Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
A análise dos discursos de José Luiz Coelho e Campos resulta do interesse por sua
biografia. Ele foi um intelectual que participou de momentos decisivos na História da
política brasileira, foi Promotor, Deputado, Senador e Ministro do Supremo Tribunal
Federal, publicou artigos e discursos em jornais, investiu na educação industrial, deu
pronunciamentos sobre o voto feminino e revelou ser um crítico do modelo educacional
vigente no Brasil. Assim, utilizou os espaços públicos para ter visibilidade e expor suas
idéias.
O interesse por sua biografia surgiu a partir da verificação da multiplicidade de
papéis que este intelectual desempenhou. Assim, o presente estudo apresenta o resultado
parcial da análise feita nos seus discursos que foram proferidos entre os anos de 1862 e
1919, a partir dos aportes teórico-metodológicos da História Cultural.
Priorizou-se informações sobre a formação acadêmica, atuação política e seu
legado, por isso, marco temporal vai de 1862, período em que volta graduado de Recife, até
1919, que é o ano de sua morte.
A vida de Coelho e Campos foi analisada a partir da abordagem biográfica, que
permite a apreensão de diversos aspectos relacionados a História da Educação. Segundo
Amorim,
Estudos recentes têm mostrado o valor e a importância das biografias para a
História da Educação. Os estudos biográficos de intelectuais que se
dedicaram ao magistério, geralmente têm como objetivo a tentativa de
recuperar suas trajetórias e compreender, por meio delas, aquilo que foi
efetivamente vivido e realizado (AMORIM, 2006, p.1).
1
Mestranda em Educação da Universidade Federal de Sergipe, sob a orientação do Prof. Dr. Jorge Carvalho
do Nascimento.
A abordagem biográfica é uma ferramenta que serve para o entendimento das
práticas e saberes dos sujeitos que marcaram as sociedades. No campo das pesquisas
educacionais, a partir da década de 1980, esta abordagem renasceu como gênero
historiográfico, tendo como característica, permitir a compreensão de processos formativos
aproximados de uma geração, possibilitando uma interpretação das trajetórias, destacando
elementos diferenciados do processo de socialização familiar. Segundo Borges (2006), “[...]
a biografia tem sido considerada uma fonte de conhecimento do ser humano: não há nada
melhor para se saber como é o ser humano do que se dar conta de sua grande variedade, em
espaços e tempos diferentes”(p.215).
O uso da abordagem biográfica, portanto, contribui para perceber as relações
existentes em determinados contextos, permitindo o diálogo entre diferentes áreas de
pesquisa. Nobert Elias (2001), ao abordar as possibilidades dos estudos relacionou a
História com a Sociologia. Este autor aponta reflexões que permitem buscar o
entendimento das figurações (configurações), em que estiveram inseridos os sujeitos
investigados e as relações de interdependências que construíram, uma vez que os homens
apesar de serem singulares,
José Luiz Coelho e Campos fez seus estudos primários em Capela, município de
Sergipe. E os preparatórios na Bahia, os quais foram: latim, francês, inglês, filosofia
racional e moral, retórica e poética, aritmética e geometria, história e geografia.
Assim, Bacharelou-se em Ciências Sociais e Jurídicas na turma de 1862 da
Faculdade de Direito de Recife. Esta formação concedia-lhe um “status”, um elemento
social diferenciador, pelo fato de ter sido letrado em uma instituição acadêmica reconhecida
no Império.
O curso que fez em Recife, foi criado inicialmente em Olinda, no ano de 1827, com
a duração de cinco anos. Apenas em 1854, foi transferido para Recife. Segundo Silva,
as faculdades brasileiras, no Império, legitimavam a atuação dos
intelectuais com formação superior que, através da ocupação de cargos no
poder público e publicações de caráter científico, político, literário,
religioso e social, constituíram o campo intelectual no Brasil. (SILVA,
2004, p.1,2).
Este foi o caso de Coelho e Campos. Ele pertenceu a uma geração de sergipanos que
atuou nesta instância de formação, contribuindo com a constituição de idéias de correntes
filosóficas pelo país.
Bevilaqua (1977) apresenta a relação dos Bacharéis que se formaram com Coelho e
Campos, em 1862, com destaque para os sergipanos: Vicente da Silva Portela, Graciliano
Aristides do Prado Pimentel e João Gomes Ribeiro Júnior. Para Nascimento (1999), [...] o
mosaico da intelectualidade brasileira que atuou sob o Império é extremamente complexo e
de compreensão não linear, pois essa intelectualidade viveu as contradições do seu
tempo”(p.04).
Neste período, Sergipe viveu predomínio das figuras egressas da academia do
Recife, complementadas pelos médicos formados na Faculdade de Medicina da Bahia.
Após a turma de 1862, outros sergipanos fizeram o curso de Bacharel em Recife, como
Tobias Barreto, Sílvio Romero, Justiniano de Melo, Gumercindo Bessa, Fausto Cardoso,
Martinho Garcez, dentre outros, que fizeram parte de gerações de intelectuais que
marcaram a política sergipana. Segundo Nascimento,
São muito importantes os estudos em torno dos intelectuais. Recompor suas
trajetórias, seus lugares, suas intervenções na cena cultural e política pode
ensejar uma compreensão mais acurada dos processos mediante os quais
foram cortejados e postos em disputa, padrões de formação da vida social
(NASCIMENTO, 2007, p.15).
Esta foi a realidade vivida por ele. Em 1878, assumiu uma cadeira na Assembléia
Geral Legislativa, no cargo de Deputado Geral, cumprindo mais três mandatos. Na
Câmara, defendeu os interesses sergipanos, como aconteceu no discurso proferido no dia 14
de agosto de 1882, sobre os limites entre a Bahia e Sergipe.
Para Coelho e Campos, Sergipe sofria uma usurpação pela província da Bahia, e por
isso, era necessário rever a questão dos limites estabelecidos entre estas províncias. A
argumentação utilizada estava pautada em estudos realizados sobre a criação de Sergipe,
como “As memórias” de Accioli Cerqueira; “Memória sobre Sergipe d’El Rei”, escrita em
1808 por D. Marcos Antonio de Souza; “Corographia do Brasil”, do Dr. J. M. Macedo;
“Corographia Brazílica”, de Ayres do Cazal; “Diccionario Geographico” de Milliet Saint
Adolphe; “Mapa” do Senador Candido Mendes e o “Relatório” do Dr. Cincinato Pinto da
Silva, proferido em 1865.
Dentre os deputados presentes, os que se manifestaram foram Leopoldo Cunha,
Prado Pimentel e Rodolpho Dantas. Mesmo assim, Coelho e Campos não ficou intimidado,
e concluiu sua fala com um apelo: “Afinal a câmara, Sr. Presidente, que não representa
simplesmente a Bahia ou Sergipe, mas a grande pátria brasileira, há de proceder com
isenção, reconhecendo o direito a quem o tiver” (COELHO E CAMPOS, 1882, p.24).
A proclamação da República trouxe muitos debates e discussões no Congresso
Nacional. Este foi um momento de instabilidade política. Coelho e Campos, como senador,
ciente de sua responsabilidade, afirmou em um de seus discursos:
Senhores, se não me cabe a responsabilidade do celebrado evento de 15 de
novembro, como quase todos os políticos do Brasil, como a nação em geral,
aceitei o fato, e propugno por seus consectários lógicos e naturais para a
reconstrução do país em moldes americanos pelo consórcio da ordem e da
liberdade. (COELHO E CAMPOS, 1890, p.2).
Em meio aos conceitos de Emílio Laveleve acerca da República, considerações de
Tocqueville, na “Democracia na América”, pensamentos de Benjamim Constant, Hamlet,
citando aspectos da legislação norte-americana, versou sobre a república federalista, versus
a unitária.
Como Senador, cumpriu três mandatos de 1891 a 1913, em nome do Partido
Conservador, Partido Nacional e Partido Republicano de Sergipe. Este fato para
Rolemberg, “era mais um degrau que subia na sua vida” (1957, p.141).
Neste período, Coelho e Campos rompeu suas relações com Olímpio Campos,
porque este escolheu Josino Meneses para ser seu sucessor na presidência de Sergipe.
Como forma de fazer oposição, Coelho e Campos juntou-se à Fausto Cardoso.
Ao escrever sobre a vida de Coelho e Campos, Barreto (2007), comenta sobre este
fato. Segundo ele,
Coelho e Campos foi, sem dúvida, uma das mais expressivas figuras da
política sergipana, pelo longo tempo que conquistou e cumpriu mandatos, e
pela influência junto ao grupo liderado pelo padre Olímpio Campos, e, mais
tarde, pela formação de uma força popular, juntamente com Fausto
Cardoso, um dos seus ferrenhos adversários (BARRETO. 2007. s/p).
[...] cada pessoa que passa por outra, como estranhos aparentemente
desvinculados na rua, está ligada a outras por laços invisíveis, sejam estes
laços de trabalho e propriedade, sejam de instintos e afetos. Os tipos mais
díspares de funções tornaram-se dependentes de outrem e tornaram outros
dependentes dela. Ela vive, e viveu desde pequena, numa rede de
interdependências que não lhe é possível modificar ou romper pelo simples
giro de um anel mágico, mas somente até onde a própria estrutura dessas
dependências o permita; vive num tecido de relações móveis que a essa
altura já se precipitaram nela como seu caráter pessoal (ELIAS, 1994, p.
22).
Assim, muitos são os fatos que precisam ser investigados sobre a atuação de Coelho e
Campos. Nos anais da Câmara e do Senado, deixou discursos publicados, que versavam
sobre a reforma judiciária, intervenção federal, o divórcio, estado de sítio, bancos de crédito
real, contravenções, elemento servil, indústria agrícola, reforma eleitoral, estradas de ferro,
dente outros que estão analisados.
Para ele, era necessário ter melhores métodos de cultura, maquinismos modernos,
profissionais qualificados e incentivos para aprimorar as técnicas empregadas na
agricultura. E isso só seria possível através do ensino profissional. Segundo ele,
O que há é que, em vez do ensino oficial, pretende-se o ensino pelos pais de
família, deixado à iniciativa particular. Senhores, sabemos todos o que
fizeram os nossos antepassados; preferiram a educação literária dos seus
filhos; em vez da instrução profissional ou agrícola, queriam ter filhos
cavalheiros, doutores [...]. (COELHO E CAMPOS, 1887, p.34).
Estas conclusões foram tomadas por ele, após analisar a agricultura dos Estados
Unidos, França, Inglaterra, Rússia, Alemanha, Holanda, Cuba, dentre outros, percebendo
que o sucesso da produção destes locais devia-se às políticas de incentivo à lavoura e ao
investimento na educação profissional. Assim, afirmou no discurso: “a nova ordem de
coisas impõe-nos diversa norma; o ensino profissional é um poderoso fator – saber é
poder!”(COELHO E CAMPOS, 1887, p.35).
Neste ponto do debate, teve o apoio e apartes dos Srs. Ratisbona, Jaguaribe Filho,
Junqueira Ayres, José Marcellino e Andrade Figueira. Este último foi contrário ao ensino
profissionalizante, tão defendido por Coelho e Campos. Para Figueira (1887), “o melhor é
acabar com esses estabelecimentos. Quem quiser aprender agricultura aprenda a sua
custa”(p.38).
Coelho e Campos (1887) contra-argumentou, e disse: “mas, então – quem quiser
estudar direito, medicina, matemáticas, estude à sua custa” (p.38). Essa atitude ousada
provocou apartes na Câmara.
Esse debate era pertinente, pois, nas primeiras décadas republicanas, apenas o
ensino superior era de responsabilidade do governo federal, ficando os demais níveis de
ensino dependentes de cada Secretaria de Estado. A legislação da escola pública primária,
instituída em novembro de 1890, estabelecia a gratuidade e a instrução laica, mas não tinha
uma obrigatoriedade. Ela possuía a característica enciclopédica, tão criticada por Coelho e
Campos. Segundo Veiga,
Assim como no Rio de Janeiro, o currículo das escolas primárias de São
Paulo era enciclopédico e se organizava de forma graduada [...]. O que
havia de comum nesse nível de ensino, nos primeiros anos da República,
era o método indutivo, as “lições de coisas” e a organização das aulas em
séries graduadas de acordo com a idade e o aproveitamento. (VEIGA, 2007,
p.242).
Sobre a casa de Coelho e Campos, afirma Moura (2008) que era ampla e bonita,
“tinha dois pavimentos, o terreno e o sobrado, sua parte frontal tinha onze janelas e uma
porta, formato arquitetônico arrojado, fachada em decorações de alto relevo, bem
trabalhada ao estilo francês do século XIX” (p.6).
O destino da outra doação foi a criação do Instituto Profissional Coelho e Campos,
em 1922, no Governo de Pereira Lobo, com o intuito de capacitar jovens, de ambos os
sexos, para as artes e os ofícios necessários à época. Esse Instituto foi fruto do desejo de
Coelho e Campos, de ter uma escola profissionalizante no Estado para melhorar as técnicas
agrícolas. Segundo Rolemberg, ex-professora desta instituição, o
Instituto Profissional, Escola Industrial ou Escola de Aprendizagem, será
sempre “Coelho e Campos” e por ela passou, passa e passará legiões de
aprendizes, que transformados em operários qualificados, hão de engrossar
as fileiras dos que desejam realmente a independência, a liberdade e a paz
do Brasil só adquirida pela sua industrialização. (ROLEMBERG, 1957,
p.163).
Na sua concepção, esta lei agravou as condições da lavoura no Brasil, e por isso, era
necessário que o país tomasse medidas de facilidade de crédito para amenizar os prejuízos.
Na sessão de 15 de janeiro de 1891, debateu sobre a Religião, o Estado e o
casamento civil, defendendo que “o Estado não pode ser indiferente e menos ateu; e antes,
deve girar em um ambiente moral e religioso”(COELHO E CAMPOS, 1891, p.36).
Seguindo esta linha de raciocínio, acreditava que a escola não poderia existir sem
Deus, porque “não vale a instrução sem a educação, e a educação é a instrução moral, a
religião, a divindade”(COELHO E CAMPOS, 1891, p.49). Apesar dos apartes causados
nos que defendiam que a instrução moral dependia da família, ele não hesitou na
argumentação.
Citou os três métodos de ensino das legilações modernas para comprovar que a
religião estava presente neles. No primeiro, que era o do Chile, da República Argentina e de
Portugal, a religião estava no programa de ensino e na casa escolar; no segundo método, ela
foi excluída do programa, mas permitida aos ministros dos cultos na casa escolar, operante
na Inglaterra, Alemanha, Itália, Suíça, Bélgica, Estados Unidos etc; e no terceiro método, a
instrução religiosa é admitida somente no edifício escolar do ensino secundário.
O projeto brasileiro, por sua vez, estava em desacordo com estes métodos, pois
declarava que nos estabelecimetos públicos o ensino seria leigo, não admitindo o religioso,
em qualquer um dos graus. Para Coelho e Campos (1891), “o legislador brasileiro não deve
fazê-lo [...]. Seria um erro lamentável, de consequência fatais”(p.59).
Após este posicionamento, ele foi perguntado sobre o que achava do voto feminino,
porém, preferiu não cogitar, afirmando apenas, que sua esposa não iria votar. Ao final deste
discurso, Coelho e Campos foi muito cumprimentado e felicitado pela fala, fato que se
repetia na maioria dos debates. Nota-se que, apesar dos apartes, ele sempre era elogiado
pela argumentação e encadeamento das idéias apresentadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória de Coelho e Campos está marcada por conflitos e tensões que merecem
ser investigados. De antemão, verifica-se que o sentido de suas conquistas podem ser
percebidos nas suas falas e ações, que estão presentes nos jornais, discursos, dentre outras
formas de registro da memória.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Luiz Antonio. O adeus dos amigos e admiradores. Aracaju: s.n.t., 2007. s/p.
ELIAS, Nobert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1994.
SILVA, Eugênia Andrade Vieira da. A formação intelectual da elite sergipana (1822-
1889). São Cristóvão, SE: Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação /
NPGED/UFS, 2004. (Dissertação de Mestrado).
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
<http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/Consulta/Autor.php?autor=14419> Acesso em
29/01/2008 às 10h e 58 minutos.
NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. A era dos grupos escolares. Disponível em:
<http://www.cinform.com.br/colunistas/index.php?act=leitura&codigo=3533> Acesso em
29/01/2008 às 10h e 51 minutos.
<http://www.infonet.com.br/cinformmunicipios/municipio_capela.htm> Acesso em
29/01/2008 às 10h e 47 minutos.
<http://www.senado.gov.br/sf/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1947&li=24&lc
ab=1897-1899&lf=24> Acesso em 16/04/07 às 17h e 40min.
<http://www.stf.gov.br/institucional/ministros/republica.asp?cod_min=57> Acesso em
16/04/07 às 18h..