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8.1 Introdução
Uma barragem de armazenamento visa criar uma albufeira com determinada capacidade útil
que lhe permite fazer a regularização de caudais de estiagem.
Através da curva dos volumes armazenados, o volume morto permite definir o nível mínimo
de exploração (NME) que corresponde habitualmente à soleira da descarga de fundo. O
volume resultante da soma do volume morto e da capacidade útil permite, novamente
utilizando a curva dos volumes armazenados, obter o nível de pleno armazenamento (NPA).
Normalmente, durante uma cheia e até se ultrapassar o caudal de pico, o caudal descarregado
é inferior ao caudal afluente. Daqui resulta que o volume não descarregado é armazenado na
albufeira, acima do NPA, correspondendo ao encaixe da cheia. Quando o diagrama da cheia
afluente é o da cheia de projecto, o correspondente volume encaixado, adicionado à
capacidade útil e ao volume morto, permite determinar o nível de máxima cheia (NMC).
Num descarregador com comportas, no entanto, Qd (t) não é função unicamente de Q a (t) e das
características do descarregador; o hidrograma do caudal descarregado depende também das
regras de operação das comportas. Assim, como se ilustra na figura 8.1b), um mesmo
hidrograma afluente Q a (t) pode originar diferentes hidrogramas de descargas Q d1 , Q d2 , etc.,
de acordo com as regras de operação que se adoptarem em cada caso.
Nas pequenas barragens, a estrutura descarregadora é normalmente uma soleira (como a soleira
WES) mas os conceitos que se apresentam em seguida mantêm-se válidos para outras estruturas
descarregadoras (labirinto, canal colector, etc.) desde que o caudal possa ser expresso como
função monótona crescente do nível da água acima da crista do descarregador.
Para uma soleira descarregadora, a fórmula de vazão genérica, resultante da passagem do caudal
em regime crítico é
pode-se tomar H=h, sendo h a altura de água acima da crista da soleira. Q d cresce
exponencialmente com H(=h); esta constatação permite com facilidade definir qualitativamente
o hidrograma Q d (t) (figura 8.2)
Quando a cheia se inicia e está no seu ramo ascendente (0 < t <t 1 ) verifica-se que o Q d < Q a .
Como consequência, o volume descarregado no intervalo de tempo (0, t 1 ) é inferior ao volume
afluente à albufeira nesse mesmo período de tempo. Portanto, o volume armazenado na albufeira
aumenta, o que corresponde também ao aumento de h e H. Se h e H aumentam, então também
Q d vai aumentando entre t = 0 e t = t 1 .
No período que decorre de t 1 a t 2 , o caudal afluente decresce depois de ter atingido o máximo
para t = t 1 . No entanto, o caudal descarregado continua a aumentar. Com efeito, entre t 1 e t 2 ,
embora Q a vá diminuindo, o caudal afluente continua a ser superior ao caudal descarregado.
Portanto, o volume armazenado na albufeira continua a crescer assim como h, H e, por
conseguinte, também Q d .
O instante t 2 corresponde ao ponto em que Q d iguala Q a ; em seguida (para t > t 2 ) passa o caudal
descarregado a exceder o caudal afluente. É fácil verificar que Q dmáx ocorre para t = t 2 . Para tal,
convém notar que para t < t 2 , Q d cresce, como se viu anteriormente. Basta então demonstrar que,
para t > t 2 , Q d decresce.
Ora, como Q d > Q a , a albufeira descarrega um volume superior ao volume afluente que está a
receber. Por conseguinte, o volume armazenado diminui, h e H decrescem e o mesmo acontece
com Q d .
Assim, num descarregador sem comportas, o caudal máximo descarregado é inferior ao caudal
afluente máximo e ocorre posteriormente ao pico da cheia.
8.3 Cálculo da propagação da cheia pelo método de Plus num descarregador sem
comportas
A determinação quantitativa do hidrograma das descargas assim como dos níveis da albufeira e
dos volumes armazenados pode ser feita pelo método de Plus. Este método considera intervalos
discretos de tempo Dt e pressupõe que no instante t conhece-se o caudal afluente no instante t +
Dt.
Além disso, o método de Plus despreza a ocorrência, durante o período da cheia, da precipitação
na albufeira assim como da evaporação e outras perdas. O erro introduzido por esta simplificação
é normalmente pequeno já que estas variáveis correspondem a volumes de água relativamente
pequenos uma vez que as cheias duram períodos de tempo curtos.
𝑑𝑑𝑑𝑑
𝐼𝐼 − 𝑂𝑂 = (8.2)
𝑑𝑑𝑑𝑑
Em que:
I – Caudal afluente (cheia) = Q a
O – Caudal descarregado = Q d
S – Volume armazenado na albufeira
𝑑𝑑𝑑𝑑
Note-se que corresponde a um caudal, pelo que a equação é dimensionalmente homogénea.
𝑑𝑑𝑑𝑑
O método de Plus discretiza a equação diferencial em intervalos de tempo Dt. Nesse intervalo, I
e O serão representados pelas médias dos respectivos valores nos instantes t e t+Dt.
2𝑆𝑆𝑡𝑡 2𝑆𝑆𝑡𝑡+∆𝑡𝑡
𝐼𝐼𝑡𝑡 + 𝐼𝐼𝑡𝑡+∆𝑡𝑡 + − 𝑂𝑂𝑡𝑡 = + 𝑂𝑂𝑡𝑡+∆𝑡𝑡 (8.4)
∆𝑡𝑡 ∆𝑡𝑡
As quatro parcelas que figuram no primeiro membro da equação são todas conhecidas no
instante t+Dt: os caudais afluentes I t e I t+Dt ; o volume armazenado S t ; e o caudal descarregado
O t . As duas parcelas do 2º membro contêm as incógnitas S t+Dt e O t+Dt que ainda não foram
determinadas.
1º Passo
Constrói-se a curva 2S/Dt + O = f(h). Esta curva é fácil de construir uma vez que:
S = S(h) é a curva dos volumes acumulados;
O = O(h) é a curva/fórmula de vazão do descarregador.
Dt é arbitrado; convém que Dt seja relativamente pequeno já que isso melhora a
aproximação numérica. No entanto, Dt muito pequeno tem a desvantagem de tornar os
cálculos muito laboriosos se forem feitos “manualmente”, isto é. sem ajuda do
computador. Como regra prática, sugere-se que Dt esteja entre 1/6 e 1/24 do tempo para o
pico (t p ).
2º Passo
Tomando-se para t = 0, I 0 = O 0 = 0, S 0 = S (h o =NPA), calcula-se o primeiro membro da equação
8.4 para t = Dt. Como o primeiro membro tem relação com h, isto é, f(h), determina-se h Dt e a
partir daí O Dt e S Dt .
3º Passo
O 2º passo é repetido sequencialmente, substituindo-se os valores de t pelos de t+Dt e calculando
O e S para o novo instante t+Dt. Terminado o cálculo, obtêm-se os hidrogramas h(t), S(t) e
O(t)=Q d (t), assim como o volume de encaixe da cheia e o nível máximo atingido. Quando a
cheia considerada é a cheia de projecto, o nível máximo atingido é o NMC.
Exercício 8.1
Uma barragem dispõe de um descarregador sem comportas composto por uma soleira WES com
paramento de montante vertical. A carga de definição H d =2.0m e o descarregador tem uma
largura de 30 m. A curva dos volumes armazenados acima da crista é dada na tabela seguinte:
h (m) 0.00 0.25 0.50 0.75 1.00 1.50 2.00 2.50 3.00 3.50
S(Mm3) 0.00 0.16 0.41 0.73 1.09 1.92 2.88 3.93 5.08 6.30
T (h) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
I (m3/s) 0 133 267 400 360 320 280 240 200 160 120 80 40 0
Exercício 8.2
Repita o problema anterior considerando que no início da cheia o nível da albufeira estava 0.50
m abaixo da crista da soleira e que tal representa um volume adicional de encaixe de 0.25 Mm3.
Exercício 8.3
Suponha que, para a cheia de projecto dada no exercício 8.1, pretendia dimensionar uma soleira
descarregadora tipo WES. Explique detalhadamente como iria determinar a largura mínima da
soleira para que o NMC não excedesse em mais de 1.5 m o NPA.
Como a estrutura descarregadora é normalmente uma soleira tipo WES, as fórmulas de vazão a
empregar correspondem ou à situação de orifício, quando as comportas estão parcialmente
abertas, ou à situação de soleira livre, quando as comportas estão completamente abertas.
Normalmente, pode admitir-se que o caudal descarregado por cada comporta é independente dos
caudais que as outras descarregam, embora se estabeleçam regras de abertura conjunta de forma
que o escoamento no canal de descarga e a dissipação de energia se processem da melhor forma
possível.
Para orifícios de grandes dimensões, a fórmula de vazão engloba tanto a carga sobre a crista do
descarregador como a abertura da comporta (figura 8.3).
A fórmula abaixo ilustra que Q d cresce com a carga H 2 e com a abertura da comporta H 2 -H 1 ; µ
é um coeficiente de vazão cujo valor pode ser tomado como 0.40 caso não se façam estudos em
modelo hidráulico.
3 3
𝑄𝑄𝑑𝑑 = 𝜇𝜇 �2𝑔𝑔 𝐵𝐵 (𝐻𝐻22 − 𝐻𝐻12 ) (8.5)
Quando a comporta está totalmente aberta, o escoamento processa-se livremente sobre a soleira e
a fórmula de vazão é a já anteriormente apresentada (8.1). Em qualquer dos casos, pode-se tomar
H 2 =h, sendo h a diferença entre o nível da água na albufeira e o nível da crista da soleira.
Um aspecto importante a reter é que, ao contrário do que acontece quando não há comportas, um
descarregador com comportas pode descarregar um hidrograma em que Q dmax pode ser superior
a Q amax e ocorre antes do pico da cheia afluente.
As regras de operação devem, por isso, ser cuidadosamente estudadas de forma a evitar que se
descarregue uma cheia maior que a cheia afluente; assim, as regras de operação das comportas
serão distintas conforme se disponha ou não dum sistema de previsão de cheias.
A definição das regras de operação faz-se começando por arbitrar os escalões de abertura das
comportas e testando essas regras iniciais para a cheia de projecto e também para cheias com
Caso se disponha de um sistema de aviso de cheias em tempo real, a operação da albufeira pode
ser melhorada tendo em vista a minimização do caudal máximo descarregado, objectivo
justificado pelo facto de, normalmente, os prejuízos serem uma função crescente de Q dmax . A
figura 8.4 ilustra a forma de operação quando se dispõe de uma previsão de cheia afluente.
Mesmo quando não se dispõe de previsões em tempo real, por vezes procura-se garantir de um
volume de encaixe de cheias superior ao que corresponde à diferença de volumes armazenados
entre o NMC e o NPA.
Assim, se cheias ocorrerem quase todos os anos em determinada época, pode manter-se durante
essa época a albufeira a um nível inferior ao NPA. Corre-se, porem, o risco de não haver
ocorrência de cheia e a albufeira ficar com um volume armazenado inferior ao necessário para a
época de estiagem seguinte. É preciso, portanto, comparar os valores esperados dos benefícios,
ou seja, a diminuição dos prejuízos das cheias, e os custos, isto é, as perdas devido a falta de
água na época de estiagem, para o que se pode usar um modelo de simulação.
8.5 Cálculo da propagação da cheia pelo método de Plus num descarregador com
comportas
Para se utilizar o método de Plus num descarregador com comportas, as regras de operação têm
de estar já definidas. Conhecendo as características do descarregador e as regras de operação, a
função O(h) fica perfeitamente estabelecida, embora possa apresentar descontinuidades devido à
abertura por escalões como ilustra a figura 8.5.
Exercício 8.4
t(h) 0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30
Exercício 8.5
Nas mesmas condições do exercício anterior, procure modificar as regras de operação de forma a
obter um NMC mais baixo.
Considera-se a folga de uma barragem (“freeboard”) como sendo a distância medida na vertical
entre o coroamento e a superfície da água na albufeira. Distinguem-se dois tipos de folga:
i. Folga normal – distância desde o coroamento até ao NPA;
ii. Folga mínima – distância desde o coroamento até ao NMC).
A razão para a distinção entre folga normal e folga mínima é que elas correspondem a exigências
diferentes:
O “fetch” máximo consiste no seguimento de recta de maior comprimento que é possível traçar
sobre a albufeira, desde a barragem até à margem. Por consequência, o “fetch” efectivo tem em
conta a forma da albufeira e corresponde à média de 9 comprimentos, nomeadamente, o “fetch”
máximo, 4 seguimentos afastados de 3º entre si para a direita e outros 4 afastados para a
esquerda.
Na tabela 8.1 são apresentados valores de folga (normal e mínima) em função do “fetch”
efectivo, pressupondo que o paramento de montante está protegido por uma camada de
enrocamento (“rip-rap”); mas se o material for relativamente liso, os valores das folgas devem
ser aumentados em 50%.
Tabela 8.1
Valores da folga em função do “fetch”
Existem outras variantes para o cálculo do “fetch”, embora a ideia se mantenha a mesma. Uma
das mais correntemente usadas é definida no Indian Standard (IS) 10635 da seguinte forma:
𝑖𝑖=15
�𝑖𝑖=1 𝑋𝑋𝑖𝑖 .𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶(𝛼𝛼𝑖𝑖 ).𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶(𝛼𝛼𝑖𝑖 )
𝐹𝐹𝐹𝐹 = 𝑖𝑖=15 (8.6)
�𝑖𝑖=1 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶(𝛼𝛼𝑖𝑖 )
A soma dos cossenos desses ângulos é 13.512, dai que o denominador pode ser substituído por
este valor.
Consta-se facilmente que quanto maior for a capacidade de vazão dum descarregador maior
será o volume descarregado durante a cheia e, portanto, menor o volume de encaixe e baixo o
NMC; ou seja, um descarregador de maior capacidade permite uma barragem de menor altura.
Isto equivale a dizer que um descarregador de custo mais elevado (o custo do descarregador
cresce com a capacidade de vazão para um mesmo tipo de solução técnica) permite um corpo
da barragem mais barato (o custo do corpo da barragem cresce com a altura da mesma).
O objectivo a atingir será então o de minimizar o custo total, isto é, o custo do corpo da
barragem mais o custo do descarregador. Se, por exemplo, se estiver a considerar um
descarregador sem comportas, o seu custo e a capacidade de vazão crescem com a largura do
descarregador. Pode-se calcular o NMC e daí a altura da barragem e o respectivo custo para 3
ou 4 larguras distintas. A solução de custo mínimo é facilmente identificada na figura 8.7.
Um descarregador com comportas tem evidentemente uma capacidade de vazão muito superior
à de um descarregador sem comportas para além de permitir uma operação bastante mais
flexível. Exige, no entanto, um maior investimento inicial e custos mais elevados de operação e
de manutenção; estes custos devem ser transformados em valores actuais para efeitos de
Fontes bibliográficas
Carmo Vaz, A (1993) – Textos das Lições da Cadeira de Hidrologia. Universidade Eduardo
Mondlane (UEM), Maputo
Marcelino, J (2009) – Projecto, Construção e Exploração de Pequenas Barragens de Aterro;
LNEC, Lisboa.
Indian Standard 10635; Freeboard requirements in Embankment Dams - Guidelines WRD 9:
Dams and Spilleays; New Delhi 1993.