreveu o livro “Desobediência civil”,
considerado um clássico na literatura libertária, onde defendeu o direito de desobedecer sempre que a ordem ou lei imposta fere a consciência individual de
cada um. Thoreau (2001, p. 28):
O lugar mais apropriado, hoje, o único lugar que Massachusetts proporciona a seus espíritos mais livres e menos desesperançados, são seus cárceres nos quais se verão
aprisionados e expulsos do Estado, por ação destes, os mesmos homens já haviam expulsados a si por seus princípios.
A luta indiana contra a dominação inglesa contou com a presença de Mahatma Gandhi. Diante da opressão a que o povo estava submetido, a
desobediência civil foi o meio encontrado para resisti-la pacificamente e buscar, a partir daí, a independência da Índia. Por causa disso, foi também preso e
perseguido pelo Estado, da mesma maneira ocorreu na África do Sul quando Nelson Mandela levantou sua voz contra a discriminação racial e contra o
apartheid e passou trinta anos atrás das grades.
A história do Brasil também é marcada por inúmeros movimentos insurgentes e que foram duramente reprimidos pelo poder estatal, como Palmares,
Canudos e Caldeirão. Nossa tradição oligárquica, patrimonialista e autoritária tem sido bastante eficiente em coibir movimentos contrários a lei, mesmo
que injusta, e a “ordem” pública. Para Maria Victória Benevides (1998, p.194): “A democracia em nosso país depende, nesse sentido, das possibilidades de
mudança nos costumes e nas “mentalidades”- em uma sociedade tão marcada pela experiência do mando e do favor, da exclusão e do privilégio”.
Atualmente, o MST (Movimento dos Sem-Terra) é considerado o maior movimento popular organizado do Brasil em defesa da reforma agrária. O
movimento ganhou destaque nacional pelas ocupações em grandes propriedades rurais. Não raro, os membros do movimento são presos e taxados de
baderneiros e criminosos pela sociedade e pelo Poder Judiciário. Interessante notar que a problemática gira, quase que exclusivamente, em torno do meio
de protesto empregado, que é geralmente o de ocupação de propriedades privadas ou de espaços públicos, tirando do foco a questão principal que deveria
ser debatida que é a questão da estrutura fundiária brasileira e da Reforma agrária. Sobre a questão, discorre Tavares (2003, p. 97 e 98):
O autoritarismo do Estado brasileiro assumiu outra face. No lugar da violência visível do modelo econômico baseado na escravidão e, principalmente, do período de
repressão militar violenta, hoje o autoritarismo assume uma face disfarçada. O recurso utilizado contra qualquer forma de resistência ao sistema não é mais a violência
física e a repressão, mas uma violência simbólica que atinge principalmente os negros, índios, os pobres, enfim, todos aqueles incluídos na categoria de excluídos da
sociedade. Segundo José Eduardo Faria, no seu livro Eficácia Jurídica e Violência Simbólica: o direito como instrumento de transformação social (1998). O conceito de
violência simbólica vem representar o estigma criado dentro da sociedade, através dos anos, que gera pré-compreensão em relação a determinados setores, como os Sem-
Terra, por exemplo, condenando-os à ilegitimidade.
Sobre o ato de desobediência civil realizado pelos estudantes de São Paulo, vale apreciar o voto nº 31.637 no Agravo de Instrumento nº 2243232-
25.2015.8.26.0000131, que tratou diretamente da tentativa de criminalizar as ocupações escolas:
Anoto inicialmente e sem que se queira adiantar provimento de mérito, uma vez que não é disso que se cuida nesse recurso que, a narrativa da peça que o veicula, para
além de estar vazada em termos absolutamente preconceituosos contra a entidade que legitimamente representa os professores da rede pública do Estado de São Paulo de
modo, a desde logo, por uma retórica agressiva procurar desqualificar o movimento que questiona, procurando obter a providência que almeja revela, ao fim, a
absoluta inadequação da via eleita, qual seja , o interdito proibitório. Como estamos no espaço da política pública da educação explico pedagogicamente: O movimento de
professores e alunos das escolas públicas não tem qualquer intenção explícita ou recôndita de se apossar desses bens públicos. Como se reconheceu na sessão de
julgamento, cuida-se tão somente de um processo reivindicatório legítimo e de discussão de uma específica política pública de educação da qual, aliás, são
destinatários primeiros. [...] Aliás, é preciso ter a coragem de se dizer que o ajuizamento dessa ação, além de sua evidente impropriedade técnica, constitui-se verdadeira
irresponsabilidade e irracionalidade, porque não se resolve com repressão um legítimo movimento de professores e alunos, adolescentes na sua expressiva maioria, a
merecer a proteção do Estado (art. 205 e 227 da C.F.). Não vai longe o dia em que a insensibilidade e o autoritarismo dos governantes, a incentivar o excesso de repressão
policial, levou o país à perplexidade com os movimentos sociais de junho de 2013. Não será, portanto, com essa postura de criminalizar e “Satanizar” os movimentos
sociais e reivindicatórios legítimos que o Estado Brasileiro alcançará os valores abrigados na Constituição Federal, a saber, a construção de uma sociedade justa, ética e
pluralista, no qual a igualdade entre os homens e a dignidade de todos os cidadãos deixe de ser uma retórica vazia para se concretizar plenamente. (grifo nosso).
De qualquer forma, apesar do forte aparato repressivo montado contra as ocupações numa tentativa de criminalizar o movimento, sinalizou-se, neste
caso específico de desobediência civil, numa pequena mudança na sua aceitação como legítimo meio de manifestação na sociedade. Tendo tido também, o
reconhecimento do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo de sua legitimidade. Um passo importante para a mudança de mentalidade frente aos
movimentos questionadores da ordem e assim, possibilitando a ampliação dos meios de se fortalecer a democracia e a efetivação dos direitos fundamentais.
CONCLUSÕES
Diante do exposto, conclui-se que o direito de resistência cumpre um importante papel no processo de efetivação dos direitos fundamentais e de
concretização da democracia, evitando também que medidas autoritárias ou abusivas possam vir a ameaçar direitos conquistados, servindo como um
excelente instrumento de participação e de cidadania ativa. E principalmente no Brasil, onde a democracia ainda está em busca de consolidar-se, o direito
de resistência associado aos instrumentos institucionais de controle do poder estatal, é de fundamental importância para dar legitimidade aos atos
governamentais e para romper com a verticalização hierárquica do poder estatal no processo decisório.
No caso das ocupações escolares em São Paulo, percebeu-se que a desobediência civil, além de ter propiciado a suspensão do programa de suspensão
escolar, objetivo maior dos protestos, também serviu de espaço de diálogo e debate com toda sociedade sobre os caminhos e os (des) caminhos da educação
no País e mostrou a necessidade de se repensar os próprios espaços escolares.
Pode-se observar que nesse processo de luta e de contestação da ordem imposta pelo governo, a própria relação dos alunos com a escola foi sendo
redefinida, surgindo daí uma nova forma de ver, sentir e vivenciar a escola. O recado dado pelos alunos foi de que eles não querem mais uma escola como
espaço de reprodução do saber, de legitimação da dominação e comprometida com a apatia social, mas como um espaço crítico e democrático de produção
de conhecimento; uma escola voltada para a emancipação humana e não para a formação tecnicista e mercadológica do ensino. Uma escola dinâmica,
artística e plural onde os muros não conseguem distancia-los da realidade social circundante. Portanto, um espaço, que antes de tudo, é construção coletiva.
E como bem poetizou Rubens Alves, que permita o voo emancipatório daqueles que almejam a liberdade.
Neste sentindo, pode-se dizer que a resistência contribuiu para o amadurecimento político da sociedade e principalmente daqueles que atuaram em
defesa de seus direitos, sendo ali, sujeitos transformadores de sua própria história e contribuindo também para a formação de uma consciência críticas dos
atores sociais daquele movimento. Aparecendo, portanto, como legítimo e eficiente meio de defesa dos direitos fundamentais e que deve ser reconhecido
pelo Poder público e pela sociedade. A criminalização desses canais de participação fragiliza o princípio da soberania popular e deslegitima movimentos
impulsionadores da transformação social, o que no Brasil nos é tão necessário e urgente.
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A EFETIVIDADE DO DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO PANORAMA DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
INTRODUÇÃO
A educação apresenta-se com caráter dúplice: primeiramente, como um direito em si mesmo e, posteriormente, como um meio indispensável de acesso
aos demais direitos. Figura em um patamar de relevância ainda maior, caso encontre-se voltada para o pleno desenvolvimento humano e as suas
potencialidades.
O presente estudo possui em seu bojo uma análise constitucional do direito fundamental à educação, apresentando a trajetória de positivação
internacional percorrida pelo referido direito social ao longo da história, para, por fim, evidenciar o panorama educacional brasileiro e sua problemática
central no que tange à má qualidade de ensino.
Para tanto, o estudo se delineia por meio da investigação indireta, com pesquisa qualitativa, por meio do método dedutivo e utilizando como fontes
referências bibliográficas, marcos legislativos, documentos históricos, teses e dados fornecidos por órgãos oficias.
Inicialmente, apresentar-se-á a delimitação conceitual concernente aos direitos fundamentais, para, a seguir, colacionar a elaboração do ideário de
direito social construído a partir da Segunda Grande Guerra.
A seguir, colaciona-se a educação e sua relação simbiótica com o grau de desenvolvimento da sociedade. Para tanto, estuda-se a relevância do direito à
educação, evidenciando seu caráter de direto fundamental e seu papel na educação formal e moral.
Por fim, analisa-se a estruturação sistema educacional, cujo contorno fora delineado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996 ao sistematizar a educação em níveis, etapas e modalidades educativas. O estudo versa, portanto, face ao corte
epistemológico, acerca das espécies educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, consideradas etapas da educação básica pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
2.2 O Direito à educação no ordenamento jurídico brasileiro: aspectos evolutivos e análise constitucional
Finda a análise que perpassa os direitos fundamentais, debruça-se sobre o direito à educação. Enuncia Kingston (2007, p. 57-74) que “nas sociedades
contemporâneas, a educação é peça fundamental da estrutura social e se torna indispensável para a mobilidade social dos indivíduos. A capacidade de ler e
escrever e o acesso à informação e ao conhecimento estão intimamente ligados à igualdade de oportunidade”.
3 A EDUCAÇÃO PARA SÉCULO XXI: A NECESSIDADE DO FORTALECIMENTO DA AUTONOMIA E DO FIM DA DISJUNÇÃO ENTRE
EDUCAÇÃO FORMAL E MORAL
A educação133 apresenta-se com um direito dúplice: primeiramente, como um direito em si mesmo e, posteriormente, como um meio indispensável ao
acesso dos demais direitos. Figura, portanto, em um patamar de relevância ainda maior caso esta encontre-se voltada para o pleno desenvolvimento
humano e às suas potencialidades.
O ensino deve estar centrado na condição humana (MORIN, 2000, p. 48), em que o ser humano necessita reconhecer-se em sua humanidade e perceber
a diversidade cultural, histórica e social do outro. A educação, apresenta-se, nesse esteio como uma força motriz de promoção de iniciativas, devendo, pois,
ser emancipatória e estimuladora da formulação de experiências que fomentem à diferenciação, em vez de mera reprodutora de formas de ação já
conhecidas (TREVISAN, 2001, p. 56).
Ainda, nesse sentido, enuncia Adorno (2003, p. 141) acerca da necessidade da produção de uma consciência verdadeira do ser humano em oposição à
“modelagem de pessoas” (TREVISAN, 2001, p. 59) e à mera transmissão de conhecimentos.
Conforme ensina Paulo Freire (1987, p. 21-31), somente a pedagogia do oprimido que busca restaurar a intersubjetividade, poderia proporcionar a
autonomia emancipatória do sujeito, em sua luta pela liberdade de criar e construir, de ser ativo e responsável e não apenas, nos dizeres de Freire, um
“escravo ou uma peça bem alimentada da máquina” (1987, p. 21-31).
Nesse sentido, Morin (2000, p. 55-65) elucida que a educação do futuro teria em seu condão o dever de evitar que a “unidade da espécie humana não
apague a ideia de diversidade”, ao passo que a sua diversidade também não deve se desvincular da concepção de unidade da raça humana. Nesse sentido,
faz-se necessária, uma reforma do pensamento pós-moderno, que se debruce sobre a questão da subdivisão entre a educação formal e a educação moral.
Somente uma educação que elimine a disjunção entre a cultura cientifica e a cultura das humanidades poderia responder aos desafios da complexidade da
vida globalizada (MORIN, 2010, p. 33).
Para Bauman (1998, p. 270-290), há a necessidade de assunção da reponsabilidade de cada indivíduo pelo bem-estar do outro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentou-se, neste artigo, conceitos acerca dos direitos fundamentais e sociais a partir de seu desenlace histórico. Direitos tão caros ao ordenamento
jurídico contemporâneo advieram de crises, inicialmente, liberal-burguesas, e a seguir, face às atrocidades provocadas pelo nazismo.
Certo é que, ao longo do estudo, fora evidenciada a relevância da positivação e garantia do direito à educação, além da imprescindibilidade desta última
no processo de desenvolvimento econômico e moral de uma sociedade.
Nesse sentido, o cerne da problemática diz respeito à complexidade da efetivação do referido direito, visto que, ainda que se evidenciem importantes
avanços galgados pelo Brasil ao longo das últimas décadas, resta evidente que o fenômeno do baixo desempenho face à exames internacionais que auferem
o nível educacional dos estudantes em diversos países se reproduz em solo brasileiro.
A tese que se levanta, portanto, busca apresentar o horizonte educacional brasileiro por meio de dados do Ministério da Educação que explicitam, em
certos casos, a superação de obstáculos à concretude do ensino e, em outros, o mero transladar de polo. O que resta nítido, portanto, é que o direito à
educação, posto, conquistado a duras penas, não encontra a devida concretude e efetividade quando se analisa o panorama educacional brasileiro.
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CIDADANIA E RESSOCIALIZAÇÃO: A EDUCAÇÃO PRISIONAL DAS MULHERES PRESAS
INTRODUÇÃO
A precariedade da situação prisional perpassada pela mulher reclusa consiste em fator de notório conhecimento social, haja vista que, além de sujeitas
aos percalços carcerários ínsitos às mazelas prisionais, estas ainda tem de lidar com as desigualdades apresentadas à mulher encarcerada, que não tem por
consideradas, quando de seu aprisionamento, o peculiar fator de ser mulher e as implicações que tal intento geram.
Contudo, a fixação sancionatória não tem o condão de realizar o afastamento de direitos e garantias fundamentais dispostos no texto constitucional em
prol da mulher que cumpre pena privativa de liberdade e, como decorrência de tal previsão constitucional de natureza garantista, a dignidade humana da
infratora penal não deve restar por afastada desta pelo fato de ser sancionada pela violação da norma penal.
A educação prisional passa assim a ser vislumbrada como a instrumentalização do contato da detenta com a possibilidade de se ressocializar, de modo a
fomentar a devolução da busca pela reabilitação e retorno ao convívio social, de modo que deve restar por sedimentado o direito à educação da mulher
presa como meio apto a viabilizar o exercício da cidadania pelas mulheres presas.
Nesse contexto a presente pesquisa apresenta como objetivo geral examinar quais as formas aptas a buscar uma consolidação da ideia de reabilitação
das detentas através do direito fundamental à educação como decorrência do direito à cidadania.
Busca-se assim verificar se é possível fomentar a reabilitação, o retorno da apenada ao convívio social ressocializada e preparada para retomar sua vida
pós-cárcere quando a esta é propiciado o contato com o direito fundamental ao estudo na ótica do encarceramento.
Sob essa vertente a pesquisa ora em comento expõe a exploração dos seguintes questionamentos: O aprisionamento feminino em sua atual condição e
em face das dificuldades que enfrente é meio apto a viabilizar a efetiva finalidade ressocializatória da pena? A implementação da educação na seara
prisional seria instrumento apto a reabilitar as mulheres em contato com o universo do delito e que encontram-se punidas pelo Estado no cumprimento da
privação de liberdade? A educação prisional é meio apto a fomentar a cidadania as mulheres reclusas?
Quanto à metodologia utilizada para a construção desta pesquisa, trata-se de pesquisa qualitativa, à medida em que se caracteriza como uma abordagem
teórica de relações humanas e sociais, não trazendo ao lume a aferição de dados estatísticos. Nesse contexto consiste em uma pesquisa baseada em estudos
e reflexões oriundos de fontes bibliográficas e documentais, como livros de doutrina, artigos de periódicos e legislação.
No que pertine aos objetivos da pesquisa, trata-se de um estudo de natureza exploratória, explicativa e descritiva, tendo em vista que aprofunda o
estudo do fenômeno investigado para melhor conhecê-lo, explicá-lo e descrevê-lo. Quanto aos resultados, é do tipo pura por buscar primordialmente a
melhor elucidação dos fatos, a fim de fomentar a discussão proposta.
Nesse sentido, bem se pode verificar que o presente trabalho traz relevante discussão sobre a possibilidade de implementação da cidadania das
mulheres reclusas através do acesso destas a educação prisional, viabilizando-se assim o exame da ressocialização das apenadas quando a estas é
propiciado o contato com o direito fundamental à educação no interstício do cumprimento da pena privativa de liberdade que lhe fora imposta.
Para melhor delinear os aspectos que serão objeto de investigação na presente pesquisa, divide-se o artigo em três tópicos, onde no primeiro busca-se
abordar as especificidades das mazelas carcerárias, uma vez que esta apresenta o afastamento da punição da ideia de ressocialização. Já no segundo tópico
aborda-se a como o direito fundamental à educação pode se manifestar como veículo apto ao exercício da cidadania, a fim de demonstrar as benesses da
educação ao ser humano que a esta tem acesso. Para finalizar o terceiro e último tópico passa a explorar as nuances da implementação da educação na seara
prisional feminina, a fim de arguir a possibilidade do direito fundamental à educação constituir em meio apto ao fomento da reabilitação das mulheres
autoras de infração penal.
Nesse diapasão observa-se o quão salutar se apresentam as reflexões oriundas da pesquisa ora em comento, haja vista que o exame da eficácia
ressocializatória e quais os instrumentos aptos a propiciar tal intento trazem significativos impactos não só aos estudos e a realidade carcerária, como
também viabilizam toda uma consequencialidade exposta na ótica social, pois, a reabilitação de detentas tende a alterar o cenário da criminalidade no
contexto social contemporâneo.
Ademais, a consideração do direito à educação, quando examinado no contexto prisional feminino, tende a apresentar uma nova perspectiva de vida às
mulheres que cumprem pena privativa de liberdade, se mostrado assim, como a instrumentalização do exercício da cidadania às mulheres presas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que pertine ao que fora abordado no âmbito da presente pesquisa, presenciou-se que o fixação da pena privativa de liberdade às mulheres infratoras
tende a encontrar no plano fático a situação prisional caótica que assola o sistema penitenciário brasileiro, afastando assim o direito à pena pautada pela
dignidade humana, onde, segundo as vertentes de um Estado Democrático de Direito lastreado pelas ideias garantistas, não se pode cercear direitos e
garantias individuais não atingidos pela privação da liberdade, sendo esta a consequência da infração penal.
Contudo, verificou-se que mesmo garantido constitucionalmente a dignidade humana da pessoa encarcerada, o aprisionamento feminino perpassa por
significativa situação de penúria, à medida em que são desconsideradas, além dos direitos básicos da pessoa humana em face de diversos percalços do
aprisionamento como a superlotação, péssimas condições de higiene e alimentação, dentre outras, as especificidades das prisioneiras do gênero feminino.
Aferiu-se assim que a elucidação dos contornos punitivos hodiernos desconsidera as peculiaridades da mulher presa, não só expondo estas a degradação
carcerária constante aos estabelecimentos prisionais brasileiro de uma forma geral, como inobservando que a mulher infratora denota a necessidade de
tratamento específico a sua condição de gênero feminino, tais como a maternidade, a saúde da mulher, a sexualidade feminina, dentre outras.
Verifica-se assim que a mazela prisional exposta às mulheres reclusas tende a ser um dos pontos que tende a afastar a reeducação das detentas, pois, à
medida que se observa a desumanização no trato com as mulheres reclusas, a ideia de reabilitação em face do estigma de delinquente tende a encontrar
dificuldades de serem superadas.
Contudo, a educação como direito fundamental ínsito na norma constitucional tem se mostrado importante mecanismo de acessibilidade e reintegração
social das detentas, à medida que através da educação prisional passa-se a construir novos horizontes, esperanças e expectativas de vida a mulher presa,
propiciando assim a estas o anseio ao retorno ao convívio social para a reconstrução de suas vidas interrompidas pela prática delitiva e o sancionamento.
Nessa vertente, aferiu-se que a implementação da educação como direito fundamental não se expressa apenas como um meio apto a viabilizar o
exercício da cidadania à pessoas com regular frequências em salas de aula em seus diversos níveis educacionais, mais também viabilizam um novo olhar,
um olhar dotado de expectativa ao retorno ao convívio social longe da criminalidade.
Observou-se assim que a educacional prisional passa a ter o condão de alterar a expectativa consequencial do cárcere ante a realidade em que este se
apresenta pois, mesmo quando assente a desumanização na realidade prisional brasileira, quando detectado a possibilidade de contato com a educação uma
nova expectativa de vida começa a se delinear ao detento.
Quando aferida a realidade constante da implementação da educação prisional às mulheres que cumprem pena, verificou-se que estas tendem a dedicar-
se com afinco aos estudos, galgando crescimento no cenário educacional, de modo que o acesso à educação à mulher reclusa passa a ter relevância não só
como instrumento de remissão da pena, mas como mecanismo apto a reabilitar esta ao convívio em sociedade longe do crime.
Verificou-se assim que a implantação da educação prisional fomenta o exercício da cidadania à medida que propicia o esclarecimento, a oportunidade
de ter acesso a ressocialização e, por conseguinte, a ter pleno conhecimento dos caminhos que a vida passa a poder tomar quando se examina o afastamento
da criminalidade.
Detectou-se assim que a cidadania encontra através da educação prisional uma das formas de ser implementada, em especial, porque passa a esclarecer
e a delinear uma nova realidade a pessoas que num primeiro momento encontram-se afastadas do convívio social como manifestação sancionatória, mas
que, mesmo em face de tais circunstâncias não perdem a qualidade de seres humanos.
A educação prisional à mulheres em conflito com a lei que passam a cumprir pena tende assim a ser a válvula de escape em face da penúria carcerária
apresentada as mesmas, pois, através do fornecimento do direito fundamental à educação a mulher presa pode redesenhar seu futuro e assim, afastar os
erros advindos dos delitos cometidos no passado.
Contudo, verifica-se a necessidade de superação dos diversos óbices a eficácia ressocializatória da pena em especial, quando se discute a educação
prisional, pois observa-se em face deste a necessidade de integração mais ativa por parte do Estado no exercício de uma atuação mais latente no que pertine
a implementação de políticas públicas voltadas a implantar com eficácia a educação no cenário prisional, tendo em vista que esta propicia a reconstrução a
mulher presa e de seu destino pós-cárcere sem contato com a criminalidade.
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DESENHO UNIVERSAL EDUCACIONAL: COMO O DIREITO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA SE ARTICULA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
NACIONAIS
INTRODUÇÃO
Face a persistência da celeuma histórica acerca do conceito de deficiência, o segmento das pessoas com deficiência qualifica-se pelo reconhecimento
recente enquanto categoria de indivíduos dotadas de prerrogativas fundamentais dignificantes. A partir da mudança de paradigma desvelada por meio da
redação proposta da Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência, a participação da pessoa com deficiência, enquanto indivíduo
dotado de vontade, cuja condição não se identifica sem o cotejo do meio, na vida em sociedade exige sua formação autodeterminada e desimpedida.
Identificados, portanto, os âmbitos segundo a exclusão, a segregação e a integração sobressaem-se, perfaz-se necessário discriminar qual o substrato
que melhor confere à pessoa com deficiência possibilidade de se perceber como protagonista da própria vida Neste cenário, a asseguração do Direito à
Educação, enquanto viabilizador da construção de identidade e do desenvolvimento das potencialidades, emerge como tarefa basilar, de forma a demandar
do Estado, da sociedade e da família a atuação conjunta na prestação de um serviço educacional de qualidade.
Por fim, a partir deste panorama, considerando as ambiguidades constantes no Plano Nacional de Educação 2011-2020, especialmente nos preceitos
estabelecidos meta 4 deste documento, elucidar-se-á de que maneira a inclusão nas salas regulares de ensino é proposta na política educacional nacional,
buscando responder ao seguinte questionamento: o arcabouço inclusivo brasileiro é delineado segundo um desenho universal educacional?
O processo de exclusão qualifica-se ainda pelo reforço da autopercepção da pessoa com deficiência como pertinente a um segmento de anormalidade,
corroborada pela reprodução do discurso. Uma vez resignada no papel de ator passivo e ativo da marginalização, a pessoa com deficiência acentua a self-
blame que impede o desvelar dos processos de exclusão, conforme aponta Shakespeare (1996, p. 105)
A partir do reconhecimento da pessoa com deficiência como integrante do corpo social, enseja-se a formulação de novas sistemáticas interacionais.
Subsiste, contundo, no modelo de segregação, um apartamento seccional entre as pessoas com deficiências e os demais, erigindo-se as bases do alcunhado
“Paradigma da Institucionalização”, conforme lecionado por Aranha (2001, on-line), que aponta este como o primeiro modus operacional de interação entre
sociedade e deficiência. Assenta-se, sobre essa sistemática, a lógica da separação correlata à manutenção de instituições especiais de internação e educação,
nas quais o atendimento é prestado exclusivamente aqueles com deficiência.
Sobreleva-se, neste arquétipo de interação, um reconhecimento negativo da deficiência, de modo em que a informação acerca da condição desemboca
na divisão entre os com e sem eficiência. Goffman (1962, p. 42-43) apresenta diversas problemáticas advindas do endosso das “instituições totais” de
segregação, destacando o tolhimento da autodeterminação, da autonomia e da escolha de ação, alijando da formação humana da pessoa com deficiência o
reconhecimento da sua capacidade de execução de competências. Oportunamente, destaque-se que este modelo se configura dentro do espectro da
marginalização ao enclausurar a pessoa com deficiência na arquetípica Narrenschiff foucaultiana, que coloca o indivíduo no “interior do exterior”, de onde
não escapa (1978, p. 16).
Configurando um panorama de interação sociedade-deficiência dotado de maior profundidade, nada obstante ainda desigual e hierarquizado, o sistema
proposto pela integração da pessoa com deficiência caracteriza-se pela promoção da inserção desta em meios qualificados como “regulares”. Esta abertura
formal mascara uma ineficácia na concretização da inclusão substancial, porquanto inexista, consoando dissertado por Santos (2002, p. 30) uma
modificação razoável para o acolhimento da diferença, delineando-se um contexto de coexistência entre educação e marginalização. Ilustrativamente,
Sassaki (1997, p.34-35) define o processo de integração, por meio da inserção em sociedade, da pessoa com deficiência:
Pela inserção pura e simples daquelas pessoas com deficiência que conseguiram ou conseguem, por méritos pessoais e profissionais próprios, utilizar os espaços físicos e
sociais, bem como seus programas e serviços, sem nenhuma modificação por parte da sociedade, ou seja, da escola comum, da empresa comum, do clube comum, etc. Pela
inserção daqueles portadores de deficiência que necessitavam ou necessitam de alguma adaptação específica no espaço físico comum ou no procedimento da atividade
comum a fim de poderem, só então, estudar, trabalhar, ter lazer, enfim, conviver com pessoas não- deficientes. Pela inserção de pessoas com deficiência em ambientes
separados dentro dos sistemas gerais. Por exemplo: escola especial junto à comunidade; classe especial numa escola comum; setor separado dentro de uma empresa
comum ; horário exclusivo para pessoas deficientes num clube comum etc. Esta forma de integração, mesmo com todos os méritos, não deixa de ser segregativa.
Assentado o pressuposto de insuficiência do sistema integrativo, perfaz-se conspícua a construção de um novo modelo, que possibilite o
desenvolvimento das potencialidades e capacidades da pessoa com deficiência em um ambiente de igualdade na diversidade. Mencionada sistemática, em
face da qual a análise do modelo de interação ambiental e social apresenta-se precípua para a delimitação da condição de deficiência, encontra-se na gênese
da reformulação do conceito de “deficiência”, correntemente difundido na Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência - único tratado
internacional de Direitos Humanos ratificado nos moldes do § 3º do art. 5º, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 186 de 2008 e promulgado pelo Decreto
nº 6.949 de 2009.
A partir desta perspectiva, o meio convola-se em um objeto de análise, perfazendo-se como papel da sociedade a modificação deste para “facilitar o
acesso das pessoas a todas as capacidades centrais”, conforme aponta Nussbaum (2013, p. 244). Ao considerarmos as barreiras do ambiente social no qual
estão insertas as pessoas com deficiência como geradoras da desigualdade de acesso a bens e oportunidades, as soluções adotadas para a equiparação não
são mais enfocadas no indivíduo, mas sim na sociedade, consoante o exposto por Palacios e Bariffi (2007, p. 22).
Tal noção qualifica-se como a lógica fundamental do termo “Desenho Universal”, desenvolvida na Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com
Deficiência, que preceitua, no artigo 2º, a semântica da expressão assentada na reestruturação da própria “concepção de produtos, ambientes, programas e
serviços”, sem que se alije, para tanto, o fornecimento das “ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias”.
Analogicamente à percepção arquitetônica de Desenho Universal de acessibilidade, persiste a necessidade de repensar o desenho estrutural de políticas
públicas transversais, que oportunizem o acesso a bens e serviços obstados em face das barreiras sociais conjugadas. A transversalidade do desenho
universal perpassa o projeto de emancipação das pessoas com deficiência, estabelecendo-se uma “via de mão dupla entre o cidadão com deficiência e o seu
meio”, segundo a qual, aponta Fonseca (2012, p. 49), qualificar-se-á a pessoa com deficiência como apta para a legítima transposição das barreiras sociais.
Na perspectiva educacional, a inclusão da pessoa com deficiência apresenta-se substancial para a transformação da sociedade da diversidade, que não
desiguala com fundamento na diferença. Nada obstante, denota-se no sistema educacional brasileiro um ranço sistemático, que ainda conspurca o delinear
da autodeterminação da pessoa com deficiência ao ensejar a constituição deturpada da legitimidade pedagógica de Escolas Especiais exclusivas e salas
especiais, conforme aponta Carvalho (1994, p. 6):
Os estereótipos são aplicados aos portadores de necessidades especiais, particularmente quando deficientes. Socialmente percebidos como incapazes e improdutivos e
biologicamente considerados “anormais”, ficam erroneamente na condição de clientes, como se fossem dependentes de proteção institucionalizada, porque são doentes.
Sob essa falsa e perversa ética, têm sido privados do direito de acesso à escola pública, o que gera a necessidade de se criarem as escolas especiais, para oferecer-lhes o
atendimento especializado.
A partir desta perspectiva, perfaz-se essencial para a construção de um serviço educacional estruturado inclusivamente, voltado para fomento da
autonomia e da autodeterminação da pessoa com deficiência, um sistema legal garantidor do processo emancipatório, viabilizador de uma “educação
desinibidora e não restritiva”, conforme lecionado por Freire (1979, on-line).
3 SABER POR SABER OU SABER PARA SER: O DIREITO A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA CONSTRUÇÃO DA DEFICIÊNCIA COMO
IDENTIDADE
O acesso à educação de qualidade qualifica a pessoa com deficiência como cidadã participativa, permitindo o “desenvolvimento do ser humano e o
alcance de conhecimentos que ensejam sua transformação, seu progresso”, aponta Basilio (2009, p. 59). Qualificado como prerrogativa multifacetada, o
Direito Fundamental à Educação na perspectiva da Educação Inclusiva não se esgota na integração no meio escolar, a partir do mero gozo objetivo do
serviço de ensino.
Outra não é a semântica do condicionamento contido no art. 205 da Constituição Federal, segundo o qual a efetivação do Direito à Educação não pode
prescindir de um serviço voltado para o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”,
delineando os alicerces de uma pretensão de natureza subjetiva, relacionada à qualidade do serviço prestado em um panorama de busca pela inclusão.
Consentâneo ao exposto, Morin (2004, p. 65) estabelece que a “educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar e assumir a condição
humana, ensinar e viver) e ensinar como tornar cidadão.”.
O art. 208 do texto constitucional institui, ainda, como dever do Estado o fornecimento de “atendimento educacional especializado às pessoas com
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. No mesmo sentido, dotado de igual status constitucional dentro da ordem brasileira, ressalte-se o
texto do art. 24 da Convenção da ONU sobre Pessoas com Deficiência, que estabelece o comprometimento dos Estados signatários em assegurar um
sistema educacional de inclusão em todos os níveis de ensino, fomentando o desenvolvimento dos potenciais da Pessoa com Deficiência, bem como sua
autocompreensão como ser dotado de dignidade e de efetivação positiva da diversidade humana.
Para além, portanto, do reconhecimento do direito à educação enquanto prerrogativa objetivamente assegurada, o serviço derivado desta deve alinhar-se
com a perspectiva inclusiva, de fomento ao desenvolvimento das capacidades e habilidades da pessoa com deficiência, dentro do espectro de diversidade, a
ser realçado em todo e qualquer contexto educacional inclusivo. Resta, assim, traçada uma nítida diferenciação entre o serviço educacional de integração e
o de inclusão, no sentido prelecionado por Mantoan (1993, on-line):
[...] a integração escolar, cuja metáfora é o sistema de cascata, é uma forma condicional de inserção em que vai depender do aluno, ou seja, do nível de sua capacidade de
adaptação às opções do sistema escolar, a sua integração, seja em uma sala regular, uma classe especial, ou mesmo em instituições especializadas. Trata-se de uma
alternativa em que tudo se mantém, nada se questiona do esquema em vigor. Já a inclusão institui a inserção de uma forma mais radical, completa e sistemática, uma vez
que o objetivo é incluir um aluno ou grupo de alunos que não foram anteriormente excluídos. A meta da inclusão é, desde o início não deixar ninguém fora do sistema
escolar, que terá de se adaptar às particularidades de todos os alunos para concretizar a sua metáfora - o caleidoscópio.
A concretização positiva da diversidade social exige a interação participativa de em um ambiente mutualístico de igualdade de oportunidades, de sorte
que “desconsiderar uma pessoa significa, em última análise, desconsiderar a si próprio”, conforme aponta Silva (1998, p. 90). Coadunar, portanto, com um
panorama educacional que se apropria da segregação, sob o pretexto de promover a inclusão, significa promover o sectarismo que permeou durante séculos
a marginalização das Pessoas com Deficiência, alijando-as da participação comunitária.
Portanto, a asseguração do Direito à Educação Inclusiva que promova a inserção das pessoas com deficiência em salas de aula regulares, munidas -
quando e se necessário – de apoios pedagógicos, constitui ponto de partida do “processo de formação e desenvolvimento da autoimagem”, o qual “não
pode jamais prescindir da interação social, uma vez que nela se delineia as impressões, o grau de aceitação, os modelos de parceiros sociais e demais
componentes necessários para o processo de construção da identidade”, consoante o exposto por Alves (p. 35, 2006). A construção, portanto da identidade,
demanda, necessariamente, um substrato em que a diferença possa ser amplamente manifestada e acolhida, independentemente da carência de um grau
maior ou menor de suportes para sua expressão. Cite-se, por exemplo, as adaptações razoáveis no modus operandi escolar clássico, conforme dissertam
Castro e Pimentel (2009, p. 308):
A identidade e alteridade dessas pessoas precisam ser referendadas pela coletividade, de forma a garantir a necessária produção individual de sentido, de modo que
potencialize o aprender. Para isso, é necessário valorizar as referências individuais, prestar atenção às singularidades e estabelecer, a partir daí, alterações curriculares que
favoreçam aprendizagens.
Assentado na perspectiva da integração educacional, a separação das pessoas com deficiência em salas particularmente estruturadas com o propósito de
atendê-las reforça a noção de deficiência como fator preponderante em sua formação. Este fator se consolida, contudo, não como componente de uma
identidade, mas sim a partir da noção negativa, do que lhes falta em relação a um padrão abstratamente considerado. Tal estrutura, além de obliterar o
contato com a diferença, tanto para as pessoas com deficiência como para as pessoas sem deficiência olvida o desenvolvimento de potenciais habilidades e
capacidades que só na diversidade ganha tonalidade.
A educação especial, coma sinônimo de educação segregada, não fomenta, portanto, a emancipação individual necessária no processo de formação de
identidade, conforme aponta Skliar (p. 19, 1999):
A educação especial conserva para si um olhar iluminista sobre a identidade de seus sujeitos, isto é, vale-se das oposições de normalidade/anormalidade, de
racionalidade/irracionalidade e de completude/incompletude, como elementos inclusão/exclusão a partir das noções de poder/saber de Michel Foucault centrais na
produção de discursos e práticas pedagógicas. Os sujeitos são homogeneizados, infantilizados e, ao mesmo tempo, naturalizados, valendo-se de representações sobre
aquilo que está faltando em seus corpos, em suas mentes e em suas linguagens.
Nesta perspectiva, partir da inclusão em salas regulares, erige-se o substrato de criação de identidade em um panorama de diversidade, considerado este
como um ‘valor educativo essencial para a transformação das escolas”, no sentido afirmado por Sanchez (2005, p. 11). Qualquer tipo de endosso a
movimentos contrários atravanca o processo de construção de uma sociedade mais inclusiva, alicerçada na igualdade material em face da diversidade
identitária.
Neste panorama, o “atendimento educacional especializado” previsto constitucionalmente não deve ser compreendido como um serviço apartado do
regular, devendo ser “bem definido e funcionar como um currículo à parte, oferecendo subsídios para que os alunos possam compreender conteúdos
específicos a cada deficiência, concomitantemente ao ensino comum” (FÁVERO, 2006, p. 55). O fornecimento de um serviço especializado resta
justificado, portanto, enquanto apoio complementar ao serviço percebido na sala de aula de ensino regular, de sorte que a alienação desta não é suprida pelo
gozo daquele.
A polêmica acerca do termo “preferencialmente” encontra-se na gênese da ambígua redação do Plano Nacional de Educação 2014-2024, aprovado pela
Lei Nº. 13.005 de 2014. A lógica consagrada neste plano almeja reestruturar a educação brasileira a partir de sua concepção, sendo este o objetivo dos
debates realizados no seio da CONAE (Conferência Nacional de Educação) de 2010, cujo Documento final consagrava, em seu “Eixo VI - JUSTIÇA
SOCIAL, EDUCAÇÃO E TRABALHO: INCLUSÃO, DIVERSIDADE E IGUALDADE”, o delinear das políticas educacionais inclusivas segundo as
seguintes diretrizes:
a) Garantir as condições políticas, pedagógicas e financeiras para uma Política Nacional de Educação Especial Inclusiva, assegurando o acesso, a permanência e o sucesso,
na escola, aos/às estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades – superdotação – na educação básica e na educação superior.
b) Garantir a transformação dos sistemas educacionais em inclusivos e a afirmação da escola como espaço fundamental na valorização da diversidade e garantia de
cidadania.
c) Incluir crianças, adolescentes, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais, no ensino regular. (...)
g) Expandir e fortalecer o atendimento educacional especializado, que deve ser realizado no contraturno, disponibilizando acesso ao currículo e proporcionando
independência para a realização de tarefas e a construção da autonomia. Esse serviço diferencia-se da atividade de sala de aula comum, não sendo substitutivo à
escolarização. (...)
Este documento forneceu o substrato redacional do Projeto de Lei Nº. 8.035, de 2010, cujo finalidade residia em aprovar o Plano Nacional de educação
para o decênio 2011-2020. Ressalte-se que, nesta redação original, a proposição legislativa consubstanciava, em sua meta 4, o objetivo de “universalizar,
para a população de quatro a dezessete anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação na rede regular de ensino”.
Empós período superior a três anos de tramitação, o documento passou por 3365 emendas, restando sancionado sem vetos. Nada obstante, o processo
de alterações do texto original modificou substancialmente o sentido inicialmente constante na norma, segundo o qual a inclusão na rede regular de ensino
seria mandamento indefectível. Passou, neste sentido, a meta 4 à seguinte composição:
Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso
à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de
recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.
Houve, assim, uma subversão do enfoque estruturado pelo documento exarado na CONAE, que prezava pela inclusão em sala de aula de ensino
regular. No mesmo sentido, a redação do Decreto Nº 7.611/2011 findou por consagrar esta percepção, uma vez que estabeleceu distinção entre o
Atendimento Educacional Especializado e a Educação Especial, subentendendo-se, do texto, ser esta maior que aquele. Mencionado instrumento legal
revogou o Decreto Nº 6.571/2008, cuja previsão acerca do Atendimento Educacional Especializado consagrava-o como o ponto fulcral do serviço
educacional fornecido às pessoas com deficiência, em conformidade com o disposto na Constituição Federal, em seu artigo 208.
Outrossim, tanto o Decreto Nº 7.611/2011, em seu artigo 8º, que altera o Decreto Nº 6.253/2007139, quanto o Plano Nacional de Educação, em sua
estratégia 4.1140, consagram a possibilidade de repasse dos recursos provenientes da “dupla matrícula” para as instituições assistenciais e filantrópicas, cujo
desiderato funcional consiste exclusivamente na prestação do serviço especializado e segregado. O fomento público a mencionadas instituições, a despeito
de sua tradição histórica e seu papel atuante no reconhecimento dos direitos da pessoa com deficiência, finda por manter a possibilidade segregação na
formação educacional do educando com deficiência.
O endosso legislativo aos processos integração em salas exclusiva ou segregação em instituições de educação especial qualificam-se, ambos, pela
mácula da inconstitucionalidade, porquanto preceituem em sentido contrário ao disposto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, que estabelece, em seu artigo 24, alínea 2a, a obrigação dos Estados Partes acordantes de não excluírem as pessoas com deficiência “do
sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou
do ensino secundário, sob alegação de deficiência”.
Para tanto, adaptações razoáveis e medidas de apoio necessárias devem ser garantidos amplamente, em todos os níveis de ensino, aplainando-se o
caminho para o logro dos objetivos visados pelo sistema educacional, quais sejam, de acordo com a parte 1 do artigo 24:
a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e auto-estima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades
fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim
como de suas habilidades físicas e intelectuais; c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.
Inexiste, portanto, no sistema educacional brasileiro, a identificação de um arcabouço educacional erigido consentaneamente à lógica do desenho
universal, porquanto, em sua concepção, o serviço educacional reste ainda pautado na possibilidade de sectarismo ensejado pela educação exclusiva.
Em análise, à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao Decreto Nº 7.611/2011 e ao Plano Nacional de Educação 2014-2024, infere-se uma
patente necessidade de reformulação das estruturas educacionais brasileiras, que prezem pela inclusão do educando com deficiência na sala de aula regular,
de forma a delinear-se segundo um reconhecimento do pleno desenvolvimento dos potenciais e da identidade, em um substrato de diversidade.
CONCLUSÕES
Enquanto reforço da expressão autodeterminada da pessoa com deficiência, o ambiente de inclusão presta-se a aplainar as desigualdades derivadas da
diferença, sem, contudo, desconsiderá-las. Nesta perspectiva, a reestruturação da sociedade segundo um esquema analógico à noção de Desenho Universal
exige uma releitura das políticas públicas destinadas ao atendimento das pessoas com deficiência, de forma a fomentar a ruptura com as barreiras sociais
impregnadas nas arestas do arcabouço social.
O serviço educacional, quando prestado em reconhecimento à pluralidade intrínseca ao convívio social, fomenta a formação de indivíduos autônomos,
capazes de se autodeterminar e participar ativamente das decisões que conduzem a vida coletiva. Deste modo, a asseguração do Direito à Educação
Inclusiva reforça, substancialmente, a noção de que, em um ambiente de diferentes, a igualdade material prevalece apenas quando há o reconhecimento dos
potenciais e o fomento ao desenvolvimento das capacidades de cada um – não apenas daqueles que possuem deficiência, diga-se de passagem.
Por tudo isto, uma vez que a política educacional brasileira alberga, ainda, em seus preceitos a noção da integração - a partir da existência de salas
exclusivas - e da segregação - a partir do fomento da inserção unicamente em instituições que prestam somente serviço especializado -, denota-se a
necessidade de se rever toda a estrutura da Educação Inclusiva no Brasil, sobretudo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Decreto Nº
7.611/2011 e o Plano Nacional de Educação 2014-2024.
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O EFETIVO EXERCÍCIO DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO PELAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ATRAVÉS DO MANDADO
DE INJUNÇÃO
INTRODUÇÃO
O direito das pessoas com deficiência experimentou, em sua evolução, desde a completa intolerância, quando a deficiência era concebida como
impureza ou castigo, passando por uma fase seguinte, identificada com o modelo médico, como se a deficiência fosse algo a ser curado, para que,
lograssem figurar nos tratados e convenções internacionais, e, por fim, no mais alto patamar da hierarquia normativa nacional.
Os direitos das pessoas com deficiência acompanham os mesmos influxos dos direitos universais da pessoa humana. Por meio de sua análise, percebe-
se nitidamente a ênfase dada à tolerância, ao respeito pelas diferenças e à inclusão social. Tais valores, porém, não comportam mais qualquer interpretação
inclinada ao assistencialismo, mas incentivam uma postura ativa, promocional e inclusiva. Com efeito, assim se expressa a Declaração de Princípios sobre
a Tolerância, aprovada pela Conferência Geral da Unesco, em 1995142.
Um dos principais vetores de inclusão social das pessoas com deficiência é o direito ao trabalho. Com efeito, trabalhar é o exercício produtivo da
cidadania, integrando o homem ao meio social ao qual pertence, agregando-lhe valor para além do econômico. Trata-se, ao mesmo tempo, de fundamento
da República Federativa do Brasil e de direito social143. Muito mais do que um dever, consiste em direito inerente à dignidade humana, ao qual somente se
admite restrições em circunstâncias excepcionalíssimas. Nascer com deficiência ou adquiri-la no decorrer da vida não deve ser fator discriminante que
autorize a restrição do direito ao trabalho.
Nesse sentido, a Constituição Federal, arrimada nos princípios da solidariedade e igualdade material, promove a primeira medida afirmativa no sentido
de determinar a reserva de vagas (art. 37, inciso VIII), o qual se encontra associado diretamente ao direito de acesso aos cargos públicos e à investidura via
concurso público, consignados nos incisos I e II do mesmo artigo. No entanto, acesso ao cargo público significa, para além do ingresso (viabilizado
mediante a reserva de vaga), o exercício efetivo das funções inerentes ao cargo.
Muito embora a previsão da reserva legal de vagas represente uma vitória das pessoas com deficiência contra a abissal desvantagem em que concorriam
nos concursos públicos, ela não serve para lhes assegurar o próximo passo dentro do serviço público. Hoje, a pessoa com deficiência ingressa na instituição
pública de maneira isonômica em relação aos demais. Há lei lhes assegurando esse direito. Todavia, o ordenamento brasileiro carece do instrumental
normativo que busque tutelar, de fato, o exercício pleno das atribuições legais por parte das pessoas com deficiência investidas em cargo público.
Durante anos, as pessoas com deficiência empreenderam verdadeira jornada rumos aos tribunais a fim de garantir, via Poder Judiciário, direito que lhes
fora assegurado constitucionalmente, por meio do preceptivo constitucional supracitado, associado ao direito de acesso aos cargos públicos e à investidura
via concurso público. Superada essa primeira barreira144, cumpre caminhar rumo à concretização do direito ao efetivo exercício das funções inerentes ao
cargo então ocupado.
Cumpre investigar, portanto, se a legislação nacional, pertinente aos órgãos e carreiras públicas, dispõe de mecanismos para amparar o direito do
servidor com deficiência a exercer o cargo que ocupa e como as instituições públicas tem resolvido a questão após receber essas pessoas em seus quadros.
Em pesquisa inicial, junto aos sítios eletrônicos dos órgãos da Administração Direta do Estado do Ceará (Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério
Público, Defensoria Pública, dentre outros)145, não se logrou encontrar qualquer estatística acerca da quantidade de pessoas com deficiência investidas nos
respectivos cargos públicos ou que tipo de deficiência possuem, tampouco há referências acerca de seus processos de adaptação funcional e adequação às
atribuições assumidas146.
Quanto à legislação respectiva, constatou-se que, muito embora a previsão da reserva legal de vagas às pessoas com deficiência seja uma constante, o
direito das pessoas com deficiência, aprovadas em concurso público, ao pleno exercício das atribuições legais inerentes ao cargo encontra-se carente da
mesma atenção.
Merece registro, por exemplo, o Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais do Ceará, Lei Estadual nº 9.628 de 14 de maio de 1974, em que não se
verifica qualquer menção a servidor público com deficiência, a não ser pelo seu art. 250, que prevê a readaptação do servidor com capacidade laboral
reduzida, cujo procedimento se reporta a institutos não recepcionados pela atual ordem constitucional – transferência e ascensão funcional. A legislação
estadual que rege as carreiras jurídicas mais proeminentes no cenário nacional – Magistratura Estadual, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública –
também se ressentem de igual previsão147.
Não obstante esteja longe de representar o que realmente se esperava da legislação regulamentadora das carreiras públicas, no sentido de prever
condições diferenciadas de trabalho ao servidor com deficiência física, a Lei nº 8.112/90 passou a estabelecer, no art. 98, § 2º, após alteração pela Lei nº
9.527/97, a concessão de horário especial ao servidor “portador de deficiência”, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial,
independentemente de compensação de horário, benefício extensivo ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.
Em uma análise perfunctória do problema, a solução mais fácil parece ser adaptar as atribuições do cargo às limitações da pessoa. É nesse sentido que a
Lei nº 8.112/90 prevê o instituto da readaptação, em seu artigo 24, segundo o qual o servidor que sofrer limitações em sua capacidade física ou mental será
investido em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis, verificada em inspeção médica. A mencionada lei ainda determina que se julgado
incapaz para o serviço público, o readaptando será aposentado.
A maioria da doutrina administrativista brasileira148, ao comentar o instituto de que ora se cuida, apenas o inclui como uma das formas de provimento
derivado horizontal de cargo ou emprego público, sem, no entanto, debruçar-se sobre o aspecto constitucional da matéria, principalmente sob as luzes
dadas pela Convenção de Nova Iorque e pela Lei nº 13.146/2015.
De fato, a readaptação não deve ser manejada como burla à regra do concurso público – à semelhança de institutos já retirados do ordenamento jurídico
brasileiro, tais como a transferência e a ascensão –, mas como uma última tentativa da Administração de aproveitar as capacidades laborativas do servidor
que possui maiores restrições físicas ou mentais, impostas por problemas de saúde149.
Na maioria das situações, subtrair atribuições inerentes a determinado cargo, por força das limitações vividas pelo seu ocupante, afeta-lhe a dignidade,
na medida em que representa, em última instância, discriminação baseada na deficiência. Seria esvaziar de sentido o direito de acesso aos cargos públicos,
previsto pela Constituição Federal, Convenção de Nova Iorque e agora pela Lei nº 13.146/2015.
Nesse contexto, o servidor com deficiência, ocupante de determinado cargo público, que resta impedido de exercer suas atribuições legais – para além
do prejuízo individual – deixa uma lacuna na prestação do serviço público a ser devolvido à sociedade que, como é de comezinha sabença, verte um preço
altíssimo para subsidiá-la. Cuida-se, pois, de ofensa ao direito da pessoa com deficiência, de graves repercussões para a Administração Pública em geral.
Assim, conclui-se que o instituto da readaptação, na maior parte das situações em que for empregado para solucionar problemas pertinentes às
limitações de servidores com deficiência, estará contrariando a Convenção de Nova Iorque, que alçada à categoria de Emenda Constitucional, ensejará o
vício da inconstitucionalidade.
O que se espera, portanto, da Administração é que dirija esforços no sentido de fornecer ao servidor com deficiência o aparato necessário ao exercício
das funções de seu cargo e não de um mais “simples” ou inferior ao seu. A readaptação serve, portanto, via de regra, para solucionar limitações
temporárias, decorrentes de problemas de saúde, precedida de licença médica. É possível que, em casos pontuais, a Administração dela se valha como
último recurso, porém, nunca poderá ser utilizado sem antes haver ações inclusivas dirigidas a preservar a igualdade de condições de trabalho entre
servidores com e sem deficiência.
Apesar de estar ciente de que essa é a diretriz correta a ser seguida, muitas instituições encontram sérios problemas em implementá-la. E isso ocorre por
uma razão muito simples: não há regulamentação que norteie as condutas administrativas necessárias à adequação do cargo e de suas atribuições à
condição da pessoa com deficiência. Na ausência de lei específica sobre o tema, a solução deve ser buscada, logo, por via judicial, através de instrumento
constitucional específico: o mandado de injunção.
Para demonstrar a compatibilidade do mandamus com o problema apresentado, estudar-se-á no presente trabalho o mandado de injunção como garantia
constitucional do direito das pessoas com deficiência, através de um breve histórico do instituto. Em seguida, apresenta-se seus requisitos, especialmente
no que tange à ausência de norma regulamentadora (gerando omissão inconstitucional) e o trabalho dos deficientes como uma vertente do exercício regular
da cidadania. Por fim, analisa-se os efeitos do writ, com o advento da Lei 13.300/2016, revelando-se o meio mais adequado à concretização desse direito.
3.2 Direito de exercício das atribuições do cargo público por parte das pessoas com deficiência: uma vertente da cidadania
O direito de que ora se cuida é, a rigor, um direito de inclusão social. Não se trata de medida assistencialista ou protecionista, que muito mais
marginaliza a pessoa com deficiência do que a integra à sociedade. Não se trata de meros “arranjos” administrativos ou soluções paliativas ao problema ora
exposto. O que se busca é a verdadeira e definitiva inclusão, por meio da efetivação do direito de trabalhar, que se expressa, nesse caso específico, pelo real
exercício das atribuições do cargo público.
Não se pode perder de vista a dimensão do direito perseguido: para além de assegurar a livre escolha do trabalho ou aceitação no mercado laboral,
cuida-se de proporcionar ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível, especificamente, empregando pessoas com deficiência no setor
público; possibilitando às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e
de treinamento profissional e continuado e promovendo reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas
com deficiência163.
Indiscutível o caráter social do direito ora em questão: direito a prestações fáticas pelo Estado. O surgimento da figura do Estado promovedor coincide,
não por acaso, com a virada teórica que culminou com a concepção moderna de cidadania.
Na perspectiva da teoria política, cidadania significa a vinculação dos indivíduos à comunidade política. Historicamente, identificam-se dois marcos
fundamentais: cidadania antiga e cidadania moderna. Por eles balizaram-se as noções fundamentais de cidadania ativa e cidadania passiva.
A etimologia da cidadania já revela sua origem histórica, polites, em grego, que os romanos traduziam por cives. Em sua primeira concepção, possuíam
cidadania apenas os homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado, sendo, portanto, titulares de direitos políticos (COMPARATO, 1993).
Data de 431 a.C. a primeira formulação escrita do que se entende por cidadania na cultura ocidental. Péricles, ao homenagear os primeiros mortos na
Guerra do Peloponeso, enunciou que os ideais da civilidade ateniense – sentimento de pertecimento à polis – somente se alcançava com a participação
política dos cidadãos (BARRETO, 1993)
Não obstante discordassem da forma de participação política, Platão164 e Aristóteles165 convergiam no ponto relativo ao dever de integração do cidadão
a polis. Essa concepção clássica da cidadania ensejava um paradoxo entre a liberdade do cidadão e a sua submissão ao controle do Estado, a fim de que
essa liberdade fosse exercida. Rousseau referia-se a esta liberdade como sendo tão severa quanto o jugo do tirano (ROUSSEAU, 2013, p. 30-31). Assim,
após o desaparecimento da civilização greco-romana, deu-se a expansão territorial do poder político, culminando com a instauração regimes monárquicos
por toda a Europa, contra os quais se forjaram novamente as concepções liberais de cidadania.
O indivíduo ressurgia como detentor de direitos por si só, não mais em razão de seu pertencimento à polis. Como assinalou Benjamin Constant já em
1819, na famosa conferência pronunciada no Ateneu Real de Paris, na civilização greco-romana só se consideravam livres os homens que participavam
diretamente da gestão da coisa pública, decidindo sobre a paz e a guerra, votando as leis, exilando um cidadão ou julgando da responsabilidade dos
magistrados. Mas esses cidadãos, soberanos na esfera política, eram súditos obedientes da coletividade em sua vida privada. No mundo moderno, ao
contrário, a liberdade consiste não em participar da gestão da coisa pública, mas em não ser molestado abusivamente pelo Estado na vida privada. A essa
independência individual, que constitui um fato sem precedentes na História, corresponde não propriamente uma servidão política, mas um estado de
passividade. (COMPARATO, 1993).
Nesse momento, diferenciam-se os conceitos de cidadania civil e cidadania política, sendo esta última muito mais compreendida como uma
“abdicação” em nome dos representantes. No mundo antigo, as eleições eram completamente diferentes das que se realizam contemporaneamente. A
representatividade política era uma espécie de legitimação para que o eleito exercesse determinada função pública, não necessariamente em prol dos que o
elegeram.
Na Revolução Francesa, deu-se a completa separação entre o mandato civil e o mandato político. Os deputados eleitos pelo povo representam “a nação”
e não as pessoas que os elegeram. A Declaração dos Direitos proclamou que “o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação; nenhuma
entidade, nenhum indivíduo pode exercer algum poder que não emane, expressamente, da nação” (art. 3º). E a Constituição de 1791 complementando o
princípio, declarou que “a Nação (já agora com inicial maiúscula), da qual, unicamente, emanam todos os poderes, só pode exercê-los por delegação. A
Constituição francesa é representativa (...)” (título III, art. 2º). (COMPARATO, 1993).
Importante notar que, desde o nascedouro, os conceitos de cidadania, soberania e nacionalidade – objetos do mandado de injunção – estavam
visceralmente ligados.
Prosseguindo nesta breve digressão histórica, tem-se que a “nação”, enquanto titular da soberania, somente poderia exercê-la por meio da manifestação
da “vontade do povo” e este, por sua vez, não era composto em sua totalidade por pessoas juridicamente capazes. Ademais, nem todos os homens
juridicamente capazes eram social ou economicamente capazes de concorrer ao exercício da soberania (COMPARATO, 1993). Extrai-se daí que a divisão
entre cidadania ativa e passiva ainda se vinculava em grande medida ao critério censitário.
A sedimentação dos direitos civis caracterizou-se pela afirmação da sociedade perante o poder da monarquia absoluta. Em seguida, na Europa, a
nascente economia de mercado começou a exigir que fossem criados direitos que a viabilizassem (BARRETO, 1993). Essa necessidade, reverberou nos
textos constitucionais, de modo que o Estado Democrático de Direito passasse a ser nitidamente marcado pelo aspecto social, sendo posteriormente por ele
abrangido.
A par das críticas feitas à importação da teoria de Thomas H. Marshall às realidades latino americanas e especificamente ao contexto brasileiro
(BELLO, 2007), por meio dela a cidadania é compreendida, modernamente, como resultado do progresso em relação ao modelo liberal: Reconheceu uma
sucessão cronológica de reconhecimento de direitos: no século XVIII, dos direitos civis (direito de propriedade, direitos de liberdade de expressão,
pensamento, religião e de contratar, direito à intimidade e à privacidade, etc.); no século XIX, dos direitos políticos (direitos de votar e ser votado, de
fiscalizar as condutas dos representantes do povo, de formar e integrar partidos políticos, etc.); no século XX, dos direitos sociais (direitos ao trabalho, à
seguridade social, à educação, à saúde, à habitação, à associação sindical, etc.).
Desaparece, pois, o critério censitário e o Estado surge como promovedor da igualdade entre os cidadãos, por meio da qual a liberdade real é de fato
exercida. Somente cidadãos verdadeiramente livres estarão aptos a participar das escolhas políticas.
Cidadania consiste, portanto, em fazer com que o povo se torne parte principal do processo de seu desenvolvimento e promoção social: é a ideia de
participação. (COMPARATO, 1993). Compreender a cidadania em sua conceituação mais moderna é essencial para entender que o direito a trabalhar, mais
especificamente, o direito ao exercício do cargo por parte das pessoas com deficiência encontra-se por ela abrangido, principalmente considerando que se
trata de um vetor de inclusão social.
Com efeito, superado o abismo da desigualdade que separava as pessoas com deficiência do acesso aos cargos e empregos públicos – por meio da
reserva constitucional de vagas em concursos públicos – outro abismo surge ainda mais largo: o real exercício das atribuições do cargo. Inviabilizar o
exercício desse direito é, em última instância, inviabilizar também a participação e a inclusão social dessas pessoas e, por consequência, atingir-lhes
fatalmente em sua cidadania.
4 A DECISÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO E O REFLEXO NO DIREITO AO TRABALHO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Já se demonstrou que o exercício das atribuições dos cargos públicos ocupados pelas pessoas com deficiência pode restar inviabilizado dada a ausência
de norma que regulamente a adaptação delas à condição a que seu titular se encontra submetido. Também se explanou que esse direito decorre diretamente
do exercício da cidadania, compreendida em sua versão mais moderna.
Dessa forma, diante da ausência de norma regulamentadora, que enseja omissão legislativa inconstitucional, tendo em vista que obsta o exercício de um
direito fundamental, de conteúdo social, decorrente da cidadania, encontram-se presentes todos os requisitos exigidos pela Constituição para que se faça
uso do mandado de injunção a fim de assegurar aos titulares desse direito o seu pleno acesso.
Entretanto, cabe aqui uma indagação: como o juiz, no caso concreto, vai solucionar esse problema? A resposta a esse questionamento exige refletir
sobre os efeitos da decisão proferida no bojo do mandado de injunção.
Sobre esse tema, a doutrina166 costumava distinguir duas correntes: não concretista, pela qual o mandado de injunção serviria apenas para comunicar da
omissão ao Poder, órgão, entidade ou autoridade incumbida de legislar (vertente adotada pelo STF por 17 anos, inaugurada pelo MI n.º 107 de 1990) e
concretista, segundo a qual o Judiciário, ao julgar procedente a ação, deve editar a norma faltante ou determinar a aplicação de outra norma existente ao
caso concreto (adotada pelo STF, marcando mudança drástica de entendimento, notadamente nos MI’s 670 e 712, de 2007).
Esta última ainda poderia ser dividia, quanto aos sujeitos atingidos pela decisão, em: a) geral (erga omnes), segundo a qual a decisão proferida valeria
para todas as demais pessoas na mesma situação e b) individual, pela qual a decisão do Judiciário somente produziria seus efeitos para o autor da ação.
Quanto à concessão de prazo para o impetrado adotar as providências demandadas, divide-se ainda esta corrente em: c) direta: o Judiciário implementa
diretamente a solução, sem concessão de prazo ao impetrado para fazê-lo; d) intermediária: ao julgar procedente a ação, o Judiciário assinala um prazo à
autoridade competente para que produza a norma faltante. Nesse caso, esgotado o prazo, o Judiciário viabilizará ele mesmo o exercício do direito, liberdade
ou prerrogativa167.
Como visto, o STF sustentou entendimento de uma aplicação não concretista por muitos anos, fulminando as esperanças de quem considerasse o
mandado de injunção uma “super e multifinalística garantia integradora da ordem jurídica, destinada a tornar-se especialmente no campo dos direitos
econômicos e sociais, uma fecunda guardiã da efetividade do sistema constitucional democrático restaurado e ampliado em 1988” (QUARESMA, 1999, p.
82) – citada por Lúcio Machado Campinho. (CAMPINHO, 2006).
Após 2007, o Supremo mudou seu posicionamento para uma aplicabilidade concretista intermediária, oportunizando o legislador a possibilidade de
suprir a omissão legal. A partir de então, a jurisprudência pátria acerca da eficácia das decisões em mandado de injunção passou a ser praticamente
uníssona nesse sentido168.
A explanação detalhada de todas essas vertentes doutrinárias, porém, perdeu sua razão de ser diante da superveniência de legislação específica recente,
que regulamenta os efeitos da decisão em mandado de injunção: Lei nº 13.300 de 23 de junho de 2016.
Extrai-se da leitura do artigo 8º169 que a lei adotou, via de regra, a corrente concretista individual intermediária. Assim, o judiciário, ao julgar
procedente o mandado de injunção, tem como primeira providência, de regra, a fixação de um prazo ao impetrado para que edite a norma. Num segundo
momento, em caso de inércia do legislador, a própria Corte estabelecerá os parâmetros para o adequado uso do direito pleiteado.
CONCLUSÃO
Para quem está inserido no universo das minorias, não há conceito mais acertado do que aquele defendido por Rudolf von Ihering, ao afirmar que o
direito é luta (IHERING, 2009, p. 22). E se há verdade nessa assertiva, conclui-se que cada avanço legislativo no sentido de reconhecer os direitos das
pessoas com deficiências, inserindo-os, de início, na ordem jurídica internacional e, posteriormente, nas legislações internas, encerra uma importante vitória
na luta das pessoas com deficiência.
Não obstante toda a evolução legislativa que conduziu progressivamente à ampliação dos horizontes políticos e jurídicos acerca da questão das pessoas
com deficiência, o exame minudente da realidade conduz à inquietante constatação de que se faz necessária a efetiva concretização dos direitos já
reconhecidos.
Com efeito, a ausência de norma regulamentadora que verse sobre as adaptações necessária ao exercício das atribuições dos cargos ocupados por esses
sujeitos, após regular aprovação em concurso público consiste, a rigor, em omissão inconstitucional. Ademais, o direito atingido, de conteúdo
eminentemente social, diz respeito à inclusão e participação da pessoa com deficiência na sociedade, razão pela qual deve ser compreendido como
consectário direto da cidadania. Nesse contexto, o mandado de injunção apresenta-se como importante ferramenta, não mais na conquista dos direitos, mas
na sua efetiva concretização.
A eficácia da própria garantia constitucional, outrora ameaçada por decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no passado, encontra-se
plenamente estabelecida e fixada por recente regulamentação legal, conferindo ao Poder Judiciário o instrumental necessário para viabilizar o exercício do
direito pleiteado.
Muito embora conscientes de que esse mecanismo da lei pode gerar debates em torno da intromissão do Poder Judiciário na esfera legislativa e, por
consequência, sobre o princípio da separação dos poderes, as pessoas com deficiência possuem, agora um poderoso arsenal para fazer valer, de fato e
concretamente, o seu direito a trabalhar, especificamente, no serviço público.
Trata-se de mais uma medida direcionada à tão almejada eficácia dos direitos sociais. Na esteira de Amartya Sem (2010, p. 293), pode ser muito bonito
afirmar que todo ser humano tem direito a trabalhar, mas se não houver sido caracterizado nenhum dever específico de um agente, esse direito não pode
realmente “significar” grande coisa. Os direitos humanos, nessa concepção, são sentimentos comoventes, mas também são, rigorosamente falando,
incoerentes. Dessa perspectiva, sem garantir-lhes a devida eficácia, essas pretensões seriam mais adequadamente vistas não tanto como direitos, e sim
como nós na garganta.
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1 Mestranda em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela Universidade Federal do Ceará. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2015). Advogada.
2 MORIN Edgar. Pour une crisologie. Locus: Communications. La notion de crise, 25, pp. 149-163, 1976.
3 “Ce sont les médecins grecs qui ont rendu possible l’extension la plus importante et la plus intéressante de la signification du mot. Selon le traité hippocratique Des affections, « une crise dans les
maladies, c’est ou une exacerbation, ou un affaiblissement, ou une métaptose en une autre affection, ou la fin3 ». Ce schéma, Thucydide l’employa avec pertinence dans sa description bien connue de la peste
d’Athènes et de l’inexorable progression de celle-ci vers les crises des septième et neuvième jours”. STARN, Randolph.
4 “Au xvne siècle, des analogies commencèrent à être développées, à partir de là signification médicale de la notion. Des crises spirituelles furent décelées dans les âmes des Réformés et des Contre-
réformés; des références aux crises politiques apparurent dans une période que des historiens contemporains désignent par l’expression de « crise générale du xvne siècle »2. Une fois l’isolement technique
de la notion rompu, d’autres analogies suivirent. Au xvme siècle, sont mentionnées des « crises dans l’Église et dans l’État » et le marquis d’Argenson, qui avait de bonnes raisons; comme ministre de Louis
XV, de méditer sur ce thème, parle de crise économique” STARN Randolph. Métamorphoses d’une notion. In: Communications. La notion de crise, 25, pp. 4-18, 1976.
5 MORIN Edgar. Pour une crisologie. In: Communications. La notion de crise, 25, pp. 149-163, 1976.
6 MORIN Edgar. Pour une crisologie. In: Communications. La notion de crise, 25, pp. 149-163, 1976.
7 No original, Morin afirma que a noção de pertubação mais importante para o conceito de crise corresponde à petubação interna, associada à ideia de desregulação: Il est clair, dès lors, que ce qui est
important pour le concept de crise, ce n’est pas tant la perturbation externe qui effectivement dans certains cas déclenche un processus de crise ; c’est la perturbation interne, à partir de processus
apparemment non perturbateurs. Et la perturbation interne, provoquée par surcharge ou double-bind, va se manifester essentiellement comme ‘ défaillance dans la . régulation, décadence d’une
homéostasie, c’est-à-dire comme dérègle ment. La vraie perturbation de crise est le dérèglement. Elle est au niveau des règles d’organisation d’un système, elle est au niveau, non seulement des événements
phénoménaux extérieurs dans lequel est immergé écologiquement le système, mais de son organisation même, dans ce qu’elle a de génératif et régénérateur.
8 “No fim de algum tempo, adotada pela democracia a técnica do Estado totalitário, à qual ela foi forçada a recorrer (por mais contraditório que pareça) para salvar as suas aparências liberais a
democracia acabará por assimilar o conteúdo espiritual do adversário, fundindo-se dessa maneira em um O Estado Nacional 29 pólo único duas concepções do mundo, tão aparentemente inconciliáveis ou
antiéticos. Aliás, a crise do liberalismo no seio da democracia é que suscitou os regimes totalitários e não estes aquela crise. A democracia havia criado um aparelhamento de aparência racional, destinado a
conduzir o processo político, sem maiores crises de tensão, soluções ou decisões suscetíveis do mais largo e compreensivo assentimento. A irracionalidade dos seus métodos, uma vez que se ampliou a escala
dos acontecimentos e o vulto das questões, tornou-se, porém, de evidência lapidar. O princípio básico do regime liberal era, com efeito, que as questões deveriam ser propostas e discutidas perante o fórum da
opinião pública, a fim de que esta tomasse as decisões depois de suficientemente esclarecida”. (CAMPOS, Francisco. O Estado nacional: sua estrutura, seu conteúdo ideológico. Brasília: Conselho Editorial
do Senado Federal, 2001, p. 30).
9 “A ausência de substância política e de expressão ideológica nas instituições, que correspondia, nos partidos, a completa privação de conteúdos programáticos, o que os transformava em simples massas
de manobra e instrumentos mecânicos de manipulação eleitoral.(...) Entre esses quadros partidários e o sentimento e a opinião do País não existia a menor correspondência. Eles se haviam transformado, com
efeito, ou em meros instrumentos de falsificação das decisões populares, ou em simples cobertura para ação pessoal de chefes locais, ambiciosos de influência no governo da Nação, mormente quando posta
em foco a questão da sucessão.” (CAMPOS, CAMPOS, Francisco. O Estado nacional: sua estrutura, seu conteúdo ideológico. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, (1930-1937) 2001, p. 42).
10 Art 84 - O Colégio Eleitoral reunir-se-á na Capital da República vinte dias antes da expiração do período presidencial e escolherá o seu candidato à Presidência da República. Se o Presidente da
República não usar da prerrogativa de indicar candidato, será declarado eleito o escolhido pelo Colégio Eleitoral. Parágrafo único - Se o Presidente da República indicar candidato, a eleição será direta e por
sufrágio universal entre os dois candidatos. Neste caso, o Presidente da República terá prorrogado o seu período até a conclusão das operações eleitorais e posse do Presidente eleito. BRASIL. Constituição
(1937). Constituição de 1937. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 10 nov. 1937.
11 “Criticando com exatidão a Constituição de 1934, vasada nos moldes clássicos do liberalismo e do sistema representativo anterior à O Estado Nacional 45 crise econômica, social, política e espiritual
do mundo contemporâneo, e, portanto, inadequada para fazer face a essa nova situação, disse o Presidente, no manifesto de 10: ‘A Constituição estava evidentemente atrasada em rela- ção ao espírito do
tempo. Destinava-se a uma realidade que deixara de existir. Conformada em princípios cuja validade não resistira ao abalo da crise mundial, expunha as instituições por ela mesma criada à investida dos seus
inimigos, com a agravante de enfraquecer e anemizar o poder público’” (CAMPOS, Francisco. O Estado nacional: sua estrutura, seu conteúdo ideológico. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal,
(1930-1937) 2001, p. 46)
12 “Logicamente, este movimento junto ao Poder devia caber aos que, pela ficção do regimen representativo, oostumamos chamar «os representantes do povo>. Pois bem, as duas grandes classes
producloras, attingidas assim pela política do governo, dispensaram-se, quasi sem dar por isto, destes interrnediar.ios naturaes entre ellas com o Poder - e foram directamentc ao Poder expor-lhe as crúas
realidades da situação e, ao mesmo tempo, suggerir um plano de medidas necessarias á conjuração da crise. Os dois presidentes as ouviram com attenção e benevolencia, acceitaram, num livre debate, os
alvitres dos interessados, que eram alvitres de technicos e de entendidos - e deste entendimento amistoso re sultou promessa de uma ‘sér-ie de medidas de emergencia, que importavam, entretanto, numa
franca modificação da politica financeira até aquelle momento seguida pelo governo” (VIANNA, Oliveira. O Idealismo da Constituição. Rio de Janeiro: Edição de Terra de Sol, 1927, p. 103 -104).
13 Mestrando em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Advogado, inscrito na OAB/CE nº 31.283. E-mail: bruno_fvalente@hotmail.com.
14 Tal concepção merece acintosa crítica. Para uma leitura aprofundada sobre o assunto, recomenda-se a obra: ROSANVALLON, Pierre. Democratic legitimacy: Impartiality, reflexivity, proximity.
Princeton University Press, 2011.
15 O presente artigo não tem a pretensão de questionar a necessidade de representação para o exercício da democracia. Por este motivo partirá da concepção majoritária que a democracia nas sociedades
contemporâneas é inviável sem a representação. Também ressalta-se que a constituição brasileira prevê como regra a democracia indireta, sendo a participação direta do cidadão exceção.
16 Sobre o tema, é fundamental a leitura do capítulo final do livro: FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo. 2003.
17 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Radiografia do Novo Congresso: Legislatura 2015-2019. DIAP, 2014. Disponível em:
<http://www.diap.org.br/downloads/Radiografia%20do%20Novo%20Congresso/radiografia_do_novo_congresso_-_legislatura_de_2015_a_2019.pdf>
18 Ibidem. p. 13
19 Notícia disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/20-dos-deputados-tentam-o-quarto-mandato-seguido-ou-mais>
20 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Radiografia do Novo Congresso: Legislatura 2015-2019. DIAP, 2014. Disponível em:
<http://www.diap.org.br/downloads/Radiografia%20do%20Novo%20Congresso/radiografia_do_novo_congresso_-_legislatura_de_2015_a_2019.pdf>. p. 14.
21 Levantamento feito pelo autor através de acesso aos perfis institucionais dos novos eleitos, disponíveis em: <http://www25.senado.leg.br/web/senadores>.
22 Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo. 2003, p. 880.
23 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Radiografia do Novo Congresso: Legislatura 2015-2019. DIAP, 2014. Disponível em:
<http://www.diap.org.br/downloads/Radiografia%20do%20Novo%20Congresso/radiografia_do_novo_congresso_-_legislatura_de_2015_a_2019.pdf>. p. 114.
24 SCHOENSTER. Lauren. Clãs políticos seguem dominando Congresso na próxima legislatura. Transparência Brasil. 2014. Disponível em: <http://excelencias.org.br/docs/parentes_%202015-
2018%20vf.pdf>
25 SCHOENSTER. Lauren. Clãs políticos no Congresso Nacional. Transparência Brasil. 2014. Disponível em: < http://www.excelencias.org.br/docs/parentes.pdf>
26 Idem. Clãs políticos seguem dominando Congresso na próxima legislatura. Transparência Brasil. 2014. Disponível em: <http://excelencias.org.br/docs/parentes_%202015-2018%20vf.pdf>
27 Ibidem
28 Disponível em: <http://www.bonifacioandrada.com.br/site/descendencia.php>. Acesso em 31 de maio de 2015.
29 SCHOENSTER. Lauren. Clãs políticos seguem dominando Congresso na próxima legislatura. Transparência Brasil. 2014. Disponível em: <http://excelencias.org.br/docs/parentes_%202015-
2018%20vf.pdf>
30 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Radiografia do Novo Congresso: Legislatura 2015-2019. DIAP, 2014. Disponível em:
<http://www.diap.org.br/downloads/Radiografia%20do%20Novo%20Congresso/radiografia_do_novo_congresso_-_legislatura_de_2015_a_2019.pdf>. p. 14.
31 Levantamento disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/upload/congresso/arquivo/Patrim_NovosCongressistas.pdf>. Tais dados foram conferidos através do sistema “Divulgacand” do
Tribunal Superior Eleitoral, acessado através do endereço: < http://divulgacand2010.tse.jus.br/divulgacand2010/jsp/>
32 Dados disponíveis em: <http://divulgacand2010.tse.jus.br/divulgacand2010/jsp/abrirTelaDetalheCandidato.action?sqCand=250000001352&sgUe=SP>
33 Dado divulgado pelo instituto DataFolha, disponível em: < http://arte.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/16/piramide.pdf>.
34 Valor definido pela Lei nº 13.091/2015.
35 Os gastos dos deputados cobertos pela cota parlamentar podem ser acompanhados através do link: <http://www.camara.gov.br/cota-parlamentar/>. No Senado, tais gastos podem ser acompanhados
através do link: <http://www12.senado.leg.br/transparencia/dados-abertos/dados-abertos-ceaps>
36 Tal prerrogativa é atribuída pelo Art. 53, §1º da Constituição Federal.
37 Com a referida crítica não se pretende afirmar a condição de congressista não pressuponha a liberdade de expressão de opinião, a qual parece intrínseca ao cargo. O que se questiona é a existência de
limites para tal expressão de forma diferenciada em relação aos cidadãos ditos comuns.
38 Sobre o tema, vide julgado que teve como relator o Ministro Ayres Brito: “A palavra ‘inviolabilidade’ significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou
contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. <53> da CF, com a redação da Emenda 35, não reeditou a
ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da EC 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas
últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada ‘conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar’ (Inq 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior
das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer
o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado,
as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.” (Inq 1.958, Rel. p/ o
ac. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-10-2003, Plenário, DJ de 18-2-2005.) No mesmo sentido: Inq 2.295, Rel. p/ o ac. Min. Menezes Direito, julgamento em 23-10-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009”.
39 O próprio termo “Cidadão Comum”, tão usual cotidianamente, merece ser evitado, por si só representa uma categoria de inferiorização das pessoas que não exercem cargo público.
40 COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 570.
41 Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Largo de São Francisco (USP). Professor Adjunto do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito
Constitucional da Universidade de Fortaleza – PPGD – UNIFOR.
42 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC).
43 Op. cit, 2008a. p. 54
44 GIL, Antonio Hernandez. Conceptos jurídicos fundamentales: Obras completas – Tomo I. Madrid: Espasa-Calpe, 1987. p. 482
45 Op. cit, 2008a. p.59
46 Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
47 No original: “Articulation, thus, is the condition of representation. In order to come into existence, a society must articulate itself by producing a representative that will act for it.”.
48 No original: “the form by which a political society gains existence for action in history”
49 No original: “create [society] and bear it as the mode and condition of their self-realization.”,
50 No original: “and this symbolism illuminates it [society] with meaning in so far as the symbols make the internal structure of such a cosmion, the relations between its members and groups of
members, as well as its existence as a whole, transparent for the mystery of human existence.”
51 No original: “for through such symbolization the members of a society experience it as more than an accident or a convenience; they experience it as of their human essence.”.
52 1 Coríntios 12, 12-14.
53 No original: “Terminologically, it will be necessary to distinguish between three types of truth. The first of these types is the truth represented by the early empires; it shall be designated as
“cosmological truth.” The second type of truth appears in the political culture of Athens and specifically in tragedy; it shall be called “anthropological truth” – with the understanding that the term covers
the whole range of problems connected with the psyche as the sensorium of transcendence. The third type of truth that appears with Christianity shall be called “soteriological truth’”
54 No original: “The education of the people was an essential part of his program. Hobbes did not rely on governmental force for suppressing religious movements; he knew that public order was
genuine only if the people accepted it freely and that free acceptance was possible only if the people understood obedience to the public representative as their duty under eternal law. If the people were
ignorant of this law, they would consider punishment for rebellion an “act of hostility; which when they think they have strength enough, they will endeavour by acts of hostility, to avoid.””
55 No original: “Hobbes had discerned the lack of a theologia civilis as the source of difficulties that plagued the state of England in the Puritan crisis. The various groups engaged in the civil war were
so heaven-bent on having the public order represent the right variety of transcendent truth that the existential order of society was in danger of floundering in the melee. It certainly was an occasion to
rediscover the discovery of Plato that a society must exist as an ordered cosmion, as a representative of cosmic order, before it can indulge in the luxury of also representing a truth of the soul. To represent
the truth of the soul in the Christian sense is the function of the church, not of civil society. If a plurality of churches and sects starts fighting for control of the public order, and none of them is strong enough
to gain an unequivocal victory, the logical result can only be that, by the existential authority of the public representative, the whole lot will be relegated to the position of private associations within the
society”
56 “At present the fate is in the balance.” - VOEGELIN, Eric. (1952). New Science of Politics. 1º Edition. Missouri, USA: University of Missouri Press, 2000. (The Collected Works of Eric Voegelin, v.
5, p. 241)
57 Mestrando em Direito – Área de concentração: ordem jurídica constitucional – no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Advogado.
58Mestrando em Direito – Área de concentração: ordem jurídica constitucional – no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Advogado.
59 No mesmo sentido, v. FISS, Owen. Libertad de Expresión y estructura social, Trad. Jorge F. Malem Sena. México: Distribuciones Fontamara, 2004.
60 “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably
to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances”
61 Única mídia de grande alcance na época.
62 O Repórter ESSO, imitação nacional do norte-americano “Your Esso Reporter”, ia além da transmissão de notícias, servindo como verdadeira propaganda do “American way of life”, durante e após a
2ª Guerra Mundial. Serve, também, como exemplo de utilização da mídia para fins políticos.
63 Disponível em: <http://www.robertomarinho.com.br/obra/tv-globo/detalhes-de-verbete.htm>. Acesso em 11 jun. 2016.
64 Art. 160 - É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, sejam políticas ou simplesmente noticiosas, assim como a de radiodifusão, a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros.
Nem esses, nem pessoas Jurídicas, excetuados os Partidos Políticos nacionais, poderão ser acionistas de sociedades anônimas proprietárias dessas empresas. A brasileiros (art. 129, nº s I e II) caberá,
exclusivamente, a responsabilidade principal delas e a sua orientação intelectual e administrativa.
65 Disponível em <http://patriciapolacow.blogspot.com.br/2012/08/historia-da-tv-no-brasil-assis_9540.html>. Acesso em 07 jun. de 2016.
66 Disponível em <http://www.nytimes.com/1987/01/12/world/rio-journal-one-man-s-political-views-color-brazil-s-tv-eye.html>. Acesso em 11 jun.2016.
67Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)
V - o pluralismo político.
68 Regular no sentido de limitar abusos, jamais restringindo a liberdade de imprensa.
69 Para mais detalhes sobre todo o processo político de aprovação da LeY de Medios, v. MAUERSBERGER, C.. To be prepared when the time has come: Argentina’s new media regulation and the
social movement for democratizing broadcasting. Media, Culture & Society, [s.l.], v. 34, n. 5, p.588-605, 1 jul. 2012. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.1177/0163443712442703 e MACRORY,
Robbie. Dilemas Of Demoratisation: Media Regulation and Reform in Argentina. Bulletin Of Latin American Research, Oxford, v. 32, n. 2, p.178-193, 2013.
70 Ley 26.522 de Servicios de Comunicación Audiovisual
71 Cf. MAUERBERGER, op. cit.
72 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará.
73 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará, formada em Direito pela Unifor e Comunicação Social, pela UFC. É professora da Faculdade Sete de Setembro.
74 Mestranda em Direito, com ênfase em Ordem Jurídica Constitucional, no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). brunnagrasiella@hotmail.com
75 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará – UFC. rodrygorochamacedo@gmail.com.
76 Essa é a proposta de Poliene Soares dos Santos Bicalho em sua tese “Protagonismo indígena no Brasil: movimento, cidadania e direitos (1970-2009)”. Contudo, quando sua pesquisa relaciona a
questão indígena com a luta por reconhecimento de Honneth, ela procura confirmar apenas que o protagonismo indígena “não pode ser pensado, sistemática e conscientemente, antes da década de 1970”,
momento que, por fatores não tratados aqui, houve uma confluência de esforços para tornar a causa indígena algo consciente, organizado e abrangido por todas as etnias do país (BICALHO, 2010, p. 23).
Nosso artigo não se propõe discutir o tema sob uma perspectiva sócio-histórica, mas antes jurídico-filosófica, centrando-se nos princípios intersubjetivos e simbólicos e que impulsionaram a luta indígena a
adquirir um formato que possa ser analisado dentro da mais recente contribuição da Teoria Crítica para estudos de direito e filosofia. Assim, o presente artigo lança mão daquilo que a Escola de Frankfurt,
enquanto fonte formal de estudos, produziu com os trabalhos de Honneth e também os de Habermas na discussão sobre o “reconhecimento” como termo já trabalhado por Hegel.
77 O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), apresentado em 2014, registra exemplos dessas práticas integracionistas obtidos a partir de aprofundado estudo acerca das graves violações de
direitos humanos indígenas ocorridas entre 1946 e 1988.
78 O conceito de “espírito” é fluido na obra de Hegel, embora essencial para entender seu método. De forma panorâmica, “espírito” pode ser compreendido como o arquivo de informações que a
humanidade produziu em toda sua história, a partir de suas experiências sociais, as quais resultaram no Estado, na política, nas artes, na religião e nas ciências, aproximando-se do que entendemos hoje por
“cultura”.
79 Mestranda em Direito, com área de concentração em Ordem Jurídica Constitucional no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Especialista em
Direito Constitucional pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza - Unifor. Coordenadora do Grupo de Estudos intitulado Islã, Direitos Humanos e
Transconstitucionalismo - IDHT, vinculado ao Grupo de Pesquisa em Filosofia dos Direitos Humanos cadastrado no CNPq sob coordenação do Professor Doutor Regenaldo Rodrigues da Costa. Advogada. e-
mail: silvanapmmelo@gmail.com.
80 Mestrando em Direito, com área de concentração em Ordem Jurídica Constitucional, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Bacharel em Direito
pela Faculdade Sete de Setembro (FA7). E-mail: romulorichardcontato@gmail.com.
81 Teoria dos Sistemas tem origem nas Ciências Biológicas, na Teoria de Maturana e Varela. Ao longo do tempo, foi sendo aplicada em diversos campos de estudos. Luhmann inspira-se nas Ciências
Biológicas para propor uma Teoria dos Sociais e uma Teoria da Sociedade Contemporânea.
82 Marcelo Neves, em síntese, trabalha o autismo como a falta de reconhecimento de um sistema pelo outro, ensejando a negação da alteridade e a perda da capacidade de aprendizado.
83 Essencial esclarecer que a Síria é considerada um país muçulmano, ou seja, que segue os ensinamentos do Islã, pois mais de 50% de sua população professa a fé islâmica.
84 As considerações trazidas à baila se justificam pelo fato de que o Mundo islâmico é pouco conhecido entre os ocidentais. Assim, suas relações com outros sistemas sociais seriam incompreensíveis,
sem que se fizessem tais esclarecimentos.
85 Importante mencionar que há inúmeras divergências entre seguidores do Islã. Uma delas refere-se à linha sucessória da liderança, que ensejou a divisão entre muçulmanos sunitas e xiitas.
86 Anteriormente conhecido como Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS). Tem-se noticia de seu surgimento, no ano de 2013, como braço da organização terrorista Al-Qaeda. Posteriormente, os dois
grupos romperam os laços, quando foi declarado um califado e a mudança de nome para o Estado Islâmico (EI). Atualmente, é considerado um dos grupos mais perigosos do Mundo, com atividades brutais,
dentre elas, sequestros, torturas e assassinatos de civis, divulgação de vídeos com decapitações de prisioneiros e ameaças de destruição de todos os que discordarem de seus preceitos. Concentram-se,
principalmente, no Iraque e na Síria.
87 Para exemplificar, citam-se EUA, França, Turquia e Arábia Saudita como opositores do governo. Há rumores de que a Arábia Saudita apoia jihadistas. Por sua vez, Rússia e Irã se encontram no bloco
dos apoiadores do governo de Assad.
88 Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se
fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não
queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar
refúgio em outro país.
89 Oportuno destacar que os efeitos do referido decreto foram suspensos por uma decisão proferida por um Juiz Federal James L. Robart, de Seattle. A referida decisão foi confirmada pelo Nono Tribunal
de Apelações dos EUA em 09 de fevereiro de 2017 (STATE, 2017, on line).
90 O Islã é, primariamente, uma religião, podendo também ser entendido como uma doutrina ideológica completa, que rege a vida de muçulmanos (seguidores da fé islâmica) e não-muçulmanos. Seus
adeptos, anteriormente, eram politeístas, até que Muhammad (Maomé), considerado por eles como profeta, disseminou a ideia da existência de um só deus, Allah, ensejando o surgimento do Islã no sentido
religioso no século VII na Península Arábica, e sua posterior expansão. As manifestações de Muhammad (Maomé) formaram o livro sagrado do Islã, conhecido como Corão ou Alcorão, que se tornou o
fundamento escrito da fé muçulmana, bem como da legislação dos países islâmicos. Depreende-se o fato de que há síntese entre fé religiosa e organização sociopolítica em diversos países. É uma doutrina em
ascendência, considerada a segunda crença religiosa e primeira de maior elevação no mundo.
91 O conceito de autopoiese tem sua origem na teoria biológica de Maturana e Varela. Significa, inicialmente, que o respectivo sistema é constituído pelos próprios componentes que elabora. A
concepção luhmanniana de autopoiese afasta-se do modelo biológico, pois o ambiente não atua perante o sistema nem meramente como condição infraestrutural de possibilidade da constituição dos
elementos, nem apenas como perturbação, ruído; constitui-se como o fundamento do sistema.
92 Trata-se de roupa de banho islâmica que só deixa o rosto, as mãos e os pés à mostra.
93 Atentados coordenados pela organização terrorista conhecida como Al-Qaeda contra os Estados Unidos da America (EUA) em 11 de setembro de 2001.
94 Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduanda em
Direito Público com ênfase em Gestão Pública (Faculdade Damásio). Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP. Pesquisadora do Grupo “Direitos
Humanos e Minorias” (UFC). Coautora dos livros “Democracia e Jurisdição Constitucional: estudos de interpretação da Constituição (Lumen Juris, 2016)” e “Direito e Política: temas polêmicos à luz da
conjuntura político-institucional brasileira de 2016 (CRV, 2017)”. Diretora do Instituto Cearense de Direito Eleitoral – ICEDE. Advogada com atuação em direito público, prioritariamente em direito eleitoral.
E-mail: jessicatelesdealmeida@gmail.com
95 Segundo Gretha Leite Maia (2015, p. 61): “O termo gênero foi adotado para distinguir-se de sexo, para designar uma gama de diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres
(enquanto sexo refere-se às diferenças anatômicas e fisiológicas que definem, pelo corpo, o homem e a mulher). [...] Essa distinção é essencial para afirmar a ideia de que muitas diferenças que têm aparência
de naturais são, na verdade, socialmente construídas, e, portanto, estão sujeitas à desconstrução.”
96 A criação da primeira Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) em 1985 em São Paulo é um exemplo do reconhecimento da necessidade especial que deve ser conferida às vítimas. A Lei
Maria da Penha e a Lei do Feminícidio também são marcos legais nacionais revolucionários no combate a essa forma de violência, promulgados em cumprimentos aos pactos internacionais ratificados pelo
Brasil.
97 Rezende, ao tratar das conquistas das mulheres, nos transcreve que Besse analisou que (1995 apud REZENDE, 2015, p. 24): “Os novos papéis femininos puderam ser assimilados nas relações
patriarcais, desde que fossem racionalizados como uma extensão, para a esfera pública, das capacidades inatas das mulheres e, pois, não emancipassem as mulheres da dependência mental, emocional ou
econômica com relação aos homens (e, portanto, da subordinação a eles). Na verdade, esses novos papéis, criando uma ilusão de mudança, mascaravam – e com isso ajudavam a perpetuar – a dominação
masculina.”
98 Disponível em < http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/08/integra-do-discurso-de-dilma-apos-impeachment.html>. Acesso em 12 de dezembro 2016.
99 A Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece em seu artigo 226, §5º que “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”
100 Em Sobrados e Mucambos (1936) Freyre retrata, junto com a o processo de mudança da sociedade, a transformação da condição da mulher, escrevendo ainda sobre a opressão do ser feminino e sobre
a dupla moral que vigia no patriarcado agrário, a qual servia à dominação da mulher pelo homem que tudo podia fazer sem ser julgado. Em Ordem e Progresso (1959) retrata o cenário de transformação do
trabalho escravo para o trabalho livre, defendendo a tese de que a ordem social se manteve inalterável mesmo numa ambiência de transformação da República, não deixando de reconhecer, de igual maneira,
que o patriarcado como um dos sustentáculos da sociedade brasileira permaneceu. Na citada obra, Freyre reconhece ainda que a hierarquização de papéis de gênero, mesmo com as transformações sociais e
com os processos de modernização e urbanização, foi mantida. Faz ainda referências a feminista Bertha Lutz, reconhecendo sua força e sua habilidade política de por em pauta a luta pelo direito das mulheres.
101 Frise-se que esse imaginário foi alimentado durante muito tempo, vez que até o século XX vigia a teoria da incapacidade da mulher, a qual preconizava que as mulheres eram muito emotivas e
instáveis, motivo por que, sob pressão pública, não tinha capacidade de tomar decisões racionais. Reforçava essa teoria que a inferioridade da mulher em relação ao homem era natural, cultural e social. A
citada teoria teve força até início do século XX quando argumentações advindas da própria ciência a fizeram ruir. (SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade, 2001, p. 76). Note-se que a teoria da inferioridade da
mulher já havia sido trabalhada por Ingrid Cyfer (2010, p. 138) quando nos esclareceu que a filosofia política dos contratualistas liberais excluíram a mulher do âmbito político, autora que também nos
ensinou que Pateman (1989) traçou uma relação estrutural entre o liberalismo, com sua necessária distinção entre espaço público e privado, e o patriarcalismo.
102 A participação política da mulher é uma pauta que está inclusa também na agenda das bancadas feminina do Senado Federal e da Câmara de Deputados, as quais estão articuladas e empenhadas em
elaborar uma proposta conjunta que garanta reserva de cadeiras para mulheres no parlamento e que garanta, também, a destinação de recursos do fundo partidário para o financiamento de campanhas
femininas. A mais recente reforma política elaborada pela Lei n.º 13.165 de 29 de setembro de 2015 (BRASIL, 2015) acatou uma pequena parte dessa pauta e estabeleceu mecanismos para incentivar a
participação política feminina como a criação e manutenção pelos partidos de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Além disso, merece ser ressaltado que em 25/08/2015 e
08/09/2015 foi aprovado, em primeiro e segundo turnos respectivamente, no Senado Federal, o Projeto de Emenda Constitucional n.º 98/2015 que visa acrescentar o artigo 101 ao Ato das Disposições
Transitórias da Constituição para reservar vagas para cada gênero na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais, nas três
legislaturas subsequentes, com vistas a eliminar/minimizar as barreiras opostas à participação políticas das mulheres.
103 Em trabalho anterior (TELES, 2015) analisamos que no Estado Democrático de Direito a lei passa a ser privilegiadamente um instrumento de ação concreta do Estado, tendo como meta a promoção
de determinadas ações pretendias na ordem jurídica. Porém, a concretização da própria Constituição é obstada pelo modelo ou modo de produção liberal-individualista de Direito, motivo por que é necessário
que os conceitos de democracia, igualdade e cidadania devam ser estudados à luz de uma necessária relação com a práxis, com a tradição e com o horizonte histórico brasileiro que é marcado por um modelo
de sociedade escravocrata e patriarcal com vistas a compreender as desigualdades históricas e culturais que, ao transbordarem para o âmbito político. Demonstramos ainda que autores como Flávia Pioveran,
Élida Seguin e Boaventura de Souza Santos, alinhados a um compromisso internacional de redução de qualquer desigualdade que minem a participação política das minorias, defendem as ações afirmativas
como forma de discriminação positiva que antes de promoveram qualquer violação ao princípio da igualdade, antes o concretizam. Portanto, para se concretizar a igualdade e principalmente a igualdade de
gênero na política, assim como o direito à participação política, é imprescindível que, nessa quadra da história e sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, o direito assuma uma função ativa de
mudança social e cumpra as promessas de igualdade profetizadas na modernidade e, através de instrumentos político-jurídicos como as ações afirmativas, garanta-se às mulheres reservas de vagas no
Parlamento, contornando essas desigualdades históricas e culturais, incrementando a legitimidade democrática no Parlamento.
104 Cumpre registrar que pesquisadores da Filosofia Constitucional, como Dworkin, buscaram e ainda buscam solucionar questões envolvendo justiça e de como garantir a igualdade para todos e, assim,
uma sociedade mais justa. A maioria desses filósofos apresenta uma inquietude com a igualdade meramente formal e consideram que a influência de situações passadas podem ser fontes inaceitáveis de
desigualdades presentes, de forma que devem ser levadas em conta quando da distribuição da justiça. (COELHO, 2013, p. 416).
105 Mestranda em Direito, com área de concentração em Ordem Jurídica Constitucional no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Especialista em
Direito Constitucional pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza - Unifor, tendo exercido a função de pesquisadora de iniciação científica da Fundação
Edson Queiroz no Laboratório de análises políticas, econômicas e sociais - LAPES. Coordenadora do Grupo de Estudos intitulado Islã, Direitos Humanos e Transconstitucionalismo – IDHT, vinculado ao
Grupo de Pesquisa em Filosofia dos Direitos Humanos, cadastrado no CNPq sob coordenação do Professor Doutor Regenaldo Rodrigues da Costa. Advogada. E-mail: silvanapmmelo@gmail.com.
106 Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduanda em
Direito Público com ênfase em Gestão Pública (Faculdade Damásio). Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP. Pesquisadora do Grupo “Direitos
Humanos e Minorias” (UFC). Coautora dos livros “Democracia e Jurisdição Constitucional: estudos de interpretação da Constituição (Lumen Juris, 2016)” e “Direito e Política: temas polêmicos à luz da
conjuntura político-institucional brasileira de 2016 (CRV, 2017)”. Diretora do Instituto Cearense de Direito Eleitoral – ICEDE. Advogada com atuação em direito público, prioritariamente em direito eleitoral.
E-mail: jessicatelesdealmeida@gmail.com
107 Niklas Luhmann, inspirado na Teoria dos Sistemas de Origem nas Ciências Biológicas, propõe a Teoria dos Sistemas Sociais para estudar a sociedade contemporânea.
108 Marcelo Neves, com base na Teoria dos Sistemas Sociais desenvolvida por Luhmann, trabalha a sociedade mundial como desvinculada das organizações políticas territoriais.
109 O Cristianismo entende e trabalha o pecado original como aquele que todos os mortais herdam por serem descendentes de Adão e Eva. Na perspectiva católica apostólica romana, somente estão
livres desse flagelo Jesus Cristo e Maria sua mãe.
110 As considerações trazidas à baila se justificam pelo fato de que o Mundo islâmico é pouco conhecido entre os ocidentais. Assim, suas relações com outros sistemas seriam incompreensíveis, sem que
se fizessem tais esclarecimentos.
111 Após a morte do profeta, iniciaram os desentendimentos entre seguidores do Islã em virtude da linha sucessória da liderança, ensejando a divisão entre Sunitas e Xiitas. Em síntese, ambos pregam a
unidade de Allah e que o Alcorão foi por ele criado. A divisão, portanto, surgiu em virtude da divergência sobre quem deveria liderar após a morte de Muhammad.
112 É necessário sobrelevar, para que se evitem desacertos corriqueiros, que o conceito de Mundo árabe difere da ideia de Mundo islâmico e Mundo muçulmano, aquele está voltado para os mais
diversos aspectos como o da nacionalidade e estes podem se mostrar, repita-se, em sentido cultural, religioso e geopolítico moderno. Portanto, os árabes podem ser seguidores das mais diversas crenças
(Cristianismo, Judaísmo etc.), muito embora grande parte tenha aderido ao Islã. O árabe pode ainda se apresentar como etnia, idioma etc.
113 Susan Moller Okin (1999), em seu ensaio “O multiculturalismo é prejudicial às mulheres?”, partindo de uma perspectiva norte-americana e etnocêntrica de outras culturas, como pontuado por seus
críticos (AL-HIBRI, 1999, p. 41), defende que “uma defesa liberal de direitos humanos deve dar prioridade aos direitos dos indivíduos, não aos de culturas ou grupos minoritários” (OKIN, 1999, p. 17).
114 Segundo informações extraídas do mapa elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre “Mulheres na Política 2015” (ONU, 2015), o Brasil ocupa a 117ª posição, com 9% de
representação de mulheres, em um “ranking” de 138 países em relação à igualdade de gênero e à participação de mulheres na vida pública, ficando atrás de países árabes e africanos e estando à frente na
América Latina apenas do Haiti. A média global chegou a 22% de mulheres nos parlamentos, enquanto a participação feminina no Oriente Médio é em torno de 16% (B, 2016, on line). Para maiores
informações, conferir Almeida (2015).
115 Na terminologia utilizada por Neves, os subintegrados ou subcidadãos, em epílogo, não restam suficientemente incluídos, ou seja, não possuem acesso aos direitos básicos, embora permaneçam
rigorosamente vinculados aos deveres.
116 Mestranda em Direito, com ênfase em Ordem Jurídica Constitucional, no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC).
117 Mestranda em Direito, com ênfase em Ordem Jurídica Constitucional, no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC).
118 Vide endereço eletrônico: <http://blog.portalexamedeordem.com.br/apenas-1-a-cada-5-inscritos-foi-aprovado-no-xviii-exame-de-ordem>. Consulta realizada em 13 de julho de 2016.
119 Graduada em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pós-graduada em Direito e Processo Constitucionais pelo
Programa de Pós-graduação em direito Latu Senso da Unifor. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará.
120 O Instituto Paulo Montenegro divulgou em 2012 uma pesquisa que revelou que 38% dos alunos que chegam ao ensino superior no Brasil não sabem ler e nem escrever. Quadro que reflete a falta de
qualidade do ensino no País. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,no-ensino-superior-38-dos-alunos-nao-sabem-ler-e-escrever-plenamente-imp-,901250>. Acesso em: 24 jun. 2016.
121 Informação retirada da Ação Civil Pública nº 1049683-05.2015.8.26.0053, proposta pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo pedindo a suspensão do programa de
reorganização escolar. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/%21PORTAL.wwpob_page.show?_docname=2577000.PDF>. Acesso em: 24 jun. 2016.
122 Ingo Sarlet em “Direitos fundamentais e Estado Constitucional- estudos em homenagem a J.J Gomes Canotilho” aborda a temática dos direitos sociais no âmbito do sistema constitucional pátrio
dando ênfase a questão da sua eficácia e sua efetividade. Para Sarlet, todos os direitos, tenham sido eles expressa ou implicitamente positivados são direitos fundamentais, incluindo, portanto, os direitos
sociais.
123 O processo de emancipação humana está associado também à efetividade dos direitos fundamentais. Não é livre aquele que vive sem direitos, como bem mostrou Graciliano Ramos em “Vidas
Secas”. Marcados pela miséria, fome e falta de oportunidade, os personagens vão seguindo suas vidas embrutecidos. A vida seca não está apenas relacionada com a aridez do solo, mas também a uma vida de
privações de direitos. Segue um pequeno trecho da obra quando o personagem Fabiano é preso pela polícia local: “Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre
havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia. [...] Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então
mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? [...] Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa? [...]. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos.... Nunca
vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino,
encontraria meio de entendê-la. Impossível, só sabia lidar com bichos”
124 O art. 26 da Convenção Americana de Direitos humanos, dispõe sobre o desenvolvimento progressivo:
Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente
a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de
Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.
125 Art. 214- A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos,
metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V -
promoção humanística, científica e tecnológica do País; VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.
126 Vale nota que a Constituição Federal de 1988 faz referência explicita a três espécies do direito de resistência, quais sejam: objeção de consciência (art. 5º, VIII c/c 143, § 1º, CF); greve política (art.
9º, CF); princípio da autodeterminação dos povos (art. 4º, III, CF).
127 Em sede de direito comparado, um dos poucos exemplos de positivação do direito de resistência pode ser visto no Direito Português. A Constituição de 1982”, Art. 21, dispõe: “Todos têm o direito
de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade Pública”. E do mesmo modo tem-se a
Constituição Alemã de 1942, por sua vez, declara: “Todos os alemães terão o direito de se insurgir contra quem tentar subverter essa ordem, quando não restar outro recurso”. De acordo com João Gaspar
Rodrigues é possível identificar o direito de resistência, em outras Constituições também, mesmo que não de forma expressa, como a da Argentina, Timor Leste, Moçambique, França, Cabo Verde, Estados
Unidos, Uruguai, Peru e Colômbia.
128 Nem todos os atos contrários às leis consideradas injustas ou à atos estatais podem ser considerados como legítimas expressões do direito de resistência podendo recai, inclusive, nos tipos penais de
resistência (art. 329, CPB) e de desobediência (art. 330, CPB).
129 Doutrinariamente, o direito de resistência possui cinco diferentes espécies, quais sejam: 1) objeção de consciência; 2) greve política; 3) desobediência civil; 4) direito à revolução; 5) Direito à
autodeterminação dos povos. Porém, para não fugir da temática proposta, será apresentada apenas a modalidade desobediência civil por estar diretamente associada a àquela.
130 No artigo científico “Greve: um direito antipático”, Francisco Gérson Marques de Lima discorre sobre a rejeição e a antipatia pelo poder Judiciário, pela sociedade e pelos próprios trabalhadores ao
direito de greve. Quando uma greve é deflagrada, predomina, em geral, a versão dada pela empresa. A sociedade se vê vítima do movimento grevista e geralmente se opõe a luta dos trabalhadores. Isso se dá
pela deturpação das informações e/ou pela divulgação de informações parciais, incompletas pelos meios de comunicação, colocando em segundo plano algo que é de extrema importância social que é a
situação precária dos trabalhadores (p. 57). A antipatia ao direito de greve se revela também nas decisões do Poder Judiciário quando diariamente as decretam ilegais.
131 Disponível em: <http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/262545505/agravo-de-instrumento-ai-22432322520158260000-sp-2243232-2520158260000/inteiro-teor-26254552>. Acesso em: 24 jun.
2016.
132 Advogada; Mestranda em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará; graduada pela mesma universidade com período de mobilidade acadêmica na Universidade de
Valladolid, Universidade de Coimbra e Academia de Direito Internacional de Haia.
133 BRASIL. Comite Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educaçào em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Ministério da Educação.
Ministério da Justiça: UNESCO, 2006.
134 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394/96 – 24 de dez. 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1998. Conferir em: www.cpt.com.br.
135 De acordo com dados fornecidos pelo INEP/MEC, no final da década de 1990, o Brasil possuía cerca de 97% de suas crianças de 7 a 14 anos de idade inseridas no sistema educacional.
136 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (PPGD-UNIFOR).
137 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (PPGD-UNIFOR); Docente do curso de Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá
(UNICATÓLICA); Bolsista pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico e Científico (FUNCAP).
138 Mestranda em Direito, com ênfase em Ordem Jurídica Constitucional, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). E-mail:
luana.adriano88@gmail.com
139 Decreto Nº 7.611/2011 Art. 8º O Decreto no 6.253, de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 9º-A. Para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, será admitida a dupla
matrícula dos estudantes da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado.
§ 1o A dupla matrícula implica o cômputo do estudante tanto na educação regular da rede pública, quanto no atendimento educacional especializado.
§ 2o O atendimento educacional especializado aos estudantes da rede pública de ensino regular poderá ser oferecido pelos sistemas públicos de ensino ou por instituições comunitárias, confessionais ou
filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente, sem prejuízo do disposto no art. 14
Art. 14. Admitir-se-á, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o cômputo das matrículas efetivadas na educação especial oferecida por instituições comunitárias, confessionais ou
filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente.
§ 1o Serão consideradas, para a educação especial, as matrículas na rede regular de ensino, em classes comuns ou em classes especiais de escolas regulares, e em escolas especiais ou especializadas.
§ 2o O credenciamento perante o órgão competente do sistema de ensino, na forma do art. 10, inciso IV e parágrafo único, e art. 11, inciso IV, da Lei no 9.394, de 1996, depende de aprovação de projeto
pedagógico
140 Lei Nº. 13.005 /2014 Estratégia 4.1) contabilizar, para fins do repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB,
as matrículas dos (as) estudantes da educação regular da rede pública que recebam atendimento educacional especializado complementar e suplementar, sem prejuízo do cômputo dessas matrículas na
educação básica regular, e as matrículas efetivadas, conforme o censo escolar mais atualizado, na educação especial oferecida em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,
conveniadas com o poder público e com atuação exclusiva na modalidade, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007;
141 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará, em 2004. Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Assessora Jurídica do Procurador Geral de Justiça do
Estado do Ceará.
142 “(...) a tolerância é, antes de tudo, uma atitude ativa, fundada no conhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro” E ainda, a tolerância “(...) não é uma
concessão, condescendência, indulgência (...) nem (significa) renunciar às próprias convicções, nem fazer concessões a respeito (...)” (UNESCO, 1995, art. 1º).
143 CF/88. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).
144 A entrada no serviço público, via percentual de vagas assegurado por lei, ainda encontra obstáculos em algumas unidades federativas, mormente nos municípios, diante da ausência de lei definidora
do percentual correspondente.
145 Consultar: http://www.al.ce.gov.br/, http://www.ceara.gov.br/, http://www.tjce.jus.br/principal/default.asp, http://www.mpce.mp.br/, http://www.defensoria.ce.gov.br/
146 É bem verdade que se poderia cogitar buscar esses dados por meio da sistemática fornecida pelas leis de acesso à informação, contudo é possível que esse fato (ausência de dados) revele algo mais
preocupante: na condição de minoria, os servidores com deficiência não são contabilizados com destaque nas estatísticas do órgão.
147 Trata-se da Lei Complementar nº 72/2008 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Ceará), da Lei Estadual nº 12.342/1994 e alterações posteriores (Código de Organização Judiciária do
Estado do Ceará), e da Lei Complementar nº 06/1997 (Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado do Ceará).
148 Por exemplo, MELLO, 2010. p. 311.
149 Neste ponto, importante frisar que há uma distinção entre a situação dos servidores com deficiência (seja ela existente antes ou depois do ingresso nos quadros públicos) e a dos servidores que
simplesmente encontram-se acometidos de alguma doença que os tenha incapacitado temporariamente. E é essa distinção que deve marcar o tratamento destinado ao servidor acometido de doença ou moléstia
que o tenha incapacitado (ainda que temporariamente) daquele servidor com deficiência, de modo que a readaptação não se mostra como a solução adequada para solucionar o problema de que ora se cuida.
Quando uma pessoa com deficiência visual ou auditiva, por exemplo, ingressa por concurso no serviço público, a Administração deve fornecer o instrumental necessário para que ela exerça as atribuições
do cargo que está ocupando e não “readaptá-la” para outra função inferior. O mesmo raciocínio vale quando o servidor, por qualquer motivo, passa para a condição de pessoa com deficiência: a
Administração não deve proceder (pelo menos, não de imediato) à sua readaptação.
150 José Afonso da Silva, antes da promulgação da atual Carta Constitucional asseverava: Ao menos juridicamente, não se pode constranger o legislador a legislar, nem mesmo naqueles casos em que lhe
é prefixado prazo. Se o comando impositivo não for cumprido, a omissão do legislador poderá constituir um comportamento inconstitucional, mas este é insindicável e incontrolável jurídica e
jurisdicionalmente; primeiro porque, como adverte Levi, ninguém é legitimado para o exercício de uma pretensão jurídica objetivando o adimplemento de tal prestação por parte dos órgãos legislativos, isto é,
ninguém tem o direito subjetivo à aprovação de qualquer lei, ainda que determinada no texto da constituição; segundo, e consequentemente, porque a omissão se revela como questão política, que escapa à
apreciação judicial. (SILVA, 1992, p. 118).
151 No início dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, o Senador Virgílio Távora apresentou as Sugestões de Norma Constitucional nº 155-4 e nº 156-2, datadas de 27.03.1987, com a seguinte
redação: 155-4: Sempre que se caracterizar a inconstitucionalidade por omissão, conceder-se-á ‘mandado de injunção’, observado o rito processual estabelecido para o mandado de segurança; 156-2: a não
edição de atos ou normas pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, visando a implementar esta Constituição, implica a inconstitucionalidade por omissão; Essa proposta sofreu ainda algumas
alterações, ao passar pelas Comissões de Soberania e Direitos e Garantias do Homem e da Mulher e de Sistematização, na fase do Projeto de Constituição, até, finalmente, chegar ao texto atualmente vigente.
152 Sobre a origem do instituto, ver PFEIFFER, 1999 e BITENCOURT NETO, 2009.
153 Comentando sobre a caracterização dos direitos sociais a prestações fáticas, Canotilho esclarece que uma significativa parte da doutrina chega a negar sua configuração como verdadeiros direitos.
Porém sua correta compreensão exige uma mudança de função dos direitos fundamentais, de modo que o problema de sua efetivação não os reduz a simples apelo ao legislador (CANOTILHO, 2003, p 475).
154 Por outro lado, não se pode desconhecer que, se uma Constituição diz, simplesmente, que a moradia é um direito social, tal expressão genérica não define, de modo completo, as feições do direito
fundamental. Haverá, nesse caso, um direito sob a forma de princípio e que, considerado como um direito como um todo, pode gerar múltiplas posições jurídicas, quer sob a forma objetiva, como o dever de
legislar, que sob a forma subjetiva, como direitos de defesa e proteção ou direitos a prestações fáticas (BITENCOURT NETO, 2009, p. 35).
155 A transformação do Estado em prestador de bens e serviços trouxe à tona discussão sobre a atribuição de competência legislativa ao governo, tendo como fundamento sua alegada maior capacidade
de dar resposta tempestiva tecnicamente adequada às múltiplas necessidades sociais dependentes de prestações estatais, ideia reforçada pela legitimidade democrática direta ou indireta do governo, seja em
regimes presidencialistas ou semi-presidencialistas, seja em regimes parlamentares (BITENCOURT NETO, 2009).
156 Pode-se dizer em suma que os direitos sociais a prestações fáticas, pelo simples fato de constarem do texto constitucional, tem já as seguintes formas de eficácia, decorrente de sua normatividade
fundamental: a) eficácia negativa, proibindo ações que lhes contrariem ou ofendam a igualdade material; b) eficácia interpretativa, guiando a interpretação de normas constitucionais e infraconstitucionais; c)
eficácia vinculativa, pautando a atividade do legislador democrático, seja quanto à obrigação de dar-lhes eficácia concreta, seja vinculando as opções legislativas a determinados parâmetros de concretização
dos direitos fixados já em algumas Constituições; d) são fundamentos da possibilidade de restrição dos direitos, liberdades e garantias e da justificação da respectiva medida; e) são causa para declaração de
inconstitucionalidade por omissão (BITENCOURT NETO, 2009, p. 43).
157 Art. 5º. § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
158 Assim se posiciona BITENCOURT NETO, 2009, citando, porém doutrina que entende trata-se de faculdade de legislar: MENENDEZ, Ignácio Villaverde. La inconsticucionalidad por omissión de
los sistemas legislativos, p. 122-124 e DIAS, Oscar. Breves observações sobre a influência da constituição portuguesa na constituição brasileira de 1988, p. 84.
159 Situações em que a lei, por não mais se adequar à realidade constitucionalmente regulada, afasta-se da teleologia constitucional, processo que pode designar-se de “trânsito para a
inconstitucionalidade” (BITENCOURT NETO, 2009, p. 51).
160 O erro do legislador quanto a prognoses também pode gerar omissão legislativa inconstitucional superveniente, quando a lei é desproporcional no cumprimento dos objetivos constitucionais,
impondo-se sua alteração, ou quando o meio escolhido pelo legislador é insuficiente ou inadequado à concretização de um direito fundamental (SILVA, 2003, p. 62-63).
161 Entrou em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008 e, internamente na condição de emenda constitucional, a partir do Decreto nº 6.949, publicado em 26 de agosto de
2009.
162 Importante destacar, nesse ponto, que a Constituição Federal de 1988, desde o texto original, já previa (art. 5º, § 2º) que os direitos e garantias nela expressos não excluíam outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil fosse parte. Avanço de inigualável valia para superar as divergências doutrinárias e
jurisprudenciais sobre a posição hierárquico-normativa dos tratados internacionais de direitos humanos ao ordenamento brasileiro adveio da Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou o § 3º ao
artigo 5º supramencionado. A partir de então, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que fossem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, seriam equivalentes às emendas constitucionais, o que significa aplicação imediata e eficácia plena desses direitos, conforme assegura o §1º do mesmo preceptivo.
163 Convenção de Nova Iorque
Art. 27. Trabalho e emprego. 1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à
oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes
salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de,
entre outros:
d) Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado;
(...)
g) Empregar pessoas com deficiência no setor público;
(...)
k) Promover reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas com deficiência.
164 Platão sustentava que a elite política, ou seja, os cidadãos que participavam ativamente do processo de decisão política, não deveriam ter vida privada, ao contrário do restante da população.
(PLATÃO, 2003, p 143-144 ).
165 Aristóteles contestava a figura de cidadãos excluídos da vida pública, reduzidos à vida privada, defendendo que todos deveriam se dedicar à vida pública, em prol do bem comum, chegando ao
extremo de entender que, por tal razão, todos eles deveriam se submeter à práticas comuns religiosas e à regulamentação bastante ampla da esfera privada. Para este filósofo, não se deveria considerar que um
cidadão pertenceria a si próprio, mas à cidade (ARISTÓTELES, 2001, p. 113-115).
166 A respeito de como esse tema era abordado antes da lei nº 13.300 de 23 de junho de 2016, ver PFEIFFER, 1999 e QUARESMA, 1999.
167 Sobre o tema, elucidativo o trecho do voto do Ministro Néri da Silveira (citado por Alexandre de Moraes (Moraes, 2008): “Há, como sabemos, na Corte, nos julgamentos dos mandados de injunção,
três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção n.º 107, que entende deva o Supremo, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência
dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de
injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei,
mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício dos direitos e liberdades contemplados na Carta Política, mas dependentes de
regulamentação. Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua
competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se
estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento da reclamação da parte quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É por isso
mesmo, uma posição que me parece concilia a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos,
assim como quer a Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei. (Pronunciamento do Ministro Néri da Silveira. Ata da 7.ª sessão
extraordinária do Supremo Tribunal Federal, realizada em 16 de março de 1995 e publicada no Diário da Justiça em 4 a abril de 1995, seção I, p. 8.256)” (Moraes, 2008, p. 175).
168 Por exemplo BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Mandado de Injunção nº 10000130670771000. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 23 maio 2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul. Recurso Cível nº 71005618236. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 08 de outubro de 2015; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 1017 RS. Pesquisa de
Jurisprudência, Acórdãos, 31 julho 2014.
169 Art. 8º - Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:
I - determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;
II - estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria
visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.
Parágrafo único. Será dispensada a determinação a que se refere o inciso I do caput quando comprovado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido para
a edição da norma.
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