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Bento XVI

Robert Sarah

DO FUNDO DO NOSSO CORAÇÃO

A todos os sacerdotes.

"Possuir uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, vem usualmente tachado como
fundamentalismo. Enquanto o relativismo, ou seja, “deixar-se levar para lá e para cá
por qualquer vento de doutrina”, se mostra como único comportamento digno nos
tempos modernos. Assim se vai moldando uma ditadura do relativismo que não
reconhece nada como definitivo e que deixa como medida última apenas o próprio Eu e
suas vontades."
Ratzinger, Homilia na “Missa Pro Eligendo Romano Pontefice”, 18/04/2005.

“Qualquer atividade deve ser precedida de uma intensa vida de oração, de


contemplação, de busca e de auscultação da vontade de Deus”.
Sarah, A Força do Silêncio. Contra a Ditadura do Barulho, Cantagalli, Siena, 2017, p.
35.

Nota do Curador
“Devemos meditar sobre estas reflexões de um homem que se aproxima do fim de sua
vida. Neste momento crucial, não decide intervir com delicadeza”.
R. Sarah

Do Fundo do Nosso Coração é um título muito simples e comovente que


o Papa emérito Bento XVI e o Cardeal R. Sarah escolheram para o livro que publicam
juntos.

As palavras de Bento XVI hoje são raras. Em março de 2013, o Papa


emérito decidiu retirar-se em um monastério nos Jardins do Vaticano. Quis dedicar os
últimos anos de sua vida à oração, à meditação e ao estudo. O silêncio se tornava assim o
cofre precioso de uma existência afastada dos ruídos e da violência do mundo. Até agora,

1/24
muito raramente Bento XVI aceitou manifestar suas idéias sobre temas importantes à vida
da Igreja.

O texto aqui apresentado é, então, algo excepcional. Não se trata de um


artigo ou de anotações recolhidas ao longo do tempo, mas de uma reflexão magistral em
conjunto com a “lectio” e “disputatio”. A vontade de Bento XVI é claramente manifestada
na Introdução: “Ante à persistente crise que o sacerdócio atravessa há muitos anos,
considerei necessário retornar às raízes profundas da questão”.

Os leitores mais atentos não hesitarão a reconhecer o estilo, a lógica e a


extraordinária pedagogia do autor da trilogia dedicada a Jesus de Nazaré. O texto é bem
estruturado, as referências são abundantes e a forma de argumentar finamente esculpida.

Por qual motivo o Papa emérito decidiu colaborar com o Cardeal Sarah?
Os dois são muito amigos e mantêm correspondência regular dividindo seus pontos de
vista, esperanças e preocupações.

Em outubro de 2019, o Sínodo da Amazônia, uma assembléia de bispos,


religiosos e missionários dedicados ao futuro desta imensa região apresentou no seio da
Igreja uma oportunidade de reflexão na qual foi posta em causa o futuro do sacerdócio
católico. De sua parte, Bento XVI e Cardeal Sarah haviam iniciado a troca de escritos,
pensamentos e propostas já no fim do verão europeu com o objetivo de conferir maior
clareza possível às páginas que se seguem.

Pessoalmente, fui uma testemunha privilegiada deste diálogo. Agradeço


infinitamente pela honra de ser o curador deste volume.

O texto de Bento XVI vem nomeado muito sobriamente: O Sacerdócio


Católico. O Papa emérito delimita de início sua abordagem “às raízes da grave situação
na qual se encontra hoje o sacerdócio, onde se encontra um defeito metodológico na
aceitação das Escrituras como Palavra de Deus”. A afirmação é dura, inquietante e quase
inacreditável.

Bento XVI não pretendeu enfrentar sozinho uma questão tão delicada. A
colaboração do Cardeal Sarah foi tão natural quanto importante. O Papa emérito conhece
a profunda espiritualidade do cardeal, seu espírito de oração e sua sabedoria. Confia nele.
No prefácio à Força do Silêncio, durante a Semana Santa de 2017, Bento XVI escreveu:
“o Cardeal Sarah é um mestre que fala a partir do fundo do espírito e permanece em
silêncio junto ao Senhor, a partir da profunda unidade com Ele, e assim tem realmente

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muita coisa a dizer a todos nós. Devemos agradecer ao Papa Francisco por ter posto um
tal mestre do espírito na liderança da Congregação que é responsável pela celebração da
liturgia na Igreja”.

Por sua vez, o Cardeal Sarah admira a produção teológica de Bento XVI,
o poder de suas reflexões, a sua humildade e a sua caridade.

O escopo dos autores é perfeitamente plasmado nesta afirmação retirada


da Introdução deste volume: “A proximidade das nossas preocupações e a convergência
das nossas conclusões nos fizeram decidir expor a todos os fiéis o fruto do nosso trabalho
e da nossa amizade espiritual, a exemplo de Santo Agostinho”.

O quadro é simples: dois bispos refletiram; dois bispos quiseram tornar


público o fruto de suas pesquisas; o texto de Bento XVI é de grande fineza teológica; o
texto do Cardeal Sarah possui uma indubitável força catequética. Os assuntos se
entrelaçam, as afirmações se completam, as inteligências são reciprocamente estimuladas.

Ao seu texto o Cardeal Sarah deu o título de “Amar até o fim. Olhar
eclesiológico e pastoral sobre o celibato sacerdotal”. Reencontramos nele a coragem, o
radicalismo e a mística que rendem incandescentes todos os seus livros.

Bento XVI e o Cardeal Sarah quiseram iniciar e encerrar este livro com
dois textos escritos a quatro mãos. Na conclusão escrevem: “é urgente e necessário que
todos, bispos, sacerdotes e leigos não se deixem mais impressionar por maus
conselheiros, por encenações teatrais, por mentiras diabólicas, por erros da moda
momentânea que procuram desqualificar o celibato sacerdotal”.

Evidentemente, o Papa emérito e o Cardeal Sarah não escondem sua


própria inquietude. Conhecem, todavia, bem demais Santo Agostinho ao qual se referem
constantemente por saberem que o amor sempre terá a última palavra.

O moto episcopal do cardeal Ratzinger era “UT COOPERATORES


SIMUS VERITATIS”, “Devemos, portanto, receber a tais homens, para cooperar com
eles pela verdade" (3 João, 8). Neste ensaio, com a idade de noventa e dois anos, quis
colocar-se mais uma vez à disposição da verdade. O lema episcopal do Cardeal Sarah,
escolhido quando ainda era um jovem arcebispo de Conakry, capital da Guiné, assim reza:
“SUFFICIT TIBI GRATIA MEA”, “Te basta a minha graça”; e vem da Segunda Carta
aos Coríntios , na qual o Apóstolo Paulo descreve as suas dúvidas, teme não estar à altura
de transmitir de forma eficaz os ensinamentos do evangelho. Deus, porém, lhe responde

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assim: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha
força”. (2Cor 12,9).

Gostaria de concluir esta breve introdução com duas citações que hoje
sinto ressoar com força. A primeira vem tirada da homilia de Bento XVI para a Missa de
Pentecostes de 31/05/2009: “Assim como existe uma poluição atmosférica, que envenena
o ambiente e os seres vivos, assim existe também a poluição do coração e do espírito, que
mortifica e envenena a existência espiritual”. A segunda vem de “Il portico del mistero
della seconda virtù”, de Charles Péguy: “O que me espanta, diz Deus, é a esperança. Não
consigo compreender. Essa pequenina esperança que tem ares de não ser nada. Essa
garotinha, a esperança”.

Procurando no fundo de seus corações, Bento XVI e Cardeal R. Sarah


quiseram afastar essa poluição e abrir as portas à esperança.

Nicolas Diat, Roma, 06/12/2019.

Por que tens medo?


Introdução dos Autores

Em uma famosa carta endereçada ao bispo donatista Massimino, Santo


Agostinho anuncia o propósito de publicar a correspondência trocada entre eles. “Que
poderei fazer, irmão – pergunta –, se não ler ao povo católico as nossas cartas [...], para
que possa servir-lhes de instrução?”1. Assim, decidimos seguir o exemplo do Bispo de
Hipona.

Nos encontramos nesses últimos meses, enquanto o mundo retumbava os


rumores provocados por um estranho sínodo da mídia que havia superado o Sínodo real.
Nos confidenciamos nossas idéias e nossas preocupações. Temos rezado e meditado em
silêncio. Todos os nossos encontros nos confortaram e pacificaram reciprocamente.

1
Sant’Agostino, Epistola 23,6

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Desenvolvidas por meio de sentidos diferentes, as nossas reflexões nos portaram, então,
a trocarmos algumas cartas. A proximidade das nossas preocupações e a convergências
das nossas conclusões fizeram-nos com que, como Santo Agostinho, tomássemos a
decisão de pôr à disposição de todos os fiéis o fruto do nosso trabalho e da nossa amizade
espiritual.

Nós também, como ele, devemos dizer: “Não posso me calar. Sei o quanto
me seria pernicioso o silêncio. Não penso, assim, passar o tempo em encargos
eclesiásticos satisfazendo a minha vaidade, penso, de outra forma, que quanto às ovelhas
que me são confiadas darei contas ao príncipe de todos os Pastores” 2.

Enquanto bispos, trazemos conosco a solicitude quanto a todas as Igrejas.


Com um grande desejo de paz e unidade, oferecemos a todos os nossos irmãos bispos,
sacerdotes e fiéis leigos de todo o mundo o fruto dos nossos colóquios.

O fazemos com espírito de amor pela unicidade da Igreja. Se a ideologia


divide, a Verdade une os corações. Tratar da doutrina da salvação não pode que unir a
Igreja em torno do Divino Mestre.

O fazemos com espírito de caridade. Nos parece útil e necessário publicar


este trabalho em um momento no qual os ânimos precisam ser aplacados. A busca pela
Verdade não pode se realizar se não com o coração aberto.

Apresentamos, então, fraternamente estas reflexões ao povo de Deus e,


naturalmente, com filial obediência ao Papa Francisco.

Nós pensamos especialmente nos sacerdotes. O nosso coração sacerdotal


quis confortá-los e encorajá-los. Junto a todos os sacerdotes nos rezamos: Senhor, salvai-
nos! Nós perecemos! O Senhor dorme enquanto a tempestade cai sobre nós. Parece
abandonar-nos nas ondas da dúvida e do erro. Somos tentados a nos render ao desespero.
As ondas do relativismo fazem submergir de todos os lados o navio da Igreja. Os
Apóstolos tiveram medo. A sua fé balançou. Mesmo a Igreja às vezes parece vacilar. No
centro da tempestade a confiança dos Apóstolos no poder de Jesus parece diminuir.
Vivemos também nós este mistério. Sentimos, todavia, de encontrarmos uma paz
profunda, porque sabemos que aquele que pilota o navio é Jesus. Estamos conscientes

2
Ibidem, 23,7.

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que esse navio que é a Igreja jamais naufragará, que ele e apenas ele poderá nos conduzir
ao porto da salvação eterna.

Sabemos que Jesus é aqui, conosco, no navio. A ele queremos renovar


nossa confiança, nossa fidelidade absoluta, plena e indivisível. A Ele queremos repetir o
grande “sim” que pronunciamos no dia da nossa ordenação. É esse “sim” total que o nosso
celibato sacerdotal nos faz viver todos os dias. O nosso celibato é uma proclamação de
fé. É um testemunho, porque nos faz entrar em uma vida que não tem sentido se não a
partir de Deus. O nosso celibato é o testemunho, ou seja, o martírio. A palavra grega
exprime ambas as acepções. Na tempestade, nós sacerdotes, devemos reafirmar que
estamos prontos a perder a vida por Cristo. Este testemunho oferecemos dia após dia em
razão do celibato no qual dedicamos a vida.

Jesus dorme no navio. E se a hesitação vencer, se temos medo de repousar


n’Ele a nossa confiança, se o celibato nos faz recuar, busquemos escutar a Sua
advertência: “Por que tens medo, homens de pouca fé?” (Mt 8,26)

Bento XVI

Cardeal Sarah

Cidade do Vaticano, setembro de 2019.

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I
O sacerdócio católico.
Bento XVI

Ante à persistente crise que o sacerdócio atravessa há muitos anos,


considerei necessário retornar às raízes profundas da questão. Havia pretendido um
trabalho de reflexão teológica, mas a idade e um certo cansaço me obrigaram a abandoná-
lo. Os colóquios com o Cardeal Robert Sarah me deram a força de retomá-lo e de levá-lo
a termo.

As raízes da grave situação na qual está hoje o sacerdócio se encontra um


defeito metodológico no acolhimento da Escritura como Palavra de Deus.

O Abandono da interpretação cristológica do Antigo Testamento levou


muito exegetas contemporâneos a uma teologia sem a adoração (culto). Não
compreenderam que Jesus, em vez de abolir o culto e a adoração devidas a Deus, os há
assumido e portado a pleno cumprimento no ato de amor do Seu sacrifício. Alguns
chegaram, até mesmo, a refutar a necessidade de um sacerdócio autêntico na Nova
Aliança.

Na primeira parte do meu ensaio, pretendi trazer à baila a estrutura


exegética fundamental que propicia uma correta teologia do sacerdócio.

Na segunda parte, aplicando esta hermenêutica ao estudo de três testes,


explicitei as exigências da adoração em Espírito e Verdade. O ato cultual passa a esse
ponto através da oferta da totalidade da própria vida no amor. O sacerdócio de Jesus
Cristo nos faz ingressar em uma vida que consiste em se tornar um só com Ele e em
renunciar a tudo aquilo que pertence apenas a nós individualmente. Para os sacerdotes
esse é o fundamento da necessidade do celibato, como também das orações litúrgicas, da
meditação da Palavra de Deus e da renúncia aos bens materiais.

Agradeço ao caro Cardeal Sarah por ter-me dado a oportunidade de


degustar novamente os textos da Palavra de Deus que guiaram os meus passos todos os
dias da minha vida.

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1. O formar-se do sacerdócio neo-testamentário na exegese cristológico-
pneumatológica.

O movimento que se formou entorno de Jesus de Nazaré – ao menos no


período pré-Pasqual – era um movimento de leigos. Nisso se assemelhava ao movimento
dos fariseus, motivo pelo qual os primeiros contrastes descritos nos Evangelhos se
referem essencialmente ao movimento farisaico. Apenas na última Páscoa (Pèsach) de
Jesus em Jerusalém a aristocracia sacerdotal do Templo – os saduceus – se deram conta
de Jesus e seu movimento, fato este que levou ao Seu processamento, à condenação e à
execução de Jesus. O sacerdócio era hereditário: quem não era oriundo de uma família de
sacerdotes não poderia se tornar sacerdote. Em conseqüência, nem mesmo os ministérios
da comunidade que estava se constituindo em torno de Jesus poderiam pertencer ao
âmbito do sacerdócio veterotestamentário.

Vejamos de forma perfunctória a estrutura ministerial essencial da


primeira comunidade de Jesus.

Apostolo

No mundo grego, a palavra apóstolo representa termo técnico da


linguagem político-institucional3. No judaísmo pré-cristão a palavra é utilizada para
coligar a função profana de enviado, a responsabilidade perante a Deus e significado
religioso. Ela indica nesse contexto também o enviado encarregado e autorizado por
Deus.

Episkopos

No grego profano indica funções às quais são associadas tarefas de caráter


técnico e financeiro, mas de qualquer forma há também um conteúdo religioso, pois
também alguns deuses são chamados “episkopos”, ou seja, “padroeiro”. “A Septuaginta
utiliza o termo episkopos no mesmíssimo modo dúplice no qual é usado na Grécia pagã,

3
5 Cfr. g. KIttel, F. geRhaRd (edd.), Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament, W. Kohlhammer,
Stuttgart 1957-1979 (ristampa anastatica dell’edizione del 1933), I, p. 406.

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como apelativo de Deus e mais genericamente como “vigilante” em vários tipos de
âmbitos”4.

Presbyteros

Enquanto entre os cristãos de origem pagã para indicar os ministros


prevalece o uso do termo “episkopos”, a palavra “presbyteros” é característica do meio
judaico-cristão. A tradição hebraica do “mais ancião” compreendido como uma espécie
de órgão constitucional, se desenvolveu em Jerusalém como uma primeira forma
ministerial cristã. A partir daqui a Igreja composta de judeus e pagãos se desenvolveu
com aquela tríplice forma ministerial de bispos (episkopos), presbíteros e diáconos, que
ao fim do I Século encontra – já claramente desenvolvida – em Inácio de Antióquia. Essa
até hoje exprime validamente, do ponto de vista lingüístico e ontológico, a estrutura
ministerial da Igreja de Jesus Cristo.

De tudo o dito até agora podemos extrair uma primeira conclusão. O


caráter laical do primeiro movimento de Jesus e o caráter dos primeiros ministérios
compreendidos não em sentido cultual-sacerdotal não se baseiam necessariamente em
uma escolha anti-cultual e anti-judaica, mas é, ao contrário, conseqüência da situação
particular do sacerdócio veterotestamentário, na qual o sacerdócio é ligado
inexoravelmente à tribo de Aarão-Levi. Nos outros dois “movimentos leigos” do tempo
de Jesus, as relações com o sacerdócio são concebidas diversamente: os fariseus pareciam
viver fundamentalmente em sintonia com a jerarquia do Templo – a prescindir da disputa
sobre a ressureição do corpo. Com os essênios, o movimento de Qumràn, a situação é
bem mais complexa. Em qualquer caso, em uma parte do movimento de Qumràn havia
um contrate bem marcado com o Templo herodiano e o sacerdócio a ele correspondente,
mas não para negar o sacerdócio, mas sim inversamente para reconstituí-lo na sua forma
pura e correta. Também no movimento de Jesus não se trata de forma alguma de
“dessacralização”, de “deslegalização” ou negação ao sacerdócio e hierarquia. De certo,
porém, vem retomada a crítica dos profetas à adoração e é colocada em surpreendente

4
Ibidem, II, p. 610

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unidade com a tradição do sacerdócio e da adoração que devemos tentar compreender
aqui. No meu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”5 expus a linha crítica dos profetas
em relação à adoração adotado por Estevão e que São Paulo se conecta à nova tradição
de adoração da Última Ceia de Jesus. O próprio Jesus havia aceitado e aprovado as críticas
dos profetas à adoração, especialmente em conexão com a disputa pela interpretação
correta do Shabat (Mt 12,7).

Levemos em conta, antes de mais nada, as relações de Jesus com o


Templo: qual a expressão especial da presença de Deus em meio ao Seu povo eleito e
qual o lugar de culto indicado por Moisés. O episódio de Jesus aos doze anos no Templo
mostra que a sua família observava a Lei e que Ele, obviamente, participava da devoção
junto à sua família. As palavras ditas à sua mãe “Devo me ocupar das coisas de meu Pai”
(Lc 2,49) são expressão da convicção que o Templo representa de modo especial o lugar
no qual Deus abita e, então, é o local correto de permanência para o Filho. Também no
breve período de sua vida pública, Jesus participou da peregrinação de Israel ao Templo,
e depois de sua Ressureição notoriamente a sua comunidade se reúne geralmente no
Templo para aprender e rezar.

Todavia, com a Purificação do Tempo, Jesus colocou uma perspectiva


fundamentalmente nova sobre o Templo (Mc 11,15ss; João 2,13-22). A interpretação
segundo a qual com aquele gesto Jesus pretendia apenas combater os abusos, logo,
confirmando o Templo, é insuficiente. Em João encontramos as palavras que interpretam
a ação de Jesus como prefiguração da destruição da construção de pedra na qual, em seu
lugar, surgirá seu Corpo como Novo templo. Esta interpretação de Jesus, nos Evangelhos
Sinópticos, aparece na boca de testemunhas mendazes no documentário do processo (Mc
14,58). A versão das testemunhas é destorcida e, logo, não utilizável para fim de êxito do
processo. Mas resta o fato que Jesus disse palavras deste tipo, a expressão literal das quais
não podem ser determinadas seguramente no processo. A Igreja nascente justamente por
isso tomou como autenticamente de Jesus a versão de João. Isso significa que Jesus
considerava a destruição do Templo como conseqüência das condutas equivocadas da
hierarquia sacerdotal dominante. Porém, aqui Deus, como em todo ponto de
transformação na história da salvação, utiliza as condutas equivocadas dos homens como
um “modus” do seu amor ainda maior. Neste nível evidentemente Jesus considera em
última análise a destruição do Templo existente como um passo para a cura divida e a

5
J. RatzIngeR, Introduzione allo spirito della liturgia, San Paolo, Cinisello Balsamo (Mi) 2001.

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interpreta como definitiva nova formação e configuração da adoração. Nesse sentido, a
purificação do Templo é o anúncio da uma nova forma de adoração de Deus e por isso
diz respeito à natureza da adoração e do sacerdócio.

Para compreender aquilo que com a adoração Jesus quis e não quis,
naturalmente é decisiva a Última Ceia, com a oferta do Seu corpo e sangue. Porém, não
é esta a porta de entrada para desenvolver uma correta interpretação destes
acontecimentos e das palavras de Jesus. Importante é que jesus, de um lado, retoma a
tradição do Sinai e se apresenta assim como o novo Moisés; de outro lado, porém, ele
retoma a esperança da Nova Aliança formulada de modo particular com Jeremias,
preanunciando, assim, a superação da tradição do Sinai ao centro da qual Ele mesmo será
o sacrificante e o sacrificado de uma só vez. Importante notar que aquele Jesus que está
em meio aos discípulos é o mesmíssimo que dá a si mesmo a eles em sua carne e seu
sangue, antecipando a cruz e a ressureição. Sem a ressureição nada disso teria sentido. A
crucifixão de Jesus em si mesma não é um ato de adoração e os soldados romanos que a
executaram não são de forma alguma sacerdotes. Eles apenas cumpriram a ordem de
execução, mas nem remotamente imaginando praticar um ato de adoração. O fato que
Jesus doe a si mesmo para sempre como alimento na Última Ceia significa a antecipação
da Sua morte e ressureição, além da transformação de um ato de crueldade humana em
um ato de doação e de amor. Assim, o próprio Jesus cumpre a fundamental renovação da
adoração que permanecerá para sempre válida e vinculante: ele transforma o pecado dos
homens em um ato de amor no qual os futuros discípulos poderão ingressar com a sua
participação àquilo que Jesus instituiu. Nesse mesmo modo se compreende que aquilo
que Santo Agostinho chamou de a “passagem”, na Igreja, da Santa Ceia ao sacrifício
matutino. A Ceia é o presente de Deus a nós no amor de Jesus Cristo que perdoa e permite
à humanidade acolher, por usa vez, o gesto de amor de Deus e restitui-lo a Deus.

Em tudo isso nada é dito de forma direta sobre o sacerdócio. E, todavia, de


qualquer forma, é evidente que a antiga ordem de Aarão é superada e Jesus mesmo se
apresenta como o Sumo Sacerdote. É importante, além disso, que desta forma se fundem
a crítica da adoração por parte dos profetas e a tradição cultual que parte de Moisés: o
amor é o sacrifício. No meu livro sobre Jesus6 expus como essa nova fundação da
adoração e, com ela, do sacerdócio, em Paulo é já inteiramente completa. É uma unidade

6
J. Ratzinger, Gesù di Nazaret. Seconda Parte. Dall’ingresso in Gerusalemme fino alla risurrezione,
Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2011, pp. 49-52

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basilar, fundada na mediação constituída da morte e ressureição de Jesus, que era
claramente compartilhada mesmo pelos adversários do anúncio paulino.

A destruição dos muros do Templo, causada pelo homem, é tomada


positivamente por Deus: não existem mais muros, Cristo ressurreto se tornou para o
homem o espaço para adoração de Deus. Assim, o desabamento do Templo herodiano
significa também isto: que nada de divisivo se justapõe mais entre o espaço lingüístico e
existencial da legislação mosaica, de um lado, e aquele do movimento que se formou em
torno de Jesus, do outro lado. Os ministérios cristãos (espiskopos, presbyteros, diakonos)
e aqueles regulamentados pela lei mosaica (sumos sacerdotes, sacerdotes, levitas) agora
estão abertamente lado a lado e com uma clareza nova pode se identificar um com os
outros. Com efeito, e equiparação terminológica se completa de forma relativamente
rápida (episkopos = sumo sacerdote, presbyteros = sacerdote, diakonos = levita). Nós
encontramos isso de uma forma bastante óbvia no catecismo do batismo de Santo
Ambrósio, a qual, seguramente, se remete a modelos e documentos ainda mais antigos,
dos quais São Clemente Romano é uma das primeiras testemunhas, ainda em 96 d.C., na
sua Primeira carta aos Coríntios: “Devemos fazer com ordem tudo aquilo que o Soberano
nos mandou cumprir nos prazos estabelecidos. Ele nos determinou que as ofertas e as
liturgias serão praticadas não ao acaso e desordenadamente, mas nos tempos e nas horas
estabelecidas [...]. Porque ao sumo sacerdote são atribuídas funções litúrgicas próprias;
aos levitas cabem serviços próprios e aos leigos cabem os preceitos que lhes dizem
respeito”7.

Vejamos aqui a interpretação cristológica do Antigo testamento, que pode


ser chamada também de interpretação pneumatológica, e que representa o modo pelo qual
o Antigo Testamento pôde se tornar e permanecer como Bíblia dos cristãos. Se, de uma
lado, esta interpretação cristológico-pneumatológica pôde também ser chamada de
“alegórica” de uma perspectiva histórico-literária, de outro resulta evidente de qualquer
forma a profunda novidade e a clara motivação da nova interpretação cristã do Antigo
Testamento: aqui a alegoria não representa um expediente literário para tornar o texto
destinado a novos fins, mas é justamente a expressão de uma passagem histórica que
corresponde à lógica do texto.

7
Clemente di Roma, Lettera ai Corinzi, 40,1-5, a cura di B. Artioli, ESD, Bologna 2010, p. 177.

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A Cruz de Jesus Cristo é o ato de amor radical no qual se completa
realmente a conciliação entre Deus e o mundo marcado pelo pecado. Essa é a razão pela
qual este acontecimento, que em si mesmo não é de modo algum cultual, representa, de
outra forma, a suprema adoração de Deus. Na Cruz a linha “catabásica” da descida de
Deus e a linha “anabásica” da oferta da humanidade se tornam um único ato que torna
possível o novo Templo de Seu corpo na Ressurreição. Na celebração da Eucaristia, a
Igreja, melhor, a Humanidade, é sempre novamente atraída e envolvida nesse processo.
Na Cruz de Cristo a crítica da adoração por parte dos profetas atinge definitivamente o
seu objetivo. Ao mesmo tempo, porém, é instituída a nova adoração. O amor de Cristo
sempre presente na Eucaristia é o novo ato de adoração. Por conseqüência, os ministérios
sacerdotais de Israel são “cancelados” a bem do Amor, que passa a significar sempre a
adoração de Deus. Essa nova unidade de amor e adoração, de crítica do culto e de
glorificação de Deus através do amor é certamente uma tarefa inédita confiada à Igreja
que a cada geração deve novamente cumprir.

A superação pneumática da “letra” veterotestamentária a serviço da Nova


Aliança requer assim sempre a nova superação da “letra” no Espírito. No século XVI,
Lutero, se baseando em uma leitura totalmente diversa do Antigo Testamento, não pôde
mais completar essa tarefa de passagem. Por isso ele interpretou a adoração
veterotestamentária e o sacerdócio a ele relativo apenas como expressão fria da “Lei”,
que para ele não era parte do caminho da graça de Deus, mas a essa se opunha. Por isso
ele não pôde ver o contrate radical entre os ofícios ministeriais neo-testamentários e o
sacerdócio como tal. Com o Concílio Vaticano II, tal questão se tornou inevitável mesmo
para a Igreja Católica. A “alegoria” como passagem pneumática do Antigo ao Novo
Testamento se tornou incompreensível. E entre o Decreto Sobre o Sacerdócio quase não
trata da questão, ela após o Concílio se revestiu de uma urgência inaudita e se transformou
na crise perdurante do sacerdócio na Igreja.

Duas anotações pessoais podem contribuir para ilustrar o que disse. Ficou-
me de forma indelével na memória como na sua conversão de luterano convicto a católico
convicto um amigo meu, o indianista Paul Hacker, com a usual paixão, enfrentou essa
questão. Ele considerava os “sacerdotes” uma realidade totalmente superada no Novo
testamento, e com indignação apaixonada se opunha, antes de mais nada, ao fato que na
palavra alemã “Priester”, que provém do termo grego “presbyter”, de fato se continuasse

13/24
a ressonar o significado de “sacerdos”. Não sei se, ao fim e ao cabo, chegou a resolver
esta questão.

Eu mesmo, em uma conferência sobre o sacerdócio da Igreja ocorrida


pouco depois do Concílio Vaticano II, cri que deveria representar o presbítero neo-
testamentário como aquele que medita a Palavra de Deus e não como o “artesão da
adoração”. Ora, a meditação da Palavra de Deus, com efeito, é uma tarefa grande e
fundamental do sacerdote de Deus na Nova Aliança. Mas esta Palavra se tornou carne e
meditar sobre ela significa sempre também se fazer nutrir dessa carne que como pão do
Céu nos é dada na Santíssima Eucaristia. A meditação da Palavra na Igreja da Nova
Aliança é também sempre um novo abandonar-se à carne de Jesus Cristo e este
abandonar-se é, ao mesmo tempo, um expor-se à transformação de nós mesmos por meio
da Cruz.

Tornarei a esse assunto posteriormente. Tratemos de algumas passagens


no concreto desenvolvimento da história da Igreja. Um primeiro passo se vê na instituição
de um novo ministério. Os Atos dos Apóstolos se referem à sobrecarga de trabalho dos
Apóstolos que, juntamente à obrigação de anunciar a Boa Nova e rezar pela Igreja,
deveriam assumir concomitantemente a absoluta responsabilidade de cuidado com os
pobres. A conseqüência foi que a parte helenística da Igreja nascente se sentiu
abandonada. Assim, os Apóstolos decidiram que deveriam se concentrar completamente
em orações e na divulgação da Palavra. Para as tarefas de caridade criaram o ministério
dos Sete, que mais tarde se identificou com o diaconato. O exemplo de Santo Estêvão
mostra como também este ministério, além disso, não exigia simplesmente um puro
trabalho pragmático de caridade, mas também o Espírito e fé e, logo, de capacidade com
o serviço da Palavra.

Um problema crucial que existe até os dias de hoje surgiu do fato que os
novos ministérios não mais se apoiavam sobre a descendência familiar, mas sobre a
eleição e a vocação. Enquanto no caso da hierarquia sacerdotal de Israel a continuidade
era assegurada por Deus, porque em última análise era Ele a dar os filhos aos pais, os
novos ministérios não se baseavam em questões de origem, mas sobre a vocação dada por
Deus e a ser reconhecida por parte dos homens. Por isso, na comunidade neo-
testamentária, desde o início se colocou o problema das vocações: "A messe é grande,
mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua
messe" (Mt 9,37). A cada geração existe a esperança e a preocupação de encontrar os

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chamados. Sabemos muito bem o quanto isso hoje represente uma preocupação e a tarefa
da Igreja.

Existe uma questão ulterior ligada diretamente a este problema. Muito


cedo – mesmo que não saibamos exatamente quando, mas de qualquer forma, muito cedo
– se desenvolveu como essencial à Igreja a celebração regular ou até mesmo cotidiana da
Eucaristia. O Pão “SuperSubstancial” é, ao mesmo tempo, o pão quotidiano da Igreja.
Isso, todavia, teve uma conseqüência importante que mesmo hoje importuna a Igreja 8.

Na consciência comum de Israel era evidente que os sacerdotes deveriam


se abster de relações sexuais nos períodos nos quais exercitavam os serviços de adoração
e, logo, estavam em contato imediato com o mistério divino. A relação entre abstinência
sexual e culto divino era absolutamente clara na consciência comum de Israel. Por
exemplo, cabe recordar o episódio no qual Davi, fugindo de Saul, pede ao sacerdote
Abimelec para dar-lhe pão: “O sacerdote respondeu a Davi: ‘Não tenho à mão o pão
ordinário, mas só pães consagrados, com a condição, no entanto, de que teus servos se
tenham abstido de mulheres’. Respondeu-lhe Davi: ‘Não tivemos comércio com mulher
alguma desde que parti, há três dias’.” (1Sam 21,5s). Tendo em vista que os sacerdotes
veterotestamentários deveriam se dedicar ao culto apenas em determinados períodos, o
matrimônio e o sacerdócio resultavam, sem dúvidas, conciliáveis.

Por conta da celebração eucarística regular, em muitos casos mesmo


diária, para os sacerdotes da Igreja de Jesus Cristo a situação era radicalmente diferente.
Toda a sua vida era em contato com o mistério divino e exige, por isso, uma exclusividade
para Deus para a vida inteira a qual exclui qualquer outro laço, como o matrimônio. Por
conta da celebração diária da Eucaristia e por conta do serviço a Deus que essa exigia,
surgiu a impossibilidade de um liame matrimonial. Poder-se-ia dizer que a abstinência
funcional se transformou em uma abstinência ontológica. Nesse modo a sua motivação e
seu sentido haviam mudado desde dentro e com profundidade. Hoje existe subitânea a
objeção de que se trata de um juízo negativo da corporeidade e da sexualidade. A
acusação que no fundamento do celibato sacerdotal estaria uma imagem de mundo

8
Sobre o significado de “super substancial” (epioúsios, supersubstantialis) cfr. E. Nordhofen, Was für ein
Brot? [Che tipo di pane?], «Internationale Katholische Zeitschrift Communio» 46 (2017) 1, pp. 3-22; g.
neuhauS, Möglichkeit und Grenzen einer Gottespräsenz im menschlichen «Fleisch». Anmerkungen zu
Eckhard Nordhofens Relektüre der vierten Vaterunser-Bitte [Possibilità e limiti di una presenza divina
nella «carne» dell’uomo. Considerazioni sulla rilettura di Eckard Nordhofen sulla quarta richiesta del
Padre Nostro], ibidem, pp. 23-32.

15/24
maniqueísta existia já no século IV, mas foi afastada com a decisão dos Padres da época
e por algum tempo cessou. Uma conclusão desse tipo é errada apenas pelo fato de que,
desde o início, o matrimônio para a Igreja é considerado um presente de Deus dado no
Paraíso. Mas este absorvia o homem na sua integralidade e o serviço para o Senhor
requeria igualmente o homem por inteiro, por isso ambas as vocações não são realizáveis
em conjunto. Assim a capacidade de renunciar ao matrimônio para estar totalmente à
disposição do Senhor se tornou um critério para o ministério sacerdotal.

A respeito da forma concreta de celibato na Igreja antiga, deve-se


relembrar que os sacerdotes casados poderiam receber o sacramento da ordenação se
fossem empenhados na abstinência sexual, logo, contraindo o chamado “Matrimônio de
São José”. Isso nos primeiros séculos parece ter sido normal. Evidentemente existia um
número suficiente de pessoas que consideravam razoável e plausível um modo de viver
na doação comum ao Senhor9.

Três testes para esclarecer as noções cristãs de sacerdócio.

A conclusão dessas reflexões, gostaria de interpretar três trechos das


Escrituras nas quais emergem com clareza a passagem da pedra ao corpo, e então a
profunda unidade entre os dois Testamentos que, todavia, não representam simplesmente
uma unidade mecânica, mas um progredir no qual a intenção profunda das palavras
iniciais se completam exatamente através da passagem da “letra” ao Espírito.

Salmo 16, 5-6: as palavras para a aceitação no estado clerical antes do Concílio.

Gostaria de primeiramente interpretar as palavras do Salmo 16,5-6 que


antes do Concílio vaticano II eram utilizadas para a aceitação no clero. Eram recitadas
pelo bispo e depois repetidas pelo candidato, que assim vinha acolhido no clero da Igreja:
Dominus pars hereditatis meae et calicis mei tu es qui restitues hereditatem meam mihi.
“Senhor, vós sois a minha parte de herança e meu cálice; vós tendes nas mãos o meu
destino. O cordel mediu para mim um lote aprazível, muito me agrada a minha herança”.

9
Mais informações obre a história do celibato nos primeiros séculos se encontram em: S. heId, Zölibat in
der frühen Kirche. Die Anfänge einer Enthaltsamkeitspflicht für Kleriker in Ost und West [Il celibato nella
Chiesa primitiva. L’inizio dell’obbligo dell’astinenza per i membri del clero in Oriente e in Occidente],
Ferdinand Schöningh, Paderborn 1997.

16/24
Com efeito, o Salmo exprime, exatamente, para o Antigo Testamento, aquilo que agora
quer dizer na Igreja: aceitação na comunidade sacerdotal. A passagem se refere ao fato
de que todas as tribos de Israel, cada família, representava a herança prometida por Deus
a Abraão. Isso se manifestava concretamente no fato que toda família obtinha em herança
uma porção da Terra Prometida como sua propriedade. A posse de uma porção de Terra
santa dava a cada um a certeza de ser partícipe da promessa e na prática significava o seu
concreto cumprimento. Todos deveriam obter tanta terra quanto fosse necessário para
viver. A importância desse legado individual para o indivíduo é claramente evidente na
história de Nabot (1Re 21,1-29) que não está disposto a ceder ao rei Acab a sua vinha,
nada obstante o rei esteja pronto a ressarci-lo integralmente. O vinhedo, para Nabot, é
mais que um valioso pedaço de terra: é a sua participação na promessa de Deus a Israel.
Se, por um lado, cada israelita dispunha dessa forma de um terreno que lhe assegurava o
necessário para viver, de outro lado, a particularidade da tribo de Levi reside no fato que
era a única tribo que não herdava terrenos. O levita ficava sem terra e, assim, privado de
uma base imediata para seu sustento em termos de terra. Ele vive apenas de Deus e para
Deus. Concretamente, isso significa que ele pode viver em um modo ajustado com
precisão das ofertas de sacrifício que Israel reserva a Deus.

Esta figura veterotestamentária se realiza nos sacerdotes da Igreja de modo


novo e profundo: eles devem viver apenas de Deus e para Deus. O que isso signifique de
forma concreta é dito, claramente, sobretudo em Paulo. Ele vive daquilo que lhes dão os
homens, porque a eles ele dá a Palavra de Deus que é o nosso verdadeiro pão, a nossa
verdadeira vida. De fato, nessa transformação neo-testamentária do estar privado da terra
dos levitas decorre a renúncia ao matrimônio e à família que decorre do fato de ser
radicalmente de Deus. A Igreja interpretou a palavra “clero” (comunhão hereditária)
nesse sentido. Entrar para o clero significa renunciar a um centro de vida próprio e aceitar
apenas a Deus como sustento e garantia da própria vida.

O verdadeiro fundamento da vida do sacerdote, a razão de sua existência


e a terra de sua vida é Deus. O celibato, em vigor para os bispos em toda a Igreja do
Oriente e Ocidente e, segundo a Tradição que remonta a uma época próxima à apostólica,
para todos os sacerdotes da Igreja latina, de forma definitiva não pode ser compreendido
e vivido se não sobre estes fundamentos.

Refleti longamente sobre este tema por ocasião dos exercícios que havia
predicado a João Paulo II e à Cúria Romana no início da Quaresma de 1983: “Por esse

17/24
motivo, não é mais necessário fazer grandes transposições em nossa própria
espiritualidade. Partes fundamentais do sacerdócio são como ser um Levita: a falta de
terra, o ser projetado-em-Deus. O conto da vocação de Lucas 5,1-11 [...] se conclui não
sem razão com as seguintes palavras: “eles largaram tudo e O seguiram” (v. 11). Sem um
tal abandono das coisas pessoais não existe sacerdócio. O chamado a seguir não é possível
sem esse sinal de liberdade e renúncia a qualquer compromisso. Creio que deste ponto de
vista o celibato adquira o seu maior significado como abandono de um futuro país terreno
e de um próprio âmbito familiar; torna-se absolutamente indispensável que permaneça
fundamental se entregar completamente a Deus. Isso significa, como bem se entende, que
o celibato impõe suas exigências acerca de todas as formas de configurações da vida. Não
pode atingir seu pleno significado se nós seguimos as regras de propriedade e do jogo da
vida atualmente aceitada. Não pode, sobretudo, haver estabilidade, se nós não fazemos
do nosso ambientar junto Deus o centro da nossa vida.

O Salmo 13, como o Salmo 119, é um vigoroso aceno à necessidade


contínua de familiaridade meditativa com a Palavra de Deus, que apenas assim pode se
tornar para nós domicílio. O aspecto comunitário, a ele necessariamente relacionado, da
piedade litúrgica emerge lá onde o Salmo 16 fala do Senhor como “meu cálice” (v. 5).
Segundo a linguagem habitual do Antigo Testamento, esta menção se refere ao cálice
festivo que passava de mão em mão na Ceia de adoração, ou ao cálice fatal, o cálice da
Ira ou o cálice da Salvação. A oração sacerdotal do Novo Testamento os pode indicar de
modo particular aquele cálice, mediante o qual o Senhor no sentido mais profundo se
torna a nossa terra, o Cálice Eucarístico, no qual Ele participa a si próprio como nossa
vida. A vida sacerdotal à presença de Deus é assim concretizada na vida em virtude do
Mistério Eucarístico. No sentido mais profundo a Eucaristia é a terra, que se torna a nossa
porção e da qual podemos dizer: “O cordel mediu para mim um lote aprazível, muito me
agrada a minha herança”10.

É sempre vivo na minha memória a lembrança da vigília da minha tonsura,


quando meditando este verso do Salmo 16 compreendi o que o Senhor queria de mim
naquele momento: queria ele mesmo dispor inteiramente da minha vida e nesse sentido
ao mesmo tempo confiar inteiramente em mim. Assim poderia considerar as palavras do
Salmo como o meu destino: “Senhor, vós sois a minha parte de herança e meu cálice; vós

10
J. Ratzinger, Il cammino pasquale, Àncora, Milano 20064,
pp. 157-158.

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tendes nas mãos o meu destino. O cordel mediu para mim um lote aprazível, muito me
agrada a minha herança”.

Deuteronômios 10,8 e 18,5-8. As palavras da II Oração Eucarística: a tarefa da tribo de


Levi revista cristologicamente e pneumatologicamente para os sacerdotes da Igreja.

Em segundo lugar, gostaria de analisar uma passagem da II Oração


Eucarística da Liturgia Romana após a reforma do vaticano II. O Texto da II Oração
Eucarpistica é geralmente atribuído a Santo Hipólito († 235); de qualquer forma, é muito
antigo. Nela encontramos as seguintes palavras: Domine, panem vitae et calicem salutis
offerimus, gratias agentes quia nos dignos habuisti astare coram te et tibi ministrare.
Esta frase não significa, como alguns litúrgicos gostariam, o estabelecimento de que os
sacerdotes e os fiéis devessem estar em pé e não ajoelhados. A correta compreensão desta
frase advém de considerar que ela é a literalidade de Dt 10,8 (novamente em Dt 18,5-8),
onde descreve a tarefa de adoração essencial da tribo de Levi: “Foi nesse mesmo tempo
que o Senhor designou a tribo de Levi para levar a arca da aliança do Senhor, para estar
na sua presença, servi-lo e abençoar em seu nome, o que ela continua fazendo sempre”
(Dt 10,8). “Porque o Senhor, teu Deus, escolheu-o dentre todas as tribos, ele e seus filhos,
para estar diante do Senhor e oficiar perpetuamente em nome do Senhor” (Dt 18,5).

Estas palavras, que em Deuteronômios têm a tarefa de definir a essência


do ofício sacerdotal, são, pois, inseridas na Oração Eucarística da Igreja de Jesus Cristo,
da Nova Aliança, exprimindo, assim, a continuidade e a novidade do sacerdócio. Aquilo
que então vinha dito pela tribo de Levi e que dizia respeito apenas à esta, agora é aplicado
aos presbíteros e aos bispos da Igreja. Não se trata – como talvez se pudesse afirmar com
base na concepção inspirada na Reforma – de uma regressão da novidade da comunidade
de Jesus Cristo em um sacerdócio cultual superado da afastar-se; se trata, ao invés, do
novo passo da Nova Aliança, a qual assume e ao mesmo tempo transforma o Antigo
elevando-o à altura de Jesus Cristo. O sacerdócio não é mais uma questão de aspecto
familiar, mas é aberta à vastidão da humanidade. Não é mais a administração do sacrifício
no Templo, mas a inclusão da humanidade no amor de Jesus Cristo que abraça todo o
mundo: adoração e crítica à adoração, sacrifício litúrgico e ofício do amor ao próximo se
tornam uma coisa só. Por isso esta frase (“astare coram te et tibi ministrare”) não fala de
um comportamento exterior, ela, invés, tal e qual o ponto mais profundo de unidade entre
o Antigo e o Novo testamento, descreve a própria natureza do sacerdócio, que, por sua
19/24
vez, não se refere apenas à uma classe determinada de pessoas, mas em última análise
remete a estarmos todos diante de Deus.

Busquei interpretar este texto em uma homilia em São Pedro pela Sexta-
Feira Santa de 2008: “Ao mesmo tempo, a Sexta-feira Santa é para nós uma ocasião de
perguntar-se sempre de novo: a que dissemos “sim”? O que é “ser sacerdote de Jesus
Cristo”? O Cânone II do nosso Missal, provavelmente redigido no fim do II século em
Roma, descreve a essência do ministério sacerdotal com as palavras com as quais, em
Deuteronômios (18,5-7), vinha descrita a essência do sacerdócio veterotestamentário:
astare coram te et tibi ministrare. São duas partes que definem a essência do ministério
sacerdotal: em primeiro lugar, o “estar diante do Senhor”. No livro de Deuteronômios
isso vem no contexto das disposições precedentes, segundo as quais os sacerdotes não
recebiam nenhuma porção de terreno na Terra Santa – eles viviam de Deus e para Deus.
Não esperavam os mesmos trabalhos necessários para o sustento da vida cotidiana. A sua
profissão era “estar diante do Senhor” – olhar para Ele, existir para Ele. Assim, a palavra
indicava uma vida na presença de Deus c om isso também um ministério de representação
dos demais. Como os demais cultivavam a terra, das quais viviam também os sacerdotes,
assim mantinham o mundo aberto no sentido de Deus e deviam viver com o olhar voltado
para Ele. Se esta palavra agora se encontra no Cânone da Missa imediatamente após a
consagração das ofertas, depois da entrada do Senhor na Assembléia em oração, então
isso indica para nós o estar diante do Senhor presente, indicando a Eucaristia como centro
da vida sacerdotal. Mas também aqui a questão vai muito além. No hino da Liturgia das
Horas que durante a Quaresma introduz o Ofício das Leituras – Ofício que há um tempo
junto aos monges era recitado durante da vigília noturna diante Deus e pelos homens –
uma das atividades da Quaresma é descrita como o imperativo: arctius perstemus in
custodia – estejamos intensamente em guarda. Na tradição monacal siríaca, os monges
eram qualificados como “aqueles que estão em pé”; o estar em pé era a manifestação da
vigilância e guarda. Se isso era considerado tarefa dos monges, podemos, com razão, ver
também como expressão da missão sacerdotal e como correta interpretação da palavra do
Deuteronômio: o sacerdote deve ser um que vigia. Deve estar em guarda de frente às
potências malignas perseguidoras. Deve manter o mundo acordado para Deus. Deve ser
o que está em pé: ereto diante da corrente do tempo. Reto na verdade. Reto no empenho
pelo bem. Estar diante do Senhor deve sempre estar, no sentido mais profundo, também
assumindo a responsabilidade pelos homens com o Senhor, que, por sua vez, se encarrega

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de todos nós com o Pai. É um encargo de cuidar-se Dele, de Cristo, de Sua palavra, de
Sua verdade e de Seu amore. Reto deve ser o sacerdote, impávido e disposto a suportar
todas as ofensas, como bem-dito nos Atos dos Apóstolos: eles eram “contentes por serem
ultrajados por amor do nome de Jesus” (5,41).

Passemos agora à segunda palavra, que o Cânone II toma do texto do


Antigo Testamento: “estar diante de Ti e a Ti servir”. O sacerdote deve ser uma pessoa
direita, vigilante, uma pessoa correta. A tudo isso se soma depois o servir. No texto
veterotestamentário essa palavra tem um significado essencialmente ritual: aos sacerdotes
competiam todas as ações de adoração previstas na Lei. Mas esse agir segundo o rito
vinha classificado como serviço, e assim explica em qual espírito aquela atividade deveria
ser praticada. Com a assunção da palavra “servir” no Cânone, o significado litúrgico do
termo veio em certo modo adotado no mesmo sentido – conforme à novidade da adoração
cristã. O que o sacerdote faz naquele momento da celebração da Eucaristia é servir,
cumprir um serviço a Deus e um serviço aos homens. O culto que Cristo estabeleceu ao
Pai é doar-Se até o fim pelos homens. Nessa adoração, nesse serviço é que deve o
sacerdote se inserir. Assim a palavra “servir” comporta múltiplas dimensões. Certamente
faz parte delas a correta celebração da Liturgia e dos Sacramentos em espécie,
devidamente praticada com participação interior. Devemos aprender a compreender
sempre mais a sagrada liturgia em toda a sua essência, desenvolver uma vívida
familiaridade com ela, até que se torne a alma da nossa vida cotidiana. É então que
celebraremos de modo correto, então emergirá a “ars celebrandi”, a arte de celebrar. Mas
nessa arte não deve haver nada de artificial. Deve se tornar uma coisa só com a arte de
viver corretamente. Se a liturgia é uma tarefa central do sacerdote, isso significa também
que a oração deve ser uma realidade prioritária de se aprender sempre de novo e sempre
mais profundamente na escola de Cristo e dos Santos de todos os tempos. Porque a
Liturgia cristã, por sua própria natureza, é sempre também um anúncio, devemos ser
pessoas que com a Palavra de Deus tenhamos familiaridade, a amemos e a vivamos:
somente então poderemos explica-la de forma adequada. “Servir ao Senhor” – o serviço
sacerdotal significa justamente também aprender a conhecer o Senhor na Sua Palavra e a
fazê-Lo conhecer a todos aqueles que Ele nos confia.

Faz parte do servir, enfim, dois outros aspectos. Nenhum é tão próximo ao
senhor como o servo que tem acesso à dimensão mais privada da sua vida. Nesse servir
significa proximidade, exige familiaridade. Essa familiaridade comporta também um

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perigo: aquele sacro encontrado por nós continuamente se torna um hábito. Se apaga o
temor reverencial. Condicionados a todos os hábitos, perdemos o fato maior, o novo e
surpreendente: que Ele mesmo esteja presente, nos fale e se doe a nós. Contra esse vício
dessa realidade extraordinária, contra a indiferença de coração, devemos lutar sem trégua,
reconhecendo sempre a nossa insuficiência e a graça que existe no fato que Ele se
entregue em nossas mãos. Servir significa proximidade, mas significa sobretudo
obediência. O servo está sempre comprometido: “Não seja feita a minha, mas a Tua
vontade” (Lc 22,42). Com esta palavra, Jesus no Jardim das Oliveiras venceu a batalha
decisiva contra o pecado, contra a rebelião do coração caído. O pecado de Adão consistia,
justamente, no fato que ele pretendia realizar a sua vontade e não a de Deus. A tentação
da humanidade é sempre aquela de querer ser totalmente autônoma, se seguir apenas sua
própria vontade e de pensar que assim nós seremos livres; que apenas graças a uma
liberdade sem limites o homem seria completamente homem e se tornaria divino. Mas é
exatamente assim que nos colocamos contra a Verdade. A Verdade é que nós devemos
dividir nossa liberdade com os outros e possamos ser livres apenas em comunhão com
eles. Essa liberdade compartilhada pode ser liberdade real se com ela participamos com
aquilo que constitui a medida da própria liberdade, qual seja, a vontade de Deus. Esta
obediência fundamental faz parte do ser homem e se torna ainda mais concreta no
sacerdote: nós não anunciamos a nós mesmos, as a Ele e a Sua Palavra, que não
poderíamos criar sozinhos. Não inventamos a Igreja assim como gostaríamos que fosse,
mas anunciamos a Palavra de Deus em modo correto na comunhão de Seu Corpo. A nossa
obediência é um acreditar com a Igreja, um pensar e falar com a igreja, um servir a Deus
com a Igreja. Aqui convém lembrar aquilo que Jesus disse a Pedro: “Será levado para
onde não queres ir”. Esse fazer-se guiar para onde não se quer é uma dimensão essencial
no nosso servir, e é exatamente isso que nos faz livres. Em um tal ser guiado, que pode
ser contrário às nossas idéias e projetos, experimentamos a coisa nova – a riqueza do amor
de Deus.

“Estar diante d’Ele e servi-Lo”: jesus Cristo como o verdadeiro Sumo


Sacerdote do mundo conferiu a estas palavras uma profundidade antes inimaginável. Ele,
que como Filho era e é o Senhor, quis se tornar aquele servo de Deus que a visão do Livro
do Profeta Isaías havia previsto. Quis ser servo de todos. Demonstrou isso no gesto do
Lava Pés. Com o gesto de amor até o fim Ele lava os nossos pés sujos com a humildade
do seu servir que nos purifica do vício da nossa soberba. Assim nos torna capazes de nos

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tornar comensais de Deus. Ele desceu, e a verdadeira ascensão do homem se realiza agora
com o nosso descer com Ele e para Ele. A Sua elevação é a Cruz. É a descida mais
profunda e, como amor movido ao fim, é ao mesmo tempo o cume da subida, a verdadeira
“elevação” do homem. “Estar diante d’Ele e servi-Lo” – isso significa que entrar na sua
chamada como servo de Deus. A Eucaristia como presença da Sua descida e da sua subida
retoma, além de si mesma, aos múltiplos modos de serviço do amor ao próximo. Peçamos
ao Senhor, nesse dia, o dom de poder dizer nesse sentido novamente o nosso “sim” ao
Seu chamado: “Eis-me. Enviai-me, Senhor” (Is 6,8) Amém.”11.

João 17,17: a oração sacerdotal de Jesus, interpretação da ordenação sacerdotal.

Finalmente gostaria de refletir ainda um momento sobre algumas palavras


da oração sacerdotal de Jesus (João 17), que na vigília da minha ordenação sacerdotal
marcaram de forma indelével meu coração. Enquanto os Evangelhos Sinópticos
essencialmente nos levam às pregações de Jesus na Galiléia, João – que ao que consta
possuía relações de parentesco com a aristocracia do Templo – se refere sobretudo aos
Anúncios de Jesus em Jerusalém e às questões que dizem respeito ao Templo e à
adoração. Nesse contexto, a oração sacerdotal de Jesus (João 17) adquire um relevo
particular.

Não pretendo aqui repetir os exatos elementos que analisei no volume do


meu livro sobre Jesus12. Gostaria apenas de limitar aos versículos 17 e 18 que me
atingiram particularmente na vigília da minha ordenação sacerdotal. Rezam assim:
“Santifica-os pela verdade. A tua palavra é a verdade. Como tu me envias-te ao mundo,
também eu os enviei ao mundo”. A palavra ‘santo” exprime a particular natureza de Deus.
Ele, e apenas Ele, é Santo. O homem se torna santo à medida em que inicia a estar com
Deus. Estar com Deus significa abrir mão do seu Eu e se tornar uma só pessoa com a
vontade de Deus. Essa liberação do Eu pode ser muito dolorosa e nunca se completar de
uma vez por todas. Com o termo “santifica” pode, todavia, ser compreendida muito mais
concretamente também a ordenação sacerdotal que significa justamente a reivindicação
radical do homem por parte do Deus vivo para o Seu serviço. Quando o texto diz:

11
Benedetto XVI, Il sacerdote: uomo in piedi, dritto, vigilante, Omelia durante la messa crismale nella
Basilica Vaticana di San Pietro, mattina del Giovedì Santo, 20 marzo 2008. Cfr. anche Insegnamenti di
Benedetto XVI, IV, 1 (gennaio-giugno 2008), Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2009, pp. 442-
446.
12
Cfr. J. Ratzinger, Gesù di Nazaret, op. cit., pp. 91-118.

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“Santifica-os pela verdade”, o Senhor reza ao Pai para incluir os Doze Apóstolos na sua
Missão, ordenando-os sacerdotes.

“Santifica-os pela verdade”. Parece aqui também a indicação do rito de


ordenação veterotestamentária. O ordenando vinha purificado fisicamente com uma
limpeza completa para fazê-lo sucessivamente endossar as vestes sacras. Ambas as coisas
tomadas em conjunto que, dessa forma, significam que o enviado deve se tornar um
homem novo. Mas aquele que no ritual veterotestamentário é uma figura simbólica, na
Oração de Jesus se torna realidade. A purificação que pode realmente purificar os homens
é a Verdade, é o próprio Cristo. E ele é também a veste nova indicada para ação de
adoração. “Santifica-os pela verdade”. Significa: imergi-los completamente em Jesus
Cristo até que valha para eles aquilo que Paulo indicou como a experiência fundamental
do seu apostolado: “Não sou mais eu que vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gal 2,20).

Assim, na noite daquela vigília, ficou impresso profundamente na minha


alma o que significa realmente a ordenação sacerdotal além de qualquer aspecto
cerimonial: significa ser sempre purificado novamente e permeado por Cristo, assim é
Ele a falar e agir em nós, e sempre menos nós mesmos. E se me tornou claro que este
processo de se tornar uma coisa apenas com Ele é a superação daquilo que é apenas nosso
e dura toda a nossa vida e inclui também sempre dolorosas liberações e renovações.

Nesse sentido as palavras de João 17,17 são uma indicação do caminho em


toda a minha vida.

Bento XVI

Cidade do Vaticano, Monastério “Mater Ecclesiae”, 17 de setembro de 2019.

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