Vous êtes sur la page 1sur 52

Abril / Maio / Junho 2020 Edição nº 176 Ano XLVIII

PA N D E M I A

passado... ...futuro?
Junho de 2020
Edição nº 176

Presidente
Dr. Dante Bianchi

Vice-Presidente
Dra. Debora Aguiar 4

Secretária Geral
Dra. Morgana Ohira 6
Primeira-Secretária
Dra. Giselle Maretti
8
Tesoureiro
Dr. Marcelo Pacheco

Vice-Tesoureiro 11
Dr. Luís Felipe Dipe

Diretor Cientíco
Dr. Carlos Andrade 17

Diretor do Interior
Dr. Flavio Nery 23
Diretora de Comunicação e Mídias
Dra. Ingrid Bandeira Moss
29
Boletim
Editora-Chefe
Dra. Mirhelen Mendes de Abreu
33
Conselho Editorial
Dra. Alessandra Pereira
Dra. Kátia Lino
Dra. Laila Boechat 35
Dra. Lívia Madeira
Dr. Rodrigo Poubel
37
Diretoria de Ética, Normas e Registros
Dr. Geraldo Castelar

Conselho Fiscal 38
Dr. José Fernando Verztman
Dra. Selma da Costa Silva Merenlender
Dra. Francinne Machado Ribeiro
Dr. Carlos Augusto Ferreira de Andrade 44
Editoração e Impressão
Gráca Tudo Para Ontem
47
Redação
reumatologia@reumatorj.com.br
50
A SRRJ e a COVID-19 Dr. DANTE BIANCHI

Olá meus amigos. No dia 14 de março foi decretado o isola-


mento aqui no Rio, que vigora até hoje (19 de
abril). Estamos tentando viabilizar, ainda para o
Em primeiro lugar espero que todos este- mês de abril, a realização do Clube do
jam bem. Saúde em primeiro lugar! Reumatismo através de uma plataforma digital.
Ainda não temos todos os detalhes, informare-
mos assim que possível.
Realmente estão sendo tempos confusos.
Na verdade MUITO confusos. Esse texto será
para mostrar as medidas que estamos tomando Tivemos ainda muito trabalho para enten-
durante esse momento de pandemia. der como deveria ser o afastamento dos nossos
pacientes. Nesse ponto, a nota da SBR, em con-
junto com o vídeo feito, foi fundamental para nos
Apenas relembrando, com a pandemia dar suporte.
decretada em 11 de março e como resposta ime-
diata, suspendemos as reuniões mensais do
Clube do Reumatismo e no dia 13 de março, Título do vídeo para busca no youtube:
divulgamos nota aos associados, laboratórios e
‘’COVID-19: SBR esclarece dúvidas de pacien-
demais membros da comunidade médica adian-
tes de doenças reumáticas’’
do nosso principal congresso, o ReumaRio.
Admito foi extremamente sofrido mas, sem dúvi-
da, havia de ser feito.

4
Palavra do Presidente

Se não bastassem as confusões já cita- O grupo de reumatologistas da SRRJ,


das, no dia 19 de março, diante da manifestação como um todo, principalmente através do what-
pública do governo americano de apoio ao uso sapp, tem se mantido atualizados, com troca de
de antimaláricos no tratamento do COVID-19, informações, artigos e opiniões. Esse entendo
passamos a fazer uma séria de notas e vídeos, que deve ser o nosso principal papel, informar.
para orientar pacientes e médicos. Seguiremos esse rumo.

A primeira medida da SRRJ foi divulgar em Aproveito a oportunidade para divulgar


redes sociais, vídeos e entrevistas na TV, que o novamente a criação no nosso Instagram,
medicamento é seguro para os pacientes reumá-
https://www.instagram.com/reumatorj
ticos. Sentimos que houve uma desinformação
sobre a segurança de um fármaco que usamos
muito. Venha nos seguir! Será mais um canal de
comunicação com vocês.

Em um segundo momento passamos a


atuar de forma a orientar nosso paciente como Essa edição do nosso Boletim foi feita
conseguir o remédio, que sumiu das farmácias com muito carinho, especialmente para esse
por desabastecimento. Novamente, usamos as momento, espero que aproveitem. Aproveitem
redes sociais para isso. Em contato com a as próximas páginas.
Secretaria Estadual de Saúde, orientamos clara-
mente como seria o uxo da distribuição da
hidroxicloroquina pela Riofarmes, conseguimos Mais uma vez espero que todos quem
criar uma prioridade para cadastros de pacientes bem, cuidem das suas famílias, cuidem dos seu
com doença reumatológicas, com o objetivo de pacientes. Mas em primeiro lugar cuidem de
suprir os nossos pacientes. Obtivemos informa- vocês.
ções que não haverá desabastecimento do medi-
camento e as informações foram passadas para
todos os associados.
Grandes abraços!

Mais recentemente, no dia 15 de abril, ela-


boramos nota orientando como conseguir hidro-
xicloroquina. Com uma lista de telefones e ema-
ils, além de uma parceria com a farmácia univer-
sitária para atendimento dos nossos pacientes. Dante Bianchi
Presidente Biênio 2019 / 2020

5
RODRIGO POUBEL KÁTIA LINO

LAILA BOECHAT ALESSANDRA PEREIRA

Em 30 de Janeiro de 2020, a Organização China, principal local de multiplicação do vírus.


Mundial da Saúde (OMS) declara estado de emer- Hoje, cerca de três meses após, a notícia já soa
gência global em razão da disseminação do coro- como obsoleta. Os números já se transformaram
navírus. A entidade fez o anúncio à imprensa em ao redor do planeta. Padrões de comportamento
sua sede, em Genebra, na Suíça, após uma reu- são descritos e revisados continuamente. De
nião com especialistas. Àquele momento, haviam igual modo, controvertidas recomendações
sido contabilizados 7,7 mil casos e 170 mortes na sobre o manejo terapêutico revelam incertezas.

6
Nesse contexto, toda sorte de concentra- primeira e a segunda citações datam do ano de
ção, na tentativa de produzir evidências com a 2003. A terceira citação foi publicada em setem-
melhor qualidade alcançável tem sido promovida. bro de 2019. Em 15 de janeiro de 2020, verica-
O desconhecido vírus impõe decisões urgentes mos cerca de 90 citações com o descritor
em múltiplas dimensões da prática clínica. A COVID-19. E hoje, dia 09 de maio de 2020, man-
Ciência ganha pauta prioritária. Agências de tendo-se o mesmo critério de busca, contabili-
fomento à pesquisa direcionam seu orçamento zam-se 11.509 produções cientícas citadas em
para ações que promovam esforços que contem- 576 páginas deste portal.
plem as múltiplas dimensões de indagações que
a nova realidade suscita.
Tamanha profusão denuncia um fato:
vivenciamos um fenômeno histórico. E, nesse
Diante de tantos esforços justos e bem cenário, a Reumatologia ganha destaque.
intencionados, de que modo a Ciência tem sido Manejamos a inamação. Padrões clínicos da
construída a m de nortear decisões da prática infecção se confundem com nossas doenças.
clínica? Quais atributos têm sido delineados acer- Alternativas medicamentosas em pauta fazem
ca da infecção pelo COVID-19? parte do nosso cotidiano. Bioética, História da
M e d i c i n a , Po l í t i c a d e S a ú d e , S i g n o s e
Signicados que subsidiem o racional diagnósti-
Para ilustrar o texto deste Editorial, ze- co: as páginas a seguir debatem esse novo
mos um exercício de busca no maior portal de mundo que se descortina.
bases de dados da literatura cientíca, o National
Library of Medicine, mais conhecido como
MedLine, utilizando-se o ltro Pubmed. Apenas Boa leitura!
um descritor foi selecionado para esse exercício
de especulação: [COVID-19], realizado em 09 de Mirhelen Abreu
maio de 2020. Evidenciamos 11.509 citações. A & Conselho Editorial

7
A DIFERENÇA É DE 100 ANOS.
E AS SEMELHANÇAS?

Dra. LAILA POUBEL


Professora de Reumatologia
Itaperuna/RJ

Gostaria que você iniciasse a leitura


por esse recorte de jornal

Atual? Plausível de se pensar. É claro


que você percebe o jeito da escrita, o papel
amarelado corrompido pelo tempo, suas fon-
tes fortes e consegue remeter tudo isso ao
passado. Pois bem, era isso que nossos bisa-
vós estavam lendo nos jornais há 100 anos
atrás, durante a epidemia de gripe espanhola
em 1918, causada pelo vírus inuenza do tipo
A H1N1.
Para conseguirmos entender o ambi-
ente da pandemia de 1918, precisamos lem-
brar que naquela época não havia saneamen-
to básico, os esgotos eram jogados a céu
aberto, tanto na Europa quanto no Brasil. E
além disso, soldados aprisionados em trin-
cheiras com lama, fezes, urinas e ratos. Mal a
humanidade se recuperara de uma Guerra, e
já estava novamente tendo que enfrentar um
inimigo agora invisível e ainda mais letal: a
gripe.
Em todo o mundo, a gripe espanhola
matou em quatro meses, mais que a I Guerra
Mundial em quatro anos. Ao menos um quarto
de toda a população do planeta se infectou,
provocando entre 17 e 50 milhões de mortes.

8
Esta é uma carta publicada no British des, reconhecer o problema faz com que eles
Medical Journal quase 60 anos após a pandemia de tenham que empreender recursos e tomar medidas
1918-1919, escrita por um médico norte-americano que muitas vezes não serão bem aceitas pela popu-
dizendo que a doença começa como uma gripe lação, medidas mais duras.
comum, porém os doentes “desenvolvem rapida- Segundo, queremos achar um culpado:
mente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais sendo sempre alguém de fora, mas não nós mes-
visto. Duas horas após darem entrada (no hospital), mos. Na gripe espanhola se acreditou em vários
têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs boatos que era veneno dispersado por alemães em
do rosto e algumas horas mais tarde pode-se come- submarinos, para alterar o cenário da guerra, ou
çar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a diziam que o tanto de bombas lançadas no grande
partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o conito teria alterado a atmosfera e favorecido o
homem negro do branco. A morte chega em pou- surgimento daquela doença. Hoje temos muito
cas horas e acontece simplesmente como uma falta mais esclarecimento de como e onde nascem as
de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode- epidemias e esses novos vírus, mas também temos
se car olhando um, dois ou 20 homens morrerem, tantas fake news chegando a cada segundo na dis-
mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como tância de um toque no touchscreen, que até o mais
moscas deixa qualquer um exasperado”. inteligente é capaz de ter dúvida sobre a verdade.
Me deparei com este triste relato da realida- Com esse pensamento geramos ódio, parti-
de logo ao começo da pesquisa para escrever esse lha, afastamento, xenofobia. Fazemos com que o
artigo, e me imagino na posição deste colega de chinês seja estereotipado. Chegamos a chamar o
trabalho, vendo que não havia como ajudar os doen- Corona vírus de “vírus chinês”.
tes e ter que assistir ao inevitável. Imagino o que os Terceiro é a percepção de que algo deve ser
médicos chineses, espanhóis presenciaram, como feito no combate à doença. Até chegarmos neste
exemplo a la enorme de ambulâncias na porta dos pensamento também se passa algum tempo. É aqui
hospitais trazendo pacientes para onde não há que a sociedade se une em prol do coletivo e tenta
vagas, a falta de ventiladores mecânicos nas unida- suprir a carência que o Sistema de Saúde acaba
des de tratamento intensivo diante das insuciênci- deixando, por este mesmo não esperar e não estar
as respiratórias, e penso no tipo de carta que escre- preparado para esta demanda. Surgem campa-
verão, ou mais modernamente, nos textos difundi- nhas de doação, solidariedade, a compaixão com o
dos pelo Instagram. E penso que daqui a pouqui- próximo. Não foi diferente no século anterior, não
nho ou senão hoje, já seremos nós, os médicos bra- está sendo diferente neste. Aqui começa a valoriza-
sileiros a redigir estas palavras, pois ainda escrevo ção do S.U.S..
este artigo no início do mês de abril de 2020. Aquele momento pandêmico em 1918 e
Claramente estamos em uma realidade onde há 1919, perante o desconhecimento de medidas con-
mais pesquisa, mais recursos, mais desenvolvi- tra a transmissão e também a falta de terapêutica,
mento de suporte ao paciente, mas também muitas fez com que a população temesse até mesmo sair
semelhanças no que acontece hoje e no que acon- na rua. Houve isolamento e distanciamento social,
teceu antes. alguns se refugiando nos interiores onde ainda não
Um americano, estudioso sobre o assunto, havia chegado a doença. E nos jornais o que prolife-
chamado Charles Rosenberg, dá o nome a isto de rava eram receitas caseiras aos montes para evi-
“dramaturgia das epidemias”. Podemos destrin- tar/tratar a gripe.
chá-la em 3 momentos: As receitas antigas envolviam alho, as de
Primeiro negamos: Negamos que há um hoje também, disponíveis em vários sites pela inter-
problema, negamos que não há controle. As autori- net.
dades brasileiras em 1918 tomaram a priori poucas O sal de quinino, remédio usado no trata-
medidas ou nenhuma para a contenção da infec- mento da malária e muito popular na época, passou
ção, até achavam que o oceano seria capaz de sepa- a ser distribuído à população, mesmo sem qualquer
rar e impedir que chegasse a doença até aqui. comprovação cientíca de sua eciência contra o
Medidas mais drásticas só foram tomadas após vírus.
epidemia instalada. Hoje ainda há brasileiros Depois da leitura desta última frase não há
negando a existência do COVID-19. Para autorida- como não remetermos o pensamento à nossa que-

9
rida (posso chamá-la assim entre Reumatologistas) podemos ostentar hoje em dia é a saúde mental. Já
Hidroxicloroquina. não adianta ter o carro importado recém blindado, o
Parece que estou lendo o jornal de amanhã. celular que foi lançado apenas nos E.U.A ou a pas-
Falando no amanhã, o que podemos espe- sagem de avião de ida para Dubai. Isso você podia
rar do futuro? Aprendemos algo com a Gripe pensar ser vantajoso há 2 meses atrás. Hoje o
Espanhola? Com a Peste Negra? Com qualquer mundo é outro, e vantagem tem quem está conse-
outra Pandemia ocorrida? Já não somos nós o futu- guindo seguir estável, gerando soluções para os
ro dessas pandemias do passado? problemas, atravessando cada obstáculo sem sur-
Sabidamente algumas curvas estão em tar.
ascensão, como a do ensino a distância, trabalho Para nalizar, o desejo é que consigamos
remoto e a apropriação digital imputando para nós compreender os fatos e tirar proveito de todo o
a Telemedicina. caos. Que a união e a empatia prevaleçam.
Com o isolamento, com a crise econômica, Assim como no passado, onde das receitas casei-
com a não previsibilidade do mês seguinte uma ras usadas pela população com os ingredientes
outra curva em crescimento será a da ansiedade, cachaça, mel e limão surgiu a caipirinha, uma bebi-
depressão, suicídios, divórcios... da nossa, que sejamos brasileiros ao ponto de nos
A nossa mente nunca foi colocada tão a reinventarmos e quem sabe criarmos algo novo e
prova de forma conjunta, onde sabemos que todos que marque nossa história daqui em diante. O
estamos no mesmo barco, mas o marinheiro conti- mundo nos está dando limões...
nua sendo cada um de nós. E a única coisa que

10
ATIVIDADE DE DOENÇA OU INFECÇÃO POR COVID-19?
NOVOS DESAFIOS PARA O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
NA PRÁTICA REUMATOLÓGICA.

Dra. MARCELA ANDRADE


Professora Substituta do Serviço de Reumatologia.
Faculdade de Medicina, UFRJ

Dr. MARIO ALBERTO ZARUR PÉREZ


Especializando em Reumatologia, UFRJ

RESUMO INTRODUÇÃO

A infecção por COVID-19 cursa com quadro A pandemia causada pelo vírus SARS-Cov-2,
clínico variável que vai desde casos assintomáticos, identicado em dezembro de 2019 em Wuhan na
passando por infecção do trato respiratório superior China, tornou-se uma emergência de saúde pública
e inferior (pneumonia) até síndrome de desconforto com grande repercussão internacional. A doença
respiratório agudo e tempestade citocínica. A histó- cursa com quadro clínico variável que vai desde
ria natural da doença em paciente com doenças reu- casos assintomáticos, passando por infecção do
matológicas e em uso de imunossupressores ainda trato respiratório superior e inferior (pneumonia) até
não é conhecida, porém é de extrema importância síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA)
uma vez que esses pacientes podem representar e tempestade citocínica, adquirindo gravidade no
grupo de risco para o desenvolvimento de casos caso de pacientes com fatores de risco, como idade
graves ou, em contrapartida, estarem protegidos por avançada (acima de 55 anos), sexo masculino e pre-
uma possível imunomodulação proveniente do trata- sença de comorbidades (hipertensão, pneumopatia
mento de base. Alguns achados dos estágios graves crônica, diabetes e obesidade, principalmente).
da infecção por Sars-CoV2 podem mimetizar sinais A desregulação da resposta do sistema
de atividade das patologias reumatológicas, tornan- imune inato e adaptativo que ocorre pela infecção
do-se um desao diagnóstico e terapêutico para o por COVID-19 representa uma preocupação em paci-
Reumatologista. O objetivo deste artigo é abordar as entes com imunossupressão causada por doenças
semelhanças entre as doenças reumatológicas e a imuno-mediadas, malignidades e terapias imunos-
infecção por COVID-19. supressoras. A história natural da doença em paci-

11
ente com doenças reumatológicas e em uso de imu- Na artrite idiopática juvenil (AIJ), raramente
nossupressores ainda não é conhecida, pois esses observamos alterações pulmonares. Quando pre-
pacientes não guram nas séries de casos publica- sentes, incluem hipertensão arterial pulmonar (64%),
das. O efeito tanto das doenças de base quanto do DIP (28%) e proteinose alveolar (20%). As TCAR de
tratamento sobre o curso da doença é controverso, tórax podem exibir: espessamento septal periférico
com alguns autores sugerindo possíveis benefícios, multilobar; pavimentação em mosaico; consolida-
enquanto outros sugerem que a imunossupressão ção periférica; consolidação peribroncovascular;
ou a condição pró-inamatória podem desencadear opacidades em vidro fosco.4 Opacidades em vidro
casos mais graves. fosco e pavimentação em mosaico são alterações
Neste artigo abordaremos as características prevalentes em pacientes com pneumonia por
clínico-radiológicas da pneumonia por COVID-19, COVID-19.
relacionando com acometimento pulmonar das A síndrome antisintetase (SAS) é caracteriza-
doenças reumatológicas, além de abordar a tendên- da pela presença de anticorpos contra o complexo
cia prótrombótica, tempestade citocínica, que se aminoacil-RNAt (anti-ARS) e pelas manifestações
assemelha à síndrome de ativação macrofágica clínicas de miopatia inamatória, DIP (gura 2),
(SAM), e manifestações dermatológicas descritas artrite, mãos de mecânico (hiperceratose da face
que podem mimetizar doenças autoimunes. lateral dos dedos), febre e fenômeno de Raynaud.
Dentre os anticorpos antisintetase, o anti-Jo1,PL-7e
PL-12 são fortes preditores de acometimento pumo-
PNEUMOPATIA INTERSTICIAL nar.5
Anticorpos anti-MDA5 têm sido fortemente
As doenças intersticiais pulmonares (DIP) associados à doença intersticial pulmonar rapida-
abrangem um grupo heterogêneo de patologias mente progressiva (RP-ILD) em pacientes com der-
caracterizadas pelo aparecimento de uma reação matomiosite (DM). A DIP que ocorre nesse fenótipo
inamatória no interstício desencadeada por diferen- merece especial destaque por mimetizar fortemente
tes antígenos. A tomograa computadorizada de alta a pneumonia por COVID-19 nas suas características
resolução (TCAR) é o método de escolha para esse clínico-radiológicas e laboratoriais, sendo muitas
diagnóstico. As lesões intersticiais são agrupadas vezes indistinguíveis.6
em 5 padrões: (1) retículo-linear; (2) nodular; (3) Radiologicamente, a DM-anti-MDA5 apresen-
1
vidro fosco; (4) cístico; (5) consolidação. ta-se por inltrados em vidro fosco dispersos pelo
Em diferentes coortes de pneumonia por parênquima pulmonar, de distribuição predominan-
COVID-19, observou-se que opacidades em vidro temente periférica que pode evoluir para consolida-
fosco (86%), misto de vidro fosco com consolidação ções perilobulares (gura 1). A hipoxemia, marcante
(64%) e aumento vascular da lesão (71%) são os na pneumonia por COVID-19, também é característi-
padrões radiológicos mais comuns.2 Esses achados ca da DM-anti-MDA5. Por m, ambas as doenças
estão presentes também nas doenças intersticiais apresentam hiperferritinemia, que se relaciona com
6
pulmonares relacionadas à doenças autoimunes e a gravidade da doença.
3
autoinamatórias.

Figura 1: TCAR de paciente


do HUCFF com RP-ILD em
DM-anti-MDA5.
(Arquivo pessoal,2019).

12
Na artrite reumatoide (AR), manifestações SÍNDROME DE ATIVAÇÃO MACROFÁGICA E
extra-articulares ocorrem em cerca de 18 a 41% dos A TEMPESTADE DE CITOCINAS NO COVID-19
pacientes, sendo a DIP a manifestação pulmonar
mais comum. Os achados mais prevalentes na TCAR Cerca de 10-20% dos pacientes infectados
incluem inltrado reticular com aspecto em favo de por COVID-19 (especialmente aqueles com fatores
mel, predominantemente em bases, bronquiectasi- de risco, como idade avançada e presença de
as de tração e focos de consolidação. A biópsia, comorbidades) desenvolvem doença grave caracte-
quando realizada evidencia principalmente a pre- rizada por pneumonia intersticial e rápido desenvol-
sença de pneumonia intersticial usual (PIU). No vimento de SDRA ou choque séptico com altos níveis
entanto, a biópsia raramente é necessária, devido à de reagentes de fase aguda e fatores da SAM, como
7
ótima correlação radio-histopatológica. hiperferritinemia, disfunção hepática e coagulação
A presença de fator reumatoide ou anti-CCP intravascular disseminada (CIVD).10
positivos em altos títulos é preditora para o desenvol- Apesar da pneumonite poder ocorrer, a SAM
vimento de DIP em pacientes com AR. clássica que se passa no cenário da AIJ sistêmica e
O acometimento pulmonar é a principal em outros diagnósticos autoimunes frequentemente
causa de morte na esclerose sistêmica (ES). Esse se desenvolve fora dos pulmões e se manifesta com
pode se apresentar em forma de DIP (> 70% dos febre, adenomegalia, hepatoesplenomegalia, ane-
pacientes na autópsia) com evolução para brose mia, outras citopenias, disfunção hepática e ativação
pulmonar, ou de hipertensão arterial pulmonar – HAP da cascata de CIVD, secundária à inamação e acom-
(8-12% dos pacientes). A DIP é mais prevalente na panhada por hipercitocinemia.
11

forma difusa da doença e associada à presença do Os parâmetros clínicos e laboratoriais,


autoanticorpo anti-topoisomerase I. Mais de 85% incluindo proteína C reativa (PCR) elevada e hiperfe-
dos pacientes com esse anticorpo desenvolvem DIP rritinemia, são fatores-chave para o diagnóstico de
e sua detecção está relacionada com a gravidade do SAM e estão elevados em muitos casos de infecção
quadro. Esse se apresenta como inltrados em viro pulmonar grave pelo COVID-19. Outros fatores,
fosco de distribuição predominantemente periférica, como coagulopatia e função hepática alterada
porém mais insidioso do que a pneumonia por podem estar presentes sugerindo que um subgrupo
COVID-19. dos casos de pneumonia por COVID-19 também
Na síndrome de Sjögren (SS), a prevalência possuem SAM, porém a imunopatologia é muito
estimada de DIP é relatada em 9 a 90% dos pacien- centrada no pulmão, emergindo com SDRA e ausê-
tes. Os padrões de envolvimento pulmonar incluem ncia de organomegalia.11
pneumonia intersticial inespecíca (PINE), pneumo- A desregulação de citocinas na infecção por
nia em organização (COP) e pneumonia intersticial COVID-19 é marcada pela superprodução de algu-
usual (UIP). Os achados predominantes na TCAR mas citocinas especícas, cujos níveis relacionam-
incluem nódulos centrolobulares mal denidos, se com a gravidade da doença, como IL-2, IL-6, IL-7,
atenuação em vidro fosco, cistos e, nos casos de IL-10, G-CSF, IP-10, MCP-1, MIP-1 A e TNF-alfa. Um
PINE, principal apresentação, uma linha de parên- estudo mostrou que os níveis de IL-6 estavam acima
quima normal subpleural de cerca de 1 cm de espes- do normal em um terço dos pacientes com doença
8
sura. leve e em 76% dos pacientes com gravidade.12
A espondilite anquilosante (EA) raramente Assim como na CIVD presente na SAM, na
cursa com doença pulmonar. Porém quando isso pneumonia por COVID-19 existe elevação do nível
ocorre, as manifestações incluem brose apical, DIP de D-dímero, o que pode representar a extensão da
e comprometimento ventilatório devido à restrição hiperinamação pulmonar à microcirculação adja-
da parede torácica, apneia do sono e pneumotórax cente, causando intensa ativação brinolítica secun-
espontâneo. Os achados mais comuns na TCAR são dária. Essa imunopatologia emergente pelo COVID-
padrão em mosaico, micronódulos e bandas paren- 19 parece ser mais associada à extensa microtrom-
quimatosas, espessamento da parede brônquica, bose pulmonar do que à CIVD que ocorre na SAM
opacidade em vidro fosco e espessamento septal avançada. O quadro semelhante com SAM que oco-
9
interlobular. rre na pneumonia por COVID-19 é compartimentali-
A gura 2 representa uma síntese das altera- zado anatomicamente aos pulmões e tórax, tornan-
ções pulmonares descritas ao longo do texto. do clinicamente difícil o diagnóstico diferencial com

13
Figura 2:
Síntese das alterações
pulmonares nas diferentes
doenças reumatológicas em
semelhança ao quadro
radiográco da infecção
por COVID-19.

a SDRA, que muitas vezes pode estar presente em Isso justica que a sobreposição do perl de citoci-
associação. Em pacientes com SDRA por outras nas que ocorre entre a SDRA e SAM pode dicultar a
causas não virais, a elevação de IL-6 no plasma pre- diferenciação entre tais condições e que grande
diz um pior prognóstico, assim como o seu alto nível parte das alterações laboratoriais que ocorre na
no lavado broncoalveolar, sem a presença de uma infecção por COVID-19 predominantemente reete a
11
origem sistêmica para a elevação dessa citocina. SDRA.

14
MICROANGIOPATIA TROMBÓTICA

A Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo Manifestações trombóticas foram descritas


(SAF) é outra doença reumatológica cujas apresen- na pneumonia associada ao SARS-CoV-2: há relatos
tações graves, como SAF catástróca e hemorragia na literatura de acroisquemia, pérnio e livedo reticu-
13,14
alveolar difusa (que também pode ocorrer associada lar. Essas lesões podem se assemelhar ao fenô-
ao lúpus eritematoso sistêmico), podem ser bastan- meno de Raynaud, vasculite de médios vasos (PAN),
te semelhantes ao quadro clínico da COVID-19. As crioglobulinemia tipo 1 e pérnio. Outra manifestação
duas doenças cursam com hipoxemia grave e disp- dermatológica descrita foi o rash maculopapular,
néia, no entanto hemoptise e hemoptóicos, que são que pode ocorrer de forma semelhante na dengue
comuns na hemorragia alveolar, são raramente des- ou até mesmo na Doença de Still (guras 3, 4 e 5).15
critos na pneumonia por COVID-19.

Figura 3: Acroparestesia na
infecção por COVID-19.
(Fonte: ZHONGHUA, 2020).

Figura 4: Livedo reticular


na infecção por COVID-19.
(Fonte: (MANALO, 2020).

15
CONCLUSÃO

O entendimento geral das características da


infecção por COVID-19 na população com doenças
imuno-mediadas é crucial e urgente para guiar o
manejo desses pacientes e facilitar a identicação do
grupo de risco durante a pandemia. Além disso, é
fundamental o Reumatologista atentar para a seme-
lhança entre as manifestações das patologias reu-
matológicas e os estágios mais graves da infecção
pelo vírus Sars-CoV2, diferenciando os sinais de ati-
vidade de doença das mimetizações causadas pelo
vírus para estabelecimento do tratamento de forma
rápida e ecaz.

Figura 5: Rash urticariforme na infecção


por COVID-19. (Fonte: (MAHE, 2020).

1) PALLEIRO, Ana Giménez; FRANQUET, Tomás. Patrones American Thoracic Society, v. 13, n. 3, p. 371-375, 2016.
radiológicos en la enfermedad pulmonar intersticial. Seminarios de
la Fundación Española de Reumatología, v. 14, n. 4, p. 97-105, 9) KIRIS, Adem et al. Lung ndings on high resolution CT in early
2013. ankylosing spondylitis. European journal of radiology, v. 47, n. 1, p.
71-76, 2003.
2) GUAN, Wei-jie et al. Clinical characteristics of coronavirus
disease 2019 in China. New England Journal of Medicine, 2020. 10) SARZI-PUTTINI P, Giorgi V, Sirotti S, Morotto D et al. COVID-19,
cytokines and immunosuppression: what can we learn from severe
3) CASO, Francesco et al. Could Sars-coronavirus-2 trigger acute respiratory syndrome? Clin Exp Rheumatol 2020.
autoimmune and/or autoinammatory mechanisms in genetically
predisposed subjects?. Autoimmunity reviews, p. 102524, 2020. 11) MCGONAGLED, Sharif K, O’Regan A, Bridgewood C. The Role
of Cytokines including Interleucin-6 in COVID-19 induced
4) SAPER, Vivian E. et al. Emergent high fatality lung disease in Pneumonia and Macrophage Activation Syndrome-Like Disease.
systemic juvenile arthritis. Annals of the Rheumatic Diseases, v. 78, Autoimmun. Rev. 2020.
n. 12, p. 1722-1731, 2019.
12) WAN S, YI Q, FAN S et al.: Characteristics of lymphocyte
5) MARIN, Flávia Luiza; SAMPAIO, Henrique Pereira. subsets ans cytokines in peripheral blood os 123 hospitalized
Antisynthetase Syndrome and Autoantibodies: A Literature Review patients witn 2019 novel coronavirys pneumonia (NCP). MedRxiv
and Report of 4 Cases. The American journal of case reports, v. 20, 2020.
p. 1094, 2019.
13) ZHONGHUA, Xue Ye Xue Za Zhi, et al, Clinical and coagulation
6) PACOT, Laurence; POUCHOT, Jacques; PROST, Nicolas de; characteristics of 7 patients with critical COVID-2019 pneumonia
SENANT, Marie; TARTOUR, Eric; PIMPEC-BARTHES, Françoise and acro-ischemia; 2020 Mar 28;41(0):E006. doi:
Le; ISRAEL-BIET, Dominique; DRAGON-DUREY, Marie-agnes. 10.3760/cma.j.issn.0253-2727.2020.0006
Interstitial Lung Disease-Complicated Anti-MDA5 Antibody in
Clinically Amyopathic Dermatomyositis Patients: report of two 14) MANALO, Iviensan F.; SMITH, Molly K.; CHEELEY, Justin;
cases with distinct clinical features. : Report of Two Cases With JACOBS, Randy. A Dermatologic Manifestation of COVID-19:
Distinct Clinical Features. Frontiers In Medicine, [s.l.], v. 7, p. 223- transient livedo reticularis. : Transient Livedo Reticularis. Journal Of
2 2 8 , 1 0 m a r. 2 0 2 0 . F r o n t i e r s M e d i a S A . The American Academy Of Dermatology, [s.l.], p. 99-103, abr.
http://dx.doi.org/10.3389/fmed.2020.00077. 2020. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.jaad.2020.04.018.

7) MATHAI, Stephen C.; DANOFF, Sonye K. Management of 15) MAHÉ, A.; BIRCKEL, E.; KRIEGER, S.; MERKLEN, C.;
interstitial lung disease associated with connective tissue disease. BOTTLAENDER, L. A distinctive skin rash associated with
Bmj, v. 352, p. h6819, 2016. Coronavirus Disease 2019? Journal Of The European Academy Of
Dermatology And Venereology, [s.l.], p. 13-15, 15 abr. 2020. Wiley.
8) GUPTA, Nishant et al. Diffuse cystic lung disease as the http://dx.doi.org/10.1111/jdv.16471.
presenting manifestation of Sjögren syndrome. Annals of the

16
CONHECENDO O SARS-COV-2, VÍRUS DA COVID-19

Dr. BRUNO BORDALLO, M.Sc


Especializando em Reumatologia pela UFRJ,
Médico do Hospital Universitário Antônio Pedro/ UFF

Dra. BLANCA ELENA BICA, M. D, Ph.D


Professora Associada, Serviço de Reumatologia, UFRJ

Dr. ÂNGELO PAPI, M.D., Ph.D


Professor Emérito, Serviço de Reumatologia, UFRJ

INTRODUÇÃO ASPECTOS FILOGENÉTICOS

O vírus causador da COVID-19 (Coronavírus O S A R S - C o V- 2 p e r t e n c e à f a m í l i a


Disease 2019) foi nomeado de SARS-CoV-2 (Severe Coronaviridae, que recebe esse nome devido ao
Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) e des- aspecto semelhante a uma coroa quando observado
coberto em Wuhan, China em 2019. Epidemias pré- por microscopia eletrônica. A família se divide em
vias de outros coronavírus, como a SARS em 2002 e quatro gêneros: alpha, beta, gama e delta. O SARS-
a MERS em 2012, tiveram grave impacto na saúde CoV-2 pertence ao gênero betacoronavirus e ao sub-
1
humana e alertaram o mundo sobre a possível ree- gênero Sarbecovirus.
mergência de novas cepas patogênicas. Os coronavírus que causam doenças em
Apesar de ser uma doença nova, várias humanos pertencem aos gêneros Alpha e Beta. Os
características morfofuncionais já foram estabeleci- demais costumam causar doenças em aves ou
das entre o SARS-CoV-2 o e vírus causador da SARS pequenos mamíferos. Dentre os coronavírus patogê-
como, por exemplo, a interação da glicoproteína S nicos para humanos estão os alphacoronavirus
do vírus com o receptor ACE2 do homem. NL63, 229E e MERS e os betacoronavirus OC43,
Similaridades como essa podem ter grande valor no HKU-1, SARS e SARS-CoV-2. Com exceção dos
entendimento dos mecanismos siopatogênicos e SARS e do MERS, os demais coronavírus patogêni-
apontar possíveis alvos terapêuticos. cos são sazonais, costumam causar apenas doença

17
leve do trato respiratório alto em adultos e bronquioli- moléculas são clivadas em 16 proteínas não estrutu-
te em crianças e costumam ser pesquisados em pai- rais maduras: NSP (non strutuctural proteins) 1 a 16.
2
néis de PCR virais disponíveis comercialmente. Estas proteínas exercem papel fundamental para os
Através de análises logenéticas foram pro- processos de tradução e replicação do RNA viral. As
postos dois vírus que possivelmente tenham relação proteinases virais que clivam os polipeptídios são a
parental com o SARS-CoV-2. O primeiro, um corona- 3CLpro (3C-like proteinases) e PLpro (papain-like
vírus identicado como RaTG13 encontrado em proteinases).1
uma espécie de morcego na província de Yunnan O vírion possui aproximadamente 50 a 200
que compartilha 96,2% da sequência genômica com nanômetros de diâmetro e é envolto por uma bica-
o vírus causador da COVID-19. Contudo, essa ori- mada lipídica, o que o torna extremamente sensível
gem logenética é contestada por alguns pesquisa- ao sabão e álcool. Assim como outros coronavírus,
dores pois o RaTG13 possui divergências na ele apresenta quatro proteínas estruturais principais:
sequência de aminoácidos justamente no domínio E (do envelope), M (da membrana), N (do nucleo-
de interação da glicoproteína S e o receptor ACE2. O capsídeo, que sustenta o RNA viral) e S (glicoproteí-
segundo, é um betacoronavirus que foi identicado na Spike, na superfície viral).1
em uma espécie de mamífero pequeno chamado de O envelope viral é formado pelas proteínas
pangolin que é consumido como fonte proteica no estruturais M, E e S, sendo a M e S glicoproteínas.
sul da China. Esse coronavírus compartilha cerca de Estas possuem sítios de glicosilação que podem
85,5-92,5% do genoma e apresenta 97,4% de homo- determinar variações antigênicas e conformaciona-
logia no domínio de ligação do receptor, interagindo is, alterando, então, sua imunogenicidade e patoge-
com o ACE2 da mesma forma que o SARS-CoV-23. nicidade.
A glicoproteína S é um homotrímero que con-
tém duas subunidades funcionais: subunidade S1
ASPECTOS ESTRUTURAIS (responsável pela ligação do receptor ACE2 na célu-
la hospedeira) e subunidade S2 (responsável pela
O SARS-CoV-2 é um vírus de RNA de ta fusão das membranas celular e do envelope vírus). A
simples e de polaridade positiva (+), ssRNA virus, porção distal da subunidade S1 apresenta o domínio
isso signica que o material genético do vírus pode de ligação ao receptor ACE2 e contribui para a esta-
servir como um RNA mensageiro e ser traduzido em bilização da ancoragem da subunidade S2 à mem-
proteínas pela maquinaria enzimática das células do brana celular durante o estado pré-fusional. A subu-
hospedeiro tão logo alcance o citoplasma.1 nidade S2 tem um sítio de clivagem chamado S2`,
O genoma viral é traduzido em dois grandes sobre o qual agem proteinases transmembrana ou
precursores polipeptídicos: pp1a e pp1ab. Essas lisossomais do hospedeiro.

Figura 1: Vírion do SARS-CoV-2


https://viralzone.expasy.org/

18
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS Na fase primária, ocorre intensa replicação
do vírus levando a apoptose (induzida por dano cito-
O SARS-CoV-2 infecta células que expres- pático) de células epiteliais e endoteliais do sistema
sam ACE2 em sua superfície. Os pneumócitos tipo II respiratório, aumento da permeabilidade capilar e
representam 86% destas células no corpo humano. liberação de citocinas e quimiocinas. O pneumócitos
Outros órgãos cujas células expressam o receptor tipo II passam a expressar menos ACE2, o que con-
são coração, rim, intestino e as células endoteliais. tribui para o dano tecidual (ver gura 2). Nota-se,
O vírus penetra no corpo através da inalação também, migração de linfócitos e monóci-
de partículas contaminantes, principalmente gotícu- tos/macrófagos para o local de infecção e destruição
las e aerossóis respiratórios, presentes em secre- destes por piroptose (mecanismo que pode explicar,
ções corporais geradas pelos hospedeiros infecta- pelo menos em parte, a linfopenia que faz parte do
dos. Então, se aloja no trato respiratório alto (muco- quadro clínico da doença). Este tipo de morte celular
sa nasal, da faringe e laringe) para, posteriormente, está relacionado à formação de um poro chamado
alcançar os pulmões. Uma vez nos pulmões, tem o viroporina 3a, que é um pentâmero de proteínas E do
potencial de, através da circulação pulmonar, ocasi- vírus acoplado na membrana celular da célula infec-
onar viremia e infectar outras células que expressam tada. Esse poro gera desequilíbrio eletrolíticos e
ACE2. induz a formação do inamassoma via NLRP3.
Os danos teciduais estão relacionados, num Como resultado, ocorre intensa liberação de IL-1β,
primeiro momento, aos efeitos citopáticos do vírus IL-18, TNFα e outras citocinas pró inamatórias.
(fase de viremia da doença ou primária). Nesta fase, A entrada do vírus na célula do hospedeiro
o vírus parece ter um potencial de evasão do sistema parece acontecer por mais de um mecanismo: pela
imune. Posteriormente, o dano tecidual é induzido fusão do envelope lipídico viral com a membrana
por mecanismos causados por uma desregulação plasmática ou utilizando a maquinaria endocítica da
do sistema imune inato (fase secundária ou inama- célula (mediado por clatrina ou por uma via clatrina-
tória). caveolina-independente)5. Pelas duas formas, o

Figura 2: Desregulação do SRAA gerando lesão pulmonar e alvos terapêuticos4 Zhang, Penninger, Li, Zhong e Slutsky (2020)

19
RNA viral alcança o compartimento citoplasmático Ao mesmo tempo que ACE2 funciona como
da célula do hospedeiro, onde é traduzido e replica- receptor para a glicoproteína S do vírus, permitindo
do, promovendo a perpetuação do ciclo de vida do sua entrada nas células humanas, sua ação siológi-
patógeno. ca confere proteção contra a lesão pulmonar. A enzi-
A subunidade S1 da glicoproteína S do vírus ma é uma peptidase que cliva angiotensina I e II em
se liga ao receptor ACE2 e promove estabilização da produtos que têm ação opositora aos seus precurso-
ancoragem da subunidade S2 à membrana da célu- res. Além das funções cardiovasculares, a angioten-
la-alvo. Quando a entrada se dá direto pela membra- sina II promove processos celulares relacionados
na plasmática, a serinoprotease transmembrana 2 com o desenvolvimento de SARA via receptor AT1R.
(TMPRSS2) cliva o sítio S2`, promovendo alteração Tanto nas infecções por SARS-CoV-2 quanto
conformacional da proteína S, resultando na fusão em outras infecções por vírus respiratórios que cau-
do envelope viral com a membrana da célula do hos- sam SARA, os mecanismos que levam à diminuição
6
pedeiro. da ACE2 na membrana plasmática dos pneumócitos
Em células que não expressam TMPRSS2 ou infectados são determinantes para a gravidade de
quando a entrada do vírus ocorre através da via endo- lesão pulmonar. Isso foi comprovado em cobaias
cítica, foram identicadas enzimas endossomais com SARA induzida pela glicoproteína S do SARS-
(catepsinas B e L) com ação de protease do sítio S2`, CoV. Os animais apresentaram “downregulation” do
mas que não parecem contribuir com a infectividade ACE2 e aumento da concentração de angiotensina II
7
do vírus nas principais células-alvo. quando expostos ao antígeno e, ainda eram protegi-
Para o adequado funcionamento dessas dos quando se empregava um bloqueador especí-
8
catepsinas e saída do vírus do compartimento co do receptor AT1R.
endossomal, é necessário um pH ácido ótimo, aliado O genoma viral é composto de 3 segmentos,
a presença das enzimas e cálcio, situação que ocor- os 2/3 iniciais são representados pelas Open
re apenas após a maturação do endossomo precoce Reading Frames (ORF) 1a e 1b que são traduzidos,
em tardio e sua fusão com o lisossomo, formando quando alcançam o citoplasma, pelos ribossomos
um endolisossomo. Dessa forma o vírus SARS-Cov- citoplasmáticos nos polipeptídeos 1a e 1ab (Pp1a e
2 é considerado um vírus que apresenta entrada tar- Pp1ab) (ver gura 3). O terço nal do genoma dará
dia no citoplasma pela via endocítica (lag time de origem a segmentos de RN subgenômico e por m
9
aproximadamente 30 minutos). às proteínas estruturais.

Figura 3:
Genoma Viral
https://viralzone.expasy.org/

20
O produto da clivagem dos polipeptídeos xo de Golgi). A proteína N, do nucleocapsídeo migra
Pp1a e Pp1ab, as NSP formam o Replicase- então para a o interior da vesícula de dupla membra-
Transcriptase Complex (RTC). Esse complexo intera- na onde o genoma viral está sendo replicado. A pro-
ge com o RNA viral para dar origem ao RNA com teína N se oligomeriza formando o nucleocapsídeo
polaridade negativa. Esta ta tem dois destinos: (1) que envolve o genoma viral recém formado. Após a
replicação, para dar origem ao genoma de novos formação do nucleocapsídeo, ele se desloca para o
vírions; (2) transcrição descontínua, um processo no ERGIC onde as proteínas estruturais já estão acopla-
qual fragmentos da ta com polaridade negativa são das a membrana do mesmo. Neste momento a mem-
transcritos em pequenos segmentos de RNA subge- brana começa a ser moldada por ação das proteínas
nômico. Posteriormente, são traduzidos nas proteí- estruturais, principalmente a proteína E para dar iní-
9
nas estruturais para formar os novos vírions. cio ao brotamento viral. Os vírus recém formados
A tradução do genoma viral forma as proteí- deixam a célula em vesículas exocíticas e seguem
nas do RTC, dentre elas, as proteínas nsp3, nsp4 e para infectar novas células, dando continuidade ao
nsp6 que induzem a formação de circunvoluções na ciclo do vírus. (gura 4).
membrana do retículo endoplasmático (ER) gerando Ainda nesta fase, são descritos mecanismos
uma vesícula de dupla membrana que protege o de evasão do sistema imune inato pelo vírus que
complexo de replicação do vírus (fábrica viral) de atuam em várias etapas na sinalização do interferon
sensores de RNA citoplasmáticos como MDA5 e e da resposta antiviral.
RIG-1. Na maioria dos pacientes, o sistema imune
As proteínas M, S e E são traduzidas e aco- consegue suprimir a replicação viral neste ponto,
pladas a membrana do ER/ERGIC (complexo inter- através de uma resposta antiviral adequada. No
mediário entre o retículo endoplasmático e comple- entanto, em alguns pacientes, principalmente os

Figura 4:
Ciclo de vida do vírus
(DU; HE; ZHOU; LIU; ZHENG; JIANG, 2009)

21
idosos, portadores de doenças crônicas e imunos- IgG anti-S demostraram que estes animais desenvol-
suprimidos podem não montar uma resposta antivi- vem lesão pulmonar mais pronunciada que os não
13
ral adequada. imunizados.
A fase mais grave da doença acontece nor- Nesta fase nal a coexistência de alta carga
malmente a partir do oitavo dia da doença coincidin- viral devido a clearence inadequado associada a
do com a produção de anticorpos neutralizantes presença de IgG leva internalização do vírus via
contra a proteína S (IgG anti-S), que contribuem receptor FC. A fagocitose do vírus não produz infec-
tanto para o clearence viral quanto para o dano teci- ção viral produtiva, ou seja, o vírus não se reproduz
dual induzido pelo sistema imune num processo nos fagócitos. No entanto, o material genético do
denominado ADE (Antibody Dependent vírus ativa o TLR 3 e induz a produção de interferon e
Enhancement). citocinas pró-inamatórias que contribuem para a
Dados provenientes da epidemia de SARS tempestade de citocinas descrita.
(2002) evidenciaram que os pacientes que sorocon- O papel do reumatologista como grande
vertem mais precocemente são mais suscetíveis entendedor dos processos imunológicos, do papel
para o desenvolvimento de formas pulmonares gra- das citocinas e dos recursos terapêuticos para con-
ves.11 Além disso, também foi demonstrado que o trolar os processos imunoinamatórios é essencial
desenvolvimento de SARA coincidiu com a sorocon- tanto na pesquisa como na assistência aos pacien-
versão em 80% dos pacientes.12 Por m, estudos tes que desenvolvem forma graves da COVID-19.
com modelos animais imunizados ativamente com

1- WOO, P. C. Y.; LAU, S. K. P.; LAM, C. S. F.; LAU, C. C. Y.; TSANG, A. K. L.; DIAMOND, S. L.; BATES, P.. Inhibitors of cathepsin L prevent severe acute
LAU, J. H. N.; BAI, R.; TENG, J. L. L.; TSANG, C. C. C.; WANG, M.. respiratory syndrome coronavirus entry. Proceedings Of The National
Discovery of Seven Novel Mammalian and Avian Coronaviruses in the Academy Of Sciences, [s.l.], v. 102, n. 33, p. 11876-11881, 4 ago. 2005.
Genus Deltacoronavirus Supports Bat Coronaviruses as the Gene Proceedings of the National Academy of Sciences.
Source of Alphacoronavirus and Betacoronavirus and Avian http://dx.doi.org/10.1073/pnas.0505577102.
Coronaviruses as the Gene Source of Gammacoronavirus and
Deltacoronavirus. Journal Of Virology, [s.l.], v. 86, n. 7, p. 3995-4008, 25 8-KUBA, Keiji; IMAI, Yumiko; RAO, Shuan; GAO, Hong; GUO, Feng;
j a n . 2 0 1 2 . A m e r i c a n S o c i e t y f o r M i c r o b i o l o g y. GUAN, Bin; HUAN, Yi; YANG, Peng; ZHANG, Yanli; DENG, Wei. A crucial
http://dx.doi.org/10.1128/jvi.06540-11. role of angiotensin converting enzyme 2 (ACE2) in SARS
coronavirus–induced lung injury. Nature Medicine, [s.l.], v. 11, n. 8, p.
2- CORMAN, V. M.; LIENAU, J.; WITZENRATH, M.. Coronaviren als 875-879, 10 jul. 2005. Springer Science and Business Media LLC.
Ursache respiratorischer Infektionen. Der Internist, [s.l.], v. 60, n. 11, p. http://dx.doi.org/10.1038/nm1267.
1136-1145, 27 ago. 2019. Springer Science and Business Media LLC.
http://dx.doi.org/10.1007/s00108-019-00671-5. 9- MERCIER, Philippe Le. ViralZone. 2010. Disponível em:
3- Lam, T.T., Shum, M.H., Zhu, H. et al. Identifying SARS-CoV-2 related https://viralzone.expasy.org/. Acesso em: 14 abr. 2020.
coronaviruses in Malayan pangolins. Nature (2020).
https://doi.org/10.1038/s41586-020-2169-0 10- DU, Lanying; HE, Yuxian; ZHOU, Yusen; LIU, Shuwen; ZHENG, Bo-
jian; JIANG, Shibo. The spike protein of SARS-CoV — a target for vaccine
4-ZHANG, Haibo; PENNINGER, Josef M.; LI, Yimin; ZHONG, Nanshan; and therapeutic development. Nature Reviews Microbiology, [s.l.], v. 7, n.
SLUTSKY, Arthur S.. Angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2) as a 3, p. 226-236, 9 fev. 2009. Springer Science and Business Media LLC.
SARS-CoV-2 receptor: molecular mechanisms and potential therapeutic http://dx.doi.org/10.1038/nrmicro2090.
target. : molecular mechanisms and potential therapeutic target.
Intensive Care Medicine, [s.l.], v. 46, n. 4, p. 586-590, 3 mar. 2020. 11- CINTRA, O.a.l.; OWA, M.a.; MACHADO, A.a.; CERVI, M.c.;
Springer Science and Business Media LLC. FIGUEIREDO, L.t.m.; ROCHA, G.m.; SIQUEIRA, M.m.; ARRUDA, E..
http://dx.doi.org/10.1007/s00134-020-05985-9. Occurrence and severity of infections caused by subgroup A and B
respiratory syncytial virus in children in Southeast Brazil. Journal Of
5- WANG, Hongliang; YANG, Peng; LIU, Kangtai; GUO, Feng; ZHANG, Medical Virology, [s.l.], v. 65, n. 2, p. 408-412, 2001. Wiley.
Yanli; ZHANG, Gongyi; JIANG, Chengyu. SARS coronavirus entry into http://dx.doi.org/10.1002/jmv.2049.
host cells through a novel clathrin- and caveolae-independent endocytic
pathway. Cell Research, [s.l.], v. 18, n. 2, p. 290-301, 29 jan. 2008. 12- PEIRIS, Jsm; CHU, Cm; CHENG, Vcc; CHAN, Ks; HUNG, Ifn; POON,
Springer Science and Business Media LLC. Llm; LAW, Ki; TANG, Bsf; HON, Tyw; CHAN, Cs. Clinical progression and
http://dx.doi.org/10.1038/cr.2008.15. viral load in a community outbreak of coronavirus-associated SARS
pneumonia: a prospective study. : a prospective study. The Lancet, [s.l.],
6- HOFFMANN, Markus; KLEINE-WEBER, Hannah; SCHROEDER, v. 3 6 1 , n . 9 3 7 1 , p . 1 7 6 7 - 1 7 7 2 , m a i o 2 0 0 3 . E l s e v i e r B V.
Simon; KRÜGER, Nadine; HERRLER, Tanja; ERICHSEN, Sandra; http://dx.doi.org/10.1016/s0140-6736(03)13412-5.
SCHIERGENS, Tobias S.; HERRLER, Georg; WU, Nai-huei; NITSCHE,
Andreas. SARS-CoV-2 Cell Entry Depends on ACE2 and TMPRSS2 and 13- LIU, Li; WEI, Qiang; LIN, Qingqing; FANG, Jun; WANG, Haibo; KWOK,
Is Blocked by a Clinically Proven Protease Inhibitor. Cell, [s.l.], v. 181, n. 2, Hauyee; TANG, Hangying; NISHIURA, Kenji; PENG, Jie; TAN, Zhiwu.
p . 2 7 1 - 2 8 0 , a b r. 2 0 2 0 . E l s e v i e r B V. Anti–spike IgG causes severe acute lung injury by skewing macrophage
http://dx.doi.org/10.1016/j.cell.2020.02.052. responses during acute SARS-CoV infection.Jci Insight, [s.l.], v. 4, n. 4, p.
322-330, 21 fev. 2019. American Society for Clinical Investigation.
7-SIMMONS, G.; GOSALIA, D. N.; RENNEKAMP, A. J.; REEVES, J. D.; http://dx.doi.org/10.1172/jci.insight.123158.

22
PADRÕES TOMOGRÁFICOS PULMONARES
NA INFECÇÃO PELO COVID-19

Dra. MARIA DE FATIMA DO AMPARO TEIXEIRA


Pneumologista do Instituto de Doenças do Tórax
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ

Dra. FERNANDA OLIVEIRA BAPTISTA DA SILVA


Médica Residente do Instituto de Doenças do Tórax - UFRJ

Dra. DENISE DO AMPARO TEIXEIRA BOUÇO


Interna estagiária do Instituto de Doenças do Tórax - UFRJ.

Palavras chave: covid-19, pneumonia, opacidades vidro fosco

RESUMO INTRODUÇÃO

A pneumonia causada pelo COVID-19 mostra Os exames de imagem na infecção por coro-
na tomograa computadorizada do tórax aspectos navírus (COVID-19) assintomática ou sintomático
característicos como as opacidades em vidro fosco e leve cuja detecção do vírus por reação em cadeia da
condensações com broncograma aéreo com distri- polimerase com transcrição reversa em tempo real
buição periférica e predominando nas regiões inferi- (RT-PCR) ou Ig M foram positivos não são recomen-
ores e posteriores de ambos os pulmões. O espes- dados de rotina. Os casos sintomáticos e com teste
samento da parede brônquica e o padrão em pavi- de RT-PCR falso negativo os aspectos na tomograa
mentação em mosaico são observados na evolução computadorizada (TC) de tórax podem auxiliar para
da doença. O derrame pleural é raro. A radiograa de o diagnóstico visto o envolvimento primário do siste-
1,2,3 4
tórax tem menor sensibilidade para detectar a doen- ma respiratório nesta doença . Fang et al compa-
ça nas fases iniciais. raram os achados da TC de tórax e o RT-PCR em 51
pacientes com febre e/ou sintomas respiratórios

23
com inicio de 1 a 3 dias em média, a sensibilidade da dades em vidro fosco focais e escassas, podendo
TC de tórax foi 98% e o RT-PCR foi 71% concluindo ser única, nódulos com localização no lóbulo central
que a primeira foi mais sensível em detectar a doen- envoltos por opacidades em vidro fosco, consolida-
ça. A TC de tórax é importante para monitorar a pro- ções focais com broncograma aéreo, predominan-
gressão e a resposta à terapia. tes nas regiões inferiores dos pulmões.

- FASE 2
ASPECTOS DA TOMOGRAFIA Estágio inicial, referindo-se ao período de 1 a 3 dias
COMPUTADORIZADA DE TÓRAX após o início das manifestações clínicas, sendo cons-
NA PNEUMONIA POR COVID-19 tatados opacidades em vidro fosco aglomeradas ou
focais, escassas ou múltiplas, espessamento do
Os achados de imagem podem ser apresen- septo interlobular.
tados do ponto de vista didático em 5 fases de evolu-
5
ção da doença : - FASE 3
Estágio de progressão rápida, englobando o perío-
- FASE 1 do de 3 a 7 dias do início dos sintomas, sendo obser-
Precoce, onde o paciente tem história de contato vados opacidades em vidro fosco junto a áreas de
presente e não apresenta manifestações clínicas, condensação com broncograma aéreo que podem
mas com PCR positivo para COVID 19 no swab se agregar. A Figura 1 mostra um paciente nesta
nasal e orofaringe, detectado na TC de tórax opaci- fase, onde coexistem opacidades em vidro fosco e
áreas de condensação com broncograma aéreo.

Figura 1. Homem de 53 anos com COVID-19, comorbidades: hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, referia febre
e tosse há 6 dias e diarreia por um dia, dependente de suplementação de oxigênio, evoluiu 2 dias após estas imagens para
ventilação mecânica. A TC de tórax evidenciava opacidades em vidro fosco focais e bilateral, mais evidentes na periferia dos
pulmões e distribuição subpleural, há conuência das opacidades em vidro fosco no pulmão esquerdo e consolidação com
broncograma aéreo no pulmão direito, maior acometimento nas regiões posteriores e inferiores de ambos os pulmões.

- FASE 4 - FASE 5
Estágio de condensação, referindo-se ao período de Estágio de dissipação, compreendendo o período
7 a 14 dias do início do quadro, sendo evidenciadas entre 2 a 3 semanas do início dos sintomas, ocorre
múltiplas consolidações focais com menor densida- maior redução das lesões, espessamento do septo
de e extensão que no estágio anterior. A Figura 2 mos- interlobular e das paredes brônquicas e consolida-
tra paciente com COVID-19 no 13º dia de evolução ções esparsas com menor densidade.
onde são observados discretas opacidades em vidro
fosco e condensações esparsas.

24
Figura 2. Homem de 40 anos com COVID-19, comorbidade: asma brônquica, início do quadro há 13 dias, com odinofagia e
anosmia, evoluindo com tosse intensa, mas sem hipoxemia. A TC de tórax evidenciou opacidades em vidro fosco e
pequenas áreas de condensação focais, localizadas na periferia e subpleurais, opacidades lineares atingindo a pleura,
dilatação de vasos pulmonares e espessamento de paredes e ectasias brônquicas que podem decorrer da doença
obstrutiva prévia ou por anormalidades tardias do COVID-19 (cortesia da Dra Ana Maria Silva Araújo, Pneumologista do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho).

6
Zhou et al avaliaram a TC de tórax de 62 paci- broncograma aéreo e distorção brônquica e as pleu-
entes com pneumonia por coronavírus, todos apre- rais foram espessamento, sinal de retração pleural e
sentavam sintomas no início da doença com febre derrame pleural6. Nas fases iniciais da doença, de-
em 87%, tosse em 45%, mialgia em 32%, encurta- nido por ≤ 7 dias depois do início dos sintomas, a
mento da respiração em 24%, fatiga em 22% e sinto- frequência de opacidades em vidro fosco foi signi-
mas gastrointestinais como dor abdominal e diarreia cantemente maior que nas fases mais avançadas,
em 14%, os quais ocorreram como sintoma inicial enquanto que o padrão de consolidação foi consta-
da infecção em alguns casos. Foram encontrados tado em todas as fases. Padrão reticular, sinal vacuo-
lesões múltiplas em 84% dos 62 pacientes no primei- lar, alterações bróticas, distorção brônquica e der-
ro exame (feito em 1 a 14 dias do início dos sintomas, rame pleural foram vistos com maior frequência nas
média de 6,6 dias) e nos 16% onde foi detectado fases mais tardias que nas fases iniciais6.
lesão única, a TC de tórax tinha sido feita em 1 a 7 Nódulos pulmonares têm sido associados à
dias após o início dos sintomas. A distribuição das pneumonia viral, 3 a 13% dos pacientes com pneu-
lesões foi periférica em 77% dos 62 pacientes, perifé- monia por Covid-19 podem apresentar nódulos irre-
rica e central em 23% dos casos e em nenhum caso gulares, multifocais e sólidos em meio a outros acha-
foi apenas central. As regiões médias e inferiores dos dos de imagens, incluindo nódulos com sinal do halo
pulmões foram mais acometidas que as superiores (consolidação circundada por atenuação em vidro
e a área posterior mostrou um comprometimento fosco), o qual parece mais comum em crianças que
maior que a anterior, conforme descrito em outras em adultos e sinal do halo invertido (opacidade focal
séries3. As anormalidades no parênquima pulmonar em vidro fosco circundada por um anel de consolida-
foram: áreas em vidro fosco, consolidações, padrão ção completo ou parcial)3,7. Na gura 3 observamos
reticular e vidro fosco, sinal vacuolar, sinais de dilata- na TC de tórax pequenos nódulos pulmonares junto
ção microvasculares, faixas bróticas e linhas sub- a opacidades em vidro fosco e condensações.
pleurais nas. As lesões brônquicas consistiram de Dilatação dos vasos pulmonares pode estar presen-

25
Figura 3. Homem de 44 anos com COVID-19, referia coriza, dor facial, odinofagia e queda do estado geral, evoluiu com piora
dos sintomas, febre e dispneia, necessitou de suplementação de oxigênio, evoluindo com melhora. A TC de tórax mostrou
opacidades em vidro fosco, áreas de condensações e pequenos nódulos com distribuição predominante nas regiões
posteriores e inferiores, espessamento de paredes brônquicas e proeminência vascular.

Figura 4. Mulher de 49 anos com COVID-19, referia anosmia há 10 dias, febre há 6 dias, desconforto abdominal e diarreia há
4 dias e dispneia. A TC de tórax constatou múltiplas áreas em vidro fosco, áreas de condensações, envolvimento bilateral e
multilobar e dilatações vasculares. Foi tratada com oxigenio suplementar sem sucesso, evoluindo com indicação de
ventilação mecânica.

Salehi et al8 numa revisão de séries com 919 vimento pleural com linhas subpleurais, espessa-
casos de COVID-19, constataram que os padrões e mento pleural e derrame pleural, que pode indicar
3 3,7,8
distribuição mais típicos na TC de tórax foram: opaci- mau prognóstico foram constatados em séries .
dade em vidro fosco em 88% dos casos, consolida- Derrame pericárdico, pneumotórax, linfadenopatia e
ção em 31,8%, envolvimento bilateral em 87,5% e cavitação são mais raros e podem indicar mau prog-
multilobar em 78,8%. A distribuição das lesões foi nóstico3.
periférica em 76% dos casos e o comprometimento A pneumonia viral por COVID-19 pode causar
nas regiões posteriores dos pulmões em 80,4%. síndrome respiratória aguda grave3, como observa-
Espessamento septal interlobular e padrão do na Figura 6.
de pavimentação em mosaico (Figura 5), em geral O diagnostico diferencial inclui outras pneu-
3
ocorrem nas fases mais tardias da doença. O envol- monias virais como por vírus da inuenza, especial-

26
Figura 5. Mulher de 84 anos com Covid-19, referia diarreia há uma semana, febre e queda do estado geral, evoluiu com
dispneia e hipoxemia refratária à ventilação não invasiva tendo sido instituído ventilação mecânica. A TC de tórax evidenciava
padrão de pavimentação em mosaico que é descrito como o espessamento dos septos interlobulares com superposição de
opacidades em vidro fosco.

Figura 6. Mulher de 60 anos com COVID-19 e síndrome respiratória aguda grave, comorbidade: artrite reumatóide, referia
febre, tosse e dispnéia há 3 dias. A TC de tórax evidenciava opacidade em vidro fosco difusa, proeminente nas regiões
subpleurais, broncograma aéreo e pequeno derrame pleural a esquerda; apresentava hipoxemia grave sendo instituído
ventilação mecânica, evoluiu para o óbito.

mente o H1N1, parainuenza, adenovírus, vírus O padrão de pavimentação em mosaico


sincicial respiratório e rinovírus. As pneumonias encontrado na pneumonia por COVID-19 é seme-
bacterianas adquiridas na comunidade e por lhante ao da proteinose alveolar.
Chlamydia pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae
e Legionella spp, podem ocasionar opacidades em
vidro fosco e condensação pulmonar dicultando o ASPECTOS DA RADIOGRAFIA DE TÓRAX
diagnostico. A superposição com pneumonias bac- NA PNEUMONIA POR COVID-19
terianas especialmente nos pacientes sob ventilação
mecânica devem ser consideradas na evolução des- A radiograa (Rx) de tórax tem pouco valor
tes pacientes. Dentre as causas não infecciosas des- diagnóstico nas fases iniciais da pneumonia por
tacam-se vasculites, pneumonia em organização e COVID-19, é pouco sensível em detectar as opacida-
pneumonia de hipersensibilidade aguda/subaguda. des em vidro fosco e pode parecer normal3, no

27
entanto deve ser solicitada para os casos de pneu- CONCLUSÃO
monia e em alguns locais pode ser o único exame de
9
imagem disponível. Wong et al estudaram as anor- As anormalidades pulmonares na infecção
malidades no Rx de tórax de 64 pacientes com pelo COVID-19 mostraram um padrão misto e diver-
COVID-19, constataram uma sensibilidade de 69% e so com o envolvimento progressivo do interstício,
observaram que o pico dos achados radiológicos parênquima pulmonar, árvore respiratória e pleura.
ocorria em 10 a 12 dias após o início dos sintomas. As opacidades em vidro fosco isoladas ou em com-
Opacidades de espaço aéreo multifocais ocorreram binação com consolidação e broncograma aéreo,
em 47% dos casos e opacidades de baixa densidade distribuição predominante nas regiões inferiores e
em 33%. Derrame pleural foi incomum (3%). Havia posteriores dos pulmões foram os achados mais
predomínio basal em 63% dos casos, distribuição comuns. A presença de lesão única na pneumonia
periférica em 51% e perihilar em 12%. Nos estágios por COVID-19 sugere que a doença está numa fase
mais avançados o Rx de tórax pode mostrar progres- inicial. Padrão de pavimentação em mosaico, espes-
são para a síndrome de angústia respiratória do adul- samento de paredes brônquicas e derrame pleural
to. podem ocorrer na evolução. O desaparecimento
total das lesões pode ser lento, com duração superi-
or a um mês.

1. Huang P, Liu T, Huang L, et al. Use of chest CT in combination with https://doi.org/10.1186/s40779-020-0233-6.


negative RT-PCR assay for the 2019 novel coronavirus but high
clinical suspicion. Radiology 2020 Feb 12 [Epub ahead of print] 6. Zhou S, Wang Y, Zhu T, Xia L. CT Features of Coronavirus Disease
2019 (COVID-19) Pneumonia in 62 Patients in Wuhan, China
2. Xie X, Zhong Z, Zhao W, Zheng C, Wang F, Liu J. Chest CT for [published online ahead of print, 2020 Mar 5]. AJR Am J Roentgenol.
typical 2019-nCoV pneumonia: relationship to negative RT-PCR 2020;1-8. https://doi.org/10.2214/AJR.20.22975
testing. Radiology 2020 Feb 12 [Epub ahead of print].
7.Ye Z, Zhang Y, Wang Y, Huang Z, Song B. Chest CT manifestations
3. Bao C, Liu X, Zhang H, Li Y, Liu J. Coronavirus Disease 2019 of new coronavirus disease 2019 (COVID-19): a pictorial review.
(COVID-19) CT Findings: A Systematic Review and Meta-analysis. European Radiology https://doi.org/10.1007/s00330-020-06801-0
JACR. Published online: Mar 25 2020..
8. Salehi S, Abedi A, Balakrishnan S, Gholamrezanezhad A.
4. Fang Y, Zhang H, Xie J et al (2020) Sensitivity of chest CT for Coronavirus Disease 2019 (COVID-19): A Systematic Review of
C O V I D - 1 9 : c o m p a r i s o n t o R T- P C R . R a d i o l o g y . Imaging Findings in 919 Patients. AJR 2020; 215:1–7.
https://doi.org/10.1148/radiol.2020200432 7
9. Wong HYF et al. Frequency and Distribution of Chest Radiographic
5 Jin YH, Cai L, Cheng ZS, et al. A rapid advice guideline for the Findings in COVID-19 Positive Patients. Radiology. Published
diagnosis and treatment of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) Online: Mar 27 2020.
infected pneumonia (standard version). Mil Med Res 2020; 7:4.

28
ASPECTOS PULMONARES NA COVID 19
UMA PERSPECTIVA PARA O REUMATOLOGISTA

Dra. NADJA POLISSENI GRAÇA


Coordenação do Programa de Residência Médica
Instituto de Doenças do Torax - IDT/UFRJ

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019 um novo coronavírus, miológico favorável podem auxiliar no raciocínio


(1)
o SARS CoV 2, foi descoberto na China e por suas diagnóstico.
características de transmissibilidade e infectividade Idealmente, toda a suspeita clínica de COVID
rapidamente se espalhou pelos 5 continentes carac- 19 deve ser conrmada através da identicação do
terizando uma pandemia. (1) Desde então vária for- contato com o vírus. A coleta da amostra do trato
mas de apresentação da doença (COVID 19) tem respiratório de forma adequada, no sítio anatômico
sido descritas,sendo a síndrome gripal com ou sem correto e no momento ideal é essencial para um diag-
pneumonia a manifestação mais comum. nóstico molecular rápido e preciso do COVID-19. O
imunoensaio por reação de polimerase em cadeia
em tempo real (RT-PCR) é o teste molecular de esco-
ASPECTOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS lha para o diagnóstico etiológico da infecção por
SARS-CoV2. A coleta deve ser feita entre o 5º e 6º dia
A forma de apresentação mais comum da a partir do início dos sintomas, quando os pacientes
COVID 19 assemelha-se a uma síndrome gripal com apresentam a maior carga viral, sendo o swab naso-
febre, tosse seca, fadiga, dor de garganta mas com a faríngeo o sítio de escolha. (4) Outros espécimes res-
peculiaridade de menor incidência de coriza. A anos- piratórios (escarro ou lavado broncoalveolar) tam-
mia tem sido descrita e por ser um sintoma não muito bém podem ser utilizados para realização de RT-
frequente em outras síndromes gripais, tornou-se um PCR e apresentam rendimento diagnóstico maior
sinal de alerta. A maior parte desses pacientes, cerca em comparação ao swab nasofaríngeo.(6) Em caso
de 80% apresentam evolução benigna sem pneumo- de forte suspeita clínico-radiológica e swab nasofa-
nia ou com pneumonia leve sem sinais de gravidade. ríngeo negativo a coleta de outra espécime respira-
(4)
Aproximadamente 20% dos pacientes apresentam tória deve ser considerada. Os testes sorológicos
uma evolução mais grave com febre persistente e para pesquisa de anticorpo devem ser usados ideal-
hipoxemia necessitando de internação hospitalar e mente a partir do 14º dia, não tendo muito valor para
cerca de 5% evoluem com insuciência respiratória e o diagnóstico na fase aguda da doença.(4)
necessidade de ventilação mecânica. (1) Algumas evidências de eventos microtrom-
Algumas alterações laboratoriais como linfo- bóticos na vasculatura pulmonar como mecanismo
penia, aumento do D-dimero, aumento da LDH e principal da hipoxemia na COVID 19 tem sido relata-
aumento da PCR foram relacionadas a COVID 19, e das assim como uma maior frequência de eventos
embora não especícas, em contexto clinico epide- trombóticos como o tromboembolismo pulmonar

29
quando comparado com outras causas de síndrome sobrepostos. O primeiro desencadeado pelo vírus
da angustia respiratória do adulto (SDRA).(2) em si e o segundo, decorrente da resposta inama-
tória do hospedeiro. A doença tende a apresentar e
seguir essas duas fases, embora em diferentes níve-
CLASSIFICAÇÃO is de gravidade a depender da resposta do hospede-
iro. Baseado nisso, Merha e cols propuseram um
Assim como em outras doenças é imperativo sistema de classicação de 3 estágios, reconhecen-
uma abordagem estruturada com vistas a identica- do que a COVID 19 exibe três graus de gravidade
ção de fenótipos clínicos que possam corresponder crescentes, com achados clínicos, resposta terapêu-
a patogênese da doença. Na COVID 19, parece tica e desfechos especícos. (2)
haver dois mecanismos patológicos distintos, mas

ESTÁGIO 1 - DOENÇA LEVE ESTÁGIO 2 - DOENÇA MODERADA


Caracteriza-se por tosse seca e reações sis- Caracteriza-se por tosse seca, febre e sinto-
têmicas leves como febre, mialgia, cefaléia e diar- mas sistêmicos mais expressivos, podendo apre-
réia. Este estágio coincide com a multiplicação e sentar dispnéia e hipoxemia. Neste momento pode
estabelecimento do SARS CoV2 no hospedeiro. O haver pneumonia viral evidenciando-se na tomogra-
vírus liga-se ao seu alvo através dos receptores da a computadorizada do tórax as alterações compatí-
enzima de conversão da angiotensina 2 (ACE2) que veis e laboratorialmente alguns marcadores de mal
é mais abundante no pulmão, intestino e endotélio prognóstico podem estar presentes. Este estágio
vascular. Considerando-se a via inalatória como a via coincide com a multiplicação viral e resposta ina-
de infecção é razoável que o hospedeiro apresente matória local pulmonar mais exuberante. Nesta fase,
reações neste local preferencialmente. alguns pacientes precisarão internar para observa-
ção e tratamento de suporte caso seja indicado. Os

30
critérios para internação hospitalar consistem em: tido. No estágio mais avançado da doença a imagem
frequência respiratória > 30 irpm, saturação periféri- tomográca pode ser indistinguível da SDRA com
ca de oxigênio < 93% em ar ambiente e/ou acometi- consolidações predominantes em áreas pendentes
(6)
mento> 50% do parênquima pulmonar avaliado do pulmão.
pela tomograa computadorizada do tórax.

PULMÃO E DOENÇA REUMATOLÓGICA


ESTÁGIO 3 - DOENÇA GRAVE NA COVID 19

Caracteriza-se por resposta inamatória As doenças reumatológicas e o uso de imu-


sistêmica evidente com choque, SDRA, coagulopa- nossupressores não constam como fatores de risco
tia e/ou síndrome hemofagocítica. Reete uma rea- para formas graves de COVID 19 na maioria das coor-
ção de hiperinamação (“tempestade de citocinas) tes descritas, embora seja fator de risco para evolu-
hospedeiro dependente. Existem evidências de que ção desfavorável em diversas viroses como
algumas citocinas e biomarcadores estejam consi- Inuenza e adenovírus. Desde as epidemias de
deravelmente aumentados nessa fase como as inter- MERS e SARS (doenças causadas por outros coro-
leucinas 1 e 6, a ferretina, fator de necrose tumoral, o navirus), tem-se observado que os pacientes trans-
D-dimero. Uma incidência de até 17% de tromboem- plantados e pacientes portadores de doenças auto-
bolismo pulmonar tem sido descrito reetindo um imune em uso de imunossupressores não apresen-
possível estado de hipercoagulabilidade. Nesses tam maior risco de complicações pulmonares gra-
pacientes a mortalidade pode chegar a 50% e alguns ves quando comparados com a população geral,
fatores de risco estão associados a uma pior evolu- talvez pela menor ativação da resposta inamató-
ção e consequentemente um pior prognóstico: doen- ria.(3)(8) Em linha gerais, existem pelo menos 2 consi-
ça cardiovascular e pulmonar prévia, diabetes melli- derações importantes no que diz respeito a COVID
(2)
tus, idade avançada e obesidade. 19, alterações pulmonares e doença reumatológica.

ACOMETIMENTO PULMONAR DIAGNÓSTICO


PELO SARS COV2
O paciente com doença reumatológica
O acometimento pulmonar pelo SARS CoV2 conhecida que abre um quadro pulmonar intersticial
parece também acontecer por 2 mecanismos distin- ou apresenta piora do quadro pulmonar intersticial
tos a depender da fase da doença. A hipoxemia da de base. Como diferenciar infecção pelo COVID 19 e
fase mais inicial seria secundária a perda da regula- exacerbação da doença? O acometimento interstici-
ção perfusional e consequentemente da vasocons- al pulmonar encontrado em algumas doenças auto-
tricção hipóxica levando a um efeito espaço morto imune quando avaliado pela tomograa computado-
(5)
com áreas bem ventiladas e mal perfundidas. O rizada do tórax guarda muitas semelhanças com as
pulmão teria volume normal e o paciente uma disso- alterações identicadas na COVID 19. Somado a
ciação clínico-oximétrica. Mais tardiamente, com a isso, sinais e sintomas inespecícos como fadiga e
tempestade de citocinas, o paciente apresentaria febre são comuns em ambas doenças. Algumas
SDRA clássica com shunt pulmonar contribuindo de características clínico-epidemiológica como a pre-
forma importante para a hipoxemia. Portanto, deve- sença de anosmia e contato intra-domiciliar de
se ter cautela com intubação precoce já que no pri- COVID 19 podem facilitar o raciocínio diagnóstico.
meiro mecanismo descrito a suplementação de oxi- No entanto, uma análise mais abrangente conside-
gênio pode ser o suciente sem a necessidade da rando as características do início da doença, mani-
pressão positiva. O acometimento pulmonar pela festações clínicas, características da imagem e
COVID 19 revela alterações tomográcas já bem resultados sorológicos e microbiológicos devem ser
estabelecidas como: áreas de vidro fosco bilaterais considerados em conjunto para denição diagnósti-
(8)
com predomínio periférico com ou sem espessa- ca nal. . Alto grau de vigilância e acompanhamen-
mento de septo, associada ou não a acometimento to deve ser mantido entre esses pacientes, incluindo
peri-broncovascular e áreas de consolidação com a exclusão de outros processos infecciosos como
broncograma aéreo e até mesmo sinal do halo inver- pneumonia por germes atípicos ou infecção por

31
outros vírus. Alguns estudos identicaram taxas de médico de urgência. Em caso de exacerbação, caso
até 21% de coinfecção SARS CoV2 e outros patóge- haja suspeita de COVID 19, deve-se evitar o uso de
nos como rinovírus, enterovírus e vírus sincicial res- nebulização pela formação de aerossol e maior pos-
piratório. (6) No contexto dessa pandemia a hipótese sibilidade de disseminação da doença. Os medica-
de COVID 19 deve sempre ser lembrada e descarta- mentos inalatórios devem ser oferecidos por dispo-
da através da coleta de RT-PCR para SARS CoV2, já sitivos inalatórios tipo aerossol dosimetrado com
que o tratamento da doença auto-imune contempla espaçador e o tratamento padrão, inclusive com
(10)
o uso de imunossupressores o que não é desejado corticóide oral, deve ser mantido
(3) (9)
na fase inicial da COVID 19.

CONCLUSÃO
COMORBIDADES
A COVID 19 é uma doença potencialmente
A asma brônquica e a DPOC são doenças grave com acometimento pulmonar que nos remete
prevalentes na população geral e em especial em às doenças auto-imune em muitos aspectos. A con-
alguns pacientes reumatológicos. A COVID 19 pode rmação de casos suspeitos, especialmente em
se manifestar com forma pulmonar mais grave e pacientes reumatológicos deve ser buscada com
especialmente na DPOC com alterações pulmona- anco, já que o diagnóstico diferencial com outras
res atípicas pela presença de ensema pulmonar. A doenças infecciosas e com exacerbação da doença
orientação no manejo desses pacientes é que se de base se faz necessário e o tratamento da doença
mantenha os medicamentos inalatórios de uso cor- reumatológica pode ser conitante, especialmente
rente como broncodilatadores b2 agonistas, anti- no início da infecção pelo SARS CoV2.
muscarínicos, corticoesteróide inalatório e mesmo Comorbidades pulmonares também podem estar
corticoesteróide oral se previamente prescrito, sob o presentes em pacientes reumatológicos e necessi-
risco de exacerbação e necessidade de atendimento tam ser abordadas de forma adequada.

6- Wenjie Tan. Detection of SARS-CoV-2 in Different Types of Clinical


Specimens JAMA. Published online March 11, 2020.
1- McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons From the doi:10.1001/jama.2020.3786
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: Summary of a
Report of 72 314 Cases From the Chinese Center for Disease Control 7- Ali Gholamrezanez Coronavirus Disease 2019 (COVID-19): A
and Prevention. doi: 10.1001/jama.2020.2648 Systematic Review of Imaging Findings in 919 Patients. American
Journal of Roentgenology: 1-7. 10.2214/AJR.20.23034
2- Mandeep R. Mehra. Journal of Heart and Lung Transplantation COVID-
19 Illness in Native and Immunosuppressed States: A Clinical- 8- Dai HP. When COVID-19 encounters interstitial lung disease:
Therapeutic Staging Proposal doi.org/10.1016/j.healun.2020.03.012 challenges and management Zhonghua Jie He He Hu Xi Za Zhi. 2020 Mar
21;43(0):E0
3- D'Antiga L. Coronaviruses and immunosuppressed patients. The facts
during the third epidemic. Liver Transpl 2020.doi:10.1002/lt.25756 9- Carlomaurizio Montecucco. Clinical course of COVID-19 in a series of
patients with chronic arthritis treated with immunosuppressive targeted
4- Charles W. Stratton. The Laboratory Diagnosis of COVID-19 Infection: t h e r a p i e s a n n a l s o f r h e u m a t i c d i s e a s e
Current Issues and Challenges J. Clin. Microbiol. http://dx.doi.org/10.1136/annrheumdis-2020-217424
doi:10.1128/JCM.00512-20
10- COVID-19: GINA Answers to Frequently Asked Questions on asthma
5- Luciano Gattinoni. Covid-19 Does Not Lead to a “Typical” Acute Management – https://ginasthma.org/wp-
Respiratory Distress Syndrome https://doi.org/10.1164/rccm.202003- content/uploads/2020/03/Final-COVID-19-answers-to-frequent-
0817LE questions-25.3.2020-1.pdf

32
TELEMEDICINA EM MOMENTO DA PANDEMIA PELO COVID-19

Dr. CLAUDIO MOURA DE ANDRADE JUNIOR


Conselheiro CREMERJ gestão 2018/ 2023
Conselheiro responsável pela Câmara técnica em Informática em Saúde e Telemedicina
Especialista em cirurgia minimamente invasiva (FEBRASGO e SOBRACIL)

Neste momento de pandemia, todos esta- a teleconsulta, caso essa prática fosse adotada de
mos muito preocupados não apenas com a saúde, forma maciça e não apenas em áreas geograca-
mas também com a economia. Saber encontrar o mente remotas, dando margem a vulnerabilidade e
equilíbrio não é uma tarefa fácil, tanto que os gran- interpretação errada.
des estudiosos no assunto seguem tentando arru- Infelizmente camos na inércia até hoje
mar soluções mais sensatas à medida que a pande- aguardando sua alteração, que não veio....
mia evolui. Precisou chegar uma pandemia para vermos
Não tenho dúvidas que seremos diferentes que a telemedicina é uma ferramenta muito útil tam-
depois que a pandemia do COVID-19 passar. bém nesta situação, para olharmos novamente para
Teremos mais atenção em nossas rotinas pessoais e ela.
prossionais, iremos incorporar novas atitudes em A necessidade de isolamento social e a restri-
nossas práticas. Estamos vivendo isso na área edu- ção de ida de pacientes aos consultórios médicos
cacional onde o MEC obrigou que tanto as escolas foram fundamentais para que o CFM, o Ministério da
públicas quanto as privadas praticassem a educa- Saúde e os Conselhos Regionais opinassem à res-
ção continuada a distância e esta tecnologia com peito.
aulas online e vídeo aulas gravadas já foram incorpo- Em 26/03/2020, o CREMERJ publicou a reso-
radas no currículo escolar, em caráter de excepcio- lução n. 305/2020 que dispõe sobre o atendimento
nalidade. médico por telemedicina durante a pandemia de
Na área da saúde, esta ferramenta encontra- SARS-CoV2/COVID-19.
va-se bem desatualizada. A resolução da telemedici- Alguns pontos merecem destaque e explora-
na vigente é a de n.1634/ 2002, mas já havia um inte- rei abaixo:
resse público em sua readequação. Há pouco mais Em momentos de “guerra” (sinônimo dado a
de um ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) pandemia), temos que utilizar as ferramentas que
apresentou uma resolução n. 2227/2018 que foi revo- dispomos, facilitar o acesso, mesmo que a seguran-
gada pelo próprio órgão e no mesmo mês de sua ça não seja a máxima disponível. Desta forma enten-
apresentação pois os conselhos regionais e as soci- demos que a troca de informações por áudio ou men-
edades médicas a criticaram duramente, conside- sagens (como por exemplo whatsapp) seja possível,
rando o texto pouco claro e com risco para a relação porém devem ser arquivadas em prontuário do médi-
médico-paciente. A preocupação maior foi referente co. Importante salientar que o médico deve informar,

33
Integralizar

na forma de consentimento informado ao paciente, A teleinterconsulta é fundamental principal-


que o teleatendimento é uma alternativa e apresenta mente em centros e unidades que não tem especia-
limitações. listas e a troca de informações entre médicos contri-
Vale ressaltar que, quando a Resolução n. buirá no atendimento. A prescrição de receita
2227/2018 do CFM foi revogada, várias empresas já comum pode ser emitida de forma simplicada e a
estavam com plataformas prontas e, infelizmente por prescrição de receita controlada, atestado médico e
questões econômicas, muitas não colocaram em pedido de exames podem ser enviados por correio
uso ou disponibilizaram aos médicos e pacientes. ou emitida com assinatura digital.
Triste realidade saber que no país onde paira a impu- Tenho certeza que esta prática reduzirá muito
nidade e o lado econômico fala mais alto que a ética, a ida de pacientes nos consultórios e unidades de
médicos aceitam trabalhar, prescrever, emitir atesta- saúde, contribuindo para o isolamento social e a
dos para pacientes que não conhecem, abrindo mão redução no contágio com o COVID-19.
do exame físico. Vale lembrar que caso algum pro- Outro ponto de suma importância é sobre a
blema ocorra devido a má prática ou mau atendi- cobrança em telemedicina. Fica a critério médico
mento, a responsabilidade é do médico e não da estipular valores para esta nova modalidade. Não é
empresa detentora da plataforma. de responsabilidade dos Conselhos Regionais bali-
Hoje em dia, quais são as modalidades pos- zar valores, portanto não entramos nesta seara.
síveis para o teleatendimento? A teleconsulta, que é Em relação à saúde suplementar, até a data
a troca de informações clínicas, laboratoriais e de de confecção deste artigo, não há a contratualização
imagens, que pode ser realizada para o paciente que entre TODAS as operadoras de saúde e o prestador.
já é atendido pelo médico, sendo possível prescre- Mas acredito que em breve as operadoras serão “co-
ver e emitir atestado médico. Contudo, na telecon- bradas” pelos pacientes, pela Agência Nacional de
sulta de primeira vez, o paciente deve ser encami- Saúde (ANS) e pelo Ministério Público e normatiza-
nhado para avaliação presencial, respeitando a rão esta prática. Sabemos que a determinação da
importância do exame físico para se estabelecer a ANS é que os valores de teleatendimento e de aten-
relação médico-paciente, sendo vetada a prescrição dimento presencial deverão ser iguais, pois o que
e confecção de atestado médico. está sendo pago é o ato médico e o que se remunera
Este é um dos grandes problemas e que tem é o conhecimento e o tempo do médico! Qualquer
sido alvo de infração ética por parte dos médicos, operadora de saúde que não o zer, poderá ser judi-
por não seguirem as determinações do CFM e dos cializada.
Conselhos Regionais e de infringir os artigos 1 e 32 Tenho certeza que somente com a prática do
do Código de Ética Médica (CEM). O artigo 1 diz: dia-a-dia, vamos nos acostumando a esta ferramen-
“causar dano ao paciente, por ação ou omissão, ta e a próxima resolução da telemedicina (fora do
caracterizável como imperícia, imprudência ou negli- período da pandemia) será melhor apresentada que
gência”. E trecho do artigo 32 diz: “deixar de usar a anterior, respeitando melhor a relação médico-
todos os meios disponíveis de diagnóstico...”. paciente.
Portanto, ao deixar de realizar o exame físico, o médi- Finalizo acreditando que a evolução da medi-
co poderá estar cometendo infração nestes 2 arti- cina sempre ocorreu durante períodos sombrios e
gos. que não será diferente após estes atuais.
A Teleorientação entende-se como triagem Certamente a telemedicina terá seu lugar de desta-
remota do quadro clínico do paciente, para denição que durante e após a pandemia, mesmo ciente de
e direcionamento ao tipo adequado de assistência suas limitações. Contudo, muito cuidado na forma
que necessita. Além disso, pode atender na criação de utilização, pois a praticidade pode ter um preço
de plataformas especícas de Teleorientação para o alto, como perder a vida!
COVID-19, por exemplo. Sejamos criteriosos e inteligentes, pois com
O telemonitoramento será muito útil para uma boa ferramenta podemos praticar o bem, mas
casos de acompanhamento. Imaginem como os também corremos o risco de não usá-la adequada-
paciente em homecare, por exemplo, não poderão mente.
ser beneciados?

34
Entrevista com o
Dr. Geraldo Castelar
Professor Titular em Reumatologia, no
Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ

Olá, professor Geraldo! É um prazer imen- fase inicial da minha carreira médica, acompanhei o
so recebê-lo em nossa coluna para um bate-papo! meu pai na criação do Serviço de Reumatologia da
Benecência Portuguesa do Rio de Janeiro. No nal
1- Primeiramente, nos conte um pouco sobre por da década de 80, a convite do Prof. Edgar Atra,
que resolveu fazer reumatologia e como foi o iní- mudei-me para São Paulo para iniciar a minha Pós-
cio da sua carreira. graduação na Escola Paulista de Medicina (1988-
1993 - UNIFESP). Sob a orientação do Prof.
Filho de pais médicos, desde cedo descobri que era Alexandre Gabriel Jr., defendi o meu mestrado
esse o caminho que eu gostaria de seguir na vida. (1988-1990) e, em seguida, viajei para os Estados
Embora mais identicado com o “estilo de ser médi- Unidos para desenvolver a minha tese de doutorado
co” da minha mãe, ainda durante o meu curso de na Lahey Clinic (1990-1992), sob a coorientação do
graduação (1976-1981 - UFRJ), fui levado pelo meu Dr. Vincent Agnello.
pai e comecei a participar de eventos cientícos da Assim que retornei ao Brasil, fui convidado pela
SRRJ. Embora não tivesse qualquer dúvida de que Profa. Elisa Albuquerque para levar a minha situação
faria uma especialidade clínica, só no meio da minha do Ministério da Saúde (nessa ocasião o Serviço de
residência médica de clínica médica, decidi-me pela Reumatologia do HGB havia sido praticamente desa-
reumatologia. A excelência do Serviço de tivado) para a Universidade do Estado do Rio de
Reumatologia do Hospital Geral de Bonsucesso Janeiro (UERJ).
(HGB), onde estava realizando a minha residência
(1982-1984), sem dúvida contribuiu para essa esco- 2- Como é fazer parte de um dos maiores serviços
lha. de reumatologia do país? Quais são os maiores
Iniciei a minha formação em reumatologia no HGB, desaos?
sob a chea do meu pai e a coordenação do Dr.
Nilton Campos (1984-1986). Logo após o término da Quando cheguei à UERJ, em fevereiro de 1992, éra-
minha residência em reumatologia, fui aprovado em mos em três, Elisa, Evandro Klumb, que havia chega-
concurso público e passei a fazer parte do corpo do alguns meses antes como estagiário, e eu. Um
clínico deste mesmo serviço (1986). Ainda nessa pouco depois, tivemos o privilégio de receber um

35
Com Paixão

novo colega e grande reforço, o Roger Levy. Com 4- Dentro da reumatologia, quais impactos pode-
muita determinação, dedicação e trabalho em equi- mos esperar?
pe, sempre seguindo o exemplo e os valores da
nossa chefe Elisa, o serviço foi crescendo e sendo O momento exige de nós, médicos, muita humilda-
reconhecido dentro da instituição. de, bom senso e compaixão. Precisamos reconhe-
Em 1996, já como Disciplina de Reumatologia inicia- cer o nosso desconhecimento sobre a doença e seu
mos a nossa residência médica na especialidade e, tratamento, e nos preparar para acompanhar o
desde então já formamos mais de 70 reumatologis- desenvolvimento do conhecimento. Bom senso
tas. A partir de 2002, com a criação do curso de Pós- para, mesmo sem muita evidência cientíca, orientar
graduação em Ciências Médicas da UERJ, os nossos pacientes sobre o que fazer com o seu acom-
docentes da nossa disciplina passaram a orientar e panhamento (consultas e exames) e, principalmen-
formar mestres e doutores. Hoje, juntando os profes- te, seu tratamento.
sores, os médicos concursados e os que participam Acredito que estamos passando por um momento
de projetos do nosso hospital com a Secretaria muito interessante para reavaliarmos a real necessi-
Estadual de Saúde, somos em 20 médicos. É esse dade do uso de algumas medicações imunomodula-
grupo competente e trabalhador e está sob a coor- doras para certos pacientes e para descobrirmos o
denação incansável do nosso atual chefe Evandro, potencial da telemedicina no acompanhamento
que é reconhecido em nossa sociedade como um remoto dos mesmos. Estimulo os colegas a partici-
dos mais importantes serviços de reumatologia do parem do registro internacional sobre a Covid-19 nos
país. pacientes com doenças reumáticas e musculoes-
queléticas (http://rheum-covid.org/), patrocinado
3- Diante do cenário atual, não seria possível fugir pelo ACR e apoiado pela SBR.
do tema COVID-19. Como o senhor avalia o nosso É importante chamar a atenção de todos que, neste
sistema de saúde perante a pandemia? Estamos momento, são muitas as oportunidades para ajudar-
preparados? mos as pessoas mais necessitadas (ex.: www.rio-
contracorona.org.br; www.acaodacidadania.-
Vivemos um momento sem precedentes para as com.br). A participação de cada um de nós, com
pessoas dessa geração. Uma pandemia causada certeza, fará toda a diferença para quem precisa.
por um vírus ainda desconhecido, altamente trans-
missível e letal, sem termos uma vacina ou tratamen- 5- Para encerrarmos e voltando ao tema da colu-
to de ecácia comprovada. Não tenho qualquer na, quais são seus planos para o futuro?
dúvida que, no momento, o distanciamento social é
o que podemos fazer de melhor para minimizar a Hoje, meu interesse maior é colaborar no processo
transmissão da doença e a sobrecarga no nosso de amadurecimento dos nossos colegas mais
sistema de saúde. Temos cerca de 75% da nossa jovens para que eles, cada vez mais, ocupem as posi-
população dependente do nosso desacreditado ções de coordenação e referência dentro do nosso
sistema único de saúde (SUS) e, infelizmente, sabe- serviço e da nossa sociedade. Uma motivação nova
mos que o mesmo não está preparado para receber, para manter-me ativo na reumatologia é o fato da
ao mesmo tempo, um número grande de pacientes minha lha Marcela ter escolhido fazer a minha espe-
graves. cialidade. Ela já está no seu primeiro ano de residên-
Além disso, ainda temos um número elevado de pes- cia médica em reumatologia e isso, sem dúvida, me
soas desempregadas ou socialmente “invisíveis”, deixa muito orgulhoso e motivado.
lutando de forma tão desfavorável com esse inimigo Considero-me uma pessoa otimista e, ao m e ao
e essa realidade. Como se não bastasse, ainda cabo, tenho esperança de que o mundo pós-
somos obrigados a ver a ciência e a experiência de pandemia será mais sensível para as desigualdades
outros países serem negadas e, por questões de sociais e determinado para instituir mudanças que
natureza política, ganharem um inoportuno desta- permitam que, no futuro, todos tenham o direito a
que. É triste, mas acho que ainda sofreremos muito uma existência digna da condição humana.
com o que está por vir.

36
Entrevista com Dr. Leonardo Almeida,
Médico Reumatologista e Chefe do Centro de Infusão
de medicamentos do Hospital da Unimed,
COVID-19 positivo em março de 2020.

Olá, Dr Leonardo! Nesta Edição Especial do Como foi o início dos sintomas e o que sentiu?
boletim da SRRJ escolhemos com colega de
prossão para entrevistar como paciente. Quadro de astenia importante. Evoluiu com
Primeiramente, como você está agora? quadro gastrintestinal (diarréia) seguido de tosse
seca. Sem febre.
Clinicamente bem. Ainda algum cansaço
aos esforços e tosse residual. Precisando
aumentar progressivamente minha atividade física
para melhor avaliar minha capacidade funcional. Qual foi o pior momento da doença?
Psicologicamente tranquilo após
passagem do período crítico de evolução. Após swab (PCR) positivo, iniciei protocolo
de Hidroxicloroquina e Azitromicina. Não tive
dispnéia. Não realizei TC tórax. Realizei
Onde suspeita que contraiu a doença? isolamento social em um quarto na minha
residência e mantive normas as mais rígidas
Muitas dúvidas. No último dia de possíveis para proteção de meus familiares. O pior
consultório, atendi dois pacientes suspeitos de realmente é a ansiedade pela evolução.
estarem infectados (um deles já com TC tórax
compatível), mas eu estava com máscara e z a
higienização das mãos (lavagem e álcool-gel) pré
e pós-atendimento. Também tive contato com Como sua família reagiu a tudo isso?
alguns colegas de trabalho com suspeita de
infecção. Acredito que muitos de nós são e serão Recebi todo o apoio necessário. Dividiram
contaminados por relaxar os cuidados entre nós comigo a ansiedade. Espero ter sido útil. Abraços.
em reuniões presenciais e passagens de plantão.

37
O CUIDADO À SAÚDE MENTAL EM
TEMPOS DE PANDEMIA DE COVID-19
Mental Health Care in Covid-19 Pandemic Times

Dr. TÚLIO BATISTA FRANCO


Prof. Dr. da Universidade Federal Fluminense

“Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade”
(Ailton Krenak, líder indígena e ambientalista).

RESUMO Palavras-chave:
Saúde Mental, Covid-19, Trabalho em Saúde
A pandemia de Covid-19 produziu um abalo za. Ter expectativa de produção de novos mundos,
na vida das pessoas, tanto no que se refere à amea- produção do Comum como elemento central de uma
ça direta que ela representa à saúde e à vida, quanto vida em comunidade, ajuda na produção da vida
efeitos produzidos pelo isolamento social, e a insta- cotidiana, acolhimento do sofrimento eliminando a
bilidade quanto à própria produção da vida. Este sensação de abandono das pessoas, são diretrizes
cenário produz sofrimento mental, não apenas nas importantes de serem observadas no trato do sofri-
pessoas em isolamento social ou acometidas pela mento mental, no contexto da pandemia. A clínica
doença, mas também nos trabalhadores, submeti- dos afetos traz importantes contribuições para o
dos ao estresse e sobrecarga de trabalho, como a manejo do sofrimento e a dor de origem afetiva, no
todas as pessoas que são de alguma forma afetadas âmbito da pandemia de Coronavírus Covid-19.
por todo ambiente de adversidades. Tomando por
referência a teoria da afecção de Baruch Spinoza,
avaliamos que o sofrimento é causado por um pro- SUMMARY
cesso de deslocamento do território existencial, pro-
duzido pelo efeito dos afetos que toda esta situação The Covid-19 pandemic has shaken people's
provoca na subjetividade das pessoas, geralmente lives, both in terms of the direct threat it poses to
“padecem” de afetos negativos, o que causa tristeza health and life, and the effects produced by social
e redução da sua energia vital, reduzindo sua potên- isolation and instability in terms of the very production
cia de agir. A reversão deste quadro supõe retomar of life. This scenario produces mental suffering, not
as relações comunitárias, afetivas, sociais, produzin- only in people in social isolation or aficted by the
do bons encontros e aumentando assim a potência disease, but also in workers who are subjected to
vital. Sugerimos observar dois grandes temas que stress and work overload, as well as in all people who
andam juntos, para esta retomada, a produção do are in some way affected by any environment of adver-
cuidado à pessoa tomando por base a ideia de uma sity. Taking as a reference Baruch Spinoza's theory of
produção sócio-afetiva, e a harmonia com a nature- illness, we evaluate that suffering is caused by a pro-

38
cess of displacement of existential territory, produced graves, e 5% críticos, que necessitam inclusive de
by the effect of affections that this whole situation cau- leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), (Gree-
ses in the subjectivity of people, generally "suffering" nhalgh, 2020).
from negative affections, which causes sadness and Neste artigo pretendemos discutir os efeitos
reduction of their vital energy, reducing their power to na saúde mental de trabalhadores e usuários, decor-
act. The reversal of this picture presupposes the rentes da pandemia, em especial do isolamento soci-
resumption of community, affective and social relati- al. A revista Lancet publicou estudo dos impactos
onships, producing good encounters and thus incre- psicológicos causados pela quarentena, em surtos
asing vital power. We suggest observing two great epidêmicos de “SARS (11 estudos), Ebola (cindo),
themes that go together, for this resumption, the pro- pandemia de inuenza H1N1 de 2009 e 2010 (três),
duction of care for the person based on the idea of a Síndrome respiratória do Oriente Médio (dois) e equi-
socio-affective production, and harmony with nature. nos inuenza (um). Um desses estudos relacionados
Having the expectation of the production of new a ambos H1N1 e SARS”, (Brooks et al, 2020, pág.
worlds, the production of the Common as the central 913). Os autores informam que a quarentena causa
element of a life in community, help in the production vários efeitos colaterais, e são mais frequentes quan-
of daily life, welcoming suffering eliminating the fee- do associados ao distanciamento de familiares,
ling of abandonment of people, are important guideli- perda da liberdade, problemas nanceiros, incerte-
nes to be observed in the treatment of mental suffe- zas em relação à doença, e tédio.
ring, in the context of the pandemic. The clinic of As pessoas submetidas à quarentena confor-
affections brings important contributions to the mana- me os autores, invariavelmente uma maioria apre-
gement of suffering and pain of affective origin, in the senta sofrimento mental durante o episódio de isola-
context of the Coronavirus Covid-19 pandemic. mento, e às vezes este se prolonga para o período
Keywords: Mental Health, Covid-19, Health Work, após seu distanciamento social. As principais mani-
Care. festações são distúrbios emocionais, depressão,
estresse, mal humor, irritabilidade, insônia, estresse
pós-traumático (idem, ibidem). Os autores indicam
INTRODUÇÃO - A PANDEMIA DE COVID-19 algumas possibilidades de intervenção que os traba-
E SAÚDE MENTAL lhadores da saúde diretamente ligados aos usuários,
podem fazer para reduzir os efeitos da quarentena:
Uma das principais estratégias contra o
Coronavírus Sars-Cov-2 é o distanciamento social Os resultados [dos estudos] sugerem que os
que tem sido recomendado para proteção à popula- funcionários devem tomar todas as medidas
ção, ou a quarentena. O isolamento social se divide para garantir que essa experiência [quarente-
em duas formas, sendo a “mitigação” ou “vertical” o na] seja a mais tolerável possível para as pes-
que diz respeito ao isolamento de pessoas que com- soas. Isso pode ser alcançado dizendo às
põem os assim chamados grupos de risco, entre pessoas o que está acontecendo e por que,
eles idosos, pessoas acometidas por condições explicando quanto tempo vai continuar, forne-
crônicas e imunodepressivas; a outra modalidade é cendo atividades signicativas para eles
a “supressão” ou “horizontal” a qual recomenda o fazerem enquanto estão de quarentena, for-
isolamento a todas as pessoas. No primeiro as ativi- necendo comunicação clara, garantindo
dades econômicas de comércio e serviços se man- suprimentos básicos (como alimentos, água
têm em funcionamento, já no segundo caso se man- e suprimentos médicos). (Brooks et al, 2020,
tém apenas os serviços essenciais, como saúde, pág. 919).
segurança, provisão de alimentos e medicamentos.
Tem sido uma das formas utilizadas para mitigar os Além destas ações, acreditamos que este é
efeitos da pandemia, reduzindo a incidência da um momento onde se deve estar mais atento ao aco-
Covid-19, mantendo a demanda por serviços de lhimento dos usuários, fazendo a escuta qualicada
saúde dentro da sua capacidade de atendimento, do problema que as pessoas trazem aos serviços de
evitando assim um excesso que poderia deixar mui- saúde, buscando compreender na sua narrativa
tas pessoas sem assistência, aumentando o número todas as questões que dizem respeito à produção da
de casos fatais. Entre aqueles que contraem a doen- sua vida, sua existência em família, na comunidade,
ça, em torno de 15 a 20% são considerados casos e as questões diretamente implicadas com o proble-

39
ma de saúde. Isto certamente traz a múltipla dimen- Sofrimento este causado pelo estado geral de espe-
são dos problemas iniciais, ampliando as possibili- ra para o retorno à situação de normalidade, incerte-
dades de entendimento e à elaboração de um plano za em relação ao futuro, enm, a vida em suspenso
do cuidado. esperando um desfecho o qual independe da pró-
No que se refere especicamente à pande- pria pessoa. O surto da doença aumenta conforme
mia de Covid-19 o tema do impacto emocional cau- se tornam conhecidos os desfechos da Covid-19 na
sado pelo surto da doença tem sido particularmente população.
relevante nas discussões em torno da experiência
chinesa. Lima et al (2020) informam que os morado- Durante surtos de doenças, a ansiedade da
res de Wuhan na China têm comparado o contexto comunidade pode aumentar após a primeira
da pandemia, especialmente após o bloqueio da morte, maior número de reportagens na mídia
cidade, com o “m do mundo”, com hospitais sobre- e uma escalada do número de novos casos.
carregados, medo da escassez de alimentos, com- Assim, é provável que a quarentena em
prometimento da mobilidade social, enm, fatores massa aumente a ansiedade substancial-
que ocasionaram sofrimento mental entre morado- mente, por várias razões. Ansiedade elevada
res, e também trabalhadores da saúde. O imaginário também pode ter implicações indiretas para
que se cria em torno da pandemia não necessaria- outras medidas de saúde, (Rubin e Wessely,
mente corresponde à realidade, mas é importante 2020, apud Lima et al 2020).
considerar a como cada pessoa percebe o cenário
no qual está vivendo, pois é este singular entendi- Se de um lado há um intenso sofrimento men-
mento da sistuação que vai orientar suas ações. Sua tal das pessoas em geral, em contato direto ou indi-
narrativa, a percepção especíca da realidade, são reto com o episódio da pandemia, por outro lado os
fundamentais para ter uma real dimensão do impac- trabalhadores também são diretamente atingidos. O
to de toda experiência na qual a pessoa está imersa. encontro cotidiano com a doença e morte, associa-
O modo como a pessoa reage a este cenário é fun- dos ao estresse, sobrecarga de trabalho, produzem
damental observar, porque é aí que se avalia a real nos trabalhadores o sentimento de desamparo,
necessidade de apoio e ajuda para enfrentá-los. medo em relação ao presente e futuro, angústia e
A Comissão Nacional de Saúde da China tem depressão. Para estes, tudo pode acontecer durante
estado atenta à questão da saúde mental dos traba- a após a pandemia. E este futuro próximo poderá
lhadores do sistema de saúde, bem como da popu- será certamente diferente do momento anterior ao
lação diretamente afetada pelas medidas de conten- surto. Em qualquer hipótese carão sequelas sociais
ção da pandemia. Foram detectados aumento da e afetivas resultantes da pandemia. Há duas hipóte-
incidência de depressão, angústia e estresse na ses para a construção de um futuro pós-pandemia,
população em geral, mas especialmente entre ido- uma primeira na qual isto se daria pautado no passa-
sos, os mais susceptíveis à Covid-19. Várias orienta- do, operando por diretrizes que organizavam o
ções foram emitidas desde janeiro de 2020, a m de mundo antes da Covid-19; o segundo que sugere
fortalecer o serviço de saúde mental diante da pan- construir algo novo, pautado na força desejante dos
demia. que se colocam ao protagonismo de produzir um
Os trabalhadores não têm treinamento espe- mundo diferente do que vivia anteriormente.
cico para lidar com problemas de saúde mental
durante a pandemia na China. Possivelmente este é
um problema que se verica em todos sistemas de O PÓS-PANDEMIA: RECONSTRUIR MUNDOS
saúde em uma situação como esta. Não deixa de ser COMO DISPOSITIVO PARA NOVOS
uma importante lacuna nas estratégias de enfrenta- AGENCIAMENTOS DA VIDA.
mento do surto da doença, visto que, a questão de
saúde mental tem sido relevante em todos os episó- A pandemia de Covid-19 causada pelo
dios similares, surtos epidêmicos associados ao Coronavírus Sars-Cov-2 nos revela uma tragédia
isolamento social especialmente. Não ter uma abor- humana sem precedentes. Especialmente mostrou
dagem especíca de manejo para situações de o quanto a humanidade atual está despreparada
sofrimento mental, aumenta a ansiedade das pesso- para enfrentar um vírus ameaçador. Por mais tecno-
as, como se verica em Wuhan, mesmo entre aque- logias que se tenham criado no último século,
leas que não estão em quarentena (Lima et al, 2020). tomando por referência a última pandemia de gripe

40
espanhola (1918) até hoje, não se conseguiu siste- como uma produção afetiva também, ou seja, um
mas sociais e de saúde capazes de proteger a popu- mundo de produção sócio-afetiva; e natureza, como
lação. O que se viu foi uma brutal exposição das pes- a harmonia das pessoas com o meio ambiente. Isto
soas à doença na maioria dos países, mas, o que está radicalmente vinculado à noção de defesa da
pode ser mais grave nesta maioria, a precariedade vida.
de sistemas econômicos e de proteção social, inca- Tomando por referência o texto em epígrafe,
pazes de oferecer uma resposta satisfatória na defe- vale a pena embarcarmos na reexão sobre a huma-
sa da vida. Entende-se como a defesa da vida não nidade que somos. Sistemas precários de proteção
apenas os sistemas de cuidados clínicos, mas a pro- envolvem o aumento da sensação de insegurança,
visão dos recursos básicos necessários à manuten- abandono, causando tristeza, dor e sofrimento.
ção de um corpo vivo, como a segurança da renda e Nestas condições a pessoa tem sua energia vital
todos recursos que isto pode prover à pessoa. Sem reduzida, assim como sua potência em agir no
esta segurança, além da ansiedade e angústia dian- mundo da vida, por efeito dos afetos negativos que
te da doença, as pessoas são acometidas pelo senti- lhes são transmitidos nas relações de cotidiano. A
mento de abandono, solidão. retomada da potência está diretamente vinculada às
A pandemia de Covid-19 além de revelar o sensações de proteção, solidariedade, noções de
que temos de proteção social e de saúde hoje, pro- comunidade que possam se formar na relação entre
duz um desequilíbrio dos sistemas de produção da as pessoas. Isto aumentaria a capacidade de agir e
vida no meio social. A este resta uma grande dúvida resistir às diculdades próprias impostas pela pan-
da sua capacidade de proteger as pessoas. Neste demia. Envolveria trabalhar no sentido da constru-
quadro, a resposta importante a ser providenciada é ção de um ambiente social e afetivo acolhedor, bem
a que coloca as pessoas funcionando no modo soli- como a importante, mas difícil, harmonia com o meio
dário, generoso, e voltados à noção de comunidade. ambiente.
Comunidade não como uma reunião de pessoas, Ailton Krenak, liderança indígena e ambienta-
mas o que nos dá o conceito de comunidade é a lista, que vive com seu povo Krenak no Vale do Rio
ideia de Comum que um grupamento ou redes de Doce em Minas Gerais, no seu recente livro “O
pessoas é capaz de produzir entre si, ou seja, aquilo Amanhã não está à Venda” (Krenak,2020) apresenta
que cada um mobiliza em sinergia com os demais, uma opinião provocadora. Diz o autor que o modo
formando um conjunto que por estar unido tem força de funcionamento da natureza segue seu curso nor-
para o enfrentamento das adversidades. mal, o que entrou em crise foram os humanos, e isto
Imagino que um Comum a ser produzido indica que o modo de funcionamento do mundo
deveria ter origem na noção de social, entendendo-o entrou em crise.

Prezado Associado,
O boletim é para você. Envie seus
casos, seus artigos e suas colaborações
construtivas para nosso e-mail.
Boa leitura!
boletim@reumatorj.com.br Equipe Editorial
Gestão 2019-2020

41
“Esse vírus está discriminando a humanida- informa que além do corpo biológico, nós temos um
de. Basta olhar em volta. O melão-de-são- corpo afetivo, sensível, que é susceptível aos afectos
caetano continua a crescer aqui do lado de , ou seja, é afetado, pelos outros corpos quando com
casa. A natureza segue. O vírus não mata pás- eles se encontra na vida cotidiana. O Sars-Cov-2 por
saros, ursos, nenhum outro ser, apenas huma- exemplo seria um corpo, assim como a doença, a
nos. Quem está em pânico são os povos pandemia, e o encontro com eles tem efeitos sobre
humanos e seu mundo articial, seu modo de quem os encontra, e neste momento, são todas as
funcionamento que entrou em crise”. (Kre- pessoas, porque mesmo que não estejam contami-
nak, 2020, pág. 7). nadas, sofrem os efeitos da disseminação da doen-
Com uma perspectiva peculiar de enxergar o ça, e as normas de proteção a que todas estão sub-
atual momento, e apoiado na sua ancestralidade, o metidas, por exemplo, o isolamento social.
líder indígena está atento aos problemas que aco- De acordo com Spinoza (2002) um mal
metem a humanidade, em especial chama atenção encontro tem o efeito de produzir tristeza, e redução
para a precariedade de certos grupos sociais, diante da potência vital deste corpo. O contrário é verdadei-
do mundo em que vivemos. Ora, se falta proteção ro, ou seja, um bom encontro produz alegria, e
para os humanos incluídos no sistema normalizado aumento da potência vital. O autor considera como
de conguração da vida social, o que dirá de grupos corpo as pessoas e as coisas que têm materialidade,
como indígenas, população de rua, comunidades assim como uma ideia, arte, imagem, conceito,
pobres, negros, a comunidade LGBTT, que pela dis- corpo imateriais. Para efeito na formação da subjeti-
criminação e ausência dos sistemas de consumo vidade, todos eles são corpos e podem produzir efei-
são chamados de sub-humanidade, uma produção tos na pessoa que os encontra. É fácil constatar que
da sociedade atual, Krenak (2020). A ONU muito ao assistir um lme, reagimos instantaneamente
claramente propõe que “O respeito pelos direitos com alegria ou tristeza, assim como ler um livro, ver
humanos em todos os âmbitos, incluindo os direitos uma pintura, são sensações que aumenta ou diminu-
econômicos, sociais e culturais, bem como os direi- em nossa potência, portanto, efeitos do encontro
tos civis e políticos, será fundamental para o sucesso com estes corpo imateriais. Portanto entende-se que
das respostas de saúde pública diante da pande- a saúde mental está sempre sujeita às variações
mia” (WHO, 2020). como descritas acima. Então, a questão é: Como
A pandemia pode ser vista também como produzir bons encontros às pessoas em sofrimento
uma oportunidade de colocar a humanidade sob mental pelos efeitos da pandemia, para que elas
análise em relação ao seu futuro. O pós-pandemia possam aumentar sua potência vital, e ter resiliência
deve apontar para um novo mundo, que é não ape- para este momento, e assumir o protagonismo da
nas possível, mas necessário. Há um chamado ao condução da sua vida, e construindo um mundo
protagonismo para essa construção. “Tomara que para si e os outros no momento posterior?
não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é Intervenções na saúde mental devem responder a
porque não valeu nada a morte de milhares de pes- estas questões.
soas no mundo inteiro” (Krenak, 2020, pág. 14), pro- Pessoas em sofrimento mental, estados de
fetiza o líder indígena e ambientalista. angústia, ansiedade, depressão, convivendo com
As variações da saúde mental se dão na medi- sentimentos de medo e abandono, não conseguirão
da em que a pessoa interage com o meio no qual reverter este quadro, se não houver ajuda consisten-
vive, e sofre os efeitos das suas experiências, for- te, contínuo, capaz de abrir apoiar possibilidades de
mando assim um modo singular de signica e atuar retomada. Então, queremos dizer que o cuidado à
sobre o seu mundo, sua própria realidade. A isto saúde mental não pode ser pontual, ele precisa se
podemos chamar de processo de subjetivação, ou referir ao mundo existencial da pessoa, o que inclui
seja, uma subjetividade que habita a cada pessoa, e reconstruir possíveis relações comunitárias descon-
se modica continuamente pelas experiências do tinuadas, retomar laços afetivos, produzir redes de
cotidiano. Então, a pandemia de Covid-19 é certa- apoio, e cuidar das condições materiais de subsis-
mente uma das experiências mais radicais que tência. Nos referimos portanto que a abordagem é
alguém poderia ter nos tempos atuais. O lósofo material, e em grande medida imaterial, por exem-
Baruch Spinoza (1632-1677) contribui de forma fun- plo, este apoio pode ser por ativação da amizade,
damental para entender estas variações da saúde das relações de vizinhança, e políticas públicas na
mental. Através da sua teoria da afecção, ele nos perspectiva de produção de autonomia.

42
CONCLUSÃO acolhimento do sofrimento e atuar para que a pessoa
consiga produzir bons encontros no seu cotidiano,
Neste sentido consideramos que o cuidado à pensando sobre si mesma de forma autoanalítica,
saúde mental em tempos de pandemia, sugere pen- formulando perspectivas de futuro, são medidas que
sarmos que não apenas pessoas sob isolamento podem aumentar sua potência vital, e de ação no
social estão sujeitas ao sofrimento, mas é necessário mundo. Isto certamente é altamente produtivo no
pensar que são vários grupos nesta condição: os sentido de reduzir o sofrimento e abrir possibilidade
trabalhadores que lidam diretamente no cuidado às de enfrentamento das atuais adversidades.
pessoas enfermas, as pessoas acometidas pela Tomando por referência a clínica dos afetos
doença seja leve ou grave, e aquelas obviamente (Franco e Galavotte, 2010), espaços de escuta, esta-
submetidas ao isolamento social. Todos esses gru- belecimento de vínculo, seguimento do cuidado, são
pos em algum grau vão sentir efeitos da pandemia importantes diretrizes, procurando sempre produzir
no seu corpo afetivo. E isto certamente causa sofri- protagonismo do usuário para o cuidado de si. A
mento mental. potência de produção de vida se manifesta nesta
Medidas de proteção e apoio devem contri- capacidade protagônica de compartilhar o ato de
buem para criar possibilidades, ativar o desejo de cuidar. “Cuidar de si é a condição para cuidar do
produzir vida, novos mundos para si, como foi dito outro” (Foucault, 2006), então todas as pessoas
ao longo do texto. Isto criaria força de resistência devem ser objeto do cuidado. Nos termos da teoria
para o enfrentamento da pandemia, mas não só, da afecção a linha que separa o cuidador de quem é
serve para uma vida. Isto signica ter práticas de cuidado desaparece, porque desde que se produza

Guterres, Antônio. UN chief calls for domestic violence ‘ceasere’


amid ‘horrifying global surge’. https://news.un.org/en/-
Brooks, Samantha K et al. The psychological impact of quarantine story/2020/04/1061052 (acesso em abril de 2020).
and how to reduce it: Rapid review of the evidence. Lancet 2020; 395:
912–20. Krenak, Ailton. O Amanhã não está à Venda. Companhia das Letras:
São Paulo, 2020.
Foucault, Michel. A Hermenêutica do Sujeito. Martins Fontes: São
Paulo, 2006. Lima, Carlos Kennedy Tavares, et al. The emotional impact of
Coronavirus 2019-nCoV (new Coronavirus disease). Psychiatry
Franco, Túlio Batista e Galavote, Heletícia S. Em Busca da Clínica Research 287 (2020) 112915.
dos Afetos, in, Franco, T.B. & Ramos, V.C. “Semiótica, Afecção e
Cuidado em Saúde”. Hucitec, São Paulo, 2010. SPINOSA, Barich. Ética. Autêntica: Belo Horizonte, 2008.

Greenhalgh, Trisha; Koh, Gerald Choon Huat; Car Josip.Coronavirus WHO – Alto Comissariado de Direitos Humanos. Covid-19 e a
disease 2019 (covid-19): a guide for UK GPs. BMJ 2020 ; 368 doi: Dimensão dos Direitos Humanos. https://acnudh.org/pt-br/covid-19-
https://doi.org/10.1136/bmj.m800 (Publicado 06 março de 2020). e-a-dimensao-de-direitos-humanos/ (acesso em abril de 2020).

Fique por dentro de todas as


novidades e notícias da Sociedade!
Tudo isso no seu feed de notícias!
Sociedade de Reumatologia
do Rio de Janeiro

43
EDI
ESP ÇÃO
ECI
AL

CASO 1

Paciente feminina, 66 anos, hipertensa e dia- Ao exame físico da admissão encontrava-se


bética, sem acompanhamento ambulatorial, em em bom estado geral, verbalizando, deglutindo sem
25/02/20 paciente apresentou um pico febril e, no dia diculdade, sem limitação à amplitude de movimen-
seguinte, notou aparecimento de volumosa massa to cervical. Notava-se a presença de massa cervical
em região cervical esquerda, pulsátil, associada a em região lateral esquerda, volumosa, pulsátil, com
cefaleia. Negava dor local, tosse, dispneia, disfagia, discreto frêmito em seu ápice, bem delimitada, sem
ou outros comemorativos. Referia apenas quadro de sinais ogísticos ou dor à palpação. Apresentava-se
lombalgia de caráter mecânico há 2 meses. hipertensa e com descontrole glicêmico. (Figura 1)
Laboratorialmente, apresentava anemia hipo-
Procurou uma emergência sendo aventada a crômica, com anisocitose, plaquetose, leucocitose
possibilidade de aneurisma de carótida comum sem desvio para a esquerda e provas inamatórias
esquerda. Foi medicada com antibióticos devido (PCR e VHS) elevadas.
história de febre e leucocitose com desvio à esquer- Durante a internação a paciente evoluiu com
da. A paciente manteve-se estável durante todo piora da dor mecânica lombar associado a diculda-
período, sendo transferida para HUCFF em março de para deambular. Também iniciou quadro de dor
para realização de abordagem cirúrgica, aos cuida- em região cervical, além de aumento do volume da
dos da cirurgia vascular, já sem antibioticoterapia. massa cervical alcançando a linha média anterior do
pescoço e com consistência mais endurecida.

44
Durante avaliação da Reumatologia notava-
se dor à compressão no ponto médio entre o trocan- Realizados exames complementares com
ter maior e o tuber isquiático, além de sinal de ECO-TE, BAAR, PPD e TC de tórax negativos para
Lasegue, sugerindo comprometimento do nervo tuberculose. Hemocultura (18/03) evidenciou o
ciático. Apresentava ainda, dor à compressão das germe Pseudomonas paucimobilis, sendo iniciado
apóses espinhosas da coluna lombar, sem aumen- cefepime 2g (8/8 horas) no dia 20/03/20. A paciente
to de volume ou sinal ogístico local. Realizada iniciou neste mesmo período quadro de parestesia
Ressonância Magnética em 13/03 que evidenciava em membros inferiores, distalmente e foi avaliada
captação de contraste nos platôs vertebrais de L4 e pela neurocirurgia que corroborou hipótese de
L5, sugestivo de processo infeccioso, não sendo espondilodiscite, sem indicação cirúrgica.
possível excluir doença degenerativa associada.
(Figura 2)

Em 26/03 paciente houve a abordagem pela venção para coleta de material para cultura, com
cirurgia vascular com correção cirúrgica de pseudo- novas pesquisas para germes comuns, fungos e
aneurisma de ACC esquerda, com ressecção de micobactérias.
segmento roto e ligadura de ACC proximal e distal,
apresentando saída de secreção purulenta do interi- Neste caso, a espondilodiscite infecciosa,
or do pseudoaneurisma, motivo pelo qual não foi presente há cerca de dois meses, pode ter gerado
realizada a reconstrução arterial. Encaminhado mate- um êmbolo séptico que se instalou na artéria caróti-
rial para cultura a qual foi negativa. da comum e formou um pseudoaneurisma local. A
arteriograa torna possível suspeitar de sua natureza
Apesar da melhora clínica, melhora da lom- infecciosa diante de uma imagem saciforme e de
balgia, paciente já deambulando sem diculdade, uma localização segmentar em uma artéria saudável
sem febre, além de melhora laboratorial, a paciente a montante.
mantinha VHS elevado e lombalgia residual, optou-
se, então, por manter antibioticoterapia venosa e A associação entre duas patologias raras
realizar nova RNM de coluna lombar a qual evidenci- (espondilodiscite e pseudoaneurisma de carótida)
ou destruição evolutiva do corpo vertebral L2-L3, faz com que o diagnóstico ocorra de forma tardia,
imagem compatível com pequenas coleções sobre o piorando o prognóstico do paciente que recebe tera-
saco dural e reduzindo a amplitude dos forames neu- pêutica numa fase avançada da doença. A instituição
rais, caracterizando quadro progressivo de espondi- de antibioticoterapia prolongada, direcionada ao
lodiscite. patógeno isolado em hemocultura e a abordagem
Em vista de piora radiológica e manutenção cirúrgica do pseudoaneurisma é mandatória frente
de VHS elevado, optou-se por reiniciar antibioticote- ao risco de rotura e septicemia associada, porém a
rapia com Cefazolina por mais duas semanas e indi- cultura do seu material, sem crescimento microbiano
cado pela neurocirurgia a abordagem por radio inter- não exclui o diagnóstico instituído inicialmente.

45
Apresentador:
Dr. WASHINGTON BIANCHI CASO 2
Hospital Santa Casa de Misericórdia RJ

MAPP, 64 anos, casado, branco, natural e Seguindo parecer da pneumologia, foi inicia-
residente no RJ, empresário, com diagnóstico prévio do azitromicina durante cinco dias, analgésico regu-
de Espondiloartrite, forma mista com predominância lar, xarope de cloperastina, orientações e isolamento
axial de longa data, HLA B27 positivo. Estava em domiciliar. Em 31/03, ainda com tosse seca impor-
remissão e assintomático, em uso de MTX, tante, boca seca, mas sem febre há 48h e com fadiga
10mg/sem, sem AINHs ou analgésicos. Exames de em regressão já no 4* dia azitromicina.
revisão em janeiro 2020 sem alterações.
Evoluiu com melhora da tosse, sem queixas
Em 25/04, faz contato telefônico referindo musculoesqueléticas do espectro das EpAs ou sina-
febre constante, acima de 38,5oC, tosse e fadiga há is de reativação da doença de base. Troxe exames de
cerca de 4 dias. Em 27/03, ainda com febre e piora da controle em 11/04: Hemograma, bioquímica e pro-
tosse foi realizado de TC de tórax que conrma inl- vas inamatórias sem alterações.
trado inamatório, com múltiplos focos de imagens
em vidro fosco, com distribuição difusa pelo parên- Em resumo, paciente sem comorbidades,
quima pulmonar, bilateral, mais acentuado em pul- esportista, diagnóstico provável de covid 19 pelos
mão esquerdo e lobo inferior direito. achados clínicos e imagens da TC, porém sem con-
rmação sorológica, cada vez mais frequentes em
Exames mostram hemograma, função renal nossos ambulatórios e consultórios atualmente.
e hepática sem alterações, PCR 13,70 mg/dL. Apesar de grupo de risco pela idade e achados
Evolução clínica mantendo febre, tosse sem expec- agressivos nas imagens da TC de tórax, evoluiu de
toração com piora da fadiga, porém sem queixas de forma branda após início precoce da azitromicina.
falta de ar ou dispneia. Não conseguiu realizar soro-
logia para covid 19.

O envio do resumo dos casos, bem como seu conteúdo, é de responsabilidade


dos apresentadores e serviços que representam.
Os casos não publicados não tiveram seu resumo
Equipe Editorial
enviado para publicação até o fechamento desta edição. Gestão 2019-2020

46
AÇÕES DA SOCIEDADE DE REUMATOLOGIA DO RIO DE JANEIRO NA COVID-19

O primeiro caso da pandemia pelo novo Coronavírus, SARS-CoV2, foi identicado na China,
no nal do último ano. Desde então, os casos começaram a se espalhar rapidamente pelo mundo.
No Brasil o primeiro caso foi identicado em fevereiro desse ano, e como todo o restante do mundo
os casos vem se multiplicando rapidamente.

Na intenção de unir esforços para enfrentar


esse momento e mediante a “corrida” pelo uso da
Cloroquina para o tratamento nos casos mais graves, o
risco da infecção COVID-19 nos pacientes com doenças
reumatológicas, e em uso de imunossupressores, a
Sociedade Brasileira de Reumatologia vem se
posicionando para orientar médicos e pacientes, e juntos
enfrentarmos o presente momento da melhor forma
possível. E a Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro
vem trabalhando arduamente em conjunto com esse
mesmo propósito.

No dia 20 de março de 2020, a SRRJ emitiu uma


nota sobre a Cloroquina e a Hidroxicloroquina, essa nota
sai no dia seguinte após as informações divulgadas na
imprensa sobre os efeitos positivos do uso dessas
medicações no tratamento de COVID-19 e no mesmo dia
das novas regras da ANVISA sobre a prescrição dessas
substâncias. A SRRJ reforça que não há evidências
cientícas sólidas da ecácia dessas medicações no
tratamento e muito menos na prevenção da infecção pelo
vírus.

No dia 25 de março a SRRJ produziu um


vídeo do Presidente da Sociedade de Reumatologia
do Rio de Janeiro, Dr. Dante Bianchi, respondendo a
algumas dúvidas dos pacientes sobre a Cloroquina
e a Hidroxicloroquina no contexto da Pandemia
COVID-19. Foram esclarecidos pontos como: o
porquê do desabastecimento dessas medicações
nas farmácias; a necessidade do receituário
controlado para as novas receitas; o tempo de
validade das receitas liberadas previamente a
determinação da ANVISA; e o tempo de validade da
receita controlada.

47
Articulando

Dr. Carlos Augusto F. de Andrade, Diretor


Cientíco da SRRJ, em março faz uma análise crítica
das evidências e recomendações sobre o uso dos
antimaláricos e COVID-19 publicadas até o
momento. Comenta sobre as limitações
metodológicas dos estudos já divulgados. E naliza
com o brilhante comentário:
“Muitas vezes, serão necessárias medidas
intempestivas, não baseadas em evidências
(lembrar que “ausência da evidência não signica
evidência da ausência”). Mesmo assim, está longe
indicação da recomendação delas (Cloroquina e
Hidroxicloroquina) para prolaxia de COVID-19.
Talvez no máximo possamos indicar em casos
individuais para casos selecionados. Relembramos
que antimaláricos continuam sendo essenciais no
tratamento da malária e das doenças como lúpus
eritematoso sistêmico. Seu uso off label pode deixar
sem tratamento adequado quem realmente precisa.”

Dra. Blanca Bica e Dra.Wanda Heloisa no dia 16 de abril, participaram do Reumato


Responde, Reumatologia e COVID-19. Iniciativa da Sociedade Brasileira de Reumatologia, através
do YouTube, foi uma apresentação ao vivo, para tirar dúvidas e dar esclarecimentos aos pacientes e
familiares principalmente.

Tivemos uma Live no Instagram,


@reumatorj , no dia 20 de abril às 17h, com
Dr. Dante Bianchi (reumatologista) e o
Professor Evandro Tinoco (cardiologista),
unindo essas duas especialidades para
discutir a resposta imunológica vericada na
infecção pelo Corona vírus e os efeitos
cardiovasculares relaciona-dos.

48
Articulando

Dr. Evandro apresentou um gráco com um conjunto de


curvas, onde foi possível vericar, mas facilmente a doença
cardiovascular nessa pandemia. 1ª curva vermelha - De um
pequeno grupo de pacientes, com um processo inamatório
agudo mediado por citocinas, que geralmente necessitam
de terapia intensiva, com quadro graves de agressão
cardíaca, que podem ter aumento da troponina, ter disfunção
cardíaca, arritmias. 2ª curva roxa– Grupo de pacientes com
doença cardiovascular aguda, mas que estão evitando ir
para o hospital. O que tem levado maior número de infartos,
AVCs e óbitos no domicílio, mas que provavelmente vão
normalizar seus atendimentos e essa curva deve retornar à
normalidade. 3ª curva azul escura - Pacientes com doenças
crônicas como: diabetes, câncer, hipertensão, insuciência
cardíaca e etc., que precisam continuar com seus
tratamentos para que não virem casos agudos. 4ª curva
preta- devido os determinantes sociais - com os efeitos
socioeconômicos e estresse emocional relacionados a essa
pandemia teremos o envolvimento do sistema cardio-
vascular por uma série de distúrbios neuropsiquiátricos. Aqui
também incluídos o empobrecimento, levando a obesidade
e hipertensão. Esses fatores vão acabar gerando essa quarta
curva de adoecimento cardiovascular.

QUARENTENA 2020 - CURVAS E SAÚDE CARDIOVASCULAR - EPIDEMIA COVID19

1 - PANDEMIA 4 - Injúria Econômica


- Mental
** *
T Telemedicina - Determinantes
A Sociais
K 2 - NÃO
O COVID19
T
S 3 - D. CRÔNICAS
U
B
O
* Cardioreumato

TEMPO UNIVERSIDADE
OBSERVATÓRIO DEIC/SBC
CORAÇÃO / SBC

E já estão em andamento pesquisas, com participação de alguns dos serviços de


reumatologia de Rio de Janeiro, como o ESTUDO PINOTTI. E aguardando liberação Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP) para início, em breve teremos o ESTUDO PARA AVALIAÇÃO DO EFEITO
PROFILÁTICO DOS ANTIMALÁRICOS SOBRE A FREQUÊNCIA DE INFECÇÃO PELO NOVO
CORONA VÍRUS 2019 EM PROFISSIONAL DE SAÚDE.
A SRRJ segue apoiando e colaborando junto ao Governo e toda a toda a população
brasileira para passarmos por essa Pandemia, e seguimos mais fortes e mais experientes.
Alessandra Cardoso Pereira
49
A Saga Pandêmica na Literatura Universal
Por Mirhelen Abreu

Ilíada

Os primeiros relatos de pandemia no mundo têm como referência o poema Ilíada,


do grego Homero que, segundo historiadores viveu entre a Grécia e a Turquia, no século 8 antes
de Cristo. Estudiosos modernos dizem que a razão pela qual Atenas perdeu a guerra foi devido à
sua população ter sido dizimada por uma praga que matou o líder ateniense Péricles. No meio da
Guerra de Troia, o sacerdote Trojan Chryses pede ajuda do deus Apolo para resgatar sua filha,
Chryseis - que Agamenon havia raptado como escrava. E Apollo responde enviando uma praga
que somente cessou com a libertação da mulher.

"Heróis da Guerra de Tróia" – extraído de Wikipedia (Extraído de Wikipedia, em 09 de maio de 2020.)

50
Erudita Reumatologia

Decameron

A Peste Negra ou Bubônica, em 1338, matou 75 milhões de pessoas. Em alguns lugares da


Inglaterra e da Itália, cerca de 60 à 90% da população foi dizimada. Vivendo esse pano de fundo, o escritor
italiano Giovanni Bocaccio nos deu como legado o livro Decameron, de 1353. A obra conta a vida de sete
mulheres e três homens em uma vila toscana de Florença. Entre as 100 histórias contadas, o italiano narra o
cotidiano dramático da população florentina. A população europeia tratou a Peste Negra como castigo de
Deus. “Naquela época cuidado algum valeu nem importou qualquer providência humana. Proibia-se a
entrada de enfermo. Muitos conselhos se distribuíram para o bom estado sanitário. De nada valeram as
súplicas”. Segundo Bocaccio, os humildes em grande número se juntam para orar por proteção de Deus e o
contágio aumentou ainda mais a pestilência.

O escritor atribui ao Oriente a origem da doença que se caracterizava por sangue pelo nariz,
inchaço na virilha e axilas, alguns em forma de maçã ou ovo. Daí vem o nome bubônica: “em formas de
bulbos”. Depois, surgiam manchas escuras na boca de quem quer que fosse, rico ou pobre e surgiu o nome
Peste Negra. Os que não conseguiram se refugiar morriam nas ruas, nas plantações ou onde quer que
estivesse. Os cultivos se reproduziam e animais vagando pelas ruas vazias tinham comidas de sobra e
engordavam e morriam se misturando aos cadáveres humanos.

"O triunfo da morte" - a epidemia de peste na visão de Brueghel (Extraído de Wikipedia, em 09 de maio de 2020.)

51
no
va
d ata
!

Hotel Prodigy Santos Dumont - Centro/RJ

04 de Dezembro - Sexta 05 de Dezembro - Sábado


ARTRITE REUMATOIDE INFECÇÕES E DOENÇAS REUMATOLÓGICAS

Jornada de Posse Convidados Internacionais


NOVA DIRETORIA 2021-2022 Cátia Duarte José Antonio P. da Silva
Faculdade de Medicina da Professor de Reumatologia
Universidade de Coimbra na Universidade de Coimbra

PA T R O C Í N I O

www.reumatorj.com.br Sociedade de Reumatologia RJ

Vous aimerez peut-être aussi