Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Robert Sarah
A todos os sacerdotes.
"Possuir uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, vem usualmente tachado como
fundamentalismo. Enquanto o relativismo, ou seja, “deixar-se levar para lá e para cá
por qualquer vento de doutrina”, se mostra como único comportamento digno nos
tempos modernos. Assim se vai moldando uma ditadura do relativismo que não
reconhece nada como definitivo e que deixa como medida última apenas o próprio Eu e
suas vontades."
Ratzinger, Homilia na “Missa Pro Eligendo Romano Pontefice”, 18/04/2005.
Nota do Curador
“Devemos meditar sobre estas reflexões de um homem que se aproxima do fim de sua
vida. Neste momento crucial, não decide intervir com delicadeza”.
R. Sarah
1/24
muito raramente Bento XVI aceitou manifestar suas idéias sobre temas importantes à vida
da Igreja.
Por qual motivo o Papa emérito decidiu colaborar com o Cardeal Sarah?
Os dois são muito amigos e mantêm correspondência regular dividindo seus pontos de
vista, esperanças e preocupações.
Bento XVI não pretendeu enfrentar sozinho uma questão tão delicada. A
colaboração do Cardeal Sarah foi tão natural quanto importante. O Papa emérito conhece
a profunda espiritualidade do cardeal, seu espírito de oração e sua sabedoria. Confia nele.
No prefácio à Força do Silêncio, durante a Semana Santa de 2017, Bento XVI escreveu:
“o Cardeal Sarah é um mestre que fala a partir do fundo do espírito e permanece em
silêncio junto ao Senhor, a partir da profunda unidade com Ele, e assim tem realmente
2/24
muita coisa a dizer a todos nós. Devemos agradecer ao Papa Francisco por ter posto um
tal mestre do espírito na liderança da Congregação que é responsável pela celebração da
liturgia na Igreja”.
Por sua vez, o Cardeal Sarah admira a produção teológica de Bento XVI,
o poder de suas reflexões, a sua humildade e a sua caridade.
Ao seu texto o Cardeal Sarah deu o título de “Amar até o fim. Olhar
eclesiológico e pastoral sobre o celibato sacerdotal”. Reencontramos nele a coragem, o
radicalismo e a mística que rendem incandescentes todos os seus livros.
Bento XVI e o Cardeal Sarah quiseram iniciar e encerrar este livro com
dois textos escritos a quatro mãos. Na conclusão escrevem: “é urgente e necessário que
todos, bispos, sacerdotes e leigos não se deixem mais impressionar por maus
conselheiros, por encenações teatrais, por mentiras diabólicas, por erros da moda
momentânea que procuram desqualificar o celibato sacerdotal”.
3/24
assim: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha
força”. (2Cor 12,9).
Gostaria de concluir esta breve introdução com duas citações que hoje
sinto ressoar com força. A primeira vem tirada da homilia de Bento XVI para a Missa de
Pentecostes de 31/05/2009: “Assim como existe uma poluição atmosférica, que envenena
o ambiente e os seres vivos, assim existe também a poluição do coração e do espírito, que
mortifica e envenena a existência espiritual”. A segunda vem de “Il portico del mistero
della seconda virtù”, de Charles Péguy: “O que me espanta, diz Deus, é a esperança. Não
consigo compreender. Essa pequenina esperança que tem ares de não ser nada. Essa
garotinha, a esperança”.
1
Sant’Agostino, Epistola 23,6
4/24
Desenvolvidas por meio de sentidos diferentes, as nossas reflexões nos portaram, então,
a trocarmos algumas cartas. A proximidade das nossas preocupações e a convergências
das nossas conclusões fizeram-nos com que, como Santo Agostinho, tomássemos a
decisão de pôr à disposição de todos os fiéis o fruto do nosso trabalho e da nossa amizade
espiritual.
Nós também, como ele, devemos dizer: “Não posso me calar. Sei o quanto
me seria pernicioso o silêncio. Não penso, assim, passar o tempo em encargos
eclesiásticos satisfazendo a minha vaidade, penso, de outra forma, que quanto às ovelhas
que me são confiadas darei contas ao príncipe de todos os Pastores” 2.
2
Ibidem, 23,7.
5/24
que esse navio que é a Igreja jamais naufragará, que ele e apenas ele poderá nos conduzir
ao porto da salvação eterna.
Bento XVI
Cardeal Sarah
6/24
I
O sacerdócio católico.
Bento XVI
7/24
1. O formar-se do sacerdócio neo-testamentário na exegese cristológico-
pneumatológica.
Apostolo
Episkopos
3
5 Cfr. g. KIttel, F. geRhaRd (edd.), Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament, W. Kohlhammer,
Stuttgart 1957-1979 (ristampa anastatica dell’edizione del 1933), I, p. 406.
8/24
como apelativo de Deus e mais genericamente como “vigilante” em vários tipos de
âmbitos”4.
Presbyteros
4
Ibidem, II, p. 610
9/24
unidade com a tradição do sacerdócio e da adoração que devemos tentar compreender
aqui. No meu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”5 expus a linha crítica dos profetas
em relação à adoração adotado por Estevão e que São Paulo se conecta à nova tradição
de adoração da Última Ceia de Jesus. O próprio Jesus havia aceitado e aprovado as críticas
dos profetas à adoração, especialmente em conexão com a disputa pela interpretação
correta do Shabat (Mt 12,7).
5
J. RatzIngeR, Introduzione allo spirito della liturgia, San Paolo, Cinisello Balsamo (Mi) 2001.
10/24
interpreta como definitiva nova formação e configuração da adoração. Nesse sentido, a
purificação do Templo é o anúncio da uma nova forma de adoração de Deus e por isso
diz respeito à natureza da adoração e do sacerdócio.
Para compreender aquilo que com a adoração Jesus quis e não quis,
naturalmente é decisiva a Última Ceia, com a oferta do Seu corpo e sangue. Porém, não
é esta a porta de entrada para desenvolver uma correta interpretação destes
acontecimentos e das palavras de Jesus. Importante é que jesus, de um lado, retoma a
tradição do Sinai e se apresenta assim como o novo Moisés; de outro lado, porém, ele
retoma a esperança da Nova Aliança formulada de modo particular com Jeremias,
preanunciando, assim, a superação da tradição do Sinai ao centro da qual Ele mesmo será
o sacrificante e o sacrificado de uma só vez. Importante notar que aquele Jesus que está
em meio aos discípulos é o mesmíssimo que dá a si mesmo a eles em sua carne e seu
sangue, antecipando a cruz e a ressureição. Sem a ressureição nada disso teria sentido. A
crucifixão de Jesus em si mesma não é um ato de adoração e os soldados romanos que a
executaram não são de forma alguma sacerdotes. Eles apenas cumpriram a ordem de
execução, mas nem remotamente imaginando praticar um ato de adoração. O fato que
Jesus doe a si mesmo para sempre como alimento na Última Ceia significa a antecipação
da Sua morte e ressureição, além da transformação de um ato de crueldade humana em
um ato de doação e de amor. Assim, o próprio Jesus cumpre a fundamental renovação da
adoração que permanecerá para sempre válida e vinculante: ele transforma o pecado dos
homens em um ato de amor no qual os futuros discípulos poderão ingressar com a sua
participação àquilo que Jesus instituiu. Nesse mesmo modo se compreende que aquilo
que Santo Agostinho chamou de a “passagem”, na Igreja, da Santa Ceia ao sacrifício
matutino. A Ceia é o presente de Deus a nós no amor de Jesus Cristo que perdoa e permite
à humanidade acolher, por usa vez, o gesto de amor de Deus e restitui-lo a Deus.
6
J. Ratzinger, Gesù di Nazaret. Seconda Parte. Dall’ingresso in Gerusalemme fino alla risurrezione,
Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2011, pp. 49-52
11/24
basilar, fundada na mediação constituída da morte e ressureição de Jesus, que era
claramente compartilhada mesmo pelos adversários do anúncio paulino.
7
Clemente di Roma, Lettera ai Corinzi, 40,1-5, a cura di B. Artioli, ESD, Bologna 2010, p. 177.
12/24
A Cruz de Jesus Cristo é o ato de amor radical no qual se completa
realmente a conciliação entre Deus e o mundo marcado pelo pecado. Essa é a razão pela
qual este acontecimento, que em si mesmo não é de modo algum cultual, representa, de
outra forma, a suprema adoração de Deus. Na Cruz a linha “catabásica” da descida de
Deus e a linha “anabásica” da oferta da humanidade se tornam um único ato que torna
possível o novo Templo de Seu corpo na Ressurreição. Na celebração da Eucaristia, a
Igreja, melhor, a Humanidade, é sempre novamente atraída e envolvida nesse processo.
Na Cruz de Cristo a crítica da adoração por parte dos profetas atinge definitivamente o
seu objetivo. Ao mesmo tempo, porém, é instituída a nova adoração. O amor de Cristo
sempre presente na Eucaristia é o novo ato de adoração. Por conseqüência, os ministérios
sacerdotais de Israel são “cancelados” a bem do Amor, que passa a significar sempre a
adoração de Deus. Essa nova unidade de amor e adoração, de crítica do culto e de
glorificação de Deus através do amor é certamente uma tarefa inédita confiada à Igreja
que a cada geração deve novamente cumprir.
Duas anotações pessoais podem contribuir para ilustrar o que disse. Ficou-
me de forma indelével na memória como na sua conversão de luterano convicto a católico
convicto um amigo meu, o indianista Paul Hacker, com a usual paixão, enfrentou essa
questão. Ele considerava os “sacerdotes” uma realidade totalmente superada no Novo
testamento, e com indignação apaixonada se opunha, antes de mais nada, ao fato que na
palavra alemã “Priester”, que provém do termo grego “presbyter”, de fato se continuasse
13/24
a ressonar o significado de “sacerdos”. Não sei se, ao fim e ao cabo, chegou a resolver
esta questão.
Um problema crucial que existe até os dias de hoje surgiu do fato que os
novos ministérios não mais se apoiavam sobre a descendência familiar, mas sobre a
eleição e a vocação. Enquanto no caso da hierarquia sacerdotal de Israel a continuidade
era assegurada por Deus, porque em última análise era Ele a dar os filhos aos pais, os
novos ministérios não se baseavam em questões de origem, mas sobre a vocação dada por
Deus e a ser reconhecida por parte dos homens. Por isso, na comunidade neo-
testamentária, desde o início se colocou o problema das vocações: "A messe é grande,
mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua
messe" (Mt 9,37). A cada geração existe a esperança e a preocupação de encontrar os
14/24
chamados. Sabemos muito bem o quanto isso hoje represente uma preocupação e a tarefa
da Igreja.
8
Sobre o significado de “super substancial” (epioúsios, supersubstantialis) cfr. E. Nordhofen, Was für ein
Brot? [Che tipo di pane?], «Internationale Katholische Zeitschrift Communio» 46 (2017) 1, pp. 3-22; g.
neuhauS, Möglichkeit und Grenzen einer Gottespräsenz im menschlichen «Fleisch». Anmerkungen zu
Eckhard Nordhofens Relektüre der vierten Vaterunser-Bitte [Possibilità e limiti di una presenza divina
nella «carne» dell’uomo. Considerazioni sulla rilettura di Eckard Nordhofen sulla quarta richiesta del
Padre Nostro], ibidem, pp. 23-32.
15/24
maniqueísta existia já no século IV, mas foi afastada com a decisão dos Padres da época
e por algum tempo cessou. Uma conclusão desse tipo é errada apenas pelo fato de que,
desde o início, o matrimônio para a Igreja é considerado um presente de Deus dado no
Paraíso. Mas este absorvia o homem na sua integralidade e o serviço para o Senhor
requeria igualmente o homem por inteiro, por isso ambas as vocações não são realizáveis
em conjunto. Assim a capacidade de renunciar ao matrimônio para estar totalmente à
disposição do Senhor se tornou um critério para o ministério sacerdotal.
Salmo 16, 5-6: as palavras para a aceitação no estado clerical antes do Concílio.
9
Mais informações obre a história do celibato nos primeiros séculos se encontram em: S. heId, Zölibat in
der frühen Kirche. Die Anfänge einer Enthaltsamkeitspflicht für Kleriker in Ost und West [Il celibato nella
Chiesa primitiva. L’inizio dell’obbligo dell’astinenza per i membri del clero in Oriente e in Occidente],
Ferdinand Schöningh, Paderborn 1997.
16/24
Com efeito, o Salmo exprime, exatamente, para o Antigo Testamento, aquilo que agora
quer dizer na Igreja: aceitação na comunidade sacerdotal. A passagem se refere ao fato
de que todas as tribos de Israel, cada família, representava a herança prometida por Deus
a Abraão. Isso se manifestava concretamente no fato que toda família obtinha em herança
uma porção da Terra Prometida como sua propriedade. A posse de uma porção de Terra
santa dava a cada um a certeza de ser partícipe da promessa e na prática significava o seu
concreto cumprimento. Todos deveriam obter tanta terra quanto fosse necessário para
viver. A importância desse legado individual para o indivíduo é claramente evidente na
história de Nabot (1Re 21,1-29) que não está disposto a ceder ao rei Acab a sua vinha,
nada obstante o rei esteja pronto a ressarci-lo integralmente. O vinhedo, para Nabot, é
mais que um valioso pedaço de terra: é a sua participação na promessa de Deus a Israel.
Se, por um lado, cada israelita dispunha dessa forma de um terreno que lhe assegurava o
necessário para viver, de outro lado, a particularidade da tribo de Levi reside no fato que
era a única tribo que não herdava terrenos. O levita ficava sem terra e, assim, privado de
uma base imediata para seu sustento em termos de terra. Ele vive apenas de Deus e para
Deus. Concretamente, isso significa que ele pode viver em um modo ajustado com
precisão das ofertas de sacrifício que Israel reserva a Deus.
Refleti longamente sobre este tema por ocasião dos exercícios que havia
predicado a João Paulo II e à Cúria Romana no início da Quaresma de 1983: “Por esse
17/24
motivo, não é mais necessário fazer grandes transposições em nossa própria
espiritualidade. Partes fundamentais do sacerdócio são como ser um Levita: a falta de
terra, o ser projetado-em-Deus. O conto da vocação de Lucas 5,1-11 [...] se conclui não
sem razão com as seguintes palavras: “eles largaram tudo e O seguiram” (v. 11). Sem um
tal abandono das coisas pessoais não existe sacerdócio. O chamado a seguir não é possível
sem esse sinal de liberdade e renúncia a qualquer compromisso. Creio que deste ponto de
vista o celibato adquira o seu maior significado como abandono de um futuro país terreno
e de um próprio âmbito familiar; torna-se absolutamente indispensável que permaneça
fundamental se entregar completamente a Deus. Isso significa, como bem se entende, que
o celibato impõe suas exigências acerca de todas as formas de configurações da vida. Não
pode atingir seu pleno significado se nós seguimos as regras de propriedade e do jogo da
vida atualmente aceitada. Não pode, sobretudo, haver estabilidade, se nós não fazemos
do nosso ambientar junto Deus o centro da nossa vida.
10
J. Ratzinger, Il cammino pasquale, Àncora, Milano 20064,
pp. 157-158.
18/24
tendes nas mãos o meu destino. O cordel mediu para mim um lote aprazível, muito me
agrada a minha herança”.
Busquei interpretar este texto em uma homilia em São Pedro pela Sexta-
Feira Santa de 2008: “Ao mesmo tempo, a Sexta-feira Santa é para nós uma ocasião de
perguntar-se sempre de novo: a que dissemos “sim”? O que é “ser sacerdote de Jesus
Cristo”? O Cânone II do nosso Missal, provavelmente redigido no fim do II século em
Roma, descreve a essência do ministério sacerdotal com as palavras com as quais, em
Deuteronômios (18,5-7), vinha descrita a essência do sacerdócio veterotestamentário:
astare coram te et tibi ministrare. São duas partes que definem a essência do ministério
sacerdotal: em primeiro lugar, o “estar diante do Senhor”. No livro de Deuteronômios
isso vem no contexto das disposições precedentes, segundo as quais os sacerdotes não
recebiam nenhuma porção de terreno na Terra Santa – eles viviam de Deus e para Deus.
Não esperavam os mesmos trabalhos necessários para o sustento da vida cotidiana. A sua
profissão era “estar diante do Senhor” – olhar para Ele, existir para Ele. Assim, a palavra
indicava uma vida na presença de Deus c om isso também um ministério de representação
dos demais. Como os demais cultivavam a terra, das quais viviam também os sacerdotes,
assim mantinham o mundo aberto no sentido de Deus e deviam viver com o olhar voltado
para Ele. Se esta palavra agora se encontra no Cânone da Missa imediatamente após a
consagração das ofertas, depois da entrada do Senhor na Assembléia em oração, então
isso indica para nós o estar diante do Senhor presente, indicando a Eucaristia como centro
da vida sacerdotal. Mas também aqui a questão vai muito além. No hino da Liturgia das
Horas que durante a Quaresma introduz o Ofício das Leituras – Ofício que há um tempo
junto aos monges era recitado durante da vigília noturna diante Deus e pelos homens –
uma das atividades da Quaresma é descrita como o imperativo: arctius perstemus in
custodia – estejamos intensamente em guarda. Na tradição monacal siríaca, os monges
eram qualificados como “aqueles que estão em pé”; o estar em pé era a manifestação da
vigilância e guarda. Se isso era considerado tarefa dos monges, podemos, com razão, ver
também como expressão da missão sacerdotal e como correta interpretação da palavra do
Deuteronômio: o sacerdote deve ser um que vigia. Deve estar em guarda de frente às
potências malignas perseguidoras. Deve manter o mundo acordado para Deus. Deve ser
o que está em pé: ereto diante da corrente do tempo. Reto na verdade. Reto no empenho
pelo bem. Estar diante do Senhor deve sempre estar, no sentido mais profundo, também
assumindo a responsabilidade pelos homens com o Senhor, que, por sua vez, se encarrega
20/24
de todos nós com o Pai. É um encargo de cuidar-se Dele, de Cristo, de Sua palavra, de
Sua verdade e de Seu amore. Reto deve ser o sacerdote, impávido e disposto a suportar
todas as ofensas, como bem-dito nos Atos dos Apóstolos: eles eram “contentes por serem
ultrajados por amor do nome de Jesus” (5,41).
Faz parte do servir, enfim, dois outros aspectos. Nenhum é tão próximo ao
senhor como o servo que tem acesso à dimensão mais privada da sua vida. Nesse servir
significa proximidade, exige familiaridade. Essa familiaridade comporta também um
21/24
perigo: aquele sacro encontrado por nós continuamente se torna um hábito. Se apaga o
temor reverencial. Condicionados a todos os hábitos, perdemos o fato maior, o novo e
surpreendente: que Ele mesmo esteja presente, nos fale e se doe a nós. Contra esse vício
dessa realidade extraordinária, contra a indiferença de coração, devemos lutar sem trégua,
reconhecendo sempre a nossa insuficiência e a graça que existe no fato que Ele se
entregue em nossas mãos. Servir significa proximidade, mas significa sobretudo
obediência. O servo está sempre comprometido: “Não seja feita a minha, mas a Tua
vontade” (Lc 22,42). Com esta palavra, Jesus no Jardim das Oliveiras venceu a batalha
decisiva contra o pecado, contra a rebelião do coração caído. O pecado de Adão consistia,
justamente, no fato que ele pretendia realizar a sua vontade e não a de Deus. A tentação
da humanidade é sempre aquela de querer ser totalmente autônoma, se seguir apenas sua
própria vontade e de pensar que assim nós seremos livres; que apenas graças a uma
liberdade sem limites o homem seria completamente homem e se tornaria divino. Mas é
exatamente assim que nos colocamos contra a Verdade. A Verdade é que nós devemos
dividir nossa liberdade com os outros e possamos ser livres apenas em comunhão com
eles. Essa liberdade compartilhada pode ser liberdade real se com ela participamos com
aquilo que constitui a medida da própria liberdade, qual seja, a vontade de Deus. Esta
obediência fundamental faz parte do ser homem e se torna ainda mais concreta no
sacerdote: nós não anunciamos a nós mesmos, as a Ele e a Sua Palavra, que não
poderíamos criar sozinhos. Não inventamos a Igreja assim como gostaríamos que fosse,
mas anunciamos a Palavra de Deus em modo correto na comunhão de Seu Corpo. A nossa
obediência é um acreditar com a Igreja, um pensar e falar com a igreja, um servir a Deus
com a Igreja. Aqui convém lembrar aquilo que Jesus disse a Pedro: “Será levado para
onde não queres ir”. Esse fazer-se guiar para onde não se quer é uma dimensão essencial
no nosso servir, e é exatamente isso que nos faz livres. Em um tal ser guiado, que pode
ser contrário às nossas idéias e projetos, experimentamos a coisa nova – a riqueza do amor
de Deus.
22/24
tornar comensais de Deus. Ele desceu, e a verdadeira ascensão do homem se realiza agora
com o nosso descer com Ele e para Ele. A Sua elevação é a Cruz. É a descida mais
profunda e, como amor movido ao fim, é ao mesmo tempo o cume da subida, a verdadeira
“elevação” do homem. “Estar diante d’Ele e servi-Lo” – isso significa que entrar na sua
chamada como servo de Deus. A Eucaristia como presença da Sua descida e da sua subida
retoma, além de si mesma, aos múltiplos modos de serviço do amor ao próximo. Peçamos
ao Senhor, nesse dia, o dom de poder dizer nesse sentido novamente o nosso “sim” ao
Seu chamado: “Eis-me. Enviai-me, Senhor” (Is 6,8) Amém.”11.
11
Benedetto XVI, Il sacerdote: uomo in piedi, dritto, vigilante, Omelia durante la messa crismale nella
Basilica Vaticana di San Pietro, mattina del Giovedì Santo, 20 marzo 2008. Cfr. anche Insegnamenti di
Benedetto XVI, IV, 1 (gennaio-giugno 2008), Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2009, pp. 442-
446.
12
Cfr. J. Ratzinger, Gesù di Nazaret, op. cit., pp. 91-118.
23/24
“Santifica-os pela verdade”, o Senhor reza ao Pai para incluir os Doze Apóstolos na sua
Missão, ordenando-os sacerdotes.
Bento XVI
24/24