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Arthur Schopenhauer e Ludwig van Beethoven:

diálogos possíveis entre música e filosofia


Raimundo Rajobac*

Resumo: No decorrer do trabalho, procuraremos evidenciar a posição de


Schopenhauer sobre os conceitos de Representação e Vontade. Analisaremos
sua estética observando a relação hierárquica existente entre as belas artes e
a capacidade residente em cada arte de expressão da essência íntima do
mundo, chegando à música, como arte que nos transmite o em-si do mundo.
Partindo daí, tomaremos como referência o compositor clássico/romântico
Beethoven e a “6ª Sinfonia em Fá Maior”, Op. 68-Pastoral, mais
especificamente o IV movimento – Tempestade (Gewitter Sturm).
Apontaremos, portanto, a ideia de que a obra de arte beethoveniana nos
conduz ao que é nomeado por Schopenhauer como sentimento estético e que
nos vem sempre através de uma intuição pura, devendo ser interpretado
como um sentimento metafísico, uma vez que nele o intelecto atinge o nível
de contemplação estética, o que implica o mergulho do sujeito cognoscente
dentro do objeto conhecido, ao qual se funde.
Palavras-chave: Música, Filosofia, Linguagem, Schopenhauer, Beethoven.

Abstract: During this work, we will try to show the position of


Schopenhauer on the concepts of representation and Will; analyze your
aesthetics, noting the hierarchical relationship between the fine arts, the
capability resident in every art of expressing the inner essence of the world,
and we arrive at music, like art that gives us the in-itself in the world.
Proceeding from this, we take as reference the composer classical/romantic
Beethoven and 6th Symphony in F Major, Op 68 - Pastoral, more
specifically the movement IV – Storm (Sturm Gewitter). We consider
therefore the idea that the artwork Beethoven leads us to what is named by
Schopenhauer and aesthetic feeling, and we always come through a pure
intuition, and should be interpreted as a metaphysical sense, since in it the
intellect reaches the level of aesthetic contemplation, which results in the dip
of the knowing subject in the known object, which melts.
Key words: Music, Philosophy, Language, Schopenhauer, Beethoven.

*
RAIMUNDO RAJOBAC é Mestre em Educação (UPF) e integra o Grupo de Pesquisa sobre
Teorias da Ação e Educação e Iluminismo e Pedagogia na Universidade de Passo Fundo e do grupo de
pesquisa Racionalidade e Formação PUC RS.

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simplesmente individual e torna-se
puramente um sujeito que conhece e,
isento de Vontade, já não está obrigado
a procurar as relações em conformidade
com o princípio da razão; é absorvido
daqui em diante na contemplação
profunda do objeto que se lhe oferece,
livre de qualquer outra dependência.
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 186 –
187).
Hierarquia das Belas Artes na
Beethoven e Schopenhauer
Estética Schopenhaueriana
Nosso ponto de partida Arquitetura
A tese de que “o mundo é minha A arquitetura é tomada por
Representação” (SCHOPENHAEUR, Schopenhauer, em seu sentido artístico,
2001, p. 9) é tomada como núcleo fugindo, portanto, ao seu sentido
central do primeiro livro que compõe a utilitário. Do ponto de vista utilitário, a
obra O mundo como vontade e arquitetura encontrar-se-ia a serviço da
representação. No segundo livro da verdade, enquanto, como arte, pode
obra, a tese é de que “o mundo é minha contribuir para o alcance do
Vontade” (SCHOPENHAUER, 2001, conhecimento puro. A missão atribuída
p.10). Para o filósofo, o corpo surge à arquitetura não pode ser outra senão a
como um ato da Vontade objetivado, de facilitar a intuição clara de algumas
encontrado e visto na Representação. dessas ideias que constituem os graus
Assim, por trás de todo fenômeno inferiores da objetividade da Vontade: a
encontra-se a Vontade, responsável pela gravidade, a coesão, a resistência, a
essência íntima de tudo que é dureza, as propriedades gerais da pedra,
representado. A Vontade é, portanto, o as representações mais rudimentares e
conhecimento a priori de tudo que mais simples da Vontade dos baixos
existe no mundo fenomenal. Ao se profundos da natureza
objetivar, a Vontade, o faz tornando-se (SCHOPENHAUER, 2001, p. 225).
ideia, que, de acordo com o grau de Temos, nessas condições, a arquitetura
objetivação, propõe uma hierarquia. representando como mais baixo grau de
Nessa perspectiva, o autor apresenta objetivação a Vontade (ideia).
uma série das belas artes que Objetivações dizem respeito a
reproduzem uma hierarquia no que diz “qualidades ocultas” da física, próprias
respeito ao modo de conhecer e da natureza (gravidade, coesão, rigidez,
comunicar a ideia como Vontade dureza), as quais, em relação
objetivada, não mais como um simples contrastante com a luz, revelam o
objeto (fenômeno/Representação) que conflito perene entre gravidade e
se situa no tempo e espaço.Trata-se de resistência: reconhecem a matemática, a
uma investigação a respeito da essência dinâmica, a simetria, formas primitivas
íntima da beleza, onde tanto é da natureza. É um conjunto relacionado
investigado o sujeito que experiencia e entre partes que cooperam entre si e
tem como sensação o belo, como o contribuem para a beleza. Schopenhauer
objeto ocasionador dessa experiência. acredita que a significação objetiva
Nesse processo, o sujeito deixa de ser

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daquilo que a arquitetura1 nos revela é objetivação da Vontade; constituem o
relativamente fraca; daí resulta que, à mundo de representações dotadas de
vista de um belo edifício, habilmente inteligências. O principal motivo
iluminado, a fruição estética provém encontra-se no fato de as duas
menos da concepção da ideia do que da objetivarem adequadamente, a Vontade
consciência do correlativo subjetivo que e a ideia de humanidade. Destacam-se
essa concepção arrasta consigo; ela dois níveis. O nível inferior encontra-se
consiste, sobretudo, no fator de pelo na pintura de animais, notado
qual, perante o aspecto do edifício, o principalmente numa beleza
espectador liberta-se do conhecimento confundida, traduzida na expressividade
individual, submetido à Vontade e ao de caracteres específicos que dispensam
princípio da razão, e eleva-se até o caracteres individuais. A caracterização
conhecimento do próprio sujeito que individual só é exercida quando se
conhece, isento da Vontade. Nesse caso pretende expor a ideia de humanidade:
o prazer consiste na própria este é o segundo nível. Quando se trata
contemplação, liberta de todas as de representar artisticamente o homem,
misérias do querer e da individualidade nunca se faz no geral; além de se
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 229). Os destacar o que é específico, é preciso
limites de capacidade de reprodução da que entre em destaque o que é
arquitetura encontram-se no fato de que individual. A individualidade é o que
não reproduz, como as outras artes, a lhe confere originalidade no interior de
ideia a partir da visão do artista, do uma particularidade infinita, submersa
gênio. Na arquitetura, procede-se a uma por uma generalidade,
apresentação do próprio objeto ao multiparticularizada. O ápice da
espectador; embora cause espanto e escultura e da pintura encontra-se em
exija contemplação, ele é apenas posto à poder tornar belo o homem: “A beleza
frente do mesmo. Essas duas artes humana é [...] expressão objetiva que
“raramente têm um destino puramente figura a objetivação mais perfeita da
estético: estão submetidas a outras Vontade no mais alto grau em que ela é
condições completamente estranhas à conhecível” (SCHOPENHAUER, 2001,
arte, completamente utilitárias”. p. 232). Essa experiência carrega
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 228). consigo a possibilidade extrema de nos
aproximar do inefável. Somos, num só
Escultura e Pintura
instante, postos para além de nós
A escultura e a pintura, por sua vez, mesmos, na condição de superação
correspondem a graus mais elevados da principalmente do que nos aflige.
Encontramo-nos, neste ponto,
1
Ao lado da arquitetura o autor põe ainda a arte “desobrigados da nossa personalidade,
hidráulica, as duas representando a ideia de do nosso querer e de todas as misérias
gravidade, encontrada na arquitetura, com a
ideia de resistência, e na arte hidráulica,
que eles arrastam consigo”
associada à ideia de fluidez, nas quais as (SCHOPENHAUER, 2001, p. 232).
características predominantes passam a ser a
ausência de formas, a mobilidade perfeita, a
A Poesia
transparência. Correlata ao papel exercido pela A poesia constitui mais um passo no
arquitetura e pela arte hidráulica encontra-se a degrau hierárquico estabelecido entre as
arte dos jardins. As paisagens naturais podem
também se tornar belas. Para tanto, a riqueza em belas artes: surge como “dotada da
produções naturais distintas entre si deve ser intenção de revelar as ideias, os graus
apresentada com clareza, a ponto de expressar da objetivação da Vontade,
sua unidade e variedade.

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comunicando-as aos ouvintes com objetividade adequada da Vontade, mas
clareza e vivacidade com que são cópia imediata da Vontade ela própria,
apreendidas pela sensibilidade poética” apresentando, portanto, para tudo que é
(SCHOPENHAUER, 1974, p. 68). Na físico no mundo, o metafísico, para todo
poesia, as ideias, essencialmente fenômeno, a coisa-em-si. Sendo que
intuitivas, exprimem-se ao que as dessa forma, poderíamos denominar o
contempla (ouvinte/leitor) por meio de mundo tanto música corporificada,
palavras (sinais), que, como conceitos quanto Vontade corporificada. (1974, p.
abstratos, transmitem as ideias da vida, 84). Deter-nos-emos, por um instante,
do cotidiano, da fantasia, do universo, o em observar de que forma essa
que se faz possível quando o “ouvinte capacidade de expressão do mundo se
emprestar ao poeta a participação da sua faz possível no âmbito artístico-musical.
própria imaginação” Delimitaremos para exemplificar a
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 255). A capacidade de expressividade da
experiência pessoal torna-se a condição linguagem musical o quarto movimento
necessária para a contemplação, ou da Sinfonia Pastoral de Beethoven. A
mesmo para o entendimento do que sinfonia encontra-se dividida em cinco
propõe a poesia: isso pelo fato de o movimentos e como principal objetivo
poeta abarcar a ideia ou essência da tem o de descrever as sensações
humanidade, transpondo-a para fora do experimentadas na vida campestre da
tempo, favorecendo uma apreensão Europa do século XIX. Deter-nos-emos
adequada da coisa-em-si. A em observar alguns aspectos
Representação da ideia, que para o importantes do quarto movimento,
autor constitui a finalidade do poeta, principalmente no que diz respeito ao
faz-se possível onde o poeta prima pela seu potencial descritivo. Trata-se da
descrição subjetiva, por meio de uma seção da Tempestade (Gewitter Sturm).
intuição viva, na qual entram em
Obra de Arte, Representatividade,
destaque os próprios sentimentos do
Expressão
poeta. São considerados típicos destes
casos a romança, o gênero lírico. Neste Já no final do Scherzo, nos compassos
caso, o poeta é “o espelho da 261 a 264, é anunciado o início da
humanidade, e coloca-lhe na frente dos Tempestade. O quarto movimento inicia
olhos todos os sentimentos que ela está ininterruptamente em fá menor. Os
cheia e animada” (SCHOPENAHUER, recursos explorados ritmicamente,
2001, p. 262). A poesia é, portanto, o melodicamente e harmonicamente
âmbito artístico de grande capacidade concentram-se no esforço de representar
de Representação do mundo, pela ideia diretamente a chuva, os trovões, os
essencial que se faz presente no gênio e relâmpagos, a aflição causada pela
que se torna para o espectador o tormenta. Não se restringindo apenas à
caminho adequado para que se chegue à relação som e representatividade, a obra
coisa-em-si, à Vontade. desperta para o sentimento relacionado
diretamente com o clima que pode ser
A Sinfonia “Pastoral” gerado quando se experimentam a
É importante que saibamos, ao iniciar insegurança e fragilidade do homem
esse tópico, que para Schopenhauer a diante da fúria da natureza.Os
música se diferencia de todas as outras compassos iniciais da obra apresentam
artes, por não ser reprodução do um trêmulo nas cordas graves,
fenômeno, ou mais corretamente, da anunciando a chegada das nuvens

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carregadas, que apontam o mau tempo. reforçam a ideia de tempestade
Do compasso 4 em diante, os segundos estrondosa. Raios e trovões, chuva e
violinos tecem uma linha melódica em vento são representados pela estrutura
staccato, que representa o começo da orquestral, que apresenta o modo
chuva. Nos compassos seguintes as informe de ser da natureza, através do
cordas permanecem em destaque, os modo preciso e expressivo da relação
trêmulos mantêm a base nas cordas entre os naipes dos instrumentos e as
grave e pequenos trechos melódicos dinâmicas possíveis de serem usadas.
surgem nos primeiros violinos. A Do compasso 52 ao 56 desdobra-se
estrutura orquestral aumenta mais uma sequência de raios e trovões,
progressivamente sua intensidade, com acentuações nas madeiras e metais,
caracterizando o início da tempestade contrastando com a acentuação precisa
estrondosa. Os compassos 13 a 16 dos tímpanos. Tudo isso sustentado por
apresentam pontualmente esse clima trêmulos que tornam densa toda a
progressivo. Nos compassos 17 a 20, estrutura. São apresentados
um crescendo gradual do piano ao seguidamente sete raios, que cessam a
fortíssimo representa a intensidade da partir do compasso 59, quando por um
tempestade, que culmina no compasso recurso de dinâmica são enfatizados
21 com um acorde fortíssimo, um tuti trêmulos em piano, em todas as cordas.
no primeiro tempo do compasso. Neste Essa calmaria é acentuada quando as
momento, dando consistência à cordas chegam ao trêmulo pianíssimo,
densidade orquestral, entram os nos compassos 64 e 65. Do compasso
tímpanos, trompetes e trombones, não 66 ao 68, juntamente com os trêmulos
usados até então. Os trêmulos ganham em pianíssimo, surge uma tímida
destaque nos compassos seguinte (22 – marcação rítmica nos oboés e fagotes,
32), e as cordas graves com linhas concomitante a uma melodia suave que
melódicas contínuas ajudam a reforçar a se destaca no clarinete. Este momento
ideia de um tempo tempestuoso. A chega a soar como contradição: O que
tempestade agora se encontra formada e poderiam representar a doçura e
chegará a seu auge, que é identificado compaixão dessa melodia em meio à
principalmente na dinâmica indicada, na violenta tempestade? Propositalmente, o
exploração dos recursos referentes à músico procurou apontar para as
densidade orquestral e nos baixos realidades amedrontadas e indefesas em
(cordas), que dão a ideia de um tempo relação à tempestade impiedosa e
furioso e escurecido. incontrolável. Do compasso 72 ao 89
Dos compassos 33 aos 39 segue-se uma entram em destaque sequências
seção de raios e trovões que se melódicas de três notas, que se dividem
expressam magistralmente com o uso em duas para cada três instrumentos,
expressivo do tímpano em tempos partindo do fagote, passando pelo
fortes, seguidos de acentuações clarinete até o oboé. Esse tema vai ser a
marcantes pelo restante dos naipes da característica central de todo esse
orquestra, também em tempo forte, trecho, marcado por um crescendo
sendo que em alguns momentos a contínuo que culminará num fortíssimo
acentuação se desloca para o terceiro no compasso 78, com toda a orquestra
tempo do compasso. Do compasso 40 (tuti) pontuando o ritmo. Nesse
ao 51, os trêmulos nos segundos momento entram em cena os piccolos e
violinos, nas violas, e a base constante uma melodia irrequieta e rápida nos
nas cordas graves dão a densidade e violinos apresentando escalas

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descendentes: a densidade orquestral movimento frisando o sentimento de
aponta aqui para o clímax da alívio diante da tempestade que enfim
tempestade, o qual se estenderá até o se dissipa.
compasso 94.
Linguagem Musical e o Em-si das
As grandes correntes de ventos Coisas
incessantes encontram-se representadas
A análise musical realizada ajuda-nos a
do compasso 95 ao 102, coincidindo perceber o porquê da posição da música
com uma longa escala descendente nos
na estética de Schopenhauer. De todas
violinos, com significativas ligaduras de as artes a música surge com o potencial
expressão. O ritmo sincopado é
comunicativo do em-si das coisas.
marcante e característico nos compassos Schopenhauer esclarece esta questão ao
seguintes, que seguem um crescendo considerar que na música não
gradual que culminará no compasso 106 reconhecemos qualquer cópia. Trata-se
com um tuti fortíssimo no último tempo
de uma linguagem totalmente comum,
do compasso. Deste momento até o cuja clareza ultrapassa mesmo a do
compasso 124, a densidade orquestral é próprio mundo intuitivo. Portanto,
tremenda. Mantêm-se em destaque a
devemos lhe atribuir um significado
melodia frenética e contundente dos sério e profundo relacionado com a
baixos (cordas) e a marcação, por essência mais íntima do mundo e de nós
momentos, trêmula da melodia dos mesmos (SCHOPENHAUER, 1974, p.
violinos. Um diminuendo gradual é 79). A música não se reduz à
indicado a partir do compasso 119, reprodução de ideias sobre o mundo
apontando para um clima de calmaria, fenomênico; ela é a reprodução da
que ainda não se completa. O própria vontade, ou seja, a essência
diminuendo gradual se prolonga até o íntima do mundo. Ao propor uma
compasso 129, onde os trêmulos ajudam analogia entre música e mundo, o autor
a transmitir a sensação de que está se equipara diferentes graus de
dissipando a tempestade. No compasso objetividade da vontade à estrutura
132 é indicado um piu diminuendo, no harmônico-orquestral. Para
qual ocorrem alguns raios e trovões. Schopenhauer, o baixo fundamental, no
Procede, então, a uma alternância de
qual se encontram os tons mais graves
pianos com intervenções marcantes dos da estrutura harmônica, representa os
tímpanos, que aos poucos também graus mais inferiores da objetivação da
fazem um diminuendo. Tudo isso afirma Vontade: a natureza orgânica formadora
a ideia clara de que a tempestade está da massa do planeta. Os sons mais
chegando ao fim ou se distanciando. agudos e com maior mobilidade são
Sugerem-se nuvens se dissipando do considerados como originários das
compasso 133 ao 145, e os trêmulos nas vibrações concomitantes do baixo
cordas em diminuendo são a expressão
fundamental, relação estabelecida
máxima dessa intenção. Do compasso
naturalmente que constitui a lei da
146 ao 155, o sentimento de alívio por
harmonia: são os harmoniques. Essa
estar chegando o fim da tempestade é
estruturação harmônica é apresentada de
acentuado; estabelece-se na dinâmica e
forma análoga ao conjunto de corpos e
densidade orquestral a indicação do
organizações da natureza, originados
dolce que já apresenta fragmentos do
pelo desenvolvimento gradual a partir
tema que caracterizará o movimento
da massa do planeta. Ao limite para a
seguinte. Esse tema, que passa do fá
gravidade dos sons, além do qual nada
menor para o fá maior, finaliza o 4º

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mais pode ser ouvido, encontra-se em aspirações provindas da reflexão do
correspondência a afirmação de que homem dotado de razão. Temos aqui
nenhuma matéria é perceptível sem um homem que, ao se valer da razão,
forma e qualidade, ou seja, que matéria lança continuamente seu olhar para
alguma pode ser desprovida da vontade. frente e para trás, tendo em vista sua
Nesse sentido, assim como do tom é existência e suas infinitas
inseparável certo grau de altura, possibilidades. Analogamente, apenas a
também na matéria se torna inseparável melodia principal possui essa conexão
certo grau de expressão da Vontade. significativa e intencional do início ao
Justifica-se aqui a ideia de que o baixo fim; ela apresenta um relato da história
fundamental representa o que no mundo da vontade guiada pela reflexão
existe como matéria inorgânica racional, revelando toda a agitação e os
formadora da massa bruta na qual tudo segredos mais profundos, tudo o que a
o que existe repousa e de onde tudo se razão reúne sob o conceito de
origina e desenvolve. Entre os baixos e sentimento. A invenção da melodia, e o
as vozes mais agudas que conduzem a desvelar de todos os mais profundos
melodia, o autor reconhece a totalidade segredos do querer e do sentir humano,
gradual de uma série de ideias em que a é propriamente a “obra do gênio”. O
Vontade se objetiva. Nas mais próximas compositor é a essência mais íntima do
do baixo encontram-se os graus mais mundo e a mais profunda sabedoria,
inferiores: corpos ainda não orgânicos, numa linguagem que é incompreensível
mas que já se expressam de alguma à razão. No contexto da obra, as
maneira. Acima se encontram os graus melodias ligeiras são alegres, as lentas e
mais elevados, que para o autor dissonantes ligam-nos ao triste e
representam o mundo vegetal e animal. doloroso. Motivos curtos de danças
Nesse contexto, a medida exata dos referem-se a felicidade; o alegro
intervalos determinados pela escala majestoso em grandes motivos designa
tonal é análoga aos graus de objetivação desejos mais nobres; o adágio pode
da Vontade, que determinam as espécies representar o sofrimento de grandes
da natureza. O desvio dessa correção ambições e o despertar de felicidades
aritmética, produzida tanto intencional mesquinhas. O efeito produzido pelos
como naturalmente, justifica a ideia de modos menor e maior é algo
que o mundo pode ser entendido como esplêndido; torna-se espantoso como a
divergência entre indivíduos que dão alteração de um semitom; pode forçar
margem à formação das diversas imediatamente no espectador
espécies. sentimentos contrários, nos quais a
angústia produzida pelo modo menor
Acima das vozes intermediárias
pode ser superada surpreendentemente
encontra-se a voz mais alta que canta a
pela entrada do modo maior. Para
melodia e se move com rapidez,
Schopenhauer, a modulação repentina
enquanto as demais executam um
entre tons distintos assemelha-se à
movimento lento. Por esta voz é
morte, o momento em que os homens
apresentada a direção a ser seguida por
chegam ao fim, embora a vontade
todas as outras vozes do início ao fim;
continue a viver em outros indivíduos.
trata-se de uma conexão contínua que
Por esse caminho, a música manifesta a
caracteriza um só pensamento. Nessa
essência interna e o em-si de todos os
voz Schopenhauer reconhece o grau
fenômenos, a Vontade mesma, nunca
mais elevado da objetivação da
somente o fenômeno, embora tenha com
Vontade: nela se encontram a vida e as

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este relação direta e mediata. Referências
(SCHOPENHAUER, 1974). Dessa BARBOZA, J. A metafísica do belo de Arthur
forma, a música como expressão do Schopenhauer. São Paulo: Humanitas, 2001.
mundo, é uma linguagem do mais alto FUBINI, E. La estética musical desde la
grau de generalidade, que se refere à antigüedad hasta el sigo XX. Madrid: Alianza
generalidade dos conceitos quase como Editorial, 1999.
estes às coisas individuais. A música JIMENEZ, M. O que é estética? Trad. Fulvia
fornece a semente interna anterior a M. L. Moetto. São Leopoldo: Ed. Unisinos,
todas as formações, ou o coração das 1999.
coisas. (SCHOPENHAUER, 1974, p. LANGER, S. K. Filosofia em Nova Chave: um
84). Expressa em sua linguagem a estudo do simbolismo da Razão, Rito e Arte.
essência interna do mundo, pensada por São Paulo: Perspetiva, 2004.
Schopenhauer como o conceito de LUDWIG, van B. Symphony Nº 6 in F major,
vontade. É associada pelo autor à Op. 68 “Pastorale”. Dover Publications, INC.
própria filosofia, tomada como perfeita Mineola, New York. SD.
e correta expressão da essência do LUDWIG, van B.: Royal Philharmonic
mundo, chegando a ser definida como Orchestra/ [Ed. M Mediasat Group S.A.; texto e
Musica est exertitium metaphysices documentação musical RINCÓN, Eduardo].
Porto Alegre: RBS Publicações, 2006, 60p.: il
occultum, nescientis se philosophari (Coleção Momento Clássico, v. 3).
animi (a música é um exercício oculto
MAIA, M. A outra face do nada: sobre o
da metafísica, sem que o espírito saiba conhecimento metafísico na Estética de Arthur
que está filosofando). Por esse caminho, Schopenhauer. Petrópolis: Vozes, 1991.
o autor apresenta a música como arte
RINCÓN, E.; LUDWIG, van B: Royal
superior às demais, no que diz respeito à Philharmonic Orchestra/ [ Ed. M Mediasat
capacidade de Representação conceitual Group S.A. Porto Alegre: RBS Publicações,
da vontade essência de todo o mundo 2006, 60p.: il (Coleção Momento Clássico, v.
fenomênico. 3).
SALES, F. Imagens musicais ou Música visual:
um estudo sobre as afinidades entre o som e a
imagem, baseado no filme ‘Fantasia’ (1940) de
Walt Disney. Dissertação (Mestrado em
Comunicação e Semiótica) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - São
Paulo, 2002.
SALVIANO, J. O. S. O niilismo de
Schopenhauer. Dissertação (Mestrado em
Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas – Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2001.
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como
Vontade e Representação. Trad. M. F. Sá
Correia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.
__________. O Mundo como Vontade e
Representação. Trad. Wolfgang Leo Maar. São
Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção: Os
Pensadores).

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