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Querido

diário...

Por Dawn Watson


S entada na minha cama, o sol era tão forte que ele entrava em meu
quarto, mesmo através da tela fechada, que lutei tão duro para fechar e
deixar o mundo lá fora. Era fim de tarde e eu ainda não havia deixado minha
cama e muito menos comido. Eu não podia envolver minha cabeça em torno
do que estava acontecendo comigo. Subi montanhas tão íngremes e atravessei
oceanos para me encontrar, para me curar de feridas profundas e agora sinto
que estou me afogando em um pequeno copo d’água.

Meus ataques de pânico têm sido mais constantes recentemente e eu nem


quero sair de casa, porque há muito barulho. Tudo parece ser amplificado,
como se o som se tornasse demais para ser suportado. Eu só quero me esconder
aqui na minha cama e dormir até que esse pesadelo acabe. "Dawn sai da cama,
vai ver o pôr do sol que está lindo", ouço a minha voz ao longe. Eu reconheço,
é essa voz, que sempre esteve presente nos momentos mais difíceis da minha
vida. Mas hoje eu não quero ouvir isso, "não importa o quanto eu tente, eu fui
à praia, fui para a academia, andei pelas ruas de uma das mais belas cidades do
mundo, mas é como se toda a cor fosse tirada e não consigo encontrar a beleza,
não consigo encontrar a cor.”.

As lágrimas começaram a cair, mas elas não eram estranhas para mim. Lágri-
mas tinham se tornado minha única companhia e amiga. Elas vinham todos os
dias para ficar comigo no meu café da manhã solitário e encontravam o camin-
ho durante todo o dia, seguindo os horários noturnos também. Acho que elas
achavam que eu precisava delas e foram morar comigo nos últimos meses, tor-
nando-se rios de uma profunda tristeza que eu nem conseguia explicar.
Eram, finalmente, oito da noite e estava na hora de eu postar no Instagram. Eu
amo meu trabalho, eu amo compartilhar minha vida e todas as batalhas que eu
lutei para curar e perdoar. Tenho orgulho de tudo o que alcancei emocional-
mente e nunca tive medo de compartilhar isso. Mas hoje, hoje não.

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“Dawn, você não pode doar quando se esvazia, você tem se doado e é hora
agora de parar e cuidar de algumas feridas que você deixou de lado.”. Aquela
voz novamente. Não convencida, busquei encontrar no Instagram algo para
fazer meu coração bater, para me fazer sentir novamente. Eu queria algo que
eu pudesse compartilhar, algo que pudesse me dar algum tipo de esperança
neste casulo escuro em que me encontrava mais uma vez. E, de repente, em
preto e branco, uma frase saltou do meu telefone e foi como se tivesse vindo
direto à mim, me balançando tão forte que todo o meu corpo sentiu. Desligan-
do meu telefone, essas palavras se repetiram, como um disco quebrado, em
minha mente.

“NÃO DÓI PORQUE ELES SE FORAM,


DÓI PORQUE PARARAM DE OCUPAR O
ESPAÇO EM QUE VOCÊ NÃO SE AMAVA."

Essas palavras não poderiam ser mais verdadeiras.

Naquele dia tomei uma decisão: que eu importava e que este inverno tinha
um propósito e um significado, que era meu trabalho sair desta cama, comprar
uma passagem para Bali, desligar meu telefone e deixar todas as minhas
responsabilidades de lado por um mês. Este mês foi para mim. Este momento
era meu, um caminho que me levava de volta ao amor próprio, e que iria ser
chamado de “MINHA JORNADA PARA O AMOR PRÓPRIO”.

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Chegando em Bali

S aindo do avião, imediatamente todo o meu corpo foi restaurado do longo


voo. Eu ainda estava encantada, não só com a beleza de um aeroporto tão
cheio de cultura, histórias e arquitetura surpreendente, mas mais do que isso.
Foi uma sensação que tive uma vez, quando cheguei ao aeroporto de Los An-
geles, onde o sentimento de pertencimento, de lar, era esmagador. De pé ali, no
aeroporto de Bali, era esse mesmo sentimento. Era quente e acolhedor, como
se estivesse de braços abertos e dizendo: “Bem-vinda de volta para casa
Dawn”. Todos os meus medos e profunda tristeza pareciam já ter começado a
derreter como um gelo quando em contato com o calor do sol.

Era por volta da 1 da manhã e havia um balinês doce e sorridente esperando


por mim. Eu sempre quis que alguém estivesse esperando por mim quando
saísse de um aeroporto. Cenas de filmes bobos, que nos acompanham, e ali eu
tive a minha cena de filme, mas não era um homem alto e belo esperando por
mim, mas era um homem balinês sorridente e baixo vestindo um sarongue .
“Isso vai servir, certamente vai servir!”, pensei. 1

Durante todo o caminho no carro eu observava, enquanto nos dirigíamos para


o lugar onde eu iria ficar em Ubud. Eu realmente não pesquisei muito antes de
ir. Eu tinha reservado um hotel por alguns dias apenas para relaxar e fazer
alguns passeios antes de entrar em uma rotina rigorosa do Ashram , que uma
amiga do México havia reservado para nós. Eu realmente não tinha ideia do
que esperar. Nunca tinha estado em um Ashram antes e muito menos medita-
do por mais de três minutos sem ficar agitada. Esta
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amiga me contou histórias
de estar em silêncio e meditando durante onze horas por dia. Foi muito assusta-
dor apenas o pensamento sobre isso. Mas eu estava no meu inverno, tudo que
eu queria era a verdade. Então, eu me joguei na ideia com meus olhos fechados
e, agora, eu estava ali, em Bali, e amando cada segundo disso.

1. Um sarongue é uma espécie de saiote usado por homens e mulheres, constituído por um pedaço de pano que envolve
a parte inferior do tronco, uma espécie de canga.
2. Ashram é, normalmente, usado para designar uma comunidade formada intencionalmente com o intuito de promover
a evolução espiritual dos seus membros, frequentemente orientado por um místico ou líder religioso.

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As ruas estavam cheias de estátuas de deuses hindus e eu estava fascinada por
todos os templos. Eu estava tão intrigada com essa energia poderosa que queria
entender tudo sobre esse lugar, as pessoas, sua história, religião, cultura. Mas
meus olhos, mesmo que eu me esforçasse para que eles ficassem abertos e
acordados para absorver tudo o que eu estava vendo, depois de um voo de
trinta e cinco horas, não conseguiam mais, o cansaço começou a ganhar a
batalha, e eu cochilei até chegarmos ao hotel.

Os primeiros dias em Bali eram uma mistura de excitação, querendo ver o


máximo de lugares eu pudesse, antes que minha amiga chegasse para entrar no
Ashram, e a tentativa de me manter acordada. A mudança de fuso horário e o
cansaço da viagem foram tão grandes, que levei uns dois dias para começar a
me sentir um pouco melhor. Eu fiquei em um hotel que o nome era Mango-
steen (Mangostão), que só mais tarde viria a descobrir que era o nome de uma
fruta dali, que se tornou minha fruta favorita de todos os tempos. Eu comi
tantos mangostões que, um dia, um dos moradores me disse: "senhorita, se
você comer demais, não é bom, tira o equilíbrio". Em outras palavras, ele
estava tentando me dizer que eu teria uma diarreia grave se eu continuasse
comendo tantos deles.

Mas, como muitas coisas na minha vida, eu fui muito teimosa e só realmente
não fiz ou deixei de fazer algo até que eu ter sofrido as consequências e, para
só depois eu mesma tomar a decisão de fazer ou não fazer. É apenas minha
palavra que realmente conta. Depois de passar anos da minha vida seguindo
regras de gurus, acredito que é um efeito colateral da tentativa de recuperar o
meu poder, penso eu. Assim, você pode imaginar o que aconteceu, muitos
mangostões e muita diarreia!

Nos primeiros dias visitei a floresta dos macacos e todos os macacos sel-
vagens pareciam mais à vontade do que todos nós, que andávamos com medo
de sermos roubados por aqueles pequenos ladrões, abrindo mochilas para obter

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qualquer alimento ou um pouco de água em que pudessem colocar suas mãos.
No entanto, eu estava amando aquilo! Como poderíamos viver em tão bela
harmonia com a natureza aqui? Era como se fôssemos familiares, como se não
houvesse separação entre homens e natureza. Todos nós podíamos ser um e
aprender a viver um com o outro. Assistindo aos macacos atravessarem as ruas
enquanto as motos corriam pelas movimentadas ruas de Bali. Eles entravam e
saíam das lojas quase como se estivessem procurando algo para comprar, mas
saíam desapontados porque nenhuma das roupas e joias tem gosto de banana e
comida. Vi, algumas vezes, pessoas à minha frente, no restaurante, terem sua
comida completamente roubada enquanto o macaco simplesmente pulava em
cima da mesa, pegava tudo no prato e partia, quase com um sorriso no rosto,
parecia estar dizendo algo como "besta, você foi muito lento, este sanduíche é
meu agora".

Monkey Fores t
O guia turístico, em seguida, me levou para ver alguns dos templos mais
bonitos em toda Ubud. Ele praticamente não falava qualquer coisa em inglês,
então, me vi me comunicando com ele como um adulto tentando se comunicar
com um bebê. Usando gestos com as mãos, caras engraçadas e altas
entonações, esperando que ele entendesse o que eu estava dizendo. Mas ele
apenas olhava para mim e dizia "sim, sim", mas claramente não entendera uma
palavra que eu dissera e nós apenas olhávamos um ao outro e ríamos. Eu
amava seu senso de humor e como ele sempre tinha um sorriso em seu rosto.
Alegria era algo que eu via ao meu redor e, claro, com sua companheira: a fé.
Aquelas duas estavam presentes em todos os cantos daquele lugar mágico.

No dia seguinte, tive outro guia, que era incrível! Ele falou Inglês perfeita-
mente e respondeu às minhas muitas e muitas perguntas. Eu estava fascinada
com aquele lugar. Isso me lembrou de todas as coisas boas que senti falta na
minha comunidade durante a infância. Aqui não é sobre o indivíduo, é comple-
tamente sobre o grupo, sobre o coletivo, sobre a comunidade. Até mesmo seus
nomes carregam esse sentido, como meu querido amigo explicou. Em Bali,
todos têm apenas quatro nomes. O primogênito é chamado de Wayan depois
Kadek, Komang e o último é Ketut. Se você é de uma família que tem cinco
filhos, o quinto filho voltaria para Wayan e começaria tudo de novo. Então, se
um Wayan é casado com outro Wayan, quando tiverem seu primeiro filho, ele
também será um Wayan!

Kadek, que era meu novo amigo e guia turístico, explicou-me como sua
comunidade trabalha e como eles ajudam e apoiam uns aos outros. Ele também
explicou sobre as oferendas que fazem todos os dias e às vezes várias vezes ao
dia. Todas as manhãs eu tinha no meu hotel um templo no qual eles faziam
suas oferendas com algumas frutas, flores e incenso. Todos os dias, colocavam
algumas nos lugares mais altos do templo e as outras eram ofertadas no chão.
Kadek me explicou que as oferendas no topo dos templos, representam uma
oferenda para os deuses das mais altas energias e as que estão no chão, são para
os deuses das mais baixas energias. Disse que as bênçãos e ofertas também
devem ser dadas aos demônios e à energia ruim para que eles se tornem equili-

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brados e não usem seu poder para nos destruir.

Eu parei para refletir por um tempo sobre isso. Era tão diferente de meus
ensinamentos de quando era criança, que devemos adorar a Deus e temer o
diabo e todas as suas energias do mal. Eu fui ensinada a lutar contra o mal, não
a abençoá-lo ou fazer uma oferta para apaziguá-lo. Mas isso fez muito mais
sentido para mim agora, depois de passar tantos anos aprendendo a viver em
paz com minha luz interior e minha escuridão. Nunca tentando destruir e elim-
inar uma parte de mim que sempre estará presente, porque é parte da nossa
condição humana. Eu vi as graves repercussões de muitos gurus e líderes
espirituais que passaram a vida inteira tentando viver apenas em sua luz,
escondendo suas energias escuras e densas que, dessa maneira, começaram a
se infiltrar em todo o seu bem, e vi a queda que sofreram. Ignorância é ser cego
para quem você realmente é e a iluminação é quando você vê com olhos aber-
tos a verdade, aquela que está no meio de toda a sua luz e sua escuridão.

Pura Tirta Empul


Eu pessoalmente estive em uma jornada para ajudar a mim mesma e, então,
aos outros, a encontrar o equilíbrio e a aceitação de todas as energias boas e
ruins, luz e escuridão. Encontrar e descobrir que cada um tem um propósito e
que não há crescimento e evolução sem ambos.

Mas eu não tinha visto assim em um aspecto espiritual. Mas fez total sentido
e nós somos apenas um reflexo do maior, do todo que nos rodeia, que está em
nós, que somos nós.

Esses dias em Bali tinham sido preenchidos com tanta informação e belos
cenários, que meu coração podia explodir. Eu conheci muitas pessoas bonitas
e desfrutei de minhas conversas com os diferentes guias turísticos que tive.
Minha amiga do México havia chegado e eu já tinha feito tantas coisas interes-
santes, como conhecer o magnífico “portão dos céus" com vista para o vulcão
deslumbrante, e nós ainda tivemos a oportunidade de conhecer um grupo
incrível de pessoas em uma aula de culinária que nós assistimos em uma casa
de moradores locais. Eu nunca vou esquecer a bela mulher balinesa com suas
roupas tradicionais, seu cabelo preto brilhante e batom rosa. Tão educada e tão
inteligente. Ela começou sua aula nos explicando um pouco de sua história de
vida. Ela começou dizendo o quanto odiava cozinhar quando menina, mas
sabia que, ao crescer, teria que não apenas alimentar seu marido e família, mas
também toda a família do marido. Meninas jovens em Bali quando se casam se
mudam para a casa do homem e cuidam dele e de toda a sua família. É sua
tradição, que cada filho primogênito deve ficar e viver com seus pais, para
cuidar deles quando eles se tornarem mais velhos. Assim, os filhos muitas
vezes nunca saem de casa, no entanto as mulheres vão sempre sair de suas
casas para cuidar das famílias, tanto as suas quanto as de seus maridos.

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a n do Bali
Exp lo r
Você pode imaginar como meu rosto começou a fazer caras estranhas, pois
internamente minha cabeça estava fervendo como uma panela quente pronta
para explodir. Quando ela disse tão docemente, "você sabe que os homens aqui
em Bali são considerados reis e nós devemos servi-los", foi o estopim, meu
pote explodiu e a interrompi dizendo: "Não, você é meu Rei e Rainha! Vocês,
MULHERES, são as verdadeiras heroínas!".

Interrompendo sua linha de pensamento, ela olhou para mim com um sorriso
e um rosto que, se eu pudesse traduzir, seria "Querida, eu sei que eu sou uma
mulher incrível e ele ser um rei não me faz sentir menos poderosa, é minha
alegria servir.".

Esse momento foi o começo da minha master class em Bali. Sentada ali no
chão, em um tapete de bambu olhando para a mulher balinesa, tudo que eu
queria era pular a aula de culinária e ficar horas apenas ouvindo ela. Ela tinha
muito a me ensinar, e, enquanto eu tinha a minha água em ebulição interna-
mente, eu não conseguiria entrar completamente em seu mundo e entender
qual era a mensagem mais profunda. Precisava deixar de lado minha tiara de
Mulher-Maravilha por um tempo. Eu precisava entender que eu não precisava
lutar por igualdade ou mostrar a ela que ela estava em uma situação de abuso.
Em muitos momentos na minha vida eu precisei, era o meu trabalho, eu precis-
ava fazer isso e eu precisava ajudar. Mas aqui, agora, não. Aqui eu era uma
estudante, e era hora de deixar de lado tudo o que poderia atrapalhar a com-
preensão desse maravilhoso ser humano que veio, não apenas me ensinar a
cozinhar, ela veio me ensinar algo que alimentaria minha alma de tal maneira
que nunca sentiria fome novamente.

Sentada em silêncio agora, consegui chegar um pouco mais perto para ouvir
e sentir sua presença. Seus olhos se iluminaram quando ela começou a explicar
como conheceu o marido e se apaixonou loucamente por ele. Ela queria casar
com ele, mas toda a sua família foi contra. Ele era pobre e de uma espécie de
família de classe baixa e ela de uma família de classe mais alta. Ela explicou
que quando você é de uma família e um grupo de classe alta, você fala de

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maneira diferente, de uma maneira mais refinada, explicou ela. Então, sempre
que um grupo de classe baixa queria se comunicar com eles, teriam que falar
dessa maneira.

Ela disse que por muitos anos sua família a deixou por causa de sua escolha
e perdeu todas as oportunidades que teria se tivesse ficado e casado com um
homem de sua classe.

E assim, ela sofreu as consequências e escolheu o amor, escolheu viver sua


verdade mesmo ela desapontando e ferindo as pessoas que ela mais amava.
Depois de alguns anos, ela foi capaz de ver sua família novamente e quando
tornou a falar com eles, disse que era sempre de uma maneira muito "educada",
porque ela sabia que agora, de acordo com sua cultura e religião, ela não era
mais uma realeza, mas ao mesmo tempo demonstrou não ter problema em hon-
rá-los e entender sua posição. Ela tinha feito uma escolha tão corajosa e a ma-
neira como ela explicou como foi encarar as com as consequências dessa
escolha foi de uma graciosidade!

Enquanto ela contava sua história, lágrimas encheram meus olhos. Eu


também fizera, um dia, uma escolha de viver minha verdade, mas não foi de
forma tão graciosa quanto às mulheres que entendiam as consequências das
regras de sua religião e cultura. Minha família também carregava suas próprias
regras. As regras do silêncio, talvez, as regras de "não fale sobre o passado
porque é muito doloroso ou muito complicado, as pessoas não vão entender e
vão julgar.”. Havia também as regras silenciosas de culpa e vergonha as quais
diziam que se você teve o suficiente, então é bom, porém ter mais ou brilhar
demais é ego, mostrar algo é ruim.

Essas expressões não eram explícitas como das mulheres balinesas, mas
ainda eram regras que todos viviam e, agora que eu as quebrava, era um sinal
de que eu não era mais aceita nessa família.

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Fiquei com raiva e depois triste. Ser rejeitada por anos me fez sentir que
talvez houvesse algo errado que eu pudesse ter feito e, desde aquele dia, eu
silenciosamente me castiguei. Eu queria que eles me entendessem, eu queria
que eles me vissem pela minha verdade, eu queria que eles abandonassem
todas as suas regras e apenas vivessem livres como eu.

Mas naquele momento descobri quão confusa eu me tornara. Quão cega me


tornei à estrutura que era maior que eu. Cada um tinha escolhido viver desse
jeito e, se eu não quisesse mais, precisaria respeitar a estrutura, dar um passo
para trás e seguir meu caminho, sabendo que se eu quisesse voltar e visitar os
que amei, eu precisaria agora respeitar as regras deles e honrar suas escolhas.
Uma estrutura não significa que é melhor ou pior do que o seu próprio camin-
ho. Significa apenas que é uma estrutura construída por um grupo de padrões
de pensamento coletivo, escolhas e modos de vida. Se você concorda e quer
viver nessa estrutura, você deve viver de acordo com suas regras e, se você não
quiser isso para você, você pode ir embora, a escolha é sua.

Mas o que ficou tão claro naquele momento para mim foi aprender a viver
graciosamente com as consequências das minhas escolhas, e não levá-las para
o pessoal ou como um ataque. Eles me amavam, eu só teria agora que aprender
a honrar e respeitar as regras dessa estrutura, sempre que eu quisesse esta-
belecer qualquer tipo de comunicação.

Sentei-me ali não podia tirar os olhos daquele ser, eu já não estava ouvindo
o que ela estava dizendo, porque minha mente estava ocupada pela imensa
admiração que aquela mulher me despertara. Tão humilde e gentil, mas inaba-
lavelmente forte e inteligente. Ela era engraçada e sexy. Eu apenas sentei e
pensei: "eu quero ser como você quando eu crescer". Havia tantas coisas que
eu queria aprender com ela, mas a introdução da aula havia terminado e estáva-
mos indo para a cozinha preparar algumas das mais deliciosas refeições que já
comi navida! Todas aquelas diferentes especiarias e deliciosos legumes!

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Foi quase uma semana me alimentando desta forma e eu não senti falta da
carne! Essa comida era tão deliciosa que eu poderia comer pelo resto da minha
vida!

Esses dias em Bali com minha amiga foram preenchidos com tantas belas
paisagens, comidas apimentadas e histórias deliciosas, que eu poderia escrever
um livro com todos esses incríveis costumes e lições de vida dessas pessoas
que têm tão pouco, mas têm tanto dentro de si. Riquezas da alma e do solo. A
vida em abundância gerando frutos em todas as árvores e alimentando todos os
necessitados. Eles realmente vivem de uma citação que ouvi de Patch Adams
em uma de suas palestras, na qual ele explicou que tudo o que você precisa
para ser feliz na vida é ter amigos e comida. Eu não poderia concordar mais
com isso do que naquele momento!

Minha Heroína
Eu vim aqui para encontrar minha cor novamente. Eu vim aqui para ver a
beleza que eu havia perdido e desfrutar da comida novamente. Eu tinha perdi-
do todo o prazer em meus sentidos e aqui era como se eu pudesse ver, ouvir e
provar pela primeira vez. Eu adorava comer e não tinha vergonha disso.
Acordei desejando panquecas e dormia, lembrando todas as deliciosas comi-
das indianas e indonésias que comi naquele dia, e queria dormir rapidamente
para que eu pudesse recomeçar em breve e fazer tudo isso de novo.

Era por volta das 19h e estávamos fazendo as malas no nosso hotel. Havia
passado o dia caminhando em torno do centro de Ubud, me apaixonando por
todas as lojas e belas roupas, bolsas e bugigangas. Comprei tudo o que eu
podia ver e é claro que tinha uma boa desculpa, porque é tão barato, mas eu
sabia que, no fundo, eu estava muito ansiosa e com medo de ir para o Ashram
naquela noite e não sabia o que esperar, passar tantos dias SOZINHA, comigo
mesma, só meditando! Era assustador e eu odiava o fato de que a minha amiga
linda, que tinha muito mais para se preocupar naquele momento, quero dizer,
ela está grávida e tanta coisa acontecendo dentro dela, mas ela parecia tão
calma e pronta para vivenciar aquela experiência. Ela explicou que anos atrás,
ela havia feito um retiro de dez dias de meditação, onze horas por dia e tudo
isso na sala de aula. Eu não podia deixar de admirá-la por isso, mas desejava
estar tão calma e pronta quanto ela. Mesmo as compras não estavam me acalm-
ando e mil emoções e pensamentos passaram pela minha cabeça, como as
motos de corrida passando por mim.

Eu realmente não tinha ideia do que esse Ashram era. Eu deixei minha amiga
escolher e realmente não tinha ideia do que esperar. Tudo que eu sabia, era que
eu estava precisando desesperadamente de tempo para parar e me ouvir. Meu
coração estava partido e eu estava com raiva por deixar que acontecesse nova-
mente. Eu sabia que algumas coisas não estavam certas dentro de mim e
estavam faltando pedaços do meu quebra-cabeça que eu precisava encontrar.
Foi a minha vez de entrar no meu casulo novamente e, como sempre, é escuro,
frio e assustador, porque você não controla o que você vai sentir, ver e ser
depois que sai dele.
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Chegamos ao Ashram que, para nossa surpresa, estava na mesma rua do hotel
que eu tinha escolhido aleatoriamente. Todo esse tempo nós estávamos tão
perto e tão longe.

Depois de uma viagem de dois minutos chegamos. Tirando todas as nossas


malas pesadas, não havia ninguém para nos receber. Estava escuro e o táxi
cobrou muito: "Quer dizer, qual é? São dois minutos e você está cobrando o
mesmo preço como se fosse para ir para o centro de Ubud?". Eu estava irritada
e desconfortável. Eu sabia que não tinha nada a ver com qualquer coisa que
estivesse acontecendo ao meu redor, era interno, minhas emoções eram como
uma panela de água a ferver água quente e espirrando em quem estivesse ao
redor.

Havia uma japonesa (ou pelo menos ela parecia japonesa) na mesa, que nos
cumprimentou com um sorriso, mas que, de modo algum, me fez sentir acolhi-
da como pelos amigos balineses que encontrei. Parecia mais um sorriso para
nos lembrar que já era tarde e que ninguém estava acordado, então eu teria que
carregar todas as malas pesadas e fazê-lo com um sorriso.

Nós fizemos check-in e eu me contive, lembrei que eu tinha escolhido isso,


carreguei minha mala de 23kg pelo Ashram e subi as escadas até o nosso
quarto. Finalmente chegamos ao nosso pequeno e simples quarto de duas
camas. Eu e minha amiga havíamos decido dividir um quarto de dois dor-
mitórios. Havia a opção de um quarto individual, dois dormitórios e o dor-
mitório com muitos beliches.

Fui desfazendo algumas das minhas malas, tentando ficar o mais silenciosa
que pude, porque eu não queria que nada da minha água fervente derramasse
na minha doce amiga. Mas meu silêncio foi interrompido quando a querida
Lupy me pediu gentilmente: "Dawn, você acha que poderia não dar descarga à
noite? Agora que estou grávida, estou tão sensível ao barulho que toda noite
quando você acorda e dá descarga, me acorda”.

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Minha mente correu de volta para as outras noites no hotel quando eu acorda-
va sentindo um cheiro de xixi tão forte e indo ao banheiro para descobrir que
Lupy não tinha dado descarga. Eu acho que ela tinha percebido que se a des-
carga a acordava, também poderia me acordar, então ela gentilmente não o
fazia.

E antes que eu pudesse tentar responder de volta tranquilamente, minha água


fervente veio correndo na frente, como uma competidora tentando ganhar o
jogo: “É por isso que o quarto cheira a xixi, você sabe que é horrível dormir
com aquele cheiro, mas tudo bem, eu não vou dar descarga, mas, por favor, dê
quando você for, porque eu não ouço nada quando eu estou dormindo, então,
por favor não hesite em dar a descarga quando você for”. Eu sabia que isso não
soara bem, eu podia ver no rosto de Lupy que ela não gostou do jeito que eu
respondi, mas eu também vi como era uma mistura de sentimentos: sentin-
do-me mal por ela estar me perguntando isso, mas ao mesmo tempo, me per-
guntando por que isso era tão difícil para mim. Mal sabia ela que na verdade
não tinha nada a ver com o xixi e a descarga. Eu realmente não ligava tanto.
Mas naquele momento, eu estava lutando com meus próprios demônios,
medos e inseguranças.

Caminhando pelo Ashram, passamos por um grupo de pessoas fazendo a


meditação da sessão da noite. O homem que estava conduzindo tinha uma voz
tão assustadora que meu coração congelou quando eu ouvi. Uma onda de
adrenalina passou pelo meu corpo e aquela sensação paralisante de medo subiu
como um ladrão roubando-me de toda a alegria inicial de vir a este Ashram. Eu
queria sair e fugir para o mais longe que pudesse desse lugar.

Eu não podia acreditar que mesmo ali, naquele lugar, onde eu esperava poder
encontrar paz e curar meu coração, eu estava tendo um ataque de pânico. Por
que ele me seguiu todo o caminho aqui para Bali, neste pequeno Ashram no
meio do nada? Não era bem vindo aqui, mas quanto mais eu lutava contra a sua

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presença, mais me paralisava. Agarrando-me ao meu travesseiro, fechei os
olhos e me lembrei do que fiz a cada momento que esse medo veio correndo
até mim: "Dawn apenas respire, concentre-se em sua respiração e pense em
toda a beleza que pode ver ao seu redor, assim, você poderá sair”. Comecei a
lembrar de todas as coisas bonitas que presenciei desde que cheguei a Bali.
Toda a comida deliciosa e tentei focar no como seria o café da manhã no
Ashram. Sim, a comida era meu lugar seguro naquele momento. Demorou
cerca de cinco minutos, que pareceram uma eternidade, mas lentamente meu
coração começou a desacelerar e minha respiração voltou ao normal. Graças a
Deus acabou, um suspiro de alívio acalmou meu corpo inteiro e relaxou meus
músculos a cada respiração que eu tomava. Eu estava exausta agora, como se
tivesse acabado de correr uma maratona completa em apenas alguns minutos.
Abrindo os olhos, na minha cama, pude ver o único retrato pendurado na
parede. Era de um homem mais velho com uma barba branca e olhos castanhos
penetrantes, como se estivessem olhando direto para mim, e ao lado dele
estavam suas palavras: "Paz interior é o resultado de auto-satisfação, auto-con-
tentamento. Significa o fim de todos os desejos mentais.”(Swami Anand
Krishna).

17
r am B ali
As h

A paz interior era tudo que eu queria, por meses a minha mente havia estado
como uma tempestade furiosa e uma avó chata que lhe pede para fazer um
favor a cada dois segundos e depois muda de ideia.

Eu não conseguia ficar sentada por dois minutos sem abrir os olhos, com uma
mente cheia de tarefas urgentes que precisavam ser feitas e não podia esperar
mais um segundo.

Meu coração estava quebrado, eu tinha passado por um difícil término de um


relacionamento que durou quase um ano, mas me pareceu como um espelho de
um relacionamento disfuncional, ao longo da vida, comigo mesma. Começara
como todos e terminara igual a todos. Senti-me como num romance, cheio de
paixão, sexo, aventura e amor adolescente, mas também repleto de traição,
mentiras, manipulação, abuso emocional e um eu despedaçado. Eu saí para
pegar os cacos do que uma vez foi uma mulher autoconfiante, forte, bela e que

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agora se apresentava como alguém que ela mesma encontrou durante horas em
uma clínica tentando consertar algo quebrado e feio. Meu corpo se tornou o
reflexo da bagunça que eu estava dentro. Por alguma razão, achei que conser-
tar as aparentes falhas poderia consertar as rachaduras internas: "Oh Dawn,
você sabe muito mais que isso. Você foi por esse caminho muitas vezes. Você
conquistou coisas que eram muito piores, por que você está se afogando neste
copo de água?". Esses foram meus pensamentos diários, como eu me castiguei
por não só me meter nessa bagunça, mas também por estar tão cansada de
deixar isso acontecer de novo.

Sim, essa era eu, algumas semanas antes de viajar para Bali. Mas não foi só
isso. Era como se eu estivesse trazendo um tornado para o meu mundo e arran-
cando tudo do chão, girando-o em círculos intermináveis. Tudo estava lá em
cima, meu amor, a vida, meu trabalho, minha tristeza sem fim de perder minha
família, minha fé, que só foi chamada para quando eu, desesperadamente, pre-
cisava servir os outros, mas de alguma forma, tinha sido perdida.

Eu tinha me tornado tão cansada, doando e doando, até que eu doei o meu
último pedaço. Eu tinha um amor que poderia abraçar o mundo, mas parecia
que eu estava sempre no final da fila e, toda vez que chegava a minha vez de
uma colher de nutrição para a minha alma, nunca tinha o suficiente, pois aca-
bara antes que eu pudesse tomar um gole.

Sedenta e fraca lutei para me manter viva e sabia que minha hora chegaria.
A vida estava me chamando pelo meu nome e eu sabia que era hora. Bali,
aquele Ashram e tudo o que esta viagem tinha para me oferecer, eu sabia que
era um presente e tudo que eu precisava fazer era abrir meus braços cansados
para recebê-lo. Eu não tinha que fazer nada, eu nem precisava trabalhar ou ver
qualquer mensagem do WhatsApp e eu não precisava ser forte ou feliz. Eu só
precisava me permitir ser.

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Decidi que não queria usar maquiagem, pois acabara acreditando que não
era bonita sem ela. No Ashram você não tinha permissão para mostrar seus
ombros e joelhos. Então, eu também decidi que usaria as mais desinteressantes
e confortáveis roupas que eu possuía, que sinceramente me faziam parecer um
grande saco de batatas, mas eu não dava a mínima. Eu estava confortável e
feliz. Para meu alívio, não havia homens hospedados no Ashram e isso tornou
muito mais fácil me permitir deixar tudo solto! Você nos conhece, mulheres,
quando um homem entra em uma sala ainda que tentemos ser tranquilas, como
se não nos importássemos, há sempre um ajuste em seus ombros e uma rápida
checagem de cabelo para ter certeza de que tudo está bem e no lugar. É quase
automático e cientificamente comprovado. Está em nosso instinto como seres
humanos e não importa quantas horas de meditação tentemos praticar ou o
quanto nos tornemos espiritualizados, sempre há a natureza humana nos
trazendo de volta à sua atenção, lembrando-nos que isso não deve ser ignorado
e que precisa de cuidados, tanto quanto a alma.

Eram 4:45 da manhã e meus olhos se abriram com o pensamento: "Estou


atrasada?". Eu tinha visto o horário na noite passada e o primeiro momento da
rotina matinal foi uma sessão de cânticos às seis da manhã. Eu tinha o meu des-
pertador para as 5:00 da manhã, mas estava tão ansiosa que minha mente me
acordou mais cedo. Levantei-me e tomei meu banho para não incomodar Lupy
e segui para a sala onde o canto aconteceria. O ar fresco da manhã e as belas
flores que desabrochavam no jardim pareciam um sonho. Havia tanta paz ali
que até a minha mente barulhenta ficou em estado de choque, silenciosa. Eu
nunca tinha visto um lugar como aquele, onde a natureza e o homem pudessem
estar no mesmo ritmo e tempo. Como se fôssemos uma grande família acor-
dando juntos e, antes do café da manhã, dizendo nossas preces matinais de
gratidão por toda a beleza ao redor e em nós. Quando cantávamos uma oração
matinal em sânscrito, os pássaros cantavam suas próprias canções.

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Eu realmente não conseguia entender nada, muito menos cantar junto, mas
cantarolei com a melodia do canto até terminarmos e estarmos prontos para as
próximas atividades do dia. Para minha surpresa, não foi tão ocupado e rigoro-
so como eu pensava. Nós não precisávamos ficar em silêncio, as meditações
não tinham onze horas de duração e havia tempo, quase duas a três horas entre
as atividades e meditações.

Devo dizer que fiquei um pouco desapontada. Eu queria me testar em uma


rotina muito rígida e disciplinada. Eu pensei que minha mente merecia ser
punida porque me levou a alguns caminhos desagradáveis e agora era o tempo
de dar o troco necessário para obter o que ela merecia.

Mas a vida novamente sorriu para mim, como uma mãe sorri para seu filho
quando ele chora, porque ele ainda não sabe andar, mas está tentando tão duro,
até que se machuca e agora está no chão esperando por ela para pegá-lo, em
lágrimas. Está chateado e com raiva, não pode fazer isso sozinho. E a mãe olha
tão pacientemente e cheia de amor, que com um sorriso diz: “Criança, um dia
você estará correndo tão rápido que eu não serei capaz de alcançá-lo. Mas não
fique com raiva porque você não pode andar agora. Tudo tem um tempo, seus
ossos ainda estão entendendo o que precisa fazer para andar, vamos rastejar, o
que você acha?".

Este Ashram era como minha mãe, me ensinando que não havia necessidade
de me punir e que agora tudo que eu podia fazer era engatinhar e essa era a
melhor coisa que eu poderia fazer agora.

O café da manhã foi um sonho tornado realidade! Eu me senti uma criança


no recreio naquele momento, feliz porque tinha todos os meus brinquedos
favoritos! Pão de banana delicioso com passas e canela, deliciosas panquecas
de farinha dearroz com calda de caramelo, frutas e um tempero de vegetais
picantes com um pouco de pão fresco. Ah...como aquele pão era macio, morno

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e crocante, tudo ao mesmo tempo! Era o paraíso, tudo o que eu queria era viver
nessa mesa de café pelos próximos vinte dias!

Depois do café da manhã nós tivemos algum tempo livre que foi de pura
ansiedade. Comecei a conferir todas as viagens possíveis que eu poderia fazer
e todos os lugares bonitos que eu ainda queria visitar depois do Ashram. Como
tínhamos muitas horas livres, eu queria tirar o melhor proveito disso! Claro, eu
sabia que por trás de todas as minhas melhores intenções, estava no fundo um
medo de passar tempo sozinha comigo mesma e, talvez, ter algumas coisas
vindo à tona, coisas que eu tão desesperadamente precisava e queria, mas
estava com medo de sua mordida.

Às três horas, tivemos uma das mais belas meditações, que me levou às
lágrimas e me ajudou a começar a acalmar meu coração para o que estava por
vir. Essa prática era simples, mas tão profunda. A pequena mulher japonesa,
que eu tenho vergonha de realmente nunca conhecer o nome dela ou pelo
menos lembrar, guiou nossa prática lindamente! Começou por nos erguermos
eretos, com as mãos em posição de gratidão, inspirando toda a gratidão que
podemos receber. Ela nos guiou a pensar em toda a beleza e graça que estava
em volta de nós. Naquele momento a gratidão inundou meu corpo, só eu sabia
quantos meses sombrios eu tinha passado lidando com essa profunda tristeza e
agora eu me encontrava neste paraíso em Bali, com essas mulheres incríveis,
com uma amiga com quem posso ser eu mesma, e com tempo, tempo para
curar.

Depois que fizemos essa primeira parte, ela nos pediu para escolher uma
coisa, pela qual ser gratos e, quando terminássemos, levantar as mãos para o
céu em reverência e sentir a presença de amor e gratidão por isso. Pensando em
todas as coisas que eu estava sentindo, era difícil escolher apenas uma, mas,
depois de algum esforço, eu decidi que, a única coisa que eu iria ser grata
naquele momento, seria por mim mesma. Eu queria mostrar como eu estava
orgulhosa e

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agradecida por ter encontrado forças para me levar até ali, pois eu tinha passa-
do por tanta coisa e ainda assim, não deixei meu coração se fechar; não me
deixei perder a esperança. Eu me trouxe ali, rastejei meu caminho, sangrando
e exausta para um hospital para a minha alma. Um lugar onde eu poderia des-
cansar e me curar. Erguendo a mão, sussurrei: “Dawn, estou tão grata por ter
nos trazido aqui, estou tão orgulhosa de você”.

Depois disso, deveríamos abrir nossos braços e dizer um mantra: “Estou


aberta para receber tudo o que o universo tem para me oferecer. Recebo de
braços abertos tudo o que a vida tem para oferecer” e, então, fechando os
braços em reverência e gratidão, dizer: “recebo com gratidão o que a vida me
deu”. Naquele momento tudo o que eu conseguia pensar era que se toda a dor
do relacionamento com o homem que eu amava e com a minha família não
tivesse acontecido, eu não estaria ali. Eu não estaria experimentando todos
esses momentos mágicos em Bali.

Depois disso, ela explicou que, da mesma forma que oferecemos nossa
gratidão ao universo, era a hora de também oferecermos nossas dores e
defeitos. Ela explicou que também era uma maneira de deixar ir e perdoar a si
mesmo e aos outros. Curvando-me, sabia o que tinha a oferecer, sabia o que
meu coração ansiava por deixar de lado. Tomei alguns momentos de silêncio
profundo e deixei as lágrimas caírem...“Dawn, eu ... eu te perdoo por deixar
você se machucar tão profundamente de novo. Eu te perdoo por repetir um
padrão que você já sabia o que iria ser no final, você sabia que iria deixar você
sangrando e você fez isso de qualquer jeito. Eu te perdoo por não saber amar a
si mesma, eu te perdoo por não saber como se proteger”.

Quanto mais eu oferecia, mais e mais vinha saindo de dentro de mim: “Oh
Dawn, eu te perdoo por machucar a família que você tanto ama, mesmo que
essa não fosse sua intenção, eu te perdoo”. Lágrimas agora faziam uma poça
no meu colchonete de yoga: “Dawn, eu te perdoo por machucar esse homem
belo, eu te perdoo por vê-lo através da fantasia de seus próprios desejos e

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anseios. Eu te perdoo Dawn...você pode deixar ir agora. Você pode deixá-lo ir
agora...você pode deixá-los ir agora...”.

Fizemos este exercício mais sete vezes e dedicamos sempre a nossa oferta a
algo diferente. Mas para mim, eu sabia que este precisava de mais tempo,
então dediquei todas as minhas oito ofertas para sentir gratidão pela minha
força, para me soltar e me perdoar.

Terminando este exercício, parecia que milhares de pesos haviam sido levan-
tados e era como se eu pudesse respirar melhor. Eu não queria falar muito
depois do exercício, só queria tomar um banho e me preparar para a nossa aula
noturna com o próprio guru Anand!

Mais cedo, naquela manhã, eles nos deram um papel para escrever algumas
perguntas que pessoalmente gostaríamos de fazer a ele. Estou sempre muito
intrigada para entender a mente e a vida pessoal de um guru. Acho que é
porque eu nasci em uma realidade guru e também vivi cercada por tantos,
quase toda a minha vida, que tendo visto as realidades dentro do que os faz cair
e magoar os outros quando se trata do tema da sexualidade, que você pode
imaginar quais foram as minhas perguntas. Sim! Eu enchi esse pedaço de papel
com perguntas sobre sexualidade, nossas dualidades, dor, amor e falsidade.
Todos os assuntos que eu amo!

Era por volta das sete da noite quando fui andando até a sala principal onde
nossa turma estaria. Já estava lotado por crianças pequenas com idades de sete
a cerca de quinze anos. Havia também um punhado de moradores e seguidores
do guru. Eles estavam todos sentados e cantando junto seus cantos, batendo
palmas e esperando ansiosamente por seu guru. Chegando lá eu sentei na
cadeira e apenas absorvi tudo. Era como se eu estivesse tendo um flashback de
todas as minhas experiências passadas nas comunidades que eu tinha vivido.
Eu me vi através dos olhos daquelas crianças de sete anos. Eu fui assim e sabia

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exatamente o que eles estavam sentindo e como eles obedientemente cantavam
e sorriam, esperando amorosamente por esse homem que eles não apenas
aprenderam a amar, mas também admiram como um pai. Alguém que eles
sabiam que poderiam confiar sua vida e que ele guiaria cada passo. Lem-
bro-me de ter esse sentimento e aprender a amar o meu guru. Sabe, minha
infância não só foi feita de experiências ruins e traumáticas, da mesma forma,
havia muitas pessoas das minhas últimas comunidades que foram tão espe-
ciais! Eu amava alguns dos rituais que tínhamos quando nos reuníamos juntos
para adorar o nosso “Deus”, cantar canções bonitas e ler a Bíblia, todos juntos.
Foi uma sensação de família.

Enquanto todos cantavam em voz alta e alegremente, o guru caminhou em


silêncio até a cadeira e, com os olhos fechados, cantou com o grupo. Eu dei
atenção a como minha postura corporal mudou assim que ele entrou na sala.
Eu saí e imediatamente entrei no modo "eu posso te ver". Era como se eu
tivesse que imediatamente defender, proteger e testar. Parte de mim realmente
queria aprender e absorver tudo o que ele queria ensinar, eu realmente queria
ouvir. Mas, ao mesmo tempo, minha guarda subia a cada segundo.

A música terminou e o guru começou sua aula. Escutei atentamente quando


ele respondeu pela primeira vez a todas as perguntas que lhe foram feitas, mas,
como se esperava, a minha não deve ter chegado até ele. Eu sabia muito bem a
conduta dos seguidores e como sempre "protegemos nossos gurus" de ter que
lidar com qualquer situação que possa ser controversa ou pessoal.

Eu gostei daquele guru, eu pude ver que ele é sábio e pacífico. Eu pude ver
amor genuíno e desejo de ajudar a guiar os outros. Algumas coisas que ele
disse e que eu já conheço são pura cultura de guru e eu respeito a crença de que
a única maneira de se expandir espiritualmente é se você tem um guru. Da
mesma forma que os cristãos pensam que você só é salvo se você acredita em

25
Jesus. Agora, no meu país, também reconheço como a cultura de coaching está
evoluindo para "você precisa de um coach para salvar sua vida". Eu pessoal-
mente recebo muitos comentários como "Dawn, você salvou minha vida", mas
eu sempre respondo: "Não, VOCÊ salvou SUA vida, eu só lhe dei um lugar
seguro para isso, eu só te inspirei”.

Acredito profundamente que a cura e a iluminação vêm de dentro. E se você


gastar bastante tempo nesse lugar encontrará o divino que tem procurado nos
outros. Eu vejo como essas pessoas adoráveis parecem hipnotizadas com esse
guru. Ele é o seu salvador, seu mestre, a coisa mais próxima em direção ao
divino que eles podem tocar, ouvir e ver. É lindo, tamanha devoção, mas não
posso afastar a preocupação com o que isso pode se transformar se não for
cuidado. Eu já fui uma dessas pessoas. Eu amava meus gurus como se fossem
meu mundo inteiro. E quando eles caíram, e caíram, todo o meu mundo foi
com eles:

"Eu gostaria que todos pudéssemos olhar com tanta honra,


amor e reverência para nós mesmos, eu gostaria que pudéssemos
aprender um dia a honrar o guru que vive dentro de nós, assim
como nós honramos um do lado de fora. O dia em que aprendermos
a verdadeiramente fazer isso, nos tornaremos imparáveis".

Meus pensamentos foram interrompidos quando o guru anunciou que agora


estava aberto para perguntas e respostas ao vivo. Sentei-me lá e ouvi todas as
perguntas que você ouviria normalmente dos discípulos versus guru perguntar-
em. Mas uma resposta chamou minha atenção e começou a ferver minha água:
"Dawn, apenas fique quieta e escute". Eu tentei afastar a minha necessidade de
intervir, mas a água estava quente demais para colocar uma toalha fria sobre
ela.

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Ele estava respondendo uma bela jovem russa, que era uma professora de
tantra e estava hospedada no Ashram conosco. Ela fez uma pergunta relaciona-
da a relacionamentos e em sua resposta era como se ele estivesse tentando
dizer que se ela estava em um caminho divino à procura de espiritualidade, não
era recomendado nem mesmo estar em um relacionamento. Deu a mensagem
de que, em nossa busca por espiritualidade e iluminação, devemos deixar de
lado os desejos pobres e limitados de nossa sexualidade.

Já deu para mim, eu levantei minha mão e esperei calmamente para o micro-
fone vir em minha direção. Eu simplesmente não podia apenas sentar lá e não
dizer nada. Eu precisava primeiro entender o que ele queria dizer e oferecer a
ele como eu via esse assunto e apenas esperar que ele pudesse de alguma forma
ajudar a responder algumas perguntas na multidão: "Oi guru, meu nome é
Dawn e não pude deixar de pensar sobre o que você acabou de explicar às mul-
heres em relação a relacionamentos e sexualidade. Eu nasci em culto religioso,
eu vi nosso guru falhar e cair porque ele não trabalhava sua própria sexuali-
dade e as energias densas que ficam presas lá. Eu vi um homem bom, cheio de
luz e grandes intenções tornar-se tão escuro e mal, ferindo milhares de pessoas.
Sua sexualidade, para a qual não foi dada a devida atenção e a conscientização
para com seus desejos e anseios desequilibrados, levaram muitas mulheres e
crianças à ruína. Esse culto se tornou um dos maiores cultos de abuso infantil
no mundo. Esse homem não era um monstro, esse homem era apenas alguém
que esqueceu de procurar e curar a parte mais importante de onde todas as
nossas sombras encontram abrigo, nossa sexualidade".

Eu continuei explicando que nasci nesse culto, experimentei em primeira


mão as consequências de tal negação e depois passei minha vida encontrando
um após o outro, casos que se repetiam. Eu também expliquei sobre o famoso
"João de Deus" que ele acenou com a cabeça ter conhecido, e todo o abuso e
dor que aconteceu por causa dessa cultura danosa que um guru e líder espiritu-
al é imune a todas as sombras e desejos sexuais: “Guru, com todo o respeito,
acredito que da mesma forma que nascemos com regras e condições que nos

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mantêm muito conscientes de nossa humanidade, como as necessidades de
comida e água, nossa sexualidade é uma característica de nossa condição
humana, e, se nós a reprimirmos ou ignorarmos, ela voltará e nos assombrará
quando menos esperarmos. Deve haver uma maneira melhor de lidar com isso.
Precisamos encontrar uma maneira de usá-la a nosso favor para criar beleza e
amor. Desejo e prazer nos foi dado como um dom e como tudo temos de apren-
der a curar e encontrar um equilíbrio, e eu acho que com a nossa sexualidade
deve ser o mesmo."

Eu podia ver algumas das cabeças da multidão assentindo e concordando,


outras estavam olhando para mim como que diz: "Como você pode confrontar
as ideias do nosso guru? Sua opinião não tem valor aqui". O guru sorriu para
mim e disse que ele concordou, não devemos ignorar nossa sexualidade, mas
que havia uma maneira diferente de fazê-lo. Ele explicou que a energia sexual
era como essa água que está sempre precisando fluir para baixo, mas que havia
uma maneira de essa água poder evaporar e subir, desta forma a necessidade de
liberação sexual poderia ser transformada em algo espiritual. Um profundo
desejo de devoção e de Deus.

Entendendo o que ele estava dizendo eu ainda não estava muito convencida
com sua resposta: "Bom, guru, mas você pode nos explicar exatamente como
você evapora essa ‘água'?". Ele riu e disse: “Ah, é que eu não posso dizer, é o
meu pequeno segredo. Mas você sabe, eu sou casado, tenho filhos e agora sou
velho e não tenho mais esse desejo". Eu pensei comigo mesma: “Ah uau, que
conveniente, mas esses garotos jovens em sua puberdade estão aqui ouvindo e
aprendendo com você, que, para alcançar a conexão espiritual e divina, você
deve evaporar seus desejos sexuais e você nem mesmo os ensina como? As
pobres pessoas, o que acontecerá com toda esta energia sexual reprimida? A
verdade é que, sei exatamente o que vai acontecer”.

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Antes que eu pudesse fazer qualquer outra pergunta, o microfone foi retirado
da minha mão e o guru em um tom de conclusão disse à nossa pequena conver-
sa: "Você conhece Dawn, nós não fomos criados e feitos para andar, fomos
feitos para voar".

Essa foi uma bela frase, mas, se eu pudesse responder eu diria: “Não! Pássa-
ros foram feitos para voar, eles receberam asas para fazer isso, nós, por outro
lado, recebemos pernas, feitas para andar neste mundo como humanos em toda
sua perfeita imperfeição e descobrir o divino interior, então, vamos aprender a
correr o mais rápido possível, até que nossos pés nos guiem de volta para
casa".

Deitada na minha cama mais tarde, naquela noite, depois da aula do guru e
jantando com algumas das garotas que estavam hospedadas no Ashram, algo
não parecia certo. Muitas das meninas vieram me parabenizar por trazer assun-
tos tão importantes, eu vi como algumas delas estavam realmente desaponta-
das com as respostas que o guru dava e que não era o que elas esperavam dele.
Eu sabia que tudo que eu dissera estava certo. Elas expressaram seus pensa-
mentos sobre quão egocêntrico este homem era, com todas as suas fotos pen-
duradas em toda a casa, e repetindo várias das incoerências que o seu discurso
carregava. Eu não poderia concordar mais, afinal eu fui a primeira a levantar
esse questionamento, mas ao mesmo tempo agora, era como se eu não precis-
asse mais estar no modo de teste, ataque e defesa. Era como se eu tivesse
mudado para o modo ouvir, compreender e amar. Eu tentei explicar a elas que
eu realmente não achava que era uma viagem do ego, com as fotos, e que
muito do que é construído, vem da cultura religiosa, da forma religiosa de ser
um guru, aceitando que as pessoas se curvem para você e seguindo todos os
rituais que a religião tem ensinado por milhares de anos.

Na manhã seguinte, depois de participar de todos os rituais matinais, andei


em direção à pequena biblioteca do Ashram e peguei um livro, acabei por abrir
uma página pedindo algumas respostas e lá estavam elas. Era uma história

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sobre um homem, o mar, uma costa e um remo. Ele explicou que a espirituali-
dade é como a costa e nós somos o homem no meio de um mar imenso, nosso
maior desejo é chegar a esta costa. O remo é a religião e ajuda muitos a
atravessar o mar difícil até chegar à costa. Mas quando chega à costa, nem
mesmo o remo é necessário.

Ele explicou que algumas pessoas nasceram com o privilégio de ter encon-
trado uma maneira de nadar através do mar forte e imenso sem o remo. E cheg-
aram à praia sãs e salvas. E, então, quando eu li, foi como se o texto se desta-
casse da página e se pronunciasse para fora em voz alta, olhando bem nos
meus olhos: "Se você é uma daquelas pessoas que encontrou o caminho para a
terra nadando, não olhe para aqueles que ainda precisam de seus remos como
mais fracos ou mesmo errados. Todos estão fazendo o que podem, com o que
eles têm para chegar à costa. E para muitos o remo, religião, rituais, regras e
cultura religiosa é o que os ajuda a chegar lá". Eu pousei o livro, sorri silencio-
samente, olhei para cima e com um sorriso disse: "Recebi a mensagem Deus,
recebi a mensagem". Mas o universo ainda não havia terminado comigo sobre
esse assunto, havia algo mais que ele queria me ensinar e eu podia sentir isso
vindo.

Naquela tarde, em nosso tempo livre, fui ao centro com minha nova amiga
Carina. Ela era loira, com grandes olhos azuis e um imenso sorriso doce. Ela é
da Alemanha e tem o sotaque inglês mais bonito que eu já ouvi. Quero dizer,
que todas essas mulheres incríveis que estavam hospedadas no Ashram, cada
uma de um país, cultura, idioma e busca espiritual diferente, todas nós nos tor-
namos próximas e logo começamos a nos sentir um pouco como uma viagem
de amigas. Todas nós tivemos nossos momentos sozinhas, momentos para
cavar nossos próprios demônios e trabalhar com a bagagem emocional. Algu-
mas só precisavam dormir e fugir da vida ocupada, algumas estavam atrás da
devoção, disciplina e busca de Deus. Outras foram se encontrar e descobrir as
peças que faltavam. E é claro, foram nos momentos em que estivemos todas no
jantar que descobrimos que quase todas também estavam tentando se curar de

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um coração partido, de um homem que havia trapaceado e de traumas de rela-
cionamentos. Sim, diferentes países, diferentes culturas e, no entanto, os
mesmos velhos problemas de relacionamento.

Eu adorava sair com todas as garotas


do Ashram, mas Carina e eu ficamos
muito próximas. Nós estávamos pas-
sando por algumas das mesmas
emoções de ter que deixar para trás
alguém que amamos e, ao mesmo
tempo, fechar as feridas da traição. Nós
nos sentamos em uma cafeteria no
centro de Ubud e compartilhamos por
horas como foi essa jornada de passar
por traições, de viver com a síndrome
horrível de ver essa pessoa em qualquer
Minha no va amiga
lugar e procurando razões para nos
odiar e corrigir no exterior a bagunça
que sentia por dentro. Nós duas rimos de quão estúpidas às vezes nos sentimos
e que o cerne do que precisávamos aprender era, na verdade, que ninguém é
culpado. O maior problema foi a falta de amor próprio de todas as partes e que,
todos saímos em busca e querendo que os outros preencham nosso vazio. Co-
locamos a responsabilidade sobre o outro, fantasiamos e criamos o homem
perfeito e esperamos que ele seja assim. Ignorando, muitas vezes, o que real-
mente está acontecendo dentro dele. Fechamos nossos olhos para ver todos os
sinais e, somente quando está na nossa cara, gritando e urrando, nós acorda-
mos.

Acordar é aterrorizante, porque você percebe que o sonho em que você


estava não era nada mais do que a projeção de seu próprio mundo de fantasia.
Acordando você vê a verdade de seus próprios demônios e como você os deixa

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assumir novamente. Você deixa os traumas e a falta de amor próprio te tragar
para as águas profundas de autodesvalorização. Amar alguém mais do que
você ama a si mesmo não é amor. Muito menos verdadeiro e genuíno cuidado
pelo outro. Acordar exige assumir a responsabilidade por escolher um relacio-
namento que você acreditou que pudesse servir a você e aos seus próprios
desejos e anseios pessoais, sem levar em consideração como você poderia real-
mente servir ao outro. Acordar é difícil, sorri enquanto tomava outro gole do
meu delicioso smoothie.

Sim, ponha duro nisso, eu ainda estou tentando juntar meus cacos! Carina
desviou o olhar e tudo o que pude sentir por ela foi pura admiração. Depois de
meses de uma depressão muito dura e aflitiva, ela conseguiu se levantar, reser-
var três ingressos para Bali, Índia e Nova Zelândia, deixou o emprego e agora
estava em uma bela viagem sem data ou hora para voltar. Uma mala cheia de
roupas, alguns livros, um mapa e um belo caderno cheio de todos os seus
sonhos de como seria sua nova vida. Tinha sido o fim de um relacionamento
de dez anos e vida na Alemanha e, agora, todo o seu mundo estava mudando,
mas ela não tinha medo de acreditar. Chegamos a sua pequena scooter e corre-
mos pelas belas ruas de Bali. As árvores verdes e os grandes arrozais eram de
tirar o fôlego. O cheiro da natureza e o vento acariciando meu rosto faziam
sentir-me tão bem! Abrindo meus braços, me senti livre pela primeira vez em
muitos meses. Eu podia sentir que quanto mais eu acordava com as verdades
dentro de mim, mais eu me sentia livre da dor me segurando.

O dia foi acabando e vimos como o sol dizia seu adeus, deixando suas cores
no céu. Lágrimas encheram meus olhos e um sorriso não saía do meu rosto. Eu
poderia ficar nessa moto, passeando ao redor de Bali para o resto da minha
vida: “Sim Dawn”, minha voz interna sábia sussurrou, “leve tudo com você,
dias como estes dão a você a força para fazê-la passar pelas noites escuras. Tire
quantas imagens mentais puder, guarde todas essas lembranças e nunca as
deixe ir”.

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Eram 5:00 da manhã e naquele dia eu estava cansada, não queria me levantar
para cantar. Eu me dei ao luxo de dormir. Eu estava tão cansada de me punir o
tempo todo, colocando tantas metas e regras que se eu me sentisse com vonta-
de de dormir, eu iria dormir. Se eu tivesse vontade de comer dez panquecas no
café da manhã e comer tantos mangostões quanto pudesse, assim seria!
Mas eu amei o nosso yoga matinal e meditação, além do delicioso café da
manhã. Sempre fui uma das primeiras da fila, esperando o ritual para orar pela
comida e abençoá-la, dando-lhe um maravilhoso lar novo, dentro da minha
amada e acolhedora barriga! Como coração de mãe, sempre tem espaço para
mais um. Repetir era um dever!

Fiquei realmente surpresa como eu tinha passado os últimos cinco meses, às


vezes só comendo uma refeição por dia. A comida havia perdido o gosto. A
única coisa que me trouxe prazer foi gordura, açúcar e todos aqueles alimentos
que fazem você se sentir exausta, doente e sem energia.

Agora, no Ashram, tudo o que comíamos eram os alimentos mais nutritivos,


com muitos legumes, grãos, ervas medicinais e especiarias. Não havia carne,
gorduras e açúcares, mas eu estava amando!

Sentei-me à mesa e sorri para mim mesma enquanto me lembrava de um


jogo que havíamos jogado na outra noite com todas as garotas do Ashram. O
guru recomendou, em vez de vermos um filme/noite de discussão, que estava
na agenda para nós, que jogássemos um jogo de tabuleiro. Este jogo foi como
uma versão espiritual de Snakes and Ladders. O propósito era nos mostrar
quais são as escadas que levam você para o mais alto nível de sua jornada
espiritual e as cobras representavam quais são as coisas que fazem você cair
nesse caminho. Antes de começar o jogo, eles nos pediram para pegar um
papel e uma caneta e realmente anotar todas as coisas importantes que podem
tanto te levantar quanto te derrubar.

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O jogo parecia divertido e me lembrou de minhas "boas" memórias de infân-
cia.

Todos nós começamos com curiosidade e escrevendo sem parar, todos os


significados de cada escada e cobra. Alunos perfeitos e criancinhas felizes
jogando o jogo de tabuleiro. Mas depois de cerca de quarenta minutos, não
houve mais estudantes risonhos e perfeitos. Havia um monte de "oh, vamos lá,
me dá um tempo, cobra estúpida, me pegou de novo!”. Uma das garotas, não
importa o quão alto ela iria tentar subir no tabuleiro, a cobra sempre a derruba-
va de volta para as casas horripilantes que nenhuma de nós queria ir: a casa do
ciúme, da inveja e do desejo sexual. Maya, uma das garotas, acabara de aceitar
que a casa dela era um desejo sexual, porque a cobra continuava trazendo-a de
volta para ela. Agora estava ficando engraçado e nossa criança interna só
queria levantar e dizer: “Isso é ridículo, não quero mais jogar!”.

No meu caso, eu nem precisei esperar os quarenta minutos completos, nos


dois primeiros segundos eu já estava querendo me levantar. Eu joguei os dados
e agora estava na casa da raiva. A japonesa deu um olhar para mim (de uma
forma que eu não gosto, como de alguns dos meus tios super críticos, lem-
branças do meu culto de infância) e disse: "Hum, problemas de raiva, você
deve ter cuidado e prestar mais atenção para isso". Eu respirei lentamente e
sussurrei para mim mesma: "Eu não tenho problemas de raiva, mas nesse mo-
mento, eu quero te calar pra valer!". Eu tinha sentido como ela estava me
tratando depois da minha pequena conversa com o guru. Eu conheço discípu-
los muito bem, eu tinha sido um deles na maior parte da minha vida e, quando
você mexe com um de seus gurus, ah meu caro, você mexeu com eles e você
estará em apuros! Então, não importava o que aquele jogo de tabuleiro
estivesse realmente tentando dizer, eu não estava aberta para esse olhar
julgador dessa japonesa.

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E foi então que eu saí da casa do ciúme, inveja, até a cobra me derrubar no
tabuleiro novamente. Ela estava apenas esperando para me dar aquele olhar
"hum Dawn, olha a cobra relacionada a pensar que você é melhor que os out-
ros...hum...você deve prestar atenção nisso, porque lembre-se, uma cobra rep-
resenta o que interrompe seu caminho espiritual e o que lhe puxa para operar
nessas baixas energias".

Eu sabia que naquele minuto eu só tinha duas escolhas: ou eu me levantaria


e, como uma criança zangada, diria: "Eu não quero mais jogar este jogo ridícu-
lo e me poupe de toda a aparência julgadora daquela senhora" ou abstrair
qualquer ataque pessoal que eu estivesse sentindo da parte dela e, novamente,
não focar na pessoa e sim na lição. Este jogo, sim, era apenas um jogo, mas
havia verdades que eu podia ver, se eu apenas as deixasse entrar.

Este jogo não era sobre ninguém além de mim e eu precisava calar todos os
sentimentos de ser julgada, porque enquanto eu me sentisse assim, estaria no
meu modo "proteger" e todos nós sabemos que, enquanto esse modo está
ligado, nada e ninguém podem entrar. Eu escolhi o segundo caminho e isso me
levou a um caminho muito melhor. Eu agora prestava muita atenção, não em
todas as casas em que pousaria, mas nas escadas principais que me levariam
até o jogo de tabuleiro. Elas representavam o que eu estava fazendo e precisava
fazer mais, que me ligava ao divino e ao meu crescimento espiritual. Elas real-
mente foram muito precisas e eu poderia reconhecê-las no meu caminho. As
escadas foram COMPAIXÃO, DARMA, PURIFICAÇÃO e DEVOÇÃO ES-
PIRITUAL.

Então, vieram todas as cobras que, durante todo o jogo repetidamente me


trouxeram de volta até o final do tabuleiro. Elas me faziam sentir tão frustrada
quanto na vida real, quando a cobra pica. Neste jogo eu pude ver claramente o
que realmente acontece emocional e espiritualmente em minha vida; que todo
o trabalho emocional e tempo de me colocar para cima no tabuleiro da vida e
jornada espiritual, tudo pode desabar se eu der o poder a essas cobras:

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DESÂNIMO e PERDA DE ESPERANÇA, a VIOLÊNCIA CONTRA MIM
MESMA, sem AMOR PRÓPRIO e, consequentemente, para com os outros,
PENSAMENTOS NEGATIVOS e EGO, pensando que sou melhor que os
outros. Eu podia reconhecer essas cobras e como sua picada me paralisou
muitas vezes antes.

Mas uma palavra ficou comigo, era o nome da maior cobra do tabuleiro. Isso
traria você do topo de todo o caminho, quase chegando ao fim do jogo, ilumi-
nação espiritual, até o final do tabuleiro onde toda a raiva, inveja e ciúme
viviam.

Eu tinha caído algumas vezes sobre isso e odiei ter que começar tudo de
novo. Esta cobra foi chamada Tamas. A senhora japonesa explicou que isso
significa uma escuridão sem esperança profunda. Sua picada é inércia, obscu-
recimento, inatividade e medo. Os estados tamásicos eram preguiça, dúvida,
tristeza, mágoa, vergonha, aborrecimento, apatia e ignorância. E que, quando
você foi picado pela Tamas, você provavelmente desfrutaria de uma dieta de
comer gorduras, açúcar e alimentos que apenas alimentariam o peso pesado
desse estado.

Olhando para a minha sopa de legumes à mesa do café que tudo fez sentido.
Às vezes, as menores coisas que você pensa serem insignificantes, como
comida ruim ou preguiça, gastar muito tempo com seus pensamentos negati-
vos podem realmente arrastá-lo para águas profundas e, se você passar muito
tempo lá, pode se afogar.

Depressão sempre foi algo presente e recorrente na minha vida. Eu sinto que
também é muito genético e percorreu a nossa família durante séculos. Mas
também acredito que todos os humanos, em algum ponto de suas vidas, foram
picados por essa profunda tristeza e arrastados para as águas mais profundas.
Não há nada de vergonhoso nisso e não devemos ter vergonha de compartilhar
e falar sobre isso. Mas uma coisa que eu aprendi no meu tempo gasto nessas
águas profundas é que, quando você entende qual foi o gatilho, qual foi a dor

37
e o significado que você deu a essa parte, você pode cuidar da sua ferida com
verdade e amor incondicional pelo seu processo e a pela lição que você deve
aprender. Nunca é sobre os outros e, contanto que você mantenha em si o
rancor, mágoa, arrependimento, raiva e dor, estes tornam-se a bola de ferro
amarrada aos seus pés, e se não for solta, você vai se afogar. A única maneira
de voltar ao serviço é DEIXAR IR.

Aquelas águas não foram feitas para nos matar, a depressão não mata ou
afoga você se você aprender a flutuar nessas águas profundas, com o tempo.
Assim como nossos corpos podem levar uma certa quantidade de tempo sem
ar, também podemos aprender a ir para os lugares mais profundos e difíceis de
nossas vidas e tomar a pequena quantidade de tempo para curar, liberar e voltar
para o ar.

E quanto mais prática você tem, mais rápido você pode sair da água. Você
não precisa prolongar anos e anos de depressão e tristeza, agarrando-se a essa
bola de ferro, mantendo-a presa no ponto mais baixo da vida. O jogo está indo,
sua vez virá e os dados estão rolando em sua mão. Haverá dias em que você
está na parte mais alta do jogo e, então, virá uma cobra e te arrastará por todo
o caminho de volta. Não perca a fé, não desista e não ache que você é menos
do que qualquer um, porque você não é!
Estamos todos neste jogo, todos estão, às vezes vencendo e às vezes, percor-
rendo todo o caminho de volta para o ponto de partida. Não se trata de cair, não
se trata de nunca ser picado pelo "Tamas" e passar por uma profunda tristeza.
A lição que aprendi foi sobre deixar ir e não resistir. A lição foi sobre tomar o
tempo certo para curar, para que você possa se soltar com calma da bola de
ferro de emoções dolorosas presas e de flutuar para o ar novamente, ao invés
de permanecer na negação ou pânico, te deixando no fundo dessas águas por
mais tempo do que o seu peito poderia aguentar.

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Nossas almas sabem o caminho de volta para casa. Nossa alma sabe o que
precisa fazer, curar. Tudo o que é preciso fazer é liberar, deixar ir e deixar que
Ele faça o Seu trabalho. E, então, podemos flutuar de volta à vida, de volta ao
amor e à alegria. Fechando os olhos, sussurrei para mim mesma: "Estou
começando a entender Dawn, estou começando a entender".

Era 15:00, hora da nossa meditação da tarde. Esta foi a primeira vez em
nossa meditação da tarde que não seria guiada pela japonesa e sim, por um dos
homens que sempre guiou nosso ritual de purificação matinal. Ele era muito
quieto e tímido, cabelos escuros e brilhantes e olhos penetrantes. Eu nunca me
senti confortável falando muito com ele. Ele sempre foi tão sério e muito dedi-
cado ao seu caminho espiritual, que se misturar socialmente não fazia parte
disso.

Ele sentou em sua esteira de yoga e explicou que hoje nossa aula seria uma
meditação de dança. Ele iria colocar muitos sons diferentes e podíamos apenas
fechar os olhos e dançar. Dançar com a melodia da nossa alma e deixar tudo de
lado. Eu amei a ideia desta meditação. Eu amo dançar e música é o que sempre
traz o melhor de mim.

A música alta estava ligada e eu estava dançando. Eu sabia que precisava


ficar ciente do meu espaço porque estávamos em um lugar relativamente
pequeno e havia cerca de dez de nós. No começo eu me senti tão estranha e
desajeitada. Mas enquanto eu dançava, deixei a música me soltar. Eu sempre
gostei de dançar, mas eu estava pensando: "Estamos todas de olhos fechados,
este homem disse que ele ficaria de olho em nós para ter certeza se ninguém ia
bater a cabeça na parede. Então ele deve ter os seus olhos abertos apenas
olhando para nós. Eu odiava aquela ideia. Lembrava dos pervertidos na comu-
nidade onde eu morava e que iam pedir às mulheres para dançar para eles e
diziam para as mulheres imaginarem que elas estavam dançando para Jesus.

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Quando esses pensamentos começaram a invadir minha mente, eu não con-
seguia mais dançar direito. Ainda com os olhos fechados eu podia sentir meus
movimentos se tornando mais rígidos e minha respiração ficando mais forte. A
música pareceu ajudar quando a pulsação rítmica começou a acelerar e meus
pés começaram a pisar no chão seguindo o ritmo dos tambores. Comecei a
pisar tão forte no chão que, se alguém estivesse olhando, eu provavelmente
parecia com aqueles guerreiros da Nova Zelândia fazendo a dança Maori
Haka.

Parecia intenso e tão satisfatório ao mesmo tempo: "Dawn abre os olhos".


Eu não estava sentindo nenhum desejo de abrir meus olhos, mas esse sussurro
não parou. Então, eu ligeiramente abri meus olhos e para o meu choque, eu
tinha dançado e pisoteado por todo o caminho de volta da sala até a frente e
apenas um par de centímetros de distância do pobre homem indonésio, que
estava como um cão assustado, de cabeça baixa, encolhido em uma posição de
ioga. Ele estava com os olhos fechados e parecia quase como se realmente
estivesse com medo de mim e da minha dança maluca.

Senti-me chocada e envergonhada que corri rapidamente para o meu lugar


inicial no fundo da sala. Se eu pudesse esconder minha cabeça desse homem e
nunca mais vê-lo eu o faria. Eu me senti tão mal. Toda a minha força e senti-
mento de empoderamento se transformaram em profunda vergonha e eu não
pude conter minhas lágrimas enquanto elas rolavam pelos meus olhos. Eu não
pude controlar: "Por que eu estava me sentindo tão envergonhada? Por que eu
estava me sentindo tão acuada? Por que eu estava agora nesse colchonete, com
a cabeça no chão enquanto eles terminavam a meditação? Todos tiravam suas
esteiras e eu não conseguia ouvir ou ver nada. Eu não podia me mover de onde
estava, não podia olhar para ninguém, muito menos para ele, sentia que tinha
violado ele de alguma forma, sentia vergonha de mim mesma:

40
"Dawn, deixe que a vergonha passe por
você, não é sua, mas está tentando lhe
dizer algo, então apenas escute".

Sentada ali, de frente para a grama, chorei lágrimas de vergonha e esperei


para ouvir o que estava tentando me dizer. O que mais eu precisava saber, que
outra parte de mim eu precisava curar? Eu não ia sair daquele quarto até as res-
postas chegarem.

E, como sempre, no sussurro de que a voz dentro de mim que sabe exata-
mente o que eu precisava para curar, tão cuidadosamente dosada no que eu pre-
ciso, para que eu não fique muito sobrecarregada, falou. "Dawn, eu sei que
você teve que se proteger por muitos anos, mas agora você não precisa mais. É
hora de parar de testes, confrontos e sempre tentando encontrar onde existem
as incoerências. Porque haverá sempre e o que você definir sua mente para
encontrar, ela vai encontrar e continuar a apresentar para você uma e outra vez.
Ela entende que você está chamando por isso, você quer de alguma forma.
Assim, a mente vai fazer seu trabalho para atendê-la da melhor maneira pos-
sível. Você não precisa de uma desculpa para não acreditar, então pare de tentar
encontrar.”.

Independente do guru, professor espiritual, pais, amante, amigos e homens,


todos eles falharão em algum momento. E você também. Então, basta tomar
em toda fonte de bondade que você vê ao redor, honrar a luz que você recon-
hecer quando você olhar para os olhos de outro ser humano. E ao fazer isso,
veja e entenda as deficiências da mesma maneira que aprendeu a fazer consigo
mesma. Procure a luz, procure o amor, procure a verdade e você a encontrará
em tudo ao seu redor, mesmo nos lugares mais escuros.

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Como eu amo trazer leveza para todas as emoções pesadas, algo que há
apenas alguns minutos era tão exaustivo, agora trouxe um sorriso e eu ri soz-
inha sobre a tolice da minha obsessão por certos modos de ser que não me ser-
viam mais. Testes e tentando encontrar as incoerências, tinha acabado de matar
minha própria fé e crença na vida, espiritualidade, amor e até mesmo sobre os
homens.

Encontrar essa flexibilidade novamente dentro de mim fez com que certas
coisas parecessem mais leves e agora eu podia sentir como quando encontrei
algo que eu gostava: "Oh, isso é tão estranho, é uma crença tão estranha, eu
poderia apenas olhar e rir". Não era o meu trabalho tentar corrigir ou expor ou
mesmo lutar contra; tudo o que restou foi apenas rir e aproveitar a com-
preensão de todos os aspectos e histórias da religião, opinião, sistemas e cultu-
ras, mesmo que eu não concorde com eles ou tenha uma maneira diferente de
vê-los.

Enquanto caminhava pelo belo jardim do Ashram, para minha surpresa,


havia uma grande estátua de pênis. Ele tinha algumas roupas douradas brilhan-
tes, então, você não poderia reconhecê-lo muito bem até que você ficasse real-
mente perto. Minha expressão foi a melhor quando cheguei perto e disse em
voz alta: "Você deve estar brincando comigo, toda essa conversa sobre celibato
e repressão sexual e você tem um pinto gigante no seu jardim que você derra-
ma água benta todos os dias para abençoá-lo, ah, isso é fantástico!”.

Eu não pude deixar de tirar uma linda foto do meu novo amigo, o santo
pinto. Eu andei em direção a algumas das garotas e ri quando perguntei se
alguém havia reconhecido o pinto gigante: "Não pode ser, tem um pinto no
jardim?". Mostrei a foto para elas e todas nós caímos na gargalhada como algu-
mas garotas que viram um pinto pela primeira vez. Mas não era sobre o pinto,
mas principalmente sobre como se tornou um monumento para adorar e
abençoar. Até que uma das garotas disse que esse pinto representava o deus
Shiva.

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Shiva

Agora fazia mais sentido para mim porque no centro de Ubud havia sempre
esses pintos coloridos grandes sendo vendidos em todos os cantos. Eles até
tinham abridores de latas. Eu estava tipo “ei, onde está a igualdade aqui? Nós
precisamos de algumas vaginas em torno deste lugar também! Se um pinto é
considerado sagrado e tem suas bençãos todos os dias, então uma vagina
também deve!"

Eu ri sobre isso no dia seguinte quando me lembrei de ter conversado com o


guru enquanto ele estava realmente derramando a água sagrada em cima do
pinto gigante de Shiva. Eu brinquei com ele sobre ter mais vaginas ao redor e
ele me explicou alguns dos deuses e histórias Hindus.

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Fiquei fascinada por aprender mais sobre essas histórias Hindus. Eles foram
definitivamente mais criativos do que muitas outras religiões que eu conheço.
Mas uma das minhas histórias favoritas era a que estava por trás desse pinto
sagrado.

Indo atrás das histórias sobre Shiva, eu encontrei a que conta sobre um
tempo em que Shiva ficou muito triste, porque ele tinha perdido sua querida
esposa. Então, ele foi para a floresta para chorar, nu e triste; ele andou de um
lado para o outro como um homem louco. Naquela floresta viviam muitos
Rashis, que eram homens santos que tinham poderes especiais. Estes homens
tinham esposas e quando essas mulheres viram Shiva em toda a sua beleza e
também suas partes privilegiadas, correram em direção a ele, abraçando-o e
tocando-o.

Quando os maridos viram isso, ficaram enfurecidos e cheios de raiva e


ciúme, juntaram seus poderes e lançaram uma maldição sobre o pinto do
Shiva: que fosse cortado e caísse no lugar.

O pinto de Shiva caiu, mas caiu erguido no chão e começou a pegar fogo e
a trazer a destruição de toda a terra. Muitos pensaram que era o fim do mundo.
Todos os homens e deuses se reuniram e foram até Shiva, implorando para que
ele pegasse seu pinto de volta porque estava destruindo o mundo. Shiva olhou
para eles e concordou, mas com uma condição: que eles prometessem sempre
adorar seu pênis.

E ai você vai e em todas as esquinas de Bali e até mesmo neste Ashram belo
e espiritual, fica o pênis de Shiva, esperando por suas doces orações de
adoração e devoção.

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Eu poderia ficar horas e discutir os milhões de significados e incoerências
de como eu percebi tudo isso. Mas em vez disso escolhi apenas dar uma boa
risada com o guru, tirar uma foto para mim e mantê-lo como um lembrete de
que na vida eu vou encontrar tantas coisas que não se encaixarão na minha
ideia do que eu acho que é certo ou que eu acredite, mas a verdadeira espiritu-
alidade vai além de todos os julgamentos. Todos nós estamos tentando o nosso
melhor para entender o divino e curar a nós mesmos. E neste lugar de abertura
para encontrar amor, alegria e luz em tudo ao meu redor, eu tinha entendido
mais uma parte do meu quebra-cabeça. Curou mais uma parte do meu eu
ferido.

Passeando pelo Ashram, já era o quinto dia e uma pergunta muito importante
ainda não havia sido respondida "Quando foi que eu parei de me amar?". Essa
pergunta tinha estado na minha mente desde o meu término. Senti orgulho de
mim mesma por estar finalmente capaz de abrir mão de uma situação que
estava me matando por dentro. Eu amava tanto esse homem, mas eu sabia que
era a hora de deixar ir, porque esse amor foi se tornando tóxico e ferindo nós
dois. Eu sabia que o tempo havia acabado e a lição e propósito do nosso rela-
cionamento também. Esse amor veio a nós de uma forma que nós dois não
esperávamos, e, então, terminou de uma forma que ambos também nunca
esperávamos.

Fazem agora cerca de três meses que nos separamos. Tínhamos tentado
seguir caminhos separados por algum tempo, mas ambos nos sentíamos presos
um ao outro, com medo do que seríamos ou de como seria a vida quando nos
separássemos. Este homem tinha se tornado como uma família para mim, sem
ele, era uma sensação de estar completamente sozinha.

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Você sabe, a vida tem uma maneira bem interessante de transmitir sua men-
sagem. Ela começa gentil com um sussurro: “Dawn, você sabe que o tempo já
foi, você agora só está machucando a si mesma e a ele, deixe ir”. Mas para esse
tipo de sussurro, nós tendemos a fingir que somos surdos: "O que, o que você
disse? Desculpe eu não te escutei, por favor, fale com calma da próxima vez".
E nós vamos embora ilesos, como se não tivéssemos ideia do que aquele sus-
surro estava tentando dizer.

Mas ignorar os fatos, fechando os olhos para o que realmente está acontecen-
do, não faz o problema desaparecer. A lição está lá e vai ficar lá até que você a
tenha aprendido.

Então, o sussurro vem de novo e de novo, cada vez mais alto, mais forte e
trazendo com ele suas companheiras: Verdade e Dor. Essas duas são como um
grito alto em sua cabeça dia e noite. Não há como esconder, correr ou fingir
que elas não estão lá.

Nós entramos em um espírito de herói: “Ok, entendi, compreendo o que pre-


ciso fazer. Você está me testando, me dizendo para deixar ir só para ver o quão
forte eu sou para não deixar ir. Então, aqui vou eu, vou provar pra você que vou
resolver esse problema, matar esse monstro e salvar esse relacionamento!”.
Então, nós lutamos, com tudo o que temos para fazer isso funcionar. Mas esta-
mos bem conscientes de que não temos controle sobre a outra pessoa, então, a
pessoa que constantemente tentamos consertar e moldar, somos nós mesmos.
Queremos provar que nosso amor é forte, então, começamos a nos trair, indo
contra nossos próprios valores, desejos e sonhos para consertar algo que
acreditamos ter poderes heróicos para fazer. Talvez seja eu, a maneira que eu
aparento ser, a maneira que eu deveria ser na cama, o caminho de me calar e
concordar ou apenas talvez seja eu, e preciso me tornar outra pessoa. Em
seguida, começamos a nos afastar de quem somos e, em vez de deixar ir o que
realmente precisa, você deixa a si mesmo ir, perdendo o rumo de casa.

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Agora você se encontra na miséria da vergonha e da culpa: “Eu não poderia
fazer funcionar, não importa o que eu faça, ainda há muita dor e confusão
nesse relacionamento.”. Mas agora a dor é ainda mais forte, porque a culpa
recai toda sobre você: “Isso não funcionou por minha causa e porque eu não
sou suficiente.”. Você se sente assustado e apavorado porque a essa altura
perdeu também quem você é: “Quem sou eu sem esse relacionamento? O que
vou ser e fazer quando ele for embora?”. Tornou-se tudo o que você tem.

Você se odeia por permitir que isso aconteça, por deixar não apenas você se
ferir, mas também perder o caminho de volta para você mesma. E nas noites
mais escuras esse sussurro suave e amoroso vem novamente: “Tudo que você
precisa fazer é deixar ir. Perdoe-se, perdoe-o e entenda que é hora, seu propósi-
to foi completado e algo novo deve vir.”

Foi quando decidi tomar uma das decisões mais difíceis da minha vida.
Deixar alguém ir mesmo quando eu o amava muito. Deixar de tentar ser a
heroína, não era meu trabalho salvar nada além de mim mesma. Eu estava
deixando o NÓS para que eu pudesse ME encontrar:

"Dawn, quando você perdeu de vista você?


Quando você parou de se amar?"

Essas palavras se tornaram o meu mantra e andaram comigo até em Bali,


naquele pequeno Ashram e no papel manchado de gotas de lágrimas.

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Eu, desesperadamente, queria encontrar novamente minha casa, aquele
lugar dentro de mim. Eu havia curado tantas partes de mim, navegado pelos
buracos mais profundos, assustadores e dolorosos. Mas esse buraco que eu
nunca havia navegado era tão escuro e confuso. Eu pude reconhecer todas as
vezes que eu não me amava, que deixei outros me ferirem e me tratarem mal.
Eu pude identificar o problema, mas sabia que para curar de uma maneira pro-
funda eu precisava encontrar a fonte, eu precisava descobrir quando tudo
começou. Quando eu parei de me amar e pensar que eu não era digna ou boa o
suficiente.

Segurando minha caneta contra o papel, fechei meus olhos: "Dawn pare de
tentar com tanta força, pare de discutir com suas memórias e ficar chateada por
elas estarem segurando suas respostas. Quanto mais você resiste e luta, mais as
águas ficarão perturbadas. Deixe ir...deixe as águas ficarem imóveis, respire e
apenas deixe as respostas chegarem até você. Somente quando as águas esti-
verem completamente paradas você poderá ver o reflexo da sua imagem olhan-
do para você. Só então você poderá ver a verdade”.

Deitada na minha poltrona confortável, pude ouvir os pássaros cantando e


o som mágico do silêncio em minha mente, seguido de um sussurro suave que
dizia: “Dawn, quando eu o fiz?” ...o sussurro foi interrompido por lembranças
que inundaram o local. Era como se eu estivesse em um filme que eu nunca
tinha visto antes, mas era muito familiar, como se fosse eu, mas espera, sou eu!

Minha pequena eu de seis anos de idade, longos cabelos louros, grandes


olhos castanhos curiosos e longas pernas magras. Eu estava na cama quando
ouvi minha mãe chegando com minha irmã mais velha. Eu estava tão triste
porque estavam chegando de uma viagem que minha irmã mais velha foi con-
vidada para ir ver e passar um tempo com meu pai e eu, por algum motivo, não
fui convidada. Já fazia alguns anos que eu tentava descobrir por que meu pai
não me amava? Minha mãe tentara tão amorosamente que as coisas não se tor-
nassem tão confusas em nossas mentes de criança, sem explicar para nós irmãs

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e para mim que meu pai na verdade não era o mesmo. Eu e minha irmã mais
velha éramos melhores amigas e isso teria quebrado nossos corações mas, ao
mesmo tempo, meu coração estava quebrando de outro jeito. Porque o homem
que eu pensava ser meu pai não tinha interesse em expressar qualquer amor
paternal por mim, então, desde que me lembro, me senti rejeitada e indesejada.
Eu tentava entender o que eu havia feito de errado. Eu era bastante rebelde e
sempre me metia em confusão. Minha irmã, por outro lado, era perfeita aos
meus olhos. Ela não tinha cabelos grossos, seus olhos não eram sombrios. Ela
tinha lindos olhos verdes e sua pele bronzeada estava brilhando enquanto a
minha ficava vermelha por qualquer coisa. Ela não era apenas bonita, mas bem
comportada e a mãe parecia gostar dela, mas também o pai. Ele passava horas
no telefone com ela, enquanto eu esperava pacientemente a seus pés, olhando
para ela como quem diz: “É a minha vez? Agora ele quer falar comigo?”. Eu
sempre tive esperança quando o telefone tocava, mas sempre acabava da
mesma maneira: "Desculpe mana, eu não entendo porque papai desligou nova-
mente.".

A verdade é que ele nunca soube ou pensou que eu estava do outro lado
esperando e sonhando que seria a minha vez de ouvir: "Filha, eu te amo, eu
sinto sua falta, você é minha princesa". Como garotinhas, olhamos para nossos
pais como nossos heróis e são as primeiras figuras masculinas a nos ensinar
como devemos ser tratadas e amadas.

Depois de passar muito tempo tentando descobrir o que eu tinha feito para
não merecer o amor dele, eu simplesmente deixei o caso de lado e comecei a
aceitar o fato de que eu poderia não ser o suficiente, de que eu não era digna.
Aquela noite foi como qualquer outra, onde eu sentei com a minha tristeza e
aceitei o fato de que ele não queria falar ou me ver. Minha mãe entrou na sala
com a minha irmã e disse: "Dawn nós trouxemos um presente da nossa
viagem". Naquele momento meu coração se encheu de felicidade: "pelo menos
eles me amam e se lembraram de mim.". Eu abri meu presente e quando eu dei
uma olhada nele meu coração afundou no chão novamente. Era uma mousse,

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metade branca e metade preta, mas havia algo sobre isso que tirou toda a
minha alegria, estava meio comido. Naquele momento eu pensei, isso não era,
na realidade, um presente só para mim. Foi, provavelmente, para a minha irmã
e ela por pena me salvou metade. Eu não queria que elas me vissem chorar,
então, eu engoli a metade e voltei para a minha cama. Naquela noite chorei até
dormir.

Àquela altura, eu estava mais certa do que nunca de que não era digna do
todo, não era digna disso tudo. Eu teria que aprender a amar as sobras e ser
grata a elas porque era disso que eu era digna. Aceitei aquele pai, um homem
que nunca me amaria verdadeiramente e se o fizesse, eu poderia esperar pelas
sobras, pelas migalhas que caíam no chão, que eram mínimas. E aprendi,
assim, a não apenas aceitar, mas reconhecer o amor somente nessa forma.
Apenas me permitindo sentir amor quando era tratada dessa forma, com migal-
has. Quando o amor veio de maneiras que eram inteiras, que faziam sentir-me
como uma princesa, única e digna, por mais que eu tentasse, eu não conseguia
reconhecer que era amor e, portanto, o feria e o destruía até que a rejeição, a
traição e as migalhas aparecessem novamente. E agora eu podia ver, agora eu
podia sentir e reconhecer como amor. E o pior era que não era apenas com
homens. Foi com todas as minhas amizades, que muitas vezes testei até o
limite. Eu não conseguia entender como eu poderia ser amada só por ser eu.
Isso não foi o suficiente. Eles deviam querer outra coisa.

E você vê, tudo o que você acredita, você cria! Torna-se tão real quanto
seus piores pensamentos. Eles se materializam e você os usa apenas para
reforçar o que você acreditou em primeiro lugar. O círculo apenas gira e gira
até você se libertar e ver a VERDADE.

Lágrimas caíam pelo meu rosto como chuva torrencial, eu olhei para a
imagem verdadeira refletida de volta para mim. Não havia lugar para culpar e
para a culpa. Não era culpa de ninguém, nem mesmo da minha pequena mente

50
de seis anos de idade. Eu não sabia, eu dei um significado para algo que não
era verdade. E eu fiz isso porque não tinha conhecimento.

Da mesma forma que minha mãe não sabia, se soubesse não teria feito isso.
Como ela imaginaria que um presente que ela achava tão gentil em trazer de
volta para mim iria ancorar tal crença? Na tentativa de não brigar com o meu
coração e me dizer quem era meu pai na época, como ela saberia como isso me
afetaria? Como esse homem saberia que havia uma garotinha do outro lado do
telefone chorando e esperando, “por favor”, que ele fosse o pai que ela precisa-
va, enquanto estava apenas tentando "ser" um pai para suas filhas, muitas
vezes sem sequer fazer um bom trabalho. Como ele poderia fazer alguma coisa
por mim?

Minha querida irmã, como ela poderia ter sabido que apenas sendo ela
mesma ela me machucou de maneiras que eu acho que ela nunca poderia
entender? Ela era minha heroína, ela sempre foi o que eu considerei como per-
feição. Uma mulher digna de tudo na vida. Eu deixei ela roubar muitos dos
meus namorados de infância e entreguei aqueles que eu amava para ela porque
eu sabia que não era digna deles. Tudo o que ela disse ou pensou sobre mim
importava mais do que qualquer coisa. A pessoa em quem eu me espelhava e
queria deixar orgulhosa. Se ela algum dia desaprovasse a mim, mesmo saben-
do que eu estava certa, traía e contrariava muitos dos meus próprios valores e
amor próprio para agradá-la e fazê-la se orgulhar de mim.
Logo, minha irmã se tornou muitas outras mulheres que eu achava que eram
como ela. Eu dei a elas o mesmo poder sobre mim. Sentindo-me sempre menos
e não digna:

"Dawn, é hora de tomar de volta o que você é.


É hora de saber a verdade, que você é digna de
tudo que a vida pode dar. Você sempre merece
a coisa INTEIRA".

51
Eu respirei fundo e era como se eu pudesse sentir meu pequeno bebê de seis
anos ainda chorando dentro de mim. Eu senti sua dor como se fosse ontem e
tudo fazia sentido para mim agora. Eu achei, eu encontrei! Lágrimas mistura-
das com tristeza e alegria enquanto escrevia no meu papel.

Eu finalmente havia encontrado a resposta para a pergunta que tem me


assombrado por vários meses nesses últimos tempos. Descobri isso quando
validei pela primeira vez que não bastava, que não era digna de amor e come-
cei minha longa jornada de abandonar a mim mesmo e ao amor próprio, colo-
cando sempre os outros na minha frente. Testando, machucando e apenas
reconhecendo o amor quando ele se apresentava como migalhas e sobras.

A verdade é que não era culpa de ninguém e que eu não era uma vítima
eterna de relacionamentos ruins. A verdade é que eu estava chamando e atrain-
do para mim esses padrões de amor, eu estava criando-os dentro de meus rela-
cionamentos até que eles se tornassem o espelho da minha crença, apenas
reconhecendo o amor quando vinha de maneiras que nunca foram verdadeira-
mente completas. A pessoa tinha que amar outra pessoa ou estar envolvida
com outra pessoa e eu tinha que ser a terceira dessa roda, juntando as migalhas.
Só então eu gostaria de sentir amor e aceitá-lo, porque, afinal de contas, eu só
era digna de amor em migalhas.

A verdade está no fato de que não foram as pessoas que me abandonaram.


A verdade é que eu havia me abandonado e usado toda a dor e confusão exter-
na apenas para validar isso. Dessa forma eu também poderia apontar o dedo e
dizer que foi culpa deles, deixando-me fora do gancho, mas também me colo-
cando como eterna vítima de todas as perdas na minha vida. Cativa de como os
outros iriam me tratar, definindo assim, a forma como eu mesma venho me
tratando.

52
O amor próprio não é realmente algo que você aprende, é algo que você pre-
cisa lembrar e vivenciar. Na vida, todos nós estamos interferindo nas vidas uns
dos outros, não importa o como. Às vezes deixamos uma marca bonita e em
outros momentos deixamos uma mancha escura. Ninguém vai passar por esta
vida intocada. E vamos parar de tentar também, porque não importa o quanto
uma grande mãe ou pai você se esforça para ser, você vai machucar os
pequeninos que tanto ama. Você vai tocá-los com o seu amor e também com a
sua dor. Filhas e filhos, irmãs e irmãos, mulheres e homens, todos nós precisa-
mos parar de nos culpar. Nós jogamos todo esse jogo errado. Não se trata de
ganhar e ver quem pode ser o mais perfeito e passar por esta vida sem marcar
ou machucar ninguém.

Fomos colocados todos juntos para ser tanto luz quanto sombra nas vidas
uns dos outros. Nós fomos feitos para ser espelhos da quantidade de beleza e
força e também espelhos de nossas falhas e defeitos. Todo mundo tem um
propósito para trazer você de volta para VOCÊ. Estamos todos em uma jorna-
da de recordação. Voltando à nossa essência pura que, para mim, é o AMOR.

O amor é tudo o que resta quando olho profundamente para toda a raiva,
confusão e dor. O amor está sempre lá sorrindo de volta para mim. Um amor
que procurei encontrar nos outros, um amor que está em paz por conta própria.
Um amor que não pode ser encontrado em nenhum outro ser humano. Não
importa se eles são sua família ou amante. É um amor que te vê por tudo que
você é, o nosso amor próprio que nos foi dado como um presente quando cele-
bramos esta existência humana. Este amor não pode ser gerado com a mente
limitada de recursos. Ele só consegue entrar quando você deixa a alma assumir
o controle, permitindo que você veja através do espelho dos seus próprios
olhos, quem você realmente é.

53
Quando você se lembra, quando você solta e apenas SABE quem você é e
o seu valor, todos os relacionamentos mudam seu significado e propósito. As
pessoas não se tornam mais um objeto de desejo para preencher seus espaços
vazios. Eles não são criados para servir seus desejos e distraí-lo da dor. Portan-
to, sempre que eles começarem a apresentar dor ou desconforto, nós apenas
nos afastaremos e colocaremos outra pessoa naquele lugar, esperando que eles
façam melhor o seu próprio trabalho. Estamos sempre à procura de salvadores,
heróis, cavaleiros de armaduras brilhantes, gurus e líderes espirituais para nos
ajudar a guiar-nos, para algo que imaginamos estar fora de nós e que devemos
nos tornar melhores e mais fortes para alcançá-lo.

A verdade é que em toda a minha experiência através das águas mais profun-
das da vida, eles me ensinaram algo muito precioso. Relacionamentos não são
nada além de grandes mestres e os verdadeiros gurus são aqueles que passam
por nós tocando a luz e a escuridão, a dor e a alegria. Porque neste lugar des-

Ami
zad
e
confortável nós tendemos a ansiar por um lar, por um tempo para lembrar.
Lembrar-nos de quem somos e nessa jornada encontrarmos o amor divino que
está dentro de cada um de nós. Só esse amor preenche verdadeiramente todas
as partes do nosso ser. Esse amor e sentimento que só você pode gerar e encon-
trar dentro de você.

Respirando fundo, eu escrevi o que seriam as últimas palavras neste cader-


no da minha viagem a Bali:

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